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Psicologia ·
Psicologia Social
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REFERÊNCIAS FREIRE P 1987 A Pedagogia do oprimido Brasil Paz e Terra FREITAS M DE F QUINTAL de 1998 Inserção na comunidade e análise de necessidades Reflexões sobre a Prática do psicólogo Reflexão e Crítica n 1 p 175789 KELLY J G Psicologia comunitária enfoque ecológico contextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 MONTORO J CONSCIENCE raising conversion and ideologicalization in Community My psychosocial work En Journal of community psychology v 22 1994 p 311 SARRIERA J C El método de Paulo Freire en una zona marginada de Asunción Universi dad Católica Facultad de Psicología Mono grafía de Conclusión de Curso 1974 SARRIERA J C coord Análisis de Necesidades Psicosociales na Vila Nossa Senhora de Fátima Porto Alegre PUCRS Grupo de Pesquisa em Psicología Comunitária Relatório de Pesquisa 1993 SARRIERA J C coord Psicología Comunitaria Estudos Atuais Porto Alegre Sulina 2000 SARRIERA J C CAMARA S G BERLIM C S Manual de Orientação Ocupacional Porto Alegre Sulina 2004 SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas à la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 SOLANOPASTINA E R SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Comunidad rural La Plata En Quiérgas A psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 154 155 A INVESTIGAÇÃOAÇÃOPARTICIPANTE Capítulo 7 Kátia Regina Frizzo TEXT0 12 Toda proposta de intervenção social que pretenda modi ficar algum aspecto da realidade sobre a qual tem domínio algumas pressupostos sobre o estado desta realidade ou pe los menos sobre o lugar da ciência e sobre as relações entre o conhecimento científico e a realidade Podemos chamar estes pres supostos de pressupostos epistêmológicos afirmando que a investigação e a participação IAP propõe uma nova relação entre a ciência e a realidade social A principal característica da IAP é a consideração da indis socialidade entre a pesquisa enquanto processo de investigação e produção do conhecimento e a intervenção social que busca sempre a transformação da realidade por determinada aspec tos da realidade concreta Assim a IAP propõe uma ruptura com a visão clássica da ciência segunda a qual primeiramente pesqui samos os fenômenos eou problemas para somente depois agir sobre eles Para que possamos conhecer melhor a IAP faremos um breve histórico de suas origens e nos deteremos no estudo de suas características 1 Doravante apenas IAPo termo investigação foi mantido aqui em respeito à língua original da sigla onde o termo adquire o sentido de investigação científica como se utiliza em português o termo pesquisa Considerações finais Como bem disse Kelly 1992 p 45 A Avaliação do con texto permite ao investigador escutar as vozes dos demais pro proporcionando a oportunidade de compreender e atribuir o poder aos outros Fazer com que a comunidade participe do processo de intervenção da pesquisacomunidade como conteúdo que se pretende através do programa de ação elaborado em conjun ção com o investigador externo observando se insti ção de familiarização e de aproximação do pesquisador As três experiências aqui resumidas com objetivos e meto dos diferentes revelam uma preocupação pelo entendimento intenso com os diferentes aspectos da realida sócioexternalidade constatada que atenta para a inicial de necessidades sentidas e a priorização das mesmas no processo de intervenção é a chave motivacional geradora de uma maior mobilização comunitária As dificuldades encontradas na ação comunitária procedem em sua maioria de instituições da comunidade orientadas por membros externos à própria comunidade docentes nas escolas profissionais nos postos de saúde que criam maiores resistências ao cambio e forçam consciente ou inconscientemente a manuten ção do status quo Conhecer as necessidades de uma comunidade e trabalhar junto com ela para seu desenvolvimento e bemestar implica um duplo compromisso O científico estudando e produzindo conheERAté Outra característica da IAP apresentada por Montero 1994 é a completa modificação do esquema clássico da relação entre investigador e investigação que existe nas ciências positivas Na IAP não existe segredo entre o investigador e aquele que pesquisa porque o processo de construção do conhecimento se dá pela interação entre ambos durante o processo de investigação e intervenção A Física clássica das ciências positivas preconiza que deve existir separação para garantir a neutralidade do conhecimento produzido uma vez que a converter à legitimidade científica pode contaminar o investigador desenvolvido e gerenciar sua investigação Para que a IAP propõe a existência de investigadores externos os investigadores ou pesquisadores que detectam um problema em uma dada realidade investigadores internos aqueles que vivem em uma dada realidade investigadores internos podese garantir que quem interpreta e produz a informação pois produzem diferentes saberes que os diferentes níveis de reflexão sobre os mesmos problemas A terceira grande característica da IAP é a determinação coletiva de produzir mudanças na situação ou fenômeno que está sendo estudado Como a origem em el ambiente propício para a IAP são os problemas sociais vividos pelas comunidades é fácil reconhecer que se tratam de situações de injustiça social economia e cultural que produzem sofrimento em muitas pessoas que devem modificar suas condições de vida Um bom processo de investigaçãoação com a participação de todos os comprometidos com o problema a realidade mudam nos três elementos básicos a população envolvida e os investigadores externos pelo conhecimento produzido e pelas relações estabelecidas Assim a mudança planejada e conseqüência de um processo de reflexão e ação de um conjunto de ações compartilhadas à medida que avança a investigaçãoaçãoparticipativa História da IAP A investigaçãoaçãoparticipante tem suas origens na pro posta de Kurt Lewin de investigaçãoação Em um corte significativo artigo publicado em 1946 pouco antes de sua morte o autor elabora Investigacãoação e os problemas das minorias os primeiros traços da nova postura dos cientistas sociais frente aos problemas concretos das comunidades rompendo com a tra dição e posição positivista da época de observar de forma indepen dente a prática do mundo social O autor avança propondo que a pesquisa se integre a ação social com o objetivo de promover mudanças na estrutura social e nas relações intergrupais O papel do conhecimento da informação neste caso é sempre de orien tar a ação tanto o planejamento dos resultados da ação quanto a investigação e a avaliação na prática social em que Lewin definiu e essa nova ação Lewin chegou a propor ou imaginar que seria melhor que as diversas ciências sociais se integraim numa única ciência social que se destinaria a investigar os temas sociais A proposta de Kurt Lewin produzir um impacto signif icativo na nas ciências sociais Posteriormente pesquisadoresenvolvendo o arcabouço teórico conceitual da investigaçãoação partiram dos pressupostos iniciais propostos nesta época Na década de 60 aconteceram vários encontres seminários e pesquisas sócio novo enfoque tanto na América Latina como nos Estados Unidos e na Europa reforçando a produção e o desenvolvimento da continuaram através da matriz principal do método lógicos que qualifica o tipo de InvestigaçãoAção consolidando a estreita relaçâo que estabelece entre os pesquisadores e os sujeitos implicados que realidade que pretende atingir Dessa forma a Investigação AçãoParticipante é entendida como uma metodologia de construção da IAP desde o início Coletivo do processo co uma proposta semelhante embora Kurt Lewin habitantes e qualit Initiative da América Latina onde a situação política e social era critica pela resistência de governos militares altamente repressres que inspiraram muitos projetos revolucionários de libertação popular No Brasil a IAP ficou conhecida através da proposta de educação popular de Paulo Freire que se consolida numa constr ução do arcabouço teórico da Pesquisa Participante desenvolvida por Brandão Em 1977 realizouse em Cartagena na Colombia o Sim posio Mundial sobre InvestigaçâoAção do qual participaram muitos pesquisadores que redefinivam o que se entenda por pesquisador e muitos pesquisadores assim como muitos outros interess zando da IAP como ferramenta a influência do marxismo já era marcada na luta das classes No X Congresso Mundial de Sociologia realizado na cidade do México em 1982 a IAP consolidou sua identidade como uma metodologia de pesquisa comprometida com a transformaçâo da realidade social Também foram relatados no congresso diversos trabalhos realizados por grupos de investigação e pesquisa da IAP os quais vin corroborar os princípios por interesse do pesquisador e daquela à qual se tadá em seus princípios por interesse do pesquisador e daquela à qual se lados com a perspectiva de emancipação popular com a qual se ainda identificava cada dia mais Entretanto a IAP fortaleceuse ainda mais e então vários trabalhos foram desencadeados para ve rificar sua consistência através do método comparativo Podemos dizer que o que marcou ou mudou a trajetória nos anos 70 foi a introdução do termo participante na metodo lógica de Investigación e InvestigaçãoAção consolidando a estreita relaçâo que 157 Principais problemas da IAP Ao fazer uma avaliação sobre as contribuições da IAP para uma nova concepção de investigação e produção do conhecimento científico Fals Borda 1989 relaciona alguns erros metodológicos cometidos ao longo do tempo por vários investigadores e que prejudicam a condução da pesquisa de modo a desvirtuar o sentido do que o primeiro erro situado na década de 60 até o começo da década de 70 foi a compreensão equivocada do sentido do compromisso social por parte dos intelectuais envolvidos com suas causas populares Para resolver os problemas dos diferentes níveis e vivências seus problemas que comprometem a originalidade e o criativo do trabalho de uma geração e do trabalho de todos os outros A autenticidade das relações era seriamente ameaçada por uma compreensão de que para comprometerse era necessário optar por viver como viviam os membros das classes populares e não como viviam os intelectuais e as técnicas e militâncias empregadas pela IAP O segundo erro citado pelo autor pode ser relacionado com o dogmatismo vivido dentro da IAP Para muitos intelectuais a IAP era uma ciência proletária ou uma ciência para o povo o que acentuava seu caráter revolucionário como instrumento de transformação da classe popular ou seja da classe do men que concebida a partir de cima ou seja da classe dos intelectuais esta concepção acabava reforçando implicitamente a existência de outro modelo de ciência que seria incompatível com os interesses das classes mais desfavorecidas naturalizando ou automatizando o vínculo da IAP com classes populares O terceiro erro acentuado do anterior para muitos tudo que cativar militantes ou cientistas devia ser pensado como ameaça popular era considerada revolucionária ao ponto de que duas palavras diferentes eram consideradas sinônimos Desta forma desconsideravase todo o processo de reprodução da ideia dos problemas e sua opinião sobre o processo de investigação e pesquisa propriamente dito Da mesma forma as análises dos meios mais adequados para obter as informações os responsáveis por cada um deles e os meios de análise também deve ser um processo coletivo Nesta fase é importante ser realista quanto aos métodos de coleta de dados considerar a disponibilidade de pessoas das informações e esclarecer a comunidade sobre o processo que inicia Também devese levar em conta os aspectos concretos da IAP particularmente os métodos de coletar informações elegendo os diálogos e o método de coletar informações após da coleta de dados e às vezes concomitantemente a equipe de pesquisadores deve estudar uma forma de apresentar as informações para que se inicie a análise do material Neste momento não se trata de análise mas sim de preparar o material que vai transformar porém em interpretação Neste momento fazse um estudo dos fenômenos e o conjunto articulado de informações acessíveis ao público depois do manejo científico de técnicas de análise de análise de dados Após o processo coletivo de análise de dados a equipe de investigadores externos e internos deve preparar a comunidade para o uso dos resultados da investigação organizar a ação política ou outro tipo mais adequado de ação consequente com a análise do problema é o momento de iniciar a busca de soluções para as dificuldades uma vez que já existe um amplo e detalhado conhecigimento dos aspectos envolvidos Porém o processo da IAP não termina com a realização da ação é uma ação espacial que pode suscitar novos problemas ou novas reflexões sobre o problema inicial que resultará em novas questões que poderão ser investigadas na continuidade do processo É esta continuidade que justifica que algumas autoras como Fals Borda 1980 e Park 1989 afirmam que a IAP não é somente um método de investigaçãopesquisa mas uma forma de vida Outra característica que sobressai da IAP já mencionada anteriormente é sua posição de relativizar a relação entre verdade e conhecimento Montero 1994 apresenta uma mesma origem o senso comum para os dois tipos de conhecimento o popular e o científico Partindo das energias e explicações compartilhadas pelos homens o processo de problematização pode desembocar em duas diferentes práticas investigativas voltadas para a verificação e as ideias populares As estratégias discursivas determinaram em grande parte o encaminhamento posterior dos conteúdos a formalização em teorias levando à construção da ciência o enfoque técnico o processo crítico e a ideologia remete os conteúdos para o conhecimento do popular voltado para a vivência cotidiana Assim Montero 1994 relativiza bastante o lugar do conhecimento popular e do conhecimento científico na orientação da vida Fals Borda 1980 faz um levantamento externo das contribuições da IAP para tornar popular em todas as áreas agricultura saúde história e artes Como conjunto de saberes do senso comum essas contribuições são resultantes de processos de categorização comparação classificação e generalização bastante complexos e não é justo que sejam desprezadas pela eficiência os critérios de confiabilidade no conhecimento popular ou científico Ou seja a precariedade do conhecimento científico capacidade de predizer e de repetir eventos ou fenômenos sob dadas circunstâncias Sua legitimidade em laboratório em muitos casos com conhecimento produzidos em situações e por comunidade que pretendem explicar Park 1989 define como conhecimento de ciência crítica ou seja um conhecimento proveniente da reflexão da ação que torna possível decidir sobre o justo e o correto na vida cotidiana Finalmente podese dizer que o campo motivacional para a IAP é a realidade social e suas contradições tal como é percebida pelos diferentes atores nela envolvidos Os problemas da IAP não PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Da solidariedade à autonomia 20ª Edição Regina Helena de Freitas Campos Org Silvia TM Lane Bader B Sawaia Maria de Fátima Q de Freitas Pedrinho Guareschi Jacyara CR Nasciutti Naumi A de Vasconcelos Regina Helena Campos EDITORA VOZES Assim Stavenhagen 1971 alerta a consciência crítica dos cientistas sociais que trabalham nestes organismos para assinalar os inúmeros de conflitos que surgem com os projetos e acordos bilaterais de cooperação Todavia é certo que a investigaçãoaçãoparticipante continua crescendo tanto no meio acadêmico entre as ciências humanas e sociais como no mundo enquanto um recurso válido para enfrentar as desigualdades sociais que reinam entre países pobres e ricos dentro de um país entre interesses de classe diferentes e opostos Podemos citar dois exemplos conhecidos e divulgados em nível internacional de publicações atuais que ilustram a utilização crescente de processos de investigaçãoaçãoparticipante O primeiro tradução e lançamento no Brasil durante o Primeiro Fórum Social Mundial 2001 é o livro Avaliação de Impacto do Trabalho de ONGs de Chris Roche 2000 com auxílio da ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais e o segundo estudo de avaliação de avaliação de impacto dos projetos sociais apoiados pela OXFAM Internacional com sede em Oxford Inglaterra nas mais variadas partes do mundo de El Salvador ao Quênia passam do Reino Unido pelo Paquistão Os projetos tem objetivos muito diferentes e em algumas regiões há uma grande diferença também entre os métodos empregados e a importância que foi dada à incorporação da participação da própria população beneficiária dos projetos no desenho das metodologias de avaliação de impacto Participante outre uma introdução a 29 instrumento Metodologia nizado por Markus Brose e editado com apoio da AMENCAR Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente Tratase de uma antologia de trabalhos de diagnóstico participativo conduzidos em diversas regiões do Brasil em variados contextos do meio rural ao urbano de comunidades indígenas a trabalhos de expressão corporal com populações marginalizadas Dentro de uma série de 29 instrumentos chamados instrumentos de investigaçãoaçãoparticipante destaco a lógica da avaliação utilizando metodologia de ação que mobilizam as comunidades urbanas como do interior e que mobilizam os segmentos sociais para a participação política nas cidades e a importância de uma dimensão qualitativa que valorizam trabalhos que incorporam a construção de um saber É importante ressaltar que a produção científica sobre projetos de investigaçãoaçãoparticipante tem sido amplamente aceita nas mesas acadêmicas convencionais de divulgação científica A incorporação de novas metodologias constituiu um seriíssimo desafio para a ciência no século XXI e cada vez mais se considera essencial a participação dos sujeitos investigados na produção do saber o que facilitou a aproximação de várias metodologias à proposta da IAP no mundo inteiro Referências BERGER R LUCKMANN T A construção social da realidade Petrópolis Editora Vozes 1999 BROSE M Metodologia Participante uma introdução a 29 instrumentos Porto Alegre Tomo Editorial 2001 FALS BORDA O La ciencia y el pueblo nuevas reflexiones En LEWIN K TAX S Eds INVESTIGACIONACCIONPARTICIPANTE Inicios y desarroilos Madrid Editorial Popular Universidad Nacional de Colombia 1980 p 6384 FALS BORDA O LEWIN K 1946 La investigaciónacción y los problemas de las minorías En LEWIN K TAX S Eds INVESTIGACIONACCIONPARTICIPANTE Inicios y desarroilos Madrid Editorial Popular Universidad Nacional de Colombia 1991 p 1326 lógica dominante através das representações sociais onde coexistem valores alienantes preconceituosos e opressores lado a lado com as experiências de sofrimento e luta dos trabalhadores das mulheres dos desempregados etc A IAP pode ser um instrumento poderoso de reflexão sobre estes valores desde que o processo de comunicação e devolução manifestese através de um diferencial que respeite os diferentes níveis de reflexão e compreensão dos fenômenos O quarto erro metodológico é imaginar que o povo pode substituir e enfraquecer a discussão científica sem necessidade de um intelectual A influência importância e que o intelectual ativo tem um papel importante na sociedade e que as contribuições da população na compreensão da realidade elas não substituem o papel dos intelectuais no debate científico pois existem domínios do saber da linguagem dos processos e do conhecimento que pelo alto grau de conhecimento científico pode proporcionar O quinto erro em que incorrem os intelectuais é fazer articulações simplistas ou simplificar uma realidade sem perceber sua real complexidade por subestimar a capacidade de compreender dos participantes e imaginar que as classes populares somente podem compreender relações simples entre gastos ou eventos Na IAP os autores são unânimes ao conceber o avanço do conhecimento segundo o modelo em espiral onde açãoreflexãoação se sucedem construindo em novos níveis Desde Kurt Lewin a espiral da representação de um conhecimento que avança retomando aspectos e pontos anteriores mas reconstruindoos em outros níveis de compreensão Finalmente apontase como sexto e último erro metodológico a escolha inadequada de instrumentos de investigação eou de coleta e análise de dados A natureza da IAP implica obrigação cautela e o uso de ferramentas de trabalho privilegiando as técnicas sem questionamentos sob a capa do termo desenvolvimento Perspectivas atuais de utilização da IAP A metodologia de investigaçãoaçãoparticipante passou por muitos questionamentos ao longo destas décadas de existência resistiu e afirma tanto pelo processo que incorpora o saber popular a participação da população na investigação e na solução de seus problemas pois os resultados alcançados em termos de avanços científicos e políticos A IAP ganhou legitimidade frente ao mundo científico e muitas agências internacionais adotaram a metodologia de trabalho da IAP para o trabalho diagnóstico e regional da Oficina Internacional do Trabalho o Instituto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social o Conselho Internacional de Educação de Adultos e a Sociedade de Desenvolvimento Internacional e algumas organizações internacionais que produzem e apoiam trabalhos de investigação desde 1989 Porém a atuação dos cientistas sociais nestes reais interesses e princípios que orientam a ação destes órgãos de acordo cooperação desenvolvimentos social e investigação Muitas vezes os projetos ocultam uma lógica de outros interesses econômicos que parecem caber ricos ou outros interesses econômicos que parecem caber sem questionamentos sob a capa do termo desenvolvimento 165 164 167 166 2 Orelhas do livro Esta coleção apresenta reflexões do grupo de Trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pósgraduação em psicologia ANPPEPP Esta nova área de estudo a Psicologia Social Comunitária pretende contribuir para a construção de relações sociais mais democráticas e solidárias e para a promoção da autonomia e da melhoria da qualidade de vida nas comunidades Neste livro diferentes aspectos das relações entre o psicólogo e a comunidade são abordados em especial o histórico as perspectivas teóricas e os instrumentos de análise e intervenção disponíveis e em elaboração neste campo Fazer psicologia comunitária é estudar as condições internas e externas ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade ao mesmo tempo que no ato de compreender trabalhar com esse homem a partir dessas condições na construção de sua personalidade de sua individualidade crítica da consciência de si identidade e de uma nova realidade social Goiás Os valores comunitários devem interiorizados como projeto individual para se transformar em ação Devem ser pensados e sentidos como necessidade A expressão tão cara à prática conunitária nos anos 1970 conscientização deve ser ampliada para abancar não só a tomada de consciência como também a tomada de inconsciência pois ninguém é motivado por interesses coletivos abstratos e não se pode exigir que o homem abandone a esfera pessoal da busca da felecidade pois bemestar coletivo e prazer individual não são dicotômicos e o consenso democrático não é conquistado necessariamente à custa do sacrifício pessoal Bader B Sawaia 3 Regina Helena de Freitas Campos org Sílvia Tatiana Maurer Lane Bader Burian Sawaia Maria de Fátima Quintal de Freitas Pedrinho Guareschi Jacyra C Rachael Nasciutti Maumi A de Vasconcelos Regina Helena de Campos Freitas PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Da solidariedade à autonomia EDITORA VOZES Petrópolis 4 1996 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luiz 100 25689900 Petrópolis RJ Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão Capa Josiane Furiati ISBN 9788532616449 Dados internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Psicologia social comunitária Da solidariedade à autonomia Regina Helena de Freitas Campos org 13 ed Petrópolis RJ Vozes 2007 Vários autores 1 Psicologia social I Campos Regina Helena de Freitas II Título 96380 Índice para catálogo sistemático 1 Psicologia social comunitária 302 5 SUMÁRIO Apresentação 7 Introdução A Psicologia Social Comunitária 9 Regina Helena de Freitas Campos Histórico e fundamentos da Psicologia Comunitária no Brasil 17 Sílvia Tatiana Maurer Lane Comunidade A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade 35 Bader Burihan Sawaia Psicologia na comunidade psicologia da comunidade e psicologia social comunitária Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90 no Brasil 54 Maria de Fátima Quintal de Freitas Relações comunitárias Relações de dominação 81 Pedrinho A Guareschi A instituição como via de acesso à comunidade 100 Jacyra C Rochael Nasciutti Qualidade de vida e habitação 127 Naumi A de Vasconcelos Psicologia comunitária cultural e consciente 164 Regina Helena de Freitas Autores 178 6 7 APRESENTAÇÃO Esta coletânea apresenta reflexões do Grupo de Trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pósgraduação em Psicologia ANPEPP Inspirando nas discussões do grupo constituindo durante a realização do V simpósio de Pesquisa e intercâmbio científico da ANPEPP realizado em Caxanbu Minas Gerais em meio de 1994 os textos exploram diferentes aspectos das relações entre o psicólogo e a comunidade visando enriquecer o debatésobre as perspectivas teóricas do Campo Os autores são todos professores de psicologia social em programas de Pósgraduação na área em diversas universidades brasileiras Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade Federal de Minas Gerais A reunião deste grupo de pesquisadores na ANPEPP tem por objetivo promover a melhor delimitação do campo e aperfeiçoar os instrumentos de análise e intervenção disponíveis e em elaboração Esta e a primeira produção conjunta do grupo que esperamos seja útil aos profissionais estudantes e pesquisadores que compartilham de nossas preocupações e buscam em seu trabalho contribuir para a construção de relações democráticas e solidárias nas comunidades em que atuam 8 9 INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Regina Helena de Freitas Campos A comunidade seja geográfica um bairro por exemplo ou psicossocial por exemplo os colegas de profissão é o lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida Entretanto o conceito de comunidade utilizado pela psicologia social comunitária tem algumas características próprias derivadas da própria forma como surgiu entre nós esta nova área de estudos Sabemos que a prática científica não e imune aos movimentos sociais em cujo contexto se desenvolve e a psicologia social comunitária não é exceção a esta regra Desde meados da década de 60 no Brasil a utilização de teorias e métodos da psicologia em trabalhos feitos em comunidades de baixa renda visando por um lado deselitizar a profissão e de outro buscar a melhoria das condições de vida da população trabalhadora constitui o espaço teórico e prático do que passamos a denominar a psicologia comunitária ou psicologia na comunidade Freitas 1994 Bairros populares favelas associações de bairro comunidades eclesiais de base movimentos populares em geral foram os lugares em que tiveram início essas experiências de psicologia comunitária Mais recentemente com a ampliação dos sistemas de saúde e educação pública no país e o aumento do 10 número de psicólogos trabalhando em postos de saúde creches instituições de promoção do bemestar social ou setores do sistema judiciário voltados para o cuidado de famílias e menores enfim em instituições públicas que visam promover o desenvolvimento social a psicologia social comunitária procura desenvolver os instrumentais de análise e intervenção relevantes para as novas problemáticas que se apresentam aos psicólogos Tipicamente os trabalhos comunitários partem de um levantamento das necessidades e carências vividas pelo grupocliente sobretudo no que se refere às condições de saúde educação e saneamento básico A seguir utilizandose métodos e processos de conscientização procurase trabalhar com os grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel de sujeitos de sua própria história conscientes dos determinantes sóciopolíticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados A busca do desenvolvimento da consciência crítica da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária A perspectiva da psicologia social comunitária enfatiza em termos teóricos a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento partese do pressuposto de que o conhecimento se produz na interação entre o profissional e os sujeitos da investigação Utilizandose a conceituação do papel dos intelectuais de Gramsci podese dizer que os psicólogos atuando em trabalhos de psicologia social comunitária desempenham o papel de intelectuais tradicionais na medida em que organizam o saber já constituído pela psicologia social e se encarregam de transmitilo mas 11 visando a formação de intelectuais orgânicos isto é sujeitos capazes de sintetizar o ponto de vista da comunidade e de coordenar processos de transformação do instituído em termos de metodologia utilizase sobretudo a metodologia da pesquisa participante na qual o pesquisador e os sujeitos da pesquisa trabalham juntos na busca de explicações para os problemas colocados e no planejamento e execução de programas de transformação da realidade vivida em termos de valores os trabalhos de psicologia comunitária enfatizam sobretudo a ética da solidariedade os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da população focalizada Ou seja questionase a visão da ciência como atividade não valorativa e assumese ativamente o compromisso ético e político Em termos éticos buscase trabalhar no sentido de estabelecer as condições apropriadas para o exercício pleno da cidadania da democracia e da igualdade entre pares Em termos políticos questionam se todas as formas de opressão e de dominação e buscase o desenvolvimento de práticas de autogestão cooperativa Bomfim 1987 Góis 1993 define a psicologia comunitária como uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugarcomunidade estuda o sistema de relações e representações identidade níveis de consciência identificação e pertinência dos indivíduos ao lugarcomunidade e aos grupos comunitários Visa ao desenvolvimento da consciência dos moradores como sujeitos históricos e comunitários através de um esforço interdisciplinar que perpassa o desenvolvimento dos 12 grupos e da comunidade Seu problema central e a transformação do indivíduo em sujeito Em trabalho recente sobre a situação da psicologia social no Brasil Bomfim observa o crescimento da área entre nós e informa que as atividades são em sua grande maioria constituídas por atuações em equipes multidisciplinares que estabelecem procedimentos práticos de acordo com a demanda social e possibilidades de ação Bomfim 1994 As principais estratégias de ação detectadas foram reuniões com os moradores para análise das necessidades e possíveis soluções inclusive com o incentivo à formação de grupos de autogestão e à formação de recursos humanos da própria comunidade e propostas de atividades específicas Para que a formação de recursos humanos capazes de desenvolver e dar continuidade a projetos de melhoria da qualidade de vida seja viável temse verificado a importância de fortalecer o envolvimento afetivo com os objetivos e programas de ação propostos A promoção deste envolvimento tem sido feita exatamente através da busca de uma definição pela própria comunidade das prioridades de atuação Neste sentido o psicólogo atua mais como um analista facilitador que como um profissional que toma as iniciativas de solucionar os problemas São centrais portanto nesta área de estudos os conceitos que contribuem na análise da constituição do sujeito social produto e produtor da cultura e as metodologias de desenvolvimento da consciência Neste volume estudos e reflexões sobre algumas dessas problemáticas específicas da psicologia social comunitária são apresentados ao leitor Pioneira na delimitação conceituai da área na America Latina Sílvia Tatiana Maurer Lane professora de psicologia social no programa de estudos pósgraduados em psicologia da Pontifícia universidade Católica de São Paulo explica o 13 surgimento da psicologia comunitária entre nós durante os anos 70 como reação à opressão política e dominação econômica e ideológica que caracterizaram o período militar na região Observase nos relatos de experiências na área a tentativa de promover em comunidades populares a crescente consciência da situação de opressão e a iniciativa de ações transformadoras autônomas que levassem em consideração a necessária vinculação entre condições objetivas de vida e processos psicológicos A partir desses relatos a autora busca definir os principais conceitos teóricos necessários ao trabalho do psicólogo em comunidade e a evolução dos modelos de atuação no Brasil A seguir Bader Sawaia também lecionando no programa de estudos pósgraduados da Pontifícia universidade Católica de São Paulo explora as origens do próprio conceito de comunidade na história do pensamento social A autora analisa a evolução do conceito como contraponto ao avanço do senso individualista que caracteriza o capitalismo Acompanhando as perspectivas que informaram a elaboração teórica da noção de comunidade na sociologia e na psicologia Sawaia observa como a partir de um ponto de vista totalitário o conceito passa no final do século XX a incorporar o sentido da resistência à opressão e da luta pela cidadania plena Maria de Fátima Quintal de Freitas docente do mestrado em psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo acompanha a evolução do conceito de comunidade em psicologia a partir das representações e práticas dos psicólogos e observa que a principal fonte de definição da área da psicologia comunitária nos anos 60 e 70 vinculavase a práticas comprometidas com a perspectiva de libertação sóciopolítica da população Já no curso da década de 80 e início dos anos 90 esta 14 perspectiva se modifica a partir de transformações no próprio sistema de saúde pública no país Estas transformações se tornam mais evidentes a partir da própria mudança de denominação a psicologia na comunidade passa à psicologia da comunidade tomando como unidade de análise o grupo comunitário e a psicologia comunitária que toma como objeto de análise o sujeito construído sóciohistoricamente Já Pedrinho Guareschi professor no programa de pósgraduação em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul convida o leitor a compartilhar sua reflexão sobre conceitos fundamentais da psicologia social comunitária como os conceitos de relações sociais relações de dominação e relações comunitárias procurando demonstrar que e na comunidade que se estruturam as relações democráticas desejáveis Jacyara Nasciutti professora no programa de pós graduação em comunidades e ecologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro busca esclarecer as relações entre instituições e comunidades de um ponto de vista psicossocial e mostra como utilizar os conceitos da análise institucional na análise das instituições de saúde mental no Brasil Naumi Vasconcelos também professora no programa de pósgraduação em comunidades e ecologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro reflete sobre a relação entre qualidade de vida e habitação focalizando especialmente o processo de ocupação do espaço urbano e da construção de hábitos comunitários em habitações urbanas as relações corpocasa e seus impactos sobre as representações da qualidade de vida Procura assim uma definição subjetiva de qualidade de vida que possa ser incorporada como contribuição da psicologia social aos indicadores objetivos deste conceito 15 Regina Helena de Freitas Campos do programa de mestrado em psicologia social da Universidade Federal de Minas Gerais trabalha sobre as relações entre comunidade cultura e consciência Busca assim refletir sobre como as teorias sobre os processos de construção do conhecimento produzidas pela psicologia social podem se aproximar das práticas da psicologia comunitária sobretudo no que se refere à emergência dos processos de conscientização mencionados na literatura da área Esta coletânea espera contribuir para o desenvolvimento teórico da psicologia social comunitária estabelecendo bases mais sólidas para os conceitos de interesse para estudantes e profissionais da área BIBLIOGRAFIA BOMFIM Elizabeth M Comum moderna cidade In Bomfím E e Machado M Em torno da psicologia social Belo Horizonte publicação autônoma 1987 Psicologia social psicologia do esporte e psicologia jurídica In Achcar R et alii Psicólogo brasileiro Práticas emergentes e desafios para a formação São Paulo Casa do Psicólogo 1994 FREITAS Maria de Fátima Q Psicologia comunitária Professores de psicologia falam sobre os modelos que orientam a sua prática Tese de doutorado São Paulo Pontifícia universidade Católica de São Paulo 1994 GÓIS Cezar Wagner de Lima Noções de psicologia comunitária Fortaleza Edições UFC 1993 16 LANE Sílvia T Maurer Psicologia Ciência ou política São Paulo EDUC 1988 17 HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA NO BRASIL1 Sílvia Tatiana Maurer Lane Introdução Uma revisão da psicologia comunitária no Brasil não pode ser feita fora do contexto econômico e político do Brasil e da America Latina Sem dúvida o golpe militar de 1964 tem muito a ver com o seu surgimento pois se num primeiro momento 196875 vivemos um período de extrema repressão e violência quando uma reunião de cinco pessoas já era considerada subversão ele fez com que individualmente os profissionais de psicologia se questionassem sobre a atuação junto à maioria da população e de qual seria o seu papel na sua conscientização e organização Esta preocupação é mais sentida na universidade quando a partir dos movimentos de 1968 questionando o ensino e a academia e desenvolvida uma reflexão crítica quanto ao seu papel principalmente em países do Terceiro Mundo que não podem se dar ao luxo de uma universidade fechada numa torre de marfim Neste contexto os professores dos cursos de formação profissional do psicólogo questionam a sua prática ao mesmo tempo em que a crise da psicologia como ciência está patente em que a antipsiquiatria abala os conceitos 1 Tratase da 1ª parte revista e ampliada de um artigo em coautoria com Bader B Sawaia enviado para publicação num livro sobre psicologia social comunitária na America Latina organizado por Sanchez E e Wiesenfeld E a ser publicado na Venezuela 18 de doença mental deslocando o problema para a questão da saúde mental e para uma possível ação preventiva junto à maioria da população pobre oprimida e desatendida pelo Estado É nesse período também que surge nos Estados Unidos e em vários países da America Latina a expressão psicologia comunitária referindose à atuação de profissionais junto a populações carentes porém a maioria dos trabalhos dessa época tinham um forte cunho assistência e manipulativo utilizando técnicas e procedimentos sem a necessária análise crítica a intenção era boa porém não os resultados obtidos Fora da universidade médicos e psiquiatras preocupados com a saúde pública e uma ação preventiva criam na década de 70 os centros comunitários de saúde mental que segundo A Abib Andery 198112 o fazem numa tentativa de superar os clássicos hospitais psiquiátricos mas também nesse caso as mudanças foram mais aparentes do que estruturais Por outro lado já na década de 60 surge uma preocupação com a educação popular com a alfabetização de adultos como instrumento de conscientização são os trabalhos de Paulo Freire e de outros dos quais participavam diversos profissionais e entre eles psicólogos sem qualquer preocupação em definir especificidades em termos de áreas de trabalho eram atividades inerentes à cidadania Essas experiências levam os psicólogos na década de 70 a desenvolverem atividades em comunidades em termos de educação popular tendo como meta a conscientização da população Assim vamos encontrar sob o rótulo de psicologia social comunitária uma prática voltada a a prevenção da saúde mental unindo psicólogos psiquiatras e assistentes sociais e b educação popular com a participação de pedagogos psicólogos sociólogos e 19 assistentes sociais No encontro de 81 as duas linhas se confundem Também neste encontro uma questão pouco discutida mas necessária de ser aclarada foi colocada O que é uma comunidade Ela é possível numa sociedade capitalista baseada na idéia de competição Ou ela e uma utopia que se pretende atingir algum dia Na nossa revisão utilizaremos dois referenciais 1 o 1º Encontro Regional de Psicologia na comunidade realizado em São Paulo em 1981 com trabalhos realizados na década de 70 e 2 o 2º Encontro Regional ocorrido em Belo Horizonte em 1988 com relatos referentes a trabalhos da década de 80 Ambos foram organizados pela Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO tendo por objetivos a troca de experiências e principalmente o de não cometer os mesmos erros Em cada encontro foram apresentados em torno de 10 relatórios para uma audiência de mais de 100 profissionais como psicólogos assistentes sociais educadores sociólogos etc Podemos observar nestes dois encontros o contraste entre preocupações com a saúde mental e aqueles com a educação popular ambos com objetivos diferentes O encontro de 1981 À procura de uma compreensão de uma psicologia social comunitária O Projeto de Saúde Mental Comunitária do Jardim Santo Antônio foi apresentado por Helio Figueiredo como proposta que se origina na universidade em 77 numa visão do compromisso dela com a sociedade A equipe e formada por dois professores de psicologia uma socióloga e um administrador que devem orientar alunos estagiários do curso de psicologia O projeto é precedido por uma pesquisa que deverá dizer o melhor local de trabalho e levando ao aluguel de uma sede própria em julho de 79 onde são 20 prestados serviços como atendimento psicológico individual e grupal acompanhamento do clube de mães e grupo de jovens e promoção de reuniões da equipe com grupos do bairro a fim de se definir programas de ação A presença constante e fixa da equipe no bairro faz com que os grupos passem a procurála tendo como referência a casa da sede Com o objetivo de atuar a nível da saúde mental a equipe detecta como principais problemas da população além de questões como ausência de infraestrutura baixos salários violência urbana desgaste físico e psicológico a questão da perda da identidade cultural devido à migração a ação dos meios de comunicação transmitindo a ideologia de uma sociedade de massa e de consumo e por último a ausência de organização popular Da prática desenvolvida o grupo profissional chega à definição clara de seu objetivo que seria o de proporcionar o crescimento da consciência dessa população através da participação dos indivíduos em grupos que os levariam a superar o individualismo e a se unirem em atividades que visassem mudar o seu cotidiano Uma outra experiência e relatada por Pedro de C Pontual e Paulo Moldes 1981 realizada pelo centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae SP cuja proposta é de intervenção crítica e de prestação de serviços nas áreas de saúde e educação através de duas equipes interdisciplinares jornalistas psicólogos sociólogos assistentes sociais teólogos economistas pedagogos geógrafos engenheiros e arquitetos Os princípios básicos que norteiam as duas equipes são a importância da organização legítima dos trabalhadores por eles mesmos a importância do controle pela base dos movimentos populares a importância do aspecto organizativo como conscientizador dos 21 movimentos e o profissional como dinamizador como animador dos grupos nunca como liderança É Pontual que afirma Nesse sentido o que identifica qualquer profissional ligado realmente aos movimentos populares e o seu papel de educador popular embora ele possa dar uma contribuição maior na área de conhecimento em que ele se formou 198130 e continua dizendo que enquanto psicólogos devem lidar com a dinâmica de grupos de encontros com questões metodológicas e de avaliação também devem lidar com as tensões e problemas de relacionamento porém sem fazer recortes todos se identificam como educadores populares Há ainda o relato da atuação da equipe junto à população visando definir problemas prioritários que levam a comunidade a questionarse o quanto sabe sobre a própria realidade e a realizar uma pesquisa no bairro e apresentar os seus resultados em um caderno em quadrinhos que divulgado leva a uma assembleia com objetivo de discutir os resultados da pesquisa e definir os problemas prioritários ou seja creche posto de saúde e coleta de lixo A discussão da creche por sua vez leva à produção de um filme super 8 sobre as crianças do bairro que quando exibido mobiliza a população num movimento reivindicatório por creche Um terceiro relato nesse encontro referiuse à utilização do psicodramapedagógico com mulheres na periferia apresentado por Maria Alice Vassimon 19813945 É colocado como objetivo a educação popular auxiliando o grupo a perceber a sua própria realidade a sua própria cultura Vassimon 198141 O trabalho iniciase com 60 mulheres ávidas em discutir problemas de seu cotidiano em relação a filhos maridos casa família etc e a equipe também interdisciplinar preocupase durante dois anos em como tornar o grupo independente e assumir a própria história e seu próprio caminho 198141 22 Este grupo de mulheres assume o clube de mães aproximase da escola organiza uma feira de arte e trabalha no posto de saúde dando curso para gestantes cada vez mais independentes da equipe à qual recorrem quando necessário necessidade essa que se espaça cada vez mais ao longo do tempo O relato encerrase com uma reflexão sobre o psicodrama como sendo uma forma de aproximação extremamente saudável porque não se fica falando e para o povo falar nem sempre é fácil e para estimular uma libertação imprimir a direção a sua própria realidade o psicodrama e muito importante 198148 Brühl e Malheiros apresentaram suas reflexões sobre a psicologia social comunitária no Nordeste Paraíba agora voltada para uma formação universitária a nível de mestrado em psicologia na comunidade da Universidade Federal da Paraíba Das observações e experiências realizadas os autores definem dois níveis de atuação 1 desenvolvimento de trabalho educacional visando a mobilização e organização de grupos comunitários para a busca de soluções de seus problemas 2 desenvolvimento de trabalho de assessoramento a grupos já existentes E finalizam afirmando que a atuação do psicólogo deve darse no sentido de que a resolução das situações de crises individuais resulte na superação das contradições sociais que geraram 1981102 através de um processo de conscientização Outras experiências em centros de saúde em bairros com grupos de mulheres de adolescentes de teatro e outros foram apresentados sempre enfatizando o grupo como condição básica tanto para a ação clínica como preventiva e educativa O Encontro de 1981 se encerra com o questionamento se a atuação do psicólogo se caracteriza 23 por tarefas visando a prevenção e a cura da doença mental ou por tarefas educativas e conscientizadoras O que e específico da psicologia e dos demais profissionais envolvidos nas mesmas tarefas E qual o papel da universidade 1981987 O que vemos nesse momento é ainda uma visão do psicólogo que se define pelas técnicas que utiliza e não pelo conhecimento que ele tem do psiquismo humano do indivíduo como pessoa que se constrói na relação com os outros no desenvolvimento de suas atividades no movimento de sua consciência e na produção de sua identidade E ainda uma visão fragmentada do indivíduo aprendizagem educação e um processo terapia e outro conscientização e outro ainda Parece que o único ponto constante e a relação grupai e no encontro com os outros semelhantes que descobrimos a realidade que descobrimos a individualidade e a sociedade As diferentes idéias são discutidas em torno de técnicas ao invés de considerarem a natureza do psiquismo humano e a natureza do indivíduo que interage com outros Encontro de 1988 À procura da sistematização No Encontro Mineiro de Psicologia Comunitária de 1988 os relatores procuraram definir qual a especificidade da prática psicológica em comunidade e grande ênfase é dada às técnicas de dinâmica de grupo como se pode observar nos relatos de Elizabeth Bomfim 1988200 É a partir do conhecimento dos grupos e das instituições que se chega à organização popular é a experiência que ela e Marília N da Mata Machado relatam sobre a favela de Vila Acaba Mundo em Belo Horizonte As atividades desenvolvidas além de propiciar 24 o treinamento de estudantes de psicologia treinam os moradores em técnicas de autoorganização através de recursos que vão desde um vídeo sobre a favela de informações sobre direitos que a comunidade tem para ir em busca de soluções até uma prática grupal espaço de palavra livre visando a autoorganização e a criação de cooperativas A atuação clínica se dá em termos de análise e terapia da autodepreciação visando o erguimento da autoestima É ainda na Vila Acaba Mundo que Alayde M Caifa de Arantes 1988150 relata sua experiência com grupos de adolescentes onde não se fala em psicólogos mas se trabalha em artesanato visando através do desenvolvimento grupal a compreensão das relações sociais e das regras necessárias para uma melhor convivência Elizabeth Bomfim sintetiza o trabalho de seu grupo afirmando a existência de uma relação estreita entre saúde e condições de vida cabendo ao psicólogo atuar no sentido de que as condições e modos de vida precisam ser dominados para que haja autonomia de sujeito para exercer a sua saúde 1988202 O trabalho apresentado por Angela Caniato e uma avaliação da experiência realizada pela Universidade de Maringá em uma comunidade atendida por posto de saúde e conclui que o psicólogo esbarra nos limites teóricos e técnicos de sua formação na universidade que não lhe permite responder às demandas de atendimento psicossocialmente colocadas pelas populações que freqüentam estes postos de saúde 1988180 E continua afirmando que o cidadão desaparece sob o indivíduo doente que procura o psicólogo para se tratar 1988181 Daí a necessidade de se resgatar a individualidade e a subjetividadecompetência do psicólogo 25 Por fim William CC Pereira faz uma análise do individualismo como produto da modernidade e analisando o filme A classe operária vai ao paraíso conclui que a grande vítima mais do que o corpo do indivíduo é a subjetividade negada por um poder arbitrário Resgata a questão do poder que permeia as relações sociais apontando para a necessidade de se diferenciar podertrabalhoserviço de poderdominação autoritarismo o primeiro sendo um jogo de mútuas influências e o segundo apenas um fetiche Concluindo o relato deste Encontro podemos observar um avanço na definição do que seja uma atuação do psicólogo em comunidades cabendo a ele desenvolver grupos que se tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de situações de vida através de atividades cooperativas e organizadas Para tanto o entendimento de relações de poder que se constituem no cotidiano e de grande importância para a compreensão tanto da violência arbitrária quanto de uma ação cooperativa e transformadora Por outro lado o resgatéda subjetividade que implica na compreensão das representações do mundo em que vive até às emoções e afetos que definem a sua individualidade única Além destes trabalhos apresentados nos Encontros várias universidades têm criado o que chamam de serviço de extensão visando integrar alunos e professores de diferentes áreas na prestação de serviços à sociedade em geral e nesta linha a participação de psicólogos em trabalhos comunitários tem sido bastante significativa À guisa de exemplo gostaríamos de relatar o trabalho desenvolvido na Universidade Metodista de Piracicaba SP UNIMEP onde o serviço de extensão se origina pela atuação da equipe de psicólogos sociais liderada por Lucila Reboredo junto à população favelada 26 da cidade levandoa a se constituir em associação a reivindicar seus direitos a melhorar sua condição de vida chegando a um projeto de autoconstruções com a participação de vários setores da universidade É um trabalho que foi relatado e analisado por Reboredo em sua tese de doutorado o qual já se estende por vários anos e se amplia para outras atividades garantida pela institucionalização do setor de extensão universitária integrada ao ensino e à pesquisa Trabalhos comunitários na zona rural Acreditamos ser importante ainda uma menção aos trabalhos comunitários desenvolvidos na zona rural provavelmente os primeiros a falarem em comunidade contando com a participação de cientistas sociais e que se estendeu de forma semelhante por vários países da America Latina Na década de 40 encontramos os chamados centros sociais que deram origem aos atuais centros comunitários Esses contavam com o apoio da Igreja Católica de assistentes sociais e órgãos governamentais criando equipes itinerantes interdisciplinares médicos agrônomos assistentes sociais e outros que procuravam organizar grupos locais que dessem continuidade aos trabalhos propostos basicamente educativos Porém estes em pouco tempo se desfaziam Após a II Guerra Mundial a ONU desenvolve um programa de Desenvolvimento de comunidades que no Brasil contou com a cooperação dos Estados Unidos visando a consolidação do sistema capitalista Em 1951 são definidos os objetivos destes centros entre eles o de constituirse uma organização democrática obedecendo ao propósito de fomentar a solidariedade comunal dispondo para tal fim de um local onde 27 possam se reunir em pé de igualdade os residentes de um mesmo setor para participar de atividades sociais recreativas e educativas Apud Amman 198538 As atividades desenvolvidas nestes centros se caracterizavam por serem acríticas e aclassistas procurando atravésda ação comunitária desenvolver os indivíduos e conseqüentemente a sociedade O combatéao analfabetismo foi a primeira meta seguida do ensino de tecnologias agrícolas e numa segunda etapa criamse instituições que visam uma maior integração social Em um seminário realizado em 1960 foram estabelecidos princípios básicos para o desenvolvimento comunitário que implicavam na ajuda de cientistas sociais orientados pela perspectiva positivista de sociedade que levava a uma postura essencialmente paternalista mas com um discurso desenvolvimentista Tratavase de harmonizar através da participação de todos os conflitos existentes acreditando que a igualdade social poderia brotar automaticamente das estruturas econômicas sociais e políticas do capitalismo monopolista Fernandes F Prefácio in Amman 198543 Um destes centros comunitários foi estudado por Patrícia Maria GC Mortara para a sua dissertação de mestrado defendida em setembro de 1989 Através de entrevistas abertas e de análise das representações sociais de moradores de um bairro da cidade de Amparo no interior do Estado de São Paulo Mortara estuda a consciência social de participantes de atividades do centro comunitário que congrega grande parte dos moradores do bairro O centro comunitário foi criado em 1969 por fazendeiros e lideranças locais que o sustentam até hoje visando atuar na saúde preventiva e curativa e na educação formal e informal tendo por finalidade 28 promover o homem integrandoo no meio em que vive Mortara 198972 Atualmente o centro desenvolve atividades tais como grupos de mães e jovens atividades educativas desde préescola até a integração escola comunidade serviços ambulatoriais médicos e dentários atendimento psicológico cursos profissionalizantes e recreações sociais Cabe observar que aqui o psicólogo e o profissional clínico que atende pacientes encaminhados sem qualquer participação mais ativa nas relações comunitárias apenas faz parte de uma equipe que presta serviços à população Ao analisar as representações de moradores participantes de atividades do centro Mortara mostra com clareza que os homens antes colonos ora assalariados mantêm uma relação afiliativa com os patrões que são bons e não pagam melhores salários porque não podem a culpa é do governo As mulheres cuidam dos afazeres domésticos e dos filhos quando casadas ou trabalham em atividades femininas procurando sempre que possível ajudar os outros A união entre os moradores do bairro é exaltada em contraposição a outros locais Mortera 1989162163 Em suma este estudo mostra com clareza a existência de trabalhos comunitários que por sua origem paternalista e objetivos assistenciais levam à manutenção de consciências fragmentadas pelo idealismo e individualismo e de fato impedindo qualquer avanço tanto na ação como na consciência Não podemos deixar de mencionar que alguns anos antes fins da década de 40 e início de 50 em Minas Gerais uma psicóloga Helena Antipoff defendia o princípio da educação democrática e de que a inteligência era algo construído socialmente Na Fazenda do Rosário ela criou um centro educacional onde qualquer criança deficiente abandonada pobre ou rica branca ou preta 29 tinha seu lugar garantido Criou também a Associação Comunitária do Rosário na qual psicóloga educadores e a comunidade trabalham em conjunto pela melhoria das condições de vida da população e por sua autonomia Toda esta história tão brasileira nos seus contrastes foi pesquisada por Regina Helena de F Campos em sua tese de doutorado e contínua a ser pesquisada por seus alunos Campos 1990 Os resultados destes trabalhos podem ser vistos no museu dedicado a Helena Antipoff na Secretaria da Educação de Minas Gerais Se o estudo de Mortara caracteriza a maioria dos centros comunitários na zona rural existem exceções onde se procura desenvolver uma psicologia social comunitária visando a organização da população para ações com autonomia que levem à solução de problemas concretos oriundos da contradição fundamental entre capital e trabalho É o caso de trabalhos desenvolvidos no Estado do Ceará a partir do serviço de extensão da Universidade Federal deste Estado sob a coordenação do professor e psicólogo Cezar Wagner de Lima Góis São trabalhos publicados2 que conhecemos em recente visita ao Ceará por ocasião da 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência Portanto estaremos apresentando o relato oral do professor Wagner Góis e a visita que fizemos em sua companhia a uma aldeia de pescadores onde um grupo de psicólogos e educadores atuam Um dos trabalhos relatados ocorria junto a uma comunidade agrícolaextrativa no agreste que se achava em sua fase final ou seja a retirada da equipe universitária do local dado o desenvolvimento e 2 Em janeiro de 1990 a Revista Psicologia e Sociedade da ABRAPSOpubtou o primeiro trabalho relatado Pedra Branca uma contribuição comunitária Ano V novembro de 89 a março de 90 p 95118 30 autonomia organizativa da população Era um trabalho de alguns anos de troca de saberes de participação em grupos e de assessoria requerida que atingia o seu objetivo a consciência da cidadania a visão clara dos problemas vividos e dos canais para possíveis soluções Nesta fase final a ida da equipe ao município era esporádica havendo mais uma intenção de reforço do que de assessoria para garantir um sentimento de segurança e ao mesmo tempo algo como se precisarem de nós estamos aqui A outra comunidade na qual assistimos a uma reunião aberta era uma aldeia de pescadores que estavam sendo expulsos por industriais explorando o pescado em larga escala impedindo direta e indiretamente a sobrevivência alimentar e econômica dos pescadores e suas famílias A reunião visava discutir os direitos violados e como agir para defendêlos As sugestões variaram desde a resistência armada até o apelo às instituições governamentais e as estratégias propostas consideravam os mais diferentes ângulos até chegarem à decisão de recorrer às instituições legais porém com a mobilização dos meios de comunicação de massa e sem deixar a vila desprotegida A reunião terminou com a designação de quem faria o quê Pudemos notar que a equipe da universidade apesar de bastante entrosada e querida pelos moradores do local apenas assistia à discussão coordenada por um deles e só participava quando solicitada para algum esclarecimento Notamos a confiança no poder de decisão do grupo sinal de uma autonomia em construção 31 Em busca de uma sistematização teórico prática Certamente não demos conta com estes relatos de todas as experiências em psicologia social comunitária que vêm ocorrendo no Brasil porém acreditamos que eles sejam significativos em termos de representatividade das grandes questões teóricas e práticas que a caracterizam hoje em nosso país A partir desta revisão nos compete ainda uma sistematização teóricoprática dentro dos pressupostos que vêm orientando nossos trabalhos nestes últimos anos As diversas experiências comunitárias vêm apontando para a importância do grupo como condição por um lado para o conhecimento da realidade comum para a autoreflexão e por outro para a ação conjunta e organizada Em outros termos estamos falando da consciência e da atividade categorias fundamentais do psiquismo humano que sistematizam muito do que se sabe sobre comportamento aprendizagem e cognição Quando se procura resgatar a subjetividade esta implica necessariamente em identidade categoria que leva ao conhecimento da singularidade do indivíduo que se exprime em termos afetivos motivacionais através das relações com os outros ou seja na vida grupal A análise das três categorias fundamentais atividade consciência e identidade só se faz pelo registro de mediações com a linguagem e o pensamento ferramenta essencial para as relações com os outros e que irá constituir os conteúdos da consciência E são também estas relações sociais que se desenvolvem através de atividades que por sua vez sofrem a mediação das emoções individuais possivelmente constituindo conteúdos inconscientes 32 presentes tanto na consciência como na atividade e na identidade Sintetizando o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações com relações grupais vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade e com as emoções e afetos próprios da subjetividade para exercer sua ação a nível da consciência da atividade e da identidade dos indivíduos que irão algum dia viver em verdadeira comunidade E é Góis 1990117 quem melhor define esta prática Fazer psicologia comunitária e estudar as condições internas e externas ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade ao mesmo tempo que no ato de compreender trabalhar com esse homem a partir dessas condições na construção de sua personalidade de sua individualidade crítica da consciência de si identidade e de uma nova realidade social Acreditamos que estes aspectos teóricos estão concretizados na pesquisa de Bader B Sawaia onde através de sua participação junto a mulheres de uma favela analisa o movimento de consciência imbricada nas atividades desenvolvidas por elas ao longo de quatro anos Sawaia demonstra a importância metodológica da pesquisa participante como recurso científico distinto da militância porém sem negar os compromissos social e político necessariamente envolvidos neste processo Sawaia 1987 Quando decidimos delinear nova visão histórica da psicologia comunitária no Brasil pudemos observar que os grupos seja como recurso da pesquisa participante seja como referência teórica são os espaços privilegiados para uma análise teóricoprática dos avanços das consciências individuais envolvidas no processo 33 É no contexto grupal que nos identificamos com o outro e e nele também que nos diferenciamos deste e assim construímos a nossa identidade sendo o grupo condição para a sua manutenção ou metamorfose Porém é também nas relações grupais que sentimos a ação do poder o qual tanto pode negar a nossa identidade como redefinila Há o poder do bom falante aquele que entende de tudo e assim impõe o seu pensamento aos demais como uma verdade absoluta Neste jogo o participante expressionista se sente perdido pois ele o outro e estudado ele sabe falar bem e precisamos de um líder E a conclusão acaba sendo deixa ele decidir Desta forma cristalizamos a nossa identidade nos submetendo a um poder autoritário e espúrio esquecendo que em um grupo por princípio somos todos iguais em direitos e deveres BIBLIOGRAFIA ABRAPSO Anais do I Encontro de Psicologia na Comunicação São Paulo 1981 AMMANN Safira Bezerra Ideologia de desenvolvimento de comunidade no Brasil São Paulo Cortez Editora 1985 ANDERY AA Psicologia na comunidade no Brasil In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 ARANTES AMC Vila Acaba Mundo In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano III nº 4 1988 BOMFIM E Vila Acaba Mundo Bairro Sion In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano in ng 4 1988 BRÜHL D e MALHEIRO DPA Psicologia na comunidade e os problemas psicossociais de grupos populacionais pobres do Nordeste do Brasil In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 34 CAMPOS RH de F Psicologia na comunitária no Brasil Um pouco de história In Anais do III Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico ANPEPP PUCSP agosto 1990 p 28 CANIATO Angela Implicações do enfoque social na prática do psicólogo em saúde mental In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano III nº 9 4 1988 FIGUEIREDO H Proposta de atuação do Projeto de Saúde Mental Comunitária do jardim Santo Antônio In Anais do I Encontro Regional na comunidade São Paulo 1981MORTARA PMGC A consciência social de uma população rural um estudo de caso no Bairro Pantaleão dissertação de mestrado Amparo PUCSP São Paulo 1989 PONTUAL P de C e Moldes P Experiência de bairro operário In Anais do l Encontro Regional de Psicologia da comunidade São Paulo 1981 SAWAIA Bader B A consciência em construção no processo de construção da existência tese de doutorado PUCSP 1987 VASSIMON MA Psicodrama pedagógico com mulheres na periferia In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 35 COMUNIDADE A APROPRIAÇÃO CIENTÍFICA DE UM CONCEITO TÃO ANTIGO QUANTO A HUMANIDADE Bader Burihan Sawaía Comunidade é um conceito ausente na história das idéias psicológicas Aparece como referencial analítico apenas nos anos 70 quando um ramo da psicologia social se autoqualificou de comunitária Assim fazendo definiu intencionalidades e destinatários para apresentar se como ciência comprometida com a realidade estudada especialmente com os excluídos da cidadania A descoberta da comunidade não foi um processo específico da psicologia social Fez parte de um movimento mais amplo de avaliação crítica do papel social das ciências e por conseguinte do paradigma da neutralidade científica desencadeado nos anos 60 e culminado nas décadas de 70 e 80 quando o conceito de comunidade invadiu literalmente o discurso das ciências humanas e sociais especialmente as práticas na área da saúde mental Não há dúvidas de que a introdução deste conceito no corpo teórico da psicologia social constituiu um aspecto epistemológico importante na medida que representou a opção por uma teoria crítica que interpreta o mundo com a intenção de transformálo Heller 1984289 Entretanto comunidade tornouse conceito capaz de abarcar qualquer perspectiva de prática profissional contanto que realizada fora de consultórios e 36 instituições permitindo seu uso demagógico no discurso político neoliberal para designar o compromisso com o povo e a união do povo3 ou ainda no discurso dos que se arvoram de inventores da sociedade ou defensores da pureza étnica e cultural Hoje comunidade aparece como a utopia do final do século para enfrentar o processo de globalização considerado o grande vilão da vida em comum e solidária mas uma utopia reacionária saudosista que em vez de orientar ações voltadas ao futuro remete ao passado como uma espécie de lamento Aliás se prestarmos atenção notaremos que toda utopia propõe modelos de comunidade como arquétipo de situação ideal que teria ocorrido nos primórdios da humanidade e que o homem perdeu Um lugar cujos habitantes inclinamse ao bem naturalmente portanto onde se atinge a perfeição e não há o que mudar Inclusive na era das descobertas o novo mundo foi padrão do imaginário utópico como o lugar não contaminado pela civilização sendo as comunidades indígenas o seu ícone Essa ideia desencadeou iniciativas de construção de comunidades de caráter utópico socialista tanto no Brasil como nos EUA Devido à diversidade de significado e ao uso demagógico da palavra comunidade cujo trailer foi acima apresentado e preciso refletir sobre esse conceito nas suas múltiplas significações e esclarecer o enfoque adotado sob pena de cometer falhas e interpretações falsas especialmente hoje quando a maioria dos profissionais da saúde e das ciências humanas dizem estar trabalhando nas e com as comunidades 3 Um chefe de narcotráfico do Rio de Janeiro em entrevista recente referiuse aos moradores de uma favela desta cidade como a minha comunidade 37 1 A comunidade na história do pensamento social A O debaté entre comunidade e individualismo ou a utopia que remete ao passado Comunidade tem presença intermitente na história das ideias Ela aparece e desaparece das reflexões sobre o homem e sociedade em consonância às especificidades do contexto histórico e esse movimento explicita a dimensão política do conceito objetivado no confronto entre valores coletivistas e valores individualistas A cada avanço do individualismo vêse o florescer de utopias comunitárias e viceversa como aponta Nisbet 1973 ao afirmar que o movimento de hostilidade intelectual à comunidade e seu substrato ético ocorrido no Iluminismo foi decorrência de sua associação ao sistema feudal Os filósofos da Ilustração estavam empenhados na destruição dos grupos e associações surgidas na Idade Média para combater os resquícios de dominação e exploração do homem resultante de interdependências básicas do feudalismo Contra a ideia de sociedade fundada na comunidade defendiam a ideia de sociedade fundada no contrato entre homens livres não homens membros de corporações ou camponeses que se vinculam racionalmente em modos específicos e limitados de associações Esse movimento anticomunitário assentado no desejo de destruir a ordem feudal injusta foi reforçado pelas duas revoluções francesa e industrial e encontrou apoio também entre os que recusavam a ideia de contrato e defendiam a doutrina do egoísmo racional e conseqüentemente do racionalismo econômico Para todos esses comunidade era o inimigo do progresso que se vislumbrava no final do século XVIII representando a persistência das tradições a serem vencidas pois impedia 38 o desenvolvimento econômico e a reforma administrativa Enfim todas as forças sociais críticas uniramse na tarefa gigantesca de eliminar os destroços comunais legados pela Idade Média que penetrou no século XIX No entanto esse mesmo período assistiu a emergência de uma reação intelectual iniciada pelo pensamento conservador de recuperação da comunidade como modelo de boa sociedade ameaçado pelo individualismo e pelo racionalismo valores propagados pelo Iluminismo Dessa forma comunidade tornouse o centro do debatéda modernidade nascente De um lado condenada como conservadora e antagônica ao progresso De outro defendida pelos que tinham horror à modernização como símbolo de tudo de bom e que o progresso destruiu Mas em ambas as perspectivas comunidade aparece como utopia que remete ao passado com significado reacionário cujo protótipo e a família encontrando sua expressão simbólica na religião nação raça profissão e nas cruzadas Sua delimitação pode ser local ou global pois o que importa é a comunhão de objetivos a condição de continuação no tempo o engajamento moral a coesão e a coerção social Com o tempo esses valores extrapolaram o âmbito do pensamento conservador e cada um a seu modo foram sendo apresentados no pensamento político e filosófico e atémesmo religioso do século XIX em oposição aos valores das cidades modernas Segundo Nisbet 1973 a nostalgia da comunidade comunitária e o sentimento inerente ao pensamento social do século XIX Na religião apareceu no bojo do movimento contra a pastoral individualista e a teologia racionalista do século XVIII idéias de Lutero e Calvino acusadas de afastarem o homem do caráter comunitário e cooperativo tradicionais Essa corrente de pensamento atingiu os 39 teólogos dos países ocidentais provocando um verdadeiro renascimento dos temas litúrgicos e canônicos o qual subsidiou posteriormente o reavivamento das comunidades eclesiais de base como no Brasil nos anos 70 Na filosofia a ideia de comunidade apareceu sob os mais variados aspectos mas sempre como fundamento do ataque ao racionalismo utilitário ao individualismo ao industrialismo do laissezfaire e ao igualitarismo da Revolução Francesa Na obra de Hegel Filosofia do direito um dos pensadores mais proeminentes do século XIX cuja filosofia dialética serviu de base ao marxismo o Estado e uma Communitas communitatum e não a agregação de indivíduos pelo contrato como propunha o Iluminismo Sua visão de sociedade é concêntrica formada por círculos interligados de associações como família comunidade local classe social e Igreja cada qual autônoma nos limites de sua abrangência funcional cada uma delas considerada fonte de afirmação do indivíduo e todos eles em conjunto reconhecidos como elemento formativo do verdadeiro Estado Nisbet 197355 Mas foi na sociologia ciência emergente no início do século XIX que comunidade elevouse à categoria analítica central do pensamento social e se estabeleceu a antítese de comunidade e sociedade como expressão do contraste entre valores comunitários e não comunitários respectivamente B O debate entre comunidade e sociedade Gemeinschaft und Gesellschaft Esse debate foi expressado na sociologia alemã por Tõnnies 1944 atravésdos termos Cemeinschafte Gesellschaft no final do século XIX que criou uma 40 estrutura tipológica da ideia de comunidade onde sistematizou a noção de comunidade esboçada no início do referido século tanto pelos conservadores como pelos revolucionários recolocandoa como critério de oposição entre modernização e tradição apesar de afirmar que comunidade faz parte da sociedade Gemeinschaft está baseado em três eixos o sangue o lugar e o espírito ou o parentesco a vizinhança e a amizade respectivamente sendo o sangue o seu elemento constitutivo e o trabalho e a crença comuns a sua base de construção Todos os sentimentos nobres como o amor a lealdade a honra a amizade são emoções de Cemeinschaft sendo que na Gesellschaft não há nada de positivo do ponto de vista moral Nela os homens não estão vinculados mas divididos Ela aparece na atividade aquisitiva e na ciência racional e sua base é o mercado a troca e o dinheiro Em resumo para Tõnnies comunidade não é uma variável ou um espaço mas uma realidade e a causa para outros fenômenos Nisbet 1973 Tal ideia permeia as reflexões sociológicas desde seus fundadores até hoje associada a diferentes fenômenos e objetivada em diferentes oposições Weber considerado o sociólogo da ação social em suas reflexões sobre as relações sociais solidárias 1917 distinguiu dois tipos que segundo ele recordam a classificação feita por Tõnnies a comunitária e a associativa tendo como critério de distinção o processo de racionalização Ambas podem ser fechadas ou abertas em direção ao exterior e se combinarem de diferentes formas nas relações entre os homens Comunalização referese à relação baseada no sentimento subjetivo do pertencer estar implicado na existência do outro como a família e grupos unidos pela camaradagem vizinhança e fraternidade religiosa A relação pode ser afetiva piedade amizade ou erótica e amorosa enfim baseada 41 em qualquer espécie de fundamentos emocional ou tradicional Sociação é uma relação cuja atividade se funda sobre um compromisso de interesse motivado racionalmente em valor ou finalidade é resultante de vontade ou opção racionais mais que na identificação afetiva Um outro sociólogo que trouxe importante contribuição ao conceito de comunidade foi Simmel considerado o Freud da sociedade por seus estudos das relações inconscientes da organização social Ele também denunciou a objetivação crescente da cultura moderna e a conseqüente impessoalidade das relações a ponto de anular a totalidade da subjetividade humana Esse contexto favorece o surgimento de um tipo de comunidade que ele denominou sociedade secreta criada para separar o indivíduo alienado da sociedade impessoal e darlhe sentimento de pertencimento portanto lugar de identidade de valores associados à comunidade alertando porém que essa sociedade secreta pode tornarse um fator de dissociação mais do que de socialização e aos olhos do governo e da sociedade um inimigo Wolff 1950 e Simmel 1894 C Comunidade como fenômeno empírico No início do século XX presenciase na sociologia uma explosão de estudos sobre comunidades configurandoa de um lado como espaço empírico de pesquisa em contraposição às situações laboratoriais dos experimentos e de outro de estudos microssociais em contraposição às análises estruturais Comunidade tornouse referencial de análise que permite olhar a sociedade do ponto de vista do vivido sem cair no psicologismo reducionista e pesquisar segundo procedimentos atéentão próprios da antropologia nos seus estudos sobre comunidades 42 indígenas como a observação participante ou empírica e estudos de caso4 D Comunidade como utopia que remete ao futuro Marx difere de forma significativa das implicações valorativas tradicionais que sustentam o contraste entre comunidade e sociedade Sua concepção dialética materialista da sociedade situa historicamente o debate comunidade e sociedade no capitalismo isto é no centro da luta de classes A sociedade na teoria marxista não é harmoniosa mas conflitiva sendo que o harmonioso e o conflito não são determinados pela presença ou ausência de valores comunitários mas por problemas nas relações de produção O individualismo inimigo das relações comunitárias e fruto do fetiche da mercadoria do trabalho alienado e produtor de mais valia No entanto Marx também se rendeu ao comunitarismo enquanto ética da vida social digna e justa Mas sua ideia de comunidade não se refere à volta ao passado perdido ou à recuperação dos valores comunitários em nível local ou nacional para superar as agruras do individualismo Ele se afasta de modelos baseados no tradicionalismo e no localismo pois acredita na vasta associação de nações na comunidade transnacional e encontra na classe trabalhadora a estrutura para a redenção ética da humanidade como demonstra o apelo que fez no Manifesto do partido comunista 198345 Proletariado de todos os países univos II Comunidade no corpo teórico da psicologia 4 Ver resumo desses estudos em Horkheimer e Adorno 1973151 171 43 Não se encontram referências explícitas sobre comunidade nas obras de psicologia social atéos anos 70 quando foi introduzida no corpo teóricometodológico da psicologia comunitária conforme dito anteriormente Mesmo nas reflexões sobre o que mantém o homem em sociedade e sobre a formação da consciência temas centrais do debate entre os pioneiros da psicologia a comunidade só aparece muito raramente para referirse às instâncias intermediárias entre o homem e a sociedade ou como sinônimo de sociedade e com diferentes conotações valorativas Como exemplo podese citar os estudos sobre psicologia dos povos realizados por Wundt em 1904 onde comunidade aparece como sinônimo de interação coletiva Segundo ele a psicologia popular consiste nos produtos mentais criados por uma comunidade humana que não se reduzem à consciência individual pois pressupôem ações recíprocas de muitos indivíduos Esse produto da interação coletiva mantém unidos os membros de uma nação Wundt 1926 e Baró 1983 Freud também aponta o caráter homogeneizador da comunidade ressaltando porém a sua dimensão negativa e injusta de considerar todos os homens iguais em desejos e necessidades Segundo ele a natureza humana dificilmente se dobra a qualquer espécie de comunidade social e viver em comunidade e trocar uma parte de felicidade pessoal por uma parte de segurança atravésde mecanismos que facilitam essa má troca Freud 1976 Nem mesmo na psicologia social ramo de psicologia criada no início do século XX com o intuito de analisar a relação homemsociedade o conceito de 44 comunidade aparece como central Em lugar dele grupo5 e interação social tornaramse dominantes nos estudos sobre os fenômenos coletivos especialmente na psicologia social norteamericana voltada aos problemas sociais provocados pela imigração e pela II Guerra Mundial com o objetivo de promover a integração de grupos e indivíduos à sociedade americana É nesse corpo teórico da psicologia que o conceito de comunidade foi introduzido como categoria analítica acompanhando um movimento mais geral da época Na década de 50 comunidade penetrou com muita força nas ciências sociais após ter sido recuperada na cena política no bojo de idéias liberaispopulistas e corporativistas inscrevendose nas estratégias de modernização do pós guerra criadas para enfrentar a Guerra Fria Wanderley 1990 Portanto comunidade entrou na psicologia no seio de um corpo teórico orientado pelo condutivismo e pelo método experimental com o objetivo de integrar indivíduos e grupos a partir da transformação de atitudes inspirado nos estudos psicossociais sobre grupo6 A diferença entre comunidade e grupo era dada pelo simbolismo do primeiro como denotativo de legitimidade da práxis psicossocial com associações tão variadas como estado sindicato e movimentos revolucionários 5 A palavra grupo é uma expressão ocasional um lugar vazio que segundo o contexto de cada ocasião se enche de diferentes significados Serve para definir qualquer tipo de relação recíproca entre multiplicidade de indivíduos qualquer vínculo entre seres humanos Adorno e Horkheimer 197361 Quando minha identificação e o grupo se encontram reciprocamente em uma correlação organizacional essencial e estável não temos mais grupos mas comunidade Heller1987 6 Em 1945 Skinner publicou uma obra de ficção na qual apresentou como viveria na prática uma comunidade planejada segundo a tecnologia do comportamento orientada pelos pressupostos condutivistas Walden Tvvo uma sociedade do futuro 45 Inicialmente comunidade foi introduzida na área clínica visando humanizar o atendimento ao doente mental e se espalhou atravésdas políticas desenvolvimentistas propagadas por organismos internacionais como OEA CEPAL BID ONU e Aliança para o Progresso especialmente nos países da America Latina A intenção era educativa e preventiva Trabalhavase em comunidades com o objetivo de desenvolver potencialidades individuais grupais e coletivas para integrar a população aos programas oficiais de modernização e para prevenir doenças Suas primeiras experiências práticas estiveram associadas portanto à educação popular à medicina psiquiátrica comunitária e sempre sob a proteção e orientação do Estado Sua tese sociológica central era a crença na modernização cultural e econômica como via de progresso atravésde reformas de base na agricultura indústria e nos valores e atitudes da população Comunidade era entendida como unidade consensual sujeito único e homogêneo lugar de gerenciamento de conflito e de mudanças de atitude Sua prática visava a união de esforços entre povo e autoridade governamental para melhorar as condições de vida de comunidades e através delas integrar a sociedade nacional construindo a prosperidade do país E sua delimitação era espacialgeográfica Os psicólogos que trabalhavam em comunidades passaram a se inspirar nas teorias psicológicas que mais contemplavam o social na análise da subjetividade tanto de tradição psicanalítica quanto institucional e sociométrica Os autores que mais se destacaram foram Kurt Lewin Goffman Reich Moffart e Bleger e um pouco mais tarde Moscovici e pensadores da fenomenologia Nesse período o corpo teórico da psicologia comunitária apresentou avanços positivos na medida em que começou a superar a cisão entre subjetividade e 46 objetividade mas não alterou sua intencionalidade prática que continuava voltada à integração social mais que à exclusão A tomada de consciência da necessidade de rever criticamente a intencionalidade e o destinatário da teoria se consolidou apenas no final da década de 70 com o domínio da matriz marxista quando a psicologia comunitária se apresentou como área de conhecimento científico não elitista a serviço do povo para superar a exploração e a dominação O psicólogo que na fase anterior se confundia com o educador social com o assistente social e com o clínico fora do consultório agora se tornou militante com o objetivo de promover a passagem da consciência de classe em si à consciência de classe para si favorecendo a tomada de consciência expressão fundamental da psicologia comunitária da exploração e da alienação e a organização da população em movimentos de resistência e de reivindicação Nesse contexto comunidade passou a ser entendida como lugar que reúne pares da classe trabalhadora considerada o agente social capaz de realizar a intencionalidade prática da teoria crítica isto é a negação da exclusão no capitalismo mantida pela exploração da maisvalia e pela alienação do homem do produto de seu trabalho Apesar das diferenças essenciais as duas vertentes se aproximaram na medida que incorporaram as características apresentadas nas reflexões clássicas tanto filosóficas quanto sociológicas sobre comunidade quais sejam ação conjunta rede de sociabilidade baseada na cooperação e solidariedade homogeneização de interesses em torno de necessidades coletivas lugar de sentimentos nobres não individualistas como lealdade amizade e honra e espaço geográfico empírico de ação e pesquisa Por outro lado ambas as 47 concepções afastaramse dos estudos clássicos ao concordarem que a comunidade é célula de sociedade capaz de irradiar mudanças e não erradicar mudanças Mudança social é o ponto que marca a profunda diferença entre essas duas vertentes da psicologia comunitária do ponto de vista epistemológico político e ideológico Na psicologia comunitária norteamericana a concepção de mudança está acoplada à modernização dos setores atrasados e pobres visando sua adaptação ao capitalismo avançado e na psicologia comunitária latinoamericana a mudança é concebida como transformação de uma sociedade exploradora e portanto como revolução socialista ou cidadã Essa última vertente promoveu grandes transformações no corpo teóricometodológico da psicologia social e colaborou com o avanço organizacionalpolítico da população mas não conseguiu libertála de mistificações do conceito e de sua redução ao um A homogeneização e imobilismo continuaram presentes nas reflexões sobre comunidade reapresentandoa como o lugar onde não existe o mal a injustiça como o paraíso na terra e portanto estagnado Hoje a reflexão sobre comunidade em psicologia encontrase em situação privilegiada A grande produção de pesquisas relatórios de práticas e reflexões teóricas gestadas nos anos 70 e 80 permite uma avaliação responsável à luz das questões éticas postas pela modernidade contemporânea e atéentão preteridas pelo atrelamento dos estudos de comunidade ao confronto exclusivo entre modernização versus revolução e integração versus conflito A sociedade assolada pelo processo de globalização de um lado presencia a queda de todas as fronteiras tradicionais que separavam homens e nações cujo exemplo mais fantástico e a rede internet de informática que acena com a comunidade virtual Por 48 outro assiste atônita à emergência de novasvelhas formas de diferenciação e segregação o que coloca a alteridade e identidade como figuras proeminentes da vida social digna obrigando os estudos de comunidade a retornarem a sua gênese para recuperar seu substrato éticosimbólico como categoria de integração mas também de autonomia que é definida por Heller de forma admirável comunidade e sistema de relação que remete ao mais alto grau de desenvolvimento de generecidade Heller 1987 Segundo ela o predicado comunitário contém valores específicos que permitem o amadurecimento e desenvolvimento das potencialidades humanas nos espaços particulares do cotidiano portanto não antagônico à individualidade Nessa concepção a comunidade rompe com a dicotomia clássica entre coletividade e individualidade ser humano genérico e ser humano particular apresentando se como espaço privilegiado da passagem da universalidade ética humana à singularidade do gozo individual Um movimento de recriação permanente da existência coletiva fluir de experiências sociais vividas como realidade do eu e partilhadas intersubjetivamente capaz de subsidiar formas coletivas de luta pela libertação de cada um e pela igualdade de todos Portanto se comunidade contem individualidade não pode ser trabalhada como unidade consensual sujeito único Só a ação conjunta não a caracteriza ao contrário a homogeneização pode negála pois ela deve oferecer um espaço total de atitudes particulares Isso não significa abrir mão de idéias comuns mas do consenso fechado e conseguido às custas da ditadura das necessidades Heller1992 incentivando o exercício da comunicação livre onde todos participam com igual poder e competência argumentativa no processo de ressignificação da vida social 49 Todos os membros de relação devem ter legitimidade para se fazer ouvir e a capacidade argumentativa para participar da construção do consenso democrático7 para que uns não se alienem no outro considerado o dono do saber lembrando que capacidade argumentativa não e mera aquisição de vocabulário e treino de retórica discursiva para convencer o outro Ela e a capacidade de defender suas próprias necessidades respeitando a dos outros isto é habilidade de atravésda linguagem lidar com a realidade do desejo próprio e do outro construindo um nós Portanto e exercício de sensação e de reflexão para que o sujeito sintase legitimado enquanto membro do processo dialógico democrático Os valores comunitários devem ser interiorizados como projeto individual para se transformar em ação Devem ser pensados e sentidos como necessidade A expressão tão cara à prática comunitária nos anos 70 conscientização deve ser ampliada para abarcar não só a tomada de consciência como também a tomada da inconsciência8 pois ninguém é motivado por interesses coletivos abstratos e não se pode exigir que o homem abandone a esfera pessoal da busca da felicidade pois bemestar coletivo e prazer individual não são dicotômicos e o consenso democrático não é conquistado necessariamente à custa do sacrifício pessoal Marcuse nos anos 60 já destacava a dimensão estéticoerótica indispensável à existência humana criticando a paz do cemitério que caracterizava todo projeto utópico comunitário sob pena de se defender um 7 Reflexões inspiradas nas idéias de Habermas 1985 e 1987 e Carone 1994 8 Expressão usada por Rolnik 1994 50 modo de vida esmagador apesar de tranqüilo materialmente 1975 Aqui cabe um alerta sobre o perigo de se priorizar esta dimensão em detrimento da política econômica em um país onde a maioria da população é excluída dos direitos sociais Claro que surgem ações voltadas à garantia das condições de sobrevivência com dignidade O que se quer afirmar e que abrir mão da dimensão éticoestética e cair na práxis reducionista que considera o povo uma massa disforme que responde em uníssono aos apelos materiais atribuindo apenas à burguesia as sutilezas psicológicas III Considerações finais A presente reflexão não pretendeu apresentar comunidade como um conceito plenamente elaborado e fechado o que significaria retirar o caráter sóciopolítico e utópico que a caracteriza transformandoa em conceito vazio e abstrato O que se quis ressaltar é que comunidade mais do que uma categoria científicoanalítica e categoria orientadora da ação e da reflexão e seu conteúdo é extremamente sensível ao contexto social em que se insere pois está associada ao debate milenar sobre exclusão social e ética do bem viver Nisbet 197448 balizou de forma admirável todas as idéias atéaqui apresentadas como fundamentais à comunidade Comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau elevado de intimidade pessoal profundeza emocional engajamento moral e continuado no tempo Ela encontra seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou naquele papel que possa desempenhar na 51 ordem social Sua força psicológica deriva duma motivação profunda e realizase na fusão das vontades individuais o que seria impossível numa união que se fundasse na mera conveniência ou em elementos de racionalidade A comunidade e a fusão do sentimento e do pensamento da tradição e da ligação intencional da participação e da volição O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da individualidade e da coletividade A relação face a face e o espaço geográfico não são fundamentais na configuração da comunidade mas são sua base cotidiana de objetivação conforme aponta Heller 1987 A generecidade humana a humanidade realizase em forma concreta de vida em célula de base Nessa perspectiva comunidade apresentase como dimensão temporalespacial da cidadania na era da globalização portanto espaços relacionais de objetivação da sociedade democrática plural e igualitária A psicologia social ao qualificarse de comunitária hoje explicita o objetivo de colaborar com a criação desses espaços relacionais que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas num mundo assolado pela ética do levar vantagem em tudo e do é dando que se recebe Esses espaços comunitários se alimentam de fontes que lançam a outras comunidades e buscam na interlocução da fronteira o sentido mais profundo da dignidade humana Enfim ela delimita seu campo de competência na luta contra a exclusão de qualquer espécie 52 BIBLIOGRAFIA BARÓ Martin Acdón e ideologia Psicologia social desde centroamericano San Salvador UCAEDIT 1983 CARONE Iray A questão dos paradigmas nas ciências humanas e o paradigma das objetivações sociais de Agnes Heller In Lane STM e Sawaia BB As novas vertentes da psicologia social São Paulo Ed BrasilienseEduc no prelo BOMFIM EM e MOTA MMN Psicologia comunitária In Revista Psicologia e comunidade n 4 ABRAPSO MG 1988 FREUD S Malestar na civilização São Paulo Abril Cultural 1978 Novas conferências introdutórias sobre psicanálise Rio de Janeiro Imago 1976 GOIS CW Noções de psicologia comunitária Fortaleza Edições UFC 1993 HABERMAS J Teoria de Ia acción comunicativa Madrid Taurus 2vol 1989 Conciência moral y acción comunicativa Barcelona Ediciones Península 1985 HELLER A Crítica de Ia llustradón Barcelona Ediciones Península 1984 Sociologia de Ia vida cotidiana Barcelona Ediciones Península 2ª ed1987 Teoria das necessidades revisitada palestra na PUCSP 120592 HORKHEIMER M e ADORNO TW orgs Temas básicos de sociologia São Paulo Cultrix 1973 LANE ST e SAWAIA BB Psicologia Ciência ou política In Montero Maritza coord Acción y discurso 53 problema de psicologia política en America Latina Eduven 1991 MARCUSE H Eros e civilização Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud Rio de Janeiro Zahar 3ª edição 1975 MARX K e ENGELS F Manifesto do partido comunista São Paulo Ed Global 3ª edição 983 NISBET RA The sodological tradition Londres Heinemann 1973 Comunidade In Foracchi MM e Martins J de Souza Sociologia e sociedade Rio de Janeiro LTC 1977 ROLNIK S Cidadania e alteridade O psicólogo o homem da ética e a reinvenção da democracia In Spink MJ org A cidadania em construção Uma reflexão transdisciplinar São Paulo Cortez Ed 1994 SAWAIA BB Cidadania diversidade e comunidade Uma reflexão psicossocial In Spink MJ org A cidadania em construção Uma reflexão interdisciplinar São Paulo Cortez Ed 1994 SIMMEL G Lê problème de Ia sociologie In Revuede Metaphysique et de Morale 1984 La rnetrópolis y Ia vida mental In Wolff KH org La Sciología de Ceorg Simmel New York The Free Press 1964 SKINNER BF Walden two New York Macmillan 1976 TÖNNIES F Communauté et societè Paris Puf 1944 WANDERLEY MB Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade São Paulo Cortez Ed 1993 WEBER M Economia e sociedad Mexico Fondo de Cultura Econômico 2 vols 1964 WUNDT W Elementos de psicologia de los pueblos Madrid Danniel Jorro 1926 54 PSICOLOGIA NA COMUNIDADE PSICOLOGIA DA COMUNIDADE E PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90 no Brasil Maria de Fátima Quintal de Freitas9 Falar hoje quase a meados da década de 90 sobre a psicologia comunitária ou de uma maneira mais simplificada sobre a prática da psicologia em comunidade é com certeza muito diferente do que se estivéssemos fazendo o mesmo em inícios dos anos 80 especialmente considerandose as peculiaridades que a nossa história recente tem presenciado Se fizéssemos neste momento um rápido levantamento sobre que ideia seria construída na cabeça das pessoas quando solicitássemos que pensassem sobre a prática da psicologia comunitária ou da psicologia na comunidade ou mesmo da psicologia da comunidade poderíamos arriscar dizer que a quase totalidade delas estaria pensando em alguma das seguintes situações algumas imaginariam o psicólogo em algum lugar mais pobre e sem infraestrutura outras veriam o psicólogo indo de encontro à população população essa que geralmente desconhece 9 A autora agradece à Dra Regina Helena de F Campos a oportunidade para a publicação deste trabalho Correspondência referente a este trabalho poderá ser enviada à Rua Natalina D Carneiro 740 Apto 101A Penha Vitória ES Brasil CEP 29060 000 55 esse trabalho assim como as suas possibilidades de ajuda outras ainda pensariam em lugares como favelas cortiços bairros de periferia lixões assentamentos mutirões associações de bairros grupos de mulheres de jovens de terceira idade menores de rua ou grupos marginalizados em geral e algumas poderiam também pensar em situações institucionalizadas cuja população freqüentadora estaria muito próxima à condição de marginalizada dos serviços direitos e obrigações da sociedade e do Estado Acreditando que a todo e qualquer processo de trabalho e de produção de conhecimento existem determinações históricas e políticas que os influenciam podese afirmar que falar da psicologia comunitária e falar também da história política recente do Brasil e da America Latina Poderíamos então indagar se todos estes exemplos caracterizariam práticas da psicologia em comunidade Para responder a isto fazse necessário recuperar o processo de surgimento desse tipo de prática e para isto é necessário atender a dois aspectos um ligado ao processo histórico pertinente a essa Prática recuperando as condições que contribuíram para o aparecimento dos chamados trabalhos em comunidade e outro ligado aos aspectos que podem explicar como a Profissão de psicólogo foi sendo constituída criada e em torno de que temáticasproblemáticas essa prática profissional foi se estruturando e preparando novos quadros de psicólogos para a realidade brasileira Isto pode contribuir para algumas reflexões a respeito das práticas que estão sendo desenvolvidas e sobre os cursos de psicologia em termos de como eles estão preparando para a prática nesse tipo de trabalho Pensar sobre o tipo de atuação da psicologia na 56 comunidade exige que se identifique as tendências que ela tem apresentado assim como as perspectivas teóricas e metodológicas que têm permeado o desenvolvimento de tais trabalhos Ao longo da exposição aqui realizada estará sendo citada uma bibliografia referente à temática do desenvolvimento de trabalhos em comunidade por psicólogos Esta bibliografia poderá ser consultada mais detalhadamente por aqueles que pretendam desenvolver estudos nesta área ou que pretendam orientar suas práticas futuras com vistas a um maior engajamento para as problemáticas cotidianas vividas pelo povo do nosso país 1 Sobre a história da inserção do profissional de psicologia no desenvolvimento de trabalhos em comunidade O nome trabalhos em comunidade é uma expressão relativamente antiga tendo surgido nas décadas de 40 e 50 Nesse período o Brasil passava por mudanças no seu modelo produtivo saindo do agropecuário e ingressando no agroindustrial o que exigia a preparação de uma nova mãodeobra mais afeita às demandas de um sistema fabril Assim neste contexto são criados e desenvolvidos vários projetos nas áreas educacional e assistencial sob a responsabilidade e a coordenação do Estado objetivando preparar os setores populares para tarefas relacionadas a esse novo modelo econômico Ammann 1980 Eram trabalhos comunitários que atendiam aos interesses das elites econômicas do país cujos profissionais em sua maioria provenientes das ciências humanas e sociais ocupavam nesses projetos funções estratégicas destinadas à prestação de serviços básicos à população Dentro deste clima do chamado desenvolvimentismo o Brasil atravessa a década de 50 assistindo em diversos locais 57 cidades e estados a realização de vários trabalhos junto aos setores mais desfavorecidos da população quase todos com fortes elementos assistencialistas e paternalistas Wanderley 1993 É neste decênio que Brasília é construída que o governo de Juscelino Kubitschek JK adota a filosofia de crescer 50 anos em cinco anos ao mesmo tempo em que o país já assiste ao crescimento da inflação do desemprego e da sua pobreza em ritmo acelerado 11 Entrando nos anos 60 Nos anos 60 o Brasil e vários países da America Latina entram em um período de graves e fortes confrontos estabelecidos entre de um lado o Estado e as forças capitalistas e de outro as necessidades básicas da população e a participação da sociedade civil nas discussões políticas e societárias Os movimentos populares urbanos tornamse mais freqüentes e no meio rural as ligas camponesas vão aglutinando um número maior de trabalhos em torno de reivindicações de necessidades básicas As greves espalhamse em vários setores da produção e dos serviços o desemprego atinge números assustadores e a inflação e o custo de vida tornamse insuportáveis para as classes trabalhadoras e para a população em geral Freire 1979 No Brasil nos primeiros anos desta década acontecem tentativas de significativas transformações especialmente na área educacional Tratavase de projetos que buscavam o desenvolvimento de uma consciência crítica na população a fim de que esta pudesse recuperar seu lugar no processo social do qual fazia parte Exemplos disto foram os trabalhos executados principalmente no nordeste do país de educação popular e de adultos fundamentados na filosofia e no método de Paulo Freire apresentando um compromisso político explícito com a 58 libertação dos setores populares e com o resgate do seu papel como agentes sociais e históricos Freire 1974 1978 1979a e 1979b Oliveira 1981 Ceccon et alii 1983 Podese também citar a experiência pedagógica De pé no chão também se aprende a ler desenvolvida quase à mesma época no estado do Rio Grande do Norte Góis 1980 Entretanto no Brasil o tempo de vida de tais trabalhos foi muito curto Freire Oliveira Oliveira e Ceccon 1980 devido ao recrudescimento dos mecanismos e das formas de controle repressivo mais ou menos explícitos empregados pelo Estado para conter as manifestações populares e impedir o fortalecimento da crença da população em si mesma enquanto agente do processo social e político Assistese a um grande movimento de participação e reivindicação populares são as ligas camponesas com as suas caminhadas atéos grandes centros urbanos solicitando condições mínimas e razoáveis para o plantio e para a colheita na terra são os diversos setores da população em geral revoltandose contra o assustador índice de vida são os operários reivindicando medidas efetivas contra o arrocho salarial Em março de 1964 instaurase o regime militar no país que contribui para um recrudescimento dessas condições assim como por instalar um regime de terror político e cultural na realidade brasileira Basbaum 1976 O Brasil é obrigado a conviver com um sistema de governo que põe fim a vários direitos civis enquanto as contradições existentes na realidade social vão criando situações concretas na vida das pessoas sobre as quais vários profissionais passam a atuar Iglesias 1993 No mundo eclodem diversas manifestações como as barricadas de Paris em maio de 1968 como as 59 incipientes manifestações contra os regimes totalitários do Leste Europeu Hobsbawm 1992 como os inúmeros e sangrentos conflitos raciais na África do Sul como a fome e a miséria levando grandes parcelas da população à doença quando não à morte na Ásia na África na America Latina enfim nos chamados países do Terceiro Mundo Ao lado dos pólos industriais e dos centros de riqueza iam crescendo imensos cinturões de pobreza e de miséria Freire 1979 Estes cinturões eram na realidade bairros vilas aglomerações de casas e casebres que iam de maneira desorganizada sendo erguidos em terrenos os mais inóspitos e inseguros possíveis contudo mais próximos dos locais onde as pessoas podiam trabalhar Às vezes encontravase e ainda se encontra um conjunto de casas de madeira erguidas sobre morros sobre grandes rochas ou sobre um terreno pantanoso ou alagado Os moradores desses lugares eram e são os trabalhadores das fábricas das indústrias dos escritórios das escolas dos hospitais dos bancos ou das grandes residências e mansões É no quadro destes acontecimentos políticos e econômicos que em 27 de agosto de 1962 dáse o reconhecimento oficial da profissão de psicólogo no Brasil e se criam as disposições legais lei Nº 4119 de 270862 para a regulamentação e criação dos cursos de psicologia Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo 1981 Os modelos teóricos e metodológicos que passaram a ser ministrados nos primeiros cursos de psicologia no país eram importados em sua grande maioria dos Estados Unidos havendo pouca participação das produções europeias Historicamente desde a sua criação como profissão no Brasil a psicologia tem passado por vários tipos de prática Tradicionalmente ela se estruturou atravésdo desenvolvimento da prática nos 60 consultórios nas organizações e nos ambientes educacionais Assim era em especial na década de 60 A partir de meados da década de 60 em alguns locais dáse a inserção do psicólogo com o objetivo de somar esforços e de colaborar para tornar a psicologia mais próxima à população em geral e mais comprometida com a vida dos setores menos privilegiados buscando com isso uma deselitização da profissão e as práticas vão ganhando uma significação política de mobilização e de transformação sociais Nesses anos começavam a ser preparadas as primeiras turmas de psicólogos que haviam ingressado nas faculdades e universidades brasileiras Ao mesmo tempo nos contextos nacional e internacional acompanhavase o surgimento de uma série de conflitossociais decorrentes da insatisfação popular frente ao descaso e desrespeito das autoridades e à repressão oriunda das ações do Estado A intensidade e recorrência desses acontecimentos começam a imprimir um novo rumo para as relações sociais forjadas macro e microestruturalmente É neste contexto que se vê o início do emprego do termo psicologia na comunidade Uma das primeiras vezes em que ele é utilizado oficialmente sendo posteriormente publicado em revista eou periódicos da área e nos trabalhos executados sob a responsabilidade de um grupo de psicólogos ligados à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP tendo também a participação de alguns estudantes de psicologia na época Mais tarde essa experiência foi publicada10 em artigos de Andery 1984 onde essa 10 Conferência proferida e publicada sob o título de Psicologia na comunidade no Brasil de Alberto Abib Andery p 1113 Anais do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade PUCSP e Regional São PauloABRAPSO O referido encontro foi realizado em setembro de 1981 nas dependências da PUCSP Em 1984 e 61 temática e denominação são abordados Foram trabalhos desenvolvidos junto às populações de baixa renda na Zona Leste de São Paulo e depois na Zona Oeste em Osasco já com a participação de professores do curso de graduação da PUCSP e de mais estudantes de psicologia àquela época inseridos em núcleos de pesquisa eou de estágio que se constituíam em exigências para a conclusão do curso Complementando estas informações é importante assinalar também que já em inícios dos anos 70 em Belo Horizonte na universidade Federal de Minas Gerais na UFMG fazia parte do currículo do curso de psicologia a disciplina psicologia comunitária Nesse período outros trabalhos11 também são desenvolvidos na Paraíba com a participação de psicólogos formados em São Paulo na PUC em Belo Horizonte por profissionais que já atuavam em comunidade12 antes mesmo da sua formação como psicólogo e que após obtêla deram continuidade até a atualidade em Porto Alegre na PUCRS e na UFRGS e comercializada a primeira edição do livro Psicologia social O homem em movimento da Editora Brasiliense São Paulo obra sob organização de Lane S T M e Codo W onde na parte 4 referente à Praxis do Psicólogo encontrase o artigo intitulado Psicologia na comunidade p 203220 de autoria de Alberto Abib Andery 11 Em 1981 nos Anais da 33ª Reunião Anual da SBPC realizada em Salvador é publicado o resumo Psicologia voltada para a comunidade experiência da Paraíba Área rural e urbana p 804 de autoria de Dirceu Malheiro e outros em que é feito o relato das práticas que os psicólogos que trabalhavam na UFPb tinham desenvolvido junto a comunidades rurais e urbanas nos anos anteriores 12 Encontramse trabalhos realizados há mais de 20 anos como os da Cabana do Pai Tomas pelo Prof William C Castilho Pereira em Belo Horizonte Minas Gerais representando uma extensa frente de trabalho para psicólogos nessa área Psicologia e Sociedade ABRAPSOPUCMC Belo Horizonte Ano IV na 7 setembro de 1989 p136142 62 em SP onde trabalhos junto a diferentes comunidades vão sendo realizados tendo a participação de psicólogos que em sua grande maioria pertenciam a quadros da carreira docente13 e em outros locais de modo relativamente disperso e pouco divulgado naquela época O psicólogo trabalhava de uma maneira voluntária não remunerada e firmemente convicto do seu papel político e social junto a esses setores da população Os referenciais teóricos e metodológicos da sociologia da antropologia da história da educação popular e do serviço social tornaramse conhecidos pelos psicólogos que passaram a empregálos com certa prioridade nos trabalhos que desenvolviam nas comunidades A preocupação fundamental era o desenvolvimento de atividades e tarefas que permitissem colocar a psicologia a serviço dessas populações e ao mesmo tempo em algumas dessas práticas havia o compromisso de colaborar para que as pessoas se organizassem e reivindicassem por suas necessidades básicas e melhorias das suas condições de vida Tentavase descaracterizar a psicologia como uma profissão elitista e que havia feito alianças com a burguesia Todas as formas de trabalho eram bem vindas desde que se guiassem por uma preocupação em oferecer algum tipo de colaboração à população seja sob a forma de serviços psicológicos seja ajudandoa a se organizar politicamente A maneira como isto era feito e segundo quais orientações teóricas e metodológicas eram aspectos naquele período pouco debatidos Era o momento político e histórico em que esses trabalhos foram se configurando como necessários em termos de irem sendo construídas novas frentes de atuação Ao mesmo tempo havia poucos psicólogos com 13 Para uma breve exposição a respeito disto ver Pimentel Regina Sileikis Fragmentos de um trabalho com a comunidade In 63 disponibilidade e envolvimento para participar dessas práticas 12 Entrando nos anos 70 O país ainda era governado por militares mas a população foi aprendendo a criar e a lutar por canais de reivindicação seja sob a forma de associações de bairros de entidades de defesa do cidadão e da anistia de movimentos contra a carestia e o alto custo de vida de grupos de educação popular e pastorais do operário do menor e da mulher Vários profissionais liberais entre eles intelectuais de diferentes áreas de conhecimento incorporaramse aos setores populares no exercício de funções e de trabalhos que pudessem levar alguma contribuição ao movimento popular que timidamente se organizava Esta participação seja diretamente envolvidos nos movimentos e formas de organização da população ou somente na função de pensadores e animadores de debates sobre temáticas importantes para a população colaborou para o surgimento de trabalhos e de publicações que analisam as formas de organização dos setores populares SchererWarren e Krische 1987 lokoi 1989 Jacobi 1989 Martins 1989 entre outros e que estudam os processos de formação de consciência e de participação política da população Barreiro 1985 Sader 1988 entre outros Neste contexto e na dinâmica em que os acontecimentos sociais foram sendo construídos podese dizer de um lado que foi o envolvimento e o compromisso do profissional de psicologia junto aos movimentos populares que deram início a essa prática com características de se voltar para problemáticas diferentes das com que tradicionalmente trabalhava ocorrendo em situações e ambientes também diversos 64 Os resultados no mínimo de tal participação foram gerar uma divulgação atravésde livros revistas com números especiais artigos e apresentação de trabalhos em eventos científicos das problemáticas sociais vividas pela população e de possíveis encaminhamentos decorrentes das análises feitas Caniato 1986 Chitarra 1987 Iene Neto 1987 Bomfim et alii 198990 Por outro lado tal envolvimento e identificação com a vida e a situação dos desfavorecidos tornaramse possíveis somente pelo fato da população estar vivendo condições concretas extremamente difíceis que produziam uma tal repercussão que tornaram esses intelectuais mais sensíveis às problemáticas presentes nesses segmentos sociais Assim o clima de repressão política e cultural em que ainda se vivia e o constante processo de pauperização da sociedade contribuíram para aglutinar profissionais que por acreditarem ser possível colaborar na construção de uma sociedade mais justa e digna se enfileiram junto aos setores desprivilegiados desenvolvendo trabalhos práticos e teóricos e também participando dos movimentos populares Os profissionais de psicologia começaram a marcar novos espaços atravésde práticas diferentes saindo dos consultórios das empresas e das escolas e indo para os bairros populares para as favelas para as associações de bairros para as comunidades eclesiais de base Os trabalhos passaram a advogar não só o caráter da deselitização da psicologia como também um claro envolvimento e participação políticas junto aos movimentos populares como faziam também os profissionais das outras ciências sociais e humanas As atividades desenvolvidas apresentavam várias características desde a promoção de reuniões e discussões em torno das necessidades vividas pela população passando por levantamentos e descrições das 65 condições de vida e das deficiências educacionais culturais e de saúde da população assim como por oferecer algum tipo de assistência psicológica gratuita atéa participação conjunta em passeatas mobilizações e abaixoassinados dirigidos às autoridades como uma forma de protesto contra as precárias condições de existência e como uma maneira de reivindicar os serviços básicos Como os trabalhos em comunidade via de regra eram voluntários os profissionais normalmente desenvolviam outras atividades remuneradas em outros setores na grande maioria ligados à academia Em contrapartida isso permitiu que a discussão sobre as condições da inserção nessa realidade fossem levadas para dentro da universidade onde se iniciaram os debates e as reflexões a respeito da prática do psicólogo e do seu compromisso social e político Vale a pena relembrar que alguns trabalhos já estavam obtendo algum reconhecimento e espaço para a sua realização em específico dentro da universidade Podemse citar os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de professores e psicólogos entre eles o pioneiro o da UFMG em Belo Horizonte que passaram a contemplar em seus currículos a disciplina psicologia comunitária Bomfim 1989 a qual visava discutir e trabalhar questões relativas à ecologia humana e às formas de organização e participação populares 13 Entrando nos anos 80 Quando o país começava a viver um clima de expectativa para com a abertura democrática em fins dos anos 70 e início dos 80 a discussão e divulgação sobre os trabalhos desenvolvidos em comunidade passaram a ter mais atenção evidenciandose uma preocupação sobre o seu caráter de clandestinidade Alem disso as 66 discussões permitiram criar espaços para repensar os aspectos nãoremunerado e voluntário como também os metodológicos referentes à prática do psicólogo em comunidade A denominação psicologia comunitária passa a ser um termo mais consagrado e adotado por vários profissionais inclusive em debates e reflexões14 Um dos primeiros momentos em que se noticia no Brasil sobre a expressão psicologia comunitária sob a forma de publicação acontece no trabalho A psicologia comunitária considerações teóricas e práticas de autoria de DAmorim 1980 Após isso a expressão aparece publicada Lane 1981 em setembro de 1981 na conferência Psicologia comunitária na America Latina proferida pela Profa Dra Sílvia T Maurer Lane durante o I Encontro Regional de Psicologia na comunidade na PUCSP No mesmo Encontro Derdick et alii 1981 apresenta o trabalho Psicologia comunitária em bairros periféricos de Osasco descrevendo a experiência desenvolvida naquela região A significação destes trabalhos chamados de Psicologia comunitária está no fato deles explicitarem uma prática da psicologia social anunciando seu compromisso político e permitindo que as críticas feitas às teorias psicologizantes e a históricas sejam evidenciadas 131 Criação da ABRAPSO Em meados dos anos 80 as questões relativas à falta de definição e de especificidade dessa prática Lane 1987 Lane e Bader 1988 Freitas 1986 1987 1988 1988a Franco 1988 Andery 1989 Bomfim 1989a e 14 O termo aparece também na publicação dos trabalhos de Freitas 1982 Armam Filho 1983 Vasconcellos 1985 Mourão 1986 Bomtim et ai 1988 Andery 1989 Bomtim 1989 Bomfim 1990 Campos 1990 Góis 1991 Mendes 1991 Cóis 1993 67 1989b começam a aparecer em alguns debates travados em reuniões científicas e em encontros promovidos pela Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO Esta associação foi criada oficialmente em julho de 1980 na UERJRJ durante a 32 Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SBPC quando no dia 11 acontecia uma mesaredonda organizada pela Associação LatinoAmericana de Psicologia Social comissão PróFortnação da ABRAPSO sob a coordenação da Profa Dra Sílvia T Maurer Lane com o tema A psicologia social como ação Transformadora tendo a participação de STM Lane da PUCSP JJC Sampaio do Instituto de Psiquiatria do Ceará e da universidade de Fortaleza G Leno Neto da UFPB e MLViolante da PUCSP No contexto da psicologia no Brasil a ABRAPSO constituiuse em um marco importante para a construção de uma psicologia social crítica histórica e comprometida com a realidade concreta da população Em cada região do país ou mesmo dependendo do grau de aglutinação e de organização em torno das temáticas desenvolvidas pela psicologia social existente em cada estado foram sendo criados núcleos e regionais da ABRAPSO que passaram a realizar os seus encontros regionais com uma certa regularidade A ABRAPSO atravésda sua Regional São Paulo em setembro de 1981 promove o I Encontro Regional de Psicologia na comunidade onde são apresentadas experiências que estavam sendo desenvolvidas como trabalhos junto a mulheres da periferia a crianças de creches em centros de educação popular entre outros Em 1985 na Universidade Estadual de Maringá no Paraná e realizado o I Encontro Nacional de Psicologia 68 Social da ABRAPSO15 reunindo inúmeros professores psicólogos e estudantes do país onde foram apresentados trabalhos que propunham reflexões a respeito dos cursos de psicologia e do ensino da psicologia social como também sobre as intervenções em postos de saúde O II Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO16 acontece em novembro de 1986 em Belo Horizonte Minas Gerais reunindo trabalhos e várias apresentações sobre política violência ecologia delegacias de mulheres sexualidade sindicatos saúde educação comunidades entre outros temas O III Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO realizase em São Paulo na PUC em maio de 1987 objetivando reunir os profissionais de áreas afins para discutir as temáticas relativas à vida da população em geral e às possibilidades de realização de trabalhos conjuntos Em setembro de 1987 na Universidade Federal do Espírito Santo UFES em Vitória e realizado o IV Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO reunindo professores pesquisadores profissionais e estudantes de vários estados do país em torno de temáticas como psicologia e comunidade 15 com a realização deste I Encontro dáse início ao primeiro número da revista publicada pela ABRAPSO Psicologia e Sociedade Para maiores informações sobre os trabalhos apresentados neste evento ver revista Psicologia e Sociedade centro de ciências humanas da PUCSP ANO I janeiro de 1986 nº 1 Para maiores informações e descrições sobre os trabalhos apresentados ver os Anais do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade setembro de 1981 PUCSP 16 Para maiores informações ver os Anais do II Encontro Nacional e I Encontro Mineiro de Psicologia Social da ABRAPSO FAPEMIGMC V 1 1986 Este evento foi realizado em promoção conjunta com o Departamento de Psicologia da UFMG e do Departamento de Psicologia da PUCMG A maioria dos trabalhos que foram apresentados neste Encontro estão publicados na revista Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG Ano IV nº 7 setembro de 1 989 69 movimentos sociais psicologia política delegacia de mulheres história da psicologia social entre outras Dois anos mais tarde em setembro de 1989 no Instituto Paraibano de Educação em João Pessoa acontece o V Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO reunindo também inúmeros profissionais da área Iniciam se os grupos de trabalho em torno de uma dada temática de interesse tendo sido criado entre outros o Grupo de Trabalho de Psicologia Comunitária A mesma estruturação envolvendo os grupos de trabalho alem de outras atividades como mesas redondas e simpósios esteve presente nos VI e VII Encontros Nacionais de Psicologia Social promovidos pela ABRAPSO e realizados respectivamente em maio de 1991 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJRJ no Rio de Janeiro e em junho de 1993 na Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI em Itajaí Santa Catarina17 14 Entrando nos anos 90 No início dos anos 90 a nível nacional presencia se a expansão dos trabalhos dos psicólogos junto aos diversos setores e segmentos da população Entretanto cabe salientar que essa expansão acontece dentro de um quadro variado de práticas envolvendo diferentes pressupostos filosóficos e referenciais teóricos Passase a ouvir mais freqüentemente a denominação de psicologia da comunidade São práticas desenvolvidas quando o psicólogo está no posto de 17 Em agosto de 1992 na Câmara Municipal de Belo Horizonte em Minas Gerais foi realizado o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade e Trabalho Social Autogestão Participação e Cidadania Entre as mesasredondas realizadas podese encontrar a de políticas públicas e sociais Participação popular e psicologia da comunidade e trabalho social gritos nossos 70 saúde na secretaria do bemestar social em algum órgão ligado à família e aos menores ou quando o psicólogo está em algum setor vinculado às instituições penais Enfim quando ocupa um espaço profissional dentro de alguma instituição normalmente pública que tem como objetivos ampliar e democratizar o fornecimento dos serviços de diversas áreas para a população em geral Tratase dessa maneira de uma atuação que passa a ser desenvolvida como uma demanda solicitada por uma instituição É uma atividade que surge associada ao contexto do trabalho social na área de saúde havendo o surgimento de problemáticasquestões ligadas à saúde coletiva em que é esperado do psicólogo que ele tenha um papel de trabalhador social dentro dos movimentos de saúde Em decorrência isto contribui para que a psicologia passe a ser vista como fundamentalmente uma profissão da saúde Nesses trabalhos encontramse fortes influências da análise institucional do movimento instituinte e das chamadas intervenções psicossociológicas A existência destas práticas com esta orientação em específico não se restringe aos anos 90 Já em 1986 durante por exemplo o II Encontro Nacional e II Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO realizado em Belo Horizonte encontramse alguns trabalhos que relatam experiências nessa área Em agosto de 1992 em Belo Horizonte durante o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da comunidade e Trabalho Social verificase também o predomínio de trabalhos na área da saúde ou voltados para esta temática numa proporção quatro vezes maior do que os trabalhos referentes às temáticas ligadas às escolas e creches às questões de metodologia do trabalho comunitário ou mesmo ao relato de outro tipo de experiência Entretanto cabe relembrar que as outras práticas denominadas neste capítulo de psicologia na 71 comunidade ou mesmo psicologia comunitária continuaram existindo e sendo desenvolvidas concomitantemente Na realidade estes primeiros anos da década de 90 têm presenciado uma diversidade teórica epistemológica e metodológica no desenvolvimento desses trabalhos em comunidade pelos psicólogos 15 Algumas considerações Ao longo dessas quase quatro décadas verificase que os espaços para o desenvolvimento da prática da psicologia em comunidade assim como os motivos para a realização das mesmas têm se modificado A partir da metade dos anos 80 quando o Brasil vê definitivamente a saída dos militares do governo passando a enfrentar dificuldades quanto à administração e às novas conjunções políticas que se criam em torno do poder mudanças acontecem na esfera da administração pública em relação ao fornecimento de diversos serviços profissionais O resultado das eleições diretas a nível municipal e estadual a partir da década de 80 revelou o peso que a organização e a mobilização populares tiveram após anos de silêncio e de proibições políticas visto que os cargos para a prefeitura e para o governo de Estado em várias regiões do país foram sendo ocupados por candidatos mais progressistas e afinados com as reivindicações populares Ampliaramse as possibilidades de inserção dos profissionais das ciências sociais e humanas em funções e cargos destinados especificamente à prestação de serviços à população E ampliaramse também o espaço de trabalho e a possibilidade de reconhecimento da profissão de psicólogo junto aos setores populares É neste período que em São Paulo por exemplo junto ao governo do estado após inúmeras incursões e 72 debates do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo associado ao Conselho Regional de Psicologia CRP 06SP criase a Possibilidade concreta para que o profissional de psicologia Passe a trabalhar em postosunidades de saúde tendo uma atuação institucionalmente reconhecida Realizamse concursos públicos iniciandose em São Paulo para as novas vagas de psicologia Vários profissionais começam a trabalhar em postosunidades de saúde situados em locais distantes e precários de bairros de periferia podendo oferecer um serviço à população em geral porém agora de uma maneira remunerada e não mais clandestina Outros estados no Brasil gradativamente nos anos que se seguem vão acompanhando esta iniciativa de tal modo que o cargo para a função de Psicólogo foi sendo criado 2 Psicologia na comunidade psicologia da comunidade e psicologia social comunitária Algumas diferenças Tendo sido apresentadas informações a respeito da trajetória e das condições que contribuíram de alguma maneira para o aparecimento dessas práticas considera se que há diferenças entre elas que ultrapassam a mera distinção nominativa Assim poderseia dizer que a psicologia na comunidade de fato surgiu e recebeu essa identificação de na comunidade em uma época em que isso era fundamental eram momentos em que a psicologia vivia fortemente uma crise em relação aos modelos importados e alheios à realidade brasileira e dessa forma assumia a proposta de se deselitizar e de se tornar mais ligada às condições de vida da população Para isso ela necessitava deixar de ser realizada nos consultórios e nas escolas por exemplo e passar a 73 ser desenvolvida na comunidade Foram iniciativas importantes e com uma significação histórica grande para aquilo que se vivia nas décadas de 60 e 70 Durante o passar desses anos o emprego das expressões foram se misturando e se confundindo especialmente entre os termos na e da como que numa sinonímia Somente nestes últimos anos aproximadamente de 1985 para cá adquirindo uma maior força no início dos anos 90 é que a expressão psicologia da comunidade tornouse de uso freqüente Passou a se referir às práticas ligadas às questões da saúde ao movimento de saúde e que envolviam atividades que se realizam atravésda mediação de algum órgão prestador de serviços que se constituía na instituição na qual o psicólogo trabalhava Assim os trabalhos realizados com diversas temáticas situações embasamentos teóricos e orientações metodológicas defendiam que fosse desenvolvida uma psicologia menos acadêmica menos intelectualizada mais identificada com a população permitindo que ela tivesse acesso aos serviços de saúde que o profissional de psicologia poderia e deveria prestar visto que isto é um direito de qualquer cidadão Grande parte dos trabalhos são desenvolvidos dentro de uma perspectiva do chamado trabalho institucional do movimento institucionalista e das intervenções psicossociológicas adotando instrumentais oriundos das vertentes clínicas e educacionais No mesmo sentido porém apresentando diferenças significativas uma vez que compreende o homem como sendo sóciohistoricamente construído e ao mesmo tempo construindo as concepções a respeito de si mesmo dos outros homens e do contexto social encontrase a psicologia comunitária ou que na América Latina tem sido chamado de psicologia social comunitária exatamente para estabelecer esta 74 diferenciação com a prática assistencialista ligada aos serviços de saúde presente nos modelos importados especialmente dos Estados Unidos A psicologia social comunitária utilizase do enquadre teórico da psicologia social privilegiando o trabalho com os grupos colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos 3 Necessidades colocadas à prática da psicologia em comunidade Considerações finais Atualmente procedendose a uma análise cuidadosa sobre as práticas da psicologia em comunidade verificase a coexistência de vários trabalhos apresentando várias características muitas vezes atéincongruentes entre si Alguns elementos mereceriam ser destacados quando se propõe discutir sobre a prática do psicólogo fora dos ambientes tradicionais de trabalho Alguns deles seriam a Os trabalhos desenvolvidos em comunidade perderam seu caráter de clandestinidade presente nas décadas de 60 e 70 principalmente com isso de um lado diminuíram as dificuldades quanto à aceitabilidade ou permissividade do trabalho e de outro aumentaram as condições para se efetuar reflexões e análises sobre os aspectos intrínsecos a essa prática competindo à universidade proceder a tais análises durante o processo de formação de novos quadros de psicólogos b Houve um aumento significativo dos apelos por parte do Estado para uma maior participaçãojunto à sociedade e às suas problemáticas Tais apelos incidiram também sobre as profissões e entre elas sobre a psicologia 75 c Institucionalizouse o espaço para a atuação do psicólogo junto aos diversos setores e segmentos da população Entretanto a identidade e a prática desse profissional do ponto de vista da sua agência formadora no caso dos cursos de graduação permaneceram praticamente inalteradas e pouco debatidas com vistas a qualquer possibilidade de mudança eou adequação às necessidades da realidade social Em trabalho recente Freitas 1994 verificase que os modelos teóricos e a preparação profissional do futuro profissional de psicologia desenvolvidos hoje nos cursos de psicologia pouco diferem da mesma preparação das décadas anteriores Isto pode indicar de um lado uma cristalização da universidade nos modelos teórico metodológicos e de outro a manutenção de condições para que o estudante de psicologia se distancie e desconheça a realidade cotidiana vivida pelo povo do seu país d Quando da inserção e atuação em uma nova realidade para a prática profissional psicológica observa se a adoção dos mesmos modelos de atuação presentes nas formas tradicionais de trabalho do profissional de psicologia Os instrumentos e os modelos filosóficos implícitos na atuação do psicólogo seja na prática clínica ou educacional foram transpostos para a prática em comunidade havendo uma ênfase do seu papel como promotor de saúde e Há ao mesmo tempo alguns trabalhos de psicólogos em comunidade que estão empregando modelos para a sua prática construídos a partir de um referencial teórico proveniente de uma psicologia social crítica fundamentada em uma concepção histórico dialética e construindo para isso instrumentais coerentes a essa postura Poderseia falar da tentativa de construção de um novo paradigma para a compreensão dos fenômenos psicossociais que se materializam e 76 adquirem sua significação em uma perspectiva micro e macroestrutural atravésdas relações travadas no cotidiano e também um paradigma que se estende para o plano da intervenção e da atuação deste profissional junto aos problemas concretos das pessoas de seu país estado ou cidade problemas estes que têm uma incidência única e particular para as pessoas envolvidas Finalizando poderíamos infelizmente dizer que nos nossos cursos de psicologia professores e estudantes desconhecem na sua maioria as condições concretas em que vive a maior parcela da nossa população A extensa divulgação de campanhas e notícias seja atravésda TV do rádio eou dos jornais não e suficiente e infelizmente nem capaz de tornar realmente conhecida e familiar a crueldade da miséria e da fome em que se encontra quase um quarto da nossa população Para se contribuir com uma vida psicológica mais saudável é necessário que o trabalho a ser desenvolvido ultrapasse a esfera do individual e do particular ao mesmo tempo em que adquira uma perspectiva de apreensão da realidade em sua totalidade e em sua concretude histórica podendo então apreender a vida real e concreta das pessoas Fazer isto na especificidade do trabalho das práticas psicológicas significa atuar dentro de uma perspectiva da psicologia social em uma visão sóciohistórica junto às relações que são travadas na esfera do cotidiano eliminandose posturas reducionistas psicologizantes e ahistóricas sobre os processos psicossociais Nestes anos quase a meados da década de 90 podese portanto dizer que não se vive mais a urgência como nas décadas anteriores de produzir a maior quantidade possível de intervenções e práticas junto aos setores populares Nas décadas anteriores em especial durante os anos de exceção era importante que a psicologia enquanto uma prática social claramente 77 comprometida pudesse se ampliar e se estender para além das situações tradicionais contribuindo para o estabelecimento de alianças com as classes sociais desprivilegiadas e assumindo assim um compromisso político a favor da população e das suas formas e possibilidades de organização Entretanto afirmar sobre esta não urgência não pode nos autorizar a dizer que os problemas da população diminuíram ou foram resolvidos Ao contrário poderseia dizer que hoje presenciamos uma pobreza uma miséria e uma fome muito mais crueis e desumanas que têm contribuído para minar e destruir as formas básicas de convivência humana e solidária E é neste contexto e para esta realidade que as práticas da psicologia em comunidade deveriam ser discutidas e construídas de tal modo que pudessem colaborar para a construção da identidade e para o desenvolvimento de uma consciência crítica nas pessoas no seu cotidiano Poderseia dizer que nesta década a exigência feita à psicologia baseiase muito mais na necessidade de serem produzidos trabalhos práticas e intervenções que tenham qualidade e competência suficientes para responderem às exigências que lhes são feitas pelos diversos setores da sociedade Além disso as indefinições e as incertezas quanto à identificação das práticas a existência de pressupostos e instrumentais muito diversos quando da realização dos trabalhos e a percepção de que os psicólogos estão sendo guiados nessas práticas por embasamentos filosóficos e teóricos às vezes contraditórios entre si parecem apontar para a necessidade de serem encontrados critérios que estabeleçam diferenças entre essas práticas levando a refletir sobre a necessidade ou não delas serem chamadas de uma ou de outra maneira 78 BIBLIOGRAFIA AMMANN Safira B Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil São Paulo Cortez Editora1980 ANDERY Alberto Abib Psicologia na comunidade In Psicologia social O homem em movimento Lane e Codo orgs São Paulo Ed Brasiliense 1984 p 203220 Psicologia social e comunitária In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989 7125135 BARREIRO Júlio Educación popular y proceso de concientizacón Madrid Siglo Veintiuno Editores 1985 BASBAUM Leôncio História sincera da república De 1961 a 1967 São Paulo Ed AlfaÔmega 2 edição 1976 BOMFIM Elizabeth M Notas sobre a psicologia social e comunitária no Brasil In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989a 74246 O psicólogo na comunidade In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989b 7 115119 BOMFIM Elizabeth M et alii Meninas de rua O cotidiano e a lei In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUC MC 8 4962 198990 Psicologia comunitária In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988 p 1316 CANIATO Angela A luta pela moradia de exfavelados como parte essencial do processo de formação da consciência social dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1986 CAVALCANTI P Celso U e RAMOS Jovelino coords Memórias do exílio Brasil 1964 São Paulo Editora Livramento 1978 CECCON Claudius et alii A vida na escola e a escola da vida Petrópolis VozesIDAC 1983 CHITARRA Rolando J Construção de projetos sociais alternativos Um estudo de comunidades rurais dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1987 DAMORIM Maria Alice A psicologia comunitária considerações teóricas e práticas In Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 1980 323 p 99105 79 DERDICK Sílvia et alii Psicologia comunitária em bairros periféricos de Osasco In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo ABRAPSO 1981 p 173 178 FRANCO Vânia C A natureza das técnicas de intervenção em comunidades In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988 57073 FREIRE Paulo OLIVEIRA Rosiska D OLIVEIRA Miguel D e CECCON Claudius Exílio e identidade A trajetória de dez anos do IDAC In Vivendo eaprendendo Freire P et alii São Paulo Brasiliense 1980 p 914 FREIRE Paulo Cartas à GuinéBissau Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 Condentización Buenos Aires Ed Busqueda 1974 Educação como prática da liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1979a Multinacionais e trabalhadores no Brasil São Paulo Editora Brasiliense 1979 Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1979b FREITAS M Fátima Quintal de Fatores responsáveis pela inserção do psicólogo na comunidade na grande São Paulo In Anais da XVII Reunião Anual de Psicologia Ribeirão Preto São Paulo SPRP 1987 p 275 O psicólogo e a comunidade In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988a 57485 Psicólogos na comunidade importância e orientação do trabalho desenvolvido In Psicologia Teoria e pesquisa Brasília 198843 236248 Psicologia comunitária Professores de psicologia falam sobre os modelos que orientam a sua prática tese de doutorado em psicologia social PUCSP 1994 O psicólogo na comunidade um estudo da atuação de profissionais engajados em trabalhos comunitários dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1986 GÓIS Moacyr de De pé no chão também se aprende a ler 1961 1964 Uma escola democrática Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira 1980 HOBSBAWN Eric Adeus a tudo aquilo In Depois da queda Fracasso do comunismo e o futuro do socialismo Blackburn Robin org Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p 93106 80 IENO NETO Genaro Psicologia e movimentos populares Algumas possibilidades de aproximação In Revista de Psicologia Fortaleza 51 2935 198 IGLESIAS Francisco Trajetória política do Brasil De 1500 a 1964 São Paulo Companhia das Letras 1993 IOKOI Zilda MG Lutas sociais na America Latina Porto Alegre Mercado Aberto 1989 JACOBI Pedro R Movimentos sociais e políticas públicas São Paulo Cortez Editora 1989 LANE Sílvia TM A psicologia social e uma nova concepção do homem para a psicologia In Psicologia social O homem em movimento Lane e Codo orgs São Paulo Brasiliense 1987 p 1019 Psicologia comunitária na America Latina In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo ABRAPSO 1981 59 LANE Sílvia T Maurer e SAWAIA Bader B Psicologia Ciência ou política São Paulo PréPrint EDUC 1988 MARTINS José de Souza Caminhada no chão da noite São Paulo HUCITEC 1989 OLIVEIRA Rosiska D Os movimentos sociais reinventam a educação In Educação e Sociedade São Paulo Cortez Editora 8 março81 p 3360 PIMENTEL Regina S Fragmentos de um trabalho com a comunidade In Psicologia e Sociedade ABRAPSOPUCMC Ano IV n2 7 set89 p 136142 SADER Eder Quando novos personagens entraram em cena Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 SCHERERWARREN Use e KRISCHKE Paulo J Uma revolução no cotidiano São Paulo Brasiliense 1987 SINDICATO dos Psicólogos do Estado de São Paulo Psicólogo Informações sobre o exercício da profissão São Paulo Cortez Editora 1981 WANDERLEY Manangela Belflore Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade São Paulo Cortez Editora 1993 81 RELAÇÕES COMUNITÁRIAS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO Pedrinho A Cuareschi18 Sem querer criar muita expectativa arriscaria dizer que a leitura das páginas que seguem poderá talvez causar surpresa a alguns leitores Isso porque vou tentar rediscutir os conceitos ligados ao título acima conceitos muito badalados usados e abusados mas que quando escrutinados e trazidos à luz do dia podem de repente mostrar dimensões que em geral permanecem veladas ocultas O que pretendo sem maiores pretensões é fazer um pouco o que Paul Ricoeur chama de levantar suspeitas perfurar as máscaras19 Vamos caminhar por etapas Primeiro vamos fazer uma parada diante da realidade das relações sociais Em seguida vamos perguntar o que elas têm a ver com os grupos comunidades Veremos os vários tipos de relações Deternosemos ao final na discussão de dois tipos centrais as relações de dominação e as relações comunitárias Relações sociais que é isso mesmo É Aristóteles quem diz que o bom filósofo e o bom cientista deve ter a capacidade de se admirar diante das coisas mais óbvias e banais e se perguntar o que aquilo de fato significa Pois você já se perguntou alguma vez o que significa relação Tente dar uma resposta a você 18 Desejo agradecer ao grupo de leitura e discussão da linha de pesquisa Ideologia Comunicação e Representações Sociais do mestrado em psicologia da PUCRS as valiosas críticas e comentários 19 O conflito das interpretações Ensaios de hermenêutica Rio de Janeiro Imago 197887 82 mesmoa Não se espante se não souber conceituar o que seja relação A maioria das pessoas começa a dar exemplos de relações a trazer palavras que são relações como relação e comunicação relação e união etc Mas não é dito o que é relação apenas são dados exemplos de relações Então conseguiu responder o que seja relação Não Vamos lá os filósofos após muita discussão conceituam relação como sendo uma ordenação intrínseca de uma coisa em direção a outra Em latim e curto e rápido Ordo ad aliquid Complicado Nem tanto Pois vamos refletir um pouco sobre isso Uma vez uma jovem de 15 anos conceituou relação de um modo simples e claro relação é uma coisa que não pode ser ela mesma se não houver outra É isso mesmo Relação é uma coisa que não pode existir que não pode ser sem que haja uma outra coisa para completála Mas essa outra coisa fica sendo parte essencial dela Passa a pertencer à sua definição específica Vamos tentar exemplificar para melhor compreender Tomemos uma pessoa a Maria Dizemos comumente que a Maria é uma pessoa um ser Atenção um Agora se digo Maria mãe eu já digo três pois para a Maria ser mãe ela precisa de ao menos mais dois um marido e um filho Mas a mãe não é uma É uma mas na sua definição entram mais dois de maneira absolutamente necessária de tal modo que se não houver um marido e um filho a Maria será a Maria mas não será mãe Então se diz que mãe é um conceito relativo isto é mãe como pai filho irmão etc implicam relação Esta é pois a definição de relação uma ordenação um direcionamento intrínseco necessário de uma coisa em direção a outra Mas essa coisa continua uma Nesse sentido relação é um e e três ao mesmo tempo embora não sob o mesmo aspecto Então 83 comunicação união diálogo etc são relações mas relação e muito mais é um conceito que se aplica a uma realidade que não pode ser ela mesma sem que haja uma outra coisa Muitas vezes ficamos com a impressão principalmente devido aos exemplos que são dados de que relação seja algo que une que liga duas coisas Nem sempre é assim O conflito por exemplo é uma relação como a rejeição a exclusão Relação existe sempre que uma coisa não pode sozinha dar conta de sua existência de seu ser O conflito a exclusão são relações pois ninguém pode brigar sozinho e se há exclusão há alguém que exclui e alguém que e excluído A percepção da relação é pois uma percepção dialética percepção de que algumas coisas necessitam de outras para serem elas mesmas Interessante nesse contexto é se perguntar como as pessoas se definem como elas se vêem a elas mesmas Essa discussão é fascinante Há alguns que se vêem e vêem os outros como se fossem indivíduos isto é entidades que não têm nada a ver com os outros isolados suficientes em si mesmos A filosofia liberal vê os seres humanos exatamente desse jeito O máximo que se aceita e que entre dois seres possam existir relações mas eles são entidades à parte Quando se fala então em pessoas em relação precisaria precisar melhor se são indivíduos que se relacionam ou se são pessoas relação como veremos em seguida Outros já tomam o ser humano como se fosse peça de uma máquina parte de um todo Sua explicação é dada pelo todo o estado a instituição que é a realidade fundamental Temos aqui todas as formas de totalitarismo conseqüência de um sociologismo crasso Finalmente há os que vêem os demais e se consideram a si próprios como pessoas relação isto 84 é seres que em si mesmos implicam outros seres que ao se definirem já incluem necessariamente outras pessoas São únicos singulares como é único um pai um irmão e por isso são sujeitos de responsabilidade mas não se explicam nem se definem apenas a partir deles e neles próprios Sua subjetividade e um ancoradouro de milhões de outros de relações Dentre um universo de milhões de relações que eles estabelecem no decorrer de suas vidas eles recortam sua figura única singular mas plena de outros Relações sociais como elemento definidor dos grupos Muitíssimas vezes alunos tanto de graduação como de pósgraduação têmme procurado para solicitar material sobre grupos ou referências sobre grupos Fico então pensando sobre alguma bibliografia artigos e me dou conta de que existem milhares de trabalhos Mas o que me fica mordendo por dentro é a questão Será que com a leitura de todo esse material as pessoas vão se dar conta do que mesmo constitui um grupo20 Pois é isso que gostaria de discutir agora de tentar perfurar máscara de questionar esse óbvio Comece a responder a você mesmoa como fez com o conceito relação o que seria um grupo o que constituiria o essencial de um grupo Já respondeu Vejamos O que constitui um grupo é o número de pessoas Bem precisa haver ao menos duas ou se dermos razão ao antigo proverbio latino que diz que dois não constituem um grupo duo non faciunt collegium ao menos três Mas pode haver três cem 500 sempre e um 20 Quando se falar aqui em grupo podese incluir também uma comunidade um grupo comunitário Veja porém a discussão feita no item Relações comunitárias 85 grupo Parece que não é o número então que constitui o grupo Seria o tipo de pessoas O sexo homens ou mulheres A cor brancos ou negros A etnia italianos alemães etc A religião católicos protestantes Parece que também não Seria a distância entre eles Para ser um grupo todos têm de estar no mesmo lugar Também parece que não pois dizemos que o grupo de desempregados fez um protesto mas não chegaram nem a se reunir Não é então a distância nem o contato físico que é essencial ao grupo Veja adiante a discussão sobre público Que seria então Pois aqui está o interessante o que constitui um grupo é a existência ou não de relações Comece a conferir Se não há relação nenhuma entre pessoas jamais se poderá falar em grupo o que existe é como se fosse um poste ao lado do outro sem ninguém ter nada a ver com outro Agora no momento em que se estabelecer qualquer relação entre pessoas começa aí um grupo Elas têm de ter algo em comum e esse comum é exatamente o que pode estar tanto numa como noutra E esse comum e a relação que perpassa por todas está presente em todas fazendo essa amarração conjunta Essas relações está claro podem ser de milhões de tipos diferentes Podem também ter uma intensidade maior ou menor Em certos grupos as relações podem ser extremamente fluidas às vezes baseadas apenas em um aspecto Particular como o fato de ser mulher ou ser brasileiro Em outros casos as relações podem ser fortemente intensas de grande coesão de tal modo que se alguém mexe com um membro do grupo todos os outros se sentem atingidos e tomam as dores dessa pessoa O que constitui um grupo pois são as relações Se quiser saber se há grupo ou não veja se há relações 86 ou não Se quiser saber de que tipo é o grupo veja qual o tipo de relações como veremos mais adiante Se quiser mudar transformar um grupo comece por transformar as relações existentes nesse grupo3 Visão estática versus visão dinâmica de grupo Uma conseqüência extremamente importante que deve ser realçada e colocada com clareza ao se conceituar o grupo a partir do conceito de relação e o enfoque dinâmico e ao mesmo tempo aberto que e assumido na análise e discussão dos grupos Por quê Veja lá De relação vem a palavra relativo Ora relativo e o contrário de absoluto Absoluto quer dizer total completo fechado sem contradições Se eu vejo entãoo grupo a partir de relações eu vou ter uma visão de grupo sempre relativa isto é incompleta em construção em transformação Isso quer dizer que nunca posso fechar a compreensão de um grupo saber tudo sobre um grupo Se ele se constitui a partir de relações estas relações são dinâmicas sempre mutáveis podem mudar de um momento para outro O máximo que eu posso dizer e que nesse momento as relações são estas Mas elas podem dentro de pouco tempo ou à medida em que os participantes do grupo adquirirem mais ou menos poder se transformar e com isso transformar o grupo Veja agora você a enorme diferença que existe entre conceituar grupo a partir de relações e conceituálo a partir de uma visão estática e fotográfica Dentro da visão funcionaiistapositivista de grupo o pressuposto que permanece e que o grupo e algo estático com suas estratificações a própria palavra já trai a visão estática onde as pessoas possuem posições outra vez a sugestão de estabilidade e desempenham papeis que se supõem os membros do grupo têm de desempenhar 87 Bem pode ser que você goste ou ache mais interessante esta segunda visão baseada em pressupostos estáveis Acontece porém que dentro desse enfoque podese perceber apenas uma dimensão do grupo Refletindo um pouco mais podese ver que isso traz conseqüências para a prática concreta A tentação de pensar que eles sempre foram assim e conseqüentemente sempre serão assim e muito forte As possibilidades de ver que são possíveis mudanças ficam veladas diminuídas Você mesmo pode constatar que os grupos mudam e às vezes mudam bem rapidamente Qual então o instrumental mais adequado para se poder compreender os grupos de um modo mais completo Responda você mesmo Multidão massa público É certamente esclarecedor discutir aqui dois conceitos que aparecem algumas vezes nas discussões e que são importantes para nossa discussão futura sobre comunidade o de massa ou multidão e o de público Costumase chamar de massa ou multidão a existência de um grande número de pessoas ligadas porcontigüidade física isto é que estejam num mesmo local Não são precisamente grupos como os tomamos aqui São mais amontoados de gente onde as pessoas não chegam em geral a se conhecer E o caso por exemplo da maioria das multidões que se congregam nos estádios de futebol Se é verdade que todas vão para ver o jogo também é verdade que ninguém se conhece que não há relação nenhuma entre além do fato de estarem no mesmo lugar Na multidão as relações entre pessoas praticamente inexistem e a única relação fica sendo como um chefe um dirigente Ele pode com facilidade usar a emoção e o calor que o contato físico desperta para 88 manipular essas multidões e leválas a fazer coisas que um grupo que reflete nunca faria Por isso as multidões são sempre perigosas Lê Bon21 explica que no contágio das multidões as pessoas liberam o id e se guiam pelas emoções A certeza da impunidade ninguém consegue saber quem fez o quê aumenta a irresponsabilidade Ao discutirmos o que é comunidade vamos ver que são muito diversas as relações de um grupo onde as pessoas se conhecem e se estimam comunidade das relações que se verificam na multidão Já o que se convencionou chamar de público e algo um pouco diferente também são multidões mas sem contigüidade física pois estão espalhadas por milhares de locais e a única ligação entre elas e o fato de estarem por exemplo sintonizados num mesmo canal de televisão ou numa mesma estação de rádio ou serem leitores de um mesmo jornal de uma revista Mas entre esses teleouvintes ou telespectadores nem se conhecem nem se relacionam sob mais nenhum aspecto Se o público por um lado não traz os perigos que as multidões podem ocasionar por outro lado as relações ali estabelecidas são unidirecionais de mão única provindas de uma boca grande que fala sozinha e milhões que só escutam e vêem sem possibilidade de dar um retorno E o que acontece com os Meios de Comunicação de Massa que detêm por isso grande possibilidade de manipular e condicionar as pessoas Relações e relações Você já deve terse dado conta de que uma relação pode ser de mil tipos diferentes A única coisa 21 21 Custave Lê Bon 1 895 La Psyciooge dês Foules Paris AlcanfErtt inglês The Crowd 1960 Nova Iorque The Viking Press 89 que ela de fato exige e que haja vários elementos presentes como já vimos acima Relação nunca se predica de uma só entidade pois ela sempre implica outros É questão agora de examinar para cada caso específico o tipo de relação existente e conseqüentemente ver de que tipo de grupo se trata Essa não é evidentemente uma tarefa fácil É necessária muita observação muita argúcia muita paciência Muitas vezes as relações são mais latentes que manifestas Mais disfarçadas que evidentes O discurso muitas vezes e o contrário da prática Usamse para a tarefa de se detectar as relações todos os instrumentos de pesquisa que forem necessários observação entrevistas pesquisa participante questionários enfim todo tipo de teste que possa revelar a vida social esta vida que se constrói nas e pelas relações e se é vida é sempre dinâmica sempre em transformação Fica claro também que as relações podem ser diferentes até mesmo contraditórias dependendo do momento É importante então ver quais são as que mais se manifestam a intensidade com que se mostram sua abrangência e generalização Tornase evidente ainda que é extremamente difícil senão impossível quantificar essas relações Elas devem ser vistas numa escala de mais ou menos gerais mais ou menos intensas mais ou menos fixas Relações de dominação A estas alturas podemos nos deter na análise de um tipo especial de relação a relação de dominação parte do título desse trabalho Acho importante como início de conversa fazer aqui uma distinção ainda bastante nova mas muito 90 prática e que vai ajudar a ver as coisas com mais clareza tratase de distinguir entre poder e dominação22 Podese definir poder como sendo a capacidade de uma pessoa de um grupo para executar uma ação qualquer ou para desempenhar qualquer prática Nesse sentido todas as pessoas têm algum poder na medida em que podem fazer alguma coisa Já dominação é definida como uma relação entre pessoas entre grupos ou entre pessoas e grupos atravésda qual uma das partes expropria rouba se apodera do poder capacidade de outros Por extensão dominação e uma relação onde alguém a pretexto de o outro possuir determinadas qualidades ou características como o fato de ser mulher de fazer parte de determinada etnia ou raça de ser jovem etc se apropria de seus poderes capacidades e passa a tratálo de maneira desigual Dominação portanto é uma relação assimétrica desigual injusta se quiser Essa distinção é muito estratégica pois de repente nos damos conta de que todos têm poder atémesmo aquelas pessoas que oficialmente não exercem ou não ocupam posições de poder mas na prática são as que fazem tudo ou quase tudo pois têm capacidade podem fazer essas coisas Origem da dominação Uma questão curiosa é descobrir como surge a dominação Para se entender melhor esse mecanismo 22 São diversos os autores que tentam refinar esses conceitos Entre eles estão John B Thompson Ideology and modern Culture Cambndge Polity Press 1990 1 5Qs Enk Wright University of Wisconsin Departamento de Sociologia e outros Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema vejase Cuareschi Sociologia da prática social Petrópohs Vozes 1992 p 125129 91 necessitamos de um outro conceito importante o de ideologia Podese definir ideologia ao menos e assim que a maioria dos autores hoje o fazem23 como sendo o uso o emprego de formas simbólicas significados sentidos para criar sustentar e reproduzir determinados tipos de relações Ideologia e o que vai dar sentido significado às coisas Ideologia nesse sentido poderá servir para criar e sustentar relações tanto justas éticas como também para criar e sustentar relações assimétricas desiguais injustas que chamamos de relações de dominação A ideologia no seu diaadia vai criando significados sentidos definições de determinadas realidades Esses significados e sentidos têm sempre uma conotação de valor positivo ou negativo Por exemplo a partir de aparências nem sempre fundamentadas começamos a dizer que os homens ou as mulheres são mais trabalhadores mais honestosas etc Ou começamos a dizer que os brasileiros são mais bondosos que os japoneses são mais trabalhadores que os negros são mais festeiros etc Dizendo com outras palavras vamos criando juízos de valor discriminações estereótipos preconceitos Vamos juntando ligando qualidades características valorativas a determinadas pessoas ou coisas Esses estereótipos quando negativos criam e sustentam as relações de dominação Começase a dizer por exemplo que as mulheres são mais afetivas que não possuem tanto poder de decisão de realização se for usada a expressão em inglês achievement motive 23 John B Thompson em seus dois livros já clássicos sobre ideologia Studies in the Theory of ideology e ideology and Modem culture ambos de Cambridge Polity Press 1990 faz um excelente apanhado crítico da história e das teorias sobre ideologia assumindo esta definição operativa 92 impressiona mais A partir daí fica fácil pagar às mulheres apenas 60 do que se paga aos homens como nos dizem as estatísticas A expropriação econômica está baseada num estereótipo ideológico O mesmo acontece com os negros Primeiramente se diz que os negros são mais alegres gostam de festa não gostam muito de trabalhar outra maneira de dizer que são preguiçosos etc Daí para se pagar então apenas 70 do que se paga aos brancos como também comprovam as estatísticas e apenas um passo E assim por diante Diferentes formas de dominação Concluise do que se viu acima que são inúmeras as formas de dominação A dominação econômica que é a forma mais geral e para onde vão desaguar quase todas as outras acontece sempre que alguem rouba expropria a capacidade poder de trabalho de outras pessoas O trabalho humano e a fonte única de riqueza das nações É só trabalho que pode ser explorado nada mais Essa é com certeza a principal forma de dominação e se faz presente em geral como conseqüência da dominação política e cultural que veremos abaixo Uma segunda forma é a dominação política Política no seu sentido mais amplo é o conjunto de relações que se estabelecem entre pessoas e grupos na sociedade em geral Vivemos todos mergulhados nessas relações políticas pelo fato de vivermos numa sociedade No sentido mais estrito entendese por política as relações que se estabelecem entre pessoas ou grupos e os responsáveis pelo bem comum de toda a sociedade são as relações que se dão entre o Estado o governo e os cidadãos Todas as ações humanas são políticas no sentido mais geral do termo o ser humano e um ser político por natureza São chamadas relações políticas no 93 sentido estrito do termo as que se dão imediatamente entre os cidadãos e seus governantes entre os cidadãos e o Estado Existe então uma dominação política quando as relações entre pessoas e grupos entre grupos ou entre as pessoas grupos governo e Estado não forem justas democráticas desrespeitando os direitos dos diversos sujeitos Uma terceira forma de dominação mais difícil de se detectar é a dominação cultural Cultura no seu sentido mais amplo é todo agir humano Delimitamos aqui o sentido de cultura como sendo um conjunto de relações entre pessoas ou grupos que se sedimentaram que de certa forma se cristalizaram de tal modo que em alguns casos passam a ser pensadas e tratadas como se fizessem parte da própria natureza das pessoas e das coisas Sendo que muitas vezes essas relações cristalizadas são assimétricas desiguais dáse o fato de existirem em determinadas circunstâncias relações de dominação cultural Essa dominação possui inúmeras formas como por exemplo o racismo que como relação de dominação tem sua origem na criação de estereótipos e discriminações negativos de um grupo racial sobre outro Isso produz assimetrias que vão se materializar em ações e práticas de subordinação de expropriação política e econômica e muitos outros tipos de exclusão do grupo discriminado24 o patriarcalismo que consiste no estabelecimento de assimetrias com base nas relações de gênero Costumase distinguir hoje em dia entre a dimensão biológica todos temos um sexo e a dimensão cultural o gênero masculino ou feminino Essa dimensão cultural é construída pelos usos e costumes humanos é resultado 24 Para uma discussão mais aprofundada dessa questão vejase Pednnho A Cuareschi Sociologia da prática social Petrópolis Vozes 1992 cap XVII 94 das relações que se estabelecem entre os diferentes gêneros e é aí que vamos encontrar relações assimétricas desiguais onde homens ou mulheres passam a dominar ou explorar os parceirosas25 o institucionalismo que consiste em colocar uma instituição como uma igreja por exemplo como a única Verdadeira ou como mais importante que todas as outras Pessoas são formadas com a ideia de que determinada instituição é absoluta eterna com isso se legitimam repressões e ações injustas contra as pessoas pertencentes às demais instituições Poderíamos enumerar muitas outras formas de dominação baseadas em diferentes aspectos culturais como a dominação religiosa a partir de uma religião ou igreja a dominação profissional a partir de um determinado tipo de profissão como ser professor advogado Fica a critério de cada comunidade identificar quais as relações de dominação cultural existentes em seu meio Relações comunitárias Chegamos finalmente ao ponto central ao cume de nossa discussão Na caminhada que fizemos até aqui você certamente já foi detectando os muitos desvios por onde nos podem levar determinadas práticas baseadas em diferentes tipos de relações Restanos agora mostrar quais as relações que embasam uma prática comunitária essa possível via régia ou caminho real que nos poderia conduzir a uma sociedade verdadeiramente democrática participativa igualitária 25 Idem cap XIV 95 Comunidade o que é isso É difícil fugir à seguinte questão o que é mesmo uma comunidade Na verdade é aí que reside todo o problema Ao conceituarmos o que seja uma comunidade já estaremos discutindo essas relações pois ela será conceituada ou definida a partir dessas relações específicas Foram muitos os que se aventuraram em discutir comunidade Um dos primeiros foi o filósofo alemão Ferdinand Tõnnies26 Para ele a comunidade é uma associação que se dá na linha do ser isto é por uma participação profunda dos membros no grupo onde são colocadas em comum relações primárias como o próprio ser a própria vida o conhecimento mútuo a amizade os sentimentos Já a sociedade é uma associação que se dá na linha do haver isto é os membros colocam em comum algo do seu algo do que possuem como o dinheiro a capacidade técnica sua capacidade esportiva Os seres humanos participam pois da comunidade não pelo que têm mas pelo que são Uma das conceituações mais interessantes de comunidade atribuída a Marx é a seguinte um tipo de vida em sociedade onde todos são chamados pelo nome Esse ser chamado pelo nome significa uma vivência em sociedade onde a pessoa além de possuir um nome próprio isto é além de manter sua identidade e singularidade tem possibilidade de participar de dizer sua opinião de manifestar seu pensamento de ser alguém Essa é a visão de ser humano como pessoa relação Como vimos no início ao discutir o conceito de 26 Ferdinand Tõnnies 18551935 tornouse famoso por sua obra Gememschaft und Ceseilschaft Comunidade e sociedade onde mostra a diferença e os critérios para diferenciar comunidade e sociedade 96 relação ela supera dois extremos muito comuns hoje em dia que se constituem em duas distorções reducionistas e por isso mesmo inibidoras de um pleno desenvolvimento humano de um lado um individualismo grosseiro fundamentado na filosofia liberal que tem como pressuposto um ser humano isolado de todos auto suficiente fechado sobre si mesmo sempre em competição para poder sobreviver de outro lado o pressuposto de um ser humano como peça de uma máquina parte de um todo colocado a serviço do Estado ou de instituições burocráticas anulado em sua subjetividade Vivendo em comunidade as pessoas têm possibilidade de superar esses extremos mantendo sua singularidade mas necessitando dos outros para sua plena realização Na comunidade elas têm voz e vez podem colocar em ação suas iniciativas desenvolvem sua criatividade mas seu ser não se esgota nelas mesmas elas se completam na medida em que se tornam um ser para exercitando sua plena vocação de animal político social Poderíamos fazer aqui uma ligação entre comunidade e democracia Quando pode uma sociedade ser chamada verdadeiramente de democrática Normalmente se diz que democracia exige participação respeito à dignidade e singularidade de todos os cidadãos etc Mas na prática como e quando isso se dá Do que se expôs acima podese perceber muito bem que é somente quando existem verdadeiras comunidades onde as pessoas são chamadas pelo nome isto é são identificadas e podem participar que pode existir democracia Um país pode ter 150 milhões de habitantes Mas esse país somente será democrático se houver em sua base uma rede de comunidades onde os cidadãos exercitam seus direitos de participação e são respeitados como pessoas É nesse nível básico que acontece a vida e a vivência democrática Se não houver 97 democracia em nível comunitário não poderá haver democracia em nenhum outro nível seja municipal estadual ou nacional O teste de uma sociedade democrática é a existência de verdadeiras comunidades As relações comunitárias que constituem uma verdadeira comunidade são relações igualitárias que se dão entre pessoas que possuem iguais direitos e deveres Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz que todos sejam reconhecidos em sua singularidade onde as diferenças sejam respeitadas E mais as relações comunitárias implicam também a existência de uma dimensão afetiva implicam que as pessoas sejam amadas estimadas e benquistas O trabalho comunitário Gostaria ao terminar de levantar alguns questionamentos sobre alguns aspectos ligados ao trabalho comunitário especificamente aos assim chamados estágios que tanto a psicologia comunitária como osas estudantes de Serviço Social e de outras faculdades realizam nas comunidades Não se pode deixar de constatar as excelentes experiências que vários grupos estão fazendo em diversos lugares É uma nova psicologia comunitária que está nascendo Por isso mesmo esses questionamentos são mais alertas para que possamos pensar e nos posicionar antes de tentar essa experiência Um primeiro questionamento ligase ao fato tido como normal de que na maioria das vezes esses estágios são realizados em vilas pobres carentes Qual seria a razão de isso ser assim Uma segunda questão central se propõe perguntar sobre o que na verdade osas estudantes vão fazer nesses locais vão para lá para se exercitar Para aprender Para ensinarajudar 98 O pressuposto a não ser que eu esteja muito equivocado é que esses estágios além de serem um treino querem também ajudar ser um serviço a essas comunidades carentes Mas como saber de antemão que aquelas sejam comunidades com problemas Não poderia ser o caso de existirem lá verdadeiras comunidades com alto grau de participação e grande coesão afetiva Que iriam fazer lá então osas estagiáriosas Iriam ajudar no quê Suponhamos porém que se vá para uma comunidade a fim de aprender Mas se e por essa razão por que não dirigirse também para locais onde existem boas comunidades como por exemplo para os bairros chiques e sofisticados de nossas capitais Será que essas comunidades não poderiam ser um local de aprendizado e não teria coisas boas a oferecer Indo um pouco mais a fundo na questão digamos que essesas estagiáriosas vão para colaborar e para testar de certo modo seus conhecimentos teóricos Se assim é por que ir quase que exclusivamente para as comunidades das vilas e periferias economicamente pobres E poder seia perguntar ainda mais será que a razão de essas vilas e periferias serem assim tão pobres e marginalizadas não é devido em grande parte ao fato de existirem comunidades ricas e opulentas Não é dessas comunidades que procedem em geral os próprios governantes e técnicos dessas cidades E será que um bom estágio de psicologia comunitária ou serviço social não poderia colaborar para que essas comunidades de elites se abrissem à problemática social se solidarizassem com os excluídos já que solidariedade hoje o termo da moda Que dizer disso O que de fato se quer questionar é se uma comunidade para ser boa comunidade depende do seu nível econômico e se um estágio precisa necessariamente ser feito entre vilas periféricas 99 Enfim um último questionamento será que por detrás dessa questão não se poderia entrever presente em nossas universidades certo maior ou menor preconceito elitista de que os bons são os que vivem bem em regiões abastadas e que os menos bons são os que vivem nos bairros pobres E que os que estudam nas universidades têm de redimir ajudar esses pobres Gostaria de concluir com uma pequena reflexão Todos os que já viveram ou tiveram algum contato com comunidades sejam quais forem sabem muito bem que todas elas possuem um saber que em princípio não e nem pior nem melhor que o nosso é apenas diferente Qualquer atividade que porventura venha a ser desenvolvida com tais grupos deve ter em mente no mínimo duas coisas primeiro um respeito muito grande pelo saber dos outros Isso exige que eu comece por prestar atenção não apenas ao que as pessoas dizem mas também ao que as pessoas fazem E só podemos chegar a isso na medida em que nos formos inserindo nas comunidades com cuidado e humildade como alguém que pede licença para poder participar segundo que o projeto inclua além do diálogo e a partilha de saberes a garantia de autonomia e autogestão das próprias comunidades Afinal são eles que lá vivem e que vão continuar a viver Quem vai por um tempo para prestar um serviço para partilhar seu saber não pode retirar das comunidades essa prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia A autogestão e o ápice de relações genuinamente democráticas onde há participação de todos Essas questões provocantes e importantes devem fazer parte da agenda de qualquer pessoa que de um modo ou outro queira entrar em contato com qualquer atividade no campo da psicologia social comunitária 100 A INSTITUIÇÃO COMO VIA DE ACESSO À COMUNIDADE Lacyara C Rochael Nasdutti As questões ligadas às instituições sociais têm despertado cada vez mais a atenção e o interesse de estudiosos das ciências humanas e sociais Isso pode ser constatado tanto nos meios acadêmicos com objetivos de construção teórica e de pesquisas quanto nos grupos de atuação eminentemente prática cujos objetivos primeiros são a ação social e a reflexão sobre as diferentes práticas e seus efeitos junto aos grupos interessados O objetivo deste texto e o de buscar clarificar as interrelações entre instituições e comunidade e discutir o lugar que esse tema ocupa na psicossociologia Assim sendo é importante iniciarmos essa exposição contextualizando os conceitos utilizados para em seguida referenciandonos em pressupostos teóricos e metodológicos específicos discutirmos a prática do psicossociólogo em instituições nas perspectivas da psicossociologia de comunidades27 Por que a instituição Quando alguem ingressa como aluno em uma universidade seja ela qual for tem certas expectativas com relação à sua vida nessa instituição à maneira como 27 A preferência pelo termo psicossociologia ao de psicologia social segue a proposição de J Maisonneuve que o privilegia exatamente pelo fato de que o termo não privilegia a ascendência do psicológico sobre o social nem seu inverso mas pressupõe sim uma interação entre ambos Maisonneuve J 1977 101 vai ser visto e tratado pelos funcionários pelos professores pelos colegas e atémesmo por pessoas estranhas à universidade Da mesma forma espera que essas pessoas se comportem conforme os lugares que ocupam na hierarquia institucional assim como pressupõe que os conhecimentos que ali lhe serão transmitidos sejam coerentes com o prestígio e a função de uma universidade da qual espera ainda obter um diploma que seja reconhecido pública e oficialmente lhe permitindo assim o ingresso no mercado de trabalho Enfim o aluno pressupõe que seus objetivos de forma geral coincidam pelo menos em parte com os objetivos das outras pessoas que ali se encontram e da própria universidade enquanto instituição de ensino Isso também acontece quando alguém se interna em um hospital como paciente ou quando ingressa no mesmo hospital como profissional médico enfermeiro psicólogo técnico administrativo etc Sabemos que quando ingressamos em uma instituição qualquer temos que nos conformar às regras cumprir exigências desempenharmos um papel que já nos é prescrito de antemão É um pequeno mundo uma pequena sociedade na qual vivemos Por outro lado é ali também que queremos ser reconhecidos em nossa singularidade que queremos fazer valer nossos direitos e vontades realizar nossos objetivos individuais E assim como nós todos os outros que ali se encontram não importa a posição ou papel desempenhado todos buscam o mesmo isto é cada um visa atender seu objetivo individual se deparando entretanto com um mesmo quadro institucional De um lado o coletivo o social determinante das regras das leis dos papeis e das formas estabelecidas de interrelação entre os indivíduos De outro as diferentes necessidades conscientes e desejos quase nunca conscientes de diferentes indivíduos também determinantes de suas 102 ações E o palco das articulações e desarticulações entre tais determinantes de origens diversas social e psicológica e justamente a instituição Viver coletivamente implica assim em instituirse em organizações o que significa divisão de papéis divisão de trabalho e bem ou mal hierarquização das relações sociais estabelecendose como conseqüência as relações de poder que permeiam toda e qualquer relação social Voltemos então à questão colocada Por que a instituição A instituição como campo de pesquisa e de ação para a psicossociologia de comunidades se mostra como lugar privilegiado pois constitui o espaço socialmente organizado no qual se dão as articulações entre os diferentes elementos sociais econômicos ideológicos culturais e políticos e os elementos psicológicos Essas articulações como veremos mais à frente podem ser apreendidas atravésda análise psicossocial realizada no próprio real institucional Rochael Nasciutti 1991 Os dispositivos institucionaisoferecem bem ou mal aos indivíduos a possibilidade de manifestações psíquicas de confrontação interpessoal e de ação individual ao mesmo tempo em que representam em sua estrutura organizacional as imposições legais políticas e econômicas que regulamentam a sociedade Lugar portanto do conflito inerente à vida coletiva e à inter relação entre os indivíduos Conflito que pode se manifestar atravésdo disfuncionamento manifesto no nível organizacional ou nível subjacente mascarado em práticas ritualizadas Mas o que vem a ser mesmo uma instituição O termo instituição vem sendo usado no contexto da psicossociologia por diferentes teóricos 103 fundamentados principalmente em Castoriadis28 para designar em princípio tudo aquilo que no social se estabelece aquilo que é reconhecido por todos como fazendo parte de um amplo sistema social De maneira geral podemos dizer que tudo aquilo que se tornou instituído reconhecido como tendo existência materializada na vida social e instituição Nessa concepção ampla do conceito o menino de rua por exemplo passou a ser uma instituição social em nosso país atual uma vez que a existência de uma ampla legião de meninos de rua e reconhecida pela sociedade civil e mesmo oficialmente pelo Estado Podemos citar os sistemas formais de ensino de saúde o casamento a Igreja e o Estado como exemplos de grandes instituições que regulamentam a vida em sociedade Essas grandes instituições no entanto se concretizam na realidade social em redes de estabelecimentos de ensino colégios universidades em hospitais nas famílias nas paróquias locais e nas repartições públicas distribuídas de forma equilibrada ou não pelas diferentes comunidades que compõem o tecido social Na verdade essas unidades organizacionais instituídas como uma universidade por exemplo passam a existir não só como parte como estabelecimentos das grandes instituições no caso a instituição educação mas passam a ter vida própria e são instituições em si mesmas Elas são ligadas à cultura local influenciando e sendo influenciadas pelos contextos social político e econômico nos quais se inscrevem atravessadas pelo imaginário social incluindo ainda um sistema simbólico próprio Podemos assim falar em 28 Comellus Castoriadis pensador de origem grega faz parte da intelectualidade francesa contemporânea Seu livro A instituição imaginária da sociedade serviu de base para o desenvolvimento de diversos estudos e teorias institucionalistas e psicossociais ressaltando questões ligadas ao imaginário e ao simbólico na constituição social 104 instituições existentes dentro de outras instituições mais amplas Alem disso existem inúmeras outras instituições sociais autônomas que permeiam a dinâmica social com diferentes objetivos surgidas espontaneamente dos movimentos sociais e da realidade históricosocial como as associações de trabalhadores de moradores ou as Organizações NãoGovernamentais A importância que as instituições têm na organização da vida social tanto quanto na organização da vida individual e reconhecida pela psicossociologia que faz destas um de seus objetos privilegiados de estudo como colocado acima Situemos a seguir os princípios teóricos què embasam essa linha de estudos Os pressupostos da psicossociologia Na perspectiva da psicossociologia os processos individuais conscientes e inconscientes são considerados como tendo o mesmo grau de importância que os processos sociais Assim nesse espaço de articulação teórica que a psicossociologia se insere não há uma redução dos processos sociais às projeções imaginárias individuais nem se considera que o psiquismo individual seja totalmente sujeito aos determinantes objetivos da realidade social É verdade que o social atua de forma determinante sobre o comportamento individual e mais ainda se inscreve no corpo e no psiquismo do indivíduo na representação que ele faz de si mesmo e dos outros e nas relações que ele mantem com o outro Porem esse mesmo social obedece em sua organização aos ditames das vicissitudes humanas das exigências psíquicas individuais Nessa ótica social é tudo aquilo que se refere à vida coletiva organizada e psicológico e tudo o que se refere ao indivíduo tanto no nível consciente quanto no inconsciente como ator social responsável e como sujeito 105 do inconsciente embora não sejam entidades estanques e independentes entre si Pelo contrário são indissociáveis só podemos nos referir ao social e ao psicológico como forma didática de falarmos de espaços que na realidade se confundem Se a psicossociologia considera seu objeto de estudo o homem em situação social como complexo e atravessado por múltiplos determinantes é conseqüentemente lógico que procure estabelecer relações e articulações entre contribuições teóricas das diversas disciplinas que sob suas especificidades analisam as questões que chamamos de psicossociais Assim os fundamentos teóricos da psicossociologia são multireferenciais conteúdos principalmente da sociologia e da psicanálise vêm se juntar aos conteúdos da psicologia social assim como os de disciplinas afins como a antropologia e a história Esses diferentes saberes que se complementam são articulados entre si na tentativa de apreensão do sentido das atividades sociais humanas Articulações difíceis e perigosas pois a transposição de conceitos elaborados dentro de um corpo teórico para outros campos de saber não pode se dar de forma a descaracterizálos ou tornálos sem sentido ou pior desvirtuálos das significações epistemológicas nos quais foram moldados Tratase na verdade de relações possíveis de serem estabelecidas entre orientações congruentes dessas disciplinas onde os conceitos específicos resguardam e respeitam seus contextos de origem Mesmo em uma única disciplina como na própria psicologia existem diferentes olhares conceitos diferentes ou atédivergentes entre si E mesmo nessa forma interior de teorização decorrente da postura de teóricos e pesquisadores em psicologia frente à vida às ciências e ao conhecimento comum mesmo assim buscamos estabelecer relações entre nossas teorias visando uma maior compreensão da realidade complexa 106 esta sim impossível de ser explicada e compreendida a partir de um único olhar disciplinar O campo da psicossociologia e o dos grupos das instituições dos conjuntos concretos conforme define o psicossociólogo francês E Enriquez 1983 nos quais o indivíduo se encontra e que mediatiza sua vida pessoal e a coletividade Diversos teóricos da sociologia e psicossociologia contemporânea como Alain Touraine Pierre Ansart e Eugène Enriquez na França enfatizam aspectos individuais e psíquicos na dinâmica social principalmente no que se refere à sua constituição simbólica e imaginária Por outro lado as obras ditas sociológicas de Freud29 contribuem para a compreensão da organização social quanto à carga de projeções psíquicas que ela comporta A concepção do ser histórico para a psicologia social conforme desenvolvida por S Lane inclui os aspectos ideológicos e da consciência que marcam a atividade do homem na sociedade contribuindo assim para a análise psicossocial junto a grupos instituições e comunidades Historicamente a análise psicossocial institucional se filiou a correntes teóricas e metodológicas de diferentes origens De Kurt Lewin herdou a noção de campo dinâmico cujos elementos se encontram em interdependência e a action research atravésda intervenção psicossocial em grupos e instituições reais Através da psicanálise freudiana busca a compreensão dos investimentos psicológicos na formação do social e das formas de manifestação e projeções do inconsciente nas relações sociais nas quais os indivíduos reeditam as relações pais e filhos e fantasias arcaicas De Marx a 29 São consideradas como obras sociais de Freud seus últimos trabalhos como Toíem e tabu O tuturo de uma ilusão Psicologia de grupo e análise do ego O malestar na civilização e Moisés e o monoteísmo 107 noção de que o social é a condição histórica e determinante da existência humana o materialismo histórico analisado em termos de conflito de classes Das proposições aparentemente inconciliáveis de Freud o homem é o lobo do homem e de Marx a existência humana e social por natureza diversos estudiosos fundaram seus projetos teóricos mesmo se alguns desses caíram no ostracismo acadêmico como Reich e Marcuse recorrendo ainda a teóricos da sociologia e da antropologia O movimento institucionalista de origem basicamente francesa se apoia nessas principais correntes acima citadas Desse movimento fazem parte e têm relações próximas com a psicossociologia 1 A sociopsicanálise de Gerard Mendel busca conciliar as referências a Freud e a Marx intervindo em instituições onde busca responder à demanda de uma classe institucional conforme o lugar que esse segmento ocupa no aparelho de produção da instituição nas relações de poder atento às projeções inconscientes dos indivíduos Por exemplo intervindo em sua companhia de ônibus urbanos solicitado pelo segmento dos motoristas ele trabalhou sobre as relações dos motoristas com os outros setores e analisou afetos ligados às suas atividades e ao lugar que ocupavam na empresa 2 A psicoterapia institucional representada principalmente em suas origens por Tosquelles J Oury e Guattari se interessa basicamente pelas instituições psiquiátricas é a forma como estas reproduzem as relações de alienação e de cristalização na perpetuação da doença mental Todo o movimento de desinstitucionalização desenvolvido na Itália e liderado por Basaglia nos hospitais 108 psiquiátricos visa o questionamento da eficácia dessas instituições e busca sua dinamização atravésda ruptura do instituído Nessa perspectiva o lugar de cada profissional no hospital e sua função terapêutica são questionados seja o médico ou o faxineiro 3 A socioanálise ou análise institucional conforme concebida por Lapassade e Lourau tem origem na sociologia A análise institucional visa a revelação do nãodito do recalque político revelação esta que não e feita pelo analista mas pelos analisadores que são sintomas contraditórios reveladores do disfuncionamento das contradições e conflitos institucionais uma greve um suicídio um caso de assédio sexual por ex O que se busca em todas essas linhas apesar de suas diferenças é uma mudança nas relações sociais pelo questionamento de práticas instituídas e cristalizadas pela reflexão sobre a condição histórica que permeia as interrelações institucionais Buscase o movimento onde se manifesta a estagnação a naturalização do instituído e essa busca se dá atravésdos atores sociais Daí a impossibilidade de dissociação do social e do psicológico Daí o sentido clínico da pesquisa e da prática a intersubjetividade onde fenômenos psíquicos ocorrem entre indivíduos isto é socialmente nos grupos nas instituições nas comunidades no social mais amplo O dogmatismo que marca um corte na rede das ciências humanas e sociais não impede que diversos estudiosos defendam a ideia da teoria sempre em construção jamais concluída Mesmo mantendo suas especificidades teóricas procuram atravésda interdisciplinaridade chegar um pouco mais perto desse 109 objetosujeito de estudo que somos nós seres que se interrelacionam socialmente A psicossociologia nas instituições O administrador de empresas olha para a instituição enquanto organização de trabalho buscando azeitar a máquina com objetivos de aumentar a produção e o lucro mesmo que para isso se interesse pelo homem enquanto peça de produção O sociólogo vê nas instituições o germe e os efeitos dos movimentos sociais a organização social do trabalho ou das relações sócioeconô micopolíticas sob a égide do determinismo social A psicanálise busca enxergar as instituições como depositárias das mazelas e desejos do inconsciente individual O psicólogo da indústria dirige seu olhar para o comportamento as habilidades e capacidades individuais mensuráveis em escalas e os processos grupais seguindo uma lógica instrumental das relações mercantis O psicossociólogo quanto a este tentará olhar para a realidade institucional enquanto objeto complexo de pesquisa dotado de um sistema simbólico que lhe dá um sentido social atravessado por um imaginário social produto e produtor de imaginários individuais A instituição é muito mais que uma organização na verdade a primeira inclui a segunda É composta em parte pelos determinantes sociais e em parte construída com tijolos e janelas do psiquismo humano O conceito de instituição como estrutura social inclui além da organização o espaço social simbólico o código a regra imaginário representações mitos e psicológico onde se encontra a organização Constitui assim uma identidade instituída sobre uma lei própria interiorizada num sistema de regras e inclui ainda a transmissão de um saber que lhe é próprio ligado a uma ideologia a valores precisos à 110 formação da sociedade e da cultura conforme analisa J BarusMichel É do lugar dessa interação psicossocial que o psicossociólogo ao fazer uma análise da instituição vai dirigir seu olhar tanto para o que é de ordem do instituído lugar da instituição no sistema sócioeconômicopolítico identidade social história tanto para o que é da ordem do funcional hierarquia sistemas de decisão e de comunicação funcionamento formal divisão de papeis assim como procurará apreender o que é da ordem do sujeito e das relações interpessoais É através ainda uma vez da interação do intercruzamento desses diferentes níveis que uma leitura da instituição se apresenta Não de forma total mas o mais abrangente possível buscando integrar os diferentes determinantes considerando a complexidade da realidade com a qual lidamos Além disso o fato de sermos objetos e sujeitos ao mesmo tempo não nos permite a pretensão nem nos dá a isenção de apreendermos completamente a realidade na qual estamos inseridos O sentido dessa realidade é buscado nas entrelinhas dos meandros mas também das evidências institucionais As instituições são manifestações e concretizações das realidades da vida em sociedade Não precisam de estabelecimentos para existirem mas sempre se estabelecem criam suas leis suas regras seus códigos suas ideologias Impôem costumes prêmios e punições transmitem valores e estabelecem limites Produzem coisas ou pessoas mas também protegem dão garantias alimentam egos e ilusões e servem como projeção para as fraquezas e anseios da alma humana São espaços de mediação como dissemos entre a vida individual e a vida coletiva Falar da dinâmica institucional é falar dessas relações que se tecem entre indivíduo e instituição e que longe de serem estáticas se movem em todas as 111 direções A relação individual à instituição se enraíza na identidade social cultural e política que se realiza na prática cotidiana mobilizando nos atores sociais investimentos e representações lhes permitindo assim se identificarem ao conjunto social É considerando todos esses aspectos que o olhar do pesquisador para a instituição deve ser o mais abrangente possível É atravésda análise dos mecanismos institucionais das relações instituídas e institucionalizadas em seus diferentes níveis que e possível apreender no contexto da realidade objetiva as relações sociais nos pontos de articulação entre a ordem social e a ordem psicológica A questão do método Um número crescente de pesquisas têm sido realizadas em instituições abordando diferentes aspectos da realidade institucional Esses estudos seguem metodologias variadas conforme os pressupostos teóricos que as orientem A psicossociologia tem privilegiado uma metodologia que se baseia nos princípios da pesquisa ação A pesquisaação se define essencialmente pelo elo entre o saber e o fazer30 Ela parte de uma perspectiva epistemológica interdisciplinar e que inclui assim diferentes saberes acadêmicos além da relação entre saber científico e saber popular A metodologia própria à pesquisaação leva em conta as relações entre Homem x Cultura x Meio Ambiente implicando como conseqüência a reelaboração 30 Para o aprofundamento na metodologia de pesquisaação ver o texto O híten da pesquisaação traço de união entre saber e tazer de minha autoria e o livro de Michel Thiollent sobre o assunto ambos relacionados nas referências bibliográficas ao tmal deste capítulo 112 coletiva de aspirações e valores psicossociais a participação comunitária e a ação organizada Nesse sentido a metodologia vai ser desenvolvida conforme simultaneamente os objetivos voltados para a busca do saber e os rumos da ação A pesquisaação visa a conquista do conhecimento atravésda pesquisa e a transformação atravésda ação Supõe uma troca mais do que uma devolução elaborada do que se aprende numa reflexão teórica juntamente com os atores sociais envolvidos Rochael Nasciutti 1992 É fundamental que haja um planejamento rigoroso da pesquisa onde um objeto claro seja definido e hipóteses construídas como num projeto de pesquisa científica Mas as diferenças da pesquisaação com a pesquisa dita científica existem e se manifestam em variados aspectos A própria postura do pesquisador frente a seu objeto de pesquisa se distancia da postura do pesquisador científico ortodoxo31 Aqui o pesquisador entende que o princípio da neutralidade científica é um mito Ele se encontra implicado com seu objeto atéa alma no sentido estrito e lato da palavra Implicado pela sua posição técnicoprofissional ele planeja elabora hipóteses pesquisa sobre objetos psicossociais e analisa resultados a partir de uma posição social que não pode lhe ser indiferente já que lhe assegura o poder de um saber Implicado existencialmente enquanto ser histórico o pesquisador é sujeito de uma ideologia de valores sociais e realiza julgamentos que lhe fazem olhar para a realidade que pesquisa sob uma certa óticaética Implicado psicoafetivamente ele gosta ou não da 31 Teoricamente ele se coloca aberto aos diferentes saberes de disciplinas afins e da própria realidade atravésde seus atores sociais em situações sociais Quando falo do ator social compreendoo nos dois sentidos da palavra ator aquele que representa um papel que lhe e atribuído pela sociedade e ator aquele que atua que age sobre o social que sobre ele age Interage 113 realidade social que apreende tanto científica quanto vivencialmente projeta nela e na interpretação que dela faz conteúdos de seu inconsciente utilizaa em seus mecanismos de defesa investea de suas vontades conscientes A noção de implicação se opondo à postura de isenção e neutralidade supõe o envolvimento do pesquisador com seu objeto de pesquisa nesses diferentes níveis acima comentados Na pesquisaação a implicação é elemento fundamental É a partir da compreensão de que a neutralidade é impossível posto que qualquer ação de pesquisa por mais que as variáveis em jogo e por acaso as sabemos todas sejam controladas ou manipuladas é uma ação oriunda de um ator social o pesquisador olhando para outros atores socialis com os qualis de alguma forma interage A velha piada do rato de laboratório que diz ao outro rato condicionei esse cara direitinho Toda vez que pressiono a barra ele me dá uma gota dágua exemplifica com perfeição o que afirmo acima O objeto com o qual estamos interagindo atravésda pesquisa mesmo que seja um rato nos olha nos controla nos analisa como nós enquanto pesquisadores o olhamos controlamos analisamos Alem disso existe um saber que e próprio à realidade social e aos atores sociais nela envolvidos que nem sempre o pesquisador apreende atravésdos métodos científicos tradicionais É o saber da práxis Em suma na perspectiva da pesquisaação formas diferentes de saber são associadas Em princípio pela postura interdisciplinar do pesquisador Associandose a esse campo de saber o saber de quem faz podemos nos aproximar mais da complexidade do real pela ação dos diferentes atores sociais envolvidos na situação universo de pesquisa pesquisador Dessa forma o saber acadêmico se enriquece e a reflexão conjunta e 114 ação dinamizam o social rompendo formas cristalizadas de funcionamento e instituindose mobilidade e transformações na realidade social num contexto do fazerproduzirsaber que norteará um outro fazer que gerará um outro saber Rochael Nasciutti 1992 Em termos de técnicas de pesquisa apropriadas à pesquisaação não há uma delimitação definitiva das mesmas posto que as situações reais e que serão determinantes dessas escolhas Podemos no entanto citar as entrevistas semiestruturadas os questionários a observação livre eou sistemática a etnometodologia a análise de conteúdo documental e histórica atravésde material disponível a análise do discurso os grupos operativos e a dinâmica de grupo A metodologia das histórias de vida oriunda das ciências sociais tem se mostrado um referencial metodológico de grande importância no estudo dos grupos instituições e comunidades A análise da história de vida segundo Queiroz 1977 permite a apreensão da interação entre a vida individual e o social ultrapassando assim o caráter individual do que e transmitido pelo ator social em seu relato e que se insere na coletividade à qual pertence o narrador É toda uma história coletiva uma verdade subjetiva do grupo que se manifesta na história individual com um espelho do seu tempo e de seu grupo Poirier 1983 O cruzamento das histórias de vida de indivíduos pertencentes a um mesmo grupo social permite ao pesquisador a apreensão da interrelação entre dados fragmentários do alcance à significação dos relatos recolocados em seus contextos sócioeconômicoculturais e ainda uma síntese dos elementos constitutivos de um discurso do grupo a várias vozes A nível individual ambas as lógicas social e psicológica da apreensão da realidade formalizada representada e vivida percebida pelo sujeito podem ser identificadas explicitando a 115 relação deste com as situações sociais com as quais se defronta Assim um grupo social pode ser analisado quanto a diferentes aspectos da vida de seus componentes como estrutura familiar de origem escolaridade vida profissional e inserção social representações coletivas mecanismos de ação e movimento social A herança econômica social e cultural são elementos psicossociais que contribuem na determinação das trajetórias de vida formando um patrimônio em comum Pereira Nóbrega e Rochael Nasciutti 1994 Essa abordagem metodológica contribui para a compreensão mais ampla do comportamento humano em situações sociais em função de seus múltiplos determinantes e permite a identificação de elementos a serem trabalhados juntamente com o grupo A instituição como via de acesso à comunidade Segundo Pierson 1974 as comunidades surgem do simples fato de vivermos em simbiose isto é de viverem juntos num mesmo habitat indivíduos tanto semelhantes quanto diferentes e da competição cooperativa em que se empenham As comunidades são estudadas como partes organizadas funcionalmente num sistema de interdependência intrincada e continuamente mutável enfatizando a divisão de trabalho a especialização de atividades e a concentração dos indivíduos em instituições No Brasil via de regra quando se fala em estudos comunitários ou estudos de comunidades a associação imediata que se faz e de que se trata sempre de comunidades carentes desfavorecidas favelas Essa associação tem sua razão de ser já que a maioria dos trabalhos publicados principalmente nas áreas de 116 sociologia e serviço social referemse efetivamente a estudos em comunidades carentes Podemos supor sem grandes riscos de erro que a ênfase e a prioridade dada a esse trabalho se deve às graves questões sociais brasileiras ao imenso fosso que separa os grupamentos sociais em função das desigualdades de renda e de condições de vida ao descaso dos setores públicos para com essas comunidades Cabe no entanto ressaltar que para a psicossociologia o conceito de comunidade engloba evidentemente as comunidades carentes mas não se restringe a elas Se a comunidade caraterizase pela distribuição em espaços de homens instituições e atividades unidade de vida em comum e de ação coletiva e de controle social formal se a instituição se apresenta como espaço de mediação entre o que é da ordem do social e o que é da ordem do individual podemos perceber a nítida interrelação e interdependência entre instituição e comunidade e mais repito a importância de se privilegiar a instituição como campo de pesquisa e ação sobre a comunidade As considerações e proposições teóricas e metodológicas desenvolvidas até aqui referemse a grupos instituições e comunidades de modo geral sem especificações que caracterizem um ou outro como objeto de pesquisa em particular Exemplos de objetos ou situações específicas de pesquisa ou de intervenção psicossocial são muitos Um número crescente de trabalhos têm sido desenvolvidos nos últimos anos em nosso país ligados por exemplo à questão educacional envolvendo ação sócioeducativa realizada por equipe interdisciplinar como o projeto desenvolvido na comunidadefavela da Rocinha32 no Rio de Janeiro onde 32 A análise desse projeto realizado pelo NEAM Núcleo de Estudos e Ação sobre o Menor PUCRJ foi objeto da tese de mestrado da coordenadora do projeto Marina Lemette Moreira Universidade e 117 as relações universidade x comunidade sãorepensadas e as possibilidades de maior integração enfre ambas são apontadas visando benefícios mútuos Por outro lado instituições como as ONGs Organizações Não Governamentais têm sido objeto de análise sob diferentes aspectos que vão desde os lugares que ocupam no social sua identidade social atéa reflexão aprofundada sobre suas formas de ação e objetivos33 Na linha da ecologia social pesquisadores da psicossociologia buscam entender as relações do homem e de grupos com o espaço construído seja nas metrópoles ou nas zonas rurais seja na remoção de comunidades e suas conseqüências no âmbito da família da profissão do lazer etc Instituições têm sido analisadas quanto às suas próprias estruturas e características funcionais e ideológicas que definem em grande parte o modo como são vivenciadas pelos que delas participam como afirmei no início deste texto Um exemplo e a intervenção sócio analítica desenvolvida em uma prisão militar utilizando metodologia participativa na qual além da análise psicossocial envolvendo os diferentes níveis da organização da instituição foram desenvolvidos grupos operativos com grupos de presos34 As relações de poder relacionadas ao papel determinante da ideologia e aos investimentos psíquicos feitos pelos indivíduos nas instituições foram analisadas em uma instituição Comunidade Repensando a Educação Mestrado do Programa EICOSIPUFRJ 1994 7 Organizações NaoCovernamentais Aspectos de construção de uma identidade na perspectiva da psicossociologia dissertação de mestrado de Eneida Lacerda Pamplona Programa EICOSIPUFRJ 1995 34 Uma instituição total em análise Uma intervenção socioanalítica em um presídio militar Cristina Lúcia Maia Coelho tese de doutorado IPUFRj 1994 118 universitária numa pesquisa por mim elaborada seguindo a grade de leitura institucional proposta por J BarusMichel35 Ainda uma pesquisaação realizada em uma unidade de internação de um hospital público junto à equipe de profissionais e pacientes internados buscou analisar as formas de investimentos desses pacientes na instituição hospitalar relacionadas às suas histórias de vida e projetos assim como as questões e conflitos produzidos nas interrelações entre os membros da equipe e entre equipe e pacientes36 Muitos outros trabalhos têm sido desenvolvidos em todo o país e seria interessante que o leitor consultasse periódicos e livros da área para vislumbrar todas as possibilidades de pesquisa e ação que tornam relevante o trabalho do psicossociólogo Como conclusão e ilustração das considerações teóricas e metodológicas desenvolvidas o ensaio que se segue elaborado a partir de um trabalho desenvolvido na área das instituições de saúde mental sob a ótica da análise psicossocial clínica pode clarificar ainda mais nossas propostas e contribuir para a reflexão do leitor Mudanças no modelo assistência nas instituições de saúde mental no Brasil37 35 Ideologie pouvoir et statut du sujet Une analyse psychosodale dune institution universitaire tese de doutorado Universite Paris VII 1991 36 Vida e ruptura podese lidar com o imponderável jacyara C Rochael Nasciutti e Neide P Nobrega XXIV Congresso Interamericano de Psicologia Chile 1993 37 Essa reflexão é fruto de um trabalho de intervenção institucional realizado em equipe coordenada pelo Prof Dr Eduardo M Vasconcelos tSSUFRJ e integrada por mim IPEICOSUFRJ e pelos psicólogos Paulo S Prazeres e M Angelica Eleuteno de Souza membros do NESCONUFMG órgão que financiou o projeto desenvolvido no CHPBFHEMIGMG Este trabalho foi apresentado no 119 A história da assistência aos portadores de doença mental no Brasil é conhecida mais pelos seus desacertos do que por modelos assistenciais efetivos Esses desacertos incluíam uma política de exclusão referenciada no modelo do macrohospital do asilo do campo de concentração do depósito de loucos A filosofia subjacente a esse modelo tradicional implicava numa representação do doente mental como um nãoser social ao qual todos os direitos reservados ao cidadão eram negados e como um nãoser humano do qual eram retirados toda a individualidade e respeito humanos e negada a identidade Conseqüentemente as práticas institucionais e sociais voltadas para a assistência a esses indivíduos resumiamse primariamente a quando muito garantirlhes a sobrevivência física e secundariamente a mantêlos inofensivos atravésde procedimentos inibidores como as cirurgias ou as drogas Uma legião de zumbis vagavam e infelizmente ainda vagam pelos pátios das instituições ditas de assistência à saúde mental De que saúde se trata aí é um dos pontos que pretendo desenvolver pelo viés da questão institucional Apesar de sabermos que esse olhar e essa concepção predominante da doença mental com todas as implicações psicossociais decorrentes ainda persistem em alguma parte das instituições hospitalares e asilares brasileiras as considerações que teci acima foram colocadas no preterito propositadamente Isto porque mudanças têm ocorrido que nos permitem o otimismo e a expectativa de que novos modelos assistenciais que têm sido implantados aqui e ali servirão Seminário Internacional de Desenvolvimento Social da cátedra UNESCO de Desenv Durável na UFRJ 1994 120 como multiplicadores de uma nova filosofia assistencial que privilegie o cidadão e a pessoa doente mental Sob influência de um amplo movimento internacional centrado principalmente na Itália em Cuba e de alguma forma tida como equivocada nos Estados Unidos e tomando como referência local a estrutura asilar predominante em nossas instituições públicas ou privadas profissionais da saúde mental de diferentes formações têm questionado o modelo vigente e proposto formas alternativas de assistência ao doente mental ao mesmo tempo em que se reflete sobre as atuações disciplinares que visem a profilaxia e ações preventivas na saúde mental de maneira global O Ministério da Saúde e o Legislativo por sua vez se comprometem com o movimento e estabelecem regras e normas que implicam na reestruturação ou na elaboração de novos modelos assistenciais que contemplem a criação de dispositivos terapêuticos e mudanças nos atendimentos prestados à clientela e que se apoiam numa nova concepção do lugar psicossocial do cliente portador de sofrimento psíquico grave principalmente no que concerne aos aspectos de reconhecimento da cidadania reinserção social e familiar e descronificação para os já inseridos no modelo vigente pacientes asilares e de formas de atendimento que evitem a internação e conseqüente cronificação dos pacientes ambulatoriais Em ambos os casos deve prevalecer o princípio da nãoexclusão e do respeito à pessoa humana Observase no entanto uma grande resistência por parte das grandes instituições asilares e de alguns setores da sociedade à efetivação dessas mudanças embora todos reconheçam a falência do modelo assistencial atual Essa resistência pode ser entendida como motivada e justificada por diferentes fatores psicossociais Numa perspectiva ampla e social 121 predomina uma representação social negativa da doença mental e seu portador implicando em atitudes preconceituosas estereotipadas e excludentes por parte da sociedade e dos próprios profissionais dessas instituições que embora exerçam suasfunções terapêuticas ou administrativas em contato com esses clientes estão obviamente tão sujeitos aos mecanismos de formação de representações sociais quanto qualquer outro membro de sua cultura e sociedade Diversos estudos têm mostrado sob diferentes ângulos de análise filosófico psicológico sociológico Foucault D Jodelet entre outros o quanto a loucura habita o imaginário social nos remetendo ao questionamento de nossa própria razão daqueles considerados sãos e do pavor de perdêla Afastar o doente mental segregálo isolálo de nossos olhares e convivência retirarlhe os atributos e prerrogativas de cidadão e de ser humano e o mecanismo conseqüente que nos sossega e nos faz crer que não corremos o mesmo risco Resumidamente grosso modo a internação e cronificação assim se justificam Acontece que não são apenas os doentes que se cronificam na internação hospitalarasilar A repetição contínua de práticas ao longo do tempo a estrutura burocráticoadministrativa que rigidamente se instala pela cristalização das interrelações institucionais reproduz na própria instituição assistencial o modelo cronificador dos pacientes A rigidez organizacional e terapêutica indissociável da filosofia a elas adjacente mas associada ainda a outros determinantes culturais políticosociais e psicológicos faz com que essas instituições funcionem como pequenos feudos de reprodução social isolados do mundo como os loucos que abrigam alheios às mudanças do mundo cá de fora focos de resistência aos movimentos sociais 122 A esses fatores juntase um outro elemento extremamente poderoso na sociedade capitalista em que vivemos o financeiro A indústria da loucura tem retorno monetário seguro rentável e permanente Há uma grande resistência por parte dos que vivem da insanidade do outro há honrosas exceções em abandonar estrategias instituídas de ganhos financeiros seguros que a cronificação aporta e que garante a perpetuação dos hospitaisasilos Novas formas de atendimento ao usuário podem ser interessantes para o próprio mas garantem a continuidade do custobenefício de quem lucra com o modelo atual Mudar o modelo assistencial em saúde mental significa assim determinação ética e política que passa por e acarreta mudanças nos níveis social institucional e individual ça mental e de seu portador Nesse sentido o discurso e a atuação dos profissionais da saúde mental é fundamental38 Institucional em seus diferentes níveis 1 No nível do instituído compreendendo os próprios alicerces dos hospitais e asilos instalações infraestrutura estatutos leis normas e regras internas e fundamentalmente na filosofia norteadora do projeto terapêutico que lhe é próprio e que deve conjugar as 38 O recente episódio ocorrido em São Paulo envolvendo uma declaração de um psiquiatra sobre uma suposta epilepsia condutopática que teria sido responsável pelo assassinato de quase toda a família por parte de um rapaz de 21 anos vem levantando uma enorme polêmica dentro da própria categoria que infelizmente pelas circunstâncias trágicas que a motivaram parece extremamente saudável no que se refere ao tema proposto o tim ou no mínimo a redução dos estereótipos e alarmismos infundados a propósito da doença mental seu portador e sua inserção social ver revista feíof números 1307 1311 e 1313 outnov94 123 determinações ministeriais e legais com sua realidade local seus objetivos e projetos próprios sua inserção na comunidade sua clientela suas relações com outras instituições sociais 2 No nível funcional promovendo uma dinâmica nas redes de decisão e de comunicação entre setores e serviços criando uma nova cultura organizacional que priorize a gestão participativa a partir da redefinição das metas e práticas instituídas e das mudanças referidas no nível do instituído É principalmente nesse nível que se manifestará na realidade cotidiana das práticas o modelo assistência adotado39 3 No nível relacional redefinese o lugar e o papel do ator social envolvido no processo A criação de equipes efetivamente interdisciplinares e não apenas multidisciplinares40 permite a maior integração entre os 39 As recomendações ministeriais e dos especialistas incluem a criação de serviços extrahospitalares oficinas terapêuticas centros de convivência equipes volantes grupos de familiares profissionais de referência lares abrigados hospitaisdia entre tantos outros procedimentos que de um lado evitem internações longas eou desnecessárias e de outro permitam a remserção familiar social e no mercado de trabalho de pacientes cronificados pela internação prolongada Em todos esses procedimentos o resgate da cidadania civil política e social está incluído como objetivo fundamental ao lado das funções efetivamente terapêuticas que visem o bemestar psicossocial do portador de sofrimento psíquico ver bibliografia 40 A interdisciplinaridade tem mão dupla não apenas permite a integração dos diferentes saberes na efetivação dos objetivos terapêuticos como deve ainda contribuir para o próprio conhecimento disciplinar pelas possibilidades de enriquecimento e mudanças que o contacto e troca com outros saberes e práticas propicia Nesse sentido vale aqui repetir um argumento do Prot Wanderley Codo ao justificar a importância da equipe atuar interdisciplinanamente evitar transformar a equipe num agrupamento cujo desígnio tosse o rateio da realidade do paciente no caso entre os vários especialistas implicando em uma compartimentalização que e o avesso de seus 124 profissionais de diferentes categorias e posições hierárquicas e estabelece que cada ator seja um agente terapêutico dentro da dinâmica organizacionalfuncionalassistencial o que significa ainda mudanças nas relações profissionais x cliente No nível individual manifestamse todas as transformações referidas no nível do instituído do funcional e do relacional institucional O ator social ao ver redefinida sua inserção profissionalinstitucional ao perceber diferentemente seu objeto de trabalho seu papel e seu lugar de sujeitoator no processo terapêutico se resitua se reavalia e se transforma Um trabalho realizado em um grande hospital psiquiátrico do país dentro de um amplo projeto de intervenção institucional com objetivos de reestruturação do modelo assistencial adotado e de análise das relações institucionais da estrutura e organização revela entre diversos outros elementos apenas parcialmente presentes neste trabalho a carência de reconhecimento e valorização individual e profissional dos diferentes atores sociais profissionais a queixa de isolamento e de falta de treinamento o desconhecimento da dinâmica funcional global por um lado e por outro uma grande preocupação com o bemestar dos pacientes e com seu próprio bemestar psíquico A análise evidenciou ainda a cristalização do modelo de macrohospital com tendências centralizadoras grandes investimentos na infraestrutura em detrimento da assistência e um imaginário institucional que conduzia à estagnação Essas observações foram objeto de reflexão e análise de caminhos possíveis realizadas conjuntamente pela equipe de consultoria e os diversos segmentos que compõem a comunidade hospitalar objetivos recusandose a se transformar em pugilato em arena conceitual onde todos perdem 125 Haverá um ponto de partida para essas mudanças Seria necessário se começar pela sociedade ou pelo ator social Se considerarmos como considero que há uma interação dinâmica entre todos esses níveis social institucional e individual e ainda que determinantes sociais culturais e psicológicos se articulam produzindo formas de representação e de atuação com relação aos diferentes objetos psicossociais nos quais incluo a doença mental e seu portador podemos perceber que não existe um único ponto de partida É atravésdos movimentos instituintes da integração hospitalcomunidade e da ação planejada dos diferentes atores sociais envolvidos que novos modelos assistenciais poderão efetivamente ser implantados com possibilidades de sucesso Mas principalmente a instituição enquanto mediador entre o que é da ordem social e cultural e o que é da ordem do indivíduosujeitoator se revela como o centro dinamizador das transformações sociais As mudanças no modelo assistencial nas instituições de saúde mental no Brasil estão ocorrendo e podem contribuir de forma eficiente e efetiva para o desenvolvimento humano e social por um lado reduzindo a distância física e o isolamento psicossocial desses marginalizados pessoas que por sofrerem psiquicamente são excluídas da sociedade e por outro lado redimensionando a inserção e identidade social das instituições e de seus atores sociais BIBLIOGRAFIA BARUSMICHEL J Lê sujet social Paris Dunod 1987 CASTORIADIS C A instituição imaginária da sociedade São Paulo Ed Paz e Terra 1986 126 ENRIQUEZ E Eloge de Ia Psychosociologie In Connexons EPI ne 42 Paris 1983 Da horda ao Estado Rio de Janeiro Zahar 1990 LANE S e CODO W org Psicologia social O homem em movimento São Paulo Ed Brasiliense 1992 MAISONNEUVE J Introdução à psicossoclologia São Paulo Ed Brasiliense 1988 PEREIRA NÓBREGA N e ROCHAEL NASCIUTTI J Vida e ruptura Podese lidar com o imponderável In Arquivos Brasileiros de Psicologia vol 46 n9 34 1994 p 4556 PIERSON D Estudos de ecologia humana São Paulo L Martins Ed 1974 POIRIER et alii Lês recits de ve theoríe et pratique Paris PUF 1983 QUEIROZ Ml Relatos orais Do indizível ao dizível In Von Simson OM org Experimentos com histórias de vida Ene Aberta de Ciências Sociais São Paulo Ed Vertice 1988 ROCHAEL NASCIUTTI J Ideologie pouvoir et status du sujet Une analyse psychosociale dans une institution universitaire tese de doutorado Universite Paris VII 1991 O hífen da pesquisaação traço de união entre saber e fazer In Anais do 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade de Trabalho Social tomo II Belo Horizonte 1992 ROTELLI F et alii Desinstitucionalização São Paulo Ed Hucitec 1990 THIOLLENT M Metodologia de pesquisaação São Paulo CortezEd 1988 VASCONCELOS EM Do hospício à comunidade Belo Horizonte Ed Segrac 1992 127 QUALIDADE DE VIDA E HABITAÇÃO Naumi A de Vasconcelos Por uma psicossociologia da habitação A noção de corpo indefeso do qual a casa constitui veste protetora simbólica de uma situação existencial satisfatória ou ao contrário carente que tantas vezes se manifesta na expressão conjunta de corpo doente mal abrigado e mal vestido41 Que o habitar faz parte de qualidade de vida parece ser uma dessas afirmações incapazes de levantar qualquer polêmica Mas a polêmica não tarda a surgir desde que passe a conceituar a própria expressão qualidade de vida Será ela correlata de gênero de vida Max Sorre ou ainda de nível de vida com o que essa expressão comporta de ascensão econômica e social Como avaliar essa qualidade em nossas sociedades de consumo sem tornála correlata da noção de quantidade de bens de artigos domésticos de consumo E como atuam os modelos culturais na conceituação de qualidade de vida e no que em este artigo interessa em sua ligação com a habitação Lembremos a definição de Bordieu modelos culturais formam o conjunto de representações de uma prática própria a todos os membros de um grupo e que se define então a partir desse grupo etnia sociedade etc São habitus sistemas de disposição durável estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas 41 Mana Heloísa Feneion Costa Representações coletivas no alto da Boa Vista Rio de Janeiro MS 1975 128 estruturantes isto é enquanto princípio de geração e de estruturação das práticas e das representações que podem ser objetivamente regradas ou reguladas sem serem absolutamente o produto de obediência a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a visão consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingilos e sendo tudo isso coletivamente orquestradas não são o produto da ação organizadora de um maestro42 Certo eles podem ser tudo isso retrucam alguns autores mas uma definição de nada vale quando ela está distanciada de sua práxis Ora a prática dos modelos culturais em nossas sociedades de consjsmo tem revelado serem os mesmos maquilados pelo poder político e econômico com a finalidade de manipular e mascarar necessidades humanas Seria o caso para M Duelos43 dos modelos habitacionais que elaborados por arquitetos distanciados dos interesses comunitários propostos pela exploração imobiliária e pela política da moradia são na verdade maneiras de disfarçar a penúria e a má distribuição do espaço nas cidades Os aspectos qualitativos e simbólicos de que se revestem esses modelos seriam puras estratégias a qualidade do habitar seria a outra fase da redução da quantidade do confinamento espacial para vender uma redução do espaço tudo é válido tanto o apelo a um ideal de modo de vida novo à americana exigindo a supressão de paredes na residência quanto o apelo ao ideal de vida tradicional onde o jardim deve ser necessariamente pequeno para ser íntimo44 42 Bordieu Pierre Esquisse dune theone de Ia pratique Paris E Droz 1972 43 Duelos M Pavillonaire dune vie nouvelle Paris C S U 1976 44 Idem In Modeles Cultureis Paris CERAENSBA 1977 129 O argumento de Duelos e serio e merece que nos detenhamos sobre ele mesmo porque nos remete a toda uma tradição de exploração espacial com ressonâncias diretas sobre o espaço habitado Lembro de passagem os impostos sobre as janelas que pesavam sobre os casebres da França no século passado e que Victor Hugo em Os miseráveis explora tão habilmente explicandonos por que o espaço dos mesmos era tão confinado Os modelos culturais não têm culpa desse mau uso responde H Raymond45 a M Duelos em uma polêmica celebre Mas se estão tão sujeitos assim a um mau uso se se prestam tão facilmente a serem corrompidos pelo consumismo como detectar nesses modelos sua inocência sua representatividade dos habitus de uma comunidade Como ali diferenciar o que é oferecido pela gerência dos poderes e o que é buscado por grupos e pessoas O curtocircuito ou retroação do que é oferecido sobre o que é buscado tão pregnantes na lei da oferta e da procura característica de nossas sociedades mostra o quanto é difícil discernir na noção de modelo cultural aquilo que emana de necessidades e habitus daquilo que ali É costurado pelo marketing O mesmo se pode dizer do conceito qualidade de vida e de seus modelos culturais passíveis certamente da mesma manipulação a alertar o pesquisador sobre as dificuldades de basear tais modelos somente sobre as representações de grupos e pessoas Essas representações já virão certamente contaminadas por efeito do curtocircuito mencionado Relacionar qualidade de vida e habitação e deparar com toda uma serie de fatores políticos e econômicos a definir essa relação nesta ou naquela 45 Raymond H In Modeles Culturels Habitat Paris CERAENSBA 1977 130 comunidade nesta ou naquela época A noção de intimidade por exemplo que marca modernamente a qualidade do habitar seria ela realmente ligada a um modelo cultural tal como define Bordieu a uma necessidade humana ou a valores e a necessidades fabricadas e veiculadas por diferente ideologias Sabemos que Aries R Flandrin J e Shorter E46 relacionam o nascimento do sentimento de intimidade na família moderna com uma transformação social de cima para baixo na organização do espaço habitado Entretanto ficase sem saber o que engendrou o que a necessidade da intimidade teria sido causa da transformação espacial ou ao contrário esta teria gerado aquela Ao evocar a evolução dos costumes os modelos culturais da família burguesa como fatores explicativos dessa transformação Flandrin adverte sobre as diferenças entre as classes sociais o nível de vida e para as classes pobres o que a cultura e para as classes ricas E ao criticar a relação exigência de intimidade sentimento de família ele adverte que se os pobres não podem ter recantos íntimos em suas casas a promiscuidade resultante não significa ausência de sentimento de família ao contrário a abertura das casas ou do quarto o leito comum a hospitalidade podem ser vistas como favorecendo a coesão familiar e comunitária Teriam sido os moralistas obcecados pela tentação do contato carnal e os ingienistas do século passado que combatendo esse dormir comunitário teriam estabelecido a citada relação Já para outros autores Habermas por exemplo na construção da intimidade existe outra coisa que um simples uso do espaço interior existe uma dialética que 46 Aries P Uenfant et Ia ve familiale sous ancen regime Seuil 1973 Flandrin J L Familles parente maison sexualite dans ancenne societe Harhette 1976 Shorter E Nassance de Ia famille moderne Seuil 1977 131 se instaura entre interior a moradia como espaço familiar e exterior o espaço urbano a sociedade fazendo desaparecer a complementaridade entre eles Podese dizer que dentro desta ótica a intimidade não se põe como elemento de qualidade de vida habitacional mas antes como exigência de nível de vida ligada à ascensão econômica de uma classe a burguesia que passa a ditar os modelos culturais de tudo inclusive do habitar O ideário da intimidade habitacional burguesa teria precipitado o corte entre família e sociedade entre Estado e sociedade civil entre trabalho social e trabalho doméstico a partir do sec XVIII A diversidade das posições epistemológicas com respeito à noção de qualidade de vida a pregnância ali da habitação e nela de espaços como o da intimidade têm o valor entre outros de pôr em relevo a necessidade de estudos inter ou transdisciplinares a esse respeito atentos a não cair em reducionismos sociológicos Só agora se incrementa a visão do simbolismo da habitação a mostrar que aquilo que se configura altamente simbólico para um determinado grupo cultural pode não sêlo para outro e que o simbolismo habitacional deve ser colhido além disso em quadros espaciais que não se encerram sempre entre quatro paredes Assim a simbólica da intimidade pode muitas vezes referirse a espaços muito diferenciados e o que é muito importante nem sempre dentro da habitação locais de intimidade podem ser embaixo daquela árvore em cima daquela pedra dentro daquela gruta etc enfim lugares onde o ser humano experimenta sua singularidade Os modelos culturais explicitados em nossa cultura relativamente à qualidade de vida habitacional não dão conta da variedade a ela subjacente a exigir investigações do por que e do como os sujeitos aderem ou se submetem a tais modelos Uma psicologia do habitar ou uma psicossociologia tornase indispensável 132 para se captar a subjetividade ali presente E como não há sujeitos assexuados indispensável igualmente se torna levar em consideração as diferenças entre os sexos quanto ao uso e a percepção da habitação A ausência dessa atenção ao gênero pode explicar em grande parte o fracasso de tantas políticas habitacionais tributado quase sempre a uma resistência à mudança por parte do habitante Afirmação generalista que não leva em consideração 1 o fato de que essa resistência existe ela deve ter tantas razões de ser na própria subjetividade do habitante 2 que essa subjetividade e essa resistência variam conforme os sexos Homens e mulheres não percebem a habitação da mesma maneira Não se pode mais reduzir a fatores sócioeconômicos as diferentes maneiras de habitar Aliás permeando uma cultura de classe transcorre toda uma cultura de gênero que convém analisar em seus conflitos internos Palmade e Lugassy47 falando sobre a transversalidade do gênero na habitação recorrem a uma projeção quase geométrica do corpo sexuado constatando que as mulheres preferem situarse no interior e os homens no exterior Entretanto ao concluírem que tal diferença eqüivale a uma projeção corporal dentrofora característica de cada um dos sexos eles naturalizam oposições ideológicas ultrapassadas como masculino x feminino fora x dentro habitação x meio circundante Entre a rara produção psicossocial sobre a habitação podese citar um estudo de Coing H48 onde aparecem interessantes exemplos do que se poderia talvez chamar de dissonâncias cognitivas nas 47 Palmade et Lugassy La dialectique du logement et cie son environnement Ministere de LEquipement et do Logement Paris 1970 48 Coing H Renovation urbaine ei changement social Ed Ouvrières Paris 1966 133 representações e percepções que os indivíduos e grupos fazem da habitação Essas incongruências no entanto deixam de sêlo desde que se penetre a lógica ou a simbólica que as subentendem E assim que esse autor ao apresentar o exemplo de um quarteirão parisiense relata que ele é objetivamente sórdido as casas pouco confortáveis em condições de surpeuplement pathogène mas ele conclui lê quartier plaft à ses habitants Aqui se encontra de tudo encontrase sempre alguem conhecido na rua a gente está em casa em todo lugar Não há fronteiras entre a rua a casa a fábrica Resultados de pesquisas49 a que cheguei incluem também as incongruências citadas por Coing revelando no entanto seu comprometimento com a variável gênero mulheres e homens não representando da mesma maneira a habitação e seus arredores ou seu território as dissonâncias entre representação e realidade são também diferenciadas que transpareceu por exemplo no item avaliação do local atravésde questões propostas e de desenhos da parte dos moradores Tal como no exemplo de Coing tratavase de um bairro rural objetivamente sórdido mas que para a população masculina apresentava inúmeras vantagens lugar isolado e tranqüilo silencioso muito verde posso andar como eu quero etc A avaliação feminina ao contrário destacou as desvantagens insegurança dificuldades de acesso a mercados e hospitais falta de distração isolamento Aliás um dado que a psicossociologia das aglomerações precisaria aprofundar é exatamente o da diferença de avaliação e de representação entre os 49 Naumi A de Vasconcelos Corpo e casa em Queimados CNPq Dep de Antropologia do Museu Nacional 197578 A mulher e o espaço CNPq Inst de Psicologia da UFRJ 199294 Lê corps Ia maison Ia sexualite tese de doutorado Universite Catholique de Louvain 1983 134 sexos em relação àquilo que caracterizaria um espaço como urbano ou como rural mesmo havendo um continuum entre eles as representações persistem em marcar uma discontinuidade É assim que a cidade parece mobilizar mais as mulheres que os homens para os quais o campo se coloca mais freqüentemente como ideal de vida Não se trata de verificar qual sexo estaria mais perto da realidade objetiva dos espaços habitados mas de levar em consideração o porquê de representações tão diferenciadas de atentar para seu impacto na vida da comunidade a impedir muitas vezes um acordo intragrupal no sentido de melhoria de condições de vida e explicando em parte o insucesso de muitos projetos de associações de bairro ou de campanhas ambientais A atenção ao habitante ou subjetividade e habitação ou ainda a relação corpocasa Falar em subjetividade e falar em corpo não evidentemente enquanto mero substrato fisiológico mas enquanto nossa presença no mundo como diz a fenomenologia e falar dessa presença é falar de sua apresentação sexuada a permear todas as suas outras formas de apresentação econômicas e culturais Levar em consideração os papeis de gênero na construção do corpo e na formação da subjetividade não irá certamente resolver todos os conflitos da presença humana no mundo ou como é o caso aqui os conflitos habitacionais dessa presença mas e condição indispensável para o diagnóstico desses conflitos e para seu processo de resolução permita pelo menos limpara área em suas camadas mais profundas deixando ver melhor o que sobre elas secularmente se acumulou Formulações como transparência social da habitação bastante reconhecida entre vários autores só 135 têm sentido se essa transparência for acessível ao habitante e não apenas ao lúcido pesquisador Sem essa consciência da parte dos sujeitos a alienação habitacional se instaura como aliás parece ser o caso na maioria de nossos aglomerados urbanos Mas não basta aos sujeitos perceberem criticamente o reflexo sobre seu habitat das estruturas e dos sistemas sociais não basta que percebam o quanto a maneira de habitar Os modelos de habitação que lhes são propostos reproduzem planos que lhes são alheios que não os consultam em suas necessidades habitacionais é preciso que percebam também o quanto a desapropriação espacial vai a par de uma desapropriação em nível de pessoa do corpo enquanto substrato daquela O tema da desapropriação do corpo pode parecer à primeira vista uma posição estritamente psicanalítica sem nada a ver com a questão da qualidade de vida e destas com a habitação Só parece Dados clínicos e análises de histórias de vida mostram com eloqüência a pregnância da vivência do espaço habitado na vivência e na autoestima do corpo próprio e da sexualidade com repercussões diretas sobre a saúde o bemestar físico e emocional os relacionamentos afetivos e sociais a atuação profissional enfim sobre tudo o que se relaciona com qualidade de vida Partindo da hipótese de que entre a imagem do corpo próprio e a imagem da casa existe uma troca simbólica de natureza projetiva de que essa troca indica uma relação arcaica e primitiva entre aqueles dois termos e de que nela a diferenciação sexual e uma variável importante realizei entre 1975 e 1978 juntamente com uma equipe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional uma pesquisa numa comunidade de Queimados na Baixada Fluminense O caráter qualitativo intensivo e participante de que ela se revestiu 136 levounos a habitar no local durante três meses aplicando ao lado das técnicas de rotina um instrumento metodológico a prova corpocasa elaborada especialmente para essa pesquisa objetivando detectar a troca simbólica acima referida sua distinção entre os sexos e a mútua transformação das imagens do corpo e da casa uma vez os mesmos colocados em confronto permitindo uma categorização das analogias encontradas Dividindo as analogias corpocasa em analogias estruturais e analogias funcionais conforme se situem ou se refiram a aspectos externos e formais ou a atividades de um e de outra os resultados apontam o forte condicionamento dos papeis de gênero e dos estereótipos sexuais nas comparações feitas pelos sujeitos e a uma estreita relação entre o habitar na casa e o se habitar no corpo relação vivida muito diferentemente pelas mulheres e pelos homens Considerando a distinção entre símbolo e sintoma pude verificar que os discursos masculinos além de serem mais lacunares e breves colocavamse ordinariamente na categoria do simbólico a casa como símbolo da vivência e da imagem do próprio corpo conotando com o orgulho de teremna construído e assim como com o prazer de nela habitarem enquanto os discursos femininos longos e repletos de interpolações se incluíam geralmente na categoria do sintomático o espaço doméstico sendo freqüentemente representado como vulnerável precário mal situado sem defesa diante de forças tanto sociais inveja controle dos vizinhos quanto naturais vento chuva desabamento e sobrenaturais assombrações mausolhados emprestando essa imagem ao próprio corpo e à própria sexualidade representada como exposta a feitiçarias invasões doenças e solidão 137 Não deixa de ser intrigante que essa pregnância simbólica da habitação no psiquismo tão importante para o deciframento de sintomas individuais assim como para a explicação e compreensão de comportamentos grupais interessando assim tanto a uma clínica quanto a uma ação políticosocial não seja ainda melhor trabalhada pela comunidade científica É verdade que em diferentes épocas aparecem produções a respeito indicando estar ali um tema de interesse universal entretanto o caráter esporádico das mesmas lhe retira o necessário assentamento epistemológico E o fato de estudos sobre a habitação concentraremse em algumas datas escasseando a seguir Foi aliás o critério seguido por F Battagliola et alii50 quando observam o fato de situarem se em torno dos anos 70 as datas de publicação ou de reedição de estudos sobre a ligação da estrutura familiar e a estrutura habitacional anos que segundo os autores marcam uma etapa de reflexão a esse respeito Por outro lado a simbólica do habitar tornase em muitos autores um espaço de projeção de ideologias diversas ou só merecendo uma atenção científica quando unida a uma temática outra a família as desigualdades sociais o consumismo etc raramente sendo vista como um componente arcaico e universal a dela fazer um capítulo permanente dentro das ciências humanas A leitura de um quadro cultural atravésda arquitetura e da habitação Comecemos com Gilberto Freyre51 a nos mostrar a casagrande e sua integração ao ambiente seu papel 50 F Battagllola M Gruska e B Mazerat Rapport entre levolution de Ia struclure familiale et Ia structure de 1habitat Quelques íencfances de Ia recherche Laboratoire dEcoEthologie Humame Paris julho1981 51 Freyre G Casagrande e senzala 138 como fundamento da organização social em seus vários aspectos econômico social político cultura sexual Indica como a religião e as superstições de um povo revelamse nas forças sobrenaturais a se expandirem nas casas malassombradas índice valioso para se detectar o que ali se passa ou passava os segredos os aspectos não revelados da vida familiar e social da época Porque os malassombrados costumam reproduzir as alegrias os sofrimentos os gestos mais característicos da vida nas casas grandes Vemos também como o corpo empresta a sua imagem à ligação da casagrande com a estabilidade patriarcal de que e expressão sua própria arquitetura gorda horizontal formando um modelo não apenas regional mas nacional A história social da doméstica conjugal sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo da sua vida de menino do seu cristianismo reduzido religião de família e influenciado pelas crendices da senzala Nas casasgrandes foi onde atéhoje melhor se exprimiu o caráter brasileiro nossa continuidade social A notar também em Freyre a influência das idéias de Spengler entre as quais a de que o tipo de habitação apresenta valor históricosocial superior ao da raça assim como a ideia da libação da etnia com um território particular uma raça não se transporta de um continente a outro seria preciso que se transportasse com ela o meio físico que um geógrafo atual como Joel Bonnemaison coloca como central em seus estudos Mas antes de apresentar as idéias deste autor será oportuno revisitarmos Spengler A pregnância simbólica do espaço construído nas várias culturas à qual se juntam as temáticas do espaço tempo do espaçomorte da intuição espacial são dentro da visão spengleriana definidas como sendo um problema da alma ocidental e exclusivamente dela por necessidade fatídica A representação do espaço seria 139 inexistente para o homem antigo grego sobretudo que se contentaria com a matéria o limite visível mas nunca com o espaço puro infinito Tal negação espacial é vista como pathos não admitir um mais além Spengler52 insiste bastante na desencarnação do espaço no Ocidente e da qual o impressionismo seria um exemplo Já o sentimento espacial grego encontraria sua expressão no corpo petreo do templo grego análogo a um corpo humano solidamente fincado na terra e em torno do qual tudo se ordena Falta ali a dimensão da profundidade própria da alma faustiana que para o autor simboliza a alma ocidental em oposição ao espírito apolíneo Multiplicamse as ilustrações entre a arquitetura as esculturas e as manufaturas faustiana e apolínea A arquitetura ocidental faustiana teria nascido quando surgem as manifestações de uma nova religiosidade a reforma cluniacense por volta do ano 1000 dC origina projetos a expressarem uma vontade tão titânica que freqüentemente a capacidade das catedrais ultrapassa de longe o número de pessoas que formam a congregação O linguajar apaixonado dessa arquitetura repetese na poesia a mesma vontade de aço a superar e romper quaisquer obstáculos do visível Essa experiência cósmica e totalmente alheia ao homem apolíneo Ignoramna tanto Homero como os Evangelhos O mito do Santo Gral e dos seus cavaleiros faz com que entendamos a necessidade íntima de espaço do catolicismo germâniconórdico Spengler prossegue mostrando como a arquitetura reflete a organização sócioespacial de cada época e como ela se inflete sobre o discurso religioso A pluralidade de corpos avulsos na qual se manifesta o cosmo antigo requer um mundo semelhante de deuses 52 Spengler O A decadência do Ocidente Rio de Janeiro Zahar Ed 1973 140 Já o espaço cósmico único exige o Deus único do cristianismo mágico ou faustiano p 118s Expõe um vasto leque de exemplos da ligação entre os vários aspectos do espaço construído sobretudo os templos com o momento social de dada cultura Texto denso riquíssimo desdenhado muitas vezes por causa de sua ideologia por ideólogos que se desconhecem como tal O livro de Spengler é obrigatório dentro de uma bibliografia sobre o habitat humano como aliás o prova a retomada nem sempre confessa de muitas de suas idéias por pesquisadores A casa começa antes da casa ou a importância do território Estudos sobre habitação e sobre população do espaço cultural das periferias das grandes cidades das cidades dormitórios não podem prescindir da consideração do território É assim que Bonnemason53 falando sobre os diferentes grupos as diversas subculturas ou etnias das grandes cidades traz subsídios importantes sobre a função do território ali indicando o quanto os estudos sobre habitação não podem desvincularse do mesmo As sociedades urbanas e industrializadas apresentam verdadeiras etnias tendo um comportamento próprio um ser coletivo que se traduz ao mesmo tempo por uma visão do mundo e por tipos de territorialidade Na sociedade moderna o que representa a etnia são os grupos complexos de contornos movediços estratificados em uma infinidade de microgrupos possuindo cada um seu tipo de discurso Lembra a esse propósito o livro de Erica Jong Lê 53 Bonnemaison Voyage autour du temtoire In espace geographique nº 4 Paris 141 complexe ofcare que fala da tribu psicanalítica assemelhando a mesma a um grupo étnico com suas mitologias ritos e territórios Uma etnia só sobrevive se ligada à sua territorialidade e uma vez que esta se perca a sobrevivência de um grupo não é possível senão pela criação de um novo território de marginalidade e delinqüência ou por sua recriação no sonho ou no mito Não se pode separar os povos de seu território sem que isso se assemelhe a um etnocídio p 256 O território se põe como locus simbólico lugar onde a alteridade e a convivialidade se manifestam Comentando a rarefação do território em nossas sociedades o autor considera que isso se faz em benefício de um espaço banalizado sinal de um empobrecimento cultural quando não de uma certa incapacidade de comunicação com uma terra e também com os semelhantes p 261 O autor nos lembra os pontos de referência simbólicos do território em torno dos quais se desenvolve lê sejour paisible de Maurice Leenhardt assim como a poética do espaço de Bachelard O autor mostra que a territorialidade decorre com efeito da etnia na medida em que ela é antes de tudo a relação culturalmente vivida entre um grupo humano e uma trama de lugar hierarquizados e interdependentes um território p 253 Além de seus discursos particulares toda etnia e também toda cultura se objetiva em um território Partindo da colocação de que cultura e território são termos indissociáveis o autor chama o território de geosmbolo possuindo uma dimensão simbólica e cultural onde se enraízam os valores e se conforta a identidade dos povos e dos grupos étnicos A velha noção do gênero de vida retorna dentro de uma ecologia cultural na medida em que se intenta compreender a 142 visão do mundo e da espiritualidade de um povo em sua relação com o ambiente com o espaço construído do qual a habitação é ponto central A abordagem cultural está presente na noção de espaço vivido quando Gilles Sautier o autor observa o quanto a correspondência entre o homem e os lugares entre uma sociedade e sua paisagem é carregada de afetividade e exprime uma relação cultural no sentido amplo do termo p 251 A noção de território que tem sua origem nos estudos etológicos e que configura uma defesa do animal contra os membros de sua própria espécie Elliot Howard ao ser estendida ao domínio humano provocou polêmicas apaixonadas sobre as quais Bonnernaison não se estende preferindo apontar as diferenças entre território animal e território humano o último não e ligadoa uma apropriação biológica nem e sempre cercado por fronteiras o que o caracteriza é ser um conjunto de lugares hierárquicos conectados a uma rede de itinerários onde os grupos e as etnias vivem uma certa relação entre o enraizamento e as viagens A territorialidade engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que e mobilidade p 253254 Falando sobre as fronteiras que caracterizam os territórios animais o autor mostra que elas nem sempre existem nos territórios humanos os nômades privilegiando a mobilidade constituem territórios derrance em alguns povos sedentários não existem linhas de fronteira os limites sendo assinalados por pontos de referência árvores rochedos etc Tudo parece indicar que a noção de fronteira como hoje e universalmente entendida demarcação rígida objetivada muitas vezes em muros é um fato moderno ligado ao desenvolvimento dos Estados não caracterizando o conjunto das sociedades tradicionais para as quais o território marcaria um tipo de relação efetiva e cultural a 143 uma terra antes de ser o reflexo de apropriação e de exclusão do estrangeiro p 254 Colocando uma importante distinção entre cultura e sociedade Bonnernaison chama a atenção para o enfoque da mesma em estudos sobre habitação e sobre território entre o espaço social e o espaço cultural existe uma diferença fundamental tanto de plano quanto de tipo de visão O primeiro concebido em termos de organização e de produção o segundo em termos de significação e de relação simbólica p 255 onde se aninha a identidade cultural Importante é também sua distinção entre espaço esfrutural espaço vivido e espaço cultural o primeiro é o espaço objetivo ordenado e estruturado por cada sociedade segundo suas próprias finalidades suas funções e seu nível tecnológico esse espaço estrutural é vivido diferentemente por cada sociedade e dentro delas pelos grupos e pelos indivíduos fazendo aparecer o espaço vivido formado pela soma dos lugares e dos trajetos que são usuais a um grupo ou a um indivíduo espaço subjetivo a seu cotidiano ligado a um estatuto e a um comportamento social Já o espaço cultural engloba mas também transcende o espaço vivido ele é um espaço geosimbólico de comunhão com um conjunto de signos e de valores p 257 Levar em consideração o espaço cultural pode contribuir a políticas de habitação e de distribuição populacional mais eficazes atentas ao menos aos possíveis desajustes que podem ocorrer quando se deslocam grupos ou etnias de seus territórios A nova geografia para Bonnemaison ao centrar se sobre o espaço o considera dentro do campo cultural suscetível de revelar a geoestrutura da mesma Cita a propósito a crítica de Ann Buttimer à excessiva conceptualização de análise da geoestrutura mostrando a necessidade de uma geografia existencial Atenta às 144 relações vividas e ao espaço social lembrando ainda Max Sorre Cita Mareei Belanger sobre as soluções encontradas pelos geógrafos de Quebec atravésdo estudo das representações dos valores e das ideologias pelas e segundo as quais um território se desenvolve e toma forma p 251 mostrando a importância do ponto de vista cultural em geografia e para a ecologia A preocupação dessa nova geografia ou de uma geografia cultural com o espaço construído sobretudo a habitação e com o território está presente também nos trabalhos de Paul Claval54 onde se nota um certo parentesco com o trabalho de Rapoport no que tange a diferenciação entre cultura popular e cultura erudita e sua ligação com a organização do espaço o elo de cada sociedade com seu modelo de espaço a relação do mesmo com o gênero de vida e com uma filosofia da existência Ao salientar que as sociedades europeias vivem desde o século XVI pelo menos uma relação ao espaço que privilegia a geometria a vontade de desencarnação p 248 encontramos também ali um eco das idéias de Spengler sobre o estilo faustiano da arquitetura À procura do espaço perdido A subjetividade nômade de nosso tempo desenraizada de território pessoas circulando pelas ruas ouvindo através de seus walkmans músicas de toda parte do mundo cortadas de suas terras natais sem retorno possível tanto física quanto simbolicamente é um tema caro a F GuattariJ O paradoxo dessa circulação que não move viajase sem sair do lugar as paisagens vistas de um avião repetem o que já se viu 54 Claval P Lês geographes et lês realltes culturelles In espace geographique nº 4 Paris 145 em telas de TV não leva a uma diferenciação ao novo mas dá a impressão de tudo estar fixo no mesmo lugar levando a uma banalização aliás já ressaltada pelos autores anteriormente citados para os quais a perda do território eqüivale a um empobrecimento cultural e à perda de identidade A solução para salvar essa subjetividade ameaçada de paralisia não estaria no retorno a uma Jerusalem ou em uma reterritorialização mas na restauração de uma cidade subjetiva estaria dentro da própria subjetividade na medida em que consiga integrar essas experiências de nomadismo reconquistando um nomadismo existencial tão intenso quanto o dos índios da América précolombiana ao contrário do falso nomadismo que nos deixa no mesmo lugar o do turismo do consumismo Seria então explorar a desterritorialização dandolhe um novo sentido Além dessa solução individual uma solução coletiva aponta a necessidade de uma refinalização dos espaços construídos e da mentalidade urbana já que o futuro da humanidade parece inseparável do devenir urbano Cuattari considera um pleonasmo a questão de saber como será essa humanidade urbana no futuro Cita dados dos prospectivistas pelos quais 80 da população mundial viverá em cidades nos próximos decênios e os 20 restantes apenas estarão localizados fora dela pois viverão em sua dependência Como conseqüência as diferenças sociais não obedecerão o que já acontece em grandes cidades a divisões espaciais tipo centroperiferia Elas irão existir em um mesmo espaço gerando uma coexistência alienatória como a dos grandes centros financeiros rodeados por zonas de subdesenvolvimento Essa coexistência espacial que não anula a diferença de classes fenômenos modernos que de minha parte chamaria de perversão do espaço habitado e vista como 146 conseqüência do capitalismo ao operar uma desterritorialização a serviço de seus objetivos de mercado tornando as cidades imensas máquinas produtoras de subjetividade individual e coletiva Deste modo os urbanistas não poderão mais contentarse em definir as cidades em termos de espacialidade O fenômeno urbano mudou de natureza Igualmente a Ecologia não deverá contentarse apenas com os fatores ambientais Ela deverá ocuparse também das devastações ecológicas sobre o campo social e sobre a região mental Enfim mesmo contrapondose a uma buáta de reterritorialização considerada impossível o autor reconhece que a perda do território cultural é fator de perturbação social e mental e que para sanála será necessário toda uma mudança de mentalidade no sentido de integrar o nomadismo contemporâneo dentro da cidade subjetiva ítalo Calvino A habitação enquanto ponto de convergência entre o tipo de organização espacial de uma sociedade e sua reorganização políticoeconômica Denis Couchaux55 mostra como sociedades sedentárias ligandose à acumulação de riquezas e sociedades nômades onde a mobilidade interdita essa acumulação divergem pour cause quanto à percepção da moradia A cidade locus das sociedades sedentárias resulta precisamente de uma acumulação tanto de riqueza quanto de espaço não sendo difícil deduzir daí a estreita relação entre o desmembramento do espaço nas cidades quarteirões casas cômodos e o 55 Cuattan F Restauração da cidade subetiva In Ideias JB 29790 Couchaux D Habitais nômades Paris Ed Alternatives et Paralleles 1980 147 desmembramento social classes castas corporações Entre os povos nômades a fluidez das relações sociais e econômicas está diretamente ligada à fluidez do espaço da habitação O espaço não se acumula ali sobre a forma de lugares os lugares só existem como lugares de passagem refletindose na forma leve das construções e em sua nãocompartimentação Essa diferença de percepção do espaço entre povos nômades e sedentários não significa que entre os primeiros também não exista uma repartição do espaço apenas que essa repartição é mental submetida a uma serie de mitos e de ritos que ordenam o espaço o qual é mapeado simbolicamente Assim a distinção entre casa e lar house and home transparece nesse cotejo entre nomadismo e sedentarismo entre os nômades o lar não e sinônimo de casa ou esta não coincide com os limites materiais da habitação p 16 o lar referindose muitas vezes ao acampamento e não à tenda A interação simbólica dos nômades com o espaço pela qual ils ne peuvent rien prendre sans donner quelque chose en retour não significa exatamente respeito pela natureza e como o autor comenta A Natureza com um grande N não e senão o imaginário da sociedade industrial p 17 Não é a natureza que é respeitada entre os nômades mas uma organização mental do mundo bastando um símbolo para definir um território p 18 ou uma habitação e dentro dela os vários espaços de comer de repousar de conversar etc Cita o exemplo dos índios Guataki do Paraguai e sua divisão simbólica do espaço de dormir dormindo sobre o solo ou sob um simples teto de ramos eles operam uma curiosa divisão desse espaço tomando como referência o corpo da mulher dividida metaforicamente de alto a baixo e segundo sua dupla natureza a parte anterior e o lado mãe a parte posterior é o lado esposa diante do qual os maridos pois ela pode ter vários se 148 repartem hierarquicamente efetuandose assim uma dupla divisão do corpo feminino longitudinal e transversal Essa transparência simbólica da habitação a coloca assim na convergência de todos os elementos que constituem a sociedade e embora isso seja mais evidente em sociedades não urbanizadas também nestas existe qualquer coisa de análogo somente que desconhecida pelo habitante diferença fundamental a mostrar o elo perdido do homem urbano com seu habitat A habitação como locus privilegiado para o estudo da cultura popular O descaso das construções populares que Rapoport56 chama de indígenas em proveito dos edifícios importantes mais diretamente ligados à intervenção de arquitetos e vista como uma lacuna nos trabalhos sobre habitação posto que as construções populares são as que melhor informam sobre a cultura de massa e a vida cotidiana de um povo construindo alem disso a maior parte do ambiente construído O descaso acima compromete a preocupação e os programas ecológicos Negligenciar os edifícios indígenas que constituem o ambiente teve como resultado negligenciar o próprio ambiente levando a negligenciar sua manutenção contribuindo para sua crescente deterioração Estendendose a seguir sobre análises conceituais dos termos habitações primitivas assim como de seus planos materiais processos formas de construção sua história as preocupações dos habitantesconstrutores e sobre o significado cultural e 56 Rapoport A Pour une anthropooge de Ia maison Paris Dunot Bordas 1969 149 simbólico dessas habitações Rapoport comenta a passagem da tradição para a institucionalização da habitação e suas razões históricosociais A não diferenciação nas formas e nos processos de construção caracterizaria as sociedades primitivas e agrárias indiferenciação que transparece também em outros domínios da vida e do pensamento Não existe separação entre a vida o trabalho e a religião do homem p 12 Citando Giedion Siegfried o autor vê nas pinturas pré históricas a ausência de diferenciação entre o homem e o animal ligada à ausência de linhas orientadas e à ausência da vertical cujo aparecimento marcaria a supremacia do homem sobre o animal e as primeiras civilizações O conceito gênero de vida de Max Sorre apoia o autor em suas análises sobre a relação da unidade primitiva com elementos espirituais materiais ou sociais e a maneira de utilizar o espaço contrária à sua multiplicação ou separação Quando os lugares tornam se mais separados e diferenciados o número de tipos de lugar aumenta p 12 dando disso numerosos exemplos ao longo do tempo e das culturas Salienta o fato de que entre todos os espaços construídos e a habitação que melhor mostra a forma de vida de uma cultura é também na habitação que as formas indígenas se mostram já que outros tipos de construção são mais próximas da arquitetura e da cultura dominante A habitação é um locus privilegiado para se entender a cultura popular Interrogandose por que estudar ainda a forma das habitações primitivas e préindustriais em um mundo que muda tão rapidamente o autor aponta as seguintes razões 1 necessidade de estudos pluridisciplinares e comparativos que permitam compreender a coexistência em nossas cidades de diferentes culturas e subculturas portadoras de aspirações e de modelos diferentes no que 150 tange à moradia o que e válido sobretudo para países em via de desenvolvimento 2 tais estudos contribuem a uma melhor percepção da moradia dentro das necessidades fundamentais e do significado destas últimas 3 contribuem ainda para uma variedade maior de soluções possíveis já que fornece uma grande quantidade de variáveis em culturas diferentes e exemplos extremos que lucrarão em ser comparados uns aos outros Se para o estudo das relações entre o espaço construído o meio ambiente e o homem as habitações primitivas são de mais proveito que as modernas na medida em que sendo mais subordinadas aos determinantes físicos permitem analisar melhor a importância relativa das forças físicas e culturais que agem sobre a forma não se trata de diferenciar habitações primitivas e contemporâneas segundo um critério cronológico mas técnico ligado ao modo de vida Isso faz com que possamos encontrar as primeiras atéem nossos dias caracterizadas sobretudo pela ausência de mudanças as cabanas de ramos da época neolítica são ainda utilizadas nas ilhas Fidji Multiplicando exemplos a respeito mostra como as construções primitivas indígenas não podem ser estudadas como um material histórico normal pois não são cronológicas Lembra as observações de Mircea Eliade sobre o tempo para camponeses e para o homem primitivo sua concepção de tempo não é linear mas cíclica instaurando um presente contínuo concepção de tempo que se reflete em suas construções onde mudanças não são bemvindas O método de estudo dessas habitações é portanto muito diferente do das construções de estilo ou do da história da arquitetura que contam com documentos escritos ou faltam aquelas Para esse estudo tratase de observar as próprias habitações suas formas e divisões 151 ligandoas aos costumes crenças e ao comportamento pois o autor destaca a ligação entre comportamento forma de vida e forma construída esta seria sua materialização ambos influenciandose mutuamente A questão é saber como mudanças culturais ao exprimiremse atravésde comportamentos assemelham se às mudanças ambientais que se exprimem atravésda forma construída O método utilizado no livro foi o de escolher as características da moradia que parecem ser as mais universais e examinálas em contextos diferentes a fim de compreender aquilo que age sobre as formas das habitações e sobre os grupos o que freqüentemente permite determinar logo de início a região a cultura e mesmo a subcultura às quais uma casa ou uma aglomeração pertencem p 24 Citando Ruth Benedict cada civilização na ótica de uma outra ignora aspectos fundamentais e privilegia aspectos secundários sugere que isso se passa também em relação à moradia e que conhecer outras maneiras de planejála ou edificála em tempos e espaços diferentes contribui para descobrir a especificidade de nosso problema a respeito As evidências que resultam dessas comparações podem conduzir a uma compreensão dos aspectos sociais e psicológicos do ambiente O autor adverte no entanto sobre o risco das comparações que desconheçam que mesmo nas culturas modernas semelhantes umas às outras existem diferenças significativas e que entre culturas diferentes existem semelhanças e constantes no que tange A vários aspectos da habitação citando a propósito os trabalhos de ET Hall TJe s7enf Language e The Hidden Dimension A hipótese de trabalho de Rapoport e sempre procurar no modo de vida nas aspirações no sistema social na percepção da territorialidade e das chamadas necessidades fundamentais na relação entre a casa e a 152 aglomeração a explicação para as diferenças de formas de materiais e de organização do espaço da habitação Não que a forma construída seja determinada por esses fatores o autor vê ali uma coincidência resultado da interação desses fatores e do caráter indissociável da composição final Uma fenomenologia e uma psicologia da habitação Não se poderia iniciar essa abordagem sem lembrar Bachelard57 sua topofina onde examina as imagens do espaço feliz o sentido do habitar os devaneios do morar os arquetipos da casa Encontrar a concha inicial em toda moradia mesmo no castelo eis a tarefa primeira do fenomenólogo p 21 Define assim sua opção hermenêutica na análise da casa ela e o que protege guarda propicia intimidade e solidão A analogia da casa com um ninho o faz citar Michelet O ninho é a casa construída para o corpo pelo corpo tomando sua forma pelo interior A casa como vestimenta ajustada ao corpo A ligação tempoespaço vem mostrarse nas visões da casa natal ou da casa sonhada e lembrar nos também Fernando Pessoa e como e branca de graça a paisagem que não sei vista de trás da vidraça do lar que nunca terei Ao empregar imagens em sua análise da habitação Bachelard justifica a função imagística do exagero 57 Bachelard G La poetique de espace Paris PUF 1981 153 estamos diante do ato aumentativo pelo qual a imaginação ultrapassa a realidade De onde vem o dinamismo evidente dessas imagens excessivas Essas imagens se aninham na dialética do oculto e do manifesto a partir do ser reprimido e que se fazem as mais dinâmicas evasões p 9192 alusão clara ao recolhimento da casa condição de expansão do ser Recusando a oposição redutivista exterior x interior que freqüentemente é empregada na análise da função da moradia Bachelard mostra como são tênues as fronteiras entre um e outro e como para uma antropologia metafísica o exterior e o interior colocam problemas que não são simétricos p 160 Fala das inversões topoanalíticas das imagens citando os versos de Tristan Tzara Ou borvent lês loups Uma lenta humildade penetra no quarto que habita em mim na palma do repouso A poesia essa metafísica instantânea no dizer do autor adquire foros de uma verdadeira poiesis construção sem a qual o habitat humano deixe de sêlo privado de sua significação e de seu simbolismo A casa imagem do eu Com essa frase de um obscuro filósofo grego Artemidoro de Daldis Marc Olivier58 comenta como desde tempos remotos já se intuía a significação da casa e de sua arquitetura no psiquismo dado que a psicanálise depois virá explorar sobretudo na vida onírica o exterior da habitação aparecendo como a máscara a aparência do sujeito o teto significando a busca da unidade ou o elo com as origens se na vida cotidiana a colocação do telhado implica em uma cerimônia de acabamento da 58 Olivier M La psychanalyse de Ia maison SeuMtetUÍtions 1972 154 casa na experiência onírica ela seria indicativo freqüentemente de uma fase avançada da reconstrução do eu os andares inferiores corresponderiam às pulsões arcaicas e instintuais enquanto a cozinha seria o lugar da transformação psíquica e aparece em certas fases da evolução interior do ser Essa correspondência do ser com sua casa se encontra nos escritos sagrados de numerosas tradições sendo que na China a saída da alma por ocasião da morte se traduz pela expressão quebra do teto p 7778 A ligação da casa com o corpo humano é vista atravésdo simbolismo da porta ao destacar a forma de que a mesma se reveste nas casas primitivas freqüentemente ovalizada como uma espécie de fenda natural boca vagina ou através o simbolismo da forma da casa semelhante a um bolso circular na base como se nota nos desenhos infantis ou semelhante a seios com orifícios de saída de lábios inchados o ventre da mãe o útero como se vê em habitações africanas primitivas A sacralização da porta os ritos de entrada existentes em várias culturas simbolizam a tentativa de entrar de novo no útero e estaria na origem do mito do eterno retorno O autor lembra o ritual japonês de entrar na casa onde a porta é designada pela palavra genkan significando obscuro misterioso O fato do ser humano ter deixado o abrigo primeiro da caverna mais seguro por um abrigo mais precário como a casa é comparado ao nascimento Larrachement a 1unite et lexpulsion est exige par une necessite daccomplissement Uma vez abandonada a caverna o homem voltaria a ela para sacralizála decorandoa com suas pinturas A caverna tornase santuário das forças da natureza com as quais o homem rompeu 155 O autor citado ao salientar o simbolismo das formas lembra Arno Stern59 quando aponta sete figuras geométricas simbólicas que estariam na base de todas as construções o círculo o triângulo o quadrado a cruz a espiral a onda o ponto As quatro primeiras permitiram construir todos os templos e edifícios enquanto as três últimas são complementares e revelariam pulsões cósmicas O ponto por exemplo teria sua expressão sonora no tamtam e sua expressão gestual no ritmo saccade manifestação de uma libido original que encontraria sua plena expressão na atividade sexual lembrando aqui Jung em Metamorfoses da alma e seus símbolos O quadrado representaria o homem e a terra vindo depois do círculo que exprime a unidade O triângulo une horizontalmente o círculo ao quadrado mas nos desenhos infantis o triângulo aparece na casa entre o quadrado da terra e o disco do céu numa organização vertical Dans lê dessin de lenfant toute forme naít de Ia spirale irregulière en passant par lê cercle Ce lê cercle qui petit à petit deforme devient tringle ou carre II y a un dialogue entre lê haut et lê bas dans lê dessins denfants quand ils faisent dês formes inverties ou dês triangles opposes p 68 A figura do círculo nasceria da consciência da lembrança do paraíso perdido do útero e da caverna cuja saída marca a ruptura com a unidade da natureza O círculo e a imagem arquétipica do universo depositada em nós p 56 Essa imagem é angustiante e a cruz será sua expressão Limage de Ia croix naít alors sous nos yeux du concept du cercle dejà exprime car pour que se puisse former 1image du cercle dans notre psyche naissante devrait au prealable avoir eu lieu larrachement à 1unite naturelle p 57 O triângulo vem 59 Stern A La maison image de mói in An Educateur ns 7 1967 p 3236 156 depois do círculo ele e a imagem arquétípica de um apelo de ultrapassagem para reencontrar a unidade perdida p 58 En traçant sã maison autour de lui 1homme descend lê ciei sur terre Perry Goodman avait bien raison Ia maisoncercle etait de cê fait temple p 61 O teto cônico saiu assim do triângulo que une a base terrestre da casa à unidade colocada no firmamento Se o homem se separou do universo e de suas leis ele sente necessidade de um religamento religião religare e cest de cê desir dunion que naítra lê toit Netait cê pás hier encore au grenier sous lê toit precisement que lon conservai precieusement lês souvenirs dês ancêtres qui nous reliaient a nos origines Assim o círculo e o triângulo teriam dado nascimento a casa como modelo reduzido do universo O autor explica o aparecimento da casa quadrada como simultâneo ao domínio do indivíduo sobre a terra o quadrado simbolizando o lugar separado do homem frente à natureza O redondo da casa será deslocado para o templo cujo papel será o de exprimir o desejo de unidade original II reunira lê plus souvent dans 1espace lê cube de Ia terre à Ia coupole celeste p 61 O templo é o lugar da cruzcarson propre est de montrer lê chemin de dedans pkitôt que celui de dehors alors que Ia maison restera lê foyer temporel ou lhomme sassume dans sã condition terrestre p 65 a cruz desaparecendo nas casas à medida que tendem à horizontalidade e à repartição das peças No autor acima um dos raros na área psicanalítica a se interessar pelo habitar observamos que sua pregnância psíquica é raramente tratada ou o e dentro de uma ótica monocordiamente junguiana A projeção corpo casa é pouco estudada e menos ainda o caráter sexuado dessa projeção o que não deixa de ser uma grande lacuna já que as diferenças de significado da casa para o homem e para a mulher assim como as trocas simbólicas 157 entre a imagem do corpo e a imagem da casa são matéria de estudo indispensável quando se trata de sexualidade humana de gênero campo por excelência da psicanálise Uma semiologia do espaço habitado O projeto de uma pesquisa etimológica baseada em Hubert Tonka filósofa apoiada em Heidegger e empírica utilizando alguns procedimentos de Moles e o empreendimento de EkambiSchmidt60 em seu estudo sobre a percepção do habitat A palavra habitação recobrindo diferentes significados ação de habitar imóvel lugar será ao primeiro sentido que a autora aplica sua análise atravésda etimologia do verbo habere avoir se tenir realizando um levantamento dos qualificativos emprestados a casa Os resultados de sua pesquisa empírica fornece índices de oposição entre a habitação antiga e a contemporânea marcada pela precariedade das coisas o nomadismo e a mobilidade residencial Mostrando a arquitetura como expressão dos valores de uma civilização assim como de sua organização sexual e familiar a autora lembra o fato já comentado nesta recensão bibliográfica da repartição do espaço doméstico segundo o sexo nas civilizações passadas que ela atribui a influência da família extensa patriarcal ao passo que nas sociedades atuais essa repartição se faz em função dos filhos sem no entanto explicar essa mudança de repartição Salienta a fascinação da casa e a personalidade autônoma da mesma a revestirse muitas vezes de um poder fantástico que se estende atéseus objetos estes 60 EkambiSchmidt Jezabelle La perception de Phabitat Paris E Universitaires1972 158 considerados como elementos de definição dos espaços do habitat pois além do código dos objetos presentes em certas peças específicas o objeto e o lugar geométrico de investimento psicológico afetivo e estético profundo e como tal ele é o signo de outra coisa os objetos da casa são excetuando alguns destinados a uma peça precisa que eles caracterizam e não podem portanto em princípio serem intercambiados de uma peça a outra sem mudar a vocação dessa peça p 51 54 Mostrandose antifuncionalista a autora afirma que e o supérfluo que torna personalizado o espaço da casa Aplicando o método das constelações de atributos Moles mostra respostas que traduzem estereótipos e fantasias bem mais que a realidade doméstica vivida A dialética do vertical e do horizontal lembrando as leis de A Moles que compõe 90 do nosso ambiente com ângulos de 90 e 180 graus constituem uma civilização do retângulo na qual os móveis são incluídos Além das razões funcionais que explicam este fato existem também razões psicológicas na retidão das linhas e dos ângulos há um elemento de segurança para quem os percebe enquanto as formas curvas são fatores de inquietação Sabese que basta encerrar alguém em uma torre redonda sem pontos de referência para enlouquecêlo rapidamente Estudos Doxiadis comprovam que os domos em forma de bulbos são elementos de insegurança Será interessante confrontar essa interpretação do redondo com aquelas que insistem ao contrário no caráter securizante dessa forma e de seus derivados como no autor anteriormente citado ou em Bachelard ao comparar a casa a um ninho a uma concha 159 Gisela Pankow61 analisa o papel metafórico que elementos do espaço construído peças da casa portas janelas etc desempenham nas obras de vários autores como também no processo psicanalítico Saindo da clínica para a literatura salienta a ligação entre o espaço imaginário e tempo vivido a revelarem uma dinâmica oculta do espaço nos conflitos das personagens literárias das obras analisadas A relação entre o espaço do corpo e o espaço habitado entre as divisões e repartições de um e de outro são comentadas e o texto é rico em análises psicoliterárias onde o problema da percepção e dos fantasmas do corpo e do espaço é analisado dentro de uma metodologia psicanalítica por demais ciosa em meu entender em fazer prevalecer seu quadro teórico em detrimento do quadro do objeto ou seja do próprio espaço vivido Ressaltese no entanto o cuidado da autora em sustentar que nem tudo é projeção na psicose mas verdadeiras produções criticando certas visões psicanalíticas e psiquiátricas O texto de Pankow enfoca bem mais os conflitos psíquicos ligados à vivência do espaço do corpo do que os conflitos resultantes da interrelação dessa vivência com a do espaço habitado este só incidentalmente comparece nesses estudos perdendose assim a ligação simbólica entre esses dois espaços Concluindo esta apresentação interdisciplinar de estudos habitacionais quero esclarecer que a escolha dos autores buscou privilegiar obras de acesso disponível em nosso meio é nesse sentido e importante incluir algumas teses e dissertações que têm aparecido esporadicamente desde 1970 em nosso cenário 61 Pankow Gisela O homem e seu espaço vivido Campinas Papirus 1988 160 universitário indicando ele uma sensibilidade científica à importância do espaço habitado a merecer todo nosso apoio Mônica Maria Galcerati62 realiza um trabalho que transita do campo semântico ao campo ontológico e ao campo cultural destacando no primeiro campo as mudanças operadas no sentido da palavra espaço conforme o contexto extraverbal no segundo campo a evolução históricofilosófica do conceito de espaço onde Heidegger aparece como referência importante no terceiro campo a autora trabalha sobre os símbolos primários de uma cultura dentro dos quais destaca o símbolo ligado à necessidade de sentir a extensão explicando assim o surgimento do espaço clássico relacionado com a alma apolínea e o espaço ocidental expressão da alma fáustica Spengler mais uma vez é referência Mostra nos últimos capítulos que a obra e a história da arte foram desde sempre a história da criação de um espaço específico e singular e detendose nas versões da concepção espacial contemporânea faz oportunas colocações sobre a chamada era espacial em sua relatividade e polivalência de valores Partindo de estudos que consideram como aprendidas as dimensões e as características do espaço pessoal justificando assim as diferenças culturais a respeito Míriam Fonseca Raja Gabaglia63 interessase pela aprendizagem vicária do espaço entre crianças destacando ali as diferenças sexuais Realiza para isso 62 Galcerati Mônica Maria Sobre a problemática do espaço e da especlalidade nas artes plásticas tese de habilitação para livre docência PUCRIO 1978 63 Cabaglia Míriam Fonseca Raja A aprendizagem por observação no desenvolvimento do espaço pessoal dissertação de mestrado PUC RIO 1978 161 uma pesquisa de medição de espaço social entre 48 meninos e 48 meninas empregando o PPSM medida simulada do espaço pessoal e cujos resultados confirmam a hipótese da aprendizagem vicária do espaço Seus resultados mostram também diferenças entre os sexos quanto a essa aprendizagem Rosa Maria Toniolo64 detémse sobre a relação da mitologia e do espaço observando que nas sociedades arcaicas o mundo só e mundo quando se torna nosso mundo exigindo ritos uma recriação uma consagração fora disso o mundo é caos M Eliade 1965 O nosso mundo situase sempre no centro por ser ali que se produz a ruptura na homogeneidade do espaço O espaço não consagrado onde não se discriminou nenhuma estrutura porque nenhuma orientação foi projetada é simples extensão amorfa igualase ao Caos Nele o homem perde seu significado ôntico não tem referências e marcas dada sua homogeneidade Aí nada se destaca o homem tornase ambíguo e padece na vivência relativa onde tudo pode ser e nada é onde tudo e virtual não real A estrutura do espaço real se faz a partir do deslocamento da homogeneidade em direção orientada à organização de uma configuração o centro nele o Caos se diferencia em Cosmos Nesse sentido o cosmos é construído p 31 A casa reproduziria esse dinamismo a partir de um ponto central em torno do qual se constróem quatro pontos cardeais A casa só é casa quando traz a marca humana Fala da impessoalidade dos arranhacéus e ao abordar a psicologia da casa lembra a topoanálise de Bacheard A imagem da casa é como uma topografia de nosso ser íntimo A autora se interroga se podemos 64 Toniolo Rosa Maria O espaço deste tempo Uma leitura da intimidade do adolescente dissertação de mestrado Dep de Psicologia PUCRIO 1980 162 isolar essa essência íntima e concreta para justificar o valor singular que atribuímos a todas as nossas imagens de intimidade protegida Não é o quarto Bachelard a essência íntima isolada o berço inicial que dá abrigo ao corpo Não podemos tomálo como um diagrama psicológico e a partir dele estabelecer referência com a estrutura mítica da espacialidade da casa centrolimites e desenvolver uma topoanálise p 35 Comenta o quanto o espaço definido psicologicamente se faz a partir do próprio corpo atravésde intuições para frente para trás etc Ao falar sobre o significado de direções e de posições a autora deixa de aprofundar esse ponto importante num próximo trabalho quem sabe a favor de valorações discutíveis Dizendo com Empedocles que o ser e redondo o redondo simbolizando o existir construído salienta ser a psicopatologia a perda do redondo os deslocamentos as quebras no espaço do redondo lembrando Minkowski quando pergunta o que está intacto no doente p 42 Ao abordar a ligação corpoespaço observa que na representação mítica o mundo objetivo se faz inteligível e se divide em determinadas esferas de realidade quando se reproduz analogicamente nas correspondências do próprio corpo onde uma unidade míticoorgânica e conservada No âmago do pensamento mítico a unidade do microcosmos e do macrocosmos está concebida de tal modo que não é o homem que está formado das partes do mundo mas o mundo é que está formado das partes do homem Encontramos uma direção inversa na concepção germânicocristã p 36 É oportuno acrescentar que é bem assim que o livro organizado por Berta Ribeiro Antes o mundo não existia mostra a explicação do mundo para os Desana Enfatizando a diferença entre o espaço matemático funcional e o espaço mítico estrutural onde vigora a 163 dialética centrolimites procura seus traços na atualidade e realiza uma pesquisa com adolescentes de vários bairros de São Paulo objetivando determinar o lugar do quarto onde mais gosta de ficar e ação correspondente a dialética centro X limites a integridade do redondo A análise dos dados visando estabelecer diagnósticos da organização espaçocorporal entre grupos masculinos e femininos de adolescentes A confrontação de aspectos de arquitetura verticalidade e horizontalidade em torno do Conjunto Sesquicentenário da Independência leva a um relato da situação dos moradores e do conflito ali encontrado entre padrão de vida e nível de expectativas por Joy Costa Matos65 A representação do espaço em Panofski e em Francastel assim como suas respectivas implicações no que tange tanto ao caráter simbólico quanto ao caráter sociológico do espaço figurativo é o tema de Jorge Lúcio de Campos66 65 Mattos Costa Joy Habitação de interesse social Uma estratégia de desenvolvimento comunitário dissertação de mestrado C E P B UER 1982 66 Campos Jorge Lúcio de Apresentação do espaço em Panofsky e Francastel tese IFCSUFRJ 1987 164 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA CULTURA E CONSCIÊNCIA Regina Helena de Freitas Campos Os projetos de psicologia social comunitária descritos na literatura Góis 1993 Bomfim et alii 1992 Andery 1984 Lane neste volume em geral focalizam dois processos psicossociais a consciência e a cultura Ao falar da consciência enfatizam predominantemente o trabalho de conscientização isto é de desvelamento para o sujeito dos determinantes de suas condições de vida Quanto à questão da cultura este conceito tem sido importante na descrição das práticas específicas de determinadas populações e dos significados compartilhados pelos membros do grupo em relação a sua prática Neste contexto a problemática do convívio e do diálogo em grupos de diferentes inserções sócioculturais e com histórias diversas ocupa lugar de destaque entre as preocupações dos psicólogos que atuam em comunidades As publicações da área tanto no Brasil quanto no exterior divulgam estudos em que é analisada a psicossociologia de diferentes grupos caracterizados por similaridades em termos de classe ou lugar social gênero e etnia em interação com a sociedade inclusiva Os conceitos utilizados para descrever estas interações decorrem das principais teorias utilizadas em psicologia social destacandose a contribuição da abordagem cognitiva da teoria das representações sociais e do interacionismo simbólico 165 Neste trabalho vamos examinar em que medida cada uma destas diferentes abordagens ilumina determinados aspectos da interação em grupos multiculturais e como pode contribuir para informar práticas de psicologia comunitária As abordagens clássicas cognição social e socialização Pesquisadores de orientação cognitivista enfatizam o estudo da consciência e exploram o efeito do pensamento e da interpretação dos sujeitos sobre a atividade social Inspirados sobretudo nos trabalhos da Gestalt estes teóricos se interessam especialmente pelo modo como os processos mentais internos às pessoas impõem formas ao mundo externo Neste sentido acreditam que a percepção dos eventos é a principal variável que influencia a conduta do sujeito social A principal influência teórica sobre o cognitivismo em psicologia social vem do trabalho de Kurt Lewin a teoria de campo Nesta teoria a maneira como as pessoas representam o mundo é o principal determinante de sua ação No estudo das representações que as pessoas elaboram sobre determinados aspectos do ambiente em determinados momentos de sua vida Lewin demonstrou que o modo como o indivíduo constrói sua representação do mundo pode variar de acordo com suas necessidades ou objetivos internos isto é as construções mentais que influenciam a conduta Em decorrência desta influência os processos cognitivos e o impacto da cognição sobre as relações sociais se tornaram centrais na psicologia social contemporânea Esta abordagem pode ser observada sobretudo nos estudos da percepção social e das representações sociais Gergen 1981 166 Moscovici 1986 ao comentar a afirmação corrente de que a psicologia social teria sido invadida recentemente por uma verdadeira revolução cognitiva observa que na verdade o que está acontecendo é uma volta às concepções mais clássicas dos fenômenos psíquicos que atribuem mais importância às imagens mentais ao raciocínio e à memória ativa Na sua opinião a psicologia social estaria se voltando novamente para o estudo da consciência Um olhar sobre a história recente desta disciplina mostra que no primeiro estágio de seu desenvolvimento no início do século o estudo das multidões da propaganda e dos processos de influência social foi feito enfatizando sobretudo os aspectos emocionais afetivos e inconscientes os fatores irracionais do comportamento dos grupos Estas primeiras teorias tiveram sucesso sobretudo entre os nazistas e demais grupos que defendiam o autoritarismo na Europa dos anos 20 e 30 Para Moscovici foi precisamente este sucesso das teorias irracionalistas entre os grupos de orientação autoritarista que teria levado o primeiro grupo de psicossociólogos alemães que se refugiaram nos Estados Unidos entre os quais Lewin e Asch a protestar contra essa abordagem das relações sociais Lewin então se voltou para o estudo dos pequenos grupos e para a lógica que rege a conduta de seus membros Lewin 1951 enquanto Asch procurou substituir a abordagem que busca a explicação da liderança em termos de prestígio ou sugestão pelo estudo da lógica dos processos de influência social Asch 1952 Em ambos a racionalidade humana e enfatizada E para Moscovici é precisamente esta a razão pela qual os processos cognitivos estiveram no centro desta nova psicologia social nos EUA O foco de atenção das teorias cognitivistas são as atitudes definidas como estruturas cognitivas determinadas por conjuntos de valores e por tendências 167 para a ação organizadas a partir da experiência em função das quais se organizam todas as outras manifestações psíquicas percepções julgamentos e condutas Neste conjunto destacase a abordagem de Festinger cuja originalidade consistiu precisamente em apontar as tensões entre cognições contraditórias ou a contradição entre a atitude e a ação como forças motrizes das modificações de opiniões e de julgamentos Segundo Moscovici para Festinger o homem e um animal racionalizante mais que racional diante de um conflito o sujeito realinha suas atitudes em função dos motivos subjetivos e da ação efetiva e não o contrário que seria em função da razão Esta seria a lógica do chamado pensamento natural o pensamento utilizado pelo sujeito na vida cotidiana para explicar e orientar sua ação sobre o mundo Tratase de uma lógica regida por valores na qual a racionalidade é regida pelo metassistema de finalidades e desejos do sujeito A partir de Festinger a análise da percepção social se tornou central para a compreensão dos fenômenos grupais No entanto a análise das relações de grupo foi sendo progressivamente substituída pela temática da interação entre pessoas o que reduziu o âmbito da teoria da dissonância cognitiva que foi perdendo o interesse inclusive para o próprio autor Moscovici 1986 Mais recentemente sobretudo por influência da cibernética e da ciência da computação as atenções dos pesquisadores se concentraram no estudo da cognição social o homem como máquina pensante o estudo dos mecanismos de processamento das informações Os indivíduos elaboram teorias implícitas sobre os outros baseadas no senso comum nos preconceitos em conceitos ingênuos retirados da prática cotidiana teorias estas fortemente influenciadas pela linguagem atravésda qual se transmitem de um indivíduo a outro Explicações alternativas são exploradas para se chegar a elucidar as 168 razões do comportamento do outro Estas formas de processamento das informações atéa elaboração de uma interpretação se dariam a partir de esquemas isto é conexões previamente estabelecidas que agem como ponto de ligação entre a memória e a percepção e que cumprem a função de selecionar entre as informações disponíveis aquelas que são cruciais para a compreensão da situação Os esquemas se dividem em esquemas causais e esquemas de acontecimentos Os primeiros transformam cada elemento de informação em efeito de uma causa os segundos descrevem uma seqüência de acontecimentos dos quais participamos scripts acumulações de experiências mentais que mobilizam a memória de situações passadas semelhantes e indicam o curso apropriado de ação na situação presente fVergnaud 1991 Deste ponto de vista a conduta observada em situações de interação de grupos é analisada em termos das percepções e atitudes de cada membro do grupo em relação aos outros O preconceito por exemplo é definido como um conjunto de atitudes negativas em relação a um dado indivíduo ou grupo A discriminação é vista como a conduta associada a uma atitude negativa em relação a uma determinada minoria Analisando a formação das atitudes preconceituosas Katz 1976 observou a ocorrência de uma serie ordenada de esquemas adquiridos pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento nos quais se cristalizaria determinada percepção em relação a membros de minorias Para que se forme uma atitude no entanto é necessário que o sujeito seja socializado em um ambiente que lhe forneça informações explícitas ou implícitas sobre como deve ver e se comportar em relação às minorias Assim ao mesmo tempo em que atitudes se desenvolvem a identidade em relação ao seu próprio grupo se fortalece ou seja o sentimento do nós por 169 oposição ao eles Nesta visão contemporânea a abordagem cognitivista se combina a pressupostos da teoria dos papeis No entanto por estar centrada na elaboração de percepções e representações no indivíduo a esta abordagem falta uma melhor caracterização do modo pelo qual estas percepções e representações individualmente construídas se tornam sociais isto é passam a reger a conduta não apenas de um indivíduo mas de grupos sociais inteiros Esta questão é abordada com mais precisão pela abordagem sóciointeracionista e pela teoria das representações sociais Abordagem sóciointeracionista O conhecimento se constrói na interação social esta e a grande descoberta da abordagem sócio interacionista Vygotsky foi o primeiro autor em psicologia a colocar a questão do conhecimento como resultando da interação Vygotsky 1978 Para ele o conhecimento seria social antes de ser individual e os artefatos criados pela atividade humana bem como a linguagem seriam os principais mediadores no processo de internalização da cultura Para os sóciointeracionistas os seres humanos vivem em um ambiente em constante transformação pois os artefatos culturais e a linguagem são transformados pela própria atividade dos grupos humanos em interação Em outras palavras o ambiente humano é constantemente criado e recriado pela atividade cultural Cada artefato cultural contem além de sua forma física o código de condutas e de interações que o tornou possível e que condiciona a ação das novas gerações que o utilizam Da mesma forma a linguagem contem o código das representações e recortes do mundo legados pela cultura e é assim que se transmitem as visões de mundo de uma geração a outra 170 A atividade mental humana é condicionada portanto por sua existência em um mundo simultaneamente natural e artificial Nas palavras de Cole As características especiais da vida mental humana são precisamente as características de um organismo que pode habitar transformar e recriar um mundo mediado por artefatos Como o filósofo soviético Evald llyenkov 1977 colocou o mundo das coisas criadas pelo homem para o homem e portanto as coisas que são formas reificadas da atividade humana e a condição para a existência da consciência humana A natureza especial desta consciência decorre da natureza dual materialideal do sistema de artefatos que constitui o ambiente cultural os seres humanos vivem em um mundo duplo simultaneamente natural e artificial Cole 1995 p 32 As conseqüências desta concepção para o estudo da vida em comunidade é mesmo para a intervenção em comunidades são facilmente observáveis Se o conhecimento se constrói na interação e se esta interação é mediada por símbolos e artefatos produzidos culturalmente duas conseqüências se impõem aos psicólogos conhecer a cultura local e contribuir para a construção de novos significados atravésda interação Por isso é tão importante propiciar oportunidades para o diálogo para a interação em grupos pois é precisamente nestas situações que novos significados emergem Neste sentido o estudo das estruturas discursivas e da retórica tem se revelado também importante A ideia e que em situações de interação principalmente quando culturas diferentes se encontram interpretações diferentes da mesma realidade podem estar em jogo Se o conhecimento é construído na atividade e se os grupos humanos por sua própria experiência em atividades diferentes produzem interpretações divergentes acerca da mesma realidade estas diferenças certamente estarão expressas em seu discurso Assim são as próprias 171 categorias discursivas dos participantes da interação que se tornam a principal fonte de informação sobre as diferentes visões de mundo ou mesmo ideologias implicadas na situação Edwards 1995 Assim a abordagem sóciointeracionista ao superar o individualismo da abordagem cognitivista clássica coloca em novas bases a questão da interação social por considerála constitutiva da consciência Esta visão tem conseqüências importantes para a elaboração de estratégias dialógicas de desenvolvimento da consciência como e o caso dos programas comunitários Representações sociais A teoria das representações sociais busca superar as limitações da abordagem cognitivista seja clássica ou contemporânea por abordar não apenas a construção das representações no indivíduo mas a maneira como estas representações se tornam hegemônicas em uma dada formação social Assim a ênfase da teoria é o estudo do aspecto social isto é interindividual da representação A construção da representação deixa de ser uma questão individual para se tornar uma função simbólica do grupo social em seu conjunto O conceito de representação social proposto por Moscovici 1961 procura descrever representações coletivas enquanto construções simbólicas historicamente determinadas socialmente compartilhadas e comunicadas atravésde redes institucionais específicas que ao mesmo tempo modelam as ações dos grupos no interior da formação social considerada e são por elas modeladas Nesta abordagem o que determina a ação dos indivíduos não é portanto apenas a sua própria representação do real mas a representação que atravésde uma complexa rede de relações sociais eles compartilham com os demais membros do grupo do qual 172 fazem parte No entanto as representações sociais são construtos em permanente transformação Se guardam relação com o passado da comunidade com suas tradições e história são também o produto da prática presente e dos horizontes que guiam a ação dos grupos sociais que operam simbolicamente através delas Na teoria das representações sociais dois aspectos merecem destaque por sua contribuição ao estudo da interação Em primeiro lugar a ideia de que as representações que os sujeitos constróem compartilham e comunicam entre si são fruto de histórias já construídas e como tal são transmitidas Em segundo lugar a lembrança oportuna de que as práticas presentes vão progressivamente contribuir para introduzir novos elementos nas representações e em última instância para transformálas é precisamente esta dialética que permite avançar a compreensão da ação individual e grupal como uma resultante do movimento entre as categorias já cristalizadascoletivamente e o movimento de renovação que nasce das práticas cotidianas Neste sentido chegamos a uma concepção na qual não são apenas as representações sociais que orientam a conduta humana mas esta mesma conduta é que contribui para construir as representações A ênfase nestes dois aspectos da análise é importante na compreensão dos efeitos da complexidade cultural sobre a conduta e sobre a própria construção da subjetividade no interior da cultura Mais que isto a própria ideia de que as representações sociais assim como as próprias formações sociais que lhes dão forma estão em constante transformação chama a atenção para novos objetos de análise justamente aqueles que apontam para a diferença a mudança 173 A interpretação da cultura como empreendimento intersubjetivo Como vimos até aqui o campo de estudo delimitado pela psicologia social principalmente se aplicado ao estudo e intervenção em comunidades é constituído em última análise pela análise da cultura O conceito de cultura referese precisamente a este conjunto de significados compartilhados que orientam a conduta dos indivíduos Estes significados se por um lado apresentam as características de homogeneidade e a duração tendo em vista suas origens na tradição e na história do grupo são também questionados pelo movimento de construção de novas práticas que por sua vez na interação produzem novos significados A psicologia social trabalha com conceitos que permitem trabalhar as relações culturais em situações de diálogo contribuindo para desenvolver a capacidade de análise das situações e para a construção de novas interpretações Esta é precisamente a situação na qual se encontram muitos dos trabalhos comunitários com os quais nos envolvemos como psicólogos sociais No entanto é preciso observar também que a própria psicologia social constituise em uma interpretação da cultura Conforme lembra Valsiner a ciência psicológica é construída sobre sistemas de significados culturais compartilhados em sociedades determinadas Valsiner 1994 No interior da mesma formação social podemos encontrar interpretações divergentes sobre os mesmos fenômenos que nascem da experiência diversificada de grupos sociais em conflito Campos 1992 Por isso e também a partir da observação da miríade de categorias culturais atravésdas quais os sujeitos sociais constróem suas respectivas identidades tornase importante incorporar à análise a percepção dos próprios sujeitos sobre as categorias 174 psicossociais que regulam sua conduta e até sobre os próprios cientistas que buscam estudálos Esta perspectiva de conhecimento relacional Rosaldo 1989 problematiza o lugar do observador nas ciências sociais e passa a considerar a verdade contida na percepção do sujeito da análise a respeito de sua própria inserção cultural Tratase de tornar visíveis na pesquisa e na intervenção não só o grupo observado com seus valores crenças percepções e representações mas também o cientista que observa Na verdade realiza se aqui o projeto sóciointeracionista de propiciar a oportunidade da construção do conhecimento na interação incluindose nesta interação o próprio psicólogo social A análise da cultura e das representações que os sujeitos se fazem dela requer uma espécie de dupla visão que se movimenta do narrador o cientista social ao protagonista da ação o insider portador dos significados que se quer conhecer Seria a partir deste movimento que o conhecimento se tornaria possível e o movimento cultural passível de ser apreendido Nesta abordagem a própria díade composta pelo psicossociólogo e sen sujeito tornase um grupo multicultural e a problemática da interpretação dos significados compartilhados ou não um instrumento de trabalho que contribui para a compreensão dos determinantes da ação de cada um dos sujeitos na situação Na análise de grupos multiculturais como os grupos com os quais nos relacionamos em projetos comunitários esta proposta de análise é especialmente apropriada Na medida em que busca romper com a pretensa nowhere lanei em que se coloca o pesquisador tradicional permite incorporar à pesquisa não só a visão do observador ele próprio imerso em uma rede de relações culturais e de representações dela decorrentes 175 como respeita a visão do sujeito pesquisado como um depoimento a ser considerado como digno de figurar como um relato da situação equivalente ao do pesquisador Superase assim a ideia de que as percepções do sujeito da pesquisa seriam meros indicadores de uma realidade desconhecida para ele próprio à qual só teria acesso o pesquisador munido de sua teoria E assim se movimenta o estudo psicossociológico dos grupos multiculturais de uma abordagem centrada no indivíduo passamos à história do grupo social como fonte das representações que os indivíduos se fazem uns dos outros para chegar a uma abordagem em que a própria análise das representações se torna um empreendimento intersubjetivo Nesta última abordagem a interpretação da ação dos sujeitos imersos na cultura e a resultante de um processo de reflexão no qual a análise focaliza precisamente os diferentes pontos de vista envolvidos na definição da situação Para a psicologia social comunitária estas contribuições são relevantes na medida em que apontam para os aspectos cruciais do processo de conscientização a cultura como construção intersubjetiva de significados e o diálogo como contexto para a problematização e reconstrução cultural BIBLIOGRAFIA ANDERY Alberto A Psicologia na comunidade In Lane Sílvia e Codo Wanderley orgs Psicologia social o homem em movimento São Paulo Brasiliense 1984 ASCH S Social Psychology Englewood Cliffs NJ PrenticeHall 1952 176 BOMFIM Elizabeth CAMPOS Regina HF e FREITAS Maria de Fátima Q Psicólogo Brasileiro A construção de novos rumos Campinas Ed Átomo 1992 CAMPOS Regina HF Notas para uma história das idéias psicológicas em Minas Gerais In Drawin Carlos R et alíi Psicologia Possíveis olhares outros fazeres Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia 1992 COLE Michael Culture and cognitive development From crosscultural research to creating systems of cultural mediation In Culture and Psychology 11 1995 2554 EDWARDS Derek A commentary on discursive and cultural psychology In Culture and Psychology 11 1995 5566 GERGEN K e GERGEN M Social Psychology New York Hartcourt Brace Jovanovich 1981 p 2024 GÓIS Cezar Wagner de Lima Noções de psicologia comuntátia Fortaleza Ed UFC 1993 KATZ PA The acquisition of racial atitudes in children In Katz PA Toward the Elimination of Racism New York Pergamon Press 1976 LANE Sílvia Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil cf cap 1 do presente volume LEWIN K Teoria de campo em ciência social São Paulo Pioneira 1965 1üed de 1951 em inglês MOSCOVICI S 1989 Dês representations collectives aux representations sociales In Jodelet D org Lçs representa tions sociales Paris PDF 177 Lere dês representations sociales In Doise W e Palmonari A orgs Letude dês representations sociales Neuchâtel Delachaux et Niestle 1986 ROSALDO R Culture and Truth the Remaking of Social Analysis Boston Beacon Press 1989 VALSINER Jaan Beyond the Cognitive or any other Revolution A coconstructionist look for the future in the past Paper presented for an Invited Lecture at the Fifth Congress of the National Academy of Psychology of índia Allahabad October 68 1994 Usesof Common Senseand Ordinary Language m Psychology and Beyond A Constructionist Perspective and Its Implica tions Ch 3 in Siegfried j EdJ The Status of Common Sense in Psychology Norwood NJ Ablex Pubhshmg Corporation 1994 p 4957 VERGNAUD Gerard Pourquoi Ia psychologie cognitive In La Pensee 282919 juilletaoüt 1991 VYGOTSKY Lev S A formação social da mente São Paulo Martins Fontes 1978 178 OS AUTORES Sílvia Tatiana tvíaurer Lane e doutora em psicologia social e atua no Programa de Estudos Pós graduados em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Bader Burihan Sawaia é doutora em psicologia social pela PUCSP e professora dos programas de Pós graduação em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e de Enfermagem na Universidade de São Paulo É também chefe do Departamento de Sociologia da PUCSP Maria de Fátima Quintal de Freitas é doutora em psicologia social pela PUCSP e professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento do Programa de Pósgraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo Pedrinho A Cuareschi é PhD pela University of Wisconsin at Madison é professor do programa de Pós graduação em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Jacyrara C Rochael Nasduttí é doutora em psicologia clínica e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro atuando no Programa de Mestrado EICOS Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social Naumi A de Vasconcelos psicanalista é doutora em ciências sexológicas pela Universidade de Louvain Bélgica e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro atuando no Programa de Mestrado EICOS Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social Regina Helena de Freitas Campos PhD pela Universidade de Stanford EUA e professora no Programa de Mestrado em Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais JORGE CASTELLÁ SARRIERA ENRIQUE TEÓFILO SAFORCADA Organizadores Introdução à PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Bases teóricas e metodológicas Coautores Adolfo Pizzinato Ceres Berger Faraco Juliana Amoretti Kátia Bones Rocha Kátia Regina Frizzo Lilian Rodrigues da Cruz Maria Amélia Jaeger de Souza Maria de Fátima Quintal de Freitas Maria Piedad Rangel Meneses Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel Pedrinho Arcides Guareschi Editora Sulina Editora Meridional 2010 Editorial Paidós SAICF 2008 Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitária Capa Vinícius Xavier Projeto gráfico e editoração FOSFOROGRÁFICOClo Sbardelotto Revisão Matheus Gazzola Tussi Revisão técnica GPPCUFRGS Tradução Autores Editor Luis Gomes 1ª reimpressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Bibliotecária responsável Denise Mari de Andrade Souza CRB 10960 161 Introdução à Psicologia Comunitária bases teóricas e metodológicas Jorge Castellá Sarriera e Enrique Teófilo Saforcada orgs Porto Alegre Sulina 2014 230 p Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria ISBN 9788520505885 1 Psicologia 2 Psicologia Comunitária 3 Psicologia Social 3 Psicologia Pesquisa 4 Psicologia Metodologia I Sarriera Jorge Castellá II Saforcada Enrique Teófilo CDD 150 CDU 1599 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL LTDA Av Osvaldo Aranha 440 conj 101 CEP 90035190 Porto Alegre RS Tel 51 33114082 Fax 51 32644194 sulinaeditorasulinacombr wwweditorasulinacombr Fevereiro2014 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Capítulo 10 A ENTREVISTA E A VISITA DOMICILIAR NA PRÁTICA DO PSICÓLOGO COMUNITÁRIO Kátia Bones Rocha Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel O psicólogo comunitário na sua prática profissional assim como em outras áreas próximas à Psicologia dispõe de uma série de instrumentos de trabalho que viabilizam suas intervenções O presente capítulo objetiva apresentar uma discussão sobre duas técnicas de ação profissional a entrevista psicossocial e a visita domiciliar A entrevista A entrevista é um instrumento fundamental na prática psicossocial sendo também uma técnica importante de investigação científica Bleger 1998 Laville Dionne 1999 Quando concebida como método científico de levantamento de informações a entrevista necessita que o entrevistador possua alguns conhecimentos teóricos e práticos sobre a comunicação interpessoal os quais devem ser levados em conta no momento das intervenções Desta forma podese definir a entrevista como um processo no qual interagem duas ou mais pessoas através da comunicação geralmente oral em que se estabelecem papéis assimétricos entrevistador e entrevistado Considerando que a pessoa se constitui como um ser em relação inserido em um contexto a entrevista oferece a oportunidade de observar a interação entre as pessoas e o meio Martínez 1992 Desta forma a entrevista é sempre uma conversação com um propósito definido Rodríguez Sutil 1994 Além disso sabese também que o que ocorre na entrevista é determinado em grande parte pela natureza da relação que se estabelece entre o entrevistado e o entrevistador neste sentido a capacidade empática e de acolhimento da demanda por parte do entrevistador são fundamentais para o processo Bleger 1998 Assim é fundamental que a entrevista seja conduzida a partir da utilização de uma linguagem clara e acessível através de perguntas concretas breves e situadas no tempo respeitando a liberdade de resposta do entrevistado Rodríguez Sutil 1994 Desta forma o psicólogo ou demais profissionais da saúde ao atuar na comunidade deverá estar sensível ao ambiente à pessoa entrevistada ao tema e ao momento e lugar onde esta acontece Martínez 1992 Assim tornase essencial o aprofundamento dos conteúdos que são trazidos pelo entrevistado uma vez que desta forma é possível conhecer suas representações crenças valores sentimentos e opiniões O conteúdo implica em algo mais que o puro significado da narrativa do entrevistado uma vez que referese a outras manifestações relacionadas ao momento da intervenção e da relação entre o entrevistador e o entrevistado Mackinnon Michels 1990 Com o intuito de delimitar as características da entrevista psicossocial com foco na comunidade fazse necessário refletir sobre o campo da Psicologia Comunitária Segundo Kelly 1992 a Psicologia Comunitária se caracteriza pela ênfase nas relações de interdependência entre as pessoas o meio ambiente os recursos individuais e coletivos a ação social e a prevenção Portanto na entrevista comunitária todas essas dimensões devem ser contempladas já que são muito significativas para o bom andamento de todo o processo A entrevista pode ser usada para compreender o significado de um fenômeno específico para uma determinada comunidade Essa compreensão permite que o movimento inicial seja sempre de apreensão da realidade e do contexto específico e não de preconceito e de imposição de verdades A aproximação à comunidade deve ser motivadora para que se siga neste movimento em busca de uma maior instrumentalização de recursos Desta forma fica clara a ampliação da função do psicólogo e dos demais profissionais da saúde o foco não se reduz exclusivamente a identificar os possíveis problemas e transtornos psicológicos do indivíduo mas é necessário trabalhar numa perspectiva de potencialização dos aspectos saudáveis de um indivíduo inserido em uma comunidade De acordo com Lewin 1978 a importância de considerarse o contexto social está na compreensão de que as influências externas ao indivíduo têm um papel importante na definição do significado que uma situação tem para as pessoas de determinada comunidade Tal concepção aproximase do que Bronfenbrenner 19791996 propõe em relação ao modelo ecológico de compreensão da pessoa o qual inclui a interação da mesma com os contextos em que está inserida tais como a escola a família a comunidade o ambiente de trabalho a sociedade Partindo destes conceitos observase que a entrevista na comunidade deve ser realizada de tal forma que as características específicas de cada contexto sejam respeitadas e consideradas Além disso pode ser realizada de forma individual ou grupal podendo ser efetiva mesmo quando fora de um setting específico Cabe ressaltar que na comunidade se priorizam as entrevistas em grupo também chamadas entrevistas participativas já que ampliam as possibilidades de compreensão psicossocial Com relação ao entrevistador um aspecto importante a ser considerado referese a sua postura facilitadora nunca colocandose no centro 204 205 da intervenção Objetivase assim que não se estabeleça um vínculo de dependência com a figura do entrevistador mas sim que os entrevistados sejam capazes de construir e encontrar recursos na comunidade e em si mesmos para autogerenciaremse A entrevista em grupo aparece como uma ferramenta em que o profissional incluise efetivamente no contexto da comunidade buscando comprometerse eticamente no sentido de pensar estratégias para que um maior número de pessoas possa beneficiarse com seu trabalho No entanto Bezerra 2001 ressalta que a técnica de grupo não pode ser a opção eleita exclusivamente em função da escassez de recursos financeiros ou como uma possibilidade de atenção maior da demanda já que estes critérios poderiam não considerar as motivações particulares de cada entrevistado ou de cada comunidade Quando não levado em conta este aspecto pode ser o responsável pelo fracasso de muitos dos grupos propostos nas comunidades O psicólogo comunitário sempre deve estar atento para atender a demanda daqueles que o solicitam assumindo uma postura de inclusão e ampliação de sua rede de apoio Cabe ressaltar que atender a demanda não significa dar conta de todas as necessidades mas sim capacitálos para a busca de recursos Muitas vezes a alternativa mais eficaz é encaminhar as pessoas para outros profissionais da rede psicólogo assistente social psiquiatra terapeuta ocupacional entre outros vinculandoos assim ao centro de atenção específico a sua demanda Desta forma se faz evidente a importância da construção por parte do psicólogo e da comunidade de uma rede social que facilite a comunicação com diferentes profissionais e com diferentes âmbitos tais como o juizado conselhos tutelares organizações não governamentais ONGs entre outros Esses encaminhamentos devem propiciar a dinamização da rede de apoio para permitir que a comunidade seja cada vez mais promotora de saúde Dentro desta perspectiva mais integrativa as entrevistas na comunidade podem ser realizadas pelo psicólogo individualmente ou acompanhado por outros profissionais respeitando a ação interdisciplinar e acima de tudo objetivando uma compreensão mais global dos fenômenos Cabe ressaltar que para o bom funcionamento e eficácia dos serviços prestados o trabalho com outros profissionais exige que cada um tenha muito claro seu papel dentro da equipe Através do trabalho em equipe se desenvolvem as estratégias de integração disciplinar termo proposto por Porto e Almeida 2002 o qual caracteriza a possibilidade de produção de conhecimento multidisciplinar interdisciplinar ou transdisciplinar Para os autores as estratégias de integração disciplinar referemse ao conjunto de intervenções entre as diversas disciplinas científicas na produção de conhecimento em particular na análise de objetivos complexos assim como na integração de conhecimentos e estratégias de intervenção em torno de problemas particulares Almeida Filho 1997 define a multidisciplinaridade como o conjunto de disciplinas que agrupamse ao redor de um tema ou um problema desenvolvendo investigações e análises particulares por diferentes especialistas Entretanto na maioria das vezes perdura a produção de práticas fragmentadas apesar do avanço na incorporação de múltiplas dimensões de um problema A interdisciplinaridade por sua vez caracterizase pela reunião de diferentes disciplinas ao redor de uma mesma temática em que outros profissionais trabalham ainda de maneira fragmentada mas compreendem a pessoa como única tendo a prática de diferentes níveis de integração Enquanto a transdisciplinaridade referese à articulação de um amplo conjunto de disciplinas concernentes a um campo teórico e operacional específico Assim percebese que não somente a entrevista na comunidade como também outras formas de intervenção dos profissionais 206 207 da saúde como por exemplo a prática da visita domiciliar descrita a seguir possibilitam o desenvolvimento de conceitos e intervenções transdisciplinares os quais possibilitam uma significativa ampliação das ações realizadas no âmbito comunitário A visita domiciliar A visita domiciliar é mais uma forma de trabalho em equipe nas comunidades Não se trata de uma prática específica dos psicólogos já que um dos primeiros profissionais que realizaram essa atividade foram os assistentes sociais Atualmente além destes outros profissionais da área da saúde também trabalham com esta modalidade de atendimento Evidenciase assim a importância do psicólogo estar aberto a outras possibilidades interventivas as quais podem ter sua origem em novas práticas profissionais e podem propiciar uma compreensão mais ampla dos fenômenos e uma maior aproximação a comunidade podendo ser muito concernentes ao exercício da Psicologia A visita domiciliar se caracteriza por ser uma intervenção eminentemente em equipe Neste sentido é interessante que o psicólogo busque neste espaço o desenvolvimento de uma prática integrada com pacientes familiares e comunidade facilitando desta maneira a tão desejada transdiciplinaridade No Brasil a visita domiciliar não é uma prática tão consolidada no âmbito da Psicologia especialmente em termos dos serviços públicos de saúde apesar de existir um importante movimento e crescimento neste sentido Henley 1999 salienta a importância da aproximação dos profissionais da saúde com a realidade social com a qual trabalham A intervenção direta no contexto possibilita uma compreensão mais profunda do comportamento das pessoas que vivem na comunidade seus hábitos e atitudes e favorece também uma aproximação entre as unidades de saúde e a comunidade Patterson Mulley 1999 Para Campanini e Luppi 1996 o principal objetivo da intervenção feita no domicílio é a busca por profundidade e a possibilidade de compreensão do ambiente familiar a partir da observação Patterson e Mulley 1999 ressaltam que em 80 dos casos familiares e amigos também estão presentes durante a entrevista podendo contribuir com os profissionais que a realizam Através dessa prática outros aspectos mostramse relevantes tais como fortalecimento do vínculo entre a comunidade e a equipe técnica compreensão da relação entre o comportamento e o ambiente acompanhamento mais rigoroso quando solicitado pelo Juizado de Menores e Conselhos Tutelares assim como a possibilidade de intervir preventivamente Sendo assim a visita domiciliar propicia uma maior compreensão dos processos de comunicação estrutura ambiental e interação dos membros na família e na comunidade facilitando também o entendimento dos processos da saúde e doença Segundo Oliveira e Berger 1996 durante a visita domiciliar o paciente ou a família visitada percebe o entrevistador como uma grande fonte de ajuda No entanto existem casos nos quais esta confiança não se estabelece de forma imediata assim o êxito da entrevista dependerá muito da habilidade do entrevistador Mackinnon Yudofsky 1988 Dentro dessa perspectiva entendese o psicólogo como um dos profissionais mais aptos para a realização destas práticas devido a habilidade técnica para o trabalho em relações humanas e sensibilidade para estabelecer vínculos saudáveis os quais favorecerão a integração com as pessoas e as comunidades Boyce Cook Jump e Roggman 2001 comentam alguns cuidados fundamentais nas visitas domiciliares evitar a troca dos profissionais que realizam as visitas a forma como esta visita se estrutura e a qualidade das intervenções durante o processo Variações referentes à efetividade dos profissionais na utilização de interações e de estratégias para envolver famílias parecem estar 208 209 relacionadas à percepção que as famílias têm da possibilidade de melhorar sua qualidade de vida Sabese também que o deslocamento da equipe de saúde até a residência de um membro da comunidade pode mobilizar a equipe como um todo Por isso é importante considerar o significado da solicitação da visita e da demanda assim como analisar as implicações para quem a solicitou Deve ser considerado se o pedido de visita é o primeiro contato com a família se foi feito diretamente pelo sujeito ou outra pessoa ou por uma instituição e também se foi por impossibilidade da pessoa de locomoverse até o serviço de atendimento A solicitação deve ser avaliada pelo profissional que atenderá o caso podendo ser redefinidas questões como o momento e a modalidade da visita Campanini Luppi 1996 Oliveira Berger 1996 É muito importante que os integrantes de uma equipe de saúde que durante uma visita domiciliar invadem de certa forma o espaço privado das pessoas realizem permanentemente um questionamento ético acerca do lugar de poder que ocupam frente a estas comunidades já que no Brasil os programas de saúde relacionados ao cuidado da família orientamse na maioria das vezes à população marginalizada Os questionamentos de ordem ética devem ser contemplados para que a intervenção possa promover de fato a saúde dos indivíduos através da potencialização dos recursos da comunidade Patterson e Mulley 1999 salientam alguns aspectos controvertidos em relação à visita domiciliar como por exemplo a duração ideal para a realização da entrevista quais profissionais devem estar presentes o quanto as visitas podem influenciar a qualidade de vida os aspectos psicológicos e a remissão de doenças das pessoas Segundo os autores nem todos os pacientes ou famílias beneficiamse deste tipo de atendimento e portanto tal prática deve ser analisada com cuidado e atenção Baseado nestes conhecimentos podese dizer que tanto na visita domiciliar como na entrevista participativa ou de grupo o papel que o profissional ocupa frente à comunidade deve ser de agente promotor da saúde já que o mesmo é parte e não o centro do processo Assim a visita domiciliar é considerada um instrumento de intervenção muito eficaz para psicólogos e outros profissionais da saúde sendo de grande importância a observação das relações e a compreensão de como está ocorrendo num determinado momento Além disso pode estimularse que outras pessoas as quais não sejam foco central do atendimento busquem participar mais ativamente na comunidade podendo funcionar como uma estratégia de inclusão Observase ainda que no campo da Psicologia Comunitária existe uma carência de materiais teóricos e metodológicos de qualidade referentes a tais técnicas de intervenção Isto ocorre em grande parte pela ênfase dada à intervenção na singularidade de cada contexto já que é a vivência na comunidade que orientará o trabalho Entretanto enfatizase a importância de mais produções científicas neste sentido com a finalidade de fundamentar as atividades que o psicólogo vem realizando neste âmbito assim como seu questionamento crítico e ético Referências ALMEIDA FILHO N Transdisciplinaridade e saúde coletiva Ciência e Saúde Coletiva 2 12 1997 BEZERRA Jr B Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental In TUNDIS S A COSTA N R orgs Cidadania e loucura Políticas de saúde mental no Brasil Petrópolis Vozes 2001 BLEGER J Temas de Psicologia entrevista e grupos Porto Alegre Martins Fontes 1998 BOYCE L K COOK G A JUMP V K ROGGMAN L A Inside Home Visits a collaborative look at process and quality Early Childhood Research Quarterly 16 2001 p 5371 210 211 BRASIL Ministério da Saúde ABC do SUS nomenclatura parâmetros e instrumentos de planejamento Brasília Secretaria Nacional de Assistência à Saúde 1990 BROFENBRENNER U A ecologia do desenvolvimento humano Experimento naturais e planejados Porto Alegre Artes Médicas 19791996 CAMPANINI A LUPPI F Servicio social y modelo sistémico una nueva perspectiva para la práctica cotidiana Barcelona Paidós 1996 HENLEY L D A home visit programe to teach medical students about children with special needs Medical Education 33 1999 p 749752 KELLY J No es lo que haces sino como lo haces In KELLY J Org Psicología Comunitaria El enfoque ecológicocontextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 LAVILLE C DIONNE J A construção do saber Porto Alegre Artes Médicas 1999 LEWIN K La teoría de campo en la ciencia social Buenos Aires Paidós 1978 MACKINNON R A MICHELS R A Entrevista Psiquiátrica na Prática Diária Porto Alegre Artes Médicas 1990 MACKINNON R A YUDOFSKY S C A Avaliação Psiquiátrica Porto Alegre Artes Médicas 1988 MARTÍNEZ M S V La entrevista psicosocial In DÍAZ Miguel Clemente coord Psicología Social Métodos y Técnicas de Investigación Madrid Eudema 1992 OLIVEIRA F J A BERGER C B Visitas domiciliares em atenção primária à saúde equidade e qualificação dos serviços Revista TécnicoCientífica do Grupo Hospitalar Conceição 9 2 1996 p 6974 PATTERSON C J MULLEY G P The effectiveness of predischarge home assessment visits a systematic review Clinical Rehabilitation 13 1999 p 101104 PORTO M F P ALMEIDA G E S Significados e limites das estratégias de integração disciplinar una reflexão sobre a saúde dos trabalhadores Ciência e Saúde Coletiva 7 2 2002 p 335347 RODRÍGUEZ SUTIL C La Entrevista Psicológica In DELGADO J M GUTIÉRREZ J Métodos y Técnicas Cualitativas de Investigación en Ciencias Sociales Madrid Sintesis Psicologia 1994 INTRODUÇÃO A Psicologia Social Comunitária surge em meados da década de 1960 no Brasil a partir de trabalhos realizados nas comunidades de baixa renda com o intuito de deselitizar a profissão do psicólogo e promover qualidade de vida à população trabalhadora institui o campo teórico e prático do que intitulamos a psicologia comunitária ou psicologia na comunidade FREITAS1994 Foram vários os lugares onde iniciouse a prática de psicologia comunitária tal como bairros populares favelas associações de bairro comunidades eclesiais de base e movimentos populares em geral sendo estes espaços propícios para as experiências propostas por essa abordagem Comunidade é definida por Campos 1996 como sendo o lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida No entanto o conceito de comunidade utilizado pela psicologia social comunitária tem algumas características próprias o qual se refere À relação baseada no sentimento subjetivo do pertencer estar implicado na existência do outro como a família e grupos unidos pela camaradagem vizinhança e fraternidade religiosa A relação pode ser afetiva piedade amizade ou erótica e amorosa enfim baseada em qualquer espécie de fundamentos emocional ou tradicional SAWAIA 1996 p 40 Conforme Sawaia 1996 por muito tempo este conceito de comunidade encontravase inexistente na história das ideias psicológicas Sobrevém apenas nos anos de 1970 quando uma área da psicologia social se autoqualificou de comunitária Deste modo estabeleceu propósitos e destinatários para mostrar se como ciência enredada com a realidade estudada principalmente com os excluídos da cidadania A comunidade apresentavase muito raramente como sinônimo de sociedadeporém há diferenças entre esses conceitos sendo que o primeiro é mais restrito e se encontra inserido dentro de uma sociedade sendo este mais abrangente podendo ser definido como Uma relação cuja atividade se funda sobre um compromisso de interesse motivado racionalmente em valor ou finalidade e resultante de vontade ou opção racionais mais que na identificação afetiva SAWAIA 1996 p 41 Não se pode atribuir a descoberta da comunidade especificamente à psicologia social visto que esse processo esteve envolvido em um movimento mais amplo de análise crítica do papel social das ciências sociais e em consequência do paradigma da neutralidade científica rompido nos anos de 1960 e culminado nas décadas de 1970 e 1980 quando a concepção de comunidade penetra literalmente o discurso das ciências humanas e sociais em particular as práticas no âmbito da saúde mental SAWAIA 1996 Tendo instituído uma aparência epistemológica importante à medida que representou a escolha por uma teoria crítica que interpreta o mundo com o intento de transformálo sem dúvida a inserção deste novo conceito no corpo teórico da psicologia social foi de suma importância HELLER 1984 apud SAWAIA 1996 pg 35 Vivendo em um contexto de opressão política e dominação econômica e ideológica do período militar na década de 1970 os psicólogos passaram a indagar se sobre sua atuação frente à população e de qual seria seu papel na sua conscientização e organização Na década de 19801990 a denominação psicologia na comunidade passa a ser conhecida como psicologia da comunidade tendo como alvo de análise o grupo comunitário e a psicologia comunitária que toma como objeto de análise o sujeito construído sócio historicamente FREITAS et al 1996 pg 09 Ainda de acordo com Freitas 1996 pg 10 a Psicologia Social Comunitária tem como objetivo principal a busca do desenvolvimento da consciência crítica da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária Segundo Campos e colaboradores 2012 em sua atuação o psicólogo comunitário Contribui na construção de programas inovadores de intervenção social baseados em metodologias colaborativas de investigação ação promotoras de empoderamento e facilitadoras da mudança social Estrutura implementa ou avalia programas de prevenção na área da violência Apoia os grupos e as organizações da comunidade coletividades organizações não governamentais ou outras para que funcionem de forma mais eficaz cumprindo os objetivos a que se propõem ao nível da cultura do bemestar físico e do desenvolvimento integral dos grupos que pretendem beneficiar DESENVOLVIMENTO A Pastoral da Criança fundada em dezembro de 1983 em Florestópolis Paraná é uma organização ecumênica que tem como objetivo primordial a atenção integral à criança em seu contexto familiar e comunitário Sob a liderança da médica pediatra Zilda Arns Neumann e de Dom Geraldo Majella Agnelo à época Arcebispo de Londrina a Pastoral foi criada como uma iniciativa da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNBB A ampliação da área de atuação da Pastoral da Criança é notável pois ela tem incentivado entidades governamentais não governamentais e organizações comunitárias a realizarem ações concretas em prol das crianças e suas famílias Essa expansão reflete o compromisso da organização em enfrentar desafios como a redução da mortalidade infantil da desnutrição e da exclusão social Além disso a Pastoral trabalha ativamente na construção de uma cultura de paz atuando na prevenção da violência doméstica e promovendo relações saudáveis no seio familiar O cerne do trabalho da Pastoral da Criança reside na capacitação e no engajamento de líderes comunitários voluntários Esses líderes desempenham um papel fundamental ao realizarem visitas domiciliares a gestantes e crianças onde buscam compreender a realidade e as necessidades das famílias atendidas Por meio dessas visitas é possível planejar estratégias de assistência personalizadas que visam não apenas a saúde física mas também o bemestar emocional e social das crianças e de suas famílias Além das visitas domiciliares a Pastoral da Criança promove o Dia da Celebração momento em que as famílias se reúnem para o acompanhamento nutricional das crianças Esse encontro não apenas fortalece os laços comunitários mas também proporciona um ambiente propício para a troca de experiências e o compartilhamento de conhecimentos sobre cuidados com a saúde e nutrição infantil Por fim há momentos de reflexão e avaliação onde os líderes discutem estratégias para aprimorar o trabalho desenvolvido e garantir sua efetividade na promoção do desenvolvimento infantil e comunitário Em suma a Pastoral da Criança desempenha um papel fundamental na promoção da saúde infantil e no desenvolvimento das comunidades em que atua Seu compromisso com a inclusão a solidariedade e a justiça social são evidentes em todas as suas ações e seu impacto positivo na vida de milhares de crianças e famílias brasileiras é inegável O trabalho dos líderes comunitários voluntários é essencial para o sucesso dessa empreitada e é graças ao seu esforço e dedicação que a Pastoral continua a ser uma referência na luta pela garantia dos direitos das crianças e pelo fortalecimento das comunidades mais vulneráveis DESCRIÇÃO DA INTITUIÇAO Em xxxxxxxxxx foi fundada no santuário xxxxx em 2009 Atendendo as comunidades do jardim xxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxx Este trabalho foi focado na comunidade do bairro xxxxxxxxxx As reuniões acontecem a cada 15 dias sendo uma visita na residência das famílias cadastradas e outra no salão O salão é amplo possui dois andares e boa estrutura com banheiros cozinha e uma sala onde é realizada a pesagem e medida das crianças Situado na Rua xxxxxxxxx se trata de um imóvel que pertence a associação de moradores do bairro e é cedido para realização do trabalho filantrópico e voluntário da Pastoral O bairro tem parte da sua população em situação de carência financeira e de estrutura A população sofre com falta de assistência médica saneamento básico pavimentação de algumas ruas e locais para lazer Há uma grande dificuldade dos moradores para acesso à educação A prefeitura disponibiliza transporte coletivo mas no bairro não há escolas nem creches E necessário um longo deslocamento para que cheguem à escola Quando necessitam de atendimento médico para as crianças ou gestantes a pastoral atua para que a necessidade seja suprida e o atendimento necessário pelo médico especialista seja realizado A idade de principal foco é de gestante até que completem dois anos de vida O foco são os primeiros mil dias de vida sendo 9 meses de gestação e os 2 anos após o nascimento DESCRIÇÃO DO GRUPO Recémnascido 1 criança Menos de 6 meses 3 crianças Entre 1 e 2 anos 12 crianças Entre 2 e 3 anos 17 crianças Entre 3 e 4 anos 15 crianças Entre 4 e 5 anos 11 crianças Entre 5 e 6 anos 10 crianças Perfil étnico das crianças A maioria das crianças cadastradas na pastoral da criança do bairro xxxxxxxxxx são de origem negra e parda Estrutura da Pastoral da Criança do bairro xxxxxxxx Famílias acompanhadas 36 Total de crianças acompanhadas 59 Gestantes acompanhadas 8 Voluntários Total 10 Líderes incluindo coordenadora 7 Cozinheiras 2 Nutricionista 1 responsável pela pesagem medida e elaboração da alimentação para as crianças OBJETIVO Este trabalho tem como objetivo realizar visitas de campo para compreender o ambiente em estudo analisando seus aspectos físicos sociais e ambientais Durante essas visitas será dada especial atenção às demandas expressas e observadas pelas pessoas que frequentam a instituição em questão Por meio da escuta atenta e da observação direta serão identificadas as necessidades e expectativas do públicoalvo Com base nas informações coletadas durante as visitas de campo e na análise das demandas levantadas este estudo buscará desenvolver uma proposta de intervenção que atenda às necessidades identificadas Essa proposta será elaborada de forma a promover melhorias significativas no espaço estudado visando proporcionar uma experiência mais satisfatória para os frequentadores da instituição Dessa forma este trabalho acadêmico visa não apenas conhecer o espaço e suas condições mas também compreender as necessidades e demandas da comunidade que o utiliza culminando na elaboração de uma proposta de intervenção que contribua para a melhoria da qualidade de vida e do ambiente em questão MÉTODO Após observação e diálogo direto com os pais das crianças cadastradas foi identificado que uma parcela significativa dessas crianças enfrenta desafios no que diz respeito à interação social com pessoas que não pertencem ao seu círculo familiar evidenciando uma preferência a se relacionar predominantemente com seus familiares Isso reflete uma possível dificuldade de socialização Durante uma atividade em grupo realizada em forma de roda de conversa com crianças em idade entre 3 e 6 anos foram coletadas informações para entender suas preferências percepções sobre o ambiente e brincadeiras favoritas Essa interação teve como objetivo principal compreender as perspectivas das crianças e suas experiências dentro do contexto observado Uma das perguntas realizadas durante a conversa foi sobre as atividades que as crianças mais gostam de fazer As respostas revelaram uma variedade de interesses incluindo brincar com brinquedos específicos desenhar jogar bola pular corda dançar e ver televisão JORGE CASTELLÁ SARRIERA ENRIQUE TEÓFILO SAFORCADA Organizadores Introdução à PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Bases teóricas e metodológicas Coautores Adolfo Pizzinato Ceres Berger Faraco Juliana Amoretti Kátia Bones Rocha Kátia Regina Frizzo Lilian Rodrigues da Cruz Maria Amélia Jaeger de Souza Maria de Fátima Quintal de Freitas Maria Piedad Rangel Meneses Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel Pedrinho Arcides Guareschi Editora Meridional 2010 Editorial Paidós SAICF 2008 Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria Capa Vinícius Xavier Projeto gráfico e editoração FOSFOROGRÁFICOClo Sbardelotto Revisão Matheus Gazzola Tussi Revisão técnica GPPCUFRGS Tradução Autores Editor Luis Gomes 1ª reimpressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Bibliotecária responsável Denise Mari de Andrade Souza CRB 10960 161 Introdução à Psicologia Comunitária bases teóricas e metodológicas Jorge Castellá Sarriera e Enrique Teófilo Saforcada orgs Porto Alegre Sulina 2014 230 p Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria ISBN 9788520505885 1 Psicologia 2 Psicologia Comunitária 3 Psicologia Social 3 Psicologia Pesquisa 4 Psicologia Metodologia I Sarriera Jorge Castellá II Saforcada Enrique Teófilo CDD 150 CDU 1599 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL LTDA Av Osvaldo Aranha 440 conj 101 CEP 90035190 Porto Alegre RS Tel 51 33114082 Fax 51 32644194 sulinaeditorasulinacombr wwweditorasulinacombr Fevereiro2014 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Capítulo 6 ANÁLISE DE NECESSIDADES DE UM GRUPO OU COMUNIDADE A AVALIAÇÃO COMO PROCESSO Jorge Castellá Sarriera Pressupostos Iniciar uma atividade comunitária exige uma adequada planificação Esta planificação deve ter uma boa sustentação teóricoconceitual que oriente a ação e um bom conhecimento da realidade Em Psicologia Comunitária as teorias que apresentamos no primeiro capítulo sustentam a necessidade de contextualizar a comunidade sua história evolução cultura entender a interdependência entre os diferentes sistemas micro meso e macrossocial junto com a ideologia as políticas públicas as organizações e assumir o compromisso profissional na intervenção comunitária para o fortalecimento e a construção de redes de apoio que possam produzir trocas sociais para a melhoria da qualidade de vida de todos A análise de necessidades terá dois protagonistas Segundo Montero 1994 os investigadores ou técnicos externos e os investigadores internos os membros da comunidade Para eles é imprescindível a familiarização com a comunidade através de um processo de aproximação e diálogo de mútua aprendizagem e de respeito O conhecimento da comunidade de seu espaço físico seus costumes e seu cotidiano facilitará a inserção e o diálogo para o levantamento de necessidades e a abertura necessária para que essas possam ser analisadas com crítica e liberdade Este proceso de aproximação à comunidade dará início à análise de necessidades não se relacionando com as intervenções que partem de programas elaborados a priori impostos de cima para baixo desenvolvidos através de oficinas técnicas e procedentes de experiências de outros contextos Mas também há o que criticar em outro extremo aqueles profissionais que querem mimetizar com a comunidade e durante meses às vezes anos não conseguem ter parâmetros claros para estabelecer necessidades e metas de ação comunitária e vão trabalhando em um processo circular sem avanços conforme sopra o vento Definição de análises de necessidades Montero 1994 define as análises de necessidades como uma atividade inicial e dentro de um processo de investigaçãoação participante IAP que ajuda a especificar os problemas que afligem a comunidade e verifica às condições sentidas por seus membros Segundo a autora uma necessidade existe para um grupo quando seus membros sentem que lhes falta alguma coisa ou quando certas situações em suas vidas produzem efeitos que perturbam porque a maneira de atuar sobre elas é ineficiente Montero 1994 p 8 Essa atividade de análises seguirá durante todo o processo de ação comunitária buscando transformar as necessidades percebidas cognitivamente em necessidades sentidas cognitiva e afetivamente ou conscientizadas Nesse sentido a comunidade pode perceber mas não sentir uma necessidade possivelmente por estar embotada pelos meios de comunicação social ou pela naturalização daquilo que para os investigadores externos seria objeto de grande preocupação bloqueando sua capacidade de pensar analiticamente colocando em termos ideológicos um conhecimento determinado de antemão que busca conformar as pessoas segundo os interesses dominantes Desta maneira se acostuma por exemplo com uma situação de encarecimento como se fosse a forma natural de viver Alguns autores definem ou entendem o significado de necessidade de forma diferente Assim para SolanoPastrana 1992 existem diferentes conotações de necessidade como desejo expectativa problema ou demanda Parecenos que esses diversos sentidos não podem reduzirse ao âmbito da necessidade e que cada um expressa um leque de possibilidades a serem trabalhadas junto à comunidade de formas diferentes ainda que todos eles indiretamente relacionados com as necessidades É preciso que cada investigador determine o que entende por necessidade e os indicadores que identificam seu conceito assim como esteja atento às atribuições que a própria comunidade faz do significado de necessidade Outro aspecto conceitual básico se relaciona com os diferentes tipos de necessidade Assim como vimos que Montero 1994 diferenciava as necessidades sentidas das percebidas SerranoGarcía 1992 diferencia as necessidades sentidas diretamente pelas pessoas da comunidade daquelas inferidas que são provenientes de profissionais ou instituições vinculados à comunidade ou de critérios preestabelecidos As necessidades sentidas são do tipo mais subjetivo e incluem sentimentos preocupações e percepções As necessidades inferidas são do tipo objetivo como as necessidades normativas e comparativas que são extraídas de fontes documentais e de estudos epidemiológicos Além das necessidades que respondem às carências ou falta de coisas precisas em ordem material e psicossocial estão os problemas que a comunidade está vivendo Se considerarmos segundo a Enciclopédia Britânica 1994 que problema é uma situação que ameaça certos valores básicos e culturais causados por de sajustes individuais às normas adotadas ou a falhas existentes na própria estrutura social e que se refere a qualquer assunto ou questão que envolva dúvida insegurança ou dificuldade o mesmo processo com o qual tratamos as necessidades também pode ser usado para tratar os problemas As necessidades estão mais relacionadas à falta enquanto os problemas estão relacionados aos conflitos e dificuldades Junto ao levantamento de necessidades e problemas é necessário identificar os recursos com os quais conta uma comunidade Um primeiro aspecto é o conhecimento das instituições sociais religiosas de saúde e educativas que estão em sua região e com as quais no futuro poderão estabelecer redes de apoio Um segundo aspecto é a avaliação destas instituições pelos próprios responsáveis pelos membros da equipe investigadora e pelos próprios usuários Um terceiro aspecto são as expectativas que se têm sobre esses serviços e seu potencial contribuinte para a comunidade Além disso as instituições sociais os recursos podem ser de ordem pessoal e social líderes atuais e potenciais vínculos relacionais informais conhecimentos e experiências de pessoas de referência da comunidade Cabe enfatizar também o levantamento das fontes de recursos não utilizados seja de programas sociais de encontros seja de pressuposto participativo se existe em seu município seja de ONGs que estão com disponibilidade para auxiliar a comunidade Geralmente a comunidade por falta de consciência e organização deixa de se beneficiar de recursos que poderiam auxiliar em seu desenvolvimento Concluindo que aspectos podemos considerar em uma análise de necessidades Desde meu ponto de vista deveríamos enfocar três dimensões básicas 1 As necessidades sentidas percebidas e inferidas 2 Os problemas mais proeminentes e as formas de resolução dos mesmos que a comunidade propõe 3 O levantamento dos recursos que esta comunidade possui institucionais pessoais redes ou pode ter acesso Procedimentos metodológicos Para realizar o levantamento de necessidades de uma comunidade nos valemos de diferentes técnicas que poderão ser desenvolvidas ou construídas em conjunto entre investigadores externos e internos As técnicas de identificação de necessidades de problemas e recursos comunitários são variadas Entrevistas a Individuais 1 com líderes comunitários de instituições ou associações do bairro nas quais se identifiquem os problemas específicos de cada instituição frente à comunidade a participação em suas atividades e a avaliação que os líderes fazem das necessidades e do potencial da comunidade 2 com membros da comunidade escolhendo de forma intencional uma amostra heterogênea b Grupais com membros da comunidade sem vínculo ou controle externo Através de Grupos Focais ou de discussão avaliando a situação de grupos específicos terceira idade mulheres jovens crianças desempregados ou de temas relevantes problemas necessidades expectativas c Comunitárias em associações instituições igrejas postos de saúde etc onde se discutem temas de interesse comum d Entrevistas com questionários para responder a instrumentos de análises de necessidades com uma amostra representativa da comunidade levantando aspectos como participação organização comunitária necessidades avaliação de serviços comunitários de liderança problemas mais preocupantes soluções e alternativas propostas Análise histórica e documental a Registros históricos da comunidade através de pessoas significativas e veteranas ou de materiais documentais fotos periódicos etc b Registros estatísticos com base nos estudos epidemiológicos educacionais judiciais laborais da zona onde se situa a vila Análise de indicadores demográficos sociais de fatores de risco de usuários Dados sobre a utilização dos serviços c Registros geográficos físicos e materiais da comunidade Características do espaço físico e seu significado características e condições de moradia localização da vila dentro do contexto do município saneamento básico iluminação Diário de campo Anotações sobre as observações feitas durante o processo de inserção e familiarização na comunidade seja em seu cotidiano como nos momentos mais significativos analisando as estratégias de enfrentamento dos problemas e de resolução dos mesmos Alguns lugares privilegiados para estas observações podem ser a Em lugares públicos com membros da comunidade rua bares salas de espera onde se pode observar o cotidiano da comunidade identificar as palavras geradoras ou as mais frequentemente utilizadas para descrever sua vida sua comunidade anotar as queixas ou problemas da mesma b Visitas domiciliaries acompanhado por membros da comunidade ou sendo convidado para conversar e conhecer as casas a forma de vida e os recursos pessoais familiares delimitará as formas de avaliação periódica para dar continuidade ao trabalho ou a partir de novas análises priorizar outras metas O processo de análise de necessidades se constrói dentro de uma concepção de investigação dialógica e sequencial e se vai transformando à medida que o grupo ou comunidade avança para níveis de consciência mais diferenciados Este processo é o mesmo que Paulo Freire 1987 propõe na análise de temas geradores e das situaçõeslimite Ao decodificar uma situação uma palavra geradora ou uma necessidade percebida será através da problematização que mude a compreensão da mesma permitindo observar a realidade decodificada ou desideologizada em um nível de consciência mais crítica podendo emergir novos sentimentos representações e necessidades Conscientizar para Montero 1994 significa trazer à consciência situações e feitos antes desconhecidos Conforme as necessidades são sentidas a nível cognitivo e emocional ao entender as situações as insatisfações aparecem e as pessoas estão mais dispostas a uma ação de troca Esse processo implica segundo a autora orientar as pessoas do real para o possível Análise de necessidades na prática Três experiências em tempos e contextos diferentes Com a finalidade de ilustrar diferentes tipos de levantamento de necessidades a partir de objetivos e grupos diferenciados vamos expor três trabalhos que encabeçamos em diferentes épocas e contextos 1 Conscientização promoção humana e transformação comunitária Objetivo ação conscientizadora mobilização da comunidade e promoção humana das associações comunitárias do bairro e identificação de propostas de melhoria da qualidade de vida Direção dos dados levantados por não ser a equipe de trabalho a mesma que trabalha no Posto de Saúde da comunidade se decidiu não discutir diretamente os dados recolhidos com a própria comunidade sem discutirmos primeiro com a direção do Campus para dar aos dados a direção que esta considera oportuna Também foram elaborados informes para ficar à disposição dos psicólogos e alunos de Psicologia Comunitária do Posto de Saúde Avaliação da análise e intervenção excelente acolhida por parte da Comunidade dos investigadores externos levantamento de expectativas e de consciência social Recolhimento de indicadores psicossociais relevantes para profissionais e alunos que trabalham na Comunidade Sensibilização da equipe do Posto para a abertura e implicação em atividades fora do Posto de Saúde junto com a comunidade Registro Sarriera e cols 1994 3 Análise do perfil psicossocial de jovens desempregados Objetivo auxiliar aos jovens com dificuldades de inserção sociolaboral Local cidade de Porto Alegre RS Brasil Duração três anos Equipe psicólogo e 12 estudantes da Faculdade de Psicologia bolsistas de pesquisa científica Enfoque teórico paradigma ecológicocontextual Familiarização para poder conhecer as necessidades e problemas dos jovens desempregados iniciamos entrevistando em profundidade a oito jovens com características diferentes sexo idade nível socioeconômico grau de instrução experiência laboral 2 Conhecimento e identificação de necessidades em uma Vila Objetivo conhecer as necessidades problemas e recursos da Vila Contribuir com subsídios para o Posto de Saúde para implementação de Programas Comunitários Local trabalho desenvolvido junto ao Campus Aproximado da PUCRS na Vila Fátima de Porto Alegre Brasil Duração da intervenção Oito meses Equipe de trabalho psicólogo coordenador três estudantes de Psicologia Comunitária da UAM¹ Espanha e 12 alunos voluntários da Faculdade de Psicologia com a colaboração de técnicos e residentes em Psicologia do Posto de Saúde da Vila Enfoque teórico psicossocialecológico Familiarização o fato que apresentamos aos membros da comunidade como professores e alunos da universidade que colabora com a manutenção do Posto de Saúde facilitou a atitude positiva e de acolhida dos moradores Todos abriram as portas de suas casas e nos convidaram a entrar em suas moradias para tomar café ou mate Houve participação dos entrevistados de forma sincera e aberta Recolhimento dos dados foram realizadas entrevistas com os líderes dos centros comunitários visitas e entrevistas a 53 famílias distribuídas por zonas geográficas da comunidade e escolhidas seguindo rotas aleatórias Os dados levantados se relacionaram à saúde percebida as enfermidades padecidas pela família e a avaliação da atenção no Posto de Saúde Dados escolares e de empregodesemprego Levantaramse problemas e necessidades percebidas conhecimento e interesse em participar Local A Salamanca AsunciónParaguai Barranco atrás do Club Cerro Porteño onde viviam 40 famílias em casebres de papelão e lata Duração da intervenção dois anos Equipe de trabalho psicólogo uma religiosa e 10 jovens de uma organização paroquial Enfoque teórico abordagem Psicossocial de Paulo Freire Familiarização e recolhimento de dados foram visitadas todas as famílias entrevistadas com relação às necessidades condições de vida problemas na comunidade e disponibilité para participar em reuniões comunitárias Foram levantados os elementos físicos de construção e entorno Elementos iniciais da Análise de Necessidades palavra geradora Anhã reta Terra do Diabo como identificam a comunidade onde vivem Desnutrição e mortalidade infantil insalubridade bebendo água contaminada Sistematica das reuniões conscientização através de sessões semanais em Cañeterogape Casa dos Cañete apresentação de palavras ou temas geradores decodificaçãoproblematização nova compressão da situação ação transformadora Apoio comunitário visita médica semanal contribuição simbólica para os remédios classes de alfabetização dadas por voluntários da comunidade classes de corte e costura plantação de mamona no barranco colocação de água potável em um ponto do barranco para toda a comunidade construção da casa da comunidade Avaliação da intervenção fortalecimento do sentido de pertença à comunidade e criação de uma associação diminuição da mortalidade infantil analfabetismo e brigas desenvolvimento de cursos profissionalizantes promovidos pelos próprios moradores Registro Sarriera 1974 ¹ UAM Universidade Autônoma de Madri Espanha Elementos iniciais da Análise de Necessidades análise das experiências de busca de emprego e de história de vida desses adolescentes através de análise de conteúdo Com base nesta aproximação aos jovens e ao tema preparamo um instrumento de aplicação coletiva a 563 jovens de 14 a 18 anos constituindo uma amostra representativa por amostragem em múltiplas etapas Dados recolhidos através de entrevistas individuais por rotas aleatórias Análise dos dados foram avaliados dados pessoais familiares escolares laborais de busca de emprego atribuições e significado do trabalho e de bemestar psicológico Elaborouse um perfil do jovem desempregado com base em análise discriminante entre jovens empregados estudantes e desempregados Este perfil foi revisado junto com os jovens através de uma intervenção Intervenção psicossocial com seis grupos de aproximadamente 20 jovens de 16 a 21 anos inscritos no Instituto Nacional de Emprego para buscar trabalho se discutiu e se desenvolveu um Programa de Inserção Sociolaboral com base na análise de necessidades realizada estruturando o Programa em três módulos Orientação Vocacional e Ocupacional Estratégias de Busca de Emprego e Desenvolvimento de Habilidades e conhecimentos críticos sobre Mercado de Trabalho e de direitos e deveres do trabalhador Avaliação da intervenção o resultado foi positivo e de muita motivação entre os jovens Porém o programa de acompanhamento para sua inserção laboral nos seis meses seguintes foi difícil de avaliar devido á perda de contato com os mesmos Como fruto desta experiência foi publicado um Manual de Orientação Ocupacional dirigido aos jovens de classe popular com os conteúdos e técnicas avaliados pelos próprios jovens nas intervenções Registro Sarriera e cols 2000 e 2004 Considerações finais Como bem disse Kelly 1992 p 45 a Avaliação do contexto permite ao investigador escutar as vozes dos demais proporcionando a oportunidade de compreender e atribuir o poder aos outros Fazer com que a comunidade participe do processo da intervenção comunitária é tão importante como o conteúdo que se pretende desenvolver Qualquer programa que se pretenda comunitário deve iniciar pelo conhecimento da comunidade através da inserção e familiarização do investigador externo observando a vida os valores as preocupações e as esperanças de seus membros A participação da própria comunidade na planificação das estratégias a seguir e dos objetivos a definir no levantamento da análise de necessidades é o ideal pretendido Às vezes não haverá possibilidade de iniciar como uma ação conjunta a avaliação das necessidades iniciais mas esta fase servirá como sensibilização e familiarização com a comunidade com relação à temática inicialmente proposta de trabalho As três experiências aqui resumidas com objetivos e metodologias diferentes revelam uma preocupação pelo entendimento do fenômeno desde uma perspectiva bidirecional investigadores internos e externos Temos constatado que certa detecção inicial de necessidades sentidas e a priorização das mesmas no processo de intervenção é a chave motivacional geradora de uma maior mobilização comunitária As dificuldades encontradas na ação comunitária procedem em sua maioria de instituições da comunidade orientadas por membros externos à própria comunidade docentes nas escolas profissionais nos postos de saúde que criam maiores resistências ao câmbio e forçam consciente ou inconscientemente a manutenção do status quo Conhecer as necessidades de uma comunidade e trabalhar junto com ela para seu desenvolvimento e bemestar implica um duplo compromisso o científico estudando e produzindo co nhecimentos que facilitem o desenvolvimento comunitário e o éticosocial comprometendose junto com a comunidade em seus problemas seus fracassos e suas conquistas Referências FREIRE P 1987 A pedagogia do oprimido Brasil Paz e Terra FREITAS M DE F QUINTAL de 1998 Inserção na comunidade e análise de necessidades reflexões sobre a prática do psicólogo Reflexão e Crítica 11 1 p 175789 KELLY J G Psicologia comunitaria el enfoque ecológico contextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 MONTERO M Consciousness raising conversion and deideologization in community psychosocial work Journal of community psychology v22 1994 p 311 SARRIERA J C El método de Paulo Freire en una zona marginada de Asunción Asunción Universidad Católica Facultad de Psicologá Monografía de Conclusión de Curso 1974 SARRIERA J C coord Análise de Necessidades Psicossociais na Vila Nossa Senhora de Fátima Porto Alegre PUCRS Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária Relatório de Pesquisa 1993 SARRIERA J C coord Psicologia Comunitária Estudos Atuais Porto Alegre Sulina 2000 SARRIERA J C CÂMARA S G BERLIM C S Manual de Orientação Ocupacional Porto Alegre Sulina 2004 SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas a la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 SOLANOPASTRANA F R Detección de necesidades en la comunidad rural La Plata En SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas a la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Univer sidad de Puerto Rico EDUPR 1992 152 A PESQUISA PARTICIPANTE E A PARTICIPAÇÃO DA PESQUISA um olhar entre tempos e espaços a partir da América Latina Carlos Rodrigues Brandão Este escrito foi originalmente um capítulo de livro ou um artigo publicado ou utilizado para aulas e palestras Nesta versão nas nuvens ele pode ser livre e gratuitamente acessado para ser lido ou utilizado de alguma outra maneira Livros e outros escritos meus podem de igual maneira ser acessados livremente em wwwapartilhadavidacombr ou em wwwsitiodarosadosventoscombr LIVRO LIVRE 2 Os cenários sociais de origem da tradição latinoamericana da pesquisa participante Tal como vemos acontecer nos dias de hoje com o surgimento de propostas de paradigmas emergentes a respeito da construção de conhecimentos através de práticas científicas acreditamos que a experiência múltipla e diferenciada a que de modo geral damos o nome de pesquisa participante surge mais ou menos ao mesmo tempo em diferentes lugares originase de diversas práticas sociais articula diferentes fundamentos teóricos e alternativas metodológicas e destinase a finalidades desiguais Alguns estudiosos do tema costumam rastrear uma das origens da pesquisa participante nos estudos de Kurt Lewin e de outros cientistas sociais nos Estados Unidos da América ou na EuropaVia de regra tais estudos e pesquisas dirigiamse a uma compreensão mais dinâmica integrada e operativa do campo social às suas aplicações no aprimoramento das relações de atores culturais envolvidos em experiências de ação agenciada em favor de algum tipo de mudança ou desenvolvimento social com vistas à melhoria de um ou vários indicadores de qualidade de vida Outras pessoas preferem associar a pesquisa participante aos trabalhos realizados ao redor da enquete operária de Karl Marx reconhecendo em seu procedimento uma estratégia para o acesso de pessoas e grupos das classes populares a instrumentos confiáveis de conhecimento científico a respeito da realidade social Se colocarmos de um lado palavras como atores sociais conformidade participação mudança desenvolvimento social e de outro palavras como classes sociais conflito mobilização transformação revolução social talvez tenhamos as áreas de fronteira dos limites entre uma tendência de origem e a outra 3 Assim em um ensaio de Anthon de Schutter e Boris Yopo encontramos em duas passagens próximas estas referências Budd Hall 1981 em sua análise das origens das experiências pioneiras que contribuem a fundamentar a Investigação Participativa menciona a entrevista estruturada Lenquete Ouvriere com trabalhadores industriais franceses de Marx Outros sociólogos importantes para a fundamentação teórica da Investigação Participativa desde o ponto de vista sociológico são Bourdieu Touraine Lefebvre Wright Mills Contribuições relevantes na psicologia são a obra de Adorno sobre o fascismo de Fromm sobre o autoritarismo e democracia e devese destacar os aportes de Carl Rogers em relação à educação e a participação de George Mead sobre a socialização de Lewin sobre a teoria de campo1 Muito embora os nomes de Marx e de Lewin sejam os mais citados à esquerda e à direita quando se trata de traçar fontes pioneiras da pesquisa participante não é raro que todo um conjunto de cientistas sociais de educadores e de psicólogos criadores ou integrantes de alternativas de pesquisa eou de trabalhos pedagógicos eou sociais com foco sobre uma participação mais ativa e algo mais crítica e criativa dos atores envolvidos sejam lembrados como co criadores dos fundamentos Ainda que se reconheça que em boa medida as diferentes experiências da pesquisa participante surgem a Norte e sobretudo ao Sul do Equador à margem das universidades e como uma reação ao tipo de abordagens científicas da questão social nelas praticada na maior parte dos casos são cenários e sujeitos do mundo acadêmico os lembrados como seus criadores próximos ou remotos Na América Latina os praticantes mais conhecidos da pesquisa participante desde os seus começos se reconhecerá herdeira bem 1 De Shutter e Yopo Desarrollo y perspectiva de la investigación participativa capítulo de La investigación participativa em América Latina 1983 pgs 59 e 60 4 mais de Karl Marx do que de Kurt Lewin e mais de Antônio Gramsci do que de Carl Rogers Depois de apontarem as duas vertentes pioneiras na primeira origem da pesquisa participante Libertad Hernández Landa e Luis Gabarrón trazem o testemunho de um cientista social europeu no exato momento em que ele inverte o sentido tradicionalmente dado à vocação acadêmica da ciência Serge Moscovici lembrado por Gabarron e Landa afirma que quando a Psicologia Social começar a ser perigosa começará então a ser uma ciência2 Conhecendo ou não está afirmativa Paulo Freire Orlando Fals Borda e outros educadores e cientistas sociais na América Latina irão lembrala em muitas ocasiões Irão repetila e reinventala para defender um dos princípios mais consensuais da pesquisa participante na tradição latinoamericana A idéia de que a ciência nunca é neutra e nem objetiva sobretudo quando pretende erigirse como uma prática objetiva e neutra A conseqüência deste ponto de partida da pesquisa participante é o de que a confiabilidade de uma ciência não está tanto no rigor positivo de seu pensamento mas na contribuição de sua prática na procura coletiva de conhecimentos que tornem o ser humano não apenas mais instruído e mais sábio mas igualmente mais justo livre crítico criativo participativo coresponsável e solidário Toda a ciência social de um modo ou de outro deveria servir a política emancipatória e deveria participar da criação de éticas fundadoras de princípios de justiça social e de fraternidade humana Quando se recorda o surgimento das investigações sociais de estilo participativo algumas vezes a narrativa dos primeiros tempos aparece isolada de seus contextos sociais de origem quando eles não são descritos de uma forma vaga e alheia a alguns acontecimentos tão essenciais quanto esquecidos Devemos lembrar que as primeiras experiências sociais de vocação participativa surgem em um tempo histórico em que se renovam e multiplicam sistemas teóricos de crítica do presente associados a uma não raro esperançosa proposta de construção social do futuro 2 Moscovici Society and Theory in Social Psychology 1972 pg 66 apud Gabarron e Landa Investigación Participativa 1994 pg 79 5 Algo visível na América Latina será por certo verdadeiro também no caso dos outros continentes As diferentes vertentes da pesquisa participante constituem alternativas tardias de experiências antecedentes de ação social Elas surgem na esteira de uma proliferação anterior de experiências cujos fundamentos e metodologias não estão situados apenas entre os dilemas epistemológicos das ciências sociais Eles estão antes em novas compreensões de antigos dilemas e na emergência de novos modelos de interação pedagógica e de ação social A pesquisa participante não cria mas responde a desafios e incorporarse em programas que colocam em prática novas alternativas de métodos ativos em educação e de maneira especial de educação de jovens e adultos de dinâmicas de grupos e de reorganização da atividade comunitária em seus processos de organização e desenvolvimento de formação participação e mobilização de grupos humanos e classes sociais antes postas à margem de projetos de desenvolvimento socioeconômico ou recolonizadas ao longo de seus processos No âmbito da América Latina e de outras regiões do Terceiro Mundo a expansão de movimentos sociais populares dará às diferentes alternativas de ação social transformadora uma nova e às vezes radical conotação Uma múltipla releitura de teorias e de procedimentos de ação social popular desenhará o rosto da identidade dos estilos participativos de investigação social Entre acontecimentos que vão do âmbito de uma pequena escola rural a processos de mobilização social em escala nacional na aurora dos anos sessenta ocorre por toda a parte um florescimento notável de experiências interativas e sociais Novas propostas onde idéias e projetos contidos em conceitos como ação e participação são entretecidos com outras palavras de que crítica criatividade mudança desenvolvimento transformação revolução são bons exemplos Em uma esfera crescentemente mundial a ONU e suas agências especializadas como a UNESCO patrocinam e incentivam alternativas de novas alianças e enlaces para a criação de formas renovadoras de ação social cuja fronteira mais limitada é a de um programa de melhoria setorial de condições comunitárias de saúde E 6 cuja fronteira mais aberta deveria estar situada nos projetos de um desenvolvimento socioeconômico multisetorial em uma escala regional ou mesmo nacional Para realizar projetos de organização social de mobilização popular e de mudança ou transformação são necessárias novas modalidades de produção sistemática de conhecimentos sobre a realidade local As décadas dos anos cinqüenta e sessenta assistem a chegada e a rápida difusão de novos modelos de investigação social Antigos modelos de ciência social aplicada são recriados e novos modelos são também elaborados e postos em prática Sobretudo no Terceiro Mundo pesquisadores e promotores sociais de diversas orientações teóricas ideológicas metodológicas e técnicas participam de diferentes projetos de investigação da realidade local com foco sobre a mensuração de indicadores de qualidade de vida Um traço comum à direita e à esquerda das inúmeras iniciativas de associação entre pesquisa e ação social situase em uma motivação a tornar as investigações em comunidades populares em algo mais do que um instrumento de coleta de dados Em dotar o trabalho científico de pesquisa de dados uma atividade também pedagógica e de certo modo também assumidamente política Sendo mais ativa e mais participativa a investigação social deveria fazerse mais sensível a ouvir as vozes dos destinatários pessoais ou coletivos dos programas de ação social Deveria fazerse capaz também de dar a voz e deixar que de fato falem com as suas vozes as mulheres e os homens que em repetidas investigações anteriores acabavam reduzidos à norma dos números e ao anonimato do silêncio da tabelas Um olhar preso demais ao mundo universitário e menos sensível ao que estava se passando nas suas margens ou fronteiras em amplas áreas da Ásia e da Oceania da África e da América Latina costuma relativizar demais alguns fatos sociais que foram e seguem sendo na verdade os mais importantes e até mesmo decisivos na criação de momentos e de contextos que tornaram inevitável o surgimento da pesquisa participante na mesma medida em que pelo 7 menos em termos da América Latina deram a ela os traços mais essenciais de sua identidade Este é o momento de lembrarmos que em pouco mais de meio século o Terceiro Mundo gera e expande propostas e práticas de mobilização popular que irão configurar os contextos dos diferentes modelos de conhecimento e de ação social de que as diversas modalidades da pesquisa participante serão uma resposta em meio a outras tantas E mesmo que nos afastemos por um momento no tempo e no espaço parecenos ser justo começarmos por recordar que entre os anos 20 e 40 Gandhi e os seus seguidores inovam e re criam preceitos e práticas de uma forma de resistência à colonização a que darão o nome de ação não violenta O potencial de mobilização ativa e participativa dessa estratégia de descolonização da África do Sul e depois da Índia inaugura um procedimento social de resistência política cujo poder de transformação de pessoas grupos humanos e nações merece a nosso ver uma lembrança bem maior do que as inocentes e formais propostas de Kurt Lewin e outras de teor semelhante Em uma outra direção entre os anos 60 e 70 diversos grupos étnicos e populares de libertação política recriam diferentes estratégias de guerra de guerrilhas como uma outra resposta à colonização européia Experiências de ação política descolonizadora deste tipo em uma certa medida realizam o oposto dos sonhos de Gandhi Mas elas resultam em libertação política e não devemos esquecer que em seu bojo pela primeira vez a África elabora e exporta à Europa uma sociologia da descolonização cuja influência no pensamento social da Europa não será pequena Ao longo deste mesmo tempo e um pouco mais tarde também a América Latina cria consolida e difunde por todo o continente e depois em direção ao Norte e a Leste as primeiras idéias e propostas de ações sociais de vocação emancipatória que fundamentam e instrumentalizam a educação popular a teologia da libertação os movimentos sociais populares e mais adiante a pesquisa participante 8 Ao nos perguntarmos sobre os reais contextos de origem da pesquisa participante no Terceiro Mundo e de maneira especial na América Latina poderíamos deixar em segundo plano por um momento as questões epistemológicas de cientistas da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte E deveríamos evocar então a realidade social concreta de experiências como a ação nãoviolenta a resistência étnica e popular à colonização os movimentos populares a educação popular e a teologia da libertação Pois é na esteira do pensamento e da ação de pessoas como o Mahatma Gandhi Franz Fanon Paulo Freire Camilo Torres Gustavo Gutierrez João Bosco Pinto Leonardo Boff e Orlando Fals Borda que em pelo menos três continentes o Terceiro Mundo difunde algumas práticas de participação popular como formas originais e contestatórias diante das diferentes propostas de desenvolvimento social agenciadas desde a Europa e os Estados Unidos da América do Norte vistas no mais das vezes como novas versões de antigas práticas sociais de vocação neocolonizadora Alguns estudiosos da história cultural da América Latina lembram mesmo que entre os anos 60 e 80 pela primeira pensadores e ativistas sociais situados entre a Argentina e o México exportam para o outro lado do Rio Grande e do Atlântico teorias e metodologias de ações fundadoras dos movimentos populares da educação popular da teologia da libertação e da tradição latinoamericana da pesquisa participante E a que pesquisa participante surge no bojo destes acontecimentos e quase sempre à margem das universidades e de seu universo científico embora parte de seus principais teóricos e praticantes provenha delas e nelas trabalhem Apenas alguns anos mais tarde e com resistências algumas teorias e práticas da pesquisa participante ingressam no mundo universitário latinoamericano e de modo geral mais pelo trabalho de estudantes e raros professores também ativistas de causas sociais do que pelo de docentes e pesquisadores de carreira Na maioria dos casos as diferentes experiências latino americanas de pesquisa participante surgem dentro dos movimentos 9 sociais populares ou emergem com uma proposta de se colocarem a serviço de seus projetos emancipatórios Em vários momentos dos anos 70 até agora a pesquisa participante se difunde no âmbito e como um instrumento de ação nos trabalhos de educação popular Seus autores dos primeiros tempos foram e muitos deles seguem sendo o que até hoje denominamos de militantes da educação popular De algum modo nunca houve na América Latina um movimento de pesquisa participante pois entre Orlando Fals Borda e Paulo Freire os seus instauradores e seguidores se reconheciam como agentes assessores ou participantes diretos entre educadores e cientistas sociais de movimentos populares Eles se reconhecem atuando através de uma prática disseminada entre os anos 60 e 70 por toda a América Latina e que tomou de modo mais geral tomou mais tarde este nome educação popular Ontem como agora vários deles foram e seguem sendo ativistas sociais de orientação marxista ou militantes cristãos inseridos em comunidades eclesiais de base e difusores da teologia da libertação No caso brasileiro a pesquisa participante está associada de forma indireta aos processos de ação política e pedagógica que deram origem ao Partido dos Trabalhadores PT e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST cuja proximidade constante com a educação popular e com as comunidades eclesiais de base originadas da teologia da libertação é bastante reconhecida A pesquisa de origens epistemológicas ou metodológicas da pesquisa participante na América Latina logra um olhar mais abrangente e completo quando leva em conta a emergência das inúmeras unidades sociais e movimentos populares de vocação transformadora e emancipatória quando eles instauram algumas novas alternativas de investigação empírica e de uma conseqüente outra compreensão científica e ideológica da vida e da realidade social assim como dos fundamentos e do papel da própria ciência na sociedade Assim a pesquisa participante apresentase como uma alternativa de ação participante em pelo menos duas dimensões A primeira agentes sociais populares são considerados mais do que 10 apenas beneficiários passivos dos efeitos diretos e indiretos da pesquisa e da promoção social dela decorrente ou a ela associada Homens e mulheres de comunidades populares são vistos como sujeitos cuja presença ativa e crítica atribui sentido à pesquisa participante Ou seja uma pesquisa é participante não porque atores sociais populares participam como coadjuvantes dela mais porque ela se projeta realiza desdobra através da participação ativa e crescente de tais atores Segunda em outra direção a própria investigação social deve estar integrada em trajetórias de organização popular e assim ela deve participar de amplos processos de ação social de uma crescente e irreversível vocação popular Uma articulação de ações de que a pesquisa participante é um entre outros instrumentos Um instrumento científico político e pedagógico de produção partilhada de conhecimento social e também um múltiplo e importante momento da própria ação popular Esta alternativa de investigação social é participante porque ela própria se inscreve no fluxo das ações sociais populares Estamos em uma estrada de mão dupla de um lado a participação popular no processo da investigação De outro a participação da pesquisa no correr das ações populares E uma participação tomada em um duplo sentido Pois sempre se entendeu que como um meio de realização da educação popular a pesquisa participa da ação social também como uma prática pessoal e coletiva de valor pedagógico na medida em que sempre algo novo e essencial se aprende através de experiências práticas de diálogo e de reciprocidade na construção do conhecimento E como uma forma de educação com um valor também político na medida em que entre q esfera de um pequeno grupo até a de uma comunidade uma esfera corporada de trabalho popular ou mesmo toda uma nação esperase que sempre alguma coisa se transforme em termos de humanização das estruturas e dos processos de gestão da vida social Assim a pesquisa é participante não apenas porque uma proporção crescente de sujeitos populares participa de seu processo A pesquisa é participante porque como uma alternativa solidária de criação de conhecimento social ela se inscreve e participa de 11 processos relevantes de uma ação social transformadora de vocação popular e emancipatória Este será o caminho pelo qual deveremos levar em conta que de uma maneira possivelmente mais motivada do que na Europa e nos EUA a pesquisa participante não costumava ser pensada como uma experiência de ação social com um valor em si mesma ou como uma atuação agenciada com um teor apenas instrumental e dirigido a resolver algum problema comunitário Em seus tempos de origem na tradição latinoamericana a pesquisa participante raramente era compreendida como algo limitado a realizar alguma melhoria setorial das condições locais ou regionais de comunidades populares Em quase todas as suas formas mais difundidas ela foi e em boa medida segue sendo pensada como um instrumento de trabalho a serviço de práticas populares de valor político e de uma múltipla e variada vocação transformadora Não se pretende melhorar ou desenvolver alguns aspectos precários da vida social Pretendese criar alternativas populares de transformação das estruturas sociais que tornam tal vida exigente de ser sempre melhorada Este fundamento teórico e político nem sempre se realizava na prática pois em repetidas ocasiões experiências práticas acabava reduzindose a uma só vez incidiam sobre aspectos parcelares da vida social popular e não logravam participar de um complexo de ações sociais E na verdade nem sempre é possível falarmos de princípios fundadores e de propostas de ação pesquisa participante na sua tradição latino americana tomandoa como se houvesse nela uma unidade de idéias proposta e métodos que de fato não existiu antes e menos ainda não existe ainda hoje A variação do nomes e algumas diferenças de práticas Até hoje América Latina convivem teorias propostas metodológicas e experiências práticas de pesquisa participante herdeiras de uma das várias tendências de plena ou parcial origem latinoamericana ao lado das que nos chegaram vinda junto com programas de educação de promoção social eou de 12 desenvolvimento de comunidades trazidos no bojo das tradições de investigação e ação social norteamericanas ou européias Esta convergência de abordagens diversas em seus nomes e também nos seus fundamentos e nas suas destinações é o que torna difícil e ao mesmo tempo fascinante a tarefa de buscar um consenso para estabelecer o que venha a ser entre nós a pesquisa participante Sobre esta questão Marcela Gajardo uma educadora chilena escreveu o seguinte em um livro bastante divulgado no Brasil dos anos 80 Contrariamente ao que acontece em outros continentes na América Latina não existe uma definição única de experiências representativas de um estilo participante de pesquisa Existem isso sim tradições de pensamento e práticas diversas que conferem alcance e significados diferentes a esse tipo de atividade3 De então para cá quase vinte anos depois esta diversidade original tendeu a aumentar mais ainda embora os termos utilizados para qualificar os diferentes estilos participativos de pesquisa sejam os mesmos dos anos 60 a 80 Desde os tempos próximos ao surgimento de experiências de novos estilos participativos de investigação social nas três Américas na Europa e em algumas regiões da África da Ásia e da Oceania estivemos e seguimos estando às voltas com uma pequena pluralidade de títulos e de enfoques Este fato teria uma importância pequena se eles fossem somente escolhas diferentes para uma mesma idéia e para uma mesma modalidade de trabalho científico de cunho aplicado No entanto onde a tradição européia uniformizou os seus termos a tradição latinoamericana multiplicou nomes Assim palavras como levantamento vocabular pesquisa temática pesquisa ativa autodiagnóstico pesquisa na ação pesquisaação pesquisa participante investigação ação participativa pesquisa popular pesquisa militante traduziam no passado e traduzem ainda hoje 3 Marcela Gajardo Pesquisa participante na América Latina pg 10 13 opções ora diferentes e convergentes ora desiguais ou mesmo divergentes Esta pluralidade de nomes revela uma polissemia de novos ou renovados fundamentos ou fragmentos não raro mais fragmentos do que fundamentos de uma epistemologia crítica diante do modelo que de uma maneira bem geral é cunhada como neopositivista Às voltas com uma sequência entre diferentes de nomes Maria Ozanira da Silva e Silva esclarece da seguinte maneira os seus leitores na introdução de seu livro Refletindo a pesquisa participante Utilizo neste trabalho o termo pesquisa participante como denominação genérica de estilos participativos de pesquisa considerando a existência de tendências e denominações diversificadas referentes às propostas e alternativas emergentes como pesquisa participante pesquisa participativa investigaçãoação pesquisa ação investigação participativa observação participante investigação militante autosenso estudoação pesquisa confronto4 Marcela Gajardo reconhece três enfoques originais de estilos de pesquisa associadas a uma concepção conscientizadora da educação Essas seriam as abordagens que reconhecem a pesquisa participante como uma alternativa confiável de abertura da investigação científica à participação popular na criação e no desenvolvimento de programas de ação social e educacional Os três enfoques são a pesquisa ativa a pesquisa na ação e a pesquisa participante5 A seguir Marcela Gajardo as desdobra Uma pesquisa temática originária dos trabalhos de alfabetização e de educação concentrados nos movimentos de cultura popular no Brasil dos anos 60 as antecede e ela inaugura a vertente pedagógica de que falava a autora algumas linhas atrás No entanto nas três modalidades apontadas e nas que delas se desdobram está sempre presente uma dimensão educacional E esta vocação pedagógica chegaria ao seu 4 Silva e Silva Maria Ozanira da 1991 pg 13 5 Gajardo Marcela Pesquisa participante na América Latina pg 18 14 termo na pesquisa militante onde um compromisso político partidário se estabelece entre os agentes populares e os agentes assessores Recordemos que com Orlando Fals Borda a proposta da pesquisa participante deveria desaguar na progressiva construção de uma ciência popular Uma nova ciência capaz de pensarse de pensar o mundo social e de pensar as transformações sociais de uma maneira dialética realizada a partir da presença da posição e dos interesses das classes populares6 Entre as autoras e os autores que em algum momento se ocuparam de tentar classificar estilos de pesquisa participante há diferenças que deixam clara a quase impossibilidade de se estabelecer uma listagem confiável das diversas abordagens e alternativas Escrevendo sob re o assunto alguns anos após Marcela Gajardo Maria Ozanira da Silva e Silva reconhece as seguintes abordagens a a pesquisaação originada das propostas de Michel Thiolent no Brasil cuja característica fundamental é sua vinculação com a resolução de problemas coletivos através da participação conjunta dos pesquisadores com os grupos interessados b a investigaçãoação que vai além da proposta anterior por seu propósito de se constituir como um instrumento de partilha popular na produção do conhecimento social e por seu vínculo com processos mais amplos de transformação social7 c a pesquisa participante como a forma mais tardia já nos anos 80 e que surge em um contexto continental de governos autoritários como uma forma de reação ao controle político da vida social e à neocolonização militar e neocapitalista dos espaços da vida social mormente no caso das classes populares d a 6 Uma das melhores exposições típicas dos anos oitenta a este respeito pode ser encontrada em um artigo escrito a várias mãos causa popular ciência popular uma metodologia do conhecimento científico através da ação de Victo D Bonilla Gonzalo Castillo Orlando Fals Borda e Augusto Libreros Está em Repensando a Pesquisa Participante organizado por Carlos Rodrigues Brandão em 1981 7 No entanto em Luis Gabarrón e Libertad Landa esta modalidade aparece como uma inovação dos anos 80 em nada diversa da pesquisa participante do item seguinte na classificação de Silva e Silva Vejamos No início da década dos oitenta a tendência emergente de rápida generalização é a modalidade investigación participante IP ou ainda Participatory Research em Toronto Canadá e pesquisa participante no Brasil Investigación participativa op Cit Pg 18 15 pesquisa militante em que como vimos a própria participação de agentes assessores se inverte Pois nela deixa de haver uma atividade dirigida ainda e em boa medida pelas unidades agenciadas de ação social e passa a haver um forte apelo a uma transferência da gestão dos processos de investigação e intervenção social para as mãos de setores organizados de grupos e de comunidades populares8 Procedendo como a maior parte dos investigadores do assunto Anthon de Shutter e Boris Yoppo consideram todas as denominações aparecidas na América Latina entre os anos 60 desde a pesquisa temática investigação do universo temático em Paulo Freire até as propostas de pesquisa militante como estilos de um único modelo emergente a pesquisa participante Assim lembrando alguns autores mais conhecidos em cada alternativa eles as relacionam da seguinte maneira Não deve causar surpresa que a pesquisa participante tenda mais a uma diversificação de procedimentos e técnicas do que a um só modelo doutrinário Poderíamos mencionar algumas alternativas a investigaçãoação Fals Borda Moser Huizer9 a investigação militante Acosta Briseño Lenz Molano o autodiagnóstico Sotelo a 8 Silva e Silva Maria Ozanira Refletindo a pesquisa participante op Cit Pgs 131 a 134 Maria Ozanira cita ainda uma quinta modalidade a observação participante que no entanto não aparece em outros autores a não ser em Nicanor Palhares Sá de quem ela toma emprestada a expressão mais corriqueira na Antropologia Social e difundida anos mais tarde através da difusão acelerada das abordagens qualitativas nas universidades da América Latina pg 134 9 No entanto em um artigo publicado no México em 1983 o estudo deixa de fora a Michel Thiollent reconhecido por muitos sobretudo no Brasil como criador de um estilo próprio e bastante conhecido de pesquisaação Seu livro metodologia da pesquisaação publicado também nos anos oitenta conheceu em 2002 a sua 11a edição no Brasil Na introdução da edição original Michel Thiollent antecipa a discussão em torno ao significado dos nomes e ao valor das alternativas desta maneira um dos aspectos sobre os quais não há unanimidade é o da própria denominação da proposta metodológica As expressões pesquisa participantee pesquisaaçãosão freqüentemente dadas como sinônimas A nosso ver não o são porque a pesquisaação além da participação supõe uma forma de ação planejada de caráter social educacional técnico ou outro que nem sempre se encontra em propostas de pesquisa participante Seja como for consideramos que pesquisaação e pesquisa participante procedem de uma mesma busca de alternativas ao padrão da pesquisa convencional Ver Metodologia da pesquisaação 2002 pg 7 16 enqueteparticipante Le Boterf a enquete conscientizante De Oliveira o Seminário Operacional De Clerkc o laboratório experimental Santos de Morais o taller experimental Yopo Bosco Pinto10 Em estudos mais abrangentes sobre as origens da pesquisa participante entre nós o que vemos é um apagamento de uma antiga teia de iniciativas de trabalho popular como experiências que geraram na América Latina os diferentes estilos de pesquisa participante Diferentes e plurais sem dúvida Mas de algum modo convergentes em se proporem como um instrumento de conhecimento e de compreensão crítica de eixos e esferas da realidade social da vida cotidiana Entre aqueles que escreveram a respeito destas várias tendências há sempre o reconhecimento de que de um modo geral a pesquisa participante deve ser encarada como um instrumento de trabalho não menos confiável e rigoroso do que a pesquisa acadêmica pelo de se propor como uma atividade mais coletiva mais participativa e mesmo mais popular E um instrumento de conhecimento sistemático da vida social é menos científico por pretender realizar no interior das experiências prática das causas populares algumas novas integrações e interações entre esferas de competência científica pedagógica ética e política E é a própria maneira como um destes vetores da ação social vem a ser mais ou menos enfatizado em cada caso concreto aquilo que estabelece diferenças importantes entre os vários estilos participativos de investigação social 10 De Schutter e Yopo op cit pgs 67 e 68 Devemos chamar a atenção para um pequeno aspecto aparentemente semântico mas importante no caso Entre as duas línguas usase em Português a palavra pesquisa onde em Espanhol se dá preferência ao termo investigação Até hoje esta tem sido a fonte de algumas indesejadas confusões 17 Princípios propostas e práticas da pesquisa participante Recordemos alguns fatos Qualquer que seja o nome originalmente dado às diversas propostas de alternativas participativas na investigação social há como vimos brevemente antes alguns sinais convergentes na América Latina a As diferentes propostas e experiências surgem mais ou menos ao mesmo tempo entre as décadas dos anos 60 e 80 em poucos lugares do Continente mas em pouco tempo elas se difundem por toda a parte b Elas se originam dentro de diferentes unidades de ação social que atuam de preferencialmente junto a grupos ou comunidades populares c Em sua maioria elas serão postas em prática dentro de movimentos sociais populares emergentes ou se reconhecem estando a serviço de tais movimentos d Elas herdam e reelaboram diferentes fundamentos teóricos e diversos estilos de construção de modelos de conhecimento social através da pesquisa científica Não existe na realidade um modelo único ou uma metodologia científica própria a todas as abordagens da pesquisa participante e Reconhecendose como alternativas de projetos de enlace e mútuo compromisso de ações sociais de vocação popular envolvendo sempre pessoas e agências sociais eruditas como um sociólogo um educador de carreira ou uma Ong de direitos humanos e populares como um indígena tarasco um operário sindicalizado argentino um camponês semialfabetizado do CentroOeste do Brasil ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra elas partem de diferentes possibilidades de relacionamentos entre os dois pólos de atores sociais envolvidos interativos e participantes f As pesquisas participantes atribuem aos agentes populares diferentes posições na gestão de esferas de poder ao longo no processo da pesquisa assim como 18 na gestão dos processos de ação social dentro da qual a pesquisa participante tende a ser concebida como um instrumento um método de ação científica ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política quase sempre mais amplo e de maior continuidade do que a própria pesquisa g Via de regra as diferentes alternativas da pesquisa participante surgem em intervalos entre a contribuição teórica e metodológica vinda da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte e a criação ou recriação original de sistemas africanos asiáticos e latino americanos de pensamentos e de práticas sociais Não é raro que uma abordagem que se autoidentifica como dialética empregue na prática procedimentos formais e quantitativos próprios a abordagens metodológicas de cunho neopositivista Após esta listagem de pontos mais ou menos comuns seria proveitoso fazermos aqui uma síntese de princípios operativos que foram mais ou menos comuns e que fundamentaram como variações as experiências originais da pesquisa participante em praticamente toda a América Latina Mesmo que eles possam parecer hoje algo radicais e por isto mesmo ultrapassados devemos levar em conta a sua relativa atualidade sobretudo nas experiências que preservam vínculos entre a pesquisa participante e os movimentos sociais Nos permitimos seguir os passos do livro de Luis Gabarron e Libertad Landa11 já mencionado aqui Lembramos que esta listagem de princípios fundadores valem com maior fidelidade para as idéias e as propostas de pesquisa participante que defendiam ou seguem defendendo uma aliança direta de serviço para com as classes e os movimentos populares É mais do que evidente que estes princípios da ação social através da investigação social não correspondem a todas as alternativas dos tempos de origem e com mais razões às 11 Sigo alterando em alguns casos a ordem original as idéias de Luis Gabarrón e Libertad Hérnandez Landa em investigación participativa 1994 Raras vezes encontrei uma síntese tão oportuna como esta e em sua íntegra e com os comentários dos autores ela pode ser encontrada entre as páginas 28 e 44 19 suas herdeiras atuais Ampliamos a forma como no original cada um dos princípios é apresentado buscando tornar mais atuais as palavras do texto em que nos estamos baseando Logo a seguir comentamos alguns deles em conjunto O ponto de origem da pesquisa participante deve estar situado em uma perspectiva da realidade social tomada como uma totalidade em sua estrutura e em sua dinâmica Devese partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo em suas diferentes dimensões e interações Os processos e as estruturas as organizações e os diferentes sujeitos sociais devem ser contextualizados em sua dimensão histórica pois é o fluxo e a integração orgânica dos acontecimentos de tal dimensão aquilo que em boa medida explica uma realidade social A relação tradicional de sujeitoobjeto entre investigador educador e os grupos populares deve ser progressivamente convertida em uma relação do tipo sujeitosujeito a partir do suposto de que todas as pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber e que é da interação entre os diferentes conhecimentos que uma forma partilhável de compreensão da realidade social pode ser construída através do exercício da pesquisa O conhecimento científico e o popular articulamse criticamente em um terceiro conhecimento novo e transformador Devese partir sempre da busca de unidade entre a teoria e a prática e construir e reconstruir a teoria a partir de uma seqüência de práticas refletidas criticamente A pesquisa participante deve ser pensada como um momento dinâmico de um processo de ação social popular Ela se insere no fluxo desta ação e deve ser exercida como algo integrado e também dinâmico As questões e os desafios surgidos ao longo de ações sociais definem a necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante O processo e os 20 resultados de uma pesquisa interferem nas práticas sociais e de novo o seu curso levanta a necessidade e o momento da realização de novas investigações participativas A participação popular deve se dar preferencialmente a través de todo o processo de investigaçãoeducaçãoação De uma maneira crescente de uma para outra experiências as equipes responsáveis pela realização de pesquisas participativas devem incorporar e integrar agentes assessores e agentes populares O ideal será que em momentos posteriores exista uma participação culturalmente diferenciada mas social e politicamente equivalente e igualada mesmo que entre pessoas e grupos provenientes de tradições diferentes quanto aos conteúdos e aos processos de criação social de conhecimentos O compromisso político e ideológico doda investigadora é com o setores populares e com as suas causas sociais Mesmo em uma investigação ligada a um trabalho setorial e provisório o propósito de uma ação social de vocação popular é a autonomia de seus sujeitos na gestão do conhecimento e das ações sociais dele derivadas É também a progressiva integração de dimensões de conhecimento parcelar da vida social em planos mais dialeticamente interligados e interdependentes Devese reconhecer o caráter político e ideológico da atividade científica e pedagógica A pesquisa participante deve ser praticada como um ato político claro e assumido Não existe neutralidade científica em pesquisa alguma e menos ainda em investigações vinculadas a projetos de ação social No entanto realizar um trabalho de partilha na produção social de conhecimentos não corresponde em princípio a préideologizar partidariamente os pressupostos da investigação e a aplicação de seus resultados Na maior parte dos casos a pesquisa participante é um momento de trabalhos de educação popular realizados junto com e a serviço de comunidades grupos e movimentos populares É do constante diálogo não doutrinário de parte a parte que um 21 consenso sempre dinâmico e modificável deve ir sendo também construído A investigação a educação e a ação social convertemse em momentos metodológicos de um único processo dirigido à transformação social Mesmo quando a pesquisa sirva a uma ação social local e limitada a uma questão específica da vida social é o seu todo o que está em questão E é a possibilidade de transformação de saberes de sensibilidades e de motivações populares em nome da transformação da sociedade desigual excludente e regida por princípios e valores do mercado de bens e de capitais em nome da humanização da vida social que os conhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzidos lidos e integrados como uma forma alternativa emancipatória de saber popular No que as aproxima as alternativas de pesquisa participante da tradição latinoamericana sonharam inovar no todo ou em parte as abordagens conhecidas e de há muito praticadas como ações sociais com base em conhecimentos científicos através do aporte de novas alternativas de trabalho junto a grupos e a comunidades populares Seus ganhos teóricos e ideológicos possivelmente foram e seguem sendo maiores do que as suas realizações práticas Estas novas abordagens motivavamse a serem algo mais do que outras metodologias de acumulação e de aplicação de conhecimentos oriundos de investigações sociais voltadas a processos de promoção eou desenvolvimento social Elas pretendiam recriar os termos da crítica política às conexões costumeiras entre o conhecimento produzido através de pesquisas científicas e as ações sociais delas derivadas Elas aspiravam a novidade da transformação de ações sociais de vocação popular a partir de uma elaboração sistemática de conhecimentos pela via de pesquisas sociais motivadamente postas a serviço de experiências coparticipadas de criação solidária de saberes a partir do enlace entre profissionais eou militantes agenciados e as pessoas grupos e comunidades populares 22 Este é também o duplo sentido da idéia de totalidade nas propostas originais latinoamericanas Ela é algo anterior e pouco tem a ver com as totalizações complexas e holísticas dos paradigmas emergentes entre Edgar Morin e Boaventura de Souza Santos Sua fonte é marxista e em vários documentos ela aparece como uma abordagem dialética12 A idéia de uma compreensão totalizante da realidade social tem a ver com a integração de todos os conhecimentos parcelares em estruturas dinâmicas e integradas de fatores e de processos sociais de tal modo que qualquer que seja o foco do conhecimento no ponto de origem uma pesquisa relativa a condições locais de saúde por exemplo a pesquisa deverá envolver sempre que possível as interações entre os diferentes planos e domínios de estruturas e processos interdeterminantes da sociedade Assim uma atenção especial deve ser sempre dada à dinâmica das relações e dos processos envolvidos na investigação pois uma dimensão histórica está sempre e inevitavelmente presente Esse uma dinâmica da história é importante na reconstrução do passado próximo ela o é mais ainda no olhar entre o presente e o futuro Pois aqui não se trata de conhecer para promover ou para desenvolver algo mas para transformar o todo em que este algo existe como está e assim deve ser transformado junto com o todo social de que é parte Na pesquisa participante sempre importa conhecer para formar pessoas populares motivadas a transformarem os cenários sociais de suas próprias vidas e destinos e não apenas para resolverem alguns problemas locais restritos e isolados ainda que o propósito mais imediato da ação social associada à pesquisa 12 Um dos autores mais originais nesta direção é Oscar Jara Um de seus últimos trabalhos aborda a sistematização de experiências participativas na educação popular A leitura de trabalhos sobre a sistematização de ações sociais populares resulta muito oportuna porque ela representa a seu modo uma atualização para os anos 80 90 e seguintes das propostas originais de estilos participativo na América Latina Entre os livros anteriores ver conocer la realidad para transformala 1991 Investigación participativa uma dimensión integrante de la educación popular 1990 Em português pode ser lido o seu livro para sistematizar experiências 1996 23 participante seja local e específico A idéia de que somente se conhece o que se transforma é inúmeras vezes evocada até hoje A este princípio de totalização associase a idéia de que como integrantes de momentos da educação popular e de toda a desejada dinâmica dos movimentos populares a pesquisa participante integra quatro propósitos já nossos conhecidos e que vale reunir aqui a ela responde de maneira direta à finalidade prática a que se destina como um meio de conhecimento de questões sociais a serem participativamente trabalhadas b ela é um instrumento dialógico de aprendizado partilhado e portanto como vimos já possui organicamente uma vocação educativa e como tal politicamente formadora c ela participa de processos mais amplos e contínuos de construção progressiva de um saber popular e no limite poderia ser um meio a mais na criação de uma ciência popular d ela partilha com a educação popular de toda uma ampla e complexa trajetória de empoderamento dos movimentos populares e de seus integrantes Em suas modalidades mais abrangentes e integradas a pesquisa participante contempla pelo menos esses quatro objetivos e entre aproximações e diferenças eles se distribuem pelos princípios antes enunciados Restringirse ao primeiro objetivo equivale a dar à idéia de participação um caráter ainda colonizado correspondente às alternativas em que sujeitos das comunidades são convidados a participarem de frações da pesquisa sem acesso algum ao todo do processo e sem qualquer papel significativo na gestão dos encaminhamentos efetivos de uma ação social junto a grupos e classes populares Restringirse aos dois primeiros objetivos equivale a um ganho importante pois o trabalho de produção de conhecimento deixa de ser apenas funcional e utilitário passando a ser também educativo Ele se torna formador de pessoas aptas a uma integração mais conseqüente e coresponsável na vida social Mas significa ainda um 24 apenas meio caminho pois não se compromete como o essencial o propósito de uma progressiva descolonização e um contínuo empoderamento popular O propósito de uma crescente partilha popular na gestão de suas vidas e seus destinos ao lado da possibilidade de uma transformação social emancipatória a partir das escolhas e dos horizontes populares É provável que entre a Europa e os Estados Unidos da América do Norte na maior parte das vezes a pesquisa participante surgisse como um instrumento oportuno à criação de novas formas de conhecimento científico da vida social Um meio oportuno de re qualificação dos relacionamentos entre os diferentes tipos de atores interativos em projetos de ação social levados a efeito em nome da melhoria de indicadores da qualidade de vida ou de desenvolvimentos comunitários ou regionais Na América Latina as propostas originais de pesquisa participante sonhavam ir até um pouco além Sonhavam chegar pelo menos até nas fronteiras de uma possível construção social de outras alternativas ideológicas e políticas da gestão do saber da criação uma nova ciência popular ou quem sabe Da reeducação das próprias ciências e de seus cientistas a partir da escolha de uma vocação democraticamente estendida às classes populares na partilha do saber Na participação também nos processos de transformação das sociedades regidas pelos princípios do capitalismo em direção a sociedades voltadas à realização de alguma das variantes de novas expressões sociais do socialismo Este horizonte transformador e emancipatório esteve sempre presente entre nós pelo menos nas modalidades mais difundidas e persistentes entre as que se reconhecem herdeiras de Paulo Freire ou de Orlando Fals Borda Hoje em dia há uma variedade de horizontes e de experiências bastante ampliada A pesquisa participante invadiu e ocupou em vários cenários latinoamericanos contextos de teoria e prática que lhes eram interditos ou abertos com restrições antes Não é raro que programas governamentais se apresentem sob o consenso da participação popular e em vários casos isto envolve também atividades de pesquisa de âmbito comunitário ou ampliado Assim 25 também um número crescente de estudos acadêmicos realizados em programas universitários de graduação e de pósgraduação apresentam como os seus procedimentos metodológicos algumas das variantes reconhecidas da pesquisa participante Autores evitados nos cursos oficiais de métodos e técnicas de pesquisa nas ciências sociais na pedagogia e em programas delas derivados surgem agora em um número sempre crescente em trabalhos acadêmicos em qualquer um de seus níveis Programas por exemplo de educação e de gestão ambiental raramente deixam de reivindicar uma abordagem participativa e investigações com participação da comunidade são bem mais a norma do que a exceção Não existe uma tendência dominante em qualquer campo e em qualquer esfera de prática da pesquisa participante Mesmo nas experiências realizadas junto a e a serviço dos movimentos populares o que se vê são diferentes alternativas de fundamentação teórica de procedimentos metodológicos de leituras de dados e de textos de pesquisa e finalmente de aplicações práticas de seus resultados Dentro e fora do âmbito universitário do âmbito do poder governamental e principalmente do âmbito de organizações não governamentais e de movimentos populares os encontros e simpósios para o intercâmbio de idéias e a troca de experiência tendem a ser regidos mais pelo diálogo entre diferenças do que por qualquer interesse na criação de formas unitárias ou dominantes O esquecimento do outro Mesmo publicando o seu Pesquisa participante na América Latina em 1986 Marcela Gajardo é uma das autoras mais sem fronteiras Dentre os trinta e nove títulos citados na bibliografia dois estão em francês Suíça e Canadá e dois em Inglês sendo um deles escrito por Paulo Freire Outros autores de origem européia ou norte americana citados pertencem na verdade à tradição latino americana ou estão em constante contato com ela como o canadense Budd Hall 26 Há um número bastante maior de citações bibliográficas em Refletindo a Pesquisa participante da brasileira Maria Ozanira da Silva e Silva publicado em 1991 Dentre as suas cento e sete citações apenas duas delas são uma em inglês e outra em francês Outros autores da Índia da Europa ou da América do Norte comparecem com textos em Espanhol ou em Português apresentados em Simpósios e Congressos latinoamericanos Vários outros pertencem como Anthon de Schuter Michel Thiollent Tom de Wit Vera Gianotten ou Nelly Stromquist à tradição latinoamericana sendo que alguns deles vivem em algum país da América Latina ou trabalharam em algum deles por vários ou longos anos Entre as quase cem citações bibliográficas contidas em Investigación Participativa de Luis R Gabarron e Libertad Hernández Landa publicado no México em 1994 existem apenas cinco textos de autores europeus todos eles em Espanhol Nenhum livro ou artigo do que se poderia considerar como uma referência às tradições européia ou norteamericana comparece E o mesmo acontece em Para sistematizar experiências de Oscar Jara publicado no Brasil em 1996 Do outro lado do oceano Atlântico A bibliografia dos doze artigos de Participatory Research and Evaluation experiences in research as a process of liberation coordenado por Walter Fernandes e Rajesh Tandon e publicado em Nova Delhi em 1981 é reunida ao final do livro e consta de cinqüenta e um títulos Todos eles estão em inglês inclusive os de Paulo Freire e Orlando Fals Borda Embora seja a publicação de um também país de Terceiro Mundo e o seu subtítulo junto com a abordagem da maioria dos autores sugira a convergência com um ponto de vista bastante familiar à tradição latinoamericana um diálogo entre ela e a Índia parece realizado ainda apenas em uma pequena parte À exceção de Orlando Fals Borda e Paulo Freire somente Francisco Vio Grossi aparece representando a tradição latinoamericana entre todos os artigos do livro 27 Um livro de René Barbier A pesquisaação foi traduzido para o Português e publicado no Brasil no ano de 2002 Sabemos que Michel Thiollent um dos principais teóricos e praticantes da pesquisa ação na América Latina é um francofalante No entanto em momento algum o seu nome é citado mesmo quando René Barbier reconstrói no primeiro capítulo do livro a história da pesquisaação Ele divide esta história em dois momentos um período de emergência e consolidação entre ao anos que precedem a Segunda Grande Guerra e ao anos 60 com um franco predomínio norte americano Um segundo período de radicalização política e existencial com uma dominância canadense e européia vindo do final dos anos 60 aos nossos dias Ao mencionar os países em que esta alternativa de investigação social se dissemina o autor lembra a Alemanha o Japão e a França Mas é no Canadá na Inglaterra e na França partir dos anos 70 que se acentua a tendência mais radical13 Na página 35 há uma referência de passagem à tradição latino americana Na América Latina a sociologia radical uniuse ao militantismo revolucionário com Camilo Torrès Luis Costa Pinto Florestan Fernandes Orlando Fals Borda e do mesmo modo com a pedagogia dos oprimidos de Paulo Freire em Educação Popular Barbier 1977 p 51 58 A contribuição da tradição latinoamericana estará praticamente esquecida desta página em diante Dos sessenta e sete livros e artigos relacionados na bibliografia não há referências sequer aos autores latinoamericanos citados na página 35 e apenas Nelly Stromquist com um artigo em Francês recorda a presença da tradição latinoamericana De um lado e do outro do Oceano Atlântico e do Rio Grande simplesmente nos ignoramos ou nos esquecemos uns dos outros E este é um procedimento de confraria na verdade estranho a teóricos 13 René Barbier a pesquisa ação pg 31 28 e praticantes da pesquisa participante Pois eis que praticamos uma alternativa de criação de conhecimentos humanos e sociais onde diálogo e o reconhecimento do outro através daquilo em que ele nos é diferente ocupam sempre um lugar de destaque em nossas agendas de princípios A pesquisa participante pretende ser um corajoso salto além da observação participante Nesta e em boa parte das abordagens qualitativas na pesquisa social eu descubro que sou confiável Posso proceder assim porque posso confiar em mim mesmo e não apenas nos instrumentos que coloco entre eu e os meus objetos de pesquisa Posso confiar em minha memória em minhas palavras e nas de outros meus interlocutores Posso confiar neles para mim Para efeitos dos processo e produtos de uma trabalho científico que eu controlo interpreto e uso em meu favor Na pesquisa participante parto de um duplo reconhecimento de confiança no meu outro naquele que procuro transformar de objeto de minha pesquisa em cosujeito de nossa investigação Devo confiar nele tal como na observação participante na qualidade de meu interlocutor aquele que no dizer de simesmo desenha para mim os cenários de vida e destino que pretendo conhecer e interpretar Mas devo ir além pois devo criar com ele e em seu nome bem mais do que no meu próprio um contexto de trabalho ao ser partilhado em pleno sentido como processo de construção do saber e como produto de saber conhecido e posto em prática através de ações sociais de que ele é ou deveria ser o protagonista e eu sou ou deveria ser o ator coadjuvante O reconhecimento da contribuição do outro do diferente e a partilha de seus saberes e experiências deveriam ser um ponto de partida da prática da pesquisa participante Mas da mesma forma como vemos acontecer em outros campos da pesquisa acadêmica não o são Também aqui nós nos citamos e aos nossos repetidas vezes Também aqui não apenas criamos tendências e tradições o que é bastante salutar Mas acabamos por nos encerrar nelas ou em suas vizinhanças como atores de confrarias O que é convenhamos a negação do que propomos em teoria e em outros planos da prática 29 Seria viável lembrar que o abismo das línguas ainda é uma barreira poderosa mesmo entre nós supostos inovadores de idéias militantes de direitos e de diálogos e transgressores das fronteiras das tradições conservadoras existentes nas ciências e nas ações sociais Nós mesmos teremos caído nesta armadilha aqui neste artigo Não há de ser esta a razão ou pelo menos ela não serve para ser a única e mais importante razão de nossos reiterados esquecimentos do outro E uma pergunta então paira entre e sobre nós se nos desconhecemos e fazemos do esquecimento de outros que não nos são próximos o próprio fundamento da construção de nossas idéias e ideais de nossos diálogos de nossas teorias como esperar que sejamos capazes de criar algo que quebre barreiras dentro e fora do mundo das ciências Algo que ultrapasse de fato as fronteiras que nós mesmos criamos que recrie entre os outros de nossos povos e de todos os povos da Terra alguma coisa que aponte de verdade para um Homem Novo O criador e o habitante do outro mundo possível como nos acostumamos a bradar pelas ruas de Porto Alegre da Índia e de outros recantos do Planeta durante os nossos fóruns sociais mundiais 30 Bibliografia BARBIER René 2002 A pesquisaação Brasília Editora Plano BONILLA Victor Castillo Gonzalo Fals Borda Orlando e Libreros Augusto 1999 Causa popular ciência popular uma metodologia do conhecimento científico através da ação in Brandão Carlos Rodrigues 1999 Repensando a pesquisa participante São Paulo Editora Brasiliense De Shutter Anton e Yopo Boris 1983 Desarrollo y perspectivas de la investigación participativa in Verajano Gilberto M org La investigación participativa en América Latina Pátzcuaro CREFAL FERNANDEZ Walter e Rajesh Tandon eds 1981 Participatory research and evaluation Nova Delhi Indian Social Institute GAJARDO Marcela 1986 Pesquisa Participante na América Latina São Paulo Editora Brasiliense GABARRON Luis Rodrigues e Landa Libertad Hernández 1994 Investigación participativa Cadernos Metodológicos 10 Madrid Centro de Investigaciones Sociológicas JARA Oscar 1996 Para sistematizar experiências João Pessoa Editora da Universidade Federal da Paraíba JARÁ Oscar 1991 Conocer la realidad para transformala San José ALFORJA JARA Oscar 1990 Invstigación participativa una dimensión integrante de la educación popular San José ALFORJA MOSCOVICI Serge 1972 Society and theory in social psychology in Israel J e Tajfel H comps The context of social psychology a critical assessment Nova York Academic Press 31 OZANIRA Maria da Silva e Silva 1991 Refletindo a pesquisa participante São Paulo Cortez Editora THIOLLENT Michel 2002 Metodologia da pesquisaação São Paulo Cortez Editora Projeto de Criação de uma Brinquedoteca para Crianças Carentes Introdução A criação de uma brinquedoteca em uma instituição que atende crianças carentes é um projeto de vital importância para o desenvolvimento integral das crianças Este ambiente tem a capacidade de proporcionar uma série de benefícios que vão além do simples ato de brincar Ao oferecer um espaço seguro e estimulante a brinquedoteca promove o crescimento físico emocional cognitivo e social das crianças atendendo a múltiplas dimensões do desenvolvimento infantil Benefícios do Projeto 1 Crescimento Físico A brinquedoteca será equipada com brinquedos que incentivam a atividade física como jogos de bola cordas de pular e circuitos de obstáculos Essas atividades são essenciais para o desenvolvimento da coordenação motora fortalecimento muscular e aprimoramento da capacidade respiratória e cardiovascular das crianças 2 Desenvolvimento Emocional Brincar é uma forma natural das crianças expressarem seus sentimentos e emoções Através do brincar as crianças conseguem lidar com medos inseguranças e ansiedades A brinquedoteca será um espaço onde elas poderão explorar suas emoções em um ambiente seguro com o apoio de profissionais capacitados para auxiliálas 3 Estimulação Cognitiva A brinquedoteca oferecerá uma variedade de jogos e atividades que estimulam o desenvolvimento cognitivo Quebra cabeças jogos de memória atividades de construção e livros são alguns dos recursos que estarão disponíveis para ajudar as crianças a desenvolverem habilidades de resolução de problemas raciocínio lógico e criatividade 4 Integração Social Um dos principais objetivos da brinquedoteca é promover a socialização entre as crianças Em um ambiente de brincadeira coletiva as crianças aprendem a compartilhar negociar e colaborar umas com as outras Isso é fundamental para o desenvolvimento de habilidades sociais como empatia respeito ao próximo e capacidade de trabalhar em grupo 5 Apoio Escolar Além do lazer a brinquedoteca terá espaços destinados a atividades educativas Será possível integrar o brincar com o aprendizado reforçando conteúdos escolares através de jogos pedagógicos Isso pode ajudar a melhorar o desempenho escolar das crianças tornando o aprendizado uma experiência divertida e envolvente 6 Segurança e Acolhimento Muitas crianças carentes vivem em ambientes inseguros e sem infraestrutura adequada para brincadeiras A brinquedoteca oferecerá um espaço protegido onde as crianças poderão brincar sem risco de acidentes e sob a supervisão de adultos responsáveis O acolhimento neste ambiente também ajuda a construir um senso de pertencimento e segurança emocional nas crianças 7 Envolvimento Familiar A brinquedoteca não será apenas para as crianças mas também um ponto de encontro para as famílias Atividades e eventos familiares serão organizados promovendo a integração dos pais no processo educativo e recreativo das crianças Isso fortalecerá os vínculos familiares e contribuirá para um ambiente familiar mais harmonioso e colaborativo 8 Inclusão Social A brinquedoteca será um espaço inclusivo onde todas as crianças independentemente de suas limitações físicas ou cognitivas terão a oportunidade de participar das atividades Brinquedos adaptados e atividades específicas serão desenvolvidos para garantir que todas as crianças possam desfrutar e se beneficiar igualmente do espaço 9 Apoio Psicológico A presença de psicólogos e educadores capacitados na brinquedoteca permitirá a identificação precoce de possíveis problemas emocionais e comportamentais Esses profissionais poderão oferecer suporte e orientação tanto para as crianças quanto para suas famílias contribuindo para o bemestar psicológico de todos os envolvidos 10Conscientização sobre Direitos da Criança A brinquedoteca também será um espaço para promover a conscientização sobre os direitos das crianças Através de atividades educativas e lúdicas será possível ensinar às crianças sobre seus direitos fortalecendo a cidadania e o respeito por si mesmas e pelos outros Este projeto visa não apenas oferecer um espaço de lazer mas também contribuir de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida das crianças e suas famílias Ao integrar diferentes áreas do desenvolvimento infantil e promover um ambiente acolhedor e seguro a brinquedoteca se torna um recurso essencial para a comunidade ajudando a construir um futuro mais promissor para as crianças carentes Objetivos 1 Promover o desenvolvimento integral das crianças Oferecer atividades que estimulem a criatividade a coordenação motora e o desenvolvimento cognitivo 2 Proporcionar um ambiente seguro e acolhedor Criar um espaço onde as crianças possam brincar e interagir de forma segura e supervisionada 3 Fomentar a integração social Incentivar a interação entre as crianças da comunidade promovendo valores como solidariedade e respeito 4 Envolver a comunidade Incluir a participação dos pais voluntários e das próprias crianças na construção e manutenção da brinquedoteca Justificativa A criação de uma brinquedoteca é considerada psicologia comunitária porque Promove a saúde mental e emocional Através do brincar as crianças expressam sentimentos e emoções desenvolvendo habilidades sociais e emocionais Fortalece a comunidade Envolvendo a comunidade local a brinquedoteca se torna um ponto de encontro e interação social fortalecendo os laços comunitários Empoderamento e inclusão social As atividades colaborativas e participativas promovem o empoderamento das famílias e a inclusão social das crianças Desenvolvimento do Projeto 1 Levantamento de Necessidades o Reuniões com Pais e Responsáveis Organizar reuniões para entender as necessidades e expectativas dos pais e responsáveis em relação à brinquedoteca o Entrevistas com Crianças Realizar entrevistas e rodas de conversa com as crianças para identificar suas preferências e interesses em atividades e brinquedos 2 Planejamento do Espaço o Seleção do Local Escolher um local adequado dentro da instituição levando em consideração segurança acessibilidade e espaço disponível o Divisão de Áreas Área de Leitura Espaço com livros infantis almofadas e estantes baixas Área de Jogos Jogos de mesa quebracabeças e brinquedos educativos Espaço para Atividades Manuais Mesas cadeiras e materiais para desenho pintura e artesanato Área de Brincadeiras Livres Tapetes emborrachados brinquedos de montar blocos de construção Área de Jogos Físicos Espaço para jogos de bola pular corda bambolê e outras atividades físicas o Segurança e Acessibilidade Garantir que o espaço seja seguro com proteção em quinas brinquedos adequados para a faixa etária e acessibilidade para crianças com necessidades especiais 3 Captação de Recursos o Campanhas de Arrecadação Organizar campanhas de arrecadação de fundos junto à comunidade empresas locais e através de plataformas de crowdfunding o Parcerias Estabelecer parcerias com ONGs empresas e órgãos públicos para doações de materiais brinquedos e recursos financeiros o Eventos Beneficentes Realizar eventos como bazares festas e rifas para arrecadar fundos 4 Implementação o Construção e Decoração do Espaço Envolver a comunidade e os voluntários na construção e decoração da brinquedoteca promovendo um senso de pertencimento o Aquisição de Materiais Comprar brinquedos livros materiais de artesanato móveis e equipamentos necessários o Treinamento de Voluntários Oferecer capacitação para os voluntários que irão supervisionar as atividades garantindo que estejam preparados para lidar com crianças de diferentes idades e necessidades 5 Manutenção e Sustentabilidade o Cronograma de Manutenção Estabelecer um cronograma de limpeza e manutenção do espaço e dos brinquedos o Atividades Contínuas Planejar atividades semanais e eventos especiais para manter a brinquedoteca ativa e atrativa o Avaliação e Ajustes Realizar avaliações periódicas com pais crianças e voluntários para identificar melhorias e necessidades de ajustes no funcionamento da brinquedoteca Envolvimento das Crianças na Construção Workshops de Arte Realização de oficinas de arte onde as crianças possam contribuir com desenhos e pinturas para decorar a brinquedoteca Jardinagem Envolver as crianças no plantio de um pequeno jardim ao redor da brinquedoteca Escolha dos Brinquedos Realização de reuniões com as crianças para escolher os brinquedos e jogos que serão adquiridos Construção de Brinquedos Atividades de construção de brinquedos simples com materiais recicláveis envolvendo as crianças no processo criativo Orçamento Detalhado O orçamento será ajustado de acordo com a capacidade financeira da instituição Algumas estratégias para minimizar custos incluem Doações de Brinquedos e Materiais Solicitar doações de brinquedos livros e materiais de artesanato Trabalho Voluntário Mobilizar voluntários para ajudar na construção decoração e manutenção da brinquedoteca Parcerias com Empresas Locais Buscar parcerias para patrocínio e doações Exemplo de Orçamento Reformas e Adequações do Espaço R 500000 Compra de Mobiliário e Equipamentos R 300000 Aquisição de Brinquedos e Livros R 200000 Materiais para Atividades Manuais R 100000 Despesas com Eventos de Arrecadação R 50000 Capacitação de Voluntários R 50000 Total Estimado R 1200000 Conclusão A criação de uma brinquedoteca na instituição que atende crianças carentes é uma iniciativa que transcende a mera disponibilização de um espaço para brincar Ela representa um compromisso com o desenvolvimento integral das crianças oferecendo um ambiente seguro e estimulante que promove seu crescimento físico emocional cognitivo e social Desenvolvimento Saudável das Crianças Ao proporcionar um espaço equipado com uma variedade de brinquedos e atividades a brinquedoteca atua diretamente na promoção do desenvolvimento saudável das crianças Brincadeiras que incentivam o movimento físico ajudam a desenvolver a coordenação motora e a saúde geral das crianças Atividades cognitivas como quebracabeças e jogos de memória estimulam o pensamento crítico e a resolução de problemas Além disso o ambiente acolhedor e seguro da brinquedoteca oferece às crianças a oportunidade de expressar e compreender suas emoções contribuindo para o desenvolvimento emocional e a construção de resiliência Fortalecimento dos Laços Comunitários A brinquedoteca também desempenha um papel crucial no fortalecimento dos laços comunitários Ela se torna um ponto de encontro onde pais crianças e voluntários podem interagir compartilhar experiências e construir um senso de comunidade A organização de eventos e atividades comunitárias na brinquedoteca não apenas promove a integração social mas também fortalece os vínculos entre os membros da comunidade A colaboração com escolas igrejas ONGs e empresas locais cria uma rede de apoio que sustenta a brinquedoteca e assegura sua continuidade Ambiente de Inclusão e Empoderamento Social A brinquedoteca é projetada para ser um espaço inclusivo onde todas as crianças independentemente de suas habilidades ou limitações são bem vindas e podem participar plenamente das atividades Este ambiente de inclusão ensina as crianças a valorizar a diversidade e a respeitar as diferenças promovendo uma cultura de aceitação e igualdade Além disso ao envolver as crianças na tomada de decisões e na organização das atividades a brinquedoteca empoderaas dandolhes um senso de responsabilidade e pertencimento Esse empoderamento é fundamental para o desenvolvimento de futuros cidadãos conscientes e ativos na sociedade Participação Ativa e Sustentabilidade A participação ativa das crianças suas famílias e a comunidade na construção e manutenção da brinquedoteca é essencial para garantir que o espaço atenda às reais necessidades e se mantenha relevante e sustentável ao longo do tempo Quando a comunidade está envolvida há um maior senso de propriedade e responsabilidade compartilhada As famílias e voluntários podem contribuir com ideias tempo e recursos garantindo que a brinquedoteca continue a evoluir e melhorar Esta participação ativa também fortalece os laços comunitários e cria um ambiente de cooperação e solidariedade Impacto a Longo Prazo O impacto da criação de uma brinquedoteca vai além dos benefícios imediatos para as crianças e suas famílias A longo prazo a brinquedoteca contribui para a construção de uma comunidade mais coesa inclusiva e resiliente Ela oferece um espaço onde as crianças podem desenvolver habilidades que serão úteis ao longo de suas vidas como a capacidade de trabalhar em grupo a resolução de problemas e a gestão emocional Ao mesmo tempo a brinquedoteca apoia as famílias oferecendo um recurso valioso para o desenvolvimento de seus filhos e criando oportunidades para o fortalecimento dos vínculos familiares Em suma a criação de uma brinquedoteca na instituição que atende crianças carentes não só promoverá o desenvolvimento saudável das crianças como também fortalecerá os laços comunitários e proporcionará um ambiente de inclusão e empoderamento social A participação ativa das crianças e da comunidade na construção deste espaço é fundamental para garantir que a brinquedoteca atenda às reais necessidades e se mantenha sustentável ao longo do tempo Este projeto representa um investimento no futuro proporcionando um ambiente que nutre o desenvolvimento integral das crianças e fortalece a comunidade como um todo Bibliografia BRANDÃO C R 2024 A Participação da Pesquisa e a Pesquisa Participante Recuperado de wwwapartilhadavidacombr FREITAS M 1994 Psicologia Comunitária Teorias e Práticas SAWAIA B B 1996 Comunidade e Psicologia Social
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REFERÊNCIAS FREIRE P 1987 A Pedagogia do oprimido Brasil Paz e Terra FREITAS M DE F QUINTAL de 1998 Inserção na comunidade e análise de necessidades Reflexões sobre a Prática do psicólogo Reflexão e Crítica n 1 p 175789 KELLY J G Psicologia comunitária enfoque ecológico contextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 MONTORO J CONSCIENCE raising conversion and ideologicalization in Community My psychosocial work En Journal of community psychology v 22 1994 p 311 SARRIERA J C El método de Paulo Freire en una zona marginada de Asunción Universi dad Católica Facultad de Psicología Mono grafía de Conclusión de Curso 1974 SARRIERA J C coord Análisis de Necesidades Psicosociales na Vila Nossa Senhora de Fátima Porto Alegre PUCRS Grupo de Pesquisa em Psicología Comunitária Relatório de Pesquisa 1993 SARRIERA J C coord Psicología Comunitaria Estudos Atuais Porto Alegre Sulina 2000 SARRIERA J C CAMARA S G BERLIM C S Manual de Orientação Ocupacional Porto Alegre Sulina 2004 SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas à la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 SOLANOPASTINA E R SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Comunidad rural La Plata En Quiérgas A psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 154 155 A INVESTIGAÇÃOAÇÃOPARTICIPANTE Capítulo 7 Kátia Regina Frizzo TEXT0 12 Toda proposta de intervenção social que pretenda modi ficar algum aspecto da realidade sobre a qual tem domínio algumas pressupostos sobre o estado desta realidade ou pe los menos sobre o lugar da ciência e sobre as relações entre o conhecimento científico e a realidade Podemos chamar estes pres supostos de pressupostos epistêmológicos afirmando que a investigação e a participação IAP propõe uma nova relação entre a ciência e a realidade social A principal característica da IAP é a consideração da indis socialidade entre a pesquisa enquanto processo de investigação e produção do conhecimento e a intervenção social que busca sempre a transformação da realidade por determinada aspec tos da realidade concreta Assim a IAP propõe uma ruptura com a visão clássica da ciência segunda a qual primeiramente pesqui samos os fenômenos eou problemas para somente depois agir sobre eles Para que possamos conhecer melhor a IAP faremos um breve histórico de suas origens e nos deteremos no estudo de suas características 1 Doravante apenas IAPo termo investigação foi mantido aqui em respeito à língua original da sigla onde o termo adquire o sentido de investigação científica como se utiliza em português o termo pesquisa Considerações finais Como bem disse Kelly 1992 p 45 A Avaliação do con texto permite ao investigador escutar as vozes dos demais pro proporcionando a oportunidade de compreender e atribuir o poder aos outros Fazer com que a comunidade participe do processo de intervenção da pesquisacomunidade como conteúdo que se pretende através do programa de ação elaborado em conjun ção com o investigador externo observando se insti ção de familiarização e de aproximação do pesquisador As três experiências aqui resumidas com objetivos e meto dos diferentes revelam uma preocupação pelo entendimento intenso com os diferentes aspectos da realida sócioexternalidade constatada que atenta para a inicial de necessidades sentidas e a priorização das mesmas no processo de intervenção é a chave motivacional geradora de uma maior mobilização comunitária As dificuldades encontradas na ação comunitária procedem em sua maioria de instituições da comunidade orientadas por membros externos à própria comunidade docentes nas escolas profissionais nos postos de saúde que criam maiores resistências ao cambio e forçam consciente ou inconscientemente a manuten ção do status quo Conhecer as necessidades de uma comunidade e trabalhar junto com ela para seu desenvolvimento e bemestar implica um duplo compromisso O científico estudando e produzindo conheERAté Outra característica da IAP apresentada por Montero 1994 é a completa modificação do esquema clássico da relação entre investigador e investigação que existe nas ciências positivas Na IAP não existe segredo entre o investigador e aquele que pesquisa porque o processo de construção do conhecimento se dá pela interação entre ambos durante o processo de investigação e intervenção A Física clássica das ciências positivas preconiza que deve existir separação para garantir a neutralidade do conhecimento produzido uma vez que a converter à legitimidade científica pode contaminar o investigador desenvolvido e gerenciar sua investigação Para que a IAP propõe a existência de investigadores externos os investigadores ou pesquisadores que detectam um problema em uma dada realidade investigadores internos aqueles que vivem em uma dada realidade investigadores internos podese garantir que quem interpreta e produz a informação pois produzem diferentes saberes que os diferentes níveis de reflexão sobre os mesmos problemas A terceira grande característica da IAP é a determinação coletiva de produzir mudanças na situação ou fenômeno que está sendo estudado Como a origem em el ambiente propício para a IAP são os problemas sociais vividos pelas comunidades é fácil reconhecer que se tratam de situações de injustiça social economia e cultural que produzem sofrimento em muitas pessoas que devem modificar suas condições de vida Um bom processo de investigaçãoação com a participação de todos os comprometidos com o problema a realidade mudam nos três elementos básicos a população envolvida e os investigadores externos pelo conhecimento produzido e pelas relações estabelecidas Assim a mudança planejada e conseqüência de um processo de reflexão e ação de um conjunto de ações compartilhadas à medida que avança a investigaçãoaçãoparticipativa História da IAP A investigaçãoaçãoparticipante tem suas origens na pro posta de Kurt Lewin de investigaçãoação Em um corte significativo artigo publicado em 1946 pouco antes de sua morte o autor elabora Investigacãoação e os problemas das minorias os primeiros traços da nova postura dos cientistas sociais frente aos problemas concretos das comunidades rompendo com a tra dição e posição positivista da época de observar de forma indepen dente a prática do mundo social O autor avança propondo que a pesquisa se integre a ação social com o objetivo de promover mudanças na estrutura social e nas relações intergrupais O papel do conhecimento da informação neste caso é sempre de orien tar a ação tanto o planejamento dos resultados da ação quanto a investigação e a avaliação na prática social em que Lewin definiu e essa nova ação Lewin chegou a propor ou imaginar que seria melhor que as diversas ciências sociais se integraim numa única ciência social que se destinaria a investigar os temas sociais A proposta de Kurt Lewin produzir um impacto signif icativo na nas ciências sociais Posteriormente pesquisadoresenvolvendo o arcabouço teórico conceitual da investigaçãoação partiram dos pressupostos iniciais propostos nesta época Na década de 60 aconteceram vários encontres seminários e pesquisas sócio novo enfoque tanto na América Latina como nos Estados Unidos e na Europa reforçando a produção e o desenvolvimento da continuaram através da matriz principal do método lógicos que qualifica o tipo de InvestigaçãoAção consolidando a estreita relaçâo que estabelece entre os pesquisadores e os sujeitos implicados que realidade que pretende atingir Dessa forma a Investigação AçãoParticipante é entendida como uma metodologia de construção da IAP desde o início Coletivo do processo co uma proposta semelhante embora Kurt Lewin habitantes e qualit Initiative da América Latina onde a situação política e social era critica pela resistência de governos militares altamente repressres que inspiraram muitos projetos revolucionários de libertação popular No Brasil a IAP ficou conhecida através da proposta de educação popular de Paulo Freire que se consolida numa constr ução do arcabouço teórico da Pesquisa Participante desenvolvida por Brandão Em 1977 realizouse em Cartagena na Colombia o Sim posio Mundial sobre InvestigaçâoAção do qual participaram muitos pesquisadores que redefinivam o que se entenda por pesquisador e muitos pesquisadores assim como muitos outros interess zando da IAP como ferramenta a influência do marxismo já era marcada na luta das classes No X Congresso Mundial de Sociologia realizado na cidade do México em 1982 a IAP consolidou sua identidade como uma metodologia de pesquisa comprometida com a transformaçâo da realidade social Também foram relatados no congresso diversos trabalhos realizados por grupos de investigação e pesquisa da IAP os quais vin corroborar os princípios por interesse do pesquisador e daquela à qual se tadá em seus princípios por interesse do pesquisador e daquela à qual se lados com a perspectiva de emancipação popular com a qual se ainda identificava cada dia mais Entretanto a IAP fortaleceuse ainda mais e então vários trabalhos foram desencadeados para ve rificar sua consistência através do método comparativo Podemos dizer que o que marcou ou mudou a trajetória nos anos 70 foi a introdução do termo participante na metodo lógica de Investigación e InvestigaçãoAção consolidando a estreita relaçâo que 157 Principais problemas da IAP Ao fazer uma avaliação sobre as contribuições da IAP para uma nova concepção de investigação e produção do conhecimento científico Fals Borda 1989 relaciona alguns erros metodológicos cometidos ao longo do tempo por vários investigadores e que prejudicam a condução da pesquisa de modo a desvirtuar o sentido do que o primeiro erro situado na década de 60 até o começo da década de 70 foi a compreensão equivocada do sentido do compromisso social por parte dos intelectuais envolvidos com suas causas populares Para resolver os problemas dos diferentes níveis e vivências seus problemas que comprometem a originalidade e o criativo do trabalho de uma geração e do trabalho de todos os outros A autenticidade das relações era seriamente ameaçada por uma compreensão de que para comprometerse era necessário optar por viver como viviam os membros das classes populares e não como viviam os intelectuais e as técnicas e militâncias empregadas pela IAP O segundo erro citado pelo autor pode ser relacionado com o dogmatismo vivido dentro da IAP Para muitos intelectuais a IAP era uma ciência proletária ou uma ciência para o povo o que acentuava seu caráter revolucionário como instrumento de transformação da classe popular ou seja da classe do men que concebida a partir de cima ou seja da classe dos intelectuais esta concepção acabava reforçando implicitamente a existência de outro modelo de ciência que seria incompatível com os interesses das classes mais desfavorecidas naturalizando ou automatizando o vínculo da IAP com classes populares O terceiro erro acentuado do anterior para muitos tudo que cativar militantes ou cientistas devia ser pensado como ameaça popular era considerada revolucionária ao ponto de que duas palavras diferentes eram consideradas sinônimos Desta forma desconsideravase todo o processo de reprodução da ideia dos problemas e sua opinião sobre o processo de investigação e pesquisa propriamente dito Da mesma forma as análises dos meios mais adequados para obter as informações os responsáveis por cada um deles e os meios de análise também deve ser um processo coletivo Nesta fase é importante ser realista quanto aos métodos de coleta de dados considerar a disponibilidade de pessoas das informações e esclarecer a comunidade sobre o processo que inicia Também devese levar em conta os aspectos concretos da IAP particularmente os métodos de coletar informações elegendo os diálogos e o método de coletar informações após da coleta de dados e às vezes concomitantemente a equipe de pesquisadores deve estudar uma forma de apresentar as informações para que se inicie a análise do material Neste momento não se trata de análise mas sim de preparar o material que vai transformar porém em interpretação Neste momento fazse um estudo dos fenômenos e o conjunto articulado de informações acessíveis ao público depois do manejo científico de técnicas de análise de análise de dados Após o processo coletivo de análise de dados a equipe de investigadores externos e internos deve preparar a comunidade para o uso dos resultados da investigação organizar a ação política ou outro tipo mais adequado de ação consequente com a análise do problema é o momento de iniciar a busca de soluções para as dificuldades uma vez que já existe um amplo e detalhado conhecigimento dos aspectos envolvidos Porém o processo da IAP não termina com a realização da ação é uma ação espacial que pode suscitar novos problemas ou novas reflexões sobre o problema inicial que resultará em novas questões que poderão ser investigadas na continuidade do processo É esta continuidade que justifica que algumas autoras como Fals Borda 1980 e Park 1989 afirmam que a IAP não é somente um método de investigaçãopesquisa mas uma forma de vida Outra característica que sobressai da IAP já mencionada anteriormente é sua posição de relativizar a relação entre verdade e conhecimento Montero 1994 apresenta uma mesma origem o senso comum para os dois tipos de conhecimento o popular e o científico Partindo das energias e explicações compartilhadas pelos homens o processo de problematização pode desembocar em duas diferentes práticas investigativas voltadas para a verificação e as ideias populares As estratégias discursivas determinaram em grande parte o encaminhamento posterior dos conteúdos a formalização em teorias levando à construção da ciência o enfoque técnico o processo crítico e a ideologia remete os conteúdos para o conhecimento do popular voltado para a vivência cotidiana Assim Montero 1994 relativiza bastante o lugar do conhecimento popular e do conhecimento científico na orientação da vida Fals Borda 1980 faz um levantamento externo das contribuições da IAP para tornar popular em todas as áreas agricultura saúde história e artes Como conjunto de saberes do senso comum essas contribuições são resultantes de processos de categorização comparação classificação e generalização bastante complexos e não é justo que sejam desprezadas pela eficiência os critérios de confiabilidade no conhecimento popular ou científico Ou seja a precariedade do conhecimento científico capacidade de predizer e de repetir eventos ou fenômenos sob dadas circunstâncias Sua legitimidade em laboratório em muitos casos com conhecimento produzidos em situações e por comunidade que pretendem explicar Park 1989 define como conhecimento de ciência crítica ou seja um conhecimento proveniente da reflexão da ação que torna possível decidir sobre o justo e o correto na vida cotidiana Finalmente podese dizer que o campo motivacional para a IAP é a realidade social e suas contradições tal como é percebida pelos diferentes atores nela envolvidos Os problemas da IAP não PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Da solidariedade à autonomia 20ª Edição Regina Helena de Freitas Campos Org Silvia TM Lane Bader B Sawaia Maria de Fátima Q de Freitas Pedrinho Guareschi Jacyara CR Nasciutti Naumi A de Vasconcelos Regina Helena Campos EDITORA VOZES Assim Stavenhagen 1971 alerta a consciência crítica dos cientistas sociais que trabalham nestes organismos para assinalar os inúmeros de conflitos que surgem com os projetos e acordos bilaterais de cooperação Todavia é certo que a investigaçãoaçãoparticipante continua crescendo tanto no meio acadêmico entre as ciências humanas e sociais como no mundo enquanto um recurso válido para enfrentar as desigualdades sociais que reinam entre países pobres e ricos dentro de um país entre interesses de classe diferentes e opostos Podemos citar dois exemplos conhecidos e divulgados em nível internacional de publicações atuais que ilustram a utilização crescente de processos de investigaçãoaçãoparticipante O primeiro tradução e lançamento no Brasil durante o Primeiro Fórum Social Mundial 2001 é o livro Avaliação de Impacto do Trabalho de ONGs de Chris Roche 2000 com auxílio da ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais e o segundo estudo de avaliação de avaliação de impacto dos projetos sociais apoiados pela OXFAM Internacional com sede em Oxford Inglaterra nas mais variadas partes do mundo de El Salvador ao Quênia passam do Reino Unido pelo Paquistão Os projetos tem objetivos muito diferentes e em algumas regiões há uma grande diferença também entre os métodos empregados e a importância que foi dada à incorporação da participação da própria população beneficiária dos projetos no desenho das metodologias de avaliação de impacto Participante outre uma introdução a 29 instrumento Metodologia nizado por Markus Brose e editado com apoio da AMENCAR Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente Tratase de uma antologia de trabalhos de diagnóstico participativo conduzidos em diversas regiões do Brasil em variados contextos do meio rural ao urbano de comunidades indígenas a trabalhos de expressão corporal com populações marginalizadas Dentro de uma série de 29 instrumentos chamados instrumentos de investigaçãoaçãoparticipante destaco a lógica da avaliação utilizando metodologia de ação que mobilizam as comunidades urbanas como do interior e que mobilizam os segmentos sociais para a participação política nas cidades e a importância de uma dimensão qualitativa que valorizam trabalhos que incorporam a construção de um saber É importante ressaltar que a produção científica sobre projetos de investigaçãoaçãoparticipante tem sido amplamente aceita nas mesas acadêmicas convencionais de divulgação científica A incorporação de novas metodologias constituiu um seriíssimo desafio para a ciência no século XXI e cada vez mais se considera essencial a participação dos sujeitos investigados na produção do saber o que facilitou a aproximação de várias metodologias à proposta da IAP no mundo inteiro Referências BERGER R LUCKMANN T A construção social da realidade Petrópolis Editora Vozes 1999 BROSE M Metodologia Participante uma introdução a 29 instrumentos Porto Alegre Tomo Editorial 2001 FALS BORDA O La ciencia y el pueblo nuevas reflexiones En LEWIN K TAX S Eds INVESTIGACIONACCIONPARTICIPANTE Inicios y desarroilos Madrid Editorial Popular Universidad Nacional de Colombia 1980 p 6384 FALS BORDA O LEWIN K 1946 La investigaciónacción y los problemas de las minorías En LEWIN K TAX S Eds INVESTIGACIONACCIONPARTICIPANTE Inicios y desarroilos Madrid Editorial Popular Universidad Nacional de Colombia 1991 p 1326 lógica dominante através das representações sociais onde coexistem valores alienantes preconceituosos e opressores lado a lado com as experiências de sofrimento e luta dos trabalhadores das mulheres dos desempregados etc A IAP pode ser um instrumento poderoso de reflexão sobre estes valores desde que o processo de comunicação e devolução manifestese através de um diferencial que respeite os diferentes níveis de reflexão e compreensão dos fenômenos O quarto erro metodológico é imaginar que o povo pode substituir e enfraquecer a discussão científica sem necessidade de um intelectual A influência importância e que o intelectual ativo tem um papel importante na sociedade e que as contribuições da população na compreensão da realidade elas não substituem o papel dos intelectuais no debate científico pois existem domínios do saber da linguagem dos processos e do conhecimento que pelo alto grau de conhecimento científico pode proporcionar O quinto erro em que incorrem os intelectuais é fazer articulações simplistas ou simplificar uma realidade sem perceber sua real complexidade por subestimar a capacidade de compreender dos participantes e imaginar que as classes populares somente podem compreender relações simples entre gastos ou eventos Na IAP os autores são unânimes ao conceber o avanço do conhecimento segundo o modelo em espiral onde açãoreflexãoação se sucedem construindo em novos níveis Desde Kurt Lewin a espiral da representação de um conhecimento que avança retomando aspectos e pontos anteriores mas reconstruindoos em outros níveis de compreensão Finalmente apontase como sexto e último erro metodológico a escolha inadequada de instrumentos de investigação eou de coleta e análise de dados A natureza da IAP implica obrigação cautela e o uso de ferramentas de trabalho privilegiando as técnicas sem questionamentos sob a capa do termo desenvolvimento Perspectivas atuais de utilização da IAP A metodologia de investigaçãoaçãoparticipante passou por muitos questionamentos ao longo destas décadas de existência resistiu e afirma tanto pelo processo que incorpora o saber popular a participação da população na investigação e na solução de seus problemas pois os resultados alcançados em termos de avanços científicos e políticos A IAP ganhou legitimidade frente ao mundo científico e muitas agências internacionais adotaram a metodologia de trabalho da IAP para o trabalho diagnóstico e regional da Oficina Internacional do Trabalho o Instituto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social o Conselho Internacional de Educação de Adultos e a Sociedade de Desenvolvimento Internacional e algumas organizações internacionais que produzem e apoiam trabalhos de investigação desde 1989 Porém a atuação dos cientistas sociais nestes reais interesses e princípios que orientam a ação destes órgãos de acordo cooperação desenvolvimentos social e investigação Muitas vezes os projetos ocultam uma lógica de outros interesses econômicos que parecem caber ricos ou outros interesses econômicos que parecem caber sem questionamentos sob a capa do termo desenvolvimento 165 164 167 166 2 Orelhas do livro Esta coleção apresenta reflexões do grupo de Trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pósgraduação em psicologia ANPPEPP Esta nova área de estudo a Psicologia Social Comunitária pretende contribuir para a construção de relações sociais mais democráticas e solidárias e para a promoção da autonomia e da melhoria da qualidade de vida nas comunidades Neste livro diferentes aspectos das relações entre o psicólogo e a comunidade são abordados em especial o histórico as perspectivas teóricas e os instrumentos de análise e intervenção disponíveis e em elaboração neste campo Fazer psicologia comunitária é estudar as condições internas e externas ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade ao mesmo tempo que no ato de compreender trabalhar com esse homem a partir dessas condições na construção de sua personalidade de sua individualidade crítica da consciência de si identidade e de uma nova realidade social Goiás Os valores comunitários devem interiorizados como projeto individual para se transformar em ação Devem ser pensados e sentidos como necessidade A expressão tão cara à prática conunitária nos anos 1970 conscientização deve ser ampliada para abancar não só a tomada de consciência como também a tomada de inconsciência pois ninguém é motivado por interesses coletivos abstratos e não se pode exigir que o homem abandone a esfera pessoal da busca da felecidade pois bemestar coletivo e prazer individual não são dicotômicos e o consenso democrático não é conquistado necessariamente à custa do sacrifício pessoal Bader B Sawaia 3 Regina Helena de Freitas Campos org Sílvia Tatiana Maurer Lane Bader Burian Sawaia Maria de Fátima Quintal de Freitas Pedrinho Guareschi Jacyra C Rachael Nasciutti Maumi A de Vasconcelos Regina Helena de Campos Freitas PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Da solidariedade à autonomia EDITORA VOZES Petrópolis 4 1996 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luiz 100 25689900 Petrópolis RJ Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão Capa Josiane Furiati ISBN 9788532616449 Dados internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Psicologia social comunitária Da solidariedade à autonomia Regina Helena de Freitas Campos org 13 ed Petrópolis RJ Vozes 2007 Vários autores 1 Psicologia social I Campos Regina Helena de Freitas II Título 96380 Índice para catálogo sistemático 1 Psicologia social comunitária 302 5 SUMÁRIO Apresentação 7 Introdução A Psicologia Social Comunitária 9 Regina Helena de Freitas Campos Histórico e fundamentos da Psicologia Comunitária no Brasil 17 Sílvia Tatiana Maurer Lane Comunidade A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade 35 Bader Burihan Sawaia Psicologia na comunidade psicologia da comunidade e psicologia social comunitária Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90 no Brasil 54 Maria de Fátima Quintal de Freitas Relações comunitárias Relações de dominação 81 Pedrinho A Guareschi A instituição como via de acesso à comunidade 100 Jacyra C Rochael Nasciutti Qualidade de vida e habitação 127 Naumi A de Vasconcelos Psicologia comunitária cultural e consciente 164 Regina Helena de Freitas Autores 178 6 7 APRESENTAÇÃO Esta coletânea apresenta reflexões do Grupo de Trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pósgraduação em Psicologia ANPEPP Inspirando nas discussões do grupo constituindo durante a realização do V simpósio de Pesquisa e intercâmbio científico da ANPEPP realizado em Caxanbu Minas Gerais em meio de 1994 os textos exploram diferentes aspectos das relações entre o psicólogo e a comunidade visando enriquecer o debatésobre as perspectivas teóricas do Campo Os autores são todos professores de psicologia social em programas de Pósgraduação na área em diversas universidades brasileiras Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade Federal de Minas Gerais A reunião deste grupo de pesquisadores na ANPEPP tem por objetivo promover a melhor delimitação do campo e aperfeiçoar os instrumentos de análise e intervenção disponíveis e em elaboração Esta e a primeira produção conjunta do grupo que esperamos seja útil aos profissionais estudantes e pesquisadores que compartilham de nossas preocupações e buscam em seu trabalho contribuir para a construção de relações democráticas e solidárias nas comunidades em que atuam 8 9 INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Regina Helena de Freitas Campos A comunidade seja geográfica um bairro por exemplo ou psicossocial por exemplo os colegas de profissão é o lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida Entretanto o conceito de comunidade utilizado pela psicologia social comunitária tem algumas características próprias derivadas da própria forma como surgiu entre nós esta nova área de estudos Sabemos que a prática científica não e imune aos movimentos sociais em cujo contexto se desenvolve e a psicologia social comunitária não é exceção a esta regra Desde meados da década de 60 no Brasil a utilização de teorias e métodos da psicologia em trabalhos feitos em comunidades de baixa renda visando por um lado deselitizar a profissão e de outro buscar a melhoria das condições de vida da população trabalhadora constitui o espaço teórico e prático do que passamos a denominar a psicologia comunitária ou psicologia na comunidade Freitas 1994 Bairros populares favelas associações de bairro comunidades eclesiais de base movimentos populares em geral foram os lugares em que tiveram início essas experiências de psicologia comunitária Mais recentemente com a ampliação dos sistemas de saúde e educação pública no país e o aumento do 10 número de psicólogos trabalhando em postos de saúde creches instituições de promoção do bemestar social ou setores do sistema judiciário voltados para o cuidado de famílias e menores enfim em instituições públicas que visam promover o desenvolvimento social a psicologia social comunitária procura desenvolver os instrumentais de análise e intervenção relevantes para as novas problemáticas que se apresentam aos psicólogos Tipicamente os trabalhos comunitários partem de um levantamento das necessidades e carências vividas pelo grupocliente sobretudo no que se refere às condições de saúde educação e saneamento básico A seguir utilizandose métodos e processos de conscientização procurase trabalhar com os grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel de sujeitos de sua própria história conscientes dos determinantes sóciopolíticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados A busca do desenvolvimento da consciência crítica da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária A perspectiva da psicologia social comunitária enfatiza em termos teóricos a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento partese do pressuposto de que o conhecimento se produz na interação entre o profissional e os sujeitos da investigação Utilizandose a conceituação do papel dos intelectuais de Gramsci podese dizer que os psicólogos atuando em trabalhos de psicologia social comunitária desempenham o papel de intelectuais tradicionais na medida em que organizam o saber já constituído pela psicologia social e se encarregam de transmitilo mas 11 visando a formação de intelectuais orgânicos isto é sujeitos capazes de sintetizar o ponto de vista da comunidade e de coordenar processos de transformação do instituído em termos de metodologia utilizase sobretudo a metodologia da pesquisa participante na qual o pesquisador e os sujeitos da pesquisa trabalham juntos na busca de explicações para os problemas colocados e no planejamento e execução de programas de transformação da realidade vivida em termos de valores os trabalhos de psicologia comunitária enfatizam sobretudo a ética da solidariedade os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da população focalizada Ou seja questionase a visão da ciência como atividade não valorativa e assumese ativamente o compromisso ético e político Em termos éticos buscase trabalhar no sentido de estabelecer as condições apropriadas para o exercício pleno da cidadania da democracia e da igualdade entre pares Em termos políticos questionam se todas as formas de opressão e de dominação e buscase o desenvolvimento de práticas de autogestão cooperativa Bomfim 1987 Góis 1993 define a psicologia comunitária como uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugarcomunidade estuda o sistema de relações e representações identidade níveis de consciência identificação e pertinência dos indivíduos ao lugarcomunidade e aos grupos comunitários Visa ao desenvolvimento da consciência dos moradores como sujeitos históricos e comunitários através de um esforço interdisciplinar que perpassa o desenvolvimento dos 12 grupos e da comunidade Seu problema central e a transformação do indivíduo em sujeito Em trabalho recente sobre a situação da psicologia social no Brasil Bomfim observa o crescimento da área entre nós e informa que as atividades são em sua grande maioria constituídas por atuações em equipes multidisciplinares que estabelecem procedimentos práticos de acordo com a demanda social e possibilidades de ação Bomfim 1994 As principais estratégias de ação detectadas foram reuniões com os moradores para análise das necessidades e possíveis soluções inclusive com o incentivo à formação de grupos de autogestão e à formação de recursos humanos da própria comunidade e propostas de atividades específicas Para que a formação de recursos humanos capazes de desenvolver e dar continuidade a projetos de melhoria da qualidade de vida seja viável temse verificado a importância de fortalecer o envolvimento afetivo com os objetivos e programas de ação propostos A promoção deste envolvimento tem sido feita exatamente através da busca de uma definição pela própria comunidade das prioridades de atuação Neste sentido o psicólogo atua mais como um analista facilitador que como um profissional que toma as iniciativas de solucionar os problemas São centrais portanto nesta área de estudos os conceitos que contribuem na análise da constituição do sujeito social produto e produtor da cultura e as metodologias de desenvolvimento da consciência Neste volume estudos e reflexões sobre algumas dessas problemáticas específicas da psicologia social comunitária são apresentados ao leitor Pioneira na delimitação conceituai da área na America Latina Sílvia Tatiana Maurer Lane professora de psicologia social no programa de estudos pósgraduados em psicologia da Pontifícia universidade Católica de São Paulo explica o 13 surgimento da psicologia comunitária entre nós durante os anos 70 como reação à opressão política e dominação econômica e ideológica que caracterizaram o período militar na região Observase nos relatos de experiências na área a tentativa de promover em comunidades populares a crescente consciência da situação de opressão e a iniciativa de ações transformadoras autônomas que levassem em consideração a necessária vinculação entre condições objetivas de vida e processos psicológicos A partir desses relatos a autora busca definir os principais conceitos teóricos necessários ao trabalho do psicólogo em comunidade e a evolução dos modelos de atuação no Brasil A seguir Bader Sawaia também lecionando no programa de estudos pósgraduados da Pontifícia universidade Católica de São Paulo explora as origens do próprio conceito de comunidade na história do pensamento social A autora analisa a evolução do conceito como contraponto ao avanço do senso individualista que caracteriza o capitalismo Acompanhando as perspectivas que informaram a elaboração teórica da noção de comunidade na sociologia e na psicologia Sawaia observa como a partir de um ponto de vista totalitário o conceito passa no final do século XX a incorporar o sentido da resistência à opressão e da luta pela cidadania plena Maria de Fátima Quintal de Freitas docente do mestrado em psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo acompanha a evolução do conceito de comunidade em psicologia a partir das representações e práticas dos psicólogos e observa que a principal fonte de definição da área da psicologia comunitária nos anos 60 e 70 vinculavase a práticas comprometidas com a perspectiva de libertação sóciopolítica da população Já no curso da década de 80 e início dos anos 90 esta 14 perspectiva se modifica a partir de transformações no próprio sistema de saúde pública no país Estas transformações se tornam mais evidentes a partir da própria mudança de denominação a psicologia na comunidade passa à psicologia da comunidade tomando como unidade de análise o grupo comunitário e a psicologia comunitária que toma como objeto de análise o sujeito construído sóciohistoricamente Já Pedrinho Guareschi professor no programa de pósgraduação em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul convida o leitor a compartilhar sua reflexão sobre conceitos fundamentais da psicologia social comunitária como os conceitos de relações sociais relações de dominação e relações comunitárias procurando demonstrar que e na comunidade que se estruturam as relações democráticas desejáveis Jacyara Nasciutti professora no programa de pós graduação em comunidades e ecologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro busca esclarecer as relações entre instituições e comunidades de um ponto de vista psicossocial e mostra como utilizar os conceitos da análise institucional na análise das instituições de saúde mental no Brasil Naumi Vasconcelos também professora no programa de pósgraduação em comunidades e ecologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro reflete sobre a relação entre qualidade de vida e habitação focalizando especialmente o processo de ocupação do espaço urbano e da construção de hábitos comunitários em habitações urbanas as relações corpocasa e seus impactos sobre as representações da qualidade de vida Procura assim uma definição subjetiva de qualidade de vida que possa ser incorporada como contribuição da psicologia social aos indicadores objetivos deste conceito 15 Regina Helena de Freitas Campos do programa de mestrado em psicologia social da Universidade Federal de Minas Gerais trabalha sobre as relações entre comunidade cultura e consciência Busca assim refletir sobre como as teorias sobre os processos de construção do conhecimento produzidas pela psicologia social podem se aproximar das práticas da psicologia comunitária sobretudo no que se refere à emergência dos processos de conscientização mencionados na literatura da área Esta coletânea espera contribuir para o desenvolvimento teórico da psicologia social comunitária estabelecendo bases mais sólidas para os conceitos de interesse para estudantes e profissionais da área BIBLIOGRAFIA BOMFIM Elizabeth M Comum moderna cidade In Bomfím E e Machado M Em torno da psicologia social Belo Horizonte publicação autônoma 1987 Psicologia social psicologia do esporte e psicologia jurídica In Achcar R et alii Psicólogo brasileiro Práticas emergentes e desafios para a formação São Paulo Casa do Psicólogo 1994 FREITAS Maria de Fátima Q Psicologia comunitária Professores de psicologia falam sobre os modelos que orientam a sua prática Tese de doutorado São Paulo Pontifícia universidade Católica de São Paulo 1994 GÓIS Cezar Wagner de Lima Noções de psicologia comunitária Fortaleza Edições UFC 1993 16 LANE Sílvia T Maurer Psicologia Ciência ou política São Paulo EDUC 1988 17 HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA NO BRASIL1 Sílvia Tatiana Maurer Lane Introdução Uma revisão da psicologia comunitária no Brasil não pode ser feita fora do contexto econômico e político do Brasil e da America Latina Sem dúvida o golpe militar de 1964 tem muito a ver com o seu surgimento pois se num primeiro momento 196875 vivemos um período de extrema repressão e violência quando uma reunião de cinco pessoas já era considerada subversão ele fez com que individualmente os profissionais de psicologia se questionassem sobre a atuação junto à maioria da população e de qual seria o seu papel na sua conscientização e organização Esta preocupação é mais sentida na universidade quando a partir dos movimentos de 1968 questionando o ensino e a academia e desenvolvida uma reflexão crítica quanto ao seu papel principalmente em países do Terceiro Mundo que não podem se dar ao luxo de uma universidade fechada numa torre de marfim Neste contexto os professores dos cursos de formação profissional do psicólogo questionam a sua prática ao mesmo tempo em que a crise da psicologia como ciência está patente em que a antipsiquiatria abala os conceitos 1 Tratase da 1ª parte revista e ampliada de um artigo em coautoria com Bader B Sawaia enviado para publicação num livro sobre psicologia social comunitária na America Latina organizado por Sanchez E e Wiesenfeld E a ser publicado na Venezuela 18 de doença mental deslocando o problema para a questão da saúde mental e para uma possível ação preventiva junto à maioria da população pobre oprimida e desatendida pelo Estado É nesse período também que surge nos Estados Unidos e em vários países da America Latina a expressão psicologia comunitária referindose à atuação de profissionais junto a populações carentes porém a maioria dos trabalhos dessa época tinham um forte cunho assistência e manipulativo utilizando técnicas e procedimentos sem a necessária análise crítica a intenção era boa porém não os resultados obtidos Fora da universidade médicos e psiquiatras preocupados com a saúde pública e uma ação preventiva criam na década de 70 os centros comunitários de saúde mental que segundo A Abib Andery 198112 o fazem numa tentativa de superar os clássicos hospitais psiquiátricos mas também nesse caso as mudanças foram mais aparentes do que estruturais Por outro lado já na década de 60 surge uma preocupação com a educação popular com a alfabetização de adultos como instrumento de conscientização são os trabalhos de Paulo Freire e de outros dos quais participavam diversos profissionais e entre eles psicólogos sem qualquer preocupação em definir especificidades em termos de áreas de trabalho eram atividades inerentes à cidadania Essas experiências levam os psicólogos na década de 70 a desenvolverem atividades em comunidades em termos de educação popular tendo como meta a conscientização da população Assim vamos encontrar sob o rótulo de psicologia social comunitária uma prática voltada a a prevenção da saúde mental unindo psicólogos psiquiatras e assistentes sociais e b educação popular com a participação de pedagogos psicólogos sociólogos e 19 assistentes sociais No encontro de 81 as duas linhas se confundem Também neste encontro uma questão pouco discutida mas necessária de ser aclarada foi colocada O que é uma comunidade Ela é possível numa sociedade capitalista baseada na idéia de competição Ou ela e uma utopia que se pretende atingir algum dia Na nossa revisão utilizaremos dois referenciais 1 o 1º Encontro Regional de Psicologia na comunidade realizado em São Paulo em 1981 com trabalhos realizados na década de 70 e 2 o 2º Encontro Regional ocorrido em Belo Horizonte em 1988 com relatos referentes a trabalhos da década de 80 Ambos foram organizados pela Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO tendo por objetivos a troca de experiências e principalmente o de não cometer os mesmos erros Em cada encontro foram apresentados em torno de 10 relatórios para uma audiência de mais de 100 profissionais como psicólogos assistentes sociais educadores sociólogos etc Podemos observar nestes dois encontros o contraste entre preocupações com a saúde mental e aqueles com a educação popular ambos com objetivos diferentes O encontro de 1981 À procura de uma compreensão de uma psicologia social comunitária O Projeto de Saúde Mental Comunitária do Jardim Santo Antônio foi apresentado por Helio Figueiredo como proposta que se origina na universidade em 77 numa visão do compromisso dela com a sociedade A equipe e formada por dois professores de psicologia uma socióloga e um administrador que devem orientar alunos estagiários do curso de psicologia O projeto é precedido por uma pesquisa que deverá dizer o melhor local de trabalho e levando ao aluguel de uma sede própria em julho de 79 onde são 20 prestados serviços como atendimento psicológico individual e grupal acompanhamento do clube de mães e grupo de jovens e promoção de reuniões da equipe com grupos do bairro a fim de se definir programas de ação A presença constante e fixa da equipe no bairro faz com que os grupos passem a procurála tendo como referência a casa da sede Com o objetivo de atuar a nível da saúde mental a equipe detecta como principais problemas da população além de questões como ausência de infraestrutura baixos salários violência urbana desgaste físico e psicológico a questão da perda da identidade cultural devido à migração a ação dos meios de comunicação transmitindo a ideologia de uma sociedade de massa e de consumo e por último a ausência de organização popular Da prática desenvolvida o grupo profissional chega à definição clara de seu objetivo que seria o de proporcionar o crescimento da consciência dessa população através da participação dos indivíduos em grupos que os levariam a superar o individualismo e a se unirem em atividades que visassem mudar o seu cotidiano Uma outra experiência e relatada por Pedro de C Pontual e Paulo Moldes 1981 realizada pelo centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae SP cuja proposta é de intervenção crítica e de prestação de serviços nas áreas de saúde e educação através de duas equipes interdisciplinares jornalistas psicólogos sociólogos assistentes sociais teólogos economistas pedagogos geógrafos engenheiros e arquitetos Os princípios básicos que norteiam as duas equipes são a importância da organização legítima dos trabalhadores por eles mesmos a importância do controle pela base dos movimentos populares a importância do aspecto organizativo como conscientizador dos 21 movimentos e o profissional como dinamizador como animador dos grupos nunca como liderança É Pontual que afirma Nesse sentido o que identifica qualquer profissional ligado realmente aos movimentos populares e o seu papel de educador popular embora ele possa dar uma contribuição maior na área de conhecimento em que ele se formou 198130 e continua dizendo que enquanto psicólogos devem lidar com a dinâmica de grupos de encontros com questões metodológicas e de avaliação também devem lidar com as tensões e problemas de relacionamento porém sem fazer recortes todos se identificam como educadores populares Há ainda o relato da atuação da equipe junto à população visando definir problemas prioritários que levam a comunidade a questionarse o quanto sabe sobre a própria realidade e a realizar uma pesquisa no bairro e apresentar os seus resultados em um caderno em quadrinhos que divulgado leva a uma assembleia com objetivo de discutir os resultados da pesquisa e definir os problemas prioritários ou seja creche posto de saúde e coleta de lixo A discussão da creche por sua vez leva à produção de um filme super 8 sobre as crianças do bairro que quando exibido mobiliza a população num movimento reivindicatório por creche Um terceiro relato nesse encontro referiuse à utilização do psicodramapedagógico com mulheres na periferia apresentado por Maria Alice Vassimon 19813945 É colocado como objetivo a educação popular auxiliando o grupo a perceber a sua própria realidade a sua própria cultura Vassimon 198141 O trabalho iniciase com 60 mulheres ávidas em discutir problemas de seu cotidiano em relação a filhos maridos casa família etc e a equipe também interdisciplinar preocupase durante dois anos em como tornar o grupo independente e assumir a própria história e seu próprio caminho 198141 22 Este grupo de mulheres assume o clube de mães aproximase da escola organiza uma feira de arte e trabalha no posto de saúde dando curso para gestantes cada vez mais independentes da equipe à qual recorrem quando necessário necessidade essa que se espaça cada vez mais ao longo do tempo O relato encerrase com uma reflexão sobre o psicodrama como sendo uma forma de aproximação extremamente saudável porque não se fica falando e para o povo falar nem sempre é fácil e para estimular uma libertação imprimir a direção a sua própria realidade o psicodrama e muito importante 198148 Brühl e Malheiros apresentaram suas reflexões sobre a psicologia social comunitária no Nordeste Paraíba agora voltada para uma formação universitária a nível de mestrado em psicologia na comunidade da Universidade Federal da Paraíba Das observações e experiências realizadas os autores definem dois níveis de atuação 1 desenvolvimento de trabalho educacional visando a mobilização e organização de grupos comunitários para a busca de soluções de seus problemas 2 desenvolvimento de trabalho de assessoramento a grupos já existentes E finalizam afirmando que a atuação do psicólogo deve darse no sentido de que a resolução das situações de crises individuais resulte na superação das contradições sociais que geraram 1981102 através de um processo de conscientização Outras experiências em centros de saúde em bairros com grupos de mulheres de adolescentes de teatro e outros foram apresentados sempre enfatizando o grupo como condição básica tanto para a ação clínica como preventiva e educativa O Encontro de 1981 se encerra com o questionamento se a atuação do psicólogo se caracteriza 23 por tarefas visando a prevenção e a cura da doença mental ou por tarefas educativas e conscientizadoras O que e específico da psicologia e dos demais profissionais envolvidos nas mesmas tarefas E qual o papel da universidade 1981987 O que vemos nesse momento é ainda uma visão do psicólogo que se define pelas técnicas que utiliza e não pelo conhecimento que ele tem do psiquismo humano do indivíduo como pessoa que se constrói na relação com os outros no desenvolvimento de suas atividades no movimento de sua consciência e na produção de sua identidade E ainda uma visão fragmentada do indivíduo aprendizagem educação e um processo terapia e outro conscientização e outro ainda Parece que o único ponto constante e a relação grupai e no encontro com os outros semelhantes que descobrimos a realidade que descobrimos a individualidade e a sociedade As diferentes idéias são discutidas em torno de técnicas ao invés de considerarem a natureza do psiquismo humano e a natureza do indivíduo que interage com outros Encontro de 1988 À procura da sistematização No Encontro Mineiro de Psicologia Comunitária de 1988 os relatores procuraram definir qual a especificidade da prática psicológica em comunidade e grande ênfase é dada às técnicas de dinâmica de grupo como se pode observar nos relatos de Elizabeth Bomfim 1988200 É a partir do conhecimento dos grupos e das instituições que se chega à organização popular é a experiência que ela e Marília N da Mata Machado relatam sobre a favela de Vila Acaba Mundo em Belo Horizonte As atividades desenvolvidas além de propiciar 24 o treinamento de estudantes de psicologia treinam os moradores em técnicas de autoorganização através de recursos que vão desde um vídeo sobre a favela de informações sobre direitos que a comunidade tem para ir em busca de soluções até uma prática grupal espaço de palavra livre visando a autoorganização e a criação de cooperativas A atuação clínica se dá em termos de análise e terapia da autodepreciação visando o erguimento da autoestima É ainda na Vila Acaba Mundo que Alayde M Caifa de Arantes 1988150 relata sua experiência com grupos de adolescentes onde não se fala em psicólogos mas se trabalha em artesanato visando através do desenvolvimento grupal a compreensão das relações sociais e das regras necessárias para uma melhor convivência Elizabeth Bomfim sintetiza o trabalho de seu grupo afirmando a existência de uma relação estreita entre saúde e condições de vida cabendo ao psicólogo atuar no sentido de que as condições e modos de vida precisam ser dominados para que haja autonomia de sujeito para exercer a sua saúde 1988202 O trabalho apresentado por Angela Caniato e uma avaliação da experiência realizada pela Universidade de Maringá em uma comunidade atendida por posto de saúde e conclui que o psicólogo esbarra nos limites teóricos e técnicos de sua formação na universidade que não lhe permite responder às demandas de atendimento psicossocialmente colocadas pelas populações que freqüentam estes postos de saúde 1988180 E continua afirmando que o cidadão desaparece sob o indivíduo doente que procura o psicólogo para se tratar 1988181 Daí a necessidade de se resgatar a individualidade e a subjetividadecompetência do psicólogo 25 Por fim William CC Pereira faz uma análise do individualismo como produto da modernidade e analisando o filme A classe operária vai ao paraíso conclui que a grande vítima mais do que o corpo do indivíduo é a subjetividade negada por um poder arbitrário Resgata a questão do poder que permeia as relações sociais apontando para a necessidade de se diferenciar podertrabalhoserviço de poderdominação autoritarismo o primeiro sendo um jogo de mútuas influências e o segundo apenas um fetiche Concluindo o relato deste Encontro podemos observar um avanço na definição do que seja uma atuação do psicólogo em comunidades cabendo a ele desenvolver grupos que se tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de situações de vida através de atividades cooperativas e organizadas Para tanto o entendimento de relações de poder que se constituem no cotidiano e de grande importância para a compreensão tanto da violência arbitrária quanto de uma ação cooperativa e transformadora Por outro lado o resgatéda subjetividade que implica na compreensão das representações do mundo em que vive até às emoções e afetos que definem a sua individualidade única Além destes trabalhos apresentados nos Encontros várias universidades têm criado o que chamam de serviço de extensão visando integrar alunos e professores de diferentes áreas na prestação de serviços à sociedade em geral e nesta linha a participação de psicólogos em trabalhos comunitários tem sido bastante significativa À guisa de exemplo gostaríamos de relatar o trabalho desenvolvido na Universidade Metodista de Piracicaba SP UNIMEP onde o serviço de extensão se origina pela atuação da equipe de psicólogos sociais liderada por Lucila Reboredo junto à população favelada 26 da cidade levandoa a se constituir em associação a reivindicar seus direitos a melhorar sua condição de vida chegando a um projeto de autoconstruções com a participação de vários setores da universidade É um trabalho que foi relatado e analisado por Reboredo em sua tese de doutorado o qual já se estende por vários anos e se amplia para outras atividades garantida pela institucionalização do setor de extensão universitária integrada ao ensino e à pesquisa Trabalhos comunitários na zona rural Acreditamos ser importante ainda uma menção aos trabalhos comunitários desenvolvidos na zona rural provavelmente os primeiros a falarem em comunidade contando com a participação de cientistas sociais e que se estendeu de forma semelhante por vários países da America Latina Na década de 40 encontramos os chamados centros sociais que deram origem aos atuais centros comunitários Esses contavam com o apoio da Igreja Católica de assistentes sociais e órgãos governamentais criando equipes itinerantes interdisciplinares médicos agrônomos assistentes sociais e outros que procuravam organizar grupos locais que dessem continuidade aos trabalhos propostos basicamente educativos Porém estes em pouco tempo se desfaziam Após a II Guerra Mundial a ONU desenvolve um programa de Desenvolvimento de comunidades que no Brasil contou com a cooperação dos Estados Unidos visando a consolidação do sistema capitalista Em 1951 são definidos os objetivos destes centros entre eles o de constituirse uma organização democrática obedecendo ao propósito de fomentar a solidariedade comunal dispondo para tal fim de um local onde 27 possam se reunir em pé de igualdade os residentes de um mesmo setor para participar de atividades sociais recreativas e educativas Apud Amman 198538 As atividades desenvolvidas nestes centros se caracterizavam por serem acríticas e aclassistas procurando atravésda ação comunitária desenvolver os indivíduos e conseqüentemente a sociedade O combatéao analfabetismo foi a primeira meta seguida do ensino de tecnologias agrícolas e numa segunda etapa criamse instituições que visam uma maior integração social Em um seminário realizado em 1960 foram estabelecidos princípios básicos para o desenvolvimento comunitário que implicavam na ajuda de cientistas sociais orientados pela perspectiva positivista de sociedade que levava a uma postura essencialmente paternalista mas com um discurso desenvolvimentista Tratavase de harmonizar através da participação de todos os conflitos existentes acreditando que a igualdade social poderia brotar automaticamente das estruturas econômicas sociais e políticas do capitalismo monopolista Fernandes F Prefácio in Amman 198543 Um destes centros comunitários foi estudado por Patrícia Maria GC Mortara para a sua dissertação de mestrado defendida em setembro de 1989 Através de entrevistas abertas e de análise das representações sociais de moradores de um bairro da cidade de Amparo no interior do Estado de São Paulo Mortara estuda a consciência social de participantes de atividades do centro comunitário que congrega grande parte dos moradores do bairro O centro comunitário foi criado em 1969 por fazendeiros e lideranças locais que o sustentam até hoje visando atuar na saúde preventiva e curativa e na educação formal e informal tendo por finalidade 28 promover o homem integrandoo no meio em que vive Mortara 198972 Atualmente o centro desenvolve atividades tais como grupos de mães e jovens atividades educativas desde préescola até a integração escola comunidade serviços ambulatoriais médicos e dentários atendimento psicológico cursos profissionalizantes e recreações sociais Cabe observar que aqui o psicólogo e o profissional clínico que atende pacientes encaminhados sem qualquer participação mais ativa nas relações comunitárias apenas faz parte de uma equipe que presta serviços à população Ao analisar as representações de moradores participantes de atividades do centro Mortara mostra com clareza que os homens antes colonos ora assalariados mantêm uma relação afiliativa com os patrões que são bons e não pagam melhores salários porque não podem a culpa é do governo As mulheres cuidam dos afazeres domésticos e dos filhos quando casadas ou trabalham em atividades femininas procurando sempre que possível ajudar os outros A união entre os moradores do bairro é exaltada em contraposição a outros locais Mortera 1989162163 Em suma este estudo mostra com clareza a existência de trabalhos comunitários que por sua origem paternalista e objetivos assistenciais levam à manutenção de consciências fragmentadas pelo idealismo e individualismo e de fato impedindo qualquer avanço tanto na ação como na consciência Não podemos deixar de mencionar que alguns anos antes fins da década de 40 e início de 50 em Minas Gerais uma psicóloga Helena Antipoff defendia o princípio da educação democrática e de que a inteligência era algo construído socialmente Na Fazenda do Rosário ela criou um centro educacional onde qualquer criança deficiente abandonada pobre ou rica branca ou preta 29 tinha seu lugar garantido Criou também a Associação Comunitária do Rosário na qual psicóloga educadores e a comunidade trabalham em conjunto pela melhoria das condições de vida da população e por sua autonomia Toda esta história tão brasileira nos seus contrastes foi pesquisada por Regina Helena de F Campos em sua tese de doutorado e contínua a ser pesquisada por seus alunos Campos 1990 Os resultados destes trabalhos podem ser vistos no museu dedicado a Helena Antipoff na Secretaria da Educação de Minas Gerais Se o estudo de Mortara caracteriza a maioria dos centros comunitários na zona rural existem exceções onde se procura desenvolver uma psicologia social comunitária visando a organização da população para ações com autonomia que levem à solução de problemas concretos oriundos da contradição fundamental entre capital e trabalho É o caso de trabalhos desenvolvidos no Estado do Ceará a partir do serviço de extensão da Universidade Federal deste Estado sob a coordenação do professor e psicólogo Cezar Wagner de Lima Góis São trabalhos publicados2 que conhecemos em recente visita ao Ceará por ocasião da 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência Portanto estaremos apresentando o relato oral do professor Wagner Góis e a visita que fizemos em sua companhia a uma aldeia de pescadores onde um grupo de psicólogos e educadores atuam Um dos trabalhos relatados ocorria junto a uma comunidade agrícolaextrativa no agreste que se achava em sua fase final ou seja a retirada da equipe universitária do local dado o desenvolvimento e 2 Em janeiro de 1990 a Revista Psicologia e Sociedade da ABRAPSOpubtou o primeiro trabalho relatado Pedra Branca uma contribuição comunitária Ano V novembro de 89 a março de 90 p 95118 30 autonomia organizativa da população Era um trabalho de alguns anos de troca de saberes de participação em grupos e de assessoria requerida que atingia o seu objetivo a consciência da cidadania a visão clara dos problemas vividos e dos canais para possíveis soluções Nesta fase final a ida da equipe ao município era esporádica havendo mais uma intenção de reforço do que de assessoria para garantir um sentimento de segurança e ao mesmo tempo algo como se precisarem de nós estamos aqui A outra comunidade na qual assistimos a uma reunião aberta era uma aldeia de pescadores que estavam sendo expulsos por industriais explorando o pescado em larga escala impedindo direta e indiretamente a sobrevivência alimentar e econômica dos pescadores e suas famílias A reunião visava discutir os direitos violados e como agir para defendêlos As sugestões variaram desde a resistência armada até o apelo às instituições governamentais e as estratégias propostas consideravam os mais diferentes ângulos até chegarem à decisão de recorrer às instituições legais porém com a mobilização dos meios de comunicação de massa e sem deixar a vila desprotegida A reunião terminou com a designação de quem faria o quê Pudemos notar que a equipe da universidade apesar de bastante entrosada e querida pelos moradores do local apenas assistia à discussão coordenada por um deles e só participava quando solicitada para algum esclarecimento Notamos a confiança no poder de decisão do grupo sinal de uma autonomia em construção 31 Em busca de uma sistematização teórico prática Certamente não demos conta com estes relatos de todas as experiências em psicologia social comunitária que vêm ocorrendo no Brasil porém acreditamos que eles sejam significativos em termos de representatividade das grandes questões teóricas e práticas que a caracterizam hoje em nosso país A partir desta revisão nos compete ainda uma sistematização teóricoprática dentro dos pressupostos que vêm orientando nossos trabalhos nestes últimos anos As diversas experiências comunitárias vêm apontando para a importância do grupo como condição por um lado para o conhecimento da realidade comum para a autoreflexão e por outro para a ação conjunta e organizada Em outros termos estamos falando da consciência e da atividade categorias fundamentais do psiquismo humano que sistematizam muito do que se sabe sobre comportamento aprendizagem e cognição Quando se procura resgatar a subjetividade esta implica necessariamente em identidade categoria que leva ao conhecimento da singularidade do indivíduo que se exprime em termos afetivos motivacionais através das relações com os outros ou seja na vida grupal A análise das três categorias fundamentais atividade consciência e identidade só se faz pelo registro de mediações com a linguagem e o pensamento ferramenta essencial para as relações com os outros e que irá constituir os conteúdos da consciência E são também estas relações sociais que se desenvolvem através de atividades que por sua vez sofrem a mediação das emoções individuais possivelmente constituindo conteúdos inconscientes 32 presentes tanto na consciência como na atividade e na identidade Sintetizando o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações com relações grupais vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade e com as emoções e afetos próprios da subjetividade para exercer sua ação a nível da consciência da atividade e da identidade dos indivíduos que irão algum dia viver em verdadeira comunidade E é Góis 1990117 quem melhor define esta prática Fazer psicologia comunitária e estudar as condições internas e externas ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade ao mesmo tempo que no ato de compreender trabalhar com esse homem a partir dessas condições na construção de sua personalidade de sua individualidade crítica da consciência de si identidade e de uma nova realidade social Acreditamos que estes aspectos teóricos estão concretizados na pesquisa de Bader B Sawaia onde através de sua participação junto a mulheres de uma favela analisa o movimento de consciência imbricada nas atividades desenvolvidas por elas ao longo de quatro anos Sawaia demonstra a importância metodológica da pesquisa participante como recurso científico distinto da militância porém sem negar os compromissos social e político necessariamente envolvidos neste processo Sawaia 1987 Quando decidimos delinear nova visão histórica da psicologia comunitária no Brasil pudemos observar que os grupos seja como recurso da pesquisa participante seja como referência teórica são os espaços privilegiados para uma análise teóricoprática dos avanços das consciências individuais envolvidas no processo 33 É no contexto grupal que nos identificamos com o outro e e nele também que nos diferenciamos deste e assim construímos a nossa identidade sendo o grupo condição para a sua manutenção ou metamorfose Porém é também nas relações grupais que sentimos a ação do poder o qual tanto pode negar a nossa identidade como redefinila Há o poder do bom falante aquele que entende de tudo e assim impõe o seu pensamento aos demais como uma verdade absoluta Neste jogo o participante expressionista se sente perdido pois ele o outro e estudado ele sabe falar bem e precisamos de um líder E a conclusão acaba sendo deixa ele decidir Desta forma cristalizamos a nossa identidade nos submetendo a um poder autoritário e espúrio esquecendo que em um grupo por princípio somos todos iguais em direitos e deveres BIBLIOGRAFIA ABRAPSO Anais do I Encontro de Psicologia na Comunicação São Paulo 1981 AMMANN Safira Bezerra Ideologia de desenvolvimento de comunidade no Brasil São Paulo Cortez Editora 1985 ANDERY AA Psicologia na comunidade no Brasil In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 ARANTES AMC Vila Acaba Mundo In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano III nº 4 1988 BOMFIM E Vila Acaba Mundo Bairro Sion In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano in ng 4 1988 BRÜHL D e MALHEIRO DPA Psicologia na comunidade e os problemas psicossociais de grupos populacionais pobres do Nordeste do Brasil In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 34 CAMPOS RH de F Psicologia na comunitária no Brasil Um pouco de história In Anais do III Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico ANPEPP PUCSP agosto 1990 p 28 CANIATO Angela Implicações do enfoque social na prática do psicólogo em saúde mental In Anais do III Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO março ano III nº 9 4 1988 FIGUEIREDO H Proposta de atuação do Projeto de Saúde Mental Comunitária do jardim Santo Antônio In Anais do I Encontro Regional na comunidade São Paulo 1981MORTARA PMGC A consciência social de uma população rural um estudo de caso no Bairro Pantaleão dissertação de mestrado Amparo PUCSP São Paulo 1989 PONTUAL P de C e Moldes P Experiência de bairro operário In Anais do l Encontro Regional de Psicologia da comunidade São Paulo 1981 SAWAIA Bader B A consciência em construção no processo de construção da existência tese de doutorado PUCSP 1987 VASSIMON MA Psicodrama pedagógico com mulheres na periferia In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo 1981 35 COMUNIDADE A APROPRIAÇÃO CIENTÍFICA DE UM CONCEITO TÃO ANTIGO QUANTO A HUMANIDADE Bader Burihan Sawaía Comunidade é um conceito ausente na história das idéias psicológicas Aparece como referencial analítico apenas nos anos 70 quando um ramo da psicologia social se autoqualificou de comunitária Assim fazendo definiu intencionalidades e destinatários para apresentar se como ciência comprometida com a realidade estudada especialmente com os excluídos da cidadania A descoberta da comunidade não foi um processo específico da psicologia social Fez parte de um movimento mais amplo de avaliação crítica do papel social das ciências e por conseguinte do paradigma da neutralidade científica desencadeado nos anos 60 e culminado nas décadas de 70 e 80 quando o conceito de comunidade invadiu literalmente o discurso das ciências humanas e sociais especialmente as práticas na área da saúde mental Não há dúvidas de que a introdução deste conceito no corpo teórico da psicologia social constituiu um aspecto epistemológico importante na medida que representou a opção por uma teoria crítica que interpreta o mundo com a intenção de transformálo Heller 1984289 Entretanto comunidade tornouse conceito capaz de abarcar qualquer perspectiva de prática profissional contanto que realizada fora de consultórios e 36 instituições permitindo seu uso demagógico no discurso político neoliberal para designar o compromisso com o povo e a união do povo3 ou ainda no discurso dos que se arvoram de inventores da sociedade ou defensores da pureza étnica e cultural Hoje comunidade aparece como a utopia do final do século para enfrentar o processo de globalização considerado o grande vilão da vida em comum e solidária mas uma utopia reacionária saudosista que em vez de orientar ações voltadas ao futuro remete ao passado como uma espécie de lamento Aliás se prestarmos atenção notaremos que toda utopia propõe modelos de comunidade como arquétipo de situação ideal que teria ocorrido nos primórdios da humanidade e que o homem perdeu Um lugar cujos habitantes inclinamse ao bem naturalmente portanto onde se atinge a perfeição e não há o que mudar Inclusive na era das descobertas o novo mundo foi padrão do imaginário utópico como o lugar não contaminado pela civilização sendo as comunidades indígenas o seu ícone Essa ideia desencadeou iniciativas de construção de comunidades de caráter utópico socialista tanto no Brasil como nos EUA Devido à diversidade de significado e ao uso demagógico da palavra comunidade cujo trailer foi acima apresentado e preciso refletir sobre esse conceito nas suas múltiplas significações e esclarecer o enfoque adotado sob pena de cometer falhas e interpretações falsas especialmente hoje quando a maioria dos profissionais da saúde e das ciências humanas dizem estar trabalhando nas e com as comunidades 3 Um chefe de narcotráfico do Rio de Janeiro em entrevista recente referiuse aos moradores de uma favela desta cidade como a minha comunidade 37 1 A comunidade na história do pensamento social A O debaté entre comunidade e individualismo ou a utopia que remete ao passado Comunidade tem presença intermitente na história das ideias Ela aparece e desaparece das reflexões sobre o homem e sociedade em consonância às especificidades do contexto histórico e esse movimento explicita a dimensão política do conceito objetivado no confronto entre valores coletivistas e valores individualistas A cada avanço do individualismo vêse o florescer de utopias comunitárias e viceversa como aponta Nisbet 1973 ao afirmar que o movimento de hostilidade intelectual à comunidade e seu substrato ético ocorrido no Iluminismo foi decorrência de sua associação ao sistema feudal Os filósofos da Ilustração estavam empenhados na destruição dos grupos e associações surgidas na Idade Média para combater os resquícios de dominação e exploração do homem resultante de interdependências básicas do feudalismo Contra a ideia de sociedade fundada na comunidade defendiam a ideia de sociedade fundada no contrato entre homens livres não homens membros de corporações ou camponeses que se vinculam racionalmente em modos específicos e limitados de associações Esse movimento anticomunitário assentado no desejo de destruir a ordem feudal injusta foi reforçado pelas duas revoluções francesa e industrial e encontrou apoio também entre os que recusavam a ideia de contrato e defendiam a doutrina do egoísmo racional e conseqüentemente do racionalismo econômico Para todos esses comunidade era o inimigo do progresso que se vislumbrava no final do século XVIII representando a persistência das tradições a serem vencidas pois impedia 38 o desenvolvimento econômico e a reforma administrativa Enfim todas as forças sociais críticas uniramse na tarefa gigantesca de eliminar os destroços comunais legados pela Idade Média que penetrou no século XIX No entanto esse mesmo período assistiu a emergência de uma reação intelectual iniciada pelo pensamento conservador de recuperação da comunidade como modelo de boa sociedade ameaçado pelo individualismo e pelo racionalismo valores propagados pelo Iluminismo Dessa forma comunidade tornouse o centro do debatéda modernidade nascente De um lado condenada como conservadora e antagônica ao progresso De outro defendida pelos que tinham horror à modernização como símbolo de tudo de bom e que o progresso destruiu Mas em ambas as perspectivas comunidade aparece como utopia que remete ao passado com significado reacionário cujo protótipo e a família encontrando sua expressão simbólica na religião nação raça profissão e nas cruzadas Sua delimitação pode ser local ou global pois o que importa é a comunhão de objetivos a condição de continuação no tempo o engajamento moral a coesão e a coerção social Com o tempo esses valores extrapolaram o âmbito do pensamento conservador e cada um a seu modo foram sendo apresentados no pensamento político e filosófico e atémesmo religioso do século XIX em oposição aos valores das cidades modernas Segundo Nisbet 1973 a nostalgia da comunidade comunitária e o sentimento inerente ao pensamento social do século XIX Na religião apareceu no bojo do movimento contra a pastoral individualista e a teologia racionalista do século XVIII idéias de Lutero e Calvino acusadas de afastarem o homem do caráter comunitário e cooperativo tradicionais Essa corrente de pensamento atingiu os 39 teólogos dos países ocidentais provocando um verdadeiro renascimento dos temas litúrgicos e canônicos o qual subsidiou posteriormente o reavivamento das comunidades eclesiais de base como no Brasil nos anos 70 Na filosofia a ideia de comunidade apareceu sob os mais variados aspectos mas sempre como fundamento do ataque ao racionalismo utilitário ao individualismo ao industrialismo do laissezfaire e ao igualitarismo da Revolução Francesa Na obra de Hegel Filosofia do direito um dos pensadores mais proeminentes do século XIX cuja filosofia dialética serviu de base ao marxismo o Estado e uma Communitas communitatum e não a agregação de indivíduos pelo contrato como propunha o Iluminismo Sua visão de sociedade é concêntrica formada por círculos interligados de associações como família comunidade local classe social e Igreja cada qual autônoma nos limites de sua abrangência funcional cada uma delas considerada fonte de afirmação do indivíduo e todos eles em conjunto reconhecidos como elemento formativo do verdadeiro Estado Nisbet 197355 Mas foi na sociologia ciência emergente no início do século XIX que comunidade elevouse à categoria analítica central do pensamento social e se estabeleceu a antítese de comunidade e sociedade como expressão do contraste entre valores comunitários e não comunitários respectivamente B O debate entre comunidade e sociedade Gemeinschaft und Gesellschaft Esse debate foi expressado na sociologia alemã por Tõnnies 1944 atravésdos termos Cemeinschafte Gesellschaft no final do século XIX que criou uma 40 estrutura tipológica da ideia de comunidade onde sistematizou a noção de comunidade esboçada no início do referido século tanto pelos conservadores como pelos revolucionários recolocandoa como critério de oposição entre modernização e tradição apesar de afirmar que comunidade faz parte da sociedade Gemeinschaft está baseado em três eixos o sangue o lugar e o espírito ou o parentesco a vizinhança e a amizade respectivamente sendo o sangue o seu elemento constitutivo e o trabalho e a crença comuns a sua base de construção Todos os sentimentos nobres como o amor a lealdade a honra a amizade são emoções de Cemeinschaft sendo que na Gesellschaft não há nada de positivo do ponto de vista moral Nela os homens não estão vinculados mas divididos Ela aparece na atividade aquisitiva e na ciência racional e sua base é o mercado a troca e o dinheiro Em resumo para Tõnnies comunidade não é uma variável ou um espaço mas uma realidade e a causa para outros fenômenos Nisbet 1973 Tal ideia permeia as reflexões sociológicas desde seus fundadores até hoje associada a diferentes fenômenos e objetivada em diferentes oposições Weber considerado o sociólogo da ação social em suas reflexões sobre as relações sociais solidárias 1917 distinguiu dois tipos que segundo ele recordam a classificação feita por Tõnnies a comunitária e a associativa tendo como critério de distinção o processo de racionalização Ambas podem ser fechadas ou abertas em direção ao exterior e se combinarem de diferentes formas nas relações entre os homens Comunalização referese à relação baseada no sentimento subjetivo do pertencer estar implicado na existência do outro como a família e grupos unidos pela camaradagem vizinhança e fraternidade religiosa A relação pode ser afetiva piedade amizade ou erótica e amorosa enfim baseada 41 em qualquer espécie de fundamentos emocional ou tradicional Sociação é uma relação cuja atividade se funda sobre um compromisso de interesse motivado racionalmente em valor ou finalidade é resultante de vontade ou opção racionais mais que na identificação afetiva Um outro sociólogo que trouxe importante contribuição ao conceito de comunidade foi Simmel considerado o Freud da sociedade por seus estudos das relações inconscientes da organização social Ele também denunciou a objetivação crescente da cultura moderna e a conseqüente impessoalidade das relações a ponto de anular a totalidade da subjetividade humana Esse contexto favorece o surgimento de um tipo de comunidade que ele denominou sociedade secreta criada para separar o indivíduo alienado da sociedade impessoal e darlhe sentimento de pertencimento portanto lugar de identidade de valores associados à comunidade alertando porém que essa sociedade secreta pode tornarse um fator de dissociação mais do que de socialização e aos olhos do governo e da sociedade um inimigo Wolff 1950 e Simmel 1894 C Comunidade como fenômeno empírico No início do século XX presenciase na sociologia uma explosão de estudos sobre comunidades configurandoa de um lado como espaço empírico de pesquisa em contraposição às situações laboratoriais dos experimentos e de outro de estudos microssociais em contraposição às análises estruturais Comunidade tornouse referencial de análise que permite olhar a sociedade do ponto de vista do vivido sem cair no psicologismo reducionista e pesquisar segundo procedimentos atéentão próprios da antropologia nos seus estudos sobre comunidades 42 indígenas como a observação participante ou empírica e estudos de caso4 D Comunidade como utopia que remete ao futuro Marx difere de forma significativa das implicações valorativas tradicionais que sustentam o contraste entre comunidade e sociedade Sua concepção dialética materialista da sociedade situa historicamente o debate comunidade e sociedade no capitalismo isto é no centro da luta de classes A sociedade na teoria marxista não é harmoniosa mas conflitiva sendo que o harmonioso e o conflito não são determinados pela presença ou ausência de valores comunitários mas por problemas nas relações de produção O individualismo inimigo das relações comunitárias e fruto do fetiche da mercadoria do trabalho alienado e produtor de mais valia No entanto Marx também se rendeu ao comunitarismo enquanto ética da vida social digna e justa Mas sua ideia de comunidade não se refere à volta ao passado perdido ou à recuperação dos valores comunitários em nível local ou nacional para superar as agruras do individualismo Ele se afasta de modelos baseados no tradicionalismo e no localismo pois acredita na vasta associação de nações na comunidade transnacional e encontra na classe trabalhadora a estrutura para a redenção ética da humanidade como demonstra o apelo que fez no Manifesto do partido comunista 198345 Proletariado de todos os países univos II Comunidade no corpo teórico da psicologia 4 Ver resumo desses estudos em Horkheimer e Adorno 1973151 171 43 Não se encontram referências explícitas sobre comunidade nas obras de psicologia social atéos anos 70 quando foi introduzida no corpo teóricometodológico da psicologia comunitária conforme dito anteriormente Mesmo nas reflexões sobre o que mantém o homem em sociedade e sobre a formação da consciência temas centrais do debate entre os pioneiros da psicologia a comunidade só aparece muito raramente para referirse às instâncias intermediárias entre o homem e a sociedade ou como sinônimo de sociedade e com diferentes conotações valorativas Como exemplo podese citar os estudos sobre psicologia dos povos realizados por Wundt em 1904 onde comunidade aparece como sinônimo de interação coletiva Segundo ele a psicologia popular consiste nos produtos mentais criados por uma comunidade humana que não se reduzem à consciência individual pois pressupôem ações recíprocas de muitos indivíduos Esse produto da interação coletiva mantém unidos os membros de uma nação Wundt 1926 e Baró 1983 Freud também aponta o caráter homogeneizador da comunidade ressaltando porém a sua dimensão negativa e injusta de considerar todos os homens iguais em desejos e necessidades Segundo ele a natureza humana dificilmente se dobra a qualquer espécie de comunidade social e viver em comunidade e trocar uma parte de felicidade pessoal por uma parte de segurança atravésde mecanismos que facilitam essa má troca Freud 1976 Nem mesmo na psicologia social ramo de psicologia criada no início do século XX com o intuito de analisar a relação homemsociedade o conceito de 44 comunidade aparece como central Em lugar dele grupo5 e interação social tornaramse dominantes nos estudos sobre os fenômenos coletivos especialmente na psicologia social norteamericana voltada aos problemas sociais provocados pela imigração e pela II Guerra Mundial com o objetivo de promover a integração de grupos e indivíduos à sociedade americana É nesse corpo teórico da psicologia que o conceito de comunidade foi introduzido como categoria analítica acompanhando um movimento mais geral da época Na década de 50 comunidade penetrou com muita força nas ciências sociais após ter sido recuperada na cena política no bojo de idéias liberaispopulistas e corporativistas inscrevendose nas estratégias de modernização do pós guerra criadas para enfrentar a Guerra Fria Wanderley 1990 Portanto comunidade entrou na psicologia no seio de um corpo teórico orientado pelo condutivismo e pelo método experimental com o objetivo de integrar indivíduos e grupos a partir da transformação de atitudes inspirado nos estudos psicossociais sobre grupo6 A diferença entre comunidade e grupo era dada pelo simbolismo do primeiro como denotativo de legitimidade da práxis psicossocial com associações tão variadas como estado sindicato e movimentos revolucionários 5 A palavra grupo é uma expressão ocasional um lugar vazio que segundo o contexto de cada ocasião se enche de diferentes significados Serve para definir qualquer tipo de relação recíproca entre multiplicidade de indivíduos qualquer vínculo entre seres humanos Adorno e Horkheimer 197361 Quando minha identificação e o grupo se encontram reciprocamente em uma correlação organizacional essencial e estável não temos mais grupos mas comunidade Heller1987 6 Em 1945 Skinner publicou uma obra de ficção na qual apresentou como viveria na prática uma comunidade planejada segundo a tecnologia do comportamento orientada pelos pressupostos condutivistas Walden Tvvo uma sociedade do futuro 45 Inicialmente comunidade foi introduzida na área clínica visando humanizar o atendimento ao doente mental e se espalhou atravésdas políticas desenvolvimentistas propagadas por organismos internacionais como OEA CEPAL BID ONU e Aliança para o Progresso especialmente nos países da America Latina A intenção era educativa e preventiva Trabalhavase em comunidades com o objetivo de desenvolver potencialidades individuais grupais e coletivas para integrar a população aos programas oficiais de modernização e para prevenir doenças Suas primeiras experiências práticas estiveram associadas portanto à educação popular à medicina psiquiátrica comunitária e sempre sob a proteção e orientação do Estado Sua tese sociológica central era a crença na modernização cultural e econômica como via de progresso atravésde reformas de base na agricultura indústria e nos valores e atitudes da população Comunidade era entendida como unidade consensual sujeito único e homogêneo lugar de gerenciamento de conflito e de mudanças de atitude Sua prática visava a união de esforços entre povo e autoridade governamental para melhorar as condições de vida de comunidades e através delas integrar a sociedade nacional construindo a prosperidade do país E sua delimitação era espacialgeográfica Os psicólogos que trabalhavam em comunidades passaram a se inspirar nas teorias psicológicas que mais contemplavam o social na análise da subjetividade tanto de tradição psicanalítica quanto institucional e sociométrica Os autores que mais se destacaram foram Kurt Lewin Goffman Reich Moffart e Bleger e um pouco mais tarde Moscovici e pensadores da fenomenologia Nesse período o corpo teórico da psicologia comunitária apresentou avanços positivos na medida em que começou a superar a cisão entre subjetividade e 46 objetividade mas não alterou sua intencionalidade prática que continuava voltada à integração social mais que à exclusão A tomada de consciência da necessidade de rever criticamente a intencionalidade e o destinatário da teoria se consolidou apenas no final da década de 70 com o domínio da matriz marxista quando a psicologia comunitária se apresentou como área de conhecimento científico não elitista a serviço do povo para superar a exploração e a dominação O psicólogo que na fase anterior se confundia com o educador social com o assistente social e com o clínico fora do consultório agora se tornou militante com o objetivo de promover a passagem da consciência de classe em si à consciência de classe para si favorecendo a tomada de consciência expressão fundamental da psicologia comunitária da exploração e da alienação e a organização da população em movimentos de resistência e de reivindicação Nesse contexto comunidade passou a ser entendida como lugar que reúne pares da classe trabalhadora considerada o agente social capaz de realizar a intencionalidade prática da teoria crítica isto é a negação da exclusão no capitalismo mantida pela exploração da maisvalia e pela alienação do homem do produto de seu trabalho Apesar das diferenças essenciais as duas vertentes se aproximaram na medida que incorporaram as características apresentadas nas reflexões clássicas tanto filosóficas quanto sociológicas sobre comunidade quais sejam ação conjunta rede de sociabilidade baseada na cooperação e solidariedade homogeneização de interesses em torno de necessidades coletivas lugar de sentimentos nobres não individualistas como lealdade amizade e honra e espaço geográfico empírico de ação e pesquisa Por outro lado ambas as 47 concepções afastaramse dos estudos clássicos ao concordarem que a comunidade é célula de sociedade capaz de irradiar mudanças e não erradicar mudanças Mudança social é o ponto que marca a profunda diferença entre essas duas vertentes da psicologia comunitária do ponto de vista epistemológico político e ideológico Na psicologia comunitária norteamericana a concepção de mudança está acoplada à modernização dos setores atrasados e pobres visando sua adaptação ao capitalismo avançado e na psicologia comunitária latinoamericana a mudança é concebida como transformação de uma sociedade exploradora e portanto como revolução socialista ou cidadã Essa última vertente promoveu grandes transformações no corpo teóricometodológico da psicologia social e colaborou com o avanço organizacionalpolítico da população mas não conseguiu libertála de mistificações do conceito e de sua redução ao um A homogeneização e imobilismo continuaram presentes nas reflexões sobre comunidade reapresentandoa como o lugar onde não existe o mal a injustiça como o paraíso na terra e portanto estagnado Hoje a reflexão sobre comunidade em psicologia encontrase em situação privilegiada A grande produção de pesquisas relatórios de práticas e reflexões teóricas gestadas nos anos 70 e 80 permite uma avaliação responsável à luz das questões éticas postas pela modernidade contemporânea e atéentão preteridas pelo atrelamento dos estudos de comunidade ao confronto exclusivo entre modernização versus revolução e integração versus conflito A sociedade assolada pelo processo de globalização de um lado presencia a queda de todas as fronteiras tradicionais que separavam homens e nações cujo exemplo mais fantástico e a rede internet de informática que acena com a comunidade virtual Por 48 outro assiste atônita à emergência de novasvelhas formas de diferenciação e segregação o que coloca a alteridade e identidade como figuras proeminentes da vida social digna obrigando os estudos de comunidade a retornarem a sua gênese para recuperar seu substrato éticosimbólico como categoria de integração mas também de autonomia que é definida por Heller de forma admirável comunidade e sistema de relação que remete ao mais alto grau de desenvolvimento de generecidade Heller 1987 Segundo ela o predicado comunitário contém valores específicos que permitem o amadurecimento e desenvolvimento das potencialidades humanas nos espaços particulares do cotidiano portanto não antagônico à individualidade Nessa concepção a comunidade rompe com a dicotomia clássica entre coletividade e individualidade ser humano genérico e ser humano particular apresentando se como espaço privilegiado da passagem da universalidade ética humana à singularidade do gozo individual Um movimento de recriação permanente da existência coletiva fluir de experiências sociais vividas como realidade do eu e partilhadas intersubjetivamente capaz de subsidiar formas coletivas de luta pela libertação de cada um e pela igualdade de todos Portanto se comunidade contem individualidade não pode ser trabalhada como unidade consensual sujeito único Só a ação conjunta não a caracteriza ao contrário a homogeneização pode negála pois ela deve oferecer um espaço total de atitudes particulares Isso não significa abrir mão de idéias comuns mas do consenso fechado e conseguido às custas da ditadura das necessidades Heller1992 incentivando o exercício da comunicação livre onde todos participam com igual poder e competência argumentativa no processo de ressignificação da vida social 49 Todos os membros de relação devem ter legitimidade para se fazer ouvir e a capacidade argumentativa para participar da construção do consenso democrático7 para que uns não se alienem no outro considerado o dono do saber lembrando que capacidade argumentativa não e mera aquisição de vocabulário e treino de retórica discursiva para convencer o outro Ela e a capacidade de defender suas próprias necessidades respeitando a dos outros isto é habilidade de atravésda linguagem lidar com a realidade do desejo próprio e do outro construindo um nós Portanto e exercício de sensação e de reflexão para que o sujeito sintase legitimado enquanto membro do processo dialógico democrático Os valores comunitários devem ser interiorizados como projeto individual para se transformar em ação Devem ser pensados e sentidos como necessidade A expressão tão cara à prática comunitária nos anos 70 conscientização deve ser ampliada para abarcar não só a tomada de consciência como também a tomada da inconsciência8 pois ninguém é motivado por interesses coletivos abstratos e não se pode exigir que o homem abandone a esfera pessoal da busca da felicidade pois bemestar coletivo e prazer individual não são dicotômicos e o consenso democrático não é conquistado necessariamente à custa do sacrifício pessoal Marcuse nos anos 60 já destacava a dimensão estéticoerótica indispensável à existência humana criticando a paz do cemitério que caracterizava todo projeto utópico comunitário sob pena de se defender um 7 Reflexões inspiradas nas idéias de Habermas 1985 e 1987 e Carone 1994 8 Expressão usada por Rolnik 1994 50 modo de vida esmagador apesar de tranqüilo materialmente 1975 Aqui cabe um alerta sobre o perigo de se priorizar esta dimensão em detrimento da política econômica em um país onde a maioria da população é excluída dos direitos sociais Claro que surgem ações voltadas à garantia das condições de sobrevivência com dignidade O que se quer afirmar e que abrir mão da dimensão éticoestética e cair na práxis reducionista que considera o povo uma massa disforme que responde em uníssono aos apelos materiais atribuindo apenas à burguesia as sutilezas psicológicas III Considerações finais A presente reflexão não pretendeu apresentar comunidade como um conceito plenamente elaborado e fechado o que significaria retirar o caráter sóciopolítico e utópico que a caracteriza transformandoa em conceito vazio e abstrato O que se quis ressaltar é que comunidade mais do que uma categoria científicoanalítica e categoria orientadora da ação e da reflexão e seu conteúdo é extremamente sensível ao contexto social em que se insere pois está associada ao debate milenar sobre exclusão social e ética do bem viver Nisbet 197448 balizou de forma admirável todas as idéias atéaqui apresentadas como fundamentais à comunidade Comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau elevado de intimidade pessoal profundeza emocional engajamento moral e continuado no tempo Ela encontra seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou naquele papel que possa desempenhar na 51 ordem social Sua força psicológica deriva duma motivação profunda e realizase na fusão das vontades individuais o que seria impossível numa união que se fundasse na mera conveniência ou em elementos de racionalidade A comunidade e a fusão do sentimento e do pensamento da tradição e da ligação intencional da participação e da volição O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da individualidade e da coletividade A relação face a face e o espaço geográfico não são fundamentais na configuração da comunidade mas são sua base cotidiana de objetivação conforme aponta Heller 1987 A generecidade humana a humanidade realizase em forma concreta de vida em célula de base Nessa perspectiva comunidade apresentase como dimensão temporalespacial da cidadania na era da globalização portanto espaços relacionais de objetivação da sociedade democrática plural e igualitária A psicologia social ao qualificarse de comunitária hoje explicita o objetivo de colaborar com a criação desses espaços relacionais que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas num mundo assolado pela ética do levar vantagem em tudo e do é dando que se recebe Esses espaços comunitários se alimentam de fontes que lançam a outras comunidades e buscam na interlocução da fronteira o sentido mais profundo da dignidade humana Enfim ela delimita seu campo de competência na luta contra a exclusão de qualquer espécie 52 BIBLIOGRAFIA BARÓ Martin Acdón e ideologia Psicologia social desde centroamericano San Salvador UCAEDIT 1983 CARONE Iray A questão dos paradigmas nas ciências humanas e o paradigma das objetivações sociais de Agnes Heller In Lane STM e Sawaia BB As novas vertentes da psicologia social São Paulo Ed BrasilienseEduc no prelo BOMFIM EM e MOTA MMN Psicologia comunitária In Revista Psicologia e comunidade n 4 ABRAPSO MG 1988 FREUD S Malestar na civilização São Paulo Abril Cultural 1978 Novas conferências introdutórias sobre psicanálise Rio de Janeiro Imago 1976 GOIS CW Noções de psicologia comunitária Fortaleza Edições UFC 1993 HABERMAS J Teoria de Ia acción comunicativa Madrid Taurus 2vol 1989 Conciência moral y acción comunicativa Barcelona Ediciones Península 1985 HELLER A Crítica de Ia llustradón Barcelona Ediciones Península 1984 Sociologia de Ia vida cotidiana Barcelona Ediciones Península 2ª ed1987 Teoria das necessidades revisitada palestra na PUCSP 120592 HORKHEIMER M e ADORNO TW orgs Temas básicos de sociologia São Paulo Cultrix 1973 LANE ST e SAWAIA BB Psicologia Ciência ou política In Montero Maritza coord Acción y discurso 53 problema de psicologia política en America Latina Eduven 1991 MARCUSE H Eros e civilização Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud Rio de Janeiro Zahar 3ª edição 1975 MARX K e ENGELS F Manifesto do partido comunista São Paulo Ed Global 3ª edição 983 NISBET RA The sodological tradition Londres Heinemann 1973 Comunidade In Foracchi MM e Martins J de Souza Sociologia e sociedade Rio de Janeiro LTC 1977 ROLNIK S Cidadania e alteridade O psicólogo o homem da ética e a reinvenção da democracia In Spink MJ org A cidadania em construção Uma reflexão transdisciplinar São Paulo Cortez Ed 1994 SAWAIA BB Cidadania diversidade e comunidade Uma reflexão psicossocial In Spink MJ org A cidadania em construção Uma reflexão interdisciplinar São Paulo Cortez Ed 1994 SIMMEL G Lê problème de Ia sociologie In Revuede Metaphysique et de Morale 1984 La rnetrópolis y Ia vida mental In Wolff KH org La Sciología de Ceorg Simmel New York The Free Press 1964 SKINNER BF Walden two New York Macmillan 1976 TÖNNIES F Communauté et societè Paris Puf 1944 WANDERLEY MB Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade São Paulo Cortez Ed 1993 WEBER M Economia e sociedad Mexico Fondo de Cultura Econômico 2 vols 1964 WUNDT W Elementos de psicologia de los pueblos Madrid Danniel Jorro 1926 54 PSICOLOGIA NA COMUNIDADE PSICOLOGIA DA COMUNIDADE E PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90 no Brasil Maria de Fátima Quintal de Freitas9 Falar hoje quase a meados da década de 90 sobre a psicologia comunitária ou de uma maneira mais simplificada sobre a prática da psicologia em comunidade é com certeza muito diferente do que se estivéssemos fazendo o mesmo em inícios dos anos 80 especialmente considerandose as peculiaridades que a nossa história recente tem presenciado Se fizéssemos neste momento um rápido levantamento sobre que ideia seria construída na cabeça das pessoas quando solicitássemos que pensassem sobre a prática da psicologia comunitária ou da psicologia na comunidade ou mesmo da psicologia da comunidade poderíamos arriscar dizer que a quase totalidade delas estaria pensando em alguma das seguintes situações algumas imaginariam o psicólogo em algum lugar mais pobre e sem infraestrutura outras veriam o psicólogo indo de encontro à população população essa que geralmente desconhece 9 A autora agradece à Dra Regina Helena de F Campos a oportunidade para a publicação deste trabalho Correspondência referente a este trabalho poderá ser enviada à Rua Natalina D Carneiro 740 Apto 101A Penha Vitória ES Brasil CEP 29060 000 55 esse trabalho assim como as suas possibilidades de ajuda outras ainda pensariam em lugares como favelas cortiços bairros de periferia lixões assentamentos mutirões associações de bairros grupos de mulheres de jovens de terceira idade menores de rua ou grupos marginalizados em geral e algumas poderiam também pensar em situações institucionalizadas cuja população freqüentadora estaria muito próxima à condição de marginalizada dos serviços direitos e obrigações da sociedade e do Estado Acreditando que a todo e qualquer processo de trabalho e de produção de conhecimento existem determinações históricas e políticas que os influenciam podese afirmar que falar da psicologia comunitária e falar também da história política recente do Brasil e da America Latina Poderíamos então indagar se todos estes exemplos caracterizariam práticas da psicologia em comunidade Para responder a isto fazse necessário recuperar o processo de surgimento desse tipo de prática e para isto é necessário atender a dois aspectos um ligado ao processo histórico pertinente a essa Prática recuperando as condições que contribuíram para o aparecimento dos chamados trabalhos em comunidade e outro ligado aos aspectos que podem explicar como a Profissão de psicólogo foi sendo constituída criada e em torno de que temáticasproblemáticas essa prática profissional foi se estruturando e preparando novos quadros de psicólogos para a realidade brasileira Isto pode contribuir para algumas reflexões a respeito das práticas que estão sendo desenvolvidas e sobre os cursos de psicologia em termos de como eles estão preparando para a prática nesse tipo de trabalho Pensar sobre o tipo de atuação da psicologia na 56 comunidade exige que se identifique as tendências que ela tem apresentado assim como as perspectivas teóricas e metodológicas que têm permeado o desenvolvimento de tais trabalhos Ao longo da exposição aqui realizada estará sendo citada uma bibliografia referente à temática do desenvolvimento de trabalhos em comunidade por psicólogos Esta bibliografia poderá ser consultada mais detalhadamente por aqueles que pretendam desenvolver estudos nesta área ou que pretendam orientar suas práticas futuras com vistas a um maior engajamento para as problemáticas cotidianas vividas pelo povo do nosso país 1 Sobre a história da inserção do profissional de psicologia no desenvolvimento de trabalhos em comunidade O nome trabalhos em comunidade é uma expressão relativamente antiga tendo surgido nas décadas de 40 e 50 Nesse período o Brasil passava por mudanças no seu modelo produtivo saindo do agropecuário e ingressando no agroindustrial o que exigia a preparação de uma nova mãodeobra mais afeita às demandas de um sistema fabril Assim neste contexto são criados e desenvolvidos vários projetos nas áreas educacional e assistencial sob a responsabilidade e a coordenação do Estado objetivando preparar os setores populares para tarefas relacionadas a esse novo modelo econômico Ammann 1980 Eram trabalhos comunitários que atendiam aos interesses das elites econômicas do país cujos profissionais em sua maioria provenientes das ciências humanas e sociais ocupavam nesses projetos funções estratégicas destinadas à prestação de serviços básicos à população Dentro deste clima do chamado desenvolvimentismo o Brasil atravessa a década de 50 assistindo em diversos locais 57 cidades e estados a realização de vários trabalhos junto aos setores mais desfavorecidos da população quase todos com fortes elementos assistencialistas e paternalistas Wanderley 1993 É neste decênio que Brasília é construída que o governo de Juscelino Kubitschek JK adota a filosofia de crescer 50 anos em cinco anos ao mesmo tempo em que o país já assiste ao crescimento da inflação do desemprego e da sua pobreza em ritmo acelerado 11 Entrando nos anos 60 Nos anos 60 o Brasil e vários países da America Latina entram em um período de graves e fortes confrontos estabelecidos entre de um lado o Estado e as forças capitalistas e de outro as necessidades básicas da população e a participação da sociedade civil nas discussões políticas e societárias Os movimentos populares urbanos tornamse mais freqüentes e no meio rural as ligas camponesas vão aglutinando um número maior de trabalhos em torno de reivindicações de necessidades básicas As greves espalhamse em vários setores da produção e dos serviços o desemprego atinge números assustadores e a inflação e o custo de vida tornamse insuportáveis para as classes trabalhadoras e para a população em geral Freire 1979 No Brasil nos primeiros anos desta década acontecem tentativas de significativas transformações especialmente na área educacional Tratavase de projetos que buscavam o desenvolvimento de uma consciência crítica na população a fim de que esta pudesse recuperar seu lugar no processo social do qual fazia parte Exemplos disto foram os trabalhos executados principalmente no nordeste do país de educação popular e de adultos fundamentados na filosofia e no método de Paulo Freire apresentando um compromisso político explícito com a 58 libertação dos setores populares e com o resgate do seu papel como agentes sociais e históricos Freire 1974 1978 1979a e 1979b Oliveira 1981 Ceccon et alii 1983 Podese também citar a experiência pedagógica De pé no chão também se aprende a ler desenvolvida quase à mesma época no estado do Rio Grande do Norte Góis 1980 Entretanto no Brasil o tempo de vida de tais trabalhos foi muito curto Freire Oliveira Oliveira e Ceccon 1980 devido ao recrudescimento dos mecanismos e das formas de controle repressivo mais ou menos explícitos empregados pelo Estado para conter as manifestações populares e impedir o fortalecimento da crença da população em si mesma enquanto agente do processo social e político Assistese a um grande movimento de participação e reivindicação populares são as ligas camponesas com as suas caminhadas atéos grandes centros urbanos solicitando condições mínimas e razoáveis para o plantio e para a colheita na terra são os diversos setores da população em geral revoltandose contra o assustador índice de vida são os operários reivindicando medidas efetivas contra o arrocho salarial Em março de 1964 instaurase o regime militar no país que contribui para um recrudescimento dessas condições assim como por instalar um regime de terror político e cultural na realidade brasileira Basbaum 1976 O Brasil é obrigado a conviver com um sistema de governo que põe fim a vários direitos civis enquanto as contradições existentes na realidade social vão criando situações concretas na vida das pessoas sobre as quais vários profissionais passam a atuar Iglesias 1993 No mundo eclodem diversas manifestações como as barricadas de Paris em maio de 1968 como as 59 incipientes manifestações contra os regimes totalitários do Leste Europeu Hobsbawm 1992 como os inúmeros e sangrentos conflitos raciais na África do Sul como a fome e a miséria levando grandes parcelas da população à doença quando não à morte na Ásia na África na America Latina enfim nos chamados países do Terceiro Mundo Ao lado dos pólos industriais e dos centros de riqueza iam crescendo imensos cinturões de pobreza e de miséria Freire 1979 Estes cinturões eram na realidade bairros vilas aglomerações de casas e casebres que iam de maneira desorganizada sendo erguidos em terrenos os mais inóspitos e inseguros possíveis contudo mais próximos dos locais onde as pessoas podiam trabalhar Às vezes encontravase e ainda se encontra um conjunto de casas de madeira erguidas sobre morros sobre grandes rochas ou sobre um terreno pantanoso ou alagado Os moradores desses lugares eram e são os trabalhadores das fábricas das indústrias dos escritórios das escolas dos hospitais dos bancos ou das grandes residências e mansões É no quadro destes acontecimentos políticos e econômicos que em 27 de agosto de 1962 dáse o reconhecimento oficial da profissão de psicólogo no Brasil e se criam as disposições legais lei Nº 4119 de 270862 para a regulamentação e criação dos cursos de psicologia Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo 1981 Os modelos teóricos e metodológicos que passaram a ser ministrados nos primeiros cursos de psicologia no país eram importados em sua grande maioria dos Estados Unidos havendo pouca participação das produções europeias Historicamente desde a sua criação como profissão no Brasil a psicologia tem passado por vários tipos de prática Tradicionalmente ela se estruturou atravésdo desenvolvimento da prática nos 60 consultórios nas organizações e nos ambientes educacionais Assim era em especial na década de 60 A partir de meados da década de 60 em alguns locais dáse a inserção do psicólogo com o objetivo de somar esforços e de colaborar para tornar a psicologia mais próxima à população em geral e mais comprometida com a vida dos setores menos privilegiados buscando com isso uma deselitização da profissão e as práticas vão ganhando uma significação política de mobilização e de transformação sociais Nesses anos começavam a ser preparadas as primeiras turmas de psicólogos que haviam ingressado nas faculdades e universidades brasileiras Ao mesmo tempo nos contextos nacional e internacional acompanhavase o surgimento de uma série de conflitossociais decorrentes da insatisfação popular frente ao descaso e desrespeito das autoridades e à repressão oriunda das ações do Estado A intensidade e recorrência desses acontecimentos começam a imprimir um novo rumo para as relações sociais forjadas macro e microestruturalmente É neste contexto que se vê o início do emprego do termo psicologia na comunidade Uma das primeiras vezes em que ele é utilizado oficialmente sendo posteriormente publicado em revista eou periódicos da área e nos trabalhos executados sob a responsabilidade de um grupo de psicólogos ligados à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP tendo também a participação de alguns estudantes de psicologia na época Mais tarde essa experiência foi publicada10 em artigos de Andery 1984 onde essa 10 Conferência proferida e publicada sob o título de Psicologia na comunidade no Brasil de Alberto Abib Andery p 1113 Anais do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade PUCSP e Regional São PauloABRAPSO O referido encontro foi realizado em setembro de 1981 nas dependências da PUCSP Em 1984 e 61 temática e denominação são abordados Foram trabalhos desenvolvidos junto às populações de baixa renda na Zona Leste de São Paulo e depois na Zona Oeste em Osasco já com a participação de professores do curso de graduação da PUCSP e de mais estudantes de psicologia àquela época inseridos em núcleos de pesquisa eou de estágio que se constituíam em exigências para a conclusão do curso Complementando estas informações é importante assinalar também que já em inícios dos anos 70 em Belo Horizonte na universidade Federal de Minas Gerais na UFMG fazia parte do currículo do curso de psicologia a disciplina psicologia comunitária Nesse período outros trabalhos11 também são desenvolvidos na Paraíba com a participação de psicólogos formados em São Paulo na PUC em Belo Horizonte por profissionais que já atuavam em comunidade12 antes mesmo da sua formação como psicólogo e que após obtêla deram continuidade até a atualidade em Porto Alegre na PUCRS e na UFRGS e comercializada a primeira edição do livro Psicologia social O homem em movimento da Editora Brasiliense São Paulo obra sob organização de Lane S T M e Codo W onde na parte 4 referente à Praxis do Psicólogo encontrase o artigo intitulado Psicologia na comunidade p 203220 de autoria de Alberto Abib Andery 11 Em 1981 nos Anais da 33ª Reunião Anual da SBPC realizada em Salvador é publicado o resumo Psicologia voltada para a comunidade experiência da Paraíba Área rural e urbana p 804 de autoria de Dirceu Malheiro e outros em que é feito o relato das práticas que os psicólogos que trabalhavam na UFPb tinham desenvolvido junto a comunidades rurais e urbanas nos anos anteriores 12 Encontramse trabalhos realizados há mais de 20 anos como os da Cabana do Pai Tomas pelo Prof William C Castilho Pereira em Belo Horizonte Minas Gerais representando uma extensa frente de trabalho para psicólogos nessa área Psicologia e Sociedade ABRAPSOPUCMC Belo Horizonte Ano IV na 7 setembro de 1989 p136142 62 em SP onde trabalhos junto a diferentes comunidades vão sendo realizados tendo a participação de psicólogos que em sua grande maioria pertenciam a quadros da carreira docente13 e em outros locais de modo relativamente disperso e pouco divulgado naquela época O psicólogo trabalhava de uma maneira voluntária não remunerada e firmemente convicto do seu papel político e social junto a esses setores da população Os referenciais teóricos e metodológicos da sociologia da antropologia da história da educação popular e do serviço social tornaramse conhecidos pelos psicólogos que passaram a empregálos com certa prioridade nos trabalhos que desenvolviam nas comunidades A preocupação fundamental era o desenvolvimento de atividades e tarefas que permitissem colocar a psicologia a serviço dessas populações e ao mesmo tempo em algumas dessas práticas havia o compromisso de colaborar para que as pessoas se organizassem e reivindicassem por suas necessidades básicas e melhorias das suas condições de vida Tentavase descaracterizar a psicologia como uma profissão elitista e que havia feito alianças com a burguesia Todas as formas de trabalho eram bem vindas desde que se guiassem por uma preocupação em oferecer algum tipo de colaboração à população seja sob a forma de serviços psicológicos seja ajudandoa a se organizar politicamente A maneira como isto era feito e segundo quais orientações teóricas e metodológicas eram aspectos naquele período pouco debatidos Era o momento político e histórico em que esses trabalhos foram se configurando como necessários em termos de irem sendo construídas novas frentes de atuação Ao mesmo tempo havia poucos psicólogos com 13 Para uma breve exposição a respeito disto ver Pimentel Regina Sileikis Fragmentos de um trabalho com a comunidade In 63 disponibilidade e envolvimento para participar dessas práticas 12 Entrando nos anos 70 O país ainda era governado por militares mas a população foi aprendendo a criar e a lutar por canais de reivindicação seja sob a forma de associações de bairros de entidades de defesa do cidadão e da anistia de movimentos contra a carestia e o alto custo de vida de grupos de educação popular e pastorais do operário do menor e da mulher Vários profissionais liberais entre eles intelectuais de diferentes áreas de conhecimento incorporaramse aos setores populares no exercício de funções e de trabalhos que pudessem levar alguma contribuição ao movimento popular que timidamente se organizava Esta participação seja diretamente envolvidos nos movimentos e formas de organização da população ou somente na função de pensadores e animadores de debates sobre temáticas importantes para a população colaborou para o surgimento de trabalhos e de publicações que analisam as formas de organização dos setores populares SchererWarren e Krische 1987 lokoi 1989 Jacobi 1989 Martins 1989 entre outros e que estudam os processos de formação de consciência e de participação política da população Barreiro 1985 Sader 1988 entre outros Neste contexto e na dinâmica em que os acontecimentos sociais foram sendo construídos podese dizer de um lado que foi o envolvimento e o compromisso do profissional de psicologia junto aos movimentos populares que deram início a essa prática com características de se voltar para problemáticas diferentes das com que tradicionalmente trabalhava ocorrendo em situações e ambientes também diversos 64 Os resultados no mínimo de tal participação foram gerar uma divulgação atravésde livros revistas com números especiais artigos e apresentação de trabalhos em eventos científicos das problemáticas sociais vividas pela população e de possíveis encaminhamentos decorrentes das análises feitas Caniato 1986 Chitarra 1987 Iene Neto 1987 Bomfim et alii 198990 Por outro lado tal envolvimento e identificação com a vida e a situação dos desfavorecidos tornaramse possíveis somente pelo fato da população estar vivendo condições concretas extremamente difíceis que produziam uma tal repercussão que tornaram esses intelectuais mais sensíveis às problemáticas presentes nesses segmentos sociais Assim o clima de repressão política e cultural em que ainda se vivia e o constante processo de pauperização da sociedade contribuíram para aglutinar profissionais que por acreditarem ser possível colaborar na construção de uma sociedade mais justa e digna se enfileiram junto aos setores desprivilegiados desenvolvendo trabalhos práticos e teóricos e também participando dos movimentos populares Os profissionais de psicologia começaram a marcar novos espaços atravésde práticas diferentes saindo dos consultórios das empresas e das escolas e indo para os bairros populares para as favelas para as associações de bairros para as comunidades eclesiais de base Os trabalhos passaram a advogar não só o caráter da deselitização da psicologia como também um claro envolvimento e participação políticas junto aos movimentos populares como faziam também os profissionais das outras ciências sociais e humanas As atividades desenvolvidas apresentavam várias características desde a promoção de reuniões e discussões em torno das necessidades vividas pela população passando por levantamentos e descrições das 65 condições de vida e das deficiências educacionais culturais e de saúde da população assim como por oferecer algum tipo de assistência psicológica gratuita atéa participação conjunta em passeatas mobilizações e abaixoassinados dirigidos às autoridades como uma forma de protesto contra as precárias condições de existência e como uma maneira de reivindicar os serviços básicos Como os trabalhos em comunidade via de regra eram voluntários os profissionais normalmente desenvolviam outras atividades remuneradas em outros setores na grande maioria ligados à academia Em contrapartida isso permitiu que a discussão sobre as condições da inserção nessa realidade fossem levadas para dentro da universidade onde se iniciaram os debates e as reflexões a respeito da prática do psicólogo e do seu compromisso social e político Vale a pena relembrar que alguns trabalhos já estavam obtendo algum reconhecimento e espaço para a sua realização em específico dentro da universidade Podemse citar os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de professores e psicólogos entre eles o pioneiro o da UFMG em Belo Horizonte que passaram a contemplar em seus currículos a disciplina psicologia comunitária Bomfim 1989 a qual visava discutir e trabalhar questões relativas à ecologia humana e às formas de organização e participação populares 13 Entrando nos anos 80 Quando o país começava a viver um clima de expectativa para com a abertura democrática em fins dos anos 70 e início dos 80 a discussão e divulgação sobre os trabalhos desenvolvidos em comunidade passaram a ter mais atenção evidenciandose uma preocupação sobre o seu caráter de clandestinidade Alem disso as 66 discussões permitiram criar espaços para repensar os aspectos nãoremunerado e voluntário como também os metodológicos referentes à prática do psicólogo em comunidade A denominação psicologia comunitária passa a ser um termo mais consagrado e adotado por vários profissionais inclusive em debates e reflexões14 Um dos primeiros momentos em que se noticia no Brasil sobre a expressão psicologia comunitária sob a forma de publicação acontece no trabalho A psicologia comunitária considerações teóricas e práticas de autoria de DAmorim 1980 Após isso a expressão aparece publicada Lane 1981 em setembro de 1981 na conferência Psicologia comunitária na America Latina proferida pela Profa Dra Sílvia T Maurer Lane durante o I Encontro Regional de Psicologia na comunidade na PUCSP No mesmo Encontro Derdick et alii 1981 apresenta o trabalho Psicologia comunitária em bairros periféricos de Osasco descrevendo a experiência desenvolvida naquela região A significação destes trabalhos chamados de Psicologia comunitária está no fato deles explicitarem uma prática da psicologia social anunciando seu compromisso político e permitindo que as críticas feitas às teorias psicologizantes e a históricas sejam evidenciadas 131 Criação da ABRAPSO Em meados dos anos 80 as questões relativas à falta de definição e de especificidade dessa prática Lane 1987 Lane e Bader 1988 Freitas 1986 1987 1988 1988a Franco 1988 Andery 1989 Bomfim 1989a e 14 O termo aparece também na publicação dos trabalhos de Freitas 1982 Armam Filho 1983 Vasconcellos 1985 Mourão 1986 Bomtim et ai 1988 Andery 1989 Bomtim 1989 Bomfim 1990 Campos 1990 Góis 1991 Mendes 1991 Cóis 1993 67 1989b começam a aparecer em alguns debates travados em reuniões científicas e em encontros promovidos pela Associação Brasileira de Psicologia Social ABRAPSO Esta associação foi criada oficialmente em julho de 1980 na UERJRJ durante a 32 Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SBPC quando no dia 11 acontecia uma mesaredonda organizada pela Associação LatinoAmericana de Psicologia Social comissão PróFortnação da ABRAPSO sob a coordenação da Profa Dra Sílvia T Maurer Lane com o tema A psicologia social como ação Transformadora tendo a participação de STM Lane da PUCSP JJC Sampaio do Instituto de Psiquiatria do Ceará e da universidade de Fortaleza G Leno Neto da UFPB e MLViolante da PUCSP No contexto da psicologia no Brasil a ABRAPSO constituiuse em um marco importante para a construção de uma psicologia social crítica histórica e comprometida com a realidade concreta da população Em cada região do país ou mesmo dependendo do grau de aglutinação e de organização em torno das temáticas desenvolvidas pela psicologia social existente em cada estado foram sendo criados núcleos e regionais da ABRAPSO que passaram a realizar os seus encontros regionais com uma certa regularidade A ABRAPSO atravésda sua Regional São Paulo em setembro de 1981 promove o I Encontro Regional de Psicologia na comunidade onde são apresentadas experiências que estavam sendo desenvolvidas como trabalhos junto a mulheres da periferia a crianças de creches em centros de educação popular entre outros Em 1985 na Universidade Estadual de Maringá no Paraná e realizado o I Encontro Nacional de Psicologia 68 Social da ABRAPSO15 reunindo inúmeros professores psicólogos e estudantes do país onde foram apresentados trabalhos que propunham reflexões a respeito dos cursos de psicologia e do ensino da psicologia social como também sobre as intervenções em postos de saúde O II Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO16 acontece em novembro de 1986 em Belo Horizonte Minas Gerais reunindo trabalhos e várias apresentações sobre política violência ecologia delegacias de mulheres sexualidade sindicatos saúde educação comunidades entre outros temas O III Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO realizase em São Paulo na PUC em maio de 1987 objetivando reunir os profissionais de áreas afins para discutir as temáticas relativas à vida da população em geral e às possibilidades de realização de trabalhos conjuntos Em setembro de 1987 na Universidade Federal do Espírito Santo UFES em Vitória e realizado o IV Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO reunindo professores pesquisadores profissionais e estudantes de vários estados do país em torno de temáticas como psicologia e comunidade 15 com a realização deste I Encontro dáse início ao primeiro número da revista publicada pela ABRAPSO Psicologia e Sociedade Para maiores informações sobre os trabalhos apresentados neste evento ver revista Psicologia e Sociedade centro de ciências humanas da PUCSP ANO I janeiro de 1986 nº 1 Para maiores informações e descrições sobre os trabalhos apresentados ver os Anais do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade setembro de 1981 PUCSP 16 Para maiores informações ver os Anais do II Encontro Nacional e I Encontro Mineiro de Psicologia Social da ABRAPSO FAPEMIGMC V 1 1986 Este evento foi realizado em promoção conjunta com o Departamento de Psicologia da UFMG e do Departamento de Psicologia da PUCMG A maioria dos trabalhos que foram apresentados neste Encontro estão publicados na revista Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG Ano IV nº 7 setembro de 1 989 69 movimentos sociais psicologia política delegacia de mulheres história da psicologia social entre outras Dois anos mais tarde em setembro de 1989 no Instituto Paraibano de Educação em João Pessoa acontece o V Encontro Nacional de Psicologia Social da ABRAPSO reunindo também inúmeros profissionais da área Iniciam se os grupos de trabalho em torno de uma dada temática de interesse tendo sido criado entre outros o Grupo de Trabalho de Psicologia Comunitária A mesma estruturação envolvendo os grupos de trabalho alem de outras atividades como mesas redondas e simpósios esteve presente nos VI e VII Encontros Nacionais de Psicologia Social promovidos pela ABRAPSO e realizados respectivamente em maio de 1991 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJRJ no Rio de Janeiro e em junho de 1993 na Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI em Itajaí Santa Catarina17 14 Entrando nos anos 90 No início dos anos 90 a nível nacional presencia se a expansão dos trabalhos dos psicólogos junto aos diversos setores e segmentos da população Entretanto cabe salientar que essa expansão acontece dentro de um quadro variado de práticas envolvendo diferentes pressupostos filosóficos e referenciais teóricos Passase a ouvir mais freqüentemente a denominação de psicologia da comunidade São práticas desenvolvidas quando o psicólogo está no posto de 17 Em agosto de 1992 na Câmara Municipal de Belo Horizonte em Minas Gerais foi realizado o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade e Trabalho Social Autogestão Participação e Cidadania Entre as mesasredondas realizadas podese encontrar a de políticas públicas e sociais Participação popular e psicologia da comunidade e trabalho social gritos nossos 70 saúde na secretaria do bemestar social em algum órgão ligado à família e aos menores ou quando o psicólogo está em algum setor vinculado às instituições penais Enfim quando ocupa um espaço profissional dentro de alguma instituição normalmente pública que tem como objetivos ampliar e democratizar o fornecimento dos serviços de diversas áreas para a população em geral Tratase dessa maneira de uma atuação que passa a ser desenvolvida como uma demanda solicitada por uma instituição É uma atividade que surge associada ao contexto do trabalho social na área de saúde havendo o surgimento de problemáticasquestões ligadas à saúde coletiva em que é esperado do psicólogo que ele tenha um papel de trabalhador social dentro dos movimentos de saúde Em decorrência isto contribui para que a psicologia passe a ser vista como fundamentalmente uma profissão da saúde Nesses trabalhos encontramse fortes influências da análise institucional do movimento instituinte e das chamadas intervenções psicossociológicas A existência destas práticas com esta orientação em específico não se restringe aos anos 90 Já em 1986 durante por exemplo o II Encontro Nacional e II Encontro Mineiro de Psicologia Social ABRAPSO realizado em Belo Horizonte encontramse alguns trabalhos que relatam experiências nessa área Em agosto de 1992 em Belo Horizonte durante o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da comunidade e Trabalho Social verificase também o predomínio de trabalhos na área da saúde ou voltados para esta temática numa proporção quatro vezes maior do que os trabalhos referentes às temáticas ligadas às escolas e creches às questões de metodologia do trabalho comunitário ou mesmo ao relato de outro tipo de experiência Entretanto cabe relembrar que as outras práticas denominadas neste capítulo de psicologia na 71 comunidade ou mesmo psicologia comunitária continuaram existindo e sendo desenvolvidas concomitantemente Na realidade estes primeiros anos da década de 90 têm presenciado uma diversidade teórica epistemológica e metodológica no desenvolvimento desses trabalhos em comunidade pelos psicólogos 15 Algumas considerações Ao longo dessas quase quatro décadas verificase que os espaços para o desenvolvimento da prática da psicologia em comunidade assim como os motivos para a realização das mesmas têm se modificado A partir da metade dos anos 80 quando o Brasil vê definitivamente a saída dos militares do governo passando a enfrentar dificuldades quanto à administração e às novas conjunções políticas que se criam em torno do poder mudanças acontecem na esfera da administração pública em relação ao fornecimento de diversos serviços profissionais O resultado das eleições diretas a nível municipal e estadual a partir da década de 80 revelou o peso que a organização e a mobilização populares tiveram após anos de silêncio e de proibições políticas visto que os cargos para a prefeitura e para o governo de Estado em várias regiões do país foram sendo ocupados por candidatos mais progressistas e afinados com as reivindicações populares Ampliaramse as possibilidades de inserção dos profissionais das ciências sociais e humanas em funções e cargos destinados especificamente à prestação de serviços à população E ampliaramse também o espaço de trabalho e a possibilidade de reconhecimento da profissão de psicólogo junto aos setores populares É neste período que em São Paulo por exemplo junto ao governo do estado após inúmeras incursões e 72 debates do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo associado ao Conselho Regional de Psicologia CRP 06SP criase a Possibilidade concreta para que o profissional de psicologia Passe a trabalhar em postosunidades de saúde tendo uma atuação institucionalmente reconhecida Realizamse concursos públicos iniciandose em São Paulo para as novas vagas de psicologia Vários profissionais começam a trabalhar em postosunidades de saúde situados em locais distantes e precários de bairros de periferia podendo oferecer um serviço à população em geral porém agora de uma maneira remunerada e não mais clandestina Outros estados no Brasil gradativamente nos anos que se seguem vão acompanhando esta iniciativa de tal modo que o cargo para a função de Psicólogo foi sendo criado 2 Psicologia na comunidade psicologia da comunidade e psicologia social comunitária Algumas diferenças Tendo sido apresentadas informações a respeito da trajetória e das condições que contribuíram de alguma maneira para o aparecimento dessas práticas considera se que há diferenças entre elas que ultrapassam a mera distinção nominativa Assim poderseia dizer que a psicologia na comunidade de fato surgiu e recebeu essa identificação de na comunidade em uma época em que isso era fundamental eram momentos em que a psicologia vivia fortemente uma crise em relação aos modelos importados e alheios à realidade brasileira e dessa forma assumia a proposta de se deselitizar e de se tornar mais ligada às condições de vida da população Para isso ela necessitava deixar de ser realizada nos consultórios e nas escolas por exemplo e passar a 73 ser desenvolvida na comunidade Foram iniciativas importantes e com uma significação histórica grande para aquilo que se vivia nas décadas de 60 e 70 Durante o passar desses anos o emprego das expressões foram se misturando e se confundindo especialmente entre os termos na e da como que numa sinonímia Somente nestes últimos anos aproximadamente de 1985 para cá adquirindo uma maior força no início dos anos 90 é que a expressão psicologia da comunidade tornouse de uso freqüente Passou a se referir às práticas ligadas às questões da saúde ao movimento de saúde e que envolviam atividades que se realizam atravésda mediação de algum órgão prestador de serviços que se constituía na instituição na qual o psicólogo trabalhava Assim os trabalhos realizados com diversas temáticas situações embasamentos teóricos e orientações metodológicas defendiam que fosse desenvolvida uma psicologia menos acadêmica menos intelectualizada mais identificada com a população permitindo que ela tivesse acesso aos serviços de saúde que o profissional de psicologia poderia e deveria prestar visto que isto é um direito de qualquer cidadão Grande parte dos trabalhos são desenvolvidos dentro de uma perspectiva do chamado trabalho institucional do movimento institucionalista e das intervenções psicossociológicas adotando instrumentais oriundos das vertentes clínicas e educacionais No mesmo sentido porém apresentando diferenças significativas uma vez que compreende o homem como sendo sóciohistoricamente construído e ao mesmo tempo construindo as concepções a respeito de si mesmo dos outros homens e do contexto social encontrase a psicologia comunitária ou que na América Latina tem sido chamado de psicologia social comunitária exatamente para estabelecer esta 74 diferenciação com a prática assistencialista ligada aos serviços de saúde presente nos modelos importados especialmente dos Estados Unidos A psicologia social comunitária utilizase do enquadre teórico da psicologia social privilegiando o trabalho com os grupos colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos 3 Necessidades colocadas à prática da psicologia em comunidade Considerações finais Atualmente procedendose a uma análise cuidadosa sobre as práticas da psicologia em comunidade verificase a coexistência de vários trabalhos apresentando várias características muitas vezes atéincongruentes entre si Alguns elementos mereceriam ser destacados quando se propõe discutir sobre a prática do psicólogo fora dos ambientes tradicionais de trabalho Alguns deles seriam a Os trabalhos desenvolvidos em comunidade perderam seu caráter de clandestinidade presente nas décadas de 60 e 70 principalmente com isso de um lado diminuíram as dificuldades quanto à aceitabilidade ou permissividade do trabalho e de outro aumentaram as condições para se efetuar reflexões e análises sobre os aspectos intrínsecos a essa prática competindo à universidade proceder a tais análises durante o processo de formação de novos quadros de psicólogos b Houve um aumento significativo dos apelos por parte do Estado para uma maior participaçãojunto à sociedade e às suas problemáticas Tais apelos incidiram também sobre as profissões e entre elas sobre a psicologia 75 c Institucionalizouse o espaço para a atuação do psicólogo junto aos diversos setores e segmentos da população Entretanto a identidade e a prática desse profissional do ponto de vista da sua agência formadora no caso dos cursos de graduação permaneceram praticamente inalteradas e pouco debatidas com vistas a qualquer possibilidade de mudança eou adequação às necessidades da realidade social Em trabalho recente Freitas 1994 verificase que os modelos teóricos e a preparação profissional do futuro profissional de psicologia desenvolvidos hoje nos cursos de psicologia pouco diferem da mesma preparação das décadas anteriores Isto pode indicar de um lado uma cristalização da universidade nos modelos teórico metodológicos e de outro a manutenção de condições para que o estudante de psicologia se distancie e desconheça a realidade cotidiana vivida pelo povo do seu país d Quando da inserção e atuação em uma nova realidade para a prática profissional psicológica observa se a adoção dos mesmos modelos de atuação presentes nas formas tradicionais de trabalho do profissional de psicologia Os instrumentos e os modelos filosóficos implícitos na atuação do psicólogo seja na prática clínica ou educacional foram transpostos para a prática em comunidade havendo uma ênfase do seu papel como promotor de saúde e Há ao mesmo tempo alguns trabalhos de psicólogos em comunidade que estão empregando modelos para a sua prática construídos a partir de um referencial teórico proveniente de uma psicologia social crítica fundamentada em uma concepção histórico dialética e construindo para isso instrumentais coerentes a essa postura Poderseia falar da tentativa de construção de um novo paradigma para a compreensão dos fenômenos psicossociais que se materializam e 76 adquirem sua significação em uma perspectiva micro e macroestrutural atravésdas relações travadas no cotidiano e também um paradigma que se estende para o plano da intervenção e da atuação deste profissional junto aos problemas concretos das pessoas de seu país estado ou cidade problemas estes que têm uma incidência única e particular para as pessoas envolvidas Finalizando poderíamos infelizmente dizer que nos nossos cursos de psicologia professores e estudantes desconhecem na sua maioria as condições concretas em que vive a maior parcela da nossa população A extensa divulgação de campanhas e notícias seja atravésda TV do rádio eou dos jornais não e suficiente e infelizmente nem capaz de tornar realmente conhecida e familiar a crueldade da miséria e da fome em que se encontra quase um quarto da nossa população Para se contribuir com uma vida psicológica mais saudável é necessário que o trabalho a ser desenvolvido ultrapasse a esfera do individual e do particular ao mesmo tempo em que adquira uma perspectiva de apreensão da realidade em sua totalidade e em sua concretude histórica podendo então apreender a vida real e concreta das pessoas Fazer isto na especificidade do trabalho das práticas psicológicas significa atuar dentro de uma perspectiva da psicologia social em uma visão sóciohistórica junto às relações que são travadas na esfera do cotidiano eliminandose posturas reducionistas psicologizantes e ahistóricas sobre os processos psicossociais Nestes anos quase a meados da década de 90 podese portanto dizer que não se vive mais a urgência como nas décadas anteriores de produzir a maior quantidade possível de intervenções e práticas junto aos setores populares Nas décadas anteriores em especial durante os anos de exceção era importante que a psicologia enquanto uma prática social claramente 77 comprometida pudesse se ampliar e se estender para além das situações tradicionais contribuindo para o estabelecimento de alianças com as classes sociais desprivilegiadas e assumindo assim um compromisso político a favor da população e das suas formas e possibilidades de organização Entretanto afirmar sobre esta não urgência não pode nos autorizar a dizer que os problemas da população diminuíram ou foram resolvidos Ao contrário poderseia dizer que hoje presenciamos uma pobreza uma miséria e uma fome muito mais crueis e desumanas que têm contribuído para minar e destruir as formas básicas de convivência humana e solidária E é neste contexto e para esta realidade que as práticas da psicologia em comunidade deveriam ser discutidas e construídas de tal modo que pudessem colaborar para a construção da identidade e para o desenvolvimento de uma consciência crítica nas pessoas no seu cotidiano Poderseia dizer que nesta década a exigência feita à psicologia baseiase muito mais na necessidade de serem produzidos trabalhos práticas e intervenções que tenham qualidade e competência suficientes para responderem às exigências que lhes são feitas pelos diversos setores da sociedade Além disso as indefinições e as incertezas quanto à identificação das práticas a existência de pressupostos e instrumentais muito diversos quando da realização dos trabalhos e a percepção de que os psicólogos estão sendo guiados nessas práticas por embasamentos filosóficos e teóricos às vezes contraditórios entre si parecem apontar para a necessidade de serem encontrados critérios que estabeleçam diferenças entre essas práticas levando a refletir sobre a necessidade ou não delas serem chamadas de uma ou de outra maneira 78 BIBLIOGRAFIA AMMANN Safira B Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil São Paulo Cortez Editora1980 ANDERY Alberto Abib Psicologia na comunidade In Psicologia social O homem em movimento Lane e Codo orgs São Paulo Ed Brasiliense 1984 p 203220 Psicologia social e comunitária In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989 7125135 BARREIRO Júlio Educación popular y proceso de concientizacón Madrid Siglo Veintiuno Editores 1985 BASBAUM Leôncio História sincera da república De 1961 a 1967 São Paulo Ed AlfaÔmega 2 edição 1976 BOMFIM Elizabeth M Notas sobre a psicologia social e comunitária no Brasil In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989a 74246 O psicólogo na comunidade In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO 1989b 7 115119 BOMFIM Elizabeth M et alii Meninas de rua O cotidiano e a lei In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUC MC 8 4962 198990 Psicologia comunitária In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988 p 1316 CANIATO Angela A luta pela moradia de exfavelados como parte essencial do processo de formação da consciência social dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1986 CAVALCANTI P Celso U e RAMOS Jovelino coords Memórias do exílio Brasil 1964 São Paulo Editora Livramento 1978 CECCON Claudius et alii A vida na escola e a escola da vida Petrópolis VozesIDAC 1983 CHITARRA Rolando J Construção de projetos sociais alternativos Um estudo de comunidades rurais dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1987 DAMORIM Maria Alice A psicologia comunitária considerações teóricas e práticas In Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 1980 323 p 99105 79 DERDICK Sílvia et alii Psicologia comunitária em bairros periféricos de Osasco In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo ABRAPSO 1981 p 173 178 FRANCO Vânia C A natureza das técnicas de intervenção em comunidades In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988 57073 FREIRE Paulo OLIVEIRA Rosiska D OLIVEIRA Miguel D e CECCON Claudius Exílio e identidade A trajetória de dez anos do IDAC In Vivendo eaprendendo Freire P et alii São Paulo Brasiliense 1980 p 914 FREIRE Paulo Cartas à GuinéBissau Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 Condentización Buenos Aires Ed Busqueda 1974 Educação como prática da liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1979a Multinacionais e trabalhadores no Brasil São Paulo Editora Brasiliense 1979 Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1979b FREITAS M Fátima Quintal de Fatores responsáveis pela inserção do psicólogo na comunidade na grande São Paulo In Anais da XVII Reunião Anual de Psicologia Ribeirão Preto São Paulo SPRP 1987 p 275 O psicólogo e a comunidade In Psicologia e Sociedade Belo Horizonte ABRAPSO PUCMG 1988a 57485 Psicólogos na comunidade importância e orientação do trabalho desenvolvido In Psicologia Teoria e pesquisa Brasília 198843 236248 Psicologia comunitária Professores de psicologia falam sobre os modelos que orientam a sua prática tese de doutorado em psicologia social PUCSP 1994 O psicólogo na comunidade um estudo da atuação de profissionais engajados em trabalhos comunitários dissertação de mestrado em psicologia social PUCSP 1986 GÓIS Moacyr de De pé no chão também se aprende a ler 1961 1964 Uma escola democrática Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira 1980 HOBSBAWN Eric Adeus a tudo aquilo In Depois da queda Fracasso do comunismo e o futuro do socialismo Blackburn Robin org Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p 93106 80 IENO NETO Genaro Psicologia e movimentos populares Algumas possibilidades de aproximação In Revista de Psicologia Fortaleza 51 2935 198 IGLESIAS Francisco Trajetória política do Brasil De 1500 a 1964 São Paulo Companhia das Letras 1993 IOKOI Zilda MG Lutas sociais na America Latina Porto Alegre Mercado Aberto 1989 JACOBI Pedro R Movimentos sociais e políticas públicas São Paulo Cortez Editora 1989 LANE Sílvia TM A psicologia social e uma nova concepção do homem para a psicologia In Psicologia social O homem em movimento Lane e Codo orgs São Paulo Brasiliense 1987 p 1019 Psicologia comunitária na America Latina In Anais do I Encontro Regional de Psicologia na comunidade São Paulo ABRAPSO 1981 59 LANE Sílvia T Maurer e SAWAIA Bader B Psicologia Ciência ou política São Paulo PréPrint EDUC 1988 MARTINS José de Souza Caminhada no chão da noite São Paulo HUCITEC 1989 OLIVEIRA Rosiska D Os movimentos sociais reinventam a educação In Educação e Sociedade São Paulo Cortez Editora 8 março81 p 3360 PIMENTEL Regina S Fragmentos de um trabalho com a comunidade In Psicologia e Sociedade ABRAPSOPUCMC Ano IV n2 7 set89 p 136142 SADER Eder Quando novos personagens entraram em cena Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 SCHERERWARREN Use e KRISCHKE Paulo J Uma revolução no cotidiano São Paulo Brasiliense 1987 SINDICATO dos Psicólogos do Estado de São Paulo Psicólogo Informações sobre o exercício da profissão São Paulo Cortez Editora 1981 WANDERLEY Manangela Belflore Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade São Paulo Cortez Editora 1993 81 RELAÇÕES COMUNITÁRIAS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO Pedrinho A Cuareschi18 Sem querer criar muita expectativa arriscaria dizer que a leitura das páginas que seguem poderá talvez causar surpresa a alguns leitores Isso porque vou tentar rediscutir os conceitos ligados ao título acima conceitos muito badalados usados e abusados mas que quando escrutinados e trazidos à luz do dia podem de repente mostrar dimensões que em geral permanecem veladas ocultas O que pretendo sem maiores pretensões é fazer um pouco o que Paul Ricoeur chama de levantar suspeitas perfurar as máscaras19 Vamos caminhar por etapas Primeiro vamos fazer uma parada diante da realidade das relações sociais Em seguida vamos perguntar o que elas têm a ver com os grupos comunidades Veremos os vários tipos de relações Deternosemos ao final na discussão de dois tipos centrais as relações de dominação e as relações comunitárias Relações sociais que é isso mesmo É Aristóteles quem diz que o bom filósofo e o bom cientista deve ter a capacidade de se admirar diante das coisas mais óbvias e banais e se perguntar o que aquilo de fato significa Pois você já se perguntou alguma vez o que significa relação Tente dar uma resposta a você 18 Desejo agradecer ao grupo de leitura e discussão da linha de pesquisa Ideologia Comunicação e Representações Sociais do mestrado em psicologia da PUCRS as valiosas críticas e comentários 19 O conflito das interpretações Ensaios de hermenêutica Rio de Janeiro Imago 197887 82 mesmoa Não se espante se não souber conceituar o que seja relação A maioria das pessoas começa a dar exemplos de relações a trazer palavras que são relações como relação e comunicação relação e união etc Mas não é dito o que é relação apenas são dados exemplos de relações Então conseguiu responder o que seja relação Não Vamos lá os filósofos após muita discussão conceituam relação como sendo uma ordenação intrínseca de uma coisa em direção a outra Em latim e curto e rápido Ordo ad aliquid Complicado Nem tanto Pois vamos refletir um pouco sobre isso Uma vez uma jovem de 15 anos conceituou relação de um modo simples e claro relação é uma coisa que não pode ser ela mesma se não houver outra É isso mesmo Relação é uma coisa que não pode existir que não pode ser sem que haja uma outra coisa para completála Mas essa outra coisa fica sendo parte essencial dela Passa a pertencer à sua definição específica Vamos tentar exemplificar para melhor compreender Tomemos uma pessoa a Maria Dizemos comumente que a Maria é uma pessoa um ser Atenção um Agora se digo Maria mãe eu já digo três pois para a Maria ser mãe ela precisa de ao menos mais dois um marido e um filho Mas a mãe não é uma É uma mas na sua definição entram mais dois de maneira absolutamente necessária de tal modo que se não houver um marido e um filho a Maria será a Maria mas não será mãe Então se diz que mãe é um conceito relativo isto é mãe como pai filho irmão etc implicam relação Esta é pois a definição de relação uma ordenação um direcionamento intrínseco necessário de uma coisa em direção a outra Mas essa coisa continua uma Nesse sentido relação é um e e três ao mesmo tempo embora não sob o mesmo aspecto Então 83 comunicação união diálogo etc são relações mas relação e muito mais é um conceito que se aplica a uma realidade que não pode ser ela mesma sem que haja uma outra coisa Muitas vezes ficamos com a impressão principalmente devido aos exemplos que são dados de que relação seja algo que une que liga duas coisas Nem sempre é assim O conflito por exemplo é uma relação como a rejeição a exclusão Relação existe sempre que uma coisa não pode sozinha dar conta de sua existência de seu ser O conflito a exclusão são relações pois ninguém pode brigar sozinho e se há exclusão há alguém que exclui e alguém que e excluído A percepção da relação é pois uma percepção dialética percepção de que algumas coisas necessitam de outras para serem elas mesmas Interessante nesse contexto é se perguntar como as pessoas se definem como elas se vêem a elas mesmas Essa discussão é fascinante Há alguns que se vêem e vêem os outros como se fossem indivíduos isto é entidades que não têm nada a ver com os outros isolados suficientes em si mesmos A filosofia liberal vê os seres humanos exatamente desse jeito O máximo que se aceita e que entre dois seres possam existir relações mas eles são entidades à parte Quando se fala então em pessoas em relação precisaria precisar melhor se são indivíduos que se relacionam ou se são pessoas relação como veremos em seguida Outros já tomam o ser humano como se fosse peça de uma máquina parte de um todo Sua explicação é dada pelo todo o estado a instituição que é a realidade fundamental Temos aqui todas as formas de totalitarismo conseqüência de um sociologismo crasso Finalmente há os que vêem os demais e se consideram a si próprios como pessoas relação isto 84 é seres que em si mesmos implicam outros seres que ao se definirem já incluem necessariamente outras pessoas São únicos singulares como é único um pai um irmão e por isso são sujeitos de responsabilidade mas não se explicam nem se definem apenas a partir deles e neles próprios Sua subjetividade e um ancoradouro de milhões de outros de relações Dentre um universo de milhões de relações que eles estabelecem no decorrer de suas vidas eles recortam sua figura única singular mas plena de outros Relações sociais como elemento definidor dos grupos Muitíssimas vezes alunos tanto de graduação como de pósgraduação têmme procurado para solicitar material sobre grupos ou referências sobre grupos Fico então pensando sobre alguma bibliografia artigos e me dou conta de que existem milhares de trabalhos Mas o que me fica mordendo por dentro é a questão Será que com a leitura de todo esse material as pessoas vão se dar conta do que mesmo constitui um grupo20 Pois é isso que gostaria de discutir agora de tentar perfurar máscara de questionar esse óbvio Comece a responder a você mesmoa como fez com o conceito relação o que seria um grupo o que constituiria o essencial de um grupo Já respondeu Vejamos O que constitui um grupo é o número de pessoas Bem precisa haver ao menos duas ou se dermos razão ao antigo proverbio latino que diz que dois não constituem um grupo duo non faciunt collegium ao menos três Mas pode haver três cem 500 sempre e um 20 Quando se falar aqui em grupo podese incluir também uma comunidade um grupo comunitário Veja porém a discussão feita no item Relações comunitárias 85 grupo Parece que não é o número então que constitui o grupo Seria o tipo de pessoas O sexo homens ou mulheres A cor brancos ou negros A etnia italianos alemães etc A religião católicos protestantes Parece que também não Seria a distância entre eles Para ser um grupo todos têm de estar no mesmo lugar Também parece que não pois dizemos que o grupo de desempregados fez um protesto mas não chegaram nem a se reunir Não é então a distância nem o contato físico que é essencial ao grupo Veja adiante a discussão sobre público Que seria então Pois aqui está o interessante o que constitui um grupo é a existência ou não de relações Comece a conferir Se não há relação nenhuma entre pessoas jamais se poderá falar em grupo o que existe é como se fosse um poste ao lado do outro sem ninguém ter nada a ver com outro Agora no momento em que se estabelecer qualquer relação entre pessoas começa aí um grupo Elas têm de ter algo em comum e esse comum é exatamente o que pode estar tanto numa como noutra E esse comum e a relação que perpassa por todas está presente em todas fazendo essa amarração conjunta Essas relações está claro podem ser de milhões de tipos diferentes Podem também ter uma intensidade maior ou menor Em certos grupos as relações podem ser extremamente fluidas às vezes baseadas apenas em um aspecto Particular como o fato de ser mulher ou ser brasileiro Em outros casos as relações podem ser fortemente intensas de grande coesão de tal modo que se alguém mexe com um membro do grupo todos os outros se sentem atingidos e tomam as dores dessa pessoa O que constitui um grupo pois são as relações Se quiser saber se há grupo ou não veja se há relações 86 ou não Se quiser saber de que tipo é o grupo veja qual o tipo de relações como veremos mais adiante Se quiser mudar transformar um grupo comece por transformar as relações existentes nesse grupo3 Visão estática versus visão dinâmica de grupo Uma conseqüência extremamente importante que deve ser realçada e colocada com clareza ao se conceituar o grupo a partir do conceito de relação e o enfoque dinâmico e ao mesmo tempo aberto que e assumido na análise e discussão dos grupos Por quê Veja lá De relação vem a palavra relativo Ora relativo e o contrário de absoluto Absoluto quer dizer total completo fechado sem contradições Se eu vejo entãoo grupo a partir de relações eu vou ter uma visão de grupo sempre relativa isto é incompleta em construção em transformação Isso quer dizer que nunca posso fechar a compreensão de um grupo saber tudo sobre um grupo Se ele se constitui a partir de relações estas relações são dinâmicas sempre mutáveis podem mudar de um momento para outro O máximo que eu posso dizer e que nesse momento as relações são estas Mas elas podem dentro de pouco tempo ou à medida em que os participantes do grupo adquirirem mais ou menos poder se transformar e com isso transformar o grupo Veja agora você a enorme diferença que existe entre conceituar grupo a partir de relações e conceituálo a partir de uma visão estática e fotográfica Dentro da visão funcionaiistapositivista de grupo o pressuposto que permanece e que o grupo e algo estático com suas estratificações a própria palavra já trai a visão estática onde as pessoas possuem posições outra vez a sugestão de estabilidade e desempenham papeis que se supõem os membros do grupo têm de desempenhar 87 Bem pode ser que você goste ou ache mais interessante esta segunda visão baseada em pressupostos estáveis Acontece porém que dentro desse enfoque podese perceber apenas uma dimensão do grupo Refletindo um pouco mais podese ver que isso traz conseqüências para a prática concreta A tentação de pensar que eles sempre foram assim e conseqüentemente sempre serão assim e muito forte As possibilidades de ver que são possíveis mudanças ficam veladas diminuídas Você mesmo pode constatar que os grupos mudam e às vezes mudam bem rapidamente Qual então o instrumental mais adequado para se poder compreender os grupos de um modo mais completo Responda você mesmo Multidão massa público É certamente esclarecedor discutir aqui dois conceitos que aparecem algumas vezes nas discussões e que são importantes para nossa discussão futura sobre comunidade o de massa ou multidão e o de público Costumase chamar de massa ou multidão a existência de um grande número de pessoas ligadas porcontigüidade física isto é que estejam num mesmo local Não são precisamente grupos como os tomamos aqui São mais amontoados de gente onde as pessoas não chegam em geral a se conhecer E o caso por exemplo da maioria das multidões que se congregam nos estádios de futebol Se é verdade que todas vão para ver o jogo também é verdade que ninguém se conhece que não há relação nenhuma entre além do fato de estarem no mesmo lugar Na multidão as relações entre pessoas praticamente inexistem e a única relação fica sendo como um chefe um dirigente Ele pode com facilidade usar a emoção e o calor que o contato físico desperta para 88 manipular essas multidões e leválas a fazer coisas que um grupo que reflete nunca faria Por isso as multidões são sempre perigosas Lê Bon21 explica que no contágio das multidões as pessoas liberam o id e se guiam pelas emoções A certeza da impunidade ninguém consegue saber quem fez o quê aumenta a irresponsabilidade Ao discutirmos o que é comunidade vamos ver que são muito diversas as relações de um grupo onde as pessoas se conhecem e se estimam comunidade das relações que se verificam na multidão Já o que se convencionou chamar de público e algo um pouco diferente também são multidões mas sem contigüidade física pois estão espalhadas por milhares de locais e a única ligação entre elas e o fato de estarem por exemplo sintonizados num mesmo canal de televisão ou numa mesma estação de rádio ou serem leitores de um mesmo jornal de uma revista Mas entre esses teleouvintes ou telespectadores nem se conhecem nem se relacionam sob mais nenhum aspecto Se o público por um lado não traz os perigos que as multidões podem ocasionar por outro lado as relações ali estabelecidas são unidirecionais de mão única provindas de uma boca grande que fala sozinha e milhões que só escutam e vêem sem possibilidade de dar um retorno E o que acontece com os Meios de Comunicação de Massa que detêm por isso grande possibilidade de manipular e condicionar as pessoas Relações e relações Você já deve terse dado conta de que uma relação pode ser de mil tipos diferentes A única coisa 21 21 Custave Lê Bon 1 895 La Psyciooge dês Foules Paris AlcanfErtt inglês The Crowd 1960 Nova Iorque The Viking Press 89 que ela de fato exige e que haja vários elementos presentes como já vimos acima Relação nunca se predica de uma só entidade pois ela sempre implica outros É questão agora de examinar para cada caso específico o tipo de relação existente e conseqüentemente ver de que tipo de grupo se trata Essa não é evidentemente uma tarefa fácil É necessária muita observação muita argúcia muita paciência Muitas vezes as relações são mais latentes que manifestas Mais disfarçadas que evidentes O discurso muitas vezes e o contrário da prática Usamse para a tarefa de se detectar as relações todos os instrumentos de pesquisa que forem necessários observação entrevistas pesquisa participante questionários enfim todo tipo de teste que possa revelar a vida social esta vida que se constrói nas e pelas relações e se é vida é sempre dinâmica sempre em transformação Fica claro também que as relações podem ser diferentes até mesmo contraditórias dependendo do momento É importante então ver quais são as que mais se manifestam a intensidade com que se mostram sua abrangência e generalização Tornase evidente ainda que é extremamente difícil senão impossível quantificar essas relações Elas devem ser vistas numa escala de mais ou menos gerais mais ou menos intensas mais ou menos fixas Relações de dominação A estas alturas podemos nos deter na análise de um tipo especial de relação a relação de dominação parte do título desse trabalho Acho importante como início de conversa fazer aqui uma distinção ainda bastante nova mas muito 90 prática e que vai ajudar a ver as coisas com mais clareza tratase de distinguir entre poder e dominação22 Podese definir poder como sendo a capacidade de uma pessoa de um grupo para executar uma ação qualquer ou para desempenhar qualquer prática Nesse sentido todas as pessoas têm algum poder na medida em que podem fazer alguma coisa Já dominação é definida como uma relação entre pessoas entre grupos ou entre pessoas e grupos atravésda qual uma das partes expropria rouba se apodera do poder capacidade de outros Por extensão dominação e uma relação onde alguém a pretexto de o outro possuir determinadas qualidades ou características como o fato de ser mulher de fazer parte de determinada etnia ou raça de ser jovem etc se apropria de seus poderes capacidades e passa a tratálo de maneira desigual Dominação portanto é uma relação assimétrica desigual injusta se quiser Essa distinção é muito estratégica pois de repente nos damos conta de que todos têm poder atémesmo aquelas pessoas que oficialmente não exercem ou não ocupam posições de poder mas na prática são as que fazem tudo ou quase tudo pois têm capacidade podem fazer essas coisas Origem da dominação Uma questão curiosa é descobrir como surge a dominação Para se entender melhor esse mecanismo 22 São diversos os autores que tentam refinar esses conceitos Entre eles estão John B Thompson Ideology and modern Culture Cambndge Polity Press 1990 1 5Qs Enk Wright University of Wisconsin Departamento de Sociologia e outros Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema vejase Cuareschi Sociologia da prática social Petrópohs Vozes 1992 p 125129 91 necessitamos de um outro conceito importante o de ideologia Podese definir ideologia ao menos e assim que a maioria dos autores hoje o fazem23 como sendo o uso o emprego de formas simbólicas significados sentidos para criar sustentar e reproduzir determinados tipos de relações Ideologia e o que vai dar sentido significado às coisas Ideologia nesse sentido poderá servir para criar e sustentar relações tanto justas éticas como também para criar e sustentar relações assimétricas desiguais injustas que chamamos de relações de dominação A ideologia no seu diaadia vai criando significados sentidos definições de determinadas realidades Esses significados e sentidos têm sempre uma conotação de valor positivo ou negativo Por exemplo a partir de aparências nem sempre fundamentadas começamos a dizer que os homens ou as mulheres são mais trabalhadores mais honestosas etc Ou começamos a dizer que os brasileiros são mais bondosos que os japoneses são mais trabalhadores que os negros são mais festeiros etc Dizendo com outras palavras vamos criando juízos de valor discriminações estereótipos preconceitos Vamos juntando ligando qualidades características valorativas a determinadas pessoas ou coisas Esses estereótipos quando negativos criam e sustentam as relações de dominação Começase a dizer por exemplo que as mulheres são mais afetivas que não possuem tanto poder de decisão de realização se for usada a expressão em inglês achievement motive 23 John B Thompson em seus dois livros já clássicos sobre ideologia Studies in the Theory of ideology e ideology and Modem culture ambos de Cambridge Polity Press 1990 faz um excelente apanhado crítico da história e das teorias sobre ideologia assumindo esta definição operativa 92 impressiona mais A partir daí fica fácil pagar às mulheres apenas 60 do que se paga aos homens como nos dizem as estatísticas A expropriação econômica está baseada num estereótipo ideológico O mesmo acontece com os negros Primeiramente se diz que os negros são mais alegres gostam de festa não gostam muito de trabalhar outra maneira de dizer que são preguiçosos etc Daí para se pagar então apenas 70 do que se paga aos brancos como também comprovam as estatísticas e apenas um passo E assim por diante Diferentes formas de dominação Concluise do que se viu acima que são inúmeras as formas de dominação A dominação econômica que é a forma mais geral e para onde vão desaguar quase todas as outras acontece sempre que alguem rouba expropria a capacidade poder de trabalho de outras pessoas O trabalho humano e a fonte única de riqueza das nações É só trabalho que pode ser explorado nada mais Essa é com certeza a principal forma de dominação e se faz presente em geral como conseqüência da dominação política e cultural que veremos abaixo Uma segunda forma é a dominação política Política no seu sentido mais amplo é o conjunto de relações que se estabelecem entre pessoas e grupos na sociedade em geral Vivemos todos mergulhados nessas relações políticas pelo fato de vivermos numa sociedade No sentido mais estrito entendese por política as relações que se estabelecem entre pessoas ou grupos e os responsáveis pelo bem comum de toda a sociedade são as relações que se dão entre o Estado o governo e os cidadãos Todas as ações humanas são políticas no sentido mais geral do termo o ser humano e um ser político por natureza São chamadas relações políticas no 93 sentido estrito do termo as que se dão imediatamente entre os cidadãos e seus governantes entre os cidadãos e o Estado Existe então uma dominação política quando as relações entre pessoas e grupos entre grupos ou entre as pessoas grupos governo e Estado não forem justas democráticas desrespeitando os direitos dos diversos sujeitos Uma terceira forma de dominação mais difícil de se detectar é a dominação cultural Cultura no seu sentido mais amplo é todo agir humano Delimitamos aqui o sentido de cultura como sendo um conjunto de relações entre pessoas ou grupos que se sedimentaram que de certa forma se cristalizaram de tal modo que em alguns casos passam a ser pensadas e tratadas como se fizessem parte da própria natureza das pessoas e das coisas Sendo que muitas vezes essas relações cristalizadas são assimétricas desiguais dáse o fato de existirem em determinadas circunstâncias relações de dominação cultural Essa dominação possui inúmeras formas como por exemplo o racismo que como relação de dominação tem sua origem na criação de estereótipos e discriminações negativos de um grupo racial sobre outro Isso produz assimetrias que vão se materializar em ações e práticas de subordinação de expropriação política e econômica e muitos outros tipos de exclusão do grupo discriminado24 o patriarcalismo que consiste no estabelecimento de assimetrias com base nas relações de gênero Costumase distinguir hoje em dia entre a dimensão biológica todos temos um sexo e a dimensão cultural o gênero masculino ou feminino Essa dimensão cultural é construída pelos usos e costumes humanos é resultado 24 Para uma discussão mais aprofundada dessa questão vejase Pednnho A Cuareschi Sociologia da prática social Petrópolis Vozes 1992 cap XVII 94 das relações que se estabelecem entre os diferentes gêneros e é aí que vamos encontrar relações assimétricas desiguais onde homens ou mulheres passam a dominar ou explorar os parceirosas25 o institucionalismo que consiste em colocar uma instituição como uma igreja por exemplo como a única Verdadeira ou como mais importante que todas as outras Pessoas são formadas com a ideia de que determinada instituição é absoluta eterna com isso se legitimam repressões e ações injustas contra as pessoas pertencentes às demais instituições Poderíamos enumerar muitas outras formas de dominação baseadas em diferentes aspectos culturais como a dominação religiosa a partir de uma religião ou igreja a dominação profissional a partir de um determinado tipo de profissão como ser professor advogado Fica a critério de cada comunidade identificar quais as relações de dominação cultural existentes em seu meio Relações comunitárias Chegamos finalmente ao ponto central ao cume de nossa discussão Na caminhada que fizemos até aqui você certamente já foi detectando os muitos desvios por onde nos podem levar determinadas práticas baseadas em diferentes tipos de relações Restanos agora mostrar quais as relações que embasam uma prática comunitária essa possível via régia ou caminho real que nos poderia conduzir a uma sociedade verdadeiramente democrática participativa igualitária 25 Idem cap XIV 95 Comunidade o que é isso É difícil fugir à seguinte questão o que é mesmo uma comunidade Na verdade é aí que reside todo o problema Ao conceituarmos o que seja uma comunidade já estaremos discutindo essas relações pois ela será conceituada ou definida a partir dessas relações específicas Foram muitos os que se aventuraram em discutir comunidade Um dos primeiros foi o filósofo alemão Ferdinand Tõnnies26 Para ele a comunidade é uma associação que se dá na linha do ser isto é por uma participação profunda dos membros no grupo onde são colocadas em comum relações primárias como o próprio ser a própria vida o conhecimento mútuo a amizade os sentimentos Já a sociedade é uma associação que se dá na linha do haver isto é os membros colocam em comum algo do seu algo do que possuem como o dinheiro a capacidade técnica sua capacidade esportiva Os seres humanos participam pois da comunidade não pelo que têm mas pelo que são Uma das conceituações mais interessantes de comunidade atribuída a Marx é a seguinte um tipo de vida em sociedade onde todos são chamados pelo nome Esse ser chamado pelo nome significa uma vivência em sociedade onde a pessoa além de possuir um nome próprio isto é além de manter sua identidade e singularidade tem possibilidade de participar de dizer sua opinião de manifestar seu pensamento de ser alguém Essa é a visão de ser humano como pessoa relação Como vimos no início ao discutir o conceito de 26 Ferdinand Tõnnies 18551935 tornouse famoso por sua obra Gememschaft und Ceseilschaft Comunidade e sociedade onde mostra a diferença e os critérios para diferenciar comunidade e sociedade 96 relação ela supera dois extremos muito comuns hoje em dia que se constituem em duas distorções reducionistas e por isso mesmo inibidoras de um pleno desenvolvimento humano de um lado um individualismo grosseiro fundamentado na filosofia liberal que tem como pressuposto um ser humano isolado de todos auto suficiente fechado sobre si mesmo sempre em competição para poder sobreviver de outro lado o pressuposto de um ser humano como peça de uma máquina parte de um todo colocado a serviço do Estado ou de instituições burocráticas anulado em sua subjetividade Vivendo em comunidade as pessoas têm possibilidade de superar esses extremos mantendo sua singularidade mas necessitando dos outros para sua plena realização Na comunidade elas têm voz e vez podem colocar em ação suas iniciativas desenvolvem sua criatividade mas seu ser não se esgota nelas mesmas elas se completam na medida em que se tornam um ser para exercitando sua plena vocação de animal político social Poderíamos fazer aqui uma ligação entre comunidade e democracia Quando pode uma sociedade ser chamada verdadeiramente de democrática Normalmente se diz que democracia exige participação respeito à dignidade e singularidade de todos os cidadãos etc Mas na prática como e quando isso se dá Do que se expôs acima podese perceber muito bem que é somente quando existem verdadeiras comunidades onde as pessoas são chamadas pelo nome isto é são identificadas e podem participar que pode existir democracia Um país pode ter 150 milhões de habitantes Mas esse país somente será democrático se houver em sua base uma rede de comunidades onde os cidadãos exercitam seus direitos de participação e são respeitados como pessoas É nesse nível básico que acontece a vida e a vivência democrática Se não houver 97 democracia em nível comunitário não poderá haver democracia em nenhum outro nível seja municipal estadual ou nacional O teste de uma sociedade democrática é a existência de verdadeiras comunidades As relações comunitárias que constituem uma verdadeira comunidade são relações igualitárias que se dão entre pessoas que possuem iguais direitos e deveres Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz que todos sejam reconhecidos em sua singularidade onde as diferenças sejam respeitadas E mais as relações comunitárias implicam também a existência de uma dimensão afetiva implicam que as pessoas sejam amadas estimadas e benquistas O trabalho comunitário Gostaria ao terminar de levantar alguns questionamentos sobre alguns aspectos ligados ao trabalho comunitário especificamente aos assim chamados estágios que tanto a psicologia comunitária como osas estudantes de Serviço Social e de outras faculdades realizam nas comunidades Não se pode deixar de constatar as excelentes experiências que vários grupos estão fazendo em diversos lugares É uma nova psicologia comunitária que está nascendo Por isso mesmo esses questionamentos são mais alertas para que possamos pensar e nos posicionar antes de tentar essa experiência Um primeiro questionamento ligase ao fato tido como normal de que na maioria das vezes esses estágios são realizados em vilas pobres carentes Qual seria a razão de isso ser assim Uma segunda questão central se propõe perguntar sobre o que na verdade osas estudantes vão fazer nesses locais vão para lá para se exercitar Para aprender Para ensinarajudar 98 O pressuposto a não ser que eu esteja muito equivocado é que esses estágios além de serem um treino querem também ajudar ser um serviço a essas comunidades carentes Mas como saber de antemão que aquelas sejam comunidades com problemas Não poderia ser o caso de existirem lá verdadeiras comunidades com alto grau de participação e grande coesão afetiva Que iriam fazer lá então osas estagiáriosas Iriam ajudar no quê Suponhamos porém que se vá para uma comunidade a fim de aprender Mas se e por essa razão por que não dirigirse também para locais onde existem boas comunidades como por exemplo para os bairros chiques e sofisticados de nossas capitais Será que essas comunidades não poderiam ser um local de aprendizado e não teria coisas boas a oferecer Indo um pouco mais a fundo na questão digamos que essesas estagiáriosas vão para colaborar e para testar de certo modo seus conhecimentos teóricos Se assim é por que ir quase que exclusivamente para as comunidades das vilas e periferias economicamente pobres E poder seia perguntar ainda mais será que a razão de essas vilas e periferias serem assim tão pobres e marginalizadas não é devido em grande parte ao fato de existirem comunidades ricas e opulentas Não é dessas comunidades que procedem em geral os próprios governantes e técnicos dessas cidades E será que um bom estágio de psicologia comunitária ou serviço social não poderia colaborar para que essas comunidades de elites se abrissem à problemática social se solidarizassem com os excluídos já que solidariedade hoje o termo da moda Que dizer disso O que de fato se quer questionar é se uma comunidade para ser boa comunidade depende do seu nível econômico e se um estágio precisa necessariamente ser feito entre vilas periféricas 99 Enfim um último questionamento será que por detrás dessa questão não se poderia entrever presente em nossas universidades certo maior ou menor preconceito elitista de que os bons são os que vivem bem em regiões abastadas e que os menos bons são os que vivem nos bairros pobres E que os que estudam nas universidades têm de redimir ajudar esses pobres Gostaria de concluir com uma pequena reflexão Todos os que já viveram ou tiveram algum contato com comunidades sejam quais forem sabem muito bem que todas elas possuem um saber que em princípio não e nem pior nem melhor que o nosso é apenas diferente Qualquer atividade que porventura venha a ser desenvolvida com tais grupos deve ter em mente no mínimo duas coisas primeiro um respeito muito grande pelo saber dos outros Isso exige que eu comece por prestar atenção não apenas ao que as pessoas dizem mas também ao que as pessoas fazem E só podemos chegar a isso na medida em que nos formos inserindo nas comunidades com cuidado e humildade como alguém que pede licença para poder participar segundo que o projeto inclua além do diálogo e a partilha de saberes a garantia de autonomia e autogestão das próprias comunidades Afinal são eles que lá vivem e que vão continuar a viver Quem vai por um tempo para prestar um serviço para partilhar seu saber não pode retirar das comunidades essa prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia A autogestão e o ápice de relações genuinamente democráticas onde há participação de todos Essas questões provocantes e importantes devem fazer parte da agenda de qualquer pessoa que de um modo ou outro queira entrar em contato com qualquer atividade no campo da psicologia social comunitária 100 A INSTITUIÇÃO COMO VIA DE ACESSO À COMUNIDADE Lacyara C Rochael Nasdutti As questões ligadas às instituições sociais têm despertado cada vez mais a atenção e o interesse de estudiosos das ciências humanas e sociais Isso pode ser constatado tanto nos meios acadêmicos com objetivos de construção teórica e de pesquisas quanto nos grupos de atuação eminentemente prática cujos objetivos primeiros são a ação social e a reflexão sobre as diferentes práticas e seus efeitos junto aos grupos interessados O objetivo deste texto e o de buscar clarificar as interrelações entre instituições e comunidade e discutir o lugar que esse tema ocupa na psicossociologia Assim sendo é importante iniciarmos essa exposição contextualizando os conceitos utilizados para em seguida referenciandonos em pressupostos teóricos e metodológicos específicos discutirmos a prática do psicossociólogo em instituições nas perspectivas da psicossociologia de comunidades27 Por que a instituição Quando alguem ingressa como aluno em uma universidade seja ela qual for tem certas expectativas com relação à sua vida nessa instituição à maneira como 27 A preferência pelo termo psicossociologia ao de psicologia social segue a proposição de J Maisonneuve que o privilegia exatamente pelo fato de que o termo não privilegia a ascendência do psicológico sobre o social nem seu inverso mas pressupõe sim uma interação entre ambos Maisonneuve J 1977 101 vai ser visto e tratado pelos funcionários pelos professores pelos colegas e atémesmo por pessoas estranhas à universidade Da mesma forma espera que essas pessoas se comportem conforme os lugares que ocupam na hierarquia institucional assim como pressupõe que os conhecimentos que ali lhe serão transmitidos sejam coerentes com o prestígio e a função de uma universidade da qual espera ainda obter um diploma que seja reconhecido pública e oficialmente lhe permitindo assim o ingresso no mercado de trabalho Enfim o aluno pressupõe que seus objetivos de forma geral coincidam pelo menos em parte com os objetivos das outras pessoas que ali se encontram e da própria universidade enquanto instituição de ensino Isso também acontece quando alguém se interna em um hospital como paciente ou quando ingressa no mesmo hospital como profissional médico enfermeiro psicólogo técnico administrativo etc Sabemos que quando ingressamos em uma instituição qualquer temos que nos conformar às regras cumprir exigências desempenharmos um papel que já nos é prescrito de antemão É um pequeno mundo uma pequena sociedade na qual vivemos Por outro lado é ali também que queremos ser reconhecidos em nossa singularidade que queremos fazer valer nossos direitos e vontades realizar nossos objetivos individuais E assim como nós todos os outros que ali se encontram não importa a posição ou papel desempenhado todos buscam o mesmo isto é cada um visa atender seu objetivo individual se deparando entretanto com um mesmo quadro institucional De um lado o coletivo o social determinante das regras das leis dos papeis e das formas estabelecidas de interrelação entre os indivíduos De outro as diferentes necessidades conscientes e desejos quase nunca conscientes de diferentes indivíduos também determinantes de suas 102 ações E o palco das articulações e desarticulações entre tais determinantes de origens diversas social e psicológica e justamente a instituição Viver coletivamente implica assim em instituirse em organizações o que significa divisão de papéis divisão de trabalho e bem ou mal hierarquização das relações sociais estabelecendose como conseqüência as relações de poder que permeiam toda e qualquer relação social Voltemos então à questão colocada Por que a instituição A instituição como campo de pesquisa e de ação para a psicossociologia de comunidades se mostra como lugar privilegiado pois constitui o espaço socialmente organizado no qual se dão as articulações entre os diferentes elementos sociais econômicos ideológicos culturais e políticos e os elementos psicológicos Essas articulações como veremos mais à frente podem ser apreendidas atravésda análise psicossocial realizada no próprio real institucional Rochael Nasciutti 1991 Os dispositivos institucionaisoferecem bem ou mal aos indivíduos a possibilidade de manifestações psíquicas de confrontação interpessoal e de ação individual ao mesmo tempo em que representam em sua estrutura organizacional as imposições legais políticas e econômicas que regulamentam a sociedade Lugar portanto do conflito inerente à vida coletiva e à inter relação entre os indivíduos Conflito que pode se manifestar atravésdo disfuncionamento manifesto no nível organizacional ou nível subjacente mascarado em práticas ritualizadas Mas o que vem a ser mesmo uma instituição O termo instituição vem sendo usado no contexto da psicossociologia por diferentes teóricos 103 fundamentados principalmente em Castoriadis28 para designar em princípio tudo aquilo que no social se estabelece aquilo que é reconhecido por todos como fazendo parte de um amplo sistema social De maneira geral podemos dizer que tudo aquilo que se tornou instituído reconhecido como tendo existência materializada na vida social e instituição Nessa concepção ampla do conceito o menino de rua por exemplo passou a ser uma instituição social em nosso país atual uma vez que a existência de uma ampla legião de meninos de rua e reconhecida pela sociedade civil e mesmo oficialmente pelo Estado Podemos citar os sistemas formais de ensino de saúde o casamento a Igreja e o Estado como exemplos de grandes instituições que regulamentam a vida em sociedade Essas grandes instituições no entanto se concretizam na realidade social em redes de estabelecimentos de ensino colégios universidades em hospitais nas famílias nas paróquias locais e nas repartições públicas distribuídas de forma equilibrada ou não pelas diferentes comunidades que compõem o tecido social Na verdade essas unidades organizacionais instituídas como uma universidade por exemplo passam a existir não só como parte como estabelecimentos das grandes instituições no caso a instituição educação mas passam a ter vida própria e são instituições em si mesmas Elas são ligadas à cultura local influenciando e sendo influenciadas pelos contextos social político e econômico nos quais se inscrevem atravessadas pelo imaginário social incluindo ainda um sistema simbólico próprio Podemos assim falar em 28 Comellus Castoriadis pensador de origem grega faz parte da intelectualidade francesa contemporânea Seu livro A instituição imaginária da sociedade serviu de base para o desenvolvimento de diversos estudos e teorias institucionalistas e psicossociais ressaltando questões ligadas ao imaginário e ao simbólico na constituição social 104 instituições existentes dentro de outras instituições mais amplas Alem disso existem inúmeras outras instituições sociais autônomas que permeiam a dinâmica social com diferentes objetivos surgidas espontaneamente dos movimentos sociais e da realidade históricosocial como as associações de trabalhadores de moradores ou as Organizações NãoGovernamentais A importância que as instituições têm na organização da vida social tanto quanto na organização da vida individual e reconhecida pela psicossociologia que faz destas um de seus objetos privilegiados de estudo como colocado acima Situemos a seguir os princípios teóricos què embasam essa linha de estudos Os pressupostos da psicossociologia Na perspectiva da psicossociologia os processos individuais conscientes e inconscientes são considerados como tendo o mesmo grau de importância que os processos sociais Assim nesse espaço de articulação teórica que a psicossociologia se insere não há uma redução dos processos sociais às projeções imaginárias individuais nem se considera que o psiquismo individual seja totalmente sujeito aos determinantes objetivos da realidade social É verdade que o social atua de forma determinante sobre o comportamento individual e mais ainda se inscreve no corpo e no psiquismo do indivíduo na representação que ele faz de si mesmo e dos outros e nas relações que ele mantem com o outro Porem esse mesmo social obedece em sua organização aos ditames das vicissitudes humanas das exigências psíquicas individuais Nessa ótica social é tudo aquilo que se refere à vida coletiva organizada e psicológico e tudo o que se refere ao indivíduo tanto no nível consciente quanto no inconsciente como ator social responsável e como sujeito 105 do inconsciente embora não sejam entidades estanques e independentes entre si Pelo contrário são indissociáveis só podemos nos referir ao social e ao psicológico como forma didática de falarmos de espaços que na realidade se confundem Se a psicossociologia considera seu objeto de estudo o homem em situação social como complexo e atravessado por múltiplos determinantes é conseqüentemente lógico que procure estabelecer relações e articulações entre contribuições teóricas das diversas disciplinas que sob suas especificidades analisam as questões que chamamos de psicossociais Assim os fundamentos teóricos da psicossociologia são multireferenciais conteúdos principalmente da sociologia e da psicanálise vêm se juntar aos conteúdos da psicologia social assim como os de disciplinas afins como a antropologia e a história Esses diferentes saberes que se complementam são articulados entre si na tentativa de apreensão do sentido das atividades sociais humanas Articulações difíceis e perigosas pois a transposição de conceitos elaborados dentro de um corpo teórico para outros campos de saber não pode se dar de forma a descaracterizálos ou tornálos sem sentido ou pior desvirtuálos das significações epistemológicas nos quais foram moldados Tratase na verdade de relações possíveis de serem estabelecidas entre orientações congruentes dessas disciplinas onde os conceitos específicos resguardam e respeitam seus contextos de origem Mesmo em uma única disciplina como na própria psicologia existem diferentes olhares conceitos diferentes ou atédivergentes entre si E mesmo nessa forma interior de teorização decorrente da postura de teóricos e pesquisadores em psicologia frente à vida às ciências e ao conhecimento comum mesmo assim buscamos estabelecer relações entre nossas teorias visando uma maior compreensão da realidade complexa 106 esta sim impossível de ser explicada e compreendida a partir de um único olhar disciplinar O campo da psicossociologia e o dos grupos das instituições dos conjuntos concretos conforme define o psicossociólogo francês E Enriquez 1983 nos quais o indivíduo se encontra e que mediatiza sua vida pessoal e a coletividade Diversos teóricos da sociologia e psicossociologia contemporânea como Alain Touraine Pierre Ansart e Eugène Enriquez na França enfatizam aspectos individuais e psíquicos na dinâmica social principalmente no que se refere à sua constituição simbólica e imaginária Por outro lado as obras ditas sociológicas de Freud29 contribuem para a compreensão da organização social quanto à carga de projeções psíquicas que ela comporta A concepção do ser histórico para a psicologia social conforme desenvolvida por S Lane inclui os aspectos ideológicos e da consciência que marcam a atividade do homem na sociedade contribuindo assim para a análise psicossocial junto a grupos instituições e comunidades Historicamente a análise psicossocial institucional se filiou a correntes teóricas e metodológicas de diferentes origens De Kurt Lewin herdou a noção de campo dinâmico cujos elementos se encontram em interdependência e a action research atravésda intervenção psicossocial em grupos e instituições reais Através da psicanálise freudiana busca a compreensão dos investimentos psicológicos na formação do social e das formas de manifestação e projeções do inconsciente nas relações sociais nas quais os indivíduos reeditam as relações pais e filhos e fantasias arcaicas De Marx a 29 São consideradas como obras sociais de Freud seus últimos trabalhos como Toíem e tabu O tuturo de uma ilusão Psicologia de grupo e análise do ego O malestar na civilização e Moisés e o monoteísmo 107 noção de que o social é a condição histórica e determinante da existência humana o materialismo histórico analisado em termos de conflito de classes Das proposições aparentemente inconciliáveis de Freud o homem é o lobo do homem e de Marx a existência humana e social por natureza diversos estudiosos fundaram seus projetos teóricos mesmo se alguns desses caíram no ostracismo acadêmico como Reich e Marcuse recorrendo ainda a teóricos da sociologia e da antropologia O movimento institucionalista de origem basicamente francesa se apoia nessas principais correntes acima citadas Desse movimento fazem parte e têm relações próximas com a psicossociologia 1 A sociopsicanálise de Gerard Mendel busca conciliar as referências a Freud e a Marx intervindo em instituições onde busca responder à demanda de uma classe institucional conforme o lugar que esse segmento ocupa no aparelho de produção da instituição nas relações de poder atento às projeções inconscientes dos indivíduos Por exemplo intervindo em sua companhia de ônibus urbanos solicitado pelo segmento dos motoristas ele trabalhou sobre as relações dos motoristas com os outros setores e analisou afetos ligados às suas atividades e ao lugar que ocupavam na empresa 2 A psicoterapia institucional representada principalmente em suas origens por Tosquelles J Oury e Guattari se interessa basicamente pelas instituições psiquiátricas é a forma como estas reproduzem as relações de alienação e de cristalização na perpetuação da doença mental Todo o movimento de desinstitucionalização desenvolvido na Itália e liderado por Basaglia nos hospitais 108 psiquiátricos visa o questionamento da eficácia dessas instituições e busca sua dinamização atravésda ruptura do instituído Nessa perspectiva o lugar de cada profissional no hospital e sua função terapêutica são questionados seja o médico ou o faxineiro 3 A socioanálise ou análise institucional conforme concebida por Lapassade e Lourau tem origem na sociologia A análise institucional visa a revelação do nãodito do recalque político revelação esta que não e feita pelo analista mas pelos analisadores que são sintomas contraditórios reveladores do disfuncionamento das contradições e conflitos institucionais uma greve um suicídio um caso de assédio sexual por ex O que se busca em todas essas linhas apesar de suas diferenças é uma mudança nas relações sociais pelo questionamento de práticas instituídas e cristalizadas pela reflexão sobre a condição histórica que permeia as interrelações institucionais Buscase o movimento onde se manifesta a estagnação a naturalização do instituído e essa busca se dá atravésdos atores sociais Daí a impossibilidade de dissociação do social e do psicológico Daí o sentido clínico da pesquisa e da prática a intersubjetividade onde fenômenos psíquicos ocorrem entre indivíduos isto é socialmente nos grupos nas instituições nas comunidades no social mais amplo O dogmatismo que marca um corte na rede das ciências humanas e sociais não impede que diversos estudiosos defendam a ideia da teoria sempre em construção jamais concluída Mesmo mantendo suas especificidades teóricas procuram atravésda interdisciplinaridade chegar um pouco mais perto desse 109 objetosujeito de estudo que somos nós seres que se interrelacionam socialmente A psicossociologia nas instituições O administrador de empresas olha para a instituição enquanto organização de trabalho buscando azeitar a máquina com objetivos de aumentar a produção e o lucro mesmo que para isso se interesse pelo homem enquanto peça de produção O sociólogo vê nas instituições o germe e os efeitos dos movimentos sociais a organização social do trabalho ou das relações sócioeconô micopolíticas sob a égide do determinismo social A psicanálise busca enxergar as instituições como depositárias das mazelas e desejos do inconsciente individual O psicólogo da indústria dirige seu olhar para o comportamento as habilidades e capacidades individuais mensuráveis em escalas e os processos grupais seguindo uma lógica instrumental das relações mercantis O psicossociólogo quanto a este tentará olhar para a realidade institucional enquanto objeto complexo de pesquisa dotado de um sistema simbólico que lhe dá um sentido social atravessado por um imaginário social produto e produtor de imaginários individuais A instituição é muito mais que uma organização na verdade a primeira inclui a segunda É composta em parte pelos determinantes sociais e em parte construída com tijolos e janelas do psiquismo humano O conceito de instituição como estrutura social inclui além da organização o espaço social simbólico o código a regra imaginário representações mitos e psicológico onde se encontra a organização Constitui assim uma identidade instituída sobre uma lei própria interiorizada num sistema de regras e inclui ainda a transmissão de um saber que lhe é próprio ligado a uma ideologia a valores precisos à 110 formação da sociedade e da cultura conforme analisa J BarusMichel É do lugar dessa interação psicossocial que o psicossociólogo ao fazer uma análise da instituição vai dirigir seu olhar tanto para o que é de ordem do instituído lugar da instituição no sistema sócioeconômicopolítico identidade social história tanto para o que é da ordem do funcional hierarquia sistemas de decisão e de comunicação funcionamento formal divisão de papeis assim como procurará apreender o que é da ordem do sujeito e das relações interpessoais É através ainda uma vez da interação do intercruzamento desses diferentes níveis que uma leitura da instituição se apresenta Não de forma total mas o mais abrangente possível buscando integrar os diferentes determinantes considerando a complexidade da realidade com a qual lidamos Além disso o fato de sermos objetos e sujeitos ao mesmo tempo não nos permite a pretensão nem nos dá a isenção de apreendermos completamente a realidade na qual estamos inseridos O sentido dessa realidade é buscado nas entrelinhas dos meandros mas também das evidências institucionais As instituições são manifestações e concretizações das realidades da vida em sociedade Não precisam de estabelecimentos para existirem mas sempre se estabelecem criam suas leis suas regras seus códigos suas ideologias Impôem costumes prêmios e punições transmitem valores e estabelecem limites Produzem coisas ou pessoas mas também protegem dão garantias alimentam egos e ilusões e servem como projeção para as fraquezas e anseios da alma humana São espaços de mediação como dissemos entre a vida individual e a vida coletiva Falar da dinâmica institucional é falar dessas relações que se tecem entre indivíduo e instituição e que longe de serem estáticas se movem em todas as 111 direções A relação individual à instituição se enraíza na identidade social cultural e política que se realiza na prática cotidiana mobilizando nos atores sociais investimentos e representações lhes permitindo assim se identificarem ao conjunto social É considerando todos esses aspectos que o olhar do pesquisador para a instituição deve ser o mais abrangente possível É atravésda análise dos mecanismos institucionais das relações instituídas e institucionalizadas em seus diferentes níveis que e possível apreender no contexto da realidade objetiva as relações sociais nos pontos de articulação entre a ordem social e a ordem psicológica A questão do método Um número crescente de pesquisas têm sido realizadas em instituições abordando diferentes aspectos da realidade institucional Esses estudos seguem metodologias variadas conforme os pressupostos teóricos que as orientem A psicossociologia tem privilegiado uma metodologia que se baseia nos princípios da pesquisa ação A pesquisaação se define essencialmente pelo elo entre o saber e o fazer30 Ela parte de uma perspectiva epistemológica interdisciplinar e que inclui assim diferentes saberes acadêmicos além da relação entre saber científico e saber popular A metodologia própria à pesquisaação leva em conta as relações entre Homem x Cultura x Meio Ambiente implicando como conseqüência a reelaboração 30 Para o aprofundamento na metodologia de pesquisaação ver o texto O híten da pesquisaação traço de união entre saber e tazer de minha autoria e o livro de Michel Thiollent sobre o assunto ambos relacionados nas referências bibliográficas ao tmal deste capítulo 112 coletiva de aspirações e valores psicossociais a participação comunitária e a ação organizada Nesse sentido a metodologia vai ser desenvolvida conforme simultaneamente os objetivos voltados para a busca do saber e os rumos da ação A pesquisaação visa a conquista do conhecimento atravésda pesquisa e a transformação atravésda ação Supõe uma troca mais do que uma devolução elaborada do que se aprende numa reflexão teórica juntamente com os atores sociais envolvidos Rochael Nasciutti 1992 É fundamental que haja um planejamento rigoroso da pesquisa onde um objeto claro seja definido e hipóteses construídas como num projeto de pesquisa científica Mas as diferenças da pesquisaação com a pesquisa dita científica existem e se manifestam em variados aspectos A própria postura do pesquisador frente a seu objeto de pesquisa se distancia da postura do pesquisador científico ortodoxo31 Aqui o pesquisador entende que o princípio da neutralidade científica é um mito Ele se encontra implicado com seu objeto atéa alma no sentido estrito e lato da palavra Implicado pela sua posição técnicoprofissional ele planeja elabora hipóteses pesquisa sobre objetos psicossociais e analisa resultados a partir de uma posição social que não pode lhe ser indiferente já que lhe assegura o poder de um saber Implicado existencialmente enquanto ser histórico o pesquisador é sujeito de uma ideologia de valores sociais e realiza julgamentos que lhe fazem olhar para a realidade que pesquisa sob uma certa óticaética Implicado psicoafetivamente ele gosta ou não da 31 Teoricamente ele se coloca aberto aos diferentes saberes de disciplinas afins e da própria realidade atravésde seus atores sociais em situações sociais Quando falo do ator social compreendoo nos dois sentidos da palavra ator aquele que representa um papel que lhe e atribuído pela sociedade e ator aquele que atua que age sobre o social que sobre ele age Interage 113 realidade social que apreende tanto científica quanto vivencialmente projeta nela e na interpretação que dela faz conteúdos de seu inconsciente utilizaa em seus mecanismos de defesa investea de suas vontades conscientes A noção de implicação se opondo à postura de isenção e neutralidade supõe o envolvimento do pesquisador com seu objeto de pesquisa nesses diferentes níveis acima comentados Na pesquisaação a implicação é elemento fundamental É a partir da compreensão de que a neutralidade é impossível posto que qualquer ação de pesquisa por mais que as variáveis em jogo e por acaso as sabemos todas sejam controladas ou manipuladas é uma ação oriunda de um ator social o pesquisador olhando para outros atores socialis com os qualis de alguma forma interage A velha piada do rato de laboratório que diz ao outro rato condicionei esse cara direitinho Toda vez que pressiono a barra ele me dá uma gota dágua exemplifica com perfeição o que afirmo acima O objeto com o qual estamos interagindo atravésda pesquisa mesmo que seja um rato nos olha nos controla nos analisa como nós enquanto pesquisadores o olhamos controlamos analisamos Alem disso existe um saber que e próprio à realidade social e aos atores sociais nela envolvidos que nem sempre o pesquisador apreende atravésdos métodos científicos tradicionais É o saber da práxis Em suma na perspectiva da pesquisaação formas diferentes de saber são associadas Em princípio pela postura interdisciplinar do pesquisador Associandose a esse campo de saber o saber de quem faz podemos nos aproximar mais da complexidade do real pela ação dos diferentes atores sociais envolvidos na situação universo de pesquisa pesquisador Dessa forma o saber acadêmico se enriquece e a reflexão conjunta e 114 ação dinamizam o social rompendo formas cristalizadas de funcionamento e instituindose mobilidade e transformações na realidade social num contexto do fazerproduzirsaber que norteará um outro fazer que gerará um outro saber Rochael Nasciutti 1992 Em termos de técnicas de pesquisa apropriadas à pesquisaação não há uma delimitação definitiva das mesmas posto que as situações reais e que serão determinantes dessas escolhas Podemos no entanto citar as entrevistas semiestruturadas os questionários a observação livre eou sistemática a etnometodologia a análise de conteúdo documental e histórica atravésde material disponível a análise do discurso os grupos operativos e a dinâmica de grupo A metodologia das histórias de vida oriunda das ciências sociais tem se mostrado um referencial metodológico de grande importância no estudo dos grupos instituições e comunidades A análise da história de vida segundo Queiroz 1977 permite a apreensão da interação entre a vida individual e o social ultrapassando assim o caráter individual do que e transmitido pelo ator social em seu relato e que se insere na coletividade à qual pertence o narrador É toda uma história coletiva uma verdade subjetiva do grupo que se manifesta na história individual com um espelho do seu tempo e de seu grupo Poirier 1983 O cruzamento das histórias de vida de indivíduos pertencentes a um mesmo grupo social permite ao pesquisador a apreensão da interrelação entre dados fragmentários do alcance à significação dos relatos recolocados em seus contextos sócioeconômicoculturais e ainda uma síntese dos elementos constitutivos de um discurso do grupo a várias vozes A nível individual ambas as lógicas social e psicológica da apreensão da realidade formalizada representada e vivida percebida pelo sujeito podem ser identificadas explicitando a 115 relação deste com as situações sociais com as quais se defronta Assim um grupo social pode ser analisado quanto a diferentes aspectos da vida de seus componentes como estrutura familiar de origem escolaridade vida profissional e inserção social representações coletivas mecanismos de ação e movimento social A herança econômica social e cultural são elementos psicossociais que contribuem na determinação das trajetórias de vida formando um patrimônio em comum Pereira Nóbrega e Rochael Nasciutti 1994 Essa abordagem metodológica contribui para a compreensão mais ampla do comportamento humano em situações sociais em função de seus múltiplos determinantes e permite a identificação de elementos a serem trabalhados juntamente com o grupo A instituição como via de acesso à comunidade Segundo Pierson 1974 as comunidades surgem do simples fato de vivermos em simbiose isto é de viverem juntos num mesmo habitat indivíduos tanto semelhantes quanto diferentes e da competição cooperativa em que se empenham As comunidades são estudadas como partes organizadas funcionalmente num sistema de interdependência intrincada e continuamente mutável enfatizando a divisão de trabalho a especialização de atividades e a concentração dos indivíduos em instituições No Brasil via de regra quando se fala em estudos comunitários ou estudos de comunidades a associação imediata que se faz e de que se trata sempre de comunidades carentes desfavorecidas favelas Essa associação tem sua razão de ser já que a maioria dos trabalhos publicados principalmente nas áreas de 116 sociologia e serviço social referemse efetivamente a estudos em comunidades carentes Podemos supor sem grandes riscos de erro que a ênfase e a prioridade dada a esse trabalho se deve às graves questões sociais brasileiras ao imenso fosso que separa os grupamentos sociais em função das desigualdades de renda e de condições de vida ao descaso dos setores públicos para com essas comunidades Cabe no entanto ressaltar que para a psicossociologia o conceito de comunidade engloba evidentemente as comunidades carentes mas não se restringe a elas Se a comunidade caraterizase pela distribuição em espaços de homens instituições e atividades unidade de vida em comum e de ação coletiva e de controle social formal se a instituição se apresenta como espaço de mediação entre o que é da ordem do social e o que é da ordem do individual podemos perceber a nítida interrelação e interdependência entre instituição e comunidade e mais repito a importância de se privilegiar a instituição como campo de pesquisa e ação sobre a comunidade As considerações e proposições teóricas e metodológicas desenvolvidas até aqui referemse a grupos instituições e comunidades de modo geral sem especificações que caracterizem um ou outro como objeto de pesquisa em particular Exemplos de objetos ou situações específicas de pesquisa ou de intervenção psicossocial são muitos Um número crescente de trabalhos têm sido desenvolvidos nos últimos anos em nosso país ligados por exemplo à questão educacional envolvendo ação sócioeducativa realizada por equipe interdisciplinar como o projeto desenvolvido na comunidadefavela da Rocinha32 no Rio de Janeiro onde 32 A análise desse projeto realizado pelo NEAM Núcleo de Estudos e Ação sobre o Menor PUCRJ foi objeto da tese de mestrado da coordenadora do projeto Marina Lemette Moreira Universidade e 117 as relações universidade x comunidade sãorepensadas e as possibilidades de maior integração enfre ambas são apontadas visando benefícios mútuos Por outro lado instituições como as ONGs Organizações Não Governamentais têm sido objeto de análise sob diferentes aspectos que vão desde os lugares que ocupam no social sua identidade social atéa reflexão aprofundada sobre suas formas de ação e objetivos33 Na linha da ecologia social pesquisadores da psicossociologia buscam entender as relações do homem e de grupos com o espaço construído seja nas metrópoles ou nas zonas rurais seja na remoção de comunidades e suas conseqüências no âmbito da família da profissão do lazer etc Instituições têm sido analisadas quanto às suas próprias estruturas e características funcionais e ideológicas que definem em grande parte o modo como são vivenciadas pelos que delas participam como afirmei no início deste texto Um exemplo e a intervenção sócio analítica desenvolvida em uma prisão militar utilizando metodologia participativa na qual além da análise psicossocial envolvendo os diferentes níveis da organização da instituição foram desenvolvidos grupos operativos com grupos de presos34 As relações de poder relacionadas ao papel determinante da ideologia e aos investimentos psíquicos feitos pelos indivíduos nas instituições foram analisadas em uma instituição Comunidade Repensando a Educação Mestrado do Programa EICOSIPUFRJ 1994 7 Organizações NaoCovernamentais Aspectos de construção de uma identidade na perspectiva da psicossociologia dissertação de mestrado de Eneida Lacerda Pamplona Programa EICOSIPUFRJ 1995 34 Uma instituição total em análise Uma intervenção socioanalítica em um presídio militar Cristina Lúcia Maia Coelho tese de doutorado IPUFRj 1994 118 universitária numa pesquisa por mim elaborada seguindo a grade de leitura institucional proposta por J BarusMichel35 Ainda uma pesquisaação realizada em uma unidade de internação de um hospital público junto à equipe de profissionais e pacientes internados buscou analisar as formas de investimentos desses pacientes na instituição hospitalar relacionadas às suas histórias de vida e projetos assim como as questões e conflitos produzidos nas interrelações entre os membros da equipe e entre equipe e pacientes36 Muitos outros trabalhos têm sido desenvolvidos em todo o país e seria interessante que o leitor consultasse periódicos e livros da área para vislumbrar todas as possibilidades de pesquisa e ação que tornam relevante o trabalho do psicossociólogo Como conclusão e ilustração das considerações teóricas e metodológicas desenvolvidas o ensaio que se segue elaborado a partir de um trabalho desenvolvido na área das instituições de saúde mental sob a ótica da análise psicossocial clínica pode clarificar ainda mais nossas propostas e contribuir para a reflexão do leitor Mudanças no modelo assistência nas instituições de saúde mental no Brasil37 35 Ideologie pouvoir et statut du sujet Une analyse psychosodale dune institution universitaire tese de doutorado Universite Paris VII 1991 36 Vida e ruptura podese lidar com o imponderável jacyara C Rochael Nasciutti e Neide P Nobrega XXIV Congresso Interamericano de Psicologia Chile 1993 37 Essa reflexão é fruto de um trabalho de intervenção institucional realizado em equipe coordenada pelo Prof Dr Eduardo M Vasconcelos tSSUFRJ e integrada por mim IPEICOSUFRJ e pelos psicólogos Paulo S Prazeres e M Angelica Eleuteno de Souza membros do NESCONUFMG órgão que financiou o projeto desenvolvido no CHPBFHEMIGMG Este trabalho foi apresentado no 119 A história da assistência aos portadores de doença mental no Brasil é conhecida mais pelos seus desacertos do que por modelos assistenciais efetivos Esses desacertos incluíam uma política de exclusão referenciada no modelo do macrohospital do asilo do campo de concentração do depósito de loucos A filosofia subjacente a esse modelo tradicional implicava numa representação do doente mental como um nãoser social ao qual todos os direitos reservados ao cidadão eram negados e como um nãoser humano do qual eram retirados toda a individualidade e respeito humanos e negada a identidade Conseqüentemente as práticas institucionais e sociais voltadas para a assistência a esses indivíduos resumiamse primariamente a quando muito garantirlhes a sobrevivência física e secundariamente a mantêlos inofensivos atravésde procedimentos inibidores como as cirurgias ou as drogas Uma legião de zumbis vagavam e infelizmente ainda vagam pelos pátios das instituições ditas de assistência à saúde mental De que saúde se trata aí é um dos pontos que pretendo desenvolver pelo viés da questão institucional Apesar de sabermos que esse olhar e essa concepção predominante da doença mental com todas as implicações psicossociais decorrentes ainda persistem em alguma parte das instituições hospitalares e asilares brasileiras as considerações que teci acima foram colocadas no preterito propositadamente Isto porque mudanças têm ocorrido que nos permitem o otimismo e a expectativa de que novos modelos assistenciais que têm sido implantados aqui e ali servirão Seminário Internacional de Desenvolvimento Social da cátedra UNESCO de Desenv Durável na UFRJ 1994 120 como multiplicadores de uma nova filosofia assistencial que privilegie o cidadão e a pessoa doente mental Sob influência de um amplo movimento internacional centrado principalmente na Itália em Cuba e de alguma forma tida como equivocada nos Estados Unidos e tomando como referência local a estrutura asilar predominante em nossas instituições públicas ou privadas profissionais da saúde mental de diferentes formações têm questionado o modelo vigente e proposto formas alternativas de assistência ao doente mental ao mesmo tempo em que se reflete sobre as atuações disciplinares que visem a profilaxia e ações preventivas na saúde mental de maneira global O Ministério da Saúde e o Legislativo por sua vez se comprometem com o movimento e estabelecem regras e normas que implicam na reestruturação ou na elaboração de novos modelos assistenciais que contemplem a criação de dispositivos terapêuticos e mudanças nos atendimentos prestados à clientela e que se apoiam numa nova concepção do lugar psicossocial do cliente portador de sofrimento psíquico grave principalmente no que concerne aos aspectos de reconhecimento da cidadania reinserção social e familiar e descronificação para os já inseridos no modelo vigente pacientes asilares e de formas de atendimento que evitem a internação e conseqüente cronificação dos pacientes ambulatoriais Em ambos os casos deve prevalecer o princípio da nãoexclusão e do respeito à pessoa humana Observase no entanto uma grande resistência por parte das grandes instituições asilares e de alguns setores da sociedade à efetivação dessas mudanças embora todos reconheçam a falência do modelo assistencial atual Essa resistência pode ser entendida como motivada e justificada por diferentes fatores psicossociais Numa perspectiva ampla e social 121 predomina uma representação social negativa da doença mental e seu portador implicando em atitudes preconceituosas estereotipadas e excludentes por parte da sociedade e dos próprios profissionais dessas instituições que embora exerçam suasfunções terapêuticas ou administrativas em contato com esses clientes estão obviamente tão sujeitos aos mecanismos de formação de representações sociais quanto qualquer outro membro de sua cultura e sociedade Diversos estudos têm mostrado sob diferentes ângulos de análise filosófico psicológico sociológico Foucault D Jodelet entre outros o quanto a loucura habita o imaginário social nos remetendo ao questionamento de nossa própria razão daqueles considerados sãos e do pavor de perdêla Afastar o doente mental segregálo isolálo de nossos olhares e convivência retirarlhe os atributos e prerrogativas de cidadão e de ser humano e o mecanismo conseqüente que nos sossega e nos faz crer que não corremos o mesmo risco Resumidamente grosso modo a internação e cronificação assim se justificam Acontece que não são apenas os doentes que se cronificam na internação hospitalarasilar A repetição contínua de práticas ao longo do tempo a estrutura burocráticoadministrativa que rigidamente se instala pela cristalização das interrelações institucionais reproduz na própria instituição assistencial o modelo cronificador dos pacientes A rigidez organizacional e terapêutica indissociável da filosofia a elas adjacente mas associada ainda a outros determinantes culturais políticosociais e psicológicos faz com que essas instituições funcionem como pequenos feudos de reprodução social isolados do mundo como os loucos que abrigam alheios às mudanças do mundo cá de fora focos de resistência aos movimentos sociais 122 A esses fatores juntase um outro elemento extremamente poderoso na sociedade capitalista em que vivemos o financeiro A indústria da loucura tem retorno monetário seguro rentável e permanente Há uma grande resistência por parte dos que vivem da insanidade do outro há honrosas exceções em abandonar estrategias instituídas de ganhos financeiros seguros que a cronificação aporta e que garante a perpetuação dos hospitaisasilos Novas formas de atendimento ao usuário podem ser interessantes para o próprio mas garantem a continuidade do custobenefício de quem lucra com o modelo atual Mudar o modelo assistencial em saúde mental significa assim determinação ética e política que passa por e acarreta mudanças nos níveis social institucional e individual ça mental e de seu portador Nesse sentido o discurso e a atuação dos profissionais da saúde mental é fundamental38 Institucional em seus diferentes níveis 1 No nível do instituído compreendendo os próprios alicerces dos hospitais e asilos instalações infraestrutura estatutos leis normas e regras internas e fundamentalmente na filosofia norteadora do projeto terapêutico que lhe é próprio e que deve conjugar as 38 O recente episódio ocorrido em São Paulo envolvendo uma declaração de um psiquiatra sobre uma suposta epilepsia condutopática que teria sido responsável pelo assassinato de quase toda a família por parte de um rapaz de 21 anos vem levantando uma enorme polêmica dentro da própria categoria que infelizmente pelas circunstâncias trágicas que a motivaram parece extremamente saudável no que se refere ao tema proposto o tim ou no mínimo a redução dos estereótipos e alarmismos infundados a propósito da doença mental seu portador e sua inserção social ver revista feíof números 1307 1311 e 1313 outnov94 123 determinações ministeriais e legais com sua realidade local seus objetivos e projetos próprios sua inserção na comunidade sua clientela suas relações com outras instituições sociais 2 No nível funcional promovendo uma dinâmica nas redes de decisão e de comunicação entre setores e serviços criando uma nova cultura organizacional que priorize a gestão participativa a partir da redefinição das metas e práticas instituídas e das mudanças referidas no nível do instituído É principalmente nesse nível que se manifestará na realidade cotidiana das práticas o modelo assistência adotado39 3 No nível relacional redefinese o lugar e o papel do ator social envolvido no processo A criação de equipes efetivamente interdisciplinares e não apenas multidisciplinares40 permite a maior integração entre os 39 As recomendações ministeriais e dos especialistas incluem a criação de serviços extrahospitalares oficinas terapêuticas centros de convivência equipes volantes grupos de familiares profissionais de referência lares abrigados hospitaisdia entre tantos outros procedimentos que de um lado evitem internações longas eou desnecessárias e de outro permitam a remserção familiar social e no mercado de trabalho de pacientes cronificados pela internação prolongada Em todos esses procedimentos o resgate da cidadania civil política e social está incluído como objetivo fundamental ao lado das funções efetivamente terapêuticas que visem o bemestar psicossocial do portador de sofrimento psíquico ver bibliografia 40 A interdisciplinaridade tem mão dupla não apenas permite a integração dos diferentes saberes na efetivação dos objetivos terapêuticos como deve ainda contribuir para o próprio conhecimento disciplinar pelas possibilidades de enriquecimento e mudanças que o contacto e troca com outros saberes e práticas propicia Nesse sentido vale aqui repetir um argumento do Prot Wanderley Codo ao justificar a importância da equipe atuar interdisciplinanamente evitar transformar a equipe num agrupamento cujo desígnio tosse o rateio da realidade do paciente no caso entre os vários especialistas implicando em uma compartimentalização que e o avesso de seus 124 profissionais de diferentes categorias e posições hierárquicas e estabelece que cada ator seja um agente terapêutico dentro da dinâmica organizacionalfuncionalassistencial o que significa ainda mudanças nas relações profissionais x cliente No nível individual manifestamse todas as transformações referidas no nível do instituído do funcional e do relacional institucional O ator social ao ver redefinida sua inserção profissionalinstitucional ao perceber diferentemente seu objeto de trabalho seu papel e seu lugar de sujeitoator no processo terapêutico se resitua se reavalia e se transforma Um trabalho realizado em um grande hospital psiquiátrico do país dentro de um amplo projeto de intervenção institucional com objetivos de reestruturação do modelo assistencial adotado e de análise das relações institucionais da estrutura e organização revela entre diversos outros elementos apenas parcialmente presentes neste trabalho a carência de reconhecimento e valorização individual e profissional dos diferentes atores sociais profissionais a queixa de isolamento e de falta de treinamento o desconhecimento da dinâmica funcional global por um lado e por outro uma grande preocupação com o bemestar dos pacientes e com seu próprio bemestar psíquico A análise evidenciou ainda a cristalização do modelo de macrohospital com tendências centralizadoras grandes investimentos na infraestrutura em detrimento da assistência e um imaginário institucional que conduzia à estagnação Essas observações foram objeto de reflexão e análise de caminhos possíveis realizadas conjuntamente pela equipe de consultoria e os diversos segmentos que compõem a comunidade hospitalar objetivos recusandose a se transformar em pugilato em arena conceitual onde todos perdem 125 Haverá um ponto de partida para essas mudanças Seria necessário se começar pela sociedade ou pelo ator social Se considerarmos como considero que há uma interação dinâmica entre todos esses níveis social institucional e individual e ainda que determinantes sociais culturais e psicológicos se articulam produzindo formas de representação e de atuação com relação aos diferentes objetos psicossociais nos quais incluo a doença mental e seu portador podemos perceber que não existe um único ponto de partida É atravésdos movimentos instituintes da integração hospitalcomunidade e da ação planejada dos diferentes atores sociais envolvidos que novos modelos assistenciais poderão efetivamente ser implantados com possibilidades de sucesso Mas principalmente a instituição enquanto mediador entre o que é da ordem social e cultural e o que é da ordem do indivíduosujeitoator se revela como o centro dinamizador das transformações sociais As mudanças no modelo assistencial nas instituições de saúde mental no Brasil estão ocorrendo e podem contribuir de forma eficiente e efetiva para o desenvolvimento humano e social por um lado reduzindo a distância física e o isolamento psicossocial desses marginalizados pessoas que por sofrerem psiquicamente são excluídas da sociedade e por outro lado redimensionando a inserção e identidade social das instituições e de seus atores sociais BIBLIOGRAFIA BARUSMICHEL J Lê sujet social Paris Dunod 1987 CASTORIADIS C A instituição imaginária da sociedade São Paulo Ed Paz e Terra 1986 126 ENRIQUEZ E Eloge de Ia Psychosociologie In Connexons EPI ne 42 Paris 1983 Da horda ao Estado Rio de Janeiro Zahar 1990 LANE S e CODO W org Psicologia social O homem em movimento São Paulo Ed Brasiliense 1992 MAISONNEUVE J Introdução à psicossoclologia São Paulo Ed Brasiliense 1988 PEREIRA NÓBREGA N e ROCHAEL NASCIUTTI J Vida e ruptura Podese lidar com o imponderável In Arquivos Brasileiros de Psicologia vol 46 n9 34 1994 p 4556 PIERSON D Estudos de ecologia humana São Paulo L Martins Ed 1974 POIRIER et alii Lês recits de ve theoríe et pratique Paris PUF 1983 QUEIROZ Ml Relatos orais Do indizível ao dizível In Von Simson OM org Experimentos com histórias de vida Ene Aberta de Ciências Sociais São Paulo Ed Vertice 1988 ROCHAEL NASCIUTTI J Ideologie pouvoir et status du sujet Une analyse psychosociale dans une institution universitaire tese de doutorado Universite Paris VII 1991 O hífen da pesquisaação traço de união entre saber e fazer In Anais do 1º Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade de Trabalho Social tomo II Belo Horizonte 1992 ROTELLI F et alii Desinstitucionalização São Paulo Ed Hucitec 1990 THIOLLENT M Metodologia de pesquisaação São Paulo CortezEd 1988 VASCONCELOS EM Do hospício à comunidade Belo Horizonte Ed Segrac 1992 127 QUALIDADE DE VIDA E HABITAÇÃO Naumi A de Vasconcelos Por uma psicossociologia da habitação A noção de corpo indefeso do qual a casa constitui veste protetora simbólica de uma situação existencial satisfatória ou ao contrário carente que tantas vezes se manifesta na expressão conjunta de corpo doente mal abrigado e mal vestido41 Que o habitar faz parte de qualidade de vida parece ser uma dessas afirmações incapazes de levantar qualquer polêmica Mas a polêmica não tarda a surgir desde que passe a conceituar a própria expressão qualidade de vida Será ela correlata de gênero de vida Max Sorre ou ainda de nível de vida com o que essa expressão comporta de ascensão econômica e social Como avaliar essa qualidade em nossas sociedades de consumo sem tornála correlata da noção de quantidade de bens de artigos domésticos de consumo E como atuam os modelos culturais na conceituação de qualidade de vida e no que em este artigo interessa em sua ligação com a habitação Lembremos a definição de Bordieu modelos culturais formam o conjunto de representações de uma prática própria a todos os membros de um grupo e que se define então a partir desse grupo etnia sociedade etc São habitus sistemas de disposição durável estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas 41 Mana Heloísa Feneion Costa Representações coletivas no alto da Boa Vista Rio de Janeiro MS 1975 128 estruturantes isto é enquanto princípio de geração e de estruturação das práticas e das representações que podem ser objetivamente regradas ou reguladas sem serem absolutamente o produto de obediência a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a visão consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingilos e sendo tudo isso coletivamente orquestradas não são o produto da ação organizadora de um maestro42 Certo eles podem ser tudo isso retrucam alguns autores mas uma definição de nada vale quando ela está distanciada de sua práxis Ora a prática dos modelos culturais em nossas sociedades de consjsmo tem revelado serem os mesmos maquilados pelo poder político e econômico com a finalidade de manipular e mascarar necessidades humanas Seria o caso para M Duelos43 dos modelos habitacionais que elaborados por arquitetos distanciados dos interesses comunitários propostos pela exploração imobiliária e pela política da moradia são na verdade maneiras de disfarçar a penúria e a má distribuição do espaço nas cidades Os aspectos qualitativos e simbólicos de que se revestem esses modelos seriam puras estratégias a qualidade do habitar seria a outra fase da redução da quantidade do confinamento espacial para vender uma redução do espaço tudo é válido tanto o apelo a um ideal de modo de vida novo à americana exigindo a supressão de paredes na residência quanto o apelo ao ideal de vida tradicional onde o jardim deve ser necessariamente pequeno para ser íntimo44 42 Bordieu Pierre Esquisse dune theone de Ia pratique Paris E Droz 1972 43 Duelos M Pavillonaire dune vie nouvelle Paris C S U 1976 44 Idem In Modeles Cultureis Paris CERAENSBA 1977 129 O argumento de Duelos e serio e merece que nos detenhamos sobre ele mesmo porque nos remete a toda uma tradição de exploração espacial com ressonâncias diretas sobre o espaço habitado Lembro de passagem os impostos sobre as janelas que pesavam sobre os casebres da França no século passado e que Victor Hugo em Os miseráveis explora tão habilmente explicandonos por que o espaço dos mesmos era tão confinado Os modelos culturais não têm culpa desse mau uso responde H Raymond45 a M Duelos em uma polêmica celebre Mas se estão tão sujeitos assim a um mau uso se se prestam tão facilmente a serem corrompidos pelo consumismo como detectar nesses modelos sua inocência sua representatividade dos habitus de uma comunidade Como ali diferenciar o que é oferecido pela gerência dos poderes e o que é buscado por grupos e pessoas O curtocircuito ou retroação do que é oferecido sobre o que é buscado tão pregnantes na lei da oferta e da procura característica de nossas sociedades mostra o quanto é difícil discernir na noção de modelo cultural aquilo que emana de necessidades e habitus daquilo que ali É costurado pelo marketing O mesmo se pode dizer do conceito qualidade de vida e de seus modelos culturais passíveis certamente da mesma manipulação a alertar o pesquisador sobre as dificuldades de basear tais modelos somente sobre as representações de grupos e pessoas Essas representações já virão certamente contaminadas por efeito do curtocircuito mencionado Relacionar qualidade de vida e habitação e deparar com toda uma serie de fatores políticos e econômicos a definir essa relação nesta ou naquela 45 Raymond H In Modeles Culturels Habitat Paris CERAENSBA 1977 130 comunidade nesta ou naquela época A noção de intimidade por exemplo que marca modernamente a qualidade do habitar seria ela realmente ligada a um modelo cultural tal como define Bordieu a uma necessidade humana ou a valores e a necessidades fabricadas e veiculadas por diferente ideologias Sabemos que Aries R Flandrin J e Shorter E46 relacionam o nascimento do sentimento de intimidade na família moderna com uma transformação social de cima para baixo na organização do espaço habitado Entretanto ficase sem saber o que engendrou o que a necessidade da intimidade teria sido causa da transformação espacial ou ao contrário esta teria gerado aquela Ao evocar a evolução dos costumes os modelos culturais da família burguesa como fatores explicativos dessa transformação Flandrin adverte sobre as diferenças entre as classes sociais o nível de vida e para as classes pobres o que a cultura e para as classes ricas E ao criticar a relação exigência de intimidade sentimento de família ele adverte que se os pobres não podem ter recantos íntimos em suas casas a promiscuidade resultante não significa ausência de sentimento de família ao contrário a abertura das casas ou do quarto o leito comum a hospitalidade podem ser vistas como favorecendo a coesão familiar e comunitária Teriam sido os moralistas obcecados pela tentação do contato carnal e os ingienistas do século passado que combatendo esse dormir comunitário teriam estabelecido a citada relação Já para outros autores Habermas por exemplo na construção da intimidade existe outra coisa que um simples uso do espaço interior existe uma dialética que 46 Aries P Uenfant et Ia ve familiale sous ancen regime Seuil 1973 Flandrin J L Familles parente maison sexualite dans ancenne societe Harhette 1976 Shorter E Nassance de Ia famille moderne Seuil 1977 131 se instaura entre interior a moradia como espaço familiar e exterior o espaço urbano a sociedade fazendo desaparecer a complementaridade entre eles Podese dizer que dentro desta ótica a intimidade não se põe como elemento de qualidade de vida habitacional mas antes como exigência de nível de vida ligada à ascensão econômica de uma classe a burguesia que passa a ditar os modelos culturais de tudo inclusive do habitar O ideário da intimidade habitacional burguesa teria precipitado o corte entre família e sociedade entre Estado e sociedade civil entre trabalho social e trabalho doméstico a partir do sec XVIII A diversidade das posições epistemológicas com respeito à noção de qualidade de vida a pregnância ali da habitação e nela de espaços como o da intimidade têm o valor entre outros de pôr em relevo a necessidade de estudos inter ou transdisciplinares a esse respeito atentos a não cair em reducionismos sociológicos Só agora se incrementa a visão do simbolismo da habitação a mostrar que aquilo que se configura altamente simbólico para um determinado grupo cultural pode não sêlo para outro e que o simbolismo habitacional deve ser colhido além disso em quadros espaciais que não se encerram sempre entre quatro paredes Assim a simbólica da intimidade pode muitas vezes referirse a espaços muito diferenciados e o que é muito importante nem sempre dentro da habitação locais de intimidade podem ser embaixo daquela árvore em cima daquela pedra dentro daquela gruta etc enfim lugares onde o ser humano experimenta sua singularidade Os modelos culturais explicitados em nossa cultura relativamente à qualidade de vida habitacional não dão conta da variedade a ela subjacente a exigir investigações do por que e do como os sujeitos aderem ou se submetem a tais modelos Uma psicologia do habitar ou uma psicossociologia tornase indispensável 132 para se captar a subjetividade ali presente E como não há sujeitos assexuados indispensável igualmente se torna levar em consideração as diferenças entre os sexos quanto ao uso e a percepção da habitação A ausência dessa atenção ao gênero pode explicar em grande parte o fracasso de tantas políticas habitacionais tributado quase sempre a uma resistência à mudança por parte do habitante Afirmação generalista que não leva em consideração 1 o fato de que essa resistência existe ela deve ter tantas razões de ser na própria subjetividade do habitante 2 que essa subjetividade e essa resistência variam conforme os sexos Homens e mulheres não percebem a habitação da mesma maneira Não se pode mais reduzir a fatores sócioeconômicos as diferentes maneiras de habitar Aliás permeando uma cultura de classe transcorre toda uma cultura de gênero que convém analisar em seus conflitos internos Palmade e Lugassy47 falando sobre a transversalidade do gênero na habitação recorrem a uma projeção quase geométrica do corpo sexuado constatando que as mulheres preferem situarse no interior e os homens no exterior Entretanto ao concluírem que tal diferença eqüivale a uma projeção corporal dentrofora característica de cada um dos sexos eles naturalizam oposições ideológicas ultrapassadas como masculino x feminino fora x dentro habitação x meio circundante Entre a rara produção psicossocial sobre a habitação podese citar um estudo de Coing H48 onde aparecem interessantes exemplos do que se poderia talvez chamar de dissonâncias cognitivas nas 47 Palmade et Lugassy La dialectique du logement et cie son environnement Ministere de LEquipement et do Logement Paris 1970 48 Coing H Renovation urbaine ei changement social Ed Ouvrières Paris 1966 133 representações e percepções que os indivíduos e grupos fazem da habitação Essas incongruências no entanto deixam de sêlo desde que se penetre a lógica ou a simbólica que as subentendem E assim que esse autor ao apresentar o exemplo de um quarteirão parisiense relata que ele é objetivamente sórdido as casas pouco confortáveis em condições de surpeuplement pathogène mas ele conclui lê quartier plaft à ses habitants Aqui se encontra de tudo encontrase sempre alguem conhecido na rua a gente está em casa em todo lugar Não há fronteiras entre a rua a casa a fábrica Resultados de pesquisas49 a que cheguei incluem também as incongruências citadas por Coing revelando no entanto seu comprometimento com a variável gênero mulheres e homens não representando da mesma maneira a habitação e seus arredores ou seu território as dissonâncias entre representação e realidade são também diferenciadas que transpareceu por exemplo no item avaliação do local atravésde questões propostas e de desenhos da parte dos moradores Tal como no exemplo de Coing tratavase de um bairro rural objetivamente sórdido mas que para a população masculina apresentava inúmeras vantagens lugar isolado e tranqüilo silencioso muito verde posso andar como eu quero etc A avaliação feminina ao contrário destacou as desvantagens insegurança dificuldades de acesso a mercados e hospitais falta de distração isolamento Aliás um dado que a psicossociologia das aglomerações precisaria aprofundar é exatamente o da diferença de avaliação e de representação entre os 49 Naumi A de Vasconcelos Corpo e casa em Queimados CNPq Dep de Antropologia do Museu Nacional 197578 A mulher e o espaço CNPq Inst de Psicologia da UFRJ 199294 Lê corps Ia maison Ia sexualite tese de doutorado Universite Catholique de Louvain 1983 134 sexos em relação àquilo que caracterizaria um espaço como urbano ou como rural mesmo havendo um continuum entre eles as representações persistem em marcar uma discontinuidade É assim que a cidade parece mobilizar mais as mulheres que os homens para os quais o campo se coloca mais freqüentemente como ideal de vida Não se trata de verificar qual sexo estaria mais perto da realidade objetiva dos espaços habitados mas de levar em consideração o porquê de representações tão diferenciadas de atentar para seu impacto na vida da comunidade a impedir muitas vezes um acordo intragrupal no sentido de melhoria de condições de vida e explicando em parte o insucesso de muitos projetos de associações de bairro ou de campanhas ambientais A atenção ao habitante ou subjetividade e habitação ou ainda a relação corpocasa Falar em subjetividade e falar em corpo não evidentemente enquanto mero substrato fisiológico mas enquanto nossa presença no mundo como diz a fenomenologia e falar dessa presença é falar de sua apresentação sexuada a permear todas as suas outras formas de apresentação econômicas e culturais Levar em consideração os papeis de gênero na construção do corpo e na formação da subjetividade não irá certamente resolver todos os conflitos da presença humana no mundo ou como é o caso aqui os conflitos habitacionais dessa presença mas e condição indispensável para o diagnóstico desses conflitos e para seu processo de resolução permita pelo menos limpara área em suas camadas mais profundas deixando ver melhor o que sobre elas secularmente se acumulou Formulações como transparência social da habitação bastante reconhecida entre vários autores só 135 têm sentido se essa transparência for acessível ao habitante e não apenas ao lúcido pesquisador Sem essa consciência da parte dos sujeitos a alienação habitacional se instaura como aliás parece ser o caso na maioria de nossos aglomerados urbanos Mas não basta aos sujeitos perceberem criticamente o reflexo sobre seu habitat das estruturas e dos sistemas sociais não basta que percebam o quanto a maneira de habitar Os modelos de habitação que lhes são propostos reproduzem planos que lhes são alheios que não os consultam em suas necessidades habitacionais é preciso que percebam também o quanto a desapropriação espacial vai a par de uma desapropriação em nível de pessoa do corpo enquanto substrato daquela O tema da desapropriação do corpo pode parecer à primeira vista uma posição estritamente psicanalítica sem nada a ver com a questão da qualidade de vida e destas com a habitação Só parece Dados clínicos e análises de histórias de vida mostram com eloqüência a pregnância da vivência do espaço habitado na vivência e na autoestima do corpo próprio e da sexualidade com repercussões diretas sobre a saúde o bemestar físico e emocional os relacionamentos afetivos e sociais a atuação profissional enfim sobre tudo o que se relaciona com qualidade de vida Partindo da hipótese de que entre a imagem do corpo próprio e a imagem da casa existe uma troca simbólica de natureza projetiva de que essa troca indica uma relação arcaica e primitiva entre aqueles dois termos e de que nela a diferenciação sexual e uma variável importante realizei entre 1975 e 1978 juntamente com uma equipe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional uma pesquisa numa comunidade de Queimados na Baixada Fluminense O caráter qualitativo intensivo e participante de que ela se revestiu 136 levounos a habitar no local durante três meses aplicando ao lado das técnicas de rotina um instrumento metodológico a prova corpocasa elaborada especialmente para essa pesquisa objetivando detectar a troca simbólica acima referida sua distinção entre os sexos e a mútua transformação das imagens do corpo e da casa uma vez os mesmos colocados em confronto permitindo uma categorização das analogias encontradas Dividindo as analogias corpocasa em analogias estruturais e analogias funcionais conforme se situem ou se refiram a aspectos externos e formais ou a atividades de um e de outra os resultados apontam o forte condicionamento dos papeis de gênero e dos estereótipos sexuais nas comparações feitas pelos sujeitos e a uma estreita relação entre o habitar na casa e o se habitar no corpo relação vivida muito diferentemente pelas mulheres e pelos homens Considerando a distinção entre símbolo e sintoma pude verificar que os discursos masculinos além de serem mais lacunares e breves colocavamse ordinariamente na categoria do simbólico a casa como símbolo da vivência e da imagem do próprio corpo conotando com o orgulho de teremna construído e assim como com o prazer de nela habitarem enquanto os discursos femininos longos e repletos de interpolações se incluíam geralmente na categoria do sintomático o espaço doméstico sendo freqüentemente representado como vulnerável precário mal situado sem defesa diante de forças tanto sociais inveja controle dos vizinhos quanto naturais vento chuva desabamento e sobrenaturais assombrações mausolhados emprestando essa imagem ao próprio corpo e à própria sexualidade representada como exposta a feitiçarias invasões doenças e solidão 137 Não deixa de ser intrigante que essa pregnância simbólica da habitação no psiquismo tão importante para o deciframento de sintomas individuais assim como para a explicação e compreensão de comportamentos grupais interessando assim tanto a uma clínica quanto a uma ação políticosocial não seja ainda melhor trabalhada pela comunidade científica É verdade que em diferentes épocas aparecem produções a respeito indicando estar ali um tema de interesse universal entretanto o caráter esporádico das mesmas lhe retira o necessário assentamento epistemológico E o fato de estudos sobre a habitação concentraremse em algumas datas escasseando a seguir Foi aliás o critério seguido por F Battagliola et alii50 quando observam o fato de situarem se em torno dos anos 70 as datas de publicação ou de reedição de estudos sobre a ligação da estrutura familiar e a estrutura habitacional anos que segundo os autores marcam uma etapa de reflexão a esse respeito Por outro lado a simbólica do habitar tornase em muitos autores um espaço de projeção de ideologias diversas ou só merecendo uma atenção científica quando unida a uma temática outra a família as desigualdades sociais o consumismo etc raramente sendo vista como um componente arcaico e universal a dela fazer um capítulo permanente dentro das ciências humanas A leitura de um quadro cultural atravésda arquitetura e da habitação Comecemos com Gilberto Freyre51 a nos mostrar a casagrande e sua integração ao ambiente seu papel 50 F Battagllola M Gruska e B Mazerat Rapport entre levolution de Ia struclure familiale et Ia structure de 1habitat Quelques íencfances de Ia recherche Laboratoire dEcoEthologie Humame Paris julho1981 51 Freyre G Casagrande e senzala 138 como fundamento da organização social em seus vários aspectos econômico social político cultura sexual Indica como a religião e as superstições de um povo revelamse nas forças sobrenaturais a se expandirem nas casas malassombradas índice valioso para se detectar o que ali se passa ou passava os segredos os aspectos não revelados da vida familiar e social da época Porque os malassombrados costumam reproduzir as alegrias os sofrimentos os gestos mais característicos da vida nas casas grandes Vemos também como o corpo empresta a sua imagem à ligação da casagrande com a estabilidade patriarcal de que e expressão sua própria arquitetura gorda horizontal formando um modelo não apenas regional mas nacional A história social da doméstica conjugal sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo da sua vida de menino do seu cristianismo reduzido religião de família e influenciado pelas crendices da senzala Nas casasgrandes foi onde atéhoje melhor se exprimiu o caráter brasileiro nossa continuidade social A notar também em Freyre a influência das idéias de Spengler entre as quais a de que o tipo de habitação apresenta valor históricosocial superior ao da raça assim como a ideia da libação da etnia com um território particular uma raça não se transporta de um continente a outro seria preciso que se transportasse com ela o meio físico que um geógrafo atual como Joel Bonnemaison coloca como central em seus estudos Mas antes de apresentar as idéias deste autor será oportuno revisitarmos Spengler A pregnância simbólica do espaço construído nas várias culturas à qual se juntam as temáticas do espaço tempo do espaçomorte da intuição espacial são dentro da visão spengleriana definidas como sendo um problema da alma ocidental e exclusivamente dela por necessidade fatídica A representação do espaço seria 139 inexistente para o homem antigo grego sobretudo que se contentaria com a matéria o limite visível mas nunca com o espaço puro infinito Tal negação espacial é vista como pathos não admitir um mais além Spengler52 insiste bastante na desencarnação do espaço no Ocidente e da qual o impressionismo seria um exemplo Já o sentimento espacial grego encontraria sua expressão no corpo petreo do templo grego análogo a um corpo humano solidamente fincado na terra e em torno do qual tudo se ordena Falta ali a dimensão da profundidade própria da alma faustiana que para o autor simboliza a alma ocidental em oposição ao espírito apolíneo Multiplicamse as ilustrações entre a arquitetura as esculturas e as manufaturas faustiana e apolínea A arquitetura ocidental faustiana teria nascido quando surgem as manifestações de uma nova religiosidade a reforma cluniacense por volta do ano 1000 dC origina projetos a expressarem uma vontade tão titânica que freqüentemente a capacidade das catedrais ultrapassa de longe o número de pessoas que formam a congregação O linguajar apaixonado dessa arquitetura repetese na poesia a mesma vontade de aço a superar e romper quaisquer obstáculos do visível Essa experiência cósmica e totalmente alheia ao homem apolíneo Ignoramna tanto Homero como os Evangelhos O mito do Santo Gral e dos seus cavaleiros faz com que entendamos a necessidade íntima de espaço do catolicismo germâniconórdico Spengler prossegue mostrando como a arquitetura reflete a organização sócioespacial de cada época e como ela se inflete sobre o discurso religioso A pluralidade de corpos avulsos na qual se manifesta o cosmo antigo requer um mundo semelhante de deuses 52 Spengler O A decadência do Ocidente Rio de Janeiro Zahar Ed 1973 140 Já o espaço cósmico único exige o Deus único do cristianismo mágico ou faustiano p 118s Expõe um vasto leque de exemplos da ligação entre os vários aspectos do espaço construído sobretudo os templos com o momento social de dada cultura Texto denso riquíssimo desdenhado muitas vezes por causa de sua ideologia por ideólogos que se desconhecem como tal O livro de Spengler é obrigatório dentro de uma bibliografia sobre o habitat humano como aliás o prova a retomada nem sempre confessa de muitas de suas idéias por pesquisadores A casa começa antes da casa ou a importância do território Estudos sobre habitação e sobre população do espaço cultural das periferias das grandes cidades das cidades dormitórios não podem prescindir da consideração do território É assim que Bonnemason53 falando sobre os diferentes grupos as diversas subculturas ou etnias das grandes cidades traz subsídios importantes sobre a função do território ali indicando o quanto os estudos sobre habitação não podem desvincularse do mesmo As sociedades urbanas e industrializadas apresentam verdadeiras etnias tendo um comportamento próprio um ser coletivo que se traduz ao mesmo tempo por uma visão do mundo e por tipos de territorialidade Na sociedade moderna o que representa a etnia são os grupos complexos de contornos movediços estratificados em uma infinidade de microgrupos possuindo cada um seu tipo de discurso Lembra a esse propósito o livro de Erica Jong Lê 53 Bonnemaison Voyage autour du temtoire In espace geographique nº 4 Paris 141 complexe ofcare que fala da tribu psicanalítica assemelhando a mesma a um grupo étnico com suas mitologias ritos e territórios Uma etnia só sobrevive se ligada à sua territorialidade e uma vez que esta se perca a sobrevivência de um grupo não é possível senão pela criação de um novo território de marginalidade e delinqüência ou por sua recriação no sonho ou no mito Não se pode separar os povos de seu território sem que isso se assemelhe a um etnocídio p 256 O território se põe como locus simbólico lugar onde a alteridade e a convivialidade se manifestam Comentando a rarefação do território em nossas sociedades o autor considera que isso se faz em benefício de um espaço banalizado sinal de um empobrecimento cultural quando não de uma certa incapacidade de comunicação com uma terra e também com os semelhantes p 261 O autor nos lembra os pontos de referência simbólicos do território em torno dos quais se desenvolve lê sejour paisible de Maurice Leenhardt assim como a poética do espaço de Bachelard O autor mostra que a territorialidade decorre com efeito da etnia na medida em que ela é antes de tudo a relação culturalmente vivida entre um grupo humano e uma trama de lugar hierarquizados e interdependentes um território p 253 Além de seus discursos particulares toda etnia e também toda cultura se objetiva em um território Partindo da colocação de que cultura e território são termos indissociáveis o autor chama o território de geosmbolo possuindo uma dimensão simbólica e cultural onde se enraízam os valores e se conforta a identidade dos povos e dos grupos étnicos A velha noção do gênero de vida retorna dentro de uma ecologia cultural na medida em que se intenta compreender a 142 visão do mundo e da espiritualidade de um povo em sua relação com o ambiente com o espaço construído do qual a habitação é ponto central A abordagem cultural está presente na noção de espaço vivido quando Gilles Sautier o autor observa o quanto a correspondência entre o homem e os lugares entre uma sociedade e sua paisagem é carregada de afetividade e exprime uma relação cultural no sentido amplo do termo p 251 A noção de território que tem sua origem nos estudos etológicos e que configura uma defesa do animal contra os membros de sua própria espécie Elliot Howard ao ser estendida ao domínio humano provocou polêmicas apaixonadas sobre as quais Bonnernaison não se estende preferindo apontar as diferenças entre território animal e território humano o último não e ligadoa uma apropriação biológica nem e sempre cercado por fronteiras o que o caracteriza é ser um conjunto de lugares hierárquicos conectados a uma rede de itinerários onde os grupos e as etnias vivem uma certa relação entre o enraizamento e as viagens A territorialidade engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que e mobilidade p 253254 Falando sobre as fronteiras que caracterizam os territórios animais o autor mostra que elas nem sempre existem nos territórios humanos os nômades privilegiando a mobilidade constituem territórios derrance em alguns povos sedentários não existem linhas de fronteira os limites sendo assinalados por pontos de referência árvores rochedos etc Tudo parece indicar que a noção de fronteira como hoje e universalmente entendida demarcação rígida objetivada muitas vezes em muros é um fato moderno ligado ao desenvolvimento dos Estados não caracterizando o conjunto das sociedades tradicionais para as quais o território marcaria um tipo de relação efetiva e cultural a 143 uma terra antes de ser o reflexo de apropriação e de exclusão do estrangeiro p 254 Colocando uma importante distinção entre cultura e sociedade Bonnernaison chama a atenção para o enfoque da mesma em estudos sobre habitação e sobre território entre o espaço social e o espaço cultural existe uma diferença fundamental tanto de plano quanto de tipo de visão O primeiro concebido em termos de organização e de produção o segundo em termos de significação e de relação simbólica p 255 onde se aninha a identidade cultural Importante é também sua distinção entre espaço esfrutural espaço vivido e espaço cultural o primeiro é o espaço objetivo ordenado e estruturado por cada sociedade segundo suas próprias finalidades suas funções e seu nível tecnológico esse espaço estrutural é vivido diferentemente por cada sociedade e dentro delas pelos grupos e pelos indivíduos fazendo aparecer o espaço vivido formado pela soma dos lugares e dos trajetos que são usuais a um grupo ou a um indivíduo espaço subjetivo a seu cotidiano ligado a um estatuto e a um comportamento social Já o espaço cultural engloba mas também transcende o espaço vivido ele é um espaço geosimbólico de comunhão com um conjunto de signos e de valores p 257 Levar em consideração o espaço cultural pode contribuir a políticas de habitação e de distribuição populacional mais eficazes atentas ao menos aos possíveis desajustes que podem ocorrer quando se deslocam grupos ou etnias de seus territórios A nova geografia para Bonnemaison ao centrar se sobre o espaço o considera dentro do campo cultural suscetível de revelar a geoestrutura da mesma Cita a propósito a crítica de Ann Buttimer à excessiva conceptualização de análise da geoestrutura mostrando a necessidade de uma geografia existencial Atenta às 144 relações vividas e ao espaço social lembrando ainda Max Sorre Cita Mareei Belanger sobre as soluções encontradas pelos geógrafos de Quebec atravésdo estudo das representações dos valores e das ideologias pelas e segundo as quais um território se desenvolve e toma forma p 251 mostrando a importância do ponto de vista cultural em geografia e para a ecologia A preocupação dessa nova geografia ou de uma geografia cultural com o espaço construído sobretudo a habitação e com o território está presente também nos trabalhos de Paul Claval54 onde se nota um certo parentesco com o trabalho de Rapoport no que tange a diferenciação entre cultura popular e cultura erudita e sua ligação com a organização do espaço o elo de cada sociedade com seu modelo de espaço a relação do mesmo com o gênero de vida e com uma filosofia da existência Ao salientar que as sociedades europeias vivem desde o século XVI pelo menos uma relação ao espaço que privilegia a geometria a vontade de desencarnação p 248 encontramos também ali um eco das idéias de Spengler sobre o estilo faustiano da arquitetura À procura do espaço perdido A subjetividade nômade de nosso tempo desenraizada de território pessoas circulando pelas ruas ouvindo através de seus walkmans músicas de toda parte do mundo cortadas de suas terras natais sem retorno possível tanto física quanto simbolicamente é um tema caro a F GuattariJ O paradoxo dessa circulação que não move viajase sem sair do lugar as paisagens vistas de um avião repetem o que já se viu 54 Claval P Lês geographes et lês realltes culturelles In espace geographique nº 4 Paris 145 em telas de TV não leva a uma diferenciação ao novo mas dá a impressão de tudo estar fixo no mesmo lugar levando a uma banalização aliás já ressaltada pelos autores anteriormente citados para os quais a perda do território eqüivale a um empobrecimento cultural e à perda de identidade A solução para salvar essa subjetividade ameaçada de paralisia não estaria no retorno a uma Jerusalem ou em uma reterritorialização mas na restauração de uma cidade subjetiva estaria dentro da própria subjetividade na medida em que consiga integrar essas experiências de nomadismo reconquistando um nomadismo existencial tão intenso quanto o dos índios da América précolombiana ao contrário do falso nomadismo que nos deixa no mesmo lugar o do turismo do consumismo Seria então explorar a desterritorialização dandolhe um novo sentido Além dessa solução individual uma solução coletiva aponta a necessidade de uma refinalização dos espaços construídos e da mentalidade urbana já que o futuro da humanidade parece inseparável do devenir urbano Cuattari considera um pleonasmo a questão de saber como será essa humanidade urbana no futuro Cita dados dos prospectivistas pelos quais 80 da população mundial viverá em cidades nos próximos decênios e os 20 restantes apenas estarão localizados fora dela pois viverão em sua dependência Como conseqüência as diferenças sociais não obedecerão o que já acontece em grandes cidades a divisões espaciais tipo centroperiferia Elas irão existir em um mesmo espaço gerando uma coexistência alienatória como a dos grandes centros financeiros rodeados por zonas de subdesenvolvimento Essa coexistência espacial que não anula a diferença de classes fenômenos modernos que de minha parte chamaria de perversão do espaço habitado e vista como 146 conseqüência do capitalismo ao operar uma desterritorialização a serviço de seus objetivos de mercado tornando as cidades imensas máquinas produtoras de subjetividade individual e coletiva Deste modo os urbanistas não poderão mais contentarse em definir as cidades em termos de espacialidade O fenômeno urbano mudou de natureza Igualmente a Ecologia não deverá contentarse apenas com os fatores ambientais Ela deverá ocuparse também das devastações ecológicas sobre o campo social e sobre a região mental Enfim mesmo contrapondose a uma buáta de reterritorialização considerada impossível o autor reconhece que a perda do território cultural é fator de perturbação social e mental e que para sanála será necessário toda uma mudança de mentalidade no sentido de integrar o nomadismo contemporâneo dentro da cidade subjetiva ítalo Calvino A habitação enquanto ponto de convergência entre o tipo de organização espacial de uma sociedade e sua reorganização políticoeconômica Denis Couchaux55 mostra como sociedades sedentárias ligandose à acumulação de riquezas e sociedades nômades onde a mobilidade interdita essa acumulação divergem pour cause quanto à percepção da moradia A cidade locus das sociedades sedentárias resulta precisamente de uma acumulação tanto de riqueza quanto de espaço não sendo difícil deduzir daí a estreita relação entre o desmembramento do espaço nas cidades quarteirões casas cômodos e o 55 Cuattan F Restauração da cidade subetiva In Ideias JB 29790 Couchaux D Habitais nômades Paris Ed Alternatives et Paralleles 1980 147 desmembramento social classes castas corporações Entre os povos nômades a fluidez das relações sociais e econômicas está diretamente ligada à fluidez do espaço da habitação O espaço não se acumula ali sobre a forma de lugares os lugares só existem como lugares de passagem refletindose na forma leve das construções e em sua nãocompartimentação Essa diferença de percepção do espaço entre povos nômades e sedentários não significa que entre os primeiros também não exista uma repartição do espaço apenas que essa repartição é mental submetida a uma serie de mitos e de ritos que ordenam o espaço o qual é mapeado simbolicamente Assim a distinção entre casa e lar house and home transparece nesse cotejo entre nomadismo e sedentarismo entre os nômades o lar não e sinônimo de casa ou esta não coincide com os limites materiais da habitação p 16 o lar referindose muitas vezes ao acampamento e não à tenda A interação simbólica dos nômades com o espaço pela qual ils ne peuvent rien prendre sans donner quelque chose en retour não significa exatamente respeito pela natureza e como o autor comenta A Natureza com um grande N não e senão o imaginário da sociedade industrial p 17 Não é a natureza que é respeitada entre os nômades mas uma organização mental do mundo bastando um símbolo para definir um território p 18 ou uma habitação e dentro dela os vários espaços de comer de repousar de conversar etc Cita o exemplo dos índios Guataki do Paraguai e sua divisão simbólica do espaço de dormir dormindo sobre o solo ou sob um simples teto de ramos eles operam uma curiosa divisão desse espaço tomando como referência o corpo da mulher dividida metaforicamente de alto a baixo e segundo sua dupla natureza a parte anterior e o lado mãe a parte posterior é o lado esposa diante do qual os maridos pois ela pode ter vários se 148 repartem hierarquicamente efetuandose assim uma dupla divisão do corpo feminino longitudinal e transversal Essa transparência simbólica da habitação a coloca assim na convergência de todos os elementos que constituem a sociedade e embora isso seja mais evidente em sociedades não urbanizadas também nestas existe qualquer coisa de análogo somente que desconhecida pelo habitante diferença fundamental a mostrar o elo perdido do homem urbano com seu habitat A habitação como locus privilegiado para o estudo da cultura popular O descaso das construções populares que Rapoport56 chama de indígenas em proveito dos edifícios importantes mais diretamente ligados à intervenção de arquitetos e vista como uma lacuna nos trabalhos sobre habitação posto que as construções populares são as que melhor informam sobre a cultura de massa e a vida cotidiana de um povo construindo alem disso a maior parte do ambiente construído O descaso acima compromete a preocupação e os programas ecológicos Negligenciar os edifícios indígenas que constituem o ambiente teve como resultado negligenciar o próprio ambiente levando a negligenciar sua manutenção contribuindo para sua crescente deterioração Estendendose a seguir sobre análises conceituais dos termos habitações primitivas assim como de seus planos materiais processos formas de construção sua história as preocupações dos habitantesconstrutores e sobre o significado cultural e 56 Rapoport A Pour une anthropooge de Ia maison Paris Dunot Bordas 1969 149 simbólico dessas habitações Rapoport comenta a passagem da tradição para a institucionalização da habitação e suas razões históricosociais A não diferenciação nas formas e nos processos de construção caracterizaria as sociedades primitivas e agrárias indiferenciação que transparece também em outros domínios da vida e do pensamento Não existe separação entre a vida o trabalho e a religião do homem p 12 Citando Giedion Siegfried o autor vê nas pinturas pré históricas a ausência de diferenciação entre o homem e o animal ligada à ausência de linhas orientadas e à ausência da vertical cujo aparecimento marcaria a supremacia do homem sobre o animal e as primeiras civilizações O conceito gênero de vida de Max Sorre apoia o autor em suas análises sobre a relação da unidade primitiva com elementos espirituais materiais ou sociais e a maneira de utilizar o espaço contrária à sua multiplicação ou separação Quando os lugares tornam se mais separados e diferenciados o número de tipos de lugar aumenta p 12 dando disso numerosos exemplos ao longo do tempo e das culturas Salienta o fato de que entre todos os espaços construídos e a habitação que melhor mostra a forma de vida de uma cultura é também na habitação que as formas indígenas se mostram já que outros tipos de construção são mais próximas da arquitetura e da cultura dominante A habitação é um locus privilegiado para se entender a cultura popular Interrogandose por que estudar ainda a forma das habitações primitivas e préindustriais em um mundo que muda tão rapidamente o autor aponta as seguintes razões 1 necessidade de estudos pluridisciplinares e comparativos que permitam compreender a coexistência em nossas cidades de diferentes culturas e subculturas portadoras de aspirações e de modelos diferentes no que 150 tange à moradia o que e válido sobretudo para países em via de desenvolvimento 2 tais estudos contribuem a uma melhor percepção da moradia dentro das necessidades fundamentais e do significado destas últimas 3 contribuem ainda para uma variedade maior de soluções possíveis já que fornece uma grande quantidade de variáveis em culturas diferentes e exemplos extremos que lucrarão em ser comparados uns aos outros Se para o estudo das relações entre o espaço construído o meio ambiente e o homem as habitações primitivas são de mais proveito que as modernas na medida em que sendo mais subordinadas aos determinantes físicos permitem analisar melhor a importância relativa das forças físicas e culturais que agem sobre a forma não se trata de diferenciar habitações primitivas e contemporâneas segundo um critério cronológico mas técnico ligado ao modo de vida Isso faz com que possamos encontrar as primeiras atéem nossos dias caracterizadas sobretudo pela ausência de mudanças as cabanas de ramos da época neolítica são ainda utilizadas nas ilhas Fidji Multiplicando exemplos a respeito mostra como as construções primitivas indígenas não podem ser estudadas como um material histórico normal pois não são cronológicas Lembra as observações de Mircea Eliade sobre o tempo para camponeses e para o homem primitivo sua concepção de tempo não é linear mas cíclica instaurando um presente contínuo concepção de tempo que se reflete em suas construções onde mudanças não são bemvindas O método de estudo dessas habitações é portanto muito diferente do das construções de estilo ou do da história da arquitetura que contam com documentos escritos ou faltam aquelas Para esse estudo tratase de observar as próprias habitações suas formas e divisões 151 ligandoas aos costumes crenças e ao comportamento pois o autor destaca a ligação entre comportamento forma de vida e forma construída esta seria sua materialização ambos influenciandose mutuamente A questão é saber como mudanças culturais ao exprimiremse atravésde comportamentos assemelham se às mudanças ambientais que se exprimem atravésda forma construída O método utilizado no livro foi o de escolher as características da moradia que parecem ser as mais universais e examinálas em contextos diferentes a fim de compreender aquilo que age sobre as formas das habitações e sobre os grupos o que freqüentemente permite determinar logo de início a região a cultura e mesmo a subcultura às quais uma casa ou uma aglomeração pertencem p 24 Citando Ruth Benedict cada civilização na ótica de uma outra ignora aspectos fundamentais e privilegia aspectos secundários sugere que isso se passa também em relação à moradia e que conhecer outras maneiras de planejála ou edificála em tempos e espaços diferentes contribui para descobrir a especificidade de nosso problema a respeito As evidências que resultam dessas comparações podem conduzir a uma compreensão dos aspectos sociais e psicológicos do ambiente O autor adverte no entanto sobre o risco das comparações que desconheçam que mesmo nas culturas modernas semelhantes umas às outras existem diferenças significativas e que entre culturas diferentes existem semelhanças e constantes no que tange A vários aspectos da habitação citando a propósito os trabalhos de ET Hall TJe s7enf Language e The Hidden Dimension A hipótese de trabalho de Rapoport e sempre procurar no modo de vida nas aspirações no sistema social na percepção da territorialidade e das chamadas necessidades fundamentais na relação entre a casa e a 152 aglomeração a explicação para as diferenças de formas de materiais e de organização do espaço da habitação Não que a forma construída seja determinada por esses fatores o autor vê ali uma coincidência resultado da interação desses fatores e do caráter indissociável da composição final Uma fenomenologia e uma psicologia da habitação Não se poderia iniciar essa abordagem sem lembrar Bachelard57 sua topofina onde examina as imagens do espaço feliz o sentido do habitar os devaneios do morar os arquetipos da casa Encontrar a concha inicial em toda moradia mesmo no castelo eis a tarefa primeira do fenomenólogo p 21 Define assim sua opção hermenêutica na análise da casa ela e o que protege guarda propicia intimidade e solidão A analogia da casa com um ninho o faz citar Michelet O ninho é a casa construída para o corpo pelo corpo tomando sua forma pelo interior A casa como vestimenta ajustada ao corpo A ligação tempoespaço vem mostrarse nas visões da casa natal ou da casa sonhada e lembrar nos também Fernando Pessoa e como e branca de graça a paisagem que não sei vista de trás da vidraça do lar que nunca terei Ao empregar imagens em sua análise da habitação Bachelard justifica a função imagística do exagero 57 Bachelard G La poetique de espace Paris PUF 1981 153 estamos diante do ato aumentativo pelo qual a imaginação ultrapassa a realidade De onde vem o dinamismo evidente dessas imagens excessivas Essas imagens se aninham na dialética do oculto e do manifesto a partir do ser reprimido e que se fazem as mais dinâmicas evasões p 9192 alusão clara ao recolhimento da casa condição de expansão do ser Recusando a oposição redutivista exterior x interior que freqüentemente é empregada na análise da função da moradia Bachelard mostra como são tênues as fronteiras entre um e outro e como para uma antropologia metafísica o exterior e o interior colocam problemas que não são simétricos p 160 Fala das inversões topoanalíticas das imagens citando os versos de Tristan Tzara Ou borvent lês loups Uma lenta humildade penetra no quarto que habita em mim na palma do repouso A poesia essa metafísica instantânea no dizer do autor adquire foros de uma verdadeira poiesis construção sem a qual o habitat humano deixe de sêlo privado de sua significação e de seu simbolismo A casa imagem do eu Com essa frase de um obscuro filósofo grego Artemidoro de Daldis Marc Olivier58 comenta como desde tempos remotos já se intuía a significação da casa e de sua arquitetura no psiquismo dado que a psicanálise depois virá explorar sobretudo na vida onírica o exterior da habitação aparecendo como a máscara a aparência do sujeito o teto significando a busca da unidade ou o elo com as origens se na vida cotidiana a colocação do telhado implica em uma cerimônia de acabamento da 58 Olivier M La psychanalyse de Ia maison SeuMtetUÍtions 1972 154 casa na experiência onírica ela seria indicativo freqüentemente de uma fase avançada da reconstrução do eu os andares inferiores corresponderiam às pulsões arcaicas e instintuais enquanto a cozinha seria o lugar da transformação psíquica e aparece em certas fases da evolução interior do ser Essa correspondência do ser com sua casa se encontra nos escritos sagrados de numerosas tradições sendo que na China a saída da alma por ocasião da morte se traduz pela expressão quebra do teto p 7778 A ligação da casa com o corpo humano é vista atravésdo simbolismo da porta ao destacar a forma de que a mesma se reveste nas casas primitivas freqüentemente ovalizada como uma espécie de fenda natural boca vagina ou através o simbolismo da forma da casa semelhante a um bolso circular na base como se nota nos desenhos infantis ou semelhante a seios com orifícios de saída de lábios inchados o ventre da mãe o útero como se vê em habitações africanas primitivas A sacralização da porta os ritos de entrada existentes em várias culturas simbolizam a tentativa de entrar de novo no útero e estaria na origem do mito do eterno retorno O autor lembra o ritual japonês de entrar na casa onde a porta é designada pela palavra genkan significando obscuro misterioso O fato do ser humano ter deixado o abrigo primeiro da caverna mais seguro por um abrigo mais precário como a casa é comparado ao nascimento Larrachement a 1unite et lexpulsion est exige par une necessite daccomplissement Uma vez abandonada a caverna o homem voltaria a ela para sacralizála decorandoa com suas pinturas A caverna tornase santuário das forças da natureza com as quais o homem rompeu 155 O autor citado ao salientar o simbolismo das formas lembra Arno Stern59 quando aponta sete figuras geométricas simbólicas que estariam na base de todas as construções o círculo o triângulo o quadrado a cruz a espiral a onda o ponto As quatro primeiras permitiram construir todos os templos e edifícios enquanto as três últimas são complementares e revelariam pulsões cósmicas O ponto por exemplo teria sua expressão sonora no tamtam e sua expressão gestual no ritmo saccade manifestação de uma libido original que encontraria sua plena expressão na atividade sexual lembrando aqui Jung em Metamorfoses da alma e seus símbolos O quadrado representaria o homem e a terra vindo depois do círculo que exprime a unidade O triângulo une horizontalmente o círculo ao quadrado mas nos desenhos infantis o triângulo aparece na casa entre o quadrado da terra e o disco do céu numa organização vertical Dans lê dessin de lenfant toute forme naít de Ia spirale irregulière en passant par lê cercle Ce lê cercle qui petit à petit deforme devient tringle ou carre II y a un dialogue entre lê haut et lê bas dans lê dessins denfants quand ils faisent dês formes inverties ou dês triangles opposes p 68 A figura do círculo nasceria da consciência da lembrança do paraíso perdido do útero e da caverna cuja saída marca a ruptura com a unidade da natureza O círculo e a imagem arquétipica do universo depositada em nós p 56 Essa imagem é angustiante e a cruz será sua expressão Limage de Ia croix naít alors sous nos yeux du concept du cercle dejà exprime car pour que se puisse former 1image du cercle dans notre psyche naissante devrait au prealable avoir eu lieu larrachement à 1unite naturelle p 57 O triângulo vem 59 Stern A La maison image de mói in An Educateur ns 7 1967 p 3236 156 depois do círculo ele e a imagem arquétípica de um apelo de ultrapassagem para reencontrar a unidade perdida p 58 En traçant sã maison autour de lui 1homme descend lê ciei sur terre Perry Goodman avait bien raison Ia maisoncercle etait de cê fait temple p 61 O teto cônico saiu assim do triângulo que une a base terrestre da casa à unidade colocada no firmamento Se o homem se separou do universo e de suas leis ele sente necessidade de um religamento religião religare e cest de cê desir dunion que naítra lê toit Netait cê pás hier encore au grenier sous lê toit precisement que lon conservai precieusement lês souvenirs dês ancêtres qui nous reliaient a nos origines Assim o círculo e o triângulo teriam dado nascimento a casa como modelo reduzido do universo O autor explica o aparecimento da casa quadrada como simultâneo ao domínio do indivíduo sobre a terra o quadrado simbolizando o lugar separado do homem frente à natureza O redondo da casa será deslocado para o templo cujo papel será o de exprimir o desejo de unidade original II reunira lê plus souvent dans 1espace lê cube de Ia terre à Ia coupole celeste p 61 O templo é o lugar da cruzcarson propre est de montrer lê chemin de dedans pkitôt que celui de dehors alors que Ia maison restera lê foyer temporel ou lhomme sassume dans sã condition terrestre p 65 a cruz desaparecendo nas casas à medida que tendem à horizontalidade e à repartição das peças No autor acima um dos raros na área psicanalítica a se interessar pelo habitar observamos que sua pregnância psíquica é raramente tratada ou o e dentro de uma ótica monocordiamente junguiana A projeção corpo casa é pouco estudada e menos ainda o caráter sexuado dessa projeção o que não deixa de ser uma grande lacuna já que as diferenças de significado da casa para o homem e para a mulher assim como as trocas simbólicas 157 entre a imagem do corpo e a imagem da casa são matéria de estudo indispensável quando se trata de sexualidade humana de gênero campo por excelência da psicanálise Uma semiologia do espaço habitado O projeto de uma pesquisa etimológica baseada em Hubert Tonka filósofa apoiada em Heidegger e empírica utilizando alguns procedimentos de Moles e o empreendimento de EkambiSchmidt60 em seu estudo sobre a percepção do habitat A palavra habitação recobrindo diferentes significados ação de habitar imóvel lugar será ao primeiro sentido que a autora aplica sua análise atravésda etimologia do verbo habere avoir se tenir realizando um levantamento dos qualificativos emprestados a casa Os resultados de sua pesquisa empírica fornece índices de oposição entre a habitação antiga e a contemporânea marcada pela precariedade das coisas o nomadismo e a mobilidade residencial Mostrando a arquitetura como expressão dos valores de uma civilização assim como de sua organização sexual e familiar a autora lembra o fato já comentado nesta recensão bibliográfica da repartição do espaço doméstico segundo o sexo nas civilizações passadas que ela atribui a influência da família extensa patriarcal ao passo que nas sociedades atuais essa repartição se faz em função dos filhos sem no entanto explicar essa mudança de repartição Salienta a fascinação da casa e a personalidade autônoma da mesma a revestirse muitas vezes de um poder fantástico que se estende atéseus objetos estes 60 EkambiSchmidt Jezabelle La perception de Phabitat Paris E Universitaires1972 158 considerados como elementos de definição dos espaços do habitat pois além do código dos objetos presentes em certas peças específicas o objeto e o lugar geométrico de investimento psicológico afetivo e estético profundo e como tal ele é o signo de outra coisa os objetos da casa são excetuando alguns destinados a uma peça precisa que eles caracterizam e não podem portanto em princípio serem intercambiados de uma peça a outra sem mudar a vocação dessa peça p 51 54 Mostrandose antifuncionalista a autora afirma que e o supérfluo que torna personalizado o espaço da casa Aplicando o método das constelações de atributos Moles mostra respostas que traduzem estereótipos e fantasias bem mais que a realidade doméstica vivida A dialética do vertical e do horizontal lembrando as leis de A Moles que compõe 90 do nosso ambiente com ângulos de 90 e 180 graus constituem uma civilização do retângulo na qual os móveis são incluídos Além das razões funcionais que explicam este fato existem também razões psicológicas na retidão das linhas e dos ângulos há um elemento de segurança para quem os percebe enquanto as formas curvas são fatores de inquietação Sabese que basta encerrar alguém em uma torre redonda sem pontos de referência para enlouquecêlo rapidamente Estudos Doxiadis comprovam que os domos em forma de bulbos são elementos de insegurança Será interessante confrontar essa interpretação do redondo com aquelas que insistem ao contrário no caráter securizante dessa forma e de seus derivados como no autor anteriormente citado ou em Bachelard ao comparar a casa a um ninho a uma concha 159 Gisela Pankow61 analisa o papel metafórico que elementos do espaço construído peças da casa portas janelas etc desempenham nas obras de vários autores como também no processo psicanalítico Saindo da clínica para a literatura salienta a ligação entre o espaço imaginário e tempo vivido a revelarem uma dinâmica oculta do espaço nos conflitos das personagens literárias das obras analisadas A relação entre o espaço do corpo e o espaço habitado entre as divisões e repartições de um e de outro são comentadas e o texto é rico em análises psicoliterárias onde o problema da percepção e dos fantasmas do corpo e do espaço é analisado dentro de uma metodologia psicanalítica por demais ciosa em meu entender em fazer prevalecer seu quadro teórico em detrimento do quadro do objeto ou seja do próprio espaço vivido Ressaltese no entanto o cuidado da autora em sustentar que nem tudo é projeção na psicose mas verdadeiras produções criticando certas visões psicanalíticas e psiquiátricas O texto de Pankow enfoca bem mais os conflitos psíquicos ligados à vivência do espaço do corpo do que os conflitos resultantes da interrelação dessa vivência com a do espaço habitado este só incidentalmente comparece nesses estudos perdendose assim a ligação simbólica entre esses dois espaços Concluindo esta apresentação interdisciplinar de estudos habitacionais quero esclarecer que a escolha dos autores buscou privilegiar obras de acesso disponível em nosso meio é nesse sentido e importante incluir algumas teses e dissertações que têm aparecido esporadicamente desde 1970 em nosso cenário 61 Pankow Gisela O homem e seu espaço vivido Campinas Papirus 1988 160 universitário indicando ele uma sensibilidade científica à importância do espaço habitado a merecer todo nosso apoio Mônica Maria Galcerati62 realiza um trabalho que transita do campo semântico ao campo ontológico e ao campo cultural destacando no primeiro campo as mudanças operadas no sentido da palavra espaço conforme o contexto extraverbal no segundo campo a evolução históricofilosófica do conceito de espaço onde Heidegger aparece como referência importante no terceiro campo a autora trabalha sobre os símbolos primários de uma cultura dentro dos quais destaca o símbolo ligado à necessidade de sentir a extensão explicando assim o surgimento do espaço clássico relacionado com a alma apolínea e o espaço ocidental expressão da alma fáustica Spengler mais uma vez é referência Mostra nos últimos capítulos que a obra e a história da arte foram desde sempre a história da criação de um espaço específico e singular e detendose nas versões da concepção espacial contemporânea faz oportunas colocações sobre a chamada era espacial em sua relatividade e polivalência de valores Partindo de estudos que consideram como aprendidas as dimensões e as características do espaço pessoal justificando assim as diferenças culturais a respeito Míriam Fonseca Raja Gabaglia63 interessase pela aprendizagem vicária do espaço entre crianças destacando ali as diferenças sexuais Realiza para isso 62 Galcerati Mônica Maria Sobre a problemática do espaço e da especlalidade nas artes plásticas tese de habilitação para livre docência PUCRIO 1978 63 Cabaglia Míriam Fonseca Raja A aprendizagem por observação no desenvolvimento do espaço pessoal dissertação de mestrado PUC RIO 1978 161 uma pesquisa de medição de espaço social entre 48 meninos e 48 meninas empregando o PPSM medida simulada do espaço pessoal e cujos resultados confirmam a hipótese da aprendizagem vicária do espaço Seus resultados mostram também diferenças entre os sexos quanto a essa aprendizagem Rosa Maria Toniolo64 detémse sobre a relação da mitologia e do espaço observando que nas sociedades arcaicas o mundo só e mundo quando se torna nosso mundo exigindo ritos uma recriação uma consagração fora disso o mundo é caos M Eliade 1965 O nosso mundo situase sempre no centro por ser ali que se produz a ruptura na homogeneidade do espaço O espaço não consagrado onde não se discriminou nenhuma estrutura porque nenhuma orientação foi projetada é simples extensão amorfa igualase ao Caos Nele o homem perde seu significado ôntico não tem referências e marcas dada sua homogeneidade Aí nada se destaca o homem tornase ambíguo e padece na vivência relativa onde tudo pode ser e nada é onde tudo e virtual não real A estrutura do espaço real se faz a partir do deslocamento da homogeneidade em direção orientada à organização de uma configuração o centro nele o Caos se diferencia em Cosmos Nesse sentido o cosmos é construído p 31 A casa reproduziria esse dinamismo a partir de um ponto central em torno do qual se constróem quatro pontos cardeais A casa só é casa quando traz a marca humana Fala da impessoalidade dos arranhacéus e ao abordar a psicologia da casa lembra a topoanálise de Bacheard A imagem da casa é como uma topografia de nosso ser íntimo A autora se interroga se podemos 64 Toniolo Rosa Maria O espaço deste tempo Uma leitura da intimidade do adolescente dissertação de mestrado Dep de Psicologia PUCRIO 1980 162 isolar essa essência íntima e concreta para justificar o valor singular que atribuímos a todas as nossas imagens de intimidade protegida Não é o quarto Bachelard a essência íntima isolada o berço inicial que dá abrigo ao corpo Não podemos tomálo como um diagrama psicológico e a partir dele estabelecer referência com a estrutura mítica da espacialidade da casa centrolimites e desenvolver uma topoanálise p 35 Comenta o quanto o espaço definido psicologicamente se faz a partir do próprio corpo atravésde intuições para frente para trás etc Ao falar sobre o significado de direções e de posições a autora deixa de aprofundar esse ponto importante num próximo trabalho quem sabe a favor de valorações discutíveis Dizendo com Empedocles que o ser e redondo o redondo simbolizando o existir construído salienta ser a psicopatologia a perda do redondo os deslocamentos as quebras no espaço do redondo lembrando Minkowski quando pergunta o que está intacto no doente p 42 Ao abordar a ligação corpoespaço observa que na representação mítica o mundo objetivo se faz inteligível e se divide em determinadas esferas de realidade quando se reproduz analogicamente nas correspondências do próprio corpo onde uma unidade míticoorgânica e conservada No âmago do pensamento mítico a unidade do microcosmos e do macrocosmos está concebida de tal modo que não é o homem que está formado das partes do mundo mas o mundo é que está formado das partes do homem Encontramos uma direção inversa na concepção germânicocristã p 36 É oportuno acrescentar que é bem assim que o livro organizado por Berta Ribeiro Antes o mundo não existia mostra a explicação do mundo para os Desana Enfatizando a diferença entre o espaço matemático funcional e o espaço mítico estrutural onde vigora a 163 dialética centrolimites procura seus traços na atualidade e realiza uma pesquisa com adolescentes de vários bairros de São Paulo objetivando determinar o lugar do quarto onde mais gosta de ficar e ação correspondente a dialética centro X limites a integridade do redondo A análise dos dados visando estabelecer diagnósticos da organização espaçocorporal entre grupos masculinos e femininos de adolescentes A confrontação de aspectos de arquitetura verticalidade e horizontalidade em torno do Conjunto Sesquicentenário da Independência leva a um relato da situação dos moradores e do conflito ali encontrado entre padrão de vida e nível de expectativas por Joy Costa Matos65 A representação do espaço em Panofski e em Francastel assim como suas respectivas implicações no que tange tanto ao caráter simbólico quanto ao caráter sociológico do espaço figurativo é o tema de Jorge Lúcio de Campos66 65 Mattos Costa Joy Habitação de interesse social Uma estratégia de desenvolvimento comunitário dissertação de mestrado C E P B UER 1982 66 Campos Jorge Lúcio de Apresentação do espaço em Panofsky e Francastel tese IFCSUFRJ 1987 164 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA CULTURA E CONSCIÊNCIA Regina Helena de Freitas Campos Os projetos de psicologia social comunitária descritos na literatura Góis 1993 Bomfim et alii 1992 Andery 1984 Lane neste volume em geral focalizam dois processos psicossociais a consciência e a cultura Ao falar da consciência enfatizam predominantemente o trabalho de conscientização isto é de desvelamento para o sujeito dos determinantes de suas condições de vida Quanto à questão da cultura este conceito tem sido importante na descrição das práticas específicas de determinadas populações e dos significados compartilhados pelos membros do grupo em relação a sua prática Neste contexto a problemática do convívio e do diálogo em grupos de diferentes inserções sócioculturais e com histórias diversas ocupa lugar de destaque entre as preocupações dos psicólogos que atuam em comunidades As publicações da área tanto no Brasil quanto no exterior divulgam estudos em que é analisada a psicossociologia de diferentes grupos caracterizados por similaridades em termos de classe ou lugar social gênero e etnia em interação com a sociedade inclusiva Os conceitos utilizados para descrever estas interações decorrem das principais teorias utilizadas em psicologia social destacandose a contribuição da abordagem cognitiva da teoria das representações sociais e do interacionismo simbólico 165 Neste trabalho vamos examinar em que medida cada uma destas diferentes abordagens ilumina determinados aspectos da interação em grupos multiculturais e como pode contribuir para informar práticas de psicologia comunitária As abordagens clássicas cognição social e socialização Pesquisadores de orientação cognitivista enfatizam o estudo da consciência e exploram o efeito do pensamento e da interpretação dos sujeitos sobre a atividade social Inspirados sobretudo nos trabalhos da Gestalt estes teóricos se interessam especialmente pelo modo como os processos mentais internos às pessoas impõem formas ao mundo externo Neste sentido acreditam que a percepção dos eventos é a principal variável que influencia a conduta do sujeito social A principal influência teórica sobre o cognitivismo em psicologia social vem do trabalho de Kurt Lewin a teoria de campo Nesta teoria a maneira como as pessoas representam o mundo é o principal determinante de sua ação No estudo das representações que as pessoas elaboram sobre determinados aspectos do ambiente em determinados momentos de sua vida Lewin demonstrou que o modo como o indivíduo constrói sua representação do mundo pode variar de acordo com suas necessidades ou objetivos internos isto é as construções mentais que influenciam a conduta Em decorrência desta influência os processos cognitivos e o impacto da cognição sobre as relações sociais se tornaram centrais na psicologia social contemporânea Esta abordagem pode ser observada sobretudo nos estudos da percepção social e das representações sociais Gergen 1981 166 Moscovici 1986 ao comentar a afirmação corrente de que a psicologia social teria sido invadida recentemente por uma verdadeira revolução cognitiva observa que na verdade o que está acontecendo é uma volta às concepções mais clássicas dos fenômenos psíquicos que atribuem mais importância às imagens mentais ao raciocínio e à memória ativa Na sua opinião a psicologia social estaria se voltando novamente para o estudo da consciência Um olhar sobre a história recente desta disciplina mostra que no primeiro estágio de seu desenvolvimento no início do século o estudo das multidões da propaganda e dos processos de influência social foi feito enfatizando sobretudo os aspectos emocionais afetivos e inconscientes os fatores irracionais do comportamento dos grupos Estas primeiras teorias tiveram sucesso sobretudo entre os nazistas e demais grupos que defendiam o autoritarismo na Europa dos anos 20 e 30 Para Moscovici foi precisamente este sucesso das teorias irracionalistas entre os grupos de orientação autoritarista que teria levado o primeiro grupo de psicossociólogos alemães que se refugiaram nos Estados Unidos entre os quais Lewin e Asch a protestar contra essa abordagem das relações sociais Lewin então se voltou para o estudo dos pequenos grupos e para a lógica que rege a conduta de seus membros Lewin 1951 enquanto Asch procurou substituir a abordagem que busca a explicação da liderança em termos de prestígio ou sugestão pelo estudo da lógica dos processos de influência social Asch 1952 Em ambos a racionalidade humana e enfatizada E para Moscovici é precisamente esta a razão pela qual os processos cognitivos estiveram no centro desta nova psicologia social nos EUA O foco de atenção das teorias cognitivistas são as atitudes definidas como estruturas cognitivas determinadas por conjuntos de valores e por tendências 167 para a ação organizadas a partir da experiência em função das quais se organizam todas as outras manifestações psíquicas percepções julgamentos e condutas Neste conjunto destacase a abordagem de Festinger cuja originalidade consistiu precisamente em apontar as tensões entre cognições contraditórias ou a contradição entre a atitude e a ação como forças motrizes das modificações de opiniões e de julgamentos Segundo Moscovici para Festinger o homem e um animal racionalizante mais que racional diante de um conflito o sujeito realinha suas atitudes em função dos motivos subjetivos e da ação efetiva e não o contrário que seria em função da razão Esta seria a lógica do chamado pensamento natural o pensamento utilizado pelo sujeito na vida cotidiana para explicar e orientar sua ação sobre o mundo Tratase de uma lógica regida por valores na qual a racionalidade é regida pelo metassistema de finalidades e desejos do sujeito A partir de Festinger a análise da percepção social se tornou central para a compreensão dos fenômenos grupais No entanto a análise das relações de grupo foi sendo progressivamente substituída pela temática da interação entre pessoas o que reduziu o âmbito da teoria da dissonância cognitiva que foi perdendo o interesse inclusive para o próprio autor Moscovici 1986 Mais recentemente sobretudo por influência da cibernética e da ciência da computação as atenções dos pesquisadores se concentraram no estudo da cognição social o homem como máquina pensante o estudo dos mecanismos de processamento das informações Os indivíduos elaboram teorias implícitas sobre os outros baseadas no senso comum nos preconceitos em conceitos ingênuos retirados da prática cotidiana teorias estas fortemente influenciadas pela linguagem atravésda qual se transmitem de um indivíduo a outro Explicações alternativas são exploradas para se chegar a elucidar as 168 razões do comportamento do outro Estas formas de processamento das informações atéa elaboração de uma interpretação se dariam a partir de esquemas isto é conexões previamente estabelecidas que agem como ponto de ligação entre a memória e a percepção e que cumprem a função de selecionar entre as informações disponíveis aquelas que são cruciais para a compreensão da situação Os esquemas se dividem em esquemas causais e esquemas de acontecimentos Os primeiros transformam cada elemento de informação em efeito de uma causa os segundos descrevem uma seqüência de acontecimentos dos quais participamos scripts acumulações de experiências mentais que mobilizam a memória de situações passadas semelhantes e indicam o curso apropriado de ação na situação presente fVergnaud 1991 Deste ponto de vista a conduta observada em situações de interação de grupos é analisada em termos das percepções e atitudes de cada membro do grupo em relação aos outros O preconceito por exemplo é definido como um conjunto de atitudes negativas em relação a um dado indivíduo ou grupo A discriminação é vista como a conduta associada a uma atitude negativa em relação a uma determinada minoria Analisando a formação das atitudes preconceituosas Katz 1976 observou a ocorrência de uma serie ordenada de esquemas adquiridos pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento nos quais se cristalizaria determinada percepção em relação a membros de minorias Para que se forme uma atitude no entanto é necessário que o sujeito seja socializado em um ambiente que lhe forneça informações explícitas ou implícitas sobre como deve ver e se comportar em relação às minorias Assim ao mesmo tempo em que atitudes se desenvolvem a identidade em relação ao seu próprio grupo se fortalece ou seja o sentimento do nós por 169 oposição ao eles Nesta visão contemporânea a abordagem cognitivista se combina a pressupostos da teoria dos papeis No entanto por estar centrada na elaboração de percepções e representações no indivíduo a esta abordagem falta uma melhor caracterização do modo pelo qual estas percepções e representações individualmente construídas se tornam sociais isto é passam a reger a conduta não apenas de um indivíduo mas de grupos sociais inteiros Esta questão é abordada com mais precisão pela abordagem sóciointeracionista e pela teoria das representações sociais Abordagem sóciointeracionista O conhecimento se constrói na interação social esta e a grande descoberta da abordagem sócio interacionista Vygotsky foi o primeiro autor em psicologia a colocar a questão do conhecimento como resultando da interação Vygotsky 1978 Para ele o conhecimento seria social antes de ser individual e os artefatos criados pela atividade humana bem como a linguagem seriam os principais mediadores no processo de internalização da cultura Para os sóciointeracionistas os seres humanos vivem em um ambiente em constante transformação pois os artefatos culturais e a linguagem são transformados pela própria atividade dos grupos humanos em interação Em outras palavras o ambiente humano é constantemente criado e recriado pela atividade cultural Cada artefato cultural contem além de sua forma física o código de condutas e de interações que o tornou possível e que condiciona a ação das novas gerações que o utilizam Da mesma forma a linguagem contem o código das representações e recortes do mundo legados pela cultura e é assim que se transmitem as visões de mundo de uma geração a outra 170 A atividade mental humana é condicionada portanto por sua existência em um mundo simultaneamente natural e artificial Nas palavras de Cole As características especiais da vida mental humana são precisamente as características de um organismo que pode habitar transformar e recriar um mundo mediado por artefatos Como o filósofo soviético Evald llyenkov 1977 colocou o mundo das coisas criadas pelo homem para o homem e portanto as coisas que são formas reificadas da atividade humana e a condição para a existência da consciência humana A natureza especial desta consciência decorre da natureza dual materialideal do sistema de artefatos que constitui o ambiente cultural os seres humanos vivem em um mundo duplo simultaneamente natural e artificial Cole 1995 p 32 As conseqüências desta concepção para o estudo da vida em comunidade é mesmo para a intervenção em comunidades são facilmente observáveis Se o conhecimento se constrói na interação e se esta interação é mediada por símbolos e artefatos produzidos culturalmente duas conseqüências se impõem aos psicólogos conhecer a cultura local e contribuir para a construção de novos significados atravésda interação Por isso é tão importante propiciar oportunidades para o diálogo para a interação em grupos pois é precisamente nestas situações que novos significados emergem Neste sentido o estudo das estruturas discursivas e da retórica tem se revelado também importante A ideia e que em situações de interação principalmente quando culturas diferentes se encontram interpretações diferentes da mesma realidade podem estar em jogo Se o conhecimento é construído na atividade e se os grupos humanos por sua própria experiência em atividades diferentes produzem interpretações divergentes acerca da mesma realidade estas diferenças certamente estarão expressas em seu discurso Assim são as próprias 171 categorias discursivas dos participantes da interação que se tornam a principal fonte de informação sobre as diferentes visões de mundo ou mesmo ideologias implicadas na situação Edwards 1995 Assim a abordagem sóciointeracionista ao superar o individualismo da abordagem cognitivista clássica coloca em novas bases a questão da interação social por considerála constitutiva da consciência Esta visão tem conseqüências importantes para a elaboração de estratégias dialógicas de desenvolvimento da consciência como e o caso dos programas comunitários Representações sociais A teoria das representações sociais busca superar as limitações da abordagem cognitivista seja clássica ou contemporânea por abordar não apenas a construção das representações no indivíduo mas a maneira como estas representações se tornam hegemônicas em uma dada formação social Assim a ênfase da teoria é o estudo do aspecto social isto é interindividual da representação A construção da representação deixa de ser uma questão individual para se tornar uma função simbólica do grupo social em seu conjunto O conceito de representação social proposto por Moscovici 1961 procura descrever representações coletivas enquanto construções simbólicas historicamente determinadas socialmente compartilhadas e comunicadas atravésde redes institucionais específicas que ao mesmo tempo modelam as ações dos grupos no interior da formação social considerada e são por elas modeladas Nesta abordagem o que determina a ação dos indivíduos não é portanto apenas a sua própria representação do real mas a representação que atravésde uma complexa rede de relações sociais eles compartilham com os demais membros do grupo do qual 172 fazem parte No entanto as representações sociais são construtos em permanente transformação Se guardam relação com o passado da comunidade com suas tradições e história são também o produto da prática presente e dos horizontes que guiam a ação dos grupos sociais que operam simbolicamente através delas Na teoria das representações sociais dois aspectos merecem destaque por sua contribuição ao estudo da interação Em primeiro lugar a ideia de que as representações que os sujeitos constróem compartilham e comunicam entre si são fruto de histórias já construídas e como tal são transmitidas Em segundo lugar a lembrança oportuna de que as práticas presentes vão progressivamente contribuir para introduzir novos elementos nas representações e em última instância para transformálas é precisamente esta dialética que permite avançar a compreensão da ação individual e grupal como uma resultante do movimento entre as categorias já cristalizadascoletivamente e o movimento de renovação que nasce das práticas cotidianas Neste sentido chegamos a uma concepção na qual não são apenas as representações sociais que orientam a conduta humana mas esta mesma conduta é que contribui para construir as representações A ênfase nestes dois aspectos da análise é importante na compreensão dos efeitos da complexidade cultural sobre a conduta e sobre a própria construção da subjetividade no interior da cultura Mais que isto a própria ideia de que as representações sociais assim como as próprias formações sociais que lhes dão forma estão em constante transformação chama a atenção para novos objetos de análise justamente aqueles que apontam para a diferença a mudança 173 A interpretação da cultura como empreendimento intersubjetivo Como vimos até aqui o campo de estudo delimitado pela psicologia social principalmente se aplicado ao estudo e intervenção em comunidades é constituído em última análise pela análise da cultura O conceito de cultura referese precisamente a este conjunto de significados compartilhados que orientam a conduta dos indivíduos Estes significados se por um lado apresentam as características de homogeneidade e a duração tendo em vista suas origens na tradição e na história do grupo são também questionados pelo movimento de construção de novas práticas que por sua vez na interação produzem novos significados A psicologia social trabalha com conceitos que permitem trabalhar as relações culturais em situações de diálogo contribuindo para desenvolver a capacidade de análise das situações e para a construção de novas interpretações Esta é precisamente a situação na qual se encontram muitos dos trabalhos comunitários com os quais nos envolvemos como psicólogos sociais No entanto é preciso observar também que a própria psicologia social constituise em uma interpretação da cultura Conforme lembra Valsiner a ciência psicológica é construída sobre sistemas de significados culturais compartilhados em sociedades determinadas Valsiner 1994 No interior da mesma formação social podemos encontrar interpretações divergentes sobre os mesmos fenômenos que nascem da experiência diversificada de grupos sociais em conflito Campos 1992 Por isso e também a partir da observação da miríade de categorias culturais atravésdas quais os sujeitos sociais constróem suas respectivas identidades tornase importante incorporar à análise a percepção dos próprios sujeitos sobre as categorias 174 psicossociais que regulam sua conduta e até sobre os próprios cientistas que buscam estudálos Esta perspectiva de conhecimento relacional Rosaldo 1989 problematiza o lugar do observador nas ciências sociais e passa a considerar a verdade contida na percepção do sujeito da análise a respeito de sua própria inserção cultural Tratase de tornar visíveis na pesquisa e na intervenção não só o grupo observado com seus valores crenças percepções e representações mas também o cientista que observa Na verdade realiza se aqui o projeto sóciointeracionista de propiciar a oportunidade da construção do conhecimento na interação incluindose nesta interação o próprio psicólogo social A análise da cultura e das representações que os sujeitos se fazem dela requer uma espécie de dupla visão que se movimenta do narrador o cientista social ao protagonista da ação o insider portador dos significados que se quer conhecer Seria a partir deste movimento que o conhecimento se tornaria possível e o movimento cultural passível de ser apreendido Nesta abordagem a própria díade composta pelo psicossociólogo e sen sujeito tornase um grupo multicultural e a problemática da interpretação dos significados compartilhados ou não um instrumento de trabalho que contribui para a compreensão dos determinantes da ação de cada um dos sujeitos na situação Na análise de grupos multiculturais como os grupos com os quais nos relacionamos em projetos comunitários esta proposta de análise é especialmente apropriada Na medida em que busca romper com a pretensa nowhere lanei em que se coloca o pesquisador tradicional permite incorporar à pesquisa não só a visão do observador ele próprio imerso em uma rede de relações culturais e de representações dela decorrentes 175 como respeita a visão do sujeito pesquisado como um depoimento a ser considerado como digno de figurar como um relato da situação equivalente ao do pesquisador Superase assim a ideia de que as percepções do sujeito da pesquisa seriam meros indicadores de uma realidade desconhecida para ele próprio à qual só teria acesso o pesquisador munido de sua teoria E assim se movimenta o estudo psicossociológico dos grupos multiculturais de uma abordagem centrada no indivíduo passamos à história do grupo social como fonte das representações que os indivíduos se fazem uns dos outros para chegar a uma abordagem em que a própria análise das representações se torna um empreendimento intersubjetivo Nesta última abordagem a interpretação da ação dos sujeitos imersos na cultura e a resultante de um processo de reflexão no qual a análise focaliza precisamente os diferentes pontos de vista envolvidos na definição da situação Para a psicologia social comunitária estas contribuições são relevantes na medida em que apontam para os aspectos cruciais do processo de conscientização a cultura como construção intersubjetiva de significados e o diálogo como contexto para a problematização e reconstrução cultural BIBLIOGRAFIA ANDERY Alberto A Psicologia na comunidade In Lane Sílvia e Codo Wanderley orgs Psicologia social o homem em movimento São Paulo Brasiliense 1984 ASCH S Social Psychology Englewood Cliffs NJ PrenticeHall 1952 176 BOMFIM Elizabeth CAMPOS Regina HF e FREITAS Maria de Fátima Q Psicólogo Brasileiro A construção de novos rumos Campinas Ed Átomo 1992 CAMPOS Regina HF Notas para uma história das idéias psicológicas em Minas Gerais In Drawin Carlos R et alíi Psicologia Possíveis olhares outros fazeres Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia 1992 COLE Michael Culture and cognitive development From crosscultural research to creating systems of cultural mediation In Culture and Psychology 11 1995 2554 EDWARDS Derek A commentary on discursive and cultural psychology In Culture and Psychology 11 1995 5566 GERGEN K e GERGEN M Social Psychology New York Hartcourt Brace Jovanovich 1981 p 2024 GÓIS Cezar Wagner de Lima Noções de psicologia comuntátia Fortaleza Ed UFC 1993 KATZ PA The acquisition of racial atitudes in children In Katz PA Toward the Elimination of Racism New York Pergamon Press 1976 LANE Sílvia Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil cf cap 1 do presente volume LEWIN K Teoria de campo em ciência social São Paulo Pioneira 1965 1üed de 1951 em inglês MOSCOVICI S 1989 Dês representations collectives aux representations sociales In Jodelet D org Lçs representa tions sociales Paris PDF 177 Lere dês representations sociales In Doise W e Palmonari A orgs Letude dês representations sociales Neuchâtel Delachaux et Niestle 1986 ROSALDO R Culture and Truth the Remaking of Social Analysis Boston Beacon Press 1989 VALSINER Jaan Beyond the Cognitive or any other Revolution A coconstructionist look for the future in the past Paper presented for an Invited Lecture at the Fifth Congress of the National Academy of Psychology of índia Allahabad October 68 1994 Usesof Common Senseand Ordinary Language m Psychology and Beyond A Constructionist Perspective and Its Implica tions Ch 3 in Siegfried j EdJ The Status of Common Sense in Psychology Norwood NJ Ablex Pubhshmg Corporation 1994 p 4957 VERGNAUD Gerard Pourquoi Ia psychologie cognitive In La Pensee 282919 juilletaoüt 1991 VYGOTSKY Lev S A formação social da mente São Paulo Martins Fontes 1978 178 OS AUTORES Sílvia Tatiana tvíaurer Lane e doutora em psicologia social e atua no Programa de Estudos Pós graduados em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Bader Burihan Sawaia é doutora em psicologia social pela PUCSP e professora dos programas de Pós graduação em psicologia social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e de Enfermagem na Universidade de São Paulo É também chefe do Departamento de Sociologia da PUCSP Maria de Fátima Quintal de Freitas é doutora em psicologia social pela PUCSP e professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento do Programa de Pósgraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo Pedrinho A Cuareschi é PhD pela University of Wisconsin at Madison é professor do programa de Pós graduação em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Jacyrara C Rochael Nasduttí é doutora em psicologia clínica e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro atuando no Programa de Mestrado EICOS Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social Naumi A de Vasconcelos psicanalista é doutora em ciências sexológicas pela Universidade de Louvain Bélgica e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro atuando no Programa de Mestrado EICOS Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social Regina Helena de Freitas Campos PhD pela Universidade de Stanford EUA e professora no Programa de Mestrado em Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais JORGE CASTELLÁ SARRIERA ENRIQUE TEÓFILO SAFORCADA Organizadores Introdução à PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Bases teóricas e metodológicas Coautores Adolfo Pizzinato Ceres Berger Faraco Juliana Amoretti Kátia Bones Rocha Kátia Regina Frizzo Lilian Rodrigues da Cruz Maria Amélia Jaeger de Souza Maria de Fátima Quintal de Freitas Maria Piedad Rangel Meneses Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel Pedrinho Arcides Guareschi Editora Sulina Editora Meridional 2010 Editorial Paidós SAICF 2008 Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitária Capa Vinícius Xavier Projeto gráfico e editoração FOSFOROGRÁFICOClo Sbardelotto Revisão Matheus Gazzola Tussi Revisão técnica GPPCUFRGS Tradução Autores Editor Luis Gomes 1ª reimpressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Bibliotecária responsável Denise Mari de Andrade Souza CRB 10960 161 Introdução à Psicologia Comunitária bases teóricas e metodológicas Jorge Castellá Sarriera e Enrique Teófilo Saforcada orgs Porto Alegre Sulina 2014 230 p Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria ISBN 9788520505885 1 Psicologia 2 Psicologia Comunitária 3 Psicologia Social 3 Psicologia Pesquisa 4 Psicologia Metodologia I Sarriera Jorge Castellá II Saforcada Enrique Teófilo CDD 150 CDU 1599 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL LTDA Av Osvaldo Aranha 440 conj 101 CEP 90035190 Porto Alegre RS Tel 51 33114082 Fax 51 32644194 sulinaeditorasulinacombr wwweditorasulinacombr Fevereiro2014 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Capítulo 10 A ENTREVISTA E A VISITA DOMICILIAR NA PRÁTICA DO PSICÓLOGO COMUNITÁRIO Kátia Bones Rocha Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel O psicólogo comunitário na sua prática profissional assim como em outras áreas próximas à Psicologia dispõe de uma série de instrumentos de trabalho que viabilizam suas intervenções O presente capítulo objetiva apresentar uma discussão sobre duas técnicas de ação profissional a entrevista psicossocial e a visita domiciliar A entrevista A entrevista é um instrumento fundamental na prática psicossocial sendo também uma técnica importante de investigação científica Bleger 1998 Laville Dionne 1999 Quando concebida como método científico de levantamento de informações a entrevista necessita que o entrevistador possua alguns conhecimentos teóricos e práticos sobre a comunicação interpessoal os quais devem ser levados em conta no momento das intervenções Desta forma podese definir a entrevista como um processo no qual interagem duas ou mais pessoas através da comunicação geralmente oral em que se estabelecem papéis assimétricos entrevistador e entrevistado Considerando que a pessoa se constitui como um ser em relação inserido em um contexto a entrevista oferece a oportunidade de observar a interação entre as pessoas e o meio Martínez 1992 Desta forma a entrevista é sempre uma conversação com um propósito definido Rodríguez Sutil 1994 Além disso sabese também que o que ocorre na entrevista é determinado em grande parte pela natureza da relação que se estabelece entre o entrevistado e o entrevistador neste sentido a capacidade empática e de acolhimento da demanda por parte do entrevistador são fundamentais para o processo Bleger 1998 Assim é fundamental que a entrevista seja conduzida a partir da utilização de uma linguagem clara e acessível através de perguntas concretas breves e situadas no tempo respeitando a liberdade de resposta do entrevistado Rodríguez Sutil 1994 Desta forma o psicólogo ou demais profissionais da saúde ao atuar na comunidade deverá estar sensível ao ambiente à pessoa entrevistada ao tema e ao momento e lugar onde esta acontece Martínez 1992 Assim tornase essencial o aprofundamento dos conteúdos que são trazidos pelo entrevistado uma vez que desta forma é possível conhecer suas representações crenças valores sentimentos e opiniões O conteúdo implica em algo mais que o puro significado da narrativa do entrevistado uma vez que referese a outras manifestações relacionadas ao momento da intervenção e da relação entre o entrevistador e o entrevistado Mackinnon Michels 1990 Com o intuito de delimitar as características da entrevista psicossocial com foco na comunidade fazse necessário refletir sobre o campo da Psicologia Comunitária Segundo Kelly 1992 a Psicologia Comunitária se caracteriza pela ênfase nas relações de interdependência entre as pessoas o meio ambiente os recursos individuais e coletivos a ação social e a prevenção Portanto na entrevista comunitária todas essas dimensões devem ser contempladas já que são muito significativas para o bom andamento de todo o processo A entrevista pode ser usada para compreender o significado de um fenômeno específico para uma determinada comunidade Essa compreensão permite que o movimento inicial seja sempre de apreensão da realidade e do contexto específico e não de preconceito e de imposição de verdades A aproximação à comunidade deve ser motivadora para que se siga neste movimento em busca de uma maior instrumentalização de recursos Desta forma fica clara a ampliação da função do psicólogo e dos demais profissionais da saúde o foco não se reduz exclusivamente a identificar os possíveis problemas e transtornos psicológicos do indivíduo mas é necessário trabalhar numa perspectiva de potencialização dos aspectos saudáveis de um indivíduo inserido em uma comunidade De acordo com Lewin 1978 a importância de considerarse o contexto social está na compreensão de que as influências externas ao indivíduo têm um papel importante na definição do significado que uma situação tem para as pessoas de determinada comunidade Tal concepção aproximase do que Bronfenbrenner 19791996 propõe em relação ao modelo ecológico de compreensão da pessoa o qual inclui a interação da mesma com os contextos em que está inserida tais como a escola a família a comunidade o ambiente de trabalho a sociedade Partindo destes conceitos observase que a entrevista na comunidade deve ser realizada de tal forma que as características específicas de cada contexto sejam respeitadas e consideradas Além disso pode ser realizada de forma individual ou grupal podendo ser efetiva mesmo quando fora de um setting específico Cabe ressaltar que na comunidade se priorizam as entrevistas em grupo também chamadas entrevistas participativas já que ampliam as possibilidades de compreensão psicossocial Com relação ao entrevistador um aspecto importante a ser considerado referese a sua postura facilitadora nunca colocandose no centro 204 205 da intervenção Objetivase assim que não se estabeleça um vínculo de dependência com a figura do entrevistador mas sim que os entrevistados sejam capazes de construir e encontrar recursos na comunidade e em si mesmos para autogerenciaremse A entrevista em grupo aparece como uma ferramenta em que o profissional incluise efetivamente no contexto da comunidade buscando comprometerse eticamente no sentido de pensar estratégias para que um maior número de pessoas possa beneficiarse com seu trabalho No entanto Bezerra 2001 ressalta que a técnica de grupo não pode ser a opção eleita exclusivamente em função da escassez de recursos financeiros ou como uma possibilidade de atenção maior da demanda já que estes critérios poderiam não considerar as motivações particulares de cada entrevistado ou de cada comunidade Quando não levado em conta este aspecto pode ser o responsável pelo fracasso de muitos dos grupos propostos nas comunidades O psicólogo comunitário sempre deve estar atento para atender a demanda daqueles que o solicitam assumindo uma postura de inclusão e ampliação de sua rede de apoio Cabe ressaltar que atender a demanda não significa dar conta de todas as necessidades mas sim capacitálos para a busca de recursos Muitas vezes a alternativa mais eficaz é encaminhar as pessoas para outros profissionais da rede psicólogo assistente social psiquiatra terapeuta ocupacional entre outros vinculandoos assim ao centro de atenção específico a sua demanda Desta forma se faz evidente a importância da construção por parte do psicólogo e da comunidade de uma rede social que facilite a comunicação com diferentes profissionais e com diferentes âmbitos tais como o juizado conselhos tutelares organizações não governamentais ONGs entre outros Esses encaminhamentos devem propiciar a dinamização da rede de apoio para permitir que a comunidade seja cada vez mais promotora de saúde Dentro desta perspectiva mais integrativa as entrevistas na comunidade podem ser realizadas pelo psicólogo individualmente ou acompanhado por outros profissionais respeitando a ação interdisciplinar e acima de tudo objetivando uma compreensão mais global dos fenômenos Cabe ressaltar que para o bom funcionamento e eficácia dos serviços prestados o trabalho com outros profissionais exige que cada um tenha muito claro seu papel dentro da equipe Através do trabalho em equipe se desenvolvem as estratégias de integração disciplinar termo proposto por Porto e Almeida 2002 o qual caracteriza a possibilidade de produção de conhecimento multidisciplinar interdisciplinar ou transdisciplinar Para os autores as estratégias de integração disciplinar referemse ao conjunto de intervenções entre as diversas disciplinas científicas na produção de conhecimento em particular na análise de objetivos complexos assim como na integração de conhecimentos e estratégias de intervenção em torno de problemas particulares Almeida Filho 1997 define a multidisciplinaridade como o conjunto de disciplinas que agrupamse ao redor de um tema ou um problema desenvolvendo investigações e análises particulares por diferentes especialistas Entretanto na maioria das vezes perdura a produção de práticas fragmentadas apesar do avanço na incorporação de múltiplas dimensões de um problema A interdisciplinaridade por sua vez caracterizase pela reunião de diferentes disciplinas ao redor de uma mesma temática em que outros profissionais trabalham ainda de maneira fragmentada mas compreendem a pessoa como única tendo a prática de diferentes níveis de integração Enquanto a transdisciplinaridade referese à articulação de um amplo conjunto de disciplinas concernentes a um campo teórico e operacional específico Assim percebese que não somente a entrevista na comunidade como também outras formas de intervenção dos profissionais 206 207 da saúde como por exemplo a prática da visita domiciliar descrita a seguir possibilitam o desenvolvimento de conceitos e intervenções transdisciplinares os quais possibilitam uma significativa ampliação das ações realizadas no âmbito comunitário A visita domiciliar A visita domiciliar é mais uma forma de trabalho em equipe nas comunidades Não se trata de uma prática específica dos psicólogos já que um dos primeiros profissionais que realizaram essa atividade foram os assistentes sociais Atualmente além destes outros profissionais da área da saúde também trabalham com esta modalidade de atendimento Evidenciase assim a importância do psicólogo estar aberto a outras possibilidades interventivas as quais podem ter sua origem em novas práticas profissionais e podem propiciar uma compreensão mais ampla dos fenômenos e uma maior aproximação a comunidade podendo ser muito concernentes ao exercício da Psicologia A visita domiciliar se caracteriza por ser uma intervenção eminentemente em equipe Neste sentido é interessante que o psicólogo busque neste espaço o desenvolvimento de uma prática integrada com pacientes familiares e comunidade facilitando desta maneira a tão desejada transdiciplinaridade No Brasil a visita domiciliar não é uma prática tão consolidada no âmbito da Psicologia especialmente em termos dos serviços públicos de saúde apesar de existir um importante movimento e crescimento neste sentido Henley 1999 salienta a importância da aproximação dos profissionais da saúde com a realidade social com a qual trabalham A intervenção direta no contexto possibilita uma compreensão mais profunda do comportamento das pessoas que vivem na comunidade seus hábitos e atitudes e favorece também uma aproximação entre as unidades de saúde e a comunidade Patterson Mulley 1999 Para Campanini e Luppi 1996 o principal objetivo da intervenção feita no domicílio é a busca por profundidade e a possibilidade de compreensão do ambiente familiar a partir da observação Patterson e Mulley 1999 ressaltam que em 80 dos casos familiares e amigos também estão presentes durante a entrevista podendo contribuir com os profissionais que a realizam Através dessa prática outros aspectos mostramse relevantes tais como fortalecimento do vínculo entre a comunidade e a equipe técnica compreensão da relação entre o comportamento e o ambiente acompanhamento mais rigoroso quando solicitado pelo Juizado de Menores e Conselhos Tutelares assim como a possibilidade de intervir preventivamente Sendo assim a visita domiciliar propicia uma maior compreensão dos processos de comunicação estrutura ambiental e interação dos membros na família e na comunidade facilitando também o entendimento dos processos da saúde e doença Segundo Oliveira e Berger 1996 durante a visita domiciliar o paciente ou a família visitada percebe o entrevistador como uma grande fonte de ajuda No entanto existem casos nos quais esta confiança não se estabelece de forma imediata assim o êxito da entrevista dependerá muito da habilidade do entrevistador Mackinnon Yudofsky 1988 Dentro dessa perspectiva entendese o psicólogo como um dos profissionais mais aptos para a realização destas práticas devido a habilidade técnica para o trabalho em relações humanas e sensibilidade para estabelecer vínculos saudáveis os quais favorecerão a integração com as pessoas e as comunidades Boyce Cook Jump e Roggman 2001 comentam alguns cuidados fundamentais nas visitas domiciliares evitar a troca dos profissionais que realizam as visitas a forma como esta visita se estrutura e a qualidade das intervenções durante o processo Variações referentes à efetividade dos profissionais na utilização de interações e de estratégias para envolver famílias parecem estar 208 209 relacionadas à percepção que as famílias têm da possibilidade de melhorar sua qualidade de vida Sabese também que o deslocamento da equipe de saúde até a residência de um membro da comunidade pode mobilizar a equipe como um todo Por isso é importante considerar o significado da solicitação da visita e da demanda assim como analisar as implicações para quem a solicitou Deve ser considerado se o pedido de visita é o primeiro contato com a família se foi feito diretamente pelo sujeito ou outra pessoa ou por uma instituição e também se foi por impossibilidade da pessoa de locomoverse até o serviço de atendimento A solicitação deve ser avaliada pelo profissional que atenderá o caso podendo ser redefinidas questões como o momento e a modalidade da visita Campanini Luppi 1996 Oliveira Berger 1996 É muito importante que os integrantes de uma equipe de saúde que durante uma visita domiciliar invadem de certa forma o espaço privado das pessoas realizem permanentemente um questionamento ético acerca do lugar de poder que ocupam frente a estas comunidades já que no Brasil os programas de saúde relacionados ao cuidado da família orientamse na maioria das vezes à população marginalizada Os questionamentos de ordem ética devem ser contemplados para que a intervenção possa promover de fato a saúde dos indivíduos através da potencialização dos recursos da comunidade Patterson e Mulley 1999 salientam alguns aspectos controvertidos em relação à visita domiciliar como por exemplo a duração ideal para a realização da entrevista quais profissionais devem estar presentes o quanto as visitas podem influenciar a qualidade de vida os aspectos psicológicos e a remissão de doenças das pessoas Segundo os autores nem todos os pacientes ou famílias beneficiamse deste tipo de atendimento e portanto tal prática deve ser analisada com cuidado e atenção Baseado nestes conhecimentos podese dizer que tanto na visita domiciliar como na entrevista participativa ou de grupo o papel que o profissional ocupa frente à comunidade deve ser de agente promotor da saúde já que o mesmo é parte e não o centro do processo Assim a visita domiciliar é considerada um instrumento de intervenção muito eficaz para psicólogos e outros profissionais da saúde sendo de grande importância a observação das relações e a compreensão de como está ocorrendo num determinado momento Além disso pode estimularse que outras pessoas as quais não sejam foco central do atendimento busquem participar mais ativamente na comunidade podendo funcionar como uma estratégia de inclusão Observase ainda que no campo da Psicologia Comunitária existe uma carência de materiais teóricos e metodológicos de qualidade referentes a tais técnicas de intervenção Isto ocorre em grande parte pela ênfase dada à intervenção na singularidade de cada contexto já que é a vivência na comunidade que orientará o trabalho Entretanto enfatizase a importância de mais produções científicas neste sentido com a finalidade de fundamentar as atividades que o psicólogo vem realizando neste âmbito assim como seu questionamento crítico e ético Referências ALMEIDA FILHO N Transdisciplinaridade e saúde coletiva Ciência e Saúde Coletiva 2 12 1997 BEZERRA Jr B Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental In TUNDIS S A COSTA N R orgs Cidadania e loucura Políticas de saúde mental no Brasil Petrópolis Vozes 2001 BLEGER J Temas de Psicologia entrevista e grupos Porto Alegre Martins Fontes 1998 BOYCE L K COOK G A JUMP V K ROGGMAN L A Inside Home Visits a collaborative look at process and quality Early Childhood Research Quarterly 16 2001 p 5371 210 211 BRASIL Ministério da Saúde ABC do SUS nomenclatura parâmetros e instrumentos de planejamento Brasília Secretaria Nacional de Assistência à Saúde 1990 BROFENBRENNER U A ecologia do desenvolvimento humano Experimento naturais e planejados Porto Alegre Artes Médicas 19791996 CAMPANINI A LUPPI F Servicio social y modelo sistémico una nueva perspectiva para la práctica cotidiana Barcelona Paidós 1996 HENLEY L D A home visit programe to teach medical students about children with special needs Medical Education 33 1999 p 749752 KELLY J No es lo que haces sino como lo haces In KELLY J Org Psicología Comunitaria El enfoque ecológicocontextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 LAVILLE C DIONNE J A construção do saber Porto Alegre Artes Médicas 1999 LEWIN K La teoría de campo en la ciencia social Buenos Aires Paidós 1978 MACKINNON R A MICHELS R A Entrevista Psiquiátrica na Prática Diária Porto Alegre Artes Médicas 1990 MACKINNON R A YUDOFSKY S C A Avaliação Psiquiátrica Porto Alegre Artes Médicas 1988 MARTÍNEZ M S V La entrevista psicosocial In DÍAZ Miguel Clemente coord Psicología Social Métodos y Técnicas de Investigación Madrid Eudema 1992 OLIVEIRA F J A BERGER C B Visitas domiciliares em atenção primária à saúde equidade e qualificação dos serviços Revista TécnicoCientífica do Grupo Hospitalar Conceição 9 2 1996 p 6974 PATTERSON C J MULLEY G P The effectiveness of predischarge home assessment visits a systematic review Clinical Rehabilitation 13 1999 p 101104 PORTO M F P ALMEIDA G E S Significados e limites das estratégias de integração disciplinar una reflexão sobre a saúde dos trabalhadores Ciência e Saúde Coletiva 7 2 2002 p 335347 RODRÍGUEZ SUTIL C La Entrevista Psicológica In DELGADO J M GUTIÉRREZ J Métodos y Técnicas Cualitativas de Investigación en Ciencias Sociales Madrid Sintesis Psicologia 1994 INTRODUÇÃO A Psicologia Social Comunitária surge em meados da década de 1960 no Brasil a partir de trabalhos realizados nas comunidades de baixa renda com o intuito de deselitizar a profissão do psicólogo e promover qualidade de vida à população trabalhadora institui o campo teórico e prático do que intitulamos a psicologia comunitária ou psicologia na comunidade FREITAS1994 Foram vários os lugares onde iniciouse a prática de psicologia comunitária tal como bairros populares favelas associações de bairro comunidades eclesiais de base e movimentos populares em geral sendo estes espaços propícios para as experiências propostas por essa abordagem Comunidade é definida por Campos 1996 como sendo o lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida No entanto o conceito de comunidade utilizado pela psicologia social comunitária tem algumas características próprias o qual se refere À relação baseada no sentimento subjetivo do pertencer estar implicado na existência do outro como a família e grupos unidos pela camaradagem vizinhança e fraternidade religiosa A relação pode ser afetiva piedade amizade ou erótica e amorosa enfim baseada em qualquer espécie de fundamentos emocional ou tradicional SAWAIA 1996 p 40 Conforme Sawaia 1996 por muito tempo este conceito de comunidade encontravase inexistente na história das ideias psicológicas Sobrevém apenas nos anos de 1970 quando uma área da psicologia social se autoqualificou de comunitária Deste modo estabeleceu propósitos e destinatários para mostrar se como ciência enredada com a realidade estudada principalmente com os excluídos da cidadania A comunidade apresentavase muito raramente como sinônimo de sociedadeporém há diferenças entre esses conceitos sendo que o primeiro é mais restrito e se encontra inserido dentro de uma sociedade sendo este mais abrangente podendo ser definido como Uma relação cuja atividade se funda sobre um compromisso de interesse motivado racionalmente em valor ou finalidade e resultante de vontade ou opção racionais mais que na identificação afetiva SAWAIA 1996 p 41 Não se pode atribuir a descoberta da comunidade especificamente à psicologia social visto que esse processo esteve envolvido em um movimento mais amplo de análise crítica do papel social das ciências sociais e em consequência do paradigma da neutralidade científica rompido nos anos de 1960 e culminado nas décadas de 1970 e 1980 quando a concepção de comunidade penetra literalmente o discurso das ciências humanas e sociais em particular as práticas no âmbito da saúde mental SAWAIA 1996 Tendo instituído uma aparência epistemológica importante à medida que representou a escolha por uma teoria crítica que interpreta o mundo com o intento de transformálo sem dúvida a inserção deste novo conceito no corpo teórico da psicologia social foi de suma importância HELLER 1984 apud SAWAIA 1996 pg 35 Vivendo em um contexto de opressão política e dominação econômica e ideológica do período militar na década de 1970 os psicólogos passaram a indagar se sobre sua atuação frente à população e de qual seria seu papel na sua conscientização e organização Na década de 19801990 a denominação psicologia na comunidade passa a ser conhecida como psicologia da comunidade tendo como alvo de análise o grupo comunitário e a psicologia comunitária que toma como objeto de análise o sujeito construído sócio historicamente FREITAS et al 1996 pg 09 Ainda de acordo com Freitas 1996 pg 10 a Psicologia Social Comunitária tem como objetivo principal a busca do desenvolvimento da consciência crítica da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária Segundo Campos e colaboradores 2012 em sua atuação o psicólogo comunitário Contribui na construção de programas inovadores de intervenção social baseados em metodologias colaborativas de investigação ação promotoras de empoderamento e facilitadoras da mudança social Estrutura implementa ou avalia programas de prevenção na área da violência Apoia os grupos e as organizações da comunidade coletividades organizações não governamentais ou outras para que funcionem de forma mais eficaz cumprindo os objetivos a que se propõem ao nível da cultura do bemestar físico e do desenvolvimento integral dos grupos que pretendem beneficiar DESENVOLVIMENTO A Pastoral da Criança fundada em dezembro de 1983 em Florestópolis Paraná é uma organização ecumênica que tem como objetivo primordial a atenção integral à criança em seu contexto familiar e comunitário Sob a liderança da médica pediatra Zilda Arns Neumann e de Dom Geraldo Majella Agnelo à época Arcebispo de Londrina a Pastoral foi criada como uma iniciativa da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNBB A ampliação da área de atuação da Pastoral da Criança é notável pois ela tem incentivado entidades governamentais não governamentais e organizações comunitárias a realizarem ações concretas em prol das crianças e suas famílias Essa expansão reflete o compromisso da organização em enfrentar desafios como a redução da mortalidade infantil da desnutrição e da exclusão social Além disso a Pastoral trabalha ativamente na construção de uma cultura de paz atuando na prevenção da violência doméstica e promovendo relações saudáveis no seio familiar O cerne do trabalho da Pastoral da Criança reside na capacitação e no engajamento de líderes comunitários voluntários Esses líderes desempenham um papel fundamental ao realizarem visitas domiciliares a gestantes e crianças onde buscam compreender a realidade e as necessidades das famílias atendidas Por meio dessas visitas é possível planejar estratégias de assistência personalizadas que visam não apenas a saúde física mas também o bemestar emocional e social das crianças e de suas famílias Além das visitas domiciliares a Pastoral da Criança promove o Dia da Celebração momento em que as famílias se reúnem para o acompanhamento nutricional das crianças Esse encontro não apenas fortalece os laços comunitários mas também proporciona um ambiente propício para a troca de experiências e o compartilhamento de conhecimentos sobre cuidados com a saúde e nutrição infantil Por fim há momentos de reflexão e avaliação onde os líderes discutem estratégias para aprimorar o trabalho desenvolvido e garantir sua efetividade na promoção do desenvolvimento infantil e comunitário Em suma a Pastoral da Criança desempenha um papel fundamental na promoção da saúde infantil e no desenvolvimento das comunidades em que atua Seu compromisso com a inclusão a solidariedade e a justiça social são evidentes em todas as suas ações e seu impacto positivo na vida de milhares de crianças e famílias brasileiras é inegável O trabalho dos líderes comunitários voluntários é essencial para o sucesso dessa empreitada e é graças ao seu esforço e dedicação que a Pastoral continua a ser uma referência na luta pela garantia dos direitos das crianças e pelo fortalecimento das comunidades mais vulneráveis DESCRIÇÃO DA INTITUIÇAO Em xxxxxxxxxx foi fundada no santuário xxxxx em 2009 Atendendo as comunidades do jardim xxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxx Este trabalho foi focado na comunidade do bairro xxxxxxxxxx As reuniões acontecem a cada 15 dias sendo uma visita na residência das famílias cadastradas e outra no salão O salão é amplo possui dois andares e boa estrutura com banheiros cozinha e uma sala onde é realizada a pesagem e medida das crianças Situado na Rua xxxxxxxxx se trata de um imóvel que pertence a associação de moradores do bairro e é cedido para realização do trabalho filantrópico e voluntário da Pastoral O bairro tem parte da sua população em situação de carência financeira e de estrutura A população sofre com falta de assistência médica saneamento básico pavimentação de algumas ruas e locais para lazer Há uma grande dificuldade dos moradores para acesso à educação A prefeitura disponibiliza transporte coletivo mas no bairro não há escolas nem creches E necessário um longo deslocamento para que cheguem à escola Quando necessitam de atendimento médico para as crianças ou gestantes a pastoral atua para que a necessidade seja suprida e o atendimento necessário pelo médico especialista seja realizado A idade de principal foco é de gestante até que completem dois anos de vida O foco são os primeiros mil dias de vida sendo 9 meses de gestação e os 2 anos após o nascimento DESCRIÇÃO DO GRUPO Recémnascido 1 criança Menos de 6 meses 3 crianças Entre 1 e 2 anos 12 crianças Entre 2 e 3 anos 17 crianças Entre 3 e 4 anos 15 crianças Entre 4 e 5 anos 11 crianças Entre 5 e 6 anos 10 crianças Perfil étnico das crianças A maioria das crianças cadastradas na pastoral da criança do bairro xxxxxxxxxx são de origem negra e parda Estrutura da Pastoral da Criança do bairro xxxxxxxx Famílias acompanhadas 36 Total de crianças acompanhadas 59 Gestantes acompanhadas 8 Voluntários Total 10 Líderes incluindo coordenadora 7 Cozinheiras 2 Nutricionista 1 responsável pela pesagem medida e elaboração da alimentação para as crianças OBJETIVO Este trabalho tem como objetivo realizar visitas de campo para compreender o ambiente em estudo analisando seus aspectos físicos sociais e ambientais Durante essas visitas será dada especial atenção às demandas expressas e observadas pelas pessoas que frequentam a instituição em questão Por meio da escuta atenta e da observação direta serão identificadas as necessidades e expectativas do públicoalvo Com base nas informações coletadas durante as visitas de campo e na análise das demandas levantadas este estudo buscará desenvolver uma proposta de intervenção que atenda às necessidades identificadas Essa proposta será elaborada de forma a promover melhorias significativas no espaço estudado visando proporcionar uma experiência mais satisfatória para os frequentadores da instituição Dessa forma este trabalho acadêmico visa não apenas conhecer o espaço e suas condições mas também compreender as necessidades e demandas da comunidade que o utiliza culminando na elaboração de uma proposta de intervenção que contribua para a melhoria da qualidade de vida e do ambiente em questão MÉTODO Após observação e diálogo direto com os pais das crianças cadastradas foi identificado que uma parcela significativa dessas crianças enfrenta desafios no que diz respeito à interação social com pessoas que não pertencem ao seu círculo familiar evidenciando uma preferência a se relacionar predominantemente com seus familiares Isso reflete uma possível dificuldade de socialização Durante uma atividade em grupo realizada em forma de roda de conversa com crianças em idade entre 3 e 6 anos foram coletadas informações para entender suas preferências percepções sobre o ambiente e brincadeiras favoritas Essa interação teve como objetivo principal compreender as perspectivas das crianças e suas experiências dentro do contexto observado Uma das perguntas realizadas durante a conversa foi sobre as atividades que as crianças mais gostam de fazer As respostas revelaram uma variedade de interesses incluindo brincar com brinquedos específicos desenhar jogar bola pular corda dançar e ver televisão JORGE CASTELLÁ SARRIERA ENRIQUE TEÓFILO SAFORCADA Organizadores Introdução à PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Bases teóricas e metodológicas Coautores Adolfo Pizzinato Ceres Berger Faraco Juliana Amoretti Kátia Bones Rocha Kátia Regina Frizzo Lilian Rodrigues da Cruz Maria Amélia Jaeger de Souza Maria de Fátima Quintal de Freitas Maria Piedad Rangel Meneses Mariana Calesso Moreira Mariana Gonçalves Boeckel Pedrinho Arcides Guareschi Editora Meridional 2010 Editorial Paidós SAICF 2008 Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria Capa Vinícius Xavier Projeto gráfico e editoração FOSFOROGRÁFICOClo Sbardelotto Revisão Matheus Gazzola Tussi Revisão técnica GPPCUFRGS Tradução Autores Editor Luis Gomes 1ª reimpressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Bibliotecária responsável Denise Mari de Andrade Souza CRB 10960 161 Introdução à Psicologia Comunitária bases teóricas e metodológicas Jorge Castellá Sarriera e Enrique Teófilo Saforcada orgs Porto Alegre Sulina 2014 230 p Título original Enfoques conceptuales y técnicos en Psicología Comunitaria ISBN 9788520505885 1 Psicologia 2 Psicologia Comunitária 3 Psicologia Social 3 Psicologia Pesquisa 4 Psicologia Metodologia I Sarriera Jorge Castellá II Saforcada Enrique Teófilo CDD 150 CDU 1599 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL LTDA Av Osvaldo Aranha 440 conj 101 CEP 90035190 Porto Alegre RS Tel 51 33114082 Fax 51 32644194 sulinaeditorasulinacombr wwweditorasulinacombr Fevereiro2014 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Capítulo 6 ANÁLISE DE NECESSIDADES DE UM GRUPO OU COMUNIDADE A AVALIAÇÃO COMO PROCESSO Jorge Castellá Sarriera Pressupostos Iniciar uma atividade comunitária exige uma adequada planificação Esta planificação deve ter uma boa sustentação teóricoconceitual que oriente a ação e um bom conhecimento da realidade Em Psicologia Comunitária as teorias que apresentamos no primeiro capítulo sustentam a necessidade de contextualizar a comunidade sua história evolução cultura entender a interdependência entre os diferentes sistemas micro meso e macrossocial junto com a ideologia as políticas públicas as organizações e assumir o compromisso profissional na intervenção comunitária para o fortalecimento e a construção de redes de apoio que possam produzir trocas sociais para a melhoria da qualidade de vida de todos A análise de necessidades terá dois protagonistas Segundo Montero 1994 os investigadores ou técnicos externos e os investigadores internos os membros da comunidade Para eles é imprescindível a familiarização com a comunidade através de um processo de aproximação e diálogo de mútua aprendizagem e de respeito O conhecimento da comunidade de seu espaço físico seus costumes e seu cotidiano facilitará a inserção e o diálogo para o levantamento de necessidades e a abertura necessária para que essas possam ser analisadas com crítica e liberdade Este proceso de aproximação à comunidade dará início à análise de necessidades não se relacionando com as intervenções que partem de programas elaborados a priori impostos de cima para baixo desenvolvidos através de oficinas técnicas e procedentes de experiências de outros contextos Mas também há o que criticar em outro extremo aqueles profissionais que querem mimetizar com a comunidade e durante meses às vezes anos não conseguem ter parâmetros claros para estabelecer necessidades e metas de ação comunitária e vão trabalhando em um processo circular sem avanços conforme sopra o vento Definição de análises de necessidades Montero 1994 define as análises de necessidades como uma atividade inicial e dentro de um processo de investigaçãoação participante IAP que ajuda a especificar os problemas que afligem a comunidade e verifica às condições sentidas por seus membros Segundo a autora uma necessidade existe para um grupo quando seus membros sentem que lhes falta alguma coisa ou quando certas situações em suas vidas produzem efeitos que perturbam porque a maneira de atuar sobre elas é ineficiente Montero 1994 p 8 Essa atividade de análises seguirá durante todo o processo de ação comunitária buscando transformar as necessidades percebidas cognitivamente em necessidades sentidas cognitiva e afetivamente ou conscientizadas Nesse sentido a comunidade pode perceber mas não sentir uma necessidade possivelmente por estar embotada pelos meios de comunicação social ou pela naturalização daquilo que para os investigadores externos seria objeto de grande preocupação bloqueando sua capacidade de pensar analiticamente colocando em termos ideológicos um conhecimento determinado de antemão que busca conformar as pessoas segundo os interesses dominantes Desta maneira se acostuma por exemplo com uma situação de encarecimento como se fosse a forma natural de viver Alguns autores definem ou entendem o significado de necessidade de forma diferente Assim para SolanoPastrana 1992 existem diferentes conotações de necessidade como desejo expectativa problema ou demanda Parecenos que esses diversos sentidos não podem reduzirse ao âmbito da necessidade e que cada um expressa um leque de possibilidades a serem trabalhadas junto à comunidade de formas diferentes ainda que todos eles indiretamente relacionados com as necessidades É preciso que cada investigador determine o que entende por necessidade e os indicadores que identificam seu conceito assim como esteja atento às atribuições que a própria comunidade faz do significado de necessidade Outro aspecto conceitual básico se relaciona com os diferentes tipos de necessidade Assim como vimos que Montero 1994 diferenciava as necessidades sentidas das percebidas SerranoGarcía 1992 diferencia as necessidades sentidas diretamente pelas pessoas da comunidade daquelas inferidas que são provenientes de profissionais ou instituições vinculados à comunidade ou de critérios preestabelecidos As necessidades sentidas são do tipo mais subjetivo e incluem sentimentos preocupações e percepções As necessidades inferidas são do tipo objetivo como as necessidades normativas e comparativas que são extraídas de fontes documentais e de estudos epidemiológicos Além das necessidades que respondem às carências ou falta de coisas precisas em ordem material e psicossocial estão os problemas que a comunidade está vivendo Se considerarmos segundo a Enciclopédia Britânica 1994 que problema é uma situação que ameaça certos valores básicos e culturais causados por de sajustes individuais às normas adotadas ou a falhas existentes na própria estrutura social e que se refere a qualquer assunto ou questão que envolva dúvida insegurança ou dificuldade o mesmo processo com o qual tratamos as necessidades também pode ser usado para tratar os problemas As necessidades estão mais relacionadas à falta enquanto os problemas estão relacionados aos conflitos e dificuldades Junto ao levantamento de necessidades e problemas é necessário identificar os recursos com os quais conta uma comunidade Um primeiro aspecto é o conhecimento das instituições sociais religiosas de saúde e educativas que estão em sua região e com as quais no futuro poderão estabelecer redes de apoio Um segundo aspecto é a avaliação destas instituições pelos próprios responsáveis pelos membros da equipe investigadora e pelos próprios usuários Um terceiro aspecto são as expectativas que se têm sobre esses serviços e seu potencial contribuinte para a comunidade Além disso as instituições sociais os recursos podem ser de ordem pessoal e social líderes atuais e potenciais vínculos relacionais informais conhecimentos e experiências de pessoas de referência da comunidade Cabe enfatizar também o levantamento das fontes de recursos não utilizados seja de programas sociais de encontros seja de pressuposto participativo se existe em seu município seja de ONGs que estão com disponibilidade para auxiliar a comunidade Geralmente a comunidade por falta de consciência e organização deixa de se beneficiar de recursos que poderiam auxiliar em seu desenvolvimento Concluindo que aspectos podemos considerar em uma análise de necessidades Desde meu ponto de vista deveríamos enfocar três dimensões básicas 1 As necessidades sentidas percebidas e inferidas 2 Os problemas mais proeminentes e as formas de resolução dos mesmos que a comunidade propõe 3 O levantamento dos recursos que esta comunidade possui institucionais pessoais redes ou pode ter acesso Procedimentos metodológicos Para realizar o levantamento de necessidades de uma comunidade nos valemos de diferentes técnicas que poderão ser desenvolvidas ou construídas em conjunto entre investigadores externos e internos As técnicas de identificação de necessidades de problemas e recursos comunitários são variadas Entrevistas a Individuais 1 com líderes comunitários de instituições ou associações do bairro nas quais se identifiquem os problemas específicos de cada instituição frente à comunidade a participação em suas atividades e a avaliação que os líderes fazem das necessidades e do potencial da comunidade 2 com membros da comunidade escolhendo de forma intencional uma amostra heterogênea b Grupais com membros da comunidade sem vínculo ou controle externo Através de Grupos Focais ou de discussão avaliando a situação de grupos específicos terceira idade mulheres jovens crianças desempregados ou de temas relevantes problemas necessidades expectativas c Comunitárias em associações instituições igrejas postos de saúde etc onde se discutem temas de interesse comum d Entrevistas com questionários para responder a instrumentos de análises de necessidades com uma amostra representativa da comunidade levantando aspectos como participação organização comunitária necessidades avaliação de serviços comunitários de liderança problemas mais preocupantes soluções e alternativas propostas Análise histórica e documental a Registros históricos da comunidade através de pessoas significativas e veteranas ou de materiais documentais fotos periódicos etc b Registros estatísticos com base nos estudos epidemiológicos educacionais judiciais laborais da zona onde se situa a vila Análise de indicadores demográficos sociais de fatores de risco de usuários Dados sobre a utilização dos serviços c Registros geográficos físicos e materiais da comunidade Características do espaço físico e seu significado características e condições de moradia localização da vila dentro do contexto do município saneamento básico iluminação Diário de campo Anotações sobre as observações feitas durante o processo de inserção e familiarização na comunidade seja em seu cotidiano como nos momentos mais significativos analisando as estratégias de enfrentamento dos problemas e de resolução dos mesmos Alguns lugares privilegiados para estas observações podem ser a Em lugares públicos com membros da comunidade rua bares salas de espera onde se pode observar o cotidiano da comunidade identificar as palavras geradoras ou as mais frequentemente utilizadas para descrever sua vida sua comunidade anotar as queixas ou problemas da mesma b Visitas domiciliaries acompanhado por membros da comunidade ou sendo convidado para conversar e conhecer as casas a forma de vida e os recursos pessoais familiares delimitará as formas de avaliação periódica para dar continuidade ao trabalho ou a partir de novas análises priorizar outras metas O processo de análise de necessidades se constrói dentro de uma concepção de investigação dialógica e sequencial e se vai transformando à medida que o grupo ou comunidade avança para níveis de consciência mais diferenciados Este processo é o mesmo que Paulo Freire 1987 propõe na análise de temas geradores e das situaçõeslimite Ao decodificar uma situação uma palavra geradora ou uma necessidade percebida será através da problematização que mude a compreensão da mesma permitindo observar a realidade decodificada ou desideologizada em um nível de consciência mais crítica podendo emergir novos sentimentos representações e necessidades Conscientizar para Montero 1994 significa trazer à consciência situações e feitos antes desconhecidos Conforme as necessidades são sentidas a nível cognitivo e emocional ao entender as situações as insatisfações aparecem e as pessoas estão mais dispostas a uma ação de troca Esse processo implica segundo a autora orientar as pessoas do real para o possível Análise de necessidades na prática Três experiências em tempos e contextos diferentes Com a finalidade de ilustrar diferentes tipos de levantamento de necessidades a partir de objetivos e grupos diferenciados vamos expor três trabalhos que encabeçamos em diferentes épocas e contextos 1 Conscientização promoção humana e transformação comunitária Objetivo ação conscientizadora mobilização da comunidade e promoção humana das associações comunitárias do bairro e identificação de propostas de melhoria da qualidade de vida Direção dos dados levantados por não ser a equipe de trabalho a mesma que trabalha no Posto de Saúde da comunidade se decidiu não discutir diretamente os dados recolhidos com a própria comunidade sem discutirmos primeiro com a direção do Campus para dar aos dados a direção que esta considera oportuna Também foram elaborados informes para ficar à disposição dos psicólogos e alunos de Psicologia Comunitária do Posto de Saúde Avaliação da análise e intervenção excelente acolhida por parte da Comunidade dos investigadores externos levantamento de expectativas e de consciência social Recolhimento de indicadores psicossociais relevantes para profissionais e alunos que trabalham na Comunidade Sensibilização da equipe do Posto para a abertura e implicação em atividades fora do Posto de Saúde junto com a comunidade Registro Sarriera e cols 1994 3 Análise do perfil psicossocial de jovens desempregados Objetivo auxiliar aos jovens com dificuldades de inserção sociolaboral Local cidade de Porto Alegre RS Brasil Duração três anos Equipe psicólogo e 12 estudantes da Faculdade de Psicologia bolsistas de pesquisa científica Enfoque teórico paradigma ecológicocontextual Familiarização para poder conhecer as necessidades e problemas dos jovens desempregados iniciamos entrevistando em profundidade a oito jovens com características diferentes sexo idade nível socioeconômico grau de instrução experiência laboral 2 Conhecimento e identificação de necessidades em uma Vila Objetivo conhecer as necessidades problemas e recursos da Vila Contribuir com subsídios para o Posto de Saúde para implementação de Programas Comunitários Local trabalho desenvolvido junto ao Campus Aproximado da PUCRS na Vila Fátima de Porto Alegre Brasil Duração da intervenção Oito meses Equipe de trabalho psicólogo coordenador três estudantes de Psicologia Comunitária da UAM¹ Espanha e 12 alunos voluntários da Faculdade de Psicologia com a colaboração de técnicos e residentes em Psicologia do Posto de Saúde da Vila Enfoque teórico psicossocialecológico Familiarização o fato que apresentamos aos membros da comunidade como professores e alunos da universidade que colabora com a manutenção do Posto de Saúde facilitou a atitude positiva e de acolhida dos moradores Todos abriram as portas de suas casas e nos convidaram a entrar em suas moradias para tomar café ou mate Houve participação dos entrevistados de forma sincera e aberta Recolhimento dos dados foram realizadas entrevistas com os líderes dos centros comunitários visitas e entrevistas a 53 famílias distribuídas por zonas geográficas da comunidade e escolhidas seguindo rotas aleatórias Os dados levantados se relacionaram à saúde percebida as enfermidades padecidas pela família e a avaliação da atenção no Posto de Saúde Dados escolares e de empregodesemprego Levantaramse problemas e necessidades percebidas conhecimento e interesse em participar Local A Salamanca AsunciónParaguai Barranco atrás do Club Cerro Porteño onde viviam 40 famílias em casebres de papelão e lata Duração da intervenção dois anos Equipe de trabalho psicólogo uma religiosa e 10 jovens de uma organização paroquial Enfoque teórico abordagem Psicossocial de Paulo Freire Familiarização e recolhimento de dados foram visitadas todas as famílias entrevistadas com relação às necessidades condições de vida problemas na comunidade e disponibilité para participar em reuniões comunitárias Foram levantados os elementos físicos de construção e entorno Elementos iniciais da Análise de Necessidades palavra geradora Anhã reta Terra do Diabo como identificam a comunidade onde vivem Desnutrição e mortalidade infantil insalubridade bebendo água contaminada Sistematica das reuniões conscientização através de sessões semanais em Cañeterogape Casa dos Cañete apresentação de palavras ou temas geradores decodificaçãoproblematização nova compressão da situação ação transformadora Apoio comunitário visita médica semanal contribuição simbólica para os remédios classes de alfabetização dadas por voluntários da comunidade classes de corte e costura plantação de mamona no barranco colocação de água potável em um ponto do barranco para toda a comunidade construção da casa da comunidade Avaliação da intervenção fortalecimento do sentido de pertença à comunidade e criação de uma associação diminuição da mortalidade infantil analfabetismo e brigas desenvolvimento de cursos profissionalizantes promovidos pelos próprios moradores Registro Sarriera 1974 ¹ UAM Universidade Autônoma de Madri Espanha Elementos iniciais da Análise de Necessidades análise das experiências de busca de emprego e de história de vida desses adolescentes através de análise de conteúdo Com base nesta aproximação aos jovens e ao tema preparamo um instrumento de aplicação coletiva a 563 jovens de 14 a 18 anos constituindo uma amostra representativa por amostragem em múltiplas etapas Dados recolhidos através de entrevistas individuais por rotas aleatórias Análise dos dados foram avaliados dados pessoais familiares escolares laborais de busca de emprego atribuições e significado do trabalho e de bemestar psicológico Elaborouse um perfil do jovem desempregado com base em análise discriminante entre jovens empregados estudantes e desempregados Este perfil foi revisado junto com os jovens através de uma intervenção Intervenção psicossocial com seis grupos de aproximadamente 20 jovens de 16 a 21 anos inscritos no Instituto Nacional de Emprego para buscar trabalho se discutiu e se desenvolveu um Programa de Inserção Sociolaboral com base na análise de necessidades realizada estruturando o Programa em três módulos Orientação Vocacional e Ocupacional Estratégias de Busca de Emprego e Desenvolvimento de Habilidades e conhecimentos críticos sobre Mercado de Trabalho e de direitos e deveres do trabalhador Avaliação da intervenção o resultado foi positivo e de muita motivação entre os jovens Porém o programa de acompanhamento para sua inserção laboral nos seis meses seguintes foi difícil de avaliar devido á perda de contato com os mesmos Como fruto desta experiência foi publicado um Manual de Orientação Ocupacional dirigido aos jovens de classe popular com os conteúdos e técnicas avaliados pelos próprios jovens nas intervenções Registro Sarriera e cols 2000 e 2004 Considerações finais Como bem disse Kelly 1992 p 45 a Avaliação do contexto permite ao investigador escutar as vozes dos demais proporcionando a oportunidade de compreender e atribuir o poder aos outros Fazer com que a comunidade participe do processo da intervenção comunitária é tão importante como o conteúdo que se pretende desenvolver Qualquer programa que se pretenda comunitário deve iniciar pelo conhecimento da comunidade através da inserção e familiarização do investigador externo observando a vida os valores as preocupações e as esperanças de seus membros A participação da própria comunidade na planificação das estratégias a seguir e dos objetivos a definir no levantamento da análise de necessidades é o ideal pretendido Às vezes não haverá possibilidade de iniciar como uma ação conjunta a avaliação das necessidades iniciais mas esta fase servirá como sensibilização e familiarização com a comunidade com relação à temática inicialmente proposta de trabalho As três experiências aqui resumidas com objetivos e metodologias diferentes revelam uma preocupação pelo entendimento do fenômeno desde uma perspectiva bidirecional investigadores internos e externos Temos constatado que certa detecção inicial de necessidades sentidas e a priorização das mesmas no processo de intervenção é a chave motivacional geradora de uma maior mobilização comunitária As dificuldades encontradas na ação comunitária procedem em sua maioria de instituições da comunidade orientadas por membros externos à própria comunidade docentes nas escolas profissionais nos postos de saúde que criam maiores resistências ao câmbio e forçam consciente ou inconscientemente a manutenção do status quo Conhecer as necessidades de uma comunidade e trabalhar junto com ela para seu desenvolvimento e bemestar implica um duplo compromisso o científico estudando e produzindo co nhecimentos que facilitem o desenvolvimento comunitário e o éticosocial comprometendose junto com a comunidade em seus problemas seus fracassos e suas conquistas Referências FREIRE P 1987 A pedagogia do oprimido Brasil Paz e Terra FREITAS M DE F QUINTAL de 1998 Inserção na comunidade e análise de necessidades reflexões sobre a prática do psicólogo Reflexão e Crítica 11 1 p 175789 KELLY J G Psicologia comunitaria el enfoque ecológico contextualista Buenos Aires Centro Editor de América Latina 1992 MONTERO M Consciousness raising conversion and deideologization in community psychosocial work Journal of community psychology v22 1994 p 311 SARRIERA J C El método de Paulo Freire en una zona marginada de Asunción Asunción Universidad Católica Facultad de Psicologá Monografía de Conclusión de Curso 1974 SARRIERA J C coord Análise de Necessidades Psicossociais na Vila Nossa Senhora de Fátima Porto Alegre PUCRS Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária Relatório de Pesquisa 1993 SARRIERA J C coord Psicologia Comunitária Estudos Atuais Porto Alegre Sulina 2000 SARRIERA J C CÂMARA S G BERLIM C S Manual de Orientação Ocupacional Porto Alegre Sulina 2004 SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas a la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Universidad de Puerto Rico EDUPR 1992 SOLANOPASTRANA F R Detección de necesidades en la comunidad rural La Plata En SERRANOGARCÍA I COLLAZO W R Contribuciones puertorriqueñas a la psicología socialcomunitaria Porto Rico Editorial de la Univer sidad de Puerto Rico EDUPR 1992 152 A PESQUISA PARTICIPANTE E A PARTICIPAÇÃO DA PESQUISA um olhar entre tempos e espaços a partir da América Latina Carlos Rodrigues Brandão Este escrito foi originalmente um capítulo de livro ou um artigo publicado ou utilizado para aulas e palestras Nesta versão nas nuvens ele pode ser livre e gratuitamente acessado para ser lido ou utilizado de alguma outra maneira Livros e outros escritos meus podem de igual maneira ser acessados livremente em wwwapartilhadavidacombr ou em wwwsitiodarosadosventoscombr LIVRO LIVRE 2 Os cenários sociais de origem da tradição latinoamericana da pesquisa participante Tal como vemos acontecer nos dias de hoje com o surgimento de propostas de paradigmas emergentes a respeito da construção de conhecimentos através de práticas científicas acreditamos que a experiência múltipla e diferenciada a que de modo geral damos o nome de pesquisa participante surge mais ou menos ao mesmo tempo em diferentes lugares originase de diversas práticas sociais articula diferentes fundamentos teóricos e alternativas metodológicas e destinase a finalidades desiguais Alguns estudiosos do tema costumam rastrear uma das origens da pesquisa participante nos estudos de Kurt Lewin e de outros cientistas sociais nos Estados Unidos da América ou na EuropaVia de regra tais estudos e pesquisas dirigiamse a uma compreensão mais dinâmica integrada e operativa do campo social às suas aplicações no aprimoramento das relações de atores culturais envolvidos em experiências de ação agenciada em favor de algum tipo de mudança ou desenvolvimento social com vistas à melhoria de um ou vários indicadores de qualidade de vida Outras pessoas preferem associar a pesquisa participante aos trabalhos realizados ao redor da enquete operária de Karl Marx reconhecendo em seu procedimento uma estratégia para o acesso de pessoas e grupos das classes populares a instrumentos confiáveis de conhecimento científico a respeito da realidade social Se colocarmos de um lado palavras como atores sociais conformidade participação mudança desenvolvimento social e de outro palavras como classes sociais conflito mobilização transformação revolução social talvez tenhamos as áreas de fronteira dos limites entre uma tendência de origem e a outra 3 Assim em um ensaio de Anthon de Schutter e Boris Yopo encontramos em duas passagens próximas estas referências Budd Hall 1981 em sua análise das origens das experiências pioneiras que contribuem a fundamentar a Investigação Participativa menciona a entrevista estruturada Lenquete Ouvriere com trabalhadores industriais franceses de Marx Outros sociólogos importantes para a fundamentação teórica da Investigação Participativa desde o ponto de vista sociológico são Bourdieu Touraine Lefebvre Wright Mills Contribuições relevantes na psicologia são a obra de Adorno sobre o fascismo de Fromm sobre o autoritarismo e democracia e devese destacar os aportes de Carl Rogers em relação à educação e a participação de George Mead sobre a socialização de Lewin sobre a teoria de campo1 Muito embora os nomes de Marx e de Lewin sejam os mais citados à esquerda e à direita quando se trata de traçar fontes pioneiras da pesquisa participante não é raro que todo um conjunto de cientistas sociais de educadores e de psicólogos criadores ou integrantes de alternativas de pesquisa eou de trabalhos pedagógicos eou sociais com foco sobre uma participação mais ativa e algo mais crítica e criativa dos atores envolvidos sejam lembrados como co criadores dos fundamentos Ainda que se reconheça que em boa medida as diferentes experiências da pesquisa participante surgem a Norte e sobretudo ao Sul do Equador à margem das universidades e como uma reação ao tipo de abordagens científicas da questão social nelas praticada na maior parte dos casos são cenários e sujeitos do mundo acadêmico os lembrados como seus criadores próximos ou remotos Na América Latina os praticantes mais conhecidos da pesquisa participante desde os seus começos se reconhecerá herdeira bem 1 De Shutter e Yopo Desarrollo y perspectiva de la investigación participativa capítulo de La investigación participativa em América Latina 1983 pgs 59 e 60 4 mais de Karl Marx do que de Kurt Lewin e mais de Antônio Gramsci do que de Carl Rogers Depois de apontarem as duas vertentes pioneiras na primeira origem da pesquisa participante Libertad Hernández Landa e Luis Gabarrón trazem o testemunho de um cientista social europeu no exato momento em que ele inverte o sentido tradicionalmente dado à vocação acadêmica da ciência Serge Moscovici lembrado por Gabarron e Landa afirma que quando a Psicologia Social começar a ser perigosa começará então a ser uma ciência2 Conhecendo ou não está afirmativa Paulo Freire Orlando Fals Borda e outros educadores e cientistas sociais na América Latina irão lembrala em muitas ocasiões Irão repetila e reinventala para defender um dos princípios mais consensuais da pesquisa participante na tradição latinoamericana A idéia de que a ciência nunca é neutra e nem objetiva sobretudo quando pretende erigirse como uma prática objetiva e neutra A conseqüência deste ponto de partida da pesquisa participante é o de que a confiabilidade de uma ciência não está tanto no rigor positivo de seu pensamento mas na contribuição de sua prática na procura coletiva de conhecimentos que tornem o ser humano não apenas mais instruído e mais sábio mas igualmente mais justo livre crítico criativo participativo coresponsável e solidário Toda a ciência social de um modo ou de outro deveria servir a política emancipatória e deveria participar da criação de éticas fundadoras de princípios de justiça social e de fraternidade humana Quando se recorda o surgimento das investigações sociais de estilo participativo algumas vezes a narrativa dos primeiros tempos aparece isolada de seus contextos sociais de origem quando eles não são descritos de uma forma vaga e alheia a alguns acontecimentos tão essenciais quanto esquecidos Devemos lembrar que as primeiras experiências sociais de vocação participativa surgem em um tempo histórico em que se renovam e multiplicam sistemas teóricos de crítica do presente associados a uma não raro esperançosa proposta de construção social do futuro 2 Moscovici Society and Theory in Social Psychology 1972 pg 66 apud Gabarron e Landa Investigación Participativa 1994 pg 79 5 Algo visível na América Latina será por certo verdadeiro também no caso dos outros continentes As diferentes vertentes da pesquisa participante constituem alternativas tardias de experiências antecedentes de ação social Elas surgem na esteira de uma proliferação anterior de experiências cujos fundamentos e metodologias não estão situados apenas entre os dilemas epistemológicos das ciências sociais Eles estão antes em novas compreensões de antigos dilemas e na emergência de novos modelos de interação pedagógica e de ação social A pesquisa participante não cria mas responde a desafios e incorporarse em programas que colocam em prática novas alternativas de métodos ativos em educação e de maneira especial de educação de jovens e adultos de dinâmicas de grupos e de reorganização da atividade comunitária em seus processos de organização e desenvolvimento de formação participação e mobilização de grupos humanos e classes sociais antes postas à margem de projetos de desenvolvimento socioeconômico ou recolonizadas ao longo de seus processos No âmbito da América Latina e de outras regiões do Terceiro Mundo a expansão de movimentos sociais populares dará às diferentes alternativas de ação social transformadora uma nova e às vezes radical conotação Uma múltipla releitura de teorias e de procedimentos de ação social popular desenhará o rosto da identidade dos estilos participativos de investigação social Entre acontecimentos que vão do âmbito de uma pequena escola rural a processos de mobilização social em escala nacional na aurora dos anos sessenta ocorre por toda a parte um florescimento notável de experiências interativas e sociais Novas propostas onde idéias e projetos contidos em conceitos como ação e participação são entretecidos com outras palavras de que crítica criatividade mudança desenvolvimento transformação revolução são bons exemplos Em uma esfera crescentemente mundial a ONU e suas agências especializadas como a UNESCO patrocinam e incentivam alternativas de novas alianças e enlaces para a criação de formas renovadoras de ação social cuja fronteira mais limitada é a de um programa de melhoria setorial de condições comunitárias de saúde E 6 cuja fronteira mais aberta deveria estar situada nos projetos de um desenvolvimento socioeconômico multisetorial em uma escala regional ou mesmo nacional Para realizar projetos de organização social de mobilização popular e de mudança ou transformação são necessárias novas modalidades de produção sistemática de conhecimentos sobre a realidade local As décadas dos anos cinqüenta e sessenta assistem a chegada e a rápida difusão de novos modelos de investigação social Antigos modelos de ciência social aplicada são recriados e novos modelos são também elaborados e postos em prática Sobretudo no Terceiro Mundo pesquisadores e promotores sociais de diversas orientações teóricas ideológicas metodológicas e técnicas participam de diferentes projetos de investigação da realidade local com foco sobre a mensuração de indicadores de qualidade de vida Um traço comum à direita e à esquerda das inúmeras iniciativas de associação entre pesquisa e ação social situase em uma motivação a tornar as investigações em comunidades populares em algo mais do que um instrumento de coleta de dados Em dotar o trabalho científico de pesquisa de dados uma atividade também pedagógica e de certo modo também assumidamente política Sendo mais ativa e mais participativa a investigação social deveria fazerse mais sensível a ouvir as vozes dos destinatários pessoais ou coletivos dos programas de ação social Deveria fazerse capaz também de dar a voz e deixar que de fato falem com as suas vozes as mulheres e os homens que em repetidas investigações anteriores acabavam reduzidos à norma dos números e ao anonimato do silêncio da tabelas Um olhar preso demais ao mundo universitário e menos sensível ao que estava se passando nas suas margens ou fronteiras em amplas áreas da Ásia e da Oceania da África e da América Latina costuma relativizar demais alguns fatos sociais que foram e seguem sendo na verdade os mais importantes e até mesmo decisivos na criação de momentos e de contextos que tornaram inevitável o surgimento da pesquisa participante na mesma medida em que pelo 7 menos em termos da América Latina deram a ela os traços mais essenciais de sua identidade Este é o momento de lembrarmos que em pouco mais de meio século o Terceiro Mundo gera e expande propostas e práticas de mobilização popular que irão configurar os contextos dos diferentes modelos de conhecimento e de ação social de que as diversas modalidades da pesquisa participante serão uma resposta em meio a outras tantas E mesmo que nos afastemos por um momento no tempo e no espaço parecenos ser justo começarmos por recordar que entre os anos 20 e 40 Gandhi e os seus seguidores inovam e re criam preceitos e práticas de uma forma de resistência à colonização a que darão o nome de ação não violenta O potencial de mobilização ativa e participativa dessa estratégia de descolonização da África do Sul e depois da Índia inaugura um procedimento social de resistência política cujo poder de transformação de pessoas grupos humanos e nações merece a nosso ver uma lembrança bem maior do que as inocentes e formais propostas de Kurt Lewin e outras de teor semelhante Em uma outra direção entre os anos 60 e 70 diversos grupos étnicos e populares de libertação política recriam diferentes estratégias de guerra de guerrilhas como uma outra resposta à colonização européia Experiências de ação política descolonizadora deste tipo em uma certa medida realizam o oposto dos sonhos de Gandhi Mas elas resultam em libertação política e não devemos esquecer que em seu bojo pela primeira vez a África elabora e exporta à Europa uma sociologia da descolonização cuja influência no pensamento social da Europa não será pequena Ao longo deste mesmo tempo e um pouco mais tarde também a América Latina cria consolida e difunde por todo o continente e depois em direção ao Norte e a Leste as primeiras idéias e propostas de ações sociais de vocação emancipatória que fundamentam e instrumentalizam a educação popular a teologia da libertação os movimentos sociais populares e mais adiante a pesquisa participante 8 Ao nos perguntarmos sobre os reais contextos de origem da pesquisa participante no Terceiro Mundo e de maneira especial na América Latina poderíamos deixar em segundo plano por um momento as questões epistemológicas de cientistas da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte E deveríamos evocar então a realidade social concreta de experiências como a ação nãoviolenta a resistência étnica e popular à colonização os movimentos populares a educação popular e a teologia da libertação Pois é na esteira do pensamento e da ação de pessoas como o Mahatma Gandhi Franz Fanon Paulo Freire Camilo Torres Gustavo Gutierrez João Bosco Pinto Leonardo Boff e Orlando Fals Borda que em pelo menos três continentes o Terceiro Mundo difunde algumas práticas de participação popular como formas originais e contestatórias diante das diferentes propostas de desenvolvimento social agenciadas desde a Europa e os Estados Unidos da América do Norte vistas no mais das vezes como novas versões de antigas práticas sociais de vocação neocolonizadora Alguns estudiosos da história cultural da América Latina lembram mesmo que entre os anos 60 e 80 pela primeira pensadores e ativistas sociais situados entre a Argentina e o México exportam para o outro lado do Rio Grande e do Atlântico teorias e metodologias de ações fundadoras dos movimentos populares da educação popular da teologia da libertação e da tradição latinoamericana da pesquisa participante E a que pesquisa participante surge no bojo destes acontecimentos e quase sempre à margem das universidades e de seu universo científico embora parte de seus principais teóricos e praticantes provenha delas e nelas trabalhem Apenas alguns anos mais tarde e com resistências algumas teorias e práticas da pesquisa participante ingressam no mundo universitário latinoamericano e de modo geral mais pelo trabalho de estudantes e raros professores também ativistas de causas sociais do que pelo de docentes e pesquisadores de carreira Na maioria dos casos as diferentes experiências latino americanas de pesquisa participante surgem dentro dos movimentos 9 sociais populares ou emergem com uma proposta de se colocarem a serviço de seus projetos emancipatórios Em vários momentos dos anos 70 até agora a pesquisa participante se difunde no âmbito e como um instrumento de ação nos trabalhos de educação popular Seus autores dos primeiros tempos foram e muitos deles seguem sendo o que até hoje denominamos de militantes da educação popular De algum modo nunca houve na América Latina um movimento de pesquisa participante pois entre Orlando Fals Borda e Paulo Freire os seus instauradores e seguidores se reconheciam como agentes assessores ou participantes diretos entre educadores e cientistas sociais de movimentos populares Eles se reconhecem atuando através de uma prática disseminada entre os anos 60 e 70 por toda a América Latina e que tomou de modo mais geral tomou mais tarde este nome educação popular Ontem como agora vários deles foram e seguem sendo ativistas sociais de orientação marxista ou militantes cristãos inseridos em comunidades eclesiais de base e difusores da teologia da libertação No caso brasileiro a pesquisa participante está associada de forma indireta aos processos de ação política e pedagógica que deram origem ao Partido dos Trabalhadores PT e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST cuja proximidade constante com a educação popular e com as comunidades eclesiais de base originadas da teologia da libertação é bastante reconhecida A pesquisa de origens epistemológicas ou metodológicas da pesquisa participante na América Latina logra um olhar mais abrangente e completo quando leva em conta a emergência das inúmeras unidades sociais e movimentos populares de vocação transformadora e emancipatória quando eles instauram algumas novas alternativas de investigação empírica e de uma conseqüente outra compreensão científica e ideológica da vida e da realidade social assim como dos fundamentos e do papel da própria ciência na sociedade Assim a pesquisa participante apresentase como uma alternativa de ação participante em pelo menos duas dimensões A primeira agentes sociais populares são considerados mais do que 10 apenas beneficiários passivos dos efeitos diretos e indiretos da pesquisa e da promoção social dela decorrente ou a ela associada Homens e mulheres de comunidades populares são vistos como sujeitos cuja presença ativa e crítica atribui sentido à pesquisa participante Ou seja uma pesquisa é participante não porque atores sociais populares participam como coadjuvantes dela mais porque ela se projeta realiza desdobra através da participação ativa e crescente de tais atores Segunda em outra direção a própria investigação social deve estar integrada em trajetórias de organização popular e assim ela deve participar de amplos processos de ação social de uma crescente e irreversível vocação popular Uma articulação de ações de que a pesquisa participante é um entre outros instrumentos Um instrumento científico político e pedagógico de produção partilhada de conhecimento social e também um múltiplo e importante momento da própria ação popular Esta alternativa de investigação social é participante porque ela própria se inscreve no fluxo das ações sociais populares Estamos em uma estrada de mão dupla de um lado a participação popular no processo da investigação De outro a participação da pesquisa no correr das ações populares E uma participação tomada em um duplo sentido Pois sempre se entendeu que como um meio de realização da educação popular a pesquisa participa da ação social também como uma prática pessoal e coletiva de valor pedagógico na medida em que sempre algo novo e essencial se aprende através de experiências práticas de diálogo e de reciprocidade na construção do conhecimento E como uma forma de educação com um valor também político na medida em que entre q esfera de um pequeno grupo até a de uma comunidade uma esfera corporada de trabalho popular ou mesmo toda uma nação esperase que sempre alguma coisa se transforme em termos de humanização das estruturas e dos processos de gestão da vida social Assim a pesquisa é participante não apenas porque uma proporção crescente de sujeitos populares participa de seu processo A pesquisa é participante porque como uma alternativa solidária de criação de conhecimento social ela se inscreve e participa de 11 processos relevantes de uma ação social transformadora de vocação popular e emancipatória Este será o caminho pelo qual deveremos levar em conta que de uma maneira possivelmente mais motivada do que na Europa e nos EUA a pesquisa participante não costumava ser pensada como uma experiência de ação social com um valor em si mesma ou como uma atuação agenciada com um teor apenas instrumental e dirigido a resolver algum problema comunitário Em seus tempos de origem na tradição latinoamericana a pesquisa participante raramente era compreendida como algo limitado a realizar alguma melhoria setorial das condições locais ou regionais de comunidades populares Em quase todas as suas formas mais difundidas ela foi e em boa medida segue sendo pensada como um instrumento de trabalho a serviço de práticas populares de valor político e de uma múltipla e variada vocação transformadora Não se pretende melhorar ou desenvolver alguns aspectos precários da vida social Pretendese criar alternativas populares de transformação das estruturas sociais que tornam tal vida exigente de ser sempre melhorada Este fundamento teórico e político nem sempre se realizava na prática pois em repetidas ocasiões experiências práticas acabava reduzindose a uma só vez incidiam sobre aspectos parcelares da vida social popular e não logravam participar de um complexo de ações sociais E na verdade nem sempre é possível falarmos de princípios fundadores e de propostas de ação pesquisa participante na sua tradição latino americana tomandoa como se houvesse nela uma unidade de idéias proposta e métodos que de fato não existiu antes e menos ainda não existe ainda hoje A variação do nomes e algumas diferenças de práticas Até hoje América Latina convivem teorias propostas metodológicas e experiências práticas de pesquisa participante herdeiras de uma das várias tendências de plena ou parcial origem latinoamericana ao lado das que nos chegaram vinda junto com programas de educação de promoção social eou de 12 desenvolvimento de comunidades trazidos no bojo das tradições de investigação e ação social norteamericanas ou européias Esta convergência de abordagens diversas em seus nomes e também nos seus fundamentos e nas suas destinações é o que torna difícil e ao mesmo tempo fascinante a tarefa de buscar um consenso para estabelecer o que venha a ser entre nós a pesquisa participante Sobre esta questão Marcela Gajardo uma educadora chilena escreveu o seguinte em um livro bastante divulgado no Brasil dos anos 80 Contrariamente ao que acontece em outros continentes na América Latina não existe uma definição única de experiências representativas de um estilo participante de pesquisa Existem isso sim tradições de pensamento e práticas diversas que conferem alcance e significados diferentes a esse tipo de atividade3 De então para cá quase vinte anos depois esta diversidade original tendeu a aumentar mais ainda embora os termos utilizados para qualificar os diferentes estilos participativos de pesquisa sejam os mesmos dos anos 60 a 80 Desde os tempos próximos ao surgimento de experiências de novos estilos participativos de investigação social nas três Américas na Europa e em algumas regiões da África da Ásia e da Oceania estivemos e seguimos estando às voltas com uma pequena pluralidade de títulos e de enfoques Este fato teria uma importância pequena se eles fossem somente escolhas diferentes para uma mesma idéia e para uma mesma modalidade de trabalho científico de cunho aplicado No entanto onde a tradição européia uniformizou os seus termos a tradição latinoamericana multiplicou nomes Assim palavras como levantamento vocabular pesquisa temática pesquisa ativa autodiagnóstico pesquisa na ação pesquisaação pesquisa participante investigação ação participativa pesquisa popular pesquisa militante traduziam no passado e traduzem ainda hoje 3 Marcela Gajardo Pesquisa participante na América Latina pg 10 13 opções ora diferentes e convergentes ora desiguais ou mesmo divergentes Esta pluralidade de nomes revela uma polissemia de novos ou renovados fundamentos ou fragmentos não raro mais fragmentos do que fundamentos de uma epistemologia crítica diante do modelo que de uma maneira bem geral é cunhada como neopositivista Às voltas com uma sequência entre diferentes de nomes Maria Ozanira da Silva e Silva esclarece da seguinte maneira os seus leitores na introdução de seu livro Refletindo a pesquisa participante Utilizo neste trabalho o termo pesquisa participante como denominação genérica de estilos participativos de pesquisa considerando a existência de tendências e denominações diversificadas referentes às propostas e alternativas emergentes como pesquisa participante pesquisa participativa investigaçãoação pesquisa ação investigação participativa observação participante investigação militante autosenso estudoação pesquisa confronto4 Marcela Gajardo reconhece três enfoques originais de estilos de pesquisa associadas a uma concepção conscientizadora da educação Essas seriam as abordagens que reconhecem a pesquisa participante como uma alternativa confiável de abertura da investigação científica à participação popular na criação e no desenvolvimento de programas de ação social e educacional Os três enfoques são a pesquisa ativa a pesquisa na ação e a pesquisa participante5 A seguir Marcela Gajardo as desdobra Uma pesquisa temática originária dos trabalhos de alfabetização e de educação concentrados nos movimentos de cultura popular no Brasil dos anos 60 as antecede e ela inaugura a vertente pedagógica de que falava a autora algumas linhas atrás No entanto nas três modalidades apontadas e nas que delas se desdobram está sempre presente uma dimensão educacional E esta vocação pedagógica chegaria ao seu 4 Silva e Silva Maria Ozanira da 1991 pg 13 5 Gajardo Marcela Pesquisa participante na América Latina pg 18 14 termo na pesquisa militante onde um compromisso político partidário se estabelece entre os agentes populares e os agentes assessores Recordemos que com Orlando Fals Borda a proposta da pesquisa participante deveria desaguar na progressiva construção de uma ciência popular Uma nova ciência capaz de pensarse de pensar o mundo social e de pensar as transformações sociais de uma maneira dialética realizada a partir da presença da posição e dos interesses das classes populares6 Entre as autoras e os autores que em algum momento se ocuparam de tentar classificar estilos de pesquisa participante há diferenças que deixam clara a quase impossibilidade de se estabelecer uma listagem confiável das diversas abordagens e alternativas Escrevendo sob re o assunto alguns anos após Marcela Gajardo Maria Ozanira da Silva e Silva reconhece as seguintes abordagens a a pesquisaação originada das propostas de Michel Thiolent no Brasil cuja característica fundamental é sua vinculação com a resolução de problemas coletivos através da participação conjunta dos pesquisadores com os grupos interessados b a investigaçãoação que vai além da proposta anterior por seu propósito de se constituir como um instrumento de partilha popular na produção do conhecimento social e por seu vínculo com processos mais amplos de transformação social7 c a pesquisa participante como a forma mais tardia já nos anos 80 e que surge em um contexto continental de governos autoritários como uma forma de reação ao controle político da vida social e à neocolonização militar e neocapitalista dos espaços da vida social mormente no caso das classes populares d a 6 Uma das melhores exposições típicas dos anos oitenta a este respeito pode ser encontrada em um artigo escrito a várias mãos causa popular ciência popular uma metodologia do conhecimento científico através da ação de Victo D Bonilla Gonzalo Castillo Orlando Fals Borda e Augusto Libreros Está em Repensando a Pesquisa Participante organizado por Carlos Rodrigues Brandão em 1981 7 No entanto em Luis Gabarrón e Libertad Landa esta modalidade aparece como uma inovação dos anos 80 em nada diversa da pesquisa participante do item seguinte na classificação de Silva e Silva Vejamos No início da década dos oitenta a tendência emergente de rápida generalização é a modalidade investigación participante IP ou ainda Participatory Research em Toronto Canadá e pesquisa participante no Brasil Investigación participativa op Cit Pg 18 15 pesquisa militante em que como vimos a própria participação de agentes assessores se inverte Pois nela deixa de haver uma atividade dirigida ainda e em boa medida pelas unidades agenciadas de ação social e passa a haver um forte apelo a uma transferência da gestão dos processos de investigação e intervenção social para as mãos de setores organizados de grupos e de comunidades populares8 Procedendo como a maior parte dos investigadores do assunto Anthon de Shutter e Boris Yoppo consideram todas as denominações aparecidas na América Latina entre os anos 60 desde a pesquisa temática investigação do universo temático em Paulo Freire até as propostas de pesquisa militante como estilos de um único modelo emergente a pesquisa participante Assim lembrando alguns autores mais conhecidos em cada alternativa eles as relacionam da seguinte maneira Não deve causar surpresa que a pesquisa participante tenda mais a uma diversificação de procedimentos e técnicas do que a um só modelo doutrinário Poderíamos mencionar algumas alternativas a investigaçãoação Fals Borda Moser Huizer9 a investigação militante Acosta Briseño Lenz Molano o autodiagnóstico Sotelo a 8 Silva e Silva Maria Ozanira Refletindo a pesquisa participante op Cit Pgs 131 a 134 Maria Ozanira cita ainda uma quinta modalidade a observação participante que no entanto não aparece em outros autores a não ser em Nicanor Palhares Sá de quem ela toma emprestada a expressão mais corriqueira na Antropologia Social e difundida anos mais tarde através da difusão acelerada das abordagens qualitativas nas universidades da América Latina pg 134 9 No entanto em um artigo publicado no México em 1983 o estudo deixa de fora a Michel Thiollent reconhecido por muitos sobretudo no Brasil como criador de um estilo próprio e bastante conhecido de pesquisaação Seu livro metodologia da pesquisaação publicado também nos anos oitenta conheceu em 2002 a sua 11a edição no Brasil Na introdução da edição original Michel Thiollent antecipa a discussão em torno ao significado dos nomes e ao valor das alternativas desta maneira um dos aspectos sobre os quais não há unanimidade é o da própria denominação da proposta metodológica As expressões pesquisa participantee pesquisaaçãosão freqüentemente dadas como sinônimas A nosso ver não o são porque a pesquisaação além da participação supõe uma forma de ação planejada de caráter social educacional técnico ou outro que nem sempre se encontra em propostas de pesquisa participante Seja como for consideramos que pesquisaação e pesquisa participante procedem de uma mesma busca de alternativas ao padrão da pesquisa convencional Ver Metodologia da pesquisaação 2002 pg 7 16 enqueteparticipante Le Boterf a enquete conscientizante De Oliveira o Seminário Operacional De Clerkc o laboratório experimental Santos de Morais o taller experimental Yopo Bosco Pinto10 Em estudos mais abrangentes sobre as origens da pesquisa participante entre nós o que vemos é um apagamento de uma antiga teia de iniciativas de trabalho popular como experiências que geraram na América Latina os diferentes estilos de pesquisa participante Diferentes e plurais sem dúvida Mas de algum modo convergentes em se proporem como um instrumento de conhecimento e de compreensão crítica de eixos e esferas da realidade social da vida cotidiana Entre aqueles que escreveram a respeito destas várias tendências há sempre o reconhecimento de que de um modo geral a pesquisa participante deve ser encarada como um instrumento de trabalho não menos confiável e rigoroso do que a pesquisa acadêmica pelo de se propor como uma atividade mais coletiva mais participativa e mesmo mais popular E um instrumento de conhecimento sistemático da vida social é menos científico por pretender realizar no interior das experiências prática das causas populares algumas novas integrações e interações entre esferas de competência científica pedagógica ética e política E é a própria maneira como um destes vetores da ação social vem a ser mais ou menos enfatizado em cada caso concreto aquilo que estabelece diferenças importantes entre os vários estilos participativos de investigação social 10 De Schutter e Yopo op cit pgs 67 e 68 Devemos chamar a atenção para um pequeno aspecto aparentemente semântico mas importante no caso Entre as duas línguas usase em Português a palavra pesquisa onde em Espanhol se dá preferência ao termo investigação Até hoje esta tem sido a fonte de algumas indesejadas confusões 17 Princípios propostas e práticas da pesquisa participante Recordemos alguns fatos Qualquer que seja o nome originalmente dado às diversas propostas de alternativas participativas na investigação social há como vimos brevemente antes alguns sinais convergentes na América Latina a As diferentes propostas e experiências surgem mais ou menos ao mesmo tempo entre as décadas dos anos 60 e 80 em poucos lugares do Continente mas em pouco tempo elas se difundem por toda a parte b Elas se originam dentro de diferentes unidades de ação social que atuam de preferencialmente junto a grupos ou comunidades populares c Em sua maioria elas serão postas em prática dentro de movimentos sociais populares emergentes ou se reconhecem estando a serviço de tais movimentos d Elas herdam e reelaboram diferentes fundamentos teóricos e diversos estilos de construção de modelos de conhecimento social através da pesquisa científica Não existe na realidade um modelo único ou uma metodologia científica própria a todas as abordagens da pesquisa participante e Reconhecendose como alternativas de projetos de enlace e mútuo compromisso de ações sociais de vocação popular envolvendo sempre pessoas e agências sociais eruditas como um sociólogo um educador de carreira ou uma Ong de direitos humanos e populares como um indígena tarasco um operário sindicalizado argentino um camponês semialfabetizado do CentroOeste do Brasil ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra elas partem de diferentes possibilidades de relacionamentos entre os dois pólos de atores sociais envolvidos interativos e participantes f As pesquisas participantes atribuem aos agentes populares diferentes posições na gestão de esferas de poder ao longo no processo da pesquisa assim como 18 na gestão dos processos de ação social dentro da qual a pesquisa participante tende a ser concebida como um instrumento um método de ação científica ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política quase sempre mais amplo e de maior continuidade do que a própria pesquisa g Via de regra as diferentes alternativas da pesquisa participante surgem em intervalos entre a contribuição teórica e metodológica vinda da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte e a criação ou recriação original de sistemas africanos asiáticos e latino americanos de pensamentos e de práticas sociais Não é raro que uma abordagem que se autoidentifica como dialética empregue na prática procedimentos formais e quantitativos próprios a abordagens metodológicas de cunho neopositivista Após esta listagem de pontos mais ou menos comuns seria proveitoso fazermos aqui uma síntese de princípios operativos que foram mais ou menos comuns e que fundamentaram como variações as experiências originais da pesquisa participante em praticamente toda a América Latina Mesmo que eles possam parecer hoje algo radicais e por isto mesmo ultrapassados devemos levar em conta a sua relativa atualidade sobretudo nas experiências que preservam vínculos entre a pesquisa participante e os movimentos sociais Nos permitimos seguir os passos do livro de Luis Gabarron e Libertad Landa11 já mencionado aqui Lembramos que esta listagem de princípios fundadores valem com maior fidelidade para as idéias e as propostas de pesquisa participante que defendiam ou seguem defendendo uma aliança direta de serviço para com as classes e os movimentos populares É mais do que evidente que estes princípios da ação social através da investigação social não correspondem a todas as alternativas dos tempos de origem e com mais razões às 11 Sigo alterando em alguns casos a ordem original as idéias de Luis Gabarrón e Libertad Hérnandez Landa em investigación participativa 1994 Raras vezes encontrei uma síntese tão oportuna como esta e em sua íntegra e com os comentários dos autores ela pode ser encontrada entre as páginas 28 e 44 19 suas herdeiras atuais Ampliamos a forma como no original cada um dos princípios é apresentado buscando tornar mais atuais as palavras do texto em que nos estamos baseando Logo a seguir comentamos alguns deles em conjunto O ponto de origem da pesquisa participante deve estar situado em uma perspectiva da realidade social tomada como uma totalidade em sua estrutura e em sua dinâmica Devese partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo em suas diferentes dimensões e interações Os processos e as estruturas as organizações e os diferentes sujeitos sociais devem ser contextualizados em sua dimensão histórica pois é o fluxo e a integração orgânica dos acontecimentos de tal dimensão aquilo que em boa medida explica uma realidade social A relação tradicional de sujeitoobjeto entre investigador educador e os grupos populares deve ser progressivamente convertida em uma relação do tipo sujeitosujeito a partir do suposto de que todas as pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber e que é da interação entre os diferentes conhecimentos que uma forma partilhável de compreensão da realidade social pode ser construída através do exercício da pesquisa O conhecimento científico e o popular articulamse criticamente em um terceiro conhecimento novo e transformador Devese partir sempre da busca de unidade entre a teoria e a prática e construir e reconstruir a teoria a partir de uma seqüência de práticas refletidas criticamente A pesquisa participante deve ser pensada como um momento dinâmico de um processo de ação social popular Ela se insere no fluxo desta ação e deve ser exercida como algo integrado e também dinâmico As questões e os desafios surgidos ao longo de ações sociais definem a necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante O processo e os 20 resultados de uma pesquisa interferem nas práticas sociais e de novo o seu curso levanta a necessidade e o momento da realização de novas investigações participativas A participação popular deve se dar preferencialmente a través de todo o processo de investigaçãoeducaçãoação De uma maneira crescente de uma para outra experiências as equipes responsáveis pela realização de pesquisas participativas devem incorporar e integrar agentes assessores e agentes populares O ideal será que em momentos posteriores exista uma participação culturalmente diferenciada mas social e politicamente equivalente e igualada mesmo que entre pessoas e grupos provenientes de tradições diferentes quanto aos conteúdos e aos processos de criação social de conhecimentos O compromisso político e ideológico doda investigadora é com o setores populares e com as suas causas sociais Mesmo em uma investigação ligada a um trabalho setorial e provisório o propósito de uma ação social de vocação popular é a autonomia de seus sujeitos na gestão do conhecimento e das ações sociais dele derivadas É também a progressiva integração de dimensões de conhecimento parcelar da vida social em planos mais dialeticamente interligados e interdependentes Devese reconhecer o caráter político e ideológico da atividade científica e pedagógica A pesquisa participante deve ser praticada como um ato político claro e assumido Não existe neutralidade científica em pesquisa alguma e menos ainda em investigações vinculadas a projetos de ação social No entanto realizar um trabalho de partilha na produção social de conhecimentos não corresponde em princípio a préideologizar partidariamente os pressupostos da investigação e a aplicação de seus resultados Na maior parte dos casos a pesquisa participante é um momento de trabalhos de educação popular realizados junto com e a serviço de comunidades grupos e movimentos populares É do constante diálogo não doutrinário de parte a parte que um 21 consenso sempre dinâmico e modificável deve ir sendo também construído A investigação a educação e a ação social convertemse em momentos metodológicos de um único processo dirigido à transformação social Mesmo quando a pesquisa sirva a uma ação social local e limitada a uma questão específica da vida social é o seu todo o que está em questão E é a possibilidade de transformação de saberes de sensibilidades e de motivações populares em nome da transformação da sociedade desigual excludente e regida por princípios e valores do mercado de bens e de capitais em nome da humanização da vida social que os conhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzidos lidos e integrados como uma forma alternativa emancipatória de saber popular No que as aproxima as alternativas de pesquisa participante da tradição latinoamericana sonharam inovar no todo ou em parte as abordagens conhecidas e de há muito praticadas como ações sociais com base em conhecimentos científicos através do aporte de novas alternativas de trabalho junto a grupos e a comunidades populares Seus ganhos teóricos e ideológicos possivelmente foram e seguem sendo maiores do que as suas realizações práticas Estas novas abordagens motivavamse a serem algo mais do que outras metodologias de acumulação e de aplicação de conhecimentos oriundos de investigações sociais voltadas a processos de promoção eou desenvolvimento social Elas pretendiam recriar os termos da crítica política às conexões costumeiras entre o conhecimento produzido através de pesquisas científicas e as ações sociais delas derivadas Elas aspiravam a novidade da transformação de ações sociais de vocação popular a partir de uma elaboração sistemática de conhecimentos pela via de pesquisas sociais motivadamente postas a serviço de experiências coparticipadas de criação solidária de saberes a partir do enlace entre profissionais eou militantes agenciados e as pessoas grupos e comunidades populares 22 Este é também o duplo sentido da idéia de totalidade nas propostas originais latinoamericanas Ela é algo anterior e pouco tem a ver com as totalizações complexas e holísticas dos paradigmas emergentes entre Edgar Morin e Boaventura de Souza Santos Sua fonte é marxista e em vários documentos ela aparece como uma abordagem dialética12 A idéia de uma compreensão totalizante da realidade social tem a ver com a integração de todos os conhecimentos parcelares em estruturas dinâmicas e integradas de fatores e de processos sociais de tal modo que qualquer que seja o foco do conhecimento no ponto de origem uma pesquisa relativa a condições locais de saúde por exemplo a pesquisa deverá envolver sempre que possível as interações entre os diferentes planos e domínios de estruturas e processos interdeterminantes da sociedade Assim uma atenção especial deve ser sempre dada à dinâmica das relações e dos processos envolvidos na investigação pois uma dimensão histórica está sempre e inevitavelmente presente Esse uma dinâmica da história é importante na reconstrução do passado próximo ela o é mais ainda no olhar entre o presente e o futuro Pois aqui não se trata de conhecer para promover ou para desenvolver algo mas para transformar o todo em que este algo existe como está e assim deve ser transformado junto com o todo social de que é parte Na pesquisa participante sempre importa conhecer para formar pessoas populares motivadas a transformarem os cenários sociais de suas próprias vidas e destinos e não apenas para resolverem alguns problemas locais restritos e isolados ainda que o propósito mais imediato da ação social associada à pesquisa 12 Um dos autores mais originais nesta direção é Oscar Jara Um de seus últimos trabalhos aborda a sistematização de experiências participativas na educação popular A leitura de trabalhos sobre a sistematização de ações sociais populares resulta muito oportuna porque ela representa a seu modo uma atualização para os anos 80 90 e seguintes das propostas originais de estilos participativo na América Latina Entre os livros anteriores ver conocer la realidad para transformala 1991 Investigación participativa uma dimensión integrante de la educación popular 1990 Em português pode ser lido o seu livro para sistematizar experiências 1996 23 participante seja local e específico A idéia de que somente se conhece o que se transforma é inúmeras vezes evocada até hoje A este princípio de totalização associase a idéia de que como integrantes de momentos da educação popular e de toda a desejada dinâmica dos movimentos populares a pesquisa participante integra quatro propósitos já nossos conhecidos e que vale reunir aqui a ela responde de maneira direta à finalidade prática a que se destina como um meio de conhecimento de questões sociais a serem participativamente trabalhadas b ela é um instrumento dialógico de aprendizado partilhado e portanto como vimos já possui organicamente uma vocação educativa e como tal politicamente formadora c ela participa de processos mais amplos e contínuos de construção progressiva de um saber popular e no limite poderia ser um meio a mais na criação de uma ciência popular d ela partilha com a educação popular de toda uma ampla e complexa trajetória de empoderamento dos movimentos populares e de seus integrantes Em suas modalidades mais abrangentes e integradas a pesquisa participante contempla pelo menos esses quatro objetivos e entre aproximações e diferenças eles se distribuem pelos princípios antes enunciados Restringirse ao primeiro objetivo equivale a dar à idéia de participação um caráter ainda colonizado correspondente às alternativas em que sujeitos das comunidades são convidados a participarem de frações da pesquisa sem acesso algum ao todo do processo e sem qualquer papel significativo na gestão dos encaminhamentos efetivos de uma ação social junto a grupos e classes populares Restringirse aos dois primeiros objetivos equivale a um ganho importante pois o trabalho de produção de conhecimento deixa de ser apenas funcional e utilitário passando a ser também educativo Ele se torna formador de pessoas aptas a uma integração mais conseqüente e coresponsável na vida social Mas significa ainda um 24 apenas meio caminho pois não se compromete como o essencial o propósito de uma progressiva descolonização e um contínuo empoderamento popular O propósito de uma crescente partilha popular na gestão de suas vidas e seus destinos ao lado da possibilidade de uma transformação social emancipatória a partir das escolhas e dos horizontes populares É provável que entre a Europa e os Estados Unidos da América do Norte na maior parte das vezes a pesquisa participante surgisse como um instrumento oportuno à criação de novas formas de conhecimento científico da vida social Um meio oportuno de re qualificação dos relacionamentos entre os diferentes tipos de atores interativos em projetos de ação social levados a efeito em nome da melhoria de indicadores da qualidade de vida ou de desenvolvimentos comunitários ou regionais Na América Latina as propostas originais de pesquisa participante sonhavam ir até um pouco além Sonhavam chegar pelo menos até nas fronteiras de uma possível construção social de outras alternativas ideológicas e políticas da gestão do saber da criação uma nova ciência popular ou quem sabe Da reeducação das próprias ciências e de seus cientistas a partir da escolha de uma vocação democraticamente estendida às classes populares na partilha do saber Na participação também nos processos de transformação das sociedades regidas pelos princípios do capitalismo em direção a sociedades voltadas à realização de alguma das variantes de novas expressões sociais do socialismo Este horizonte transformador e emancipatório esteve sempre presente entre nós pelo menos nas modalidades mais difundidas e persistentes entre as que se reconhecem herdeiras de Paulo Freire ou de Orlando Fals Borda Hoje em dia há uma variedade de horizontes e de experiências bastante ampliada A pesquisa participante invadiu e ocupou em vários cenários latinoamericanos contextos de teoria e prática que lhes eram interditos ou abertos com restrições antes Não é raro que programas governamentais se apresentem sob o consenso da participação popular e em vários casos isto envolve também atividades de pesquisa de âmbito comunitário ou ampliado Assim 25 também um número crescente de estudos acadêmicos realizados em programas universitários de graduação e de pósgraduação apresentam como os seus procedimentos metodológicos algumas das variantes reconhecidas da pesquisa participante Autores evitados nos cursos oficiais de métodos e técnicas de pesquisa nas ciências sociais na pedagogia e em programas delas derivados surgem agora em um número sempre crescente em trabalhos acadêmicos em qualquer um de seus níveis Programas por exemplo de educação e de gestão ambiental raramente deixam de reivindicar uma abordagem participativa e investigações com participação da comunidade são bem mais a norma do que a exceção Não existe uma tendência dominante em qualquer campo e em qualquer esfera de prática da pesquisa participante Mesmo nas experiências realizadas junto a e a serviço dos movimentos populares o que se vê são diferentes alternativas de fundamentação teórica de procedimentos metodológicos de leituras de dados e de textos de pesquisa e finalmente de aplicações práticas de seus resultados Dentro e fora do âmbito universitário do âmbito do poder governamental e principalmente do âmbito de organizações não governamentais e de movimentos populares os encontros e simpósios para o intercâmbio de idéias e a troca de experiência tendem a ser regidos mais pelo diálogo entre diferenças do que por qualquer interesse na criação de formas unitárias ou dominantes O esquecimento do outro Mesmo publicando o seu Pesquisa participante na América Latina em 1986 Marcela Gajardo é uma das autoras mais sem fronteiras Dentre os trinta e nove títulos citados na bibliografia dois estão em francês Suíça e Canadá e dois em Inglês sendo um deles escrito por Paulo Freire Outros autores de origem européia ou norte americana citados pertencem na verdade à tradição latino americana ou estão em constante contato com ela como o canadense Budd Hall 26 Há um número bastante maior de citações bibliográficas em Refletindo a Pesquisa participante da brasileira Maria Ozanira da Silva e Silva publicado em 1991 Dentre as suas cento e sete citações apenas duas delas são uma em inglês e outra em francês Outros autores da Índia da Europa ou da América do Norte comparecem com textos em Espanhol ou em Português apresentados em Simpósios e Congressos latinoamericanos Vários outros pertencem como Anthon de Schuter Michel Thiollent Tom de Wit Vera Gianotten ou Nelly Stromquist à tradição latinoamericana sendo que alguns deles vivem em algum país da América Latina ou trabalharam em algum deles por vários ou longos anos Entre as quase cem citações bibliográficas contidas em Investigación Participativa de Luis R Gabarron e Libertad Hernández Landa publicado no México em 1994 existem apenas cinco textos de autores europeus todos eles em Espanhol Nenhum livro ou artigo do que se poderia considerar como uma referência às tradições européia ou norteamericana comparece E o mesmo acontece em Para sistematizar experiências de Oscar Jara publicado no Brasil em 1996 Do outro lado do oceano Atlântico A bibliografia dos doze artigos de Participatory Research and Evaluation experiences in research as a process of liberation coordenado por Walter Fernandes e Rajesh Tandon e publicado em Nova Delhi em 1981 é reunida ao final do livro e consta de cinqüenta e um títulos Todos eles estão em inglês inclusive os de Paulo Freire e Orlando Fals Borda Embora seja a publicação de um também país de Terceiro Mundo e o seu subtítulo junto com a abordagem da maioria dos autores sugira a convergência com um ponto de vista bastante familiar à tradição latinoamericana um diálogo entre ela e a Índia parece realizado ainda apenas em uma pequena parte À exceção de Orlando Fals Borda e Paulo Freire somente Francisco Vio Grossi aparece representando a tradição latinoamericana entre todos os artigos do livro 27 Um livro de René Barbier A pesquisaação foi traduzido para o Português e publicado no Brasil no ano de 2002 Sabemos que Michel Thiollent um dos principais teóricos e praticantes da pesquisa ação na América Latina é um francofalante No entanto em momento algum o seu nome é citado mesmo quando René Barbier reconstrói no primeiro capítulo do livro a história da pesquisaação Ele divide esta história em dois momentos um período de emergência e consolidação entre ao anos que precedem a Segunda Grande Guerra e ao anos 60 com um franco predomínio norte americano Um segundo período de radicalização política e existencial com uma dominância canadense e européia vindo do final dos anos 60 aos nossos dias Ao mencionar os países em que esta alternativa de investigação social se dissemina o autor lembra a Alemanha o Japão e a França Mas é no Canadá na Inglaterra e na França partir dos anos 70 que se acentua a tendência mais radical13 Na página 35 há uma referência de passagem à tradição latino americana Na América Latina a sociologia radical uniuse ao militantismo revolucionário com Camilo Torrès Luis Costa Pinto Florestan Fernandes Orlando Fals Borda e do mesmo modo com a pedagogia dos oprimidos de Paulo Freire em Educação Popular Barbier 1977 p 51 58 A contribuição da tradição latinoamericana estará praticamente esquecida desta página em diante Dos sessenta e sete livros e artigos relacionados na bibliografia não há referências sequer aos autores latinoamericanos citados na página 35 e apenas Nelly Stromquist com um artigo em Francês recorda a presença da tradição latinoamericana De um lado e do outro do Oceano Atlântico e do Rio Grande simplesmente nos ignoramos ou nos esquecemos uns dos outros E este é um procedimento de confraria na verdade estranho a teóricos 13 René Barbier a pesquisa ação pg 31 28 e praticantes da pesquisa participante Pois eis que praticamos uma alternativa de criação de conhecimentos humanos e sociais onde diálogo e o reconhecimento do outro através daquilo em que ele nos é diferente ocupam sempre um lugar de destaque em nossas agendas de princípios A pesquisa participante pretende ser um corajoso salto além da observação participante Nesta e em boa parte das abordagens qualitativas na pesquisa social eu descubro que sou confiável Posso proceder assim porque posso confiar em mim mesmo e não apenas nos instrumentos que coloco entre eu e os meus objetos de pesquisa Posso confiar em minha memória em minhas palavras e nas de outros meus interlocutores Posso confiar neles para mim Para efeitos dos processo e produtos de uma trabalho científico que eu controlo interpreto e uso em meu favor Na pesquisa participante parto de um duplo reconhecimento de confiança no meu outro naquele que procuro transformar de objeto de minha pesquisa em cosujeito de nossa investigação Devo confiar nele tal como na observação participante na qualidade de meu interlocutor aquele que no dizer de simesmo desenha para mim os cenários de vida e destino que pretendo conhecer e interpretar Mas devo ir além pois devo criar com ele e em seu nome bem mais do que no meu próprio um contexto de trabalho ao ser partilhado em pleno sentido como processo de construção do saber e como produto de saber conhecido e posto em prática através de ações sociais de que ele é ou deveria ser o protagonista e eu sou ou deveria ser o ator coadjuvante O reconhecimento da contribuição do outro do diferente e a partilha de seus saberes e experiências deveriam ser um ponto de partida da prática da pesquisa participante Mas da mesma forma como vemos acontecer em outros campos da pesquisa acadêmica não o são Também aqui nós nos citamos e aos nossos repetidas vezes Também aqui não apenas criamos tendências e tradições o que é bastante salutar Mas acabamos por nos encerrar nelas ou em suas vizinhanças como atores de confrarias O que é convenhamos a negação do que propomos em teoria e em outros planos da prática 29 Seria viável lembrar que o abismo das línguas ainda é uma barreira poderosa mesmo entre nós supostos inovadores de idéias militantes de direitos e de diálogos e transgressores das fronteiras das tradições conservadoras existentes nas ciências e nas ações sociais Nós mesmos teremos caído nesta armadilha aqui neste artigo Não há de ser esta a razão ou pelo menos ela não serve para ser a única e mais importante razão de nossos reiterados esquecimentos do outro E uma pergunta então paira entre e sobre nós se nos desconhecemos e fazemos do esquecimento de outros que não nos são próximos o próprio fundamento da construção de nossas idéias e ideais de nossos diálogos de nossas teorias como esperar que sejamos capazes de criar algo que quebre barreiras dentro e fora do mundo das ciências Algo que ultrapasse de fato as fronteiras que nós mesmos criamos que recrie entre os outros de nossos povos e de todos os povos da Terra alguma coisa que aponte de verdade para um Homem Novo O criador e o habitante do outro mundo possível como nos acostumamos a bradar pelas ruas de Porto Alegre da Índia e de outros recantos do Planeta durante os nossos fóruns sociais mundiais 30 Bibliografia BARBIER René 2002 A pesquisaação Brasília Editora Plano BONILLA Victor Castillo Gonzalo Fals Borda Orlando e Libreros Augusto 1999 Causa popular ciência popular uma metodologia do conhecimento científico através da ação in Brandão Carlos Rodrigues 1999 Repensando a pesquisa participante São Paulo Editora Brasiliense De Shutter Anton e Yopo Boris 1983 Desarrollo y perspectivas de la investigación participativa in Verajano Gilberto M org La investigación participativa en América Latina Pátzcuaro CREFAL FERNANDEZ Walter e Rajesh Tandon eds 1981 Participatory research and evaluation Nova Delhi Indian Social Institute GAJARDO Marcela 1986 Pesquisa Participante na América Latina São Paulo Editora Brasiliense GABARRON Luis Rodrigues e Landa Libertad Hernández 1994 Investigación participativa Cadernos Metodológicos 10 Madrid Centro de Investigaciones Sociológicas JARA Oscar 1996 Para sistematizar experiências João Pessoa Editora da Universidade Federal da Paraíba JARÁ Oscar 1991 Conocer la realidad para transformala San José ALFORJA JARA Oscar 1990 Invstigación participativa una dimensión integrante de la educación popular San José ALFORJA MOSCOVICI Serge 1972 Society and theory in social psychology in Israel J e Tajfel H comps The context of social psychology a critical assessment Nova York Academic Press 31 OZANIRA Maria da Silva e Silva 1991 Refletindo a pesquisa participante São Paulo Cortez Editora THIOLLENT Michel 2002 Metodologia da pesquisaação São Paulo Cortez Editora Projeto de Criação de uma Brinquedoteca para Crianças Carentes Introdução A criação de uma brinquedoteca em uma instituição que atende crianças carentes é um projeto de vital importância para o desenvolvimento integral das crianças Este ambiente tem a capacidade de proporcionar uma série de benefícios que vão além do simples ato de brincar Ao oferecer um espaço seguro e estimulante a brinquedoteca promove o crescimento físico emocional cognitivo e social das crianças atendendo a múltiplas dimensões do desenvolvimento infantil Benefícios do Projeto 1 Crescimento Físico A brinquedoteca será equipada com brinquedos que incentivam a atividade física como jogos de bola cordas de pular e circuitos de obstáculos Essas atividades são essenciais para o desenvolvimento da coordenação motora fortalecimento muscular e aprimoramento da capacidade respiratória e cardiovascular das crianças 2 Desenvolvimento Emocional Brincar é uma forma natural das crianças expressarem seus sentimentos e emoções Através do brincar as crianças conseguem lidar com medos inseguranças e ansiedades A brinquedoteca será um espaço onde elas poderão explorar suas emoções em um ambiente seguro com o apoio de profissionais capacitados para auxiliálas 3 Estimulação Cognitiva A brinquedoteca oferecerá uma variedade de jogos e atividades que estimulam o desenvolvimento cognitivo Quebra cabeças jogos de memória atividades de construção e livros são alguns dos recursos que estarão disponíveis para ajudar as crianças a desenvolverem habilidades de resolução de problemas raciocínio lógico e criatividade 4 Integração Social Um dos principais objetivos da brinquedoteca é promover a socialização entre as crianças Em um ambiente de brincadeira coletiva as crianças aprendem a compartilhar negociar e colaborar umas com as outras Isso é fundamental para o desenvolvimento de habilidades sociais como empatia respeito ao próximo e capacidade de trabalhar em grupo 5 Apoio Escolar Além do lazer a brinquedoteca terá espaços destinados a atividades educativas Será possível integrar o brincar com o aprendizado reforçando conteúdos escolares através de jogos pedagógicos Isso pode ajudar a melhorar o desempenho escolar das crianças tornando o aprendizado uma experiência divertida e envolvente 6 Segurança e Acolhimento Muitas crianças carentes vivem em ambientes inseguros e sem infraestrutura adequada para brincadeiras A brinquedoteca oferecerá um espaço protegido onde as crianças poderão brincar sem risco de acidentes e sob a supervisão de adultos responsáveis O acolhimento neste ambiente também ajuda a construir um senso de pertencimento e segurança emocional nas crianças 7 Envolvimento Familiar A brinquedoteca não será apenas para as crianças mas também um ponto de encontro para as famílias Atividades e eventos familiares serão organizados promovendo a integração dos pais no processo educativo e recreativo das crianças Isso fortalecerá os vínculos familiares e contribuirá para um ambiente familiar mais harmonioso e colaborativo 8 Inclusão Social A brinquedoteca será um espaço inclusivo onde todas as crianças independentemente de suas limitações físicas ou cognitivas terão a oportunidade de participar das atividades Brinquedos adaptados e atividades específicas serão desenvolvidos para garantir que todas as crianças possam desfrutar e se beneficiar igualmente do espaço 9 Apoio Psicológico A presença de psicólogos e educadores capacitados na brinquedoteca permitirá a identificação precoce de possíveis problemas emocionais e comportamentais Esses profissionais poderão oferecer suporte e orientação tanto para as crianças quanto para suas famílias contribuindo para o bemestar psicológico de todos os envolvidos 10Conscientização sobre Direitos da Criança A brinquedoteca também será um espaço para promover a conscientização sobre os direitos das crianças Através de atividades educativas e lúdicas será possível ensinar às crianças sobre seus direitos fortalecendo a cidadania e o respeito por si mesmas e pelos outros Este projeto visa não apenas oferecer um espaço de lazer mas também contribuir de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida das crianças e suas famílias Ao integrar diferentes áreas do desenvolvimento infantil e promover um ambiente acolhedor e seguro a brinquedoteca se torna um recurso essencial para a comunidade ajudando a construir um futuro mais promissor para as crianças carentes Objetivos 1 Promover o desenvolvimento integral das crianças Oferecer atividades que estimulem a criatividade a coordenação motora e o desenvolvimento cognitivo 2 Proporcionar um ambiente seguro e acolhedor Criar um espaço onde as crianças possam brincar e interagir de forma segura e supervisionada 3 Fomentar a integração social Incentivar a interação entre as crianças da comunidade promovendo valores como solidariedade e respeito 4 Envolver a comunidade Incluir a participação dos pais voluntários e das próprias crianças na construção e manutenção da brinquedoteca Justificativa A criação de uma brinquedoteca é considerada psicologia comunitária porque Promove a saúde mental e emocional Através do brincar as crianças expressam sentimentos e emoções desenvolvendo habilidades sociais e emocionais Fortalece a comunidade Envolvendo a comunidade local a brinquedoteca se torna um ponto de encontro e interação social fortalecendo os laços comunitários Empoderamento e inclusão social As atividades colaborativas e participativas promovem o empoderamento das famílias e a inclusão social das crianças Desenvolvimento do Projeto 1 Levantamento de Necessidades o Reuniões com Pais e Responsáveis Organizar reuniões para entender as necessidades e expectativas dos pais e responsáveis em relação à brinquedoteca o Entrevistas com Crianças Realizar entrevistas e rodas de conversa com as crianças para identificar suas preferências e interesses em atividades e brinquedos 2 Planejamento do Espaço o Seleção do Local Escolher um local adequado dentro da instituição levando em consideração segurança acessibilidade e espaço disponível o Divisão de Áreas Área de Leitura Espaço com livros infantis almofadas e estantes baixas Área de Jogos Jogos de mesa quebracabeças e brinquedos educativos Espaço para Atividades Manuais Mesas cadeiras e materiais para desenho pintura e artesanato Área de Brincadeiras Livres Tapetes emborrachados brinquedos de montar blocos de construção Área de Jogos Físicos Espaço para jogos de bola pular corda bambolê e outras atividades físicas o Segurança e Acessibilidade Garantir que o espaço seja seguro com proteção em quinas brinquedos adequados para a faixa etária e acessibilidade para crianças com necessidades especiais 3 Captação de Recursos o Campanhas de Arrecadação Organizar campanhas de arrecadação de fundos junto à comunidade empresas locais e através de plataformas de crowdfunding o Parcerias Estabelecer parcerias com ONGs empresas e órgãos públicos para doações de materiais brinquedos e recursos financeiros o Eventos Beneficentes Realizar eventos como bazares festas e rifas para arrecadar fundos 4 Implementação o Construção e Decoração do Espaço Envolver a comunidade e os voluntários na construção e decoração da brinquedoteca promovendo um senso de pertencimento o Aquisição de Materiais Comprar brinquedos livros materiais de artesanato móveis e equipamentos necessários o Treinamento de Voluntários Oferecer capacitação para os voluntários que irão supervisionar as atividades garantindo que estejam preparados para lidar com crianças de diferentes idades e necessidades 5 Manutenção e Sustentabilidade o Cronograma de Manutenção Estabelecer um cronograma de limpeza e manutenção do espaço e dos brinquedos o Atividades Contínuas Planejar atividades semanais e eventos especiais para manter a brinquedoteca ativa e atrativa o Avaliação e Ajustes Realizar avaliações periódicas com pais crianças e voluntários para identificar melhorias e necessidades de ajustes no funcionamento da brinquedoteca Envolvimento das Crianças na Construção Workshops de Arte Realização de oficinas de arte onde as crianças possam contribuir com desenhos e pinturas para decorar a brinquedoteca Jardinagem Envolver as crianças no plantio de um pequeno jardim ao redor da brinquedoteca Escolha dos Brinquedos Realização de reuniões com as crianças para escolher os brinquedos e jogos que serão adquiridos Construção de Brinquedos Atividades de construção de brinquedos simples com materiais recicláveis envolvendo as crianças no processo criativo Orçamento Detalhado O orçamento será ajustado de acordo com a capacidade financeira da instituição Algumas estratégias para minimizar custos incluem Doações de Brinquedos e Materiais Solicitar doações de brinquedos livros e materiais de artesanato Trabalho Voluntário Mobilizar voluntários para ajudar na construção decoração e manutenção da brinquedoteca Parcerias com Empresas Locais Buscar parcerias para patrocínio e doações Exemplo de Orçamento Reformas e Adequações do Espaço R 500000 Compra de Mobiliário e Equipamentos R 300000 Aquisição de Brinquedos e Livros R 200000 Materiais para Atividades Manuais R 100000 Despesas com Eventos de Arrecadação R 50000 Capacitação de Voluntários R 50000 Total Estimado R 1200000 Conclusão A criação de uma brinquedoteca na instituição que atende crianças carentes é uma iniciativa que transcende a mera disponibilização de um espaço para brincar Ela representa um compromisso com o desenvolvimento integral das crianças oferecendo um ambiente seguro e estimulante que promove seu crescimento físico emocional cognitivo e social Desenvolvimento Saudável das Crianças Ao proporcionar um espaço equipado com uma variedade de brinquedos e atividades a brinquedoteca atua diretamente na promoção do desenvolvimento saudável das crianças Brincadeiras que incentivam o movimento físico ajudam a desenvolver a coordenação motora e a saúde geral das crianças Atividades cognitivas como quebracabeças e jogos de memória estimulam o pensamento crítico e a resolução de problemas Além disso o ambiente acolhedor e seguro da brinquedoteca oferece às crianças a oportunidade de expressar e compreender suas emoções contribuindo para o desenvolvimento emocional e a construção de resiliência Fortalecimento dos Laços Comunitários A brinquedoteca também desempenha um papel crucial no fortalecimento dos laços comunitários Ela se torna um ponto de encontro onde pais crianças e voluntários podem interagir compartilhar experiências e construir um senso de comunidade A organização de eventos e atividades comunitárias na brinquedoteca não apenas promove a integração social mas também fortalece os vínculos entre os membros da comunidade A colaboração com escolas igrejas ONGs e empresas locais cria uma rede de apoio que sustenta a brinquedoteca e assegura sua continuidade Ambiente de Inclusão e Empoderamento Social A brinquedoteca é projetada para ser um espaço inclusivo onde todas as crianças independentemente de suas habilidades ou limitações são bem vindas e podem participar plenamente das atividades Este ambiente de inclusão ensina as crianças a valorizar a diversidade e a respeitar as diferenças promovendo uma cultura de aceitação e igualdade Além disso ao envolver as crianças na tomada de decisões e na organização das atividades a brinquedoteca empoderaas dandolhes um senso de responsabilidade e pertencimento Esse empoderamento é fundamental para o desenvolvimento de futuros cidadãos conscientes e ativos na sociedade Participação Ativa e Sustentabilidade A participação ativa das crianças suas famílias e a comunidade na construção e manutenção da brinquedoteca é essencial para garantir que o espaço atenda às reais necessidades e se mantenha relevante e sustentável ao longo do tempo Quando a comunidade está envolvida há um maior senso de propriedade e responsabilidade compartilhada As famílias e voluntários podem contribuir com ideias tempo e recursos garantindo que a brinquedoteca continue a evoluir e melhorar Esta participação ativa também fortalece os laços comunitários e cria um ambiente de cooperação e solidariedade Impacto a Longo Prazo O impacto da criação de uma brinquedoteca vai além dos benefícios imediatos para as crianças e suas famílias A longo prazo a brinquedoteca contribui para a construção de uma comunidade mais coesa inclusiva e resiliente Ela oferece um espaço onde as crianças podem desenvolver habilidades que serão úteis ao longo de suas vidas como a capacidade de trabalhar em grupo a resolução de problemas e a gestão emocional Ao mesmo tempo a brinquedoteca apoia as famílias oferecendo um recurso valioso para o desenvolvimento de seus filhos e criando oportunidades para o fortalecimento dos vínculos familiares Em suma a criação de uma brinquedoteca na instituição que atende crianças carentes não só promoverá o desenvolvimento saudável das crianças como também fortalecerá os laços comunitários e proporcionará um ambiente de inclusão e empoderamento social A participação ativa das crianças e da comunidade na construção deste espaço é fundamental para garantir que a brinquedoteca atenda às reais necessidades e se mantenha sustentável ao longo do tempo Este projeto representa um investimento no futuro proporcionando um ambiente que nutre o desenvolvimento integral das crianças e fortalece a comunidade como um todo Bibliografia BRANDÃO C R 2024 A Participação da Pesquisa e a Pesquisa Participante Recuperado de wwwapartilhadavidacombr FREITAS M 1994 Psicologia Comunitária Teorias e Práticas SAWAIA B B 1996 Comunidade e Psicologia Social