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RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 2. ORIGENS E APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como se sabe, originou-se no direito anglo-saxão a partir de alguns precedentes da Inglaterra e dos Estados Unidos; ganhou relevância pela formulação da disregard of legal entity ou da desconsideração, como foram de se levantar o véu da pessoa jurídica (lifting the corporate veil) para atingir o patrimonio de seus sócios nas hipóteses de confusão patrimonial, abuso da pessoa jurídica ou fraude. De acordo com essa teoria, não obstante subsistir a distinção entre a pessoa jurídica e a pessoa de seus sócios, em hipóteses excepcionais de desvio de finalidade e de confusão patrimonial, autoriza-se a desconsideração. Dois célebres precedentes históricos, nos quais se caracterizou fraude à lei, fornecem subsídios para a compreensão das origens, na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo sido julgados pela Corte inglesa - o caso Salomon v/s Salomon & Co. Ltd. - e pela Suprema Corte do Texas - Estado do Texas v/s Standard Oil Company. No primeiro deles, o comerciante Aaron Salomon e seus componentes que formavam constituíram uma companhia, e cedendo aquele seu fundo de comércio à sociedade, posto ei titular 20.000 ações representativas do capital social e recebendo 10 mil libras esterlinas, ao passo que os demais sócios recebiam apenas uma ação. Na prática, Aaron Salomon continuava manejando o seu fundo de comércio e passou a se utilizar da companhia para empreender o processo proteção patrimonial. Posteriormente, a companhia começou a atrasar seus pagamentos e, após um ano, entrou em liquidação, ocasião em que se verificou que seus bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações assumidas. O liquidante, em nome e no interesse dos credores quirografários, alegou que Salomon havia constituído a sociedade apenas como fachada com vistas à limitação de sua responsa- bilidade, devendo, por isso, ser condenado ao pagamento dos débitos da companhia. A pretensão do liquidante foi acolhida pelo magistrado de 1ª Instância e pela Corte, conduzindo-se que os seis subscritores das ações eram meros testas-de-ferro, escolhidos apenas para alcançar o mínimo de sete acionistas necessário à constituição da sociedade. A companhia RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 foi utilizada como agente de Salomon para realizar seus negócios, de modo a autorizar a desconsideração da sua personalidade jurídica. 4 Por outro lado, no segundo precedente anteriormente aludido, os acionistas da Standard Oil Company, em 1892, nos Estados Unidos, celebraram um acordo com acionistas de várias companhias petrolíferas e cederam suas ações a novo agente fiduciário (trustees) da Standard Oil Company recebendo em contrapartida certificados desse trust. Assim, os novos trustees tiveram condições de dominar completamente as companhias e fixar diretrizes e política de petróleo, monopolizando essa atividade econômica. Trata-se de segunda hipótese de fraude e desconsideração, na qual, formalmente, as sociedades possuem personalidade jurídica, podendo, de fato, estarem submetidas a um controle comum. O caso foi decidido pela Suprema Corte do Texas no sentido de preservar a autonomia das sociedades, consideradas autônomas e pessoas jurídicas e suas personalidades distintas. Entretanto, concluiu-se que o trust agreement tratou-se de uma forma de abuso pela atividade (fraude à lei), pois que exercido num free trust agreement, vedado por lei. Todos esses precedentes de fraude, já lendariamente conhecidos nos Estados Unidos, no estado - e no caso inglês citado como Lehigh Valley Railroad, datado de 1910, no qual uma sociedade anônima (Semet Solvay Co.) era proprietária de um aterro ferroviário, transportava carvão e de seus proprietários e arrendadores decidiram apresentar o mesmo com a intenção depois de transformá-lo em combustões e no transporte carvão e derivados para outra sociedade. Por isso, reconheceu-se fraude, pois, embora a relação subjetiva do seu criador, verificado-se hipóteses ainda de fraude ao propósito, do regulamento. Mais uma vez, a constatação mostrou que, embora a desconsideração seja formalmente tratada como ficção jurídica resultou justificada da Companhia, constitui desconsideração positiva. Assim, a figura do alter ego, isto é, da relação de proximidade intolerável entre a sociedade controladora e controlada. Em resumo, todos esses precedentes do direito anglo-saxão relacionam-se a casos de fraude, e influenciaram de maneira decisiva a construção e desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na experiência comparada. 4 Para maiores detalhes sobre o caso, v. Rubens Requião, Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, in Revista dos Tribunais, n. 803, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2002, p. 757 e ss. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 3. DOUTRINA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO BRASIL Introduzida no Direito brasileiro, o tema da desconsideração da personalidade jurídica suscitou acalorado debate doutrinário, delineando-se duas correntes de pensamento acerca da aplicação do instituto: a subjetiva e a objetiva. A teoria subjetiva, sustentada por Rubens Requião, exige como requisito para a descon- sideração da personalidade jurídica a demonstração de fraude em tendo sido desconsideração o contensivo da lei, embora sob a aparência de seu cumprimento ou do próprio obje- seja, utilização da pessoa jurídica para fins pessoais, verificando-se confusão entre a pessoa dos sócios e a pessoa jurídica, em autêntico desvio de finalidade da sociedade. Em outras palavras, de acordo com esta parte da doutrina, para que se desconsiderável a personalidade jurídica, exige-se a demonstração de fatos atribuíveis ao sócio, quando este se fluirem legitimamente interesse do credor mediante a manipulação de fraudes baseada jurídica. De outra parte, a teoria objetiva, enunciada por Fabio Konder Comparato, e vertida ao atual art. 50 do Código Civil, traduz a noção de que em verdade serve à regra de desconsideração da participação direta ou não do suposto agente infracional, seja ele sócio ou membro, não se exigindo a fraude ou abuso de direito — ou mesmo a confusão patrimonial. Os e Estes últimos não abarcariam inúmeras situações em que eventualmente ocorreria o deter- monial ocorre em benefício do controlador do negócio sem prevalecer à comprovação da fraude. 7 De acordo com essa construção, a desconsideração da personalidade jurídica opera-se como consequência de desvio de função ou abuso do controlo empresarial sobre o 5 Nas palavras de Rubens Requião, "[O que se pretende com a doutrina do 'disregard' não é anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)" (Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, cit. p. 750). 6 Além a proposição, Rubens Requião: "No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito do credor, mas surge de inadequação do uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem” (Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, cit., p. 750). 7 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 2005, p. 356. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 fraude ou abuso de direito, mas que nem sempre constitui ato ilícito. Note-se que, de acordo com esta corrente doutrinária, a disfunção ocorrerá sempre que o "comportamento do sócio ou a relação estabelecida torna inútil ou ineficaz a organização societária". A função, portanto, consubstancia-se na criação de um centro de interesses autônomo, o qual, uma vez ausente, justifica a desconsideração. Além disso, a desconsideração da personalidade jurídica ocorreria sempre em função de um controle societário.(11) Assim, a confusão patrimonial entre controlador e controlado consiste em critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica. Tal como denomina-se, no direito americano, commingling of funds que poderia ser traduzido como 'promiscuidade de fundos', o qual ocorre, por exemplo, no caso do sócio que utiliza a conta da pessoa jurídica para efetuar pagamentos pessoais e vice-versa, circunstância que denota não existir uma separação entre as atividades da pessoa jurídica e da pessoa física.(12) Esta teoria não prevalece na jurisprudência e na doutrina brasileiras, as quais adotaram a segunda concepção, de critério mais aberto, consistente na "estabelecida aparência de indevida consideração, a fim de que ela, que surgira para aperfeiçoar o sistema jurídico, não venha a transformar-se prejudicial a ele". (13) 13 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit, p. 366. 11 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit, p. 397. 12 Ainda de acordo com tal raciocínio, nos próprios negócios comerciais, as holdings facilitariam a desconsideração mediante astucismos forjados em usos e costumes, às vezes certificados pelo próprio controlador do organismo intermediário para o fim de desviar a ordenação societária. (Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 357). 13 "A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controladora é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica diante dos "corpos". E compreende-se, facilmente, que sem isso, pois, em matéria empresarial, a pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se é controladora, que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o (ou não), não se vê bem por que os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra ausente ou alterar", (O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 450). 14 Vivian Aline e Thereza Alvim, Comentários ao Código Civil Brasileiro, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 443-445, grifou-se no mesmo sentido: "Mas embora tenha sido bastante feliz suas críticas, é fato e que a concepção objetiva não logrou alcançar uma formulação satisfatória para a teoria da desconsideração. (...) Do balanço que se possa fazer sobre a contribuição dessa extraordinária jurista. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 Por outro lado, não raro ambas as teorias — objetiva e subjetiva — têm sido adotadas conjuntamente. Sustenta-se, em doutrina, a atribuição de um "adequado elastério ao instituto, porquanto se contemplem não apenas a hipótese de abuso (teoria subjetiva) mas também a de confusão patrimonial (teoria objetiva)".(13) 4. A POSITIVAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO A positivação da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento brasileiro se verificou, inicialmente, no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28. Em seguida, o instituto foi incorporado pelo art. 18 da Lei 8.884/1994, a chamada lei antitruste, o qual dispõe: "Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direitos, excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social. A desconsideração também será efetuada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." A excessiva amplitude do dispositivo acaba por ir além da conceituação dos requisitos de sua incidência, atuindo-se até o ilícito — ilha do exercício de poder, e infração de lei e violação dos estatutos ou contrato social — e a má administração. Essas hipóteses, contudo, não se relacionam com a desconsideração da personalidade jurídica. nacional, resulta claro que, embora plenamente coberta de razão quanto às críticas endereçadas à concepção subjetiva, não logrou resolver, satisfatoriamente, os entraves que ela mesma gerou. No entanto, apesar de incomendável, por isso, a adoção do entendimento subjetivo da desconsideração, não se pode ignorar a grande contribuição de Fábio Konder Comparato, que é, justamente, a crítica feita' (Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da Personalidade Jurídica, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 47). 13 João Batista Lopes, Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, in Revista dos Tribunais n. 818, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43. 14 Em comentário ao dispositivo, afirma Ildeo Bosco Leopoldo da Fonseca que 'a expressão "infração da ordem econômica" tem uma abrangência muito grande, para compreender todas aquelas situações. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 Com efeito, o ato ilícito, em sentido lato, como violação a dever legal de conduta, atrai a incidência das sanções previstas em lei — a exemplo da lei alimentar, criminal, ou civil. Deste modo, a hipótese de ilícito normalmente é punida com ineficácia de atos ou com o tipo penal aplicável à espécie. Assim, se o ordenamento jurídico já reserva ao ato remédio específico — sua ineficácia ou a sanção penal —, torna-se irrelevante a invocação da desconsideração da personalidade jurídica. Nesta direção observa-se em doutrina: "A teoria da desconsideração tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. (...) É quando alguém, na qualidade de sócio, controlador ou representante legal de pessoa jurídica, provoca danos a terceiros em razão de comportamento ilícito, e é responsável pela indenização correspondente. (...) Não há, portanto, desconsideração da pessoa jurídica na infração de abuso de direitos, excesso de poder, infração de lei, violação dos estatutos ou do contrato social, salvo quando na atividade do ato ilícito."(15) Por outro lado, no que tange à má administração, os administradores não podem ser responsabilizados por prejuízos causados à companhia pelos atos de sua gestão que não configurem ilícito. Via de regra, portanto, a desconsideração só realmente atende apenas pelas ações praticadas com culpa ou dol em violação da lei ou dos estatutos, como assentada na doutrina contemporânea. Não se concebe desconsiderar a personalidade jurídica dos sócios pela ação que representam: "Os administradores respondem, porém: a) Para com a sociedade por todos os atos ou omissão em prejuízo ou dano da mesma sociedade. (...) b)Para com a sociedade e terceiros pelos atos que praticarem com excesso de poderes. (...) O excesso de poderes a que se refere a lei não passa em última análise de uma infração da lei ou dos estatutos."(16) 15 Fabio Ulhoa Coelho, Direito antitruste brasileiro: comentário à Lei 8.884/94, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 41. 16 José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 Dai afirmar-se, com razão, que “a responsabilidade do administrador decorre de ato ílicito, quer de origem legal ou convencional”.17 E isto porque, aos administradores reserva-se uma margem de escolha nas decisões a tomar, sendo indispensável à gestão societária a liberdade para acertar e errar, sem que de uma infeliz decisão resulte necessariamente sanção. (...) os standards previstos na norma apontam para o princípio da boa-fé no desempenho das funções de administrador. Consequentemente, este não é responsável pelos erros de julgamento em que, de boa-fé, tenha incorrido o interesse em que, de boa-fé, tenha incorrido em interesse da companhia, desde que fique demonstrado ter agido com o devido cuidado e diligência.18 Afinal, tertius non datur: ou bem o ato do administrador circunscreve-se no âmbito de escolhas socialmente admissíveis, ou pratica ilícito, deflagrando-se sanções contra sua atuação pessoal. Assim, apenas se cogita da desconsideração da personalidade jurídica quando a prática do ato for formalmente lícita, associada a ato abusivo ou a fraude, já que a licitude quanto à má administração acarretaria consequências específicas e próprias do direito. Ainda no âmbito da evolução normativa; a legislação atinente ao tema da matéria, especificamente a Lei 9.605/1998, que, em seu art. 4°, dispõe: "Art. 4° Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente". Bastos, 1937, pp. 76-78. Ressalve-se, contudo, que, para parte da doutrina, o administrador será responsabilizado independentemente da prática de um ilícito, bastando que sua atuação cause a insolvência da sociedade.Neste direção, destaca-se Ada Pellegrini Grinover et alii, Código anotado de Defesa do Consumidor: comentado pelas autores do Anteprojeto, São de Janeiro: Forense, 2001, p. 212: “O texto introduz uma novidade, pois é a primeira vez que o Direito legislado acolhe a teoria da desconsideração sem levar em conta a configuração da fraude ou do abuso de direito. De fato, o dispositivo pode ser aplicado pelo juiz e fornecerdor (em razão de má administração, pura e simplesmente) encerrar suas atividades como pessoa jurídica”. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 O dispositivo, de conteúdo genérico, admite a desconsideração da pessoa jurídica independentemente da verificação de requisitos que autorizem tal medida, adotando, desta forma, o que virá a ser designado como teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com essa teoria, o magistrado se encontra livre para proceder à desconsideração da pessoa jurídica, bastando, para tanto, que se prove a inexistência de bens sociais suficientes para satisfazer a dívida e a solvência de qualquer um dos sócios.19 Essa lei, levada às últimas consequências, faria tábua rasa da autonomia patrimonial no ordenamento jurídico brasileiro, pois estabeleceria a desconsideração sempre que houvesse dificuldade para o ressarcimento de danos causados ao meio ambiente. Na mesma linha normativa, aliás, situa-se o Código de Defesa do Consumidor que, como acima aludido, foi o primeiro diploma legal a disciplinar a matéria, em seu art. 28, assim redigido: "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também poderá ser efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração: 1 - As sociedades integrantes de grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. 2 - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. 3° As sociedades coligadas só responderão por culpa."19 19 "Trata-se de teoria menor, que se contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a estes a obrigação da pessoa jurídica. (...) o seu pressuposto é simplesmente o desatendimento do crédito titularizado perante a sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta. De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possuir patrimônio, mas o sócio o solvente, isto basta para responsabilizá-lo por obrigações a qualquer." (Osmar Vieira da Silva, Desconsideração de Personalidade Jurídica: aspectos processuais, Rio de Janeiro: Renovar, Série Biblioteca de Teses, 2000, pp. 120-129.) v.g. ainda, sobre a determinação da desconsideração da personalidade jurídica, Rachel Sztajn, Desconsideração de Personalidade Jurídica, in Revista de Direito do Consumidor, n. 2, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1990, p. 74; Márcio Souza Guimarães, Aspectos modernos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, in Revista da EMERJ, n. 25, Rio de Janeiro: EMERJ, 2004, pp. 232-233. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 § 5º também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” O dispositivo suscitou acirrada divergência interpretativa. Isso porque determina, em seu caput, que a desconsideração da personalidade jurídica somente ocorrerá se preenchidos determinados pressupostos. E, mais adiante, no § 5º, autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade sempre que esta for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Anota, portanto, o § 5º, assim como a legislação ambiental, a chamada teoria menor. Sobre a matéria, colhem-se da jurisprudência as seguintes decisões: “Aliás, registre-se, no tocante aos consumidores, a jurisprudência vem entendendo que o Código de Defesa do Consumidor (art. 28, caput), é em si própria a adoção da teoria menor da despersonalização, que não incide com o mero prova da insolvência da pessoa jurídica para pagar as suas obrigações, ou encerramento irregular das suas atividades por má administração, isto, mesmo que não tenha havido decisão de composição ou confusão patrimonial.20 (...) no § 5º do mesmo artigo, conhecido por teoria menor, a desconsideração ou despersonalização também pode ser decretada quando a personalidade jurídica tem sido mantida, for de alguma forma obstáculo ao ressarcimento por prejuízos causados aos consumidores e que também está a depender de decisão administrativa e de uma paisagem decisão.” À teoria menor da desconsideração contrapõe-se a denominada teoria maior, de acordo com a qual somente nas hipóteses excepcionais de fraude, abuso ou confusão patrimonial se admite a desconsideração da personalidade jurídica, e sempre que não se trate de situação da mera insolvência ou falência da sociedade.22 De acordo com tal entendimento, confira-se a seguinte decisão: 20 TJAMG, Ag, trasi: 479.144-2, 6º CC, Rel. Des: Didimo Inocencio de Paula, julg. 3.2.2005. 21 TJAMG, Ap. Cív. 456.917-2, 15º CC, Rel. Des. José Afonso da Costa Côrtes, julg. 30.6.2005. 22 “A teoria maior se fundamenta em maior aporte e precisão do Instituto da Desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos identificadores da fraude — a utilização da couraça protetora para camuflar atos elevados de fraude pelo sócio com a utilização da sociedade.” Com efeito, a insuficiência patrimonial, a falência, insolvência, ou inadministração não se apresentam como a seguinte decisão. (...) a desconsideração da pessoa jurídica só é reconhecível diante de situações excepcionais (confusão de patrimônio, fraude e má-fé). Somente com a prova da excepcionalidade admite-se a desconsideração e a penhora de bens. (...) Considerando que a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, anteriormente exposta, rege o geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada como a mera demonstração de que esta pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações ou exibe extinta de forma irregular, tenho este laboração em equívoco do autor.23 À luz do art. 28, caput e § 5º, do CDC, parte da doutrina defende que o § 5º independe dos outros parágrafos do caput, e amplia significativamente a defesa do consumidor.24 Entretanto, tal posicionamento não parece ter raiz com colisão com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com graves reflexos para a segurança jurídica, uma vez que, sempre que houver dúvida do ressarcimento de prejuízo, a desconsideração se torna automática, indistintamente. Proceder de modo a proteção patrimonial quando se tratar de sociedades inseridas no mercado consumidor.25 _____ cassos para a desconsideração (...)" (Márcio Souza Guimarães, Aspectos Modernos da Teoria de Desconsideração da Personalidade Jurídica, cit., pp. 232-233, original do autor). Confiram-se, também, Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153. 10 9 TJSP, Apelação Cível n. 405607-9187-2002. 2ª C.C, Rel. Des. Brandão Monteiro, julg. 30.8.2005, grifo nosso. caput, explora, em análogo a todas as hipóteses delineadas no caput dos arts. multiplica as hipóteses delineadas no caput, distinguindo apenas o ônus em CDA e adoucidera as normas ali contemporaneamente silenciadas. Sem embargo, territorialmente são dessaques (...) Trans- cunvendo o texto do § 5º do art. 28, verdadeiro resumo da ratio que inspira a adoção da doutrina do disregard no CDC" (Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 639-640). Em interpretação ao art. 28, do CDC, escreve Fábio Ulhoa Coelho que “uma primeira e rápida leitura ao § 5º do art. 28 pode sugerir que a simples existência de um prejuízo patrimonial pelo consumidor seja suficiente para autorizar a desconsideração da pessoa jurídica. Esta interpretação é meramente liberal, e, nesta linha, não pode prevalecer, e isto por três razões. Em primeiro lugar, porque contraria os fundamentos teóricos da desconsideração. Como mencionado, esta representa um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, que, assim, só pode ter a sua autonomia patrimonial despedaçada para a oblição de fraudes ou abuso de direito. A simples instauração do credor não autoriza, por si só, a RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 Para debelar tais riscos, deve-se conferir interpretação sistemática ao dispositivo, associando o caput ao § 5º, de modo que o § 5º somente se irá aplicar caso ocorra uma das hipóteses contidas no caput do art. 28. A matéria foi objeto de ampla discussão no Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no caso do Shopping de Osasco, e, ainda hoje, não há posicionamento consolidado sobre o assunto. Como se sabe, após o acidente ocorrido em 11.6.1996, no Osasco Plaza Shopping, o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública em face da sociedade e de seus administradores, objetivando garantir o ressarcimento de danos. Solicitava, desta forma, que se efetuasse a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, visando a estender os efeitos da condenação àqueles que a administravam e aos sócios, o que foi negado pelo Tribunal Paulista. Discute-se, portanto, em sede de Recurso Especial, dentre outras questões, a licitude da aplicação da teoria da desconsideração.26 Posicionou-se o Relator no sentido de não ser possível desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, à impossibilidade, conforme entendimento pacificado da extensão da obrigação aos administradores, tendo em vista a ausência dos requisitos imprescindíveis elencados no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. “Com efeito, sem a presença de uma dessas circunstâncias, o suporte fático do artigo 28, caput, não se completa, e, portanto, não indica a possibilidade de aplicação isolada, não importando que o § 5º aparente opor a desconsideração da pessoa jurídica possa ser mero efeito da necessidade de ressarcir os pré-juízos causados ao consumidor. Na técnica de interpretação, o parágrafo não tem aplicação autônoma, subordinando-se aos limites do caput.26 Tal posicionamento foi reiterado no voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: desconsideração. Em segundo lugar, porque tal ensejo tomaria letras morta o caput do art. 28, que circunscreve algumas hipóteses autorizadoras do superamento da personalidade jurídica. Em terceiro lugar, porque esta interpretação equivaleria à revogação do art. 20 do Código Civil em matéria de defesa do consumidor” (Comentário ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 146). 26 STJ, 3ª Turma, REsp 279.273, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. Para Acórdão Min. Nancy Andrighi, julg. 4.12.2003. Voto vencido do Min. Ari Pargendler. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 “O que se deve considerar no trato doutrinário da desconsideração da personalidade jurídica é a sua utilização apenas para evitar o abuso e o fraude, todas as vezes que a personalidade jurídica da sociedade comercial, na forma do art. 20 do Código Civil, for utilizada como instrumento para prestigiar aquele que manipula a pessoa jurídica com o objetivo de fugir do adimplemento de uma dada obrigação. (...) A meu sentir, no plano doutrinário, a desconsideração da personalidade jurídica cabe quando houver a configuração de abuso ou de manipulação fraudulenta do princípio da separação patrimonial da sociedade como meio de impedir, fraudulentamente, o resgate de obrigação assumida nos termos da lei”. No entanto, entendeu a Turma julgadora, por maioria, pela desconsideração da personalidade da sociedade para que fossem ressarcidos os danos provocados aos consumidores em função da conduta omissiva por parte da estrutura, sem que houvesse ocorrido abuso da personalidade, conforme pode ser apreendido do voto-vencedor da Ministra Nancy Andrighi, quando assim entendeu: “Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco - SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. assistemático dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstrução ao exercício do direito do consumidor. Responsabilidade objetiva. Não se trata de erro material. Pela lei brasileira, na hipótese de um perigo habitual da insegurança de mercado, dispersam-se os cidadãos, e o desejo de assegurar o respeito ao cumprimento de suas obrigações. Apesar das diferenças jurisprudenciais, com obrigação de demonstrar (inclusive criador do alegado erro de materialidade que sustenta) a tese final de argumento e a decisão firmada no julgamento da Turma ao propor a desconsideração da personalidade jurídica para a proteção homogênea de interesses individuais homogêneos relacionados a uma ressurreição necessária do valor atribuído pelo credor à continuidade e ao desenvolvimento de suas atividades. Recurso especial a que se entende provido demonstrando a conveniência socioeconômica da desconsideração. Admitem-se as duas correntes da teoria maior e da desconsideração.26 STJ, 3ª Turma, REsp 223.082, 18.3.2003". RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exceção autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas à mera prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos 27 Sem que se tenha pacificado a discussão no âmbito das relações de consumo, o Código Civil de 2002 autorizou a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 50, nos seguintes termos: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que certos e determinados efeitos de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Consoante a redação que lhe conferiu o legislador codificado, o dispositivo adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, admitindo o mecanismo nas hipóteses nele enumeradas. Além disso, determina que a instauração seja por provocação e, até mesmo, de legitimidade (ou seja, da parte que requereu a desconsideração ou do Ministério Público). Dito por outras palavras, apenas se afugura possível, de acordo com o Código Civil Brasileiro, desconsiderar a pessoa jurídica, atingindo o patrimônio pessoal daqueles que praticou o ato fraudulento, por meio do controle judicial, sendo, igualmente, imperativo que haja demonstração de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial 28 27 STJ, 3ª Turma, Resp 279.273, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. para Acórdão Min. Nancy Andrighi, jul., 4.12.2003. 28 Seja consignado remeter a Gustavo Tepedino et ali, Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, vol. I, cit., p. 131: “A recusa da extensão de aplicabilidade da disregard doctrine, a jurisprudência pátria vem se posicionando no sentido de que existem pressupostos específicos, relacionados à fraude ou ao abuso de direitos de terceiros, que devem ser observados”. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 5. APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO NOS TRIBUNAIS Como explicitado anteriormente, após a promulgação de diversos dispositivos atinentes à teoria da desconsideração, discute-se no Brasil a adoção das teorias designadas como maior e menor. A classificação distingue-se da mencionada anteriormente (que contrapõe a teoria subjetiva à teoria objetiva). As formulações objetiva e subjetiva consistem em desdobramentos da teoria maior, uma vez que ambas procuram estabelecer pressupostos para a desconsideração. A teoria menor, por sua vez, incorporada pelo §5º do Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Ambiental, admite a desconsideração sempre que necessário ao integral ressarcimento de danos, mas não fixa requisitos para a sua aplicação. De fato, os adeptos da doutrina menor admitem a teoria menor da desconsideração, permitindo a aplicação da teoria, à vista da simples inexistência de débito contraído pelo sócio. Entretanto, caberá por fazer prevalecer a regra do inadimplemento da empresa fornecedora de serviço ou que fornece produtos no mercado que tem autonomia patrimonial, inibindo, evidentemente, os investidores enquanto não esteja patente e claramente evidenciado o âmbito por estabelecer o conteúdo de insegurança. Aliás, a exigência de requisitos para que se desconsidere a personalidade jurídica mais se vê: é indispensável também em matéria de direito de família, em que o Judiciário promove o que se vem chamando de desconsideração em sentido inverso, isto é, a execução de decisão jurídica para a satisfação de dívidas pessoais de sócio que, fraudulentamente, utilizara o manto da autonomia de suas empresas para evadir-se do pagamento de pensão alimentícia. Além disso, doutrina e jurisprudência continuam a corroborar a aplicação no âmbito do direito nacional, voltados a firmar que a medida deve ser restritivamente aplicada à hipótese em que demonstrado o abuso de forma jurídica, adotando uma interpretação do direito norte-americano, rejeitando procedimentos semelhantes aos direitos aos danos ou perdas pessoais, ainda que os tribunais dos estados brasileiros como do Rio Grande do Sul, por exemplo, tenham se validado de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade a que pertencia um dos cônjuges por restar "claro que este patrimônio terminou se confundindo com o próprio patrimônio do casal, que dele usufruía” 29 De mais a mais, há decisões no sentido de desconsiderar a pessoa jurídica, ou determinados negócios por ela praticados, em virtude de atos simulados e fraudulentos levados a 29 TJRS, Ag. Inst. 70009697533, 7ª CC, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julg. 14.5.2003. Há no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decisão no mesmo sentido: TJRJ, AG. Inst. 24.525/2005, 16ª CC, Rel. Des. Ronald Valladares, julg. 19.9.2006. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 cabo com o fito de disfarçar ganhos dentro da sociedade, com o objetivo final de evitar ou diminuir os encargos de pensão alimentícia: “Alimentos. Ação revisional. Aptidão da pessoa física, titular da pessoa jurídica, para pensionar. A teoria da personalidade (art. 20 do Código Civil). Desconsideração. A transferência de quotas sociais, do sócio quase absoluto de empresa, para o nome de sua sogra, em evidente fraude à lei de alimentos, é ineficaz em face do credor. Sentença confirmada” 30 Mesmo nesses casos, salienta a doutrina especializada a necessidade de provar-se a ocorrência de um dos requisitos para que se proceda a desconsideração: “Ao decidir conforme a simplicidade que admite a desconsideração, verificada a fraude ou constatado o abuso, tudo se ignorará se, sem alterar ou anular o ato ou o negócio comercial, e assim responsabilizar o cônjuge sócio pelos prejuízos que buscou seguir ao seu consorte”. 31 Os tribunais brasileiros têm contribuído para a ampliação do debate que envolve essas teorias, como se extrai da sempre lembrada decisão do Desembargador Aracy Augusta Bittencourt, de São Paulo, proferida em 1955, que, aplicando a teoria menor à execução: “Há, no caso, completa confusão do patrimônio de pessoa física do executado com o da embaragante, e que resultou evidente prejuízo para os credores, impedindo a excussão de bens de ambos, entrelaçados e mantidos no aparente resguardo da separação apenas justificativa de haveres. Hoje em dia, à atinud de companhia ter ao seu serviço ações coletivas. Há pessoas físicas que têm todo o seu patrimônio envolvido em diversas firmas. Individualmente nada possuem. Em obrigações assumidas em nome pessoal, estariam os credores em inferioridade patente se lhes colassem da garantia das obrigações assumidas, quer os bens quer as atividades do devedor associado a firmas. Como ficção útil da lei a personalidade jurídica coletiva não pode isolar-se de persona- 30 TJRS, Ap. Civ. 590092128, 8ª CC, Rel. Des. Clarindo Favretto, julg. 4.4.1991. 31 Rolf Madalena, A ‘disregard’ no Direito de Família, In Revista Ajuris, Porto Alegre: Ajuris, 1993, p. 64. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 jurídica que a compõe, sob pena de fugir-se à realidade, momento na época que atravessamos, em que raras são as empresas comerciais e industriais em nome individual. A assertiva de que ‘a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entivar a própria ação do Estado, na realização de perfis e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustar-los ao direito’. 32 O tribunal paulista, à época, autorizou a desconsideração diante da demonstração do abuso de personalidade. Assim como este acórdão, verifica-se, mesmo antes do Código Civil de 2002 e em casos que não versavam sobre relação de consumo, especialmente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decisões que, cuidadosa mente… Deixando tratar-se de abuso de fraude, o Judiciário exerce o controle da desconsideração. Da mesma forma, a interessante decisão preferida pela 15ª Câmara Cível, sendo Relator o Desembargador José Fimenal Marques: “A doutrina de superação ou desconsideração da personalidade jurídica, antes de mais nada, tem de ser reputada aceitável para ser aplicada indistintamente a todos os casos de abuso do patrimônio da pessoa jurídica por inferior ao seu devido, vinculando a cape está destinada a determinadas ções”. 33 Essa ponderada decisão e o remédio da desconsideração da personalidade jurídica mostram-se essencialmente a preservação do livre desenvolvimento da atividade econômico-privada tutelada pelo Estado, resulta-se também que, acerta-se, seguindo a decisão ser também qualificável a ineficácia dos contratos e sociedades de direito, fraude contra credores, desvio de condição reconhecida requisitos como se antecede… Hipótese interessante de desconsideração da personalidade jurídica foi julgada pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Tratava-se de um investidor que, em 1982, confiara à determinada corretora seus investimentos. Após investir praticamente todas as suas economias, subitamente, à sua revelia, seu saldo credor foi convertido 32 TJSP, Ap. Cív. 9,247, Rel. Des. Edgar de Moura Bittencourt, julg. 11.4.1955, in RT 248/394. 33 TJRJ, Ap. Civ. 2002.00120438, 15ª CC, Rel. Des. José Fimenel Marques, julg. 7.5.2003. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 em saldo devedor. O Banco Central decretou a liquidação extrajudicial da corretora com base em má administração. Na liquidação extrajudicial o investidor descobriu que as ações de sua carteira foram apreendidas sem que fosse sequer notificado para o pagamento do suposto saldo negativo. Diante disso, o espólio do investidor, o qual, então, já havia falecido, entrou em ação de prestação de contas em face da corretora. A ação foi acolhida, e a questão submetida ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o direito do acabo da demandada.Quando, finalmente, o espólio ajuizou a ação de execução, a corretora não possuía recurso algum, atendendo em sua conta corrente saldo do devedor, o que confirma ter mantido altamente abasteados. A 5ª Câmara daquela decisão decidiu sobre abuso praticado pela acionista, conhecendo, decretou a desconsideração e reconheceu da vigência do Código Civil e usou seus patrimônios pessoais, mesmo em tendo optado não se tratando de relação de consumo. 35 Em síntese, a finalidade do instituto, que é reconhecer e especificar as sócias (pessoas físicas ou jurídicas) da pessoa jurídica que praticaram o ato fraudulento e que praticaram o abuso de responsabilidade patrimonial a estes, que passaram a responder pessoalmente pelas dívidas perpetuadas pela divida formalmente detida em face da pessoa jurídica, mesmo assim permanecendo a existência de relação de pessoa jurídica para os demais aspectos, sem quem esteja assente, intervindo posteriormente para determinar, substituir a existência, e, em última análise, sem implicar a extinção da entidade. 6. O DUPLO CONTROLE DE LEGITIMIDADE ESTABELECIDO PELO ART. 50 DO NCCC Da leitura do art. 50 do Código Civil, anteriormente aludido, depredence-se que compete ao Poder Judiciário exercer controle de legitimidade acerca da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de questão relevante, pois colide com a pretensão de autoridades administrativas, no plano do direito tributário, de desconsiderar a pessoa jurídica para determinar a existência de relação de trabalho e o regime fiscal daí decorrente, sem que se verifique o necessário controle pelo Judiciário. 35 TJRJ, Ap. Cív. 1992.001.02240, 5ª CC, Rel. Des. Roberto Maron, julg. 29.9.1992. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 A desconsideração da personalidade jurídica consubstancia-se em expediente excepcional atribuído ao juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público, não podendo ser determinado por autoridade fazendária. 36 Além disso, a providência jurisdicional depende de prova do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, não bastando a existência de meros indícios. 37 Trata-se de limitação expressa ao exercício do poder de desconsideração, que se explica pela sua excepcionalidade e pela garantia de autonomia patrimonial da pessoa jurídica, expressão da tutela constitucional da livre iniciativa. Institui, assim, o art. 50 do Código Civil um duplo controle de legitimidade para o drástico remédio: em primeiro lugar, exig-se o exame do magistrado, que poderá decidir pela desconsideração, não sendo imposta tal providência; em segunda, requer-se a iniciativa da parte, ou do Ministério Público, de cujo intervento depende a desconsideração pelo juiz. Nesse sentido, para que melhor se entenda, vale a lição da Desembargadora Rosita Maria de Oliveira Netto, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Ressalta-se que o juiz monocrático tem a faculdade de deferirizar a referida desconsideração porque voltada aos interesses em conflito. Assim, o dispositivo legal que [...] mediante a existência dos pressupostos visa a uma prestação jurisdicional efetiva”. 38 36 Neste sentido, veja-se a seguinte decisão: “2. A teoria do disregard of legal entity, instituto jurídico integrado, aplicado onde, não pode ser usado em qualquer momento processual, pois a necessidade de provas e demonstração inequívoca da finalidade ou do desvio da personalidade jurídica não podem ser provas extraídas e transformadas de forma adequada sem um processo devido[...].” (RJTJSP, Ag. Instr. 9820493-7/0, 29.12.1992, Rel. Des. Italce Augusto Rosa Lopes Nunes, julg. 7.10.2003). Assim, Sergio Campinho: “Somente se ratificando a prova cabal e incontornável da fraude ou do abuso de direito, perpetrado pelo desvio e finalização da pessoa jurídica é que se admite a sua aplicação, como forma de reprimir uso indevido e abusivo da entidade jurídica. Simples indícios e presunções de atos abusivos ou fraudulentos, ou ainda a simples incapacidade econômica da pessoa jurídica, por si só, não autorizam a aplicação do instituto.” (Teoria e Defesa de abuso do novo Código Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 5ª ed., 2005, p. 273). o abuso. No ordenamento jurídico brasileiro atual, não se mostra possível tratar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como exceção e a desconsideração como regra, baseada em presunções de confusão patrimonial. Torna-se indispensável a demonstração, perante a autoridade judicial, da confusão patrimonial e do abuso da personalidade da pessoa jurídica. No que concerne à matéria atinente ao direito fiscal e previdenciário, ocorrendo hipóteses de abuso, o Judiciário deve ser chamado a se pronunciar. Por outro lado, se restar configurada a simulação ou a fraude, autoriza-se a desconsideração do ato pela autoridade administrativa, submetida, a evidência, ao posterior controle do Judiciário. GUSTAVO TEPEDINO Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ.
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RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 2. ORIGENS E APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como se sabe, originou-se no direito anglo-saxão a partir de alguns precedentes da Inglaterra e dos Estados Unidos; ganhou relevância pela formulação da disregard of legal entity ou da desconsideração, como foram de se levantar o véu da pessoa jurídica (lifting the corporate veil) para atingir o patrimonio de seus sócios nas hipóteses de confusão patrimonial, abuso da pessoa jurídica ou fraude. De acordo com essa teoria, não obstante subsistir a distinção entre a pessoa jurídica e a pessoa de seus sócios, em hipóteses excepcionais de desvio de finalidade e de confusão patrimonial, autoriza-se a desconsideração. Dois célebres precedentes históricos, nos quais se caracterizou fraude à lei, fornecem subsídios para a compreensão das origens, na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo sido julgados pela Corte inglesa - o caso Salomon v/s Salomon & Co. Ltd. - e pela Suprema Corte do Texas - Estado do Texas v/s Standard Oil Company. No primeiro deles, o comerciante Aaron Salomon e seus componentes que formavam constituíram uma companhia, e cedendo aquele seu fundo de comércio à sociedade, posto ei titular 20.000 ações representativas do capital social e recebendo 10 mil libras esterlinas, ao passo que os demais sócios recebiam apenas uma ação. Na prática, Aaron Salomon continuava manejando o seu fundo de comércio e passou a se utilizar da companhia para empreender o processo proteção patrimonial. Posteriormente, a companhia começou a atrasar seus pagamentos e, após um ano, entrou em liquidação, ocasião em que se verificou que seus bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações assumidas. O liquidante, em nome e no interesse dos credores quirografários, alegou que Salomon havia constituído a sociedade apenas como fachada com vistas à limitação de sua responsa- bilidade, devendo, por isso, ser condenado ao pagamento dos débitos da companhia. A pretensão do liquidante foi acolhida pelo magistrado de 1ª Instância e pela Corte, conduzindo-se que os seis subscritores das ações eram meros testas-de-ferro, escolhidos apenas para alcançar o mínimo de sete acionistas necessário à constituição da sociedade. A companhia RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 foi utilizada como agente de Salomon para realizar seus negócios, de modo a autorizar a desconsideração da sua personalidade jurídica. 4 Por outro lado, no segundo precedente anteriormente aludido, os acionistas da Standard Oil Company, em 1892, nos Estados Unidos, celebraram um acordo com acionistas de várias companhias petrolíferas e cederam suas ações a novo agente fiduciário (trustees) da Standard Oil Company recebendo em contrapartida certificados desse trust. Assim, os novos trustees tiveram condições de dominar completamente as companhias e fixar diretrizes e política de petróleo, monopolizando essa atividade econômica. Trata-se de segunda hipótese de fraude e desconsideração, na qual, formalmente, as sociedades possuem personalidade jurídica, podendo, de fato, estarem submetidas a um controle comum. O caso foi decidido pela Suprema Corte do Texas no sentido de preservar a autonomia das sociedades, consideradas autônomas e pessoas jurídicas e suas personalidades distintas. Entretanto, concluiu-se que o trust agreement tratou-se de uma forma de abuso pela atividade (fraude à lei), pois que exercido num free trust agreement, vedado por lei. Todos esses precedentes de fraude, já lendariamente conhecidos nos Estados Unidos, no estado - e no caso inglês citado como Lehigh Valley Railroad, datado de 1910, no qual uma sociedade anônima (Semet Solvay Co.) era proprietária de um aterro ferroviário, transportava carvão e de seus proprietários e arrendadores decidiram apresentar o mesmo com a intenção depois de transformá-lo em combustões e no transporte carvão e derivados para outra sociedade. Por isso, reconheceu-se fraude, pois, embora a relação subjetiva do seu criador, verificado-se hipóteses ainda de fraude ao propósito, do regulamento. Mais uma vez, a constatação mostrou que, embora a desconsideração seja formalmente tratada como ficção jurídica resultou justificada da Companhia, constitui desconsideração positiva. Assim, a figura do alter ego, isto é, da relação de proximidade intolerável entre a sociedade controladora e controlada. Em resumo, todos esses precedentes do direito anglo-saxão relacionam-se a casos de fraude, e influenciaram de maneira decisiva a construção e desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na experiência comparada. 4 Para maiores detalhes sobre o caso, v. Rubens Requião, Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, in Revista dos Tribunais, n. 803, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2002, p. 757 e ss. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 3. DOUTRINA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO BRASIL Introduzida no Direito brasileiro, o tema da desconsideração da personalidade jurídica suscitou acalorado debate doutrinário, delineando-se duas correntes de pensamento acerca da aplicação do instituto: a subjetiva e a objetiva. A teoria subjetiva, sustentada por Rubens Requião, exige como requisito para a descon- sideração da personalidade jurídica a demonstração de fraude em tendo sido desconsideração o contensivo da lei, embora sob a aparência de seu cumprimento ou do próprio obje- seja, utilização da pessoa jurídica para fins pessoais, verificando-se confusão entre a pessoa dos sócios e a pessoa jurídica, em autêntico desvio de finalidade da sociedade. Em outras palavras, de acordo com esta parte da doutrina, para que se desconsiderável a personalidade jurídica, exige-se a demonstração de fatos atribuíveis ao sócio, quando este se fluirem legitimamente interesse do credor mediante a manipulação de fraudes baseada jurídica. De outra parte, a teoria objetiva, enunciada por Fabio Konder Comparato, e vertida ao atual art. 50 do Código Civil, traduz a noção de que em verdade serve à regra de desconsideração da participação direta ou não do suposto agente infracional, seja ele sócio ou membro, não se exigindo a fraude ou abuso de direito — ou mesmo a confusão patrimonial. Os e Estes últimos não abarcariam inúmeras situações em que eventualmente ocorreria o deter- monial ocorre em benefício do controlador do negócio sem prevalecer à comprovação da fraude. 7 De acordo com essa construção, a desconsideração da personalidade jurídica opera-se como consequência de desvio de função ou abuso do controlo empresarial sobre o 5 Nas palavras de Rubens Requião, "[O que se pretende com a doutrina do 'disregard' não é anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)" (Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, cit. p. 750). 6 Além a proposição, Rubens Requião: "No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito do credor, mas surge de inadequação do uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem” (Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, cit., p. 750). 7 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 2005, p. 356. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 fraude ou abuso de direito, mas que nem sempre constitui ato ilícito. Note-se que, de acordo com esta corrente doutrinária, a disfunção ocorrerá sempre que o "comportamento do sócio ou a relação estabelecida torna inútil ou ineficaz a organização societária". A função, portanto, consubstancia-se na criação de um centro de interesses autônomo, o qual, uma vez ausente, justifica a desconsideração. Além disso, a desconsideração da personalidade jurídica ocorreria sempre em função de um controle societário.(11) Assim, a confusão patrimonial entre controlador e controlado consiste em critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica. Tal como denomina-se, no direito americano, commingling of funds que poderia ser traduzido como 'promiscuidade de fundos', o qual ocorre, por exemplo, no caso do sócio que utiliza a conta da pessoa jurídica para efetuar pagamentos pessoais e vice-versa, circunstância que denota não existir uma separação entre as atividades da pessoa jurídica e da pessoa física.(12) Esta teoria não prevalece na jurisprudência e na doutrina brasileiras, as quais adotaram a segunda concepção, de critério mais aberto, consistente na "estabelecida aparência de indevida consideração, a fim de que ela, que surgira para aperfeiçoar o sistema jurídico, não venha a transformar-se prejudicial a ele". (13) 13 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit, p. 366. 11 Fabio Konder Comparato e Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit, p. 397. 12 Ainda de acordo com tal raciocínio, nos próprios negócios comerciais, as holdings facilitariam a desconsideração mediante astucismos forjados em usos e costumes, às vezes certificados pelo próprio controlador do organismo intermediário para o fim de desviar a ordenação societária. (Calixto Salomão, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 357). 13 "A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controladora é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica diante dos "corpos". E compreende-se, facilmente, que sem isso, pois, em matéria empresarial, a pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se é controladora, que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o (ou não), não se vê bem por que os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra ausente ou alterar", (O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 450). 14 Vivian Aline e Thereza Alvim, Comentários ao Código Civil Brasileiro, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 443-445, grifou-se no mesmo sentido: "Mas embora tenha sido bastante feliz suas críticas, é fato e que a concepção objetiva não logrou alcançar uma formulação satisfatória para a teoria da desconsideração. (...) Do balanço que se possa fazer sobre a contribuição dessa extraordinária jurista. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 Por outro lado, não raro ambas as teorias — objetiva e subjetiva — têm sido adotadas conjuntamente. Sustenta-se, em doutrina, a atribuição de um "adequado elastério ao instituto, porquanto se contemplem não apenas a hipótese de abuso (teoria subjetiva) mas também a de confusão patrimonial (teoria objetiva)".(13) 4. A POSITIVAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO A positivação da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento brasileiro se verificou, inicialmente, no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28. Em seguida, o instituto foi incorporado pelo art. 18 da Lei 8.884/1994, a chamada lei antitruste, o qual dispõe: "Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direitos, excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social. A desconsideração também será efetuada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." A excessiva amplitude do dispositivo acaba por ir além da conceituação dos requisitos de sua incidência, atuindo-se até o ilícito — ilha do exercício de poder, e infração de lei e violação dos estatutos ou contrato social — e a má administração. Essas hipóteses, contudo, não se relacionam com a desconsideração da personalidade jurídica. nacional, resulta claro que, embora plenamente coberta de razão quanto às críticas endereçadas à concepção subjetiva, não logrou resolver, satisfatoriamente, os entraves que ela mesma gerou. No entanto, apesar de incomendável, por isso, a adoção do entendimento subjetivo da desconsideração, não se pode ignorar a grande contribuição de Fábio Konder Comparato, que é, justamente, a crítica feita' (Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da Personalidade Jurídica, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 47). 13 João Batista Lopes, Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, in Revista dos Tribunais n. 818, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43. 14 Em comentário ao dispositivo, afirma Ildeo Bosco Leopoldo da Fonseca que 'a expressão "infração da ordem econômica" tem uma abrangência muito grande, para compreender todas aquelas situações. RTDC - VOL. 35 - ABR/JUN 2007 Com efeito, o ato ilícito, em sentido lato, como violação a dever legal de conduta, atrai a incidência das sanções previstas em lei — a exemplo da lei alimentar, criminal, ou civil. Deste modo, a hipótese de ilícito normalmente é punida com ineficácia de atos ou com o tipo penal aplicável à espécie. Assim, se o ordenamento jurídico já reserva ao ato remédio específico — sua ineficácia ou a sanção penal —, torna-se irrelevante a invocação da desconsideração da personalidade jurídica. Nesta direção observa-se em doutrina: "A teoria da desconsideração tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. (...) É quando alguém, na qualidade de sócio, controlador ou representante legal de pessoa jurídica, provoca danos a terceiros em razão de comportamento ilícito, e é responsável pela indenização correspondente. (...) Não há, portanto, desconsideração da pessoa jurídica na infração de abuso de direitos, excesso de poder, infração de lei, violação dos estatutos ou do contrato social, salvo quando na atividade do ato ilícito."(15) Por outro lado, no que tange à má administração, os administradores não podem ser responsabilizados por prejuízos causados à companhia pelos atos de sua gestão que não configurem ilícito. Via de regra, portanto, a desconsideração só realmente atende apenas pelas ações praticadas com culpa ou dol em violação da lei ou dos estatutos, como assentada na doutrina contemporânea. Não se concebe desconsiderar a personalidade jurídica dos sócios pela ação que representam: "Os administradores respondem, porém: a) Para com a sociedade por todos os atos ou omissão em prejuízo ou dano da mesma sociedade. (...) b)Para com a sociedade e terceiros pelos atos que praticarem com excesso de poderes. (...) O excesso de poderes a que se refere a lei não passa em última análise de uma infração da lei ou dos estatutos."(16) 15 Fabio Ulhoa Coelho, Direito antitruste brasileiro: comentário à Lei 8.884/94, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 41. 16 José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 Dai afirmar-se, com razão, que “a responsabilidade do administrador decorre de ato ílicito, quer de origem legal ou convencional”.17 E isto porque, aos administradores reserva-se uma margem de escolha nas decisões a tomar, sendo indispensável à gestão societária a liberdade para acertar e errar, sem que de uma infeliz decisão resulte necessariamente sanção. (...) os standards previstos na norma apontam para o princípio da boa-fé no desempenho das funções de administrador. Consequentemente, este não é responsável pelos erros de julgamento em que, de boa-fé, tenha incorrido o interesse em que, de boa-fé, tenha incorrido em interesse da companhia, desde que fique demonstrado ter agido com o devido cuidado e diligência.18 Afinal, tertius non datur: ou bem o ato do administrador circunscreve-se no âmbito de escolhas socialmente admissíveis, ou pratica ilícito, deflagrando-se sanções contra sua atuação pessoal. Assim, apenas se cogita da desconsideração da personalidade jurídica quando a prática do ato for formalmente lícita, associada a ato abusivo ou a fraude, já que a licitude quanto à má administração acarretaria consequências específicas e próprias do direito. Ainda no âmbito da evolução normativa; a legislação atinente ao tema da matéria, especificamente a Lei 9.605/1998, que, em seu art. 4°, dispõe: "Art. 4° Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente". Bastos, 1937, pp. 76-78. Ressalve-se, contudo, que, para parte da doutrina, o administrador será responsabilizado independentemente da prática de um ilícito, bastando que sua atuação cause a insolvência da sociedade.Neste direção, destaca-se Ada Pellegrini Grinover et alii, Código anotado de Defesa do Consumidor: comentado pelas autores do Anteprojeto, São de Janeiro: Forense, 2001, p. 212: “O texto introduz uma novidade, pois é a primeira vez que o Direito legislado acolhe a teoria da desconsideração sem levar em conta a configuração da fraude ou do abuso de direito. De fato, o dispositivo pode ser aplicado pelo juiz e fornecerdor (em razão de má administração, pura e simplesmente) encerrar suas atividades como pessoa jurídica”. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 O dispositivo, de conteúdo genérico, admite a desconsideração da pessoa jurídica independentemente da verificação de requisitos que autorizem tal medida, adotando, desta forma, o que virá a ser designado como teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com essa teoria, o magistrado se encontra livre para proceder à desconsideração da pessoa jurídica, bastando, para tanto, que se prove a inexistência de bens sociais suficientes para satisfazer a dívida e a solvência de qualquer um dos sócios.19 Essa lei, levada às últimas consequências, faria tábua rasa da autonomia patrimonial no ordenamento jurídico brasileiro, pois estabeleceria a desconsideração sempre que houvesse dificuldade para o ressarcimento de danos causados ao meio ambiente. Na mesma linha normativa, aliás, situa-se o Código de Defesa do Consumidor que, como acima aludido, foi o primeiro diploma legal a disciplinar a matéria, em seu art. 28, assim redigido: "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também poderá ser efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração: 1 - As sociedades integrantes de grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. 2 - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. 3° As sociedades coligadas só responderão por culpa."19 19 "Trata-se de teoria menor, que se contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a estes a obrigação da pessoa jurídica. (...) o seu pressuposto é simplesmente o desatendimento do crédito titularizado perante a sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta. De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possuir patrimônio, mas o sócio o solvente, isto basta para responsabilizá-lo por obrigações a qualquer." (Osmar Vieira da Silva, Desconsideração de Personalidade Jurídica: aspectos processuais, Rio de Janeiro: Renovar, Série Biblioteca de Teses, 2000, pp. 120-129.) v.g. ainda, sobre a determinação da desconsideração da personalidade jurídica, Rachel Sztajn, Desconsideração de Personalidade Jurídica, in Revista de Direito do Consumidor, n. 2, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1990, p. 74; Márcio Souza Guimarães, Aspectos modernos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, in Revista da EMERJ, n. 25, Rio de Janeiro: EMERJ, 2004, pp. 232-233. RTDC • VOL. 36 • ABRJUN 2007 § 5º também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” O dispositivo suscitou acirrada divergência interpretativa. Isso porque determina, em seu caput, que a desconsideração da personalidade jurídica somente ocorrerá se preenchidos determinados pressupostos. E, mais adiante, no § 5º, autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade sempre que esta for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Anota, portanto, o § 5º, assim como a legislação ambiental, a chamada teoria menor. Sobre a matéria, colhem-se da jurisprudência as seguintes decisões: “Aliás, registre-se, no tocante aos consumidores, a jurisprudência vem entendendo que o Código de Defesa do Consumidor (art. 28, caput), é em si própria a adoção da teoria menor da despersonalização, que não incide com o mero prova da insolvência da pessoa jurídica para pagar as suas obrigações, ou encerramento irregular das suas atividades por má administração, isto, mesmo que não tenha havido decisão de composição ou confusão patrimonial.20 (...) no § 5º do mesmo artigo, conhecido por teoria menor, a desconsideração ou despersonalização também pode ser decretada quando a personalidade jurídica tem sido mantida, for de alguma forma obstáculo ao ressarcimento por prejuízos causados aos consumidores e que também está a depender de decisão administrativa e de uma paisagem decisão.” À teoria menor da desconsideração contrapõe-se a denominada teoria maior, de acordo com a qual somente nas hipóteses excepcionais de fraude, abuso ou confusão patrimonial se admite a desconsideração da personalidade jurídica, e sempre que não se trate de situação da mera insolvência ou falência da sociedade.22 De acordo com tal entendimento, confira-se a seguinte decisão: 20 TJAMG, Ag, trasi: 479.144-2, 6º CC, Rel. Des: Didimo Inocencio de Paula, julg. 3.2.2005. 21 TJAMG, Ap. Cív. 456.917-2, 15º CC, Rel. Des. José Afonso da Costa Côrtes, julg. 30.6.2005. 22 “A teoria maior se fundamenta em maior aporte e precisão do Instituto da Desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos identificadores da fraude — a utilização da couraça protetora para camuflar atos elevados de fraude pelo sócio com a utilização da sociedade.” Com efeito, a insuficiência patrimonial, a falência, insolvência, ou inadministração não se apresentam como a seguinte decisão. (...) a desconsideração da pessoa jurídica só é reconhecível diante de situações excepcionais (confusão de patrimônio, fraude e má-fé). Somente com a prova da excepcionalidade admite-se a desconsideração e a penhora de bens. (...) Considerando que a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, anteriormente exposta, rege o geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada como a mera demonstração de que esta pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações ou exibe extinta de forma irregular, tenho este laboração em equívoco do autor.23 À luz do art. 28, caput e § 5º, do CDC, parte da doutrina defende que o § 5º independe dos outros parágrafos do caput, e amplia significativamente a defesa do consumidor.24 Entretanto, tal posicionamento não parece ter raiz com colisão com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com graves reflexos para a segurança jurídica, uma vez que, sempre que houver dúvida do ressarcimento de prejuízo, a desconsideração se torna automática, indistintamente. Proceder de modo a proteção patrimonial quando se tratar de sociedades inseridas no mercado consumidor.25 _____ cassos para a desconsideração (...)" (Márcio Souza Guimarães, Aspectos Modernos da Teoria de Desconsideração da Personalidade Jurídica, cit., pp. 232-233, original do autor). Confiram-se, também, Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153. 10 9 TJSP, Apelação Cível n. 405607-9187-2002. 2ª C.C, Rel. Des. Brandão Monteiro, julg. 30.8.2005, grifo nosso. caput, explora, em análogo a todas as hipóteses delineadas no caput dos arts. multiplica as hipóteses delineadas no caput, distinguindo apenas o ônus em CDA e adoucidera as normas ali contemporaneamente silenciadas. Sem embargo, territorialmente são dessaques (...) Trans- cunvendo o texto do § 5º do art. 28, verdadeiro resumo da ratio que inspira a adoção da doutrina do disregard no CDC" (Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 639-640). Em interpretação ao art. 28, do CDC, escreve Fábio Ulhoa Coelho que “uma primeira e rápida leitura ao § 5º do art. 28 pode sugerir que a simples existência de um prejuízo patrimonial pelo consumidor seja suficiente para autorizar a desconsideração da pessoa jurídica. Esta interpretação é meramente liberal, e, nesta linha, não pode prevalecer, e isto por três razões. Em primeiro lugar, porque contraria os fundamentos teóricos da desconsideração. Como mencionado, esta representa um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, que, assim, só pode ter a sua autonomia patrimonial despedaçada para a oblição de fraudes ou abuso de direito. A simples instauração do credor não autoriza, por si só, a RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 Para debelar tais riscos, deve-se conferir interpretação sistemática ao dispositivo, associando o caput ao § 5º, de modo que o § 5º somente se irá aplicar caso ocorra uma das hipóteses contidas no caput do art. 28. A matéria foi objeto de ampla discussão no Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no caso do Shopping de Osasco, e, ainda hoje, não há posicionamento consolidado sobre o assunto. Como se sabe, após o acidente ocorrido em 11.6.1996, no Osasco Plaza Shopping, o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública em face da sociedade e de seus administradores, objetivando garantir o ressarcimento de danos. Solicitava, desta forma, que se efetuasse a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, visando a estender os efeitos da condenação àqueles que a administravam e aos sócios, o que foi negado pelo Tribunal Paulista. Discute-se, portanto, em sede de Recurso Especial, dentre outras questões, a licitude da aplicação da teoria da desconsideração.26 Posicionou-se o Relator no sentido de não ser possível desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, à impossibilidade, conforme entendimento pacificado da extensão da obrigação aos administradores, tendo em vista a ausência dos requisitos imprescindíveis elencados no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. “Com efeito, sem a presença de uma dessas circunstâncias, o suporte fático do artigo 28, caput, não se completa, e, portanto, não indica a possibilidade de aplicação isolada, não importando que o § 5º aparente opor a desconsideração da pessoa jurídica possa ser mero efeito da necessidade de ressarcir os pré-juízos causados ao consumidor. Na técnica de interpretação, o parágrafo não tem aplicação autônoma, subordinando-se aos limites do caput.26 Tal posicionamento foi reiterado no voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: desconsideração. Em segundo lugar, porque tal ensejo tomaria letras morta o caput do art. 28, que circunscreve algumas hipóteses autorizadoras do superamento da personalidade jurídica. Em terceiro lugar, porque esta interpretação equivaleria à revogação do art. 20 do Código Civil em matéria de defesa do consumidor” (Comentário ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 146). 26 STJ, 3ª Turma, REsp 279.273, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. Para Acórdão Min. Nancy Andrighi, julg. 4.12.2003. Voto vencido do Min. Ari Pargendler. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 “O que se deve considerar no trato doutrinário da desconsideração da personalidade jurídica é a sua utilização apenas para evitar o abuso e o fraude, todas as vezes que a personalidade jurídica da sociedade comercial, na forma do art. 20 do Código Civil, for utilizada como instrumento para prestigiar aquele que manipula a pessoa jurídica com o objetivo de fugir do adimplemento de uma dada obrigação. (...) A meu sentir, no plano doutrinário, a desconsideração da personalidade jurídica cabe quando houver a configuração de abuso ou de manipulação fraudulenta do princípio da separação patrimonial da sociedade como meio de impedir, fraudulentamente, o resgate de obrigação assumida nos termos da lei”. No entanto, entendeu a Turma julgadora, por maioria, pela desconsideração da personalidade da sociedade para que fossem ressarcidos os danos provocados aos consumidores em função da conduta omissiva por parte da estrutura, sem que houvesse ocorrido abuso da personalidade, conforme pode ser apreendido do voto-vencedor da Ministra Nancy Andrighi, quando assim entendeu: “Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco - SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. assistemático dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstrução ao exercício do direito do consumidor. Responsabilidade objetiva. Não se trata de erro material. Pela lei brasileira, na hipótese de um perigo habitual da insegurança de mercado, dispersam-se os cidadãos, e o desejo de assegurar o respeito ao cumprimento de suas obrigações. Apesar das diferenças jurisprudenciais, com obrigação de demonstrar (inclusive criador do alegado erro de materialidade que sustenta) a tese final de argumento e a decisão firmada no julgamento da Turma ao propor a desconsideração da personalidade jurídica para a proteção homogênea de interesses individuais homogêneos relacionados a uma ressurreição necessária do valor atribuído pelo credor à continuidade e ao desenvolvimento de suas atividades. Recurso especial a que se entende provido demonstrando a conveniência socioeconômica da desconsideração. Admitem-se as duas correntes da teoria maior e da desconsideração.26 STJ, 3ª Turma, REsp 223.082, 18.3.2003". RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exceção autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas à mera prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos 27 Sem que se tenha pacificado a discussão no âmbito das relações de consumo, o Código Civil de 2002 autorizou a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 50, nos seguintes termos: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que certos e determinados efeitos de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Consoante a redação que lhe conferiu o legislador codificado, o dispositivo adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, admitindo o mecanismo nas hipóteses nele enumeradas. Além disso, determina que a instauração seja por provocação e, até mesmo, de legitimidade (ou seja, da parte que requereu a desconsideração ou do Ministério Público). Dito por outras palavras, apenas se afugura possível, de acordo com o Código Civil Brasileiro, desconsiderar a pessoa jurídica, atingindo o patrimônio pessoal daqueles que praticou o ato fraudulento, por meio do controle judicial, sendo, igualmente, imperativo que haja demonstração de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial 28 27 STJ, 3ª Turma, Resp 279.273, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. para Acórdão Min. Nancy Andrighi, jul., 4.12.2003. 28 Seja consignado remeter a Gustavo Tepedino et ali, Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, vol. I, cit., p. 131: “A recusa da extensão de aplicabilidade da disregard doctrine, a jurisprudência pátria vem se posicionando no sentido de que existem pressupostos específicos, relacionados à fraude ou ao abuso de direitos de terceiros, que devem ser observados”. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 5. APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO NOS TRIBUNAIS Como explicitado anteriormente, após a promulgação de diversos dispositivos atinentes à teoria da desconsideração, discute-se no Brasil a adoção das teorias designadas como maior e menor. A classificação distingue-se da mencionada anteriormente (que contrapõe a teoria subjetiva à teoria objetiva). As formulações objetiva e subjetiva consistem em desdobramentos da teoria maior, uma vez que ambas procuram estabelecer pressupostos para a desconsideração. A teoria menor, por sua vez, incorporada pelo §5º do Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Ambiental, admite a desconsideração sempre que necessário ao integral ressarcimento de danos, mas não fixa requisitos para a sua aplicação. De fato, os adeptos da doutrina menor admitem a teoria menor da desconsideração, permitindo a aplicação da teoria, à vista da simples inexistência de débito contraído pelo sócio. Entretanto, caberá por fazer prevalecer a regra do inadimplemento da empresa fornecedora de serviço ou que fornece produtos no mercado que tem autonomia patrimonial, inibindo, evidentemente, os investidores enquanto não esteja patente e claramente evidenciado o âmbito por estabelecer o conteúdo de insegurança. Aliás, a exigência de requisitos para que se desconsidere a personalidade jurídica mais se vê: é indispensável também em matéria de direito de família, em que o Judiciário promove o que se vem chamando de desconsideração em sentido inverso, isto é, a execução de decisão jurídica para a satisfação de dívidas pessoais de sócio que, fraudulentamente, utilizara o manto da autonomia de suas empresas para evadir-se do pagamento de pensão alimentícia. Além disso, doutrina e jurisprudência continuam a corroborar a aplicação no âmbito do direito nacional, voltados a firmar que a medida deve ser restritivamente aplicada à hipótese em que demonstrado o abuso de forma jurídica, adotando uma interpretação do direito norte-americano, rejeitando procedimentos semelhantes aos direitos aos danos ou perdas pessoais, ainda que os tribunais dos estados brasileiros como do Rio Grande do Sul, por exemplo, tenham se validado de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade a que pertencia um dos cônjuges por restar "claro que este patrimônio terminou se confundindo com o próprio patrimônio do casal, que dele usufruía” 29 De mais a mais, há decisões no sentido de desconsiderar a pessoa jurídica, ou determinados negócios por ela praticados, em virtude de atos simulados e fraudulentos levados a 29 TJRS, Ag. Inst. 70009697533, 7ª CC, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julg. 14.5.2003. Há no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decisão no mesmo sentido: TJRJ, AG. Inst. 24.525/2005, 16ª CC, Rel. Des. Ronald Valladares, julg. 19.9.2006. RTDC - VOL. 30 - ABR/JUN 2007 cabo com o fito de disfarçar ganhos dentro da sociedade, com o objetivo final de evitar ou diminuir os encargos de pensão alimentícia: “Alimentos. Ação revisional. Aptidão da pessoa física, titular da pessoa jurídica, para pensionar. A teoria da personalidade (art. 20 do Código Civil). Desconsideração. A transferência de quotas sociais, do sócio quase absoluto de empresa, para o nome de sua sogra, em evidente fraude à lei de alimentos, é ineficaz em face do credor. Sentença confirmada” 30 Mesmo nesses casos, salienta a doutrina especializada a necessidade de provar-se a ocorrência de um dos requisitos para que se proceda a desconsideração: “Ao decidir conforme a simplicidade que admite a desconsideração, verificada a fraude ou constatado o abuso, tudo se ignorará se, sem alterar ou anular o ato ou o negócio comercial, e assim responsabilizar o cônjuge sócio pelos prejuízos que buscou seguir ao seu consorte”. 31 Os tribunais brasileiros têm contribuído para a ampliação do debate que envolve essas teorias, como se extrai da sempre lembrada decisão do Desembargador Aracy Augusta Bittencourt, de São Paulo, proferida em 1955, que, aplicando a teoria menor à execução: “Há, no caso, completa confusão do patrimônio de pessoa física do executado com o da embaragante, e que resultou evidente prejuízo para os credores, impedindo a excussão de bens de ambos, entrelaçados e mantidos no aparente resguardo da separação apenas justificativa de haveres. Hoje em dia, à atinud de companhia ter ao seu serviço ações coletivas. Há pessoas físicas que têm todo o seu patrimônio envolvido em diversas firmas. Individualmente nada possuem. Em obrigações assumidas em nome pessoal, estariam os credores em inferioridade patente se lhes colassem da garantia das obrigações assumidas, quer os bens quer as atividades do devedor associado a firmas. Como ficção útil da lei a personalidade jurídica coletiva não pode isolar-se de persona- 30 TJRS, Ap. Civ. 590092128, 8ª CC, Rel. Des. Clarindo Favretto, julg. 4.4.1991. 31 Rolf Madalena, A ‘disregard’ no Direito de Família, In Revista Ajuris, Porto Alegre: Ajuris, 1993, p. 64. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 jurídica que a compõe, sob pena de fugir-se à realidade, momento na época que atravessamos, em que raras são as empresas comerciais e industriais em nome individual. A assertiva de que ‘a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entivar a própria ação do Estado, na realização de perfis e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustar-los ao direito’. 32 O tribunal paulista, à época, autorizou a desconsideração diante da demonstração do abuso de personalidade. Assim como este acórdão, verifica-se, mesmo antes do Código Civil de 2002 e em casos que não versavam sobre relação de consumo, especialmente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decisões que, cuidadosa mente… Deixando tratar-se de abuso de fraude, o Judiciário exerce o controle da desconsideração. Da mesma forma, a interessante decisão preferida pela 15ª Câmara Cível, sendo Relator o Desembargador José Fimenal Marques: “A doutrina de superação ou desconsideração da personalidade jurídica, antes de mais nada, tem de ser reputada aceitável para ser aplicada indistintamente a todos os casos de abuso do patrimônio da pessoa jurídica por inferior ao seu devido, vinculando a cape está destinada a determinadas ções”. 33 Essa ponderada decisão e o remédio da desconsideração da personalidade jurídica mostram-se essencialmente a preservação do livre desenvolvimento da atividade econômico-privada tutelada pelo Estado, resulta-se também que, acerta-se, seguindo a decisão ser também qualificável a ineficácia dos contratos e sociedades de direito, fraude contra credores, desvio de condição reconhecida requisitos como se antecede… Hipótese interessante de desconsideração da personalidade jurídica foi julgada pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Tratava-se de um investidor que, em 1982, confiara à determinada corretora seus investimentos. Após investir praticamente todas as suas economias, subitamente, à sua revelia, seu saldo credor foi convertido 32 TJSP, Ap. Cív. 9,247, Rel. Des. Edgar de Moura Bittencourt, julg. 11.4.1955, in RT 248/394. 33 TJRJ, Ap. Civ. 2002.00120438, 15ª CC, Rel. Des. José Fimenel Marques, julg. 7.5.2003. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 em saldo devedor. O Banco Central decretou a liquidação extrajudicial da corretora com base em má administração. Na liquidação extrajudicial o investidor descobriu que as ações de sua carteira foram apreendidas sem que fosse sequer notificado para o pagamento do suposto saldo negativo. Diante disso, o espólio do investidor, o qual, então, já havia falecido, entrou em ação de prestação de contas em face da corretora. A ação foi acolhida, e a questão submetida ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o direito do acabo da demandada.Quando, finalmente, o espólio ajuizou a ação de execução, a corretora não possuía recurso algum, atendendo em sua conta corrente saldo do devedor, o que confirma ter mantido altamente abasteados. A 5ª Câmara daquela decisão decidiu sobre abuso praticado pela acionista, conhecendo, decretou a desconsideração e reconheceu da vigência do Código Civil e usou seus patrimônios pessoais, mesmo em tendo optado não se tratando de relação de consumo. 35 Em síntese, a finalidade do instituto, que é reconhecer e especificar as sócias (pessoas físicas ou jurídicas) da pessoa jurídica que praticaram o ato fraudulento e que praticaram o abuso de responsabilidade patrimonial a estes, que passaram a responder pessoalmente pelas dívidas perpetuadas pela divida formalmente detida em face da pessoa jurídica, mesmo assim permanecendo a existência de relação de pessoa jurídica para os demais aspectos, sem quem esteja assente, intervindo posteriormente para determinar, substituir a existência, e, em última análise, sem implicar a extinção da entidade. 6. O DUPLO CONTROLE DE LEGITIMIDADE ESTABELECIDO PELO ART. 50 DO NCCC Da leitura do art. 50 do Código Civil, anteriormente aludido, depredence-se que compete ao Poder Judiciário exercer controle de legitimidade acerca da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de questão relevante, pois colide com a pretensão de autoridades administrativas, no plano do direito tributário, de desconsiderar a pessoa jurídica para determinar a existência de relação de trabalho e o regime fiscal daí decorrente, sem que se verifique o necessário controle pelo Judiciário. 35 TJRJ, Ap. Cív. 1992.001.02240, 5ª CC, Rel. Des. Roberto Maron, julg. 29.9.1992. RTDC • VOL. 19 • ABR/JUN 2007 A desconsideração da personalidade jurídica consubstancia-se em expediente excepcional atribuído ao juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público, não podendo ser determinado por autoridade fazendária. 36 Além disso, a providência jurisdicional depende de prova do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, não bastando a existência de meros indícios. 37 Trata-se de limitação expressa ao exercício do poder de desconsideração, que se explica pela sua excepcionalidade e pela garantia de autonomia patrimonial da pessoa jurídica, expressão da tutela constitucional da livre iniciativa. Institui, assim, o art. 50 do Código Civil um duplo controle de legitimidade para o drástico remédio: em primeiro lugar, exig-se o exame do magistrado, que poderá decidir pela desconsideração, não sendo imposta tal providência; em segunda, requer-se a iniciativa da parte, ou do Ministério Público, de cujo intervento depende a desconsideração pelo juiz. Nesse sentido, para que melhor se entenda, vale a lição da Desembargadora Rosita Maria de Oliveira Netto, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Ressalta-se que o juiz monocrático tem a faculdade de deferirizar a referida desconsideração porque voltada aos interesses em conflito. Assim, o dispositivo legal que [...] mediante a existência dos pressupostos visa a uma prestação jurisdicional efetiva”. 38 36 Neste sentido, veja-se a seguinte decisão: “2. A teoria do disregard of legal entity, instituto jurídico integrado, aplicado onde, não pode ser usado em qualquer momento processual, pois a necessidade de provas e demonstração inequívoca da finalidade ou do desvio da personalidade jurídica não podem ser provas extraídas e transformadas de forma adequada sem um processo devido[...].” (RJTJSP, Ag. Instr. 9820493-7/0, 29.12.1992, Rel. Des. Italce Augusto Rosa Lopes Nunes, julg. 7.10.2003). Assim, Sergio Campinho: “Somente se ratificando a prova cabal e incontornável da fraude ou do abuso de direito, perpetrado pelo desvio e finalização da pessoa jurídica é que se admite a sua aplicação, como forma de reprimir uso indevido e abusivo da entidade jurídica. Simples indícios e presunções de atos abusivos ou fraudulentos, ou ainda a simples incapacidade econômica da pessoa jurídica, por si só, não autorizam a aplicação do instituto.” (Teoria e Defesa de abuso do novo Código Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 5ª ed., 2005, p. 273). o abuso. No ordenamento jurídico brasileiro atual, não se mostra possível tratar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como exceção e a desconsideração como regra, baseada em presunções de confusão patrimonial. Torna-se indispensável a demonstração, perante a autoridade judicial, da confusão patrimonial e do abuso da personalidade da pessoa jurídica. No que concerne à matéria atinente ao direito fiscal e previdenciário, ocorrendo hipóteses de abuso, o Judiciário deve ser chamado a se pronunciar. Por outro lado, se restar configurada a simulação ou a fraude, autoriza-se a desconsideração do ato pela autoridade administrativa, submetida, a evidência, ao posterior controle do Judiciário. GUSTAVO TEPEDINO Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ.