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Direito ·
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Prova A2 Direito Processual do Trabalho - Peças Recursais e Prazos
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Processo do Trabalho
UNIFACISA
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RELAÇÕES DE TRABALHO E RELAÇÕES DE CONSUMO O FUTURO DA JUSTIÇA DO TRABALHO WORK RELATIONSHIP AND CONSUMER RELATIONSHIP THE FUTURE OF THE BRAZILIAN LABOR COURT Otavio Pinto e Silva Resumo O presente estudo examina os conceitos de relação de trabalho e relação de consumo à vista da Emenda Constitucional n 452004 e procura demonstrar que a relação jurídica cujo objeto estiver voltado à proteção do consumidor não deve ser incluída na nova competência da Justiça do Trabalho Palavraschave Relações de trabalho Relações de consumo Competência Justiça do Trabalho Proteção ao consumidor Abstract This study examines the concepts of work relationship and consumer relationship according to the Brazilian Constitutional Amendment n 452004 The scope of this study is to demonstrate that the Labor Court jurisdiction does not comprehend the judicial relationship whose scope is in consumer protection direction Keywords Work relationship Consumer relationship Labor jurisdiction Consumer protection 1 Introdução Um dos aspectos mais importantes da chamada Reforma do Judiciário implementada pela Emenda Constitucional n 45 de 2004 foi a mudança de perspectivas da atuação da Justiça do Trabalho ao atribuirlhe a competência para julgar as ações oriundas da relação de trabalho Tratase de tema que merece uma análise científica tendo em vista a repercussão que poderá trazer para o funcionamento desse ramo do Poder Judiciário brasileiro Professor Doutor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridão Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogado R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 Otavio Pinto e Silva Relações de Trabalho e Relações de Consumo o Futuro da Justiça do Trabalho 144 O processo de globalização da economia está definitivamente marcado por uma contínua alteração das relações de trabalho em virtude de inovações tecnológicas que resultam em diversas formas de reestruturação produtiva de modo que o próprio direito do trabalho está diante de um momento de redefinição foi concebido para regular uma modalidade de relação jurídica o emprego que aos poucos deixa de ser hegemônica Por essa razão a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho ANAMATRA empreendeu todos os seus esforços na aprovação da Emenda Constitucional n 45 na opinião do magistrado Grijalbo Fernandes Coutinho nada mais conveniente e racional do que cometer a um especial ramo do Judiciário a exclusividade da competência para a solução de todos os conflitos emergentes no mundo do trabalho 1 É necessário assim buscar compreender os conceitos de relação jurídica relação de trabalho relação de emprego e relação de consumo a fim de delimitar qual será esse novo espaço de atuação da Justiça do Trabalho na tutela dos direitos dos trabalhadores e na garantia da efetividade do próprio direito do trabalho 2 Relação Jurídica A nova redação do inciso I do art 114 da Constituição Federal nos traz a necessidade de refletir sobre os conceitos de relação de trabalho e de relação de consumo como espécies de relações jurídicas a fim de se aferir se ambas estão inseridas na nova competência da Justiça do Trabalho Para a compreensão do problema assim é imprescindível investigar o próprio conceito de relação jurídica concebida como uma modalidade de relação social A primeira observação a fazer é a de que nem todas as relações sociais são jurídicas embora possam às vezes reunir duas ou mais pessoas através de vínculos estáveis e objetivos Atribuise a Savigny no Século XIX o pioneirismo na identificação das relações jurídicas pela conjugação de dois aspectos 1 dado de fato a relação em 1 COUTINHO Grijalbo Fernandes O mundo que atrai a competência da Justiça do Trabalho In FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LT3 2005 p 146 si mesma elemento material 2 idéia do direito disciplinadora dessa relação elemento formal 2 Diante da teoria então formulada Ihering teria chegado a afirmar que a relação jurídica está para a ciência do direito assim como o alfabeto está para a palavra 3 Não há dúvida de que a ciência do Direito estuda uma espécie de relação social Existem fins diversos e múltiplos no contato social e na conduta humana fins morais religiosos culturais artísticos econômicos estéticos A grande questão que se apresenta então é a seguinte quais relações sociais devem ser tratadas como jurídicas Para uma primeira teoria são jurídicas apenas as relações sociais reconhecidas pelo Estado com a finalidade de protegêlas Já para uma segunda teoria o Estado não se limita a reconhecer algumas relações sociais como jurídicas mas vai mais além e instaura modelos que condicionam e orientam a constituição das relações jurídicas Exemplo dessa realidade são as relações fiscais pois somente há relação entre o contribuinte e a Receita porque as leis as instauram Goffredo Telles Júnior explica a relação jurídica como o vínculo que liga o sujeito de direito ao sujeito de obrigação em razão de um objeto de direito Sendo assim para ele a relação jurídica se define como o vínculo entre pessoas segundo a norma jurídica 4 Em clássica lição fundamental para a compreensão do tema Miguel Reale assevera que a relação jurídica pressupõe a existência de um vínculo intersubjetivo e a previsão de uma hipótese normativa corresponde a tal vínculo de tal maneira que derivem consequências obrigatórias no plano da experiência 5 Vale dizer não há relação jurídica se não houver um fato correspondente a normas de Direito em conformidade com o princípio os fatos e relações sociais só tem significado jurídico se inseridos em uma estrutura normativa 1 ANDRADE Manuel A Domingues de Teoria geral da relação jurídica Coimbra Almedina 1997 v1 p 13 2 Id loc cit 3 TELLES JÚNIOR Goffredo Iniciação na ciência do direito São Paulo Saraiva 2001 p 280 4 REALE Miguel Lições preliminares de direito São Paulo Saraiva 1983 p 212 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 Otavio Pinto e Silva Relações de Trabalho e Relações de Consumo o Futuro da Justiça do Trabalho 146 Na precisa imagem utilizada em suas aulas o professor Miguel Reale registra que as normas jurídicas são feixes luminosos sobre a experiência social nascem do fato social e ao fato social se destinam de acordo com a teoria tridimensional do Direito fatovalornorma 6 Diante de tais considerações os elementos da relação jurídica podem ser assim enumerados 1 sujeito ativo que é o titular ou beneficiário principal da relação 2 sujeito passivo assim considerado por ser o devedor da prestação principal 3 vínculo de atributividade capaz de ligar um sujeito ao outro muitas vezes de maneira recíproca ou complementar mas sempre de forma objetiva É o vínculo que confere a cada um dos sujeitos da relação o poder de exigir algo ou de exercer uma pretensão 4 objeto que é a razão de ser do vínculo constituído Pode ser uma pessoa Ex poder familiar sobre o filho uma prestação Ex decorrente de contrato uma coisa Ex a propriedade de um bem 7 Colocadas essas premissas fundamentais sobre o conceito de relação jurídica cabe então agora analisar as relações de trabalho e as relações de consumo 3 Relação de trabalho Como toda relação jurídica a de trabalho têm sujeito ativo sujeito passivo vínculo de atributividade e objeto Na doutrina trabalhista divergem as interpretações sobre quem é o sujeito ativo e quem é o sujeito passivo nas relações individuais de trabalho para alguns sujeito ativo é o trabalhador pois este é o credor do salário e outros benefícios para outros é o empregador uma vez que é o credor da prestação de serviços 8 REALE Miguel op cit p 211 9 Id Ibid p 213218 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 147 O vínculo de atributividade é o relacionamento estabelecido entre os sujeitos da relação de trabalho conferindolhes a legitimidade para a exigência de uma pretensão tal como definida na norma jurídica O principal vínculo trabalhista entre nós sempre foi o que se estabelece entre o empregado e o empregador a chamada relação de emprego desse modo a existência de subordinação foi tradicionalmente o elemento fundamental na definição do tipo de relacionamento entre os sujeitos que formam a relação jurídica A palavra subordinação exprime a ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras das quais recebem ordens ou incumbências dependência de uma s pessoa s em relação a outra s Segundo a etimologia a palavra tem origem no médio latim subordinatio onis com o significado de sujeição submissão 8 Sendo assim o objeto das relações de trabalho não é a pessoa que figura como seu sujeito mas sim o modo como o trabalho dessa pessoa é exercido No caso da relação de emprego o que se examina é o poder de direção que o tomador dos serviços exerce sobre a atividade do prestador vale dizer o empregado concorda em alienar ao empregador o direito de dirigir a prestação pessoal dos serviços De toda maneira como se trata de relação obrigacional o objeto é sempre uma prestação Arion Sayão Romita aponta a atividade que se exterioriza na relação de trabalho como o vínculo que une o trabalhador ao patrão por ser credor de trabalho o empregador tem a faculdade de intervir na atividade do empregado A relação de emprego envolve obrigação patrimonial de prestação pessoal A relação imediata é com o trabalho mas há relação mediata com a pessoa do trabalhador 9 É certo salienta o autor que a própria pessoa do trabalhador está envolvida na relação jurídica mas é a atividade do empregado que se insere na organização da empresa Sendo assim propõe um conceito objetivo de subordinação a saber integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um 8 DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Ed Objetiva 2001 p 26 9 ROMITA Arion Sayão A subordinação no contrato de trabalho Rio de Janeiro Forense 1979 p 7981 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 vínculo contratualmente estabelecido em virtude do qual o empregado aceita a determinação pelo empregador das modalidades de prestação de trabalho Várias consequências derivam do conceito assim formulado A subordinação não é um status do trabalhador pois não é ele o objeto do contrato de trabalho mas sim a sua atividade Essa atividade é que está sob o poder do empregador como direito patrimonial do credor do trabalho A subordinação não é manifestação de um vínculo de hierarquia uma vez que esta significaria uma relação de superior para inferior da qual este último não poderia unilateralmente libertarse o que não ocorre no contrato de trabalho pois o empregado tem sempre garantida a faculdade de romper o vínculo por sua vontade A subordinação não corresponde a submissão ou sujeição pessoal pois o trabalhador como pessoa não pode ser confundido com a sua atividade esta sim objeto da relação jurídica A subordinação não exige a efetiva e constante atuação da vontade do empregador na esfera jurídica do empregado mas sim a mera possibilidade jurídica dessa intervenção Registrese que a doutrina trabalhista estuda a questão da natureza jurídica do vínculo entre empregado e empregador de forma que a grosso modo podem ser identificados dois grupos de teorias 1 teorias contratualistas o contrato é o ato criador da relação de emprego e esta é o contrato em ação Em uma fase clássica procurouse identificar o contrato de trabalho com as figuras do direito civil tais como arrendamento compra e venda sociedade mandato prestação de serviços linguagem do CC de 2002 antiga locação de serviços Já na fase moderna reconhecese o contrato de trabalho como um tipo especial de contrato que não se identifica com as demais figuras do direito civil 2 teorias anticontratualistas a origem do vínculo é um fato que produz efeitos jurídicos equiparáveis aos provenientes do ajuste de vontades O fato típico assim é a prestação de serviços pessoais não eventuais subordinados e assalariados ocorre que a expressão relação de trabalho é mais ampla do que a expressão relação de emprego esta é uma espécie daquela Isso nos permite afirmar então que a mudança instituída na Constituição brasileira com a Reforma do Judiciário implica a necessidade de reconhecer novos vínculos de atributividade entre o capital e o trabalho com repercussão nos tipos de causas que a Justiça do Trabalho passa a analisar Nesse contexto assumem relevância para o Direito do Trabalho as relações jurídicas que se caracterizem pela prestação de serviços sem a presença do elemento subordinação refirome ao trabalho autônomo e ao trabalho parassubordinado A palavra autonomia significa capacidade de se autogovernar e compreende duas subacepções para os fins que aqui nos interessam 1 faculdade que possui determinada instituição de traçar as normas de sua conduta sem que sinta imposições restritivas de ordem estranha 2 direito de um indivíduo tomar decisões livremente liberdade independência moral ou intelectual Diversas teorias são apontadas para explicar o conceito de trabalho autônomo Podese falar na finalidade da prestação de serviços teoria em que o objetivo final do credor do trabalho da prestação não é o de dispor da energia de trabalho mas sim de usufruir do resultado da obra do produto pronto Esse critério busca efetuar a separação entre atividade e resultado de modo a conceituar o trabalho autônomo como aquele em que o tomador dos serviços se interessa não pelo modo de sua execução mas sim pelos fins atingidos com a distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultados segundo a qual o trabalhador autônomo seria devedor de uma prestação de resultado enquanto a obrigação do trabalhador subordinado seria de meios isto é de mero comportamento Uma segunda teoria afirma ainda ser possível classificar o trabalho autônomo levando em consideração o resultado da prestação de serviços quando o resultado é imediato isto é o trabalhador obtém algo e fica com aquilo que produz para depois revender aos interessados configurariase o trabalho autônomo mas quando no entanto o resultado é mediato ou seja o trabalhador aliena diretamente o que produz não chegando a ficar com os frutos de seu trabalho caracterizarseia o vínculo empregatício Uma terceira teoria é a do trabalho por conta própria conforme lição de Annibal Fernandes que define o trabalhador autônomo como aquele que exerce habitualmente e por conta própria atividade profissional remunerada Surge assim o elemento da independência no exercício da atividade o trabalhador autônomo trabalha por conta própria em oposição ao subordinado que trabalha por conta alheia É o que assevera Manuel Alonso García ao explicar que o trabalho por conta própria implica a livre disposição dos produtos ou resultados do esforço do trabalhador o autônomo exerce por sua conta determinada atividade profissional auferindo os rendimentos decorrentes do resultado de seu trabalho sem configurar o vínculo de dependência que é característico do empregado Para fins previdenciários a lei brasileira parece ter adotado esse posicionamento pois inclui entre os segurados obrigatórios na condição de contribuinte individual a pessoa física que exerce por conta própria atividade econômica de natureza urbana com fins lucrativos ou não Há ainda outra teoria importante ligada à idéia do trabalho por conta própria e que pode ser enunciada como a assunção do risco da atividade econômica Cabe ao trabalhador autônomo assumir todos os riscos da atividade profissional que desempenha sendo nítida a distinção em face do empregado uma vez que na relação jurídica de emprego o risco da atividade incumbe exclusivamente ao destinatário dos serviços veja se o art 2º da CLT que inclui esse elemento no conceito de empregador Para outra teoria é autônomo aquele trabalhador que exerce atividade profissional valendose do controle dos meios de produção que são de sua propriedade Já o trabalhador subordinado não tem a mesma condição pois desenvolve os serviços utilizandose dos meios de produção que pertencem ao empregador Cabe a ressalva entretanto que esse elemento não pode ser encarado como decisivo uma vez que existem situações práticas em que o trabalhador é empregado e nessa condição utiliza os seus próprios instrumentos de trabalho Diante de todas essas considerações fica claro que o critério efetivamente útil para a caracterização do trabalho autônomo deve passar pela análise do modo como a atividade é desenvolvida A distinção básica então reside justamente na presença ou não do elemento subordinação o trabalhador autônomo é aquele que conserva o poder de direção sobre a própria atividade autodisciplinandoa segundo seus critérios pessoais e conveniências particulares Já o trabalhador subordinado aliena o poder de direção sobre a própria atividade transferindoo volitivamente a terceiros em troca de um salário Nesse sentido lembra Pedro Paulo Teixeira Manus o próprio significado de autonomia que é o que tem vida própria fazendo ver a nítida diferença entre o empregado e o trabalhador autônomo uma vez que este independe de um empregador para desenvolver seu mister Eventualmente pode o trabalhador autônomo prestar serviços a alguém que seja empregador de outros prestadores de serviços mas tal circunstância não lhe retira a autonomia com que desenvolve sua atividade Assim o autônomo ajusta os serviços e o preço mas desenvolve sua atividade sem subordinação a horário livre da fiscalização do destinatário de seus serviços e eventualmente com o auxílio de terceiros se lhe convier O trabalhador autônomo prescinde da figura do empregador para sua existência como profissional Já ao empregado é imprescindível a figura do empregador sem o que deixa de existir a subordinação Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena acentua os aspectos da iniciativa e da autoorganização como fundamentais para a caracterização do trabalho autônomo Desse modo autônomo é o trabalhador que desenvolve sua atividade com organização própria iniciativa e discricionariedade podendo escolher o lugar o modo o tempo e a forma de execução Tem a liberdade de dispor de sua atividade para mais de uma pessoa segundo o princípio da oportunidade Conforme explica Giuseppe Ferraro o elemento de conexão entre as várias relações de trabalho parassubordinado pode ser genericamente descrito como um vínculo de dependência substancial e de disparidade contratual que se estabelece entre o prestador dos serviços e o sujeito que usufrui dessa prestação Esse vínculo de dependência é semelhante ao que une empregado e empregador a ponto de justificar a existência de garantias compensatórias equivalentes Para Giuseppe Tarzia o amplo setor da parassubordinação engloba relações de trabalho que embora se desenvolvam com independência e sem a direção do destinatário dos serviços se inserem na organização deste Com o reconhecimento da existência dessa classe de relações jurídicas a doutrina italiana procura deixar claro que a o trabalho parassubordinado possui algumas semelhanças com o trabalho subordinado mas com ele não se confunde b a parassubordinação vai além do conceito tradicional de trabalho autônomo aquele em que o trabalhador assume a obrigação de produzir um determinado resultado É distinta a situação em que o trabalhador assume a obrigação de atingir uma série de resultados consecutivos coordenados entre si e relacionados a interesses mais amplos do contratante interesses que não estão limitados aos que derivam de cada prestação individualmente considerada Podese afirmar assim que para o conceito de trabalho parassubordinado assume relevância a idéia de coordenação no sentido de uma peculiar modalidade de organização da prestação dos serviços Genericamente o trabalho continua a ser prestado com autonomia mas a sua organização é vinculada à atribuição de algum tipo de poder de controle e de coordenação a cargo do tomador dos serviços Mattia Persiani assevera que a idéia de coordenação é fundamental para entender esse tipo de relação jurídica a ponto de preferir o uso da expressão trabalho coordenado por ele considerada mais elegante que trabalho parassubordinado Para bem entender essa idéia de coordenação no entanto fazse necessário examinar primeiramente os outros elementos que compõem a relação jurídica uma vez que todos estão intrinsecamente conjugados O primeiro desses elementos é o da continuidade da relação de trabalho a prestação de serviços deve se destinar a atender uma necessidade do tomador que tenha um determinado prolongamento no tempo tendo em vista os interesses de ambas as partes Isso significa que não se enquadra no conceito de parassubordinação o contrato de obra de execução instantânea ainda que prolongada no tempo se a duração da prestação não estiver voltada a um programa comum em que a organização da produção é consequência da reunião dos interesses do trabalhador e do tomador dos serviços O segundo elemento caracterizador do trabalho parassubordinado é a natureza pessoal da prestação dos serviços que deve preponderar O prestador dos serviços até pode se valer da auxilio de outras pessoas mas dentro de certos limites o trabalho desses auxiliares deve ser apenas complementar o que significa que a principal carga de atividades deve ser desenvolvida pelo prestador pessoalmente contratado que atua como um pequeno empreendedor organizando em torno de si todas as atividades voltadas ao atendimento das necessidades do tomador O terceiro elemento é a colaboração diretamente vinculado aos anteriores pois pressupõe uma ligação funcional entre a atividade do prestador dos serviços e aquela do destinatário da prestação profissional a atividade do trabalhador é indispensável para que o tomador possa atingir os fins sociais ou econômicos que persegue Exatamente neste ponto é que voltamos então à noção de coordenação vista por Mattia Persiani como o principal elemento caracterizador pois no trabalho coordenado diferentemente do que ocorre no trabalho subordinado a atividade laboral é prometida pelo trabalhador tendo em vista um programa que é consensualmente definido O trabalhador não promete a sua atividade pessoal para o desenvolvimento de qualquer objetivo pretendido pelo tomador mas sim coloca os seus serviços à disposição somente daquele específico tipo de atividade que é a necessária para atingir os fins previstos no programa contratualmente elaborado Essa situação é encontrada com frequência quando no trabalho autônomo o trabalhador se obriga a realizar uma obra determinada prevista em contrato Mas o que importa ressaltar é justamente a possibilidade de a atividade de colaboração do trabalhador vir a ser prevista em um contrato de trabalho tendo em vista o objetivo de atingir uma série de resultados Ai reside justamente a importância da coordenação pois permite a diferenciação tanto da subordinação quanto da autonomia Coordenação então surge com o sentido de ordenar juntos significa que ambas as partes possuem medidas a propor para alcançar o objetivo comum No trabalho subordinado o trabalhador se sujeita ao poder de direção do empregador devendo cumprir todas as determinações deste Não há coordenação No trabalho autônomo os serviços devem ser executados em conformidade com as condições previstas em contrato O trabalhador deve realizar a obra ou o serviço a fim de entregar o resultado contratualmente prometido Também não há coordenação Vejase que tanto no caso do trabalho subordinado quanto no do trabalho autônomo o trabalhador deve cumprir certas instruções que são vinculantes em relação às necessidades do tomador dos serviços Ocorre que o poder de dar instruções é diferente do poder de coordenar a prestação dos serviços pois as instruções pressupõem a existência de níveis distintos entre quem as dá e quem as recebe Já a coordenação se enquadra em níveis que se unem e até mesmo se sobrepõem Exatamente por isso surge a necessidade de prestador e tomador de serviços ordenarem juntos todo o trabalho o que pode levar a modificações do programa contratual na medida em que este está sendo desenvolvido Como explica Mattia Persiani o exercício desse poder de coordenação pode influir sobre as modalidades de execução da atividade contratualmente prometida assim como sobre as próprias características da obra ou do serviço com o objetivo de adequálas às mutáveis exigências do seu beneficiário final o que aliás é uma consequência da continuidade do contrato No limite a coordenação pode até resultar na modificação do programa consensualmente estabelecido ou na alteração do objeto do contrato 4 Relação de consumo O Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 inseriu em nosso ordenamento a relação de consumo que pode ser enunciada como a relação jurídica que se estabelece entre fornecedores e consumidores tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo A questão que precisa ser estudada é se o fornecimento de serviços pode ou não ser compreendido como uma relação de trabalho se a resposta for positiva os conflitos decorrentes desse tipo de relação jurídica então também estarão inseridos na nova competência da Justiça do Trabalho O sujeito ativo da relação jurídica de consumo é o fornecedor nos termos do art 3 do CDC toda pessoa natural ou jurídica pública ou privada nacional ou estrangeira bem como entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção montagem criação construção transformação importação exportação distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços Em conformidade com o 2 art 3 CDC serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração inclusive as de natureza bancária financeira de crédito e securitária salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista Já o sujeito passivo é o consumidor Segundo José Geraldo Brito Filomeno o conceito de consumidor adotado pelo CDC foi exclusivamente econômico pois leva em consideração o sujeito que no mercado de consumo adquire bens ou contrata a prestação de serviços como destinatário final pressupondose que age assim para o atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial Para Newton de Lucca o conceito de consumidor é plurívoco e plurívoco analítico e tem quatro sentidos possíveis um fundamental outros três por equiparação O sentido fundamental é o que se encontra no art 2 do CDC consumidor é toda pessoa natural ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como seu destinatário final Já os sentidos de consumidor por equiparação estão enunciados em outros dispositivos a saber a no único art 2 CDC quando assevera que se equipara a consumidor a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis que haja intervindo nas relações de consumo b no art 17 do CDC quando trata da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço e equipara ao consumidor todas as vítimas do evento c no art 29 do CDC quando diz que para os fins das práticas comerciais e da proteção contratual equiparamse ao consumidor todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas nele previstas Esse alargamento do conceito de consumidor contido em nossa legislação visa estender a proteção legal aos adquirentes de bens e de serviços em potência e encontra seu fundamento na garantia de prevenção do dano O vínculo de atributividade na relação jurídica de consumo é o relacionamento que se estabelece entre os sujeitos que atuam no mercado conferindo a cada qual o poder de exigir algo ou de exercer uma pretensão Tratase assim de uma relação obrigacional que é regida pela perspectiva de proteção ao consumidor o que já a difere da relação de trabalho onde a tutela é reservada ao prestador dos serviços Por fim o objeto da relação de consumo é o produto ou o serviço a partir do conceito do CDC o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração Para a caracterização da relação de consumo assim mostrase necessário examinar a atividade do fornecedor de serviços este não executa apenas um ato isolado episódico ou ocasional mas sim uma sucessão repetida de atos atividade O fornecedor é aquele que pratica os seus atos de maneira organizada tendo por fim uma constante oferta de serviços à coletividade essa sua atividade é fornecida mediante remuneração no mercado de consumo A razão fundamental para a inserção do serviço como objeto da relação jurídica de consumo é exatamente a proteção do consumidor diante do reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado do consumo art 4 I do CDC Ora pareceme que a definição da nova competência da Justiça do Trabalho terá que levar em consideração os conceitos que são formulados pela teoria geral do Direito Vale dizer relação de trabalho e relação de consumo não podem ser identificadas como um mesmo tipo de relação jurídica tendo em vista a diferença de objeto Como aponta José Afonso Dallegave Neto a grande distinção está em saber se o contratante do trabalho contrata o prestador de serviço para viabilizar sua empresa relação de trabalho ou o contrata para usufruir exclusivamente de seu serviço na qualidade de destinatário final relação de consumo é preciso investigar se o contratado é um fornecedor de serviço ao público em geral no mercado de consumo relação de consumo ou se guarda um intenso grau de dependência econômica para com o contratante relação de trabalho Em belíssimo estudo sobre o assunto o magistrado José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva conclui que nem toda relação de trabalho poderá ser tida como da competência da Justiça especializada propõe o critério científico da continuidade ou habitualidade na prestação dos serviços para a distinção entre relação de trabalho em sentido estrito da relação de consumo Segundo esse critério as relações de trabalho merecedoras de tutela pelo Judiciário trabalhista seriam aquelas que se desenvolvesse sob diferentes formas autônomo subordinado ou parassubordinado mas tendo em vista o trato sucessivo da relação jurídica 5 Conclusão A alteração do art 114 da Constituição Federal nos leva à necessária reflexão sobre o conteúdo das relações de trabalho uma vez que a partir de agora a Justiça do Trabalho vê ampliada a sua área de atuação para além dos limites antes impostos pelo conceito de subordinação Essa alteração é positiva sem sombra de dúvida pois poderá servir à uma revisão do nosso modelo de relações de trabalho com a revalorização do trabalho autônomo e com o desenvolvimento de fórmulas contratuais inovadoras que levem em conta as diversas maneiras de o ser humano desenvolver sua atividade daí a importância do conceito de trabalho parassubordinado O tradicional trabalho subordinado em regime de emprego terá que conviver com formas alternativas de prestação de serviços uma vez que como bem observa Marcio Pochman não se pode mais identificar o funcionamento do mercado de trabalho com o critério do assalariamento urbano sustentado em grandes empresas nos dias de hoje se faz necessária a constituição de legislação apropriada para distintos segmentos ocupacionais por meio de uma nova regulação pública que universalize direitos ainda que de forma nãohomogênea mas incorporando todos os trabalhadores31 O Direito do Trabalho deve oferecer novos instrumentos que tenham a finalidade de tentar garantir a todos os cidadãos o acesso a um trabalho decente numa política de promoção dos direitos humanos fundamentais inspirada pelo art 1 de nossa Constituição que aponta a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República No entanto a Justiça do Trabalho precisa se manter como o órgão do Poder Judiciário que visa tutelar os direitos dos trabalhadores de modo que não se mostra conveniente uma interpretação assaz ampliativa de sua competência a relação jurídica cujo objeto estiver voltado à proteção do consumidor e não da pessoa que trabalha assim não deve ser incluída na nova competência POCHMAN Marcio Relações de trabalho e padrões de organização sindical no Brasil São Paulo LTr 2003 p 168 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 2 n 1 p 143162 janjun 2006 10 Em função disso a reflexão científica sobre os conceitos de relação de trabalho e relação de consumo mostrase fundamental para a definição do futuro da Justiça do Trabalho São Paulo maio de 2005 Referências ALONSO GARCÍA Manoel Curso de derecho del trabajo Madrid Bosch 1964 ANDRADE Manuel A Domingues de Teoría geral da relaçao jurídica Coimbra Almedina 1997 v 1 CASSI Vincenzo La subordinazione del lavoratore nel diritto del lavoro Milano Giuffrè 1947 COUTINHO Grijalbo Fernandes O mundo que atrai a competência da Justiça do Trabalho In COUTINHO Grijalbo Fernandes FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LTr 2005 DALLEGRAVE NETO José Affonso Primeiras Linhas sobre a nova competência da Justiça do Trabalho fixada pela reforma do Judiciário EC n 452004 In COUTINHO Grijalbo Fernandes FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LTr 2005 DE LUCCA Newton Teoria geral da relação jurídica de consumo 2001 Tese Titular Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2001 DE LUCA TAMAJO Raffaele Lipotesi di un tertium genus e il disegno di legge n 5651 sui CD lavori atipici Il Diritto del Lavoro Roma v 74 n 4 p 264286 luglago 2000 DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Ed Objetiva 2001 FERNANDES Annibal O trabalhador autônomo São Paulo Atlas 1984 FERRARO Giuseppe I contratti di lavoro Padova CEDAM 1991 FILOMENO José Geraldo Brito et al Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 FREITAS JR Antonio Rodrigues de O direito do trabalho na era do desemprego São Paulo LTr 1999 MANUS Pedro Paulo Teixeira Direito do trabalho São Paulo Atlas 2001 PERONE Giancarlo Lineamenti di diritto del lavoro Torino G Giappichelli 1999 PERSIANI Mattia Autonomia subordinazione e coordinamento nei recenti modelli di collaborazione lavorativa Il Diritto del Lavoro Roma v 72 n 45 p 203211 luglott 1998 POCHMAN Marcio Relações de trabalho e padrões de organização sindical no Brasil São Paulo LTr 2003 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 2 n 1 p 143162 janjun 2006 11 REALE Miguel Lições preliminares de direito São Paulo Saraiva 1983 ROMITA Arion Sayão A subordinação no contrato de trabalho Rio de Janeiro Forense 1979 SILVA Otavio Pinto e Subordinação Autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho São Paulo LTr 2004 SILVA José Antonio Ribeiro de Oliveira Relação de trabalho em busca de um critério científico para a definição das relações de trabalho abrangidas pela nova competência da Justiça Especializada LTr revista legislação do trabalho São Paulo ano 69 n 3 p 309323 mar 2005 TARZIA Giuseppe Manuale del processo del lavoro Milano Giuffrè 1987 TELLES JÚNIOR Goffredo Iniciação na ciência do direito São Paulo Saraiva 2001 VILHENA Paulo Emílio Ribeiro de Relação de emprego estrutura legal e supostos São Paulo LTr 1999 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 12 A PRIVACIDADE DA PESSOA HUMANA NO AMBIENTE DE TRABALHO THE EMPLOYEES PRIVACY ON WORK ENVIRONMENT Paulo Eduardo Vieira de Oliveira Resumo O contrato de trabalho não se resume ao pagamento de salário mediante contraprestação de trabalho e tem dimensão muito maior do que a patrimonial envolvendo a dignidade das partes envolvidas Assim o empregador deve respeitar o empregado como cidadão sob pena de ter que indenizálo pelo ato ilícito praticado Palavraschave Direitos humanos Direito do trabalho Indenização Abstract The labour contract doesnt involve only the payment of wages The employer has to respect the employee also as a citizen The article tries to study this point of labour contract Keywords Employees human rights Payment of damages 1 Privacidade e cidadania O caráter sucessivo do contrato de trabalho com suas diversas fases précontratual celebração execução extinção e póscontratual oferece várias oportunidades para que ocorra violação da privacidade principalmente no que concerne ao empregado Ressaltese que qualquer violação da privacidade importa em última análise em desrespeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana esta protegida por princípio constitucional constante do art 1 inciso III da nossa Carta Magna Cidadania em sentido estrito como preleciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho é um status ligado ao regime político podendose distinguir três graus a o mínimo de que há participação no processo político com possibilidade de acesso aos cargos públicos em geral mas sem elegibilidade b o médio Professor Doutor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Juiz titular da 49ª Vara do Trabalho de São Paulo R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 2 n 1 p 163186 janjun 2006
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Solicitação de Agravo de Instrumento para Trabalho Acadêmico
Processo do Trabalho
UNIFACISA
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RELAÇÕES DE TRABALHO E RELAÇÕES DE CONSUMO O FUTURO DA JUSTIÇA DO TRABALHO WORK RELATIONSHIP AND CONSUMER RELATIONSHIP THE FUTURE OF THE BRAZILIAN LABOR COURT Otavio Pinto e Silva Resumo O presente estudo examina os conceitos de relação de trabalho e relação de consumo à vista da Emenda Constitucional n 452004 e procura demonstrar que a relação jurídica cujo objeto estiver voltado à proteção do consumidor não deve ser incluída na nova competência da Justiça do Trabalho Palavraschave Relações de trabalho Relações de consumo Competência Justiça do Trabalho Proteção ao consumidor Abstract This study examines the concepts of work relationship and consumer relationship according to the Brazilian Constitutional Amendment n 452004 The scope of this study is to demonstrate that the Labor Court jurisdiction does not comprehend the judicial relationship whose scope is in consumer protection direction Keywords Work relationship Consumer relationship Labor jurisdiction Consumer protection 1 Introdução Um dos aspectos mais importantes da chamada Reforma do Judiciário implementada pela Emenda Constitucional n 45 de 2004 foi a mudança de perspectivas da atuação da Justiça do Trabalho ao atribuirlhe a competência para julgar as ações oriundas da relação de trabalho Tratase de tema que merece uma análise científica tendo em vista a repercussão que poderá trazer para o funcionamento desse ramo do Poder Judiciário brasileiro Professor Doutor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridão Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogado R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 Otavio Pinto e Silva Relações de Trabalho e Relações de Consumo o Futuro da Justiça do Trabalho 144 O processo de globalização da economia está definitivamente marcado por uma contínua alteração das relações de trabalho em virtude de inovações tecnológicas que resultam em diversas formas de reestruturação produtiva de modo que o próprio direito do trabalho está diante de um momento de redefinição foi concebido para regular uma modalidade de relação jurídica o emprego que aos poucos deixa de ser hegemônica Por essa razão a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho ANAMATRA empreendeu todos os seus esforços na aprovação da Emenda Constitucional n 45 na opinião do magistrado Grijalbo Fernandes Coutinho nada mais conveniente e racional do que cometer a um especial ramo do Judiciário a exclusividade da competência para a solução de todos os conflitos emergentes no mundo do trabalho 1 É necessário assim buscar compreender os conceitos de relação jurídica relação de trabalho relação de emprego e relação de consumo a fim de delimitar qual será esse novo espaço de atuação da Justiça do Trabalho na tutela dos direitos dos trabalhadores e na garantia da efetividade do próprio direito do trabalho 2 Relação Jurídica A nova redação do inciso I do art 114 da Constituição Federal nos traz a necessidade de refletir sobre os conceitos de relação de trabalho e de relação de consumo como espécies de relações jurídicas a fim de se aferir se ambas estão inseridas na nova competência da Justiça do Trabalho Para a compreensão do problema assim é imprescindível investigar o próprio conceito de relação jurídica concebida como uma modalidade de relação social A primeira observação a fazer é a de que nem todas as relações sociais são jurídicas embora possam às vezes reunir duas ou mais pessoas através de vínculos estáveis e objetivos Atribuise a Savigny no Século XIX o pioneirismo na identificação das relações jurídicas pela conjugação de dois aspectos 1 dado de fato a relação em 1 COUTINHO Grijalbo Fernandes O mundo que atrai a competência da Justiça do Trabalho In FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LT3 2005 p 146 si mesma elemento material 2 idéia do direito disciplinadora dessa relação elemento formal 2 Diante da teoria então formulada Ihering teria chegado a afirmar que a relação jurídica está para a ciência do direito assim como o alfabeto está para a palavra 3 Não há dúvida de que a ciência do Direito estuda uma espécie de relação social Existem fins diversos e múltiplos no contato social e na conduta humana fins morais religiosos culturais artísticos econômicos estéticos A grande questão que se apresenta então é a seguinte quais relações sociais devem ser tratadas como jurídicas Para uma primeira teoria são jurídicas apenas as relações sociais reconhecidas pelo Estado com a finalidade de protegêlas Já para uma segunda teoria o Estado não se limita a reconhecer algumas relações sociais como jurídicas mas vai mais além e instaura modelos que condicionam e orientam a constituição das relações jurídicas Exemplo dessa realidade são as relações fiscais pois somente há relação entre o contribuinte e a Receita porque as leis as instauram Goffredo Telles Júnior explica a relação jurídica como o vínculo que liga o sujeito de direito ao sujeito de obrigação em razão de um objeto de direito Sendo assim para ele a relação jurídica se define como o vínculo entre pessoas segundo a norma jurídica 4 Em clássica lição fundamental para a compreensão do tema Miguel Reale assevera que a relação jurídica pressupõe a existência de um vínculo intersubjetivo e a previsão de uma hipótese normativa corresponde a tal vínculo de tal maneira que derivem consequências obrigatórias no plano da experiência 5 Vale dizer não há relação jurídica se não houver um fato correspondente a normas de Direito em conformidade com o princípio os fatos e relações sociais só tem significado jurídico se inseridos em uma estrutura normativa 1 ANDRADE Manuel A Domingues de Teoria geral da relação jurídica Coimbra Almedina 1997 v1 p 13 2 Id loc cit 3 TELLES JÚNIOR Goffredo Iniciação na ciência do direito São Paulo Saraiva 2001 p 280 4 REALE Miguel Lições preliminares de direito São Paulo Saraiva 1983 p 212 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 Otavio Pinto e Silva Relações de Trabalho e Relações de Consumo o Futuro da Justiça do Trabalho 146 Na precisa imagem utilizada em suas aulas o professor Miguel Reale registra que as normas jurídicas são feixes luminosos sobre a experiência social nascem do fato social e ao fato social se destinam de acordo com a teoria tridimensional do Direito fatovalornorma 6 Diante de tais considerações os elementos da relação jurídica podem ser assim enumerados 1 sujeito ativo que é o titular ou beneficiário principal da relação 2 sujeito passivo assim considerado por ser o devedor da prestação principal 3 vínculo de atributividade capaz de ligar um sujeito ao outro muitas vezes de maneira recíproca ou complementar mas sempre de forma objetiva É o vínculo que confere a cada um dos sujeitos da relação o poder de exigir algo ou de exercer uma pretensão 4 objeto que é a razão de ser do vínculo constituído Pode ser uma pessoa Ex poder familiar sobre o filho uma prestação Ex decorrente de contrato uma coisa Ex a propriedade de um bem 7 Colocadas essas premissas fundamentais sobre o conceito de relação jurídica cabe então agora analisar as relações de trabalho e as relações de consumo 3 Relação de trabalho Como toda relação jurídica a de trabalho têm sujeito ativo sujeito passivo vínculo de atributividade e objeto Na doutrina trabalhista divergem as interpretações sobre quem é o sujeito ativo e quem é o sujeito passivo nas relações individuais de trabalho para alguns sujeito ativo é o trabalhador pois este é o credor do salário e outros benefícios para outros é o empregador uma vez que é o credor da prestação de serviços 8 REALE Miguel op cit p 211 9 Id Ibid p 213218 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 147 O vínculo de atributividade é o relacionamento estabelecido entre os sujeitos da relação de trabalho conferindolhes a legitimidade para a exigência de uma pretensão tal como definida na norma jurídica O principal vínculo trabalhista entre nós sempre foi o que se estabelece entre o empregado e o empregador a chamada relação de emprego desse modo a existência de subordinação foi tradicionalmente o elemento fundamental na definição do tipo de relacionamento entre os sujeitos que formam a relação jurídica A palavra subordinação exprime a ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras das quais recebem ordens ou incumbências dependência de uma s pessoa s em relação a outra s Segundo a etimologia a palavra tem origem no médio latim subordinatio onis com o significado de sujeição submissão 8 Sendo assim o objeto das relações de trabalho não é a pessoa que figura como seu sujeito mas sim o modo como o trabalho dessa pessoa é exercido No caso da relação de emprego o que se examina é o poder de direção que o tomador dos serviços exerce sobre a atividade do prestador vale dizer o empregado concorda em alienar ao empregador o direito de dirigir a prestação pessoal dos serviços De toda maneira como se trata de relação obrigacional o objeto é sempre uma prestação Arion Sayão Romita aponta a atividade que se exterioriza na relação de trabalho como o vínculo que une o trabalhador ao patrão por ser credor de trabalho o empregador tem a faculdade de intervir na atividade do empregado A relação de emprego envolve obrigação patrimonial de prestação pessoal A relação imediata é com o trabalho mas há relação mediata com a pessoa do trabalhador 9 É certo salienta o autor que a própria pessoa do trabalhador está envolvida na relação jurídica mas é a atividade do empregado que se insere na organização da empresa Sendo assim propõe um conceito objetivo de subordinação a saber integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um 8 DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Ed Objetiva 2001 p 26 9 ROMITA Arion Sayão A subordinação no contrato de trabalho Rio de Janeiro Forense 1979 p 7981 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 vínculo contratualmente estabelecido em virtude do qual o empregado aceita a determinação pelo empregador das modalidades de prestação de trabalho Várias consequências derivam do conceito assim formulado A subordinação não é um status do trabalhador pois não é ele o objeto do contrato de trabalho mas sim a sua atividade Essa atividade é que está sob o poder do empregador como direito patrimonial do credor do trabalho A subordinação não é manifestação de um vínculo de hierarquia uma vez que esta significaria uma relação de superior para inferior da qual este último não poderia unilateralmente libertarse o que não ocorre no contrato de trabalho pois o empregado tem sempre garantida a faculdade de romper o vínculo por sua vontade A subordinação não corresponde a submissão ou sujeição pessoal pois o trabalhador como pessoa não pode ser confundido com a sua atividade esta sim objeto da relação jurídica A subordinação não exige a efetiva e constante atuação da vontade do empregador na esfera jurídica do empregado mas sim a mera possibilidade jurídica dessa intervenção Registrese que a doutrina trabalhista estuda a questão da natureza jurídica do vínculo entre empregado e empregador de forma que a grosso modo podem ser identificados dois grupos de teorias 1 teorias contratualistas o contrato é o ato criador da relação de emprego e esta é o contrato em ação Em uma fase clássica procurouse identificar o contrato de trabalho com as figuras do direito civil tais como arrendamento compra e venda sociedade mandato prestação de serviços linguagem do CC de 2002 antiga locação de serviços Já na fase moderna reconhecese o contrato de trabalho como um tipo especial de contrato que não se identifica com as demais figuras do direito civil 2 teorias anticontratualistas a origem do vínculo é um fato que produz efeitos jurídicos equiparáveis aos provenientes do ajuste de vontades O fato típico assim é a prestação de serviços pessoais não eventuais subordinados e assalariados ocorre que a expressão relação de trabalho é mais ampla do que a expressão relação de emprego esta é uma espécie daquela Isso nos permite afirmar então que a mudança instituída na Constituição brasileira com a Reforma do Judiciário implica a necessidade de reconhecer novos vínculos de atributividade entre o capital e o trabalho com repercussão nos tipos de causas que a Justiça do Trabalho passa a analisar Nesse contexto assumem relevância para o Direito do Trabalho as relações jurídicas que se caracterizem pela prestação de serviços sem a presença do elemento subordinação refirome ao trabalho autônomo e ao trabalho parassubordinado A palavra autonomia significa capacidade de se autogovernar e compreende duas subacepções para os fins que aqui nos interessam 1 faculdade que possui determinada instituição de traçar as normas de sua conduta sem que sinta imposições restritivas de ordem estranha 2 direito de um indivíduo tomar decisões livremente liberdade independência moral ou intelectual Diversas teorias são apontadas para explicar o conceito de trabalho autônomo Podese falar na finalidade da prestação de serviços teoria em que o objetivo final do credor do trabalho da prestação não é o de dispor da energia de trabalho mas sim de usufruir do resultado da obra do produto pronto Esse critério busca efetuar a separação entre atividade e resultado de modo a conceituar o trabalho autônomo como aquele em que o tomador dos serviços se interessa não pelo modo de sua execução mas sim pelos fins atingidos com a distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultados segundo a qual o trabalhador autônomo seria devedor de uma prestação de resultado enquanto a obrigação do trabalhador subordinado seria de meios isto é de mero comportamento Uma segunda teoria afirma ainda ser possível classificar o trabalho autônomo levando em consideração o resultado da prestação de serviços quando o resultado é imediato isto é o trabalhador obtém algo e fica com aquilo que produz para depois revender aos interessados configurariase o trabalho autônomo mas quando no entanto o resultado é mediato ou seja o trabalhador aliena diretamente o que produz não chegando a ficar com os frutos de seu trabalho caracterizarseia o vínculo empregatício Uma terceira teoria é a do trabalho por conta própria conforme lição de Annibal Fernandes que define o trabalhador autônomo como aquele que exerce habitualmente e por conta própria atividade profissional remunerada Surge assim o elemento da independência no exercício da atividade o trabalhador autônomo trabalha por conta própria em oposição ao subordinado que trabalha por conta alheia É o que assevera Manuel Alonso García ao explicar que o trabalho por conta própria implica a livre disposição dos produtos ou resultados do esforço do trabalhador o autônomo exerce por sua conta determinada atividade profissional auferindo os rendimentos decorrentes do resultado de seu trabalho sem configurar o vínculo de dependência que é característico do empregado Para fins previdenciários a lei brasileira parece ter adotado esse posicionamento pois inclui entre os segurados obrigatórios na condição de contribuinte individual a pessoa física que exerce por conta própria atividade econômica de natureza urbana com fins lucrativos ou não Há ainda outra teoria importante ligada à idéia do trabalho por conta própria e que pode ser enunciada como a assunção do risco da atividade econômica Cabe ao trabalhador autônomo assumir todos os riscos da atividade profissional que desempenha sendo nítida a distinção em face do empregado uma vez que na relação jurídica de emprego o risco da atividade incumbe exclusivamente ao destinatário dos serviços veja se o art 2º da CLT que inclui esse elemento no conceito de empregador Para outra teoria é autônomo aquele trabalhador que exerce atividade profissional valendose do controle dos meios de produção que são de sua propriedade Já o trabalhador subordinado não tem a mesma condição pois desenvolve os serviços utilizandose dos meios de produção que pertencem ao empregador Cabe a ressalva entretanto que esse elemento não pode ser encarado como decisivo uma vez que existem situações práticas em que o trabalhador é empregado e nessa condição utiliza os seus próprios instrumentos de trabalho Diante de todas essas considerações fica claro que o critério efetivamente útil para a caracterização do trabalho autônomo deve passar pela análise do modo como a atividade é desenvolvida A distinção básica então reside justamente na presença ou não do elemento subordinação o trabalhador autônomo é aquele que conserva o poder de direção sobre a própria atividade autodisciplinandoa segundo seus critérios pessoais e conveniências particulares Já o trabalhador subordinado aliena o poder de direção sobre a própria atividade transferindoo volitivamente a terceiros em troca de um salário Nesse sentido lembra Pedro Paulo Teixeira Manus o próprio significado de autonomia que é o que tem vida própria fazendo ver a nítida diferença entre o empregado e o trabalhador autônomo uma vez que este independe de um empregador para desenvolver seu mister Eventualmente pode o trabalhador autônomo prestar serviços a alguém que seja empregador de outros prestadores de serviços mas tal circunstância não lhe retira a autonomia com que desenvolve sua atividade Assim o autônomo ajusta os serviços e o preço mas desenvolve sua atividade sem subordinação a horário livre da fiscalização do destinatário de seus serviços e eventualmente com o auxílio de terceiros se lhe convier O trabalhador autônomo prescinde da figura do empregador para sua existência como profissional Já ao empregado é imprescindível a figura do empregador sem o que deixa de existir a subordinação Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena acentua os aspectos da iniciativa e da autoorganização como fundamentais para a caracterização do trabalho autônomo Desse modo autônomo é o trabalhador que desenvolve sua atividade com organização própria iniciativa e discricionariedade podendo escolher o lugar o modo o tempo e a forma de execução Tem a liberdade de dispor de sua atividade para mais de uma pessoa segundo o princípio da oportunidade Conforme explica Giuseppe Ferraro o elemento de conexão entre as várias relações de trabalho parassubordinado pode ser genericamente descrito como um vínculo de dependência substancial e de disparidade contratual que se estabelece entre o prestador dos serviços e o sujeito que usufrui dessa prestação Esse vínculo de dependência é semelhante ao que une empregado e empregador a ponto de justificar a existência de garantias compensatórias equivalentes Para Giuseppe Tarzia o amplo setor da parassubordinação engloba relações de trabalho que embora se desenvolvam com independência e sem a direção do destinatário dos serviços se inserem na organização deste Com o reconhecimento da existência dessa classe de relações jurídicas a doutrina italiana procura deixar claro que a o trabalho parassubordinado possui algumas semelhanças com o trabalho subordinado mas com ele não se confunde b a parassubordinação vai além do conceito tradicional de trabalho autônomo aquele em que o trabalhador assume a obrigação de produzir um determinado resultado É distinta a situação em que o trabalhador assume a obrigação de atingir uma série de resultados consecutivos coordenados entre si e relacionados a interesses mais amplos do contratante interesses que não estão limitados aos que derivam de cada prestação individualmente considerada Podese afirmar assim que para o conceito de trabalho parassubordinado assume relevância a idéia de coordenação no sentido de uma peculiar modalidade de organização da prestação dos serviços Genericamente o trabalho continua a ser prestado com autonomia mas a sua organização é vinculada à atribuição de algum tipo de poder de controle e de coordenação a cargo do tomador dos serviços Mattia Persiani assevera que a idéia de coordenação é fundamental para entender esse tipo de relação jurídica a ponto de preferir o uso da expressão trabalho coordenado por ele considerada mais elegante que trabalho parassubordinado Para bem entender essa idéia de coordenação no entanto fazse necessário examinar primeiramente os outros elementos que compõem a relação jurídica uma vez que todos estão intrinsecamente conjugados O primeiro desses elementos é o da continuidade da relação de trabalho a prestação de serviços deve se destinar a atender uma necessidade do tomador que tenha um determinado prolongamento no tempo tendo em vista os interesses de ambas as partes Isso significa que não se enquadra no conceito de parassubordinação o contrato de obra de execução instantânea ainda que prolongada no tempo se a duração da prestação não estiver voltada a um programa comum em que a organização da produção é consequência da reunião dos interesses do trabalhador e do tomador dos serviços O segundo elemento caracterizador do trabalho parassubordinado é a natureza pessoal da prestação dos serviços que deve preponderar O prestador dos serviços até pode se valer da auxilio de outras pessoas mas dentro de certos limites o trabalho desses auxiliares deve ser apenas complementar o que significa que a principal carga de atividades deve ser desenvolvida pelo prestador pessoalmente contratado que atua como um pequeno empreendedor organizando em torno de si todas as atividades voltadas ao atendimento das necessidades do tomador O terceiro elemento é a colaboração diretamente vinculado aos anteriores pois pressupõe uma ligação funcional entre a atividade do prestador dos serviços e aquela do destinatário da prestação profissional a atividade do trabalhador é indispensável para que o tomador possa atingir os fins sociais ou econômicos que persegue Exatamente neste ponto é que voltamos então à noção de coordenação vista por Mattia Persiani como o principal elemento caracterizador pois no trabalho coordenado diferentemente do que ocorre no trabalho subordinado a atividade laboral é prometida pelo trabalhador tendo em vista um programa que é consensualmente definido O trabalhador não promete a sua atividade pessoal para o desenvolvimento de qualquer objetivo pretendido pelo tomador mas sim coloca os seus serviços à disposição somente daquele específico tipo de atividade que é a necessária para atingir os fins previstos no programa contratualmente elaborado Essa situação é encontrada com frequência quando no trabalho autônomo o trabalhador se obriga a realizar uma obra determinada prevista em contrato Mas o que importa ressaltar é justamente a possibilidade de a atividade de colaboração do trabalhador vir a ser prevista em um contrato de trabalho tendo em vista o objetivo de atingir uma série de resultados Ai reside justamente a importância da coordenação pois permite a diferenciação tanto da subordinação quanto da autonomia Coordenação então surge com o sentido de ordenar juntos significa que ambas as partes possuem medidas a propor para alcançar o objetivo comum No trabalho subordinado o trabalhador se sujeita ao poder de direção do empregador devendo cumprir todas as determinações deste Não há coordenação No trabalho autônomo os serviços devem ser executados em conformidade com as condições previstas em contrato O trabalhador deve realizar a obra ou o serviço a fim de entregar o resultado contratualmente prometido Também não há coordenação Vejase que tanto no caso do trabalho subordinado quanto no do trabalho autônomo o trabalhador deve cumprir certas instruções que são vinculantes em relação às necessidades do tomador dos serviços Ocorre que o poder de dar instruções é diferente do poder de coordenar a prestação dos serviços pois as instruções pressupõem a existência de níveis distintos entre quem as dá e quem as recebe Já a coordenação se enquadra em níveis que se unem e até mesmo se sobrepõem Exatamente por isso surge a necessidade de prestador e tomador de serviços ordenarem juntos todo o trabalho o que pode levar a modificações do programa contratual na medida em que este está sendo desenvolvido Como explica Mattia Persiani o exercício desse poder de coordenação pode influir sobre as modalidades de execução da atividade contratualmente prometida assim como sobre as próprias características da obra ou do serviço com o objetivo de adequálas às mutáveis exigências do seu beneficiário final o que aliás é uma consequência da continuidade do contrato No limite a coordenação pode até resultar na modificação do programa consensualmente estabelecido ou na alteração do objeto do contrato 4 Relação de consumo O Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 inseriu em nosso ordenamento a relação de consumo que pode ser enunciada como a relação jurídica que se estabelece entre fornecedores e consumidores tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo A questão que precisa ser estudada é se o fornecimento de serviços pode ou não ser compreendido como uma relação de trabalho se a resposta for positiva os conflitos decorrentes desse tipo de relação jurídica então também estarão inseridos na nova competência da Justiça do Trabalho O sujeito ativo da relação jurídica de consumo é o fornecedor nos termos do art 3 do CDC toda pessoa natural ou jurídica pública ou privada nacional ou estrangeira bem como entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção montagem criação construção transformação importação exportação distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços Em conformidade com o 2 art 3 CDC serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração inclusive as de natureza bancária financeira de crédito e securitária salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista Já o sujeito passivo é o consumidor Segundo José Geraldo Brito Filomeno o conceito de consumidor adotado pelo CDC foi exclusivamente econômico pois leva em consideração o sujeito que no mercado de consumo adquire bens ou contrata a prestação de serviços como destinatário final pressupondose que age assim para o atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial Para Newton de Lucca o conceito de consumidor é plurívoco e plurívoco analítico e tem quatro sentidos possíveis um fundamental outros três por equiparação O sentido fundamental é o que se encontra no art 2 do CDC consumidor é toda pessoa natural ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como seu destinatário final Já os sentidos de consumidor por equiparação estão enunciados em outros dispositivos a saber a no único art 2 CDC quando assevera que se equipara a consumidor a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis que haja intervindo nas relações de consumo b no art 17 do CDC quando trata da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço e equipara ao consumidor todas as vítimas do evento c no art 29 do CDC quando diz que para os fins das práticas comerciais e da proteção contratual equiparamse ao consumidor todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas nele previstas Esse alargamento do conceito de consumidor contido em nossa legislação visa estender a proteção legal aos adquirentes de bens e de serviços em potência e encontra seu fundamento na garantia de prevenção do dano O vínculo de atributividade na relação jurídica de consumo é o relacionamento que se estabelece entre os sujeitos que atuam no mercado conferindo a cada qual o poder de exigir algo ou de exercer uma pretensão Tratase assim de uma relação obrigacional que é regida pela perspectiva de proteção ao consumidor o que já a difere da relação de trabalho onde a tutela é reservada ao prestador dos serviços Por fim o objeto da relação de consumo é o produto ou o serviço a partir do conceito do CDC o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração Para a caracterização da relação de consumo assim mostrase necessário examinar a atividade do fornecedor de serviços este não executa apenas um ato isolado episódico ou ocasional mas sim uma sucessão repetida de atos atividade O fornecedor é aquele que pratica os seus atos de maneira organizada tendo por fim uma constante oferta de serviços à coletividade essa sua atividade é fornecida mediante remuneração no mercado de consumo A razão fundamental para a inserção do serviço como objeto da relação jurídica de consumo é exatamente a proteção do consumidor diante do reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado do consumo art 4 I do CDC Ora pareceme que a definição da nova competência da Justiça do Trabalho terá que levar em consideração os conceitos que são formulados pela teoria geral do Direito Vale dizer relação de trabalho e relação de consumo não podem ser identificadas como um mesmo tipo de relação jurídica tendo em vista a diferença de objeto Como aponta José Afonso Dallegave Neto a grande distinção está em saber se o contratante do trabalho contrata o prestador de serviço para viabilizar sua empresa relação de trabalho ou o contrata para usufruir exclusivamente de seu serviço na qualidade de destinatário final relação de consumo é preciso investigar se o contratado é um fornecedor de serviço ao público em geral no mercado de consumo relação de consumo ou se guarda um intenso grau de dependência econômica para com o contratante relação de trabalho Em belíssimo estudo sobre o assunto o magistrado José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva conclui que nem toda relação de trabalho poderá ser tida como da competência da Justiça especializada propõe o critério científico da continuidade ou habitualidade na prestação dos serviços para a distinção entre relação de trabalho em sentido estrito da relação de consumo Segundo esse critério as relações de trabalho merecedoras de tutela pelo Judiciário trabalhista seriam aquelas que se desenvolvesse sob diferentes formas autônomo subordinado ou parassubordinado mas tendo em vista o trato sucessivo da relação jurídica 5 Conclusão A alteração do art 114 da Constituição Federal nos leva à necessária reflexão sobre o conteúdo das relações de trabalho uma vez que a partir de agora a Justiça do Trabalho vê ampliada a sua área de atuação para além dos limites antes impostos pelo conceito de subordinação Essa alteração é positiva sem sombra de dúvida pois poderá servir à uma revisão do nosso modelo de relações de trabalho com a revalorização do trabalho autônomo e com o desenvolvimento de fórmulas contratuais inovadoras que levem em conta as diversas maneiras de o ser humano desenvolver sua atividade daí a importância do conceito de trabalho parassubordinado O tradicional trabalho subordinado em regime de emprego terá que conviver com formas alternativas de prestação de serviços uma vez que como bem observa Marcio Pochman não se pode mais identificar o funcionamento do mercado de trabalho com o critério do assalariamento urbano sustentado em grandes empresas nos dias de hoje se faz necessária a constituição de legislação apropriada para distintos segmentos ocupacionais por meio de uma nova regulação pública que universalize direitos ainda que de forma nãohomogênea mas incorporando todos os trabalhadores31 O Direito do Trabalho deve oferecer novos instrumentos que tenham a finalidade de tentar garantir a todos os cidadãos o acesso a um trabalho decente numa política de promoção dos direitos humanos fundamentais inspirada pelo art 1 de nossa Constituição que aponta a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República No entanto a Justiça do Trabalho precisa se manter como o órgão do Poder Judiciário que visa tutelar os direitos dos trabalhadores de modo que não se mostra conveniente uma interpretação assaz ampliativa de sua competência a relação jurídica cujo objeto estiver voltado à proteção do consumidor e não da pessoa que trabalha assim não deve ser incluída na nova competência POCHMAN Marcio Relações de trabalho e padrões de organização sindical no Brasil São Paulo LTr 2003 p 168 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 2 n 1 p 143162 janjun 2006 10 Em função disso a reflexão científica sobre os conceitos de relação de trabalho e relação de consumo mostrase fundamental para a definição do futuro da Justiça do Trabalho São Paulo maio de 2005 Referências ALONSO GARCÍA Manoel Curso de derecho del trabajo Madrid Bosch 1964 ANDRADE Manuel A Domingues de Teoría geral da relaçao jurídica Coimbra Almedina 1997 v 1 CASSI Vincenzo La subordinazione del lavoratore nel diritto del lavoro Milano Giuffrè 1947 COUTINHO Grijalbo Fernandes O mundo que atrai a competência da Justiça do Trabalho In COUTINHO Grijalbo Fernandes FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LTr 2005 DALLEGRAVE NETO José Affonso Primeiras Linhas sobre a nova competência da Justiça do Trabalho fixada pela reforma do Judiciário EC n 452004 In COUTINHO Grijalbo Fernandes FAVA Marcos Neves Coords Nova competência da Justiça do Trabalho São Paulo LTr 2005 DE LUCCA Newton Teoria geral da relação jurídica de consumo 2001 Tese Titular Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2001 DE LUCA TAMAJO Raffaele Lipotesi di un tertium genus e il disegno di legge n 5651 sui CD lavori atipici Il Diritto del Lavoro Roma v 74 n 4 p 264286 luglago 2000 DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Ed Objetiva 2001 FERNANDES Annibal O trabalhador autônomo São Paulo Atlas 1984 FERRARO Giuseppe I contratti di lavoro Padova CEDAM 1991 FILOMENO José Geraldo Brito et al Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 FREITAS JR Antonio Rodrigues de O direito do trabalho na era do desemprego São Paulo LTr 1999 MANUS Pedro Paulo Teixeira Direito do trabalho São Paulo Atlas 2001 PERONE Giancarlo Lineamenti di diritto del lavoro Torino G Giappichelli 1999 PERSIANI Mattia Autonomia subordinazione e coordinamento nei recenti modelli di collaborazione lavorativa Il 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1999 R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 1 n 1 p 143162 janjun 2006 12 A PRIVACIDADE DA PESSOA HUMANA NO AMBIENTE DE TRABALHO THE EMPLOYEES PRIVACY ON WORK ENVIRONMENT Paulo Eduardo Vieira de Oliveira Resumo O contrato de trabalho não se resume ao pagamento de salário mediante contraprestação de trabalho e tem dimensão muito maior do que a patrimonial envolvendo a dignidade das partes envolvidas Assim o empregador deve respeitar o empregado como cidadão sob pena de ter que indenizálo pelo ato ilícito praticado Palavraschave Direitos humanos Direito do trabalho Indenização Abstract The labour contract doesnt involve only the payment of wages The employer has to respect the employee also as a citizen The article tries to study this point of labour contract Keywords Employees human rights Payment of damages 1 Privacidade e cidadania O caráter sucessivo do contrato de trabalho com suas diversas fases précontratual celebração execução extinção e póscontratual oferece várias oportunidades para que ocorra violação da privacidade principalmente no que concerne ao empregado Ressaltese que qualquer violação da privacidade importa em última análise em desrespeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana esta protegida por princípio constitucional constante do art 1 inciso III da nossa Carta Magna Cidadania em sentido estrito como preleciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho é um status ligado ao regime político podendose distinguir três graus a o mínimo de que há participação no processo político com possibilidade de acesso aos cargos públicos em geral mas sem elegibilidade b o médio Professor Doutor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Juiz titular da 49ª Vara do Trabalho de São Paulo R do Dep de Dir do Trab e da Seg Soc São Paulo v 2 n 1 p 163186 janjun 2006