·
Psicologia ·
Psicologia Organizacional
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
3
8 Estratégias para Aumentar a Motivação no Trabalho
Psicologia Organizacional
UEM
16
O impacto da gestão EBSERH na produção dos hospitais universitários do Brasil
Psicologia Organizacional
UEM
2
Comunicação de Liderança na Votorantim Cimentos: Iniciativas e Desafios
Psicologia Organizacional
UEM
16
A Uberização do Trabalho: Transformações e Desafios na Gig Economy
Psicologia Organizacional
UEM
3
5 Ferramentas de Gestão Utilizadas pelos Funcionários do Google
Psicologia Organizacional
UEM
3
O Mito da Motivação: Compreendendo a Relação entre Motivação, Satisfação e Comportamento
Psicologia Organizacional
UEM
338
Dicionário Crítico do Feminismo
Psicologia Organizacional
UEM
14
Gênero, Patriarcado, Trabalho e Classe: Reflexões sobre o Feminismo Materialista
Psicologia Organizacional
UEM
1
Uso da Inteligência Artificial no Mundo do Trabalho: Aspectos Positivos e Negativos
Psicologia Organizacional
UMG
17
O Significado Cultural na Briga de Galo Balinesa: Uma Análise de Geertz
Psicologia Organizacional
UNINOVE
Texto de pré-visualização
ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 75 Resumo Neste artigo é analisado o processo de implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH como estratégia levada a cabo pelo Estado brasileiro para a gestão dos hospitais universitários federais no país Como lente teóricoanalítica foram mobilizadas perspectivas que abordam os processos de empresarização e de generalização da forma empresa como um fenômeno universalmente generalizável nas sociedades contemporâneas Foi realizada uma análise documental que teve como corpus um conjunto de documentos oficiais que estruturaram o processo de constituição e implementação da EBSERH Constatouse a ênfase na ideia de empresa como paradigma de gestão para o setor público na área de saúde em três dimensões de análise 1 a lógica empresarial expressa no discurso oficial 2 a institucionalização da ideia de empresa como paradigma para a gestão pública e 3 a difusão do pensamento econômico típico do neoliberalismo como modelo de formatação para uma nova maneira de governar Emerge assim a imagem de uma gestão empresarial para o setor público baseada em uma lógica de mercado livre sustentada por um Estado forte que limita as possiblidades de cidadania e participação social na gestão pública Palavraschave Processo de empresarização Saúde Pública EBSERH Abstract This article analyzes the implementation process of the Brazilian Company of Hospital Services EBSERH as a strategy carried out by the Brazilian State for the management of federal university hospitals in the country As a theoretical lens perspectives have been mobilized that approach the enterprisation process and the enterprise as a universally generalizable phenomenon in contemporary societies A documentary analysis was carried out which had as corpus a set of official documents that structured the process of constitution and implementation of the EBSERH The emphasis was on enterprisation as a management paradigm for the public health sector in three dimensions of analysis 1 the enterprise logic expressed in the official discourse 2 the institutionalization of the enterprise as a paradigm for public management and 3 the diffusion of economic thinking typical of neoliberalism as a formatting model for a new way of governing Thus emerges the image of a business management for the public sector based on a free market logic supported by a strong state that limits the possibilities of citizenship and social participation in public management Keywords Enterprising process Public Health EBSERH EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH PUBLIC HEALTH ENTERPRISATION THE EBSERH CASE Recebido em 16102018 Aprovado em 24102018 Avaliado pelo sistema double blind review DOI httpdxdoiorg1012712rpcav12i427119 Janiele Cristine Peres Borges janieleperesgmailcom Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFGRS Porto AlegreRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000249301977 Márcio Barcelos barcelosmarciogmailcom Universidade Federal de Pelotas UFPEL PelotasRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000332051673 Marcio Silva Rodrigues marciosilvarodriguesgmailcom Universidade Federal de Pelotas UFPEL PelotasRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000288107077 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 76 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues Introdução Este trabalho tem como tema central o processo de empresarização e seus impactos sobre a administração pública Essa temática mais geral se desdobrou em uma análise da área de saúde pública no Brasil mais especificamente na construção e implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH com foco na sua lógica de funcionamento em comparação com os princípios que estão na base da constituição do Sistema Único de Saúde SUS A motivação inicial que deu origem ao trabalho relacionase com um questionamento sobre como o processo de empresarização imprime uma lógica própria na gestão e funcionamento do Estado e da administração pública lógica esta baseada em imperativos econômicos e de mercado Nas últimas décadas do século XX e neste início de século XXI um conjunto de estudos tem apontado para um processo amplo e irrestrito nas sociedades contemporâneas Esses estudos consideram o contexto de uma modernidade tardia onde o capitalismo mais do que um modo de produção conforme a formulação clássica de Marx se estrutura como um produtor de subjetividades Na formulação de Michel Foucault 2008 os imperativos econômicos se impõem na contemporaneidade e a forma empresa tornase um paradigma que se espraia sobre todas as esferas da vida social Este processo de disseminação da empresa tem sido trabalhado analiticamente a partir do desenvolvimento do conceito empresarização do mundo ABRAHAM 2006 SOLÉ 2008 RODRIGUES 2013 De acordo com Rodrigues 2013 tratase de um amplo processo de compreensão da ideia de empresa como modelo universalmente generalizável ou seja disseminase a ideia de empresa sobre os mais diversos contextos não apenas econômico mas também políticos e sociais O mundo atual assim tornase cada vez mais um mundoempresa Do ponto de vista da administração pública a concepção de mundoempresa estabelece tensões com pressupostos relativos à cidadania direitos sociais e efetividade de políticas públicas universalistas Partindo de uma perspectiva ao mesmo tempo analítica e também crítica a este amplo e generalizado processo de empresarização é possível buscar uma compreensão mais aprofundada sobre como se constroem políticas públicas em cenários de disputas acirradas em torno de direitos sociais A área de saúde no Brasil nesse contexto constituise em um exemplo empírico viável para este tipo de análise O SUS e suas políticas públicas no contexto pós Constituição Federal de 1988 orientamse pelo pressuposto da prestação de serviços de saúde como direitos de cidadania Saúde como direito de todos e dever do Estado BRASIL 1988 constitui um lema fundante que determina uma lógica pública baseada na prevenção e na atenção básica com um modelo menos hospitalocêntrico1 e mais focado no cuidado primário Entretanto uma ampla literatura tem destacado um processo de institucionalização de práticas gerenciais baseadas em uma lógica privada e empresarial que parece pôr à prova a lógica pública participativa e universalista que fundamenta os princípios do sistema de saúde brasileiro MENICUCCI 2014 SESTELO SOUZA BAHIA 2013 BAHIA 2010 CÔRTES 2009 PAIM 2009 Observase assim uma ênfase na cura da doença em detrimento da promoção da saúde que vai resultar na excessiva sobreposição da média e alta complexidade dos tratamentos de saúde Com a proposta de implantação da EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares em 2010 o modelo de gestão que é trazido para os hospitais universitários mostra um alinhamento a uma lógica gerencial própria de empresas privadas refletindo o que Menicucci 2014 2003 chama de configuração híbrida no sistema de saúde brasileiro O que acaba por representar um confronto entre essa forma de gestão e alguns princípios propostos pela gestão do SUS como a regionalização a participação social a integralidade da assistência entre outros Tendo isso em vista e também o fato de a EBSERH estar iniciando o seu processo de implantação ao mesmo tempo em que há evidências de que o modelo de gestão do SUS não tenha sido plenamente implantado percebese que há uma contraposição entre dois modelos de gestão um orientado por uma lógica pública e outro orientado por uma lógica privada Nesse sentido pode se aventar a possibilidade de que a lógica privada já presente desde a conformação do SUS na década de 1 Sistema de saúde que é construído em torno de hospitais uma das tendências que comprometem os sistemas de saúde conforme apontado pela Organização Mundial de Saúde OMS ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 77 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH 1980 MENICUCCI 2003 é reforçada na medida em que o processo de empresarização do mundo se acentua nas mais diversas áreas Considerando o exposto acima este trabalho se propõe a realizar uma análise de caráter exploratório buscando identificar como a ideia de empresa se expressa na administração pública e mais especificamente no campo da saúde A escolha pelos hospitais universitários federais como objeto empírico se deu justamente pelas especificidades da área de saúde a qual tem sido estruturada em torno de pressupostos públicos onde predomina uma ideia de saúde como direitos de todos e dever do Estado conforme consta na Constituição Federal BRASIL 1988 Diante disso o objetivo geral desta pesquisa foi analisar como a empresarização se expressou ao longo do processo de constituição da EBSERH A justificativa para a realização desta pesquisa tem como ponto de partida a consideração em relação à prestação de serviços de saúde enquanto bens públicos garantidos pela Constituição Federal de 1988 A prestação desses serviços está disponível para a população em diversas organizações de saúde dentre elas os hospitais escola Essas organizações oferecem atendimento de saúde totalmente vinculado ao SUS e têm pelo fato de estarem vinculadas às universidades um vínculo também com o processo de educação nessa área Alterações nos chamados hospitais de ensino acabam por representar mudanças tanto nos serviços de saúde que são prestados a comunidade quanto no processo de educação das universidades a eles vinculadas Portanto estudos que analisem essas transformações tornamse relevantes no que confere a construção de elementos que sirvam de base para a reflexão sobre essas duas grandes áreas públicas a prestação de serviço saúde e a educação para a saúde pública Além disso pode criar possibilidades para a discussão sobre a atuação do Estado no campo da saúde em um contexto de expansão dos processos de empresarização Referencial teórico a ebserh e o processo de empresarização A análise da implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH é feita neste trabalho sob a perspectiva teórica do processo de empresarização do mundo ocidental SOLÈ 2004 2008 ABRAHAM 2006 RODRIGUES 2013 Os estudos baseados nesta perspectiva teóricoanalítica têm apontado para o fenômeno da expansão da forma empresarial como um padrão universal de organização da vida contemporânea seja no âmbito privado seja no âmbito público Tratase assim de processo amplo e irrestrito nas sociedades capitalistas da atualidade No contexto de uma modernidade tardia onde o capitalismo se estabelece como algo mais do que um modo de produção mas como um produtor de subjetividades FOUCAULT 2008 a forma empresa tornase um paradigma que se difunde e se alastra sobre todas as esferas da vida social Este processo de disseminação da forma empresa tem sido trabalhado analiticamente a partir do desenvolvimento do conceito empresarização do mundo SOLÈ 2004 2008 Adotando o pressuposto teórico que será apresentado de maneira sucinta a seguir do modelo da empresa como um padrão generalizado e universal de organização do mundo contemporâneo este trabalho analisa o processo de implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares considerando as complexidades e características próprias da área de saúde no Brasil O primeiro aspecto que chamou a atenção no objeto empírico representado pela EBSERH foi justamente o termo empresa na sua designação oficial A abordagem teórica que embasou a análise da implementação da EBSERH portanto visa refletir sobre a expansão de uma lógica empresarial que passa a se tornar um paradigma predominante no setor público Afinal se a área de saúde é estruturada com base em uma lógica de gestão pública participativa PAIM 2009 poderia se julgar surpreendente que se estruture uma empresa para gerir os hospitais universitários federais que integram não apenas a estrutura do Sistema Único de Saúde mas também fazem parte da estrutura de educação superior federal pública no Brasil Mais surpreendente ainda se for considerado que sua implementação foi levada a cabo em um governo de centroesquerda Entretanto à luz da abordagem teórica aqui utilizada tais fatores não se mostram surpreendentes Pelo contrário talvez essa seja uma tendência geral Sendo assim neste capítulo se discute aquela que é definida como a dimensão explicativa central dessa pesquisa De acordo com a perspectiva teórica aqui mobilizada há um processo amplo e irrestrito de empresarização que se impõe inclusive sobre a esfera estatal Nesse sentido mesmo em contextos de ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 78 governos de centro ou centroesquerda haverá uma tendência a organização das agências estatais que formulam e implementam as políticas públicas de acordo com uma lógica própria à empresa A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares representa a implementação de uma empresa para administrar uma organização pública no caso os hospitais universitários federais Na formulação seminal sobre o que representaria um processo de empresarização Solé 2004 afirma que a empresa tem sido convertida em um modelo universal para a organização das mais diversas atividades humanas como é o caso de hospitais e organizações públicas que acabam adotando sistemas de gestão empresariais Nesse sentido o autor vai além das formulações clássicas de Max Weber segundo as quais a ação racional com relação a fins se tornaria o aspecto definidor das sociedades ocidentais WEBER 2004 Para Solé 2008 a ação racional com relação a fins se concretiza na forma empresa como modelo universal de organização e gestão das esferas sociais políticas e econômicas do mundo moderno Sendo assim cada vez mais se observa a presença do discurso dos métodos e das práticas empresariais em organizações e instituições que originalmente não possuíam essas características Isso porque a empresa através de um discurso que está assentado em pressupostos como o da eficácia da qualidade e de resultados acaba sendo transformada em um modelo a ser seguido SOLÉ 2004 A gestão da coisa pública assim deve ser efetivada na forma como se gere a empresa privada A ênfase no dever ser é essencial Destaquese que há uma orientação normativa poderosa segundo a qual o bom aceitável ou positivo é tudo aquilo que remete à ideia de organização empresarial Nesse sentido mesmo as política públicas seriam as mais eficientes mais eficazes ou melhores se seguissem um processo de estruturação formulação e implementação nos moldes de uma cadeia de suprimentos em uma empresa qualquer Conforme afirma o autor Weber sustenta que a empresa é a organização mais racional que os humanos tenham inventado Referindose notadamente ao fato de que não há empresa sem contabilidade sem estabelecimento de um balanço sublinha a importância do cálculo e das previsões na direção e na gestão Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues dessa organização Sendo a mais racional a empresa é a organização mais eficaz Essa associação empresaracionalidadeeficácia não continua a impregnar fortemente o espírito dos habitantes do nosso mundo moderno Não é essa associação que conduz mais do que nunca a propor a empresa como modelo a todas as organizações os serviços públicos em particular SOLÈ 2008 p 5 A citação acima expressa a disseminação da forma empresa nas mais diversas áreas do mundo social inclusive para a esfera estatal Isso representa o reflexo de um processo no qual a empresa principalmente nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas tem se tornado um elemento central o que acaba caracterizando a modernidade como uma sociedade de empresas chamada por Solé 2004 2008 de mundoempresa Assim podese perceber uma narrativa predominante estruturada em uma linguagem que destaca os métodos ferramentas técnicas e práticas empresariais que passam a orientar organizações que anteriormente não seguiam essas ideias e práticas e que além disso não estavam submetidas à competição e ao imperativo do cálculo estritamente econômico Nesse sentido tornase um desafio pensar direitos de cidadania ou de participação da sociedade na gestão pública Solé 2008 descreve o processo de empresarização como uma dinâmica que é além de econômica social política cultural e cognitiva ou seja transcende o contexto empresarial Diante disso o autor apresenta algumas manifestações desse processo sendo elas a expansão geográfica da empresa pelo mundo considerando a globalização como a representação da empresarização do mundo os processos de privatizações nos quais as empresas passam a assumir a atividades de organizações públicas com essas se encarregando de um número cada vez maior de atividades a empresa como um modelo para as demais organizações aumento da influência das empresas sobre a vida dos humanos no interior dela através da administração dos corpos dos corações e do imaginário desses e a influência crescente da empresa sobre a vida dos humanos fora dela A empresa então representa uma organização que contribui a partir da criação de necessidades para a ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 79 disseminação e manutenção do individualismo do egoísmo e da concorrência permeando o tecido social RODRIGUES e SILVA 2006 Nessa perspectiva a empresa parece representar mais do que a organização central da sociedade e por assim dizer Abraham 2006 apoiado nos trabalhos de Solé sobre o processo de empresarização do mundo caracteriza a empresa não como uma organização mas como uma instituição visto que ela representa um conjunto de maneiras de agir e de pensar próprios da sociedade moderna Diante do fato de que a empresa representa uma instituição central nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas ABRAHAM 2006 é possível perceber a disseminação da empresa para contextos não empresariais tanto como elemento de organização social quanto como um modelo organizacional generalizável RODRIGUES SILVA 2006 Esse processo de consolidação da empresa enquanto um modelo universalizável que permeia o tecido social parece estar sendo intensificado através do neoliberalismo FOUCAULT 2008 No neoliberalismo mais do que o emprego de mecanismos produtivos há uma preocupação com a forma com que são alocados esses recursos Há uma preocupação com a lógica que faz com que o indivíduo decida aplicar os recursos escassos em dado modo de produção e não em outro para atingir um fim e não outro O neoliberalismo ocupase da maneira como os indivíduos racionalizam o emprego dos recursos visando atingir determinado fim sendo esse fim o mantenedor da lógica econômica FOUCAULT 2008 Trazendo a definição de que a economia é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios Foucault 2008 deixa a questão de qual cálculo faz com que as pessoas optem por alocar recursos escassos em determinados fins e não em outros Com base nesse pressuposto relativo à lógica econômica e sua internalização na forma de agir humana Foucault 2008 deriva a prerrogativa de que o próprio Estado neoliberal funcionará de acordo com tal lógica Além disso a própria economia política do Estado neoliberal será inscrita na racionalidade interna dos indivíduos O ponto central a ser destacado aqui diz respeito à articulação entre indivíduo sociedade e Estado operando de acordo com pressupostos ligados à ideia de homo economicus O cálculo a eficiência a adequação estrita dos meios aos fins que se pretende alcançar passam a ser os determinantes da ação social Seja no âmbito do indivíduo seja no âmbito público e na definição de políticas públicas Ideias como público ou comum passam a ser incisivamente questionadas em nome de uma concepção atomizada de sociedade SANTOS 1987 O fato de a empresa representar um modelo social universalmente generalizado acaba por reconstituir uma série de valores morais e culturais baseados em uma lógica de concorrência Essas relações concorrenciais inerentes ao ambiente empresarial e que atuam como um princípio no campo da economia de mercado ao serem inseridas no meio social tendem mais a atuar como um princípio dissolvente do que unificante Portanto para que os mecanismos da concorrência possam agir economicamente no tecido social tornase necessário a atuação do Estado como mantenedor da ordem neoliberal FOUCAULT 2008 No Brasil as concepções neoliberais ganham força ao longo da década de 1990 alinhadas com orientações políticas que foram predominantes na maioria dos países da América Latina Destacase a incorporação de um discurso há muito proferido pelos países centrais o esgotamento do Estado de bemestar keynesiano e consequentemente o da necessidade de instituir o chamado Estado neoliberal schumpeteriano na defesa de um Estado menos oneroso mais flexível orientado à empresa à inovação tecnológica e ao trabalho que tornouse um símbolo de modernidade e de progresso ARIENTI 2003 Em contextos onde predomina o neoliberalismo o Estado passa a ser considerado mais um agente da esfera econômica atuando na manutenção e preservação do status quo Por ser comparado aos demais agentes da esfera econômica muitas vezes é enquadrado como ineficiente e pouco produtivo pois desempenha atividades caras e que podem representar entraves à competitividade da economia Com isso a gestão da coisa pública crescentemente passa a ser submetida à análise econômica e alinhada a busca de um Estado eficaz Além de ter que buscar essa eficiência o Estado passa a ser visto como encarregado de reformar e administrar a sociedade para colocála a serviço das empresas DARDOT LAVAL 2016 O neoliberalismo representa mais do que a simples manutenção da atuação do Estado na esfera econômica visto que é caracterizado na verdade por uma transformação da ação pública Onde o Estado passa a ser regido pelas mesmas regras de concorrência e submetido às exigências de eficácia como se fosse ele uma empresa Dessa forma o Estado é reestruturado EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 80 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues de duas maneiras de fora através de privatizações que colocam fim ao Estado produtor e de dentro adotando uma postura de Estado avaliador e regulador que mobiliza novos instrumentos de poder entre governo e sujeitos sociais DARDOT LAVAL 2016 assim como entre governo e demais organizações e instituições sociais Numa era neoliberal as questões que são colocadas e discutidas não se referem somente à utilidade da ação do Estado mas a sua eficácia que é medida de forma quantificada e comparada a outros atores A esfera pública e a privada adotam os mesmos passos diante de um ambiente competitivo que se instaura no qual o privado serve de modelo para o público como se ambos tivessem o dever de apresentar os mesmos objetivos e resultados Estruturase assim uma concepção de obrigatoriedade das instituições públicas no sentido de se comportarem como se fossem empresas inseridas em um ambiente em que a concorrência é utilizada como o instrumento mais eficiente para melhorar o desempenho da ação pública DARDOT LAVAL 2016 A concorrência privilegiando os melhores e mais adaptados possibilitaria assim a sobrevivência das organizações e agências públicas que melhor correspondessem aos anseios não de cidadãos e cidadãs mas sim de clientes que pagam por serviços Tomando este referencial teórico como lente analítica para examinar o caso da EBSERH foram construídas três categorias de análise essenciais nesse estudo A primeira diz respeito à lógica empresarial SOLÈ 2008 e seu método e como foram implementados e estabelecidos no âmbito da gestão dos hospitais universitários brasileiros A segunda referese à empresa como instituição ABRAHAM 2006 dandose ênfase ao processo no qual determinadas ideias e concepções relativas à esfera privada foram sancionadas regularizadas e normatizadas mediante um discurso oficial oriundo da própria esfera estatal Finalmente a terceira categoria de análise diz respeito ao pensamento econômico típico do neoliberalismo FOUCAULT 2008 DARDOT e LAVAL 2016 que afasta ideias como participação da sociedade ou controle social tão caras a movimentos como o da Reforma Sanitária que estiveram na origem da construção do Sistema Único de Saúde Esse conjunto de categorias é pensado na perspectiva de sua inscrição na racionalidade interna dos indivíduos a partir da consideração dos hospitais universitários como espaços de formação dos quadros profissionais na área de saúde Procedimentos metodológicos A abordagem metodológica utilizada neste trabalho é de orientação qualitativa com base em pesquisa documental tanto de fontes oficiais como leis decretos e regulamentos quanto de fontes bibliográficas como artigos e análises especializadas relativas ao processo de implementação da EBSERH Sendo assim não procura enumerar eou medir os eventos estudados nem emprega instrumental estatístico para realizar a análise dos dados VIEIRA ZOUAIN 2004 Ademais considerando que se pretende descrever o fenômeno e interpretar os significados observados a pesquisa pode ser considerada como descritivointerpretativa VIEIRA ZOUAIN 2004 Corroborando a isso Triviños 1987 ressalta que essa é uma característica básica da pesquisa qualitativa visto que o pesquisador busca além de descrever a realidade analisada identificar concepções perspectivas e interpretar as informações levantadas A principal fonte de dados empíricos foram os documentos legais que deram a estrutura legal e jurídica para a implementação da EBSERH A escolha por tais documentos deuse em função da orientação normativa que jaz em seu subtexto ou seja uma visão relativa a quais os princípios que devem reger a estrutura da EBSERH Os documentos analisados foram Acórdãos 15202006 27312008 e 28132009 do Tribunal de Contas da União TCU Medida Provisória 5202010 Decreto 7082 2010 Lei 125502011 Decreto 76612011 e Regimento Interno da EBSERH Nesse sentido cabe destacar que uma pesquisa documental e uma pesquisa bibliográfica embora possam ser confundidas referemse a coisas diferentes Como principal diferença Gil 2008 destaca a natureza das fontes dessas pesquisas ou seja enquanto a bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições de vários autores sobre determinado assunto a pesquisa documental fundamentase em materiais que não receberam ainda um tratamento analítico Destacase a utilização desse tipo de pesquisa no momento em que se pode organizar informações dispersas conferindolhes uma importância como fonte de consulta Nesse contexto Gerhardt e Silveira 2009 utilizam Fonseca 2002 para elucidar sobre o tema o qual define esse método como sendo uma pesquisa na qual recorre a fontes mais diversificadas ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 81 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH e dispersas sem tratamento analítico tais como tabelas estatísticas jornais revistas relatórios documentos oficiais cartas filmes fotografias pinturas tapeçarias relatórios de empresas vídeos de programas de televisão etc Ibd p37 Complementando Lakatos 2003 p173 esclarece que a característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos escritos ou não constituindo o que se denomina de fontes primárias Visto que o objetivo desse trabalho é analisar de que forma a implementação da EBSERH contribui para o processo de empresarização nos hospitais universitários a busca por documentos oficiais e relatórios que tornassem essa análise possível passou a ser essencial Nesse sentido Prodanov e Freitas 2013 p 56 entendem como documento qualquer registro que possa ser usado como fonte de informação por meio de investigação Sendo assim a coleta de dados foi realizada em fontes primárias de primeira e segunda mão e secundárias pesquisa bibliográfica visto que é necessária a utilização de bibliografias que fundamentem a pesquisa Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo realizada em três fases 1 a préanálise que se refere à organização do material obtido 2 a descrição analítica que consiste na codificação classificação e categorização dos dados e 3 o tratamento dos resultados etapa onde ocorre a interpretação dos dados BARDIN 1988 Além de responder ao problema de pesquisa esperase que os procedimentos metodológicos permitam aprofundar a discussão Análise dos dados a lógica empresarial a institucionalização da empresa e o pensamento econômico no caso da ebserh Este capítulo de análise é dividido em três seções Cada seção corresponde a cada uma das dimensões de análise construídas com base no referencial teórico utilizado para o exame do processo de empresarização que permeou a implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares A lógica empresarial e seu método o problema de gestão nos hospitais universitários e a empresa como paradigma As abordagens sobre empresarização enfocam o fenômeno que tende a enquadrar as mais diversas organizações no mundo contemporâneo em uma lógica empresarial SOLÈ 2008 Rodrigues Silva e Dellagnelo 2014 destacam a força das linguagens métodos e ferramentas típicos da empresa que se consolidam como os métodos universais por excelência para a gestão tanto privada quando pública Nesse sentido a análise do estabelecimento desse método para a gestão dos hospitais universitários brasileiros mostra como um tipo de solução baseado na ideia de empresa privada se apresentou como o único a ser considerado como se não houvessem outras possibilidades A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a concepção de saúde como direito de todos e dever do Estado Essa concepção se operacionalizou em um sistema único público e universal de prestação de serviços de saúde BRASIL 1988 O Sistema Único de Saúde SUS assim tem suas bases em uma ideia de saúde como direito de cidadania em detrimento de uma ideia de saúde como uma commodity a ser oferecida em um mercado competitivo PAIM 2009 MINISTÉRIO DA SAÚDE 2007 Nesse contexto os hospitais universitários também chamados de hospitais escola são organizações centrais na estruturação desse sistema de saúde Trata se de uma rede complexa que se articula com duas das mais importantes áreas de políticas públicas sociais em qualquer país que almeje construir um sistema de proteção social as áreas de saúde e de educação E esses hospitais podem impactar em ambas as áreas Dallari 2009 ao analisar os hospitais universitários no Brasil afirma que um Hospital Universitário criado e mantido pelo Poder Público é um estabelecimento oficial de ensino que conforme princípio constante do art 207 da Constituição integra indissociavelmente ensino pesquisa e extensão O que lhe dá a característica de Hospital Universitário é justamente o fato de estar integrado numa Universidade uma instituição de ensino superior DALLARI 2009 p 75 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 82 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues Dessa forma os hospitais universitários podem ser considerados elementos fundamentais no sistema de saúde brasileiro por atuarem na implementação das políticas públicas SUS mas também e tão importante quanto formarem os quadros técnicos e disseminarem um conjunto de ideias e concepções que serão reproduzidas no sistema de saúde brasileiro Por esse motivo qualquer transformação ou impactos que sofram tendem a repercutir também nesses dois espaços Por assim dizer a forma como ele executa as práticas nesse campo pode representar alterações no atendimento à população e até mesmo no estado de saúde dessa tendo em vista que atua na formação de indivíduos que tenderão a reproduzir na sua vida profissional muitas das práticas que ali vivenciaram MÉDICI 2001 A análise documental e bibliográfica realizada neste trabalho dá conta de que a criação da EBSERH se deu em um contexto de crise na gestão dos hospitais universitários O Acórdão nº 15202006 elaborado pelo Tribunal de Contas da União TCU apontava para um panorama alarmante nas terceirizações destacando a existência de um descontrole na contratação de profissionais na administração pública federal Convém relatar o caso da Universidade Federal de Sergipe por ser bastante exemplificativo Este Tribunal determinou por meio do Acórdão 518011ª Câmara que a Universidade sustasse no prazo de 90 dias contrato que era utilizado para a contratação de pessoal terceirizado Ocorre que o gestor alegou que o cumprimento da decisão ocasionaria a interrupção de diversos serviços prestados pelo Hospital Universitário ocasionando o colapso dos serviços de saúde em Aracaju e cidades vizinhas com gravíssimas repercussões para a comunidade local mormente a mais carente BRASIL 2006 p 15 A citação acima expressa o grau de importância do hospital universitário na prestação dos serviços de saúde no estado de Sergipe Apesar disso havia a pressão tanto do Tribunal de Contas da União quanto do Ministério Público Federal para que houvesse a substituição de funcionários terceirizados por concursados No ano de 2008 uma nova auditoria do TCU seria diretamente focada na terceirização em hospitais universitários destacando uma série de problemas junto às Fundações de Apoio O Acórdão nº 27312008 constatava uma série de irregularidades praticadas pelas fundações que atuavam na gestão dos hospitais universitários A principal delas dizia respeito às rotinas administrativas no que diz respeito à execução e formulação de projetos Este acórdão determinava que houvesse um conjunto de mudanças na forma de gestão e prestação de contas dos projetos desenvolvidos nos hospitais Tratase de um conjunto de recomendações relativas à publicização dos procedimentos relativos à contratação de projetos por parte das fundações O ponto central aqui é que estas recomendações dos órgãos de controle referiam se a pilares básicos da administração pública Não se tratava até este momento e não constavam nos documentos recomendações relativas à necessidade de implementar uma lógica empresarial mas sim de buscar respostas dentro de princípios já consagrados na própria Constituição Federal de 1988 ou em leis relativas à administração pública como a Lei nº 86661993 ou a Lei nº 97841999 Se entre 2006 e 2009 não foram encontradas evidências nos documentos oficiais que fossem no sentido de uma lógica empresarial isso mudaria a partir deste ano O Acórdão nº 28132009 emitido pelo TCU é o primeiro documento a enfatizar uma solução empresarial para dar conta das necessidades destas instituições mesmo que para isso fosse preciso modificar a estrutura dos hospitais Este documento oficial dava ênfase à definição de metas e indicadores criação de parâmetros mínimos de produtividade para realização de consultas ambulatoriais responsabilização de servidores por resultados Além disso este acórdão destacava uma inovação em relação aos documentos anteriores a necessidade de formulação e implementação da concepção de benchmarking entre os hospitais universitários A lógica da empresa conforme a perspectiva da empresarização SOLÈ 2008 entrava pela porta da frente como o método que traria a solução para os problemas de gestão dos hospitais universitários O TCU aparece como ator fundamental na indução de uma lógica empresarial na administração dos hospitais universitários No momento em que o principal órgão de controle da administração pública brasileira apontava um problema de gestão este problema entraria na agenda governamental Juntamente com ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 83 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH o problema seria apresentada uma solução E teria de ser esta sem a discussão de alternativas ou outras possibilidades mais articuladas aos princípios que regem o sistema de saúde brasileiro como universalidade equidade saúde como direito de cidadania dentre outros A lógica da empresa como método seria evidenciada na Medida Provisória nº 5202010 que instituía a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares na forma de sociedade anônima SA tomando cada vez maior distância em relação aos princípios ordenadores do SUS e se aproximando cada vez mais da lógica empresarial A empresa como instituição e sua institucionalização a normatização da forma empresa na gestão dos hospitais universitários A formulação de Abraham 2006 analisa o processo de empresarização dando ênfase à dimensão institucional assumida pela forma empresa no mundo contemporâneo Haveria uma tendência à institucionalização de ideias percepções e visões de mundo baseadas em pressupostos privatistas e concorrenciais A empresa assim se institucionaliza como modelo chegando ao ponto onde a própria esfera estatal se torna responsável por sancionar regularizar e normatizar o ideário empresarial como uma política de Estado A análise dos documentos relativos à consolidação da EBSERH evidencia tal fenômeno A Medida Provisória nº 5202010 seria transformada em projeto de lei em meados do ano de 2011 O PL nº 1749 de 05 de julho de 2011 modificava alguns pontos da MP sendo que o mais importante seria a previsão de uma instância de controle social na forma de conselho consultivo Este conselho consultivo seria paritariamente constituído por representantes da sociedade civil e do Estado BRASIL 2011 Entretanto a ênfase central permanece a necessidade de aprimoramento dos processos de gestão E isso somente poderia ocorrer se fosse 34 seguida uma lógica empresarial com uma narrativa onde predominam termos como gastos custos controle estratégias dentre outras expressões próprias do léxico do mundo da administração privada O PL nº 17492011 seria aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2011 transformandose em Projeto de Lei da Câmara sob o número 792011 O processo de embates e disputas no âmbito legislativo em que pese a maioria governista na casa levou a mudanças no projeto de lei enviado pelo Governo A principal dessas mudanças foi a modificação da caraterística de Sociedade Anônima para Empresa Pública unipessoal A primeira definição caracteriza uma pessoa jurídica de Direito Privado de caráter híbrido com participação tanto do Poder Público quanto da iniciativa privada no seu capital e na sua administração Já a empresa pública embora também seja uma pessoa jurídica de Direito Privado tem seu capital como exclusivamente público Entretanto há um aspecto essencial a ser destacado empresas públicas e sociedades de economia mista possuem vários traços em comum sendo que o principal diz respeito ao fato de serem Pessoas jurídicas de direito privado voltadas para a exploração de atividade econômica ou para prestação de serviços públicos DI PIETRO 2010 pág 97 Observase portanto que permanece a ênfase econômica conforme a síntese de Oliveira 2014 p 124 Podese perceber que a ideia de exploração de uma atividade econômica no caso a saúde se manteve como ideia central da EBSERH Do ponto de vista da institucionalização de uma lógica empresarial conforme a formulação de Abraham 2006 um dos aspectos que mais se destacam diz respeito aos contratos de gestão Esse mecanismo está presente nos documentos oficiais de constituição da EBSERH e estrutura uma concepção segundo a qual os hospitais deverão se comportar como empresas para que seja possível alcançar os melhores resultados O artigo sexto da Lei nº 12550 que institui a EBSERH destaca que os serviços relacionados as competências da EBSERH serão prestados mediante contratos com as instituições federais de ensino De acordo com a lei o contrato estabelece I as obrigações dos signatários II as metas de desempenho indicadores e prazos de execução a serem observados pelas partes III a respectiva sistemática de acompanhamento e avaliação contendo critérios e parâmetros a serem aplicados e IV a previsão de que a avaliação de resultados obtidos no cumprimento de metas de desempenho e observância de prazos pelas unidades da EBSERH será usada para o aprimoramento de pessoal e melhorias estratégicas ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 84 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues na atuação perante a população e as instituições federais de ensino ou instituições congêneres visando ao melhor aproveitamento dos recursos destinados à EBSERH BRASIL 2011 O decreto nº 7661 Estatuto Social da EBSERH também enfoca a importância dos contratos de gestão como o instrumento que impõe o foco nas metas resultados e no sistema de avaliação desses resultados De acordo com o artigo nono desse documento A EBSERH prestará os serviços relacionados às suas competências mediante contrato com as instituições federais de ensino ou instituições públicas congêneres o qual conterá obrigatoriamente I as obrigações dos signatários II as metas de desempenho indicadores e prazos de execução a serem observados pelas partes e III a respectiva sistemática de acompanhamento e avaliação contendo critérios e parâmetros a serem aplicados BRASIL 2011 Fica à margem da discussão toda a contrapartida relativa à prestação de serviços públicos de saúde e seus processos de implementação Afinal as discussões que pautaram a crise dos hospitais escola e que desencadearam todo o processo que levou à implementação da EBSERH não consideraram essa dimensão Diferente disso o debate se baseou em uma comparação estabelecida com os hospitais vinculados a lógica do mercado Nesse sentido o estudo realizado por Cislaghi 2010 evidencia uma lógica de mercado que coloca lado a lado hospitais públicos e privados O primeiro diagnóstico apresentado é que esses hospitais seriam caros Responsáveis por cerca de 10 dos atendimentos na maioria dos países podem ser responsáveis por desde 9 até 40 do total de gastos na área da saúde Segundo dados da ABRAHUE Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino a realidade brasileira em 2001 era de 9 dos leitos 12 das internações e 24 dos recursos do SUS estarem nessas instituições Essa realidade porém decorre dos altos custos da alta complexidade dos procedimentos realizados por esses hospitais É necessário levar em consideração que esses hospitais realizaram no mesmo período 50 das cirurgias cardíacas 70 dos transplantes 50 das neurocirurgias e 65 dos atendimentos na área de malformações craniofaciais o que justifica seu alto custo de manutenção Ibd p 1 Ou seja onde se vê alto custo também podese ver políticas públicas sendo implementadas Políticas públicas estas que dado seu caráter de política social não integram o rol de serviços de interesse de mercado É partir desse enfoque que se desenvolve toda uma discussão baseada em problemas de gestão e que não coloca em perspectiva outro grande problema o qual diz respeito ao subfinanciamento do Sistema Único de Saúde O problema de financiamento dos hospitais universitários federais é histórico e tornou se ainda mais intenso quando esses hospitais deixaram de ser apenas hospitais de ensino e passaram a ser referência em assistência em saúde OLIVEIRA 2014 Situação essa que acaba não sendo colocada em perspectiva desde a construção da crise até a implementação da EBSERH Nesse sentido é importante destacar que a lei de constituição da EBSERH destaca todo um artigo o oitavo referente a fontes de recurso da EBSERH onde se destacam termos como aplicações financeiras dividendos bonificações rendas dentre outros BRASIL 2011 A expressão máxima dessa lógica voltada para resultados financeiros aparece no parágrafo único do artigo oitavo O lucro líquido da EBSERH será reinvestido para atendimento do objeto social da empresa BRASIL 2011 Aqui podese fazer um questionamento de cunho quase retórico relativo a qual a o que realmente importa nessa discussão lucro líquido ou o objeto social da empresa Ao longo da análise documental há inúmeras referencias a termos como lucro resultado custobenefício e pouquíssimas referentes ao que seria o objeto social dos hospitais universitários a prestação de serviços de ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 85 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH saúde e de educação BRASIL 2009 BRASIL 2011 EBSERH 2011 A análise da institucionalização na ideia de empresa no âmbito da gestão dos hospitais universitários demonstra como é possível sua disseminação para contextos inicialmente não empresariais Considerandose a formulação de Abraham 2006 da empresa como uma instituição central na modernidade tardia e analisandose os documentos relativos à implementação da EBSERH podese refletir sobre o tipo de pensamento em vias de institucionalização nos hospitais universitários Essas organizações são as responsáveis pela formação de parte significativa dos quadros especializados que farão a prestação dos serviços de saúde no Brasil Nesse sentido cabe a análise sobre o pensamento econômico típico do neoliberalismo e sua inscrição na racionalidade interna dos indivíduos O pensamento econômico neoliberal a gestão dos hospitais universitários e os princípios da participação e do controle social na área de saúde Nesta seção se discute o terceiro aspecto da análise do processo de empresarização na saúde pública por meio da implementação da EBSERH que diz respeito ao pensamento econômico neoliberal e como este é incorporado em uma concepção de gestão que opera o que Dardot e Laval 2016 definiram como desdemocratização das democracias liberais Para estes autores a lógica neoliberal não aspira necessariamente à retirada do Estado mas sim a transformação da ação pública Nesse sentido a prestação de serviços públicos também seria regida por regras concorrenciais típicas das empresas privadas O Estado nesse sentido deve atuar como um mantenedor da ordem neoliberal FOUCAULT 2008 mesmo que isso signifique o afastamento da sociedade da possibilidade de participar das decisões públicas Entretanto a estrutura conceitual que deu sustentação à construção do sistema de saúde brasileiro desde a Constituição Federal de 1988 se baseou em princípios que não se coadunam com o pensamento econômico típico do neoliberalismo MENICUCCI 2014 Isso pode ser visto não apenas no princípio constitucional organizador do SUS a ideia de saúde como direito de todos e dever do Estado mas também na ideia de participação e envolvimento da sociedade nas decisões públicas sobre gestão na área setorial Esse ideário estruturou toda uma infraestrutura de participação na área de saúde que a tornou pioneira dentre todas as áreas de políticas públicas no Brasil CÔRTES 2009 A análise do processo de implementação da EBSERH mostra um ideário segundo o qual os problemas de gestão ou a crise de gestão nos hospitais universitários seriam questões relacionadas às características intrínsecas de um tipo específico de gestão a gestão pública Tendo se estabelecido uma visão contrária à gestão pública e favorável à ideia de empresa é sintomática a forma como se deu a formação dos gestores de hospitais universitários no momento de implementação da EBSERH Em busca de um padrão de excelência na gestão EBSERH 2013 administradores de hospitais universitários de todo o país realizaram um curso de especialização latu sensu mediante uma parceria entre Ministério da Saúde EBSERH e Hospital Sírio Libanês de São Paulo A escolha por um dos principais hospitais privados do país evidencia a ênfase na gestão privada em detrimento da governança pública O ponto central a ser destacado nessa reflexão sobre a empresa como fenômeno universalmente generalizável e o pensamento econômico neoliberal como seu corolário é sintetizado na afirmação de Sodré et all 2013 p 371 Sob o discurso da ineficiência da gestão pública e o alto custo dos hospitais universitários federais a EBSERH é apontada pelo governo como única solução grifo do autor Reafirmase assim o acrônimo TINA There Is No Alternative que se tornou um paradigma do pensamento econômico neoliberal desde meados da década de 1980 Outro aspecto relativo à transformação da ação pública apontada por Dardot e Laval 2016 se relaciona com dimensão institucional discutida na seção anterior A ideia de participação um dos pilares centrais do Movimento da Reforma Sanitária que configurou a área de saúde como paradigmática no que diz respeito à participação da sociedade na governança pública é praticamente ignorada O desenho institucional da EBSERH não reserva espaço para mecanismos democráticos de controle como eleição de gestores que são preconizados na Constituição de 1988 e também nas Leis Orgânicas da Saúde O controle democrático é um instrumento social que ganha grande importância na gestão pública a partir de finais do século XX No Brasil o princípio da participação social foi consagrado na Constituição Federal de 1988 e a área de saúde foi a que mais concretizou este princípio com a instituição dos conselhos de saúde nos três níveis de gestão PAIM 2009 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 86 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues O órgão máximo de gestão da EBSERH é o Conselho de Administração que é composto por nove membros todos eles nomeados pelo Ministro da Educação Neste órgão não há espaço de representação da sociedade Dentre as exigências para exercer o cargo de presidente e diretores da EBSERH não aparecem referências a experiência na área de saúde pública O Presidente e Diretores da EBSERH serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos I idoneidade moral e reputação ilibada II notórios conhecimentos na área de gestão da atenção hospitalar e do ensino em saúde e III mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior BRASIL 2011 A inexistência de espaço para participação nos órgãos de gestão da EBSERH não chega a representar algo inusitado afinal tratase de uma prática comum nas empresas da Administração Pública Federal Embora seja digno de nota o fato de tratarse da área de saúde onde a dimensão da participação é importantíssima Entretanto a centralização aparece de forma mais nítida quando se analisa o poder de decisão concentrado na figura do presidente da EBSERH O artigo 18º do Estatuto Social da empresa institui as seguintes competências ao presidente I representar a EBSERH em juízo ou fora dele podendo delegar essa atribuição em casos específicos e em nome da entidade constituir mandatários ou procuradores II convocar e presidir as reuniões da Diretoria III coordenar o trabalho das unidades da EBSERH podendo delegar competência executiva e decisória e distribuir entre os Diretores a coordenação dos serviços da empresa IV editar normas necessárias ao funcionamento dos órgãos e serviços da EBSERH de acordo com a organização interna e a respectiva distribuição de competências estabelecidas pela Diretoria V admitir promover punir dispensar e praticar os demais atos compreendidos na administração de pessoal de acordo com as normas e critérios previstos em lei e aprovados pela Diretoria podendo delegar esta atribuição no todo ou em parte VI designar substitutos para os membros da Diretoria em seus impedimentos temporários que não possam ser atendidos mediante redistribuição de tarefas e no caso de vaga até o seu preenchimento e VII apresentar trimestralmente ao Conselho de Administração relatório das atividades da EBSERH BRASIL 2011b As competências e atribuições de maior impacto são centralizadas no cargo presidencial Pouco se difere de uma empresa privada onde as principais decisões são concentradas na figura do presidente ou CEO Chief Executive Officer embora em algumas dessas possa se encontrar maior participação se for se considerar a existência de assembleias de acionistas Os demais órgãos de administração são o Conselho fiscal e o conselho consultivo BRASIL 2016 O primeiro é comporto por três membros indicados respectivamente pelos ministérios da Educação Saúde e Fazenda Por fim o Conselho Consultivo composto por oito membros é aquele onde aparece o termo controle social Finalmente observase alguma referência a ideia de participação da sociedade na gestão Entretanto é importante destacar que este órgão tem apenas a finalidade de consulta e apoio à Diretoria Executiva e ao Conselho de Administração e dos oito membros apenas um seja representante dos usuários dos serviços de saúde e indicado pelo Conselho Nacional de Saúde CNS Quando se analisam esses aspectos é flagrante a inadequação dos princípios que regem a EBSERH ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 87 com os princípios do SUS A participação da sociedade na formulação e implementação de políticas públicas segundo Paim 2009 p 50 uma orientação para democratizar os serviços e as decisões em relação à saúde Tratase de uma recomendação de organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde para o desenvolvimento de sistemas de saúde Quando se examina a estrutura da EBSERH observa se um distanciamento em relação a uma lógica de sistema e de construção de redes Não se pensou nos hospitais como integrantes do sistema de saúde com toda a sua complexidade Os hospitais foram pensados simplesmente como empresas que necessitavam de boas práticas de gestão Práticas estas que seriam encontradas nas empresas privadas Retomando a discussão analítica sobre o pensamento econômico típico do neoliberalismo fica patente a formulação de Foucault 2008 retomada por Laval e Dardot 2016 referente à fábrica do sujeito neoliberal Ideias como participação ou controle social que foram tão caras e estiveram na base na formulação do Sistema Único de Saúde brasileiro acabam por serem afastadas em nome da eficiência na gestão A desdemocratização das democracias liberais aparece como uma necessidade para que o pensamento neoliberal seja efetivado como paradigmático Nesse sentido acabam limitadas as possibilidades de cidadania ou no léxico consagrado na Constituição Federal de 1988 a ideia de participação cidadã O processo de empresarização se articula com a radicalização da ideia de mercados livres E para sua efetivação é preciso também um Estado forte que limite as possibilidades de participação e envolvimento da sociedade civil como instância legítima e autônoma a ser ouvida nos processos de tomada de decisão O Estado assim deixa de ser pensado nas formulações socialdemocratas ou mesmo do liberalismo clássico O que se busca constituir é a expansão da governança como gestão limitandose ou mesmo excluindose as possibilidades de expansão da participação social Considerações finais Neste trabalho foram analisados determinados aspectos relacionados a um processo mediante o qual uma lógica empresarial foi implementada como padrão de gestão para os hospitais universitários brasileiros A elaboração e implementação da EBSERH quando analisada sob a ótica das abordagens sobre empresarização possibilita um conjunto de reflexões EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH em relação às interações entre público e privado nos contextos de governança e entrega de políticas públicas marcados pela ascensão do que Michel Foucault 2008 denominou de governamentalidade neoliberal Com base nas três categorias de análise acima desenvolvidas lógica empresarial empresa como instituição pensamento econômico destacamos três aspectos à guisa de fechamento deste artigo cada um deles ensejando a possibilidade de novas pesquisas que os aprofundem O primeiro aspecto diz respeito à discussão sobre a ideia de empresa e a busca por uma nova maneira de governar Conforme foi discutido acima Solè 2004 2008 afirma a empresa como ideia e uma ideia universalmente generalizável no mundo contemporâneo Essa perspectiva pode ser articulada aos desenvolvimentos de Laval e Dardot 2016 quando esses autores analisam todo o esforço feito para se construir uma nova maneira de governar em um contexto de expansão do neoliberalismo Por nova maneira de governar no âmbito deste trabalho podese entender como nova maneira de gestão pública A gestão da coisa pública no caso evidenciado pela implementação da EBSERH passa a ser orientada por um conjunto de concepções que não se orienta fundamentalmente pelo reforço e consolidação da gestão pública mas sim é profundamente crítico desta E mais importante não se trata aqui de uma perspectiva de new public management como as que vicejaram nas décadas de 1980 e 1990 Aqui é algo diferente Tratase de uma empresa cujo maior objetivo é cumprir metas e entregar resultados Essas perspectivas articuladas à ideia de participação social animaram boa parte das formulações sobre governança participativa Entretanto a maré parece estar mudando A radicalização de um mercado livre requer um Estado forte Nesse sentido a forma empresa delimita ou mesmo implode qualquer possibilidade de cidadania Nesse sentido a ideia de empresa se institucionaliza e num contexto de expansão neoliberal seu poder é demonstrado mesmo em setor até então protegidos como as políticas sociais Entretanto conforme já destacado por Michel Foucault 2008 onde há poder há resistência O segundo aspecto a ser destacado portanto tem a ver com os conflitos que poderão emergir no período a seguir A partir do esforço de implementação da nova maneira de governar em um contexto onde historicamente se institucionalizaram ideias e percepções fundadas em princípios diametralmente ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 88 opostos ao individualismo neoliberal podese supor que haverá resistência O Movimento da Reforma Sanitária no Brasil teve como lema ainda em finais da década de 1970 a divisa saúde e democracia Daí emergiram ideias de participação e envolvimento da sociedade nas decisões governamentais e na implementação de políticas públicas Entretanto a lógica da participação cidadã e do direito de todos e dever do Estado se choca com a governamentalidade neoliberal Como qualquer empresa os hospitais geridos pela EBSERH precisam dar lucro Novamente aqui se ressalta uma das discussões centrais desse trabalho tratase de uma concepção de saúde como mercadoria ou como direito de cidadania Certamente que a resposta encontrada na análise dos documentos aponta para a primeira alternativa Em uma lógica de mercado onde a empresa é a instituição modeladora de todas as atividades da esfera econômica social e também politica a saúde se converte em mais uma commodity dentre tantas outras que são regidas pelas leis de mercado Nesse sentido destacase o terceiro aspecto considerado à guisa de conclusão deste artigo o governo empresarial como um paradigma de gestão conseguirá se constituir na área de saúde no Brasil Esta pergunta de certa forma é o grande resultado a que se chega após a reflexão e análise levada a cabo neste artigo ensejando a possibilidade de continuidade de uma agenda de pesquisa sobre as relações entre público e privado na gestão pública Conforme é destacado ao longo do texto a área de saúde no Brasil é marcada pela institucionalização de concepções poderosas ligadas à ideia de cidadania e participação social Nesse sentido considerações relativas a uma gestão mais social e focada na ideia de cidadania mais do que clientela são sempre possíveis de serem formuladas e defendidas pelos atores envolvidos na área setorial Haveremos de concordar com as formulações de Michel Foucault segundo as quais a centralidade da esfera econômica nas sociedades modernas faz com que o modelo empresarial se constitua como o único modelo capaz de garantir a sobrevivência dos mais diversos tipos de organizações Nesse sentido a EBSERH poderá ser considerada com mais uma sucursal da fábrica do sujeito neoliberal conforme as formulações de Christian Laval e Pierre Dardot formando profissionais na área de saúde completamente desvinculados e descompromissados com as concepções básicas que estruturaram a formação do sistema de saúde brasileiro As ideias e os atores que deram e ainda dão sustentação ao SUS após quase quarenta anos de luta e resistência serão Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues capazes de fazer frente à força da empresa enquanto fenômeno que a literatura tem apontado como universalmente generalizável Estas são questões que se colocam para o próximo período e que têm relevância tanto na dimensão social e normativa quanto na dimensão científica e analítica Referências ABRAHAM YvesMarie Lentreprise estelle nécessaire In DUPUIS JeanPierre org Sociologie de lentreprise Montréal Gaëtan Morin Editeur 2006 ARIENTI WL Do Estado Keynesiano ao Estado Schumpeteriano Revista de economia política Florianópolis v 23 n 4 p 97113 outdez 2003 BAHIA L A privatização no Sistema de Saúde brasileiro nos anos 2000 tendências e justificação Gestão Pública Pública e Relação Público Privado na Saúde Nelson Rodrigues dos Santos e Paulo Duarte de Carvalho Amarante organizadores Rio de Janeiro CEBES 2010 BARDIN L Análise de conteúdo Lisboa Edições 70 1988 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado Federal 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 10 jun 2016 BRASIL Lei nº 8080 de 19 de Setembro de 1990 Dispõe sobre as condições para a promoção proteção e recuperação da saúde a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília 1990a Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL8080 htm Acesso em 20 jan 2017 BRASIL Lei nº 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília 1990b Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis L8142htm Acesso em 20 jan 2017 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 89 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 15202006 Brasília 2006 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 28132009 Brasília 2009 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 27312008 Brasília 2008 BRASIL Secretaria de Educação Superior Diretoria de Hospitais Universitários e Residências em Saúde Decreto n 7082 de 27 de janeiro de 2010 Institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais REHUF Brasília 2010 BRASIL Lei nº 12550 de 15 de Dezembro de 2011 Brasília 2011 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03ato201120142011Lei L12550 htm Acesso em 25 jan 2017 CISLAGHI J F Hospitais universitários presente caótico e futuro incerto 2010 Disponível em httpsfopsprfileswordpress com201008hospitaisuniversitariospdf Acesso em 22 jun 2016 CÔRTES S V Participação e Saúde no Brasil Rio de Janeiro FIOCRUZ 2009 DALLARI D A Fundações estatais proposta polêmica Revista de Direito Sanitário São Paulo v 10 n 1 jul 2009 Disponível em httpwww revistasuspbrrdisanarticleview1314714953 Acesso em 22 jun 2016 DARDOT P LAVAL C A nova razão do mundo ensaio sobre a sociedade neoliberal 1 ed São Paulo Boitempo 2016 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo 23 ed São Paulo Atlas2010 EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES Manual de Implementação do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários Disponível em httpwww ebserhgovbrdocuments18564586470 HistoriaAGHUpdf24f953ddf5eb4955a544 99bcfab9d929 Acesso em 20012016 Acesso em 03 fev 2017 FOUCAULT M O nascimento da biopolítica São Paulo Martins Fontes 2008 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH GERHARDT T E SILVEIRA D T Métodos de Pesquisa Porto Alegre Editora da UFRGS 2009 GIL A C Métodos e técnicas de pesquisa social 6 ed São Paulo Atlas 2008 LAKATOS E M MARCONI M de A Fundamentos da Metodologia científica 5 ed São Paulo Atlas 2003 MENICUCCI Telma M G Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil atores processos e trajetória Tese doutorado Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2003 MENICUCCI Telma M G A relação entre o público e o privado e o contexto federativo do SUS uma análise institucional Publicação das Nações Unidas 2014 MÉDICI A C Hospitais universitários passado presente e futuro Revista da Associação Médica Brasileira São Paulo v 47 n 2 p 14956 2001 Disponível em httpwwwscielobr Acesso em 21 jun 2016 OLIVEIRA G A A compatibilidade de princípios e modelo de Estado que subjazem ao SUS e à EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares Porto Alegre Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica 2014 PAIM JS O que é o SUS Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2009 PRODANOV C C FREITAS E C de Metodologia do trabalho científico Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico 2ª ed Novo Hamburgo Feevale 2013 RODRIGUES M S SILVA R F C Empresarização no Figueirense Futebol Club e no Sport Club Internacional Gestão Org Revista Eletrônica de Gestão Organizacional v 4 n 3 2006 RODRIGUES M S O novo ministério da verdade o discurso de VEJA sobre o campo do Ensino Superior e a consolidação da empresa no Brasil 2013 410 f Tese Doutorado em Administração Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2013 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 90 SANTOS B S Estado sociedade políticas sociais o caso da política de saúde 1987 SESTELO J A F SOUZA L E P F BAHIA L Saúde suplementar no Brasil abordagens sobre a articulação públicoprivada na assistência à saúde Caderno de Saúde Pública Rio de Janeiro v29 n5 p 851866 2013 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0102311X2013000500004 Acesso em 25 jan 2017 SOLÉ A Qué es una empresa Construcción de un idealtipo transdisciplinario Working Paper Paris 2004 SOLÉ A Lenterprisation du monde In CHAIZE J TORRES F Repenser lentreprise Saisir ce qui commence vingt regards sur une idée neuve Paris Le Cherche Midi 2008 TRIVIÑOS A N S Introdução à pesquisa em ciências sociais a pesquisa qualitativa em educação São Paulo Atlas 1987 VIEIRA M M F ZOUAIN D M Pesquisa qualitativa em Administração Rio de Janeiro Editora FGV 2004 WEBER M Economia e Sociedade Brasília Universidade de Brasília 2004 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
3
8 Estratégias para Aumentar a Motivação no Trabalho
Psicologia Organizacional
UEM
16
O impacto da gestão EBSERH na produção dos hospitais universitários do Brasil
Psicologia Organizacional
UEM
2
Comunicação de Liderança na Votorantim Cimentos: Iniciativas e Desafios
Psicologia Organizacional
UEM
16
A Uberização do Trabalho: Transformações e Desafios na Gig Economy
Psicologia Organizacional
UEM
3
5 Ferramentas de Gestão Utilizadas pelos Funcionários do Google
Psicologia Organizacional
UEM
3
O Mito da Motivação: Compreendendo a Relação entre Motivação, Satisfação e Comportamento
Psicologia Organizacional
UEM
338
Dicionário Crítico do Feminismo
Psicologia Organizacional
UEM
14
Gênero, Patriarcado, Trabalho e Classe: Reflexões sobre o Feminismo Materialista
Psicologia Organizacional
UEM
1
Uso da Inteligência Artificial no Mundo do Trabalho: Aspectos Positivos e Negativos
Psicologia Organizacional
UMG
17
O Significado Cultural na Briga de Galo Balinesa: Uma Análise de Geertz
Psicologia Organizacional
UNINOVE
Texto de pré-visualização
ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 75 Resumo Neste artigo é analisado o processo de implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH como estratégia levada a cabo pelo Estado brasileiro para a gestão dos hospitais universitários federais no país Como lente teóricoanalítica foram mobilizadas perspectivas que abordam os processos de empresarização e de generalização da forma empresa como um fenômeno universalmente generalizável nas sociedades contemporâneas Foi realizada uma análise documental que teve como corpus um conjunto de documentos oficiais que estruturaram o processo de constituição e implementação da EBSERH Constatouse a ênfase na ideia de empresa como paradigma de gestão para o setor público na área de saúde em três dimensões de análise 1 a lógica empresarial expressa no discurso oficial 2 a institucionalização da ideia de empresa como paradigma para a gestão pública e 3 a difusão do pensamento econômico típico do neoliberalismo como modelo de formatação para uma nova maneira de governar Emerge assim a imagem de uma gestão empresarial para o setor público baseada em uma lógica de mercado livre sustentada por um Estado forte que limita as possiblidades de cidadania e participação social na gestão pública Palavraschave Processo de empresarização Saúde Pública EBSERH Abstract This article analyzes the implementation process of the Brazilian Company of Hospital Services EBSERH as a strategy carried out by the Brazilian State for the management of federal university hospitals in the country As a theoretical lens perspectives have been mobilized that approach the enterprisation process and the enterprise as a universally generalizable phenomenon in contemporary societies A documentary analysis was carried out which had as corpus a set of official documents that structured the process of constitution and implementation of the EBSERH The emphasis was on enterprisation as a management paradigm for the public health sector in three dimensions of analysis 1 the enterprise logic expressed in the official discourse 2 the institutionalization of the enterprise as a paradigm for public management and 3 the diffusion of economic thinking typical of neoliberalism as a formatting model for a new way of governing Thus emerges the image of a business management for the public sector based on a free market logic supported by a strong state that limits the possibilities of citizenship and social participation in public management Keywords Enterprising process Public Health EBSERH EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH PUBLIC HEALTH ENTERPRISATION THE EBSERH CASE Recebido em 16102018 Aprovado em 24102018 Avaliado pelo sistema double blind review DOI httpdxdoiorg1012712rpcav12i427119 Janiele Cristine Peres Borges janieleperesgmailcom Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFGRS Porto AlegreRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000249301977 Márcio Barcelos barcelosmarciogmailcom Universidade Federal de Pelotas UFPEL PelotasRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000332051673 Marcio Silva Rodrigues marciosilvarodriguesgmailcom Universidade Federal de Pelotas UFPEL PelotasRS BRASIL ORCID httpsorcidorg0000000288107077 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 76 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues Introdução Este trabalho tem como tema central o processo de empresarização e seus impactos sobre a administração pública Essa temática mais geral se desdobrou em uma análise da área de saúde pública no Brasil mais especificamente na construção e implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH com foco na sua lógica de funcionamento em comparação com os princípios que estão na base da constituição do Sistema Único de Saúde SUS A motivação inicial que deu origem ao trabalho relacionase com um questionamento sobre como o processo de empresarização imprime uma lógica própria na gestão e funcionamento do Estado e da administração pública lógica esta baseada em imperativos econômicos e de mercado Nas últimas décadas do século XX e neste início de século XXI um conjunto de estudos tem apontado para um processo amplo e irrestrito nas sociedades contemporâneas Esses estudos consideram o contexto de uma modernidade tardia onde o capitalismo mais do que um modo de produção conforme a formulação clássica de Marx se estrutura como um produtor de subjetividades Na formulação de Michel Foucault 2008 os imperativos econômicos se impõem na contemporaneidade e a forma empresa tornase um paradigma que se espraia sobre todas as esferas da vida social Este processo de disseminação da empresa tem sido trabalhado analiticamente a partir do desenvolvimento do conceito empresarização do mundo ABRAHAM 2006 SOLÉ 2008 RODRIGUES 2013 De acordo com Rodrigues 2013 tratase de um amplo processo de compreensão da ideia de empresa como modelo universalmente generalizável ou seja disseminase a ideia de empresa sobre os mais diversos contextos não apenas econômico mas também políticos e sociais O mundo atual assim tornase cada vez mais um mundoempresa Do ponto de vista da administração pública a concepção de mundoempresa estabelece tensões com pressupostos relativos à cidadania direitos sociais e efetividade de políticas públicas universalistas Partindo de uma perspectiva ao mesmo tempo analítica e também crítica a este amplo e generalizado processo de empresarização é possível buscar uma compreensão mais aprofundada sobre como se constroem políticas públicas em cenários de disputas acirradas em torno de direitos sociais A área de saúde no Brasil nesse contexto constituise em um exemplo empírico viável para este tipo de análise O SUS e suas políticas públicas no contexto pós Constituição Federal de 1988 orientamse pelo pressuposto da prestação de serviços de saúde como direitos de cidadania Saúde como direito de todos e dever do Estado BRASIL 1988 constitui um lema fundante que determina uma lógica pública baseada na prevenção e na atenção básica com um modelo menos hospitalocêntrico1 e mais focado no cuidado primário Entretanto uma ampla literatura tem destacado um processo de institucionalização de práticas gerenciais baseadas em uma lógica privada e empresarial que parece pôr à prova a lógica pública participativa e universalista que fundamenta os princípios do sistema de saúde brasileiro MENICUCCI 2014 SESTELO SOUZA BAHIA 2013 BAHIA 2010 CÔRTES 2009 PAIM 2009 Observase assim uma ênfase na cura da doença em detrimento da promoção da saúde que vai resultar na excessiva sobreposição da média e alta complexidade dos tratamentos de saúde Com a proposta de implantação da EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares em 2010 o modelo de gestão que é trazido para os hospitais universitários mostra um alinhamento a uma lógica gerencial própria de empresas privadas refletindo o que Menicucci 2014 2003 chama de configuração híbrida no sistema de saúde brasileiro O que acaba por representar um confronto entre essa forma de gestão e alguns princípios propostos pela gestão do SUS como a regionalização a participação social a integralidade da assistência entre outros Tendo isso em vista e também o fato de a EBSERH estar iniciando o seu processo de implantação ao mesmo tempo em que há evidências de que o modelo de gestão do SUS não tenha sido plenamente implantado percebese que há uma contraposição entre dois modelos de gestão um orientado por uma lógica pública e outro orientado por uma lógica privada Nesse sentido pode se aventar a possibilidade de que a lógica privada já presente desde a conformação do SUS na década de 1 Sistema de saúde que é construído em torno de hospitais uma das tendências que comprometem os sistemas de saúde conforme apontado pela Organização Mundial de Saúde OMS ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 77 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH 1980 MENICUCCI 2003 é reforçada na medida em que o processo de empresarização do mundo se acentua nas mais diversas áreas Considerando o exposto acima este trabalho se propõe a realizar uma análise de caráter exploratório buscando identificar como a ideia de empresa se expressa na administração pública e mais especificamente no campo da saúde A escolha pelos hospitais universitários federais como objeto empírico se deu justamente pelas especificidades da área de saúde a qual tem sido estruturada em torno de pressupostos públicos onde predomina uma ideia de saúde como direitos de todos e dever do Estado conforme consta na Constituição Federal BRASIL 1988 Diante disso o objetivo geral desta pesquisa foi analisar como a empresarização se expressou ao longo do processo de constituição da EBSERH A justificativa para a realização desta pesquisa tem como ponto de partida a consideração em relação à prestação de serviços de saúde enquanto bens públicos garantidos pela Constituição Federal de 1988 A prestação desses serviços está disponível para a população em diversas organizações de saúde dentre elas os hospitais escola Essas organizações oferecem atendimento de saúde totalmente vinculado ao SUS e têm pelo fato de estarem vinculadas às universidades um vínculo também com o processo de educação nessa área Alterações nos chamados hospitais de ensino acabam por representar mudanças tanto nos serviços de saúde que são prestados a comunidade quanto no processo de educação das universidades a eles vinculadas Portanto estudos que analisem essas transformações tornamse relevantes no que confere a construção de elementos que sirvam de base para a reflexão sobre essas duas grandes áreas públicas a prestação de serviço saúde e a educação para a saúde pública Além disso pode criar possibilidades para a discussão sobre a atuação do Estado no campo da saúde em um contexto de expansão dos processos de empresarização Referencial teórico a ebserh e o processo de empresarização A análise da implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EBSERH é feita neste trabalho sob a perspectiva teórica do processo de empresarização do mundo ocidental SOLÈ 2004 2008 ABRAHAM 2006 RODRIGUES 2013 Os estudos baseados nesta perspectiva teóricoanalítica têm apontado para o fenômeno da expansão da forma empresarial como um padrão universal de organização da vida contemporânea seja no âmbito privado seja no âmbito público Tratase assim de processo amplo e irrestrito nas sociedades capitalistas da atualidade No contexto de uma modernidade tardia onde o capitalismo se estabelece como algo mais do que um modo de produção mas como um produtor de subjetividades FOUCAULT 2008 a forma empresa tornase um paradigma que se difunde e se alastra sobre todas as esferas da vida social Este processo de disseminação da forma empresa tem sido trabalhado analiticamente a partir do desenvolvimento do conceito empresarização do mundo SOLÈ 2004 2008 Adotando o pressuposto teórico que será apresentado de maneira sucinta a seguir do modelo da empresa como um padrão generalizado e universal de organização do mundo contemporâneo este trabalho analisa o processo de implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares considerando as complexidades e características próprias da área de saúde no Brasil O primeiro aspecto que chamou a atenção no objeto empírico representado pela EBSERH foi justamente o termo empresa na sua designação oficial A abordagem teórica que embasou a análise da implementação da EBSERH portanto visa refletir sobre a expansão de uma lógica empresarial que passa a se tornar um paradigma predominante no setor público Afinal se a área de saúde é estruturada com base em uma lógica de gestão pública participativa PAIM 2009 poderia se julgar surpreendente que se estruture uma empresa para gerir os hospitais universitários federais que integram não apenas a estrutura do Sistema Único de Saúde mas também fazem parte da estrutura de educação superior federal pública no Brasil Mais surpreendente ainda se for considerado que sua implementação foi levada a cabo em um governo de centroesquerda Entretanto à luz da abordagem teórica aqui utilizada tais fatores não se mostram surpreendentes Pelo contrário talvez essa seja uma tendência geral Sendo assim neste capítulo se discute aquela que é definida como a dimensão explicativa central dessa pesquisa De acordo com a perspectiva teórica aqui mobilizada há um processo amplo e irrestrito de empresarização que se impõe inclusive sobre a esfera estatal Nesse sentido mesmo em contextos de ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 78 governos de centro ou centroesquerda haverá uma tendência a organização das agências estatais que formulam e implementam as políticas públicas de acordo com uma lógica própria à empresa A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares representa a implementação de uma empresa para administrar uma organização pública no caso os hospitais universitários federais Na formulação seminal sobre o que representaria um processo de empresarização Solé 2004 afirma que a empresa tem sido convertida em um modelo universal para a organização das mais diversas atividades humanas como é o caso de hospitais e organizações públicas que acabam adotando sistemas de gestão empresariais Nesse sentido o autor vai além das formulações clássicas de Max Weber segundo as quais a ação racional com relação a fins se tornaria o aspecto definidor das sociedades ocidentais WEBER 2004 Para Solé 2008 a ação racional com relação a fins se concretiza na forma empresa como modelo universal de organização e gestão das esferas sociais políticas e econômicas do mundo moderno Sendo assim cada vez mais se observa a presença do discurso dos métodos e das práticas empresariais em organizações e instituições que originalmente não possuíam essas características Isso porque a empresa através de um discurso que está assentado em pressupostos como o da eficácia da qualidade e de resultados acaba sendo transformada em um modelo a ser seguido SOLÉ 2004 A gestão da coisa pública assim deve ser efetivada na forma como se gere a empresa privada A ênfase no dever ser é essencial Destaquese que há uma orientação normativa poderosa segundo a qual o bom aceitável ou positivo é tudo aquilo que remete à ideia de organização empresarial Nesse sentido mesmo as política públicas seriam as mais eficientes mais eficazes ou melhores se seguissem um processo de estruturação formulação e implementação nos moldes de uma cadeia de suprimentos em uma empresa qualquer Conforme afirma o autor Weber sustenta que a empresa é a organização mais racional que os humanos tenham inventado Referindose notadamente ao fato de que não há empresa sem contabilidade sem estabelecimento de um balanço sublinha a importância do cálculo e das previsões na direção e na gestão Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues dessa organização Sendo a mais racional a empresa é a organização mais eficaz Essa associação empresaracionalidadeeficácia não continua a impregnar fortemente o espírito dos habitantes do nosso mundo moderno Não é essa associação que conduz mais do que nunca a propor a empresa como modelo a todas as organizações os serviços públicos em particular SOLÈ 2008 p 5 A citação acima expressa a disseminação da forma empresa nas mais diversas áreas do mundo social inclusive para a esfera estatal Isso representa o reflexo de um processo no qual a empresa principalmente nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas tem se tornado um elemento central o que acaba caracterizando a modernidade como uma sociedade de empresas chamada por Solé 2004 2008 de mundoempresa Assim podese perceber uma narrativa predominante estruturada em uma linguagem que destaca os métodos ferramentas técnicas e práticas empresariais que passam a orientar organizações que anteriormente não seguiam essas ideias e práticas e que além disso não estavam submetidas à competição e ao imperativo do cálculo estritamente econômico Nesse sentido tornase um desafio pensar direitos de cidadania ou de participação da sociedade na gestão pública Solé 2008 descreve o processo de empresarização como uma dinâmica que é além de econômica social política cultural e cognitiva ou seja transcende o contexto empresarial Diante disso o autor apresenta algumas manifestações desse processo sendo elas a expansão geográfica da empresa pelo mundo considerando a globalização como a representação da empresarização do mundo os processos de privatizações nos quais as empresas passam a assumir a atividades de organizações públicas com essas se encarregando de um número cada vez maior de atividades a empresa como um modelo para as demais organizações aumento da influência das empresas sobre a vida dos humanos no interior dela através da administração dos corpos dos corações e do imaginário desses e a influência crescente da empresa sobre a vida dos humanos fora dela A empresa então representa uma organização que contribui a partir da criação de necessidades para a ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 79 disseminação e manutenção do individualismo do egoísmo e da concorrência permeando o tecido social RODRIGUES e SILVA 2006 Nessa perspectiva a empresa parece representar mais do que a organização central da sociedade e por assim dizer Abraham 2006 apoiado nos trabalhos de Solé sobre o processo de empresarização do mundo caracteriza a empresa não como uma organização mas como uma instituição visto que ela representa um conjunto de maneiras de agir e de pensar próprios da sociedade moderna Diante do fato de que a empresa representa uma instituição central nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas ABRAHAM 2006 é possível perceber a disseminação da empresa para contextos não empresariais tanto como elemento de organização social quanto como um modelo organizacional generalizável RODRIGUES SILVA 2006 Esse processo de consolidação da empresa enquanto um modelo universalizável que permeia o tecido social parece estar sendo intensificado através do neoliberalismo FOUCAULT 2008 No neoliberalismo mais do que o emprego de mecanismos produtivos há uma preocupação com a forma com que são alocados esses recursos Há uma preocupação com a lógica que faz com que o indivíduo decida aplicar os recursos escassos em dado modo de produção e não em outro para atingir um fim e não outro O neoliberalismo ocupase da maneira como os indivíduos racionalizam o emprego dos recursos visando atingir determinado fim sendo esse fim o mantenedor da lógica econômica FOUCAULT 2008 Trazendo a definição de que a economia é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios Foucault 2008 deixa a questão de qual cálculo faz com que as pessoas optem por alocar recursos escassos em determinados fins e não em outros Com base nesse pressuposto relativo à lógica econômica e sua internalização na forma de agir humana Foucault 2008 deriva a prerrogativa de que o próprio Estado neoliberal funcionará de acordo com tal lógica Além disso a própria economia política do Estado neoliberal será inscrita na racionalidade interna dos indivíduos O ponto central a ser destacado aqui diz respeito à articulação entre indivíduo sociedade e Estado operando de acordo com pressupostos ligados à ideia de homo economicus O cálculo a eficiência a adequação estrita dos meios aos fins que se pretende alcançar passam a ser os determinantes da ação social Seja no âmbito do indivíduo seja no âmbito público e na definição de políticas públicas Ideias como público ou comum passam a ser incisivamente questionadas em nome de uma concepção atomizada de sociedade SANTOS 1987 O fato de a empresa representar um modelo social universalmente generalizado acaba por reconstituir uma série de valores morais e culturais baseados em uma lógica de concorrência Essas relações concorrenciais inerentes ao ambiente empresarial e que atuam como um princípio no campo da economia de mercado ao serem inseridas no meio social tendem mais a atuar como um princípio dissolvente do que unificante Portanto para que os mecanismos da concorrência possam agir economicamente no tecido social tornase necessário a atuação do Estado como mantenedor da ordem neoliberal FOUCAULT 2008 No Brasil as concepções neoliberais ganham força ao longo da década de 1990 alinhadas com orientações políticas que foram predominantes na maioria dos países da América Latina Destacase a incorporação de um discurso há muito proferido pelos países centrais o esgotamento do Estado de bemestar keynesiano e consequentemente o da necessidade de instituir o chamado Estado neoliberal schumpeteriano na defesa de um Estado menos oneroso mais flexível orientado à empresa à inovação tecnológica e ao trabalho que tornouse um símbolo de modernidade e de progresso ARIENTI 2003 Em contextos onde predomina o neoliberalismo o Estado passa a ser considerado mais um agente da esfera econômica atuando na manutenção e preservação do status quo Por ser comparado aos demais agentes da esfera econômica muitas vezes é enquadrado como ineficiente e pouco produtivo pois desempenha atividades caras e que podem representar entraves à competitividade da economia Com isso a gestão da coisa pública crescentemente passa a ser submetida à análise econômica e alinhada a busca de um Estado eficaz Além de ter que buscar essa eficiência o Estado passa a ser visto como encarregado de reformar e administrar a sociedade para colocála a serviço das empresas DARDOT LAVAL 2016 O neoliberalismo representa mais do que a simples manutenção da atuação do Estado na esfera econômica visto que é caracterizado na verdade por uma transformação da ação pública Onde o Estado passa a ser regido pelas mesmas regras de concorrência e submetido às exigências de eficácia como se fosse ele uma empresa Dessa forma o Estado é reestruturado EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 80 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues de duas maneiras de fora através de privatizações que colocam fim ao Estado produtor e de dentro adotando uma postura de Estado avaliador e regulador que mobiliza novos instrumentos de poder entre governo e sujeitos sociais DARDOT LAVAL 2016 assim como entre governo e demais organizações e instituições sociais Numa era neoliberal as questões que são colocadas e discutidas não se referem somente à utilidade da ação do Estado mas a sua eficácia que é medida de forma quantificada e comparada a outros atores A esfera pública e a privada adotam os mesmos passos diante de um ambiente competitivo que se instaura no qual o privado serve de modelo para o público como se ambos tivessem o dever de apresentar os mesmos objetivos e resultados Estruturase assim uma concepção de obrigatoriedade das instituições públicas no sentido de se comportarem como se fossem empresas inseridas em um ambiente em que a concorrência é utilizada como o instrumento mais eficiente para melhorar o desempenho da ação pública DARDOT LAVAL 2016 A concorrência privilegiando os melhores e mais adaptados possibilitaria assim a sobrevivência das organizações e agências públicas que melhor correspondessem aos anseios não de cidadãos e cidadãs mas sim de clientes que pagam por serviços Tomando este referencial teórico como lente analítica para examinar o caso da EBSERH foram construídas três categorias de análise essenciais nesse estudo A primeira diz respeito à lógica empresarial SOLÈ 2008 e seu método e como foram implementados e estabelecidos no âmbito da gestão dos hospitais universitários brasileiros A segunda referese à empresa como instituição ABRAHAM 2006 dandose ênfase ao processo no qual determinadas ideias e concepções relativas à esfera privada foram sancionadas regularizadas e normatizadas mediante um discurso oficial oriundo da própria esfera estatal Finalmente a terceira categoria de análise diz respeito ao pensamento econômico típico do neoliberalismo FOUCAULT 2008 DARDOT e LAVAL 2016 que afasta ideias como participação da sociedade ou controle social tão caras a movimentos como o da Reforma Sanitária que estiveram na origem da construção do Sistema Único de Saúde Esse conjunto de categorias é pensado na perspectiva de sua inscrição na racionalidade interna dos indivíduos a partir da consideração dos hospitais universitários como espaços de formação dos quadros profissionais na área de saúde Procedimentos metodológicos A abordagem metodológica utilizada neste trabalho é de orientação qualitativa com base em pesquisa documental tanto de fontes oficiais como leis decretos e regulamentos quanto de fontes bibliográficas como artigos e análises especializadas relativas ao processo de implementação da EBSERH Sendo assim não procura enumerar eou medir os eventos estudados nem emprega instrumental estatístico para realizar a análise dos dados VIEIRA ZOUAIN 2004 Ademais considerando que se pretende descrever o fenômeno e interpretar os significados observados a pesquisa pode ser considerada como descritivointerpretativa VIEIRA ZOUAIN 2004 Corroborando a isso Triviños 1987 ressalta que essa é uma característica básica da pesquisa qualitativa visto que o pesquisador busca além de descrever a realidade analisada identificar concepções perspectivas e interpretar as informações levantadas A principal fonte de dados empíricos foram os documentos legais que deram a estrutura legal e jurídica para a implementação da EBSERH A escolha por tais documentos deuse em função da orientação normativa que jaz em seu subtexto ou seja uma visão relativa a quais os princípios que devem reger a estrutura da EBSERH Os documentos analisados foram Acórdãos 15202006 27312008 e 28132009 do Tribunal de Contas da União TCU Medida Provisória 5202010 Decreto 7082 2010 Lei 125502011 Decreto 76612011 e Regimento Interno da EBSERH Nesse sentido cabe destacar que uma pesquisa documental e uma pesquisa bibliográfica embora possam ser confundidas referemse a coisas diferentes Como principal diferença Gil 2008 destaca a natureza das fontes dessas pesquisas ou seja enquanto a bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições de vários autores sobre determinado assunto a pesquisa documental fundamentase em materiais que não receberam ainda um tratamento analítico Destacase a utilização desse tipo de pesquisa no momento em que se pode organizar informações dispersas conferindolhes uma importância como fonte de consulta Nesse contexto Gerhardt e Silveira 2009 utilizam Fonseca 2002 para elucidar sobre o tema o qual define esse método como sendo uma pesquisa na qual recorre a fontes mais diversificadas ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 81 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH e dispersas sem tratamento analítico tais como tabelas estatísticas jornais revistas relatórios documentos oficiais cartas filmes fotografias pinturas tapeçarias relatórios de empresas vídeos de programas de televisão etc Ibd p37 Complementando Lakatos 2003 p173 esclarece que a característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos escritos ou não constituindo o que se denomina de fontes primárias Visto que o objetivo desse trabalho é analisar de que forma a implementação da EBSERH contribui para o processo de empresarização nos hospitais universitários a busca por documentos oficiais e relatórios que tornassem essa análise possível passou a ser essencial Nesse sentido Prodanov e Freitas 2013 p 56 entendem como documento qualquer registro que possa ser usado como fonte de informação por meio de investigação Sendo assim a coleta de dados foi realizada em fontes primárias de primeira e segunda mão e secundárias pesquisa bibliográfica visto que é necessária a utilização de bibliografias que fundamentem a pesquisa Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo realizada em três fases 1 a préanálise que se refere à organização do material obtido 2 a descrição analítica que consiste na codificação classificação e categorização dos dados e 3 o tratamento dos resultados etapa onde ocorre a interpretação dos dados BARDIN 1988 Além de responder ao problema de pesquisa esperase que os procedimentos metodológicos permitam aprofundar a discussão Análise dos dados a lógica empresarial a institucionalização da empresa e o pensamento econômico no caso da ebserh Este capítulo de análise é dividido em três seções Cada seção corresponde a cada uma das dimensões de análise construídas com base no referencial teórico utilizado para o exame do processo de empresarização que permeou a implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares A lógica empresarial e seu método o problema de gestão nos hospitais universitários e a empresa como paradigma As abordagens sobre empresarização enfocam o fenômeno que tende a enquadrar as mais diversas organizações no mundo contemporâneo em uma lógica empresarial SOLÈ 2008 Rodrigues Silva e Dellagnelo 2014 destacam a força das linguagens métodos e ferramentas típicos da empresa que se consolidam como os métodos universais por excelência para a gestão tanto privada quando pública Nesse sentido a análise do estabelecimento desse método para a gestão dos hospitais universitários brasileiros mostra como um tipo de solução baseado na ideia de empresa privada se apresentou como o único a ser considerado como se não houvessem outras possibilidades A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a concepção de saúde como direito de todos e dever do Estado Essa concepção se operacionalizou em um sistema único público e universal de prestação de serviços de saúde BRASIL 1988 O Sistema Único de Saúde SUS assim tem suas bases em uma ideia de saúde como direito de cidadania em detrimento de uma ideia de saúde como uma commodity a ser oferecida em um mercado competitivo PAIM 2009 MINISTÉRIO DA SAÚDE 2007 Nesse contexto os hospitais universitários também chamados de hospitais escola são organizações centrais na estruturação desse sistema de saúde Trata se de uma rede complexa que se articula com duas das mais importantes áreas de políticas públicas sociais em qualquer país que almeje construir um sistema de proteção social as áreas de saúde e de educação E esses hospitais podem impactar em ambas as áreas Dallari 2009 ao analisar os hospitais universitários no Brasil afirma que um Hospital Universitário criado e mantido pelo Poder Público é um estabelecimento oficial de ensino que conforme princípio constante do art 207 da Constituição integra indissociavelmente ensino pesquisa e extensão O que lhe dá a característica de Hospital Universitário é justamente o fato de estar integrado numa Universidade uma instituição de ensino superior DALLARI 2009 p 75 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 82 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues Dessa forma os hospitais universitários podem ser considerados elementos fundamentais no sistema de saúde brasileiro por atuarem na implementação das políticas públicas SUS mas também e tão importante quanto formarem os quadros técnicos e disseminarem um conjunto de ideias e concepções que serão reproduzidas no sistema de saúde brasileiro Por esse motivo qualquer transformação ou impactos que sofram tendem a repercutir também nesses dois espaços Por assim dizer a forma como ele executa as práticas nesse campo pode representar alterações no atendimento à população e até mesmo no estado de saúde dessa tendo em vista que atua na formação de indivíduos que tenderão a reproduzir na sua vida profissional muitas das práticas que ali vivenciaram MÉDICI 2001 A análise documental e bibliográfica realizada neste trabalho dá conta de que a criação da EBSERH se deu em um contexto de crise na gestão dos hospitais universitários O Acórdão nº 15202006 elaborado pelo Tribunal de Contas da União TCU apontava para um panorama alarmante nas terceirizações destacando a existência de um descontrole na contratação de profissionais na administração pública federal Convém relatar o caso da Universidade Federal de Sergipe por ser bastante exemplificativo Este Tribunal determinou por meio do Acórdão 518011ª Câmara que a Universidade sustasse no prazo de 90 dias contrato que era utilizado para a contratação de pessoal terceirizado Ocorre que o gestor alegou que o cumprimento da decisão ocasionaria a interrupção de diversos serviços prestados pelo Hospital Universitário ocasionando o colapso dos serviços de saúde em Aracaju e cidades vizinhas com gravíssimas repercussões para a comunidade local mormente a mais carente BRASIL 2006 p 15 A citação acima expressa o grau de importância do hospital universitário na prestação dos serviços de saúde no estado de Sergipe Apesar disso havia a pressão tanto do Tribunal de Contas da União quanto do Ministério Público Federal para que houvesse a substituição de funcionários terceirizados por concursados No ano de 2008 uma nova auditoria do TCU seria diretamente focada na terceirização em hospitais universitários destacando uma série de problemas junto às Fundações de Apoio O Acórdão nº 27312008 constatava uma série de irregularidades praticadas pelas fundações que atuavam na gestão dos hospitais universitários A principal delas dizia respeito às rotinas administrativas no que diz respeito à execução e formulação de projetos Este acórdão determinava que houvesse um conjunto de mudanças na forma de gestão e prestação de contas dos projetos desenvolvidos nos hospitais Tratase de um conjunto de recomendações relativas à publicização dos procedimentos relativos à contratação de projetos por parte das fundações O ponto central aqui é que estas recomendações dos órgãos de controle referiam se a pilares básicos da administração pública Não se tratava até este momento e não constavam nos documentos recomendações relativas à necessidade de implementar uma lógica empresarial mas sim de buscar respostas dentro de princípios já consagrados na própria Constituição Federal de 1988 ou em leis relativas à administração pública como a Lei nº 86661993 ou a Lei nº 97841999 Se entre 2006 e 2009 não foram encontradas evidências nos documentos oficiais que fossem no sentido de uma lógica empresarial isso mudaria a partir deste ano O Acórdão nº 28132009 emitido pelo TCU é o primeiro documento a enfatizar uma solução empresarial para dar conta das necessidades destas instituições mesmo que para isso fosse preciso modificar a estrutura dos hospitais Este documento oficial dava ênfase à definição de metas e indicadores criação de parâmetros mínimos de produtividade para realização de consultas ambulatoriais responsabilização de servidores por resultados Além disso este acórdão destacava uma inovação em relação aos documentos anteriores a necessidade de formulação e implementação da concepção de benchmarking entre os hospitais universitários A lógica da empresa conforme a perspectiva da empresarização SOLÈ 2008 entrava pela porta da frente como o método que traria a solução para os problemas de gestão dos hospitais universitários O TCU aparece como ator fundamental na indução de uma lógica empresarial na administração dos hospitais universitários No momento em que o principal órgão de controle da administração pública brasileira apontava um problema de gestão este problema entraria na agenda governamental Juntamente com ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 83 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH o problema seria apresentada uma solução E teria de ser esta sem a discussão de alternativas ou outras possibilidades mais articuladas aos princípios que regem o sistema de saúde brasileiro como universalidade equidade saúde como direito de cidadania dentre outros A lógica da empresa como método seria evidenciada na Medida Provisória nº 5202010 que instituía a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares na forma de sociedade anônima SA tomando cada vez maior distância em relação aos princípios ordenadores do SUS e se aproximando cada vez mais da lógica empresarial A empresa como instituição e sua institucionalização a normatização da forma empresa na gestão dos hospitais universitários A formulação de Abraham 2006 analisa o processo de empresarização dando ênfase à dimensão institucional assumida pela forma empresa no mundo contemporâneo Haveria uma tendência à institucionalização de ideias percepções e visões de mundo baseadas em pressupostos privatistas e concorrenciais A empresa assim se institucionaliza como modelo chegando ao ponto onde a própria esfera estatal se torna responsável por sancionar regularizar e normatizar o ideário empresarial como uma política de Estado A análise dos documentos relativos à consolidação da EBSERH evidencia tal fenômeno A Medida Provisória nº 5202010 seria transformada em projeto de lei em meados do ano de 2011 O PL nº 1749 de 05 de julho de 2011 modificava alguns pontos da MP sendo que o mais importante seria a previsão de uma instância de controle social na forma de conselho consultivo Este conselho consultivo seria paritariamente constituído por representantes da sociedade civil e do Estado BRASIL 2011 Entretanto a ênfase central permanece a necessidade de aprimoramento dos processos de gestão E isso somente poderia ocorrer se fosse 34 seguida uma lógica empresarial com uma narrativa onde predominam termos como gastos custos controle estratégias dentre outras expressões próprias do léxico do mundo da administração privada O PL nº 17492011 seria aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2011 transformandose em Projeto de Lei da Câmara sob o número 792011 O processo de embates e disputas no âmbito legislativo em que pese a maioria governista na casa levou a mudanças no projeto de lei enviado pelo Governo A principal dessas mudanças foi a modificação da caraterística de Sociedade Anônima para Empresa Pública unipessoal A primeira definição caracteriza uma pessoa jurídica de Direito Privado de caráter híbrido com participação tanto do Poder Público quanto da iniciativa privada no seu capital e na sua administração Já a empresa pública embora também seja uma pessoa jurídica de Direito Privado tem seu capital como exclusivamente público Entretanto há um aspecto essencial a ser destacado empresas públicas e sociedades de economia mista possuem vários traços em comum sendo que o principal diz respeito ao fato de serem Pessoas jurídicas de direito privado voltadas para a exploração de atividade econômica ou para prestação de serviços públicos DI PIETRO 2010 pág 97 Observase portanto que permanece a ênfase econômica conforme a síntese de Oliveira 2014 p 124 Podese perceber que a ideia de exploração de uma atividade econômica no caso a saúde se manteve como ideia central da EBSERH Do ponto de vista da institucionalização de uma lógica empresarial conforme a formulação de Abraham 2006 um dos aspectos que mais se destacam diz respeito aos contratos de gestão Esse mecanismo está presente nos documentos oficiais de constituição da EBSERH e estrutura uma concepção segundo a qual os hospitais deverão se comportar como empresas para que seja possível alcançar os melhores resultados O artigo sexto da Lei nº 12550 que institui a EBSERH destaca que os serviços relacionados as competências da EBSERH serão prestados mediante contratos com as instituições federais de ensino De acordo com a lei o contrato estabelece I as obrigações dos signatários II as metas de desempenho indicadores e prazos de execução a serem observados pelas partes III a respectiva sistemática de acompanhamento e avaliação contendo critérios e parâmetros a serem aplicados e IV a previsão de que a avaliação de resultados obtidos no cumprimento de metas de desempenho e observância de prazos pelas unidades da EBSERH será usada para o aprimoramento de pessoal e melhorias estratégicas ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 84 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues na atuação perante a população e as instituições federais de ensino ou instituições congêneres visando ao melhor aproveitamento dos recursos destinados à EBSERH BRASIL 2011 O decreto nº 7661 Estatuto Social da EBSERH também enfoca a importância dos contratos de gestão como o instrumento que impõe o foco nas metas resultados e no sistema de avaliação desses resultados De acordo com o artigo nono desse documento A EBSERH prestará os serviços relacionados às suas competências mediante contrato com as instituições federais de ensino ou instituições públicas congêneres o qual conterá obrigatoriamente I as obrigações dos signatários II as metas de desempenho indicadores e prazos de execução a serem observados pelas partes e III a respectiva sistemática de acompanhamento e avaliação contendo critérios e parâmetros a serem aplicados BRASIL 2011 Fica à margem da discussão toda a contrapartida relativa à prestação de serviços públicos de saúde e seus processos de implementação Afinal as discussões que pautaram a crise dos hospitais escola e que desencadearam todo o processo que levou à implementação da EBSERH não consideraram essa dimensão Diferente disso o debate se baseou em uma comparação estabelecida com os hospitais vinculados a lógica do mercado Nesse sentido o estudo realizado por Cislaghi 2010 evidencia uma lógica de mercado que coloca lado a lado hospitais públicos e privados O primeiro diagnóstico apresentado é que esses hospitais seriam caros Responsáveis por cerca de 10 dos atendimentos na maioria dos países podem ser responsáveis por desde 9 até 40 do total de gastos na área da saúde Segundo dados da ABRAHUE Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino a realidade brasileira em 2001 era de 9 dos leitos 12 das internações e 24 dos recursos do SUS estarem nessas instituições Essa realidade porém decorre dos altos custos da alta complexidade dos procedimentos realizados por esses hospitais É necessário levar em consideração que esses hospitais realizaram no mesmo período 50 das cirurgias cardíacas 70 dos transplantes 50 das neurocirurgias e 65 dos atendimentos na área de malformações craniofaciais o que justifica seu alto custo de manutenção Ibd p 1 Ou seja onde se vê alto custo também podese ver políticas públicas sendo implementadas Políticas públicas estas que dado seu caráter de política social não integram o rol de serviços de interesse de mercado É partir desse enfoque que se desenvolve toda uma discussão baseada em problemas de gestão e que não coloca em perspectiva outro grande problema o qual diz respeito ao subfinanciamento do Sistema Único de Saúde O problema de financiamento dos hospitais universitários federais é histórico e tornou se ainda mais intenso quando esses hospitais deixaram de ser apenas hospitais de ensino e passaram a ser referência em assistência em saúde OLIVEIRA 2014 Situação essa que acaba não sendo colocada em perspectiva desde a construção da crise até a implementação da EBSERH Nesse sentido é importante destacar que a lei de constituição da EBSERH destaca todo um artigo o oitavo referente a fontes de recurso da EBSERH onde se destacam termos como aplicações financeiras dividendos bonificações rendas dentre outros BRASIL 2011 A expressão máxima dessa lógica voltada para resultados financeiros aparece no parágrafo único do artigo oitavo O lucro líquido da EBSERH será reinvestido para atendimento do objeto social da empresa BRASIL 2011 Aqui podese fazer um questionamento de cunho quase retórico relativo a qual a o que realmente importa nessa discussão lucro líquido ou o objeto social da empresa Ao longo da análise documental há inúmeras referencias a termos como lucro resultado custobenefício e pouquíssimas referentes ao que seria o objeto social dos hospitais universitários a prestação de serviços de ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 85 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH saúde e de educação BRASIL 2009 BRASIL 2011 EBSERH 2011 A análise da institucionalização na ideia de empresa no âmbito da gestão dos hospitais universitários demonstra como é possível sua disseminação para contextos inicialmente não empresariais Considerandose a formulação de Abraham 2006 da empresa como uma instituição central na modernidade tardia e analisandose os documentos relativos à implementação da EBSERH podese refletir sobre o tipo de pensamento em vias de institucionalização nos hospitais universitários Essas organizações são as responsáveis pela formação de parte significativa dos quadros especializados que farão a prestação dos serviços de saúde no Brasil Nesse sentido cabe a análise sobre o pensamento econômico típico do neoliberalismo e sua inscrição na racionalidade interna dos indivíduos O pensamento econômico neoliberal a gestão dos hospitais universitários e os princípios da participação e do controle social na área de saúde Nesta seção se discute o terceiro aspecto da análise do processo de empresarização na saúde pública por meio da implementação da EBSERH que diz respeito ao pensamento econômico neoliberal e como este é incorporado em uma concepção de gestão que opera o que Dardot e Laval 2016 definiram como desdemocratização das democracias liberais Para estes autores a lógica neoliberal não aspira necessariamente à retirada do Estado mas sim a transformação da ação pública Nesse sentido a prestação de serviços públicos também seria regida por regras concorrenciais típicas das empresas privadas O Estado nesse sentido deve atuar como um mantenedor da ordem neoliberal FOUCAULT 2008 mesmo que isso signifique o afastamento da sociedade da possibilidade de participar das decisões públicas Entretanto a estrutura conceitual que deu sustentação à construção do sistema de saúde brasileiro desde a Constituição Federal de 1988 se baseou em princípios que não se coadunam com o pensamento econômico típico do neoliberalismo MENICUCCI 2014 Isso pode ser visto não apenas no princípio constitucional organizador do SUS a ideia de saúde como direito de todos e dever do Estado mas também na ideia de participação e envolvimento da sociedade nas decisões públicas sobre gestão na área setorial Esse ideário estruturou toda uma infraestrutura de participação na área de saúde que a tornou pioneira dentre todas as áreas de políticas públicas no Brasil CÔRTES 2009 A análise do processo de implementação da EBSERH mostra um ideário segundo o qual os problemas de gestão ou a crise de gestão nos hospitais universitários seriam questões relacionadas às características intrínsecas de um tipo específico de gestão a gestão pública Tendo se estabelecido uma visão contrária à gestão pública e favorável à ideia de empresa é sintomática a forma como se deu a formação dos gestores de hospitais universitários no momento de implementação da EBSERH Em busca de um padrão de excelência na gestão EBSERH 2013 administradores de hospitais universitários de todo o país realizaram um curso de especialização latu sensu mediante uma parceria entre Ministério da Saúde EBSERH e Hospital Sírio Libanês de São Paulo A escolha por um dos principais hospitais privados do país evidencia a ênfase na gestão privada em detrimento da governança pública O ponto central a ser destacado nessa reflexão sobre a empresa como fenômeno universalmente generalizável e o pensamento econômico neoliberal como seu corolário é sintetizado na afirmação de Sodré et all 2013 p 371 Sob o discurso da ineficiência da gestão pública e o alto custo dos hospitais universitários federais a EBSERH é apontada pelo governo como única solução grifo do autor Reafirmase assim o acrônimo TINA There Is No Alternative que se tornou um paradigma do pensamento econômico neoliberal desde meados da década de 1980 Outro aspecto relativo à transformação da ação pública apontada por Dardot e Laval 2016 se relaciona com dimensão institucional discutida na seção anterior A ideia de participação um dos pilares centrais do Movimento da Reforma Sanitária que configurou a área de saúde como paradigmática no que diz respeito à participação da sociedade na governança pública é praticamente ignorada O desenho institucional da EBSERH não reserva espaço para mecanismos democráticos de controle como eleição de gestores que são preconizados na Constituição de 1988 e também nas Leis Orgânicas da Saúde O controle democrático é um instrumento social que ganha grande importância na gestão pública a partir de finais do século XX No Brasil o princípio da participação social foi consagrado na Constituição Federal de 1988 e a área de saúde foi a que mais concretizou este princípio com a instituição dos conselhos de saúde nos três níveis de gestão PAIM 2009 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 86 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues O órgão máximo de gestão da EBSERH é o Conselho de Administração que é composto por nove membros todos eles nomeados pelo Ministro da Educação Neste órgão não há espaço de representação da sociedade Dentre as exigências para exercer o cargo de presidente e diretores da EBSERH não aparecem referências a experiência na área de saúde pública O Presidente e Diretores da EBSERH serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos I idoneidade moral e reputação ilibada II notórios conhecimentos na área de gestão da atenção hospitalar e do ensino em saúde e III mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior BRASIL 2011 A inexistência de espaço para participação nos órgãos de gestão da EBSERH não chega a representar algo inusitado afinal tratase de uma prática comum nas empresas da Administração Pública Federal Embora seja digno de nota o fato de tratarse da área de saúde onde a dimensão da participação é importantíssima Entretanto a centralização aparece de forma mais nítida quando se analisa o poder de decisão concentrado na figura do presidente da EBSERH O artigo 18º do Estatuto Social da empresa institui as seguintes competências ao presidente I representar a EBSERH em juízo ou fora dele podendo delegar essa atribuição em casos específicos e em nome da entidade constituir mandatários ou procuradores II convocar e presidir as reuniões da Diretoria III coordenar o trabalho das unidades da EBSERH podendo delegar competência executiva e decisória e distribuir entre os Diretores a coordenação dos serviços da empresa IV editar normas necessárias ao funcionamento dos órgãos e serviços da EBSERH de acordo com a organização interna e a respectiva distribuição de competências estabelecidas pela Diretoria V admitir promover punir dispensar e praticar os demais atos compreendidos na administração de pessoal de acordo com as normas e critérios previstos em lei e aprovados pela Diretoria podendo delegar esta atribuição no todo ou em parte VI designar substitutos para os membros da Diretoria em seus impedimentos temporários que não possam ser atendidos mediante redistribuição de tarefas e no caso de vaga até o seu preenchimento e VII apresentar trimestralmente ao Conselho de Administração relatório das atividades da EBSERH BRASIL 2011b As competências e atribuições de maior impacto são centralizadas no cargo presidencial Pouco se difere de uma empresa privada onde as principais decisões são concentradas na figura do presidente ou CEO Chief Executive Officer embora em algumas dessas possa se encontrar maior participação se for se considerar a existência de assembleias de acionistas Os demais órgãos de administração são o Conselho fiscal e o conselho consultivo BRASIL 2016 O primeiro é comporto por três membros indicados respectivamente pelos ministérios da Educação Saúde e Fazenda Por fim o Conselho Consultivo composto por oito membros é aquele onde aparece o termo controle social Finalmente observase alguma referência a ideia de participação da sociedade na gestão Entretanto é importante destacar que este órgão tem apenas a finalidade de consulta e apoio à Diretoria Executiva e ao Conselho de Administração e dos oito membros apenas um seja representante dos usuários dos serviços de saúde e indicado pelo Conselho Nacional de Saúde CNS Quando se analisam esses aspectos é flagrante a inadequação dos princípios que regem a EBSERH ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 87 com os princípios do SUS A participação da sociedade na formulação e implementação de políticas públicas segundo Paim 2009 p 50 uma orientação para democratizar os serviços e as decisões em relação à saúde Tratase de uma recomendação de organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde para o desenvolvimento de sistemas de saúde Quando se examina a estrutura da EBSERH observa se um distanciamento em relação a uma lógica de sistema e de construção de redes Não se pensou nos hospitais como integrantes do sistema de saúde com toda a sua complexidade Os hospitais foram pensados simplesmente como empresas que necessitavam de boas práticas de gestão Práticas estas que seriam encontradas nas empresas privadas Retomando a discussão analítica sobre o pensamento econômico típico do neoliberalismo fica patente a formulação de Foucault 2008 retomada por Laval e Dardot 2016 referente à fábrica do sujeito neoliberal Ideias como participação ou controle social que foram tão caras e estiveram na base na formulação do Sistema Único de Saúde brasileiro acabam por serem afastadas em nome da eficiência na gestão A desdemocratização das democracias liberais aparece como uma necessidade para que o pensamento neoliberal seja efetivado como paradigmático Nesse sentido acabam limitadas as possibilidades de cidadania ou no léxico consagrado na Constituição Federal de 1988 a ideia de participação cidadã O processo de empresarização se articula com a radicalização da ideia de mercados livres E para sua efetivação é preciso também um Estado forte que limite as possibilidades de participação e envolvimento da sociedade civil como instância legítima e autônoma a ser ouvida nos processos de tomada de decisão O Estado assim deixa de ser pensado nas formulações socialdemocratas ou mesmo do liberalismo clássico O que se busca constituir é a expansão da governança como gestão limitandose ou mesmo excluindose as possibilidades de expansão da participação social Considerações finais Neste trabalho foram analisados determinados aspectos relacionados a um processo mediante o qual uma lógica empresarial foi implementada como padrão de gestão para os hospitais universitários brasileiros A elaboração e implementação da EBSERH quando analisada sob a ótica das abordagens sobre empresarização possibilita um conjunto de reflexões EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH em relação às interações entre público e privado nos contextos de governança e entrega de políticas públicas marcados pela ascensão do que Michel Foucault 2008 denominou de governamentalidade neoliberal Com base nas três categorias de análise acima desenvolvidas lógica empresarial empresa como instituição pensamento econômico destacamos três aspectos à guisa de fechamento deste artigo cada um deles ensejando a possibilidade de novas pesquisas que os aprofundem O primeiro aspecto diz respeito à discussão sobre a ideia de empresa e a busca por uma nova maneira de governar Conforme foi discutido acima Solè 2004 2008 afirma a empresa como ideia e uma ideia universalmente generalizável no mundo contemporâneo Essa perspectiva pode ser articulada aos desenvolvimentos de Laval e Dardot 2016 quando esses autores analisam todo o esforço feito para se construir uma nova maneira de governar em um contexto de expansão do neoliberalismo Por nova maneira de governar no âmbito deste trabalho podese entender como nova maneira de gestão pública A gestão da coisa pública no caso evidenciado pela implementação da EBSERH passa a ser orientada por um conjunto de concepções que não se orienta fundamentalmente pelo reforço e consolidação da gestão pública mas sim é profundamente crítico desta E mais importante não se trata aqui de uma perspectiva de new public management como as que vicejaram nas décadas de 1980 e 1990 Aqui é algo diferente Tratase de uma empresa cujo maior objetivo é cumprir metas e entregar resultados Essas perspectivas articuladas à ideia de participação social animaram boa parte das formulações sobre governança participativa Entretanto a maré parece estar mudando A radicalização de um mercado livre requer um Estado forte Nesse sentido a forma empresa delimita ou mesmo implode qualquer possibilidade de cidadania Nesse sentido a ideia de empresa se institucionaliza e num contexto de expansão neoliberal seu poder é demonstrado mesmo em setor até então protegidos como as políticas sociais Entretanto conforme já destacado por Michel Foucault 2008 onde há poder há resistência O segundo aspecto a ser destacado portanto tem a ver com os conflitos que poderão emergir no período a seguir A partir do esforço de implementação da nova maneira de governar em um contexto onde historicamente se institucionalizaram ideias e percepções fundadas em princípios diametralmente ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 88 opostos ao individualismo neoliberal podese supor que haverá resistência O Movimento da Reforma Sanitária no Brasil teve como lema ainda em finais da década de 1970 a divisa saúde e democracia Daí emergiram ideias de participação e envolvimento da sociedade nas decisões governamentais e na implementação de políticas públicas Entretanto a lógica da participação cidadã e do direito de todos e dever do Estado se choca com a governamentalidade neoliberal Como qualquer empresa os hospitais geridos pela EBSERH precisam dar lucro Novamente aqui se ressalta uma das discussões centrais desse trabalho tratase de uma concepção de saúde como mercadoria ou como direito de cidadania Certamente que a resposta encontrada na análise dos documentos aponta para a primeira alternativa Em uma lógica de mercado onde a empresa é a instituição modeladora de todas as atividades da esfera econômica social e também politica a saúde se converte em mais uma commodity dentre tantas outras que são regidas pelas leis de mercado Nesse sentido destacase o terceiro aspecto considerado à guisa de conclusão deste artigo o governo empresarial como um paradigma de gestão conseguirá se constituir na área de saúde no Brasil Esta pergunta de certa forma é o grande resultado a que se chega após a reflexão e análise levada a cabo neste artigo ensejando a possibilidade de continuidade de uma agenda de pesquisa sobre as relações entre público e privado na gestão pública Conforme é destacado ao longo do texto a área de saúde no Brasil é marcada pela institucionalização de concepções poderosas ligadas à ideia de cidadania e participação social Nesse sentido considerações relativas a uma gestão mais social e focada na ideia de cidadania mais do que clientela são sempre possíveis de serem formuladas e defendidas pelos atores envolvidos na área setorial Haveremos de concordar com as formulações de Michel Foucault segundo as quais a centralidade da esfera econômica nas sociedades modernas faz com que o modelo empresarial se constitua como o único modelo capaz de garantir a sobrevivência dos mais diversos tipos de organizações Nesse sentido a EBSERH poderá ser considerada com mais uma sucursal da fábrica do sujeito neoliberal conforme as formulações de Christian Laval e Pierre Dardot formando profissionais na área de saúde completamente desvinculados e descompromissados com as concepções básicas que estruturaram a formação do sistema de saúde brasileiro As ideias e os atores que deram e ainda dão sustentação ao SUS após quase quarenta anos de luta e resistência serão Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues capazes de fazer frente à força da empresa enquanto fenômeno que a literatura tem apontado como universalmente generalizável Estas são questões que se colocam para o próximo período e que têm relevância tanto na dimensão social e normativa quanto na dimensão científica e analítica Referências ABRAHAM YvesMarie Lentreprise estelle nécessaire In DUPUIS JeanPierre org Sociologie de lentreprise Montréal Gaëtan Morin Editeur 2006 ARIENTI WL Do Estado Keynesiano ao Estado Schumpeteriano Revista de economia política Florianópolis v 23 n 4 p 97113 outdez 2003 BAHIA L A privatização no Sistema de Saúde brasileiro nos anos 2000 tendências e justificação Gestão Pública Pública e Relação Público Privado na Saúde Nelson Rodrigues dos Santos e Paulo Duarte de Carvalho Amarante organizadores Rio de Janeiro CEBES 2010 BARDIN L Análise de conteúdo Lisboa Edições 70 1988 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado Federal 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 10 jun 2016 BRASIL Lei nº 8080 de 19 de Setembro de 1990 Dispõe sobre as condições para a promoção proteção e recuperação da saúde a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília 1990a Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL8080 htm Acesso em 20 jan 2017 BRASIL Lei nº 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília 1990b Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis L8142htm Acesso em 20 jan 2017 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 89 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 15202006 Brasília 2006 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 28132009 Brasília 2009 BRASIL Acórdão Tribunal de Contas da União 27312008 Brasília 2008 BRASIL Secretaria de Educação Superior Diretoria de Hospitais Universitários e Residências em Saúde Decreto n 7082 de 27 de janeiro de 2010 Institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais REHUF Brasília 2010 BRASIL Lei nº 12550 de 15 de Dezembro de 2011 Brasília 2011 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03ato201120142011Lei L12550 htm Acesso em 25 jan 2017 CISLAGHI J F Hospitais universitários presente caótico e futuro incerto 2010 Disponível em httpsfopsprfileswordpress com201008hospitaisuniversitariospdf Acesso em 22 jun 2016 CÔRTES S V Participação e Saúde no Brasil Rio de Janeiro FIOCRUZ 2009 DALLARI D A Fundações estatais proposta polêmica Revista de Direito Sanitário São Paulo v 10 n 1 jul 2009 Disponível em httpwww revistasuspbrrdisanarticleview1314714953 Acesso em 22 jun 2016 DARDOT P LAVAL C A nova razão do mundo ensaio sobre a sociedade neoliberal 1 ed São Paulo Boitempo 2016 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo 23 ed São Paulo Atlas2010 EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES Manual de Implementação do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários Disponível em httpwww ebserhgovbrdocuments18564586470 HistoriaAGHUpdf24f953ddf5eb4955a544 99bcfab9d929 Acesso em 20012016 Acesso em 03 fev 2017 FOUCAULT M O nascimento da biopolítica São Paulo Martins Fontes 2008 EMPRESARIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA O CASO DA EBSERH GERHARDT T E SILVEIRA D T Métodos de Pesquisa Porto Alegre Editora da UFRGS 2009 GIL A C Métodos e técnicas de pesquisa social 6 ed São Paulo Atlas 2008 LAKATOS E M MARCONI M de A Fundamentos da Metodologia científica 5 ed São Paulo Atlas 2003 MENICUCCI Telma M G Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil atores processos e trajetória Tese doutorado Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2003 MENICUCCI Telma M G A relação entre o público e o privado e o contexto federativo do SUS uma análise institucional Publicação das Nações Unidas 2014 MÉDICI A C Hospitais universitários passado presente e futuro Revista da Associação Médica Brasileira São Paulo v 47 n 2 p 14956 2001 Disponível em httpwwwscielobr Acesso em 21 jun 2016 OLIVEIRA G A A compatibilidade de princípios e modelo de Estado que subjazem ao SUS e à EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares Porto Alegre Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica 2014 PAIM JS O que é o SUS Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2009 PRODANOV C C FREITAS E C de Metodologia do trabalho científico Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico 2ª ed Novo Hamburgo Feevale 2013 RODRIGUES M S SILVA R F C Empresarização no Figueirense Futebol Club e no Sport Club Internacional Gestão Org Revista Eletrônica de Gestão Organizacional v 4 n 3 2006 RODRIGUES M S O novo ministério da verdade o discurso de VEJA sobre o campo do Ensino Superior e a consolidação da empresa no Brasil 2013 410 f Tese Doutorado em Administração Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2013 ISSN 19822596 RPCA Rio de Janeiro v 12 n 4 outdez 2018 7590 90 SANTOS B S Estado sociedade políticas sociais o caso da política de saúde 1987 SESTELO J A F SOUZA L E P F BAHIA L Saúde suplementar no Brasil abordagens sobre a articulação públicoprivada na assistência à saúde Caderno de Saúde Pública Rio de Janeiro v29 n5 p 851866 2013 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0102311X2013000500004 Acesso em 25 jan 2017 SOLÉ A Qué es una empresa Construcción de un idealtipo transdisciplinario Working Paper Paris 2004 SOLÉ A Lenterprisation du monde In CHAIZE J TORRES F Repenser lentreprise Saisir ce qui commence vingt regards sur une idée neuve Paris Le Cherche Midi 2008 TRIVIÑOS A N S Introdução à pesquisa em ciências sociais a pesquisa qualitativa em educação São Paulo Atlas 1987 VIEIRA M M F ZOUAIN D M Pesquisa qualitativa em Administração Rio de Janeiro Editora FGV 2004 WEBER M Economia e Sociedade Brasília Universidade de Brasília 2004 Janiele Cristine Peres Borges Márcio Barcelos e Marcio Silva Rodrigues