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Psicologia ·
Psicanálise
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As 41 Condições da Análise Antonio Quinet As 4 1 Condições da Análise 12a edição Rio de Janeiro Copyright 1991 Antonio Quinet Copyright desta edição 2009 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21010808 fax 21 21080800 email jzezaharcombr site wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Edições anteriores 1991 1993 1995 1996 1997 2 eds 1999 2000 2002 2005 2007 Capa Carol Sá e Sérgio Campante CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Quinet Antonio 1951 Q64q As 41 condições da análise Antonio Quinet 12ed 12ed Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009 Inclui bibliografia ISBN 9788571101883 1 Psicanálise I Título CDD 6168917 092333 CDU 1599642 Sumário Introdução 7 I As funções das entrevistas preliminares 13 II O divã ético 35 III Que tempo para a análise 49 IV Capital e libido 73 V O ato psicanalítico e o fim de análise 95 Notas 111 Introdução Cada cosa la luna del espejo digamos era infinitas cosas porque yo claramente la veía desde todos los puntos del universo Vi la tarde vi las muchedum bres de América vi una platada taleraña en el centro de una negra pirámide vi un laberinto roto El Aleph Borges No princípio da psicanálise era o ato o ato inaugural de Freud ao inventar a psicanálise abrindo o inconsciente à sua formalização Ato que marca um antes e um depois que traz em si a descontinuidade e como tal tem a estrutura de corte Ato fundador que se renova em cada psicanálise tendo Freud nos legado a incumbência de reinventála a cada vez que como psicanalistas autorizamos o começo de uma análise Dar início a uma psicanálise a partir da demanda de alguém depende do psicanalista com seu ato de decisão Mas o que fundamenta essa experiência Será apenas o dispositivo técnico inventado por Freud Sabemos que há aqueles para quem a resposta é evidente ao dispositivo freudiano cujo cerne irredutível é a associação livre devese acrescentar o contrato que fixa o chamado setting analítico determinando o tempo das sessões sua freqüência etc que seria a garantia de seu bom andamento Qualquer pequena modificação nesse registro é suposta como fatalmente ameaçadora para a própria experiência psicanalítica Daí a sociedade psicanalítica do tipo ipeísta da IPA International Psychoanalytical Association instituirse como um Outro do analista que supostamente garante a execução de sua prática por intermédio de 7 imposição de regras que devem ser cumpridas e propostas por meio de um contrato aos analisantes Mas como podemos propor ao analisante uma espécie de concre tização do Outro sabendo que numa análise conduzida a seu término o sujeito é levado a se confrontar com a falta do Outro SA justamente porque o Outro falta No lugar das normas que o dito contrato que pretende figurar o Outro estabelece Lacan introduz o conceito de ato psicanalítico retirando assim a psicanálise do âmbito das regras para situála na esfera da ética É o analista com seu ato que dá existência ao inconsciente promovendo a psicanálise no particular de cada caso Autorizar o início de uma análise é um ato psicanalítico eis a condição do inconsciente cujo estatuto não é portanto ôntico mas ético pois depende desse ato do analista O conceito de ato analítico desvela que o dito contrato do início da análise exime o analista da responsabilidade de seu ato tratase de um contraato Meu propósito é interrogar neste livro o conjunto de normas que se convencionou chamar de setting analítico a partir do texto de Freud O início do tratamento onde as encontramos sob a designação de condições Esse texto de Freud foi publicado inicialmente no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse em duas partes a primeira em janeiro de 1913 intitulada Novas observações sobre a técnica da psicanálise I O início do tratamento a segunda em março com o mesmo título seguido de A questão das primeiras comunicações A dinâmica da transferência O presente livro centrase sobretudo na primeira parte do referido texto freudiano cujas partes foram em seguida reunidas num só texto tal como aparece em suas obras completas A seguinte frase conclui essa parte inicial Havendo as condições do tratamento sido reguladas desta maneira surge a questão em que ponto e com que material deve o tratamento começar1 Pois são justamente as condições Bedingungen da análise estabelecidas por Freud que aqui enfocaremos o tratamento de ensaio o uso do divã a questão do tempo e a questão do dinheiro Tratase de condições e não de regras ou normas impostas por Freud pois ele estabeleceu apenas uma única regra para a psicanálise a associação livre que é a resposta à pergunta sobre o início do tratamento 8 As 41 condições da análise Se 1989 foi o ano do cinqüentenário da morte de Freud foi também o da data de aniversário da única regra presente na experiência analítica o centenário da regra fundamental a regra de ouro da psicanálise ditada a seu fundador no dia 12 de maio de 1889 pela boca de Emmy von N Freud interrompe o relato desta paciente sob hipnose para indagarlhe sobre a origem de certos sintomas Aproveitei também a oportunidade para perguntarlhe por que sofria de dores gástricas e de onde provinham Sua resposta dada a contragosto era de que não sabia Soliciteilhe que se lembrasse até amanhã Disseme então num claro tom de queixa que eu não devia continuar a perguntar de onde provinha isso ou aquilo mas que a deixasse contar o que tinha a dizerme2 A aceitação da proposta de Frau Emmy von N e sua generalização por parte de Freud o farão postular a inclusão do saber nos ditos do analisante para construir a análise como talking cure a cura pela fala o tratamento da palavra O paciente escreve Freud no final de sua obra deve dizernos não apenas o que pode dizer intencio nalmente e de boa vontade coisa que lhe proporcionará um alívio semelhante ao de uma confissão mas também tudo o mais que sua autoobservação lhe fornece tudo o que lhe vem à cabeça mesmo que lhe seja desagradável dizêlo mesmo aquilo que lhe pareça sem importância ou realmente absurdo Se depois dessa injunção ele conseguir pôr sua autocrítica fora de ação nos apresentará uma massa de material pensamento idéias lembranças que já está sujeita à influência do inconsciente3 Eis portanto a única regra da psicanálise Ela não está do lado do analista e sim do analisante Tratase de uma regra correlata à própria estrutura do campo psicanalítico aberto por Freud É a associação livre que marca o início da psicanálise e também o início de cada psicanálise é o ponto em que a análise deve começar Do lado do analista afora o preceito da atenção flutuante não há regras mas a ética da psicanálise regida pelo desejo do analista Nosso objetivo é o de apontar a partir do ensino de Jacques Lacan os fundamentos dessas quatro condições enumeradas por Freud Longe de pretender a exaustão do tema este trabalho é tãosomente uma introdução às condições da análise conservando o estilo de conferência no qual foi elaborado Tratase de conferir na experiência analítica o Introdução 9 quanto essas condições são determinadas pelos próprios fundamentos da psicanálise A IPA transformou essas condições em regras submetidas ao controle institucional sobretudo no que diz respeito às análises didáticas reduzindo a experiência analítica a uma padronização na qual o analista é um mero funcionário do dispositivo No capítulo sobre a prática analítica e suas condições num documento elaborado por uma sociedade de psicanálise ligada à IPA denominado Apresen tação para o uso de um leitor leigo onde se busca informar ao público o que são a psicanálise e a formação do psicanalista as condições enumeradas por Freud são erigidas em regras colocadas no mesmo nível da associação livre que em vez de regra de ouro é considerada uma condição igual às outras Definese também o enquadramento cadre setting analítico O rigor quanto ao número à regularidade e à duração da sessão que é fixa nada do que o paciente é levado a dizer sob a regra fundamental é suscetível de diminuir ou aumentar seu tempo de fala ou de silêncio4 Colocandose como o Outro do analista a instituição penetra a tal ponto num local em princípio inviolável que são exigidos dos didatas relatórios periódicos sobre o progresso de seus analisantes5 Recolocar essas regras impostas no âmbito de condições é submeter o dispositivo analítico à experiência do inconsciente e à particularidade de cada análise e até mesmo de cada sessão Há quase quarenta anos a partir de Lacan praticamse as sessões curtas Muitas vezes essa prática é vivenciada externamente como moda sobretudo por aqueles que buscam uma garantia no tempo fixo de cinqüenta minutos outras criticada pelo viés do time is money quem não gostaria de ganhar a mesma quantidade de dinheiro em menos tempo Esse raciocínio da sociedade de consumo propalada pelo serviço dos bens é absolutamente contrário à ética de Jacques Lacan que nunca abriu mão dessa prática por estar fundamentada na experiência do inconsciente mesmo tendo que ir contra ventos e marés chegando por isso a ser excluído da função de formação da sociedade a que pertencia6 Tempo e dinheiro estão dissociados na experiência analítica Eles são condições que devem corresponder e se submeter cada uma delas à lógica da psicanálise que rege o dispositivo inventado por Freud 10 As 41 condições da análise O rigor não se encontra nas condições erigidas em regras mas na condução da análise sobre a qual o analista deve saber responder Daí a exigência estabelecida por Lacan de um trabalho prévio à decisão de se aceitar um paciente em análise as entrevistas preliminares que têm suas funções diagnóstica sintomal e transferencial Elas correspondem ao que Freud denominou tratamento de ensaio Tampouco o uso do divã deve ser erigido em regra Trataremos portanto de buscar as bases dessa prática do divã e saber ao que ela responde no âmbito do campo freudiano Se não são as condições elevadas artificialmente ao estatuto de regras o que pode qualificar o psicanalista A resposta só pode ser uma é a passagem do analisante ao analista no interior do próprio processo analítico passe que é correlato ao final de análise É essa condição que é introduzida como mais uma neste trabalho que se serve desse significante proposto por Lacan ao estruturar a composição e o funcionamento do cartel O 1 é o elemento que pertence ao conjunto tendo a função de constituílo e de fazêlo funcionar Podese também evocar aqui a fórmula borromeana do cartel x 1 em que ao se retirar o 1 do nó borromeano se obtém a individualização completa dos elementos7 A passagem do analisante ao analista no final de análise faz parte como o 1 do cartel das condições da análise enumeradas no texto freudiano Conferindo 1 Uma nãohomogeneização entre elas cada condição se conta e se fundamenta uma a uma cada qual sendo considerada individual mente e em relação às outras 2 Uma estrutura borromeana a essas quatro sem a qual elas não representam coisa alguma e não formam um encadeamento as condições de análise estão submetidas a sua estrutura 3 Uma limitação no tempo incluindo a finitude que é o próprio final de análise onde há dissolução do vínculo analítico cuja duração não pode ser prevista ao contrário do cartel que tem seu tempo delimitado Introdução 11 Cartel modalidade de agrupamento de pessoas inventado por Lacan para se estudar psicanálise em que quatro se reúnem e escolhem uma quinta dita 1 para empreenderem um trabalho em comum O cartel constitui o órgão base da Escola de Lacan A condição do término de análise como 1 da mesma forma que no cartel é responsável pelo bom andamento das outras condições na decisão de dar início à análise incluindo desde então seu fim na utilização do divã ao possibilitar ao analista bancar o objeto a para o analisante no deixarse investir e desinvestir pelo capital libidinal do sujeito no corte da sessão interrompendo a cadeia de significantes do analisante O ato psicanalítico nem visto nem conhecido afora nós isto é jamais discernido e muito menos ainda colocado em questão eis que nós o supomos a partir do momento eletivo em que o psicana lisante passa a psicanalista8 Esta 1 condição é a condição sine qua non para o analista conduzir a análise de um sujeito do início ao fim 12 As 41 condições da análise Capítulo I As funções das entrevistas preliminares Quando curiosamente te perguntarem buscando saber o que é aquilo Não deves afirmar ou negar nada Pois o que quer que seja afirmado não é a verdade E o que quer que seja negado não é verdadeiro Como alguém poderá dizer com certeza o que Aquilo possa ser Enquanto por si mesmo não tiver compreendido plenamente o que É E após têlo compreendido que palavra deve ser enviada de uma Região Onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde possa seguir Portanto aos seus questionamentos oferecelhes apenas o silêncio Silêncio e um dedo apontando o caminho Verso budista Em seu texto O início do tratamento Freud diz ter o hábito de praticar o que chama de tratamento de ensaio tratamento psicanalítico de uma ou duas semanas antes do começo da análise propriamente dita Isto serviria segundo ele para evitar a interrupção da análise após um certo tempo Freud não especifica porém por que esse tratamento se interromperia Veremos mais adiante que sua continuação está absolu tamente conectada à questão da transferência Nesse mesmo texto Freud anuncia que a primeira meta da análise é a de ligar o paciente ao seu tratamento e à pessoa do analista sendo 13 mais explícito em relação a pelo menos uma função desse tratamento de ensaio a do estabelecimento do diagnóstico e em particular a do diagnóstico diferencial entre neurose e psicose A expressão entrevistas preliminares corresponde em Lacan ao tra tamento de ensaio em Freud Essa expressão indica que existe um limiar uma porta de entrada na análise totalmente distinta da porta de entrada do consultório do analista Tratase de um tempo de trabalho prévio à análise propriamente dita cuja entrada é concebida não como conti nuidade e sim como o próprio nome tratamento de ensaio parece sugerir como uma descontinuidade um corte em relação ao que era anterior e preliminar Esse corte corresponde a atravessar o umbral dos preliminares para entrar no discurso analítico Esse preâmbulo a toda psicanálise é erigido por Lacan em posição de condição absoluta não há entrada em análise sem as entrevistas preliminares1 Na prática depreendemos no entanto que nem sempre é possível demarcar nitidamente esse umbral da análise Isto ocorre porque tanto nas entrevistas preliminares quanto na própria análise o que está em jogo é a associação livre Este ensaio preliminar diz Freud é ele próprio o início de uma análise e deve conformarse às suas regras Podese talvez fazer a distinção de que durante esta fase deixase o paciente falar quase o tempo todo e não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazêlo prosseguir no que está dizendo Temos portanto a indicação de que nesse momento a tarefa do analista é apenas a de relançar o discurso do analisante Freud entretanto dirá que há razões diagnós ticas para fazer esse tratamento de ensaio Este é o momento em que por princípio a questão diagnóstica está em jogo As entrevistas preliminares têm a mesma estrutura da análise mas são distintas desta Logo de saída a situação é portanto colocada a nível de um paradoxo que pode ser escrito assim EP A EP A e que se lê entrevistas preliminares são iguais à análise implicando que entrevistas preliminares são diferentes da análise Disso se conclui que 1o A associação livre mantém a identificação das entrevistas preliminares com a análise EPA 14 As 41 condições da análise 2o Esse tempo de diagnóstico faz com que se distinga entrevistas preliminares da análise EP A O analista está submetido a esse paradoxo a partir do qual decidirá se irá ou não acatar aquela demanda de análise Do ponto de vista do analista as entrevistas preliminares podem ser divididas em dois tempos um tempo de compreender e um momento de concluir2 no qual ele toma sua decisão É nesse momento de concluir que se coloca o ato psicanalítico assumido pelo analista de transformar o tratamento de ensaio em análise propriamente dita Em O divã ético cap II veremos como o corte que implica essa passagem é um ato que pode ser significado ao sujeito pela indicação do analista para que o analisante se deite Esse corte é a manifestação do analista ao candidato à análise de que ele o aceita em análise Indicação importante pois o fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise O sujeito sabese candidato a analisante e fica na expectativa de que o analista por ele escolhido venha a confirmar que também o escolheu para a análise se desencadear é necessário além da escolha do candidato a escolha por parte do analista Na constituição dessa dupla escolha o sujeito será impelido a elaborar sua demanda de análise o que é verificado como veremos na prática como um fator de histerização S1 na produção do sintoma analítico Podemos dividir em três as funções das entrevistas preliminares cuja distribuição é antes lógica do que cronológica 1o A função sintomal sintomal 2o A função diagnóstica 3o A função transferencial 1o A função sintomal sintomal A demanda de análise pode ser considerada em termos de sua produção sendo um produto da oferta do psicanalista Consegui em suma diz Lacan o que no comércio comum se gostaria de poder realizar tão facilmente com a oferta criei a demanda3 Há uma corrente de reflexão psicossociológica assolando nossos trópicos que se preocupa com as condições de criação dessa demanda pela difusão da psicanálise As funções das entrevistas preliminares 15 Essa orientação ao acentuar a dimensão da oferta para denunciar uma suposta facticidade da difusão da psicanálise como mais um modismo leva à depreciação e ao descaso da própria clínica analítica onde o que importa é como a demanda se particularizará num sujeito que se apresenta ao analista representado por seu sintoma A demanda em análise não deve ser aceita em estado bruto e sim questionada A resposta de um analista a alguém que chega com a demanda explícita de análise não pode ser por exemplo a de abrir a agenda e propor um horário e um contrato Para Lacan só há uma demanda verdadeira para se dar início a uma análise a de se desvencilhar de um sintoma A alguém que vem pedir uma análise para se conhecer melhor a resposta de Lacan é clara eu o despacho4 Lacan não considera esse querer se conhecer melhor como algo que tenha o status de uma demanda que mereça resposta A demanda de análise é correlata à elaboração do sintoma enquanto sintoma analítico O que está em questão nessas entrevistas prelimi nares não é se o sujeito é analisável se tem um eu forte ou fraco para suportar as agruras do processo analítico A analisabilidade é função do sintoma e não do sujeito A analisabilidade do sintoma não é um atributo ou qualificativo deste como algo que lhe seria próprio ela deve ser buscada para que a análise se inicie transformando o sintoma do qual o sujeito se queixa em sintoma analítico Esse sujeito pode se apresentar ao analista para se queixar de seu sintoma e até pedir para dele se desvencilhar mas isso não basta É preciso que essa queixa se transforme numa demanda endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito para que este seja instigado a decifrálo Nesse trabalho preliminar o sintoma será questionado pelo analista que procurará saber a que esse sintoma está respondendo que gozo esse sintoma vem delimitar Essa problemática pode ser formulada em termos freu dianos da seguinte forma o que fez fracassar o recalque e surgir o retorno do recalcado para que fosse constituído o sintoma A dívida do Homem dos Ratos por exemplo se apresenta como um sintoma que vem responder para o sujeito a emergência de um gozo que lhe aparece quando ouve o relato do suplício dos ratos feito pelo capitão cruel É em torno disso que se estabelece toda a questão da dívida e a impossibilidade de pagála 16 As 41 condições da análise No caso de um paciente que se apresenta ao analista com uma idéia obsessiva que o faz sofrer é preciso que esse sintoma que é um significado para o sujeito readquira sua dimensão de significante implicando o sujeito e o desejo O sintoma aparecendo como um significado do Outro sA é endereçado pela cadeia de significantes ao analista que está no lugar do Outro A cabendolhe transformar esse sintoma na questão que Lacan denomina Que queres che vuoi questão chamada desejo O desejo é pois uma questão que cabe ao analista introduzir nessa dimensão sintomal Para dar outro exemplo cito um caso descrito num artigo de MarieHélène Brousse que se chama O Destino do Sintoma onde vemos esses tempos bem escandidos5 Tratase de uma mulher em cuja vida emergiu um gozo sob forma de angústia quando fumou haxixe pela primeira vez Este gozo era acompanhado de uma sensação de morte iminente de queda e um grito Vou morrer vocês não vêem que vou morrer A partir de então esta mulher apresentou um sintoma ela iria repetir essa queda com um nome encontrado no saber médico espasmofilia Apresentarase à analista com esse sintoma já estabelecido A partir desse encontro o sintoma seria elevado ao estatuto de enigma para em seguida desaparecer e se deslocar para outro tipo de sintoma a depressão A constituição do sintoma analítico é correlata ao estabelecimento da transferência que faz emergir o sujeito suposto saber pivô da transferência Esse momento em que o sintoma é transformado em enigma é um momento de histerização já que o sintoma representa aí a divisão do sujeito Enquanto o sintoma faz parte da vida do sujeito vida com a qual ele se acostumou antes do encontro com o analista pode ser considerado como um signo ou sinal aquilo que representa alguma coisa para alguém Quando esse sintoma é transformado em questão ele aparece como a própria expressão da divisão do sujeito É nesse momento que o sintoma encontrando o endereço certo que é o As funções das entrevistas preliminares 17 analista se torna sintoma propriamente analítico É isso que Lacan quer dizer com a formulação o analista completa o sintoma que corresponde ao discurso da histérica Com esse sintoma o sujeito se dirige ao analista com uma pergunta O que isto quer dizer O que significa isso Tal posição inclui um saber pois supõe que o analista detém a verdade de seu sintoma sob a forma de uma produção o sujeito histérico encosta o mestre S1 contra a parede para que o mestre produza um saber S2 Saber sobre o gozo que está em causa e que vem mostrar a verdade escamoteada do sintoma Manobra fadada ao insucesso devido à impotência do saber em dar conta da verdade do gozo a constituindo no entanto um laço social pela própria definição de discurso para Lacan O enigma é dirigido ao analista S1 que é suposto deter o saber o analista é assim incluído nesse sintoma completandoo Nas entrevistas preliminares tratase portanto de provocar a histerização do sujeito desde que o histérico é o nome do sujeito dividido ou seja o próprio inconsciente em exercício6 2o A função diagnóstica A questão do diagnóstico diferencial só se coloca em psicanálise como função da direção da análise diagnóstico e análise no sentido de processo analítico se encontram numa relação lógica chamada de implicação D A se D então A O diagnóstico só tem sentido se servir de orientação para a condução da análise Para tanto o diagnóstico só pode ser buscado no registro simbólico onde são articuladas as questões fundamentais do sujeito sobre o sexo a morte a procriação a pater nidade quando da travessia do complexo de Édipo a inscrição do S S1 a S2 impotência 18 As 41 condições da análise NomedoPai no Outro da linguagem tem por efeito a produção da significação fálica permitindo ao sujeito inscreverse na partilha dos sexos É a partir do simbólico portanto que se pode fazer o diagnóstico diferencial estrutural por meio dos três modos de negação do Édipo negação da castração do Outro correspondentes às três estruturas clínicas Um tipo de negação nega o elemento mas o conserva mani festandose de dois modos no recalque Verdrängung do neurótico nega conservando o elemento no inconsciente e o desmentido Verleug nung do perverso o nega conservandoo no fetiche A foraclusão Verwerfung do psicótico é um modo de negação que não deixa traço ou vestígio algum ela não conserva arrasa Os dois modos de negação que conservam implicam a admissão do Édipo no simbólico o que não acontece na foraclusão Cada modo de negação é concomitante a um tipo de retorno do que é negado No recalque o que é negado no simbólico retorna no próprio simbólico sob a forma de sintoma o sintoma neurótico No desmentido o que é negado é concomitantemente afirmado retornando no simbólico sob a forma de fetiche do perverso Na psicose o que é negado no simbólico retorna no real sob a forma de automatismo mental cuja expressão mais evidente é a alucinação Como o retorno é no real ou seja fora do simbólico empregase o neologismo fora clusão como versão do termo francês forclusion utilizado no âmbito jurídico para se referir a um processo prescrito ou seja aquele de que não se pode mais falar porque legalmente não mais existe O termo de foraclusão como forma de negação indica por si mesmo esse local de retorno a inclusão fora do simbólico estrutura clínica forma de negação local de retorno fenômeno Neurose recalque Verdrängung simbólico sintoma Perversão desmentido Verleugnung simbólico fetiche Psicose foraclusão Verwerfung real alucinação As funções das entrevistas preliminares 19 Como esse diagnóstico diferencial estrutural se manifesta na clínica Na neurose o complexo de Édipo diznos Freud é vítima de um naufrágio que equivale à amnésia histérica O neurótico não se recorda do que aconteceu em sua infância amnésia infantil mas a estrutura edipiana se presentifica no sintoma Um exemplo é a idéia obsessiva do Homem dos Ratos formulada na frase se eu vejo uma mulher nua meu pai deve morrer O recalque da representação do desejo da morte do pai retorna no simbólico sob a forma de sintoma a idéia obsessiva expressa nessa frase denota sua estrutura edípica ou seja a proibição conectada ao pai de ver uma mulher nua O sintoma fornece assim um acesso à organização simbólica que repre senta o sujeito Na perversão há admissão da castração no simbólico e concomi tantemente uma recusa um desmentido Esse mecanismo assim como os outros modos de negação ocorre em função do sexo feminino por um lado há a inscrição da ausência de pênis na mulher portanto da diferença sexual por outro essa inscrição é desmentida O retorno desse tipo de negação particular do perverso é cristalizada no fetiche cuja determinação simbólica pode ser apreendida através de sua estrutura de linguagem Como se vê no exemplo com que Freud inicia seu artigo O Fetichismo O curioso é que ele não recorre aos fetichistas clássicos aos que cultuam pé calcinha ou qualquer outro objeto mais próximo do senso comum Freud expõe o caso de um paciente cuja condição do desejo é atrelada a um determinado brilho no nariz do outro A análise desvelará um jogo de palavras translingüístico que permite entender este atrelamento brilho em alemão glanze é homófono a glance que em inglês significa olhar O segredo desse fetiche residia no fato deste sujeito ter vivido os primeiros anos de sua infância num país de língua inglesa Eis a pista da constituição desse fetiche que demonstra sua determinação pelas coordenadas simbólicas da história do sujeito denotando como todo fetiche o objeto pulsional em questão o olhar Já na psicose o significante retorna no real apontando a relação de exterioridade do sujeito com o significante como aparece de uma forma geral nos distúrbios de linguagem constatáveis por qualquer clínico que se defronte com um psicótico sendo que seu paradigma são as vozes alucinadas Encontramse também intuições delirantes nas 20 As 41 condições da análise quais o sujeito atribui uma significação enigmática a um determinado evento sem conseguir explicitála ecos de pensamento onde o sujeito ouve seus pensamentos repetidos podendo atribuir a alguém essa ressonância pensamentos impostos nos quais o sujeito não reconhece como sua a cadeia de significantes que adquire uma autonomia que ele refere como obra do outro Em suma todo o cortejo que Clérambault chamou de automatismo mental São idéias que não são dialetizáveis e por não poderem ser submetidas a dúvidas e a questionamento im põemse como blocos monolíticos como certezas A dúvida é caracte rística do neurótico porque denota uma divisão do sujeito onde há um sim e um não Na psicose a certeza certeza delirante por excelência já mostra portanto um distúrbio na linguagem Por outro lado a foraclusão do NomedoPai implica a zerificação do significante fálico NPo o tendo como efeito a impossibilidade de o sujeito se situar na partilha dos sexos como homem ou mulher efeito que poderá manifestarse em uma série de fenômenos que vão da vivência de castração à transformação em mulher Freud descreve a função do diagnóstico no texto O início do tratamento justamente a respeito da análise de psicóticos Sei que certos psiquiatras hesitam menos do que eu em fazer um diagnóstico diferencial mas pude convencerme de que também eles se enganam com freqüência No entanto é preciso notar que para o psicanalista o erro comporta mais conseqüências deploráveis do que para o dito psiquiatra clínico Num caso difícil em que o analista cometeu tal erro de ordem prática provocando muitas despesas inúteis ele põe em descrédito seu método de tratamento Quando o paciente não é acometido de histeria ou neurose obsessiva mas de parafrenia o médico se encontra na impossibilidade de sustentar sua promessa de cura e eis porque ele tem todo o interesse em evitar um erro de diagnóstico Em relação à cura como efeito terapêutico esperado numa análise concor damos com Lacan quando diz que um sujeito enquanto tal é incurável7 ele não pode ser curado de seu inconsciente Por mais análise que se faça mesmo que se atravesse a fantasia e se chegue ao final o inconsciente não vai deixar de se manifestar o sujeito é barrado como testemunha a persistência dos lapsos sonhos e chistes nos sujeitos já analisados As funções das entrevistas preliminares 21 Contudo qual é a promessa de cura que o psicanalista não pode sustentar no caso da psicose Só há uma resposta a essa pergunta o analista não pode prometer inserir o psicótico na norma fálica não pode fazêlo normal inserilo em la norme mâle A norma é regida pelo Édipo e pelo complexo de castração cujo produto é o significante fálico primado para ambos os sexos A foraclusão do NomedoPai NP exclui o sujeito da norma fálica NPo o riscando qualquer esperança do analista de fazêlo bascular para o lado da neurose Não se pode portanto tornar neurótico um psicótico Eis o que se pode deduzir da advertência freudiana confirmada pela continuidade que Lacan deu ao seu ensino bem como pela própria experiência analítica Se o sujeito é psicótico é importante que o analista o saiba pois a condução da análise não poderá ter como referência o NomedoPai e a castração Daí a importância de se detectar a estrutura clínica do sujeito nas entrevistas preliminares Outra maneira de interpretar o texto freudiano é considerar que para Freud há uma contraindicação da psicanálise para psicóticos Em Lacan há algumas indicações que apontam no mínimo para uma prudência embora ele deixe a cargo de cada analista a resolução de aceitar ou não o psicótico em análise Acontece de aceitarmos prépsi cóticos em análise e sabemos no que isso vai dar vai dar em psicótico8 Pois a análise como lugar de tomada da palavra pode desencadear uma psicose até então não declarada Encontramos entre tanto indicações de outro tipo A paranóia quero dizer a psicose é para Freud absolutamente fundamental A psicose é aquilo diante do que um analista não deve em caso algum recuar9 Nesses casos podemos interpretar que diante de uma psicose já desencadeada não haveria por que o analista não acolher a demanda de análise desse sujeito Lacan dá outras indicações sobre a estrutura da transferência do psicótico que mostram no mínimo que sua posição não é a de contraindicação10 Quanto à questão mais geral do diagnóstico Lacan chega a dizer existem tipos de sintomas existe uma clínica Só que ela é anterior ao discurso analítico e se o discurso analítico traz uma luz à clínica isto é seguro mas não é certo11 Que clínica existe antes do discurso analítico senão a clínica psiquiátrica É a esta que Lacan vai recorrer servindose por exemplo do conceito de automatismo mental para o 22 As 41 condições da análise diagnóstico psicanalítico da psicose que encontra seu fundamento na lógica do significante A clínica a partir do discurso analítico é portanto algo a ser construído Nessa clínica só há um tipo clínico possível de ser afirmado a histeria que os tipos clínicos resultam da estrutura eis o que se pode escrever ainda que não sem hesitação Só há certeza e só é transmissível para o discurso histeria12 A transmissibilidade em análise sempre foi uma preocupação para Lacan É o que aparece sob a forma do matema cuja etimologia nos indica significar aquilo que se aprende o que se ensina O único tipo clínico transmissível ao nível de uma conceituação formal é a histeria Apesar disso Lacan nunca deixou ao longo de todo o seu ensino de tentar situar os outros tipos clínicos a partir da experiência analítica Nas entrevistas preliminares é importante então no que diz respeito à direção da análise ultrapassar o plano das estruturas clínicas psicose neurose perversão para se chegar ao plano dos tipos clínicos histeria obsessão ainda que não sem hesitação para que o analista possa estabelecer a estratégia da direção da análise sem a qual ela fica desgovernada A base da estratégia do analista na direção da análise se refere à transferência13 à qual o diagnóstico deve estar correlacionado Dado que o analista será convocado a ocupar na transferência o lugar do Outro do sujeito a quem são dirigidas suas demandas é importante detectar nesse trabalho prévio a modalidade da relação do sujeito com o Outro Para o obsessivo o Outro goza como ilustra no caso do Homem dos Ratos a figura do capitão cruel que traz à cena com seu relato do suplício dos ratos um gozo terrível e mortificador Esse Outro do obsessivo é patente no personagem do Pai da horda primitiva do mito de Totem e Tabu que é como diz Lacan um mito de obsessivo Tratase de um Outro detentor de gozo que impede seu acesso ao sujeito É um Outro a quem nada falta e que não deve portanto desejar o obsessivo anula o desejo do Outro É nesse lugar do Outro que ele se instala marcando seu desejo pela impossibilidade Tratase de um Outro que comanda legifera e o vigia constantemente A fantasia do obsessivo traz a marca do impossível desvanecimento do sujeito para escapar do Outro14 As funções das entrevistas preliminares 23 Na tentativa de dominar o gozo do Outro para que este não emerja o obsessivo não só anula seu desejo como tenta preencher todas as lacunas com significantes para barrar esse gozo ele não pára de pensar duvidar calcular contar Ao situar o Outro como mestre e senhor o obsessivo fica na posição de escravo trabalhando e se esforçando em enganar o senhor pela demonstração das boas intenções manifestadas em seu trabalho15 Contudo ele mesmo se tapeia ao acreditar que é seu trabalho que lhe deva dar o acesso ao gozo16 O mito do senhor e do escravo é para Lacan um mito do obsessivo Encontramos na clínica do obsessivo a conjugação no Outro de dois significantes o pai e a morte denotando a articulação da lei com o assassinato do pai na constituição da dívida simbólica Isto transparece nos impasses do obsessivo relativos à paternidade ao dinheiro ao trabalho à justiça e à legalidade Se o obsessivo é aquele que garante a caução do Outro sendo portanto seu fiador17 seu desejo é condicio nado pelo contrabando Para a histérica o Outro é o Outro do desejo marcado pela falta e pela impotência em alcançar o gozo tal como demonstra o pai de Dora cujo desejo ela vai sustentar com o seu sintoma da afonia determinado pela fantasia de felação a sA A histérica confere ao Outro o lugar dominante na cena de sedução de sua fantasia em que figura o encontro com o sexo ela não está presente como sujeito mas como objeto não fui eu foi o Outro Isso aparece na clínica como uma reivindicação ao Outro a quem diferentemente do obsessivo ela não deve nada é o Outro que lhe deve Se o obsessivo escamoteia a inconsistência do Outro supondolhe o gozo para a histérica o Outro não tem o falo Se tampouco ela o possui deve assumir no entanto a função de fazdeconta de ser o falo A histérica não é escrava ela desmascara a função do senhor fazendo greve No entanto está sempre à procura de um senhor de um mestre inventa um mestre não para se submeter a ele mas para reinar apontando as falhas de sua dominação e mestria18 A histérica estimula o desejo do Outro e dele se furta como objeto é o que confere a marca de insatisfação a seu desejo19 Os tipos clínicos também se situam distintamente quanto ao desejo Este é estruturado não como uma resposta e sim como uma questão 24 As 41 condições da análise inconsciente que se situa no nível de Quem sou eu Para o obsessivo tratase de uma questão sobre a existência estou vivo ou estou morto para a histérica sobre o sexo sou homem ou mulher que é subsumida pela questão tanto para o homem quanto para a mulher histérica o que é ser mulher20 Esta interrogação será feita a partir da outra mulher como é o caso da Sra K para Dora e da vizinha da bela açougueira Freud baseia o seu diagnóstico de Dora na conotação de desprazer no caso a repugnância conferida ao gozo sexual Sem dúvida eu consideraria histérica uma pessoa em quem uma ocasião para excitação sexual despertasse sensações que fossem preponderante ou exclusivamen te desagradáveis fosse ou não a pessoa capaz de produzir sintomas somáticos21 Essa conotação do gozo sexual de menos prazer da histérica e de mais prazer do obsessivo apontada por Freud se encontra desde o rascunho K de sua correspondência com Fliess onde no intuito de estabelecer a etiologia das neuroses procura diferenciar histeria neurose obsessiva e paranóia a partir da modalidade de gozo vivenciado no primeiro encontro com o sexo e da vicissitude da representação vinculada a essa experiência22 Essa modalização do gozo sexual nos tipos clínicos é um critério diagnóstico determinado pela fantasia fundamental que não deve ser desconsiderado nas entrevistas preliminares 3o A função transferencial No começo da psicanálise é a transferência nos diz Lacan e seu pivô é o sujeito suposto saber23 O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá o sinal de entrada em análise e esse sujeito é vinculado ao saber É o que depreendemos na própria formulação da regra da associação livre por Frau Emmy von N quando pede para Freud calarse há para ela um saber presente em seus próprios ditos A resolução de se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar É o que JacquesAlain Miller chama de préinterpretação feita pelo sujeito de seu sintoma24 As funções das entrevistas preliminares 25 O estabelecimento da transferência é necessário para que uma análise se inicie é o que denominamos a função transferencial das entrevistas preliminares Mas a transferência não é condicionada ou motivada pelo analista Ela está aí diz Lacan na Proposição por graça do analisante Não temos de dar conta do que a condiciona Aqui ela está desde o início A transferência não é portanto uma função do analista mas do analisante A função do analista é saber utilizála A primeira formulação dessa questão pode ser encontrada no artigo de Lacan Função e campo da fala e da linguagem quando fala de transferência de saber Tratase de uma ilusão na qual o sujeito acredita que sua verdade encontrase já dada no analista e que este a conhece de antemão Esse erro subjetivo é imanente à entrada em análise A subjetividade em questão é correlata aos efeitos constituintes da trans ferência que são distintos dos efeitos já constituídos antes desse mo mento Essa subjetividade correlata ao saber como efeito constituinte da transferência é o que Lacan formulará como sujeito suposto saber Cada vez diz ele no Seminário XI que para o sujeito essa função do sujeito suposto saber é encarnada por quem quer que seja analista ou não isso significa que a transferência já está estabelecida Se o analista empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber ele não deve de maneira alguma identificarse com essa posição de saber que é um erro uma equivocação A posição do analista não é a de saber nem tampouco a de compreender o paciente pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é baseada no malentendido Sua posição muito mais do que a posição de saber é uma posição de ignorância não a simples ignorância ignara mas a ignorância douta Esse é um termo de Nicolau di Cusa século XV que é definido como um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus limites A ignorância douta é um convite não apenas à prudência mas também à humildade um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber absoluto contra a posição do analista de aceitar essa imputação de saber que o analisante lhe faz O saber é no entanto pressuposto à função do analista O sujeito suposto saber é definido por Lacan no início de seu ensino como aquele que é constituído pelo analisante na figura de seu analista e mais tarde o fará equivaler a Deus Pai25 Identificarse com essa posição 26 As 41 condições da análise é transformar a análise em uma prática baseada em uma teoria ou uma teologia que não inclui a falta A disjunção da função do sujeito suposto saber da pessoa do analista vai aparecer de forma patente na formalização de Lacan da entrada em análise formalização que é feita com o algoritmo da transferência26 S Sq s S1S2 Sn Algoritmo segundo a definição do Dicionário das matemáticas de A Bouvier e M George é uma referência de regras a serem aplicadas numa ordem determinada a um número finito de dados para se chegar com certeza a um certo resultado e isso independentemente dos dados Um algoritmo não resolve apenas um problema mas toda uma classe de problemas só diferindo pelos dados mas governados pelas mesmas prescrições Algoritmo é portanto uma fórmula qualquer O algoritmo da transferência é o matema da entrada em análise é a formalização que está em ressonância com o que Freud postula na abertura do texto O início do tratamento quando faz a famosa comparação da psicanálise com o jogo de xadrez Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais dos jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade das jogadas que se desenvolve após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo Freud dirá então que apenas formulará algumas regras para o início do tratamento Esse algoritmo da transferência é o que responde num esforço de formalização independente das particularidades de cada um à própria estrutura da entrada em análise O S do numerador dessa fração é o chamado significante da transferência um significante do analisante se dirige a um significante qualquer Sq que vem representar o analista Este significante fabricado pelo analisante fará com que ele escolha aquele analista pode ser o nome próprio ou algum traço particular Essa escolha do analista é formalizada por Lacan como uma articulação de dois significantes que corresponde ao estabelecimento da transferência transferência signi ficante O efeito dessa transferência significante é um sujeito repre As funções das entrevistas preliminares 27 sentado na fórmula por s significado que está correlacionado aos significantes do saber inconsciente estes significantes S1 S2 Sn dispostos numa cadeia que representam um conjunto de significantes do saber inconsciente A articulação do significante da transferência com o significante qualquer do analista escolhido pelo analisante tem como efeito a produção do sujeito aquilo que um significante representa para outro significante S1 S2 Esse sujeito não é real ele é produzido como significado s articulado através de uma suposição do saber inconsciente Tratase da instituição do sujeito da associação livre inaugurada pela articulação significante S Sq que é o próprio sujeito do inconsciente representado na fórmula da fantasia S a É este sujeito que será destituído quando do término da relação transferencial a destituição subjetiva diz Lacan na Proposição está inscrita no ticket de entrada Esse sujeito suposto saber aqui representado pelo deno minador não é necessariamente imposto ao analista pelo analisante O que importa é a relação que foi estabelecida pelo analisante entre o analista e o sujeito suposto saber O sujeito suposto saber fundando os fenômenos de transferência não traz nenhuma certeza ao analisante de que o analista saiba muito longe disso O sujeito suposto saber é perfeitamente compatível com o fato de ser concebível pelo analisante que o saber do analista seja bem duvidoso27 Evidentemente no início o analista nada sabe a respeito do inconsciente do analisante Isso é mostrado claramente no algoritmo no qual esse significante qualquer Sq que representa o analista não tem relação com o saber inconsciente Encontramos aqui formalizada a afirmação de Freud de que todo paciente novo implica a constituição da própria psicanálise o saber que se tem sobre outros casos não vale de nada não pode ser transposto para aquele caso Cada caso é portanto um caso novo e como tal deve ser abordado O algoritmo da transferência é construído a partir de um outro algoritmo que se encontra em sua base o algoritmo saussuriano Ss que implica o referente do signo lingüístico isto é aquilo a que o signo lingüístico remete o elemento do mundo que é designado por esse signo 28 As 41 condições da análise No algoritmo da transferência a significação do saber inconsciente corresponde ao lugar do referente no signo saussuriano só que aqui essa significação do saber é latente sem deixar no entanto de ser referencial Lacan articula esse saber referencial do sujeito em sua particularidade com o saber textual uma vez que a psicanálise deve sua consistência aos textos de Freud Através do algoritmo da transfe rência Lacan vincula a psicanálise em intensão à psicanálise em extensão pois aposta na transmissão do saber particular via sua articulação com os textos de Freud Qual o efeito do estabelecimento desse sujeito suposto saber É o amor Com o surgimento do amor se dá a transformação da demanda uma demanda transitiva demanda de algo como por exemplo livrarse de seu sintoma tornase uma demanda intransitiva demanda de amor de presença já que o amor demanda amor O amor é o efeito da transferência mas efeito sob o aspecto de resistência ao desejo como desejo do Outro Ao surgimento do desejo sob a forma de questão o analisante responde com amor cabe ao analista fazer surgir nessa demanda a dimensão do desejo que é também conectado ao estabelecimento do sujeito suposto saber Este corresponde condicionandoo a um sujeito suposto desejar Eis a articulação com a função sintomal pois fazer aparecer a dimensão do desejo é fazêlo surgir como desejo do Outro levando o sintoma à categoria de enigma pela ligação implícita do desejo com o saber Não basta a demanda de se desvencilhar de um sintoma é preciso que este apareça ao sujeito como um ciframento portanto algo a ser decifrado na dinâmica da transferência pelo intermédio do sujeito suposto saber O que quer esse amor de transferência Ele quer saber Ora a própria transferência é definida por Lacan como o amor que se dirige ao saber Porém sua finalidade como a de todo amor não é o saber e sim o objeto causa do desejo Esse objeto o objeto a é o que confere à transferência seu aspecto real de real do sexo Tratase aqui da vertente da transferência como colocação em ato da realidade sexual do incons ciente À transferência como repetição em que os significantes da demanda são endereçados ao Outro do Amor em que é colocado o analista vem contraporse a transferência como um encontro da ordem do real do sexo É o objeto a que ao vir obturar a falta constitutiva As funções das entrevistas preliminares 29 do desejo se torna esse objeto maravilhoso do qual para Alcebíades Sócrates é o continente l a No Seminário VIII Lacan fez do Banquete de Platão o texto central sobre a transferência Sócrates aparecendo como aquele que nunca pretendeu saber nada além do que diz respeito a Eros28 É por estar no lugar de sujeito suposto saber sobre o desejo que o discurso de Alcebíades se dirige a ele A demanda dirigida ao analista em posição de sujeito suposto saber apresentase como demanda de transferência de saber Isto é ilustrado logo no início do Banquete quando Agatão se dirige a Sócrates que está entrando Aqui Sócrates Reclinate ao meu lado a fim de que ao teu contato desfrute eu da sábia idéia que te ocorreu em frente de casa Pois é evidente que a encontraste e que a tens pois não terias desistido antes 175 d Ao que Sócrates desprezando ironicamente essa suposição de saber e apontando para o engodo de uma suposta transferência de saber replica Seria bom Agatão se de tal natureza fosse a sabedoria que do mais cheio escorresse ao mais vazio quando um ao outro nos tocássemos como a água dos copos que pelo fio de lã escorre do mais cheio ao mais vazio Se é assim também a sabedoria muito aprecio reclinarme ao teu lado pois creio que de ti serei cumulado com uma vasta e bela sabedoria A minha seria um tanto ordinária ou mesmo duvidosa como um sonho enquanto a tua é brilhante e muito desenvolvida Mas é o discurso de Alcebíades quando este compara Sócrates com um sileno que nos revela que a suposição de saber é correlativa à atribuição ao Outro da transferência do objeto precioso que causa o desejo Diz Alcebíades Afirmo eu então que ele é muito semelhante a esses silenos colocados nas oficinas dos estatuários que os artistas representam com um pifre ou uma flauta os quais abertos ao meio vêse que têm em seu interior estatuetas de deuses agalmata theon Os silenos têm duas acepções eram divindades do séquito de Dionísio figurados com cauda e cascos de boi ou de bode e rosto humano singularmente feio eram também pequenas embalagens para oferecer presentes caixas de jóias Mais adiante em seu discurso Alcebíades volta a insistir nessa comparação salientando o que se encontra no interior de Sócrates paraalém de sua feia aparência Uma vez porém que 30 As 41 condições da análise Sócrates fica sério e se abre não sei se alguém já viu as estátuas agalmata lá dentro eu por mim já uma vez as vi e tão divinas me pareceram elas com tanto ouro com uma beleza tão completa e tão extraordinária que eu só tinha que fazer imediatamente o que me mandasse Sócrates São esses agalmata que Alcebíades quer receber de Sócrates sob a forma de saber quando se encontrou a sós com ele como se me estivesse ao alcance ouvir tudo o que ele sabia esperança sustentada na equivalência do sujeito suposto saber com o sujeito suposto desejar julgando que ele estava interessado em minha beleza 217 d O estabelecimento da transferência no registro do saber através de sua suposição é correlato à delegação àquele que é seu alvo de um bem precioso que causa o desejo causando portanto a própria transferência Para Lacan há uma identidade entre o algoritmo da transferência onde só aparecem significantes e o que é conotado como agalma no Banquete de Platão Se na transferência há presentificação da realidade do inconsciente enquanto sexual é por causa desse objeto maravilhoso agalma O discurso de amor que Alcebíades dirige a Sócrates como aquele que contém o objeto precioso de seu desejo tem como resposta a saída de Sócrates dessa posição de desejável Sócrates vai apontar para Alcebíades que é Agatão o objeto de seu desejo Sócrates sabe que ele não tem esse objeto precioso e sim que detém sua significação Ele se recusa porém a esse simulacro dizendose não digno do desejo de Alcebíades Em relação a Sócrates o analista deve assumir uma posição diferente o analista deve consagrarse a agalma a essência do desejo O analista deve estar disposto a pagar o preço de se ver reduzido ele e seu nome a um significante qualquer em nome desse agalma no qual Lacan reconheceu o objeto a como um maisgozar em liberdade e de consumo mais curto29 O surgimento desse sujeito suposto saber é correlato ao objeto a do qual o analista diferentemente de Sócrates deve fazerdeconta provocando assim a torção dos termos do que era o discurso histérico e fazendo com que o candidato à análise entre no discurso analítico propriamente dito O corte promovido pela entrada em análise se dá quando há um giro dos elementos e o sujeito passa a produzir os significantesmestres S1 de seu assujeitamento ao Outro As funções das entrevistas preliminares 31 S S1 a S a S2 S2 S1 A retificação subjetiva É nesse tempo preliminar à análise propriamente dita que podemos incluir um tipo de interpretação do analista designado por Lacan como retificação subjetiva Ao criticar os autores que têm como meta da análise a relação com a realidade ou seja o fim da análise como adaptação à realidade ele chama a atenção para o fato de Freud proceder com o Homem dos Ratos na ordem inversa Ou seja ele começa por introduzir o paciente a um primeiro discernimento repérage de sua posição no real ainda que este acarrete uma precipitação não hesitemos em dizer uma sistematização dos sintomas30 A retificação subjetiva que Freud provoca no Homem dos Ratos considerada por Lacan como interpretação decisiva encontrase na parte F A causa precipitadora da doença quando ele lhe diz que o conflito entre seu projeto de casar com uma moça pobre e o projeto familiar de casálo com uma moça rica como o pai é resolvido pela doença caindo doente evitava a tarefa de resolvêlo na vida real Freud retifica assim a ordem das coisas modificadas pelo sujeito cuja neurose impedia a decisão da escolha entre seu amor liebe pela dama e a vontade wille do pai mostrandolhe que esta foi a solução encontrada para não escolher e portanto não agir Na realidade diz Freud o que parece ser a conseqüência é a causa ou o motivo de ficar doente Esta retificação introduz a causalidade da neurose na não escolha entre a moça rica e a moça pobre apontando a divisão do sujeito O comentário de Freud nessa retificação de que os resultados de uma doença dessa natureza nunca são involuntários promove ainda a responsabilização do sujeito na escolha da neurose Na retificação subjetiva há portanto a introdução da dimensão ética da ética da psicanálise que é a ética do desejo como resposta à patologia do ato que a neurose tenta solucionar escamoteandoa Outro exemplo de retificação subjetiva de Freud qualificado por Lacan de notório é quando ele obriga Dora a constatar que dessa 32 As 41 condições da análise grande desordem do mundo de seu pai cujo dano é o objeto de sua exclamação ela fez mais do que participar que ela se constituíra como a cavilha dessa desordem e que esta não poderia ter continuado sem sua condescendência Mais adiante Lacan continua Sublinhei há muito o procedimento hegeliano desse reviramento das posições da bela alma à realidade que ela acusa Não se trata de adaptála a esta mas de mostrarlhe que está justamente adaptada demais visto que concorre para sua fabricação Essa referência concerne ao texto Intervenção sobre a transferên cia de 1951 no qual Lacan define a experiência analítica a partir da intersubjetividade a relação de sujeito a sujeito como experiência dialética privilegiando o discurso na medida em que é constituinte do sujeito graças à presença do analista alvo do seu endereçamento31 A partir da dialética hegeliana Lacan se dedica no caso Dora a escandir as estruturas onde se transmuta a verdade para o sujeito através de reviramentos dialéticos A retificação subjetiva corresponde ao primeiro reviramento dialético operado por Freud Dora se queixa de ser vítima do assédio do Sr K propiciado pela relação amorosa de seu pai com a Sra K situação que é apresentada por ela como um fato objetivo da realidade que Freud não pode mudar A retificação subjetiva de Freud consiste em perguntar qual é sua participação na desordem da qual você se queixa Na situação descrita por Dora encontramos a afirmação da situação deplorável na qual está metida a negação implícita de que tenha qualquer participação na determinação dessa desordem ou seja negação de sua posição subjetiva de sujeito desejante apresentandoa como ipso facto e a negação da negação operada por Freud por intermédio da retificação subjetiva Seu efeito é a emergência da participação de Dora no assédio do Sr K e de sua cumplicidade como propiciadora do romance do pai com a Sra K desvelando a estruturação de seu desejo A partir dessas intervenções de Freud podemos inferir duas ver tentes da retificação subjetiva segundo o tipo clínico Com o neurótico obsessivo ela se situa no plano da retificação da causalidade que se apresenta como conseqüência sua impossibilidade de agir que é correlata à sua modalidade de sustentação do desejo como impossível Esta correlação é ilustrada por outra retificação de Freud ao Homem dos Ratos em que ele supõe uma interdição do pai ao amor As funções das entrevistas preliminares 33 do sujeito pela dama fazendo surgir a dimensão do Outro como o pai absoluto Com a histérica a retificação subjetiva visa à implicação do sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro fazendoo passar da posição de vítima sacrificada à de agente da intriga da qual se queixa e que sustenta seu desejo na insatisfação O que deve efetuar o sujeito para se desvencilhar de seu papel da bela alma é precisamente diz Zizek um tal sacrifício do sacrifício não basta sacrificar tudo é preciso ainda renunciar à economia subjetiva em que o sacrifício traz o gozo narcí sico32 Nessas duas modalidades tratase de introduzir o sujeito em sua responsabilidade na escolha de sua neurose e em sua submissão ao desejo como desejo do Outro A retificação subjetiva aponta que lá onde o sujeito não pensa ele escolhe lá onde pensa é determinado introdu zindo o sujeito na dimensão do Outro 34 As 41 condições da análise Capítulo II O divã ético De onde é que estão olhando para mim Que coisas incapazes de olhar estão olhando para mim Quem espreita de tudo As arestas fitamme Sorriem realmente as paredes lisas Sensação de ser só a minha espinha As espadas A Múmia Fernando Pessoa O divã essa peça do mobiliário tornouse há muito símbolo de uma psicanálise ou até mesmo dA psicanálise Como significante ele representa para o Outro social o psicanalista qualificado de herdeiro de Freud Até hoje os freudianos continuam fazendo seus analisantes deitar Lacan não tirou o divã do dispositivo analítico Para a IPA tratase de uma norma padronizada da curapadrão a outra norma sendo a imposição da duração de pelo menos quarenta e cinco minutos por sessão sem mencionar a regulamentação da freqüência das sessões por semana Com Lacan varrese a padronização o setting analítico é rompido para que o analista possa manejar a sessão de acordo com a única regra imposta ao analisante a associação livre Contudo Lacan conservou a condição do divã bem como as entrevistas preliminares duas condições intimamente ligadas uma vez que a indicação do divã pontua o fim dessas entrevistas marcando a entrada em análise O fato de indicar aos pacientes que devem deitar será um procedimento meramente técnico É o que pode parecer à primeira vista No entanto com o 35 retorno a Freud promulgado por Lacan aprendemos que esse retorno é orientado tratase de buscar o fundamento ético a todo e qualquer procedimento técnico para remetêlo à estrutura em causa O divã tampouco deve escapar a isso A justificação de Otto Fenichel desse detalhe prático que é o divã em seu texto Problemas da técnica analítica de 1951 resume bem a noção que passou para o senso comum relaxamento para o paciente e alívio para o analista do incômodo de ser olhado A essas vantagens ele opõe o caráter de cerimonial e o efeito de uma impressão mágica sentida pelo analisante Daí sua reserva quanto a uma rigidez técnica tudo é permitido com a condição de que se saiba a razão podese dispensar a condição do divã segundo Fenichel em caso de recusa do paciente ou quando ele se encontra por demais desejoso de se deitar1 As PIP Em 1963 essa questão volta a ser evocada no momento em que os analistas europeus de línguas românicas da IPA se reúnem para habilitar em espelhamento com seus colegas americanos as PIP ou seja as Psicoterapias de Inspiração Psicanalítica2 Tratase de variantes da cura padrão que receberam nesse congresso não apenas o sinal verde e a bênção da comunidade européia mas também sua padronização A orientação lacaniana não só se opõe totalmente às PIP como também ao próprio conceito de variantes da curapadrão título de um artigo de Lacan feito sob encomenda em 1955 para a Encyclopédie médicochirurgicale3 título que qualificará mais tarde de abjeto Nesse artigo ele combate a idéia de padronização e a de variantes da psicanálise pois a cura o tratamento que se espera de um psicanalista é justamente uma psicanálise experiência do inconsciente tributária da função da fala e do campo da linguagem As PIP são efetivamente um produto do privilégio conferido ao Eu ego na teoria psicanalítica pois são indicadas sobretudo ao paciente com o Eu fraco Segundo o autor do relatório referente às PIP a promoção destas nada mais é do que o resultado da evolução constante da psicanálise ou seja a descoberta do Eu que tomou a dianteira em 36 As 41 condições da análise relação ao inconsciente o empalidecimento do Édipo diante da riqueza que se descobre na relação mãefilho etc Em suma novos males novos remédios Podese ler nesse relatório que a qualificação de uma autêntica psicoterapia de inspiração psicanalítica só poderia ser efetuada conside randose a singularidade desse duplo movimento temporal e espacial que levou o paciente num primeiro movimento de evolução técnica do face a face e da poltrona ao divã e ao isolamento visual num segundo movimento o fez retornar do divã à poltrona e ao face a face A partir daí foi definida uma padronização para a curapadrão o par divãpol trona para as psicoterapias simples o par poltronapoltrona para as psicoterapias de inspiração psicanalítica a dialética divãpoltrona e poltronapoltrona Nesse relatório somos avisados dos perigos de fazer o paciente deitarse pois este poderia sentir o olhar do analista pesar sobre si por detrás penetrar na nuca etc reativar temores arcaicos relativos ao mesmo tempo à mais completa e mais animalesca neces sidade de segurança comer ser comido e medos mais elaborados de ser descoberto e julgado no plano prazerdesprazer e no do amor perda do amor E no caso do Eu fraco o paciente pode ter medo de despersonalização de despedaçamento e de morte quando a regressão terá levado o paciente às fronteiras do préverbal São esses perigos que justificam a técnica das PIP Em recente publicação da Société Psychanalytique de Paris Apresentação da SPP para o uso de um leitor leigo o setting analítico da curapadrão se define por ser estrito caracterizandose antes de tudo pelo dispositivo divãpoltrona e em seguida pelo rigor quanto ao número à regularidade e à duração das sessões4 O que para eles define o dispositivo freudiano não é pois a associação livre mas entre outras coisas o mobiliário o par divãpoltrona Isto não impede algumas pessoas originais de proporem algumas variações do setting analítico como é descrito em um texto apresentado no Congresso dos Psicanalistas de Língua Francesa dos Países Românicos realizado no mês de maio de 1989 em Paris Paulette Letarte colocou seu divã de tal maneira que o analisante pudesse se sentar confortavelmente para que seu olhar e o da analista pudessem convergir em um ponto de encontro produzindo desta forma uma cena imaginada em que o analista designa com a mão os personagens aos quais faz referência em sua interpretação Essa espécie de psicodrama imaginado recebe uma justificativa que é totalmente O divã ético 37 oposta como veremos em seguida à discussão de Freud sobre a questão do divã no que tange à relação da fala com as imagens que desfilam diante do sujeito durante a sessão Esse palco de fazdeconta é um lugar a que podemos apelar para evitar a devoração recíproca para fantasiar a passagem ao ato e interpretála por antecipação ao invés de proibila para afastar as sombras do passado e transformálas em imagens visíveis para negociar as tensões da transferência pois se trata sempre de devolver ao paciente de forma enriquecida o que ele projetou em nós5 Por não ter à sua disposição a categoria do simbólico para lidar com o conceito de transferência situando a experiência analítica no campo da linguagem a autora se perde e se emaranha ainda mais no enviscamento imaginário ao tentar dele escapar por uma medida técnica mexendo no divã O corte no espelho O uso do divã tem em primeiro lugar para Freud em seu texto O início do tratamento uma significação histórica é o vestígio da hipnose Se ele insiste na posição deitada durante a análise é para que o analista fique sentado atrás do analisante de maneira a não ser olhado Enuncia então diversas razões para conservar o divã Primeiro por não suportar ser olhado oito horas ou mais por dia Poderíamos efetivamente convocar aqui as modalidades da pulsão escópica no sujeito Freud e retomar seus sonhos tais como Favor fechar um olho ou Non vixit onde se encontram os olhos aniquiladores de Brücke ou ainda Conde de Thun onde o homem idoso vem a ser o pai de Freud que teve glaucoma etc não fosse nossa repugnância em bancar o analista de Freud Não se trata para nós de analisar sonhos e detectar fantasias de Freud para justificar a origem da condição do divã na experiência analítica Inte ressanos antes seu ponto de enunciação para dizer a estrutura em outros termos como diz Lacan o dizer de Freud o que importa no real importa tem aqui o sentido de importância e de importação Idiossincrasia freudiana à parte tratase de um fato experimentado por mais de um analista Freud não se detém porém nesse motivo pessoal e explica não querer que a expressão de seu rosto possa fornecer ao analisante certas 38 As 41 condições da análise indicações suscetíveis de serem interpretadas ou de influenciarem sua fala Insisto contudo nesse procedimento diz Freud que tem como objetivo e como resultado impedir que a transferência se misture imperceptivelmente às associações do paciente e isolar a transferência de tal maneira que a vemos aparecer num dado momento em estado de resistência A principal razão do divã na análise não é portanto nem de ordem histórica nem pessoal ela se deve à estrutura da transferência Tratase de uma tática cujo objetivo é dissolver a preg nância do imaginário da transferência para que o analista possa distin guila no momento de sua pura emergência nos dizeres do analisante A Shauplatz não é o consultório ela é o Outro do significante Se o analista é agente por efeito da transferência ele não é absolutamente ator o analista não deve prestarse ao espetáculo dar show nem tampouco visar a tiradas espetaculares Seu lugar é o da invisibilidade a medida de seu ato é o real e não a atuação Em oposição à encenação a indicação do divã na entrada em análise é um ato analítico que reproduz em cada análise o início da psicanálise Freud recusa o espetáculo das histéricas ao descortinar a Outra Cena Condição favorável para isolar a transferência nos significantes atacar o muro narcísico figurado pelo eixo a a do esquema L para que a análise ocorra no eixo simbólico entre S e A lá onde se encontra o objeto Em outros termos tratase de esmaecer a transferência imaginária para favorecer a emergência da transferência no significante o que podemos aproximar do algoritmo da transferência onde só há signifi cantes Privilegiar a fala se acompanha portanto da redução do visual que Lacan designa como o campo exemplar do engodo do desejo na medida em que ele é protegido pela imagem ia O olho institui na relação do sujeito com o outro imaginário o desconhecimento de que sob esse desejável há um desejante Cabe a essa função chamada por Lacan de desejo do analista ir contra esse desconhecimento e fazer com que sob esse objeto de desejo que detém o analista surja para o O divã ético 39 analisante a interrogação sobre sua própria posição em relação ao desejo do Outro Com o dispositivo de fazer o analisante deitar no divã apagase a imagem do outro ia que representa a persona do analista e IA o ideal do Outro tenderá a ocupar seu lugar A primeira vez que um analisante histérico se deitou era sua primeira análise foi acometido por uma tonteira acompanhada de angústia que o fez sentirse como num barco sem remos à deriva no mar À sua tentativa de se levantar para reencontrar seu equilíbrio agarrandose na imagem do outro a recusa do analista revelouse como um encorajamento à deriva significante Não poder ver o efeito de suas palavras na expressão do analista não ter esse ponto de apoio de ancoramento na reciprocidade de olhares faz o sujeito perder literal mente o apoio sentindose à deriva Como efeito disso surgiu o aturdito enquanto sintoma transitório ele encontrase aturdido por seus ditos Tratase aqui de um sintoma como mensagem do Outro sA cujo deciframento faz emergir a conjunção da falta de apoio paterno com a queixa dirigida a ele enquanto IA sob a forma de um Pai não estás me vendo na atualidade da transferência O apagamento do imaginário visado por esse procedimento freu diano do divã não tem outro objetivo senão o de desacelerar a função de desconhecimento do eu para fazer emergir o discurso do Outro mesmo que isto não seja nem suficiente nem indispensável uma vez que é a regra fundamental que comanda A posição deitada introduz no entanto a diferença entre o lugar desobstruído para o sujeito sem que ele o ocupe e o eu que vem aí se alojar6 A correlação que transparece no caso desse sujeito histérico entre o ir para o divã e a associação livre pode também ser ilustrada com o fato de que a privação da visão do analista é acompanhada pelo convite à autoobservação algo do tipo vamos apagar a luz para melhor ver o filme Freud utiliza uma metáfora ferroviária ao enunciar a regra fun 40 As 41 condições da análise damental Comportese como um viajante sentado à janela de um vagão que descrevesse a paisagem que vai mudando a uma pessoa que se encontra atrás dele Essa comparação comporta menos uma apologia de uma visão interna o famigerado insight do que a obrigação de fazer as imagens passarem pela fala Com a relevância dada à colocação do imaginário em significantes como é ilustrado em A interpretação dos sonhos onde Freud faz suas imagens passarem pelo relato do sonho o insight é um sucedâneo do estádio do espelho há uma injeção da libido nesse campo do insight cuja visão especularizada dá a forma7 Freud privilegia o sujeito da fala que é o sujeito da enunciação e não o sujeito do insight que é o equivalente do sujeito da compreensão ou seja o eu Privação da Schaulust O analisante diz Freud geralmente considera essa posição como uma privação e se insurge contra ela sobretudo quando a pulsão escópica desempenha um papel importante em sua neurose Um número particularmente grande de pacientes não gosta de que lhes seja pedido para deitar enquanto o médico se senta atrás dele fora de sua vista Pedem que lhes seja concedido passar o tratamento em alguma outra posição na maioria dos casos por estarem ansiosos por terem sido privados da visão do médico E acrescenta de forma veemente essa permissão é sempre recusada Nenhuma concessão deve ser feita ao Schautrieb Não à Schaulust à satisfação pulsional A pulsão escópica é aqui paradigma do manejo do gozo pulsional na experiência analítica devese excluílo e manter sua privação A utilização do divã é pois uma modalidade da regra de abstinência um não ao gozo pulsional na análise uma vez que o tratamento analítico deve o máximo possível efetuarse num estado de frustração de abstinência8 Essa problemática é abordada de passagem por Lacan no Seminário XI a propósito da pulsão escópica e do olhar como objeto a quando ressalta que o plano da reciprocidade do olharolhado é para o sujeito o mais propício ao álibi Seria conveniente portanto por meio de nossas intervenções na sessão não deixálo estabelecerse nesse plano Seria preciso pelo contrário desgarrálo desse ponto derradeiro de olhar que O divã ético 41 é ilusório Não dizemos a toda hora ao paciente Puxa Você está com uma cara ou o primeiro botão de seu colete está desabotoado Não é por nada que a análise não se faz em face a face9 Daí o divã ser um corte no olhonoolho nesse corpo a corpo das entrevistas preliminares Esse corte na reciprocidade implica uma postura ética pois não há simetria entre o sujeito e o Outro cuja relação deve ser favorecida Tratase de abater o plano geometral da percepção para acentuar a lógica significante nos entreditos lá onde isso está Na análise não estamos numa twobody psychology num olhos nos olhos Cortar a reciprocidade é ainda elidir o ele olha para dar relevância ao fazerse olhar em que se manifesta no nível escópico a atividade da pulsão sexual Pela lógica do processo analítico o analista será colocado no lugar do Vigia que se confunde de fato com o ponto de onde o sujeito se vê amável ou seja o ideal do eu O fato de se deitar no divã não impede o paciente de situarse num mostrarse pois quando é o ideal do eu que comanda a fala o sujeito se encontra na posição de mostrarse amável para o Outro O amor como endereçamento ao saber estabelece a equivalência entre o ideal do eu e o sujeito suposto saber o sujeito se mostra se faz ver pois se vê amável donde resulta que ele se faz saber se presta ao saber do Outro Essa analogia da estrutura permite que o amor de transferência como corolário do sujeito suposto saber venha tapear visando o mascaramento do isso olha cuja angústia é testemunha da presença do objeto Há uma báscula operada entre o Outro vigilante e o Outro do Amor conjunção cuja estrutura se deve à sobreposição do ideal do eu com a função de observação do supereu esse olhar que pousa sobre o sujeito e o mede com o ideal ponto derradeiro de olhar diz Lacan do qual se deve desgarrar o sujeito I A Objeto a que no início da a a nálise é latente e que o analista deve tornar patente disjuntandoo do ideal do eu com o objetivo de esvaziálo de seu gozo Assim colocar no divã já é um não à confusão entre IA e a disjunção que deve ser visada na direção da análise10 O paradigma da sobreposição do ideal ao objeto a pode ser encontrado no olhar do hipnotizador O poder de sugestão da hipnose é o resultado da conjunção de S1 o lugar do líder desse grupo de dois 42 As 41 condições da análise com a fascinação do olhar Pôr o paciente no divã é ir no sentido da análise como o avesso de uma hipnose uma vez que promove a disjunção do ideal do eu e do objeto maisdegozar Essa articulação desvelouse não tanto como sugestão mas como síndrome de influência no caso de uma mulher que veio falarme sobre o desmoronamento de seu casamento Após um relativo apaziguamento de seu desalento ao cabo de algumas entrevistas decido encaminhála a uma colega No dia seguinte a paciente me telefona para dizer que eu a havia hipnotizado mexido em seu subconsciente pois segundo ela eu a teria fitado fixamente querendo fazêla passar por lésbica O significante ideal Doutor pelo qual ela me chamava vinha no mesmo lugar desse objeto de gozo que me conferia o poder de vidência e manipulação de seu crânio através dos olhos poder que me atribuía a seu ver o qualificativo de lacraniano Essa situação ilustra dramaticamente a sobreposição do Outro ao objeto conjunção que o analista é chamado a encarnar com a parti cularidade de que neste caso o objeto olhar não é latente e sim patente A vergonha Na prática psicanalítica não é raro que o próprio paciente ao final de algumas entrevistas preliminares peça para deitarse no divã quando é afetado pela vergonha vergonha associada a fatos ou principalmente a fantasias de desejo particularmente íntimas e secretas Com efeito Freud observou em seu artigo A criação literária é o sonho acordado que o adulto tem vergonha de suas fantasias e as dissimula aos outros tratandoas como o que lhes é mais íntimo preferindo confessar suas faltas a contar suas fantasias A vergonha como diz LévyStrauss ao comentar a desgraça em que caíram os rivais de Quesalid é por excelência um sentimento social11 Tratase do afeto correlato a um olhar emergindo do campo do Outro e que visa o sujeito como Freud evoca a propósito dos sonhos de nudez na Interpretação dos sonhos12 O sinal da presença desse olhar que não se vê é o afeto da vergonha e provoca no sujeito a política do avestruz fechar os olhos para não ser visto Não há maior ultraje do que aquele que proíbe ao culpado esconder seu rosto quando envergonhado escreve Nathaniel Hawthorne13 Em seu O divã ético 43 livro A letra escarlate a exposição em praça pública de Hester Prynne levando em seu peito a letra A de seu gozo adúltero demonstra que a vergonha tange ao ser A demanda de se deitar sob o efeito da vergonha é uma tentativa de se furtar ao olhar do analista de não ver o efeito que seu relato produz nele para se esquivar de um eventual olhar crítico A vergonha é um indício de transferência pois o analista é colocado no lugar do público Mas e isto pode parecer paradoxal a demanda de se deitar nesse caso advém quando há separação distância entre o Outro que se manifesta no discurso do analisante e a pessoa do analista Essa distância é possível ao neurótico pois ele sabe de alguma forma que a transferência enquanto repetição é erro de pessoa e que o Outro não existe No caso de psicose a não disjunção da pessoa do analista e a figura do Outro implica uma transferência em que contrariamente à neurose não há erro mas acerto encontro A vergonha é pois um afeto do neurótico é ao mesmo tempo sinal de satisfação pulsional e barreira a esta provocando a divisão do sujeito lá onde ele é simulta neamente impedido de exibirse e impelido a desnudarse O divã permite ao analisante com sua política de avestruz vencer a vergonha da exibição para obedecer a regra fundamental Mas longe de impedir ele favorece o fazerse olhar pelo Outro a vergonha é o sinal da atividade pulsional expressa pela pulsão escópica A imagem e a mancha Qual é a relação do olhar com a imagem especular Conhecemos a metáfora empregada por Freud do analistaespelho o analista deve comportarse como um espelho que reflete o que é mostrado14 Sobre ela Lacan dirá tratarse de um espelho não especular apesar de permitir a fixação da imagem especular ia ou seja o que o sujeito vê no Outro Mas o verdadeiro segredo da captura narcísica é o objeto olhar cuja função é latente à imagem especular que encerra e esconde essa função de a Podemos assim escrever a relação da imagem especular ia com a iaa15 Com efeito para Lacan o obstáculo em questão na problemática do objeto a e da divisão do sujeito é a imagem especular obstáculo devido ao papel particular do olhar como objeto O analista desse sítio de onde se reflete ia deve de preferência reduzirse à mancha 44 As 41 condições da análise lá onde se encontra a função de tykhe no campo escópico pois para rasgar o que há de ilusório no eidos visual basta uma mancha Fazer de conta de objeto a nesse campo é ser uma mancha no mundo de representações do analisante Essa mancha tem a função de tela dos agalmata depositados pelo analisante no analista denotando a ambigüidade da jóia encobre e reflete essa maravilha das maravilhas objeto precioso que é agalma a Essa ambigüidade é duplicada na transferência pois a mancha atrai por ser o que tem o analista de desejável e retorna sobre o sujeito conotando o Outro como desejante fazendo dele seu objeto Agalma é o brilhante que confere seu caráter ao Belo e que é o objeto do charme esse charme inconveniente ao analista ele participa da armadilha em que consiste agalma armadilha do olhar O charme Reize segundo Freud nos Três ensaios sobre sexualidade é a qualidade que o olho enquanto zona erógena transmite ao objeto sexual e que nos dá o sentimento de beleza Ao deixa ver que o analisante dirige ao analista como desejável este responde por um você não me vê de onde lhe olho abrindo a dimensão do desejante O que o Outro quer Gozar de mim é a resposta do supereu que só pode aparecer na queda de agalma quando se separa a de Resposta amoral e obscena que o desejo do analista não permite que o analisante contorne O divã é portanto ético ele promove o apagamento do analista do campo da fascinação no sentido de separar a de para que o objeto apareça com sua face de maisdegozar e o sujeito possa experimentarse como falta em seu exercício da fala O divã leito de fazer amor de transferência Evocarei em linhas gerais uma entrada em análise para melhor acentuar o caráter particular da passagem para o divã pois o fato de ter tentado depreender aqui o universal da estrutura que condiciona o uso do divã em psicanálise não significa que essa passagem não seja sempre particular Apreender o particular de cada caso é o único procedimento que temos para não fazer um padrão do uso do divã assim como com qualquer outro aspecto da experiência analítica O divã ético 45 Após a primeira entrevista comigo durante a qual cuspiu um pedaço intragável de sua história Joana que veio me falar de suas desventuras conjugais tornase afônica o que a fez faltar à segunda entrevista Essa afonia se tornou rapidamente um sintoma analítico cuja superdeterminação teve como denominador comum a demanda de presença dirigida ao pai que morrera quando era pequena O pedaço intragável em questão constituía também um apelo ao pai quando criança ao pular uma fogueira seu vestido se incendiara Ela se tornou uma tocha viva cujo fogo foi rapidamente apagado O vestido chamus cado colou em sua pele e a mãe ao tentar tirálo arrancou retalhos de pele colados aos farrapos do vestido Desse corpo a corpo de horror com a mãe seu pai estava ausente Em seguida foi o único que ela permitia que fizesse os curativos o único com quem comia durante o período de anorexia que sucedeu à cura das queimaduras o único que cuidava de suas inúmeras anginas que quando pequena a deixavam afônica O sintoma da afonia atualizado durante as entrevistas preliminares mostra que ela se dirigia ao analista como substituto do pai e indicava a emergência da transferência Ela confessaria sentirse muito inibida em olhar para mim enquanto falava e fez alusão ao fato de que bem poderia deitarse no divã ao que não respondi Começou a partir daí a evitar meu olhar Um dia chegou dizendo muito embaraçada que estava ocorrendo com ela a tal da transferência e me contou com muito esforço uma recordação de infância em que ela fazia jogos sexuais com o irmão tratavase de voyeurismoexibicionismo em torno de um jogo de striptease e que um dia ele colocara seu sexo no dela Interrompeu então seu relato para falar de sua dificuldade em contar isso olhando para mim Nesse momento indiquei o divã dizendolhe para deitarse o que ela recusou apesar de minha insistência Deixeia continuar ela retomou dizendome que no enterro do pai não conseguira olhar para o irmão pois vinhalhe à mente o jogo sexual em questão lembrança que a deixou envergonhada durante todo o enterro Nas entrevistas seguintes continuei insistindo para que se deitasse Em vão minha insistência só fazia acentuar minha impotência Não consigo dizia e acrescentava que no entanto tudo fazia para agradar aos homens Decidi sair dessa posição de mestre em que ela mesma me havia colocado com sua provocação e deixála face a face nas entrevistas 46 As 41 condições da análise ulteriores Foi neste momento que me contou que na semana anterior tinha ido para a cama com cinco homens diferentes todos impotentes E acrescentou que sempre procurava homens como seu pai Interrompi a sessão lhe dizendo Está bem mas eu não sou seu pai Na sessão seguinte ela pôde dizerme sentirse excitada sexualmente em minha presença conseguindo finalmente deitarse Esta pequena seqüência não é senão a manifestação do óbvio o divã é um leito de fazer amor amor de transferência Leito do qual toda satisfação é excluída leito de suspiros de suspirar pelo Um de transpirar o pior pois aí não tem pai que venha adormecer o desejo O divã não é feito para o relaxamento nem para dormir ao entorpecimento hipnótico se opõe o despertar do desejo A clínica está sempre ligada ao leito diz Lacan E não se encontrou nada melhor do que fazer com que se deitem os que se oferecem à psicanálise É em posição deitada que o homem faz muitas coisas o amor em particular e o amor leva a todo o tipo de declarações16 No caso dessa analisante foi no divã que o olhar como objeto causa do desejo latente tanto na imagem especular suportada pelo analista quanto na reciprocidade dos jogos sexuais infantis deu lugar ao olhar como objeto de um gozo mortífero da mãe objeto que ela era para a mãe cujo olhar durante o arrancamento de retalhos de carne conotava que o Outro aí gozava Se o gozo está do lado da Coisa desumana o dizer qualquer coisa dizvão da regra fundamental é a direção para que o divã de amor não seja um leito de morte O que não significa que ele não possa adquirir essa ou qualquer outra significação como a de Sardanapal do quadro de Delacroix em seu leito de morte rodeado por seus objetos de gozo colares jóias vasos tecidos escravos cavalos e mulheres como a de Ofélia pintada por John Everett Millais resplandecente em seu leito de flores sob as águas transparentes de um rio mortal é deitado que jaz o cadáver Se o divã pode tomar a significação fúnebre de um funesto destino é por ser aí que o sujeito experimenta a mortificação dos significantes que sujeitaram sua vida cujo resto pulsa no silêncio da pulsão de morte Entre as Preciosas encontrase um pudor em nomear a cama o leito que é designado pela função de ser o lugar de dormir como encontramos no Grande Dicionário das Preciosas Ribson 1600 ou A chave da língua das ruelas o velho sonhador o império de Morfeu O divã ético 47 Se a cama é o leito do sono o divã não é para se ficar deitado no berço esplêndido das regressões a um infantilismo da libido Se a cama é para dormir e sonhar o divã é para relatar e despertar Divã é um termo persa que designa efetivamente um lugar de fala a sala guarnecida de almofadas em que se reunia o conselho do sultão no império otomano Em inglês it is not bedbad é couch cujo verbo designa fazer alguém deitar e também expressar em palavras frasear O divã é em suma o leito do rio em que passou a minha vida e meu coração se deixou contar 48 As 41 condições da análise Capítulo III Que tempo para a análise Quantos minutos gastam naquele jogo Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve A eternidade tem os seus pêndulos nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios Machado de Assis Cinco proposições sobre o tempo em psicanálise 1a proposição O tempo em psicanálise deve corresponder à estrutura do campo freudiano Esse aspecto não é pois meramente técnico ou empírico mas responde a conceitos fundamentais da psicanálise 2a proposição As sessões psicanalíticas sem tempo determinado se estabelecem num plano que não é o da burocracia e sim o da lógica do inconsciente e da ética da psicanálise 3a proposição As sessões psicanalíticas sem tempo determinado encontram sua lógica em duas definições distintas de estrutura que implicam dois aspectos do sujeito A A estrutura do campo psicanalítico é equivalente à estrutura da linguagem O sujeito é definido a partir de sua determinação pelo significante definição essa correlata à formulação do inconsciente es truturado como uma linguagem1 B A estrutura não é apenas definida pela linguagem se tudo é estrutura diz Lacan nem tudo é linguagem mas também a partir do objeto a real exterior à linguagem e que está fora do significante Tratase aqui da estrutura do ato psicanalítico Ato que fundamento 49 diz Lacan a partir de uma estrutura paradoxal em que o objeto seja ativo e o sujeito subvertido a 2 4a proposição O tempo em análise deve ir contra o tempo do neurótico 5a proposição O tempo da sessão deve incluir em si mesmo e a cada sessão a finitude da análise Assim cada sessão de análise contém o final da análise Que tempo para a análise Ande é a resposta de Freud baseada na fábula de Esopo em seu texto O início do tratamento Resposta correlata à de Lacan quando inicia seu ensino 1953 com um seminário sobre a técnica psicanalítica O mestre interrompe o silêncio com qualquer coisa um sarcasmo um pontapé3 É assim que procede na procura do sentido um mestre budista segundo a técnica zen Cabe aos próprios alunos procurarem as respostas às suas próprias questões Sabemos que a questão do tempo em análise tem sido uma questão polêmica na história do movimento psicanalítico e isso sob dois aspectos O primeiro se refere à duração da análise em que está em jogo o final de análise e o tornarse analista O segundo se refere à questão da duração da sessão psicanalítica Lacan introduziu esta questão do tempo da sessão arrancandoo da padronização dos 50 minutos determinados pela IPA para ressituar a experiência psicanalítica na função da fala e no campo da linguagem Tratase do que Lacan sempre chamou de sessões curtas e que no Brasil é referido como trabalhar com tempo lógico referência ao artigo de Lacan de 1945 Le temps logique et lassertion de certitude antecipée Sabemos que Lacan jamais abriu mão das sessões curtas sempre mostrando que elas não são desprovidas de sentido4 Com o conceito de final de análise proposto por Lacan a duração da sessão é uma função da análise na medida em que ela é terminável Nesse sentido o final da análise deve estar inscrito em cada sessão e isso desde o início Não é sem propósito que essa questão do fim da análise já é evocado por Freud em O Início do tratamento Ele a aborda pelo seu lado problemático nos primeiros anos de minha clínica psicana lítica costumava ter a maior dificuldade em persuadir meus pacientes a continuarem sua análise Esta dificuldade há muito tempo foi 50 As 41 condições da análise substituída e hoje tenho o maior trabalho para induzilos a abando nála Esse tema será retomado por Freud em 1937 em Análise terminável e interminável motivado justamente por essa dificuldade em fazer os analisantes terminarem suas análises Como vemos este problema foise agravando desde sua constatação em 1913 até se tornar crucial para Freud no final de sua vida situação que se prolonga para todo o resto da comunidade analítica até hoje e que será abordada no último capítulo deste livro Em O Início do tratamento qual é a posição de Freud sobre o tempo da sessão Ele relata que planificava as sessões fixando seu número seis vezes por semana menos domingos e feriados o horário e a duração de uma hora Cada analisante teria assim uma hora diária de sessão da qual poderia dispor como quisesse viesse ou não à sessão Apesar de Freud frisar que se tratava de regras que lhe convinham elas foram erigidas em normas de padronização pela IPA que fez entretanto algumas correções convenientes do tipo no mínimo três vezes por semana em vez das seis vezes semanais e uma redução no tempo de sessão que passou de 60 para 50 minutos sem que nunca fosse feita qualquer justificativa para essa modificação Assim o analista passou a ser um delegado da instituição à qual se submete Desde 1953 essa obsessionalização foi denunciada por Lacan em seu ensino Em contraposição a essas normas estabelecidas ele propõe que o analista se oriente apenas pela palavra do analisante para conduzir a análise que é essencialmente uma experiência de fala no campo da linguagem Isso que hoje nos parece evidente dada a difusão do ensino de Lacan não o era em 1953 já que nesta época a psicanálise estava dominada pela técnica da análise das resistências O que é esse tempo que não é um tempo padrão cronometrado mas um tempo de acordo com o inconsciente E se o inconsciente é atemporal como diz Freud como regular a sessão a partir do incons ciente Tal questão não poderá ser resolvida se não lembrarmos da primeira novidade trazida por Lacan quando iniciou seu ensino a partir do axioma O inconsciente é estruturado como uma linguagem Lacan assinala que o inconsciente não está dentro nem fora mas sim na própria fala do analisante cabendo ao analista fazer com que esse inconsciente exista Como fazer isso Que tempo para a análise 51 Pontuação e retroação A primeira proposta de Lacan é pontuando É por intermédio da pontuação do texto do analisante que o analista fará com que o inconsciente exista através de uma pontuação o discurso comum é transformado em manifestação do inconsciente Isso entra em oposição com a técnica que visa provocar a tomada da consciência seja através de interpretações do tipo você está se dando conta do que me diz seja com interpretações tiradas de uma espécie de hermenêutica mesmo que seja uma hermenêutica edipiana ou préedipiana como a do bom e mau objeto A suspensão da sessão obedecendo não ao tempo do relógio mas à trama do discurso do analisante responde a um esquema de comu nicação evidenciado por Lacan e que é encontrado não só na análise como também na experiência comum do diaadia Para se entender uma frase é preciso esperar que ela termine Assim se eu disser agora vou ninguém entenderá É só quando eu digo a frase toda agora vou ao quadro escrever o que estou dizendo que se entenderá o sentido do agora vou Se considerarmos a frase como a cadeia de significantes é quando esta termina que vamos encontrar o sentido do início da frase numa retroação Esse esquema de comunicação corresponde ao Nachträlich freudia no ou seja a retroação ou a posteriori ou o sódepois Assim só depois de uma frase ser terminada é que se entenderá seu sentido Esse esquema de retroação é fundamental na psicanálise pois corresponde ao esquema da constituição do trauma Para que haja trauma são necessários dois tempos Se tomarmos o trauma por exce Pontuação Cadeia de significan Esquema de comunicação 52 As 41 condições da análise lência o da castração teremos no primeiro momento quando da masturbação infantil o menino ouve ameaças reais de castração Essas falas provocarão angústia quando o menino se defrontar com a falta de pênis da mulher da mãe ou seja quando se defrontar com a castração do Outro O efeito de ameaça adquire seu sentido nesse processo de retroação em que a primeira experiência será ressignificada Esse esquema de retroação será colocado por Lacan como um esquema fundamental do Édipo será a matriz do futuro grafo do desejo chamado de ponto de basta point de capiton Esse termo é utilizado na confecção de almofadas é um ponto tal que quando é feito a trama da almofada toma determinado formato Esse ponto de basta permitirá em termos de estrutura a própria fabricação de sentido sentido este que a partir de Freud será sempre sexual Podemos escrever o ponto de basta a partir do Édipo freudiano tal como Lacan propôs a inclusão do Nomedopai no Outro corres ponde ao advento da significação fálica o que dará ao sentido a sua conotação sexual Vamos tomar esse grafo que é uma matriz simples como se fosse a própria experiência psicanalítica O indivíduo tem em sua história pontos enigmáticos de tal forma condensados que apontam para um determinado gozo o que faz com que esse ponto volte sempre em seu discurso Esse ponto enigmático retorna na compulsão à repetição emergindo na fala que o sujeito dirige ao Outro onde coloca o analista Esse ponto aparentemente sem sentido para ele é um enigma e como todo enigma pleno de sentido O sujeito começa então a conferir um sentido a esse evento para mais adiante atribuirlhe um outro sentido um tempo depois conferirá ainda um outro sentido e assim por diante Cadeia de significantes NP Que tempo para a análise 53 Sabemos que a análise como uma experiência de ressignificação vai permitir diversas interpretações do mesmo evento ou seja diversos outros significantes podem ser associados ao evento por ele ter uma estrutura significante x Ponto enigmático na história do sujeito que é ressignificado a partir de diferentes interpretações Existem dois termos que Lacan utiliza em relação a cada momento dessa interpretação de um evento psíquico ressubjetivação e reestrutu ração5 O exemplo dado por Lacan dessa estrutura é a análise do Homem dos Lobos que produzirá uma série de reestruturações retroativas de um evento para ele fundamental a cena primitiva do coito anal Isso permitirá ao sujeito assumir sua história ou seja inserir nela sua própria participação história construída por meio dessa fala dirigida ao analista possibilitando várias ressignificações O corte da sessão já é em si uma forma de interpretação inter pretação em ato que vai decidir do sentido A suspensão da sessão diz Lacan não pode ser indiferente à trama do discurso e vem desem penhar na sessão o papel de uma escansão que tem todo o valor de uma intervenção para precipitar momentos concludentes6 Essa escansão no meio psicanalítico lacaniano veio a ser sinônimo de corte não se confundindo no entanto com ele Escansão é um termo da análise poética que significa pontuar sublinhar ritmar pronunciar destacando as sílabas ou os grupos de palavra Veremos mais adiante como é importante que esse corte tenha uma estrutura de escansão Ao situarse o analista como aquele que vai suspender a sessão num determinado momento ou seja o que dará o ponto final na frase apontase que é o analista que decidirá do sentido que é sempre o sentido do Outro O analista é sob este aspecto o senhor da verdade desmistificando assim a suposta neutralidade do analista 54 As 41 condições da análise A Analista no lugar do Outro corte da sessão sA Sentido do Outro Baseado nesse esquema o analista como o inconsciente não se preocupa com o tempo mas corta a sessão em função da fala do analisante Mas se o analista não se preocupa com o tempo do relógio seria falso afirmar que não se encontra presente na análise a dimensão temporal e isso sob dois aspectos Tempo e linguagem O primeiro aspecto é a própria dimensão temporal da cadeia de significantes ela como fala propriamente dita implica a temporalidade Por outro lado só é possível conceber o tempo a partir da linguagem tal como ele aparece ao nível da gramática passadopresentefuturo e em todos os seus modos indicativo subjuntivo imperativo etc Assim não apenas a cadeia de significantes tem uma temporalidade uma diacronia presente como também o próprio tempo implica a linguagem Como diz Lacan o beabá da temporalidade exige a estrutura da linguagem7 O que faz Lacan quando utiliza a lingüística senão introduzir a temporalidade no algoritmo saussuriano Algoritmo de Saussure S Significante s Significado Isso implica uma cadeia de significantes que corresponda ponto por ponto a uma cadeia de significados A sA Que tempo para a análise 55 Lacan tomando o algoritmo de Saussure inclui a dimensão do tempo representandoo por dois vetores que se intercomunicam a cadeia de significantes que é basteada pela cadeia de significados Introduzindo o tempo no algoritmo saussuriano Lacan produz a matriz do grafo do desejo Essa orientação temporal vai determinar o próprio conceito de sujeito em Lacan pois ele inclui a noção do tempo8 o que corresponde às ressubjetivações que ocorrem numa análise cujo esquema é análogo ao das ressignificações de um evento na história do sujeito Simplificando ainda mais esse esquema podemos escrever que o encadeamento de significantes que simplificadamente representaremos por essa matriz simples de dois significantes S1 e S2 retroativamente produzirá o sujeito O sujeito que não admite nenhum significante último que diga o que ele é é produzido pelo desenrolar da cadeia significante Marcase assim a importância de que é uma pontuação que produzirá o sujeito O sujeito é um efeito da orientação no tempo da cadeia de significantes um efeito retroativo s s s s S S S S S s sA A S S1 S2 S 56 As 41 condições da análise Em Subversão do sujeito e a dialética do desejo Lacan indica a matriz primária do grafo do desejo como sendo a submissão do sujeito ao significante que se produz no circuito que vai de sA a A para voltar de A a sA9 Ele insiste sobre a dissimetria desses dois pontos de cruzamento A o Outro é um lugar o lugar do tesouro de significantes e sA é um momento escansão pontuação em que a significação se constitui como produto acabado Nesta matriz o Outro definido como lugar do tesouro do significante exige que a completude da bateria significante seja instalada em A o que é impossível porque o Outro é incompleto faltandolhe o significante que irá conferir o caráter de verdadeiro sobre o verdadeiro Lacan indicará esse Outro não mais como lugar do código e sim como sítio prévio ao puro sujeito do significante o lugar da fala O lugar de onde parte o dito primeiro que decreta legifera conferindo ao outro real a mãe por exemplo sua obscura autoridade e provocando o fantasma fantôme da onipotência do Outro em que se instala a demanda do sujeito O sujeito traz no traço unário a marca que o aliena na identificação primeira que forma o ideal do eu IA É o que aparece no grafo seguinte onde notamos uma mudança de lugar do sujeito em relação ao primeiro O analista vem assim naturalmente ocupar o lugar do Outro pelo próprio endereçamento da fala do analisante na constituição da transferência É ao analista como Outro que o sujeito vai endereçar suas demandas Que tempo para a análise 57 O analista respondendo desse lugar acentua a submissão do sujeito às suas identificações primeiras conduzindo o analisante à idealização comandada por IA e ao desconhecimento de sua faltaaser que o ideal escamoteia Poderíamos pensar que é no intuito de evitar que o analista venha a ocupar esse lugar estrutural da onipotência do Outro que a IPA numa tentativa vã tenha proposto seu contrato pelo tempo cronometrado da sessão O tempo da sessão de análise não pode ser externo à experiência analítica que é uma experiência de linguagem como se ele fosse um Outro do analista ao qual o analista estivesse submetido e do qual o analisante recebesse uma garantia contra seus caprichos Supor então que o analista é submetido ao tempo fixo é supor que existe um Outro do Outro Ora porque não podemos dizer qual é a significação da significação por não haver o sentido final por não existir um sentido absoluto nem o que numa perspectiva hegeliana seria o Saber Absoluto não existe portanto garantia nenhuma quanto a esse Outro SA É incorreto dizer que existe um Outro do Outro porque ao Outro falta justamente um significante que possa responder por um eu sou Não existe ao nível da linguagem um significante que seja um atributo qualquer que possa fixar o sujeito para todo o sempre fixar aquilo que seria o seu ser Não há um Outro por mais institu cionalizado que seja que possa garantir a existência do Outro a quem endereço minhas demandas não há a transferência da transferência nem tampouco o verdadeiro sobre o verdadeiro10 Da mesma forma que não existe um Outro do Outro não existe um Tempo do Tempo E o que seria o Tempo do Tempo Se pensarmos na experiência analítica de tempo marcado o tempo do relógio pode ser considerado como o Tempo do Tempo esse Outro do Outro Como o Outro é inconsistente o tempo da análise para sermos rigorosos só pode ser um tempo intrínseco a ela mesma A escansão dos significantes pelo corte da sessão deve ir no sentido da desidentificação para promover a suspensão do jugo do sujeito àquele significante que a sessão escandiu O sujeito dirige então a sua fala ao Outro Será por intermédio de sua resposta como nãoresposta à demanda que implica essa fala que o analista fará surgir a dimensão do desejo que se apresenta sempre 58 As 41 condições da análise como um enigma uma questão questão sobre um desejo que aparece como desejo do Outro Ao nível mais fenomenológico da experiência se poderia formular uma questão como Por que ele me parou aí ou Por que ele me cortou quando falei isso O que falei de tão importante ou ainda Será que eu estava sendo chato ou falando besteira É então a partir do corte da sessão que vai surgir a dimensão do desejo como questão o que aparece no grafo do desejo proposto por Lacan como Che Vuoi Que Queres Nesse sentido o corte da sessão como escansão vai introduzir a dimensão do desejo inconsciente que surge como um enigma função do desejo do analista que se apresenta como um x como uma incógnita a ser decifrada Constatamos na clínica que muitas vezes a última frase ou palavra imediatamente emitida antes do corte da sessão fica insistindo fora dela fazendo o analisante associar o que coloca em funciona mento o deslizamento dos significantes também para fora da sessão analítica Daí o corte da sessão ter uma função de interpretação como enigma levando à produção de significantes Precisamos referenciar diz Lacan tudo à função do corte no discurso o mais forte sendo o que produz a barra entre o significante e o significado Aí se surpreende o sujeito que nos interessa11 A suspensão da sessão como corte visa a suspender as conexões habituais do significante e do significado fazendo surgir o sujeito suspenso à pura dimensão significante daqueles significantes que o determinam Tempo de lógica O segundo aspecto da dimensão temporal é articulado por Lacan à necessidade da conjectura do tempo intersubjetivo para que a psicanálise Grafo do desejo A sA Che Vuoi Que tempo para a análise 59 assegure seu rigor A questão do tempo conferirá portanto à psicanálise o seu rigor como ciência conjectural abrindo a perspectiva de um cálculo do sujeito Esse tempo será descrito no sofisma dos três prisioneiros que aparece no artigo sobre o tempo lógico12 Lacan introduz aqui a função da pressa que será transportada para o interior da própria sessão de análise Vejamos o sofisma Um diretor de uma prisão escolhe três prisioneiros e lhes diz que agraciará um deles com a liberdade O agraciado será o vencedor de um jogo de adivinhação que lhes será proposto Diz que há cinco discos três brancos e dois pretos e que pregará um deles aleatoriamente às costas de cada um dos prisioneiros Dito isso o diretor da prisão prende os três discos brancos nas costas dos três prisioneiros que sem conhecer cada um o seu são soltos numa cela Prisioneiros Discos A B o o o C De fato o o o três discos brancos A o B o C o O diretor diz então que aquele que sair primeiro da cela justi ficando logicamente como chegou à conclusão da cor do disco preso em suas costas será o vitorioso obtendo a liberdade Depois de um certo tempo saem os três juntos uma vez que se trata aqui de um apólogo de um raciocínio lógico pois na verdade só há um sujeito real Digamos que quem sai é o prisioneiro A respondendo eu sou branco e eis como sei disso porque vejo que B e C são brancos A justificase pensei que se eu A fosse preto cada um deles transportandome para o lugar de B e C e raciocinando como se fosse 60 As 41 condições da análise eles logo reconheceria que são brancos e ambos sairiam Como não o fizeram concluí que não sou preto e sim branco Vejamos como se decompõe o raciocínio de A 1 Se eu A fosse preto e me ponho no lugar de B pensaria se eu fosse preto o C veria dois discos pretos e sairia concluindo logo que ele B é branco A B C o 2 Se eu A fosse preto e me pusesse no lugar de C pensaria se eu fosse o B veria dois concluindo que é o e sairia A C B o Logo como os dois não saíram eu A só posso ser branco acertando assim o sofisma Lacan diz tratarse aqui de um sujeito de pura lógica o que determina o julgamento do sujeito é a nãoação dos outros dois o tempo de parada de B e C Lacan irá então decompor o sofisma em três momentos em que a instância temporal irá apresentarse de um modo distinto em cada um aparecendo assim a descontinuidade desses três momentos lógicos Primeira evidência do raciocínio Estandose diante de dois pretos sabese que é um branco ou seja o lógica exclusiva e que tem o valor instantâneo de sua Que tempo para a análise 61 evidência Descreve esse momento com um termo interessante é o momento de fulguração onde o tempo é igual a zero Esse é o instante de olhar Segunda evidência do raciocínio Tratase do segundo momento em que se cristaliza propriamente uma hipótese ou seja o atributo ignorado do sujeito aqui no sofisma eu sou branco Essa hipótese será formulada assim se eu fosse preto os dois brancos que vejo não tardariam em se reconhecer como brancos Esse é considerado o tempo de compreender que supõe a duração de um tempo de meditação o raciocínio de A que vem colocarse no lugar dos outros e refletir Assim o tempo de compreender é dos outros Lacan diz que esse tempo assim objetivado é incomensurável e que pode se reduzir ao instante do olhar A objetividade desse tempo vacila com seu limite Terceira evidência do raciocínio Apressome em afirmarme como branco para que esses brancos que eu vejo não me ultrapassem reconhecendose como aquilo que são Esse momento é chamado por Lacan de momento de concluir que é na verdade o prosseguimento do tempo de compreender Esta sacação que ressurge para ele numa reflexão e que podemos fazer corresponder ao insight freudiano de um sujeito de pura lógica se apresenta subjetivamente como se fosse um tempo de atraso em relação aos outros daí a pressa Apresentase logicamente como a urgência do momento de concluir Lacan descreve esse momento como uma iluminação que eclipsa a objetividade do tempo para compreender No sofisma esse é o momento de concluir e agir Se ele não concluir logo poderá ser passado para trás pelos outros dois e não poderá mais vir a concluir que é branco perdendo assim a vez Se os outros saírem ele não terá tempo para mais nada É portanto na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita seu julgamento e seu ato Esta é a função da pressa Na asserção subjetiva eu sou branco o sujeito atinge a verdade desse atributo que lhe foi conferido e que é tão fundamental para a sua vida 62 As 41 condições da análise Como essa asserção será verificável Ora ela só poderá ser verificada na certeza pois se o sujeito ficar na dúvida sou branco ou sou preto não poderá jamais vir a constatála Daí o termo proposto por Lacan de certeza antecipada pois só se verifica nela mesma Nesse apólogo vemos que a motivação da conclusão é correlata à angústia assim se me apresso a concluir é pelo temor de que o atraso acarrete erro e que esse erro seja fatal para mim no sofisma eu ficaria preso por tempo indefinido A angústia que é esse afeto que não engana traz em si a certeza No ato tratase de arrancar a certeza dessa angústia e é isso que está implicado no ato do momento de concluir Nesse texto de 1945 Lacan proporá um tipo de sujeito para cada momento 1 No instante do olhar o sujeito em questão é o sujeito noético impessoal O sujeito da asserção é sabese que há dois pretos então um será branco Há um agente impessoal sabese nesse instante do olhar 2 No tempo para compreender o que está em questão tal como vimos é o tempo que se abre no raciocínio de A pensando como se fosse B e C é o sujeito indefinido recíproco que aparece pareado pois implica esses dois outros os brancos que vejo É introduzida aqui a dimensão imaginária do outro esse outro enquanto pura reciproci dade pois só um podese reconhecer no outro Temos aqui então um sujeito indefinido que é muito mais da ordem do eu imaginário que se espelha no outro 3 No momento de concluir o sujeito do enunciado eu sou branco coincide com o sujeito da enunciação É aquele que se declara o que é Nesse texto Lacan propõe esse três momentos lógicos como sendo o movimento lógico da gênese do sujeito Eu me apresso em me afirmar como branco momento que marca a constituição do sujeito O que nos interessa para o nosso tema é a estrutura dessa certeza antecipada que existe na asserção em que o sujeito se declara O que constitui a singularidade do ato de concluir na asserção subjetiva é ele antecipar a certeza devido à tensão temporal presente na situação A pressa tem a função de precipitar esse ato de declaração Que tempo para a análise 63 O sujeito apreendeu o momento de concluir que ele é branco diante da evidência subjetiva de um tempo de atraso que o apressa a sair Se ele como diz Lacan não apreender esse momento ficará diante da evidência objetiva da saída dos outros com a conclusão errada de que é preto O encurtamento da sessão tal como Lacan teoriza não visa outra coisa senão precipitar no sujeito o momento de concluir para que o sujeito se declare De fato a análise nos ensina que a pressa é amiga da conclusão O tempo do neurótico e a pressa de concluir A introdução na sessão analítica da estrutura temporal da certeza antecipada define o tempo na análise como contraponto do tempo do neurótico Não é à toa que os neuróticos reclamam tanto das sessões curtas O drama de Hamlet nos revela a dificuldade do neurótico em agir é sempre tarde demais ou ainda não é chegada a hora A questão do tempo no neurótico está associada à estrutura de seu desejo na medida em que este é marcado por seus impasses desejo insatisfeito na histeria desejo impossível na neurose obsessiva Mas há diz Lacan para além desses dois termos uma relação inversa num caso e no outro com o tempo o obsessivo posterga porque sempre antecipa tarde demais enquanto que o histérico repete sempre o que há de inicial em seu trauma ou seja um certo cedo demais uma imaturidade fundamental13 Para o neurótico nunca é chegada a hora da verdade de seu desejo há sempre uma fuga uma vacilação uma escapulida uma procrastinação Se o neurótico está sempre perdendo a hora é por estar suspenso à hora do Outro o que é correlato ao seu desejo de estar suspenso ao desejo do Outro o neurótico deseja enquanto Outro O obsessivo como o escravo da dialética hegeliana se encontra no momento antecipado da morte do mestre a partir da qual ele viverá esperando14 Estou esperando a morte de meu avô diziame um analisante para que a história recomece fazendo assim aparecer sua posição de petrificação na espera da morte do Outro Avô que se apresenta para o sujeito como mestre de seu desejo suspendendoo na 64 As 41 condições da análise dúvida e na procrastinação para remeter esse desejo ao impossível de sua realização numa infinitização do tempo de agir Na fantasia histérica do trauma o Outro seduziu o sujeito apro veitandose de sua imaturidade e ele não pôde reagir sendo vítima do desejo do Outro Mas é o sujeito histérico quem seduz para quando é chegada a hora da verdade furtarse como objeto e manter seu desejo sustentado pela insatisfação15 É essa relação do sujeito em relação ao desejo do Outro que trará sua marca às dificuldades do neurótico com o tempo No neurótico diz Lacan a demanda do Outro toma a função de objeto em sua fantasia16 Na experiência analítica a questão do tempo é situada pelo neurótico no registro da demanda A interrupção da sessão é vivenciada como um não à sua demanda que é sempre demanda de presença correspondendo ao tempo que lhe é negado nunca é suficiente A histérica procurará provocar a falta no Outro com seus atrasos e suas faltas O obsessivo se esmerará no trabalho de analisante para melhor seguir o tempo do Outro revoltandose violen tamente contra esse Outro desrespeitador de um tempo suposto uni forme cujos caprichos e cuja tirania aparecem na figura do Pai gozador do mito freudiano de Totem e Tabu No decorrer da análise constatase que essa queixa é sobrepujada pelo alívio causado pela queda das identificações já que o corte da sessão aponta sempre para a falta faltaaser do sujeito falta de um significante que diga o que ele é o que o sujeito declara ser nunca é suficiente É sob a tensão da pressa que se realiza o que se tem a fazer Estamonos perguntando sempre por que deixamos tudo para a última hora É justamente a última hora a pressa que nos faz agir Tudo o que é da ordem da criação diz Lacan se dá na desconti nuidade e sob o império da urgência Há então uma desvalorização do tempo para compreender e uma valorização do tempo para concluir que será o momento de concluir o tempo para compreender que será reduzido a tão pouco quanto à fulguração do instante do olhar O apólogo dos três prisioneiros mostra a interdependência da ação dos indivíduos ou seja que a ação de um se ordena à ação do outro desvelando segundo Lacan a própria lógica da psicologia das massas Estando o neurótico suspenso ao tempo de Outro é a ação e a nãoação Que tempo para a análise 65 daquele que ocupará este lugar que provocará sua decisão em declararse na produção de significantes por intermédio da certeza antecipada A questão para Lacan é como o analista pode através de suas intervenções cortar as hesitações do sujeito e precipitar um efeito de verdade A prática das sessões curtas implica portanto dois aspectos a análise não se reduz em absoluto ao tempo das sessões mas é um processo contínuo em que a sessão é descontinuidade pontuação ruptura no discurso inscrevendose a sessão no processo analítico como um corte o analista é o depositário das elaborações e associações que o paciente faz fora da sessão Assim a elaboração se situa fora das sessões e é uma tarefa do analisante Lacan usou várias expressões para se referir a essa função do analista papel de gravação testemunha depositário referência guardião tabelião escriba17 Pontuar cortando o discurso do analisante pode constituir o analista como mestre da verdade mas não como mestre da situação já que ao causar uma ruptura faz com que a ordem da elaboração caiba ao analisante atentando portanto ao sujeito suposto saber encarnado pelo analista Ao se entrar numa sessão sem saber quanto tempo ela durará se está sob o impacto da pressa o que precipita o momento de concluir Este primeiro aspecto ligado à cadeia de significantes é correlato ao desejo e vinculado ao enigma e ao sentido É o aspecto que diz respeito ao sujeito determinado pelo significante O segundo aspecto está relacionado ao ato que está fora do significante e se relaciona ao objeto a É a esse aspecto de ato presente no corte da sessão que podemos associar a técnica zen à qual Lacan se refere em Função e campo da fala e da linguagem quando aborda a questão do tempo lógico A técnica zen A utilização do tempo lógico na análise se alia à técnica zen com a qual Lacan o compara O procedimento das sessões curtas tem diz ele um sentido dialético preciso em sua aplicação técnica E não fomos os únicos a ter feito a observação de que ele se encontra no limite 66 As 41 condições da análise com a técnica designada com o nome de Zen e que é aplicada como meio de revelação do sujeito na ascese tradicional de certas escolas do ExtremoOriente18 O objetivo do Zen é levar o sujeito ao Satori experiência espiritual de revelação iluminação É uma experiência súbita que é descrita como uma reviravolta da mente onde há uma vivência de total libertação caracterizada pela certeza Se houver a menor incerteza o menor sentimento de isto é bom demais para ser verdadeiro então o Satori é apenas parcial já que ainda implica um desejo de se apegar à experiência senão ela seria perdida e até que esse desejo seja ultrapassado a experiência não poderá ser completa19 A experiência zen é descrita pelo mestre Huineng ver dentro de sua naturezaprópria que sendo coisa alguma não é Ver dentro da naturezaprópria é portanto ver dentro do nada20 Ela se reduz ao instante de olhar que aqui não é vinculado à ação mas à falta absoluta de representação Tratase de uma experiência que é sempre descrita por seu caráter abrupto de subitaneidade em que o sujeito se encontra diante do vazio de todas as coisas Isso não resulta de raciocínio diz DT Suzuki mas acontece justamente quando se desiste dele quando se percebe que ele de nada adianta e quando psicologicamente esgotouse toda a força da vontade21 O que é visado na doutrina zen é algo que poderíamos situar como o que está fora da cadeia significante do pensamento tanto consciente quanto inconsciente Essa doutrina é indissociável da técnica zen que vai consistir no meio utilizado pelo mestre de levar o discípulo ao abandono à libertação da cadeia significante o que seria a tentativa de buscar a libertação do sujeito dos significantes que o determinam Num encontro com um budista erudito que buscava uma resposta a uma questão do mestre Yenkuan Chian este lhe interrompeu os pensamentos e disse o pensamento deliberado tanto quanto a com preensão discursiva de nada valem eles pertencem a uma casa malas sombrada são como uma lâmpada em plena luz do dia não propor cionam qualquer luz22 O que interessa a Lacan no Zen é menos a vivência dessa experiência de iluminação também chamada de despertar do que a técnica em Que tempo para a análise 67 pregada para alcançála É com esta e não com a ascese mística que ele compara o procedimento das sessões curtas Nos exemplos de Lacan é ressaltada a intervenção do mestre quando de seu encontro com o discípulo o mestre Zen interrompe o silêncio com qualquer coisa um sarcasmo um pontapé o que há de melhor no budismo é o Zen e o Zen consiste nisso te responder com um latido meu caro amigo23 Os mestres antigos do Zen encontraram um método de transmitir seus ensinamentos que não pode ser explicado o koan que significa literalmente documento oficial Koan é um problema absurdo ou paradoxal formulado sob a forma de questão que o mestre coloca para o discípulo de Zen resolver Exemplos Um som é produzido quando batemos palmas Que som é produzido quando batemos palmas com uma só mão24 Qual era o seu rosto original aquele que você possuía antes de nascer25 A partir dessa colocação o discípulo através da meditação sobre o koan procurará a sua significação colocando em circulação todas as associações provocadas por essa busca De tempos em tempos ele terá entrevistas com o mestre que verificará como está o seu processo de deciframento Essas entrevistas são caracterizadas por sua brevidade tanto no tempo como no diálogo durante os quais o discípulo depois de intensa elaboração chega a uma formulação extrema de sua situação atual A resposta do mestre pode levar ao relâmpago da iluminação quando o discípulo constata que sua mente e seu corpo foram varridos da existência junto com o koan Isto é conhecido como largar o ponto de apoio26 Tratase finalmente de chegar à constatação de que o Koan é desprovido de sentido Mas na maioria das vezes essa intervenção induz no discípulo a perplexidade a hesitação é aqui que se situará a intervenção do mestre quebrando o silêncio com qualquer coisa e suspendendo a entrevista Esse ato do mestre como por exemplo o ato de dar um pontapé é segundo Suzuki realmente o ato de ver porquanto ambos brotam da naturezaprópria e a refletem Uma vez reconhecida essa identidade o ato ganha um desenvolvimento sem fim não há somente o pontapé mas o tapa o bofetão o empurrão o berro etc como se pode encontrar na literatura zen27 68 As 41 condições da análise Lacan adverte que o analista não deve chegar a essas intervenções extremas preconiza uma aplicação discreta do princípio da técnica zen na análise pois esta lhe parece mais admissível do que certos modos ditos de análise das resistências na medida em que ela não comporta nenhum perigo de alienação do sujeito28 Essa observação é uma advertência contra o fazdeconta no ato psicanalítico a atuação do analista que quer imitar um suposto e anedótico Lacan mestre Zen29 As atitudes do mestre apontam sempre para o nãosentido para fora do significante para o nível de algo da ordem do real e não da ordem do deciframento que ele presentifica com seu ato A presença do analista A analogia da entrevista zen com a sessão analítica nos leva a considerar a interrupção desta como uma modalidade em que o analista vem fazerdeconta de objeto a em que ele é ativo dentro dessa estrutura paradoxal do ato psicanalítico que subverte o sujeito o objeto faz parte dessa estrutura sendo no entanto exterior à linguagem O objeto a é aquele objeto que estando fora da cadeia significante a orienta É o objeto que sustenta a metonímia do discurso de significante em significante É o objeto que dá a característica do desejo como sendo sempre desejo de outra coisa objeto que rola na cadeia e que só pode corresponder ao intervalo significante ou seja ao que está entre os significantes a S S S S O objeto a tem em si a estrutura do corte assim um objeto só pode ocupar a função de objeto a se é passível de ser recortado da superfície do corpo adquirindo valor de objeto destacado perdido Observemos que esse traço de corte Lacan se refere ao que caracteriza Que tempo para a análise 69 Faire semblant fazerdeconta ou bancar a zona erógena que a pulsão isola não é menos prevalente no objeto como a teoria analítica descreve mamilo cíbalo falo objeto imaginário fluxo urinário lista impensável se acrescentarmos o fonema a voz o nada pois não se vê que o traço parcial a justo título ressaltado nos objetos não se aplica apenas ao fato de eles fazerem parte de um objeto fatual que seria o corpo e sim por representarem apenas parcialmente a função que os produz30 Sabemos que a partir do seminário sobre a angústia Lacan reduzirá a quatro as modalidades do objeto a objeto oral objeto anal olhar e voz objeto real fora da cadeia significante O corte da cadeia significante que representa a suspensão da sessão a partir da trama do discurso do analisante será equivalente à presença do analista presença essa como fazdeconta de objeto a objeto opaco que resiste à representação A relação entre a presença do analista e a interrupção do discurso do analisante manifesta no exemplo do mestre interrompendo o silêncio do discípulo é apontada por Freud como a manifestação da transferência Essa situação se verifica quando da aproximação do núcleo patogênico onde a resistência se faz nitidamente sentir Quando algo dentre os elementos do complexo é suscetível de se referir à pessoa do médico ocorre a transferência ela produz a associação seguinte e se manifesta sob a forma de resistência de uma interrupção das associações por exemplo31 Esse trecho é amplamente comentado por Lacan salientando o aspecto da realização da transferência como atualização da presença do analista32 cuja brusca percepção fora do âmbito dos sentidos é freqüentemente acompanhada de angústia demonstrando a presença do objeto a O corte da sessão é da ordem da interpretação na medida em que visa o objeto causa do desejo A suspensão da sessão pela intervenção do analista visa à atualização da transferência não como repetição significante automaton em que o analista vem ocupar um lugar na série das figuras do Outro do sujeito e sim como encontro tykhe por definição fracassado que constitui o âmago do núcleo patogênico o objeto a É essa presença física do analista que permite haver análise dado que esta segundo Freud é impossível in absentia ou in effigie Com o seu movimento do corte da sessão o analista testemunha a função do objeto a como agente da certeza antecipada do tempo lógico 70 As 41 condições da análise Na prática o efeito de surpresa de perplexidade ou de qualquer outro tipo de reação nada mais indica senão a divisão do sujeito a A função da pressa diz Lacan é esse pequeno a que a tetiza ou seja que transforma a pressa da situação dos três prisioneiros em julgamento tético aquele que se coloca de maneira absoluta inde pendentemente de outras asserções Ele reinterpretará então o sofisma do tempo lógico não mais a partir da subjetividade mas a partir do objeto a o que mereceria ser olhado mais de perto é o que suporta cada um dos sujeitos não em ser um entre os outros mas em ser em relação aos dois outros aquele que está em jogo no pensamento deles Cada qual só intervindo neste termo a título desse objeto a que ele é sob o olhar dos outros Em outros termos continua Lacan eles são três mas na realidade são dois mais a Esses dois mais a no ponto de a se reduz não aos dois outros mas a Um mais a Na medida em que pelo a minúsculo os dois são tomados como Um mais a é que funciona o que pode ocorrer como uma saída na pressa33 Lacan se esforça nesse Seminário XX em mostrar que Um não é o Outro que há uma autonomia do significante S1 em relação ao conjunto de significantes S1S2 e que há uma antinomia entre o S1 e o objeto a no apólogo o olhar do Outro O Um em questão no apólogo indica que só há um sujeito sendo empurrado pela pressa de agir do objeto a a A suspensão da sessão realizada pelo analista em seu ato é uma maneira de fazerdeconta de objeto a ato que remete ao conceito de ato analítico desenvolvido por Lacan em 6768 como o momento de fim de análise É por ter rodado e rodado por seus significantes em busca daquele que lhe diria o que é sem têlo encontrado que o analisante poderá buscar a certeza no outro pólo da estrutura que é esse objeto onde se encontra a designação de seu ser como objeto tal como está explicitado em sua fantasia a É somente após esta passagem momento de passe na análise de se experimentar como objeto que no momento de concluir o analisante vira analista É por ter feito essa passagem em sua análise que o analista poderá dirigir as análises de seus analisantes para esse ponto fora do significante Que tempo para a análise 71 A certeza que implica o ato analítico só é possível do lado do objeto devendo o analista levar o analisante a esse ponto de certeza onde se encontra o seu ser cuja consistência é apenas lógica dado que a psicanálise não é uma ontologia O paradoxo da psicanálise consiste em chegar a esse ser pela via da linguagem ele é o que resta do processo como impossível a ser dito O corte da sessão ao equivalerse ao corte da cadeia de significantes faz surgir portanto a dimensão desse intervalo entre os significantes constituindo essa suspensão da sessão em uma escansão no próprio sentido de sublinhar acentuar frisar não do significante e sim de seu intervalo apontando para o nãosentido e para a falta no Outro lá onde pode presentificarse o objeto como referente A suspensão da sessão contém um aspecto paradoxal se o analista ao pontuar o final da sessão aparece como mestre da verdade por outro lado abrindo o intervalo entre os significantes aponta para um furo que tal como um furo num tonel o esvazia de sentido O corte da sessão pela intervenção do analista com sua presença no discurso do analisante faz aparecer essa dimensão do fora do significante ou seja do objeto em torno do qual pivoteiam todas as suas representações A presença do analista com seu corte interrompendo o desenrolar sem fim da cadeia significante inclui em si mesma a estrutura que vai permitir a finitude da análise arrancando o sujeito de uma temporalidade infinita O final da análise é assim incluído a cada sessão 72 As 41 condições da análise Capítulo IV Capital e libido The French are glad to die for love They delight in fighting duels But I prefer a man who lives And gives Expensive jewels A kiss on the hand May be quite continental But diamonds are a girls best friend A kiss may be grand But wont pay the rental Of your humble flat Men grow alive cold Girls grow old And you are losing your charm in the end But square or pearshaped Those rocks dont lose their shape Diamonds are a girls best friend do filme Os homens preferem as louras O título Capital e Libido foime inspirado pelo livro de Betch Cleinman Capital da Libido cujo subtítulo é Os Estados Unidos em Marilyn Monroe1 Tratase de uma publicação realizada a partir de uma tese em cinema e história em que a autora se propõe a mostrar com base na análise dos filmes de Marilyn Monroe qual a ideologia que seus personagens tentam passar para o público do pósguerra época justamente do grande desenvolvimento da psicanálise no mundo a partir dos Estados Unidos Este é o momento de um dos grandes desvios da psicanálise apontados por Lacan ou seja o de uma psicanálise em que 73 são favorecidos o ego e a adaptação à realidade em vez das formações do inconsciente e de sua decifração Tratase da chamada Psicologia do Ego cujos principais representantes são Hartman Kris e Loewenstein Nessa psicanálise adaptativa correlata à sociedade florescente onde o American way of life determina o human engineering2 é solidificado o mote time is money tempo é dinheiro Capital e libido O título desse livro conjuga dois significantes Capital no sentido de cidade mais importante do país o centro administrativo e libido na acepção latina de vontade desejo A capital da libido é ironicamente Hollywood e é Marilyn Monroe quem a representa paradigmaticamente para além dos personagens ingênuos dos filmes de humor bemcom portado E nessa capital a libido é o capital A frase que se pode colocar como subtítulo de uma conferência sobre o dinheiro em psicanálise é aquela que representa o capital da libido Diamonds are a girls best friend O melhor amigo de uma mulher são os diamantes O diamante como melhor parceiro do sujeito revela que este parceiro nada mais é do que um objeto no qual o capital de sua libido está investido o objeto diamante Marilyn Monroe fabricada por Hollywood bem como a experiência psicanalítica mostra que a libido é contabilizável A psicanálise nos desvela que de fato o capital é tratado pela libido do sujeito Mas o capital só é libido se esta for contabilizada e como veremos ela o é O time is money que evidencia a contabilização do tempo do trabalho escamoteia a libido em causa o gozo desvelado por Marx com o conceito de maisvalia Com Freud podemos dizer que capital é libido A libido é definida por Freud como energia como a grandeza quantitativa apesar de incomensurável das pulsões que se referem a tudo o que podemos entender sob o nome de amor3 é a manifestação dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual4 Essa definição de Freud 74 As 41 condições da análise vai além de sua definição anterior proposta a partir de Introdução ao Narcisismo que se refere à partição da libido em libido do ego e libido de objeto Ela concerne explicitamente à pulsão indo além de sua concepção metapsicológica ou seja sua representação no inconsciente Na Metapsicologia Freud desvela que no inconsciente só se encontra da pulsão a Vorstellungsrepräsentanz o representante representativo da pulsão o que da pulsão é da ordem do significante tal como se pode ler no matema da pulsão o D onde D se refere aos significantes das demandas orais anais etc relativos às pulsões correspondentes Mas a grandeza quantitativa da pulsão que é a libido não tem representação no inconsciente A libido é o que se apreende em sua manifestação dinâmica como Befidrigung a satisfação satisfação que aparece tanto no sonho como no sintoma bem como em seu clímax na própria alucinação trazendo paradoxalmente desprazer ao sujeito A satisfação da pulsão entendida como satisfação plena e que a extinguiria ao atingir seu objetivo é impossível pois o objeto que poderia satisfazêla é perdido desde e para sempre A pulsão só pode satisfazerse parcialmente a nível sexual Devido a essa impossibilidade a pulsão encontra derivações denominadas por Freud de vicissitudes ou destinos ordenadas pela rede de significantes que constitui o conjunto dos representantes da representação da pulsão no inconsciente Daí a pulsão se satisfazer por exemplo no sintoma no sonho na sublimação Essa característica da plasticidade da pulsão faz com que Lacan a denomine deriva no sentido de derivativo da satisfação sexual direta e também no sentido de estar à deriva O gozo é o conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e Befidrigung que não têm representação inconsciente Pulsão Significante representante representativo da pulsão Libido grandeza quantitativa Capital e libido 75 Os significantes da pulsão são os que constituem por exemplo a demanda oral ao Outro o famoso modelo do bebê pedindo peito à mãe e a demanda anal do Outro o não menos famoso modelo da mãe pedindo as fezes ao bebê que são atualizadas de diversas formas na transferência durante uma análise pela demanda de amor de interpre tação e pelo dinheiro O que é efetivamente sexual no homem é o que é marcado pela significação fálica O falo como faltante ou seja a castração simbólica dará às pulsões oral anal etc sua característica sexual Mas se o que recebe a significação fálica pode ser representado no inconsciente sob a forma de significante há sempre um gozo em causa que é propriamente falando a energia pulsional sua grandeza quantitativa denominada por Freud de libido A pulsão sexual tem portanto dois aspectos sua representação inconsciente e sua manifestação dinâmica ou seja a libido que Freud indo contra Jung sempre considerou em sua natureza sexual Nem tudo portanto da pulsão está articulado ao significante Há um resto que é propriamente falando o objeto causa de desejo para o qual a pulsão se dirige sem no entanto atingilo conseguindo apenas contornálo É o que Lacan designou por objeto a que não pode ser explicitado pela pulsão sexual por não ter representação psíquica sendo implícito a ela é o objeto condensador de gozo São os significantes da demanda representativos da pulsão que são recalcados e cifrados no inconsciente Para que o processo analítico seja o de deciframento é necessário postular que algo já se encontra cifrado Esse aspecto da pulsão é o que faz com que o sintoma seja analisável por ser da ordem da linguagem e como tal uma formação do incons ciente A libido é o que se satisfaz no sintoma é o que constitui sua resistência sob dois aspectos resistência ao deciframento e resistência do sujeito a abandonar o seu sintoma o gozo do sintoma Ora o dinheiro na análise encontrase exatamente nessa conjunção entre o que é da ordem do ciframento e o que é da ordem dessa energia quantificável que tem um valor inestimável para o sujeito e que Freud designou como libido Assim o dinheiro pode permitir amoedar esse capital do sujeito que é a libido Se o que é da ordem do ciframento pode equivaler no nível do inconsciente à própria cifra montante das 76 As 41 condições da análise operações comerciais podemos fazer um paralelo e dizer que na análise a cifra assim como o cifrão vem representar o montante das operações libidinais Capital valor e dinheiro Capital segundo o dicionário Le Littré é o conjunto de meios de satisfação resultante de um trabalho anterior é o fruto de um trabalho Em sua acepção corrente capital é o conjunto das riquezas possuídas e no sentido figurado é o conjunto de bens intelectuais espirituais ou morais que um indivíduo ou um país possui A moeda ou seja aquilo que por excelência tem valor de troca se acumula ou se dispersa e pode funcionar como metonímia desse capital como parte deste ou como metáfora o que vem substituir esse capital representandoo O capital diz Marx aparece como uma fonte misteriosa criadora de lucro e fonte de seu próprio crescimento A coisa dinheiro merca doria valor enquanto tal já é do capital e o capital se revela como uma simples coisa O capital é o móvel do trabalho A relação proposta por Marx entre capital e trabalho estabelece a vinculação entre o dinheiro o objetofruto do trabalho e sua posse Todas as forças produtivas do trabalho social se apresentam como sendo as do capital da mesma maneira que a forma social do trabalho em geral aparece no dinheiro como a propriedade de uma coisa5 O que confere valor a um objeto é o quantum de trabalho ou o tempo de trabalho necessário numa sociedade dada à produção de um artigo Assim o time is money condensa essa definição marxista A diferença entre o valor atribuído ao trabalho abstrato e o valor de uso correspondente ao trabalho concreto equivale à exploração do trabalho a maisvalia ou o benefício de um sobretrabalho que não é pago No nosso sistema é esse valor que sobra como resto da equação time money valor que é extraído ao trabalhador O time is money do capitalismo escamoteia a maisvalia pois dissimula que há um time que não é money ou seja um tempo não contabilizado A maisvalia como grande segredo da sociedade moderna nos é desvelada por Marx como regendo as relações do capitalista com o Capital e libido 77 proletário é um amais que escapa à equação valor tempo de trabalho A produção da maisvalia é portanto apenas a produção de valor prolongada para além de certo ponto Se o processo de trabalho só dura até o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um equivalente novo há aí a simples produção de valor quando ele ultrapassa esse limite há produção de maisvalia6 O dinheiro para Marx se troca pela totalidade do mundo objetivo do homem e da natureza Ele serve para trocar tudo e qualquer coisa possuindo a qualidade de tudo comprar e de tudo se apropriar O dinheiro é o objeto privilegiado da posse Porém o que se troca verdadeiramente é a faltadegozar O objeto de troca é simultaneamente aquilo de que um dos parceiros da troca pode gozar mas não quer gozar pois seu valor de uso não o satisfaz e por isso quer desfazerse dele e aquilo que o outro parceiro quer mas dele não pode gozar pois seu valor de uso lhe falta por não possuir o objeto Donde para ambos os parceiros o valor da troca de uma mercadoria é uma faltadegozar7 Todas as mercadorias podem ser trocadas umas pelas outras Aquela que está excluída do conjunto das mercadorias se torna o equivalente geral para todas elas e dessa posição de exceção constitui as mercadorias em um conjunto O equivalente geral o dinheiro se torna então o representante universal da faltadegozar8 A maisvalia que é produzida pela sobrecarga de trabalho na prolongação da duração da jornada do proletário é um maisdegozar para o Outro Ela é a causa do desejo da qual uma economia faz o seu princípio aquele da produção extensiva portanto insaciável da faltadegozar9 O dinheiro é o que sempre falta aquilo de que nunca se tem o suficiente Isto faz Lacan dizer que o rico é inanalisável já que para ele nada falta podendo tudo obter Maisvalia na análise Na psicanálise o trabalho como por exemplo o do sonho o da perlaboração é o trabalho do significante sobre o gozo ou seja a 78 As 41 condições da análise significantização desse gozo Qual é o produto desse trabalho que corresponde ao trabalho de ciframento O trabalhador comum age sobre a matéria bruta produzindo um objeto que será de alguém A partir da psicanálise coloquemos a questão O que é o que é o sujeito só pode dele desfrutar com a condição de não possuílo A resposta é o objeto a produto do trabalho do significante sobre o gozo que só vai funcionar como objeto maisdegozar enquanto objeto perdido O objeto a o objeto propriamente da pulsão é função da renúncia ao gozo Ao tomarmos como modelo o trabalhador e a dialética do senhor e do escravo o objeto a é função da renúncia ao gozo sob o efeito não da ordem do patrão mas da ordem do discurso Resumindo temos Linguagem a gozo O objeto a é o efeito da linguagem sobre o gozo o que pode ser escrito segundo a fórmula proposta por JacquesAlain Miller A a J onde A se refere ao Outro e J ao gozo A metaforização do gozo tem como produto um resto que é o objeto a O trabalho de ciframento do gozo pelo significante contém uma maisvalia não contabilizada o objeto a dito objeto maisdegozar A análise além de seu trabalho de deci framento deve levar esse processo de ciframento às últimas conseqüên cias Fazer passar o gozo ao inconsciente isto é à contabilidade10 ou seja tudo dizer até não se poder mais Dos ditos na experiência psicanalítica sobra um resto impossível de ser cifrado o objeto a objeto sem substância o produto final do processo analítico O objeto a é certamente um objeto mas só na medida em que é substituído defini tivamente por toda noção em que o objeto é suportado por um sujeito Se ele é particularmente produto do saber está excluído que ele seja submetido ao conhecimento Tão logo se manifesta ele não é mais do que um reflexo já esvanecido11 Na tentativa de mapear a questão do dinheiro tomemos ainda a estrutura dos quatro discursos Capital e libido 79 o agente o outro a verdade a produção Temos um agente que embasado numa verdade agirá sobre alguém para se obter uma produção Se tomarmos o Discurso do Mestre teremos um agente que chamaremos de patrão ou senhor S1 agirá sobre S2 o escravo fazendoo trabalhar Teremos como produto o objeto a que terá um valor a maisvalia a que o escravo renuncia para o gozo do senhor como sujeito Discurso do Mestre S1 S2 S a Lacan identifica esse Discurso do Mestre ao discurso do próprio inconsciente que é uma cadeia de significantes de cuja existência só tomamos conhecimento através de suas formações chistes jogos de palavras sonhos e sintoma Essas formações do inconsciente falam sobre a verdade do sujeito do desejo onde há formação do inconsciente há um efeito de sujeito Isso tem como produto uma maisvalia um maisdegozar evidenciada no chiste no gozo produzido na gargalhada e também no sonho na medida em que é realização de desejo Wunscherfullung O inconsciente é um operário que funciona full time é o trabalhador ideal12 O inconsciente é esse trabalhador incansável que mesmo quando dormimos trabalha É o trabalhador que o capitalismo considera ideal não pensa nem julga nem calcula só trabalha Quem calcula e conta é a libido ou seja o gozo em seu processo de ciframento A análise situa esse objeto maisdegozar na função de agente para que produza os significantes primordiais S1 que o alienam como sujeito tendo este laço social o saber depositado na experiência como a sua verdade 80 As 41 condições da análise Discurso analítico a S S2 S1 No mercado de trabalho Marx mostra a função da maisvalia traduzida por Lacan como renúncia ao gozo Essa renúncia vai aparecer na função do maisdegozar do objeto a Nesse mercado do Outro há um maisdegozar que se estabelece e será captado por alguns A posse de alguns é função da renúncia ao gozo por outros Lacan se refere ao objeto a enquanto perdido objeto renunciado sendo no entanto um maisdegozar Porém maisdegozar para quem Será para o Outro Podemos dizer que sim uma vez que a fantasia que explica a relação do sujeito com esse objeto é uma resposta ao desejo como desejo do Outro De uma certa forma esse objeto a objeto da pulsão é sempre um objeto do Outro na medida em que o sujeito o supõe ser do Outro O processo da análise pretende levar o sujeito a sa ber que esse Outro tampouco detém o objeto que lhe escapa pois o Outro é furado Esse rápido panorama mapeia nossa entrada no assunto propria mente dito Tendo como tese geral capital é libido assim como libido é capital o dinheiro é aquilo que na análise pode vir a representar esse ciframento do gozo Necessidade demanda e desejo Eis o que nos diz Freud sobre essa quarta condição da análise o dinheiro em O início do tratamento o próximo ponto a ser decidido no início do tratamento é o do dinheiro dos honorários do médico Um analista não discute que o dinheiro deve ser considerado em primeira instância como meio de autopreservação e de obtenção de poder mas sustenta que ao lado disto poderosos fatores sexuais achamse envolvidos no valor que lhe é atribuído Esta frase de Freud condensa todas as questões do dinheiro podendo nos servir de guia em sua abordagem Capital e libido 81 Freud ao falar da condição do dinheiro destaca portanto a autopreservação que traduzo por algo da ordem da necessidade o poder e o fator sexual A partir da necessidade base indispensável para se mudar de registro passase à questão do poder e à questão sexual levandose em conta que para Freud o sexual se divide em amor e desejo O amor se encontra no registro da demanda doao Outro e o desejo Wunsch é o que em Freud é propriamente sexual D A Necessidade Sexual d poder No intuito de situar a questão do dinheiro desdobremos em cinco suas funções necessidade poder demanda desejo e gozo o qual se encontra presente nas quatro primeiras 1o Primum vivere primeiro viver O dinheiro se refere aqui à ordem da necessidade é preciso terse dinheiro para viver morar comer vestirse ter lazer etc 2o Se o sinal ou signo signe é segundo Lacan aquilo que representa alguma coisa para alguém o dinheiro pode ser sinal de poder mas é também símbolo de poder já que recebe a marca fálica O dinheiro assim como as coisas que permite comprar e acumular é símbolo fálico representando o gozo do haver escamoteando a faltaater ou seja mascarando a castração e daí conferindo a ilusão de que tudo se pode com o dinheiro O rico que se paramenta com lanchas anéis cavalos etc mostra que esses objetos se apresentam como símbolos de poder por serem insígnias fálicas O falicismo do poder do capital pode ser ilustrado na ostentação de riqueza do nouveau riche e na atitude da mulher rica que trata os homens como objetos de troca 82 As 41 condições da análise 3o O dinheiro pode ser um sinal de amor Menos quando o dinheiro é dado do que quando é pedido como uma demanda do Outro cujo protótipo encontramos na situação da mãe pedindo ao filho para lhe dar suas fezes Dar dinheiro não é tanto um sinal de amor na medida em que amor é dar o que não se tem a não ser quando se dá o dinheiro que não se tem aquele que faz falta O que especifica o dinheiro neste registro não é algo da ordem do dar amor mas sim da demanda de amor O dinheiro entra aqui como um dos objetos que podem ser pedidos objeto da demanda que adquire um valor que o transmite em sinal de amor 4o No nível do desejo o dinheiro aparece como significante que se inscreve numa cadeia associativa do sujeito como veremos a seguir 5o O gozo do dinheiro é o que designamos pela libidinização do capital no ser falante o fator sexual propriamente dito que é da ordem da pulsão Para o homem o que é da ordem da necessidade passa pelo registro da demanda e do desejo O protótipo dessa passagem forçada é a fome que sendo do registro da necessidade adquire a partir da linguagem a dimensão da pulsão pulsão oral A própria enunciação estou com fome se situa na dimensão do Outro escapando ao registro animal que quando tem fome se alimenta e assunto encerrado Freud jamais negou o registro da necessidade no homem a ponto de falar de pulsões de autopreservação em um momento da sua obra Porém o imperativo da necessidade se o homem não come morre passa ao registro da demanda e ao registro do desejo Se para a necessidade existe sempre um objeto específico para a necessidade de respirar o objeto específico é o oxigênio para a sede o líquido etc no ser falante a significantização da necessidade e sua articulação com a pulsão faz do objeto específico um objeto perdido e sempre buscado pelo desejo constante e indestrutível A entrada na cultura implica que a necessidade passe pela linguagem arrancando o dinheiro do registro imediato da necessidade A própria noção de dinheiro já denota a troca de objetos e bens marcados pela simbolização o dinheiro só existe em função da linguagem Dizer que Capital e libido 83 pobre não pode fazer análise é tratálo como um animal situando sua questão de dinheiro apenas no registro da necessidade Na verdade o rico é mais inanalisável do que o pobre se chamarmos de rico aquele que não tem falta A necessidade faz aparecer a dimensão da faltaater a demanda e o desejo fazem aparecer outro registro da falta a faltaaser Faltaaser esse objeto que complementaria o Outro faltaaser esse objeto que o Outro gostaria que eu fosse O dinheiro vinculado ao desejo entra em circulação marcado pela falta Encontramos com efeito o dinheiro fazendo parte da série de equivalências simbólicas depreendida por Freud dentre os objetos que caem seio pênis excremento dinheiro criança presente etc objetos marcados pela castração e portanto suscetíveis de entrar nessa série fálica O dinheiro não só entra nessa série de objetos imaginários marcados pela falta como é aquilo que permite um ciframento do gozo É isto que possibilita ao homem dos ratos fazer equivaler tantos florins a tantos ratos fórmula chave de sua neurose obsessiva Os ratos para esse paciente de Freud produtos de sua obsessão são amoedados por dinheiro ligação possibilitada pela homofonia em alemão Ratten ratos e Raten prestações e evidenciada em sua dificuldade em pagar a sua dívida que toma a forma de sintoma A grande apreensão obsessiva do homem dos ratos é centrada no suplício relatado pelo capitão cruel que consistia em amarrar a vítima e introduzir um funil em seu ânus no qual eram colocados ratos que cavavam o caminho até penetrarem no intestino A idéia obsessiva é a de pensar que essa tortura estava ocorrendo com uma pessoa querida ao paciente O gozo desse sintoma é apreendido por Freud pela expressão do paciente durante a sua descrição o que traduzia o horror de um gozo por ele mesmo ignorado e pelo que na análise se desvela como a atividade do erotismo anal que desempenhara em sua infância um papel fundamental alimentado pela existência de vermes intestinais durante longos anos A análise permite a decifração da conexão entre essa idéia e o sintoma de dever pagar uma dívida impossível A partir da equação significante rato prestação Freud pode estabelecer a conexão rato dinheiroherança paterna Outra cadeia de significantes é também 84 As 41 condições da análise desvelada ou melhor produzida em análise ratoinfecção sifilítica paipênisverme intestinal Esta última é uma série fálica pois mostra nos diz Freud a significação fálica do rato No entanto ele insiste no deciframento do gozo da cadeia tratase da atividade do erotismo anal13 O complexo de dinheiro do paciente adquire um caráter obsessivo pelo gozo anal aí implicado o dinheiro é da ordem pulsional Portanto como faltante ou seja como substituto do objeto que representa a falta isto é a castração o dinheiro entra na série dos objetos destacados do corpo Seio fezes pênis dinheiro Esta seria sua vertente metafórica o dinheiro metaforiza a falta implicada no desejo Uma outra vertente é o desejo como metonímia do capital onde o que aparece é esse desejo sempre como desejo de outra coisa de outra coisa etc deslocandose de objeto em objeto para vários objetos do mundo sensível para objetos compráveis Seria uma ilusão achar que os objetos desejáveis e compráveis não têm relação com o objeto a Não é preciso ir a Amsterdã e ver as prostitutas nas vitrines para se inferir a relação entre os objetos expostos em uma loja e o objeto a que é explorada pelo apelo do consumo dos anúncios publicitários Os objetos de consumo podem representar ser substitutos como objetos imaginários do objeto a ou seja ia O di nheiro como metonímia do capital aparece sempre como substituto desse objeto a A fantasia da prostituição Um breve comentário sobre a frase de Freud o dinheiro envolve poderosos fatores sexuais Isto significa dizer que o dinheiro é libidinal Sempre foi possível trocar dinheiro por sexo ontem as prostitutas hoje asos massagistas Nas relações dos profissionais do ramo o amor não está em jogo Pagase não apenas por se querer afastar o amor destas Capital e libido 85 relações mas sobretudo para que alguém se submeta às fantasias do pagante sem manifestarse como sujeito desejante O profissional do sexo tem toda uma série de jogos instrumentos que visam a colocar em cena a fantasia do cliente dando acesso desta forma ao gozo fálico É para obter esse gozo que o sujeito paga Pagase para que o Outro não faça surgir a dimensão enigmática de seu desejo que é o instrumento da função designada por Lacan como o desejo do analista O analista diferentemente da prostituta equivalência muito comum na análise quando no próprio gesto do pagamento o analisante sente a si mesmo ou ao analista como prostituta vai contra a fantasia do sujeito Longe de se submeter a esse enquadramento em que o indivíduo numa riqueza de detalhes sabe exatamente do que precisa para gozar ele faz surgir a dimensão do desejo do Outro como enigmática como um x O analista vai contra a fantasia do sujeito assim como vai contra o gozo no intuito de fazer surgir a dimensão do desejo marcado pela falta O gesto do analista de cobrar mostra que ele não está ali de graça e que não está interessado em fazer do analisante um objeto de seu gozo de suas pesquisas objeto de sua experiência clínica para por exemplo ingressar como membro em uma sociedade psicanalítica fazer sucesso nas jornadas clínicas etc Esse pagar mostra que algo do desejo do analista é também amoedável pelo dinheiro e que a análise está colocada dentro de um laço social Ao cobrar o analista vai contra o gozo do sujeito de duas maneiras não se submetendo à fantasia do cliente e mostrandolhe não gozar dele O dinheiro na análise tem portanto uma função de páragozo como se diz párachoque Divisão do sujeito e ética do analista O analista continua Freud no texto O início do tratamento pode indicar que as questões de dinheiro são tratadas da mesma maneira que as questões sexuais com a mesma incoerência pudor e hipocrisia Incoerência é o termo utilizado na tradução brasileira da Imago para a palavra alemã wiespaltigkeit cuja melhor tradução seria duplici dade que designa a qualidade de estar dividido bipartido onde se encontra a raiz de Spältung que Lacan traduz como divisão do sujeito 86 As 41 condições da análise As questões de dinheiro e as de sexo dividem o sujeito As respostas às questões de dinheiro assim como às de sexo são sempre individuais não há duas pessoas que tenham a mesma relação com o dinheiro Seguindo o texto Freud diz O analista portanto está determi nado desde o princípio a não concordar com esta atitude mas em seus negócios com os pacientes a tratar de assuntos de dinheiro com a mesma franqueza natural com que deseja educálos nas questões relativas à vida sexual Demonstralhes que ele próprio rejeitou uma falsa vergonha sobre esses assuntos ao dizerlhes voluntariamente o preço com que avalia seu tempo Contra o pudor Freud indica rejeitar a falsa vergonha e contra a hipocrisia demonstra franqueza Freud não toca na questão da duplicidade por ser ela inerente ao sujeito o quernão quer ligado ao desejo e o sou ricosou pobre ligado ao dinheiro estão sempre presentes Essa divisão se manifesta por exemplo no Homem dos Ratos em sua dúvida escolher entre a mulher rica e mulher pobre onde se manifesta sua Spältung Quanto à hipocrisia Freud rejeita a posição do filantropo desin teressado mostrando que assim o analista se sentiria prejudicado vindo a situar o analisante no papel de perseguidor ou seja daquele que o explora pois imaginaria esse outro o analisante como alguém a quem estivesse prestando um favor Freud fará a seguir todo um desenvolvimento contra a análise gratuita enfatizando seus malefícios Termina dizendo que nada na vida é tão caro quanto a doença e a estupidez Estabelece pois nitidamente não apenas que o preço da análise pode equivaler ao preço da doença mas que um pode amoedarse pelo outro A estupidez pode transformarse numa questão da psicanálise mas a princípio não é abordada frontalmente por Freud Se ele trata de algo parecido com a estupidez é quando aborda a inibição na neurose Por outro lado a questão da debilidade mental é tratada por Lacan no Seminário XI principalmente a partir de sua analogia com a psicose dado que em ambos se encontra a holófrase de S1 e S2 A doença diferentemente da estupidez é uma questão da psica nálise A Freud interessa saber como a doença e o sintoma em particular podem ser amoedados pelo dinheiro O sintoma é caro para o sujeito Se para o personagem de Marilyn o diamante é o melhor amigo da mulher o sintoma é o melhor amigo do neurótico Capital e libido 87 O lucro do sintoma O neurótico ama seu sintoma como a si mesmo porque este lhe é caro o que é constatável na análise em sua dificuldade em abandonálo uma vez que seu capital está investido no sintoma Entramos aqui no segundo sentido da palavra caro o primeiro é caro como amante o melhor amigo e o segundo é caro porque aí se encontra seu capital ou seja é aí que sua libido está investida É o que Freud denomina de benefício primário do sintoma e que Lacan chama de gozo do sintoma O neurótico com seu sintoma obtém dois tipos de benefício lucro na economia libidinal O benefício primário em que o sintoma é uma satisfação libidinal substitutiva sendo o melhor investimento do capital do sujeito Cair doente diz Freud envolve uma economia de esforço psíquico14 A doença é uma maneira de se fazer economia é a solução mais conveniente quando há conflito mental Ficar doente é invariavelmente a obtenção de alguma vantagem É a fuga para a doença O benefício secundário concerne à transformação da relação do sujeito com seu sintoma Este é sentido inicialmente como um corpo estranho ou hóspede indesejável segundo outra metáfora utilizada por Freud mas em seguida o sujeito acaba encontrando meios de tirar ainda mais vantagens dele além da satisfação pulsional que o sintoma proporciona A metáfora empregada por Freud para se referir ao benefício secundário concerne a nada mais nada menos do que a um benefício pecuniário Ele utiliza como exemplo o caso de alguém que em decorrência de um acidente ficou aleijado passando a viver da men dicância15 Ao se propor uma cura para o aleijão através de uma cirurgia o primeiro impulso do sujeito é recusála para não perder o benefício O sintoma entra então na intersubjetividade encontrando um lugar de endereçamento e o sujeito lucra com isso A falta de pernas do homem tronco representará o sujeito para o Outro social Mudar essa conjuntura significa tirar o que representa o sujeito S1 O benefício secundário do sintoma está portanto direta e expli citamente vinculado por Freud à questão do dinheiro 88 As 41 condições da análise A transferência de capital Na análise vemos a transferência de capital do sintoma para um objeto o analista Em vez de o sujeito se beneficiar recebendo uma pensão de invalidez por seu sintoma ele paga e seu capital é transferido ao analista Além desta transferência de capital em forma de dinheiro há a trans ferência de libido aqui tratada da mesma maneira O primeiro efeito da cura analítica é essa quebra esse corte perpetrado na economia de gozo do sujeito instando ao sujeito que abra mão de seu capital pecuniário Sabese o quanto é difícil fazer com que os analisantes venham mais vezes à análise ou seja fazêlos transferir ainda mais capital para o analista Essa resistência pode estar ligada ao registro da necessidade mas certamente está conectada ao registro da libido ao gozo associado ao sintoma O conceito de resistência que Freud atribui inicialmente ao consciente resistência ao trabalho analítico de decifração do inconsciente encontrará a partir da segunda tópica seu fundamento não mais ao nível do eu Freud descobre que a resistência mais poderosa provém do isso resistência em abrir mão do gozo incluído na doença impedindo os efeitos terapêuticos da análise podendo até levar à ruptura do vínculo analítico Na análise o sujeito paga por essa transferência de um banco seguro chamado sintoma a um Outro sem garantias Por melhor que sejam as indicações por mais amor que o saber suposto lhe confira este Outro é sempre sem garantias É natural que o sujeito resista a pagar com dinheiro e a largar a segurança do banco em que a sua libido está investida Se o dinheiro serve para amoedar o capital da libido o preço a ser pago para além do registro da necessidade não pode ser barateado É só quando o preço é elevado para aquele sujeito que ele pode equivaler ao preço do sintoma tendo cada analisante portanto o seu preço O analista não pode ter um preço fixo para todo e qualquer um que venha bater à sua porta pois isto seria situar sua práxis não no registro da libido e sim no da prestação de serviços não no registro da libido mas no do time is money Pagar o preço Se o sintoma é o melhor investimento de capital do sujeito o que o leva a buscar uma análise Capital e libido 89 A partir da questão do capital podemos tentar formular a consti tuição da demanda de análise Num primeiro tempo o sujeito considera que o preço que paga por seu sintoma lhe é demasiadamente caro no sentido de alto preço e não da alta estima O gozo do sintoma é paradoxal a satisfação libidinal aí implicada revelase como impossível de suportar quando se rompe a formação de compromisso do conflito em jogo no sintoma Tratase do momento em que o benefício secundário se desfaz e o real do sintoma impossível de suportar passa a superar a satisfação produzida pelo sintoma Quando isto ocorre o sofrimento causado por esse desequilíbrio da economia libidinal pode levar o sujeito a pensar em buscar uma análise Entretanto muitas vezes isto não basta para que alguém chegue a um analista Num segundo tempo o sujeito opta pelo deciframento desta cifra supondo um saber embutido no sintoma do qual ele é sujeito Podemos situar o efeito terapêutico verificado na clínica ao se iniciar uma análise nos três registros imaginário simbólico e real Esse efeito pode aparecer como o sentimento de alívio que o analisante experimenta neste momento Além do sofrimento que é o sinal da ruptura do compromisso é necessário para que o indivíduo procure análise que ele suponha no sintoma uma questão a ser decifrada questão que diga respeito à sua posição como sujeito sobre o sexo sobre a vida tal como a cifra de seu destino Essa suposição possibilitará a escolha do sentido próprio à operação de causação do sujeito denominada por Lacan no Seminário XI de alienação O sujeito opta pela decifração de sua alienação ao Outro do significante No registro imaginário podemos dizer que se trata do amor de transferência o registro da reciprocidade do amar e ser amado em que o sujeito ama e se sente levado em consideração em suas queixas e seu sofrimento No registro simbólico tratase da entrada do sujeito na cadeia significante propriamente dita ou seja da entrada na associação livre o sujeito encontra no analista o Outro a quem endereça sua produção significante O efeito real é um remanejamento da libido Tratase da transferência do sofrimento pelo preço pago com o sintoma para o sofrimento do bolso pois pagar implica também sofrimento privações sacrifícios cálculos etc Tratase de fabricar um objeto que se chama analista e o dinheiro se presta bem a isso pois se paga o 90 As 41 condições da análise analista para dele desfrutar O analista se vende como objeto que tem valor inicialmente contabilizável tanto por sessão Assim o analista é um objeto libidinalmente investido e que vai amoedarse com o dinheiro Pelo artifício da transferência o analista é um objeto de aluguel ele é alugado pelo analisante que paga por sessão a cada aluguel E para isso não cabe a economia pois a economia de dinheiro representa a economia de gozo que se expressa por uma retenção que infringe a regra de ouro da associação livre que vai absolutamente contra qualquer tipo de retenção Só há uma maneira de se fazer análise investindo tudo Assim nada pode ficar fora da análise A despesa de dinheiro deve acompanhar a despesa de libido que corresponde a uma hemorragia inicial de gozo do sintoma concomitante à sua transferência para o analista A trans ferência em análise além de ser transferência de significante como o explicita seu algoritmo formalizado por Lacan é transferência do capital da libido Por que o analista cobra Se não cobrássemos entraríamos no drama de Atreu e de Tiestes que é o de todos os sujeitos que nos vêm confiar sua verdade16 Não cobrar é entrar na tragédia do analisante como depositário de uma carta roubada da qual ele quer desvencilharse Ao receber as tragédias do analisante e ao fazêlo pagar por elas o analista tira o corpo fora da jogada17 A tragédia do século XVIII de Crebillon Atreu e Tiestes é escandida pelo estribilho Um desígnio tão funesto se não é digno de Atreu é digno de Tiestes Ele relata o caso de Atreu traído pelo irmão e em seguida assassinado pelo filho suposto e o caso de Tiestes que come seus próprios filhos Tratase de uma lenda da antigüidade em que dois irmãos inimigos lutam pelo trono de Micenas São irmãos fratricidas pois sob o estímulo da mãe mataram seu meioirmão filho do pai com uma ninfa Em Micenas quando fica vago o trono um oráculo aconselha o povo a escolher um dos dois irmãos Cada um deles propõe então uma aposta Tiestes propõe que fosse rei aquele que conseguisse mostrar um tosão de ouro Atreu aceita de imediato pois existia um carneiro Capital e libido 91 em seu rebanho que possuía um tosão de ouro que ele havia mandado cortar e o guardava num cofre Atreu contudo não sabia que sua mulher amante do irmão Tiestes o tinha roubado e ofertado ao amante Atreu perde quando Tiestes apresenta o tosão de ouro mas não descobre nada Zeus apiedase de Atreu e sopralhe que este proponha pois é sua vez de propor uma aposta que o verdadeiro rei seja aquele que mudar o curso do sol Zeus realiza a proeza Atreu graças ao favor divino vira rei e Tiestes é banido Mais tarde quando Atreu vem a saber da traição fraterna finge reconciliarse com o irmão e manda chamálo Mata em segredo três filhos de Tiestes esquarteja os despojos e faz com os pedaços um magnífico banquete que oferece ao suposto irmão pródigo Após Tiestes se refestelar Atreu mostra a cabeça dos três filhos e o bane novamente A tragédia de Crebillon termina aqui mas a lenda conta que Tiestes refugiase em Sicyane e engendra um filho Egisto com a própria filha Pelópia sem que esta o percebesse Pelópia casase em seguida com o tio Atreu e este confia a Egisto a missão de matar Tiestes Mas Egisto descobre a tempo que Tiestes é seu pai retorna a Micenas mata Atreu e dá o trono a Tiestes Não cobrar significaria entrar no drama de Atreu e de Tiestes como depositário do segredo valioso sem poder fazêlo circular Ao fazer o analisante pagar tratase de transformar algo da ordem do destino em objeto de troca os significantes empregados para cifrar esse gozo contando quantas vezes for necessário o horror de sua tragédia O destino aqui é figurado por uma orgia sanguinolenta de gozo incestuoso como no fundo são todas as histórias ou pelo menos como são vivenciadas por aqueles que as narram O sujeito vem prestar contas de seus crimes e para tal ele paga com dinheiro maneira de colocar em movimento a dívida simbólica dívida que o sujeito paga pela entrada no simbólico Ao fazer pagar o analista mostra que não está ali por amor por sacrifício ou por ideal e muito menos para gozar das histórias escabrosas dos pacientes Isto é importante sobretudo no que tange ao amor de transferência em que como se verifica na clínica do amor amar é querer ser amado Desde que desponta o amor de transferência surge a demanda de amor Para além desse amor de transferência o que está 92 As 41 condições da análise em jogo é o cerne do amor ou seja a questão o que sou como objeto para o Outro em que o analista será convocado a esse lugar do Outro que goza do sujeito como um objeto Fazer pagar é significar que o analista não se interessa pelo sujeito como objeto mas que para ser o depositário das histórias de alto valor do sujeito ele quer dinheiro com o qual poderá escolher os objetos que quiser O analista é depositário das cartas roubadas dos analisantes cartas que não chegaram a seu destinatário e que são transferidas ao analista O peso da responsabilidade de ser o depositário dessas cartas é contra balançado pelo dinheiro pois ao fazermos pagar neutralizamos a res ponsabilidade dessa transferência fazendoa equivaler ao significante mais aniquilador de significação o dinheiro O analisante paga com dinheiro e paga à vista aodo analista o preço devido por têlo constituído como cofre precioso de seus males e bens O preço tem como função amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro que consiste em dever algo a alguém18 O analista também paga nos diz Lacan em A direção da cura e os princípios de seu poder19 Ele paga nos três registros Simbólico Imagi nário e Real S com palavras a interpretação I com sua pessoa prestandose aos fenômenos decorrentes da transferência apagandose como eu R com seu ser em seu ato anulandose como sujeito no faz deconta de ser objeto a E o que o analisante e o analista dão cada um Poderíamos dizer que o analisante dá o seu amor o amor de transferência Só que na dinâmica do amor e na dialética do dar o amor é dar o que não se tem dar por exemplo seu tempo quando não se o tem para nada ou dar a eternidade como André Gide para Madeleine Mas o amor de transferência é efeito da demanda intransitiva que o analisante dirige ao analista amar é demandar amor Daí o dar amor da transferência se reduzir à outra face da demanda que cabe ao analista suportar como insatisfeita com sua recusa para que desfilem os significantes em que se detiveram as frustrações do analisante Capital e libido 93 Mas não é com amor que se paga o amor Pois se amar é dar o que não se tem o que o analista teria a dar é nada Mas mesmo esse nada diz Lacan ele não dá E paradoxalmente para esse nada que ele não dá o analista faz o analisante pagar e pagar bem senão o analisante não o julgaria precioso20 O analista como o Outro do amor a quem o analisante dirige suas demandas é valioso por ser suposto deter o objeto precioso causa de seu desejo a É por esse objeto valioso agalma que o analista é suposto deter e que ele não só não dá como tampouco possui é por esse objeto que é nada que o analisante paga Isto se resume na frase evocada no Seminário XI ilustrando o paraalém do amor de transferência Eu te amo mas como inexplica velmente amo em ti algo mais do que tu o objeto a eu te mutilo21 A obsessionalização do pagamento como se fosse um salário recebido por serviços prestados no final do mês é correlata à prática do contra bando modulação do desejo do obsessivo em que se tenta para driblar o Outro entrar em negociação do tipo um preço com recibo outro preço sem recibo etc Na análise só há um recibo é a forma com que cada analista significa ao analisante que o que foi dito está dito sem poder ser desdito o sujeito é responsável pelo seu dito Eis o que o psicanalista com sua pontuação anuência ou seu corte da sessão significa ter recebido Em última instância o recibo do analista é o próprio corte da sessão Por intermédio do corte ele significa ter recebido aquilo que o analisante lhe depositou Nesse sentido o recibo vem antes mesmo do gesto de pagamento A o Outro do Amor a 94 As 41 condições da análise O ato psicanalítico e o fim de análise Capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões impossíveis quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios As outras duas conhecidas há muito tempo são a educação e o governo Evidentemente não podemos exigir que o analista em perspectiva seja um ser perfeito antes que assuma a análise ou em outras palavras que somente pessoas de alta e rara perfeição ingressem na profissão Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir as qualificações ideais de que necessitará sua profissão A resposta é na própria análise com a qual começa sua preparação para a futura atividade Análise terminável e interminável Sigmund Freud Para Freud toda análise é terapêutica tanto para aquele que quer se curar de algo quanto para aquele que se propõe a ser analista A distinção portanto entre analistasterapeutas e analistasdidatas análise e análi sedidática em uso nas sociedades ipeístas e similares merece ser interrogada Para Lacan toda análise é didática quando levada a seu término pois ela produz um analista Se com Freud aprendemos que a própria análise do analista é a condição para seu exercício com Lacan descobrimos que o próprio processo analítico pode conduzir o sujeito a um ponto em que de analisante ele vira analista deixando supor que a ultrapassagem desse momento de passe correspondente ao final da análise é a condição 95 do ato de tornarse analista O ato psicanalítico por excelência é aquele em que o analisante passa a analista Disto se deduz que só é possível encontrarse o ato analítico no início da análise de cada paciente caso ele tenha se realizado para aquele analista no final de sua própria análise Ao dirigir uma análise os atos do analista trazem a marca dessa passagem mesmo quando a travessia fracassa e desemboca no fazdeconta do ato psicanalítico Neste capítulo propomos a hipótese de que o modo de o analisante sair da análise determinará seu modo de agir quando analista sendo necessário portanto articular a doutrina do final de análise com a do ato psicanalítico O seminário sobre o Ato psicanalítico é contemporâneo da chamada Proposição de 9 de outubro de 1967 texto em que Lacan extrai conseqüências institucionais da teoria do fim da análise sustentando que a qualificação do psicanalista só pode ter seu suporte na tarefa terminada do analisante O ato psicanalítico é o ato realizado a partir do advento do sujeito como objeto quando o sujeito se destitui como analisante para instituirse como analista podendo suportar bancar o objeto causa de desejo para um analisante É este mesmo ato que uma vez deposto o sujeito suposto saber encarnado pelo analista fará esse analisante reinstaurálo já como analista para um outro sujeito ao dar início a uma análise O ato psicanalítico fornece a estrutura da sentença lacaniana de estilo présocrático o analista só se autoriza por si mesmo É essa estrutura do ato analítico no final de análise que se opõe ao final de análise pela identificação com o psicanalista O incurável da castração Em seu texto sobre a questão do término da análise Freud faz a experiência psicanalítica desembocar no rochedo da castração angústia de castração para o homem e inveja do pênis Penisneid para a mulher Para Freud o que se encontra no horizonte da análise é uma falta que desvela a negativização do falo para ambos os sexos Esse impasse da castração é sem dúvida inassimilável para o sujeito Lacan ao se perguntar se tal impasse é realmente intransponível propõe uma teoria de seu ultrapassamento a partir do conceito de fantasia que 96 As 41 condições da análise sustenta o desejo para o sujeito constituindo a ficção fixão do gozo ao qual está subordinado1 O dispositivo freudiano da associação livre é o que responde ao estatuto do inconsciente estruturado como uma linguagem impondo ao analisante a tarefa da decifração do saber inconsciente sustentada na transferência pelo analista Na associação livre o analisante se experimenta como sujeito que nenhum significante é capaz de representar a não ser para outro significante pois nenhum significante é capaz de dizer o que é o sujeito que é ele mesmo significante riscado da cadeia Nesse exercício do cumprimento da regra fundamental o sujeito se experimenta como faltante sob dois aspectos Por um lado falta o significante que diria o que ele é Os significantes identificatórios do sujeito têm na análise o destino de perderem sua função ou pelo menos de terem sua função abalada revelandose tal como são significantes que não definem o sujeito mas aos quais ele está assujeitado Não falta porém ao sujeito apenas o significante que o definiria mas o próprio ser o sujeito é faltaaser Levar o sujeito ao ponto de se experimentar como falta corresponde a chegar ao que Freud designou por rochedo da castração o ponto incurável do sujeito2 Para Lacan tratase menos de um impasse do que de um ponto de chegada do processo o sujeito não se cura de sua divisão Fazer da castração sujeito é o dever do analista Este ser que lhe falta é o que sua fantasia a lhe indica como sendo o objeto com o qual ele como sujeito se encontra em conjunção e disjunção objeto condensador de gozo objeto a A vertente da análise que implica a decifração do inconsciente e o sujeito como efeito do significante é interminável Jamais se poderá saber tudo devido ao recalque primário Só a partir do ponto da estrutura fora do significante onde se denota o ser do sujeito é que um final de análise é possível Chegar a esse ponto é a condição do ato analítico em que o objeto é ativo e o sujeito subvertido A partir dessa definição podemos escrever o matema do ato analítico com a parte superior do discurso do analista a em que o objeto a é o agente operador do ato analítico Para que o analista em seu ato faça com que o objeto seja ativo na experiência ele mesmo enquanto ser no fazdeconta e não como sujeito deve vir presentificar esse objeto para o sujeito do O ato psicanalítico e o fim de análise 97 analisante Como cumprir essa função sem ter ele mesmo passado pela experiência em sua própria análise de reconhecerse como objeto de gozo causa de horror e desejo É a partir do objeto a que se situa a vertente terminável da análise Ao preparar o novo analista o final de análise traz em si esse passe cujo momento Lacan propôs apreender através de um dispositivo institucional particular de mesmo nome fora da transferência O dispositivo do passe O passe é portanto o nome desse momento do final de análise em que o analisante vira analista e também o nome do procedimento inventado para que o testemunho dessa passagem seja acolhido pela instituição psicanalítica ou seja por uma Escola de psicanálise Em 1967 três anos após ter fundado a Ecole Freudienne de Paris Lacan fez em outubro sua famosa proposição de instaurar a nível institucional um dispositivo complexo que desse conta da maneira pela qual uma pessoa se torna analista É em torno do passe que é articulada na Escola de Lacan a questão da garantia institucional pela vinculação da análise pessoal com a transmissão da psicanálise ou seja a análise em intensão e a análise em extensão Os princípios de funcionamento do passe foram votados e adotados em 1969 em Assembléia Geral a partir de um texto escrito por Moustapha Saphouan e colaboradores3 Esse dispositivo tem por função autenticar o passe experimentado na análise e produzir um saber sobre ele sendo de certa forma o contrapeso institucional e paradoxal ao aforisma o analista só se autoriza por si mesmo Contrapeso com o qual a Escola junto à designação de AME Analista Membro da Escola título com que reconhece os membros que tenham dado prova de serem analistas garante a relação do analista com a formação que ela fornece4 O passe sem ser obrigatório é o dispositivo que permite a verificação de que o analista só se autoriza por intermédio do analisante que ele foi e pelo passo dado ao decidir colocarse no lugar de analista para um outro sujeito Aqueles que dão seu testemunho desse momento do passe verificado e autenticado por um júri recebem o título de AE Analista da Escola O princípio consiste em que um sujeito designado passante 98 As 41 condições da análise dê testemunho de sua análise a dois passadores escolhidos numa lista por sorteio que por sua vez transmitirão o que escutaram ao júri a quem cabe a decisão da nomeação O passante não encontra aqueles que autenticarão ou não seu passe com o título de AE O passador é designado sem ter sido consultado por seu analista por se encontrar no momento de passe em sua própria análise estando portanto apto a recolher a fala dos passantes e transmitila ao júri O passe subverte totalmente o que até então constituía nas sociedades ipeístas a questão da formação do analista baseada numa préseleção dos candidatos na indicação de analistas didatas devidamente habilitados e no testemunho do analista sobre o desempenho do analisante O passe propõe que o analisante seja ele mesmo a testemunha de seu processo e que elabore um saber sobre sua passagem a analista A questão da seleção prévia à candidatura do analista se desloca para a questão de um depoimento seguido de verificação posterior à análise baseado não num saber prévio mas num saber a ser elaborado sódepois de terminada a experiência analítica A Proposição diz E Roudinesco constitui sem dúvida um dos atos mais inovadores da história da psicanálise em matéria de formação Lacan quer assim reintroduzir o que se ensina ou transmite no divã como único princípio de acesso a uma função que tendia até então a não ter nada mais de comum com a especificidade da psicanálise5 Desde sua invenção o passe sempre foi causa de debates polêmicas e até mesmo de cisões como a saída em 1968 dos analistas da EFP que fundaram o Quarto Grupo liderado por P Aulagnier F Perrier JP Valabrega Tanta celeuma não será por ser o passe o dispositivo institucional que se propõe a acolher algo do real impossível de suportar em jogo na análise e portanto na formação do analista para daí se elaborar um saber Após o diagnóstico de Lacan em Deauville em 1978 de que o passe na EFP era um fracasso e posteriormente a sua dissolução a Escola da Causa Freudiana ECF fundada sob o signo da contraex periência decidiu reabilitálo em 1983 retomando os princípios da Proposição mas introduzindo modificações a partir das indicações de Lacan de 22 de dezembro de 1980 a Claude Conté e JacquesAlain Miller6 1 O antigo júri foi substituído por uma dupla comissão do passe constituída por dois cartéis do passe que têm a função de receber O ato psicanalítico e o fim de análise 99 o depoimento dos passadores deliberar e nomear ou não o passante com o título de AE Eles se renovam de dois em dois anos segundo o princípio da permutação sendo cada cartel composto por cinco pessoas 41 das quais três analistas entre eles pelo menos um é AE e dois passadores 2 AE que era na EFP título permanente passou a ser título provisório para evitar a constituição de uma casta de duração de três anos durante os quais conforme a Proposição ele testemunha dos problemas cruciais nos pontos vivos em que se encontram para a psicanálise 3 Os passadores deveriam ser designados pelos AME os quais por sua vez seriam nomeados por uma Comissão de garantia 4 Foi constituído um secretariado da comissão do passe que deveria receber as demandas de passe e estabelecer a lista dos passadores indicados7 Não é nosso propósito aqui discutir as questões institucionais que se colocaram e que se apresentam atualmente na ECF em relação ao passe mas tãosomente indicar seu atual funcionamento já que nada garante que não se modifique em função da experiência Mas é impor tante assinalar que um tal dispositivo cuja complexidade é evidente não poderia ter sido inventado sem haver concomitantemente uma elaboração de saber sobre o final de análise mesmo que este precisasse ser confirmado testado avalizado pelas diversas instâncias do dispositivo principalmente os cartéis do passe e os AE Inútil indicar diz Lacan que esta proposição implica uma acumulação da experiência sua colheita e sua elaboração uma seriação de sua variedade uma notação de seus graus A Escola de Lacan como instituição psicanalítica que garante a formação dos analistas é solidária portanto da concepção de que se tornar psicanalista não é uma escolha profissional mas uma virada ou uma passagem que se realiza no interior de um processo analítico que pode ser verificado por um dispositivo institucional conforme à estrutura desse momento de passe no dispositivo analítico O passe como dispositivo tem o caráter de proposição não sendo absolutamente uma obrigação para ninguém mas a Escola deve ofere cêlo a quem quiser utilizálo O passe não é prescrito como um dever é oferecido como um risco Ele supõe que se confie na teoria do passe nos passadores no júri em Lacan na Escola e até mesmo no espírito da psicanálise8 A aposta de Lacan no passe era tão veemente que chegou a propor em 1974 a um grupo de italianos a constituição de 100 As 41 condições da análise uma Escola cujo acesso fosse possibilitado por intermédio desse dispo sitivo mesmo correndo o risco de que não entrasse ninguém e de que não se constituísse a instituição9 Nesse mesmo ano de 1974 ele dizia em seu Seminário que sua formulação o psicanalista só se autoriza por si mesmo deveria receber complementação dado que se é certo que não se pode ser nomeado para a psicanálise isto não quer dizer que qualquer um possa entrar lá dentro como um rinoceronte numa porcelana E não escondia que esperava muito de sua Escola quanto à questão sobre o que constitui um analista espero que alguma coisa seja inventada Não estaria Lacan enfatizando aí o papel da instituição na psicanálise em intensão Ele chegou a indicar a partir dos quantificadores lógicos empregados nas fórmulas da sexuação que mesmo se autorizando por si mesmo ele não pode por isso igualmente deixar de se autorizar por intermédio de outros10 Esse aspecto paradoxal da autorização do analista apontado elaborado e jamais abandonado por Lacan revolucionou inteiramente a maneira de pensar a formação do psicanalista e a estrutura das instituições psicanalíticas seus efeitos se fazem sentir até nas sociedades mais tradicionais dos países em que há uma difusão do ensino de Lacan Cabe dizer que ainda hoje o desafio e os paradoxos do passe estão longe de ter dado todos os seus frutos O fim da partida Na Proposição em que Lacan articula o passe e seu dispositivo ele elabora as coordenadas lógicas e clínicas do início e do final da análise Como vimos no primeiro capítulo o matema do início da análise é o algoritmo da transferência Entretanto não encontramos na obra de Lacan nada parecido com um matema do fim da análise mas somente algumas indicações precisas e um dispositivo institucional para que um saber sobre esse fim possa ser constituído a partir da experiência do passe O início da análise com a articulação significante de transferência S Sq é marcado pela instituição do sujeito suposto saber como efeito de significado que é no entanto o próprio pivô da transferência O ato psicanalítico e o fim de análise 101 A essa transferência de significante corresponde a lógica de agalma delegada ao analista na posição do Outro do amor e do saber Agalma é o que sustenta na transferência a conjunção do sujeito suposto saber com o sujeito suposto desejar O fim da partida quando se dá a metamorfose do sujeito pode ser articulado ao ato analítico a partir de duas expressões utilizadas por Lacan a destituição subjetiva e a travessia da fantasia A destituição subjetiva Numa análise só há lugar para um sujeito o sujeito do inconsciente que fala pela boca do analisante O analista não deve portanto competir com o analisante por esse lugar lançando mão por exemplo dos efeitos do discurso do analisante sobre sua pessoa isto é sua divisão ou em outros termos sua contratransferência O que permite ao analista abrir mão de sua condição de sujeito na condução da análise é o processo que em sua própria análise o levou à destituição subjetiva quando de seu término A destituição subjetiva corresponde à queda dos significantesmes tres que representavam o sujeito significantes da identificação ideal advindos do Outro IA Não é raro esse processo de desidentificação ser experimentado como um momento de despersonalização por se verem abalados os ancoramentos simbólicos do sujeito que é liberado do jugo das identificações Os significantes não cumprem mais a função de responder tamponando a questão do Quem sou transmutada em Que sou para o desejo do Outro Perdendo os significantes que o subjugam o sujeito é reduzido à sua divisão e o que se presentifica S1 é o objeto que ele é e foi estruturalmente para o Outro O sujeito se sabe então pura falta enquanto e puro objeto enquanto a Essa falta correlata à castração e esse objeto causa de desejo têm a mesma estrutura a que condiciona a divisão desse sujeito11 A destituição subjetiva corresponde ao advento do ser Sendo o sujeito faltaater e faltaaser no final da análise é em ou em a que aparece seu ser diz Lacan na primeira versão da Proposição acrescentando que é esse ser do agalma do sujeito suposto saber que 102 As 41 condições da análise arremata o processo do psicanalisante em uma destituição subjetiva Ela é correlata ao desvanecimento do Outro o sujeito se depara com a castração com a falta do Outro que desvela sua inconsistência a barra sendo colocada no Outro A é do Outro continua Lacan que cai o a e no Outro que se abre a hiância do Isso implica que do ponto de vista do analisante o analista é atingido em sua dimensão de Outro aparecendo cada vez mais na posição de resto reduzindose a um significante qualquer A destituição subjetiva é também destituição do sujeito suposto saber pivô da transferência o que promove a dissipação do amor transferencial perdendo o analista a causa da transferência agalma O analista perde o valor de objeto precioso de maravilhamento para adquirir o valor de dejeto rebotalho do processo analítico O advento do ser correlato à destituição subjetiva do analisante corresponde no analista a um efeito de desser ele é deixado largado como ser pelo analisante É esse final de análise quando o analisante sabe ser um rebotalho12 a condição para que ele quando for analista conduzindo a análise de outros sujeitos possa também ser largado no final como o dejeto da experiência Travessia da fantasia Outra maneira de abordar essa metamorfose do sujeito é o que Lacan designou por travessia da fantasia Atravessar a fantasia fundamental não significa eliminála como se fosse uma pedra no rim ou fazêla desaparecer esfarelandoa e sim percorrêla para que o sujeito possa experimentarse nos dois pólos que ela encerra o do sujeito e o do objeto a Como sujeito foi isso o que ele fez o tempo todo de sua análise experimentarse como faltante como aquele a quem falta o complemento que a fantasia preenche A travessia da fantasia corresponde à destituição subjetiva pois significa essencialmente ir para além dela para que o sujeito se reconheça num sou conectado ao objeto objeto que subverte o sujeito A destituição subjetiva diz Colette Soler é fazer o sujeito reconhecerse como objeto13 A travessia da fantasia corresponde à destituição subjetiva na medida em que é a fantasia que sustenta a O ato psicanalítico e o fim de análise 103 instituição subjetiva a posição do sujeito na fantasia ou seja sua relação com o objeto é assegurada por suas identificações14 A fantasia é o que dá o enquadramento da relação do sujeito com a realidade sua janela para o mundo É dela que o sujeito tira a segurança do que fazer diante das situações que a vida lhe apresenta A análise ao levar o sujeito a atravessar a fantasia promove um abalo e uma modificação nas relações do sujeito com a realidade levandoo a uma zona de incerteza pois ele é largado pela âncora da fantasia liberado das amarras das identificações que mapeavam sua realidade Nesse momento nada pode escamotear sua castração Esse sujeito destituído encontrará sua certeza em seu ser de objeto Sou essa voz da garganta afônica do Outro essa merda ejetada por seu furo esse objeto a devorar por sua boca esse olhar penetrante a me fuzilar Revelação de um ser em contraposição ao sujeito que ao obedecer ao diga tudo da regra fundamental só aparece como falta de ser aquilo tudo que é dito A partir dessa experiência de ser o sujeito poderá esvaziar esse objeto do gozo do Outro que lhe sustenta a fantasia O objeto se desvela como não apresentando consistência alguma a não ser lógica como produto de elaboração no final da análise Com essa operação de esvaziamento de gozo o sujeito pode saberse um rebotalho e lidar com seu ser de objeto para dele poder se separar Esse objeto uma vez separado decaído perde todo privilégio e literalmente deixa o sujeito sozinho15 Tratase aqui de uma dessubstantificação do objeto onde o que conta não é o próprio objeto mas a função desse objeto em sua relação com a divisão do sujeito16 O que está em jogo na travessia da fantasia no final da análise é a perda do ser de toda sua substância de objeto O fim de análise deve permitir ao sujeito renunciar ao que lhe dava a impressão em sua fantasia de lhe oferecer esse complemento de ser A travessia da fantasia implica a sua construção axiomática cujo modelo se encontra no Batese numa criança onde Freud nos revela em sua desconstrução um sujeito na posição de objeto de sevícias do Outro Esse duplo movimento de construção e desconstrução permitirá que a experiência da fantasia fundamental como diz Lacan se torne a pulsão17 O aspecto acéfalo da pulsão onde não se encontra o sujeito é correlato à acentuação do circuito pulsional em redor do objeto 104 As 41 condições da análise No final da análise é presentificado o trajeto pulsional que arrematando seu fecho subverte esse sujeito fazendo dele o objeto da pulsão Nesse fim os enunciados do analisante e os sonhos giram em torno dos significantes da pulsão constituindo um turbilhão em torno do vazio inominável de seu ser de objeto O ato psicanalítico A destituição subjetiva e a travessia da fantasia criam a condição da possibilidade do ato analítico dado que no ato não há sujeito O ato analítico apresenta as mesmas características de qualquer ato desenvol vidas por Lacan em seu seminário sobre o tema 1 O ato apresenta uma dimensão de linguagem tal como se encontra na descrição por Freud tanto do ato falho uma fala recalcada quanto no agieren com seu aspecto de fala impossível e por isso mesmo atuada 2 O ato é promotor de ultrapassamento franqueamento provocando uma mu dança radical no sujeito pois no que se refere a ele nada será como antes 3 O ato é acéfalo pois o sujeito não é agente de seu ato ele é agido Estas três características encontramse condensadas na resenha desse Seminário O ato vem no lugar de um dizer pelo qual ele muda o sujeito18 Esse sujeito caracterizado pelo pensamento que é o sujeito do inconsciente e cuja associação livre o desvela como faltaaser está ausente do ato psicanalítico O sujeito que pensa não age O ato está do lado do ser e é correlato a um não penso que completamos com o cogito lacaniano por um não penso logo sou Não existe portanto subjetivação do ato a não ser a posteriori só depois do ato o analista poderá interrogarse sobre o que o fez agir e dar a razão desse ato em uma construção a O ato psicanalítico e o fim de análise 105 Se o ato é desvinculado do pensamento é por ser incompatível com a hesitação que denota a divisão do sujeito Para o neurótico como nos ensina Hamlet o ato é difícil de ser realizado ou bem ele o posterga como faz o obsessivo que em vez de realizar o ato pensa sob a forma da dúvida ou bem já perdeu a oportunidade como é o caso da histérica que também em vez de agir pensa mas sob a forma da queixa de têla deixado passar Não há saber do ato analítico Este se realiza num momento em que o sujeito não se encontra aí O aspecto acéfalo do ato analítico é correlato do acéfalo da pulsão O sujeito na verdade é sempre ultra passado por seu ato que enquanto tal é tão incalculável quanto incontrolável Um sujeito diz Lacan cujo ato o ultrapassa isso não é nada mas se ele ultrapassa seu ato tratase da incompetência do psicanalista Ultrapassar seu ato é predeterminálo de antemão prevêlo e até mesmo cronometrálo Encontrase então excluído do âmbito da análise todo tipo de previsão de timing de fixação prévia de prazo por exemplo para se terminar a análise O que regula o ato está para o lado do ser do sou onde não penso e portanto do nãosaber a priori uma vez que o saber está do lado do penso ou seja lá onde se encontra o inconsciente Como diz Freud na Psicopatologia da vida cotidiana O sujeito realiza o ato sem pensar em nada de uma maneira puramente acidental Dar alta de análise contraria o ato analítico pois implica considerar que o analista sabe demonstrando que o sujeito suposto saber aí não foi tocado Enquanto que o ato analítico é aquele que é realizado pelo analisante no momento do passe em que ocorre a dessuposição do saber que o analisante deposita no analista O ato psicanalítico escreve Lacan é promotor de escândalo pois revela a falha entrevista do sujeito suposto saber Em suma o ato psicanalítico só encontra seu princípio em um outro ato o do analisante que ele foi E a cada ato do analista ele renova esse ato inaugural Mas é fato que abrir um consultório aceitar demandas de análise declararse psicanalista e começar a atender na grande maioria dos casos é um ato anterior ao final de análise e ao passe propriamente dito Sódepois o analista encontrará a razão desse ato em sua própria análise quando sobrevirá o ato analítico no momento de concluir Será que 106 As 41 condições da análise um sujeito pode funcionar como psicanalista se sua fantasia não foi tocada em análise O que fará ele com seus analisantes Se sua fantasia não foi atravessada no sentido de uma desarticulação entre sujeito e objeto o analista tenderá a se situar em um de seus pólos colocando o analisante no outro Se ele se situa como sujeito o analisante virá no lugar do objeto de sua fantasia a acentuando a densidade fantasiosa com que o neurótico se defende da confrontação com o desejo enigmático do Outro Se o analista se situa como objeto e o analisante como sujeito a ele estará reproduzindo a estrutura da fantasia perversa19 Ocupar o lugar de objeto da fantasia para o analisante é distinto de bancar o objeto no fazdeconta ocupando o lugar de agente do discurso analítico a Na hipótese de o analisante interromper sua análise sem ter atravessado a fantasia mas provocando um curtocircuito da fantasia em vez do ato analítico teríamos o actingout ou a passagem ao ato Essa hipótese vai ao encontro da experiência de Jo Attié como membro do cartel do passe no qual nenhum passante foi nomeado AE Segundo ele a partir dos testemunhos dos passadores são encontradas essas duas modalidades de ato num suposto final de análise20 A interrupção da análise por um actingout que é uma transferência sem análise levará a uma perenização da transferência21 pois não foi operada a dissolução do sujeito suposto saber que é seu pivô O actingout sendo uma mensagem dirigida ao Outro implica sempre o sujeito suposto saber Nesta modalidade de interrupção o sujeito traz à cena o objeto de sua fantasia numa atuação Uma analisante histérica chegou por exemplo em um ponto de sua análise em que a vivência da faltaaser concomitante à angústia que a acompanhava era escamoteada pelas queixas relacionadas à falta ater Até o momento em que se deparou com o furo no real provocado pela morte de uma figura do Outro reatualizando a fantasia de devoração pelo olhar Após a ausência necessária para em outro país participar dos ritos funerários voltou disposta a interromper a análise mas a continuar a me ver propondome a solução de comer fora Diante de minha recusa não mais voltou Essa interrupção de análise trouxe à cena o objeto da pulsão ilustrando a comparação que Lacan faz entre o actingout e o caso dos espectadores que sobem ao palco O ato psicanalítico e o fim de análise 107 Supomos que a modalidade de interrupção da análise pelo analisante marcará seus atos como analista Assim o analista do actingout ao acentuar o objeto a em uma encenação faz com seu ato um endere çamento ao Outro para lhe devolver o objeto que lhe pertence O analista situaria então o analisante no lugar do Outro a quem ele dirige a mensagem cifrada de sua atuação numa mostração de sua própria pulsão Se o ato analítico está à mercê do actingout22 é a nosso ver pelo fato de o analista estar tanto num como no outro do lado do objeto sendo que toda diferença reside entre o bancar o a do primeiro e o mostrar o a do segundo Quanto à passagem ao ato o sujeito pula fora da cena por estar de forma maximal apagado pela barra num momento de maior embaraço O analista do lado do sujeito apagado riscado de sua fantasia tenderá a transformar seus atos numa passagem ao ato situando o analisante como objeto de sua divisão de seu embaraço A passagem ao ato do analista se dá quando este está afetado pelo analisante Em outros termos quando o analista age e não cala a sua contratransfe rência Em ambos os casos o analista age movido não pela certeza do ato psicanalítico mas pela segurança que lhe garante a fantasia Só a segurança da fantasia poderá suprir a certeza do ato23 O desejo de saber O final da análise é contemporâneo da destituição do sujeito suposto saber Se o sujeito como vimos é destituído de suas identificações e do objeto que o complementa na fantasia ele também é desvinculado do saber Qual o destino do saber no final da análise Antes da análise o recalque determina o horror de saber não quero nem saber do que se trata no meu sintoma A instauração do sujeito suposto saber na entrada da análise promove a transformação de horror em amor que se dirige ao saber a transferência No final da análise com a queda do sujeito suposto saber o parceiro se desvanece por não ser mais do que saber vão de um ser que se furta ocorrendo então a dissipação desse amor pois o analista perdeu agalma 108 As 41 condições da análise Por parte do analisante o ser do desejo reencontra o ser do saber constituindo uma fita de Möebius onde se inscreve a falta que sustenta agalma24 Essa vinculação faz emergir o desejo de saber Não há analista diz Lacan a não ser se esse desejo vier a ele25 definindo o analista como o sujeito a quem adveio no final da análise o desejo de saber que é o nome mais apropriado mais adequado para se designar o desejo do analista26 Em 1964 Lacan definia no Seminário XI o desejo do analista como um desejo de obter a diferença absoluta ou seja de levar o sujeito a se confrontar com o significantemestre ao qual está assujeitado S1 Em 1974 o desejo do analista é definido como desejo de saber que paradoxalmente é relacionado a saber ser um rebotalho podendo o analista fazerdeconta de a para um outro sujeito condição do ato analítico Se não há saber do ato analítico este não deixa de estar em relação com um saber 1 O saber adquirido na própria análise pessoal em que o analista como analisante experimentouse como objeto e se separou dele esva ziandoo de gozo E também saber relativo ao impossível a ser dito ao impossível da relação sexual 2 Saber adquirido do inconsciente de seu analisante que se vai depositando naquela análise específica e que poderíamos denominar como o saber que envolve as relações do sujeito com o objeto a É o saber que virá ocupar da verdade que sustenta o ato analítico tal como está formulado no matema do discurso analítico a S S2 S1 Lacan nos deixou como tarefa a investigação sobre o final de análise para tentar responder às questões O que faz um sujeito ao terse experimentado como objeto e se separado de seu gozo querer bancar esse objeto para um outro sujeito O que faz um sujeito após ter percebido a futilidade da suposição de saber atribuída ao Outro restituir o sujeito suposto saber no lugar de analista para um sujeito O ato psicanalítico e o fim de análise 109 O passe como dispositivo não é apenas uma possibilidade de verificação de final de análise e elaboração de um saber transmissível sobre os destinos do sujeito na análise mas um dispositivo capaz de recolher um saber novo sobre um desejo inédito o desejo do analista 110 As 41 condições da análise Notas Notas Introdução 1 Freud S O início do tratamento ESB Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio Imago 197580 vol XII pp163187 2 Freud S Frau Emmy von N ESB vol II p 107 3 Freud S Esboço de psicanálise ESB vol XXIII p 201 4 Donnet JL La psychanalyse et la Société psychanalytique de Paris en 1988 Présentation à lusage dun lecteur profane Revue Française de Psychanalyse no III Paris PUF 1988 5 Cf Les recommendations dEdimbourg de 2861 condições para que a Société Française de Psychanalyse seja aceita como instituiçãomembro da IPA uma delas sendo a exclusão de Lacan da lista dos didatas e Lexcommunication Ornicar Paris Navarin 1977 pp1921 6 Cf Directive de Stockholm Lacan não se conforma às recomendações de Edimburgo em sua prática analítica com os candidatos em formação Lexcommunica tion Ornicar Paris Navarin 1977 pp 8182 7 Jornadas de Cartéis 1975 Lettres de l EFP no 18 8 Lacan J Comptes rendus denseignements lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 Paris Navarin 1984 Capítulo I As funções das entrevistas preliminares 1 Lacan J O Saber do Psicanalista ciclo de conferências inédito 2 de dezembro de 1971 2 Ver capítulo III Que tempo para a análise 3 Lacan J Écrits Seuil Paris p 617 4 Lacan J Conférences et entretiens dans les universités nordaméricanes Scilicet nos 67 Seuil Paris 1976 p 33 5 IRMA Clínica Lacaniana textos da revista Ornicar reunidos por Manuel Barros da Motta Jorge Zahar Editor 1989 pp 6979 6 Lacan J Radiophonie Scilicet no 23 Seuil Paris 1970 p 89 7 Lacan JComptes rendus denseignements lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 Paris Navarin 1984 p 18 8 Lacan J Le Séminaire livre III 19551956 Paris Seuil 1981 p 285 111 9 Lacan J Ouverture de la Section Clinique Ornicar no 9 Seuil 1977 p 12 10 Cf Quinet A Clínica da Psicose Fator Salvador 1990 11 Lacan J Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos Walter Verlag Falo no 1 Salvador Fator 1988 p 10 12 Ibid 13 Lacan J Écrits p 589 14 Ibid p 315 15 Ibid p 811 16 Ibid p 824 17 Ibid p 633 18 Lacan J Le Séminaire livre XVII Lenvers de la psychanalyse Seuil 1991 p 150 19 Lacan J Écrits p 824 20 Lacan J Le Séminaire livre III Seuil 1981 pp 191192 e 283 21 Freud S Fragmento de análise de um caso de histeria ESB vol VII p 26 22 Cf Freud S Rascunho K ESB vol I 23 Lacan J Proposition du 9 octobre de 1967 sur le psychanalyste de lEcole Scilicet no 1 Seuil 1968 pp 1430 24 Miller JA Entrada em análise Falo no 2 Fator 1988 25 Lacan J La méprise du sujet supposé savoir Scilicet no 1 Seuil 1968 p 39 26 Lacan J Proposition op cit 27 Lacan J Le savoir du psychanalyste ciclo de conferências inédito 28 Platão O Banquete tradução do Prof J Cavalcante de Souza Editora Bertrand Brasil SA 5a Edição RJ 1989 29 Lacan J Radiophonie Scilicet 23 p 89 30 Lacan J Écrits p 546 31 Lacan J Écrits pp 215226 32 Zizek Z Le plus sublime des hystériques Hegel passe Point Hur Ligne Paris 1988 p 107 Ed bras O mais sublime dos histéricos Hegel com Lacan Jorge Zahar Editor Rio 1991 Capítulo II O divã ético 1 Fenichel O Problèmes de technique psychanalytique Revue Française de Psychanalyse t 15 pp 159161 1951 2 Held R Rapport Clinique sur les psychothérapies dinspiration psychanalytique freudienne XXIVe Congrès des psychanalystes de langue romaine PARIS juillet 1963 Revue Française de Psychanalyse número especial pp 6465 3 Lacan J Variantes de la curetype Écrits p 323 e seg 4 Donnet JL La psychanalyse et la Société Psychanalytique de Paris em 1988 Revue Française de Psychanalyse no III 1988 pp 687700 5 Letarte P Voir ou ne pas voir De la diversité des techniques de lanalyste dans lentretien individuel comunicação prévia para o Congresso dos Psicanalistas de Língua Francesa dos Países Românicos Paris maio 1989 112 As 41 condições da análise 6 Lacan J Écrits p 668 7 Ibid Le Séminaire lAngoisse inédito 8 Freud S Les voies nouvelles de la thérapeutique psychanalytique La technique psychanalytique PUF 1981 p 735 9 Lacan J Le Séminaire livre XI Seuil 1973 p 74 10 Ibid p 245 11 LévyStrauss C Le sorcier et sa magie Anthropologie Structurale Plon 195874 p 207 12 Freud S lInterprétation des rêves PUF 1980 p 213 13 Hawthorne N La lettre écarlate Gallimard 14 Freud S Conseil aux médecins sur le tratement analytique La technique psychanalytique PUF 1981 p 69 15 Lacan J Le Séminaire Lobjet de la psychanalyse inédito 16 Lacan J Ouverture de la Section clinique Ornicar no 9 1977 p 8 Capítulo III Que tempo para a análise 1 Lacan J Fonction et champ de la parole et du langage Écrits Seuil Paris 1966 2 Lacan J La méprise du sujet supposé savoir Scilicet no 1 Seuil 1968 p 34 3 Lacan J O Seminário livro 1 Jorge Zahar Editor 3a ed 1986 4 Pierre de rebut du pierre dangle notre fort est de navoir jamais cédé sur ce point nota 1965 in Écrits Seuil Paris 1966 p 315 5 Lacan J Écrits p 256 6 Ibid p 252 7 Lacan J Hamlet Ornicar no 25 Seuil 1982 8 Soller C O tempo em análise Falo no 1 Fator 1987 pp 8191 9 Lacan J Écrits pp 806815 10 Lacan J Comptes rendus denseignement lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 1984 p 25 11 Lacan J Écrits Seuil 1966 p 801 12 Ibid pp 197213 13 Lacan J Hamlet O objeto Ofélia Ornicar no 25 Seuil 1982 14 Lacan J Écrits p 314 15 Ibid p 824 16 Ibid p 823 17 Ibid p 313 18 Ibid p 315 19 Watts A O espírito do Zen Cultrix São Paulo 1988 pp 7880 20 Suzuki DT A doutrina zen da nãomente Editora Pensamento São Paulo 1989 p 29 21 Ibid p 47 22 Ibid p 76 23 Lacan J Le Séminaire livre XX Seuil Paris 1978 p 104 24 Watts A op cit p 80 25 Capra F O tao da física Cultrix São Paulo 1987 p 25 Notas 113 26 Watts op cit p 88 27 Suzuki DT op cit p 72 28 Lacan J Écrits p 316 29 Cf capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise 30 Lacan J Écrits p 877 31 Freud S A dinâmica da transferência ESB vol XII p 138 32 Lacan J O Seminário livro I Jorge Zahar pp 5154 33 Lacan J O Seminário livro XX Jorge Zahar p 67 Capítulo IV Capital e libido 1 Cleinman B Capital da Libido os EUA em MM Rio de Janeiro Achiamé 1982 2 Lacan J Écrits p 246 3 Freud S Psychologie des foules et analyse du moi Essais de psychanalyse Pbp 1981 pp 150 4 Freud S Psicanálise e teoria da libido verbetes de enciclopédia ESB vol XVIII p 297 5 Marx K Le Capital citado in Argent et psychanalyse de Pierre Martin Navarin 1984 6 Marx K Le Capital livro I 3a seção cap VI Garnier Flammarion p 51 7 Naveau P Marx e o sintoma Falo no 3 Salvador juldez 88 pp 112114 8 Ibid 9 Lacan J Radiophonie Scilicet no 23 Seuil p 87 10 Ibid p 72 11 Lacan J Le savoir du psychanalyste conferências no Hospital SaintAnne 21271 inédito 12 Lacan J Télévision Paris Seuil 1974 p 26 13 Freud S Lhomme aux rats Cinq psychanalyses Paris PUF 1979 pp 238239 14 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria nota acrescentada em 1923 ESB vol VII pp 4042 15 Freud S La nervosité commune Introduction à la psychanalyse 24 Pbp p 362 16 Lacan J O Seminário livro II Jorge Zahar Editor p 257 17 Ibid p 256 18 Ibid p 267 19 Ibid Écrits p 597 20 Ibid Écrits p 610 21 Ibid Le Séminaire livre XI Seuil 1973 p 241 Capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise 1 Lacan J Le Séminaire Langoisse inédito 51262 9163 30163 15563 114 As 41 condições da análise 2 Lacan J Comptes rendus de lenseignement lActe psychanalytique Ornicar no 29 1984 3 Principes concernant laccession au titre de psychanalyste dans lÉcole Freudiene de Paris proposition A Scilicet 23 Seuil Paris 1970 p 30 e seg 4 Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de lÉcole Scilicet l Seuil Paris 1968 p 15 5 Roudinesco E Histoire de la Psychanalyse en France Paris 1986 p 455 Ed bras História da Psicanálise na França A batalha dos cem anos vols 1 e 2 Jorge Zahar Editor 19891988 6 Miller JA Des données sur la passe La lettre mensuelle ECF no 9 abril 1982 p 9 7 Reflexions sur lÉcole La lettre mensuelle ECF no 69 Paris maio 1988 8 Miller JA Introduction aux paradoxes de la passe Ornicar no 1213 dez 1977 pp 103116 9 Lacan J Lettre aux italiens Lettre mensuelle no 9 ECF 1982 10 Ibid Le Séminaire Les nondupes errent inédito 9474 11 Ibid Proposition première version Analytica no 8 1978 12 Ibid Lettre aux italiens op cit 13 Soler C Intervenção na Tetrade Paris outubro 1989 inédito 14 Leguil F La question de la fin de la cure conferência pronunciada em Rennes 16587 15 Lacan J Le Séminaire Lobjet de la psychanalyse inédito 12166 16 Morel G Trois déviations lAne no 42 Paris junho 1990 17 Ibid Le Séminaire livre XI Seuil Paris p 245 18 Ibid Comptes rendus denseignements lActe psycanalytique Ornicar no 24 1984 19 Ibid Écrits p 774 20 Attié J La passe constats et questions Ornicar no 44 Navarin 1988 21 Tardits Annie La passe du transfert à lacte Actes de lECF XII Lacte et la répétition Paris 1987 22 Lacan J Comptes rendus denseignements lActe analytique op cit p 23 23 Soler C Lacte analytique Désir et acte Bulletin du Sécretariat de lÉcole de la Cause Freudienne à Anger outubro 1988 24 Lacan J Proposition op cit 25 Ibid Lettre aux italiens op cit 26 Miller JA Le banquet des analystes curso 19891990 inédito Notas 115 Este livro é resultado de um trabalho de elaboração realizado a partir de uma série de conferências proferidas em 1989 imersas no turbilhão de entusiasmo da construção do Corte Freudiano Associação Psicanalítica o debate público sobre a constituição desta associação de psicanalistas foi realizado no segundo semes tre de 1989 em torno do Fórum de Construção do Corte Freu diano cf Corte Freudiano Agenda de Psicanálise Rio de Janeiro Relume Dumará 1990 pp 159162 Agradeço aos amigos Maria Elisa Delacave Monteiro Maria Anita Lima Silva e Romildo do Rego Barros pelo estímulo à publicação bem como por sua interlocução constante e afiada a Diana pela paciência na digitação e a Betch por ser simplesmente insubstituível Este livro foi composto por TopTextos Edições Gráfi cas em Adobe Garamond e impresso por Geográfi ca Editora em junho de 2009
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As 41 Condições da Análise Antonio Quinet As 4 1 Condições da Análise 12a edição Rio de Janeiro Copyright 1991 Antonio Quinet Copyright desta edição 2009 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21010808 fax 21 21080800 email jzezaharcombr site wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Edições anteriores 1991 1993 1995 1996 1997 2 eds 1999 2000 2002 2005 2007 Capa Carol Sá e Sérgio Campante CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Quinet Antonio 1951 Q64q As 41 condições da análise Antonio Quinet 12ed 12ed Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009 Inclui bibliografia ISBN 9788571101883 1 Psicanálise I Título CDD 6168917 092333 CDU 1599642 Sumário Introdução 7 I As funções das entrevistas preliminares 13 II O divã ético 35 III Que tempo para a análise 49 IV Capital e libido 73 V O ato psicanalítico e o fim de análise 95 Notas 111 Introdução Cada cosa la luna del espejo digamos era infinitas cosas porque yo claramente la veía desde todos los puntos del universo Vi la tarde vi las muchedum bres de América vi una platada taleraña en el centro de una negra pirámide vi un laberinto roto El Aleph Borges No princípio da psicanálise era o ato o ato inaugural de Freud ao inventar a psicanálise abrindo o inconsciente à sua formalização Ato que marca um antes e um depois que traz em si a descontinuidade e como tal tem a estrutura de corte Ato fundador que se renova em cada psicanálise tendo Freud nos legado a incumbência de reinventála a cada vez que como psicanalistas autorizamos o começo de uma análise Dar início a uma psicanálise a partir da demanda de alguém depende do psicanalista com seu ato de decisão Mas o que fundamenta essa experiência Será apenas o dispositivo técnico inventado por Freud Sabemos que há aqueles para quem a resposta é evidente ao dispositivo freudiano cujo cerne irredutível é a associação livre devese acrescentar o contrato que fixa o chamado setting analítico determinando o tempo das sessões sua freqüência etc que seria a garantia de seu bom andamento Qualquer pequena modificação nesse registro é suposta como fatalmente ameaçadora para a própria experiência psicanalítica Daí a sociedade psicanalítica do tipo ipeísta da IPA International Psychoanalytical Association instituirse como um Outro do analista que supostamente garante a execução de sua prática por intermédio de 7 imposição de regras que devem ser cumpridas e propostas por meio de um contrato aos analisantes Mas como podemos propor ao analisante uma espécie de concre tização do Outro sabendo que numa análise conduzida a seu término o sujeito é levado a se confrontar com a falta do Outro SA justamente porque o Outro falta No lugar das normas que o dito contrato que pretende figurar o Outro estabelece Lacan introduz o conceito de ato psicanalítico retirando assim a psicanálise do âmbito das regras para situála na esfera da ética É o analista com seu ato que dá existência ao inconsciente promovendo a psicanálise no particular de cada caso Autorizar o início de uma análise é um ato psicanalítico eis a condição do inconsciente cujo estatuto não é portanto ôntico mas ético pois depende desse ato do analista O conceito de ato analítico desvela que o dito contrato do início da análise exime o analista da responsabilidade de seu ato tratase de um contraato Meu propósito é interrogar neste livro o conjunto de normas que se convencionou chamar de setting analítico a partir do texto de Freud O início do tratamento onde as encontramos sob a designação de condições Esse texto de Freud foi publicado inicialmente no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse em duas partes a primeira em janeiro de 1913 intitulada Novas observações sobre a técnica da psicanálise I O início do tratamento a segunda em março com o mesmo título seguido de A questão das primeiras comunicações A dinâmica da transferência O presente livro centrase sobretudo na primeira parte do referido texto freudiano cujas partes foram em seguida reunidas num só texto tal como aparece em suas obras completas A seguinte frase conclui essa parte inicial Havendo as condições do tratamento sido reguladas desta maneira surge a questão em que ponto e com que material deve o tratamento começar1 Pois são justamente as condições Bedingungen da análise estabelecidas por Freud que aqui enfocaremos o tratamento de ensaio o uso do divã a questão do tempo e a questão do dinheiro Tratase de condições e não de regras ou normas impostas por Freud pois ele estabeleceu apenas uma única regra para a psicanálise a associação livre que é a resposta à pergunta sobre o início do tratamento 8 As 41 condições da análise Se 1989 foi o ano do cinqüentenário da morte de Freud foi também o da data de aniversário da única regra presente na experiência analítica o centenário da regra fundamental a regra de ouro da psicanálise ditada a seu fundador no dia 12 de maio de 1889 pela boca de Emmy von N Freud interrompe o relato desta paciente sob hipnose para indagarlhe sobre a origem de certos sintomas Aproveitei também a oportunidade para perguntarlhe por que sofria de dores gástricas e de onde provinham Sua resposta dada a contragosto era de que não sabia Soliciteilhe que se lembrasse até amanhã Disseme então num claro tom de queixa que eu não devia continuar a perguntar de onde provinha isso ou aquilo mas que a deixasse contar o que tinha a dizerme2 A aceitação da proposta de Frau Emmy von N e sua generalização por parte de Freud o farão postular a inclusão do saber nos ditos do analisante para construir a análise como talking cure a cura pela fala o tratamento da palavra O paciente escreve Freud no final de sua obra deve dizernos não apenas o que pode dizer intencio nalmente e de boa vontade coisa que lhe proporcionará um alívio semelhante ao de uma confissão mas também tudo o mais que sua autoobservação lhe fornece tudo o que lhe vem à cabeça mesmo que lhe seja desagradável dizêlo mesmo aquilo que lhe pareça sem importância ou realmente absurdo Se depois dessa injunção ele conseguir pôr sua autocrítica fora de ação nos apresentará uma massa de material pensamento idéias lembranças que já está sujeita à influência do inconsciente3 Eis portanto a única regra da psicanálise Ela não está do lado do analista e sim do analisante Tratase de uma regra correlata à própria estrutura do campo psicanalítico aberto por Freud É a associação livre que marca o início da psicanálise e também o início de cada psicanálise é o ponto em que a análise deve começar Do lado do analista afora o preceito da atenção flutuante não há regras mas a ética da psicanálise regida pelo desejo do analista Nosso objetivo é o de apontar a partir do ensino de Jacques Lacan os fundamentos dessas quatro condições enumeradas por Freud Longe de pretender a exaustão do tema este trabalho é tãosomente uma introdução às condições da análise conservando o estilo de conferência no qual foi elaborado Tratase de conferir na experiência analítica o Introdução 9 quanto essas condições são determinadas pelos próprios fundamentos da psicanálise A IPA transformou essas condições em regras submetidas ao controle institucional sobretudo no que diz respeito às análises didáticas reduzindo a experiência analítica a uma padronização na qual o analista é um mero funcionário do dispositivo No capítulo sobre a prática analítica e suas condições num documento elaborado por uma sociedade de psicanálise ligada à IPA denominado Apresen tação para o uso de um leitor leigo onde se busca informar ao público o que são a psicanálise e a formação do psicanalista as condições enumeradas por Freud são erigidas em regras colocadas no mesmo nível da associação livre que em vez de regra de ouro é considerada uma condição igual às outras Definese também o enquadramento cadre setting analítico O rigor quanto ao número à regularidade e à duração da sessão que é fixa nada do que o paciente é levado a dizer sob a regra fundamental é suscetível de diminuir ou aumentar seu tempo de fala ou de silêncio4 Colocandose como o Outro do analista a instituição penetra a tal ponto num local em princípio inviolável que são exigidos dos didatas relatórios periódicos sobre o progresso de seus analisantes5 Recolocar essas regras impostas no âmbito de condições é submeter o dispositivo analítico à experiência do inconsciente e à particularidade de cada análise e até mesmo de cada sessão Há quase quarenta anos a partir de Lacan praticamse as sessões curtas Muitas vezes essa prática é vivenciada externamente como moda sobretudo por aqueles que buscam uma garantia no tempo fixo de cinqüenta minutos outras criticada pelo viés do time is money quem não gostaria de ganhar a mesma quantidade de dinheiro em menos tempo Esse raciocínio da sociedade de consumo propalada pelo serviço dos bens é absolutamente contrário à ética de Jacques Lacan que nunca abriu mão dessa prática por estar fundamentada na experiência do inconsciente mesmo tendo que ir contra ventos e marés chegando por isso a ser excluído da função de formação da sociedade a que pertencia6 Tempo e dinheiro estão dissociados na experiência analítica Eles são condições que devem corresponder e se submeter cada uma delas à lógica da psicanálise que rege o dispositivo inventado por Freud 10 As 41 condições da análise O rigor não se encontra nas condições erigidas em regras mas na condução da análise sobre a qual o analista deve saber responder Daí a exigência estabelecida por Lacan de um trabalho prévio à decisão de se aceitar um paciente em análise as entrevistas preliminares que têm suas funções diagnóstica sintomal e transferencial Elas correspondem ao que Freud denominou tratamento de ensaio Tampouco o uso do divã deve ser erigido em regra Trataremos portanto de buscar as bases dessa prática do divã e saber ao que ela responde no âmbito do campo freudiano Se não são as condições elevadas artificialmente ao estatuto de regras o que pode qualificar o psicanalista A resposta só pode ser uma é a passagem do analisante ao analista no interior do próprio processo analítico passe que é correlato ao final de análise É essa condição que é introduzida como mais uma neste trabalho que se serve desse significante proposto por Lacan ao estruturar a composição e o funcionamento do cartel O 1 é o elemento que pertence ao conjunto tendo a função de constituílo e de fazêlo funcionar Podese também evocar aqui a fórmula borromeana do cartel x 1 em que ao se retirar o 1 do nó borromeano se obtém a individualização completa dos elementos7 A passagem do analisante ao analista no final de análise faz parte como o 1 do cartel das condições da análise enumeradas no texto freudiano Conferindo 1 Uma nãohomogeneização entre elas cada condição se conta e se fundamenta uma a uma cada qual sendo considerada individual mente e em relação às outras 2 Uma estrutura borromeana a essas quatro sem a qual elas não representam coisa alguma e não formam um encadeamento as condições de análise estão submetidas a sua estrutura 3 Uma limitação no tempo incluindo a finitude que é o próprio final de análise onde há dissolução do vínculo analítico cuja duração não pode ser prevista ao contrário do cartel que tem seu tempo delimitado Introdução 11 Cartel modalidade de agrupamento de pessoas inventado por Lacan para se estudar psicanálise em que quatro se reúnem e escolhem uma quinta dita 1 para empreenderem um trabalho em comum O cartel constitui o órgão base da Escola de Lacan A condição do término de análise como 1 da mesma forma que no cartel é responsável pelo bom andamento das outras condições na decisão de dar início à análise incluindo desde então seu fim na utilização do divã ao possibilitar ao analista bancar o objeto a para o analisante no deixarse investir e desinvestir pelo capital libidinal do sujeito no corte da sessão interrompendo a cadeia de significantes do analisante O ato psicanalítico nem visto nem conhecido afora nós isto é jamais discernido e muito menos ainda colocado em questão eis que nós o supomos a partir do momento eletivo em que o psicana lisante passa a psicanalista8 Esta 1 condição é a condição sine qua non para o analista conduzir a análise de um sujeito do início ao fim 12 As 41 condições da análise Capítulo I As funções das entrevistas preliminares Quando curiosamente te perguntarem buscando saber o que é aquilo Não deves afirmar ou negar nada Pois o que quer que seja afirmado não é a verdade E o que quer que seja negado não é verdadeiro Como alguém poderá dizer com certeza o que Aquilo possa ser Enquanto por si mesmo não tiver compreendido plenamente o que É E após têlo compreendido que palavra deve ser enviada de uma Região Onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde possa seguir Portanto aos seus questionamentos oferecelhes apenas o silêncio Silêncio e um dedo apontando o caminho Verso budista Em seu texto O início do tratamento Freud diz ter o hábito de praticar o que chama de tratamento de ensaio tratamento psicanalítico de uma ou duas semanas antes do começo da análise propriamente dita Isto serviria segundo ele para evitar a interrupção da análise após um certo tempo Freud não especifica porém por que esse tratamento se interromperia Veremos mais adiante que sua continuação está absolu tamente conectada à questão da transferência Nesse mesmo texto Freud anuncia que a primeira meta da análise é a de ligar o paciente ao seu tratamento e à pessoa do analista sendo 13 mais explícito em relação a pelo menos uma função desse tratamento de ensaio a do estabelecimento do diagnóstico e em particular a do diagnóstico diferencial entre neurose e psicose A expressão entrevistas preliminares corresponde em Lacan ao tra tamento de ensaio em Freud Essa expressão indica que existe um limiar uma porta de entrada na análise totalmente distinta da porta de entrada do consultório do analista Tratase de um tempo de trabalho prévio à análise propriamente dita cuja entrada é concebida não como conti nuidade e sim como o próprio nome tratamento de ensaio parece sugerir como uma descontinuidade um corte em relação ao que era anterior e preliminar Esse corte corresponde a atravessar o umbral dos preliminares para entrar no discurso analítico Esse preâmbulo a toda psicanálise é erigido por Lacan em posição de condição absoluta não há entrada em análise sem as entrevistas preliminares1 Na prática depreendemos no entanto que nem sempre é possível demarcar nitidamente esse umbral da análise Isto ocorre porque tanto nas entrevistas preliminares quanto na própria análise o que está em jogo é a associação livre Este ensaio preliminar diz Freud é ele próprio o início de uma análise e deve conformarse às suas regras Podese talvez fazer a distinção de que durante esta fase deixase o paciente falar quase o tempo todo e não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazêlo prosseguir no que está dizendo Temos portanto a indicação de que nesse momento a tarefa do analista é apenas a de relançar o discurso do analisante Freud entretanto dirá que há razões diagnós ticas para fazer esse tratamento de ensaio Este é o momento em que por princípio a questão diagnóstica está em jogo As entrevistas preliminares têm a mesma estrutura da análise mas são distintas desta Logo de saída a situação é portanto colocada a nível de um paradoxo que pode ser escrito assim EP A EP A e que se lê entrevistas preliminares são iguais à análise implicando que entrevistas preliminares são diferentes da análise Disso se conclui que 1o A associação livre mantém a identificação das entrevistas preliminares com a análise EPA 14 As 41 condições da análise 2o Esse tempo de diagnóstico faz com que se distinga entrevistas preliminares da análise EP A O analista está submetido a esse paradoxo a partir do qual decidirá se irá ou não acatar aquela demanda de análise Do ponto de vista do analista as entrevistas preliminares podem ser divididas em dois tempos um tempo de compreender e um momento de concluir2 no qual ele toma sua decisão É nesse momento de concluir que se coloca o ato psicanalítico assumido pelo analista de transformar o tratamento de ensaio em análise propriamente dita Em O divã ético cap II veremos como o corte que implica essa passagem é um ato que pode ser significado ao sujeito pela indicação do analista para que o analisante se deite Esse corte é a manifestação do analista ao candidato à análise de que ele o aceita em análise Indicação importante pois o fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise O sujeito sabese candidato a analisante e fica na expectativa de que o analista por ele escolhido venha a confirmar que também o escolheu para a análise se desencadear é necessário além da escolha do candidato a escolha por parte do analista Na constituição dessa dupla escolha o sujeito será impelido a elaborar sua demanda de análise o que é verificado como veremos na prática como um fator de histerização S1 na produção do sintoma analítico Podemos dividir em três as funções das entrevistas preliminares cuja distribuição é antes lógica do que cronológica 1o A função sintomal sintomal 2o A função diagnóstica 3o A função transferencial 1o A função sintomal sintomal A demanda de análise pode ser considerada em termos de sua produção sendo um produto da oferta do psicanalista Consegui em suma diz Lacan o que no comércio comum se gostaria de poder realizar tão facilmente com a oferta criei a demanda3 Há uma corrente de reflexão psicossociológica assolando nossos trópicos que se preocupa com as condições de criação dessa demanda pela difusão da psicanálise As funções das entrevistas preliminares 15 Essa orientação ao acentuar a dimensão da oferta para denunciar uma suposta facticidade da difusão da psicanálise como mais um modismo leva à depreciação e ao descaso da própria clínica analítica onde o que importa é como a demanda se particularizará num sujeito que se apresenta ao analista representado por seu sintoma A demanda em análise não deve ser aceita em estado bruto e sim questionada A resposta de um analista a alguém que chega com a demanda explícita de análise não pode ser por exemplo a de abrir a agenda e propor um horário e um contrato Para Lacan só há uma demanda verdadeira para se dar início a uma análise a de se desvencilhar de um sintoma A alguém que vem pedir uma análise para se conhecer melhor a resposta de Lacan é clara eu o despacho4 Lacan não considera esse querer se conhecer melhor como algo que tenha o status de uma demanda que mereça resposta A demanda de análise é correlata à elaboração do sintoma enquanto sintoma analítico O que está em questão nessas entrevistas prelimi nares não é se o sujeito é analisável se tem um eu forte ou fraco para suportar as agruras do processo analítico A analisabilidade é função do sintoma e não do sujeito A analisabilidade do sintoma não é um atributo ou qualificativo deste como algo que lhe seria próprio ela deve ser buscada para que a análise se inicie transformando o sintoma do qual o sujeito se queixa em sintoma analítico Esse sujeito pode se apresentar ao analista para se queixar de seu sintoma e até pedir para dele se desvencilhar mas isso não basta É preciso que essa queixa se transforme numa demanda endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito para que este seja instigado a decifrálo Nesse trabalho preliminar o sintoma será questionado pelo analista que procurará saber a que esse sintoma está respondendo que gozo esse sintoma vem delimitar Essa problemática pode ser formulada em termos freu dianos da seguinte forma o que fez fracassar o recalque e surgir o retorno do recalcado para que fosse constituído o sintoma A dívida do Homem dos Ratos por exemplo se apresenta como um sintoma que vem responder para o sujeito a emergência de um gozo que lhe aparece quando ouve o relato do suplício dos ratos feito pelo capitão cruel É em torno disso que se estabelece toda a questão da dívida e a impossibilidade de pagála 16 As 41 condições da análise No caso de um paciente que se apresenta ao analista com uma idéia obsessiva que o faz sofrer é preciso que esse sintoma que é um significado para o sujeito readquira sua dimensão de significante implicando o sujeito e o desejo O sintoma aparecendo como um significado do Outro sA é endereçado pela cadeia de significantes ao analista que está no lugar do Outro A cabendolhe transformar esse sintoma na questão que Lacan denomina Que queres che vuoi questão chamada desejo O desejo é pois uma questão que cabe ao analista introduzir nessa dimensão sintomal Para dar outro exemplo cito um caso descrito num artigo de MarieHélène Brousse que se chama O Destino do Sintoma onde vemos esses tempos bem escandidos5 Tratase de uma mulher em cuja vida emergiu um gozo sob forma de angústia quando fumou haxixe pela primeira vez Este gozo era acompanhado de uma sensação de morte iminente de queda e um grito Vou morrer vocês não vêem que vou morrer A partir de então esta mulher apresentou um sintoma ela iria repetir essa queda com um nome encontrado no saber médico espasmofilia Apresentarase à analista com esse sintoma já estabelecido A partir desse encontro o sintoma seria elevado ao estatuto de enigma para em seguida desaparecer e se deslocar para outro tipo de sintoma a depressão A constituição do sintoma analítico é correlata ao estabelecimento da transferência que faz emergir o sujeito suposto saber pivô da transferência Esse momento em que o sintoma é transformado em enigma é um momento de histerização já que o sintoma representa aí a divisão do sujeito Enquanto o sintoma faz parte da vida do sujeito vida com a qual ele se acostumou antes do encontro com o analista pode ser considerado como um signo ou sinal aquilo que representa alguma coisa para alguém Quando esse sintoma é transformado em questão ele aparece como a própria expressão da divisão do sujeito É nesse momento que o sintoma encontrando o endereço certo que é o As funções das entrevistas preliminares 17 analista se torna sintoma propriamente analítico É isso que Lacan quer dizer com a formulação o analista completa o sintoma que corresponde ao discurso da histérica Com esse sintoma o sujeito se dirige ao analista com uma pergunta O que isto quer dizer O que significa isso Tal posição inclui um saber pois supõe que o analista detém a verdade de seu sintoma sob a forma de uma produção o sujeito histérico encosta o mestre S1 contra a parede para que o mestre produza um saber S2 Saber sobre o gozo que está em causa e que vem mostrar a verdade escamoteada do sintoma Manobra fadada ao insucesso devido à impotência do saber em dar conta da verdade do gozo a constituindo no entanto um laço social pela própria definição de discurso para Lacan O enigma é dirigido ao analista S1 que é suposto deter o saber o analista é assim incluído nesse sintoma completandoo Nas entrevistas preliminares tratase portanto de provocar a histerização do sujeito desde que o histérico é o nome do sujeito dividido ou seja o próprio inconsciente em exercício6 2o A função diagnóstica A questão do diagnóstico diferencial só se coloca em psicanálise como função da direção da análise diagnóstico e análise no sentido de processo analítico se encontram numa relação lógica chamada de implicação D A se D então A O diagnóstico só tem sentido se servir de orientação para a condução da análise Para tanto o diagnóstico só pode ser buscado no registro simbólico onde são articuladas as questões fundamentais do sujeito sobre o sexo a morte a procriação a pater nidade quando da travessia do complexo de Édipo a inscrição do S S1 a S2 impotência 18 As 41 condições da análise NomedoPai no Outro da linguagem tem por efeito a produção da significação fálica permitindo ao sujeito inscreverse na partilha dos sexos É a partir do simbólico portanto que se pode fazer o diagnóstico diferencial estrutural por meio dos três modos de negação do Édipo negação da castração do Outro correspondentes às três estruturas clínicas Um tipo de negação nega o elemento mas o conserva mani festandose de dois modos no recalque Verdrängung do neurótico nega conservando o elemento no inconsciente e o desmentido Verleug nung do perverso o nega conservandoo no fetiche A foraclusão Verwerfung do psicótico é um modo de negação que não deixa traço ou vestígio algum ela não conserva arrasa Os dois modos de negação que conservam implicam a admissão do Édipo no simbólico o que não acontece na foraclusão Cada modo de negação é concomitante a um tipo de retorno do que é negado No recalque o que é negado no simbólico retorna no próprio simbólico sob a forma de sintoma o sintoma neurótico No desmentido o que é negado é concomitantemente afirmado retornando no simbólico sob a forma de fetiche do perverso Na psicose o que é negado no simbólico retorna no real sob a forma de automatismo mental cuja expressão mais evidente é a alucinação Como o retorno é no real ou seja fora do simbólico empregase o neologismo fora clusão como versão do termo francês forclusion utilizado no âmbito jurídico para se referir a um processo prescrito ou seja aquele de que não se pode mais falar porque legalmente não mais existe O termo de foraclusão como forma de negação indica por si mesmo esse local de retorno a inclusão fora do simbólico estrutura clínica forma de negação local de retorno fenômeno Neurose recalque Verdrängung simbólico sintoma Perversão desmentido Verleugnung simbólico fetiche Psicose foraclusão Verwerfung real alucinação As funções das entrevistas preliminares 19 Como esse diagnóstico diferencial estrutural se manifesta na clínica Na neurose o complexo de Édipo diznos Freud é vítima de um naufrágio que equivale à amnésia histérica O neurótico não se recorda do que aconteceu em sua infância amnésia infantil mas a estrutura edipiana se presentifica no sintoma Um exemplo é a idéia obsessiva do Homem dos Ratos formulada na frase se eu vejo uma mulher nua meu pai deve morrer O recalque da representação do desejo da morte do pai retorna no simbólico sob a forma de sintoma a idéia obsessiva expressa nessa frase denota sua estrutura edípica ou seja a proibição conectada ao pai de ver uma mulher nua O sintoma fornece assim um acesso à organização simbólica que repre senta o sujeito Na perversão há admissão da castração no simbólico e concomi tantemente uma recusa um desmentido Esse mecanismo assim como os outros modos de negação ocorre em função do sexo feminino por um lado há a inscrição da ausência de pênis na mulher portanto da diferença sexual por outro essa inscrição é desmentida O retorno desse tipo de negação particular do perverso é cristalizada no fetiche cuja determinação simbólica pode ser apreendida através de sua estrutura de linguagem Como se vê no exemplo com que Freud inicia seu artigo O Fetichismo O curioso é que ele não recorre aos fetichistas clássicos aos que cultuam pé calcinha ou qualquer outro objeto mais próximo do senso comum Freud expõe o caso de um paciente cuja condição do desejo é atrelada a um determinado brilho no nariz do outro A análise desvelará um jogo de palavras translingüístico que permite entender este atrelamento brilho em alemão glanze é homófono a glance que em inglês significa olhar O segredo desse fetiche residia no fato deste sujeito ter vivido os primeiros anos de sua infância num país de língua inglesa Eis a pista da constituição desse fetiche que demonstra sua determinação pelas coordenadas simbólicas da história do sujeito denotando como todo fetiche o objeto pulsional em questão o olhar Já na psicose o significante retorna no real apontando a relação de exterioridade do sujeito com o significante como aparece de uma forma geral nos distúrbios de linguagem constatáveis por qualquer clínico que se defronte com um psicótico sendo que seu paradigma são as vozes alucinadas Encontramse também intuições delirantes nas 20 As 41 condições da análise quais o sujeito atribui uma significação enigmática a um determinado evento sem conseguir explicitála ecos de pensamento onde o sujeito ouve seus pensamentos repetidos podendo atribuir a alguém essa ressonância pensamentos impostos nos quais o sujeito não reconhece como sua a cadeia de significantes que adquire uma autonomia que ele refere como obra do outro Em suma todo o cortejo que Clérambault chamou de automatismo mental São idéias que não são dialetizáveis e por não poderem ser submetidas a dúvidas e a questionamento im põemse como blocos monolíticos como certezas A dúvida é caracte rística do neurótico porque denota uma divisão do sujeito onde há um sim e um não Na psicose a certeza certeza delirante por excelência já mostra portanto um distúrbio na linguagem Por outro lado a foraclusão do NomedoPai implica a zerificação do significante fálico NPo o tendo como efeito a impossibilidade de o sujeito se situar na partilha dos sexos como homem ou mulher efeito que poderá manifestarse em uma série de fenômenos que vão da vivência de castração à transformação em mulher Freud descreve a função do diagnóstico no texto O início do tratamento justamente a respeito da análise de psicóticos Sei que certos psiquiatras hesitam menos do que eu em fazer um diagnóstico diferencial mas pude convencerme de que também eles se enganam com freqüência No entanto é preciso notar que para o psicanalista o erro comporta mais conseqüências deploráveis do que para o dito psiquiatra clínico Num caso difícil em que o analista cometeu tal erro de ordem prática provocando muitas despesas inúteis ele põe em descrédito seu método de tratamento Quando o paciente não é acometido de histeria ou neurose obsessiva mas de parafrenia o médico se encontra na impossibilidade de sustentar sua promessa de cura e eis porque ele tem todo o interesse em evitar um erro de diagnóstico Em relação à cura como efeito terapêutico esperado numa análise concor damos com Lacan quando diz que um sujeito enquanto tal é incurável7 ele não pode ser curado de seu inconsciente Por mais análise que se faça mesmo que se atravesse a fantasia e se chegue ao final o inconsciente não vai deixar de se manifestar o sujeito é barrado como testemunha a persistência dos lapsos sonhos e chistes nos sujeitos já analisados As funções das entrevistas preliminares 21 Contudo qual é a promessa de cura que o psicanalista não pode sustentar no caso da psicose Só há uma resposta a essa pergunta o analista não pode prometer inserir o psicótico na norma fálica não pode fazêlo normal inserilo em la norme mâle A norma é regida pelo Édipo e pelo complexo de castração cujo produto é o significante fálico primado para ambos os sexos A foraclusão do NomedoPai NP exclui o sujeito da norma fálica NPo o riscando qualquer esperança do analista de fazêlo bascular para o lado da neurose Não se pode portanto tornar neurótico um psicótico Eis o que se pode deduzir da advertência freudiana confirmada pela continuidade que Lacan deu ao seu ensino bem como pela própria experiência analítica Se o sujeito é psicótico é importante que o analista o saiba pois a condução da análise não poderá ter como referência o NomedoPai e a castração Daí a importância de se detectar a estrutura clínica do sujeito nas entrevistas preliminares Outra maneira de interpretar o texto freudiano é considerar que para Freud há uma contraindicação da psicanálise para psicóticos Em Lacan há algumas indicações que apontam no mínimo para uma prudência embora ele deixe a cargo de cada analista a resolução de aceitar ou não o psicótico em análise Acontece de aceitarmos prépsi cóticos em análise e sabemos no que isso vai dar vai dar em psicótico8 Pois a análise como lugar de tomada da palavra pode desencadear uma psicose até então não declarada Encontramos entre tanto indicações de outro tipo A paranóia quero dizer a psicose é para Freud absolutamente fundamental A psicose é aquilo diante do que um analista não deve em caso algum recuar9 Nesses casos podemos interpretar que diante de uma psicose já desencadeada não haveria por que o analista não acolher a demanda de análise desse sujeito Lacan dá outras indicações sobre a estrutura da transferência do psicótico que mostram no mínimo que sua posição não é a de contraindicação10 Quanto à questão mais geral do diagnóstico Lacan chega a dizer existem tipos de sintomas existe uma clínica Só que ela é anterior ao discurso analítico e se o discurso analítico traz uma luz à clínica isto é seguro mas não é certo11 Que clínica existe antes do discurso analítico senão a clínica psiquiátrica É a esta que Lacan vai recorrer servindose por exemplo do conceito de automatismo mental para o 22 As 41 condições da análise diagnóstico psicanalítico da psicose que encontra seu fundamento na lógica do significante A clínica a partir do discurso analítico é portanto algo a ser construído Nessa clínica só há um tipo clínico possível de ser afirmado a histeria que os tipos clínicos resultam da estrutura eis o que se pode escrever ainda que não sem hesitação Só há certeza e só é transmissível para o discurso histeria12 A transmissibilidade em análise sempre foi uma preocupação para Lacan É o que aparece sob a forma do matema cuja etimologia nos indica significar aquilo que se aprende o que se ensina O único tipo clínico transmissível ao nível de uma conceituação formal é a histeria Apesar disso Lacan nunca deixou ao longo de todo o seu ensino de tentar situar os outros tipos clínicos a partir da experiência analítica Nas entrevistas preliminares é importante então no que diz respeito à direção da análise ultrapassar o plano das estruturas clínicas psicose neurose perversão para se chegar ao plano dos tipos clínicos histeria obsessão ainda que não sem hesitação para que o analista possa estabelecer a estratégia da direção da análise sem a qual ela fica desgovernada A base da estratégia do analista na direção da análise se refere à transferência13 à qual o diagnóstico deve estar correlacionado Dado que o analista será convocado a ocupar na transferência o lugar do Outro do sujeito a quem são dirigidas suas demandas é importante detectar nesse trabalho prévio a modalidade da relação do sujeito com o Outro Para o obsessivo o Outro goza como ilustra no caso do Homem dos Ratos a figura do capitão cruel que traz à cena com seu relato do suplício dos ratos um gozo terrível e mortificador Esse Outro do obsessivo é patente no personagem do Pai da horda primitiva do mito de Totem e Tabu que é como diz Lacan um mito de obsessivo Tratase de um Outro detentor de gozo que impede seu acesso ao sujeito É um Outro a quem nada falta e que não deve portanto desejar o obsessivo anula o desejo do Outro É nesse lugar do Outro que ele se instala marcando seu desejo pela impossibilidade Tratase de um Outro que comanda legifera e o vigia constantemente A fantasia do obsessivo traz a marca do impossível desvanecimento do sujeito para escapar do Outro14 As funções das entrevistas preliminares 23 Na tentativa de dominar o gozo do Outro para que este não emerja o obsessivo não só anula seu desejo como tenta preencher todas as lacunas com significantes para barrar esse gozo ele não pára de pensar duvidar calcular contar Ao situar o Outro como mestre e senhor o obsessivo fica na posição de escravo trabalhando e se esforçando em enganar o senhor pela demonstração das boas intenções manifestadas em seu trabalho15 Contudo ele mesmo se tapeia ao acreditar que é seu trabalho que lhe deva dar o acesso ao gozo16 O mito do senhor e do escravo é para Lacan um mito do obsessivo Encontramos na clínica do obsessivo a conjugação no Outro de dois significantes o pai e a morte denotando a articulação da lei com o assassinato do pai na constituição da dívida simbólica Isto transparece nos impasses do obsessivo relativos à paternidade ao dinheiro ao trabalho à justiça e à legalidade Se o obsessivo é aquele que garante a caução do Outro sendo portanto seu fiador17 seu desejo é condicio nado pelo contrabando Para a histérica o Outro é o Outro do desejo marcado pela falta e pela impotência em alcançar o gozo tal como demonstra o pai de Dora cujo desejo ela vai sustentar com o seu sintoma da afonia determinado pela fantasia de felação a sA A histérica confere ao Outro o lugar dominante na cena de sedução de sua fantasia em que figura o encontro com o sexo ela não está presente como sujeito mas como objeto não fui eu foi o Outro Isso aparece na clínica como uma reivindicação ao Outro a quem diferentemente do obsessivo ela não deve nada é o Outro que lhe deve Se o obsessivo escamoteia a inconsistência do Outro supondolhe o gozo para a histérica o Outro não tem o falo Se tampouco ela o possui deve assumir no entanto a função de fazdeconta de ser o falo A histérica não é escrava ela desmascara a função do senhor fazendo greve No entanto está sempre à procura de um senhor de um mestre inventa um mestre não para se submeter a ele mas para reinar apontando as falhas de sua dominação e mestria18 A histérica estimula o desejo do Outro e dele se furta como objeto é o que confere a marca de insatisfação a seu desejo19 Os tipos clínicos também se situam distintamente quanto ao desejo Este é estruturado não como uma resposta e sim como uma questão 24 As 41 condições da análise inconsciente que se situa no nível de Quem sou eu Para o obsessivo tratase de uma questão sobre a existência estou vivo ou estou morto para a histérica sobre o sexo sou homem ou mulher que é subsumida pela questão tanto para o homem quanto para a mulher histérica o que é ser mulher20 Esta interrogação será feita a partir da outra mulher como é o caso da Sra K para Dora e da vizinha da bela açougueira Freud baseia o seu diagnóstico de Dora na conotação de desprazer no caso a repugnância conferida ao gozo sexual Sem dúvida eu consideraria histérica uma pessoa em quem uma ocasião para excitação sexual despertasse sensações que fossem preponderante ou exclusivamen te desagradáveis fosse ou não a pessoa capaz de produzir sintomas somáticos21 Essa conotação do gozo sexual de menos prazer da histérica e de mais prazer do obsessivo apontada por Freud se encontra desde o rascunho K de sua correspondência com Fliess onde no intuito de estabelecer a etiologia das neuroses procura diferenciar histeria neurose obsessiva e paranóia a partir da modalidade de gozo vivenciado no primeiro encontro com o sexo e da vicissitude da representação vinculada a essa experiência22 Essa modalização do gozo sexual nos tipos clínicos é um critério diagnóstico determinado pela fantasia fundamental que não deve ser desconsiderado nas entrevistas preliminares 3o A função transferencial No começo da psicanálise é a transferência nos diz Lacan e seu pivô é o sujeito suposto saber23 O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá o sinal de entrada em análise e esse sujeito é vinculado ao saber É o que depreendemos na própria formulação da regra da associação livre por Frau Emmy von N quando pede para Freud calarse há para ela um saber presente em seus próprios ditos A resolução de se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar É o que JacquesAlain Miller chama de préinterpretação feita pelo sujeito de seu sintoma24 As funções das entrevistas preliminares 25 O estabelecimento da transferência é necessário para que uma análise se inicie é o que denominamos a função transferencial das entrevistas preliminares Mas a transferência não é condicionada ou motivada pelo analista Ela está aí diz Lacan na Proposição por graça do analisante Não temos de dar conta do que a condiciona Aqui ela está desde o início A transferência não é portanto uma função do analista mas do analisante A função do analista é saber utilizála A primeira formulação dessa questão pode ser encontrada no artigo de Lacan Função e campo da fala e da linguagem quando fala de transferência de saber Tratase de uma ilusão na qual o sujeito acredita que sua verdade encontrase já dada no analista e que este a conhece de antemão Esse erro subjetivo é imanente à entrada em análise A subjetividade em questão é correlata aos efeitos constituintes da trans ferência que são distintos dos efeitos já constituídos antes desse mo mento Essa subjetividade correlata ao saber como efeito constituinte da transferência é o que Lacan formulará como sujeito suposto saber Cada vez diz ele no Seminário XI que para o sujeito essa função do sujeito suposto saber é encarnada por quem quer que seja analista ou não isso significa que a transferência já está estabelecida Se o analista empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber ele não deve de maneira alguma identificarse com essa posição de saber que é um erro uma equivocação A posição do analista não é a de saber nem tampouco a de compreender o paciente pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é baseada no malentendido Sua posição muito mais do que a posição de saber é uma posição de ignorância não a simples ignorância ignara mas a ignorância douta Esse é um termo de Nicolau di Cusa século XV que é definido como um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus limites A ignorância douta é um convite não apenas à prudência mas também à humildade um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber absoluto contra a posição do analista de aceitar essa imputação de saber que o analisante lhe faz O saber é no entanto pressuposto à função do analista O sujeito suposto saber é definido por Lacan no início de seu ensino como aquele que é constituído pelo analisante na figura de seu analista e mais tarde o fará equivaler a Deus Pai25 Identificarse com essa posição 26 As 41 condições da análise é transformar a análise em uma prática baseada em uma teoria ou uma teologia que não inclui a falta A disjunção da função do sujeito suposto saber da pessoa do analista vai aparecer de forma patente na formalização de Lacan da entrada em análise formalização que é feita com o algoritmo da transferência26 S Sq s S1S2 Sn Algoritmo segundo a definição do Dicionário das matemáticas de A Bouvier e M George é uma referência de regras a serem aplicadas numa ordem determinada a um número finito de dados para se chegar com certeza a um certo resultado e isso independentemente dos dados Um algoritmo não resolve apenas um problema mas toda uma classe de problemas só diferindo pelos dados mas governados pelas mesmas prescrições Algoritmo é portanto uma fórmula qualquer O algoritmo da transferência é o matema da entrada em análise é a formalização que está em ressonância com o que Freud postula na abertura do texto O início do tratamento quando faz a famosa comparação da psicanálise com o jogo de xadrez Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais dos jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade das jogadas que se desenvolve após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo Freud dirá então que apenas formulará algumas regras para o início do tratamento Esse algoritmo da transferência é o que responde num esforço de formalização independente das particularidades de cada um à própria estrutura da entrada em análise O S do numerador dessa fração é o chamado significante da transferência um significante do analisante se dirige a um significante qualquer Sq que vem representar o analista Este significante fabricado pelo analisante fará com que ele escolha aquele analista pode ser o nome próprio ou algum traço particular Essa escolha do analista é formalizada por Lacan como uma articulação de dois significantes que corresponde ao estabelecimento da transferência transferência signi ficante O efeito dessa transferência significante é um sujeito repre As funções das entrevistas preliminares 27 sentado na fórmula por s significado que está correlacionado aos significantes do saber inconsciente estes significantes S1 S2 Sn dispostos numa cadeia que representam um conjunto de significantes do saber inconsciente A articulação do significante da transferência com o significante qualquer do analista escolhido pelo analisante tem como efeito a produção do sujeito aquilo que um significante representa para outro significante S1 S2 Esse sujeito não é real ele é produzido como significado s articulado através de uma suposição do saber inconsciente Tratase da instituição do sujeito da associação livre inaugurada pela articulação significante S Sq que é o próprio sujeito do inconsciente representado na fórmula da fantasia S a É este sujeito que será destituído quando do término da relação transferencial a destituição subjetiva diz Lacan na Proposição está inscrita no ticket de entrada Esse sujeito suposto saber aqui representado pelo deno minador não é necessariamente imposto ao analista pelo analisante O que importa é a relação que foi estabelecida pelo analisante entre o analista e o sujeito suposto saber O sujeito suposto saber fundando os fenômenos de transferência não traz nenhuma certeza ao analisante de que o analista saiba muito longe disso O sujeito suposto saber é perfeitamente compatível com o fato de ser concebível pelo analisante que o saber do analista seja bem duvidoso27 Evidentemente no início o analista nada sabe a respeito do inconsciente do analisante Isso é mostrado claramente no algoritmo no qual esse significante qualquer Sq que representa o analista não tem relação com o saber inconsciente Encontramos aqui formalizada a afirmação de Freud de que todo paciente novo implica a constituição da própria psicanálise o saber que se tem sobre outros casos não vale de nada não pode ser transposto para aquele caso Cada caso é portanto um caso novo e como tal deve ser abordado O algoritmo da transferência é construído a partir de um outro algoritmo que se encontra em sua base o algoritmo saussuriano Ss que implica o referente do signo lingüístico isto é aquilo a que o signo lingüístico remete o elemento do mundo que é designado por esse signo 28 As 41 condições da análise No algoritmo da transferência a significação do saber inconsciente corresponde ao lugar do referente no signo saussuriano só que aqui essa significação do saber é latente sem deixar no entanto de ser referencial Lacan articula esse saber referencial do sujeito em sua particularidade com o saber textual uma vez que a psicanálise deve sua consistência aos textos de Freud Através do algoritmo da transfe rência Lacan vincula a psicanálise em intensão à psicanálise em extensão pois aposta na transmissão do saber particular via sua articulação com os textos de Freud Qual o efeito do estabelecimento desse sujeito suposto saber É o amor Com o surgimento do amor se dá a transformação da demanda uma demanda transitiva demanda de algo como por exemplo livrarse de seu sintoma tornase uma demanda intransitiva demanda de amor de presença já que o amor demanda amor O amor é o efeito da transferência mas efeito sob o aspecto de resistência ao desejo como desejo do Outro Ao surgimento do desejo sob a forma de questão o analisante responde com amor cabe ao analista fazer surgir nessa demanda a dimensão do desejo que é também conectado ao estabelecimento do sujeito suposto saber Este corresponde condicionandoo a um sujeito suposto desejar Eis a articulação com a função sintomal pois fazer aparecer a dimensão do desejo é fazêlo surgir como desejo do Outro levando o sintoma à categoria de enigma pela ligação implícita do desejo com o saber Não basta a demanda de se desvencilhar de um sintoma é preciso que este apareça ao sujeito como um ciframento portanto algo a ser decifrado na dinâmica da transferência pelo intermédio do sujeito suposto saber O que quer esse amor de transferência Ele quer saber Ora a própria transferência é definida por Lacan como o amor que se dirige ao saber Porém sua finalidade como a de todo amor não é o saber e sim o objeto causa do desejo Esse objeto o objeto a é o que confere à transferência seu aspecto real de real do sexo Tratase aqui da vertente da transferência como colocação em ato da realidade sexual do incons ciente À transferência como repetição em que os significantes da demanda são endereçados ao Outro do Amor em que é colocado o analista vem contraporse a transferência como um encontro da ordem do real do sexo É o objeto a que ao vir obturar a falta constitutiva As funções das entrevistas preliminares 29 do desejo se torna esse objeto maravilhoso do qual para Alcebíades Sócrates é o continente l a No Seminário VIII Lacan fez do Banquete de Platão o texto central sobre a transferência Sócrates aparecendo como aquele que nunca pretendeu saber nada além do que diz respeito a Eros28 É por estar no lugar de sujeito suposto saber sobre o desejo que o discurso de Alcebíades se dirige a ele A demanda dirigida ao analista em posição de sujeito suposto saber apresentase como demanda de transferência de saber Isto é ilustrado logo no início do Banquete quando Agatão se dirige a Sócrates que está entrando Aqui Sócrates Reclinate ao meu lado a fim de que ao teu contato desfrute eu da sábia idéia que te ocorreu em frente de casa Pois é evidente que a encontraste e que a tens pois não terias desistido antes 175 d Ao que Sócrates desprezando ironicamente essa suposição de saber e apontando para o engodo de uma suposta transferência de saber replica Seria bom Agatão se de tal natureza fosse a sabedoria que do mais cheio escorresse ao mais vazio quando um ao outro nos tocássemos como a água dos copos que pelo fio de lã escorre do mais cheio ao mais vazio Se é assim também a sabedoria muito aprecio reclinarme ao teu lado pois creio que de ti serei cumulado com uma vasta e bela sabedoria A minha seria um tanto ordinária ou mesmo duvidosa como um sonho enquanto a tua é brilhante e muito desenvolvida Mas é o discurso de Alcebíades quando este compara Sócrates com um sileno que nos revela que a suposição de saber é correlativa à atribuição ao Outro da transferência do objeto precioso que causa o desejo Diz Alcebíades Afirmo eu então que ele é muito semelhante a esses silenos colocados nas oficinas dos estatuários que os artistas representam com um pifre ou uma flauta os quais abertos ao meio vêse que têm em seu interior estatuetas de deuses agalmata theon Os silenos têm duas acepções eram divindades do séquito de Dionísio figurados com cauda e cascos de boi ou de bode e rosto humano singularmente feio eram também pequenas embalagens para oferecer presentes caixas de jóias Mais adiante em seu discurso Alcebíades volta a insistir nessa comparação salientando o que se encontra no interior de Sócrates paraalém de sua feia aparência Uma vez porém que 30 As 41 condições da análise Sócrates fica sério e se abre não sei se alguém já viu as estátuas agalmata lá dentro eu por mim já uma vez as vi e tão divinas me pareceram elas com tanto ouro com uma beleza tão completa e tão extraordinária que eu só tinha que fazer imediatamente o que me mandasse Sócrates São esses agalmata que Alcebíades quer receber de Sócrates sob a forma de saber quando se encontrou a sós com ele como se me estivesse ao alcance ouvir tudo o que ele sabia esperança sustentada na equivalência do sujeito suposto saber com o sujeito suposto desejar julgando que ele estava interessado em minha beleza 217 d O estabelecimento da transferência no registro do saber através de sua suposição é correlato à delegação àquele que é seu alvo de um bem precioso que causa o desejo causando portanto a própria transferência Para Lacan há uma identidade entre o algoritmo da transferência onde só aparecem significantes e o que é conotado como agalma no Banquete de Platão Se na transferência há presentificação da realidade do inconsciente enquanto sexual é por causa desse objeto maravilhoso agalma O discurso de amor que Alcebíades dirige a Sócrates como aquele que contém o objeto precioso de seu desejo tem como resposta a saída de Sócrates dessa posição de desejável Sócrates vai apontar para Alcebíades que é Agatão o objeto de seu desejo Sócrates sabe que ele não tem esse objeto precioso e sim que detém sua significação Ele se recusa porém a esse simulacro dizendose não digno do desejo de Alcebíades Em relação a Sócrates o analista deve assumir uma posição diferente o analista deve consagrarse a agalma a essência do desejo O analista deve estar disposto a pagar o preço de se ver reduzido ele e seu nome a um significante qualquer em nome desse agalma no qual Lacan reconheceu o objeto a como um maisgozar em liberdade e de consumo mais curto29 O surgimento desse sujeito suposto saber é correlato ao objeto a do qual o analista diferentemente de Sócrates deve fazerdeconta provocando assim a torção dos termos do que era o discurso histérico e fazendo com que o candidato à análise entre no discurso analítico propriamente dito O corte promovido pela entrada em análise se dá quando há um giro dos elementos e o sujeito passa a produzir os significantesmestres S1 de seu assujeitamento ao Outro As funções das entrevistas preliminares 31 S S1 a S a S2 S2 S1 A retificação subjetiva É nesse tempo preliminar à análise propriamente dita que podemos incluir um tipo de interpretação do analista designado por Lacan como retificação subjetiva Ao criticar os autores que têm como meta da análise a relação com a realidade ou seja o fim da análise como adaptação à realidade ele chama a atenção para o fato de Freud proceder com o Homem dos Ratos na ordem inversa Ou seja ele começa por introduzir o paciente a um primeiro discernimento repérage de sua posição no real ainda que este acarrete uma precipitação não hesitemos em dizer uma sistematização dos sintomas30 A retificação subjetiva que Freud provoca no Homem dos Ratos considerada por Lacan como interpretação decisiva encontrase na parte F A causa precipitadora da doença quando ele lhe diz que o conflito entre seu projeto de casar com uma moça pobre e o projeto familiar de casálo com uma moça rica como o pai é resolvido pela doença caindo doente evitava a tarefa de resolvêlo na vida real Freud retifica assim a ordem das coisas modificadas pelo sujeito cuja neurose impedia a decisão da escolha entre seu amor liebe pela dama e a vontade wille do pai mostrandolhe que esta foi a solução encontrada para não escolher e portanto não agir Na realidade diz Freud o que parece ser a conseqüência é a causa ou o motivo de ficar doente Esta retificação introduz a causalidade da neurose na não escolha entre a moça rica e a moça pobre apontando a divisão do sujeito O comentário de Freud nessa retificação de que os resultados de uma doença dessa natureza nunca são involuntários promove ainda a responsabilização do sujeito na escolha da neurose Na retificação subjetiva há portanto a introdução da dimensão ética da ética da psicanálise que é a ética do desejo como resposta à patologia do ato que a neurose tenta solucionar escamoteandoa Outro exemplo de retificação subjetiva de Freud qualificado por Lacan de notório é quando ele obriga Dora a constatar que dessa 32 As 41 condições da análise grande desordem do mundo de seu pai cujo dano é o objeto de sua exclamação ela fez mais do que participar que ela se constituíra como a cavilha dessa desordem e que esta não poderia ter continuado sem sua condescendência Mais adiante Lacan continua Sublinhei há muito o procedimento hegeliano desse reviramento das posições da bela alma à realidade que ela acusa Não se trata de adaptála a esta mas de mostrarlhe que está justamente adaptada demais visto que concorre para sua fabricação Essa referência concerne ao texto Intervenção sobre a transferên cia de 1951 no qual Lacan define a experiência analítica a partir da intersubjetividade a relação de sujeito a sujeito como experiência dialética privilegiando o discurso na medida em que é constituinte do sujeito graças à presença do analista alvo do seu endereçamento31 A partir da dialética hegeliana Lacan se dedica no caso Dora a escandir as estruturas onde se transmuta a verdade para o sujeito através de reviramentos dialéticos A retificação subjetiva corresponde ao primeiro reviramento dialético operado por Freud Dora se queixa de ser vítima do assédio do Sr K propiciado pela relação amorosa de seu pai com a Sra K situação que é apresentada por ela como um fato objetivo da realidade que Freud não pode mudar A retificação subjetiva de Freud consiste em perguntar qual é sua participação na desordem da qual você se queixa Na situação descrita por Dora encontramos a afirmação da situação deplorável na qual está metida a negação implícita de que tenha qualquer participação na determinação dessa desordem ou seja negação de sua posição subjetiva de sujeito desejante apresentandoa como ipso facto e a negação da negação operada por Freud por intermédio da retificação subjetiva Seu efeito é a emergência da participação de Dora no assédio do Sr K e de sua cumplicidade como propiciadora do romance do pai com a Sra K desvelando a estruturação de seu desejo A partir dessas intervenções de Freud podemos inferir duas ver tentes da retificação subjetiva segundo o tipo clínico Com o neurótico obsessivo ela se situa no plano da retificação da causalidade que se apresenta como conseqüência sua impossibilidade de agir que é correlata à sua modalidade de sustentação do desejo como impossível Esta correlação é ilustrada por outra retificação de Freud ao Homem dos Ratos em que ele supõe uma interdição do pai ao amor As funções das entrevistas preliminares 33 do sujeito pela dama fazendo surgir a dimensão do Outro como o pai absoluto Com a histérica a retificação subjetiva visa à implicação do sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro fazendoo passar da posição de vítima sacrificada à de agente da intriga da qual se queixa e que sustenta seu desejo na insatisfação O que deve efetuar o sujeito para se desvencilhar de seu papel da bela alma é precisamente diz Zizek um tal sacrifício do sacrifício não basta sacrificar tudo é preciso ainda renunciar à economia subjetiva em que o sacrifício traz o gozo narcí sico32 Nessas duas modalidades tratase de introduzir o sujeito em sua responsabilidade na escolha de sua neurose e em sua submissão ao desejo como desejo do Outro A retificação subjetiva aponta que lá onde o sujeito não pensa ele escolhe lá onde pensa é determinado introdu zindo o sujeito na dimensão do Outro 34 As 41 condições da análise Capítulo II O divã ético De onde é que estão olhando para mim Que coisas incapazes de olhar estão olhando para mim Quem espreita de tudo As arestas fitamme Sorriem realmente as paredes lisas Sensação de ser só a minha espinha As espadas A Múmia Fernando Pessoa O divã essa peça do mobiliário tornouse há muito símbolo de uma psicanálise ou até mesmo dA psicanálise Como significante ele representa para o Outro social o psicanalista qualificado de herdeiro de Freud Até hoje os freudianos continuam fazendo seus analisantes deitar Lacan não tirou o divã do dispositivo analítico Para a IPA tratase de uma norma padronizada da curapadrão a outra norma sendo a imposição da duração de pelo menos quarenta e cinco minutos por sessão sem mencionar a regulamentação da freqüência das sessões por semana Com Lacan varrese a padronização o setting analítico é rompido para que o analista possa manejar a sessão de acordo com a única regra imposta ao analisante a associação livre Contudo Lacan conservou a condição do divã bem como as entrevistas preliminares duas condições intimamente ligadas uma vez que a indicação do divã pontua o fim dessas entrevistas marcando a entrada em análise O fato de indicar aos pacientes que devem deitar será um procedimento meramente técnico É o que pode parecer à primeira vista No entanto com o 35 retorno a Freud promulgado por Lacan aprendemos que esse retorno é orientado tratase de buscar o fundamento ético a todo e qualquer procedimento técnico para remetêlo à estrutura em causa O divã tampouco deve escapar a isso A justificação de Otto Fenichel desse detalhe prático que é o divã em seu texto Problemas da técnica analítica de 1951 resume bem a noção que passou para o senso comum relaxamento para o paciente e alívio para o analista do incômodo de ser olhado A essas vantagens ele opõe o caráter de cerimonial e o efeito de uma impressão mágica sentida pelo analisante Daí sua reserva quanto a uma rigidez técnica tudo é permitido com a condição de que se saiba a razão podese dispensar a condição do divã segundo Fenichel em caso de recusa do paciente ou quando ele se encontra por demais desejoso de se deitar1 As PIP Em 1963 essa questão volta a ser evocada no momento em que os analistas europeus de línguas românicas da IPA se reúnem para habilitar em espelhamento com seus colegas americanos as PIP ou seja as Psicoterapias de Inspiração Psicanalítica2 Tratase de variantes da cura padrão que receberam nesse congresso não apenas o sinal verde e a bênção da comunidade européia mas também sua padronização A orientação lacaniana não só se opõe totalmente às PIP como também ao próprio conceito de variantes da curapadrão título de um artigo de Lacan feito sob encomenda em 1955 para a Encyclopédie médicochirurgicale3 título que qualificará mais tarde de abjeto Nesse artigo ele combate a idéia de padronização e a de variantes da psicanálise pois a cura o tratamento que se espera de um psicanalista é justamente uma psicanálise experiência do inconsciente tributária da função da fala e do campo da linguagem As PIP são efetivamente um produto do privilégio conferido ao Eu ego na teoria psicanalítica pois são indicadas sobretudo ao paciente com o Eu fraco Segundo o autor do relatório referente às PIP a promoção destas nada mais é do que o resultado da evolução constante da psicanálise ou seja a descoberta do Eu que tomou a dianteira em 36 As 41 condições da análise relação ao inconsciente o empalidecimento do Édipo diante da riqueza que se descobre na relação mãefilho etc Em suma novos males novos remédios Podese ler nesse relatório que a qualificação de uma autêntica psicoterapia de inspiração psicanalítica só poderia ser efetuada conside randose a singularidade desse duplo movimento temporal e espacial que levou o paciente num primeiro movimento de evolução técnica do face a face e da poltrona ao divã e ao isolamento visual num segundo movimento o fez retornar do divã à poltrona e ao face a face A partir daí foi definida uma padronização para a curapadrão o par divãpol trona para as psicoterapias simples o par poltronapoltrona para as psicoterapias de inspiração psicanalítica a dialética divãpoltrona e poltronapoltrona Nesse relatório somos avisados dos perigos de fazer o paciente deitarse pois este poderia sentir o olhar do analista pesar sobre si por detrás penetrar na nuca etc reativar temores arcaicos relativos ao mesmo tempo à mais completa e mais animalesca neces sidade de segurança comer ser comido e medos mais elaborados de ser descoberto e julgado no plano prazerdesprazer e no do amor perda do amor E no caso do Eu fraco o paciente pode ter medo de despersonalização de despedaçamento e de morte quando a regressão terá levado o paciente às fronteiras do préverbal São esses perigos que justificam a técnica das PIP Em recente publicação da Société Psychanalytique de Paris Apresentação da SPP para o uso de um leitor leigo o setting analítico da curapadrão se define por ser estrito caracterizandose antes de tudo pelo dispositivo divãpoltrona e em seguida pelo rigor quanto ao número à regularidade e à duração das sessões4 O que para eles define o dispositivo freudiano não é pois a associação livre mas entre outras coisas o mobiliário o par divãpoltrona Isto não impede algumas pessoas originais de proporem algumas variações do setting analítico como é descrito em um texto apresentado no Congresso dos Psicanalistas de Língua Francesa dos Países Românicos realizado no mês de maio de 1989 em Paris Paulette Letarte colocou seu divã de tal maneira que o analisante pudesse se sentar confortavelmente para que seu olhar e o da analista pudessem convergir em um ponto de encontro produzindo desta forma uma cena imaginada em que o analista designa com a mão os personagens aos quais faz referência em sua interpretação Essa espécie de psicodrama imaginado recebe uma justificativa que é totalmente O divã ético 37 oposta como veremos em seguida à discussão de Freud sobre a questão do divã no que tange à relação da fala com as imagens que desfilam diante do sujeito durante a sessão Esse palco de fazdeconta é um lugar a que podemos apelar para evitar a devoração recíproca para fantasiar a passagem ao ato e interpretála por antecipação ao invés de proibila para afastar as sombras do passado e transformálas em imagens visíveis para negociar as tensões da transferência pois se trata sempre de devolver ao paciente de forma enriquecida o que ele projetou em nós5 Por não ter à sua disposição a categoria do simbólico para lidar com o conceito de transferência situando a experiência analítica no campo da linguagem a autora se perde e se emaranha ainda mais no enviscamento imaginário ao tentar dele escapar por uma medida técnica mexendo no divã O corte no espelho O uso do divã tem em primeiro lugar para Freud em seu texto O início do tratamento uma significação histórica é o vestígio da hipnose Se ele insiste na posição deitada durante a análise é para que o analista fique sentado atrás do analisante de maneira a não ser olhado Enuncia então diversas razões para conservar o divã Primeiro por não suportar ser olhado oito horas ou mais por dia Poderíamos efetivamente convocar aqui as modalidades da pulsão escópica no sujeito Freud e retomar seus sonhos tais como Favor fechar um olho ou Non vixit onde se encontram os olhos aniquiladores de Brücke ou ainda Conde de Thun onde o homem idoso vem a ser o pai de Freud que teve glaucoma etc não fosse nossa repugnância em bancar o analista de Freud Não se trata para nós de analisar sonhos e detectar fantasias de Freud para justificar a origem da condição do divã na experiência analítica Inte ressanos antes seu ponto de enunciação para dizer a estrutura em outros termos como diz Lacan o dizer de Freud o que importa no real importa tem aqui o sentido de importância e de importação Idiossincrasia freudiana à parte tratase de um fato experimentado por mais de um analista Freud não se detém porém nesse motivo pessoal e explica não querer que a expressão de seu rosto possa fornecer ao analisante certas 38 As 41 condições da análise indicações suscetíveis de serem interpretadas ou de influenciarem sua fala Insisto contudo nesse procedimento diz Freud que tem como objetivo e como resultado impedir que a transferência se misture imperceptivelmente às associações do paciente e isolar a transferência de tal maneira que a vemos aparecer num dado momento em estado de resistência A principal razão do divã na análise não é portanto nem de ordem histórica nem pessoal ela se deve à estrutura da transferência Tratase de uma tática cujo objetivo é dissolver a preg nância do imaginário da transferência para que o analista possa distin guila no momento de sua pura emergência nos dizeres do analisante A Shauplatz não é o consultório ela é o Outro do significante Se o analista é agente por efeito da transferência ele não é absolutamente ator o analista não deve prestarse ao espetáculo dar show nem tampouco visar a tiradas espetaculares Seu lugar é o da invisibilidade a medida de seu ato é o real e não a atuação Em oposição à encenação a indicação do divã na entrada em análise é um ato analítico que reproduz em cada análise o início da psicanálise Freud recusa o espetáculo das histéricas ao descortinar a Outra Cena Condição favorável para isolar a transferência nos significantes atacar o muro narcísico figurado pelo eixo a a do esquema L para que a análise ocorra no eixo simbólico entre S e A lá onde se encontra o objeto Em outros termos tratase de esmaecer a transferência imaginária para favorecer a emergência da transferência no significante o que podemos aproximar do algoritmo da transferência onde só há signifi cantes Privilegiar a fala se acompanha portanto da redução do visual que Lacan designa como o campo exemplar do engodo do desejo na medida em que ele é protegido pela imagem ia O olho institui na relação do sujeito com o outro imaginário o desconhecimento de que sob esse desejável há um desejante Cabe a essa função chamada por Lacan de desejo do analista ir contra esse desconhecimento e fazer com que sob esse objeto de desejo que detém o analista surja para o O divã ético 39 analisante a interrogação sobre sua própria posição em relação ao desejo do Outro Com o dispositivo de fazer o analisante deitar no divã apagase a imagem do outro ia que representa a persona do analista e IA o ideal do Outro tenderá a ocupar seu lugar A primeira vez que um analisante histérico se deitou era sua primeira análise foi acometido por uma tonteira acompanhada de angústia que o fez sentirse como num barco sem remos à deriva no mar À sua tentativa de se levantar para reencontrar seu equilíbrio agarrandose na imagem do outro a recusa do analista revelouse como um encorajamento à deriva significante Não poder ver o efeito de suas palavras na expressão do analista não ter esse ponto de apoio de ancoramento na reciprocidade de olhares faz o sujeito perder literal mente o apoio sentindose à deriva Como efeito disso surgiu o aturdito enquanto sintoma transitório ele encontrase aturdido por seus ditos Tratase aqui de um sintoma como mensagem do Outro sA cujo deciframento faz emergir a conjunção da falta de apoio paterno com a queixa dirigida a ele enquanto IA sob a forma de um Pai não estás me vendo na atualidade da transferência O apagamento do imaginário visado por esse procedimento freu diano do divã não tem outro objetivo senão o de desacelerar a função de desconhecimento do eu para fazer emergir o discurso do Outro mesmo que isto não seja nem suficiente nem indispensável uma vez que é a regra fundamental que comanda A posição deitada introduz no entanto a diferença entre o lugar desobstruído para o sujeito sem que ele o ocupe e o eu que vem aí se alojar6 A correlação que transparece no caso desse sujeito histérico entre o ir para o divã e a associação livre pode também ser ilustrada com o fato de que a privação da visão do analista é acompanhada pelo convite à autoobservação algo do tipo vamos apagar a luz para melhor ver o filme Freud utiliza uma metáfora ferroviária ao enunciar a regra fun 40 As 41 condições da análise damental Comportese como um viajante sentado à janela de um vagão que descrevesse a paisagem que vai mudando a uma pessoa que se encontra atrás dele Essa comparação comporta menos uma apologia de uma visão interna o famigerado insight do que a obrigação de fazer as imagens passarem pela fala Com a relevância dada à colocação do imaginário em significantes como é ilustrado em A interpretação dos sonhos onde Freud faz suas imagens passarem pelo relato do sonho o insight é um sucedâneo do estádio do espelho há uma injeção da libido nesse campo do insight cuja visão especularizada dá a forma7 Freud privilegia o sujeito da fala que é o sujeito da enunciação e não o sujeito do insight que é o equivalente do sujeito da compreensão ou seja o eu Privação da Schaulust O analisante diz Freud geralmente considera essa posição como uma privação e se insurge contra ela sobretudo quando a pulsão escópica desempenha um papel importante em sua neurose Um número particularmente grande de pacientes não gosta de que lhes seja pedido para deitar enquanto o médico se senta atrás dele fora de sua vista Pedem que lhes seja concedido passar o tratamento em alguma outra posição na maioria dos casos por estarem ansiosos por terem sido privados da visão do médico E acrescenta de forma veemente essa permissão é sempre recusada Nenhuma concessão deve ser feita ao Schautrieb Não à Schaulust à satisfação pulsional A pulsão escópica é aqui paradigma do manejo do gozo pulsional na experiência analítica devese excluílo e manter sua privação A utilização do divã é pois uma modalidade da regra de abstinência um não ao gozo pulsional na análise uma vez que o tratamento analítico deve o máximo possível efetuarse num estado de frustração de abstinência8 Essa problemática é abordada de passagem por Lacan no Seminário XI a propósito da pulsão escópica e do olhar como objeto a quando ressalta que o plano da reciprocidade do olharolhado é para o sujeito o mais propício ao álibi Seria conveniente portanto por meio de nossas intervenções na sessão não deixálo estabelecerse nesse plano Seria preciso pelo contrário desgarrálo desse ponto derradeiro de olhar que O divã ético 41 é ilusório Não dizemos a toda hora ao paciente Puxa Você está com uma cara ou o primeiro botão de seu colete está desabotoado Não é por nada que a análise não se faz em face a face9 Daí o divã ser um corte no olhonoolho nesse corpo a corpo das entrevistas preliminares Esse corte na reciprocidade implica uma postura ética pois não há simetria entre o sujeito e o Outro cuja relação deve ser favorecida Tratase de abater o plano geometral da percepção para acentuar a lógica significante nos entreditos lá onde isso está Na análise não estamos numa twobody psychology num olhos nos olhos Cortar a reciprocidade é ainda elidir o ele olha para dar relevância ao fazerse olhar em que se manifesta no nível escópico a atividade da pulsão sexual Pela lógica do processo analítico o analista será colocado no lugar do Vigia que se confunde de fato com o ponto de onde o sujeito se vê amável ou seja o ideal do eu O fato de se deitar no divã não impede o paciente de situarse num mostrarse pois quando é o ideal do eu que comanda a fala o sujeito se encontra na posição de mostrarse amável para o Outro O amor como endereçamento ao saber estabelece a equivalência entre o ideal do eu e o sujeito suposto saber o sujeito se mostra se faz ver pois se vê amável donde resulta que ele se faz saber se presta ao saber do Outro Essa analogia da estrutura permite que o amor de transferência como corolário do sujeito suposto saber venha tapear visando o mascaramento do isso olha cuja angústia é testemunha da presença do objeto Há uma báscula operada entre o Outro vigilante e o Outro do Amor conjunção cuja estrutura se deve à sobreposição do ideal do eu com a função de observação do supereu esse olhar que pousa sobre o sujeito e o mede com o ideal ponto derradeiro de olhar diz Lacan do qual se deve desgarrar o sujeito I A Objeto a que no início da a a nálise é latente e que o analista deve tornar patente disjuntandoo do ideal do eu com o objetivo de esvaziálo de seu gozo Assim colocar no divã já é um não à confusão entre IA e a disjunção que deve ser visada na direção da análise10 O paradigma da sobreposição do ideal ao objeto a pode ser encontrado no olhar do hipnotizador O poder de sugestão da hipnose é o resultado da conjunção de S1 o lugar do líder desse grupo de dois 42 As 41 condições da análise com a fascinação do olhar Pôr o paciente no divã é ir no sentido da análise como o avesso de uma hipnose uma vez que promove a disjunção do ideal do eu e do objeto maisdegozar Essa articulação desvelouse não tanto como sugestão mas como síndrome de influência no caso de uma mulher que veio falarme sobre o desmoronamento de seu casamento Após um relativo apaziguamento de seu desalento ao cabo de algumas entrevistas decido encaminhála a uma colega No dia seguinte a paciente me telefona para dizer que eu a havia hipnotizado mexido em seu subconsciente pois segundo ela eu a teria fitado fixamente querendo fazêla passar por lésbica O significante ideal Doutor pelo qual ela me chamava vinha no mesmo lugar desse objeto de gozo que me conferia o poder de vidência e manipulação de seu crânio através dos olhos poder que me atribuía a seu ver o qualificativo de lacraniano Essa situação ilustra dramaticamente a sobreposição do Outro ao objeto conjunção que o analista é chamado a encarnar com a parti cularidade de que neste caso o objeto olhar não é latente e sim patente A vergonha Na prática psicanalítica não é raro que o próprio paciente ao final de algumas entrevistas preliminares peça para deitarse no divã quando é afetado pela vergonha vergonha associada a fatos ou principalmente a fantasias de desejo particularmente íntimas e secretas Com efeito Freud observou em seu artigo A criação literária é o sonho acordado que o adulto tem vergonha de suas fantasias e as dissimula aos outros tratandoas como o que lhes é mais íntimo preferindo confessar suas faltas a contar suas fantasias A vergonha como diz LévyStrauss ao comentar a desgraça em que caíram os rivais de Quesalid é por excelência um sentimento social11 Tratase do afeto correlato a um olhar emergindo do campo do Outro e que visa o sujeito como Freud evoca a propósito dos sonhos de nudez na Interpretação dos sonhos12 O sinal da presença desse olhar que não se vê é o afeto da vergonha e provoca no sujeito a política do avestruz fechar os olhos para não ser visto Não há maior ultraje do que aquele que proíbe ao culpado esconder seu rosto quando envergonhado escreve Nathaniel Hawthorne13 Em seu O divã ético 43 livro A letra escarlate a exposição em praça pública de Hester Prynne levando em seu peito a letra A de seu gozo adúltero demonstra que a vergonha tange ao ser A demanda de se deitar sob o efeito da vergonha é uma tentativa de se furtar ao olhar do analista de não ver o efeito que seu relato produz nele para se esquivar de um eventual olhar crítico A vergonha é um indício de transferência pois o analista é colocado no lugar do público Mas e isto pode parecer paradoxal a demanda de se deitar nesse caso advém quando há separação distância entre o Outro que se manifesta no discurso do analisante e a pessoa do analista Essa distância é possível ao neurótico pois ele sabe de alguma forma que a transferência enquanto repetição é erro de pessoa e que o Outro não existe No caso de psicose a não disjunção da pessoa do analista e a figura do Outro implica uma transferência em que contrariamente à neurose não há erro mas acerto encontro A vergonha é pois um afeto do neurótico é ao mesmo tempo sinal de satisfação pulsional e barreira a esta provocando a divisão do sujeito lá onde ele é simulta neamente impedido de exibirse e impelido a desnudarse O divã permite ao analisante com sua política de avestruz vencer a vergonha da exibição para obedecer a regra fundamental Mas longe de impedir ele favorece o fazerse olhar pelo Outro a vergonha é o sinal da atividade pulsional expressa pela pulsão escópica A imagem e a mancha Qual é a relação do olhar com a imagem especular Conhecemos a metáfora empregada por Freud do analistaespelho o analista deve comportarse como um espelho que reflete o que é mostrado14 Sobre ela Lacan dirá tratarse de um espelho não especular apesar de permitir a fixação da imagem especular ia ou seja o que o sujeito vê no Outro Mas o verdadeiro segredo da captura narcísica é o objeto olhar cuja função é latente à imagem especular que encerra e esconde essa função de a Podemos assim escrever a relação da imagem especular ia com a iaa15 Com efeito para Lacan o obstáculo em questão na problemática do objeto a e da divisão do sujeito é a imagem especular obstáculo devido ao papel particular do olhar como objeto O analista desse sítio de onde se reflete ia deve de preferência reduzirse à mancha 44 As 41 condições da análise lá onde se encontra a função de tykhe no campo escópico pois para rasgar o que há de ilusório no eidos visual basta uma mancha Fazer de conta de objeto a nesse campo é ser uma mancha no mundo de representações do analisante Essa mancha tem a função de tela dos agalmata depositados pelo analisante no analista denotando a ambigüidade da jóia encobre e reflete essa maravilha das maravilhas objeto precioso que é agalma a Essa ambigüidade é duplicada na transferência pois a mancha atrai por ser o que tem o analista de desejável e retorna sobre o sujeito conotando o Outro como desejante fazendo dele seu objeto Agalma é o brilhante que confere seu caráter ao Belo e que é o objeto do charme esse charme inconveniente ao analista ele participa da armadilha em que consiste agalma armadilha do olhar O charme Reize segundo Freud nos Três ensaios sobre sexualidade é a qualidade que o olho enquanto zona erógena transmite ao objeto sexual e que nos dá o sentimento de beleza Ao deixa ver que o analisante dirige ao analista como desejável este responde por um você não me vê de onde lhe olho abrindo a dimensão do desejante O que o Outro quer Gozar de mim é a resposta do supereu que só pode aparecer na queda de agalma quando se separa a de Resposta amoral e obscena que o desejo do analista não permite que o analisante contorne O divã é portanto ético ele promove o apagamento do analista do campo da fascinação no sentido de separar a de para que o objeto apareça com sua face de maisdegozar e o sujeito possa experimentarse como falta em seu exercício da fala O divã leito de fazer amor de transferência Evocarei em linhas gerais uma entrada em análise para melhor acentuar o caráter particular da passagem para o divã pois o fato de ter tentado depreender aqui o universal da estrutura que condiciona o uso do divã em psicanálise não significa que essa passagem não seja sempre particular Apreender o particular de cada caso é o único procedimento que temos para não fazer um padrão do uso do divã assim como com qualquer outro aspecto da experiência analítica O divã ético 45 Após a primeira entrevista comigo durante a qual cuspiu um pedaço intragável de sua história Joana que veio me falar de suas desventuras conjugais tornase afônica o que a fez faltar à segunda entrevista Essa afonia se tornou rapidamente um sintoma analítico cuja superdeterminação teve como denominador comum a demanda de presença dirigida ao pai que morrera quando era pequena O pedaço intragável em questão constituía também um apelo ao pai quando criança ao pular uma fogueira seu vestido se incendiara Ela se tornou uma tocha viva cujo fogo foi rapidamente apagado O vestido chamus cado colou em sua pele e a mãe ao tentar tirálo arrancou retalhos de pele colados aos farrapos do vestido Desse corpo a corpo de horror com a mãe seu pai estava ausente Em seguida foi o único que ela permitia que fizesse os curativos o único com quem comia durante o período de anorexia que sucedeu à cura das queimaduras o único que cuidava de suas inúmeras anginas que quando pequena a deixavam afônica O sintoma da afonia atualizado durante as entrevistas preliminares mostra que ela se dirigia ao analista como substituto do pai e indicava a emergência da transferência Ela confessaria sentirse muito inibida em olhar para mim enquanto falava e fez alusão ao fato de que bem poderia deitarse no divã ao que não respondi Começou a partir daí a evitar meu olhar Um dia chegou dizendo muito embaraçada que estava ocorrendo com ela a tal da transferência e me contou com muito esforço uma recordação de infância em que ela fazia jogos sexuais com o irmão tratavase de voyeurismoexibicionismo em torno de um jogo de striptease e que um dia ele colocara seu sexo no dela Interrompeu então seu relato para falar de sua dificuldade em contar isso olhando para mim Nesse momento indiquei o divã dizendolhe para deitarse o que ela recusou apesar de minha insistência Deixeia continuar ela retomou dizendome que no enterro do pai não conseguira olhar para o irmão pois vinhalhe à mente o jogo sexual em questão lembrança que a deixou envergonhada durante todo o enterro Nas entrevistas seguintes continuei insistindo para que se deitasse Em vão minha insistência só fazia acentuar minha impotência Não consigo dizia e acrescentava que no entanto tudo fazia para agradar aos homens Decidi sair dessa posição de mestre em que ela mesma me havia colocado com sua provocação e deixála face a face nas entrevistas 46 As 41 condições da análise ulteriores Foi neste momento que me contou que na semana anterior tinha ido para a cama com cinco homens diferentes todos impotentes E acrescentou que sempre procurava homens como seu pai Interrompi a sessão lhe dizendo Está bem mas eu não sou seu pai Na sessão seguinte ela pôde dizerme sentirse excitada sexualmente em minha presença conseguindo finalmente deitarse Esta pequena seqüência não é senão a manifestação do óbvio o divã é um leito de fazer amor amor de transferência Leito do qual toda satisfação é excluída leito de suspiros de suspirar pelo Um de transpirar o pior pois aí não tem pai que venha adormecer o desejo O divã não é feito para o relaxamento nem para dormir ao entorpecimento hipnótico se opõe o despertar do desejo A clínica está sempre ligada ao leito diz Lacan E não se encontrou nada melhor do que fazer com que se deitem os que se oferecem à psicanálise É em posição deitada que o homem faz muitas coisas o amor em particular e o amor leva a todo o tipo de declarações16 No caso dessa analisante foi no divã que o olhar como objeto causa do desejo latente tanto na imagem especular suportada pelo analista quanto na reciprocidade dos jogos sexuais infantis deu lugar ao olhar como objeto de um gozo mortífero da mãe objeto que ela era para a mãe cujo olhar durante o arrancamento de retalhos de carne conotava que o Outro aí gozava Se o gozo está do lado da Coisa desumana o dizer qualquer coisa dizvão da regra fundamental é a direção para que o divã de amor não seja um leito de morte O que não significa que ele não possa adquirir essa ou qualquer outra significação como a de Sardanapal do quadro de Delacroix em seu leito de morte rodeado por seus objetos de gozo colares jóias vasos tecidos escravos cavalos e mulheres como a de Ofélia pintada por John Everett Millais resplandecente em seu leito de flores sob as águas transparentes de um rio mortal é deitado que jaz o cadáver Se o divã pode tomar a significação fúnebre de um funesto destino é por ser aí que o sujeito experimenta a mortificação dos significantes que sujeitaram sua vida cujo resto pulsa no silêncio da pulsão de morte Entre as Preciosas encontrase um pudor em nomear a cama o leito que é designado pela função de ser o lugar de dormir como encontramos no Grande Dicionário das Preciosas Ribson 1600 ou A chave da língua das ruelas o velho sonhador o império de Morfeu O divã ético 47 Se a cama é o leito do sono o divã não é para se ficar deitado no berço esplêndido das regressões a um infantilismo da libido Se a cama é para dormir e sonhar o divã é para relatar e despertar Divã é um termo persa que designa efetivamente um lugar de fala a sala guarnecida de almofadas em que se reunia o conselho do sultão no império otomano Em inglês it is not bedbad é couch cujo verbo designa fazer alguém deitar e também expressar em palavras frasear O divã é em suma o leito do rio em que passou a minha vida e meu coração se deixou contar 48 As 41 condições da análise Capítulo III Que tempo para a análise Quantos minutos gastam naquele jogo Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve A eternidade tem os seus pêndulos nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios Machado de Assis Cinco proposições sobre o tempo em psicanálise 1a proposição O tempo em psicanálise deve corresponder à estrutura do campo freudiano Esse aspecto não é pois meramente técnico ou empírico mas responde a conceitos fundamentais da psicanálise 2a proposição As sessões psicanalíticas sem tempo determinado se estabelecem num plano que não é o da burocracia e sim o da lógica do inconsciente e da ética da psicanálise 3a proposição As sessões psicanalíticas sem tempo determinado encontram sua lógica em duas definições distintas de estrutura que implicam dois aspectos do sujeito A A estrutura do campo psicanalítico é equivalente à estrutura da linguagem O sujeito é definido a partir de sua determinação pelo significante definição essa correlata à formulação do inconsciente es truturado como uma linguagem1 B A estrutura não é apenas definida pela linguagem se tudo é estrutura diz Lacan nem tudo é linguagem mas também a partir do objeto a real exterior à linguagem e que está fora do significante Tratase aqui da estrutura do ato psicanalítico Ato que fundamento 49 diz Lacan a partir de uma estrutura paradoxal em que o objeto seja ativo e o sujeito subvertido a 2 4a proposição O tempo em análise deve ir contra o tempo do neurótico 5a proposição O tempo da sessão deve incluir em si mesmo e a cada sessão a finitude da análise Assim cada sessão de análise contém o final da análise Que tempo para a análise Ande é a resposta de Freud baseada na fábula de Esopo em seu texto O início do tratamento Resposta correlata à de Lacan quando inicia seu ensino 1953 com um seminário sobre a técnica psicanalítica O mestre interrompe o silêncio com qualquer coisa um sarcasmo um pontapé3 É assim que procede na procura do sentido um mestre budista segundo a técnica zen Cabe aos próprios alunos procurarem as respostas às suas próprias questões Sabemos que a questão do tempo em análise tem sido uma questão polêmica na história do movimento psicanalítico e isso sob dois aspectos O primeiro se refere à duração da análise em que está em jogo o final de análise e o tornarse analista O segundo se refere à questão da duração da sessão psicanalítica Lacan introduziu esta questão do tempo da sessão arrancandoo da padronização dos 50 minutos determinados pela IPA para ressituar a experiência psicanalítica na função da fala e no campo da linguagem Tratase do que Lacan sempre chamou de sessões curtas e que no Brasil é referido como trabalhar com tempo lógico referência ao artigo de Lacan de 1945 Le temps logique et lassertion de certitude antecipée Sabemos que Lacan jamais abriu mão das sessões curtas sempre mostrando que elas não são desprovidas de sentido4 Com o conceito de final de análise proposto por Lacan a duração da sessão é uma função da análise na medida em que ela é terminável Nesse sentido o final da análise deve estar inscrito em cada sessão e isso desde o início Não é sem propósito que essa questão do fim da análise já é evocado por Freud em O Início do tratamento Ele a aborda pelo seu lado problemático nos primeiros anos de minha clínica psicana lítica costumava ter a maior dificuldade em persuadir meus pacientes a continuarem sua análise Esta dificuldade há muito tempo foi 50 As 41 condições da análise substituída e hoje tenho o maior trabalho para induzilos a abando nála Esse tema será retomado por Freud em 1937 em Análise terminável e interminável motivado justamente por essa dificuldade em fazer os analisantes terminarem suas análises Como vemos este problema foise agravando desde sua constatação em 1913 até se tornar crucial para Freud no final de sua vida situação que se prolonga para todo o resto da comunidade analítica até hoje e que será abordada no último capítulo deste livro Em O Início do tratamento qual é a posição de Freud sobre o tempo da sessão Ele relata que planificava as sessões fixando seu número seis vezes por semana menos domingos e feriados o horário e a duração de uma hora Cada analisante teria assim uma hora diária de sessão da qual poderia dispor como quisesse viesse ou não à sessão Apesar de Freud frisar que se tratava de regras que lhe convinham elas foram erigidas em normas de padronização pela IPA que fez entretanto algumas correções convenientes do tipo no mínimo três vezes por semana em vez das seis vezes semanais e uma redução no tempo de sessão que passou de 60 para 50 minutos sem que nunca fosse feita qualquer justificativa para essa modificação Assim o analista passou a ser um delegado da instituição à qual se submete Desde 1953 essa obsessionalização foi denunciada por Lacan em seu ensino Em contraposição a essas normas estabelecidas ele propõe que o analista se oriente apenas pela palavra do analisante para conduzir a análise que é essencialmente uma experiência de fala no campo da linguagem Isso que hoje nos parece evidente dada a difusão do ensino de Lacan não o era em 1953 já que nesta época a psicanálise estava dominada pela técnica da análise das resistências O que é esse tempo que não é um tempo padrão cronometrado mas um tempo de acordo com o inconsciente E se o inconsciente é atemporal como diz Freud como regular a sessão a partir do incons ciente Tal questão não poderá ser resolvida se não lembrarmos da primeira novidade trazida por Lacan quando iniciou seu ensino a partir do axioma O inconsciente é estruturado como uma linguagem Lacan assinala que o inconsciente não está dentro nem fora mas sim na própria fala do analisante cabendo ao analista fazer com que esse inconsciente exista Como fazer isso Que tempo para a análise 51 Pontuação e retroação A primeira proposta de Lacan é pontuando É por intermédio da pontuação do texto do analisante que o analista fará com que o inconsciente exista através de uma pontuação o discurso comum é transformado em manifestação do inconsciente Isso entra em oposição com a técnica que visa provocar a tomada da consciência seja através de interpretações do tipo você está se dando conta do que me diz seja com interpretações tiradas de uma espécie de hermenêutica mesmo que seja uma hermenêutica edipiana ou préedipiana como a do bom e mau objeto A suspensão da sessão obedecendo não ao tempo do relógio mas à trama do discurso do analisante responde a um esquema de comu nicação evidenciado por Lacan e que é encontrado não só na análise como também na experiência comum do diaadia Para se entender uma frase é preciso esperar que ela termine Assim se eu disser agora vou ninguém entenderá É só quando eu digo a frase toda agora vou ao quadro escrever o que estou dizendo que se entenderá o sentido do agora vou Se considerarmos a frase como a cadeia de significantes é quando esta termina que vamos encontrar o sentido do início da frase numa retroação Esse esquema de comunicação corresponde ao Nachträlich freudia no ou seja a retroação ou a posteriori ou o sódepois Assim só depois de uma frase ser terminada é que se entenderá seu sentido Esse esquema de retroação é fundamental na psicanálise pois corresponde ao esquema da constituição do trauma Para que haja trauma são necessários dois tempos Se tomarmos o trauma por exce Pontuação Cadeia de significan Esquema de comunicação 52 As 41 condições da análise lência o da castração teremos no primeiro momento quando da masturbação infantil o menino ouve ameaças reais de castração Essas falas provocarão angústia quando o menino se defrontar com a falta de pênis da mulher da mãe ou seja quando se defrontar com a castração do Outro O efeito de ameaça adquire seu sentido nesse processo de retroação em que a primeira experiência será ressignificada Esse esquema de retroação será colocado por Lacan como um esquema fundamental do Édipo será a matriz do futuro grafo do desejo chamado de ponto de basta point de capiton Esse termo é utilizado na confecção de almofadas é um ponto tal que quando é feito a trama da almofada toma determinado formato Esse ponto de basta permitirá em termos de estrutura a própria fabricação de sentido sentido este que a partir de Freud será sempre sexual Podemos escrever o ponto de basta a partir do Édipo freudiano tal como Lacan propôs a inclusão do Nomedopai no Outro corres ponde ao advento da significação fálica o que dará ao sentido a sua conotação sexual Vamos tomar esse grafo que é uma matriz simples como se fosse a própria experiência psicanalítica O indivíduo tem em sua história pontos enigmáticos de tal forma condensados que apontam para um determinado gozo o que faz com que esse ponto volte sempre em seu discurso Esse ponto enigmático retorna na compulsão à repetição emergindo na fala que o sujeito dirige ao Outro onde coloca o analista Esse ponto aparentemente sem sentido para ele é um enigma e como todo enigma pleno de sentido O sujeito começa então a conferir um sentido a esse evento para mais adiante atribuirlhe um outro sentido um tempo depois conferirá ainda um outro sentido e assim por diante Cadeia de significantes NP Que tempo para a análise 53 Sabemos que a análise como uma experiência de ressignificação vai permitir diversas interpretações do mesmo evento ou seja diversos outros significantes podem ser associados ao evento por ele ter uma estrutura significante x Ponto enigmático na história do sujeito que é ressignificado a partir de diferentes interpretações Existem dois termos que Lacan utiliza em relação a cada momento dessa interpretação de um evento psíquico ressubjetivação e reestrutu ração5 O exemplo dado por Lacan dessa estrutura é a análise do Homem dos Lobos que produzirá uma série de reestruturações retroativas de um evento para ele fundamental a cena primitiva do coito anal Isso permitirá ao sujeito assumir sua história ou seja inserir nela sua própria participação história construída por meio dessa fala dirigida ao analista possibilitando várias ressignificações O corte da sessão já é em si uma forma de interpretação inter pretação em ato que vai decidir do sentido A suspensão da sessão diz Lacan não pode ser indiferente à trama do discurso e vem desem penhar na sessão o papel de uma escansão que tem todo o valor de uma intervenção para precipitar momentos concludentes6 Essa escansão no meio psicanalítico lacaniano veio a ser sinônimo de corte não se confundindo no entanto com ele Escansão é um termo da análise poética que significa pontuar sublinhar ritmar pronunciar destacando as sílabas ou os grupos de palavra Veremos mais adiante como é importante que esse corte tenha uma estrutura de escansão Ao situarse o analista como aquele que vai suspender a sessão num determinado momento ou seja o que dará o ponto final na frase apontase que é o analista que decidirá do sentido que é sempre o sentido do Outro O analista é sob este aspecto o senhor da verdade desmistificando assim a suposta neutralidade do analista 54 As 41 condições da análise A Analista no lugar do Outro corte da sessão sA Sentido do Outro Baseado nesse esquema o analista como o inconsciente não se preocupa com o tempo mas corta a sessão em função da fala do analisante Mas se o analista não se preocupa com o tempo do relógio seria falso afirmar que não se encontra presente na análise a dimensão temporal e isso sob dois aspectos Tempo e linguagem O primeiro aspecto é a própria dimensão temporal da cadeia de significantes ela como fala propriamente dita implica a temporalidade Por outro lado só é possível conceber o tempo a partir da linguagem tal como ele aparece ao nível da gramática passadopresentefuturo e em todos os seus modos indicativo subjuntivo imperativo etc Assim não apenas a cadeia de significantes tem uma temporalidade uma diacronia presente como também o próprio tempo implica a linguagem Como diz Lacan o beabá da temporalidade exige a estrutura da linguagem7 O que faz Lacan quando utiliza a lingüística senão introduzir a temporalidade no algoritmo saussuriano Algoritmo de Saussure S Significante s Significado Isso implica uma cadeia de significantes que corresponda ponto por ponto a uma cadeia de significados A sA Que tempo para a análise 55 Lacan tomando o algoritmo de Saussure inclui a dimensão do tempo representandoo por dois vetores que se intercomunicam a cadeia de significantes que é basteada pela cadeia de significados Introduzindo o tempo no algoritmo saussuriano Lacan produz a matriz do grafo do desejo Essa orientação temporal vai determinar o próprio conceito de sujeito em Lacan pois ele inclui a noção do tempo8 o que corresponde às ressubjetivações que ocorrem numa análise cujo esquema é análogo ao das ressignificações de um evento na história do sujeito Simplificando ainda mais esse esquema podemos escrever que o encadeamento de significantes que simplificadamente representaremos por essa matriz simples de dois significantes S1 e S2 retroativamente produzirá o sujeito O sujeito que não admite nenhum significante último que diga o que ele é é produzido pelo desenrolar da cadeia significante Marcase assim a importância de que é uma pontuação que produzirá o sujeito O sujeito é um efeito da orientação no tempo da cadeia de significantes um efeito retroativo s s s s S S S S S s sA A S S1 S2 S 56 As 41 condições da análise Em Subversão do sujeito e a dialética do desejo Lacan indica a matriz primária do grafo do desejo como sendo a submissão do sujeito ao significante que se produz no circuito que vai de sA a A para voltar de A a sA9 Ele insiste sobre a dissimetria desses dois pontos de cruzamento A o Outro é um lugar o lugar do tesouro de significantes e sA é um momento escansão pontuação em que a significação se constitui como produto acabado Nesta matriz o Outro definido como lugar do tesouro do significante exige que a completude da bateria significante seja instalada em A o que é impossível porque o Outro é incompleto faltandolhe o significante que irá conferir o caráter de verdadeiro sobre o verdadeiro Lacan indicará esse Outro não mais como lugar do código e sim como sítio prévio ao puro sujeito do significante o lugar da fala O lugar de onde parte o dito primeiro que decreta legifera conferindo ao outro real a mãe por exemplo sua obscura autoridade e provocando o fantasma fantôme da onipotência do Outro em que se instala a demanda do sujeito O sujeito traz no traço unário a marca que o aliena na identificação primeira que forma o ideal do eu IA É o que aparece no grafo seguinte onde notamos uma mudança de lugar do sujeito em relação ao primeiro O analista vem assim naturalmente ocupar o lugar do Outro pelo próprio endereçamento da fala do analisante na constituição da transferência É ao analista como Outro que o sujeito vai endereçar suas demandas Que tempo para a análise 57 O analista respondendo desse lugar acentua a submissão do sujeito às suas identificações primeiras conduzindo o analisante à idealização comandada por IA e ao desconhecimento de sua faltaaser que o ideal escamoteia Poderíamos pensar que é no intuito de evitar que o analista venha a ocupar esse lugar estrutural da onipotência do Outro que a IPA numa tentativa vã tenha proposto seu contrato pelo tempo cronometrado da sessão O tempo da sessão de análise não pode ser externo à experiência analítica que é uma experiência de linguagem como se ele fosse um Outro do analista ao qual o analista estivesse submetido e do qual o analisante recebesse uma garantia contra seus caprichos Supor então que o analista é submetido ao tempo fixo é supor que existe um Outro do Outro Ora porque não podemos dizer qual é a significação da significação por não haver o sentido final por não existir um sentido absoluto nem o que numa perspectiva hegeliana seria o Saber Absoluto não existe portanto garantia nenhuma quanto a esse Outro SA É incorreto dizer que existe um Outro do Outro porque ao Outro falta justamente um significante que possa responder por um eu sou Não existe ao nível da linguagem um significante que seja um atributo qualquer que possa fixar o sujeito para todo o sempre fixar aquilo que seria o seu ser Não há um Outro por mais institu cionalizado que seja que possa garantir a existência do Outro a quem endereço minhas demandas não há a transferência da transferência nem tampouco o verdadeiro sobre o verdadeiro10 Da mesma forma que não existe um Outro do Outro não existe um Tempo do Tempo E o que seria o Tempo do Tempo Se pensarmos na experiência analítica de tempo marcado o tempo do relógio pode ser considerado como o Tempo do Tempo esse Outro do Outro Como o Outro é inconsistente o tempo da análise para sermos rigorosos só pode ser um tempo intrínseco a ela mesma A escansão dos significantes pelo corte da sessão deve ir no sentido da desidentificação para promover a suspensão do jugo do sujeito àquele significante que a sessão escandiu O sujeito dirige então a sua fala ao Outro Será por intermédio de sua resposta como nãoresposta à demanda que implica essa fala que o analista fará surgir a dimensão do desejo que se apresenta sempre 58 As 41 condições da análise como um enigma uma questão questão sobre um desejo que aparece como desejo do Outro Ao nível mais fenomenológico da experiência se poderia formular uma questão como Por que ele me parou aí ou Por que ele me cortou quando falei isso O que falei de tão importante ou ainda Será que eu estava sendo chato ou falando besteira É então a partir do corte da sessão que vai surgir a dimensão do desejo como questão o que aparece no grafo do desejo proposto por Lacan como Che Vuoi Que Queres Nesse sentido o corte da sessão como escansão vai introduzir a dimensão do desejo inconsciente que surge como um enigma função do desejo do analista que se apresenta como um x como uma incógnita a ser decifrada Constatamos na clínica que muitas vezes a última frase ou palavra imediatamente emitida antes do corte da sessão fica insistindo fora dela fazendo o analisante associar o que coloca em funciona mento o deslizamento dos significantes também para fora da sessão analítica Daí o corte da sessão ter uma função de interpretação como enigma levando à produção de significantes Precisamos referenciar diz Lacan tudo à função do corte no discurso o mais forte sendo o que produz a barra entre o significante e o significado Aí se surpreende o sujeito que nos interessa11 A suspensão da sessão como corte visa a suspender as conexões habituais do significante e do significado fazendo surgir o sujeito suspenso à pura dimensão significante daqueles significantes que o determinam Tempo de lógica O segundo aspecto da dimensão temporal é articulado por Lacan à necessidade da conjectura do tempo intersubjetivo para que a psicanálise Grafo do desejo A sA Che Vuoi Que tempo para a análise 59 assegure seu rigor A questão do tempo conferirá portanto à psicanálise o seu rigor como ciência conjectural abrindo a perspectiva de um cálculo do sujeito Esse tempo será descrito no sofisma dos três prisioneiros que aparece no artigo sobre o tempo lógico12 Lacan introduz aqui a função da pressa que será transportada para o interior da própria sessão de análise Vejamos o sofisma Um diretor de uma prisão escolhe três prisioneiros e lhes diz que agraciará um deles com a liberdade O agraciado será o vencedor de um jogo de adivinhação que lhes será proposto Diz que há cinco discos três brancos e dois pretos e que pregará um deles aleatoriamente às costas de cada um dos prisioneiros Dito isso o diretor da prisão prende os três discos brancos nas costas dos três prisioneiros que sem conhecer cada um o seu são soltos numa cela Prisioneiros Discos A B o o o C De fato o o o três discos brancos A o B o C o O diretor diz então que aquele que sair primeiro da cela justi ficando logicamente como chegou à conclusão da cor do disco preso em suas costas será o vitorioso obtendo a liberdade Depois de um certo tempo saem os três juntos uma vez que se trata aqui de um apólogo de um raciocínio lógico pois na verdade só há um sujeito real Digamos que quem sai é o prisioneiro A respondendo eu sou branco e eis como sei disso porque vejo que B e C são brancos A justificase pensei que se eu A fosse preto cada um deles transportandome para o lugar de B e C e raciocinando como se fosse 60 As 41 condições da análise eles logo reconheceria que são brancos e ambos sairiam Como não o fizeram concluí que não sou preto e sim branco Vejamos como se decompõe o raciocínio de A 1 Se eu A fosse preto e me ponho no lugar de B pensaria se eu fosse preto o C veria dois discos pretos e sairia concluindo logo que ele B é branco A B C o 2 Se eu A fosse preto e me pusesse no lugar de C pensaria se eu fosse o B veria dois concluindo que é o e sairia A C B o Logo como os dois não saíram eu A só posso ser branco acertando assim o sofisma Lacan diz tratarse aqui de um sujeito de pura lógica o que determina o julgamento do sujeito é a nãoação dos outros dois o tempo de parada de B e C Lacan irá então decompor o sofisma em três momentos em que a instância temporal irá apresentarse de um modo distinto em cada um aparecendo assim a descontinuidade desses três momentos lógicos Primeira evidência do raciocínio Estandose diante de dois pretos sabese que é um branco ou seja o lógica exclusiva e que tem o valor instantâneo de sua Que tempo para a análise 61 evidência Descreve esse momento com um termo interessante é o momento de fulguração onde o tempo é igual a zero Esse é o instante de olhar Segunda evidência do raciocínio Tratase do segundo momento em que se cristaliza propriamente uma hipótese ou seja o atributo ignorado do sujeito aqui no sofisma eu sou branco Essa hipótese será formulada assim se eu fosse preto os dois brancos que vejo não tardariam em se reconhecer como brancos Esse é considerado o tempo de compreender que supõe a duração de um tempo de meditação o raciocínio de A que vem colocarse no lugar dos outros e refletir Assim o tempo de compreender é dos outros Lacan diz que esse tempo assim objetivado é incomensurável e que pode se reduzir ao instante do olhar A objetividade desse tempo vacila com seu limite Terceira evidência do raciocínio Apressome em afirmarme como branco para que esses brancos que eu vejo não me ultrapassem reconhecendose como aquilo que são Esse momento é chamado por Lacan de momento de concluir que é na verdade o prosseguimento do tempo de compreender Esta sacação que ressurge para ele numa reflexão e que podemos fazer corresponder ao insight freudiano de um sujeito de pura lógica se apresenta subjetivamente como se fosse um tempo de atraso em relação aos outros daí a pressa Apresentase logicamente como a urgência do momento de concluir Lacan descreve esse momento como uma iluminação que eclipsa a objetividade do tempo para compreender No sofisma esse é o momento de concluir e agir Se ele não concluir logo poderá ser passado para trás pelos outros dois e não poderá mais vir a concluir que é branco perdendo assim a vez Se os outros saírem ele não terá tempo para mais nada É portanto na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita seu julgamento e seu ato Esta é a função da pressa Na asserção subjetiva eu sou branco o sujeito atinge a verdade desse atributo que lhe foi conferido e que é tão fundamental para a sua vida 62 As 41 condições da análise Como essa asserção será verificável Ora ela só poderá ser verificada na certeza pois se o sujeito ficar na dúvida sou branco ou sou preto não poderá jamais vir a constatála Daí o termo proposto por Lacan de certeza antecipada pois só se verifica nela mesma Nesse apólogo vemos que a motivação da conclusão é correlata à angústia assim se me apresso a concluir é pelo temor de que o atraso acarrete erro e que esse erro seja fatal para mim no sofisma eu ficaria preso por tempo indefinido A angústia que é esse afeto que não engana traz em si a certeza No ato tratase de arrancar a certeza dessa angústia e é isso que está implicado no ato do momento de concluir Nesse texto de 1945 Lacan proporá um tipo de sujeito para cada momento 1 No instante do olhar o sujeito em questão é o sujeito noético impessoal O sujeito da asserção é sabese que há dois pretos então um será branco Há um agente impessoal sabese nesse instante do olhar 2 No tempo para compreender o que está em questão tal como vimos é o tempo que se abre no raciocínio de A pensando como se fosse B e C é o sujeito indefinido recíproco que aparece pareado pois implica esses dois outros os brancos que vejo É introduzida aqui a dimensão imaginária do outro esse outro enquanto pura reciproci dade pois só um podese reconhecer no outro Temos aqui então um sujeito indefinido que é muito mais da ordem do eu imaginário que se espelha no outro 3 No momento de concluir o sujeito do enunciado eu sou branco coincide com o sujeito da enunciação É aquele que se declara o que é Nesse texto Lacan propõe esse três momentos lógicos como sendo o movimento lógico da gênese do sujeito Eu me apresso em me afirmar como branco momento que marca a constituição do sujeito O que nos interessa para o nosso tema é a estrutura dessa certeza antecipada que existe na asserção em que o sujeito se declara O que constitui a singularidade do ato de concluir na asserção subjetiva é ele antecipar a certeza devido à tensão temporal presente na situação A pressa tem a função de precipitar esse ato de declaração Que tempo para a análise 63 O sujeito apreendeu o momento de concluir que ele é branco diante da evidência subjetiva de um tempo de atraso que o apressa a sair Se ele como diz Lacan não apreender esse momento ficará diante da evidência objetiva da saída dos outros com a conclusão errada de que é preto O encurtamento da sessão tal como Lacan teoriza não visa outra coisa senão precipitar no sujeito o momento de concluir para que o sujeito se declare De fato a análise nos ensina que a pressa é amiga da conclusão O tempo do neurótico e a pressa de concluir A introdução na sessão analítica da estrutura temporal da certeza antecipada define o tempo na análise como contraponto do tempo do neurótico Não é à toa que os neuróticos reclamam tanto das sessões curtas O drama de Hamlet nos revela a dificuldade do neurótico em agir é sempre tarde demais ou ainda não é chegada a hora A questão do tempo no neurótico está associada à estrutura de seu desejo na medida em que este é marcado por seus impasses desejo insatisfeito na histeria desejo impossível na neurose obsessiva Mas há diz Lacan para além desses dois termos uma relação inversa num caso e no outro com o tempo o obsessivo posterga porque sempre antecipa tarde demais enquanto que o histérico repete sempre o que há de inicial em seu trauma ou seja um certo cedo demais uma imaturidade fundamental13 Para o neurótico nunca é chegada a hora da verdade de seu desejo há sempre uma fuga uma vacilação uma escapulida uma procrastinação Se o neurótico está sempre perdendo a hora é por estar suspenso à hora do Outro o que é correlato ao seu desejo de estar suspenso ao desejo do Outro o neurótico deseja enquanto Outro O obsessivo como o escravo da dialética hegeliana se encontra no momento antecipado da morte do mestre a partir da qual ele viverá esperando14 Estou esperando a morte de meu avô diziame um analisante para que a história recomece fazendo assim aparecer sua posição de petrificação na espera da morte do Outro Avô que se apresenta para o sujeito como mestre de seu desejo suspendendoo na 64 As 41 condições da análise dúvida e na procrastinação para remeter esse desejo ao impossível de sua realização numa infinitização do tempo de agir Na fantasia histérica do trauma o Outro seduziu o sujeito apro veitandose de sua imaturidade e ele não pôde reagir sendo vítima do desejo do Outro Mas é o sujeito histérico quem seduz para quando é chegada a hora da verdade furtarse como objeto e manter seu desejo sustentado pela insatisfação15 É essa relação do sujeito em relação ao desejo do Outro que trará sua marca às dificuldades do neurótico com o tempo No neurótico diz Lacan a demanda do Outro toma a função de objeto em sua fantasia16 Na experiência analítica a questão do tempo é situada pelo neurótico no registro da demanda A interrupção da sessão é vivenciada como um não à sua demanda que é sempre demanda de presença correspondendo ao tempo que lhe é negado nunca é suficiente A histérica procurará provocar a falta no Outro com seus atrasos e suas faltas O obsessivo se esmerará no trabalho de analisante para melhor seguir o tempo do Outro revoltandose violen tamente contra esse Outro desrespeitador de um tempo suposto uni forme cujos caprichos e cuja tirania aparecem na figura do Pai gozador do mito freudiano de Totem e Tabu No decorrer da análise constatase que essa queixa é sobrepujada pelo alívio causado pela queda das identificações já que o corte da sessão aponta sempre para a falta faltaaser do sujeito falta de um significante que diga o que ele é o que o sujeito declara ser nunca é suficiente É sob a tensão da pressa que se realiza o que se tem a fazer Estamonos perguntando sempre por que deixamos tudo para a última hora É justamente a última hora a pressa que nos faz agir Tudo o que é da ordem da criação diz Lacan se dá na desconti nuidade e sob o império da urgência Há então uma desvalorização do tempo para compreender e uma valorização do tempo para concluir que será o momento de concluir o tempo para compreender que será reduzido a tão pouco quanto à fulguração do instante do olhar O apólogo dos três prisioneiros mostra a interdependência da ação dos indivíduos ou seja que a ação de um se ordena à ação do outro desvelando segundo Lacan a própria lógica da psicologia das massas Estando o neurótico suspenso ao tempo de Outro é a ação e a nãoação Que tempo para a análise 65 daquele que ocupará este lugar que provocará sua decisão em declararse na produção de significantes por intermédio da certeza antecipada A questão para Lacan é como o analista pode através de suas intervenções cortar as hesitações do sujeito e precipitar um efeito de verdade A prática das sessões curtas implica portanto dois aspectos a análise não se reduz em absoluto ao tempo das sessões mas é um processo contínuo em que a sessão é descontinuidade pontuação ruptura no discurso inscrevendose a sessão no processo analítico como um corte o analista é o depositário das elaborações e associações que o paciente faz fora da sessão Assim a elaboração se situa fora das sessões e é uma tarefa do analisante Lacan usou várias expressões para se referir a essa função do analista papel de gravação testemunha depositário referência guardião tabelião escriba17 Pontuar cortando o discurso do analisante pode constituir o analista como mestre da verdade mas não como mestre da situação já que ao causar uma ruptura faz com que a ordem da elaboração caiba ao analisante atentando portanto ao sujeito suposto saber encarnado pelo analista Ao se entrar numa sessão sem saber quanto tempo ela durará se está sob o impacto da pressa o que precipita o momento de concluir Este primeiro aspecto ligado à cadeia de significantes é correlato ao desejo e vinculado ao enigma e ao sentido É o aspecto que diz respeito ao sujeito determinado pelo significante O segundo aspecto está relacionado ao ato que está fora do significante e se relaciona ao objeto a É a esse aspecto de ato presente no corte da sessão que podemos associar a técnica zen à qual Lacan se refere em Função e campo da fala e da linguagem quando aborda a questão do tempo lógico A técnica zen A utilização do tempo lógico na análise se alia à técnica zen com a qual Lacan o compara O procedimento das sessões curtas tem diz ele um sentido dialético preciso em sua aplicação técnica E não fomos os únicos a ter feito a observação de que ele se encontra no limite 66 As 41 condições da análise com a técnica designada com o nome de Zen e que é aplicada como meio de revelação do sujeito na ascese tradicional de certas escolas do ExtremoOriente18 O objetivo do Zen é levar o sujeito ao Satori experiência espiritual de revelação iluminação É uma experiência súbita que é descrita como uma reviravolta da mente onde há uma vivência de total libertação caracterizada pela certeza Se houver a menor incerteza o menor sentimento de isto é bom demais para ser verdadeiro então o Satori é apenas parcial já que ainda implica um desejo de se apegar à experiência senão ela seria perdida e até que esse desejo seja ultrapassado a experiência não poderá ser completa19 A experiência zen é descrita pelo mestre Huineng ver dentro de sua naturezaprópria que sendo coisa alguma não é Ver dentro da naturezaprópria é portanto ver dentro do nada20 Ela se reduz ao instante de olhar que aqui não é vinculado à ação mas à falta absoluta de representação Tratase de uma experiência que é sempre descrita por seu caráter abrupto de subitaneidade em que o sujeito se encontra diante do vazio de todas as coisas Isso não resulta de raciocínio diz DT Suzuki mas acontece justamente quando se desiste dele quando se percebe que ele de nada adianta e quando psicologicamente esgotouse toda a força da vontade21 O que é visado na doutrina zen é algo que poderíamos situar como o que está fora da cadeia significante do pensamento tanto consciente quanto inconsciente Essa doutrina é indissociável da técnica zen que vai consistir no meio utilizado pelo mestre de levar o discípulo ao abandono à libertação da cadeia significante o que seria a tentativa de buscar a libertação do sujeito dos significantes que o determinam Num encontro com um budista erudito que buscava uma resposta a uma questão do mestre Yenkuan Chian este lhe interrompeu os pensamentos e disse o pensamento deliberado tanto quanto a com preensão discursiva de nada valem eles pertencem a uma casa malas sombrada são como uma lâmpada em plena luz do dia não propor cionam qualquer luz22 O que interessa a Lacan no Zen é menos a vivência dessa experiência de iluminação também chamada de despertar do que a técnica em Que tempo para a análise 67 pregada para alcançála É com esta e não com a ascese mística que ele compara o procedimento das sessões curtas Nos exemplos de Lacan é ressaltada a intervenção do mestre quando de seu encontro com o discípulo o mestre Zen interrompe o silêncio com qualquer coisa um sarcasmo um pontapé o que há de melhor no budismo é o Zen e o Zen consiste nisso te responder com um latido meu caro amigo23 Os mestres antigos do Zen encontraram um método de transmitir seus ensinamentos que não pode ser explicado o koan que significa literalmente documento oficial Koan é um problema absurdo ou paradoxal formulado sob a forma de questão que o mestre coloca para o discípulo de Zen resolver Exemplos Um som é produzido quando batemos palmas Que som é produzido quando batemos palmas com uma só mão24 Qual era o seu rosto original aquele que você possuía antes de nascer25 A partir dessa colocação o discípulo através da meditação sobre o koan procurará a sua significação colocando em circulação todas as associações provocadas por essa busca De tempos em tempos ele terá entrevistas com o mestre que verificará como está o seu processo de deciframento Essas entrevistas são caracterizadas por sua brevidade tanto no tempo como no diálogo durante os quais o discípulo depois de intensa elaboração chega a uma formulação extrema de sua situação atual A resposta do mestre pode levar ao relâmpago da iluminação quando o discípulo constata que sua mente e seu corpo foram varridos da existência junto com o koan Isto é conhecido como largar o ponto de apoio26 Tratase finalmente de chegar à constatação de que o Koan é desprovido de sentido Mas na maioria das vezes essa intervenção induz no discípulo a perplexidade a hesitação é aqui que se situará a intervenção do mestre quebrando o silêncio com qualquer coisa e suspendendo a entrevista Esse ato do mestre como por exemplo o ato de dar um pontapé é segundo Suzuki realmente o ato de ver porquanto ambos brotam da naturezaprópria e a refletem Uma vez reconhecida essa identidade o ato ganha um desenvolvimento sem fim não há somente o pontapé mas o tapa o bofetão o empurrão o berro etc como se pode encontrar na literatura zen27 68 As 41 condições da análise Lacan adverte que o analista não deve chegar a essas intervenções extremas preconiza uma aplicação discreta do princípio da técnica zen na análise pois esta lhe parece mais admissível do que certos modos ditos de análise das resistências na medida em que ela não comporta nenhum perigo de alienação do sujeito28 Essa observação é uma advertência contra o fazdeconta no ato psicanalítico a atuação do analista que quer imitar um suposto e anedótico Lacan mestre Zen29 As atitudes do mestre apontam sempre para o nãosentido para fora do significante para o nível de algo da ordem do real e não da ordem do deciframento que ele presentifica com seu ato A presença do analista A analogia da entrevista zen com a sessão analítica nos leva a considerar a interrupção desta como uma modalidade em que o analista vem fazerdeconta de objeto a em que ele é ativo dentro dessa estrutura paradoxal do ato psicanalítico que subverte o sujeito o objeto faz parte dessa estrutura sendo no entanto exterior à linguagem O objeto a é aquele objeto que estando fora da cadeia significante a orienta É o objeto que sustenta a metonímia do discurso de significante em significante É o objeto que dá a característica do desejo como sendo sempre desejo de outra coisa objeto que rola na cadeia e que só pode corresponder ao intervalo significante ou seja ao que está entre os significantes a S S S S O objeto a tem em si a estrutura do corte assim um objeto só pode ocupar a função de objeto a se é passível de ser recortado da superfície do corpo adquirindo valor de objeto destacado perdido Observemos que esse traço de corte Lacan se refere ao que caracteriza Que tempo para a análise 69 Faire semblant fazerdeconta ou bancar a zona erógena que a pulsão isola não é menos prevalente no objeto como a teoria analítica descreve mamilo cíbalo falo objeto imaginário fluxo urinário lista impensável se acrescentarmos o fonema a voz o nada pois não se vê que o traço parcial a justo título ressaltado nos objetos não se aplica apenas ao fato de eles fazerem parte de um objeto fatual que seria o corpo e sim por representarem apenas parcialmente a função que os produz30 Sabemos que a partir do seminário sobre a angústia Lacan reduzirá a quatro as modalidades do objeto a objeto oral objeto anal olhar e voz objeto real fora da cadeia significante O corte da cadeia significante que representa a suspensão da sessão a partir da trama do discurso do analisante será equivalente à presença do analista presença essa como fazdeconta de objeto a objeto opaco que resiste à representação A relação entre a presença do analista e a interrupção do discurso do analisante manifesta no exemplo do mestre interrompendo o silêncio do discípulo é apontada por Freud como a manifestação da transferência Essa situação se verifica quando da aproximação do núcleo patogênico onde a resistência se faz nitidamente sentir Quando algo dentre os elementos do complexo é suscetível de se referir à pessoa do médico ocorre a transferência ela produz a associação seguinte e se manifesta sob a forma de resistência de uma interrupção das associações por exemplo31 Esse trecho é amplamente comentado por Lacan salientando o aspecto da realização da transferência como atualização da presença do analista32 cuja brusca percepção fora do âmbito dos sentidos é freqüentemente acompanhada de angústia demonstrando a presença do objeto a O corte da sessão é da ordem da interpretação na medida em que visa o objeto causa do desejo A suspensão da sessão pela intervenção do analista visa à atualização da transferência não como repetição significante automaton em que o analista vem ocupar um lugar na série das figuras do Outro do sujeito e sim como encontro tykhe por definição fracassado que constitui o âmago do núcleo patogênico o objeto a É essa presença física do analista que permite haver análise dado que esta segundo Freud é impossível in absentia ou in effigie Com o seu movimento do corte da sessão o analista testemunha a função do objeto a como agente da certeza antecipada do tempo lógico 70 As 41 condições da análise Na prática o efeito de surpresa de perplexidade ou de qualquer outro tipo de reação nada mais indica senão a divisão do sujeito a A função da pressa diz Lacan é esse pequeno a que a tetiza ou seja que transforma a pressa da situação dos três prisioneiros em julgamento tético aquele que se coloca de maneira absoluta inde pendentemente de outras asserções Ele reinterpretará então o sofisma do tempo lógico não mais a partir da subjetividade mas a partir do objeto a o que mereceria ser olhado mais de perto é o que suporta cada um dos sujeitos não em ser um entre os outros mas em ser em relação aos dois outros aquele que está em jogo no pensamento deles Cada qual só intervindo neste termo a título desse objeto a que ele é sob o olhar dos outros Em outros termos continua Lacan eles são três mas na realidade são dois mais a Esses dois mais a no ponto de a se reduz não aos dois outros mas a Um mais a Na medida em que pelo a minúsculo os dois são tomados como Um mais a é que funciona o que pode ocorrer como uma saída na pressa33 Lacan se esforça nesse Seminário XX em mostrar que Um não é o Outro que há uma autonomia do significante S1 em relação ao conjunto de significantes S1S2 e que há uma antinomia entre o S1 e o objeto a no apólogo o olhar do Outro O Um em questão no apólogo indica que só há um sujeito sendo empurrado pela pressa de agir do objeto a a A suspensão da sessão realizada pelo analista em seu ato é uma maneira de fazerdeconta de objeto a ato que remete ao conceito de ato analítico desenvolvido por Lacan em 6768 como o momento de fim de análise É por ter rodado e rodado por seus significantes em busca daquele que lhe diria o que é sem têlo encontrado que o analisante poderá buscar a certeza no outro pólo da estrutura que é esse objeto onde se encontra a designação de seu ser como objeto tal como está explicitado em sua fantasia a É somente após esta passagem momento de passe na análise de se experimentar como objeto que no momento de concluir o analisante vira analista É por ter feito essa passagem em sua análise que o analista poderá dirigir as análises de seus analisantes para esse ponto fora do significante Que tempo para a análise 71 A certeza que implica o ato analítico só é possível do lado do objeto devendo o analista levar o analisante a esse ponto de certeza onde se encontra o seu ser cuja consistência é apenas lógica dado que a psicanálise não é uma ontologia O paradoxo da psicanálise consiste em chegar a esse ser pela via da linguagem ele é o que resta do processo como impossível a ser dito O corte da sessão ao equivalerse ao corte da cadeia de significantes faz surgir portanto a dimensão desse intervalo entre os significantes constituindo essa suspensão da sessão em uma escansão no próprio sentido de sublinhar acentuar frisar não do significante e sim de seu intervalo apontando para o nãosentido e para a falta no Outro lá onde pode presentificarse o objeto como referente A suspensão da sessão contém um aspecto paradoxal se o analista ao pontuar o final da sessão aparece como mestre da verdade por outro lado abrindo o intervalo entre os significantes aponta para um furo que tal como um furo num tonel o esvazia de sentido O corte da sessão pela intervenção do analista com sua presença no discurso do analisante faz aparecer essa dimensão do fora do significante ou seja do objeto em torno do qual pivoteiam todas as suas representações A presença do analista com seu corte interrompendo o desenrolar sem fim da cadeia significante inclui em si mesma a estrutura que vai permitir a finitude da análise arrancando o sujeito de uma temporalidade infinita O final da análise é assim incluído a cada sessão 72 As 41 condições da análise Capítulo IV Capital e libido The French are glad to die for love They delight in fighting duels But I prefer a man who lives And gives Expensive jewels A kiss on the hand May be quite continental But diamonds are a girls best friend A kiss may be grand But wont pay the rental Of your humble flat Men grow alive cold Girls grow old And you are losing your charm in the end But square or pearshaped Those rocks dont lose their shape Diamonds are a girls best friend do filme Os homens preferem as louras O título Capital e Libido foime inspirado pelo livro de Betch Cleinman Capital da Libido cujo subtítulo é Os Estados Unidos em Marilyn Monroe1 Tratase de uma publicação realizada a partir de uma tese em cinema e história em que a autora se propõe a mostrar com base na análise dos filmes de Marilyn Monroe qual a ideologia que seus personagens tentam passar para o público do pósguerra época justamente do grande desenvolvimento da psicanálise no mundo a partir dos Estados Unidos Este é o momento de um dos grandes desvios da psicanálise apontados por Lacan ou seja o de uma psicanálise em que 73 são favorecidos o ego e a adaptação à realidade em vez das formações do inconsciente e de sua decifração Tratase da chamada Psicologia do Ego cujos principais representantes são Hartman Kris e Loewenstein Nessa psicanálise adaptativa correlata à sociedade florescente onde o American way of life determina o human engineering2 é solidificado o mote time is money tempo é dinheiro Capital e libido O título desse livro conjuga dois significantes Capital no sentido de cidade mais importante do país o centro administrativo e libido na acepção latina de vontade desejo A capital da libido é ironicamente Hollywood e é Marilyn Monroe quem a representa paradigmaticamente para além dos personagens ingênuos dos filmes de humor bemcom portado E nessa capital a libido é o capital A frase que se pode colocar como subtítulo de uma conferência sobre o dinheiro em psicanálise é aquela que representa o capital da libido Diamonds are a girls best friend O melhor amigo de uma mulher são os diamantes O diamante como melhor parceiro do sujeito revela que este parceiro nada mais é do que um objeto no qual o capital de sua libido está investido o objeto diamante Marilyn Monroe fabricada por Hollywood bem como a experiência psicanalítica mostra que a libido é contabilizável A psicanálise nos desvela que de fato o capital é tratado pela libido do sujeito Mas o capital só é libido se esta for contabilizada e como veremos ela o é O time is money que evidencia a contabilização do tempo do trabalho escamoteia a libido em causa o gozo desvelado por Marx com o conceito de maisvalia Com Freud podemos dizer que capital é libido A libido é definida por Freud como energia como a grandeza quantitativa apesar de incomensurável das pulsões que se referem a tudo o que podemos entender sob o nome de amor3 é a manifestação dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual4 Essa definição de Freud 74 As 41 condições da análise vai além de sua definição anterior proposta a partir de Introdução ao Narcisismo que se refere à partição da libido em libido do ego e libido de objeto Ela concerne explicitamente à pulsão indo além de sua concepção metapsicológica ou seja sua representação no inconsciente Na Metapsicologia Freud desvela que no inconsciente só se encontra da pulsão a Vorstellungsrepräsentanz o representante representativo da pulsão o que da pulsão é da ordem do significante tal como se pode ler no matema da pulsão o D onde D se refere aos significantes das demandas orais anais etc relativos às pulsões correspondentes Mas a grandeza quantitativa da pulsão que é a libido não tem representação no inconsciente A libido é o que se apreende em sua manifestação dinâmica como Befidrigung a satisfação satisfação que aparece tanto no sonho como no sintoma bem como em seu clímax na própria alucinação trazendo paradoxalmente desprazer ao sujeito A satisfação da pulsão entendida como satisfação plena e que a extinguiria ao atingir seu objetivo é impossível pois o objeto que poderia satisfazêla é perdido desde e para sempre A pulsão só pode satisfazerse parcialmente a nível sexual Devido a essa impossibilidade a pulsão encontra derivações denominadas por Freud de vicissitudes ou destinos ordenadas pela rede de significantes que constitui o conjunto dos representantes da representação da pulsão no inconsciente Daí a pulsão se satisfazer por exemplo no sintoma no sonho na sublimação Essa característica da plasticidade da pulsão faz com que Lacan a denomine deriva no sentido de derivativo da satisfação sexual direta e também no sentido de estar à deriva O gozo é o conceito que Lacan propõe para abranger os conceitos freudianos de libido e Befidrigung que não têm representação inconsciente Pulsão Significante representante representativo da pulsão Libido grandeza quantitativa Capital e libido 75 Os significantes da pulsão são os que constituem por exemplo a demanda oral ao Outro o famoso modelo do bebê pedindo peito à mãe e a demanda anal do Outro o não menos famoso modelo da mãe pedindo as fezes ao bebê que são atualizadas de diversas formas na transferência durante uma análise pela demanda de amor de interpre tação e pelo dinheiro O que é efetivamente sexual no homem é o que é marcado pela significação fálica O falo como faltante ou seja a castração simbólica dará às pulsões oral anal etc sua característica sexual Mas se o que recebe a significação fálica pode ser representado no inconsciente sob a forma de significante há sempre um gozo em causa que é propriamente falando a energia pulsional sua grandeza quantitativa denominada por Freud de libido A pulsão sexual tem portanto dois aspectos sua representação inconsciente e sua manifestação dinâmica ou seja a libido que Freud indo contra Jung sempre considerou em sua natureza sexual Nem tudo portanto da pulsão está articulado ao significante Há um resto que é propriamente falando o objeto causa de desejo para o qual a pulsão se dirige sem no entanto atingilo conseguindo apenas contornálo É o que Lacan designou por objeto a que não pode ser explicitado pela pulsão sexual por não ter representação psíquica sendo implícito a ela é o objeto condensador de gozo São os significantes da demanda representativos da pulsão que são recalcados e cifrados no inconsciente Para que o processo analítico seja o de deciframento é necessário postular que algo já se encontra cifrado Esse aspecto da pulsão é o que faz com que o sintoma seja analisável por ser da ordem da linguagem e como tal uma formação do incons ciente A libido é o que se satisfaz no sintoma é o que constitui sua resistência sob dois aspectos resistência ao deciframento e resistência do sujeito a abandonar o seu sintoma o gozo do sintoma Ora o dinheiro na análise encontrase exatamente nessa conjunção entre o que é da ordem do ciframento e o que é da ordem dessa energia quantificável que tem um valor inestimável para o sujeito e que Freud designou como libido Assim o dinheiro pode permitir amoedar esse capital do sujeito que é a libido Se o que é da ordem do ciframento pode equivaler no nível do inconsciente à própria cifra montante das 76 As 41 condições da análise operações comerciais podemos fazer um paralelo e dizer que na análise a cifra assim como o cifrão vem representar o montante das operações libidinais Capital valor e dinheiro Capital segundo o dicionário Le Littré é o conjunto de meios de satisfação resultante de um trabalho anterior é o fruto de um trabalho Em sua acepção corrente capital é o conjunto das riquezas possuídas e no sentido figurado é o conjunto de bens intelectuais espirituais ou morais que um indivíduo ou um país possui A moeda ou seja aquilo que por excelência tem valor de troca se acumula ou se dispersa e pode funcionar como metonímia desse capital como parte deste ou como metáfora o que vem substituir esse capital representandoo O capital diz Marx aparece como uma fonte misteriosa criadora de lucro e fonte de seu próprio crescimento A coisa dinheiro merca doria valor enquanto tal já é do capital e o capital se revela como uma simples coisa O capital é o móvel do trabalho A relação proposta por Marx entre capital e trabalho estabelece a vinculação entre o dinheiro o objetofruto do trabalho e sua posse Todas as forças produtivas do trabalho social se apresentam como sendo as do capital da mesma maneira que a forma social do trabalho em geral aparece no dinheiro como a propriedade de uma coisa5 O que confere valor a um objeto é o quantum de trabalho ou o tempo de trabalho necessário numa sociedade dada à produção de um artigo Assim o time is money condensa essa definição marxista A diferença entre o valor atribuído ao trabalho abstrato e o valor de uso correspondente ao trabalho concreto equivale à exploração do trabalho a maisvalia ou o benefício de um sobretrabalho que não é pago No nosso sistema é esse valor que sobra como resto da equação time money valor que é extraído ao trabalhador O time is money do capitalismo escamoteia a maisvalia pois dissimula que há um time que não é money ou seja um tempo não contabilizado A maisvalia como grande segredo da sociedade moderna nos é desvelada por Marx como regendo as relações do capitalista com o Capital e libido 77 proletário é um amais que escapa à equação valor tempo de trabalho A produção da maisvalia é portanto apenas a produção de valor prolongada para além de certo ponto Se o processo de trabalho só dura até o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um equivalente novo há aí a simples produção de valor quando ele ultrapassa esse limite há produção de maisvalia6 O dinheiro para Marx se troca pela totalidade do mundo objetivo do homem e da natureza Ele serve para trocar tudo e qualquer coisa possuindo a qualidade de tudo comprar e de tudo se apropriar O dinheiro é o objeto privilegiado da posse Porém o que se troca verdadeiramente é a faltadegozar O objeto de troca é simultaneamente aquilo de que um dos parceiros da troca pode gozar mas não quer gozar pois seu valor de uso não o satisfaz e por isso quer desfazerse dele e aquilo que o outro parceiro quer mas dele não pode gozar pois seu valor de uso lhe falta por não possuir o objeto Donde para ambos os parceiros o valor da troca de uma mercadoria é uma faltadegozar7 Todas as mercadorias podem ser trocadas umas pelas outras Aquela que está excluída do conjunto das mercadorias se torna o equivalente geral para todas elas e dessa posição de exceção constitui as mercadorias em um conjunto O equivalente geral o dinheiro se torna então o representante universal da faltadegozar8 A maisvalia que é produzida pela sobrecarga de trabalho na prolongação da duração da jornada do proletário é um maisdegozar para o Outro Ela é a causa do desejo da qual uma economia faz o seu princípio aquele da produção extensiva portanto insaciável da faltadegozar9 O dinheiro é o que sempre falta aquilo de que nunca se tem o suficiente Isto faz Lacan dizer que o rico é inanalisável já que para ele nada falta podendo tudo obter Maisvalia na análise Na psicanálise o trabalho como por exemplo o do sonho o da perlaboração é o trabalho do significante sobre o gozo ou seja a 78 As 41 condições da análise significantização desse gozo Qual é o produto desse trabalho que corresponde ao trabalho de ciframento O trabalhador comum age sobre a matéria bruta produzindo um objeto que será de alguém A partir da psicanálise coloquemos a questão O que é o que é o sujeito só pode dele desfrutar com a condição de não possuílo A resposta é o objeto a produto do trabalho do significante sobre o gozo que só vai funcionar como objeto maisdegozar enquanto objeto perdido O objeto a o objeto propriamente da pulsão é função da renúncia ao gozo Ao tomarmos como modelo o trabalhador e a dialética do senhor e do escravo o objeto a é função da renúncia ao gozo sob o efeito não da ordem do patrão mas da ordem do discurso Resumindo temos Linguagem a gozo O objeto a é o efeito da linguagem sobre o gozo o que pode ser escrito segundo a fórmula proposta por JacquesAlain Miller A a J onde A se refere ao Outro e J ao gozo A metaforização do gozo tem como produto um resto que é o objeto a O trabalho de ciframento do gozo pelo significante contém uma maisvalia não contabilizada o objeto a dito objeto maisdegozar A análise além de seu trabalho de deci framento deve levar esse processo de ciframento às últimas conseqüên cias Fazer passar o gozo ao inconsciente isto é à contabilidade10 ou seja tudo dizer até não se poder mais Dos ditos na experiência psicanalítica sobra um resto impossível de ser cifrado o objeto a objeto sem substância o produto final do processo analítico O objeto a é certamente um objeto mas só na medida em que é substituído defini tivamente por toda noção em que o objeto é suportado por um sujeito Se ele é particularmente produto do saber está excluído que ele seja submetido ao conhecimento Tão logo se manifesta ele não é mais do que um reflexo já esvanecido11 Na tentativa de mapear a questão do dinheiro tomemos ainda a estrutura dos quatro discursos Capital e libido 79 o agente o outro a verdade a produção Temos um agente que embasado numa verdade agirá sobre alguém para se obter uma produção Se tomarmos o Discurso do Mestre teremos um agente que chamaremos de patrão ou senhor S1 agirá sobre S2 o escravo fazendoo trabalhar Teremos como produto o objeto a que terá um valor a maisvalia a que o escravo renuncia para o gozo do senhor como sujeito Discurso do Mestre S1 S2 S a Lacan identifica esse Discurso do Mestre ao discurso do próprio inconsciente que é uma cadeia de significantes de cuja existência só tomamos conhecimento através de suas formações chistes jogos de palavras sonhos e sintoma Essas formações do inconsciente falam sobre a verdade do sujeito do desejo onde há formação do inconsciente há um efeito de sujeito Isso tem como produto uma maisvalia um maisdegozar evidenciada no chiste no gozo produzido na gargalhada e também no sonho na medida em que é realização de desejo Wunscherfullung O inconsciente é um operário que funciona full time é o trabalhador ideal12 O inconsciente é esse trabalhador incansável que mesmo quando dormimos trabalha É o trabalhador que o capitalismo considera ideal não pensa nem julga nem calcula só trabalha Quem calcula e conta é a libido ou seja o gozo em seu processo de ciframento A análise situa esse objeto maisdegozar na função de agente para que produza os significantes primordiais S1 que o alienam como sujeito tendo este laço social o saber depositado na experiência como a sua verdade 80 As 41 condições da análise Discurso analítico a S S2 S1 No mercado de trabalho Marx mostra a função da maisvalia traduzida por Lacan como renúncia ao gozo Essa renúncia vai aparecer na função do maisdegozar do objeto a Nesse mercado do Outro há um maisdegozar que se estabelece e será captado por alguns A posse de alguns é função da renúncia ao gozo por outros Lacan se refere ao objeto a enquanto perdido objeto renunciado sendo no entanto um maisdegozar Porém maisdegozar para quem Será para o Outro Podemos dizer que sim uma vez que a fantasia que explica a relação do sujeito com esse objeto é uma resposta ao desejo como desejo do Outro De uma certa forma esse objeto a objeto da pulsão é sempre um objeto do Outro na medida em que o sujeito o supõe ser do Outro O processo da análise pretende levar o sujeito a sa ber que esse Outro tampouco detém o objeto que lhe escapa pois o Outro é furado Esse rápido panorama mapeia nossa entrada no assunto propria mente dito Tendo como tese geral capital é libido assim como libido é capital o dinheiro é aquilo que na análise pode vir a representar esse ciframento do gozo Necessidade demanda e desejo Eis o que nos diz Freud sobre essa quarta condição da análise o dinheiro em O início do tratamento o próximo ponto a ser decidido no início do tratamento é o do dinheiro dos honorários do médico Um analista não discute que o dinheiro deve ser considerado em primeira instância como meio de autopreservação e de obtenção de poder mas sustenta que ao lado disto poderosos fatores sexuais achamse envolvidos no valor que lhe é atribuído Esta frase de Freud condensa todas as questões do dinheiro podendo nos servir de guia em sua abordagem Capital e libido 81 Freud ao falar da condição do dinheiro destaca portanto a autopreservação que traduzo por algo da ordem da necessidade o poder e o fator sexual A partir da necessidade base indispensável para se mudar de registro passase à questão do poder e à questão sexual levandose em conta que para Freud o sexual se divide em amor e desejo O amor se encontra no registro da demanda doao Outro e o desejo Wunsch é o que em Freud é propriamente sexual D A Necessidade Sexual d poder No intuito de situar a questão do dinheiro desdobremos em cinco suas funções necessidade poder demanda desejo e gozo o qual se encontra presente nas quatro primeiras 1o Primum vivere primeiro viver O dinheiro se refere aqui à ordem da necessidade é preciso terse dinheiro para viver morar comer vestirse ter lazer etc 2o Se o sinal ou signo signe é segundo Lacan aquilo que representa alguma coisa para alguém o dinheiro pode ser sinal de poder mas é também símbolo de poder já que recebe a marca fálica O dinheiro assim como as coisas que permite comprar e acumular é símbolo fálico representando o gozo do haver escamoteando a faltaater ou seja mascarando a castração e daí conferindo a ilusão de que tudo se pode com o dinheiro O rico que se paramenta com lanchas anéis cavalos etc mostra que esses objetos se apresentam como símbolos de poder por serem insígnias fálicas O falicismo do poder do capital pode ser ilustrado na ostentação de riqueza do nouveau riche e na atitude da mulher rica que trata os homens como objetos de troca 82 As 41 condições da análise 3o O dinheiro pode ser um sinal de amor Menos quando o dinheiro é dado do que quando é pedido como uma demanda do Outro cujo protótipo encontramos na situação da mãe pedindo ao filho para lhe dar suas fezes Dar dinheiro não é tanto um sinal de amor na medida em que amor é dar o que não se tem a não ser quando se dá o dinheiro que não se tem aquele que faz falta O que especifica o dinheiro neste registro não é algo da ordem do dar amor mas sim da demanda de amor O dinheiro entra aqui como um dos objetos que podem ser pedidos objeto da demanda que adquire um valor que o transmite em sinal de amor 4o No nível do desejo o dinheiro aparece como significante que se inscreve numa cadeia associativa do sujeito como veremos a seguir 5o O gozo do dinheiro é o que designamos pela libidinização do capital no ser falante o fator sexual propriamente dito que é da ordem da pulsão Para o homem o que é da ordem da necessidade passa pelo registro da demanda e do desejo O protótipo dessa passagem forçada é a fome que sendo do registro da necessidade adquire a partir da linguagem a dimensão da pulsão pulsão oral A própria enunciação estou com fome se situa na dimensão do Outro escapando ao registro animal que quando tem fome se alimenta e assunto encerrado Freud jamais negou o registro da necessidade no homem a ponto de falar de pulsões de autopreservação em um momento da sua obra Porém o imperativo da necessidade se o homem não come morre passa ao registro da demanda e ao registro do desejo Se para a necessidade existe sempre um objeto específico para a necessidade de respirar o objeto específico é o oxigênio para a sede o líquido etc no ser falante a significantização da necessidade e sua articulação com a pulsão faz do objeto específico um objeto perdido e sempre buscado pelo desejo constante e indestrutível A entrada na cultura implica que a necessidade passe pela linguagem arrancando o dinheiro do registro imediato da necessidade A própria noção de dinheiro já denota a troca de objetos e bens marcados pela simbolização o dinheiro só existe em função da linguagem Dizer que Capital e libido 83 pobre não pode fazer análise é tratálo como um animal situando sua questão de dinheiro apenas no registro da necessidade Na verdade o rico é mais inanalisável do que o pobre se chamarmos de rico aquele que não tem falta A necessidade faz aparecer a dimensão da faltaater a demanda e o desejo fazem aparecer outro registro da falta a faltaaser Faltaaser esse objeto que complementaria o Outro faltaaser esse objeto que o Outro gostaria que eu fosse O dinheiro vinculado ao desejo entra em circulação marcado pela falta Encontramos com efeito o dinheiro fazendo parte da série de equivalências simbólicas depreendida por Freud dentre os objetos que caem seio pênis excremento dinheiro criança presente etc objetos marcados pela castração e portanto suscetíveis de entrar nessa série fálica O dinheiro não só entra nessa série de objetos imaginários marcados pela falta como é aquilo que permite um ciframento do gozo É isto que possibilita ao homem dos ratos fazer equivaler tantos florins a tantos ratos fórmula chave de sua neurose obsessiva Os ratos para esse paciente de Freud produtos de sua obsessão são amoedados por dinheiro ligação possibilitada pela homofonia em alemão Ratten ratos e Raten prestações e evidenciada em sua dificuldade em pagar a sua dívida que toma a forma de sintoma A grande apreensão obsessiva do homem dos ratos é centrada no suplício relatado pelo capitão cruel que consistia em amarrar a vítima e introduzir um funil em seu ânus no qual eram colocados ratos que cavavam o caminho até penetrarem no intestino A idéia obsessiva é a de pensar que essa tortura estava ocorrendo com uma pessoa querida ao paciente O gozo desse sintoma é apreendido por Freud pela expressão do paciente durante a sua descrição o que traduzia o horror de um gozo por ele mesmo ignorado e pelo que na análise se desvela como a atividade do erotismo anal que desempenhara em sua infância um papel fundamental alimentado pela existência de vermes intestinais durante longos anos A análise permite a decifração da conexão entre essa idéia e o sintoma de dever pagar uma dívida impossível A partir da equação significante rato prestação Freud pode estabelecer a conexão rato dinheiroherança paterna Outra cadeia de significantes é também 84 As 41 condições da análise desvelada ou melhor produzida em análise ratoinfecção sifilítica paipênisverme intestinal Esta última é uma série fálica pois mostra nos diz Freud a significação fálica do rato No entanto ele insiste no deciframento do gozo da cadeia tratase da atividade do erotismo anal13 O complexo de dinheiro do paciente adquire um caráter obsessivo pelo gozo anal aí implicado o dinheiro é da ordem pulsional Portanto como faltante ou seja como substituto do objeto que representa a falta isto é a castração o dinheiro entra na série dos objetos destacados do corpo Seio fezes pênis dinheiro Esta seria sua vertente metafórica o dinheiro metaforiza a falta implicada no desejo Uma outra vertente é o desejo como metonímia do capital onde o que aparece é esse desejo sempre como desejo de outra coisa de outra coisa etc deslocandose de objeto em objeto para vários objetos do mundo sensível para objetos compráveis Seria uma ilusão achar que os objetos desejáveis e compráveis não têm relação com o objeto a Não é preciso ir a Amsterdã e ver as prostitutas nas vitrines para se inferir a relação entre os objetos expostos em uma loja e o objeto a que é explorada pelo apelo do consumo dos anúncios publicitários Os objetos de consumo podem representar ser substitutos como objetos imaginários do objeto a ou seja ia O di nheiro como metonímia do capital aparece sempre como substituto desse objeto a A fantasia da prostituição Um breve comentário sobre a frase de Freud o dinheiro envolve poderosos fatores sexuais Isto significa dizer que o dinheiro é libidinal Sempre foi possível trocar dinheiro por sexo ontem as prostitutas hoje asos massagistas Nas relações dos profissionais do ramo o amor não está em jogo Pagase não apenas por se querer afastar o amor destas Capital e libido 85 relações mas sobretudo para que alguém se submeta às fantasias do pagante sem manifestarse como sujeito desejante O profissional do sexo tem toda uma série de jogos instrumentos que visam a colocar em cena a fantasia do cliente dando acesso desta forma ao gozo fálico É para obter esse gozo que o sujeito paga Pagase para que o Outro não faça surgir a dimensão enigmática de seu desejo que é o instrumento da função designada por Lacan como o desejo do analista O analista diferentemente da prostituta equivalência muito comum na análise quando no próprio gesto do pagamento o analisante sente a si mesmo ou ao analista como prostituta vai contra a fantasia do sujeito Longe de se submeter a esse enquadramento em que o indivíduo numa riqueza de detalhes sabe exatamente do que precisa para gozar ele faz surgir a dimensão do desejo do Outro como enigmática como um x O analista vai contra a fantasia do sujeito assim como vai contra o gozo no intuito de fazer surgir a dimensão do desejo marcado pela falta O gesto do analista de cobrar mostra que ele não está ali de graça e que não está interessado em fazer do analisante um objeto de seu gozo de suas pesquisas objeto de sua experiência clínica para por exemplo ingressar como membro em uma sociedade psicanalítica fazer sucesso nas jornadas clínicas etc Esse pagar mostra que algo do desejo do analista é também amoedável pelo dinheiro e que a análise está colocada dentro de um laço social Ao cobrar o analista vai contra o gozo do sujeito de duas maneiras não se submetendo à fantasia do cliente e mostrandolhe não gozar dele O dinheiro na análise tem portanto uma função de páragozo como se diz párachoque Divisão do sujeito e ética do analista O analista continua Freud no texto O início do tratamento pode indicar que as questões de dinheiro são tratadas da mesma maneira que as questões sexuais com a mesma incoerência pudor e hipocrisia Incoerência é o termo utilizado na tradução brasileira da Imago para a palavra alemã wiespaltigkeit cuja melhor tradução seria duplici dade que designa a qualidade de estar dividido bipartido onde se encontra a raiz de Spältung que Lacan traduz como divisão do sujeito 86 As 41 condições da análise As questões de dinheiro e as de sexo dividem o sujeito As respostas às questões de dinheiro assim como às de sexo são sempre individuais não há duas pessoas que tenham a mesma relação com o dinheiro Seguindo o texto Freud diz O analista portanto está determi nado desde o princípio a não concordar com esta atitude mas em seus negócios com os pacientes a tratar de assuntos de dinheiro com a mesma franqueza natural com que deseja educálos nas questões relativas à vida sexual Demonstralhes que ele próprio rejeitou uma falsa vergonha sobre esses assuntos ao dizerlhes voluntariamente o preço com que avalia seu tempo Contra o pudor Freud indica rejeitar a falsa vergonha e contra a hipocrisia demonstra franqueza Freud não toca na questão da duplicidade por ser ela inerente ao sujeito o quernão quer ligado ao desejo e o sou ricosou pobre ligado ao dinheiro estão sempre presentes Essa divisão se manifesta por exemplo no Homem dos Ratos em sua dúvida escolher entre a mulher rica e mulher pobre onde se manifesta sua Spältung Quanto à hipocrisia Freud rejeita a posição do filantropo desin teressado mostrando que assim o analista se sentiria prejudicado vindo a situar o analisante no papel de perseguidor ou seja daquele que o explora pois imaginaria esse outro o analisante como alguém a quem estivesse prestando um favor Freud fará a seguir todo um desenvolvimento contra a análise gratuita enfatizando seus malefícios Termina dizendo que nada na vida é tão caro quanto a doença e a estupidez Estabelece pois nitidamente não apenas que o preço da análise pode equivaler ao preço da doença mas que um pode amoedarse pelo outro A estupidez pode transformarse numa questão da psicanálise mas a princípio não é abordada frontalmente por Freud Se ele trata de algo parecido com a estupidez é quando aborda a inibição na neurose Por outro lado a questão da debilidade mental é tratada por Lacan no Seminário XI principalmente a partir de sua analogia com a psicose dado que em ambos se encontra a holófrase de S1 e S2 A doença diferentemente da estupidez é uma questão da psica nálise A Freud interessa saber como a doença e o sintoma em particular podem ser amoedados pelo dinheiro O sintoma é caro para o sujeito Se para o personagem de Marilyn o diamante é o melhor amigo da mulher o sintoma é o melhor amigo do neurótico Capital e libido 87 O lucro do sintoma O neurótico ama seu sintoma como a si mesmo porque este lhe é caro o que é constatável na análise em sua dificuldade em abandonálo uma vez que seu capital está investido no sintoma Entramos aqui no segundo sentido da palavra caro o primeiro é caro como amante o melhor amigo e o segundo é caro porque aí se encontra seu capital ou seja é aí que sua libido está investida É o que Freud denomina de benefício primário do sintoma e que Lacan chama de gozo do sintoma O neurótico com seu sintoma obtém dois tipos de benefício lucro na economia libidinal O benefício primário em que o sintoma é uma satisfação libidinal substitutiva sendo o melhor investimento do capital do sujeito Cair doente diz Freud envolve uma economia de esforço psíquico14 A doença é uma maneira de se fazer economia é a solução mais conveniente quando há conflito mental Ficar doente é invariavelmente a obtenção de alguma vantagem É a fuga para a doença O benefício secundário concerne à transformação da relação do sujeito com seu sintoma Este é sentido inicialmente como um corpo estranho ou hóspede indesejável segundo outra metáfora utilizada por Freud mas em seguida o sujeito acaba encontrando meios de tirar ainda mais vantagens dele além da satisfação pulsional que o sintoma proporciona A metáfora empregada por Freud para se referir ao benefício secundário concerne a nada mais nada menos do que a um benefício pecuniário Ele utiliza como exemplo o caso de alguém que em decorrência de um acidente ficou aleijado passando a viver da men dicância15 Ao se propor uma cura para o aleijão através de uma cirurgia o primeiro impulso do sujeito é recusála para não perder o benefício O sintoma entra então na intersubjetividade encontrando um lugar de endereçamento e o sujeito lucra com isso A falta de pernas do homem tronco representará o sujeito para o Outro social Mudar essa conjuntura significa tirar o que representa o sujeito S1 O benefício secundário do sintoma está portanto direta e expli citamente vinculado por Freud à questão do dinheiro 88 As 41 condições da análise A transferência de capital Na análise vemos a transferência de capital do sintoma para um objeto o analista Em vez de o sujeito se beneficiar recebendo uma pensão de invalidez por seu sintoma ele paga e seu capital é transferido ao analista Além desta transferência de capital em forma de dinheiro há a trans ferência de libido aqui tratada da mesma maneira O primeiro efeito da cura analítica é essa quebra esse corte perpetrado na economia de gozo do sujeito instando ao sujeito que abra mão de seu capital pecuniário Sabese o quanto é difícil fazer com que os analisantes venham mais vezes à análise ou seja fazêlos transferir ainda mais capital para o analista Essa resistência pode estar ligada ao registro da necessidade mas certamente está conectada ao registro da libido ao gozo associado ao sintoma O conceito de resistência que Freud atribui inicialmente ao consciente resistência ao trabalho analítico de decifração do inconsciente encontrará a partir da segunda tópica seu fundamento não mais ao nível do eu Freud descobre que a resistência mais poderosa provém do isso resistência em abrir mão do gozo incluído na doença impedindo os efeitos terapêuticos da análise podendo até levar à ruptura do vínculo analítico Na análise o sujeito paga por essa transferência de um banco seguro chamado sintoma a um Outro sem garantias Por melhor que sejam as indicações por mais amor que o saber suposto lhe confira este Outro é sempre sem garantias É natural que o sujeito resista a pagar com dinheiro e a largar a segurança do banco em que a sua libido está investida Se o dinheiro serve para amoedar o capital da libido o preço a ser pago para além do registro da necessidade não pode ser barateado É só quando o preço é elevado para aquele sujeito que ele pode equivaler ao preço do sintoma tendo cada analisante portanto o seu preço O analista não pode ter um preço fixo para todo e qualquer um que venha bater à sua porta pois isto seria situar sua práxis não no registro da libido e sim no da prestação de serviços não no registro da libido mas no do time is money Pagar o preço Se o sintoma é o melhor investimento de capital do sujeito o que o leva a buscar uma análise Capital e libido 89 A partir da questão do capital podemos tentar formular a consti tuição da demanda de análise Num primeiro tempo o sujeito considera que o preço que paga por seu sintoma lhe é demasiadamente caro no sentido de alto preço e não da alta estima O gozo do sintoma é paradoxal a satisfação libidinal aí implicada revelase como impossível de suportar quando se rompe a formação de compromisso do conflito em jogo no sintoma Tratase do momento em que o benefício secundário se desfaz e o real do sintoma impossível de suportar passa a superar a satisfação produzida pelo sintoma Quando isto ocorre o sofrimento causado por esse desequilíbrio da economia libidinal pode levar o sujeito a pensar em buscar uma análise Entretanto muitas vezes isto não basta para que alguém chegue a um analista Num segundo tempo o sujeito opta pelo deciframento desta cifra supondo um saber embutido no sintoma do qual ele é sujeito Podemos situar o efeito terapêutico verificado na clínica ao se iniciar uma análise nos três registros imaginário simbólico e real Esse efeito pode aparecer como o sentimento de alívio que o analisante experimenta neste momento Além do sofrimento que é o sinal da ruptura do compromisso é necessário para que o indivíduo procure análise que ele suponha no sintoma uma questão a ser decifrada questão que diga respeito à sua posição como sujeito sobre o sexo sobre a vida tal como a cifra de seu destino Essa suposição possibilitará a escolha do sentido próprio à operação de causação do sujeito denominada por Lacan no Seminário XI de alienação O sujeito opta pela decifração de sua alienação ao Outro do significante No registro imaginário podemos dizer que se trata do amor de transferência o registro da reciprocidade do amar e ser amado em que o sujeito ama e se sente levado em consideração em suas queixas e seu sofrimento No registro simbólico tratase da entrada do sujeito na cadeia significante propriamente dita ou seja da entrada na associação livre o sujeito encontra no analista o Outro a quem endereça sua produção significante O efeito real é um remanejamento da libido Tratase da transferência do sofrimento pelo preço pago com o sintoma para o sofrimento do bolso pois pagar implica também sofrimento privações sacrifícios cálculos etc Tratase de fabricar um objeto que se chama analista e o dinheiro se presta bem a isso pois se paga o 90 As 41 condições da análise analista para dele desfrutar O analista se vende como objeto que tem valor inicialmente contabilizável tanto por sessão Assim o analista é um objeto libidinalmente investido e que vai amoedarse com o dinheiro Pelo artifício da transferência o analista é um objeto de aluguel ele é alugado pelo analisante que paga por sessão a cada aluguel E para isso não cabe a economia pois a economia de dinheiro representa a economia de gozo que se expressa por uma retenção que infringe a regra de ouro da associação livre que vai absolutamente contra qualquer tipo de retenção Só há uma maneira de se fazer análise investindo tudo Assim nada pode ficar fora da análise A despesa de dinheiro deve acompanhar a despesa de libido que corresponde a uma hemorragia inicial de gozo do sintoma concomitante à sua transferência para o analista A trans ferência em análise além de ser transferência de significante como o explicita seu algoritmo formalizado por Lacan é transferência do capital da libido Por que o analista cobra Se não cobrássemos entraríamos no drama de Atreu e de Tiestes que é o de todos os sujeitos que nos vêm confiar sua verdade16 Não cobrar é entrar na tragédia do analisante como depositário de uma carta roubada da qual ele quer desvencilharse Ao receber as tragédias do analisante e ao fazêlo pagar por elas o analista tira o corpo fora da jogada17 A tragédia do século XVIII de Crebillon Atreu e Tiestes é escandida pelo estribilho Um desígnio tão funesto se não é digno de Atreu é digno de Tiestes Ele relata o caso de Atreu traído pelo irmão e em seguida assassinado pelo filho suposto e o caso de Tiestes que come seus próprios filhos Tratase de uma lenda da antigüidade em que dois irmãos inimigos lutam pelo trono de Micenas São irmãos fratricidas pois sob o estímulo da mãe mataram seu meioirmão filho do pai com uma ninfa Em Micenas quando fica vago o trono um oráculo aconselha o povo a escolher um dos dois irmãos Cada um deles propõe então uma aposta Tiestes propõe que fosse rei aquele que conseguisse mostrar um tosão de ouro Atreu aceita de imediato pois existia um carneiro Capital e libido 91 em seu rebanho que possuía um tosão de ouro que ele havia mandado cortar e o guardava num cofre Atreu contudo não sabia que sua mulher amante do irmão Tiestes o tinha roubado e ofertado ao amante Atreu perde quando Tiestes apresenta o tosão de ouro mas não descobre nada Zeus apiedase de Atreu e sopralhe que este proponha pois é sua vez de propor uma aposta que o verdadeiro rei seja aquele que mudar o curso do sol Zeus realiza a proeza Atreu graças ao favor divino vira rei e Tiestes é banido Mais tarde quando Atreu vem a saber da traição fraterna finge reconciliarse com o irmão e manda chamálo Mata em segredo três filhos de Tiestes esquarteja os despojos e faz com os pedaços um magnífico banquete que oferece ao suposto irmão pródigo Após Tiestes se refestelar Atreu mostra a cabeça dos três filhos e o bane novamente A tragédia de Crebillon termina aqui mas a lenda conta que Tiestes refugiase em Sicyane e engendra um filho Egisto com a própria filha Pelópia sem que esta o percebesse Pelópia casase em seguida com o tio Atreu e este confia a Egisto a missão de matar Tiestes Mas Egisto descobre a tempo que Tiestes é seu pai retorna a Micenas mata Atreu e dá o trono a Tiestes Não cobrar significaria entrar no drama de Atreu e de Tiestes como depositário do segredo valioso sem poder fazêlo circular Ao fazer o analisante pagar tratase de transformar algo da ordem do destino em objeto de troca os significantes empregados para cifrar esse gozo contando quantas vezes for necessário o horror de sua tragédia O destino aqui é figurado por uma orgia sanguinolenta de gozo incestuoso como no fundo são todas as histórias ou pelo menos como são vivenciadas por aqueles que as narram O sujeito vem prestar contas de seus crimes e para tal ele paga com dinheiro maneira de colocar em movimento a dívida simbólica dívida que o sujeito paga pela entrada no simbólico Ao fazer pagar o analista mostra que não está ali por amor por sacrifício ou por ideal e muito menos para gozar das histórias escabrosas dos pacientes Isto é importante sobretudo no que tange ao amor de transferência em que como se verifica na clínica do amor amar é querer ser amado Desde que desponta o amor de transferência surge a demanda de amor Para além desse amor de transferência o que está 92 As 41 condições da análise em jogo é o cerne do amor ou seja a questão o que sou como objeto para o Outro em que o analista será convocado a esse lugar do Outro que goza do sujeito como um objeto Fazer pagar é significar que o analista não se interessa pelo sujeito como objeto mas que para ser o depositário das histórias de alto valor do sujeito ele quer dinheiro com o qual poderá escolher os objetos que quiser O analista é depositário das cartas roubadas dos analisantes cartas que não chegaram a seu destinatário e que são transferidas ao analista O peso da responsabilidade de ser o depositário dessas cartas é contra balançado pelo dinheiro pois ao fazermos pagar neutralizamos a res ponsabilidade dessa transferência fazendoa equivaler ao significante mais aniquilador de significação o dinheiro O analisante paga com dinheiro e paga à vista aodo analista o preço devido por têlo constituído como cofre precioso de seus males e bens O preço tem como função amortecer algo de infinitamente mais perigoso do que pagar em dinheiro que consiste em dever algo a alguém18 O analista também paga nos diz Lacan em A direção da cura e os princípios de seu poder19 Ele paga nos três registros Simbólico Imagi nário e Real S com palavras a interpretação I com sua pessoa prestandose aos fenômenos decorrentes da transferência apagandose como eu R com seu ser em seu ato anulandose como sujeito no faz deconta de ser objeto a E o que o analisante e o analista dão cada um Poderíamos dizer que o analisante dá o seu amor o amor de transferência Só que na dinâmica do amor e na dialética do dar o amor é dar o que não se tem dar por exemplo seu tempo quando não se o tem para nada ou dar a eternidade como André Gide para Madeleine Mas o amor de transferência é efeito da demanda intransitiva que o analisante dirige ao analista amar é demandar amor Daí o dar amor da transferência se reduzir à outra face da demanda que cabe ao analista suportar como insatisfeita com sua recusa para que desfilem os significantes em que se detiveram as frustrações do analisante Capital e libido 93 Mas não é com amor que se paga o amor Pois se amar é dar o que não se tem o que o analista teria a dar é nada Mas mesmo esse nada diz Lacan ele não dá E paradoxalmente para esse nada que ele não dá o analista faz o analisante pagar e pagar bem senão o analisante não o julgaria precioso20 O analista como o Outro do amor a quem o analisante dirige suas demandas é valioso por ser suposto deter o objeto precioso causa de seu desejo a É por esse objeto valioso agalma que o analista é suposto deter e que ele não só não dá como tampouco possui é por esse objeto que é nada que o analisante paga Isto se resume na frase evocada no Seminário XI ilustrando o paraalém do amor de transferência Eu te amo mas como inexplica velmente amo em ti algo mais do que tu o objeto a eu te mutilo21 A obsessionalização do pagamento como se fosse um salário recebido por serviços prestados no final do mês é correlata à prática do contra bando modulação do desejo do obsessivo em que se tenta para driblar o Outro entrar em negociação do tipo um preço com recibo outro preço sem recibo etc Na análise só há um recibo é a forma com que cada analista significa ao analisante que o que foi dito está dito sem poder ser desdito o sujeito é responsável pelo seu dito Eis o que o psicanalista com sua pontuação anuência ou seu corte da sessão significa ter recebido Em última instância o recibo do analista é o próprio corte da sessão Por intermédio do corte ele significa ter recebido aquilo que o analisante lhe depositou Nesse sentido o recibo vem antes mesmo do gesto de pagamento A o Outro do Amor a 94 As 41 condições da análise O ato psicanalítico e o fim de análise Capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões impossíveis quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios As outras duas conhecidas há muito tempo são a educação e o governo Evidentemente não podemos exigir que o analista em perspectiva seja um ser perfeito antes que assuma a análise ou em outras palavras que somente pessoas de alta e rara perfeição ingressem na profissão Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir as qualificações ideais de que necessitará sua profissão A resposta é na própria análise com a qual começa sua preparação para a futura atividade Análise terminável e interminável Sigmund Freud Para Freud toda análise é terapêutica tanto para aquele que quer se curar de algo quanto para aquele que se propõe a ser analista A distinção portanto entre analistasterapeutas e analistasdidatas análise e análi sedidática em uso nas sociedades ipeístas e similares merece ser interrogada Para Lacan toda análise é didática quando levada a seu término pois ela produz um analista Se com Freud aprendemos que a própria análise do analista é a condição para seu exercício com Lacan descobrimos que o próprio processo analítico pode conduzir o sujeito a um ponto em que de analisante ele vira analista deixando supor que a ultrapassagem desse momento de passe correspondente ao final da análise é a condição 95 do ato de tornarse analista O ato psicanalítico por excelência é aquele em que o analisante passa a analista Disto se deduz que só é possível encontrarse o ato analítico no início da análise de cada paciente caso ele tenha se realizado para aquele analista no final de sua própria análise Ao dirigir uma análise os atos do analista trazem a marca dessa passagem mesmo quando a travessia fracassa e desemboca no fazdeconta do ato psicanalítico Neste capítulo propomos a hipótese de que o modo de o analisante sair da análise determinará seu modo de agir quando analista sendo necessário portanto articular a doutrina do final de análise com a do ato psicanalítico O seminário sobre o Ato psicanalítico é contemporâneo da chamada Proposição de 9 de outubro de 1967 texto em que Lacan extrai conseqüências institucionais da teoria do fim da análise sustentando que a qualificação do psicanalista só pode ter seu suporte na tarefa terminada do analisante O ato psicanalítico é o ato realizado a partir do advento do sujeito como objeto quando o sujeito se destitui como analisante para instituirse como analista podendo suportar bancar o objeto causa de desejo para um analisante É este mesmo ato que uma vez deposto o sujeito suposto saber encarnado pelo analista fará esse analisante reinstaurálo já como analista para um outro sujeito ao dar início a uma análise O ato psicanalítico fornece a estrutura da sentença lacaniana de estilo présocrático o analista só se autoriza por si mesmo É essa estrutura do ato analítico no final de análise que se opõe ao final de análise pela identificação com o psicanalista O incurável da castração Em seu texto sobre a questão do término da análise Freud faz a experiência psicanalítica desembocar no rochedo da castração angústia de castração para o homem e inveja do pênis Penisneid para a mulher Para Freud o que se encontra no horizonte da análise é uma falta que desvela a negativização do falo para ambos os sexos Esse impasse da castração é sem dúvida inassimilável para o sujeito Lacan ao se perguntar se tal impasse é realmente intransponível propõe uma teoria de seu ultrapassamento a partir do conceito de fantasia que 96 As 41 condições da análise sustenta o desejo para o sujeito constituindo a ficção fixão do gozo ao qual está subordinado1 O dispositivo freudiano da associação livre é o que responde ao estatuto do inconsciente estruturado como uma linguagem impondo ao analisante a tarefa da decifração do saber inconsciente sustentada na transferência pelo analista Na associação livre o analisante se experimenta como sujeito que nenhum significante é capaz de representar a não ser para outro significante pois nenhum significante é capaz de dizer o que é o sujeito que é ele mesmo significante riscado da cadeia Nesse exercício do cumprimento da regra fundamental o sujeito se experimenta como faltante sob dois aspectos Por um lado falta o significante que diria o que ele é Os significantes identificatórios do sujeito têm na análise o destino de perderem sua função ou pelo menos de terem sua função abalada revelandose tal como são significantes que não definem o sujeito mas aos quais ele está assujeitado Não falta porém ao sujeito apenas o significante que o definiria mas o próprio ser o sujeito é faltaaser Levar o sujeito ao ponto de se experimentar como falta corresponde a chegar ao que Freud designou por rochedo da castração o ponto incurável do sujeito2 Para Lacan tratase menos de um impasse do que de um ponto de chegada do processo o sujeito não se cura de sua divisão Fazer da castração sujeito é o dever do analista Este ser que lhe falta é o que sua fantasia a lhe indica como sendo o objeto com o qual ele como sujeito se encontra em conjunção e disjunção objeto condensador de gozo objeto a A vertente da análise que implica a decifração do inconsciente e o sujeito como efeito do significante é interminável Jamais se poderá saber tudo devido ao recalque primário Só a partir do ponto da estrutura fora do significante onde se denota o ser do sujeito é que um final de análise é possível Chegar a esse ponto é a condição do ato analítico em que o objeto é ativo e o sujeito subvertido A partir dessa definição podemos escrever o matema do ato analítico com a parte superior do discurso do analista a em que o objeto a é o agente operador do ato analítico Para que o analista em seu ato faça com que o objeto seja ativo na experiência ele mesmo enquanto ser no fazdeconta e não como sujeito deve vir presentificar esse objeto para o sujeito do O ato psicanalítico e o fim de análise 97 analisante Como cumprir essa função sem ter ele mesmo passado pela experiência em sua própria análise de reconhecerse como objeto de gozo causa de horror e desejo É a partir do objeto a que se situa a vertente terminável da análise Ao preparar o novo analista o final de análise traz em si esse passe cujo momento Lacan propôs apreender através de um dispositivo institucional particular de mesmo nome fora da transferência O dispositivo do passe O passe é portanto o nome desse momento do final de análise em que o analisante vira analista e também o nome do procedimento inventado para que o testemunho dessa passagem seja acolhido pela instituição psicanalítica ou seja por uma Escola de psicanálise Em 1967 três anos após ter fundado a Ecole Freudienne de Paris Lacan fez em outubro sua famosa proposição de instaurar a nível institucional um dispositivo complexo que desse conta da maneira pela qual uma pessoa se torna analista É em torno do passe que é articulada na Escola de Lacan a questão da garantia institucional pela vinculação da análise pessoal com a transmissão da psicanálise ou seja a análise em intensão e a análise em extensão Os princípios de funcionamento do passe foram votados e adotados em 1969 em Assembléia Geral a partir de um texto escrito por Moustapha Saphouan e colaboradores3 Esse dispositivo tem por função autenticar o passe experimentado na análise e produzir um saber sobre ele sendo de certa forma o contrapeso institucional e paradoxal ao aforisma o analista só se autoriza por si mesmo Contrapeso com o qual a Escola junto à designação de AME Analista Membro da Escola título com que reconhece os membros que tenham dado prova de serem analistas garante a relação do analista com a formação que ela fornece4 O passe sem ser obrigatório é o dispositivo que permite a verificação de que o analista só se autoriza por intermédio do analisante que ele foi e pelo passo dado ao decidir colocarse no lugar de analista para um outro sujeito Aqueles que dão seu testemunho desse momento do passe verificado e autenticado por um júri recebem o título de AE Analista da Escola O princípio consiste em que um sujeito designado passante 98 As 41 condições da análise dê testemunho de sua análise a dois passadores escolhidos numa lista por sorteio que por sua vez transmitirão o que escutaram ao júri a quem cabe a decisão da nomeação O passante não encontra aqueles que autenticarão ou não seu passe com o título de AE O passador é designado sem ter sido consultado por seu analista por se encontrar no momento de passe em sua própria análise estando portanto apto a recolher a fala dos passantes e transmitila ao júri O passe subverte totalmente o que até então constituía nas sociedades ipeístas a questão da formação do analista baseada numa préseleção dos candidatos na indicação de analistas didatas devidamente habilitados e no testemunho do analista sobre o desempenho do analisante O passe propõe que o analisante seja ele mesmo a testemunha de seu processo e que elabore um saber sobre sua passagem a analista A questão da seleção prévia à candidatura do analista se desloca para a questão de um depoimento seguido de verificação posterior à análise baseado não num saber prévio mas num saber a ser elaborado sódepois de terminada a experiência analítica A Proposição diz E Roudinesco constitui sem dúvida um dos atos mais inovadores da história da psicanálise em matéria de formação Lacan quer assim reintroduzir o que se ensina ou transmite no divã como único princípio de acesso a uma função que tendia até então a não ter nada mais de comum com a especificidade da psicanálise5 Desde sua invenção o passe sempre foi causa de debates polêmicas e até mesmo de cisões como a saída em 1968 dos analistas da EFP que fundaram o Quarto Grupo liderado por P Aulagnier F Perrier JP Valabrega Tanta celeuma não será por ser o passe o dispositivo institucional que se propõe a acolher algo do real impossível de suportar em jogo na análise e portanto na formação do analista para daí se elaborar um saber Após o diagnóstico de Lacan em Deauville em 1978 de que o passe na EFP era um fracasso e posteriormente a sua dissolução a Escola da Causa Freudiana ECF fundada sob o signo da contraex periência decidiu reabilitálo em 1983 retomando os princípios da Proposição mas introduzindo modificações a partir das indicações de Lacan de 22 de dezembro de 1980 a Claude Conté e JacquesAlain Miller6 1 O antigo júri foi substituído por uma dupla comissão do passe constituída por dois cartéis do passe que têm a função de receber O ato psicanalítico e o fim de análise 99 o depoimento dos passadores deliberar e nomear ou não o passante com o título de AE Eles se renovam de dois em dois anos segundo o princípio da permutação sendo cada cartel composto por cinco pessoas 41 das quais três analistas entre eles pelo menos um é AE e dois passadores 2 AE que era na EFP título permanente passou a ser título provisório para evitar a constituição de uma casta de duração de três anos durante os quais conforme a Proposição ele testemunha dos problemas cruciais nos pontos vivos em que se encontram para a psicanálise 3 Os passadores deveriam ser designados pelos AME os quais por sua vez seriam nomeados por uma Comissão de garantia 4 Foi constituído um secretariado da comissão do passe que deveria receber as demandas de passe e estabelecer a lista dos passadores indicados7 Não é nosso propósito aqui discutir as questões institucionais que se colocaram e que se apresentam atualmente na ECF em relação ao passe mas tãosomente indicar seu atual funcionamento já que nada garante que não se modifique em função da experiência Mas é impor tante assinalar que um tal dispositivo cuja complexidade é evidente não poderia ter sido inventado sem haver concomitantemente uma elaboração de saber sobre o final de análise mesmo que este precisasse ser confirmado testado avalizado pelas diversas instâncias do dispositivo principalmente os cartéis do passe e os AE Inútil indicar diz Lacan que esta proposição implica uma acumulação da experiência sua colheita e sua elaboração uma seriação de sua variedade uma notação de seus graus A Escola de Lacan como instituição psicanalítica que garante a formação dos analistas é solidária portanto da concepção de que se tornar psicanalista não é uma escolha profissional mas uma virada ou uma passagem que se realiza no interior de um processo analítico que pode ser verificado por um dispositivo institucional conforme à estrutura desse momento de passe no dispositivo analítico O passe como dispositivo tem o caráter de proposição não sendo absolutamente uma obrigação para ninguém mas a Escola deve ofere cêlo a quem quiser utilizálo O passe não é prescrito como um dever é oferecido como um risco Ele supõe que se confie na teoria do passe nos passadores no júri em Lacan na Escola e até mesmo no espírito da psicanálise8 A aposta de Lacan no passe era tão veemente que chegou a propor em 1974 a um grupo de italianos a constituição de 100 As 41 condições da análise uma Escola cujo acesso fosse possibilitado por intermédio desse dispo sitivo mesmo correndo o risco de que não entrasse ninguém e de que não se constituísse a instituição9 Nesse mesmo ano de 1974 ele dizia em seu Seminário que sua formulação o psicanalista só se autoriza por si mesmo deveria receber complementação dado que se é certo que não se pode ser nomeado para a psicanálise isto não quer dizer que qualquer um possa entrar lá dentro como um rinoceronte numa porcelana E não escondia que esperava muito de sua Escola quanto à questão sobre o que constitui um analista espero que alguma coisa seja inventada Não estaria Lacan enfatizando aí o papel da instituição na psicanálise em intensão Ele chegou a indicar a partir dos quantificadores lógicos empregados nas fórmulas da sexuação que mesmo se autorizando por si mesmo ele não pode por isso igualmente deixar de se autorizar por intermédio de outros10 Esse aspecto paradoxal da autorização do analista apontado elaborado e jamais abandonado por Lacan revolucionou inteiramente a maneira de pensar a formação do psicanalista e a estrutura das instituições psicanalíticas seus efeitos se fazem sentir até nas sociedades mais tradicionais dos países em que há uma difusão do ensino de Lacan Cabe dizer que ainda hoje o desafio e os paradoxos do passe estão longe de ter dado todos os seus frutos O fim da partida Na Proposição em que Lacan articula o passe e seu dispositivo ele elabora as coordenadas lógicas e clínicas do início e do final da análise Como vimos no primeiro capítulo o matema do início da análise é o algoritmo da transferência Entretanto não encontramos na obra de Lacan nada parecido com um matema do fim da análise mas somente algumas indicações precisas e um dispositivo institucional para que um saber sobre esse fim possa ser constituído a partir da experiência do passe O início da análise com a articulação significante de transferência S Sq é marcado pela instituição do sujeito suposto saber como efeito de significado que é no entanto o próprio pivô da transferência O ato psicanalítico e o fim de análise 101 A essa transferência de significante corresponde a lógica de agalma delegada ao analista na posição do Outro do amor e do saber Agalma é o que sustenta na transferência a conjunção do sujeito suposto saber com o sujeito suposto desejar O fim da partida quando se dá a metamorfose do sujeito pode ser articulado ao ato analítico a partir de duas expressões utilizadas por Lacan a destituição subjetiva e a travessia da fantasia A destituição subjetiva Numa análise só há lugar para um sujeito o sujeito do inconsciente que fala pela boca do analisante O analista não deve portanto competir com o analisante por esse lugar lançando mão por exemplo dos efeitos do discurso do analisante sobre sua pessoa isto é sua divisão ou em outros termos sua contratransferência O que permite ao analista abrir mão de sua condição de sujeito na condução da análise é o processo que em sua própria análise o levou à destituição subjetiva quando de seu término A destituição subjetiva corresponde à queda dos significantesmes tres que representavam o sujeito significantes da identificação ideal advindos do Outro IA Não é raro esse processo de desidentificação ser experimentado como um momento de despersonalização por se verem abalados os ancoramentos simbólicos do sujeito que é liberado do jugo das identificações Os significantes não cumprem mais a função de responder tamponando a questão do Quem sou transmutada em Que sou para o desejo do Outro Perdendo os significantes que o subjugam o sujeito é reduzido à sua divisão e o que se presentifica S1 é o objeto que ele é e foi estruturalmente para o Outro O sujeito se sabe então pura falta enquanto e puro objeto enquanto a Essa falta correlata à castração e esse objeto causa de desejo têm a mesma estrutura a que condiciona a divisão desse sujeito11 A destituição subjetiva corresponde ao advento do ser Sendo o sujeito faltaater e faltaaser no final da análise é em ou em a que aparece seu ser diz Lacan na primeira versão da Proposição acrescentando que é esse ser do agalma do sujeito suposto saber que 102 As 41 condições da análise arremata o processo do psicanalisante em uma destituição subjetiva Ela é correlata ao desvanecimento do Outro o sujeito se depara com a castração com a falta do Outro que desvela sua inconsistência a barra sendo colocada no Outro A é do Outro continua Lacan que cai o a e no Outro que se abre a hiância do Isso implica que do ponto de vista do analisante o analista é atingido em sua dimensão de Outro aparecendo cada vez mais na posição de resto reduzindose a um significante qualquer A destituição subjetiva é também destituição do sujeito suposto saber pivô da transferência o que promove a dissipação do amor transferencial perdendo o analista a causa da transferência agalma O analista perde o valor de objeto precioso de maravilhamento para adquirir o valor de dejeto rebotalho do processo analítico O advento do ser correlato à destituição subjetiva do analisante corresponde no analista a um efeito de desser ele é deixado largado como ser pelo analisante É esse final de análise quando o analisante sabe ser um rebotalho12 a condição para que ele quando for analista conduzindo a análise de outros sujeitos possa também ser largado no final como o dejeto da experiência Travessia da fantasia Outra maneira de abordar essa metamorfose do sujeito é o que Lacan designou por travessia da fantasia Atravessar a fantasia fundamental não significa eliminála como se fosse uma pedra no rim ou fazêla desaparecer esfarelandoa e sim percorrêla para que o sujeito possa experimentarse nos dois pólos que ela encerra o do sujeito e o do objeto a Como sujeito foi isso o que ele fez o tempo todo de sua análise experimentarse como faltante como aquele a quem falta o complemento que a fantasia preenche A travessia da fantasia corresponde à destituição subjetiva pois significa essencialmente ir para além dela para que o sujeito se reconheça num sou conectado ao objeto objeto que subverte o sujeito A destituição subjetiva diz Colette Soler é fazer o sujeito reconhecerse como objeto13 A travessia da fantasia corresponde à destituição subjetiva na medida em que é a fantasia que sustenta a O ato psicanalítico e o fim de análise 103 instituição subjetiva a posição do sujeito na fantasia ou seja sua relação com o objeto é assegurada por suas identificações14 A fantasia é o que dá o enquadramento da relação do sujeito com a realidade sua janela para o mundo É dela que o sujeito tira a segurança do que fazer diante das situações que a vida lhe apresenta A análise ao levar o sujeito a atravessar a fantasia promove um abalo e uma modificação nas relações do sujeito com a realidade levandoo a uma zona de incerteza pois ele é largado pela âncora da fantasia liberado das amarras das identificações que mapeavam sua realidade Nesse momento nada pode escamotear sua castração Esse sujeito destituído encontrará sua certeza em seu ser de objeto Sou essa voz da garganta afônica do Outro essa merda ejetada por seu furo esse objeto a devorar por sua boca esse olhar penetrante a me fuzilar Revelação de um ser em contraposição ao sujeito que ao obedecer ao diga tudo da regra fundamental só aparece como falta de ser aquilo tudo que é dito A partir dessa experiência de ser o sujeito poderá esvaziar esse objeto do gozo do Outro que lhe sustenta a fantasia O objeto se desvela como não apresentando consistência alguma a não ser lógica como produto de elaboração no final da análise Com essa operação de esvaziamento de gozo o sujeito pode saberse um rebotalho e lidar com seu ser de objeto para dele poder se separar Esse objeto uma vez separado decaído perde todo privilégio e literalmente deixa o sujeito sozinho15 Tratase aqui de uma dessubstantificação do objeto onde o que conta não é o próprio objeto mas a função desse objeto em sua relação com a divisão do sujeito16 O que está em jogo na travessia da fantasia no final da análise é a perda do ser de toda sua substância de objeto O fim de análise deve permitir ao sujeito renunciar ao que lhe dava a impressão em sua fantasia de lhe oferecer esse complemento de ser A travessia da fantasia implica a sua construção axiomática cujo modelo se encontra no Batese numa criança onde Freud nos revela em sua desconstrução um sujeito na posição de objeto de sevícias do Outro Esse duplo movimento de construção e desconstrução permitirá que a experiência da fantasia fundamental como diz Lacan se torne a pulsão17 O aspecto acéfalo da pulsão onde não se encontra o sujeito é correlato à acentuação do circuito pulsional em redor do objeto 104 As 41 condições da análise No final da análise é presentificado o trajeto pulsional que arrematando seu fecho subverte esse sujeito fazendo dele o objeto da pulsão Nesse fim os enunciados do analisante e os sonhos giram em torno dos significantes da pulsão constituindo um turbilhão em torno do vazio inominável de seu ser de objeto O ato psicanalítico A destituição subjetiva e a travessia da fantasia criam a condição da possibilidade do ato analítico dado que no ato não há sujeito O ato analítico apresenta as mesmas características de qualquer ato desenvol vidas por Lacan em seu seminário sobre o tema 1 O ato apresenta uma dimensão de linguagem tal como se encontra na descrição por Freud tanto do ato falho uma fala recalcada quanto no agieren com seu aspecto de fala impossível e por isso mesmo atuada 2 O ato é promotor de ultrapassamento franqueamento provocando uma mu dança radical no sujeito pois no que se refere a ele nada será como antes 3 O ato é acéfalo pois o sujeito não é agente de seu ato ele é agido Estas três características encontramse condensadas na resenha desse Seminário O ato vem no lugar de um dizer pelo qual ele muda o sujeito18 Esse sujeito caracterizado pelo pensamento que é o sujeito do inconsciente e cuja associação livre o desvela como faltaaser está ausente do ato psicanalítico O sujeito que pensa não age O ato está do lado do ser e é correlato a um não penso que completamos com o cogito lacaniano por um não penso logo sou Não existe portanto subjetivação do ato a não ser a posteriori só depois do ato o analista poderá interrogarse sobre o que o fez agir e dar a razão desse ato em uma construção a O ato psicanalítico e o fim de análise 105 Se o ato é desvinculado do pensamento é por ser incompatível com a hesitação que denota a divisão do sujeito Para o neurótico como nos ensina Hamlet o ato é difícil de ser realizado ou bem ele o posterga como faz o obsessivo que em vez de realizar o ato pensa sob a forma da dúvida ou bem já perdeu a oportunidade como é o caso da histérica que também em vez de agir pensa mas sob a forma da queixa de têla deixado passar Não há saber do ato analítico Este se realiza num momento em que o sujeito não se encontra aí O aspecto acéfalo do ato analítico é correlato do acéfalo da pulsão O sujeito na verdade é sempre ultra passado por seu ato que enquanto tal é tão incalculável quanto incontrolável Um sujeito diz Lacan cujo ato o ultrapassa isso não é nada mas se ele ultrapassa seu ato tratase da incompetência do psicanalista Ultrapassar seu ato é predeterminálo de antemão prevêlo e até mesmo cronometrálo Encontrase então excluído do âmbito da análise todo tipo de previsão de timing de fixação prévia de prazo por exemplo para se terminar a análise O que regula o ato está para o lado do ser do sou onde não penso e portanto do nãosaber a priori uma vez que o saber está do lado do penso ou seja lá onde se encontra o inconsciente Como diz Freud na Psicopatologia da vida cotidiana O sujeito realiza o ato sem pensar em nada de uma maneira puramente acidental Dar alta de análise contraria o ato analítico pois implica considerar que o analista sabe demonstrando que o sujeito suposto saber aí não foi tocado Enquanto que o ato analítico é aquele que é realizado pelo analisante no momento do passe em que ocorre a dessuposição do saber que o analisante deposita no analista O ato psicanalítico escreve Lacan é promotor de escândalo pois revela a falha entrevista do sujeito suposto saber Em suma o ato psicanalítico só encontra seu princípio em um outro ato o do analisante que ele foi E a cada ato do analista ele renova esse ato inaugural Mas é fato que abrir um consultório aceitar demandas de análise declararse psicanalista e começar a atender na grande maioria dos casos é um ato anterior ao final de análise e ao passe propriamente dito Sódepois o analista encontrará a razão desse ato em sua própria análise quando sobrevirá o ato analítico no momento de concluir Será que 106 As 41 condições da análise um sujeito pode funcionar como psicanalista se sua fantasia não foi tocada em análise O que fará ele com seus analisantes Se sua fantasia não foi atravessada no sentido de uma desarticulação entre sujeito e objeto o analista tenderá a se situar em um de seus pólos colocando o analisante no outro Se ele se situa como sujeito o analisante virá no lugar do objeto de sua fantasia a acentuando a densidade fantasiosa com que o neurótico se defende da confrontação com o desejo enigmático do Outro Se o analista se situa como objeto e o analisante como sujeito a ele estará reproduzindo a estrutura da fantasia perversa19 Ocupar o lugar de objeto da fantasia para o analisante é distinto de bancar o objeto no fazdeconta ocupando o lugar de agente do discurso analítico a Na hipótese de o analisante interromper sua análise sem ter atravessado a fantasia mas provocando um curtocircuito da fantasia em vez do ato analítico teríamos o actingout ou a passagem ao ato Essa hipótese vai ao encontro da experiência de Jo Attié como membro do cartel do passe no qual nenhum passante foi nomeado AE Segundo ele a partir dos testemunhos dos passadores são encontradas essas duas modalidades de ato num suposto final de análise20 A interrupção da análise por um actingout que é uma transferência sem análise levará a uma perenização da transferência21 pois não foi operada a dissolução do sujeito suposto saber que é seu pivô O actingout sendo uma mensagem dirigida ao Outro implica sempre o sujeito suposto saber Nesta modalidade de interrupção o sujeito traz à cena o objeto de sua fantasia numa atuação Uma analisante histérica chegou por exemplo em um ponto de sua análise em que a vivência da faltaaser concomitante à angústia que a acompanhava era escamoteada pelas queixas relacionadas à falta ater Até o momento em que se deparou com o furo no real provocado pela morte de uma figura do Outro reatualizando a fantasia de devoração pelo olhar Após a ausência necessária para em outro país participar dos ritos funerários voltou disposta a interromper a análise mas a continuar a me ver propondome a solução de comer fora Diante de minha recusa não mais voltou Essa interrupção de análise trouxe à cena o objeto da pulsão ilustrando a comparação que Lacan faz entre o actingout e o caso dos espectadores que sobem ao palco O ato psicanalítico e o fim de análise 107 Supomos que a modalidade de interrupção da análise pelo analisante marcará seus atos como analista Assim o analista do actingout ao acentuar o objeto a em uma encenação faz com seu ato um endere çamento ao Outro para lhe devolver o objeto que lhe pertence O analista situaria então o analisante no lugar do Outro a quem ele dirige a mensagem cifrada de sua atuação numa mostração de sua própria pulsão Se o ato analítico está à mercê do actingout22 é a nosso ver pelo fato de o analista estar tanto num como no outro do lado do objeto sendo que toda diferença reside entre o bancar o a do primeiro e o mostrar o a do segundo Quanto à passagem ao ato o sujeito pula fora da cena por estar de forma maximal apagado pela barra num momento de maior embaraço O analista do lado do sujeito apagado riscado de sua fantasia tenderá a transformar seus atos numa passagem ao ato situando o analisante como objeto de sua divisão de seu embaraço A passagem ao ato do analista se dá quando este está afetado pelo analisante Em outros termos quando o analista age e não cala a sua contratransfe rência Em ambos os casos o analista age movido não pela certeza do ato psicanalítico mas pela segurança que lhe garante a fantasia Só a segurança da fantasia poderá suprir a certeza do ato23 O desejo de saber O final da análise é contemporâneo da destituição do sujeito suposto saber Se o sujeito como vimos é destituído de suas identificações e do objeto que o complementa na fantasia ele também é desvinculado do saber Qual o destino do saber no final da análise Antes da análise o recalque determina o horror de saber não quero nem saber do que se trata no meu sintoma A instauração do sujeito suposto saber na entrada da análise promove a transformação de horror em amor que se dirige ao saber a transferência No final da análise com a queda do sujeito suposto saber o parceiro se desvanece por não ser mais do que saber vão de um ser que se furta ocorrendo então a dissipação desse amor pois o analista perdeu agalma 108 As 41 condições da análise Por parte do analisante o ser do desejo reencontra o ser do saber constituindo uma fita de Möebius onde se inscreve a falta que sustenta agalma24 Essa vinculação faz emergir o desejo de saber Não há analista diz Lacan a não ser se esse desejo vier a ele25 definindo o analista como o sujeito a quem adveio no final da análise o desejo de saber que é o nome mais apropriado mais adequado para se designar o desejo do analista26 Em 1964 Lacan definia no Seminário XI o desejo do analista como um desejo de obter a diferença absoluta ou seja de levar o sujeito a se confrontar com o significantemestre ao qual está assujeitado S1 Em 1974 o desejo do analista é definido como desejo de saber que paradoxalmente é relacionado a saber ser um rebotalho podendo o analista fazerdeconta de a para um outro sujeito condição do ato analítico Se não há saber do ato analítico este não deixa de estar em relação com um saber 1 O saber adquirido na própria análise pessoal em que o analista como analisante experimentouse como objeto e se separou dele esva ziandoo de gozo E também saber relativo ao impossível a ser dito ao impossível da relação sexual 2 Saber adquirido do inconsciente de seu analisante que se vai depositando naquela análise específica e que poderíamos denominar como o saber que envolve as relações do sujeito com o objeto a É o saber que virá ocupar da verdade que sustenta o ato analítico tal como está formulado no matema do discurso analítico a S S2 S1 Lacan nos deixou como tarefa a investigação sobre o final de análise para tentar responder às questões O que faz um sujeito ao terse experimentado como objeto e se separado de seu gozo querer bancar esse objeto para um outro sujeito O que faz um sujeito após ter percebido a futilidade da suposição de saber atribuída ao Outro restituir o sujeito suposto saber no lugar de analista para um sujeito O ato psicanalítico e o fim de análise 109 O passe como dispositivo não é apenas uma possibilidade de verificação de final de análise e elaboração de um saber transmissível sobre os destinos do sujeito na análise mas um dispositivo capaz de recolher um saber novo sobre um desejo inédito o desejo do analista 110 As 41 condições da análise Notas Notas Introdução 1 Freud S O início do tratamento ESB Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio Imago 197580 vol XII pp163187 2 Freud S Frau Emmy von N ESB vol II p 107 3 Freud S Esboço de psicanálise ESB vol XXIII p 201 4 Donnet JL La psychanalyse et la Société psychanalytique de Paris en 1988 Présentation à lusage dun lecteur profane Revue Française de Psychanalyse no III Paris PUF 1988 5 Cf Les recommendations dEdimbourg de 2861 condições para que a Société Française de Psychanalyse seja aceita como instituiçãomembro da IPA uma delas sendo a exclusão de Lacan da lista dos didatas e Lexcommunication Ornicar Paris Navarin 1977 pp1921 6 Cf Directive de Stockholm Lacan não se conforma às recomendações de Edimburgo em sua prática analítica com os candidatos em formação Lexcommunica tion Ornicar Paris Navarin 1977 pp 8182 7 Jornadas de Cartéis 1975 Lettres de l EFP no 18 8 Lacan J Comptes rendus denseignements lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 Paris Navarin 1984 Capítulo I As funções das entrevistas preliminares 1 Lacan J O Saber do Psicanalista ciclo de conferências inédito 2 de dezembro de 1971 2 Ver capítulo III Que tempo para a análise 3 Lacan J Écrits Seuil Paris p 617 4 Lacan J Conférences et entretiens dans les universités nordaméricanes Scilicet nos 67 Seuil Paris 1976 p 33 5 IRMA Clínica Lacaniana textos da revista Ornicar reunidos por Manuel Barros da Motta Jorge Zahar Editor 1989 pp 6979 6 Lacan J Radiophonie Scilicet no 23 Seuil Paris 1970 p 89 7 Lacan JComptes rendus denseignements lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 Paris Navarin 1984 p 18 8 Lacan J Le Séminaire livre III 19551956 Paris Seuil 1981 p 285 111 9 Lacan J Ouverture de la Section Clinique Ornicar no 9 Seuil 1977 p 12 10 Cf Quinet A Clínica da Psicose Fator Salvador 1990 11 Lacan J Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos Walter Verlag Falo no 1 Salvador Fator 1988 p 10 12 Ibid 13 Lacan J Écrits p 589 14 Ibid p 315 15 Ibid p 811 16 Ibid p 824 17 Ibid p 633 18 Lacan J Le Séminaire livre XVII Lenvers de la psychanalyse Seuil 1991 p 150 19 Lacan J Écrits p 824 20 Lacan J Le Séminaire livre III Seuil 1981 pp 191192 e 283 21 Freud S Fragmento de análise de um caso de histeria ESB vol VII p 26 22 Cf Freud S Rascunho K ESB vol I 23 Lacan J Proposition du 9 octobre de 1967 sur le psychanalyste de lEcole Scilicet no 1 Seuil 1968 pp 1430 24 Miller JA Entrada em análise Falo no 2 Fator 1988 25 Lacan J La méprise du sujet supposé savoir Scilicet no 1 Seuil 1968 p 39 26 Lacan J Proposition op cit 27 Lacan J Le savoir du psychanalyste ciclo de conferências inédito 28 Platão O Banquete tradução do Prof J Cavalcante de Souza Editora Bertrand Brasil SA 5a Edição RJ 1989 29 Lacan J Radiophonie Scilicet 23 p 89 30 Lacan J Écrits p 546 31 Lacan J Écrits pp 215226 32 Zizek Z Le plus sublime des hystériques Hegel passe Point Hur Ligne Paris 1988 p 107 Ed bras O mais sublime dos histéricos Hegel com Lacan Jorge Zahar Editor Rio 1991 Capítulo II O divã ético 1 Fenichel O Problèmes de technique psychanalytique Revue Française de Psychanalyse t 15 pp 159161 1951 2 Held R Rapport Clinique sur les psychothérapies dinspiration psychanalytique freudienne XXIVe Congrès des psychanalystes de langue romaine PARIS juillet 1963 Revue Française de Psychanalyse número especial pp 6465 3 Lacan J Variantes de la curetype Écrits p 323 e seg 4 Donnet JL La psychanalyse et la Société Psychanalytique de Paris em 1988 Revue Française de Psychanalyse no III 1988 pp 687700 5 Letarte P Voir ou ne pas voir De la diversité des techniques de lanalyste dans lentretien individuel comunicação prévia para o Congresso dos Psicanalistas de Língua Francesa dos Países Românicos Paris maio 1989 112 As 41 condições da análise 6 Lacan J Écrits p 668 7 Ibid Le Séminaire lAngoisse inédito 8 Freud S Les voies nouvelles de la thérapeutique psychanalytique La technique psychanalytique PUF 1981 p 735 9 Lacan J Le Séminaire livre XI Seuil 1973 p 74 10 Ibid p 245 11 LévyStrauss C Le sorcier et sa magie Anthropologie Structurale Plon 195874 p 207 12 Freud S lInterprétation des rêves PUF 1980 p 213 13 Hawthorne N La lettre écarlate Gallimard 14 Freud S Conseil aux médecins sur le tratement analytique La technique psychanalytique PUF 1981 p 69 15 Lacan J Le Séminaire Lobjet de la psychanalyse inédito 16 Lacan J Ouverture de la Section clinique Ornicar no 9 1977 p 8 Capítulo III Que tempo para a análise 1 Lacan J Fonction et champ de la parole et du langage Écrits Seuil Paris 1966 2 Lacan J La méprise du sujet supposé savoir Scilicet no 1 Seuil 1968 p 34 3 Lacan J O Seminário livro 1 Jorge Zahar Editor 3a ed 1986 4 Pierre de rebut du pierre dangle notre fort est de navoir jamais cédé sur ce point nota 1965 in Écrits Seuil Paris 1966 p 315 5 Lacan J Écrits p 256 6 Ibid p 252 7 Lacan J Hamlet Ornicar no 25 Seuil 1982 8 Soller C O tempo em análise Falo no 1 Fator 1987 pp 8191 9 Lacan J Écrits pp 806815 10 Lacan J Comptes rendus denseignement lActe psychanalytique 1967 1968 Ornicar no 29 1984 p 25 11 Lacan J Écrits Seuil 1966 p 801 12 Ibid pp 197213 13 Lacan J Hamlet O objeto Ofélia Ornicar no 25 Seuil 1982 14 Lacan J Écrits p 314 15 Ibid p 824 16 Ibid p 823 17 Ibid p 313 18 Ibid p 315 19 Watts A O espírito do Zen Cultrix São Paulo 1988 pp 7880 20 Suzuki DT A doutrina zen da nãomente Editora Pensamento São Paulo 1989 p 29 21 Ibid p 47 22 Ibid p 76 23 Lacan J Le Séminaire livre XX Seuil Paris 1978 p 104 24 Watts A op cit p 80 25 Capra F O tao da física Cultrix São Paulo 1987 p 25 Notas 113 26 Watts op cit p 88 27 Suzuki DT op cit p 72 28 Lacan J Écrits p 316 29 Cf capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise 30 Lacan J Écrits p 877 31 Freud S A dinâmica da transferência ESB vol XII p 138 32 Lacan J O Seminário livro I Jorge Zahar pp 5154 33 Lacan J O Seminário livro XX Jorge Zahar p 67 Capítulo IV Capital e libido 1 Cleinman B Capital da Libido os EUA em MM Rio de Janeiro Achiamé 1982 2 Lacan J Écrits p 246 3 Freud S Psychologie des foules et analyse du moi Essais de psychanalyse Pbp 1981 pp 150 4 Freud S Psicanálise e teoria da libido verbetes de enciclopédia ESB vol XVIII p 297 5 Marx K Le Capital citado in Argent et psychanalyse de Pierre Martin Navarin 1984 6 Marx K Le Capital livro I 3a seção cap VI Garnier Flammarion p 51 7 Naveau P Marx e o sintoma Falo no 3 Salvador juldez 88 pp 112114 8 Ibid 9 Lacan J Radiophonie Scilicet no 23 Seuil p 87 10 Ibid p 72 11 Lacan J Le savoir du psychanalyste conferências no Hospital SaintAnne 21271 inédito 12 Lacan J Télévision Paris Seuil 1974 p 26 13 Freud S Lhomme aux rats Cinq psychanalyses Paris PUF 1979 pp 238239 14 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria nota acrescentada em 1923 ESB vol VII pp 4042 15 Freud S La nervosité commune Introduction à la psychanalyse 24 Pbp p 362 16 Lacan J O Seminário livro II Jorge Zahar Editor p 257 17 Ibid p 256 18 Ibid p 267 19 Ibid Écrits p 597 20 Ibid Écrits p 610 21 Ibid Le Séminaire livre XI Seuil 1973 p 241 Capítulo V O ato psicanalítico e o fim de análise 1 Lacan J Le Séminaire Langoisse inédito 51262 9163 30163 15563 114 As 41 condições da análise 2 Lacan J Comptes rendus de lenseignement lActe psychanalytique Ornicar no 29 1984 3 Principes concernant laccession au titre de psychanalyste dans lÉcole Freudiene de Paris proposition A Scilicet 23 Seuil Paris 1970 p 30 e seg 4 Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de lÉcole Scilicet l Seuil Paris 1968 p 15 5 Roudinesco E Histoire de la Psychanalyse en France Paris 1986 p 455 Ed bras História da Psicanálise na França A batalha dos cem anos vols 1 e 2 Jorge Zahar Editor 19891988 6 Miller JA Des données sur la passe La lettre mensuelle ECF no 9 abril 1982 p 9 7 Reflexions sur lÉcole La lettre mensuelle ECF no 69 Paris maio 1988 8 Miller JA Introduction aux paradoxes de la passe Ornicar no 1213 dez 1977 pp 103116 9 Lacan J Lettre aux italiens Lettre mensuelle no 9 ECF 1982 10 Ibid Le Séminaire Les nondupes errent inédito 9474 11 Ibid Proposition première version Analytica no 8 1978 12 Ibid Lettre aux italiens op cit 13 Soler C Intervenção na Tetrade Paris outubro 1989 inédito 14 Leguil F La question de la fin de la cure conferência pronunciada em Rennes 16587 15 Lacan J Le Séminaire Lobjet de la psychanalyse inédito 12166 16 Morel G Trois déviations lAne no 42 Paris junho 1990 17 Ibid Le Séminaire livre XI Seuil Paris p 245 18 Ibid Comptes rendus denseignements lActe psycanalytique Ornicar no 24 1984 19 Ibid Écrits p 774 20 Attié J La passe constats et questions Ornicar no 44 Navarin 1988 21 Tardits Annie La passe du transfert à lacte Actes de lECF XII Lacte et la répétition Paris 1987 22 Lacan J Comptes rendus denseignements lActe analytique op cit p 23 23 Soler C Lacte analytique Désir et acte Bulletin du Sécretariat de lÉcole de la Cause Freudienne à Anger outubro 1988 24 Lacan J Proposition op cit 25 Ibid Lettre aux italiens op cit 26 Miller JA Le banquet des analystes curso 19891990 inédito Notas 115 Este livro é resultado de um trabalho de elaboração realizado a partir de uma série de conferências proferidas em 1989 imersas no turbilhão de entusiasmo da construção do Corte Freudiano Associação Psicanalítica o debate público sobre a constituição desta associação de psicanalistas foi realizado no segundo semes tre de 1989 em torno do Fórum de Construção do Corte Freu diano cf Corte Freudiano Agenda de Psicanálise Rio de Janeiro Relume Dumará 1990 pp 159162 Agradeço aos amigos Maria Elisa Delacave Monteiro Maria Anita Lima Silva e Romildo do Rego Barros pelo estímulo à publicação bem como por sua interlocução constante e afiada a Diana pela paciência na digitação e a Betch por ser simplesmente insubstituível Este livro foi composto por TopTextos Edições Gráfi cas em Adobe Garamond e impresso por Geográfi ca Editora em junho de 2009