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Descaminhos da seguridade social e desproteção social no Brasil Displacement of social security and social disprotection in Brazil Aldaiza Sposati Abstract After 30 years in force CF88 must be salvaged and commemorated but also evaluated in relation to how much social and political resistance it acquired in the execution of its determinations These determinations not only conflict with those of the dictatorial period preceding it but were also shown to be minimally attractive to neoliberal forces in Brazil in the late 1980s and early 1990s and are now widely recognized as conservative One of the main recommendations of CF88 the subject of this article was the notion of universal public State social protection adopted under the basis of security andor social security and with it a social security budget Over the last 30 years this idea has shifted from this founding matrix due to forces of conservatism individualism and privatization This has limited the States role as a provider thus conditioning access to the consumption capacities of social protection commodities Key words Social security Social protection Isonomy of benefits Tax exemption Human rights Resumo Após 30 anos de vigência a CF88 deve ser resgatada comemorada mas também avaliada sobre quanto adquiriu de resistências social e política para efetivar suas determinações que não só conflitam com aquelas do período ditatorial que a antecederam como se mostraram pouco atraentes para as forças neoliberais do final da década de 1980 e início dos anos 1990 no Brasil plenamente reconhecidas hoje como conservadoras Uma das principais indicações da CF88 objeto deste artigo foi a concepção de proteção social estatal pública e universal adotada sob a fundamentação de Segurança eou Seguridade Social e com ela o Orçamento da Seguridade Social Essa concepção ao longo dos 30 últimos anos deslocouse dessa matriz fundante por efeito da força do conservadorismo individualismo e da privatização ComprimIU a responsabilidade provedora do Estado condicionando o acesso à capacidade de consumo da commodity proteção social Palavraschave Seguridade social Proteção social Isonomia de benefícios Isenção tributária Direitos humanos ¹ Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo R Monte Alegre 984 Perdizes 05014901 São Paulo SP Brasil aldaizasposaticombr Introdução A análise seminal de EspingAndersen de 1990¹ sobre os regimes de Bem Estar Social considera que a desmercadorização é constitutiva da natureza da política social pública estatal Por meio dela uma necessidade social é provida fora da relação de compra e venda no mercado e adentra o campo da solidariedade de uma sociedade que reparte entre seus membros o orçamento público Essa realidade escandinava não parece ser facilmente demonstrável no regime latinoamericano sobretudo o brasileiro Nele a dinâmica das políticas sociais não guarda tanta familiaridade com o princípio da desmercadorização pois operações mercantis as cercam pela boa ou pela máfé e de diversas formas Entendese que a Seguridade Social instituída no Brasil pela Constituição Federal de 1988 CF88 expressa modos de mercadorização nas três políticas que a materializam saúde assistência social e previdência social A partir desse entendimento é aqui considerado que a proteção social tem apresentado deslocamentos do campo desmercadorizado público e estatal e apresentado paradoxalmente seu uso como mercadoria Adotase neste artigo a expressão inglesa commodity mais popular do que em português comodite esclarecendo que embora se aplique a mercadorias in natura com baixo valor agregado e alto valor comercial e estratégico aqui e de modo analógico e simbólico é aplicada à proteção social A proteção social naturalizada e extraída de seu valor de direito humano e civilizatório é transformada em mercadoria cujo valor agregado e estratégico é direcionado a interesses que comprometem sua finalidade protetiva e ampliam as desigualdades sociais Nessa decomposição a proteção social esvaise de sua vinculação à Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948 e transita para a condição de bem de consumo individual É gerada na oferta do Estado como estamentos hierarquizados pela qualidade de proteção social distribuídos pela posição social e ganho do requente Essa relação negocial abandona a condição igualitária de cidadania Discutese aqui a alteração de direção da Seguridade Social brasileira após os anos 1990 o que concorreu para afastar sua expressão real do campo civilizatório e democrático instituído pela CF88 Esse processo decorreu de ações direta e indireta do poder conservador da sociedade capitalista brasileira pautado pela orientação neoliberal que se opõe à concepção constitucional em garantir a cobertura da proteção social a todos os brasileiros A nova direção buscou aproximar a proteção social da condição de mais uma oferta de mercado ao mesmo tempo em que operou para reduzir as obrigações estatais ampliando o vínculo de responsabilidade entre o indivíduo tomado como força de trabalho e o mercado Foi secundado em contraponto o entendimento da relação entre proteçãodesproteção social e Seguridade Social como um campo de provisão de certezas sociais com fundamento humanista de garantia de direitos humanos e sociais A gestão fragmentada das três políticas sociais o nominado tripé da Seguridade Social brasileira somada à ausência de concepção unitária e gestão articulada do tripé contribuíram para distanciar a proteção social do seu sentido e destino universalista e que não chega a articular linguagem unitária sobre as expressões de desproteção social e suas formas de superação Com apoio de forças econômicas conservadoras a proteção social brasileira foi durante os últimos 30 anos desconectada da orientação universalista e civilizatória e subjugada ao código moral capitalista condicionando o acesso à proteção social à ação ativa do indivíduo em poupar para enfrentar suas fragilidades Esse trato reducionista reitera a fábula da cigarra e da formiga em que proteção é resultante da força de trabalho individual e exclui o processo coletivo de preservação da dignidade humana de todos os cidadãos de uma sociedade A proteção social foi reduzida à poupança individual ativada pelo princípio cristão em ganhar o pão com o suor do próprio rosto Garantiala com o orçamento público geraria déficit orçamentário que indicaria uma natureza populista tuteladora e assistencialista a ser eliminada Nos anos 1990 foi dado início à opção pela orientação neoliberal nas decisões e ações do Estado brasileiro em contraponto com as orientações distributivas e redistributivas da CF88 A análise neoliberal da realidade social encanta a quem dela se aproxima como um canto de sereia que ao mesmo tempo oculta o fato de embasar a implementação da comoditização da proteção social Leituras segmentadas e parciais de manifestações de desproteção social são descoladas das desigualdades social e econômica resultantes do confronto entre classes sociais entre o campo e a cidade entre etnias entre gêneros Paradoxalmente atenções públicas prestadas em serviços ou benefícios tendem a ser vistas pelos conservadores como benesse de cunho esmolar Sua insignificância de valor monetário é dirigida a quem tem menos Diversa é a conduta para os que têm mais e se aproximam da identidade de classe no poder A esses benefícios substantivos em valores monetários isentos de imposto de renda e sem qualquer condicionalidade ou restrição são distribuídos a magistrados legisladores militares e governantes Não raro se estendem a seus filhos cuja idade de dependência é de 24 anos em contraponto aos mais pobres onde cai para 14 anos A condução fragmentada da proteção social brasileira põe em risco sua responsabilidade em assegurar aquisições básicas à dignidade do ser humano e do cidadão Reduzse a ética do trato humano em prol da riqueza privada Submeter o valor de um salário mínimo padrão básico de dignidade do cidadão brasileiro a ameaças de redução é antítese da ética humana seja esse brasileiro ativo aposentado com deficiência idoso sob licença médica ou pensionista É de direção civilizatória que o Brasil garanta proteção à velhice e ao cidadão com deficiência genética ou adquirida sem condições de manter sua sobrevivência atribuindolhe um salário mínimo mensal É preciso garantir o trato isonômico e a proteção integral à criança e ao adolescente brasileiros independentemente do campo de trabalho de seus pais se magistrados ou operários A proteção social brasileira nesses 30 anos deformouse de sua perspectiva civilizatória pois vem atuando como mecanismo que acentua a desigualdade nas extremidades do ciclo de vida Fagnani alerta Hoje está claro que esse foi um ciclo improvável quase um devaneio por caminhar na contramão da concorrência capitalista sob a dominâncias das finanças menosprezar as travas do passado e ousar arranhar o status quo social secularmente dominado pelos donos do Brasil² O atravessamento das ações do Estado pela religiosidade sobretudo no campo da Seguridade Social vem derivando seu humanismo de caráter laico público e estatal para o humanismo submetido a morais de diversas práticas religiosas A preocupação com o bem de outrem nesse modo de entender justificase pela prática de uma religião e não pelo exercício da civilidade laica Esse embricamento tem levado a um protocolo tácito onde o Estado financia e desde o Brasil Colônia missões de obras religiosas travestindo tais respostas sacralizadas como atenções republicanas Direito à proteção social transmutado em caridade financiada por dinheiro público exclui no seu processo de gestão os princípios democráticos de transparência do planejamento da avaliação e do controle social A Seguridade Social é diluída e afastada para o campo privado filantrópico afogando nesse líquido seu componente democrático e republicano Esses traços genéricos permitem sugerir três hipóteses analíticas principais que orientam o desenvolvimento deste ensaio A primeira delas é que a Seguridade Social no Brasil não emergiu de uma demanda da sociedade o que a tornou socialmente desprovida de seu valor de direito humano civilizatório e transformada por forças conservadoras em bem de consumo individual marcado pela reprodução de desigualdades socioeconômicas Como bem de consumo é uma mercadoria negociável e não um direito A segunda referese aos interesses do capital financeiro o qual passou a utilizar a proteção social como forma indireta de financiamento privado Os fundos da Seguridade Social apresentamse e movimentam como capital de aplicação interesses econômicos privados exemplo é a aplicação dos fundos de pensão em privatizações A pratica da isenção fiscal da cota patronal os dispositivos de renúncia e isenção fiscal a reiterada prática do Programa de Recuperação Fiscal Refis são estratégias de favorecimento do capital privado e geração de déficits no orçamento da Seguridade Social Mecanismos de acesso a essas vantagens são mercadorias comerciáveis não raro por meio de trocas e favores políticos E finalmente a terceira sugere que a intensidade de forças conservadoras pautadas no individualismo no estado mínimo tem descaracterizado a proteção social como direito universalista Ocorre profunda distância entre os padrões de cobertura a desproteções praticados entre os que ganham menos submetidos à seleção de meios e reduzidas suas atenções a padrões emergenciais e aqueles que ocupam funções públicas de destaque no legislativo judiciário e forças militares Pretendese apontar ao longo do texto argumentos estimuladores do debate em torno dessas hipóteses A seguridade social esgarçada A presença da Seguridade Social na CF88 foi grande inovação que se apresentou como promessa laica que descolada da promessa divina superava a responsabilidade individual pela proteção social Descrita como um tripé fez supor sua abrangência por três políticas sociais Por certo um tripé só para em pé a partir de um eixo de equilíbrio que funcione como cabeça norteadora Não adianta contar com três pés sem um eixo que lhe dê articulação e funcionalidade Aqui reside o ponto fulcral desta análise que se desenha como um tripé de pés descalços e sem cabeça O primeiro golpe de retração sofrido na concepção da Seguridade Social disposta pela CF88 foi o grito ao modo imperativo cortemlhe a cabeça e assim foi decepado e veio a óbito o Conselho Nacional de Seguridade Social CNSS Nada o substituiu Com pés sem cabeça e com orçamento solapado restou à seguridade após 30 anos portarse como andarilha com pernas mancas O horizonte da unidade da Seguridade Social foi fraudado pela inatividade de um mecanismo articulador o CNSS A Lei 82121991 da Seguridade Social detalhou a composição de funcionamento do CNSS todavia essa legislação mostrouse natimorta o CNSS foi revogado após 10 anos sem ter sido efetivamente instalado e os demais artigos da lei foram sendo anulados Seus três pés fincados em três políticas cujas matrizes de atenção são desarticuladas entre si pois operam por lógicas próprias não constroem concepção e articulação unitária da Seguridade Social A desconexão leva a padrões de atenção interrompidos para garantir certezas sociais o que acaba por incentivar o trato individual das demandas Não foram instaladas vias de mútua acessibilidade entre as operações das três políticas mesmo as mais simplificadas que permitiriam uma operação integrada quando em territórios comuns de atenção Não se criou mesmo após 30 anos diálogo interinstitucional que pudesse permitir uma caracterização integrada das desproteções sociais dos brasileiros a fazer parte de uma agenda comum com atenções integradas e complementares Não ocorreu para além de experiências pontuais e locais a convergência de forças Com expressões isoladas marcadas pelo corte de recursos orçamentários instalouse a disputa orçamentária confinada à prioridade de gastos compulsórios e mais recentemente a redução do teto orçamentário O conceito de Seguridade Social no Brasil foi adotado com baixa maturação política e ideológica da sociedade dos agentes públicos dos serviços e atenções das políticas sociais das políticas econômicas e dos movimentos sociais Não foi vivido um movimento popular pela Seguridade Social Não foi compreendido seu horizonte como algo desejável sua existência não contaminou a sociedade que não decodificou seu sentido O formato das três políticas que a compõe é distinto A previdência social com gestão nacional centralizada no Distrito Federal DF a saúde sob pacto federativo mudou pela CF88 seu modelo assistencial e introduziu a gestão descentralizada com forte atuação do município novo ente federativo a partir de 1988 a assistência social precisou iniciar do quase zero isto é demandou a institucionalização estatal para cumulativamente nacionalizála e descentralizála sob o pacto federativo O caput do Art194 da CF88 trouxe como ideia força a articulação entre poder público que pode ser entendido como observância ao federalismo pela integração dos três entes governamentais e iniciativas privadas Todavia não tornou explícito se estas seriam lucrativas ou não embora a pretendida segurança de direitos indicasse uma interpretação não mercantil Inexistiu a menção a vínculos operativos entre os sistemas gerenciais dessas políticas O Sistema de Previdência Social estruturado por Getúlio Vargas em 1930 quando criou os Institutos de Aposentarias e Pensões IAPs por categorias profissionais foi sendo substituído com formas abrangentes com paridade entre as categorias profissionais que culminou em 1966 durante a ditadura militar com a institucionalização do Instituto Nacional de Previdência Social INPS A agregação das três políticas em campo integrado tem seu início no Ministério da Previdência e Assistência Social MPAS Lei 60361974 e Decreto 742541974 Essa novidade elevou a previdência social à instância ministerial associada à assistência social até então de baixo a inexistente reconhecimento como política social pública Adiante o Instituto de Assistência Médica da Previdência Social Inamps foi agregado à Saúde O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social Sinpas incluía a Fundação Legião Brasileira de Assistência FLBA 19421994 e a Fundação Nacional do BemEstar do Menor Funabem 19641994 com ação desconcentrada em agências regionais nos estados brasileiros em capitais e nos municípios de maior porte Essas fundações permaneceram sem alterações de 1988 a 1994 Aprisionada por meio século 1938 a 1988 nos confins do poder patrimonial de primeirasdamas em flagrante nepotismo a assistência social federal operava por meio de um mix de atividades de fomentos comunitário e familiar clubes de mães nos moldes da operação de centros sociais ao que se combinavam cuidados maternoinfantis com gestão afastada da política de saúde A FLBA sustentava suas ações com recursos vindos de jogos de azar leilões de mercadorias importadas aprendidas saldos de recursos da previdência social e subvenções do legislativo Sua orçamentação operava uma lavagem que transmutava em aplicação do bem irregularidades de jogo e bebidas Embora incluída no Ministério da Previdência Social MPAS a assistência social não se constitui em política social estatal e pública Sua gestão permaneceu desprovida da noção de dever de Estado laicidade republicana e campo de direitos de cidadania O princípio da subsidiariedade era seu condutor O poder de Estado deveria permanecer às sombras estando à sua frente organizações sociais ou comunitárias no mais das vezes de cariz religioso abonadas por isenções e subvenções estatais em nome de apoio à filantropia e caridade de organismo da sociedade Em 1994 a FLBA foi substituída pelo programa Comunidade Solidária mantido pela primeiradama Ruth Cardoso fragilizando seu estatuto constitucional como política pública de assistência social e seu reembarque no campo da benesse do primeirodamismo A Funabem foi substituída em 1994 pela Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência FCBIA O campo da assistência social e sua possível massa crítica não mostravam em 1988 maturação propositiva de âmbito nacional como já ocorria na saúde e previdência social que contavam com o apoio de movimentos sociais Experiências como a da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP que lança em 1985 estudo sobre a assistência social e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco com os estudos de Sposati et al foram pioneiras Municípios em busca de afirmar sua autonomia e obter recursos federais organizaram a Frente Municipal pela Regulação da Assistência Social nos termos da CF88 Os municípios tornaramse entes federativos pela CF88 e suas iniciativas no campo da assistência social não tinham diálogo com a esfera federal Movimento políticoinstitucional de agências da FLBA lutava pela implantação do Ministério de Ação Social para acolhida de seus cargos e sustentação do emprego Esses barulhos pouco orquestrados são os primeiros passos de demanda dessa política no campo público estatal A Lei Orgânica da Assistência Social Loas aprovada em 1993 cinco anos após a CF88 estabeleceu a organização federativa da gestão da assistência social no âmbito do Estado brasileiro Transformou o CNSS em Conselho Nacional de Assistência Social CNAS mas nada apontou quanto aos destinos da FLBA e da Funabem como já o fizera a CF88 Não existiam referências aos serviços socioassistenciais públicos ou às obrigações da assistência social em face do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA de 1990 Muros de isolamento histórias fragmentadas e aparatos centralizados e autoritários mantinhamse O baixo acúmulo de forças coletivas no âmbito da assistência social não se mostrou com força para alterar a tradição Esse sintético resgate buscou breve releitura do que se pode nominar como conturbada instalação da Seguridade Social brasileira sob baixa conciliação no interior da cultura institucional dos agentes públicos de cada política social Movimentos para novas estruturas democráticas no aparato estatal das três políticas ocorreram sob processos laterais Não houve investimento para fortalecer a desejada unidade da Seguridade Social Não se construiu a referência unitária e universal de proteção social ao cidadão Por consequência a decodificação da natureza da Seguridade Social não foi moldada com o mesmo significado entre as três áreas faltoulhes o impacto unificador Os objetivos da Seguridade Social explicitados na CF88 Parágrafo Único do Art 194 não foram tomados como cláusulas pétreas Quadro 1 Pela CF88 a saúde ao contrário das outras duas políticas é um direito de todos enquanto a previdência social opera como provedora de meios financeiros ao segurado A assistência social pelo texto constitucional não foi expressamente vinculada a direitos do cidadão essa condição lhe foi atribuída pelo seu pertencimento à Seguridade Social Com competências pouco claras quanto ao que lhe competia assegurar como dever manteve forte vínculo com o ativismo pragmático de cunhos pontual e emergencial expresso por práticas aligeiradas próprias da política de atendimento Tal modo de condução por vez prevalente entre entes federativos distancioua do protagonismo de exercer a responsabilidade pela atenção social de uma dada demanda em busca de padrões de resultados assentados na ética da dignidade humana e da cidadania A aparente acidez desta anotação não invalida ou desconhece esforços que objetivam fazer transitar os limites herdados para o campo dos direitos sociais A ambiguidadeomissão do texto da CF88 terminou favorecendo a concepção de permanência de formas conservadoras avessas ao reconhecimento da proteção social como direito universalista de cidadania aos brasileiros Quadro 1 Objetivos da seguridade social pela CF88 Parágrafo Único Art 194 Universalidade da cobertura e do atendimento Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços Irredutibilidade do valor dos benefícios Equidade na forma de participação no custeio Diversidade da base de financiamento Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da comunidade em especial de trabalhadores empresários e aposentados A seguridade social com orçamento desconstruído A CF88 criou o Orçamento da Seguridade Social Art 195 cujo Plano de Custeio foi formado com recursos procedentes dos orçamentos da União dos Estados do DF e dos Municípios mais as contribuições sociais dos empregadores incidente sobre a folha de salários sobre o faturamento e o lucro dos trabalhadores sobre a receita de concursos de prognósticos Todavia essa relação federativa e solidária não se consolidou o tripé para além de pés descalços sem cabeça tem seus bolsos esgarçados À falta de concepção unitária entre as três políticas foi somada sua destituição de recursos para garantir a integralidade da proteção social e o financiamento dos Encargos Previdenciários da União EPU Seus fundos foram desviados isto é alocados em outras demandas O tecido financeiro de sustento do EPU foi sendo esgarçado fazendo vazar suas moedas de sustentação Ele transitou de unidade financiadora da proteção social pública para ferramenta de regulação da política econômica privada atendendo à pressão de interesses políticos de classe Destacase a desoneração fiscal na cota patronal do Regime Geral de Previdência Social RGPS que fez transitar uma contribuição de sustentação da Seguridade Social em estratégia de regulação políticoeconômica sem sua reposição aos cofres de sustentação do EPU Esse processo combaliu os recursos e alimentou a ideia de que a proteção social e as demandas democráticas não cabiam no orçamento público Como diz Fagnani foi orquestrado um processo de asfixia financeira que em atos sucessivos ocasionaram a extinção das fontes de financiamento da área social asseguradas pela Constituição de 1988 O conjunto de isençõesrenúncias fiscaisimunidades até 2004 não era tratado como despesa pública A Receita Federal os classificava como benefícios tributários e não como gastos tributários essa mudança foi fruto de exigência de transparência pelo Fundo Monetário Internacional FMI Demorou mais cinco anos para que essa mudança ocorresse pois só na proposta orçamentária de 2009 é que o demonstrativo de gastos tributários a acompanhou e permitiu afirmar que isenção não tem custo zero para o Fundo Público O financiamento social quando de trato conservador é avesso às políticas sociais estatais coletivas Operam de forma a que o Estado tenha sua ação mediada por uma organização social que vai receber isenções e lhe é agradecida Dados coletados em publicação do Ministério da Fazenda MF Boletim da Previdência SocialRelatório da Previdência Social constantes em matéria do jornal O Estado de S Paulo mostram pelo Gráfico 1 que em 2017 R 5761 bilhões deixaram de ser somados ao Fundo Previdenciário por motivo de renúncia fiscal Desse total 21 ou R 12 bilhões são relativos à renúncia de contribuição da cota patronal de organizações sociais consideradas sem fins lucrativos e possuidoras da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social Cebas nos campos da Educação Saúde e Assistência Social Aprofundar a relação entre gasto tributário da Seguridade Social não configura aqui uma digressão e sim o aporte de argumentos pouco conhecidos e debatidos que afetam sua sustentação financeira A CF88 no 7o estabelece que estão isentas de contribuição para a Seguridade Social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei Ocorre que essas exigências antes e pósCF88 estavam confinadas a burocracias cuja obtenção tinha forte influência de interesses políticos como dois certificados de utilidade pública certificado de filantropia ou benemerência e documentos sobre débitos de taxas e tributos e demonstração de atenção gratuita a pobres Essa avaliação caso a caso não examinava a qualidade da atenção ao usuário mas sua baixa renda e a orientação da política pública não ocupava qualquer espaço nessa decisão Foram exaradas leis decretos normas desde a Loas em 1993 e da Lei Orgânica da Seguridade Social 82121991 para regulação de procedimentos burocráti Gráfico 1 Renúncia fiscal na previdência social em 2017 Brasil Fonte Reproduzido do jornal5 A seguridade social entre a direção universal e a distribuição desigual Ocorre um solapamento dos recursos da Seguridade Social Somandose a esse destino a disparidade de padrões aplicados em benefícios entre os diferentes padrões em que a previdência social opera Quadro 2 Distribuição do salário família em 2007 Previdência Social Brasil 2009 Quadro 3 Valores do programa Bolsa Família distribuídos em 2017 Brasil MDS A commodity proteção social um debate necessário O conjunto de argumentos aqui recortados mostra que não há linhas mestras ideias força a orquestrar a Seguridade Social no Brasil em termos da qualidade de seus efeitos Predomina a visão atuarial o cálculo contábilfinanceiro do recurso como seguro que não se dá conta das desproteções sociais que vive o usuário da Seguridade Social A falta de unidade da Seguridade Social brasileira cedeu lugar para a vivência paralela e desintegrada de órgãos estatais em suas extensões federativas a estados e municípios não raro fragmentados por OSCs O tripé da seguridade perdeu a direção de sua cabeça conforme prevista pela CF88 Nesses 30 anos não foi construída a unidade diretiva nem a isonomia de trato da proteção social entre os brasileiros Não há um Plano de Proteção Social Pública para o Brasil e para os brasileiros Essa ausência é agravada pela complexidade da sociedade brasileira em que se apresentam novos riscos agravos violências discriminações que borram as pretensas fronteiras entre as áreas das políticas que constituem o sistema de Seguridade Social e comprometem a sua viabilidade de futuro em face da ausência de estratégias e mecanismos que articulem as interfaces e externalidades dos serviços e atenções dessas políticas perante as condições objetivas de vida dos cidadãos em seus territórios de vivência que são singularizados pela diversidade das regiões do País O resgate dos valores da Seguridade Social passa necessariamente por um novo pacto entre as políticas sociais que a compõem conforme a CF88 e até mesmo o alargamento estratégico de vínculos com outras políticas sociais O tripé para se pôr em pé e caminhar exige contar com direção unificada e estratégica que articule seus membros e oriente seus passos em direção convergente e complementar Podese entender por fim que a Seguridade Social brasileira foi se descaracterizando de seu destino no percurso de seus 30 anos de vida Abandonou a intenção de construção de certezas sociais para assumir perversamente o papel de incentivo à desigualdade de condições de vida entre as classes sociais e seus segmentos Reduziu seu vínculo com o republicanismo com a laicidade e com os direitos sociais de cidadania Sua mutação conservadora em face da matriz de 1988 delimitou o alcance e a visibilidade das expressões de desproteção social na população brasileira a valor de per capita para aquisição da commodity proteção social A ausência de estratégias de integração das três políticas sociais que conformam a Seguridade Social brasileira desde o local ao nacional descaracterizaram seu reconhecimento social unitário para a alegria neoliberal e conservadora e para a tristeza da direção civilizatória de um direito humano e social A proteção social enquanto propósito da Seguridade Social definha Transmutouse em fundo financeiro operado como ferramenta política para privilégios do legislativo da magistratura e dos militares e cerceamento de certezas sociais do trabalhador sua família e seus filhos Nessa mutação a moeda proteção social é cunhada como uma commodity de alto valor transgressor da ética da dignidade humana porém com efetivos resultados para a comercialização de apoios neoliberais fundados em desigualdades socioeconômicas Agradecimentos À Bruna Cristina Carnelossi e à Fabiana Moraes pela colaboração no levantamento de dados Referências 1 EspingAndersen G Three worlds of welfare capitalism Cambrige Polity Press 1990 2 Fagnani E Direitos roubados o fim do breve ciclo de cidadania social no Brasil Internet Publicado 2017 Abr 18 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpswwwcartacapitalcombrpoliticadireitosroubadosofimdobreveciclodecidadaniasocialnobrasil 3 Sposati A Yasbek C Bonetti DA Carvalho MCB Assistência social na trajetória das políticas sociais brasileiras uma questão de análise 12ª ed São Paulo Cortez 1985 4 Sposati A Fleury SM Carvalho MCB Os direitos dos desassistidos sociais São Paulo Cortez 1989 5 Araújo C Fernandes A Previdência em debate Jornal O Estado de S Paulo Internet Publicado 2018 Fev 09 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpacervoestadaocombrpagina2018020945405nac18ecob6nottelafullscreen 6 Brasil Ministério da Fazenda Receita Federal Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros Demonstrativo dos gastos tributários PLOA 2017 Internet Brasília DF Ministério da Fazenda 2016 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpidgreceitafazendagovbrdadosreceitadatarenunciadgtploa2017versao11pdf 7 Brasil Ministério da Previdência Social Previdência social e o pagamento do salário família em 2017 Inf Prev Soc Internet 2009 acessado 2018 Mar 232102 Disponível em httpwwwprevidenciagovbrarquivosoffice3090430152540063pdf 8 Brasil Ministério da Fazenda Receita Federal IRPF Imposto sobre a renda das pessoas físicas Internet Publicado em 2015 Jul 10 modificado em 2017 Dez 06 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpidgreceitafazendagovbracessorapidotributosirpfimpostoderendapessoafisica 9 Brasil Ministério do Desenvolvimento Social MDS Relatório de programas e ações do Ministério do Desenvolvimento Social Internet 2017 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpsaplicacoesmdsgovbrsagirirelatoriosmdslocalizaDivisaoassiscodigo350400 10 Brasil Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Anexo IV Metas Fiscais IV 9 Avaliação da Situação Financeira e Atuarial dos Benefícios Assistenciais da Lei Orgânica de Assistência Social LOAS Art 4º 2º inciso IV da Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 Internet acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpwwwplanejamentogovbrassuntosorcamento1orcamentosanuais2017pldoanexoiv9projecoesdelongoprazoloas1pdf Artigo apresentado em 26022018 Aprovado em 12032018 Versão final apresentada em 17042018 Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons Financiamento da Educação Pública 661 Nicholas Davies1 1 Professor titular aposentado da Faculdade de Educação da Universida de Federal Fluminense O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO E SEUS PERCALÇOS Revista Pesquisa e Debate em Educação 662 RESUMO O artigo pretende oferecer um panorama do financiamento da edu cação no Brasil com base em análise documental e bibliográfica descreven do e analisando as receitas e despesas vinculadas à educação o Fundef e o Fundeb e os seus percalços como equívocos da legislação dados pouco confiáveis descumprimento da exigência legal pelos governos fiscalização deficiente pelos Tribunais de Contas e conselhos desvinculação constitucio nal dos recursos devidos renúncias fiscais financiamento a instituições priva das de ensino desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios e a fragilidade dos Planos de Educação PalavrasChave Financiamento da educação Legislação educacional Priva tização da educação Fundef Fundeb EDUCATION FUNDING IN BRAZIL short history of its legislation and its drawbacks ABSTRACT The article seeks to provide an overview of education funding in Brazil based on documents and the literature with a description and analysis of revenues and expenditures linked to educacion the Fundef and Fundeb funds and their drawbacks such as legislation errors data not much reliab le noncompliance of legal requirements by governments deficient inspec tion by Audit Offices and councils constitutional untying of education funds tax exemptions public funding of private education institutions tax inequality among regions States and local authorities and the frailty of Education Plans Keywords Education funding Educational legislation Privatization of educa tion Fundef Fundeb Financiamento da Educação Pública 663 1 INTRODUÇÃO Este texto pretende apresentar alguns desafios do financiamento da educa ção no Brasil Antes é preciso esclarecer o caráter do Estado e de suas po líticas pois isso se reflete neste financiamento e em outras políticas Numa sociedade desigual e não apenas na sociedade capitalista é um equívoco denominar ações estatais como públicas uma vez que elas não são elabora das a partir de iniciativa da maioria da população de consulta a ela ou visando a seus interesses Ainda que se apresentem como públicas caracterizamse pelo privatismo já que o Estado representa principalmente uma minoria da po pulação as várias frações da classe dominante e os segmentos burocráticos privilegiados Legislativo Judiciário setores do Executivo Exemplo disso é a política fiscaleconômica dos governos que favorece o empresariado so bretudo o grande com toda sorte de incentivos e vantagens A privatização recente por exemplo foi financiada em grande parte pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES Exemplos de privilegiamen to de segmentos da burocracia estatal são os altíssimos salários e vantagens do Judiciário do Legislativo e de parte do Executivo Entretanto o Estado reflete não só tais interesses dominantes mas também as contradições sociais as lutas abertas ou ocultas entre exploradoresprivilegia dos e exploradosoprimidos e por isso é levado por pressão dos de baixo e ou por necessidade de legitimação dos detentores do poder a atender a inte resses dos subalternos podendo assim adquirir certo caráter público As ditas políticas sociais são manifestações deste potencial público bastante variável de acordo com o contexto e o país que por sua vez depende da correlação de forças das classes popularesexploradas e das classes dominantes 2 BREVE HISTÓRICO DOS RECURSOS VINCULADOS À EDUCAÇÃO 21 RECEITAS E DESPESAS EM MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO Apresentamos a seguir um breve histórico desta vinculação desde a Consti tuição Federal CF de 1934 até hoje Esta CF foi a primeira a obrigar governos a aplicarem um percentual mínimo de impostos em manutenção e desenvol vimento do ensino MDE o percentual da União o Governo Federal e dos Municípios seria de 10 e o dos Estados e Distrito Federal DF 20 Esta vincu lação se deve entre outros fatores ao movimento de educadores liberais que defendiam uma ação maior do Estado na educação com o objetivo de tornála Revista Pesquisa e Debate em Educação 664 acessível a toda a população O caráter sempre ambíguo do Estado no entanto fez com que em 1937 o ditador Getúlio Vargas impusesse uma nova Constitui ção a do Estado Novo eliminando tal vinculação que só foi restabelecida na Constituição seguinte em 1946 que repetia os percentuais da CF de 1934 com exceção do percentual dos Municípios que passou para o mínimo de 20 Esta obrigatoriedade constitucional só foi alterada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB de 1961 Lei nº 4024 que ampliou o percentual míni mo da União de 10 para 12 No entanto a ditadura militar instalada em 1964 iria suprimir novamente essa obrigatoriedade com a CF de 1967 Embora a Emenda Constitucional EC nº 1 BRASIL 1969 restabelecesse a vinculação de 20 da receita tributária para o ensino primário de 4 anos no caso dos Municípios as demais esferas de governo deixaram de ser obriga das a aplicar um percentual mínimo em educação desvinculação apontada como uma das razões para a deterioração da educação pública no período e o consequente favorecimento da iniciativa privada O restabelecimento da vinculação só foi acontecer em 1983 com a EC nº 24 BRASIL 1983 conhecida como Emenda Calmon que fixou o percentual míni mo de 13 no caso da União e 25 no caso dos Estados DF e Municípios A CF de 1988 manteve o percentual dos Estados DF e Municípios porém ampliou o da União de 13 para 18 As Constituições Estaduais de 1989 e as Leis Orgânicas dos Municípios de 1990 por sua vez ou mantiveram os percentuais da CF de 88 ou ampliaramnos para 30 ou 35 A partir dos anos 1990 no entanto muitos destes percentuais maiores das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas foram reduzidos para 25 por meio de emendas a constituições e leis orgânicas ou de liminares concedidas pelo Supremo Tribu nal Federal ou Tribunais de Justiça a Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADINs movidas pelos governantes Embora os percentuais mínimos previstos no art 212 da CF de 1988 não te nham sido alterados desde 1988 foram subvinculados ou parcialmente des vinculados por outras disposições da CF e por emendas constitucionais Por exemplo o art 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da redação original da CF de 1988 previa que por 10 anos o Poder Público destinaria pelo menos 50 dos percentuais mínimos na erradicação do anal fabetismo e na universalização do ensino fundamental EF Para uns intérpre tes isso significava que cada esfera de governo deveria aplicar pelo menos 50 dos percentuais mínimos ou seja o governo federal deveria investir pelo menos 9 50 de 18 e os estaduais distrital e municipais pelo menos 125 50 de 25 Para outros Poder Público correspondia ao conjunto das 3 esferas o que foi interpretado por alguns como a desresponsabilização por parte do governo federal uma vez que os entes subnacionais muito pro vavelmente já gastavam tal percentual mínimo sobretudo no EF Financiamento da Educação Pública 665 Mesmo com o fracasso dos governos em erradicarem o analfabetismo e uni versalizarem o EF e sem alterar o art 212 várias subvinculações foram criadas pelas EC nº 14 BRASIL 1996a e nº 53 BRASIL 2006 explicadas mais adiante As receitas vinculadas à MDE são de dois tipos as baseadas no percentual dos impostos e as receitas adicionais ao percentual mínimo Como a CF prevê a distribuição de parte de impostos federais a Estados DF e municípios e de impostos estaduais a municípios o percentual incide apenas sobre a receita lí quida de impostos ou seja a que fica com os governos após esta distribuição Os impostos federais compreendem os de Importação Exportação Rendas e Proventos de Qualquer Natureza IR Produtos Industrializados IPI Proprieda de Territorial Rural ITR e de Operações Financeiras IOF e IOFouro Os estaduais por sua vez abrangem o Imposto sobre a Circulação de Merca dorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comuni cação ICMS o da Propriedade de Veículos Automotores IPVA o de Trans missão causa mortis e Doação e o IR retido na fonte pelo governo estadual Uma rubrica raramente incluída na base de cálculo pelos governos estaduais é a relativa ao adicional de até 2 do ICMS destinado ao Fundo de Combate à Pobreza criado pela EC n 31 BRASIL 2000 e prorrogado por tempo in determinado pela EC n 67 BRASIL 2010 previsto no art 82 parágrafo 1º do ADCT Além disso os governos recebem transferências de impostos federais como o Fundo de Participação dos Estados FPE formado por 215 do IR e do IPI arrecadado pelo governo federal a compensação financeira prevista na Lei Complementar n 8796 também conhecida como Lei Kandir de deso neração do ICMS das exportações a cotaparte 10 do IPIexportação e a cotaparte do IOF Ouro Os impostos municipais por fim incidem sobre a Propriedade Territorial Urba na IPTU Serviços ISS Transmissão de Bens Inter Vivos ITBI o IR retido na fonte e o ITR caso as prefeituras tenham optado por cobrálo As transferên cias de impostos federais para as prefeituras são o Fundo de Participação dos Municípios FPM formado por 235 do IR e do IPI arrecadado pelo governo federal a compensação financeira da LC n 8796 a cotaparte do IOFouro e 50 do ITR caso as prefeituras não tenham optado por cobrálo As trans ferências estaduais para as prefeituras abrangem 25 do ICMS 50 do IPVA e 25 da cotaestadual do IPIexportação O Distrito Federal tem a particularidade de ter receitas típicas de governos estaduais e municipais e não ter de repartir estas receitas com outros entes Vale frisar que sobre todos estes impostos incidem multas juros de mora e outros encargos quando não pagos no prazo legal Caso inscritos na dívi Revista Pesquisa e Debate em Educação 666 da ativa esta deve ser computada bem como suas multas juros de mora atualização monetária e outros encargos A dívida ativa oriunda de impostos não era nem é registrada na rubrica de impostos mas sim na da dívida ativa tributária e como esta abrange outros tributos nem sempre é fácil distinguir a dívida ativa oriunda de impostos da de outros tributos Outra receita devida porém provavelmente nunca computada foi e ainda é o rendimento com a aplicação dos impostos no mercado financeiro Este prejuí zo foi astronômico sobretudo em época de inflação alta até a decretação do Plano Real em julho de 1994 e aconteceu e acontece porque o rendimento com os impostos e quaisquer outras receitas é registrado como receita patri monial que não distingue a origem do rendimento Este prejuízo poderia ser bastante diminuído se governos cumprissem o parágrafo 4º do art 69 da LDB que prevê a apuração e correção a cada trimestre do exercício financeiro de diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas que resultem no não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios Em outras palavras se o governo aplicar 20 dos impostos em MDE num trimes tre no trimestre seguinte teria de corrigir os valores não aplicados 5 e fazer a devida compensação Em meus estudos sobre Tribunais de Contas constatei que eles não fazem esta exigência nem contabilizam o rendimento com os impostos DAVIES 2001c 2004 2011a 2013 Além destas receitas existem as adicionais algumas com origem em impos tos outras não tendo vinculação específica não coincidente necessariamen te com o conceito de MDE Uma é o salárioeducação contribuição social criada pelo governo federal em 1964 logo após o golpe militar para financiar o então ensino primário público e que até o final de 1996 podia ser utilizado le galmente para custear alunos reais ou muitas vezes fictícios no ensino funda mental em escolas particulares Quando não utilizado em escolas particulares era recolhido aos cofres federais e dividido apenas entre o governo federal e os estaduais As prefeituras nada recebiam de salárioeducação embora oferecessem ensino primário e posteriormente fundamental o que mostra a fragilidade do suposto pacto federativo no Brasil Só vieram a receber a cota municipal diretamente do FNDE a partir de 2004 em função da Lei n 10832 BRASIL 2003 que aumentou a fatia do governo federal na receita nacional porém diminuiu a cota estadual Até então o governo federal ficava com 13 33 da receita e devolvia 23 66 aos governos estaduais onde havia sido arrecadado Com esta lei o governo federal passou a ficar com 40 ao con trário dos 33 de antes e a cota estadual agora dividida entre governo es tadual e prefeituras foi reduzida de 66 para 60 Segundo o site do FNDE a receita do salárioeducação foi de cerca de R 22 bilhões em 2018 sendo cerca de R 9 bilhões retidos pelo governo federal e R 13 bilhões devolvidos Financiamento da Educação Pública 667 aos Estados e municípios dos quais R 77 bilhões só para o Sudeste Um exemplo da desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios que prejudica o financiamento da educação Outras receitas adicionais são as transferências federais para programas como merenda escolar transporte escolar dinheiro direto na escola Plano de Ações Articuladas e outros executados por Estados DF e municípios Os ganhos e a complementação federal se houvehá com o Fundef e o Fun deb são receitas adicionais com origem em impostos e são explicados mais adiante Também os rendimentos financeiros com todas as receitas adicionais salário educação transferências federais etc devem ser acrescidos integralmente ao percentual mínimo conforme orientação da Secretaria do Tesouro Nacio nal em seus manuais Outra receita adicional bem recente é a dos royalties do petróleo prevista na Lei Federal n 12858 BRASIL 2013 Contém vários aspectos preocupantes ou mal compreendidos Um é que não abrangem todos os royalties mas apenas uma parte deles Outro é não enfrentar a desigualdade dos Estados e municí pios no acesso a tais royalties pois uns continuarão recebendo muito mais do que outros O mais grave é abrir uma brecha para o uso dos royalties na edu cação privada ao afirmar que a transferência da parcela da União aos Estados DF e municípios dará preferência aos que apliquem seus royalties exclusiva mente em educação pública com prioridade para a educação básica o que dá a entender que tais entes poderão usar os royalties na educação privada Outra questão crucial é a definição das despesas em MDE A expressão inspi ra os arts 70 e 71 da atual LDB que embora contenham avanços continuam apresentando problemas e mesmo contradição com outros artigos O avanço está no detalhamento se bem que ainda insuficiente do que os governantes podem considerar MDE Programas de merenda escolar assistência médi coodontológica farmacêutica e psicológica e outras formas de assistência social nas escolas por exemplo não podem mais ser incluídas nas despesas com MDE ainda que as autoridades continuem sendo obrigadas a proporcio nálos Também obras de infraestrutura ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar não podem ser consideradas despesas em MDE procurandose assim coibir o que era e é muito comum nos gover nos que mandam asfaltar uma rua ou construir uma rede de esgoto próximo às vezes nem isso a uma escola e incluem esta despesa em MDE Também a pesquisa não vinculada a instituições de ensino ou quando efetivada fora dos sistemas de ensino não vise ao aprimoramento ou à expansão do ensino não pode ser considerada MDE Um problema deste inciso I do art 71 é que Revista Pesquisa e Debate em Educação 668 dada a tendência das autoridades a terem interpretações bastante elásticas quando lhes convêm qualquer pesquisa de qualquer órgão pode acabar sen do enquadrada na MDE Outra despesa que não pode mais ser considerada MDE é a relativa a pessoal docente e demais trabalhadores da educação quando em desvio de função ou em atividade alheia à MDE Isso significa que os gastos com profissionais da educação cedidos a órgãos que não sejam o da educação ou aposentados e pensionistas não mais poderão ser conside rados dentro do percentual mínimo O correto é classificar os inativos como parte da MDE na função Previdenciária pois não contribuem mais para manter e desenvolver o ensino e sua aposentadoria Em tese pelo menos deveria ser financiada com suas contribuições e as patronais feitas ao longo da vida ativa caso não tenham sido total ou parcialmente dilapidadas pelos governos Vale lembrar que o conceito de MDE na LDB abrange apenas remuneração de quem trabalha na educação e os aposentados recebem proventos não remu neração conforme lembram os Manuais da Secretaria do Tesouro Nacional Um problema na definição das despesas é que governos e TCs raramente fazem uma distinção entre o conceito de MDE definido na LDB e complemen tado pelo Parecer n 26 BRASIL 1997 do Conselho Nacional de Educação e o da função orçamentária Educação previsto na Lei Federal n 4320 BRASIL 1964 que normatiza a elaboração de orçamento público A merenda escolar por exemplo não é considerada MDE e portanto não pode ser paga com o percentual mínimo embora possa ser e é pelo menos parcialmente financia da pelos repasses feitos pelo FNDE para a alimentação escolar Devese prestar atenção também para a distinção entre despesa empenhada também denominada de realizada liquidada e paga uma vez que nem todo empenho é efetivamente liquidado e portanto pago podendo ocorrer de em penhos emitidos num ano serem cancelados em exercícios posteriores mas os governos não descontarem tais cancelamentos dos supostos gastos em educação Esta prática de emissão de empenhos sobretudo para alcançar o percentual mínimo vinculado à MDE e seu cancelamento em exercício pos terior não é incomum e por isso devese estar atento para empenhos não liquidados num ano e que poderão ser cancelados em exercícios posteriores Por último convém atentar para o fato de que prefeituras só podem aplicar os 25 dos impostos na educação infantil EI e no ensino fundamental EF conforme determina o art 11 da LDB Só podem investir no ensino médio ou superior depois de atender plenamente à EI e ao EF e mesmo assim com re cursos fora dos 25 Financiamento da Educação Pública 669 22 O FUNDEF E O FUNDEB Analiso brevemente as ECs n 14 e 53 que entre outras disposições criaram respectivamente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun damental e de Valorização do Magistério Fundef e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb iniciativas do governo federal A EC n 14 criou 4 subvin culações A primeira delas obrigou Estados DF e municípios a aplicarem até 2006 15 dos impostos no EF por 10 anos ou seja aumentou de 125 para 15 o percentual dos entes subnacionais porém diminuiu segunda de 9 previsto na redação original do art 60 do ADCT da CF de 1988 para o equiva lente a 54 dos impostos o percentual da União paraa universalização do EF e a erradicação do analfabetismo Outra foi estabelecer o Fundef regulamen tado pela Lei 9424 BRASIL 1996c um exemplo de priorização do EF dada pelo governo federal da época A quarta subvinculação foi destinar pelo me nos 60 do Fundef para a remuneração dos professores formulação alterada para valorização dos profissionais do magistério categoria mais ampla do que professores pela Lei 9424 Apesar dos discursos governamentais em favor da melhoria da qualidade do ensino o Fundef pouco ou nada contribuiu neste sentido pois trouxe poucos recursos novos para o sistema educacional como um todo uma vez que pela sua lógica o governo estadual e as prefeituras de cada Estado contribuíam com 15 de alguns dos impostos e recebiam de acordo com o número de matrículas no ensino fundamental regular O resultado foi que alguns governos ganhavam mas outros perdiam na mesmo proporção Era um jogo de soma zero ou seja os ganhos de uns correspondiam exatamente às perdas de outros Obviamente os que adquiriram ganhos significativos tiveram chances objetivas de melhorar o ensino porém não os que perderam As perdas só não aconteceram na mesma proporção dos ganhos quando houve a comple mentação federal para Estados e Municípios o que de qualquer maneira ten deu a ser decrescente e insignificante em termos nacionais Em 2006 último ano do Fundef a receita nacional foi de R 359 bilhões e a complementação se reduziu a pouco mais de R 300 milhões ou menos de 1 do total Além desta fragilidade o Fundef padecia de muitas outras Uma é que a com plementação foi muito inferior à devida legalmente conforme mostrado no item 33 mais adiante Outra foi ignorar a educação infantil o ensino médio e a educação de jovens de adultos bem como os seus profissionais Uma terceira debilidade foi que embora se apresentasse como um fundo de valorização do magistério só se propôs a destinar um percentual mínimo 60 para a remu neração a qual não resulta necessariamente em valorização sobretudo em governos que perderam com o Fundef eou estão perdendo com o Fundeb Revista Pesquisa e Debate em Educação 670 Estas fragilidades segundo seus defensores e propagandistas seriam sana das pelo Fundeb criado pela EC n 53 em 2006 e regulamentado pela Lei nº 11494 em 2007 Com lógica idêntica à do Fundef não traz recursos novos na maioria dos sistemas educacionais de Estados DF e municípios pois con siste numa redistribuição entre o governo estadual e os municipais de um percentual maior 20 desde 2009 de um número maior de impostos com base no número de matrículas nos níveis de atuação constitucional prioritária destes governos educação infantil e ensino fundamental no caso dos muni cípios e ensino fundamental e ensino médio no caso dos Estados e em dife rentes pesos atribuídos segundo critérios não explicados até hoje aos vários níveis modalidades tipo e localização da educação básica Em outras palavras a diferença entre a contribuição para o Fundeb e a receita com ele resulta em ganhos para uns governos e perdas para outros na mesma proporção É pois um jogo de soma zero o que não acontece apenas quan do existe complementação a qual embora bem maior do que no Fundef é in significante em termos nacionais pois o governo federal só se compromete a destinar 10 da receita do Fundeb de 2010 a 2020 último ano da vigência do Fundeb embora arrecade mais de 60 da receita nacional A consequência da lógica do Fundeb é que só os governos com ganhos eou complementa ção federal terão mais chances objetivas de desenvolver a educação básica e melhorar a remuneração do magistério ao contrário dos que perderem que não terão esta receita extra Outro aspecto frágil é que além de milhares de prefeituras e de todos os estaduais perderem com ele e portanto poderem alegar ter menos condi ções objetivas de promover tal valorização não considera os recursos fora dele como os 25 de todos os impostos municipais e do imposto de renda recolhido por governos municipais e estaduais e o restante 5 dos demais impostos que integram o Fundeb Tais perdas municipais são mostradas no estudo de Peres Souza Alves e Rodrigues 2015 Para as perdas estaduais basta consultar os relatórios estaduais do SIOPE Assim esta valorização su postamente pretendida pelo Fundeb não toma como referência a receita total vinculada à educação Em estudo inédito de 2019 Alcântara e Davies constataram que o Fundeb não manteve nem desenvolveu o número de matrículas e escolas públicas estaduais e municipais na educação básica pois o seu número caiu de 2007 primeiro ano do Fundeb a 2017 ao contrário do setor privado que cresceu entre 2006 e 2017 Não foram usados os dados de 2007 do setor privado porque 3 mil escolas privadas teriam deixado de fornecêlos com uma matrí cula estimada de 600 mil alunos segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica de 2008 BRASIL 2009 Por isso foram utilizados os dados de 2006 na suposição de que não continham distorções Financiamento da Educação Pública 671 O número de matrículas estaduais e municipais diminuiu respectivamente 5704486 26 e 1429275 58 sendo que o de matrículas privadas cres ceu 1540858 21 conforme mostra o quadro a seguir que registra também enormes diferenças de evolução nas regiões e nas Unidades da Federação Os seguintes aspectos merecem destaque a todas as redes estaduais ti veram redução com exceção do Acre b o percentual de queda estadual variou desde o mínimo de 69 no Amazonas até o máximo de 468 no Rio de Janeiro c dos 9 estados com maior redução percentual 8 são do Nor deste d em 13 estados o número de municipais diminuiu sendo as perdas concentradas sobretudo no Nordeste 1487934 e as redes municipais de 8 estados do Nordeste foram as que mais caíram em termos percentuais o que chama atenção sobretudo porque um grande número de suas prefeituras tiveram e têm receitas adicionais expressivas por conta do Fundeb devido à complementação federal e às perdas dos governos estaduais para as pre feituras f em 13 estados o número de municipais cresceu de um mínimo de 005 Paraná até um máximo de 994 Roraima g o número de matrí culas privadas aumentou em 23 estados variando do mínimo de 22 em Minas Gerais até o máximo de 1432 em Roraima só caindo em 4 estados AC RO PI e ES Chama atenção o fato não mostrado no quadro a seguir de o número de matrículas municipais rurais do Nordeste responder pela maior parte da redução das municipais rurais no Brasil 1097507 ou 787 do total nacional de 1393713 Revista Pesquisa e Debate em Educação 672 Evolução do total de matrículas estaduais e municipais 2007 a 2017 e privadas 2006 a 2017 na educação básica no Brasil Região Unidade Da Federação Estadual Municipal Privada 2007 2017 Evolução Ev 2007 2017 Evolução Ev 2006 2017 Evolução Ev BRASIL 21927300 16222814 5704486 260 24531011 23101736 1429275 58 7346203 8887061 1540858 210 NORTE 2177846 1787649 390197 179 2671573 2727718 56145 21 354135 453098 98963 279 Rondônia 257414 204110 53304 207 184733 184491 242 01 40811 38737 2074 51 Acre 152799 170628 17829 117 83762 98979 15217 182 12068 11917 151 13 Amazonas 501008 466599 34409 69 597841 601050 3209 05 83473 90571 7098 85 Roraima 94304 72311 21993 233 31936 63666 31730 994 6665 16206 9541 1432 Pará 790342 589280 201062 254 1557011 1507319 49692 32 158436 231000 72564 458 Amapá 151115 123805 27310 181 52535 75769 23234 442 21842 22557 715 33 Tocantins 230864 160916 69948 303 163755 196444 32689 200 30840 42110 11270 365 NORDESTE 5130081 3389404 1740677 339 9861791 8373857 1487934 151 2064454 2452607 388153 188 Maranhão 547587 356173 191414 350 1561918 1455443 106475 68 218330 231532 13202 60 Piauí 335931 305444 30487 91 617695 546650 71045 115 123711 110938 12773 103 Ceará 645381 426586 218795 339 1670593 1323397 347196 208 392497 422819 30322 77 R G do Norte 359440 231245 128195 357 468490 417379 51111 109 146724 169223 22499 153 Paraíba 451037 288636 162401 360 595860 506491 89369 150 140837 189643 48806 347 Pernambuco 923105 591470 331635 359 1319296 1143022 176274 134 450885 511540 60655 135 Alagoas 275750 180975 94775 344 637620 541065 96555 151 91720 143581 51861 565 Sergipe 234911 154605 80306 342 316419 267353 49066 155 71909 121154 49245 685 Bahia 1356939 854270 502669 370 2673900 2173057 500843 187 427841 552177 124336 291 SUDESTE 9289648 6940454 2349194 253 8113860 7873040 240820 30 3418747 4199636 780889 228 Minas Gerais 2551433 2107401 444032 174 1928047 1773793 154254 80 666520 680922 14402 22 Espírito Santo 312061 260186 51875 166 490148 507072 16924 35 130376 108587 21789 167 Rio de Janeiro 1348636 717877 630759 468 1826840 1692326 134514 74 856835 1113946 257111 300 São Paulo 5077518 3854990 1222528 241 3868825 3899849 31024 08 1765016 2296181 531165 301 SUL 3414306 2530452 883854 259 2624905 2767281 142376 54 932271 1110836 178565 192 Paraná 1353670 1085468 268202 198 1047053 1047543 490 005 365869 446691 80822 221 Santa Catarina 738642 514368 224274 304 640965 749344 108379 169 214322 251251 36929 172 R G do Sul 1321994 930616 391378 296 936887 970394 33507 36 352080 412894 60814 173 CENTRO OESTE 1915419 1574855 340564 178 1258882 1359840 100958 80 576596 670884 94288 164 M G do Sul 304864 252653 52211 171 305929 340144 34215 112 83866 89215 5349 64 Mato Grosso 439271 384254 55017 125 353778 357701 3923 11 76000 107536 31536 415 Goiás 669908 478250 191658 286 599175 661995 62820 105 250625 281070 30445 121 Distrito Federal 501376 459698 41678 83 166105 193063 26958 162 Fontes Censos Escolares de 2006 2007 e 2017 BRASILINEP 2007 2008 2018 e cálculos efetuados pelos autores Financiamento da Educação Pública 673 Também o número de escolas estaduais 2595 ou 78 e municipais 19555 ou 148 caiu de 2007 a 2017 porém o de privadas 2006 a 2017 cresceu 4491 126 com grandes variações entre regiões e Estados 3 OS PERCALÇOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO 31 OS EQUÍVOCOS DA LEGISLAÇÃO Um dos percalços são os muitos equívocos da própria legislação Por exem plo o caput do art 212 da CF afirma que os Estados o DF e os Municípios aplicarão no mínimo 25 de impostos compreendida a proveniente de trans ferências na MDE Ora o correto é transferências constitucionais de impos tos e não simplesmente transferências termo muito mais amplo pois abrange tanto as constitucionais quanto as legais e as voluntárias Da forma como está redigido o caput os governos dos Estados DF e Municípios que recebem tais transferências legais e voluntárias poderiam adotar uma interpretação opor tunista e incluílas para o cálculo dos 25 como fez durante vários anos o governo do Distrito Federal que contabilizava dentro dos 25 centenas de milhões de reais de transferências voluntárias do governo federal para a edu cação com a concordância do Tribunal de Contas DAVIES 2001c O certo seria acrescentálas integralmente desde que vinculadas à educação aos 25 ou ao percentual mínimo maior se existente previsto na Constituição Estadual ou Lei Orgânica municipal conforme estabelece a LDB É verdade que o art 69 da LDB não comete o mesmo equívoco pois acres centa constitucionais porém o certo seria que isso fosse feito também no caput do art 212 da CF Entretanto a inclusão de constitucionais só resolveria esta imprecisão do caput antes da criação do Fundef cuja implantação gerou para muitos gover nos sobretudo municipais uma receita adicional integral de natureza cons titucional pois foi criado por emenda constitucional a de n 14 A inclusão de constitucionais no caput faria com que os 25 incidissem sobre os ganhos dos governos com o Fundef quando o correto seria contabilizar tais ganhos como receitas adicionais ao mínimo Este problema da contabilização se apli ca também ao Fundeb que faz com que milhares de prefeituras todos os governos estaduais perdem com o Fundeb tenham receitas constitucionais adicionais os ganhos Revista Pesquisa e Debate em Educação 674 Um segundo erroincompetência ou seria esperteza dos legisladores pode ser constatado no 2º do art 212 da CF segundo o qual para efeito do cum primento do disposto no caput deste artigo serão considerados os sistemas de ensino federal estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art 213 BRASIL 1988 Equívoco semelhante constava do 1º do art 211 re dação de 1988 que estipulava que a União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios BRASIL 1988 quando queria dizer que organizará o sistema federal de ensino e financiará a rede federal de ensi noBRASIL1988 O certo seria redes não sistemas pois segundo a LDB arts 16 17 e 18 os sistemas incluem não só as instituições mantidas pelas várias esferas de go verno mas também as privadas A rede federal por exemplo abrange todas as instituições pertencentes ao governo federal enquanto o sistema federal de ensino compreende não só as federais mas também as de educação su perior criadas e mantidas pela iniciativa privada O mesmo vale para os siste mas estaduais distrital e municipais de ensino É verdade que na esfera federal tal brecha privatista foi aparentemente fe chada pela modificação introduzida pela EC n 14 no 1º do art 211 estabele cendo que a União financiará as instituições de ensino públicas federais No entanto como o 2º do art 212 não foi alterado o resultado pelo menos na esfera federal é uma incongruência da sua formulação com a nova reda ção do 1º do art 211 Na esfera estadual distrital e municipal a brecha conti nua aberta do ponto de vista constitucional A Lei n 11494 que regulamentou o Fundeb embora não pretendesse definir MDE distorceu o seu significado legal ao permitir que creches préescolas e instituições de educação especial comunitárias confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público recebam recursos do Fundeb o qual pela EC n 53 é destinado apenas à manutenção da edu cação básica pública a qual obviamente não inclui tais instituições Os priva tistas foram beneficiados ainda com a permissão na Lei n 11494 de os pro fissionais do magistério da educação básica pública cedidos a tais instituições serem considerados como se estivessem em efetivo exercício na educação básica pública art 9º 3º também contrariando o significado legal de MDE A LDB por sua vez apresenta algumas incoerências O seu art 69 afirma que o percentual mínimo dos impostos será destinado à manutenção e desenvol vimento do ensino MDE público porém o inciso VI do seu art 70 permite que as despesas com MDE incluam bolsas de estudo concedidas a alunos de escolas públicas e privadas grifo meu Financiamento da Educação Pública 675 Já o art 77 permite a destinação de recursos públicos não especificando se fazem parte do percentual mínimo vinculado à MDE para aquisição de bolsas de estudo na educação básica que vai desde a educação infantil até o ensino médio em escolas comunitárias confessionais ou filantrópicas que consti tuem um universo restrito das escolas privadas conforme estabelece o art 20 da LDB que classifica as instituições privadas em particulares comunitárias confessionais e filantrópicas Ora bolsas de estudo pagas com recursos pú blicos em escolas privadas que são todas as escolas nãoestatais conforme o inciso VI do art 70 são bem mais abrangentes do que recursos públicos em comunitárias confessionais ou filantrópicas O parágrafo 2º do art 77 arrema ta as incoerências no campo de recursos financeiros quando prevê que As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio fi nanceiro do Poder Público inclusive mediante bolsas de estudo Neste caso qualquer escola privada de 3º grau e não apenas as comunitárias confessio nais ou filantrópicas pode receber recursos públicos para pesquisa e exten são que incluem mas não se restringem a bolsas de estudo 32 CONFIABILIDADE DOS DADOS Outro problema é a pouca confiabilidade de textos acadêmicos e documentos de órgãos públicos DAVIES 2011b sobre o que consideram receitas e despe sas vinculadas à educação sobretudo as despesas Os manuais consultados em janeiro de 2011 do Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Educação SIOPE do FNDE continham vários erros Por exemplo a conta bilização da despesa no relatório estadual de 2005 previa que os 25 dos Estados só podem ser aplicados no ensino médio urbano e rural p 51 e que o Estado somente atuará no ensino superior universitário após aplicar os 25 de impostos no ensino médio e ensino fundamental p 51 A pouca confiabilidade se repete em dados lançados pelos governos em suas prestações de contas e formulários do SIOPE Por exemplo antes de 2007 o governo estadual do RJ não registrou nenhum gasto na misteriosa rubrica ou tras que no entanto cresceu exponencialmente de 2007 R 1418 milhões a 2013 R 2 bilhões superando os gastos no ensino fundamental médio e superior em anos recentes Outro obstáculo é que quase sempre os dados são apresentados de modo excessivamente agregado genérico e até equivocado na documentação con tábil MELCHIOR 1991 p 273 Outra distorção pode ser provocada pela dupla contagem dos gastos como constatado por Fagnani Quadros 1991 p 148 em 1987 quando cerca de 72 Cz 745 bilhões de um total de Cz 1034 bilhões dos supostos gastos Revista Pesquisa e Debate em Educação 676 federais no então ensino de 1º grau foram transferências constitucionais im postos e salárioeducação para Estados e municípios O TCU BRASIL 2000 por sua vez informou em seu Relatório sobre as Contas Federais de 1999 que o governo federal teria contabilizado as transferências federais no âm bito do Fundef de R 49 bilhões como se fossem suas despesas no ensino fundamental as quais sem esse artifício cairiam de R 8095 bilhões para R 31 bilhões 33 O DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO Outro desafio é o cumprimento da lei pelos governos Por exemplo a redação original do art 60 do ADCT da CF de 1988 previa que o Poder Público deveria aplicar 50 do percentual mínimo previsto no art 212 da CF na universaliza ção do EF e erradicação do analfabetismo por 10 anos Se interpretarmos Po der Público como cada esfera de governo isso significa que o governo federal deveria aplicar 9 50 de 18 porém vários relatórios do TCU registraram o descumprimento desta determinação constitucional sem nunca emitirem pa recer prévio contrário à aprovação das contas O governo federal também descumpriu a exigência do valor devido à comple mentação federal para o Fundef tanto no governo de FHC quanto no de Lula Segundo relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo MEC BRASIL 2003 ele teria deixado de contribuir com mais de R 127 bilhões devidos de 1998 a 2002 Como essa irregularidade continuou no governo Lula de 2003 a 2006 a dívida com o Fundef de 1998 a 2006 deve ter superado R 25 bilhões Também o descumprimento parece ter sido regra por governos estaduais e prefeituras segundo o exsenador João Calmon em depoimento prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito BRASIL 1989 Entretanto não sofreram intervenção por isso embora isso esteja previsto na Constituição Um exem plo é o governo estadual de São Paulo que segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa de São Paulo SÃO PAULO 1999 teria deixado de aplicar mais de R 52 bilhões devidos legalmente em MDE no pe ríodo de 1995 a 1998 No Estado do Rio de Janeiro constatei a nãoaplicação de centenas de milhões de reais do governo estadual e da prefeitura do Rio de Janeiro DAVIES 2004 Em Santa Catarina o governo estadual deixou de aplicar mais de R 2 bilhões em educação de 1998 a 2008 DAVIES 2011a Financiamento da Educação Pública 677 34 A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL Uma questão crucial é a fiscalização pelos Tribunais de Contas TCs cuja eficá cia eou confiabilidade são limitadíssimas para não dizer nulas pois são dirigi dos por conselheiros nomeados segundo critérios políticos a partir de acordos entre o executivo e os representantes do povo deputados e vereadores Um primeiro problema que tenho constatado é que vários TCs não seguem necessariamente as disposições constitucionais ou a LDB nem mesmo as normas contidas nos manuais elaborados pela Secretaria do Tesouro Nacional STN para a elaboração dos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária RREO da STN Por exemplo a LDB prevê que o percentual mínimo é o fixa do nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais se superior aos 25 Entretanto os TCs de Mato Grosso e Piauí baseiamse nos 25 não nos percentuais maiores das CEs em Mato Grosso é de 35 e no Piauí é de 30 Uma omissão de receita é o caso do imposto de renda recolhido pelos gover nos estadual e municipais pelo menos desde 2004 em Mato Grosso quando o TC concordou com a interpretação da Secretaria Estadual de Fazenda de que ele não é imposto e portanto não deve ser incluído no cálculo do per centual mínimo Além das omissões os TCs cometeram muitos equívocos Na década de 1990 os TCE do Estado de São Paulo Rio de Janeiro e Goiás incluíram na base de cálculo o salárioeducação que por ser contribuição social deveria ser acrescida ao montante correspondente ao percentual mínimo e não incluído nele Outra inclusão equivocada foi a do ganho a diferença positiva entre a contribuição e a receita com o Fundef e o Fundeb na base de cálculo pela prefeitura do Rio de Janeiro durante muitos anos com a concordância do TC do Município Em Minas Gerais DAVIES 2013 o relatório do TC sobre as contas estaduais de 2006 equivocouse ao aceitar que o salárioeducação e a receita do Fundef fossem utilizados para pagar subvenções e auxílios a ins tituições privadas sem fins lucrativos total de R 312 milhões fazendo vista grossa para o fato de que tais receitas só podiam legalmente ser utilizadas no ensino fundamental público O principal equívoco de muitos TCs foi terem considerado e provavelmente ainda considerarem o pagamento dos inativos como MDE e portanto realizá vel com as receitas vinculadas à educação É o caso dos TCEs de MG Espírito Santo RJ SP Paraná e Santa Catarina Outros TCs ao contrário excluem os gastos com inativos de MDE como o TCE do Pará e o do Maranhão O estra nho em tudo isso é que vários TCs e também os governos não obedecem à Constituição Federal BRASIL 1988 que considera o pagamento dos inativos como proventos não como remuneração e que o conceito de MDE é restrito à remuneração para quem está na ativa não a proventos Revista Pesquisa e Debate em Educação 678 Diante dessa pouca confiabilidade dos TCs cabe uma discussão sobre o potencial do controle social sobre tais contas Em primeiro lugar não se deve alimentar ilusões com isso pois o privatismo inerente às ações estatais tam bém está presente na sociedade que não pode ser vista como radicalmente separada do Estado reflexo desta sociedade atravessada por contradições e perspectivas diferentes umas tendentes a promover o interesse público das maiorias outras envolvidas na defesa de seus interesses privados Daí a importância de definir o significado de controle social seus limites e possibili dades evitando idealizálo Exemplos de conselhos de controle supostamente social foram oferecidos pelo Fundef e agora pelo Fundeb Antes de analisálos cabem algumas bre ves reflexões sobre a criação de conselhos com representação de entidades da sociedade para a fiscalização de atos do Poder dito Público Uns interpre tam isso como resultado do movimento de vários segmentos da sociedade no sentido de controlar o Estado e assim democratizálo atribuindo a tais conselhos muitas virtudes e poder Embora haja certo grau de verdade nisso essa interpretação se fragiliza bastante ao não levar em conta antigas e novas estratégias dos detentores do poder Uma consiste em anulálos ou enfraque cêlos enormemente no seu funcionamento concreto Outra consiste em não permitir que tais conselhos tenham poder de ação concreta ou seja de puni ção Uma estratégia nova tem a ver com a proposta neoliberal de desobrigar o Poder dito Público de suas responsabilidades e transferilas à sociedade O potencial democrático destes conselhos é bastante limitado por uma série de razões Em primeiro lugar apesar do nome são mais estatais sobretudo o federal e os estaduais do que sociais uma vez que são compostos mais por representan tes do Estado do que da sociedade É só no âmbito municipal que podemos dizer que os Conselhos pelo menos formalmente poderiam ter caráter mais social ou melhor nãoestatal do que estatal uma vez que contariam com no mínimo 9 membros sendo 2 do Executivo Municipal Os demais represen tariam os professores 1 os diretores 1 os pais de alunos 2 os servidores técnicoadministrativos 1 e os estudantes 2 Teríamos assim no âmbito mu nicipal um Conselho aparentemente mais de caráter social do que estatal Entretanto tendo em vista a predominância do clientelismo e do fisiologismo nas relações entre governantes e entidades supostamente representativas da sociedade nada garante que os representantes de tais entidades não sejam também escolhidos ou fortemente influenciados pelo prefeito ou secretário municipal de educação dando apenas uma fachada social para um Conselho que tenderia a refletir os interesses dos governantes Financiamento da Educação Pública 679 Outros fatos concretos fragilizam bastante o suposto caráter social dos con selhos Os representantes nãoestatais nada recebem por este trabalho ao passo que os do Poder dito Público em todas as esferas federal estadual e municipal em geral fazem o acompanhamento durante o horário normal de trabalho Na prática isso significa que alguns representantes nãoestatais trabalham de graça enquanto os do Poder dito Público mesmo não receben do remuneração específica para a participação no Conselho participam dele como funcionários do Poder Estatal durante o seu horário normal de trabalho Assim a sua participação no Conselho não constitui um trabalho gratuito Já os conselheiros formalmente nãoestatais sindicatos pais de alunos e profes sores fazem trabalho extra pelo qual não são remunerados nem direta nem indiretamente Um outro ponto que enfraquece a representação social é a capacitação téc nica para análise da documentação contábil se e quando for encaminhada pelas autoridades Em síntese os Conselhos foram e são bastante inócuos apesar de formalmente apresentarem um potencial para o controle social so bre o Estado 35 DESVINCULAÇÃO POR EMENDAS CONSTITUCIONAIS A educação pública tem sido prejudicada ainda por emendas constitucionais que sem alterar o caput do art 212 da CF desvincularam parte dos seus re cursos A primeira foi a EC de Revisão n 1 de 1994 que criou o Fundo So cial de Emergência posteriormente transformado em Fundo de Estabilização Fiscal FEF e subtraiu bilhões de reais da educação pela desvinculação de 20 da receita de alguns impostos e também da contribuição social do sa lárioeducação O FEF foi extinto em dezembro de 1999 porém a educação em âmbito federal continuou sendo prejudicada pois em março de 2000 a EC Nº 27 criou a Desvinculação de Receita da União DRU que reproduziu parte da Emenda do FEF e desvinculou 20 dos impostos federais o que concretamente significou que o governo federal só continuou sendo legal mente obrigado a aplicar 144 dos impostos em MDE não 18 O prejuízo continuou até 2007 com a aprovação da EC n 42 em 2003 prosseguindo com a prorrogação da DRU pela EC n 56 Com a EC n 59 de 2009 a DRU deixou de desvincular recursos da educação inicial e parcialmente em 2009 e definitivamente em 2011 De qualquer maneira o prejuízo causado por estas desvinculações terá sido de dezenas de bilhões de reais de 1994 a 2010 Além disso os governos sobretudo o federal vêm adotando artifícios que tiram recursos da educação e também da saúde o outro setor que tem a garantia de vinculação constitucional de impostos Um deles foié o de criar Revista Pesquisa e Debate em Educação 680 impostos com o nome de contribuições sendo a Contribuição Provisória so bre Movimentação Financeira CPMF a mais conhecida Como o percentual mínimo incide apenas sobre os impostos isso significa que nenhuma contri buição CPMF COFINS CSLL por exemplo entroua na base de cálculo do percentual Isso permitiu ao governo federal aumentar significativamente sua receita orçamentária desde 1988 sem ter que destinála constitucionalmente à educação ou à saúde nem dividila com Estados DF e Municípios A EC n 95 de 2016 iniciativa do governo Temer surgido com o golpe parla mentarmidiáticojudicial de 2016 por sua vez prevê que as despesas federais só poderão ser aumentadas com base no índice oficial da inflação do ano ante rior pelos próximos 20 anos o que significa que o governo federal não precisará aplicar em MDE o percentual mínimo dos impostos se tais gastos superarem os do ano anterior corrigidos por este índice A alegação para justificar a proposta que resultou na EC n 95 foi que o governo federal gastou excessivamente nos últimos anos porém contraditoriamente ela não estipula limite para despesas com a amortização do principal e juros da dívida federal nem com a emissão de novos títulos da dívida que consome cerca de 50 do orçamento federal ou em outras palavras financiam o rentismo das classes dominantes Para piorar uma situação já bastante grave em meados de setembro de 2019 o atual ministro da economia manifestou sua intenção de eliminar todas as vin culações constitucionais o que provocaria o caos no financiamento da educa ção e também da saúde 36 RENÚNCIAS FISCAIS Outro prejuízo foram e são as gigantescas renúncias tributárias Segundo o relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas federais BRASIL 2013 o total de renúncias de receitas tributáriasprevidenciáriascreditícias pelo governo federal teria atingido R 2165 bilhões em 2012 muito supe riores às despesas federais em educação R 665 bilhões e saúde R 773 bilhões A renúncia de R 85 bilhões da receita do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados teria reduzido em R 38 bilhões as transferências de impostos para Estados e Municípios Como pelo menos 25 deste montante é vinculado constitucionalmente à educação isso significou um prejuízo de quase R 10 bilhões para a educação de Estados DF e Municí pios valor quase idêntico à complementação federal para o Fundeb em 2012 Também a educação federal teria sido prejudicada por esta renúncia com a perda de no mínimo R 10 bilhões em 2012 Financiamento da Educação Pública 681 No âmbito estadual Afonso 2014 informa num estudo sobre a renúncia tri butária do ICMS que a renúncia dele em relação à arrecadação em 2012 teria sido de cerca de 52 bilhões em 20 Estados brasileiros o que significa no mínimo R 13 bilhões a menos para a educação considerando que 25 dos impostos são vinculados à MDE Outro grande prejuízo tem sido a sonegação fiscal das empresas Estudo de Amaral et alii 2009 revela que o faturamento das empresas não declarado se ria de R 132 trilhão e os tributos sonegados somariam R 200 bilhões por ano Na matéria intitulada Sonegômetro Gomes 2015 informa estimativa de so negação fiscal de R 550 bilhões em 2015 com base no Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda quase o dobro do orçamento do ano para os ministérios da Saúde e da Educação juntos R 121 bilhões e R 103 bilhões respectivamente 37 FINANCIAMENTO A INSTITUIÇÕES PRIVADAS O frágil compromisso do Poder dito público com a educação pública é reve lado ainda pela destinação direta ou indireta de recursos públicos para insti tuições privadas de ensino que gozam de isenção fiscal pelo menos desde a CF de 1946 O caput do art 213 da CF de 1988 é bem explícito na privatização pois per mite que recursos públicos possam ser dirigidos a escolas comunitárias con fessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos formulação enganosa pois os lucros de tais escolas não são registrados como tais na contabilidade mas sim como transferências a suas entidades mantenedoras que na verdade são mantidas e não mantenedoras O parágrafo 2º do art 213 nem se preocupa que tais escolas não tenham fins lucrativos já que prevê que As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público BRASIL 1988 recurso online A Lei n 9394 no entanto procurou impedir esta brecha ao estipular que o percentual mínimo se destina ao ensino público porém considera bolsas de estudo em escolas privadas como MDE O problema é que as disposições constitucionais preponderam sobre as de qualquer lei Um terceiro mecanismo favorável foi o salárioeducação já comentado antes Privilégios mais recentes são as isenções fiscais ou de contribuições a ins tituições privadas de ensino superior IES que aderissem ao Programa Uni versidade para Todos PROUNI iniciativa do governo federal em 2005 que veio a resolver ou pelo menos atenuar a ociosidade ou inadimplência nelas além do benefício do Financiamento do Estudante do Ensino Superior Privado Revista Pesquisa e Debate em Educação 682 FIES o sucessor do Crédito Educativo criado na década de 1970 pela ditadu ra militar A magnitude do FIES é exemplificada pelos créditos de mais de R 13 bilhões para ele em 2013 BRASIL 2014 e pelo fato de o PROUNI ter oferecido mais de 12 milhões de bolsas integrais e parciais de 2005 a 2013 segundo o Sisprouni o Sistema do MEC para o Prouni de 6112013 Graças a estes e outros mecanismos tais IES privadas cresceram mais do que as públicas não só durante a ditadura mas também durante os governos de Fernando Henri que Cardoso 19952002 e do Partido dos Trabalhadores e sua base aliada 2003 até 2016 Como se não bastassem todos estes benefícios a presidente sancionou a Lei n 12688 BRASIL 2012 para reestruturar e fortalecer as instituições de en sino superior privado em dívidas tributárias com a União a serem pagas em 15 anos prevendo também que até 90 das prestações mensais das dívidas podem ser convertidas em bolsas integrais Outros mecanismos são o FUNDEB já comentado antes e o Programa Na cional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PRONATEC criado em 2011 prevendo que a União financiará a educação profissional e tecnológica não só em instituições públicas mas também nos serviços nacionais de aprendi zagem Sistema S nas instituições privadas de ensino superior de educação profissional e tecnológica e de fundações públicas de direito privado assim como o financiamento público a empresas para formação de trabalhadores e a participação de entidades privadas sem fins lucrativos Mais de R 188 bilhão teria sido transferido pelo governo federal no âmbito deste programa para o sistema S quase todo para o SENAI e o SENAC em 2013 segundo o TCU BRASIL 2014 Além disso o Plano Nacional de Educação PNE aprovado pela Lei n 13005 BRASIL 2014 reitera disposições legais que preveem o financiamento públi co a instituições privadas o Prouni o FIES e o PRONATEC Por fim cabe lembrar que os recursos embutidos nos produtos e serviços pa gos pela população neste sentido são públicos arrecadados por empresas e repassados a entidades empresariais é o caso do sistema S SENAI SESI SENAC SESC etc financiados por tributos incluídos em muitos preços são recursos públicos pois são bancados por toda a população embora privatiza dos por tais entidades Financiamento da Educação Pública 683 38 DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA A POLÊMICA MAIS VERBAS X SUA MELHOR APLICAÇÃO E OS PLANOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO Um dos grandes percalços é a enorme desigualdade tributária dentre as dife rentes esferas de governo e principalmente a discrepância entre recursos e responsabilidades educacionais O governo central tem a maior receita porém nunca assumiu constitucionalmente oferecer educação básica a toda a popu lação deixandoa a cargo de Estados e Municípios Os governos estaduais por sua vez vêm se desobrigando do ensino fundamental transferindoo sem nenhuma base legal para as prefeituras sobretudo desde a implantação do Fundef em 1998 embora fiquem com a maior fatia do maior imposto 75 do ICMS Nem o Fundef nem o Fundeb resolveram ou atenuaram significativa mente tal desigualdade por ao menos três razões 1 só operam dentro de cada Estado apenas redistribuindo parte dos impostos vinculados entre pre feituras e governo estadual 2 não incluem a totalidade dos recursos vincula dos os impostos e demais receitas adicionais 3 a complementação federal é muito pequena em termos nacionais ainda que significativa para prefeituras e Estados sobretudo do Nordeste que a recebem Esta desigualdade remete a uma das principais polêmicas no financiamento entre de um lado os que priorizam mais verbas enfatizando a sua falta e de outro os que advogam sua melhor aplicação argumentando que elas já são suficientes Um exemplo desta polêmica foram os projetos de lei para o PNE encaminhados em 1998 um pelo MEC o outro por entidades da dita socieda de civil sobretudo sindicatos de profissionais da educação e entidades aca dêmicas reunidas no Congresso Nacional de Educação CONED 1997 em Belo Horizonte O projeto do MEC previa uma série de metas para 10 anos po rém não definia aumentos dos gastos governamentais alegando que bastaria a aplicação do percentual mínimo dos impostos e a racionalização no uso dos recursos para a consecução das metas sem estimar os custos de tais metas e os recursos necessários Como o Plano não apontava elementos concretos que permitissem esperar a aplicação correta e racional dos recursos as suas metas careciam de fundamentação por não definirem a origem estatal dos recursos adicionais para a sua realização Isso talvez se explique porque o governo federal na época via a educação como responsabilidade de todos e não apenas do Estado tido como incompetente e ineficiente o que significa va transferir à família aos meios de comunicação de massa às organizações nãogovernamentais leigas ou confessionais à ação da iniciativa privada pa péis crescentes na oferta da educação que seria responsabilidade estatal Ao contrário do MEC o Plano do CONED autointitulado Proposta da Socie dade Brasileira previa aumento significativo 10 do PIB ao longo de 10 anos Revista Pesquisa e Debate em Educação 684 Ora o simples aumento dos recursos não resultaria necessariamente no aten dimento das metas quantitativas e qualitativas uma vez que a corrupção o desperdício a burocratização e tantos outros males podem consumir grande parte deste aumento Assim o financiamento é tanto uma questão quantitativa mais recursos quanto qualitativa sua melhor utilização A propósito o Plano sancionado por Fernando Henrique Cardoso em 2001 em vigor até o final de 2010 não previa aumento de recursos em consequên cia dos vetos presidenciais nunca derrubados pela base aliada do governo Lula criando assim um plano que não foi plano pois não definia a origem dos recursos para a consecução das metas Tal polêmica de certa forma se repetiu no projeto de lei PL de PNE encami nhado pelo governo federal ao Congresso Nacional no final de 2010 Previa 7 do PIB ao final da vigência do PNE contrariando a proposta das entidades reunidas na Conferência Nacional de Educação CONAE em 2010 que defen diam 10 do PIB em 2014 para a educação pública O financiamento no novo PNE Lei n 13005 contém vários pontos frágeis Um é não se basear num diagnóstico e portanto na definição dos custos e recur sos disponíveis Outro é não definir claramente as responsabilidades das três esferas de governo pelo cumprimento das metas e estratégias que acabam dependendo do regime de colaboração inexistente até hoje embora previsto para ser criado até 2016 Outro problema é a falta de clareza sobre a destinação dos recursos públicos pois a meta 20 prevê que tais percentuais se destinam à educação pública porém o 4o do art 5º contraditoriamente inclui programas que beneficiam instituições privadas como o FIES creches préescolas e de educação es pecial privadas sem fins lucrativos isenção fiscal PROUNI por exemplo no cálculo do investimento público em educação previsto no inciso VI do art 214 da CF Esta pouca clareza e inconsistência são confirmadas por Martins 2015 Outra debilidade é que os governos não arrecadam PIB mas sim impostos taxas e contribuições etc Como cobrar do Poder Público a aplicação de um percentual de uma receita que ele não arrecada A destinação de 10 do PIB será dificilmente operacionalizável porque o PIB informa a produção da riqueza nacional dos governos e iniciativa privada não apenas dos governos e será impossível responsabilizar as diferentes esferas de governo federal estadual e municipal ou cada governo individualmente em termos de per centual do PIB Quando as responsabilidades financeiras não são claramente definidas o seu descumprimento é inevitável Financiamento da Educação Pública 685 Outra fragilidade é que a Lei não poderá ser cumprida imediatamente pois muitas das ações nela previstas dependeriam de leis posteriores até hoje 5 anos depois não aprovadas como a definição do custo alunoqualidade inicial prevendose complementação federal a Estados Distrito Federal e Mu nicípios que não alcançarem tal valor 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo revela aspectos progressistas do financiamento da educação como a vinculação de impostos em várias constituições federais desde 1934 porém aspectos negativos como a desvinculação total em duas delas e par cial também por emendas constitucionais desde 1994 assim como equívocos da legislação dados poucos confiáveis o descumprimento da aplicação da verba devida pelos governos a fiscalização deficiente pelos tribunais de con tas e por conselhos como o do Fundef e Fundeb as renúncias fiscais o finan ciamento público a instituições privadas de ensino a desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios e a fragilidade dos Planos Nacionais de Educação Tais aspectos negativos não devem ser vistos como anormais mas sim como intrínsecos a uma sociedade e Estado dominados pelo privatismo que se agrava hoje com o ultraliberalismo do atual desgoverno Por isso este é o maior desafio dos que são comprometidos com a educação pública e com uma sociedade e Estado a serviço das maiorias Portanto é necessário não só um projeto de educação mas também um de sociedade que supere a atual Sem esta perspectiva no máximo o que se conseguirá fazer será consertar os escombros que estão sendo provocados atualmente pelos piratas no coman do do governo da mídia e de outras instâncias REFERÊNCIAS AFONSO José Roberto R coordenador A renúncia tributária do ICMS no Brasil Banco Interamericano de Desenvolvimento Documento de Discussão IDP DP 327 fev 2014 ALCÂNTARA Alzira Batalha DAVIES Nicholas A evolução das matrículas na educação básica no Brasil alguns questionamentos inédito 2019 AMARAL Gilberto Luiz de et alii Estudo sobre sonegação fiscal das empresas brasileiras Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário 2009 Disponível em wwwibptcombr Acesso em 5 jul 2015 Revista Pesquisa e Debate em Educação 686 BRASIL Congresso Nacional Brasília Diário do Congresso Nacional seção I suplemento 2961989 contém relatório da Comissão Parlamentar de In quérito destinada a investigar a aplicação pelo Ministério da Educação dos recursos provenientes da Emenda Calmon BRASIL Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil Brasília 5101988 BRASIL Emenda Constitucional n 1 de 17101969 Altera a Constituição Fede ral de 1967 Diário Oficial da União Brasília DF 20101969 Republicado com retificações em 30101969 BRASIL Emenda Constitucional n 14 de 1291996 Modifica os arts 34 208 211 212 da CF e dá nova redação ao art 60 do Ato das Disposições Constitu cionais Transitórias ADCT Diário Oficial da União Brasília DF 13 set 1996a BRASIL Emenda Constitucional n 24 Emenda Calmon de 1121983 Esta belece a obrigatoriedade de aplicação anual pela União de nunca menos de treze por cento e pelos Estados Distrito Federal e Municípios de no mínimo vinte e cinco por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino Diário Oficial da União Brasília DF 5121983 BRASIL Emenda Constitucional n 31 de 14122000 Altera o Ato das Dispo sições Constitucionais Transitórias introduzindo artigos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza Diário Oficial da União Brasília DF 18122000 BRASIL Emenda Constitucional n 53 de 19122006 Dá nova redação aos arts 7º 23 30 206 208 211 e 212 da Constituição Federal e ao art 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Diário Oficial da União Brasília DF 20122006 BRASIL Emenda Constitucional n 59 de 11122009 Acrescenta 3º ao art 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir anualmente a partir do exercício de 2009 o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvol vimento do ensino de que trata o art 212 da Constituição Federal dá nova redação aos incisos I e VII do art 208 de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica e dá nova redação ao 4º do art 211 e ao 3º do art 212 e ao caput do art 214 com a inserção neste dispositivo de inciso VI Diário Oficial da União Brasília DF 12112009 Financiamento da Educação Pública 687 BRASIL Emenda Constitucional n 67 de 22122010 Prorroga por tempo in determinado o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza Diário Oficial da União Brasília DF 23122010 BRASIL Emenda Constitucional n 95 de 15122016 Altera o Ato das Dispo sições Constitucionais Transitórias para instituir o Novo Regime Fiscal e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 15122016 BRASIL Lei n 4024 de 20121961 Fixa as diretrizes e bases da educação nacional Diário Oficial da União Brasília DF 27121961 BRASIL Lei n 4320 de 1731964 Estatui Normas Gerais de Direito Finan ceiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União dos Estados dos Municípios e do Distrito Federal Diário Oficial da União Brasília DF 2331964 BRASIL Lei n 5692 de 1181971 Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 1181971 BRASIL Lei n 7348 de 2471985 Dispõe sobre a execução do 4º do art 176 da Constituição Federal e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 2471985 BRASIL Lei n 9394 de 20121996 Estabelece as diretrizes e bases da edu cação nacional Diário Oficial da União Brasília DF 23121996b BRASIL Lei n 9424 de 24121996 Dispõe sobre o Fundef na forma pre vista no art 60 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 26121996c BRASIL Lei n 10260 de 12072001 Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 1372001 BRASIL Lei n 10832 de 29122003 Altera o 1º e o seu inciso II do art 15 da Lei no 9424 de 24121996 e o art 2º da Lei no 9766 de 18121998 que dispõem sobre o salárioeducação Diário Oficial da União Brasília DF 30122003 BRASIL Lei n 11096 de 1312005 Institui o Programa Universidade para To dos PROUNI regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior altera a Lei n 10891 de 972004 e dá outras pro vidências Diário Oficial da União Brasília DF 1412005 Revista Pesquisa e Debate em Educação 688 BRASIL Lei n 11494 de 2062007 Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB de que trata o art 60 do Ato das Disposições Constitu cionais Transitórias altera a Lei n 10195 de 1422001 revoga dispositivos das Leis nos 9424 de 24121996 10880 de 962004 e 10845 de 532004 e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 2162007 BRASIL Lei n 12513 de 26102011 Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PRONATEC e dá outras providências Diá rio Oficial da União Brasília DF 27102011 BRASIL Lei n 12688 de 1872012 Institui o Programa de Estímulo à Rees truturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior PROIES Diário Oficial da União Brasília 1972012 Edição extra BRASIL Lei n 12858 de 992013 Dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou da compen sação financeira pela exploração de petróleo e gás natural com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art 214 e no art 196 da Constituição Federal Diário Oficial da União Brasília DF 1092013 BRASIL Lei n 13005 de 2562014 Aprova o Plano Nacional de Educação PNE e dá outras providências Diário Oficial da União da República Federa tiva do Brasil edição extra Brasília DF 2662014 BRASIL Ministério da Educação Conselho Nacional de Educação Parecer n2697 de 2121997 Interpreta o financiamento da educação na Lei de Dire trizes e Bases Brasília 1997 BRASIL Ministério da Educação Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu cação Siope Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Educação Relatórios Estaduais e Municipais de 2005 2006 2007 e 2008 Disponível em httpwwwfndegovbr Acesso em 2012011 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Censo da Educação Básica 2006 Brasília DF INEP 2007 Dis ponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Censo da Educação Básica 2007 Brasília DF INEP 2008 Dis ponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Sinopse Estatística da Educação Básica 2008 Brasília DF INEP 2009 Disponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 Financiamento da Educação Pública 689 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Sinopse Estatística da Educação Básica 2017 Brasília DF INEP 2018 Disponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Plano Nacional de Educação proposta do Executivo ao Congresso Nacional Brasília MECInep 1998 BRASIL Ministério da Educação Relatório do GT sobre o cálculo do valor mí nimo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEF Brasília 2003 Disponível em www mecgovbr Acesso em set 2003 BRASIL Ministério da Educação Sisprouni o Sistema do Ministério da Edu cação para o Programa Universidade para Todos PROUNI Disponível em wwwmecgovbrprouni Acesso em 6112013 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da República Exercício de 2012 Item Renúncia de receitas benefícios tributários financeiros e creditícios Brasília 2013 Dispo nível em wwwtcugovbr Acesso em 20 abr 2014 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da República Exercício de 1999 Brasília 2000 Dispo nível em wwwtcugovbr Acesso em 1912013 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e Parecer Prévio Sobre as Contas do Governo da República Exercício de 2013 Brasília TCU 2014 Disponível em wwwtcugovbr Acesso em 15102014 CALLEGARI Cesar As verbas da educação A luta contra a sonegação de recursos do ensino público no Estado de São Paulo São Paulo Editora Entre linhas 1997 CONED Congresso Nacional de Educação Plano Nacional de Educação Proposta da Sociedade Brasileira Plano elaborado pelas entidades partici pantes do II Coned Congresso Nacional de Educação realizado em Belo Horizonte de 6 a 9 de novembro de 1997 DAVIES Nicholas Fundeb a redenção da educação básica Campinas Auto res Associados 2008 DAVIES Nicholas A fiscalização das receitas e despesas do ensino em Minas Gerais Cadernos de Pesquisa São Paulo v 43 n 149 p 518541 maiago 2013 Revista Pesquisa e Debate em Educação 690 DAVIES Nicholas A frágil confiabilidade do tribunal de contas de Santa Catarina na fiscalização dos recursos da educação governo estadual deixou de aplicar mais de R 21 bilhões em educação de 1998 a 2008 mas TC aprovou as contas estaduais Perspectiva Florianópolis v 29 n 1 p 193226 janjun 2011a DAVIES Nicholas Levantamento bibliográfico sobre financiamento da educa ção no Brasil de 1988 a 2014 Educação em Revista Marília SP v 15 n 1 p 91162 janjun 2014 DAVIES Nicholas O financiamento da educação novos ou velhos desafios São Paulo Xamã 2004 DAVIES Nicholas O financiamento público às instituições privadas de ensi no Agenda Social Periódico da Universidade Estadual do Norte Fluminense Campos dos Goytacazes v 10 n 1 p 134146 2016 DAVIES Nicholas O FUNDEF e as verbas da educação São Paulo Xamã 2001a DAVIES Nicholas O Fundef e os equívocos na legislação e documentação oficial Cadernos de Pesquisa São Paulo n 113 julho 2001b DAVIES Nicholas Omissões inconsistências e erros na descrição da legis lação educacional Fineduca revista de financiamento da educação Porto Alegre v1 n 3 p 117 2011b DAVIES Nicholas Tribunais de Contas e educação Quem controla o fiscaliza dor dos recursos Brasília Editora Plano 2001c DAVIES Nicholas Verbas da educação o legal x o real Niterói Eduff Editora da Universidade Federal Fluminense 2000 FAGNANI Eduardo QUADROS Waldemar Luís de Governo federal e finan ciamento da educação na Nova República In VELLOSO Jacques org Univer sidade pública Política desempenho perspectivas Campinas Papirus 1991 GOMES Rodrigo Sonegômetro Por sonegação país vai perder R 550 bi lhões em 2015 Rede Brasil Atual 22102015 Disponível em wwwredebrasi latualcombr MARTINS Paulo de Sena FUNDEB federalismo e regime de colaboração Campinas Autores Associados 2011 MARTINS Paulo de Sena O financiamento da educação no PNE 20142024 In GOMES Ana Valeska Amaral BRITTO Tatiana Feitosa de Orgs Plano Na cional de Educação construção e perspectivas Brasília DF Câmara dos De putadosEdições Câmara Senado FederalEdições Técnicas 2015 P 167193 Financiamento da Educação Pública 691 MELCHIOR José Carlos de Araújo Financiamento da educação e gestão de mocrática dos recursos financeiros públicos em educação Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Brasília v 72 n 172 setdez 1991 MELCHIOR José Carlos de Araújo Mudanças no financiamento da educação no Brasil Campinas Editora Autores Associados 1997 PERES Alexandre José de Souza SOUZA Marcelo Lopes de ALVES Fabiana de Assis RODRIGUES Elenita Gonçalves Efeito redistributivo intraestadual do Fundeb uma análise a partir de variáveis financeiras socioeconômicas e educa cionais dos municípios Brasília Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu cacionais Anísio Teixeira 2015 Série Documental Textos para Discussão 39 PINTO José Marcelino de Rezende Financiamento da educação no Brasil um balanço do governo FHC 19952002 Educação e Sociedade Campinas v 23 n 80 p 109136 2002 PINTO José Marcelino de Rezende O financiamento da educação no gover no Lula Revista Brasileira de Política e Administração da Educação Porto Alegre v 25 n 2 maiago 2009 PINTO José Marcelino de Rezende SOUZA Silvana Aparecida de Orgs Para onde vai o dinheiro Caminhos e descaminhos do financiamento da edu cação São Paulo Xamã 2014 SÃO PAULO Assembléia Legislativa CPI da educação uma ampla exposição de motivos São Paulo nov 1999 VELLOSO Jacques A nova lei de Diretrizes e Bases da Educação e o finan ciamento do ensino pontos de partida Educação e Sociedade Campinas n 30 p 542 ago 1988a VELLOSO Jacques Política educacional e recursos para o ensino o salárioe ducação e a universidade federal Cadernos de Pesquisa n 61 329 mai 1987 VELLOSO Jacques Investimento público em educação quanto e onde Ciên cia e Cultura São Paulo n 4 v 40 359365 abr 1988b Recebido em 05 de setembro de 2019 Aprovado em 02 de dezembro de 2019 Civitas Porto Alegre v 6 n 1 janjun 2006 p 3958 A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil Lea Guimarães Souki Introdução O tema da cidadania já é bastante estudado no Brasil no entanto em mui tas circunstâncias não é abordado com a devida clareza na medida em que o conceito mesclase com a atividade política O que aqui se pretende enfatizar são pressupostos que sob o meu ponto de vista estão contidos no trabalho de T H Marshall e que poderiam ser objeto de debate no estudo da cidadania no Brasil Tratase especialmente de explorar uma possível presença de uma espécie de rationale das classes dominantes em relação à tolerância acerca da desigualdade no caso inglês Haveria implícito no trabalho de Marshall o esbo ço de um projeto de nação das classes dominantes inglesas em relação à quan tidade de desigualdade compatível com o que concebem como vida civilizada O trajeto a ser seguido na argumentação é o seguinte Em primeiro lugar um esclarecimento sobre os conteúdos empíricos e normativos que delineiam o conceito de cidadania no Brasil Em segundo lugar a consideração de um dos Doutora em Sociologia Política pela UnB professora titular no PPG em Ciências Sociais na PUCMG áreas de pesquisa cidadania metrópole Mail leaguimterracombr Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 40 aspectos teóricos mais relevantes considerados por T H Marshall a saber a tensão existente no próprio conceito entre os princípios de direitos iguais e a desigualdade contida na ordem capitalista Finalmente colocase a questão se se pode inferir no caso do Brasil a inexistência do ponto de vista das classes dominantes de um cálculo ou até mesmo de uma preocupação sobre o quanto de desigualdade seria tolerável como parte da construção da nação O conceito e a atividade política Para realçar os aspectos que considero relevantes inicio a discussão pro curando esclarecer o que o conceito não é Como já foi afirmado anterior mente o conceito se confunde com a atividade política O primeiro ponto a chamar a atenção é sua reificação como se a cidadania tivesse corpo visível e material e fosse ao mesmo tempo capaz de ter vida própria Carvalho 1998 Afirmações como por exemplo a cidadania reagiu favoravelmente a tal candidatura ou deixe a cidadania chegar ao seu bairro a cidadania não tolerará tal coisa e dezenas de outras formulações similares revelam um conceito carregado de conteúdos e projeções Esta espécie de ficção do ponto de vista teórico traz alguma obscuridade ao conceito e o impregna de senso comum e estereotipia que embora seja compatível com a atividade política não favorece a sua precisão conceitual nem tampouco a sua compreensão O segundo ponto é o de que cidadania não é sinônimo de democracia pois embora guardem nexos estreitos entre si esses dois conceitos revelam amplitudes diferentes Tomando apenas o contexto da transição à democracia no Brasil podendo também ser incluídos outros países da América Latina nos anos de 1980 e da Europa Meridional nos anos de 1970 o discurso político do início desse período esteve impregnado da idéia de cidadania As oposi ções à ditadura tomaram este discurso para afirmar direitos antes interditados assim como para se diferenciar dos setores de oposição que teriam adotado a confrontação armada no período anterior A idéia de luta pela conquista da cidadania procurava afirmar dentro da legalidade institucional tudo o que se teria direito como país civilizado sem colocar em xeque a ordem estabeleci da Nesse contexto ela também continha a bandeira da defesa de direitos bem como a idéia de civilidade enquanto cumprimento das obrigações do Estado e dos indivíduos L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 41 Um terceiro conteúdo confundido com cidadania situase historicamente no momento seguinte à transição democrática quando cidadania passou a ser sinônimo de empowerment Este conteúdo de empoderamento e fortalecimento da sociedade civil coincidia com as novas experiências da esquerda à frente de funções executivas no plano local contando com a adesão dos setores da socie dade civil potencialmente participativos Estes setores ativos da sociedade par ticipantes das políticas públicas como objeto e às vezes como sujeito reivin dicam além de serviços também bens simbólicos Nesse sentido podese dizer que as exigências de provisão fazem parte do processo de cidadania mas não o esgotam Em quarto lugar seria importante lembrar que a idéia de participação in cluindo a virtude cívica da maneira como a entende Tocqueville tampouco seria capaz de abarcar todo o conteúdo do conceito embora seja dele uma parte integrante Uma definição mais completa incluiria além da noção de participa ção as dimensões de titularidade de direitos e a de pertencimento a uma comu nidade cívica ambas contempladas no estudo de Marshall Carvalho 1998 A cidadania é fundamentalmente um método de inclusão social Histori camente ela representou o surgimento e a celebração do indivíduo enquanto unidade política desvinculado das instituições gremiais e corporativas cujo início se deu no contexto das revoluções inglesas do século XVII na Revolu ção Francesa e no Bill of Rights alguns anos antes A inspiração comum a todas essas tradições está nos direitos naturais que enquanto naturais eram anteriores à instituição do poder civil e por isso deveriam ser reconhecidos e protegidos por este poder A tensão permanente no conceito O caso inglês Como expôs Bendix 1996 a experiência inglesa do desenvolvimento da cidadania é a exceção e não a regra O desenvolvimento da industrialização concomitante com o da democracia só se deu da maneira como descreve Mar shall na Inglaterra Nos Estados Unidos por exemplo a mobilização popular ocorreu antes da industrialização Em diversos países do sul e do leste da Euro pa os direitos sociais foram adquiridos sob regimes políticos autoritários e focados apenas em uma parte da sociedade Isto é esses direitos visavam a Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 42 atingir algum setor específico da classe trabalhadora em meio a um jogo de alianças cooptações e reconhecimento de novos atores sem nenhum conteúdo universalista No espectro dos países europeus os casos mais próximos do modelo inglês encontramse em alguns países escandinavos Teoricamente a referência básica no estudo da cidadania é T H Marshall 1967 que estudando o caso inglês cunhou o conceito associandoo ao desen rolar da conhecida seqüência histórica no desenvolvimento dos direitos cuja ênfase estaria não só na titularidade de direitos mas também faz alusão ao pertencimento a uma comunidade cívica embora essa última noção tenha sido mais desenvolvida por Bendix 1996 O primeiro autor quando lido linear mente tem dado margem a interpretações apressadas como uma espécie de prescrição do caso inglês como caminho obrigatório Um dos seus críticos Mann 1987 chama a atenção sobre o conteúdo etnocêntrico de sua interpreta ção ademais entendeo como portador de uma visão evolucionista da história inglesa o que o torna incapaz de captar o aspecto conflituoso do desenvolvi mento da cidadania e tampouco a estratégia das classes dominantes ponto de vista contestado por Turner 1992 Para Bottomore 1998 à medida que os anos passam as referências a Marshall multiplicamse Na mesma direção realçando seu conteúdo de obra clássica no prefácio ao artigo acima citado Robert Moore enfatiza que a profusão de análises e notas de pé de páginas relativas à sua obra T H Marshall durante as duas últimas décadas oferece provas da influência que ele vem exercendo Bottomore 1998 p 9 Passados mais de cinqüenta anos de sua publicação ainda existem aspectos que merece riam ser explorados O ponto de vista aqui desenvolvido é de que embora se tratando de um ca so empírico específico o modelo de Marshall é um recurso teórico importante e continua sendo referência para os estudos comparativos do desenvolvimento da cidadania em outros países Concordo com Turner 1992 segundo o qual a melhor maneira de estudar esse tema é comparativamente Para o esclarecimen to desta abordagem serão tecidas algumas considerações sobre os atributos e as vantagens do método comparativo na política De acordo com Sartori 1977 a função da comparação não é simplesmente comparar mas sobretudo explicar Através de critérios explícitos podese comparar processos históricos países regiões sistemas partidários modelos políticos através de suas semelhanças e especialmente de suas diferenças que passam a ser um recurso heurístico para entender e explicar as particularidades de cada caso sob uma base conceitual comum L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 43 Retomando o caso inglês a cidadania é nacional por definição para Mar shall O seu desenvolvimento implicou um duplo processo de fusão e separa ção grifo meu A fusão foi geográfica no sentido de fazer convergir os direi tos universais no mesmo território no caso o estadonação A espe cialização foi funcional de maneira que quando os três elementos da cidadania civil político e social se separaram cada um tomou seu caminho seguindo seu próprio ritmo Segundo as palavras de Marshall o processo de separação teria sido bastante amplo e complexo Quando se separaram os três elementos da cidadania romperam por assim dizer toda relação Tão completo foi o divórcio que sem violentar demasiadamente a precisão histórica podemos designar o período formativo de cada um a um sécu lo distinto os direitos civis no século XVIII os políticos no XIX e os sociais no século XX Como é natural estes períodos deverão ser tratados com uma ra zoável elasticidade e há certo solapamento evidente sobretudo entre os dois úl timos Marshall 1967 p 65 A rigor no caso inglês o processo de fusão começou no século XII quan do a justiça real adquiriu o poder de definir e defender os direitos civis dos indivíduos Começa então o desgaste dos costumes locais em benefício do direito comum do país Os tribunais eram instituições de caráter nacional ten dência que se configuraria com mais ênfase no século XVIII Quanto aos direi tos políticos o Parlamento passou a concentrar em si os poderes políticos da nação a burocracia que dava acesso às instituições políticas reconfigurouse especificamente no que diz respeito às regras do sufrágio e aos critérios para definir quem poderia ser membro do parlamento Quanto aos direitos sociais as mudanças econômicas os separaram ao longo do tempo do seu pertenci mento à comunidade da aldeia da cidade e do grêmio até que só ficou a Poor Law que ainda que continuasse sob a administração local era uma instituição especializada que adquiriu um fundamento nacional Marshall 1967 p 65 Segundo as palavras do próprio Marshall quando a liberdade se fez universal a cidadania passou de instituição local à instituição nacional Mar shall 1967 p 69 Enfim os direitos ao mesmo tempo em que se especializa vam e fortaleciam as instituições específicas de cada dimensão da cidadania os tribunais civis o parlamento e o executivo em consonância com as políticas sociais convergiam para a unificação conforme o princípio do fortalecimento da nação Esta proporcionava um efeito integrador novo um sentimento de lealdade a uma civilização que no entender de Marshall é sentida como patri mônio comum Marshall 1967 p 84 Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 44 Compatibilidade entre cidadania e desigualdade Para o que proponho aqui devo ressaltar alguns aspectos importantes no texto de T H Marshall no que se refere ao caso inglês É provável que estes estejam colocados como pressupostos para o autor Contudo sua pertinência e seu valor heurístico são um convite a sua exploração na medida em que sugerem a formulação de uma questão atual acerca da desigualdade no Brasil Primeiro a existência de uma possível rationale das classes dominantes no que diz respeito à tolerância à desigualdade Não se trata de discutir a estratégia dessas classes como faz Michael Mann 1987 para quem haveria cinco estratégias possíveis no desenvolvimento da cidadania e o caso inglês representaria em um momento inicial o principal exemplo da estratégia liberal transitando para uma estratégia reformista no momento seguinte Con siderando que a questão das elites inglesas em relação à desigualdade iria além das estratégias das classes dominantes para lidar com a burguesia e a classe trabalhadora no momento da industrialização não se pretende descartar as motivações de outra natureza Não se sabe precisamente se uma certa into lerância com a desigualdade se daria por motivos sanitários estéticos demo gráficos ou humanistas Seja como for os ingleses já haviam refletido sob vários ângulos e de diversas maneiras sobre a questão da pobreza Interessa se sobretudo discutir algumas idéias contidas talvez como pressupostos na reflexão de Marshall1 Na Inglaterra a partir do século XVIII e especialmente do XIX seja do ponto de vista dos Tory seja dos socialistas a única referência comum no debate público era a situação do pobre como pedra de toque de uma idéia de civilização de nação A discussão pública em torno do tema na Inglaterra não só é muito antiga como também muito complexa Pois é composta de uma espécie de substância híbrida uma mescla que inclui tanto a história social como a história intelectual do período Sua complexidade aparece ainda na variedade de suas fontes aqui resumidamente situadas como econômica política sociológica e literária É assim que utilizando somente as fontes públicas do debate a idéia de pobreza foi tratada na obra de Himmelfarb 1 Para efeito de comunicação T H Marshall será mencionado também como Marshall e quando se tratar de seu predecessor com o mesmo sobrenome será mencionado como Alfred Marshall ou A Marshall L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 45 1981 Segundo esta mesma fonte no final da era vitoriana a questão já havia sido esclarecida do ponto de vista teórico e moral especialmente com a obra de Alfred Marshall e a distinção filosófica entre pobreza e indigência Segundo haveria na classe dominante inglesa uma certa compreensão da interdependência da sociedade e de seu bemestar que no citado trabalho de T H Marshall se refletiria em sua afirmação a cidadania de que se quer tratar aqui é nacional por definição Marshall 1967 p 64 Seu desen volvimento teria implicado duplo processo de fusão e de separação como já foi mencionado a fusão foi geográfica e a separação foi funcional Por exemplo no século XVII os tribunais locais que defendiam os direitos civis passaram a fazêlo de acordo o direito comum do país Na esteira do desen volvimento dos direitos e no processo de sua ampliação a novos setores da sociedade antes excluídos também se fortalecia o sentimento de pertenci mento a uma nação O caráter universalista desses direitos e o fortalecimento de uma burocracia eficiente configurou um percurso de formação do estado nação diferente das trajetórias de outros países europeus notadamente do leste e do sul A afirmação de Bendix 1996 segundo a qual Inglaterra não preci sou do nacionalismo para o autorespeito sugere algumas considerações so bre a especificidade da trajetória inglesa isto sem perder de vista seu caráter exclusivamente insular o qual exclui o Commonwealth Haveria distintas trajetórias no espectro da formação do estadonação europeu que do ponto de vista da tese weberiana foi uma experiência origi nal do ocidente permitindo a resolução de uma só vez de dois problemas o estabelecimento de um modo democrático de legitimação e a base de uma forma nova e abstrata de integração social No que se refere ao auto entendimento nacional sobre o qual se referiu no parágrafo anterior para Habermas na trajetória européia esta noção contém um significado ambíguo levandose em consideração as contingências históricas nas quais o seu signi ficado foi forjado naquele continente De um lado a idéia referese à nação voluntária dos cidadãos que proporcionam legitimação democrática por outro a nação herdada ou atribuída por nascidos nela facilitando a integração social Habermas 1995 p 94 No primeiro percurso prevaleceu o univer salismo de uma comunidade legal igualitária e no segundo o particularismo de uma comunidade cultural a que se pertence por origem e destino na qual os ingredientes de sangue e solo ajudaram a formar a lealdade à nação e à unidade territorial De acordo com o referido autor a sorte da democracia na Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 46 formação do estadonação dependeria de como se resolveria a questão do autoentendimento nacional isto é de qual desses dois aspectos dominaria o outro Na Inglaterra o segundo percurso o do autoentendimento herdado qua se naturalmente deu lugar à força integradora da cidadania democrática O que de acordo com a explicação habermasiana embora não se refira espe cificamente à Inglaterra corresponderia à primeira trajetória conforme a qual somente a partir de uma representação nãonaturalista é que a nação poderá ser combinada harmonicamente com o autoentendimento universalista do estado constitucional Habermas 1995 p 94 As considerações sobre a trajetória inglesa em relação à formação do es tadonação a existência de uma burocracia eficiente e o progressivo estabele cimento dos direitos e deveres dos cidadãos melhor dito súditos nos permi te inferir cautelosamente que havia uma certa lucidez por parte das elites a respeito da interdependência entre os diversos setores da sociedade Seja esta interdependência baseada no avanço da divisão do trabalho seja na consciên cia da necessidade da convivência pacífica necessária à realização do projeto de nação Não há referências históricas sobre a existência de um descuido em relação à integração da sociedade ao contrário os trabalhos de Marshall e Himmelfarb apontam para a existência de elites atentas e em alguma medida dialogando publicamente com os reformistas os intelectuais e os ativistas A idéia da consciência de interdependência por parte das elites aqui utili zada tem como referência o trabalho de Elisa Reis segundo o qual a idéia revelaria o conhecimento da relevância dos problemas sociais como observa ao abordar o assunto consciência da interdependência entre os diferen tes setores sociais elemento que foi crucial na emergência de soluções cole tivas e públicas para o problema da pobreza na Europa e que levou poste riormente à consolidação do welfare state Reis 2000 p 148 A pergunta de Marshall Enfim o aspecto a ser considerado na contribuição de Marshall é sobretu do de natureza teórica Ao discutir ao longo de seu conhecido terceiro capítu lo Cidadania e classes sociais a compatibilidade entre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra e a existência das desigualdades próprias ao sistema L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 47 capitalista Marshall formula uma questão que poderia ser considerada crucial na teoria da cidadania Tratase da existência de uma tensão permanente entre duas forças opostas e coexistentes direitos iguais em uma ordem desigual Esta é uma referência importante sobre a qual proponho estudar o problema Implicitamente podese ver que a pergunta feita por Marshall seria qual o grau de desigualdade compatível com os princípios da cidadania Seu estu do parte de uma pergunta presente no trabalho de seu antecessor Alfred Mar shall Isto é ainda tem valor a hipótese sociológica latente de Alfred Mar shall de que existiria uma igualdade humana básica associada ao pertenci mento pleno a uma comunidade que não entra em contradição com uma es trutura de desigualdade econômica Marshall 1967 p 109 O que permi tiu que os dois princípios se reconciliassem e chegassem a ser ao menos durante um determinado período aliados Em sua conferência proferida em Cambridge em 1949 Marshall se pergunta se ainda seriam válidas as ques tões formuladas por seu precursor Alfred Marshall em 1873 T H Marshall recoloca a questão da seguinte maneira ainda seria ver dade a idéia de que a igualdade básica do ser humano quando enriquecida em substância concreta dos direitos formais da cidadania é consistente com as desigualdades das classes sociais A igualdade básica seria ainda compatí vel com o mercado competitivo Há limites além dos quais o progresso das classes trabalhadoras não poderia ir A influência de Alfred Marshall À época do trabalho de T H Marshall na Inglaterra não era recente a preocupação explícita com a pobreza no debate público Na verdade ela começou no século XVIII e no século XIX foi marcada por um intenso deba te seja por parte das elites seja por parte dos reformistas oriundos das classes médias A obra de Alfred Marshall situase no final do século XIX no contex to do período vitoriano período em que o debate se situava na esteira da idéia de moralidade Esse era o pano de fundo na discussão dos problemas sociais e econômicos e devese esclarecer que naquele momento não pesava o mesmo sentido de conservadorismo utilizado hoje pois na Inglaterra esta era a linguagem dos radicais dos liberais e dos conservadores Como a era vito riana cobre um tempo longo com diferentes situações econômicas políticas e Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 48 sociais os valores conhecidos como vitorianos também se transformaram durante o período Assim fazse necessário considerar os três momentos early high e late a fim de situar Alfred Marshall no último Embora tendo formação em matemática A Marshall suspeitava das evidências proporcio nadas pelas estatísticas divorciadas de valores e via na economia um campo de conhecimento no qual se aplicava a ética cotidiana A preocupação ética teria levado A Marshall à Economia e a Economia o levava ao estudo da pobreza como observa Himmelfarb Political Economy or Economics is a study of mankind in the ordinary business of life It examines that part of individual and social action which is most closely connected with the attainment and with the use of material requisites of well being Thus it is on the one side a study of wealth and on the other and more important side a part of the study of man Himmelfarb 1991 p 284285 O pressuposto dos vitorianos tardios era que a compaixão seria um sen timento desmesurado e pouco prático Nessa perspectiva o sofrimento de uma criança é capaz de nos encher o coração de compaixão enquanto a notí cia de uma batalha com centenas de morte nos é indiferente Diante disso os vitorianostardios filantropos reformistas e críticos da sociedade colocaram se a tarefa de dar a tal sentimento um senso de proporção Assim Himmelfarb descreve o contexto da discussão Theirs was a religious zeal derived from a rigorous theological creed A later generation of reformers with a much attenuated commitment to religion redou bled their social zeal as if to compensate for the loss of religious faith It was then that compassion for religions was transmuted into the compassion for hu manity Himmelfarb 1991 p 4 Para os vitorianos tardios a compaixão agora não significaria simples mente mais um sentimento de puro altruísmo ela passaria a ter uma implica ção prática e até mesmo científica no sentido de ter um tratamento sujeito a cálculos aritméticos2 Ter compaixão significaria têla de maneira apropria damente compreendida sem a aspiração de ser santo ou mártir A idéia era melhorar as condições de vida dos pobres tarefa que lhes parecia possível 22 Em seu survey Charles Booth estudioso da pobreza em Londres no período insiste sobre a importância da classificação dos níveis de pobreza através do cálculo do que ele chama de arithmetic of woe aqui traduzido livremente como aritmética do sofrimento Himmelfarb 1991 p 5 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 49 Feitos os cálculos dado o senso de proporção o mal a ser combatido na visão de A Marshall não seria a pobreza mas a indigência degradante e incompatível com a condição humana Esta desapareceria na medida em que se eliminasse o trabalho excessivo que tornava os homens brutalizados como máquinas Sua preocupação em nenhum momento era com a desigualdade mas sim com a brutalização do homem pelo trabalho degradante que o torna va incapaz de pensar e ter sentimento de um cavalheiro possível a todo e qualquer ser humano The question is not whether all men will ultimately be equal that they certainly will not but whether progress may go on steadily if slowly till the official dis tinction between working man and gentleman has passed away till by occupati on at least every man is a gentleman workers would be gentlemen and gentlemen would be chivalrous Himmelfarb 1991 p 293 Para A Marshall a verdadeira distinção do homem que trabalha em contraste com o nobre não seria o fato de trabalhar nem o fato de trabalhar com as mãos tampouco o fato de ser assalariado ou de estar sujeito à disci plina superior O que o distinguiria seria o efeito do trabalho sobre ele Portanto sua preocupação era com a brutalização do homem ele acreditava que em uma sociedade avançada todo homem poderia ser um cavalheiro As idéias de A Marshall fundamentadas em suas pesquisas empíricas apontavam para uma correlação positiva entre o desenvolvimento da divi são do trabalho e o desenvolvimento do estilo de vida dos trabalhadores na Inglaterra Daí o autor poder afirmar que quando os homens se percebem como homens e não como máquinas de produzir convertemse em cava lheiros condição na qual aceitam progressivamente os deveres públicos e privados do cidadão A nova economia de Alfred Marshall foi criada neste contexto Ela procurava reconciliar o ser cavalheiro com o livre mercado Além disso suas idéias de Economics of chivalry não evocavam nenhuma exortação ao heroísmo já que as virtudes do cidadão seriam bastante corri queiras e se resumiam na disciplina e na dedicação para com os menos afortunados Sob esta ótica a cidadania não eliminaria a pobreza mas a mitigaria A sociedade civil ideal seria vista como aquela em que o conceito de cidadania transcenderia o conceito de classe Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 50 As idéias de T H Marshall Desde que foi feita a distinção entre pobreza e indigência o problema da desigualdade passou a ser tolerado na medida em que não submetesse o ho mem a uma situação em que estivesse impedido de ser cavalheiro na qual perdesse a condição de compreender as idéias de dever e de direito com preensão necessária para a convivência no mesmo espaço Esse seria o de nominador comum que permitiria que pessoas de mundos diferentes pudes sem conviver A impossibilidade da igualdade entre os homens não significa va entretanto a impossibilidade de que os mesmos se constituíssem em ca valheiros Segundo A Marshall o constituirse cavalheiro dependia da redu ção considerável do volume de trabalho pesado e excessivo que brutalizava a classe trabalhadora e isto só ocorreria através do desenvolvimento da tecno logia O formulador dessas idéias não queria ser confundindo com os socia listas pois era acima de tudo defensor de um mercado livre e sem interferên cias do Estado Quanto à compreensão da classe dominante inglesa em relação à interde pendência da sociedade as idéias de A Marshall parecem refletir esse enten dimento Como seria conviver no mesmo território com pessoas brutalizadas com as quais necessariamente se terá que manter algum contato Conside rando todo o contexto inglês e as várias fontes de reflexão já mencionadas a questão que se coloca não é a tolerância com a desigualdade mas com a pobreza brutalizada T H Marshall por sua vez substitui cavalheiro por civilizado reinter preta a idéia de igualdade humana básica latente no trabalho de A Marshall como cidadania associandoa ao pertencimento pleno a uma comunidade cívica Marshall 1967 A partir dessa formulação o autor depreende que esse pertencimento não entraria em contradição com as desigualdades pró prias de uma economia de mercado Segundo ele a desigualdade do sistema de classes seria aceitável sempre que fosse reconhecida a igualdade da cida dania Marshall 1967 p 94 Contudo de acordo com o autor a cidadania provocou efeitos escassos sobre a desigualdade social até o séc XIX e os direitos sociais ainda não haviam sido incorporados ao edifício da cidadania O esforço que havia sido feito não era o de eliminar a pobreza mas sim seus efeitos desagradáveis Em L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 51 fins do século XIX tal situação já estava em mudança devido a diversos fato res A redução das diferenças adquiriu um novo significado com a formação de um mercado consumidor de caráter nacional sob o qual se desenvolveu a situação que propiciava o desenvolvimento da cidadania de maneira que a integração social se estendeu da esfera do sentimento e do patriotismo ao do desfrute material Os componentes de uma vida culta e civilizada antes monopólios de alguns paulatinamente se colocaram à disposição das massas Marshall 1967 p 88 Já não se tratava só de acabar com a miséria obviamente desagradável dos estratos mais baixos da sociedade mas de transformar o modelo geral de desigualdade Nos termos de Marshall o que importa é que se produza um enriquecimento geral do conteúdo concreto da vida civilizada uma redução generalizada do risco e da insegurança uma igualação em todos os níveis entre o menos e os mais afortunados A iguala ção não se produz tanto entre as classes como entre os indivíduos dentro de uma população que por isto já consideramos uma classe A igualdade de status é mais importante que a igualdade de rendas Marshall 1967 p 95 grifo da autora Esta é a base sobre a qual Marshall propõe discutir o problema Quarenta anos depois desse conhecido trabalho Bottomore reacende o debate com questões que em certa medida haviam sido formuladas por Mann 1987 Segundo estes dois autores a preocupação de Marshall se referiria ao impacto do desenvolvimento da cidadania sobre as classes sociais mas em nenhum momento ele considera o impacto das classes sobre a cidadania Marshall considera a classe social necessária e útil O que para ele está em discussão é em quais condições a pobreza pode ser aceitável Pobreza entendida como a situação daquele que por falta de reserva econômica deve trabalhar dura mente Contudo a indigência entendida como a situação em que uma família carece do mínimo para viver decentemente não seria aceitável Portanto alguma escala de pobreza não guardaria contradição com os princípios de direitos iguais da cidadania Lembramos que os direitos civis seriam até in dispensáveis para a economia competitiva de mercado Em suma a cidadania teria provocado um efeito integrador ou pelo me nos foi um elemento importante no processo de integração na Inglaterra Segundo Marshall a cidadania exige um elo de natureza diferente um sen timento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 52 uma civilização que é um patrimônio comum Marshall 1967 p 84 Já no século XVIII a Inglaterra assistiu não só ao nascimento dos direitos civis modernos como também da consciência nacional moderna Todavia para seus protagonistas não estava de todo claro o quanto os direitos civis e políti cos significariam em termos de se evitar conflitos e violência Marshall 1967 p 85 Para o autor a igualdade humana teria se realizado no pertencimento a uma comunidade cívica o estadonação no qual os deveres e direitos referi dos por Alfred Marshall teriam se potencializado além do simples dever de cavalheiro disseminandose no compartilhamento de uma vida civilizada o que incluiria também um corpo de direitos cuja validade existiria desde que não invadisse a liberdade do mercado competitivo Retomando a idéia da consciência da interdependência da sociedade questão colocada por Reis 2000 a percepção das elites sobre a pobreza inclui a percepção da sociedade como algo integrado Esta idéia é fundamen tal aqui porque colabora na compreensão de uma idéia implícita no texto de Marshall a percepção das elites acerca da desigualdade como algo que lhes afeta no sentido de afetar seu bemviver O significado desta discussão no Brasil Além da grande importância de T H Marshall reconhecida no Brasil em relação às conseqüências de um percurso diferente da seqüência histórica inglesa existe outro aspecto cujo valor investigativo é bastante atual no que se refere ao Brasil Retomando as duas idéias discutidas aqui a meu ver implícitas no trabalho de Marshall primeiro que haveria uma rationale das classes dominantes inglesas em relação às desigualdades e segundo que também haveria por parte delas uma compreensão da interdependência da sociedade como se colocaria estas questões no Brasil O tema das elites e da pobreza no Brasil sua convivência histórica e a ausência de uma rationale fazem mais sentido quando se toma como referên cia uma situação histórica específica e se pensa comparativamente É recente a preocupação com a pobreza por parte das elites brasileiras ela se inicia na década de noventa do século vinte Reis 2000 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 53 Sonia Rocha 2005 atribui o surgimento do tema da pobreza como uma preocupação de toda a sociedade como resultado do sucesso da estabilização econômica em 1994 Por outro lado o Banco Mundial em fins da década de 1980 já colocava em sua agenda para a América Latina e países periféricos a questão da pobreza e da desigualdade como matéria prioritária Schwartz man 2004 vê como tema dominante hoje no Brasil a exclusão social e a pobreza Este teria tomado o lugar do que há cerca de vinte a trinta anos preocupava os cientistas sociais brasileiros as questões referentes ao desen volvimento econômico à participação política à democracia e à mobilidade social Por que as elites brasileiras sempre tiveram facilidade em tolerar a po breza Tomando como referência o artigo citado de Reis 2000 faltaria a elas a noção de interdependência na sociedade Creio que para a autora tratase da idéia sociológica de integração tanto no sentido de compartilhar interesses comuns quanto no sentido de percepção de integração na divisão do trabalho ou simplesmente de uma fraca percepção do papel dos trabalhadores na sustentação da ordem social No contexto da discussão estaria ausente a noção de responsabilidade social entre as elites Ao mesmo tempo elas de monstram grande sensibilidade aos problemas da pobreza e da desigualdade conforme as palavras da autora outras respostas do survey sugerem com alguma clareza que a ameaça da desi gualdade pesa sobretudo como uma ameaça à manutenção da ordem e da segu rança pessoal É sobretudo a problemática da segurança e da manutenção da or dem nas grandes cidades que parece assustar as elites Reis 2000 p 49 Haveria historicamente alguma situação em que as elites brasileiras não tiveram outra opção senão a de negociar e transigir Seria prematuro ler a situação estudada por Reis na qual a questão da segurança é mencionada como a principal motivação da atenção das elites em relação aos pobres como uma explicação para a recente preocupação com a pobreza e a desi gualdade Retornando à referência do caso inglês poderíamos considerar que falta no Brasil a idéia de estadonação É preciso considerar que os ingleses esta vam construindo o mundo para eles viverem e a sociedade para si e seus descendentes com o mesmo espírito que construíam a ciência a tecnologia Nesse projeto estava incluída a preocupação com a convivência com a desi Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 54 gualdade de maneira a não afetar seu bemviver seja por razões sanitárias demográficas econômicas humanitárias estéticas ou pragmáticas Portanto se aquele projeto falhasse eles não pensavam em construílo em outro lugar Entre as elites já haviam sido construídos alguns consensos E ainda que não tivessem total clareza sobre o que significaria historicamente a regulamenta ção dos conflitos através da ampliação dos direitos civis como já foi mencio nado mesmo assim é provável que estivessem criando um cálculo do padrão de vida civilizada Nesse cálculo mais ou menos claro ou mais ou menos difuso tinham idéia sobre o grau de pobreza com o qual estariam dispostos a conviver sem ameaçar a vida civilizada No Brasil haveria por parte das elites uma idéia de construir um país considerando que se não funcionasse não teriam outras opções As elites no Brasil sempre pensaram na possibilidade de diante de uma crise retirarem suas famílias e seus investimentos para colocálos em outro lugar Por sua vez se considerarmos o projeto nacional do período populista esse tampouco apresentava um caráter universalista Consentido pelo arranjo entre o estado as elites agrárias e as elites comprometidas com o processo de industrializa ção o projeto nacionalpopulista conviveu perfeitamente com a pobreza urbana e especialmente a rural sustentadas no próprio caráter da aliança que o compunha3 Assim o projeto populista enquanto experiência de reconheci mento ainda que limitado não foi capaz de inspirar um sentimento de per tencimento a uma comunidade cívica duradoura e menos ainda algo que apontasse para a expansão do processo de inclusão social Nessa reflexão o caso do Brasil suas diferenças em relação ao caso clás sico inglês não são vistas como desvios mas como um problema a ser objeto de investigação Nessa perspectiva de análise incluemse as especificidades sustentadas pelas instituições pelas escolhas das elites pelo papel do Estado e pelos padrões da cultura cívica existentes em determinados momentos A consideração da importância da seqüência histórica inglesa dos direitos civis políticos e sociais não deve ser tomada como uma prescrição mas 3 A visão organicista que era o substrato de uma idéia corporativa de nação sustentavase na noção de desigualdade entendida como funções diferentes num organismo equilibrado Este orquestrado pelo Estado como um poder regulador da sociedade e ao mesmo tempo com a função de corrigir os exageros das injustiças sociais Esta concepção que segundo Schwartzman 2004 p 2425 permaneceu inalterada está por ele sintetizada de maneira e xemplar L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 55 como um recurso de explicação Essa seqüência inglesa segundo Carvalho 1995 reforçou a convicção democrática Com os direitos civis vinham as liberdades garantidas por um poder Judiciário independente do Executivo e com uma tradição de neutralidade registrada tanto por Moore como por Mar shall As instituições desenvolvidas nessa fase eram os Tribunais de Justiça que serviam de intermediação política e se reforçavam na medida em que exerciam suas funções Com base no exercício dessas liberdades e das insti tuições correspondentes ampliaramse os direitos políticos e com eles o desenvolvimento dos partidos e a consolidação do Legislativo Através destes sancionaramse os direitos sociais que o Executivo punha em prática Portan to as liberdades civis constituíramse na base de todo o processo Carvalho 1995 No caso do Brasil a inclusão dos direitos sociais no período varguista deuse num contexto de ausência de direitos políticos e civis restritos aos trabalhadores urbanos com carteira assinada cuja profissão o estado reco nhecia oficialmente O conceito de cidadania regulada cunhado por Santos 1977 é pois a expressão da não universalidade dos direitos específico do caso brasileiro diferente da seqüência descrita por Marshall ao analisar o caso inglês Esse processo de reconhecimento dos direitos sociais vindo do estado direcionado a um determinado setor da sociedade em um contexto de ausência de direitos civis e políticos repetese durante a ditadura Médici quando os direitos sociais foram ampliados aos trabalhadores rurais Con tudo no Brasil salvo entre os especialistas existem resistências para se reconhecer a importância do modelo de Marshall para o estudo da cida dania Isto se dá em parte por considerálo etnocêntrico em parte porque a idéia de cidadania está impregnada de ativismo político e ainda por não compreender a relação entre a seqüência de direitos marshalliana e a demo cracia Caberia então perguntar só o medo seria capaz de empurrar as elites à compreensão do que Reis assinala como consciência da integração do sistema social A tolerância com a existência de graus de pobreza cerca de 53 a 62 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza incompatíveis com o padrão de modernidade e democratização do país terá alguma explicação recente ademais das condições herdadas do corporativismo do paternalismo e da subserviência históricas Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 56 A convivência da riqueza e da pobreza nos países periféricos tem uma explicação estrutural na abordagem do geógrafo Milton Santos para quem essa convivência é muito mais dramática nas metrópoles dos países periféri cos A existência da pobreza seria o produto da convivência e da interdepen dência de dois circuitos do capital inferior e superior em uma relação com plexa que perpetua a exclusão social Em termos muito genéricos podese dizer que esses circuitos se diferenciaram em um conjunto de categorias entre as quais destacamse as diferenças de tecnologia de organização do trabalho e do consumo Portanto a convivência da pobreza com a riqueza no mesmo espaço não seria um acidente mas um fenômeno histórico que se agrava com a urbanização acelerada dos países subdesenvolvidos que só seria alterado com uma política de estado Com tais considerações se quer dizer que a convivência no mesmo espaço de pobres e ricos nesses países seria exigência do próprio modelo de organização e da tecnologia Santos 2005 Nesse sentido a convivência entre os economicamente muito desi guais tenderia a se agravar na medida em que não houvesse uma política de estado efetiva Sendo a pobreza e a exclusão uma espécie de lógica que se perpetua poderseia esperar um aumento da consciência das elites dada a aceleração desse fenômeno nas metrópoles dos países periféricos Haveria possibilidade de uma mudança da cultura das elites ou do padrão da própria cultura política de modo que de um momento a outro se passasse a incluir essa preocupação Encerraria esta discussão com a consideração de uma situação de convi vência no mesmo espaço de dois extremos de pobreza e riqueza que ocupou lugar na imprensa como um fenômeno nada natural melhor dizendo com algum espanto A manchete foi assim como se segue Favela tem que traba lhar 1 mês para comprar 2 jeans da Daslu O que aqui interessa é que tendo o fato aparecido como manchete de jornal pode significar alguma surpresa com uma ordem nãonatural isto é produzida pelos homens O segundo aspecto a nos remeter ao saudoso geógrafo é que segundo a notícia Tama nha desigualdade é separada apenas por um muro a favela Coliseu separase por um muro do Shopping mais luxuoso de São Paulo Esta seria uma espécie de caricatura da convivência dos dois circuitos do capital ocorrida a partir da inauguração da cadeia de lojas Daslu os mais pobres e os mais ricos passa ram a que conviver espacialmente numa espécie de situação de risco não programado para as elites Jornal Terra 362005 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 57 A idéia de risco não programado sugere elites incautas conceito incom patível com a história do país Por outro lado essa idéia adquire mais sentido quando se compara com a maneira como as elites inglesas resolveram o pro blema da convivência com a desigualdade Em outras palavras em que senti do o trabalho de T H Marshall ainda pode esclarecer a questão do desenvol vimento da cidadania no Brasil Quais seriam os pontos mais relevantes para uma discussão sobre a efetivação da cidadania no Brasil de acordo com a teoria da cidadania de T H Marshall Em primeiro lugar a análise de Mar shall contém elementos com capacidade de fazer estranhar as condições his tóricas nas quais se desenvolveram os direitos no Brasil seja em relação a sua seqüência seja na postura das elites ao lidar com as desigualdades e com os direitos universais Em segundo a idéia de estadonação seria um fator diferenciador no que diz respeito ao autoentendimento da sociedade como interdependente advindo daí sua capacidade de levar as elites ao debate so bre qual seria o grau de desigualdade tolerável Isto se se considera que no debate sobre a desigualdade e a pobreza os reformistas tenham desempenha do um papel relevante na Inglaterra Quer dizer a idéia de nação incluiria a formação de consensos sobre a autoimagem compartilhada por muitos que em uma situação de desigualdade extrema chamada pelos ingleses de indi gência se constituiria em um ponto crítico para a persistência de si mesma Finalizando o que daqui se depreende é que não bastaria uma situação de perigo potencial para empurrar as elites ao cálculo do grau de desigualdade compatível com seu bemviver seria necessário ainda que elas compreendes sem a situação como arriscada para seus projetos Seria essa a única alternativa capaz de mudar o padrão das elites de ado ção de soluções nãouniversalistas nos processos de inclusão social Até que ponto uma motivação externa como a de fazer parte dos países prósperos e reconhecidamente civilizados poderia servir de impulso à mudança dessa tradição das elites brasileiras As perguntas parecem mais freqüentes que as respostas nas considera ções traçadas neste artigo Talvez porque o debate público acerca da desi gualdade no Brasil especificamente no que se refere à posição das elites diante do problema ainda demande um envolvimento maior da sociedade Em linhas finais não havia nenhuma pretensão conclusiva mas sim o desejo de se explicitar questões a meu ver profícuas acerca da postura das elites brasileiras em relação às desigualdades Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 58 Referências BENDIX H Construção nacional e cidadania São Paulo Edusp 1996 CARVALHO J M Cidadania tipos e percursos Estudos Históricos n 18 p 337 359 1995 Pontos e bordados Belo Horizonte Ed Ufmg 1998 HABERMAS J O estadonação europeu frente aos desafios da globalização Novos Estudos Cebrap n 43 nov 1995 p 87101 HIMMELFARB Gertrude The idea of poverty Londres Faber and Faber 1984 Poverty and compassion New York Alfred A Knopf 1991 MANN M Ruling class strategies and citizenship Sociology v 21 n 3 p 339359 1987 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 BOTOMORE T Ciudadanía y clase social Madrid Alianza 1998 REIS Elisa P Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade São Paulo RBCS v 15 n 42 p 144152 2000 ROCHA S Pobreza no Brasil Rio de Janeiro Ed FGV 2005 SANTOS Wanderley G Cidadania e justiça Rio de Janeiro Campus 1977 SANTOS Milton O espaço dividido São Paulo Ed Edusp 2005 SARTORI G A política Brasília Ed UnB 1997 SCHWARTZMAN S As causas da pobreza Rio de Janeiro FGV 2004 TURNER Bryan Outline of a theory of citizenship Sociology v 24 n 2 p 3361 1990 Recebido em 24 de janeiro de 2006 e aprovado em 4 de fevereiro de 2006 Indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Paulo de Martino Jannuzzi Introdução O interesse pela temática dos indicadores sociais e sua aplicação nas atividades ligadas ao planejamento governamental e ao ciclo de formulação e avaliação de políticas públicas vêm crescendo no País nas diferentes esferas de governo e nos diversos fóruns de discussão dessas questões Tal fato devese em primeiro lugar certamente às mudanças institucionais por que a administração pública tem passado no País em especial com a consolidação da sistemática do planejamento plurianual com o aprimoramento dos controles administrativos dos ministérios com a mudança da ênfase da auditoria dos Tribunais de Contas da avaliação da conformidade legal para a avaliação do desempenho dos programas com a reforma gerencial da gestão pública em meados dos anos 1990 GARCIA 2001 COSTA CASTANHAR 2003 Esse interesse crescente pelo uso de indicadores na administração pública também está relacionado ao aprimoramento do controle social do Estado brasileiro nos últimos 20 anos A mídia Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 137 os sindicatos e a sociedade civil passaram a ter maior poder de fiscalização do gasto público e a exigir o uso mais eficiente eficaz e efetivo dele demandando a reorganização das atividades de planejamento em bases mais técnicas Também tem contribuído para a disseminação do uso dos indicadores o acesso crescentemente facilitado às informações mais estruturadas de natureza administrativa e estatística que as novas tecnologias de informação e comunicação viabilizam Dados cadastrais antes esquecidos em armários e fichários passam a transitar pela Internet transformandose em informação estruturada para análise e tomada de decisão Dados estatísticos antes inacessíveis em enormes arquivos digitais passam a ser customizados na forma de tabelas mapas e modelos quantitativos construídos por usuários não especializados Sem dúvida a Internet os CDROMs inteligentes os arquivos de microdados potencializaram muito a disseminação da informação administrativa compilada por órgãos públicos e a informação estatística produzida pelas agências especializadas É com o objetivo de apresentar como essas informações estruturadas podem ser empregadas nas diferentes etapas do ciclo de formulação e avaliação de programas públicos que se apresenta este texto Para isso inicialmente apresentamse nas duas primeiras seções os aspectos conceituais básicos acerca dos indicadores sociais as suas propriedades e as formas de classificálos Depois discutese uma proposta de estruturação de um sistema de indicadores para subsidiar o processo de formulação e avaliação de políticas e programas públicos no País Indicadores nas políticas públicas conceito e suas propriedades No campo aplicado das políticas públicas os indicadores sociais são medidas usadas para permitir a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático Os indicadores apontam indicam aproximam traduzem em termos operacionais as dimensões sociais de interesse definidas a partir de escolhas teóricas ou políticas realizadas anteriormente Prestamse a subsidiar as atividades de planejamento público e a formulação de políticas sociais nas diferentes esferas de governo possibilitam o monitoramento das condições de vida e bemestar da população por parte do poder público e da sociedade civil e permitem o aprofundamento da investigação acadêmica sobre a mudança social e sobre os determinantes dos diferentes fenômenos sociais MILES 1985 NAÇÕES UNIDAS 1988 Taxas de analfabetismo rendimento médio do trabalho taxas de mortalidade infantil taxas de desemprego índice de Gini e proporção de crianças matriculadas em escolas são nesse sentido indicadores sociais ao traduzirem em cifras tangíveis e operacionais várias das dimensões relevantes específicas e dinâmicas da realidade social O processo de construção de um indicador social ou melhor de um sistema de indicadores sociais para uso no ciclo de políticas públicas iniciase a partir da explicitação da demanda de interesse programático tais como a proposição de um programa para ampliação do atendimento à saúde a redução do déficit habitacional o aprimoramento do desempenho escolar e a melhoria das condições de vida de uma comunidade A partir da definição desse objetivo programático buscase então delinear as dimensões os 138 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 componentes ou as ações operacionais vinculadas Para o acompanhamento dessas ações em termos da eficiência no uso dos recursos da eficácia no cumprimento de metas e da efetividade dos seus desdobramentos sociais mais abrangentes e perenes buscamse dados administrativos gerados no âmbito dos programas ou em outros cadastros oficiais e estatísticas públicas produzidas pelo IBGE e outras instituições que reorganizados na forma de taxas proporções índices ou mesmo em valores absolutos transformamse em indicadores sociais Figura 1 Os indicadores guardam pois relação direta com o objetivo programático original na forma operacionalizada pelas ações e viabilizada pelos dados administrativos e pelas estatísticas públicas disponíveis A relevância para a agenda políticosocial é a primeira e uma das propriedades fundamentais de que devem gozar os indicadores escolhidos em um sistema de formulação e avaliação de programas sociais específicos Indicadores como a taxa de mortalidade infantil a proporção de crianças com baixo peso ao nascer e a proporção de domicílios com saneamento adequado são por exemplo relevantes e pertinentes para acompanhamento de programas no campo da saúde pública no Brasil na medida em que podem responder à demanda de monitoramento da agenda governamental das prioridades definidas na área nas últimas décadas Indicadores de pobreza no sentido de carência de rendimentos por outro lado só vieram a ser regularmente produzidos quando Figura 1 Construção de sistema de indicadores para ciclo de políticas públicas A escolha de indicadores sociais para uso no processo de formulação e avaliação de políticas públicas deve ser pautada pela aderência deles a um conjunto de propriedades desejáveis e pela lógica estruturante da aplicação que definirá a tipologia de indicadores mais adequada JANNUZZI 2001 No Quadro 1 estão relacionadas 12 propriedades cuja avaliação de aderência e de não aderência ou indiferença deveria determinar o uso ou não do indicador para os propósitos almejados programas e ações focalizados em grupos mais vulneráveis entraram na agenda da política social a partir dos anos 1980 Validade é outro critério fundamental na escolha de indicadores pois é desejável que se disponha de medidas tão próximas quanto possível do conceito abstrato ou da demanda política que lhes deram origem Em um programa de combate à fome por exemplo indicadores antropométricos ou do padrão de consumo familiar de alimentos certamente gozam de Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 139 maior validade que uma medida baseada na renda disponível como a proporção de indigentes Afinal índice de massa corpórea baixo peso ao nascer ou quantidade de alimentos efetivamente consumidos estão mais diretamente relacionados à nutrição adequada e à desnutrição que à disponibilidade de rendimentos Por outro lado é operacionalmente mais complexo e custoso levantar informações para o que aqueles passíveis de serem obtidos a partir de pesquisas de vitimização em que se questionam os indivíduos acerca de agravos sofridos em seu meio em determinado período Naturalmente mesmo nessas pesquisas as pessoas podemse sentir constrangidas a revelar situações de violência pessoal sofrida por exemplo no contexto doméstico no assédio sexual ou na discriminação por raça eou cor Quadro 1 Avaliação da aderência dos indicadores às propriedades desejáveis cálculo desses indicadores de maior validade comprometendo o uso deles para fins de monitoramento periódico do grau de fome na comunidade daí o uso de indicadores de rendimento como medidas de acompanhamento Confiabilidade da medida é outra propriedade importante para legitimar o uso do indicador Na avaliação do nível de violência em uma comunidade por exemplo indicadores baseados nos registros de ocorrências policiais ou mesmo de mortalidade por causas violentas tendem a ser menos confiáveis e menos válidos Sempre que possível devese procurar empregar indicadores de boa cobertura territorial ou populacional que sejam representativos da realidade empírica em análise Essa é uma das características interessantes dos indicadores sociais produzidos a partir dos censos demográficos o que os tornam tão importantes para o planejamento público no País Mas mesmo indicadores de cobertura parcial podem ser úteis Os indicadores de mercado de trabalho construídos a partir das bases de dados administrativos do Ministério do Trabalho por exemplo não retratam a dinâmica conjuntural do mercado de trabalho brasileiro já que se referem apenas ao mercado de trabalho formal Ainda assim esses indicadores aportam conhecimento relevante acerca da dinâmica conjuntural da economia e do emprego em especial em âmbito municipal Sensibilidade e especificidade são propriedades que também devem ser avaliadas quando da escolha de indicadores para a elaboração de um sistema de monitoramento e avaliação de programas públicos Afinal é importante dispor de medidas sensíveis e específicas às ações previstas nos programas que possibilitem avaliar rapidamente os efeitos ou náoefeitos de determinada intervenção Taxa de evasão ou frequência escolar por exemplo são medidas sensíveis e com certa especificidade para monitoramento de programas de transferência de renda na medida em que se espera verificar em curto prazo nas comunidades atendidas por tais programas maior engajamento das crianças na escola como resultado direto de controles compulsórios previstos ou mesmo como consequência indireta da mudança de comportamento ou da necessidade familiar A boa prática da pesquisa social recomenda que os procedimentos de construção dos indicadores sejam claros e transparentes que as decisões metodológicas sejam justificadas que as escolhas subjetivas invariavelmente frequentes sejam explicitadas de forma objetiva Transparência metodológica é certamente um atributo fundamental para que o indicador goze de legitimidade nos meios técnicos e científicos ingrediente indispensável para sua legitimidade política e social Comunicabilidade é outra propriedade importante com a finalidade de garantir a transparência das decisões técnicas tomadas pelos administradores públicos e a compreensão delas por parte da população dos jornalistas dos representantes comunitários e dos demais agentes públicos Na discussão de planos de governo orçamento participativo projetos urbanos os técnicos de planejamento deveriam valerse tanto quanto possível de alguns indicadores sociais mais facilmente compreendidos como a taxa de mortalidade infantil e a renda familiar ou que o uso sistemático já Indicadores sociais permitem a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático Eles apontam indicam aproximam traduzem em termos operacionais as dimensões sociais de interesse definidas a partir de escolhas teóricas ou políticas realizadas anteriormente os consolidou como o índice de preços e a taxa de desemprego Nessas situações o emprego de indicadores muito complexos pode ser visto como abuso tecnocrático dos formuladores de programas primeiro passo para o potencial fracasso na sua implementação A periodicidade com que o indicador pode ser atualizado e a factibilidade de sua obtenção a custos módicos são outros aspectos cruciais na construção e seleção de indicadores sociais para acompanhamento de qualquer programa público Para que se possa acompanhar a mudança social avaliar o efeito de programas sociais implementados corrigir eventuais distorções de implementação é necessário que se disponha de indicadores levantados com certa regularidade Essa é uma das grandes limitações do sistema estatístico brasileiro e a bem da verdade de muitos países Para algumas temáticas da política social trabalho por exemplo é possível disporse de boas estatísticas e indicadores de forma periódica mensal para alguns domínios territoriais principais regiões metropolitanas Para outras temáticas em escala estadual é possível atualizar indicadores em bases anuais por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD Nos municípios em geral pela falta de recursos organização e compromisso com a manutenção periódica dos cadastros de contribuintes de imóveis de favelas etc só se dispõe de informações mais abrangentes a cada dez anos por ocasião dos censos demográficos1 Também é preciso que os indicadores se refiram tanto quanto possível aos grupos sociais de interesse ou à populaçãoalvo dos programas isto é deve ser possível construir indicadores sociais referentes a espaços geográficos reduzidos grupos sociodemográficos crianças idosos homens mulheres brancos negros etc ou grupos vulneráveis específicos famílias pobres desempregados analfabetos etc O Censo Demográfico 2000 reflete nesse sentido o esforço governamental em atender novas demandas informacionais para formulação e avaliação de políticas públicas em especial as políticas compensatórias e as voltadas à discriminação positiva Pela primeira vez em censos brasileiros investigouse a frequência à creche à educação infantil questão fundamental na agenda de discussão da política educacional nos municípios brasileiros A caracterização do tipo e grau de deficiência física é outro aspecto que mereceu especial atenção no levantamento como resultado da pressão de grupos organizados interessados em implementar de fato os direitos assegurados na Constituição Tentouse também na fase de préteste do censo aprimorar o levantamento da ascendência étnica da população de forma a fornecer subsídios mais precisos a políticas de discriminação positiva de acesso compensatório a bens e serviços públicos educação superior por exemplo de grupos historicamente desprivilegiados negros por exemplo O acesso a programas de renda mínima como o Bolsa Escola e outras transferências governamentais também foram objeto de maior detalhamento no censo A comparabilidade do indicador ao longo do tempo é uma característica desejável de modo a permitir a inferência de tendências e a avaliar efeitos de eventuais programas sociais implementados O ideal é que as cifras passadas sejam compatíveis do ponto de vista conceitual e com confiabilidade similar à das medidas mais recentes o que nem sempre é possível Afinal também é desejável que a coleta dos dados melhore ao longo do tempo seja pela resolução dos problemas de cobertura espacial e organização da logística de campo como pelas mudanças conceituais que ajudem a precisar melhor o fenômeno social em questão Em uma perspectiva aplicada dadas as características do sistema de produção de estatísticas públicas no Brasil é muito raro disporse de indicadores sociais que gozem plenamente de todas essas propriedades Na prática nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável nem sempre o mais confiável é o mais sensível nem sempre o mais sensível é o mais específico enfim nem sempre o indicador que reúne todas essas qualidades é passível de ser obtido na escala territorial e na periodicidade requerida O importante é que a escolha dos indicadores seja fundamentada na avaliação crítica das propriedades anteriormente discutidas e não simplesmente na tradição de uso deles Há esforço significativo de diversas instituições de disponibilizar novos conteúdos e informações a partir de seus cadastros as quais podem ser usadas para a construção de novos indicadores sociais Taxonomia dos indicadores para fins de aplicação nas políticas públicas Além da observância às propriedades a escolha de indicadores para uso no ciclo de formulação e avaliação de programas também deveria pautarse pela natureza ou pelo tipo dos indicadores requeridos Há vários sistemas classificatórios para os indicadores sociais CARLEY 1985 A classificação mais comum é a divisão dos indicadores segundo a área temática da realidade social a que se referem Há assim os indicadores de saúde leitos por mil habitantes percentual de crianças nascidas com baixo peso por exemplo os indicadores educacionais taxa de analfabetismo escolaridade média da população de 15 anos ou mais etc os indicadores de mercado de trabalho taxa de desemprego rendimento médio real do trabalho etc os indicadores demográficos esperança de vida etc os indicadores habitacionais posse de bens duráveis densidade de moradores por domicílio etc os indicadores de segurança pública e justiça mortes por homicídios roubos à mão armada por cem mil habitantes etc os indicadores de infraestrutura urbana taxa de cobertura da rede de abastecimento de água percentual de domicílios com esgotamento sanitário ligado à rede pública etc os indicadores de renda e desigualdade proporção de pobres índice de Gini etc Outra classificação usual corresponde à divisão dos indicadores entre objetivos e subjetivos Os indicadores objetivos referemse a ocorrências concretas ou a entes empíricos da realidade social construídos a partir das estatísticas públicas disponíveis como o percentual de domicílios com acesso à rede de água a taxa de desemprego a taxa de evasão escolar ou o risco de acidentes de trabalho Os indicadores subjetivos por outro lado correspondem a medidas construídas a partir da avaliação dos indivíduos ou especialistas com relação a diferentes aspectos da realidade levantados em pesquisas de opinião pública ou grupos de discussão como a avaliação da qualidade de vida o nível de confiança nas instituições a percepção da corrupção a performance dos governantes Ainda que se refiram a dimensões sociais semelhantes indicadores objetivos e subjetivos podem apontar tendências diferentes Famílias de baixa renda quando instadas a avaliar suas condições de vida podem emitir juízos paradoxalmente mais positivos que uma análise baseada em parâmetros normativos e com indicadores objetivos de rendimentos e de infraestrutura domiciliar Assim a opinião da população atendida por um programa é certamente importante desejável e complementar em qualquer sistemática de monitoramento e avaliação trazendo subsídios para a correção e melhoria do processo de implementação dos programas e também indícios da efetividade social desses programas especialmente aqueles difíceis de serem mensurados em uma escala quantitativa Uma outra lógica de classificação interessante de se usar na análise de políticas públicas é a diferenciação dos indicadores entre indicadorinsumo indicadorprocesso indicadorresultado e indicadorimpacto OMS 1996 COHEN FRANCO 2000 Os indicadoresinsumo correspondem às medidas associadas à disponibilidade de recursos humanos financeiros ou de equipamentos alocados para um processo ou programa que afeta uma das dimensões da realidade social São tipicamente indicadores de alocação de recursos para políticas sociais o número de leitos hospitalares por mil habitantes o número de professores por quantidade de estudantes ou ainda o gasto monetário per capita nas diversas áreas de política social Os indicadoresresultado são aqueles mais propriamente vinculados aos objetivos finais dos programas públicos que permitem avaliar a eficácia do cumprimento das metas especificadas como por exemplo a taxa de mortalidade infantil cuja diminuição esperase verificar com a implementação de um programa de saúde maternoinfantil Os indicadoresimpacto referemse aos efeitos e desdobramentos mais gerais antecipados ou não positivos ou não que decorrem da implantação dos programas como no exemplo anterior a redução da incidência de doenças na infância ou a melhoria do desempenho escolar futura efeitos decorrentes de atendimento adequado da gestante e da criança recémnascida em passado recente Os indicadoresprocesso ou fluxo são indicadores intermediários que traduzem em medidas quantitativas o esforço operacional de alocação de recursos humanos físicos ou financeiros indicadoresinsumo para a obtenção de melhorias efetivas de bemestar indicadoresresultado e indicadoresimpacto como número de consultas pediátricas por mês merendas escolares distribuídas diariamente por aluno ou ainda homenshora dedicados a um programa social A distinção entre essas dimensões operacionais insumo processo resultado impacto pode não ser muito clara em algumas situações especialmente quando os programas são muito específicos ou no caso contrário quando os objetivos dos programas são muito gerais Mas é sempre possível identificar indicadores mais vinculados aos esforços de políticas e programas e aqueles referentes aos efeitos ou nãoefeitos desses programas Na Figura 2 são apresentados alguns indicadores de acompanhamento de um suposto programa de transferência de renda cuja finalidade seja a de reduzir a parcela de famílias em condição de indigência isto é de famílias com recursos monetários insuficientes para a compra de uma cesta de produtos para a alimentação de seus membros como indicadorinsumo o volume de recursos do programa com percentual do orçamento ou em bases per capita como indicadoresprocesso os percentuais de famílias cadastradas pelas prefeituras e daquelas efetivamente atendidas que podem fornecer elementos para a avaliação da eficiência do programa como indicadorresultado a proporção de famílias em situação de indigência ou com rendimentos abaixo de determinado valor medida que deveria refletir o grau de eficácia com que o programa atendeu ao objetivo esperado como indicadoresimpacto a taxa de evasão escolar e a desnutrição infantil efeitos potenciais do programa implementado que permitem dimensionar a sua efetividade social Insumo Processo Resultado Impacto Gasto público em programas de transferência de renda de famílias cadastradas de famílias atendidas Proporção de indigentes Taxa de evasão escolar Redução da desnutrição infantil Figura 2 Indicadores de acompanhamento de programas de transferência de renda Os indicadores podem também ser classificados como simples ou complexos ou na terminologia que se tem empregado mais recentemente como analíticos ou sintéticos O que os diferencia é como as denominações sugerem o compromisso com a expressão mais analítica ou de síntese do indicador Taxa de evasão escolar taxa de mortalidade infantil taxa de desemprego são medidas comumente empregadas para análise de questões sociais específicas no campo da educação da saúde e do mercado de trabalho Medidas como Índice de Preços ao Consumidor ou Índice de Desenvolvimento Humano IDH por outro lado procuram sintetizar várias dimensões empíricas da realidade econômica eou social em uma única medida No primeiro caso o índice de preços corresponde a uma média ponderada de variações relativas de preços de diferentes tipos de produto alimentação educação transporte etc No segundo caso o IDH corresponde a uma média de medidas derivadas originalmente de indicadores simples ou analíticos de escolarização alfabetização renda média e esperança de vida Há uma idéia subjacente a essa diferenciação entre indicadores analíticos e sintéticos de que estes últimos ao contemplarem no seu cômputo um conjunto mais amplo de medidas acerca da realidade social de uma localidade tenderiam a refletir o comportamento médio ou situação típica dessa localidade em termos do desenvolvimento humano qualidade de Na prática nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável nem sempre o mais confiável é o mais sensível nem sempre o mais sensível é o mais específico enfim nem sempre o indicador que reúne todas essas qualidades é passível de ser obtido na escala territorial e na periodicidade requerida vida vulnerabilidade social ou outro conceito operacional que lhes deu origem Como mostrado no Quadro 2 tem havido muitas propostas de indicadores sintéticos no Brasil com maior ou menor grau de sofisticação metodológica elaborados por pesquisadores de universidades órgãos públicos e centros de pesquisa motivadas por um lado pela necessidade de atender às demandas de informação para Instituição promotora Índice proposto Fundação João PinheiroMG IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal ICV Índice de Condições de Vida Municipal Fundação CIDERJ IQM Índice de Qualidade Municipal verde IQM Índice de Qualidade Municipal carências IQM Índice de Qualidade Municipal necessidades habitacionais IQM Índice de Qualidade Municipal sustentabilidade fiscal Fundação SEADESP IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social IVJ Índice de Vulnerabilidade Juvenil IPVS Índice Paulista de Vulnerabilidade Social Fundação Economia e EstatísticaRS ISMA Índice Social Municipal Ampliado Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEIBA IDS Índice de Desenvolvimento Social IDE Índice de Desenvolvimento Econômico Prefeitura Municipal de Belo HorizontePUC MinasMG IQVU Índice de Qualidade de Vida Urbana IVS Índice de Vulnerabilidade Social INEPCedeplarNEPO IMDE Indicador Municipal de Desenvolvimento Educacional Figura 3 Representação clássica do ciclo de formulação e avaliação de programas sociais Quadro 4 Indicadores requeridos em cada etapa do ciclo de programas sociais Etapa Tipos e propriedades Fonte de dados predominante Elaboração do diagnóstico Indicadores que permitam retratar a realidade social Amplo escopo temático Ampla desagregabilidade geográfica e populacional Validade de Construto Boa confiabilidade Censos demográficos Pesquisas amostrais Formulação de programas e seleção de alternativas Indicadores que orientem objetivamente a tomada de decisão Indicadores sintéticos Indicadores multicriteriais Tipologias de situações sociais Censos demográficos Pesquisas amostrais ImplementaçãoExecução Indicadores que permitam filmar o processo de implementação dos programas formulados e a eficiência Esforço insumosprocessos AtualidadeRegularidade Sensibilidade Especificidade Registros administrativos Registros gerados nos procedimentos dos próprios programas Avaliação Indicadores que permitam revelar a eficácia e efetividade social dos programas Resultados e impactos Distância das metas déficits sociais Tipologias boas práticas etc Pesquisas amostrais Registros administrativos Grupos focais Pesquisas de egressos e de participantes no programa nessa etapa são construídos em geral a partir do censo demográfico ou de pesquisas amostrais multitemáticas como as PNADs quando os dados do censo já estiverem distantes do momento de elaboração do diagnóstico Como observado anteriormente o Censo 2000 constituise em fonte muito rica de indicadores de diagnóstico pelo escopo temático pela desagregabilidade territorial e populacional e pela comparabilidade interregional Foram levantados na amostra do censo mais de 70 quesitos de informação cobrindo características domiciliares infraestrutura urbana características demográficas e educacionais dos indivíduos inserção da mãodeobra rendimentos acesso a alguns programas públicos etc Os indicadores dessas dimensões analíticas podem ser computados para diversos grupos sociodemográficos por sexo raçacor estratos de renda etc e escalas territoriais que chegam ao nível de agregações de bairros de municípios áreas de ponderação mais propriamente e até mesmo ao nível de setor censitário conjunto de cerca de 200 a 300 domicílios na zona urbana para os quesitos levantados no questionário básico aplicados em todos os domicílios do País Por meio de um software de fácil manipulação Estatcart podese extrair estatísticas e cartogramas da quase totalidade dos municípios de médio porte no País em nível de setor censitário ou áreas de ponderação como ilustrado na Figura 4 Essa possibilidade de dispor de informação estatística por setor censitário ou área de ponderação não parece ter sido explorada em toda a sua potencialidade por parte de formuladores e gestores de programas sociais seja no âmbito federal estadual ou municipal Quando se trata de fazer diagnósticos sociais mais detalhados territorialmente empregamse em geral indicadores médios computados para os municípios escondendose os bolsões de iniquidades presentes dentro de cada um dos municípios brasileiros Os indicadores médios de rendimentos ou de infraestrutura urbana do Município de São Paulo são por exemplo bem melhores que a média geral dos municípios brasileiros Contudo se os indicadores forem computados em nível de setores censitários poderseá constatar no território paulistano a diversidade de situações de condições de vida encontrada pelo território nacional ou seja é possível encontrar bolsões de pobreza na capital paulista com características de alguns municípios do Nordeste Um dos recursos que têm auxiliado na elaboração e apresentação de diagnósticos sociais é a proposição de tipologias agrupamentos ou arquétipos sociais usados para classificar unidades territoriais segundo um conjunto específico de indicadores sociais e portanto apontando os déficits de serviços públicos de programas específicos etc O Índice Paulista de Resposabilidade Social é um exemplo nesse sentido ao classificar os municípios paulistas em cinco grupos de acordo com os níveis observados de indicadores de saúde escolaridade e porte econômico municipal SEADE 2002 Além dos indicadores multitemáticos para retratar as condições de vida referentes à saúde à habitação ao mercado de trabalho etc também devem fazer parte do diagnóstico os indicadores demográficos em especial aqueles que permitem apresentar as tendências de crescimento populacional passado e as projeções demográficas futuras que dimensionam os públicosalvo dos diversos programas em termos de idade e sexo no futuro As mudanças demográficas foram bastante intensas pelo País nos últimos 30 anos com impacto significativo e regionalmente diferenciado sobre a demanda de vagas escolares postos de trabalho etc MARTINE CARVALHO ÁRIAS 1994 Na segunda etapa do ciclo de formulação e seleção de programas requerse um conjunto mais reduzido de indicadores selecionados a partir dos objetivos norteadores dos programas definidos como prioritários pela agenda políticosocial vigente Já se conhecem em tese por meio do diagnóstico os bolsões de pobreza as áreas com maior déficit de serviços urbanos com maior parcela de crianças fora da escola com maior número de responsáveis sujeitos ao desemprego Nessa etapa requerse definir a partir da orientação políticogovernamental a natureza dos programas as questões sociais prioritárias a enfrentar os públicosalvo a atender É nessa fase que os indicadores sintéticos já mencionados podem ter maior aplicação na medida em que oferecem ao gestor uma medidasíntese das condições de vida da vulnerabilidade do desenvolvimento social de municípios estados ou de outra unidade territorial em que há implementação de programas O IDHmunicipal foi por exemplo o indicador empregado pelo Programa Comunidade Solidária para selecionar os municípios para suas ações o que certamente representou um avanço em termos de critério técnicopolítico de priorização Contudo a escolha desse indicador acabou por excluir do programa todas as cidades médias e populosas do Sudeste já que suas medidas sociais médias calculadas para a totalidade do município eram sempre mais altas que as dos municípios do Norte e Nordeste Se fosse usado um indicador calculado para domínios submunicipais setor censitário bairros áreas de ponderação etc os municípios do Sudeste certamente teriam bolsões que se enquadrariam entre os públicosalvo prioritários do programa Esse exemplo deixa claro a importância do diagnóstico microespacializado comentado anteriormente em especial o realizado em nível de setor censitário É possível dessa forma não só garantir maior precisão e eficiência na alocação dos programas que devam ser focalizados como também acompanhar posteriormente os seus efeitos Além disso o uso do setor censitário ou área de ponderação garante em alguma medida a compatibilização dos quantitativos populacionais de cada pequena área amenizando os efeitos potencialmente destoantes da tomada de decisão baseada em indicadores expressos em termos relativos Dois municípios podem ter por exemplo percentual similar de famílias indigentes mas totais absolutos de indigentes muito distintos Municípios populosos podem apresentar cifras relativamente mais baixas de indigentes mas ainda assim podem reunir totais absolutos bastante significativos Em qual município devemse priorizar as ações de programas de transferência de renda naquele em que a intensidade de indigência é elevada ou naquele em que o quantitativo de indigentes é maior Quando se têm indicadores calculados para áreas com totais populacionais mais compatíveis os rankings de priorização baseados em indicadores relativos ou absolutos diferem pouco Idealmente a tomada de decisão com relação aos públicosalvo a serem priorizados devese pautar em um indicador mais específico e válido para o programa em questão mais relacionado aos seus objetivos como a taxa de mortalidade infantil em programas de saúde maternoinfantil o déficit de peso ou altura em programas de combate à fome ou a proporção de domicílios com baixa renda em programas de transferência de renda Se vários indicadores devem ser usados e os critérios de elegibilidade referemse a variáveis existentes no censo demográfico é possível fazer processamentos específicos de forma relativamente rápida por meio de um pacote estatístico com os microdados do censo em 16 CDROMs ou mesmo por meio de uma ferramenta disponibilizada pela Internet Banco Multidimensional de Estatísticas no sítio do IBGE Um desses indicadores construídos pelo cruzamento de variáveis do Censo 2000 é o trazido na última tabela da publicação Indicadores municipais do IBGE 2002 Tratase de um indicador combinado construído a partir do cruzamento simultâneo dos diversos critérios representando a proporção dos domicílios particulares permanentes que não têm escoadouro ligados à rede geral ou fossa séptica não são servidos de água por rede geral não têm coleta regular de lixo seus responsáveis chefes têm menos de quatro anos de estudo e rendimento médio mensal até dois salários mínimos Esse indicador batizado informalmente de Indicador de Déficit Social pode ser calculado também por áreas de ponderação do censo e temse mostrado com grande poder de discriminação e validade em representar situações de carências de serviços públicos básicos pelo território nacional decisão seja pautada com base nos critérios indicadores considerados relevantes para o programa em questão pelos agentes decisores e que a importância dos critérios seja definida por eles em um processo de interatividade com outros atores técnicopolíticos Alguns algoritmos que implementam a técnica produzem soluções hierarquizadas como um indicador sintético e robustas não dependentes da escala de medida ou dispersão das variáveis Figura 5 Figura 5 Análise multicritério para tomada de decisão com base em indicadores sociais Em alguns casos de programas intersetoriais que envolvem esforços de equipes de diferentes áreas e o alcance de vários objectivos pode ser interessante tomar a decisão acerca das áreas prioritárias de implantação dos programas a partir da combinação de vários critérios indicadores Nesse caso podese empregar a análise multicritério técnica estruturada para tomada de decisões em que interagem vários agentes cada um com seus critérios e juízos de valor acerca do que é mais importante considerar na decisão final ENSSLIN 2001 A vantagem do uso dessa técnica em relação a outras como o emprego de indicadores sintéticos é que ela permite que a 152 decisão seja pautada com base nos critérios indicadores considerados relevantes para o programa em questão pelos agentes decisores e que a importância dos critérios seja definida por eles em um processo de interatividade com outros atores técnicopolíticos Alguns algoritmos que implementam a técnica produzem soluções hierarquizadas como um indicador sintético e robustas não dependentes da escala de medida ou dispersão das variáveis Figura 5 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 periódicas o IBGE tem realizado de forma mais regular a Pesquisa Nacional de Assistência MédicoSanitária AMS a Pesquisa de Informações Básicas Municipais MUNIC e a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico PNSB A AMS corresponde a um censo de estabelecimentos de saúde no País identificando volume e qualificação de pessoal equipamentos e outros recursos disponibilizados para atendimento médicosanitário da população Com isso podese ter uma idéia mais clara e precisa do nível e da diversidade da oferta de serviços de saúde pelo País por meio da construção de indicadores de esforços de políticas na área de saúde A MUNIC contempla anualmente o levantamento de conjunto amplo de informações nas prefeituras dos mais de 5 mil municípios brasileiros Nessa pesquisa levantamse dados sobre a estrutura administrativa o nível de participação e formas de controle social existência de conselhos municipais a existência de legislação e instrumentos de planejamento municipal como a institucionalização do plano de governo do plano plurianual de investimentos do plano diretor e da lei de parcelamento do solo a disponibilidade de recursos para promoção da justiça e segurança existência de delegacia da mulher juizados de pequenas causas etc além da existência de equipamentos específicos de comércio serviços da indústria cultural e de lazer como bibliotecas públicas livrarias jornais locais e ginásios de esporte Essa pesquisa permite pois construir indicadores que permitem retratar o grau de participação e controle popular da ação pública e caracterizar o estágio de desenvolvimento institucional das atividades de planejamento e gestão municipal pelo País A PNSB veio complementar esse quadro informacional sobre os municípios brasileiros com a coleta de dados sobre abastecimento de água esgotamento sanitário limpeza urbana e sistema de drenagem urbana Podese assim dispor de outros indicadores mais informativos sobre a estrutura e qualidade dos serviços de infraestrutura urbana que não se limitam a apontar o grau de cobertura populacional atendida Com os dados levantados nessa pesquisa é possível construir indicadores do volume de água Dois municípios podem ter percentual similar de famílias indigentes mas totais absolutos de indigentes muito distintos Em qual município devemse priorizar as ações de programas de transferência de renda naquele em que a intensidade de indigência é elevada ou naquele em que o quantitativo de indigentes é maior ofertada per capita do tipo de tratamento e do volume da água distribuída à população do volume e destino do esgoto e lixo coletado entre outros aspectos Há também esforços louváveis de várias instituições públicas além do IBGE em disponibilizar informações de seus cadastros e registros de forma mais periódica fato que se deve não só à necessidade de monitoramentos da ação governamental Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 153 mas também às facilidades que as novas tecnologias de informação e comunicação têm proporcionado Os órgãos estaduais de estatística os Ministérios da Saúde da Educação do Trabalho do Desenvolvimento Social da Previdência Social das Cidades e a Secretaria do Tesouro Nacional disponibilizam pela Internet informações bastante específicas em escopo temático e escala territorial a partir de seus registros e sistemas de controle internos que podem ser úteis para a construção de indicadores de monitoramento de programas Quadro 5 A lógica do acompanhamento de programas requer a estruturação de um sistema de indicadores que além de específicos sensíveis e periódicos permitam monitorar a implementação processual do programa na lógica insumoprocessoresultadoimpacto isto é são necessários indicadores que permitam monitorar o dispêndio realizado por algum tipo de unidade operacional prestadora de serviços ou subprojeto o uso operacional dos recursos humanos financeiros e físicos a geração de produtos e a percepção dos efeitos sociais Quadro 5 Algumas das fontes oficiais para atualização periódica de indicadores 154 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 mais amplos dos programas Assim a distinção entre a terceira e a quarta etapas do ciclo de programas pode ser menos evidente que nas demais sobretudo em programas de longa duração isto é monitoramento e avaliação de programas são termos cunhados para designar procedimentos de acompanhamento de programas focados na análise da sua eficiência eficácia e efetividade COHEN FRANCO 2000 Monitoramento e avaliação são processos analíticos organicamente articulados sucedendose no tempo com o propósito de subsidiar o gestor público com informações acerca do ritmo e da forma de implementação dos programas indicadores de monitoramento e dos resultados e efeitos almejados indicadores de avaliação Como atividade de monitoramento ou de avaliação é importante analisar os indicadores de resultados a partir dos indicadores de esforços e recursos alocados o que permite o dimensionamento da eficiência dos programas O emprego da Análise Envoltória de Dados DEA pode representar grande avanço metodológico nesse sentido LINS MEZA 2000 A DEA é uma técnica derivada dos métodos de pesquisa operacional que visa à identificação das unidades de operação mais eficientes tendo em vista como os recursos retratrados por vários indicadores de insumo são utilizados para gerar os resultados finais medidos por diversos indicadoresresultados considerando as condições estruturais de operação dos programas Determinados programas implementados em regiões mais pobres poderão não ter resultados tão promissores como em outras mais desenvolvidas Assim é preciso avaliar a eficiência dos programas em função não apenas em relação ao resultado obtido e à quantidade de recursos alocados mas considerando as dificuldades ou potencialidades existentes na região em que os programas estão funcionando O que torna essa técnica particularmente interessante de ser aplicada é que se podem considerar os recursos e resultados como vetores de indicadores em suas escalas originais e não como variáveis representando valores monetários de custos e benefícios Como ilustra a Figura 6 um programa de saúde deve ser avaliado em relação aos diversos resultados que produz em termos de redução das taxas de mortalidade e morbidade a partir dos recursos alocados médicos por mil habitantes e serviços de saúde prestados consultas atendidas considerando as condições estruturais de vida existentes em cada local de sua implementação indicadores de renda e infraestrutura de saneamento Pela técnica é possível identificar as boas práticas ou benchmarks reais isto é unidades de implementação do programa em que os resultados são de fato compatíveis com o nível de esforço empreendido e de recursos gastos Os indicadores de desembolso de recursos e produtos colocados à disposição da população construídos a partir de registros próprios da sistemática de controle e gerenciamento dos programas podem permitir uma avaliação indireta da eficácia dos programas no alcance das metas estabelecidas quando as estatísticas públicas ou os dados administrativos de ministérios e secretarias estaduais não forem mais específicos e periódicos na escala territorial desejada Na falta de pesquisas amostrais regulares que contemplem temáticas relativas por exemplo ao consumo de produtos culturais e aos hábitos de lazer ainda não incorporadas na agenda políticosocial nacional de forma imperativa a eficácia de programas na área como os de fomento à leitura terá Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 155 Recursos Médicoshab Consultashab Gestantes com atendimento prénatal DEA Condições estruturais Resultados Mort infantil Mort neonatal Morbidde Renda média domiciliar domicílios com saneamento adequado Figura 6 Aplicação da Análise Envoltória de Dados na avaliação de programas em saúde de ser inferida a partir dos produtos previstos na ações desencadeadas como o volume de livros distribuídos às escolas e bibliotecas Nesse caso indicadores de resultados mais válidos para avaliar a eficiência do programa como número médio de livros lidos no último ano por exemplo são apenas ocasionalmente levantados pelo IBGE ou pela Câmara Brasileira do Livro Outra demanda no ciclo de programas em particular na etapa de avaliação é a identificação dos seus impactos Para tanto devemse empregar indicadores de diferentes naturezas e propriedades de forma a conseguir garantir tanto quanto possível a vinculação das ações do programa com as mudanças percebidas ou não nas condições de vida da população tarefa sempre difícil de ser realizada ROCHE 2002 Em primeiro lugar a menos que a realidade social vivenciada antes do início do programa marco zero fosse muito trágica ou que o programa tenha recebido recursos muito expressivos para serem gastos em curto espaço de tempo não se pode esperar que os produtos e resultados gerados no âmbito dele possam ser imediatamente impactantes sobre a sociedade Programas de transferência de renda ou de distribuição de leite ou cestas básicas em periferias de grandes cidades do Sudeste proporcionam impactos sociais comparatively menos intensos e rápidos que programas de investimento em saneamento básico por exemplo no que diz respeito às condições de mortalidade infantil Contudo ao longo do tempo a transferência de renda ou a distribuição de produtos estará contribuindo para a melhoria da nutrição de crianças garantindo ganhos adicionais contra a mortalidade infantil assim como mais a médio prazo para a melhoria do seu desempenho escolar Esse exemplo revela pois a dificuldade de se atribuírem os efeitos de programas específicos sobre as mudanças estruturais das condições sociais dificuldade que paradoxalmente cresce à medida que tais transformações e os impactos tendem a se tornar mais evidentes A dificuldade é ainda maior quando se observam problemas de descontinuidades e de implementação nos programas públicos 156 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 De modo a perceber mais claramente os impactos dos programas devese buscar medidas e indicadores mais específicos e sensíveis aos efeitos por eles gerados Uma das formas de se operacionalizar isso é avaliando efeitos sobre grupos específicos da população seja em termos de renda idade raça sexo ou localização espacial Se os programas têm públicosalvo preferenciais localizados em determinadas regiões ou estratos de renda devese não só buscar indicadores de impacto que privilegiem a sua avaliação do conjunto da população que pode estar inclusive sob o risco de efeitos estruturais mais gerais que podem não afetar o públicoalvo na mesma intensidade mas também desenvolver estratégias metodológicas avaliativas de natureza qualitativa com pesquisas de opinião ou grupos de discussão incorporando indicadores subjetivos na avaliação Nesse sentido os impactos podem ser avaliados em uma perspectiva mais restrita ou mais ampla considerando o tamanho da população afetada o espaço de tempo considerado para a referência dos indicadores e a natureza mais objetiva ou subjetiva dos impactos percebidos pela população Considerações finais Uma das grandes dificuldades atuais no acompanhamento de programas públicos é dispor de informações periódicas e específicas acerca do processo de sua implementação e do alcance dos resultados e do impacto social que tais programas estão tendo nos segmentos sociodemográficos ou nas comunidades focalizadas por eles Seja da perspectiva da avaliação formativa isto é aquela com os propósitos de acompanhar e monitorar a implementação de programas a fim de verificar se os rumos traçados estão sendo seguidos e permitir intervenções corretivas seja da perspectiva da avaliação somativa isto é aquela mais ao final do processo de implementação com propósitos mais amplos e meritórios CANO 2002 o gestor de programas sociais defrontase com a dificuldade de obter dados válidos específicos e regulares para seus propósitos Se é fato que as informações produzidas pelas agências estatísticas são em boa medida pouco específicas para os propósitos de monitoramento de programas não provendo informação na escala territorial desejada ou na regularidade necessária é também verdade que elas podemse prestar à elaboração de diagnósticos bastante detalhados em escopo e escala como no caso das informações provenientes dos censos demográficos As informações produzidas no âmbito dos processos administrativos dos ministérios e das secretarias estaduais e municipais podem também suprir boa parte da demanda de dados para a construção de indicadores periódicos de monitoramento requerendo contudo algum retrabalho de customização em função das necessidades de delimitação territorial dos programas desde que exista um código de localização da escola do posto de saúde da delegacia etc De qualquer forma as estatísticas e os dados do IBGE e de outros órgãos públicos dificilmente atenderão todas as necessidades informacionais requeridas para o monitoramento e a avaliação de programas públicos mais específicos Assim é necessário quando da formulação desses programas prever a organização de procedimentos de coleta e tratamento de informações específicas e confiáveis em todas as fases do ciclo de implementação que possam permitir a construção dos indicadores de monitoramento desejados Artigo recebido em maio de 2005 Versão definitiva em junho de 2005 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 157 Resumo Resumen Abstract Indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Paulo de Martino Jannuzzi O objetivo do texto é discutir as potencialidades e limitações do uso das informações estatísticas produzidas pelo IBGE e os registros administrativos de órgãos públicos para a construção de indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Iniciase com uma apresentação sobre os aspectos conceituais básicos acerca dos indicadores sociais suas propriedades e formas de classificação Depois discutese uma proposta de estruturação de um sistema de indicadores para subsidiar o processo de formulação e avaliação de políticas e programas públicos no País Concluise o texto advogandose a necessidade de estruturar sistemas de indicadores que se apoiem na busca de informações já existentes em fontes secundárias e na produção de dados no âmbito dos próprios programas Palavraschave indicadores monitoramento políticas sociais Los indicadores para formulación y evaluación de programas sociales en Brasil Paulo de Martino Jannuzzi El artículo discute las potencialidades y las limitaciones del uso de la información estadística producida por el IBGE y los registros administrativos de las agencias públicas para la construcción de los indicadores para la diagnosis seguimiento y evaluación de programas sociales en Brasil Comienza presentando la base conceptual referente a los indicadores sociales sus características y los sistemas de clasificación Después presenta un marco del sistema de indicadores para subsidiar el proceso de formulación y evaluación de programas públicos El artículo concluye proponiendo la necesidad de construir sistemas de indicadores basados en fuentes secundarias de datos y también en los datos primarios recogidos en las etapas de los programas Palabras clave indicadores monitoreo políticas sociales Indicators for social policy making and evaluation in Brazil Paulo de Martino Jannuzzi The paper discusses the potentialities and limitations of the use of statistical information produced by the IBGE and the administrative registers of public agencies for the construction of indicators to be used in the diagnosis monitoring and evaluation of social programs in Brazil It begins by presenting the conceptual basis for understanding the social indicators their properties and classification systems It then outlines a framework of a system of indicators to support the process of formulation and evaluation of public programs The paper concludes by advocating the need to structure systems of indicators based on secondary sources of data and also on primary data collected in the scope of the programs Key words indicators monitoring social policies Paulo de Martino Jannuzzi Assessor da Diretoria Executiva do SEADE professor da ENCEIBGE pesquisador CNPq no projeto de pesquisa Informação estatística no ciclo de formulação monitoramento e avaliação de políticas públicas no Brasil com recursos do CNPq Proc 30710120045 Contato pjannuzziibgegovbr 84 Notas Texto submetido à editoria da Revista do Serviço Público em que se procura compilar e reorganizar idéias expostas em três oportunidades anteriores Jannuzzi 2001 2002 Guimarães Jannuzzi 2004 a partir das experiências de capacitação de técnicos de ONGs e gestores do setor público nos cursos de extensão de Indicadores Sociais e Políticas Públicas desenvolvidos no âmbito do convênio ENCEIBGE e Fundação FORD e nos cursos de formação da Escola Nacional de Administração Pública ao longo de 2003 e 2004 1 Dada a inexistência e desorganização dos cadastros nos municípios brasileiros os censos demográficos acabam levantando um conjunto muito amplo de informações o que o torna ainda mais custoso e complexo 2 De fato é o que o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social calculado por setor censitário permite constatar vide em wwwseadegovbr 3 Vale observar contudo que os setores censitários apresentam variabilidade significativa em termos de quantitativos populacionais pelos municípios brasileiros Referências bibliográficas CANO I Avaliação de programas sociais Rio de Janeiro FGV 2002 CARLEY Michael Indicadores sociais teoria e prática Rio de Janeiro Zahar 1985 COSTA FL CASTANHAR J C Avaliação de programas públicos desafios conceituais e metodológicos Revista Brasileira de Administração Pública Rio de Janeiro v 37 n5 p969992 2003 COHEN E FRANCO R Avaliação de projetos sociais Petrópolis Vozes 2000 ENSSLIN Leonardo et al Apoio à decisão metodologias para estruturação de problemas e avaliação multicritério de alternativas Florianópolis SC Insular 2001 v 1 296 p GARCIA RC Subsídios para organizar avaliações da ação governamental Planejamento e Políticas Públicas Brasília v 23 n 7 p 70 2001 GUIMARÃES J R S JANNUZZI P M IDH indicadores sintéticos e suas aplicações em políticas públicas uma análise crítica In ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS 14 Anais Caxambu 2004 IBGE Indicadores sociais municipais Rio de Janeiro 2002 JANNUZZI P M Indicadores sociais no Brasil conceitos fonte de dados e aplicações Campinas Alínea 2001 Considerações sobre o uso mau uso e abuso dos indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais Revista de Administração Pública Rio de Janeiro v 36 n 1 p 5172 janfev 2002 LINS ME MEZA L A Análise envoltória de dados e perspectivas de integração no ambiente de apoio à decisão Rio de Janeiro COPPEUFRJ 2000 85 MARTINE G CARVALHO J A M ÁRIAS A R Mudanças recentes no padrão demográfico brasileiro e implicações para a agenda social Brasília IPEA 1994 Texto para Discussão n 345 MILES I Social indicators for human development New York St Martins Press 1985 NAÇÕES UNIDAS Handbook of social indicators Nova York 1988 OMS Catalogue of health indicators Genebra 1996 ROCHA S Pobreza do que se trata afinal Rio de Janeiro FGV 2003 ROCHE C Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs São Paulo Cortez 2002 RYTEN J Should there be a human development index Statistique Développement et Droits de lHomme Seminar Montreaux Setembro 2000 SEADE Monitoração de prioridades de desenvolvimento com equidade social In KEINERT Tânia KARRUZ Ana Paula Orgs Qualidade de vida observatórios experiências e metodologias São Paulo Annablume Fapesp 2002 CSP CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA REPORTS IN PUBLIC HEALTH ARTIGO ARTICLE Políticas de saúde no Brasil em tempos contraditórios caminhos e tropeços na construção de um sistema universal Health policies in Brazil in times of contradiction paths and pitfalls in the construction of a universal system Políticas de salud en Brasil en una época contradictoria avances y tropiezos en la construcción de un sistema universal Cristiani Vieira Machado 1 Luciana Dias de Lima 1 Tatiana Wargas de Faria Baptista 1 doi 1015900102311X00129616 Resumo O artigo analisa a trajetória de condução nacional da política de saúde no Brasil de 1990 a 2016 bem como explora as contradições e os condicionantes da política no período Observaramse continuidades e mudanças no contexto processo e conteúdo da política em cinco diferentes momentos A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional os arranjos institucionais e a ação de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas e serviços públicos que conferiram materialidade e ampliaram a base de apoio ao Sistema Único de Saúde no âmbito setorial No entanto limites históricoestruturais legados institucionais e a disputa de projetos para o setor influenciaram a política nacional A interação desses condicionantes explica as contradições na política do período por exemplo no que se refere à inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social ao caráter do financiamento e das relações públicoprivadas em saúde A ampliação dos serviços públicos ocorreu de forma concomitante ao fortalecimento de segmentos privados configurando mercados dinâmicos em saúde que disputam os recursos do Estado e das famílias restringem a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde universal reiteram a estratificação social e as desigualdades em saúde Sistema Único de Saúde Sistemas de Saúde Política de Saúde Política Pública Correspondência C V Machado Departamento de Administração e Planejamento em Saúde Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões 1480 7º andar sala 715 Rio de Janeiro RJ 21041210 Brasil cristianienspfiocruzbr 1 Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro Brasil Este é um artigo publicado em acesso aberto Open Access sob a licença Creative Commons Attribution que permite uso distribuição e reprodução em qualquer meio sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 S144 Machado CV et al Introdução O Brasil é um país latinoamericano populoso extenso economicamente relevante e extremamente desigual As desigualdades socioeconômicas com raízes no passado colonial não foram superadas pela modernização capitalista entre 1930 e 1980 caracterizada pela industrialização em segmentos estratégicos em geral sob regimes autoritários e escassa redistribuição social 1 A política de saúde desse período foi marcada por trajetória dual representada de um lado pela saúde pública direcionada para o controle de doenças específicas e de outro pela assistência médica previdenciária estruturada em bases corporativas voltada para os trabalhadores do mercado formal urbano 2 Outras características do sistema de saúde até o início dos anos 1980 foram exclusão de parcela expressiva da população pouca efetividade do modelo de atenção e destaque do setor privado na prestação de serviços subsidiado pelo Estado A Reforma Sanitária dos anos 1980 no contexto da redemocratização e da crise financeira partiu da crítica a essas características para construir uma proposta abrangente incorporada à Constituição Federal de 1988 345 Apesar das incongruências no texto constitucional 67 o Brasil foi o único país capitalista da América Latina que instituiu naquela década um sistema de saúde universal inserido em uma concepção ampla de Seguridade Social de base universalista reunindo as áreas da Previdência Saúde e Assistência Social que deveria ser financiada por impostos gerais e contribuições sociais Os direitos assegurados pela Constituição e o processo de construção do Sistema Único de Saúde SUS propiciaram avanços nas décadas subsequentes em termos de descentralização políticoadministrativa participação social mudanças no modelo de atenção expansão do acesso a serviços públicos e melhoria de indicadores de saúde 8 Porém a implantação do SUS esbarrou em diversos obstáculos Nos anos 1990 o predomínio de políticas econômicas e de agendas de reforma do Estado de inspiração neoliberal impôs constrangimentos à lógica da Seguridade e à expansão de políticas sociais universais 9 A ascensão ao poder de governos de esquerda a partir de 2003 levantou expectativas de configuração de um modelo de desenvolvimento redistributivo mas diversos problemas do sistema de saúde não foram equacionados Este artigo analisa 26 anos de trajetória da política de saúde 1990 a maio de 2016 envolvendo a implementação do SUS sob o regime democrático O propósito central é compreender se a condução nacional da política no período expressa transformações na atuação do Estado necessárias à consolidação de um sistema de saúde público e universal Para isso procurouse identificar continuidades e mudanças entre momentos bem como explorar contradições e condicionantes da política O referencial utilizado para caracterizar a trajetória da política se ancorou na literatura sobre análise de políticas públicas destacandose a abordagem do institucionalismo histórico Valorizouse a importância das instituições estatais a ação dos atores políticos inseridos em redes de relações e em contextos institucionais 10 e a dimensão temporal da política 11 Partiuse do pressuposto de que a saúde expressa contradições estruturais inerentes à política social no sistema capitalista sendo necessário considerar sua inserção no modo de produção capitalista e a especificidade de sua trajetória nos processos históricos das sociedades 12 Quanto aos fatores que influenciam a política considerouse que a determinação social consiste um processo complexo e interrelacional de limites e pressões 13 p 87 A ideia de determinação compreende a fixação de limites que condicionam a agência determinações negativas mas também a existência de pressões vontades e propósitos determinações positivas Os processos sociais ocorrem sob condições determinadas o que não significa leis fixas ou a impotência dos participantes Argumentase que a política de saúde sofreu influência de distintos condicionantes e de projetos em disputa cuja interação explica as contradições observadas no período Os momentos da política de saúde contexto processo e conteúdo A trajetória da política de saúde foi analisada em cinco momentos Figura 1 segundo três eixos contexto nacional processo político e conteúdo da política prioridades e estratégias 14 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL EM TEMPOS CONTRADITÓRIOS S145 Figura 1 Contexto nacional e políticas de saúde no Brasil de 1990 a 2016 Governo Fernando Collor de Melo 19901992 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Políticas econômicas neoliberais abertura de mercados Estratégias para reduzir gastos órgãos e servidores públicos Política Coalizão de centrodireita limitada articulação com o Congresso Nacional Acusações de corrupção envolvendo ministérios e Presidência processo de impeachment renúncia presidencial Políticas de trabalho e sociais Revinculação da Previdência Social ao Ministério do Trabalho Ênfase na flexibilidade e redução de custos do trabalho Política social constrangimentos financeiros obstáculos à promulgação das leis da Seguridade descentralização com ênfase nos municípios sob condições adversas Gestão Alceni Guerra PFLParaná mar1990fev1992 Ministro com limitado poder político no governo e na saúde Secretário Executivo do Ministério escolhido pelo Presidente Limites à participação social Início da Comissão Intergestores Tripartite CIT Gestão Adib Jatene Sem partidoSão Paulo fev1992out1992 Médico ilustre é convidado para ser ministro visando a restituir a credibilidade do Ministério da Saúde Dirigentes de primeiro escalão selecionados pelo Ministro 1992 organização da IX Conferência Nacional de Saúde Gestão curta impeachment e renúncia do Presidente 1990 Inamps é incorporado ao Ministério da Saúde 1990 Promulgação da Lei Orgânica da Saúde LOS 8080 e 8142 Início do Programa Agentes Comunitários da Saúde PACS para reduzir a mortalidade infantil em áreas pobres AIDS início da terapia antirretroviral Norma Operacional Básica NOB 1991 descentralização de serviços intensa e de recursos limitada Ênfase no fortalecimento do debate social e da capacidade federal de coordenação do SUS bem como na expansão dos serviços de saúde no território nacional Governo Itamar Franco 19921994 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Instabilidade econômica e alta rotatividade dos ministros da Fazenda Lançamento do Plano Real 1994 Política Vicepresidente assume depois do processo de impeachment de Collor Coalizão governamental heterogênea Políticas de trabalho e sociais Descentralização e instabilidade do financiamento social 1993 Interrupção do aporte de contribuições sociais dos trabalhadores para o financiamento da saúde Gestão Jamil Haddad PSBRio de Janeiro out1992ago1993 Ministro com limitado poder político no governo porém com reconhecimento no setor saúde Conflitos com autoridades econômicas do governo Ênfase no fortalecimento de municípios e na participação social Gestão Henrique Santillo PMDBGoiás out1993jan1995 Ministro com considerável legitimidade no setor saúde Conflitos com autoridades econômicas do governo Formulação NOB 1993 proposta Descentralização com ênfase nos municípios criação de comissões intergestores bipartite nos estados Extinção do Inamps Implementação inicial da NOB 1993 Descentralização com ênfase nos municípios 1994 Início do Programa Saúde da Família continua Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Governos Fernando Henrique Cardoso 1º mandato 19951998 2º mandato 19992002 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Ênfase em estabilidade macroeconômica Plano Real 1994 privatização de empresas estatais abertura comercial e financeira ajuste a regras internacionais de comércio legislação de propriedade intelectual Mudanças na política macroeconômica após a crise financeira e as eleições de 1998 desvalorização do Real adoção das taxas de câmbio flutuantes Estagnação relativa da indústria nacional Plano Diretor da Reforma do Estado 1995 Criação de agências reguladoras Tendência de redução da Administração Federal Política Coalizão de centrodireita muitos ministérios ocupados por filiados ao PSDB e PFL Emenda Constitucional da reeleição 1997 Políticas de trabalho e sociais Aumento modesto do salário mínimo mas redução da participação dos salários no PIB nacional Tentativas de reforma da previdência sofrem oposição dos trabalhadores predomínio de reformas incrementais paramétricas ex criação do fator previdenciário Estratégia Comunidade Solidária conflitos com diretrizes e com atores da área de Assistência Social Expansão de programas de combate à pobreza a partir de 1998 programas de transferência de renda com condicionalidades Educação descentralização e expansão do ensino fundamental restrições ao financiamento federal e expansão das universidades privadas Gestão Adlib Jatene Sem partidoSão Paulo jan1995nov1996 Dirigentes de primeiro escalão selecionados pelo Ministro Conflitos com autoridades econômicas Ministro negocia com Congresso nova contribuição para financiar a saúde Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira CPMF deixa o cargo após sua aprovação X Conferência Nacional de Saúde 1996 e participação do Ministro no Conselho Nacional de Saúde Negociações intergovernamentais Gestão Carlos Albuquerque PSDBRio Grande do Sul dez1996mar1998 Ministro com limitado poder político no governo e junto à maior parte dos atores do setor saúde Posição de evitar conflitos com Presidência e autoridades econômicas Secretário Executivo economista Barjas Negri escolhido pelo Presidente Gestão José Serra PSDBSão Paulo mar1998fev2002 Ministro economista com poder político no governo administração longa e estável deixa o cargo para disputar as eleições presidenciais de 2002 Dirigentes de primeiro escalão economistas e sanitaristas ligados politicamente ao governo mas reconhecidos no setor saúde Conflitos internos Negociações com a Presidência autoridades econômicas e o Congresso aprovação da Emenda Constitucional nº 292000 estabelecendo novas regras de financiamento da saúde pelas três esferas mais frouxas para a esfera federal Gestão Barjas Negri PSDBSão Paulo fev2002dez2002 Secretário Executivo Barjas Negri assume o Ministério e mantém boas relações com a Presidência e autoridades econômicas Administração transitória ano eleitoral Adoção do Programa Saúde da Família como estratégia de fortalecimento da atenção básica em saúde Expansão da política de combate à AIDS terapia antirretroviral múltipla lei específica Continuidade e expansão de políticas tradicionais de saúde pública Ênfase no controle do Tabaco Formulação da Norma Operacional Básica NOB 1996 mudanças nos critérios de descentralização financiamento e organização do sistema Adesão à agenda de reforma do Estado e ênfase na eficiência da gestão e na descentralização Expansão do Programa Saúde da Família criação do Departamento de Atenção Básica Continuidade de políticas tradicionais de saúde pública e na política de AIDS debate internacional sobre propriedade intelectual e ajustes na legislação nacional Emissão da Norma Operacional de Assistência à Saúde NOAS 0102 Assistência farmacêutica proliferação fragmentação e descentralização de programas expansão de gastos com medicamentos de alto custo programa de genéricos Criação de agências voltadas para regulação sanitária Anvisa e de planos privados de saúde ANS Predominância de continuidades nas políticas prévias 91 Governos Luiz Inácio Lula da Silva 1º mandato 20032006 2º mandato 20072010 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública 20032005 baixo crescimento 20062008 crescimento econômico 20082009 crise internacional e adoção de políticas anticíclicas Ênfase na estabilidade macroeconômica a partir de 2007 expansão de estratégias desenvolvimentistas Mudanças graduais no papel dos bancos nacionais e nas políticas industriais Lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento PAC I 2007 e da Política de Desenvolvimento Produtivo PDP Novo plano para a Administração Federal expansão de concursos públicos Ênfase na participação social na formulação de políticas Política 20032005 criação de novos ministérios e secretarias nacionais definição de prioridades por áreas muitos ministérios ocupados por filiados ao PT 20052006 crise política e mudanças na coalizão política e alto escalão governamental reeleição de Lula 20072010 maior peso do PMDB no governo estabilidade política crescentes índices de aprovação do Presidente e do governo Candidatura e eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República com o apoio de Lula e do PMDB Políticas de trabalho e sociais Ênfase na criação e formalização de empregos aumentos do salário mínimo políticas para combate à pobreza e expansão de direitos de grupos socialmente vulneráveis com redução das desigualdades de renda Reforma incremental do regime previdenciário dos servidores regras mais restritas para a aposentadoria integral como tempo mínimo no setor público e na carreira Expansão federal na educação terciária novas universidades e campi federais e financiamento para o setor privado Gestão Humberto Costa PTPernambuco jan2003jul2005 Composição do primeiro escalão do Ministério considera coalizão governamental Discurso de mudanças e ênfase na gestão participativa Conflitos internos no primeiro escalão e saída do Secretário Executivo em 2004 Antecipação da XII Conferência Nacional de Saúde 2003 Frequente participação do Ministro nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde CNS Gestão José Saraiva Felipe PMDBMinas Gerais ago2005fev2006 Recomposição da base de apoio do governo após crise de 2005 influencia a escolha de Ministro da Saúde Recomposição do primeiro escalão saída de dirigentes ligados ao PT Saída do Ministro para disputar as eleições na Câmara dos Deputados Gestão José Agenor A da Silva Sem partido Minas Gerais fev2006mar2007 Secretário executivo assume o cargo de Ministro com o apoio intrasetorial porém menor força política Período de interinidade e disputas pelo cargo de Ministro Gestão José Gomes Temporão PMDBRio de Janeiro mar2007dez2010 Secretário de Atenção à Saúde sanitarista e pesquisador da Fiocruz assume o cargo de ministro sob descontentamentos de parlamentares de seu próprio partido PMDB Conflitos internos no primeiro escalão e saída do Secretário de Atenção à Saúde em 2008 Conflitos entre Ministério e o Conselho Nacional de Saúde ex questão das fundações estatais Realização da XIII Conferência Nacional de Saúde 2007 Senado vota pelo término da CPMF na mesma semana em que Ministério da Saúde lança o Plano Mais Saúde de investimento setorial Mudança de estrutura do ministério com a criação de novas secretarias de Vigilância em Saúde de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos de Gestão Participativa voltadas para as áreas estratégicas e unificação da Secretaria de Atenção à Saúde Definição de marcas de governo na saúde ex Brasil Sorridente SAMU Farmácia Popular Elaboração do Plano Nacional de Saúde 20042007 Continuidade nas políticas governamentais prioritárias Início de mudanças na condução de algumas áreas da política em relação ao período 20032005 ex área de educação em saúde e maior ênfase na centralidade de algumas estratégias ex Saúde da Família Continuidade nas políticas governamentais prioritárias Predomínio de continuidade das políticas em relação à gestão anterior Finalização e divulgação do Pacto pela Saúde Ampliação da agenda estratégica com ênfase na promoção da saúde e nas relações entre saúde e desenvolvimento Destaque para o fortalecimento do complexo econômicoindustrial da saúde Continuidade e expansão de políticas prioritárias Elaboração em 2007 do Plano Mais Saúde 20082011 sob influência do PAC 92 Governos Dilma Rousseff 1º mandato 20112014 2º mandato 20152016 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Efeitos da crise internacional com desaceleração econômica relativa preservação de indicadores econômicos até 2013 discreta piora em 2014 e 2015 com expansão de pressões por medidas de ajuste Conflitos entre projetos próajuste e de manutenção da estratégia socialdesenvolvimentista em 2015 substituição de Ministro da Fazenda de perfil desenvolvimentista por um de perfil tecnocrático e associado ao sistema financeiro Progressiva pressão para a contenção de gastos públicos Política Fortalecimento de ideias conservadoras e liberais expressas na luta política no governo e na sociedade Polarização e disputa acirrada na campanha presidencial de 2014 entre Dilma Rousseff e Aécio Neves PSDB com reeleição de Dilma por margem estreita 5164 x 4836 dos votos válidos diferença de 3459963 votos Oposição da grande mídia à Presidente Em 20142015 crise política caracterizada por denúncias de corrupção em empresas estatais atingindo membros do governo e do Congresso Nacional críticas a políticas governamentais redução do apoio do PMDB à Presidente inclusive do Vicepresidente e do Presidente do Congresso atingidos por denúncias de corrupção queda da aprovação popular do governo e da Presidente abertura de processo do impeachment sob questionamentos jurídicos afastamento temporário da Presidente em maio e definitivo em agosto de 2016 Políticas de trabalho e sociais Indicadores do mercado de trabalho relativamente preservados até 2014 baixo desemprego aumento da formalização e do valor real dos salários em 2015 tendência de piora ex aumento do desemprego Políticas de aumento do valor do salário mínimo mantidas Constrangimentos crescentes aos gastos sociais com instabilidade de fontes contingenciamento e contenção de crescimento de gastos inclusive na saúde Reformas na previdência social no regime dos servidores públicos teto igual ao do regime geral e criação de fundo complementar e no regime geral medidas de restrição ao acesso a aposentadorias e pensões Gestão Alexandre Padilha PTSão Paulo jan2011fev2014 Ministro jovem liderança do PT com legitimidade na saúde e boa passagem no governo peso político moderado deixa o Ministério para disputar eleições pra governo de São Paulo Secretariado com vários quadros do PT e outros da coalizão em geral com trajetória de atuação na saúde coletivano SUS Boa relação do Ministério com outras esferas de governo com o CNS e movimentos sociais Conflitos intensos com as entidades médicas em função do Programa Mais Médicos Realização da XIV Conferência Nacional de Saúde Gestão Arthur Chioro PTSão Paulo fev2014 out2015 Ministro quadro do PT com atuação na gestão municipal em saúde que ocupou cargos no Ministério desde 2003 menor peso político Secretariado com vários quadros do PT e outros da coalizão em geral com atuação prévia na saúde coletivano SUS Tensões do Ministro com o CNS e na relação com entidades do movimento sanitário pela defesa de medidas governamentais polêmicas e conflitantes com a Constituição como a abertura da saúde ao capital estrangeiro Saída do Ministro em virtude da necessidade de conceder cargos ao PMDB no esforço de recomposição diante da crise política Gestão Marcelo Castro PMDBPiauí out2015mai2016 Indicação pelo PMDB para Ministro da Saúde de parlamentar com perfil mais conservador sob resistências de atores setoriais Ocupação de cargos de 1º a 3º escalões expressa critérios e perfis muito diversos Início de gestão marcado por protestos de entidades e grupos de atores dos movimentos sanitário e antimanicomial pela indicação de exdiretor do maior hospital psiquiátrico do país fechado no âmbito da luta antimanicomial após décadas de denúncias para o cargo de Coordenador Nacional de Saúde Mental Continuidade das políticas prioritárias durante os governos Lula Brasil Sorridente Farmácia Popular SAMU com mudanças incrementais Adoção inicial como marco governamental das Unidades de ProntoAtendimento UPA que já existiam com a expansão expressiva de serviços Lançamento e expansão do Programa Mais Médicos em 4 vertentes provimento de médicos em locais remotos e com escassez inclusive de médicos estrangeiros sem reconhecimento de diploma com destaque para cubanos contratados por meio de convênio OPAS na 1ª fase do Programa ampliação de cursos e vagas de Medicina no país ampliação de vagas de residência médica incentivo a mudanças curriculares na formação em Medicina Ao final de 2014 medidas de abertura do setor saúde ao capital estrangeiro inclusive na prestação de serviços Expansão de arboviroses dengue Chikungunya e Zika e identificação de associação do vírus da Zika quando contraído na gravidez com microcefalia leva à ênfase em estratégias voltadas ao controle epidemiológico destas doenças ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz Inamps Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social PFL Partido da Frente Liberal PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PT Partido dos Trabalhadores SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SUS Sistema Único de Saúde O início do SUS em tempos turbulentos 19901992 A campanha presidencial de 1989 contou com 24 candidaturas Fernando Collor de Mello do Partido da Reconstrução Nacional PRN representante de uma oligarquia política do Estado de Alagoas foi eleito após disputa em segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores PT A vitória de Collor foi ancorada no discurso de moralização da política e em uma coalizão centrodireita tendo como diretrizes a liberalização e a abertura do mercado O Governo Collor adotou um pacote econômico austero que confiscou a poupança e achatou salários afinado às determinações de ajuste dos países credores seguindo propostas neoliberais do Consenso de Washington 15 Durante 1990 reorganizaramse os ministérios as coalizões políticas e representações partidárias no Congresso Nacional O primeiro ano de governo introduziu mudanças na área econômica e institucional concentrou e racionalizou atividades em áreas ligadas à infraestrutura e economia 15 A baixa prioridade na área social foi expressa em estratégias que contradiziam a Constituição Federal de 1988 como a revinculação da Previdência ao Ministério do Trabalho 16 A ausência de legislação que garantisse o repasse dos recursos da Previdência para o Ministério da Saúde que no início de 1990 incorporou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social Inamps ameaçava a sustentabilidade financeira do SUS Nesse contexto houve a discussão de leis específicas para cada área da Seguridade 16 A aprovação da Lei Orgânica da Saúde Lei nº 80801990 ocorreu com vetos revelando uma disputa entre reformistas e governo No mesmo ano uma nova lei nº 81421990 recuperou aspectos relativos ao financiamento e à participação social deixando em aberto outras definições cruciais como a política de recursos humanos e a relação com prestadores privados Promulgada a lei foram editadas normas do Executivo que fixaram diretrizes de financiamento com certa centralização dos recursos da saúde na esfera federal Definiramse mecanismos de repasse de recursos para prestadores de serviços que reforçaram uma lógica convencional com os municípios fragilizando a organização de um sistema integrado e articulado entre níveis 17 No início da década de 1990 os recursos da Seguridade foram comprometidos pelos atrasos deliberados de repasses num momento de alta inflação superior a 1000 ao ano Isso levou a cortes frequentes nas políticas de saúde e de assistência preservandose os níveis de recursos para a Previdência Social A partir de 1990 foram incorporados ao orçamento da saúde os encargos previdenciários da União 6 Em que pesem essas restrições foram desencadeadas estratégias relevantes que viriam a influenciar as políticas nos anos subsequentes como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde PACS e o fornecimento nacional da terapia antirretroviral para pessoas com síndrome da imunodeficiência adquirida AIDS Em 1992 a situação política do país sofreu uma reviravolta com denúncias de fraudes na macroestrutura do Estado e o envolvimento do Presidente e quadros ministeriais Na saúde a mudança de Ministro possibilitou a retomada do debate setorial e a rearticulação em torno do projeto de descentralização expressas na convocação da IX Conferência Nacional de Saúde Reorientouse o processo de descentralização incluindo novas formas de organização do sistema de saúde e a necessidade de formulação de uma nova norma operacional para o setor Ainda em 1992 estabeleceuse uma Comissão para estudo do sistema previdenciário que apontou o dilema da sustentabilidade econômica da seguridade social indicando a necessidade de uma revisão do pacto estabelecido na Constituição Federal de 1988 Esse ano encerrou com a renúncia de Collor à Presidência após processo de impeachment assumindo o cargo o Vicepresidente Itamar Franco Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB O SUS em tempos de crise financeira e descentralização 19931994 A estratégia política do Governo Itamar foi de repactuação com as elites econômicas em um bloco conservador em sintonia com exigências da ordem capitalista internacional mas sem os excessos da retórica neoliberal anterior Na área econômica destacouse o lançamento do Plano Real em 1994 liderado pelo Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso O plano visava a estabilização da moeda e ao controle inflacionário alcançando sucesso desde os primeiros meses Os anos Itamar foram de interseção de interesses e coligações políticas O debate da Seguridade Social foi reinaugurado sob a perspectiva de revisão dos compromissos assumidos em 1988 Em 1993 efetuouse a proposta do Ministro da Previdência de especialização de fontes e as contribuições sobre a folha de salários passaram a estar vinculadas apenas à Previdência Social A interrupção do repasse de recursos do fundo previdenciário associada à instabilidade das outras fontes fez com que o setor saúde decretasse em 1993 situação de calamidade pública Ainda assim políticas importantes foram encaminhadas nesse período em especial no que concerne à descentralização Definiramse estratégias de transição para estados e municípios assumirem a política de saúde local com previsão de mecanismos de transferência direta e automática de recursos do Fundo Nacional de Saúde visando a romper com a lógica convencional Além disso avançouse na implantação de comissões intergovernamentais para a pactuação da política em níveis nacional a Comissão Intergestores Tripartite CIT e estadual as Comissões Intergestores Bipartites CIB 17 Destacouse ainda a institucionalização do PACS e do Programa Saúde da Família PSF Buscavase um modelo de atenção que priorizasse as ações de proteção e promoção à saúde dos indivíduos e famílias em contraposição ao modelo tradicional centrado na doença e no hospital Nesse momento a estratégia desses programas foi direcionada para a população pobre identificada pelo Mapa da Fome Contudo os avanços institucionais na saúde foram paralisados diante da crise econômica no período As imprecisões do texto constitucional se explicitavam e a saúde ficou fragilizada pelas indefinições do governo A saúde entre agendas conflitantes 19952002 Os resultados da estabilização econômica nos primeiros meses do Plano Real renderam retorno político em 1994 foi eleito em primeiro turno para a Presidência da República o exMinistro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso sociólogo professor da Universidade de São Paulo e um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira PSDB O período correspondente aos dois Governos Cardoso foi marcado na economia pela ênfase na estabilização monetária privatização de empresas estatais continuidade das estratégias de abertura comercial e adesão às regras do comércio internacional 18 Destaquese o lançamento de estratégias de reforma do aparelho do Estado a aprovação de legislação de reforma administrativa e de contenção de gastos com o funcionalismo público Lei Camata de 1996 Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 favorecidas pela existência de uma coalizão de apoio ao governo majoritária no Congresso Nacional Tais estratégias viriam a afetar não só a administração federal com a redução do funcionalismo e contenção de gastos mas também a gestão pública nos estados e municípios Apontese a redução do funcionalismo federal ativo no período 19 a acentuação da descentralização de responsabilidades e serviços para as esferas subnacionais e a criação de agências reguladoras em áreas específicas O governo foi sustentado por uma coalizão de centrodireita que predominou nos ministérios e no Congresso Nacional o que lhe permitiu implantar parte importante de sua agenda política Porém a composição do governo não era totalmente homogênea o que se expressou em diferenças entre os dois mandatos e entre áreas com efeitos sobre as políticas sociais e de saúde A orientação do projeto econômico e de Estado não favoreceu avanços na esfera do trabalho O período foi marcado pela baixa geração de empregos qualificados dada a relativa estagnação industrial ênfase na flexibilização das relações trabalhistas aumento das terceirizações nos setores público e privado e queda da participação dos salários no Produto Interno Bruto PIB 20 As políticas sociais sofreram constrangimentos financeiros em função das prioridades macroeconômicas estabilização monetária superávit primário e pagamento de juros da dívida que se manifestaram de forma diferente entre áreas da política 21 As propostas de privatização da previdência sofreram oposição do movimento sindical do funcionalismo e de atores dentro do próprio governo ancorados na solidez da previdência brasileira e no pacto constitucional Resultou desses movimentos uma reforma incremental com a adoção do fator previdenciário que aumentou a vinculação entre tempo de contribuição idade e valores da aposentadoria sendo preservado o seu caráter majoritariamente público Na assistência social destacouse o programa Comunidade Solidária sob o comando da Primeira Dama que apostava na articulação de programas sociais focalizados com a participação da sociedade civil O Benefício de Prestação Continuada BPC previsto na Constituição começou a ser implantado em 1996 voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda constituindo um mecanismo de transferência de renda não contributiva A partir de 1998 aumentaram os programas de transferência de renda com condicionalidades Bolsa Escola Bolsa Alimentação e ValeGás de forma fragmentada e ainda restrita sob o comando de diferentes ministérios Em que pesem as dificuldades houve aumento dos gastos sociais federais nessas áreas 21 A saúde expressou as tensões entre a agenda de reforma do Estado e a agenda da reforma sanitária A primeira foi conduzida pelo Governo Federal e apoiada por forças conservadoras e liberais no Congresso Nacional e na sociedade com destaque para elites econômicas e grupos empresariais com interesse na expansão dos mercados em saúde Já os defensores da segunda foram representados principalmente por atores setoriais gestores e técnicos do SUS nas três esferas de governo entidades da saúde coletiva e áreas afins Associação Brasileira de Pósgraduação em Saúde Coletiva ABRASCO Centro de Estudos Brasileiros em Saúde CEBES Associação Brasileira de Economia da Saúde ABRES Destaquese ainda a crescente participação de profissionais de saúde e de usuários do SUS favorecida pela expansão dos serviços públicos constituição de conselhos de saúde e realização de conferências em um contexto de democratização e descentralização das políticas públicas Os conflitos entre projetos foram expressos por exemplo nos enfrentamentos relativos ao financiamento setorial Entre os atores da saúde e os da área econômica destacaramse embates relativos à criação de uma fonte de financiamento específica e à vinculação de receitas para a saúde Cabe apontar a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CPMF em 1996 que ficou em vigor por dez anos embora não exclusiva para o setor e a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 em 2000 que vinculou receitas para a saúde de forma mais estrita para estados e municípios com regras diferenciadas para a União que remetiam à variação do PIB 22 Essas estratégias foram defendidas por grupos setoriais com a atuação relevante dos Ministros da Saúde No entanto sua negociação e implantação envolveram acordos e adaptações com limites para sua efetividade Negociações e conflitos intrasetoriais referentes à descentralização dos recursos federais ocuparam boa parte da agenda da CIT em face das restrições financeiras sob as quais ocorria a implantação do SUS Na economia as medidas de abertura comercial a relativa estagnação da indústria nacional e a aprovação da legislação de propriedade intelectual 18 impuseram desafios à produção de insumos para a saúde em um contexto de demanda crescente em face da expansão de serviços gerando uma explosão das importações com riscos para a sustentabilidade da política 23 A agenda de reforma do Estado do governo teve repercussões sobre a saúde Em 19992000 foram criadas duas agências reguladoras na saúde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa e a Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS A primeira visou a aumentar a capacidade regulatória em uma área tradicional de atuação estatal que abrange ramos diversificados Já a segunda foi voltada para os mercados de assistência médica suplementar ocupandose nos primeiros anos do estabelecimento de regras mínimas de operação das empresas sistematização de informações e regulamentação de contratos em uma lógica de defesa dos consumidores 24 A diretriz de redução do funcionalismo público dificultou a conformação de burocracias no Ministério da Saúde e entidades vinculadas a contratação de profissionais de saúde para os serviços públicos federais cujo papel de prestação direta reduziu e atingiu os serviços estaduais e municipais em expansão favorecendo a proliferação de formas de contratação de profissionais de saúde alternativas à administração direta em todo o país Como pautas estruturantes da política além do financiamento destacouse a descentralização favorecida pela sua presença tanto na agenda de reforma do Estado quanto na agenda da reforma sanitária Registramse progressivos esforços de fortalecimento do papel dos estados e da regionalização principalmente no final do período 20002002 em contraste com a ênfase municipalista do momento anterior 25 O PSF a partir de 1995 tornouse prioritário na agenda do Ministério da Saúde e do Governo Federal na perspectiva de expansão da cobertura dos serviços e da mudança no modelo de atenção Isso conferiu novo status à atenção básica e favoreceu mudanças no financiamento criação de piso per capita e de incentivos específicos organizacionais criação do Departamento de Atenção Básica em 2000 e inovações em outras áreas da política como a de formação Ressaltese que a ênfase na atenção básica era compatível com as diretrizes da reforma sanitária referentes ao modelo de atenção e com propostas de reforma que defendiam uma ação do Estado mais delimitada emanada de agências internacionais ou mesmo do Governo Brasileiro 24 A política nacional de controle do HIVAIDS ficou mais forte no período sendo preservado o compromisso de fornecimento gratuito de medicamentos vigente desde 1991 mesmo diante da expansão dos regimes e custos da terapia antirretroviral Isso levou à aprovação de lei específica para a garantia desses medicamentos e à atuação do Brasil nos debates internacionais sobre propriedade intelectual e interesses de saúde pública bem como negociações com a indústria transnacional para a redução de preços Houve expansão e diversificação dos programas de assistência farmacêutica com estratégias de descentralização dos recursos para os medicamentos básicos e manutenção de compras centralizadas dos destinados a programas estratégicos ou de alto custo Ressaltese ainda a implantação do programa de genéricos 26 Outras políticas tradicionais de saúde pública como controle de doenças infecciosas apresentaram continuidades com inovações incrementais assumindo destaque na agenda federal em momentos críticos como foi o caso do dengue Em síntese na saúde houve inovações institucionais na regulamentação e financiamento e avanços no período em termos da expansão de programas específicos e da cobertura dos serviços descentralizados Porém as políticas macroeconômicas a agenda de reforma do Estado hegemônica e a coalizão de forças políticas predominantes não foram favoráveis à superação de problemas estruturais do SUS Diversas decisões e estratégias adotadas no período condicionaram os caminhos da política de saúde nos governos seguintes A saúde em segundo plano na reorientação da política social 20032010 Luiz Inácio Lula da Silva que iniciou sua trajetória política como dirigente sindical e foi fundador do PT foi eleito Presidente do Brasil em 2002 na quarta campanha presidencial da qual participou após acirrada disputa com José Serra do PSDB Na campanha de 2002 por meio da Carta aos Brasileiros Lula se comprometeu a assegurar as condições para a manutenção da estabilidade monetária que havia sido alcançada depois do Plano Real A ênfase na estabilidade representou um elemento de continuidade em relação ao governo anterior embora a política econômica tenha mostrado mudanças relevantes como a revalorização do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES no apoio à indústria nacional 27 Ao longo dos dois Governos Lula houve variações no contexto econômico e político O período de 2003 e 2004 foi marcado por restrições financeiroorçamentárias com certa retomada do crescimento econômico a partir de 2006 favorecido pelo boom de commodities Em que pese a crise econômica mundial a partir de 2008 e a redução do PIB em 2009 o governo logrou implantar no segundo mandato políticas anticíclicas com o aumento dos investimentos públicos incluindo projetos de infraestrutura Plano de Aceleração do Crescimento PAC e expansão de gastos sociais Mesmo considerando as variações mencionadas é possível identificar no período elementos de continuidade configurando um modelo de intervenção designado por alguns autores como social desenvolvimentismo 28 Esse se caracterizou por uma articulação entre políticas econômicas e sociais de orientação redistributiva tais como estratégias para a geração de empregos formalização do trabalho aumentos reais do salário mínimo e aumento das transferências diretas de renda O governo foi inicialmente apoiado por uma coalizão com partidos pequenos de perfil político variado sendo o Vicepresidente um empresário do Partido Liberal PL A partir de 2005 a crise política desencadeada por denúncias de caixa dois de campanha e estratégias de cooptacão do Congresso incentivou a busca de apoio e concessão de cargos ao PMDB cuja participação no governo se expandiu nos anos seguintes Apesar da crise política Lula foi reeleito Presidente em 2006 após disputa eleitoral com Geraldo Alckmin do PSDB Durante os dois mandatos Lula priorizou estratégias de conciliação política com movimentos de articulação com diversos segmentos da classe política do Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 empresariado urbano e de proprietários rurais não tendo sido enfrentados temas polêmicos como as reformas política e a tributária A política externa do período destacouse favorecida pelas relações comerciais com a China e por decisões domésticas representada pela redução da dependência das agências internacionais e dos Estados Unidos aumento da soberania nacional e da aproximação com outros países em desenvolvimento com destaque para os da América do Sul da África e os demais BRICS Na esfera da política social durante ambos os mandatos o governo priorizou as políticas voltadas para o combate à pobreza e de expansão de direitos de grupos socialmente vulneráveis No primeiro grupo a estratégia Fome Zero anunciada em 20032004 que agregava uma série de iniciativas para a erradicação da fome nos âmbitos rural e urbano foi deslocada pela centralidade do Programa Bolsa Família PBF nos anos subsequentes O Ministério do Desenvolvimento Social criado em 2004 passou a coordenar três eixos relevantes para o combate à pobreza a segurança alimentar e nutricional as políticas de assistência social e as de transferência de renda Resultante da unificação de quatro estratégias anteriores em poucos anos o PBF foi considerado o maior programa de transferência de renda com condicionalidades do mundo contribuindo para a redução da pobreza e da mortalidade infantil no país entre outros resultados 29 Também houve expressiva expansão do BPC No segundo grupo adotaramse iniciativas voltadas para a expansão de direitos das mulheres grupos de lésbicas gays bissexuais travestis transexuais e transgêneros LGBT população negra indígena e quilombolas incluindo a criação de secretarias federais específicas mudanças legislativas e normativas Destacaramse as políticas de ação afirmativa como os incentivos às universidades para a adoção de cotas de vagas para alunos de escolas públicas negros e indígenas inicialmente por adesão e a partir de 2012 mediante lei voltada para as instituições federais Acrescentemse ainda as estratégias de expansão dos campi e de universidades federais em regiões carentes e a adoção de um programa de bolsas federais para alunos de baixa renda em universidades privadas Tais ações resultaram na expansão do acesso dos jovens ao Ensino Superior mais expressiva entre os negros embora este acesso ainda seja baixo no Brasil 30 A Previdência Social foi objeto de reformas incrementais que entre 2003 e 2004 atingiram o regime dos servidores públicos impondo maiores exigências para a aposentadoria integral Em que pesem as pressões para a contenção do crescimento de gastos não houve privatização do sistema de previdência no Brasil que manteve sólida base pública Na saúde foram adotados como marcos de governo três programas Brasil Sorridente Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAMU e Farmácia Popular Os dois primeiros partiram de iniciativas prévias e o terceiro introduziu no SUS o copagamento por medicamentos adquiridos em farmácias estatais ou privadas Como elemento de continuidade destaquese a expansão da cobertura do PSF que passou a ser enfatizado como estratégia de reestruturação do modelo de atenção agregando novos profissionais à atenção básica 25 No segundo mandato diante da ênfase no debate desenvolvimentista e da estabilidade do Ministro da Saúde José Temporão a agenda setorial se expandiu por meio de iniciativas relacionadas ao complexo industrial da saúde visando a fortalecer a produção nacional de insumos estratégicos para o SUS Embora os programas e iniciativas descritos tenham sido relevantes para a expansão da cobertura e escopo das ações em áreas críticas problemas estruturais do sistema de saúde não foram adequadamente enfrentados no período por exemplo no âmbito do financiamento das relações públicoprivadas da força de trabalho e das desigualdades territoriais em saúde Enfim os Governos Lula expressaram esforços de mudança no modelo de desenvolvimento econômicosocial tendo as políticas trabalhistas e sociais contribuído de forma expressiva para a redução da pobreza das desigualdades de renda e para a ascensão de parte da população trabalhadora em círculo virtuoso entre fomento à demanda interna e desempenho econômico A política de saúde apresentou elementos de continuidade e inovações incrementais não tendo sido uma área de destaque na agenda governamental com persistência dos problemas estruturais do SUS 25 Ao final de 2010 Lula deixou o governo com altíssima aprovação nacional e reconhecimento internacional logrando eleger sua sucessora após acirrada disputa eleitoral Dilma Rousseff exMinistra das Minas e Energia e da Casa Civil que havia coordenado grandes projetos de investimentos do governo foi a primeira mulher eleita Presidente no país tendo em sua chapa como Vicepresidente Michel Temer do PMDB Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 A saúde sob novos riscos em tempos difíceis 20112016 O primeiro Governo Dilma se defrontou com um contexto econômico e político menos favorável do que o do seu antecessor Na esfera econômica a desaceleração da China e o prolongamento da crise em outros países propiciaram a redução do ritmo de crescimento brasileiro entre 2011 e 2014 Os principais motores do crescimento estagnaram e as tentativas da política econômica nos primeiros anos de estimular os investimentos não foram bemsucedidas em 2014 o Governo Dilma mudou o rumo da política econômica e passou a defender medidas de austeridade 31 No âmbito político destacouse a dependência do governo de uma coalizão políticopartidária ampla e heterogênea o crescente poder do PMDB 32 e a relativa fragilidade da Presidente que restringiram a sua governabilidade e favoreceram o fortalecimento de forças e agendas conservadoras ao longo do período cujo ápice resultou na crise de 20152016 31 Em meados de 2013 uma onda de protestos desencadeados em São Paulo por reação ao aumento de tarifas de transporte se espalhou pelo país incorporando pautas como críticas ao sistema partidário e denúncias de corrupção Estudos sugerem que tais eventos favoreceram a reorganização de movimentos neoconservadores sob o apoio da grande mídia e de grupos internacionais 33 Ressaltese ainda a Operação Lava Jato da Polícia Federal iniciada em 2014 que envolveu denúncias contra políticos de vários partidos do PT ao PSDB pelo recebimento de recursos ilegais para campanhas eleitorais além de denúncias contra empresários do setor privado dirigentes e funcionários de estatais com destaque para a Petrobras Nos meses seguintes tais investigações receberam massiva cobertura da grande mídia incluindo vazamentos seletivos de depoimentos e informações que se intensificaram na campanha presidencial de 2014 Em que pesem as denúncias contra membros do PT e coligados não houve evidências até aquele ano de envolvimento do exPresidente Lula nem da Presidenta Dilma que foi reeleita após acirrada disputa eleitoral Tal campanha presidencial expôs projetos em disputa em torno das possibilidades e limites de se avançar em políticas redistributivas em um cenário econômico adverso A quarta derrota sucessiva de um candidato do PSDB para a Presidência em 2014 dessa vez Aécio Neves em 2010 o derrotado foi José Serra gerou acirramento da polarização política em 2015 ao inicial do segundo mandato de Dilma Configurouse um quadro de instabilidade com redução da popularidade da Presidente articulação de forças ultraconservadoras no Congresso Nacional e ameaças de impeachment O prolongamento da Operação Lava Jato a politização da atuação do Judiciário e do Ministério Público o posicionamento antigoverno da grande mídia e o comportamento oportunista de partidos de oposição e mesmo da base governista contribuíram para acentuar o clima de instabilidade política e institucional associado ao aumento da projeção de economistas de discurso ultraliberal 34 Diante desse cenário econômico e político desfavorável o espaço para consolidação de um projeto nacional e de expansão das políticas sociais foi restrito No primeiro governo houve investimentos em infraestrutura econômica e social incluindo a implantação de programas de habitação popular a continuidade e expansão das políticas de combate à pobreza como os programas de transferência de renda Bolsa Família e BPC associados a outras estratégias sob a marca Brasil Sem Miséria No que concerne à Previdência Social as reformas foram incrementais destacandose medidas de contenção de despesas e de desoneração fiscal que prejudicaram as receitas No regime dos servidores públicos federais aboliuse a aposentadoria integral para novos concursados que passaram a se subordinar ao mesmo teto de contribuição e aposentadoria dos trabalhadores inseridos no regime geral com possibilidade de adesão à previdência complementar gerida pelo Estado Em dezembro de 2014 editouse medida provisória com imposição de regras mais restritivas de acesso e manutenção de pensões e segurodesemprego No segundo governo foram acentuadas as pressões de grupos neoliberais para reformas drásticas na previdência ancoradas no discurso de déficit do sistema sob críticas de especialistas 3536 A política de saúde por sua vez novamente foi marcada por continuidades em algumas áreas atenção básica vigilâncias e pela adoção de programas específicos como marcos de governo sem que problemas estruturais do sistema fossem adequadamente enfrentados Durante o primeiro Governo Dilma houve dois Ministros no cargo com trajetórias na saúde pública e vinculados ao PT Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Adotaramse como marcos governamentais a expansão das Unidades de ProntoAtendimento UPA outro componente da rede de urgências e o Programa Mais Médicos O Programa Mais Médicos trouxe polêmicas e desgaste para o governo ao propor a contratação de médicos formados no exterior brasileiros ou estrangeiros sem a necessidade de validação de diplomas com destaque para os médicos cubanos cuja lotação foi feita mediante intermediação da Organização PanAmericana da Saúde OPAS O programa previa a expansão de vagas de graduação e residência médica mudanças curriculares e provimento de médicos em áreas de alta vulnerabilidade social e difícil fixação de profissionais A incorporação de médicos estrangeiros gerou intensa reação negativa da corporação médica representada pelos conselhos profissionais Apesar do sucesso do programa no curto prazo é difícil dimensionar seus custos políticos para o governo e efeitos para o sistema público de saúde em longo prazo já que a substituição dos médicos estrangeiros seria necessária após três anos de contratação Em todo o primeiro governo questõeschave para o setor como o financiamento e a regulação do setor privado não foram enfrentadas de forma adequada Ainda ao final de 2014 uma medida polêmica sustentada pelo governo foi a abertura do setor saúde ao capital estrangeiro inclusive na prestação de serviços o que foi amplamente criticado pelos defensores do SUS Em 2015 sob a intensificação da crise política novos acontecimentos repercutiram negativamente sobre a saúde O Ministro da Saúde que estava no cargo desde fevereiro de 2014 foi substituído por um parlamentar do PMDB visando a aumentar a base de sustentação do governo Entre as medidas polêmicas do novo Ministro consta a nomeação para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de um exdirigente de hospital psiquiátrico do país conhecido por posições contrárias à luta antimanicomial Do ponto de vista epidemiológico o ano de 2015 ficou marcado também pela identificação do início da epidemia de Zika vírus e sua associação com microcefalia e distúrbios neurológicos em bebês na infecção contraída pela gestante configurandose como uma nova emergência em saúde pública Em 2016 a política de saúde mergulhou em uma fase de indefinições e instabilidade com o agravamento da crise política que culminou com o afastamento temporário da Presidenta Dilma Rousseff em maio e a confirmação do seu impeachment pelo Senado Federal em agosto de 2016 Nesse contexto destacouse o lançamento de propostas que fragilizariam ainda mais a base financeira do SUS e fortaleceriam os mercados em saúde Em síntese o período de 2011 a 2016 marcado por instabilidade política sinalizou percalços e riscos de retrocessos para as políticas sociais e de saúde cujos rumos são incertos Contradições e condicionantes da política de saúde A análise da política de saúde nos últimos 26 anos permite evidenciar numerosas contradições que podem ser exemplificadas em três desafios estratégicos a inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social o financiamento e as relações públicoprivadas No que tange ao primeiro desafio cabe ressaltar que o projeto da Seguridade Social consolidado na Constituição de 1988 pressupunha forte articulação entre políticas econômicas e sociais 6 A articulação entre essas políticas deveria se ancorar em um modelo de desenvolvimento que promovesse simultaneamente crescimento econômico sustentado e geração de renda e emprego com redução das desigualdades e ampliação dos direitos sociais Ao longo dessas últimas décadas observamse diferentes institucionalidades da política social que evidenciam menor ou maior centralidade da área social e do papel do Estado nas estratégias de desenvolvimento 37 Do ponto de vista macroeconômico a ênfase na estabilidade fiscal e monetária comprometeu maiores avanços na implantação de políticas de corte universal pelas restrições impostas à intervenção estatal e ao gasto social 22 O Brasil experimentou diminuição gradativa da pobreza e das desigualdades medida por exemplo pelo aumento do PIB da renda média municipal da renda individual do poder de consumo das famílias e do nível de escolaridade da população 30 Entretanto a concentração de renda nos segmentos mais ricos da população permaneceu elevada em parte devido à regressividade do padrão tributário vigente 38 Com relação aos indicadores de saúde o país também registrou expressivos Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 ganhos mantendo as tendências de redução da mortalidade infantil e de aumento da expectativa de vida verificadas nas últimas décadas 30 Tais mudanças envolveram a adoção de diferentes iniciativas dentre as quais destacamse as de cunho redistributivo 2829 Ainda assim problemas relativos à desarticulação entre esferas de governo e setores da política social manifestaramse frequentemente e os esforços de integração mantiveramse restritos a determinadas estratégias No que concerne ao financiamento do SUS os patamares de gasto público per capita em saúde e o comprometimento do gasto público com a saúde permaneceram abaixo daqueles observados em outros países mesmo considerando sua maior estabilidade e ampliação nos anos 2000 39 Houve esforços para a alocação de recursos em regiões mais carentes mas a permanência de problemas do sistema de partilha fiscal 40 associados ao caráter cíclico com baixa prioridade econômica e fiscal do gasto federal 41 comprometeu maiores impactos redistributivos das transferências setoriais Avanços do ponto de vista do maior aporte de recursos de origem estadual e municipal foram contrabalançados pela diminuição proporcional do gasto federal sendo a autonomia no gasto em saúde restrita pelo excesso de condicionalidades para aplicação de recursos transferidos e pelas limitações da legislação vigente Nos anos 2000 as diferenças nas condições de financiamento e gasto em saúde entre as esferas subnacionais de governo mantiveramse significativas 40 No que concerne às relações públicoprivadas ressaltese que a expansão da oferta e do acesso aos serviços públicos no período ocorreu de forma concomitante ao crescimento do setor privado no financiamento e prestação de serviços Os gastos privados permaneceram acima de 50 do gasto total em saúde em todo o período compostos por desembolsos diretos e pagamentos a planos e seguros de saúde 41 Tais gastos refletem tanto problemas relacionados ao padrão tributário e à renúncia fiscal 4243 como a limites e impasses do próprio financiamento da saúde frente aos desvios no uso de recursos da Seguridade Social às oscilações de fontes e à fragilidade da política de investimentos 22 A prestação privada de serviços ao SUS continuou elevada no âmbito hospitalar e se expandiu no segmento de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e mais recentemente na atenção básica por meio das novas formas de terceirização como a contratação de Organizações Sociais Destaquese a expansão do segmento de planos e seguros de saúde em uma lógica cada vez mais dinâmica do ponto de vista empresarial e financeiro com a compra de empresas menores por grupos maiores configurando um fenômeno de financeirização articulado à internacionalização A ANS não impôs constrangimentos ao crescimento desse segmento Ao contrário em vários momentos atuou no sentido da organização e fomento a esses mercados sob o comando de dirigentes cuja trajetória profissional foi construída no setor a ser regulado 44 A abertura da oferta de serviços de saúde ao capital estrangeiro formalizada no final de 2014 antes vetada pela Constituição foi defendida e articulada no interior da própria organização 45 A força do setor privado na saúde também se manifestou na crescente atuação desses grupos no financiamento de campanhas eleitorais 46 e na expressão de seus interesses no Congresso Nacional Ademais a atuação desses segmentos privados é heterogênea entre grupos sociais considerando renda idade inserção laboral áreas urbanas e rurais e regiões do país dada a sua orientação para a busca de lucros A dinâmica econômica influencia de forma decisiva a configuração e as estratégias desse setor na busca por novas clientelas e oferta de produtos Acrescentese que parte expressiva da força de trabalho em saúde especialmente dos médicos atua nos setores público e privado em arranjos variados sugerindo o seu imbricamento e riscos de conflitos de interesses Assim enquanto parte das desigualdades na oferta de serviços e nos resultados sanitários é atenuada pela expansão de serviços do SUS especialmente na atenção básica o dinamismo do setor privado sob incentivo estatal tende a reproduzir a estratificação social e a expressão das desigualdades na saúde sendo ainda susceptível aos ciclos econômicos O caráter das relações Estado e mercado na saúde em que o primeiro fomenta o segundo público e privado se imbricam e o conflito distributivo é camuflado em um cenário de recursos relativamente escassos constitui a contradição central da política de saúde no Brasil no período e o principal óbice à consolidação de um sistema público efetivamente universal e igualitário Quanto aos limites e pressões que incidiram sobre a política de saúde no período estudado identificaramse três grupos de condicionantes históricoestruturais institucionais políticoconjunturais Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 O primeiro grupo concerne aos legados históricos de longo prazo e fatores macroestruturais que colocam limites às políticas de saúde como características do modelo de capitalismo brasileiro das relações Estadomercado e as desigualdades socioeconômicas que explicam a persistência da segmentação do sistema de saúde do caráter das relações públicoprivadas e das desigualdades em saúde Por outro lado a tradição secular de atuação do Estado brasileiro na saúde pública 2 no controle de doenças sob vigilância prestação de serviços produção de vacinas e medicamentos conferiu certa base material e reconhecimento da legitimidade estatal para coordenar o sistema de saúde Quanto aos condicionantes institucionais em que pesem as dificuldades o marco constitucional legal teve caráter protetor do direito à saúde e favoreceu a luta política em torno da construção do SUS mesmo em contextos em que a agenda neoliberal ganhou força como nos anos 1990 As estratégias específicas implantadas na saúde reguladas por normas e mecanismos de financiamento favoreceram a expansão de serviços públicos e a continuidade de políticas ao longo de distintos governos com predomínio de mudanças incrementais Ressaltese no entanto que a Constituição reconheceu a saúde como livre à iniciativa privada e que regras relativas aos subsídios estatais ao setor privado foram mantidas ou expandidas no período Além disso foram criadas leis que favoreceram a expansão da prestação privada na saúde como a Lei de Responsabilidade Fiscal ao restringir gastos com os servidores públicos e as leis das Organizações Sociais O âmbito políticoconjuntural referese aos processos políticos acontecimentos distribuição de poder e relações entre atores políticos em conjunturas específicas de menor duração No período os principais defensores do SUS foram entidades de Saúde Coletiva e outras afins parte dos gestores técnicos e profissionais de saúde do SUS nas diferentes esferas de governo conselheiros de saúde e ainda membros do Ministério Público e da Defensoria atuantes na área Por outro lado a implantação do SUS foi prejudicada por atores que defenderam pautas centradas na contenção de gastos sociais como as autoridades econômicas e na expansão de mercados privados empresas da saúde Os distintos Presidentes defenderam a expansão de políticas específicas adotadas como marcos de governo e a depender de sua orientação política deram espaço variável a grupos progressistas no interior do Executivo Houve ainda grupos de atores médicos e sindicatos cujas agendas políticas tiveram caráter eminentemente corporativo com defesa de pontos que poderiam favorecer ora o SUS ora o setor privado lucrativo Os avanços dificuldades e condicionantes específicos relativos a cada desafio são resumidos na Figura 2 Conclusões A condução nacional da política de saúde nos 26 anos da democracia apresentou continuidades e mudanças nos diferentes contextos que se expressaram no processo político e no conteúdo da política A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional os arranjos institucionais e a luta política de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas específicos e serviços públicos que por sua vez conferiram materialidade favoreceram resultados sanitários positivos e ampliaram em alguma medida a base de apoio ao SUS ao menos setorial No entanto limites históricoestruturais e legados institucionais se expressaram fortemente no período O caráter das relações Estadomercado no capitalismo brasileiro e na saúde e a marcante estratificação social limitaram as transformações necessárias à consolidação do SUS Distorções históricas do sistema de saúde mal equacionadas entre 1985 e 1990 relacionadas à regulamentação da Seguridade ao financiamento e às relações públicoprivadas se manifestaram de forma contundente nos anos subsequentes Houve variações de contexto entre governos com influências sobre as políticas sociais e de saúde Porém nenhum governo nacional do período assumiu como prioridade política a consolidação de um sistema de saúde universal o que implicaria mudança no estatuto político da saúde e da seguridade inseridas em modelo de Estado e de desenvolvimento mais redistributivo Assim não foram enfrentados obstáculos estruturais no âmbito do financiamento e das relações públicoprivadas ao contrário diversos incentivos do Estado aos mercados em saúde foram mantidos ou ampliados Não houve a conformação de uma coalizão de poder abrangente além do setor saúde em torno de uma agenda universalista o que implicaria rupturas drásticas com os arranjos econômicos vigentes Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Figura 2 Avanços dificuldades e condicionantes segundo desafios estratégicos para a consolidação do caráter público e universal da política de saúde no Brasil Desafios estratégicos Avanços Dificuldades Condicionantes Inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social Ampliação do gasto social redução da pobreza e das desigualdades socioeconômicas e de saúde Ampliação das demandas sociais por serviços de saúde Esforços de integração de políticas sociais com participação da saúde ex Bolsa Família PróSaúde Persistência de taxas elevadas de desigualdades e concentração de renda no grupo mais rico da população Baixa priorização das políticas de corte universal Baixa integração entre organizações programas e ações Desarticulação vertical entre esferas de governo e horizontal entre setores da política social Desigualdades no acesso aos serviços públicos Ênfase na estabilidade fiscal e monetária com abertura da economia aumento da taxa de juros elevação da dívida pública privatização de empresas e limites à política industrial Permanência de um padrão tributário regressivo Ampliação do mercado de consumo interno de modo concomitante à contenção de gastos públicos e sociais Trajetória fragmentada e segmentação da política social Lugar limitado da política social e da saúde no projeto de desenvolvimento Dificuldades na implantação do orçamento da Seguridade Social Permanência de um padrão tributário regressivo e da iniquidade no sistema de partilha fiscal Desvios e desintegração de receitas do Orçamento da Seguridade Social com a adoção e manutenção da Desvinculação das Receitas da União DRU Ampliação de subsídios fiscais para o setor privado Instabilidade de fontes durante grande parte do período Emenda Constitucional nº 29 só aprovada em 2000 Dificuldades na regulamentação e cumprimento da vinculação constitucional da saúde Lei Complementar nº 141 só aprovada em 2011 Aumento progressivo das transferências automáticas fundo a fundo e adoção de critérios redistributivos para a alocação de recursos federais do SUS nos estados e municípios Predomínio de relações verticais entre os níveis federal e municipal na redistribuição de recursos fiscais e setoriais Excesso de condicionalidades para a aplicação de recursos federais a partir da segunda metade dos anos 1990 e restrições para os gastos em saúde ex Lei de Reponsabilidade Fiscal nos estados e municípios Financiamento Maior estabilidade do financiamento com ampliação do gasto público per capita a partir dos anos 2000 Aumento da participação dos estados e municípios no financiamento da saúde Redistribuição e aumento da alocação de recursos federais em regiões mais carentes Relações públicoprivadas Expansão dos serviços e do acesso às ações e serviços públicos em saúde principalmente em nível municipal e no âmbito da atenção básica Aumento da capacidade gestora em diversos estados e em milhares de municípios Expansão do setor privado com ou sem fins lucrativos na gestão dos serviços e na oferta de tecnologias médicas Crescimento do setor privado supletivo com segmentação da clientela Manutenção das desigualdades e no acesso às ações e serviços públicos de saúde Forte dependência do setor público à prestação privada de serviços de saúde principalmente os especializados de apoio diagnóstico e terapêutico e de natureza hospitalar Trajetória prévia da política de saúde no Brasil com forte imbricamento entre os setores público e privado no financiamento na gestão e prestação de serviços Presença de incentivos fiscais e fragilidade da regulação sobre prestadores privados do SUS e setor privado supletivo Reconfiguração do segmento suplementar com incremento dos mecanismos de intermediação financeira e estímulo à conformação de grandes grupos capitalistas na área envolvendo serviços finanças e indústria de caráter multinacional SUS Sistema Único de Saúde Fonte elaboração própria com base em diversas fontes de pesquisa Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Como limitações do estudo destacamos que o amplo recorte temporal não permitiu aprofundar temas relevantes para o sistema de saúde como relações intergovernamentais organização territorial gestão do trabalho modelo de atenção e participação social Outra limitação concerne ao foco na atuação do Executivo Federal com escassa consideração de atores subnacionais e outros atores sociais importantes em contextos federativos e democráticos Também não foram exploradas outras questões relevantes como as transformações da geopolítica internacional na macroeconomia e na demografia que podem afetar as políticas de saúde O Brasil expressa de forma contundente as tensões na construção de um sistema de saúde universal em um país capitalista periférico extremamente desigual Configurase uma situação contraditória de coexistência de um sistema público de dimensões expressivas baseado na diretriz da universalidade com mercados privados dinâmicos e em ascensão que disputam os recursos do Estado e das famílias espoliam a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde de fato único e igualitário reiteram a estratificação e as desigualdades sociais Diante do legado históricoestrutural do sistema de proteção social da persistência de fragilidades institucionais e do fortalecimento de ideias neoconservadoras e neoliberais em um momento de instabilidade econômica e política com ameaças à democracia brasileira existem sérios riscos de retrocessos nas conquistas que haviam sido alcançadas na área social e na saúde no período pósconstitucional Colaboradores C V Machado L D Lima e T W F Baptista participaram da realização do estudo e análise do material de pesquisa que embasou o artigo da concepção da redação das diversas seções e da revisão final do texto Agradecimentos C V Machado e L D Lima são bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq As pesquisas que deram origem ao artigo foram financiadas com recursos do Edital Universal do CNPq 2013 e do Programa de Apoio à Pesquisa Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz InovaENSP2013 Referências 1 Furtado C O longo amanhecer ensaios sobre a formação do Brasil Rio de Janeiro Editora Paz e Terra 1999 2 Lima NT Fonseca CMO Hochman G A saúde na construção do Estado Nacional no Brasil Reforma Sanitária em perspectiva histórica In Lima NT Gerschman S Edler FC Manuel Suárez J organizadores Saúde e democracia história e perspectivas do SUS Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p 2758 3 Teixeira SF organizadora Reforma sanitária em busca de uma teoria São Paulo Cortez EditoraRio de Janeiro ABRASCO 1989 4 Paim JS Reforma sanitária brasileira contribuição e crítica Salvador EdufbaRio de Janeiro Editora Fiocruz 2008 5 Escorel S Reviravolta na saúde origem e articulação do movimento sanitário Rio de Janeiro Editora Fiocruz 1999 6 Baptista TWF Seguridade social no Brasil Revista do Serviço Público 1998 4910122 7 Rodriguez Neto E Saúde promessas e limites da Constituição Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2003 8 Paim JS Travassos C Almeida C Bahia L Macinko J The Brazilian health system history advances and challenges Lancet 2011 377177897 9 Vianna MLTW Pyrrhic potatoes comments on the institutional rules macroeconomic constraints and innovation of the Brazilian social protection system in the 1990s and 2000s Ciênc Saúde Coletiva 2008 1470710 10 Skocpol T Why I am a historical institutionalist Polity 1995 XXVIII1036 11 Pierson P Politics in time Princeton Princeton University Press 2004 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 12 Offe C Lenhardt G Social policy and the theory of the state In Keane J editor Contradictions of the welfare state Cambridge MIT Press 1984 p 88118 13 Williams R Marxism and literature New York Oxford University Press 1977 14 Buse K Mays N Walt G Making health policy Berkshire MacGraw Hill Education 2012 15 Fiori JL O desafio políticoeconômico brasileiro no contexto latinoamericano Rio de Janeiro Instituto de Medicina Social Universidade do Estado do Rio de Janeiro 1992 Série Estudos em Saúde Coletiva 13 16 Carbone CO Seguridade social no Brasil Ficção ou realidade São Paulo Editora Atlas 1994 17 Levcovitz E Lima LD Machado CV Política de saúde nos anos 90 relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas Ciênc Saúde Coletiva 2001 626991 18 Sallum Jr B Crise democratização e liberalização no Brasil In Sallum Jr B organizador Brasil e Argentina hoje política e economia Bauru Edusc Editora 2004 p 4777 19 Santos WG O exleviatã brasileiro Rio de Janeiro Editora Civilização Brasileira 2006 20 Pochmann M Desestruturação do mercado de trabalho Teoria e Debate 199837 httpwwwteoriaedebateorgbrmateriaseconomiadesestuturacaodomercadodetrabalho 21 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Quinze anos de gasto social federal Notas sobre o período de 1995 a 2009 Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2011 Comunicado IPEA 98 22 Dain S Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil uma tentativa de integração Ciênc Saúde Coletiva 2007 12185164 23 Gadelha CAG Desenvolvimento complexo industrial da saúde e política industrial Rev Saúde Pública 2006 401123 24 Machado CV Direito universal política nacional o papel do Ministério da Saúde na política de saúde brasileira de 1990 a 2002 Rio de Janeiro Editora Museu da República 2007 25 Machado CV Baptista TWF Lima LD organizadoras Políticas de saúde no Brasil continuidades e mudanças Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2012 26 Buss PM Carvalho JR Casas CPR organizadores Medicamentos no Brasil inovação e acesso Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2008 27 Boschi RR Capacidades estatais e políticas de desenvolvimento no Brasil In Melo CR Sáez MA organizadores A democracia brasileira balanço e perspectivas para o século 21 Belo Horizonte Editora da UFMG 2007 p 30326 28 Bielschowsky R Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil um desenho conceitual Economia e Sociedade 2012 2172947 29 Campello T Neri M organizadores Programa Bolsa Família uma década de inclusão e cidadania Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2013 30 Arretche M organizadora Trajetórias da desigualdade como o Brasil mudou nos últimos 50 anos São Paulo Editora da Unesp 2015 31 Anderson P Crisis in Brazil London Review of Books 2016 381522 32 Nobre M Imobilismo em movimento da abertura democrática ao governo Dilma Rio de Janeiro Editora Companhia das Letras 2013 33 Freixo A organizador Manifestações de 2013 as ruas em disputa Rio de Janeiro Oficina Raquel 2016 Coleção Pensar Político 34 Fiori JL O paradoxo e a insensatez Valor Econômico 2009 25 set httpwww1valorcombropiniao4241452oparadoxoeinsensatez 35 Fagnani E A Previdência Social não tem déficit 2016 httpplataformapoliticasocialcombraprevidenciasocialnaotemdeficit acessado em Jul2016 36 Drummond C Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos Carta Capital 2016 6 jun httpwwwcartacapitalcombrrevista904odeficitemiragem 37 Viana AldA Silva HP A política social brasileira em tempos de crise na rota de um modelo social liberal privado Cad Saúde Pública 2015 3124714 38 Medeiros M Souza PHGF Castro FA A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil 2006 a 2012 estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares Ciênc Saúde Coletiva 2015 2097186 39 Servo L Piola SF Paiva AB Ribeiro JA Financiamento e gasto público de saúde histórico e tendências In Melamed C Piola SF organizadores Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Único de Saúde Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2011 p 85108 40 Lima LD Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS balanço de uma década expandida Trab Educ Saúde 2009 657397 41 Machado CV Lima LD Andrade CLT Federal funding of health policy in Brazil trends and challenges Cad Saúde Pública 2014 30187200 42 Ugá MAD Santos IS Uma análise da progressividade do financiamento do Sistema Único de Saúde SUS Cad Saúde Pública 2006 221597609 43 OckéReis CO Gasto privado em saúde no Brasil Cad Saúde Pública 2015 3113513 44 Bahia L Financeirização da assistência médicohospitalar no Governo Lula In Machado CV Baptista TWF Lima LD organizadoras Políticas de saúde no Brasil continuidades e mudanças Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2012 p 91113 45 Paiva AB Sá EB Barros ED Servo LM Stivali M Vieira RS et al Saúde Políticas Sociais Acompanhamento e Análise 20152311770 46 Scheffer M Bahia L Representação política e interesses particulares na saúde a participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014 httpwwwabrascoorgbrsitewpcontentuploads201502PlanosdeSaudeeEleicoesFEV20151pdf acessado em Jul2016 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Abstract This article analyzes the trajectory of national health policy in Brazil from 1990 to 2016 and explores the policys contradictions and conditioning factors during the same period Continuities and changes were seen in the policys context process and content in five distinct moments The analysis of the policys conditioning factors showed that the Constitutional framework institutional arrangements and action by health sector stakeholders were central to the expansion of public programs and services providing the material foundations and expanding the basis of support for the Brazilian Unified National Health System at the health sector level However historical and structural limitations institutional legacies and the dispute between projects for the sector have influenced national health policy Interaction between these conditioning factors explains the policys contradictions during the period for example with regard to healths position in the national development model and social security system and the financing and publicprivate relations in health Expansion of public services occurred simultaneously with the strengthening of private segment Dynamic health markets that compete for resources from government and families limit the possibility of consolidating a universal health system and reiterate social stratification and inequalities in health Unified Health System Health Systems Health Policy Public Policy Resumen El artículo analiza la trayectoria de la política nacional de salud en Brasil de 1990 a 2016 además de explorar las contradicciones y los condicionantes de las políticas durante ese período Se observó continuidad y cambios en el contexto proceso y contenido de las políticas en cinco momentos diferentes El análisis de los condicionantes políticos expuso que el marco constitucional los acuerdos institucionales y la acción de agentes sectoriales fueron fundamentales para la expansión de programas y servicios públicos que confi rieron materialidad y ampliaron la base de apoyo al Sistema Único de Salud en el ámbito sectorial No obstante los límites históricoestructurales legados institucionales y la disputa de proyectos para este sector influenciaron la política nacional La interacción de estos condicionantes explica las contradicciones en la política durante este período por ejemplo en lo que se refiere a la inclusión de la salud en el modelo de desarrollo y en la Seguridad Social al carácter de financiación y de las relaciones públicoprivadas en salud La ampliación de los servicios públicos se produjo de forma concomitante al fortalecimiento de segmentos privados configurando mercados dinámicos en salud que se disputan los recursos del Estado y de las familias además de restringir la posibilidad de consolidación de un sistema de salud universal reiterando la estratificación social y las desigualdades en salud Sistema Único de Salud Sistemas de Salud Política de Salud Política Pública Recebido em 24Jul2016 Versão final reapresentada em 26Set2016 Aprovado em 13Out2016 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Sociologia Problemas e Práticas 83 2017 SPP 83 Modelos de análise das políticas públicas Frameworks of public policies analysis Cadres d analyse des politiques publiques Modelos de análisis de políticas públicas Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues Edição electrónica URL httpsjournalsopeneditionorgspp2662 ISSN 21827907 Editora Mundos Sociais Edição impressa Paginação 1135 ISSN 08736529 Refêrencia eletrónica Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues Modelos de análise das políticas públicas Sociologia Problemas e Práticas Online 83 2017 posto online no dia 06 fevereiro 2017 consultado o 21 setembro 2021 URL httpjournalsopeneditionorgspp2662 CIES Centro de Investigação e Estudos de Sociologia MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Luísa Araújo FPP Fórum das Políticas Públicas Lisboa Portugal Maria de Lurdes Rodrigues Instituto Universitário de Lisboa ISCTEIUL Centro de Investigação e Estudos de Sociologia CIESIUL Lisboa Portugal Resumo É objetivo deste artigo apresentar e discutir quatro modelos teóricos que contribuem para a compreensão das políticas públicas 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o quadro teórico das coligações de causa ou de interesse Estes modelos são considerados por vários autores como sendo os quadros teóricos mais promissores no campo analítico das políticas públicas São modelos logicamente coerentes empiricamente verificáveis claros e abrangentes e replicáveis em diferentes áreas de política situações e contextos Palavraschave políticas públicas processo político ação pública modelos de análise das políticas públicas Abstract In this paper the objective is to present and discuss four theoretical models that contribute to the understanding of public policies 1 the Policy Cycle Model 2 the Multiple Streams Framework 3 the Punctuated Equilibrium Theory and 4 the Advocacy Coalition Framework These models are considered by many authors as the most adequate analytical frameworks in the scientific field of Public Policy The models are logically consistent and empirically verifiable clear and comprehensive replicable in different policy areas situations and contexts Keywords public policies policy process public action public policies theoretical framework Résumé Lobjectif de cet article est de présenter et de débattre quatre modèles théoriques qui contribuent à la compréhension des politiques publiques 1 le Modèle séquentiel ou du Cycle politique 2 le Modèle des flux multiples 3 le Modèle de léquilibre ponctué et 4 le Cadre théorique des coalitions de cause ou dintérêt Ces modèles sont considérés par plusieurs auteurs comme les cadres théoriques les plus promettants dans le domaine analytique des politiques publiques Ces modèles sont logiquement cohérents et vérifiables empiriquement ils sont claires et complets et reproductibles dans différents domaines de la politique dans des situations et des contextes différents Motsclés politique publique processus politique intervention publique modèles danalyse des politiques publiques Resumen El propósito de este artículo es presentar y discutir cuatro modelos teóricos que contribuyen a la comprensión de las políticas públicas 1 modelo secuencial o del ciclo político 2 modelo de flujos múltiples 3 modelo del equilibrio puntuado y 4 cuadro teórico de las coaliciones de causa o interés Estos modelos son considerados por muchos autores como los cuadros teóricos más prometedores en el campo de análisis de las políticas públicas Los modelos son lógicamente consistentes y empíricamente comprobables claros y comprensivos y replicables en diferentes ámbitos políticos situaciones y contextos Palabrasclave política pública proceso político la acción pública los modelos de análisis de políticas públicas A análise das políticas públicas tem como objeto de estudo as decisões políticas e os programas de ação dos governos interrogandose sobre a génese dos problemas que tais decisões procuram resolver sobre as soluções formuladas e as condições da sua implementação As políticas públicas enquanto objeto de estudo configuram em SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 primeiro lugar processos complexos e multidimensionais que se desenvolvem em múltiplos níveis de ação e de decisão local regional nacional e transnacional Em segundo lugar envolvem diferentes atores governantes legisladores eleitores administração pública grupos de interesse públicosalvo e organismos transnacio nais que agem em quadros institucionais e em contextos geográficos e políticos específicos visando a resolução de problemas públicos mas também a distribuição de poder e de recursos Como veremos a análise das políticas públicas ao tomar como objeto de es tudo a ação pública afirmase em ciência política como a disciplina que permite abrir a caixa negra do sistema político Tradicionalmente a ciência política tem como objeto de estudo as questões do poder como este é conquistado mantido distribuído e partilhado os mecanismos de reprodução e de aquisição de recursos de poder bem como os processos de participação de competição e de alianças Neste quadro a análise da atividade dos governos e das instituições do sistema po lítico administrativo não é considerada relevante Aanálise das políticas públicas parte de contributos teóricos gerais da ciência política mas também da economia da psicologia da sociologia da história e dos estudos das organizações Porém define um campo de estudos específico pluridis ciplinar e abre espaço ao desenvolvimento de teorias de médio alcance modelos mapas metáforas e conceitos próprios que permitem explicar e pensar as políticas públicas permitem compreender os modos e as regras gerais de funcionamento da ação pública e analisar as suas continuidades e ruturas bem como os processos e as determinantes do seu desenvolvimento e identificar a multiplicidade de fatores e forças que formam os processos reais das políticas públicas O seu objetivo não é explicar o funcionamento do sistema político mas a lógica da ação pública as con tinuidades e ruturas nas políticas públicas as regras do seu funcionamento a afe tação de recursos e o papel e os modos de interação de atores e instituições nos processos políticos Aanálise das políticas públicas enquanto ciência social beneficiou no seu de senvolvimento de quadros teóricos e de conceitos de outras disciplinas sendo vas to o seu património teórico sistematizado em obras de referência como por exemplo Parsons 1995 Hill 2009 Knoepfel et al 2011 Sabatier 2007 e Fischer 2003 Propomonos neste texto rever os contributos teóricos dos fundadores da dis ciplina e apresentar e discutir quatro modelos teóricos de análise das politicas públicas Os quatro modelos apresentados e discutidos neste trabalho são considera dos por vários autores como sendo os quadros analíticos mais promissores1dadas as suas características São eles 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o qua dro teórico das coligações de causa ou de interesse Tratase de modelos teóricos lo gicamente coerentes baseados em proposições empiricamente verificáveis claros 12 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 1 Ver por exemplo Sabatier 2007 Muller 2010 Capella 2006 Birkland 2011 e abrangentes replicáveis em áreas de política situações e contextos distintos Apresentamse como modelos de síntese uma vez que procuram promover a inte gração de conceitos e propostas analíticas de outros autores explorando a comple mentaridade das diferentes abordagens Emergência da análise das políticas públicas Aanálise de políticas públicas como campo disciplinar de estudo surge e desenvol vese nos EUA2 no pósguerra em condições políticas económicas e sociais parti culares3 Por um lado assistiase ao alargamento das áreas de intervenção do estado na resolução de problemas exigindo crescentemente informação sobre os mais variados setores da educação à saúde aos transportes e planeamento urbano à defesa e segurança Parsons 1995 20 Por outro lado nas universidades ameri canas entre académicos e investigadores de ciência política difundese uma orien tação favorável ao desenvolvimento de conhecimento e informação necessários a uma boa governação tendo em vista o sucesso e eficiência das políticas públicas na melhoria das condições de vida dos cidadãos Defendese então a aplicação de métodos científicos às decisões do governo em todas as áreas de intervenção Culti vase também uma preocupação com a promoção das práticas da democracia De Leon 2006 4041 O trabalho de Lasswell um dos fundadores da disciplina é a vários títulos um exemplo desta orientação4 Os cientistas sociais norteamericanos Harold Lasswell Herbert Simon Charles Lindblom e David Easton são considerados os fundadores do estudo das políticas públicas como área científica autónoma pelos trabalhos seminais desenvolvidos por volta dos anos 50 Fisher 2003 DeLeon 2006 Parsons 1995 Hill 2009 Sabatier 2007 Harold Lasswell 1948 introduz pela primeira vez a expressão policy analysis análise de políticas públicas afirmando a análise do processo político como obje to de estudo alternativo aos objetos tradicionais da ciência política isto é alternati vo ao estudo das constituições legislaturas grupos de interesse elites e questões clássicas do poder A sua obra contribui de forma decisiva em primeiro lugar para a estrutura ção do campo de análise das políticas públicas como uma ciência social aplicada e em segundo lugar para lançar as bases do que virá a ser o modelo de análise se quencial ou das etapas do processo político MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 13 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 2 Na Europa a disciplina desenvolvese apenas a partir de meados dos anos 80 ancorada em perspetivas e focos de análise muito diferentes Muller 2005 3 DeLeon e Vogenbeck 2007 argumentam que a crescente complexidade da ação pública decor rente dos múltiplos e diversificados contextos políticos económicos e sociais que emergiram no período pósguerra estiveram muito associados à consolidação e desenvolvimento do campo da análise das políticas públicas cujas abordagens eminentemente multidisciplinares trans cendem os contributos individuais de outras áreas de estudo designadamente da ciência políti ca da sociologia da administração pública da comunicação da psicologia e da jurisprudência 4 Sobre o legado de Lasswell ver o texto de D Torgerson 2007 Ao longo da sua carreira este autor desenvolve intenso trabalho de consolida ção da ideia de uma ciência política e de um papel para os analistas políticos Com base no pressuposto analítico de que aquilo que o estado faz ou deixa de fazer pode ser formulado cientificamente por investigadores independentes encarando a dis ciplina como subsidiária dos contributos da ciência política da sociologia da an tropologia da psicologia da estatística da matemática e mesmo das ciências exatas Lasswell ambicionava desenvolver uma ciência da formulação e concretização das políticas marcadamente normativa que ancorada em abordagens multidis ciplinares e em metodologias qualitativas e quantitativas habilitasse os decisores políticos com a informação necessária à sua ação e contribuísse para aumentar a ra cionalidade do processo de tomada de decisão ou segundo o próprio uma ciência baseada no conhecimento no e do processo político in and of the policy process O cientista político contemporâneo percebese a si mesmo como um integrador de co nhecimento e ação Um mediador entre os especialistas de áreas específicas de co nhecimento os decisores políticos e os cidadãos Lasswell 1970 314 Lasswell foi um dos primeiros autores em 1956 a tentar estabelecerformular o con junto de etapas de desenvolvimento do processo político propondo uma classifica ção em sete etapas informação recolha de dados iniciativa aprovação de medidas de política prescrição formulação de medidas normas e regras invocação justificação e especificação dos benefícios e das sanções aplicação concretização das medidas avaliação sucesso ou insucesso das decisões e cessação regras e instituições criadas no âmbito da política aprovada Como veremos adiante esta ideia de etapas ou fases de desenvolvimento do processo político será objeto de debate e reflexão no campo das políticas públicas ao longo dos 50 anos seguintes Muitos autores contribuirão para o seu aprofundamento vindo a proposta de Lasswell a transformarse no ponto de partida para a construção dequasetodososnovosmodelosequadrosteóricosdaanálisedepolíticaspúblicas Herbert Simon desenvolve um trabalho de natureza multidisciplinar sobre os processos de decisão nas organizações e dá um contributo decisivo para a evolução do campo das políticas públicas no final da década de 1950 A partir dos seus estu dos centrados na análise dos processos de decisão nas organizações desenvolve e amplia o conceito de racionalidade limitada dos decisores políticos bounded rationality Argumenta que a capacidade de lidar com os problemas de uma forma racional é sempre limitada por fatores exógenos e endógenos como a natureza ne cessariamente fragmentada e incompleta do conhecimento e da informação a ocor rência de mudanças imprevisíveis de contexto o limite de tempo disponível para a tomada de decisão a capacidade limitada da memória humana ou mesmo os valores e interesses próprios Considera contudo que a verificação de algumas condições permite melhorar a racionalidade da decisão designadamente os processos de especialização de indiví duos e organizações que permitem criar rotinas e standards para decisões que se re petem Simon 1983 No mesmo sentido também os mecanismos de mercado ou os mecanismos de contraditório e os instrumentos técnicos restringem e organizam a 14 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 informação necessária à decisão melhorando as condições de racionalidade tal como a informação pública o conhecimento sobre as instituições políticas e o conhe cimento em geral Charles Lindblom 5 dá um contributo decisivo para o desenvolvimento da análise das políticas públicas como processo político Sendo crítico da ideia desen volvida por Simon de racionalidade no processo de decisão focou a sua atenção na identificação da margem de manobra dos decisores políticos que considerava ser muito limitada Construiu uma abordagem analítica alternativa que classificou como método das comparações sucessivas method of sucessive limited compari sons ou incrementalista No seu modelo analítico Lindblom 1959 8486 defende que o processo de decisão política tem as seguintes características i é construído passo a passo atra vés de mudanças incrementais com base em políticas preexistentes ii envolve ajustamentos mútuos e negociação e iii não é uma solução final para os proble mas é apenas um passo que quando é bemsucedido pode ser seguido de outros As políticas não são construídas de uma só vez são construídas e reconstruídas inter minavelmente A construção de políticas é um processo de aproximações sucessivas aos objetivos pretendidos no qual os próprios objetivos vão sendo reconsiderados e alterados Lindblom 1959 86 Abrange na sua análise variáveis ignoradas pelas abordagens racionalistas como as relações de poder os processos eleitorais e o papel das burocracias dos partidos e dos grupos de interesse Por outro lado defende também a necessidade de uma visão mais integrada das diferentes fases e dimensões do processo político Lindblom é crítico em relação ao modelo sequencial de análise do processo político proposto por Lasswell e à ideia da identificação de etapas argumentan do que fases sequenciais e ordenadas deliberadamente não são uma forma ri gorosa de retratar o modo como funciona o processo político Lindblom e Woodhouse 1993 e considerando que tanto o modelo sequencial como o mo delo da escolha racional serviram mais para obscurecer do que para iluminar o processo político demasiado complexo para ser apreendido por modelos exces sivamente simplificadores David Easton 1957 desenvolve a aplicação da abordagem sistémica à análise das políticas públicas tendo tido também uma influência decisiva na evolução da disciplina Conceptualiza a relação entre o processo político as po líticas públicas e o respetivo contexto social económico e político As políticas públicas são no seu modelo um output do sistema político revelador da emer gência da natureza e da atividade do estado Neste sentido Easton entende o processo político como um sistema em que cada componente não pode ser anali sado isoladamente a ação de cada um dos intervenientes no processo político só MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 15 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 5 O seu texto publicado em 1959 The science of muddling through é um dos textos fundado res mais importantes pode ser adequadamente percebida quando inserida no todo No sistema políti co atores e instituições políticas interagem enquadrados por um conjunto de normas símbolos e valores cujo comportamento é condicionado quer por me canismos de suporte da envolvente social inputs quer por pressões internas ao sistema withinputs que para além de influenciarem o comportamento do siste ma também o alimentam e mantêm ativo através da apresentação de exigênci as necessidades e problemas por intermédio dos input channels partidos média grupos de interesses Segundo Easton inputs e withinputs não se transformam automaticamente em problemas políticos a notoriedade das exigências os jogos de poder no exterior e no interior do sistema a existência de competências políticas e técnicas para lidar com as exigências são algumas das condições para a emergência de um problema político no interior do sistema Uma vez identificados os problemas são processa dos nomeadamente através de mecanismos de regulação distribuição e redistri buição dando origem a outputs as decisões políticas que se constituem como resposta às necessidades e exigências apresentadas Num processo de feedback os outputs podem dar origem a novos inputs o que confere ao modelo proposto por Easton uma dinâmica cíclica e inacabada As diferenças nas políticas públicas são explicadas pelas diferenças nas insti tuições do estado e pelas diferenças do funcionamento do sistema político O pro cesso político de tomada de decisão e de iniciativa é entendido neste quadro como uma caixa negra Apesar de distintas as abordagens propostas por Lasswell Simon Lindblom e Easton têm em comum três características que contribuíram para conferir um ca ráter distintivo ao campo científico das políticas públicas 6 são explicitamente orientadas para os problemas públicos e para as suas solu ções problem oriented os problemas ocorrem em contextos específicos que de vem ser considerados quer na sua análise quer na escolha das soluções são distintivamente multidisciplinares nas suas abordagens teóricas e práticas o que é justificado pelo facto de a maioria dos problemas políticos integrarem múltiploscomponentesligadosaváriasdisciplinasasquaissãorelevantespara uma completa análise e compreensão dos fenómenos políticos são orientadas por valores o ethos democrático e a dignidade humana ocu pam um lugar central na análise das políticas públicas afirmam a possibilidade de nas sociedades democráticas a ação ou inação dos decisores políticos ser analisada e formulada cientificamente por cien tistas independentes Os quadros teóricos que dominaram o campo da análise das políticas públicas a partir dos anos 60 derivam da combinação das abordagem lançadas por estes au tores configurandose desde muito cedo duas grandes correntes de pensamento e 16 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 6 Ver Peter DeLeon 2006 5354 de análise dois caminhos analíticos paralelos mas também complementares com muitos pontos de contacto e de cruzamento Por um lado modelos teóricos resultantes de uma combinação entre a abor dagem sequencial Lasswell e a abordagem sistémica Easton centrados na preocupação de responder à questão de como surgem e como funcionam as políti cas públicas entendidas como um processo com especificidades próprias não explicadas apenas pelo funcionamento do sistema político Orientam o debate teó rico entre os vários autores questões sobre o funcionamento das políticas públi cas Como surgem e se desenvolvem as políticas públicas Como emergem os problemas e se processa o seu agendamento político Que soluções são formula das como e porquê Que decisões são tomadas por quem como e porquê Como são concretizadas as políticas públicas e por quem Quais as condicionantes dos processos de concretização Quais os resultados e impactos das decisões Nesta corrente distinguemse 1 as abordagens centradas sobretudo na emergência dos problemas no processo de agendamento e de formulação das políticas públicas e 2 as abordagens centradas sobretudo nos processos de concretização das políti cas públicas Por outro lado modelos teóricos derivados da combinação entre a aborda gem sequencial Lasswell a abordagem da escolha racional Simon e a aborda gem incrementalista Lindblom centrados no processo de decisão7Orientam o debate teórico entre os vários autores as seguintes questões Quem decide como decide e porquê Quem participa na decisão Quais as condicionantes da decisão Qual a relação entre a política e as políticas públicas Neste último caso tratase sobretudo de propostas de análise das políticas públicas baseadas nas teorias do estado sendo aquelas instrumentais para a verificação de hipóte ses dessas teorias Em anexo apresentase uma sistematização dos quadros teóricos e dos mo delos de análise desenvolvidos pelos diferentes autores considerando o seu prin cipal foco de atenção8 Pode dizerse que os diferentes modelos de análise têm em comum a preocu pação de abrir e compreender a caixa negra do sistema político isto é compreen der a ação pública dos governos as condições do seu desenvolvimento as suas causas e condicionantes os fatores de sucesso e de insucesso as consequências e os efeitos dessa ação o papel dos atores o papel das ideias e dos fatores cognitivos a influência dos fatores socioeconómicos e dos organismos internacionais procu rando padrões e explicações causais através da análise das instituições dos atores MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 17 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 7 Ver revisão de literatura sobre abordagens teóricas baseadas nas teorias da escolha racional em M Levi 2009 8 Tratase de uma proposta de sistematização dos diferentes quadros teóricos e modelos de análi se das políticas públicas visando orientar a leitura do extenso património da disciplina Utili zouse como critério principal o tema específico ou a questão de análise a que procuram responder os autores das diferentes abordagens Esta proposta de classificação é apenas um guia devendo ser utilizada tendo em atenção o facto de em muitos casos os autores promove rem estudos que envolvem mais do que uma questão isto é mais do que um foco de observação e reflexão ou procurarem construir abordagens integradas das ideias e de outras variáveis de natureza cognitiva bem como da análise dos fa tores socioeconómicos Nos diferentes modelos varia o foco e o objeto de análise em temas específi cos variam as questões de análise podendo ser mais restritas ou abrangentes as perspetivas disciplinares e as metodologias de análise mas estes não são na maio ria dos casos mutuamente exclusivos antes complementares Como afirma Peter John 1998 14 As abordagens não são rivais podem complementarse e tornarse parte da explicação Neste artigo apresentaremos quatro dos modelos teóricos de análise de polí ticas públicas que contribuem para a compreensão da génese dos problemas e do processo das políticas públicas 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o qua dro analítico das coligações de causa ou de interesse Quatro modelos teóricos para compreender as políticas públicas Modelo sequencial ou do ciclo político Policy Cicle No modelo sequencial as políticas públicas são tomadas como resultado de um processo que se desenvolve por etapas num ciclo político que se repete Impor tante não é explicar como funciona o sistema político mas compreender os modos da ação pública demonstrar as continuidades e as ruturas bem como as regras ge rais de funcionamento que são específicas das políticas públicas Lasswell é um dos primeiros autores a propor no fim da década de 1950 uma análise estruturada do processo político sugerindo a sua decomposição em fases sucessivas relacionadas entre si de uma forma lógica e sequencial Parte da abor dagem sistémica das políticas públicas de Easton para a construção do modelo Policy Cycle ou modelo das etapas propondo que as políticas públicas sejam anali sadas como o resultado de um ciclo político que se desenvolve por etapas procu rando desta forma abrir a caixa negra do sistema político A desagregação em etapas que podem ser investigadas isoladamente ou em relação com as etapas sub sequentes por redução da complexidade facilita a compreensão desse mesmo processo Lasswell 1956 As designações que Lasswell propõe para cada uma das fases constituem um contributo decisivo para a criação de um mapa conceptual ori entador da análise das políticas públicas informação promoção prescrição invocação aplicação conclusão e avaliação O modelo sequencial ou do ciclo político permite explorar e investigar o pro cesso das políticas públicas por redução da sua complexidade Adesagregação em etapas ou categorias de análise torna todo o processo das políticas públicas mais fa cilmente apreensível Desta forma a ação pública orientada para a resolução dos problemas é analisada como um processo sequencial e inacabado que se repete e reconstrói em resultado de mudanças induzidas por efeito de feedback das próprias políticas públicas ou por alterações do contexto ou da relação entre os atores e ins tituições envolvidos 18 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 A partir da formulação de Lasswell nos anos 70 Charles O Jones 1984 desenvolve uma classificação com dez etapas mais próxima da que veio a ser consolidada e difundida perceção do problema agregação organização representa ção do públicoalvo agendamento formulação orçamentação concretização avaliação ajustamento ou conclusão Muitos outros autores Jenkins 1978 Anderson 2003 Hogwood e Gunn 1984 apresentaram propostas alternativas de classificação9 contribuindo para a consolidação de um modelo heurístico de decomposição do processo político em sequências ou etapas para fins analíticos Os diferentes autores identificam várias etapas fases ou sequências no ciclo político designandoas de formas diferentes porém quatro etapas são comuns a todas as propostas e podem ser sintetizadas da seguinte forma definição do problema e agendamento relativos ao contexto e ao processo de emergência das políticas públicas perceção de um problema como proble ma político ao debate público sobre as suas causas e à entrada do proble ma na agenda política formulação das medidas de política e legitimação da decisão relativas ao processo de decisão e de elaboração de argumentos explicativos da ação política de desenho de objetivos e de estratégias de solução do problema de escolha de alternativas bem como de mobilização das bases de apoio político implementação relativa aos processos de aprovisionamento de recursos insti tucionais organizacionais burocráticos e financeiros para a concretização das medidas de política avaliação e mudança relativas aos processos de acompanhamento e avaliação dos programas de ação e das políticas públicas com o objetivo de aferir os seus efeitos e impactos a distância em relação aos objetivos e metas estabele cidos a eficiência e eficácia da intervenção pública os processos de modifica ção dos objetivos e dos meios políticos decorrentes de novas informações de alterações no contexto de espaço e de tempo a partir dos quais por efeito de feedback se inicia um novo ciclo político em que as etapas se repetem O modelo sequencial ou do ciclo político tem sido alvo de críticas nomeadamente por se basear numa metodologia de análise muito restrita e por criar uma visão ar tificial do processo político AtítulodeexemploParsons19957980argumentaqueomodelodociclopo lítico não é um modelo causal que não pode ser empiricamente testado e que privile gia uma análise topdown do processo político ignorando os diferentes níveis de decisão e a diversidade de atores intervenientes no processo ignorando assim os múltiplos níveis de decisão e de ciclos John Kingdon 2011 205 critica o modelo das etapas por entender que o processo político não decorre ordenadamente em fases referindo designadamente MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 19 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 9 May e Wildavksy 1978 compilaram contributos de vários autores para o desenvolvimento do modelo do ciclo político que o agendamento não ocorre em primeiro lugar gerando posteriormente alterna tivas Pelo contrário para este autor as alternativas são defendidas e ponderadas du rante muito tempo antes que uma oportunidade as coloque na agenda Também Paul Sabatier 2007 7 critica a abordagem por não identificar o con junto de causalidades que norteia o processo político por ser imprecisa normativa simplificadora e marcadamente topdown focando a sua atenção num único ciclo e descurando as dinâmicas decorrentes das interações entre múltiplos ciclos que envol vemdiferentespropostasdesoluçãodiferentesatoresemúltiplosníveisdedecisão Apesar das críticas o modelo das etapas tem sido o ponto de partida para a maioria das abordagens metáforas e enquadramentos teóricos da análise das polí ticas públicas porque permite relacionar de forma coerente todos os aspetos das mesmas Muller 2010 25 Na realidade tratase de um modelo heurístico que per mite explorar para fins exclusivamente analíticos as políticas públicas10Como to dos os modelos heurísticos terá que ser usado com cautela com a noção clara de que é apenas uma representação simplificada da realidade cuja função é providen ciar um enquadramento analítico facilitador da compreensão do processo político Pode considerarse inclusivamente que a difusão do seu uso é provavelmente resultado da sua capacidade de proporcionar uma estrutura racional dentro da qual se pode considerar para efeitos de análise a multiplicidade da realidade e em que podem ser aplicados diferentes quadros explicativos Como refere Pierre Muller a representação sequencial das políticas não deve ser utilizada de forma mecânica É indispensável entender as políticas como um fluxo contínuo de decisões e procedi mentos para os quais é necessário encontrar um sentido Haverá vantagem em conce ber uma política pública não como uma série de sequências sucessivas mas como um conjunto de sequências paralelas que interagem e se modificam continuamente Muller 2010 27 Metáfora dos fluxos múltiplos Multiple Streams Framework Na sua obra de referência Agendas Alternatives and Public Policies John Kingdon 2011 desenvolve o modelo analítico Multiple Streams11 procurando explicar como é que os problemas se transformam em problemas políticos isto é como cap tamaatençãodopúblicoedospolíticoseentramnaagendadaaçãopúblicaNemto das as questões se transformam em problemas políticos suscitando a intervenção do governo apenas algumas Como e porquê O modelo de análise proposto procura responder às seguintes questões i Porque é que os decisores políticos prestam atenção a um determinado assunto em detrimento de outros ii Como e porquê se alteram as agendas políticas ao longo do tempo iii Como é que os decisores 20 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 10 Sobre o valor heurístico do modelo das etapas ver também os argumentos de Michael Hill 2009 147148 e Rodrigues 2014 11 O autor baseia o seu modelo num trabalho de investigação empírica desenvolvido nos anos 70 nos setores da saúde e dos transportes que implicou a realização de centenas de entrevistas jun to de funcionários públicos e ativistas políticos bem como a realização de estudos de caso políticos selecionam soluções para os problemas de entre um vasto conjunto de alternativas O autor concebe um modelo baseado numa metáfora e em três conceitos cen trais as comunidades políticas constituídas por investigadores deputados fun cionários públicos analistas grupos de interesse cujos membros partilham a preocupação com determinado tema ou problemas e que promovem a construção e a difusão de ideias em diferentes fóruns os empreendedores políticos um tipo parti cular de atores na mediação e negociação dos processos de agendamento a janela de oportunidade política que se abre quando convergem três fluxos de variáveis a perceção pública dos problemas fluxo dos problemas o conhecimento de soluções políticas e técnicas adequadas aos valores dominantes fluxo das políticas e as con dições de governação fluxo da política Os três fluxos streams fluem autonoma mente no sistema político com regras e dinâmicas próprias Fluxo dos problemas Kingdon aborda os problemas como construções sociais estabelecidas por intervenção de atores comunidades políticas nos pro cessos das políticas públicas Estabelece uma distinção entre questões e pro blemas políticos considerando que uma questão definida como uma situ ação socialmente percebida só se transforma num problema quando os de cisores políticos consideram que deve ser encontrada uma solução para a questão Atendendo ao grande número de questões e à impossibilidade ma terial dos decisores de lidar com todas elas a emergência de um problema é condicionada por mecanismos que contribuem para que a atenção dos deci sores se centre em determinadas questões em detrimento de outras Esses me canismos são indicadores eventos crises símbolos e feedback da ação política12 A construção de argumentos baseados em dados e informações a elaboração de narrativas sobre as causas dos problemas e as respetivas soluções a difu são desses argumentos e informações fazem parte da atividade das comuni dades políticas que são mais ou menos fragmentadas integrando uma diver sidade de pontos de vista e de ideias muitas vezes antagónicas Também os organismos internacionais desempenham neste processo um papel impor tante Adefinição dos problemas constitui uma etapa fundamental podendo inclusivamente determinar o sucesso da ação política No entanto não é sufi ciente só por si para iniciar um processo de agendamento Fluxodaspolíticascompostopeloconjuntodealternativasesoluçõesdisponíveis geradas no interior das comunidades políticas Para explicar a forma como são ge radas as alternativas no interior das comunidades políticas Kingdon utiliza a metáfora da sopa primordial primeval soup13 Um grande conjunto de ideias fluem no interior das comunidades policy primeval soup algumas tornamse MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 21 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 12 Birkland 2011 analisa também o impacto dos eventos focalizadores no processo das políticas públicas 13 Ateoria da sopa primordial utilizada em biologia para explicar o aparecimento de vida na Ter ra defende que um conjunto de moléculas que flutuava numa sopa de matéria orgânica quando exposto a determinados fatores exógenos deu origem à vida proeminentes enquanto outras desaparecem em resultado de um processo evo lutivo de amadurecimento em que as ideias se confrontam e se combinam das mais variadas formas eventuais consensos decorrem de processos de persuasão e de difusão de ideias As alternativas de solução não decorrem necessariamente da prévia identificação e perceção política dos problemas o autor afirma inclusi vamente que muitas vezes as soluções são construídas e só posteriormente são identificados os problemas para os quais possam ser aplicadas essas soluções Não obstante a importância crucial que Kingdon confere às ideias e à existência de alternativas tecnicamente viáveis considera que estas não representam só por si um fator gerador do agendamento Fluxo da política respeita à dimensão política que segue um curso indepen dente dos problemas e das soluções políticas O autor inclui neste fluxo três feixes de variáveis decisivas para alterar ou influenciar o processo de agendamento O sentimento nacional national mood que caracteriza como situações em que um grande número de pessoas num país partilha ideias comuns o sentimento nacional sofre mudanças no tempo de uma forma percetível e estas mudanças têm importantes impactos nas agendas e nos resultados políticos Kingdon 2011 146 As forças políticas organizadas onde os atores centrais são os partidos po líticos e os grupos de interesse A perceção que os decisores têm da for ma como estes atores se interrelacionam é de importância crucial para o desenvolvimento das políticas Se os governos consideram que a maio ria dos grupos de interesse e outras forças organizadas apontam para uma mesma direção este contexto proporcionalhes um forte ímpe to para se orientarem nessa direção Kingdon 2011 150 As mudanças governamentais governmental turnover nomeadamente mudanças de ciclo político remodelações e reconfigurações de gover nos e parlamentos mudanças nas hierarquias da administração sendo a mudança de governo o fator mais propício à ocorrência de alterações na agenda política Ao contrário do que acontece no fluxo das políticas em que o consenso é produto de processos de persuasão e difusão no fluxo da política os consensos são construídos através de intensos pro cessos negociais e pelo estabelecimento de coligações Como foi já referido o autor defende que cada um dos fluxos descritos percorre o seu caminho de forma independente de acordo com as suas próprias regras e dinâmicas Em determinados momentos e sob determinadas condições os fluxos convergem favorecendo a abertura de uma janela de oportunidade que proporciona aos defensores de uma deter minadapropostaumapossibilidadeparafazervalerassuasideiasouparadeterminar queaatençãopolíticasecentrenosseusproblemasespecíficosKingdon2011165 Esta convergência é impulsionada principalmente pelo fluxo dos problemas quando um problema consegue captar a atenção política na sequência do conheci mento e divulgação de indicadores de resultados de ações políticas ou da ocorrên cia de eventos ou crises e pelo fluxo da política quando ocorrem mudanças 22 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 governamentais pressões públicas ou alterações do sentimento nacional O fluxo das políticas não tem um efeito tão direto no processo as alternativas e soluções man têmse ativas e atualizadas no seio das comunidades políticas e epistémicas e emer gem quando é aberta a janela de oportunidade por influência dos outros dois fluxos sendo então possível ocorrer mudanças na agenda política Essencial para a compreensão do mecanismo de junção dos três fluxos cou pling é o contexto no qual segundo Kingdon decorre o processo político O papel e o peso dos diferentes atores no decurso do processo a forma como afetam a dis ponibilização de alternativas e a escolha de soluções e o modo como utilizam os re cursos são decisivos neste modelo O modelo Multiple Streams distingue para efeitos de simplificação da análise dois grandes conjuntos de atores 1 o conjunto de atores visíveis visible cluster mais exposto à pressão e atenção pública que inclui o governo o parlamento e os membros da administração com poder decisório e 2 o conjunto de atores invisíveis hidden clus ter composto por grupos de interesse burocratas pesquisadores académicos parti dos políticos média e opinião pública Cada um dos conjuntos dispõe de recursos distintos os atores visíveis dispõem de uma autoridade formal e de prerrogativas le gais que lhes são concedidas pelo seu próprio estatuto enquanto os atores invisíveis detêm um maior controlo sobre as alternativas e soluções disponíveis Independente mente de estarem inseridos num ou noutro destes conjuntos emergem atores ou grupos de atores que estão dispostos a investir os recursos de que dispõem desig nadamente tempo energia reputação recursos financeiros para colocar no centro da atenção política os seus problemas eou as alternativas que defendem Kingdon de signa estes atores como empreendedores políticos policy entrepeneurs que desempe nham um papel fundamental no processo tendo uma grande influência na criação de condições favoráveis à junção dos fluxos à abertura de janelas de oportunidade e à in trodução de mudanças na agenda política O modelo Multiple Streams tem sido objeto de propostas de alteração e de in trodução de novos fatores e mecanismos de análise com o propósito de ultrapassar limitações que lhe têm sido apontadas algumas delas posteriormente reconheci das pelo próprio Kingdon Uma destas críticas prendese com a conceptualização da autonomia dos flu xos Alguns autores têm defendido que a análise seria mais proveitosa se fosse con siderada a interdependência dos fluxos em que as mudanças ocorridas num deles tivessem impacto na trajetória dos outros o que tornaria o processo de coupling mais estratégico ultrapassando a ideia de imprevisibilidade do processo14 Vários autores consideram que a principal fragilidade do modelo reside na pouca atenção MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 23 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 14 Sabatier e Schlager 2000 225 consideram que embora o modelo de Kingdon evidencie pontos fortes como sejam a atenção dada à envolvente socioeconómica a centralidade conferida às ideias e à informação a capacidade de integrar na análise uma diversidade de fatores cognitivos e não cognitivos e a possibilidade de ser replicado em diferentes contextos este não disponibili za uma metodologia satisfatória para determinar em que fluxos se integram os atores da ação pública para além de constituir uma metáfora intuitiva que não cumpre adequadamente crité rios de cientificidade que dá ao contexto institucional no qual decorre a ação política sendo necessário salvaguardar essa análise complementar O modelo do equilíbrio interrompido Punctuated Equilibrium Theory O modelo Punctuated Equilibrium15 desenvolvido por Frank Baumgartner e Bryan Jones é construído com base no seguinte princípio os processos políticos são ge ralmente caracterizados por estabilidade e incrementalismo pontuado ou inter rompido ocasionalmente por mudanças de larga escala A estabilidade mais que as crises caracterizam a maioria das áreas de política mas as crises ocorrem Com preender o processo político implica analisar as condições de estabilidade e simul taneamente as condições da mudança True Jones e Baumgartner 2007 155156 O objetivo dos autores foi construir uma abordagem que permitisse explicar quer as descontinuidades ou interrupções punctuations quer as continuidades stasis das políticas argumentando que o mesmo sistema institucional gera as mu danças pequenas e graduais e as grandes ruturas Na sua abordagem os autores propõem uma metodologia que combina estudos qualitativos de políticas públicas com estudos quantitativos e longitudinais seguindo as mudanças de políticas em longos períodos de tempo Propõem como chave para compreender as mudanças na agenda política isto é as interrupções ou descontinuidades dos equilíbrios dois conceitos imagem política policy image e subsistema político Em primeiro lugar o conceito de imagem política a forma como uma política é percebida e discutida e os processos de mudança nas políticas públicas de pendem da forma como os assuntos são percecionados publicamente As imagens políticas são ideias que permitem a compreensão dos problemas e das soluções e que podem ser comunicadas de forma simples e partilhadas por uma comunidade ou seja são retratos dos problemas incluindo as narrativas sobre as suas causas e as soluções para os resolver Quando uma imagem é largamente partilhada e aceite constituise como monopólio político Os monopólios políticos mantêm o equilíbrio e a estabilidade dos sistemas Quando há divergências em relação a uma imagem os defensores de ideias diferentes podem conseguir desestabilizar o monopólio Ima gens políticas alternativas são desenvolvidas com base em dois tipos de compo nentes 1 informações e dados empíricos e 2 apelos emotivos E são geradoras de disputas para a alteração das políticas Os autores analisam com detalhe uma diversidade de problemas para testar o modelo e concluem que existe um padrão de evolução semelhante a estabilidade é caracterizadapelaprevalênciademonopóliospolíticossendointerrompidaquando 24 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 15 A designação que Baumgartner e Jones dão ao seu modelo analítico alude à teoria da biologia evolutiva com o mesmo nome que contrariando a mudança lenta e progressiva das espécies de fendida por Darwin defende a existência de largos períodos de stasis estabilidade interrom pidos por raros mas intensos períodos de mudança O suporte empírico do modelo consistiu na classificação e análise de artigos publicados nos meios de comunicação social e de intervenções nas audiências no Congresso norteamericano e outras informações sobre as políticas setoriais concretas desenvolvidas ao longo de várias décadas um monopólio é desafiado destruído reconstruído ou substituído por outro Todos os grupos e comunidades têm interesse em estabelecer um monopólio e um arranjo institucional que reforce tal monopólio Em segundo lugar o conceito de subsistema político formado por comunida des de especialistas numa determinada área nos quais os governos delegam a tare fa de processar as questões políticas Partindo do princípio da impossibilidade de os governos lidarem em simultâneo com uma grande diversidade de assuntos o modelo Punctuated Equilibrium defende que é no interior dos subsistemas políticos que são processados os problemas e toda a informação disponível Os subsistemas políticos são assim entendidos como mecanismos que permitem ao sistema políti co assegurar o processamento paralelo parallel processing de grandes volumes de informação diversificada O agendamento traduz a passagem de um problema do subsistema comunidades de especialistas para o macrossistema governo Tal como Kingdon Baumgartner e Jones defendem que as questões políticas não se transformam automática e naturalmente em problemas políticos Para estes auto res é a imagem política que estabelece a ligação entre o problema a solução e a possibilidade do seu agendamento A existência de monopólio político exige o exercício de controlo sobre o discurso e a visão dos problemas Os subsistemas es pecíficos que adquirem o controlo sobre a interpretação dos problemas e a forma como são discutidos geram feedbacks negativos sobre as agendas impedindo os processos de mudança Dentro dos subsistemas as relações estabelecidas entre grupos com poder para mudar a imagem de determinado problema afetam as di nâmicas de agendamento Nos subsistemas mais competitivos a transformação de um monopólio político com novos atores com novas ideias conduz ao agenda mento de novos problemas e a novos debates e depois a novos monopólios e perío dos de estabilidade O modelo de Baumgartner e Jones constituise como uma nova forma de olhar as políticas públicas na medida em que tem por objetivo não só explicar os longos períodos de estabilidade que caracterizam a ação pública mas também as rápidas e explosivas mudanças que pontuam o equilíbrio dominante elegendo os subsistemas políticos como arranjos institucionais que garantem a estabilidade onde as ideias ocupam um lugar preponderante São no entanto apontadas algumas limitações ao modelo John 2013 refere designadamente que 1 a metodologia utilizada permite identificar a existência de associações mas não de relações causais entres as agendas dos média da opi nião pública e das arenas políticas com os resultados das políticas 2 o modelo é essencialmente bottomup negligenciando a capacidade que os decisores políticos têm de formatar as decisões de acordo com as suas preferências O quadro teórico das coligações de causa ou de interesse Advocacy Coalition Framework ACF Como vimos o modelo sequencial tem sido a base a partir da qual se construíram os diferentes modelos de análise das políticas públicas O modelo Advocacy Coalition Framework ACF proposto na década de 1980 por Paul Sabatier e JenkinsSmith MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 25 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 constitui uma das mais importantes formas alternativas de pensar o processo político propondose a encontrar uma alternativa ao modelo heurístico das etapas que do minava o campo de estudo das políticas b sintetizar os melhores contributos das abordagens topdown e bottomup explicativas da implementação de políticas e c in corporar informação técnica nas teorias do processo político O objetivo foi disponibi lizar uma explicação coerente sobre os principais fatores e dinâmicas que afetam o processo político Naanálisesepararafasedeagendamentodasrestantesfasesdoprocessopolíticonãoé realista nem permite compreender as mudanças que ocorrem Sabatier 1998 98 Em diálogo com os autores da tese do Iron Triangle amplamente utilizada pela ciên cia política para explicar a formação de políticas públicas16 Sabatier defende para compreender o desenvolvimento do processo político o recurso a vários conceitos sistema de crenças subsistema político coligação de causas e mediadores políticos O siste ma de crenças envolve ideias valores ontológicos e normas deep core beliefs perce ções sobre as causas dos problemas e os efeitos e a eficácia das soluções políticas das instituições e dos recursos mobilizados policy beliefs sendo partilhados por atores envolvidos em determinada política Os autores consideram que o subsistema político é a unidade de análise mais adequada para analisar o processo político Este definese como um conjunto de atores integrados em organizações públicas e privadas que se interessam ativa mente por uma determinada área de política e tentam influenciar o desenvolvi mento político nessa área Sabatier 1998 98 Fazem parte do subsistema todos os que participam e desempenham um papel importante na geração disseminação e avaliação das ideias políticas em relação a um tema ou área específica analistas grupos de interesse burocratas políticos eleitos académicos think tanks in vestigadores jornalistas e membros de diferentes níveis do sistema políticoadmi nistrativo e de governo Os intervenientes no processo político procuram alianças com atores dos diversos níveis governamentais que partilham ideias políticas semelhantes legisladores burocratas líderes de grupos de interesse juízes investigadores e intelectuais Sa batier 2007 196 É a partilha de um mesmo sistema de crenças que mantém os atores unidos no mes mo subsistema Quando estes atores agem de forma concertada para atingir deter minados objetivos políticos está formada uma coligação de causa ou de interesse advocacy coalition A associação ou a competição entre coligações geram dinâmi cas de mudança nas políticas públicas e dinâmicas de recomposição e de emergên cia de novas questões Os subsistemas integram uma diversidade de coligações 26 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 16 Tradicionalmente os cientistas políticos defendiam que as políticas públicas decorriam da intera çãoentredecisorespolíticosburocratasegruposdeinteresseosvérticesdotriângulodeferro que se distinguem umas das outras pelos recursos de que dispõem e pelas ideias políticas policy beliefs que defendem advocacy coalition e que competem entre si para influenciar a tomada de decisão política O modelo prevê a intervenção no interior dos subsistemas de mediadores políticos policy brokers atores que tentam gerar compromissos entre as posições das diferentes coligações com o objetivo de apresentar propostas de mudança po lítica viáveis e influenciar a posição dos decisores políticos e das instituições gover namentais Esta capacidade de influenciar e promover a mudança refletese nos resultados das políticas policy outputs que por sua vez têm impacto através de processos de feedback nas ideias políticas e nos recursos das coligações processo que os autores designam policy oriented learning e definem como alterações relati vamente duradouras de pensamento ou de comportamento que resultam da experiência de ações políticas anteriores eou da aquisição de nova informação Sa batier 2007 198 Os autores defendem que dois tipos de variáveis têm impacto ao nível do equi líbrio de poder e da distribuição de recursos no interior do subsistema variáveis está veis estrutura social regras instituições valores e recursos do sistema político e variáveis instáveis ou eventos exteriores mudanças socioeconómicas mudanças no sistema de governo mudanças ou decisões em outros subsistemas Mas ao contrá rio de outras abordagens que valorizam a influência do contexto e das pressões ex ternas no desenvolvimento do processo político como é o caso do modelo de Kingdon que dá relevo ao papel de fatores externos ao processo político como o sentimento nacional o turnover governamental e a pressão dos grupos de interesse os autores do ACF defendem que eventos externos ao subsistema são condição ne cessária mas não suficiente para a mudança nas políticas Sabatier 2007 199 va lorizando antes a importância das ideias políticas quer na formação e desenvolvimento das coligações quer como fator indutor de mudança política Os autores preveem ainda a existência de uma terceira variável exercendo funções de mediação entre as outras duas e o subsistema condicionando e enqua drando o comportamento dos atores e das suas interações esta variável designada long term coalition opportunity structure diz respeito ao grau de consenso necessá rio à mudança política e ao grau de abertura do sistema político Defendem os autores que uma estrutura que promova e incentive altos graus de consenso e de partilha de informação entre as diferentes coligações e privilegie um fácil acesso aos patamares decisórios contribui para minimizar os riscos de conflito e para al cançar os objetivos políticos O modelo proposto por Sabatier e Jenkins foi elaborado com o propósito mais abrangente de encontrar uma explicação para o processo político alternativa ao modelo das etapas Nesse sentido para além de proporcionar uma abordagem mais integrada dos processos de emergência e de formulação das políticas públi cas propõe também uma síntese das abordagens topdown e bottomup da imple mentação de políticas A abordagem topdown defende que um processo eficaz de implementação requer uma cadeia de comando com capacidade para coordenar e controlar o processo enquanto que a abordagem bottomup valoriza a influência das rotinas e dos procedimentos das administrações street level bureaucracy e dos MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 27 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 expedientes utilizados para lidar com situações de incerteza como um fator deter minante para o sucesso ou insucesso da concretização de políticas O quadro analítico Advocacy Coalition Framework tem sido utilizado com su cessopara a análise de processos de implementação17 Na sequência da experiência resultante da aplicação do modelo em diversas pesquisas empíricas e do esforço para sintetizar as teorias até então dominantes Sabatier em conjunto com David Mazmanian apresentou um conjunto de seis condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento adequado e eficaz do processo de implementação em Parsons 1995 486 i objetivos claros e consistentes que permitam estabelecer um padrão de avaliação normativa e de recursos ii uma adequada teoria causal que assegu re que a política incorpora uma abordagem para induzir a mudança iii uma estrutura legalmente enquadrada que favoreça o compromisso entre os responsá veis pela implementação e os gruposalvo da política iv responsáveis pela imple mentação competentes tecnicamente e empenhados em atingir os objetivos da política v apoio de grupos de interesse e de titulares de altos cargos no parlamen to e no governo vi mudanças nas condições socioeconómicas por forma a não comprometer o apoio dos grupos de interesse parlamentares e governantes e a não subverter a teoria causal subjacente à política Ainda de acordo com Parsons 1995 487 este modelo embora mais associado à abordagem topdown ao defender que as coligações que integram atores dotados de autoridade formal são regra geral as coligações dominantes dentro do subsistema político o que é aliás reconhecido pelo próprio Sabatier 2007 201202 representa uma efetiva síntese das duas abordagens referidas uma vez que enfatiza a importância do papeldaselitespolíticasedaexistênciadeumalinhahierárquicadecoordenaçãomas simultaneamente incorpora preocupações da abordagem bottomup ao valorizar tam bém o papel das burocracias e das estruturas de implementação Notas conclusivas Nestetextopassámosemrevistaoscontributosteóricosdosfundadoresdaanálisedas políticas públicas e apresentámos quatro modelos teóricos de análise 1 o modelo se quencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilí briointerrompidoe4oquadroteóricodascoligaçõesdecausaoudeinteresseComo referimos são quadros explicativos do funcionamento das políticas públicas conside rados por vários autores como sendo dadas as suas características quadros analíticos promissoresTratasedemodelosteóricoslogicamentecoerentesbaseadosempropo sições empiricamente verificáveis claros e abrangentes replicáveis em áreas de políti ca situações e contextos distintos Apresentamse como modelos de síntese uma vez que promovem a integração de conceitos e propostas analíticas de outros autores ex plorando a complementaridade das diferentes abordagens 28 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 17 Segundo Parsons 1995 486 o modelo foi utilizado para analisar uma grande diversidade de casos nos EUAe na Europa revelandose de grande utilidade para orientar a pesquisa empírica da implementação de políticas Procurámos assim contribuir para melhorar as condições de desenvolvimen to deste campo disciplinar também em Portugal18 No atual contexto a análise das políticas públicas tem uma importância renovada porque pode ser um instrumen to de promoção da qualidade das políticas públicas da exigência do rigor e da transparência dos gastos públicos Porém a análise das políticas públicas pode permitir também compreender melhor algumas das tensões das tendências contraditórias que atravessam os de bates públicos na sociedade portuguesa Quer seja o debate público sobre o papel do estado a sua dimensão e a natureza da sua intervenção revelando tensões en tre por um lado os defensores de políticas keynesianas e de um papel ativo do es tado não apenas na regulação mas também na resolução de problemas que o mercado não resolve com investimento público e respondendo a crescentes neces sidades e expectativas dos cidadãos e por outro lado os defensores de políticas restritivas e de um estado mínimo não interventor privilegiando a ação dos mer cados e a iniciativa individual pressionando para a redução do défice da dívida e do investimento público Quer seja o debate sobre as questões da soberania e o efe tivo poder dos governos nacionais partindo do reconhecimento das dinâmicas da globalização e da transnacionalização da influência de fatores externos e da inter venção de organismos internacionais e transnacionais como a OCDE o FMI e as instituições da UE tem suscitado interrogações sobre o funcionamento da demo cracia nos estadosmembros MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 29 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 18 Com objetivo similar vários trabalhos têm vindo a ser publicados sobre as políticas públicas em Portugal por M L Rodrigues e P Adão e Silva 2013 2014 2015 Anexo Quadros teóricos abordagens e modelos de análise de políticas públicas FUNCIONAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Agendamento e formulação Modelo sequencial ou do ciclo político Policy Cycle Lasswell Jones Anderson Metáfora dos fluxos múltiplos Multiple Streams Framework Kingdon Equilíbrio pontuado ou interrompido Puntuacted Equilibrium Theory Baumgartner e Jones Coligações de causa ou de interesse Advocacy Coalition Framework Sabatier e JenkinsSmith Abordagens cognitivas e centradas no papel das ideias King Jobert e Muller Hall Sabatier e JenkinsSmith Majone Stone Modos de agendamento Cobb e Elder Agendasetting e meios de comunicação McCombs Shaw Ciclos de atenção ao problema Downs Peters Hogwood Eventos focalizadores Birkland Duas faces do poder decisão e não decisão Bachrach e Baratz Instrumentos da ação pública Lascoumes Le Galès Concretização Modelos topdown Pressman e Wildavsky Bardach Modelos bottomup Lipsky Sabatier Burocracia no terreno ou na base da hierarquia streetlevel burocracie Lipsky Poder de veto Tsebelius Deriva burocrática e agency problems Grossman e Hart Newton e Deth Schnapp Modelos de síntese Mayntz Ingram Elmore Matland Hill e Hupe PROCESSO DE DECISÃO Modelo da racionalidade limitada Simon Abordagens incrementalistas Lindblom Teorias da escolha racional Downs A metáfora do caixote de lixo garbage can Cohen Marsh e Olsen Abordagem dos subsistemas redes e comunidades políticas Heclo Marsh e Rhodes Atkinson e Coleman Smith Abordagens centradas nos atores Marin e Mayntz Dye Modelo Top Down Policymaking Dye Papel da administração na formulação de políticas Page Schnapp Dependência da trajetória path dependence Peters Pierre King Pierson Immergut Hall e Taylor Thelen Transferência e difusão de políticas públicas Dolowitz e Marsh Abordagens neoinstitucionalistas Ostrom Hall e Taylor POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS Teoria da ação pública Muller Palier e Surel Teoria pluralista ou teoria dos grupos Dahl Bachrach e Baratz Teoria das elites Mosca Mills Neomarxistas Miliband Offe Habermas Abordagem neocorporativa Schmitter Tipologias de políticas públicas Lowi Neoinstitucionalismo Marsh e Olson Skocpol Hall e Taylor Linguagem e comunicação política Fischer e Forester Edelman Teorias do estado Mény e Thoening Jobert e Muller 30 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 Referências bibliográficas Anderson J E 2003 Public Policymaking Boston Houghton Mifflin Baumgartner Frank R Martial Foucault e Abel François 2012 Public budgeting in the EU Commission a 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Veto players and institutional analysis Governance An Intitutional Journal of Policy and Administration 13 4 Malden e Oxford Blakwell Publishing pp 441474 Tsebelis George 2001 Veto Players How Political Institutions Work Princeton Princeton University Press e Russell Sage Foundation disponível em httppoliticsasnyuedudocsIO4756tsebelisbookpdf última consulta em 12072016 Zahariadis Nikolaos 2007 The multiple streams framework structures limitations prospects em Paul A Sabatier org Theories of the Policy Process Boulder CO Westview Press pp 6592 34 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 Luísa Araújo Vogal da direção do FPP Fórum das Políticas Públicas Rua Duque de Palmela nº 27 5º esquerdo Lisboa Portugal Email mlluisaaraujogmailcom Maria de Lurdes Rodrigues corresponding author Docente no Instituto Universitário de Lisboa ISCTEIUL e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia CIESIUL Lisboa Portugal Email mlreisrodriguesgmailcom Receção 19 de maio de 2016 Aprovação 1 de agosto de 2016 MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 35 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 This page is blank Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 12 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Public policy analysis from the technical to ideas Ricardo Agum1 Priscila Riscado2 Monique Menezes3 Resumo O artigo procura estabelecer uma leitura frente os principais conceitos da temática política pública assim como procura apresentar o cenário teóricoprático Busca discutir algumas vertentes e interpretações concernentes ao campo das políticas públicas Palavraschave Políticas Públicas Análise de Política Pública Conceitos de Política Pública Abstract The article seeks to establish a review to the main concepts of public policy and attempt to present a theoric practical scenario Also seeks to discuss the different lines and interpretations towards to the public policy field Keywords public policy public policy analysis public policy concepts 1 Ricardo Agum Ribeiro Email ricardoagumyahoocombr Instituto Leônidas e Maria Deane Fiocruz Amazônia Doutor em Ciência Política Professor colaborador do Mestrado Ciência Política UFPI e do Mestrado em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia PPGVIDA ILMD Fiocruz AM Bolsista DCR CNPqFAPEAM 2 Priscila Ermínia Riscado Email priscilariscadogmailcom Universidade Federal Fluminense UFF Doutora em Ciência Política Professora Adjunta do Bacharelado em Políticas Públicas IEARUFF 3 Monique Menezes Email moniquemenezesgmailcom Universidade Federal do Piauí UFPI Doutora em Ciência Política Professora Adjunta de Ciência Política Graduação e Mestrado Ciência Política UFPIPPGCP Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 13 1 Introdução O campo das políticas públicas é permeado por diversas colaborações disciplinares assim como campo de pertencimento de áreas afins O presente trabalho busca contribuir de maneira objetiva nos aspectos referentes aos conceitos e análises pertinentes ao campo da Ciência Política mas pretendese apresentar como fonte de inspiração para as mais diversas áreas que se inclinam de uma maneira geral para as políticas públicas Desta maneira a proposta em curso se firma na intenção de apresentar uma análise conceitual da política pública como maneira de possibilitar possíveis transformações ainda que esta não seja seu foco principal mas um possível efeito resultante Atentar para interesses e valores que fazem parte de um processo de tomada de decisão bem como de efetivação das ações de um aspecto que interessa necessariamente ao analista O artigo está dividido em oito tópicos além da introdução e conclusão partes constituintes do processo de política pública partindo do conceito e discussão e seguindo formas de percepção das políticas públicas Coube ressaltar também o problema público como um dos itens analisáveis assim como os tipos sugeridos pela literatura para políticas públicas bem como o ciclo dessas políticas por nos parecer ser este o mais utilizado entre as correntes de métodos de análises As contribuições de John Kingdon 2003 foram elaboradas separadas das demais por conter tópicos relevantes às questões contemporâneas no trato das políticas públicas no Brasil Consideramos para discussão estabelecida o entendimento das instituições dos atores grupos de interesse meios de comunicação e mídia na formação e execução da política pública Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 14 2 Política Pública Conceito e discussão A discussão acerca das políticas públicas abrange um espectro amplo de temas Na intenção de mensurar minimamente este espaço o artigo se propõe apresentar e discutir aspectos relativos à formulação de políticas públicas no Brasil e em parte da literatura internacional Para isso mostrouse necessário fazer o levantamento das principais correntes teóricas desse campo A Política Pública enquanto área de conhecimento acadêmica primeiramente ligada a uma subárea da Ciência Política e após como uma disciplina multidisciplinar teve suas origens nos Estados Unidos da América EUA primeira metade do século XX Procurar entender e formular teoricamente questões científicas envolvendo o tema assim como compreender as razões pelas quais os governos escolhem determinadas ações para executar medidas empíricas esteve presente na área desde seus primórdios No sentido de exemplificar os nomes que contribuíram de maneira a tornaremse marco teórico na área das políticas públicas escolhemos alguns estudiosos para esta representação no presente trabalho Em 1936 Harold Dwight Lasswell 1956 apresentou pela primeira vez a expressão análise de Política Pública Policy Analysis O autor procurou estabelecer contato entre a produção de ações governamentais no conhecimento científico e acadêmico em torno do tema Herbert Simon 1957 traz para o debate o conceito Policy Makers entendido como a criação de um meio racional de estruturas que pudesse satisfazer as necessidades próprias dos tomadores de decisão Para isso seria preciso a criação de um arcabouço teórico prático com a finalidade de dar suporte às ações que deveriam ser racionais embasadas em um conjunto de informações a respeito do assunto a ser fruto da ação política Na década de 1950 Charles Lindblom 1959 tece críticas aos trabalhos de seus antecessores Lasswel e Simon por julgar que ao enfatizar o racionalismo das Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 15 ações de políticas públicas deixavam de observar outros atores e instituições que envolveriam a formulação e a tomada de decisão A política pública vem acompanhada de uma série de fatores questões e grupos que devem ser observados para um estudo na visão de Lindblom David Easton 1984 em meados da década de 1960 descreve que os resultados das políticas públicas sofrem influência direta de grupos de interesse sendo a política pública um sistema com diversas interfaces Não existe apenas uma definição para a interpretação do conceito de políticas públicas Ao longo das décadas o conceito foi sendo ressignificado A definição instituída por Thomas Dye 1984 é sempre citada como aceitável quanto ao que seria uma política pública o que o governo escolhe fazer ou não fazer A afirmação de Dye encontra fundamento no artigo de Bachrachib Barataz 1962 publicado na American Science Review intitulado de Two Faces of Power O trabalho demonstra que a posição do governo de não se fazer nada mediante um dado problema pode ser considerado uma maneira de produzir políticas públicas A definição cunhada por Lasswell anterior à de Dye e também muito utilizada surge em forma de provocação quem ganha o quê por quê e que diferença faz Essas questões orientariam o estudo do que de fato pode ser considerada uma política pública assim como daria um guia de orientação quanto às questões que necessitariam ser respondidas para uma análise mais elaborada Ao trabalharmos com definições de políticas públicas assumimos o risco de limitar o papel dessas ações para efetuar quaisquer análises É entendido que uma política para ser implementada passa por fases e processos sociais Um embate a respeito de ideias e formas de agir que por vezes irão direcionar certas práticas políticas Uma abordagem teórica conceitual deve prezar por uma visão ampla do processo de constituição e aplicação de uma política pública com isso observase a necessidade de reconhecer a força de grupos quanto à natureza política dessas ações Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 16 Resguardando o risco de soarmos simplistas podese resumir política pública como o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo colocar o governo em ação eou analisar essa ação variável independente e quando necessário propor mudanças nos rumos ou cursos dessas ações variável dependente A formulação de políticas públicas constituise no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações para produção de resultados ou mudanças no mundo real O discurso em torno das políticas públicas não está carente de respostas teóricas ou metodológicas uma vez que o campo de estudo em questão comporta múltiplos olhares Com isso é possível perceber que a formulação de políticas públicas irá se converter em projetos planos programas que necessitam de acompanhamento e análise constante visto que o desenho e execução das políticas públicas sofrem transformações que devem ser adequadas às compreensões científicas e sociais Para transformarem em políticas públicas problemas públicos precisam encontrar o equilíbrio entre o que é tecnicamente eficiente e também o que é politicamente viável 3 Perceber as políticas públicas Podemos entender como política pública a discussão e prática de ações relacionadas ao conteúdo concreto ou simbólico de decisões reconhecidas como políticas isto é o campo de construção e atuação de decisões políticas Apontar a política pública como uma diretriz de enfrentamento de um problema nem sempre transforma uma questão em um problema Para que isso ocorra é necessária uma conjunção de fatores As construções sociais em torno de um tema ou assunto poderão necessariamente pautar a entrada da discussão na agenda A separação conceitual do que seria o estudo de uma política pública encontra os primeiros obstáculos na definição da abordagem escolhida No que Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 17 tange ao protagonismo dos atores para referenciar o estabelecimento da política pública são apontadas duas abordagens a estatista e a multicêntrica A Abordagem Estatista concentra seus esforços analíticos nos atores estatais Estes possuem o monopólio na execução das ações referentes às políticas públicas Ela atribui essa característica ao ator que protagoniza a ação logo apenas o ator estatal é passível de execução de políticas públicas Essa definição e abordagem é tratada por Dye Já a Abordagem Multicêntrica trabalha com uma gama quase ilimitada de atores A definição para que uma ação tenha o caráter de política pública é quando a mesma é um problema público independente de quem executa a ação podendo ser organização nãogovernamental privadas ou não organismos multilaterais entre outros Essa abordagem permite a qualquer ator social ser protagonista de políticas públicas desde que o problema a ser enfrentado tenha características públicas Aqui resumimos conforme Leonardo Secchi 2009 Contrariamente ao que se poderia imaginar a abordagem estatista não ignora os atores nãoestatais ela reconhece entre os vários participantes da vida pública o poder de influenciar ou não uma prática de política pública O que não se negocia é o caráter de liderar um processo que seja de política pública Neste caso evidenciase a participação social na elaboração e no estabelecimento da problemática abordada ou a ser abordada mas dando limites a atuação do ente nãoestatal Não se trata de classificar entre agente público e nãopúblico a diferenciação se dá na dicotomia estatal e nãoestatal A discussão que ganha força principalmente nas décadas de 1980 e 1990 é relativa à falta de capacidade do Estado de gerir com qualidade todas as ações sociais A abordagem multicêntrica é utilizada em larga escala por uma variedade de autores por atribuir caráter público às ações o que generalizaria a forma de envolvimento no enfrentamento das questões pertinentes à sociedade O espectro amplo de fenômenos sociais aos quais os autores se referem são possíveis Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 18 oportunidades de apropriação de bens públicos em benefícios privados Qual a razão de tanto interesse privado em algumas áreas consideradas estratégicas para o Brasil tais como a eficiência energética e a infraestrutura de transporte contrariamente ao pouco interesse em outras áreas Para Francisco Heidemann e Salm 2009 a instituição que de alguma maneira serve a comunidade política aqui entendida como a sociedade em geral promove de alguma forma políticas públicas Neste caso o autor força uma divisão dos dividendos da execução de algum bem público no entanto não distribui de maneira equânime os custos desse processo Cabe ao Governo Estatal prever as fontes de execução das políticas e o ator privado se apropriar dos resultados positivos A complexidade de entendimento do que seria uma política pública se manifesta quanto ao entendimento primário dos problemas e soluções É possível visualizar uma política em níveis e cada nível possui não só um grau de entendimento mas um grau de reorganização constante das práticas Na ilustração abaixo O Problema Público é possível visualizar as fases do debate em torno de uma questão FIGURA 1 O Problema Público Fonte Reproduzido por Agum 2013 Problema Possível Situação Ideal Status quo 1 3 2 4 Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 19 O esquema tenta demonstrar que não basta que o problema seja socialmente relevante é preciso que seja alçado a uma categoria de alcance dos objetivos propostos isto é o problema social nem sempre alcança o status de política pública Para que isso ocorra é preciso o entendimento de que a situação atual possa entrar na agenda mesmo que não se tenha as condições necessárias para sua aplicação O fato de existirem possíveis soluções para um problema não é certeza de sua aplicabilidade Para isso é preciso que o problema público tenha implicações qualitativas ou quantitativas na sociedade Neste caso os atores políticos vão interpretar e classificar o que é ou não um problema público quando ele se torna relevante para a sociedade Gunnar Sjoblom 1984 argumenta a favor dessa visão 4 Tipos de Política Pública David Easton 1953 descreveu as políticas públicas como a manifestação do processo político logo transformando inputs em outputs Leiase apoios ou demandas transformados em ações práticas ou mesmo decisões tomadas Theodore J Lowi 1972 desfaz a leitura de uma relação causal na referência política e políticas públicas O interesse entre atores politics como variável independente tendo as policies como variável dependente Ao contrário sua indicação é para que as policies determinem as politcs Embora a afirmação tenha um impacto imediato é preciso relativizar e entender que as políticas públicas vão determinar por vezes a própria dinâmica política Isso dependerá do tipo de política pública que está em jogo com isso poderá haver o reequilíbrio das forças ou reorganização dos jogos conflitos e coalizões necessárias Uma das contribuições trazidas por Lowi foi indicar que há necessidade de reconhecer o tipo de política pública Regulatória Distributiva Redistributiva Constitutiva que está em curso isto é o tipo dessa política pública também Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 20 poderá afetar o processo político Esta é uma visão que molda uma nova forma de ler essas ações Ela trouxe relevância ao tema e jogou luz às ações propostas fazendo com que a divisão tipológica das políticas influenciasse as etapas constitutivas bem como sua aplicação e continuidade No entanto é imprescindível ter no plano de análise as duas possibilidades tipológica ou não mesmo com visões invertidas uma da outra elas não são em absoluto excludentes Dentro de um processo de análise de política pública é possível recorrer às tipologias Esta forma de classificar o conteúdo a ser analisado é bem útil assim utilizando no caso de um processo de política pública atores estilos instituições Iremos apresentar os quatro tipos de políticas públicas apresentadas por Lowi 41 Política Regulatória Este tipo de política atua de forma a estabelecer padrões para atores privados e públicos Ela é desenvolvida em grande parte em um ambiente pluralista predominante e para sua aprovação é necessária uma demonstração de força entre os atores Este tipo de política envolve burocratas políticos e grupos de interesses A regulamentação de serviços de utilidade pública como energia e telecomunicações são exemplos de uma política pública regulatória 42 Política Distributiva Uma de suas características pode ser a concentração de benefícios por algum grupo em detrimento de outros Este tipo de política se enquadra em um ambiente logrolling termo que denota a troca de apoio entre os políticos Dificilmente podemos identificar os custos deste tipo de política pois seus efeitos benéficos embora destinados a grupos específicos são diluídos na sociedade os Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 21 benefícios são claros mas os custos não Como citado por Celina Souza 2006 a política distributiva em geral alcança um grande número de pessoas na sociedade como por exemplo as políticas da previdência social no Brasil que subsidiam aposentadorias e benefícios para trabalhadores rurais pessoas com deficiência entre outros O benefício é específico e concentrado mas seu custo é difuso na sociedade 43 Política Redistributiva É antes de tudo um jogo de soma zero O benefício para uma categoria resulta em custos sobre as outras Esta política chama atenção por expor as posições antagônicas de uma maneira mais clara Na forma elitista de governo encontramos a arena para este tipo de debate uma vez que há a formação de duas elites que demandam que as políticas se efetivem A política de incentivo fiscal para determinados segmentos industriais no Brasil representa bem o modelo de política redistributiva no qual setores são beneficiados sistematicamente em detrimento de outros Neste exemplo específico é importante ressaltar que a renúncia fiscal do governo possui limites legais impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal Desde modo ao incentivar uma determinada área da economia deve ocorrer um aumento de arrecadação em outro segmento Daí o embate e a barganha são fundamentais para determinar quem serão os ganhadores e perdedores 44 Políticas Constitutivas Como não se trata necessariamente sobre a prestação concreta de serviços demandados pela sociedade em geral este tipo de política pública fica na arena dos atores governamentais Ela pode ser tida como uma metapolicies onde se Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 22 encontra acima das demais políticas públicas já que ela tem o papel de estabelecer regras não somente sobre os poderes mas sobretudo sobre princípios existentes para estabelecimento das demais políticas públicas Em nossa história recente podemos argumentar que os governos do expresidente Fernando Henrique Cardoso apresentaram como metapolicies a área econômica enquanto os dois mandatos do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva concentraramse nas políticas sociais de redução da pobreza e da desigualdade No artigo Symbolic and pseudo policies as responses to diffusion of Power Gunnel Gustafsson 1983 distingue entre o conhecimento contido para o estabelecimento de uma política pública e a intenção do policymaker Para isto destaca que as políticas públicas ideais são aquelas que o policymaker incorpora enquanto problema público e procura estabelecer parâmetros para sua resolução No caso das políticas simbólicas os policymakers não manifestam interesse na elaboração mesmo tendo meios para tal A pseudopolítica que Gustafsson apresenta trata das situações que o policymaker tem intenção de solucionar alguma questão por meio de uma política pública mas a falta de conhecimento ou corpo técnico especializado inviabiliza seu estabelecimento Existe a falta de capacidade para estruturar soluções que sejam adequadas ao problema Assim como Lowi Gustafsson parte do princípio de uma tipologia semelhante ao idealtipo Embora apresente limitações principalmente pelo fato das políticas públicas acumularem uma gama de aspectos da realidade multifacetada de difícil descrição continuam sendo bastante úteis para analisar as políticas públicas em curso ou a se estruturar Cabe ressaltar o aspecto racional apresentado para articulação das políticas públicas que será posto posteriormente em debate com os argumentos de Kingdon Uma das discussões mais antigas no debate de política pública se refere aos aspectos técnicos e políticos envolvidos na ação As questões políticas quando se Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 23 situam na essência da política pública apresentam conflitos expostos na implementação ganhadores e perdedores se identificam No caso do conteúdo técnico o conflito sobressai em relação aos métodos utilizados Como toda tipologia existe o risco de reducionismo no entanto ela tem se mostrado uma eficiente maneira de analisar as políticas públicas 5 Ciclo das Políticas Públicas A proposta de entendimento da Política Pública organizada como um ciclo chamada por Lindblon de Ciclo da Política Pública Policy Cycle se traduz na dinâmica do processo feita de maneira temporal É uma forma de visualizar e interpretar a política pública em fases e sequências organizadas de maneira interdependente Como dispositivo de visualizar uma política pública e seus efetivos descaminhos fazse uso do Ciclo de Políticas Públicas Por meio deste entendimento podemos esquematizar as fases e formas de uma política pública bem como entender os intervenientes para sua formação Apresentaremos cada tópico do ciclo que será entendido em seis fases Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 24 FIGURA 2 Ciclo de Políticas Públicas Fonte Elaboração dos autores É preciso frisar que assim como as tipologias o ciclo da política pública não pode ser entendido de maneira linear e como um corpo organizado seguindo necessariamente uma sequência cronológica Por vezes se não na maioria das vezes as fases do ciclo se encontram desconectadas ou alternadas não configurando o esquema harmônico por hora apresentado Contudo para efeito de clareza metodológica utilizamos o entendimento cronológico Uma das vantagens de adotar o ciclo das políticas públicas se traduz na possibilidade de organizar a complexidade do que é uma política pública 51 Identificação do Problema Para percepção do problema temos que admitir a existência de uma inconexão do status quo à situação tida como possível ideal Podemos entender o problema público no caminho entre a realidade existente e o que se pretende dela Classifiquemos o problema público em três episódios No primeiro o evento pode ter ocorrido de maneira súbita em um dado momento ocorre algum Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 25 acontecimento que muda os rumos existentes e impõe sobre a sociedade um quadro novo que precisa ser enfrentado No segundo um problema público pode ganhar importância aos poucos ocorre ao longo da história um apanhado de acontecimentos que vai sobrecarregando o sistema de soluções de conflito e em um determinado tempo ele se apresenta enquanto problema público demandando planos e soluções No terceiro esse problema pode estar presente na sociedade mas ela já aprendeu a conviver com ele isso não significa que ele seja menos ou mais importante apenas que a familiarização é absorvida pela sociedade e ele se dilui no entanto continuando presente 52 Formação da Agenda Secchi 2009 em seu artigo Modelos organizacionais e reformas da administração pública apresenta a questão da agenda como um conjunto de temas ou problemas que em determinado momento são colocados ou tidos como importantes Ele pode ser entendido como estratégico quando consegue permear o programa do governo Neste caso existe a agenda formal que seria a agenda institucional e nela estão contidas as questões já tornadas constantes do enfrentamento público Na agenda política se encontram os temas tidos como importantes a serem enfrentados pela classe política Não é incomum segundo o autor a imposição da agenda da mídia os meios de comunicação motivados por diversas forças tentam impor temas Mas quase sempre são temas momentâneos e que ganham destaque por algum tempo e depois tendem a desaparecer Roger Cobb e Charles Elder 1983 em Participation in American politics the dynamics of agendabuilding apresentam três condições importantes para que um problema consiga entrar na agenda política pois ela determinará os rumos intervencionistas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 26 Primeiro a situação passa por um momento de chamar a atenção dos grupos que irão produzir a intervenção para que a situação seja percebida como importante enquanto problema a ser solucionado Para isso é preciso que seja conclamada à participação não apenas dos cidadãos interessados na execução da política pública mas por vezes o envolvimento de grupos de interesse e a mídia O segundo ponto apresentado trata da questão destacada enquanto problema que precisa ser de possível solução É preciso demonstrar ser admissível fazer uma ação intervencionista para modificar o atual Isto é é preciso mostrar sua importância acima de tudo E por último para se tornar um problema público de ação efetiva governamental a questão precisa estar circunscrita no ciclo de ação que pertence à responsabilidade pública Não basta apontar o problema ele tem que ser reconhecido e apresentado como de competência dos entes governamentais para se constituir de fato em uma política pública Entrar na agenda política não significa resolver o problema A dificuldade de manter um problema reconhecido enquanto público é um exercício contínuo Os autores mostram a tipologia das agendas e como elas são constituídas mas não as apresentam como a salvação de uma questão A luta política para que seja dada atenção a um problema e não a outro passa por uma discussão relativamente simples por exemplo o orçamento público não consegue suprir todas as necessidades sociais Sendo assim é preciso eleger o que será contemplado e mais do que isso elencar o que de fato será alvo de políticas públicas 53 Formulação de Alternativas É o espaço de forças em que as correntes estruturantes de uma política se apresentam com maior clareza Procurar e formular alternativas é estabelecer o que será abordado ou contemplado dentro de um problema Neste momento em que geralmente são elaborados os programas e estratégias da ação eles podem ser Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 27 estabelecidos de maneira concreta isto é com objetivos e metas claras assim como regras e condutas a serem seguidas Bem como podem aparecer com questões amplas e sem muito esforço de concretização O mecanismo de comportamento do policymaker para adoção ou mesmo introdução de maneiras de fazer uma política pública pode ser entendido nas três formas de poder apresentadas por Norberto Bobbio 2002 Poder Político podendo ser exercido por um homem sobre os outros neste caso governantes e governados Poder Econômico imposto pela posse de certos bens Poder Ideológico relacionado estritamente com ideias formuladas e postas em prática sobretudo pelo poder dominante 54 Tomada de Decisão Ao tomar a decisão de implementar uma política pública acreditase que houve no mínimo um equilíbrio entre as forças existentes no período anterior à tomada de decisão Charles Lindblom 1959 afirma que as soluções também vão se ajustando ao problema assim como por vezes os problemas se adequam às soluções apresentadas A presença de diversos tipos de interesses na tomada de decisão pode interromper a condução de uma ação Ela pode não sair do campo teórico mesmo a racionalidade esbarra em fatores díspares para sua concretização Charles Lindblom 1977 faz uma proposta para os tomadores de decisão Como observador privilegiado ele optou pelo modelo incremental O autor se afasta do racionalismo por creditar altos valores ao elemento político na medida em que este se sobrepõe ao elemento técnico Sendo assim uma política pública por mais técnica que deva ser vai sempre se confrontar com a complexidade política para sua efetivação Assim o modelo proposto busca um ajuste entre as Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 28 forças existentes com a intenção de maximizar as oportunidades de êxito da política saindo do campo extremamente técnico que por vezes param por questões políticas Apresentaremos os três pontos primordiais no modelo incremental para Lindblom Primeiro a definição do problema e suas possíveis soluções precisam ser objeto de visitas constantes elas necessitam ser abertas para ajustes e novas características a todo o momento Segundo as formulações decisões e ajustes realizados no passado devem compor o quadro das ações presentes há uma limitação imposta por diversas forças e o tomador de decisão geralmente não se encontra totalmente livre para suas escolhas Estar embasado com o processo anterior possibilita às ações presentes poder resultar em um grau de acerto superior ao esperado Terceira dada a presença de forças políticas constantes a solução escolhida não será sempre a melhor opção mas a politicamente possível naquele dado momento 55 Implementação da política pública Um dos maiores entraves na questão da implementação de políticas públicas não se traduz em grande parte em problemas técnicos ou administrativos Os melhores planejamentos são frustrados pelo elemento político e suas complexidades Flávio da Cunha Rezende 2002 divide em dois grupos de falhas nessa fase da política pública sendo falhas na implementação e falhas de formulação Estes dois erros podem contribuir para a má conduta técnica de um trabalho É nesta fase também que a administração pública assume o caráter de fazer com que as intenções políticas sejam moldadas para ações concretas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 29 O policymaker segundo Paul Sabatier 1986 tem em suas mãos dois modelos para implementar suas políticas públicas sendo elas o modelo topdown de cima para baixo e o modelo bottomup debaixo para cima Topdown neste modelo os tomadores de decisão são separados dos implementadores há uma distinção entre esses dois atores neste caso política e administração De forma específica as decisões ocorrem de cima para baixo dos políticos para a administração Bottomup a implementação da política parte de pactuações entre burocratas e outros atores no intuito de uma organização compartilhada Os implementadores participam das etapas de constituição da política Contrariamente ao observado no modelo topdown não há uma regra rígida e prescrições a serem seguidas engessadas como no outro modelo Os problemas e soluções são permeáveis pela participação dos vários atores envolvidos Um dos equívocos no modelo Topdown é o risco na implementação Mesmo que os objetivos estejam claros os problemas bem delineados e os programas bem planejados a falta de participação do agente implementador poderá desvirtuar a intenção da política pública A literatura política classifica este tipo de ação utilizando o termo blame shifting algo como uma transferência de culpa dos entes políticos para a esfera dos agentes implementadores isso em caso de insucesso do programa Este modelo se fixa na preferência da classe política por conter uma válvula de escape em caso de fracasso A limitação política quanto à capacidade na formulação da política pública não fica aparente Uma análise utilizando o modelo topdown se dá pelo fato de observar a política pública em seus detalhes formalistas isto é objetivos e normas inseridas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 30 no campo pragmático Só depois do arcabouço teórico analisado se passaria a verificar as possíveis falhas na implementação Em contraposição a este modelo o bottomup procuraria observar como a política é aplicada na prática e então articularia uma posição de como a política deveria ser Charles Lindblom denota a tal modelo a análise em alguns casos uma vez que possibilita entender o método empiricamente testado O lado positivo em cada um desses modelos é o fato do topdown ser indicado para analisar as possíveis falhas cometidas pela administração nas dinâmicas pertinentes à implementação e o modelo bottomup identificar com maior objetividade as falhas na elaboração assim como a tomada de decisão pertencente à classe política 56 Avaliação Um dos momentos mais críticos de uma política talvez seja sua avaliação Os atores envolvidos na ação são medidos e sua capacidade de resolução de um determinado problema pode ser questionada por meio dela Para isto são criados parâmetros de avaliação e formas de medir o desempenho com base em critérios e padrões Neste momento o avaliador com base em medidas valorativas indicará se a política pública está funcionando ou não Os indicadores input têm por objetivo medir os esforços despendidos em uma ação eles podem ser recursos econômicos humanos ou mesmo materiais Já os indicadores output procuram medir os resultados alcançados isto é as realizações referentes às ações imputadas Os implementadores de políticas públicas costumam ser questionados quanto ao real efeito da política administrada se o problema foi resolvido ou mesmo minorado A avaliação da política pública é um indicador para saber como vem se comportando a política em curso Ela deveria ser capaz de construir um quadro avaliativo que levaria à continuação reestruturação ou mesmo extinção da política Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 31 É claro que os fatores técnicos considerados na avaliação podem ser consideravelmente questionados pelo agente político uma vez que o interesse de manter ou não uma política não passa apenas pelo parecer técnico Geralmente o recurso utilizado para o questionamento de uma avaliação ruim é a alegação da multicausalidade dos fatos Uma política não poderá ser avaliada por uma gama incalculável de determinantes sendo assim ela sofre efeitos multifatoriais que fogem ao entendimento do avaliador podendo ser a porta de entrada para os questionamentos Não seria o caso de parar de avaliar mas estar atento aos questionamentos capciosos Por outro lado a avaliação pode mascarar certas realidades Uma dada política pública pode produzir ou não resultado dependendo do ângulo da avaliação Carlos Aurélio de Faria 2005 em A Política da Avaliação de Políticas Públicas nos alerta sobre tais situações e faz a defesa da avaliação usada para superação do debate simplista utilizado por alguns atores Paul Sabatier e JenkinsSmith 1993 sugerem que uma política pública depende de um tempo de maturação aproximadamente 10 anos Por ser possível consultar as bases de dados e os impactos causados pela ação neste tempo É primordial o tempo de ajustes e reajustes dos atores envolvidos na ação e o melhor entendimento do corpo social impactado por ela 6 Contribuições de John Kingdon na formação da Agenda em Políticas Públicas O modelo teórico desenvolvido por John Kingdon será foco de nossa atenção uma vez que o mesmo pode ser aplicado às questões caras ao entendimento da política pública Este autor em Agendas Alternatives and Public Policies constrói um modelo analítico composto de quatro processos Agenda sendo estabelecida Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 32 Alternativas que compõem a possível resolução do problema Alternativa dominante entre as demais Decisão implementada O autor constrói seus argumentos teóricosmetodológicos tendo como parâmetro o modelo da lata do lixo formulado por Michael Cohen James March e Johan Olsen 1972 Neste modelo é possível destacar a fluidez da mudança de forças no meio político o que interfere sobremaneira na mudança de rumos das políticas Até mesmo as preferências sofrem com a inconsistência dos participantes acreditando que uma política só se faz pela atuação de pessoas ou grupos de interesses é de se supor a existência de alteração no foco quando há indefinição dos atores Mesmo com a adesão destes concordando com a política pode ocorrer a discordância quanto à alternativa a ser colocada em prática Para superar o gargalo organizacional é preciso ter um plano de ação da política a ser executada para isso se faz necessário à formalização dos pontos que serão colocados em prática Uma das pretensões de organizar o processo de determinação de uma política visa escapar das tentativas e erros moduladores de boa parte das políticas colocadas em curso 7 Modelo De Múltiplos Fluxos Multiple Streams Kingdon apresenta uma tipologia das razões da entrada de uma questão na agenda pública Segundo o autor há uma ordenação de fatores para que uma dada temática seja alçada à agenda governamental Há uma competição para que as questões sobrevivam e se mantenham no foco de atenção São dois tipos de agenda apresentados Agenda Decisional prontas a virar políticas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 33 Agenda Especializada Mais do que entender a origem das questões para a agenda é preciso compreender as condições políticas que permitiram que esta se transformasse em uma demanda Kingdon formula o modelo de Agendas e Alternativas desvinculandose de um processo decisório estritamente racional é possível identificar parte de sua referência em Lindblom A mudança de agenda se efetivaria com a convergência de três fluxos sendo eles parcialmente independentes 71 Problemas Como seria impossível a atenção a todos os tipos de problema alguns entram na agenda de discussão e outros ficam fora Elas serão problemas quando o agente público acreditar que é hora de interferir O modelo aponta para o entendimento dos problemas enquanto construção social assim sendo envolvem interpretações diversas por parte do grupo responsável pela indicação da política 72 Alternativas e Soluções Diferente do pensamento de soluções de políticas públicas essa dimensão não caminha ao lado dos problemas É ineficaz pensar que para todos os problemas existam soluções em mãos Kingdon defende a ideia da organização das soluções relacionadas diretamente ao problema percebido A seleção das ideias tem um processo competitivo que visa equilibrar o tecnicamente viável ao custo tolerável As Policy Communities correspondem em grande parte por essa formação e construção de alternativas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 34 73 Políticas Para a dimensão política há regras e dinâmicas próprias do meio Em todo momento existe a barganha e as negociações que certamente influenciarão os rumos de uma ação Um dos fatores indicados por Kingdon como sendo pressionador de questões seria o clima ou humor social para que questões participem da arena de preocupação das políticas públicas A mudança de mãos do poder em relação a grupos se mostra favorável à implementação de novas ações Uma das mais importantes abordagens de Kingdon para entendimento da dimensão da política pública se refere ao fato das janelas de oportunidades Policy Windows Podemos entender que existem momentos oportunos para colocar em discussão questões que tem potencial de serem convertidos em problemas Neste caso essas janelas são abertas em basicamente dois momentos Quando há a possibilidade de incorporar novos assuntos ou propostas no modelo orçamentário e quando há uma transição administrativa ou de governo Estes são eventos relativamente programados para as demais oportunidades é preciso contar com imprevisibilidade Com base nas premissas apresentadas é preciso que haja atores envolvidos na questão para que sejam apontadas possíveis soluções Pela parte governamental o corpo burocrático poderá atender determinadas demandas por soluções no entanto se houver um grupo de atores epistêmicos consultores ou analistas as chances de efetivação na construção de alternativas aumentam A análise de Kingdon indica a importância da atuação de grupos de atores para a definição de uma agenda Esses grupos darão consistência às propostas e procurarão junto ao corpo burocrático dar estrutura às ações Segundo o autor o Presidente da República exerce maior concentração de poder na definição ou continuidade de uma agenda Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 35 O que observamos no modelo de Kingdon propicia o entendimento ao modelo de garbage can É possível ter uma visão de que o modelo proposto por Kingdon é por demasiado fluído em sua estrutura que se desvencilha da visão racionalista No entanto no entendimento analítico da política pública em si podemos indicar que não se trata de prever fatos mas interpretálos conforme sua constituição A fluidez e aleatoriedade teórica vista têm a possibilidade de se mostrar objetiva e consistente na prática A preocupação se encontra em instrumentalizar a compreensão desses entendimentos políticos em curso objetivando a construção de uma política pública Em Agendas Alternatives and Public Policies o autor faz uma reflexão sobre o modelo proposto Embora não abandone a presença da independência dos fluxos aponta para a existência de fluxos também interdependentes fazendo com que haja outros momentos para que uma agenda possa ser constituída sem necessariamente passar pelas etapas sugeridas 8 Instituições no Processo de Política Pública O campo da política pública por si só é capaz de produzir uma gama variada de respostas para suas questões no entanto outros campos teóricos influenciam e contribuem para o seu desenvolvimento O neoinstitucionalismo agrega ao debate o componente institucional bem como as regras para que haja em uma política pública os segmentos de decisão práticas de formulação e desdobramentos futuros Mancur Olson 1999 e Kenneth Arrow 1963 com argumentos da escolha racional desconstroem a certeza de que a junção de interesses individuais produziria necessariamente uma ação coletiva Outro deslocamento versa sobre a produção de bens considerados coletivos sendo fruto da ação coletiva A discussão é baseada na ação coletiva e na distribuição dos bens a serem gerados Outras duas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 36 tendências do neoinstitucionalismo4 o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo histórico indicarão que são as instituições que influenciam os tomadores de decisão Neste caso racionalmente os tomadores de decisão evitarão agir de forma exclusiva com os seus interesses próprios Podemos entender certa inibição ou mesmo constrangimento para que os interesses próprios dos tomadores de decisão não prevaleçam constantemente Este movimento permite refutar a ideia de que as políticas públicas agem exclusivamente atendendo o auto interesse dos tomadores de decisão Mesmo em face de momentos estáveis é possível verificarmos a mudança de certas políticas públicas Tal prática nos parece ocorrer pois os tomadores de decisão estarão atentos à construção de comportamentos sociais próprios que pressionam certas formulações Isto é existe modificação da política pública por meio de orientações independentes do auto interesse dos tomadores de decisão Neste ponto podemos concluir que as regras institucionais podem ser tanto formais quanto informais Assim como a elas cabe moldar uma parte considerável porém não mensurável do comportamento dos atores 4 A intenção neste momento é fazer uma breve categorização das correntes do neoinstitucionalismo tendo como finalidade demonstrar em linhas gerais que essa escola teórica poderá ser útil na análise da política pública e seus desdobramentos institucionais São três as correntes que serão citadas Institucionalismo da escolha racional Tendo como principal característica que os atores sociais atuam de maneira racional e como maximizadores de seus interesses temos a regra institucional organizando seu comportamento O desenho institucional será fortemente determinado pela conjunção de benefícios concedidos aos atores sociais neste caso os mais relevantes Acreditase que os governos são capazes de agir de forma independente Institucionalista sociológica Parte do princípio de que os governantes agem de maneira interdependentes isto é existe uma observação mútua de suas ações para que as escolhas sejam definidas Institucionalismo Histórico Apresenta três características principais A As condições iniciais não são capazes de determinar o resultado final mas o path depedence é sensível aos eventos de um processo eles podem impactar os limites do curso do processo de mudança B A eventualidade das condições iniciais dificilmente pode ser explicada para formular uma teoria válida C Os eventos com características contingenciais resultam em processos que assumem ares deterministas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 37 A literatura neoinstitucionalista não desconsidera a ação de indivíduos ou grupos na constituição no desenvolvimento das políticas públicas no entanto indica que as instituições têm essa função e que as mesmas sofrem forte influência formal e nãoformal Outro fator relevante é a indicação de que grupos sociais e atores são influentes ou mesmo implementam as políticas públicas motivados pelo poder e recurso em torno da questão 9 Atores no Processo de Política Pública No decorrer do desenvolvimento e implementação da política pública um conjunto de atores está presente em seu estabelecimento e desenvolvimento Os mais fortes são os que influenciam no conteúdo e rumo da política estabelecida Podemos notar outros atores de grupos de interesse os meios de comunicação e os destinatários da política A representatividade difusa dos ocupantes do legislativo dificulta a identificação de seu interesse mesmo em se tratando de atores privilegiados A burocracia é um dos fatores preponderantes para o êxito ou fracasso de uma política pública A administração pública conta com dois modelos largamente utilizados um é o modelo burocrático instituído por Max Weber 2005 que considera princípios de legalidade e impessoalidade no trato do bem público o outro o gerencial descrito por Secchi que preza por conceitos como eficácia no serviço público e atenção ao usuário É preciso contudo reconhecer a precocidade do setor público quanto à formação do corpo burocrático profissional neste caso nos moldes da burocracia weberiana Anthony Downs 1967 apresenta um quadro discricionário a respeito de uma burocracia Conservadores são aqueles resistentes a mudanças e acomodados em seu lugar Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 38 Devotos são escudeiros de uma linha política e trabalham para esta forma se estabelecer Defensores são fieis a uma instituição e procuram fazer com que seus objetivos e valores prosperem Homem de Estado os burocratas típicos no ideal weberiano obedientes às vontades políticas e leais à sociedade Para os burocratas conseguirem desempenhar seu trabalho é preciso ter certa liberdade de decisão já que são eles que estão à frente do trabalho e têm contato direto com o público Existem dois pontos que merecem atenção O primeiro são os casos dos funcionários que decidem ou são pressionados a aplicar a política pública ao pé da letra seguindo uma orientação política inquestionável e o seu trabalho é desperdiçado em grande parte pois o rumo da política por vezes necessita de reorientações que são ignoradas O segundo grupo por excessiva liberdade opta por descumprir as regras estabelecidas Nestes dois casos a garantia de sucesso da política é duvidosa 91 Grupos de Interesse Estes grupos são em grande parte instituições internacionais e grupos epistêmicos Seguindo os passos de Mancur Olson em A lógica da ação coletiva é possível identificarmos que a pressão exercida por grupos pequenos tende a ser mais eficiente Este grupo precisa contar com uma representatividade que forneça autoridade a sua reivindicação Por vezes os policy makers adequam seus comportamentos seguindo recomendações de setores de pressão 92 Meios de Comunicação Mídia Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 39 O papel da mídia segundo Kingdon não tem o poder de formar agendas pelo menos não em sua construção A mídia não tende acompanhar o debate social o processo entendido como prédecisional não é interessante para a mídia o que ela faz de fato é destacar algumas questões da agenda já formulada O poder da mídia está no fato de fazer circular ideias e mesmo canalizar a atenção aos fatos mas observase que isso é diferente de influenciar na formação da agenda A ação relevante dos meios de comunicação é a amplificar discussões influenciar a opinião e focalizar fatos importantes para o estabelecimento da ação O modelo elitista proposto por Robert Michels na leitura descrita por Buarque de Holanda 2011 defende a ideia de que a decisão de uma política ou da política em si pertence a um seleto e privilegiado grupo Estabelecem as regras e problemas merecedores de atenção Para os marxistas estruturalistas como Louis Althusser e Nicos Poulantzas a elite imperativa em um sistema capitalista vai dominar o estado e determinar seus interesses que são meramente econômicos Assim sendo o estado e suas políticas públicas acabam por reproduzir o interesse pertencente ao capital O modelo pluralista de Robert Dahl 2005 procura saber afinal quem manda Para o autor o processo político conta com um somatório de forças reproduzidas nas políticas públicas Embora essa distribuição não ocorra de maneira equânime acaba por reproduzir os grupos que possuem maior poder organizacional A crítica a este modo de organizar as formas de aplicação da ação do Estado se faz presente pois o modelo pluralista deixa de lado o estado redistributivo ao lidar com sistemas de sociedade desiguais Esta crítica foi formulada por Lindblolm reconhecendo forças desiguais na sociedade voltada para o mercado Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 40 10 Considerações Finais O artigo buscou apresentar as principais abordagens da literatura sobre os estudos das políticas públicas na Ciência Política Ao longo do texto o leitor pôde observar que a política pública envolve aspectos da política no sentido da politics da sociedade e das instituições políticas Esta relação fica evidente sobretudo na análise do ciclo das políticas públicas e na revisão da obra de Kingdon quando verificamos o papel dos atores nas diferentes fases de uma política O quadro teórico apresentado por Kingdon abre a possibilidade de entendimento de questões caras à interpretação das políticas públicas além de trazer para a discussão os questionamentos relacionados aos interesses reais da efetivação de uma política ou não Em outras palavras o que o governo decide fazer ou não fazer para utilizarmos uma máxima da área da política pública proferida por Dye Além disso nos permite compreender também o motivo pelo qual algumas políticas públicas são implementadas e outras nunca são concretizadas Referências AGUM RR Política Pública de Controle e Combate à Malária o caso do Município de Porto Velho RO 2013 Tese Doutorado em Ciência Política Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro 2013 ARROW K Social Choice and Individual Values New Haven Yale University Press 1963 BACHARACHIB P e BARATAZ MS Two Faces of Power American Science Review 56 1962 BOBBIO N Dicionário de Política 12ª ed Brasília UnB 2002 COBB R e ELDER C Participation in American politics the dynamics of agenda building Baltimore Johns Hopkins University Press 1983 Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 41 COHEN M D MARCH J G OLSEN J P A Garbage Can Model of Organizational Choice Administrative Science Quarterly Ithaca v 17 n 1 1972 DAHL R Poliarquia participação e oposição São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2005 DOWNS A Inside bureaucracy Boston Little Brown CO 1967 DYE T Understanding Public Policy Englewood Cliffs NJ Prentice Hall 1984 EASTON D The Political System An Inquiry into the State of Political Science New York Knopf 1953 A Framework for Political Analysis 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2005 Recebido em 03092015 Aprovado em 31102015 introdução Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar Políticas públicas Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar 1ª edição 2021 Políticas públicas introdução dos autores 1ª edição 2021 Revisão Camila Alexandrini Projeto gráfico e editoração Giordano Benites Tronco Capa Giordano Benites Tronco Juli Baptista Stracke Edição Jacarta Produções Ltda Ilustrações Juli Baptista Stracke Júlia Gabriele Lima da Rosa Rafael Barbosa de Aguiar Deliane Souza dos Santos CRB 102439 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Políticas públicas introdução recurso eletrônico Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar Dados eletrônicos Porto Alegre Jacarta 2021 95 p il color Bibliografia ISBN 9786599139123 R788 Rosa Júlia Gabriele Lima da 1 Ciências sociais 2 Ciência política 3 Políticas públicas I Rosa Júlia Gabriele Lima da II Lima Luciana Leite III Aguiar Rafael Barbosa de IV Título CDU 351 Sumário Apresentação 8 Parte I Conceitos básicos 10 1 Políticas públicas conceitos e elementos relacionados 11 11 Policy Sciences como um novo campo de conhecimento 11 12 Sentidos da política polity politics e policy 12 13 O que são políticas públicas 13 14 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas 17 15 Estrutura de decomposição das políticas públicas 19 2 Atores quem participa das políticas públicas 23 21 Atores e como influenciam as políticas públicas 23 22 Arenas de políticas públicas 24 23 Tipos de atores 27 24 Formas de agregação de atores 35 3 Instituições onde as políticas públicas se desenrolam 38 31 O que são instituições e como influenciam as políticas públicas 38 32 Neoinstitucionalismos da escolha racional histórico e sociológico 40 33 Instituições e organizações 43 Parte II Ciclo de políticas públicas 45 4 Formação da agenda 48 41 Wicked problems 52 5 Formulação das alternativas 55 51 Estrutura de uma alternativa 57 6 Tomada de decisão 66 61 Não decisão 71 7 Implementação de políticas públicas 73 71 Coordenação e cooperação 77 8 Avaliação de políticas públicas 79 81 Termos comuns no campo da avaliação 80 82 Tipos de avaliação 83 Referências 86 Lista de figuras Figura 1 Propósito de política pública mudança social 14 Figura 2 Foco dos conceitos de políticas públicas 16 Figura 3 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas 17 Figura 4 Estrutura de operacionalização de políticas públicas 20 Figura 5 Níveis de planejamento e estrutura de decomposição das políticas públicas 21 Figura 6 Tipos de públicos de acordo com o grau de interesseparticipação 27 Figura 7 Tipos de atores segundo relação com o governo 29 Figura 8 Políticasos eleitasos designadasos e burocratas na hierarquia organizacional 32 Figura 9 Ciclo das políticas públicas 47 Figura 10 Pressupostos da definição de problema social 49 Figura 11 Formação da agenda 51 Figura 12 Referências básicas de um programa 58 Figura 13 Representações gráficas da árvore de problemas 59 Figura 14 Tipos de populaçãoalvo 63 Figura 15 Estrutura do sistema de governança do SUS 65 Figura 16 Sequência da tomada de decisão no modelo da racionalidade instrumental 67 Figura 17 Dinâmica da tomada de decisão no modelo da racionalidade limitada 68 Figura 18 Dinâmica da tomada de decisão no modelo incremental 69 Figura 19 Tomada de decisão no modelo da lata de lixo 71 Figura 20 Implementação numa perspectiva topdown 74 Figura 21 Implementação numa perspectiva bottomup 76 Figura 22 Implementação numa perspectiva de redes de políticas públicas 77 Figura 23 Elementos da gestão de processos de políticas públicas 83 Figura 24 Tipos de avaliação segundo o momento de realização e sua relação 84 Lista de quadros Quadro 1 Políticas selecionadas e grupos beneficiários 34 Quadro 2 Descrição dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 61 Quadro 3 Instrumentos de políticas públicas segundo recursos de poder que mobilizam 63 8 Apresentação Este livro foi feito para ser utilizado como guia para a disciplina Po líticas Públicas Introdução do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS É uma disciplina obrigatória ofertada no primeiro semestre do curso A necessidade da criação deste material se manifestou no contexto da implantação do ensino remoto emergencial em 2020 quando preci samos adequar as aulas de forma a manter a qualidade do ensino assim como a adesão das e dos estudantes ao novo método O desenho do livro e a escolha de seu conteúdo respondem às nossas experiências como professora ministrando a disciplina por cinco anos e como estudantes que a cursaram ou que demandaram tal conhecimento para seus estudos e pesquisas Um fator relevante neste processo foi a consideração de que as e os estudantes estão em seu primeiro semestre na Universidade entrando em contato em geral pela primeira vez com o campo das políticas públicas Por isso avaliamos que esta disciplina deve servir como porta de entrada apresentando e explorando os conceitos fundamentais os quais formam a base das teorias e abordagens que elas e eles encontrarão ao longo dos estudos Procuramos assim deliberada mente evitar o conteudismo Nesse espírito o livro está formado por duas partes Na parte I são apresentados os conceitos básicos fundamentais para a compreensão das políticas públicas enquanto categorias empíricas políticas públicas atores e instituições Na parte II veremos estes conceitos em movimento por meio do estudo do ciclo de políticas públicas Estamos cientes das crí ticas e das limitações da abordagem do ciclo contudo entendemos que é 9 uma ferramenta útil para adentrar na temática pois além de ser um re corte presente desde a origem do campo ele oferece uma visão intuitiva dos processos das políticas públicas Bons estudos Júlia Gabriele Lima da Rosa Doutoranda e Mestre em Políticas Públicas UFRGS Luciana Leite Lima Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pósgraduação em Políticas Públicas UFRGS Rafael Barbosa de Aguiar Doutorando e Mestre em Políticas Públicas UFRGS Parte 1 Conceitos básicos 11 1 Políticas públicas conceitos e elementos relacionados 11 Policy Sciences como um novo campo de conhecimento O termo policy sciences foi cunhado por Harold Lasswell em 1951 e de signa o estudo das políticas públicas como uma ciência aplicada Distin tivamente dos estudos sobre políticas públicas desenvolvidos no campo da Ciência Política as policy sciences representavam a intenção da aplicação do conhecimento científico na solução de problemas de políticas públi cas Andrews 2005 p 14 Consiste assim numa orientação explicita mente focada na rigorosa aplicação das ciências a questões que afetam a governança e o governo deLeon 2008 p 39 Para Lasswell 1951 as políticas públicas mereciam ser consideradas um objeto de estudo próprio Nesse sentido ele delineou uma aborda gem para a análise das políticas que propunha observálas como um pro cesso policy process isto é um conjunto interrelacionado de estágios por meio dos quais os temas e as deliberações fluem de forma mais ou menos sequencial dos inputs problemas aos outputs políticas públicas Howlett 2011 p 18 A delimitação desta área específica de conhecimento pretendia au mentar a racionalidade das decisões das organizações públicas com vis 12 tas a melhorar a prática da democracia deLeon 2008 p 53 Para dar conta deste empreendimento as policy sciences conformaramse como um campo multidisciplinar que penetra todas as demais especializações científicas Lasswell 1951 com o objetivo de incorporar inteligência ao processo das políticas Andrews 2005 p 14 Ou seja o campo envolve diversas áreas de conhecimento especialmente ciência política socio logia administração economia demografia relações internacionais di reito e psicologia social Segundo Lasswell 1951 o objetivo de aprimorar a racionalidade do processo das políticas é o que faz com que as policy sciences sejam um cam po específico do conhecimento Portanto a capacidade das políticas de atingirem seus objetivos e serem efetivas dependeria do grau com que seu desenho e sua implementação são orientados pelo conhecimento ambição geral deste campo de estudos 12 Sentidos da política polity politics e policy Antes de seguirmos para o estudo dos conceitos de políticas públicas cabe uma explanação sobre os sentidos atribuídos à política Em nossa língua a palavra política é utilizada para designar diferentes coisas Por isso vamos recorrer à língua inglesa para demonstrar três acepções po lity enfocando as instituições políticas politics os processos políticos e policy o conteúdo das políticas públicas Frey 2000 O conceito de polity tange ao aspecto institucional às organizações e às regras do jogo que regem os processos políticos Por exemplo o par lamento os partidos políticos as organizações administrativas estatais ministérios secretarias etc a Constituição Federal etc O conceito de politics faz referência à atividade política que é mar cada pelo caráter conflituoso inerente à necessidade de tomar decisões sobre assuntos coletivos em contextos de pluralidade de atores Tal diver 13 sidade é importante para garantir que diferentes vozes e ideias possam manifestarse nas arenas de debate público e influenciar as decisões São exemplos de atividade política negociação barganha e persuasão Já o conceito de policy referese às iniciativas de ação pública isto é dispositivos políticoadministrativos coordenados em torno de obje tivos explícitos Muller Surel 2002 p 11 Aqui o foco está no conteú do das políticas públicas nas suas formas de implementação bem como na avaliação de suas condições de funcionamento eficácia e efetividade Quando falamos dessa dimensão estamos nos referindo à política públi ca em si Com isso podemos avançar para o estudo dos conceitos de políticas públicas 13 O que são políticas públicas Para responder a esta pergunta vamos explorar vários conceitos de políticas públicas Cada um deles oferece uma perspectiva distinta que chama nossa atenção para um determinado elemento ou dimensão das políticas Esse movimento nos permitirá responder à questão de diferen tes formas Comecemos pelas definições que enfatizam o propósito das políticas na sociedade Por que fazemos políticas públicas Para promover mudan ças sociais Nesse entendimento as políticas são instrumentos técnico políticos voltados ao enfrentamento de um dado problema social algo que é considerado indesejável e que desperta uma ação em contrapartida Nesta conotação ganha saliência a o caráter deliberado dos processos de construção da ação devido à intenção de lidar com um problema so cial b a pretensão do fim almejado a mudança social FIGURA 1 14 Figura 1 Propósito de política pública mudança social Fonte elaboração própria Na mesma linha Peters 2015 define as políticas públicas como o conjunto de atividades que os governos empreendem com a finalidade de mudar sua economia e sociedade Também Saravia 2006 sublinha que uma política pública envolve um fluxo de decisões públicas orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar a realidade Para ele as políticas públicas podem ser conside radas estratégias que apontam para diversos fins todos eles de alguma forma desejados pelos diversos grupos que participam do processo de cisório Estes conceitos baseiamse no entendimento de que a função das políticas públicas seria promover transformações sociais Tais ideias evidenciam a natureza problem solving das políticas Uma decorrência do alinhamento a este tipo de definição é a necessidade de demonstrar a relação de causalidade entre a existência de determinado problema e a proposta de solução na forma de política pública Passemos aos conceitos que destacam o papel dos atores Quem faz po lítica pública Podemos responder a partir de duas abordagens a multicên tricapolicêntrica e a estadocêntricaestatista Secchi Coelho Pires 2019 15 A abordagem multicêntrica considera que grupos e organizações so ciais ONGs associações redes etc podem fazer políticas públicas em associação ou não com o Estado Isso porque as caracteriza a partir de sua natureza problem solving a política pública é uma diretriz elabora da para enfrentar um problema público Secchi 2015 p 2 O interesse destes grupos e organizações no enfrentamento do problema devese à sua natureza coletiva que afeta diversas populações de forma direta ou indireta e é percebido como algo indesejável e que deve ser mudado por uma grande quantidade de pessoas Logo admitese a existência de uma pluralidade de pessoas e de múltiplos centros decisórios em torno das in ciativas que buscam lidar com problemas sociais Distintivamente a abordagem estadocêntrica considera as polí ticas públicas analiticamente monopólio de atores estatais o que determina se uma política é ou não pública é a personalidade jurídica do ator protagonista Secchi 2015 p 2 A centralidade do Estado está relacionada a ao monopólio do uso da força legítima b ao seu papel de produtor de leis o que abarca o poder de enforcement c ao seu papel de representante do interesse coletivo d ao controle de importantes re cursos sociais garantindolhe os meios para criar e manter políticas Vale ressaltar que a abordagem estadocêntrica admite que grupos e organiza ções não estatais podem influenciar os processos das políticas públicas mas eles não teriam centralidade Secchi 2015 Nessa linha uma das definições mais conhecidas é a de Dye 2010 política pública é tudo o que os governos escolhem fazer ou não fazer O autor procura se afastar das acepções que a priori vinculam as políticas a problemas sociais Ele argumenta que tais ligações nem sempre existem elas expressariam muito mais nosso desejo de imprimir alguma raciona lidade funcional na ação governamental do que das características intrín secas desta Por isso Dye 2010 enfatiza aquilo que podemos observar as ações e as inações do Estado Essa noção ao mesmo tempo que é abran 16 gente coloca foco no ator governamental delimitando a política pública a partir de sua iniciativa seja de agir ou de não agir Uma outra forma de entender o que são as políticas públicas é voltar o olhar para o seu aspecto processual Nessa perspectiva Muller e Surel 2002 oferecem uma definição mais restrita quando apresentam a po lítica pública como um processo pelo qual são formulados e implemen tados programas de ação pública coordenados em torno de objetivos explícitos Em outras palavras referese ao processo de construção de intervenções junto à realidade social por meio de instrumentos conside rados adequados De forma semelhante Howlett Ramesh e Perl 2013 p 12 destacam que a política pública consiste em inúmeras decisões toma das por muitos indivíduos e organizações no interior do próprio governo e que essas decisões são influenciadas por outrasos atores Estas defini ções valorizam os processos decisórios levando o olhar para os conflitos e as interações podendo também abrir espaço para uma discussão sobre a influência das instituições A Figura 2 mostra as dimensões mais salientes dos conceitos de polí ticas públicas tratados aqui Figura 2 Foco dos conceitos de políticas públicas Fonte elaboração própria 17 14 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas Agora que conhecemos os conceitos de políticas públicas podemos explorar alguns de seus elementos formadores com o objetivo de apro fundar o entendimento sobre nosso objeto de estudo Destacamos cinco elementos como mostra a Figura 3 Figura 3 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas Fonte elaboração própria a partir de Lima e DAscenzi 2016 O primeiro elemento é o processo destacando que uma política pú blica é um conjunto de decisões e ações que envolvem uma diversidade de atores Isso quer dizer que a uma política pública envolve decisões escolha entre ideias objetivos alternativas etc b bem como ações a implementação das decisões tomadas c as decisões e ações demandam 18 algum nível de intencionalidade de consensualidade e de coordenação já que atores possuem diferentes valores ideias interesses e aspirações Rua Romanini 2013 O segundo elemento está relacionado à finalidade o qual indica que o objetivo daquela teia de decisões e ações é modificar um problema so cial definido como uma situação percebida pelas pessoas como indese jável e que desperta a necessidade de ação para poder enfrentála Uma variante dessa visão é a que enfatiza a resolução de conflitos uma política pública é uma forma de manter a coesão social por meio do atendimen to das demandas dos grupos da sociedade Este elemento revela que nos conceitos de políticas públicas está presente a intenção de gerar impacto social Nesse sentido as políticas estão voltadas para o futuro na direção de melhorar nossa sociabilidade para que as pessoas possam levar a vida que valorizam O terceiro elemento aborda a questão substantiva isto é enfatiza que as políticas públicas são orientadas por valores ideias e visões de mundo Isso acontece porque as políticas expressam a cultura da socie dade na qual foram geradas ou a absorvem nos processos de apropriação e implementação Por isso elas variam entre os países e no tempo Por exemplo Robert Putnan 2006 demonstra que sociedades mais igualitá rias onde as pessoas exibem confiança umas nas outras participam da vida pública e são tolerantes com as diferenças produzem políticas pú blicas mais universalistas utilizando os recursos públicos de forma mais eficiente Também Ronald Inglehart e Christian Welzel 2009 susten tam que quando as pessoas são material intelectual e socialmente mais independentes aumenta sua segurança existencial e elas passam a ter novas prioridades a ênfase cultural voltase para a liberdade individual para a diversidade humana e para a autonomia individual Com esses va lores as pessoas passam a dar mais apoio a políticas públicas orientadas à emancipação humana como as políticas antidiscriminatórias pela igual 19 dade de gênero pelos direitos das crianças e adolescentes da população LGBTQIA das pessoas com deficiência minorias étnicas etc O quarto elemento trata da dinâmica das políticas públicas ressal tando que elas são permeadas pelo conflito entre atores já que envolvem a alocação de recursos sociais escassos em um contexto de pluralidade de ideias e interesses Assim podemos encontrar diferentes níveis de con sensualidade nos processos das políticas públicas o que depende do grau de importância dado ao problema social em foco e se há muita controvér sia sobre seu entendimento se a arena de debate é mais ou menos aberta da intensidade das preferências dasdos atores das restrições orçamen tárias dentre outros fatores Por fim o quinto elemento é a consequência uma política pública forma uma ordem local um sistema no qual atores interagem e manejam recursos Este elemento sublinha que a análise de uma política pública está conectada a ao estudo de atores pessoas grupos e organizações que têm interesse e são afetadas pela política b das instituições re gras formais e informais conformam os espaços onde atores interagem e desenvolvem a atividade política por meio da qual são estabelecidas as características das políticas públicas Dessa forma entendese que a po lítica cria um espaço de relações interorganizacionais formando assim uma ordem local que opera a regulação de conflitos entre atores e articu la a harmonização dos interesses individuais e coletivos Muller Surel 2002 15 Estrutura de decomposição das políticas públicas Em termos de operacionalização as políticas públicas podem tomar formas em diferentes níveis No nível mais amplo temos o plano da polí tica pública Nele é apresentada a estrutura da intervenção os princípios que orientam a política os objetivos e os meios para alcançálos Para que 20 seja implementado o plano deve ser desdobrado em programas que são mais específicos e exibem algum recorte setorial territorial temático etc Cada programa por sua vez é decomposto em projetos que consti tuem a menor unidade de ação Draibe 2001 a mais operativa eles são formados por atividades interrelacionadas e coordenadas voltadas para o alcance de objetivos específicos num prazo definido Cohen Franco 1993 Por exemplo a Política Nacional de Saúde plano abarca uma série de objetivos referentes a vários temas típicos deste campo Uma das te máticas referese à saúde dos idosos daí foi criada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa programa que por sua vez precisou ser desdo brada em vários projetos como promoção do envelhecimento saudável qualificação dos serviços atenção integral Note que os nomes que os planos programas e projetos recebem não interferem na análise pois o que devemos considerar são as características de cada um dos níveis se plano mais geral se programa mais específico se projeto mais detalha do e focado A Figura 4 demonstra a estrutura de operacionalização de políticas públicas Figura 4 Estrutura de operacionalização de políticas públicas Fonte elaboração própria 21 Denominamos estrutura de decomposição todo esse processo de desdobramento de um plano mais amplo em peças mais específicas Por tanto uma estrutura de decomposição é um processo de transformação de uma ideia em ação a partir de um princípio ou objetivo geral segue se um processo de desdobramento de iniciativas com vistas a alcançálo Cada um dos níveis desta estrutura pode ser tratado como uma etapa de planejamento FIGURA 5 Figura 5 Níveis de planejamento e estrutura de decomposição das políticas públicas Fonte elaboração própria O nível estratégico é predominantemente político sua função é de finir os elementos centrais da policy como problema social princípios objetivos e meios em um contexto de participação de diferentes atores Neste nível de planejamento temos muito debate público divulgação de informações e coleta de dados negociação persuasão e barganha 22 O nível tático é a primeira etapa de operacionalização do plano deli neado no nível estratégico Neste tipo de planejamento são definidos os processos e metas e garantidos os insumos necessários para promover o alcance dos objetivos Este planejamento tem um escopo setorial depar tamental territorial eou temático e é formado por iniciativas de médio prazo Alves Pinto 2020 Manfredini 2011 Nessa etapa os planos co meçam a ser mais detalhados Por último no nível operacional temos a criação de projetos que são mais específicos e detalhados porque visam à operacionalização dos programas Nessa etapa há o envolvimento de todos os níveis como for ma de garantir que as tarefas e operações sejam executadas em confor midade com o que foi planejado atentandose em alcançar os objetivos específicos Todos estes níveis são entendidos como um processo integrado e in terdependente ou seja o planejamento estratégico plano não vai sair do papel se os programas do nível tático e os projetos do nível operacional não forem bem estabelecidos e executados Nesse sentido todos os ní veis são necessários o estratégico para orientar a política pública o tático para desdobrar essa política em programas menores e departamentaliza dos e o operacional para elaborar as atividades que serão realizadas nos setores para executar os objetivos dos programas 23 2 Atores quem participa das políticas públicas 21 Atores e como influenciam as políticas públicas Chamamos atores de políticas públicas as pessoas grupos e orga nizações que têm algum interesse na política pública a ponto de mobili zarem esforços para sua criação modificação ou extinção Lima DAs cenzi 2018 Atores podem ser governamentais e nãogovernamentais funcionárias e funcionários de diferentes níveis hierárquicos ou ainda beneficiárias e beneficiários das políticas Schabbach 2020 A participação de atores nas políticas públicas está intrinsecamente ligada ao seu grau de interesse pelos custos ou pelos benefícios gerados por elas Em outras palavras atores estão envolvidasos com as políticas públicas porque elas afetam alguma dimensão de sua vida trabalho mo radia saúde etc podendo lhes impor perdas ou ganhos Rua Romani ni 2013 Com isso podemos imaginar que em torno de uma mesma po lítica pública orbita uma diversidade de atores com interesses distintos tentando influenciála de forma que lhes favoreça ou pelo menos que não lhes prejudique Também é possível perceber que atores vão focar nas políticas que mais lhes afetam que mais se relacionam com seu coti diano e assim com seus interesses Por exemplo atores que se envolvem nas políticas de segurança pú 24 blica são bastante diferentes de quem se relaciona com as políticas de saúde Na segurança encontraríamos juízas e juízes e suas associações advogadas e advogados e suas associações trabalhadoras e trabalhado res da segurança e associações as polícias os grupos de direitos hu manos etc Na saúde identificaríamos profissionais de saúde em toda a sua diversidade e suas associações centros de pesquisa indústria da saúde como hospitais laboratórios empresas farmacêuticas e suas asso ciações grupos de pessoas que compartilham da experiência de conviver com determinada patologia ou deficiência em toda sua diversidade e assim por diante A diversidade de atores e o tensionamento gerado pela disputa de in teresses são fatores que conformam a característica conflitiva das arenas de políticas públicas Ou seja o conflito é uma manifestação da plurali dade de ideias valores e interesses E a construção de níveis funcionais de consensualidade dentro dos espaços das policies depende da qualidade da atividade política que será mais orientada para a coletividade quanto mais igualitárias forem as relações e mais tolerantes forem as e os atores à diferença 22 Arenas de políticas públicas A construção de uma política pública é resultado da ação de atores que interagem em espaços denominados arenas de políticas públicas Diferentemente do que pode parecer à primeira vista o conceito de are na não remete a um espaço físico referindose a um constructo político e analítico O embate de ideias e interesses manifestase nos espaços físi cos Câmara Municipal por exemplo mas não fica restrito a eles Atores movimentamse negociam debatem enfrentamse em diversos espaços no intuito de convencer os públicos e aumentar o apoio a suas ideias Nesse entendimento as arenas correspondem ao padrão de intera 25 ção entre atores em uma determinada política pública Rua Romanini 2013 abarcando as maneiras que se relacionam construindo alianças disputando confrontando persuadindo negociando etc Cabe destacar três elementos importantes deste conceito a as arenas conformam es paços de concertação de interesses b em cada arena há uma configura ção própria de atores capazes de influenciar o conteúdo da política c atores agem por meio da mobilização de seus recursos de poder e reper tórios de ação 221 Recursos de poder e Repertórios de ação Nas arenas de políticas atores tendem a exibir lógicas próprias de com portamento determinadas a partir de suas ideias interesses e recursos de poder que estão à sua disposição Os recursos de poder são os variados re cursos por meio dos quais atores produzem ação e tentam influenciar os pro cessos das políticas públicas Isto é eles correspondem às características que conferem a atores capacidade de agir Muller Surel 2002 A literatura de políticas públicas menciona vários tipos de recursos de poder alguns são subjetivos e outros objetivos Os recursos de poder subjetivos por exemplo podem ser oriundos da posição que atores ocu pam na arena das políticas se possuem autoridade formal se estão numa posição de liderança se têm conhecimento e experiência sobre a política Sabatier 2010 Os recursos objetivos abarcam por exemplo quantidade de membros recurso financeiro a capacidade de mobilização política vínculo com outrasos atores relevantes acesso a informações importan tes e o apoio da opinião pública Rua Romanini 2013 Schabbach 2020 Já os repertórios de ação equivalem aos modos de ação de atores e são gerados por meio da mobilização dos recursos de poder Muller Surel 2002 Os repertórios de ação têm como objetivo conferir maior visibilidade às demandas e ideias dasdos atores pressionando os demais 26 e ampliando o público interessado e o grupo de apoio Os repertórios po dem tomar diferentes formas repertórios estratégicos e extensos con formados por uma série de ações repertórios pontuais ou casuais que são colocados em prática em virtude de uma pauta do momento além disso os repertórios podem acionar vários recursos ou podem depender de um recurso exclusivo Exemplos de repertório de ação casuais e pontuais são as passeatas e manifestações que respondem a um acontecimento recente e que bus cam chamar atenção para uma questão Um repertório estratégico pode ser ilustrado pela defesa de uma causa advocacy Observemos o caso da ABELHA Associação Brasileira de Estudos das Abelhas uma asso ciação civil sem fins lucrativos ou partidários que tem por objetivo li derar a criação de uma rede em prol da conservação das abelhas e outros polinizadores A ABELHA desenvolve uma série de ações que formam seu repertório produção e divulgação de informações com base científi ca apoio a pesquisas e para implantação de apiários em escolas atuação junto a órgãos públicos para promover a agricultura sustentável dentre outras Ainda uma associação de advocacy pode utilizar passeatas e ma nifestações em seu repertório de ação usual como faz a FEMAMA Fede ração Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama que organiza anualmente a Caminhada das Vitoriosas com o objetivo de conscientizar sobre o diagnóstico precoce na luta contra o câncer de mama Tal ação está inserida num amplo repertório que abarca apoio à pesquisa difusão da problemática nas mídias pressão política etc Em síntese os recursos de poder de atores são utilizados para pro duzir seus repertórios de ação cujo objetivo é mobilizar apoio e ampliar o público interessado num problema ou numa reivindicação específica Muller Surel 2002 Como mostra a Figura 6 há vários tipos de públi cos o que exige que atores calibrem seus repertórios para cada audiência 27 Figura 6 Tipos de públicos de acordo com o grau de interesseparticipação Fonte Muller e Surel 2002 23 Tipos de atores Vimos que as políticas públicas são permeadas por uma pluralida de de atores com ideias interesses e repertórios de ação variados Cabe agora investigar os tipos de atores que podemos encontrar nas arenas de políticas públicas Comecemos com a tipologia de Kingdon 1995 que enfoca o grau de visibilidade de atores no subsistema da política classificandoos em visíveis ou invisíveis Atores visíveis são aquelas pessoas que recebem atenção da mídia e do público porque têm influência sobre a agenda das políticas Capella 2007 como Presidentes e ministrasos governadoras es e secretáriasos prefeitasos e secretáriasos pessoas em altos postos do legislativo e judiciário e grupos de interesse Por seu turno atores invisíveis são pessoas que exercem influência sobre a formulação de al ternativas e a implementação das políticas como servidorases públicas 28 os assessorases parlamentares acadêmicasos pesquisadorases e con sultorases Capella 2007 Segundo Rua e Romanini 2013 este tipo de ator recebe atenção da mídia e do público só em momentos específicos quando ocorre alguma situação em seu campo de conhecimento e ex periência que demanda explicação ou expertise Por exemplo em 2020 o governo federal implementou o Programa Auxílio Emergencial para en frentar a crise causada pela pandemia da COVID19 O benefício consistia em transferência monetária para grupos afetados pela redução de ren da e a implementação ficou a cargo da Caixa Econômica Federal CEF No início da execução do programa um grande problema se manifestou imensas filas formaramse na frente das agências da CEF gerando aglo merações e aumentando o perigo de contágio pela COVID19 O presi dente da CEF até então pouco conhecido foi chamado a dar explicações e passou a falar regularmente nas coletivas de imprensa do governo até que a situação mudou e ele deixou de receber atenção da mídia e do pú blico Outro ator que recebeu atenção no contexto da pandemia foram as os pesquisadorases especialmente da epidemiologia e da infectologia que nos ajudaram a entender o vírus a doença as medidas de proteção e as vacinas Outra forma de classificar atores é encontrada em Secchi Coelho e Pires 2019 que propõem categorizálos em governamentais e não go vernamentais como se vê na Figura 7 A seguir apresentamos as caracte rísticas de cada um destes tipos 29 Figura 7 Tipos de atores segundo relação com o governo Fonte adaptado de Secchi Coelho e Pires 2019 231 Políticas e políticos eleitos Podendo atuar individual ou coletivamente as políticas e os políticos eleitos são representantes legítimos dos interesses da coletividade com autoridade institucionalizada para tomar decisões enquanto durarem seus mandatos Secchi Coelho Pires 2019 Formalmente têm como papel principal a vocalização dos problemas públicos e a indicação de po líticas adequadas para combatêlos Nesse sentido segundo Schabbach 2020 as e os representantes eleitos são decision makers que ocupam o topo das estruturas hierárquicas assumindo um papel central nos pro cessos das políticas públicas Quando eleitos tais atores alocam pessoas de sua confiança para 30 servir em funções de chefia direção e assessoramento na administração pública são as designadas e os designados politicamente cuja função principal é repassar ao corpo burocrático as orientações políticas do par tido que saiu vencedor das eleições e sua agenda Secchi Coelho Pires 2019 As designadas e os designados politicamente ocupam posições in termediárias entre a burocracia concursada e as políticas e políticos elei tos e se dividem em funções de confiança exclusivas para servidoras es públicasos e cargos comissionados acessíveis tanto para burocratas quanto para pessoas externas à administração pública Secchi 2015 São exemplos de cargos comissionados ministrasos secretáriasos dos esta dos e municípios e presidentes de empresas públicas Tais indicações de vem levar em conta o conhecimento e a experiência bem como aspectos da atividade política como o apoio ao projeto político 232 Burocratas Burocratas conformam o corpo de funcionárias e funcionários do Estado cuja função consiste em administrar a máquina pública inde pendentemente do processo eleitoral e do partido que dali sair vencedor A ideia é que a burocracia concentra a capacidade de executar e de coor denar as ações a partir de um saber especializado de estratégias de con trole sobre membrasos e sobre um sentimento intrínseco de moralidade Abrúcio Loureiro 2018 Logo as políticas públicas seriam influencia das pela burocracia por meio de três canais Rourke 1976 a provimen to de aconselhamento às e aos representantes eleitos já que possuem conhecimento e experiência em sua área b poder de implementação capacidade de executar as decisões tomadas pelasos representantes elei tasos a partir das suas visões c discricionariedade espaço decisório que permite escolher entre alternativas e decidir como as políticas serão de fato implementadas 31 O tema da discricionariedade é bastante valorizado nos estudos de políticas públicas sendo entendida como o espaço de interpretação e de cisão dentro dos limites das regras Tal conceito permitenos pensar que as e os burocratas de baixo e médio escalão fazem muito mais do que assinar papéis e cumprir as decisões estabelecidas previamente pelo alto escalão na prática estas pessoas tomam decisões sobre como executar as políticas Com isso percebemos que a burocracia é dividida em níveis alto escalão médio escalão e linha de frente Burocratas de alto escalão ocupam os postos organizacionais mais altos e devem responder às políticas e aos políticos eleitos já que são de signadasos politicamente Estes atores influenciam as políticas públicas porque são responsáveis por organizar os processos de tomada de deci são e definir as regras gerais das ações São exemplos de burocratas de alto escalão ministrasos secretáriasos estaduais e municipais e presi dentes de empresas públicas Burocratas de médio escalão ocupam postos nos níveis intermediá rios da burocracia são funcionárias e funcionários que coordenam as equipes transformando as decisões do alto escalão em ações a serem realizadas na ponta Oliveira Lotta 2020 p 2 Neste nível há muita rotatividade devido à associação ao ciclo eleitoral pois a ocupação dos cargos se dá majoritariamente por servidoras e servidores públicos que já estão dentro do Estado a partir da indicação política de chefes de go verno ou de burocratas de alto escalão Desde sua posição segundo Pires 2018 p 201 estas pessoas experienciam as entranhas do Estado ou seja vivenciam o Estado a partir de seu interior e não de suas fronteiras com o ambiente externo Em virtude de suas atribuições e posição as e os burocratas de médio escalão influenciam as políticas públicas por meio de decisões sobre com quem e como estabelecer conexões da dis tribuição de informações e outros recursos críticos à construção de ações governamentais Pires 2018 p 201 São exemplos de burocratas 32 de médio escalão diretoras e diretores de escolas e hospitais gerentes e pessoas em cargos de supervisão Burocratas de linha de frente atuam diretamente junto ao público beneficiário das políticas Por conta da sua posição elaseles não apenas executam as diretrizes estipuladas pelos outros níveis mas exercem dis cricionariedade isto é tomam decisões para tentar ajustar as expectati vas da política às condições dos espaços de implementação São exemplos de burocratas de linha de frente pessoas que trabalham em Unidades Bá sicas de Saúde professoras e professores policiais e bombeirasos A Figura 8 apresenta uma representação sinóptica das políticas e dos políticos eleitos pessoas designadas e burocratas na hierarquia organi zacional Figura 8 Políticasos eleitasos designadasos e burocratas na hierarquia organizacional Fonte adaptado de Secchi Coelho e Pires 2019 233 Grupos de interesse Os grupos de interesse são organizações não estatais formais ou in formais formadas com o propósito de defender um dado interesse dentre 33 outras formas exercendo influência sobre os processos das políticas pú blicas Alguns grupos são orientados por interesses econômicos como a Coalizão Empresarial Brasileira que reúne empresas e entidades empre sariais de setores da agricultura indústria e serviços com o objetivo de acompanhar e influenciar as negociações de acordos comerciais CNI 2020 Outros grupos são orientados por interesses corporativos como os sindicatos por exemplo o Sindicato Nacional dos AuditoresFiscais do Trabalho visa defender os direitos e os interesses profissionais de seus filiados e da categoria dos Auditores Fiscais do Trabalho especialmente nas questões salariais e de política de classe SINAIT 2020 sp Além desses há grupos que defendem os direitos civis como a Rede de Negras e Negros LGBT que luta contra o racismo e a lesbofobia a transfobia a homofobia e a bifobia e todas as espécies de discriminação Rede Afro LGBT 2020 sp 234 Partidos políticos Segundo Schwartzenberg 1979 p 489 um partido político é uma organização durável estabelecida do nível nacional ao nível local visan do conquistar e exercer o poder e procurando com este fim a sustenta ção popular Cabe destacar os elementos deste conceito a partidos são organizações formais b se organizam em torno de uma concepção de sociedade e de um projeto político que a operacionaliza c têm por ob jetivo exercer ou participar do exercício do poder político d para isso competem pelo voto em eleições devidamente constituídas No que tange às políticas públicas os partidos costumam defender e tentar implemen tar iniciativas que se alinhem ao seu projeto político que atendam as de mandas dos grupos que o apoiam e que contribuam para sua ampliação 34 235 Beneficiárias e beneficiários das políticas públicas Esta classificação engloba pessoas grupos e organizações para os quais a política foi elaborada Secchi Coelho Pires 2019 p 158 O Quadro 1 mostra alguns exemplos de políticas e grupos beneficiários Quadro 1 Políticas selecionadas e grupos beneficiários Política pública Objetivo Grupo beneficiário Fonte da informação Política Nacional do Idoso Assegurar os direitos do idoso Considerase idosa a pessoa maior de sessenta anos de idade Lei nº 8842 de 4 janeiro de 1994 Primeira Infância Melhor Promover o desenvolvimento integral da criança Crianças desde a gestação até os cinco anos de idade com ênfase na faixa etária de zero a três anos Lei nº 12544 de 03 de julho de 2006 Política Nacional de Saúde Integral da População Negra Promover a saúde integral da população negra priorizando a redução das desigualdades étnicoraciais o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS População negra Portaria nº 992 de 13 maio de 2009 Programa Auxílio Emergencial Estabelecer medidas de proteção social para o período de enfrentamento da covid19 Trabalhador que tenha mais de maior de dezoito anos de idade não tenha emprego formal ativo não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial beneficiário do seguro desemprego ou de programa de transferência de renda federal ressalvado o Programa Bolsa Família tenha renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos no ano de 2018 não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R 2855970 e exerça atividade na condição de a Microempreendedor Individual ou b contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social ou c trabalhador informal Decreto nº 10316 de 7 de abril de 2020 Fonte elaboração própria 35 As beneficiárias e os beneficiários podem exibir um comportamento mais ou menos ativo em relação aos processos das políticas isto é podem agir como usuáriasos dos serviços eou como atores no sentido de ten tar influenciar suas características e seu curso Por exemplo uma pessoa pode utilizar regularmente os serviços da Unidade Básica de Saúde UBS de sua região quando tem alguma necessidade de saúde ou ela pode fa zer parte do Conselho Local de Saúde como representante das usuárias e dos usuários tomando decisões e desenvolvendo ações que influenciam o funcionamento da UBS Consideramos que ao beneficiáriao age como ator de políticas públicas somente no segundo caso pois como vimos atores são pessoas e grupos que além de ter interesse na política mobili zam esforços para sua criação modificação ou extinção Nos dois casos as pessoas têm interesse na política mas apenas no segundo caso há mo bilização de esforços para interferir no seu andamento 24 Formas de agregação de atores Para influenciar as políticas públicas atores podem agir de forma coordenada construindo alianças e parcerias que potencializam seus re cursos de poder e diversificam seus repertórios de ação Dentre os mode los que procuram explicar estes padrões de relacionamento destacase o das redes de políticas públicas As redes são formas organizacionais que congregam e mobilizam um conjunto de atores públicos e privados com recursos de poder dis tintos mas que compartilham um mesmo objetivo ou campo de atuação A força motriz deste tipo de agregação é a percepção de que o atingimen to de tal objetivo será mais efetivo se realizado a partir da ação conjunta Em geral as redes são organizações informais geradas a partir do reconhecimento da interdependência entre atores em seus recursos e repertórios Consequentemente as relações são horizontais e marcadas 36 pela pluralidade de atores pela diversidade de recursos pela gestão flexí vel e pela capilaridade São portanto elementos formadores do conceito de redes a Institucionalização as relações sociais que estruturam as redes podem ser mais ou menos estáveis b Diversidade de atores as relações ocorrem entre atores diversos autônomos e interdependentes c Horizontalidade as relações são marcadas pela descentralização do poder d Interesses comuns asos agentes se articulam em redes em vir tude de interesses compartilhados essa é a cola que mantém a rede unida e Cooperação diante de um problema compartilhado e da per cepção de que a agregação de forças é capaz de potencializar os recursos de poder atores promovem ação coletiva por meio da cooperação A seguir vamos estudar dois tipos de redes que recebem destaque na literatura de políticas públicas as redes temáticas issue networks e as comunidades de políticas públicas As redes temáticas são formadas em torno de issues questões mais debatidas de uma política em relação às quais atores têm preferências muito intensas e por isso catalisam o conflito Rua Romanini 2013 A participação de atores neste tipo de rede é fluída e instável dependendo da atenção que o tema recebe em dado momento Por exemplo na políti ca de saúde da mulher um issue é a descriminalização do aborto na polí tica de enfrentamento à COVID19 as medidas de lockdown na política de educação especial o atendimento educacional especializado se exclusivo ou complementar à educação regular Atores agregamse em tornos dos 37 issues a partir de suas preferências a favor ou contra a descriminalização do aborto a favor ou contra as medidas de lockdown a favor ou contra o atendimento educacional especializado na escola regular Todasos agin do para ver suas ideias impressas na política pública Já as comunidades de políticas públicas designam um conjunto li mitado e relativamente estável de atores especialistas em uma determi nada área que compartilham valores e uma visão sobre como a política pública deve ser Cortes 2015 Uma das comunidades de políticas mais conhecidas no Brasil é o Movimento pela Reforma Sanitária Esse grupo atuou fortemente nos anos de 1970 e 1980 para criar um sistema exclusi vamente público de saúde Exerceu forte influência na conformação do Sistema Único de Saúde SUS sendo responsável pela formulação de sua estrutura institucional 38 3 Instituições onde as políticas públicas se desenrolam 31 O que são instituições e como influenciam as políticas públicas A dimensão da polity ou seja das instituições é um objeto de análise muito valorizado na policy analysis pois se entende que suas caracterís ticas e comportamentos influenciam diretamente no curso das políticas públicas Da mesma forma aceitase que os resultados das políticas pú blicas podem repercutir no comportamento das instituições As instituições podem ser entendidas como o conjunto de regras formais e informais que conformam os contextos de ação de atores mol dando suas decisões e ações e assim influenciando os processos das po líticas públicas Nas palavras de March e Olsen 1984 apud Muller Surel 2002 p 41 as instituições são rotinas procedimentos convenções papeis estratégias for mas organizacionais e tecnologias em torno das quais a atividade política é construída mas também as crenças paradigmas códi gos culturas e saberes que rodeiam sustentam elaboram e con tradizem esses papéis e essas rotinas Vamos explorar este conceito nos debruçando sobre dois de seus elementos O primeiro elemento conceitual que merece destaque são as 39 regras De forma geral uma regra é um instrumento que visa regular comportamentos ela indica o modo adequado de falar e fazer alguma coisa em determinada situação O conceito de instituições chama nossa atenção para dois tipos de regras formais e informais As regras formais caracterizamse por serem explícitas e impessoais cujo teor é de conhe cimento real ou potencial de atores envolvidasos com os processos que elas regulam por exemplo as regras constitucionais os estatutos os re gimentos internos etc Já as regras informais são assimiladas por meio de socialização e tangem a práticas e entendimentos compartilhados e reproduzidos mas não necessariamente aceitos como hábitos rotinas convenções crenças valores e esquemas cognitivos O segundo elemento do conceito diz respeito à forma como as insti tuições influenciam as políticas públicas Tal influência passa pela ação dasdos atores nos processos das políticas públicas atores agem orien tadasos pelas regras formais e informais Estas regras conformam os contextos de ação de atores dentro dos quais elas e eles modelam suas preferências definem suas estratégias fazem suas escolhas e calibram sua ação Consequentemente elas deixam sua marca nas características das policies Por exemplo a Regras formais influenciando as políticas públicas o Estatuto da Cidade está formalizado na Lei nº 10257 de 2001 Ele estabele ce as diretrizes os objetivos e os instrumentos de implementação da política urbana Brasil 2001 Logo as pessoas responsáveis pela formulação e implementação desta política tomarão suas decisões e ações orientadas por estas determinações Isso sig nifica que o Estatuto da Cidade influencia as características da política urbana no Brasil b Regras informais influenciando as políticas públicas em seu es 40 tudo sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Inte gral da População Negra nas Unidades Básicas de Saúde UBS Jaciane Milanezi 2017 constatou que apesar de todas as evidên cias estatísticas acerca das desigualdades raciais em saúde mo bilizadas para justificar a política em praticamente todos os do cumentos burocráticos que circulavam nas UBSs especialmente nas fichas dasos usuáriasos raramente perguntavase sobre raçacor A autora sustenta que tal silêncio organizacional é uma reação dasos profissionais da saúde à focalização da saúde na população negra Quando questionadasos sobre a política e o problema da desigualdade racial em saúde asos profissionais das unidades acionavam explicações biológicas e culturais Para a maioria usar estes termos raça racismo era assumir uma postura racista o que asos impedia de entender as iniquidades raciais em saúde como um fenômeno estrutural geralmente as entendendo no âmbito de preconceitos interpessoais ou como inatas aos indivíduos Tal atitude impactou a implementação da política uma vez que as pessoas que a executavam não perce biam como social o problema que ela pretendia enfrentar Todas as ideias que discutimos aqui fazem parte de uma corrente teórica denominada neoinstitucionalismo A seguir examinaremos três linhas desta corrente as quais lançam luz sobre diferentes aspectos das instituições e oferecem uma leitura própria acerca de como se desenvolve o processo político 32 Neoinstitucionalismos da escolha racional histórico e sociológico Segundo Peters 2016 as versões do neoinstitucionalismo compar tilham três pressupostos 41 a As instituições são capazes de criar previsibilidade quando es tão em pleno funcionamento possibilitam prever tanto compor tamentos quanto resultados políticos b As instituições sobrevivem ao longo do tempo culminando na reprodução de padrões de comportamento que se materializam nas escolhas institucionais e portanto nas políticas implemen tadas c As instituições são separadas de seu ambiente instituições de têm alguma autonomia em relação ao ambiente no sentido de que uma vez criadas e em funcionamento passam a operar como estruturas que conformam comportamentos independen temente de concordância ou aceitação Com isso em mente vamos conhecer algumas ideias centrais de cada um dos neoinstitucionalismos 321 Neoinstitucionalismo da escolha racional Esta linha assume que as instituições são responsáveis por resol verem os problemas de ação coletiva Hall Taylor 2003 Ou seja elas funcionam como um fator de ordem reduzindo o caráter caótico da ati vidade política e ordenando a interação Muller Surel 2002 Nesse entendimento as instituições são em linhas gerais regras de decisão Immergut 2006 as quais para cumprir com tal propósito devem ser explícitas ou seja exibir algum grau de formalização como regimentos internos protocolos procedimentos operacionais parâmetros de avalia ção etc Segundo Peters 2016 esta abordagem se baseia numa concepção instrumental de racionalidade isto é é racional a pessoa que escolhe os meios em acordo com seus fins ainda ela escolhe por otimização opta 42 pelo melhor dentro de suas possibilidades Sendo assim entendese que as preferências fins dasdos atores são exógenas externas aos contex tos institucionais os quais tornamse estruturas projetadas para produ zir certos resultados utilizando as motivações dos atores Peters 2016 p 60 tradução nossa Neste ponto é possível perceber por que a forma lização é importante pois os atores devem ter acesso às regras para pode rem se movimentar em busca de suas preferências e interesses 322 Neoinstitucionalismo histórico Esta linha enfatiza a historicidade das instituições com foco no com portamento do Estado As instituições são percebidas como os proce dimentos protocolos normas e convenções oficiais e oficiosas Hall Taylor 2003 p 194 inerentes a alguma organização Com isso são abar cadas tanto as regras formais quanto as informais mas sempre se refe rindo a contextos organizacionais formais Por sua vez o Estado é visto como um conjunto de instituições capazes de influenciar o resultado do conflito entre os grupos uma vez que estrutura suas interações Nessa lógica a as preferências dasdos atores são endógenas às instituições isto é são remodeladas a partir dos constrangimentos e possibilidades delimitadas por elas b as instituições geram assimetrias de poder entre os grupos pois estabelecem as formas e os caminhos da ação de forma que alguns interesses levam vantagem em relação a outros 323 Neoinstitucionalismo sociológico Nesta abordagem as instituições são definidas como práticas cultu rais e elementos cognitivos que pesam sobre os comportamentos indi viduais e determinam a legitimidade das organizações Muller Surel 2002 p 44 Temse aqui um conceito mais amplo de instituições que inclui não só as regras procedimentos ou normas formais mas também 43 os sistemas de símbolos os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem padrões de significação que guiam a ação humana Hall Taylor 2003 p 209 Por um lado entendese que atores agem e decidem informadasos por suas ideias e visões de mundo por outro lado as ins tituições não são somente formas de resolver os problemas de ação cole tiva ou regras que estruturam a interação mas aspectos que garantem legitimidade às organizações que reforçam seu papel e lugar num dado ambiente 33 Instituições e organizações No cotidiano percebemos que o termo instituições é utilizado para tratar de várias coisas o que gera uma grande confusão Nosso objetivo aqui é delimitar conceitos para usálos com rigor por isso vamos fazer uma diferenciação muito importante entre instituição e organização Uma organização é um sistema de atividades conscientemente coorde nadas explicitamente criado para atingir finalidades específicas Downs 1994 ainda um conjunto de pessoas que empreende atividades coopera das com vistas a atingir um objetivo que só pode ser alcançado por meio de ação coletiva São exemplos de organização uma família uma empresa um partido político uma universidade Segundo Giddens 2012 p 555 as organizações são uma característica central de todas as sociedades As organizações formais como as empresas e as universidades são projetadas especificamente para alcançar certos objetivos e elas funcio nam por meio de regras normas e procedimentos explícitos Mesmo as organizações informais como as famílias possuem regras particulares que orientam o comportamento de seus membros Em outras palavras as pessoas adotam regras normas e estratégias para operar dentro das organizações Temos então uma relação entre organização e instituição organizações são grupos de pessoas que realizam atividades concertadas 44 para chegar numa finalidade comum dentro delas as pessoas decidem e agem por meio dos incentivos e constrangimentos produzidos pelas instituições Parte II Ciclo de políticas públicas 46 Nesta parte estudaremos de forma mais aprofundada aquilo que até agora chamávamos de processos de políticas públicas Faremos isso por meio de uma simplificação analíticopedagógica denominada ciclo de políticas públicas O ciclo é uma ferramenta analítica que apresenta a política pública como uma sequência de etapas distintas porém interdependentes guia das por lógicas relativamente diferentes Muller Surel 2002 Uma das primeiras e mais influentes elaborações do ciclo é creditada à Harold Las swell 1956 considerado o fundador das policy sciences como vimos no Capítulo 1 No esforço de construção deste campo de conhecimento Lasswell 1956 delineou uma abordagem para a análise das políticas públicas que propunha observálas como um processo ou seja como um conjunto in terrelacionado de estágios por meio dos quais os temas e as deliberações fluem de forma mais ou menos sequencial dos inputs problemas aos ou tputs políticas públicas Howlett 2011 Desde então o ciclo de políticas públicas FIGURA 9 é uma das abordagens mais populares para investi gar as políticas Muller Surel 2002 Roth Deubel 2010 Knill Tosun 2012 Hill Hupe 2014 E talvez por isso tenha recebido diversas críti cas ver Muller Surel 2002 e Sabatier 2007 Contemporaneamente as fases costumam ser delimitadas em a Formação da agenda momento em que situações percebidas como indesejáveis são transformadas em problemas sociais e disputam a atenção de atores que detêm os recursos para formu lar e implementar políticas públicas b Formulação das alternativas quando as comunidades de políti cas elaboram alternativas de políticas públicas c Tomada de decisão fase da escolha entre as alternativas disponí veis 47 d Implementação estágio de execução das políticas públicas e de sua adaptação aos contextos locais de ação e Avaliação atividades de produção de informações sobre a políti ca e sua implementação A descrição e análise de cada uma delas serão realizadas nos próxi mos capítulos Figura 9 Ciclo das políticas públicas Fonte elaboração própria a partir de Howlett 2011 48 4 Formação da agenda A formação da agenda diz respeito ao processo por meio do qual cer tos problemas sociais passam a chamar a atenção dasdos atores como possíveis campos de intervenção de política pública Elder Cobb 1993 Desse conceito destacamos dois pontos Primeiro a atenção dasdos ato res é um recurso limitado são muitos problemas diante da capacidade cognitiva organizacional de tempo para considerálos Segundo os problemas sociais são fruto de construção social ou seja são interpreta ções de condições que foram subjetivamente definidas como problemá ticas e como tais demandam algum tipo de ação Ingram Schneider deLeon 2007 Peters 2015 Como consequência destes dois fatores o processo de formação de agenda é altamente dinâmico competitivo e conflituoso A partir desta perceptiva podemos definir a agenda como o conjunto de problemas sociais que recebem atenção dasdos atores em um dado momento Este conceito nos mostra que uma primeira condição para que uma situação entre na agenda é que ela seja percebida por atores como um problema social algo que é considerado indesejável que afeta a coleti vidade e que deve ser enfrentado por meio de políticas públicas FIGURA 10 49 Figura 10 Pressupostos da definição de problema social Fonte elaboração própria Desta definição ressaltamos a relevância da decisão de agir pois fa cilmente notamos em nosso cotidiano uma série de situações percebidas como indesejáveis mas nem todas se tornam foco de ação organizada Isso porque a transformação de uma situação em problema é uma cons trução social Kingdon 2006 ou seja depende da ação de atores Uma questão tornase problema social quando atores por meio de seus recur sos de poder e repertórios de ação conseguem obter sucesso no processo de criar visibilidade para suas demandas e fazem com que essas sejam apropriadas por outrasos atores relevantes que passam a reconhecer a necessidade de fazer alguma coisa em relação a ela Nesse sentido assumese que o processo de definição de um proble ma social é um exercício de interpretação e está ligado à percepção de atores acerca de uma situação vivida como problemática Consequente mente encontraremos discursos concorrentes sobre um mesmo fenôme no cada um deles enfatizando determinadas causas e efeitos do proble ma isto é qualificandoo a partir de um ângulo específico sendo que tal configuração é orientada pelas visões de mundo dasdos envolvidasos Muller Surel 2002 Portanto a construção social dos problemas é um 50 processo altamente politizado permeado pela pluralidade de preferên cias interesses ideias e valores sociais bem como pelas limitações cogni tivas e informacionais Disso decorre que a formatação de um problema será sempre parcial temporária e controversa Uma segunda condição para que um problema entre na agenda é que ele deve receber atenção de atores que detêm os recursos para formular e implementar políticas públicas Segundo Kingdon 2006 três formas mais comuns pelas quais atores podem tomar conhecimento de situações são a Indicadores são usados para mensurar algum fenômeno mor talidade emprego etc uma alteração num indicador importan te chamará a atenção de atores Por exemplo em 2009 ocorreu uma leve alta na taxa de mortalidade infantil do Brasil este indi cador recebeu muita atenção porque é uma proxy de bemestar social temse que num país onde as crianças morrem as condi ções de vida não são boas Tal alteração mobilizou atores públi casos e privadasos que passaram a revisar as ações existentes para identificar onde estava a causa do aumento e agir sobre ela b Eventofoco desastres e crises são eventos que recebem atenção imediata basta lembrarmonos das tragédias da boate Kiss em Santa MariaRS ou do rompimento das barragens em Mariana e BrumadinhoMG as quais motivaram uma série de medidas para muito além da área de abrangência dos sinistros c Feedback de ações governamentais o monitoramento dos gas tos a avaliação de políticas públicas as denúncias por meio de ouvidorias e das mídias dentre outros são mecanismos que po dem atrair a atenção para uma dada situação Assim para ter alguma chance de entrar na agenda uma situação tem que ser definida como um problema social e este precisa ganhar a 51 atenção dos diferentes públicos especialmente de atores que detêm os recursos para formular e implementar políticas Estas condições são ne cessárias para que um problema possa competir no processo da agenda que como vimos é formado por uma diversidade de situações mas nem todas são transformadas em problemas e por uma série de problemas mas nem todos logram receber a atenção de atores que podem formular e implementar políticas públicas para enfrentálos Contudo estas con dições não são suficientes elas não garantem que um problema seja in corporado à agenda o que elas fazem é aumentar as chances de que ele sobreviva à competição já que a formação da agenda é ainda influencia da pelo contexto A Figura 11 apresenta uma sistematização do processo de formação de agenda Figura 11 Formação da agenda Fonte elaboração própria 52 O elemento contextual pode ser estudado por meio do conceito de ja nelas de oportunidade Elas são conjunturais e abremse quando ocorre alguma mudança na dinâmica da atividade política como uma mudança de governo alteração na distribuição de partidos políticos no parlamen to ou na opinião pública ou quando um novo problema consegue atrair a atenção de atores por meio de indicadores eventoscrises ou feedback de ações governamentais Capella 2007 Kingdon 1995 Alguns destes eventos são periódicos como as mudanças de governo em virtude das eleições outros são relativamente imprevisíveis Por fim as janelas se caracterizam pela abertura de um período de maior receptividade por parte de atores políticasos e representam uma oportunidade para atores mobilizadasos tentarem chamar atenção sobre problemas particulares Muller Surel 2002 41 Wicked problems No debate sobre problemas sociais é importante conhecer o concei to de wicked problem Segundo Rittel e Webber 1973 wicked problem é uma preocupação social difícil de explicar e consequentemente de resolver São questões que anseiam por respostas entretanto essas não são fáceis Ao contrário dos problemas mais estruturados que conseguimos enten der uma boa parte de sua dinâmica e elaborar soluções padronizadas os wicked problems são complicados interconectados ou considerados com plexos demais para serem corrigidos Alguns exemplos são crises finan ceiras fome disparidade de renda obesidade pobreza terrorismo mu dança climática etc Ao criarem o conceito Rittel e Webber 1973 identificaram dez ca racterísticas comuns deste tipo de problema social 53 1 Eles não têm uma formulação definitiva 2 Não há regra de parada tanto para o processo de definição do problema quanto para a formulação das alternativas dado à carência de conhecimento e à incerteza derivada é difícil saber quando a resposta está pronta 3 Não há soluções verdadeiras ou falsas apenas boas ou más e os julgamentos diferem de acordo com os interesses e valores de atores 4 Cada wicked problem é único mesmo que um problema possa ser parecido com outro em alguns aspectos sempre haverá uma pro priedade distinta que é importante 5 As soluções não são imediatas e não podem ser testadas pois após sua implementação elas gerarão ondas de consequências por um período desconhecido tornando as avaliações ineficazes 6 Não há oportunidade para tentativa e erro pois cada solução im plementada produz efeitos que não podem ser desfeitos e cada tentativa de corrigir um erro gera novos problemas 7 Estão interconectados ou podem ser considerados sintomas de outros problemas 8 Eles têm mais de uma explicação 9 Não existe uma lista exaustiva de soluções possíveis 10 As pessoas que tentam resolver os wicked problems são as mesmas que os criam Os wicked problems lançam luz à discussão sobre a complexidade dos problemas sociais questionando o caráter problem solving das políticas públicas Isto é nem sempre é fácil demonstrar a relação de causalidade entre determinado problema e a proposta de solução na forma de política pública e políticas direcionadas a problemas específicos podem falhar bem como gerar novos problemas 54 Mais recentemente Levin et al 2012 delinearam o conceito de super wicked problems para abordar os problemas ambientais globais Este tipo exibe quatro características a o tempo é curto o problema se agrava e o impacto aumenta de forma que se torna menos possível modificar sua progressão b as pessoas que causam o problema são as mesmas que criam as soluções c as pessoas com poder de decisão e autoridade não controlam as decisões requeridas para amenizar as pressões sobre o cli ma d as preferências das pessoas que decidem são inconsistentes com o tempo isto é tomam decisões com horizontes temporais curtos e ne gam as informações e evidências sobre os riscos da inação 55 5 Formulação das alternativas Comecemos examinando alguns conceitos Para Jones 1984 a for mulação é a proposição de meios para resolver uma necessidade social conforme percebida por atores Já Wu et al 2014 p 52 destacam o as pecto processual a formulação corresponde à produçãoidentificação de um conjunto de escolhas políticas plausíveis para resolver problemas e à avaliação preliminar da sua viabilidade Howlett Ramesh e Perl 2013 p 123 seguem a mesma linha a formulação da política pública refere se ao processo de criação de opções sobre o que fazer a respeito de um problema público Tal processo envolve identificar refinar e formalizar as opções de políticas percebidas como as mais efetivas para lidar com o problema Todavia a relação entre um problema e as alternativas vinculadas a ele é polêmica Isso porque os problemas sociais são complexos isto é eles exibem diversas configurações como vimos no capítulo anterior que destacam diferentes causas e efeitos e que se baseiam em ideias e valores distintos de uma pluralidade de atores envolvidasos Além dis so temos as limitações cognitivas e informacionais não conseguimos enumerar todas as variáveis envolvidas na produção e na dinâmica do problema e temos conhecimento parcial e temporário sobre aquelas que conseguimos identificar Como resultado encontramos diferentes níveis 56 de consensualidade em torno das definições de um problema social de seus aspectos mais importantes e consequentemente das formas de en frentálo A questão central aqui é os problemas sociais permitem diferentes abordagens diferentes formas de lidar com eles e encaminhálos Por exemplo se definimos que o tráfico de drogas é um problema social po demos propor ações de repressão no geral ou só num tipo de atividade relacionada Algum nível de legalização De políticas preventivas Onde Na educação na saúde na formação profissional Ainda para cada recor te do problema podemse desenhar diferentes alternativas Por isso essa fase envolve a exploração de várias opções ou cursos alternativos de ação disponíveis Howlett Ramesh Perl 2013 p 123 No que tange às dinâmicas de elaboração de alternativas a literatura nos oferece duas abordagens Em seu influente trabalho Kingdon 1995 sustenta que as propostas são geradas em comunidades de políticas pú blicas formadas por atores pesquisadorases staff político burocratas grupos de interesse especialistas em uma dada área saúde habitação meio ambiente etc Estas pessoas têm concepções sobre a sociedade noções sobre o futuro e propostas de políticas específicas Nessa pers pectiva as alternativas não são elaboradas necessariamente para resolver um problema nas palavras de Motta e Vasconcelos 2009 p 112 Atores sociais de modo estratégico a fim de valorizarem as habilidades e recursos que já possuem podem propor soluções para problemas que ainda estão sendo definidos problemas po dem ser criados e propostos para implementar soluções que já estão disponíveis Após o desenho as propostas são difundidas em diferentes fóruns com vistas a sensibilizar não só as os demais integrantes da comunida de mas um público mais amplo numa tentativa de construir aceitação e apoio Capella 2007 Nesse processo que Kingdon 1995 p 19 tradução 57 nossa denominou policy primeval soup as propostas flutuam entram em contato com outras são revisadas e combinadas e flutuam novamente A sobrevivência e a ascensão nessa dinâmica competitiva estariam rela cionadas a alguns critérios como viabilidade técnica e financeira con formidade com os valores sociais dominantes e apoio político Temse que a formulação de alternativas é uma arena na qual convivem diversas propostas de política pública que são difundidas por meio de persuasão com o propósito de alcançar o status de solução mais adequada para um problema em dado momento De forma distinta na segunda abordagem as alternativas seriam desenvolvidas em resposta aos problemas haveria uma relação causal in tencional entre estes dois elementos Nessa acepção a formulação de al ternativas envolveria cinco atividades Thomas 2001 apud Howlett 2011 a identificação e coleta de dados e evidências sobre o problema em foco b atividades voltadas a facilitar a comunicação entre atores envolvidas os assumindo que elas e eles têm diferentes perspectivas em relação ao problema e às possíveis soluções c análise dos dados e avaliação das op ções existentes d elaboração de recomendações e por fim novamen te um momento de diálogo e concertação no qual atores produzem fee dbacks sobre as opções recomentadas A seguir vamos conhecer e explorar a estrutura básica de uma alternativa a partir desta segunda abordagem 51 Estrutura de uma alternativa Podemos identificar alguns elementos comuns que formam a estrutura lógica de uma política pública problema social objetivos instrumentos grupo beneficiário e sistema de governança Vamos analisar cada um deles e tecer algumas ideias sobre como desenhálos O primeiro passo da elaboração de uma alternativa é a modelagem do problema social processo de tornar problemas sociais complexos passíveis 58 de serem abordados por meio de ações organizacionais políticas públicas De forma geral este processo consiste num esforço de redução da comple xidade do problema de forma específica corresponde ao recorte e à escolha de elementos do problema que podem ser manejados com os conhecimen tos disponíveis e dentro do escopo de ação das organizações formuladoras e implementadoras tudo isso demarcado pelas ideias e valores prevalecentes Para isso devese realizar um estudo rigoroso e aprofundado do problema em foco investigar e delimitar suas causas e efeitos analisar as causas para veri ficar seu efeito sobre o problema sua dinâmica e fatores que as reforçam espe cificar os efeitos e averiguar como se manifestam na vida das pessoas afetadas mapear os grupos afetados pelo problema e atores envolvidasos e mobilizadas os em torno da questão examinar os aspectos territoriais e demográficos bem como as políticas públicas existentes relacionadas etc A partir deste estudo é possível identificar as causas críticas aquelas que são consideradas as mais importantes para a produção e manutenção do pro blema A detecção e caracterização das causas críticas são importantes porque a política pública não tem como agir sobre todas as causas identificadas na análise tornandose necessário escolher aquelas que têm maior impacto na produção e reprodução do problema social Importante perceber que para modificar o pro blema social a política pública deve agir sobre suas causas FIGURA 12 Figura 12 Referências básicas de um programa Fonte elaboração própria 59 Um método bastante conhecido que auxilia este processo de identi ficação e análise de problemas é a árvore de problemas FIGURA 13 Ela oferece uma representação gráfica de uma situaçãoproblema tronco suas principais causas raízes e os efeitos negativos que ela provoca na populaçãoalvo galhos e folhas Sugerese que ela seja elaborada por meio de grupos de trabalho que promovem discussões sobre aqueles ele mentos a partir da maior quantidade possível de dados como documen tos diversos estatísticas públicas indicadores entrevistas etc Quanto mais diversificadas forem as fontes dos dados melhor será a compreen são das causas e efeitos do problema Brasil 2014 Aqui é relevante frisar que a distinção entre causa e efeito deve ser observada as causas do problema tangem aos fenômenos que o geram que favorecem sua produção e reprodução já os efeitos do problema se referem à sua manifestação na vida das pessoas que são por ele afetadas Por certo tal diferenciação não é estanque e isenta de controvérsia con tudo é necessária para a elaboração da alternativa Figura 13 Representações gráficas da árvore de problemas Fonte Brasil 2014 60 Passemos ao segundo elemento da estrutura da alternativa os ob jetivos Os objetivos são os resultados esperados de uma política públi ca e funcionam como orientadores das ações e como parâmetros para a avaliação dos esforços Segundo Schneider 2015 os objetivos se referem aos aspectos intencionais do desenho das políticas e indicam quais são as consequências pretendidas Assim como fizemos em relação aos problemas sociais podemos es miuçar os objetivos e verificar seus componentes Observemos o Objetivo 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares Este objetivo está muito bem desenhado ele começa com um verbo no infinitivo que indica a di reção da mudança desejada e em seguida anuncia o problema social que deve ser enfrentado Além disso ele faz um esclarecimento conceitual deixa claro que se trata de todos os tipos de pobreza ou seja abarca as diversas definições do problema bem como estabelece uma dimensão espacial a pobreza deve ser erradicada em todos os lugares O Quadro 2 mostra os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 61 Quadro 2 Descrição dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Objetivo Descrição 1 Erradicação da pobreza Acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares 2 Fome Zero e Agricultura Sustentável Acabar com a fome alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável 3 Saúde e BemEstar Assegurar uma vida saudável e promover o bemestar para todos em todas as idades 4 Educação de Qualidade Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos 5 Igualdade de Gênero Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas 6 Água Potável e Saneamento Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos 7 Energia limpa e acessível Assegurar o acesso confiável sustentável moderno e a preço acessível à energia para todos 8 Trabalho Decente e Crescimento Econômico Promover o crescimento econômico sustentado inclusivo e sustentável o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos 9 Indústria Inovação e Infraestrutura Construir infraestruturas resilientes promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação 10 Redução da Desigualdades Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles 11 Cidades e Comunidades Sustentáveis Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos seguros resilientes e sustentáveis 12 Consumo e Produção Responsáveis Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis 13 Ação Contra a Mudança Global do Clima Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos 14 Vida na Água Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável 15 Vida Terrestre Proteger recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres gerir de forma sustentável as florestas combater a desertificação deter e reverter a degradação da terra e deter a perda 16 Paz Justiça e Instituições Eficazes Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes responsáveis e inclusivas em todos os níveis 17 Parcerias e Meios de Implementação Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável Fonte elaboração própria a partir da Plataforma Agenda 2030 2020 62 O terceiro elemento da estrutura da alternativa são os instrumentos que correspondem aos meios de implementação das políticas às técnicas usadas para atingir os objetivos Linder Peters 1989 Ollaik Medeiros 2011 Diante da variedade de instrumentos que são acionados nas polí ticas públicas foram desenvolvidas várias tipologias Bruijin Hufen 1998 Ollaik Medeiros 2011 Salamon 2002 aqui apresentaremos a ta xonomia denominada NATO desenvolvida por Christopher Hood 1983 Hood 1983 elaborou uma tipologia que classifica os instrumentos com base em quatro tipos de recursos utilizados para sua operação a Nodalidade referente à capacidade dos governos de movimentar informação possível devido à sua posição estratégica nas redes sociais o objetivo é tentar influenciar o comportamento e as de cisões das pessoas por meio da transmissão de conhecimento da comunicação de argumentos e da persuasão Sager 2009 b Tesouro denotando a posse de estoque de recursos fungíveis que podem ser trocados como dinheiro provendo capacidade de troca o propósito é estimular ou desincentivar um dado com portamento c Autoridade tange à posse de poder legal que oferece a habilida de de determinar de marcar limites definir padrões etc d Organização remetendo à posse de estoque de pessoas qualifi cadas equipamentos e materiais operando de forma processual controlada e planejada propiciando habilidade de ação direta Para ilustrar o Quadro 3 apresenta exemplos de instrumentos agru pados segundo a categoria de recurso de poder que acionam 63 Quadro 3 Instrumentos de políticas públicas segundo recursos de poder que mobilizam Nodalidade Tesouro Autoridade Organização Campanhas públicas de informação que pretendem influenciar as preferências como evitar desperdício de água fazer exercícios usar máscaras etc Incentivos fiscais Regulamentação Provisão direta de serviços Comissões e inquéritos Empréstimos Regulação Empresas públicas Grupos de trabalho e órgãos temporários voltados à coleta de informações sobre alguma questão Financiamento Comitês consultivos Parcerias Fonte elaboração própria O quarto elemento da estrutura de uma alternativa são os grupos beneficiários pessoas grupos ou organizações que são impactadas pela política conforme estudamos no Capítulo 2 A delimitação deste grupo pode ser feita a partir dos dados coletados na análise do problema social Uma forma de fazer este recorte é considerar três tipos de populaçãoal vo a potencial pessoasgruposorganizações que são afetadas pelo pro blema b elegível pessoasgruposorganizações que podem ser elegíveis à política c priorizada pessoasgruposorganizações que acessarão os serviços ou bens produzidos pela política Brasil 2018 A populaçãoalvo potencial é mais geral a partir dela é definida a elegível e dentro dessa é escolhida a priorizada FIGURA 14 Figura 14 Tipos de populaçãoalvo Fonte elaboração própria 64 O quinto elemento da estrutura de uma alternativa é o sistema de governança A governança tange às interações entre atores estatais e não estatais que operam na implementação de uma política Já o sis tema de governança é uma forma de organizar estas relações entre múltiplasos atores tomando a forma de arranjos institucionais que ordenam as interações definem as competências de cada umaum e suas atribuições na execução da política Cavalcante Pires 2018 Por exemplo o Sistema Único de Saúde tem um sistema de go vernança tripartite realizada pelos governos municipais estaduais e federal ou seja sua estrutura é descentralizada Em cada uma destas esferas o SUS é formado 1 por uma organização estatal Secreta ria Municipal de Saúde Secretaria Estadual de Saúde e Ministério da Saúde 2 pelos Fundos de Saúde 3 pelas instâncias de participação Conselhos de Saúde órgãos deliberativos de controle social e Con ferências de Saúde fóruns públicos que ocorrem a cada quatro anos com representação de diversos segmentos sociais e com objetivo de avaliar a situação de saúde e indicar diretrizes para as políticas Além disso o SUS conta com as Comissões Intergestores Bipartite e Tripar tite a primeira de âmbito estadual voltada à articulação entre gestão estadual e gestões municipais de saúde a segunda de âmbito federal integrada por gestoras e gestores do SUS das três esferas de governo FIGURA 15 65 Figura 15 Estrutura do sistema de governança do SUS Fonte elaboração própria 66 6 Tomada de decisão A tomada de decisão é a fase da escolha entre as alternativas na qual uma ou mais ou nenhuma das opções que foram debatidas e exami nadas é aprovada como curso oficial de ação Howlett Ramesh Perl 2013 p 157 Kingdon 1995 ressalta três fatores que exercem influência nesta fase o humor nacional as mudanças no governo e o apoioa oposição dos grupos de pressão O humor nacional indica a disposição do público em relação a determinado problema eou alternativa A percepção pelasos participantes do processo decisório de um humor favorável cria incentivos para a promoção de algumas questões e em contrapartida pode também desestimular outras Capella 2007 p 93 Na mesma linha as mudanças de governo promovem algumas questões enquanto suprimem outras Isso vale tanto para mudanças amplas trocas de governo incluído a recondução de um mesmo partido quanto para alterações específicas como troca de pes soal de alto escalão E o apoioa oposição dos grupos de pressão aponta para os custos de trilhar determinado caminho A literatura destaca quatro perspectivas para entender a dinâmica da tomada de decisão Modelo da racionalidade instrumental neste enfoque as alternati vas são criadas para problemas específicos ou seja os problemas nas cem primeiro e depois são buscadas as soluções Essas devem combinar 67 as melhores opções em termos de tempo custo rapidez ou quaisquer outros critérios tomados como referência Secchi 2015 Assim seria es colhida a alternativa mais eficiente aquela que maximiza os resultados buscados mediante os recursos empregados Aceitase que as preferên cias de atores são transitivas isto é que podem ser ordenadasranquea das que atores escolhem com base em uma mesma racionalidade de tipo instrumental que as informações disponíveis são completas que os pro dutos podem ser avaliados segundo seus benefícios e custos que as con sequências das escolhas podem ser previstas e são relativamente estáveis Peters 2015 A lógica aqui é sequencial as alternativas são criadas para lidar com problemas e atores conseguem escolher a melhor opção com base em critérios objetivos FIGURA 16 Figura 16 Sequência da tomada de decisão no modelo da racionalidade instrumental Fonte Elaboração própria Modelo da racionalidade limitada com base em Peters 2015 o modelo assume que há limitações à tomada de decisões abrangentes o que se deve à complexidade dos problemas sociais à carência de informa ções completas às limitações cognitivas de atores à existência de rotinas organizacionais prévias que definem a dinâmica dos processos decisó rios restringindo as opções ao que se encaixa nas capacidades organiza cionais e na visão de cada umaum Assumese que as preferências das 68 dos atores não são transitivas e que elas e eles só conseguem formar al guma ordenação quando são confrontadasos com outras opções durante o processo decisório Além disso as preferências em relação às políticas públicas estão mais relacionadas com a viabilidade técnica financeira política cultural do que com a eficiência e efetividade Nesse quadro a decisão tomada é menos abrangente e a mais satisfatória em dado mo mento a qual será revisada continuamente sempre que as condições mu darem como o surgimento de novas informações ou a chegada de novas os atores FIGURA 17 Figura 17 Dinâmica da tomada de decisão no modelo da racionalidade limitada Fonte elaboração própria Modelo incremental com base em Howlett Ramesh e Perl 2013 esta abordagem para o processo decisório mobiliza pressupostos da ra cionalidade limitada Ela enfatiza que a análise das alternativas será limi tada ao que é familiar e que afetará apenas marginalmente o status quo As sim as novas políticas serão desenhadas à luz das anteriores conformando 69 um processo de mudança incremental decisoras e decisores partem daquilo que já é realizadoconhecido eou das capacidades existentes Devese aten tar para o papel da consensualidade e da atividade política neste modelo que fica explícito na ideia de que as decisões tomadas representam as preferên cias politicamente viáveis Isso se deve ao grau de conflito da arena política da incerteza que cerca mudanças profundas do direcionamento promovido pelas rotinas estabelecidas da informação incompleta que constrange o cál culo sobre o futuro das restrições de tempo etc Nesta dinâmica as decisões são feitas e refeitas indefinidamente em um processo cauteloso de tentativa erro e revisão das tentativas conformando então um processo de aprendi zagem FIGURA 18 Figura 18 Dinâmica da tomada de decisão no modelo incremental Fonte elaboração própria Modelo da lata de lixo com base em Motta e Vasconcelos 2009 este modelo trabalha com uma representação menos ordenada do pro cesso decisório aqui ele é fluído e desestruturado Problemas e alternati vas são construídos em diferentes arenas por diferentes atores e não ne 70 cessariamente surgem aos pares Isso porque atores tentando valorizar suas habilidades e recursos podem propor soluções para problemas que ainda não foram construídos e problemas podem ser criados para mobi lizar soluções que já existem Nessa visão as organizações são entendidas como anarquias organizadas pois os processos decisórios seguem fluxos não sequenciais os problemas e soluções são jogados em latas de lixo à espera da oportunidade em que serão casados com soluções e problemas Isso dependerá dos repertórios de ação das coalizões políticas apoiadoras de problemas e soluções específicas do contexto da sorte do acaso De um lado há os problemas que os grupos sociais consideram relevantes e por isso agem para que assim também sejam considerados por outras pessoasgruposorganizações de outro temse as e os especialistas em uma área que trabalham para que suas propostas virem políticas públi cas A ideia é que todasos se empenhem para ter seus interesses reali zados Neste processo por exemplo quando umaum ator identifica um contexto propício para sua proposta elaele busca por problemas reco nhecidos que possam se conectar a ela dandolhe justificativa O mes mo ocorre em relação aos problemas quando identificam um contexto favorável atores que buscam o reconhecimento de um problema tentam acoplálo a uma solução dandolhe consistência e mostrando a viabilida de de seu enfrentamento Assim as decisões são na verdade encontros casuais entre problemas soluções e oportunidades FIGURA 19 71 Figura 19 Tomada de decisão no modelo da lata de lixo Fonte elaboração própria 61 Não decisão Ao tratarmos da tomada de decisão parece pertinente considerar também as situações em que não é possível fazer tal escolha Muller e Surel 2002 alertam que a preocupação com a não decisão é clássica na policy analysis e ela põe a seguinte questão pode uma política consistir em não fazer nada Muller Surel 2002 p 23 O argumento de que a não decisão constitui uma política pública está baseado no entendimen to de que ela frequentemente produz efeitos sociais tão visíveis quanto ações concretizadas Entretanto os autores sustentam que não devemos considerar que se está diante de uma política toda a vez que um governo não faz nada Muler Surel 2002 p 23 Assim eles apresentam dois casos em que a ideia de não decisão é útil para a compreensão das políti cas públicas 72 a A não decisão intencional situação em que é possível constatar e mostrar que as pessoas envolvidas no processo decisório tiveram a intenção de não decidir Por exemplo na condução da epidemia de COVID19 no Brasil o Ministério da Saúde decidiu não exer cer sua atribuição de coordenador nacional do SUS Por certo esta não decisão gerou uma série de efeitos marcando o debate e os embates políticos em torno da problemática b A não decisão controvertida situação em que o problema social em foco é objeto de muita controvérsia não havendo entendi mento difundido e compartilhado de que ele deve ser enfrenta do por meio de ações públicas Podemos ilustrar este tipo de não decisão observando a atitude do governo dos EUA na ocasião da epidemia de HIVAIDS ocorrida nos anos de 1980 Tendo a epi demia se proliferado inicialmente entre grupos marginalizados da sociedade o governo conservador utilizou uma narrativa de que a situação era uma consequência do modo de vida daquelas pessoas assim a responsabilidade era individual e não coletiva Isto é o governo não reconheceu a situação como um problema social desse modo pôde sustentar que ela não deveria ser en frentada por meio de políticas públicas Howlett Ramesh e Perl 2013 chamam a não decisão de decisão negativa enfatizando o caráter deliberado escolhese não fazer alguma coisa 73 7 Implementação de políticas públicas A implementação corresponde à fase na qual a política pública é exe cutada Podemos observar esse processo a partir de três perspectivas Numa perspectiva topdown de cima para baixo assumese que a implementação é um processo técnico de transmissão da política às ins tâncias executoras que se desenrolaria no âmbito da prática administra tiva Hupe Hill Nangia 2014 Nesse espírito Sabatier e Mazmanian 1980 definiram a implementação como execução de uma decisão de po lítica pública normalmente expressa em uma norma formal Logo o ponto de partida da análise é a estrutura normativa formal Tratase do conjunto de normas que apresenta a estrutura e a dinâmica de funcionamento da política definindo os objetivos os grupos benefi ciários quem executa e suas respectivas responsabilidades recursos que serão utilizados como serão disponibilizados os resultados esperados e os meios para alcançálos A centralidade da estrutura normativa reside no entendimento de que ela expressaria as decisões tomadas por repre sentantes eleitasos e designadasos asos quais possuem legitimidade democrática para decidir em nome das representadas e dos representa dos Disso decorre que o sucesso da implementação depende 74 a das características da estrutura normativa formal a política deve estar baseada numa relação de causa e efeito válida os tex tos norteadores devem ser nítidos e evitar ambiguidades os re cursos devem estar tempestivamente disponíveis as atividades a serem executadas devem estar de acordo com as capacidades habilidades e atitudes da estrutura administrativa que irá imple mentálas se não estiver devese construir tais condições deve se por fim elaborar mecanismos de controle e monitoramento da implementação b do treinamento monitoramento e controle das ações e do de sempenho dasdos implementadorases os processos de trei namento visam a socializar as executoras e os executores nos marcos da política explicitando e delimitando seus objetivos e as atividades que devem ser empreendidas para atingilos já o monitoramento e o controle pretendem verificar se as atividades estão sendo implementadas conforme o planejado bem como corrigir os desvios de rota A Figura 20 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva topdown Figura 20 Implementação numa perspectiva topdown Fonte elaboração própria 75 O segundo enfoque é do tipo bottomup de baixo para cima Aqui o processo é observado a partir da ação das pessoas que executam as inicia tivas Entendese que mesmo o melhor dos planejamentos seria incapaz de prever a dinâmica do problema social as limitações das organizações executoras das políticas os conflitos que vão surgindo no decorrer do processo de implementação e outras situações imponderáveis que emer gem a partir do momento em que as atividades são colocadas em prática Tais situações são enfrentadas pelas implementadoras e pelos imple mentadores que tomam decisões e promovem ações de forma a adaptar a política ao contexto e garantir sua implementação Assim cada decisão tomada por estas pessoas vai conformando a política pública não neces sariamente como foi prevista Isso significa que as políticas se tornam eminentemente locais um produto sempre em processo porque é resul tante das escolhas adaptações e interpretações realizadas por toda uma diversidade de atores implementadorases a partir de suas ideias e inte resses Portanto a perspectiva reconhece que a habilidade para resolver problemas está na ponta e consequentemente o poder e a autoridade estão dispersos o processo de implementação é descentralizado e a capa cidade para resolver o problema depende da maximização da discricio nariedade no ponto onde a estrutura administrativa o encontra Elmore 1980 Neste cenário os esforços para garantir a efetividade da política envolveriam a construção de capacidades de resolução de problemas e o fortalecimento de conhecimentos e habilidades técnicas e relacionais nos espaços de implementação A Figura 21 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva bottomup 76 Figura 21 Implementação numa perspectiva bottomup Fonte elaboração própria Por fim a implementação pode ser observada a partir das relações estabelecidas entre atores para lidar com dado problema social A ideia subjacente aqui é a da conformação de redes de políticas públicas Ou seja a partir da percepção de compartilhamento de um objetivo e de in terdependência da ação no que diz respeito à minimização do problema social entre determinadasos atores sociais elas e eles podem se agregar para utilizar os recursos de poder e os repertórios de ação de forma arti culada Em outras palavras atores que desenvolvem atividades voltadas a lidar com um dado problema social percebem que sua ação isolada é limitada e que a efetividade depende da integração em um conjunto mais amplo de esforços que visam ao mesmo objetivo A partir de tal motiva ção formam estruturas de interação Das decisões e ações tomadas nes tas redes nasceria uma política pública caracterizada no limite pela des centralização por relações de interdependência e autonomia pela gestão compartilhada e pela pluralidade de recursos Este enfoque reconhece a importância de múltiplasos atores nos processos das políticas públicas o que se deve à complexidade dos pro 77 blemas sociais e ao ativismo dos grupos que desejam contribuir para a resolução das mazelas sociais Além disso lembra que atores isoladasos podem não deter os recursos e repertórios de ação necessários para en frentar tais problemas A Figura 22 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva de redes Figura 22 Implementação numa perspectiva de redes de políticas públicas Fonte elaboração própria 71 Coordenação e cooperação A implementação de políticas públicas coloca em interação uma sé rie de atores de diversas organizações Assim é relevante distinguir en tre dois mecanismos que ganham atenção nos processos de execução de ações públicas a coordenação e a cooperação Coordenar é uma forma de organizar pessoas recursos informa ções etc No campo das políticas públicas conforme Gontijo 2012 a coordenação é uma dinâmica de execução de ações que ocorre por meio de articulação de recursos visando a reduzir sobreposições redundân 78 cias fragmentações incoerências e deficiências das políticas ou seja é uma forma de tentar gerar sinergia entre as partes Neste arranjo as pes soas estão sob uma mesma autoridade implicando relações hierárquicas Por exemplo a diretoria de um hospital cria um grupo de trabalho inter departamental para analisar e reorganizar os processos de trabalho para melhor lidar com uma dada situação A cooperação assim como a coordenação diz respeito à atuação co laborativa para a consecução de propósitos compartilhados Contudo di ferentemente da primeira dinâmica as pessoas que participam estão em relações horizontais cada qual com autonomia para decidir e agir trata se assim do estabelecimento de parcerias Gontijo 2012 Por exemplo uma universidade faz um acordo de colaboração com a prefeitura para realizar um projeto social em dado território 79 8 Avaliação de políticas públicas A avaliação é uma fase de questionamentos sobre os processos das políticas os objetivos foram cumpridos Os grupos beneficiários foram atingidos A mudança social almejada foi alcançada Em virtude disso é um estágio de produção de informação sobre a política e sua implemen tação Podemos definir a avaliação como um exercício de atribuição de valor um julgamento sobre diferentes aspectos da política Crump ton et al 2016 Ramos Schabbach 2012 Vedung 2015 realizado a partir de parâmetros nítidos Os parâmetros podem ser delineados com base em diversas perspectivas tal escolha depende dos objetivos da avaliação Por exemplo podemos utilizar parâmetros a partir dos elementos constantes na estrutura normativa formal perguntando Os objetivos foram atingidos Os recursos foram suficientes As ati vidades foram executadas conforme previsto De outro ângulo pode mos averiguar a percepção das beneficiárias e dos beneficiários sobre os serviços recebidos e o desempenho do pessoal que os implementou Também podemos verificar a percepção das implementadoras e dos implementadores sobre a estrutura normativa formal e sobre as con dições da organização para implementála Por fim podemos utilizar um parâmetro mais geral externo à política avaliando se ela contri 80 bui para a equidade racial e de gênero para o desenvolvimento sus tentável ou para a erradicação da pobreza De forma geral a avaliação produz informações sobre diversos aspectos das políticas públicas De forma específica tais informações fornecem feedbacks para decisoras decisores gestoras e gestores Se tais atores utilizarem estas informações para qualificar os processos das políticas temse um processo de aprendizagem Sobretudo as in formações produzidas promovem transparência e permitem o contro le social Arretche 2001 possibilitando que governantes sejam res ponsabilizados por suas decisões e ações Ramos Schabbach 2012 81 Termos comuns no campo da avaliação Ao nos deparar com estudos avaliativos ou tomar parte neles encon tramos uma linguagem própria à atividade Abaixo apresentamos alguns desses termos comumente utilizados 811 Objetivos e Metas O objetivo é a situação que se pretende atingir o resultado esperado a partir de um dado esforço empreendido A partir dele são definidas as metas que correspondem ao dimensionamento dos objetivos em termos temporais quantitativos e espaciais Cohen Franco 1993 Tomemos como exemplo um programa de combate à dengue em determinado mu nicípio tendo como objetivo o combate à doença a prefeitura tem como meta reduzir em 20 quantificação a incidência da doença em seis me ses tempo em três bairros diferentes localidade 81 812 Elementos da gestão de processos insumos processos produtos resultados e impactos Os insumos correspondem aos recursos necessários para a reali zação das atividades previstas na política pública como recursos fi nanceiros normativos de conhecimento pessoas etc Os insumos são combinados para a realização das atividades que por sua vez formam os processos especificando cada tarefa bem como a sequência delas Os produtos são os frutos dos processos Já os resultados correspondem às mudanças diretas alcançadas pelas beneficiárias e beneficiários da polí tica pública E os impactos consistem nas alterações efetivas planejadas ou não na realidade social sobre a qual a política intervém mas que são por ela especificamente provocados Draibe 2001 Vejamos estes elementos no caso do programa de combate à dengue citado anteriormente Para cumprir os objetivos e metas referidos no pla no municipal o programa prevê visitas de agentes sanitários e ações edu cativas junto à comunidade nos bairrosalvo Assim temos que a Os insumos são previstos e mediados por meio de convênios e adesões junto aos planos estaduais e federais além disso mu danças legislativas e normativas quantidades de agentes comu nitários de saúde de veneno e repelente para o mosquito bem como de certa variedade de material educativo b Os processos das ações de inspeção e de educação por exemplo precisam especificar como elas serão executadas item por item desde a logística até o registro das atividades desempenhadas bem como o treinamento necessário ao pessoal que executará as ações c Os produtos gerados no escopo da política consistem no núme ro de ações educativas realizadas junto à comunidadealvo e no nú mero de visitas realizadas desse modo podemos observar que os 82 produtos constituem intervenções de caráter material Cohen Franco 1993 d Os resultados esperados do programa consistem na redução da in cidência da doença dengue nas localidadesalvo assumindo que as ações são efetivas e o programa obtenha êxito e Quanto aos impactos um deles poderia ser a melhora no nível de conscientização da populaçãoalvo em relação à doença e a adoção de hábitos preventivos à proliferação do mosquito É importante perceber que o impacto não se refere somente ao públicoalvo das ações pois ele atinge toda a sociedade uma vez que a não proliferação do mosquito é benéfica para todas e todos Além dis so podemos vislumbrar efeitos mais indiretos ainda desde que atingida a diminuição na incidência da doença como redução na demanda por serviços de saúde levando à maior disponibi lização para as demais doenças diminuição no absenteísmo no trabalho aumentando a produtividade da economia e assim por diante Por outro lado uma possível não efetividade do programa poderia ser explicada por problemas na relação causal considera da pela formulação do programa Afinal mais e mais especialis tas vêm afirmando que a incidência das doenças ligadas ao Aedes aegypti estaria relacionada às carências em saneamento básico Isto é para combater o mosquito as ações em saneamento se riam mais eficazes A Figura 23 apresenta os elementos da gestão de processos de políti cas públicas 83 Figura 23 Elementos da gestão de processos de políticas públicas Fonte elaboração própria 813 Eficácia eficiência e efetividade As noções de eficácia eficiência e efetividade também são muito em pregadas na linguagem da avaliação das políticas públicas A eficácia se refere ao grau em que foram atingidos os objetivos e metas da política Cohen Franco 1993 Por sua vez o conceito de eficiência reflete a re lação entre o que foi produzido e os meios empregados ou seja entre re cursos utilizados e os produtos gerados Por fim a medida de efetividade tange ao impacto da política na sociedade como um todo buscando dar conta das alterações mais gerais provocadas pela política na realidade social 82 Tipos de avaliação As avaliações podem ser classificadas quanto ao momento de rea lização e quanto à natureza Em relação ao momento a avaliação pode darse antes durante ou depois da implementação FIGURA 24 classi ficandoas em a Avaliações ex ante são realizadas com o objetivo de auxiliar a fase de formulação da política bem como definir se e como ela deva ser implementada Cohen Franco 1993 Comumente elas tomam a forma de diagnósticos das condições de vida de dada população das capacidades organizacionais para implementar as opções etc 84 b Avaliações in itinere ocorrem durante a implementação e cor respondem ao monitoramento cujo objetivo é fornecer informa ções para o acompanhamento dos processos e para a realização dos ajustes necessários Secchi 2015 c Avaliações ex post ocorrem posteriormente à implementação1 permitindo uma gama maior de objetivos verificar os graus de eficácia e eficiência das políticas bem como a sua efetividade mais geral Draibe 2001 Figura 24 Tipos de avaliação segundo o momento de realização Fonte Secchi 2015 p 63 Quanto à natureza as avaliações são classificadas em processo re sultado e impacto a Avaliações de processo focam nos procedimentos adotados para a concretização dos objetivos da política analisando a estrutura normativa formal a qualidade e utilização dos recursos as ca racterísticas organizacionais o desenvolvimento das atividades etc Estas avaliações comumente procuram verificar o grau de 1 A literatura não é consensual em relação a este ponto para Draibe 2001 podem ser realizadas concomi tantemente à implementação enquanto Secchi 2015 observa que são realizadas após a implementação 85 aderência dos processos aos objetivos dos meios aos fins em outras palavras se e como os processos permitem a consecução dos objetivos Investigam desse modo a lógica da estrutura de decomposição da política pública auxiliando na detecção de di ficuldades e fornecendo informações para subsidiar correções e adequações Tangem assim à eficiência b Avaliações de resultados medem o grau de êxito que a política obteve em relação às metas traçadas analisando em que medi da os objetivos foram alcançados e quais efeitos e consequências foram provocados Ramos Schabbach 2012 estão relaciona das portanto à eficácia c Avaliações de impacto buscam verificar se ocorreu ou não mu dança na realidade social a partir da implementação da política tratase então de uma avaliação de efetividade É uma avaliação complexa porque demanda que seja medida a mudança provo cada exclusivamente pelos efeitos da política em questão isto é na medida do possível tornase necessário excluir outros fato res que possam influenciar as alterações observadas não apenas junto à populaçãoalvo Ramos Schabbach 2012 Neste senti do buscam responder se as mudanças observadas são resultados da realização da política especificamente se a solução pode ser aplicada a outras realidades ou é própria apenas para aquele con texto por fim se as mudanças observadas têm caráter perma nente ou temporário Ramos Schabbach 2012 86 Referências ABRÚCIO Fernando Luiz LOUREIRO Maria Rita Burocracia e Ordem Democrática desafios contemporâneos e experiência brasileira In PI RES Roberto LOTTA Gabriela OLIVEIRA Vanessa Elias de Orgs Burocracia e políticas públicas no Brasil interseções analíticas Brasília Ipea 2018 p 23 57 ALVES Paulo Henrique Ferreira PINTO Jorge Henrique da Silva Ama durecimento em gestão estratégica e tática estudo de caso da PMDF Re vista Ciência Polícia v5 n2 p 121141 juldez 2020 ANDREWS Christina W As Policy Sciences como ciência método e rei ficação Perspectivas São Paulo v 27 p 1337 2005 ARRETCHE Marta Teresa da Silva Tendências no estudo sobre avalia ção In RICO Elizabeth Melo Org Avaliação de políticas sociais uma questão em debate São Paulo IEEPUCSP 2001 p 2940 BRASIL Lei nº 8842 de 4 de janeiro de 1994 Brasília v 132 n 3 jan 1994 p 13 BRASIL Lei no 10257 de 10 de julho de 2001 regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências Brasília Congresso Nacional 2001 BRASIL Ministério da Saúde Secretaria de Gestão Estratégica e Partici pativa Departamento de Apoio à Gestão Participativa Política Nacional de Saúde Integral da População Negra uma política do SUSMinistério da Saúde Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa Departamen 87 to de Apoio à Gestão Participativa Brasília Editora do Ministério da Saú de 2010 56 p BRASIL Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Ca derno de estudos do Curso em Conceitos e Instrumentos para o Moni toramento de Programas Brasília DF MDS Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Secretaria Nacional de Assistência Social 2014 BRASIL Casa Civil da Presidência da República Avaliação de políticas públicas guia prático de análise ex ante Brasília Ipea 2018 BRASIL Decreto no 10316 de 7 de abril de 2020 Regulamenta a Lei n 13982 de 2 de abril de 2020 que estabelece medidas excepcionais de pro teção social Diário Oficial da União Seção 1 Brasília DF ano 158 n 67B p 1011 7 abr 2020 Edição extra BRUIJIN Hans A HUFEN Hans A M The Traditional Approach to Pol icy Instruments In PETERS B Guy van NISPEN Frans K M Eds Public Policy Instruments Evaluating the Tools of Public Administra tion 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Maria O estado da arte da ava 93 liação de políticas públicas conceituação e exemplos de avaliação no Brasil Revista de Administração Pública Rio de Janeiro v 46 n 5 p 12711294 2012 REDE AFRO LGBT Sobre Página do Facebook Disponível em https wwwfacebookcomredeafrolgbt Acesso em 28 dez 2020 RIO GRANDE DO SUL Lei no 12544 de 03 de Julho de 2006 Institui o Pro grama Primeira Infância Melhor PIM e dá outras providências Diário Ofi cial do Estado no 125 de 04 de julho de 2006 RITTEL Horst W J WEBBER Melvin M Dilemmas in a general theory of planning Policy Sciences n 4 p 155169 1973 ROTH DEUBEL AndréNoel Las políticas públicas y sus principales enfo ques analíticos In ROTH DEUBEL AndréNoel Org Enfoques para el análisis de políticas públicas Bogotá Universidad Nacional de Colombia 2010 p1765 ROURKE Francis Edward Bureaucracy politics and public policy 2 ed Bos ton Little Brown and Company 1976 RUA Maria das Graças ROMANINI Roberta Para aprender políticas públicas Conceitos e Teorias v 1 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RAMESH M WU Xun Eds Routledge handbook of public policy New York Routledge 2015 p 217 228 SCHWARTZENBERG RogerGérard Sociologia Política São Paulo DI FEL 1979 SECCHI Leonardo Políticas Públicas conceitos esquemas de análise casos práticos 2 ed São Paulo Cengage Learning 2015 SECCHI Leonardo COELHO Fernando de Souza PIRES Vladimir Po líticas Públicas conceitos casos práticos questões de concursos 3rd ed São Paulo Cengage 2019 95 SINDICATO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DO TRABALHO SINAIT Apresentação Disponível em httpswwwsinaitorgbr siteapresentacao Acesso em 28 dez 2020 THOMAS Harold G Towards a new higher education law in Lithuania reflections on the process of policy formulation Higher education poli cy v 14 n 3 p 213223 set 2011 VEDUNG E Six models of evaluation In ARARAL Eduardo FRITZEN Scott HOWLETT Michael RAMESH M WU Xun Eds Routledge handbook of public policy New York Routledge 2015 p 387400 WU Xun RAMESH M HOWLETT Michael FRITZEN Scott Guia de Políticas Públicas gerenciando processos Brasília ENAP 2014 FEDERALISMO E GASTO SOCIAL NO BRASIL TENSÕES E TENDÊNCIAS CELINA SOUZA A terceira onda de democratização que tomou conta da América Latina e do Leste Europeu nos anos 80 tem seguido caminhos diferentes e produzido experiências e resultados também diferentes Em muitos países foi acompanhada da descentralização política e financeira para os governos subnacionais Em outros envolveu a elaboração de novas constituições gerando novos pactos e compromissos políticos e sociais Em alguns países federais a redemocratização a descentralização e as novas constituições mudaram o papel desempenhado pelos entes federativos Essas mudanças no entanto foram acompanhadas de uma nova agenda econômica voltada para o controle fiscal criando contradições e tensões para o cumprimento dos compromissos assumidos com a redemocratização O Brasil é um caso em que todos esses fatores ocorreram simultaneamente A Federação brasileira como instituição e o gasto social como política pública passaram por profundas transformações trazidas tanto pelos compromissos assumidos com a redemocratização como pelo novo paradigma econômico Uma dessas mudanças referese à ampliação do papel dos governos subnacionais no gasto social preenchendo o vazio deixado pelo governo federal Além dos mais os governos subnacionais também passaram a desempenhar papel importante na construção ou reconstrução das instituições democráticas A análise do estágio atual do federalismo brasileiro requer portanto maior compreensão das instituições subnacionais Além do mais as questões e a agenda mencionadas acima tornamse mais complexas em países caracterizados por disparidades políticas sociais econômicas e regionais como o Brasil O federalismo é uma das instituições que foram reconstruídas após a redemocratização No entanto as mudanças ocorridas não devem ser vistas como um movimento radical da centralização para a descentralização Isto porque o federalismo brasileiro não se formou pela dicotomia entre centralização versus descentralização mas sim por um continuum entre esses processos o qual sempre guiou as relações de poder entre as esferas central regionais e locais Apesar de ter havido mudanças na Federação como resultado da redemocratização e da descentralização profundos desequilíbrios inter e intraregionais persistem Podese ilustrar esses desequilíbrios com alguns indicadores Em 1994 56 do PIB estava concentrado no Sudeste e 175 no Sul enquanto que o Nordeste detinha 14 e o Norte e o CentroOeste permaneciam com 48 e 71 respectivamente do PIB nacional O PIB per capita regional também ilustra bem essas disparidades O PIB per capita nacional é de US 5037 no Sudeste é US 8843 e no Nordeste US 3085 ou seja três vezes menor do que o do Sudeste No caso da participação de cada estado a concentração econômica piorou nos anos 90 Em 1985 dos 26 estados brasileiros 7 produziam 23 da riqueza nacional e em 1994 essa proporção atingiu 773 Lavinas et al 1997 Ao contrário do que ocorreu nas décadas de 1970 e 1980 quando a concentração econômica regional registrou um pequeno declínio a década de 1990 retomou a tendência à concentração O PIB do Sudeste que havia declinado entre 1970 e 1985 de 655 para 591 alcançou 596 no final de 1998 O PIB do Nordeste que tinha aumentado sua participação de 117 para 136 entre 1970 e 1985 caiu para 126 em 1998 Serra e Afonso 19991 Portanto apesar dos esforços dos constituintes de 1988 para diminuir a concentração econômica via a distribuição dos impostos das regiões economicamente mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas a concentração econômica no Sudeste tem aumentado2 Esses desequilíbrios afetam os resultados da redemocratização e da descentralização criando contradições e tensões para o federalismo De um lado a descentralização política e financeira contribuiu para a consolidação democrática ao tornar o Brasil mais federal Isto porque as trans formações políticas e institucionais promoveram a emergência de novos atores políticos Essas mudanças também promoveram a emergência de centros de poder alternativos que agora competem entre si e com o governo federal Como consequência desse processo o governo federal é compelido a negociar com as esferas subnacionais o encaminhamento de questões nacionais tornando assim o Brasil mais democrático e mais federal Por outro lado a descentralização reduz as possibilidades de se enfrentar os desequilíbrios regionais pelo relativo enfraquecimento financeiro do governo federal Esse enfraquecimento não significa que o governo federal se tornou um ator passivo ou ausente mas sim que ele é forçado a negociar com as lideranças subnacionais questões que têm abrangência nacional3 A literatura sobre descentralização relações intergovernamentais e federalismo fiscal ainda não nos fornece bases suficientes para analisar teoricamente as questões acima mencionadas A ausência de uma moldura analítica teoricamente informada acaba gerando espaço para avaliações excessivamente díspares sobre como a descentralização as relações intergovernamentais e o federalismo fiscal afetam a forma como o federalismo opera na prática Essa literatura é em geral normativa ou incompleta tais como as tentativas das teorias da escolha pública e da escolha racional de explicar os efeitos da descentralização das relações intergovernamentais e do federalismo fiscal sobre a Federação Apesar dessas duas escolas teóricas incorporarem um elemento crucial do federalismo ou seja a questão da ação coletiva permitindo a visão do federalismo como uma instituição guiada pelo conflito elas ainda permanecem muito influenciadas pelos pressupostos da economia4 Contrariamente ao que acontece com a literatura acima referida a ciência política principalmente a norteamericana dedicou em décadas passadas enorme espaço para explicar o federalismo Essa literatura caminha em várias direções Uma enfrenta as questões específicas do federalismo ou seja sua definição e características sendo os trabalhos de Elazar 1984 1987 os mais conhecidos Outro caminho trilhado dentro da ciência política foi o de associar o federalismo à democracia como fez Dahl 3 Sobre o poder do Executivo federal frente ao Congresso Nacional ver Figueiredo e Limongi 1999 Para uma análise sobre como os interesses dos governadores visàvis o do governo federal às vezes coincidem e outras não ver Weyland 2000 4 Para uma crítica da literatura sobre federalismo fiscal e sua aplicabilidade ao caso brasileiro ver Aguirre e Moraes 1997 e para uma discussão sobre as limitações da literatura sobre descentralização ver Souza 1997 413 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva E mbora o tema da segurança pública te nha inspirado inúmeros estudos acadê micos e técnicos ao longo dos últimos anos a maior ênfase desta produção tem recaído sobre a dinâmica do crime e da violência e os proble mas culturais gerenciais e operacionais que acometem as organizações atuantes no setor notadamente as polícias ver por exemplo Lima Misse e Miranda 2000 Pouca aten ção tem sido dada assim às medidas adotadas pelos gestores públicos na tentativa de intervir sobre os pontos críticos identifcados naquelas avaliações e refetidos na própria opinião pú blica O presente artigo busca descrever este campo ainda pouco delimitado o da ação dos governos no tema da segurança pública re construindo a trajetória e delineando as prin cipais características do que se pode chamar de uma política nacional de segurança pública PNSP1 Para tanto o texto baseiase não apenas nas escassas referências disponíveis na literatura mas também no histórico de acom panhamento do setor pelo Ipea2 Política pública é expressão que em prin cípio pode qualifcar qualquer conjunto de iniciativas sistemáticas conduzidas a partir de órgãos de governo com vistas a alterar uma re alidade considerada problemática ou imperfei ta GOODIN REIN MORAN 2006 Mas como a literatura contemporânea da área suge re a formação de uma política pública com a defnição do problema e a identifcação das ini ciativas necessárias para enfrentálo não resul ta de escolhas puramente racionais ou seja baseadas no estabelecimento da melhor relação possível entre meios e fns Ao contrário esse processo dialoga com fatores sociais políti cos culturais econômicos e institucionais que delimitam sensivelmente o campo de escolha dos gestores STONE 1999 2002 MILLER BARNES 2004 KINGDON 1995 VAN HORN BAUMER GORMLEY JR 2001 Assim é que quando se alude a uma polí tica nacional de segurança pública PNSP no contexto brasileiro dois desses fatores pare cem mais sensíveis O primeiro é a particula ridade da forma federativa do país que após a CF1988 busca equilíbrio entre as virtudes da descentralização maiores oportunidades de accountability dada a maior proximidade entre gestores locais e cidadãos maior capa cidade de adequação de soluções a realidades específcas etc e as virtudes da centraliza ção maior capacidade de indução a mudan ças nas realidades locais sobretudo quando isto signifca contrariar forças hegemônicas compromisso com a redução das desigualda des regionais etc Como anotam Abrucio Franzese e Sano 2010 o aprendizado insti tucional nesse terreno tem levado os níveis de governo a entender os limites do modelo descentralizador me ramente municipalista e da prática intergo vernamental compartimentalizada que se 414 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 observou nos primeiros anos após a promul gação da CF88 com cada nível de governo agindo apenas nas suas tarefas sem entrela çamento em problemas comuns Assim a construção de políticas nacionais requer em princípio a elaboração de instrumen tos de fnanciamento e estratégias de governança que estimulem a cooperação entre os vários entes algo que na visão dos autores parece ter sido mais bem realizado no âmbito dos sistemas de po lítica pública tendo como caso paradigmático o Sistema Único de Saúde SUS Outra variável importante é a plena vigên cia de uma ordem democrática Neste contexto não apenas a sociedade civil em suas várias formas de expressão como alerta GurzaLavalle 2010 mas também especialistas e veículos de mídia são interlocutores importantes e per manentes no processo de formação das políticas públicas Por meio de sucessivas coalizões SA BATIER 2007 estes atores desestabilizam cer tezas e impulsionam mudanças de paradigma no campo ainda que de maneira incremental Até o início dos anos 2000 o panorama brasileiro na segurança pública era marcado por duas características que estabeleciam franca ten são com estas variáveis A primeira era a divisão rígida de competências no plano federativo a qual conferia aos Estados grande autonomia na concepção e na execução de suas próprias me didas e iniciativas no setor A ação do governo federal resumiase basicamente à mobilização da Polícia Federal PF e da Polícia Rodoviária Federal PRF não raro de maneira desarticu lada da ação das forças estaduais OLIVEIRA JR 2010b A segunda correspondia à centrali dade da ação ostensiva de organizações policiais na agenda dos governos estaduais traduzida por bordões como Rota na rua e endossada ainda que por omissão pelo governo federal3 De FHC a Lula avanços e limites na construção de uma PNSP O governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso 19942002 instituiu três condições importantes mas ainda tímidas para enfrentar aquele legado criação da Secre taria Nacional de Segurança Pública Senasp no Ministério da Justiça MJ estabelecendo unidade de coordenação de proposições refor mistas até então dispersas na agenda federal construção em 2000 do I Plano Nacional de Segurança Pública O Brasil Diz Não à Violên cia e criação do Fundo Nacional de Seguran ça Pública FNSP o qual instituiu no plano federal maior poder de indução e articulação sistêmica de iniciativas De um ponto de vista mais técnico o plano do governo FHC tinha vários defeitos incor porando por exemplo iniciativas fragmentadas eram 15 compromissos e 124 ações e com di reções potencialmente contraditórias p ex a eliminação de chacinas e execuções sumárias no compromisso no 9 e a inibição de gangues e combate à desordem social no compromisso no 8 No entanto alguns de seus pontos abri ram oportunidades relevantes de experimen tação em temas que mais tarde revelarseiam estruturais nos debates da área É o caso da integração operacional das polícias ação 8 do compromisso no 1 combate ao narcotráfco e ao crime organizado e da busca pela integra ção de programas sociais de prevenção decor rentes da implementação da ação 3 do compro 415 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva misso no 15 que deu origem a uma iniciativa específca e bastante vanguardista o Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção da Violência Piaps As possibilidades abertas pela criação da Senasp e do FNSP por sua vez só foram exercitadas muito lentamente Alguns passos importantes foram dados a partir do primei ro governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva 20032006 Sob a inspiração de outro plano nacional para o setor agora elaborado no âmbito do Instituto Cidadania e adotado como plataforma de campanha do expresidente a Senasp enunciou linhas mais estratégicas e estruturantes para sua atuação e a mobilização dos recursos do FNSP escapando ao binômio viaturasarmamento Um dos principais pressupostos do plano adotado no primeiro governo Lula era de que a PNSP carecia de planejamento e gestão O modelo alternativo a ser induzido envolvia bom diagnóstico da violência e da criminali dade o qual alimentaria ações preventivas estratégicas orientadas e permanentemente monitoradas por atores da segurança públi ca e do sistema de justiça criminal Figura 1 Dessa forma ao invés de reagir a demandas por aparelhamento das organizações estaduais o governo federal passava a induzir e articular políticas reformistas e mais complexas que en volviam componentes como coleta sistemática de dados em matéria criminal pactuação das diretrizes nacionais de formação de policiais e fomento a projetos de prevenção à violência e à promoção dos direitos humanos Figura 2 Figura 1 Pressupostos para uma Política de Segurança Eficiente SEM GESTÃO NÃO HÁ POLÍTICA DE SEGURANÇA POLÍTICA DE SEGURANÇA IMPLICA INTEGRAÇÃO SISTÊMICA DAS INSTITUIÇÕES Diagnóstico rigoroso Planejamento sistemático Avaliação regular Dados qualificados GESTÃO COMO FERRAMENTA PARA PROMOVER AÇÕES PREVENTIVAS ESTRATÉGICAS ORIENTADAS E PERMANENTEMENTE MONITORADAS Rotinas funções processos e estruturas ágeis e adequadas ao cumprimento das metas 416 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Figura 2 Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública Um dos mais altos pontos deste plano foi a proposição de institucionalidade própria à qual caberia a tarefa de coordenar a integra ção de forças abordagens e níveis de governo Os Gabinetes de Gestão Integrada GGIs surgiam assim nos Estados e municípios como foros deliberativos e executivos com postos por representantes das agências de se gurança pública e justiça criminal que operam por consenso sem hierarquia respeitando a autonomia das instituições que o compõem BRASIL 2003b Supervisionados por comitês gestores nos Estados e na União os GGIs eram a base de estrutura de governança modelada como sistema de política pública ao qual se deu o nome de Sistema Único de Segurança Públi ca Susp Figura 3 Nas palavras de Soares 2007 O SUSP não implicaria a unifcação das polícias mas a geração de meios que lhes propiciassem trabalhar cooperativamente segundo matriz integrada de gestão sempre com transparência controle externo avaliações e monitoramento corretivo Nos termos desse modelo o trabalho policial seria orientado prioritariamente para a prevenção e buscaria articularse com políticas sociais de natureza especifcamente preventiva Parece desnecessário dizer que a indução desse novo modelo demandaria audaciosos programas de reforma das instituições da segu rança permeados pela integração operacional e Programas de Reforma das Instituições de Segurança Pública Valorização e Formação Profissional Gestão do Conhecimento Reorganização Institucional Estruturação e Modernização da Perícia Prevenção Controle Externo e Participação Social Sem prejuízo da pauta dos Estados 417 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Figura 3 Criação do Sistema Único de Segurança Pública cultural entre forças polícias e guardas e abor dagens repressiva e preventiva ao longo dos diversos níveis de governo sob algum crivo de participação e controle social por meio de ouvidorias independentes e até mesmo conse lhos Assim é que como uma espécie de pano de fundo do plano havia a curiosa proposta de experimentalismo nas formas organizacionais de prestação dos serviços de segurança sobre tudo as polícias Conforme o longo porém ne cessário depoimento de Soares 2007 Paralelamente à aludida institucionalização do SUSP o Plano Nacional de Segurança Pública do primeiro mandato do presidente Lula pro punha a desconstitucionalização das polícias o que significa a transferência aos Estados do poder para definirem em suas respectivas cons tituições o modelo de polícia que desejam precisam eou podem ter Sendo assim cada estado estaria autorizado a mudar ou manter o status quo conforme julgasse apropriado Isto é poderia manter o quadro atual caso avaliasse que a ruptura do ciclo do trabalho policial re presentada na organização dicotômica Polícia Militar PM Polícia Civil estivesse funcio nando bem Caso contrário se a avaliação fosse negativa caso se constatasse desmotivação dos profissionais e falta de confiança por parte da população ineficiência corrupção e brutali dade mudanças poderiam ser feitas e novos modelos seriam experimentados Por exemplo a unificação das atuais polícias estaduais ou a criação de polícias metropolitanas e municipais pelo menos nos municípios maiores de ciclo Política Nacional de Segurança Pública Princípios Metas Pressupostos Diretrizes SUSP Não implica unificação mas Integração prática das agências de justiça criminal dentro dos marcos legais vigentes Um fórum deliberativo e executivo composto por representantes das agências de segurança pública e justiça criminal que opera por consenso sem hierarquia respeitando a autonomia das instituições que o compõem GGI Coordenação do SUSP 419 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva O capítulo subsequente na construção da PNSP é formado pelo Programa Nacional de Segurança com Cidadania Pronasci criado no segundo governo Lula 20072010 quan do da gestão do exministro Tarso Genro na pasta da Justiça Propondo intervir não nas consequências mas nas causas da criminali dade HAMÚ 2009 e adotando como foco prioritário jovens de 18 a 24 anos o Pronasci deslocou o equilíbrio de prioridades entre re pressão e prevenção e valorizou o protagonis mo dos municípios na elaboração e na execu ção da PNSP Para tanto mediante o aporte de volume até então inédito de recursos federais no setor o programa agiu em quatro frentes principais Primeiro fnanciou projetos voltados para ga rantir o acesso dos moradores de territórios em que há ausência de coesão social às políticas que visam garantir o exercício da justiça e da cidadania HAMÚ 2009 Segundo atribuiu a Gabinetes de Gestão Integrada Municipais GGIMs a tarefa de identifcar os projetos a se rem implantados no nível local com o apoio de especialistas induzindo a formação destas insti tucionalidades em contextos em que estas não existiam Terceiro estimulou ações de polícia de proximidade o que originou por exemplo os projetos de Unidades de Polícia Pacifcadora do Rio de Janeiro UPPs Quarto aprofundou algumas medidas de formação e valorização dos profssionais da segurança pública sobretudo com o advento do Bolsa Formação que ofere ce incentivo econômico para a participação em cursos oferecidos pela Renaesp Vale notar em todo caso que o Pronasci não passou imune a críticas Uma destas era a de que o programa também incorria em fragmentação compreendendo nada menos que 94 ações cuja responsabilidade de execução encontravase dis persa entre vários órgãos de governo Outra era a de que quando apropriado localmente não era raro que o programa perdesse suas virtudes conceituais Em análise do desempenho do Pro nasci datada de 2009 e baseada na experiência do município do Rio de Janeiro por exemplo Rodrigues 2009 destaca que O governo municipal não aderiu volunta riamente ao programa a despeito da adesão do governo estadual e portanto o GGIM não foi criado Cabe notar que o GGIM se ria o órgão responsável pela gestão integrada do programa inclusive com participação de membros do MJ Os projetos do Pronasci no município fo ram conduzidos por secretarias distintas do governo do estado notadamente a Secretaria de Segurança Pública com projetos relativos à segurança e a Secretaria de Assistência So cial e Direitos Humanos com projetos so ciais tais como Mulheres da Paz Protejo e Espaços Urbanos Seguros Ainda que as duas secretarias pertencessem ao mesmo governo não houve criação de fórum comum do Pro nasci que permitisse articulação das ações das duas secretarias e das suas respectivas equipes Além disso Os projetos da área de segurança pública in cluíam implantação do policiamento comuni tário em algumas áreas da cidade Foram def nidas como prioritárias para policiamento co munitário as seguintes comunidadesbairros Morro Santa Marta Cidade de Deus e Favela do Batan Tais áreas também correspondiam às áreas foco do Pronasci tanto em termos de 420 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 indicadores de violência quanto em termos de indicadores sociais e urbanos Entretanto não eram as mesmas áreas selecionadas para pro jetos de prevenção Houve portanto descasa mento das ações de policiamento comunitário e dos projetos sociais mais importantes do Pro nasci RODRIGUES 2009 Notese que essa crítica remete a duas caracte rísticas potencialmente problemáticas do Pronas ci Por um lado o programa operava mediante a oferta de soluções préconcebidas aos municípios parceiros que a este aderiam Neste caso era fundamental para o sucesso do programa que os municípios aderentes não apenas avaliassem a adequação das soluções aos problemas que viven ciavam mas também partilhassem da visão que inspirou a formulação destas soluções no nível central4 Por outro lado o Pronasci não dispunha de um adequado monitoramento de processo que permitisse identifcar distorções substantivas e propor medidas corretivas Mas a crítica mais comum e ao mesmo tempo mais contundente levantada contra o Pronasci era de que este não incorporou a agenda de reformas nas organizações da segu rança pública Neste sentido Soares 2007 anota que no programa O tema decisivo as reformas institucionais não é sequer mencionado provavelmente por conta de seu caráter politicamente con trovertido dada a indefnição das lideranças governamentais a respeito do melhor mode lo a adotar e de seu potencial desagregador derivado das inevitáveis reações corporativas que suscitaria Assim com o SUSP anêmico e sem o seu complemento institucional a desconstitucionalização ou alguma fórmula reformista no nível das estruturas organiza cionais o status quo policial e mais am plamente o quadro fragmentário das insti tuições da segurança pública acabam sendo assimilados Desse modo naturalizase o le gado da ditadura chancelandose a transição incompleta como a transição possível O Pro nasci resignase a ser apenas um bom plano destinado a prover contribuições tópicas Como saldo dessa história institucional rela tivamente curta mas repleta de inovações po dese então indicar um quadro de avanços nada desprezíveis Dois apresentam maior destaque de um lado a instalação de maior capacidade de indução e coordenação da PNSP no âmbito fe deral com a criação do FNSP e a maior capila ridade federativa e societal das ações executadas no âmbito do Pronasci de outro a mudança de paradigma no setor ou seja da maneira pela qual atores nele relevantes defnem o problema e selecionam alternativas de ação Isto fca visível no Gráfco 2 produzido por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas FGV o qual classifca os projetos aprovados pelo MJ no âmbito do Pronasci em 2008 em três categorias segurança preventiva seguran ça repressiva e segurança defensiva Para a classifcação dos projetos segundo esclarece o texto Foram considerados como segurança repres siva os projetos destinados a ações típicas de policiamento ostensivo Como segurança defensiva foram considerados os projetos vol tados para a implementação de policiamento comunitário capacitação dos profssionais de segurança valorização profssional e incre 423 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva civil A reação a este argumento afrma que os GGIs têm natureza operacional e não de gestão o que não comporta a participação social embo ra não afaste a necessidade de controle externo por meio de órgãos como ouvidorias ver por exemplo Soares 2009 Ainda assim o Susp pre via comitês de gestão em níveis estadual e nacio nal e nenhum destes contemplava a presença de integrantes da sociedade civil Apesar da associação retórica que fez entre se gurança pública e cidadania o Pronasci tampou co foi construído e implementado com base em mecanismos de participação social As 94 ações previstas para o programa foram defnidas exclu sivamente por seus formuladores e a partir daí pactuadas entre os órgãos de governo por estas responsáveis sem qualquer tipo de consulta am pliada Nesse aspecto a segurança pública tem se constituído como área na qual as políticas e deci sões estratégicas têm sido historicamente restritas aos gestores dirigentes de instituições públicas bem como chefes e comandantes de instituições policiais O advento de instituições participa tivas que incorporam trabalhadores e sociedade civil e incidem sobre a PSNP como a I Conferên cia Nacional de Segurança Pública I Conseg e o novo Conselho Nacional de Segurança Pública Conasp é portanto efetiva inovação no cam po com um potencial que até o início de 2011 ainda não havia sido plenamente exercitado5 O terceiro limite está associado enfm à postergação no debate sobre as reformas nas organizações da segurança pública As contro vérsias riscos e custos políticos deste debate são quase autoevidentes mas a demanda ainda mo biliza muitos atores que participam do cam po da PNSP Em pesquisa sobre as condições de efetividade do Conasp considerando a sua composição no biênio 20102012 SÁ E SIL VA DEBONI 2012 esta questão fcou mais que evidente Entre as expectativas mantidas pelosas conselheirosas ganhou destaque o enfrentamento de problemas estruturais do setor como précondição para galgar avanços importantes Nas palavras de um entrevistado Falase hoje da integração de esforços nas três esferas federativas mas o SUSP tinha um ob jetivo muito maior O sistema de segurança pública seria resultado de amplas reformas nas organizações policiais incluindo as guardas municipais e a partir desta nova composição nós criaríamos um sistema novo A integração seria um resultado fnal e não inicial que é o que se fala hoje O SUSP se resumiu a um sistema de integração das policiais e quem o defende hoje não fala em reforma das orga nizações policiais Acho que a concepção do SUSP foi mal interpretada por alguns gestores E de outro Não dá para falar tão rapidamente sobre a PNSP cujos pressupostos datam de uma dé cada antes do governo Lula mas as caracte rísticas mais fortes do período atual são indu ção alcançada no primeiro governo Lula e investimento por conta da maior disponibi lidade de recursos no segundo governo Lula O problema é que uma PNSP não implica só indução e investimento Avançamos pouco sobre um novo modelo de segurança e sobre as mudanças legais necessárias a isso por exemplo padrões de policiamento grandes questões sobre fnanciamento ouvidorias corregedorias ciclo completo de polícias e presos provisórios Estas questões estão em aberto Na sua lógica a PNSP não efetiva 424 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 o novo paradigma do texto base da CON SEG O próximo governo vai fazer o quê Efetivar o novo paradigma ou contentarse com a lógica de indução e de fnanciamento Essa é pois a herança nem tão maldita nem tão bendita deixada pelos governos FHC e Lula no campo da PNSP6 A próxima seção descreve e analisa as medidas adotadas a partir de então pelo governo da presidenta Dil ma Roussef tomando por base os primeiros documentos e manifestações assim produzidos pelas autoridades do setor Contornos indiciários da PNSP no governo Dilma Lançado de maneira bem mais discreta que seus antecessores7 o Plano Nacional de Segurança Pública 8 formulado nesta primeira metade do governo Dilma está estruturado em sete eixos ou sobre sete componentes 1 Plano estratégico de fronteiras 2 Programa Crack é possível vencer 3 Combate às organizações criminosas 4 Programa nacional de apoio ao sistema prisional 5 Plano de segurança para grandes eventos 6 Sinesp Sistema Nacional de Informa ção em Segurança Pública 7 Programa de enfrentamento à violência Como parte deste último eixo além de um programa de prevenção e redução de acidentes de trânsito consta também um programa de redução da criminalidade violenta A Figura 4 baseada em material do próprio Ministério da Justiça ilustra esse novo pacote de iniciativas Figura 4 Plano Nacional de Segurança Pública Programa de Redução da Criminalidade Violenta Plano Nacional de Segurança Pública 1 Plano Estratégico de Fronteiras 2 Programa Crack é possível vencer 3 Combate às Organizações Criminosas 4 Programa Nacional de apoio ao Sistema Prisional 5 Plano de Segurança para Grandes Eventos 6 SINESP Sistema Nacional de Informação em Segurança Pública 7 Programa de Enfrentamento à Violência Programa de Enfrentamento à Violência 71 Programa de Redução da Criminalidade Violenta 72 Programa de Prevenção e Redução de Acidentes de Trânsito 425 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Tomados em conjunto os componentes do novo plano sugerem algumas infexões impor tantes apresentadas a seguir Mudança no ponto ótimo de equilíbrio entre entes federados De várias maneiras o Plano Nacional sugere uma discreta porém signifcativa mu dança no que se considera ser o ponto ótimo de equilíbrio na relação entre os entes federa dos Isso se dá basicamente pela afrmação de competências executivas muito próprias da União e dos Estados O plano estratégico de fronteiras e o combate às organizações crimi nosas têm como lócus de gestão as institui ções federais como o Exército as Polícias Fe derais e o Ministério Público Federal enquan to o programa de redução da criminalidade violenta tem como elemento crucial o forta lecimento da polícia civil e da perícia orga nizações de caráter tipicamente estadual Já as guardas municipais e programas de prevenção ou projetos sociais cujo lócus de gestão é em geral municipal parecem ocupar posição bem mais discreta do que vieram a ocupar no passa do recente9 No plano de ação para o Estado de Alagoas no âmbito do programa de redu ção da criminalidade violenta projetos como Protejo e Mulheres da Paz10 aparecem como outras ações junto por exemplo com uma campanha de ouvidoria de polícia No Pronasci tais projetos já foram praticamente o centro de gravidade da atuação federal Ao mesmo tempo o novo plano parece ba seado na concepção de que o governo federal deve desempenhar uma função de apoio aos governos estaduais na produção e gestão de políticas públicas de segurança No menciona do plano de ação para o Estado de Alagoas isso parece estar consubstanciado por exem plo na mobilização de peritos da Força Na cional de Segurança Pública para dar apoio ao trabalho investigativo das polícias civis em ma téria de homicídios Já no programa nacional de apoio ao sistema prisional foi o próprio diretorgeral do Departamento Penitenciário Nacional quem afrmou em entrevista de TV que o programa é um programa de apoio Os Estados são responsáveis por esse assunto11 Priorização Ao invés de incluir dezenas de ações e ob jetivos o novo plano aparenta resultar de um esforço mais detido de refexão estratégica e de priorização Esse esforço fca ainda mais evi dente quando se considera a natureza especí fca do programa Crack é possível vencer e do plano de segurança para grandes eventos que respondem mais a preocupações políticas ou conjunturais do que a questões históricas ou estruturais do setor12 Relativizando por tanto o peso desses componentes fca claro aos gestores e à sociedade o que do ponto de vista do governo federal são os aspectos mais críticos na produção de insegurança no país fronteiras crime organizado sistema prisional violência urbana e como problema de fundo a difculdade na produção de informações conf áveis sobre criminalidade e segurança pública A análise de cada item do plano em sua es pecifcidade reitera ter havido um notável es forço de priorização O programa nacional de apoio ao sistema penitenciário põe claro foco na geração de vagas construção reforma ou ampliação de unidades prisionais tendo por objetivo desativar as carceragens das delegacias 426 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 de polícia Já o plano de ação para o Estado de Alagoas no âmbito do programa de enfrenta mento à violência está estruturado sobre cin co componentes principais fortalecimento da perícia forense fortalecimento da polícia civil articulação com Judiciário Ministério Público e Defensoria Pública policiamento ostensivo e de proximidade e controle de armas Maior ênfase no fortalecimento e na articulação institucionais O novo plano tem no fortalecimento e na articulação institucionais uma linha bastante nítida Isto é visível por exemplo na preo cupação com a melhoria da polícia civil e da perícia técnica bem como na busca pela arti culação entre as instituições do sistema de jus tiça criminal polícias Judiciário Ministério Público e até mesmo Defensoria Pública13 Esta abordagem vale dizer não é comple tamente inédita Em muitos de seus discursos e textos à imprensa o exministro da Justiça Marcio Tomaz Bastos costumava dizer que em aspectos relacionados à justiça e à seguran ça o arcabouço normativo vigente no Brasil era em geral sufcientemente avançado razão pela qual o fortalecimento das instituições e não a mudança das leis seria o principal desafo de sua gestão à frente daquela pasta Sendo ou não de todo correta essa avaliação14 fato é que ela orienta fundamentalmente a promoção de mudanças incrementais e de lon go prazo sem a intenção ou o compromisso de promover grandes rupturas Não por coin cidência ao longo da gestão do exministro Marcio Tomaz Bastos o discurso orientado à reforma das organizações da segurança pública foi perdendo força sendo substituído pouco a pouco por um discurso orientado à inte gração operacional das forças respeitadas as confgurações existentes Maior ênfase a aspectos de planejamento gestão e monitoramento Espelhando o que parece ser uma caracterís tica estrutural do governo Dilma o novo plano dá bastante ênfase a aspectos de planejamento gestão e monitoramento valorizando diagnós ticos de situação divisão de responsabilidades e estabelecimento de indicadores para o monito ramento e a aferição dos resultados proporcio nados pelas intervenções de política pública O Sistema Nacional de Informação em Segurança Pública Sinesp é nesse aspecto uma medi da tão ousada quanto digna de celebração pois dá condições adequadas para que o Ministério da Justiça centralize a coleta e a sistematização de informações sobre criminalidade junto dos entes subnacionais15 Agora por força de lei re cursos federais para segurança pública e para o sistema prisional só podem ser alocados a Esta dos que estiverem adimplentes em relação ao fornecimento de informações ao Sinesp16 E a construção de planos de ação para cada Esta do com base em um diagnóstico das formas e manifestações da violência por um lado e dos recursos fnanceiros e institucionais por ou tro mostram um esforço para se trabalhar desde logo sob a lógica da pactuação e da governança bem informadas Mas é também nesses planos de ação que a preocupação com planejamento gestão e monitoramento tem vindo a expressar uma fa ceta mais controvertida Por exemplo o plano de ação para o Estado de Alagoas ao men cionar fortalecimento da polícia civil prevê 427 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva a criação de uma delegacia especializada em homicídios já quando fala de policiamento ostensivo e de proximidade chega a estimar até despesas com combustível de aeronaves Ora sem dúvida delegacias especializadas po dem gerar melhores resultados na investigação de crimes assim como no longo prazo a posse de indicadores detalhados como o valor gasto em combustível para aeronaves pode permitir boas análises dos custos e benefícios incorridos em cada plano de ação Mas em ambos os casos excesso de expectativas pode levar à frus tração a ideia de especialização pode demorar a se enraizar e portanto demorar a dar os re sultados esperados e a simples análise de cus tos e benefícios dos diversos planos de ação tende a dizer pouco sobre os fatores de sucesso ou fracasso em cada caso17 Considerações finais Passados quase 25 anos da promulgação da CF1988 a construção de uma PNSP segue sendo objeto de um longo e difícil aprendizado Ainda é cedo para prever o impacto das medidas e da estratégia adotada pelo governo Dilma na trajetória da PNSP mas como defniu Soares 2007 por ocasião de outro período de tran sição do setor também há aqui razões para otimismo e para cautela Alguns avanços do período recente se não chegam a ser desconsi derados são sucedidos por novas abordagens e proposições com as quais não necessariamente chegam a compor uma história coerente A governança bem informada por exem plo é um défcit histórico do setor que pode ser mais bem confrontado a partir de elemen tos do novo plano tais como a ênfase em pla nejamento gestão e monitoramento Todavia tendo em vista a divisão de competências entre entes federados e a ênfase em aspectos institucionais presentes no mesmo plano será que isso não terá como preço uma perda de capacidade de indução pelo governo federal e uma dissolução do paradigma da segurança cidadã a duras penas consolidados no setor O esforço de priorização é outro dado positivo mas novamente quando associado a outras características do plano não pode acabar em pobrecendo o repertório da política Faz senti do por exemplo centrar o programa nacional de apoio ao sistema penitenciário na geração de vagas sem incluir medidas para a reinte gração social e o apoio ao egresso Faz sentido articular com a Defensoria Pública para a rea lização de mutirões nas delegacias sem mostrar disposição para a construção de um sistema de alternativas ao encarceramento em especial ao encarceramento provisório na esteira da lei das cautelares18 O fortalecimento e a ar ticulação das instituições previstos no plano também podem ter aspectos positivos Mas faz sentido fortalecer a polícia civil e a perícia forense bem como articulálas melhor com o Poder Judiciário e o Ministério Público sem levar em conta as críticas ao inquérito policial como instrumento de investigação e produção da verdade no processo penal MISSE 2010 Em outras palavras é prudente ou até mes mo correto investir nas instituições da jus tiça e da segurança sem exigir que ao menos em alguma medida elas se reinventem Diante de todas essas e outras perguntas possíveis é oportuno regressar à inspiração do título deste artigo o poema Ou isto ou aqui lo no qual Cecília Meireles 2001 ilustra a difculdade de fazermos escolhas19 O passado 430 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Referências bibliográficas ABRUCIO F FRAZESE C SANO H Coordenação e coo peração no federalismo brasileiro avanços e desafios Estado instituições e democracia república Pers pectivas do desenvolvimento brasileiro Brasília Ipea v 1 2010 BRASIL Ministério da Justiça O Brasil diz não à violên cia resultado de um ano do Plano Nacional de Segu rança Pública Brasília SenaspMJ 2001 BRASIL Ministério da Justiça Presidência da República Segurança contra o crime e a violência Brasil 1994 2002 a era do real Brasília SecomPR 2002 BRASIL Ministério da Justiça Apresentação dos pla nos estaduais de segurança pública SenaspMJ 2003a BRASIL Ministério da Justiça Secretaria Nacional de Segurança Pública documento de apresentação Bra sília SenaspMJ 2003b COSTA A GROSSI B C Relações intergovernamentais e segurança pública uma análise do fundo nacional de segurança pública Revista Brasileira de Segurança Pública São Paulo ano 1 n 1 2007 FGV Fundação Getulio Vargas Pronasci em números Rio de Janeiro FGV 2009 GOODIN R E REIN M MORAN M Introduction the public and its policies In MORAN M REIN M GOOD IN R E Orgs Oxford handbook of public policy New York Oxford University Press 2006 GURZALAVALLE A O estatuto político da sociedade civil evidências da Cidade do México e de São Paulo Estado instituições e democracia democracia Pers pectivas do desenvolvimento brasileiro Brasília Ipea v 1 2010 HAMÚ D M Pronasci uma opção estratégica para a segurança pública Gestão estratégica no Ministério da Justiça Brasília SEMJMJ 2001 INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos Seguran ça pública e cidadania uma análise orçamentária do Pronasci Brasília Inesc 2010 KINGDON J W Agendas alternatives and public policies New York Longman 1995 KOPITTKE A L ANJOS F A OLIVEIRA M S C Rees truturação do Conselho Nacional de Segurança Pública desafios e potencialidades Revista Brasileira de Se gurança Pública São Paulo ano 4 fevmar 2010 LIMA R K MISSE M MIRANDA A P Violência crimi nalidade segurança pública e justiça criminal no Brasil uma bibliografia Revista Brasileira de Informação Bi bliográfica em Ciências Sociais BIB Rio de Janeiro n 50 2o2000 MEIRELES C Ou isto ou aquilo Poesia completa Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001 p 1483 MILLER M C BARNES J Orgs Making policy mak ing law an interbranch perspective Washington DC Georgetown University Press 2004 MISSE M O inquérito policial no Brasil resultados ge rais de uma pesquisa Dilemas Revista de Estudos de Conflito e Controle Social v 3 n 7 p 3550 janfev mar 2010 OLIVEIRA JR A As polícias estaduais brasileiras o de safio da reforma Brasil em desenvolvimento Esta do planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010a p 629646 Política de segurança pública no Brasil evolução recente e novos desafios Estado institui ções e democracia república Perspectivas do desen volvimento brasileiro Brasília Ipea 2010b p 277314 RODRIGUES R Diagnóstico e desempenho recente do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania Brasil em desenvolvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010 p 761778 431 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva SÁ E SILVA F Desenho contexto e qualidade delibe rativa em conferências nacionais uma análise dos de bates e proposições sobre o Sistema Penitenciário na I Conferência Nacional de Segurança Pública I CONSEG Brasil em desenvolvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010 p 603627 SÁ E SILVA F DEBONI F Participação social e governan ça democrática na segurança pública possibilidades para a atuação do Conselho Nacional de Segurança Pú blica Brasília Ipea 2012 Texto para discussão n 1714 SÁ E SILVA F PIRES R R C LOPEZ JR F G Métodos qualitativos de avaliação e suas contribuições para o aprimoramento de políticas públicas Brasil em desen volvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea v III 2010 SAPORI L F Torre de Babel Revista Brasileira de Se gurança Pública ano 4 ed 6 fevmar 2010 SABATIER P Ed Theories of the policy process 2nd ed Westview Press 2007 SOARES L E A política nacional de segurança públi ca histórico dilemas e perspectivas Revista Estudos Avançados São Paulo v 21 n 61 2007 Gabinetes de gestão integrada da segu rança pública gênese implantação desdobramentos Brasília MJ 2009 p 262268 STONE D Causal stories and the formation of policy agendas Political science quarterly v 104 n 2 1999 STONE D Policy paradox the art of political decision making New York W W Norton Company 2002 VAN HORN C E BAUMER D C GORMLEY JR W T Poli tics and public policy Washington CQ Press 2001 288 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento Poverty in Brazil in the contemporary time and ways to confront it Maria Carmelita Yazbek ResumoEsteartigodesenvolveanáliseacercadapobrezabrasi leiracomênfasenasformashistoricamentedesenvolvidasparaseu enfrentamentoPartedeumaconcepçãodepobrezacomofenômeno complexoemultidimensionalsituandoacomoexpressãoderelações vigentesnasociedadeApresentaaindaumarápidacaracterizaçãode iniciativashistóricasconstituídasnaperspectivadeseuenfrentamento PalavraschavePobrezaPolíticassociais AbstractThisarticlepresentsananalysisoftheBrazilianpovertyemphasizinghistorically developedwaystoconfrontitItstartsfromaconceptionofpovertytakenasacomplexandmulti dimensionalphenomenonperceivedasanexpressionoftherelationscurrentinthesocietyItalso presentsabriefcharacterizationofinitiativeshistoricallyconstitutedtoconfrontit KeywordsPovertySocialPolicies EstetextoincorporaeatualizapartedoartigoApobrezaeasformashistóricasdeseuenfrentamen toRevista de Políticas PúblicasProgramadePósGraduaçãoemPolíticasPúblicasdaUFMASãoLuís v9n1janjun2005 MestradoedoutoradoemServiçoSocialdocenteepesquisadoradoProgramadePósgraduação emServiçoSocialPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPauloBrasilpesquisadora1AdoCNPq Emailmcyazuolcombr 289 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Introdução conceitual e histórica Oentendimentoédequeosistemadeproduçãocapitalistacentrado naexpropriaçãoenaexploraçãoparagarantiramaisvaliaearepar tiçãoinjustaedesigualdarendanacionalentreasclassessociaissão responsáveispelainstituiçãodeumprocessoexcludentegeradore reprodutordapobrezaentendidaenquantofenômenoestrutural complexodenaturezamultidimensionalrelativonãopodendoser consideradocomomerainsuficiênciaderendaétambémdesigualda denadistribuiçãodariquezasocialmenteproduzidaénãoacessoa serviçosbásicosàinformaçãoaotrabalhoeaumarendadignaé nãoaparticipaçãosocialepolítica MariaOzaniradaSilvaeSilva2010 I niciandoaanálisedestatemáticagostariadeexplicitaraconcepçãode pobrezaquevemorientandominhaspesquisaseparticularmenteorienta estasreflexõesAssimabordoapobrezacomoumadasmanifestaçõesda questãosocial1edessaformacomoexpressãodiretadasrelaçõesvigen tesnasociedadelocalizandoaquestãonoâmbitoderelaçõesconstitutivasde umpadrãodedesenvolvimentocapitalistaextremamentedesigualemque convivemacumulaçãoemisériaOspobressãoprodutosdessasrelaçõesque produzemereproduzemadesigualdadenoplanosocialpolíticoeconômicoe culturaldefinindoparaelesumlugarnasociedadeUmlugarondesãodesqua lificadosporsuascrençasseumododeseexpressareseucomportamentosocial sinaisdequalidadesnegativaseindesejáveisquelhessãoconferidasporsua procedênciadeclasseporsuacondiçãosocialEstelugartemcontornosligados àprópriatramasocialquegeraadesigualdadeequeseexpressanãoapenasem circunstânciaseconômicassociaisepolíticasmastambémnosvaloresculturais dasclassessubalternasedeseusinterlocutoresnavidasocialAssimsendoa 1Aquestãosocialresultadadivisãodasociedadeemclassesedadisputapelariquezasocialmente geradacujaapropriaçãoéextremamentedesigualnocapitalismoSupõedessemodoaconsciênciadade sigualdadeearesistênciaàopressãoporpartedosquevivemdeseutrabalhoNosanosrecentesa questão socialassumenovasconfiguraçõeseexpressõeseasnecessidadessociaisdasmaioriasaslutasdostraba lhadoresorganizadospeloreconhecimentodeseusdireitosesuasrefraçõesnaspolíticaspúblicasarenas privilegiadasdoexercíciodaprofissãosofremainfluênciadoneoliberalismoemfavordaeconomiapolí ticadocapitalIamamoto2008p107 290 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 pobrezaexpressãodiretadasrelaçõessociaiscertamentenãosereduzàs privaçõesmateriaisYazbek2009p7374Éumacategoriamultidimensio naleportantonãosecaracterizaapenaspelonãoacessoabensmasécate goriapolíticaquesetraduzpelacarênciadedireitosdeoportunidadesdein formaçõesdepossibilidadesedeesperançasMartins1991p15 Estamosnosreferindoaumaformadeinserçãonavidasocialauma condiçãodeclasseeportantoabordamosapobrezacomocategoriahistórica esocialmenteconstruídacomofenômenoquenãopodesertomadocomo naturalEstamostambémnosreportandoàqualidaderelativadapobrezaque giraemtornodadesigualdadesocialassimcomoaoutrascondiçõesreitera dorasdadesigualdadecomogêneroetniaprocedênciaeoutrosaspectos ComosabemosnoBrasilapobrezadecorreemgrandepartedeumquadro deextremadesigualdademarcadoporprofundaconcentraçãoderendaEssa situaçãocolocaoBrasilentreospaísesdemaiorconcentraçãoderendado mundoSilva2010p156 ApobrezaépartedenossaexperiênciadiáriaOsimpactosdestrutivosdas transformaçõesemandamentonocapitalismocontemporâneovãodeixando suasmarcassobreapopulaçãoempobrecidaoaviltamentodotrabalhoode sempregoosempregadosdemodoprecárioeintermitenteosquesetornaram nãoempregáveisesupérfluosadebilidadedasaúdeodesconfortodamoradia precáriaeinsalubreaalimentaçãoinsuficienteafomeafadigaaignorância aresignaçãoarevoltaatensãoeomedosãosinaisquemuitasvezesanunciam oslimitesdacondiçãodevidadosexcluídosesubalternizadosnasociedade Sinaisqueexpressamtambémoquantoasociedadepodetolerarapobrezae banalizálaesobretudoaprofundaincompatibilidadeentreosajustesestrutu raisdaeconomiaànovaordemcapitalistainternacionaleosinvestimentos sociaisdoEstadobrasileiroIncompatibilidadelegitimadapelodiscursopela políticaepelasociabilidadeengendradosnopensamentoneoliberalquereco nhecendoodevermoraldeprestarsocorroaospobreseinadaptadosàvida socialnãoreconheceseusdireitossociaiscfYazbek2009p72 Anoçãodepobreza2éportantoamplaesupõegradaçõeseemboraseja umaconcepçãorelativadadaapluralidadedesituaçõesquecomportaUsual 2Dopontodevistaconceitualasabordagenssobreapobrezapodemserconstruídasdediversasformas 1apartirdediferentesfundamentosteóricometodológicospositivistasfuncionalistasestruturalistas marxistas2dopontodevistadodesenvolvimentohistóricosocialepolíticodasociedadecapitalistado 291 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 mentevemsendomedidapormeiodeindicadoresderendaeempregoaolado dousufrutoderecursossociaisqueinterferemnadeterminaçãodopadrãode vidataiscomosaúdeeducaçãotransportemoradiaaposentadoriaepensões entreoutrosOscritériosaindaquenãohomogêneosemarcadospeladimen sãoderendaacabamporconvergirnadefiniçãodequesãopobresaqueles quedemodotemporáriooupermanentenãotêmacessoaummínimodebens erecursossendoportantoexcluídosemgrausdiferenciadosdariqueza socialEntreelesestãoosprivadosdemeiosdeproveràsuaprópriasubsis tênciaequenãotêmpossibilidadesdesobreviversemajudaostrabalhadores assalariadosouporcontaprópriaqueestãoincluídosnasfaixasmaisbaixas derendaosdesempregadosesubempregadosquefazempartedeumavastís simareservademãodeobraquepossivelmentenãoseráabsorvidaYazbek 2009p73743 ParaSposati1996éinviáveloenfrentamentodascondiçõesdepobreza semmudançasestruturaisnomodeloeconômicoconcentradoremboraainser çãodaquestãonaagendapúblicabrasileiraemmeadosdadécadade1990 representeumavanço Dopontodevistapolíticoaquestãosecolocapelaslacunasdeuma cidadaniaconstruídadeformasegmentadaadjetivadacompartimentalizada EstadoliberalprevalênciadomercadoaoEstadosocialdiretossociais3dopontodevistadadefinição deindicadoresasmedidasdapobrezapodemsermonetáriasquandoutilizamarendacomoprincipaldeter minantedalinhadepobrezaepodemrecorreraindicadoresmultidimensionaisqueincluematributosnão monetáriosparadefinirapobrezacomooIDHeoíndiceGiniEssesindicadoresmultidimensionaisincluem aspectosqueafetamobemestardosindivíduoseanãosatisfaçãodesuasnecessidadesbásicasConsideram comoessencialparadefiniracondiçãodepobrezaoacessoaalgunsbensdemodoquesemessesoscida dãosnãosãocapazesdeusufruírumavidaminimamentedignaIncluemáguapotávelrededeesgoto coletadelixoacessoaotransportecoletivoeducaçãosaúdeemoradiaOcarátermultidimensionaldapo brezalevaánecessidadedeindicadoresquetenhamumacorrespondenteabordagemmultidimensionaleque levememconsideraçãocomooindivíduopercebesuasituaçãosocial EntreasabordagensmultidimensionaisdestacaseopensamentodeAmartyaSenqueenfocaapobre zanãoapenascomobaixonívelderendamascomoprivaçãodecapacidadesbásicasoqueenvolveacesso abenseserviçosParaeleodesenvolvimentoseriaresultadonãoapenasdocrescimentoeconômicomas naeliminaçãodasprivaçõesdeliberdadeenacriaçãodeoportunidadesSen2000p10 3ConformeSilva2010p157Nessadireçãocategoriascomoclassessociaisexercitoindustrial dereservalumpemproletariadoexploraçãoedesigualdadesãoprofícuasparaexplicarapobrezanacon temporaneidadeParaMarxéleigeraldaacumulaçãocapitalistaasubstituiçãodaforçadetrabalhopor maquinariaemeiosdeproduçãooquelevaàsubsunçãorealdotrabalhoaocapitalexpulsandotrabalhado resdomercadoformaleconstituindoumexércitoindustrialdereserva 292 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 segundoaposiçãosocialpolíticaeeconômicadossujeitosAraújo2009 p52pelanãocidadaniaFleury1994oupelaconstruçãotardiadedirei tossociaisnasociedadebrasileira4 Abordaraquelesquesocialmentesãoconstituídoscomopobresépenetrar numuniversodedimensõesinsuspeitadasUniversomarcadopelasubalterni dadepelarevoltasilenciosapelahumilhaçãoefadigapelacrençanafelicida dedasgeraçõesfuturaspelaalienaçãoeresistênciaesobretudopelasestraté giasparamelhorsobreviverapesardetudoEmboraarendaseconfigurecomo elementoessencialparaaidentificaçãodapobrezaoacessoabensrecursose serviçossociaisaoladodeoutrosmeioscomplementaresdesobrevivência precisaserconsideradoparadefinirsituaçõesdepobreza Ospobresnomeaçãodaimpotênciasociológicaparanãodesignáloscomo ovaivémentreolúmpeneafraçãoestagnadadoproletariadoOliveira2006 estaimensaparceladehumanidadedegenteexploradaenganadailudida massacradagenteandarilhandoporaíàprocuradeumsítioondeparartraba lhardescansarocorpodormirsobreviverFreire1988p7Gentequefica àesperaemlongasfilasparareceberosbenefíciosumacestaumsacode leiteumaconsultaumlugarnoônibusparairouvoltardotrabalhoparaobter umdocumentoparaconseguirumempregoreivindicarumdireito Outroaspectoquemerecedestaquerefereseàprofundaestigmatizaçãoa quesãosubmetidosospobressubmersosnumaordemsocialqueosdes qualificamarcadosporclichêsinadaptadosmarginaisproblematizados portadoresdealtosriscoscasossociaisalvodepedagogiasdereerguimentoe promoçãoVerdesLeroux1986ospobresrepresentamaherançahistóricada estruturaçãoeconômicapolíticaesocialdasociedadebrasileiracfYazbek 2009p22ParaZaluar1985p35sobreelesvemrecaindograndeparte daculpapelaausênciademudançassignificativasnassociedadesemdesen volvimentoParaSarti2003p36oqueseobservaéaanulaçãodopobre comosujeitoeparaTelles1992p3apobrezaétraçadacomoumarealida deemnegativoumaespéciedelimboparaaondesãoprojetadasascarências asprecariedadesasmenoridadeseosatrasosdopaís SoboutrojogodereferênciasGiorgioAgamben2002ofereceumprin cípiodeintelegibilidadeaotrabalharcomanoçãodeEstadodeExceçãopara 4SobreoprocessodeconstruçãodedireitosnoBrasillerO direito social e a assistência social na sociedade brasileiraumaequaçãopossívelSãoPauloCortez2004 293 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 comporsuaexplicaçãosobreomundoquevemsedesenhandodesdeofinaldo séculoXXNessareferênciaaexceçãotornaseregraesabersobreviverna adversidadeetransitarentrefronteirasemumatramadeilegalidadespode decidiravidaeossentidosdavidaescapandodessadurapartidaentreamor tematadaeadesfiguraçãodavidaparaaquelesquevirampobresdetudoese transformamempúblicoalvodosprogramassociaisditosdeinserçãoquenas palavrasdeChicodeOliveiranãosãomaisdoqueaadministraçãodaexceção Telles2007p217 AdominaçãoeasubalternidadefazempartedessapobrezaTornaros indivíduosgovernáveisépartedojogoÉSatriani1986p96quenosrecor daqueomundodosdominadoseomundodosdominadoresnãoseencontram monoliticamentecontrapostosmastêmpontosdecontatoexatamenteaqueles ondeodomínioseexerceDopontodevistaculturalsãorealidadesquese interpenetramsemlinhasrígidasdedemarcaçãomasdequalquermodoépos sívelobservarnelasqueasaçõeserepresentaçõesdasclassessubalternas correspondemaumarealidadecaracterizadapelolugarqueocupamnatrama derelaçõessociaisDeacordocomTelles2007p214215énesseâmbito queseconstróiummundosocialmarcadopelagestãodaspopulaçõesgestão dasvidaseadministraçãodesuasurgênciasMasacontecequeparaaauto raessemundonãocabenosdispositivosgestionáriosescapaportodososlados Nãosetrataapenasdeamisériasergrandedemaisparaserdomesticadae capturadapelagestãodosocialÉqueessemundoétãoincertoeaaleatorie dadedavidaétãodevastadoraqueterminaporimplodirqualquermedidana ordemdascoisasquerdizerosdispositivosgestionárioseavidamatável fazempartedomesmojogo Nacontemporaneidadeébomlembraraindaqueapobrezaéumafacedo descartedemãodeobrabarataquefazpartedaexpansãocapitalistaExpansão naqualotrabalhofontedariquezasocialsofreosefeitosdevastadoresdas mudançasquevemocorrendonoprocessodeacumulaçãocomareestruturação produtivaecomfinanceirizaçãodocapitalemandamentonasúltimasdécadas Expansãoquecriaumapopulaçãodetrabalhadoresprecarizadosgentequese tornounãoempregávelparcelascrescentesdetrabalhadoresquenãoencontram umlugarreconhecidonasociedadequetransitamàmargemdotrabalhoedas formasdetrocasocialmentereconhecidasTelles1998Expansãoquecriao necessitadoodesamparadoeatensãopermanentedainstabilidadeedainse gurançanotrabalhoImplicaadisseminaçãododesempregodelongaduração 294 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 dotrabalhoprecárioinstáveleintermitentedosbiscatesedeoutrasmodalida desderelacionamentodaforçadetrabalhocomocapitalqueemsuaessência representamumamesmaordenaçãodavidasocial Nesseprocessoquefoiimpulsionadopelasagênciasmultilateraiseteve comosuporteasinstituiçõesfinanceirasquepassaramaoperarcomocapital querendejurosbancoscompanhiasdesegurofundosdepensãofundosmú tuosesociedadesfinanceirasdeinvestimentoocapitalfinanceiroassumiuo comandodoprocessodeacumulaçãoenvolvendoaeconomiaeasociedadea políticaeaculturamarcandoprofundamenteasformasdesociabilidadeeo jogodasforçassociaiscfIamamoto2007p107 ApobrezatemsidoparteconstitutivadahistóriadoBrasilassimcomoos sempreinsuficientesrecursoseserviçosvoltadosparaseuenfrentamentoNes sahistórianãosepodeesqueceropesodatradiçãooligárquicaeautoritária naqualosdireitosnuncaforamreconhecidoscomoparâmetrosnoordenamen toeconômicoepolíticodasociedadeEstamosnosreferindoaumasociedade desdesempredesigualedivididaentreenclavesdemodernidadeeuma maioriasemlugarumasociedadedeextremasdesigualdadeseassimetrias Umpaíscaracterizadoporumahistóriaregidaporumprivatismoselvageme predatórioquefazdavontadeprivadaedadefesadeprivilégiosamedidade todasascoisasquerecusaaalteridadeeobstruiporissomesmoadimensão éticadavidasocialpelarecusadosfundamentosdaresponsabilidadepública edaobrigaçãosocialTelles1993p24 Nãoéobjetivodestetextoretomariniciativashistóricasdeenfrentamento àpobrezanasociedadebrasileiramaséinteressanteumarápidacaracterização dopercursodessasaçõessuaspersistênciaseredefiniçõessemprecomdefini çõesdapobrezaquenãoconstroemafiguradocidadãomassimafigurado pobrefiguradesenhadaemnegativopelasuaprópriacarênciaTelles1999 p190 Sabemosquedemodogeralopadrãodedesenvolvimentodosistemade proteçãosocialbrasileiroassimcomodospaíseslatinoamericanosfoibem diversodaqueleobservadonospaíseseuropeuspoisaspeculiaridadesdaso ciedadebrasileiradesuaformaçãohistóricaedesuasdificuldadesemadiar permanentementeamodernidadedemocráticapesaramfortenesseprocesso Assimsendooacessoabenseserviçossociaiscaracterizouseporserdesigual heterogêneoefragmentado 295 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Nocasobrasileiroaexperiênciacolonialeaescravidãoprolongadaco locaramhistoricamenteparaostrabalhadoresaresponsabilidadeporsua própriasobrevivênciaDessemodoatéfinsdoséculoXIXganharamcorpo obrassociaisefilantrópicasaçõesdeordensreligiosaseredesdesolidariedade efamiliaresfamíliasextensasdeváriostiposquederamlugarapráticassociais ligadasàsobrevivênciasemorecursoaomercado5 ÉnaviladeSãoPauloporvoltade1560queemergeaprimeirainstitui çãodeatendimentoàpobrezadopaísaIrmandadedeMisericórdiaque apoiadaempráticasdeesmoladeinspiraçãoportuguesaofertavadotespara órfãoseprovidenciavacaixõesparaosmortosInstalouseemSãoPaulocom umapequenaenfermariaqueeraaomesmotempoalbergueehospitalatenden docomalimentaçãoabrigoeenfermagemaescravosehomenslivresvisto quenãohaviaaindamédicosnopaísMestriner2001p40 Estemodelovaiampliarsenosséculosseguintescomaaçãodeoutras ordensreligiosasfranciscanosbeneditinoscarmelitasevicentinosqueofe reciamrefeiçõesabrigoajudamaterialeespiritualapobresórfãosloucose enfermosNesseprocessoaIgrejacatólicatemimportantepapelpormeiode suasirmandadesAsesmolasqueeramoficialmenterecolhidaseaçõesde caridadevãocunharummodelocaritativodeassistênciaquerecolhiadosricos edistribuíaaospobresequemesclavaassistênciaerepressãoAssimesmola foiaprimeiramodalidadedeassistênciasocialaospobresnoBrasilcolonial seguidadacriaçãodeinstituiçõesasilaresetutelares ASantaCasaqueiniciasuaaçãocomserviçosambulatoriaisehospita laresgradativamentecrianovosserviçoscomdestaqueparaasoluçãoasilar entreosquaissedestacamolazaretohospitalparahansenianosem1802a rodadosexpostosem1825oasiloparainválidoseassistênciaaalienadose inválidosCriançasórfãsleprososalienadosdoenteseinválidosforamos primeirossegmentosquereceberamumaformaassistencialinstitucionalizada Sposati1988p78 EmSãoPauloaCâmaraeraobrigadaadestinarumsextodeseusrecursos aosórfãoseédesuainiciativaapropostaàIrmandadedeMisericórdiade confinarosmendigosem1874Comrelaçãoàsaçõesdeenfrentamentoàpo brezaaCâmaraMunicipalrealizavainspeçõespormeiodecomissõesque 5ArespeitoverCosta1990eWanderley2008 296 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 visitavamestabelecimentosdecaridadeeprisõesAposturacfSposati1988 éfiscalizadoraeconfundeoatendimentoàpobrezacompráticassanitárias Essasaçõesserãoabaseparaacaracterizaçãodeumatendimentoaospobres filantropizadoehigienistanacidadeemseuperíodocolonialeimperial Essemodelovaisofreralteraçõescomaexpansãodaeconomiapelaex portaçãodocaféconfigurandoapassagemdaeconomiamercantilescravista paraaeconomiaexportadoracapitalistaquecaracterizaoBrasilnofinaldo ImpérioenosprimeirosanosdaVelhaRepúblicaSposati1988p87 NoiníciodoséculoXXapobrezaévistacomoincapacidadepessoale objetodabenemerênciaedafilantropiaAospoucoscomodesenvolvimento daurbanizaçãoecomaemergênciadaclasseoperáriaedesuasreivindicações emobilizaçõesqueseexpandemapartirdosanos1930nosespaçosdascida desaquestãosocialpassaaserofatorimpulsionadordemedidasestataisde proteçãoaotrabalhadoresuafamíliaNessesentidoaquestãosocialéexpres sãodoprocessodeformaçãoedesenvolvimentodaclasseoperáriaedeseu ingressonocenáriopolíticodasociedadeexigindoseureconhecimentocomo classeporpartedoempresariadoedoEstadoIamamoto1995p77 Aoreconheceralegitimidadedaquestãosocialnoâmbitodasrelações entrecapitaletrabalhoogovernoVargasbuscaenquadrálajuridicamente visandodesmobilizaçãodaclasseoperáriaearegulaçãodastensõesentreas classessociaismedianteaConsolidaçãodasLeisdoTrabalhoCLTosalário mínimoavalorizaçãodasaúdedotrabalhadoreoutrasmedidasdecunhocon troladorepaternalistaComomostraIanni1990oEstadobrasileirotransfor mouaquestãosocialemproblemadeadministraçãodesenvolvendopolíticas eagênciasdepoderestatalnosmaisdiversossetoresdavidanacional EmsínteseoEstadobrasileirodesenvolvendoacordosdeinteressedo capitaledostrabalhadoresnosmaisdiversossetoresdavidanacionalopta pelaviadosegurosocialOsistemadeproteçãonesseperíodoéseletivoe distantedeumpadrãouniversalistaConsideradalegítimapeloEstadoa questãosocialcircunscreveumterrenodedisputapelosbenssocialmente construídoseestánabasedasprimeiraspolíticassociaisnopaísApartirdo EstadoNovoGetúlioVargas193745aspolíticassociaissedesenvolvem deformacrescentecomorespostaàsnecessidadesdoprocessodeindustriali zaçãoYazbek2008p8990Pararesponderàspressõesdasnovasforças sociaisurbanasoEstadodesenvolveesforçosreformadoresenessecenário 297 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 osistemaprotetivobrasileirosedualizadeumladodesenvolvesefortemen teapoiadonacapacidadecontributivadostrabalhadoresparticularmentedo mercadoformaldetrabalhoedeoutrovaidestinaraosmaispobrestrabalha doresdeummercadoinformalummodeloderegulaçãopelabenemerência Sposati1994p8 Assimpelalegislaçãotrabalhistaaclassetrabalhadoratemgarantidos algunsdireitosbásicoscomoaregulamentaçãodajornadadetrabalhoore pousoremuneradoasfériasotrabalhofemininoedosmenores6Parao trabalhadorpobresemcarteiraassinadaoudesempregadorestamasobras sociaisefilantrópicasquesemantêmpormeiodeumaredeburocráticaeclien telistafortementeapoiadapelafilantropiaedesenvolvidapormeiodeinicia tivasinstitucionalizadasemorganizaçõessemfinslucrativosOisolamento dosdesajustadosemespaçoseducativosecorretivosconstituíaestratégia seguraparaamanutençãopacíficadapartesadiadasociedadeAdorno 1990p9Portantooqueseobservaéquehistoricamenteaproteçãosocial brasileiravaiseestruturandopartevinculadaàproteçãoaotrabalhoformale parteacopladaaoconjuntodeiniciativasbenemerentesefilantrópicasdaso ciedadecivil Ainserçãoseletivanosistemaprotetivosegundodecritériosdemérito vaibasearsenumalógicadebenemerênciadependenteecaracterizadapela insuficiênciaeprecariedademoldandoaculturadequeparaospobresqualquer coisabastaDessaformaoEstadonãoapenasincentivaabenemerênciamas passaaserresponsávelporelaregulandoapormeiodoConselhoNacionalde ServiçosSociaisCNSScriadoem1938mantendoaatençãoaospobres semadefiniçãodeumapolíticanãoacompanhandoosganhostrabalhistase previdenciáriosrestritosapoucascategoriascfMestriner2001 Apartirde1937comaimplantaçãodaditaduraVargasnopaísoEstado EstadoNovoampliasuasmedidasdeproteçãoaotrabalhadoraomesmo tempoemqueintervémnomovimentosindicalpormeiodeumalegislação queobjetivavaocontrolerigorosodasorganizaçõesdostrabalhadoresEm 1945opaísvoltaaoregimedemocráticoconservandocaracterísticasdo 6Entre1930e1937sãocriadasinstituiçõesprestadorasdeserviçosociaiscomooDepartamentode AssistênciaSocialdoEstadodeSãoPaulosubordinadoàSecretariadeJustiçaeNegóciosInterioresaoqual coubeaestruturaçãodosServiçosSociaisdeMenoresdesvalidostrabalhadoreseegressosdereformatórios penitenciáriasehospitaiseConsultoriaJurídicadoServiçoSocial 298 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 populismodoperíododitatorialdeVargas193745Nessequadroverificase aemergênciadenovasforçassociaisnavidanacionalCresceapopulação urbanaformadapeloproletariadoindustrialetambémportrabalhadoresbra çaisnãointegradosaosetorindustrialempregadosdosserviçospúblicos operáriosdepequenasoficinasedosetorterciáriotrabalhadoresporconta própriaentreoutrosCrescempressõessobreoEstadoparaaampliaçãode serviçossociais7 Em1942ogovernobrasileirocriouaLBAparaatenderàsfamíliasdos expedicionáriosbrasileirosTerminadaaguerraaLBAsevoltaparaaassis tênciaàmaternidadeeàinfânciainiciandoapolíticadeconvênioscom instituiçõessociaisnoâmbitodafilantropiaedabenemerênciaCaracteriza daporaçõespaternalistasedeprestaçãodeauxíliosemergenciaisepaliativos àmisériavaiinterferirjuntoaossegmentosmaispobresdasociedademo bilizandoasociedadecivileotrabalhofemininoEssamodalidadedeinter vençãoestánaraizdarelaçãosimbióticaqueaemergenteassistênciasocial brasileiravaiestabelecercomafilantropiaecomabenemerênciacfMestriner 20018 Comotempoasvelhasformasdesocorrerospobresgestadasnafilan tropiaenabenemerênciaevoluempassandodesdeaarrecadaçãodefundos paraamanutençãodeinstituiçõescarentesauxílioeconômicoamparoeapoio àfamíliaorientaçãomaternalcampanhasdehigienefornecimentodefiltros assistênciamédicoodontológicamanutençãodecrecheseorfanatoslactários concessãodeinstrumentosdetrabalhoetcatéprogramasexplicitamente anunciadoscomodecombateàpobrezaAssimnoâmbitodaassistênciasocial sãodesenvolvidaspolíticasparaainfânciaeparaaadolescênciaparaidosos paranecessitadosegruposvulneráveis Opobretrabalhadoreventualedestituídoéousuáriodessaspolíticas pelasquaisévistocomoindivíduonecessitadoemuitasvezescomopessoa 7ÉtambémnessecontextoqueemergecomoprofissãooServiçoSocialbrasileiromarcadopelopro jetopolíticodaIgrejaCatólicaexpressopeladoutrinaepelaaçãosocialcatólicaquenessemomento históricopriorizaaaçãosocialintervençãodirecionadaparamudançaspolíticasesociaissobaóticada DoutrinaSocialdaIgrejaemdetrimentodeaçõesdeassistênciasocialAindaassimaassistênciasocial eraconsideradaumavançoemrelaçãoàspráticasfilantrópicasprevalecentesatéentão 810ParaaautoraassistênciasocialfilantropiaebenemerênciatêmsidotratadasnoBrasilcomo irmãssiamesassubstitutasumasdaoutrasMestriner2001p14 299 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 acomodadapassivaemrelaçãoàsuaprópriacondiçãodependentedeajuda enfimnãocidadãoSuafiguracontinuadesenhadaemnegativocfTelles 1999 Adécadade1950tevecomocaracterísticaoinvestimentoestatalempo líticasdesenvolvimentistaseabuscadocrescimentoeconômicoAintervenção planejadadoEstadonosprocessosvoltadosaodesenvolvimentosocialeeco nômicoimpulsionouacriaçãoeaexpansãodenovasempresasestataisA ideologiadesenvolvimentistaapoiavasenatesedequeoatrasodospaísesdo TerceiroMundoeraconsequênciadeseuprecáriosistemaindustrialedesuas insuficiênciastecnológicasNocontextodesenvolvimentistaasinstituições sociaisdirecionavamseusprogramasparaumapolíticadeintegraçãopartici pativadosmaispobresnoprocessodedesenvolvimentonacionaleapobreza eraabordadacomoresultadodeuminsuficientedesenvolvimentoeconômico doestágioaindanãosuficientementedesenvolvidodopaíseportantocomo fenômenonãoestrutural Oiníciodadécadade1960acirraascontradiçõesdocapitalismoperifé ricotrazendoconsigoogolpemilitareainstalaçãodoEstadoautoritárioA opçãopelocrescimentoeconômicoaceleradoapartirdefontesdeinvestimen toexternascomobasedodesenvolvimentoabriuopaísaocapitalmonopolis taOEstadoampliaseuníveldeintervençãotornandoseoeixopolíticoda recomposiçãodopoderburguêscomaimplantaçãodenovasestratégiasde desenvolvimentoconcentradorasdecapitalintensificandooníveldeexploração daclasseoperáriaAdesigualdadesocialseacentuaemumclimarepressivoe autoritário Emsíntesecomaexpansãodocapitalismomonopolistaocorremmudan çasquevãoseefetivarduranteasdécadasde1960e1970nosentidodeex pansãoemodernizaçãodosistemadeproteçãosocialdopaísTratasedeum processodemodernizaçãoconservadoraquevaicombinarassistênciaàpo brezacomrepressãopoisessasmudançasnãosignificaramumarupturacom ospadrõesmeritocráticosprevalecentesatéentãomasnesseperíodopor exemplooINPSincorporounovosseguradosexpandiuaassistênciamédica previdenciáriaecriouem1974aRendaMensalVitalíciaRMVparaidosos einválidoscombaixarendaAindanessaépocahouveacriaçãodenovos mecanismosdepoupançacompulsóriapormeiodoFundodeGarantiapor TempodeServiçoFGTSeposteriormenteoPISPasepForamcriados 300 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 tambémoProgramadeAssistênciaaoTrabalhadorRuralProRuraloSiste maFinanceirodeHabitaçãoosCentrosSociaisUrbanosoProgramadeIn teriorizaçãodeAçãodeSaúdeeSaneamentonoNordestePiassoPrograma deFinanciamentodeLotesUrbanizadosProfilurbentreoutrosalémdo MinistériodaPrevidênciaeAssistênciaSocialMPASqueincluiunonovo sistemaaLegiãoBrasileiradeAssistênciaLBAeaFundaçãoNacionalde BemEstardoMenorFunabem Cabeaindaressaltarqueapartirdemeadosde1970observaseum avançoorganizativodasociedadecivilespecialmentedosmovimentossociais nalutapelaredemocratizaçãoepelaretomadadoEstadodemocráticode direitoOmovimentosindicalsefortalececrescentementeeaospoucos renascemorganizaçõespopulareseassociaçõescomunitáriasvinculadasa setoresprogressistasdaIgrejaCatólicaEssesmovimentossociaisdemons tramumníveldeconsciênciaecapacidadedeorganizaçãoemcomunidades eclesiaisdebaseCEBssindicatosorganizaçõesprofissionaisliberais meiosuniversitáriosIgrejaeimprensaExpressamseemgrevesreivindi caçõescoletivasmovimentoscontraacarestiamovimentoporeleiçãodi retaparaaPresidênciadaRepúblicapelorespeitoadireitoshumanosentre váriosoutros Nosanos1980adécadaperdidaparaaCepalapobrezavaiseconver teremtemacentralnaagendasocialquerporsuacrescentevisibilidadepois adécadadeixouumaumentoconsideráveldonúmeroabsolutodepobres querpelaspressõesdedemocratizaçãoquecaracterizaramatransiçãoTrata vasedeumaconjunturaeconômicadramáticadominadapeladistânciaentre minoriasabastadasemassasmiseráveisPermanecemasantinomiasentre pobrezaecidadania9 Naesteiradesseprocessoasforçasoposicionistasforampontilhando umaextensaagendapolíticaeconômicaesocialdemudançasNaprimeira 9Nessecontextoasagênciasmultilateraisatendendoàagendaneoliberalassumemaçõesepolíticas deenfrentamentoàpobrezaexpressandoseemaçõestécnicasfocalizadasdecarátergerencialistaevoltadas aoalíviodapobrezaRelatóriodoBancoMundial1990p1tratadapobrezanomundoemdesenvolvi mentoclassificandoaapartirdeindicadoreseconômicoscomoarendaper capitaApropostaéaliviar apobrezaextremapormeiodeprogramasassistenciaisacompanhadosdecondicionalidadesNoinícioda décadade2000oBancoMundial2002assumeumavisãomultidimensionaldapobrezaincorporandoos conceitosdevulnerabilidadeeriscosocialOspobrespassamaservistoscomoportadoresdeativosdevem serempoderadosetersuascapacidadesvalorizadasSen2001 301 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 metadedosanos1980jáerapossívelidentificaroscontornosdeumamplo projetodereformadecunhonacionaldemocráticodesenvolvimentistaere distributivoFagnani2005p88 NessecontextoaAssembleiaNacionalConstituinte10concentrouesforços nosentidodeampliaraintervençãosocialdoEstadogarantindoecriando mecanismosdeviabilizaçãodedireitoscivispolíticosesociais As políticas sociais e o padrão protetivo que emerge com a constituição o enfrentamento à pobreza nos anos recentes ComosabemoscomaConstituiçãode1988sãocolocadasnovasbases paraoatualSistemadeProteçãoSocialbrasileirocomadefiniçãodaSeguri dadeSocialeoreconhecimentodedireitossociaisdasclassessubalternizadas emnossasociedade Emseuartigo194aConstituiçãodefineaSeguridadeSocialcomoum conjuntointegradodeaçõesdeiniciativadospoderespúblicosedasociedade destinadasaassegurarosdireitosrelativosàsaúdeàprevidênciaeàassistência social AnoçãodeSeguridadequeemergenaConstituiçãobrasileiraapresentaa comoumsistemadecoberturadediferentescontingênciassociaisquepodem alcançarapopulaçãoemseuciclodevidasuatrajetórialaboraleemsituações derendainsuficienteTratasedeumacoberturasocialquenãodependedo custeioindividualdiretoSãoobjetivosdaSeguridadeSocial auniversalidadedecoberturaedeatendimentouniformidadeeequivalênciados benefíciosedosserviçosàspopulaçõesurbanaseruraisseletividadeedistribu tividadenaprestaçãodosbenefícioseserviçosirredutibilidadedovalordos benefíciosequidadenaformadeparticipaçãonocusteiodiversidadedabasede financiamentocaráterdemocráticoedescentralizadodaadministraçãomedian tegestãoquadripartitecomaparticipaçãodostrabalhadoresdosempregadores dosaposentadosedogovernonosórgãoscolegiadosParágrafoÚnicodoartigo 194daConstituiçãoFederal 10ConvocadapelaECn26de1985einstaladanodia1ºdefevereirode1987 302 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Algunsaspectosdevemserdestacadosentreasinovaçõesconstitucionais emrelaçãoaosistemaprotetivobrasileiroacentralidadedaresponsabilidade doEstadonaregulaçãonormatizaçãoproposiçãoeimplementaçãodaspolíti caspúblicasnoâmbitodaproteçãosocialeapropostadedescentralizaçãoe participaçãodasociedadenocontroledaspolíticassociaisAperspectivade articulareintegrarpolíticastambémemergenessecontexto11Paraestudodo Ipea12aConstituiçãode1988redesenhadeformaradicalosistemabrasileiro deproteçãosocialafastandoodomodelomeritocráticoconservadoreaproxi mandoodomodeloredistributivistavoltadoparaaproteçãodetodaasocie dadedosriscosimpostospelaeconomiademercado ÉnecessárioporémressaltarofatodequeaConstituiçãobrasileiraé promulgadaemumaconjunturadramáticadominadapelocrescimentodapo brezaedadesigualdadesocialnopaísquevêampliarsuasituaçãodeendivida mentoquecresce61nosanos1980equeseinsereemummomentohistó ricoderupturadopactokeynesianoquevaipermitirgrandeliberdadeaos processosdereestruturaçãoprodutivaApressãodoConsensodeWashington13 comsuaproposiçãodequeéprecisolimitaraintervençãodoEstadoerealizar asreformasneoliberaisapresençadosorganismosdeWashingtonFMIBanco Mundialresponsáveisporestabelecerasestratégiasparaoenfrentamentoda criseporpartedospaísesperiféricoseareduçãodaautonomianacionalaolado daadoçãodemedidaseconômicasedoajustefiscalsãocaracterísticasdesse contextoquenocampodaproteçãosocialvaiseenfrentarcomocrescimento dosíndicesdedesempregopobrezaeindigência14 Ousejaénacontramãodastransformaçõesqueocorremnaordem econômicainternacionaltensionadopelaconsolidaçãodomodeloneoliberal 11Umexemplodessaperspectivaéoparágrafoúnicodoartigo2ºdaLoasLein8742LeiOrgâ nicadaAssistênciaSocialde7dedezembrode1993queafirmaAassistênciasocialrealizasedeforma integradaàspolíticassetoriaisvisandoaoenfrentamentodapobrezaàgarantiadosmínimossociaisao provimentodecondiçõesparaatendercontingênciassociaiseàuniversalizaçãodosdireitossociais 12VerCASTROeRIBEIRO2009 13Reuniãorealizadaemnovembrode1989entreospresidenteseleitosdaAméricaLatinaeosrepre sentantesdoBancoMundialFundoMonetárioInternacionaleBancoInteramericanodeDesenvolvimento queentreasreformasdecunhoneoliberalprevêarealizaçãodereformasestruturaisparaaestabilizaçãoda economiacomoasprivatizaçõesadesregulamentaçãodosmercadosadescentralizaçãoearetomadado desenvolvimento 14Éimportanteassinalarqueessaspolíticasdeajustefazempartedeummovimentoglobaldereor denamentodasrelaçõescapitalistasentrecentroeperiferiadosistema 303 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 pelasestratégiasdemundializaçãoefinanceirizaçãodocapitalcomasuadi reçãoprivatizadoraefocalizadoradaspolíticassociaisenfrentandoarear ticulaçãodoblococonservadorcomaeleiçãodeFernandoCollorquebusca dediversasformasobstruirarealizaçãodosnovosdireitosconstitucionaiscf Ipea2009quedevemossituaroiníciodoprocessodeconstruçãodaSeguri dadeSocialbrasileiraEcomonãopoderiadeixardeseraemergentepropos tadeSeguridadeSocialnãoseconsolidaemostraseincapazdenaquelemo mentorealizarsuaspromessas Ésempreoportunolembrarquenosanos1990asomatóriadeextorsões queconfigurouumnovoperfilparaaquestãosocialbrasileiraparticularmente pelaviadavulnerabilizaçãodotrabalhoconviveucomaerosãodosistema públicodeproteçãosocialcaracterizadaporumaperspectivaderetraçãodos investimentospúblicosnocamposocialseureordenamentoepelacrescente subordinaçãodaspolíticassociaisàspolíticasdeajustedaeconomiacomsuas restriçõesaosgastospúblicosesuaperspectivaprivatizadoracfYazbek2004 Énessecontextoqueteminícioaconstruçãodeumanovaconcepçãopara aAssistênciaSocialbrasileiraqueéregulamentadaem1993comopolítica socialpúblicaeiniciaseutrânsitoparaumcamponovoodosdireitosda universalizaçãodosacessosedaresponsabilidadeestatal NessesentidopodeseafirmarqueaConstituiçãoeaLeiOrgânicada AssistênciaSocialLoasestabelecemumanovamatrizparaaAssistência Socialnopaísiniciandoumprocessoquetemcomoperspectivatornálavisí velcomopolíticapúblicaedireitodosquedelanecessitaremAinserçãona Seguridadeapontatambémparaseucaráterdepolíticadeproteçãosocial15 15Cabeinicialmenteassinalarquedeformageralnãoencontramossociedadeshumanasquenão tenhamdesenvolvidoalgumaformadeproteçãoaosseusmembrosmaisvulneráveisCfGiovanni1998p 9sejademodorústicopormeiodeinstituiçõesnãoespecializadaseplurifuncionaiscomoafamíliapor exemplooucomaltosníveisdesofisticaçãoorganizacionaleespecializaçãodiferentesformasdeproteção socialemergemepercorremotempoeoespaçodassociedadescomoprocessorecorrenteeuniversal Paraoautorporproteçãosocialentendemseasformasàsvezesmaisàsvezesmenosinstitucionali zadasqueassociedadesconstituemparaprotegerparteouoconjuntodeseusmembrosTaissistemasdecor remdecertasvicissitudesdavidanaturalousocialtaiscomoavelhiceadoençaoinfortúnioasprivações Incluonesteconceitotambémtantoasformasseletivasdedistribuiçãoeredistribuiçãodebensmateriais comoacomidaeodinheiroquantoosbensculturaiscomoossaberesquepermitirãoasobrevivênciae aintegraçãosobváriasformasnavidasocialIncluoaindaosprincípiosreguladoreseasnormasquecom ointuitodeproteçãofazempartedavidadascoletividadesDiGiovanni1998p10 304 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 voltadaparaoenfrentamentodapobrezaearticuladaaoutraspolíticasdocam posocialvoltadasparaagarantiadedireitosedecondiçõesdignasdevida Inovaçãoéafirmarparaaassistênciasocialseucaráterdedireitonão contributivoindependentementedecontribuiçãoàSeguridadeeparaalémdos interessesdomercadoaoapontaranecessáriaintegraçãoentreoeconômico eosocialeaoapresentarnovodesenhoinstitucionalparaaassistênciasocial Inovatambémaoproporaparticipaçãodapopulaçãoeoexercíciodocontrole dasociedadenagestãoeexecuçãodaspolíticasdeassistênciasocialTendência ambíguadeinspiraçãoneoliberalmasquecontraditoriamentepodedirecio narseparaosinteressesdeseususuáriosSemdúvidamudançassubstantivas naconcepçãodaassistênciasocialumavançoquepermitesuapassagemdo assistencialismoedesuatradiçãodenãopolíticaparaocampodapolítica pública ComopolíticadeEstadopassaaserumespaçoparaadefesaeatenção dosinteressesenecessidadessociaisdossegmentosmaisempobrecidosda sociedadeconfigurandosetambémcomoestratégiafundamentalnocombate àpobrezaàdiscriminaçãoeàsubalternidadeeconômicaculturalepolíticaem quevivegrandepartedapopulaçãobrasileiraAssimcabemàassistênciasocial açõesdeprevençãoeprovimentodeumconjuntodegarantiasouseguranças Sposati1995EssasgarantiasseefetivampelaconstruçãodoqueMishra denominaderededesegurançadarededeSegurançaousejaumconjunto deprogramasprojetosserviçosebenefíciosvoltadosparaaproteçãosociale paraoatendimentodenecessidadesdapopulaçãousuáriadessapolítica Emgeralcaracterizadaporsuaheterogeneidadeessarededesegurança constituídapelosórgãosgovernamentaiseporentidadesdasociedadecivil operaserviçosvoltadosaoatendimentodeumvastíssimoconjuntodenecessi dadesparticularmentedossegmentosmaispobresdasociedade Dessaformaaassistênciasocialcomocampodeefetivaçãodedireitos emergecomopolíticaestratégicanãocontributivavoltadaparaoenfrentamen todapobrezaeparaàconstruçãoeoprovimentodemínimossociaisdeinclu são16eparaauniversalizaçãodedireitosbuscandorompercomatradição 16ParaSposati1997p10grifosdaautorapropormínimos sociaiséestabeleceropatamarde coberturaderiscosedegarantiasqueumasociedadequergarantirparatodososseuscidadãosTratasede definiropatamardedignidadeabaixodoqualnenhumcidadãodeveriaestar 305 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 clientelistaeassistencialistaquehistoricamentepermeiaaáreaondesemprefoi vistacomopráticasecundáriaemgeraladstritaàsatividadesdoplantãosocial deatençõesememergênciasedistribuiçãodeauxíliosfinanceiros CabenoentantoobservarqueseaConstituiçãoFederalcriaumanova arquiteturainstitucionaleéticopolíticaparaaproteçãosocialbrasileirapar ticularmenteparaapolíticadeassistênciasocialpoisestaétambémobjetode esvaziamentosedesqualificaçõesemseuprocessodeimplantaçãopósconsti tucionalnopaíscontextoemqueocorreadespolitizaçãoearefilantropização doenfrentamentodaquestãosocialbrasileira17 Abuscadaestabilizaçãodaeconomiaedoequilíbrioorçamentárioefiscal apartirdoPlanoReallevanoperíododosgovernosdeFHC199598e 19992002aresultadospoucofavoráveisparaaproteçãosocialnaesferapú blicaestatalOambienteédedesacertosetensõesentreaadequaçãoaoam bienteneoliberaleasreformassociaisexigidasconstitucionalmente ConformeFagnani1999apolíticaeconômicaadotadanãofavoreceuo sucessodaspolíticassociaisOautorcitacomoexemploapolíticadeemprego insuficienteparareverteroquadroproduzidopelapolíticaeconômicaeo problemadaPrevidênciaSocialqueviusuabasedefinanciamentoerodircom oaumentodaprecarizaçãoeinformalizaçãodaocupaçãoNoqueserefereàs políticasdesaúdeeducaçãoeassistênciasocialFagnani1999p166apon taavançosnoprocessodedescentralizaçãomasressaltaqueaomesmotempo emqueestadosemunicípiossãoinduzidosaaceitaremnovasresponsabilidades administrativasefinanceirasnagestãodaspolíticassociaisapolíticaeconô micadesorganizaasfinançasdestasinstâncias Éimportanteassinalarqueessasaçõesemergemnopaísemumcontexto deprofundastransformaçõessocietáriasqueinterferemnaquestãosociale 17Outroaspectorelevantequecompõeessaconjunturaéaperspectivatecnocráticaprogressistadas agênciasmultilateraisBIDBancoInteramericanodeDesenvolvimentoCepalComissãoEconômica paraaAméricaLatinaeoCaribeeoPNUDProgramadasNaçõesUnidasparaoDesenvolvimentoque operampelasubordinaçãoeseparaçãoentreoplanoeconômicoesocialnaperspectivadequeasuperação dapobrezaéestratégiadedesenvolvimentoqueseefetivaatravésdequatropilaresqueestruturamecon dicionamonovomodelodeassistênciaumprocessodedesconstruçãosimbólicaeideológicadossistemas deseguridadeanterioresemnívelderetóricacríticaacentralidadedotratamentodainserçãodosindivíduos aomercadoatravésdetransferênciasmonetáriasoestímulodosprogramasaoconsumoedemandade serviçoseumaorganizaçãoemobilizaçãodasociedadeciviledosprópriospobresnaconstruçãodospro gramassociaisIvo2006p82 306 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 trazemnaraizdessasmodificaçõesaindagaçãosobreacompatibilidadeou nãoentredireitospolíticassociaiseasrelaçõesqueseestabelecementreEs tadosociedadeemercadonosnovosmarcosdaacumulaçãocapitalistaCon textonoqualaarticulaçãotrabalhodireitoseproteçãosocialpúblicasofreos impactosdastransformaçõesestruturaisdocapitalismoqueatingemduramen teotrabalhoassalariadoeasrelaçõesdetrabalholevandoàredefiniçãodos sistemasdeproteçãosocialedapolíticasocialemgeral Apesardeelegercomoprioridadeabsolutaoajusteeaestabilidade econômicaedarpoucaatençãoàagendasocialapartirde2001ogoverno FHCtentareverteressequadroaocriarpormeiodeumcontratocomoBID arededeproteçãosocialEstaredeintroduziunocamposocialdeforma seletivaumconjuntodeaçõessetoriaisvoltadasparaossegmentosmais vulneráveisdapopulaçãoEssasaçõesconjugavamserviçossociaisetrans ferênciasmonetáriascomdestaqueparaaexpansãodoProgramadeErradi caçãodoTrabalhoInfantilPeticriadoem1996paraoProgramaNacio naldeRendaMínimavinculadoàEducaçãoBolsaEscolaoPrograma BolsaAlimentaçãooAgenteJovemeumpoucomaistardeoAuxílioGás 200218 Esseconjuntodeprogramasfederaisdevidoàsuaabrangênciaetamanho permitiuocrescimentodarelevânciadaspropostasdetransferênciasmonetárias noâmbitodapolíticasocialConformeestudodeSilvaYazbekeGiovanni 2011comaampliaçãodosprogramasfederaisosprogramasdeiniciativa municipaleestadualaospoucosvãosofrendoalteraçõesseguintesaspectos desativaçãodeprogramasjáemimplementaçãoprincipalmenteemmuni cípiosqueapresentammenoresorçamentosNessesmunicípiososprogramas vêmsendosubstituídospeloprogramafederalbemcomoparecevirocorrendo umadesaceleraçãodeiniciativasparacriaçãodenovosprogramastantopor partedeEstadoscomodemunicípiosconsiderandoquejáimplantaramprogra massimilaresfederaisexistênciaparaleladeprogramasmunicipaisestaduaise federaisadotandobenefícioscomvaloresdiferenciadosarticulaçãodoprogra 18Osprogramasfederaistiveramcomoprecursoresprogramasmunicipaiseestaduaisquetiveram inícioem1995comoProgramadeGarantiadeRendaFamiliarMínimadaPrefeituradeCampinasSPe daPrefeituradeRibeirãoPretoSPoProgramaBolsaEscolaemBrasíliaeoProgramaNossaFamília daPrefeituradeSantosSPVeraesserespeitoSilvaGiovannieYazbek20115ªedição 307 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 maBolsaEscolafederalcomsimilaresmunicipaismaisespecificamenteno casodemunicípiosquetêmorçamentosmaiselevadoscomoSãoPauloPorto AlegreeBeloHorizontecomcomplementaçãodovalordobenefíciodosprogra masfederaiscomrecursosdomunicípioentreoutrosSilvaYazbekeGiovanni 2011p157 ComogovernoLula200306aquestãosocialeparticularmenteoen frentamentodapobrezapassaaseralvodenovasabordagensOcombateà fomeeàmisériaexpressonoiníciodoprimeirogovernoLulapeloemblemá ticoProgramaFomeZerocujoCartãoAlimentaçãoteveseulançamento simbóliconodia3defevereirode2003nosmunicípiosdeAcauãeGuaribas noPiauícomadistribuiçãodecartõesparaquinhentasfamílias19 Aindaem2003oCartãoAlimentaçãofoiunificadoaoProgramaBolsa Família20oquesignificouumimportantepassonabuscadearticulaçãodo sistemaprotetivonopaísOProgramaBolsaFamília20102003resultouda unificaçãodequatroprogramasfederaisBolsaEscolaBolsaAlimentaçãoVale GáseCartãoAlimentaçãoApresentoucomoobjetivos a Combaterafomeapobrezaeasdesigualdadespormeiodatransfe rênciadeumbenefíciofinanceiroassociadoàgarantiadoacessoaos direitossociaisbásicossaúdeeducaçãoassistênciasocialesegu rançaalimentar b Promoverainclusãosocialcontribuindoparaaemancipaçãodasfa míliasbeneficiáriasconstruindomeiosecondiçõesparaqueelas possamsairdasituaçãodevulnerabilidadeemqueseencontramBra silMDS2006 19UmaavaliaçãoinicialdoProgramaFomeZeromostratratarsedepropostanoâmbitodaseguran çaalimentarquebuscacontribuirparaqueasociedadebrasileiracaminhenaefetivaçãododireitohumano àsegurançaalimentarenutricionalArelaçãoentreoemergencialeopermanentepresenteemtodootexto doProjetoemdiferentesperspectivastemporaiscompropostasdecurtomédioelongoprazoésemdúvida umdosaspectosmaisrelevantesdomesmoCaberessaltarporémqueapropostainicialapresentavalacunas emespecialnaproblematizaçãodosfundamentosestruturaisdadesigualdadesocialquehistoricamenteca racterizaasociedadebrasileiraeaonãolevaremconsideraçãooutrosprogramassociaisnoâmbitodoen frentamentoàpobrezaparticularmenteaspolíticasdeSeguridadeSocialconformepropõeaConstituição Federalde1988cfYazbek2004 20AquestãodaunificaçãodosProgramasdeTransferênciadeRendafoicolocadaapartirdediagnós ticosobreosprogramassociaisemdesenvolvimentonopaíselaboradonatransiçãodogovernoFHCpara ogovernoLulanoterceirotrimestrede2002 308 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Assimsendoaunificaçãodosprogramasdetransferênciaderendasituase noâmbitodaprioridadedecombateàfomeeàpobrezarepresentandouma perspectivadearticulaçãoentreníveisdegovernoedepolíticassociais DamesmaformaacriaçãodoMinistériodoDesenvolvimentoSociale CombateàFomeem2004queunificouapolíticadecombateàfomecomas políticasdetransferênciaderendaedeassistênciasocialfoiumpassosignifi cativonadireçãodearticularumconjuntodeiniciativasnaperspectivado enfrentamentoàpobrezanopaís 1 O Programa Bolsa Família OProgramaBolsaFamíliacriadoem2003pelogovernofederalécon sideradoumeixoestratégicoparaaintegraçãodepolíticaseaçõesnoenfren tamentodapobrezanoacessoàeducaçãoenocombateaotrabalhoinfantil Foicriadotendocomoperspectivaunificarosprogramasdetransferênciade rendaemvigêncianoâmbitofederalapartirdaconstataçãodeseufunciona mentocomprogramasconcorrentesesobrepostosnosseusobjetivosenoseu públicoalvodaausênciadeumacoordenaçãogeraldessesprogramasgeran dodesperdícioderecursosdaausênciadeplanejamentogerencialdosmesmos edispersãodecomandoemdiversosministériosalémdeorçamentosalocados insuficientesedonãoalcancedopúblicoalvoconformeoscritériosdeelegi bilidadedosprogramasForamunificadosoBolsaEscolaoBolsaAlimentação oAuxílioGásoCartãoAlimentaçãooProgramadeErradicaçãodoTrabalho InfantilPetieoAgenteJovem Tendocomoperspectivaaarticulaçãodatransferênciamonetáriaepolíti caseducacionaisdesaúdeedetrabalhodirecionadasacriançasjovense adultosdefamíliaspobresoprogramapartiude doispressupostosumdequeatransferênciamonetáriaparafamíliaspobres possibilitaaessasfamíliastiraremseusfilhosdaruaedetrabalhosprecocese penososenviandolhesàescolaoquepermitiráinterromperocicloviciosode reproduçãodapobrezaooutroédequeaarticulaçãodeumatransferênciamo netáriacompolíticaseprogramasestruturantesnocampodaeducaçãodasaúde edotrabalhodirecionadosafamíliaspobrespoderárepresentarumapolíticade enfrentamentoàpobrezaeàsdesigualdadessociaiseeconômicasnopaísSilva YazbekGiovanni2011 309 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Atualmente2012oProgramaatendemaisde13milhõesdefamíliasem todooterritórionacionalnos5564municípiosbrasileirosSeuorçamentoem 2010alcançou04doPIB114bilhõesAsúltimasPNADsrevelamuma questãoessencialosPTRsnãoretiramosbeneficiáriosdotrabalhoInúmeros estudosepesquisasvêmdemonstrandoqueosimpactosdessesprogramasas sistenciaissobreasfamíliasmaispobressobretudonoNordesteéincontestá velElesignificabasicamentemaiscomidanamesadosmiseráveisecompra deprodutosessenciais21 Em2010dototalde125milhõesdefamíliasbeneficiáriascercade43 milhõessuperaramalinhadeextremapobrezadoProgramaR70per capita mêsmasapesardessesavançosonúmerodepessoasemsituaçãodepobreza nopaísaindaémuitoaltoporvoltade30milhõeseataxadedesigualdade continuaentreasmaisaltasdomundoTambémsãoconhecidososimpactos dosbenefíciossociaiscomooBolsaFamíliaouaaposentadoriaruralnaseco nomiaslocaisespecialmentenospequenosmunicípiosdependentesdaagricul turaqueemmuitoscasosconstituemasmaissignificativasfontesderendaa movimentaromercadointernodebenseserviçosessenciais Questõesproblemáticasvêmsendoapontadasnodesenvolvimentodes sesprogramastaiscomoquaisasreaispossibilidadesdeelevaremonível deescolaridadedapopulaçãobrasileiradesaúdedenutriçãoousejade inserçãosocialdapopulaçãoatendidaQualsuaefetividadeenquantopolíti capúblicadeenfrentamentodapobrezanopaísQualasustentabilidade 21Verporexemplo 1SilvaCoord2008eVieira2008 2EstudodoIpea2008sobreapobrezaeariquezanasseismaioresmetrópolesurbanasnoBrasil identificouquenoperíodo2003a2007ocrescimentoprodutivodopaísfoiacompanhadopelame lhoriadarendadetodasasfamíliasregistrandoadiminuiçãodonúmerodepobressendoqueasitua çãodepobrezaeindigênciadeclinou13passandode350em2003para241em2007Odeclí niononúmerodeindigentesfoiaindamaissignificativoentre2002e2008438ede2003a2008 483InSilvaeYazbek2012 3OutroestudodoIpea2012sobreopanoramadapobrezadesigualdadederendaepolíticas públicasnomundoenoBrasilverificouquenoBrasilentre1995e2008aquedamédiaanualdataxa nacionaldepobrezaabsolutaatémeiosaláriomínimoper capitafoi08aoanoeataxaanualno período20032008de31enquantoataxanacionaldepobrezaextremaaté¼dosaláriomínimo per capitafoide21aoanoOestudocreditouodeclínionapobrezaenaindigênciaàelevaçãode gastossociaisapósaaprovaçãodaConstituiçãoFederalde2008queemrelaçãoaoProdutoInterno Brutode133em1985passoupara219em2005InSilvaeYazbek2012 310 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 dessesprogramaseseusimpactosreaisemtermosdeautonomizaçãodas famíliasatendidas Oqueseobservaéqueosprogramasdetransferênciaderendafocalizados napobrezaenaextremapobrezarevelamsobaorientaçãodaideologianeolibe ralprofundasmudançasnaspolíticassociaiscontemporâneasAmaissignifica tivadelaséasubstituiçãodepolíticaseprogramasuniversaisporprogramas focalizadosnapobrezaenaextremapobrezacomosepolíticasocialfossecoi saparapobreOutraconstataçãoéofatodequeessesprogramasapenasaliviam apobrezadesenvolvendoseaolargodepolíticaseconômicasquenãosealteram Ousejaasdeterminaçõesestruturaisgeradorasdapobrezaedadesigualdade socialnãosãoconsideradaslimitandoseessaintervençãoamelhoriasimediatas nascondiçõesdevidadospobresservidotãosomenteparamanterecontrolara pobrezaepotencializaralegitimaçãodoEstadoCriaseumestratodepobresque sereproduznoníveldasobrevivênciasendo instituída a ilusão de que o proble ma da pobreza será resolvido pela Política SocialcfSilva2011 Outroaspectoaserproblematizadoéqueodireitoinalienávelaobemes tardetodocidadãodesobrevivercomdignidadeécolocadosobaresponsa bilidadedamulherquesevêobrigadaaadministrarafamíliacomvalores monetáriosinsuficientesparaaquisiçãodacestabásicacfSilva2011 Cabedestacarqueoprogramaapresentaproblemasestruturaisrelevantes quelimitamainclusãodesegmentospobresereduzemaspossibilidadesde impactosmaissignificativossobreareduçãodosíndicesdepobrezanopaís Entreessesproblemasestruturaismerecedestaqueaadoçãodocritérioapenas darendaparadefiniçãodospobreseextremamentepobresEssecritérioalém denãoconsideraradimensãomultidimensionaldapobrezafixaparainclusão umarendaper capitafamiliarbastantebaixadeixandodeforamuitasfamílias quevivenciamextremasdificuldadesAdemaisobenefíciomonetáriotransfe ridoparaasfamíliaséextremamentebaixomesmocomreajustesaolongodo tempoparaproduzirimpactospositivosnaultrapassagemdalinhadepobreza porpartedasfamíliasbeneficiáriascfSilva2011 Sabemosquepermanecemnapolíticasocialbrasileiraconcepçõeseprá ticasassistencialistasclientelistasprimeirodamistasepatrimonialistas Observamosnaredesolidáriaaexpansãodeserviçosapartirdodevermoral dabenemerênciaedafilantropiaqueemsimesmosnãorealizamdireitos Aindaencontramosemnossaspolíticaseinstituiçõesumaculturamoralistae autoritáriaqueculpaopobreporsuapobreza 311 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 2 A Assistência Social PNAS Suas Emoutubrode2004atendendoaocumprimentodasdeliberaçõesdaIV ConferênciaNacionaldeAssistênciarealizadaemBrasíliaemdezembrode 2003oCNASConselhoNacionaldeAssistênciaSocialaprovouapós amplodebatecoletivoaPolíticaNacionaldeAssistênciaSocialemvigorque apresentaoredesenhodestapolíticanaperspectivadeimplementaçãodoSuas SistemaÚnicodeAssistênciaSocial NessadireçãoaPolíticaNacionaldeAssistênciaSocialPNASbuscou incorporarasdemandaspresentesnasociedadebrasileiranoquedizrespeitoà efetivaçãodaassistênciasocialcomodireitodecidadaniaeresponsabilidade doEstadoTemcomoprincipalobjetivoagestãointegradadeaçõesdescentra lizadaseparticipativasdeassistênciasocialnoBrasilEssagestãosupõeaar ticulaçãodeserviçosprogramasebenefíciosbemcomoaampliaçãodeseu financiamentoeoestabelecimentodepadrõesdequalidadeedecusteiodesses serviçossupõetambémaqualificaçãodosrecursoshumanosneleenvolvidos aclaradefiniçãodasrelaçõespúblicoprivadonaconstruçãodaredesocioas sistencialaexpansãoemultiplicaçãodosmecanismosparticipativosademo cratizaçãodosconselhoseaconstruçãodeestratégiasderesistênciaàcultura políticaconservadoraeporfimexigequeasprovisõesassistenciaissejam prioritariamentepensadasnoâmbitodasgarantiasdecidadaniasobvigilância doEstadocabendoaesteauniversalizaçãodacoberturaeagarantiadedireitos edeacessoparaosserviçosprogramaseprojetossobsuaresponsabilidade Noqueserefereàrelaçãocomoenfrentamentodapobrezacabedestacarque aPNASeoSuasampliamosusuáriosalcançadospelapolíticanaperspectiva desuperarafragmentaçãocontidanaabordagemporsegmentoscomooidoso oadolescenteapopulaçãoemsituaçãoderuaentreoutrosedetrabalharcom cidadãosegruposqueseencontramemsituaçõesdevulnerabilidadeeriscostais comofamíliaseindivíduoscomperdaoufragilidadedevínculosdeafetividade pertencimentoesociabilidadeciclosdevidaidentidadesestigmatizadasem termosétnicoculturalesexualdesvantagempessoalresultantededeficiências exclusãopelapobrezaeounoacessoàsdemaispolíticaspúblicasusodesubs tânciaspsicoativasdiferentesformasdeviolênciaadvindadonúcleofamiliar gruposeindivíduosinserçãoprecáriaounãoinserçãonomercadodetrabalho formaleinformalestratégiasealternativasdiferenciadasdesobrevivênciaque podemrepresentarriscopessoalesocialPNAS2004p27 312 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Nestaconcepçãoevidenciamsecondiçõesdepobrezaevulnerabilidadeassocia dasaumquadrodenecessidadesobjetivasesubjetivasondesesomamdificul dadesmateriaisrelacionaisculturaisqueinterferemnareproduçãosocialdos trabalhadoresedesuasfamíliasTratasedeumaconcepçãomultidimensionalde pobrezaquenãosereduzàsprivaçõesmateriaisalcançandodiferentesplanose dimensõesdavidadocidadãoUmaausêncianesseconjuntodenecessidades apontadaspelaPNASéacondição de classequeestánagênesedaexperiência dapobrezadaexclusãoedasubalternidadequemarcaavidadosusuáriosda assistênciasocialOusejaéprecisosituarosriscosevulnerabilidades22como indicadoresqueocultamrevelamolugarsocialqueocupamnateiaconstitutiva dasrelaçõessociaisquecaracterizamasociedadecapitalistacontemporânea SilvaYazbekeGiovanni201123 Faceaodesempregoestruturaleàreduçãodasproteçõessociaisdecor rentesdotrabalhoatendênciaéaampliaçãodosquedemandamoacessoa serviçosebenefíciosdeassistênciasocialAssimosusuáriosdaassistência socialtendemasertrabalhadoresesuasfamíliasquemesmoexercendoati vidadeslaborativastêmsuasrelaçõesdetrabalhomarcadaspelainformalida deEmumaconjunturasocialadversaérelevanteanalisarosignificadoque osserviçosebenefíciossociaispassamaterparaostrabalhadoresprecarizados quepassamapleitearbenefíciossociaiscomooBolsaFamíliaouaaposen tadoriaespecial Diantedessequadroobservasequeestáemcursoumprocessocomplexode redefiniçãodoperfildosusuáriosdaassistênciasocialdeterminadopelastrans formaçõesestruturaisdocapitalismocontemporâneoquereconfiguramasrelações 22osconceitosdevulnerabilidadeeriscosocialdevemserpoblematizadosElesnãosãoad jetivosdacondiçãodousuárioAproduçãodadesigualdadeéinerenteaosistemacapitalistaaorepro duzilaproduzereproduzvulnerabilidadeseriscossociaisEssasvulnerabilidadeseriscosdevemser enfrentadoscomoprodutosdessadesigualdadeeportantorequeremumaintervençãoparaalémdo campodaspolíticassociaisNãoseresolvedesigualdadecompotencialidadesindividuaisoufamiliares Nãosetratadeequiparossujeitosnemdedescobrirsuaspotencialidadescomotrabalhamalgunsau toresTratasedereconheceressadesigualdadedereconhecerqueháumcampodeatuaçãoimportante queatendeanecessidadessociaisdapopulaçãoequetrabalhálascomodireitosdacidadaniarompecom alógicaderesponsabilizarosujeitopelasvicissitudesemazelasqueocapitalismoproduzSilvaYazbek eGiovanni2011p50 23Apropósitodeproblematizarasnoçõesdeusuárioterritóriomatricialidadesociofamiliaretrabalho comoelementosconstitutivosdaPNASverolivrodeBereniceRojasCoutoetal2011 313 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 entretrabalhoereproduçãosocialpressionandooEstadoaampliarsuaspolíticas sociaisparaincorporarnovoscontingentespopulacionaisnosserviçosebenefícios públicosSilvaetal2011p46 AconstruçãoeimplementaçãodoSistemaÚnicodaAssistênciaSocial SuasLein12435de67201124comopolíticapúblicavemsecaracteri zandocomoumadasprioridadesparaoavançodessapolítica Paraalcançarseusobjetivospropõesequeapolíticadeassistênciasocial sejarealizadadeformaintegradaearticuladaàsdemaispolíticassociaissetoriais paraatenderàsdemandasdeseususuáriosIstosignificaqueodestinatárioda açãosocialdeveseralcançávelpelasdemaispolíticaspúblicasNãopodemos esquecerqueosujeitoalvodessaspolíticasnãosefragmentaporsuasdemandas enecessidadesquesãomuitaseheterogêneasEstamostratandodascondições depobrezaqueafetammúltiplasdimensõesdevidaedesobrevivênciados cidadãosedesuasfamílias 3 Plano Brasil sem Miséria Emmaiode2011ogovernofederallançoumaisumaaçãonosentidode enfrentarapobrezaoPlanoBrasilsemMisériavoltadoparaoenfrentamento dapobrezaemumaperspectivamultidimensional 24EnquantosistemacabemaoSuasaAçõesdeproteçãobásicaprevençãodesituaçõesderiscopor meiododesenvolvimentodepotencialidadeseaquisiçõeseofortalecimentodevínculosfamiliaresecomu nitáriosApopulaçãoalvosãofamíliaseindivíduosquevivememsituaçãodevulnerabilidadesocialde correntedapobrezaprivaçãoausênciaderendaprecárioounuloacessoaosserviçospúblicosentreoutros eoufragilizaçãodevínculosafetivosrelacionaisedepertencimentosocialdiscriminaçõesetáriasétnicas degênerooupordeficiênciasentreoutrasOsserviçosdeproteçãosocialbásicaserãoexecutadosdeforma diretanosCentrosdeReferênciadaAssistênciaSocialCrasoudeformaindiretanasentidadeseorgani zaçõesdeAssistênciaSocialdaáreadeabrangênciadosCras bAçõesdeproteçãoespecialatençãoassistencialdestinadaaindivíduosqueseencontramemsituação dealtavulnerabilidadepessoalesocialSãovulnerabilidadesdecorrentesdoabandonoprivaçãoperdade vínculosexploraçãoviolênciaetcEssasaçõesdestinamseaoenfrentamentodesituaçõesderiscoemfa míliaseindivíduoscujosdireitostenhamsidovioladoseouestejamemsituaçõesnasquaisjátenhaocor ridoorompimentodoslaçosfamiliaresecomunitáriosPodemserdemédiacomplexidadefamíliaseindi víduoscomseusdireitosvioladosmascujosvínculosfamiliaresecomunitáriosnãoforamrompidosdealta complexidadefamíliaseindivíduoscomseusdireitosvioladosqueseencontramsemreferênciaeouem situaçãodeameaçanecessitandoserretiradosdeseunúcleofamiliareoucomunitário 314 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 DadosdoIBGECenso2010identificaramnopaísumcontingentede pessoasemextremapobrezaquetotalizou1627milhõesdepessoasoque representa85dapopulaçãototaldopaísEmboraapenas156dapopulação brasileiraresidaemáreasruraisentreaspessoasemextremapobrezaelasre presentampoucomenosdametade467orestante533localizaseem áreasurbanasonderesideamaiorpartedapopulação844 OIBGErealizouumrecorteparaincluirapenasaspessoasresidentesem domicíliosqueapresentassemmaiorprobabilidadedeseencontraremsituação deextremapobrezaOscritériosadotadosparaestimarestaparceladapopula çãoentreossemrendimentosforamosseguintes 1 Sembanheirodeusoexclusivoou 2 Semligaçãocomredegeraldeesgotooupluvialenãotinhamfossa sépticaou 3 Emáreaurbanasemligaçãoàredegeraldedistribuiçãodeáguaou 4 Emárearuralsemligaçãoàredegeraldedistribuiçãodeáguaesem poçoounascentenapropriedadeou 5 Semenergiaelétricaou 6 Compelomenosummoradorde15anosoumaisdeidadeanalfabe toou 7 Compelomenostrêsmoradoresdeaté14anosdeidadeou 8 Pelomenosummoradorde65anosoumaisdeidade ConformedadosapresentadosnoplanoBrasilsemMisériaaabsoluta maioriadessaspessoas708énegrapardasepretasEntretantochamaa atençãoapresençadeindígenasapesarderepresentaremcomparativamente umapequenaparceladapopulaçãoemsituaçãoextremapobrezaOsindígenas totalizam817963pessoasnopaíssendoque326375seencontramemextre mapobrezarepresentandopraticamentequatroemcadadezindígenas399 Quantoaosexoqueháumadistribuiçãohomogêneaentrehomensemulheres comlevesuperioridadedapresençafeminina505contra495Metade dosquevivemnapobrezaextrematematé19anos509Ascriançasaté14 anosrepresentamcercadequatroemcadadezindivíduosemextremapobreza noBrasil399Apartirde2012estãoincluídosnoPlano48milfamílias quilombolasOPlanovempuxandoaagriculturafamiliarcomprandoas 315 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 sementescrioulasproduzidasporpequenosagricultoresparadistribuirpara famíliasquevivememsituaçãodeextremapobreza Apropostaestádirecionadaaoenfrentamentodapobrezaemsuamultidi mensionalidadeedefinecomolinhadeextremapobrezarendafamiliarper capita deatéR70acimadalinhaadotadanosObjetivosdoMilênioPNUD US125evalordereferênciadaextremapobrezadoBolsaFamília ÉobjetivogeraldoPlanopromoverainclusãosocialeprodutivadapo pulaçãoextremamentepobretornandoresidualopercentualdosquevivem abaixodalinhadaextremapobreza SãoseusobjetivosespecíficosElevararendafamiliarper capita ampliar oacessoaosserviçospúblicosaçõesdecidadaniaebemestarsocialampliar oacessoàsoportunidadesdeocupaçãoerendapormeiodeaçõesdeinclusão produtivanosmeiosurbanoerural Oplanovemsedesenvolvendoapartirdetrêseixosasaber1garantia derenda2inclusãoprodutivae3acessoaserviçospúblicosNesseseixos estãosendobuscadosaampliaçãodeoportunidadeseodesenvolvimentode capacidadesAbuscaeainserçãopróativasnoBolsaFamíliaseráacompanha dadeatividadesdeinserçãoprodutivanomeiourbanogeraçãodeocupaçãoe rendamicroempreendedorindividualeconomiasolidáriaqualificaçãoein termediaçãodemãodeobraeruralaumentodaproduçãoáguasementese insumosparatodosacessoaosmercadoseautoconsumo Comoépossívelobservartratasedeumplanoquesepropõeumenorme desafioqueconjugaaçõesemtrêsimportanteseixosquevãoconfigurarum feixedemediaçõesemdiversasescalasparapenetraressatramasocialconfi guradapelaexperiênciadapobrezaequenãocabeemmodelospreconcebidos Considerações finais a pobreza como questão política e expressão de relações sociais capitalistas Paraumaanáliseemmaiorprofundidadedapobrezabrasileiraatualassim comodosmecanismosquevêmsendodesenvolvidosparaaliviálaasreferên ciasprincipaisdizemrespeitoàformacomoconcebemosapobrezaeexplicamos ocontextoondeestáinseridaAssimaoapresentarmosapobrezacomoexpres sãoderelaçõessociaisvigentesnasociedadecapitalistaénecessáriobuscara 316 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 explicaçãodosprocessosdeacumulaçãocontemporâneosquetêmcomosupor teosinteressesdocapitalfinanceiroComosabemostratasedeumcontexto caracterizadopormudançasaceleradasporumanovasociabilidadeeuma abordagempolíticaaindainscritanaagendaneoliberal NoBrasilnessesúltimosanostornaramseevidentesessascaracterísticas neoliberaisdapolíticasocialfaceàsnecessidadessociaisdapopulaçãoHámais deumadécadavêmseevidenciandocomocaracterísticacentraldapolíticasocial brasileirasuadireçãocompensatóriaeseletivacentradaemsituaçõeslimiteem termosdesobrevivênciaeseudirecionamentoaosmaispobresdospobresin capazesdecompetirnomercadoEsseéolegadoaherançadosúltimos10anos olegadodasubordinaçãodosocialaoeconômicoosocialconstrangidopelo econômicoosocialrefilantropizadodespolitizadodespublicizadoefocalizado EfetivamentenopaísosistemaprotetivoapósaConstituiçãode1988 continuauniversalnaletradaleiNoentantoganhacadavezmaisforosdeuna nimidadeaideiadequepolíticasocialéporexcelênciaalgumtipodeação voltadaparaosexcluídosospobresepordefiniçãofocalizadaEmtornodes saideiaodebatesetornouinsossopermanecendorestritooraàfriarefutaçãode dadosempíricosoraaumamornaquedadebraçoentreopiniõesdiferentes prisioneirastodasdaindefectívelmençãoàspráticascorrentesnopaísVianna 2008p3 Tratasedeumcontextonoqualaspolíticassociaiseespecialmentea seguridadesocialenfrentamprofundosparadoxosPoissedeumladocontam comasgarantiasconstitucionaisquepressionamoEstadoparaoreconheci mentodedireitosporoutroseinseremnessecontextodeajusteàsconfigurações daordemcapitalistainternacionalcomseucaráterregressivoeconservador queameaçaodireitoeacidadaniatrazendofortementeaquestãodamerito craciaecomelaadesuniversalizaçãoeadescidadanizaçãocfPereirano XIIICBAS2010 Outraconstataçãonestaanáliseéquenoâmbitodalegislaçãovoltadapara oenfrentamentodapobrezapermaneceeampliaseaaçãodasentidadesfilan trópicasesocioassistenciaiscontextonoqualapobrezanãoaparececomo expressãodaquestãosocialmascomoolugardanãopolíticaondeéfigura dacomodadoaseradministradotecnicamenteougeridopelaspráticasdafi lantropiaTelles1998p15Cabelembrarqueessecenárioquetemcomo 317 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 expressãomaiorocrescimentodoterceirosetorvaicomporosprocessosde reestruturaçãodossistemasdeproteçãosocialedapolíticasocial Comosabemosnaáreadaassistênciasocialaparceriahistóricacom entidadesbeneficentesresultouemprogramasfragmentadosnamaiorpartedas vezesdesvinculadosnarealidadeondeseinstalavamsemcompromissocom espaçopúblicocomprogramasseletivosecomgestõesquasesemprecentra lizadorasepoucoparticipativasEssaformadeorganizaçãocriouumcaldode culturadifícildetrabalharumavezqueostrabalhosrealizadoscontribuíram muitoparaareiteraçãodasubalternidadedapopulaçãousuáriadosserviços assistenciais Diantedessecenárioagravadopelacriseglobalde200825emborasaiba mosqueescapaàspolíticassociaisàssuascapacidadesdesenhoseobjetivos reverterníveistãoelevadosdedesigualdadecomoosencontradosnoBrasil nãopodemosduvidardasvirtualidadespossíveisdessaspolíticasElassão políticasepodemserpossibilidadedeconstruçãodedireitoseiniciativasde contradesmanchedeumaordeminjustaedesigualIssoporqueesseproces soécontraditórioeexpressadisputascujosrumosepolitizaçãoéquepermiti rãoqueasatuaispolíticasdeenfrentamentodapobrezasecoloquemounão naperspectivadeforjarformasderesistênciaedefesadacidadaniadosexcluí dosouapenasreiterarpráticasconservadoraseassistencialistas Assimsendonapolíticasocialbrasileiraéamplaaagendademudançasa serpercorridaembuscademelhoriasdemocráticasedejustiçasocialDestacamos 1 AvançarnaperspectivadeuniversalizaçãodapolíticasocialSaúde Educaçãobuscandonãorestringiraspolíticassociaisàfunçãode combateàpobrezaabandonandosuaspossibilidadesnareduçãodas desigualdadessociaisÉprecisosuperaraperspectivaqueatribuiàs políticassociaisumcaráterminimalistafocalizadoemsituaçõesde extremapobrezaoqueasesvaziadeseupotencialuniversalizantee equânime 2 Buscarconstruireasseguraraperspectivadeseguridadesocialno sistemaprotetivodasociedadebrasileiraNãopodemosesquecerda 25Acriseglobalde2008foiparaosespecialistasinéditaqueafetouomododeproduçãocapitalista umacriseestruturalquenãoéexclusivamentefinanceiraemboratenhasidonessaesferaqueelaseoriginou Semdúvidaasconsequênciasdessacrisetemumenormecustosocialoaumentodapobrezaedodesemprego 318 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 indissociávelrelaçãoentretrabalhoeseguridadepoiséapartirdo reconhecimentodovalordotrabalhoqueseconstituiamodernase guridadesocialEssacoberturaésocialnãodependedocusteioin dividualdiretoeobjetivaoferecerumconjuntodecondiçõesdevida atodososcidadãos 3 Integraraspolíticasdeenfrentamentoàpobrezacompolíticasuni versaisconjugaçãoadequadaentreaschamadaspolíticasestruturais voltadasàredistribuiçãoderendacrescimentodaproduçãogeração deempregosreformaagráriaentreoutroseasintervençõesdeordem emergencialmuitasvezeschamadasdepolíticascompensatórias Limitarseaestasúltimasquandoaspolíticasestruturaisseguem gerandodesempregoconcentrandoarendaeampliandoapobreza significadesperdiçarrecursosiludirasociedadeeperpetuaropro blemaPoroutroladotambémnãoéadmissívelocontrárioSubor dinaralutacontraapobrezaàconquistapréviademudançasprofun dasnaspolíticasestruturaisrepresentariaaquebradasolidariedade queédeverimperativodetodosperanteosmilhõesdecidadãoshoje condenadosàexclusãosocialeàinsuficiênciaalimentarcfProgra maFomeZero Aquiéimportanteassinalarqueessaspolíticasinterferemnosprocessos relacionadoscomareproduçãosocialdavidadesenvolvendosuaaçãoem situaçõessociaisqueafetamascondiçõesdevidadapopulaçãoemgerale sobretudodossetoresmaisempobrecidosdasociedadeobjetivandointerferir nessascondiçõessobmúltiplosaspectosPodemproduzirresultadosconcre tosnascondiçõesmateriaissociaiseculturaisdavidadeseususuáriosem seuacessoeusufrutodepolíticassociaisprogramasserviçosrecursose bensemseuscomportamentosvaloresseumododeviveredepensarsuas formasdelutaedeparticipaçãodemocráticasuaorganizaçãosuaspráticas deresistência Essesdesafiosnosinterpelamdiretamentequandofazemosaindaa apostaemumacidadaniaampliadaequandobuscamosreverterafigurado pobrecomonãocidadãoTarefadifícilqueesbarranaherançaperversadeuma pobrezapersistenteenaturalizadaemumasociedadecadavezmaisdesigual Temosaíumpapeldepartejaronovoconstruirresistênciasconstruir hegemoniaenfrentarassombrasquemergulhamossubalternizadosdenossa 319 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 sociedadeÉprecisopolitizaredarvisibilidadeaosinteressesdessasclasses EstamoscumprindoNãobastaaaltaqualidadetécnicadenossotrabalhopois corremosoriscodeserbonsgestoresdespolitizados TarefadifícilconstruiropolíticonapolíticasocialConstruirhegemonia Construílasupõecriarumaculturaquetorneindeclináveisasquestõespro postaspelapopulaçãocomaqualtrabalhamosquenoscomprometaerespon sabilizemaisqueissonosobrigue Paraissoénecessárionosdesvencilhardecertasdeterminaçõesedecer toscondicionamentosimpostospelarealidademesmaemqueestamosinseridos edealgummodolimitadosporelesEstamosnoolhodofuracãoEembora saibamosqueescapaàspolíticassociaisàssuascapacidadesdesenhoseobje tivosreverterníveistãoelevadosdedesigualdadecomoosencontradosno BrasilnãopodemosduvidardasvirtualidadespossíveisdessaspolíticasElas porseremcontraditóriaspodemserpossibilidadedeconstruçãodedireitose iniciativasdecontradesmanchedeumaordeminjustaedesigual Recebido em 1342012 Aprovado em 2042012 Referências bibliográficas ADORNOSergioAgestãofilantrópicadapobrezaurbanaSão Paulo emPerspectiva RevistadaFundaçãoSeadeSãoPaulov4n2abrjun1990 ARAÚJOCleoniceCorreiaPobreza e programas de transferência de rendaconcepções esignificadosSãoLuísEdufama2009 CASTROJorgeAbrahãoRIBEIROJoséAparecidoAspolíticassociaiseaConstituição de1988conquistasedesafiosInIPEAPolíticas sociaisacompanhamentoeanálise vinteanosdaConstituiçãofederalBrasíliaIpea2009v17 COSTASuelyGomesdaPaupratodaobraReproduçãodaforçadetrabalhoedopadrão naturaldepobrezaBrasilséculoXVIaXIXComunicaçãoapresentadanoISemináriodos PaísesdoConeSulsobrePolíticasSociaisPropostasePráticasPortoAlegreICWS1990 COUTOBereniceRojasO direito social e a assistência social na sociedade brasileira umaequaçãopossívelSãoPauloCortez2004 320 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 COUTOBereniceRojasetalO Sistema Único de Assistência Social no Brasilumarea lidadeemmovimentoSãoPauloCortez2011 DIGIOVANNIGSistemasdeproteçãosocialumaintroduçãoconceitualInReforma do EstadoPolíticasdeEmpregonoBrasilCampinasUnicamp1998 FAGNANIEAjusteeconômicoefinanciamentodapolíticasocialbrasileiranotassobre operíodo19931998Economia SociedadeCampinasUnicampn131999 Política social no Brasil 19642002entreacidadaniaeacaridadeTeseDou toradoUnicampCampinas2005 FLEURYSoniaEstado sem cidadãosseguridadesocialnaAméricaLatinaRiodeJaneiro Fiocruz1994 IAMAMOTOMarildaRelações sociais e Serviço Social no Brasilesboçodeumainter pretaçãohistóricometodológica10edSãoPauloCortez1995 Serviço Social em tempo de capital fetichecapitalfinanceirotrabalhoequestão socialSãoPauloCortez2007 IANNIOctavioAquestãosocialInSão Paulo em PerspectivaSãoPauloSeadejan mar1990 IPEAPobreza e riqueza no Brasil metropolitanoBrasíliaComunicaçãodaPresidência n7ago2008 Pobreza desigualdade e políticas públicasBrasíliaComunicaçãodaPresidência n38jan2010Disponívelemwwwipeagovbr IVOAneteBritoLealAreconversãodaquestãosocialearetóricadapobrezanosanosde 1990InCIMADAMOREAlbertoDEANHartleySIQUEIRAJorgeOrgsPobreza do EstadoreconsiderandoopapeldoEstadonalutacontraapobrezaglobalBuenosAires Clacso2006 Viver por um fiopobrezaepolíticasocialSãoPauloAnnablumeSalvadorCRH UFBA2008 MARTINSJosédeSouzaO massacre dos inocentesacriançaseminfâncianoBrasilSão PauloHucitec1991 MESTRINERMariaLuizaO Estado entre a filantropia e a assistência socialSãoPaulo Cortez2001 MISHRARameshO Estado providência na sociedade capitalistaOeirasCelta1995 SARTICyntiaAndersenA família como espelhoumestudosobreamoraldospobresSão PauloCortez2003 321 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 SATRIANILuigiLombardiAntropologia cultural e análise da classe subalternaTrad deJosildethGomesConsorteSãoPauloHucitec1986 SENAmartyaDesenvolvimento como liberdadeSãoPauloCompanhiadasLetras2000 Desigualdade reexaminadaRiodeJaneiroRecord2001 SILVAMariaOzaniradaSilvaePobrezadesigualdadeepolíticapúblicacaracterizando eproblematizandoarealidadebrasileiraRevista KatálysisFlorianóploisv13n2jul dez2010 CoordO Bolsa FamílianoenfrentamentoàpobrezanoMaranhãoePiauíSão PauloCortezTeresinaUFPI2008 YAZBEKMariaCarmelitaPolíticas públicas de trabalho e renda no Brasil con temporâneoSãoPauloCortez2012 YAZBEKMariaCarmelitaGIOVANNIGeraldoA políticasocial brasileira no século XXIaprevalênciadosprogramasdetransferênciaderenda5edSãoPauloCortez 2011 SPOSATIAldaízaVida urbana e gestão da pobrezaSãoPauloCortez1988 CidadaniaoufilantropiaumdilemaparaoCNASCadernos do Núcleo de Segu ridade e Assistência Social da PUCSPSãoPauloago1994 AssistênciaSocialpolíticaspúblicaseparticipaçãopósConstituiçãode1988 Cadernos Abongsérieespecialout1995 TELLESVeradaSilvaA cidadania inexistenteincivilidadeepobrezaumestudosobre trabalhoefamílianagrandeSãoPauloTeseDoutoradoDepartamentodeSociologia daUSP1992 PobrezaeCidadaniaDilemasdoBrasilcontemporâneoCaderno CRHSalvador n191993 NofiodanavalhaentrecarênciasedireitosNotasapropósitodosProgramasde RendaMínimanoBrasilRevista PolisSãoPaulo1998 Direitos sociaisAfinaldoquesetrataBeloHorizonteEdUFMG1999 Pobreza e cidadaniaSãoPauloEditora342001 VERDÈSLEROUXJeannineTrabalhador socialpráticahabitusethosformasdeinter vençãoTraddeRenédeCarvalhoSãoPauloCortez1986 VIANNAMariaLuciaTeixeiraWerneckA americanização perversa da seguridade social no BrasilestratégiasdebemestarepolíticaspúblicasRiodeJaneiroEdRevan UcamIuperj1998 322 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 VIEIRAAnaCristinadeSouzaDeclíniodadesigualdadenoBrasilInAMARAL MariaVirgíniaBorgesTrabalho e direitos sociaisbasesparaadiscussãoMaceióUfal 2008 WANDERLEYLuizEduardoWAquestãosocialnocontextodaglobalizaçãoocasola tinoamericanoecaribenhoInCASTELRobertWANDERLEYLuizEduardoWDesi gualdade e a questão social3edSãoPauloEduc2008 YAZBEKMariaCarmelitaA assistência social na cidade de São PauloSãoPauloInsti tutoPolisPUCSP2004ObservatóriodosDireitosdoCidadãoacompanhamentoe análisedaspolíticaspúblicasdacidadedeSãoPaulo Classes subalternas e assistência social7edSãoPauloCortez2009 VoluntariadoeprofissionalidadenaintervençãosocialRevista de Políticas Públi cas v6n2SãoLuís2002 EstadoPolíticasSociaiseImplementaçãodoSUASInSUASconfigurandoos eixosdemudançaBrasíliaMDSIEE2008 ZALUARAlbaA máquina e a revoltaasorganizaçõespopulareseosignificadodapo brezaSãoPauloBrasiliense1985
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Descaminhos da seguridade social e desproteção social no Brasil Displacement of social security and social disprotection in Brazil Aldaiza Sposati Abstract After 30 years in force CF88 must be salvaged and commemorated but also evaluated in relation to how much social and political resistance it acquired in the execution of its determinations These determinations not only conflict with those of the dictatorial period preceding it but were also shown to be minimally attractive to neoliberal forces in Brazil in the late 1980s and early 1990s and are now widely recognized as conservative One of the main recommendations of CF88 the subject of this article was the notion of universal public State social protection adopted under the basis of security andor social security and with it a social security budget Over the last 30 years this idea has shifted from this founding matrix due to forces of conservatism individualism and privatization This has limited the States role as a provider thus conditioning access to the consumption capacities of social protection commodities Key words Social security Social protection Isonomy of benefits Tax exemption Human rights Resumo Após 30 anos de vigência a CF88 deve ser resgatada comemorada mas também avaliada sobre quanto adquiriu de resistências social e política para efetivar suas determinações que não só conflitam com aquelas do período ditatorial que a antecederam como se mostraram pouco atraentes para as forças neoliberais do final da década de 1980 e início dos anos 1990 no Brasil plenamente reconhecidas hoje como conservadoras Uma das principais indicações da CF88 objeto deste artigo foi a concepção de proteção social estatal pública e universal adotada sob a fundamentação de Segurança eou Seguridade Social e com ela o Orçamento da Seguridade Social Essa concepção ao longo dos 30 últimos anos deslocouse dessa matriz fundante por efeito da força do conservadorismo individualismo e da privatização ComprimIU a responsabilidade provedora do Estado condicionando o acesso à capacidade de consumo da commodity proteção social Palavraschave Seguridade social Proteção social Isonomia de benefícios Isenção tributária Direitos humanos ¹ Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo R Monte Alegre 984 Perdizes 05014901 São Paulo SP Brasil aldaizasposaticombr Introdução A análise seminal de EspingAndersen de 1990¹ sobre os regimes de Bem Estar Social considera que a desmercadorização é constitutiva da natureza da política social pública estatal Por meio dela uma necessidade social é provida fora da relação de compra e venda no mercado e adentra o campo da solidariedade de uma sociedade que reparte entre seus membros o orçamento público Essa realidade escandinava não parece ser facilmente demonstrável no regime latinoamericano sobretudo o brasileiro Nele a dinâmica das políticas sociais não guarda tanta familiaridade com o princípio da desmercadorização pois operações mercantis as cercam pela boa ou pela máfé e de diversas formas Entendese que a Seguridade Social instituída no Brasil pela Constituição Federal de 1988 CF88 expressa modos de mercadorização nas três políticas que a materializam saúde assistência social e previdência social A partir desse entendimento é aqui considerado que a proteção social tem apresentado deslocamentos do campo desmercadorizado público e estatal e apresentado paradoxalmente seu uso como mercadoria Adotase neste artigo a expressão inglesa commodity mais popular do que em português comodite esclarecendo que embora se aplique a mercadorias in natura com baixo valor agregado e alto valor comercial e estratégico aqui e de modo analógico e simbólico é aplicada à proteção social A proteção social naturalizada e extraída de seu valor de direito humano e civilizatório é transformada em mercadoria cujo valor agregado e estratégico é direcionado a interesses que comprometem sua finalidade protetiva e ampliam as desigualdades sociais Nessa decomposição a proteção social esvaise de sua vinculação à Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948 e transita para a condição de bem de consumo individual É gerada na oferta do Estado como estamentos hierarquizados pela qualidade de proteção social distribuídos pela posição social e ganho do requente Essa relação negocial abandona a condição igualitária de cidadania Discutese aqui a alteração de direção da Seguridade Social brasileira após os anos 1990 o que concorreu para afastar sua expressão real do campo civilizatório e democrático instituído pela CF88 Esse processo decorreu de ações direta e indireta do poder conservador da sociedade capitalista brasileira pautado pela orientação neoliberal que se opõe à concepção constitucional em garantir a cobertura da proteção social a todos os brasileiros A nova direção buscou aproximar a proteção social da condição de mais uma oferta de mercado ao mesmo tempo em que operou para reduzir as obrigações estatais ampliando o vínculo de responsabilidade entre o indivíduo tomado como força de trabalho e o mercado Foi secundado em contraponto o entendimento da relação entre proteçãodesproteção social e Seguridade Social como um campo de provisão de certezas sociais com fundamento humanista de garantia de direitos humanos e sociais A gestão fragmentada das três políticas sociais o nominado tripé da Seguridade Social brasileira somada à ausência de concepção unitária e gestão articulada do tripé contribuíram para distanciar a proteção social do seu sentido e destino universalista e que não chega a articular linguagem unitária sobre as expressões de desproteção social e suas formas de superação Com apoio de forças econômicas conservadoras a proteção social brasileira foi durante os últimos 30 anos desconectada da orientação universalista e civilizatória e subjugada ao código moral capitalista condicionando o acesso à proteção social à ação ativa do indivíduo em poupar para enfrentar suas fragilidades Esse trato reducionista reitera a fábula da cigarra e da formiga em que proteção é resultante da força de trabalho individual e exclui o processo coletivo de preservação da dignidade humana de todos os cidadãos de uma sociedade A proteção social foi reduzida à poupança individual ativada pelo princípio cristão em ganhar o pão com o suor do próprio rosto Garantiala com o orçamento público geraria déficit orçamentário que indicaria uma natureza populista tuteladora e assistencialista a ser eliminada Nos anos 1990 foi dado início à opção pela orientação neoliberal nas decisões e ações do Estado brasileiro em contraponto com as orientações distributivas e redistributivas da CF88 A análise neoliberal da realidade social encanta a quem dela se aproxima como um canto de sereia que ao mesmo tempo oculta o fato de embasar a implementação da comoditização da proteção social Leituras segmentadas e parciais de manifestações de desproteção social são descoladas das desigualdades social e econômica resultantes do confronto entre classes sociais entre o campo e a cidade entre etnias entre gêneros Paradoxalmente atenções públicas prestadas em serviços ou benefícios tendem a ser vistas pelos conservadores como benesse de cunho esmolar Sua insignificância de valor monetário é dirigida a quem tem menos Diversa é a conduta para os que têm mais e se aproximam da identidade de classe no poder A esses benefícios substantivos em valores monetários isentos de imposto de renda e sem qualquer condicionalidade ou restrição são distribuídos a magistrados legisladores militares e governantes Não raro se estendem a seus filhos cuja idade de dependência é de 24 anos em contraponto aos mais pobres onde cai para 14 anos A condução fragmentada da proteção social brasileira põe em risco sua responsabilidade em assegurar aquisições básicas à dignidade do ser humano e do cidadão Reduzse a ética do trato humano em prol da riqueza privada Submeter o valor de um salário mínimo padrão básico de dignidade do cidadão brasileiro a ameaças de redução é antítese da ética humana seja esse brasileiro ativo aposentado com deficiência idoso sob licença médica ou pensionista É de direção civilizatória que o Brasil garanta proteção à velhice e ao cidadão com deficiência genética ou adquirida sem condições de manter sua sobrevivência atribuindolhe um salário mínimo mensal É preciso garantir o trato isonômico e a proteção integral à criança e ao adolescente brasileiros independentemente do campo de trabalho de seus pais se magistrados ou operários A proteção social brasileira nesses 30 anos deformouse de sua perspectiva civilizatória pois vem atuando como mecanismo que acentua a desigualdade nas extremidades do ciclo de vida Fagnani alerta Hoje está claro que esse foi um ciclo improvável quase um devaneio por caminhar na contramão da concorrência capitalista sob a dominâncias das finanças menosprezar as travas do passado e ousar arranhar o status quo social secularmente dominado pelos donos do Brasil² O atravessamento das ações do Estado pela religiosidade sobretudo no campo da Seguridade Social vem derivando seu humanismo de caráter laico público e estatal para o humanismo submetido a morais de diversas práticas religiosas A preocupação com o bem de outrem nesse modo de entender justificase pela prática de uma religião e não pelo exercício da civilidade laica Esse embricamento tem levado a um protocolo tácito onde o Estado financia e desde o Brasil Colônia missões de obras religiosas travestindo tais respostas sacralizadas como atenções republicanas Direito à proteção social transmutado em caridade financiada por dinheiro público exclui no seu processo de gestão os princípios democráticos de transparência do planejamento da avaliação e do controle social A Seguridade Social é diluída e afastada para o campo privado filantrópico afogando nesse líquido seu componente democrático e republicano Esses traços genéricos permitem sugerir três hipóteses analíticas principais que orientam o desenvolvimento deste ensaio A primeira delas é que a Seguridade Social no Brasil não emergiu de uma demanda da sociedade o que a tornou socialmente desprovida de seu valor de direito humano civilizatório e transformada por forças conservadoras em bem de consumo individual marcado pela reprodução de desigualdades socioeconômicas Como bem de consumo é uma mercadoria negociável e não um direito A segunda referese aos interesses do capital financeiro o qual passou a utilizar a proteção social como forma indireta de financiamento privado Os fundos da Seguridade Social apresentamse e movimentam como capital de aplicação interesses econômicos privados exemplo é a aplicação dos fundos de pensão em privatizações A pratica da isenção fiscal da cota patronal os dispositivos de renúncia e isenção fiscal a reiterada prática do Programa de Recuperação Fiscal Refis são estratégias de favorecimento do capital privado e geração de déficits no orçamento da Seguridade Social Mecanismos de acesso a essas vantagens são mercadorias comerciáveis não raro por meio de trocas e favores políticos E finalmente a terceira sugere que a intensidade de forças conservadoras pautadas no individualismo no estado mínimo tem descaracterizado a proteção social como direito universalista Ocorre profunda distância entre os padrões de cobertura a desproteções praticados entre os que ganham menos submetidos à seleção de meios e reduzidas suas atenções a padrões emergenciais e aqueles que ocupam funções públicas de destaque no legislativo judiciário e forças militares Pretendese apontar ao longo do texto argumentos estimuladores do debate em torno dessas hipóteses A seguridade social esgarçada A presença da Seguridade Social na CF88 foi grande inovação que se apresentou como promessa laica que descolada da promessa divina superava a responsabilidade individual pela proteção social Descrita como um tripé fez supor sua abrangência por três políticas sociais Por certo um tripé só para em pé a partir de um eixo de equilíbrio que funcione como cabeça norteadora Não adianta contar com três pés sem um eixo que lhe dê articulação e funcionalidade Aqui reside o ponto fulcral desta análise que se desenha como um tripé de pés descalços e sem cabeça O primeiro golpe de retração sofrido na concepção da Seguridade Social disposta pela CF88 foi o grito ao modo imperativo cortemlhe a cabeça e assim foi decepado e veio a óbito o Conselho Nacional de Seguridade Social CNSS Nada o substituiu Com pés sem cabeça e com orçamento solapado restou à seguridade após 30 anos portarse como andarilha com pernas mancas O horizonte da unidade da Seguridade Social foi fraudado pela inatividade de um mecanismo articulador o CNSS A Lei 82121991 da Seguridade Social detalhou a composição de funcionamento do CNSS todavia essa legislação mostrouse natimorta o CNSS foi revogado após 10 anos sem ter sido efetivamente instalado e os demais artigos da lei foram sendo anulados Seus três pés fincados em três políticas cujas matrizes de atenção são desarticuladas entre si pois operam por lógicas próprias não constroem concepção e articulação unitária da Seguridade Social A desconexão leva a padrões de atenção interrompidos para garantir certezas sociais o que acaba por incentivar o trato individual das demandas Não foram instaladas vias de mútua acessibilidade entre as operações das três políticas mesmo as mais simplificadas que permitiriam uma operação integrada quando em territórios comuns de atenção Não se criou mesmo após 30 anos diálogo interinstitucional que pudesse permitir uma caracterização integrada das desproteções sociais dos brasileiros a fazer parte de uma agenda comum com atenções integradas e complementares Não ocorreu para além de experiências pontuais e locais a convergência de forças Com expressões isoladas marcadas pelo corte de recursos orçamentários instalouse a disputa orçamentária confinada à prioridade de gastos compulsórios e mais recentemente a redução do teto orçamentário O conceito de Seguridade Social no Brasil foi adotado com baixa maturação política e ideológica da sociedade dos agentes públicos dos serviços e atenções das políticas sociais das políticas econômicas e dos movimentos sociais Não foi vivido um movimento popular pela Seguridade Social Não foi compreendido seu horizonte como algo desejável sua existência não contaminou a sociedade que não decodificou seu sentido O formato das três políticas que a compõe é distinto A previdência social com gestão nacional centralizada no Distrito Federal DF a saúde sob pacto federativo mudou pela CF88 seu modelo assistencial e introduziu a gestão descentralizada com forte atuação do município novo ente federativo a partir de 1988 a assistência social precisou iniciar do quase zero isto é demandou a institucionalização estatal para cumulativamente nacionalizála e descentralizála sob o pacto federativo O caput do Art194 da CF88 trouxe como ideia força a articulação entre poder público que pode ser entendido como observância ao federalismo pela integração dos três entes governamentais e iniciativas privadas Todavia não tornou explícito se estas seriam lucrativas ou não embora a pretendida segurança de direitos indicasse uma interpretação não mercantil Inexistiu a menção a vínculos operativos entre os sistemas gerenciais dessas políticas O Sistema de Previdência Social estruturado por Getúlio Vargas em 1930 quando criou os Institutos de Aposentarias e Pensões IAPs por categorias profissionais foi sendo substituído com formas abrangentes com paridade entre as categorias profissionais que culminou em 1966 durante a ditadura militar com a institucionalização do Instituto Nacional de Previdência Social INPS A agregação das três políticas em campo integrado tem seu início no Ministério da Previdência e Assistência Social MPAS Lei 60361974 e Decreto 742541974 Essa novidade elevou a previdência social à instância ministerial associada à assistência social até então de baixo a inexistente reconhecimento como política social pública Adiante o Instituto de Assistência Médica da Previdência Social Inamps foi agregado à Saúde O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social Sinpas incluía a Fundação Legião Brasileira de Assistência FLBA 19421994 e a Fundação Nacional do BemEstar do Menor Funabem 19641994 com ação desconcentrada em agências regionais nos estados brasileiros em capitais e nos municípios de maior porte Essas fundações permaneceram sem alterações de 1988 a 1994 Aprisionada por meio século 1938 a 1988 nos confins do poder patrimonial de primeirasdamas em flagrante nepotismo a assistência social federal operava por meio de um mix de atividades de fomentos comunitário e familiar clubes de mães nos moldes da operação de centros sociais ao que se combinavam cuidados maternoinfantis com gestão afastada da política de saúde A FLBA sustentava suas ações com recursos vindos de jogos de azar leilões de mercadorias importadas aprendidas saldos de recursos da previdência social e subvenções do legislativo Sua orçamentação operava uma lavagem que transmutava em aplicação do bem irregularidades de jogo e bebidas Embora incluída no Ministério da Previdência Social MPAS a assistência social não se constitui em política social estatal e pública Sua gestão permaneceu desprovida da noção de dever de Estado laicidade republicana e campo de direitos de cidadania O princípio da subsidiariedade era seu condutor O poder de Estado deveria permanecer às sombras estando à sua frente organizações sociais ou comunitárias no mais das vezes de cariz religioso abonadas por isenções e subvenções estatais em nome de apoio à filantropia e caridade de organismo da sociedade Em 1994 a FLBA foi substituída pelo programa Comunidade Solidária mantido pela primeiradama Ruth Cardoso fragilizando seu estatuto constitucional como política pública de assistência social e seu reembarque no campo da benesse do primeirodamismo A Funabem foi substituída em 1994 pela Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência FCBIA O campo da assistência social e sua possível massa crítica não mostravam em 1988 maturação propositiva de âmbito nacional como já ocorria na saúde e previdência social que contavam com o apoio de movimentos sociais Experiências como a da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP que lança em 1985 estudo sobre a assistência social e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Abrasco com os estudos de Sposati et al foram pioneiras Municípios em busca de afirmar sua autonomia e obter recursos federais organizaram a Frente Municipal pela Regulação da Assistência Social nos termos da CF88 Os municípios tornaramse entes federativos pela CF88 e suas iniciativas no campo da assistência social não tinham diálogo com a esfera federal Movimento políticoinstitucional de agências da FLBA lutava pela implantação do Ministério de Ação Social para acolhida de seus cargos e sustentação do emprego Esses barulhos pouco orquestrados são os primeiros passos de demanda dessa política no campo público estatal A Lei Orgânica da Assistência Social Loas aprovada em 1993 cinco anos após a CF88 estabeleceu a organização federativa da gestão da assistência social no âmbito do Estado brasileiro Transformou o CNSS em Conselho Nacional de Assistência Social CNAS mas nada apontou quanto aos destinos da FLBA e da Funabem como já o fizera a CF88 Não existiam referências aos serviços socioassistenciais públicos ou às obrigações da assistência social em face do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA de 1990 Muros de isolamento histórias fragmentadas e aparatos centralizados e autoritários mantinhamse O baixo acúmulo de forças coletivas no âmbito da assistência social não se mostrou com força para alterar a tradição Esse sintético resgate buscou breve releitura do que se pode nominar como conturbada instalação da Seguridade Social brasileira sob baixa conciliação no interior da cultura institucional dos agentes públicos de cada política social Movimentos para novas estruturas democráticas no aparato estatal das três políticas ocorreram sob processos laterais Não houve investimento para fortalecer a desejada unidade da Seguridade Social Não se construiu a referência unitária e universal de proteção social ao cidadão Por consequência a decodificação da natureza da Seguridade Social não foi moldada com o mesmo significado entre as três áreas faltoulhes o impacto unificador Os objetivos da Seguridade Social explicitados na CF88 Parágrafo Único do Art 194 não foram tomados como cláusulas pétreas Quadro 1 Pela CF88 a saúde ao contrário das outras duas políticas é um direito de todos enquanto a previdência social opera como provedora de meios financeiros ao segurado A assistência social pelo texto constitucional não foi expressamente vinculada a direitos do cidadão essa condição lhe foi atribuída pelo seu pertencimento à Seguridade Social Com competências pouco claras quanto ao que lhe competia assegurar como dever manteve forte vínculo com o ativismo pragmático de cunhos pontual e emergencial expresso por práticas aligeiradas próprias da política de atendimento Tal modo de condução por vez prevalente entre entes federativos distancioua do protagonismo de exercer a responsabilidade pela atenção social de uma dada demanda em busca de padrões de resultados assentados na ética da dignidade humana e da cidadania A aparente acidez desta anotação não invalida ou desconhece esforços que objetivam fazer transitar os limites herdados para o campo dos direitos sociais A ambiguidadeomissão do texto da CF88 terminou favorecendo a concepção de permanência de formas conservadoras avessas ao reconhecimento da proteção social como direito universalista de cidadania aos brasileiros Quadro 1 Objetivos da seguridade social pela CF88 Parágrafo Único Art 194 Universalidade da cobertura e do atendimento Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços Irredutibilidade do valor dos benefícios Equidade na forma de participação no custeio Diversidade da base de financiamento Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da comunidade em especial de trabalhadores empresários e aposentados A seguridade social com orçamento desconstruído A CF88 criou o Orçamento da Seguridade Social Art 195 cujo Plano de Custeio foi formado com recursos procedentes dos orçamentos da União dos Estados do DF e dos Municípios mais as contribuições sociais dos empregadores incidente sobre a folha de salários sobre o faturamento e o lucro dos trabalhadores sobre a receita de concursos de prognósticos Todavia essa relação federativa e solidária não se consolidou o tripé para além de pés descalços sem cabeça tem seus bolsos esgarçados À falta de concepção unitária entre as três políticas foi somada sua destituição de recursos para garantir a integralidade da proteção social e o financiamento dos Encargos Previdenciários da União EPU Seus fundos foram desviados isto é alocados em outras demandas O tecido financeiro de sustento do EPU foi sendo esgarçado fazendo vazar suas moedas de sustentação Ele transitou de unidade financiadora da proteção social pública para ferramenta de regulação da política econômica privada atendendo à pressão de interesses políticos de classe Destacase a desoneração fiscal na cota patronal do Regime Geral de Previdência Social RGPS que fez transitar uma contribuição de sustentação da Seguridade Social em estratégia de regulação políticoeconômica sem sua reposição aos cofres de sustentação do EPU Esse processo combaliu os recursos e alimentou a ideia de que a proteção social e as demandas democráticas não cabiam no orçamento público Como diz Fagnani foi orquestrado um processo de asfixia financeira que em atos sucessivos ocasionaram a extinção das fontes de financiamento da área social asseguradas pela Constituição de 1988 O conjunto de isençõesrenúncias fiscaisimunidades até 2004 não era tratado como despesa pública A Receita Federal os classificava como benefícios tributários e não como gastos tributários essa mudança foi fruto de exigência de transparência pelo Fundo Monetário Internacional FMI Demorou mais cinco anos para que essa mudança ocorresse pois só na proposta orçamentária de 2009 é que o demonstrativo de gastos tributários a acompanhou e permitiu afirmar que isenção não tem custo zero para o Fundo Público O financiamento social quando de trato conservador é avesso às políticas sociais estatais coletivas Operam de forma a que o Estado tenha sua ação mediada por uma organização social que vai receber isenções e lhe é agradecida Dados coletados em publicação do Ministério da Fazenda MF Boletim da Previdência SocialRelatório da Previdência Social constantes em matéria do jornal O Estado de S Paulo mostram pelo Gráfico 1 que em 2017 R 5761 bilhões deixaram de ser somados ao Fundo Previdenciário por motivo de renúncia fiscal Desse total 21 ou R 12 bilhões são relativos à renúncia de contribuição da cota patronal de organizações sociais consideradas sem fins lucrativos e possuidoras da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social Cebas nos campos da Educação Saúde e Assistência Social Aprofundar a relação entre gasto tributário da Seguridade Social não configura aqui uma digressão e sim o aporte de argumentos pouco conhecidos e debatidos que afetam sua sustentação financeira A CF88 no 7o estabelece que estão isentas de contribuição para a Seguridade Social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei Ocorre que essas exigências antes e pósCF88 estavam confinadas a burocracias cuja obtenção tinha forte influência de interesses políticos como dois certificados de utilidade pública certificado de filantropia ou benemerência e documentos sobre débitos de taxas e tributos e demonstração de atenção gratuita a pobres Essa avaliação caso a caso não examinava a qualidade da atenção ao usuário mas sua baixa renda e a orientação da política pública não ocupava qualquer espaço nessa decisão Foram exaradas leis decretos normas desde a Loas em 1993 e da Lei Orgânica da Seguridade Social 82121991 para regulação de procedimentos burocráti Gráfico 1 Renúncia fiscal na previdência social em 2017 Brasil Fonte Reproduzido do jornal5 A seguridade social entre a direção universal e a distribuição desigual Ocorre um solapamento dos recursos da Seguridade Social Somandose a esse destino a disparidade de padrões aplicados em benefícios entre os diferentes padrões em que a previdência social opera Quadro 2 Distribuição do salário família em 2007 Previdência Social Brasil 2009 Quadro 3 Valores do programa Bolsa Família distribuídos em 2017 Brasil MDS A commodity proteção social um debate necessário O conjunto de argumentos aqui recortados mostra que não há linhas mestras ideias força a orquestrar a Seguridade Social no Brasil em termos da qualidade de seus efeitos Predomina a visão atuarial o cálculo contábilfinanceiro do recurso como seguro que não se dá conta das desproteções sociais que vive o usuário da Seguridade Social A falta de unidade da Seguridade Social brasileira cedeu lugar para a vivência paralela e desintegrada de órgãos estatais em suas extensões federativas a estados e municípios não raro fragmentados por OSCs O tripé da seguridade perdeu a direção de sua cabeça conforme prevista pela CF88 Nesses 30 anos não foi construída a unidade diretiva nem a isonomia de trato da proteção social entre os brasileiros Não há um Plano de Proteção Social Pública para o Brasil e para os brasileiros Essa ausência é agravada pela complexidade da sociedade brasileira em que se apresentam novos riscos agravos violências discriminações que borram as pretensas fronteiras entre as áreas das políticas que constituem o sistema de Seguridade Social e comprometem a sua viabilidade de futuro em face da ausência de estratégias e mecanismos que articulem as interfaces e externalidades dos serviços e atenções dessas políticas perante as condições objetivas de vida dos cidadãos em seus territórios de vivência que são singularizados pela diversidade das regiões do País O resgate dos valores da Seguridade Social passa necessariamente por um novo pacto entre as políticas sociais que a compõem conforme a CF88 e até mesmo o alargamento estratégico de vínculos com outras políticas sociais O tripé para se pôr em pé e caminhar exige contar com direção unificada e estratégica que articule seus membros e oriente seus passos em direção convergente e complementar Podese entender por fim que a Seguridade Social brasileira foi se descaracterizando de seu destino no percurso de seus 30 anos de vida Abandonou a intenção de construção de certezas sociais para assumir perversamente o papel de incentivo à desigualdade de condições de vida entre as classes sociais e seus segmentos Reduziu seu vínculo com o republicanismo com a laicidade e com os direitos sociais de cidadania Sua mutação conservadora em face da matriz de 1988 delimitou o alcance e a visibilidade das expressões de desproteção social na população brasileira a valor de per capita para aquisição da commodity proteção social A ausência de estratégias de integração das três políticas sociais que conformam a Seguridade Social brasileira desde o local ao nacional descaracterizaram seu reconhecimento social unitário para a alegria neoliberal e conservadora e para a tristeza da direção civilizatória de um direito humano e social A proteção social enquanto propósito da Seguridade Social definha Transmutouse em fundo financeiro operado como ferramenta política para privilégios do legislativo da magistratura e dos militares e cerceamento de certezas sociais do trabalhador sua família e seus filhos Nessa mutação a moeda proteção social é cunhada como uma commodity de alto valor transgressor da ética da dignidade humana porém com efetivos resultados para a comercialização de apoios neoliberais fundados em desigualdades socioeconômicas Agradecimentos À Bruna Cristina Carnelossi e à Fabiana Moraes pela colaboração no levantamento de dados Referências 1 EspingAndersen G Three worlds of welfare capitalism Cambrige Polity Press 1990 2 Fagnani E Direitos roubados o fim do breve ciclo de cidadania social no Brasil Internet Publicado 2017 Abr 18 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpswwwcartacapitalcombrpoliticadireitosroubadosofimdobreveciclodecidadaniasocialnobrasil 3 Sposati A Yasbek C Bonetti DA Carvalho MCB Assistência social na trajetória das políticas sociais brasileiras uma questão de análise 12ª ed São Paulo Cortez 1985 4 Sposati A Fleury SM Carvalho MCB Os direitos dos desassistidos sociais São Paulo Cortez 1989 5 Araújo C Fernandes A Previdência em debate Jornal O Estado de S Paulo Internet Publicado 2018 Fev 09 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpacervoestadaocombrpagina2018020945405nac18ecob6nottelafullscreen 6 Brasil Ministério da Fazenda Receita Federal Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros Demonstrativo dos gastos tributários PLOA 2017 Internet Brasília DF Ministério da Fazenda 2016 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpidgreceitafazendagovbrdadosreceitadatarenunciadgtploa2017versao11pdf 7 Brasil Ministério da Previdência Social Previdência social e o pagamento do salário família em 2017 Inf Prev Soc Internet 2009 acessado 2018 Mar 232102 Disponível em httpwwwprevidenciagovbrarquivosoffice3090430152540063pdf 8 Brasil Ministério da Fazenda Receita Federal IRPF Imposto sobre a renda das pessoas físicas Internet Publicado em 2015 Jul 10 modificado em 2017 Dez 06 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpidgreceitafazendagovbracessorapidotributosirpfimpostoderendapessoafisica 9 Brasil Ministério do Desenvolvimento Social MDS Relatório de programas e ações do Ministério do Desenvolvimento Social Internet 2017 acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpsaplicacoesmdsgovbrsagirirelatoriosmdslocalizaDivisaoassiscodigo350400 10 Brasil Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Anexo IV Metas Fiscais IV 9 Avaliação da Situação Financeira e Atuarial dos Benefícios Assistenciais da Lei Orgânica de Assistência Social LOAS Art 4º 2º inciso IV da Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 Internet acessado 2018 Mar 23 Disponível em httpwwwplanejamentogovbrassuntosorcamento1orcamentosanuais2017pldoanexoiv9projecoesdelongoprazoloas1pdf Artigo apresentado em 26022018 Aprovado em 12032018 Versão final apresentada em 17042018 Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons Financiamento da Educação Pública 661 Nicholas Davies1 1 Professor titular aposentado da Faculdade de Educação da Universida de Federal Fluminense O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO E SEUS PERCALÇOS Revista Pesquisa e Debate em Educação 662 RESUMO O artigo pretende oferecer um panorama do financiamento da edu cação no Brasil com base em análise documental e bibliográfica descreven do e analisando as receitas e despesas vinculadas à educação o Fundef e o Fundeb e os seus percalços como equívocos da legislação dados pouco confiáveis descumprimento da exigência legal pelos governos fiscalização deficiente pelos Tribunais de Contas e conselhos desvinculação constitucio nal dos recursos devidos renúncias fiscais financiamento a instituições priva das de ensino desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios e a fragilidade dos Planos de Educação PalavrasChave Financiamento da educação Legislação educacional Priva tização da educação Fundef Fundeb EDUCATION FUNDING IN BRAZIL short history of its legislation and its drawbacks ABSTRACT The article seeks to provide an overview of education funding in Brazil based on documents and the literature with a description and analysis of revenues and expenditures linked to educacion the Fundef and Fundeb funds and their drawbacks such as legislation errors data not much reliab le noncompliance of legal requirements by governments deficient inspec tion by Audit Offices and councils constitutional untying of education funds tax exemptions public funding of private education institutions tax inequality among regions States and local authorities and the frailty of Education Plans Keywords Education funding Educational legislation Privatization of educa tion Fundef Fundeb Financiamento da Educação Pública 663 1 INTRODUÇÃO Este texto pretende apresentar alguns desafios do financiamento da educa ção no Brasil Antes é preciso esclarecer o caráter do Estado e de suas po líticas pois isso se reflete neste financiamento e em outras políticas Numa sociedade desigual e não apenas na sociedade capitalista é um equívoco denominar ações estatais como públicas uma vez que elas não são elabora das a partir de iniciativa da maioria da população de consulta a ela ou visando a seus interesses Ainda que se apresentem como públicas caracterizamse pelo privatismo já que o Estado representa principalmente uma minoria da po pulação as várias frações da classe dominante e os segmentos burocráticos privilegiados Legislativo Judiciário setores do Executivo Exemplo disso é a política fiscaleconômica dos governos que favorece o empresariado so bretudo o grande com toda sorte de incentivos e vantagens A privatização recente por exemplo foi financiada em grande parte pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES Exemplos de privilegiamen to de segmentos da burocracia estatal são os altíssimos salários e vantagens do Judiciário do Legislativo e de parte do Executivo Entretanto o Estado reflete não só tais interesses dominantes mas também as contradições sociais as lutas abertas ou ocultas entre exploradoresprivilegia dos e exploradosoprimidos e por isso é levado por pressão dos de baixo e ou por necessidade de legitimação dos detentores do poder a atender a inte resses dos subalternos podendo assim adquirir certo caráter público As ditas políticas sociais são manifestações deste potencial público bastante variável de acordo com o contexto e o país que por sua vez depende da correlação de forças das classes popularesexploradas e das classes dominantes 2 BREVE HISTÓRICO DOS RECURSOS VINCULADOS À EDUCAÇÃO 21 RECEITAS E DESPESAS EM MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO Apresentamos a seguir um breve histórico desta vinculação desde a Consti tuição Federal CF de 1934 até hoje Esta CF foi a primeira a obrigar governos a aplicarem um percentual mínimo de impostos em manutenção e desenvol vimento do ensino MDE o percentual da União o Governo Federal e dos Municípios seria de 10 e o dos Estados e Distrito Federal DF 20 Esta vincu lação se deve entre outros fatores ao movimento de educadores liberais que defendiam uma ação maior do Estado na educação com o objetivo de tornála Revista Pesquisa e Debate em Educação 664 acessível a toda a população O caráter sempre ambíguo do Estado no entanto fez com que em 1937 o ditador Getúlio Vargas impusesse uma nova Constitui ção a do Estado Novo eliminando tal vinculação que só foi restabelecida na Constituição seguinte em 1946 que repetia os percentuais da CF de 1934 com exceção do percentual dos Municípios que passou para o mínimo de 20 Esta obrigatoriedade constitucional só foi alterada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB de 1961 Lei nº 4024 que ampliou o percentual míni mo da União de 10 para 12 No entanto a ditadura militar instalada em 1964 iria suprimir novamente essa obrigatoriedade com a CF de 1967 Embora a Emenda Constitucional EC nº 1 BRASIL 1969 restabelecesse a vinculação de 20 da receita tributária para o ensino primário de 4 anos no caso dos Municípios as demais esferas de governo deixaram de ser obriga das a aplicar um percentual mínimo em educação desvinculação apontada como uma das razões para a deterioração da educação pública no período e o consequente favorecimento da iniciativa privada O restabelecimento da vinculação só foi acontecer em 1983 com a EC nº 24 BRASIL 1983 conhecida como Emenda Calmon que fixou o percentual míni mo de 13 no caso da União e 25 no caso dos Estados DF e Municípios A CF de 1988 manteve o percentual dos Estados DF e Municípios porém ampliou o da União de 13 para 18 As Constituições Estaduais de 1989 e as Leis Orgânicas dos Municípios de 1990 por sua vez ou mantiveram os percentuais da CF de 88 ou ampliaramnos para 30 ou 35 A partir dos anos 1990 no entanto muitos destes percentuais maiores das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas foram reduzidos para 25 por meio de emendas a constituições e leis orgânicas ou de liminares concedidas pelo Supremo Tribu nal Federal ou Tribunais de Justiça a Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADINs movidas pelos governantes Embora os percentuais mínimos previstos no art 212 da CF de 1988 não te nham sido alterados desde 1988 foram subvinculados ou parcialmente des vinculados por outras disposições da CF e por emendas constitucionais Por exemplo o art 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da redação original da CF de 1988 previa que por 10 anos o Poder Público destinaria pelo menos 50 dos percentuais mínimos na erradicação do anal fabetismo e na universalização do ensino fundamental EF Para uns intérpre tes isso significava que cada esfera de governo deveria aplicar pelo menos 50 dos percentuais mínimos ou seja o governo federal deveria investir pelo menos 9 50 de 18 e os estaduais distrital e municipais pelo menos 125 50 de 25 Para outros Poder Público correspondia ao conjunto das 3 esferas o que foi interpretado por alguns como a desresponsabilização por parte do governo federal uma vez que os entes subnacionais muito pro vavelmente já gastavam tal percentual mínimo sobretudo no EF Financiamento da Educação Pública 665 Mesmo com o fracasso dos governos em erradicarem o analfabetismo e uni versalizarem o EF e sem alterar o art 212 várias subvinculações foram criadas pelas EC nº 14 BRASIL 1996a e nº 53 BRASIL 2006 explicadas mais adiante As receitas vinculadas à MDE são de dois tipos as baseadas no percentual dos impostos e as receitas adicionais ao percentual mínimo Como a CF prevê a distribuição de parte de impostos federais a Estados DF e municípios e de impostos estaduais a municípios o percentual incide apenas sobre a receita lí quida de impostos ou seja a que fica com os governos após esta distribuição Os impostos federais compreendem os de Importação Exportação Rendas e Proventos de Qualquer Natureza IR Produtos Industrializados IPI Proprieda de Territorial Rural ITR e de Operações Financeiras IOF e IOFouro Os estaduais por sua vez abrangem o Imposto sobre a Circulação de Merca dorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comuni cação ICMS o da Propriedade de Veículos Automotores IPVA o de Trans missão causa mortis e Doação e o IR retido na fonte pelo governo estadual Uma rubrica raramente incluída na base de cálculo pelos governos estaduais é a relativa ao adicional de até 2 do ICMS destinado ao Fundo de Combate à Pobreza criado pela EC n 31 BRASIL 2000 e prorrogado por tempo in determinado pela EC n 67 BRASIL 2010 previsto no art 82 parágrafo 1º do ADCT Além disso os governos recebem transferências de impostos federais como o Fundo de Participação dos Estados FPE formado por 215 do IR e do IPI arrecadado pelo governo federal a compensação financeira prevista na Lei Complementar n 8796 também conhecida como Lei Kandir de deso neração do ICMS das exportações a cotaparte 10 do IPIexportação e a cotaparte do IOF Ouro Os impostos municipais por fim incidem sobre a Propriedade Territorial Urba na IPTU Serviços ISS Transmissão de Bens Inter Vivos ITBI o IR retido na fonte e o ITR caso as prefeituras tenham optado por cobrálo As transferên cias de impostos federais para as prefeituras são o Fundo de Participação dos Municípios FPM formado por 235 do IR e do IPI arrecadado pelo governo federal a compensação financeira da LC n 8796 a cotaparte do IOFouro e 50 do ITR caso as prefeituras não tenham optado por cobrálo As trans ferências estaduais para as prefeituras abrangem 25 do ICMS 50 do IPVA e 25 da cotaestadual do IPIexportação O Distrito Federal tem a particularidade de ter receitas típicas de governos estaduais e municipais e não ter de repartir estas receitas com outros entes Vale frisar que sobre todos estes impostos incidem multas juros de mora e outros encargos quando não pagos no prazo legal Caso inscritos na dívi Revista Pesquisa e Debate em Educação 666 da ativa esta deve ser computada bem como suas multas juros de mora atualização monetária e outros encargos A dívida ativa oriunda de impostos não era nem é registrada na rubrica de impostos mas sim na da dívida ativa tributária e como esta abrange outros tributos nem sempre é fácil distinguir a dívida ativa oriunda de impostos da de outros tributos Outra receita devida porém provavelmente nunca computada foi e ainda é o rendimento com a aplicação dos impostos no mercado financeiro Este prejuí zo foi astronômico sobretudo em época de inflação alta até a decretação do Plano Real em julho de 1994 e aconteceu e acontece porque o rendimento com os impostos e quaisquer outras receitas é registrado como receita patri monial que não distingue a origem do rendimento Este prejuízo poderia ser bastante diminuído se governos cumprissem o parágrafo 4º do art 69 da LDB que prevê a apuração e correção a cada trimestre do exercício financeiro de diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas que resultem no não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios Em outras palavras se o governo aplicar 20 dos impostos em MDE num trimes tre no trimestre seguinte teria de corrigir os valores não aplicados 5 e fazer a devida compensação Em meus estudos sobre Tribunais de Contas constatei que eles não fazem esta exigência nem contabilizam o rendimento com os impostos DAVIES 2001c 2004 2011a 2013 Além destas receitas existem as adicionais algumas com origem em impos tos outras não tendo vinculação específica não coincidente necessariamen te com o conceito de MDE Uma é o salárioeducação contribuição social criada pelo governo federal em 1964 logo após o golpe militar para financiar o então ensino primário público e que até o final de 1996 podia ser utilizado le galmente para custear alunos reais ou muitas vezes fictícios no ensino funda mental em escolas particulares Quando não utilizado em escolas particulares era recolhido aos cofres federais e dividido apenas entre o governo federal e os estaduais As prefeituras nada recebiam de salárioeducação embora oferecessem ensino primário e posteriormente fundamental o que mostra a fragilidade do suposto pacto federativo no Brasil Só vieram a receber a cota municipal diretamente do FNDE a partir de 2004 em função da Lei n 10832 BRASIL 2003 que aumentou a fatia do governo federal na receita nacional porém diminuiu a cota estadual Até então o governo federal ficava com 13 33 da receita e devolvia 23 66 aos governos estaduais onde havia sido arrecadado Com esta lei o governo federal passou a ficar com 40 ao con trário dos 33 de antes e a cota estadual agora dividida entre governo es tadual e prefeituras foi reduzida de 66 para 60 Segundo o site do FNDE a receita do salárioeducação foi de cerca de R 22 bilhões em 2018 sendo cerca de R 9 bilhões retidos pelo governo federal e R 13 bilhões devolvidos Financiamento da Educação Pública 667 aos Estados e municípios dos quais R 77 bilhões só para o Sudeste Um exemplo da desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios que prejudica o financiamento da educação Outras receitas adicionais são as transferências federais para programas como merenda escolar transporte escolar dinheiro direto na escola Plano de Ações Articuladas e outros executados por Estados DF e municípios Os ganhos e a complementação federal se houvehá com o Fundef e o Fun deb são receitas adicionais com origem em impostos e são explicados mais adiante Também os rendimentos financeiros com todas as receitas adicionais salário educação transferências federais etc devem ser acrescidos integralmente ao percentual mínimo conforme orientação da Secretaria do Tesouro Nacio nal em seus manuais Outra receita adicional bem recente é a dos royalties do petróleo prevista na Lei Federal n 12858 BRASIL 2013 Contém vários aspectos preocupantes ou mal compreendidos Um é que não abrangem todos os royalties mas apenas uma parte deles Outro é não enfrentar a desigualdade dos Estados e municí pios no acesso a tais royalties pois uns continuarão recebendo muito mais do que outros O mais grave é abrir uma brecha para o uso dos royalties na edu cação privada ao afirmar que a transferência da parcela da União aos Estados DF e municípios dará preferência aos que apliquem seus royalties exclusiva mente em educação pública com prioridade para a educação básica o que dá a entender que tais entes poderão usar os royalties na educação privada Outra questão crucial é a definição das despesas em MDE A expressão inspi ra os arts 70 e 71 da atual LDB que embora contenham avanços continuam apresentando problemas e mesmo contradição com outros artigos O avanço está no detalhamento se bem que ainda insuficiente do que os governantes podem considerar MDE Programas de merenda escolar assistência médi coodontológica farmacêutica e psicológica e outras formas de assistência social nas escolas por exemplo não podem mais ser incluídas nas despesas com MDE ainda que as autoridades continuem sendo obrigadas a proporcio nálos Também obras de infraestrutura ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar não podem ser consideradas despesas em MDE procurandose assim coibir o que era e é muito comum nos gover nos que mandam asfaltar uma rua ou construir uma rede de esgoto próximo às vezes nem isso a uma escola e incluem esta despesa em MDE Também a pesquisa não vinculada a instituições de ensino ou quando efetivada fora dos sistemas de ensino não vise ao aprimoramento ou à expansão do ensino não pode ser considerada MDE Um problema deste inciso I do art 71 é que Revista Pesquisa e Debate em Educação 668 dada a tendência das autoridades a terem interpretações bastante elásticas quando lhes convêm qualquer pesquisa de qualquer órgão pode acabar sen do enquadrada na MDE Outra despesa que não pode mais ser considerada MDE é a relativa a pessoal docente e demais trabalhadores da educação quando em desvio de função ou em atividade alheia à MDE Isso significa que os gastos com profissionais da educação cedidos a órgãos que não sejam o da educação ou aposentados e pensionistas não mais poderão ser conside rados dentro do percentual mínimo O correto é classificar os inativos como parte da MDE na função Previdenciária pois não contribuem mais para manter e desenvolver o ensino e sua aposentadoria Em tese pelo menos deveria ser financiada com suas contribuições e as patronais feitas ao longo da vida ativa caso não tenham sido total ou parcialmente dilapidadas pelos governos Vale lembrar que o conceito de MDE na LDB abrange apenas remuneração de quem trabalha na educação e os aposentados recebem proventos não remu neração conforme lembram os Manuais da Secretaria do Tesouro Nacional Um problema na definição das despesas é que governos e TCs raramente fazem uma distinção entre o conceito de MDE definido na LDB e complemen tado pelo Parecer n 26 BRASIL 1997 do Conselho Nacional de Educação e o da função orçamentária Educação previsto na Lei Federal n 4320 BRASIL 1964 que normatiza a elaboração de orçamento público A merenda escolar por exemplo não é considerada MDE e portanto não pode ser paga com o percentual mínimo embora possa ser e é pelo menos parcialmente financia da pelos repasses feitos pelo FNDE para a alimentação escolar Devese prestar atenção também para a distinção entre despesa empenhada também denominada de realizada liquidada e paga uma vez que nem todo empenho é efetivamente liquidado e portanto pago podendo ocorrer de em penhos emitidos num ano serem cancelados em exercícios posteriores mas os governos não descontarem tais cancelamentos dos supostos gastos em educação Esta prática de emissão de empenhos sobretudo para alcançar o percentual mínimo vinculado à MDE e seu cancelamento em exercício pos terior não é incomum e por isso devese estar atento para empenhos não liquidados num ano e que poderão ser cancelados em exercícios posteriores Por último convém atentar para o fato de que prefeituras só podem aplicar os 25 dos impostos na educação infantil EI e no ensino fundamental EF conforme determina o art 11 da LDB Só podem investir no ensino médio ou superior depois de atender plenamente à EI e ao EF e mesmo assim com re cursos fora dos 25 Financiamento da Educação Pública 669 22 O FUNDEF E O FUNDEB Analiso brevemente as ECs n 14 e 53 que entre outras disposições criaram respectivamente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun damental e de Valorização do Magistério Fundef e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb iniciativas do governo federal A EC n 14 criou 4 subvin culações A primeira delas obrigou Estados DF e municípios a aplicarem até 2006 15 dos impostos no EF por 10 anos ou seja aumentou de 125 para 15 o percentual dos entes subnacionais porém diminuiu segunda de 9 previsto na redação original do art 60 do ADCT da CF de 1988 para o equiva lente a 54 dos impostos o percentual da União paraa universalização do EF e a erradicação do analfabetismo Outra foi estabelecer o Fundef regulamen tado pela Lei 9424 BRASIL 1996c um exemplo de priorização do EF dada pelo governo federal da época A quarta subvinculação foi destinar pelo me nos 60 do Fundef para a remuneração dos professores formulação alterada para valorização dos profissionais do magistério categoria mais ampla do que professores pela Lei 9424 Apesar dos discursos governamentais em favor da melhoria da qualidade do ensino o Fundef pouco ou nada contribuiu neste sentido pois trouxe poucos recursos novos para o sistema educacional como um todo uma vez que pela sua lógica o governo estadual e as prefeituras de cada Estado contribuíam com 15 de alguns dos impostos e recebiam de acordo com o número de matrículas no ensino fundamental regular O resultado foi que alguns governos ganhavam mas outros perdiam na mesmo proporção Era um jogo de soma zero ou seja os ganhos de uns correspondiam exatamente às perdas de outros Obviamente os que adquiriram ganhos significativos tiveram chances objetivas de melhorar o ensino porém não os que perderam As perdas só não aconteceram na mesma proporção dos ganhos quando houve a comple mentação federal para Estados e Municípios o que de qualquer maneira ten deu a ser decrescente e insignificante em termos nacionais Em 2006 último ano do Fundef a receita nacional foi de R 359 bilhões e a complementação se reduziu a pouco mais de R 300 milhões ou menos de 1 do total Além desta fragilidade o Fundef padecia de muitas outras Uma é que a com plementação foi muito inferior à devida legalmente conforme mostrado no item 33 mais adiante Outra foi ignorar a educação infantil o ensino médio e a educação de jovens de adultos bem como os seus profissionais Uma terceira debilidade foi que embora se apresentasse como um fundo de valorização do magistério só se propôs a destinar um percentual mínimo 60 para a remu neração a qual não resulta necessariamente em valorização sobretudo em governos que perderam com o Fundef eou estão perdendo com o Fundeb Revista Pesquisa e Debate em Educação 670 Estas fragilidades segundo seus defensores e propagandistas seriam sana das pelo Fundeb criado pela EC n 53 em 2006 e regulamentado pela Lei nº 11494 em 2007 Com lógica idêntica à do Fundef não traz recursos novos na maioria dos sistemas educacionais de Estados DF e municípios pois con siste numa redistribuição entre o governo estadual e os municipais de um percentual maior 20 desde 2009 de um número maior de impostos com base no número de matrículas nos níveis de atuação constitucional prioritária destes governos educação infantil e ensino fundamental no caso dos muni cípios e ensino fundamental e ensino médio no caso dos Estados e em dife rentes pesos atribuídos segundo critérios não explicados até hoje aos vários níveis modalidades tipo e localização da educação básica Em outras palavras a diferença entre a contribuição para o Fundeb e a receita com ele resulta em ganhos para uns governos e perdas para outros na mesma proporção É pois um jogo de soma zero o que não acontece apenas quan do existe complementação a qual embora bem maior do que no Fundef é in significante em termos nacionais pois o governo federal só se compromete a destinar 10 da receita do Fundeb de 2010 a 2020 último ano da vigência do Fundeb embora arrecade mais de 60 da receita nacional A consequência da lógica do Fundeb é que só os governos com ganhos eou complementa ção federal terão mais chances objetivas de desenvolver a educação básica e melhorar a remuneração do magistério ao contrário dos que perderem que não terão esta receita extra Outro aspecto frágil é que além de milhares de prefeituras e de todos os estaduais perderem com ele e portanto poderem alegar ter menos condi ções objetivas de promover tal valorização não considera os recursos fora dele como os 25 de todos os impostos municipais e do imposto de renda recolhido por governos municipais e estaduais e o restante 5 dos demais impostos que integram o Fundeb Tais perdas municipais são mostradas no estudo de Peres Souza Alves e Rodrigues 2015 Para as perdas estaduais basta consultar os relatórios estaduais do SIOPE Assim esta valorização su postamente pretendida pelo Fundeb não toma como referência a receita total vinculada à educação Em estudo inédito de 2019 Alcântara e Davies constataram que o Fundeb não manteve nem desenvolveu o número de matrículas e escolas públicas estaduais e municipais na educação básica pois o seu número caiu de 2007 primeiro ano do Fundeb a 2017 ao contrário do setor privado que cresceu entre 2006 e 2017 Não foram usados os dados de 2007 do setor privado porque 3 mil escolas privadas teriam deixado de fornecêlos com uma matrí cula estimada de 600 mil alunos segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica de 2008 BRASIL 2009 Por isso foram utilizados os dados de 2006 na suposição de que não continham distorções Financiamento da Educação Pública 671 O número de matrículas estaduais e municipais diminuiu respectivamente 5704486 26 e 1429275 58 sendo que o de matrículas privadas cres ceu 1540858 21 conforme mostra o quadro a seguir que registra também enormes diferenças de evolução nas regiões e nas Unidades da Federação Os seguintes aspectos merecem destaque a todas as redes estaduais ti veram redução com exceção do Acre b o percentual de queda estadual variou desde o mínimo de 69 no Amazonas até o máximo de 468 no Rio de Janeiro c dos 9 estados com maior redução percentual 8 são do Nor deste d em 13 estados o número de municipais diminuiu sendo as perdas concentradas sobretudo no Nordeste 1487934 e as redes municipais de 8 estados do Nordeste foram as que mais caíram em termos percentuais o que chama atenção sobretudo porque um grande número de suas prefeituras tiveram e têm receitas adicionais expressivas por conta do Fundeb devido à complementação federal e às perdas dos governos estaduais para as pre feituras f em 13 estados o número de municipais cresceu de um mínimo de 005 Paraná até um máximo de 994 Roraima g o número de matrí culas privadas aumentou em 23 estados variando do mínimo de 22 em Minas Gerais até o máximo de 1432 em Roraima só caindo em 4 estados AC RO PI e ES Chama atenção o fato não mostrado no quadro a seguir de o número de matrículas municipais rurais do Nordeste responder pela maior parte da redução das municipais rurais no Brasil 1097507 ou 787 do total nacional de 1393713 Revista Pesquisa e Debate em Educação 672 Evolução do total de matrículas estaduais e municipais 2007 a 2017 e privadas 2006 a 2017 na educação básica no Brasil Região Unidade Da Federação Estadual Municipal Privada 2007 2017 Evolução Ev 2007 2017 Evolução Ev 2006 2017 Evolução Ev BRASIL 21927300 16222814 5704486 260 24531011 23101736 1429275 58 7346203 8887061 1540858 210 NORTE 2177846 1787649 390197 179 2671573 2727718 56145 21 354135 453098 98963 279 Rondônia 257414 204110 53304 207 184733 184491 242 01 40811 38737 2074 51 Acre 152799 170628 17829 117 83762 98979 15217 182 12068 11917 151 13 Amazonas 501008 466599 34409 69 597841 601050 3209 05 83473 90571 7098 85 Roraima 94304 72311 21993 233 31936 63666 31730 994 6665 16206 9541 1432 Pará 790342 589280 201062 254 1557011 1507319 49692 32 158436 231000 72564 458 Amapá 151115 123805 27310 181 52535 75769 23234 442 21842 22557 715 33 Tocantins 230864 160916 69948 303 163755 196444 32689 200 30840 42110 11270 365 NORDESTE 5130081 3389404 1740677 339 9861791 8373857 1487934 151 2064454 2452607 388153 188 Maranhão 547587 356173 191414 350 1561918 1455443 106475 68 218330 231532 13202 60 Piauí 335931 305444 30487 91 617695 546650 71045 115 123711 110938 12773 103 Ceará 645381 426586 218795 339 1670593 1323397 347196 208 392497 422819 30322 77 R G do Norte 359440 231245 128195 357 468490 417379 51111 109 146724 169223 22499 153 Paraíba 451037 288636 162401 360 595860 506491 89369 150 140837 189643 48806 347 Pernambuco 923105 591470 331635 359 1319296 1143022 176274 134 450885 511540 60655 135 Alagoas 275750 180975 94775 344 637620 541065 96555 151 91720 143581 51861 565 Sergipe 234911 154605 80306 342 316419 267353 49066 155 71909 121154 49245 685 Bahia 1356939 854270 502669 370 2673900 2173057 500843 187 427841 552177 124336 291 SUDESTE 9289648 6940454 2349194 253 8113860 7873040 240820 30 3418747 4199636 780889 228 Minas Gerais 2551433 2107401 444032 174 1928047 1773793 154254 80 666520 680922 14402 22 Espírito Santo 312061 260186 51875 166 490148 507072 16924 35 130376 108587 21789 167 Rio de Janeiro 1348636 717877 630759 468 1826840 1692326 134514 74 856835 1113946 257111 300 São Paulo 5077518 3854990 1222528 241 3868825 3899849 31024 08 1765016 2296181 531165 301 SUL 3414306 2530452 883854 259 2624905 2767281 142376 54 932271 1110836 178565 192 Paraná 1353670 1085468 268202 198 1047053 1047543 490 005 365869 446691 80822 221 Santa Catarina 738642 514368 224274 304 640965 749344 108379 169 214322 251251 36929 172 R G do Sul 1321994 930616 391378 296 936887 970394 33507 36 352080 412894 60814 173 CENTRO OESTE 1915419 1574855 340564 178 1258882 1359840 100958 80 576596 670884 94288 164 M G do Sul 304864 252653 52211 171 305929 340144 34215 112 83866 89215 5349 64 Mato Grosso 439271 384254 55017 125 353778 357701 3923 11 76000 107536 31536 415 Goiás 669908 478250 191658 286 599175 661995 62820 105 250625 281070 30445 121 Distrito Federal 501376 459698 41678 83 166105 193063 26958 162 Fontes Censos Escolares de 2006 2007 e 2017 BRASILINEP 2007 2008 2018 e cálculos efetuados pelos autores Financiamento da Educação Pública 673 Também o número de escolas estaduais 2595 ou 78 e municipais 19555 ou 148 caiu de 2007 a 2017 porém o de privadas 2006 a 2017 cresceu 4491 126 com grandes variações entre regiões e Estados 3 OS PERCALÇOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO 31 OS EQUÍVOCOS DA LEGISLAÇÃO Um dos percalços são os muitos equívocos da própria legislação Por exem plo o caput do art 212 da CF afirma que os Estados o DF e os Municípios aplicarão no mínimo 25 de impostos compreendida a proveniente de trans ferências na MDE Ora o correto é transferências constitucionais de impos tos e não simplesmente transferências termo muito mais amplo pois abrange tanto as constitucionais quanto as legais e as voluntárias Da forma como está redigido o caput os governos dos Estados DF e Municípios que recebem tais transferências legais e voluntárias poderiam adotar uma interpretação opor tunista e incluílas para o cálculo dos 25 como fez durante vários anos o governo do Distrito Federal que contabilizava dentro dos 25 centenas de milhões de reais de transferências voluntárias do governo federal para a edu cação com a concordância do Tribunal de Contas DAVIES 2001c O certo seria acrescentálas integralmente desde que vinculadas à educação aos 25 ou ao percentual mínimo maior se existente previsto na Constituição Estadual ou Lei Orgânica municipal conforme estabelece a LDB É verdade que o art 69 da LDB não comete o mesmo equívoco pois acres centa constitucionais porém o certo seria que isso fosse feito também no caput do art 212 da CF Entretanto a inclusão de constitucionais só resolveria esta imprecisão do caput antes da criação do Fundef cuja implantação gerou para muitos gover nos sobretudo municipais uma receita adicional integral de natureza cons titucional pois foi criado por emenda constitucional a de n 14 A inclusão de constitucionais no caput faria com que os 25 incidissem sobre os ganhos dos governos com o Fundef quando o correto seria contabilizar tais ganhos como receitas adicionais ao mínimo Este problema da contabilização se apli ca também ao Fundeb que faz com que milhares de prefeituras todos os governos estaduais perdem com o Fundeb tenham receitas constitucionais adicionais os ganhos Revista Pesquisa e Debate em Educação 674 Um segundo erroincompetência ou seria esperteza dos legisladores pode ser constatado no 2º do art 212 da CF segundo o qual para efeito do cum primento do disposto no caput deste artigo serão considerados os sistemas de ensino federal estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art 213 BRASIL 1988 Equívoco semelhante constava do 1º do art 211 re dação de 1988 que estipulava que a União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios BRASIL 1988 quando queria dizer que organizará o sistema federal de ensino e financiará a rede federal de ensi noBRASIL1988 O certo seria redes não sistemas pois segundo a LDB arts 16 17 e 18 os sistemas incluem não só as instituições mantidas pelas várias esferas de go verno mas também as privadas A rede federal por exemplo abrange todas as instituições pertencentes ao governo federal enquanto o sistema federal de ensino compreende não só as federais mas também as de educação su perior criadas e mantidas pela iniciativa privada O mesmo vale para os siste mas estaduais distrital e municipais de ensino É verdade que na esfera federal tal brecha privatista foi aparentemente fe chada pela modificação introduzida pela EC n 14 no 1º do art 211 estabele cendo que a União financiará as instituições de ensino públicas federais No entanto como o 2º do art 212 não foi alterado o resultado pelo menos na esfera federal é uma incongruência da sua formulação com a nova reda ção do 1º do art 211 Na esfera estadual distrital e municipal a brecha conti nua aberta do ponto de vista constitucional A Lei n 11494 que regulamentou o Fundeb embora não pretendesse definir MDE distorceu o seu significado legal ao permitir que creches préescolas e instituições de educação especial comunitárias confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público recebam recursos do Fundeb o qual pela EC n 53 é destinado apenas à manutenção da edu cação básica pública a qual obviamente não inclui tais instituições Os priva tistas foram beneficiados ainda com a permissão na Lei n 11494 de os pro fissionais do magistério da educação básica pública cedidos a tais instituições serem considerados como se estivessem em efetivo exercício na educação básica pública art 9º 3º também contrariando o significado legal de MDE A LDB por sua vez apresenta algumas incoerências O seu art 69 afirma que o percentual mínimo dos impostos será destinado à manutenção e desenvol vimento do ensino MDE público porém o inciso VI do seu art 70 permite que as despesas com MDE incluam bolsas de estudo concedidas a alunos de escolas públicas e privadas grifo meu Financiamento da Educação Pública 675 Já o art 77 permite a destinação de recursos públicos não especificando se fazem parte do percentual mínimo vinculado à MDE para aquisição de bolsas de estudo na educação básica que vai desde a educação infantil até o ensino médio em escolas comunitárias confessionais ou filantrópicas que consti tuem um universo restrito das escolas privadas conforme estabelece o art 20 da LDB que classifica as instituições privadas em particulares comunitárias confessionais e filantrópicas Ora bolsas de estudo pagas com recursos pú blicos em escolas privadas que são todas as escolas nãoestatais conforme o inciso VI do art 70 são bem mais abrangentes do que recursos públicos em comunitárias confessionais ou filantrópicas O parágrafo 2º do art 77 arrema ta as incoerências no campo de recursos financeiros quando prevê que As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio fi nanceiro do Poder Público inclusive mediante bolsas de estudo Neste caso qualquer escola privada de 3º grau e não apenas as comunitárias confessio nais ou filantrópicas pode receber recursos públicos para pesquisa e exten são que incluem mas não se restringem a bolsas de estudo 32 CONFIABILIDADE DOS DADOS Outro problema é a pouca confiabilidade de textos acadêmicos e documentos de órgãos públicos DAVIES 2011b sobre o que consideram receitas e despe sas vinculadas à educação sobretudo as despesas Os manuais consultados em janeiro de 2011 do Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Educação SIOPE do FNDE continham vários erros Por exemplo a conta bilização da despesa no relatório estadual de 2005 previa que os 25 dos Estados só podem ser aplicados no ensino médio urbano e rural p 51 e que o Estado somente atuará no ensino superior universitário após aplicar os 25 de impostos no ensino médio e ensino fundamental p 51 A pouca confiabilidade se repete em dados lançados pelos governos em suas prestações de contas e formulários do SIOPE Por exemplo antes de 2007 o governo estadual do RJ não registrou nenhum gasto na misteriosa rubrica ou tras que no entanto cresceu exponencialmente de 2007 R 1418 milhões a 2013 R 2 bilhões superando os gastos no ensino fundamental médio e superior em anos recentes Outro obstáculo é que quase sempre os dados são apresentados de modo excessivamente agregado genérico e até equivocado na documentação con tábil MELCHIOR 1991 p 273 Outra distorção pode ser provocada pela dupla contagem dos gastos como constatado por Fagnani Quadros 1991 p 148 em 1987 quando cerca de 72 Cz 745 bilhões de um total de Cz 1034 bilhões dos supostos gastos Revista Pesquisa e Debate em Educação 676 federais no então ensino de 1º grau foram transferências constitucionais im postos e salárioeducação para Estados e municípios O TCU BRASIL 2000 por sua vez informou em seu Relatório sobre as Contas Federais de 1999 que o governo federal teria contabilizado as transferências federais no âm bito do Fundef de R 49 bilhões como se fossem suas despesas no ensino fundamental as quais sem esse artifício cairiam de R 8095 bilhões para R 31 bilhões 33 O DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO Outro desafio é o cumprimento da lei pelos governos Por exemplo a redação original do art 60 do ADCT da CF de 1988 previa que o Poder Público deveria aplicar 50 do percentual mínimo previsto no art 212 da CF na universaliza ção do EF e erradicação do analfabetismo por 10 anos Se interpretarmos Po der Público como cada esfera de governo isso significa que o governo federal deveria aplicar 9 50 de 18 porém vários relatórios do TCU registraram o descumprimento desta determinação constitucional sem nunca emitirem pa recer prévio contrário à aprovação das contas O governo federal também descumpriu a exigência do valor devido à comple mentação federal para o Fundef tanto no governo de FHC quanto no de Lula Segundo relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo MEC BRASIL 2003 ele teria deixado de contribuir com mais de R 127 bilhões devidos de 1998 a 2002 Como essa irregularidade continuou no governo Lula de 2003 a 2006 a dívida com o Fundef de 1998 a 2006 deve ter superado R 25 bilhões Também o descumprimento parece ter sido regra por governos estaduais e prefeituras segundo o exsenador João Calmon em depoimento prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito BRASIL 1989 Entretanto não sofreram intervenção por isso embora isso esteja previsto na Constituição Um exem plo é o governo estadual de São Paulo que segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa de São Paulo SÃO PAULO 1999 teria deixado de aplicar mais de R 52 bilhões devidos legalmente em MDE no pe ríodo de 1995 a 1998 No Estado do Rio de Janeiro constatei a nãoaplicação de centenas de milhões de reais do governo estadual e da prefeitura do Rio de Janeiro DAVIES 2004 Em Santa Catarina o governo estadual deixou de aplicar mais de R 2 bilhões em educação de 1998 a 2008 DAVIES 2011a Financiamento da Educação Pública 677 34 A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL Uma questão crucial é a fiscalização pelos Tribunais de Contas TCs cuja eficá cia eou confiabilidade são limitadíssimas para não dizer nulas pois são dirigi dos por conselheiros nomeados segundo critérios políticos a partir de acordos entre o executivo e os representantes do povo deputados e vereadores Um primeiro problema que tenho constatado é que vários TCs não seguem necessariamente as disposições constitucionais ou a LDB nem mesmo as normas contidas nos manuais elaborados pela Secretaria do Tesouro Nacional STN para a elaboração dos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária RREO da STN Por exemplo a LDB prevê que o percentual mínimo é o fixa do nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais se superior aos 25 Entretanto os TCs de Mato Grosso e Piauí baseiamse nos 25 não nos percentuais maiores das CEs em Mato Grosso é de 35 e no Piauí é de 30 Uma omissão de receita é o caso do imposto de renda recolhido pelos gover nos estadual e municipais pelo menos desde 2004 em Mato Grosso quando o TC concordou com a interpretação da Secretaria Estadual de Fazenda de que ele não é imposto e portanto não deve ser incluído no cálculo do per centual mínimo Além das omissões os TCs cometeram muitos equívocos Na década de 1990 os TCE do Estado de São Paulo Rio de Janeiro e Goiás incluíram na base de cálculo o salárioeducação que por ser contribuição social deveria ser acrescida ao montante correspondente ao percentual mínimo e não incluído nele Outra inclusão equivocada foi a do ganho a diferença positiva entre a contribuição e a receita com o Fundef e o Fundeb na base de cálculo pela prefeitura do Rio de Janeiro durante muitos anos com a concordância do TC do Município Em Minas Gerais DAVIES 2013 o relatório do TC sobre as contas estaduais de 2006 equivocouse ao aceitar que o salárioeducação e a receita do Fundef fossem utilizados para pagar subvenções e auxílios a ins tituições privadas sem fins lucrativos total de R 312 milhões fazendo vista grossa para o fato de que tais receitas só podiam legalmente ser utilizadas no ensino fundamental público O principal equívoco de muitos TCs foi terem considerado e provavelmente ainda considerarem o pagamento dos inativos como MDE e portanto realizá vel com as receitas vinculadas à educação É o caso dos TCEs de MG Espírito Santo RJ SP Paraná e Santa Catarina Outros TCs ao contrário excluem os gastos com inativos de MDE como o TCE do Pará e o do Maranhão O estra nho em tudo isso é que vários TCs e também os governos não obedecem à Constituição Federal BRASIL 1988 que considera o pagamento dos inativos como proventos não como remuneração e que o conceito de MDE é restrito à remuneração para quem está na ativa não a proventos Revista Pesquisa e Debate em Educação 678 Diante dessa pouca confiabilidade dos TCs cabe uma discussão sobre o potencial do controle social sobre tais contas Em primeiro lugar não se deve alimentar ilusões com isso pois o privatismo inerente às ações estatais tam bém está presente na sociedade que não pode ser vista como radicalmente separada do Estado reflexo desta sociedade atravessada por contradições e perspectivas diferentes umas tendentes a promover o interesse público das maiorias outras envolvidas na defesa de seus interesses privados Daí a importância de definir o significado de controle social seus limites e possibili dades evitando idealizálo Exemplos de conselhos de controle supostamente social foram oferecidos pelo Fundef e agora pelo Fundeb Antes de analisálos cabem algumas bre ves reflexões sobre a criação de conselhos com representação de entidades da sociedade para a fiscalização de atos do Poder dito Público Uns interpre tam isso como resultado do movimento de vários segmentos da sociedade no sentido de controlar o Estado e assim democratizálo atribuindo a tais conselhos muitas virtudes e poder Embora haja certo grau de verdade nisso essa interpretação se fragiliza bastante ao não levar em conta antigas e novas estratégias dos detentores do poder Uma consiste em anulálos ou enfraque cêlos enormemente no seu funcionamento concreto Outra consiste em não permitir que tais conselhos tenham poder de ação concreta ou seja de puni ção Uma estratégia nova tem a ver com a proposta neoliberal de desobrigar o Poder dito Público de suas responsabilidades e transferilas à sociedade O potencial democrático destes conselhos é bastante limitado por uma série de razões Em primeiro lugar apesar do nome são mais estatais sobretudo o federal e os estaduais do que sociais uma vez que são compostos mais por representan tes do Estado do que da sociedade É só no âmbito municipal que podemos dizer que os Conselhos pelo menos formalmente poderiam ter caráter mais social ou melhor nãoestatal do que estatal uma vez que contariam com no mínimo 9 membros sendo 2 do Executivo Municipal Os demais represen tariam os professores 1 os diretores 1 os pais de alunos 2 os servidores técnicoadministrativos 1 e os estudantes 2 Teríamos assim no âmbito mu nicipal um Conselho aparentemente mais de caráter social do que estatal Entretanto tendo em vista a predominância do clientelismo e do fisiologismo nas relações entre governantes e entidades supostamente representativas da sociedade nada garante que os representantes de tais entidades não sejam também escolhidos ou fortemente influenciados pelo prefeito ou secretário municipal de educação dando apenas uma fachada social para um Conselho que tenderia a refletir os interesses dos governantes Financiamento da Educação Pública 679 Outros fatos concretos fragilizam bastante o suposto caráter social dos con selhos Os representantes nãoestatais nada recebem por este trabalho ao passo que os do Poder dito Público em todas as esferas federal estadual e municipal em geral fazem o acompanhamento durante o horário normal de trabalho Na prática isso significa que alguns representantes nãoestatais trabalham de graça enquanto os do Poder dito Público mesmo não receben do remuneração específica para a participação no Conselho participam dele como funcionários do Poder Estatal durante o seu horário normal de trabalho Assim a sua participação no Conselho não constitui um trabalho gratuito Já os conselheiros formalmente nãoestatais sindicatos pais de alunos e profes sores fazem trabalho extra pelo qual não são remunerados nem direta nem indiretamente Um outro ponto que enfraquece a representação social é a capacitação téc nica para análise da documentação contábil se e quando for encaminhada pelas autoridades Em síntese os Conselhos foram e são bastante inócuos apesar de formalmente apresentarem um potencial para o controle social so bre o Estado 35 DESVINCULAÇÃO POR EMENDAS CONSTITUCIONAIS A educação pública tem sido prejudicada ainda por emendas constitucionais que sem alterar o caput do art 212 da CF desvincularam parte dos seus re cursos A primeira foi a EC de Revisão n 1 de 1994 que criou o Fundo So cial de Emergência posteriormente transformado em Fundo de Estabilização Fiscal FEF e subtraiu bilhões de reais da educação pela desvinculação de 20 da receita de alguns impostos e também da contribuição social do sa lárioeducação O FEF foi extinto em dezembro de 1999 porém a educação em âmbito federal continuou sendo prejudicada pois em março de 2000 a EC Nº 27 criou a Desvinculação de Receita da União DRU que reproduziu parte da Emenda do FEF e desvinculou 20 dos impostos federais o que concretamente significou que o governo federal só continuou sendo legal mente obrigado a aplicar 144 dos impostos em MDE não 18 O prejuízo continuou até 2007 com a aprovação da EC n 42 em 2003 prosseguindo com a prorrogação da DRU pela EC n 56 Com a EC n 59 de 2009 a DRU deixou de desvincular recursos da educação inicial e parcialmente em 2009 e definitivamente em 2011 De qualquer maneira o prejuízo causado por estas desvinculações terá sido de dezenas de bilhões de reais de 1994 a 2010 Além disso os governos sobretudo o federal vêm adotando artifícios que tiram recursos da educação e também da saúde o outro setor que tem a garantia de vinculação constitucional de impostos Um deles foié o de criar Revista Pesquisa e Debate em Educação 680 impostos com o nome de contribuições sendo a Contribuição Provisória so bre Movimentação Financeira CPMF a mais conhecida Como o percentual mínimo incide apenas sobre os impostos isso significa que nenhuma contri buição CPMF COFINS CSLL por exemplo entroua na base de cálculo do percentual Isso permitiu ao governo federal aumentar significativamente sua receita orçamentária desde 1988 sem ter que destinála constitucionalmente à educação ou à saúde nem dividila com Estados DF e Municípios A EC n 95 de 2016 iniciativa do governo Temer surgido com o golpe parla mentarmidiáticojudicial de 2016 por sua vez prevê que as despesas federais só poderão ser aumentadas com base no índice oficial da inflação do ano ante rior pelos próximos 20 anos o que significa que o governo federal não precisará aplicar em MDE o percentual mínimo dos impostos se tais gastos superarem os do ano anterior corrigidos por este índice A alegação para justificar a proposta que resultou na EC n 95 foi que o governo federal gastou excessivamente nos últimos anos porém contraditoriamente ela não estipula limite para despesas com a amortização do principal e juros da dívida federal nem com a emissão de novos títulos da dívida que consome cerca de 50 do orçamento federal ou em outras palavras financiam o rentismo das classes dominantes Para piorar uma situação já bastante grave em meados de setembro de 2019 o atual ministro da economia manifestou sua intenção de eliminar todas as vin culações constitucionais o que provocaria o caos no financiamento da educa ção e também da saúde 36 RENÚNCIAS FISCAIS Outro prejuízo foram e são as gigantescas renúncias tributárias Segundo o relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas federais BRASIL 2013 o total de renúncias de receitas tributáriasprevidenciáriascreditícias pelo governo federal teria atingido R 2165 bilhões em 2012 muito supe riores às despesas federais em educação R 665 bilhões e saúde R 773 bilhões A renúncia de R 85 bilhões da receita do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados teria reduzido em R 38 bilhões as transferências de impostos para Estados e Municípios Como pelo menos 25 deste montante é vinculado constitucionalmente à educação isso significou um prejuízo de quase R 10 bilhões para a educação de Estados DF e Municí pios valor quase idêntico à complementação federal para o Fundeb em 2012 Também a educação federal teria sido prejudicada por esta renúncia com a perda de no mínimo R 10 bilhões em 2012 Financiamento da Educação Pública 681 No âmbito estadual Afonso 2014 informa num estudo sobre a renúncia tri butária do ICMS que a renúncia dele em relação à arrecadação em 2012 teria sido de cerca de 52 bilhões em 20 Estados brasileiros o que significa no mínimo R 13 bilhões a menos para a educação considerando que 25 dos impostos são vinculados à MDE Outro grande prejuízo tem sido a sonegação fiscal das empresas Estudo de Amaral et alii 2009 revela que o faturamento das empresas não declarado se ria de R 132 trilhão e os tributos sonegados somariam R 200 bilhões por ano Na matéria intitulada Sonegômetro Gomes 2015 informa estimativa de so negação fiscal de R 550 bilhões em 2015 com base no Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda quase o dobro do orçamento do ano para os ministérios da Saúde e da Educação juntos R 121 bilhões e R 103 bilhões respectivamente 37 FINANCIAMENTO A INSTITUIÇÕES PRIVADAS O frágil compromisso do Poder dito público com a educação pública é reve lado ainda pela destinação direta ou indireta de recursos públicos para insti tuições privadas de ensino que gozam de isenção fiscal pelo menos desde a CF de 1946 O caput do art 213 da CF de 1988 é bem explícito na privatização pois per mite que recursos públicos possam ser dirigidos a escolas comunitárias con fessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos formulação enganosa pois os lucros de tais escolas não são registrados como tais na contabilidade mas sim como transferências a suas entidades mantenedoras que na verdade são mantidas e não mantenedoras O parágrafo 2º do art 213 nem se preocupa que tais escolas não tenham fins lucrativos já que prevê que As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público BRASIL 1988 recurso online A Lei n 9394 no entanto procurou impedir esta brecha ao estipular que o percentual mínimo se destina ao ensino público porém considera bolsas de estudo em escolas privadas como MDE O problema é que as disposições constitucionais preponderam sobre as de qualquer lei Um terceiro mecanismo favorável foi o salárioeducação já comentado antes Privilégios mais recentes são as isenções fiscais ou de contribuições a ins tituições privadas de ensino superior IES que aderissem ao Programa Uni versidade para Todos PROUNI iniciativa do governo federal em 2005 que veio a resolver ou pelo menos atenuar a ociosidade ou inadimplência nelas além do benefício do Financiamento do Estudante do Ensino Superior Privado Revista Pesquisa e Debate em Educação 682 FIES o sucessor do Crédito Educativo criado na década de 1970 pela ditadu ra militar A magnitude do FIES é exemplificada pelos créditos de mais de R 13 bilhões para ele em 2013 BRASIL 2014 e pelo fato de o PROUNI ter oferecido mais de 12 milhões de bolsas integrais e parciais de 2005 a 2013 segundo o Sisprouni o Sistema do MEC para o Prouni de 6112013 Graças a estes e outros mecanismos tais IES privadas cresceram mais do que as públicas não só durante a ditadura mas também durante os governos de Fernando Henri que Cardoso 19952002 e do Partido dos Trabalhadores e sua base aliada 2003 até 2016 Como se não bastassem todos estes benefícios a presidente sancionou a Lei n 12688 BRASIL 2012 para reestruturar e fortalecer as instituições de en sino superior privado em dívidas tributárias com a União a serem pagas em 15 anos prevendo também que até 90 das prestações mensais das dívidas podem ser convertidas em bolsas integrais Outros mecanismos são o FUNDEB já comentado antes e o Programa Na cional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PRONATEC criado em 2011 prevendo que a União financiará a educação profissional e tecnológica não só em instituições públicas mas também nos serviços nacionais de aprendi zagem Sistema S nas instituições privadas de ensino superior de educação profissional e tecnológica e de fundações públicas de direito privado assim como o financiamento público a empresas para formação de trabalhadores e a participação de entidades privadas sem fins lucrativos Mais de R 188 bilhão teria sido transferido pelo governo federal no âmbito deste programa para o sistema S quase todo para o SENAI e o SENAC em 2013 segundo o TCU BRASIL 2014 Além disso o Plano Nacional de Educação PNE aprovado pela Lei n 13005 BRASIL 2014 reitera disposições legais que preveem o financiamento públi co a instituições privadas o Prouni o FIES e o PRONATEC Por fim cabe lembrar que os recursos embutidos nos produtos e serviços pa gos pela população neste sentido são públicos arrecadados por empresas e repassados a entidades empresariais é o caso do sistema S SENAI SESI SENAC SESC etc financiados por tributos incluídos em muitos preços são recursos públicos pois são bancados por toda a população embora privatiza dos por tais entidades Financiamento da Educação Pública 683 38 DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA A POLÊMICA MAIS VERBAS X SUA MELHOR APLICAÇÃO E OS PLANOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO Um dos grandes percalços é a enorme desigualdade tributária dentre as dife rentes esferas de governo e principalmente a discrepância entre recursos e responsabilidades educacionais O governo central tem a maior receita porém nunca assumiu constitucionalmente oferecer educação básica a toda a popu lação deixandoa a cargo de Estados e Municípios Os governos estaduais por sua vez vêm se desobrigando do ensino fundamental transferindoo sem nenhuma base legal para as prefeituras sobretudo desde a implantação do Fundef em 1998 embora fiquem com a maior fatia do maior imposto 75 do ICMS Nem o Fundef nem o Fundeb resolveram ou atenuaram significativa mente tal desigualdade por ao menos três razões 1 só operam dentro de cada Estado apenas redistribuindo parte dos impostos vinculados entre pre feituras e governo estadual 2 não incluem a totalidade dos recursos vincula dos os impostos e demais receitas adicionais 3 a complementação federal é muito pequena em termos nacionais ainda que significativa para prefeituras e Estados sobretudo do Nordeste que a recebem Esta desigualdade remete a uma das principais polêmicas no financiamento entre de um lado os que priorizam mais verbas enfatizando a sua falta e de outro os que advogam sua melhor aplicação argumentando que elas já são suficientes Um exemplo desta polêmica foram os projetos de lei para o PNE encaminhados em 1998 um pelo MEC o outro por entidades da dita socieda de civil sobretudo sindicatos de profissionais da educação e entidades aca dêmicas reunidas no Congresso Nacional de Educação CONED 1997 em Belo Horizonte O projeto do MEC previa uma série de metas para 10 anos po rém não definia aumentos dos gastos governamentais alegando que bastaria a aplicação do percentual mínimo dos impostos e a racionalização no uso dos recursos para a consecução das metas sem estimar os custos de tais metas e os recursos necessários Como o Plano não apontava elementos concretos que permitissem esperar a aplicação correta e racional dos recursos as suas metas careciam de fundamentação por não definirem a origem estatal dos recursos adicionais para a sua realização Isso talvez se explique porque o governo federal na época via a educação como responsabilidade de todos e não apenas do Estado tido como incompetente e ineficiente o que significa va transferir à família aos meios de comunicação de massa às organizações nãogovernamentais leigas ou confessionais à ação da iniciativa privada pa péis crescentes na oferta da educação que seria responsabilidade estatal Ao contrário do MEC o Plano do CONED autointitulado Proposta da Socie dade Brasileira previa aumento significativo 10 do PIB ao longo de 10 anos Revista Pesquisa e Debate em Educação 684 Ora o simples aumento dos recursos não resultaria necessariamente no aten dimento das metas quantitativas e qualitativas uma vez que a corrupção o desperdício a burocratização e tantos outros males podem consumir grande parte deste aumento Assim o financiamento é tanto uma questão quantitativa mais recursos quanto qualitativa sua melhor utilização A propósito o Plano sancionado por Fernando Henrique Cardoso em 2001 em vigor até o final de 2010 não previa aumento de recursos em consequên cia dos vetos presidenciais nunca derrubados pela base aliada do governo Lula criando assim um plano que não foi plano pois não definia a origem dos recursos para a consecução das metas Tal polêmica de certa forma se repetiu no projeto de lei PL de PNE encami nhado pelo governo federal ao Congresso Nacional no final de 2010 Previa 7 do PIB ao final da vigência do PNE contrariando a proposta das entidades reunidas na Conferência Nacional de Educação CONAE em 2010 que defen diam 10 do PIB em 2014 para a educação pública O financiamento no novo PNE Lei n 13005 contém vários pontos frágeis Um é não se basear num diagnóstico e portanto na definição dos custos e recur sos disponíveis Outro é não definir claramente as responsabilidades das três esferas de governo pelo cumprimento das metas e estratégias que acabam dependendo do regime de colaboração inexistente até hoje embora previsto para ser criado até 2016 Outro problema é a falta de clareza sobre a destinação dos recursos públicos pois a meta 20 prevê que tais percentuais se destinam à educação pública porém o 4o do art 5º contraditoriamente inclui programas que beneficiam instituições privadas como o FIES creches préescolas e de educação es pecial privadas sem fins lucrativos isenção fiscal PROUNI por exemplo no cálculo do investimento público em educação previsto no inciso VI do art 214 da CF Esta pouca clareza e inconsistência são confirmadas por Martins 2015 Outra debilidade é que os governos não arrecadam PIB mas sim impostos taxas e contribuições etc Como cobrar do Poder Público a aplicação de um percentual de uma receita que ele não arrecada A destinação de 10 do PIB será dificilmente operacionalizável porque o PIB informa a produção da riqueza nacional dos governos e iniciativa privada não apenas dos governos e será impossível responsabilizar as diferentes esferas de governo federal estadual e municipal ou cada governo individualmente em termos de per centual do PIB Quando as responsabilidades financeiras não são claramente definidas o seu descumprimento é inevitável Financiamento da Educação Pública 685 Outra fragilidade é que a Lei não poderá ser cumprida imediatamente pois muitas das ações nela previstas dependeriam de leis posteriores até hoje 5 anos depois não aprovadas como a definição do custo alunoqualidade inicial prevendose complementação federal a Estados Distrito Federal e Mu nicípios que não alcançarem tal valor 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo revela aspectos progressistas do financiamento da educação como a vinculação de impostos em várias constituições federais desde 1934 porém aspectos negativos como a desvinculação total em duas delas e par cial também por emendas constitucionais desde 1994 assim como equívocos da legislação dados poucos confiáveis o descumprimento da aplicação da verba devida pelos governos a fiscalização deficiente pelos tribunais de con tas e por conselhos como o do Fundef e Fundeb as renúncias fiscais o finan ciamento público a instituições privadas de ensino a desigualdade tributária entre regiões Estados e municípios e a fragilidade dos Planos Nacionais de Educação Tais aspectos negativos não devem ser vistos como anormais mas sim como intrínsecos a uma sociedade e Estado dominados pelo privatismo que se agrava hoje com o ultraliberalismo do atual desgoverno Por isso este é o maior desafio dos que são comprometidos com a educação pública e com uma sociedade e Estado a serviço das maiorias Portanto é necessário não só um projeto de educação mas também um de sociedade que supere a atual Sem esta perspectiva no máximo o que se conseguirá fazer será consertar os escombros que estão sendo provocados atualmente pelos piratas no coman do do governo da mídia e de outras instâncias REFERÊNCIAS AFONSO José Roberto R coordenador A renúncia tributária do ICMS no Brasil Banco Interamericano de Desenvolvimento Documento de Discussão IDP DP 327 fev 2014 ALCÂNTARA Alzira Batalha DAVIES Nicholas A evolução das matrículas na educação básica no Brasil alguns questionamentos inédito 2019 AMARAL Gilberto Luiz de et alii Estudo sobre sonegação fiscal das empresas brasileiras Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário 2009 Disponível em wwwibptcombr Acesso em 5 jul 2015 Revista Pesquisa e Debate em Educação 686 BRASIL Congresso Nacional Brasília Diário do Congresso Nacional seção I suplemento 2961989 contém relatório da Comissão Parlamentar de In quérito destinada a investigar a aplicação pelo Ministério da Educação dos recursos provenientes da Emenda Calmon BRASIL Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil Brasília 5101988 BRASIL Emenda Constitucional n 1 de 17101969 Altera a Constituição Fede ral de 1967 Diário Oficial da União Brasília DF 20101969 Republicado com retificações em 30101969 BRASIL Emenda Constitucional n 14 de 1291996 Modifica os arts 34 208 211 212 da CF e dá nova redação ao art 60 do Ato das Disposições Constitu cionais Transitórias ADCT Diário Oficial da União Brasília DF 13 set 1996a BRASIL Emenda Constitucional n 24 Emenda Calmon de 1121983 Esta belece a obrigatoriedade de aplicação anual pela União de nunca menos de treze por cento e pelos Estados Distrito Federal e Municípios de no mínimo vinte e cinco por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino Diário Oficial da União Brasília DF 5121983 BRASIL Emenda Constitucional n 31 de 14122000 Altera o Ato das Dispo sições Constitucionais Transitórias introduzindo artigos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza Diário Oficial da União Brasília DF 18122000 BRASIL Emenda Constitucional n 53 de 19122006 Dá nova redação aos arts 7º 23 30 206 208 211 e 212 da Constituição Federal e ao art 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Diário Oficial da União Brasília DF 20122006 BRASIL Emenda Constitucional n 59 de 11122009 Acrescenta 3º ao art 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir anualmente a partir do exercício de 2009 o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvol vimento do ensino de que trata o art 212 da Constituição Federal dá nova redação aos incisos I e VII do art 208 de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica e dá nova redação ao 4º do art 211 e ao 3º do art 212 e ao caput do art 214 com a inserção neste dispositivo de inciso VI Diário Oficial da União Brasília DF 12112009 Financiamento da Educação Pública 687 BRASIL Emenda Constitucional n 67 de 22122010 Prorroga por tempo in determinado o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza Diário Oficial da União Brasília DF 23122010 BRASIL Emenda Constitucional n 95 de 15122016 Altera o Ato das Dispo sições Constitucionais Transitórias para instituir o Novo Regime Fiscal e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 15122016 BRASIL Lei n 4024 de 20121961 Fixa as diretrizes e bases da educação nacional Diário Oficial da União Brasília DF 27121961 BRASIL Lei n 4320 de 1731964 Estatui Normas Gerais de Direito Finan ceiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União dos Estados dos Municípios e do Distrito Federal Diário Oficial da União Brasília DF 2331964 BRASIL Lei n 5692 de 1181971 Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 1181971 BRASIL Lei n 7348 de 2471985 Dispõe sobre a execução do 4º do art 176 da Constituição Federal e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 2471985 BRASIL Lei n 9394 de 20121996 Estabelece as diretrizes e bases da edu cação nacional Diário Oficial da União Brasília DF 23121996b BRASIL Lei n 9424 de 24121996 Dispõe sobre o Fundef na forma pre vista no art 60 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 26121996c BRASIL Lei n 10260 de 12072001 Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 1372001 BRASIL Lei n 10832 de 29122003 Altera o 1º e o seu inciso II do art 15 da Lei no 9424 de 24121996 e o art 2º da Lei no 9766 de 18121998 que dispõem sobre o salárioeducação Diário Oficial da União Brasília DF 30122003 BRASIL Lei n 11096 de 1312005 Institui o Programa Universidade para To dos PROUNI regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior altera a Lei n 10891 de 972004 e dá outras pro vidências Diário Oficial da União Brasília DF 1412005 Revista Pesquisa e Debate em Educação 688 BRASIL Lei n 11494 de 2062007 Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB de que trata o art 60 do Ato das Disposições Constitu cionais Transitórias altera a Lei n 10195 de 1422001 revoga dispositivos das Leis nos 9424 de 24121996 10880 de 962004 e 10845 de 532004 e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 2162007 BRASIL Lei n 12513 de 26102011 Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PRONATEC e dá outras providências Diá rio Oficial da União Brasília DF 27102011 BRASIL Lei n 12688 de 1872012 Institui o Programa de Estímulo à Rees truturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior PROIES Diário Oficial da União Brasília 1972012 Edição extra BRASIL Lei n 12858 de 992013 Dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou da compen sação financeira pela exploração de petróleo e gás natural com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art 214 e no art 196 da Constituição Federal Diário Oficial da União Brasília DF 1092013 BRASIL Lei n 13005 de 2562014 Aprova o Plano Nacional de Educação PNE e dá outras providências Diário Oficial da União da República Federa tiva do Brasil edição extra Brasília DF 2662014 BRASIL Ministério da Educação Conselho Nacional de Educação Parecer n2697 de 2121997 Interpreta o financiamento da educação na Lei de Dire trizes e Bases Brasília 1997 BRASIL Ministério da Educação Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu cação Siope Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Educação Relatórios Estaduais e Municipais de 2005 2006 2007 e 2008 Disponível em httpwwwfndegovbr Acesso em 2012011 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Censo da Educação Básica 2006 Brasília DF INEP 2007 Dis ponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Censo da Educação Básica 2007 Brasília DF INEP 2008 Dis ponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Sinopse Estatística da Educação Básica 2008 Brasília DF INEP 2009 Disponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 Financiamento da Educação Pública 689 BRASIL Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Sinopse Estatística da Educação Básica 2017 Brasília DF INEP 2018 Disponível em httpwwwinepgovbr Acesso em 1572018 BRASIL Ministério da Educação Plano Nacional de Educação proposta do Executivo ao Congresso Nacional Brasília MECInep 1998 BRASIL Ministério da Educação Relatório do GT sobre o cálculo do valor mí nimo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEF Brasília 2003 Disponível em www mecgovbr Acesso em set 2003 BRASIL Ministério da Educação Sisprouni o Sistema do Ministério da Edu cação para o Programa Universidade para Todos PROUNI Disponível em wwwmecgovbrprouni Acesso em 6112013 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da República Exercício de 2012 Item Renúncia de receitas benefícios tributários financeiros e creditícios Brasília 2013 Dispo nível em wwwtcugovbr Acesso em 20 abr 2014 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da República Exercício de 1999 Brasília 2000 Dispo nível em wwwtcugovbr Acesso em 1912013 BRASIL TCU Tribunal de Contas da União Relatório e Parecer Prévio Sobre as Contas do Governo da República Exercício de 2013 Brasília TCU 2014 Disponível em wwwtcugovbr Acesso em 15102014 CALLEGARI Cesar As verbas da educação A luta contra a sonegação de recursos do ensino público no Estado de São Paulo São Paulo Editora Entre linhas 1997 CONED Congresso Nacional de Educação Plano Nacional de Educação Proposta da Sociedade Brasileira Plano elaborado pelas entidades partici pantes do II Coned Congresso Nacional de Educação realizado em Belo Horizonte de 6 a 9 de novembro de 1997 DAVIES Nicholas Fundeb a redenção da educação básica Campinas Auto res Associados 2008 DAVIES Nicholas A fiscalização das receitas e despesas do ensino em Minas Gerais Cadernos de Pesquisa São Paulo v 43 n 149 p 518541 maiago 2013 Revista Pesquisa e Debate em Educação 690 DAVIES Nicholas A frágil confiabilidade do tribunal de contas de Santa Catarina na fiscalização dos recursos da educação governo estadual deixou de aplicar mais de R 21 bilhões em educação de 1998 a 2008 mas TC aprovou as contas estaduais Perspectiva Florianópolis v 29 n 1 p 193226 janjun 2011a DAVIES Nicholas Levantamento bibliográfico sobre financiamento da educa ção no Brasil de 1988 a 2014 Educação em Revista Marília SP v 15 n 1 p 91162 janjun 2014 DAVIES Nicholas O financiamento da educação novos ou velhos desafios São Paulo Xamã 2004 DAVIES Nicholas O financiamento público às instituições privadas de ensi no Agenda Social Periódico da Universidade Estadual do Norte Fluminense Campos dos Goytacazes v 10 n 1 p 134146 2016 DAVIES Nicholas O FUNDEF e as verbas da educação São Paulo Xamã 2001a DAVIES Nicholas O Fundef e os equívocos na legislação e documentação oficial Cadernos de Pesquisa São Paulo n 113 julho 2001b DAVIES Nicholas Omissões inconsistências e erros na descrição da legis lação educacional Fineduca revista de financiamento da educação Porto Alegre v1 n 3 p 117 2011b DAVIES Nicholas Tribunais de Contas e educação Quem controla o fiscaliza dor dos recursos Brasília Editora Plano 2001c DAVIES Nicholas Verbas da educação o legal x o real Niterói Eduff Editora da Universidade Federal Fluminense 2000 FAGNANI Eduardo QUADROS Waldemar Luís de Governo federal e finan ciamento da educação na Nova República In VELLOSO Jacques org Univer sidade pública Política desempenho perspectivas Campinas Papirus 1991 GOMES Rodrigo Sonegômetro Por sonegação país vai perder R 550 bi lhões em 2015 Rede Brasil Atual 22102015 Disponível em wwwredebrasi latualcombr MARTINS Paulo de Sena FUNDEB federalismo e regime de colaboração Campinas Autores Associados 2011 MARTINS Paulo de Sena O financiamento da educação no PNE 20142024 In GOMES Ana Valeska Amaral BRITTO Tatiana Feitosa de Orgs Plano Na cional de Educação construção e perspectivas Brasília DF Câmara dos De putadosEdições Câmara Senado FederalEdições Técnicas 2015 P 167193 Financiamento da Educação Pública 691 MELCHIOR José Carlos de Araújo Financiamento da educação e gestão de mocrática dos recursos financeiros públicos em educação Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Brasília v 72 n 172 setdez 1991 MELCHIOR José Carlos de Araújo Mudanças no financiamento da educação no Brasil Campinas Editora Autores Associados 1997 PERES Alexandre José de Souza SOUZA Marcelo Lopes de ALVES Fabiana de Assis RODRIGUES Elenita Gonçalves Efeito redistributivo intraestadual do Fundeb uma análise a partir de variáveis financeiras socioeconômicas e educa cionais dos municípios Brasília Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu cacionais Anísio Teixeira 2015 Série Documental Textos para Discussão 39 PINTO José Marcelino de Rezende Financiamento da educação no Brasil um balanço do governo FHC 19952002 Educação e Sociedade Campinas v 23 n 80 p 109136 2002 PINTO José Marcelino de Rezende O financiamento da educação no gover no Lula Revista Brasileira de Política e Administração da Educação Porto Alegre v 25 n 2 maiago 2009 PINTO José Marcelino de Rezende SOUZA Silvana Aparecida de Orgs Para onde vai o dinheiro Caminhos e descaminhos do financiamento da edu cação São Paulo Xamã 2014 SÃO PAULO Assembléia Legislativa CPI da educação uma ampla exposição de motivos São Paulo nov 1999 VELLOSO Jacques A nova lei de Diretrizes e Bases da Educação e o finan ciamento do ensino pontos de partida Educação e Sociedade Campinas n 30 p 542 ago 1988a VELLOSO Jacques Política educacional e recursos para o ensino o salárioe ducação e a universidade federal Cadernos de Pesquisa n 61 329 mai 1987 VELLOSO Jacques Investimento público em educação quanto e onde Ciên cia e Cultura São Paulo n 4 v 40 359365 abr 1988b Recebido em 05 de setembro de 2019 Aprovado em 02 de dezembro de 2019 Civitas Porto Alegre v 6 n 1 janjun 2006 p 3958 A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil Lea Guimarães Souki Introdução O tema da cidadania já é bastante estudado no Brasil no entanto em mui tas circunstâncias não é abordado com a devida clareza na medida em que o conceito mesclase com a atividade política O que aqui se pretende enfatizar são pressupostos que sob o meu ponto de vista estão contidos no trabalho de T H Marshall e que poderiam ser objeto de debate no estudo da cidadania no Brasil Tratase especialmente de explorar uma possível presença de uma espécie de rationale das classes dominantes em relação à tolerância acerca da desigualdade no caso inglês Haveria implícito no trabalho de Marshall o esbo ço de um projeto de nação das classes dominantes inglesas em relação à quan tidade de desigualdade compatível com o que concebem como vida civilizada O trajeto a ser seguido na argumentação é o seguinte Em primeiro lugar um esclarecimento sobre os conteúdos empíricos e normativos que delineiam o conceito de cidadania no Brasil Em segundo lugar a consideração de um dos Doutora em Sociologia Política pela UnB professora titular no PPG em Ciências Sociais na PUCMG áreas de pesquisa cidadania metrópole Mail leaguimterracombr Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 40 aspectos teóricos mais relevantes considerados por T H Marshall a saber a tensão existente no próprio conceito entre os princípios de direitos iguais e a desigualdade contida na ordem capitalista Finalmente colocase a questão se se pode inferir no caso do Brasil a inexistência do ponto de vista das classes dominantes de um cálculo ou até mesmo de uma preocupação sobre o quanto de desigualdade seria tolerável como parte da construção da nação O conceito e a atividade política Para realçar os aspectos que considero relevantes inicio a discussão pro curando esclarecer o que o conceito não é Como já foi afirmado anterior mente o conceito se confunde com a atividade política O primeiro ponto a chamar a atenção é sua reificação como se a cidadania tivesse corpo visível e material e fosse ao mesmo tempo capaz de ter vida própria Carvalho 1998 Afirmações como por exemplo a cidadania reagiu favoravelmente a tal candidatura ou deixe a cidadania chegar ao seu bairro a cidadania não tolerará tal coisa e dezenas de outras formulações similares revelam um conceito carregado de conteúdos e projeções Esta espécie de ficção do ponto de vista teórico traz alguma obscuridade ao conceito e o impregna de senso comum e estereotipia que embora seja compatível com a atividade política não favorece a sua precisão conceitual nem tampouco a sua compreensão O segundo ponto é o de que cidadania não é sinônimo de democracia pois embora guardem nexos estreitos entre si esses dois conceitos revelam amplitudes diferentes Tomando apenas o contexto da transição à democracia no Brasil podendo também ser incluídos outros países da América Latina nos anos de 1980 e da Europa Meridional nos anos de 1970 o discurso político do início desse período esteve impregnado da idéia de cidadania As oposi ções à ditadura tomaram este discurso para afirmar direitos antes interditados assim como para se diferenciar dos setores de oposição que teriam adotado a confrontação armada no período anterior A idéia de luta pela conquista da cidadania procurava afirmar dentro da legalidade institucional tudo o que se teria direito como país civilizado sem colocar em xeque a ordem estabeleci da Nesse contexto ela também continha a bandeira da defesa de direitos bem como a idéia de civilidade enquanto cumprimento das obrigações do Estado e dos indivíduos L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 41 Um terceiro conteúdo confundido com cidadania situase historicamente no momento seguinte à transição democrática quando cidadania passou a ser sinônimo de empowerment Este conteúdo de empoderamento e fortalecimento da sociedade civil coincidia com as novas experiências da esquerda à frente de funções executivas no plano local contando com a adesão dos setores da socie dade civil potencialmente participativos Estes setores ativos da sociedade par ticipantes das políticas públicas como objeto e às vezes como sujeito reivin dicam além de serviços também bens simbólicos Nesse sentido podese dizer que as exigências de provisão fazem parte do processo de cidadania mas não o esgotam Em quarto lugar seria importante lembrar que a idéia de participação in cluindo a virtude cívica da maneira como a entende Tocqueville tampouco seria capaz de abarcar todo o conteúdo do conceito embora seja dele uma parte integrante Uma definição mais completa incluiria além da noção de participa ção as dimensões de titularidade de direitos e a de pertencimento a uma comu nidade cívica ambas contempladas no estudo de Marshall Carvalho 1998 A cidadania é fundamentalmente um método de inclusão social Histori camente ela representou o surgimento e a celebração do indivíduo enquanto unidade política desvinculado das instituições gremiais e corporativas cujo início se deu no contexto das revoluções inglesas do século XVII na Revolu ção Francesa e no Bill of Rights alguns anos antes A inspiração comum a todas essas tradições está nos direitos naturais que enquanto naturais eram anteriores à instituição do poder civil e por isso deveriam ser reconhecidos e protegidos por este poder A tensão permanente no conceito O caso inglês Como expôs Bendix 1996 a experiência inglesa do desenvolvimento da cidadania é a exceção e não a regra O desenvolvimento da industrialização concomitante com o da democracia só se deu da maneira como descreve Mar shall na Inglaterra Nos Estados Unidos por exemplo a mobilização popular ocorreu antes da industrialização Em diversos países do sul e do leste da Euro pa os direitos sociais foram adquiridos sob regimes políticos autoritários e focados apenas em uma parte da sociedade Isto é esses direitos visavam a Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 42 atingir algum setor específico da classe trabalhadora em meio a um jogo de alianças cooptações e reconhecimento de novos atores sem nenhum conteúdo universalista No espectro dos países europeus os casos mais próximos do modelo inglês encontramse em alguns países escandinavos Teoricamente a referência básica no estudo da cidadania é T H Marshall 1967 que estudando o caso inglês cunhou o conceito associandoo ao desen rolar da conhecida seqüência histórica no desenvolvimento dos direitos cuja ênfase estaria não só na titularidade de direitos mas também faz alusão ao pertencimento a uma comunidade cívica embora essa última noção tenha sido mais desenvolvida por Bendix 1996 O primeiro autor quando lido linear mente tem dado margem a interpretações apressadas como uma espécie de prescrição do caso inglês como caminho obrigatório Um dos seus críticos Mann 1987 chama a atenção sobre o conteúdo etnocêntrico de sua interpreta ção ademais entendeo como portador de uma visão evolucionista da história inglesa o que o torna incapaz de captar o aspecto conflituoso do desenvolvi mento da cidadania e tampouco a estratégia das classes dominantes ponto de vista contestado por Turner 1992 Para Bottomore 1998 à medida que os anos passam as referências a Marshall multiplicamse Na mesma direção realçando seu conteúdo de obra clássica no prefácio ao artigo acima citado Robert Moore enfatiza que a profusão de análises e notas de pé de páginas relativas à sua obra T H Marshall durante as duas últimas décadas oferece provas da influência que ele vem exercendo Bottomore 1998 p 9 Passados mais de cinqüenta anos de sua publicação ainda existem aspectos que merece riam ser explorados O ponto de vista aqui desenvolvido é de que embora se tratando de um ca so empírico específico o modelo de Marshall é um recurso teórico importante e continua sendo referência para os estudos comparativos do desenvolvimento da cidadania em outros países Concordo com Turner 1992 segundo o qual a melhor maneira de estudar esse tema é comparativamente Para o esclarecimen to desta abordagem serão tecidas algumas considerações sobre os atributos e as vantagens do método comparativo na política De acordo com Sartori 1977 a função da comparação não é simplesmente comparar mas sobretudo explicar Através de critérios explícitos podese comparar processos históricos países regiões sistemas partidários modelos políticos através de suas semelhanças e especialmente de suas diferenças que passam a ser um recurso heurístico para entender e explicar as particularidades de cada caso sob uma base conceitual comum L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 43 Retomando o caso inglês a cidadania é nacional por definição para Mar shall O seu desenvolvimento implicou um duplo processo de fusão e separa ção grifo meu A fusão foi geográfica no sentido de fazer convergir os direi tos universais no mesmo território no caso o estadonação A espe cialização foi funcional de maneira que quando os três elementos da cidadania civil político e social se separaram cada um tomou seu caminho seguindo seu próprio ritmo Segundo as palavras de Marshall o processo de separação teria sido bastante amplo e complexo Quando se separaram os três elementos da cidadania romperam por assim dizer toda relação Tão completo foi o divórcio que sem violentar demasiadamente a precisão histórica podemos designar o período formativo de cada um a um sécu lo distinto os direitos civis no século XVIII os políticos no XIX e os sociais no século XX Como é natural estes períodos deverão ser tratados com uma ra zoável elasticidade e há certo solapamento evidente sobretudo entre os dois úl timos Marshall 1967 p 65 A rigor no caso inglês o processo de fusão começou no século XII quan do a justiça real adquiriu o poder de definir e defender os direitos civis dos indivíduos Começa então o desgaste dos costumes locais em benefício do direito comum do país Os tribunais eram instituições de caráter nacional ten dência que se configuraria com mais ênfase no século XVIII Quanto aos direi tos políticos o Parlamento passou a concentrar em si os poderes políticos da nação a burocracia que dava acesso às instituições políticas reconfigurouse especificamente no que diz respeito às regras do sufrágio e aos critérios para definir quem poderia ser membro do parlamento Quanto aos direitos sociais as mudanças econômicas os separaram ao longo do tempo do seu pertenci mento à comunidade da aldeia da cidade e do grêmio até que só ficou a Poor Law que ainda que continuasse sob a administração local era uma instituição especializada que adquiriu um fundamento nacional Marshall 1967 p 65 Segundo as palavras do próprio Marshall quando a liberdade se fez universal a cidadania passou de instituição local à instituição nacional Mar shall 1967 p 69 Enfim os direitos ao mesmo tempo em que se especializa vam e fortaleciam as instituições específicas de cada dimensão da cidadania os tribunais civis o parlamento e o executivo em consonância com as políticas sociais convergiam para a unificação conforme o princípio do fortalecimento da nação Esta proporcionava um efeito integrador novo um sentimento de lealdade a uma civilização que no entender de Marshall é sentida como patri mônio comum Marshall 1967 p 84 Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 44 Compatibilidade entre cidadania e desigualdade Para o que proponho aqui devo ressaltar alguns aspectos importantes no texto de T H Marshall no que se refere ao caso inglês É provável que estes estejam colocados como pressupostos para o autor Contudo sua pertinência e seu valor heurístico são um convite a sua exploração na medida em que sugerem a formulação de uma questão atual acerca da desigualdade no Brasil Primeiro a existência de uma possível rationale das classes dominantes no que diz respeito à tolerância à desigualdade Não se trata de discutir a estratégia dessas classes como faz Michael Mann 1987 para quem haveria cinco estratégias possíveis no desenvolvimento da cidadania e o caso inglês representaria em um momento inicial o principal exemplo da estratégia liberal transitando para uma estratégia reformista no momento seguinte Con siderando que a questão das elites inglesas em relação à desigualdade iria além das estratégias das classes dominantes para lidar com a burguesia e a classe trabalhadora no momento da industrialização não se pretende descartar as motivações de outra natureza Não se sabe precisamente se uma certa into lerância com a desigualdade se daria por motivos sanitários estéticos demo gráficos ou humanistas Seja como for os ingleses já haviam refletido sob vários ângulos e de diversas maneiras sobre a questão da pobreza Interessa se sobretudo discutir algumas idéias contidas talvez como pressupostos na reflexão de Marshall1 Na Inglaterra a partir do século XVIII e especialmente do XIX seja do ponto de vista dos Tory seja dos socialistas a única referência comum no debate público era a situação do pobre como pedra de toque de uma idéia de civilização de nação A discussão pública em torno do tema na Inglaterra não só é muito antiga como também muito complexa Pois é composta de uma espécie de substância híbrida uma mescla que inclui tanto a história social como a história intelectual do período Sua complexidade aparece ainda na variedade de suas fontes aqui resumidamente situadas como econômica política sociológica e literária É assim que utilizando somente as fontes públicas do debate a idéia de pobreza foi tratada na obra de Himmelfarb 1 Para efeito de comunicação T H Marshall será mencionado também como Marshall e quando se tratar de seu predecessor com o mesmo sobrenome será mencionado como Alfred Marshall ou A Marshall L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 45 1981 Segundo esta mesma fonte no final da era vitoriana a questão já havia sido esclarecida do ponto de vista teórico e moral especialmente com a obra de Alfred Marshall e a distinção filosófica entre pobreza e indigência Segundo haveria na classe dominante inglesa uma certa compreensão da interdependência da sociedade e de seu bemestar que no citado trabalho de T H Marshall se refletiria em sua afirmação a cidadania de que se quer tratar aqui é nacional por definição Marshall 1967 p 64 Seu desen volvimento teria implicado duplo processo de fusão e de separação como já foi mencionado a fusão foi geográfica e a separação foi funcional Por exemplo no século XVII os tribunais locais que defendiam os direitos civis passaram a fazêlo de acordo o direito comum do país Na esteira do desen volvimento dos direitos e no processo de sua ampliação a novos setores da sociedade antes excluídos também se fortalecia o sentimento de pertenci mento a uma nação O caráter universalista desses direitos e o fortalecimento de uma burocracia eficiente configurou um percurso de formação do estado nação diferente das trajetórias de outros países europeus notadamente do leste e do sul A afirmação de Bendix 1996 segundo a qual Inglaterra não preci sou do nacionalismo para o autorespeito sugere algumas considerações so bre a especificidade da trajetória inglesa isto sem perder de vista seu caráter exclusivamente insular o qual exclui o Commonwealth Haveria distintas trajetórias no espectro da formação do estadonação europeu que do ponto de vista da tese weberiana foi uma experiência origi nal do ocidente permitindo a resolução de uma só vez de dois problemas o estabelecimento de um modo democrático de legitimação e a base de uma forma nova e abstrata de integração social No que se refere ao auto entendimento nacional sobre o qual se referiu no parágrafo anterior para Habermas na trajetória européia esta noção contém um significado ambíguo levandose em consideração as contingências históricas nas quais o seu signi ficado foi forjado naquele continente De um lado a idéia referese à nação voluntária dos cidadãos que proporcionam legitimação democrática por outro a nação herdada ou atribuída por nascidos nela facilitando a integração social Habermas 1995 p 94 No primeiro percurso prevaleceu o univer salismo de uma comunidade legal igualitária e no segundo o particularismo de uma comunidade cultural a que se pertence por origem e destino na qual os ingredientes de sangue e solo ajudaram a formar a lealdade à nação e à unidade territorial De acordo com o referido autor a sorte da democracia na Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 46 formação do estadonação dependeria de como se resolveria a questão do autoentendimento nacional isto é de qual desses dois aspectos dominaria o outro Na Inglaterra o segundo percurso o do autoentendimento herdado qua se naturalmente deu lugar à força integradora da cidadania democrática O que de acordo com a explicação habermasiana embora não se refira espe cificamente à Inglaterra corresponderia à primeira trajetória conforme a qual somente a partir de uma representação nãonaturalista é que a nação poderá ser combinada harmonicamente com o autoentendimento universalista do estado constitucional Habermas 1995 p 94 As considerações sobre a trajetória inglesa em relação à formação do es tadonação a existência de uma burocracia eficiente e o progressivo estabele cimento dos direitos e deveres dos cidadãos melhor dito súditos nos permi te inferir cautelosamente que havia uma certa lucidez por parte das elites a respeito da interdependência entre os diversos setores da sociedade Seja esta interdependência baseada no avanço da divisão do trabalho seja na consciên cia da necessidade da convivência pacífica necessária à realização do projeto de nação Não há referências históricas sobre a existência de um descuido em relação à integração da sociedade ao contrário os trabalhos de Marshall e Himmelfarb apontam para a existência de elites atentas e em alguma medida dialogando publicamente com os reformistas os intelectuais e os ativistas A idéia da consciência de interdependência por parte das elites aqui utili zada tem como referência o trabalho de Elisa Reis segundo o qual a idéia revelaria o conhecimento da relevância dos problemas sociais como observa ao abordar o assunto consciência da interdependência entre os diferen tes setores sociais elemento que foi crucial na emergência de soluções cole tivas e públicas para o problema da pobreza na Europa e que levou poste riormente à consolidação do welfare state Reis 2000 p 148 A pergunta de Marshall Enfim o aspecto a ser considerado na contribuição de Marshall é sobretu do de natureza teórica Ao discutir ao longo de seu conhecido terceiro capítu lo Cidadania e classes sociais a compatibilidade entre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra e a existência das desigualdades próprias ao sistema L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 47 capitalista Marshall formula uma questão que poderia ser considerada crucial na teoria da cidadania Tratase da existência de uma tensão permanente entre duas forças opostas e coexistentes direitos iguais em uma ordem desigual Esta é uma referência importante sobre a qual proponho estudar o problema Implicitamente podese ver que a pergunta feita por Marshall seria qual o grau de desigualdade compatível com os princípios da cidadania Seu estu do parte de uma pergunta presente no trabalho de seu antecessor Alfred Mar shall Isto é ainda tem valor a hipótese sociológica latente de Alfred Mar shall de que existiria uma igualdade humana básica associada ao pertenci mento pleno a uma comunidade que não entra em contradição com uma es trutura de desigualdade econômica Marshall 1967 p 109 O que permi tiu que os dois princípios se reconciliassem e chegassem a ser ao menos durante um determinado período aliados Em sua conferência proferida em Cambridge em 1949 Marshall se pergunta se ainda seriam válidas as ques tões formuladas por seu precursor Alfred Marshall em 1873 T H Marshall recoloca a questão da seguinte maneira ainda seria ver dade a idéia de que a igualdade básica do ser humano quando enriquecida em substância concreta dos direitos formais da cidadania é consistente com as desigualdades das classes sociais A igualdade básica seria ainda compatí vel com o mercado competitivo Há limites além dos quais o progresso das classes trabalhadoras não poderia ir A influência de Alfred Marshall À época do trabalho de T H Marshall na Inglaterra não era recente a preocupação explícita com a pobreza no debate público Na verdade ela começou no século XVIII e no século XIX foi marcada por um intenso deba te seja por parte das elites seja por parte dos reformistas oriundos das classes médias A obra de Alfred Marshall situase no final do século XIX no contex to do período vitoriano período em que o debate se situava na esteira da idéia de moralidade Esse era o pano de fundo na discussão dos problemas sociais e econômicos e devese esclarecer que naquele momento não pesava o mesmo sentido de conservadorismo utilizado hoje pois na Inglaterra esta era a linguagem dos radicais dos liberais e dos conservadores Como a era vito riana cobre um tempo longo com diferentes situações econômicas políticas e Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 48 sociais os valores conhecidos como vitorianos também se transformaram durante o período Assim fazse necessário considerar os três momentos early high e late a fim de situar Alfred Marshall no último Embora tendo formação em matemática A Marshall suspeitava das evidências proporcio nadas pelas estatísticas divorciadas de valores e via na economia um campo de conhecimento no qual se aplicava a ética cotidiana A preocupação ética teria levado A Marshall à Economia e a Economia o levava ao estudo da pobreza como observa Himmelfarb Political Economy or Economics is a study of mankind in the ordinary business of life It examines that part of individual and social action which is most closely connected with the attainment and with the use of material requisites of well being Thus it is on the one side a study of wealth and on the other and more important side a part of the study of man Himmelfarb 1991 p 284285 O pressuposto dos vitorianos tardios era que a compaixão seria um sen timento desmesurado e pouco prático Nessa perspectiva o sofrimento de uma criança é capaz de nos encher o coração de compaixão enquanto a notí cia de uma batalha com centenas de morte nos é indiferente Diante disso os vitorianostardios filantropos reformistas e críticos da sociedade colocaram se a tarefa de dar a tal sentimento um senso de proporção Assim Himmelfarb descreve o contexto da discussão Theirs was a religious zeal derived from a rigorous theological creed A later generation of reformers with a much attenuated commitment to religion redou bled their social zeal as if to compensate for the loss of religious faith It was then that compassion for religions was transmuted into the compassion for hu manity Himmelfarb 1991 p 4 Para os vitorianos tardios a compaixão agora não significaria simples mente mais um sentimento de puro altruísmo ela passaria a ter uma implica ção prática e até mesmo científica no sentido de ter um tratamento sujeito a cálculos aritméticos2 Ter compaixão significaria têla de maneira apropria damente compreendida sem a aspiração de ser santo ou mártir A idéia era melhorar as condições de vida dos pobres tarefa que lhes parecia possível 22 Em seu survey Charles Booth estudioso da pobreza em Londres no período insiste sobre a importância da classificação dos níveis de pobreza através do cálculo do que ele chama de arithmetic of woe aqui traduzido livremente como aritmética do sofrimento Himmelfarb 1991 p 5 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 49 Feitos os cálculos dado o senso de proporção o mal a ser combatido na visão de A Marshall não seria a pobreza mas a indigência degradante e incompatível com a condição humana Esta desapareceria na medida em que se eliminasse o trabalho excessivo que tornava os homens brutalizados como máquinas Sua preocupação em nenhum momento era com a desigualdade mas sim com a brutalização do homem pelo trabalho degradante que o torna va incapaz de pensar e ter sentimento de um cavalheiro possível a todo e qualquer ser humano The question is not whether all men will ultimately be equal that they certainly will not but whether progress may go on steadily if slowly till the official dis tinction between working man and gentleman has passed away till by occupati on at least every man is a gentleman workers would be gentlemen and gentlemen would be chivalrous Himmelfarb 1991 p 293 Para A Marshall a verdadeira distinção do homem que trabalha em contraste com o nobre não seria o fato de trabalhar nem o fato de trabalhar com as mãos tampouco o fato de ser assalariado ou de estar sujeito à disci plina superior O que o distinguiria seria o efeito do trabalho sobre ele Portanto sua preocupação era com a brutalização do homem ele acreditava que em uma sociedade avançada todo homem poderia ser um cavalheiro As idéias de A Marshall fundamentadas em suas pesquisas empíricas apontavam para uma correlação positiva entre o desenvolvimento da divi são do trabalho e o desenvolvimento do estilo de vida dos trabalhadores na Inglaterra Daí o autor poder afirmar que quando os homens se percebem como homens e não como máquinas de produzir convertemse em cava lheiros condição na qual aceitam progressivamente os deveres públicos e privados do cidadão A nova economia de Alfred Marshall foi criada neste contexto Ela procurava reconciliar o ser cavalheiro com o livre mercado Além disso suas idéias de Economics of chivalry não evocavam nenhuma exortação ao heroísmo já que as virtudes do cidadão seriam bastante corri queiras e se resumiam na disciplina e na dedicação para com os menos afortunados Sob esta ótica a cidadania não eliminaria a pobreza mas a mitigaria A sociedade civil ideal seria vista como aquela em que o conceito de cidadania transcenderia o conceito de classe Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 50 As idéias de T H Marshall Desde que foi feita a distinção entre pobreza e indigência o problema da desigualdade passou a ser tolerado na medida em que não submetesse o ho mem a uma situação em que estivesse impedido de ser cavalheiro na qual perdesse a condição de compreender as idéias de dever e de direito com preensão necessária para a convivência no mesmo espaço Esse seria o de nominador comum que permitiria que pessoas de mundos diferentes pudes sem conviver A impossibilidade da igualdade entre os homens não significa va entretanto a impossibilidade de que os mesmos se constituíssem em ca valheiros Segundo A Marshall o constituirse cavalheiro dependia da redu ção considerável do volume de trabalho pesado e excessivo que brutalizava a classe trabalhadora e isto só ocorreria através do desenvolvimento da tecno logia O formulador dessas idéias não queria ser confundindo com os socia listas pois era acima de tudo defensor de um mercado livre e sem interferên cias do Estado Quanto à compreensão da classe dominante inglesa em relação à interde pendência da sociedade as idéias de A Marshall parecem refletir esse enten dimento Como seria conviver no mesmo território com pessoas brutalizadas com as quais necessariamente se terá que manter algum contato Conside rando todo o contexto inglês e as várias fontes de reflexão já mencionadas a questão que se coloca não é a tolerância com a desigualdade mas com a pobreza brutalizada T H Marshall por sua vez substitui cavalheiro por civilizado reinter preta a idéia de igualdade humana básica latente no trabalho de A Marshall como cidadania associandoa ao pertencimento pleno a uma comunidade cívica Marshall 1967 A partir dessa formulação o autor depreende que esse pertencimento não entraria em contradição com as desigualdades pró prias de uma economia de mercado Segundo ele a desigualdade do sistema de classes seria aceitável sempre que fosse reconhecida a igualdade da cida dania Marshall 1967 p 94 Contudo de acordo com o autor a cidadania provocou efeitos escassos sobre a desigualdade social até o séc XIX e os direitos sociais ainda não haviam sido incorporados ao edifício da cidadania O esforço que havia sido feito não era o de eliminar a pobreza mas sim seus efeitos desagradáveis Em L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 51 fins do século XIX tal situação já estava em mudança devido a diversos fato res A redução das diferenças adquiriu um novo significado com a formação de um mercado consumidor de caráter nacional sob o qual se desenvolveu a situação que propiciava o desenvolvimento da cidadania de maneira que a integração social se estendeu da esfera do sentimento e do patriotismo ao do desfrute material Os componentes de uma vida culta e civilizada antes monopólios de alguns paulatinamente se colocaram à disposição das massas Marshall 1967 p 88 Já não se tratava só de acabar com a miséria obviamente desagradável dos estratos mais baixos da sociedade mas de transformar o modelo geral de desigualdade Nos termos de Marshall o que importa é que se produza um enriquecimento geral do conteúdo concreto da vida civilizada uma redução generalizada do risco e da insegurança uma igualação em todos os níveis entre o menos e os mais afortunados A iguala ção não se produz tanto entre as classes como entre os indivíduos dentro de uma população que por isto já consideramos uma classe A igualdade de status é mais importante que a igualdade de rendas Marshall 1967 p 95 grifo da autora Esta é a base sobre a qual Marshall propõe discutir o problema Quarenta anos depois desse conhecido trabalho Bottomore reacende o debate com questões que em certa medida haviam sido formuladas por Mann 1987 Segundo estes dois autores a preocupação de Marshall se referiria ao impacto do desenvolvimento da cidadania sobre as classes sociais mas em nenhum momento ele considera o impacto das classes sobre a cidadania Marshall considera a classe social necessária e útil O que para ele está em discussão é em quais condições a pobreza pode ser aceitável Pobreza entendida como a situação daquele que por falta de reserva econômica deve trabalhar dura mente Contudo a indigência entendida como a situação em que uma família carece do mínimo para viver decentemente não seria aceitável Portanto alguma escala de pobreza não guardaria contradição com os princípios de direitos iguais da cidadania Lembramos que os direitos civis seriam até in dispensáveis para a economia competitiva de mercado Em suma a cidadania teria provocado um efeito integrador ou pelo me nos foi um elemento importante no processo de integração na Inglaterra Segundo Marshall a cidadania exige um elo de natureza diferente um sen timento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 52 uma civilização que é um patrimônio comum Marshall 1967 p 84 Já no século XVIII a Inglaterra assistiu não só ao nascimento dos direitos civis modernos como também da consciência nacional moderna Todavia para seus protagonistas não estava de todo claro o quanto os direitos civis e políti cos significariam em termos de se evitar conflitos e violência Marshall 1967 p 85 Para o autor a igualdade humana teria se realizado no pertencimento a uma comunidade cívica o estadonação no qual os deveres e direitos referi dos por Alfred Marshall teriam se potencializado além do simples dever de cavalheiro disseminandose no compartilhamento de uma vida civilizada o que incluiria também um corpo de direitos cuja validade existiria desde que não invadisse a liberdade do mercado competitivo Retomando a idéia da consciência da interdependência da sociedade questão colocada por Reis 2000 a percepção das elites sobre a pobreza inclui a percepção da sociedade como algo integrado Esta idéia é fundamen tal aqui porque colabora na compreensão de uma idéia implícita no texto de Marshall a percepção das elites acerca da desigualdade como algo que lhes afeta no sentido de afetar seu bemviver O significado desta discussão no Brasil Além da grande importância de T H Marshall reconhecida no Brasil em relação às conseqüências de um percurso diferente da seqüência histórica inglesa existe outro aspecto cujo valor investigativo é bastante atual no que se refere ao Brasil Retomando as duas idéias discutidas aqui a meu ver implícitas no trabalho de Marshall primeiro que haveria uma rationale das classes dominantes inglesas em relação às desigualdades e segundo que também haveria por parte delas uma compreensão da interdependência da sociedade como se colocaria estas questões no Brasil O tema das elites e da pobreza no Brasil sua convivência histórica e a ausência de uma rationale fazem mais sentido quando se toma como referên cia uma situação histórica específica e se pensa comparativamente É recente a preocupação com a pobreza por parte das elites brasileiras ela se inicia na década de noventa do século vinte Reis 2000 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 53 Sonia Rocha 2005 atribui o surgimento do tema da pobreza como uma preocupação de toda a sociedade como resultado do sucesso da estabilização econômica em 1994 Por outro lado o Banco Mundial em fins da década de 1980 já colocava em sua agenda para a América Latina e países periféricos a questão da pobreza e da desigualdade como matéria prioritária Schwartz man 2004 vê como tema dominante hoje no Brasil a exclusão social e a pobreza Este teria tomado o lugar do que há cerca de vinte a trinta anos preocupava os cientistas sociais brasileiros as questões referentes ao desen volvimento econômico à participação política à democracia e à mobilidade social Por que as elites brasileiras sempre tiveram facilidade em tolerar a po breza Tomando como referência o artigo citado de Reis 2000 faltaria a elas a noção de interdependência na sociedade Creio que para a autora tratase da idéia sociológica de integração tanto no sentido de compartilhar interesses comuns quanto no sentido de percepção de integração na divisão do trabalho ou simplesmente de uma fraca percepção do papel dos trabalhadores na sustentação da ordem social No contexto da discussão estaria ausente a noção de responsabilidade social entre as elites Ao mesmo tempo elas de monstram grande sensibilidade aos problemas da pobreza e da desigualdade conforme as palavras da autora outras respostas do survey sugerem com alguma clareza que a ameaça da desi gualdade pesa sobretudo como uma ameaça à manutenção da ordem e da segu rança pessoal É sobretudo a problemática da segurança e da manutenção da or dem nas grandes cidades que parece assustar as elites Reis 2000 p 49 Haveria historicamente alguma situação em que as elites brasileiras não tiveram outra opção senão a de negociar e transigir Seria prematuro ler a situação estudada por Reis na qual a questão da segurança é mencionada como a principal motivação da atenção das elites em relação aos pobres como uma explicação para a recente preocupação com a pobreza e a desi gualdade Retornando à referência do caso inglês poderíamos considerar que falta no Brasil a idéia de estadonação É preciso considerar que os ingleses esta vam construindo o mundo para eles viverem e a sociedade para si e seus descendentes com o mesmo espírito que construíam a ciência a tecnologia Nesse projeto estava incluída a preocupação com a convivência com a desi Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 54 gualdade de maneira a não afetar seu bemviver seja por razões sanitárias demográficas econômicas humanitárias estéticas ou pragmáticas Portanto se aquele projeto falhasse eles não pensavam em construílo em outro lugar Entre as elites já haviam sido construídos alguns consensos E ainda que não tivessem total clareza sobre o que significaria historicamente a regulamenta ção dos conflitos através da ampliação dos direitos civis como já foi mencio nado mesmo assim é provável que estivessem criando um cálculo do padrão de vida civilizada Nesse cálculo mais ou menos claro ou mais ou menos difuso tinham idéia sobre o grau de pobreza com o qual estariam dispostos a conviver sem ameaçar a vida civilizada No Brasil haveria por parte das elites uma idéia de construir um país considerando que se não funcionasse não teriam outras opções As elites no Brasil sempre pensaram na possibilidade de diante de uma crise retirarem suas famílias e seus investimentos para colocálos em outro lugar Por sua vez se considerarmos o projeto nacional do período populista esse tampouco apresentava um caráter universalista Consentido pelo arranjo entre o estado as elites agrárias e as elites comprometidas com o processo de industrializa ção o projeto nacionalpopulista conviveu perfeitamente com a pobreza urbana e especialmente a rural sustentadas no próprio caráter da aliança que o compunha3 Assim o projeto populista enquanto experiência de reconheci mento ainda que limitado não foi capaz de inspirar um sentimento de per tencimento a uma comunidade cívica duradoura e menos ainda algo que apontasse para a expansão do processo de inclusão social Nessa reflexão o caso do Brasil suas diferenças em relação ao caso clás sico inglês não são vistas como desvios mas como um problema a ser objeto de investigação Nessa perspectiva de análise incluemse as especificidades sustentadas pelas instituições pelas escolhas das elites pelo papel do Estado e pelos padrões da cultura cívica existentes em determinados momentos A consideração da importância da seqüência histórica inglesa dos direitos civis políticos e sociais não deve ser tomada como uma prescrição mas 3 A visão organicista que era o substrato de uma idéia corporativa de nação sustentavase na noção de desigualdade entendida como funções diferentes num organismo equilibrado Este orquestrado pelo Estado como um poder regulador da sociedade e ao mesmo tempo com a função de corrigir os exageros das injustiças sociais Esta concepção que segundo Schwartzman 2004 p 2425 permaneceu inalterada está por ele sintetizada de maneira e xemplar L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 55 como um recurso de explicação Essa seqüência inglesa segundo Carvalho 1995 reforçou a convicção democrática Com os direitos civis vinham as liberdades garantidas por um poder Judiciário independente do Executivo e com uma tradição de neutralidade registrada tanto por Moore como por Mar shall As instituições desenvolvidas nessa fase eram os Tribunais de Justiça que serviam de intermediação política e se reforçavam na medida em que exerciam suas funções Com base no exercício dessas liberdades e das insti tuições correspondentes ampliaramse os direitos políticos e com eles o desenvolvimento dos partidos e a consolidação do Legislativo Através destes sancionaramse os direitos sociais que o Executivo punha em prática Portan to as liberdades civis constituíramse na base de todo o processo Carvalho 1995 No caso do Brasil a inclusão dos direitos sociais no período varguista deuse num contexto de ausência de direitos políticos e civis restritos aos trabalhadores urbanos com carteira assinada cuja profissão o estado reco nhecia oficialmente O conceito de cidadania regulada cunhado por Santos 1977 é pois a expressão da não universalidade dos direitos específico do caso brasileiro diferente da seqüência descrita por Marshall ao analisar o caso inglês Esse processo de reconhecimento dos direitos sociais vindo do estado direcionado a um determinado setor da sociedade em um contexto de ausência de direitos civis e políticos repetese durante a ditadura Médici quando os direitos sociais foram ampliados aos trabalhadores rurais Con tudo no Brasil salvo entre os especialistas existem resistências para se reconhecer a importância do modelo de Marshall para o estudo da cida dania Isto se dá em parte por considerálo etnocêntrico em parte porque a idéia de cidadania está impregnada de ativismo político e ainda por não compreender a relação entre a seqüência de direitos marshalliana e a demo cracia Caberia então perguntar só o medo seria capaz de empurrar as elites à compreensão do que Reis assinala como consciência da integração do sistema social A tolerância com a existência de graus de pobreza cerca de 53 a 62 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza incompatíveis com o padrão de modernidade e democratização do país terá alguma explicação recente ademais das condições herdadas do corporativismo do paternalismo e da subserviência históricas Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 56 A convivência da riqueza e da pobreza nos países periféricos tem uma explicação estrutural na abordagem do geógrafo Milton Santos para quem essa convivência é muito mais dramática nas metrópoles dos países periféri cos A existência da pobreza seria o produto da convivência e da interdepen dência de dois circuitos do capital inferior e superior em uma relação com plexa que perpetua a exclusão social Em termos muito genéricos podese dizer que esses circuitos se diferenciaram em um conjunto de categorias entre as quais destacamse as diferenças de tecnologia de organização do trabalho e do consumo Portanto a convivência da pobreza com a riqueza no mesmo espaço não seria um acidente mas um fenômeno histórico que se agrava com a urbanização acelerada dos países subdesenvolvidos que só seria alterado com uma política de estado Com tais considerações se quer dizer que a convivência no mesmo espaço de pobres e ricos nesses países seria exigência do próprio modelo de organização e da tecnologia Santos 2005 Nesse sentido a convivência entre os economicamente muito desi guais tenderia a se agravar na medida em que não houvesse uma política de estado efetiva Sendo a pobreza e a exclusão uma espécie de lógica que se perpetua poderseia esperar um aumento da consciência das elites dada a aceleração desse fenômeno nas metrópoles dos países periféricos Haveria possibilidade de uma mudança da cultura das elites ou do padrão da própria cultura política de modo que de um momento a outro se passasse a incluir essa preocupação Encerraria esta discussão com a consideração de uma situação de convi vência no mesmo espaço de dois extremos de pobreza e riqueza que ocupou lugar na imprensa como um fenômeno nada natural melhor dizendo com algum espanto A manchete foi assim como se segue Favela tem que traba lhar 1 mês para comprar 2 jeans da Daslu O que aqui interessa é que tendo o fato aparecido como manchete de jornal pode significar alguma surpresa com uma ordem nãonatural isto é produzida pelos homens O segundo aspecto a nos remeter ao saudoso geógrafo é que segundo a notícia Tama nha desigualdade é separada apenas por um muro a favela Coliseu separase por um muro do Shopping mais luxuoso de São Paulo Esta seria uma espécie de caricatura da convivência dos dois circuitos do capital ocorrida a partir da inauguração da cadeia de lojas Daslu os mais pobres e os mais ricos passa ram a que conviver espacialmente numa espécie de situação de risco não programado para as elites Jornal Terra 362005 L G Souki A atualidade de T H Marshall no estudo da cidadania no Brasil 57 A idéia de risco não programado sugere elites incautas conceito incom patível com a história do país Por outro lado essa idéia adquire mais sentido quando se compara com a maneira como as elites inglesas resolveram o pro blema da convivência com a desigualdade Em outras palavras em que senti do o trabalho de T H Marshall ainda pode esclarecer a questão do desenvol vimento da cidadania no Brasil Quais seriam os pontos mais relevantes para uma discussão sobre a efetivação da cidadania no Brasil de acordo com a teoria da cidadania de T H Marshall Em primeiro lugar a análise de Mar shall contém elementos com capacidade de fazer estranhar as condições his tóricas nas quais se desenvolveram os direitos no Brasil seja em relação a sua seqüência seja na postura das elites ao lidar com as desigualdades e com os direitos universais Em segundo a idéia de estadonação seria um fator diferenciador no que diz respeito ao autoentendimento da sociedade como interdependente advindo daí sua capacidade de levar as elites ao debate so bre qual seria o grau de desigualdade tolerável Isto se se considera que no debate sobre a desigualdade e a pobreza os reformistas tenham desempenha do um papel relevante na Inglaterra Quer dizer a idéia de nação incluiria a formação de consensos sobre a autoimagem compartilhada por muitos que em uma situação de desigualdade extrema chamada pelos ingleses de indi gência se constituiria em um ponto crítico para a persistência de si mesma Finalizando o que daqui se depreende é que não bastaria uma situação de perigo potencial para empurrar as elites ao cálculo do grau de desigualdade compatível com seu bemviver seria necessário ainda que elas compreendes sem a situação como arriscada para seus projetos Seria essa a única alternativa capaz de mudar o padrão das elites de ado ção de soluções nãouniversalistas nos processos de inclusão social Até que ponto uma motivação externa como a de fazer parte dos países prósperos e reconhecidamente civilizados poderia servir de impulso à mudança dessa tradição das elites brasileiras As perguntas parecem mais freqüentes que as respostas nas considera ções traçadas neste artigo Talvez porque o debate público acerca da desi gualdade no Brasil especificamente no que se refere à posição das elites diante do problema ainda demande um envolvimento maior da sociedade Em linhas finais não havia nenhuma pretensão conclusiva mas sim o desejo de se explicitar questões a meu ver profícuas acerca da postura das elites brasileiras em relação às desigualdades Civitas Revista de Ciências Sociais v 6 n 1 janjun 2006 58 Referências BENDIX H Construção nacional e cidadania São Paulo Edusp 1996 CARVALHO J M Cidadania tipos e percursos Estudos Históricos n 18 p 337 359 1995 Pontos e bordados Belo Horizonte Ed Ufmg 1998 HABERMAS J O estadonação europeu frente aos desafios da globalização Novos Estudos Cebrap n 43 nov 1995 p 87101 HIMMELFARB Gertrude The idea of poverty Londres Faber and Faber 1984 Poverty and compassion New York Alfred A Knopf 1991 MANN M Ruling class strategies and citizenship Sociology v 21 n 3 p 339359 1987 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 BOTOMORE T Ciudadanía y clase social Madrid Alianza 1998 REIS Elisa P Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade São Paulo RBCS v 15 n 42 p 144152 2000 ROCHA S Pobreza no Brasil Rio de Janeiro Ed FGV 2005 SANTOS Wanderley G Cidadania e justiça Rio de Janeiro Campus 1977 SANTOS Milton O espaço dividido São Paulo Ed Edusp 2005 SARTORI G A política Brasília Ed UnB 1997 SCHWARTZMAN S As causas da pobreza Rio de Janeiro FGV 2004 TURNER Bryan Outline of a theory of citizenship Sociology v 24 n 2 p 3361 1990 Recebido em 24 de janeiro de 2006 e aprovado em 4 de fevereiro de 2006 Indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Paulo de Martino Jannuzzi Introdução O interesse pela temática dos indicadores sociais e sua aplicação nas atividades ligadas ao planejamento governamental e ao ciclo de formulação e avaliação de políticas públicas vêm crescendo no País nas diferentes esferas de governo e nos diversos fóruns de discussão dessas questões Tal fato devese em primeiro lugar certamente às mudanças institucionais por que a administração pública tem passado no País em especial com a consolidação da sistemática do planejamento plurianual com o aprimoramento dos controles administrativos dos ministérios com a mudança da ênfase da auditoria dos Tribunais de Contas da avaliação da conformidade legal para a avaliação do desempenho dos programas com a reforma gerencial da gestão pública em meados dos anos 1990 GARCIA 2001 COSTA CASTANHAR 2003 Esse interesse crescente pelo uso de indicadores na administração pública também está relacionado ao aprimoramento do controle social do Estado brasileiro nos últimos 20 anos A mídia Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 137 os sindicatos e a sociedade civil passaram a ter maior poder de fiscalização do gasto público e a exigir o uso mais eficiente eficaz e efetivo dele demandando a reorganização das atividades de planejamento em bases mais técnicas Também tem contribuído para a disseminação do uso dos indicadores o acesso crescentemente facilitado às informações mais estruturadas de natureza administrativa e estatística que as novas tecnologias de informação e comunicação viabilizam Dados cadastrais antes esquecidos em armários e fichários passam a transitar pela Internet transformandose em informação estruturada para análise e tomada de decisão Dados estatísticos antes inacessíveis em enormes arquivos digitais passam a ser customizados na forma de tabelas mapas e modelos quantitativos construídos por usuários não especializados Sem dúvida a Internet os CDROMs inteligentes os arquivos de microdados potencializaram muito a disseminação da informação administrativa compilada por órgãos públicos e a informação estatística produzida pelas agências especializadas É com o objetivo de apresentar como essas informações estruturadas podem ser empregadas nas diferentes etapas do ciclo de formulação e avaliação de programas públicos que se apresenta este texto Para isso inicialmente apresentamse nas duas primeiras seções os aspectos conceituais básicos acerca dos indicadores sociais as suas propriedades e as formas de classificálos Depois discutese uma proposta de estruturação de um sistema de indicadores para subsidiar o processo de formulação e avaliação de políticas e programas públicos no País Indicadores nas políticas públicas conceito e suas propriedades No campo aplicado das políticas públicas os indicadores sociais são medidas usadas para permitir a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático Os indicadores apontam indicam aproximam traduzem em termos operacionais as dimensões sociais de interesse definidas a partir de escolhas teóricas ou políticas realizadas anteriormente Prestamse a subsidiar as atividades de planejamento público e a formulação de políticas sociais nas diferentes esferas de governo possibilitam o monitoramento das condições de vida e bemestar da população por parte do poder público e da sociedade civil e permitem o aprofundamento da investigação acadêmica sobre a mudança social e sobre os determinantes dos diferentes fenômenos sociais MILES 1985 NAÇÕES UNIDAS 1988 Taxas de analfabetismo rendimento médio do trabalho taxas de mortalidade infantil taxas de desemprego índice de Gini e proporção de crianças matriculadas em escolas são nesse sentido indicadores sociais ao traduzirem em cifras tangíveis e operacionais várias das dimensões relevantes específicas e dinâmicas da realidade social O processo de construção de um indicador social ou melhor de um sistema de indicadores sociais para uso no ciclo de políticas públicas iniciase a partir da explicitação da demanda de interesse programático tais como a proposição de um programa para ampliação do atendimento à saúde a redução do déficit habitacional o aprimoramento do desempenho escolar e a melhoria das condições de vida de uma comunidade A partir da definição desse objetivo programático buscase então delinear as dimensões os 138 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 componentes ou as ações operacionais vinculadas Para o acompanhamento dessas ações em termos da eficiência no uso dos recursos da eficácia no cumprimento de metas e da efetividade dos seus desdobramentos sociais mais abrangentes e perenes buscamse dados administrativos gerados no âmbito dos programas ou em outros cadastros oficiais e estatísticas públicas produzidas pelo IBGE e outras instituições que reorganizados na forma de taxas proporções índices ou mesmo em valores absolutos transformamse em indicadores sociais Figura 1 Os indicadores guardam pois relação direta com o objetivo programático original na forma operacionalizada pelas ações e viabilizada pelos dados administrativos e pelas estatísticas públicas disponíveis A relevância para a agenda políticosocial é a primeira e uma das propriedades fundamentais de que devem gozar os indicadores escolhidos em um sistema de formulação e avaliação de programas sociais específicos Indicadores como a taxa de mortalidade infantil a proporção de crianças com baixo peso ao nascer e a proporção de domicílios com saneamento adequado são por exemplo relevantes e pertinentes para acompanhamento de programas no campo da saúde pública no Brasil na medida em que podem responder à demanda de monitoramento da agenda governamental das prioridades definidas na área nas últimas décadas Indicadores de pobreza no sentido de carência de rendimentos por outro lado só vieram a ser regularmente produzidos quando Figura 1 Construção de sistema de indicadores para ciclo de políticas públicas A escolha de indicadores sociais para uso no processo de formulação e avaliação de políticas públicas deve ser pautada pela aderência deles a um conjunto de propriedades desejáveis e pela lógica estruturante da aplicação que definirá a tipologia de indicadores mais adequada JANNUZZI 2001 No Quadro 1 estão relacionadas 12 propriedades cuja avaliação de aderência e de não aderência ou indiferença deveria determinar o uso ou não do indicador para os propósitos almejados programas e ações focalizados em grupos mais vulneráveis entraram na agenda da política social a partir dos anos 1980 Validade é outro critério fundamental na escolha de indicadores pois é desejável que se disponha de medidas tão próximas quanto possível do conceito abstrato ou da demanda política que lhes deram origem Em um programa de combate à fome por exemplo indicadores antropométricos ou do padrão de consumo familiar de alimentos certamente gozam de Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 139 maior validade que uma medida baseada na renda disponível como a proporção de indigentes Afinal índice de massa corpórea baixo peso ao nascer ou quantidade de alimentos efetivamente consumidos estão mais diretamente relacionados à nutrição adequada e à desnutrição que à disponibilidade de rendimentos Por outro lado é operacionalmente mais complexo e custoso levantar informações para o que aqueles passíveis de serem obtidos a partir de pesquisas de vitimização em que se questionam os indivíduos acerca de agravos sofridos em seu meio em determinado período Naturalmente mesmo nessas pesquisas as pessoas podemse sentir constrangidas a revelar situações de violência pessoal sofrida por exemplo no contexto doméstico no assédio sexual ou na discriminação por raça eou cor Quadro 1 Avaliação da aderência dos indicadores às propriedades desejáveis cálculo desses indicadores de maior validade comprometendo o uso deles para fins de monitoramento periódico do grau de fome na comunidade daí o uso de indicadores de rendimento como medidas de acompanhamento Confiabilidade da medida é outra propriedade importante para legitimar o uso do indicador Na avaliação do nível de violência em uma comunidade por exemplo indicadores baseados nos registros de ocorrências policiais ou mesmo de mortalidade por causas violentas tendem a ser menos confiáveis e menos válidos Sempre que possível devese procurar empregar indicadores de boa cobertura territorial ou populacional que sejam representativos da realidade empírica em análise Essa é uma das características interessantes dos indicadores sociais produzidos a partir dos censos demográficos o que os tornam tão importantes para o planejamento público no País Mas mesmo indicadores de cobertura parcial podem ser úteis Os indicadores de mercado de trabalho construídos a partir das bases de dados administrativos do Ministério do Trabalho por exemplo não retratam a dinâmica conjuntural do mercado de trabalho brasileiro já que se referem apenas ao mercado de trabalho formal Ainda assim esses indicadores aportam conhecimento relevante acerca da dinâmica conjuntural da economia e do emprego em especial em âmbito municipal Sensibilidade e especificidade são propriedades que também devem ser avaliadas quando da escolha de indicadores para a elaboração de um sistema de monitoramento e avaliação de programas públicos Afinal é importante dispor de medidas sensíveis e específicas às ações previstas nos programas que possibilitem avaliar rapidamente os efeitos ou náoefeitos de determinada intervenção Taxa de evasão ou frequência escolar por exemplo são medidas sensíveis e com certa especificidade para monitoramento de programas de transferência de renda na medida em que se espera verificar em curto prazo nas comunidades atendidas por tais programas maior engajamento das crianças na escola como resultado direto de controles compulsórios previstos ou mesmo como consequência indireta da mudança de comportamento ou da necessidade familiar A boa prática da pesquisa social recomenda que os procedimentos de construção dos indicadores sejam claros e transparentes que as decisões metodológicas sejam justificadas que as escolhas subjetivas invariavelmente frequentes sejam explicitadas de forma objetiva Transparência metodológica é certamente um atributo fundamental para que o indicador goze de legitimidade nos meios técnicos e científicos ingrediente indispensável para sua legitimidade política e social Comunicabilidade é outra propriedade importante com a finalidade de garantir a transparência das decisões técnicas tomadas pelos administradores públicos e a compreensão delas por parte da população dos jornalistas dos representantes comunitários e dos demais agentes públicos Na discussão de planos de governo orçamento participativo projetos urbanos os técnicos de planejamento deveriam valerse tanto quanto possível de alguns indicadores sociais mais facilmente compreendidos como a taxa de mortalidade infantil e a renda familiar ou que o uso sistemático já Indicadores sociais permitem a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático Eles apontam indicam aproximam traduzem em termos operacionais as dimensões sociais de interesse definidas a partir de escolhas teóricas ou políticas realizadas anteriormente os consolidou como o índice de preços e a taxa de desemprego Nessas situações o emprego de indicadores muito complexos pode ser visto como abuso tecnocrático dos formuladores de programas primeiro passo para o potencial fracasso na sua implementação A periodicidade com que o indicador pode ser atualizado e a factibilidade de sua obtenção a custos módicos são outros aspectos cruciais na construção e seleção de indicadores sociais para acompanhamento de qualquer programa público Para que se possa acompanhar a mudança social avaliar o efeito de programas sociais implementados corrigir eventuais distorções de implementação é necessário que se disponha de indicadores levantados com certa regularidade Essa é uma das grandes limitações do sistema estatístico brasileiro e a bem da verdade de muitos países Para algumas temáticas da política social trabalho por exemplo é possível disporse de boas estatísticas e indicadores de forma periódica mensal para alguns domínios territoriais principais regiões metropolitanas Para outras temáticas em escala estadual é possível atualizar indicadores em bases anuais por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD Nos municípios em geral pela falta de recursos organização e compromisso com a manutenção periódica dos cadastros de contribuintes de imóveis de favelas etc só se dispõe de informações mais abrangentes a cada dez anos por ocasião dos censos demográficos1 Também é preciso que os indicadores se refiram tanto quanto possível aos grupos sociais de interesse ou à populaçãoalvo dos programas isto é deve ser possível construir indicadores sociais referentes a espaços geográficos reduzidos grupos sociodemográficos crianças idosos homens mulheres brancos negros etc ou grupos vulneráveis específicos famílias pobres desempregados analfabetos etc O Censo Demográfico 2000 reflete nesse sentido o esforço governamental em atender novas demandas informacionais para formulação e avaliação de políticas públicas em especial as políticas compensatórias e as voltadas à discriminação positiva Pela primeira vez em censos brasileiros investigouse a frequência à creche à educação infantil questão fundamental na agenda de discussão da política educacional nos municípios brasileiros A caracterização do tipo e grau de deficiência física é outro aspecto que mereceu especial atenção no levantamento como resultado da pressão de grupos organizados interessados em implementar de fato os direitos assegurados na Constituição Tentouse também na fase de préteste do censo aprimorar o levantamento da ascendência étnica da população de forma a fornecer subsídios mais precisos a políticas de discriminação positiva de acesso compensatório a bens e serviços públicos educação superior por exemplo de grupos historicamente desprivilegiados negros por exemplo O acesso a programas de renda mínima como o Bolsa Escola e outras transferências governamentais também foram objeto de maior detalhamento no censo A comparabilidade do indicador ao longo do tempo é uma característica desejável de modo a permitir a inferência de tendências e a avaliar efeitos de eventuais programas sociais implementados O ideal é que as cifras passadas sejam compatíveis do ponto de vista conceitual e com confiabilidade similar à das medidas mais recentes o que nem sempre é possível Afinal também é desejável que a coleta dos dados melhore ao longo do tempo seja pela resolução dos problemas de cobertura espacial e organização da logística de campo como pelas mudanças conceituais que ajudem a precisar melhor o fenômeno social em questão Em uma perspectiva aplicada dadas as características do sistema de produção de estatísticas públicas no Brasil é muito raro disporse de indicadores sociais que gozem plenamente de todas essas propriedades Na prática nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável nem sempre o mais confiável é o mais sensível nem sempre o mais sensível é o mais específico enfim nem sempre o indicador que reúne todas essas qualidades é passível de ser obtido na escala territorial e na periodicidade requerida O importante é que a escolha dos indicadores seja fundamentada na avaliação crítica das propriedades anteriormente discutidas e não simplesmente na tradição de uso deles Há esforço significativo de diversas instituições de disponibilizar novos conteúdos e informações a partir de seus cadastros as quais podem ser usadas para a construção de novos indicadores sociais Taxonomia dos indicadores para fins de aplicação nas políticas públicas Além da observância às propriedades a escolha de indicadores para uso no ciclo de formulação e avaliação de programas também deveria pautarse pela natureza ou pelo tipo dos indicadores requeridos Há vários sistemas classificatórios para os indicadores sociais CARLEY 1985 A classificação mais comum é a divisão dos indicadores segundo a área temática da realidade social a que se referem Há assim os indicadores de saúde leitos por mil habitantes percentual de crianças nascidas com baixo peso por exemplo os indicadores educacionais taxa de analfabetismo escolaridade média da população de 15 anos ou mais etc os indicadores de mercado de trabalho taxa de desemprego rendimento médio real do trabalho etc os indicadores demográficos esperança de vida etc os indicadores habitacionais posse de bens duráveis densidade de moradores por domicílio etc os indicadores de segurança pública e justiça mortes por homicídios roubos à mão armada por cem mil habitantes etc os indicadores de infraestrutura urbana taxa de cobertura da rede de abastecimento de água percentual de domicílios com esgotamento sanitário ligado à rede pública etc os indicadores de renda e desigualdade proporção de pobres índice de Gini etc Outra classificação usual corresponde à divisão dos indicadores entre objetivos e subjetivos Os indicadores objetivos referemse a ocorrências concretas ou a entes empíricos da realidade social construídos a partir das estatísticas públicas disponíveis como o percentual de domicílios com acesso à rede de água a taxa de desemprego a taxa de evasão escolar ou o risco de acidentes de trabalho Os indicadores subjetivos por outro lado correspondem a medidas construídas a partir da avaliação dos indivíduos ou especialistas com relação a diferentes aspectos da realidade levantados em pesquisas de opinião pública ou grupos de discussão como a avaliação da qualidade de vida o nível de confiança nas instituições a percepção da corrupção a performance dos governantes Ainda que se refiram a dimensões sociais semelhantes indicadores objetivos e subjetivos podem apontar tendências diferentes Famílias de baixa renda quando instadas a avaliar suas condições de vida podem emitir juízos paradoxalmente mais positivos que uma análise baseada em parâmetros normativos e com indicadores objetivos de rendimentos e de infraestrutura domiciliar Assim a opinião da população atendida por um programa é certamente importante desejável e complementar em qualquer sistemática de monitoramento e avaliação trazendo subsídios para a correção e melhoria do processo de implementação dos programas e também indícios da efetividade social desses programas especialmente aqueles difíceis de serem mensurados em uma escala quantitativa Uma outra lógica de classificação interessante de se usar na análise de políticas públicas é a diferenciação dos indicadores entre indicadorinsumo indicadorprocesso indicadorresultado e indicadorimpacto OMS 1996 COHEN FRANCO 2000 Os indicadoresinsumo correspondem às medidas associadas à disponibilidade de recursos humanos financeiros ou de equipamentos alocados para um processo ou programa que afeta uma das dimensões da realidade social São tipicamente indicadores de alocação de recursos para políticas sociais o número de leitos hospitalares por mil habitantes o número de professores por quantidade de estudantes ou ainda o gasto monetário per capita nas diversas áreas de política social Os indicadoresresultado são aqueles mais propriamente vinculados aos objetivos finais dos programas públicos que permitem avaliar a eficácia do cumprimento das metas especificadas como por exemplo a taxa de mortalidade infantil cuja diminuição esperase verificar com a implementação de um programa de saúde maternoinfantil Os indicadoresimpacto referemse aos efeitos e desdobramentos mais gerais antecipados ou não positivos ou não que decorrem da implantação dos programas como no exemplo anterior a redução da incidência de doenças na infância ou a melhoria do desempenho escolar futura efeitos decorrentes de atendimento adequado da gestante e da criança recémnascida em passado recente Os indicadoresprocesso ou fluxo são indicadores intermediários que traduzem em medidas quantitativas o esforço operacional de alocação de recursos humanos físicos ou financeiros indicadoresinsumo para a obtenção de melhorias efetivas de bemestar indicadoresresultado e indicadoresimpacto como número de consultas pediátricas por mês merendas escolares distribuídas diariamente por aluno ou ainda homenshora dedicados a um programa social A distinção entre essas dimensões operacionais insumo processo resultado impacto pode não ser muito clara em algumas situações especialmente quando os programas são muito específicos ou no caso contrário quando os objetivos dos programas são muito gerais Mas é sempre possível identificar indicadores mais vinculados aos esforços de políticas e programas e aqueles referentes aos efeitos ou nãoefeitos desses programas Na Figura 2 são apresentados alguns indicadores de acompanhamento de um suposto programa de transferência de renda cuja finalidade seja a de reduzir a parcela de famílias em condição de indigência isto é de famílias com recursos monetários insuficientes para a compra de uma cesta de produtos para a alimentação de seus membros como indicadorinsumo o volume de recursos do programa com percentual do orçamento ou em bases per capita como indicadoresprocesso os percentuais de famílias cadastradas pelas prefeituras e daquelas efetivamente atendidas que podem fornecer elementos para a avaliação da eficiência do programa como indicadorresultado a proporção de famílias em situação de indigência ou com rendimentos abaixo de determinado valor medida que deveria refletir o grau de eficácia com que o programa atendeu ao objetivo esperado como indicadoresimpacto a taxa de evasão escolar e a desnutrição infantil efeitos potenciais do programa implementado que permitem dimensionar a sua efetividade social Insumo Processo Resultado Impacto Gasto público em programas de transferência de renda de famílias cadastradas de famílias atendidas Proporção de indigentes Taxa de evasão escolar Redução da desnutrição infantil Figura 2 Indicadores de acompanhamento de programas de transferência de renda Os indicadores podem também ser classificados como simples ou complexos ou na terminologia que se tem empregado mais recentemente como analíticos ou sintéticos O que os diferencia é como as denominações sugerem o compromisso com a expressão mais analítica ou de síntese do indicador Taxa de evasão escolar taxa de mortalidade infantil taxa de desemprego são medidas comumente empregadas para análise de questões sociais específicas no campo da educação da saúde e do mercado de trabalho Medidas como Índice de Preços ao Consumidor ou Índice de Desenvolvimento Humano IDH por outro lado procuram sintetizar várias dimensões empíricas da realidade econômica eou social em uma única medida No primeiro caso o índice de preços corresponde a uma média ponderada de variações relativas de preços de diferentes tipos de produto alimentação educação transporte etc No segundo caso o IDH corresponde a uma média de medidas derivadas originalmente de indicadores simples ou analíticos de escolarização alfabetização renda média e esperança de vida Há uma idéia subjacente a essa diferenciação entre indicadores analíticos e sintéticos de que estes últimos ao contemplarem no seu cômputo um conjunto mais amplo de medidas acerca da realidade social de uma localidade tenderiam a refletir o comportamento médio ou situação típica dessa localidade em termos do desenvolvimento humano qualidade de Na prática nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável nem sempre o mais confiável é o mais sensível nem sempre o mais sensível é o mais específico enfim nem sempre o indicador que reúne todas essas qualidades é passível de ser obtido na escala territorial e na periodicidade requerida vida vulnerabilidade social ou outro conceito operacional que lhes deu origem Como mostrado no Quadro 2 tem havido muitas propostas de indicadores sintéticos no Brasil com maior ou menor grau de sofisticação metodológica elaborados por pesquisadores de universidades órgãos públicos e centros de pesquisa motivadas por um lado pela necessidade de atender às demandas de informação para Instituição promotora Índice proposto Fundação João PinheiroMG IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal ICV Índice de Condições de Vida Municipal Fundação CIDERJ IQM Índice de Qualidade Municipal verde IQM Índice de Qualidade Municipal carências IQM Índice de Qualidade Municipal necessidades habitacionais IQM Índice de Qualidade Municipal sustentabilidade fiscal Fundação SEADESP IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social IVJ Índice de Vulnerabilidade Juvenil IPVS Índice Paulista de Vulnerabilidade Social Fundação Economia e EstatísticaRS ISMA Índice Social Municipal Ampliado Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEIBA IDS Índice de Desenvolvimento Social IDE Índice de Desenvolvimento Econômico Prefeitura Municipal de Belo HorizontePUC MinasMG IQVU Índice de Qualidade de Vida Urbana IVS Índice de Vulnerabilidade Social INEPCedeplarNEPO IMDE Indicador Municipal de Desenvolvimento Educacional Figura 3 Representação clássica do ciclo de formulação e avaliação de programas sociais Quadro 4 Indicadores requeridos em cada etapa do ciclo de programas sociais Etapa Tipos e propriedades Fonte de dados predominante Elaboração do diagnóstico Indicadores que permitam retratar a realidade social Amplo escopo temático Ampla desagregabilidade geográfica e populacional Validade de Construto Boa confiabilidade Censos demográficos Pesquisas amostrais Formulação de programas e seleção de alternativas Indicadores que orientem objetivamente a tomada de decisão Indicadores sintéticos Indicadores multicriteriais Tipologias de situações sociais Censos demográficos Pesquisas amostrais ImplementaçãoExecução Indicadores que permitam filmar o processo de implementação dos programas formulados e a eficiência Esforço insumosprocessos AtualidadeRegularidade Sensibilidade Especificidade Registros administrativos Registros gerados nos procedimentos dos próprios programas Avaliação Indicadores que permitam revelar a eficácia e efetividade social dos programas Resultados e impactos Distância das metas déficits sociais Tipologias boas práticas etc Pesquisas amostrais Registros administrativos Grupos focais Pesquisas de egressos e de participantes no programa nessa etapa são construídos em geral a partir do censo demográfico ou de pesquisas amostrais multitemáticas como as PNADs quando os dados do censo já estiverem distantes do momento de elaboração do diagnóstico Como observado anteriormente o Censo 2000 constituise em fonte muito rica de indicadores de diagnóstico pelo escopo temático pela desagregabilidade territorial e populacional e pela comparabilidade interregional Foram levantados na amostra do censo mais de 70 quesitos de informação cobrindo características domiciliares infraestrutura urbana características demográficas e educacionais dos indivíduos inserção da mãodeobra rendimentos acesso a alguns programas públicos etc Os indicadores dessas dimensões analíticas podem ser computados para diversos grupos sociodemográficos por sexo raçacor estratos de renda etc e escalas territoriais que chegam ao nível de agregações de bairros de municípios áreas de ponderação mais propriamente e até mesmo ao nível de setor censitário conjunto de cerca de 200 a 300 domicílios na zona urbana para os quesitos levantados no questionário básico aplicados em todos os domicílios do País Por meio de um software de fácil manipulação Estatcart podese extrair estatísticas e cartogramas da quase totalidade dos municípios de médio porte no País em nível de setor censitário ou áreas de ponderação como ilustrado na Figura 4 Essa possibilidade de dispor de informação estatística por setor censitário ou área de ponderação não parece ter sido explorada em toda a sua potencialidade por parte de formuladores e gestores de programas sociais seja no âmbito federal estadual ou municipal Quando se trata de fazer diagnósticos sociais mais detalhados territorialmente empregamse em geral indicadores médios computados para os municípios escondendose os bolsões de iniquidades presentes dentro de cada um dos municípios brasileiros Os indicadores médios de rendimentos ou de infraestrutura urbana do Município de São Paulo são por exemplo bem melhores que a média geral dos municípios brasileiros Contudo se os indicadores forem computados em nível de setores censitários poderseá constatar no território paulistano a diversidade de situações de condições de vida encontrada pelo território nacional ou seja é possível encontrar bolsões de pobreza na capital paulista com características de alguns municípios do Nordeste Um dos recursos que têm auxiliado na elaboração e apresentação de diagnósticos sociais é a proposição de tipologias agrupamentos ou arquétipos sociais usados para classificar unidades territoriais segundo um conjunto específico de indicadores sociais e portanto apontando os déficits de serviços públicos de programas específicos etc O Índice Paulista de Resposabilidade Social é um exemplo nesse sentido ao classificar os municípios paulistas em cinco grupos de acordo com os níveis observados de indicadores de saúde escolaridade e porte econômico municipal SEADE 2002 Além dos indicadores multitemáticos para retratar as condições de vida referentes à saúde à habitação ao mercado de trabalho etc também devem fazer parte do diagnóstico os indicadores demográficos em especial aqueles que permitem apresentar as tendências de crescimento populacional passado e as projeções demográficas futuras que dimensionam os públicosalvo dos diversos programas em termos de idade e sexo no futuro As mudanças demográficas foram bastante intensas pelo País nos últimos 30 anos com impacto significativo e regionalmente diferenciado sobre a demanda de vagas escolares postos de trabalho etc MARTINE CARVALHO ÁRIAS 1994 Na segunda etapa do ciclo de formulação e seleção de programas requerse um conjunto mais reduzido de indicadores selecionados a partir dos objetivos norteadores dos programas definidos como prioritários pela agenda políticosocial vigente Já se conhecem em tese por meio do diagnóstico os bolsões de pobreza as áreas com maior déficit de serviços urbanos com maior parcela de crianças fora da escola com maior número de responsáveis sujeitos ao desemprego Nessa etapa requerse definir a partir da orientação políticogovernamental a natureza dos programas as questões sociais prioritárias a enfrentar os públicosalvo a atender É nessa fase que os indicadores sintéticos já mencionados podem ter maior aplicação na medida em que oferecem ao gestor uma medidasíntese das condições de vida da vulnerabilidade do desenvolvimento social de municípios estados ou de outra unidade territorial em que há implementação de programas O IDHmunicipal foi por exemplo o indicador empregado pelo Programa Comunidade Solidária para selecionar os municípios para suas ações o que certamente representou um avanço em termos de critério técnicopolítico de priorização Contudo a escolha desse indicador acabou por excluir do programa todas as cidades médias e populosas do Sudeste já que suas medidas sociais médias calculadas para a totalidade do município eram sempre mais altas que as dos municípios do Norte e Nordeste Se fosse usado um indicador calculado para domínios submunicipais setor censitário bairros áreas de ponderação etc os municípios do Sudeste certamente teriam bolsões que se enquadrariam entre os públicosalvo prioritários do programa Esse exemplo deixa claro a importância do diagnóstico microespacializado comentado anteriormente em especial o realizado em nível de setor censitário É possível dessa forma não só garantir maior precisão e eficiência na alocação dos programas que devam ser focalizados como também acompanhar posteriormente os seus efeitos Além disso o uso do setor censitário ou área de ponderação garante em alguma medida a compatibilização dos quantitativos populacionais de cada pequena área amenizando os efeitos potencialmente destoantes da tomada de decisão baseada em indicadores expressos em termos relativos Dois municípios podem ter por exemplo percentual similar de famílias indigentes mas totais absolutos de indigentes muito distintos Municípios populosos podem apresentar cifras relativamente mais baixas de indigentes mas ainda assim podem reunir totais absolutos bastante significativos Em qual município devemse priorizar as ações de programas de transferência de renda naquele em que a intensidade de indigência é elevada ou naquele em que o quantitativo de indigentes é maior Quando se têm indicadores calculados para áreas com totais populacionais mais compatíveis os rankings de priorização baseados em indicadores relativos ou absolutos diferem pouco Idealmente a tomada de decisão com relação aos públicosalvo a serem priorizados devese pautar em um indicador mais específico e válido para o programa em questão mais relacionado aos seus objetivos como a taxa de mortalidade infantil em programas de saúde maternoinfantil o déficit de peso ou altura em programas de combate à fome ou a proporção de domicílios com baixa renda em programas de transferência de renda Se vários indicadores devem ser usados e os critérios de elegibilidade referemse a variáveis existentes no censo demográfico é possível fazer processamentos específicos de forma relativamente rápida por meio de um pacote estatístico com os microdados do censo em 16 CDROMs ou mesmo por meio de uma ferramenta disponibilizada pela Internet Banco Multidimensional de Estatísticas no sítio do IBGE Um desses indicadores construídos pelo cruzamento de variáveis do Censo 2000 é o trazido na última tabela da publicação Indicadores municipais do IBGE 2002 Tratase de um indicador combinado construído a partir do cruzamento simultâneo dos diversos critérios representando a proporção dos domicílios particulares permanentes que não têm escoadouro ligados à rede geral ou fossa séptica não são servidos de água por rede geral não têm coleta regular de lixo seus responsáveis chefes têm menos de quatro anos de estudo e rendimento médio mensal até dois salários mínimos Esse indicador batizado informalmente de Indicador de Déficit Social pode ser calculado também por áreas de ponderação do censo e temse mostrado com grande poder de discriminação e validade em representar situações de carências de serviços públicos básicos pelo território nacional decisão seja pautada com base nos critérios indicadores considerados relevantes para o programa em questão pelos agentes decisores e que a importância dos critérios seja definida por eles em um processo de interatividade com outros atores técnicopolíticos Alguns algoritmos que implementam a técnica produzem soluções hierarquizadas como um indicador sintético e robustas não dependentes da escala de medida ou dispersão das variáveis Figura 5 Figura 5 Análise multicritério para tomada de decisão com base em indicadores sociais Em alguns casos de programas intersetoriais que envolvem esforços de equipes de diferentes áreas e o alcance de vários objectivos pode ser interessante tomar a decisão acerca das áreas prioritárias de implantação dos programas a partir da combinação de vários critérios indicadores Nesse caso podese empregar a análise multicritério técnica estruturada para tomada de decisões em que interagem vários agentes cada um com seus critérios e juízos de valor acerca do que é mais importante considerar na decisão final ENSSLIN 2001 A vantagem do uso dessa técnica em relação a outras como o emprego de indicadores sintéticos é que ela permite que a 152 decisão seja pautada com base nos critérios indicadores considerados relevantes para o programa em questão pelos agentes decisores e que a importância dos critérios seja definida por eles em um processo de interatividade com outros atores técnicopolíticos Alguns algoritmos que implementam a técnica produzem soluções hierarquizadas como um indicador sintético e robustas não dependentes da escala de medida ou dispersão das variáveis Figura 5 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 periódicas o IBGE tem realizado de forma mais regular a Pesquisa Nacional de Assistência MédicoSanitária AMS a Pesquisa de Informações Básicas Municipais MUNIC e a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico PNSB A AMS corresponde a um censo de estabelecimentos de saúde no País identificando volume e qualificação de pessoal equipamentos e outros recursos disponibilizados para atendimento médicosanitário da população Com isso podese ter uma idéia mais clara e precisa do nível e da diversidade da oferta de serviços de saúde pelo País por meio da construção de indicadores de esforços de políticas na área de saúde A MUNIC contempla anualmente o levantamento de conjunto amplo de informações nas prefeituras dos mais de 5 mil municípios brasileiros Nessa pesquisa levantamse dados sobre a estrutura administrativa o nível de participação e formas de controle social existência de conselhos municipais a existência de legislação e instrumentos de planejamento municipal como a institucionalização do plano de governo do plano plurianual de investimentos do plano diretor e da lei de parcelamento do solo a disponibilidade de recursos para promoção da justiça e segurança existência de delegacia da mulher juizados de pequenas causas etc além da existência de equipamentos específicos de comércio serviços da indústria cultural e de lazer como bibliotecas públicas livrarias jornais locais e ginásios de esporte Essa pesquisa permite pois construir indicadores que permitem retratar o grau de participação e controle popular da ação pública e caracterizar o estágio de desenvolvimento institucional das atividades de planejamento e gestão municipal pelo País A PNSB veio complementar esse quadro informacional sobre os municípios brasileiros com a coleta de dados sobre abastecimento de água esgotamento sanitário limpeza urbana e sistema de drenagem urbana Podese assim dispor de outros indicadores mais informativos sobre a estrutura e qualidade dos serviços de infraestrutura urbana que não se limitam a apontar o grau de cobertura populacional atendida Com os dados levantados nessa pesquisa é possível construir indicadores do volume de água Dois municípios podem ter percentual similar de famílias indigentes mas totais absolutos de indigentes muito distintos Em qual município devemse priorizar as ações de programas de transferência de renda naquele em que a intensidade de indigência é elevada ou naquele em que o quantitativo de indigentes é maior ofertada per capita do tipo de tratamento e do volume da água distribuída à população do volume e destino do esgoto e lixo coletado entre outros aspectos Há também esforços louváveis de várias instituições públicas além do IBGE em disponibilizar informações de seus cadastros e registros de forma mais periódica fato que se deve não só à necessidade de monitoramentos da ação governamental Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 153 mas também às facilidades que as novas tecnologias de informação e comunicação têm proporcionado Os órgãos estaduais de estatística os Ministérios da Saúde da Educação do Trabalho do Desenvolvimento Social da Previdência Social das Cidades e a Secretaria do Tesouro Nacional disponibilizam pela Internet informações bastante específicas em escopo temático e escala territorial a partir de seus registros e sistemas de controle internos que podem ser úteis para a construção de indicadores de monitoramento de programas Quadro 5 A lógica do acompanhamento de programas requer a estruturação de um sistema de indicadores que além de específicos sensíveis e periódicos permitam monitorar a implementação processual do programa na lógica insumoprocessoresultadoimpacto isto é são necessários indicadores que permitam monitorar o dispêndio realizado por algum tipo de unidade operacional prestadora de serviços ou subprojeto o uso operacional dos recursos humanos financeiros e físicos a geração de produtos e a percepção dos efeitos sociais Quadro 5 Algumas das fontes oficiais para atualização periódica de indicadores 154 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 mais amplos dos programas Assim a distinção entre a terceira e a quarta etapas do ciclo de programas pode ser menos evidente que nas demais sobretudo em programas de longa duração isto é monitoramento e avaliação de programas são termos cunhados para designar procedimentos de acompanhamento de programas focados na análise da sua eficiência eficácia e efetividade COHEN FRANCO 2000 Monitoramento e avaliação são processos analíticos organicamente articulados sucedendose no tempo com o propósito de subsidiar o gestor público com informações acerca do ritmo e da forma de implementação dos programas indicadores de monitoramento e dos resultados e efeitos almejados indicadores de avaliação Como atividade de monitoramento ou de avaliação é importante analisar os indicadores de resultados a partir dos indicadores de esforços e recursos alocados o que permite o dimensionamento da eficiência dos programas O emprego da Análise Envoltória de Dados DEA pode representar grande avanço metodológico nesse sentido LINS MEZA 2000 A DEA é uma técnica derivada dos métodos de pesquisa operacional que visa à identificação das unidades de operação mais eficientes tendo em vista como os recursos retratrados por vários indicadores de insumo são utilizados para gerar os resultados finais medidos por diversos indicadoresresultados considerando as condições estruturais de operação dos programas Determinados programas implementados em regiões mais pobres poderão não ter resultados tão promissores como em outras mais desenvolvidas Assim é preciso avaliar a eficiência dos programas em função não apenas em relação ao resultado obtido e à quantidade de recursos alocados mas considerando as dificuldades ou potencialidades existentes na região em que os programas estão funcionando O que torna essa técnica particularmente interessante de ser aplicada é que se podem considerar os recursos e resultados como vetores de indicadores em suas escalas originais e não como variáveis representando valores monetários de custos e benefícios Como ilustra a Figura 6 um programa de saúde deve ser avaliado em relação aos diversos resultados que produz em termos de redução das taxas de mortalidade e morbidade a partir dos recursos alocados médicos por mil habitantes e serviços de saúde prestados consultas atendidas considerando as condições estruturais de vida existentes em cada local de sua implementação indicadores de renda e infraestrutura de saneamento Pela técnica é possível identificar as boas práticas ou benchmarks reais isto é unidades de implementação do programa em que os resultados são de fato compatíveis com o nível de esforço empreendido e de recursos gastos Os indicadores de desembolso de recursos e produtos colocados à disposição da população construídos a partir de registros próprios da sistemática de controle e gerenciamento dos programas podem permitir uma avaliação indireta da eficácia dos programas no alcance das metas estabelecidas quando as estatísticas públicas ou os dados administrativos de ministérios e secretarias estaduais não forem mais específicos e periódicos na escala territorial desejada Na falta de pesquisas amostrais regulares que contemplem temáticas relativas por exemplo ao consumo de produtos culturais e aos hábitos de lazer ainda não incorporadas na agenda políticosocial nacional de forma imperativa a eficácia de programas na área como os de fomento à leitura terá Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 155 Recursos Médicoshab Consultashab Gestantes com atendimento prénatal DEA Condições estruturais Resultados Mort infantil Mort neonatal Morbidde Renda média domiciliar domicílios com saneamento adequado Figura 6 Aplicação da Análise Envoltória de Dados na avaliação de programas em saúde de ser inferida a partir dos produtos previstos na ações desencadeadas como o volume de livros distribuídos às escolas e bibliotecas Nesse caso indicadores de resultados mais válidos para avaliar a eficiência do programa como número médio de livros lidos no último ano por exemplo são apenas ocasionalmente levantados pelo IBGE ou pela Câmara Brasileira do Livro Outra demanda no ciclo de programas em particular na etapa de avaliação é a identificação dos seus impactos Para tanto devemse empregar indicadores de diferentes naturezas e propriedades de forma a conseguir garantir tanto quanto possível a vinculação das ações do programa com as mudanças percebidas ou não nas condições de vida da população tarefa sempre difícil de ser realizada ROCHE 2002 Em primeiro lugar a menos que a realidade social vivenciada antes do início do programa marco zero fosse muito trágica ou que o programa tenha recebido recursos muito expressivos para serem gastos em curto espaço de tempo não se pode esperar que os produtos e resultados gerados no âmbito dele possam ser imediatamente impactantes sobre a sociedade Programas de transferência de renda ou de distribuição de leite ou cestas básicas em periferias de grandes cidades do Sudeste proporcionam impactos sociais comparatively menos intensos e rápidos que programas de investimento em saneamento básico por exemplo no que diz respeito às condições de mortalidade infantil Contudo ao longo do tempo a transferência de renda ou a distribuição de produtos estará contribuindo para a melhoria da nutrição de crianças garantindo ganhos adicionais contra a mortalidade infantil assim como mais a médio prazo para a melhoria do seu desempenho escolar Esse exemplo revela pois a dificuldade de se atribuírem os efeitos de programas específicos sobre as mudanças estruturais das condições sociais dificuldade que paradoxalmente cresce à medida que tais transformações e os impactos tendem a se tornar mais evidentes A dificuldade é ainda maior quando se observam problemas de descontinuidades e de implementação nos programas públicos 156 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 De modo a perceber mais claramente os impactos dos programas devese buscar medidas e indicadores mais específicos e sensíveis aos efeitos por eles gerados Uma das formas de se operacionalizar isso é avaliando efeitos sobre grupos específicos da população seja em termos de renda idade raça sexo ou localização espacial Se os programas têm públicosalvo preferenciais localizados em determinadas regiões ou estratos de renda devese não só buscar indicadores de impacto que privilegiem a sua avaliação do conjunto da população que pode estar inclusive sob o risco de efeitos estruturais mais gerais que podem não afetar o públicoalvo na mesma intensidade mas também desenvolver estratégias metodológicas avaliativas de natureza qualitativa com pesquisas de opinião ou grupos de discussão incorporando indicadores subjetivos na avaliação Nesse sentido os impactos podem ser avaliados em uma perspectiva mais restrita ou mais ampla considerando o tamanho da população afetada o espaço de tempo considerado para a referência dos indicadores e a natureza mais objetiva ou subjetiva dos impactos percebidos pela população Considerações finais Uma das grandes dificuldades atuais no acompanhamento de programas públicos é dispor de informações periódicas e específicas acerca do processo de sua implementação e do alcance dos resultados e do impacto social que tais programas estão tendo nos segmentos sociodemográficos ou nas comunidades focalizadas por eles Seja da perspectiva da avaliação formativa isto é aquela com os propósitos de acompanhar e monitorar a implementação de programas a fim de verificar se os rumos traçados estão sendo seguidos e permitir intervenções corretivas seja da perspectiva da avaliação somativa isto é aquela mais ao final do processo de implementação com propósitos mais amplos e meritórios CANO 2002 o gestor de programas sociais defrontase com a dificuldade de obter dados válidos específicos e regulares para seus propósitos Se é fato que as informações produzidas pelas agências estatísticas são em boa medida pouco específicas para os propósitos de monitoramento de programas não provendo informação na escala territorial desejada ou na regularidade necessária é também verdade que elas podemse prestar à elaboração de diagnósticos bastante detalhados em escopo e escala como no caso das informações provenientes dos censos demográficos As informações produzidas no âmbito dos processos administrativos dos ministérios e das secretarias estaduais e municipais podem também suprir boa parte da demanda de dados para a construção de indicadores periódicos de monitoramento requerendo contudo algum retrabalho de customização em função das necessidades de delimitação territorial dos programas desde que exista um código de localização da escola do posto de saúde da delegacia etc De qualquer forma as estatísticas e os dados do IBGE e de outros órgãos públicos dificilmente atenderão todas as necessidades informacionais requeridas para o monitoramento e a avaliação de programas públicos mais específicos Assim é necessário quando da formulação desses programas prever a organização de procedimentos de coleta e tratamento de informações específicas e confiáveis em todas as fases do ciclo de implementação que possam permitir a construção dos indicadores de monitoramento desejados Artigo recebido em maio de 2005 Versão definitiva em junho de 2005 Revista do Serviço Público Brasília 56 2 137160 AbrJun 2005 157 Resumo Resumen Abstract Indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Paulo de Martino Jannuzzi O objetivo do texto é discutir as potencialidades e limitações do uso das informações estatísticas produzidas pelo IBGE e os registros administrativos de órgãos públicos para a construção de indicadores para diagnóstico monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil Iniciase com uma apresentação sobre os aspectos conceituais básicos acerca dos indicadores sociais suas propriedades e formas de classificação Depois discutese uma proposta de estruturação de um sistema de indicadores para subsidiar o processo de formulação e avaliação de políticas e programas públicos no País Concluise o texto advogandose a necessidade de estruturar sistemas de indicadores que se apoiem na busca de informações já existentes em fontes secundárias e na produção de dados no âmbito dos próprios programas Palavraschave indicadores monitoramento políticas sociais Los indicadores para formulación y evaluación de programas sociales en Brasil Paulo de Martino Jannuzzi El artículo discute las potencialidades y las limitaciones del uso de la información estadística producida por el IBGE y los registros administrativos de las agencias públicas para la construcción de los indicadores para la diagnosis seguimiento y evaluación de programas sociales en Brasil Comienza presentando la base conceptual referente a los indicadores sociales sus características y los sistemas de clasificación Después presenta un marco del sistema de indicadores para subsidiar el proceso de formulación y evaluación de programas públicos El artículo concluye proponiendo la necesidad de construir sistemas de indicadores basados en fuentes secundarias de datos y también en los datos primarios recogidos en las etapas de los programas Palabras clave indicadores monitoreo políticas sociales Indicators for social policy making and evaluation in Brazil Paulo de Martino Jannuzzi The paper discusses the potentialities and limitations of the use of statistical information produced by the IBGE and the administrative registers of public agencies for the construction of indicators to be used in the diagnosis monitoring and evaluation of social programs in Brazil It begins by presenting the conceptual basis for understanding the social indicators their properties and classification systems It then outlines a framework of a system of indicators to support the process of formulation and evaluation of public programs The paper concludes by advocating the need to structure systems of indicators based on secondary sources of data and also on primary data collected in the scope of the programs Key words indicators monitoring social policies Paulo de Martino Jannuzzi Assessor da Diretoria Executiva do SEADE professor da ENCEIBGE pesquisador CNPq no projeto de pesquisa Informação estatística no ciclo de formulação monitoramento e avaliação de políticas públicas no Brasil com recursos do CNPq Proc 30710120045 Contato pjannuzziibgegovbr 84 Notas Texto submetido à editoria da Revista do Serviço Público em que se procura compilar e reorganizar idéias expostas em três oportunidades anteriores Jannuzzi 2001 2002 Guimarães Jannuzzi 2004 a partir das experiências de capacitação de técnicos de ONGs e gestores do setor público nos cursos de extensão de Indicadores Sociais e Políticas Públicas desenvolvidos no âmbito do convênio ENCEIBGE e Fundação FORD e nos cursos de formação da Escola Nacional de Administração Pública ao longo de 2003 e 2004 1 Dada a inexistência e desorganização dos cadastros nos municípios brasileiros os censos demográficos acabam levantando um conjunto muito amplo de informações o que o torna ainda mais custoso e complexo 2 De fato é o que o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social calculado por setor censitário permite constatar vide em wwwseadegovbr 3 Vale observar contudo que os setores censitários apresentam variabilidade significativa em termos de quantitativos populacionais pelos municípios brasileiros Referências bibliográficas CANO I Avaliação de programas sociais Rio de Janeiro FGV 2002 CARLEY Michael Indicadores sociais teoria e prática Rio de Janeiro Zahar 1985 COSTA FL CASTANHAR J C Avaliação de programas públicos desafios conceituais e metodológicos Revista Brasileira de Administração Pública Rio de Janeiro v 37 n5 p969992 2003 COHEN E FRANCO R Avaliação de projetos sociais Petrópolis Vozes 2000 ENSSLIN Leonardo et al Apoio à decisão metodologias para estruturação de problemas e avaliação multicritério de alternativas Florianópolis SC Insular 2001 v 1 296 p GARCIA RC Subsídios para organizar avaliações da ação governamental Planejamento e Políticas Públicas Brasília v 23 n 7 p 70 2001 GUIMARÃES J R S JANNUZZI P M IDH indicadores sintéticos e suas aplicações em políticas públicas uma análise crítica In ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS 14 Anais Caxambu 2004 IBGE Indicadores sociais municipais Rio de Janeiro 2002 JANNUZZI P M Indicadores sociais no Brasil conceitos fonte de dados e aplicações Campinas Alínea 2001 Considerações sobre o uso mau uso e abuso dos indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais Revista de Administração Pública Rio de Janeiro v 36 n 1 p 5172 janfev 2002 LINS ME MEZA L A Análise envoltória de dados e perspectivas de integração no ambiente de apoio à decisão Rio de Janeiro COPPEUFRJ 2000 85 MARTINE G CARVALHO J A M ÁRIAS A R Mudanças recentes no padrão demográfico brasileiro e implicações para a agenda social Brasília IPEA 1994 Texto para Discussão n 345 MILES I Social indicators for human development New York St Martins Press 1985 NAÇÕES UNIDAS Handbook of social indicators Nova York 1988 OMS Catalogue of health indicators Genebra 1996 ROCHA S Pobreza do que se trata afinal Rio de Janeiro FGV 2003 ROCHE C Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs São Paulo Cortez 2002 RYTEN J Should there be a human development index Statistique Développement et Droits de lHomme Seminar Montreaux Setembro 2000 SEADE Monitoração de prioridades de desenvolvimento com equidade social In KEINERT Tânia KARRUZ Ana Paula Orgs Qualidade de vida observatórios experiências e metodologias São Paulo Annablume Fapesp 2002 CSP CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA REPORTS IN PUBLIC HEALTH ARTIGO ARTICLE Políticas de saúde no Brasil em tempos contraditórios caminhos e tropeços na construção de um sistema universal Health policies in Brazil in times of contradiction paths and pitfalls in the construction of a universal system Políticas de salud en Brasil en una época contradictoria avances y tropiezos en la construcción de un sistema universal Cristiani Vieira Machado 1 Luciana Dias de Lima 1 Tatiana Wargas de Faria Baptista 1 doi 1015900102311X00129616 Resumo O artigo analisa a trajetória de condução nacional da política de saúde no Brasil de 1990 a 2016 bem como explora as contradições e os condicionantes da política no período Observaramse continuidades e mudanças no contexto processo e conteúdo da política em cinco diferentes momentos A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional os arranjos institucionais e a ação de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas e serviços públicos que conferiram materialidade e ampliaram a base de apoio ao Sistema Único de Saúde no âmbito setorial No entanto limites históricoestruturais legados institucionais e a disputa de projetos para o setor influenciaram a política nacional A interação desses condicionantes explica as contradições na política do período por exemplo no que se refere à inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social ao caráter do financiamento e das relações públicoprivadas em saúde A ampliação dos serviços públicos ocorreu de forma concomitante ao fortalecimento de segmentos privados configurando mercados dinâmicos em saúde que disputam os recursos do Estado e das famílias restringem a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde universal reiteram a estratificação social e as desigualdades em saúde Sistema Único de Saúde Sistemas de Saúde Política de Saúde Política Pública Correspondência C V Machado Departamento de Administração e Planejamento em Saúde Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões 1480 7º andar sala 715 Rio de Janeiro RJ 21041210 Brasil cristianienspfiocruzbr 1 Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro Brasil Este é um artigo publicado em acesso aberto Open Access sob a licença Creative Commons Attribution que permite uso distribuição e reprodução em qualquer meio sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 S144 Machado CV et al Introdução O Brasil é um país latinoamericano populoso extenso economicamente relevante e extremamente desigual As desigualdades socioeconômicas com raízes no passado colonial não foram superadas pela modernização capitalista entre 1930 e 1980 caracterizada pela industrialização em segmentos estratégicos em geral sob regimes autoritários e escassa redistribuição social 1 A política de saúde desse período foi marcada por trajetória dual representada de um lado pela saúde pública direcionada para o controle de doenças específicas e de outro pela assistência médica previdenciária estruturada em bases corporativas voltada para os trabalhadores do mercado formal urbano 2 Outras características do sistema de saúde até o início dos anos 1980 foram exclusão de parcela expressiva da população pouca efetividade do modelo de atenção e destaque do setor privado na prestação de serviços subsidiado pelo Estado A Reforma Sanitária dos anos 1980 no contexto da redemocratização e da crise financeira partiu da crítica a essas características para construir uma proposta abrangente incorporada à Constituição Federal de 1988 345 Apesar das incongruências no texto constitucional 67 o Brasil foi o único país capitalista da América Latina que instituiu naquela década um sistema de saúde universal inserido em uma concepção ampla de Seguridade Social de base universalista reunindo as áreas da Previdência Saúde e Assistência Social que deveria ser financiada por impostos gerais e contribuições sociais Os direitos assegurados pela Constituição e o processo de construção do Sistema Único de Saúde SUS propiciaram avanços nas décadas subsequentes em termos de descentralização políticoadministrativa participação social mudanças no modelo de atenção expansão do acesso a serviços públicos e melhoria de indicadores de saúde 8 Porém a implantação do SUS esbarrou em diversos obstáculos Nos anos 1990 o predomínio de políticas econômicas e de agendas de reforma do Estado de inspiração neoliberal impôs constrangimentos à lógica da Seguridade e à expansão de políticas sociais universais 9 A ascensão ao poder de governos de esquerda a partir de 2003 levantou expectativas de configuração de um modelo de desenvolvimento redistributivo mas diversos problemas do sistema de saúde não foram equacionados Este artigo analisa 26 anos de trajetória da política de saúde 1990 a maio de 2016 envolvendo a implementação do SUS sob o regime democrático O propósito central é compreender se a condução nacional da política no período expressa transformações na atuação do Estado necessárias à consolidação de um sistema de saúde público e universal Para isso procurouse identificar continuidades e mudanças entre momentos bem como explorar contradições e condicionantes da política O referencial utilizado para caracterizar a trajetória da política se ancorou na literatura sobre análise de políticas públicas destacandose a abordagem do institucionalismo histórico Valorizouse a importância das instituições estatais a ação dos atores políticos inseridos em redes de relações e em contextos institucionais 10 e a dimensão temporal da política 11 Partiuse do pressuposto de que a saúde expressa contradições estruturais inerentes à política social no sistema capitalista sendo necessário considerar sua inserção no modo de produção capitalista e a especificidade de sua trajetória nos processos históricos das sociedades 12 Quanto aos fatores que influenciam a política considerouse que a determinação social consiste um processo complexo e interrelacional de limites e pressões 13 p 87 A ideia de determinação compreende a fixação de limites que condicionam a agência determinações negativas mas também a existência de pressões vontades e propósitos determinações positivas Os processos sociais ocorrem sob condições determinadas o que não significa leis fixas ou a impotência dos participantes Argumentase que a política de saúde sofreu influência de distintos condicionantes e de projetos em disputa cuja interação explica as contradições observadas no período Os momentos da política de saúde contexto processo e conteúdo A trajetória da política de saúde foi analisada em cinco momentos Figura 1 segundo três eixos contexto nacional processo político e conteúdo da política prioridades e estratégias 14 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL EM TEMPOS CONTRADITÓRIOS S145 Figura 1 Contexto nacional e políticas de saúde no Brasil de 1990 a 2016 Governo Fernando Collor de Melo 19901992 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Políticas econômicas neoliberais abertura de mercados Estratégias para reduzir gastos órgãos e servidores públicos Política Coalizão de centrodireita limitada articulação com o Congresso Nacional Acusações de corrupção envolvendo ministérios e Presidência processo de impeachment renúncia presidencial Políticas de trabalho e sociais Revinculação da Previdência Social ao Ministério do Trabalho Ênfase na flexibilidade e redução de custos do trabalho Política social constrangimentos financeiros obstáculos à promulgação das leis da Seguridade descentralização com ênfase nos municípios sob condições adversas Gestão Alceni Guerra PFLParaná mar1990fev1992 Ministro com limitado poder político no governo e na saúde Secretário Executivo do Ministério escolhido pelo Presidente Limites à participação social Início da Comissão Intergestores Tripartite CIT Gestão Adib Jatene Sem partidoSão Paulo fev1992out1992 Médico ilustre é convidado para ser ministro visando a restituir a credibilidade do Ministério da Saúde Dirigentes de primeiro escalão selecionados pelo Ministro 1992 organização da IX Conferência Nacional de Saúde Gestão curta impeachment e renúncia do Presidente 1990 Inamps é incorporado ao Ministério da Saúde 1990 Promulgação da Lei Orgânica da Saúde LOS 8080 e 8142 Início do Programa Agentes Comunitários da Saúde PACS para reduzir a mortalidade infantil em áreas pobres AIDS início da terapia antirretroviral Norma Operacional Básica NOB 1991 descentralização de serviços intensa e de recursos limitada Ênfase no fortalecimento do debate social e da capacidade federal de coordenação do SUS bem como na expansão dos serviços de saúde no território nacional Governo Itamar Franco 19921994 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Instabilidade econômica e alta rotatividade dos ministros da Fazenda Lançamento do Plano Real 1994 Política Vicepresidente assume depois do processo de impeachment de Collor Coalizão governamental heterogênea Políticas de trabalho e sociais Descentralização e instabilidade do financiamento social 1993 Interrupção do aporte de contribuições sociais dos trabalhadores para o financiamento da saúde Gestão Jamil Haddad PSBRio de Janeiro out1992ago1993 Ministro com limitado poder político no governo porém com reconhecimento no setor saúde Conflitos com autoridades econômicas do governo Ênfase no fortalecimento de municípios e na participação social Gestão Henrique Santillo PMDBGoiás out1993jan1995 Ministro com considerável legitimidade no setor saúde Conflitos com autoridades econômicas do governo Formulação NOB 1993 proposta Descentralização com ênfase nos municípios criação de comissões intergestores bipartite nos estados Extinção do Inamps Implementação inicial da NOB 1993 Descentralização com ênfase nos municípios 1994 Início do Programa Saúde da Família continua Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Governos Fernando Henrique Cardoso 1º mandato 19951998 2º mandato 19992002 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Ênfase em estabilidade macroeconômica Plano Real 1994 privatização de empresas estatais abertura comercial e financeira ajuste a regras internacionais de comércio legislação de propriedade intelectual Mudanças na política macroeconômica após a crise financeira e as eleições de 1998 desvalorização do Real adoção das taxas de câmbio flutuantes Estagnação relativa da indústria nacional Plano Diretor da Reforma do Estado 1995 Criação de agências reguladoras Tendência de redução da Administração Federal Política Coalizão de centrodireita muitos ministérios ocupados por filiados ao PSDB e PFL Emenda Constitucional da reeleição 1997 Políticas de trabalho e sociais Aumento modesto do salário mínimo mas redução da participação dos salários no PIB nacional Tentativas de reforma da previdência sofrem oposição dos trabalhadores predomínio de reformas incrementais paramétricas ex criação do fator previdenciário Estratégia Comunidade Solidária conflitos com diretrizes e com atores da área de Assistência Social Expansão de programas de combate à pobreza a partir de 1998 programas de transferência de renda com condicionalidades Educação descentralização e expansão do ensino fundamental restrições ao financiamento federal e expansão das universidades privadas Gestão Adlib Jatene Sem partidoSão Paulo jan1995nov1996 Dirigentes de primeiro escalão selecionados pelo Ministro Conflitos com autoridades econômicas Ministro negocia com Congresso nova contribuição para financiar a saúde Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira CPMF deixa o cargo após sua aprovação X Conferência Nacional de Saúde 1996 e participação do Ministro no Conselho Nacional de Saúde Negociações intergovernamentais Gestão Carlos Albuquerque PSDBRio Grande do Sul dez1996mar1998 Ministro com limitado poder político no governo e junto à maior parte dos atores do setor saúde Posição de evitar conflitos com Presidência e autoridades econômicas Secretário Executivo economista Barjas Negri escolhido pelo Presidente Gestão José Serra PSDBSão Paulo mar1998fev2002 Ministro economista com poder político no governo administração longa e estável deixa o cargo para disputar as eleições presidenciais de 2002 Dirigentes de primeiro escalão economistas e sanitaristas ligados politicamente ao governo mas reconhecidos no setor saúde Conflitos internos Negociações com a Presidência autoridades econômicas e o Congresso aprovação da Emenda Constitucional nº 292000 estabelecendo novas regras de financiamento da saúde pelas três esferas mais frouxas para a esfera federal Gestão Barjas Negri PSDBSão Paulo fev2002dez2002 Secretário Executivo Barjas Negri assume o Ministério e mantém boas relações com a Presidência e autoridades econômicas Administração transitória ano eleitoral Adoção do Programa Saúde da Família como estratégia de fortalecimento da atenção básica em saúde Expansão da política de combate à AIDS terapia antirretroviral múltipla lei específica Continuidade e expansão de políticas tradicionais de saúde pública Ênfase no controle do Tabaco Formulação da Norma Operacional Básica NOB 1996 mudanças nos critérios de descentralização financiamento e organização do sistema Adesão à agenda de reforma do Estado e ênfase na eficiência da gestão e na descentralização Expansão do Programa Saúde da Família criação do Departamento de Atenção Básica Continuidade de políticas tradicionais de saúde pública e na política de AIDS debate internacional sobre propriedade intelectual e ajustes na legislação nacional Emissão da Norma Operacional de Assistência à Saúde NOAS 0102 Assistência farmacêutica proliferação fragmentação e descentralização de programas expansão de gastos com medicamentos de alto custo programa de genéricos Criação de agências voltadas para regulação sanitária Anvisa e de planos privados de saúde ANS Predominância de continuidades nas políticas prévias 91 Governos Luiz Inácio Lula da Silva 1º mandato 20032006 2º mandato 20072010 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública 20032005 baixo crescimento 20062008 crescimento econômico 20082009 crise internacional e adoção de políticas anticíclicas Ênfase na estabilidade macroeconômica a partir de 2007 expansão de estratégias desenvolvimentistas Mudanças graduais no papel dos bancos nacionais e nas políticas industriais Lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento PAC I 2007 e da Política de Desenvolvimento Produtivo PDP Novo plano para a Administração Federal expansão de concursos públicos Ênfase na participação social na formulação de políticas Política 20032005 criação de novos ministérios e secretarias nacionais definição de prioridades por áreas muitos ministérios ocupados por filiados ao PT 20052006 crise política e mudanças na coalizão política e alto escalão governamental reeleição de Lula 20072010 maior peso do PMDB no governo estabilidade política crescentes índices de aprovação do Presidente e do governo Candidatura e eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República com o apoio de Lula e do PMDB Políticas de trabalho e sociais Ênfase na criação e formalização de empregos aumentos do salário mínimo políticas para combate à pobreza e expansão de direitos de grupos socialmente vulneráveis com redução das desigualdades de renda Reforma incremental do regime previdenciário dos servidores regras mais restritas para a aposentadoria integral como tempo mínimo no setor público e na carreira Expansão federal na educação terciária novas universidades e campi federais e financiamento para o setor privado Gestão Humberto Costa PTPernambuco jan2003jul2005 Composição do primeiro escalão do Ministério considera coalizão governamental Discurso de mudanças e ênfase na gestão participativa Conflitos internos no primeiro escalão e saída do Secretário Executivo em 2004 Antecipação da XII Conferência Nacional de Saúde 2003 Frequente participação do Ministro nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde CNS Gestão José Saraiva Felipe PMDBMinas Gerais ago2005fev2006 Recomposição da base de apoio do governo após crise de 2005 influencia a escolha de Ministro da Saúde Recomposição do primeiro escalão saída de dirigentes ligados ao PT Saída do Ministro para disputar as eleições na Câmara dos Deputados Gestão José Agenor A da Silva Sem partido Minas Gerais fev2006mar2007 Secretário executivo assume o cargo de Ministro com o apoio intrasetorial porém menor força política Período de interinidade e disputas pelo cargo de Ministro Gestão José Gomes Temporão PMDBRio de Janeiro mar2007dez2010 Secretário de Atenção à Saúde sanitarista e pesquisador da Fiocruz assume o cargo de ministro sob descontentamentos de parlamentares de seu próprio partido PMDB Conflitos internos no primeiro escalão e saída do Secretário de Atenção à Saúde em 2008 Conflitos entre Ministério e o Conselho Nacional de Saúde ex questão das fundações estatais Realização da XIII Conferência Nacional de Saúde 2007 Senado vota pelo término da CPMF na mesma semana em que Ministério da Saúde lança o Plano Mais Saúde de investimento setorial Mudança de estrutura do ministério com a criação de novas secretarias de Vigilância em Saúde de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos de Gestão Participativa voltadas para as áreas estratégicas e unificação da Secretaria de Atenção à Saúde Definição de marcas de governo na saúde ex Brasil Sorridente SAMU Farmácia Popular Elaboração do Plano Nacional de Saúde 20042007 Continuidade nas políticas governamentais prioritárias Início de mudanças na condução de algumas áreas da política em relação ao período 20032005 ex área de educação em saúde e maior ênfase na centralidade de algumas estratégias ex Saúde da Família Continuidade nas políticas governamentais prioritárias Predomínio de continuidade das políticas em relação à gestão anterior Finalização e divulgação do Pacto pela Saúde Ampliação da agenda estratégica com ênfase na promoção da saúde e nas relações entre saúde e desenvolvimento Destaque para o fortalecimento do complexo econômicoindustrial da saúde Continuidade e expansão de políticas prioritárias Elaboração em 2007 do Plano Mais Saúde 20082011 sob influência do PAC 92 Governos Dilma Rousseff 1º mandato 20112014 2º mandato 20152016 Contexto nacional Processo político da saúde Agenda da política de saúde Economia e administração pública Efeitos da crise internacional com desaceleração econômica relativa preservação de indicadores econômicos até 2013 discreta piora em 2014 e 2015 com expansão de pressões por medidas de ajuste Conflitos entre projetos próajuste e de manutenção da estratégia socialdesenvolvimentista em 2015 substituição de Ministro da Fazenda de perfil desenvolvimentista por um de perfil tecnocrático e associado ao sistema financeiro Progressiva pressão para a contenção de gastos públicos Política Fortalecimento de ideias conservadoras e liberais expressas na luta política no governo e na sociedade Polarização e disputa acirrada na campanha presidencial de 2014 entre Dilma Rousseff e Aécio Neves PSDB com reeleição de Dilma por margem estreita 5164 x 4836 dos votos válidos diferença de 3459963 votos Oposição da grande mídia à Presidente Em 20142015 crise política caracterizada por denúncias de corrupção em empresas estatais atingindo membros do governo e do Congresso Nacional críticas a políticas governamentais redução do apoio do PMDB à Presidente inclusive do Vicepresidente e do Presidente do Congresso atingidos por denúncias de corrupção queda da aprovação popular do governo e da Presidente abertura de processo do impeachment sob questionamentos jurídicos afastamento temporário da Presidente em maio e definitivo em agosto de 2016 Políticas de trabalho e sociais Indicadores do mercado de trabalho relativamente preservados até 2014 baixo desemprego aumento da formalização e do valor real dos salários em 2015 tendência de piora ex aumento do desemprego Políticas de aumento do valor do salário mínimo mantidas Constrangimentos crescentes aos gastos sociais com instabilidade de fontes contingenciamento e contenção de crescimento de gastos inclusive na saúde Reformas na previdência social no regime dos servidores públicos teto igual ao do regime geral e criação de fundo complementar e no regime geral medidas de restrição ao acesso a aposentadorias e pensões Gestão Alexandre Padilha PTSão Paulo jan2011fev2014 Ministro jovem liderança do PT com legitimidade na saúde e boa passagem no governo peso político moderado deixa o Ministério para disputar eleições pra governo de São Paulo Secretariado com vários quadros do PT e outros da coalizão em geral com trajetória de atuação na saúde coletivano SUS Boa relação do Ministério com outras esferas de governo com o CNS e movimentos sociais Conflitos intensos com as entidades médicas em função do Programa Mais Médicos Realização da XIV Conferência Nacional de Saúde Gestão Arthur Chioro PTSão Paulo fev2014 out2015 Ministro quadro do PT com atuação na gestão municipal em saúde que ocupou cargos no Ministério desde 2003 menor peso político Secretariado com vários quadros do PT e outros da coalizão em geral com atuação prévia na saúde coletivano SUS Tensões do Ministro com o CNS e na relação com entidades do movimento sanitário pela defesa de medidas governamentais polêmicas e conflitantes com a Constituição como a abertura da saúde ao capital estrangeiro Saída do Ministro em virtude da necessidade de conceder cargos ao PMDB no esforço de recomposição diante da crise política Gestão Marcelo Castro PMDBPiauí out2015mai2016 Indicação pelo PMDB para Ministro da Saúde de parlamentar com perfil mais conservador sob resistências de atores setoriais Ocupação de cargos de 1º a 3º escalões expressa critérios e perfis muito diversos Início de gestão marcado por protestos de entidades e grupos de atores dos movimentos sanitário e antimanicomial pela indicação de exdiretor do maior hospital psiquiátrico do país fechado no âmbito da luta antimanicomial após décadas de denúncias para o cargo de Coordenador Nacional de Saúde Mental Continuidade das políticas prioritárias durante os governos Lula Brasil Sorridente Farmácia Popular SAMU com mudanças incrementais Adoção inicial como marco governamental das Unidades de ProntoAtendimento UPA que já existiam com a expansão expressiva de serviços Lançamento e expansão do Programa Mais Médicos em 4 vertentes provimento de médicos em locais remotos e com escassez inclusive de médicos estrangeiros sem reconhecimento de diploma com destaque para cubanos contratados por meio de convênio OPAS na 1ª fase do Programa ampliação de cursos e vagas de Medicina no país ampliação de vagas de residência médica incentivo a mudanças curriculares na formação em Medicina Ao final de 2014 medidas de abertura do setor saúde ao capital estrangeiro inclusive na prestação de serviços Expansão de arboviroses dengue Chikungunya e Zika e identificação de associação do vírus da Zika quando contraído na gravidez com microcefalia leva à ênfase em estratégias voltadas ao controle epidemiológico destas doenças ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz Inamps Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social PFL Partido da Frente Liberal PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PT Partido dos Trabalhadores SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SUS Sistema Único de Saúde O início do SUS em tempos turbulentos 19901992 A campanha presidencial de 1989 contou com 24 candidaturas Fernando Collor de Mello do Partido da Reconstrução Nacional PRN representante de uma oligarquia política do Estado de Alagoas foi eleito após disputa em segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores PT A vitória de Collor foi ancorada no discurso de moralização da política e em uma coalizão centrodireita tendo como diretrizes a liberalização e a abertura do mercado O Governo Collor adotou um pacote econômico austero que confiscou a poupança e achatou salários afinado às determinações de ajuste dos países credores seguindo propostas neoliberais do Consenso de Washington 15 Durante 1990 reorganizaramse os ministérios as coalizões políticas e representações partidárias no Congresso Nacional O primeiro ano de governo introduziu mudanças na área econômica e institucional concentrou e racionalizou atividades em áreas ligadas à infraestrutura e economia 15 A baixa prioridade na área social foi expressa em estratégias que contradiziam a Constituição Federal de 1988 como a revinculação da Previdência ao Ministério do Trabalho 16 A ausência de legislação que garantisse o repasse dos recursos da Previdência para o Ministério da Saúde que no início de 1990 incorporou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social Inamps ameaçava a sustentabilidade financeira do SUS Nesse contexto houve a discussão de leis específicas para cada área da Seguridade 16 A aprovação da Lei Orgânica da Saúde Lei nº 80801990 ocorreu com vetos revelando uma disputa entre reformistas e governo No mesmo ano uma nova lei nº 81421990 recuperou aspectos relativos ao financiamento e à participação social deixando em aberto outras definições cruciais como a política de recursos humanos e a relação com prestadores privados Promulgada a lei foram editadas normas do Executivo que fixaram diretrizes de financiamento com certa centralização dos recursos da saúde na esfera federal Definiramse mecanismos de repasse de recursos para prestadores de serviços que reforçaram uma lógica convencional com os municípios fragilizando a organização de um sistema integrado e articulado entre níveis 17 No início da década de 1990 os recursos da Seguridade foram comprometidos pelos atrasos deliberados de repasses num momento de alta inflação superior a 1000 ao ano Isso levou a cortes frequentes nas políticas de saúde e de assistência preservandose os níveis de recursos para a Previdência Social A partir de 1990 foram incorporados ao orçamento da saúde os encargos previdenciários da União 6 Em que pesem essas restrições foram desencadeadas estratégias relevantes que viriam a influenciar as políticas nos anos subsequentes como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde PACS e o fornecimento nacional da terapia antirretroviral para pessoas com síndrome da imunodeficiência adquirida AIDS Em 1992 a situação política do país sofreu uma reviravolta com denúncias de fraudes na macroestrutura do Estado e o envolvimento do Presidente e quadros ministeriais Na saúde a mudança de Ministro possibilitou a retomada do debate setorial e a rearticulação em torno do projeto de descentralização expressas na convocação da IX Conferência Nacional de Saúde Reorientouse o processo de descentralização incluindo novas formas de organização do sistema de saúde e a necessidade de formulação de uma nova norma operacional para o setor Ainda em 1992 estabeleceuse uma Comissão para estudo do sistema previdenciário que apontou o dilema da sustentabilidade econômica da seguridade social indicando a necessidade de uma revisão do pacto estabelecido na Constituição Federal de 1988 Esse ano encerrou com a renúncia de Collor à Presidência após processo de impeachment assumindo o cargo o Vicepresidente Itamar Franco Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB O SUS em tempos de crise financeira e descentralização 19931994 A estratégia política do Governo Itamar foi de repactuação com as elites econômicas em um bloco conservador em sintonia com exigências da ordem capitalista internacional mas sem os excessos da retórica neoliberal anterior Na área econômica destacouse o lançamento do Plano Real em 1994 liderado pelo Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso O plano visava a estabilização da moeda e ao controle inflacionário alcançando sucesso desde os primeiros meses Os anos Itamar foram de interseção de interesses e coligações políticas O debate da Seguridade Social foi reinaugurado sob a perspectiva de revisão dos compromissos assumidos em 1988 Em 1993 efetuouse a proposta do Ministro da Previdência de especialização de fontes e as contribuições sobre a folha de salários passaram a estar vinculadas apenas à Previdência Social A interrupção do repasse de recursos do fundo previdenciário associada à instabilidade das outras fontes fez com que o setor saúde decretasse em 1993 situação de calamidade pública Ainda assim políticas importantes foram encaminhadas nesse período em especial no que concerne à descentralização Definiramse estratégias de transição para estados e municípios assumirem a política de saúde local com previsão de mecanismos de transferência direta e automática de recursos do Fundo Nacional de Saúde visando a romper com a lógica convencional Além disso avançouse na implantação de comissões intergovernamentais para a pactuação da política em níveis nacional a Comissão Intergestores Tripartite CIT e estadual as Comissões Intergestores Bipartites CIB 17 Destacouse ainda a institucionalização do PACS e do Programa Saúde da Família PSF Buscavase um modelo de atenção que priorizasse as ações de proteção e promoção à saúde dos indivíduos e famílias em contraposição ao modelo tradicional centrado na doença e no hospital Nesse momento a estratégia desses programas foi direcionada para a população pobre identificada pelo Mapa da Fome Contudo os avanços institucionais na saúde foram paralisados diante da crise econômica no período As imprecisões do texto constitucional se explicitavam e a saúde ficou fragilizada pelas indefinições do governo A saúde entre agendas conflitantes 19952002 Os resultados da estabilização econômica nos primeiros meses do Plano Real renderam retorno político em 1994 foi eleito em primeiro turno para a Presidência da República o exMinistro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso sociólogo professor da Universidade de São Paulo e um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira PSDB O período correspondente aos dois Governos Cardoso foi marcado na economia pela ênfase na estabilização monetária privatização de empresas estatais continuidade das estratégias de abertura comercial e adesão às regras do comércio internacional 18 Destaquese o lançamento de estratégias de reforma do aparelho do Estado a aprovação de legislação de reforma administrativa e de contenção de gastos com o funcionalismo público Lei Camata de 1996 Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 favorecidas pela existência de uma coalizão de apoio ao governo majoritária no Congresso Nacional Tais estratégias viriam a afetar não só a administração federal com a redução do funcionalismo e contenção de gastos mas também a gestão pública nos estados e municípios Apontese a redução do funcionalismo federal ativo no período 19 a acentuação da descentralização de responsabilidades e serviços para as esferas subnacionais e a criação de agências reguladoras em áreas específicas O governo foi sustentado por uma coalizão de centrodireita que predominou nos ministérios e no Congresso Nacional o que lhe permitiu implantar parte importante de sua agenda política Porém a composição do governo não era totalmente homogênea o que se expressou em diferenças entre os dois mandatos e entre áreas com efeitos sobre as políticas sociais e de saúde A orientação do projeto econômico e de Estado não favoreceu avanços na esfera do trabalho O período foi marcado pela baixa geração de empregos qualificados dada a relativa estagnação industrial ênfase na flexibilização das relações trabalhistas aumento das terceirizações nos setores público e privado e queda da participação dos salários no Produto Interno Bruto PIB 20 As políticas sociais sofreram constrangimentos financeiros em função das prioridades macroeconômicas estabilização monetária superávit primário e pagamento de juros da dívida que se manifestaram de forma diferente entre áreas da política 21 As propostas de privatização da previdência sofreram oposição do movimento sindical do funcionalismo e de atores dentro do próprio governo ancorados na solidez da previdência brasileira e no pacto constitucional Resultou desses movimentos uma reforma incremental com a adoção do fator previdenciário que aumentou a vinculação entre tempo de contribuição idade e valores da aposentadoria sendo preservado o seu caráter majoritariamente público Na assistência social destacouse o programa Comunidade Solidária sob o comando da Primeira Dama que apostava na articulação de programas sociais focalizados com a participação da sociedade civil O Benefício de Prestação Continuada BPC previsto na Constituição começou a ser implantado em 1996 voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda constituindo um mecanismo de transferência de renda não contributiva A partir de 1998 aumentaram os programas de transferência de renda com condicionalidades Bolsa Escola Bolsa Alimentação e ValeGás de forma fragmentada e ainda restrita sob o comando de diferentes ministérios Em que pesem as dificuldades houve aumento dos gastos sociais federais nessas áreas 21 A saúde expressou as tensões entre a agenda de reforma do Estado e a agenda da reforma sanitária A primeira foi conduzida pelo Governo Federal e apoiada por forças conservadoras e liberais no Congresso Nacional e na sociedade com destaque para elites econômicas e grupos empresariais com interesse na expansão dos mercados em saúde Já os defensores da segunda foram representados principalmente por atores setoriais gestores e técnicos do SUS nas três esferas de governo entidades da saúde coletiva e áreas afins Associação Brasileira de Pósgraduação em Saúde Coletiva ABRASCO Centro de Estudos Brasileiros em Saúde CEBES Associação Brasileira de Economia da Saúde ABRES Destaquese ainda a crescente participação de profissionais de saúde e de usuários do SUS favorecida pela expansão dos serviços públicos constituição de conselhos de saúde e realização de conferências em um contexto de democratização e descentralização das políticas públicas Os conflitos entre projetos foram expressos por exemplo nos enfrentamentos relativos ao financiamento setorial Entre os atores da saúde e os da área econômica destacaramse embates relativos à criação de uma fonte de financiamento específica e à vinculação de receitas para a saúde Cabe apontar a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CPMF em 1996 que ficou em vigor por dez anos embora não exclusiva para o setor e a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 em 2000 que vinculou receitas para a saúde de forma mais estrita para estados e municípios com regras diferenciadas para a União que remetiam à variação do PIB 22 Essas estratégias foram defendidas por grupos setoriais com a atuação relevante dos Ministros da Saúde No entanto sua negociação e implantação envolveram acordos e adaptações com limites para sua efetividade Negociações e conflitos intrasetoriais referentes à descentralização dos recursos federais ocuparam boa parte da agenda da CIT em face das restrições financeiras sob as quais ocorria a implantação do SUS Na economia as medidas de abertura comercial a relativa estagnação da indústria nacional e a aprovação da legislação de propriedade intelectual 18 impuseram desafios à produção de insumos para a saúde em um contexto de demanda crescente em face da expansão de serviços gerando uma explosão das importações com riscos para a sustentabilidade da política 23 A agenda de reforma do Estado do governo teve repercussões sobre a saúde Em 19992000 foram criadas duas agências reguladoras na saúde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa e a Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS A primeira visou a aumentar a capacidade regulatória em uma área tradicional de atuação estatal que abrange ramos diversificados Já a segunda foi voltada para os mercados de assistência médica suplementar ocupandose nos primeiros anos do estabelecimento de regras mínimas de operação das empresas sistematização de informações e regulamentação de contratos em uma lógica de defesa dos consumidores 24 A diretriz de redução do funcionalismo público dificultou a conformação de burocracias no Ministério da Saúde e entidades vinculadas a contratação de profissionais de saúde para os serviços públicos federais cujo papel de prestação direta reduziu e atingiu os serviços estaduais e municipais em expansão favorecendo a proliferação de formas de contratação de profissionais de saúde alternativas à administração direta em todo o país Como pautas estruturantes da política além do financiamento destacouse a descentralização favorecida pela sua presença tanto na agenda de reforma do Estado quanto na agenda da reforma sanitária Registramse progressivos esforços de fortalecimento do papel dos estados e da regionalização principalmente no final do período 20002002 em contraste com a ênfase municipalista do momento anterior 25 O PSF a partir de 1995 tornouse prioritário na agenda do Ministério da Saúde e do Governo Federal na perspectiva de expansão da cobertura dos serviços e da mudança no modelo de atenção Isso conferiu novo status à atenção básica e favoreceu mudanças no financiamento criação de piso per capita e de incentivos específicos organizacionais criação do Departamento de Atenção Básica em 2000 e inovações em outras áreas da política como a de formação Ressaltese que a ênfase na atenção básica era compatível com as diretrizes da reforma sanitária referentes ao modelo de atenção e com propostas de reforma que defendiam uma ação do Estado mais delimitada emanada de agências internacionais ou mesmo do Governo Brasileiro 24 A política nacional de controle do HIVAIDS ficou mais forte no período sendo preservado o compromisso de fornecimento gratuito de medicamentos vigente desde 1991 mesmo diante da expansão dos regimes e custos da terapia antirretroviral Isso levou à aprovação de lei específica para a garantia desses medicamentos e à atuação do Brasil nos debates internacionais sobre propriedade intelectual e interesses de saúde pública bem como negociações com a indústria transnacional para a redução de preços Houve expansão e diversificação dos programas de assistência farmacêutica com estratégias de descentralização dos recursos para os medicamentos básicos e manutenção de compras centralizadas dos destinados a programas estratégicos ou de alto custo Ressaltese ainda a implantação do programa de genéricos 26 Outras políticas tradicionais de saúde pública como controle de doenças infecciosas apresentaram continuidades com inovações incrementais assumindo destaque na agenda federal em momentos críticos como foi o caso do dengue Em síntese na saúde houve inovações institucionais na regulamentação e financiamento e avanços no período em termos da expansão de programas específicos e da cobertura dos serviços descentralizados Porém as políticas macroeconômicas a agenda de reforma do Estado hegemônica e a coalizão de forças políticas predominantes não foram favoráveis à superação de problemas estruturais do SUS Diversas decisões e estratégias adotadas no período condicionaram os caminhos da política de saúde nos governos seguintes A saúde em segundo plano na reorientação da política social 20032010 Luiz Inácio Lula da Silva que iniciou sua trajetória política como dirigente sindical e foi fundador do PT foi eleito Presidente do Brasil em 2002 na quarta campanha presidencial da qual participou após acirrada disputa com José Serra do PSDB Na campanha de 2002 por meio da Carta aos Brasileiros Lula se comprometeu a assegurar as condições para a manutenção da estabilidade monetária que havia sido alcançada depois do Plano Real A ênfase na estabilidade representou um elemento de continuidade em relação ao governo anterior embora a política econômica tenha mostrado mudanças relevantes como a revalorização do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES no apoio à indústria nacional 27 Ao longo dos dois Governos Lula houve variações no contexto econômico e político O período de 2003 e 2004 foi marcado por restrições financeiroorçamentárias com certa retomada do crescimento econômico a partir de 2006 favorecido pelo boom de commodities Em que pese a crise econômica mundial a partir de 2008 e a redução do PIB em 2009 o governo logrou implantar no segundo mandato políticas anticíclicas com o aumento dos investimentos públicos incluindo projetos de infraestrutura Plano de Aceleração do Crescimento PAC e expansão de gastos sociais Mesmo considerando as variações mencionadas é possível identificar no período elementos de continuidade configurando um modelo de intervenção designado por alguns autores como social desenvolvimentismo 28 Esse se caracterizou por uma articulação entre políticas econômicas e sociais de orientação redistributiva tais como estratégias para a geração de empregos formalização do trabalho aumentos reais do salário mínimo e aumento das transferências diretas de renda O governo foi inicialmente apoiado por uma coalizão com partidos pequenos de perfil político variado sendo o Vicepresidente um empresário do Partido Liberal PL A partir de 2005 a crise política desencadeada por denúncias de caixa dois de campanha e estratégias de cooptacão do Congresso incentivou a busca de apoio e concessão de cargos ao PMDB cuja participação no governo se expandiu nos anos seguintes Apesar da crise política Lula foi reeleito Presidente em 2006 após disputa eleitoral com Geraldo Alckmin do PSDB Durante os dois mandatos Lula priorizou estratégias de conciliação política com movimentos de articulação com diversos segmentos da classe política do Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 empresariado urbano e de proprietários rurais não tendo sido enfrentados temas polêmicos como as reformas política e a tributária A política externa do período destacouse favorecida pelas relações comerciais com a China e por decisões domésticas representada pela redução da dependência das agências internacionais e dos Estados Unidos aumento da soberania nacional e da aproximação com outros países em desenvolvimento com destaque para os da América do Sul da África e os demais BRICS Na esfera da política social durante ambos os mandatos o governo priorizou as políticas voltadas para o combate à pobreza e de expansão de direitos de grupos socialmente vulneráveis No primeiro grupo a estratégia Fome Zero anunciada em 20032004 que agregava uma série de iniciativas para a erradicação da fome nos âmbitos rural e urbano foi deslocada pela centralidade do Programa Bolsa Família PBF nos anos subsequentes O Ministério do Desenvolvimento Social criado em 2004 passou a coordenar três eixos relevantes para o combate à pobreza a segurança alimentar e nutricional as políticas de assistência social e as de transferência de renda Resultante da unificação de quatro estratégias anteriores em poucos anos o PBF foi considerado o maior programa de transferência de renda com condicionalidades do mundo contribuindo para a redução da pobreza e da mortalidade infantil no país entre outros resultados 29 Também houve expressiva expansão do BPC No segundo grupo adotaramse iniciativas voltadas para a expansão de direitos das mulheres grupos de lésbicas gays bissexuais travestis transexuais e transgêneros LGBT população negra indígena e quilombolas incluindo a criação de secretarias federais específicas mudanças legislativas e normativas Destacaramse as políticas de ação afirmativa como os incentivos às universidades para a adoção de cotas de vagas para alunos de escolas públicas negros e indígenas inicialmente por adesão e a partir de 2012 mediante lei voltada para as instituições federais Acrescentemse ainda as estratégias de expansão dos campi e de universidades federais em regiões carentes e a adoção de um programa de bolsas federais para alunos de baixa renda em universidades privadas Tais ações resultaram na expansão do acesso dos jovens ao Ensino Superior mais expressiva entre os negros embora este acesso ainda seja baixo no Brasil 30 A Previdência Social foi objeto de reformas incrementais que entre 2003 e 2004 atingiram o regime dos servidores públicos impondo maiores exigências para a aposentadoria integral Em que pesem as pressões para a contenção do crescimento de gastos não houve privatização do sistema de previdência no Brasil que manteve sólida base pública Na saúde foram adotados como marcos de governo três programas Brasil Sorridente Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAMU e Farmácia Popular Os dois primeiros partiram de iniciativas prévias e o terceiro introduziu no SUS o copagamento por medicamentos adquiridos em farmácias estatais ou privadas Como elemento de continuidade destaquese a expansão da cobertura do PSF que passou a ser enfatizado como estratégia de reestruturação do modelo de atenção agregando novos profissionais à atenção básica 25 No segundo mandato diante da ênfase no debate desenvolvimentista e da estabilidade do Ministro da Saúde José Temporão a agenda setorial se expandiu por meio de iniciativas relacionadas ao complexo industrial da saúde visando a fortalecer a produção nacional de insumos estratégicos para o SUS Embora os programas e iniciativas descritos tenham sido relevantes para a expansão da cobertura e escopo das ações em áreas críticas problemas estruturais do sistema de saúde não foram adequadamente enfrentados no período por exemplo no âmbito do financiamento das relações públicoprivadas da força de trabalho e das desigualdades territoriais em saúde Enfim os Governos Lula expressaram esforços de mudança no modelo de desenvolvimento econômicosocial tendo as políticas trabalhistas e sociais contribuído de forma expressiva para a redução da pobreza das desigualdades de renda e para a ascensão de parte da população trabalhadora em círculo virtuoso entre fomento à demanda interna e desempenho econômico A política de saúde apresentou elementos de continuidade e inovações incrementais não tendo sido uma área de destaque na agenda governamental com persistência dos problemas estruturais do SUS 25 Ao final de 2010 Lula deixou o governo com altíssima aprovação nacional e reconhecimento internacional logrando eleger sua sucessora após acirrada disputa eleitoral Dilma Rousseff exMinistra das Minas e Energia e da Casa Civil que havia coordenado grandes projetos de investimentos do governo foi a primeira mulher eleita Presidente no país tendo em sua chapa como Vicepresidente Michel Temer do PMDB Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 A saúde sob novos riscos em tempos difíceis 20112016 O primeiro Governo Dilma se defrontou com um contexto econômico e político menos favorável do que o do seu antecessor Na esfera econômica a desaceleração da China e o prolongamento da crise em outros países propiciaram a redução do ritmo de crescimento brasileiro entre 2011 e 2014 Os principais motores do crescimento estagnaram e as tentativas da política econômica nos primeiros anos de estimular os investimentos não foram bemsucedidas em 2014 o Governo Dilma mudou o rumo da política econômica e passou a defender medidas de austeridade 31 No âmbito político destacouse a dependência do governo de uma coalizão políticopartidária ampla e heterogênea o crescente poder do PMDB 32 e a relativa fragilidade da Presidente que restringiram a sua governabilidade e favoreceram o fortalecimento de forças e agendas conservadoras ao longo do período cujo ápice resultou na crise de 20152016 31 Em meados de 2013 uma onda de protestos desencadeados em São Paulo por reação ao aumento de tarifas de transporte se espalhou pelo país incorporando pautas como críticas ao sistema partidário e denúncias de corrupção Estudos sugerem que tais eventos favoreceram a reorganização de movimentos neoconservadores sob o apoio da grande mídia e de grupos internacionais 33 Ressaltese ainda a Operação Lava Jato da Polícia Federal iniciada em 2014 que envolveu denúncias contra políticos de vários partidos do PT ao PSDB pelo recebimento de recursos ilegais para campanhas eleitorais além de denúncias contra empresários do setor privado dirigentes e funcionários de estatais com destaque para a Petrobras Nos meses seguintes tais investigações receberam massiva cobertura da grande mídia incluindo vazamentos seletivos de depoimentos e informações que se intensificaram na campanha presidencial de 2014 Em que pesem as denúncias contra membros do PT e coligados não houve evidências até aquele ano de envolvimento do exPresidente Lula nem da Presidenta Dilma que foi reeleita após acirrada disputa eleitoral Tal campanha presidencial expôs projetos em disputa em torno das possibilidades e limites de se avançar em políticas redistributivas em um cenário econômico adverso A quarta derrota sucessiva de um candidato do PSDB para a Presidência em 2014 dessa vez Aécio Neves em 2010 o derrotado foi José Serra gerou acirramento da polarização política em 2015 ao inicial do segundo mandato de Dilma Configurouse um quadro de instabilidade com redução da popularidade da Presidente articulação de forças ultraconservadoras no Congresso Nacional e ameaças de impeachment O prolongamento da Operação Lava Jato a politização da atuação do Judiciário e do Ministério Público o posicionamento antigoverno da grande mídia e o comportamento oportunista de partidos de oposição e mesmo da base governista contribuíram para acentuar o clima de instabilidade política e institucional associado ao aumento da projeção de economistas de discurso ultraliberal 34 Diante desse cenário econômico e político desfavorável o espaço para consolidação de um projeto nacional e de expansão das políticas sociais foi restrito No primeiro governo houve investimentos em infraestrutura econômica e social incluindo a implantação de programas de habitação popular a continuidade e expansão das políticas de combate à pobreza como os programas de transferência de renda Bolsa Família e BPC associados a outras estratégias sob a marca Brasil Sem Miséria No que concerne à Previdência Social as reformas foram incrementais destacandose medidas de contenção de despesas e de desoneração fiscal que prejudicaram as receitas No regime dos servidores públicos federais aboliuse a aposentadoria integral para novos concursados que passaram a se subordinar ao mesmo teto de contribuição e aposentadoria dos trabalhadores inseridos no regime geral com possibilidade de adesão à previdência complementar gerida pelo Estado Em dezembro de 2014 editouse medida provisória com imposição de regras mais restritivas de acesso e manutenção de pensões e segurodesemprego No segundo governo foram acentuadas as pressões de grupos neoliberais para reformas drásticas na previdência ancoradas no discurso de déficit do sistema sob críticas de especialistas 3536 A política de saúde por sua vez novamente foi marcada por continuidades em algumas áreas atenção básica vigilâncias e pela adoção de programas específicos como marcos de governo sem que problemas estruturais do sistema fossem adequadamente enfrentados Durante o primeiro Governo Dilma houve dois Ministros no cargo com trajetórias na saúde pública e vinculados ao PT Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Adotaramse como marcos governamentais a expansão das Unidades de ProntoAtendimento UPA outro componente da rede de urgências e o Programa Mais Médicos O Programa Mais Médicos trouxe polêmicas e desgaste para o governo ao propor a contratação de médicos formados no exterior brasileiros ou estrangeiros sem a necessidade de validação de diplomas com destaque para os médicos cubanos cuja lotação foi feita mediante intermediação da Organização PanAmericana da Saúde OPAS O programa previa a expansão de vagas de graduação e residência médica mudanças curriculares e provimento de médicos em áreas de alta vulnerabilidade social e difícil fixação de profissionais A incorporação de médicos estrangeiros gerou intensa reação negativa da corporação médica representada pelos conselhos profissionais Apesar do sucesso do programa no curto prazo é difícil dimensionar seus custos políticos para o governo e efeitos para o sistema público de saúde em longo prazo já que a substituição dos médicos estrangeiros seria necessária após três anos de contratação Em todo o primeiro governo questõeschave para o setor como o financiamento e a regulação do setor privado não foram enfrentadas de forma adequada Ainda ao final de 2014 uma medida polêmica sustentada pelo governo foi a abertura do setor saúde ao capital estrangeiro inclusive na prestação de serviços o que foi amplamente criticado pelos defensores do SUS Em 2015 sob a intensificação da crise política novos acontecimentos repercutiram negativamente sobre a saúde O Ministro da Saúde que estava no cargo desde fevereiro de 2014 foi substituído por um parlamentar do PMDB visando a aumentar a base de sustentação do governo Entre as medidas polêmicas do novo Ministro consta a nomeação para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de um exdirigente de hospital psiquiátrico do país conhecido por posições contrárias à luta antimanicomial Do ponto de vista epidemiológico o ano de 2015 ficou marcado também pela identificação do início da epidemia de Zika vírus e sua associação com microcefalia e distúrbios neurológicos em bebês na infecção contraída pela gestante configurandose como uma nova emergência em saúde pública Em 2016 a política de saúde mergulhou em uma fase de indefinições e instabilidade com o agravamento da crise política que culminou com o afastamento temporário da Presidenta Dilma Rousseff em maio e a confirmação do seu impeachment pelo Senado Federal em agosto de 2016 Nesse contexto destacouse o lançamento de propostas que fragilizariam ainda mais a base financeira do SUS e fortaleceriam os mercados em saúde Em síntese o período de 2011 a 2016 marcado por instabilidade política sinalizou percalços e riscos de retrocessos para as políticas sociais e de saúde cujos rumos são incertos Contradições e condicionantes da política de saúde A análise da política de saúde nos últimos 26 anos permite evidenciar numerosas contradições que podem ser exemplificadas em três desafios estratégicos a inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social o financiamento e as relações públicoprivadas No que tange ao primeiro desafio cabe ressaltar que o projeto da Seguridade Social consolidado na Constituição de 1988 pressupunha forte articulação entre políticas econômicas e sociais 6 A articulação entre essas políticas deveria se ancorar em um modelo de desenvolvimento que promovesse simultaneamente crescimento econômico sustentado e geração de renda e emprego com redução das desigualdades e ampliação dos direitos sociais Ao longo dessas últimas décadas observamse diferentes institucionalidades da política social que evidenciam menor ou maior centralidade da área social e do papel do Estado nas estratégias de desenvolvimento 37 Do ponto de vista macroeconômico a ênfase na estabilidade fiscal e monetária comprometeu maiores avanços na implantação de políticas de corte universal pelas restrições impostas à intervenção estatal e ao gasto social 22 O Brasil experimentou diminuição gradativa da pobreza e das desigualdades medida por exemplo pelo aumento do PIB da renda média municipal da renda individual do poder de consumo das famílias e do nível de escolaridade da população 30 Entretanto a concentração de renda nos segmentos mais ricos da população permaneceu elevada em parte devido à regressividade do padrão tributário vigente 38 Com relação aos indicadores de saúde o país também registrou expressivos Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 ganhos mantendo as tendências de redução da mortalidade infantil e de aumento da expectativa de vida verificadas nas últimas décadas 30 Tais mudanças envolveram a adoção de diferentes iniciativas dentre as quais destacamse as de cunho redistributivo 2829 Ainda assim problemas relativos à desarticulação entre esferas de governo e setores da política social manifestaramse frequentemente e os esforços de integração mantiveramse restritos a determinadas estratégias No que concerne ao financiamento do SUS os patamares de gasto público per capita em saúde e o comprometimento do gasto público com a saúde permaneceram abaixo daqueles observados em outros países mesmo considerando sua maior estabilidade e ampliação nos anos 2000 39 Houve esforços para a alocação de recursos em regiões mais carentes mas a permanência de problemas do sistema de partilha fiscal 40 associados ao caráter cíclico com baixa prioridade econômica e fiscal do gasto federal 41 comprometeu maiores impactos redistributivos das transferências setoriais Avanços do ponto de vista do maior aporte de recursos de origem estadual e municipal foram contrabalançados pela diminuição proporcional do gasto federal sendo a autonomia no gasto em saúde restrita pelo excesso de condicionalidades para aplicação de recursos transferidos e pelas limitações da legislação vigente Nos anos 2000 as diferenças nas condições de financiamento e gasto em saúde entre as esferas subnacionais de governo mantiveramse significativas 40 No que concerne às relações públicoprivadas ressaltese que a expansão da oferta e do acesso aos serviços públicos no período ocorreu de forma concomitante ao crescimento do setor privado no financiamento e prestação de serviços Os gastos privados permaneceram acima de 50 do gasto total em saúde em todo o período compostos por desembolsos diretos e pagamentos a planos e seguros de saúde 41 Tais gastos refletem tanto problemas relacionados ao padrão tributário e à renúncia fiscal 4243 como a limites e impasses do próprio financiamento da saúde frente aos desvios no uso de recursos da Seguridade Social às oscilações de fontes e à fragilidade da política de investimentos 22 A prestação privada de serviços ao SUS continuou elevada no âmbito hospitalar e se expandiu no segmento de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e mais recentemente na atenção básica por meio das novas formas de terceirização como a contratação de Organizações Sociais Destaquese a expansão do segmento de planos e seguros de saúde em uma lógica cada vez mais dinâmica do ponto de vista empresarial e financeiro com a compra de empresas menores por grupos maiores configurando um fenômeno de financeirização articulado à internacionalização A ANS não impôs constrangimentos ao crescimento desse segmento Ao contrário em vários momentos atuou no sentido da organização e fomento a esses mercados sob o comando de dirigentes cuja trajetória profissional foi construída no setor a ser regulado 44 A abertura da oferta de serviços de saúde ao capital estrangeiro formalizada no final de 2014 antes vetada pela Constituição foi defendida e articulada no interior da própria organização 45 A força do setor privado na saúde também se manifestou na crescente atuação desses grupos no financiamento de campanhas eleitorais 46 e na expressão de seus interesses no Congresso Nacional Ademais a atuação desses segmentos privados é heterogênea entre grupos sociais considerando renda idade inserção laboral áreas urbanas e rurais e regiões do país dada a sua orientação para a busca de lucros A dinâmica econômica influencia de forma decisiva a configuração e as estratégias desse setor na busca por novas clientelas e oferta de produtos Acrescentese que parte expressiva da força de trabalho em saúde especialmente dos médicos atua nos setores público e privado em arranjos variados sugerindo o seu imbricamento e riscos de conflitos de interesses Assim enquanto parte das desigualdades na oferta de serviços e nos resultados sanitários é atenuada pela expansão de serviços do SUS especialmente na atenção básica o dinamismo do setor privado sob incentivo estatal tende a reproduzir a estratificação social e a expressão das desigualdades na saúde sendo ainda susceptível aos ciclos econômicos O caráter das relações Estado e mercado na saúde em que o primeiro fomenta o segundo público e privado se imbricam e o conflito distributivo é camuflado em um cenário de recursos relativamente escassos constitui a contradição central da política de saúde no Brasil no período e o principal óbice à consolidação de um sistema público efetivamente universal e igualitário Quanto aos limites e pressões que incidiram sobre a política de saúde no período estudado identificaramse três grupos de condicionantes históricoestruturais institucionais políticoconjunturais Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 O primeiro grupo concerne aos legados históricos de longo prazo e fatores macroestruturais que colocam limites às políticas de saúde como características do modelo de capitalismo brasileiro das relações Estadomercado e as desigualdades socioeconômicas que explicam a persistência da segmentação do sistema de saúde do caráter das relações públicoprivadas e das desigualdades em saúde Por outro lado a tradição secular de atuação do Estado brasileiro na saúde pública 2 no controle de doenças sob vigilância prestação de serviços produção de vacinas e medicamentos conferiu certa base material e reconhecimento da legitimidade estatal para coordenar o sistema de saúde Quanto aos condicionantes institucionais em que pesem as dificuldades o marco constitucional legal teve caráter protetor do direito à saúde e favoreceu a luta política em torno da construção do SUS mesmo em contextos em que a agenda neoliberal ganhou força como nos anos 1990 As estratégias específicas implantadas na saúde reguladas por normas e mecanismos de financiamento favoreceram a expansão de serviços públicos e a continuidade de políticas ao longo de distintos governos com predomínio de mudanças incrementais Ressaltese no entanto que a Constituição reconheceu a saúde como livre à iniciativa privada e que regras relativas aos subsídios estatais ao setor privado foram mantidas ou expandidas no período Além disso foram criadas leis que favoreceram a expansão da prestação privada na saúde como a Lei de Responsabilidade Fiscal ao restringir gastos com os servidores públicos e as leis das Organizações Sociais O âmbito políticoconjuntural referese aos processos políticos acontecimentos distribuição de poder e relações entre atores políticos em conjunturas específicas de menor duração No período os principais defensores do SUS foram entidades de Saúde Coletiva e outras afins parte dos gestores técnicos e profissionais de saúde do SUS nas diferentes esferas de governo conselheiros de saúde e ainda membros do Ministério Público e da Defensoria atuantes na área Por outro lado a implantação do SUS foi prejudicada por atores que defenderam pautas centradas na contenção de gastos sociais como as autoridades econômicas e na expansão de mercados privados empresas da saúde Os distintos Presidentes defenderam a expansão de políticas específicas adotadas como marcos de governo e a depender de sua orientação política deram espaço variável a grupos progressistas no interior do Executivo Houve ainda grupos de atores médicos e sindicatos cujas agendas políticas tiveram caráter eminentemente corporativo com defesa de pontos que poderiam favorecer ora o SUS ora o setor privado lucrativo Os avanços dificuldades e condicionantes específicos relativos a cada desafio são resumidos na Figura 2 Conclusões A condução nacional da política de saúde nos 26 anos da democracia apresentou continuidades e mudanças nos diferentes contextos que se expressaram no processo político e no conteúdo da política A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional os arranjos institucionais e a luta política de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas específicos e serviços públicos que por sua vez conferiram materialidade favoreceram resultados sanitários positivos e ampliaram em alguma medida a base de apoio ao SUS ao menos setorial No entanto limites históricoestruturais e legados institucionais se expressaram fortemente no período O caráter das relações Estadomercado no capitalismo brasileiro e na saúde e a marcante estratificação social limitaram as transformações necessárias à consolidação do SUS Distorções históricas do sistema de saúde mal equacionadas entre 1985 e 1990 relacionadas à regulamentação da Seguridade ao financiamento e às relações públicoprivadas se manifestaram de forma contundente nos anos subsequentes Houve variações de contexto entre governos com influências sobre as políticas sociais e de saúde Porém nenhum governo nacional do período assumiu como prioridade política a consolidação de um sistema de saúde universal o que implicaria mudança no estatuto político da saúde e da seguridade inseridas em modelo de Estado e de desenvolvimento mais redistributivo Assim não foram enfrentados obstáculos estruturais no âmbito do financiamento e das relações públicoprivadas ao contrário diversos incentivos do Estado aos mercados em saúde foram mantidos ou ampliados Não houve a conformação de uma coalizão de poder abrangente além do setor saúde em torno de uma agenda universalista o que implicaria rupturas drásticas com os arranjos econômicos vigentes Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Figura 2 Avanços dificuldades e condicionantes segundo desafios estratégicos para a consolidação do caráter público e universal da política de saúde no Brasil Desafios estratégicos Avanços Dificuldades Condicionantes Inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social Ampliação do gasto social redução da pobreza e das desigualdades socioeconômicas e de saúde Ampliação das demandas sociais por serviços de saúde Esforços de integração de políticas sociais com participação da saúde ex Bolsa Família PróSaúde Persistência de taxas elevadas de desigualdades e concentração de renda no grupo mais rico da população Baixa priorização das políticas de corte universal Baixa integração entre organizações programas e ações Desarticulação vertical entre esferas de governo e horizontal entre setores da política social Desigualdades no acesso aos serviços públicos Ênfase na estabilidade fiscal e monetária com abertura da economia aumento da taxa de juros elevação da dívida pública privatização de empresas e limites à política industrial Permanência de um padrão tributário regressivo Ampliação do mercado de consumo interno de modo concomitante à contenção de gastos públicos e sociais Trajetória fragmentada e segmentação da política social Lugar limitado da política social e da saúde no projeto de desenvolvimento Dificuldades na implantação do orçamento da Seguridade Social Permanência de um padrão tributário regressivo e da iniquidade no sistema de partilha fiscal Desvios e desintegração de receitas do Orçamento da Seguridade Social com a adoção e manutenção da Desvinculação das Receitas da União DRU Ampliação de subsídios fiscais para o setor privado Instabilidade de fontes durante grande parte do período Emenda Constitucional nº 29 só aprovada em 2000 Dificuldades na regulamentação e cumprimento da vinculação constitucional da saúde Lei Complementar nº 141 só aprovada em 2011 Aumento progressivo das transferências automáticas fundo a fundo e adoção de critérios redistributivos para a alocação de recursos federais do SUS nos estados e municípios Predomínio de relações verticais entre os níveis federal e municipal na redistribuição de recursos fiscais e setoriais Excesso de condicionalidades para a aplicação de recursos federais a partir da segunda metade dos anos 1990 e restrições para os gastos em saúde ex Lei de Reponsabilidade Fiscal nos estados e municípios Financiamento Maior estabilidade do financiamento com ampliação do gasto público per capita a partir dos anos 2000 Aumento da participação dos estados e municípios no financiamento da saúde Redistribuição e aumento da alocação de recursos federais em regiões mais carentes Relações públicoprivadas Expansão dos serviços e do acesso às ações e serviços públicos em saúde principalmente em nível municipal e no âmbito da atenção básica Aumento da capacidade gestora em diversos estados e em milhares de municípios Expansão do setor privado com ou sem fins lucrativos na gestão dos serviços e na oferta de tecnologias médicas Crescimento do setor privado supletivo com segmentação da clientela Manutenção das desigualdades e no acesso às ações e serviços públicos de saúde Forte dependência do setor público à prestação privada de serviços de saúde principalmente os especializados de apoio diagnóstico e terapêutico e de natureza hospitalar Trajetória prévia da política de saúde no Brasil com forte imbricamento entre os setores público e privado no financiamento na gestão e prestação de serviços Presença de incentivos fiscais e fragilidade da regulação sobre prestadores privados do SUS e setor privado supletivo Reconfiguração do segmento suplementar com incremento dos mecanismos de intermediação financeira e estímulo à conformação de grandes grupos capitalistas na área envolvendo serviços finanças e indústria de caráter multinacional SUS Sistema Único de Saúde Fonte elaboração própria com base em diversas fontes de pesquisa Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Como limitações do estudo destacamos que o amplo recorte temporal não permitiu aprofundar temas relevantes para o sistema de saúde como relações intergovernamentais organização territorial gestão do trabalho modelo de atenção e participação social Outra limitação concerne ao foco na atuação do Executivo Federal com escassa consideração de atores subnacionais e outros atores sociais importantes em contextos federativos e democráticos Também não foram exploradas outras questões relevantes como as transformações da geopolítica internacional na macroeconomia e na demografia que podem afetar as políticas de saúde O Brasil expressa de forma contundente as tensões na construção de um sistema de saúde universal em um país capitalista periférico extremamente desigual Configurase uma situação contraditória de coexistência de um sistema público de dimensões expressivas baseado na diretriz da universalidade com mercados privados dinâmicos e em ascensão que disputam os recursos do Estado e das famílias espoliam a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde de fato único e igualitário reiteram a estratificação e as desigualdades sociais Diante do legado históricoestrutural do sistema de proteção social da persistência de fragilidades institucionais e do fortalecimento de ideias neoconservadoras e neoliberais em um momento de instabilidade econômica e política com ameaças à democracia brasileira existem sérios riscos de retrocessos nas conquistas que haviam sido alcançadas na área social e na saúde no período pósconstitucional Colaboradores C V Machado L D Lima e T W F Baptista participaram da realização do estudo e análise do material de pesquisa que embasou o artigo da concepção da redação das diversas seções e da revisão final do texto Agradecimentos C V Machado e L D Lima são bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq As pesquisas que deram origem ao artigo foram financiadas com recursos do Edital Universal do CNPq 2013 e do Programa de Apoio à Pesquisa Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Fundação Oswaldo Cruz InovaENSP2013 Referências 1 Furtado C O longo amanhecer ensaios sobre a formação do Brasil Rio de Janeiro Editora Paz e Terra 1999 2 Lima NT Fonseca CMO Hochman G A saúde na construção do Estado Nacional no Brasil Reforma Sanitária em perspectiva histórica In Lima NT Gerschman S Edler FC Manuel Suárez J organizadores Saúde e democracia história e perspectivas do SUS Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2005 p 2758 3 Teixeira SF organizadora Reforma sanitária em busca de uma teoria São Paulo Cortez EditoraRio de Janeiro ABRASCO 1989 4 Paim JS Reforma sanitária brasileira contribuição e crítica Salvador EdufbaRio de Janeiro Editora Fiocruz 2008 5 Escorel S Reviravolta na saúde origem e articulação do movimento sanitário Rio de Janeiro Editora Fiocruz 1999 6 Baptista TWF Seguridade social no Brasil Revista do Serviço Público 1998 4910122 7 Rodriguez Neto E Saúde promessas e limites da Constituição Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2003 8 Paim JS Travassos C Almeida C Bahia L Macinko J The Brazilian health system history advances and 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realidade São Paulo Editora Atlas 1994 17 Levcovitz E Lima LD Machado CV Política de saúde nos anos 90 relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas Ciênc Saúde Coletiva 2001 626991 18 Sallum Jr B Crise democratização e liberalização no Brasil In Sallum Jr B organizador Brasil e Argentina hoje política e economia Bauru Edusc Editora 2004 p 4777 19 Santos WG O exleviatã brasileiro Rio de Janeiro Editora Civilização Brasileira 2006 20 Pochmann M Desestruturação do mercado de trabalho Teoria e Debate 199837 httpwwwteoriaedebateorgbrmateriaseconomiadesestuturacaodomercadodetrabalho 21 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Quinze anos de gasto social federal Notas sobre o período de 1995 a 2009 Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2011 Comunicado IPEA 98 22 Dain S Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil uma tentativa de integração Ciênc Saúde Coletiva 2007 12185164 23 Gadelha CAG Desenvolvimento complexo industrial da saúde e política industrial Rev Saúde Pública 2006 401123 24 Machado CV Direito universal política nacional o papel do Ministério da Saúde na política de saúde brasileira de 1990 a 2002 Rio de Janeiro Editora Museu da República 2007 25 Machado CV Baptista TWF Lima LD organizadoras Políticas de saúde no Brasil continuidades e mudanças Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2012 26 Buss PM Carvalho JR Casas CPR organizadores Medicamentos no Brasil inovação e acesso Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2008 27 Boschi RR Capacidades estatais e políticas de desenvolvimento no Brasil In Melo CR Sáez MA organizadores A democracia brasileira balanço e perspectivas para o século 21 Belo Horizonte Editora da UFMG 2007 p 30326 28 Bielschowsky R Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil um desenho conceitual Economia e Sociedade 2012 2172947 29 Campello T Neri M organizadores Programa Bolsa Família uma década de inclusão e cidadania Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2013 30 Arretche M organizadora Trajetórias da desigualdade como o Brasil mudou nos últimos 50 anos São Paulo Editora da Unesp 2015 31 Anderson P Crisis in Brazil London Review of Books 2016 381522 32 Nobre M Imobilismo em movimento da abertura democrática ao governo Dilma Rio de Janeiro Editora Companhia das Letras 2013 33 Freixo A organizador Manifestações de 2013 as ruas em disputa Rio de Janeiro Oficina Raquel 2016 Coleção Pensar Político 34 Fiori JL O paradoxo e a insensatez Valor Econômico 2009 25 set httpwww1valorcombropiniao4241452oparadoxoeinsensatez 35 Fagnani E A Previdência Social não tem déficit 2016 httpplataformapoliticasocialcombraprevidenciasocialnaotemdeficit acessado em Jul2016 36 Drummond C Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos Carta Capital 2016 6 jun httpwwwcartacapitalcombrrevista904odeficitemiragem 37 Viana AldA Silva HP A política social brasileira em tempos de crise na rota de um modelo social liberal privado Cad Saúde Pública 2015 3124714 38 Medeiros M Souza PHGF Castro FA A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil 2006 a 2012 estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares Ciênc Saúde Coletiva 2015 2097186 39 Servo L Piola SF Paiva AB Ribeiro JA Financiamento e gasto público de saúde histórico e tendências In Melamed C Piola SF organizadores Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Único de Saúde Brasília Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 2011 p 85108 40 Lima LD Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS balanço de uma década expandida Trab Educ Saúde 2009 657397 41 Machado CV Lima LD Andrade CLT Federal funding of health policy in Brazil trends and challenges Cad Saúde Pública 2014 30187200 42 Ugá MAD Santos IS Uma análise da progressividade do financiamento do Sistema Único de Saúde SUS Cad Saúde Pública 2006 221597609 43 OckéReis CO Gasto privado em saúde no Brasil Cad Saúde Pública 2015 3113513 44 Bahia L Financeirização da assistência médicohospitalar no Governo Lula In Machado CV Baptista TWF Lima LD organizadoras Políticas de saúde no Brasil continuidades e mudanças Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2012 p 91113 45 Paiva AB Sá EB Barros ED Servo LM Stivali M Vieira RS et al Saúde Políticas Sociais Acompanhamento e Análise 20152311770 46 Scheffer M Bahia L Representação política e interesses particulares na saúde a participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014 httpwwwabrascoorgbrsitewpcontentuploads201502PlanosdeSaudeeEleicoesFEV20151pdf acessado em Jul2016 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Abstract This article analyzes the trajectory of national health policy in Brazil from 1990 to 2016 and explores the policys contradictions and conditioning factors during the same period Continuities and changes were seen in the policys context process and content in five distinct moments The analysis of the policys conditioning factors showed that the Constitutional framework institutional arrangements and action by health sector stakeholders were central to the expansion of public programs and services providing the material foundations and expanding the basis of support for the Brazilian Unified National Health System at the health sector level However historical and structural limitations institutional legacies and the dispute between projects for the sector have influenced national health policy Interaction between these conditioning factors explains the policys contradictions during the period for example with regard to healths position in the national development model and social security system and the financing and publicprivate relations in health Expansion of public services occurred simultaneously with the strengthening of private segment Dynamic health markets that compete for resources from government and families limit the possibility of consolidating a universal health system and reiterate social stratification and inequalities in health Unified Health System Health Systems Health Policy Public Policy Resumen El artículo analiza la trayectoria de la política nacional de salud en Brasil de 1990 a 2016 además de explorar las contradicciones y los condicionantes de las políticas durante ese período Se observó continuidad y cambios en el contexto proceso y contenido de las políticas en cinco momentos diferentes El análisis de los condicionantes políticos expuso que el marco constitucional los acuerdos institucionales y la acción de agentes sectoriales fueron fundamentales para la expansión de programas y servicios públicos que confi rieron materialidad y ampliaron la base de apoyo al Sistema Único de Salud en el ámbito sectorial No obstante los límites históricoestructurales legados institucionales y la disputa de proyectos para este sector influenciaron la política nacional La interacción de estos condicionantes explica las contradicciones en la política durante este período por ejemplo en lo que se refiere a la inclusión de la salud en el modelo de desarrollo y en la Seguridad Social al carácter de financiación y de las relaciones públicoprivadas en salud La ampliación de los servicios públicos se produjo de forma concomitante al fortalecimiento de segmentos privados configurando mercados dinámicos en salud que se disputan los recursos del Estado y de las familias además de restringir la posibilidad de consolidación de un sistema de salud universal reiterando la estratificación social y las desigualdades en salud Sistema Único de Salud Sistemas de Salud Política de Salud Política Pública Recebido em 24Jul2016 Versão final reapresentada em 26Set2016 Aprovado em 13Out2016 Cad Saúde Pública 2017 33 Sup 2e00129616 Sociologia Problemas e Práticas 83 2017 SPP 83 Modelos de análise das políticas públicas Frameworks of public policies analysis Cadres d analyse des politiques publiques Modelos de análisis de políticas públicas Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues Edição electrónica URL httpsjournalsopeneditionorgspp2662 ISSN 21827907 Editora Mundos Sociais Edição impressa Paginação 1135 ISSN 08736529 Refêrencia eletrónica Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues Modelos de análise das políticas públicas Sociologia Problemas e Práticas Online 83 2017 posto online no dia 06 fevereiro 2017 consultado o 21 setembro 2021 URL httpjournalsopeneditionorgspp2662 CIES Centro de Investigação e Estudos de Sociologia MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Luísa Araújo FPP Fórum das Políticas Públicas Lisboa Portugal Maria de Lurdes Rodrigues Instituto Universitário de Lisboa ISCTEIUL Centro de Investigação e Estudos de Sociologia CIESIUL Lisboa Portugal Resumo É objetivo deste artigo apresentar e discutir quatro modelos teóricos que contribuem para a compreensão das políticas públicas 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o quadro teórico das coligações de causa ou de interesse Estes modelos são considerados por vários autores como sendo os quadros teóricos mais promissores no campo analítico das políticas públicas São modelos logicamente coerentes empiricamente verificáveis claros e abrangentes e replicáveis em diferentes áreas de política situações e contextos Palavraschave políticas públicas processo político ação pública modelos de análise das políticas públicas Abstract In this paper the objective is to present and discuss four theoretical models that contribute to the understanding of public policies 1 the Policy Cycle Model 2 the Multiple Streams Framework 3 the Punctuated Equilibrium Theory and 4 the Advocacy Coalition Framework These models are considered by many authors as the most adequate analytical frameworks in the scientific field of Public Policy The models are logically consistent and empirically verifiable clear and comprehensive replicable in different policy areas situations and contexts Keywords public policies policy process public action public policies theoretical framework Résumé Lobjectif de cet article est de présenter et de débattre quatre modèles théoriques qui contribuent à la compréhension des politiques publiques 1 le Modèle séquentiel ou du Cycle politique 2 le Modèle des flux multiples 3 le Modèle de léquilibre ponctué et 4 le Cadre théorique des coalitions de cause ou dintérêt Ces modèles sont considérés par plusieurs auteurs comme les cadres théoriques les plus promettants dans le domaine analytique des politiques publiques Ces modèles sont logiquement cohérents et vérifiables empiriquement ils sont claires et complets et reproductibles dans différents domaines de la politique dans des situations et des contextes différents Motsclés politique publique processus politique intervention publique modèles danalyse des politiques publiques Resumen El propósito de este artículo es presentar y discutir cuatro modelos teóricos que contribuyen a la comprensión de las políticas públicas 1 modelo secuencial o del ciclo político 2 modelo de flujos múltiples 3 modelo del equilibrio puntuado y 4 cuadro teórico de las coaliciones de causa o interés Estos modelos son considerados por muchos autores como los cuadros teóricos más prometedores en el campo de análisis de las políticas públicas Los modelos son lógicamente consistentes y empíricamente comprobables claros y comprensivos y replicables en diferentes ámbitos políticos situaciones y contextos Palabrasclave política pública proceso político la acción pública los modelos de análisis de políticas públicas A análise das políticas públicas tem como objeto de estudo as decisões políticas e os programas de ação dos governos interrogandose sobre a génese dos problemas que tais decisões procuram resolver sobre as soluções formuladas e as condições da sua implementação As políticas públicas enquanto objeto de estudo configuram em SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 primeiro lugar processos complexos e multidimensionais que se desenvolvem em múltiplos níveis de ação e de decisão local regional nacional e transnacional Em segundo lugar envolvem diferentes atores governantes legisladores eleitores administração pública grupos de interesse públicosalvo e organismos transnacio nais que agem em quadros institucionais e em contextos geográficos e políticos específicos visando a resolução de problemas públicos mas também a distribuição de poder e de recursos Como veremos a análise das políticas públicas ao tomar como objeto de es tudo a ação pública afirmase em ciência política como a disciplina que permite abrir a caixa negra do sistema político Tradicionalmente a ciência política tem como objeto de estudo as questões do poder como este é conquistado mantido distribuído e partilhado os mecanismos de reprodução e de aquisição de recursos de poder bem como os processos de participação de competição e de alianças Neste quadro a análise da atividade dos governos e das instituições do sistema po lítico administrativo não é considerada relevante Aanálise das políticas públicas parte de contributos teóricos gerais da ciência política mas também da economia da psicologia da sociologia da história e dos estudos das organizações Porém define um campo de estudos específico pluridis ciplinar e abre espaço ao desenvolvimento de teorias de médio alcance modelos mapas metáforas e conceitos próprios que permitem explicar e pensar as políticas públicas permitem compreender os modos e as regras gerais de funcionamento da ação pública e analisar as suas continuidades e ruturas bem como os processos e as determinantes do seu desenvolvimento e identificar a multiplicidade de fatores e forças que formam os processos reais das políticas públicas O seu objetivo não é explicar o funcionamento do sistema político mas a lógica da ação pública as con tinuidades e ruturas nas políticas públicas as regras do seu funcionamento a afe tação de recursos e o papel e os modos de interação de atores e instituições nos processos políticos Aanálise das políticas públicas enquanto ciência social beneficiou no seu de senvolvimento de quadros teóricos e de conceitos de outras disciplinas sendo vas to o seu património teórico sistematizado em obras de referência como por exemplo Parsons 1995 Hill 2009 Knoepfel et al 2011 Sabatier 2007 e Fischer 2003 Propomonos neste texto rever os contributos teóricos dos fundadores da dis ciplina e apresentar e discutir quatro modelos teóricos de análise das politicas públicas Os quatro modelos apresentados e discutidos neste trabalho são considera dos por vários autores como sendo os quadros analíticos mais promissores1dadas as suas características São eles 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o qua dro teórico das coligações de causa ou de interesse Tratase de modelos teóricos lo gicamente coerentes baseados em proposições empiricamente verificáveis claros 12 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 1 Ver por exemplo Sabatier 2007 Muller 2010 Capella 2006 Birkland 2011 e abrangentes replicáveis em áreas de política situações e contextos distintos Apresentamse como modelos de síntese uma vez que procuram promover a inte gração de conceitos e propostas analíticas de outros autores explorando a comple mentaridade das diferentes abordagens Emergência da análise das políticas públicas Aanálise de políticas públicas como campo disciplinar de estudo surge e desenvol vese nos EUA2 no pósguerra em condições políticas económicas e sociais parti culares3 Por um lado assistiase ao alargamento das áreas de intervenção do estado na resolução de problemas exigindo crescentemente informação sobre os mais variados setores da educação à saúde aos transportes e planeamento urbano à defesa e segurança Parsons 1995 20 Por outro lado nas universidades ameri canas entre académicos e investigadores de ciência política difundese uma orien tação favorável ao desenvolvimento de conhecimento e informação necessários a uma boa governação tendo em vista o sucesso e eficiência das políticas públicas na melhoria das condições de vida dos cidadãos Defendese então a aplicação de métodos científicos às decisões do governo em todas as áreas de intervenção Culti vase também uma preocupação com a promoção das práticas da democracia De Leon 2006 4041 O trabalho de Lasswell um dos fundadores da disciplina é a vários títulos um exemplo desta orientação4 Os cientistas sociais norteamericanos Harold Lasswell Herbert Simon Charles Lindblom e David Easton são considerados os fundadores do estudo das políticas públicas como área científica autónoma pelos trabalhos seminais desenvolvidos por volta dos anos 50 Fisher 2003 DeLeon 2006 Parsons 1995 Hill 2009 Sabatier 2007 Harold Lasswell 1948 introduz pela primeira vez a expressão policy analysis análise de políticas públicas afirmando a análise do processo político como obje to de estudo alternativo aos objetos tradicionais da ciência política isto é alternati vo ao estudo das constituições legislaturas grupos de interesse elites e questões clássicas do poder A sua obra contribui de forma decisiva em primeiro lugar para a estrutura ção do campo de análise das políticas públicas como uma ciência social aplicada e em segundo lugar para lançar as bases do que virá a ser o modelo de análise se quencial ou das etapas do processo político MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 13 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 2 Na Europa a disciplina desenvolvese apenas a partir de meados dos anos 80 ancorada em perspetivas e focos de análise muito diferentes Muller 2005 3 DeLeon e Vogenbeck 2007 argumentam que a crescente complexidade da ação pública decor rente dos múltiplos e diversificados contextos políticos económicos e sociais que emergiram no período pósguerra estiveram muito associados à consolidação e desenvolvimento do campo da análise das políticas públicas cujas abordagens eminentemente multidisciplinares trans cendem os contributos individuais de outras áreas de estudo designadamente da ciência políti ca da sociologia da administração pública da comunicação da psicologia e da jurisprudência 4 Sobre o legado de Lasswell ver o texto de D Torgerson 2007 Ao longo da sua carreira este autor desenvolve intenso trabalho de consolida ção da ideia de uma ciência política e de um papel para os analistas políticos Com base no pressuposto analítico de que aquilo que o estado faz ou deixa de fazer pode ser formulado cientificamente por investigadores independentes encarando a dis ciplina como subsidiária dos contributos da ciência política da sociologia da an tropologia da psicologia da estatística da matemática e mesmo das ciências exatas Lasswell ambicionava desenvolver uma ciência da formulação e concretização das políticas marcadamente normativa que ancorada em abordagens multidis ciplinares e em metodologias qualitativas e quantitativas habilitasse os decisores políticos com a informação necessária à sua ação e contribuísse para aumentar a ra cionalidade do processo de tomada de decisão ou segundo o próprio uma ciência baseada no conhecimento no e do processo político in and of the policy process O cientista político contemporâneo percebese a si mesmo como um integrador de co nhecimento e ação Um mediador entre os especialistas de áreas específicas de co nhecimento os decisores políticos e os cidadãos Lasswell 1970 314 Lasswell foi um dos primeiros autores em 1956 a tentar estabelecerformular o con junto de etapas de desenvolvimento do processo político propondo uma classifica ção em sete etapas informação recolha de dados iniciativa aprovação de medidas de política prescrição formulação de medidas normas e regras invocação justificação e especificação dos benefícios e das sanções aplicação concretização das medidas avaliação sucesso ou insucesso das decisões e cessação regras e instituições criadas no âmbito da política aprovada Como veremos adiante esta ideia de etapas ou fases de desenvolvimento do processo político será objeto de debate e reflexão no campo das políticas públicas ao longo dos 50 anos seguintes Muitos autores contribuirão para o seu aprofundamento vindo a proposta de Lasswell a transformarse no ponto de partida para a construção dequasetodososnovosmodelosequadrosteóricosdaanálisedepolíticaspúblicas Herbert Simon desenvolve um trabalho de natureza multidisciplinar sobre os processos de decisão nas organizações e dá um contributo decisivo para a evolução do campo das políticas públicas no final da década de 1950 A partir dos seus estu dos centrados na análise dos processos de decisão nas organizações desenvolve e amplia o conceito de racionalidade limitada dos decisores políticos bounded rationality Argumenta que a capacidade de lidar com os problemas de uma forma racional é sempre limitada por fatores exógenos e endógenos como a natureza ne cessariamente fragmentada e incompleta do conhecimento e da informação a ocor rência de mudanças imprevisíveis de contexto o limite de tempo disponível para a tomada de decisão a capacidade limitada da memória humana ou mesmo os valores e interesses próprios Considera contudo que a verificação de algumas condições permite melhorar a racionalidade da decisão designadamente os processos de especialização de indiví duos e organizações que permitem criar rotinas e standards para decisões que se re petem Simon 1983 No mesmo sentido também os mecanismos de mercado ou os mecanismos de contraditório e os instrumentos técnicos restringem e organizam a 14 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 informação necessária à decisão melhorando as condições de racionalidade tal como a informação pública o conhecimento sobre as instituições políticas e o conhe cimento em geral Charles Lindblom 5 dá um contributo decisivo para o desenvolvimento da análise das políticas públicas como processo político Sendo crítico da ideia desen volvida por Simon de racionalidade no processo de decisão focou a sua atenção na identificação da margem de manobra dos decisores políticos que considerava ser muito limitada Construiu uma abordagem analítica alternativa que classificou como método das comparações sucessivas method of sucessive limited compari sons ou incrementalista No seu modelo analítico Lindblom 1959 8486 defende que o processo de decisão política tem as seguintes características i é construído passo a passo atra vés de mudanças incrementais com base em políticas preexistentes ii envolve ajustamentos mútuos e negociação e iii não é uma solução final para os proble mas é apenas um passo que quando é bemsucedido pode ser seguido de outros As políticas não são construídas de uma só vez são construídas e reconstruídas inter minavelmente A construção de políticas é um processo de aproximações sucessivas aos objetivos pretendidos no qual os próprios objetivos vão sendo reconsiderados e alterados Lindblom 1959 86 Abrange na sua análise variáveis ignoradas pelas abordagens racionalistas como as relações de poder os processos eleitorais e o papel das burocracias dos partidos e dos grupos de interesse Por outro lado defende também a necessidade de uma visão mais integrada das diferentes fases e dimensões do processo político Lindblom é crítico em relação ao modelo sequencial de análise do processo político proposto por Lasswell e à ideia da identificação de etapas argumentan do que fases sequenciais e ordenadas deliberadamente não são uma forma ri gorosa de retratar o modo como funciona o processo político Lindblom e Woodhouse 1993 e considerando que tanto o modelo sequencial como o mo delo da escolha racional serviram mais para obscurecer do que para iluminar o processo político demasiado complexo para ser apreendido por modelos exces sivamente simplificadores David Easton 1957 desenvolve a aplicação da abordagem sistémica à análise das políticas públicas tendo tido também uma influência decisiva na evolução da disciplina Conceptualiza a relação entre o processo político as po líticas públicas e o respetivo contexto social económico e político As políticas públicas são no seu modelo um output do sistema político revelador da emer gência da natureza e da atividade do estado Neste sentido Easton entende o processo político como um sistema em que cada componente não pode ser anali sado isoladamente a ação de cada um dos intervenientes no processo político só MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 15 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 5 O seu texto publicado em 1959 The science of muddling through é um dos textos fundado res mais importantes pode ser adequadamente percebida quando inserida no todo No sistema políti co atores e instituições políticas interagem enquadrados por um conjunto de normas símbolos e valores cujo comportamento é condicionado quer por me canismos de suporte da envolvente social inputs quer por pressões internas ao sistema withinputs que para além de influenciarem o comportamento do siste ma também o alimentam e mantêm ativo através da apresentação de exigênci as necessidades e problemas por intermédio dos input channels partidos média grupos de interesses Segundo Easton inputs e withinputs não se transformam automaticamente em problemas políticos a notoriedade das exigências os jogos de poder no exterior e no interior do sistema a existência de competências políticas e técnicas para lidar com as exigências são algumas das condições para a emergência de um problema político no interior do sistema Uma vez identificados os problemas são processa dos nomeadamente através de mecanismos de regulação distribuição e redistri buição dando origem a outputs as decisões políticas que se constituem como resposta às necessidades e exigências apresentadas Num processo de feedback os outputs podem dar origem a novos inputs o que confere ao modelo proposto por Easton uma dinâmica cíclica e inacabada As diferenças nas políticas públicas são explicadas pelas diferenças nas insti tuições do estado e pelas diferenças do funcionamento do sistema político O pro cesso político de tomada de decisão e de iniciativa é entendido neste quadro como uma caixa negra Apesar de distintas as abordagens propostas por Lasswell Simon Lindblom e Easton têm em comum três características que contribuíram para conferir um ca ráter distintivo ao campo científico das políticas públicas 6 são explicitamente orientadas para os problemas públicos e para as suas solu ções problem oriented os problemas ocorrem em contextos específicos que de vem ser considerados quer na sua análise quer na escolha das soluções são distintivamente multidisciplinares nas suas abordagens teóricas e práticas o que é justificado pelo facto de a maioria dos problemas políticos integrarem múltiploscomponentesligadosaváriasdisciplinasasquaissãorelevantespara uma completa análise e compreensão dos fenómenos políticos são orientadas por valores o ethos democrático e a dignidade humana ocu pam um lugar central na análise das políticas públicas afirmam a possibilidade de nas sociedades democráticas a ação ou inação dos decisores políticos ser analisada e formulada cientificamente por cien tistas independentes Os quadros teóricos que dominaram o campo da análise das políticas públicas a partir dos anos 60 derivam da combinação das abordagem lançadas por estes au tores configurandose desde muito cedo duas grandes correntes de pensamento e 16 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 6 Ver Peter DeLeon 2006 5354 de análise dois caminhos analíticos paralelos mas também complementares com muitos pontos de contacto e de cruzamento Por um lado modelos teóricos resultantes de uma combinação entre a abor dagem sequencial Lasswell e a abordagem sistémica Easton centrados na preocupação de responder à questão de como surgem e como funcionam as políti cas públicas entendidas como um processo com especificidades próprias não explicadas apenas pelo funcionamento do sistema político Orientam o debate teó rico entre os vários autores questões sobre o funcionamento das políticas públi cas Como surgem e se desenvolvem as políticas públicas Como emergem os problemas e se processa o seu agendamento político Que soluções são formula das como e porquê Que decisões são tomadas por quem como e porquê Como são concretizadas as políticas públicas e por quem Quais as condicionantes dos processos de concretização Quais os resultados e impactos das decisões Nesta corrente distinguemse 1 as abordagens centradas sobretudo na emergência dos problemas no processo de agendamento e de formulação das políticas públicas e 2 as abordagens centradas sobretudo nos processos de concretização das políti cas públicas Por outro lado modelos teóricos derivados da combinação entre a aborda gem sequencial Lasswell a abordagem da escolha racional Simon e a aborda gem incrementalista Lindblom centrados no processo de decisão7Orientam o debate teórico entre os vários autores as seguintes questões Quem decide como decide e porquê Quem participa na decisão Quais as condicionantes da decisão Qual a relação entre a política e as políticas públicas Neste último caso tratase sobretudo de propostas de análise das políticas públicas baseadas nas teorias do estado sendo aquelas instrumentais para a verificação de hipóte ses dessas teorias Em anexo apresentase uma sistematização dos quadros teóricos e dos mo delos de análise desenvolvidos pelos diferentes autores considerando o seu prin cipal foco de atenção8 Pode dizerse que os diferentes modelos de análise têm em comum a preocu pação de abrir e compreender a caixa negra do sistema político isto é compreen der a ação pública dos governos as condições do seu desenvolvimento as suas causas e condicionantes os fatores de sucesso e de insucesso as consequências e os efeitos dessa ação o papel dos atores o papel das ideias e dos fatores cognitivos a influência dos fatores socioeconómicos e dos organismos internacionais procu rando padrões e explicações causais através da análise das instituições dos atores MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 17 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 7 Ver revisão de literatura sobre abordagens teóricas baseadas nas teorias da escolha racional em M Levi 2009 8 Tratase de uma proposta de sistematização dos diferentes quadros teóricos e modelos de análi se das políticas públicas visando orientar a leitura do extenso património da disciplina Utili zouse como critério principal o tema específico ou a questão de análise a que procuram responder os autores das diferentes abordagens Esta proposta de classificação é apenas um guia devendo ser utilizada tendo em atenção o facto de em muitos casos os autores promove rem estudos que envolvem mais do que uma questão isto é mais do que um foco de observação e reflexão ou procurarem construir abordagens integradas das ideias e de outras variáveis de natureza cognitiva bem como da análise dos fa tores socioeconómicos Nos diferentes modelos varia o foco e o objeto de análise em temas específi cos variam as questões de análise podendo ser mais restritas ou abrangentes as perspetivas disciplinares e as metodologias de análise mas estes não são na maio ria dos casos mutuamente exclusivos antes complementares Como afirma Peter John 1998 14 As abordagens não são rivais podem complementarse e tornarse parte da explicação Neste artigo apresentaremos quatro dos modelos teóricos de análise de polí ticas públicas que contribuem para a compreensão da génese dos problemas e do processo das políticas públicas 1 o modelo sequencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilíbrio interrompido e 4 o qua dro analítico das coligações de causa ou de interesse Quatro modelos teóricos para compreender as políticas públicas Modelo sequencial ou do ciclo político Policy Cicle No modelo sequencial as políticas públicas são tomadas como resultado de um processo que se desenvolve por etapas num ciclo político que se repete Impor tante não é explicar como funciona o sistema político mas compreender os modos da ação pública demonstrar as continuidades e as ruturas bem como as regras ge rais de funcionamento que são específicas das políticas públicas Lasswell é um dos primeiros autores a propor no fim da década de 1950 uma análise estruturada do processo político sugerindo a sua decomposição em fases sucessivas relacionadas entre si de uma forma lógica e sequencial Parte da abor dagem sistémica das políticas públicas de Easton para a construção do modelo Policy Cycle ou modelo das etapas propondo que as políticas públicas sejam anali sadas como o resultado de um ciclo político que se desenvolve por etapas procu rando desta forma abrir a caixa negra do sistema político A desagregação em etapas que podem ser investigadas isoladamente ou em relação com as etapas sub sequentes por redução da complexidade facilita a compreensão desse mesmo processo Lasswell 1956 As designações que Lasswell propõe para cada uma das fases constituem um contributo decisivo para a criação de um mapa conceptual ori entador da análise das políticas públicas informação promoção prescrição invocação aplicação conclusão e avaliação O modelo sequencial ou do ciclo político permite explorar e investigar o pro cesso das políticas públicas por redução da sua complexidade Adesagregação em etapas ou categorias de análise torna todo o processo das políticas públicas mais fa cilmente apreensível Desta forma a ação pública orientada para a resolução dos problemas é analisada como um processo sequencial e inacabado que se repete e reconstrói em resultado de mudanças induzidas por efeito de feedback das próprias políticas públicas ou por alterações do contexto ou da relação entre os atores e ins tituições envolvidos 18 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 A partir da formulação de Lasswell nos anos 70 Charles O Jones 1984 desenvolve uma classificação com dez etapas mais próxima da que veio a ser consolidada e difundida perceção do problema agregação organização representa ção do públicoalvo agendamento formulação orçamentação concretização avaliação ajustamento ou conclusão Muitos outros autores Jenkins 1978 Anderson 2003 Hogwood e Gunn 1984 apresentaram propostas alternativas de classificação9 contribuindo para a consolidação de um modelo heurístico de decomposição do processo político em sequências ou etapas para fins analíticos Os diferentes autores identificam várias etapas fases ou sequências no ciclo político designandoas de formas diferentes porém quatro etapas são comuns a todas as propostas e podem ser sintetizadas da seguinte forma definição do problema e agendamento relativos ao contexto e ao processo de emergência das políticas públicas perceção de um problema como proble ma político ao debate público sobre as suas causas e à entrada do proble ma na agenda política formulação das medidas de política e legitimação da decisão relativas ao processo de decisão e de elaboração de argumentos explicativos da ação política de desenho de objetivos e de estratégias de solução do problema de escolha de alternativas bem como de mobilização das bases de apoio político implementação relativa aos processos de aprovisionamento de recursos insti tucionais organizacionais burocráticos e financeiros para a concretização das medidas de política avaliação e mudança relativas aos processos de acompanhamento e avaliação dos programas de ação e das políticas públicas com o objetivo de aferir os seus efeitos e impactos a distância em relação aos objetivos e metas estabele cidos a eficiência e eficácia da intervenção pública os processos de modifica ção dos objetivos e dos meios políticos decorrentes de novas informações de alterações no contexto de espaço e de tempo a partir dos quais por efeito de feedback se inicia um novo ciclo político em que as etapas se repetem O modelo sequencial ou do ciclo político tem sido alvo de críticas nomeadamente por se basear numa metodologia de análise muito restrita e por criar uma visão ar tificial do processo político AtítulodeexemploParsons19957980argumentaqueomodelodociclopo lítico não é um modelo causal que não pode ser empiricamente testado e que privile gia uma análise topdown do processo político ignorando os diferentes níveis de decisão e a diversidade de atores intervenientes no processo ignorando assim os múltiplos níveis de decisão e de ciclos John Kingdon 2011 205 critica o modelo das etapas por entender que o processo político não decorre ordenadamente em fases referindo designadamente MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 19 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 9 May e Wildavksy 1978 compilaram contributos de vários autores para o desenvolvimento do modelo do ciclo político que o agendamento não ocorre em primeiro lugar gerando posteriormente alterna tivas Pelo contrário para este autor as alternativas são defendidas e ponderadas du rante muito tempo antes que uma oportunidade as coloque na agenda Também Paul Sabatier 2007 7 critica a abordagem por não identificar o con junto de causalidades que norteia o processo político por ser imprecisa normativa simplificadora e marcadamente topdown focando a sua atenção num único ciclo e descurando as dinâmicas decorrentes das interações entre múltiplos ciclos que envol vemdiferentespropostasdesoluçãodiferentesatoresemúltiplosníveisdedecisão Apesar das críticas o modelo das etapas tem sido o ponto de partida para a maioria das abordagens metáforas e enquadramentos teóricos da análise das polí ticas públicas porque permite relacionar de forma coerente todos os aspetos das mesmas Muller 2010 25 Na realidade tratase de um modelo heurístico que per mite explorar para fins exclusivamente analíticos as políticas públicas10Como to dos os modelos heurísticos terá que ser usado com cautela com a noção clara de que é apenas uma representação simplificada da realidade cuja função é providen ciar um enquadramento analítico facilitador da compreensão do processo político Pode considerarse inclusivamente que a difusão do seu uso é provavelmente resultado da sua capacidade de proporcionar uma estrutura racional dentro da qual se pode considerar para efeitos de análise a multiplicidade da realidade e em que podem ser aplicados diferentes quadros explicativos Como refere Pierre Muller a representação sequencial das políticas não deve ser utilizada de forma mecânica É indispensável entender as políticas como um fluxo contínuo de decisões e procedi mentos para os quais é necessário encontrar um sentido Haverá vantagem em conce ber uma política pública não como uma série de sequências sucessivas mas como um conjunto de sequências paralelas que interagem e se modificam continuamente Muller 2010 27 Metáfora dos fluxos múltiplos Multiple Streams Framework Na sua obra de referência Agendas Alternatives and Public Policies John Kingdon 2011 desenvolve o modelo analítico Multiple Streams11 procurando explicar como é que os problemas se transformam em problemas políticos isto é como cap tamaatençãodopúblicoedospolíticoseentramnaagendadaaçãopúblicaNemto das as questões se transformam em problemas políticos suscitando a intervenção do governo apenas algumas Como e porquê O modelo de análise proposto procura responder às seguintes questões i Porque é que os decisores políticos prestam atenção a um determinado assunto em detrimento de outros ii Como e porquê se alteram as agendas políticas ao longo do tempo iii Como é que os decisores 20 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 10 Sobre o valor heurístico do modelo das etapas ver também os argumentos de Michael Hill 2009 147148 e Rodrigues 2014 11 O autor baseia o seu modelo num trabalho de investigação empírica desenvolvido nos anos 70 nos setores da saúde e dos transportes que implicou a realização de centenas de entrevistas jun to de funcionários públicos e ativistas políticos bem como a realização de estudos de caso políticos selecionam soluções para os problemas de entre um vasto conjunto de alternativas O autor concebe um modelo baseado numa metáfora e em três conceitos cen trais as comunidades políticas constituídas por investigadores deputados fun cionários públicos analistas grupos de interesse cujos membros partilham a preocupação com determinado tema ou problemas e que promovem a construção e a difusão de ideias em diferentes fóruns os empreendedores políticos um tipo parti cular de atores na mediação e negociação dos processos de agendamento a janela de oportunidade política que se abre quando convergem três fluxos de variáveis a perceção pública dos problemas fluxo dos problemas o conhecimento de soluções políticas e técnicas adequadas aos valores dominantes fluxo das políticas e as con dições de governação fluxo da política Os três fluxos streams fluem autonoma mente no sistema político com regras e dinâmicas próprias Fluxo dos problemas Kingdon aborda os problemas como construções sociais estabelecidas por intervenção de atores comunidades políticas nos pro cessos das políticas públicas Estabelece uma distinção entre questões e pro blemas políticos considerando que uma questão definida como uma situ ação socialmente percebida só se transforma num problema quando os de cisores políticos consideram que deve ser encontrada uma solução para a questão Atendendo ao grande número de questões e à impossibilidade ma terial dos decisores de lidar com todas elas a emergência de um problema é condicionada por mecanismos que contribuem para que a atenção dos deci sores se centre em determinadas questões em detrimento de outras Esses me canismos são indicadores eventos crises símbolos e feedback da ação política12 A construção de argumentos baseados em dados e informações a elaboração de narrativas sobre as causas dos problemas e as respetivas soluções a difu são desses argumentos e informações fazem parte da atividade das comuni dades políticas que são mais ou menos fragmentadas integrando uma diver sidade de pontos de vista e de ideias muitas vezes antagónicas Também os organismos internacionais desempenham neste processo um papel impor tante Adefinição dos problemas constitui uma etapa fundamental podendo inclusivamente determinar o sucesso da ação política No entanto não é sufi ciente só por si para iniciar um processo de agendamento Fluxodaspolíticascompostopeloconjuntodealternativasesoluçõesdisponíveis geradas no interior das comunidades políticas Para explicar a forma como são ge radas as alternativas no interior das comunidades políticas Kingdon utiliza a metáfora da sopa primordial primeval soup13 Um grande conjunto de ideias fluem no interior das comunidades policy primeval soup algumas tornamse MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 21 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 12 Birkland 2011 analisa também o impacto dos eventos focalizadores no processo das políticas públicas 13 Ateoria da sopa primordial utilizada em biologia para explicar o aparecimento de vida na Ter ra defende que um conjunto de moléculas que flutuava numa sopa de matéria orgânica quando exposto a determinados fatores exógenos deu origem à vida proeminentes enquanto outras desaparecem em resultado de um processo evo lutivo de amadurecimento em que as ideias se confrontam e se combinam das mais variadas formas eventuais consensos decorrem de processos de persuasão e de difusão de ideias As alternativas de solução não decorrem necessariamente da prévia identificação e perceção política dos problemas o autor afirma inclusi vamente que muitas vezes as soluções são construídas e só posteriormente são identificados os problemas para os quais possam ser aplicadas essas soluções Não obstante a importância crucial que Kingdon confere às ideias e à existência de alternativas tecnicamente viáveis considera que estas não representam só por si um fator gerador do agendamento Fluxo da política respeita à dimensão política que segue um curso indepen dente dos problemas e das soluções políticas O autor inclui neste fluxo três feixes de variáveis decisivas para alterar ou influenciar o processo de agendamento O sentimento nacional national mood que caracteriza como situações em que um grande número de pessoas num país partilha ideias comuns o sentimento nacional sofre mudanças no tempo de uma forma percetível e estas mudanças têm importantes impactos nas agendas e nos resultados políticos Kingdon 2011 146 As forças políticas organizadas onde os atores centrais são os partidos po líticos e os grupos de interesse A perceção que os decisores têm da for ma como estes atores se interrelacionam é de importância crucial para o desenvolvimento das políticas Se os governos consideram que a maio ria dos grupos de interesse e outras forças organizadas apontam para uma mesma direção este contexto proporcionalhes um forte ímpe to para se orientarem nessa direção Kingdon 2011 150 As mudanças governamentais governmental turnover nomeadamente mudanças de ciclo político remodelações e reconfigurações de gover nos e parlamentos mudanças nas hierarquias da administração sendo a mudança de governo o fator mais propício à ocorrência de alterações na agenda política Ao contrário do que acontece no fluxo das políticas em que o consenso é produto de processos de persuasão e difusão no fluxo da política os consensos são construídos através de intensos pro cessos negociais e pelo estabelecimento de coligações Como foi já referido o autor defende que cada um dos fluxos descritos percorre o seu caminho de forma independente de acordo com as suas próprias regras e dinâmicas Em determinados momentos e sob determinadas condições os fluxos convergem favorecendo a abertura de uma janela de oportunidade que proporciona aos defensores de uma deter minadapropostaumapossibilidadeparafazervalerassuasideiasouparadeterminar queaatençãopolíticasecentrenosseusproblemasespecíficosKingdon2011165 Esta convergência é impulsionada principalmente pelo fluxo dos problemas quando um problema consegue captar a atenção política na sequência do conheci mento e divulgação de indicadores de resultados de ações políticas ou da ocorrên cia de eventos ou crises e pelo fluxo da política quando ocorrem mudanças 22 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 governamentais pressões públicas ou alterações do sentimento nacional O fluxo das políticas não tem um efeito tão direto no processo as alternativas e soluções man têmse ativas e atualizadas no seio das comunidades políticas e epistémicas e emer gem quando é aberta a janela de oportunidade por influência dos outros dois fluxos sendo então possível ocorrer mudanças na agenda política Essencial para a compreensão do mecanismo de junção dos três fluxos cou pling é o contexto no qual segundo Kingdon decorre o processo político O papel e o peso dos diferentes atores no decurso do processo a forma como afetam a dis ponibilização de alternativas e a escolha de soluções e o modo como utilizam os re cursos são decisivos neste modelo O modelo Multiple Streams distingue para efeitos de simplificação da análise dois grandes conjuntos de atores 1 o conjunto de atores visíveis visible cluster mais exposto à pressão e atenção pública que inclui o governo o parlamento e os membros da administração com poder decisório e 2 o conjunto de atores invisíveis hidden clus ter composto por grupos de interesse burocratas pesquisadores académicos parti dos políticos média e opinião pública Cada um dos conjuntos dispõe de recursos distintos os atores visíveis dispõem de uma autoridade formal e de prerrogativas le gais que lhes são concedidas pelo seu próprio estatuto enquanto os atores invisíveis detêm um maior controlo sobre as alternativas e soluções disponíveis Independente mente de estarem inseridos num ou noutro destes conjuntos emergem atores ou grupos de atores que estão dispostos a investir os recursos de que dispõem desig nadamente tempo energia reputação recursos financeiros para colocar no centro da atenção política os seus problemas eou as alternativas que defendem Kingdon de signa estes atores como empreendedores políticos policy entrepeneurs que desempe nham um papel fundamental no processo tendo uma grande influência na criação de condições favoráveis à junção dos fluxos à abertura de janelas de oportunidade e à in trodução de mudanças na agenda política O modelo Multiple Streams tem sido objeto de propostas de alteração e de in trodução de novos fatores e mecanismos de análise com o propósito de ultrapassar limitações que lhe têm sido apontadas algumas delas posteriormente reconheci das pelo próprio Kingdon Uma destas críticas prendese com a conceptualização da autonomia dos flu xos Alguns autores têm defendido que a análise seria mais proveitosa se fosse con siderada a interdependência dos fluxos em que as mudanças ocorridas num deles tivessem impacto na trajetória dos outros o que tornaria o processo de coupling mais estratégico ultrapassando a ideia de imprevisibilidade do processo14 Vários autores consideram que a principal fragilidade do modelo reside na pouca atenção MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 23 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 14 Sabatier e Schlager 2000 225 consideram que embora o modelo de Kingdon evidencie pontos fortes como sejam a atenção dada à envolvente socioeconómica a centralidade conferida às ideias e à informação a capacidade de integrar na análise uma diversidade de fatores cognitivos e não cognitivos e a possibilidade de ser replicado em diferentes contextos este não disponibili za uma metodologia satisfatória para determinar em que fluxos se integram os atores da ação pública para além de constituir uma metáfora intuitiva que não cumpre adequadamente crité rios de cientificidade que dá ao contexto institucional no qual decorre a ação política sendo necessário salvaguardar essa análise complementar O modelo do equilíbrio interrompido Punctuated Equilibrium Theory O modelo Punctuated Equilibrium15 desenvolvido por Frank Baumgartner e Bryan Jones é construído com base no seguinte princípio os processos políticos são ge ralmente caracterizados por estabilidade e incrementalismo pontuado ou inter rompido ocasionalmente por mudanças de larga escala A estabilidade mais que as crises caracterizam a maioria das áreas de política mas as crises ocorrem Com preender o processo político implica analisar as condições de estabilidade e simul taneamente as condições da mudança True Jones e Baumgartner 2007 155156 O objetivo dos autores foi construir uma abordagem que permitisse explicar quer as descontinuidades ou interrupções punctuations quer as continuidades stasis das políticas argumentando que o mesmo sistema institucional gera as mu danças pequenas e graduais e as grandes ruturas Na sua abordagem os autores propõem uma metodologia que combina estudos qualitativos de políticas públicas com estudos quantitativos e longitudinais seguindo as mudanças de políticas em longos períodos de tempo Propõem como chave para compreender as mudanças na agenda política isto é as interrupções ou descontinuidades dos equilíbrios dois conceitos imagem política policy image e subsistema político Em primeiro lugar o conceito de imagem política a forma como uma política é percebida e discutida e os processos de mudança nas políticas públicas de pendem da forma como os assuntos são percecionados publicamente As imagens políticas são ideias que permitem a compreensão dos problemas e das soluções e que podem ser comunicadas de forma simples e partilhadas por uma comunidade ou seja são retratos dos problemas incluindo as narrativas sobre as suas causas e as soluções para os resolver Quando uma imagem é largamente partilhada e aceite constituise como monopólio político Os monopólios políticos mantêm o equilíbrio e a estabilidade dos sistemas Quando há divergências em relação a uma imagem os defensores de ideias diferentes podem conseguir desestabilizar o monopólio Ima gens políticas alternativas são desenvolvidas com base em dois tipos de compo nentes 1 informações e dados empíricos e 2 apelos emotivos E são geradoras de disputas para a alteração das políticas Os autores analisam com detalhe uma diversidade de problemas para testar o modelo e concluem que existe um padrão de evolução semelhante a estabilidade é caracterizadapelaprevalênciademonopóliospolíticossendointerrompidaquando 24 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 15 A designação que Baumgartner e Jones dão ao seu modelo analítico alude à teoria da biologia evolutiva com o mesmo nome que contrariando a mudança lenta e progressiva das espécies de fendida por Darwin defende a existência de largos períodos de stasis estabilidade interrom pidos por raros mas intensos períodos de mudança O suporte empírico do modelo consistiu na classificação e análise de artigos publicados nos meios de comunicação social e de intervenções nas audiências no Congresso norteamericano e outras informações sobre as políticas setoriais concretas desenvolvidas ao longo de várias décadas um monopólio é desafiado destruído reconstruído ou substituído por outro Todos os grupos e comunidades têm interesse em estabelecer um monopólio e um arranjo institucional que reforce tal monopólio Em segundo lugar o conceito de subsistema político formado por comunida des de especialistas numa determinada área nos quais os governos delegam a tare fa de processar as questões políticas Partindo do princípio da impossibilidade de os governos lidarem em simultâneo com uma grande diversidade de assuntos o modelo Punctuated Equilibrium defende que é no interior dos subsistemas políticos que são processados os problemas e toda a informação disponível Os subsistemas políticos são assim entendidos como mecanismos que permitem ao sistema políti co assegurar o processamento paralelo parallel processing de grandes volumes de informação diversificada O agendamento traduz a passagem de um problema do subsistema comunidades de especialistas para o macrossistema governo Tal como Kingdon Baumgartner e Jones defendem que as questões políticas não se transformam automática e naturalmente em problemas políticos Para estes auto res é a imagem política que estabelece a ligação entre o problema a solução e a possibilidade do seu agendamento A existência de monopólio político exige o exercício de controlo sobre o discurso e a visão dos problemas Os subsistemas es pecíficos que adquirem o controlo sobre a interpretação dos problemas e a forma como são discutidos geram feedbacks negativos sobre as agendas impedindo os processos de mudança Dentro dos subsistemas as relações estabelecidas entre grupos com poder para mudar a imagem de determinado problema afetam as di nâmicas de agendamento Nos subsistemas mais competitivos a transformação de um monopólio político com novos atores com novas ideias conduz ao agenda mento de novos problemas e a novos debates e depois a novos monopólios e perío dos de estabilidade O modelo de Baumgartner e Jones constituise como uma nova forma de olhar as políticas públicas na medida em que tem por objetivo não só explicar os longos períodos de estabilidade que caracterizam a ação pública mas também as rápidas e explosivas mudanças que pontuam o equilíbrio dominante elegendo os subsistemas políticos como arranjos institucionais que garantem a estabilidade onde as ideias ocupam um lugar preponderante São no entanto apontadas algumas limitações ao modelo John 2013 refere designadamente que 1 a metodologia utilizada permite identificar a existência de associações mas não de relações causais entres as agendas dos média da opi nião pública e das arenas políticas com os resultados das políticas 2 o modelo é essencialmente bottomup negligenciando a capacidade que os decisores políticos têm de formatar as decisões de acordo com as suas preferências O quadro teórico das coligações de causa ou de interesse Advocacy Coalition Framework ACF Como vimos o modelo sequencial tem sido a base a partir da qual se construíram os diferentes modelos de análise das políticas públicas O modelo Advocacy Coalition Framework ACF proposto na década de 1980 por Paul Sabatier e JenkinsSmith MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 25 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 constitui uma das mais importantes formas alternativas de pensar o processo político propondose a encontrar uma alternativa ao modelo heurístico das etapas que do minava o campo de estudo das políticas b sintetizar os melhores contributos das abordagens topdown e bottomup explicativas da implementação de políticas e c in corporar informação técnica nas teorias do processo político O objetivo foi disponibi lizar uma explicação coerente sobre os principais fatores e dinâmicas que afetam o processo político Naanálisesepararafasedeagendamentodasrestantesfasesdoprocessopolíticonãoé realista nem permite compreender as mudanças que ocorrem Sabatier 1998 98 Em diálogo com os autores da tese do Iron Triangle amplamente utilizada pela ciên cia política para explicar a formação de políticas públicas16 Sabatier defende para compreender o desenvolvimento do processo político o recurso a vários conceitos sistema de crenças subsistema político coligação de causas e mediadores políticos O siste ma de crenças envolve ideias valores ontológicos e normas deep core beliefs perce ções sobre as causas dos problemas e os efeitos e a eficácia das soluções políticas das instituições e dos recursos mobilizados policy beliefs sendo partilhados por atores envolvidos em determinada política Os autores consideram que o subsistema político é a unidade de análise mais adequada para analisar o processo político Este definese como um conjunto de atores integrados em organizações públicas e privadas que se interessam ativa mente por uma determinada área de política e tentam influenciar o desenvolvi mento político nessa área Sabatier 1998 98 Fazem parte do subsistema todos os que participam e desempenham um papel importante na geração disseminação e avaliação das ideias políticas em relação a um tema ou área específica analistas grupos de interesse burocratas políticos eleitos académicos think tanks in vestigadores jornalistas e membros de diferentes níveis do sistema políticoadmi nistrativo e de governo Os intervenientes no processo político procuram alianças com atores dos diversos níveis governamentais que partilham ideias políticas semelhantes legisladores burocratas líderes de grupos de interesse juízes investigadores e intelectuais Sa batier 2007 196 É a partilha de um mesmo sistema de crenças que mantém os atores unidos no mes mo subsistema Quando estes atores agem de forma concertada para atingir deter minados objetivos políticos está formada uma coligação de causa ou de interesse advocacy coalition A associação ou a competição entre coligações geram dinâmi cas de mudança nas políticas públicas e dinâmicas de recomposição e de emergên cia de novas questões Os subsistemas integram uma diversidade de coligações 26 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 16 Tradicionalmente os cientistas políticos defendiam que as políticas públicas decorriam da intera çãoentredecisorespolíticosburocratasegruposdeinteresseosvérticesdotriângulodeferro que se distinguem umas das outras pelos recursos de que dispõem e pelas ideias políticas policy beliefs que defendem advocacy coalition e que competem entre si para influenciar a tomada de decisão política O modelo prevê a intervenção no interior dos subsistemas de mediadores políticos policy brokers atores que tentam gerar compromissos entre as posições das diferentes coligações com o objetivo de apresentar propostas de mudança po lítica viáveis e influenciar a posição dos decisores políticos e das instituições gover namentais Esta capacidade de influenciar e promover a mudança refletese nos resultados das políticas policy outputs que por sua vez têm impacto através de processos de feedback nas ideias políticas e nos recursos das coligações processo que os autores designam policy oriented learning e definem como alterações relati vamente duradouras de pensamento ou de comportamento que resultam da experiência de ações políticas anteriores eou da aquisição de nova informação Sa batier 2007 198 Os autores defendem que dois tipos de variáveis têm impacto ao nível do equi líbrio de poder e da distribuição de recursos no interior do subsistema variáveis está veis estrutura social regras instituições valores e recursos do sistema político e variáveis instáveis ou eventos exteriores mudanças socioeconómicas mudanças no sistema de governo mudanças ou decisões em outros subsistemas Mas ao contrá rio de outras abordagens que valorizam a influência do contexto e das pressões ex ternas no desenvolvimento do processo político como é o caso do modelo de Kingdon que dá relevo ao papel de fatores externos ao processo político como o sentimento nacional o turnover governamental e a pressão dos grupos de interesse os autores do ACF defendem que eventos externos ao subsistema são condição ne cessária mas não suficiente para a mudança nas políticas Sabatier 2007 199 va lorizando antes a importância das ideias políticas quer na formação e desenvolvimento das coligações quer como fator indutor de mudança política Os autores preveem ainda a existência de uma terceira variável exercendo funções de mediação entre as outras duas e o subsistema condicionando e enqua drando o comportamento dos atores e das suas interações esta variável designada long term coalition opportunity structure diz respeito ao grau de consenso necessá rio à mudança política e ao grau de abertura do sistema político Defendem os autores que uma estrutura que promova e incentive altos graus de consenso e de partilha de informação entre as diferentes coligações e privilegie um fácil acesso aos patamares decisórios contribui para minimizar os riscos de conflito e para al cançar os objetivos políticos O modelo proposto por Sabatier e Jenkins foi elaborado com o propósito mais abrangente de encontrar uma explicação para o processo político alternativa ao modelo das etapas Nesse sentido para além de proporcionar uma abordagem mais integrada dos processos de emergência e de formulação das políticas públi cas propõe também uma síntese das abordagens topdown e bottomup da imple mentação de políticas A abordagem topdown defende que um processo eficaz de implementação requer uma cadeia de comando com capacidade para coordenar e controlar o processo enquanto que a abordagem bottomup valoriza a influência das rotinas e dos procedimentos das administrações street level bureaucracy e dos MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 27 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 expedientes utilizados para lidar com situações de incerteza como um fator deter minante para o sucesso ou insucesso da concretização de políticas O quadro analítico Advocacy Coalition Framework tem sido utilizado com su cessopara a análise de processos de implementação17 Na sequência da experiência resultante da aplicação do modelo em diversas pesquisas empíricas e do esforço para sintetizar as teorias até então dominantes Sabatier em conjunto com David Mazmanian apresentou um conjunto de seis condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento adequado e eficaz do processo de implementação em Parsons 1995 486 i objetivos claros e consistentes que permitam estabelecer um padrão de avaliação normativa e de recursos ii uma adequada teoria causal que assegu re que a política incorpora uma abordagem para induzir a mudança iii uma estrutura legalmente enquadrada que favoreça o compromisso entre os responsá veis pela implementação e os gruposalvo da política iv responsáveis pela imple mentação competentes tecnicamente e empenhados em atingir os objetivos da política v apoio de grupos de interesse e de titulares de altos cargos no parlamen to e no governo vi mudanças nas condições socioeconómicas por forma a não comprometer o apoio dos grupos de interesse parlamentares e governantes e a não subverter a teoria causal subjacente à política Ainda de acordo com Parsons 1995 487 este modelo embora mais associado à abordagem topdown ao defender que as coligações que integram atores dotados de autoridade formal são regra geral as coligações dominantes dentro do subsistema político o que é aliás reconhecido pelo próprio Sabatier 2007 201202 representa uma efetiva síntese das duas abordagens referidas uma vez que enfatiza a importância do papeldaselitespolíticasedaexistênciadeumalinhahierárquicadecoordenaçãomas simultaneamente incorpora preocupações da abordagem bottomup ao valorizar tam bém o papel das burocracias e das estruturas de implementação Notas conclusivas Nestetextopassámosemrevistaoscontributosteóricosdosfundadoresdaanálisedas políticas públicas e apresentámos quatro modelos teóricos de análise 1 o modelo se quencial ou do ciclo político 2 o modelo dos fluxos múltiplos 3 o modelo do equilí briointerrompidoe4oquadroteóricodascoligaçõesdecausaoudeinteresseComo referimos são quadros explicativos do funcionamento das políticas públicas conside rados por vários autores como sendo dadas as suas características quadros analíticos promissoresTratasedemodelosteóricoslogicamentecoerentesbaseadosempropo sições empiricamente verificáveis claros e abrangentes replicáveis em áreas de políti ca situações e contextos distintos Apresentamse como modelos de síntese uma vez que promovem a integração de conceitos e propostas analíticas de outros autores ex plorando a complementaridade das diferentes abordagens 28 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 17 Segundo Parsons 1995 486 o modelo foi utilizado para analisar uma grande diversidade de casos nos EUAe na Europa revelandose de grande utilidade para orientar a pesquisa empírica da implementação de políticas Procurámos assim contribuir para melhorar as condições de desenvolvimen to deste campo disciplinar também em Portugal18 No atual contexto a análise das políticas públicas tem uma importância renovada porque pode ser um instrumen to de promoção da qualidade das políticas públicas da exigência do rigor e da transparência dos gastos públicos Porém a análise das políticas públicas pode permitir também compreender melhor algumas das tensões das tendências contraditórias que atravessam os de bates públicos na sociedade portuguesa Quer seja o debate público sobre o papel do estado a sua dimensão e a natureza da sua intervenção revelando tensões en tre por um lado os defensores de políticas keynesianas e de um papel ativo do es tado não apenas na regulação mas também na resolução de problemas que o mercado não resolve com investimento público e respondendo a crescentes neces sidades e expectativas dos cidadãos e por outro lado os defensores de políticas restritivas e de um estado mínimo não interventor privilegiando a ação dos mer cados e a iniciativa individual pressionando para a redução do défice da dívida e do investimento público Quer seja o debate sobre as questões da soberania e o efe tivo poder dos governos nacionais partindo do reconhecimento das dinâmicas da globalização e da transnacionalização da influência de fatores externos e da inter venção de organismos internacionais e transnacionais como a OCDE o FMI e as instituições da UE tem suscitado interrogações sobre o funcionamento da demo cracia nos estadosmembros MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 29 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 18 Com objetivo similar vários trabalhos têm vindo a ser publicados sobre as políticas públicas em Portugal por M L Rodrigues e P Adão e Silva 2013 2014 2015 Anexo Quadros teóricos abordagens e modelos de análise de políticas públicas FUNCIONAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Agendamento e formulação Modelo sequencial ou do ciclo político Policy Cycle Lasswell Jones Anderson Metáfora dos fluxos múltiplos Multiple Streams Framework Kingdon Equilíbrio pontuado ou interrompido Puntuacted Equilibrium Theory Baumgartner e Jones Coligações de causa ou de interesse Advocacy Coalition Framework Sabatier e JenkinsSmith Abordagens cognitivas e centradas no papel das ideias King Jobert e Muller Hall Sabatier e JenkinsSmith Majone Stone Modos de agendamento Cobb e Elder Agendasetting e meios de comunicação McCombs Shaw Ciclos de atenção ao problema Downs Peters Hogwood Eventos focalizadores Birkland Duas faces do poder decisão e não decisão Bachrach e Baratz Instrumentos da ação pública Lascoumes Le Galès Concretização Modelos topdown Pressman e Wildavsky Bardach Modelos bottomup Lipsky Sabatier Burocracia no terreno ou na base da hierarquia streetlevel burocracie Lipsky Poder de veto Tsebelius Deriva burocrática e agency problems Grossman e Hart Newton e Deth Schnapp Modelos de síntese Mayntz Ingram Elmore Matland Hill e Hupe PROCESSO DE DECISÃO Modelo da racionalidade limitada Simon Abordagens incrementalistas Lindblom Teorias da escolha racional Downs A metáfora do caixote de lixo garbage can Cohen Marsh e Olsen Abordagem dos subsistemas redes e comunidades políticas Heclo Marsh e Rhodes Atkinson e Coleman Smith Abordagens centradas nos atores Marin e Mayntz Dye Modelo Top Down Policymaking Dye Papel da administração na formulação de políticas Page Schnapp Dependência da trajetória path dependence Peters Pierre King Pierson Immergut Hall e Taylor Thelen Transferência e difusão de políticas públicas Dolowitz e Marsh Abordagens neoinstitucionalistas Ostrom Hall e Taylor POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS Teoria da ação pública Muller Palier e Surel Teoria pluralista ou teoria dos grupos Dahl Bachrach e Baratz Teoria das elites Mosca Mills Neomarxistas Miliband Offe Habermas Abordagem neocorporativa Schmitter Tipologias de políticas públicas Lowi Neoinstitucionalismo Marsh e Olson Skocpol Hall e Taylor Linguagem e comunicação política Fischer e Forester Edelman Teorias do estado Mény e Thoening Jobert e Muller 30 Luísa Araújo e Maria de Lurdes Rodrigues SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 Referências bibliográficas Anderson J E 2003 Public Policymaking Boston Houghton Mifflin Baumgartner Frank R Martial Foucault e Abel François 2012 Public budgeting in the EU Commission a 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Portugal Email mlreisrodriguesgmailcom Receção 19 de maio de 2016 Aprovação 1 de agosto de 2016 MODELOS DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 35 SOCIOLOGIA PROBLEMAS E PRÁTICAS nº 83 2017 pp 1135 DOI107458SPP2017839969 This page is blank Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 12 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Public policy analysis from the technical to ideas Ricardo Agum1 Priscila Riscado2 Monique Menezes3 Resumo O artigo procura estabelecer uma leitura frente os principais conceitos da temática política pública assim como procura apresentar o cenário teóricoprático Busca discutir algumas vertentes e interpretações concernentes ao campo das políticas públicas Palavraschave Políticas Públicas Análise de Política Pública Conceitos de Política Pública Abstract The article seeks to establish a review to the main concepts of public policy and attempt to present a theoric practical scenario Also seeks to discuss the different lines and interpretations towards to the public policy field Keywords public policy public policy analysis public policy concepts 1 Ricardo Agum Ribeiro Email ricardoagumyahoocombr Instituto Leônidas e Maria Deane Fiocruz Amazônia Doutor em Ciência Política Professor colaborador do Mestrado Ciência Política UFPI e do Mestrado em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia PPGVIDA ILMD Fiocruz AM Bolsista DCR CNPqFAPEAM 2 Priscila Ermínia Riscado Email priscilariscadogmailcom Universidade Federal Fluminense UFF Doutora em Ciência Política Professora Adjunta do Bacharelado em Políticas Públicas IEARUFF 3 Monique Menezes Email moniquemenezesgmailcom Universidade Federal do Piauí UFPI Doutora em Ciência Política Professora Adjunta de Ciência Política Graduação e Mestrado Ciência Política UFPIPPGCP Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 13 1 Introdução O campo das políticas públicas é permeado por diversas colaborações disciplinares assim como campo de pertencimento de áreas afins O presente trabalho busca contribuir de maneira objetiva nos aspectos referentes aos conceitos e análises pertinentes ao campo da Ciência Política mas pretendese apresentar como fonte de inspiração para as mais diversas áreas que se inclinam de uma maneira geral para as políticas públicas Desta maneira a proposta em curso se firma na intenção de apresentar uma análise conceitual da política pública como maneira de possibilitar possíveis transformações ainda que esta não seja seu foco principal mas um possível efeito resultante Atentar para interesses e valores que fazem parte de um processo de tomada de decisão bem como de efetivação das ações de um aspecto que interessa necessariamente ao analista O artigo está dividido em oito tópicos além da introdução e conclusão partes constituintes do processo de política pública partindo do conceito e discussão e seguindo formas de percepção das políticas públicas Coube ressaltar também o problema público como um dos itens analisáveis assim como os tipos sugeridos pela literatura para políticas públicas bem como o ciclo dessas políticas por nos parecer ser este o mais utilizado entre as correntes de métodos de análises As contribuições de John Kingdon 2003 foram elaboradas separadas das demais por conter tópicos relevantes às questões contemporâneas no trato das políticas públicas no Brasil Consideramos para discussão estabelecida o entendimento das instituições dos atores grupos de interesse meios de comunicação e mídia na formação e execução da política pública Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 14 2 Política Pública Conceito e discussão A discussão acerca das políticas públicas abrange um espectro amplo de temas Na intenção de mensurar minimamente este espaço o artigo se propõe apresentar e discutir aspectos relativos à formulação de políticas públicas no Brasil e em parte da literatura internacional Para isso mostrouse necessário fazer o levantamento das principais correntes teóricas desse campo A Política Pública enquanto área de conhecimento acadêmica primeiramente ligada a uma subárea da Ciência Política e após como uma disciplina multidisciplinar teve suas origens nos Estados Unidos da América EUA primeira metade do século XX Procurar entender e formular teoricamente questões científicas envolvendo o tema assim como compreender as razões pelas quais os governos escolhem determinadas ações para executar medidas empíricas esteve presente na área desde seus primórdios No sentido de exemplificar os nomes que contribuíram de maneira a tornaremse marco teórico na área das políticas públicas escolhemos alguns estudiosos para esta representação no presente trabalho Em 1936 Harold Dwight Lasswell 1956 apresentou pela primeira vez a expressão análise de Política Pública Policy Analysis O autor procurou estabelecer contato entre a produção de ações governamentais no conhecimento científico e acadêmico em torno do tema Herbert Simon 1957 traz para o debate o conceito Policy Makers entendido como a criação de um meio racional de estruturas que pudesse satisfazer as necessidades próprias dos tomadores de decisão Para isso seria preciso a criação de um arcabouço teórico prático com a finalidade de dar suporte às ações que deveriam ser racionais embasadas em um conjunto de informações a respeito do assunto a ser fruto da ação política Na década de 1950 Charles Lindblom 1959 tece críticas aos trabalhos de seus antecessores Lasswel e Simon por julgar que ao enfatizar o racionalismo das Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 15 ações de políticas públicas deixavam de observar outros atores e instituições que envolveriam a formulação e a tomada de decisão A política pública vem acompanhada de uma série de fatores questões e grupos que devem ser observados para um estudo na visão de Lindblom David Easton 1984 em meados da década de 1960 descreve que os resultados das políticas públicas sofrem influência direta de grupos de interesse sendo a política pública um sistema com diversas interfaces Não existe apenas uma definição para a interpretação do conceito de políticas públicas Ao longo das décadas o conceito foi sendo ressignificado A definição instituída por Thomas Dye 1984 é sempre citada como aceitável quanto ao que seria uma política pública o que o governo escolhe fazer ou não fazer A afirmação de Dye encontra fundamento no artigo de Bachrachib Barataz 1962 publicado na American Science Review intitulado de Two Faces of Power O trabalho demonstra que a posição do governo de não se fazer nada mediante um dado problema pode ser considerado uma maneira de produzir políticas públicas A definição cunhada por Lasswell anterior à de Dye e também muito utilizada surge em forma de provocação quem ganha o quê por quê e que diferença faz Essas questões orientariam o estudo do que de fato pode ser considerada uma política pública assim como daria um guia de orientação quanto às questões que necessitariam ser respondidas para uma análise mais elaborada Ao trabalharmos com definições de políticas públicas assumimos o risco de limitar o papel dessas ações para efetuar quaisquer análises É entendido que uma política para ser implementada passa por fases e processos sociais Um embate a respeito de ideias e formas de agir que por vezes irão direcionar certas práticas políticas Uma abordagem teórica conceitual deve prezar por uma visão ampla do processo de constituição e aplicação de uma política pública com isso observase a necessidade de reconhecer a força de grupos quanto à natureza política dessas ações Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 16 Resguardando o risco de soarmos simplistas podese resumir política pública como o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo colocar o governo em ação eou analisar essa ação variável independente e quando necessário propor mudanças nos rumos ou cursos dessas ações variável dependente A formulação de políticas públicas constituise no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações para produção de resultados ou mudanças no mundo real O discurso em torno das políticas públicas não está carente de respostas teóricas ou metodológicas uma vez que o campo de estudo em questão comporta múltiplos olhares Com isso é possível perceber que a formulação de políticas públicas irá se converter em projetos planos programas que necessitam de acompanhamento e análise constante visto que o desenho e execução das políticas públicas sofrem transformações que devem ser adequadas às compreensões científicas e sociais Para transformarem em políticas públicas problemas públicos precisam encontrar o equilíbrio entre o que é tecnicamente eficiente e também o que é politicamente viável 3 Perceber as políticas públicas Podemos entender como política pública a discussão e prática de ações relacionadas ao conteúdo concreto ou simbólico de decisões reconhecidas como políticas isto é o campo de construção e atuação de decisões políticas Apontar a política pública como uma diretriz de enfrentamento de um problema nem sempre transforma uma questão em um problema Para que isso ocorra é necessária uma conjunção de fatores As construções sociais em torno de um tema ou assunto poderão necessariamente pautar a entrada da discussão na agenda A separação conceitual do que seria o estudo de uma política pública encontra os primeiros obstáculos na definição da abordagem escolhida No que Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 17 tange ao protagonismo dos atores para referenciar o estabelecimento da política pública são apontadas duas abordagens a estatista e a multicêntrica A Abordagem Estatista concentra seus esforços analíticos nos atores estatais Estes possuem o monopólio na execução das ações referentes às políticas públicas Ela atribui essa característica ao ator que protagoniza a ação logo apenas o ator estatal é passível de execução de políticas públicas Essa definição e abordagem é tratada por Dye Já a Abordagem Multicêntrica trabalha com uma gama quase ilimitada de atores A definição para que uma ação tenha o caráter de política pública é quando a mesma é um problema público independente de quem executa a ação podendo ser organização nãogovernamental privadas ou não organismos multilaterais entre outros Essa abordagem permite a qualquer ator social ser protagonista de políticas públicas desde que o problema a ser enfrentado tenha características públicas Aqui resumimos conforme Leonardo Secchi 2009 Contrariamente ao que se poderia imaginar a abordagem estatista não ignora os atores nãoestatais ela reconhece entre os vários participantes da vida pública o poder de influenciar ou não uma prática de política pública O que não se negocia é o caráter de liderar um processo que seja de política pública Neste caso evidenciase a participação social na elaboração e no estabelecimento da problemática abordada ou a ser abordada mas dando limites a atuação do ente nãoestatal Não se trata de classificar entre agente público e nãopúblico a diferenciação se dá na dicotomia estatal e nãoestatal A discussão que ganha força principalmente nas décadas de 1980 e 1990 é relativa à falta de capacidade do Estado de gerir com qualidade todas as ações sociais A abordagem multicêntrica é utilizada em larga escala por uma variedade de autores por atribuir caráter público às ações o que generalizaria a forma de envolvimento no enfrentamento das questões pertinentes à sociedade O espectro amplo de fenômenos sociais aos quais os autores se referem são possíveis Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 18 oportunidades de apropriação de bens públicos em benefícios privados Qual a razão de tanto interesse privado em algumas áreas consideradas estratégicas para o Brasil tais como a eficiência energética e a infraestrutura de transporte contrariamente ao pouco interesse em outras áreas Para Francisco Heidemann e Salm 2009 a instituição que de alguma maneira serve a comunidade política aqui entendida como a sociedade em geral promove de alguma forma políticas públicas Neste caso o autor força uma divisão dos dividendos da execução de algum bem público no entanto não distribui de maneira equânime os custos desse processo Cabe ao Governo Estatal prever as fontes de execução das políticas e o ator privado se apropriar dos resultados positivos A complexidade de entendimento do que seria uma política pública se manifesta quanto ao entendimento primário dos problemas e soluções É possível visualizar uma política em níveis e cada nível possui não só um grau de entendimento mas um grau de reorganização constante das práticas Na ilustração abaixo O Problema Público é possível visualizar as fases do debate em torno de uma questão FIGURA 1 O Problema Público Fonte Reproduzido por Agum 2013 Problema Possível Situação Ideal Status quo 1 3 2 4 Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 19 O esquema tenta demonstrar que não basta que o problema seja socialmente relevante é preciso que seja alçado a uma categoria de alcance dos objetivos propostos isto é o problema social nem sempre alcança o status de política pública Para que isso ocorra é preciso o entendimento de que a situação atual possa entrar na agenda mesmo que não se tenha as condições necessárias para sua aplicação O fato de existirem possíveis soluções para um problema não é certeza de sua aplicabilidade Para isso é preciso que o problema público tenha implicações qualitativas ou quantitativas na sociedade Neste caso os atores políticos vão interpretar e classificar o que é ou não um problema público quando ele se torna relevante para a sociedade Gunnar Sjoblom 1984 argumenta a favor dessa visão 4 Tipos de Política Pública David Easton 1953 descreveu as políticas públicas como a manifestação do processo político logo transformando inputs em outputs Leiase apoios ou demandas transformados em ações práticas ou mesmo decisões tomadas Theodore J Lowi 1972 desfaz a leitura de uma relação causal na referência política e políticas públicas O interesse entre atores politics como variável independente tendo as policies como variável dependente Ao contrário sua indicação é para que as policies determinem as politcs Embora a afirmação tenha um impacto imediato é preciso relativizar e entender que as políticas públicas vão determinar por vezes a própria dinâmica política Isso dependerá do tipo de política pública que está em jogo com isso poderá haver o reequilíbrio das forças ou reorganização dos jogos conflitos e coalizões necessárias Uma das contribuições trazidas por Lowi foi indicar que há necessidade de reconhecer o tipo de política pública Regulatória Distributiva Redistributiva Constitutiva que está em curso isto é o tipo dessa política pública também Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 20 poderá afetar o processo político Esta é uma visão que molda uma nova forma de ler essas ações Ela trouxe relevância ao tema e jogou luz às ações propostas fazendo com que a divisão tipológica das políticas influenciasse as etapas constitutivas bem como sua aplicação e continuidade No entanto é imprescindível ter no plano de análise as duas possibilidades tipológica ou não mesmo com visões invertidas uma da outra elas não são em absoluto excludentes Dentro de um processo de análise de política pública é possível recorrer às tipologias Esta forma de classificar o conteúdo a ser analisado é bem útil assim utilizando no caso de um processo de política pública atores estilos instituições Iremos apresentar os quatro tipos de políticas públicas apresentadas por Lowi 41 Política Regulatória Este tipo de política atua de forma a estabelecer padrões para atores privados e públicos Ela é desenvolvida em grande parte em um ambiente pluralista predominante e para sua aprovação é necessária uma demonstração de força entre os atores Este tipo de política envolve burocratas políticos e grupos de interesses A regulamentação de serviços de utilidade pública como energia e telecomunicações são exemplos de uma política pública regulatória 42 Política Distributiva Uma de suas características pode ser a concentração de benefícios por algum grupo em detrimento de outros Este tipo de política se enquadra em um ambiente logrolling termo que denota a troca de apoio entre os políticos Dificilmente podemos identificar os custos deste tipo de política pois seus efeitos benéficos embora destinados a grupos específicos são diluídos na sociedade os Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 21 benefícios são claros mas os custos não Como citado por Celina Souza 2006 a política distributiva em geral alcança um grande número de pessoas na sociedade como por exemplo as políticas da previdência social no Brasil que subsidiam aposentadorias e benefícios para trabalhadores rurais pessoas com deficiência entre outros O benefício é específico e concentrado mas seu custo é difuso na sociedade 43 Política Redistributiva É antes de tudo um jogo de soma zero O benefício para uma categoria resulta em custos sobre as outras Esta política chama atenção por expor as posições antagônicas de uma maneira mais clara Na forma elitista de governo encontramos a arena para este tipo de debate uma vez que há a formação de duas elites que demandam que as políticas se efetivem A política de incentivo fiscal para determinados segmentos industriais no Brasil representa bem o modelo de política redistributiva no qual setores são beneficiados sistematicamente em detrimento de outros Neste exemplo específico é importante ressaltar que a renúncia fiscal do governo possui limites legais impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal Desde modo ao incentivar uma determinada área da economia deve ocorrer um aumento de arrecadação em outro segmento Daí o embate e a barganha são fundamentais para determinar quem serão os ganhadores e perdedores 44 Políticas Constitutivas Como não se trata necessariamente sobre a prestação concreta de serviços demandados pela sociedade em geral este tipo de política pública fica na arena dos atores governamentais Ela pode ser tida como uma metapolicies onde se Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 22 encontra acima das demais políticas públicas já que ela tem o papel de estabelecer regras não somente sobre os poderes mas sobretudo sobre princípios existentes para estabelecimento das demais políticas públicas Em nossa história recente podemos argumentar que os governos do expresidente Fernando Henrique Cardoso apresentaram como metapolicies a área econômica enquanto os dois mandatos do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva concentraramse nas políticas sociais de redução da pobreza e da desigualdade No artigo Symbolic and pseudo policies as responses to diffusion of Power Gunnel Gustafsson 1983 distingue entre o conhecimento contido para o estabelecimento de uma política pública e a intenção do policymaker Para isto destaca que as políticas públicas ideais são aquelas que o policymaker incorpora enquanto problema público e procura estabelecer parâmetros para sua resolução No caso das políticas simbólicas os policymakers não manifestam interesse na elaboração mesmo tendo meios para tal A pseudopolítica que Gustafsson apresenta trata das situações que o policymaker tem intenção de solucionar alguma questão por meio de uma política pública mas a falta de conhecimento ou corpo técnico especializado inviabiliza seu estabelecimento Existe a falta de capacidade para estruturar soluções que sejam adequadas ao problema Assim como Lowi Gustafsson parte do princípio de uma tipologia semelhante ao idealtipo Embora apresente limitações principalmente pelo fato das políticas públicas acumularem uma gama de aspectos da realidade multifacetada de difícil descrição continuam sendo bastante úteis para analisar as políticas públicas em curso ou a se estruturar Cabe ressaltar o aspecto racional apresentado para articulação das políticas públicas que será posto posteriormente em debate com os argumentos de Kingdon Uma das discussões mais antigas no debate de política pública se refere aos aspectos técnicos e políticos envolvidos na ação As questões políticas quando se Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 23 situam na essência da política pública apresentam conflitos expostos na implementação ganhadores e perdedores se identificam No caso do conteúdo técnico o conflito sobressai em relação aos métodos utilizados Como toda tipologia existe o risco de reducionismo no entanto ela tem se mostrado uma eficiente maneira de analisar as políticas públicas 5 Ciclo das Políticas Públicas A proposta de entendimento da Política Pública organizada como um ciclo chamada por Lindblon de Ciclo da Política Pública Policy Cycle se traduz na dinâmica do processo feita de maneira temporal É uma forma de visualizar e interpretar a política pública em fases e sequências organizadas de maneira interdependente Como dispositivo de visualizar uma política pública e seus efetivos descaminhos fazse uso do Ciclo de Políticas Públicas Por meio deste entendimento podemos esquematizar as fases e formas de uma política pública bem como entender os intervenientes para sua formação Apresentaremos cada tópico do ciclo que será entendido em seis fases Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 24 FIGURA 2 Ciclo de Políticas Públicas Fonte Elaboração dos autores É preciso frisar que assim como as tipologias o ciclo da política pública não pode ser entendido de maneira linear e como um corpo organizado seguindo necessariamente uma sequência cronológica Por vezes se não na maioria das vezes as fases do ciclo se encontram desconectadas ou alternadas não configurando o esquema harmônico por hora apresentado Contudo para efeito de clareza metodológica utilizamos o entendimento cronológico Uma das vantagens de adotar o ciclo das políticas públicas se traduz na possibilidade de organizar a complexidade do que é uma política pública 51 Identificação do Problema Para percepção do problema temos que admitir a existência de uma inconexão do status quo à situação tida como possível ideal Podemos entender o problema público no caminho entre a realidade existente e o que se pretende dela Classifiquemos o problema público em três episódios No primeiro o evento pode ter ocorrido de maneira súbita em um dado momento ocorre algum Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 25 acontecimento que muda os rumos existentes e impõe sobre a sociedade um quadro novo que precisa ser enfrentado No segundo um problema público pode ganhar importância aos poucos ocorre ao longo da história um apanhado de acontecimentos que vai sobrecarregando o sistema de soluções de conflito e em um determinado tempo ele se apresenta enquanto problema público demandando planos e soluções No terceiro esse problema pode estar presente na sociedade mas ela já aprendeu a conviver com ele isso não significa que ele seja menos ou mais importante apenas que a familiarização é absorvida pela sociedade e ele se dilui no entanto continuando presente 52 Formação da Agenda Secchi 2009 em seu artigo Modelos organizacionais e reformas da administração pública apresenta a questão da agenda como um conjunto de temas ou problemas que em determinado momento são colocados ou tidos como importantes Ele pode ser entendido como estratégico quando consegue permear o programa do governo Neste caso existe a agenda formal que seria a agenda institucional e nela estão contidas as questões já tornadas constantes do enfrentamento público Na agenda política se encontram os temas tidos como importantes a serem enfrentados pela classe política Não é incomum segundo o autor a imposição da agenda da mídia os meios de comunicação motivados por diversas forças tentam impor temas Mas quase sempre são temas momentâneos e que ganham destaque por algum tempo e depois tendem a desaparecer Roger Cobb e Charles Elder 1983 em Participation in American politics the dynamics of agendabuilding apresentam três condições importantes para que um problema consiga entrar na agenda política pois ela determinará os rumos intervencionistas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 26 Primeiro a situação passa por um momento de chamar a atenção dos grupos que irão produzir a intervenção para que a situação seja percebida como importante enquanto problema a ser solucionado Para isso é preciso que seja conclamada à participação não apenas dos cidadãos interessados na execução da política pública mas por vezes o envolvimento de grupos de interesse e a mídia O segundo ponto apresentado trata da questão destacada enquanto problema que precisa ser de possível solução É preciso demonstrar ser admissível fazer uma ação intervencionista para modificar o atual Isto é é preciso mostrar sua importância acima de tudo E por último para se tornar um problema público de ação efetiva governamental a questão precisa estar circunscrita no ciclo de ação que pertence à responsabilidade pública Não basta apontar o problema ele tem que ser reconhecido e apresentado como de competência dos entes governamentais para se constituir de fato em uma política pública Entrar na agenda política não significa resolver o problema A dificuldade de manter um problema reconhecido enquanto público é um exercício contínuo Os autores mostram a tipologia das agendas e como elas são constituídas mas não as apresentam como a salvação de uma questão A luta política para que seja dada atenção a um problema e não a outro passa por uma discussão relativamente simples por exemplo o orçamento público não consegue suprir todas as necessidades sociais Sendo assim é preciso eleger o que será contemplado e mais do que isso elencar o que de fato será alvo de políticas públicas 53 Formulação de Alternativas É o espaço de forças em que as correntes estruturantes de uma política se apresentam com maior clareza Procurar e formular alternativas é estabelecer o que será abordado ou contemplado dentro de um problema Neste momento em que geralmente são elaborados os programas e estratégias da ação eles podem ser Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 27 estabelecidos de maneira concreta isto é com objetivos e metas claras assim como regras e condutas a serem seguidas Bem como podem aparecer com questões amplas e sem muito esforço de concretização O mecanismo de comportamento do policymaker para adoção ou mesmo introdução de maneiras de fazer uma política pública pode ser entendido nas três formas de poder apresentadas por Norberto Bobbio 2002 Poder Político podendo ser exercido por um homem sobre os outros neste caso governantes e governados Poder Econômico imposto pela posse de certos bens Poder Ideológico relacionado estritamente com ideias formuladas e postas em prática sobretudo pelo poder dominante 54 Tomada de Decisão Ao tomar a decisão de implementar uma política pública acreditase que houve no mínimo um equilíbrio entre as forças existentes no período anterior à tomada de decisão Charles Lindblom 1959 afirma que as soluções também vão se ajustando ao problema assim como por vezes os problemas se adequam às soluções apresentadas A presença de diversos tipos de interesses na tomada de decisão pode interromper a condução de uma ação Ela pode não sair do campo teórico mesmo a racionalidade esbarra em fatores díspares para sua concretização Charles Lindblom 1977 faz uma proposta para os tomadores de decisão Como observador privilegiado ele optou pelo modelo incremental O autor se afasta do racionalismo por creditar altos valores ao elemento político na medida em que este se sobrepõe ao elemento técnico Sendo assim uma política pública por mais técnica que deva ser vai sempre se confrontar com a complexidade política para sua efetivação Assim o modelo proposto busca um ajuste entre as Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 28 forças existentes com a intenção de maximizar as oportunidades de êxito da política saindo do campo extremamente técnico que por vezes param por questões políticas Apresentaremos os três pontos primordiais no modelo incremental para Lindblom Primeiro a definição do problema e suas possíveis soluções precisam ser objeto de visitas constantes elas necessitam ser abertas para ajustes e novas características a todo o momento Segundo as formulações decisões e ajustes realizados no passado devem compor o quadro das ações presentes há uma limitação imposta por diversas forças e o tomador de decisão geralmente não se encontra totalmente livre para suas escolhas Estar embasado com o processo anterior possibilita às ações presentes poder resultar em um grau de acerto superior ao esperado Terceira dada a presença de forças políticas constantes a solução escolhida não será sempre a melhor opção mas a politicamente possível naquele dado momento 55 Implementação da política pública Um dos maiores entraves na questão da implementação de políticas públicas não se traduz em grande parte em problemas técnicos ou administrativos Os melhores planejamentos são frustrados pelo elemento político e suas complexidades Flávio da Cunha Rezende 2002 divide em dois grupos de falhas nessa fase da política pública sendo falhas na implementação e falhas de formulação Estes dois erros podem contribuir para a má conduta técnica de um trabalho É nesta fase também que a administração pública assume o caráter de fazer com que as intenções políticas sejam moldadas para ações concretas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 29 O policymaker segundo Paul Sabatier 1986 tem em suas mãos dois modelos para implementar suas políticas públicas sendo elas o modelo topdown de cima para baixo e o modelo bottomup debaixo para cima Topdown neste modelo os tomadores de decisão são separados dos implementadores há uma distinção entre esses dois atores neste caso política e administração De forma específica as decisões ocorrem de cima para baixo dos políticos para a administração Bottomup a implementação da política parte de pactuações entre burocratas e outros atores no intuito de uma organização compartilhada Os implementadores participam das etapas de constituição da política Contrariamente ao observado no modelo topdown não há uma regra rígida e prescrições a serem seguidas engessadas como no outro modelo Os problemas e soluções são permeáveis pela participação dos vários atores envolvidos Um dos equívocos no modelo Topdown é o risco na implementação Mesmo que os objetivos estejam claros os problemas bem delineados e os programas bem planejados a falta de participação do agente implementador poderá desvirtuar a intenção da política pública A literatura política classifica este tipo de ação utilizando o termo blame shifting algo como uma transferência de culpa dos entes políticos para a esfera dos agentes implementadores isso em caso de insucesso do programa Este modelo se fixa na preferência da classe política por conter uma válvula de escape em caso de fracasso A limitação política quanto à capacidade na formulação da política pública não fica aparente Uma análise utilizando o modelo topdown se dá pelo fato de observar a política pública em seus detalhes formalistas isto é objetivos e normas inseridas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 30 no campo pragmático Só depois do arcabouço teórico analisado se passaria a verificar as possíveis falhas na implementação Em contraposição a este modelo o bottomup procuraria observar como a política é aplicada na prática e então articularia uma posição de como a política deveria ser Charles Lindblom denota a tal modelo a análise em alguns casos uma vez que possibilita entender o método empiricamente testado O lado positivo em cada um desses modelos é o fato do topdown ser indicado para analisar as possíveis falhas cometidas pela administração nas dinâmicas pertinentes à implementação e o modelo bottomup identificar com maior objetividade as falhas na elaboração assim como a tomada de decisão pertencente à classe política 56 Avaliação Um dos momentos mais críticos de uma política talvez seja sua avaliação Os atores envolvidos na ação são medidos e sua capacidade de resolução de um determinado problema pode ser questionada por meio dela Para isto são criados parâmetros de avaliação e formas de medir o desempenho com base em critérios e padrões Neste momento o avaliador com base em medidas valorativas indicará se a política pública está funcionando ou não Os indicadores input têm por objetivo medir os esforços despendidos em uma ação eles podem ser recursos econômicos humanos ou mesmo materiais Já os indicadores output procuram medir os resultados alcançados isto é as realizações referentes às ações imputadas Os implementadores de políticas públicas costumam ser questionados quanto ao real efeito da política administrada se o problema foi resolvido ou mesmo minorado A avaliação da política pública é um indicador para saber como vem se comportando a política em curso Ela deveria ser capaz de construir um quadro avaliativo que levaria à continuação reestruturação ou mesmo extinção da política Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 31 É claro que os fatores técnicos considerados na avaliação podem ser consideravelmente questionados pelo agente político uma vez que o interesse de manter ou não uma política não passa apenas pelo parecer técnico Geralmente o recurso utilizado para o questionamento de uma avaliação ruim é a alegação da multicausalidade dos fatos Uma política não poderá ser avaliada por uma gama incalculável de determinantes sendo assim ela sofre efeitos multifatoriais que fogem ao entendimento do avaliador podendo ser a porta de entrada para os questionamentos Não seria o caso de parar de avaliar mas estar atento aos questionamentos capciosos Por outro lado a avaliação pode mascarar certas realidades Uma dada política pública pode produzir ou não resultado dependendo do ângulo da avaliação Carlos Aurélio de Faria 2005 em A Política da Avaliação de Políticas Públicas nos alerta sobre tais situações e faz a defesa da avaliação usada para superação do debate simplista utilizado por alguns atores Paul Sabatier e JenkinsSmith 1993 sugerem que uma política pública depende de um tempo de maturação aproximadamente 10 anos Por ser possível consultar as bases de dados e os impactos causados pela ação neste tempo É primordial o tempo de ajustes e reajustes dos atores envolvidos na ação e o melhor entendimento do corpo social impactado por ela 6 Contribuições de John Kingdon na formação da Agenda em Políticas Públicas O modelo teórico desenvolvido por John Kingdon será foco de nossa atenção uma vez que o mesmo pode ser aplicado às questões caras ao entendimento da política pública Este autor em Agendas Alternatives and Public Policies constrói um modelo analítico composto de quatro processos Agenda sendo estabelecida Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 32 Alternativas que compõem a possível resolução do problema Alternativa dominante entre as demais Decisão implementada O autor constrói seus argumentos teóricosmetodológicos tendo como parâmetro o modelo da lata do lixo formulado por Michael Cohen James March e Johan Olsen 1972 Neste modelo é possível destacar a fluidez da mudança de forças no meio político o que interfere sobremaneira na mudança de rumos das políticas Até mesmo as preferências sofrem com a inconsistência dos participantes acreditando que uma política só se faz pela atuação de pessoas ou grupos de interesses é de se supor a existência de alteração no foco quando há indefinição dos atores Mesmo com a adesão destes concordando com a política pode ocorrer a discordância quanto à alternativa a ser colocada em prática Para superar o gargalo organizacional é preciso ter um plano de ação da política a ser executada para isso se faz necessário à formalização dos pontos que serão colocados em prática Uma das pretensões de organizar o processo de determinação de uma política visa escapar das tentativas e erros moduladores de boa parte das políticas colocadas em curso 7 Modelo De Múltiplos Fluxos Multiple Streams Kingdon apresenta uma tipologia das razões da entrada de uma questão na agenda pública Segundo o autor há uma ordenação de fatores para que uma dada temática seja alçada à agenda governamental Há uma competição para que as questões sobrevivam e se mantenham no foco de atenção São dois tipos de agenda apresentados Agenda Decisional prontas a virar políticas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 33 Agenda Especializada Mais do que entender a origem das questões para a agenda é preciso compreender as condições políticas que permitiram que esta se transformasse em uma demanda Kingdon formula o modelo de Agendas e Alternativas desvinculandose de um processo decisório estritamente racional é possível identificar parte de sua referência em Lindblom A mudança de agenda se efetivaria com a convergência de três fluxos sendo eles parcialmente independentes 71 Problemas Como seria impossível a atenção a todos os tipos de problema alguns entram na agenda de discussão e outros ficam fora Elas serão problemas quando o agente público acreditar que é hora de interferir O modelo aponta para o entendimento dos problemas enquanto construção social assim sendo envolvem interpretações diversas por parte do grupo responsável pela indicação da política 72 Alternativas e Soluções Diferente do pensamento de soluções de políticas públicas essa dimensão não caminha ao lado dos problemas É ineficaz pensar que para todos os problemas existam soluções em mãos Kingdon defende a ideia da organização das soluções relacionadas diretamente ao problema percebido A seleção das ideias tem um processo competitivo que visa equilibrar o tecnicamente viável ao custo tolerável As Policy Communities correspondem em grande parte por essa formação e construção de alternativas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 34 73 Políticas Para a dimensão política há regras e dinâmicas próprias do meio Em todo momento existe a barganha e as negociações que certamente influenciarão os rumos de uma ação Um dos fatores indicados por Kingdon como sendo pressionador de questões seria o clima ou humor social para que questões participem da arena de preocupação das políticas públicas A mudança de mãos do poder em relação a grupos se mostra favorável à implementação de novas ações Uma das mais importantes abordagens de Kingdon para entendimento da dimensão da política pública se refere ao fato das janelas de oportunidades Policy Windows Podemos entender que existem momentos oportunos para colocar em discussão questões que tem potencial de serem convertidos em problemas Neste caso essas janelas são abertas em basicamente dois momentos Quando há a possibilidade de incorporar novos assuntos ou propostas no modelo orçamentário e quando há uma transição administrativa ou de governo Estes são eventos relativamente programados para as demais oportunidades é preciso contar com imprevisibilidade Com base nas premissas apresentadas é preciso que haja atores envolvidos na questão para que sejam apontadas possíveis soluções Pela parte governamental o corpo burocrático poderá atender determinadas demandas por soluções no entanto se houver um grupo de atores epistêmicos consultores ou analistas as chances de efetivação na construção de alternativas aumentam A análise de Kingdon indica a importância da atuação de grupos de atores para a definição de uma agenda Esses grupos darão consistência às propostas e procurarão junto ao corpo burocrático dar estrutura às ações Segundo o autor o Presidente da República exerce maior concentração de poder na definição ou continuidade de uma agenda Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 35 O que observamos no modelo de Kingdon propicia o entendimento ao modelo de garbage can É possível ter uma visão de que o modelo proposto por Kingdon é por demasiado fluído em sua estrutura que se desvencilha da visão racionalista No entanto no entendimento analítico da política pública em si podemos indicar que não se trata de prever fatos mas interpretálos conforme sua constituição A fluidez e aleatoriedade teórica vista têm a possibilidade de se mostrar objetiva e consistente na prática A preocupação se encontra em instrumentalizar a compreensão desses entendimentos políticos em curso objetivando a construção de uma política pública Em Agendas Alternatives and Public Policies o autor faz uma reflexão sobre o modelo proposto Embora não abandone a presença da independência dos fluxos aponta para a existência de fluxos também interdependentes fazendo com que haja outros momentos para que uma agenda possa ser constituída sem necessariamente passar pelas etapas sugeridas 8 Instituições no Processo de Política Pública O campo da política pública por si só é capaz de produzir uma gama variada de respostas para suas questões no entanto outros campos teóricos influenciam e contribuem para o seu desenvolvimento O neoinstitucionalismo agrega ao debate o componente institucional bem como as regras para que haja em uma política pública os segmentos de decisão práticas de formulação e desdobramentos futuros Mancur Olson 1999 e Kenneth Arrow 1963 com argumentos da escolha racional desconstroem a certeza de que a junção de interesses individuais produziria necessariamente uma ação coletiva Outro deslocamento versa sobre a produção de bens considerados coletivos sendo fruto da ação coletiva A discussão é baseada na ação coletiva e na distribuição dos bens a serem gerados Outras duas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 36 tendências do neoinstitucionalismo4 o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo histórico indicarão que são as instituições que influenciam os tomadores de decisão Neste caso racionalmente os tomadores de decisão evitarão agir de forma exclusiva com os seus interesses próprios Podemos entender certa inibição ou mesmo constrangimento para que os interesses próprios dos tomadores de decisão não prevaleçam constantemente Este movimento permite refutar a ideia de que as políticas públicas agem exclusivamente atendendo o auto interesse dos tomadores de decisão Mesmo em face de momentos estáveis é possível verificarmos a mudança de certas políticas públicas Tal prática nos parece ocorrer pois os tomadores de decisão estarão atentos à construção de comportamentos sociais próprios que pressionam certas formulações Isto é existe modificação da política pública por meio de orientações independentes do auto interesse dos tomadores de decisão Neste ponto podemos concluir que as regras institucionais podem ser tanto formais quanto informais Assim como a elas cabe moldar uma parte considerável porém não mensurável do comportamento dos atores 4 A intenção neste momento é fazer uma breve categorização das correntes do neoinstitucionalismo tendo como finalidade demonstrar em linhas gerais que essa escola teórica poderá ser útil na análise da política pública e seus desdobramentos institucionais São três as correntes que serão citadas Institucionalismo da escolha racional Tendo como principal característica que os atores sociais atuam de maneira racional e como maximizadores de seus interesses temos a regra institucional organizando seu comportamento O desenho institucional será fortemente determinado pela conjunção de benefícios concedidos aos atores sociais neste caso os mais relevantes Acreditase que os governos são capazes de agir de forma independente Institucionalista sociológica Parte do princípio de que os governantes agem de maneira interdependentes isto é existe uma observação mútua de suas ações para que as escolhas sejam definidas Institucionalismo Histórico Apresenta três características principais A As condições iniciais não são capazes de determinar o resultado final mas o path depedence é sensível aos eventos de um processo eles podem impactar os limites do curso do processo de mudança B A eventualidade das condições iniciais dificilmente pode ser explicada para formular uma teoria válida C Os eventos com características contingenciais resultam em processos que assumem ares deterministas Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 37 A literatura neoinstitucionalista não desconsidera a ação de indivíduos ou grupos na constituição no desenvolvimento das políticas públicas no entanto indica que as instituições têm essa função e que as mesmas sofrem forte influência formal e nãoformal Outro fator relevante é a indicação de que grupos sociais e atores são influentes ou mesmo implementam as políticas públicas motivados pelo poder e recurso em torno da questão 9 Atores no Processo de Política Pública No decorrer do desenvolvimento e implementação da política pública um conjunto de atores está presente em seu estabelecimento e desenvolvimento Os mais fortes são os que influenciam no conteúdo e rumo da política estabelecida Podemos notar outros atores de grupos de interesse os meios de comunicação e os destinatários da política A representatividade difusa dos ocupantes do legislativo dificulta a identificação de seu interesse mesmo em se tratando de atores privilegiados A burocracia é um dos fatores preponderantes para o êxito ou fracasso de uma política pública A administração pública conta com dois modelos largamente utilizados um é o modelo burocrático instituído por Max Weber 2005 que considera princípios de legalidade e impessoalidade no trato do bem público o outro o gerencial descrito por Secchi que preza por conceitos como eficácia no serviço público e atenção ao usuário É preciso contudo reconhecer a precocidade do setor público quanto à formação do corpo burocrático profissional neste caso nos moldes da burocracia weberiana Anthony Downs 1967 apresenta um quadro discricionário a respeito de uma burocracia Conservadores são aqueles resistentes a mudanças e acomodados em seu lugar Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 38 Devotos são escudeiros de uma linha política e trabalham para esta forma se estabelecer Defensores são fieis a uma instituição e procuram fazer com que seus objetivos e valores prosperem Homem de Estado os burocratas típicos no ideal weberiano obedientes às vontades políticas e leais à sociedade Para os burocratas conseguirem desempenhar seu trabalho é preciso ter certa liberdade de decisão já que são eles que estão à frente do trabalho e têm contato direto com o público Existem dois pontos que merecem atenção O primeiro são os casos dos funcionários que decidem ou são pressionados a aplicar a política pública ao pé da letra seguindo uma orientação política inquestionável e o seu trabalho é desperdiçado em grande parte pois o rumo da política por vezes necessita de reorientações que são ignoradas O segundo grupo por excessiva liberdade opta por descumprir as regras estabelecidas Nestes dois casos a garantia de sucesso da política é duvidosa 91 Grupos de Interesse Estes grupos são em grande parte instituições internacionais e grupos epistêmicos Seguindo os passos de Mancur Olson em A lógica da ação coletiva é possível identificarmos que a pressão exercida por grupos pequenos tende a ser mais eficiente Este grupo precisa contar com uma representatividade que forneça autoridade a sua reivindicação Por vezes os policy makers adequam seus comportamentos seguindo recomendações de setores de pressão 92 Meios de Comunicação Mídia Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 39 O papel da mídia segundo Kingdon não tem o poder de formar agendas pelo menos não em sua construção A mídia não tende acompanhar o debate social o processo entendido como prédecisional não é interessante para a mídia o que ela faz de fato é destacar algumas questões da agenda já formulada O poder da mídia está no fato de fazer circular ideias e mesmo canalizar a atenção aos fatos mas observase que isso é diferente de influenciar na formação da agenda A ação relevante dos meios de comunicação é a amplificar discussões influenciar a opinião e focalizar fatos importantes para o estabelecimento da ação O modelo elitista proposto por Robert Michels na leitura descrita por Buarque de Holanda 2011 defende a ideia de que a decisão de uma política ou da política em si pertence a um seleto e privilegiado grupo Estabelecem as regras e problemas merecedores de atenção Para os marxistas estruturalistas como Louis Althusser e Nicos Poulantzas a elite imperativa em um sistema capitalista vai dominar o estado e determinar seus interesses que são meramente econômicos Assim sendo o estado e suas políticas públicas acabam por reproduzir o interesse pertencente ao capital O modelo pluralista de Robert Dahl 2005 procura saber afinal quem manda Para o autor o processo político conta com um somatório de forças reproduzidas nas políticas públicas Embora essa distribuição não ocorra de maneira equânime acaba por reproduzir os grupos que possuem maior poder organizacional A crítica a este modo de organizar as formas de aplicação da ação do Estado se faz presente pois o modelo pluralista deixa de lado o estado redistributivo ao lidar com sistemas de sociedade desiguais Esta crítica foi formulada por Lindblolm reconhecendo forças desiguais na sociedade voltada para o mercado Revista Agenda Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 40 10 Considerações Finais O artigo buscou apresentar as principais abordagens da literatura sobre os estudos das políticas públicas na Ciência Política Ao longo do texto o leitor pôde observar que a política pública envolve aspectos da política no sentido da politics da sociedade e das instituições políticas Esta relação fica evidente sobretudo na análise do ciclo das políticas públicas e na revisão da obra de Kingdon quando verificamos o papel dos atores nas diferentes fases de uma política O quadro teórico apresentado por Kingdon abre a possibilidade de entendimento de questões caras à interpretação das políticas públicas além de trazer para a discussão os questionamentos relacionados aos interesses reais da efetivação de uma política ou não Em outras palavras o que o governo decide fazer ou não fazer para utilizarmos uma máxima da área da política pública proferida por Dye Além disso nos permite compreender também o motivo pelo qual algumas políticas públicas são implementadas e outras nunca são concretizadas Referências AGUM RR Política Pública de Controle e Combate à Malária o caso do Município de Porto Velho RO 2013 Tese Doutorado em Ciência Política Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro 2013 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Política Vol3 n2 julhodezembro 2015 ISSN 23188499 Políticas Públicas Conceitos e Análise em Revisão Ricardo Agum Priscila Riscado e Monique Menezes 12 42 42 SABATIER P A Topdown and bottonup approaches to implementation research a critical analysis and suggested synthesis Journal of Public Policy Cambridge v 6 n 1 1986 SABATIER P e JENKINSSMITH H Policy Change and Learning The Advocacy Coalition Approach Boulder Westview Press 1993 SECCHI L Modelos organizacionais e reformas da administração pública In Políticas Públicas e Desenvolvimento Bases epistemológicas e modelos de análise Brasília Ed UnB 2009 SIMON H Comportamento Administrativo Rio de Janeiro USAID 1957 SJOBLOM G Problemi e soluzioni in politica Rivista Italiana di Scienza Politica v 14 n1 1984 SOUZA C Políticas públicas uma revisão da literatura Sociologias n16 Porto Alegre juldez 2006 OLSON M A Lógica da Ação Coletiva São Paulo EDUSP 1999 WEBER M A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo São Paulo Ed Cia das Letras 2005 Recebido em 03092015 Aprovado em 31102015 introdução Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar Políticas públicas Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar 1ª edição 2021 Políticas públicas introdução dos autores 1ª edição 2021 Revisão Camila Alexandrini Projeto gráfico e editoração Giordano Benites Tronco Capa Giordano Benites Tronco Juli Baptista Stracke Edição Jacarta Produções Ltda Ilustrações Juli Baptista Stracke Júlia Gabriele Lima da Rosa Rafael Barbosa de Aguiar Deliane Souza dos Santos CRB 102439 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Políticas públicas introdução recurso eletrônico Júlia Gabriele Lima da Rosa Luciana Leite Lima Rafael Barbosa de Aguiar Dados eletrônicos Porto Alegre Jacarta 2021 95 p il color Bibliografia ISBN 9786599139123 R788 Rosa Júlia Gabriele Lima da 1 Ciências sociais 2 Ciência política 3 Políticas públicas I Rosa Júlia Gabriele Lima da II Lima Luciana Leite III Aguiar Rafael Barbosa de IV Título CDU 351 Sumário Apresentação 8 Parte I Conceitos básicos 10 1 Políticas públicas conceitos e elementos relacionados 11 11 Policy Sciences como um novo campo de conhecimento 11 12 Sentidos da política polity politics e policy 12 13 O que são políticas públicas 13 14 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas 17 15 Estrutura de decomposição das políticas públicas 19 2 Atores quem participa das políticas públicas 23 21 Atores e como influenciam as políticas públicas 23 22 Arenas de políticas públicas 24 23 Tipos de atores 27 24 Formas de agregação de atores 35 3 Instituições onde as políticas públicas se desenrolam 38 31 O que são instituições e como influenciam as políticas públicas 38 32 Neoinstitucionalismos da escolha racional histórico e sociológico 40 33 Instituições e organizações 43 Parte II Ciclo de políticas públicas 45 4 Formação da agenda 48 41 Wicked problems 52 5 Formulação das alternativas 55 51 Estrutura de uma alternativa 57 6 Tomada de decisão 66 61 Não decisão 71 7 Implementação de políticas públicas 73 71 Coordenação e cooperação 77 8 Avaliação de políticas públicas 79 81 Termos comuns no campo da avaliação 80 82 Tipos de avaliação 83 Referências 86 Lista de figuras Figura 1 Propósito de política pública mudança social 14 Figura 2 Foco dos conceitos de políticas públicas 16 Figura 3 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas 17 Figura 4 Estrutura de operacionalização de políticas públicas 20 Figura 5 Níveis de planejamento e estrutura de decomposição das políticas públicas 21 Figura 6 Tipos de públicos de acordo com o grau de interesseparticipação 27 Figura 7 Tipos de atores segundo relação com o governo 29 Figura 8 Políticasos eleitasos designadasos e burocratas na hierarquia organizacional 32 Figura 9 Ciclo das políticas públicas 47 Figura 10 Pressupostos da definição de problema social 49 Figura 11 Formação da agenda 51 Figura 12 Referências básicas de um programa 58 Figura 13 Representações gráficas da árvore de problemas 59 Figura 14 Tipos de populaçãoalvo 63 Figura 15 Estrutura do sistema de governança do SUS 65 Figura 16 Sequência da tomada de decisão no modelo da racionalidade instrumental 67 Figura 17 Dinâmica da tomada de decisão no modelo da racionalidade limitada 68 Figura 18 Dinâmica da tomada de decisão no modelo incremental 69 Figura 19 Tomada de decisão no modelo da lata de lixo 71 Figura 20 Implementação numa perspectiva topdown 74 Figura 21 Implementação numa perspectiva bottomup 76 Figura 22 Implementação numa perspectiva de redes de políticas públicas 77 Figura 23 Elementos da gestão de processos de políticas públicas 83 Figura 24 Tipos de avaliação segundo o momento de realização e sua relação 84 Lista de quadros Quadro 1 Políticas selecionadas e grupos beneficiários 34 Quadro 2 Descrição dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 61 Quadro 3 Instrumentos de políticas públicas segundo recursos de poder que mobilizam 63 8 Apresentação Este livro foi feito para ser utilizado como guia para a disciplina Po líticas Públicas Introdução do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS É uma disciplina obrigatória ofertada no primeiro semestre do curso A necessidade da criação deste material se manifestou no contexto da implantação do ensino remoto emergencial em 2020 quando preci samos adequar as aulas de forma a manter a qualidade do ensino assim como a adesão das e dos estudantes ao novo método O desenho do livro e a escolha de seu conteúdo respondem às nossas experiências como professora ministrando a disciplina por cinco anos e como estudantes que a cursaram ou que demandaram tal conhecimento para seus estudos e pesquisas Um fator relevante neste processo foi a consideração de que as e os estudantes estão em seu primeiro semestre na Universidade entrando em contato em geral pela primeira vez com o campo das políticas públicas Por isso avaliamos que esta disciplina deve servir como porta de entrada apresentando e explorando os conceitos fundamentais os quais formam a base das teorias e abordagens que elas e eles encontrarão ao longo dos estudos Procuramos assim deliberada mente evitar o conteudismo Nesse espírito o livro está formado por duas partes Na parte I são apresentados os conceitos básicos fundamentais para a compreensão das políticas públicas enquanto categorias empíricas políticas públicas atores e instituições Na parte II veremos estes conceitos em movimento por meio do estudo do ciclo de políticas públicas Estamos cientes das crí ticas e das limitações da abordagem do ciclo contudo entendemos que é 9 uma ferramenta útil para adentrar na temática pois além de ser um re corte presente desde a origem do campo ele oferece uma visão intuitiva dos processos das políticas públicas Bons estudos Júlia Gabriele Lima da Rosa Doutoranda e Mestre em Políticas Públicas UFRGS Luciana Leite Lima Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pósgraduação em Políticas Públicas UFRGS Rafael Barbosa de Aguiar Doutorando e Mestre em Políticas Públicas UFRGS Parte 1 Conceitos básicos 11 1 Políticas públicas conceitos e elementos relacionados 11 Policy Sciences como um novo campo de conhecimento O termo policy sciences foi cunhado por Harold Lasswell em 1951 e de signa o estudo das políticas públicas como uma ciência aplicada Distin tivamente dos estudos sobre políticas públicas desenvolvidos no campo da Ciência Política as policy sciences representavam a intenção da aplicação do conhecimento científico na solução de problemas de políticas públi cas Andrews 2005 p 14 Consiste assim numa orientação explicita mente focada na rigorosa aplicação das ciências a questões que afetam a governança e o governo deLeon 2008 p 39 Para Lasswell 1951 as políticas públicas mereciam ser consideradas um objeto de estudo próprio Nesse sentido ele delineou uma aborda gem para a análise das políticas que propunha observálas como um pro cesso policy process isto é um conjunto interrelacionado de estágios por meio dos quais os temas e as deliberações fluem de forma mais ou menos sequencial dos inputs problemas aos outputs políticas públicas Howlett 2011 p 18 A delimitação desta área específica de conhecimento pretendia au mentar a racionalidade das decisões das organizações públicas com vis 12 tas a melhorar a prática da democracia deLeon 2008 p 53 Para dar conta deste empreendimento as policy sciences conformaramse como um campo multidisciplinar que penetra todas as demais especializações científicas Lasswell 1951 com o objetivo de incorporar inteligência ao processo das políticas Andrews 2005 p 14 Ou seja o campo envolve diversas áreas de conhecimento especialmente ciência política socio logia administração economia demografia relações internacionais di reito e psicologia social Segundo Lasswell 1951 o objetivo de aprimorar a racionalidade do processo das políticas é o que faz com que as policy sciences sejam um cam po específico do conhecimento Portanto a capacidade das políticas de atingirem seus objetivos e serem efetivas dependeria do grau com que seu desenho e sua implementação são orientados pelo conhecimento ambição geral deste campo de estudos 12 Sentidos da política polity politics e policy Antes de seguirmos para o estudo dos conceitos de políticas públicas cabe uma explanação sobre os sentidos atribuídos à política Em nossa língua a palavra política é utilizada para designar diferentes coisas Por isso vamos recorrer à língua inglesa para demonstrar três acepções po lity enfocando as instituições políticas politics os processos políticos e policy o conteúdo das políticas públicas Frey 2000 O conceito de polity tange ao aspecto institucional às organizações e às regras do jogo que regem os processos políticos Por exemplo o par lamento os partidos políticos as organizações administrativas estatais ministérios secretarias etc a Constituição Federal etc O conceito de politics faz referência à atividade política que é mar cada pelo caráter conflituoso inerente à necessidade de tomar decisões sobre assuntos coletivos em contextos de pluralidade de atores Tal diver 13 sidade é importante para garantir que diferentes vozes e ideias possam manifestarse nas arenas de debate público e influenciar as decisões São exemplos de atividade política negociação barganha e persuasão Já o conceito de policy referese às iniciativas de ação pública isto é dispositivos políticoadministrativos coordenados em torno de obje tivos explícitos Muller Surel 2002 p 11 Aqui o foco está no conteú do das políticas públicas nas suas formas de implementação bem como na avaliação de suas condições de funcionamento eficácia e efetividade Quando falamos dessa dimensão estamos nos referindo à política públi ca em si Com isso podemos avançar para o estudo dos conceitos de políticas públicas 13 O que são políticas públicas Para responder a esta pergunta vamos explorar vários conceitos de políticas públicas Cada um deles oferece uma perspectiva distinta que chama nossa atenção para um determinado elemento ou dimensão das políticas Esse movimento nos permitirá responder à questão de diferen tes formas Comecemos pelas definições que enfatizam o propósito das políticas na sociedade Por que fazemos políticas públicas Para promover mudan ças sociais Nesse entendimento as políticas são instrumentos técnico políticos voltados ao enfrentamento de um dado problema social algo que é considerado indesejável e que desperta uma ação em contrapartida Nesta conotação ganha saliência a o caráter deliberado dos processos de construção da ação devido à intenção de lidar com um problema so cial b a pretensão do fim almejado a mudança social FIGURA 1 14 Figura 1 Propósito de política pública mudança social Fonte elaboração própria Na mesma linha Peters 2015 define as políticas públicas como o conjunto de atividades que os governos empreendem com a finalidade de mudar sua economia e sociedade Também Saravia 2006 sublinha que uma política pública envolve um fluxo de decisões públicas orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar a realidade Para ele as políticas públicas podem ser conside radas estratégias que apontam para diversos fins todos eles de alguma forma desejados pelos diversos grupos que participam do processo de cisório Estes conceitos baseiamse no entendimento de que a função das políticas públicas seria promover transformações sociais Tais ideias evidenciam a natureza problem solving das políticas Uma decorrência do alinhamento a este tipo de definição é a necessidade de demonstrar a relação de causalidade entre a existência de determinado problema e a proposta de solução na forma de política pública Passemos aos conceitos que destacam o papel dos atores Quem faz po lítica pública Podemos responder a partir de duas abordagens a multicên tricapolicêntrica e a estadocêntricaestatista Secchi Coelho Pires 2019 15 A abordagem multicêntrica considera que grupos e organizações so ciais ONGs associações redes etc podem fazer políticas públicas em associação ou não com o Estado Isso porque as caracteriza a partir de sua natureza problem solving a política pública é uma diretriz elabora da para enfrentar um problema público Secchi 2015 p 2 O interesse destes grupos e organizações no enfrentamento do problema devese à sua natureza coletiva que afeta diversas populações de forma direta ou indireta e é percebido como algo indesejável e que deve ser mudado por uma grande quantidade de pessoas Logo admitese a existência de uma pluralidade de pessoas e de múltiplos centros decisórios em torno das in ciativas que buscam lidar com problemas sociais Distintivamente a abordagem estadocêntrica considera as polí ticas públicas analiticamente monopólio de atores estatais o que determina se uma política é ou não pública é a personalidade jurídica do ator protagonista Secchi 2015 p 2 A centralidade do Estado está relacionada a ao monopólio do uso da força legítima b ao seu papel de produtor de leis o que abarca o poder de enforcement c ao seu papel de representante do interesse coletivo d ao controle de importantes re cursos sociais garantindolhe os meios para criar e manter políticas Vale ressaltar que a abordagem estadocêntrica admite que grupos e organiza ções não estatais podem influenciar os processos das políticas públicas mas eles não teriam centralidade Secchi 2015 Nessa linha uma das definições mais conhecidas é a de Dye 2010 política pública é tudo o que os governos escolhem fazer ou não fazer O autor procura se afastar das acepções que a priori vinculam as políticas a problemas sociais Ele argumenta que tais ligações nem sempre existem elas expressariam muito mais nosso desejo de imprimir alguma raciona lidade funcional na ação governamental do que das características intrín secas desta Por isso Dye 2010 enfatiza aquilo que podemos observar as ações e as inações do Estado Essa noção ao mesmo tempo que é abran 16 gente coloca foco no ator governamental delimitando a política pública a partir de sua iniciativa seja de agir ou de não agir Uma outra forma de entender o que são as políticas públicas é voltar o olhar para o seu aspecto processual Nessa perspectiva Muller e Surel 2002 oferecem uma definição mais restrita quando apresentam a po lítica pública como um processo pelo qual são formulados e implemen tados programas de ação pública coordenados em torno de objetivos explícitos Em outras palavras referese ao processo de construção de intervenções junto à realidade social por meio de instrumentos conside rados adequados De forma semelhante Howlett Ramesh e Perl 2013 p 12 destacam que a política pública consiste em inúmeras decisões toma das por muitos indivíduos e organizações no interior do próprio governo e que essas decisões são influenciadas por outrasos atores Estas defini ções valorizam os processos decisórios levando o olhar para os conflitos e as interações podendo também abrir espaço para uma discussão sobre a influência das instituições A Figura 2 mostra as dimensões mais salientes dos conceitos de polí ticas públicas tratados aqui Figura 2 Foco dos conceitos de políticas públicas Fonte elaboração própria 17 14 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas Agora que conhecemos os conceitos de políticas públicas podemos explorar alguns de seus elementos formadores com o objetivo de apro fundar o entendimento sobre nosso objeto de estudo Destacamos cinco elementos como mostra a Figura 3 Figura 3 Elementos que formam os conceitos de políticas públicas Fonte elaboração própria a partir de Lima e DAscenzi 2016 O primeiro elemento é o processo destacando que uma política pú blica é um conjunto de decisões e ações que envolvem uma diversidade de atores Isso quer dizer que a uma política pública envolve decisões escolha entre ideias objetivos alternativas etc b bem como ações a implementação das decisões tomadas c as decisões e ações demandam 18 algum nível de intencionalidade de consensualidade e de coordenação já que atores possuem diferentes valores ideias interesses e aspirações Rua Romanini 2013 O segundo elemento está relacionado à finalidade o qual indica que o objetivo daquela teia de decisões e ações é modificar um problema so cial definido como uma situação percebida pelas pessoas como indese jável e que desperta a necessidade de ação para poder enfrentála Uma variante dessa visão é a que enfatiza a resolução de conflitos uma política pública é uma forma de manter a coesão social por meio do atendimen to das demandas dos grupos da sociedade Este elemento revela que nos conceitos de políticas públicas está presente a intenção de gerar impacto social Nesse sentido as políticas estão voltadas para o futuro na direção de melhorar nossa sociabilidade para que as pessoas possam levar a vida que valorizam O terceiro elemento aborda a questão substantiva isto é enfatiza que as políticas públicas são orientadas por valores ideias e visões de mundo Isso acontece porque as políticas expressam a cultura da socie dade na qual foram geradas ou a absorvem nos processos de apropriação e implementação Por isso elas variam entre os países e no tempo Por exemplo Robert Putnan 2006 demonstra que sociedades mais igualitá rias onde as pessoas exibem confiança umas nas outras participam da vida pública e são tolerantes com as diferenças produzem políticas pú blicas mais universalistas utilizando os recursos públicos de forma mais eficiente Também Ronald Inglehart e Christian Welzel 2009 susten tam que quando as pessoas são material intelectual e socialmente mais independentes aumenta sua segurança existencial e elas passam a ter novas prioridades a ênfase cultural voltase para a liberdade individual para a diversidade humana e para a autonomia individual Com esses va lores as pessoas passam a dar mais apoio a políticas públicas orientadas à emancipação humana como as políticas antidiscriminatórias pela igual 19 dade de gênero pelos direitos das crianças e adolescentes da população LGBTQIA das pessoas com deficiência minorias étnicas etc O quarto elemento trata da dinâmica das políticas públicas ressal tando que elas são permeadas pelo conflito entre atores já que envolvem a alocação de recursos sociais escassos em um contexto de pluralidade de ideias e interesses Assim podemos encontrar diferentes níveis de con sensualidade nos processos das políticas públicas o que depende do grau de importância dado ao problema social em foco e se há muita controvér sia sobre seu entendimento se a arena de debate é mais ou menos aberta da intensidade das preferências dasdos atores das restrições orçamen tárias dentre outros fatores Por fim o quinto elemento é a consequência uma política pública forma uma ordem local um sistema no qual atores interagem e manejam recursos Este elemento sublinha que a análise de uma política pública está conectada a ao estudo de atores pessoas grupos e organizações que têm interesse e são afetadas pela política b das instituições re gras formais e informais conformam os espaços onde atores interagem e desenvolvem a atividade política por meio da qual são estabelecidas as características das políticas públicas Dessa forma entendese que a po lítica cria um espaço de relações interorganizacionais formando assim uma ordem local que opera a regulação de conflitos entre atores e articu la a harmonização dos interesses individuais e coletivos Muller Surel 2002 15 Estrutura de decomposição das políticas públicas Em termos de operacionalização as políticas públicas podem tomar formas em diferentes níveis No nível mais amplo temos o plano da polí tica pública Nele é apresentada a estrutura da intervenção os princípios que orientam a política os objetivos e os meios para alcançálos Para que 20 seja implementado o plano deve ser desdobrado em programas que são mais específicos e exibem algum recorte setorial territorial temático etc Cada programa por sua vez é decomposto em projetos que consti tuem a menor unidade de ação Draibe 2001 a mais operativa eles são formados por atividades interrelacionadas e coordenadas voltadas para o alcance de objetivos específicos num prazo definido Cohen Franco 1993 Por exemplo a Política Nacional de Saúde plano abarca uma série de objetivos referentes a vários temas típicos deste campo Uma das te máticas referese à saúde dos idosos daí foi criada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa programa que por sua vez precisou ser desdo brada em vários projetos como promoção do envelhecimento saudável qualificação dos serviços atenção integral Note que os nomes que os planos programas e projetos recebem não interferem na análise pois o que devemos considerar são as características de cada um dos níveis se plano mais geral se programa mais específico se projeto mais detalha do e focado A Figura 4 demonstra a estrutura de operacionalização de políticas públicas Figura 4 Estrutura de operacionalização de políticas públicas Fonte elaboração própria 21 Denominamos estrutura de decomposição todo esse processo de desdobramento de um plano mais amplo em peças mais específicas Por tanto uma estrutura de decomposição é um processo de transformação de uma ideia em ação a partir de um princípio ou objetivo geral segue se um processo de desdobramento de iniciativas com vistas a alcançálo Cada um dos níveis desta estrutura pode ser tratado como uma etapa de planejamento FIGURA 5 Figura 5 Níveis de planejamento e estrutura de decomposição das políticas públicas Fonte elaboração própria O nível estratégico é predominantemente político sua função é de finir os elementos centrais da policy como problema social princípios objetivos e meios em um contexto de participação de diferentes atores Neste nível de planejamento temos muito debate público divulgação de informações e coleta de dados negociação persuasão e barganha 22 O nível tático é a primeira etapa de operacionalização do plano deli neado no nível estratégico Neste tipo de planejamento são definidos os processos e metas e garantidos os insumos necessários para promover o alcance dos objetivos Este planejamento tem um escopo setorial depar tamental territorial eou temático e é formado por iniciativas de médio prazo Alves Pinto 2020 Manfredini 2011 Nessa etapa os planos co meçam a ser mais detalhados Por último no nível operacional temos a criação de projetos que são mais específicos e detalhados porque visam à operacionalização dos programas Nessa etapa há o envolvimento de todos os níveis como for ma de garantir que as tarefas e operações sejam executadas em confor midade com o que foi planejado atentandose em alcançar os objetivos específicos Todos estes níveis são entendidos como um processo integrado e in terdependente ou seja o planejamento estratégico plano não vai sair do papel se os programas do nível tático e os projetos do nível operacional não forem bem estabelecidos e executados Nesse sentido todos os ní veis são necessários o estratégico para orientar a política pública o tático para desdobrar essa política em programas menores e departamentaliza dos e o operacional para elaborar as atividades que serão realizadas nos setores para executar os objetivos dos programas 23 2 Atores quem participa das políticas públicas 21 Atores e como influenciam as políticas públicas Chamamos atores de políticas públicas as pessoas grupos e orga nizações que têm algum interesse na política pública a ponto de mobili zarem esforços para sua criação modificação ou extinção Lima DAs cenzi 2018 Atores podem ser governamentais e nãogovernamentais funcionárias e funcionários de diferentes níveis hierárquicos ou ainda beneficiárias e beneficiários das políticas Schabbach 2020 A participação de atores nas políticas públicas está intrinsecamente ligada ao seu grau de interesse pelos custos ou pelos benefícios gerados por elas Em outras palavras atores estão envolvidasos com as políticas públicas porque elas afetam alguma dimensão de sua vida trabalho mo radia saúde etc podendo lhes impor perdas ou ganhos Rua Romani ni 2013 Com isso podemos imaginar que em torno de uma mesma po lítica pública orbita uma diversidade de atores com interesses distintos tentando influenciála de forma que lhes favoreça ou pelo menos que não lhes prejudique Também é possível perceber que atores vão focar nas políticas que mais lhes afetam que mais se relacionam com seu coti diano e assim com seus interesses Por exemplo atores que se envolvem nas políticas de segurança pú 24 blica são bastante diferentes de quem se relaciona com as políticas de saúde Na segurança encontraríamos juízas e juízes e suas associações advogadas e advogados e suas associações trabalhadoras e trabalhado res da segurança e associações as polícias os grupos de direitos hu manos etc Na saúde identificaríamos profissionais de saúde em toda a sua diversidade e suas associações centros de pesquisa indústria da saúde como hospitais laboratórios empresas farmacêuticas e suas asso ciações grupos de pessoas que compartilham da experiência de conviver com determinada patologia ou deficiência em toda sua diversidade e assim por diante A diversidade de atores e o tensionamento gerado pela disputa de in teresses são fatores que conformam a característica conflitiva das arenas de políticas públicas Ou seja o conflito é uma manifestação da plurali dade de ideias valores e interesses E a construção de níveis funcionais de consensualidade dentro dos espaços das policies depende da qualidade da atividade política que será mais orientada para a coletividade quanto mais igualitárias forem as relações e mais tolerantes forem as e os atores à diferença 22 Arenas de políticas públicas A construção de uma política pública é resultado da ação de atores que interagem em espaços denominados arenas de políticas públicas Diferentemente do que pode parecer à primeira vista o conceito de are na não remete a um espaço físico referindose a um constructo político e analítico O embate de ideias e interesses manifestase nos espaços físi cos Câmara Municipal por exemplo mas não fica restrito a eles Atores movimentamse negociam debatem enfrentamse em diversos espaços no intuito de convencer os públicos e aumentar o apoio a suas ideias Nesse entendimento as arenas correspondem ao padrão de intera 25 ção entre atores em uma determinada política pública Rua Romanini 2013 abarcando as maneiras que se relacionam construindo alianças disputando confrontando persuadindo negociando etc Cabe destacar três elementos importantes deste conceito a as arenas conformam es paços de concertação de interesses b em cada arena há uma configura ção própria de atores capazes de influenciar o conteúdo da política c atores agem por meio da mobilização de seus recursos de poder e reper tórios de ação 221 Recursos de poder e Repertórios de ação Nas arenas de políticas atores tendem a exibir lógicas próprias de com portamento determinadas a partir de suas ideias interesses e recursos de poder que estão à sua disposição Os recursos de poder são os variados re cursos por meio dos quais atores produzem ação e tentam influenciar os pro cessos das políticas públicas Isto é eles correspondem às características que conferem a atores capacidade de agir Muller Surel 2002 A literatura de políticas públicas menciona vários tipos de recursos de poder alguns são subjetivos e outros objetivos Os recursos de poder subjetivos por exemplo podem ser oriundos da posição que atores ocu pam na arena das políticas se possuem autoridade formal se estão numa posição de liderança se têm conhecimento e experiência sobre a política Sabatier 2010 Os recursos objetivos abarcam por exemplo quantidade de membros recurso financeiro a capacidade de mobilização política vínculo com outrasos atores relevantes acesso a informações importan tes e o apoio da opinião pública Rua Romanini 2013 Schabbach 2020 Já os repertórios de ação equivalem aos modos de ação de atores e são gerados por meio da mobilização dos recursos de poder Muller Surel 2002 Os repertórios de ação têm como objetivo conferir maior visibilidade às demandas e ideias dasdos atores pressionando os demais 26 e ampliando o público interessado e o grupo de apoio Os repertórios po dem tomar diferentes formas repertórios estratégicos e extensos con formados por uma série de ações repertórios pontuais ou casuais que são colocados em prática em virtude de uma pauta do momento além disso os repertórios podem acionar vários recursos ou podem depender de um recurso exclusivo Exemplos de repertório de ação casuais e pontuais são as passeatas e manifestações que respondem a um acontecimento recente e que bus cam chamar atenção para uma questão Um repertório estratégico pode ser ilustrado pela defesa de uma causa advocacy Observemos o caso da ABELHA Associação Brasileira de Estudos das Abelhas uma asso ciação civil sem fins lucrativos ou partidários que tem por objetivo li derar a criação de uma rede em prol da conservação das abelhas e outros polinizadores A ABELHA desenvolve uma série de ações que formam seu repertório produção e divulgação de informações com base científi ca apoio a pesquisas e para implantação de apiários em escolas atuação junto a órgãos públicos para promover a agricultura sustentável dentre outras Ainda uma associação de advocacy pode utilizar passeatas e ma nifestações em seu repertório de ação usual como faz a FEMAMA Fede ração Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama que organiza anualmente a Caminhada das Vitoriosas com o objetivo de conscientizar sobre o diagnóstico precoce na luta contra o câncer de mama Tal ação está inserida num amplo repertório que abarca apoio à pesquisa difusão da problemática nas mídias pressão política etc Em síntese os recursos de poder de atores são utilizados para pro duzir seus repertórios de ação cujo objetivo é mobilizar apoio e ampliar o público interessado num problema ou numa reivindicação específica Muller Surel 2002 Como mostra a Figura 6 há vários tipos de públi cos o que exige que atores calibrem seus repertórios para cada audiência 27 Figura 6 Tipos de públicos de acordo com o grau de interesseparticipação Fonte Muller e Surel 2002 23 Tipos de atores Vimos que as políticas públicas são permeadas por uma pluralida de de atores com ideias interesses e repertórios de ação variados Cabe agora investigar os tipos de atores que podemos encontrar nas arenas de políticas públicas Comecemos com a tipologia de Kingdon 1995 que enfoca o grau de visibilidade de atores no subsistema da política classificandoos em visíveis ou invisíveis Atores visíveis são aquelas pessoas que recebem atenção da mídia e do público porque têm influência sobre a agenda das políticas Capella 2007 como Presidentes e ministrasos governadoras es e secretáriasos prefeitasos e secretáriasos pessoas em altos postos do legislativo e judiciário e grupos de interesse Por seu turno atores invisíveis são pessoas que exercem influência sobre a formulação de al ternativas e a implementação das políticas como servidorases públicas 28 os assessorases parlamentares acadêmicasos pesquisadorases e con sultorases Capella 2007 Segundo Rua e Romanini 2013 este tipo de ator recebe atenção da mídia e do público só em momentos específicos quando ocorre alguma situação em seu campo de conhecimento e ex periência que demanda explicação ou expertise Por exemplo em 2020 o governo federal implementou o Programa Auxílio Emergencial para en frentar a crise causada pela pandemia da COVID19 O benefício consistia em transferência monetária para grupos afetados pela redução de ren da e a implementação ficou a cargo da Caixa Econômica Federal CEF No início da execução do programa um grande problema se manifestou imensas filas formaramse na frente das agências da CEF gerando aglo merações e aumentando o perigo de contágio pela COVID19 O presi dente da CEF até então pouco conhecido foi chamado a dar explicações e passou a falar regularmente nas coletivas de imprensa do governo até que a situação mudou e ele deixou de receber atenção da mídia e do pú blico Outro ator que recebeu atenção no contexto da pandemia foram as os pesquisadorases especialmente da epidemiologia e da infectologia que nos ajudaram a entender o vírus a doença as medidas de proteção e as vacinas Outra forma de classificar atores é encontrada em Secchi Coelho e Pires 2019 que propõem categorizálos em governamentais e não go vernamentais como se vê na Figura 7 A seguir apresentamos as caracte rísticas de cada um destes tipos 29 Figura 7 Tipos de atores segundo relação com o governo Fonte adaptado de Secchi Coelho e Pires 2019 231 Políticas e políticos eleitos Podendo atuar individual ou coletivamente as políticas e os políticos eleitos são representantes legítimos dos interesses da coletividade com autoridade institucionalizada para tomar decisões enquanto durarem seus mandatos Secchi Coelho Pires 2019 Formalmente têm como papel principal a vocalização dos problemas públicos e a indicação de po líticas adequadas para combatêlos Nesse sentido segundo Schabbach 2020 as e os representantes eleitos são decision makers que ocupam o topo das estruturas hierárquicas assumindo um papel central nos pro cessos das políticas públicas Quando eleitos tais atores alocam pessoas de sua confiança para 30 servir em funções de chefia direção e assessoramento na administração pública são as designadas e os designados politicamente cuja função principal é repassar ao corpo burocrático as orientações políticas do par tido que saiu vencedor das eleições e sua agenda Secchi Coelho Pires 2019 As designadas e os designados politicamente ocupam posições in termediárias entre a burocracia concursada e as políticas e políticos elei tos e se dividem em funções de confiança exclusivas para servidoras es públicasos e cargos comissionados acessíveis tanto para burocratas quanto para pessoas externas à administração pública Secchi 2015 São exemplos de cargos comissionados ministrasos secretáriasos dos esta dos e municípios e presidentes de empresas públicas Tais indicações de vem levar em conta o conhecimento e a experiência bem como aspectos da atividade política como o apoio ao projeto político 232 Burocratas Burocratas conformam o corpo de funcionárias e funcionários do Estado cuja função consiste em administrar a máquina pública inde pendentemente do processo eleitoral e do partido que dali sair vencedor A ideia é que a burocracia concentra a capacidade de executar e de coor denar as ações a partir de um saber especializado de estratégias de con trole sobre membrasos e sobre um sentimento intrínseco de moralidade Abrúcio Loureiro 2018 Logo as políticas públicas seriam influencia das pela burocracia por meio de três canais Rourke 1976 a provimen to de aconselhamento às e aos representantes eleitos já que possuem conhecimento e experiência em sua área b poder de implementação capacidade de executar as decisões tomadas pelasos representantes elei tasos a partir das suas visões c discricionariedade espaço decisório que permite escolher entre alternativas e decidir como as políticas serão de fato implementadas 31 O tema da discricionariedade é bastante valorizado nos estudos de políticas públicas sendo entendida como o espaço de interpretação e de cisão dentro dos limites das regras Tal conceito permitenos pensar que as e os burocratas de baixo e médio escalão fazem muito mais do que assinar papéis e cumprir as decisões estabelecidas previamente pelo alto escalão na prática estas pessoas tomam decisões sobre como executar as políticas Com isso percebemos que a burocracia é dividida em níveis alto escalão médio escalão e linha de frente Burocratas de alto escalão ocupam os postos organizacionais mais altos e devem responder às políticas e aos políticos eleitos já que são de signadasos politicamente Estes atores influenciam as políticas públicas porque são responsáveis por organizar os processos de tomada de deci são e definir as regras gerais das ações São exemplos de burocratas de alto escalão ministrasos secretáriasos estaduais e municipais e presi dentes de empresas públicas Burocratas de médio escalão ocupam postos nos níveis intermediá rios da burocracia são funcionárias e funcionários que coordenam as equipes transformando as decisões do alto escalão em ações a serem realizadas na ponta Oliveira Lotta 2020 p 2 Neste nível há muita rotatividade devido à associação ao ciclo eleitoral pois a ocupação dos cargos se dá majoritariamente por servidoras e servidores públicos que já estão dentro do Estado a partir da indicação política de chefes de go verno ou de burocratas de alto escalão Desde sua posição segundo Pires 2018 p 201 estas pessoas experienciam as entranhas do Estado ou seja vivenciam o Estado a partir de seu interior e não de suas fronteiras com o ambiente externo Em virtude de suas atribuições e posição as e os burocratas de médio escalão influenciam as políticas públicas por meio de decisões sobre com quem e como estabelecer conexões da dis tribuição de informações e outros recursos críticos à construção de ações governamentais Pires 2018 p 201 São exemplos de burocratas 32 de médio escalão diretoras e diretores de escolas e hospitais gerentes e pessoas em cargos de supervisão Burocratas de linha de frente atuam diretamente junto ao público beneficiário das políticas Por conta da sua posição elaseles não apenas executam as diretrizes estipuladas pelos outros níveis mas exercem dis cricionariedade isto é tomam decisões para tentar ajustar as expectati vas da política às condições dos espaços de implementação São exemplos de burocratas de linha de frente pessoas que trabalham em Unidades Bá sicas de Saúde professoras e professores policiais e bombeirasos A Figura 8 apresenta uma representação sinóptica das políticas e dos políticos eleitos pessoas designadas e burocratas na hierarquia organi zacional Figura 8 Políticasos eleitasos designadasos e burocratas na hierarquia organizacional Fonte adaptado de Secchi Coelho e Pires 2019 233 Grupos de interesse Os grupos de interesse são organizações não estatais formais ou in formais formadas com o propósito de defender um dado interesse dentre 33 outras formas exercendo influência sobre os processos das políticas pú blicas Alguns grupos são orientados por interesses econômicos como a Coalizão Empresarial Brasileira que reúne empresas e entidades empre sariais de setores da agricultura indústria e serviços com o objetivo de acompanhar e influenciar as negociações de acordos comerciais CNI 2020 Outros grupos são orientados por interesses corporativos como os sindicatos por exemplo o Sindicato Nacional dos AuditoresFiscais do Trabalho visa defender os direitos e os interesses profissionais de seus filiados e da categoria dos Auditores Fiscais do Trabalho especialmente nas questões salariais e de política de classe SINAIT 2020 sp Além desses há grupos que defendem os direitos civis como a Rede de Negras e Negros LGBT que luta contra o racismo e a lesbofobia a transfobia a homofobia e a bifobia e todas as espécies de discriminação Rede Afro LGBT 2020 sp 234 Partidos políticos Segundo Schwartzenberg 1979 p 489 um partido político é uma organização durável estabelecida do nível nacional ao nível local visan do conquistar e exercer o poder e procurando com este fim a sustenta ção popular Cabe destacar os elementos deste conceito a partidos são organizações formais b se organizam em torno de uma concepção de sociedade e de um projeto político que a operacionaliza c têm por ob jetivo exercer ou participar do exercício do poder político d para isso competem pelo voto em eleições devidamente constituídas No que tange às políticas públicas os partidos costumam defender e tentar implemen tar iniciativas que se alinhem ao seu projeto político que atendam as de mandas dos grupos que o apoiam e que contribuam para sua ampliação 34 235 Beneficiárias e beneficiários das políticas públicas Esta classificação engloba pessoas grupos e organizações para os quais a política foi elaborada Secchi Coelho Pires 2019 p 158 O Quadro 1 mostra alguns exemplos de políticas e grupos beneficiários Quadro 1 Políticas selecionadas e grupos beneficiários Política pública Objetivo Grupo beneficiário Fonte da informação Política Nacional do Idoso Assegurar os direitos do idoso Considerase idosa a pessoa maior de sessenta anos de idade Lei nº 8842 de 4 janeiro de 1994 Primeira Infância Melhor Promover o desenvolvimento integral da criança Crianças desde a gestação até os cinco anos de idade com ênfase na faixa etária de zero a três anos Lei nº 12544 de 03 de julho de 2006 Política Nacional de Saúde Integral da População Negra Promover a saúde integral da população negra priorizando a redução das desigualdades étnicoraciais o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS População negra Portaria nº 992 de 13 maio de 2009 Programa Auxílio Emergencial Estabelecer medidas de proteção social para o período de enfrentamento da covid19 Trabalhador que tenha mais de maior de dezoito anos de idade não tenha emprego formal ativo não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial beneficiário do seguro desemprego ou de programa de transferência de renda federal ressalvado o Programa Bolsa Família tenha renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos no ano de 2018 não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R 2855970 e exerça atividade na condição de a Microempreendedor Individual ou b contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social ou c trabalhador informal Decreto nº 10316 de 7 de abril de 2020 Fonte elaboração própria 35 As beneficiárias e os beneficiários podem exibir um comportamento mais ou menos ativo em relação aos processos das políticas isto é podem agir como usuáriasos dos serviços eou como atores no sentido de ten tar influenciar suas características e seu curso Por exemplo uma pessoa pode utilizar regularmente os serviços da Unidade Básica de Saúde UBS de sua região quando tem alguma necessidade de saúde ou ela pode fa zer parte do Conselho Local de Saúde como representante das usuárias e dos usuários tomando decisões e desenvolvendo ações que influenciam o funcionamento da UBS Consideramos que ao beneficiáriao age como ator de políticas públicas somente no segundo caso pois como vimos atores são pessoas e grupos que além de ter interesse na política mobili zam esforços para sua criação modificação ou extinção Nos dois casos as pessoas têm interesse na política mas apenas no segundo caso há mo bilização de esforços para interferir no seu andamento 24 Formas de agregação de atores Para influenciar as políticas públicas atores podem agir de forma coordenada construindo alianças e parcerias que potencializam seus re cursos de poder e diversificam seus repertórios de ação Dentre os mode los que procuram explicar estes padrões de relacionamento destacase o das redes de políticas públicas As redes são formas organizacionais que congregam e mobilizam um conjunto de atores públicos e privados com recursos de poder dis tintos mas que compartilham um mesmo objetivo ou campo de atuação A força motriz deste tipo de agregação é a percepção de que o atingimen to de tal objetivo será mais efetivo se realizado a partir da ação conjunta Em geral as redes são organizações informais geradas a partir do reconhecimento da interdependência entre atores em seus recursos e repertórios Consequentemente as relações são horizontais e marcadas 36 pela pluralidade de atores pela diversidade de recursos pela gestão flexí vel e pela capilaridade São portanto elementos formadores do conceito de redes a Institucionalização as relações sociais que estruturam as redes podem ser mais ou menos estáveis b Diversidade de atores as relações ocorrem entre atores diversos autônomos e interdependentes c Horizontalidade as relações são marcadas pela descentralização do poder d Interesses comuns asos agentes se articulam em redes em vir tude de interesses compartilhados essa é a cola que mantém a rede unida e Cooperação diante de um problema compartilhado e da per cepção de que a agregação de forças é capaz de potencializar os recursos de poder atores promovem ação coletiva por meio da cooperação A seguir vamos estudar dois tipos de redes que recebem destaque na literatura de políticas públicas as redes temáticas issue networks e as comunidades de políticas públicas As redes temáticas são formadas em torno de issues questões mais debatidas de uma política em relação às quais atores têm preferências muito intensas e por isso catalisam o conflito Rua Romanini 2013 A participação de atores neste tipo de rede é fluída e instável dependendo da atenção que o tema recebe em dado momento Por exemplo na políti ca de saúde da mulher um issue é a descriminalização do aborto na polí tica de enfrentamento à COVID19 as medidas de lockdown na política de educação especial o atendimento educacional especializado se exclusivo ou complementar à educação regular Atores agregamse em tornos dos 37 issues a partir de suas preferências a favor ou contra a descriminalização do aborto a favor ou contra as medidas de lockdown a favor ou contra o atendimento educacional especializado na escola regular Todasos agin do para ver suas ideias impressas na política pública Já as comunidades de políticas públicas designam um conjunto li mitado e relativamente estável de atores especialistas em uma determi nada área que compartilham valores e uma visão sobre como a política pública deve ser Cortes 2015 Uma das comunidades de políticas mais conhecidas no Brasil é o Movimento pela Reforma Sanitária Esse grupo atuou fortemente nos anos de 1970 e 1980 para criar um sistema exclusi vamente público de saúde Exerceu forte influência na conformação do Sistema Único de Saúde SUS sendo responsável pela formulação de sua estrutura institucional 38 3 Instituições onde as políticas públicas se desenrolam 31 O que são instituições e como influenciam as políticas públicas A dimensão da polity ou seja das instituições é um objeto de análise muito valorizado na policy analysis pois se entende que suas caracterís ticas e comportamentos influenciam diretamente no curso das políticas públicas Da mesma forma aceitase que os resultados das políticas pú blicas podem repercutir no comportamento das instituições As instituições podem ser entendidas como o conjunto de regras formais e informais que conformam os contextos de ação de atores mol dando suas decisões e ações e assim influenciando os processos das po líticas públicas Nas palavras de March e Olsen 1984 apud Muller Surel 2002 p 41 as instituições são rotinas procedimentos convenções papeis estratégias for mas organizacionais e tecnologias em torno das quais a atividade política é construída mas também as crenças paradigmas códi gos culturas e saberes que rodeiam sustentam elaboram e con tradizem esses papéis e essas rotinas Vamos explorar este conceito nos debruçando sobre dois de seus elementos O primeiro elemento conceitual que merece destaque são as 39 regras De forma geral uma regra é um instrumento que visa regular comportamentos ela indica o modo adequado de falar e fazer alguma coisa em determinada situação O conceito de instituições chama nossa atenção para dois tipos de regras formais e informais As regras formais caracterizamse por serem explícitas e impessoais cujo teor é de conhe cimento real ou potencial de atores envolvidasos com os processos que elas regulam por exemplo as regras constitucionais os estatutos os re gimentos internos etc Já as regras informais são assimiladas por meio de socialização e tangem a práticas e entendimentos compartilhados e reproduzidos mas não necessariamente aceitos como hábitos rotinas convenções crenças valores e esquemas cognitivos O segundo elemento do conceito diz respeito à forma como as insti tuições influenciam as políticas públicas Tal influência passa pela ação dasdos atores nos processos das políticas públicas atores agem orien tadasos pelas regras formais e informais Estas regras conformam os contextos de ação de atores dentro dos quais elas e eles modelam suas preferências definem suas estratégias fazem suas escolhas e calibram sua ação Consequentemente elas deixam sua marca nas características das policies Por exemplo a Regras formais influenciando as políticas públicas o Estatuto da Cidade está formalizado na Lei nº 10257 de 2001 Ele estabele ce as diretrizes os objetivos e os instrumentos de implementação da política urbana Brasil 2001 Logo as pessoas responsáveis pela formulação e implementação desta política tomarão suas decisões e ações orientadas por estas determinações Isso sig nifica que o Estatuto da Cidade influencia as características da política urbana no Brasil b Regras informais influenciando as políticas públicas em seu es 40 tudo sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Inte gral da População Negra nas Unidades Básicas de Saúde UBS Jaciane Milanezi 2017 constatou que apesar de todas as evidên cias estatísticas acerca das desigualdades raciais em saúde mo bilizadas para justificar a política em praticamente todos os do cumentos burocráticos que circulavam nas UBSs especialmente nas fichas dasos usuáriasos raramente perguntavase sobre raçacor A autora sustenta que tal silêncio organizacional é uma reação dasos profissionais da saúde à focalização da saúde na população negra Quando questionadasos sobre a política e o problema da desigualdade racial em saúde asos profissionais das unidades acionavam explicações biológicas e culturais Para a maioria usar estes termos raça racismo era assumir uma postura racista o que asos impedia de entender as iniquidades raciais em saúde como um fenômeno estrutural geralmente as entendendo no âmbito de preconceitos interpessoais ou como inatas aos indivíduos Tal atitude impactou a implementação da política uma vez que as pessoas que a executavam não perce biam como social o problema que ela pretendia enfrentar Todas as ideias que discutimos aqui fazem parte de uma corrente teórica denominada neoinstitucionalismo A seguir examinaremos três linhas desta corrente as quais lançam luz sobre diferentes aspectos das instituições e oferecem uma leitura própria acerca de como se desenvolve o processo político 32 Neoinstitucionalismos da escolha racional histórico e sociológico Segundo Peters 2016 as versões do neoinstitucionalismo compar tilham três pressupostos 41 a As instituições são capazes de criar previsibilidade quando es tão em pleno funcionamento possibilitam prever tanto compor tamentos quanto resultados políticos b As instituições sobrevivem ao longo do tempo culminando na reprodução de padrões de comportamento que se materializam nas escolhas institucionais e portanto nas políticas implemen tadas c As instituições são separadas de seu ambiente instituições de têm alguma autonomia em relação ao ambiente no sentido de que uma vez criadas e em funcionamento passam a operar como estruturas que conformam comportamentos independen temente de concordância ou aceitação Com isso em mente vamos conhecer algumas ideias centrais de cada um dos neoinstitucionalismos 321 Neoinstitucionalismo da escolha racional Esta linha assume que as instituições são responsáveis por resol verem os problemas de ação coletiva Hall Taylor 2003 Ou seja elas funcionam como um fator de ordem reduzindo o caráter caótico da ati vidade política e ordenando a interação Muller Surel 2002 Nesse entendimento as instituições são em linhas gerais regras de decisão Immergut 2006 as quais para cumprir com tal propósito devem ser explícitas ou seja exibir algum grau de formalização como regimentos internos protocolos procedimentos operacionais parâmetros de avalia ção etc Segundo Peters 2016 esta abordagem se baseia numa concepção instrumental de racionalidade isto é é racional a pessoa que escolhe os meios em acordo com seus fins ainda ela escolhe por otimização opta 42 pelo melhor dentro de suas possibilidades Sendo assim entendese que as preferências fins dasdos atores são exógenas externas aos contex tos institucionais os quais tornamse estruturas projetadas para produ zir certos resultados utilizando as motivações dos atores Peters 2016 p 60 tradução nossa Neste ponto é possível perceber por que a forma lização é importante pois os atores devem ter acesso às regras para pode rem se movimentar em busca de suas preferências e interesses 322 Neoinstitucionalismo histórico Esta linha enfatiza a historicidade das instituições com foco no com portamento do Estado As instituições são percebidas como os proce dimentos protocolos normas e convenções oficiais e oficiosas Hall Taylor 2003 p 194 inerentes a alguma organização Com isso são abar cadas tanto as regras formais quanto as informais mas sempre se refe rindo a contextos organizacionais formais Por sua vez o Estado é visto como um conjunto de instituições capazes de influenciar o resultado do conflito entre os grupos uma vez que estrutura suas interações Nessa lógica a as preferências dasdos atores são endógenas às instituições isto é são remodeladas a partir dos constrangimentos e possibilidades delimitadas por elas b as instituições geram assimetrias de poder entre os grupos pois estabelecem as formas e os caminhos da ação de forma que alguns interesses levam vantagem em relação a outros 323 Neoinstitucionalismo sociológico Nesta abordagem as instituições são definidas como práticas cultu rais e elementos cognitivos que pesam sobre os comportamentos indi viduais e determinam a legitimidade das organizações Muller Surel 2002 p 44 Temse aqui um conceito mais amplo de instituições que inclui não só as regras procedimentos ou normas formais mas também 43 os sistemas de símbolos os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem padrões de significação que guiam a ação humana Hall Taylor 2003 p 209 Por um lado entendese que atores agem e decidem informadasos por suas ideias e visões de mundo por outro lado as ins tituições não são somente formas de resolver os problemas de ação cole tiva ou regras que estruturam a interação mas aspectos que garantem legitimidade às organizações que reforçam seu papel e lugar num dado ambiente 33 Instituições e organizações No cotidiano percebemos que o termo instituições é utilizado para tratar de várias coisas o que gera uma grande confusão Nosso objetivo aqui é delimitar conceitos para usálos com rigor por isso vamos fazer uma diferenciação muito importante entre instituição e organização Uma organização é um sistema de atividades conscientemente coorde nadas explicitamente criado para atingir finalidades específicas Downs 1994 ainda um conjunto de pessoas que empreende atividades coopera das com vistas a atingir um objetivo que só pode ser alcançado por meio de ação coletiva São exemplos de organização uma família uma empresa um partido político uma universidade Segundo Giddens 2012 p 555 as organizações são uma característica central de todas as sociedades As organizações formais como as empresas e as universidades são projetadas especificamente para alcançar certos objetivos e elas funcio nam por meio de regras normas e procedimentos explícitos Mesmo as organizações informais como as famílias possuem regras particulares que orientam o comportamento de seus membros Em outras palavras as pessoas adotam regras normas e estratégias para operar dentro das organizações Temos então uma relação entre organização e instituição organizações são grupos de pessoas que realizam atividades concertadas 44 para chegar numa finalidade comum dentro delas as pessoas decidem e agem por meio dos incentivos e constrangimentos produzidos pelas instituições Parte II Ciclo de políticas públicas 46 Nesta parte estudaremos de forma mais aprofundada aquilo que até agora chamávamos de processos de políticas públicas Faremos isso por meio de uma simplificação analíticopedagógica denominada ciclo de políticas públicas O ciclo é uma ferramenta analítica que apresenta a política pública como uma sequência de etapas distintas porém interdependentes guia das por lógicas relativamente diferentes Muller Surel 2002 Uma das primeiras e mais influentes elaborações do ciclo é creditada à Harold Las swell 1956 considerado o fundador das policy sciences como vimos no Capítulo 1 No esforço de construção deste campo de conhecimento Lasswell 1956 delineou uma abordagem para a análise das políticas públicas que propunha observálas como um processo ou seja como um conjunto in terrelacionado de estágios por meio dos quais os temas e as deliberações fluem de forma mais ou menos sequencial dos inputs problemas aos ou tputs políticas públicas Howlett 2011 Desde então o ciclo de políticas públicas FIGURA 9 é uma das abordagens mais populares para investi gar as políticas Muller Surel 2002 Roth Deubel 2010 Knill Tosun 2012 Hill Hupe 2014 E talvez por isso tenha recebido diversas críti cas ver Muller Surel 2002 e Sabatier 2007 Contemporaneamente as fases costumam ser delimitadas em a Formação da agenda momento em que situações percebidas como indesejáveis são transformadas em problemas sociais e disputam a atenção de atores que detêm os recursos para formu lar e implementar políticas públicas b Formulação das alternativas quando as comunidades de políti cas elaboram alternativas de políticas públicas c Tomada de decisão fase da escolha entre as alternativas disponí veis 47 d Implementação estágio de execução das políticas públicas e de sua adaptação aos contextos locais de ação e Avaliação atividades de produção de informações sobre a políti ca e sua implementação A descrição e análise de cada uma delas serão realizadas nos próxi mos capítulos Figura 9 Ciclo das políticas públicas Fonte elaboração própria a partir de Howlett 2011 48 4 Formação da agenda A formação da agenda diz respeito ao processo por meio do qual cer tos problemas sociais passam a chamar a atenção dasdos atores como possíveis campos de intervenção de política pública Elder Cobb 1993 Desse conceito destacamos dois pontos Primeiro a atenção dasdos ato res é um recurso limitado são muitos problemas diante da capacidade cognitiva organizacional de tempo para considerálos Segundo os problemas sociais são fruto de construção social ou seja são interpreta ções de condições que foram subjetivamente definidas como problemá ticas e como tais demandam algum tipo de ação Ingram Schneider deLeon 2007 Peters 2015 Como consequência destes dois fatores o processo de formação de agenda é altamente dinâmico competitivo e conflituoso A partir desta perceptiva podemos definir a agenda como o conjunto de problemas sociais que recebem atenção dasdos atores em um dado momento Este conceito nos mostra que uma primeira condição para que uma situação entre na agenda é que ela seja percebida por atores como um problema social algo que é considerado indesejável que afeta a coleti vidade e que deve ser enfrentado por meio de políticas públicas FIGURA 10 49 Figura 10 Pressupostos da definição de problema social Fonte elaboração própria Desta definição ressaltamos a relevância da decisão de agir pois fa cilmente notamos em nosso cotidiano uma série de situações percebidas como indesejáveis mas nem todas se tornam foco de ação organizada Isso porque a transformação de uma situação em problema é uma cons trução social Kingdon 2006 ou seja depende da ação de atores Uma questão tornase problema social quando atores por meio de seus recur sos de poder e repertórios de ação conseguem obter sucesso no processo de criar visibilidade para suas demandas e fazem com que essas sejam apropriadas por outrasos atores relevantes que passam a reconhecer a necessidade de fazer alguma coisa em relação a ela Nesse sentido assumese que o processo de definição de um proble ma social é um exercício de interpretação e está ligado à percepção de atores acerca de uma situação vivida como problemática Consequente mente encontraremos discursos concorrentes sobre um mesmo fenôme no cada um deles enfatizando determinadas causas e efeitos do proble ma isto é qualificandoo a partir de um ângulo específico sendo que tal configuração é orientada pelas visões de mundo dasdos envolvidasos Muller Surel 2002 Portanto a construção social dos problemas é um 50 processo altamente politizado permeado pela pluralidade de preferên cias interesses ideias e valores sociais bem como pelas limitações cogni tivas e informacionais Disso decorre que a formatação de um problema será sempre parcial temporária e controversa Uma segunda condição para que um problema entre na agenda é que ele deve receber atenção de atores que detêm os recursos para formular e implementar políticas públicas Segundo Kingdon 2006 três formas mais comuns pelas quais atores podem tomar conhecimento de situações são a Indicadores são usados para mensurar algum fenômeno mor talidade emprego etc uma alteração num indicador importan te chamará a atenção de atores Por exemplo em 2009 ocorreu uma leve alta na taxa de mortalidade infantil do Brasil este indi cador recebeu muita atenção porque é uma proxy de bemestar social temse que num país onde as crianças morrem as condi ções de vida não são boas Tal alteração mobilizou atores públi casos e privadasos que passaram a revisar as ações existentes para identificar onde estava a causa do aumento e agir sobre ela b Eventofoco desastres e crises são eventos que recebem atenção imediata basta lembrarmonos das tragédias da boate Kiss em Santa MariaRS ou do rompimento das barragens em Mariana e BrumadinhoMG as quais motivaram uma série de medidas para muito além da área de abrangência dos sinistros c Feedback de ações governamentais o monitoramento dos gas tos a avaliação de políticas públicas as denúncias por meio de ouvidorias e das mídias dentre outros são mecanismos que po dem atrair a atenção para uma dada situação Assim para ter alguma chance de entrar na agenda uma situação tem que ser definida como um problema social e este precisa ganhar a 51 atenção dos diferentes públicos especialmente de atores que detêm os recursos para formular e implementar políticas Estas condições são ne cessárias para que um problema possa competir no processo da agenda que como vimos é formado por uma diversidade de situações mas nem todas são transformadas em problemas e por uma série de problemas mas nem todos logram receber a atenção de atores que podem formular e implementar políticas públicas para enfrentálos Contudo estas con dições não são suficientes elas não garantem que um problema seja in corporado à agenda o que elas fazem é aumentar as chances de que ele sobreviva à competição já que a formação da agenda é ainda influencia da pelo contexto A Figura 11 apresenta uma sistematização do processo de formação de agenda Figura 11 Formação da agenda Fonte elaboração própria 52 O elemento contextual pode ser estudado por meio do conceito de ja nelas de oportunidade Elas são conjunturais e abremse quando ocorre alguma mudança na dinâmica da atividade política como uma mudança de governo alteração na distribuição de partidos políticos no parlamen to ou na opinião pública ou quando um novo problema consegue atrair a atenção de atores por meio de indicadores eventoscrises ou feedback de ações governamentais Capella 2007 Kingdon 1995 Alguns destes eventos são periódicos como as mudanças de governo em virtude das eleições outros são relativamente imprevisíveis Por fim as janelas se caracterizam pela abertura de um período de maior receptividade por parte de atores políticasos e representam uma oportunidade para atores mobilizadasos tentarem chamar atenção sobre problemas particulares Muller Surel 2002 41 Wicked problems No debate sobre problemas sociais é importante conhecer o concei to de wicked problem Segundo Rittel e Webber 1973 wicked problem é uma preocupação social difícil de explicar e consequentemente de resolver São questões que anseiam por respostas entretanto essas não são fáceis Ao contrário dos problemas mais estruturados que conseguimos enten der uma boa parte de sua dinâmica e elaborar soluções padronizadas os wicked problems são complicados interconectados ou considerados com plexos demais para serem corrigidos Alguns exemplos são crises finan ceiras fome disparidade de renda obesidade pobreza terrorismo mu dança climática etc Ao criarem o conceito Rittel e Webber 1973 identificaram dez ca racterísticas comuns deste tipo de problema social 53 1 Eles não têm uma formulação definitiva 2 Não há regra de parada tanto para o processo de definição do problema quanto para a formulação das alternativas dado à carência de conhecimento e à incerteza derivada é difícil saber quando a resposta está pronta 3 Não há soluções verdadeiras ou falsas apenas boas ou más e os julgamentos diferem de acordo com os interesses e valores de atores 4 Cada wicked problem é único mesmo que um problema possa ser parecido com outro em alguns aspectos sempre haverá uma pro priedade distinta que é importante 5 As soluções não são imediatas e não podem ser testadas pois após sua implementação elas gerarão ondas de consequências por um período desconhecido tornando as avaliações ineficazes 6 Não há oportunidade para tentativa e erro pois cada solução im plementada produz efeitos que não podem ser desfeitos e cada tentativa de corrigir um erro gera novos problemas 7 Estão interconectados ou podem ser considerados sintomas de outros problemas 8 Eles têm mais de uma explicação 9 Não existe uma lista exaustiva de soluções possíveis 10 As pessoas que tentam resolver os wicked problems são as mesmas que os criam Os wicked problems lançam luz à discussão sobre a complexidade dos problemas sociais questionando o caráter problem solving das políticas públicas Isto é nem sempre é fácil demonstrar a relação de causalidade entre determinado problema e a proposta de solução na forma de política pública e políticas direcionadas a problemas específicos podem falhar bem como gerar novos problemas 54 Mais recentemente Levin et al 2012 delinearam o conceito de super wicked problems para abordar os problemas ambientais globais Este tipo exibe quatro características a o tempo é curto o problema se agrava e o impacto aumenta de forma que se torna menos possível modificar sua progressão b as pessoas que causam o problema são as mesmas que criam as soluções c as pessoas com poder de decisão e autoridade não controlam as decisões requeridas para amenizar as pressões sobre o cli ma d as preferências das pessoas que decidem são inconsistentes com o tempo isto é tomam decisões com horizontes temporais curtos e ne gam as informações e evidências sobre os riscos da inação 55 5 Formulação das alternativas Comecemos examinando alguns conceitos Para Jones 1984 a for mulação é a proposição de meios para resolver uma necessidade social conforme percebida por atores Já Wu et al 2014 p 52 destacam o as pecto processual a formulação corresponde à produçãoidentificação de um conjunto de escolhas políticas plausíveis para resolver problemas e à avaliação preliminar da sua viabilidade Howlett Ramesh e Perl 2013 p 123 seguem a mesma linha a formulação da política pública refere se ao processo de criação de opções sobre o que fazer a respeito de um problema público Tal processo envolve identificar refinar e formalizar as opções de políticas percebidas como as mais efetivas para lidar com o problema Todavia a relação entre um problema e as alternativas vinculadas a ele é polêmica Isso porque os problemas sociais são complexos isto é eles exibem diversas configurações como vimos no capítulo anterior que destacam diferentes causas e efeitos e que se baseiam em ideias e valores distintos de uma pluralidade de atores envolvidasos Além dis so temos as limitações cognitivas e informacionais não conseguimos enumerar todas as variáveis envolvidas na produção e na dinâmica do problema e temos conhecimento parcial e temporário sobre aquelas que conseguimos identificar Como resultado encontramos diferentes níveis 56 de consensualidade em torno das definições de um problema social de seus aspectos mais importantes e consequentemente das formas de en frentálo A questão central aqui é os problemas sociais permitem diferentes abordagens diferentes formas de lidar com eles e encaminhálos Por exemplo se definimos que o tráfico de drogas é um problema social po demos propor ações de repressão no geral ou só num tipo de atividade relacionada Algum nível de legalização De políticas preventivas Onde Na educação na saúde na formação profissional Ainda para cada recor te do problema podemse desenhar diferentes alternativas Por isso essa fase envolve a exploração de várias opções ou cursos alternativos de ação disponíveis Howlett Ramesh Perl 2013 p 123 No que tange às dinâmicas de elaboração de alternativas a literatura nos oferece duas abordagens Em seu influente trabalho Kingdon 1995 sustenta que as propostas são geradas em comunidades de políticas pú blicas formadas por atores pesquisadorases staff político burocratas grupos de interesse especialistas em uma dada área saúde habitação meio ambiente etc Estas pessoas têm concepções sobre a sociedade noções sobre o futuro e propostas de políticas específicas Nessa pers pectiva as alternativas não são elaboradas necessariamente para resolver um problema nas palavras de Motta e Vasconcelos 2009 p 112 Atores sociais de modo estratégico a fim de valorizarem as habilidades e recursos que já possuem podem propor soluções para problemas que ainda estão sendo definidos problemas po dem ser criados e propostos para implementar soluções que já estão disponíveis Após o desenho as propostas são difundidas em diferentes fóruns com vistas a sensibilizar não só as os demais integrantes da comunida de mas um público mais amplo numa tentativa de construir aceitação e apoio Capella 2007 Nesse processo que Kingdon 1995 p 19 tradução 57 nossa denominou policy primeval soup as propostas flutuam entram em contato com outras são revisadas e combinadas e flutuam novamente A sobrevivência e a ascensão nessa dinâmica competitiva estariam rela cionadas a alguns critérios como viabilidade técnica e financeira con formidade com os valores sociais dominantes e apoio político Temse que a formulação de alternativas é uma arena na qual convivem diversas propostas de política pública que são difundidas por meio de persuasão com o propósito de alcançar o status de solução mais adequada para um problema em dado momento De forma distinta na segunda abordagem as alternativas seriam desenvolvidas em resposta aos problemas haveria uma relação causal in tencional entre estes dois elementos Nessa acepção a formulação de al ternativas envolveria cinco atividades Thomas 2001 apud Howlett 2011 a identificação e coleta de dados e evidências sobre o problema em foco b atividades voltadas a facilitar a comunicação entre atores envolvidas os assumindo que elas e eles têm diferentes perspectivas em relação ao problema e às possíveis soluções c análise dos dados e avaliação das op ções existentes d elaboração de recomendações e por fim novamen te um momento de diálogo e concertação no qual atores produzem fee dbacks sobre as opções recomentadas A seguir vamos conhecer e explorar a estrutura básica de uma alternativa a partir desta segunda abordagem 51 Estrutura de uma alternativa Podemos identificar alguns elementos comuns que formam a estrutura lógica de uma política pública problema social objetivos instrumentos grupo beneficiário e sistema de governança Vamos analisar cada um deles e tecer algumas ideias sobre como desenhálos O primeiro passo da elaboração de uma alternativa é a modelagem do problema social processo de tornar problemas sociais complexos passíveis 58 de serem abordados por meio de ações organizacionais políticas públicas De forma geral este processo consiste num esforço de redução da comple xidade do problema de forma específica corresponde ao recorte e à escolha de elementos do problema que podem ser manejados com os conhecimen tos disponíveis e dentro do escopo de ação das organizações formuladoras e implementadoras tudo isso demarcado pelas ideias e valores prevalecentes Para isso devese realizar um estudo rigoroso e aprofundado do problema em foco investigar e delimitar suas causas e efeitos analisar as causas para veri ficar seu efeito sobre o problema sua dinâmica e fatores que as reforçam espe cificar os efeitos e averiguar como se manifestam na vida das pessoas afetadas mapear os grupos afetados pelo problema e atores envolvidasos e mobilizadas os em torno da questão examinar os aspectos territoriais e demográficos bem como as políticas públicas existentes relacionadas etc A partir deste estudo é possível identificar as causas críticas aquelas que são consideradas as mais importantes para a produção e manutenção do pro blema A detecção e caracterização das causas críticas são importantes porque a política pública não tem como agir sobre todas as causas identificadas na análise tornandose necessário escolher aquelas que têm maior impacto na produção e reprodução do problema social Importante perceber que para modificar o pro blema social a política pública deve agir sobre suas causas FIGURA 12 Figura 12 Referências básicas de um programa Fonte elaboração própria 59 Um método bastante conhecido que auxilia este processo de identi ficação e análise de problemas é a árvore de problemas FIGURA 13 Ela oferece uma representação gráfica de uma situaçãoproblema tronco suas principais causas raízes e os efeitos negativos que ela provoca na populaçãoalvo galhos e folhas Sugerese que ela seja elaborada por meio de grupos de trabalho que promovem discussões sobre aqueles ele mentos a partir da maior quantidade possível de dados como documen tos diversos estatísticas públicas indicadores entrevistas etc Quanto mais diversificadas forem as fontes dos dados melhor será a compreen são das causas e efeitos do problema Brasil 2014 Aqui é relevante frisar que a distinção entre causa e efeito deve ser observada as causas do problema tangem aos fenômenos que o geram que favorecem sua produção e reprodução já os efeitos do problema se referem à sua manifestação na vida das pessoas que são por ele afetadas Por certo tal diferenciação não é estanque e isenta de controvérsia con tudo é necessária para a elaboração da alternativa Figura 13 Representações gráficas da árvore de problemas Fonte Brasil 2014 60 Passemos ao segundo elemento da estrutura da alternativa os ob jetivos Os objetivos são os resultados esperados de uma política públi ca e funcionam como orientadores das ações e como parâmetros para a avaliação dos esforços Segundo Schneider 2015 os objetivos se referem aos aspectos intencionais do desenho das políticas e indicam quais são as consequências pretendidas Assim como fizemos em relação aos problemas sociais podemos es miuçar os objetivos e verificar seus componentes Observemos o Objetivo 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares Este objetivo está muito bem desenhado ele começa com um verbo no infinitivo que indica a di reção da mudança desejada e em seguida anuncia o problema social que deve ser enfrentado Além disso ele faz um esclarecimento conceitual deixa claro que se trata de todos os tipos de pobreza ou seja abarca as diversas definições do problema bem como estabelece uma dimensão espacial a pobreza deve ser erradicada em todos os lugares O Quadro 2 mostra os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 61 Quadro 2 Descrição dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Objetivo Descrição 1 Erradicação da pobreza Acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares 2 Fome Zero e Agricultura Sustentável Acabar com a fome alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável 3 Saúde e BemEstar Assegurar uma vida saudável e promover o bemestar para todos em todas as idades 4 Educação de Qualidade Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos 5 Igualdade de Gênero Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas 6 Água Potável e Saneamento Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos 7 Energia limpa e acessível Assegurar o acesso confiável sustentável moderno e a preço acessível à energia para todos 8 Trabalho Decente e Crescimento Econômico Promover o crescimento econômico sustentado inclusivo e sustentável o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos 9 Indústria Inovação e Infraestrutura Construir infraestruturas resilientes promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação 10 Redução da Desigualdades Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles 11 Cidades e Comunidades Sustentáveis Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos seguros resilientes e sustentáveis 12 Consumo e Produção Responsáveis Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis 13 Ação Contra a Mudança Global do Clima Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos 14 Vida na Água Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável 15 Vida Terrestre Proteger recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres gerir de forma sustentável as florestas combater a desertificação deter e reverter a degradação da terra e deter a perda 16 Paz Justiça e Instituições Eficazes Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes responsáveis e inclusivas em todos os níveis 17 Parcerias e Meios de Implementação Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável Fonte elaboração própria a partir da Plataforma Agenda 2030 2020 62 O terceiro elemento da estrutura da alternativa são os instrumentos que correspondem aos meios de implementação das políticas às técnicas usadas para atingir os objetivos Linder Peters 1989 Ollaik Medeiros 2011 Diante da variedade de instrumentos que são acionados nas polí ticas públicas foram desenvolvidas várias tipologias Bruijin Hufen 1998 Ollaik Medeiros 2011 Salamon 2002 aqui apresentaremos a ta xonomia denominada NATO desenvolvida por Christopher Hood 1983 Hood 1983 elaborou uma tipologia que classifica os instrumentos com base em quatro tipos de recursos utilizados para sua operação a Nodalidade referente à capacidade dos governos de movimentar informação possível devido à sua posição estratégica nas redes sociais o objetivo é tentar influenciar o comportamento e as de cisões das pessoas por meio da transmissão de conhecimento da comunicação de argumentos e da persuasão Sager 2009 b Tesouro denotando a posse de estoque de recursos fungíveis que podem ser trocados como dinheiro provendo capacidade de troca o propósito é estimular ou desincentivar um dado com portamento c Autoridade tange à posse de poder legal que oferece a habilida de de determinar de marcar limites definir padrões etc d Organização remetendo à posse de estoque de pessoas qualifi cadas equipamentos e materiais operando de forma processual controlada e planejada propiciando habilidade de ação direta Para ilustrar o Quadro 3 apresenta exemplos de instrumentos agru pados segundo a categoria de recurso de poder que acionam 63 Quadro 3 Instrumentos de políticas públicas segundo recursos de poder que mobilizam Nodalidade Tesouro Autoridade Organização Campanhas públicas de informação que pretendem influenciar as preferências como evitar desperdício de água fazer exercícios usar máscaras etc Incentivos fiscais Regulamentação Provisão direta de serviços Comissões e inquéritos Empréstimos Regulação Empresas públicas Grupos de trabalho e órgãos temporários voltados à coleta de informações sobre alguma questão Financiamento Comitês consultivos Parcerias Fonte elaboração própria O quarto elemento da estrutura de uma alternativa são os grupos beneficiários pessoas grupos ou organizações que são impactadas pela política conforme estudamos no Capítulo 2 A delimitação deste grupo pode ser feita a partir dos dados coletados na análise do problema social Uma forma de fazer este recorte é considerar três tipos de populaçãoal vo a potencial pessoasgruposorganizações que são afetadas pelo pro blema b elegível pessoasgruposorganizações que podem ser elegíveis à política c priorizada pessoasgruposorganizações que acessarão os serviços ou bens produzidos pela política Brasil 2018 A populaçãoalvo potencial é mais geral a partir dela é definida a elegível e dentro dessa é escolhida a priorizada FIGURA 14 Figura 14 Tipos de populaçãoalvo Fonte elaboração própria 64 O quinto elemento da estrutura de uma alternativa é o sistema de governança A governança tange às interações entre atores estatais e não estatais que operam na implementação de uma política Já o sis tema de governança é uma forma de organizar estas relações entre múltiplasos atores tomando a forma de arranjos institucionais que ordenam as interações definem as competências de cada umaum e suas atribuições na execução da política Cavalcante Pires 2018 Por exemplo o Sistema Único de Saúde tem um sistema de go vernança tripartite realizada pelos governos municipais estaduais e federal ou seja sua estrutura é descentralizada Em cada uma destas esferas o SUS é formado 1 por uma organização estatal Secreta ria Municipal de Saúde Secretaria Estadual de Saúde e Ministério da Saúde 2 pelos Fundos de Saúde 3 pelas instâncias de participação Conselhos de Saúde órgãos deliberativos de controle social e Con ferências de Saúde fóruns públicos que ocorrem a cada quatro anos com representação de diversos segmentos sociais e com objetivo de avaliar a situação de saúde e indicar diretrizes para as políticas Além disso o SUS conta com as Comissões Intergestores Bipartite e Tripar tite a primeira de âmbito estadual voltada à articulação entre gestão estadual e gestões municipais de saúde a segunda de âmbito federal integrada por gestoras e gestores do SUS das três esferas de governo FIGURA 15 65 Figura 15 Estrutura do sistema de governança do SUS Fonte elaboração própria 66 6 Tomada de decisão A tomada de decisão é a fase da escolha entre as alternativas na qual uma ou mais ou nenhuma das opções que foram debatidas e exami nadas é aprovada como curso oficial de ação Howlett Ramesh Perl 2013 p 157 Kingdon 1995 ressalta três fatores que exercem influência nesta fase o humor nacional as mudanças no governo e o apoioa oposição dos grupos de pressão O humor nacional indica a disposição do público em relação a determinado problema eou alternativa A percepção pelasos participantes do processo decisório de um humor favorável cria incentivos para a promoção de algumas questões e em contrapartida pode também desestimular outras Capella 2007 p 93 Na mesma linha as mudanças de governo promovem algumas questões enquanto suprimem outras Isso vale tanto para mudanças amplas trocas de governo incluído a recondução de um mesmo partido quanto para alterações específicas como troca de pes soal de alto escalão E o apoioa oposição dos grupos de pressão aponta para os custos de trilhar determinado caminho A literatura destaca quatro perspectivas para entender a dinâmica da tomada de decisão Modelo da racionalidade instrumental neste enfoque as alternati vas são criadas para problemas específicos ou seja os problemas nas cem primeiro e depois são buscadas as soluções Essas devem combinar 67 as melhores opções em termos de tempo custo rapidez ou quaisquer outros critérios tomados como referência Secchi 2015 Assim seria es colhida a alternativa mais eficiente aquela que maximiza os resultados buscados mediante os recursos empregados Aceitase que as preferên cias de atores são transitivas isto é que podem ser ordenadasranquea das que atores escolhem com base em uma mesma racionalidade de tipo instrumental que as informações disponíveis são completas que os pro dutos podem ser avaliados segundo seus benefícios e custos que as con sequências das escolhas podem ser previstas e são relativamente estáveis Peters 2015 A lógica aqui é sequencial as alternativas são criadas para lidar com problemas e atores conseguem escolher a melhor opção com base em critérios objetivos FIGURA 16 Figura 16 Sequência da tomada de decisão no modelo da racionalidade instrumental Fonte Elaboração própria Modelo da racionalidade limitada com base em Peters 2015 o modelo assume que há limitações à tomada de decisões abrangentes o que se deve à complexidade dos problemas sociais à carência de informa ções completas às limitações cognitivas de atores à existência de rotinas organizacionais prévias que definem a dinâmica dos processos decisó rios restringindo as opções ao que se encaixa nas capacidades organiza cionais e na visão de cada umaum Assumese que as preferências das 68 dos atores não são transitivas e que elas e eles só conseguem formar al guma ordenação quando são confrontadasos com outras opções durante o processo decisório Além disso as preferências em relação às políticas públicas estão mais relacionadas com a viabilidade técnica financeira política cultural do que com a eficiência e efetividade Nesse quadro a decisão tomada é menos abrangente e a mais satisfatória em dado mo mento a qual será revisada continuamente sempre que as condições mu darem como o surgimento de novas informações ou a chegada de novas os atores FIGURA 17 Figura 17 Dinâmica da tomada de decisão no modelo da racionalidade limitada Fonte elaboração própria Modelo incremental com base em Howlett Ramesh e Perl 2013 esta abordagem para o processo decisório mobiliza pressupostos da ra cionalidade limitada Ela enfatiza que a análise das alternativas será limi tada ao que é familiar e que afetará apenas marginalmente o status quo As sim as novas políticas serão desenhadas à luz das anteriores conformando 69 um processo de mudança incremental decisoras e decisores partem daquilo que já é realizadoconhecido eou das capacidades existentes Devese aten tar para o papel da consensualidade e da atividade política neste modelo que fica explícito na ideia de que as decisões tomadas representam as preferên cias politicamente viáveis Isso se deve ao grau de conflito da arena política da incerteza que cerca mudanças profundas do direcionamento promovido pelas rotinas estabelecidas da informação incompleta que constrange o cál culo sobre o futuro das restrições de tempo etc Nesta dinâmica as decisões são feitas e refeitas indefinidamente em um processo cauteloso de tentativa erro e revisão das tentativas conformando então um processo de aprendi zagem FIGURA 18 Figura 18 Dinâmica da tomada de decisão no modelo incremental Fonte elaboração própria Modelo da lata de lixo com base em Motta e Vasconcelos 2009 este modelo trabalha com uma representação menos ordenada do pro cesso decisório aqui ele é fluído e desestruturado Problemas e alternati vas são construídos em diferentes arenas por diferentes atores e não ne 70 cessariamente surgem aos pares Isso porque atores tentando valorizar suas habilidades e recursos podem propor soluções para problemas que ainda não foram construídos e problemas podem ser criados para mobi lizar soluções que já existem Nessa visão as organizações são entendidas como anarquias organizadas pois os processos decisórios seguem fluxos não sequenciais os problemas e soluções são jogados em latas de lixo à espera da oportunidade em que serão casados com soluções e problemas Isso dependerá dos repertórios de ação das coalizões políticas apoiadoras de problemas e soluções específicas do contexto da sorte do acaso De um lado há os problemas que os grupos sociais consideram relevantes e por isso agem para que assim também sejam considerados por outras pessoasgruposorganizações de outro temse as e os especialistas em uma área que trabalham para que suas propostas virem políticas públi cas A ideia é que todasos se empenhem para ter seus interesses reali zados Neste processo por exemplo quando umaum ator identifica um contexto propício para sua proposta elaele busca por problemas reco nhecidos que possam se conectar a ela dandolhe justificativa O mes mo ocorre em relação aos problemas quando identificam um contexto favorável atores que buscam o reconhecimento de um problema tentam acoplálo a uma solução dandolhe consistência e mostrando a viabilida de de seu enfrentamento Assim as decisões são na verdade encontros casuais entre problemas soluções e oportunidades FIGURA 19 71 Figura 19 Tomada de decisão no modelo da lata de lixo Fonte elaboração própria 61 Não decisão Ao tratarmos da tomada de decisão parece pertinente considerar também as situações em que não é possível fazer tal escolha Muller e Surel 2002 alertam que a preocupação com a não decisão é clássica na policy analysis e ela põe a seguinte questão pode uma política consistir em não fazer nada Muller Surel 2002 p 23 O argumento de que a não decisão constitui uma política pública está baseado no entendimen to de que ela frequentemente produz efeitos sociais tão visíveis quanto ações concretizadas Entretanto os autores sustentam que não devemos considerar que se está diante de uma política toda a vez que um governo não faz nada Muler Surel 2002 p 23 Assim eles apresentam dois casos em que a ideia de não decisão é útil para a compreensão das políti cas públicas 72 a A não decisão intencional situação em que é possível constatar e mostrar que as pessoas envolvidas no processo decisório tiveram a intenção de não decidir Por exemplo na condução da epidemia de COVID19 no Brasil o Ministério da Saúde decidiu não exer cer sua atribuição de coordenador nacional do SUS Por certo esta não decisão gerou uma série de efeitos marcando o debate e os embates políticos em torno da problemática b A não decisão controvertida situação em que o problema social em foco é objeto de muita controvérsia não havendo entendi mento difundido e compartilhado de que ele deve ser enfrenta do por meio de ações públicas Podemos ilustrar este tipo de não decisão observando a atitude do governo dos EUA na ocasião da epidemia de HIVAIDS ocorrida nos anos de 1980 Tendo a epi demia se proliferado inicialmente entre grupos marginalizados da sociedade o governo conservador utilizou uma narrativa de que a situação era uma consequência do modo de vida daquelas pessoas assim a responsabilidade era individual e não coletiva Isto é o governo não reconheceu a situação como um problema social desse modo pôde sustentar que ela não deveria ser en frentada por meio de políticas públicas Howlett Ramesh e Perl 2013 chamam a não decisão de decisão negativa enfatizando o caráter deliberado escolhese não fazer alguma coisa 73 7 Implementação de políticas públicas A implementação corresponde à fase na qual a política pública é exe cutada Podemos observar esse processo a partir de três perspectivas Numa perspectiva topdown de cima para baixo assumese que a implementação é um processo técnico de transmissão da política às ins tâncias executoras que se desenrolaria no âmbito da prática administra tiva Hupe Hill Nangia 2014 Nesse espírito Sabatier e Mazmanian 1980 definiram a implementação como execução de uma decisão de po lítica pública normalmente expressa em uma norma formal Logo o ponto de partida da análise é a estrutura normativa formal Tratase do conjunto de normas que apresenta a estrutura e a dinâmica de funcionamento da política definindo os objetivos os grupos benefi ciários quem executa e suas respectivas responsabilidades recursos que serão utilizados como serão disponibilizados os resultados esperados e os meios para alcançálos A centralidade da estrutura normativa reside no entendimento de que ela expressaria as decisões tomadas por repre sentantes eleitasos e designadasos asos quais possuem legitimidade democrática para decidir em nome das representadas e dos representa dos Disso decorre que o sucesso da implementação depende 74 a das características da estrutura normativa formal a política deve estar baseada numa relação de causa e efeito válida os tex tos norteadores devem ser nítidos e evitar ambiguidades os re cursos devem estar tempestivamente disponíveis as atividades a serem executadas devem estar de acordo com as capacidades habilidades e atitudes da estrutura administrativa que irá imple mentálas se não estiver devese construir tais condições deve se por fim elaborar mecanismos de controle e monitoramento da implementação b do treinamento monitoramento e controle das ações e do de sempenho dasdos implementadorases os processos de trei namento visam a socializar as executoras e os executores nos marcos da política explicitando e delimitando seus objetivos e as atividades que devem ser empreendidas para atingilos já o monitoramento e o controle pretendem verificar se as atividades estão sendo implementadas conforme o planejado bem como corrigir os desvios de rota A Figura 20 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva topdown Figura 20 Implementação numa perspectiva topdown Fonte elaboração própria 75 O segundo enfoque é do tipo bottomup de baixo para cima Aqui o processo é observado a partir da ação das pessoas que executam as inicia tivas Entendese que mesmo o melhor dos planejamentos seria incapaz de prever a dinâmica do problema social as limitações das organizações executoras das políticas os conflitos que vão surgindo no decorrer do processo de implementação e outras situações imponderáveis que emer gem a partir do momento em que as atividades são colocadas em prática Tais situações são enfrentadas pelas implementadoras e pelos imple mentadores que tomam decisões e promovem ações de forma a adaptar a política ao contexto e garantir sua implementação Assim cada decisão tomada por estas pessoas vai conformando a política pública não neces sariamente como foi prevista Isso significa que as políticas se tornam eminentemente locais um produto sempre em processo porque é resul tante das escolhas adaptações e interpretações realizadas por toda uma diversidade de atores implementadorases a partir de suas ideias e inte resses Portanto a perspectiva reconhece que a habilidade para resolver problemas está na ponta e consequentemente o poder e a autoridade estão dispersos o processo de implementação é descentralizado e a capa cidade para resolver o problema depende da maximização da discricio nariedade no ponto onde a estrutura administrativa o encontra Elmore 1980 Neste cenário os esforços para garantir a efetividade da política envolveriam a construção de capacidades de resolução de problemas e o fortalecimento de conhecimentos e habilidades técnicas e relacionais nos espaços de implementação A Figura 21 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva bottomup 76 Figura 21 Implementação numa perspectiva bottomup Fonte elaboração própria Por fim a implementação pode ser observada a partir das relações estabelecidas entre atores para lidar com dado problema social A ideia subjacente aqui é a da conformação de redes de políticas públicas Ou seja a partir da percepção de compartilhamento de um objetivo e de in terdependência da ação no que diz respeito à minimização do problema social entre determinadasos atores sociais elas e eles podem se agregar para utilizar os recursos de poder e os repertórios de ação de forma arti culada Em outras palavras atores que desenvolvem atividades voltadas a lidar com um dado problema social percebem que sua ação isolada é limitada e que a efetividade depende da integração em um conjunto mais amplo de esforços que visam ao mesmo objetivo A partir de tal motiva ção formam estruturas de interação Das decisões e ações tomadas nes tas redes nasceria uma política pública caracterizada no limite pela des centralização por relações de interdependência e autonomia pela gestão compartilhada e pela pluralidade de recursos Este enfoque reconhece a importância de múltiplasos atores nos processos das políticas públicas o que se deve à complexidade dos pro 77 blemas sociais e ao ativismo dos grupos que desejam contribuir para a resolução das mazelas sociais Além disso lembra que atores isoladasos podem não deter os recursos e repertórios de ação necessários para en frentar tais problemas A Figura 22 apresenta o processo de implementação de políticas pú blicas na perspectiva de redes Figura 22 Implementação numa perspectiva de redes de políticas públicas Fonte elaboração própria 71 Coordenação e cooperação A implementação de políticas públicas coloca em interação uma sé rie de atores de diversas organizações Assim é relevante distinguir en tre dois mecanismos que ganham atenção nos processos de execução de ações públicas a coordenação e a cooperação Coordenar é uma forma de organizar pessoas recursos informa ções etc No campo das políticas públicas conforme Gontijo 2012 a coordenação é uma dinâmica de execução de ações que ocorre por meio de articulação de recursos visando a reduzir sobreposições redundân 78 cias fragmentações incoerências e deficiências das políticas ou seja é uma forma de tentar gerar sinergia entre as partes Neste arranjo as pes soas estão sob uma mesma autoridade implicando relações hierárquicas Por exemplo a diretoria de um hospital cria um grupo de trabalho inter departamental para analisar e reorganizar os processos de trabalho para melhor lidar com uma dada situação A cooperação assim como a coordenação diz respeito à atuação co laborativa para a consecução de propósitos compartilhados Contudo di ferentemente da primeira dinâmica as pessoas que participam estão em relações horizontais cada qual com autonomia para decidir e agir trata se assim do estabelecimento de parcerias Gontijo 2012 Por exemplo uma universidade faz um acordo de colaboração com a prefeitura para realizar um projeto social em dado território 79 8 Avaliação de políticas públicas A avaliação é uma fase de questionamentos sobre os processos das políticas os objetivos foram cumpridos Os grupos beneficiários foram atingidos A mudança social almejada foi alcançada Em virtude disso é um estágio de produção de informação sobre a política e sua implemen tação Podemos definir a avaliação como um exercício de atribuição de valor um julgamento sobre diferentes aspectos da política Crump ton et al 2016 Ramos Schabbach 2012 Vedung 2015 realizado a partir de parâmetros nítidos Os parâmetros podem ser delineados com base em diversas perspectivas tal escolha depende dos objetivos da avaliação Por exemplo podemos utilizar parâmetros a partir dos elementos constantes na estrutura normativa formal perguntando Os objetivos foram atingidos Os recursos foram suficientes As ati vidades foram executadas conforme previsto De outro ângulo pode mos averiguar a percepção das beneficiárias e dos beneficiários sobre os serviços recebidos e o desempenho do pessoal que os implementou Também podemos verificar a percepção das implementadoras e dos implementadores sobre a estrutura normativa formal e sobre as con dições da organização para implementála Por fim podemos utilizar um parâmetro mais geral externo à política avaliando se ela contri 80 bui para a equidade racial e de gênero para o desenvolvimento sus tentável ou para a erradicação da pobreza De forma geral a avaliação produz informações sobre diversos aspectos das políticas públicas De forma específica tais informações fornecem feedbacks para decisoras decisores gestoras e gestores Se tais atores utilizarem estas informações para qualificar os processos das políticas temse um processo de aprendizagem Sobretudo as in formações produzidas promovem transparência e permitem o contro le social Arretche 2001 possibilitando que governantes sejam res ponsabilizados por suas decisões e ações Ramos Schabbach 2012 81 Termos comuns no campo da avaliação Ao nos deparar com estudos avaliativos ou tomar parte neles encon tramos uma linguagem própria à atividade Abaixo apresentamos alguns desses termos comumente utilizados 811 Objetivos e Metas O objetivo é a situação que se pretende atingir o resultado esperado a partir de um dado esforço empreendido A partir dele são definidas as metas que correspondem ao dimensionamento dos objetivos em termos temporais quantitativos e espaciais Cohen Franco 1993 Tomemos como exemplo um programa de combate à dengue em determinado mu nicípio tendo como objetivo o combate à doença a prefeitura tem como meta reduzir em 20 quantificação a incidência da doença em seis me ses tempo em três bairros diferentes localidade 81 812 Elementos da gestão de processos insumos processos produtos resultados e impactos Os insumos correspondem aos recursos necessários para a reali zação das atividades previstas na política pública como recursos fi nanceiros normativos de conhecimento pessoas etc Os insumos são combinados para a realização das atividades que por sua vez formam os processos especificando cada tarefa bem como a sequência delas Os produtos são os frutos dos processos Já os resultados correspondem às mudanças diretas alcançadas pelas beneficiárias e beneficiários da polí tica pública E os impactos consistem nas alterações efetivas planejadas ou não na realidade social sobre a qual a política intervém mas que são por ela especificamente provocados Draibe 2001 Vejamos estes elementos no caso do programa de combate à dengue citado anteriormente Para cumprir os objetivos e metas referidos no pla no municipal o programa prevê visitas de agentes sanitários e ações edu cativas junto à comunidade nos bairrosalvo Assim temos que a Os insumos são previstos e mediados por meio de convênios e adesões junto aos planos estaduais e federais além disso mu danças legislativas e normativas quantidades de agentes comu nitários de saúde de veneno e repelente para o mosquito bem como de certa variedade de material educativo b Os processos das ações de inspeção e de educação por exemplo precisam especificar como elas serão executadas item por item desde a logística até o registro das atividades desempenhadas bem como o treinamento necessário ao pessoal que executará as ações c Os produtos gerados no escopo da política consistem no núme ro de ações educativas realizadas junto à comunidadealvo e no nú mero de visitas realizadas desse modo podemos observar que os 82 produtos constituem intervenções de caráter material Cohen Franco 1993 d Os resultados esperados do programa consistem na redução da in cidência da doença dengue nas localidadesalvo assumindo que as ações são efetivas e o programa obtenha êxito e Quanto aos impactos um deles poderia ser a melhora no nível de conscientização da populaçãoalvo em relação à doença e a adoção de hábitos preventivos à proliferação do mosquito É importante perceber que o impacto não se refere somente ao públicoalvo das ações pois ele atinge toda a sociedade uma vez que a não proliferação do mosquito é benéfica para todas e todos Além dis so podemos vislumbrar efeitos mais indiretos ainda desde que atingida a diminuição na incidência da doença como redução na demanda por serviços de saúde levando à maior disponibi lização para as demais doenças diminuição no absenteísmo no trabalho aumentando a produtividade da economia e assim por diante Por outro lado uma possível não efetividade do programa poderia ser explicada por problemas na relação causal considera da pela formulação do programa Afinal mais e mais especialis tas vêm afirmando que a incidência das doenças ligadas ao Aedes aegypti estaria relacionada às carências em saneamento básico Isto é para combater o mosquito as ações em saneamento se riam mais eficazes A Figura 23 apresenta os elementos da gestão de processos de políti cas públicas 83 Figura 23 Elementos da gestão de processos de políticas públicas Fonte elaboração própria 813 Eficácia eficiência e efetividade As noções de eficácia eficiência e efetividade também são muito em pregadas na linguagem da avaliação das políticas públicas A eficácia se refere ao grau em que foram atingidos os objetivos e metas da política Cohen Franco 1993 Por sua vez o conceito de eficiência reflete a re lação entre o que foi produzido e os meios empregados ou seja entre re cursos utilizados e os produtos gerados Por fim a medida de efetividade tange ao impacto da política na sociedade como um todo buscando dar conta das alterações mais gerais provocadas pela política na realidade social 82 Tipos de avaliação As avaliações podem ser classificadas quanto ao momento de rea lização e quanto à natureza Em relação ao momento a avaliação pode darse antes durante ou depois da implementação FIGURA 24 classi ficandoas em a Avaliações ex ante são realizadas com o objetivo de auxiliar a fase de formulação da política bem como definir se e como ela deva ser implementada Cohen Franco 1993 Comumente elas tomam a forma de diagnósticos das condições de vida de dada população das capacidades organizacionais para implementar as opções etc 84 b Avaliações in itinere ocorrem durante a implementação e cor respondem ao monitoramento cujo objetivo é fornecer informa ções para o acompanhamento dos processos e para a realização dos ajustes necessários Secchi 2015 c Avaliações ex post ocorrem posteriormente à implementação1 permitindo uma gama maior de objetivos verificar os graus de eficácia e eficiência das políticas bem como a sua efetividade mais geral Draibe 2001 Figura 24 Tipos de avaliação segundo o momento de realização Fonte Secchi 2015 p 63 Quanto à natureza as avaliações são classificadas em processo re sultado e impacto a Avaliações de processo focam nos procedimentos adotados para a concretização dos objetivos da política analisando a estrutura normativa formal a qualidade e utilização dos recursos as ca racterísticas organizacionais o desenvolvimento das atividades etc Estas avaliações comumente procuram verificar o grau de 1 A literatura não é consensual em relação a este ponto para Draibe 2001 podem ser realizadas concomi tantemente à implementação enquanto Secchi 2015 observa que são realizadas após a implementação 85 aderência dos processos aos objetivos dos meios aos fins em outras palavras se e como os processos permitem a consecução dos objetivos Investigam desse modo a lógica da estrutura de decomposição da política pública auxiliando na detecção de di ficuldades e fornecendo informações para subsidiar correções e adequações Tangem assim à eficiência b Avaliações de resultados medem o grau de êxito que a política obteve em relação às metas traçadas analisando em que medi da os objetivos foram alcançados e quais efeitos e consequências foram provocados Ramos Schabbach 2012 estão relaciona das portanto à eficácia c Avaliações de impacto buscam verificar se ocorreu ou não mu dança na realidade social a partir da implementação da política tratase então de uma avaliação de efetividade É uma avaliação complexa porque demanda que seja medida a mudança provo cada exclusivamente pelos efeitos da política em questão isto é na medida do possível tornase necessário excluir outros fato res que possam influenciar as alterações observadas não apenas junto à populaçãoalvo Ramos Schabbach 2012 Neste senti do buscam responder se as mudanças observadas são resultados da realização da política especificamente se a solução pode ser aplicada a outras realidades ou é própria apenas para aquele con texto por fim se as mudanças observadas têm caráter perma nente ou temporário Ramos Schabbach 2012 86 Referências ABRÚCIO Fernando Luiz LOUREIRO Maria Rita Burocracia e Ordem Democrática desafios contemporâneos e experiência brasileira In PI RES Roberto LOTTA Gabriela OLIVEIRA Vanessa Elias de Orgs Burocracia e políticas públicas no Brasil interseções analíticas Brasília Ipea 2018 p 23 57 ALVES Paulo Henrique Ferreira PINTO Jorge Henrique da Silva Ama durecimento em gestão estratégica e tática estudo de caso da PMDF Re vista Ciência Polícia v5 n2 p 121141 juldez 2020 ANDREWS Christina W As Policy Sciences como ciência método e rei ficação Perspectivas São Paulo v 27 p 1337 2005 ARRETCHE Marta Teresa da Silva Tendências no estudo sobre avalia ção In RICO Elizabeth Melo Org Avaliação de políticas sociais uma questão em debate São Paulo IEEPUCSP 2001 p 2940 BRASIL Lei nº 8842 de 4 de janeiro de 1994 Brasília v 132 n 3 jan 1994 p 13 BRASIL Lei no 10257 de 10 de julho de 2001 regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências Brasília Congresso Nacional 2001 BRASIL Ministério da Saúde Secretaria de Gestão Estratégica e Partici pativa Departamento de Apoio à Gestão Participativa Política Nacional de Saúde Integral da População Negra uma política do SUSMinistério da Saúde Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa Departamen 87 to de Apoio à Gestão Participativa Brasília Editora do Ministério da Saú de 2010 56 p BRASIL Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Ca derno de estudos do Curso em Conceitos e Instrumentos para o Moni toramento de Programas Brasília DF MDS Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Secretaria Nacional de Assistência Social 2014 BRASIL Casa Civil da Presidência da República Avaliação de políticas públicas guia prático de análise ex ante Brasília Ipea 2018 BRASIL Decreto no 10316 de 7 de abril de 2020 Regulamenta a Lei n 13982 de 2 de abril de 2020 que estabelece medidas excepcionais de pro teção social Diário Oficial da União Seção 1 Brasília DF ano 158 n 67B p 1011 7 abr 2020 Edição extra BRUIJIN Hans A HUFEN Hans A M The Traditional Approach to Pol icy Instruments In PETERS B Guy van NISPEN Frans K M Eds Public Policy Instruments Evaluating the Tools of Public Administra tion 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processos Brasília ENAP 2014 FEDERALISMO E GASTO SOCIAL NO BRASIL TENSÕES E TENDÊNCIAS CELINA SOUZA A terceira onda de democratização que tomou conta da América Latina e do Leste Europeu nos anos 80 tem seguido caminhos diferentes e produzido experiências e resultados também diferentes Em muitos países foi acompanhada da descentralização política e financeira para os governos subnacionais Em outros envolveu a elaboração de novas constituições gerando novos pactos e compromissos políticos e sociais Em alguns países federais a redemocratização a descentralização e as novas constituições mudaram o papel desempenhado pelos entes federativos Essas mudanças no entanto foram acompanhadas de uma nova agenda econômica voltada para o controle fiscal criando contradições e tensões para o cumprimento dos compromissos assumidos com a redemocratização O Brasil é um caso em que todos esses fatores ocorreram simultaneamente A Federação brasileira como instituição e o gasto social como política pública passaram por profundas transformações trazidas tanto pelos compromissos assumidos com a redemocratização como pelo novo paradigma econômico Uma dessas mudanças referese à ampliação do papel dos governos subnacionais no gasto social preenchendo o vazio deixado pelo governo federal Além dos mais os governos subnacionais também passaram a desempenhar papel importante na construção ou reconstrução das instituições democráticas A análise do estágio atual do federalismo brasileiro requer portanto maior compreensão das instituições subnacionais Além do mais as questões e a agenda mencionadas acima tornamse mais complexas em países caracterizados por disparidades políticas sociais econômicas e regionais como o Brasil O federalismo é uma das instituições que foram reconstruídas após a redemocratização No entanto as mudanças ocorridas não devem ser vistas como um movimento radical da centralização para a descentralização Isto porque o federalismo brasileiro não se formou pela dicotomia entre centralização versus descentralização mas sim por um continuum entre esses processos o qual sempre guiou as relações de poder entre as esferas central regionais e locais Apesar de ter havido mudanças na Federação como resultado da redemocratização e da descentralização profundos desequilíbrios inter e intraregionais persistem Podese ilustrar esses desequilíbrios com alguns indicadores Em 1994 56 do PIB estava concentrado no Sudeste e 175 no Sul enquanto que o Nordeste detinha 14 e o Norte e o CentroOeste permaneciam com 48 e 71 respectivamente do PIB nacional O PIB per capita regional também ilustra bem essas disparidades O PIB per capita nacional é de US 5037 no Sudeste é US 8843 e no Nordeste US 3085 ou seja três vezes menor do que o do Sudeste No caso da participação de cada estado a concentração econômica piorou nos anos 90 Em 1985 dos 26 estados brasileiros 7 produziam 23 da riqueza nacional e em 1994 essa proporção atingiu 773 Lavinas et al 1997 Ao contrário do que ocorreu nas décadas de 1970 e 1980 quando a concentração econômica regional registrou um pequeno declínio a década de 1990 retomou a tendência à concentração O PIB do Sudeste que havia declinado entre 1970 e 1985 de 655 para 591 alcançou 596 no final de 1998 O PIB do Nordeste que tinha aumentado sua participação de 117 para 136 entre 1970 e 1985 caiu para 126 em 1998 Serra e Afonso 19991 Portanto apesar dos esforços dos constituintes de 1988 para diminuir a concentração econômica via a distribuição dos impostos das regiões economicamente mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas a concentração econômica no Sudeste tem aumentado2 Esses desequilíbrios afetam os resultados da redemocratização e da descentralização criando contradições e tensões para o federalismo De um lado a descentralização política e financeira contribuiu para a consolidação democrática ao tornar o Brasil mais federal Isto porque as trans formações políticas e institucionais promoveram a emergência de novos atores políticos Essas mudanças também promoveram a emergência de centros de poder alternativos que agora competem entre si e com o governo federal Como consequência desse processo o governo federal é compelido a negociar com as esferas subnacionais o encaminhamento de questões nacionais tornando assim o Brasil mais democrático e mais federal Por outro lado a descentralização reduz as possibilidades de se enfrentar os desequilíbrios regionais pelo relativo enfraquecimento financeiro do governo federal Esse enfraquecimento não significa que o governo federal se tornou um ator passivo ou ausente mas sim que ele é forçado a negociar com as lideranças subnacionais questões que têm abrangência nacional3 A literatura sobre descentralização relações intergovernamentais e federalismo fiscal ainda não nos fornece bases suficientes para analisar teoricamente as questões acima mencionadas A ausência de uma moldura analítica teoricamente informada acaba gerando espaço para avaliações excessivamente díspares sobre como a descentralização as relações intergovernamentais e o federalismo fiscal afetam a forma como o federalismo opera na prática Essa literatura é em geral normativa ou incompleta tais como as tentativas das teorias da escolha pública e da escolha racional de explicar os efeitos da descentralização das relações intergovernamentais e do federalismo fiscal sobre a Federação Apesar dessas duas escolas teóricas incorporarem um elemento crucial do federalismo ou seja a questão da ação coletiva permitindo a visão do federalismo como uma instituição guiada pelo conflito elas ainda permanecem muito influenciadas pelos pressupostos da economia4 Contrariamente ao que acontece com a literatura acima referida a ciência política principalmente a norteamericana dedicou em décadas passadas enorme espaço para explicar o federalismo Essa literatura caminha em várias direções Uma enfrenta as questões específicas do federalismo ou seja sua definição e características sendo os trabalhos de Elazar 1984 1987 os mais conhecidos Outro caminho trilhado dentro da ciência política foi o de associar o federalismo à democracia como fez Dahl 3 Sobre o poder do Executivo federal frente ao Congresso Nacional ver Figueiredo e Limongi 1999 Para uma análise sobre como os interesses dos governadores visàvis o do governo federal às vezes coincidem e outras não ver Weyland 2000 4 Para uma crítica da literatura sobre federalismo fiscal e sua aplicabilidade ao caso brasileiro ver Aguirre e Moraes 1997 e para uma discussão sobre as limitações da literatura sobre descentralização ver Souza 1997 413 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva E mbora o tema da segurança pública te nha inspirado inúmeros estudos acadê micos e técnicos ao longo dos últimos anos a maior ênfase desta produção tem recaído sobre a dinâmica do crime e da violência e os proble mas culturais gerenciais e operacionais que acometem as organizações atuantes no setor notadamente as polícias ver por exemplo Lima Misse e Miranda 2000 Pouca aten ção tem sido dada assim às medidas adotadas pelos gestores públicos na tentativa de intervir sobre os pontos críticos identifcados naquelas avaliações e refetidos na própria opinião pú blica O presente artigo busca descrever este campo ainda pouco delimitado o da ação dos governos no tema da segurança pública re construindo a trajetória e delineando as prin cipais características do que se pode chamar de uma política nacional de segurança pública PNSP1 Para tanto o texto baseiase não apenas nas escassas referências disponíveis na literatura mas também no histórico de acom panhamento do setor pelo Ipea2 Política pública é expressão que em prin cípio pode qualifcar qualquer conjunto de iniciativas sistemáticas conduzidas a partir de órgãos de governo com vistas a alterar uma re alidade considerada problemática ou imperfei ta GOODIN REIN MORAN 2006 Mas como a literatura contemporânea da área suge re a formação de uma política pública com a defnição do problema e a identifcação das ini ciativas necessárias para enfrentálo não resul ta de escolhas puramente racionais ou seja baseadas no estabelecimento da melhor relação possível entre meios e fns Ao contrário esse processo dialoga com fatores sociais políti cos culturais econômicos e institucionais que delimitam sensivelmente o campo de escolha dos gestores STONE 1999 2002 MILLER BARNES 2004 KINGDON 1995 VAN HORN BAUMER GORMLEY JR 2001 Assim é que quando se alude a uma polí tica nacional de segurança pública PNSP no contexto brasileiro dois desses fatores pare cem mais sensíveis O primeiro é a particula ridade da forma federativa do país que após a CF1988 busca equilíbrio entre as virtudes da descentralização maiores oportunidades de accountability dada a maior proximidade entre gestores locais e cidadãos maior capa cidade de adequação de soluções a realidades específcas etc e as virtudes da centraliza ção maior capacidade de indução a mudan ças nas realidades locais sobretudo quando isto signifca contrariar forças hegemônicas compromisso com a redução das desigualda des regionais etc Como anotam Abrucio Franzese e Sano 2010 o aprendizado insti tucional nesse terreno tem levado os níveis de governo a entender os limites do modelo descentralizador me ramente municipalista e da prática intergo vernamental compartimentalizada que se 414 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 observou nos primeiros anos após a promul gação da CF88 com cada nível de governo agindo apenas nas suas tarefas sem entrela çamento em problemas comuns Assim a construção de políticas nacionais requer em princípio a elaboração de instrumen tos de fnanciamento e estratégias de governança que estimulem a cooperação entre os vários entes algo que na visão dos autores parece ter sido mais bem realizado no âmbito dos sistemas de po lítica pública tendo como caso paradigmático o Sistema Único de Saúde SUS Outra variável importante é a plena vigên cia de uma ordem democrática Neste contexto não apenas a sociedade civil em suas várias formas de expressão como alerta GurzaLavalle 2010 mas também especialistas e veículos de mídia são interlocutores importantes e per manentes no processo de formação das políticas públicas Por meio de sucessivas coalizões SA BATIER 2007 estes atores desestabilizam cer tezas e impulsionam mudanças de paradigma no campo ainda que de maneira incremental Até o início dos anos 2000 o panorama brasileiro na segurança pública era marcado por duas características que estabeleciam franca ten são com estas variáveis A primeira era a divisão rígida de competências no plano federativo a qual conferia aos Estados grande autonomia na concepção e na execução de suas próprias me didas e iniciativas no setor A ação do governo federal resumiase basicamente à mobilização da Polícia Federal PF e da Polícia Rodoviária Federal PRF não raro de maneira desarticu lada da ação das forças estaduais OLIVEIRA JR 2010b A segunda correspondia à centrali dade da ação ostensiva de organizações policiais na agenda dos governos estaduais traduzida por bordões como Rota na rua e endossada ainda que por omissão pelo governo federal3 De FHC a Lula avanços e limites na construção de uma PNSP O governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso 19942002 instituiu três condições importantes mas ainda tímidas para enfrentar aquele legado criação da Secre taria Nacional de Segurança Pública Senasp no Ministério da Justiça MJ estabelecendo unidade de coordenação de proposições refor mistas até então dispersas na agenda federal construção em 2000 do I Plano Nacional de Segurança Pública O Brasil Diz Não à Violên cia e criação do Fundo Nacional de Seguran ça Pública FNSP o qual instituiu no plano federal maior poder de indução e articulação sistêmica de iniciativas De um ponto de vista mais técnico o plano do governo FHC tinha vários defeitos incor porando por exemplo iniciativas fragmentadas eram 15 compromissos e 124 ações e com di reções potencialmente contraditórias p ex a eliminação de chacinas e execuções sumárias no compromisso no 9 e a inibição de gangues e combate à desordem social no compromisso no 8 No entanto alguns de seus pontos abri ram oportunidades relevantes de experimen tação em temas que mais tarde revelarseiam estruturais nos debates da área É o caso da integração operacional das polícias ação 8 do compromisso no 1 combate ao narcotráfco e ao crime organizado e da busca pela integra ção de programas sociais de prevenção decor rentes da implementação da ação 3 do compro 415 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva misso no 15 que deu origem a uma iniciativa específca e bastante vanguardista o Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção da Violência Piaps As possibilidades abertas pela criação da Senasp e do FNSP por sua vez só foram exercitadas muito lentamente Alguns passos importantes foram dados a partir do primei ro governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva 20032006 Sob a inspiração de outro plano nacional para o setor agora elaborado no âmbito do Instituto Cidadania e adotado como plataforma de campanha do expresidente a Senasp enunciou linhas mais estratégicas e estruturantes para sua atuação e a mobilização dos recursos do FNSP escapando ao binômio viaturasarmamento Um dos principais pressupostos do plano adotado no primeiro governo Lula era de que a PNSP carecia de planejamento e gestão O modelo alternativo a ser induzido envolvia bom diagnóstico da violência e da criminali dade o qual alimentaria ações preventivas estratégicas orientadas e permanentemente monitoradas por atores da segurança públi ca e do sistema de justiça criminal Figura 1 Dessa forma ao invés de reagir a demandas por aparelhamento das organizações estaduais o governo federal passava a induzir e articular políticas reformistas e mais complexas que en volviam componentes como coleta sistemática de dados em matéria criminal pactuação das diretrizes nacionais de formação de policiais e fomento a projetos de prevenção à violência e à promoção dos direitos humanos Figura 2 Figura 1 Pressupostos para uma Política de Segurança Eficiente SEM GESTÃO NÃO HÁ POLÍTICA DE SEGURANÇA POLÍTICA DE SEGURANÇA IMPLICA INTEGRAÇÃO SISTÊMICA DAS INSTITUIÇÕES Diagnóstico rigoroso Planejamento sistemático Avaliação regular Dados qualificados GESTÃO COMO FERRAMENTA PARA PROMOVER AÇÕES PREVENTIVAS ESTRATÉGICAS ORIENTADAS E PERMANENTEMENTE MONITORADAS Rotinas funções processos e estruturas ágeis e adequadas ao cumprimento das metas 416 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Figura 2 Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública Um dos mais altos pontos deste plano foi a proposição de institucionalidade própria à qual caberia a tarefa de coordenar a integra ção de forças abordagens e níveis de governo Os Gabinetes de Gestão Integrada GGIs surgiam assim nos Estados e municípios como foros deliberativos e executivos com postos por representantes das agências de se gurança pública e justiça criminal que operam por consenso sem hierarquia respeitando a autonomia das instituições que o compõem BRASIL 2003b Supervisionados por comitês gestores nos Estados e na União os GGIs eram a base de estrutura de governança modelada como sistema de política pública ao qual se deu o nome de Sistema Único de Segurança Públi ca Susp Figura 3 Nas palavras de Soares 2007 O SUSP não implicaria a unifcação das polícias mas a geração de meios que lhes propiciassem trabalhar cooperativamente segundo matriz integrada de gestão sempre com transparência controle externo avaliações e monitoramento corretivo Nos termos desse modelo o trabalho policial seria orientado prioritariamente para a prevenção e buscaria articularse com políticas sociais de natureza especifcamente preventiva Parece desnecessário dizer que a indução desse novo modelo demandaria audaciosos programas de reforma das instituições da segu rança permeados pela integração operacional e Programas de Reforma das Instituições de Segurança Pública Valorização e Formação Profissional Gestão do Conhecimento Reorganização Institucional Estruturação e Modernização da Perícia Prevenção Controle Externo e Participação Social Sem prejuízo da pauta dos Estados 417 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Figura 3 Criação do Sistema Único de Segurança Pública cultural entre forças polícias e guardas e abor dagens repressiva e preventiva ao longo dos diversos níveis de governo sob algum crivo de participação e controle social por meio de ouvidorias independentes e até mesmo conse lhos Assim é que como uma espécie de pano de fundo do plano havia a curiosa proposta de experimentalismo nas formas organizacionais de prestação dos serviços de segurança sobre tudo as polícias Conforme o longo porém ne cessário depoimento de Soares 2007 Paralelamente à aludida institucionalização do SUSP o Plano Nacional de Segurança Pública do primeiro mandato do presidente Lula pro punha a desconstitucionalização das polícias o que significa a transferência aos Estados do poder para definirem em suas respectivas cons tituições o modelo de polícia que desejam precisam eou podem ter Sendo assim cada estado estaria autorizado a mudar ou manter o status quo conforme julgasse apropriado Isto é poderia manter o quadro atual caso avaliasse que a ruptura do ciclo do trabalho policial re presentada na organização dicotômica Polícia Militar PM Polícia Civil estivesse funcio nando bem Caso contrário se a avaliação fosse negativa caso se constatasse desmotivação dos profissionais e falta de confiança por parte da população ineficiência corrupção e brutali dade mudanças poderiam ser feitas e novos modelos seriam experimentados Por exemplo a unificação das atuais polícias estaduais ou a criação de polícias metropolitanas e municipais pelo menos nos municípios maiores de ciclo Política Nacional de Segurança Pública Princípios Metas Pressupostos Diretrizes SUSP Não implica unificação mas Integração prática das agências de justiça criminal dentro dos marcos legais vigentes Um fórum deliberativo e executivo composto por representantes das agências de segurança pública e justiça criminal que opera por consenso sem hierarquia respeitando a autonomia das instituições que o compõem GGI Coordenação do SUSP 419 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva O capítulo subsequente na construção da PNSP é formado pelo Programa Nacional de Segurança com Cidadania Pronasci criado no segundo governo Lula 20072010 quan do da gestão do exministro Tarso Genro na pasta da Justiça Propondo intervir não nas consequências mas nas causas da criminali dade HAMÚ 2009 e adotando como foco prioritário jovens de 18 a 24 anos o Pronasci deslocou o equilíbrio de prioridades entre re pressão e prevenção e valorizou o protagonis mo dos municípios na elaboração e na execu ção da PNSP Para tanto mediante o aporte de volume até então inédito de recursos federais no setor o programa agiu em quatro frentes principais Primeiro fnanciou projetos voltados para ga rantir o acesso dos moradores de territórios em que há ausência de coesão social às políticas que visam garantir o exercício da justiça e da cidadania HAMÚ 2009 Segundo atribuiu a Gabinetes de Gestão Integrada Municipais GGIMs a tarefa de identifcar os projetos a se rem implantados no nível local com o apoio de especialistas induzindo a formação destas insti tucionalidades em contextos em que estas não existiam Terceiro estimulou ações de polícia de proximidade o que originou por exemplo os projetos de Unidades de Polícia Pacifcadora do Rio de Janeiro UPPs Quarto aprofundou algumas medidas de formação e valorização dos profssionais da segurança pública sobretudo com o advento do Bolsa Formação que ofere ce incentivo econômico para a participação em cursos oferecidos pela Renaesp Vale notar em todo caso que o Pronasci não passou imune a críticas Uma destas era a de que o programa também incorria em fragmentação compreendendo nada menos que 94 ações cuja responsabilidade de execução encontravase dis persa entre vários órgãos de governo Outra era a de que quando apropriado localmente não era raro que o programa perdesse suas virtudes conceituais Em análise do desempenho do Pro nasci datada de 2009 e baseada na experiência do município do Rio de Janeiro por exemplo Rodrigues 2009 destaca que O governo municipal não aderiu volunta riamente ao programa a despeito da adesão do governo estadual e portanto o GGIM não foi criado Cabe notar que o GGIM se ria o órgão responsável pela gestão integrada do programa inclusive com participação de membros do MJ Os projetos do Pronasci no município fo ram conduzidos por secretarias distintas do governo do estado notadamente a Secretaria de Segurança Pública com projetos relativos à segurança e a Secretaria de Assistência So cial e Direitos Humanos com projetos so ciais tais como Mulheres da Paz Protejo e Espaços Urbanos Seguros Ainda que as duas secretarias pertencessem ao mesmo governo não houve criação de fórum comum do Pro nasci que permitisse articulação das ações das duas secretarias e das suas respectivas equipes Além disso Os projetos da área de segurança pública in cluíam implantação do policiamento comuni tário em algumas áreas da cidade Foram def nidas como prioritárias para policiamento co munitário as seguintes comunidadesbairros Morro Santa Marta Cidade de Deus e Favela do Batan Tais áreas também correspondiam às áreas foco do Pronasci tanto em termos de 420 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 indicadores de violência quanto em termos de indicadores sociais e urbanos Entretanto não eram as mesmas áreas selecionadas para pro jetos de prevenção Houve portanto descasa mento das ações de policiamento comunitário e dos projetos sociais mais importantes do Pro nasci RODRIGUES 2009 Notese que essa crítica remete a duas caracte rísticas potencialmente problemáticas do Pronas ci Por um lado o programa operava mediante a oferta de soluções préconcebidas aos municípios parceiros que a este aderiam Neste caso era fundamental para o sucesso do programa que os municípios aderentes não apenas avaliassem a adequação das soluções aos problemas que viven ciavam mas também partilhassem da visão que inspirou a formulação destas soluções no nível central4 Por outro lado o Pronasci não dispunha de um adequado monitoramento de processo que permitisse identifcar distorções substantivas e propor medidas corretivas Mas a crítica mais comum e ao mesmo tempo mais contundente levantada contra o Pronasci era de que este não incorporou a agenda de reformas nas organizações da segu rança pública Neste sentido Soares 2007 anota que no programa O tema decisivo as reformas institucionais não é sequer mencionado provavelmente por conta de seu caráter politicamente con trovertido dada a indefnição das lideranças governamentais a respeito do melhor mode lo a adotar e de seu potencial desagregador derivado das inevitáveis reações corporativas que suscitaria Assim com o SUSP anêmico e sem o seu complemento institucional a desconstitucionalização ou alguma fórmula reformista no nível das estruturas organiza cionais o status quo policial e mais am plamente o quadro fragmentário das insti tuições da segurança pública acabam sendo assimilados Desse modo naturalizase o le gado da ditadura chancelandose a transição incompleta como a transição possível O Pro nasci resignase a ser apenas um bom plano destinado a prover contribuições tópicas Como saldo dessa história institucional rela tivamente curta mas repleta de inovações po dese então indicar um quadro de avanços nada desprezíveis Dois apresentam maior destaque de um lado a instalação de maior capacidade de indução e coordenação da PNSP no âmbito fe deral com a criação do FNSP e a maior capila ridade federativa e societal das ações executadas no âmbito do Pronasci de outro a mudança de paradigma no setor ou seja da maneira pela qual atores nele relevantes defnem o problema e selecionam alternativas de ação Isto fca visível no Gráfco 2 produzido por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas FGV o qual classifca os projetos aprovados pelo MJ no âmbito do Pronasci em 2008 em três categorias segurança preventiva seguran ça repressiva e segurança defensiva Para a classifcação dos projetos segundo esclarece o texto Foram considerados como segurança repres siva os projetos destinados a ações típicas de policiamento ostensivo Como segurança defensiva foram considerados os projetos vol tados para a implementação de policiamento comunitário capacitação dos profssionais de segurança valorização profssional e incre 423 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva civil A reação a este argumento afrma que os GGIs têm natureza operacional e não de gestão o que não comporta a participação social embo ra não afaste a necessidade de controle externo por meio de órgãos como ouvidorias ver por exemplo Soares 2009 Ainda assim o Susp pre via comitês de gestão em níveis estadual e nacio nal e nenhum destes contemplava a presença de integrantes da sociedade civil Apesar da associação retórica que fez entre se gurança pública e cidadania o Pronasci tampou co foi construído e implementado com base em mecanismos de participação social As 94 ações previstas para o programa foram defnidas exclu sivamente por seus formuladores e a partir daí pactuadas entre os órgãos de governo por estas responsáveis sem qualquer tipo de consulta am pliada Nesse aspecto a segurança pública tem se constituído como área na qual as políticas e deci sões estratégicas têm sido historicamente restritas aos gestores dirigentes de instituições públicas bem como chefes e comandantes de instituições policiais O advento de instituições participa tivas que incorporam trabalhadores e sociedade civil e incidem sobre a PSNP como a I Conferên cia Nacional de Segurança Pública I Conseg e o novo Conselho Nacional de Segurança Pública Conasp é portanto efetiva inovação no cam po com um potencial que até o início de 2011 ainda não havia sido plenamente exercitado5 O terceiro limite está associado enfm à postergação no debate sobre as reformas nas organizações da segurança pública As contro vérsias riscos e custos políticos deste debate são quase autoevidentes mas a demanda ainda mo biliza muitos atores que participam do cam po da PNSP Em pesquisa sobre as condições de efetividade do Conasp considerando a sua composição no biênio 20102012 SÁ E SIL VA DEBONI 2012 esta questão fcou mais que evidente Entre as expectativas mantidas pelosas conselheirosas ganhou destaque o enfrentamento de problemas estruturais do setor como précondição para galgar avanços importantes Nas palavras de um entrevistado Falase hoje da integração de esforços nas três esferas federativas mas o SUSP tinha um ob jetivo muito maior O sistema de segurança pública seria resultado de amplas reformas nas organizações policiais incluindo as guardas municipais e a partir desta nova composição nós criaríamos um sistema novo A integração seria um resultado fnal e não inicial que é o que se fala hoje O SUSP se resumiu a um sistema de integração das policiais e quem o defende hoje não fala em reforma das orga nizações policiais Acho que a concepção do SUSP foi mal interpretada por alguns gestores E de outro Não dá para falar tão rapidamente sobre a PNSP cujos pressupostos datam de uma dé cada antes do governo Lula mas as caracte rísticas mais fortes do período atual são indu ção alcançada no primeiro governo Lula e investimento por conta da maior disponibi lidade de recursos no segundo governo Lula O problema é que uma PNSP não implica só indução e investimento Avançamos pouco sobre um novo modelo de segurança e sobre as mudanças legais necessárias a isso por exemplo padrões de policiamento grandes questões sobre fnanciamento ouvidorias corregedorias ciclo completo de polícias e presos provisórios Estas questões estão em aberto Na sua lógica a PNSP não efetiva 424 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 o novo paradigma do texto base da CON SEG O próximo governo vai fazer o quê Efetivar o novo paradigma ou contentarse com a lógica de indução e de fnanciamento Essa é pois a herança nem tão maldita nem tão bendita deixada pelos governos FHC e Lula no campo da PNSP6 A próxima seção descreve e analisa as medidas adotadas a partir de então pelo governo da presidenta Dil ma Roussef tomando por base os primeiros documentos e manifestações assim produzidos pelas autoridades do setor Contornos indiciários da PNSP no governo Dilma Lançado de maneira bem mais discreta que seus antecessores7 o Plano Nacional de Segurança Pública 8 formulado nesta primeira metade do governo Dilma está estruturado em sete eixos ou sobre sete componentes 1 Plano estratégico de fronteiras 2 Programa Crack é possível vencer 3 Combate às organizações criminosas 4 Programa nacional de apoio ao sistema prisional 5 Plano de segurança para grandes eventos 6 Sinesp Sistema Nacional de Informa ção em Segurança Pública 7 Programa de enfrentamento à violência Como parte deste último eixo além de um programa de prevenção e redução de acidentes de trânsito consta também um programa de redução da criminalidade violenta A Figura 4 baseada em material do próprio Ministério da Justiça ilustra esse novo pacote de iniciativas Figura 4 Plano Nacional de Segurança Pública Programa de Redução da Criminalidade Violenta Plano Nacional de Segurança Pública 1 Plano Estratégico de Fronteiras 2 Programa Crack é possível vencer 3 Combate às Organizações Criminosas 4 Programa Nacional de apoio ao Sistema Prisional 5 Plano de Segurança para Grandes Eventos 6 SINESP Sistema Nacional de Informação em Segurança Pública 7 Programa de Enfrentamento à Violência Programa de Enfrentamento à Violência 71 Programa de Redução da Criminalidade Violenta 72 Programa de Prevenção e Redução de Acidentes de Trânsito 425 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Tomados em conjunto os componentes do novo plano sugerem algumas infexões impor tantes apresentadas a seguir Mudança no ponto ótimo de equilíbrio entre entes federados De várias maneiras o Plano Nacional sugere uma discreta porém signifcativa mu dança no que se considera ser o ponto ótimo de equilíbrio na relação entre os entes federa dos Isso se dá basicamente pela afrmação de competências executivas muito próprias da União e dos Estados O plano estratégico de fronteiras e o combate às organizações crimi nosas têm como lócus de gestão as institui ções federais como o Exército as Polícias Fe derais e o Ministério Público Federal enquan to o programa de redução da criminalidade violenta tem como elemento crucial o forta lecimento da polícia civil e da perícia orga nizações de caráter tipicamente estadual Já as guardas municipais e programas de prevenção ou projetos sociais cujo lócus de gestão é em geral municipal parecem ocupar posição bem mais discreta do que vieram a ocupar no passa do recente9 No plano de ação para o Estado de Alagoas no âmbito do programa de redu ção da criminalidade violenta projetos como Protejo e Mulheres da Paz10 aparecem como outras ações junto por exemplo com uma campanha de ouvidoria de polícia No Pronasci tais projetos já foram praticamente o centro de gravidade da atuação federal Ao mesmo tempo o novo plano parece ba seado na concepção de que o governo federal deve desempenhar uma função de apoio aos governos estaduais na produção e gestão de políticas públicas de segurança No menciona do plano de ação para o Estado de Alagoas isso parece estar consubstanciado por exem plo na mobilização de peritos da Força Na cional de Segurança Pública para dar apoio ao trabalho investigativo das polícias civis em ma téria de homicídios Já no programa nacional de apoio ao sistema prisional foi o próprio diretorgeral do Departamento Penitenciário Nacional quem afrmou em entrevista de TV que o programa é um programa de apoio Os Estados são responsáveis por esse assunto11 Priorização Ao invés de incluir dezenas de ações e ob jetivos o novo plano aparenta resultar de um esforço mais detido de refexão estratégica e de priorização Esse esforço fca ainda mais evi dente quando se considera a natureza especí fca do programa Crack é possível vencer e do plano de segurança para grandes eventos que respondem mais a preocupações políticas ou conjunturais do que a questões históricas ou estruturais do setor12 Relativizando por tanto o peso desses componentes fca claro aos gestores e à sociedade o que do ponto de vista do governo federal são os aspectos mais críticos na produção de insegurança no país fronteiras crime organizado sistema prisional violência urbana e como problema de fundo a difculdade na produção de informações conf áveis sobre criminalidade e segurança pública A análise de cada item do plano em sua es pecifcidade reitera ter havido um notável es forço de priorização O programa nacional de apoio ao sistema penitenciário põe claro foco na geração de vagas construção reforma ou ampliação de unidades prisionais tendo por objetivo desativar as carceragens das delegacias 426 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 de polícia Já o plano de ação para o Estado de Alagoas no âmbito do programa de enfrenta mento à violência está estruturado sobre cin co componentes principais fortalecimento da perícia forense fortalecimento da polícia civil articulação com Judiciário Ministério Público e Defensoria Pública policiamento ostensivo e de proximidade e controle de armas Maior ênfase no fortalecimento e na articulação institucionais O novo plano tem no fortalecimento e na articulação institucionais uma linha bastante nítida Isto é visível por exemplo na preo cupação com a melhoria da polícia civil e da perícia técnica bem como na busca pela arti culação entre as instituições do sistema de jus tiça criminal polícias Judiciário Ministério Público e até mesmo Defensoria Pública13 Esta abordagem vale dizer não é comple tamente inédita Em muitos de seus discursos e textos à imprensa o exministro da Justiça Marcio Tomaz Bastos costumava dizer que em aspectos relacionados à justiça e à seguran ça o arcabouço normativo vigente no Brasil era em geral sufcientemente avançado razão pela qual o fortalecimento das instituições e não a mudança das leis seria o principal desafo de sua gestão à frente daquela pasta Sendo ou não de todo correta essa avaliação14 fato é que ela orienta fundamentalmente a promoção de mudanças incrementais e de lon go prazo sem a intenção ou o compromisso de promover grandes rupturas Não por coin cidência ao longo da gestão do exministro Marcio Tomaz Bastos o discurso orientado à reforma das organizações da segurança pública foi perdendo força sendo substituído pouco a pouco por um discurso orientado à inte gração operacional das forças respeitadas as confgurações existentes Maior ênfase a aspectos de planejamento gestão e monitoramento Espelhando o que parece ser uma caracterís tica estrutural do governo Dilma o novo plano dá bastante ênfase a aspectos de planejamento gestão e monitoramento valorizando diagnós ticos de situação divisão de responsabilidades e estabelecimento de indicadores para o monito ramento e a aferição dos resultados proporcio nados pelas intervenções de política pública O Sistema Nacional de Informação em Segurança Pública Sinesp é nesse aspecto uma medi da tão ousada quanto digna de celebração pois dá condições adequadas para que o Ministério da Justiça centralize a coleta e a sistematização de informações sobre criminalidade junto dos entes subnacionais15 Agora por força de lei re cursos federais para segurança pública e para o sistema prisional só podem ser alocados a Esta dos que estiverem adimplentes em relação ao fornecimento de informações ao Sinesp16 E a construção de planos de ação para cada Esta do com base em um diagnóstico das formas e manifestações da violência por um lado e dos recursos fnanceiros e institucionais por ou tro mostram um esforço para se trabalhar desde logo sob a lógica da pactuação e da governança bem informadas Mas é também nesses planos de ação que a preocupação com planejamento gestão e monitoramento tem vindo a expressar uma fa ceta mais controvertida Por exemplo o plano de ação para o Estado de Alagoas ao men cionar fortalecimento da polícia civil prevê 427 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva a criação de uma delegacia especializada em homicídios já quando fala de policiamento ostensivo e de proximidade chega a estimar até despesas com combustível de aeronaves Ora sem dúvida delegacias especializadas po dem gerar melhores resultados na investigação de crimes assim como no longo prazo a posse de indicadores detalhados como o valor gasto em combustível para aeronaves pode permitir boas análises dos custos e benefícios incorridos em cada plano de ação Mas em ambos os casos excesso de expectativas pode levar à frus tração a ideia de especialização pode demorar a se enraizar e portanto demorar a dar os re sultados esperados e a simples análise de cus tos e benefícios dos diversos planos de ação tende a dizer pouco sobre os fatores de sucesso ou fracasso em cada caso17 Considerações finais Passados quase 25 anos da promulgação da CF1988 a construção de uma PNSP segue sendo objeto de um longo e difícil aprendizado Ainda é cedo para prever o impacto das medidas e da estratégia adotada pelo governo Dilma na trajetória da PNSP mas como defniu Soares 2007 por ocasião de outro período de tran sição do setor também há aqui razões para otimismo e para cautela Alguns avanços do período recente se não chegam a ser desconsi derados são sucedidos por novas abordagens e proposições com as quais não necessariamente chegam a compor uma história coerente A governança bem informada por exem plo é um défcit histórico do setor que pode ser mais bem confrontado a partir de elemen tos do novo plano tais como a ênfase em pla nejamento gestão e monitoramento Todavia tendo em vista a divisão de competências entre entes federados e a ênfase em aspectos institucionais presentes no mesmo plano será que isso não terá como preço uma perda de capacidade de indução pelo governo federal e uma dissolução do paradigma da segurança cidadã a duras penas consolidados no setor O esforço de priorização é outro dado positivo mas novamente quando associado a outras características do plano não pode acabar em pobrecendo o repertório da política Faz senti do por exemplo centrar o programa nacional de apoio ao sistema penitenciário na geração de vagas sem incluir medidas para a reinte gração social e o apoio ao egresso Faz sentido articular com a Defensoria Pública para a rea lização de mutirões nas delegacias sem mostrar disposição para a construção de um sistema de alternativas ao encarceramento em especial ao encarceramento provisório na esteira da lei das cautelares18 O fortalecimento e a ar ticulação das instituições previstos no plano também podem ter aspectos positivos Mas faz sentido fortalecer a polícia civil e a perícia forense bem como articulálas melhor com o Poder Judiciário e o Ministério Público sem levar em conta as críticas ao inquérito policial como instrumento de investigação e produção da verdade no processo penal MISSE 2010 Em outras palavras é prudente ou até mes mo correto investir nas instituições da jus tiça e da segurança sem exigir que ao menos em alguma medida elas se reinventem Diante de todas essas e outras perguntas possíveis é oportuno regressar à inspiração do título deste artigo o poema Ou isto ou aqui lo no qual Cecília Meireles 2001 ilustra a difculdade de fazermos escolhas19 O passado 430 Artigos Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Referências bibliográficas ABRUCIO F FRAZESE C SANO H Coordenação e coo peração no federalismo brasileiro avanços e desafios Estado instituições e democracia república Pers pectivas do desenvolvimento brasileiro Brasília Ipea v 1 2010 BRASIL Ministério da Justiça O Brasil diz não à violên cia resultado de um ano do Plano Nacional de Segu rança Pública Brasília SenaspMJ 2001 BRASIL Ministério da Justiça Presidência da República Segurança contra o crime e a violência Brasil 1994 2002 a era do real Brasília SecomPR 2002 BRASIL Ministério da Justiça Apresentação dos pla nos estaduais de segurança pública SenaspMJ 2003a BRASIL Ministério da Justiça Secretaria Nacional de Segurança Pública documento de apresentação Bra sília SenaspMJ 2003b COSTA A GROSSI B C Relações intergovernamentais e segurança pública uma análise do fundo nacional de segurança pública Revista Brasileira de Segurança Pública São Paulo ano 1 n 1 2007 FGV Fundação Getulio Vargas Pronasci em números Rio de Janeiro FGV 2009 GOODIN R E REIN M MORAN M Introduction the public and its policies In MORAN M REIN M GOOD IN R E Orgs Oxford handbook of public policy New York Oxford University Press 2006 GURZALAVALLE A O estatuto político da sociedade civil evidências da Cidade do México e de São Paulo Estado instituições e democracia democracia Pers pectivas do desenvolvimento brasileiro Brasília Ipea v 1 2010 HAMÚ D M Pronasci uma opção estratégica para a segurança pública Gestão estratégica no Ministério da Justiça Brasília SEMJMJ 2001 INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos Seguran ça pública e cidadania uma análise orçamentária do Pronasci Brasília Inesc 2010 KINGDON J W Agendas alternatives and public policies New York Longman 1995 KOPITTKE A L ANJOS F A OLIVEIRA M S C Rees truturação do Conselho Nacional de Segurança Pública desafios e potencialidades Revista Brasileira de Se gurança Pública São Paulo ano 4 fevmar 2010 LIMA R K MISSE M MIRANDA A P Violência crimi nalidade segurança pública e justiça criminal no Brasil uma bibliografia Revista Brasileira de Informação Bi bliográfica em Ciências Sociais BIB Rio de Janeiro n 50 2o2000 MEIRELES C Ou isto ou aquilo Poesia completa Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001 p 1483 MILLER M C BARNES J Orgs Making policy mak ing law an interbranch perspective Washington DC Georgetown University Press 2004 MISSE M O inquérito policial no Brasil resultados ge rais de uma pesquisa Dilemas Revista de Estudos de Conflito e Controle Social v 3 n 7 p 3550 janfev mar 2010 OLIVEIRA JR A As polícias estaduais brasileiras o de safio da reforma Brasil em desenvolvimento Esta do planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010a p 629646 Política de segurança pública no Brasil evolução recente e novos desafios Estado institui ções e democracia república Perspectivas do desen volvimento brasileiro Brasília Ipea 2010b p 277314 RODRIGUES R Diagnóstico e desempenho recente do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania Brasil em desenvolvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010 p 761778 431 Artigos Rev bras segur pública São Paulo v 6 n 2 412433 AgoSet 2012 Nem isto nem aquilo trajetória e características da política nacional de segurança pública 20002012 Fabio de Sá e Silva SÁ E SILVA F Desenho contexto e qualidade delibe rativa em conferências nacionais uma análise dos de bates e proposições sobre o Sistema Penitenciário na I Conferência Nacional de Segurança Pública I CONSEG Brasil em desenvolvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea 2010 p 603627 SÁ E SILVA F DEBONI F Participação social e governan ça democrática na segurança pública possibilidades para a atuação do Conselho Nacional de Segurança Pú blica Brasília Ipea 2012 Texto para discussão n 1714 SÁ E SILVA F PIRES R R C LOPEZ JR F G Métodos qualitativos de avaliação e suas contribuições para o aprimoramento de políticas públicas Brasil em desen volvimento Estado planejamento e políticas públicas Brasília Ipea v III 2010 SAPORI L F Torre de Babel Revista Brasileira de Se gurança Pública ano 4 ed 6 fevmar 2010 SABATIER P Ed Theories of the policy process 2nd ed Westview Press 2007 SOARES L E A política nacional de segurança públi ca histórico dilemas e perspectivas Revista Estudos Avançados São Paulo v 21 n 61 2007 Gabinetes de gestão integrada da segu rança pública gênese implantação desdobramentos Brasília MJ 2009 p 262268 STONE D Causal stories and the formation of policy agendas Political science quarterly v 104 n 2 1999 STONE D Policy paradox the art of political decision making New York W W Norton Company 2002 VAN HORN C E BAUMER D C GORMLEY JR W T Poli tics and public policy Washington CQ Press 2001 288 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento Poverty in Brazil in the contemporary time and ways to confront it Maria Carmelita Yazbek ResumoEsteartigodesenvolveanáliseacercadapobrezabrasi leiracomênfasenasformashistoricamentedesenvolvidasparaseu enfrentamentoPartedeumaconcepçãodepobrezacomofenômeno complexoemultidimensionalsituandoacomoexpressãoderelações vigentesnasociedadeApresentaaindaumarápidacaracterizaçãode iniciativashistóricasconstituídasnaperspectivadeseuenfrentamento PalavraschavePobrezaPolíticassociais AbstractThisarticlepresentsananalysisoftheBrazilianpovertyemphasizinghistorically developedwaystoconfrontitItstartsfromaconceptionofpovertytakenasacomplexandmulti dimensionalphenomenonperceivedasanexpressionoftherelationscurrentinthesocietyItalso presentsabriefcharacterizationofinitiativeshistoricallyconstitutedtoconfrontit KeywordsPovertySocialPolicies EstetextoincorporaeatualizapartedoartigoApobrezaeasformashistóricasdeseuenfrentamen toRevista de Políticas PúblicasProgramadePósGraduaçãoemPolíticasPúblicasdaUFMASãoLuís v9n1janjun2005 MestradoedoutoradoemServiçoSocialdocenteepesquisadoradoProgramadePósgraduação emServiçoSocialPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPauloBrasilpesquisadora1AdoCNPq Emailmcyazuolcombr 289 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Introdução conceitual e histórica Oentendimentoédequeosistemadeproduçãocapitalistacentrado naexpropriaçãoenaexploraçãoparagarantiramaisvaliaearepar tiçãoinjustaedesigualdarendanacionalentreasclassessociaissão responsáveispelainstituiçãodeumprocessoexcludentegeradore reprodutordapobrezaentendidaenquantofenômenoestrutural complexodenaturezamultidimensionalrelativonãopodendoser consideradocomomerainsuficiênciaderendaétambémdesigualda denadistribuiçãodariquezasocialmenteproduzidaénãoacessoa serviçosbásicosàinformaçãoaotrabalhoeaumarendadignaé nãoaparticipaçãosocialepolítica MariaOzaniradaSilvaeSilva2010 I niciandoaanálisedestatemáticagostariadeexplicitaraconcepçãode pobrezaquevemorientandominhaspesquisaseparticularmenteorienta estasreflexõesAssimabordoapobrezacomoumadasmanifestaçõesda questãosocial1edessaformacomoexpressãodiretadasrelaçõesvigen tesnasociedadelocalizandoaquestãonoâmbitoderelaçõesconstitutivasde umpadrãodedesenvolvimentocapitalistaextremamentedesigualemque convivemacumulaçãoemisériaOspobressãoprodutosdessasrelaçõesque produzemereproduzemadesigualdadenoplanosocialpolíticoeconômicoe culturaldefinindoparaelesumlugarnasociedadeUmlugarondesãodesqua lificadosporsuascrençasseumododeseexpressareseucomportamentosocial sinaisdequalidadesnegativaseindesejáveisquelhessãoconferidasporsua procedênciadeclasseporsuacondiçãosocialEstelugartemcontornosligados àprópriatramasocialquegeraadesigualdadeequeseexpressanãoapenasem circunstânciaseconômicassociaisepolíticasmastambémnosvaloresculturais dasclassessubalternasedeseusinterlocutoresnavidasocialAssimsendoa 1Aquestãosocialresultadadivisãodasociedadeemclassesedadisputapelariquezasocialmente geradacujaapropriaçãoéextremamentedesigualnocapitalismoSupõedessemodoaconsciênciadade sigualdadeearesistênciaàopressãoporpartedosquevivemdeseutrabalhoNosanosrecentesa questão socialassumenovasconfiguraçõeseexpressõeseasnecessidadessociaisdasmaioriasaslutasdostraba lhadoresorganizadospeloreconhecimentodeseusdireitosesuasrefraçõesnaspolíticaspúblicasarenas privilegiadasdoexercíciodaprofissãosofremainfluênciadoneoliberalismoemfavordaeconomiapolí ticadocapitalIamamoto2008p107 290 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 pobrezaexpressãodiretadasrelaçõessociaiscertamentenãosereduzàs privaçõesmateriaisYazbek2009p7374Éumacategoriamultidimensio naleportantonãosecaracterizaapenaspelonãoacessoabensmasécate goriapolíticaquesetraduzpelacarênciadedireitosdeoportunidadesdein formaçõesdepossibilidadesedeesperançasMartins1991p15 Estamosnosreferindoaumaformadeinserçãonavidasocialauma condiçãodeclasseeportantoabordamosapobrezacomocategoriahistórica esocialmenteconstruídacomofenômenoquenãopodesertomadocomo naturalEstamostambémnosreportandoàqualidaderelativadapobrezaque giraemtornodadesigualdadesocialassimcomoaoutrascondiçõesreitera dorasdadesigualdadecomogêneroetniaprocedênciaeoutrosaspectos ComosabemosnoBrasilapobrezadecorreemgrandepartedeumquadro deextremadesigualdademarcadoporprofundaconcentraçãoderendaEssa situaçãocolocaoBrasilentreospaísesdemaiorconcentraçãoderendado mundoSilva2010p156 ApobrezaépartedenossaexperiênciadiáriaOsimpactosdestrutivosdas transformaçõesemandamentonocapitalismocontemporâneovãodeixando suasmarcassobreapopulaçãoempobrecidaoaviltamentodotrabalhoode sempregoosempregadosdemodoprecárioeintermitenteosquesetornaram nãoempregáveisesupérfluosadebilidadedasaúdeodesconfortodamoradia precáriaeinsalubreaalimentaçãoinsuficienteafomeafadigaaignorância aresignaçãoarevoltaatensãoeomedosãosinaisquemuitasvezesanunciam oslimitesdacondiçãodevidadosexcluídosesubalternizadosnasociedade Sinaisqueexpressamtambémoquantoasociedadepodetolerarapobrezae banalizálaesobretudoaprofundaincompatibilidadeentreosajustesestrutu raisdaeconomiaànovaordemcapitalistainternacionaleosinvestimentos sociaisdoEstadobrasileiroIncompatibilidadelegitimadapelodiscursopela políticaepelasociabilidadeengendradosnopensamentoneoliberalquereco nhecendoodevermoraldeprestarsocorroaospobreseinadaptadosàvida socialnãoreconheceseusdireitossociaiscfYazbek2009p72 Anoçãodepobreza2éportantoamplaesupõegradaçõeseemboraseja umaconcepçãorelativadadaapluralidadedesituaçõesquecomportaUsual 2Dopontodevistaconceitualasabordagenssobreapobrezapodemserconstruídasdediversasformas 1apartirdediferentesfundamentosteóricometodológicospositivistasfuncionalistasestruturalistas marxistas2dopontodevistadodesenvolvimentohistóricosocialepolíticodasociedadecapitalistado 291 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 mentevemsendomedidapormeiodeindicadoresderendaeempregoaolado dousufrutoderecursossociaisqueinterferemnadeterminaçãodopadrãode vidataiscomosaúdeeducaçãotransportemoradiaaposentadoriaepensões entreoutrosOscritériosaindaquenãohomogêneosemarcadospeladimen sãoderendaacabamporconvergirnadefiniçãodequesãopobresaqueles quedemodotemporáriooupermanentenãotêmacessoaummínimodebens erecursossendoportantoexcluídosemgrausdiferenciadosdariqueza socialEntreelesestãoosprivadosdemeiosdeproveràsuaprópriasubsis tênciaequenãotêmpossibilidadesdesobreviversemajudaostrabalhadores assalariadosouporcontaprópriaqueestãoincluídosnasfaixasmaisbaixas derendaosdesempregadosesubempregadosquefazempartedeumavastís simareservademãodeobraquepossivelmentenãoseráabsorvidaYazbek 2009p73743 ParaSposati1996éinviáveloenfrentamentodascondiçõesdepobreza semmudançasestruturaisnomodeloeconômicoconcentradoremboraainser çãodaquestãonaagendapúblicabrasileiraemmeadosdadécadade1990 representeumavanço Dopontodevistapolíticoaquestãosecolocapelaslacunasdeuma cidadaniaconstruídadeformasegmentadaadjetivadacompartimentalizada EstadoliberalprevalênciadomercadoaoEstadosocialdiretossociais3dopontodevistadadefinição deindicadoresasmedidasdapobrezapodemsermonetáriasquandoutilizamarendacomoprincipaldeter minantedalinhadepobrezaepodemrecorreraindicadoresmultidimensionaisqueincluematributosnão monetáriosparadefinirapobrezacomooIDHeoíndiceGiniEssesindicadoresmultidimensionaisincluem aspectosqueafetamobemestardosindivíduoseanãosatisfaçãodesuasnecessidadesbásicasConsideram comoessencialparadefiniracondiçãodepobrezaoacessoaalgunsbensdemodoquesemessesoscida dãosnãosãocapazesdeusufruírumavidaminimamentedignaIncluemáguapotávelrededeesgoto coletadelixoacessoaotransportecoletivoeducaçãosaúdeemoradiaOcarátermultidimensionaldapo brezalevaánecessidadedeindicadoresquetenhamumacorrespondenteabordagemmultidimensionaleque levememconsideraçãocomooindivíduopercebesuasituaçãosocial EntreasabordagensmultidimensionaisdestacaseopensamentodeAmartyaSenqueenfocaapobre zanãoapenascomobaixonívelderendamascomoprivaçãodecapacidadesbásicasoqueenvolveacesso abenseserviçosParaeleodesenvolvimentoseriaresultadonãoapenasdocrescimentoeconômicomas naeliminaçãodasprivaçõesdeliberdadeenacriaçãodeoportunidadesSen2000p10 3ConformeSilva2010p157Nessadireçãocategoriascomoclassessociaisexercitoindustrial dereservalumpemproletariadoexploraçãoedesigualdadesãoprofícuasparaexplicarapobrezanacon temporaneidadeParaMarxéleigeraldaacumulaçãocapitalistaasubstituiçãodaforçadetrabalhopor maquinariaemeiosdeproduçãooquelevaàsubsunçãorealdotrabalhoaocapitalexpulsandotrabalhado resdomercadoformaleconstituindoumexércitoindustrialdereserva 292 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 segundoaposiçãosocialpolíticaeeconômicadossujeitosAraújo2009 p52pelanãocidadaniaFleury1994oupelaconstruçãotardiadedirei tossociaisnasociedadebrasileira4 Abordaraquelesquesocialmentesãoconstituídoscomopobresépenetrar numuniversodedimensõesinsuspeitadasUniversomarcadopelasubalterni dadepelarevoltasilenciosapelahumilhaçãoefadigapelacrençanafelicida dedasgeraçõesfuturaspelaalienaçãoeresistênciaesobretudopelasestraté giasparamelhorsobreviverapesardetudoEmboraarendaseconfigurecomo elementoessencialparaaidentificaçãodapobrezaoacessoabensrecursose serviçossociaisaoladodeoutrosmeioscomplementaresdesobrevivência precisaserconsideradoparadefinirsituaçõesdepobreza Ospobresnomeaçãodaimpotênciasociológicaparanãodesignáloscomo ovaivémentreolúmpeneafraçãoestagnadadoproletariadoOliveira2006 estaimensaparceladehumanidadedegenteexploradaenganadailudida massacradagenteandarilhandoporaíàprocuradeumsítioondeparartraba lhardescansarocorpodormirsobreviverFreire1988p7Gentequefica àesperaemlongasfilasparareceberosbenefíciosumacestaumsacode leiteumaconsultaumlugarnoônibusparairouvoltardotrabalhoparaobter umdocumentoparaconseguirumempregoreivindicarumdireito Outroaspectoquemerecedestaquerefereseàprofundaestigmatizaçãoa quesãosubmetidosospobressubmersosnumaordemsocialqueosdes qualificamarcadosporclichêsinadaptadosmarginaisproblematizados portadoresdealtosriscoscasossociaisalvodepedagogiasdereerguimentoe promoçãoVerdesLeroux1986ospobresrepresentamaherançahistóricada estruturaçãoeconômicapolíticaesocialdasociedadebrasileiracfYazbek 2009p22ParaZaluar1985p35sobreelesvemrecaindograndeparte daculpapelaausênciademudançassignificativasnassociedadesemdesen volvimentoParaSarti2003p36oqueseobservaéaanulaçãodopobre comosujeitoeparaTelles1992p3apobrezaétraçadacomoumarealida deemnegativoumaespéciedelimboparaaondesãoprojetadasascarências asprecariedadesasmenoridadeseosatrasosdopaís SoboutrojogodereferênciasGiorgioAgamben2002ofereceumprin cípiodeintelegibilidadeaotrabalharcomanoçãodeEstadodeExceçãopara 4SobreoprocessodeconstruçãodedireitosnoBrasillerO direito social e a assistência social na sociedade brasileiraumaequaçãopossívelSãoPauloCortez2004 293 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 comporsuaexplicaçãosobreomundoquevemsedesenhandodesdeofinaldo séculoXXNessareferênciaaexceçãotornaseregraesabersobreviverna adversidadeetransitarentrefronteirasemumatramadeilegalidadespode decidiravidaeossentidosdavidaescapandodessadurapartidaentreamor tematadaeadesfiguraçãodavidaparaaquelesquevirampobresdetudoese transformamempúblicoalvodosprogramassociaisditosdeinserçãoquenas palavrasdeChicodeOliveiranãosãomaisdoqueaadministraçãodaexceção Telles2007p217 AdominaçãoeasubalternidadefazempartedessapobrezaTornaros indivíduosgovernáveisépartedojogoÉSatriani1986p96quenosrecor daqueomundodosdominadoseomundodosdominadoresnãoseencontram monoliticamentecontrapostosmastêmpontosdecontatoexatamenteaqueles ondeodomínioseexerceDopontodevistaculturalsãorealidadesquese interpenetramsemlinhasrígidasdedemarcaçãomasdequalquermodoépos sívelobservarnelasqueasaçõeserepresentaçõesdasclassessubalternas correspondemaumarealidadecaracterizadapelolugarqueocupamnatrama derelaçõessociaisDeacordocomTelles2007p214215énesseâmbito queseconstróiummundosocialmarcadopelagestãodaspopulaçõesgestão dasvidaseadministraçãodesuasurgênciasMasacontecequeparaaauto raessemundonãocabenosdispositivosgestionáriosescapaportodososlados Nãosetrataapenasdeamisériasergrandedemaisparaserdomesticadae capturadapelagestãodosocialÉqueessemundoétãoincertoeaaleatorie dadedavidaétãodevastadoraqueterminaporimplodirqualquermedidana ordemdascoisasquerdizerosdispositivosgestionárioseavidamatável fazempartedomesmojogo Nacontemporaneidadeébomlembraraindaqueapobrezaéumafacedo descartedemãodeobrabarataquefazpartedaexpansãocapitalistaExpansão naqualotrabalhofontedariquezasocialsofreosefeitosdevastadoresdas mudançasquevemocorrendonoprocessodeacumulaçãocomareestruturação produtivaecomfinanceirizaçãodocapitalemandamentonasúltimasdécadas Expansãoquecriaumapopulaçãodetrabalhadoresprecarizadosgentequese tornounãoempregávelparcelascrescentesdetrabalhadoresquenãoencontram umlugarreconhecidonasociedadequetransitamàmargemdotrabalhoedas formasdetrocasocialmentereconhecidasTelles1998Expansãoquecriao necessitadoodesamparadoeatensãopermanentedainstabilidadeedainse gurançanotrabalhoImplicaadisseminaçãododesempregodelongaduração 294 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 dotrabalhoprecárioinstáveleintermitentedosbiscatesedeoutrasmodalida desderelacionamentodaforçadetrabalhocomocapitalqueemsuaessência representamumamesmaordenaçãodavidasocial Nesseprocessoquefoiimpulsionadopelasagênciasmultilateraiseteve comosuporteasinstituiçõesfinanceirasquepassaramaoperarcomocapital querendejurosbancoscompanhiasdesegurofundosdepensãofundosmú tuosesociedadesfinanceirasdeinvestimentoocapitalfinanceiroassumiuo comandodoprocessodeacumulaçãoenvolvendoaeconomiaeasociedadea políticaeaculturamarcandoprofundamenteasformasdesociabilidadeeo jogodasforçassociaiscfIamamoto2007p107 ApobrezatemsidoparteconstitutivadahistóriadoBrasilassimcomoos sempreinsuficientesrecursoseserviçosvoltadosparaseuenfrentamentoNes sahistórianãosepodeesqueceropesodatradiçãooligárquicaeautoritária naqualosdireitosnuncaforamreconhecidoscomoparâmetrosnoordenamen toeconômicoepolíticodasociedadeEstamosnosreferindoaumasociedade desdesempredesigualedivididaentreenclavesdemodernidadeeuma maioriasemlugarumasociedadedeextremasdesigualdadeseassimetrias Umpaíscaracterizadoporumahistóriaregidaporumprivatismoselvageme predatórioquefazdavontadeprivadaedadefesadeprivilégiosamedidade todasascoisasquerecusaaalteridadeeobstruiporissomesmoadimensão éticadavidasocialpelarecusadosfundamentosdaresponsabilidadepública edaobrigaçãosocialTelles1993p24 Nãoéobjetivodestetextoretomariniciativashistóricasdeenfrentamento àpobrezanasociedadebrasileiramaséinteressanteumarápidacaracterização dopercursodessasaçõessuaspersistênciaseredefiniçõessemprecomdefini çõesdapobrezaquenãoconstroemafiguradocidadãomassimafigurado pobrefiguradesenhadaemnegativopelasuaprópriacarênciaTelles1999 p190 Sabemosquedemodogeralopadrãodedesenvolvimentodosistemade proteçãosocialbrasileiroassimcomodospaíseslatinoamericanosfoibem diversodaqueleobservadonospaíseseuropeuspoisaspeculiaridadesdaso ciedadebrasileiradesuaformaçãohistóricaedesuasdificuldadesemadiar permanentementeamodernidadedemocráticapesaramfortenesseprocesso Assimsendooacessoabenseserviçossociaiscaracterizouseporserdesigual heterogêneoefragmentado 295 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Nocasobrasileiroaexperiênciacolonialeaescravidãoprolongadaco locaramhistoricamenteparaostrabalhadoresaresponsabilidadeporsua própriasobrevivênciaDessemodoatéfinsdoséculoXIXganharamcorpo obrassociaisefilantrópicasaçõesdeordensreligiosaseredesdesolidariedade efamiliaresfamíliasextensasdeváriostiposquederamlugarapráticassociais ligadasàsobrevivênciasemorecursoaomercado5 ÉnaviladeSãoPauloporvoltade1560queemergeaprimeirainstitui çãodeatendimentoàpobrezadopaísaIrmandadedeMisericórdiaque apoiadaempráticasdeesmoladeinspiraçãoportuguesaofertavadotespara órfãoseprovidenciavacaixõesparaosmortosInstalouseemSãoPaulocom umapequenaenfermariaqueeraaomesmotempoalbergueehospitalatenden docomalimentaçãoabrigoeenfermagemaescravosehomenslivresvisto quenãohaviaaindamédicosnopaísMestriner2001p40 Estemodelovaiampliarsenosséculosseguintescomaaçãodeoutras ordensreligiosasfranciscanosbeneditinoscarmelitasevicentinosqueofe reciamrefeiçõesabrigoajudamaterialeespiritualapobresórfãosloucose enfermosNesseprocessoaIgrejacatólicatemimportantepapelpormeiode suasirmandadesAsesmolasqueeramoficialmenterecolhidaseaçõesde caridadevãocunharummodelocaritativodeassistênciaquerecolhiadosricos edistribuíaaospobresequemesclavaassistênciaerepressãoAssimesmola foiaprimeiramodalidadedeassistênciasocialaospobresnoBrasilcolonial seguidadacriaçãodeinstituiçõesasilaresetutelares ASantaCasaqueiniciasuaaçãocomserviçosambulatoriaisehospita laresgradativamentecrianovosserviçoscomdestaqueparaasoluçãoasilar entreosquaissedestacamolazaretohospitalparahansenianosem1802a rodadosexpostosem1825oasiloparainválidoseassistênciaaalienadose inválidosCriançasórfãsleprososalienadosdoenteseinválidosforamos primeirossegmentosquereceberamumaformaassistencialinstitucionalizada Sposati1988p78 EmSãoPauloaCâmaraeraobrigadaadestinarumsextodeseusrecursos aosórfãoseédesuainiciativaapropostaàIrmandadedeMisericórdiade confinarosmendigosem1874Comrelaçãoàsaçõesdeenfrentamentoàpo brezaaCâmaraMunicipalrealizavainspeçõespormeiodecomissõesque 5ArespeitoverCosta1990eWanderley2008 296 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 visitavamestabelecimentosdecaridadeeprisõesAposturacfSposati1988 éfiscalizadoraeconfundeoatendimentoàpobrezacompráticassanitárias Essasaçõesserãoabaseparaacaracterizaçãodeumatendimentoaospobres filantropizadoehigienistanacidadeemseuperíodocolonialeimperial Essemodelovaisofreralteraçõescomaexpansãodaeconomiapelaex portaçãodocaféconfigurandoapassagemdaeconomiamercantilescravista paraaeconomiaexportadoracapitalistaquecaracterizaoBrasilnofinaldo ImpérioenosprimeirosanosdaVelhaRepúblicaSposati1988p87 NoiníciodoséculoXXapobrezaévistacomoincapacidadepessoale objetodabenemerênciaedafilantropiaAospoucoscomodesenvolvimento daurbanizaçãoecomaemergênciadaclasseoperáriaedesuasreivindicações emobilizaçõesqueseexpandemapartirdosanos1930nosespaçosdascida desaquestãosocialpassaaserofatorimpulsionadordemedidasestataisde proteçãoaotrabalhadoresuafamíliaNessesentidoaquestãosocialéexpres sãodoprocessodeformaçãoedesenvolvimentodaclasseoperáriaedeseu ingressonocenáriopolíticodasociedadeexigindoseureconhecimentocomo classeporpartedoempresariadoedoEstadoIamamoto1995p77 Aoreconheceralegitimidadedaquestãosocialnoâmbitodasrelações entrecapitaletrabalhoogovernoVargasbuscaenquadrálajuridicamente visandodesmobilizaçãodaclasseoperáriaearegulaçãodastensõesentreas classessociaismedianteaConsolidaçãodasLeisdoTrabalhoCLTosalário mínimoavalorizaçãodasaúdedotrabalhadoreoutrasmedidasdecunhocon troladorepaternalistaComomostraIanni1990oEstadobrasileirotransfor mouaquestãosocialemproblemadeadministraçãodesenvolvendopolíticas eagênciasdepoderestatalnosmaisdiversossetoresdavidanacional EmsínteseoEstadobrasileirodesenvolvendoacordosdeinteressedo capitaledostrabalhadoresnosmaisdiversossetoresdavidanacionalopta pelaviadosegurosocialOsistemadeproteçãonesseperíodoéseletivoe distantedeumpadrãouniversalistaConsideradalegítimapeloEstadoa questãosocialcircunscreveumterrenodedisputapelosbenssocialmente construídoseestánabasedasprimeiraspolíticassociaisnopaísApartirdo EstadoNovoGetúlioVargas193745aspolíticassociaissedesenvolvem deformacrescentecomorespostaàsnecessidadesdoprocessodeindustriali zaçãoYazbek2008p8990Pararesponderàspressõesdasnovasforças sociaisurbanasoEstadodesenvolveesforçosreformadoresenessecenário 297 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 osistemaprotetivobrasileirosedualizadeumladodesenvolvesefortemen teapoiadonacapacidadecontributivadostrabalhadoresparticularmentedo mercadoformaldetrabalhoedeoutrovaidestinaraosmaispobrestrabalha doresdeummercadoinformalummodeloderegulaçãopelabenemerência Sposati1994p8 Assimpelalegislaçãotrabalhistaaclassetrabalhadoratemgarantidos algunsdireitosbásicoscomoaregulamentaçãodajornadadetrabalhoore pousoremuneradoasfériasotrabalhofemininoedosmenores6Parao trabalhadorpobresemcarteiraassinadaoudesempregadorestamasobras sociaisefilantrópicasquesemantêmpormeiodeumaredeburocráticaeclien telistafortementeapoiadapelafilantropiaedesenvolvidapormeiodeinicia tivasinstitucionalizadasemorganizaçõessemfinslucrativosOisolamento dosdesajustadosemespaçoseducativosecorretivosconstituíaestratégia seguraparaamanutençãopacíficadapartesadiadasociedadeAdorno 1990p9Portantooqueseobservaéquehistoricamenteaproteçãosocial brasileiravaiseestruturandopartevinculadaàproteçãoaotrabalhoformale parteacopladaaoconjuntodeiniciativasbenemerentesefilantrópicasdaso ciedadecivil Ainserçãoseletivanosistemaprotetivosegundodecritériosdemérito vaibasearsenumalógicadebenemerênciadependenteecaracterizadapela insuficiênciaeprecariedademoldandoaculturadequeparaospobresqualquer coisabastaDessaformaoEstadonãoapenasincentivaabenemerênciamas passaaserresponsávelporelaregulandoapormeiodoConselhoNacionalde ServiçosSociaisCNSScriadoem1938mantendoaatençãoaospobres semadefiniçãodeumapolíticanãoacompanhandoosganhostrabalhistase previdenciáriosrestritosapoucascategoriascfMestriner2001 Apartirde1937comaimplantaçãodaditaduraVargasnopaísoEstado EstadoNovoampliasuasmedidasdeproteçãoaotrabalhadoraomesmo tempoemqueintervémnomovimentosindicalpormeiodeumalegislação queobjetivavaocontrolerigorosodasorganizaçõesdostrabalhadoresEm 1945opaísvoltaaoregimedemocráticoconservandocaracterísticasdo 6Entre1930e1937sãocriadasinstituiçõesprestadorasdeserviçosociaiscomooDepartamentode AssistênciaSocialdoEstadodeSãoPaulosubordinadoàSecretariadeJustiçaeNegóciosInterioresaoqual coubeaestruturaçãodosServiçosSociaisdeMenoresdesvalidostrabalhadoreseegressosdereformatórios penitenciáriasehospitaiseConsultoriaJurídicadoServiçoSocial 298 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 populismodoperíododitatorialdeVargas193745Nessequadroverificase aemergênciadenovasforçassociaisnavidanacionalCresceapopulação urbanaformadapeloproletariadoindustrialetambémportrabalhadoresbra çaisnãointegradosaosetorindustrialempregadosdosserviçospúblicos operáriosdepequenasoficinasedosetorterciáriotrabalhadoresporconta própriaentreoutrosCrescempressõessobreoEstadoparaaampliaçãode serviçossociais7 Em1942ogovernobrasileirocriouaLBAparaatenderàsfamíliasdos expedicionáriosbrasileirosTerminadaaguerraaLBAsevoltaparaaassis tênciaàmaternidadeeàinfânciainiciandoapolíticadeconvênioscom instituiçõessociaisnoâmbitodafilantropiaedabenemerênciaCaracteriza daporaçõespaternalistasedeprestaçãodeauxíliosemergenciaisepaliativos àmisériavaiinterferirjuntoaossegmentosmaispobresdasociedademo bilizandoasociedadecivileotrabalhofemininoEssamodalidadedeinter vençãoestánaraizdarelaçãosimbióticaqueaemergenteassistênciasocial brasileiravaiestabelecercomafilantropiaecomabenemerênciacfMestriner 20018 Comotempoasvelhasformasdesocorrerospobresgestadasnafilan tropiaenabenemerênciaevoluempassandodesdeaarrecadaçãodefundos paraamanutençãodeinstituiçõescarentesauxílioeconômicoamparoeapoio àfamíliaorientaçãomaternalcampanhasdehigienefornecimentodefiltros assistênciamédicoodontológicamanutençãodecrecheseorfanatoslactários concessãodeinstrumentosdetrabalhoetcatéprogramasexplicitamente anunciadoscomodecombateàpobrezaAssimnoâmbitodaassistênciasocial sãodesenvolvidaspolíticasparaainfânciaeparaaadolescênciaparaidosos paranecessitadosegruposvulneráveis Opobretrabalhadoreventualedestituídoéousuáriodessaspolíticas pelasquaisévistocomoindivíduonecessitadoemuitasvezescomopessoa 7ÉtambémnessecontextoqueemergecomoprofissãooServiçoSocialbrasileiromarcadopelopro jetopolíticodaIgrejaCatólicaexpressopeladoutrinaepelaaçãosocialcatólicaquenessemomento históricopriorizaaaçãosocialintervençãodirecionadaparamudançaspolíticasesociaissobaóticada DoutrinaSocialdaIgrejaemdetrimentodeaçõesdeassistênciasocialAindaassimaassistênciasocial eraconsideradaumavançoemrelaçãoàspráticasfilantrópicasprevalecentesatéentão 810ParaaautoraassistênciasocialfilantropiaebenemerênciatêmsidotratadasnoBrasilcomo irmãssiamesassubstitutasumasdaoutrasMestriner2001p14 299 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 acomodadapassivaemrelaçãoàsuaprópriacondiçãodependentedeajuda enfimnãocidadãoSuafiguracontinuadesenhadaemnegativocfTelles 1999 Adécadade1950tevecomocaracterísticaoinvestimentoestatalempo líticasdesenvolvimentistaseabuscadocrescimentoeconômicoAintervenção planejadadoEstadonosprocessosvoltadosaodesenvolvimentosocialeeco nômicoimpulsionouacriaçãoeaexpansãodenovasempresasestataisA ideologiadesenvolvimentistaapoiavasenatesedequeoatrasodospaísesdo TerceiroMundoeraconsequênciadeseuprecáriosistemaindustrialedesuas insuficiênciastecnológicasNocontextodesenvolvimentistaasinstituições sociaisdirecionavamseusprogramasparaumapolíticadeintegraçãopartici pativadosmaispobresnoprocessodedesenvolvimentonacionaleapobreza eraabordadacomoresultadodeuminsuficientedesenvolvimentoeconômico doestágioaindanãosuficientementedesenvolvidodopaíseportantocomo fenômenonãoestrutural Oiníciodadécadade1960acirraascontradiçõesdocapitalismoperifé ricotrazendoconsigoogolpemilitareainstalaçãodoEstadoautoritárioA opçãopelocrescimentoeconômicoaceleradoapartirdefontesdeinvestimen toexternascomobasedodesenvolvimentoabriuopaísaocapitalmonopolis taOEstadoampliaseuníveldeintervençãotornandoseoeixopolíticoda recomposiçãodopoderburguêscomaimplantaçãodenovasestratégiasde desenvolvimentoconcentradorasdecapitalintensificandooníveldeexploração daclasseoperáriaAdesigualdadesocialseacentuaemumclimarepressivoe autoritário Emsíntesecomaexpansãodocapitalismomonopolistaocorremmudan çasquevãoseefetivarduranteasdécadasde1960e1970nosentidodeex pansãoemodernizaçãodosistemadeproteçãosocialdopaísTratasedeum processodemodernizaçãoconservadoraquevaicombinarassistênciaàpo brezacomrepressãopoisessasmudançasnãosignificaramumarupturacom ospadrõesmeritocráticosprevalecentesatéentãomasnesseperíodopor exemplooINPSincorporounovosseguradosexpandiuaassistênciamédica previdenciáriaecriouem1974aRendaMensalVitalíciaRMVparaidosos einválidoscombaixarendaAindanessaépocahouveacriaçãodenovos mecanismosdepoupançacompulsóriapormeiodoFundodeGarantiapor TempodeServiçoFGTSeposteriormenteoPISPasepForamcriados 300 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 tambémoProgramadeAssistênciaaoTrabalhadorRuralProRuraloSiste maFinanceirodeHabitaçãoosCentrosSociaisUrbanosoProgramadeIn teriorizaçãodeAçãodeSaúdeeSaneamentonoNordestePiassoPrograma deFinanciamentodeLotesUrbanizadosProfilurbentreoutrosalémdo MinistériodaPrevidênciaeAssistênciaSocialMPASqueincluiunonovo sistemaaLegiãoBrasileiradeAssistênciaLBAeaFundaçãoNacionalde BemEstardoMenorFunabem Cabeaindaressaltarqueapartirdemeadosde1970observaseum avançoorganizativodasociedadecivilespecialmentedosmovimentossociais nalutapelaredemocratizaçãoepelaretomadadoEstadodemocráticode direitoOmovimentosindicalsefortalececrescentementeeaospoucos renascemorganizaçõespopulareseassociaçõescomunitáriasvinculadasa setoresprogressistasdaIgrejaCatólicaEssesmovimentossociaisdemons tramumníveldeconsciênciaecapacidadedeorganizaçãoemcomunidades eclesiaisdebaseCEBssindicatosorganizaçõesprofissionaisliberais meiosuniversitáriosIgrejaeimprensaExpressamseemgrevesreivindi caçõescoletivasmovimentoscontraacarestiamovimentoporeleiçãodi retaparaaPresidênciadaRepúblicapelorespeitoadireitoshumanosentre váriosoutros Nosanos1980adécadaperdidaparaaCepalapobrezavaiseconver teremtemacentralnaagendasocialquerporsuacrescentevisibilidadepois adécadadeixouumaumentoconsideráveldonúmeroabsolutodepobres querpelaspressõesdedemocratizaçãoquecaracterizaramatransiçãoTrata vasedeumaconjunturaeconômicadramáticadominadapeladistânciaentre minoriasabastadasemassasmiseráveisPermanecemasantinomiasentre pobrezaecidadania9 Naesteiradesseprocessoasforçasoposicionistasforampontilhando umaextensaagendapolíticaeconômicaesocialdemudançasNaprimeira 9Nessecontextoasagênciasmultilateraisatendendoàagendaneoliberalassumemaçõesepolíticas deenfrentamentoàpobrezaexpressandoseemaçõestécnicasfocalizadasdecarátergerencialistaevoltadas aoalíviodapobrezaRelatóriodoBancoMundial1990p1tratadapobrezanomundoemdesenvolvi mentoclassificandoaapartirdeindicadoreseconômicoscomoarendaper capitaApropostaéaliviar apobrezaextremapormeiodeprogramasassistenciaisacompanhadosdecondicionalidadesNoinícioda décadade2000oBancoMundial2002assumeumavisãomultidimensionaldapobrezaincorporandoos conceitosdevulnerabilidadeeriscosocialOspobrespassamaservistoscomoportadoresdeativosdevem serempoderadosetersuascapacidadesvalorizadasSen2001 301 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 metadedosanos1980jáerapossívelidentificaroscontornosdeumamplo projetodereformadecunhonacionaldemocráticodesenvolvimentistaere distributivoFagnani2005p88 NessecontextoaAssembleiaNacionalConstituinte10concentrouesforços nosentidodeampliaraintervençãosocialdoEstadogarantindoecriando mecanismosdeviabilizaçãodedireitoscivispolíticosesociais As políticas sociais e o padrão protetivo que emerge com a constituição o enfrentamento à pobreza nos anos recentes ComosabemoscomaConstituiçãode1988sãocolocadasnovasbases paraoatualSistemadeProteçãoSocialbrasileirocomadefiniçãodaSeguri dadeSocialeoreconhecimentodedireitossociaisdasclassessubalternizadas emnossasociedade Emseuartigo194aConstituiçãodefineaSeguridadeSocialcomoum conjuntointegradodeaçõesdeiniciativadospoderespúblicosedasociedade destinadasaassegurarosdireitosrelativosàsaúdeàprevidênciaeàassistência social AnoçãodeSeguridadequeemergenaConstituiçãobrasileiraapresentaa comoumsistemadecoberturadediferentescontingênciassociaisquepodem alcançarapopulaçãoemseuciclodevidasuatrajetórialaboraleemsituações derendainsuficienteTratasedeumacoberturasocialquenãodependedo custeioindividualdiretoSãoobjetivosdaSeguridadeSocial auniversalidadedecoberturaedeatendimentouniformidadeeequivalênciados benefíciosedosserviçosàspopulaçõesurbanaseruraisseletividadeedistribu tividadenaprestaçãodosbenefícioseserviçosirredutibilidadedovalordos benefíciosequidadenaformadeparticipaçãonocusteiodiversidadedabasede financiamentocaráterdemocráticoedescentralizadodaadministraçãomedian tegestãoquadripartitecomaparticipaçãodostrabalhadoresdosempregadores dosaposentadosedogovernonosórgãoscolegiadosParágrafoÚnicodoartigo 194daConstituiçãoFederal 10ConvocadapelaECn26de1985einstaladanodia1ºdefevereirode1987 302 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Algunsaspectosdevemserdestacadosentreasinovaçõesconstitucionais emrelaçãoaosistemaprotetivobrasileiroacentralidadedaresponsabilidade doEstadonaregulaçãonormatizaçãoproposiçãoeimplementaçãodaspolíti caspúblicasnoâmbitodaproteçãosocialeapropostadedescentralizaçãoe participaçãodasociedadenocontroledaspolíticassociaisAperspectivade articulareintegrarpolíticastambémemergenessecontexto11Paraestudodo Ipea12aConstituiçãode1988redesenhadeformaradicalosistemabrasileiro deproteçãosocialafastandoodomodelomeritocráticoconservadoreaproxi mandoodomodeloredistributivistavoltadoparaaproteçãodetodaasocie dadedosriscosimpostospelaeconomiademercado ÉnecessárioporémressaltarofatodequeaConstituiçãobrasileiraé promulgadaemumaconjunturadramáticadominadapelocrescimentodapo brezaedadesigualdadesocialnopaísquevêampliarsuasituaçãodeendivida mentoquecresce61nosanos1980equeseinsereemummomentohistó ricoderupturadopactokeynesianoquevaipermitirgrandeliberdadeaos processosdereestruturaçãoprodutivaApressãodoConsensodeWashington13 comsuaproposiçãodequeéprecisolimitaraintervençãodoEstadoerealizar asreformasneoliberaisapresençadosorganismosdeWashingtonFMIBanco Mundialresponsáveisporestabelecerasestratégiasparaoenfrentamentoda criseporpartedospaísesperiféricoseareduçãodaautonomianacionalaolado daadoçãodemedidaseconômicasedoajustefiscalsãocaracterísticasdesse contextoquenocampodaproteçãosocialvaiseenfrentarcomocrescimento dosíndicesdedesempregopobrezaeindigência14 Ousejaénacontramãodastransformaçõesqueocorremnaordem econômicainternacionaltensionadopelaconsolidaçãodomodeloneoliberal 11Umexemplodessaperspectivaéoparágrafoúnicodoartigo2ºdaLoasLein8742LeiOrgâ nicadaAssistênciaSocialde7dedezembrode1993queafirmaAassistênciasocialrealizasedeforma integradaàspolíticassetoriaisvisandoaoenfrentamentodapobrezaàgarantiadosmínimossociaisao provimentodecondiçõesparaatendercontingênciassociaiseàuniversalizaçãodosdireitossociais 12VerCASTROeRIBEIRO2009 13Reuniãorealizadaemnovembrode1989entreospresidenteseleitosdaAméricaLatinaeosrepre sentantesdoBancoMundialFundoMonetárioInternacionaleBancoInteramericanodeDesenvolvimento queentreasreformasdecunhoneoliberalprevêarealizaçãodereformasestruturaisparaaestabilizaçãoda economiacomoasprivatizaçõesadesregulamentaçãodosmercadosadescentralizaçãoearetomadado desenvolvimento 14Éimportanteassinalarqueessaspolíticasdeajustefazempartedeummovimentoglobaldereor denamentodasrelaçõescapitalistasentrecentroeperiferiadosistema 303 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 pelasestratégiasdemundializaçãoefinanceirizaçãodocapitalcomasuadi reçãoprivatizadoraefocalizadoradaspolíticassociaisenfrentandoarear ticulaçãodoblococonservadorcomaeleiçãodeFernandoCollorquebusca dediversasformasobstruirarealizaçãodosnovosdireitosconstitucionaiscf Ipea2009quedevemossituaroiníciodoprocessodeconstruçãodaSeguri dadeSocialbrasileiraEcomonãopoderiadeixardeseraemergentepropos tadeSeguridadeSocialnãoseconsolidaemostraseincapazdenaquelemo mentorealizarsuaspromessas Ésempreoportunolembrarquenosanos1990asomatóriadeextorsões queconfigurouumnovoperfilparaaquestãosocialbrasileiraparticularmente pelaviadavulnerabilizaçãodotrabalhoconviveucomaerosãodosistema públicodeproteçãosocialcaracterizadaporumaperspectivaderetraçãodos investimentospúblicosnocamposocialseureordenamentoepelacrescente subordinaçãodaspolíticassociaisàspolíticasdeajustedaeconomiacomsuas restriçõesaosgastospúblicosesuaperspectivaprivatizadoracfYazbek2004 Énessecontextoqueteminícioaconstruçãodeumanovaconcepçãopara aAssistênciaSocialbrasileiraqueéregulamentadaem1993comopolítica socialpúblicaeiniciaseutrânsitoparaumcamponovoodosdireitosda universalizaçãodosacessosedaresponsabilidadeestatal NessesentidopodeseafirmarqueaConstituiçãoeaLeiOrgânicada AssistênciaSocialLoasestabelecemumanovamatrizparaaAssistência Socialnopaísiniciandoumprocessoquetemcomoperspectivatornálavisí velcomopolíticapúblicaedireitodosquedelanecessitaremAinserçãona Seguridadeapontatambémparaseucaráterdepolíticadeproteçãosocial15 15Cabeinicialmenteassinalarquedeformageralnãoencontramossociedadeshumanasquenão tenhamdesenvolvidoalgumaformadeproteçãoaosseusmembrosmaisvulneráveisCfGiovanni1998p 9sejademodorústicopormeiodeinstituiçõesnãoespecializadaseplurifuncionaiscomoafamíliapor exemplooucomaltosníveisdesofisticaçãoorganizacionaleespecializaçãodiferentesformasdeproteção socialemergemepercorremotempoeoespaçodassociedadescomoprocessorecorrenteeuniversal Paraoautorporproteçãosocialentendemseasformasàsvezesmaisàsvezesmenosinstitucionali zadasqueassociedadesconstituemparaprotegerparteouoconjuntodeseusmembrosTaissistemasdecor remdecertasvicissitudesdavidanaturalousocialtaiscomoavelhiceadoençaoinfortúnioasprivações Incluonesteconceitotambémtantoasformasseletivasdedistribuiçãoeredistribuiçãodebensmateriais comoacomidaeodinheiroquantoosbensculturaiscomoossaberesquepermitirãoasobrevivênciae aintegraçãosobváriasformasnavidasocialIncluoaindaosprincípiosreguladoreseasnormasquecom ointuitodeproteçãofazempartedavidadascoletividadesDiGiovanni1998p10 304 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 voltadaparaoenfrentamentodapobrezaearticuladaaoutraspolíticasdocam posocialvoltadasparaagarantiadedireitosedecondiçõesdignasdevida Inovaçãoéafirmarparaaassistênciasocialseucaráterdedireitonão contributivoindependentementedecontribuiçãoàSeguridadeeparaalémdos interessesdomercadoaoapontaranecessáriaintegraçãoentreoeconômico eosocialeaoapresentarnovodesenhoinstitucionalparaaassistênciasocial Inovatambémaoproporaparticipaçãodapopulaçãoeoexercíciodocontrole dasociedadenagestãoeexecuçãodaspolíticasdeassistênciasocialTendência ambíguadeinspiraçãoneoliberalmasquecontraditoriamentepodedirecio narseparaosinteressesdeseususuáriosSemdúvidamudançassubstantivas naconcepçãodaassistênciasocialumavançoquepermitesuapassagemdo assistencialismoedesuatradiçãodenãopolíticaparaocampodapolítica pública ComopolíticadeEstadopassaaserumespaçoparaadefesaeatenção dosinteressesenecessidadessociaisdossegmentosmaisempobrecidosda sociedadeconfigurandosetambémcomoestratégiafundamentalnocombate àpobrezaàdiscriminaçãoeàsubalternidadeeconômicaculturalepolíticaem quevivegrandepartedapopulaçãobrasileiraAssimcabemàassistênciasocial açõesdeprevençãoeprovimentodeumconjuntodegarantiasouseguranças Sposati1995EssasgarantiasseefetivampelaconstruçãodoqueMishra denominaderededesegurançadarededeSegurançaousejaumconjunto deprogramasprojetosserviçosebenefíciosvoltadosparaaproteçãosociale paraoatendimentodenecessidadesdapopulaçãousuáriadessapolítica Emgeralcaracterizadaporsuaheterogeneidadeessarededesegurança constituídapelosórgãosgovernamentaiseporentidadesdasociedadecivil operaserviçosvoltadosaoatendimentodeumvastíssimoconjuntodenecessi dadesparticularmentedossegmentosmaispobresdasociedade Dessaformaaassistênciasocialcomocampodeefetivaçãodedireitos emergecomopolíticaestratégicanãocontributivavoltadaparaoenfrentamen todapobrezaeparaàconstruçãoeoprovimentodemínimossociaisdeinclu são16eparaauniversalizaçãodedireitosbuscandorompercomatradição 16ParaSposati1997p10grifosdaautorapropormínimos sociaiséestabeleceropatamarde coberturaderiscosedegarantiasqueumasociedadequergarantirparatodososseuscidadãosTratasede definiropatamardedignidadeabaixodoqualnenhumcidadãodeveriaestar 305 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 clientelistaeassistencialistaquehistoricamentepermeiaaáreaondesemprefoi vistacomopráticasecundáriaemgeraladstritaàsatividadesdoplantãosocial deatençõesememergênciasedistribuiçãodeauxíliosfinanceiros CabenoentantoobservarqueseaConstituiçãoFederalcriaumanova arquiteturainstitucionaleéticopolíticaparaaproteçãosocialbrasileirapar ticularmenteparaapolíticadeassistênciasocialpoisestaétambémobjetode esvaziamentosedesqualificaçõesemseuprocessodeimplantaçãopósconsti tucionalnopaíscontextoemqueocorreadespolitizaçãoearefilantropização doenfrentamentodaquestãosocialbrasileira17 Abuscadaestabilizaçãodaeconomiaedoequilíbrioorçamentárioefiscal apartirdoPlanoReallevanoperíododosgovernosdeFHC199598e 19992002aresultadospoucofavoráveisparaaproteçãosocialnaesferapú blicaestatalOambienteédedesacertosetensõesentreaadequaçãoaoam bienteneoliberaleasreformassociaisexigidasconstitucionalmente ConformeFagnani1999apolíticaeconômicaadotadanãofavoreceuo sucessodaspolíticassociaisOautorcitacomoexemploapolíticadeemprego insuficienteparareverteroquadroproduzidopelapolíticaeconômicaeo problemadaPrevidênciaSocialqueviusuabasedefinanciamentoerodircom oaumentodaprecarizaçãoeinformalizaçãodaocupaçãoNoqueserefereàs políticasdesaúdeeducaçãoeassistênciasocialFagnani1999p166apon taavançosnoprocessodedescentralizaçãomasressaltaqueaomesmotempo emqueestadosemunicípiossãoinduzidosaaceitaremnovasresponsabilidades administrativasefinanceirasnagestãodaspolíticassociaisapolíticaeconô micadesorganizaasfinançasdestasinstâncias Éimportanteassinalarqueessasaçõesemergemnopaísemumcontexto deprofundastransformaçõessocietáriasqueinterferemnaquestãosociale 17Outroaspectorelevantequecompõeessaconjunturaéaperspectivatecnocráticaprogressistadas agênciasmultilateraisBIDBancoInteramericanodeDesenvolvimentoCepalComissãoEconômica paraaAméricaLatinaeoCaribeeoPNUDProgramadasNaçõesUnidasparaoDesenvolvimentoque operampelasubordinaçãoeseparaçãoentreoplanoeconômicoesocialnaperspectivadequeasuperação dapobrezaéestratégiadedesenvolvimentoqueseefetivaatravésdequatropilaresqueestruturamecon dicionamonovomodelodeassistênciaumprocessodedesconstruçãosimbólicaeideológicadossistemas deseguridadeanterioresemnívelderetóricacríticaacentralidadedotratamentodainserçãodosindivíduos aomercadoatravésdetransferênciasmonetáriasoestímulodosprogramasaoconsumoedemandade serviçoseumaorganizaçãoemobilizaçãodasociedadeciviledosprópriospobresnaconstruçãodospro gramassociaisIvo2006p82 306 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 trazemnaraizdessasmodificaçõesaindagaçãosobreacompatibilidadeou nãoentredireitospolíticassociaiseasrelaçõesqueseestabelecementreEs tadosociedadeemercadonosnovosmarcosdaacumulaçãocapitalistaCon textonoqualaarticulaçãotrabalhodireitoseproteçãosocialpúblicasofreos impactosdastransformaçõesestruturaisdocapitalismoqueatingemduramen teotrabalhoassalariadoeasrelaçõesdetrabalholevandoàredefiniçãodos sistemasdeproteçãosocialedapolíticasocialemgeral Apesardeelegercomoprioridadeabsolutaoajusteeaestabilidade econômicaedarpoucaatençãoàagendasocialapartirde2001ogoverno FHCtentareverteressequadroaocriarpormeiodeumcontratocomoBID arededeproteçãosocialEstaredeintroduziunocamposocialdeforma seletivaumconjuntodeaçõessetoriaisvoltadasparaossegmentosmais vulneráveisdapopulaçãoEssasaçõesconjugavamserviçossociaisetrans ferênciasmonetáriascomdestaqueparaaexpansãodoProgramadeErradi caçãodoTrabalhoInfantilPeticriadoem1996paraoProgramaNacio naldeRendaMínimavinculadoàEducaçãoBolsaEscolaoPrograma BolsaAlimentaçãooAgenteJovemeumpoucomaistardeoAuxílioGás 200218 Esseconjuntodeprogramasfederaisdevidoàsuaabrangênciaetamanho permitiuocrescimentodarelevânciadaspropostasdetransferênciasmonetárias noâmbitodapolíticasocialConformeestudodeSilvaYazbekeGiovanni 2011comaampliaçãodosprogramasfederaisosprogramasdeiniciativa municipaleestadualaospoucosvãosofrendoalteraçõesseguintesaspectos desativaçãodeprogramasjáemimplementaçãoprincipalmenteemmuni cípiosqueapresentammenoresorçamentosNessesmunicípiososprogramas vêmsendosubstituídospeloprogramafederalbemcomoparecevirocorrendo umadesaceleraçãodeiniciativasparacriaçãodenovosprogramastantopor partedeEstadoscomodemunicípiosconsiderandoquejáimplantaramprogra massimilaresfederaisexistênciaparaleladeprogramasmunicipaisestaduaise federaisadotandobenefícioscomvaloresdiferenciadosarticulaçãodoprogra 18Osprogramasfederaistiveramcomoprecursoresprogramasmunicipaiseestaduaisquetiveram inícioem1995comoProgramadeGarantiadeRendaFamiliarMínimadaPrefeituradeCampinasSPe daPrefeituradeRibeirãoPretoSPoProgramaBolsaEscolaemBrasíliaeoProgramaNossaFamília daPrefeituradeSantosSPVeraesserespeitoSilvaGiovannieYazbek20115ªedição 307 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 maBolsaEscolafederalcomsimilaresmunicipaismaisespecificamenteno casodemunicípiosquetêmorçamentosmaiselevadoscomoSãoPauloPorto AlegreeBeloHorizontecomcomplementaçãodovalordobenefíciodosprogra masfederaiscomrecursosdomunicípioentreoutrosSilvaYazbekeGiovanni 2011p157 ComogovernoLula200306aquestãosocialeparticularmenteoen frentamentodapobrezapassaaseralvodenovasabordagensOcombateà fomeeàmisériaexpressonoiníciodoprimeirogovernoLulapeloemblemá ticoProgramaFomeZerocujoCartãoAlimentaçãoteveseulançamento simbóliconodia3defevereirode2003nosmunicípiosdeAcauãeGuaribas noPiauícomadistribuiçãodecartõesparaquinhentasfamílias19 Aindaem2003oCartãoAlimentaçãofoiunificadoaoProgramaBolsa Família20oquesignificouumimportantepassonabuscadearticulaçãodo sistemaprotetivonopaísOProgramaBolsaFamília20102003resultouda unificaçãodequatroprogramasfederaisBolsaEscolaBolsaAlimentaçãoVale GáseCartãoAlimentaçãoApresentoucomoobjetivos a Combaterafomeapobrezaeasdesigualdadespormeiodatransfe rênciadeumbenefíciofinanceiroassociadoàgarantiadoacessoaos direitossociaisbásicossaúdeeducaçãoassistênciasocialesegu rançaalimentar b Promoverainclusãosocialcontribuindoparaaemancipaçãodasfa míliasbeneficiáriasconstruindomeiosecondiçõesparaqueelas possamsairdasituaçãodevulnerabilidadeemqueseencontramBra silMDS2006 19UmaavaliaçãoinicialdoProgramaFomeZeromostratratarsedepropostanoâmbitodaseguran çaalimentarquebuscacontribuirparaqueasociedadebrasileiracaminhenaefetivaçãododireitohumano àsegurançaalimentarenutricionalArelaçãoentreoemergencialeopermanentepresenteemtodootexto doProjetoemdiferentesperspectivastemporaiscompropostasdecurtomédioelongoprazoésemdúvida umdosaspectosmaisrelevantesdomesmoCaberessaltarporémqueapropostainicialapresentavalacunas emespecialnaproblematizaçãodosfundamentosestruturaisdadesigualdadesocialquehistoricamenteca racterizaasociedadebrasileiraeaonãolevaremconsideraçãooutrosprogramassociaisnoâmbitodoen frentamentoàpobrezaparticularmenteaspolíticasdeSeguridadeSocialconformepropõeaConstituição Federalde1988cfYazbek2004 20AquestãodaunificaçãodosProgramasdeTransferênciadeRendafoicolocadaapartirdediagnós ticosobreosprogramassociaisemdesenvolvimentonopaíselaboradonatransiçãodogovernoFHCpara ogovernoLulanoterceirotrimestrede2002 308 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Assimsendoaunificaçãodosprogramasdetransferênciaderendasituase noâmbitodaprioridadedecombateàfomeeàpobrezarepresentandouma perspectivadearticulaçãoentreníveisdegovernoedepolíticassociais DamesmaformaacriaçãodoMinistériodoDesenvolvimentoSociale CombateàFomeem2004queunificouapolíticadecombateàfomecomas políticasdetransferênciaderendaedeassistênciasocialfoiumpassosignifi cativonadireçãodearticularumconjuntodeiniciativasnaperspectivado enfrentamentoàpobrezanopaís 1 O Programa Bolsa Família OProgramaBolsaFamíliacriadoem2003pelogovernofederalécon sideradoumeixoestratégicoparaaintegraçãodepolíticaseaçõesnoenfren tamentodapobrezanoacessoàeducaçãoenocombateaotrabalhoinfantil Foicriadotendocomoperspectivaunificarosprogramasdetransferênciade rendaemvigêncianoâmbitofederalapartirdaconstataçãodeseufunciona mentocomprogramasconcorrentesesobrepostosnosseusobjetivosenoseu públicoalvodaausênciadeumacoordenaçãogeraldessesprogramasgeran dodesperdícioderecursosdaausênciadeplanejamentogerencialdosmesmos edispersãodecomandoemdiversosministériosalémdeorçamentosalocados insuficientesedonãoalcancedopúblicoalvoconformeoscritériosdeelegi bilidadedosprogramasForamunificadosoBolsaEscolaoBolsaAlimentação oAuxílioGásoCartãoAlimentaçãooProgramadeErradicaçãodoTrabalho InfantilPetieoAgenteJovem Tendocomoperspectivaaarticulaçãodatransferênciamonetáriaepolíti caseducacionaisdesaúdeedetrabalhodirecionadasacriançasjovense adultosdefamíliaspobresoprogramapartiude doispressupostosumdequeatransferênciamonetáriaparafamíliaspobres possibilitaaessasfamíliastiraremseusfilhosdaruaedetrabalhosprecocese penososenviandolhesàescolaoquepermitiráinterromperocicloviciosode reproduçãodapobrezaooutroédequeaarticulaçãodeumatransferênciamo netáriacompolíticaseprogramasestruturantesnocampodaeducaçãodasaúde edotrabalhodirecionadosafamíliaspobrespoderárepresentarumapolíticade enfrentamentoàpobrezaeàsdesigualdadessociaiseeconômicasnopaísSilva YazbekGiovanni2011 309 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Atualmente2012oProgramaatendemaisde13milhõesdefamíliasem todooterritórionacionalnos5564municípiosbrasileirosSeuorçamentoem 2010alcançou04doPIB114bilhõesAsúltimasPNADsrevelamuma questãoessencialosPTRsnãoretiramosbeneficiáriosdotrabalhoInúmeros estudosepesquisasvêmdemonstrandoqueosimpactosdessesprogramasas sistenciaissobreasfamíliasmaispobressobretudonoNordesteéincontestá velElesignificabasicamentemaiscomidanamesadosmiseráveisecompra deprodutosessenciais21 Em2010dototalde125milhõesdefamíliasbeneficiáriascercade43 milhõessuperaramalinhadeextremapobrezadoProgramaR70per capita mêsmasapesardessesavançosonúmerodepessoasemsituaçãodepobreza nopaísaindaémuitoaltoporvoltade30milhõeseataxadedesigualdade continuaentreasmaisaltasdomundoTambémsãoconhecidososimpactos dosbenefíciossociaiscomooBolsaFamíliaouaaposentadoriaruralnaseco nomiaslocaisespecialmentenospequenosmunicípiosdependentesdaagricul turaqueemmuitoscasosconstituemasmaissignificativasfontesderendaa movimentaromercadointernodebenseserviçosessenciais Questõesproblemáticasvêmsendoapontadasnodesenvolvimentodes sesprogramastaiscomoquaisasreaispossibilidadesdeelevaremonível deescolaridadedapopulaçãobrasileiradesaúdedenutriçãoousejade inserçãosocialdapopulaçãoatendidaQualsuaefetividadeenquantopolíti capúblicadeenfrentamentodapobrezanopaísQualasustentabilidade 21Verporexemplo 1SilvaCoord2008eVieira2008 2EstudodoIpea2008sobreapobrezaeariquezanasseismaioresmetrópolesurbanasnoBrasil identificouquenoperíodo2003a2007ocrescimentoprodutivodopaísfoiacompanhadopelame lhoriadarendadetodasasfamíliasregistrandoadiminuiçãodonúmerodepobressendoqueasitua çãodepobrezaeindigênciadeclinou13passandode350em2003para241em2007Odeclí niononúmerodeindigentesfoiaindamaissignificativoentre2002e2008438ede2003a2008 483InSilvaeYazbek2012 3OutroestudodoIpea2012sobreopanoramadapobrezadesigualdadederendaepolíticas públicasnomundoenoBrasilverificouquenoBrasilentre1995e2008aquedamédiaanualdataxa nacionaldepobrezaabsolutaatémeiosaláriomínimoper capitafoi08aoanoeataxaanualno período20032008de31enquantoataxanacionaldepobrezaextremaaté¼dosaláriomínimo per capitafoide21aoanoOestudocreditouodeclínionapobrezaenaindigênciaàelevaçãode gastossociaisapósaaprovaçãodaConstituiçãoFederalde2008queemrelaçãoaoProdutoInterno Brutode133em1985passoupara219em2005InSilvaeYazbek2012 310 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 dessesprogramaseseusimpactosreaisemtermosdeautonomizaçãodas famíliasatendidas Oqueseobservaéqueosprogramasdetransferênciaderendafocalizados napobrezaenaextremapobrezarevelamsobaorientaçãodaideologianeolibe ralprofundasmudançasnaspolíticassociaiscontemporâneasAmaissignifica tivadelaséasubstituiçãodepolíticaseprogramasuniversaisporprogramas focalizadosnapobrezaenaextremapobrezacomosepolíticasocialfossecoi saparapobreOutraconstataçãoéofatodequeessesprogramasapenasaliviam apobrezadesenvolvendoseaolargodepolíticaseconômicasquenãosealteram Ousejaasdeterminaçõesestruturaisgeradorasdapobrezaedadesigualdade socialnãosãoconsideradaslimitandoseessaintervençãoamelhoriasimediatas nascondiçõesdevidadospobresservidotãosomenteparamanterecontrolara pobrezaepotencializaralegitimaçãodoEstadoCriaseumestratodepobresque sereproduznoníveldasobrevivênciasendo instituída a ilusão de que o proble ma da pobreza será resolvido pela Política SocialcfSilva2011 Outroaspectoaserproblematizadoéqueodireitoinalienávelaobemes tardetodocidadãodesobrevivercomdignidadeécolocadosobaresponsa bilidadedamulherquesevêobrigadaaadministrarafamíliacomvalores monetáriosinsuficientesparaaquisiçãodacestabásicacfSilva2011 Cabedestacarqueoprogramaapresentaproblemasestruturaisrelevantes quelimitamainclusãodesegmentospobresereduzemaspossibilidadesde impactosmaissignificativossobreareduçãodosíndicesdepobrezanopaís Entreessesproblemasestruturaismerecedestaqueaadoçãodocritérioapenas darendaparadefiniçãodospobreseextremamentepobresEssecritérioalém denãoconsideraradimensãomultidimensionaldapobrezafixaparainclusão umarendaper capitafamiliarbastantebaixadeixandodeforamuitasfamílias quevivenciamextremasdificuldadesAdemaisobenefíciomonetáriotransfe ridoparaasfamíliaséextremamentebaixomesmocomreajustesaolongodo tempoparaproduzirimpactospositivosnaultrapassagemdalinhadepobreza porpartedasfamíliasbeneficiáriascfSilva2011 Sabemosquepermanecemnapolíticasocialbrasileiraconcepçõeseprá ticasassistencialistasclientelistasprimeirodamistasepatrimonialistas Observamosnaredesolidáriaaexpansãodeserviçosapartirdodevermoral dabenemerênciaedafilantropiaqueemsimesmosnãorealizamdireitos Aindaencontramosemnossaspolíticaseinstituiçõesumaculturamoralistae autoritáriaqueculpaopobreporsuapobreza 311 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 2 A Assistência Social PNAS Suas Emoutubrode2004atendendoaocumprimentodasdeliberaçõesdaIV ConferênciaNacionaldeAssistênciarealizadaemBrasíliaemdezembrode 2003oCNASConselhoNacionaldeAssistênciaSocialaprovouapós amplodebatecoletivoaPolíticaNacionaldeAssistênciaSocialemvigorque apresentaoredesenhodestapolíticanaperspectivadeimplementaçãodoSuas SistemaÚnicodeAssistênciaSocial NessadireçãoaPolíticaNacionaldeAssistênciaSocialPNASbuscou incorporarasdemandaspresentesnasociedadebrasileiranoquedizrespeitoà efetivaçãodaassistênciasocialcomodireitodecidadaniaeresponsabilidade doEstadoTemcomoprincipalobjetivoagestãointegradadeaçõesdescentra lizadaseparticipativasdeassistênciasocialnoBrasilEssagestãosupõeaar ticulaçãodeserviçosprogramasebenefíciosbemcomoaampliaçãodeseu financiamentoeoestabelecimentodepadrõesdequalidadeedecusteiodesses serviçossupõetambémaqualificaçãodosrecursoshumanosneleenvolvidos aclaradefiniçãodasrelaçõespúblicoprivadonaconstruçãodaredesocioas sistencialaexpansãoemultiplicaçãodosmecanismosparticipativosademo cratizaçãodosconselhoseaconstruçãodeestratégiasderesistênciaàcultura políticaconservadoraeporfimexigequeasprovisõesassistenciaissejam prioritariamentepensadasnoâmbitodasgarantiasdecidadaniasobvigilância doEstadocabendoaesteauniversalizaçãodacoberturaeagarantiadedireitos edeacessoparaosserviçosprogramaseprojetossobsuaresponsabilidade Noqueserefereàrelaçãocomoenfrentamentodapobrezacabedestacarque aPNASeoSuasampliamosusuáriosalcançadospelapolíticanaperspectiva desuperarafragmentaçãocontidanaabordagemporsegmentoscomooidoso oadolescenteapopulaçãoemsituaçãoderuaentreoutrosedetrabalharcom cidadãosegruposqueseencontramemsituaçõesdevulnerabilidadeeriscostais comofamíliaseindivíduoscomperdaoufragilidadedevínculosdeafetividade pertencimentoesociabilidadeciclosdevidaidentidadesestigmatizadasem termosétnicoculturalesexualdesvantagempessoalresultantededeficiências exclusãopelapobrezaeounoacessoàsdemaispolíticaspúblicasusodesubs tânciaspsicoativasdiferentesformasdeviolênciaadvindadonúcleofamiliar gruposeindivíduosinserçãoprecáriaounãoinserçãonomercadodetrabalho formaleinformalestratégiasealternativasdiferenciadasdesobrevivênciaque podemrepresentarriscopessoalesocialPNAS2004p27 312 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 Nestaconcepçãoevidenciamsecondiçõesdepobrezaevulnerabilidadeassocia dasaumquadrodenecessidadesobjetivasesubjetivasondesesomamdificul dadesmateriaisrelacionaisculturaisqueinterferemnareproduçãosocialdos trabalhadoresedesuasfamíliasTratasedeumaconcepçãomultidimensionalde pobrezaquenãosereduzàsprivaçõesmateriaisalcançandodiferentesplanose dimensõesdavidadocidadãoUmaausêncianesseconjuntodenecessidades apontadaspelaPNASéacondição de classequeestánagênesedaexperiência dapobrezadaexclusãoedasubalternidadequemarcaavidadosusuáriosda assistênciasocialOusejaéprecisosituarosriscosevulnerabilidades22como indicadoresqueocultamrevelamolugarsocialqueocupamnateiaconstitutiva dasrelaçõessociaisquecaracterizamasociedadecapitalistacontemporânea SilvaYazbekeGiovanni201123 Faceaodesempregoestruturaleàreduçãodasproteçõessociaisdecor rentesdotrabalhoatendênciaéaampliaçãodosquedemandamoacessoa serviçosebenefíciosdeassistênciasocialAssimosusuáriosdaassistência socialtendemasertrabalhadoresesuasfamíliasquemesmoexercendoati vidadeslaborativastêmsuasrelaçõesdetrabalhomarcadaspelainformalida deEmumaconjunturasocialadversaérelevanteanalisarosignificadoque osserviçosebenefíciossociaispassamaterparaostrabalhadoresprecarizados quepassamapleitearbenefíciossociaiscomooBolsaFamíliaouaaposen tadoriaespecial Diantedessequadroobservasequeestáemcursoumprocessocomplexode redefiniçãodoperfildosusuáriosdaassistênciasocialdeterminadopelastrans formaçõesestruturaisdocapitalismocontemporâneoquereconfiguramasrelações 22osconceitosdevulnerabilidadeeriscosocialdevemserpoblematizadosElesnãosãoad jetivosdacondiçãodousuárioAproduçãodadesigualdadeéinerenteaosistemacapitalistaaorepro duzilaproduzereproduzvulnerabilidadeseriscossociaisEssasvulnerabilidadeseriscosdevemser enfrentadoscomoprodutosdessadesigualdadeeportantorequeremumaintervençãoparaalémdo campodaspolíticassociaisNãoseresolvedesigualdadecompotencialidadesindividuaisoufamiliares Nãosetratadeequiparossujeitosnemdedescobrirsuaspotencialidadescomotrabalhamalgunsau toresTratasedereconheceressadesigualdadedereconhecerqueháumcampodeatuaçãoimportante queatendeanecessidadessociaisdapopulaçãoequetrabalhálascomodireitosdacidadaniarompecom alógicaderesponsabilizarosujeitopelasvicissitudesemazelasqueocapitalismoproduzSilvaYazbek eGiovanni2011p50 23Apropósitodeproblematizarasnoçõesdeusuárioterritóriomatricialidadesociofamiliaretrabalho comoelementosconstitutivosdaPNASverolivrodeBereniceRojasCoutoetal2011 313 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 entretrabalhoereproduçãosocialpressionandooEstadoaampliarsuaspolíticas sociaisparaincorporarnovoscontingentespopulacionaisnosserviçosebenefícios públicosSilvaetal2011p46 AconstruçãoeimplementaçãodoSistemaÚnicodaAssistênciaSocial SuasLein12435de67201124comopolíticapúblicavemsecaracteri zandocomoumadasprioridadesparaoavançodessapolítica Paraalcançarseusobjetivospropõesequeapolíticadeassistênciasocial sejarealizadadeformaintegradaearticuladaàsdemaispolíticassociaissetoriais paraatenderàsdemandasdeseususuáriosIstosignificaqueodestinatárioda açãosocialdeveseralcançávelpelasdemaispolíticaspúblicasNãopodemos esquecerqueosujeitoalvodessaspolíticasnãosefragmentaporsuasdemandas enecessidadesquesãomuitaseheterogêneasEstamostratandodascondições depobrezaqueafetammúltiplasdimensõesdevidaedesobrevivênciados cidadãosedesuasfamílias 3 Plano Brasil sem Miséria Emmaiode2011ogovernofederallançoumaisumaaçãonosentidode enfrentarapobrezaoPlanoBrasilsemMisériavoltadoparaoenfrentamento dapobrezaemumaperspectivamultidimensional 24EnquantosistemacabemaoSuasaAçõesdeproteçãobásicaprevençãodesituaçõesderiscopor meiododesenvolvimentodepotencialidadeseaquisiçõeseofortalecimentodevínculosfamiliaresecomu nitáriosApopulaçãoalvosãofamíliaseindivíduosquevivememsituaçãodevulnerabilidadesocialde correntedapobrezaprivaçãoausênciaderendaprecárioounuloacessoaosserviçospúblicosentreoutros eoufragilizaçãodevínculosafetivosrelacionaisedepertencimentosocialdiscriminaçõesetáriasétnicas degênerooupordeficiênciasentreoutrasOsserviçosdeproteçãosocialbásicaserãoexecutadosdeforma diretanosCentrosdeReferênciadaAssistênciaSocialCrasoudeformaindiretanasentidadeseorgani zaçõesdeAssistênciaSocialdaáreadeabrangênciadosCras bAçõesdeproteçãoespecialatençãoassistencialdestinadaaindivíduosqueseencontramemsituação dealtavulnerabilidadepessoalesocialSãovulnerabilidadesdecorrentesdoabandonoprivaçãoperdade vínculosexploraçãoviolênciaetcEssasaçõesdestinamseaoenfrentamentodesituaçõesderiscoemfa míliaseindivíduoscujosdireitostenhamsidovioladoseouestejamemsituaçõesnasquaisjátenhaocor ridoorompimentodoslaçosfamiliaresecomunitáriosPodemserdemédiacomplexidadefamíliaseindi víduoscomseusdireitosvioladosmascujosvínculosfamiliaresecomunitáriosnãoforamrompidosdealta complexidadefamíliaseindivíduoscomseusdireitosvioladosqueseencontramsemreferênciaeouem situaçãodeameaçanecessitandoserretiradosdeseunúcleofamiliareoucomunitário 314 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 DadosdoIBGECenso2010identificaramnopaísumcontingentede pessoasemextremapobrezaquetotalizou1627milhõesdepessoasoque representa85dapopulaçãototaldopaísEmboraapenas156dapopulação brasileiraresidaemáreasruraisentreaspessoasemextremapobrezaelasre presentampoucomenosdametade467orestante533localizaseem áreasurbanasonderesideamaiorpartedapopulação844 OIBGErealizouumrecorteparaincluirapenasaspessoasresidentesem domicíliosqueapresentassemmaiorprobabilidadedeseencontraremsituação deextremapobrezaOscritériosadotadosparaestimarestaparceladapopula çãoentreossemrendimentosforamosseguintes 1 Sembanheirodeusoexclusivoou 2 Semligaçãocomredegeraldeesgotooupluvialenãotinhamfossa sépticaou 3 Emáreaurbanasemligaçãoàredegeraldedistribuiçãodeáguaou 4 Emárearuralsemligaçãoàredegeraldedistribuiçãodeáguaesem poçoounascentenapropriedadeou 5 Semenergiaelétricaou 6 Compelomenosummoradorde15anosoumaisdeidadeanalfabe toou 7 Compelomenostrêsmoradoresdeaté14anosdeidadeou 8 Pelomenosummoradorde65anosoumaisdeidade ConformedadosapresentadosnoplanoBrasilsemMisériaaabsoluta maioriadessaspessoas708énegrapardasepretasEntretantochamaa atençãoapresençadeindígenasapesarderepresentaremcomparativamente umapequenaparceladapopulaçãoemsituaçãoextremapobrezaOsindígenas totalizam817963pessoasnopaíssendoque326375seencontramemextre mapobrezarepresentandopraticamentequatroemcadadezindígenas399 Quantoaosexoqueháumadistribuiçãohomogêneaentrehomensemulheres comlevesuperioridadedapresençafeminina505contra495Metade dosquevivemnapobrezaextrematematé19anos509Ascriançasaté14 anosrepresentamcercadequatroemcadadezindivíduosemextremapobreza noBrasil399Apartirde2012estãoincluídosnoPlano48milfamílias quilombolasOPlanovempuxandoaagriculturafamiliarcomprandoas 315 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 sementescrioulasproduzidasporpequenosagricultoresparadistribuirpara famíliasquevivememsituaçãodeextremapobreza Apropostaestádirecionadaaoenfrentamentodapobrezaemsuamultidi mensionalidadeedefinecomolinhadeextremapobrezarendafamiliarper capita deatéR70acimadalinhaadotadanosObjetivosdoMilênioPNUD US125evalordereferênciadaextremapobrezadoBolsaFamília ÉobjetivogeraldoPlanopromoverainclusãosocialeprodutivadapo pulaçãoextremamentepobretornandoresidualopercentualdosquevivem abaixodalinhadaextremapobreza SãoseusobjetivosespecíficosElevararendafamiliarper capita ampliar oacessoaosserviçospúblicosaçõesdecidadaniaebemestarsocialampliar oacessoàsoportunidadesdeocupaçãoerendapormeiodeaçõesdeinclusão produtivanosmeiosurbanoerural Oplanovemsedesenvolvendoapartirdetrêseixosasaber1garantia derenda2inclusãoprodutivae3acessoaserviçospúblicosNesseseixos estãosendobuscadosaampliaçãodeoportunidadeseodesenvolvimentode capacidadesAbuscaeainserçãopróativasnoBolsaFamíliaseráacompanha dadeatividadesdeinserçãoprodutivanomeiourbanogeraçãodeocupaçãoe rendamicroempreendedorindividualeconomiasolidáriaqualificaçãoein termediaçãodemãodeobraeruralaumentodaproduçãoáguasementese insumosparatodosacessoaosmercadoseautoconsumo Comoépossívelobservartratasedeumplanoquesepropõeumenorme desafioqueconjugaaçõesemtrêsimportanteseixosquevãoconfigurarum feixedemediaçõesemdiversasescalasparapenetraressatramasocialconfi guradapelaexperiênciadapobrezaequenãocabeemmodelospreconcebidos Considerações finais a pobreza como questão política e expressão de relações sociais capitalistas Paraumaanáliseemmaiorprofundidadedapobrezabrasileiraatualassim comodosmecanismosquevêmsendodesenvolvidosparaaliviálaasreferên ciasprincipaisdizemrespeitoàformacomoconcebemosapobrezaeexplicamos ocontextoondeestáinseridaAssimaoapresentarmosapobrezacomoexpres sãoderelaçõessociaisvigentesnasociedadecapitalistaénecessáriobuscara 316 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 explicaçãodosprocessosdeacumulaçãocontemporâneosquetêmcomosupor teosinteressesdocapitalfinanceiroComosabemostratasedeumcontexto caracterizadopormudançasaceleradasporumanovasociabilidadeeuma abordagempolíticaaindainscritanaagendaneoliberal NoBrasilnessesúltimosanostornaramseevidentesessascaracterísticas neoliberaisdapolíticasocialfaceàsnecessidadessociaisdapopulaçãoHámais deumadécadavêmseevidenciandocomocaracterísticacentraldapolíticasocial brasileirasuadireçãocompensatóriaeseletivacentradaemsituaçõeslimiteem termosdesobrevivênciaeseudirecionamentoaosmaispobresdospobresin capazesdecompetirnomercadoEsseéolegadoaherançadosúltimos10anos olegadodasubordinaçãodosocialaoeconômicoosocialconstrangidopelo econômicoosocialrefilantropizadodespolitizadodespublicizadoefocalizado EfetivamentenopaísosistemaprotetivoapósaConstituiçãode1988 continuauniversalnaletradaleiNoentantoganhacadavezmaisforosdeuna nimidadeaideiadequepolíticasocialéporexcelênciaalgumtipodeação voltadaparaosexcluídosospobresepordefiniçãofocalizadaEmtornodes saideiaodebatesetornouinsossopermanecendorestritooraàfriarefutaçãode dadosempíricosoraaumamornaquedadebraçoentreopiniõesdiferentes prisioneirastodasdaindefectívelmençãoàspráticascorrentesnopaísVianna 2008p3 Tratasedeumcontextonoqualaspolíticassociaiseespecialmentea seguridadesocialenfrentamprofundosparadoxosPoissedeumladocontam comasgarantiasconstitucionaisquepressionamoEstadoparaoreconheci mentodedireitosporoutroseinseremnessecontextodeajusteàsconfigurações daordemcapitalistainternacionalcomseucaráterregressivoeconservador queameaçaodireitoeacidadaniatrazendofortementeaquestãodamerito craciaecomelaadesuniversalizaçãoeadescidadanizaçãocfPereirano XIIICBAS2010 Outraconstataçãonestaanáliseéquenoâmbitodalegislaçãovoltadapara oenfrentamentodapobrezapermaneceeampliaseaaçãodasentidadesfilan trópicasesocioassistenciaiscontextonoqualapobrezanãoaparececomo expressãodaquestãosocialmascomoolugardanãopolíticaondeéfigura dacomodadoaseradministradotecnicamenteougeridopelaspráticasdafi lantropiaTelles1998p15Cabelembrarqueessecenárioquetemcomo 317 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 expressãomaiorocrescimentodoterceirosetorvaicomporosprocessosde reestruturaçãodossistemasdeproteçãosocialedapolíticasocial Comosabemosnaáreadaassistênciasocialaparceriahistóricacom entidadesbeneficentesresultouemprogramasfragmentadosnamaiorpartedas vezesdesvinculadosnarealidadeondeseinstalavamsemcompromissocom espaçopúblicocomprogramasseletivosecomgestõesquasesemprecentra lizadorasepoucoparticipativasEssaformadeorganizaçãocriouumcaldode culturadifícildetrabalharumavezqueostrabalhosrealizadoscontribuíram muitoparaareiteraçãodasubalternidadedapopulaçãousuáriadosserviços assistenciais Diantedessecenárioagravadopelacriseglobalde200825emborasaiba mosqueescapaàspolíticassociaisàssuascapacidadesdesenhoseobjetivos reverterníveistãoelevadosdedesigualdadecomoosencontradosnoBrasil nãopodemosduvidardasvirtualidadespossíveisdessaspolíticasElassão políticasepodemserpossibilidadedeconstruçãodedireitoseiniciativasde contradesmanchedeumaordeminjustaedesigualIssoporqueesseproces soécontraditórioeexpressadisputascujosrumosepolitizaçãoéquepermiti rãoqueasatuaispolíticasdeenfrentamentodapobrezasecoloquemounão naperspectivadeforjarformasderesistênciaedefesadacidadaniadosexcluí dosouapenasreiterarpráticasconservadoraseassistencialistas Assimsendonapolíticasocialbrasileiraéamplaaagendademudançasa serpercorridaembuscademelhoriasdemocráticasedejustiçasocialDestacamos 1 AvançarnaperspectivadeuniversalizaçãodapolíticasocialSaúde Educaçãobuscandonãorestringiraspolíticassociaisàfunçãode combateàpobrezaabandonandosuaspossibilidadesnareduçãodas desigualdadessociaisÉprecisosuperaraperspectivaqueatribuiàs políticassociaisumcaráterminimalistafocalizadoemsituaçõesde extremapobrezaoqueasesvaziadeseupotencialuniversalizantee equânime 2 Buscarconstruireasseguraraperspectivadeseguridadesocialno sistemaprotetivodasociedadebrasileiraNãopodemosesquecerda 25Acriseglobalde2008foiparaosespecialistasinéditaqueafetouomododeproduçãocapitalista umacriseestruturalquenãoéexclusivamentefinanceiraemboratenhasidonessaesferaqueelaseoriginou Semdúvidaasconsequênciasdessacrisetemumenormecustosocialoaumentodapobrezaedodesemprego 318 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 indissociávelrelaçãoentretrabalhoeseguridadepoiséapartirdo reconhecimentodovalordotrabalhoqueseconstituiamodernase guridadesocialEssacoberturaésocialnãodependedocusteioin dividualdiretoeobjetivaoferecerumconjuntodecondiçõesdevida atodososcidadãos 3 Integraraspolíticasdeenfrentamentoàpobrezacompolíticasuni versaisconjugaçãoadequadaentreaschamadaspolíticasestruturais voltadasàredistribuiçãoderendacrescimentodaproduçãogeração deempregosreformaagráriaentreoutroseasintervençõesdeordem emergencialmuitasvezeschamadasdepolíticascompensatórias Limitarseaestasúltimasquandoaspolíticasestruturaisseguem gerandodesempregoconcentrandoarendaeampliandoapobreza significadesperdiçarrecursosiludirasociedadeeperpetuaropro blemaPoroutroladotambémnãoéadmissívelocontrárioSubor dinaralutacontraapobrezaàconquistapréviademudançasprofun dasnaspolíticasestruturaisrepresentariaaquebradasolidariedade queédeverimperativodetodosperanteosmilhõesdecidadãoshoje condenadosàexclusãosocialeàinsuficiênciaalimentarcfProgra maFomeZero Aquiéimportanteassinalarqueessaspolíticasinterferemnosprocessos relacionadoscomareproduçãosocialdavidadesenvolvendosuaaçãoem situaçõessociaisqueafetamascondiçõesdevidadapopulaçãoemgerale sobretudodossetoresmaisempobrecidosdasociedadeobjetivandointerferir nessascondiçõessobmúltiplosaspectosPodemproduzirresultadosconcre tosnascondiçõesmateriaissociaiseculturaisdavidadeseususuáriosem seuacessoeusufrutodepolíticassociaisprogramasserviçosrecursose bensemseuscomportamentosvaloresseumododeviveredepensarsuas formasdelutaedeparticipaçãodemocráticasuaorganizaçãosuaspráticas deresistência Essesdesafiosnosinterpelamdiretamentequandofazemosaindaa apostaemumacidadaniaampliadaequandobuscamosreverterafigurado pobrecomonãocidadãoTarefadifícilqueesbarranaherançaperversadeuma pobrezapersistenteenaturalizadaemumasociedadecadavezmaisdesigual Temosaíumpapeldepartejaronovoconstruirresistênciasconstruir hegemoniaenfrentarassombrasquemergulhamossubalternizadosdenossa 319 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 sociedadeÉprecisopolitizaredarvisibilidadeaosinteressesdessasclasses EstamoscumprindoNãobastaaaltaqualidadetécnicadenossotrabalhopois corremosoriscodeserbonsgestoresdespolitizados TarefadifícilconstruiropolíticonapolíticasocialConstruirhegemonia Construílasupõecriarumaculturaquetorneindeclináveisasquestõespro postaspelapopulaçãocomaqualtrabalhamosquenoscomprometaerespon sabilizemaisqueissonosobrigue Paraissoénecessárionosdesvencilhardecertasdeterminaçõesedecer toscondicionamentosimpostospelarealidademesmaemqueestamosinseridos edealgummodolimitadosporelesEstamosnoolhodofuracãoEembora saibamosqueescapaàspolíticassociaisàssuascapacidadesdesenhoseobje tivosreverterníveistãoelevadosdedesigualdadecomoosencontradosno BrasilnãopodemosduvidardasvirtualidadespossíveisdessaspolíticasElas porseremcontraditóriaspodemserpossibilidadedeconstruçãodedireitose iniciativasdecontradesmanchedeumaordeminjustaedesigual Recebido em 1342012 Aprovado em 2042012 Referências bibliográficas ADORNOSergioAgestãofilantrópicadapobrezaurbanaSão Paulo emPerspectiva RevistadaFundaçãoSeadeSãoPaulov4n2abrjun1990 ARAÚJOCleoniceCorreiaPobreza e programas de transferência de rendaconcepções esignificadosSãoLuísEdufama2009 CASTROJorgeAbrahãoRIBEIROJoséAparecidoAspolíticassociaiseaConstituição de1988conquistasedesafiosInIPEAPolíticas sociaisacompanhamentoeanálise vinteanosdaConstituiçãofederalBrasíliaIpea2009v17 COSTASuelyGomesdaPaupratodaobraReproduçãodaforçadetrabalhoedopadrão naturaldepobrezaBrasilséculoXVIaXIXComunicaçãoapresentadanoISemináriodos PaísesdoConeSulsobrePolíticasSociaisPropostasePráticasPortoAlegreICWS1990 COUTOBereniceRojasO direito social e a assistência social na sociedade brasileira umaequaçãopossívelSãoPauloCortez2004 320 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 COUTOBereniceRojasetalO Sistema Único de Assistência Social no Brasilumarea lidadeemmovimentoSãoPauloCortez2011 DIGIOVANNIGSistemasdeproteçãosocialumaintroduçãoconceitualInReforma do EstadoPolíticasdeEmpregonoBrasilCampinasUnicamp1998 FAGNANIEAjusteeconômicoefinanciamentodapolíticasocialbrasileiranotassobre operíodo19931998Economia SociedadeCampinasUnicampn131999 Política social no Brasil 19642002entreacidadaniaeacaridadeTeseDou toradoUnicampCampinas2005 FLEURYSoniaEstado sem cidadãosseguridadesocialnaAméricaLatinaRiodeJaneiro Fiocruz1994 IAMAMOTOMarildaRelações sociais e Serviço Social no Brasilesboçodeumainter pretaçãohistóricometodológica10edSãoPauloCortez1995 Serviço Social em tempo de capital fetichecapitalfinanceirotrabalhoequestão socialSãoPauloCortez2007 IANNIOctavioAquestãosocialInSão Paulo em PerspectivaSãoPauloSeadejan mar1990 IPEAPobreza e riqueza no Brasil metropolitanoBrasíliaComunicaçãodaPresidência n7ago2008 Pobreza desigualdade e políticas públicasBrasíliaComunicaçãodaPresidência n38jan2010Disponívelemwwwipeagovbr IVOAneteBritoLealAreconversãodaquestãosocialearetóricadapobrezanosanosde 1990InCIMADAMOREAlbertoDEANHartleySIQUEIRAJorgeOrgsPobreza do EstadoreconsiderandoopapeldoEstadonalutacontraapobrezaglobalBuenosAires Clacso2006 Viver por um fiopobrezaepolíticasocialSãoPauloAnnablumeSalvadorCRH UFBA2008 MARTINSJosédeSouzaO massacre dos inocentesacriançaseminfâncianoBrasilSão PauloHucitec1991 MESTRINERMariaLuizaO Estado entre a filantropia e a assistência socialSãoPaulo Cortez2001 MISHRARameshO Estado providência na sociedade capitalistaOeirasCelta1995 SARTICyntiaAndersenA família como espelhoumestudosobreamoraldospobresSão PauloCortez2003 321 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 SATRIANILuigiLombardiAntropologia cultural e análise da classe subalternaTrad deJosildethGomesConsorteSãoPauloHucitec1986 SENAmartyaDesenvolvimento como liberdadeSãoPauloCompanhiadasLetras2000 Desigualdade reexaminadaRiodeJaneiroRecord2001 SILVAMariaOzaniradaSilvaePobrezadesigualdadeepolíticapúblicacaracterizando eproblematizandoarealidadebrasileiraRevista KatálysisFlorianóploisv13n2jul dez2010 CoordO Bolsa FamílianoenfrentamentoàpobrezanoMaranhãoePiauíSão PauloCortezTeresinaUFPI2008 YAZBEKMariaCarmelitaPolíticas públicas de trabalho e renda no Brasil con temporâneoSãoPauloCortez2012 YAZBEKMariaCarmelitaGIOVANNIGeraldoA políticasocial brasileira no século XXIaprevalênciadosprogramasdetransferênciaderenda5edSãoPauloCortez 2011 SPOSATIAldaízaVida urbana e gestão da pobrezaSãoPauloCortez1988 CidadaniaoufilantropiaumdilemaparaoCNASCadernos do Núcleo de Segu ridade e Assistência Social da PUCSPSãoPauloago1994 AssistênciaSocialpolíticaspúblicaseparticipaçãopósConstituiçãode1988 Cadernos Abongsérieespecialout1995 TELLESVeradaSilvaA cidadania inexistenteincivilidadeepobrezaumestudosobre trabalhoefamílianagrandeSãoPauloTeseDoutoradoDepartamentodeSociologia daUSP1992 PobrezaeCidadaniaDilemasdoBrasilcontemporâneoCaderno CRHSalvador n191993 NofiodanavalhaentrecarênciasedireitosNotasapropósitodosProgramasde RendaMínimanoBrasilRevista PolisSãoPaulo1998 Direitos sociaisAfinaldoquesetrataBeloHorizonteEdUFMG1999 Pobreza e cidadaniaSãoPauloEditora342001 VERDÈSLEROUXJeannineTrabalhador socialpráticahabitusethosformasdeinter vençãoTraddeRenédeCarvalhoSãoPauloCortez1986 VIANNAMariaLuciaTeixeiraWerneckA americanização perversa da seguridade social no BrasilestratégiasdebemestarepolíticaspúblicasRiodeJaneiroEdRevan UcamIuperj1998 322 Serv Soc Soc São Paulo n 110 p 288322 abrjun 2012 VIEIRAAnaCristinadeSouzaDeclíniodadesigualdadenoBrasilInAMARAL MariaVirgíniaBorgesTrabalho e direitos sociaisbasesparaadiscussãoMaceióUfal 2008 WANDERLEYLuizEduardoWAquestãosocialnocontextodaglobalizaçãoocasola tinoamericanoecaribenhoInCASTELRobertWANDERLEYLuizEduardoWDesi gualdade e a questão social3edSãoPauloEduc2008 YAZBEKMariaCarmelitaA assistência social na cidade de São PauloSãoPauloInsti tutoPolisPUCSP2004ObservatóriodosDireitosdoCidadãoacompanhamentoe análisedaspolíticaspúblicasdacidadedeSãoPaulo Classes subalternas e assistência social7edSãoPauloCortez2009 VoluntariadoeprofissionalidadenaintervençãosocialRevista de Políticas Públi cas v6n2SãoLuís2002 EstadoPolíticasSociaiseImplementaçãodoSUASInSUASconfigurandoos eixosdemudançaBrasíliaMDSIEE2008 ZALUARAlbaA máquina e a revoltaasorganizaçõespopulareseosignificadodapo brezaSãoPauloBrasiliense1985