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permitirão consolidar definitivamente o país e que marcarão o sentido subseqüente desenvolvimento À medida que o café aumenta sua importância dentro da economia brasileira ampliamse as relações econômicas com os EUA Já na primeira metade do século esse país passa a ser o principal mercado importador do Brasil Essa ligação e a ideologia nascente de solidariedade continental contribuem para firmar o sentido de independência visàvis da Inglaterra Assim quando expira em 1842 o acordo com este último país o Brasil consegue resistir à forte pressão do governo inglês para firmar outro documento do mesmo estilo44 Eliminado o obstáculo do tratado de 1827 estava aberto o caminho para a elevação da tarifa e o conseqüente aumento do poder financeiro do governo central45 cuja autoridade se consolida definitivamente nessa etapa O passivo político da colônia portuguesa estava liquidado Contudo do ponto de vista de sua estrutura econômica o Brasil da metade do século xix não diferia muito do que fora nos três séculos anteriores A estrutura econômica baseada principalmente no trabalho escravo se mantivera imutável nas etapas de expansão e decadência A ausência de tensões internas resultante dessa imutabilidade é responsável pelo atraso relativo da industrialização A expansão cafeeira da segunda metade do século xix durante a qual se modificam as bases do sistema econômico constituiu uma etapa de transição econômica assim como a primeira metade desse século representou uma fase de transição política É das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgirão os elementos de um sistema econômico autônomo capaz de gerar o seu próprio impulso de crescimento concluindose então definitivamente a jetapa colonial da economia brasileira 44 O acordo expirou em 1842 mas os ingleses conseguiram fazêlo vigorar até 1844 interpretando a seu favor uma determinada cláusula As negociações em torno de um novo acordo duraram vários anos vencendo os brasileiros por paciência e habilidade protelatôria A receita do governo central se manteve estacionaria em todo o período compreendido entre 1829 30 e 184243 e duplicou no decênio seguinte SEGUNDA PARTE Economia escravista de agricultura tropical SÉCULOS XVI E XVII CAPÍTULO VIII CAPITALIZAÇÃO E NÍVEL DE RENDA NA COLÔNIA AÇUCAREIRA i rápido desenvolvimento da indústria açucareira malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes indica claramente que o esforço do governo português se concentrara nesse setor O privilégio outorgado ao donatário de só ele fabricar moenda e engenho de água denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha especialmente em mira introduzir46 Favores especiais foram concedidos subseqüentemente àqueles que instalassem engenhos isenções de tributos garantia contra a penhora dos instrumentos de produção honrarias e títulos etc As dificuldades maiores encontradas na etapa inicial advieram da escassez de mãode obra O aproveitamento do escravo indígena em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais47 resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar A escravidão demonstrou ser desde o primeiro momento uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra Como observa um cronista da época sem escravos os colonos não se podem sustentar na terra48 Com efeito para subsistir sem trabalho 46 Vejase Jota Lúcio DE AZEVEDO Épocas de Portugal Econômico Lisboa 1929 p 235 47 Entre os privilégios que receberam os donatários estava o da escravizaçâo dos índios em número ilimitado e a autorização de exportar para Portugal anualmente um certo número de escravos indígenas 0 êxito que vinham alcançando os espanhóis na exploração da mãodeobra indígena deve haver influenciado os portugueses nos seus cálculos sobre essa matéria 48 QMOWO Tratado da Terra do Brasil 1570 citado por R SMONSEN História Econômica do SrasA 3 ed S Paulo 1957 p 127 escravo seria necessário que os colonos seorganizassem em comuni dadesLdedicadas a produzir para aütoconsümo o que só teria sido possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas Aqueles grupos de colonos que em razão da escassez de capital ou da escolha de uma base geográfica inadequada encontraram maiores dificuldades para consolidarse economicamente tiveram de empenharse por todas as formas na captura dos homens da terra A captura e o comércio do indígena vieram constituir assim a primeira atividade econômica estável dos grupos de população nãodedicados à indústria açucareira Essa mãodeobra indígena considerada de segunda classe é que permitirá a subsistência dos núcleos de população localizados naquelas partes do país que não se trans formaram em produtores de açúcar Observada de uma perspectiva ampla a colonização do século xvi surge fundamentalmente ligada à atividade açucareira Aí onde a produção de açúcar falhou caso de São Vicente o pequeno núcleo colonial conseguiu subsistir graças à relativa abundância da mãode obra indígena O homem da terra não somente trabalhava para o colono como também constituía sua quase única mercadoria de ex portação Contudo não fora o mercado de escravos das regiões açucareiras e de suas pequenas dependências urbanas e a captura destes não chegaria a ser uma atividade econômica capaz de justificar a existência dos colonos de São Vicente Portanto mesmo aquelas comunidades que aparentemente tiveram um desenvolvimento autô nomo nessa etapa da colonização deveram sua existência indiretamente ao êxito da economia açucareira O fato de que desde o começo da colonização algumas comuni dades se hajam especializado na captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mãodeobra nativa na etapa inicial de instalação da colônia No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é relativamente o maior A mãodeobra afri cana chegou para a expansão da empresa que jájestava instalada E quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena na escala necessária os escravos africanos base de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente capitalizado Superadas essas dificuldades da etapa de instalação a colônia açucareira se desenvolve rapidamente Ao terminar o século xvi a produção de açúcar muito provavelmente superava os dois milhões de arrobas49 sendo umas vinte vezes maior que a quota de produção que o governo português havia estabelecido um século antes para as ilhas do Atlântico A expansão foi particularmente intensa no último quartel do século durante o qual decuplicou O montante dos capitais invertidos nà pequena colônia já era por essa época considerável Admitindose a existência de apenas 120 engenhos ao final do século xvi e um valor médio de 15 mil libras esterlinas por engenho o total dos capitais aplicados na etapa produtiva da indústria resulta aproximarse de 18 milhão de libras Por outro lado estimase em cerca de 20 mil o número de escravos africanos que havia na colônia por essa época Se se admite que três quartas partes dos mesmos eram utilizadas diretamente na indústria do açúcar e se se lhes imputa um valor médio de 25 libras resulta que a inversão em mãode obra era da ordem de 375 mil libras Comparando esse dado com o anterior depreendese que o capital empregado na mãodeobra escrava deveria aproximarse de 20 por cento do capital fixo da empresa Parte substancial desse capital estava constituída por equipamentos importados Sobre o montante da renda gerada por essa economia não se pode ir além de vagas conjeturas O valor total do açúcar exportado num ano favorável teria alcançado uns 23 milhões de libras Se se admite que a renda líquida gerada na colônia pela atividade açucareira correspondia a 60 por cento desse montante50 e que essa atividade con tribuía com três quartas partes da renda total gerada esta última deveria 49 As cifras relativas à produção de açúcar na época colonial que aparecem em obras de cronistas visitantes informes oficiais portugueses e holandeses bem como em trabalhos de estudiosos da matéria nacionais e estrangeiros foram cuidadosamente escrutinadas por ROBERTO SIMONSEN op cf Os dados que servem de base aos cálculos e estimativas que aparecem no texto foram todos colhidos na obra desse grande pesquisador da história econômica do Brasil Contudo nem sempre acolhemos na escolha o próprio critério de SMONSEN que teve sempre a preocupação de reter apenas as referências mais conservadoras 50 Os gastos monetários de reposição que cabe deduzir para obter o montante da renda liquida podem ser estimados grosso modo em 110 mil libras 50 mil libras para reposição dos escravos admitindose uma vida média útil de oito anos 15 mil escravos a 25 libras por cabeça e 60 mil libras para a parte de equipamento importado admitindose que a terça parte do capital fixo inclusive escravos estivesse constituída por equipamentos importados e que estes tivessem uma vida útil média de dez anos aproximarse de 2 milhões de libras Tendo em conta que a população de origenreuropéia não seria superior a 30 mil habitantestornase evidente que a pequena colônia açucarara era excepcionalmente rica51 A renda que se gerava na colônia estava fortemente concentrada em mãos da classe de proprietários de engenho Do valor do açúcar no porto de embarque apenas uma parte ínfima não superior a 5 por cento correspondia a pagamentos por serviços prestados fora do engenho no transporte e armazenamento Os engenhos mantinham demais um certo número de assalariados homens de vários ofícios e supervisores do trabalho dos escravos Mesmo admitindo que para cada dez escravos houvesse um empregado assalariado 1500 no conjunto da indústria açucareira e imputando um salário monetário de 15 libras anuais cada um52 chegase à soma de 22500 libras que é menos de 2 por cento da renda gerada no setor açucareiro Por último cabe considerar que o engenho realizava um certo montante de gastos monetários principal mente na compra de gado para tração e de lenha para as fornalhas Essas compras constituíam o principal vínculo entre a economia açucareira e os demais núcleos de povoamento existentes no país Esti mase que o número total de bois existentes nos engenhos era da mesma ordem do número de escravos Por outro lado admitese que um boi valia cerca da quinta parte do valor de um escravo e que sua vida de trabalho era apenas de três anos Sendo assim a inversão em bois para tração seria da ordem de 75 mil libras e os gastos de reposição de cerca de 25 mil Supondo mesmo que os gastos com lenha e outros menores chegassem a dobrar essa cifra os pagamentos feitos pela eco nomia açucareira aos demais grupos de população estariam muito 51 Se bem que as comparações a longo prazo de rendas monetárias com base no valor do ouro careçam quase totalmente de expressão real a titulo de curiosidade indicamos que a renda per capita da população de origem européia na passagem do século xvi para o XVH corresponde a cerca de 350 dólares de hoje Essa renda per capita estava evidentemente muito acima da que prevalecia na Europa nessa época e em nenhuma outra época de sua história nem mesmo no auge da produção do ouro o Brasil logrou recuperar esse nível 52 Quinze libras anuais representariam um salário muito elevado na época pois o custo real da mãodeobra escrava não seria muito superior a 4 libras por ano admitindose um preço de 25 libras vida útil de oito anos e que a terça parte do tempo do escravo fosse absorvida na produção de alimentos para ele mesmo Como ponto de referencia podese indicar que o salário agrícola no norte dos EUA na segunda metade do século xvm era de aproximadamente 12 libras sendo na Inglaterra a metade dessa soma Vejase F A SHMMON op cf p 74 pouco por cima de 3 por cento da renda que a mesma gerava Tudo indica destarte que pelo menos 90 porjçento da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana A utilização dessa massa enorme de renda que se concentrava em tão poucas mãos constitui um problema difícil de elucidar Os dados referidos anteriormente põem em evidência que a renda dos capitais invertidos na etapa produtiva isto é a etapa que correspondia à classe de senhores de engenho e proprietários de canaviais estaria num ano favorável por cima de 1 milhão de libras ao iniciarse o século xvn A parte dessa renda que se despendia com bens de consumo importados principalmente artigos de luxo era considerável Dados relativos à administração holandesa por exemplo indicam que em 1639 teriam sido arrecadadas cerca de 16 mil libras de impostos de importação a terça parte do total correspondendo a vinhos Admitindose grosso modo uma taxa ad valorem de 20 deduzse que o montante das importações não teria sido inferior a 800 mil libras53 Nesse mesmo ano o valor do açúcar exportado pelo Brasil holandês nos portos de embarque teria sido pouco mais ou menos de 12 milhão de libras Devese ter em conta entretanto que os gastos de consumo se amplia ram muito na época holandesa seja pela necessidade de manter tropa numerosa seja em razão do fausto da administração do período de Nassau 163744 Dificilmente se pode admitir que os colonos portu gueses isolados em seus engenhos e alheios a qualquer forma de con vivência urbana lograssem efetuar gastos de consumo de tal monta Admitindo com muita margem que os gastos de consumo destes alcançassem 600 mil libras restaria em mãos dos senhores de engenho soma igual a esta não despendida na colônia Esses dados põem em evidência a enorme margem para capitalização que existia na econo mia açucareira e explicam que a produção haja podido decuplicar no último quartel do século xvi 53 Essas estimativas se baseiam em dados de fonte holandesa da época transcritos por P M Nrrsoen in Les Hollandais au Brésil 1853 A relação que ai se encontra de produtos importados na época é interessante vinhos espanhóis e franceses azeite de oliveira cerveja vinagre peixes salgados sebos e couros farinhas biscoitos manteiga óleo de linhaça e de baleia especiarias panos lãs sedas cobre ferro aço estanho pranchas etc Ver R SMQNSEN op cf p 119 Para um balanço das receitas e gastos dos holandeses no Brasil em 1644 vejase C R BoxEit op cf apêndice Os dados a que se faz referência no parágrafo anterior sugeremque a indústria açucareira era suficientemente rentável para autofínanciar uma duplicação de sua capacidade produtiva cada dois anos5 Aparentemente o ritmo de crescimento foi dessa ordem nas etapas mais favoráveis O fato de que essa potencialidade financeira só tenha sido utilizada excepcionalmente indica que o crescimento da indústria foi governado pela possibilidade de absorção dos mercados compradores Sendo assim que não se haja repetido a dolorosa expe riência de superprodução que tiveram as ilhas do Atlântico confirma que houve excepcional habilidade na etapa de comercialização e que era sobre esta última que se tomavam as decisões fundamentais com respeito a todo o negócio açucareiro Mas se a plena capacidade de autofinanciamento da indústria não era utilizada que destino tomavam os recursos financeiros sobrantes É óbvio que não eram utilizados dentro da colônia onde a atividade econômica nãoaçucareira absorvia ínfimos capitais Tam pouco consta que os senhores de engenho invertessem capitais em outras regiões A explicação mais plausível para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produção açucareira pertencesse aos comerciantes Sendo assim uma parte da renda que antes atribuímos à classe de proprietários de engenhos e de canaviais seria o que modernamente se chama renda de nãoresidentes e permanecia fora da colônia Explicarseia assim facilmente a íntima coordenação existente entre as etapas de produção e comercialização coordenação essa que preveniu a tendência natural à superprodução 54 Partindo de uma renda bruta de 15 milhão de libras no setor açucareiro estimando que dez por cento dessa renda correspondiam a pagamentos de salários compra de gado lenha etc e que os gastos de reposição de fatores importados eram da ordem de 120 mil libras deduzse que a renda liquida do setor era de cerca de 12 milhão de libras Subtraindo 600 mil libras de gastos em bens de consumo importados ficavam outras 600 mil libras que era a quanto montava a potencialidade de inversão do setor Como o capital fixo ascendia a 18 milhão de libras e pelo menos um terço do mesmo eram obras de construção e instalações realizadas petos próprios escravos deduzse que em dois anos esse capital podia ser dobrado CAPÍTULO IX FLUXO DE RENDA E CRESCIMENTO Que possibilidade efetiva de expansão e evolução estrutural apresentava esse sistema econômico base da ocupação do território brasileiro Para elucidar essa questão convém observar mais de perto nesse sistema os processos de formação da renda e de acumulação de capital O que mais singulariza a economia escravista é seguramente o modo como nela opera o processo de formação de capital O empre sário açucareiro teve no Brasil desde o começo que operar em escala relativamente grande As condições do meio não permitiam pensar em pequenos engenhos como fora o caso nas ilhas do Atlântico Cabe deduzir portanto que os capitais foram importados Mas o que se importava na etapa inicial eram os equipamentos e a mãodeobra européia especializada O trabalho indígena deve ter sido utilizado então para alimentar a nova comunidade e nas tarefas não especializadas das obras de instalação Nas primeiras fases de operação muito provavelmente coube ao trabalho indígena um papel igualmente importante Uma vez em operação os engenhos o valor destes deveria pelo menos dobrar o capital importado sob a forma de equipamentos e destinado a financiar a transplantação dos operários especializados A introdução do trabalhador africano não constitui modificação fundamental pois apenas veio substituir outro escravo menos eficiente e de recrutamento mais incerto Uma vez instalada a indústria seu processo de expansão seguiu sempre as mesmas linhas gastos monetários na importação de equipa mentos de alguns materiais de construção e de mãodeobra escrava A importação de mãodeobra especializada já se realizava em menor escala tratando o engenho de autoabastecerse também neste setor mediante treinamento daqueles escravos que demonstravam maior aptidão para os ofícios manuais O mesmo não ocorre entretanto com a mãodeobra nãoespecializada pois a população escrava tendia a minguar vegetatiyamente sem que durante toda a época da escravidão se haja tentado com êxito inverter essa tendência55 Uma vez efetuada a importação dos equipamentos e da mãodeobra escrava a etapa subseqüente da inversão construção e instalação se realizava praticamente sem que houvesse lugar para a formação de um fluxo de renda monetária Parte da força de trabalho escravo se dedicava a produzir alimentos para o conjunto da população e os demais se ocupavam nas obras de instalação e subseqüentemente nas tarefas agrícolas e industriais do engenho Numa economia industrial a inversão faz crescer diretamente a renda da coletividade em quantidade idêntica a ela mesma Isto porque a inversão se transforma automaticamente em pagamento a fatores de produção Assim a inversão em uma construção está basicamente cons tituída pelo pagamento do material nela utilizado e da força de trabalho absorvido A compra do material de construção por seu lado não é outra coisa senão a remuneração da mãodeobra e do capital utilizados em sua fabricação e transporte Esses pagamentos a fatores que são uma criação de renda monetária56 ou de poder de compra somados reconstituem o valor inicial da inversão A inversão feita numa economia exportadoraescravista é fenô meno inteiramente diverso Parte dela transformase em pagamentos feitos no exterior é a importação de mãodeobra de equipamentos e materiais de construção a parte maior sem embargo tem como origem a utilização mesma da força de trabalho escravo Ora a diferença entre o custo de reposição e de manutenção dessa mãodeobra e o valor do produto do trabalho da mesma era lucro para o empresário Sendo assim a nova inversão fazia crescer a renda real apenas no montante 55 Ao contrário do que ocorreu nos EU onde regiões houve que chegaram a especializarse na criação de escravos no Brasil sempre prevaleceu uma visão de curto prazo nesta matéria como se a escravidão fora negocio apenas para uma geração Já o jesuíta Antonil nos seus sábios conselhos aos senhores de engenho no começo do século xvm recomendava que aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coice principalmente na barriga das mu lheres que andam pejadas nem dar com pau nos escravos porque na cólera se não medem os golpes e podem ferir na cabeça a um escravo de préstimo que vale muito dinheiro e perde lo Repreendelos e chegarlhes com um cipó às costas com algumas varancadas he o que se lhes pode e deve permitir para ensino Citado por R SMONSEN op cf p 108 56 A renda monetária é igual renda real quando nao há modificações do nfveJ geral dos preços correspondente à criação de lucro para o empresário Esse incremento da renda não tinha entretanto expressão monetária pois não era objeto de nenhum pagamento A mãodeobra escrava pode ser comparada às instalações de uma fábrica a inversão consiste na compra do escravo e sua manutenção representa custos fixos Esteja a fábrica ou o escravo trabalhando ou não os gastos de manutenção terão de ser despendidos Demais uma hora de trabalho do escravo perdida não é recuperável como ocorreria no caso de uma máquina que tivesse de ser impreterivelmente abandonada ao final de um dado número de anos É natural que não podendo utilizála continuamente em atividades produtivas ligadas diretamente à exporta ção o empresário procurasse ocupar a força de trabalho escravo em tare fas de outra ordem nos interregnos forçados da atividade principal Tais tarefas vinham a ser obras de construção abertura de novas terras melhoramentos locais etc Essas inversões aumentavam o ativo do empre sário mas não criavam um fluxo de renda monetária como no caso anterior Os gastos de consumo apresentavam características similares Parte substancial desses gastos era realizada no exterior com a importação de artigos de consumo conforme vimos Outra parte consistia na utiliza ção da força de trabalho escravo para a prestação de serviços pessoais Neste último caso o escravo se comportava como um bem durável de consumo O serviço que prestava era a contrapartida do dispêndio inicial exigido na aquisição de sua propriedade assim como o serviço prestado por um automóvel é a contrapartida de seu custo Da mesma forma que a renda da coletividade não diminui quando os automóveis particulares se paralisam tampouco se modificaria essa renda caso os escravos deixassem de prestar serviços pessoais a seus donos57 Vejamos agora em seu conjunto o funcionamento dessa economia Como os fatores de produção em sua quase totalidade pertenciam ao empresário a renda monetária gerada no processo produtivo revertia 57 O serviço prestado por um bem durável de consumo é a contrapartida do seu custo inicial e dos gastos correntes efetuados com sua manutenção A paralisação dos automóveis repercutiria sobre o nível de renda da coletividade na medida em que esses gastos correntes deixassem de realizarse No caso dos escravos os gastos de manutenção não criavam de maneira geral nenhum luxo de renda Como os escravos produziam os seus meios de manutenção com exceção de alguns tecidos grossos que se importavam cabe introduzir o conceito de mSodeobra escrava líquida isto é excluída a parte que se utilizava na produção de alimentos para os próprios escravos em sua quase totalidade às mãos desse empresário Essa renda a totalidade dos pagamentos a fatores de produção mais os gastos de repo sição do equipamento e dos escravos importados expressavase no valor das exportações É fácil compreender que se a quase totalidade da renda monetária estava dada pelo valor das exportações a quase totalidade do dispêndio monetário teria de expressarse no valor das importações A diferença entre o dispêndio total monetário e o valor das importações traduziria o movimento de reservas monetárias e a entrada líquida de capitais além do serviço financeiro daqueles fatores de produção de propriedade de pessoas nãoresidentes na colônia O fluxo de renda se estabelecia portanto entre a unidade produtiva considerada em conjunto e o exterior Pertencendo todos os fatores a um mesmo empresário é evidente que o fluxo de renda se resumia na economia açucareira a simples operações contábeis reais ou virtuais Não significa isto que essa economia fosse de outra natureza que não monetária Tendo cada fator um custo que se expressa monetariamente e o mesmo ocorrendo com o produto final o empresário deveria de alguma forma saber como combinar melhor os fatores para reduzir o custo de produção e maximizar sua renda real A natureza puramente contábil do fluxo de renda no setor açucarei ro tem induzido muita gente a supor que era essa uma economia de tipo semifeudal O feudalismo é um fenômeno de regressão que traduz o atrofiamento de uma estrutura econômica58 Esse atrofiamento resulta do isolamento imposto a uma economia isolamento que engendra gran de diminuição da produtividade pela impossibilidade em que se encon tra o sistema de tirar partido da especialização e da divisão do trabalho que o nível da técnica já alcançado lhe permite Ora a unidade escravista cujas características indicamos em suas linhas gerais pode ser apresen tada como um caso extremo de especialização econômica Ao inverso da unidade feudal ela vive totalmente voltada para o mercado externo A suposta similitude deriva da existência de pagamentos in natura em uma e outra Mas ainda aqui há um total equívoco pois na unidade escravista os pagamentos a fatores são todos de natureza monetária de vendose ter em conta que o pagamento ao escravo é aquele que se faz 58 vejase C FURTADO O Desenvolvimento Econômico Econômica Brasileira vol i n 1 janeiro merco de 1955 Rio de Janeiro no ato de compra deste O pagamento corrente ao escravo seria o simples gasto de manutenção que como o dispêndio com a manutenção de uma máquina pode ficar implícito na contabilidade sem que por isso perca sua natureza monetária59 Retornemos a nosso problema inicial que possibilidades de expan são e evolução estrutural apresentava o sistema econômico escravista É evidente que se o mercado externo absorvesse quantidades crescentes de açúcar num nível adequado de preços o sistema poderia crescer sempre que a oferta externa de força de trabalho fosse elástica até ocu par todas as terras disponíveis Dada a relativa abundância destas últimas é de admitir que as possibilidades de expansão eram ilimitadas por esse lado Também já vimos que com os preços que prevaleceram na segunda metade do século xvi e primeira do seguinte a rentabilidade era suficientemente elevada para permitir que a indústria autofinanciasse uma expansão ainda mais rápida do que a efetivamente ocorrida Tudo indica portanto que o au mento da capacidade produtiva foi regulado com vistas a evitar um colapso nos preços ao mesmo tempo que se realizava um esforço persistente para tomar o produto conhecido e ampliar a área de consumo do mesmo Como quer que seja o crescimento foi considerável particularmente se o observamos do ponto de vista da colônia e persistiu durante todo um século Contudo esse crescimento se realizava sem que houvesse modificações sensíveis na estrutura do sistema econômico Os retrocessos ocasionais tampouco acarretavam qualquer modificação estrutural Mesmo que a unidade produtiva chegasse a paralisarse o empresário não incorria em grandes perdas uma vez que os gastos da manutenção dependiam principalmente da própria utilização da força de trabalho escravo Por outro lado grande parte dos gastos de consumo do empresário estava assegurada pela utilização dessa força de trabalho Destarte o crescimento da empresa escravista tendia a ser puramente em extensão isto é 59 A tentativa de transposição de instituições feudais para as colônias comerciais da América demonstrou ser impraticável mesmo ali onde houve intenção explfclta de fazêlo e onde era mais forte a tradição feudalista como no caso da França L P MAY referindose a este problema diz Ouelques auteurs se sont imagines que 1organisation féodale de Ia metrópole fui trans posée tout dun bloc et dans son intégríté dans les colonies que les droits seigneuriaux y furent leves et des tailles établies En tait rien n est ici plus inexact La Cie tenta de percevoU le droit de lods et vente a StChristophe mais de diminulion en diminulion eSe fínitparabandonner A Ia Martinique nous nen avons trouvé aucune trace Op cit p 6970 sem quaisquer modificações estruturais As paralisações ou retrocessos nesse crescimento não tendiam à criar tensões capazes de modificarlhe a estrutura Crescimento significava nesse caso ocupação de novas terras e aumento de importações Decadência vinha a ser redução dos gastos em bens importados e na reposição da força de trabalho também importada com diminuição progressiva mas lenta no ativo da empresa que assim minguava sem se transformar estruturalmente Não havia portanto nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no impulso externo originasse um processo de desenvolvi mento de autopropulsão O crescimento em extensão possibilitava a ocu pação de grandes áreas nas quais se ia concentrando uma população relativamente densa Entretanto o mecanismo da economia quejrâo per miüa uma articulação direta entre os sistemas de produção e de con sumo anulava as vantagens desse crescimento demográfico como elemento dinâmico do desenvolvimento econômico Conforme já vimos os lucros eram o único tipo de renda que se deixava influenciar pelas modificações de produtividade fosse esta de natureza puramente econô mica melhora nos preços relativos ou resultasse da introdução de uma melhora tecnológica Se ocorria uma redução no ritmo da atividade pro dutiva para exportação reduziamse os lucros do empresário mas ao mesmo tempo se criava uma capacidade excedente de trabalho a qual podia ser utilizada na expansão da capacidade produtiva Se não havia interesse em expandir essa capacidade produtiva o potencial disponível de inversão podia ser canalizado para obras de construção ligadas ao bemestar da classe proprietária ou outras de caráter nãoreprodutivo A economia escravista dependia assim em forma praticamente exclusiva da procura externa Se se enfraquecia essa procura tinha início um processo de decadência com atrofiamento do setor monetário Esse processo entretanto não apresentava de nenhuma maneira as caracterís ticas catastróficas das crises econômicas A renda monetária da unidade exportadora praticamente constituía os lucros do empresário sendo sempre vantajoso para este continuar operando qualquer que fosse a redução ocasional dos preços Como o custo estava virtualmente cons tituído de gastos fixos qualquer redução na utilização da capacidade produtiva redundava em perda para o empresário Sempre havia vanta gem em utilizar a capacidade plenamente Contudo se se reduziam os preços abaixo de certo nível o empresário não podia enfrentar os gastos de reposição de sua força de trabalho e de seu equipamento importado Em talcaso a unidade tendida perder capacidade Essa redução de capacidade teria entretanto de ser um processo muito lento dadas as razões já expostas A unidade exportadora estava assim capacitada para preservar a sua estrutura A economia açucareira do Nordeste brasileiro com efeito resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões logrando recuperarse sempre que o permitiam as condições do mercado externo sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa Na segunda metade do século xvn quando se desorganizou o mer cado do açúcar e teve início a forte concorrência antilhana os preços se reduziram à metade Contudo os empresários brasileiros fizeram o possível para manter um nível de produção relativamente elevado No século seguinte persistiu a tendência à baixa de preços Por outro lado a economia mineira que se expandiria no centrosul atraindo a mãode obra especializada e elevando os preços do escravo reduziria ainda mais a rentabilidade da empresa açucareira O sistema entrou em conse qüência numa letargia secular Sua estrutura preservouse entretanto intacta Com efeito ao surgirem novas condições favoráveis a começos do século XK voltaria a funcionar com plena vitalidade CAPÍTULO X PROJEÇÃO DA ECONOMIA AÇUCAREIRA A PECUÁRIA l formação de um sistema econômico de alta produtividade e em rápida expansão na faixa litorânea do Nordeste brasileiro teria necessariamente de acarretar conseqüências diretas e indiretas para as demais regiões do subcontinente que reivindicavam os portugueses De maneira geral estavam assegurados os recursos para manter a defesa da colônia e intensificar a exploração de outras regiões De maneira particular havia surgido um mercado capaz de justificar a existência de outras atividades econômicas Vimos anteriormente que em razão de sua alta rentabilidade e ele vado grau de especialização a economia açucareira constituía um mer cado de dimensões relativamente grandes Para usar uma expressão atual era essa uma economia de elevadíssimo coeficiente de importa ções Com efeito não obstante a quase inexistência de fluxo monetário dentro da economia açucareira o seu grau de comercialização era muito elevado A alta rentabilidade do negócio induzia à especialização sendo perfeitamente explicável do ponto de vista econômico que os empre sários açucareiros não quisessem desviar seus fatores dejprodução para atividades secundárias pelo menos quando eram favoráveis as perspec tivas do mercado de açúcar A própria produção de alimentos para os escravos nas terras do engenho tornavase antieconômica nessas épocas A extrema especialização da economia açucareira constitui na verdade uma contraprova de sua elevada rentabilidade No capítulo vi procuramos demonstrar que foi a especialização extrema da economia açucareira antilhana que na segunda metade do século XVII estimulou o desenvolvimento das colônias de povoamento do norte dos EUA A elevada rentabilidade do negócio açucareiro fez surgir em tempo relativamente curto um mercado completamente novo para um semnúmero de produtos pois os annlhanos particularmente nas ilhas inglesas não usavam suas terras e seus escravos senão para produzir açúcar Podese admitir como ponto pacífico que à economia açucarara constituía üm mercado dé dimensões relativamente grandes podendo portanto atuar como fator altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país Um conjunto de circunstâncias tenderam sem embargo a desviar para o exterior em sua quase totalidade esse impulso dinâmico Em primeiro lugar havia os interesses criados dos exportadores portugueses e holandeses os quais gozavam dos fretes excepcionalmente baixos propiciados pelos barcos que seguiam para recolher açúcar Em segundo lugar estava a preocupação política de evitar o surgimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana Se se compara a evolução de São Vicente que resultou ser uma colônia de povoamento com a da Nova Inglaterra visàvis das duas poderosas economias açucareiras que coexistiram com ambas as similitudes e diferenças são ilustrativas Em um e outro caso os obje tivos iniciais da colonização fracassaram Os colonos que sobreviveram às dificuldades iniciais se dedicaram a atividades de baixa rentabilidade transformandose o núcleo de população de empresa colonial em colônia de povoamento Os colonos da Nova Inglaterra encontraram na pesca não só um meio de subsistência como também uma de suas primeiras ativi dades comerciais Voltaramse assim para o mar desde o começo Cedo se dedicaram a construir as embarcações de que necessitavam de senvolveram essa habilidade e progressivamente lograram indepen dência de iniciativa nos negócios que tinham como base o transporte marítimo Ao surgir o grande mercado das Antilhas eles lá apareceram em seus próprios barcos Ainda assim seria difícil explicar o seu grande êxito na conquista do mercado antilhano sem ter em conta que a Ingla terra em razão de suas convulsões na segunda metade do século xvn e guerras externas na primeira metade do século xvm se encontrou du rante prolongados períodos impossibilitada de abastecer o mercado antilhano Em São Vicente onde a escassez de mãodeobra resultou ser maior do que na Nova Inglaterra o excedente de população nas Ilhas Britânicas possibilitou importar mãodeobra européia em regime de servidão temporária a primeira atividade comercial a que se dedicaram os colonos foi a caça ao índio Dessa forma voltaramse para o interior e se transformaram em sertanistas profissionais Assim como os portugueses no século xy penetraram no território africano na caça de escravos negros os habitantes de São Vicente serão levados a penetrar a fundo nas terras americanas na caça indígena Daí resultará o desenvolvimento em grau eminente da habilidade exploratóriomilitar qualidade esta que veio a constituir o fator decisivo da precoce ocupação de vastas áreas centrais do continente sulamericano60 É provável entretanto que o principal fator limitante da ação dinâmica da economia açucareira sobre a colônia de povoamento do sul haja sido a própria abundância de terras nas proximidades do núcleo canavieira O que caracterizava a economia antilhana era sua extrema escassez de terras A evolução econômicosocial dessas ilhas nos séculos que seguiram ao advento da economia açucareira será profundamente marcada por esse fato assim como a evolução da economia nordestina brasileira estará condicionada pela fluidez de sua fronteira A essa abundância de terras se deve a criação no próprio Nordeste de um segundo sistema econômico dependente da economia açucareira Ao contrário do que ocorreria nas Antilhas era relativamente pequena a porção do mercado da economia açucareira a que podiam ter acesso outros produtores coloniais No setor de bens de consumo as importações consistiam principalmente em artigos de luxo os quais evidentemente não podiam ser produzidos na colônia O único artigo de consumo de importância que podia ser suprido internamente era a carne que figura na dieta mesmo dos escravos como observa Antonil Era no setor de bens de produção que o suprimento local encontrava maior espaço para expandir se As duas principais fontes de energia 60 Que não hajam os espanhóis ocupado grande parte das terras que lhes adjudicara o Tratado de Tòrdesilnas na America meridional não é para surpreender pois deramse eles conta desde cedo de que não era factível defender tudo que lhes cabia no Novo Mundo por esse tratado Sua linha de defesa estava estruturada no eixo MéxicoPeru e em seus dois pontos de acesso que eram o Cartoe e o rio da Prata A Amazônia e as terras centrais da América do Sul apresentavam menos ineresse para os espanhóis que os atuais RIA pois por ali era inviável entrar no Peru e do atual território norteamericano se podia alcançar o México Como as terras que os espanhóis efetiva mente não ocupavam tenderam a cair em poderios ingleses e franceses nos séculos xvi e xvw para eles a expansão portuguesa na America do Sul certamente não era inconveniente Assim pelo menos se evitava a penetração das potências cujo objetivo conhecido era apossaremse do melhor do quinhão espanhol Contudo não deixa de surpreerxJer que o continente stilameri cmo haja sido ocupado e demarcado inclusive a bacia amazônicaum século antes do norte americano Esse tato se deve ao extraordinário arrojo dos exploradores paulistas como passa ram a ser conhecidos os descendentes da primitiva colônia de São Vicente dos engenhos a lenha e os animais de tiro podiam ser supridas localmente com grande vantagem O mesmo ocorria com o material de construção mais amplamente utilizado na época as madeiras Ao expandirse a economia açucareira a necessidade de animais de tiro tendeu a crescer mais que proporcionalmente pois a devastação das florestas litorâneas obrigava a buscar a lenha a distâncias cada vez maiores Por outro lado logo se evidenciou a impraticabilidade de criar o gado na faixa litorânea isto é dentro das próprias unidades produ toras de açúcar Os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações devem ter sido grandes pois o próprio governo português proibiu finalmente a criação de gado na faixa litorânea E foi a sepa ração das duas atividades econômicas a açucareira e a criatória que deu lugar ao surgimento de uma economia dependente na própria região nordestina A criação de gado na forma em que se desenvolveu na região nordestina e posteriormente no sul do Brasil era uma ativi dade econômica de características radicalmente distintas das da uni dade açucareira A ocupação da terra era extensiva e até certo ponto itinerante O regime de águas e as distâncias dos mercados exigiam pe riódicos deslocamentos da população animal sendo insignificante a fração das terras ocupadas de forma permanente As inversões fora do estoque de gado eram mínimas pois a densidade econômica do sistema em seu conjunto era baixíssima Por outro lado a forma mesma como se realiza a acumulação de capital na economia criatória induzia a uma permanente expansão sempre que houvesse terras por ocupar inde pendentemente das condições da procura A essas características se deve que a economia criatória se Jiaja transformado num fator fundamental de penetração e ocupação do interior brasileiro Devese ter em conta entretanto que essa atividade pelo menos em sua etapa inicial era um fenômeno econômico induzido pela eco nomia açucareira e de rentabilidade relativamente baixa A renda total gerada pela economia criatória do Nordeste seguramente não excede ria 5 por cento do valor da exportação de açúcar Essa renda estava constituída pelo gado vendido no litoral e pela exportação de couros O valor desta última no século xvm quando se havia expandido gran demente a criação no sul não seria muito superior a cem mil libras1 61 R SMONSEN op cit p 171 Se nos limitamos à região diretamente dependente da economia açucareira no começo do século xvn dificilmente se pode admitir que sua Tenda bruta alcançasse cem mü libras numa época em que p valor da exportação de açúcar possivelmente superava os 2 milhões A população que se ocupava da atividade criatória era evi dentemente muito escassa Segundo Antonil os currais variavam de 200 a mil cabeças e havia fazendas de 20 mil cabeças de gado Admi tindose a relação de um para cinqüenta entre a população humana e a animal o que corresponde grosso modo a um vaqueiro para 250 ca beças resulta que o total da população que vivia da criação nordestina não seria superior a 13 mil pessoas supondose 650 mil cabeças de gado O recrutamento de mãodeobra para essas atividades baseouse no elemento indígena que se adaptava facilmente à mesma Não obstante a resistência que apresentaram os indígenas em algumas partes ao veremse espoliados de suas terras tudo indica que foi com base na população local que se fez a expansão da atividade criatória Que possibilidades de crescimento apresentava esse novo sistema econômico que surgira como um reflexo da atividade açucareira A con dição fundamental de sua existência e expansão era a disponibilidade de terras Dada a natureza dos pastos do sertão nordestino a carga que suportavam essas terras era extremamente baixa Daí a rapidez com que os rebanhos penetraram no interior cruzando o São Francisco e alcan çando o Tocantins e para o norte o Maranhão nos começos do século xvn É fácil compreender que à medida que os pastos se distanciavam do litoral os custos iam crescendo pois o transporte do gado se torna va mais oneroso O fato de que essa expansão se haja mantido por tan to tempo devese em grande parte a que a economia criatória sofreu modificações fundamentais conforme indicaremos mais adiante No que respeita à disponibilidade de capacidade empresarial a expansão criatória não parece haver encontrado obstáculos Essa ativi 62 ANTONI estimou em 1300000 o número de cabeças de gado existentes no Nordeste Bahia e Pernambuco no começo do século xva Mesmo que se admita que um século antes já existisse metade dessa população o que indicaria uma taxa de crescimento vegetativo absurdamente baixa para as condições do meio o total do gado vendido não poderia ser muito superior a 50 mB cabeças pois é muito pouco provável que o desfrute do rebanho fosse superior a 8 por cento Admitindose um preço médio de venda de 25 libras por cabeça terseia um valor bruto de 125 mil libras dade apresentava para ò colono sem recursos muito mais atrativos que as ocupações acessíveis na economia açucarara Aquele que não dispunha de recursos para iniciar por conta própria a criação tinha possibilidade de efetuar a acumulação inicial trabalhando numa fazenda de gado À semelhança do sistema de povoamento que se desenvolveu nas colônias inglesas e francesas o homem que trabalhava na fazenda de criação durante um certo número de anos quatro ou cinco tinha direito a uma participação uma cria em quatro no rebanho em formação podendo assim iniciar criação por conta própria Tudo indica que essa atividade era muito atrativa para os colonos sem capital pois não somente da região açucareira mas também da distante colônia de São Vicente muita gente emigrou para dedicarse a ela Por outro lado conforme já indicamos o indígena se adaptava rapidamente às tarefas auxiliares da criação Do lado da oferta não existiam portanto fatores limitativos à expansão da economia criatória Esses fatores atuavam do lado da procura Sendo a criação nordestina uma atividade dependente da economia açucareira em princípio era a expansão desta que comandava o desenvolvimento daquela A etapa de rápida expansão da produção de açúcar que vai até a metade do século xvn teve como contrapartida a grande penetração nos sertões Da mesma forma no século xvm a expansão da atividade mineira comandará o extraordinário desenvolvimento da criação no sul A expansão pecuária consiste simplesmente no aumento dos rebanhos e na incorporação em escala reduzida de mãodeobra A possibilidade de crescimento extensivo exclui qualquer preocupação de melhora de rendimentos Por outro lado como as distâncias vão aumentando a tendência geral é no sentido de redução da produtividade na economia Dessa forma excluída a hipótese de melhora nos preços relativos à medida que ia crescendo a economia criatória nordestina a renda média da população nela ocupada ia diminuindo sendo particularmente desfavorável a situação daqueles criadores que se encontravam a grandes distâncias do litoral Ao contrário do que ocorria com a economia açucareira a criatória não obstante nesta não predominasse o trabalho escravo representava um mercado de ínfimas dimensões A razão disso está em que a produtividade média da economia dependente era muitas vezes menor do que a da principal sendo muito inferior seu grau de especialização è comercialização Observada a economia criatória em conjunto suà principal atividade deveria ser aquela ligada àprópria subsistência de sua população Pára compreender esse fato é necessá rio ter em conta que a criação de gado também era em grande medida uma atividade de subsistência sendo fonte quase única de alimentos e de uma matériaprima o couro que se utilizava praticamente para tudo Essa importância relativa do setor de subsistência na pecuária será um fator fundamental das transformações estruturais por que passará a economia nordestina em sua longa etapa de decadência CAPÍTULO XI FORMAÇÃO DO COMPLEXO ECONÔMICO NORDESTINO Zxs formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina o açucareiro e o criatório no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século xvn constituem elementos fundamentais na formação do que no século xx viria a ser a economia brasileira Vimos já que as unidades produtivas tanto na economia açucareira como na criatória tendiam a preservar a sua forma original seja nas etapas de expansão seja nas de contração Por um lado o crescimento era de caráter puramente extensivo mediante a incorporação de terra e mãodeobra não implicando modificações estruturais que repercutissem nos custos de produção e portanto na produtividade Por outro lado a reduzida expressão dos custos monetários isto é a pequena proporção da folha de salários e da compra de serviços a outras unidades produtivas tornava a economia enormemente resistente aos efeitos a curto prazo de uma baixa de preços Convinha continuar operando não obstante os preços sofressem uma forte baixa pois os fatores de produção não tinham uso alternativo Como se diz hoje em dia a curto prazo a oferta era totalmente inelástica Contudo se os efeitos a curto prazo de uma contração da procura eram muito parecidos nas economias açucareira e criatória a longo prazo as diferenças eram substanciais Muito ao contrário do que ocorria com a açucareira a economia criatória não dependia de gastos monetários no processo de reposição do capital e de expansão da capacidade produtiva Assim enquanto na região açucareira dependiase da importação de mãodeobra e equipamentos simplesmente para manter a capacidade produtiva na pecuária o capital se repunha automaticamente sem exigir gastos monetários de significação Por outro lado as condições de trabalho e alimentação na pecuária eram tais que propiciavam um forte crescimento vegetativo de sua própria força de trabalho A essas disparidades se devem as diferenças fundamentais no comportamento dos dois sistemas no longo período de declínio nos preços do açúcar Ao reduzirse o efeito dinâmico do estímulo externo a economia açucareira entra numa etapa de relativa prostração A rentabilidade do negócio açucareiro se reduz mas não de forma catastrófica Os novos preços ainda eram suficientemente altos para que a produção de açúcar constituísse para as Antilhas o magnífico negócio que era Contudo no caso brasileiro passavase de uma situação altamente favorável em que a indústria estivera aparentemente capacitada para autofinanciar a duplicação de sua capacidade produtiva em dois anos para uma outra de rentabilidade relativamente baixa63 A situação fezse mais grave no século xvm em razão do aumento nos preços dos escravos e da emigração da mãodeobra especializada determinados pela expansão da produção de ouro Como a produção de açúcar no Nordeste esteve em todo o século xvm abaixo dos pontos altos alcançados no século anterior é provável que parte das antigas unidades produtivas se hajam desorganizado em benefício daquelas que apresentavam condições mais favoráveis de terras e transporte No caso da criação o afrouxamento do efeito dinâmico externo aparentemente teve conseqüências distintas A expansão do sistema era aí um processo endógeno resultante do aumento vegetativo da população animal Dessa forma sempre havia oportunidade de emprego para a força de trabalho que crescia vegetativamente e também para elementos que perdiam sua ocupação no sistema açucareiro em lenta decadência Sem embargo se a procura de gado na região litorânea não estava aumentando num ritmo adequado o crescimento do sistema pecuário se fazia através do aumento relativo do setor de subsistência Em outras palavras a importância relativa da renda 63 Vimos que na situação anterior para um valor de exportação de 2 milhões de libras o potencial de inversão liquida formulada uma hipótese sobre os gastos em bens de consumo importados talvez alcançasse 600 ms libras Dessa forma os gastos de reposição de mãode obra e dos equipamentos e aqueles despendidos em bens de consumo importados absorviam 14 milhão Reduzindose os preços do açúcar à metade deduzse que não seria possível se quer manter a capacidade produtiva a menos que se reduzissem os gastos de consumo É provável entretanto que a forte desvalorização da moeda portuguesa haja contribuído para manter o sistema em condições de peto menos preservar sua capacidade produtiva monetária ia diminuindo o que acarretava necessariamente uma redução paralela de sua produtividade econômica6 A redução relativa da renda monetária teria de repercutir no grau de especialização da economia e no sistema de divisão do trabalho dentro da mesma Muitos artigos que antes se podiam comprar nos mercados do litoral e que eram importados teriam agora de ser produzidos internamente Essa produção entretanto limitavase ao âmbito local constituindo uma forma rudimentar de artesanato O couro substitui quase todas as matériasprimas evidenciando o enorme encarecimento relativo de tudo que não fosse produzido localmente Esse atrofiamento da econo mia monetária se acentua à medida que aumentam as distâncias do li toral pois dado o custo do transporte do gado em condições de estagnação do mercado de animais os criadores mais distantes se tor navam submarginais Os couros passaram a ser a única fonte de renda monetária destes últimos criadores Tudo indica que no longo período que se estende do último quartel do século xvn ao começo do século xix a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou secularmente É interessante observar entretanto que esse atrofiamento constituiu o processo mesmo de for mação do que no século xix viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro cujas características persistem até hoje A estagnação da produção açucareira não criou a necessidade como ocorreria nas Antilhas de emigração do excedente da população livre formado pelo crescimento vegetativo desta Não havendo ocupação adequada na re gião açucareira para todo o incremento de sua população livre parte dela era atraída pela fronteira móvel do interior criatório Dessa forma quanto menos favoráveis fossem as condições da economia açucareira maior seria a tendência imigratória para o interior As possibilidades da pecuária para receber novos contingentes de população quando existe abundância de terras são sabidamente grandes pois a oferta de alimentos é nesse tipo de economia muito elástica a curto prazo 64 A produtividade física número de cabeças atendidas por um homem podia manterse estável mas como o valor total do rebanho diminuía pois a quantidade de gado que se podia vender era relativamente menor o valor da produção por homem diminuta e consequentemente a produtividade econômica do sistema Contudo como a rentabilidade da economia pecuária dependia em grande medida da rentabilidade da própria economia açucareira ao transferirse população desta para aquela nas etapas de depressão se intensificava a conversão da pecuária em economia de subsistência Não fora esse mecanismo e a longa depressão do setor açucareiro teria provocado seja uma emigração de fatores seja a estagnação de mográfica Sendo a oferta de alimentos pouco elástica na região litorânea o crescimento da população teria sido muito menor não fora essa articulação com o sistema pecuário A redução da renda real resultante de baixa dos preços de expor tação numa região agrícola onde a terra é escassa afeta necessaria mente a oferta de alimentos seja porque se desviam terras que antes produziam alimentos para produzir artigos exportáveis e recuperar assim o valor das exportações seja porque a importação de alimentos deverá reduzirse Numa região pecuária porquanto a população se alimenta do mesmo produto que exporta a redução das exportações em nada afeta a oferta interna de alimentos e assim a população pode continuar crescendo normalmente durante um longo período de decadência das exportações No Nordeste brasileiro como as condições de alimentação eram melhores na economia de mais baixa produtividade isto é na região pecuária as etapas de prolongada depressão em que se intensificava a migração do litoral para o interior teriam de caracterizarse por uma intensificação no crescimento demográfico Explicase assim que a população do Nordeste haja continuado a crescer e possivelmente haja intensificado o seu crescimento em todo o século e meio de estagnação da produção açucareira a que fizemos referência A expansão da economia nordestina durante esse longo período consistiu em última instância num processo de involução econômica o setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa e a produtividade do setor pecuário declinava à medida que este crescia Na verdade a expansão refletia apenas o crescimento do setor de sub sistência no qual se ia acumulando uma fração crescente da população Dessa forma de sistema econômico de alta produtividade em meados do século xvn o Nordeste se foi transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir A dispersão de parte da população num sistema de pecuária extensiva provocou uma involução nas formas de divisão do trabalho e especialização acarretando um retro cesso mesmo nas técnicas artesanais de produção A formação da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência elemento básico do problema econômico brasileiro em épocas posteriores estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi em sua melhor época o negócio colonialagrícola mais rentável de todos os tempos CAPÍTULO XII CONTRAÇÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO TERRITORIAL J século XVII constitui a etapa de maiores dificuldades na vida política da colônia Em sua primeira metade o desenvolvimento da economia açucareira foi interrompido pelas invasões holandesas Nessa etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o próprio Brasil teatro das operações de guerra A administração holandesa se preocupou em reter na colônia parte das rendas fiscais proporcionadas pelo açúcar o que permitiu um desenvolvimento mais intenso da vida urbana Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses entretanto os prejuízos deveriam ser consideráveis Simonsen estimou em 20 milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano65 Isso concomitantemente com gastos militares vultosos Encerrada a etapa militar tem início a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente tanto para o comércio como para o erário lusitanos ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa Na etapa de prosperidade da economia açucareira os portugueses se haviam preocupado em estender seus domínios para o norte A preocupação de defender o monopólio do açúcar deve haver fomentado esse movimento expansionista Em fins do século xvi praticamente todas as terras tropicais do continente isto é as terras potencialmente produtoras de açúcar estavam em mãos de espanhóis e portugueses por essa época unidos sob um só governo O ataque de holandeses franceses e ingleses se fez em toda a linha que desce das Antilhas ao Nordeste brasileiro Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha ao sul da foz do Amazonas Dessa forma foi defendendo as terras da Espanha dos inimigos desta que 65 Op cit p 120 os portugueses se fixaram na foz do grande rio posiçãochave para o fácil controle de toda a imensa bacia A experiência havia já demonstrado que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era a longo Prazo operação infrutífera seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas seja porque na ausência de bases permanentes em terra as operações de defesa se tornavam muito mais onerosas Na época do apogeu açucareiro Portugal ocupou expulsando franceses holandeses e ingleses toda a costa que se estende alé a foz do Amazonas Pelo menos nessa parte da América estava eliminado o risco de formação de uma economia concorrente A ocupação foi seguida de decisões objetivando a criação de colônias permanentes Ao Maranhão foram enviados de uma feita no segundo decênio do século xvn trezentos açorianos Ao iniciarse a etapa de dificuldades políticas e econômicas para o governo português essas colônias da região norte ficaram abandonadas aos seus próprios recursos e as vicissitudes que tiveram de enfrentar demonstram vivamente o quão difícil era a sobrevivência de uma colônia de povoamento nas terras da América Os solos do Maranhão não apresentavam a mesma fecundidade que os massapés nordestinos para a produção de açúcar Mas não foi esta a maior dificuldade e sim a desorganização do mercado do açú car fumo e outros produtos tropicais na segunda metade do século xvii o que impediu aos colonos do Maranhão dedicaremse a uma atividade que lhes permitisse iniciar um processo de capitalização e desenvolvimento As suas dificuldades eram as mesmas que enfren tava o conjunto das colônias portuguesas na América apenas agra vadas pelo fato de que eles tentaram começar numa etapa em que os outros consumiam parte do que haviam acumulado anteriormente Piratininga contara em sua primeira etapa com a forte expansão contemporânea da economia açucareira tendo se dedicado à venda de escravos indígenas numa época em que a importação de africanos apenas se iniciava Foi essa atividade que permitiu à colônia do sul sobreviver Os maranhenses tentaram o mesmo caminho mas logo tiveram de enfrentar o isolamento provocado pela ocupação de Per nambuco pelos holandeses e mais adiante a própria decadência da economia açucareira Em toda asegunda metade do século xvn e primeira do seguinte os colonos do chamado Estado do Maranhão66 lutaram tenazmente para sobreviver Criada com objetivos políticos mas abandonada pelo governo português a pequena colônia involuiu de tal forma que meio século depois no dizer de um observador da época para um homem ter o pão da terra há de ter roça para comer carne há de ter caçador para comer peixe pescador para vestir roupa lavada lavadeira67 A inexistência de qualquer atividade que permitisse produzir algo comercializável obrigava cada família a abastecer se a si mesma de tudo o que só era praticável para aquele que conseguia pôr as mãos num certo número de escravos indígenas A caça ao índio se tornou assim condição de sobrevivência da população A luta pela mãodeobra indígena que realizaram os colonos do norte e a tenaz reação contra estes dos jesuítas que desenvolveram técnicas bem mais racionais de incorporação das populações indígenas à economia da colônia constituem um fator decisivo na penetração econômica da bacia amazônica Em sua caça ao indígena os colonos foram conhecendo melhor a floresta e descobrindo suas potencialidades Na primeira metade do século xvm a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais cacau baunilha canela cravo resinas aroma ricas A colheita desses produtos entretanto dependia de uma utilização intensiva da mãodeobra indígena a qual trabalhando dispersa na floresta dificilmente poderia submeterse às formas correntes de organização do trabalho escravo Coube aos jesuítas encontrar a solução adequada para esse problema Conservando os índios em suas próprias estruturas comunitárias tratavam eles de conseguir a cooperação voluntária dos mesmos Dado o reduzido valor dos objetos que recebiam os índios tomavase rentável organizar a exploração florestal em forma extensiva ligando pequenas comunidades disseminadas na imensa zona 66 Em vista das dificuldades criadas pelos ventos à navegação entre a costa norte do Brasil e as demais capitanias ao ocuparse daquela o governo português considerou conveniente criar uma colônia distinta diretamente ligada a Lisboa Essa colônia fundada em 1621 chamouse de Estado do Maranhão em contraposição ao Estado do Brasil e compreendia desde o Ceará até o Amazonas 67 Observação do Padre ANTOMO VU feita em 1680 Citado por R SWONSEN op cll p 310 Essa penetração em superfície apresentava a vantagem de que podia estenderse indefinidamente Não se dependia de nenhum sistema coercitivo Uma vez suscitado o interesse do silvícola a penetração se realizava sutilmente pois criada a necessidade de uma nova mercadoria estava estabelecido um vínculo de dependência do qual já não podiam desligarse os indígenas Explicase assim que com meios tão limitados os jesuítas hajam podido penetrar a fundo na bacia amazônica Dessa forma a pobreza mesma do Estado do Maranhão ao obrigar seus colonos a lutar tão tenazmente pela mãodeobra indígena e a correspondente reação jesuítica de início simples defesa do indígena em seguida busca de formas racionais de convivência e finalmente exploração servil dessa mãodeobra constituíram fator decisivo da enorme expansão territorial que se efetua na primeira metade do século xvni Na etapa em que os colonos do norte se esforçam por sobreviver numa caça impiedosa ao índio e num aprendizado crescente da exploração florestal grandes são também as dificuldades que enfrentam os colonos da antiga colônia de São Vicente no sul para manter seu precário sistema de vida O empobrecimento da região açucareira ao reduzir o mercado de escravos da terra repercutiu igualmente na região sulina escassa de toda mercadoria comercial Os couros que de há muito se exportavam também pelos portos do sul aumentaram então sua importância relativa e os negócios de criação passaram a preocupar os governantes portugueses em forma crescente Por essa época a região do rio da Prata se configurava já como grande centro criatório e os seus couros constituíam uma séria ameaça a um dos poucos produtos da colônia portuguesa cujo mercado não havia sido desorganizado pelo desenvolvimento antilhano A penetração dos portugueses em pleno estuário do Prata onde em 1680 fundaram á Colônia do Sacramento constitui assim outro episódio da expansão territorial do Brasil ligada às vicissitudes da etapa de decadência da economia açucareira A Colônia do Sacramento que esteve em mãos portuguesas com interrupções durante quase um século permitiu a Portugal reforçar enormemente sua posição nos negócios do couro demais de constituir um entreposto para o contrabando sendo um dos principais portos de entrada da América espanhola numa etapa em que a Espanha perdera praticamente a sua frota e persistia em manter o monopólio do comércio com suas colônias À medida que cresciam em importância relativa os setores de subs sistência no norte no sul e no interior nordestino reduzindose concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia tomavase mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole o reduzido valor dos impostos que arrecadava Devendo liquidarse em moeda portuguesa tais impostos sua transferência impunha uma crescente escassez de numerário na colônia cujas dificuldades também por esse lado se viam agravadas Em Portugal eram ainda mais sérias as vicissitudes A queda no valor das exportações de açúcar por um lado criava dificuldades ao erário e por outro impunha a necessidade de reajustar todo o sistema eco nômico em um nível de importações bem mais baixo As repetidas desvalorizações cambiais o valor da libra sobe de milréis para 3500 réis entre 1640 e 1700 refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana Do ponto de vista da colônia tais desvaloriza ções se traziam algum alívio à região exportadora de açúcar também contribuíam para agravar a situação das regiões mais pobres que pouco ou nada tinham para exportar e cuja procura de importações era al tamente inelástica pelo fato mesmo de que se limitava a coisas imprescindíveis como o sal O encarecimento das manufaturas impor tadas chegou a extremos e nas regiões mais pobres como Piratininga uma simples roupa de fazenda importada ou uma espingarda podiam valer mais que uma casa residencial68 Esses fatores contribuíam para a reversão cada vez mais acentuada a formas de economia de subsistência com atrofiamento da divisão do trabalho redução da produtividade fragmentação do sistema em unidades produtivas cada vez menores desaparição das formas mais complexas de convivência social substituição da lei geral pela norma local etc 68 RSON0p Of P221 TERCEIRA PARTE Economia escravista mineira SÉCULO XVIII CAPÍTULO XIII POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS
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permitirão consolidar definitivamente o país e que marcarão o sentido subseqüente desenvolvimento À medida que o café aumenta sua importância dentro da economia brasileira ampliamse as relações econômicas com os EUA Já na primeira metade do século esse país passa a ser o principal mercado importador do Brasil Essa ligação e a ideologia nascente de solidariedade continental contribuem para firmar o sentido de independência visàvis da Inglaterra Assim quando expira em 1842 o acordo com este último país o Brasil consegue resistir à forte pressão do governo inglês para firmar outro documento do mesmo estilo44 Eliminado o obstáculo do tratado de 1827 estava aberto o caminho para a elevação da tarifa e o conseqüente aumento do poder financeiro do governo central45 cuja autoridade se consolida definitivamente nessa etapa O passivo político da colônia portuguesa estava liquidado Contudo do ponto de vista de sua estrutura econômica o Brasil da metade do século xix não diferia muito do que fora nos três séculos anteriores A estrutura econômica baseada principalmente no trabalho escravo se mantivera imutável nas etapas de expansão e decadência A ausência de tensões internas resultante dessa imutabilidade é responsável pelo atraso relativo da industrialização A expansão cafeeira da segunda metade do século xix durante a qual se modificam as bases do sistema econômico constituiu uma etapa de transição econômica assim como a primeira metade desse século representou uma fase de transição política É das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgirão os elementos de um sistema econômico autônomo capaz de gerar o seu próprio impulso de crescimento concluindose então definitivamente a jetapa colonial da economia brasileira 44 O acordo expirou em 1842 mas os ingleses conseguiram fazêlo vigorar até 1844 interpretando a seu favor uma determinada cláusula As negociações em torno de um novo acordo duraram vários anos vencendo os brasileiros por paciência e habilidade protelatôria A receita do governo central se manteve estacionaria em todo o período compreendido entre 1829 30 e 184243 e duplicou no decênio seguinte SEGUNDA PARTE Economia escravista de agricultura tropical SÉCULOS XVI E XVII CAPÍTULO VIII CAPITALIZAÇÃO E NÍVEL DE RENDA NA COLÔNIA AÇUCAREIRA i rápido desenvolvimento da indústria açucareira malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes indica claramente que o esforço do governo português se concentrara nesse setor O privilégio outorgado ao donatário de só ele fabricar moenda e engenho de água denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha especialmente em mira introduzir46 Favores especiais foram concedidos subseqüentemente àqueles que instalassem engenhos isenções de tributos garantia contra a penhora dos instrumentos de produção honrarias e títulos etc As dificuldades maiores encontradas na etapa inicial advieram da escassez de mãode obra O aproveitamento do escravo indígena em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais47 resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar A escravidão demonstrou ser desde o primeiro momento uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra Como observa um cronista da época sem escravos os colonos não se podem sustentar na terra48 Com efeito para subsistir sem trabalho 46 Vejase Jota Lúcio DE AZEVEDO Épocas de Portugal Econômico Lisboa 1929 p 235 47 Entre os privilégios que receberam os donatários estava o da escravizaçâo dos índios em número ilimitado e a autorização de exportar para Portugal anualmente um certo número de escravos indígenas 0 êxito que vinham alcançando os espanhóis na exploração da mãodeobra indígena deve haver influenciado os portugueses nos seus cálculos sobre essa matéria 48 QMOWO Tratado da Terra do Brasil 1570 citado por R SMONSEN História Econômica do SrasA 3 ed S Paulo 1957 p 127 escravo seria necessário que os colonos seorganizassem em comuni dadesLdedicadas a produzir para aütoconsümo o que só teria sido possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas Aqueles grupos de colonos que em razão da escassez de capital ou da escolha de uma base geográfica inadequada encontraram maiores dificuldades para consolidarse economicamente tiveram de empenharse por todas as formas na captura dos homens da terra A captura e o comércio do indígena vieram constituir assim a primeira atividade econômica estável dos grupos de população nãodedicados à indústria açucareira Essa mãodeobra indígena considerada de segunda classe é que permitirá a subsistência dos núcleos de população localizados naquelas partes do país que não se trans formaram em produtores de açúcar Observada de uma perspectiva ampla a colonização do século xvi surge fundamentalmente ligada à atividade açucareira Aí onde a produção de açúcar falhou caso de São Vicente o pequeno núcleo colonial conseguiu subsistir graças à relativa abundância da mãode obra indígena O homem da terra não somente trabalhava para o colono como também constituía sua quase única mercadoria de ex portação Contudo não fora o mercado de escravos das regiões açucareiras e de suas pequenas dependências urbanas e a captura destes não chegaria a ser uma atividade econômica capaz de justificar a existência dos colonos de São Vicente Portanto mesmo aquelas comunidades que aparentemente tiveram um desenvolvimento autô nomo nessa etapa da colonização deveram sua existência indiretamente ao êxito da economia açucareira O fato de que desde o começo da colonização algumas comuni dades se hajam especializado na captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mãodeobra nativa na etapa inicial de instalação da colônia No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é relativamente o maior A mãodeobra afri cana chegou para a expansão da empresa que jájestava instalada E quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena na escala necessária os escravos africanos base de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente capitalizado Superadas essas dificuldades da etapa de instalação a colônia açucareira se desenvolve rapidamente Ao terminar o século xvi a produção de açúcar muito provavelmente superava os dois milhões de arrobas49 sendo umas vinte vezes maior que a quota de produção que o governo português havia estabelecido um século antes para as ilhas do Atlântico A expansão foi particularmente intensa no último quartel do século durante o qual decuplicou O montante dos capitais invertidos nà pequena colônia já era por essa época considerável Admitindose a existência de apenas 120 engenhos ao final do século xvi e um valor médio de 15 mil libras esterlinas por engenho o total dos capitais aplicados na etapa produtiva da indústria resulta aproximarse de 18 milhão de libras Por outro lado estimase em cerca de 20 mil o número de escravos africanos que havia na colônia por essa época Se se admite que três quartas partes dos mesmos eram utilizadas diretamente na indústria do açúcar e se se lhes imputa um valor médio de 25 libras resulta que a inversão em mãode obra era da ordem de 375 mil libras Comparando esse dado com o anterior depreendese que o capital empregado na mãodeobra escrava deveria aproximarse de 20 por cento do capital fixo da empresa Parte substancial desse capital estava constituída por equipamentos importados Sobre o montante da renda gerada por essa economia não se pode ir além de vagas conjeturas O valor total do açúcar exportado num ano favorável teria alcançado uns 23 milhões de libras Se se admite que a renda líquida gerada na colônia pela atividade açucareira correspondia a 60 por cento desse montante50 e que essa atividade con tribuía com três quartas partes da renda total gerada esta última deveria 49 As cifras relativas à produção de açúcar na época colonial que aparecem em obras de cronistas visitantes informes oficiais portugueses e holandeses bem como em trabalhos de estudiosos da matéria nacionais e estrangeiros foram cuidadosamente escrutinadas por ROBERTO SIMONSEN op cf Os dados que servem de base aos cálculos e estimativas que aparecem no texto foram todos colhidos na obra desse grande pesquisador da história econômica do Brasil Contudo nem sempre acolhemos na escolha o próprio critério de SMONSEN que teve sempre a preocupação de reter apenas as referências mais conservadoras 50 Os gastos monetários de reposição que cabe deduzir para obter o montante da renda liquida podem ser estimados grosso modo em 110 mil libras 50 mil libras para reposição dos escravos admitindose uma vida média útil de oito anos 15 mil escravos a 25 libras por cabeça e 60 mil libras para a parte de equipamento importado admitindose que a terça parte do capital fixo inclusive escravos estivesse constituída por equipamentos importados e que estes tivessem uma vida útil média de dez anos aproximarse de 2 milhões de libras Tendo em conta que a população de origenreuropéia não seria superior a 30 mil habitantestornase evidente que a pequena colônia açucarara era excepcionalmente rica51 A renda que se gerava na colônia estava fortemente concentrada em mãos da classe de proprietários de engenho Do valor do açúcar no porto de embarque apenas uma parte ínfima não superior a 5 por cento correspondia a pagamentos por serviços prestados fora do engenho no transporte e armazenamento Os engenhos mantinham demais um certo número de assalariados homens de vários ofícios e supervisores do trabalho dos escravos Mesmo admitindo que para cada dez escravos houvesse um empregado assalariado 1500 no conjunto da indústria açucareira e imputando um salário monetário de 15 libras anuais cada um52 chegase à soma de 22500 libras que é menos de 2 por cento da renda gerada no setor açucareiro Por último cabe considerar que o engenho realizava um certo montante de gastos monetários principal mente na compra de gado para tração e de lenha para as fornalhas Essas compras constituíam o principal vínculo entre a economia açucareira e os demais núcleos de povoamento existentes no país Esti mase que o número total de bois existentes nos engenhos era da mesma ordem do número de escravos Por outro lado admitese que um boi valia cerca da quinta parte do valor de um escravo e que sua vida de trabalho era apenas de três anos Sendo assim a inversão em bois para tração seria da ordem de 75 mil libras e os gastos de reposição de cerca de 25 mil Supondo mesmo que os gastos com lenha e outros menores chegassem a dobrar essa cifra os pagamentos feitos pela eco nomia açucareira aos demais grupos de população estariam muito 51 Se bem que as comparações a longo prazo de rendas monetárias com base no valor do ouro careçam quase totalmente de expressão real a titulo de curiosidade indicamos que a renda per capita da população de origem européia na passagem do século xvi para o XVH corresponde a cerca de 350 dólares de hoje Essa renda per capita estava evidentemente muito acima da que prevalecia na Europa nessa época e em nenhuma outra época de sua história nem mesmo no auge da produção do ouro o Brasil logrou recuperar esse nível 52 Quinze libras anuais representariam um salário muito elevado na época pois o custo real da mãodeobra escrava não seria muito superior a 4 libras por ano admitindose um preço de 25 libras vida útil de oito anos e que a terça parte do tempo do escravo fosse absorvida na produção de alimentos para ele mesmo Como ponto de referencia podese indicar que o salário agrícola no norte dos EUA na segunda metade do século xvm era de aproximadamente 12 libras sendo na Inglaterra a metade dessa soma Vejase F A SHMMON op cf p 74 pouco por cima de 3 por cento da renda que a mesma gerava Tudo indica destarte que pelo menos 90 porjçento da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana A utilização dessa massa enorme de renda que se concentrava em tão poucas mãos constitui um problema difícil de elucidar Os dados referidos anteriormente põem em evidência que a renda dos capitais invertidos na etapa produtiva isto é a etapa que correspondia à classe de senhores de engenho e proprietários de canaviais estaria num ano favorável por cima de 1 milhão de libras ao iniciarse o século xvn A parte dessa renda que se despendia com bens de consumo importados principalmente artigos de luxo era considerável Dados relativos à administração holandesa por exemplo indicam que em 1639 teriam sido arrecadadas cerca de 16 mil libras de impostos de importação a terça parte do total correspondendo a vinhos Admitindose grosso modo uma taxa ad valorem de 20 deduzse que o montante das importações não teria sido inferior a 800 mil libras53 Nesse mesmo ano o valor do açúcar exportado pelo Brasil holandês nos portos de embarque teria sido pouco mais ou menos de 12 milhão de libras Devese ter em conta entretanto que os gastos de consumo se amplia ram muito na época holandesa seja pela necessidade de manter tropa numerosa seja em razão do fausto da administração do período de Nassau 163744 Dificilmente se pode admitir que os colonos portu gueses isolados em seus engenhos e alheios a qualquer forma de con vivência urbana lograssem efetuar gastos de consumo de tal monta Admitindo com muita margem que os gastos de consumo destes alcançassem 600 mil libras restaria em mãos dos senhores de engenho soma igual a esta não despendida na colônia Esses dados põem em evidência a enorme margem para capitalização que existia na econo mia açucareira e explicam que a produção haja podido decuplicar no último quartel do século xvi 53 Essas estimativas se baseiam em dados de fonte holandesa da época transcritos por P M Nrrsoen in Les Hollandais au Brésil 1853 A relação que ai se encontra de produtos importados na época é interessante vinhos espanhóis e franceses azeite de oliveira cerveja vinagre peixes salgados sebos e couros farinhas biscoitos manteiga óleo de linhaça e de baleia especiarias panos lãs sedas cobre ferro aço estanho pranchas etc Ver R SMQNSEN op cf p 119 Para um balanço das receitas e gastos dos holandeses no Brasil em 1644 vejase C R BoxEit op cf apêndice Os dados a que se faz referência no parágrafo anterior sugeremque a indústria açucareira era suficientemente rentável para autofínanciar uma duplicação de sua capacidade produtiva cada dois anos5 Aparentemente o ritmo de crescimento foi dessa ordem nas etapas mais favoráveis O fato de que essa potencialidade financeira só tenha sido utilizada excepcionalmente indica que o crescimento da indústria foi governado pela possibilidade de absorção dos mercados compradores Sendo assim que não se haja repetido a dolorosa expe riência de superprodução que tiveram as ilhas do Atlântico confirma que houve excepcional habilidade na etapa de comercialização e que era sobre esta última que se tomavam as decisões fundamentais com respeito a todo o negócio açucareiro Mas se a plena capacidade de autofinanciamento da indústria não era utilizada que destino tomavam os recursos financeiros sobrantes É óbvio que não eram utilizados dentro da colônia onde a atividade econômica nãoaçucareira absorvia ínfimos capitais Tam pouco consta que os senhores de engenho invertessem capitais em outras regiões A explicação mais plausível para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produção açucareira pertencesse aos comerciantes Sendo assim uma parte da renda que antes atribuímos à classe de proprietários de engenhos e de canaviais seria o que modernamente se chama renda de nãoresidentes e permanecia fora da colônia Explicarseia assim facilmente a íntima coordenação existente entre as etapas de produção e comercialização coordenação essa que preveniu a tendência natural à superprodução 54 Partindo de uma renda bruta de 15 milhão de libras no setor açucareiro estimando que dez por cento dessa renda correspondiam a pagamentos de salários compra de gado lenha etc e que os gastos de reposição de fatores importados eram da ordem de 120 mil libras deduzse que a renda liquida do setor era de cerca de 12 milhão de libras Subtraindo 600 mil libras de gastos em bens de consumo importados ficavam outras 600 mil libras que era a quanto montava a potencialidade de inversão do setor Como o capital fixo ascendia a 18 milhão de libras e pelo menos um terço do mesmo eram obras de construção e instalações realizadas petos próprios escravos deduzse que em dois anos esse capital podia ser dobrado CAPÍTULO IX FLUXO DE RENDA E CRESCIMENTO Que possibilidade efetiva de expansão e evolução estrutural apresentava esse sistema econômico base da ocupação do território brasileiro Para elucidar essa questão convém observar mais de perto nesse sistema os processos de formação da renda e de acumulação de capital O que mais singulariza a economia escravista é seguramente o modo como nela opera o processo de formação de capital O empre sário açucareiro teve no Brasil desde o começo que operar em escala relativamente grande As condições do meio não permitiam pensar em pequenos engenhos como fora o caso nas ilhas do Atlântico Cabe deduzir portanto que os capitais foram importados Mas o que se importava na etapa inicial eram os equipamentos e a mãodeobra européia especializada O trabalho indígena deve ter sido utilizado então para alimentar a nova comunidade e nas tarefas não especializadas das obras de instalação Nas primeiras fases de operação muito provavelmente coube ao trabalho indígena um papel igualmente importante Uma vez em operação os engenhos o valor destes deveria pelo menos dobrar o capital importado sob a forma de equipamentos e destinado a financiar a transplantação dos operários especializados A introdução do trabalhador africano não constitui modificação fundamental pois apenas veio substituir outro escravo menos eficiente e de recrutamento mais incerto Uma vez instalada a indústria seu processo de expansão seguiu sempre as mesmas linhas gastos monetários na importação de equipa mentos de alguns materiais de construção e de mãodeobra escrava A importação de mãodeobra especializada já se realizava em menor escala tratando o engenho de autoabastecerse também neste setor mediante treinamento daqueles escravos que demonstravam maior aptidão para os ofícios manuais O mesmo não ocorre entretanto com a mãodeobra nãoespecializada pois a população escrava tendia a minguar vegetatiyamente sem que durante toda a época da escravidão se haja tentado com êxito inverter essa tendência55 Uma vez efetuada a importação dos equipamentos e da mãodeobra escrava a etapa subseqüente da inversão construção e instalação se realizava praticamente sem que houvesse lugar para a formação de um fluxo de renda monetária Parte da força de trabalho escravo se dedicava a produzir alimentos para o conjunto da população e os demais se ocupavam nas obras de instalação e subseqüentemente nas tarefas agrícolas e industriais do engenho Numa economia industrial a inversão faz crescer diretamente a renda da coletividade em quantidade idêntica a ela mesma Isto porque a inversão se transforma automaticamente em pagamento a fatores de produção Assim a inversão em uma construção está basicamente cons tituída pelo pagamento do material nela utilizado e da força de trabalho absorvido A compra do material de construção por seu lado não é outra coisa senão a remuneração da mãodeobra e do capital utilizados em sua fabricação e transporte Esses pagamentos a fatores que são uma criação de renda monetária56 ou de poder de compra somados reconstituem o valor inicial da inversão A inversão feita numa economia exportadoraescravista é fenô meno inteiramente diverso Parte dela transformase em pagamentos feitos no exterior é a importação de mãodeobra de equipamentos e materiais de construção a parte maior sem embargo tem como origem a utilização mesma da força de trabalho escravo Ora a diferença entre o custo de reposição e de manutenção dessa mãodeobra e o valor do produto do trabalho da mesma era lucro para o empresário Sendo assim a nova inversão fazia crescer a renda real apenas no montante 55 Ao contrário do que ocorreu nos EU onde regiões houve que chegaram a especializarse na criação de escravos no Brasil sempre prevaleceu uma visão de curto prazo nesta matéria como se a escravidão fora negocio apenas para uma geração Já o jesuíta Antonil nos seus sábios conselhos aos senhores de engenho no começo do século xvm recomendava que aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coice principalmente na barriga das mu lheres que andam pejadas nem dar com pau nos escravos porque na cólera se não medem os golpes e podem ferir na cabeça a um escravo de préstimo que vale muito dinheiro e perde lo Repreendelos e chegarlhes com um cipó às costas com algumas varancadas he o que se lhes pode e deve permitir para ensino Citado por R SMONSEN op cf p 108 56 A renda monetária é igual renda real quando nao há modificações do nfveJ geral dos preços correspondente à criação de lucro para o empresário Esse incremento da renda não tinha entretanto expressão monetária pois não era objeto de nenhum pagamento A mãodeobra escrava pode ser comparada às instalações de uma fábrica a inversão consiste na compra do escravo e sua manutenção representa custos fixos Esteja a fábrica ou o escravo trabalhando ou não os gastos de manutenção terão de ser despendidos Demais uma hora de trabalho do escravo perdida não é recuperável como ocorreria no caso de uma máquina que tivesse de ser impreterivelmente abandonada ao final de um dado número de anos É natural que não podendo utilizála continuamente em atividades produtivas ligadas diretamente à exporta ção o empresário procurasse ocupar a força de trabalho escravo em tare fas de outra ordem nos interregnos forçados da atividade principal Tais tarefas vinham a ser obras de construção abertura de novas terras melhoramentos locais etc Essas inversões aumentavam o ativo do empre sário mas não criavam um fluxo de renda monetária como no caso anterior Os gastos de consumo apresentavam características similares Parte substancial desses gastos era realizada no exterior com a importação de artigos de consumo conforme vimos Outra parte consistia na utiliza ção da força de trabalho escravo para a prestação de serviços pessoais Neste último caso o escravo se comportava como um bem durável de consumo O serviço que prestava era a contrapartida do dispêndio inicial exigido na aquisição de sua propriedade assim como o serviço prestado por um automóvel é a contrapartida de seu custo Da mesma forma que a renda da coletividade não diminui quando os automóveis particulares se paralisam tampouco se modificaria essa renda caso os escravos deixassem de prestar serviços pessoais a seus donos57 Vejamos agora em seu conjunto o funcionamento dessa economia Como os fatores de produção em sua quase totalidade pertenciam ao empresário a renda monetária gerada no processo produtivo revertia 57 O serviço prestado por um bem durável de consumo é a contrapartida do seu custo inicial e dos gastos correntes efetuados com sua manutenção A paralisação dos automóveis repercutiria sobre o nível de renda da coletividade na medida em que esses gastos correntes deixassem de realizarse No caso dos escravos os gastos de manutenção não criavam de maneira geral nenhum luxo de renda Como os escravos produziam os seus meios de manutenção com exceção de alguns tecidos grossos que se importavam cabe introduzir o conceito de mSodeobra escrava líquida isto é excluída a parte que se utilizava na produção de alimentos para os próprios escravos em sua quase totalidade às mãos desse empresário Essa renda a totalidade dos pagamentos a fatores de produção mais os gastos de repo sição do equipamento e dos escravos importados expressavase no valor das exportações É fácil compreender que se a quase totalidade da renda monetária estava dada pelo valor das exportações a quase totalidade do dispêndio monetário teria de expressarse no valor das importações A diferença entre o dispêndio total monetário e o valor das importações traduziria o movimento de reservas monetárias e a entrada líquida de capitais além do serviço financeiro daqueles fatores de produção de propriedade de pessoas nãoresidentes na colônia O fluxo de renda se estabelecia portanto entre a unidade produtiva considerada em conjunto e o exterior Pertencendo todos os fatores a um mesmo empresário é evidente que o fluxo de renda se resumia na economia açucareira a simples operações contábeis reais ou virtuais Não significa isto que essa economia fosse de outra natureza que não monetária Tendo cada fator um custo que se expressa monetariamente e o mesmo ocorrendo com o produto final o empresário deveria de alguma forma saber como combinar melhor os fatores para reduzir o custo de produção e maximizar sua renda real A natureza puramente contábil do fluxo de renda no setor açucarei ro tem induzido muita gente a supor que era essa uma economia de tipo semifeudal O feudalismo é um fenômeno de regressão que traduz o atrofiamento de uma estrutura econômica58 Esse atrofiamento resulta do isolamento imposto a uma economia isolamento que engendra gran de diminuição da produtividade pela impossibilidade em que se encon tra o sistema de tirar partido da especialização e da divisão do trabalho que o nível da técnica já alcançado lhe permite Ora a unidade escravista cujas características indicamos em suas linhas gerais pode ser apresen tada como um caso extremo de especialização econômica Ao inverso da unidade feudal ela vive totalmente voltada para o mercado externo A suposta similitude deriva da existência de pagamentos in natura em uma e outra Mas ainda aqui há um total equívoco pois na unidade escravista os pagamentos a fatores são todos de natureza monetária de vendose ter em conta que o pagamento ao escravo é aquele que se faz 58 vejase C FURTADO O Desenvolvimento Econômico Econômica Brasileira vol i n 1 janeiro merco de 1955 Rio de Janeiro no ato de compra deste O pagamento corrente ao escravo seria o simples gasto de manutenção que como o dispêndio com a manutenção de uma máquina pode ficar implícito na contabilidade sem que por isso perca sua natureza monetária59 Retornemos a nosso problema inicial que possibilidades de expan são e evolução estrutural apresentava o sistema econômico escravista É evidente que se o mercado externo absorvesse quantidades crescentes de açúcar num nível adequado de preços o sistema poderia crescer sempre que a oferta externa de força de trabalho fosse elástica até ocu par todas as terras disponíveis Dada a relativa abundância destas últimas é de admitir que as possibilidades de expansão eram ilimitadas por esse lado Também já vimos que com os preços que prevaleceram na segunda metade do século xvi e primeira do seguinte a rentabilidade era suficientemente elevada para permitir que a indústria autofinanciasse uma expansão ainda mais rápida do que a efetivamente ocorrida Tudo indica portanto que o au mento da capacidade produtiva foi regulado com vistas a evitar um colapso nos preços ao mesmo tempo que se realizava um esforço persistente para tomar o produto conhecido e ampliar a área de consumo do mesmo Como quer que seja o crescimento foi considerável particularmente se o observamos do ponto de vista da colônia e persistiu durante todo um século Contudo esse crescimento se realizava sem que houvesse modificações sensíveis na estrutura do sistema econômico Os retrocessos ocasionais tampouco acarretavam qualquer modificação estrutural Mesmo que a unidade produtiva chegasse a paralisarse o empresário não incorria em grandes perdas uma vez que os gastos da manutenção dependiam principalmente da própria utilização da força de trabalho escravo Por outro lado grande parte dos gastos de consumo do empresário estava assegurada pela utilização dessa força de trabalho Destarte o crescimento da empresa escravista tendia a ser puramente em extensão isto é 59 A tentativa de transposição de instituições feudais para as colônias comerciais da América demonstrou ser impraticável mesmo ali onde houve intenção explfclta de fazêlo e onde era mais forte a tradição feudalista como no caso da França L P MAY referindose a este problema diz Ouelques auteurs se sont imagines que 1organisation féodale de Ia metrópole fui trans posée tout dun bloc et dans son intégríté dans les colonies que les droits seigneuriaux y furent leves et des tailles établies En tait rien n est ici plus inexact La Cie tenta de percevoU le droit de lods et vente a StChristophe mais de diminulion en diminulion eSe fínitparabandonner A Ia Martinique nous nen avons trouvé aucune trace Op cit p 6970 sem quaisquer modificações estruturais As paralisações ou retrocessos nesse crescimento não tendiam à criar tensões capazes de modificarlhe a estrutura Crescimento significava nesse caso ocupação de novas terras e aumento de importações Decadência vinha a ser redução dos gastos em bens importados e na reposição da força de trabalho também importada com diminuição progressiva mas lenta no ativo da empresa que assim minguava sem se transformar estruturalmente Não havia portanto nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no impulso externo originasse um processo de desenvolvi mento de autopropulsão O crescimento em extensão possibilitava a ocu pação de grandes áreas nas quais se ia concentrando uma população relativamente densa Entretanto o mecanismo da economia quejrâo per miüa uma articulação direta entre os sistemas de produção e de con sumo anulava as vantagens desse crescimento demográfico como elemento dinâmico do desenvolvimento econômico Conforme já vimos os lucros eram o único tipo de renda que se deixava influenciar pelas modificações de produtividade fosse esta de natureza puramente econô mica melhora nos preços relativos ou resultasse da introdução de uma melhora tecnológica Se ocorria uma redução no ritmo da atividade pro dutiva para exportação reduziamse os lucros do empresário mas ao mesmo tempo se criava uma capacidade excedente de trabalho a qual podia ser utilizada na expansão da capacidade produtiva Se não havia interesse em expandir essa capacidade produtiva o potencial disponível de inversão podia ser canalizado para obras de construção ligadas ao bemestar da classe proprietária ou outras de caráter nãoreprodutivo A economia escravista dependia assim em forma praticamente exclusiva da procura externa Se se enfraquecia essa procura tinha início um processo de decadência com atrofiamento do setor monetário Esse processo entretanto não apresentava de nenhuma maneira as caracterís ticas catastróficas das crises econômicas A renda monetária da unidade exportadora praticamente constituía os lucros do empresário sendo sempre vantajoso para este continuar operando qualquer que fosse a redução ocasional dos preços Como o custo estava virtualmente cons tituído de gastos fixos qualquer redução na utilização da capacidade produtiva redundava em perda para o empresário Sempre havia vanta gem em utilizar a capacidade plenamente Contudo se se reduziam os preços abaixo de certo nível o empresário não podia enfrentar os gastos de reposição de sua força de trabalho e de seu equipamento importado Em talcaso a unidade tendida perder capacidade Essa redução de capacidade teria entretanto de ser um processo muito lento dadas as razões já expostas A unidade exportadora estava assim capacitada para preservar a sua estrutura A economia açucareira do Nordeste brasileiro com efeito resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões logrando recuperarse sempre que o permitiam as condições do mercado externo sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa Na segunda metade do século xvn quando se desorganizou o mer cado do açúcar e teve início a forte concorrência antilhana os preços se reduziram à metade Contudo os empresários brasileiros fizeram o possível para manter um nível de produção relativamente elevado No século seguinte persistiu a tendência à baixa de preços Por outro lado a economia mineira que se expandiria no centrosul atraindo a mãode obra especializada e elevando os preços do escravo reduziria ainda mais a rentabilidade da empresa açucareira O sistema entrou em conse qüência numa letargia secular Sua estrutura preservouse entretanto intacta Com efeito ao surgirem novas condições favoráveis a começos do século XK voltaria a funcionar com plena vitalidade CAPÍTULO X PROJEÇÃO DA ECONOMIA AÇUCAREIRA A PECUÁRIA l formação de um sistema econômico de alta produtividade e em rápida expansão na faixa litorânea do Nordeste brasileiro teria necessariamente de acarretar conseqüências diretas e indiretas para as demais regiões do subcontinente que reivindicavam os portugueses De maneira geral estavam assegurados os recursos para manter a defesa da colônia e intensificar a exploração de outras regiões De maneira particular havia surgido um mercado capaz de justificar a existência de outras atividades econômicas Vimos anteriormente que em razão de sua alta rentabilidade e ele vado grau de especialização a economia açucareira constituía um mer cado de dimensões relativamente grandes Para usar uma expressão atual era essa uma economia de elevadíssimo coeficiente de importa ções Com efeito não obstante a quase inexistência de fluxo monetário dentro da economia açucareira o seu grau de comercialização era muito elevado A alta rentabilidade do negócio induzia à especialização sendo perfeitamente explicável do ponto de vista econômico que os empre sários açucareiros não quisessem desviar seus fatores dejprodução para atividades secundárias pelo menos quando eram favoráveis as perspec tivas do mercado de açúcar A própria produção de alimentos para os escravos nas terras do engenho tornavase antieconômica nessas épocas A extrema especialização da economia açucareira constitui na verdade uma contraprova de sua elevada rentabilidade No capítulo vi procuramos demonstrar que foi a especialização extrema da economia açucareira antilhana que na segunda metade do século XVII estimulou o desenvolvimento das colônias de povoamento do norte dos EUA A elevada rentabilidade do negócio açucareiro fez surgir em tempo relativamente curto um mercado completamente novo para um semnúmero de produtos pois os annlhanos particularmente nas ilhas inglesas não usavam suas terras e seus escravos senão para produzir açúcar Podese admitir como ponto pacífico que à economia açucarara constituía üm mercado dé dimensões relativamente grandes podendo portanto atuar como fator altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país Um conjunto de circunstâncias tenderam sem embargo a desviar para o exterior em sua quase totalidade esse impulso dinâmico Em primeiro lugar havia os interesses criados dos exportadores portugueses e holandeses os quais gozavam dos fretes excepcionalmente baixos propiciados pelos barcos que seguiam para recolher açúcar Em segundo lugar estava a preocupação política de evitar o surgimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana Se se compara a evolução de São Vicente que resultou ser uma colônia de povoamento com a da Nova Inglaterra visàvis das duas poderosas economias açucareiras que coexistiram com ambas as similitudes e diferenças são ilustrativas Em um e outro caso os obje tivos iniciais da colonização fracassaram Os colonos que sobreviveram às dificuldades iniciais se dedicaram a atividades de baixa rentabilidade transformandose o núcleo de população de empresa colonial em colônia de povoamento Os colonos da Nova Inglaterra encontraram na pesca não só um meio de subsistência como também uma de suas primeiras ativi dades comerciais Voltaramse assim para o mar desde o começo Cedo se dedicaram a construir as embarcações de que necessitavam de senvolveram essa habilidade e progressivamente lograram indepen dência de iniciativa nos negócios que tinham como base o transporte marítimo Ao surgir o grande mercado das Antilhas eles lá apareceram em seus próprios barcos Ainda assim seria difícil explicar o seu grande êxito na conquista do mercado antilhano sem ter em conta que a Ingla terra em razão de suas convulsões na segunda metade do século xvn e guerras externas na primeira metade do século xvm se encontrou du rante prolongados períodos impossibilitada de abastecer o mercado antilhano Em São Vicente onde a escassez de mãodeobra resultou ser maior do que na Nova Inglaterra o excedente de população nas Ilhas Britânicas possibilitou importar mãodeobra européia em regime de servidão temporária a primeira atividade comercial a que se dedicaram os colonos foi a caça ao índio Dessa forma voltaramse para o interior e se transformaram em sertanistas profissionais Assim como os portugueses no século xy penetraram no território africano na caça de escravos negros os habitantes de São Vicente serão levados a penetrar a fundo nas terras americanas na caça indígena Daí resultará o desenvolvimento em grau eminente da habilidade exploratóriomilitar qualidade esta que veio a constituir o fator decisivo da precoce ocupação de vastas áreas centrais do continente sulamericano60 É provável entretanto que o principal fator limitante da ação dinâmica da economia açucareira sobre a colônia de povoamento do sul haja sido a própria abundância de terras nas proximidades do núcleo canavieira O que caracterizava a economia antilhana era sua extrema escassez de terras A evolução econômicosocial dessas ilhas nos séculos que seguiram ao advento da economia açucareira será profundamente marcada por esse fato assim como a evolução da economia nordestina brasileira estará condicionada pela fluidez de sua fronteira A essa abundância de terras se deve a criação no próprio Nordeste de um segundo sistema econômico dependente da economia açucareira Ao contrário do que ocorreria nas Antilhas era relativamente pequena a porção do mercado da economia açucareira a que podiam ter acesso outros produtores coloniais No setor de bens de consumo as importações consistiam principalmente em artigos de luxo os quais evidentemente não podiam ser produzidos na colônia O único artigo de consumo de importância que podia ser suprido internamente era a carne que figura na dieta mesmo dos escravos como observa Antonil Era no setor de bens de produção que o suprimento local encontrava maior espaço para expandir se As duas principais fontes de energia 60 Que não hajam os espanhóis ocupado grande parte das terras que lhes adjudicara o Tratado de Tòrdesilnas na America meridional não é para surpreender pois deramse eles conta desde cedo de que não era factível defender tudo que lhes cabia no Novo Mundo por esse tratado Sua linha de defesa estava estruturada no eixo MéxicoPeru e em seus dois pontos de acesso que eram o Cartoe e o rio da Prata A Amazônia e as terras centrais da América do Sul apresentavam menos ineresse para os espanhóis que os atuais RIA pois por ali era inviável entrar no Peru e do atual território norteamericano se podia alcançar o México Como as terras que os espanhóis efetiva mente não ocupavam tenderam a cair em poderios ingleses e franceses nos séculos xvi e xvw para eles a expansão portuguesa na America do Sul certamente não era inconveniente Assim pelo menos se evitava a penetração das potências cujo objetivo conhecido era apossaremse do melhor do quinhão espanhol Contudo não deixa de surpreerxJer que o continente stilameri cmo haja sido ocupado e demarcado inclusive a bacia amazônicaum século antes do norte americano Esse tato se deve ao extraordinário arrojo dos exploradores paulistas como passa ram a ser conhecidos os descendentes da primitiva colônia de São Vicente dos engenhos a lenha e os animais de tiro podiam ser supridas localmente com grande vantagem O mesmo ocorria com o material de construção mais amplamente utilizado na época as madeiras Ao expandirse a economia açucareira a necessidade de animais de tiro tendeu a crescer mais que proporcionalmente pois a devastação das florestas litorâneas obrigava a buscar a lenha a distâncias cada vez maiores Por outro lado logo se evidenciou a impraticabilidade de criar o gado na faixa litorânea isto é dentro das próprias unidades produ toras de açúcar Os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações devem ter sido grandes pois o próprio governo português proibiu finalmente a criação de gado na faixa litorânea E foi a sepa ração das duas atividades econômicas a açucareira e a criatória que deu lugar ao surgimento de uma economia dependente na própria região nordestina A criação de gado na forma em que se desenvolveu na região nordestina e posteriormente no sul do Brasil era uma ativi dade econômica de características radicalmente distintas das da uni dade açucareira A ocupação da terra era extensiva e até certo ponto itinerante O regime de águas e as distâncias dos mercados exigiam pe riódicos deslocamentos da população animal sendo insignificante a fração das terras ocupadas de forma permanente As inversões fora do estoque de gado eram mínimas pois a densidade econômica do sistema em seu conjunto era baixíssima Por outro lado a forma mesma como se realiza a acumulação de capital na economia criatória induzia a uma permanente expansão sempre que houvesse terras por ocupar inde pendentemente das condições da procura A essas características se deve que a economia criatória se Jiaja transformado num fator fundamental de penetração e ocupação do interior brasileiro Devese ter em conta entretanto que essa atividade pelo menos em sua etapa inicial era um fenômeno econômico induzido pela eco nomia açucareira e de rentabilidade relativamente baixa A renda total gerada pela economia criatória do Nordeste seguramente não excede ria 5 por cento do valor da exportação de açúcar Essa renda estava constituída pelo gado vendido no litoral e pela exportação de couros O valor desta última no século xvm quando se havia expandido gran demente a criação no sul não seria muito superior a cem mil libras1 61 R SMONSEN op cit p 171 Se nos limitamos à região diretamente dependente da economia açucareira no começo do século xvn dificilmente se pode admitir que sua Tenda bruta alcançasse cem mü libras numa época em que p valor da exportação de açúcar possivelmente superava os 2 milhões A população que se ocupava da atividade criatória era evi dentemente muito escassa Segundo Antonil os currais variavam de 200 a mil cabeças e havia fazendas de 20 mil cabeças de gado Admi tindose a relação de um para cinqüenta entre a população humana e a animal o que corresponde grosso modo a um vaqueiro para 250 ca beças resulta que o total da população que vivia da criação nordestina não seria superior a 13 mil pessoas supondose 650 mil cabeças de gado O recrutamento de mãodeobra para essas atividades baseouse no elemento indígena que se adaptava facilmente à mesma Não obstante a resistência que apresentaram os indígenas em algumas partes ao veremse espoliados de suas terras tudo indica que foi com base na população local que se fez a expansão da atividade criatória Que possibilidades de crescimento apresentava esse novo sistema econômico que surgira como um reflexo da atividade açucareira A con dição fundamental de sua existência e expansão era a disponibilidade de terras Dada a natureza dos pastos do sertão nordestino a carga que suportavam essas terras era extremamente baixa Daí a rapidez com que os rebanhos penetraram no interior cruzando o São Francisco e alcan çando o Tocantins e para o norte o Maranhão nos começos do século xvn É fácil compreender que à medida que os pastos se distanciavam do litoral os custos iam crescendo pois o transporte do gado se torna va mais oneroso O fato de que essa expansão se haja mantido por tan to tempo devese em grande parte a que a economia criatória sofreu modificações fundamentais conforme indicaremos mais adiante No que respeita à disponibilidade de capacidade empresarial a expansão criatória não parece haver encontrado obstáculos Essa ativi 62 ANTONI estimou em 1300000 o número de cabeças de gado existentes no Nordeste Bahia e Pernambuco no começo do século xva Mesmo que se admita que um século antes já existisse metade dessa população o que indicaria uma taxa de crescimento vegetativo absurdamente baixa para as condições do meio o total do gado vendido não poderia ser muito superior a 50 mB cabeças pois é muito pouco provável que o desfrute do rebanho fosse superior a 8 por cento Admitindose um preço médio de venda de 25 libras por cabeça terseia um valor bruto de 125 mil libras dade apresentava para ò colono sem recursos muito mais atrativos que as ocupações acessíveis na economia açucarara Aquele que não dispunha de recursos para iniciar por conta própria a criação tinha possibilidade de efetuar a acumulação inicial trabalhando numa fazenda de gado À semelhança do sistema de povoamento que se desenvolveu nas colônias inglesas e francesas o homem que trabalhava na fazenda de criação durante um certo número de anos quatro ou cinco tinha direito a uma participação uma cria em quatro no rebanho em formação podendo assim iniciar criação por conta própria Tudo indica que essa atividade era muito atrativa para os colonos sem capital pois não somente da região açucareira mas também da distante colônia de São Vicente muita gente emigrou para dedicarse a ela Por outro lado conforme já indicamos o indígena se adaptava rapidamente às tarefas auxiliares da criação Do lado da oferta não existiam portanto fatores limitativos à expansão da economia criatória Esses fatores atuavam do lado da procura Sendo a criação nordestina uma atividade dependente da economia açucareira em princípio era a expansão desta que comandava o desenvolvimento daquela A etapa de rápida expansão da produção de açúcar que vai até a metade do século xvn teve como contrapartida a grande penetração nos sertões Da mesma forma no século xvm a expansão da atividade mineira comandará o extraordinário desenvolvimento da criação no sul A expansão pecuária consiste simplesmente no aumento dos rebanhos e na incorporação em escala reduzida de mãodeobra A possibilidade de crescimento extensivo exclui qualquer preocupação de melhora de rendimentos Por outro lado como as distâncias vão aumentando a tendência geral é no sentido de redução da produtividade na economia Dessa forma excluída a hipótese de melhora nos preços relativos à medida que ia crescendo a economia criatória nordestina a renda média da população nela ocupada ia diminuindo sendo particularmente desfavorável a situação daqueles criadores que se encontravam a grandes distâncias do litoral Ao contrário do que ocorria com a economia açucareira a criatória não obstante nesta não predominasse o trabalho escravo representava um mercado de ínfimas dimensões A razão disso está em que a produtividade média da economia dependente era muitas vezes menor do que a da principal sendo muito inferior seu grau de especialização è comercialização Observada a economia criatória em conjunto suà principal atividade deveria ser aquela ligada àprópria subsistência de sua população Pára compreender esse fato é necessá rio ter em conta que a criação de gado também era em grande medida uma atividade de subsistência sendo fonte quase única de alimentos e de uma matériaprima o couro que se utilizava praticamente para tudo Essa importância relativa do setor de subsistência na pecuária será um fator fundamental das transformações estruturais por que passará a economia nordestina em sua longa etapa de decadência CAPÍTULO XI FORMAÇÃO DO COMPLEXO ECONÔMICO NORDESTINO Zxs formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina o açucareiro e o criatório no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século xvn constituem elementos fundamentais na formação do que no século xx viria a ser a economia brasileira Vimos já que as unidades produtivas tanto na economia açucareira como na criatória tendiam a preservar a sua forma original seja nas etapas de expansão seja nas de contração Por um lado o crescimento era de caráter puramente extensivo mediante a incorporação de terra e mãodeobra não implicando modificações estruturais que repercutissem nos custos de produção e portanto na produtividade Por outro lado a reduzida expressão dos custos monetários isto é a pequena proporção da folha de salários e da compra de serviços a outras unidades produtivas tornava a economia enormemente resistente aos efeitos a curto prazo de uma baixa de preços Convinha continuar operando não obstante os preços sofressem uma forte baixa pois os fatores de produção não tinham uso alternativo Como se diz hoje em dia a curto prazo a oferta era totalmente inelástica Contudo se os efeitos a curto prazo de uma contração da procura eram muito parecidos nas economias açucareira e criatória a longo prazo as diferenças eram substanciais Muito ao contrário do que ocorria com a açucareira a economia criatória não dependia de gastos monetários no processo de reposição do capital e de expansão da capacidade produtiva Assim enquanto na região açucareira dependiase da importação de mãodeobra e equipamentos simplesmente para manter a capacidade produtiva na pecuária o capital se repunha automaticamente sem exigir gastos monetários de significação Por outro lado as condições de trabalho e alimentação na pecuária eram tais que propiciavam um forte crescimento vegetativo de sua própria força de trabalho A essas disparidades se devem as diferenças fundamentais no comportamento dos dois sistemas no longo período de declínio nos preços do açúcar Ao reduzirse o efeito dinâmico do estímulo externo a economia açucareira entra numa etapa de relativa prostração A rentabilidade do negócio açucareiro se reduz mas não de forma catastrófica Os novos preços ainda eram suficientemente altos para que a produção de açúcar constituísse para as Antilhas o magnífico negócio que era Contudo no caso brasileiro passavase de uma situação altamente favorável em que a indústria estivera aparentemente capacitada para autofinanciar a duplicação de sua capacidade produtiva em dois anos para uma outra de rentabilidade relativamente baixa63 A situação fezse mais grave no século xvm em razão do aumento nos preços dos escravos e da emigração da mãodeobra especializada determinados pela expansão da produção de ouro Como a produção de açúcar no Nordeste esteve em todo o século xvm abaixo dos pontos altos alcançados no século anterior é provável que parte das antigas unidades produtivas se hajam desorganizado em benefício daquelas que apresentavam condições mais favoráveis de terras e transporte No caso da criação o afrouxamento do efeito dinâmico externo aparentemente teve conseqüências distintas A expansão do sistema era aí um processo endógeno resultante do aumento vegetativo da população animal Dessa forma sempre havia oportunidade de emprego para a força de trabalho que crescia vegetativamente e também para elementos que perdiam sua ocupação no sistema açucareiro em lenta decadência Sem embargo se a procura de gado na região litorânea não estava aumentando num ritmo adequado o crescimento do sistema pecuário se fazia através do aumento relativo do setor de subsistência Em outras palavras a importância relativa da renda 63 Vimos que na situação anterior para um valor de exportação de 2 milhões de libras o potencial de inversão liquida formulada uma hipótese sobre os gastos em bens de consumo importados talvez alcançasse 600 ms libras Dessa forma os gastos de reposição de mãode obra e dos equipamentos e aqueles despendidos em bens de consumo importados absorviam 14 milhão Reduzindose os preços do açúcar à metade deduzse que não seria possível se quer manter a capacidade produtiva a menos que se reduzissem os gastos de consumo É provável entretanto que a forte desvalorização da moeda portuguesa haja contribuído para manter o sistema em condições de peto menos preservar sua capacidade produtiva monetária ia diminuindo o que acarretava necessariamente uma redução paralela de sua produtividade econômica6 A redução relativa da renda monetária teria de repercutir no grau de especialização da economia e no sistema de divisão do trabalho dentro da mesma Muitos artigos que antes se podiam comprar nos mercados do litoral e que eram importados teriam agora de ser produzidos internamente Essa produção entretanto limitavase ao âmbito local constituindo uma forma rudimentar de artesanato O couro substitui quase todas as matériasprimas evidenciando o enorme encarecimento relativo de tudo que não fosse produzido localmente Esse atrofiamento da econo mia monetária se acentua à medida que aumentam as distâncias do li toral pois dado o custo do transporte do gado em condições de estagnação do mercado de animais os criadores mais distantes se tor navam submarginais Os couros passaram a ser a única fonte de renda monetária destes últimos criadores Tudo indica que no longo período que se estende do último quartel do século xvn ao começo do século xix a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou secularmente É interessante observar entretanto que esse atrofiamento constituiu o processo mesmo de for mação do que no século xix viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro cujas características persistem até hoje A estagnação da produção açucareira não criou a necessidade como ocorreria nas Antilhas de emigração do excedente da população livre formado pelo crescimento vegetativo desta Não havendo ocupação adequada na re gião açucareira para todo o incremento de sua população livre parte dela era atraída pela fronteira móvel do interior criatório Dessa forma quanto menos favoráveis fossem as condições da economia açucareira maior seria a tendência imigratória para o interior As possibilidades da pecuária para receber novos contingentes de população quando existe abundância de terras são sabidamente grandes pois a oferta de alimentos é nesse tipo de economia muito elástica a curto prazo 64 A produtividade física número de cabeças atendidas por um homem podia manterse estável mas como o valor total do rebanho diminuía pois a quantidade de gado que se podia vender era relativamente menor o valor da produção por homem diminuta e consequentemente a produtividade econômica do sistema Contudo como a rentabilidade da economia pecuária dependia em grande medida da rentabilidade da própria economia açucareira ao transferirse população desta para aquela nas etapas de depressão se intensificava a conversão da pecuária em economia de subsistência Não fora esse mecanismo e a longa depressão do setor açucareiro teria provocado seja uma emigração de fatores seja a estagnação de mográfica Sendo a oferta de alimentos pouco elástica na região litorânea o crescimento da população teria sido muito menor não fora essa articulação com o sistema pecuário A redução da renda real resultante de baixa dos preços de expor tação numa região agrícola onde a terra é escassa afeta necessaria mente a oferta de alimentos seja porque se desviam terras que antes produziam alimentos para produzir artigos exportáveis e recuperar assim o valor das exportações seja porque a importação de alimentos deverá reduzirse Numa região pecuária porquanto a população se alimenta do mesmo produto que exporta a redução das exportações em nada afeta a oferta interna de alimentos e assim a população pode continuar crescendo normalmente durante um longo período de decadência das exportações No Nordeste brasileiro como as condições de alimentação eram melhores na economia de mais baixa produtividade isto é na região pecuária as etapas de prolongada depressão em que se intensificava a migração do litoral para o interior teriam de caracterizarse por uma intensificação no crescimento demográfico Explicase assim que a população do Nordeste haja continuado a crescer e possivelmente haja intensificado o seu crescimento em todo o século e meio de estagnação da produção açucareira a que fizemos referência A expansão da economia nordestina durante esse longo período consistiu em última instância num processo de involução econômica o setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa e a produtividade do setor pecuário declinava à medida que este crescia Na verdade a expansão refletia apenas o crescimento do setor de sub sistência no qual se ia acumulando uma fração crescente da população Dessa forma de sistema econômico de alta produtividade em meados do século xvn o Nordeste se foi transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir A dispersão de parte da população num sistema de pecuária extensiva provocou uma involução nas formas de divisão do trabalho e especialização acarretando um retro cesso mesmo nas técnicas artesanais de produção A formação da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência elemento básico do problema econômico brasileiro em épocas posteriores estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi em sua melhor época o negócio colonialagrícola mais rentável de todos os tempos CAPÍTULO XII CONTRAÇÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO TERRITORIAL J século XVII constitui a etapa de maiores dificuldades na vida política da colônia Em sua primeira metade o desenvolvimento da economia açucareira foi interrompido pelas invasões holandesas Nessa etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o próprio Brasil teatro das operações de guerra A administração holandesa se preocupou em reter na colônia parte das rendas fiscais proporcionadas pelo açúcar o que permitiu um desenvolvimento mais intenso da vida urbana Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses entretanto os prejuízos deveriam ser consideráveis Simonsen estimou em 20 milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano65 Isso concomitantemente com gastos militares vultosos Encerrada a etapa militar tem início a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente tanto para o comércio como para o erário lusitanos ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa Na etapa de prosperidade da economia açucareira os portugueses se haviam preocupado em estender seus domínios para o norte A preocupação de defender o monopólio do açúcar deve haver fomentado esse movimento expansionista Em fins do século xvi praticamente todas as terras tropicais do continente isto é as terras potencialmente produtoras de açúcar estavam em mãos de espanhóis e portugueses por essa época unidos sob um só governo O ataque de holandeses franceses e ingleses se fez em toda a linha que desce das Antilhas ao Nordeste brasileiro Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha ao sul da foz do Amazonas Dessa forma foi defendendo as terras da Espanha dos inimigos desta que 65 Op cit p 120 os portugueses se fixaram na foz do grande rio posiçãochave para o fácil controle de toda a imensa bacia A experiência havia já demonstrado que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era a longo Prazo operação infrutífera seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas seja porque na ausência de bases permanentes em terra as operações de defesa se tornavam muito mais onerosas Na época do apogeu açucareiro Portugal ocupou expulsando franceses holandeses e ingleses toda a costa que se estende alé a foz do Amazonas Pelo menos nessa parte da América estava eliminado o risco de formação de uma economia concorrente A ocupação foi seguida de decisões objetivando a criação de colônias permanentes Ao Maranhão foram enviados de uma feita no segundo decênio do século xvn trezentos açorianos Ao iniciarse a etapa de dificuldades políticas e econômicas para o governo português essas colônias da região norte ficaram abandonadas aos seus próprios recursos e as vicissitudes que tiveram de enfrentar demonstram vivamente o quão difícil era a sobrevivência de uma colônia de povoamento nas terras da América Os solos do Maranhão não apresentavam a mesma fecundidade que os massapés nordestinos para a produção de açúcar Mas não foi esta a maior dificuldade e sim a desorganização do mercado do açú car fumo e outros produtos tropicais na segunda metade do século xvii o que impediu aos colonos do Maranhão dedicaremse a uma atividade que lhes permitisse iniciar um processo de capitalização e desenvolvimento As suas dificuldades eram as mesmas que enfren tava o conjunto das colônias portuguesas na América apenas agra vadas pelo fato de que eles tentaram começar numa etapa em que os outros consumiam parte do que haviam acumulado anteriormente Piratininga contara em sua primeira etapa com a forte expansão contemporânea da economia açucareira tendo se dedicado à venda de escravos indígenas numa época em que a importação de africanos apenas se iniciava Foi essa atividade que permitiu à colônia do sul sobreviver Os maranhenses tentaram o mesmo caminho mas logo tiveram de enfrentar o isolamento provocado pela ocupação de Per nambuco pelos holandeses e mais adiante a própria decadência da economia açucareira Em toda asegunda metade do século xvn e primeira do seguinte os colonos do chamado Estado do Maranhão66 lutaram tenazmente para sobreviver Criada com objetivos políticos mas abandonada pelo governo português a pequena colônia involuiu de tal forma que meio século depois no dizer de um observador da época para um homem ter o pão da terra há de ter roça para comer carne há de ter caçador para comer peixe pescador para vestir roupa lavada lavadeira67 A inexistência de qualquer atividade que permitisse produzir algo comercializável obrigava cada família a abastecer se a si mesma de tudo o que só era praticável para aquele que conseguia pôr as mãos num certo número de escravos indígenas A caça ao índio se tornou assim condição de sobrevivência da população A luta pela mãodeobra indígena que realizaram os colonos do norte e a tenaz reação contra estes dos jesuítas que desenvolveram técnicas bem mais racionais de incorporação das populações indígenas à economia da colônia constituem um fator decisivo na penetração econômica da bacia amazônica Em sua caça ao indígena os colonos foram conhecendo melhor a floresta e descobrindo suas potencialidades Na primeira metade do século xvm a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais cacau baunilha canela cravo resinas aroma ricas A colheita desses produtos entretanto dependia de uma utilização intensiva da mãodeobra indígena a qual trabalhando dispersa na floresta dificilmente poderia submeterse às formas correntes de organização do trabalho escravo Coube aos jesuítas encontrar a solução adequada para esse problema Conservando os índios em suas próprias estruturas comunitárias tratavam eles de conseguir a cooperação voluntária dos mesmos Dado o reduzido valor dos objetos que recebiam os índios tomavase rentável organizar a exploração florestal em forma extensiva ligando pequenas comunidades disseminadas na imensa zona 66 Em vista das dificuldades criadas pelos ventos à navegação entre a costa norte do Brasil e as demais capitanias ao ocuparse daquela o governo português considerou conveniente criar uma colônia distinta diretamente ligada a Lisboa Essa colônia fundada em 1621 chamouse de Estado do Maranhão em contraposição ao Estado do Brasil e compreendia desde o Ceará até o Amazonas 67 Observação do Padre ANTOMO VU feita em 1680 Citado por R SWONSEN op cll p 310 Essa penetração em superfície apresentava a vantagem de que podia estenderse indefinidamente Não se dependia de nenhum sistema coercitivo Uma vez suscitado o interesse do silvícola a penetração se realizava sutilmente pois criada a necessidade de uma nova mercadoria estava estabelecido um vínculo de dependência do qual já não podiam desligarse os indígenas Explicase assim que com meios tão limitados os jesuítas hajam podido penetrar a fundo na bacia amazônica Dessa forma a pobreza mesma do Estado do Maranhão ao obrigar seus colonos a lutar tão tenazmente pela mãodeobra indígena e a correspondente reação jesuítica de início simples defesa do indígena em seguida busca de formas racionais de convivência e finalmente exploração servil dessa mãodeobra constituíram fator decisivo da enorme expansão territorial que se efetua na primeira metade do século xvni Na etapa em que os colonos do norte se esforçam por sobreviver numa caça impiedosa ao índio e num aprendizado crescente da exploração florestal grandes são também as dificuldades que enfrentam os colonos da antiga colônia de São Vicente no sul para manter seu precário sistema de vida O empobrecimento da região açucareira ao reduzir o mercado de escravos da terra repercutiu igualmente na região sulina escassa de toda mercadoria comercial Os couros que de há muito se exportavam também pelos portos do sul aumentaram então sua importância relativa e os negócios de criação passaram a preocupar os governantes portugueses em forma crescente Por essa época a região do rio da Prata se configurava já como grande centro criatório e os seus couros constituíam uma séria ameaça a um dos poucos produtos da colônia portuguesa cujo mercado não havia sido desorganizado pelo desenvolvimento antilhano A penetração dos portugueses em pleno estuário do Prata onde em 1680 fundaram á Colônia do Sacramento constitui assim outro episódio da expansão territorial do Brasil ligada às vicissitudes da etapa de decadência da economia açucareira A Colônia do Sacramento que esteve em mãos portuguesas com interrupções durante quase um século permitiu a Portugal reforçar enormemente sua posição nos negócios do couro demais de constituir um entreposto para o contrabando sendo um dos principais portos de entrada da América espanhola numa etapa em que a Espanha perdera praticamente a sua frota e persistia em manter o monopólio do comércio com suas colônias À medida que cresciam em importância relativa os setores de subs sistência no norte no sul e no interior nordestino reduzindose concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia tomavase mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole o reduzido valor dos impostos que arrecadava Devendo liquidarse em moeda portuguesa tais impostos sua transferência impunha uma crescente escassez de numerário na colônia cujas dificuldades também por esse lado se viam agravadas Em Portugal eram ainda mais sérias as vicissitudes A queda no valor das exportações de açúcar por um lado criava dificuldades ao erário e por outro impunha a necessidade de reajustar todo o sistema eco nômico em um nível de importações bem mais baixo As repetidas desvalorizações cambiais o valor da libra sobe de milréis para 3500 réis entre 1640 e 1700 refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana Do ponto de vista da colônia tais desvaloriza ções se traziam algum alívio à região exportadora de açúcar também contribuíam para agravar a situação das regiões mais pobres que pouco ou nada tinham para exportar e cuja procura de importações era al tamente inelástica pelo fato mesmo de que se limitava a coisas imprescindíveis como o sal O encarecimento das manufaturas impor tadas chegou a extremos e nas regiões mais pobres como Piratininga uma simples roupa de fazenda importada ou uma espingarda podiam valer mais que uma casa residencial68 Esses fatores contribuíam para a reversão cada vez mais acentuada a formas de economia de subsistência com atrofiamento da divisão do trabalho redução da produtividade fragmentação do sistema em unidades produtivas cada vez menores desaparição das formas mais complexas de convivência social substituição da lei geral pela norma local etc 68 RSON0p Of P221 TERCEIRA PARTE Economia escravista mineira SÉCULO XVIII CAPÍTULO XIII POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS