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Engenharia Química ·

Química Orgânica 1

· 2023/2

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HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 0 CARBOIDRATOS Reconhecimento do Carboidrato na Cura e na Doença As células brancas do sangue patrulham continuamente o sistema circulatório e os espaços intersticiais, prontas para a mobilização no sítio do trauma. Para os leucócitos, os soldados da linha de frente são grupos de carboidratos da superfície, chamados ácidos sialila de Lewisx. Quando ocorre o ferimento, as células no sítio do trauma apresentam proteínas, chamadas seletinas, que indicam o sítio da ferida e ligam os ácidos sialila de Lewisx. As ligações entre as seletinas e os ácidos sialila de Lewisx nos leucócitos provocam a adesão dos leucócitos à área afetada. O recrutamento dos leucócitos, deste modo, é um passo importante na seqüência inflamatória. Tanto é uma parte necessária no processo da cura, como na nossa defesa natural contra a infecção. Há, entretanto, algumas doenças que resultam de um superativo recrutamento de leucócitos. A artrite reumatóide, derrames e ferimentos relacionados a perfusão durante cirurgia e transplante de órgãos são alguns exemplos. Nestas condições, o corpo percebe que certas células estão sob pressão, e reage de acordo para iniciar a cascata inflamatória. Infelizmente, sob essas circunstâncias, na realidade a cascata inflamatória causa mais dano do que bem. Uma estratégia para combater a iniciativa indesejada da cascata inflamatória é impedir a adesão dos leucócitos. Isto pode ser realizado através do bloqueio dos sítios de ligação da seletina com os ácidos sialila de Lewisx. Os químicos têm usado esta abordagem, sintetizando ambos os ácidos sialila de Lewisx, naturais e miméticos, para estudar o processo de ligação. Estes compostos ajudaram a identificar os grupos funcionais chave nos ácidos sialila de Lewisx que são necessários para o reconhecimento e a ligação. Os químicos até projetaram e sintetizaram novos compostos, que possuem afinidades de ligação mais fortes do que os ácidos sialila de Lewisx naturais. Entre eles estão os polímeros de teores estruturais essenciais para a ligação, com ocorrências repetitivas. Estas espécies poliméricas ocupam, presumivelmente, múltiplos sítios ligantes do ácido sialila de Lewisx, imediatamente, conseqüentemente, os análogos do ácido sialila de Lewisx monomérico são ligados com maior força. Esforços parecidos para preparar agentes moleculares bem afinados são típicos da pesquisa na descoberta e projeção de drogas. No caso dos análogos do ácido sialila de Lewisx, os químicos esperam criar novas terapias para as doenças das inflamações crônicas, através da fabricação de agentes melhorados para bloquear a adesão dos leucócitos indesejados. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 1 CARBOIDRATOS 1 – Introdução ........................................................................................... 3 A – Classificação dos Carboidratos ........................................................................................................ 3 B – Fotossíntese e Metabolismo do Carboidrato .................................................................................. 3 2 – Monossacarídeos ............................................................................... 5 A– Classificação dos Monossacarídeos ................................................................................................ 5 B– Designações D e L dos Monossacarídeos ....................................................................................... 5 C– Fórmulas Estruturais para os Monossacarídeos ............................................................................. 6 3 – Mutarrotação ...................................................................................... 8 4 – Formação do Glicosídio .................................................................... 9 5 – Outras Reações dos Monossacarídeos ........................................ 11 A – Enolização, Tautomerização e Isomerização ............................................................................... 11 B – Formação de Éteres ........................................................................................................................ 12 C – Conversão em Ésteres ................................................................................................................... 12 D – Conversão em Acetais Cíclicos ..................................................................................................... 13 6 – Reações de Oxidação dos Monossacarídeos .............................. 13 A – Reagente de Benedict ou Tollens: Açúcares Redutores ............................................................. 13 B – Água de Bromo: a Síntese dos Ácidos Aldônicos ........................................................................ 14 C – Oxidação pelo Ácido Nítrico: Ácidos Aldáricos............................................................................. 14 D – Oxidação pelo Periodato: Clivagem Oxidativa dos Compostos poli-hidroxilados..................... 15 7 – Redução dos Monossacarídeos: Alditóis ..................................... 16 8 – Reações dos Monossacarídeos com Fenilidrazina: Osazonas . 16 9 – Síntese e Degradação dos Monossacarídeos .............................. 17 A – Síntese de Kiliani-Fischer ............................................................................................................... 17 B – Degradação de Ruff ........................................................................................................................ 18 10 – A Família D dos Aldoses ............................................................... 19 11 – Prova de Fischer da Configuração da D-(+)-Glicose ................. 19 12 – Dissacarídeos ................................................................................. 21 A – Sacarose........................................................................................................................................... 21 B – Maltose ............................................................................................................................................. 22 C – Celobiose ......................................................................................................................................... 23 D – Lactose ............................................................................................................................................. 23 HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 2 13 – Polissacarídeos .............................................................................. 24 14 – Outros Açúcares Importantes Biologicamente ......................... 24 15 – Açúcares que Contêm Nitrogênio ............................................... 25 A – Glicosilamionas ................................................................................................................................ 25 B – Aminoaçúcares ................................................................................................................................ 25 16 – Glicolipídios e Glicoproteínas da Superfície da Célula ............ 26 17 – Carboidratos Antibióticos ............................................................ 27 HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 3 1 – Introdução A – Classificação dos Carboidratos O grupo dos compostos conhecidos como carboidratos recebeu, desde cedo, seu nome geral devido às observações de que eles possuem a fórmula Cx(H2O)y – isto é, eles parecem ser “hidratos de carbono”. Carboidratos simples também são conhecidos como açúcares ou sacarídeos (do Latim, saccharum, do Grego, sakharon, açúcar), e os nomes da maioria dos açúcares termina em –ose. Temos, portanto, nomes como sacarose para o açúcar de mesa comum; glicose, para o açúcar principal do sangue; frutose, para o açúcar nas frutas e no mel; e maltose para o açúcar de malte. Os carboidratos são normalmente definidos como aldeídos e cetonas poliidroxilados ou substâncias que hidrolisam para produzir aldeídos e cetonas poliidroxilados. Apesar desta definição chamar a atenção para os grupos funcionais importantes dos carboidratos, ela não é inteiramente satisfatória. Iremos descobrir mais tarde, que devido aos carboidratos conterem grupos carbonila (C=O) e grupos hidroxilas (OH), eles existem principalmente como hemiacetais ou acetais. Os carboidratos mais simples, aqueles que não podem ser hidrolisados em carboidratos ainda mais simples, são chamados monossacarídeos. Em uma base molecular, os carboidratos que sofrem hidrólise para fornecer apenas duas moléculas de monossacarídeo são chamados dissacarídeos; aqueles que produzem três moléculas de monossacarídeo são chamados de trissacarídeos; e assim por diante. (Os carboidratos que hidrolisam para fornecer de 2 a 10 moléculas de monossacarídeos são às vezes chamados de oligossacarídeos.) Os carboidratos que produzem um grande número de moléculas de monossacarídeos (>10) são conhecidos como polissacarídeos. A maltose e a sacarose são exemplos de dissacarídeos. Na hidrólise, 1 mol de maltose fornece 2 moles de monossacarídeo glicose; a sacarose sofre hidrólise para fornecer 1 mol de glicose e 1 mol de monossacarídeo frutose. O amido e a celulose são exemplos de polissacarídeos; ambos são polímeros de glicose. A hidrólise de cada uma delas fornece um grande número de unidades de glicose. A seguir, mostram-se estas hidrólises de modo esquemático. O O O OH 1 mol de maltose H2O H3O+ O OH 2 2 mol de glicose Um dissacarídeo Um monossacarídeo O O O Um dissacarídeo 1 mol de sacarose H3O+ H2O O OH O OH 1 mol de glicose + 1 mol de frutose Monossacarídeos 1 mol de amido ou 1 mol de celulose H2O H3O+ O OH alguns moles de glicose Polissacarídeos Monossacarídeos O OH O O O O m n Os carboidratos são os constituintes orgânicos mais abundantes dos vegetais. Eles servem não só como importante fonte de energia química para os organismos vivos (açúcares e amidos são importantes neste aspecto), mas também nos vegetais e em alguns animais eles servem como constituintes importantes dos tecidos de suporte (esta é a função principal da celulose encontrada na madeira, algodão e fibras de linho, por exemplo). Encontramos os carboidratos em quase qualquer passo da nossa vida cotidiana. O papel se constitui basicamente de celulose; assim, também, é o algodão da nossa roupa e a madeira em nossas casas. A farinha da qual fazemos o pão é basicamente de amido e o amido é também o principal constituinte de muitos outros alimentos, tais como as batatas, arroz, feijão, milho e ervilhas. Os carboidratos são centrais para o metabolismo e são importantes para o reconhecimento da célula. B – Fotossíntese e Metabolismo do Carboidrato Os carboidratos são sintetizados nos vegetais pela fotossíntese – um processo que usa a energia solar para reduzir, ou “fixar”, o dióxido de carbono. A fotossíntese nas algas e nos vegetais mais altos ocorre nas organelas da célula, chamadas cloroplastos. A equação global para a fotossíntese pode ser escrita como segue: CO2 H2O Cx(H2O)y O2 + + + energia solar Carboidrato x y x Muitas reações individuais catalisadas por enzimas ocorrem no processo fotossintético geral e não são totalmente entendidas. Sabemos, contudo, que a fotossíntese começa com a absorção da luz pelo importante pigmento verde dos vegetais, a clorofila (Fig. 1). A cor verde da clorofila e, portanto, sua habilidade em absorver a luz solar na região visível é devida, principalmente, ao seu sistema conjugado extensivo. À medida que os HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 4 fótons da luz solar são capturados pela clorofila, a energia se torna disponível para o vegetal em uma forma química, que pode ser usada para executar as reações que reduzem o dióxido de carbono a carboidratos e oxidam a água a oxigênio. Os carboidratos agem como um reservatório químico principal para a energia solar. Sua energia é liberada quando os animais ou os vegetais metabolizam os carboidratos a dióxido de carbono e água. CO2 H2O Cx(H2O)y O2 + + + energia x y x O metabolismo dos carboidratos também ocorre através de uma série de reações catalisadas por enzima, na qual cada etapa produzindo energia é uma oxidação (ou a conseqüência de uma oxidação). Apesar de parte da energia liberada na oxidação dos carboidratos ser inevitavelmente convertida em calor, grande parte é conservada em uma forma química nova, através de reações que são acopladas à síntese do trifosfato de adenosina (ATP) do difosfato de adenosina (ADP) e o fosfato inorgânico (Pi) (Fig. 2).A ligação anidrido fosfórico que se forma entre o grupo de fosfato terminal do ADP e o íon fosfato se torna um outro reservatório de energia química. Vegetais e animais podem usar a energia conservada do ATP (ou substâncias muito semelhantes) para efetuar todos os seus processos que necessitam de energia: a contração de um músculo, a síntese de uma macromolécula e assim por diante. Quando a energia no ATP é usada, ocorre uma reação acoplada, na qual o ATP é hidrolisado: H2O ADP + Pi + energia ATP + Ou uma nova ligação anidrido é criada: + ATP OH C R O + ADP O C R O O P O O- - Fosfato de acila N N N N Mg CH3 CH2CH3 CH3 O HC H2C H3C H3C H H H2C H CO2CH3 O H2C O C CH2 H H H3C H3C Figura 1: Clorofila a. [A estrutura da clorofila a foi estabelecida principalmente através do trabalho de H. Fisher (Munique), R. Willstätter (Munique) e J.B. Conant (Harvard). A síntese da clorofila de umcomposto orgânico simples foi realizada por R.B. Woodward (Harvard) em 1960, que ganhou o Prêmio Nobel em 1965 por suas contribuições extraordinárias à química orgânica sintética.] HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 5 Figura 2: A síntese do trifosfato de adenosina (ATP) a partir do difosfato de adenosina (ADP) e íon fosfato de hidrogênio. Esta reação ocorre em todos os organismos vivos e o trifosfato de adenosina é o composto principal em que a energia química liberada pelas oxidações biológicas é transformada. 2 – Monossacarídeos A– Classificação dos Monossacarídeos Os monossacarídeos são classificados de acordo com (1) o número de átomos de carbono presentes na molécula e (2) se contêm um grupo de aldeído ou cetona. Assim, um monossacarídeo que contém 3 átomos de carbono é chamado um triose; aquele com 4 átomos de carbono é chamado um tetrose; aquele com 5 átomos de carbono é um pentose; e aquele que contém 6 átomos de carbono é um hexose. O monossacarídeo que contém grupo aldeído é chamado aldose, aquele que contém um grupo cetona, é chamado uma cetose. Estas duas classificações são freqüentemente combinadas. Uma aldose C4, por exemplo, é chamada uma aldotetrose; uma cetose C5 é chamada uma cetopentose. CH2OH CHO (CHOH)n C CH2OH O (CHOH)n CH2OH CH2OH CHOH CHOH CHO O CH2OH CHOH CHOH C CH2OH Uma aldose Uma cetose Uma aldotetrose Uma cetopentose C4 C5 Ex. 1. B– Designações D e L dos Monossacarídeos Os monossacarídeos mais simples são os compostos do gliceraldeído e diidroxiacetona (veja as seguintes estruturas). Destes 2 compostos, apenas o gliceraldeído contém um estereocentro. CH2OH CHO CHOH O CH2OH C CH2OH Gliceraldeído (uma aldotriose) Diidroxiacetona (uma cetotriose) O gliceraldeído existe, portanto, em 2 formas enantioméricas, conhecidas por terem as configurações absolutas mostradas aqui. CH2OH C C O H OH H CH2OH C C O H H HO e (+)-Gliceraldeído (-)-Gliceraldeído HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 6 De acordo com a convenção de Cahn-Ingold-Prelog, (+)-gliceraldeído deve ser designado por (R)-(+)- gliceraldeído e o (–)-gliceraldeído, como (S)-( –)-gliceraldeído. No início do século vinte, antes que as configurações absolutas de qualquer dos compostos orgânicos fossem conhecidas, um outro sistema de designações estereoquímicas foi introduzido. De acordo com este sistema (sugerido primeiro por M.A. Rosanoff da Universidade de New York em 1906), o (+)-gliceraldeído é designado como D-(+)-gliceraldeído e o (–)-gliceraldeído é designado como L-(–)-gliceraldeído. Além do mais, estes dois compostos servem como padrões configuracionais para todos os monossacarídeos. Um monossacarídeo cujo estereocentro de número de ordem mais elevado (o penúltimo carbono) possui a mesma configuração do D-(+)-gliceraldeído é designado como um açúcar D; aquele cujo estereocentro de número de ordem mais elevado possui a mesma configuração do L-gliceraldeído, é designado como açúcar L. Foi convencionando que as formas acíclicas dos monossacarídeos são desenhadas verticalmente com o grupo do aldeído ou cetona no topo ou mais próximo ao topo. Quando desenhados desta maneira, os açúcares D possuem o –OH em seu penúltimo carbono do lado direito. C OH H CHO CHOH CHOH CH2OH 1 2 3 4 5 Uma D-aldopentose * * * CH2OH O CHOH CHOH C CH2OH HO H C Uma L-cetoexose * * * 5 4 3 2 1 6 Estereocentro com número de ordem mais elevada As designações D e L se parecem com as designações (R) e (S) pois não são necessariamente relacionadas às rotações óticas das açúcares aos quais se aplicam. Portanto, pode-se encontrar outros açúcares que são D-(+)- ou D-(–)- e aqueles que são L-(+)- ou L-(–)-. O sistema D-L das designações estereoquímicas está totalmente embutido na literatura da química dos carboidratos, e apesar de ter a desvantagem de especificar a configuração de apenas um estereocentro – aquele do estereocentro de número de ordem mais elevado – iremos adotar o sistema D-L em nossas designações dos carboidratos. Ex. 2. C– Fórmulas Estruturais para os Monossacarídeos Mais adiante, neste capitulo, iremos ver como o grande dos carboidratos, Emil Fischer, conseguiu estabelecer a configuração estereoquímica do aldohexose D-(+)-glicose, o monossacarídeo mais abundante. Por enquanto, entretanto, podemos usar o D-(+)-glicose como um exemplo, ilustrando as várias maneiras de representar as estruturas dos monossacarídeos. Fischer representou a estrutura da D-(+)-glicose com a formulação em cruz (1) na Fig. 3. Este tipo de formulação é chamado atualmente de uma projeção de Fischer e continua sendo útil para os carboidratos. Por convenção, nas projeções de Fischer, as linhas horizontais se projetam em direção do leitor e as linhas verticais se projetam por trás do plano da pagina. Quando usamos as projeções de Fischer, contudo, não devemos (em nossa imaginação) removê-las do plano da pagina para testar sua capacidade de superpor-se, nem precisamos girá-las em 90º. Em termos de formulações mais familiares, a projeção de Fischer se traduz nas fórmulas 2 e 3. Na nomenclatura da IUPAC e com o sistema de Cahn-Ingold-Prelog das designações estereoquímicas, a forma da cadeia aberta da D-(+)-glicose é (2R,3S,4R,5R)-2,3,4,5,6-pentaidroxiexanal. Apesar de várias propriedades do D-(+)-glicose poderem ser explicadas em termos de uma estrutura de cadeia aberta (1, 2 e 3), há considerável evidência que indica que a estrutura da cadeia aberta existe, principalmente, no equilíbrio com duas formas cíclicas. Estas podem ser representadas pelas estruturas 4 e 5 ou 6 e 7. As formas cíclicas da D-(+)-glicose são hemiacetais formados por uma reação intramolecular do grupo –OH em C5 com o grupo de aldeído (Fig. 4). A ciclização cria um novo estereocentro em C1 e este estereocentro explica como duas formas cíclicas são possíveis. Estas duas formas cíclicas são diastereômeros que diferem entre si apenas na configuração do C1. Na química dos carboidratos, os diastereômeros deste tipo são chamados de anômeros, e o átomo de carbono hemiacetal é chamado de átomo de carbono anomérico. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 7 Figura 3: As fórmulas 1-3 são usadas para a estrutura da D-(+)-glicose de cadeia aberta. As fórmulas 4-7 são usadas para D-(+)-glicose como duas formas de hemiacetais cíclicas. As estruturas 4 e 5 para os anômeros são chamados de fórmulas de Haworth. Apesar de não fornecerem um quadro exato da forma do anel de seis membros, elas possuem muitos usos práticos. A Fig. 4 demonstra como a representação de cada estereocentro da forma de cadeia aberta pode ser correlacionada com sua representação na fórmula de Haworth. Cada anômero de glicose é designado como um anômero  ou , dependendo da localização do grupo –OH do C1. Quando desenhamos as formas cíclicas de um açúcar D na orientação mostrada nas Fig. 3 e 4, o anômero  possui o –OH trans em relação ao grupo –CH2OH; e o anômero  possui o –OH cis em relação ao grupo –CH2OH. Estudos das estruturas das formas hemicetais cíclicas da D-(+)-glicose, usando a análise do raio X, têm demonstrado que as configurações reais dos anéis são as formas de cadeia representadas pelas fórmulas conformacionais 6 e 7 na Fig. 3. Esta forma é exatamente o que seria esperado de nosso estudos das conformações do cicloexano e é especialmente interessante observar que no anômero  da D-glicose, todos os substituintes grandes, –OH e CH2OH, são equatoriais.No anômero , o único substituinte axial volumoso é o – OH no C1. Às vezes, é conveniente representar as estruturas cíclicas de um monossacarídeo sem especificar se a configuração do átomo de carbono anomérico é  ou . Quando o fazemos, iremos usar as seguintes fórmulas: O OH H H OH CH2OH H H HO OH O OH HO HO CH2OH OH indica  ou  (visão tridimensional não-especificada) HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 8 Figura 4: As fórmulas de Haworth para as formas hemiacetais cíclicas da D-(+)-glicose e sua relação com a estrutura do aldeído poliidroxilado de cadeia aberta. De Holum, J.R. Organic Chemistry: a Brief Course; Wiley: New York, 1975: p. 332. Nem todos os carboidratos existem em equilíbrio com os anéis hemicetais de seis membros; em muitos momentos, o anel possui cinco membros. (Mesmo a glicose existe até certo grau, no equilíbrio com os anéis hemicetais de 5 membros.) Devido a esta variação, um sistema de nomenclatura foi introduzido para permitir a designação do tamanho do anel. Se o anel monossacarídeo possui seis membros, o composto é chamado uma piranose; se o anel possui cinco membros, o composto é designado como uma furanose. Assim, o nome completo do composto 4 (ou 6), é -D-(+)-glicopiranose, enquanto do 5 (ou 7), é -D-(+)-glicopiranose. 3 – Mutarrotação Parte da evidência sobre a estrutura hemicetal cíclica para a D-(+)-glicose vem de experiências nas quais ambas as formas  e  foram isoladas. A D-(+)-glicose comum possui um ponto de fusão de 146º C. Contudo, quando a D-(+)-glicose é cristalizada pela evaporação uma solução aquosa, mantida acima de 98º C, uma segunda forma de D-(+)-glicose, com um ponto de fusão de 150º C, pode ser obtida. Quando as rotações óticas dessas duas formas são medidas, descobre-se que elas são significativamente diferentes, mas quando se permite que uma solução aquosa, de qualquer uma das formas, permaneça, sua rotação muda. A rotação específica de uma forma diminui e a rotação da outra, aumenta, até que ambas as soluções mostrem o mesmo volume. A solução da D-(+)-glicose (pf 150º C) possui uma rotação específica inicial de 18,7º; mas, lentamente, a rotação específica desta solução cresce até +52,7º. Esta mudança na rotação, com a finalidade de um valor de equilíbrio, é chamada de mutarrotação. A explicação para esta mutarrotação está na existência de um equilíbrio entre a forma de cadeia aberta da D-(+)-glicose e as formas  e  dos hemicetais cíclicos. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 9 O HO HO CH2OH OH OH O HO HO CH2OH OH OH C OH H HO H OH H OH H CH2OH H O -D-(+)-Glicopiranose (pf 146 C; [] = +112 ) o o 25 D D 25 o o -D-(+)-Glicopiranose (pf 150 C; [] = +18,7 ) Forma em cadeira aberta da D-(+)-glicose A análise de raio X confirmou que a D-(+)-glicose comum possui a configuração  no átomo de carbono anomérico e que a forma de ponto de fusão mais alto possui a configuração . A concentração da D-(+)-glicose da cadeia aberta na solução em equilíbrio é muito pequena. As soluções da D-(+)-glicose não oferecem banda de adsorção na UV ou IV para um grupo de carbonila, e soluções da D-(+)-glicose fornecem um teste negativo com o reagente de Schiff – um reagente especial que requer uma concentração relativamente alta de um grupo aldeído livre (em vez de um hemiacetal), para resultar em um teste positivo. Assumindo que a concentração de uma forma de cadeia aberta seja desprezível, é possível calcular, através do uso de rotações específicas nas figuras anteriores, as percentagens dos anômeros  e , presentes no equilíbrio. Estas percentagens, 36% do anômero  e 64% do anômero , estão de acordo com a estabilidade maior para a -D-(+)-glicopiranose. Esta preferência é o que podemos esperar com base nela possuir apenas grupos equatoriais. O HO HO CH2OH OH OH O HO HO CH2OH OH OH -D-(+)-Glicopiranose (36% no equilíbrio) -D-(+)-Glicopiranose (64% no equilíbrio) (axial) (equatorial) Contudo, nem sempre o anômero  de uma piranose é o mais estável. Com a D-manose, o equilíbrio favorece o anômero , e este resultado é chamado de um efeito anomérico. -D-Manopiranose (31% no equilíbrio) -D-Manopiranose (69% no equilíbrio) O HO HO CH2OH OH OH O HO HO CH2OH OH OH Não iremos mais discutir os efeitos anoméricos, exceto para dizer que eles advêm dos aspectos conformacionais das interações de dois átomos de oxigênio eletronegativos. Um efeito anomérico irá freqüentemente causar um substituinte eletronegativo, tal como um grupo hidroxila ou alcoxila, para preferir a orientação axial. 4 – Formação do Glicosídio Quando uma pequena quantidade de cloreto de hidrogênio gasoso é introduzida em uma solução da D- (+)-glicose em metanol, ocorre uma reação que resulta na formação de metil acetais anoméricos. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 10 O OH HO HO CH2OH OH O HO HO CH2OH OH OCH3 O HO HO CH2OH OH OCH3 C OH H HO H OH H OH H CH2OH H O Metil--D-glicopiranosídio (pf 165oC; [] = +158o) 25 D D-(+)-glicose CH3OH HCl (-HOH) + D 25 Metil--D-glicopiranosídio (pf 107oC; [] = -33o) Os acetais dos carboidratos são chamados, em geral, de glicosídios (veja o seguinte mecanismo) e um acetal de glicose á chamado um glicosídio. (Os acetais da manose são manosídios, os acetais da frutose são frutosídios, e assim por diante.) Os metil D-glicosídios demonstraram possuir anéis de seis membros; assim são apropriadamente denominados de metil -D-glicopiranosídio e metil -D-glicopiranosídio. O mecanismo para a formação dos metil-glicosídios (começando arbitrariamente como -D- glicopiranose) é o seguinte: Observe o papel importante desempenhado pelo par de elétrons do átomo de oxigênio adjacente, na estabilização do carbocátion que se forma na segunda etapa. Os glicosídios são estáveis nas soluções básicas por serem acetais. Nas soluções acídicas, porém, os glicosídios sofrem a hidrólise para produzir um açúcar e um álcool (novamente, por serem acetais). O álcool obtido pela hidrólise de um glicosídio é conhecido como um aglicônio. O OH HO HO CH2OH OH + ROH O OR HO HO CH2OH OH Glicosídio (estável em soluções básicas) Açúcar Aglicônio Por exemplo, quando uma solução aquosa do metil D-(+)-glicopiranosídio se acidifica, o glicosídio sofre a hidrólise para produzir a D-glicose, como uma mistura das duas formas de piranose (em equilíbrio com uma pequena quantidade da forma da cadeia aberta). HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 11 Os glicosídios podem ser tão simples quanto os metil glicosídios que acabamos de estudar, ou podem ser consideravelmente mais complexos. Muitos compostos naturais são glicosídios. Um exemplo é a salicilina, um composto encontrado na casca do salgueiro. Aglicônio O HO HO CH2OH OH O CH2OH Carboidrato Salicilina Desde os tempos da antiga Grécia, fazia-se um preparo, a partir da cascado salgueiro, usado para aliviar a dor. Os químicos isolaram a salicilina a partir de outros vegetais, e conseguiram mostrar que ela era responsável pelos efeitos analgésicos dos preparados com a casca do salgueiro. A salicilina pode ser convertida em ácido salicílico que, por sua vez, pode ser convertido no analgésico moderno mais usado mundialmente, a aspirina. Ex. 3, Ex. 4 eEx. 5. 5 – Outras Reações dos Monossacarídeos A – Enolização, Tautomerização e Isomerização Dissolver os monossacarídeos em solução aquosa alcalina faz com que estes sofrem enolizações e uma série de tautomerizações ceto-enólicas que levam as isomerizações. Por exemplo, se uma solução da D-glicose, que contém hidróxido de cálcio, ficar em repouso por vários dias, muitos produtos podem ser isolados, incluindo a D-frutose e a D-manose (Fig. 5). Este tipo de reação é chamado transformação de Lobry de Bruyn-Alberta van Ekenstein, em homenagem a dois químicos holandeses que a descobriram em 1895. Quando se realizam reações com monossacarídeos, normalmente é importante impedir estas isomerizações, e assim preservar a estereoquímica em todos os estereocentros. Uma maneira de fazê-lo é converter primeiro o monossacarídeo em metil glicosídio. Podemos, então, realizar as reações com segurança, em meio básico, pois o grupo aldeído foi convertido em um acetal e os acetais são estáveis em base aquosa. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 12 C OH H HO H OH H OH H CH2OH H O D-glicose (forma de cadeia aberta) H2O OH- C OH HO H OH H OH H CH2OH H O - C OH HO H OH H OH H CH2OH H O- Íon enolato OH- H2O C H HO HO H OH H OH H CH2OH H O D-Manose H2O OH- C OH HO H OH H OH H CH2OH H OH Tautomerização C OH H HO H OH H OH H CH2OH CH2OH O Enodiol D-Frutose Figura 5: Monossacarídeos sofrem isomerizações via íons enolato e enedióis quando colocados em base aquosa. Mostramos aqui como a D-glicose se isomeriza em D-manose e em D-frutose. B – Formação de Éteres Um metil glicosídio, por exemplo, pode ser convertido em derivados pentametílicos pelo tratamento com o excesso do sulfato de dimetila no hidróxido de sódio aquoso. Esta reação é apenas uma síntese de Williamson múltipla. Os grupos hidroxila de monossacarídeos são mais ácidos que os álcoois comuns pois o monossacarídeo contém muitos átomos de oxigênio eletronegativo, todos os quais exercem efeitos indutivos de retirada de elétron sobre os grupos hidroxila vizinhos. Na NaOH aquosa, os grupos hidroxila são convertidos em íons alcóxidos, e cada um deles, por sua vez, reage com o sulfato de dimetila em uma reação de SN2 para produzir um éter metílico. O processo é chamado de metilição exaustiva. O OCH3 HO HO CH2OH OH OH- O OCH3 HO HO CH2OH O- CH3 OSO3CH3 O OCH3 HO HO CH2OH OCH3 metilações repetidas O OCH3 CH3O CH3O CH2OCH3 OCH3 Derivado pentametilado Os grupos metóxi em C2, C3, C4 e C6 dos derivados pentametílicos são grupos de éter comum. Estes grupos, conseqüentemente, são estáveis em ácido aquoso diluído. (Para clivar os éteres é necessário aquecê-los com HBr ou HI concentrados.) O grupo metóxi em C1, entretanto, é diferente dos outros, pois faz parte de uma ligação de acetal (ele é glicosídio). Portanto, tratar o derivado pentametílico com ácido aquoso diluído causa a hidrólise deste grupo metoxila glicosídico e produz a 2,3,4,6-tetra-O-metil-D-glicose. (O O, neste nome, significa que os grupos metílicos são ligados aos átomos de oxigênio.) C OCH3 H CH3O H OCH3 H OH H CH2OCH3 H O O OCH3 CH3O CH3O CH2OCH3 OCH3 Derivado pentametilado H3O+ H2O O OH CH3O CH3O CH2OCH3 OCH3 2,3,4,6-Tetra- O-metil-D-glicose Observe na forma da cadeia aberta, que o oxigênio em C5 não carrega um grupo de metila, pois, originalmente, fazia parte da ligação hemiacetal cíclica da D-glicose. C – Conversão em Ésteres Tratando um monossacarídeo com excesso anidrido acético e uma base fraca (tal como uma piridina ou acetato de sódio), converte-se todos os grupos hidroxila, incluindo a hidroxila anomérica em grupo éster. Se a HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 13 reação ocorre em uma temperatura baixa (por exemplo, 0oC), a reação ocorre estereoespecificamente; o anômero a fornece o -acetato e o anômero b fornece o -acetato. O HO HO CH2OH OH OH (CH3CO)2O piridina, 0 oC O O O CH3CO CH3CO CH2OCCH3 CH3CO OCCH3 O O O D – Conversão em Acetais Cíclicos Os aldeídos e as cetonas reagem com o 1,2-diol de cadeia aberta, para produzir os acetais cíclicos. CH2OH CH2OH CH3 O C CH3 + H+ O O CH3 CH3 1,2-Diol Acetal cíclico + HOH Se o 1,2-diol é ligado a um anel, como em um monossacarídeo, a formação dos acetais cíclicos ocorre apenas quando os grupos hidroxila vicinais são cis em relação um ao outro. Por exemplo, o -D-galactopiranose reage com a acetona da seguinte maneira: O HO HO CH2OH OH OH CH3 O C CH3 + 2 HOH H2SO4 O O O CH2OH O O CH3 H3C H3C H3C A formação dos acetais cíclicos pode ser usada para proteger certos grupos hidroxila de um açúcar, enquanto as reações se desenvolvem em outras partes da molécula. Iremos ver um exemplo no exercício 19. Os acetais formados a partir da acetona são chamados acetonídeos. 6 – Reações de Oxidação dos Monossacarídeos Vários agentes de oxidação são usados para identificar grupos funcionais dos carboidratos, para esclarecer suas estruturas e para as sínteses. Os mais importantes são (1) os reagentes de Benedict ou Tollens, (2) água de bromo, (3) ácido nítrico e (4) ácido periódico. Cada um destes reagentes produz normalmente um efeito diferente e específico, quando se permite que reaja com um monossacarídeo. Iremos examinar quais são estes efeitos. A – Reagente de Benedict ou Tollens: Açúcares Redutores O reagente de Benedict (uma solução alcalina contendo um íon de complexo de citrato cúprico) e a solução de Tollens [Ag+(NH3)2 –OH] oxidam e assim fornecem testes positivos com aldoses e cetoses. Os testes são positivos apesar das aldoses e cetoses existirem principalmente como hemicetais cíclicos. A solução de Benedict e a solução relacionada de Fehling (que contém um íon de complexo de tartrato cúprico) fornecem precipitado vermelho tijolo de Cu2O, quando oxidam uma aldose. [Na solução alcalina, as cetoses convertem-se em aldoses (seção 5), que depois são oxidadas pelos complexos cúpricos.] Como as soluções dos tartratos e citratos cúpricos são azuis, a aparência de um precipitado vermelho-tijolo é uma indicação nítida e inquestionável de um teste positivo. Cu2+ (complexo) + ou CH2OH (CHOH)n CHO O CH2OH C (CHOH)n CH2OH Cu2O + produtos de oxidação Solução de Benedict (azul) Aldose Cetose (produto de redução, vermelho tijolo) Açúcares que resultam em testes positivos com as soluções de Tollens ou Benedict são conhecidos como açúcares redutores, e todos os carboidratos que contêm um grupo hemiacetal resultam em testes positivos. Em solução aquosa estes hemicetais estão em equilíbrio com concentrações relativamente pequenas, mas não insignificantes, de aldeídos ou -hidroxicetonas acíclicos. São estes dois últimos que sofrem a HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 14 oxidação, atrapalhando o equilíbrio na produção de mais aldeído ou -hidroxicetona, que então sofre a oxidação até o esgotamento de um dos reagentes. Os carboidratos que contêm grupos acetais apenas não resultam em testes positivos com a solução de Benedict ou Tollens, e são chamados açúcares não-redutores. Os acetais não existem em equilíbrio com os aldeídos ou as -hidroxicetonas no meio aquoso básico dos reagentes do teste. C C C O O R' H Açúcar redutor C C C O O R' R Açúcar não-redutor Grupo alquila ou um outro açúcar Hemiacetal (R' = H ou CH2OH) (fornece teste positivo de Tollens ou de Benedict) Hemicetal (R' = H ou CH2OH) (não fornece teste positivo de Tollens ou de Benedict) Ex. 6. Apesar dos reagentes de Benedict e Tollens serem de alguma utilidade como ferramentas de diagnóstico (a solução de Benedict pode ser usada nas determinações quantitativas de açúcares redutores [conhecidas como glicose] no sangue e na urina), nenhum destes reagentes é útil como um reagente preparativo nas oxidações de carboidratos. As oxidações com ambos os reagentes ocorrem em solução alcalina, e nas soluções alcalinas os açúcares redutores sofrem ume série de reações complexas que levam as isomerizações (seção 5). B – Água de Bromo: a Síntese dos Ácidos Aldônicos Os monossacarídeos não sofrem reações de isomerização nem de fragmentação em soluções ligeiramente acídicas. Assim, um reagente de oxidação útil para propósitos preparativos é o bromo em água (pH 6,0). A água de bromo é um reagente geral que oxida seletivamente o grupo –CHO em um grupo –COOH. Ele converte uma aldose em um ácido aldônico: CH2OH (CHOH)n CHO Aldose Br2 H2O CH2OH (CHOH)n COOH ácido aldônico Experiências com aldopiranoses mostraram que o curso real da reação é um pouco mais complexo do que havíamos indicado assim. A água de bromo oxida especificamente o anômero b e o produto inicial que se forma é uma -aldonolactona. Este composto pode então se hidrolisar em um ácido aldônico e este pode sofrer um subseqüente fechamento de anel, para formar uma -aldonolactona. O HO HO CH2OH OH OH COOH OH H HO H OH H OH H CH2OH H2O Br2 H2O O HO HO CH2OH OH O -D-Glicopiranose D-Glucono--lactona H2O + - Ácido D-glicônico O O H OH H OH H H HO CH2OH D-Glicônico--lactona H2O H2O + - C – Oxidação pelo Ácido Nítrico: Ácidos Aldáricos O ácido nítrico diluído – um agente de oxidação mais forte que a água de bromo – oxida, tanto o grupo –CHO e o grupo terminal –CH2OH de um aldose em grupos –COOH. Estes ácidos dicarboxílicos são conhecidos como ácidos aldáricos. CH2OH (CHOH)n CHO Aldose COOH (CHOH)n COOH ácido aldárico HNO3 HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 15 Não se sabe se uma lactona é um intermediário na oxidação de uma aldose em um ácido aldárico; os ácidos aldáricos, contudo, formam prontamente as lactonas  e . H2O - OH CHOH CHOH CHOH CHOH C O C O OH CHOH CHOH CHOH CH C O C O OH O ou OH CHOH CH CHOH CHOH C O C O O -Lactonas de um ácido aldárico Ácido aldárico (de uma aldoexose) O ácido aldárico obtido da D-glicose é chamado ácido D-glicárico. CHO OH H HO H OH H OH H CH2OH O OH HO HO CH2OH O- HNO3 COOH OH H HO H OH H OH H COOH D-Glicose Ácido D-glicárico Ex. 7 e Ex. 8. D – Oxidação pelo Periodato: Clivagem Oxidativa dos Compostos poli-hidroxilados Os compostos que possuem grupos hidroxila em átomos adjacentes sofrem clivagem oxidativa quando são tratados com ácido periódico aquoso (HIO4). A reação promove a clivagem das ligações carbono-carbono e produz compostos carbonilados (aldeídos, cetonas ou ácidos). A estequiometria da reação é OH OH + HIO4 C O 2 + + HIO3 H2O Como a reação normalmente ocorre em rendimentos quantitativos, informações valiosas podem ser obtidas, muitas vezes, medindo-se o número de equivalentes molares do ácido periódico consumido na reação, assim como identificando os produtos carbonilados. Acredita-se que oxidações por periodatos ocorrem através de um intermediário cíclico: -H2O C OH C OH + IO4 - O O- I O C O C O C O C O + IO3 - Antes de discutir o uso do ácido periódico na química dos carboidratos, devemos ilustrar o curso da reação com vários exemplos simples. Observe nestas oxidações por periodato que para cada ligação C–C clivada, uma ligação C–O é formada em cada carbono. 1. Quando 3 ou mais grupos –CHOH são contíguos, os internos são obtidos como ácido fórmico. A oxidação do glicerol por periodato, por exemplo, fornece dois equivalentes molares do formaldeído e um equivalente molar do ácido fórmico. + IO4 - C O H H + + H C OH H H H OH C H OH C 2 C O H H C O H OH (formaldeído) (ácido fórmico) (formaldeído) Glicerol 2. A clivagem oxidativa ocorre também quando um grupo –OH é adjacente a um grupo carbonila de um aldeído ou uma cetona (mas não aquele de um ácido ou um éster).O gliceraldeído produz dois equivalentes molares do ácido fórmico e um equivalente molar do formaldeído, enquanto o HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 16 diidroxicetona fornece dois equivalentes molares do formaldeído e um equivalente molar do dióxido de carbono. + IO4 - + + 2 C O H H C O H OH (ácido fórmico) (formaldeído) Gliceraldeído C H H H OH C H OH C O C O H OH (ácido fórmico) + IO4 - + + 2 C O H H C O O (dióxido de carbono) (formaldeído) Diidroxicetona C OH H H OH C O C H H C O H H (formaldeído) 3. O ácido periódico não promove a clivagem de compostos nos quais os grupos hidroxila são separados por um grupo intermediário –CH2–, nem aqueles nos quais um grupo hidroxila é adjacente a um éter ou uma função acetal. + IO4 - CH2OH CH2 CH2OH não há clivagem CH2R CHOH CH2OCH3 não há clivagem IO4 - + Ex. 9 e Ex. 10. 7 – Redução dos Monossacarídeos: Alditóis As aldoses (e cetoses) podem ser reduzidas pelo boroidreto de sódio a compostos chamados alditóis. CH2OH (CHOH)n CHO Aldose NaBH4 H2, Pt ou CH2OH (CHOH)n CH2OH Alditol A redução da D-glicose, por exemplo, produz o D-glicitol. CHO OH H HO H OH H OH H CH2OH O OH HO HO CH2OH O- CH2OH OH H HO H OH H OH H CH2OH NaBH4 D-Glicitol (ou D-sorbitol) Ex. 11. 8 – Reações dos Monossacarídeos com Fenilidrazina: Osazonas O grupo aldeído de uma aldose reage com reagentes carbonílicos do tipo hidroxilamina e fenilidrazina. Com a hidroxilamina, o produto é a oxima esperada. Com bastante fenilidrazina, contudo três equivalentes molares da fenilidrazina são consumidos e um segundo grupo fenilidrazona é introduzido em C2. O produto é chamado de uma fenilosazona. As fenilosazonas cristalizam prontamente (diferente dos açúcares) e são derivados úteis para identificar os açúcares. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 17 CH2OH (CHOH)n CHOH C H O Aldose + 3C6H5NHNH2 CH2OH (CHOH)n C C H NNHC6H5 NNHC6H5 + C6H5NH2 + NH3 + H2O Fenilosazona O mecanismo para a formação da osazona depende, provavelmente, de uma série de reações nas quais C=N se comporta de modo semelhante ao C=O ao fornecer uma versão de um nitrogênio de um enol. A formação da osazona resulta da perda do estereocentro em C2, mas não afeta outros estereocentros; a D- glicose e a D-manose, por exemplo, produzem a mesma fenilosazona: CHO OH H HO H OH H OH H CH2OH C6H5NHNH2 NNHC6H5 CH C HO H OH H OH H CH2OH NNHC6H5 C6H5NHNH2 CHO H HO HO H OH H OH H CH2OH D-Glicose D-Manose A mesma fenilosazona Esta experiência, realizada pela primeira vez por Emil Fischer, estabeleceu que a D-glicose e a D-manose possuem as mesmas configurações sobre o C3, C4 e C5. As aldoses diastereoméricas que diferem na configuração em apenas um carbono (como a D-glicose e a D-manose) são chamadas epímeros. Em geral, qualquer par de diastereômeros que difere em configuração em apenas um único estereocentro pode ser chamado de epímero. Ex. 12. 9 – Síntese e Degradação dos Monossacarídeos A – Síntese de Kiliani-Fischer Em 1885, Heinrich Kiliani (Freiburg, Alemanha) descobriu que uma aldose pode ser convertida em ácidos aldônicos epiméricos,possuindo um carbono adicional através da adição do cianeto de hidrogênio e a subseqüente hidrólise das cianoidrinas epiméricas. Mais tarde, Fischer expandiu este método, mostrando que as aldonolactonas obtidas dos ácidos aldônicos podem ser reduzidas às aldoses. Hoje em dia este método de prolongar a cadeia de carbono de uma aldose é chamado de síntese de Kiliani-Fischer. Podemos ilustrar a síntese de Kiliani-Fischer com a síntese da D-treose e a D-eritrose (aldotetroses) a partir do D-gliceraldeído (uma aldotriose) na Fig. 6. A adição do cianeto de hidrogênio ao gliceraldeído fornece duas cianoidrinas epiméricas, pois a reação cria um novo estereocentro. As cianoidrinas podem ser facilmente separadas (pois são diastereômeros) e cada uma pode ser convertida em uma aldose através da hidrólise, a acidificação, a lactonização e a redução com Na- Hg em pH 3-5. Finalmente, uma cianoidrina produz a D-(–)-eritrose e a outra produz a D-(+)-treose. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 18 Figura 6: Uma síntese de Kiliani-Fischer da D-(–)-eritrose e da D-(–)-treose a partir de D-gliceraldeído. Podemos ter certeza de que ambas as aldotreoses que obtemos desta síntese de Kiliani-Fischer são açúcares D, pois o composto inicial é o D-gliceraldeído e seu estereocentro não é afetado pela síntese. Na base da síntese de Kiliani-Fischer só não sabemos qual a aldotreose que possui ambos os grupos –OH à direita e qual possui o – OH do topo à esquerda, na projeção de Fischer. Contudo, se oxidamos ambas as aldotreoses em ácidos aldáricos, uma [D-(–)-eritrose] irá produzir um produto (meso) opticamente inativo, enquanto a outra [D- (–)-treose] irá produzir um produto que é opticamente ativo (veja problema 7). Ex. 13, Ex. 14, Ex. 15 e Ex. 16. B – Degradação de Ruff Assim como é possível usar a síntese de Kiliani-Fischer para alongar a cadeia de um aldose por um átomo de carbono, a degradação de Ruff pode ser usada para encurtar a cadeia por uma unidade semelhante. A degradação de Ruff envolve (1) a oxidação da aldose em ácido aldônico, usando água de bromo e (2) decarboxilação oxidativa do ácido aldônico na aldose imediatamente inferior, usando o peróxido de hidrogênio e o sulfato férrico. A D-(–)-ribose, por exemplo, pode ser degradada em D-(–)-eritrose: Br2 H2O D-Ribose C O H H OH OH H OH H CH2OH C O HO H OH OH H OH H CH2OH H2O2 Fe2(SO4)3 C O HO OH H OH H CH2OH Ácido D-ribônico D-(-)-Eritrose HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 19 Ex. 17. 10 – A Família D dos Aldoses A degradação de Ruff e a síntese de Kiliani-Fischer permite classificar todas as aldoses em famílias ou “arvores genealógicas”, com base em sua relação ao D- ou L-gliceraldeído. Tal arvore é construída na Fig. 7 e inclui as estruturas das D-aldoexoses, 1-8. A maioria,mas não todas as aldoses naturais, pertence à família D, com a D-(+)-glicose sendo, até agora, a mais comum. A D-(+)-galactose pode ser obtida do açúcar do leite (lactose), mas a L-(–)-galactose ocorre em um polissacarídeo encontrado no caracol da vinha, a Helix pomattia. A L-(+)-arabinose é encontrada com facilidade mas a D-(–)-arabinose é rara,sendo encontrada apenas em certas bactérias e esponjas. A treose, lixose, gulose e a alose não são naturais, mas uma ou ambas as formas (D ou L) de cada já foram sintetizadas. Figura 7: A família D das aldoexoses. 11 – Prova de Fischer da Configuração da D-(+)-Glicose Emil Fischer começou seu trabalho sobre a estereoquímica da (+)-glicose em 1888, somente 12 anos depois que van-t Hoff e Le Bel apresentaram sua proposta referente à estrutura tetraédrica do carbono. No início, foi disponível para Fischer apenas um pequeno conjunto de dados: apenas alguns monossacarídeos eram conhecidos, incluindo a (+)-glicose, a (+)-arabinose e a (+)-manose. [(+)-manose acabava dee ser sintetizada por Fischer]. Sabia-se que os açúcares (+)-glicose e (+)-manose eram aldoexoses; a (+)-arabinose era conhecida com uma aldopentose. Como uma aldoexose possui quatro estereocentros, 24 (ou 16) estereisômeros são possíveis – um dos quais é a (+)-glicose. Fischer decidiu, arbitrariamente, limitar sua atenção às oito estruturas com a configuração D, dada na Fig.7 (estrutura 1-8). Fischer percebeu que não conseguiria diferenciar entre configurações enantioméricas, pois os métodos para determinar a configuração absoluta dos compostos orgânicos não haviam sido desenvolvidos. Só foi em 1951, quando Bijvoet determinou a configuração absoluta do ácido L-(+)-tartárico [e, conseqüentemente, o D-(+)-gliceraldeído], que a designação arbitrária de Fischer da (+)-glicose à família, que chamamos de família D, foi reconhecida como correta. A designação de Fischer, de estrutura 3 para a (+)-glicose, foi baseada no seguinte raciocínio: HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 20 1. A oxidação pelo ácido nítrico da (+)-glicose fornece um ácido aldárico opticamente ativo. Isto elimina considerar as estruturas 1 e 7, pois ambos os compostos iriam fornecer ácidos meso-aldáricos. 2. A degradação da (+)_glicose fornece a (-)-arabinose e a oxidação pelo ácido nítrico da (-)-arabinose fornece um ácido aldárico opticamente ativo. Isto significa que a (-)-arabinose não pode ter as configurações 9 ou 11, e deve possuir a estrutura 10 ou 12. Fica estabelecido, também, que a (+)-glicose não pode possuir a configuração 2, 5 ou 6. Isto deixa as estruturas 3, 4 e 8 como possibilidades para a (+)-glicose. 3. Uma síntese de Kiliani-Fischer, iniciando com a (-)-arabinose, fornece a (+)-glicose e a (+)-manose; a oxidação por ácido nítrico da (+)-manose fornece um ácido aldárico opticamente ativo. Isto, aliado ao fato que a (+)-glicose produz um ácido aldárico diferente e opticamente ativo, estabelece a estrutura 10 como a estrutura da (-)-arabinose e elimina a estrutura 8, como estrutura possível para a (+)-glicose. Se a (-)-arabinose fosse representada pela estrutura 12, uma síntese de Kiliani-Fischer iria fornecer duas aldoexoses, 7 e 8, uma das quais (7), daria um ácido aldárico opticamente inativo ao ser oxidado por ácido nítrico. 4. Sobraram duas estruturas, a 3 e 4; uma estrutura representa a (+)-glicose e a outra representa a (+)-manose. Fischer percebeu que a (+)-glicose e a (+)-manose eram epiméricas (em C2), mas a decisão de qual composto fosse representado por qual estrutura era o mais difícil. 5. Fischer já havia desenvolvido um método eficiente para intercambiar os dois grupos terminais (–CHO e –CH2OH) de uma cadeia de aldose. E, com uma lógica brilhante, percebeu que se a (+)-glicose tinha a estrutura 4, um intercâmbio de grupos terminais iria produzir a mesma aldoexose Por outro lado, se a (+)-glicose possui a estrutura 3, um intercâmbio do grupo terminal irá fornecer uma aldoexose diferente, 13: Esta nova aldoexose, se fosse formada, iria ser um açúcar L e seria imagem especular da D-glicose. Assim, seu nome seria L-gulose. Fischer efetuou o intercâmbio do grupo terminal começando com a (+)-glicose e o produto foi a nova aldoexose 13. Este resultado provou que a (+)-glicose possui a estrutura 3. estabeleceu também o 4, como a estrutura para a (+)-manose e forneceu a estrutura da L-(+)-glicose com 13. O procedimento usado por Fischer para intercambiar os terminais da cadeia da (+)-glicose começava com um dos -lactonas do ácido D-glucárico (ver problema 8) e foi efetuado como segue: Observe que nesta síntese a segunda redução com a Na-Hg é efetuada no pH 3-5. Sob estas condições, a redução da lactona fornece um aldeído e não um álcool primário. C H O H H O H H O O H H O H H C H 2 O H intercâmbio de grupo terminal por reações químicas C H 2 O H H H O H H O O H H O H H C H O C H O H H O H H O O H H O H H C H 2 O H = (Lembre-se de que é possível virar uma projeção de Fischer de 180 o no plano da página.) C H O O H H H H O O H H O H H C H 2 O H intercâmbio de grupo terminal por reações químicas C H 2 O H O H H H H O O H H O H H C H O C H O H H O H H O O H H H H O C H 2 O H = (Lembre-se de que é possível virar uma projeção de Fischer de 180 o no plano da página.) L-Gulose HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 21 12 – Dissacarídeos A – Sacarose O açúcar comum é um dissacarídeo chamado de sacarose. A sacarose, o dissacarídeo mais disseminado na natureza, é encontrada em todos os vegetais fotossintéticos e é obtida comercialmente pela cana-de-açúcar ou da beterraba. A sacarose possui a estrutura mostrada na Fig. 8. A estrutura da sacarose é baseada na seguinte evidência: 1. A sacarose possui a fórmula molecular C12H22O11. 2. A hidrólise catalisada por ácido de 1 mol da sacarose produz 1 mol da D-glicose e 1 mol da D-frutose. O OH H H OH H CH2OH HO CH2OH 1 2 3 4 5 6 Frutose (como uma -furanose) 3. A sacarose é um açúcar não-redutor; ele fornece testes negativos com as soluções de Benedict e Tollens. A sacarose não forma uma osazona nem sofre mutarrotação. Estes fatos significam que nem a glicose nem a parcela da frutose da sacarose possui um grupo hemiacetal. Portanto, os 2 hexoses devem possuir uma ligação glicosídica que envolve o C1 da glicose e o C2 da frutose, pois é somente desta maneira, que ambos os grupos carbonila estarão presentes como acetais completos (i.e., como glicosídios). 1 2 3 4 5 6 O CH2OH HO OH OH CH2OH HO CH2OH OH O O 1 2 3 4 5 6 da D-glicose da D-frutose Ligação -glicosídica Ligação -frutosídica C O H H H H O H O H H C O O H O O C H 2 O H O H H H H O O H H O H H C O 2 H = Uma  -lactona do ácido D-glucárico Na-Hg Ácido L-glucônico C H 2 O H O H H H O O H H O H H C O O Uma  -aldonolactona Na-Hg pH 3-5 C H 2 O H O H H H H O O H H O H H C H O C H O H H O H H O O H H H H O C H 2 O H L-(+) -Gulose HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 22 CH2OH HO CH2OH OH O O OH CH2OH HO HO O Figura 8: Duas representações da fórmula para a (+)-sacarose (-D-glicopiranosila -D-frutofuranosídio). 4. A estereoquímica das ligações glicosídicas pode ser deduzida pelas experiências realizadas com as enzimas. A sacarose é hidrolisada por uma -glucosidase obtida da levedura, mas não por enzimas - glicosidases. Esta hidrólise indica uma configuração  em uma parcela glicosídica. A sacarose é também hidrolisada pela sacarase, uma enzima conhecida por hidrolisar os -frutofuranosídios. Esta hidrólise indica uma configuração  na parcela frutosídica. 5. A metilação da sacarose fornece um derivado octametila que, ao hidrolisar, fornece a 2,3,4,6-tetra-O- metil-D-glicose e a 1,3,4,6-tetra-O-metil-D-frutose. As identidades destes dois produtos demonstram que a parcela glicose é um piranosídio e que a parcela frutose é um furanosídio. A estrutura da sacarose foi confirmada pela análise de raio X e por uma síntese clara. B – Maltose Quando o amido é hidrolisado pela enzima diastase, um produto é o dissacarídeo conhecido como maltose (Fig. 9). 1. Quando 1 mol da maltose é submetido à hidrólise catalisada por ácidos ele produz 2 mols da D-(+)- glicose. 1 2 3 4 5 6 Ligação -glicosídica O CH2OH HO OH OH O O OH OH OH CH2OH 1 2 3 4 5 6 ou OH CH2OH HO O O HO HO CH2OH OH O OH Figura 9: Duas representações da estrutura do  anômero da (+)-maltose, 4-O-(-D-glicopiranosila)--D- glicopiranose. 2. Diferente da sacarose, a maltose é um açúcar redutor, ele resulta em testes positivos com as soluções de Fehling, Benedict e Tollens. A maltose reage também com a fenilidrazina para formar uma monofenilosazona (i.e., ela incorpora duas moléculas de fenilidrazina). 3. A maltose existe em duas formas anoméricas: -(+)-maltose, []D25 = +168º, e -(+)-maltose, []D25 = +122º. Os anômeros da maltose sofrem mutarrotação para produzir uma mistura equilibrada, []D25 = +136º. Fatos 2 e 3 demonstram que um dos resíduos da glicose da maltose esta’presente em forma de hemiacetal; a outra, portanto, deve estar presente como um glicosídio. A configuração desta ligação glicosídio pode ser deduzida como sendo , pois a maltose é hidrolisada por enzimas -glicosidase e não por enzimas -glicosidase. 4. A maltose reage com água de bromo para formar um ácido monocarboxílico, o ácido maltônico (Fig. 10a). Este fato é também consistente com a presença de um grupo hemiacetal. 5. A metilação do ácido maltônico, seguida pelo hidrólise, fornece a 2,3,4,6-tetra-O-metil-D-glicose e o ácido 2,3,5,6-tetra-O-metil-Dglicônico. O primeiro produto possui um –OH livre em C5; isso indica que a parcela de glicose não-redutora está presente como um piranosídio. O segundo produto, o ácido 2,3,5,6-tetra-O-metil-D-glicônico possui um –OH livre em C4, indicando que esta posição foi envolvida em uma ligação glicosídica com a glicose não-redutora. 6. A metilação da própria maltose, seguida pela hidrólise (Fig. 10b), fornece a 2,3,4,6-tetra-O-metil-D- glicose e a 2,3,6-tri-O-metil-D-glicose. O –OH livre em C5, neste segundo produto, indica que o grupo deve ter sido envolvido no anel de óxido e que a glicose redutora está presente como uma piranose. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 23 O CH2OH HO OH OH O O OH OH CH2OH OH maltose Br2/H2O CH3OH, H+ (CH3)2SO4, OH- (1) (2) O CH2OH HO OH OH O OH OH OH CH2OH CO2H Ácido maltônico (CH3)2SO4, OH- O CH2OCH3 CH3O OCH3 OCH3 O OCH3 OCH3 OCH3 CH2OCH3 CO2CH3 H+, H2O O CH2OCH3 CH3O OCH3 OCH3 OH + OCH3 OCH3 OCH3 CH2OCH3 CO2H HO 2,3,4,6-Tetra- O-metil- D-glicose (como uma piranose) Ácido 2,3,5,6-tetra- O-metil- D-glicônico O CH2OCH3 CH3O OCH3 OCH3 O O OCH3 OCH3 CH2OCH3 OCH3 O CH2OCH3 CH3O OCH3 OCH3 OH H+, H2O 2,3,4,6-Tetra- O-metil- D-glicose (como uma piranose) + O CH2OCH3 HO OCH3 OCH3 OH 2,3,6-Tri- O metil-D-glicose (como uma piranose) Figura 10: (a) Oxidação da maltose em ácido maltônico seguida pela metilação e a hidrólise. (b) A metilação e a subseqüente hidrólise da própria maltose. C – Celobiose A hidrólise parcial da celulose fornece o dissacarídeo, a celobiose (C12H22O11) (Fig. 11). A celobiose se parece com a maltose em todos os aspectos, exceto um: a configuração de sua ligação glicosídica. A celobiose, assim como a maltose, é um açúcar redutor que, na hidrólise catalisada por ácido, fornece dois equivalentes da D-glicose. A celobiose também sofre mutarrotação e forma uma monofenilosazona. Estudos da metilação mostram que o C1 de uma unidade da glicose é conectado pela ligação glicosídica ao C4 do outro; e que ambos os anéis possuem seis membros. Diferentes da maltose, contudo, a celobiose é hidrolisada pelas enzimas -glicosidase e não pelas enzimas -glicosidase: isto indica que a ligação glicosídica na celobiose é . 1 2 3 4 5 6 Ligação -frutosídica O CH2OH HO OH OH O O OH OH OH CH2OH 1 2 3 4 5 6 ou OH CH2OH HO O O HO HO CH2OH OH O OH Figura 11: Duas representações do  anômero de celobiose, 4-O-(-D-glicopiranosil)--D-glicopiranose. D – Lactose A lactose (Fig. 12) é um dissacarídeo presente no leite humano, das vacas e quase todos os mamíferos. A lactose é um açúcar redutor que hidrolisa para produzir a D-glicose e a D-galactose; a ligação glicosídica é . HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 24 1 2 3 4 5 6 Ligação -frutosídica O CH2OH HO OH OH O O OH OH OH CH2OH 1 2 3 4 5 6 da D-galactose da D-glicose ou OH CH2OH HO O O HO HO CH2OH OH O OH Figura 12: Duas representações do  anômero de lactose, 4-O-(-D-galactopiranosil)--D-glicopiranose. 13 – Polissacarídeos Os polissacarídeos, também conhecidos como glicânios, consistem em monossacarídeos unidos pela ligação glicosídica. Os polissacarídeos, que são polímeros de um único monossacarídeo, são chamados homopolissacarídeos; aqueles compostos de mais de um tipo de monossacarídeo são chamados heteropolissacarídeos.Os homopolissacarídeos também são classificados com base nas suas unidades de monossacarídeo.Um homopolissacarídeo consistindo em unidades monoméricas de glicose é chamado um glicânio; aquele que consiste em unidades de galactose, é um galactânio, e assim por diante. Três polissacarídeos importantes, todos eles glicânios, são o amido, o glicogênio e a celulose. O amido é a principal reserva de alimento dos vegetais; o glicogênio funciona como uma reserva de carboidrato para os animais e a celulose serve como material estrutural nos vegetais. 14 – Outros Açúcares Importantes Biologicamente Os derivados dos monossacarídeos nos quais o grupo –CH2OH no C6 foi especificamente oxidado em um grupo carboxila são chamados ácidos urônicos. Seus nomes são baseados no monossacarídeo do qual eles são derivados. Por exemplo, a oxidação específica do C6 de glicose em um grupo carboxila converte a glicose em ácido glicurônico. Da mesma maneira, a oxidação específica do C6 da galactose irá produzir o ácido galacturônico. Ácido glicurônico Problema 19: A oxidação direta de uma aldose afeta primeiro o grupo aldeído, convertendo-o em um ácido carboxílico (Seção 6B) e a maioria dos agentes oxidantes que irá atacar os grupos dos álcoois primários irá atacar também os grupos de álcoois secundários. Fica claro então que uma síntese de laboratório de um ácido urônico de uma aldose precisa proteger estes grupos da oxidação. Tendo isto em mente, sugira um método que, efetuando uma oxidação específica, irá converter a D-galactose em ácido D-galacturônico. (Dica: veja seção 5). Os monossacarídeos em que um grupo –OH foi substituído pelo –H são conhecidos como desoxiaçúcares. O desoxiaçúcar mais importante, por ocorrer no DNA, é a desoxirribose. Outros desoxiaçúcares, que ocorrem muito nos polissacarídeos, são os L-ramnose e a L-fucose. Desoxirribose L-Ramnose L-Fucose HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 25 15 – Açúcares que Contêm Nitrogênio A – Glicosilamionas Um açúcar no qual um grupo amino substitui o –OH anomérico é chamado glicosilamina. Exemplos são a -D-glicopiranosilamina e a adenosina. -D-glicopiranosilamina Adenosina A adenosina é um exemplo de uma glicosilamina que é também chamada de nucleosídeo. Os nucleosídeos são glicosilaminas nas quais o componente amino é uma pirimidina ou uma purina e na qual o componente açúcar é a D-ribose ou a 2-desoxi-D-ribose (i.e., a D-ribose menos o oxigênio na segunda posição). Os nucleosídeos são componentes importantes do RNA (ácido ribonucléico) e o DNA (ácido desoxirribonucléico). B – Aminoaçúcares Um açúcar no qual um grupo amino substitui um grupo –OH não-anomérico é chamado de aminoaçúcar. Um exemplo é a D-glicosamina. Várias vezes o grupo amino é acetilado como na N-acetil-D- glicosamina. O ácido N-acetilmurâmico é um componente importante da parede celular bacteriana. A D-glicosamina pode ser obtida pela hidrólise da quitina, um polissacarídeo encontrado nas carapaças das lagostas e caranguejos e nos esqueletos externos dos insetos e aranhas. O grupo amino da D-glicosamina, como ocorre na quitina, contudo, é acetilado; assim, a unidade que se repete é, na realidade, a N- acetilglicosamina. As ligações glicosídicas na quitina são (14). A análise de raios X indica que a estrutura da quitina é semelhante à da celulose. Quitina Heparina A D-glicosamina também pode ser isolada da heparina, um polissacarídeo sulfatado que consiste predominantemente em unidades alternadas da D-glicuronato-2-sulfonato e da N-sulfo-D-glicosamina-6-sulfato. A heparina ocorre em grânulos intracelulares das células masto que alinham as paredes arteriais, onde, quando liberada devido a uma ferida, inibe a coagulação do sangue. Seu propósito parece ser impedir a formação contínua de coágulos. A heparina é amplamente usada na medicina para prevenir a coagulação do sangue em pacientes pós-cirúrgicos. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 26 16 – Glicolipídios e Glicoproteínas da Superfície da Célula Antes de 1960, acreditava-se que a biologia dos carboidratos não era muito interessante; e que, além de ser um tipo de carga inerte na célula, os carboidratos serviam apenas como uma fonte de energia e, nos vegetais, como materiais estruturais. A pesquisa, contudo, mostrou que os carboidratos unidos aos lipídios e às proteínas, através de ligações glicosídicas, chamados glicolipídios e glicoproteínas, respectivamente, possuem funções que cobrem todo o espectro das atividades na célula. De fato, a maioria das proteínas é de glicoproteínas, nas quais o conteúdo de carboidrato pode variar de menos de 1 % até mais de 90 %. Os glicolipídios e as glicoproteínas na superfície da célula são conhecidos atualmente como agentes através dos quais as células interagem com outras células, com vírus e com bactérias invasoras. A cura e certos estados de doença como a atrite reumatóide envolvem o reconhecimento dos carboidratos da superfície da célula. Um carboidrato importante neste papel é a sialila de Lewisx (veja início do Capítulo). O O O O O O O OH NHCOCH3 HO OH OH HO OH OH OH OH HOOC OH H3COCHN HO HO HO Sialila de Lewisx Os grupos sangüíneos dos seres humanos oferecem um outro exemplo de como os carboidratos, na forma de glicolipídios e glicoproteínas, agem como marcadores bioquímicos. Os tipos sangüíneos A, B e O são determinados, respectivamente, pelos determinantes A, B e H na superfície das células sangüíneas. (A estranha denominação do tipo O surgiu por razoes históricas complicadas.) As células sangüíneas tipo AB possuem ambas os determinantes A e B. Esses determinantes são as partes de carboidratos dos antígenos A, B e H. Os antígenos são substâncias químicas características que provocam a produção de anticorpos, quando injetados em animais. Cada anticorpo pode unir pelo menos duas de suas moléculas dos antígenos correspondentes, provocando sua união. A associação das células vermelhas do sangue faz com que elas se aglutinam (aglomerem-se). Em uma transfusão esta aglomeração pode levar a um bloqueio fatal dos vasos sangüíneos. Indivíduos com antígenos tipo A em suas células sangüíneas carregam anticorpos anti-B em seu soro; aqueles com antígenos tipo B em suas células sangüíneas carregam anticorpos anti-A em seu soro.Indivíduos com células do tipo AB possuem ambos os antígenos A e B, mas não possuem nem o anticorpo anti-A nem o anti-B. Os indivíduos do tipo O não possuem nem o antígeno A nem B em suas células sangüíneas, mas possuem ambos os anticorpos anti-A e anti-B. Os antígenos A, B e H diferem apenas quanto às unidades de monossacarídeos em seus terminais não- redutores. O antígeno tipo H (Fig. 13) é o precursor oligossacarídeo do antígeno tipo A e B. Os indivíduos com tipo sangüíneo A possuem uma enzima que adiciona especificamente uma unidade N-acetilgalactosamina ao grupo 3-OH da unidade galactose terminal do antígeno H. Indivíduos com tipo sangüíneo B possuem uma enzima que, por sua vez, adiciona especificamente a galactose. Nos indivíduos com tipo sangüíneo O, a enzima é inativa. As interações antígenos-anticorpo, como aquelas que determinam os tipos sangüíneos, são a base do sistema imunológico. Essas interações envolvem sempre o reconhecimento químico de um glicolipídio ou uma glicoproteína no antígeno por um glicolipídio ou uma glicoproteína do anticorpo. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 27 Figura 13: Os monossacarídeos terminais dos determinantes antígenos dos tipos sangüíneos A, B e O. O determinante tipo H está presente em indivíduos com tipo sangüíneo O e é o precursor dos determinantes de tipo A e B. Estes antígenos oligossacarídeos são ligados aos lipídios carregadores ou moléculas de proteínas que estão ancoradas na membrana da célula vermelha do sangue. Ac = acetil, Gal = D-galactose, GalNAc = N-acetilgalactosamina, GlicNAc = N-acetilglicosamina, Fuc = Fucose. 17 – Carboidratos Antibióticos Uma das descobertas importantes na química do carboidrato foi o isolamento (em 1944) do carboidrato antibiótico chamado estreptomicina. A estreptomicina é constituída pelas seguintes três subunidades: NH O O HO HO HOCH2 O H3C CHO HO O NH HO NH OH C NH2 NH2 C NH HO Estreptidina L-Estreptose 2-Deoxi-2-metilamino- -L-glicopiranose Todos os três componentes são incomuns: o aminoaçúcar é baseado na L-glicose; a estreptose é um monossacarídeo com cadeia ramificada; e a estreptidina nem é um açúcar, mas um derivado de cicloexano chamado aminociclitol. HERVÉ M. LABORDE QUÍMICA ORGÂNICA Carboidratos 28 Outros membros dessa família são os antibióticos chamados canamicinas, neomicinas e gentamicinas (não mostradas). Todas baseadas em um aminociclitol ligado a um ou mais aminoaçúcares. A ligação glicosídica é quase sempre . Estes antibióticos são especialmente úteis contra as bactérias que são resistentes à penicilina.