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Cursos Gerais ·

Formação Econômica do Brasil

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NOVAIS Fernando A O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial INBrasil em Perspectiva SP DIFEL 1969 formação de uma economia complementar voltada para o mercado metropolitano Em outras palavras podese dizer que nos entrepostos africanos e asiáticos a atividade econômica dos europeus pelo menos nesta primeira fase se circunscreve nos limites da circulação das mercadorias a colonização promoverá a intervenção direta dos empresários europeus no âmbito da produção Contudo se é possível e mesmo útil estabelecer a distinção cumpre acrescentar logo em seguida que no processo histórico concreto as duas formas não são sucessivas mas coexistentes e mais o caráter de exploração comercial não é abandonado pela empresa ultramarina européia quando ela se desdobra na atividade mais complexa da colonização Pelo contrário esse caráter de exploração mercantil marca profundamente o tipo de vida econômica que se organizará nas áreas coloniais 1 A colonização da época moderna se apresenta pois em primeiro lugar como um desdobramento da expansão marítimocomercial européia que assinala a abertura dos Tempos Modernos De fato a colonização por meio da agricultura tropical como a inauguraram pioneiramente os portugueses aparece como a solução através da qual se tornou possível valorizar economicamente as terras descobertas e dessa forma garantirlhes a posse pelo povoamento ou em outros termos de enquadrar as novas áreas no esforço de recuperação e expansão econômica que se vinha empreendendo Na América espanhola será a mineração que permitirá o ajustamento das condições americanas aos estímulos da economia européia mas o caráter da empresa é evidentemente idêntico Como desdobramento da expansão comercial a colonização se insere no processo de superação das barreiras que se antepuseram no fim da Idade Média ao desenvolvimento da economia mercantil e ao fortalecimento das camadas urbanas e burguesas Com efeito o renascimento do comércio vigorosamente consolidado a partir do século XI intensificará o ritmo das atividades econômicas no curso de toda a segunda Idade Média entretanto no final do período sobretudo a partir do século XIV uma série de fatores internos e externos põem em xeque a possibilidade de se prosseguir na linha de desenvolvimento econômico desencadeando um conjunto de tensões através das quais se criam condições ao mesmo tempo para as mudanças 1 Cf Caio Prado Jr Formação do Brasil Contemporâneo São Paulo Ed Brasileira 1953 p 1326 48 na organização política européia e para a abertura de novas rotas e conquistas de maiores mercados Não cabe evidentemente aqui aprofundar a análise desse processo extremamente complexo numa das fases mais criticas da história do ocidente europeu a larga bibliografia especializada no estudo da expansão ultramarina européia poderá orientar o leitor que desejar deterse neste ponto 2 Devemos reter apenas os elementos indispensáveis para a compreensão da história do sistema colonial organizado em função desse movimento Para tanto cumpre destacar a conexão que vincula os dois processos paralelos de expansão mercantil e a formação de Estados de tipo moderno Realmente a abertura de novas rotas a fim de superar os entraves derivados do monopólio das importações orientais pelos venezianos e muçulmanos e a escassez do metal nobre implicavam em dificuldades técnicas navegação do Mar Oceano e econômicas o alto custo de investimentos o grau muito elevado de risco da empresa o que exigia larga mobilização de recursos as formas de organização empresarial então existentes por seu turno dado seu caráter embrionário revelavamse incapazes de propiciar a acumulação de meios indispensáveis ao empreendimento Desta forma o Estado centralizado capaz de mobilizar recursos em escala nacional tornouse um prérequisito à expansão ultramarina por outro lado desencadeados os mecanismos de exploração comercial e colonial do ultramar fortalecese reversivamente o Estado colonizador Em outras palavras a expansão marítima comercial e colonial postulando um certo grau de centralização do poder para tornarse realizável constituiuse por seu turno em fator essencial do poder do Estado metropolitano Temos assim os dois elementos essenciais à compreensão do modo de organização e dos mecanismos de funcionamento do antigo Sistema Colonial como instrumento de expansão da economia mercantil européia em face das condições desta nos fins da Idade Média e início da Época Moderna toda atividade econômica colonial se orientará segundo os interesses da burguesia comercial da Europa como resultado do esforço econômico coordenado pelos novos Estados modernos as colônias se constituem em instrumento de poder das respectivas metrópoles Na medida em que os velhos reinos medievais se organizam em Es 2 Entre os trabalhos mais recentes V Magalhaes Godinho A expansão quatrocentista portuguesa Lisboa 1944 M Nunes Dias O capitalismo monárquico português Coimbra 1963 49 tados de tipo moderno unificados e centralizados vão uns após outros abrindo caminho no ultramar e participando da exploração colonial Portugal Espanha PaísesBaixos França Inglaterra do século XV ao XVII realizam sucessivamente a transição para a forma moderna de Estado e se lançam à elaboração de seus respectivos impérios coloniais Paralelamente agudizamse as tensões políticas entre as várias potências e os problemas tradicionais da velha Europa se complicam com novos atritos pela partilha do mundo colonial o equilíbrio europeu quimera constante da diplomacia na Época Moderna tornase cada vez mais difícil enquanto se sucedem as hegemonias coloniais ou continentais É moldurada no complicado quadro dessas tensões que se desenrola a história da colonização e do sistema colonial Antes mesmo de implantarse a colonização propriamente dita já os Estados ibéricos disputam a partilha do Mar Oceano reivindicando junto ao papado a legitimação da posse das terras descobertas e por descobrir legitimação de resto para logo negada pelas demais potências na medida em que solucionados seus problemas internos vão desenvolvendo condições que lhes permitam disputar o desfrute da exploração ultramarina As bulas pontifícias Alexandre VI 1493 os tratados de Tordesilhas 1494 e de Saragoça 1529 marcam essa primeira etapa de pressões por uma partilha diriamos précolonizadora o que aliás se constituiu num fator que estimulou a procura de fórmulas de valorizaçáo e povoamento visandose através do povoamento garantir a posse efetiva de que resultou a colonização Para se completar o quadro falta porém um elemento e essencial Na medida em que a colonização se constituía num dos elementos quiçá o mais importante no processo de fortalecimento dos Estados modernos e de superação das limitações ao desenvolvimento da economia capitalista européia a política colonial seguida pelas potências que se vai elaborando juntamente com o próprio movimento colonizador passa a integrar um esquema mais amplo de política econômica que teoriza e coordena a ação estatal na época moderna a política mercantilista Efetivamente a expansão da economia de mercado para assumir o domínio da vida econômica européia esbarrava com uma série de obstáculos institucionais legados pelo feudalismo ao mesmo tempo como vimos o grau de desenvolvimento espontâneo da economia mercantil não a tinha capacitado para ultrapassar os limites geográficos em que até então se vinculava o comércio europeu A emersão dos Estados do tipo moderno rompendo essas barreiras cria condições de enriquecimento da burguesia mercantil e seu fortalecimento face às demais ordens da sociedade européia A política econômica do mercantilismo ataca simultaneamente todas as frentes preconizando a abolição das aduanas internas tributação em escala nacional unidade de pesos e medidas política tarifária protecionista balança favorável com conseqüente ingresso do bullhão colônias para complementar a economia metropolitana A política mercantilista conforme a clássica análise de Heckscher 3 visava a unificação e o poder do Estado II O sistema de colonização que a política econômica mercantilista visa desenvolver tem em mira os mesmos fins mais gerais do mercantilismo e a eles se subordina Por isso a primeira preocupação dos Estados colonizadores será de resguardar a área de seu império colonial face às demais potências a administração se fará a partir da metrópole e a preocupação fiscal dominará todo o mecanismo administrativo Mas a medula do sistema seu elemento definidor reside no monopólio do comércio colonial Em torno da preservação desse privilégio assumido inteiramente pelo Estado ou reservado à classe mercantil da metrópole ou parte dela é que gira toda a política do sistema colonial E aqui reaparce o caráter de exploração mercantil que a colonização incorporou da expansão comercial da qual foi um desdobramento O monopólio do comércio das colônias pela metrópole define o sistema colonial porque é através dele que as colônias preenchem a sua função histórica isto é respondem aos estímulos que lhes deram origem que formam a sua razão de ser enfim que lhes dão sentido E realmente reservando a si com exclusividade a aquisição dos produtos coloniais a burguesia mercantil metropolitana pode forçar a baixa dos seus preços até o mínimo além do qual se tornaria antieconômica a produção a revenda na metrópole ou alhures a preço de mercado cria uma margem de lucros de monopólio apropriada pelos mercadores intermediários se vendido no próprio mercado consumi 3 Cf E Heckscher Mercantilism Trad Inglesa Londres 1955 t I pág 19 e segs 51 dor metropolitano os produtos coloniais transferemse rendas da massa da população metropolitana bem como dos produtores coloniais para a burguesia mercantil se vendidos em outros países tratase de ingresso externo apropriado pelos mercadores metropolitanos 4 Igualmente adquirindo a preço de mercado na própria metrópole ou no mercado europeu os produtos do consumo colonial produtos manufaturados sobretudo e revendendoos na colônia a preços monopolistas o grupo privilegiado se apropria mais uma vez de lucros extraordinários Num e noutro sentido uma parte significativa da massa de renda real gerada pela produção da colônia é transferida pelo sistema de colonização para a metrópole e apropriada pela burguesia mercantil essa transferência corresponde às necessidades históricas de expansão da economia capitalista de mercado na etapa de sua formação Ao mesmo tempo garantindo o funcionamento do sistema face às demais potências e diante dos produtores coloniais e mesmo das demais camadas da população metropolitana o Estado realiza a política burguesa e simultaneamente se fortalece abrindo novas fontes de tributação Estado centralizado e sistema colonial conjugamse pois para acelerar a acumulação de capital comercial pela burguesia mercantil européia O regime de monopólio do comércio é de tal modo consubstancial à colonização européia da época moderna que ele já reponte nas primeiras etapas da expansão marítima no século XV Logo após a ultrapassagem do Bojador por Antão Gonçalves e Nuno Tristão o rei de Portugal proibé 1443 a ida de quaisquer embarcações às terras descobertas sem autorização do Infante D Henrique Na expansão quatrocentista portuguesa firmase assim desde o início a exploração do ultramar como patrimônio régio a Coroa pode ceder ou arrendar os direitos e de fato o fez no período anterior a D João II a partir desse monarca o Estado real assumiu a exploração direta do comércio ultramarino com exclusividade As Côrtes de Coimbra 1481 foram o teatro das reclamações dos mercadores portugueses e de suas reivindicações protestaram eles sobretudo contra a presença dos mercadores estrangeiros em Portugal e nas colônias nas ilhas em 1480 cerca de 20 naus estrangeiras comerciavam aquicár na Madeira principalmente em igualdade de condições com lusitanos argumentavam que não passando por Lisboa o volume desse tráfico deixavam os estrangeiros de pagar os impostos colocandose em posição vantajosa Era um argumento bem dirigido aos interesses régios D João II estabelece taxas especiais para os mercadores estrangeiros em Portugal e determina a expulsão dos mesmos do ultramar no prazo de um ano Firmavase o princípio do exclusivo colonial Sob D Manuel se empreende a conquista dos mercados do Índico e se organiza a rota do Cabo o grande comércio do Oriente se desloca para o Atlântico Os tratados com os chefes locais estipulam os preços o Vicereino da Índia garante o monopólio régio a empresa particular opera através das negociações com o monarca português A colonização agrícola do Brasil já se inicia portanto dentro da estrutura monopolista do sistema colonial O princípio já se tinha fixado nas experiências anteriores e derivava das próprias condições históricoeconômicas em que se processara a expansão marítima Alguns setores da exploração da América portuguesa reservamse diretamente à Coroa pau brasil sal etc são os estancos o mais o grande comércio açucareiro fica dentro do monopólio da classe mercantil portuguesa O período do domínio espanhol 15801640 assinala mesmo um enriquecimento do regime Após a Restauração 1640 as vicissitudes da dinastia bragantina face ao equilíbrio europeu obrigaram a algumas concessões porém de fato se procurou constantemente contornar a execução das cessões consignadas nos tratados Por outro lado num esforço para revigorar o comércio ultramarino português e inspirandose no êxito da experiência holandesa a política colonial lusitana se orienta para o regime das companhias de comércio Cia Geral do Comércio do Brasil 1649 que representam um robustecimento do regime monopolista Apesar da pressão crescente das demais potências e da intensificação do contrabando o regime permanece no século XVIII pois como dirá um dos mais lúcidos teóricos do colonialismo português ao fim deste século Azeredo Coutinho é justo que em troca da defesa e segurança propiciadas pela metrópole as colônias também de sua parte sofram que só possam comerciar diretamente com a metrópole excluída toda e qualquer outra nação ainda que lhes faça um comércio mais vantajoso 5 4 Em termos técnicos na situação típica de relações metrópolecolônia o grupo de mercadores metropolitanos forma em relação à colônia um oligopólio pois detém a exclusividade da compra dos produtos coloniais e ao mesmo tempo um oligopólio pois detém o privilégio da venda dos produtos metropolitanos à colônia 5 J J da Cunha de Azeredo Coutinho Ensaio Economico sobre o commercio de Portugal e suas colonias 3a edição Lisboa 1828 pág 149 52 53 A pressão das demais potências europeias cresceu a partir do período da união dinástica de Portugal e Espanha As Províncias Unidas dos PaísesBaixos ao mesmo tempo que no continente europeu lutam pela independência afinal conquistada sobre a monarquia espanhola lançamse à conquista da participação direta da exploração ultramarina É nessa linha que se situam o desalojamento paulatino do dominio lusitano no Índico e a ocupação do Nordeste açucareiro do Brasil A ação holandesa no Índico foi mais duradoura do Brasil foram expulsos em 1654 e essa experiência veio mais uma vez demonstrar como o regime monopolista constituía a própria essência da expansão comercial européia desta época face às condições econômicas específicas em que se processava Pois as primeiras tentativas dos holandeses para comerciar diretamente nas praças orientais dados os embargos de Felipe II ao comercio holandês nos portos ibéricos 1585 se organizaram em termos de empresa privadas concorrências e redundaram em completo fracasso Diante da competição das várias empresas isoladas e dadas as condições do tráfico a longa distância pela rota do Cabo e sujeita ao ritmo das monções os agentes da oferta das especiarias e demais produtos orientais no Índico tinham condições vantajosas de manipular os preços retendo boa margem de benefícios e anulando a lucratividade do empreendimento Se se iniciava a desorganização do domínio português no Oriente nem por isso se conseguia substituílo na posição de intermediário do até então fabuloso comércio indiano Os esforços para superação desse impasse é que levaram à constituição da Companhia Holandesa das Índias Orientais estreitamente vinculada na sua organização aos Estados Gerais das Províncias Unidas a nova empresa 1602 recebeu as garantias monopolistas e mesmo ação soberana no Oriente Indiano Estruturandose pela primeira vez como uma sociedade anônima típica pôde mobilizar e centralizar os recursos das antigas empresas em escala nacional e mesmo posteriormente supranacional ocupando o posto que no sistema português era desempenhado pelo estado monárquico mas em condições mais vantajosas pois as suas possibilidades de reinvestimento eram maiores isenta que estava dos ônus do Estado absolutista Armado com esta nova instituição é que o florescente capitalismo comercial holandês consegue com êxito substituir no século XVII os portugueses no abastecimento dos produtos orientais para a Europa 5 A colonização da América espanhola põe mais uma vez em relevo a natureza do sistema colonial A empresa propriamente colonizadora já se inicia com as relações metrópolecolônia bem definidas através do regime de pórto único instituído com a instalação da Casa de Contratação em Sevilha 1503 Tratase de um supermonopólio que confina o tráfico colonial ultramarino nas mãos de um grupo privilegiado da burguesia mercantil castelhana o consulado sevilhano na concessão se manifestavam os interesses fiscais da Coroa e uma certa recompensa ao comércio andaluz que se encarregou da empresa indiana na sua fase mais difícil Os interesses criados foram suficientemente fortes para preservar o sistema até o final do século XVIII somente a política reformista dos ministros ilustrados de Carlos III conseguiria quebrar o regime do pórto único com a instituição do comércio livre 1778 Dada a natureza das importações espanholas no comércio indiano predomínio dos metais preciosos as preocupações fiscais e as necessidades da defesa levaram à instalação do regime de frotas e galeões ficando o tráfico restrito a determinadas épocas duas vezes por ano em comboios e restringindo os portos para o entreposto americano Cartagena Vera Cruz Pôrto Belo assim para tomarmos o exemplo extremo o abastecimento da região platina devia ser feito via Peru e não diretamente pelo Atlântico É de se presumir a permanente escassez da oferta dos produtos metropolitanos e europeus a que esse regime sujeitava a América espanhola e a conseqüente alta de seus preços O regime de relações comerciais da Espanha com a HispanoAmérica colonial tipifica levando a seus extremos o sistema de exploração colonial 6 Todavia não é apenas pelo rigorismo do monopólio comercial que a colonização da hispanoamérica representa a forma acabada do sistema colonial do mercantilismo A produção colonial desde cedo teve condições aí de se orientar para a mineração da prata e do ouro assim a exploração colonial através do monopólio do tráfico se faz diretamente sob a forma de metais nobres no mais puro espírito mercantilista Ora o afluxo contínuo de tesouro americano superando de muito as carências da economia européia desencadeou um processo inflacionário que da Espanha irradiou por toda a Europa nos séculos XVI e XVII a chamada Revolução dos Preços 6 Cf C Haring Comercio y Navegación entre España y las Indias Trad espanhola México Fundo de Cultura 1938 6 Os salários entretanto não acompanharam o ritmo de elevação dos preços como demonstraram as investigações minuciosas de E Hamilton 7 Isto significa que o movimento dos preços neste período de um modo geral promoveu uma transferência de renda real das camadas assalariadas para as classes empresariais desta forma ainda pelas suas repercussões mais remotas e indiretas a exploração colonial ultramarina resultava no enriquecimento e fortalecimento das classes empenhadas em incrementar a expansão do capitalismo na sua fase de formação Em vários sentidos é pois possível assinalar as conexões que vinculam a colonização européia e o antigo sistema colonial seja com a política econômica mercantilista seja com a etapa de formação do capitalismo moderno o capitalismo comercial que então caracterizava a vida econômica e social da Europa Fator ao mesmo tempo de fortalecimento do Estado e de desenvolvimento burguês a economia colonial na medida em que complementa a economia metropolitana dálhe possibilidade de pôr efetivamente em execução os ditames da política mercantilista independendo das demais potências por complementarse nas colônias o Estado colonizador tem condições de disputar e conquistar mercados fomentando o crescente ingresso do bulhão dentro de suas fronteiras Assim tornase compreensível o empenho das nações européias na época moderna em organizarem seus impérios coloniais e a tenacidade com que disputaram a partilha do mundo ultramarino Os estímulos ao desenvolvimento econômico gerados pelas economias coloniais periféricas atuaram poderosamente sobre a economia européia mau as várias potências se esforçavam continuamente para canalizar para dentro de suas fronteiras esses estímulos em detrimento das demais desfrutar os estímulos oriundos do sistema colonial significava de fato elaborar os prérequisitos do desenvolvimento das forças produtivas pois o sistema colonial promovia ao mesmo tempo acumulação de capitais por parte dos grupos empresariais e expansão dos mercados consumidores dos produtos manufaturados III É neste contexto e só neste contexto que se torna possível compreender o modo como se organizaram nas colônias as atividades produtivas e as suas implicações sobre os demais setores da vida social Enquanto a expansão da economia européia se limitou à abertura de novos mercados ultramarinos isto é na etapa précolonizadora a política da potência expansionista se constituiu fundamentalmente em estabelecer nas áreas ultramarinas através da ação militar ou mesmo dominação política condições que lhe permitisse o exercício do monopólio comercial com exclusão das demais potências Ao passar para atividade propriamente colonizadora tratavase de organizar uma produção que se ajustasse aos interesses dos lucros monopolistas A produção colonial se ajusta por isso às necessidades da procura européia Daí a colonização agrícola do século XVI terse orientado para o intertrópico americano as condições geográficas do mundo tropical permitiam a implantação de uma economia agrícola complementar à agricultura temperada da Europa A zona temperada da América só muito mais tarde no século XVII será objeto da colonização européia a migração o povoamento desta área porém obedece a estímulos inteiramente diversos daí resultando um tipo novo de colônia Onde não foi portanto possível dedicarse desde logo à mineração dos metais nobres como na América espanhola a colonização se especializa na produção dos produtos agrícolas trópicais Deste o açúcar ocupava no início do século XVI uma posição excepcional no mercado europeu Cultivado nas Ilhas Atlânticas portugueses comercializado nas praças flamengas a sua procura crescia na medida em que por um lado se desalojavam antigos centros de oferta produção siciliana e por outro em função da elevação geral do nível de renda da população européia nesta fase de desenvolvimento Além disso a comercialização nas praças flamengas assegurava à distribuição do produto o concurso das mais adiantadas técnicas de negócio da época A cultura da cana e o fabrico do açúcar nas regiões quentes e úmidas do Brasil tropical apresentaramse assim na quarta década do século XVI como uma solução que permitia ao mesmo tempo valorizar economicamente a extensa colônia integrandoa nas linhas do comércio europeu 8 e promover o seu povoamento e ocupação efetiva facilitando a sua defesa ante a concorrência colonial das outras potências É assim que 8 Cf Celso Furtado Formação Econômica do Brasil Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1959 pp 18 e segs 7 com a instituição das donatarias se inicia na América portuguesa as cessões territoriais os donatários além da porção de que se apropriavam podiam e deviam ceder terras em nome do rei as sesmarias com vistas à implantação da cultura canavieira e manufatura do açúcar para o mercado europeu A produção para o mercado europeu posteriormente se desdobrará nos outros produtos tropicais tabaco algodão etc em toda a América colonial portuguesa espanhola inglesa francesa mas será sempre em torno deste tipo de produção ou da mineração que se desenvolverá a economia colonial A especialização da economia colonial em produtos complementares à produção européia o seu caráter monocultor para usarmos a expressão costumeira é pois inerente à mesma natureza da colonização da época mercantilista e deriva das condições históricoeconômicas em que se processou A economia colonial quando encarada no contexto da economia européia de que faz parte que é o seu centro dinâmico aparece como altamente especializada E isto mais uma vez se enquadra nos interesses do capitalismo comercial que geraram a colonização concentrando os fatores na produção de alguns poucos produtos comerciáveis na Europa as áreas coloniais se constituem ao mesmo tempo em outros tantos centros consumidores dos produtos europeus Assim se estabelecem os dois lados da apropriação de lucros monopolistas a que nos referimos acima Mas não só na alocação dos fatores produtivos na elaboração de alguns produtos ao mercado consumidor europeu se revela a dependência da economia colonial face ao seu centro dinâmico O sistema colonial determinará também o modo de sua produção A maneira de se produzirem os produtos coloniais fica também necessariamente subordinada ao sentido geral do sistema isto é a produção se devia organizar de modo a possibilitar aos empresários metropolitanos ampla margem de lucratividade Ora isto impunha a implantação nas áreas coloniais de regimes de trabalho necessariamente compulsórios semiservis ou propriamente escravistas De fato a possibilidade de utilização do trabalho livre na realidade mais produtivo e pois mais rendável em economia de mercado ficava bloqueada na situação colonial pela abundância do fator terra seria impossível impedir que os trabalhadores assalariados optassem nela alternativa de se apropriarem de uma gleba desenvolvendo atividades de subsistência Disto resultaria obviamente não uma produção vinculada ao mercado do centro dinâmico metropolitano mas simplesmente a transferência de parte da população européia para áreas ultramarinas e a constituição de núcleos autárquicos ou quase autárquicos de economia de subsistência em absoluta contradição com as necessidades e estímulos da economia européia em expansão É em função dessas determinações que renasce na época moderna no mundo colonial a escravidão e toda uma gama de formas servis e semiservis de relações de trabalho precisamente quando na Europa tende a se consolidar a evolução no sentido contrário isto é da difusão cada vez maior do regime assalariado 9 Este problema fundamental para o êxito da empresa colonizadora agitou como se sabe profundamente a consciência européia na época do antigo sistema de colonização O escandaloso paradoxo do renascimento da escravidão em pleno bojo da civilização cristã desencadeou toda uma série de racionalizações cada qual mais sutil tendentes a aquietar a piedade cristã e velar a crueza chocante da realidade colonialescravista Os escrúpulos nem sempre se tranqüilizaram e os governos a revézes tentaram pôr cobro à indescritível exploração das massas humanas ameríndias ou africanas reduzidas à condição escrava Nada mais expressivo para se compreender o sentido das determinações mais profundas do sistema colonial que a análise das várias tentativas de aliviar ou suprimir o trabalho compulsório coibir a escravização ou servilização dos ameríndios a variedade de fórmulas através das quais se encaminhou concretamente o problema revela a cada passo os limites impostos pelo sistema e a margem relativamente estreita para alternativas dentro da qual se processava a colonização mercantilista Na América portuguesa a visão paradisíaca do indígena características dos primeiros contatos e cuja expressão mais notável é a carta famosa do escrivão da armada descobridora Pero Vaz de Caminha foi logo abandonada quando se iniciou a valorização econômica através da implantação da economia açucareira ela cede lugar à guerra justa e outras formas de preação de braço ameríndio para o trabalho compulsório de instalação da grande lavoura As resistências oferecidas pelos aborígenes e a oposição jesuítica bem como as necessidades de abastecimento regular de mãodeobra tornam evidente que o tráfico negreiro pelo Atlântico organizado em termos empresariais apresentava maior grau de eficiência e pois de lucratividade Assim 9 Cf Eric Williams Capitalism and Slavery Richmond 1944 entrosamse as atividades dos colonizadores europeus nas duas margens do Atlântico e se abre para a classe empresarial européia todo um importante setor de tráfico mercantil portanto de acumulação capitalista e dos mais significativos o tráfico de escravos Como setor da economia do sistema colonial a importância do tráfico negreiro tornouse excepcional de seu funcionamento dependia em última instância a elaboração dos produtos coloniais Por isso não é de admirar que em torno dIeste negócio se desencadeasse a mais agressiva competição entre as potências Os conflitos e as pressões para o domínio do asiento do abastecimento da América espanhola em mãodeobra escrava negra assinalam o ponto alto da concorrência colonial e até certo ponto é possível dizer que o controle do tráfico negro assegurava à potência respectiva a hegemonia colonial Nas Índias de Castela os grupos indígenas apresentavam maior densidade demográfica e nível cultural mais elevado Por outro lado a Espanha não dispunha de entrepostos no litoral atlânticoafricano para o abastecimento de escravos negros ficando na dependência de empresas estrangeiras Daí o aproveitamento da mãodeobra indígena na empresa colonial ter assumido maiores proporções na América espanhola que nos outros setores de colonização européia embora o número de escravos negros cresça com o desenvolvimento da colonização castelhana a força de trabalho indígena predominou em todo o período colonial Ora como súditos da Coroa objeto da ação missional da Igreja espanhola os aborígines não podiam ser escravizados desde o início da colonização o estado espanhol tomou posição contra a escravi zação pura e simples dos silvícolas Entretanto durante o primeiro ensaio colonizador a primeira fase da economia açucareira antilhana nas duas primeiras décadas do séc XVI a exploração compulsória do trabalho indígena através do sistema de encomiendas e repartimientos 10 foi de tal ordem que levou rapidamente à dizimação da população précolombiana sobretudo na Hispaniola ilha de S Domingos A campanha que contra este estado de coisas moveram a partir de então Las Casas e outras consciências impressionadas com a aspereza da empresa indiana fez com que o governo metropolitano na regência de Cisneros delegasse poderes a uma comissão de frades jerônimos para estudar in loco o problema o relatório desta comissão estabelecendo que aliviar os indígenas resultaria no empobrecimento da colônia leiase dos colonos mas que manter o status quo dizimaria os aborígines pondo em risco a obra missional des venda as contradições em que se movimenta a colonização europeia Tem início então a lucha por la justicia busca difícil de um equilíbrio entre os dois extremos sempre almejado e nunca satisfatoriamente alcançado A expansão da colonização para o continente acentuou o problema a empresa mineradora deixou pouca margem para hesitações e a colonização se viu compelida a pôr em prática regimes rigorosamente servis a mita e o cuatequil No início do século XVII a Inglaterra inicia a sua jornada como potência colonizadora A experiência inglesa deu origem ao regime de trabalho conhecido como o dos indented servants que consistia numa espécie de servidão temporária do trabalhador em pagamento do transporte que lhe era propiciado pelas companhias inglêsas de comércio e colonização Evidenciase também aqui portanto a necessidade de trabalho compulsório inerente à economia colonial do mercantilismo A evolução da Virgínia no século XVII a pioneira das colônias inglêsas mostra contudo como o sistema indented se revelou ineficiente para prover a mãodeobra requerida para a economia colonial na medida em que através da cultura do tabaco se apresentou a possibilidade de uma produção tipicamente colonial para o mercado europeu impõese cada vez mais o trabalho escravo africano As condições muito específicas em que se processou na Inglaterra a formação do Estado moderno com as sucessivas crises políticoreligiosas ao mesmo tempo que o movimento dos enclo sures e a conseqüente migração ruralurbana criavam excedentes de mãodeobra subempregada ou desempregada abriram possi bilidade a que se promovesse um tipo de colonização inteiramente diverso baseado nas colônias de povoamento Na realidade as colônias inglêsas das áreas temperadas da América Setentrional formam um fenômeno qualitativamente distinto do que vimos descrevendo e analisando até aqui a presença desse no vo elemento no sistema colonial do mercantilismo fugindo às suas características mais profundas mas formalmente integrado nos seus quadros políticos passou a constituir um permanente fator de perturbação de seu funcionamento normal e de compli cação do sistema Na Nova Inglaterra se organiza uma vida eco 60 61 nômica que não se orienta essencialmente para a metrópole o que de resto seria quase impossível dada a identidade dos respectivos quadros geográficos não se conseguia assim a complementaridade econômica elemento basilar na situação colonial típica trabalho livre de pequenos proprietários produção diversificada para consumo interno baixo nível de rentabilidade na primeira fase contrastam radicalmente com os elementos estruturais das colônias ajustadas ao sistema mercantilista as colônias de exploração Não podemos analisar longamente aqui as condições concretas que determinaram o aparecimento das colônias de povoamento para a definição do colonialismo mercantilista que estamos tentando elas devem ser colocadas à margem Escravismo tráfico negreiro formas várias de servidão formam portanto o eixo em torno do qual se estrutura a vida econômica e social do mundo ultramarino valorizado para o mercantilismo europeu A estrutura agrária fundada no latifúndio se vincula ao escravismo e através dele às linhas gerais do sistema as grandes inversões exigidas pela produção só encontram rentabilidade efetivamente se organizada em grandes empresas Daí decorre também o atraso tecnológico o caráter predatório e cíclico no espaço e no tempo que assume a economia colonial A sociedade se estamentiza em castas incomunicáveis com os privilégios da camada dominante juridicamente definidos que de outra forma seria impossível manter a condição escrava dos produtores diretos Tal em síntese a estrutura fundamental do sistema de colonização da época mercantilista O Brasilcolônia se enquadra com exatidão dentro do quadro de determinações do antigo sistema colonial e diriámos mesmo que o exemplifica de forma típica É dessa estrutura básica que a nosso ver se tem de partir se se pretende compreender os movimentos históricos em todos os seus níveis dos três séculos de nossa formação colonial e mesmo os seus prolongamentos e resistências até os dias atuais 62