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Formação Econômica do Brasil

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httpgroupsgooglecombrgroupdigitalsource Formação Econômica do Brasil Celso Furtado 2005 32 Edição Companhia Editora Nacional Presidente Diretor superintendente Diretora editorial Gerente editorial Editora Revisão Edição de arte Foto de capa Capa Jorge A M Yunes Jorge Yunes Beatriz Yunes Guarita Antônio Nicoiau Youssef Uzete Mercadante Machado Utci Kasai e Sônia Cervantes Rodolfo Zalla Howard Berman Image Bank Sabrína Lotfi Hollo e João Macedo Júnior Todos os direitos reservados Companhia Editora Nacional Caixa Postal 66 147 CEP 05322000 São Paulo Brasil Tel 0800175678 email editorasibepnacionalcombr Visite nosso site wwwibepnacionalcombr XntArnciofii dm Catalogação na publicação CIP ICIun Btasilalra do livro SP buill rurtado Calso 1920 Forataçao acooomica do Bcaail Celao Furtado 32 ed 51o Faul i Corapanhia Editeis Nacional 2003 Biblioteca unlvctsitatia Séria 2 Citadas social í v 23 1 ralaoisaaao lblloaratla 1 u04 001101 1 siaail CondlçOas aconoatic 11 Sarls CBD330911 tnáíomm para catalogo aiataaaatleo 1 aiaall I Caaolçoes acooaucaa 330li 2 ataall l rutaaçla aaaauca 30ll Prefácio CELSO FURTADO UM ECONOMISTA A SERVIÇO DA NAÇÃO Seria necessário colocar como epíteto de todo estudo sobre a racionalidade este princípio bem simples mas freqüentemente esquecido A vida pode ser raciona lizada de acordo com perspectivas e direções extremamente diferentes MaxWeber Celso Furtado é um cientista social consagrado que dispensa maiores apresentações Sua vasta produção intelectual abarca tanto questões teóricas sobre os obstáculos ao desenvolvimento das economias periféricas como interpretações históricas sobre a formação econômica latinoamericana e do Brasil Suas pesquisas associam a gênese do subdesenvolvimento ao pesado legado do período colonial e a sua continuidade à presença de classes dominantes aculturadas obcecadas em imitar os estilos de vida e de consumo das economias centrais Embora reverenciado como um dos grandes intérpretes do Brasil Furtado é um autor ainda bastante incompreendido mesmo entre muitos de seus sinceros admiradores A chave para a leitura de suas obras é estar ciente de que ele não é um economista convencional Certo de que os problemas econômicos não podem ser separados dos condicionantes socioculturais e políticos que sobredeterminam o alcance da concorrência como mola propulsora do processo de incorporação de progresso técnico Furtado rejeita o enfoque cosmopolita dos problemas econômicos e ancora no Estado nacional a unidade de referência de sua teoria do desenvolvimento econômico Respondendo àqueles que apregoam o fim do Estado Nacional em Transformações e Crise na Economia Mundial Furtado adverte Um sistema econômico é essencialmente um conjunto de dispositivos de regulação voltados para o aumento da eficácia no uso de recursos escassos Ele pressupõe a existência de uma ordem política ou seja uma estrutura de poder fundada na coação eou no consentimento No presente a ordem inter nacional expressa relações consentidas ou impostas entre poderes nacionais e somente tem sentido falar de racionalidade econômica se nos referirmos a um determinado sistema econômico nacional A suposta racionalidade mais abrangente que emerge no quadro de uma empresa transnacionalizada não somente i de natureza estritamente instrumental como também ignora custos de várias ordens internalizados pelos sistemas nacionais em que ela se insere Fiel à tradição do desenvolvimentismo latinoamericano do qual acabouse tornando um dos seus principais expoentes Furtado preocupase em compreender as condições que permitem subordinar as transformações capitalistas aos desígnios da coletividade Seu enfoque examina os problemas do desenvolvimento nacional pela ótica da acumulação Tratase de estabelecer as bases técnicas e econômicas que devem presidir a incorporação do progresso para que o avanço das forças produtivas e a modernização dos padrões de consumo possam ter um conteúdo civilizatório aumentando a riqueza das nações e o bemestar do conjunto da população Sem uma clara consciência dessa dimensão ética de sua reflexão é impossível compreender a profundidade e as implicações de sua reflexão sobre os problemas da economia Partindo de uma construção teórica e de uma metodologia de análise histórica sui generis que combina a noção de excedente social da economia política clássica a teoria das decisões de Weber e Mannheim o enfoque estruturalista da relação centroperiferia de Prebisch a teoria da demanda efetiva de Keynes as lições sobre os círculos viciosos do subdesenvolvimento de Myrdal Perroux e outros desenvolvimentistas o objetivo primordial do trabalho de Furtado é desvendar a racionalidade econômica que orienta o processo de industrialização a espinha dorsal dos sistemas econômicos nacionais Sua abordagem privilegia as relações de causa e efeito entre expansão das forças produtivas e modernização dos padrões de consumo O foco do problema consiste em decifrar os mecanismos responsáveis pela elevação da produtividade física do trabalho e pelos seus reflexos sobre a capacidade de consumo da sociedade Para tanto tornase vital examinar as estruturas sociais que condicionam o equilíbrio de força entre capital e trabalho O nó da questão está nos mecanismos de acesso à terra aos meios de produção e ao mercado de trabalho No arcabouço analítico de Furtado a problemática do subdesen volvimento é organizada em contraposição à situação do desenvol vimento estado ideal que assume a sociedade capitalista quando a incorporação de progresso técnico adquire uma dinâmica endógena Tal situação é associada à presença de mecanismos de socialização do excedente social entre salário e lucro Partese do princípio de que é a contínua transferência dos aumentos na produ tividade física do trabalho para salário real que impulsiona a dialética de inovação e difusão do progresso técnico combinando aumento progressivo da riqueza da Nação e crescente elevação do bemestar do conjunto da população Dentro dessa concepção o desenvolvimento requer como condi ção sine qua non um mínimo de eqüidade social A questão central consiste na presença de estruturas sociais que permitam que o movi mento de acumulação de capital provoque uma tendência à escassez relativa de trabalho Assim Furtado estabelece no corpo de sua teoria do desenvolvimento econômico a presença de nexos inextrincáveis entre desenvolvimento capitalista autodeterminado e homogeneidade social Em Pequena Introdução ao Desenvolvimento Furtado sintetizou a questão nos seguintes termos A pressão no sentido de reduzir a importância relativa do excedente decor rente da crescente organização das massas assalariadas opera como acicate do progresso da técnica ao mesmo tempo que orienta a tecnologia para poupar mãodeobra Dessa forma a manipulação da criatividade técnica tende a ser o mais importante instrumento dos agentes que controlam o sistema produtivo em sua luta pela preservação das estruturas sociais Por outro lado as forças que pressionam no sentido de elevar o custo de reprodução da população con duzem à ampliação de certos segmentos do mercado de bens finais exatamente aqueles cujo crescimento se apoia em técnicas já comprovadas e abrem a porta a economias de escala A reflexão de Furtado sobre subdesenvolvimento parte da constatação de que as premissas históricas que viabilizam o desen volvimento não estão presentes nas economias subdesenvolvidas A situação periférica e a reprodução de grandes assimetrias sociais criam bloqueios à inovação e à difusão do progresso técnico que inviabilizam a endogeneização do movimento de transformação ca pitalista A dificuldade decorre da impossibilidade de encadear os requisitos técnicos e econômicos de cada fase de incorporação de progresso técnico Como a economia periférica carece de força pró pria seu movimento de incorporação de progresso técnico responde a uma racionalidade adaptativa condicionada de fora para dentro pelas características do processo de difusão desigual do progresso técnico que se irradia das economias centrais e de dentro da própria sociedade pelas decisões políticas internas que definem o sentido o ritmo e a intensidade com que se deseja assimilar as tecnologias oriundas do centro capitalista De acordo com essa perspectiva o subdesenvolvimento é o pro duto de uma situação histórica que divide o mundo em uma estrutura centroperiferia e de uma opção política que subordina o processo de incorporação do progresso técnico ao objetivo de copiar os estilos de vida das economias centrais O problema decorre do fato de que a discrepância entre as economias centrais e periféricas quanto à capacidade de elevar a produtividade média do trabalho e quanto ao poder de socialização do excedente entre salário e lucro faz com que o estilo de vida que prevalece no centro não possa ser generalizado para o conjunto da população periférica O subdesenvolvimento surge quando ignorando tais diferenças as elites que monopolizam a renda impõem como prioridade absoluta do processo de acumulação a cópia dos estilos de vida dos países centrais impedindo assim a integração de considerável parcela da população aos padrões mais adiantados de vida material e cultural A teoria do subdesenvolvimento de Furtado pode ser vista portanto como uma crítica à irracionalidade de um movimento de incorporação de progresso técnico que reproduz continuamente a dependência externa e a assimetria social interna É a preocupação em desvendar o caráter da antinomia entre subdesenvolvimento e Nação que pauta a sua investigação sobre a formação econômica do Brasil O esforço é explicar o processo histó rico de constituição das bases técnicas dos substratos sociais da matriz espacial dos centros internos de decisão e do Projeto Nacional que impulsionaram a construção de um sistema econômico nacional O eixo de sua interpretação articulase em torno da relação contraditória entre a posição periférica da economia brasileira no sistema capitalista mundial e o avanço da industrialização a espinha vertebral de uma economia nacional Tal contradição se cristaliza na impossibilidade de consolidar um mercado interno que contemple o conjunto da população problema derivado da opção pela modernização dos padrões de consumo como critério que orienta o processo de incorporação de progresso técnico na grande dificuldade para definir uma política econômica pautada pela defesa dos interesses nacionais reflexo do colonialismo cultural das classes dominantes na falta de controle sobre os centros internos de decisão cuja maior expressão são as recorrentes crises de estrangulamento cambial a permanente situação de fragilidade fiscal é a elevada freqüência de crises monetárias e por fim na reprodução de heterogeneidades es truturais produtivas sociais e regionais que caracterizam as eco nomias subdesenvolvidas Na visão de Furtado a oposição entre subdesenvolvimento e desenvolvimento nacional constitui uma ameaça que pode a qualquer momento solapar a capacidade de a sociedade brasileira controlar o seu tempo histórico No artigo O Subdesenvolvimento Revisitado ele afirma O subdesenvolvimento como deus Janus tanto olha para frente como para trás não tem orientação definida É um impasse histórico que espontaneamente não pode levar senão a alguma forma de catástrofe social Enquanto o subdesenvolvimento não for incompatível com a consolidação dos centros internos de decisão e com o avanço da industrialização Furtado considera que não há antagonismo irredutível entre modernização e construção de um sistema econômico nacional Publicada nos quatro continentes Formação Econômica do Brasil sua obra mais conhecida é um estudo original sobre o processo histórico de constituição da economia brasileira Escrito na virada da década de cinqüenta no calor das lutas sociais que culminariam com a campanha pelas reformas de base o livro indicava as raízes históricas de nosso subdesenvolvimento e punha a nu os obstáculos que bloqueavam a formação da economia nacional Neste trabalho Furtado mostra que a economia brasileira está marcada pelo baixíssimo grau de desenvolvimento da economia colonial pelo atraso na formação do mercado interno pela eclosão tardia da industrialização pela subordinação da substituição de importações à lógica da modernização dos padrões de consumo pela presença de fortes heterogeneidades produtivas sociais e regionais bem como pela cristalização de uma estrutura centroperiferia dentro do próprio país que tendia a agravar as desigualdades regionais pela tendência ao desequilíbrio externo e à inflação estrutural pelas dificuldades para a consolidação de centros internos de decisão autônomos e pelo retardo na definição de uma política econômica genuinamente nacional As teses de Furtado tornaramse referências obrigatórias nos debates sobre a história econômica Não obstante as mazelas do subdesenvolvimento em Formação Econômica do Brasil o sentido do movimento histórico apontava claramente na direção de um processo de estruturação das premissas fundamentais de uma economia nacional Mesmo aprofundando as heterogeneidades estruturais e exacerbando a dependência externa a industrialização subdesenvolvida tinha exercido um importante papel como elemento formador de uma economia nacional O expressivo aumento do excedente social e a internalização da indústria de bens de capital começavam a desenhar o esboço de um sistema econômico que funcionava como um todo orgânico Ao ampliar as oportunidades de emprego em atividades de elevada produtividade a expansão das forças produtivas contribuía não apenas para legitimar o modelo brasileiro como também para cristalizar a própria unidade nacional A acelerada expansão do mercado interno desencadeava forças centrípetas que eram decisivas para estreitar os nexos econômicos entre as diferentes regiões do país e para tornar viável a plena mobilidade do trabalho no território nacional Revelando surpreendente capacidade de conciliar desigualdade social e crescimento econômico o modelo brasileiro levou a industrialização subdesenvolvida ao paroxismo A crise da industrialização na década de oitenta fez Furtado mudar de opinião levandoo à dramática conclusão que a construção da Nação estaria ameaçada Em A Nova Dependência Dívida Externa e Monetarismo de 1982 o autor alerta que a transnacionalização do capitalismo estreita dramaticamente o raio de manobra das economias dependentes A enorme concentração de poder que caracteriza o mundo contemporâneo coloca a América Latina em posição de flagrante inferioridade dado o atraso que acumularam as economias da região e as exíguas dimensões dos mercados nacionais Dessa observação podemos inferir dois corolários O primeiro é que 0 ncontro dos Povos latinoamericanos em um destino comum se imporâ cadavezmais como idéiaforça a todos aqueles que pretendem lutar contra o subdesatvoivimenlo e a dependência de nossos países O segundo i que a idéia de reproduzir nesta parte do mundo a experiência de desenvolvimento econô mico no quadro das instituições liberais se configura cada vez mais como uma quimera para os observadores lúcidos de nosso processo histórico Em face da transnacionalização da economia a opção do laisserfaire significa hoje em dia em subsistemas dependentes renunciar a ter objetivos próprios aceitar progressivamente a desarticulação interna quiçá a perda mesma do sentido de entidade nacional A guinada na sua interpretação sobre o sentido da formação cristalizase em 1992 com a publicação de Brasil A Construção Inter rompida em que Furtado explicita o grave impasse nacional Inter rompendo um longo ciclo de expansão das forças produtivas a desarticulação do processo de industrialização subdesenvolvida que avançava pela linha de menor resistência ancorada no Estado e impulsionada pela desnacionalização crescente da economia e pela concentração de renda colocava a formação econômica do Brasil em xeque A mudança no diagnóstico sobre o caráter do processo histórico em curso no Brasil não diminui em nada a importância de Formação Econômica do Brasil para a compreensão da realidade nacional pois na sua essência o livro simplesmente não envelheceu Primeiro porque é impossível compreender a gravidade da crise brasileira sem um profundo mergulho nas suas origens históricas mais remotas Segundo porque o diagnóstico atual não nega a interpretação anterior mas a pressupõe e a desdobra para contemplar as novidades históricas dos últimos quarenta anos A linha de continuidade entre as duas visões fica cristalina na conclusão que fecha seu artigo A Ordem Mundial Emergente e o Brasil em que Furtado frisa a necessidade de se enfrentar as causas profundas do subdesenvolvimento retomando assim a bandeira perdida nos anos sessenta Sem temer a estigmatização que recai sobre aqueles que não se submetem ao asfixiante consenso da modernização dos padrões de consumo ele defende em linguagem simples e direta a urgência de uma ruptura com a situação de dependência externa um tabu que poucos mesmo nos setores mais à esquerda do espectro político ousam colocar na agenda política do país Em meio milênio de história partindo de uma constelação de Reitorias de po pulações indígenas desgarradas deèscrayoi transplantados de oufíra continente de aventureiros europeus e asiáticos em busca de um destino melhor chegamos a um povo de extraordinária polivalência cultural um país sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade lingüística e religiosa Mas nos falta a experiência de provas cruciais como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada E nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades e principalmente de nossas debilidades Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera e que a contagem desse tempo se faz contra nós Tratase de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estadonação Ao contrário daqueles que acreditam no fim da História Furtado continua acreditando no Brasil Recusase ao conformismo de quem pensa que o país não tem escolha e que só lhe resta aceitar documente as tendências espontâneas da globalização e não se abate com o caráter hercúleo dos desafios que devem ser enfrentados para a construção da Nação Ao transcender o marco do status quo suas idéias representam alternativa criativa à discussão que circunscreve as opções da sociedade brasileira à escolha binaria entre o modernismo acelerado dos neoliberais ou a nostalgia extemporânea dos nostálgicos neodèsenvolvimentistas Sua reflexão não aceita o beco sem saída que limita o debate sobre o futuro do Brasil a um estéril braço de ferro sobre o ritmo e a intensidade do processo de modernização dos padrões de consumo Por isso no momento em que o povo brasileiro busca desesperadamente resgatar o desenvolvimento nacional Furtado é um autor que deve ser lido relido estudado e debatido Plínio de Arruda Sampaio Jr Economista professor do Instituto de Economia da Unicamp ÍNDICE GERAL Introdução 7 PRIMEIRA PARTE FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL I Da expansão comercial à empresa agrícola 11 II Fatores do êxito da empresa agrícola 15 III Razões do monopólio 19 IV Desarticulação do sistema 22 V As colônias de povoamento do hemisfério norte 25 VI Conseqüências da penetração do açúcar nas Antilhas 30 VII Encerramento da etapa colonial 38 SEGUNDA PARTE ECONOMIA ESCRAVISTA DE AGRICULTURA TROPICAL Séculos XVI e XVII VIII Capitalização e nível de renda na colônia açucareira 47 IX Fluxo de renda e crescimento 53 X Projeção da economia açucareira a pecuária 60 XI Formação do complexo econômico nordestino 67 XII Contração econômica e expansão territorial 72 TERCEIRA PARTE ECONOMIA ESCRAVISTA MINEIRA Século XVIII XIII Povoamento e articulação das regiões meridionais 79 XIV Fluxo da renda 84 XV Regressão econômica e expansão da área de subsistência 90 QUARTA PARTE ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO Século XIX XVI O Maranhão e a falsa euforia do fim da época colonial 95 XVII Passivo colonial crise financeira e instabilidade política 99 XVIII Confronto com o desenvolvimento dos EUA 105 XIX Declínio a longo prazo do nível de renda primeira metade do século XIX 112 XX Gestação da economia cafeeira 116 XXI O problema da mãodeobra I Oferta interna potencial 123 XXII O problema da mãodeobra II A imigração européia129 XXIIIO problema da mãodeobra III Transumância amazônica 135 XXIV O problema da mãodeobra IV Eliminação do trabalho escravo142 XXV Nível de renda e ritmo de crescimento na segunda metade do século XIX148 XXVI O fluxo de renda na economia de trabalho assalariado 157 XXVII A tendência ao desequilíbrio externo 161 XXVIII A defesa do nível de emprego e a concentração da renda 168 XXIX A descentralização republicana e a formação de novos grupos de pressão 176 QUINTA PARTE ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA UM SISTEMA INDUSTRIAL Século XX XXX A crise da economia cafeeira185 XXXI Os mecanismos de defesa e a crise de 1929 194 XXXII Deslocamento do centro dinâmico 203 XXXIII O desequilíbrio externo e sua propagação212 XXXIV Reajustamento do coeficiente de importações 225 XXXV Os dois lados do processo inflacionário232 XXXVI Perspectiva dos próximos decênios242 ÍNDICE ONOMASTICO252 ÍNDICE ANALÍTICO 253 INTRODUÇÃO O presente livro pretende ser tãosomente um esboço do processo his tórico de formação da economia brasileira Ao esçrevêlo em 1958 o autor teve em mira apresentar um texto introdutório acessível ao leitor sem formação técnica e de interesse para as pessoas cujo número cresce dia a dia desejo sas de tomar um primeiro contato em forma ordenada com os problemas eco nômicos do país A preocupação central consistiu em descortinar uma perspectiva o mais possível ampla Na opinião do autor sem uma adequada profundidade de perspectiva tornase impossível captar as interrelações e as cadeias de causalidade que constituem a urdidura dos processos econômicos Embora dirigindose a um público mais amplo o autor teve de modo especial em mente ao preparar o presente trabalho os estudantes de ciências sociais das faculdades de economia e filosofia em particular A assimilação das teorias econômicas requer mais e mais ser completada ao nível universitário pela aplicação dessas teorias aos processos históricos subjacentes à realidade na qual vive o estudante e sobre a qual possivelmente terá de atuar Como simples esboço que é este livro sugere um conjunto de temas que poderiam servir de base a um curso introdutório ao estudo da economia brasileira Omitese quase totalmente a bibliografia histórica brasileira pois escapa ao campo específico do presente estudo que é simplesmente a análise dos processos econômicos e não reconstituição dos eventos históricos que estão por trás desses processos Sem embargo as referências bibliográficas incluídas nas notas de pé de página poderão apresentar algum interesse do ponto de vista de análise históricocomparativa Na última parte principalmente capítulos XXXÍ a xxxv o autor seguiu de perto o texto de análise apresentado em trabalho anterior A Economia Brasileira Rio 1954 Todavia os dados quantitativos foram todos revisados e estão agora referidos a suas respectivas fontes Se bem não haja discre pância no que respeita às conclusões fundamentais entre os dois trabalhos em muitos pontos a mudança de enfoque ou ênfase e a inclusão de material novo adquirem particular relevância CELSO FURTADO CAPÍTULO I DA EXPANSÃO COMERCIAL À EMPRESA AGRÍCOLA A ocupação econômica das terras americanas constitui um episódio da expansão comercial da Europa Não se trata de deslocamentos de população provocados por pressão demográfica como fora o caso da Grécia ou de grandes movimentos de povos determinados pela ruptura de um sistema cujo equilíbrio se mantivesse pela força caso das migrações germânicas em direção ao ocidente e sul da Europa O comércio interno europeu em intenso crescimento a partir do século XI havia alcançado um elevado grau de desenvolvimento no século XV quando as invasões turcas começaram a criar dificuldades crescentes às linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade inclu sive manufaturas O restabelecimento dessas linhas contornando o obstáculo otomano constitui sem dúvida alguma a maior realização dos europeus na segunda metade desses século1 A descoberta das terras americanas é basicamente um episódio dessa obra ingente De início pareceu ser episódio secundário E na verdade o foi para os portugueses durante todo um meio século Aos 10 desenvolvimento econômico de Portugal no século xv a exploração da costa africana a ex pansão agrícola nas ilhas do Atlântico e finalmente a abertura da rota marítima das Índias Orien tais constitui um fenômeno autônomo na expansão comercial européia em grande parte inde pendente das vicissitudes crescentes criadas ao comércio do Mediterrâneo oriental pela pene tração otomana A produção de açúcar na Madeira e São Tome alcançou seus pontos altos na segunda metade do século xv época em que os venezianos ainda conservavam intactas suas fontes de abastecimento nas ilhas do Mediterrâneo oriental O mesmo se pode dizer do comér cio das especiarias das índias pois a ocupação do Egito entreposto principal pelos turcos só ocorreu um quarto de século depois da viagem de Vasco da Gama A imediata conseqüência da abertura da nova rota foi uma brusca queda dos preços das especiarias os venezianos passa ram a comprar pimenta em Lisboa pela metade do preço que pagavam aos árabes em Alexandria Vejase sobre este ponto FHEDV TWRIET Histaire de Venise Paris 1952 p 104 0 grande feito português eliminando os intermediários árabes antecipandose a ameaça turca quebrando o monopólio dos venezianos e baixando o preço dos produtos foi de fundamental importância para o subsequente desenvolvimento comercial da Europa Sobre as causas do ini cio da expansão marítima portuguesa vejase o lúcido estudo de ANTÚMO SÊBGIO A Conquista de Ceuta Ensaios lomoi 2ed Coimbra 1949 espanhóis revertem em suatotalidade os primeiros frutos que são tamBém osmais fáceis de colher O ouro acumulado pelasvelhas civi lizações da meseta mexicana e do altiplano andino é a razão de ser da América como objetivo dos europeus èm sua primeira etapa de exis tência histórica A legenda de riquezas inapreciáveis por descobrir corre a Europa e suscita um enorme interesse pelas novas ferras Esse interesse contrapõe Espanha e Portugal donos dessas terras às de mais nações européias A partir desse momento a ocupação da América deixa de ser um problema exclusivamente comercial intervém nele importantes fatores políticos A Espanha a quem coubera um tesouro como até então não se conhecera no mundo tratará de transformar os seus domínios numa imensa cidadela Outros países tentarão esta belecerse em posições fortes seja como ponto de partida para desco bertas compensatórias seja como plataforma para atacar os espanhóis Não fora a miragem desses tesouros de que nos primeiros dois sécu los da história americana somente os espanhóis desfrutaram e muito provavelmente a exploração e ocupação do continente teriam progre dido muito mais lentamente O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações européias Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado Dessa forma quando por motivos religiosos mas com apoio governamental os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras aliás a primeira colônia de povoamento do continente é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil Contudo tornavase cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupálas permanentemente Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no Oriente A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas Sem embargo os recursos de que dispunha Portugal para colocar improdutivamente no Brasil eram limitados e dificilmente teriam sido suficientes para defender as novas terras por muito tempo A Espanha cujos recursos eram incomparavelmente superiores teve que ceder à pressão dos invasores em grande parte das terras que lhe cabiam pelo tratado de Tordesilhas Para tornar mais efetiva a defesa de seu quinhão foilhe necessário reduzir o perímetro deste Demais fezse indispensável criar colônias de povoamento de reduzida importância econômica como no caso de Cuba com fins de abastecimento e de defesa Fora das regiões ligadas à grande empresa militarmineira espanhola o continente apresentava escasso interesse econômico e defendêlo de forma efetiva e permanente constituiria sorvedouro enorme de recursos O comércio de peles e madeiras com os índios que se desenvolve durante o século xvi em toda a costa oriental do con tinente é de reduzido alcance e não exige mais que o estabelecimento de precárias feitorias Os traços de maior relevo do primeiro século da história americana estão ligados a essas lutas em torno de terras de escassa ou nenhuma utilização econômica Espanha e Portugal se crêem com direito à totali dade das novas terras direito esse que é contestado pelas nações euro péias em mais rápida expansão comercial na época Holanda França e Inglaterra A Espanha recolhe de imediato pingues frutos que lhe per mitem financiar a defesa de seu rico quinhão Contudo tão grande é este e tão inúteis lhe parecem muitas das novas terras que decide con centrar seu sistema de defesa em torno ao eixo produtor de metais pre ciosos MéxicoPeru Esse sistema de defesa estendiase da Flórida à embocadura do rio da Prata Ainda assim e não obstante a abundância dos recursos de que dispunha a Espanha não conseguiu evitar que seus inimigos penetrassem no centro mesmo de suas linhas de defesa as Antilhas Essa cunha antilhana foi de início uma operação basicamente militar2 Contudo nos séculos seguintes ela terá enorme importância econômica como veremos mais adiante Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica das terras americanas que não fosse a fácil extração de 2 O povoamento das Antilhas petos franceses tut envisagé dabord sous rangle délense cotoniaie et attaque en Amóríque espagnde UON VONOUES Les Antilles françaises sous 1ancien regime Revue dtiistoire Economique ei Social n911928 p 34 metais preciosos Somente assim seria possível cobrir os gastos de defesa dessas terras Este problema foi discutido amplamente e em alto nível com a interferência de gente como Damião de Góis que via o desenvolvimento da Europa contemporânea com uma ampla perspectiva Das medidas políticas que então foram tomadas resultou o início da exploração agrícola das terras brasileiras acontecimento de enorme importância na história americana De simples empresa espoliativa e extrativa idêntica à que na mesma época estava sendo empreendida na costa da África e nas índias Orientais a América passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva européia cuja técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu A exploração econômica das terras americanas deveria parecer no século xvi uma empresa completamente inviável Por essa época nenhum produto agrícola era objeto de comércio em grande escala na Europa O principal produto da terra o trigo dispunha de abundantes fontes de abastecimento dentro do continente Os fretes eram de tal forma elevados em razão da insegurança no transporte a grandes distâncias que somente os produtos manufaturados e aschamadas especiarias do Oriente podiam comportálos Demais era fácil imaginar os enormes custos que não teria de enfrentar uma empresa agrícola nas distantes terras da AméricaÉ fato universalmente conhecido que aos portugueses coube a primazia nesse empreendimento Se seus esforços não tivessem sido coroados de êxito a defesa das terras no Brasil terseia transformado em ônus demasiado grande e excluída a hipótese de antecipação na descoberta do ouro dificilmente Portugal teria perdurado como grande potência colonial na América 3 Brazi was the firsi o lhe European settlements m America to attempt the cullivation ofthe soil The Cambridge Modem History Cambridge 1909 vol vi p 389 É sabido que os espanhóis nas Anlitftas a no México tentaram empreendimentos agrícolas com anteríoridade aos portugueses Sem embargo esses empreendimentos nao passaram do estágio experimental CAPÍTULO II FATORES DO ÊXITO DA EMPRESA AGRÍCOLA Um conjunto de fatores particularmente favoráveis tomou possível o êxito dessa primeira grande empresa colonial agrícola européia Os portugueses haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a pro dução em escala relativamente grande nas ilhas do Atlântico de uma das especiarias mais apreciadas no mercado europeu o açúcar Essa experiência resultou ser de enorme importância pois demais de permi tir a solução dos problemas técnicos relacionados com a produção do açúcar fomentou o desenvolvimento em Portugal da indústria de equipamentos para os engenhos açucareiros Se se têm em conta as difi culdades que se enfrentavam na época para conhecer qualquer técnica de produção e as proibições que havia para exportação de equipamen tos compreendese facilmente que sem o relativo avanço técnico de Portugal nesse setor o êxito da empresa brasileira teria sido mais difícil ou mais remoto4 A significação maior da experiência das ilhas do Atlântico foi possivelmente no campo comercial Tudo indica que o açúcar portu guês inicialmente entrou nos canais tradicionais controlados pelos comerciantes das cidades italianas5 A baixa de preços que tem lugar 4 A técnica de produção do açúcar era relativamente difundida no Mediterrâneo pois desde a Síria até a Espanha se produzia esse artigo por toda parte se bem que em escala reduzida Contudo a produção de um artigo de primeira classe como o que se obtinha em Chipre envolvia segredos técnicos O fato de que haja referência a um genovês como principal produtor na Madeira indica que os italianos na época senhores da produção e do comércio do açúcar estiveram presen tes na expansão agrícola das ilhas portuguesas do Atlântico Os segredos da técnica de refina ção foram conservados muito mais zelosamente ainda em 1612 o Conselho de Veneza cidade que durante muito tempo havia monopolizado a refinação de todo o açúcar que se consumia na Europa proibia a exportação de equipamentos técnicos e capitais ligados a essa indústria Vejase Noa DEER The Histoy oi Sugar Londres 1949 tomo i p 100 e tomo i p 452 5 O fato de que hajam surgido refinarias fora de Veneza na época em que se expande a produ ção portuguesa em Bolonha por exemplo a partir de 1470 pareceria indicar a ruptura do monopólio dos venezianos por essa época A forte queda de preços que se observa no último decênio do século talvez seja uma conseqüência da passagem de um mercado de monopólio para um de concorrência no último quartel do século xv leva a crer sem embargo que esses canais não se ampliaram na medida requerida pela expansão da pro dução A crise de superprodução dessa época indica claramente que nas áreas comerciais estabelecidas tradicionalmente pelas cidades mediterrâneas o açúcar não podia ser absorvido senão em escala re lativamente limitada Ocorre entretanto que uma das conseqüênci as principais da entrada da produção portuguesa no mercado fora a ruptura do monopólio que mantinham os venezianos do acesso às fontes de produção Desde cedo a produção portuguesa passa a ser encaminhada em proporção considerável para Flandres Quando em 1496 o governo português sob a pressão da baixa de preço decidiu restringir a produção a terça parte desta já se encaminhava para os portos flamengos6 A partir da metade do século xvi a produção portuguesa de açúcar passa a ser mais e mais uma empresa em comum com os flamengos inicialmente representados pelos interesses de Antuérpia e em seguida pelos de Amsterdã Os flamengos recolhiam o produto em Lisboa refi navamno e faziam a distribuição por toda a Europa particularmente o Báltico a França e a Inglaterra7 A contribuição dos flamengos particularmente dos holandeses para a grande expansão do mercado do açúcar na segunda metade do século xvi constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil Especializados no comércio intraeuropeu grande parte do qual financiavam os holandeses eram nessa época o único povo que dispu nha de suficiente organização comercial para criar um mercado de gran des dimensões para um produto praticamente novo como era o açúcar Se se têm em conta por um lado as grandes dificuldades encontradas inicialmente para colocar a pequena produção da Madeira e por outro a 6 Dom Manuel I fixou em 1496 a produção máxima em 120 mil arrobas das quais 40 mil para Flandres 16 mil para Veneza 13 mil para Gênova 15 mil para Chios e 7 mil para a Inglaterra BABOOS História da Administração Pública em Portugal Lisboa 1777 iv cap v Citado por N DEER op cit i p 101 7 The date at which the first refinery was built em Antuérpia is not on record but it must have been soon after the beginning oi the sixteenth century By 1550 there were thirteen retineries increased by 1556 to nineteen Atter the enforced closing down oi the Antwerp retineries the Continental trade moved to Amsterdam By 1587 there is amole evidence that a number oi retineries were woriung of which some had been established by relugees from Antwerp N Decn op ot i p 453 estupenda expansão subseqüente do mercado que absorveu com preços firmes a grande produção brasileira tornase evidente a importância da etapa comercial para o êxito de toda a empresa açucareira E não somente com sua experiência comercial contribuíram os holandeses Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera dos Países Baixos Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil bem como no da importação da mãodeobra escrava O menos que se pode admitir é que uma vez demonstrada a viabilidade da empresa e comprovada sua alta rentabilidade a tarefa de financiarlhe a expan são não haja apresentado maiores dificuldades Poderosos grupos financeiros holandeses interessados como estavam na expansão das vendas do produto brasileiro seguramente terão facilitado os recursos requeridos para a expansão da capacidade produtiva8 Mas não bastavam a experiência técnica dos portugueses na fase produtiva e a capacidade comercial e o poder financeiro dos holandeses para tornar viável a empresa colonizadora agrícola das terras do Brasil Demais existia o problema da mãodeobra Transportála na quantidade necessária da Europa teria requerido uma inversão demasiadamente grande que provavelmente tornaria antieconômica toda a empresa As condições de trabalho eram tais que somente pagando salários bem mais elevados que os da Europa seria possível atrair mãodeobra dessa região A possibilidade de reduzir os custos retribuindo com terras o trabalho que o colono realizasse durante um certo número de anos não apresentava atrativo ou viabilidade pois sem grandes concentrações de capital as terras praticamente não tinham valia econômica Por últi mo havia a considerar a escassez de oferta de mãodeobra que prevalecia em Portugal particularmente nessa etapa de magnífico florescimento da empresa das índias Orientais Sem embargo também neste caso uma circunstância veio facilitar enormemente a solução do problema Por 8 Se se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte inclusive parte do transporte entre o Brasil e Portugal a refinação e a comercialização do produto depreendese que o nego cio do açúcar era na realidade mais deles do que dos portugueses Somente os lucros da refina ção alcançavam aproximadamente a terça parte do valor do açúcar em bruto Ver sobre esse ponto N DEÉH op cl p 453 essa época os portugueses eram já senhores de um completo conheci mento do mercado africano de escravos As operações de guerra para captura de negros pagãos iniciadas quase um século antes nos tempos de Dom Henrique haviam evoluído num bem organizado e lucrativo escambo que abastecia certas regiões da Europa de mãodeobra escrava Mediante recursos suficientes seria possível ampliar esse negócio e orga nizar a transferência para a nova colônia agrícola da mãodeobra barata sem a qual ela seria economicamente inviável9 Cada um dos problemas referidos técnica de produção criação de mercado financiamento mãodeobra pôde ser resolvido no tempo oportuno independentemente da existência de um plano geral preestabelecido O que importa ter em conta é que houve um conjunto de circunstâncias favoráveis sem o qual a empresa não teria conhecido o enorme êxito que alcançou Não há dúvida que por trás de tudo estavam o desejo e o empenho do governo português de conservar a parte que lhe cabia das terras da América das quais sempre se esperava que um dia sairia o ouro em grande escala Sem embargo esse desejo só poderia transformarse em política atuante se encontrasse algo concreto em que se apoiar Caso a defesa das novas terras houvesse permanecido por muito tempo como uma carga financeira para o pequeno reino seria de esperar que tendesse a relaxarse O êxito da grande empresa agrícola do século xvi única na época constituiu portanto a razão de ser da continuidade da presença dos portugueses em uma grande extensão das terras americanas No século seguinte quando se modifica a relação de forças na Europa com o predomínio das nações excluídas da América pelo tratado de Tordesilhas Portugal já havia avançado enormemente na ocupação efetiva da parte que lhe coubera 9 A idéia de utilizar a mâodeobra indígena foi parte integrante dos primeiros projetos de coloniza ção O vulto dos capitais imobilizados que representava a importação de escravos africanos so permitiu que se cogitasse dessa solução alternativa quando o negocio demonstrou que era alta mente rentável Contudo ali onde os núcleos coloniais não encontravam uma base econômica firme para expandirse a mãodeobra indígena desempenhou sempre um papel fundamental CAPÍTULO III RAZÕES DO MONOPÓLIO Os magníficos resultados financeiros da colonização agrícola do Brasil abriram perspectivas atraentes à utilização econômica das novas terras Sem embargo os espanhóis continuaram concentrados em sua tarefa de extrair metais preciosos Ao aumentar a pressão de seus adversários limitaramse a reforçar o cordão de isolamento em torno do seu rico quinhão As terras onde estavam concentrados se singularizavam na América por serem densamente povoadas Na verdade a empresa colonial espanhola tinha como base a exploração dessa mãodeobra A Espanha não chegou a interessarse em fomentar um intercâmbio com as colônias ou entre estas A forma como estavam organizadas as relações entre Metrópole e colônias criava uma permanente escassez de meios de transporte e era a causa de fretes excessivamente elevados10 A política espanhola estava orientada no sentido de transformar as colônias em sistemas econômicos o quanto possível autosuficientes e produtores de um excedente líquido na forma de metais preciosos que se transferia periodicamente para a Metrópole Esse afluxo de metais preciosos alcançou enormes proporções relativas e provocou profundas transformações estruturais na economia espanhola O poder econômico do Estado cresceu desmesuradamente e o enorme aumento no fluxo de renda gerado pelos gastos públicos ou por gastos privados subsidiados pelo governo provocou uma crônica inflação que se traduziu em persistente déficit na balança comercial Sendo a 10 As Leis das fndias impediam rigorosamente a entrada de barcos nacespanhois nos portos americanos e limitavam o tráfego com a Espanha ao porto de Sevilha Para esse porto partia da América anualmente apenas uma frota na qual dificilmente se podia obter praça Mesmo na época em que Portugal estava ligado a Espanha os equipamentos para os engenhos açucareiros que se fabricavam em Lisboa tinham que transportarse a Sevilha para serem embarcados a altos fretes para as colônias espanholas Vejase Rumo QUERRA Y SANCMU Azúcar y Poblaciõn en Ias Antillas La Habana 19443 ed p 50 Espanha o centro de uma inflação que chegou a propagarsé por toda a Europa não é de estranhar que ó nível geral de preços haja sido persistentemente mais elevado nesse país que em seus vizinhos o que necessariamente teria de provocar um aumento de importações e uma diminuição de exportações Em conseqüência os metais preciosos que a Espanha recebia da América sob a forma de transferências unilaterais provocavam um afluxo de importação de efeitos negativos sobre a produção interna e altamente estimulante para as demais economias européias Por outro lado a possibilidade de viver direta ou indiretamente de subsídios do Estado fez crescer o número de pessoas economicamente inativas reduzindo a importância relativa na sociedade espanhola e na orientação da política estatal dos grupos dirigentes ligados às atividades produtivas A decadência econômica da Espanha prejudicou enormemente suas colônias americanas Fora da exploração mineira nenhuma outra empresa econômica de envergadura chegou a ser encetada As exporta ções agrícolas de toda a imensa região em nenhum momento alcança ram importância significativa em três séculos de vida do grande império colonial O abastecimento de manufaturas das grandes massas de popu lação indígena continuou a basearse no artesanato local o que retardou a transformação das economias de subsistência preexistentes na região Não fora o retrocesso da economia espanhola particularmente acen tuado no século XVII2 e a exportação de manufaturas de produção metropolitana para as colônias teria necessariamente evoluído dando lugar a vínculos econômicos de natureza bem mais complexa que a 11 Os estudos realizados por J HAMILTON sobre o abastecimento da frota em Sevilha puseram amplamente em evidência que o mesmo se fazia em grande parte com mercadorias importadas seja manufaturas seja alimentos Vejase entre vários trabalhos desse autor American Treasure and the Price Revolution in Spain 15011610 Cambridge Mass 1934 A luta pela conquista do mercado espanhol passou a ser um objetivo comum dos demais países eurcpeus CoLBEm mesmo escreveu plus chacun Elal a du commerce avec les Espagnols pius il a dargeni Vejase E LEVASSEUH Hisloire du Commerce de Ia France Paris 1911 tomo i p 413 12 A indicação mais clara dessa decadência se traduz no fato de que entre os censos de 1594 e 1694 a população do pais diminuiu 25 por cento Almost ali manufacturing cities suflered a catastrophic decline in popuiation Valladolid Toledo and Segovia for example lost more than hatl oi their inhabitants Pela metade do século xvw Francisco Maninez Mata observava o desaparecimento de inúmeras corporações inclusive as de trabalhadores do ferro aço cobre estanho e enxolre Vejase J HAMJUON The Decline oi Spain in Essays in Economic History Londres 1954 p 218 simples transferência periódica de um excedente de produção sob a formade metais preciosos O consumo de manufaturas européias pelas densas populações da meseta mexicana e do altiplano andino teria criado a necessidade de uma contrapartida de exportações de produtos locais seja para consumo na Espanha seja para reexportação Um intercâmbio desse tipo provocaria necessariamente transformações nas estruturas arcaicas das economias indígenas e possibilitaria maior penetração de capitais e técnica europeus Houvesse a colonização espanhola evoluído nesse sentido e muito maiores teriam sido as dificuldades enfrentadas pela empresa portu guesa para vencer A abundância de terras da melhor qualidade para produzir açúcar de que dispunha terras essas bem mais próximas da Europa a barateza de uma mãodeobra indígena mais evoluída do ponto de vista agrícola13 bem como o enorme poder financeiro concen trado em suas mãos tudo indica que os espanhóis podiam haver domi nado o mercado de produtos tropicais particularmente o do açúcar14 desde o século xvi A razão principal de que isso não haja acontecido foi muito provavelmente a própria decadência econômica da Espanha Não existindo por trás um fator político como ocorreu em Portugal o desenvolvimento de linhas de exportação de produtos agrícolas ame ricanos teria que ser provocado por grupos econômicos poderosos inte ressados em vender seus produtos nos mercados coloniais Seria de esperar que os produtores de manufaturas liderassem esse movimento não fora a decadência em que entrou esse setor na etapa das grandes importações de metais preciosos e de concentração da renda em mãos do Estado espanhol Cabe portanto admitir que um dos fatores do êxito da empresa colonizadora agrícola portuguesa foi a decadência mesma da economia espanhola a qual se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos 13 As populações indígenas mais evoluídas do ponto de vista agrícola eram as das terras altas do México e dos Andes e não se habituaram facilmente ao trabalho nas plantações de cana localizadas em terras baixas e úmidas Por essa razão a mâodeobra negra também oi introduzida nos engenhos de açúcar instalados para abastecer as populações dessas regiões A densa população das Antilhas que poderia ter servido de base para o desenvolvimento agrícola da região foi em grande parte transferida para o trabalho nas minas em condições climáticas distintas desaparecendo em grande escala 14 A exportação de açúcar pelas colônias americanas estava proibida para evitar concorrência no mercado interno da Espanha à pequena produção que se obtinha na Andaluzia CAPÍTULO IV DESARTICULAÇÃO DO SISTEMA O quadro políticoeconômico dentro do qual nasceu e progrediu de forma surpreendente a empresa agrícola em que assentou a colonização do Brasil foi profundamente modificado pela absorção de Portugal na Espanha A guerra que contra este último país promoveu a Holanda durante esse período repercutiu profundamente na colônia portuguesa da América No começo do século XVII os holandeses controlavam praticamente todo o comércio dos países europeus realizado por mar16 Distribuir o açúcar pela Europa sem a cooperação dos comerciantes holandeses evidentemente era impraticável Por outro lado estes de nenhuma maneira pretendiam renunciar à parte substancial que tinham nesse importante negocio cujo êxito fora em boa parte obra sua A luta pelo controle do açúcar tornase destarte uma das razões de ser da guerra sem quartel que promovem os holandeses contra a Espanha E um dos episódios dessa guerra foi a ocupação pelos batavos durante um 15 As terras compreendidas atualmente pela Holanda a Bélgica e parte do norte da França eram conhecidas no começo dos tempos modernos pela designação geral de Nederlanden isto é Países Baixos Quando as sete províncias setentrionais entre as quais se destacavam a Holanda e a Zelândia conquistaram sua independência em fins do século xvi as demais passaram a chamarse Pafses Baixos espanhóis e a partir do século wm austríacos A parte independente chamouse então Províncias Unidas prevalecendo subseqüentemente o nome de Holanda A independência das Províncias Unidas data oficialmente de 1579 União de Utrecht mas a guerra com a Espanha continuou pelos trinta anos seguintes até a trégua de doze anos firmada em 1609 Dessa forma os flamengos das Províncias Unidas que haviam desenvolvido enormemente o seu comércio com Portugal quando estavam submetidos à Espanha foram obrigados a abandonálo quando adquiriram a independência pois no ano seguinte a Espanha ocupava Portugal 16 lt is now safe to assume that practical monopoty of European transport and commerce which the Dutch established m the earty seventeenth century by reason of their geographical positkxi their superkx commercial organization and tecnnique and the economic backwardness o their neighbours stcod intact until about 1730 C H WILSON The Economic Decline of the Netheriands in Essays k Economic hiislory Londres 1954 p 254 quarto de século de grande parte da região produtora de açúcar no Brasil As conseqüências da ruptura do sistema cooperatiyo anterior serão entretanto muito mais duradouras que a ocupação militar Durante sua permanência no Brasil os holandeses adquiriram o conhecimento de todos os aspectos técnicos e organizacionais da indústria açucareira Esses conhecimentos vão constituir a base para a implantação e desen volvimento de uma indústria concorrente de grande escala na região do Caribe A partir desse momento estaria perdido o monopólio que nos três quartos de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que controlavam o comércio europeu No terceiro quartel do século xvn os preços do açúcar estarão reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo durante todo o século seguinte A etapa de máxima rentabilidade da empresa agrícolacolonial por tuguesa havia sido ultrapassada O volume das exportações médias anuais da segunda metade do século XVII dificilmente alcança cinqüenta por cento dos pontos mais altos atingidos em torno a 1650 E essas reduzidas exportações se liquidavam a preços que não superavam a metade daqueles que haviam prevalecido na etapa anterior Tudo indica que a renda real gerada pela produção açucareira estava reduzida a um quarto do que havia sido em sua melhor época A depreciação com respeito ao ouro da moeda portuguesa observada nessa época é praticamente das 17 No período anterior à trégua de 1609 os holandeses abriram grandes brechas no império português das índias Orientais ao mesmo tempo que continuavam a recolher o açúcar em Lisboa usando vários subterfúgios principalmente a conivência dos próprios portugueses que viam nos flamengos o inimigo do espanhol ocupante do pais Durante a trégua de 12 anos a penetração holandesa aumentou estendendose ao comércio diretamente com o Brasil it was during the truce of 160921 that their trade with Brasil expanded greatly despite the Spanish crowns explicit andreiteratedprohibilions of foreign trade with the colony A representation of Dutch merchants concerned in this business which was submitted to the States General in 1622 explains how this enviable position had been achieved Dutch trade with Brazil had always been driven through the intermediary of many good and honest portuguese mostly living at Vianna and O Porto who after the first formal prohibition of Dutch participation in tfis trade in 1594 had spontaneously offered to continue it under cover of their names and flag The magistrate of Vianna do Castelo in particular had always tippedoff the local Dutch Factors and their agents as to how they could guard themselves against damage from the Spaniards The Dutch merchants estimated that they had secured between onehatf and twothlrds of the carryingtrade between Brazil and Europa C ft BOXER The Dutch in Brazil Oxford 1957 p 20 Reiniciada a guerra com a Espanha os holandeses empreenderam a ocupação militar da colônia açucareira a qual sob vários aspectos estava financeira e economicamente integrada com as Províncias Unidas mesmas proporções o que indica claramente a enorme importância para a balança de pagamentos de Portugal que tinha o açúcar brasileiro Fora Portugal o principal abastecedòr da colônia e essa desvalorização significaria uma importante transferência de renda real em beneficio do núcleo colonial Mas como é sabido por essa época o Brasil se abastecia principalmente de manufaturas que os portugueses recebiam de outros países europeus Demais como os artigos de produção interna que Portugal exportava para o Brasil eram via de regra os mesmos que exportava para outras partes o mais provável é que seus preços estivessem fixados em ouro Sendo assim as transferências de renda provocadas pela desvalorização revertiam principalmente em benefício dos exportadores metropolitanos portugueses18 18 A depreciação da moeda portuguesa com respeito ao ouro era uma conseqüência natural da redução substancial no valor real das exportações decorrentes da queda de preços e contração do volume do açúcar vendido A depreciação minorava os prejuízos dos comerciantes que tinham capitais empatados nos negócios do açúcar permitindo que esses negócios continuassem operando Se outros atores a descoberta do ouro meio século antes por exemplo houvessem impedido a depreciação muito mais profunda teria sido a decadência das regióes açucareiras na segunda metade do século xvi CAPÍTULO V AS COLÔNIAS DE POVOAMENTO DO HEMISFÉRIO NORTE O principal acontecimento da história americana no século xvn foi para o Brasil o surgimento de uma poderosa economia concorrente no mercado dos produtos tropicais O advento dessa economia decorreu em boa medida do debilitamento da potência militar espanhola na primeira metade do século XVII debilitamento esse observado de perto pelas três potências cujo poder crescia na mesma época Holanda França e Inglaterra A idéia de apoderarse da rica presa que era o quinhão espanhol da América estava sempre presente nesses países e se não chegou a concretizarse em maior escala foi graças às rivalidades crescentes entre a Inglaterra e a França Estes dois países trataram de apoderarse das estratégicas ilhas do Caribe para nelas instalar colônias de povoamento com objetivos militares On neut dans les débuts diz um autor francês quune idée maitresse conquête des terres à métaux précieux ou à défaut ães lerres donnant accès à celleslà19 Franceses e ingleses se empenham assim no começo do século XVII em concentrar nas Antilhas importantes núcleos de população européia na expectativa de um assalto em larga escala aos ricos domínios da grande potência enferma desse século Referindose aos objetivos de Richelieu com respeito à colonização da Martinica observa um historiador francês il devenait urgent davoir au plus tôt une forte milice et quelle füt durable Cest de ce príncipe que Von part et à ce príncipe que Yon saccroche il faut aux iles des colons nombreux cultivateurs et soldats20 Em razão de seus objetivos políticos essa colonização deveria basearse no sistema da pequena 19 LÍON VKJNOUS op cH loc cit 20 J B DELAWARM Les défricheurs et les petits colons de Ia Martinique au XV siecla Paris 1935 p 30 propriedade Os colonos eram atraídos com propaganda e engodos ou eram recrutados entre criminosos ou mesmo seqüestrados21 A cada um se atribuía um pedaço de terra limitado que deveria ser pago com o fruto de seu trabalho futuro As Antuhas inglesas se povoaram com maior rapidez que as france sas e com menos assistência financeira do governo provavelmente devi do à maior facilidade de recrutamento de colonos que apresentavam as ilhas britânicas O século XVII foi uma etapa de grandes transformações sociais e de profunda intranqüilidade política e religiosa nessas ilhas Nos três quartos de século que antecederam ao Toleration Act de 1689 a intolerância política e religiosa deu origem a importantes deslocamentos de população dentro das ilhas e para o exterior22 Esses movimentos de população provocados por fatores religiosos e políticos estão inti mamente ligados ao início da expansão colonizadora inglesa da primeira metade do século xvn mas de nenhuma forma explicam esta última O transporte de populações através do Atlântico requeria na época vultosas inversões Sem embargo o fato de que importantes grupos de população estivessem dispostos a aceitar as mais duras condições para emigrar criou a possibilidade de exploração de mãodeobra européia em condi ções relativamente favoráveis Organizamse importantes companhias com o objetivo de financiar o translado desses grupos de população as quais conseguem amplos privilégios econômicos sobre as colônias que chegassem a fundar Somente em casos excepcionais e com objetivos mi litares explicitamente declarados como ocorreu na Geórgia já em pleno 21 Em alguns casos também se realizaram transferências em massa de populações rebeldes Com respeito aos irlandeses revoltados Cromwell deu a seguinte ordem When they submitted these oHicers were knocked on the head and every tenth man oi the soldiers killed and the rest shipped for Barbados Vejase V T HARLOW A History oi Barbados Oxlord 1926 p 295 Polilical criminais prisoners oi war vagabonds children oi vagabonds were carried to America by merchants under contract with the government Others were kidnapped or induced to go underlalsepretensesJuLHissAC EconomicsoiMigration Londres 1947 p 17 22 The English settlements devetoped in the course oi the seventeenth century owe their existence mainry to the immigration oi retvgees Irom religious or political intolerance who lett Britain belore the Toleration Act oi 1689 Puritans lounded the firsf successful settlement in New England in 1620 English Dissenters established settlements in Massachusetts where the Massachusetts Bay Company had been granted a charter in 1629 fíetugee immigration brought about the tounding oi Connectícutin 1633andof Rhode Islandin 1636 At about the same time discontented CathoUcs turned to the West índios were the Eari ot Cariisle hadreceiveda charter J ISAAC op cit p 16 século XVIII o governo inglês tomará a seu cargo o financiamento jlo translado da população colonizadora A colonização de povoamento que se inicia na América no século xvn constitui portanto seja uma operação com objetivos políticos seja uma forma de exploração de mãodeobra européia que um conjunto de circunstâncias tornara relativamente barata nas ilhas britânicas Ao contrário do que ocorrera com a Espanha e Portugal que se haviam visto afligidos por uma permanente escassez de mãodeobra quando iniciaram a ocupação da América a Inglaterra do século XVII apresen tava um considerável excedente da população graças às profundas modificações de sua agricultura iniciadas no século anterior23 Essa população sobrante que abandonava os campos à medida que o velho sistema de agricultura coletiva ia sendo eliminado e que as terras agrícolas eram desviadas para a criação de gado lanígero vivia em condições suficientemente precárias para submeterse a um regime de servidão por tempo limitado com o fim de acumular um pequeno patrimônio A pessoa interessada assinava um contrato na Inglaterra pelo qual se comprometia a trabalhar para outra por um prazo de cinco a sete anos recebendo em compensação o pagamento da passagem manutenção e ao final do contrato um pedaço de terra ou uma indeni zação em dinheiro Tudo indica que essa gente recebia um tratamento igual ou pior ao dado aos escravos africanos24 O início dessa colonização de povoamento no século xvn abre uma etapa nova na história da América Em seus primeiros tempos essas colônias acarretam vultosos prejuízos para as companhias que 23 Britain could afford to send so many emigrants overseas without endangering the ample supply of cheap labour for her home industry The changes in agricultura organizalion parlicularly enclosures had crealed in England a surplus rural population which brought wages down to subsistence levei and provided a large reserve in the labour market J ISAAC op cf p 17 A idéia de que a Espanha foi empobrecida pela emigração em massa para a América carece de fundamento pois o tipo de colônia que ps espanhóis criaram nas terras americanas não exigiu grandes translados da população européia Na verdade se estima que entre 1509 e 1790 emigraram da Espanha para a América cerca de 150 mil pessoas Somente no século xv das ilhas britânicas safram cerca de 500 mil Vejase IMRE FERENCZ Migrations in Encyclopaedia oi Social Sciences Nova York 1936 24 The most significam feature of this question of treatment is the general agreerrtent among conlemporary wrilers that the European servant was in a less favoured position than the negro slave V T HAHLOW op cf p 302 as organizam Particularmente grandes são os prejuízos dados pelas colônias que se instalam na América do Norte250 êxito da colonização agrícola portuguesa tivera como base a produção de um artigo cujo mercado se expandira extraordinariamente A busca de artigos capazes de criar mercados em expansão constitui a preocupação dos novos núcleos coloniais Demais era necessário encontrar artigos que pudessem ser produzidos em pequenas propriedades condição sem a qual não perduraria o recrutamento de mãodeobra européia Em tais condições os núcleos situados na região norte da América Setentrional encontraram sérias dificuldades para criar uma base econômica estável Do ponto de vista das companhias que financiaram os gastos iniciais de translado e instalação a colonização dessa parte da América constitui um efetivo fracasso Não foi possível encontrar nenhum produto adaptável à região que alimentasse uma corrente de exportação para a Europa capaz de remunerar os capitais invertidos Com efeito o que se podia produzir na Nova Inglaterra era exatamente aquilo que se produzia na Europa onde os salários estavam determinados por um nível de subsistência extremamente baixo na época Demais o custo do transporte era de tal forma elevado relativamente ao custo de produção dos artigos primários que uma diferença mesmo substancial nos salários reais teria sido de escassa significação Explicase assim o lento desenvolvimento inicial das colônias do Norte do continente as quais muito possivelmente teriam permanecido num segundo plano por muito tempo se acontecimentos a que nos referiremos mais adiante não tivessem modificado os dados do problema As condições climáticas das Antilhas permitiam a produção de um certo número de artigos como o algodão o anil o café e 25 A companhia que primeiro empreendeu a colonização da Virgínia nâo chegou a pagar um cen tavo de remuneração aos acionistas e encerrou suas contas com mais de cem mil libras de prejuízo Vejase EDWARD C KIRKLANO Historia Econômica de tos Estados Unidos México Refe rindose ao ato de que o Canadá constituía uma carga para a França e que sua perda repre sentava de certa lorma um alivio diz E LEVASSEUR En Franca les hommes dEtat et es publicistes ne sentirent pas ia gravite de cetteperte Certepopulation il est vrai nétait pas riche eHe vivait de cutture et de criasse Labbé Raynal dit quen 1715 les exportations du Canada en Franca avaient a peine une valeur de 300000 livres quà 1époque Ia plus ftorissante elles ne dépassaient pas 1300 000 Hvres et que de I750à 1760 le gouvernement y avait depensé 127 rríllions 12 ce que ne contribuait pasà rendre le Canada populaire dans radministration française Op cf i p 484 principalmente o fumo com promissoras perspectivas nos mercados da Europa A produção desses artigos era compatível com o regime da pequena propriedade agrícola e permitia que as companhias colonizadoras realizassem lucros substanciais ao mesmo tempo que os governos das potências expansionistas França è Inglaterra viam crescer as suas milícias Os esforços realizados principalmente na Inglaterra para recrutar mãodeobra no regime prevalecente de servidão temporária se intensifi caram com a prosperidade de negócios Por todos os meios procuravase induzir as pessoas que haviam cometido qualquer crime ou mesmo contravenção a venderse para trabalhar na América em vez de ir para o cárcere Contudo o suprimento de mãodeobra deveria ser insufi ciente pois a prática do rapto de adultos e crianças tendeu a transfor marse em calamidade pública nesse país26 Por esse e outros métodos a população européia das Antilhas cresceu intensamente e só a ilha de Barbados chegou a ter em 1634 37200 habitantes dessa origem 26 Vejase v T HARLOW op ctt passim CAPÍTULO VI CONSEQÜÊNCIAS DA PENETRAÇÃO DO AÇÚCAR NAS ANTILHAS À medida que a agricultura tropical particularmente a do fumo transformavase num êxito comercial cresciam as dificuldades apre sentadas pelo abastecimento de mãodeobra européia Do ponto de vista das companhias interessadas no comércio das novas colônias a solução natural do problema estava na introdução da mãodeobra afri cana escrava Na Virgínia onde as terras não estavam todas divididas em mãos de pequenos produtores a formação de grandes unidades agrícolas se desenvolveu mais rapidamente Surge assim uma situação completamente nova no mercado dos produtos tropicais uma intensa concorrência entre regiões que exploram mãodeobra escrava de gran des unidades produtivas e regiões de pequena propriedade e população européia A conseqüente baixa dos preços ocorrida nos mercados internacionais cria sérias dificuldades às populações antilhanas e vem demonstrar a fragilidade de todo o sistema de colonização ensaiado na quelas regiões tropicais27 As colônias de povoamento dessas regiões com efeito resultaram ser simples estações experimentais para a pro dução de artigos de potencialidade econômica ainda incerta Superada essa etapa de incerteza as inversões maciças exigidas pelas grandes plantações escravistas demonstram ser negócio muito vantajoso A partir desse momento se modifica o curso da colonização anti lhana e essa modificação será de importância fundamental para o Brasil A idéia original de colonização dessas regiões tropicais à base de pequena propriedade excluía per se toda cogitação em torno à produção de açúcar Entre os produtos tropicais mais que qualquer ou tro este era incompatível com o sistema da pequena propriedade 27 Aucun benéfica nétait plus possible tandis que le colon anglais parvenait a rempiacer Ia makKroewre blanche par des négres achetés à bon compte ou à crédit Lous Pm MAY Hstoke Economique de Ia Martínique 16651763 Paris 1930 p 89 Nesta primeira fase da colonização agrícola nãoportuguesa das terras americanas aparentemente se dava por assentado que ao Brasil cabia o monopólio da produção açucareira Às colônias antilhanas ficavam reservados os demais produtos tropicais A razão de ser dessa divisão de tarefas derivava dos próprios objetivos políticos da colonização an tilhana onde franceses e ingleses pretendiam reunir fortes núcleos de população européia Sem embargo esses objetivos políticos tiveram de ser abandonados sob a forte pressão de fatores econômicos É provável entretanto que as transformações da economia anti lhana tivessem ocorrido muito mais lentamente não fora a ação de um poderoso fator exógeno em fins da primeira metade do século XVII Esse fator foi a expulsão definitiva dos holandeses do Nordeste brasileiro Senhores da técnica de produção e muito provavelmente aparelhados para a fabricação28 de equipamentos para a indústria açucareira os holan deses se empenharam firmemente em criar fora do Brasil um importante núcleo produtor de açúcar É tão favorável a situação que encontram nas Antilhas francesas e inglesas que preferem colaborar com os colonos dessas regiões a ocupar novas terras e instalar por conta própria a indústria Na Martinica as dificuldades causadas pela baixa dos preços do fumo eram grandes o que facilita o início de qualquer negócio tendente a restaurar a prosperidade da ilha Nas Antilhas inglesas as dificuldades econômicas haviam sido agravadas pela guerra civil que se prolongava nas ilhas britânicas Praticamente isoladas da Metrópole as colônias inglesas acolheram com grande entusiasmo a possibilidade de um intenso comércio com os holandeses Estes não somente deram a necessária ajuda técnica como também propiciaram crédito fácil para comprar equipamentos escravos e terra29 Em pouco tempo se 28 O problema de se os holandeses conseguiram ou não dominar eles mesmos a técnica de pro dução de açúcar ou permitiram a vinda ao Brasil de produtores antilhanos que aperfeiçoaram os seus conhecimentos carece de significação real Vejase sobre este assunto A P CANABRAVA A influência do Brasil na técnica do fabrico de açúcar nas Antilhas francesas e in glesas no meado do século xvii Anuârio da Faculdade de Ciências Econômicas e Administra tivas 194647 São Paulo 1947 29 lt was thanks to Dutch refugees from Brazit which was now being reconquered by the Portuguesa that the technique of sugar cultivation and manufacture carne to Barbados Dutch capital helped the planters to buy the necessary machinery Dutch crèdH provided nem with negro slaves to work on the sugar estates and Dutch ships bovght thek sugar and supplied them with food and other goods which England couto no longer supply owing to internai troubles ALAN BURNS History of the British West Indies Londres 1954 p 232 constituíram nas ilhas poderosos grupos financeiros que controlavam grandes quantidades de terras e possuíam engenhos açucareiros de grandes proporções Dessa forma menos de um decênio depois da ex pulsão dos holandeses do Brasil operava nas Antilhas uma economia n açucareira de consideráveis proporções cujos equipamentos eram total I mente novos e que se beneficiava de mais favorável posição geográfica As conseqüências dessa autêntica eclosão de um sistema econômico dentro de outro foram profundas A população de origem européia decresceu rapidamente tanto nas Antilhas francesas como nas inglesas enquanto crescia verticalmente o número de escravos africanos Em Barbados por exemplo a população branca se reduziu à metade e a negra mais que decuplicou no correr de dois decênios Nesse ínterim a riqueza da ilha tinha aumentado quarenta vezes30 Na França onde o governo estava menos submetido à influência das companhias de comércio a reação provocada pelas rápidas transformações econômico sociais das ilhas foi maior Inúmeras medidas foram tomadas para deter o seu abandono pela população branca e a rápida transformação das colônias de povoamento em grandes plantações de açúcar Tratouse inclusive contra a orientação da política colonial da época de introduzir nas ilhas atividades manufatureiras Colbert tomou o assunto em suas mãos sugeriu inúmeras soluções enviou operários especializados em missões técnicas para estudar os recursos da ilha Tudo inutilmente A valorização das terras provocada pela introdução do açúcar agiu inexoravelmente destruindo em pouco tempo esse prematuro ensaio de colonização de povoamento das regiões tropicais da América31 30 Already in 1667 this substitution oi the negro slave for the white servanl had reached an advanced stage In lhat year Major Scoll slated that after exarnining ali the Barbarians records he found that since 1643 no less than 12000 goodmenhad left the island for other plantations and that the number of landowners had decréased from 11200 smallholders in 1645 to 745 owners oflarge estales on 1667 while during the same period the negrões had increased from 5680 to 82023 Finally he summed up the situation by saying that in 1667 the island was not halfsostrong and forty times as rich as in the year 1645 V T HAHLOW op cY p 310 31 Existe uma ampla correspondência trocada entre COLBERT e o governador da Martinica Vários planos foram postos em prática para proteger o pequeno cultivador que rapidamente estava sendo eliminado pelas grandes plantações de cana En 1683 des ouvriers et ouvrières xperts sont transportes i Ia Martiniqu des graines distribuées avec des arbres de par Unillativt du seul pouvok Central n 1685 le rol renouvelle son désk il envoie encore des grains et souhaite rétablissemenl dune manufacture AOWEN DESSALLES Hstoire Générale des Se a economia açucareira ao florescer nas Antilhas fez desá parecer às colônias de povoamento que se havia tentado instalar nessas ilhas por outro lado contribuiu grandemente para tomar eco nomicamente viáveis as colônias desse tipo que os ingleses já haviam estabelecido na região norte do continente Conforme já indicamos estas últimas colônias estiveram longe de ser um êxito econômico para as companhias que haviam financiado sua instalação pois os únicos produtos que na época justificavam um comércio transatlântico nelas não podiam ser produzidos Contudo os membros dessas colônias que sobreviveram às vicissitudes da etapa de instalação empenharamse em criar uma economia autosuficiente suplementada por algumas atividades comerciais que lhes permitiam atender a um mínimo indispensável de importações Essas colônias pareciam fadadas a um lento desenvolvimento o que aliás ocorreu com os grupos de população francesa situados no Canadá quando o advento da economia açucareira antilhana no começo da segunda metade do século xvn veio abrirlhes inesperadas perspectivas A penetração do açúcar nas ilhas caribenhas expeliu uma parte substancial da população branca nelas estabelecida boa parte da qual foi instalarse nas colônias do norte Tratavase em grande parte de pequenos proprietários que se viram na contingência de alienar suas terras e que se transferiram com algum capital Por outro lado o açúcar desorganizou e em algumas partes eliminou a produção agrícola de subsistência As ilhas se transformaram em pouco tempo em grandes importadoras de alimentos e as colônias setentrionais que havia pouco não sabiam que fazer com seu excedente de produção de trigo se constituíram em principal fonte de abastecimento das prósperas colônias açucareiras Como bem observa um historiador inglês Starting with fish timber and meat the New Englander by a clever complex system of sale and barter in which the West Indies formed the connecting link drew to Antilles Paris 184748 p 59 Em 1687 COLBEHT escrevia ao Qovernador da ilha II est nécessaire de les obliger aos habitantes à partager Ia culture de leurs terres en índigo tocou cacao casse gingembre coton et autres fruits quüs peuvent cultivar La pene inlaillible des ttes será causóe par 1excessive quantití de cannes de sucre Vejase LUCIEN PETTRANO VEsclavage aux Antilles Françaises avant 1789 Paris 1897 Sem embargo a política do governo francês nem sempre foi coerente o que se explica tendo em conta que os interesses açu careiros eram poderosos themselves any sòrt of commodíty fromthe Old World of which they had need32 E não ficou na exportação de bens de consumo a importante corrente comercial que se formou entre os dois grupos de colônias inglesas Não dispondo de força hidráulica para mover os engenhos as ilhas dependiam principalmente de animais de tiro como fonte de energia Tampouco dispunham de madeira para fabricar as caixas em que se exportava o açúcar Do norte vinham uma e outra coisa33 Esse importante comércio se efetuava principalmente em navios dos colo nos da Nova Inglaterra o que veio fomentar a indústria de construção naval nessa região Essa indústria encontrando condições excepcionalmente favoráveis em razão da abundância de madeira adequada se desenvolveu intensamente transformandose em uma das principais atividades exportadoras das colônias setentrionais Por último cabe mencionar a instalação de uma importante indústria derivada da cana a destilação de bebidas alcoólicas Neste caso a integração se realizou com as Antilhas francesas Estas estando interditadas de usar a matériaprima de que dispunham para evitar a concorrência às indústrias de bebidas da Metrópole vendiamna a preços extremamente baixos Os colonos do norte se prevaleciam desses baixos preços para concorrer vantajosamente com as próprias Antilhas inglesas nesse negócio altamente lucrativo As colônias do norte dos EUA se desenvolveram assim na segunda metade do século XVII e primeira do século XVIII como parte integrante de um sistema maior no qual o elemento dinâmico são as regiões antilha nas produtoras de artigos tropicais O fato de que as duas partes princi pais do sistema a região produtora do artigo básico de exportação e a região que abastecia a primeira hajam estado separadas é de fun damental importância para explicar o desenvolvimento subseqüente de ambas A essa separação se deve que os capitais gerados no conjunto do 32 V T HABLOW op cü p 281 33 Sugar mills had sprung up for crushing the canes bul Barbados possessed no water power to drive them The alternativa was to use treadmills worked by horses and horses were accordingty obtained from New Bngland Casks and barreis too were needed in which to pack íte sugar These were provided trom the abundant lorests ot Massachusetts and Connecticut V T HAKLOW op cl p 274 sistema não hajam sido canalizados exclusivamente para a atividade acucareira que na realidade era á mais lucrativa Essa separação ao tornar possível o desenvolvimento de uma economia agrícola nãoespeci alizada na exportação de produtos tropicais marca o início de uma nova etapa na ocupação econômica das terras americanas A primeira etapa consistira basicamente na exploração da mãodeobra preexistente com vistas a criar um excedente líquido de produção de metais precio sos a segunda se concretizara na produção de artigos agrícolas tropi cais por meio de grandes empresas que usavam intensamente mãode obra escrava importada Nesta terceira etapa surgia uma economia similar à da Europa contemporânea isto é dirigida de dentro para fora produzindo prin cipalmente para o mercado interno sem uma separação fundamental entre as atividades produtivas destinadas à exportação e aquelas liga das ao mercado interno Uma economia desse tipo estava em flagrante contradição com os princípios da política colonial e somente graças a um conjunto de circunstâncias favoráveis pôde desenvolverse Com efeito sem o prolongado período de guerra civil por que passou a Inglaterra no século xvii teria sido muito mais difícil aos colonos da Nova Inglaterra firmarse tão amplamente nos mercados das prósperas ilhas antilhanas Demais a famosa legislação protecionista naval que no último quartel desse século excluiu os holandeses do comércio das colônias constitui outro forte aliciante não só para as exportações da Nova Inglaterra como também para sua indústria de construção de barcos Por último o prolongado período de guerras que a Inglaterra manteve com a França tornou precário o abastecimento das Antilhas com gêneros europeus criando para os colonos do norte a situação favorável de abastecedores regulares das ilhas inglesas e ocasionais das francesas34 Os esforços quase malogrados feitos pelos ingleses para eliminar os contatos comerciais desses colonos com as Antilhas francesas constituem a primeira etapa de um período de fricção e choque de interesses que se fez cada vez mais manifesto Com efeito 34 O problema do abastecimento de vtveres era menos grave nas Antilhas francesas pois o go verno da França consciente de sua impotência para manter as linhas de comercio durante os períodos prolongados de guerra regulamentara a produção dos mesmos em cada ilha uma vez lograda a supremacia e excluídos os franceses de suas po sições principais na Americana Inglaterra pretendeu nasegunda metade do século xvin pôr cobro à crescente concorrência que as colônias setentrionais estavam fazendo à economia metropolitana As medidas legislativas se sucederam então mas serviram apenas para aumentar a tensão e pôr à mostra o profundo desencontro de interesses que já existia precipitando a separação De um ponto de vista macroeconômico as colônias da Nova Ingla terra assim como Nova York e Pensilvânia continuaram a ser avan çando o século xvm economias de produtividade relativamente baixa O produto por habitante deveria ser substancialmente inferior ao das colônias agrícolas de grandes plantações Contudo o tipo de atividade econômica que nelas prevalecia era compatível com pequenas unidades produtivas de base familiar sem o compromisso de remunerar vultosos capitais Por outro lado a abundância de terras tornava atrativa a imi gração européia no regime de servidão temporária Ao surgir para o pequeno proprietário a possibilidade de vender regularmente parte de sua produção agrícola tornouse para ele viável o financiamento da via gem de um imigrante cujo trabalho seria explorado durante quatro anos Estimase que pelo menos a metade da população européia que emigrou para os EUA antes de 1700 estava constituída de pessoas que haviam aceitado um ou outro regime de servidão temporária35 A principal vantagem que esse sistema apresentava para o pequeno proprietário estava em que a imobilização de capital era muito menor que a exigida pela compra do escravo sendo também menor o risco em caso de mor te O escravo africano constituía um negócio muito mais rentável para o grande capitalista mas de maneira geral não estava ao alcance do pequeno produtor Por outro lado as atividades agrícolas dessas colô nias tampouco justificavam grandes inversões Explicase assim que a importação de mãodeobra européia em regime de servidão temporária tenha continuado nas colônias mais pobres e haja sido excluída das colônias mais ricas não obstante fosse amplamente reconhecido que o trabalho escravo era o mais barato A transição para o escravo africano 35 lt has been estimated that at Içast half oi the white immigrants bafora 1700 were redemptioners ot had lhair taras paid by others F A SHANNON America S Economic Growtrt Nova York 1951 p 64 só se realizou ali onde foi possível especializar a agricultura num artigo exportável em grande escala Essas colônias de pequenos proprietários em grande parte auto suficientes constituem comunidades com características totalmente distintas das que predominavam nas prósperas colônias agrícolas de exportação Nelas era muito menor a concentração da renda e as mes mas estavam muito menos sujeitas a bruscas contrações econômicas Demais a parte dessa renda que revertia em benefício de capitais forâneos era insignificante Em conseqüência o padrão médio de consumo era elevado relativamente ao nível da produção per capita Ao contrário do que ocorria nas colônias de grandes plantações em que parte substancial dos gastos de consumo estava concentrada numa reduzida classe de proprietários e se satisfazia com importações nas colônias do norte dos EUA OS gastos de consumo se distribuíam pelo conjunto da população sendo relativamente grande o mercado dos objetos de uso comum A essas diferenças de estrutura econômica teriam necessariamente de corresponder grandes disparidades de comportamento dos grupos sociais dominantes nos dois tipos de colônias Nas Antilhas inglesas os grupos dominantes estavam intimamente ligados a poderosos grupos financeiros da Metrópole e tinham inclusive uma enorme influência no Parlamento britânico Esse entrelaçamento de interesses inclinava os grupos que dirigiam a economia antilhana a considerála exclusiva mente como parte integrante de importantes empresas manejadas da Inglaterra As colônias setentrionais ao contrário eram dirigidas por grupos ligados uns a interesses comerciais centralizados em Boston e Nova York os quais freqüentemente entravam em conflito com os interesses metropolitanos e outros representativos de populações agrícolas praticamente sem qualquer afinidade de interesses com a Metrópole Essa independência dos grupos dominantes visàvis da Metrópole teria de ser um fator de fundamental importância para o desenvolvimento da colônia pois significava que nela havia órgãos políticos capazes de interpretar seus verdadeiros interesses e não ape nas de refletir as ocorrências do centro econômico dominante CAPÍTULO VII ENCERRAMENTO DA ETAPA COLONIAL A evolução da colônia portuguesa na América a partir da segun da metade do século xvn será profundamente marcada pelo novo rumo que toma Portugal como potência colonial Na época em que esteve ligado à Espanha perdeu esse país o melhor de seus entrepostos orien tais ao mesmo tempo que a melhor parte da colônia americana era ocupada pelos holandeses Ao recuperar a independência Portugal encontrouse em posição extremamente débil pois a ameaça da Espanha que por mais de um quarto de século não reconheceu essa indepen dência pesava permanentemente sobre o território metropolitano Por outro lado o pequeno reino perdido o comércio oriental e desorganizado o mercado do açúcar não dispunha de meios para defender o que lhe sobrara das colônias numa época de crescente atividade imperialista A neutralidade em face das grandes potências era impraticável Portugal compreendeu assim que para sobreviver como metrópole colonial deveria ligar o seu destino a uma grande potência o que significaria necessariamente alienar parte de sua soberania Os acordos concluídos com a Inglaterra em 16425461 estruturaram essa aliança que marcará profundamente a vida política e econômica de Portugal e do Brasil durante os dois séculos seguintes36 Assim como seria difícil explicar o grande êxito da empresa açu careira sem ter em conta a cooperação comercialfinanceira holandesa 36 Ao recuperar Portugal a independência em 1640 o governo lusitano empenhouse em chegar a um acordo com a Holanda então principal inimiga da Espanha nos mares As múltiplas ofertas inclusive a divisão do Brasil foram entretanto rejeitadas pelos holandeses demasiadamente confiantes em seu excepcional poder marítimo e ao mesmo tempo falhos de uma orientação política geral em razão de suas profundas dissensOes internas Ao prolongarse o estado de guerra os portugueses fizeram mais e mais apelos a barcos ingleses no intuito de livrarse do bloqueio dos flamengos Em condições assim favoráveis a penetração inglesa se processou rapidamente O acordo de 1654 foi imposto em seguida a uma agressão da esquadra inglesa a Portugal num momento em que este pais se encontrava em guerra com a Holanda e a Espanha Sobre a agressão inglesa vejase C R BOXER Blake and the Brazilian Reets in 1650 The Marinefs Mirror vol xxxiv 1950 também só pode explicarse a persistência do pequeno e empobrecido reino como grande potência colonial na segunda metade do século xvn bem como súa recuperação no século xviu durante o qual reteve sem disputas a colônia mais lucrativa da época tendo em conta a situação especial de semidependência que aceitou como forma de soberania o governo português Os privilégios conseguidos pelos comerciantes ingleses em Portugal foram de tal ordem incluíam extensa jurisdição extraterritorial liberdade de comércio com as colônias controle sobre as tarifas que as mercadorias importadas da Inglaterra deveriam pagar que os mesmos passaram a constituir um poderoso e influente grupo com ascendência crescente sobre o governo português Nas palavras de um meticuloso estudioso da matéria Portugal became virtually Englands commercial vassal37 O espírito dos vários tratados firmados entre os dois países nos primeiros dois decênios que se seguiram à independência era sempre o mesmo Portugal fazia concessões econômicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas Com respeito às índias Orientais por exemplo Portugal cedeu Bombaim permanentemente e a Inglaterra prometeu utilizar sua esquadra para manter a ordem nas possessões lusitanas Os ingleses conseguiam demais privilégios de manter comerciantes residentes em praticamente todas as colônias portuguesas O acordo de 1661 incluía finalmente uma cláusula secreta pela qual os ingleses prometiam defender as colônias portuguesas contra quaisquer inimigos Se se tem em conta que por essa época a Espanha ainda não reconhecera a separação de Portugal e que nesse mesmo ano se estava negociando a paz com a Holanda é fácil compreender o que significava para o governo português uma aliança que lhe garantia a sobrevivência como potência colonial Contudo as garantias de sobrevivência não solucionavam o proble ma fundamental que era a própria decadência da colônia decorrente da desorganização do mercado do açúcar As dificuldades econômicas do 37 ALAN K MANCHESTER Brilish Preeminence in Brazil Its Rise and Decline North Caroline 1933 p 9 The treaty thus fínally ratified was a diplomatic triumph for the Commonweallh for by it great commércial and religious advantages were secured from Portugal gave a convincing proof oi the ascendency oi England whose subjects tradirtg with or reskjing in Portugal were for the future in a better situatíon than tha Portuguese themselves Britain here laid the foundations oi its privileged position in Portugal overseas dominions p 11 12 reino continuam a agravarse e se repetem as desvalorizações monetárias Nò último quartel do século tomase consciência da necessidade de reconsiderar a política econômica do país Aldeia de encontrar solução para as dificuldades da balança comercial nos produtos coloniais de exportação já não parece suficiente Pensase em reduzir as importações fomentando a produção interna no setor manufatureiro Essa política alcançou dar alguns frutos e durante dois decênios se chegou mesmo a interditar a importação de tecidos de lã principal manufatura então importada Tal política entretanto não chegaria a amadurecer plenamente O rápido desenvolvimento da produção de ouro no Brasil a partir do p primeiro decênio do século XVIII modificaria fundamentalmente os termos do problema Conforme veremos em detalhe em capítulos subseqüentes o acordo comercial celebrado com a Inglaterra em 1703 desempenhou papel básico no curso tomado pelos acontecimentos Esse acordo significou para Portugal renunciar a todo desenvolvimento manufatureiro e implicou transferir para a Inglaterra o impulso dinâmico criado pela produção aurífera no Brasil Graças a esse acordo entretanto Portugal conservou uma sólida posição política numa etapa que resultou ser fundamental para a consolidação definitiva do território de sua colônia americana O mesmo agente inglês que negociou o acordo comercial de 1703 John Methuen também tratou das condições da entrada de Portugal na guerra que lhe valeria uma sólida posição na conferência de Utrecht Aí conseguiu o governo lusitano que a França renunciasse a quaisquer reclamações sobre a foz do Amazonas e a quaisquer direitos de navegação nesse rio Igualmente nessa conferência Portugal conseguiu da Espanha o reconhecimento de seus direitos sobre a Colônia do Sacramento Ambos os acordos receberam a garantia direta da Inglaterra e vieram a constituir fundamentos da estabilidade territorial da América portuguesa Observada de uma perspectiva ampla a economia lusobrasileira do século xvm se configurava com uma articulação e articulação funda mental do sistema econômico em mais rápida expansão na época ou seja a economia inglesa O ciclo do ouro constitui um sistema mais ou menos integrado dentro do qual coube a Portugal a posição secundária de simples entreposto Ao Brasil o ouro permitiu financiar uma grande expansão demográfica que trouxe alterações fundamentais à estrutura de sua população na qual os escravos passaram a constituir minoria e o elemento de origem européia maioria Para a Inglaterra o ciclo do ouro brasileiro trouxe vim forte estímulo ao desenvolvimento manufatureiro uma grande flexibilidade à sua capacidade para importar e permitiu uma concentração de reservas que fizeram do sistema bancário inglês o principal centro financeiro da Europa A Portugal entretanto a economia do ouro proporcionou apenas uma aparência de riqueza repetindo o pequeno reino a experiência da Espanha no século anterior Como agudamente observou Pombal na segunda metade do século o ouro era uma riqueza puramente fictícia para Portugal os próprios negros que trabalhavam nas minas tinham que ser vestidos pelos ingleses Contudo nem mesmo Pombal que tinha uma visão lúcida da situação da depen dência política em que vivia seu país38 e uma vontade de ferro conseguiu modificar fundamentalmente as relações com a Inglaterra Na verdade essas relações constituíam uma ordem superior de coisas sem a qual não seria fácil explicar a sobrevivência do pequeno reino como Metrópole de um dos mais ricos impérios coloniais da época Não seria sem razão que opiniões contemporâneas consideravam na Inglaterra que o comércio português era at the present the most advantageous that we drove anywhere ou very best brandi of ali our European commerce39 O último quartel do século XVIII veria a decadência da mineração do ouro no Brasil A Inglaterra já havia sem embargo entrado em plena revolução industrial As necessidades de mercados cada vez mais amplos para as manufaturas em processo de rápida mecanização impõem nesse país o abandono progressivo dos princípios protecio nistas O tratado de Methuen que criava uma situação de privilégio para os vinhos portugueses no mercado inglês é fortemente criticado do ponto de vista dos novos ideais liberais O problema fundamental da Inglaterra passa a ser a abertura dos grandes mercados europeus para as suas manufaturas e com esse fim tornavase indispensável eli minar as ataduras da era mercantilista Com efeito no tratado de 1786 firmado com a França a Inglaterra pôs praticamente fim ao privilégio 36 Em suas memórias o Marquês de Pombal afirma categoricamente que a Inglaterra havia reduzido Portugal a uma situação de dependência conquistando o reino sem os inconvenientes de uma conquista militar que todos os movimentos do governo eram regulados de acordo com os desejos da Inglaterra 39 Citados por A K MWOCSTEA op dl p 33 aduaneiro que desde o começo do século haviam gozado os vinhos portugueses em seu mercado única contrapartida econômica que recebera Portugal nos cento e cinqüenta anos anteriores de vassalagem econômica40 Minguara o mercado da economia lusobrasileira com a decadência da mineração e já não se justificava manter um privilégio que constituía um empecilho à ampla penetração no principal mercado da Europa continental que era a França A forma peculiar como se processou a independência da América portuguesa teve conseqüências fundamentais no seu subseqüente desenvolvimento Transferindose o governo português para o Brasil sob a proteção inglesa e operandose a independência da colônia sem descontinuidade na chefia do governo os privilégios econômicos de que se beneficiava a Inglaterra em Portugal passaram automaticamente para o Brasil independente Com efeito se bem haja conseguido separarse de Portugal em 1822 o Brasil necessitou vários decênios mais para eliminar a tutela que graças a sólidos acordos internacionais mantinha sobre ele a Inglaterra Esses acordos foram firmados em momentos difíceis e constituíam na tradição das relações lusoinglesas pagamentos em privilégios econômicos de importantes favores políticos Os acordos de 1810 foram firmados contra a garantia da Inglaterra de que nenhum governo imposto por Napoleão em Portugal seria reconhecido Por eles se transferiam para o Brasil todos os privilégios de que gozavam os ingleses em Portugal inclusive os de extraterritorialidade e se lhes reconhecia demais uma tarifa preferencial41 Tudo indica que negociando esses acordos o governo 40 O próprio ADAM SMITH se encarregou de demonstrar que o tratado de Methuen era prejudicial à Inglaterra argumentando que o mesmo concedia a Portugal um privilégio alfandegário enquanto a Inglaterra tinha que competir com outras potências produtoras de manufaturas no mercado português Vejase The Wealth oINations passim No tratado comercial celebrado com a França em 1786 o governo inglês tratou de cobrirse contra qualquer reação em Portugal respeitando na forma o acordo de Methuen Com efeito os impostos aos vinhos franceses foram reduzidos de 8 shillings e 34 pence para 4 shillings e 6 pence por galão imperial mas se concedeu uma rebaixa no imposto aos vinhos portugueses de 4 shillings e 2 pence para 3 shillings Ocorre porém que ao reduzirse a importância relativa do imposto as diferenças passaram a ser irrelevantes Com efeito as importações de vinhos franceses decuplicaram no ano seguinte à assinatura do acordo Vejase sobre este ponto o estudo de W O HENDCRSON The Anglo French Commercial Treaty of 1786 The Economic History Review vol v n i 41 O Tratado de Comércio e Navegação firmado em 1810 se bem pretende instituir systema Liberal de Commercio fundado sobre as Bazes de Reciprocidade cria na verdade uma série de português tinha estritamente em vista a continuidade da casa reinante em Portugal enquanto os ingleses sé preocupavam em fírmarse definitivamente na colônia cujas perspectivas comerciais eram bem mais promissoras que as de Portugal A Independência se do ponto de vista militar constituiu uma operação simples do ponto de vista diplomático exigiu um grande es forço Portugal tinha em mãos uma carta de alto valor sua dependência política da Inglaterra Se se interpretasse a independência do Brasil como um ato de agressão a Portugal a Inglaterra estava obrigada a vir em socorro de seu aliado agredido As dêmarches feitas em Londres nesse sentido pelo governo lusitano foram infrutíferas pois para os ingleses restabelecer o entreposto português seria obviamente mau negócio O que importava era garantir junto ao novo governo brasileiro a conti nuidade dos privilégios conseguidos sobre a colônia Assim de uma posição excepcionalmente forte pôde o governo inglês negociar o reco nhecimento da independência da América portuguesa Pelo tratado de 1827 o governo brasileiro42 reconheceu à Inglaterra a situação de potência privilegiada autolimitando sua própria soberania no campo econômico43 A primeira metade do século xix constitui um período de transição durante o qual se consolidou a integridade territorial e se firmou a independência política Os privilégios concedidos à Inglaterra criaram sérias dificuldades econômicas conforme veremos em capítulo subseqüente Essas dificuldades econômicas por um lado reduziam a capacidade de ação do poder central e por outro devido ao descontentamento criavam focos de desagregação territorial É pela metade do século que ocorrem alguns fatos que privilégios para a Inglaterra A tarifa para as importações procedentes desse pais passara a ser 15 ad valorem contra 24 para os demais países e 16 para Portugal Os erros de tradução do inglês para o português são de monta a demonstrar claramente que a iniciativa esteve totalmente com os ingleses e que os portugueses firmaram o acordo sem saber exatamente o que estavam fazendo O brasileiro Hypolito José Soares da Costa que na época editava em Londres o Correio Brasiliense pôs em evidência vários desses erros 42 O tratado foi firmado pelo Imperador independentemente de quaisquer consultas às Câmaras 43 O novo acordo não reconheceu entretanto tarifa preferencial à Inglaterra Em razão de cláusula de nação mais favorecida o Brasil concederia a vários outros países posteriormente a mesma tarifa de 15 ad valorem permitirão consolidar definitivamente o país e que marcarão o sentido subseqüente desenvolvimento À medida que o café aumenta sua importância dentro da economia brasileira ampliamse as relações econômicas com os EUA Já na primeira metade do século esse país passa a ser o principal mercado importador do Brasil Essa ligação e a ideologia nascente de solidariedade continental contribuem para firmar o sentido de independência visàvis da Inglaterra Assim quando expira em 1842 o acordo com este último país o Brasil consegue resistir à forte pressão do governo inglês para firmar outro documento do mesmo estilo44 Eliminado o obstáculo do tratado de 1827 estava aberto o caminho para a elevação da tarifa e o conseqüente aumento do poder financeiro do governo central45 cuja autoridade se consolida definitivamente nessa etapa O passivo político da colônia portuguesa estava liquidado Contudo do ponto de vista de sua estrutura econômica o Brasil da metade do século xix não diferia muito do que fora nos três séculos anteriores A estrutura econômica baseada principalmente no trabalho escravo se mantivera imutável nas etapas de expansão e decadência A ausência de tensões internas resultante dessa imutabilidade é responsável pelo atraso relativo da industrialização A expansão cafeeira da segunda metade do século xix durante a qual se modificam as bases do sistema econômico constituiu uma etapa de transição econômica assim como a primeira metade desse século representou uma fase de transição política É das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgirão os elementos de um sistema econômico autônomo capaz de gerar o seu próprio impulso de crescimento concluindose então definitivamente a jetapa colonial da economia brasileira 44 O acordo expirou em 1842 mas os ingleses conseguiram fazêlo vigorar até 1844 interpretando a seu favor uma determinada cláusula As negociações em torno de um novo acordo duraram vários anos vencendo os brasileiros por paciência e habilidade protelatôria A receita do governo central se manteve estacionaria em todo o período compreendido entre 1829 30 e 184243 e duplicou no decênio seguinte SEGUNDA PARTE Economia escravista de agricultura tropical SÉCULOS XVI E XVII CAPÍTULO VIII CAPITALIZAÇÃO E NÍVEL DE RENDA NA COLÔNIA AÇUCAREIRA i rápido desenvolvimento da indústria açucareira malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes indica claramente que o esforço do governo português se concentrara nesse setor O privilégio outorgado ao donatário de só ele fabricar moenda e engenho de água denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha especialmente em mira introduzir46 Favores especiais foram concedidos subseqüentemente àqueles que instalassem engenhos isenções de tributos garantia contra a penhora dos instrumentos de produção honrarias e títulos etc As dificuldades maiores encontradas na etapa inicial advieram da escassez de mãode obra O aproveitamento do escravo indígena em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais47 resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar A escravidão demonstrou ser desde o primeiro momento uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra Como observa um cronista da época sem escravos os colonos não se podem sustentar na terra48 Com efeito para subsistir sem trabalho 46 Vejase Jota Lúcio DE AZEVEDO Épocas de Portugal Econômico Lisboa 1929 p 235 47 Entre os privilégios que receberam os donatários estava o da escravizaçâo dos índios em número ilimitado e a autorização de exportar para Portugal anualmente um certo número de escravos indígenas 0 êxito que vinham alcançando os espanhóis na exploração da mãodeobra indígena deve haver influenciado os portugueses nos seus cálculos sobre essa matéria 48 QMOWO Tratado da Terra do Brasil 1570 citado por R SMONSEN História Econômica do SrasA 3 ed S Paulo 1957 p 127 escravo seria necessário que os colonos seorganizassem em comuni dadesLdedicadas a produzir para aütoconsümo o que só teria sido possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas Aqueles grupos de colonos que em razão da escassez de capital ou da escolha de uma base geográfica inadequada encontraram maiores dificuldades para consolidarse economicamente tiveram de empenharse por todas as formas na captura dos homens da terra A captura e o comércio do indígena vieram constituir assim a primeira atividade econômica estável dos grupos de população nãodedicados à indústria açucareira Essa mãodeobra indígena considerada de segunda classe é que permitirá a subsistência dos núcleos de população localizados naquelas partes do país que não se trans formaram em produtores de açúcar Observada de uma perspectiva ampla a colonização do século xvi surge fundamentalmente ligada à atividade açucareira Aí onde a produção de açúcar falhou caso de São Vicente o pequeno núcleo colonial conseguiu subsistir graças à relativa abundância da mãode obra indígena O homem da terra não somente trabalhava para o colono como também constituía sua quase única mercadoria de ex portação Contudo não fora o mercado de escravos das regiões açucareiras e de suas pequenas dependências urbanas e a captura destes não chegaria a ser uma atividade econômica capaz de justificar a existência dos colonos de São Vicente Portanto mesmo aquelas comunidades que aparentemente tiveram um desenvolvimento autô nomo nessa etapa da colonização deveram sua existência indiretamente ao êxito da economia açucareira O fato de que desde o começo da colonização algumas comuni dades se hajam especializado na captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mãodeobra nativa na etapa inicial de instalação da colônia No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é relativamente o maior A mãodeobra afri cana chegou para a expansão da empresa que jájestava instalada E quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena na escala necessária os escravos africanos base de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente capitalizado Superadas essas dificuldades da etapa de instalação a colônia açucareira se desenvolve rapidamente Ao terminar o século xvi a produção de açúcar muito provavelmente superava os dois milhões de arrobas49 sendo umas vinte vezes maior que a quota de produção que o governo português havia estabelecido um século antes para as ilhas do Atlântico A expansão foi particularmente intensa no último quartel do século durante o qual decuplicou O montante dos capitais invertidos nà pequena colônia já era por essa época considerável Admitindose a existência de apenas 120 engenhos ao final do século xvi e um valor médio de 15 mil libras esterlinas por engenho o total dos capitais aplicados na etapa produtiva da indústria resulta aproximarse de 18 milhão de libras Por outro lado estimase em cerca de 20 mil o número de escravos africanos que havia na colônia por essa época Se se admite que três quartas partes dos mesmos eram utilizadas diretamente na indústria do açúcar e se se lhes imputa um valor médio de 25 libras resulta que a inversão em mãode obra era da ordem de 375 mil libras Comparando esse dado com o anterior depreendese que o capital empregado na mãodeobra escrava deveria aproximarse de 20 por cento do capital fixo da empresa Parte substancial desse capital estava constituída por equipamentos importados Sobre o montante da renda gerada por essa economia não se pode ir além de vagas conjeturas O valor total do açúcar exportado num ano favorável teria alcançado uns 23 milhões de libras Se se admite que a renda líquida gerada na colônia pela atividade açucareira correspondia a 60 por cento desse montante50 e que essa atividade con tribuía com três quartas partes da renda total gerada esta última deveria 49 As cifras relativas à produção de açúcar na época colonial que aparecem em obras de cronistas visitantes informes oficiais portugueses e holandeses bem como em trabalhos de estudiosos da matéria nacionais e estrangeiros foram cuidadosamente escrutinadas por ROBERTO SIMONSEN op cf Os dados que servem de base aos cálculos e estimativas que aparecem no texto foram todos colhidos na obra desse grande pesquisador da história econômica do Brasil Contudo nem sempre acolhemos na escolha o próprio critério de SMONSEN que teve sempre a preocupação de reter apenas as referências mais conservadoras 50 Os gastos monetários de reposição que cabe deduzir para obter o montante da renda liquida podem ser estimados grosso modo em 110 mil libras 50 mil libras para reposição dos escravos admitindose uma vida média útil de oito anos 15 mil escravos a 25 libras por cabeça e 60 mil libras para a parte de equipamento importado admitindose que a terça parte do capital fixo inclusive escravos estivesse constituída por equipamentos importados e que estes tivessem uma vida útil média de dez anos aproximarse de 2 milhões de libras Tendo em conta que a população de origenreuropéia não seria superior a 30 mil habitantestornase evidente que a pequena colônia açucarara era excepcionalmente rica51 A renda que se gerava na colônia estava fortemente concentrada em mãos da classe de proprietários de engenho Do valor do açúcar no porto de embarque apenas uma parte ínfima não superior a 5 por cento correspondia a pagamentos por serviços prestados fora do engenho no transporte e armazenamento Os engenhos mantinham demais um certo número de assalariados homens de vários ofícios e supervisores do trabalho dos escravos Mesmo admitindo que para cada dez escravos houvesse um empregado assalariado 1500 no conjunto da indústria açucareira e imputando um salário monetário de 15 libras anuais cada um52 chegase à soma de 22500 libras que é menos de 2 por cento da renda gerada no setor açucareiro Por último cabe considerar que o engenho realizava um certo montante de gastos monetários principal mente na compra de gado para tração e de lenha para as fornalhas Essas compras constituíam o principal vínculo entre a economia açucareira e os demais núcleos de povoamento existentes no país Esti mase que o número total de bois existentes nos engenhos era da mesma ordem do número de escravos Por outro lado admitese que um boi valia cerca da quinta parte do valor de um escravo e que sua vida de trabalho era apenas de três anos Sendo assim a inversão em bois para tração seria da ordem de 75 mil libras e os gastos de reposição de cerca de 25 mil Supondo mesmo que os gastos com lenha e outros menores chegassem a dobrar essa cifra os pagamentos feitos pela eco nomia açucareira aos demais grupos de população estariam muito 51 Se bem que as comparações a longo prazo de rendas monetárias com base no valor do ouro careçam quase totalmente de expressão real a titulo de curiosidade indicamos que a renda per capita da população de origem européia na passagem do século xvi para o XVH corresponde a cerca de 350 dólares de hoje Essa renda per capita estava evidentemente muito acima da que prevalecia na Europa nessa época e em nenhuma outra época de sua história nem mesmo no auge da produção do ouro o Brasil logrou recuperar esse nível 52 Quinze libras anuais representariam um salário muito elevado na época pois o custo real da mãodeobra escrava não seria muito superior a 4 libras por ano admitindose um preço de 25 libras vida útil de oito anos e que a terça parte do tempo do escravo fosse absorvida na produção de alimentos para ele mesmo Como ponto de referencia podese indicar que o salário agrícola no norte dos EUA na segunda metade do século xvm era de aproximadamente 12 libras sendo na Inglaterra a metade dessa soma Vejase F A SHMMON op cf p 74 pouco por cima de 3 por cento da renda que a mesma gerava Tudo indica destarte que pelo menos 90 porjçento da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana A utilização dessa massa enorme de renda que se concentrava em tão poucas mãos constitui um problema difícil de elucidar Os dados referidos anteriormente põem em evidência que a renda dos capitais invertidos na etapa produtiva isto é a etapa que correspondia à classe de senhores de engenho e proprietários de canaviais estaria num ano favorável por cima de 1 milhão de libras ao iniciarse o século xvn A parte dessa renda que se despendia com bens de consumo importados principalmente artigos de luxo era considerável Dados relativos à administração holandesa por exemplo indicam que em 1639 teriam sido arrecadadas cerca de 16 mil libras de impostos de importação a terça parte do total correspondendo a vinhos Admitindose grosso modo uma taxa ad valorem de 20 deduzse que o montante das importações não teria sido inferior a 800 mil libras53 Nesse mesmo ano o valor do açúcar exportado pelo Brasil holandês nos portos de embarque teria sido pouco mais ou menos de 12 milhão de libras Devese ter em conta entretanto que os gastos de consumo se amplia ram muito na época holandesa seja pela necessidade de manter tropa numerosa seja em razão do fausto da administração do período de Nassau 163744 Dificilmente se pode admitir que os colonos portu gueses isolados em seus engenhos e alheios a qualquer forma de con vivência urbana lograssem efetuar gastos de consumo de tal monta Admitindo com muita margem que os gastos de consumo destes alcançassem 600 mil libras restaria em mãos dos senhores de engenho soma igual a esta não despendida na colônia Esses dados põem em evidência a enorme margem para capitalização que existia na econo mia açucareira e explicam que a produção haja podido decuplicar no último quartel do século xvi 53 Essas estimativas se baseiam em dados de fonte holandesa da época transcritos por P M Nrrsoen in Les Hollandais au Brésil 1853 A relação que ai se encontra de produtos importados na época é interessante vinhos espanhóis e franceses azeite de oliveira cerveja vinagre peixes salgados sebos e couros farinhas biscoitos manteiga óleo de linhaça e de baleia especiarias panos lãs sedas cobre ferro aço estanho pranchas etc Ver R SMQNSEN op cf p 119 Para um balanço das receitas e gastos dos holandeses no Brasil em 1644 vejase C R BoxEit op cf apêndice Os dados a que se faz referência no parágrafo anterior sugeremque a indústria açucareira era suficientemente rentável para autofínanciar uma duplicação de sua capacidade produtiva cada dois anos5 Aparentemente o ritmo de crescimento foi dessa ordem nas etapas mais favoráveis O fato de que essa potencialidade financeira só tenha sido utilizada excepcionalmente indica que o crescimento da indústria foi governado pela possibilidade de absorção dos mercados compradores Sendo assim que não se haja repetido a dolorosa expe riência de superprodução que tiveram as ilhas do Atlântico confirma que houve excepcional habilidade na etapa de comercialização e que era sobre esta última que se tomavam as decisões fundamentais com respeito a todo o negócio açucareiro Mas se a plena capacidade de autofinanciamento da indústria não era utilizada que destino tomavam os recursos financeiros sobrantes É óbvio que não eram utilizados dentro da colônia onde a atividade econômica nãoaçucareira absorvia ínfimos capitais Tam pouco consta que os senhores de engenho invertessem capitais em outras regiões A explicação mais plausível para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produção açucareira pertencesse aos comerciantes Sendo assim uma parte da renda que antes atribuímos à classe de proprietários de engenhos e de canaviais seria o que modernamente se chama renda de nãoresidentes e permanecia fora da colônia Explicarseia assim facilmente a íntima coordenação existente entre as etapas de produção e comercialização coordenação essa que preveniu a tendência natural à superprodução 54 Partindo de uma renda bruta de 15 milhão de libras no setor açucareiro estimando que dez por cento dessa renda correspondiam a pagamentos de salários compra de gado lenha etc e que os gastos de reposição de fatores importados eram da ordem de 120 mil libras deduzse que a renda liquida do setor era de cerca de 12 milhão de libras Subtraindo 600 mil libras de gastos em bens de consumo importados ficavam outras 600 mil libras que era a quanto montava a potencialidade de inversão do setor Como o capital fixo ascendia a 18 milhão de libras e pelo menos um terço do mesmo eram obras de construção e instalações realizadas petos próprios escravos deduzse que em dois anos esse capital podia ser dobrado CAPÍTULO IX FLUXO DE RENDA E CRESCIMENTO Que possibilidade efetiva de expansão e evolução estrutural apresentava esse sistema econômico base da ocupação do território brasileiro Para elucidar essa questão convém observar mais de perto nesse sistema os processos de formação da renda e de acumulação de capital O que mais singulariza a economia escravista é seguramente o modo como nela opera o processo de formação de capital O empre sário açucareiro teve no Brasil desde o começo que operar em escala relativamente grande As condições do meio não permitiam pensar em pequenos engenhos como fora o caso nas ilhas do Atlântico Cabe deduzir portanto que os capitais foram importados Mas o que se importava na etapa inicial eram os equipamentos e a mãodeobra européia especializada O trabalho indígena deve ter sido utilizado então para alimentar a nova comunidade e nas tarefas não especializadas das obras de instalação Nas primeiras fases de operação muito provavelmente coube ao trabalho indígena um papel igualmente importante Uma vez em operação os engenhos o valor destes deveria pelo menos dobrar o capital importado sob a forma de equipamentos e destinado a financiar a transplantação dos operários especializados A introdução do trabalhador africano não constitui modificação fundamental pois apenas veio substituir outro escravo menos eficiente e de recrutamento mais incerto Uma vez instalada a indústria seu processo de expansão seguiu sempre as mesmas linhas gastos monetários na importação de equipa mentos de alguns materiais de construção e de mãodeobra escrava A importação de mãodeobra especializada já se realizava em menor escala tratando o engenho de autoabastecerse também neste setor mediante treinamento daqueles escravos que demonstravam maior aptidão para os ofícios manuais O mesmo não ocorre entretanto com a mãodeobra nãoespecializada pois a população escrava tendia a minguar vegetatiyamente sem que durante toda a época da escravidão se haja tentado com êxito inverter essa tendência55 Uma vez efetuada a importação dos equipamentos e da mãodeobra escrava a etapa subseqüente da inversão construção e instalação se realizava praticamente sem que houvesse lugar para a formação de um fluxo de renda monetária Parte da força de trabalho escravo se dedicava a produzir alimentos para o conjunto da população e os demais se ocupavam nas obras de instalação e subseqüentemente nas tarefas agrícolas e industriais do engenho Numa economia industrial a inversão faz crescer diretamente a renda da coletividade em quantidade idêntica a ela mesma Isto porque a inversão se transforma automaticamente em pagamento a fatores de produção Assim a inversão em uma construção está basicamente cons tituída pelo pagamento do material nela utilizado e da força de trabalho absorvido A compra do material de construção por seu lado não é outra coisa senão a remuneração da mãodeobra e do capital utilizados em sua fabricação e transporte Esses pagamentos a fatores que são uma criação de renda monetária56 ou de poder de compra somados reconstituem o valor inicial da inversão A inversão feita numa economia exportadoraescravista é fenô meno inteiramente diverso Parte dela transformase em pagamentos feitos no exterior é a importação de mãodeobra de equipamentos e materiais de construção a parte maior sem embargo tem como origem a utilização mesma da força de trabalho escravo Ora a diferença entre o custo de reposição e de manutenção dessa mãodeobra e o valor do produto do trabalho da mesma era lucro para o empresário Sendo assim a nova inversão fazia crescer a renda real apenas no montante 55 Ao contrário do que ocorreu nos EU onde regiões houve que chegaram a especializarse na criação de escravos no Brasil sempre prevaleceu uma visão de curto prazo nesta matéria como se a escravidão fora negocio apenas para uma geração Já o jesuíta Antonil nos seus sábios conselhos aos senhores de engenho no começo do século xvm recomendava que aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coice principalmente na barriga das mu lheres que andam pejadas nem dar com pau nos escravos porque na cólera se não medem os golpes e podem ferir na cabeça a um escravo de préstimo que vale muito dinheiro e perde lo Repreendelos e chegarlhes com um cipó às costas com algumas varancadas he o que se lhes pode e deve permitir para ensino Citado por R SMONSEN op cf p 108 56 A renda monetária é igual renda real quando nao há modificações do nfveJ geral dos preços correspondente à criação de lucro para o empresário Esse incremento da renda não tinha entretanto expressão monetária pois não era objeto de nenhum pagamento A mãodeobra escrava pode ser comparada às instalações de uma fábrica a inversão consiste na compra do escravo e sua manutenção representa custos fixos Esteja a fábrica ou o escravo trabalhando ou não os gastos de manutenção terão de ser despendidos Demais uma hora de trabalho do escravo perdida não é recuperável como ocorreria no caso de uma máquina que tivesse de ser impreterivelmente abandonada ao final de um dado número de anos É natural que não podendo utilizála continuamente em atividades produtivas ligadas diretamente à exporta ção o empresário procurasse ocupar a força de trabalho escravo em tare fas de outra ordem nos interregnos forçados da atividade principal Tais tarefas vinham a ser obras de construção abertura de novas terras melhoramentos locais etc Essas inversões aumentavam o ativo do empre sário mas não criavam um fluxo de renda monetária como no caso anterior Os gastos de consumo apresentavam características similares Parte substancial desses gastos era realizada no exterior com a importação de artigos de consumo conforme vimos Outra parte consistia na utiliza ção da força de trabalho escravo para a prestação de serviços pessoais Neste último caso o escravo se comportava como um bem durável de consumo O serviço que prestava era a contrapartida do dispêndio inicial exigido na aquisição de sua propriedade assim como o serviço prestado por um automóvel é a contrapartida de seu custo Da mesma forma que a renda da coletividade não diminui quando os automóveis particulares se paralisam tampouco se modificaria essa renda caso os escravos deixassem de prestar serviços pessoais a seus donos57 Vejamos agora em seu conjunto o funcionamento dessa economia Como os fatores de produção em sua quase totalidade pertenciam ao empresário a renda monetária gerada no processo produtivo revertia 57 O serviço prestado por um bem durável de consumo é a contrapartida do seu custo inicial e dos gastos correntes efetuados com sua manutenção A paralisação dos automóveis repercutiria sobre o nível de renda da coletividade na medida em que esses gastos correntes deixassem de realizarse No caso dos escravos os gastos de manutenção não criavam de maneira geral nenhum luxo de renda Como os escravos produziam os seus meios de manutenção com exceção de alguns tecidos grossos que se importavam cabe introduzir o conceito de mSodeobra escrava líquida isto é excluída a parte que se utilizava na produção de alimentos para os próprios escravos em sua quase totalidade às mãos desse empresário Essa renda a totalidade dos pagamentos a fatores de produção mais os gastos de repo sição do equipamento e dos escravos importados expressavase no valor das exportações É fácil compreender que se a quase totalidade da renda monetária estava dada pelo valor das exportações a quase totalidade do dispêndio monetário teria de expressarse no valor das importações A diferença entre o dispêndio total monetário e o valor das importações traduziria o movimento de reservas monetárias e a entrada líquida de capitais além do serviço financeiro daqueles fatores de produção de propriedade de pessoas nãoresidentes na colônia O fluxo de renda se estabelecia portanto entre a unidade produtiva considerada em conjunto e o exterior Pertencendo todos os fatores a um mesmo empresário é evidente que o fluxo de renda se resumia na economia açucareira a simples operações contábeis reais ou virtuais Não significa isto que essa economia fosse de outra natureza que não monetária Tendo cada fator um custo que se expressa monetariamente e o mesmo ocorrendo com o produto final o empresário deveria de alguma forma saber como combinar melhor os fatores para reduzir o custo de produção e maximizar sua renda real A natureza puramente contábil do fluxo de renda no setor açucarei ro tem induzido muita gente a supor que era essa uma economia de tipo semifeudal O feudalismo é um fenômeno de regressão que traduz o atrofiamento de uma estrutura econômica58 Esse atrofiamento resulta do isolamento imposto a uma economia isolamento que engendra gran de diminuição da produtividade pela impossibilidade em que se encon tra o sistema de tirar partido da especialização e da divisão do trabalho que o nível da técnica já alcançado lhe permite Ora a unidade escravista cujas características indicamos em suas linhas gerais pode ser apresen tada como um caso extremo de especialização econômica Ao inverso da unidade feudal ela vive totalmente voltada para o mercado externo A suposta similitude deriva da existência de pagamentos in natura em uma e outra Mas ainda aqui há um total equívoco pois na unidade escravista os pagamentos a fatores são todos de natureza monetária de vendose ter em conta que o pagamento ao escravo é aquele que se faz 58 vejase C FURTADO O Desenvolvimento Econômico Econômica Brasileira vol i n 1 janeiro merco de 1955 Rio de Janeiro no ato de compra deste O pagamento corrente ao escravo seria o simples gasto de manutenção que como o dispêndio com a manutenção de uma máquina pode ficar implícito na contabilidade sem que por isso perca sua natureza monetária59 Retornemos a nosso problema inicial que possibilidades de expan são e evolução estrutural apresentava o sistema econômico escravista É evidente que se o mercado externo absorvesse quantidades crescentes de açúcar num nível adequado de preços o sistema poderia crescer sempre que a oferta externa de força de trabalho fosse elástica até ocu par todas as terras disponíveis Dada a relativa abundância destas últimas é de admitir que as possibilidades de expansão eram ilimitadas por esse lado Também já vimos que com os preços que prevaleceram na segunda metade do século xvi e primeira do seguinte a rentabilidade era suficientemente elevada para permitir que a indústria autofinanciasse uma expansão ainda mais rápida do que a efetivamente ocorrida Tudo indica portanto que o au mento da capacidade produtiva foi regulado com vistas a evitar um colapso nos preços ao mesmo tempo que se realizava um esforço persistente para tomar o produto conhecido e ampliar a área de consumo do mesmo Como quer que seja o crescimento foi considerável particularmente se o observamos do ponto de vista da colônia e persistiu durante todo um século Contudo esse crescimento se realizava sem que houvesse modificações sensíveis na estrutura do sistema econômico Os retrocessos ocasionais tampouco acarretavam qualquer modificação estrutural Mesmo que a unidade produtiva chegasse a paralisarse o empresário não incorria em grandes perdas uma vez que os gastos da manutenção dependiam principalmente da própria utilização da força de trabalho escravo Por outro lado grande parte dos gastos de consumo do empresário estava assegurada pela utilização dessa força de trabalho Destarte o crescimento da empresa escravista tendia a ser puramente em extensão isto é 59 A tentativa de transposição de instituições feudais para as colônias comerciais da América demonstrou ser impraticável mesmo ali onde houve intenção explfclta de fazêlo e onde era mais forte a tradição feudalista como no caso da França L P MAY referindose a este problema diz Ouelques auteurs se sont imagines que 1organisation féodale de Ia metrópole fui trans posée tout dun bloc et dans son intégríté dans les colonies que les droits seigneuriaux y furent leves et des tailles établies En tait rien n est ici plus inexact La Cie tenta de percevoU le droit de lods et vente a StChristophe mais de diminulion en diminulion eSe fínitparabandonner A Ia Martinique nous nen avons trouvé aucune trace Op cit p 6970 sem quaisquer modificações estruturais As paralisações ou retrocessos nesse crescimento não tendiam à criar tensões capazes de modificarlhe a estrutura Crescimento significava nesse caso ocupação de novas terras e aumento de importações Decadência vinha a ser redução dos gastos em bens importados e na reposição da força de trabalho também importada com diminuição progressiva mas lenta no ativo da empresa que assim minguava sem se transformar estruturalmente Não havia portanto nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no impulso externo originasse um processo de desenvolvi mento de autopropulsão O crescimento em extensão possibilitava a ocu pação de grandes áreas nas quais se ia concentrando uma população relativamente densa Entretanto o mecanismo da economia quejrâo per miüa uma articulação direta entre os sistemas de produção e de con sumo anulava as vantagens desse crescimento demográfico como elemento dinâmico do desenvolvimento econômico Conforme já vimos os lucros eram o único tipo de renda que se deixava influenciar pelas modificações de produtividade fosse esta de natureza puramente econô mica melhora nos preços relativos ou resultasse da introdução de uma melhora tecnológica Se ocorria uma redução no ritmo da atividade pro dutiva para exportação reduziamse os lucros do empresário mas ao mesmo tempo se criava uma capacidade excedente de trabalho a qual podia ser utilizada na expansão da capacidade produtiva Se não havia interesse em expandir essa capacidade produtiva o potencial disponível de inversão podia ser canalizado para obras de construção ligadas ao bemestar da classe proprietária ou outras de caráter nãoreprodutivo A economia escravista dependia assim em forma praticamente exclusiva da procura externa Se se enfraquecia essa procura tinha início um processo de decadência com atrofiamento do setor monetário Esse processo entretanto não apresentava de nenhuma maneira as caracterís ticas catastróficas das crises econômicas A renda monetária da unidade exportadora praticamente constituía os lucros do empresário sendo sempre vantajoso para este continuar operando qualquer que fosse a redução ocasional dos preços Como o custo estava virtualmente cons tituído de gastos fixos qualquer redução na utilização da capacidade produtiva redundava em perda para o empresário Sempre havia vanta gem em utilizar a capacidade plenamente Contudo se se reduziam os preços abaixo de certo nível o empresário não podia enfrentar os gastos de reposição de sua força de trabalho e de seu equipamento importado Em talcaso a unidade tendida perder capacidade Essa redução de capacidade teria entretanto de ser um processo muito lento dadas as razões já expostas A unidade exportadora estava assim capacitada para preservar a sua estrutura A economia açucareira do Nordeste brasileiro com efeito resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões logrando recuperarse sempre que o permitiam as condições do mercado externo sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa Na segunda metade do século xvn quando se desorganizou o mer cado do açúcar e teve início a forte concorrência antilhana os preços se reduziram à metade Contudo os empresários brasileiros fizeram o possível para manter um nível de produção relativamente elevado No século seguinte persistiu a tendência à baixa de preços Por outro lado a economia mineira que se expandiria no centrosul atraindo a mãode obra especializada e elevando os preços do escravo reduziria ainda mais a rentabilidade da empresa açucareira O sistema entrou em conse qüência numa letargia secular Sua estrutura preservouse entretanto intacta Com efeito ao surgirem novas condições favoráveis a começos do século XK voltaria a funcionar com plena vitalidade CAPÍTULO X PROJEÇÃO DA ECONOMIA AÇUCAREIRA A PECUÁRIA l formação de um sistema econômico de alta produtividade e em rápida expansão na faixa litorânea do Nordeste brasileiro teria necessariamente de acarretar conseqüências diretas e indiretas para as demais regiões do subcontinente que reivindicavam os portugueses De maneira geral estavam assegurados os recursos para manter a defesa da colônia e intensificar a exploração de outras regiões De maneira particular havia surgido um mercado capaz de justificar a existência de outras atividades econômicas Vimos anteriormente que em razão de sua alta rentabilidade e ele vado grau de especialização a economia açucareira constituía um mer cado de dimensões relativamente grandes Para usar uma expressão atual era essa uma economia de elevadíssimo coeficiente de importa ções Com efeito não obstante a quase inexistência de fluxo monetário dentro da economia açucareira o seu grau de comercialização era muito elevado A alta rentabilidade do negócio induzia à especialização sendo perfeitamente explicável do ponto de vista econômico que os empre sários açucareiros não quisessem desviar seus fatores dejprodução para atividades secundárias pelo menos quando eram favoráveis as perspec tivas do mercado de açúcar A própria produção de alimentos para os escravos nas terras do engenho tornavase antieconômica nessas épocas A extrema especialização da economia açucareira constitui na verdade uma contraprova de sua elevada rentabilidade No capítulo vi procuramos demonstrar que foi a especialização extrema da economia açucareira antilhana que na segunda metade do século XVII estimulou o desenvolvimento das colônias de povoamento do norte dos EUA A elevada rentabilidade do negócio açucareiro fez surgir em tempo relativamente curto um mercado completamente novo para um semnúmero de produtos pois os annlhanos particularmente nas ilhas inglesas não usavam suas terras e seus escravos senão para produzir açúcar Podese admitir como ponto pacífico que à economia açucarara constituía üm mercado dé dimensões relativamente grandes podendo portanto atuar como fator altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país Um conjunto de circunstâncias tenderam sem embargo a desviar para o exterior em sua quase totalidade esse impulso dinâmico Em primeiro lugar havia os interesses criados dos exportadores portugueses e holandeses os quais gozavam dos fretes excepcionalmente baixos propiciados pelos barcos que seguiam para recolher açúcar Em segundo lugar estava a preocupação política de evitar o surgimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana Se se compara a evolução de São Vicente que resultou ser uma colônia de povoamento com a da Nova Inglaterra visàvis das duas poderosas economias açucareiras que coexistiram com ambas as similitudes e diferenças são ilustrativas Em um e outro caso os obje tivos iniciais da colonização fracassaram Os colonos que sobreviveram às dificuldades iniciais se dedicaram a atividades de baixa rentabilidade transformandose o núcleo de população de empresa colonial em colônia de povoamento Os colonos da Nova Inglaterra encontraram na pesca não só um meio de subsistência como também uma de suas primeiras ativi dades comerciais Voltaramse assim para o mar desde o começo Cedo se dedicaram a construir as embarcações de que necessitavam de senvolveram essa habilidade e progressivamente lograram indepen dência de iniciativa nos negócios que tinham como base o transporte marítimo Ao surgir o grande mercado das Antilhas eles lá apareceram em seus próprios barcos Ainda assim seria difícil explicar o seu grande êxito na conquista do mercado antilhano sem ter em conta que a Ingla terra em razão de suas convulsões na segunda metade do século xvn e guerras externas na primeira metade do século xvm se encontrou du rante prolongados períodos impossibilitada de abastecer o mercado antilhano Em São Vicente onde a escassez de mãodeobra resultou ser maior do que na Nova Inglaterra o excedente de população nas Ilhas Britânicas possibilitou importar mãodeobra européia em regime de servidão temporária a primeira atividade comercial a que se dedicaram os colonos foi a caça ao índio Dessa forma voltaramse para o interior e se transformaram em sertanistas profissionais Assim como os portugueses no século xy penetraram no território africano na caça de escravos negros os habitantes de São Vicente serão levados a penetrar a fundo nas terras americanas na caça indígena Daí resultará o desenvolvimento em grau eminente da habilidade exploratóriomilitar qualidade esta que veio a constituir o fator decisivo da precoce ocupação de vastas áreas centrais do continente sulamericano60 É provável entretanto que o principal fator limitante da ação dinâmica da economia açucareira sobre a colônia de povoamento do sul haja sido a própria abundância de terras nas proximidades do núcleo canavieira O que caracterizava a economia antilhana era sua extrema escassez de terras A evolução econômicosocial dessas ilhas nos séculos que seguiram ao advento da economia açucareira será profundamente marcada por esse fato assim como a evolução da economia nordestina brasileira estará condicionada pela fluidez de sua fronteira A essa abundância de terras se deve a criação no próprio Nordeste de um segundo sistema econômico dependente da economia açucareira Ao contrário do que ocorreria nas Antilhas era relativamente pequena a porção do mercado da economia açucareira a que podiam ter acesso outros produtores coloniais No setor de bens de consumo as importações consistiam principalmente em artigos de luxo os quais evidentemente não podiam ser produzidos na colônia O único artigo de consumo de importância que podia ser suprido internamente era a carne que figura na dieta mesmo dos escravos como observa Antonil Era no setor de bens de produção que o suprimento local encontrava maior espaço para expandir se As duas principais fontes de energia 60 Que não hajam os espanhóis ocupado grande parte das terras que lhes adjudicara o Tratado de Tòrdesilnas na America meridional não é para surpreender pois deramse eles conta desde cedo de que não era factível defender tudo que lhes cabia no Novo Mundo por esse tratado Sua linha de defesa estava estruturada no eixo MéxicoPeru e em seus dois pontos de acesso que eram o Cartoe e o rio da Prata A Amazônia e as terras centrais da América do Sul apresentavam menos ineresse para os espanhóis que os atuais RIA pois por ali era inviável entrar no Peru e do atual território norteamericano se podia alcançar o México Como as terras que os espanhóis efetiva mente não ocupavam tenderam a cair em poderios ingleses e franceses nos séculos xvi e xvw para eles a expansão portuguesa na America do Sul certamente não era inconveniente Assim pelo menos se evitava a penetração das potências cujo objetivo conhecido era apossaremse do melhor do quinhão espanhol Contudo não deixa de surpreerxJer que o continente stilameri cmo haja sido ocupado e demarcado inclusive a bacia amazônicaum século antes do norte americano Esse tato se deve ao extraordinário arrojo dos exploradores paulistas como passa ram a ser conhecidos os descendentes da primitiva colônia de São Vicente dos engenhos a lenha e os animais de tiro podiam ser supridas localmente com grande vantagem O mesmo ocorria com o material de construção mais amplamente utilizado na época as madeiras Ao expandirse a economia açucareira a necessidade de animais de tiro tendeu a crescer mais que proporcionalmente pois a devastação das florestas litorâneas obrigava a buscar a lenha a distâncias cada vez maiores Por outro lado logo se evidenciou a impraticabilidade de criar o gado na faixa litorânea isto é dentro das próprias unidades produ toras de açúcar Os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações devem ter sido grandes pois o próprio governo português proibiu finalmente a criação de gado na faixa litorânea E foi a sepa ração das duas atividades econômicas a açucareira e a criatória que deu lugar ao surgimento de uma economia dependente na própria região nordestina A criação de gado na forma em que se desenvolveu na região nordestina e posteriormente no sul do Brasil era uma ativi dade econômica de características radicalmente distintas das da uni dade açucareira A ocupação da terra era extensiva e até certo ponto itinerante O regime de águas e as distâncias dos mercados exigiam pe riódicos deslocamentos da população animal sendo insignificante a fração das terras ocupadas de forma permanente As inversões fora do estoque de gado eram mínimas pois a densidade econômica do sistema em seu conjunto era baixíssima Por outro lado a forma mesma como se realiza a acumulação de capital na economia criatória induzia a uma permanente expansão sempre que houvesse terras por ocupar inde pendentemente das condições da procura A essas características se deve que a economia criatória se Jiaja transformado num fator fundamental de penetração e ocupação do interior brasileiro Devese ter em conta entretanto que essa atividade pelo menos em sua etapa inicial era um fenômeno econômico induzido pela eco nomia açucareira e de rentabilidade relativamente baixa A renda total gerada pela economia criatória do Nordeste seguramente não excede ria 5 por cento do valor da exportação de açúcar Essa renda estava constituída pelo gado vendido no litoral e pela exportação de couros O valor desta última no século xvm quando se havia expandido gran demente a criação no sul não seria muito superior a cem mil libras1 61 R SMONSEN op cit p 171 Se nos limitamos à região diretamente dependente da economia açucareira no começo do século xvn dificilmente se pode admitir que sua Tenda bruta alcançasse cem mü libras numa época em que p valor da exportação de açúcar possivelmente superava os 2 milhões A população que se ocupava da atividade criatória era evi dentemente muito escassa Segundo Antonil os currais variavam de 200 a mil cabeças e havia fazendas de 20 mil cabeças de gado Admi tindose a relação de um para cinqüenta entre a população humana e a animal o que corresponde grosso modo a um vaqueiro para 250 ca beças resulta que o total da população que vivia da criação nordestina não seria superior a 13 mil pessoas supondose 650 mil cabeças de gado O recrutamento de mãodeobra para essas atividades baseouse no elemento indígena que se adaptava facilmente à mesma Não obstante a resistência que apresentaram os indígenas em algumas partes ao veremse espoliados de suas terras tudo indica que foi com base na população local que se fez a expansão da atividade criatória Que possibilidades de crescimento apresentava esse novo sistema econômico que surgira como um reflexo da atividade açucareira A con dição fundamental de sua existência e expansão era a disponibilidade de terras Dada a natureza dos pastos do sertão nordestino a carga que suportavam essas terras era extremamente baixa Daí a rapidez com que os rebanhos penetraram no interior cruzando o São Francisco e alcan çando o Tocantins e para o norte o Maranhão nos começos do século xvn É fácil compreender que à medida que os pastos se distanciavam do litoral os custos iam crescendo pois o transporte do gado se torna va mais oneroso O fato de que essa expansão se haja mantido por tan to tempo devese em grande parte a que a economia criatória sofreu modificações fundamentais conforme indicaremos mais adiante No que respeita à disponibilidade de capacidade empresarial a expansão criatória não parece haver encontrado obstáculos Essa ativi 62 ANTONI estimou em 1300000 o número de cabeças de gado existentes no Nordeste Bahia e Pernambuco no começo do século xva Mesmo que se admita que um século antes já existisse metade dessa população o que indicaria uma taxa de crescimento vegetativo absurdamente baixa para as condições do meio o total do gado vendido não poderia ser muito superior a 50 mB cabeças pois é muito pouco provável que o desfrute do rebanho fosse superior a 8 por cento Admitindose um preço médio de venda de 25 libras por cabeça terseia um valor bruto de 125 mil libras dade apresentava para ò colono sem recursos muito mais atrativos que as ocupações acessíveis na economia açucarara Aquele que não dispunha de recursos para iniciar por conta própria a criação tinha possibilidade de efetuar a acumulação inicial trabalhando numa fazenda de gado À semelhança do sistema de povoamento que se desenvolveu nas colônias inglesas e francesas o homem que trabalhava na fazenda de criação durante um certo número de anos quatro ou cinco tinha direito a uma participação uma cria em quatro no rebanho em formação podendo assim iniciar criação por conta própria Tudo indica que essa atividade era muito atrativa para os colonos sem capital pois não somente da região açucareira mas também da distante colônia de São Vicente muita gente emigrou para dedicarse a ela Por outro lado conforme já indicamos o indígena se adaptava rapidamente às tarefas auxiliares da criação Do lado da oferta não existiam portanto fatores limitativos à expansão da economia criatória Esses fatores atuavam do lado da procura Sendo a criação nordestina uma atividade dependente da economia açucareira em princípio era a expansão desta que comandava o desenvolvimento daquela A etapa de rápida expansão da produção de açúcar que vai até a metade do século xvn teve como contrapartida a grande penetração nos sertões Da mesma forma no século xvm a expansão da atividade mineira comandará o extraordinário desenvolvimento da criação no sul A expansão pecuária consiste simplesmente no aumento dos rebanhos e na incorporação em escala reduzida de mãodeobra A possibilidade de crescimento extensivo exclui qualquer preocupação de melhora de rendimentos Por outro lado como as distâncias vão aumentando a tendência geral é no sentido de redução da produtividade na economia Dessa forma excluída a hipótese de melhora nos preços relativos à medida que ia crescendo a economia criatória nordestina a renda média da população nela ocupada ia diminuindo sendo particularmente desfavorável a situação daqueles criadores que se encontravam a grandes distâncias do litoral Ao contrário do que ocorria com a economia açucareira a criatória não obstante nesta não predominasse o trabalho escravo representava um mercado de ínfimas dimensões A razão disso está em que a produtividade média da economia dependente era muitas vezes menor do que a da principal sendo muito inferior seu grau de especialização è comercialização Observada a economia criatória em conjunto suà principal atividade deveria ser aquela ligada àprópria subsistência de sua população Pára compreender esse fato é necessá rio ter em conta que a criação de gado também era em grande medida uma atividade de subsistência sendo fonte quase única de alimentos e de uma matériaprima o couro que se utilizava praticamente para tudo Essa importância relativa do setor de subsistência na pecuária será um fator fundamental das transformações estruturais por que passará a economia nordestina em sua longa etapa de decadência CAPÍTULO XI FORMAÇÃO DO COMPLEXO ECONÔMICO NORDESTINO Zxs formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina o açucareiro e o criatório no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século xvn constituem elementos fundamentais na formação do que no século xx viria a ser a economia brasileira Vimos já que as unidades produtivas tanto na economia açucareira como na criatória tendiam a preservar a sua forma original seja nas etapas de expansão seja nas de contração Por um lado o crescimento era de caráter puramente extensivo mediante a incorporação de terra e mãodeobra não implicando modificações estruturais que repercutissem nos custos de produção e portanto na produtividade Por outro lado a reduzida expressão dos custos monetários isto é a pequena proporção da folha de salários e da compra de serviços a outras unidades produtivas tornava a economia enormemente resistente aos efeitos a curto prazo de uma baixa de preços Convinha continuar operando não obstante os preços sofressem uma forte baixa pois os fatores de produção não tinham uso alternativo Como se diz hoje em dia a curto prazo a oferta era totalmente inelástica Contudo se os efeitos a curto prazo de uma contração da procura eram muito parecidos nas economias açucareira e criatória a longo prazo as diferenças eram substanciais Muito ao contrário do que ocorria com a açucareira a economia criatória não dependia de gastos monetários no processo de reposição do capital e de expansão da capacidade produtiva Assim enquanto na região açucareira dependiase da importação de mãodeobra e equipamentos simplesmente para manter a capacidade produtiva na pecuária o capital se repunha automaticamente sem exigir gastos monetários de significação Por outro lado as condições de trabalho e alimentação na pecuária eram tais que propiciavam um forte crescimento vegetativo de sua própria força de trabalho A essas disparidades se devem as diferenças fundamentais no comportamento dos dois sistemas no longo período de declínio nos preços do açúcar Ao reduzirse o efeito dinâmico do estímulo externo a economia açucareira entra numa etapa de relativa prostração A rentabilidade do negócio açucareiro se reduz mas não de forma catastrófica Os novos preços ainda eram suficientemente altos para que a produção de açúcar constituísse para as Antilhas o magnífico negócio que era Contudo no caso brasileiro passavase de uma situação altamente favorável em que a indústria estivera aparentemente capacitada para autofinanciar a duplicação de sua capacidade produtiva em dois anos para uma outra de rentabilidade relativamente baixa63 A situação fezse mais grave no século xvm em razão do aumento nos preços dos escravos e da emigração da mãodeobra especializada determinados pela expansão da produção de ouro Como a produção de açúcar no Nordeste esteve em todo o século xvm abaixo dos pontos altos alcançados no século anterior é provável que parte das antigas unidades produtivas se hajam desorganizado em benefício daquelas que apresentavam condições mais favoráveis de terras e transporte No caso da criação o afrouxamento do efeito dinâmico externo aparentemente teve conseqüências distintas A expansão do sistema era aí um processo endógeno resultante do aumento vegetativo da população animal Dessa forma sempre havia oportunidade de emprego para a força de trabalho que crescia vegetativamente e também para elementos que perdiam sua ocupação no sistema açucareiro em lenta decadência Sem embargo se a procura de gado na região litorânea não estava aumentando num ritmo adequado o crescimento do sistema pecuário se fazia através do aumento relativo do setor de subsistência Em outras palavras a importância relativa da renda 63 Vimos que na situação anterior para um valor de exportação de 2 milhões de libras o potencial de inversão liquida formulada uma hipótese sobre os gastos em bens de consumo importados talvez alcançasse 600 ms libras Dessa forma os gastos de reposição de mãode obra e dos equipamentos e aqueles despendidos em bens de consumo importados absorviam 14 milhão Reduzindose os preços do açúcar à metade deduzse que não seria possível se quer manter a capacidade produtiva a menos que se reduzissem os gastos de consumo É provável entretanto que a forte desvalorização da moeda portuguesa haja contribuído para manter o sistema em condições de peto menos preservar sua capacidade produtiva monetária ia diminuindo o que acarretava necessariamente uma redução paralela de sua produtividade econômica6 A redução relativa da renda monetária teria de repercutir no grau de especialização da economia e no sistema de divisão do trabalho dentro da mesma Muitos artigos que antes se podiam comprar nos mercados do litoral e que eram importados teriam agora de ser produzidos internamente Essa produção entretanto limitavase ao âmbito local constituindo uma forma rudimentar de artesanato O couro substitui quase todas as matériasprimas evidenciando o enorme encarecimento relativo de tudo que não fosse produzido localmente Esse atrofiamento da econo mia monetária se acentua à medida que aumentam as distâncias do li toral pois dado o custo do transporte do gado em condições de estagnação do mercado de animais os criadores mais distantes se tor navam submarginais Os couros passaram a ser a única fonte de renda monetária destes últimos criadores Tudo indica que no longo período que se estende do último quartel do século xvn ao começo do século xix a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou secularmente É interessante observar entretanto que esse atrofiamento constituiu o processo mesmo de for mação do que no século xix viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro cujas características persistem até hoje A estagnação da produção açucareira não criou a necessidade como ocorreria nas Antilhas de emigração do excedente da população livre formado pelo crescimento vegetativo desta Não havendo ocupação adequada na re gião açucareira para todo o incremento de sua população livre parte dela era atraída pela fronteira móvel do interior criatório Dessa forma quanto menos favoráveis fossem as condições da economia açucareira maior seria a tendência imigratória para o interior As possibilidades da pecuária para receber novos contingentes de população quando existe abundância de terras são sabidamente grandes pois a oferta de alimentos é nesse tipo de economia muito elástica a curto prazo 64 A produtividade física número de cabeças atendidas por um homem podia manterse estável mas como o valor total do rebanho diminuía pois a quantidade de gado que se podia vender era relativamente menor o valor da produção por homem diminuta e consequentemente a produtividade econômica do sistema Contudo como a rentabilidade da economia pecuária dependia em grande medida da rentabilidade da própria economia açucareira ao transferirse população desta para aquela nas etapas de depressão se intensificava a conversão da pecuária em economia de subsistência Não fora esse mecanismo e a longa depressão do setor açucareiro teria provocado seja uma emigração de fatores seja a estagnação de mográfica Sendo a oferta de alimentos pouco elástica na região litorânea o crescimento da população teria sido muito menor não fora essa articulação com o sistema pecuário A redução da renda real resultante de baixa dos preços de expor tação numa região agrícola onde a terra é escassa afeta necessaria mente a oferta de alimentos seja porque se desviam terras que antes produziam alimentos para produzir artigos exportáveis e recuperar assim o valor das exportações seja porque a importação de alimentos deverá reduzirse Numa região pecuária porquanto a população se alimenta do mesmo produto que exporta a redução das exportações em nada afeta a oferta interna de alimentos e assim a população pode continuar crescendo normalmente durante um longo período de decadência das exportações No Nordeste brasileiro como as condições de alimentação eram melhores na economia de mais baixa produtividade isto é na região pecuária as etapas de prolongada depressão em que se intensificava a migração do litoral para o interior teriam de caracterizarse por uma intensificação no crescimento demográfico Explicase assim que a população do Nordeste haja continuado a crescer e possivelmente haja intensificado o seu crescimento em todo o século e meio de estagnação da produção açucareira a que fizemos referência A expansão da economia nordestina durante esse longo período consistiu em última instância num processo de involução econômica o setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa e a produtividade do setor pecuário declinava à medida que este crescia Na verdade a expansão refletia apenas o crescimento do setor de sub sistência no qual se ia acumulando uma fração crescente da população Dessa forma de sistema econômico de alta produtividade em meados do século xvn o Nordeste se foi transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir A dispersão de parte da população num sistema de pecuária extensiva provocou uma involução nas formas de divisão do trabalho e especialização acarretando um retro cesso mesmo nas técnicas artesanais de produção A formação da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência elemento básico do problema econômico brasileiro em épocas posteriores estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi em sua melhor época o negócio colonialagrícola mais rentável de todos os tempos CAPÍTULO XII CONTRAÇÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO TERRITORIAL J século XVII constitui a etapa de maiores dificuldades na vida política da colônia Em sua primeira metade o desenvolvimento da economia açucareira foi interrompido pelas invasões holandesas Nessa etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o próprio Brasil teatro das operações de guerra A administração holandesa se preocupou em reter na colônia parte das rendas fiscais proporcionadas pelo açúcar o que permitiu um desenvolvimento mais intenso da vida urbana Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses entretanto os prejuízos deveriam ser consideráveis Simonsen estimou em 20 milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano65 Isso concomitantemente com gastos militares vultosos Encerrada a etapa militar tem início a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente tanto para o comércio como para o erário lusitanos ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa Na etapa de prosperidade da economia açucareira os portugueses se haviam preocupado em estender seus domínios para o norte A preocupação de defender o monopólio do açúcar deve haver fomentado esse movimento expansionista Em fins do século xvi praticamente todas as terras tropicais do continente isto é as terras potencialmente produtoras de açúcar estavam em mãos de espanhóis e portugueses por essa época unidos sob um só governo O ataque de holandeses franceses e ingleses se fez em toda a linha que desce das Antilhas ao Nordeste brasileiro Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha ao sul da foz do Amazonas Dessa forma foi defendendo as terras da Espanha dos inimigos desta que 65 Op cit p 120 os portugueses se fixaram na foz do grande rio posiçãochave para o fácil controle de toda a imensa bacia A experiência havia já demonstrado que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era a longo Prazo operação infrutífera seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas seja porque na ausência de bases permanentes em terra as operações de defesa se tornavam muito mais onerosas Na época do apogeu açucareiro Portugal ocupou expulsando franceses holandeses e ingleses toda a costa que se estende alé a foz do Amazonas Pelo menos nessa parte da América estava eliminado o risco de formação de uma economia concorrente A ocupação foi seguida de decisões objetivando a criação de colônias permanentes Ao Maranhão foram enviados de uma feita no segundo decênio do século xvn trezentos açorianos Ao iniciarse a etapa de dificuldades políticas e econômicas para o governo português essas colônias da região norte ficaram abandonadas aos seus próprios recursos e as vicissitudes que tiveram de enfrentar demonstram vivamente o quão difícil era a sobrevivência de uma colônia de povoamento nas terras da América Os solos do Maranhão não apresentavam a mesma fecundidade que os massapés nordestinos para a produção de açúcar Mas não foi esta a maior dificuldade e sim a desorganização do mercado do açú car fumo e outros produtos tropicais na segunda metade do século xvii o que impediu aos colonos do Maranhão dedicaremse a uma atividade que lhes permitisse iniciar um processo de capitalização e desenvolvimento As suas dificuldades eram as mesmas que enfren tava o conjunto das colônias portuguesas na América apenas agra vadas pelo fato de que eles tentaram começar numa etapa em que os outros consumiam parte do que haviam acumulado anteriormente Piratininga contara em sua primeira etapa com a forte expansão contemporânea da economia açucareira tendo se dedicado à venda de escravos indígenas numa época em que a importação de africanos apenas se iniciava Foi essa atividade que permitiu à colônia do sul sobreviver Os maranhenses tentaram o mesmo caminho mas logo tiveram de enfrentar o isolamento provocado pela ocupação de Per nambuco pelos holandeses e mais adiante a própria decadência da economia açucareira Em toda asegunda metade do século xvn e primeira do seguinte os colonos do chamado Estado do Maranhão66 lutaram tenazmente para sobreviver Criada com objetivos políticos mas abandonada pelo governo português a pequena colônia involuiu de tal forma que meio século depois no dizer de um observador da época para um homem ter o pão da terra há de ter roça para comer carne há de ter caçador para comer peixe pescador para vestir roupa lavada lavadeira67 A inexistência de qualquer atividade que permitisse produzir algo comercializável obrigava cada família a abastecer se a si mesma de tudo o que só era praticável para aquele que conseguia pôr as mãos num certo número de escravos indígenas A caça ao índio se tornou assim condição de sobrevivência da população A luta pela mãodeobra indígena que realizaram os colonos do norte e a tenaz reação contra estes dos jesuítas que desenvolveram técnicas bem mais racionais de incorporação das populações indígenas à economia da colônia constituem um fator decisivo na penetração econômica da bacia amazônica Em sua caça ao indígena os colonos foram conhecendo melhor a floresta e descobrindo suas potencialidades Na primeira metade do século xvm a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais cacau baunilha canela cravo resinas aroma ricas A colheita desses produtos entretanto dependia de uma utilização intensiva da mãodeobra indígena a qual trabalhando dispersa na floresta dificilmente poderia submeterse às formas correntes de organização do trabalho escravo Coube aos jesuítas encontrar a solução adequada para esse problema Conservando os índios em suas próprias estruturas comunitárias tratavam eles de conseguir a cooperação voluntária dos mesmos Dado o reduzido valor dos objetos que recebiam os índios tomavase rentável organizar a exploração florestal em forma extensiva ligando pequenas comunidades disseminadas na imensa zona 66 Em vista das dificuldades criadas pelos ventos à navegação entre a costa norte do Brasil e as demais capitanias ao ocuparse daquela o governo português considerou conveniente criar uma colônia distinta diretamente ligada a Lisboa Essa colônia fundada em 1621 chamouse de Estado do Maranhão em contraposição ao Estado do Brasil e compreendia desde o Ceará até o Amazonas 67 Observação do Padre ANTOMO VU feita em 1680 Citado por R SWONSEN op cll p 310 Essa penetração em superfície apresentava a vantagem de que podia estenderse indefinidamente Não se dependia de nenhum sistema coercitivo Uma vez suscitado o interesse do silvícola a penetração se realizava sutilmente pois criada a necessidade de uma nova mercadoria estava estabelecido um vínculo de dependência do qual já não podiam desligarse os indígenas Explicase assim que com meios tão limitados os jesuítas hajam podido penetrar a fundo na bacia amazônica Dessa forma a pobreza mesma do Estado do Maranhão ao obrigar seus colonos a lutar tão tenazmente pela mãodeobra indígena e a correspondente reação jesuítica de início simples defesa do indígena em seguida busca de formas racionais de convivência e finalmente exploração servil dessa mãodeobra constituíram fator decisivo da enorme expansão territorial que se efetua na primeira metade do século xvni Na etapa em que os colonos do norte se esforçam por sobreviver numa caça impiedosa ao índio e num aprendizado crescente da exploração florestal grandes são também as dificuldades que enfrentam os colonos da antiga colônia de São Vicente no sul para manter seu precário sistema de vida O empobrecimento da região açucareira ao reduzir o mercado de escravos da terra repercutiu igualmente na região sulina escassa de toda mercadoria comercial Os couros que de há muito se exportavam também pelos portos do sul aumentaram então sua importância relativa e os negócios de criação passaram a preocupar os governantes portugueses em forma crescente Por essa época a região do rio da Prata se configurava já como grande centro criatório e os seus couros constituíam uma séria ameaça a um dos poucos produtos da colônia portuguesa cujo mercado não havia sido desorganizado pelo desenvolvimento antilhano A penetração dos portugueses em pleno estuário do Prata onde em 1680 fundaram á Colônia do Sacramento constitui assim outro episódio da expansão territorial do Brasil ligada às vicissitudes da etapa de decadência da economia açucareira A Colônia do Sacramento que esteve em mãos portuguesas com interrupções durante quase um século permitiu a Portugal reforçar enormemente sua posição nos negócios do couro demais de constituir um entreposto para o contrabando sendo um dos principais portos de entrada da América espanhola numa etapa em que a Espanha perdera praticamente a sua frota e persistia em manter o monopólio do comércio com suas colônias À medida que cresciam em importância relativa os setores de subs sistência no norte no sul e no interior nordestino reduzindose concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia tomavase mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole o reduzido valor dos impostos que arrecadava Devendo liquidarse em moeda portuguesa tais impostos sua transferência impunha uma crescente escassez de numerário na colônia cujas dificuldades também por esse lado se viam agravadas Em Portugal eram ainda mais sérias as vicissitudes A queda no valor das exportações de açúcar por um lado criava dificuldades ao erário e por outro impunha a necessidade de reajustar todo o sistema eco nômico em um nível de importações bem mais baixo As repetidas desvalorizações cambiais o valor da libra sobe de milréis para 3500 réis entre 1640 e 1700 refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana Do ponto de vista da colônia tais desvaloriza ções se traziam algum alívio à região exportadora de açúcar também contribuíam para agravar a situação das regiões mais pobres que pouco ou nada tinham para exportar e cuja procura de importações era al tamente inelástica pelo fato mesmo de que se limitava a coisas imprescindíveis como o sal O encarecimento das manufaturas impor tadas chegou a extremos e nas regiões mais pobres como Piratininga uma simples roupa de fazenda importada ou uma espingarda podiam valer mais que uma casa residencial68 Esses fatores contribuíam para a reversão cada vez mais acentuada a formas de economia de subsistência com atrofiamento da divisão do trabalho redução da produtividade fragmentação do sistema em unidades produtivas cada vez menores desaparição das formas mais complexas de convivência social substituição da lei geral pela norma local etc 68 RSON0p Of P221 TERCEIRA PARTE Economia escravista mineira SÉCULO XVIII CAPÍTULO XIII POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS Que poderia Portugal esperar da extensa colônia sulamericana que se empobrecia a cada dia crescendo ao mesmo tempo seus gastos de manutenção Era mais ou menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar outro milagre similar ao do açúcar Iniciarase uma intensa concorrência no mercado de produtos tropicais apoiandose os principais produtores colônias francesas e inglesas nos respectivos mercados metropolitanos Para um observador de fins de século xvn os destinos da colônia deveriam parecer incertos Em Portugal compreendeuse claramente que a única saída estava na descoberta de metais preciosos Retrocediase assim à idéia primitiva de que as terras americanas só se justificavam economicamente se chegassem a produzir os ditos metais Os governantes portugueses cedo se deram conta do enorme capital que para a busca de minas representavam os conhecimentos que do jnterior do país tinham os homens do planalto de Piratininga Com efeito se estes já não haviam descoberto o ouro em suas entradas pelos sertões era por falta de conhecimentos técnicos A ajuda técnica que então receberam da Metrópole foi decisiva O estado de prostração e pobreza em que se encontravam a Metrópole e a colônia explica a extraordinária rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro nos primeiros decênios do século xvm De Piratininga a população emigrou em massa do Nordeste se deslocaram grandes recursos principalmente sob a forma de mãode obra escrava e em Portugal se formou pela primeira vez uma grande corrente migratória espontânea com destino ao Brasil O fades da colônia iria modificarse fundamentalmente Até esse momento sua existência estivera ligada a um negócio que se concretizava num número pequeno de grandes empresas os en genhos de açúcar sendo a emigração pouco atrativa para o homem comum de escassas posses Transferirse de Portugal para o Brasil só tinha sentido para aquelas pessoas qué dispunham de meios para financiar uma empresa de dimensões relativamente grandes Fora disso a emigração deveria ser subsidiada e respondia a um propósito nãoeconômico Na região açucareira os imigrantes regulares limitavamse a artesãos e trabalhadores especializados que vinham diretamente para trabalhar nos engenhos Em São Vicente a imigração fora inicialmente financiada pelo donatário com objetivos econômicos que resultariam em fracasso Em outras partes no norte e no sul principalmente a imigração fora financiada pelo governo português que pretendia criar colônias de povoamento com objetivos políticos É fácil perceber que essa imigração toda não alcançava grandes números Os dados sobre a população são precários e escassos mas indicam claramente que a população de origem européia aumentou lentamente no século xvn A economia mineira abriu um ciclo migratório europeu totalmente novo para a colônia Dadas suas características a economia mineira brasileira oferecia possibilidades a pessoas de recursos limitados pois não se exploravam grandes minas como ocorria com a prata no Peru e no México e sim o metal de aluvião que se encontrava depositado no fundo dos rios Não se conhecem dados precisos sobre o volume da corrente emigratória que das ilhas do Atlântico e do território português se formou com direção ao Brasil no correr do século xvra Sabese porém que houve alarme em Portugal e que se chegou a tomar medidas concretas para dificultar o fluxo migratório Se se têm em conta as condições de estagnação econômica que prevaleciam em Portugal particularmente na primeira metade do século xvm quando se desorganizaram suas poucas manufaturas para que a emigração suscitasse uma forte reação evidentemente deveria alcançar grandes proporções Com efeito tudo indica que a população colonial de ori gem européia decuplicou no correr do século da mineração69 Cabe admitir demais que o financiamento dessa transferência de população em boa medida foi feito pelos próprios imigrantes os quais eram 69 A crer nas informações disponíveis a população do Brasil teria alcançado 100 mil habitantes em 1600 um máximo de 300 mil em 1700 e ao redor de 3250 000 em 1800 A população de origem européia seria de cerca de 30 mü em 1600 e dificilmente alcançaria 100 mil em 1700 Ignorandose qualquer contribuição migratória européia ocorrida no século deduzse que pessoas de pequenas posses que liquidavam seus bens na ilusão de alcançar rapidamente uma fortuna no novo eldorado Se bem que a base da economia mineira também seja o trabalho escravo por sua organização geral ela se diferencia amplamente da eco nomia açucareira Os escravos em nenhum momento chegam a constituir a maioria da população Por outro lado a forma como se organiza o tra balho permite que o escravo tenha maior iniciativa e que circule num meio social mais complexo Muitos escravos chegam mesmo a trabalhar por conta própria comprometendose a pagar periodicamente uma quantia fixa a seu dono o que lhes abre a possibilidade de comprar a própria liberdade Esta simples possibilidade deveria constituir um fator altamente favorável ao seu desenvolvimento mental No que respeita ao ambiente em que circula p homem livre nas cido na Metrópole ou na colônia maiores ainda são as diferenças da eco nomia mineira com respeito às terras do açúcar Nestas últimas abaixo da classe reduzida de senhores de engenho ou grandes proprietários de terras nenhum homem livre lograva alcançar uma verdadeira expressão social Ao estagnarse a economia açucareira as possibilidades de um homem livre para elevarse socialmente se reduziram ainda mais Em conseqüência começou a avolumarse uma subdasse de homens livres sem possibilidade de ascensão social a qual em certas épocas chegou a constituir um problema Na economia mineira as possibilidades que tinha um homem livre com iniciativa eram muito maiores Se dispunha de recursos podia organizar uma lavra em escala grande com cem ou mais escravos Contudo o capital que imobilizava por escravo ou por unidade de produção era bem inferior ao que correspondia a um enge nho real Se eram reduzidos os seus recursos iniciais podia limitar sua empresa às mínimas proporções permitidas pela divisibilidade da mãodeobra isto é a um escravo Por último se seus recursos não lhe o crescimento vegetativo dessa população permitia no máximo que a mesma triplicasse no correr de um século Se se admite esse ritmo de crescimento para o século seguinte a popula ção de origem européia deveria alcançar ignorado o efeito migratório cerca de 300 mil pes soas ao término do século xvm Como os dados de que se dispõe indicam para essa época uma população de origem européia de algo mais de um milhão deduzse que a emigração européia para o Brasil no século da mineração não terá sido inferior a 300 mil e poderá haver alcançado meio milhão Como o grosso desses imigrantes eram lusitanos cabe deduzir que Portugal contribuiu com um maior contingente de população para o Brasa do que a Espanha para todas as suas colônias da América permitiam mais que financiar o próprio sustento durante uni período limitado de tempo podia trabalhar eíê mesmo como faiscador Se lhe favorecia a sorte em pouco tempo ascenderia à posição de empresário A natureza mesma da empresa mineira não permitia uma ligação à terra do tipo da que prevalecia nas regiões açucareiras O capital fixo era reduzido pois a vida de uma lavra era sempre algo incerto A empresa estava organizada de forma a poder deslocarse em tempo relativamente curto Por outro lado a elevada lucratividade do negócio induzia a con centrar na própria mineração todos os recursos disponíveis A combina ção desses dois fatores incerteza e correspondente mobilidade da empresa alta lucratividade e correspondente especialização marca a organização de toda a economia mineira Sendo a lucratividade maior na etapa inicial da mineração em cada região a excessiva concentração de recursos nos trabalhos mineratórios conduzia sempre a grandes difi culdades de abastecimento A fome acompanhava sempre a riqueza nas regiões do ouro A elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte nas regiões vizinhas constituiu o mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mineração A pecuária que encontrara no sul um hábitat excepcionalmente favorável para desenvolverse e que não obstante sua baixíssima rentabi lidade subsistia graças às exportações de couro passará por uma verdadeira revolução com o advento da economia mineira O gado do sul cujos preços haviam permanecido sempre em níveis extremamente bai xos comparativamente aos que prevaleciam na região açucareira valori zase rapidamente e alcança em ocasiões preços excepcionalmente altos O próprio gado do Nordeste cujo mercado definhava com a decadência da economia açucareira tende a deslocarse em busca do florescente mer cado da região mineira Esse deslocamento do gado nordestino teria que acarretar a elevação dos preços que pagavam os engenhos razão pela qual provocou fortes reações oficiais e tentativas de interdição Outra característica da economia mineira de profundas conse qüências para as regiões vizinhas radicava em seu sistema de trans porte Localizada a grande distância do litoral dispersa e em região montanhosa a população mineira dependia para tudo de um complexo sistema de transporte A tropa de mulas constitui autêntica infra estrutura de todo o sistema A quase inexistência de abastecimento local de alimentos a grande distância por terra que deviam percorrer todas as mercadorias importadas af necessidade de vencer grandes caminhadas em região montanhosa paraalcançar os locais de trabalho tudo contribuía para que ò sistema de transporte desempenhasse um papel básico no funcionamento da economia Criou se assim um grande mercado para animais de carga Se se considera em conjunto a procura de gado para corte e de muares para transporte a economia mineira constituiu no século xvm um mercado de proporções superiores ao que havia propiciado a eco nomia açucareira em sua etapa de máxima prosperidade Destarte os benefícios que dela se irradiam para toda a região criatória do sul são substancialmente maiores do que os que recebeu o sertão nordestino A região riograndense onde a criação de mulas se desenvolveu em grande escala foi dessa forma integrada no conjunto da economia bra sileira Cada ano subiam do Rio Grande do Sul dezenas de milhares de mulas as quais constituíam a principal fonte de renda da região Esses animais se concentravam na região de São Paulo onde em grandes feiras eram distribuídos aos compradores que provinham de diferentes regiões Desse modo a economia mineira através de seus efeitos indi retos permitiu que se articulassem às diferentes regiões do sul do país Ao contrário do que ocorrera no Nordeste onde se partiu de um vazio econômico para a formação de uma economia pecuária dependente da açucareira no sul do país a pecuária preexistiu à mineração Com efeito o advento da mineração ocorreu quando a economia de subsis tência de Piratininga havia já atravessado século e meio de pobreza Além disso no Rio Grande e mesmo no Mato Grosso já existia uma eco nomia pecuária rudimentar de onde saía alguma exportação de couros Essas distintas regiões viviam independentemente e tenderiam prova velmente a desenvolverse num regime de subsistência sem vínculos de solidariedade econômica que as articulassem A economia mineira abriu um novo ciclo de desenvolvimento para todas elas Por um lado elevou 55 substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária induzindo a uma utilização mais ampla das terras e do rebanho Por outro fez interdependentes as diferentes regiões especializadas umas na criação outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais mer cados consumidores É um equívoco supor que foi à criação que uniu essas regiões Quem as uniu foi a procura de gado que se irradiava do centro dinâmico constituído pela economia mineira CAPÍTULO XIV FLUXO DA RENDA A base geográfica da economia mineira estava situada numa vasta região compreendida entre a serra da Mantiqueira no atual Estado de Minas e a região de Cuiabá no Mato Grosso passando por Goiás Em algumas regiões a curva de produção subiu e baixou rapidamente provocando grandes fluxos e refluxos de população noutras essa curva foi menos abrupta tornandose possível um desenvolvimento demográfico mais regular e a fixação definitiva de núcleos importantes de população A renda média dessa economia isto é sua produtividade média é algo que dificilmente se pode definir Em dados momentos deveria alcançar pontos altíssimos em uma subregião e quanto mais altos fossem esses pontos maiores seriam as quedas subseqüentes Os depósitos de aluvião se esgotam tanto mais rapidamente quanto é mais fácil sua exploração Dessa forma as regiões mais ricas se incluem entre as de vida produtiva mais curta A exportação de ouro cresceu em toda a primeira metade do século e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760 quando atingiu cerca de 25 milhões de libras Entretanto o declínio no terceiro quartel do século foi rápido e já por volta de 1780 não alcançava 1 milhão de libras O decênio compreendido entre 1750 e 1760 constituiu o apogeu da economia mineira e a exportação se manteve então em torno de 2 milhões de libras Admitindose que quatro quintas N partes do valor do ouro exportado correspondessem à renda criada na região mineira e que esta se traduzisse em igual valor de importações e demais que o coeficiente de importações fosse 05 o total da renda anual da economia mineira não seria superior a 36 milhões de libras na etapa de grande prosperidade Se se tem em conta que a população livre da região mineira não seria inferior por essa época a 300 mil pessoas se depreende que a renda média era substancialmente inferior à que conhecera a economia açucareira na sua etapa de grande prosperidade Se bem que a renda média da economia mineira haja sido por mais baixa do que aquela que conhecera a região do açúcar seu mercado apresentava potencialidades multo maiores Suas dimensões absolutas eram superiores pois as importações representavam menor proporção do dispêndio total Por outro lado e isso constitui o aspecto principal do problema a renda estava muito menos concentrada porquanto a proporção da população livre era muito maior A composição da procura teria que ser necessariamente diversa ocupando um espaço muito mais significativo os bens de consumo corrente e ocorrendo o contrário aos artigos de luxo Demais a população se bem que dispersa num território grande estava em grande parte reunida em grupos urbanos e semiurbanos Por último a grande distância existente entre a região mineira e os portos contribuía para encarecer relativamente os artigos importados Esse conjunto de circunstâncias tornava a região mineira muito mais propícia ao desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado interno do que havia sido até então a região açucareira Contudo o desenvolvimento endógeno isto é com base no Seu próprio mercado da região mineira foi praticamente nulo É fácil compreender que a atividade mineratória haja absorvido todos os recursos disponíveis na etapa inicial E menos fácil explicar entretanto que uma vez estabelecidos os centros urbanos não se hajam desenvolvido suficientemente atividades manufatureiras de grau inferior as quais poderiam expandirse na etapa subseqüente de dificuldades de importação Temse buscado explicação para esse fato na política portuguesa cuja preocupação era dificultar o desenvolvimento manufatureiro da colônia Entretanto o decreto de 1785 proibindo qualquer atividade manufatureira não parece haver suscitado grande reação sendo mais ou menos evidente que o desenvolvimento manufatureiro havia sido praticamente nulo em todo o período anterior de prosperidade e decadência da economia mineira A causa principal possivelmente foi a própria incapacidade técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala ponderável O pequeno desenvolvimento manufatureiro que tivera Portugal em fins do século anterior resulta de uma política ativa que compreendera a importação de mãodeobra especializada O acordo de 1703 com a Inglaterra tratado de Methuen destruiu esse começo de indústria e foi de conseqüências profundas tanto para Portugal como para sua colônia Houvessem chegado ao Brasil imigrantes com alguma experiência manufatureira e o mais provável é que as iniciativas surgissem no momento adequado desenvolvendose uma capacidade de organização e técnica que a colônia não chegou a conhecer Exemplo claro disso é o ocorrido com a metalurgia do ferro Sendo grande a procura desse metal numa região onde os animais ferrados existiam por dezenas de milhares para citar o caso de um só artigo e sendo tão abundantes o minério de ferro e o carvão vegetal o desenvolvimento que teve a si derurgia foi o possibilitado pelos conhecimentos técnicos dos escravos africanos Se se compara por exemplo essa experiência com a dos EUA que na mesma época se transformaram em exportadores de ferro para a Inglaterra tornase evidente que o que faltou ao Brasil foi a transfe rência inicial de uma técnica que não conheciam os imigrantes A primeira condição para que o Brasil tivesse algum desenvolvi mento manufatureiro na segunda metade do século xvm teria de ser o próprio desenvolvimento manufatureiro de Portugal Ora cabe ao ouro do Brasil uma boa parte da responsabilidade pelo grande atraso relativo que no processo de desenvolvimento econômico da Europa teve Portugal naquele século Em realidade se o ouro criou condições favoráveis ao desenvolvimento endógeno da colônia não é menos ver dade que dificultou o aproveitamento dessas condições ao entorpecer o desenvolvimento manufatureiro da Metrópole Houvesse Portugal acumulado alguma técnica manufatureira e a mesma terseia transfe rido ao Brasil malgrado disposições legislativas em contrário como ocorreu nos EUA O acordo de Methuen constitui um ponto de referência importante na análise do desenvolvimento econômico de Portugal e do Brasil Esse acordo foi celebrado ao término de um período de grandes dificuldades econômicas para Portugal coetâneas da decadência das exportações açucareiras do Brasil Ao prolongarse essa decadência e ao reduzirse tão persistentemente a capacidade para importar começou a prevalecer em Portugal o ponto de vista de que era necessário produzir interna mente aquilo que o açúcar permitira antes importar em abundância Tem início assim um período de fomento direto e indireto da instalação de manufaturas Durante dois decênios a partir de 1684 o país conseguiu praticamente abolir as importações de tecidos Essa política estava perfeitamente dentro do espírito da época pois seis anos antes a Inglaterra proibira todo comércio com a França para evitar a entrada de manufaturas francesas Contudo é provável que fosse grande a reação Centro de Portugal particularmente dos poderosos produtores e exportadores de vinhos grupo dominante no país Os ingleses trataram de aliarse a esse grupo para derrogar a política protecionista portuguesa Com efeito o acordo de 1703 concede aos vinhos portugueses no mercado inglês uma redução de um terço do imposto pago pelos vinhos franceses Em contrapartida Portugal retirava o embargo às importa ções de tecidos ingleses Houvesse Portugal enfrentado na primeira metade do século xvm as mesmas dificuldades que conheceu no meio século anterior e o acordo de Methuen teria sido de expressão limitada erri sua história Sendo re duzido o valor das exportações de vinhos o desequilíbrio de sua balança comercial com a Inglaterra tenderia a agravarse provocando maior des valorização da moeda e outras dificuldades para o país Em tais condi ções é provável que surgisse uma reação restaurandose a política protecionista É mais ou menos evidente que Portugal não podia pagar com vinhos os tecidos que consumia carecendo o acordo de Methuen de base real para sobreviver Ocorre entretanto que o ouro do Brasil começou a afluir exatamente quando entra em vigor o referido acordo De início em volume limitado e uma dezena de anos depois já em quantidades substanciais Criaramse assim de imprevisto as condições requeridas para que o acordo funcionasse permitindoselhe operar como mecanis mo de redução do efeito multiplicador do ouro sobre o nível da atividade econômica em Portugal Por um lado a procura crescente de manufaturas que vinha da colônia se transferia automaticamente para a Inglaterra sem nenhum efeito sobre a economia portuguesa que não fosse a renda criada por algumas comissões e impostos Por outro o aumento dos gastos públicos gastos correntes ou inversões não reprodutivas logo se filtravam em importações com um reduzido efeito multiplicador sobre outras atividades produtivas internas É difícil imaginar até que ponto a economia portuguesa poderia haver reagido positivamente à expansão geral da procura criada pelo ciclo mineiro no Brasil dentro do quadro de uma política protecionista Tendose em conta que na época eram grandes as transferências de po pulação para o Brasil e que eram vultosas as inversões nãoreprodutivas monumentos construções etc particularmente depois do terremoto de Lisboa é provável que o desenvolvimento manufatureiro se houvesse deparado com uma relativa adstringência da oferta de mãodeobra Tudo indica entretanto que se o país dispusesse de um núcleo manufatureirò os lucros deste teriam de ser de tal ordem que a acumulação de capital neste setor terseia realizado rapidamente Dessa forma ao iniciarse a Revolução Industrial na segunda metade do século Portugal poderia haver estado preparado para defender sua produção manufatureira e portanto para assimilar as novas técnicas de produção que se estavam desenvolvendo A inexistência desse núcleo manufatureirò na etapa em que se transformam as técnicas de produção no último quartel do século é que valeu a Portugal transformarse numa dependência agrícola da Inglaterra Sem o contrapeso de um grupo manufatureirò os grandes proprietários de terras e os exportadores de vinho continuaram a pesar demasiadamente na orientação econômica do país como se tornará evidente na segunda metade do século ao encetar Pombal ingentes esforços para mudar o curso dos acontecimentos Do ponto de vista da economia européia em seu conjunto o ouro do Brasil teve um efeito tanto mais positivo quanto o estímulo por ele criado se concentrou no país melhor aparelhado para dele tirar o máximo proveito Com efeito a Inglaterra graças às transformações estruturais de sua agricultura e ao aperfeiçoamento de suas instituições políticas foi o único país da Europa que seguiu sistematicamente em todo o século que antecedeu à Revolução Industrial uma política clarividente de fomento manufatureirò From the Revolution till the revolt of the colonies diz Cunningham the regulation of commerce was considered not so much with reference to other elements of national power or even in its bearing on revenue but chiefly with a view to the promotion of industry70 70 W CUNNINGHAM The Crowth of Modem Industry and Commerce Modem Times parte I Cambridge 1921 p 458 Primeira edição de 1882 O isolamento da Inglaterra e seu relativo atraso se comparado com o desenvolvimento manufatureirò da Europa de fins da Idade Média deram a esse pais desde cedo uma clara consciência de que sem proteção e uma ativa política de importação de técnica a expansão manufatureira seria impraticável A esse respeito diz um conhecido estudioso da matéria The eariiest hstance of the prohibition of exports is tound in the action oi the Oxford pariiament oi 1258 The batons then decreeti that the wool of the country should be worked up in England and should not be soid to fonsigners and that every one should use woolen cioth made within the country E a propósito da consolidação Numa época dominada pelo mais estrito mercantilismo e em que era particularmente difícil desenvolver um comércio de manufaturas a Inglaterra encontrou na economia lusobrasileira um mercado em rápida expansão e praticamente unilateral Suas exportações eram sal dadas em ouro o que adjudicava à economia inglesa uma excepcional flexibilidade para operar no mercado europeu Encontrouse a Ingla terra assim pela primeira vez em condições de saldar o seu comércio de materiais de construção e outras matériasprimas recebidas do norte da Europa indiretamente com manufaturas Dessa forma a economia inglesa adquiriu maior flexibilidade e tendeu a concentrar suas inver sões no setor manufatureiro que era o mais indicado para uma rápida evolução tecnológica Por outro lado recebendo a maior parte do ouro que então se produzia no mundo os bancos ingleses reforçaram mais e mais sua posição operandose a transferência do centro financeiro da Europa de Amsterdã para Londres Segundo fontes inglesas as entradas de ouro brasileiro em Londres chegaram a alcançar em certa época 50 mil libras por semana permitindo uma substancial acumulação de reservas metálicas sem as quais a GrãBretanha dificilmente poderia haver atravessado as guerras napoleônicas71 das manufaturas de lâ no século xv The growth oi the woden manufaclure during the second half of the century was stimulated by a consistent protective poücy vigorously carried out This began with the accession of Edward IV who throvghout his reign relied upon the industrial and mercantile classes In 1463 the importation oi woolen cloth was piohibited together with a number oi other manutactured articles and the prohibilion which in that act had only been temporary was specially renewed and made permanent in an act oi the lollowing year Moreover the scale of export dulies was arranged if not then soon afterwards in such a way as to encourage the export oi cloth rather than of wocJ W J ASHLEY An Introduction to English EconomicHistoryandTheory Londres 1893 parte p 194e226 71 The extent to which Portugal took off our manufactures and thus encouraged industry in this country appeared to be measured by the vast amount of Brazilian bullion which was annuatty imported from Portugal This was estimated at E 50000 per week We cannot wonder that according to the ideas of the time Methuens achievement was rated very highly he had opened up a large foreign demand for our goods and had stimulated the employment of labour at nome while much of the returns from Portugal carne to us in the form which was most necessary for restoring the currency and most convenient for carrying on the great European war W CUWJMGHUJ op cit p 4601 CAPÍTULO XV REGRESSÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO DA ÁREA DE SUBSISTÊNCIA Não se havendo criado nas regiões mineiras formas permanentes de atividades econômicas à exceção de alguma agricultura de subsis tência era natural que com o declínio da produção de ouro viesse uma rápida e geral decadência À medida que se reduzia a produção as maiores empresas se iam descapitalizando e desagregando A re posição da mãodeobra escrava já não se podia fazer e muitos empre sários de lavras com o tempo se foram reduzindo a simples faiscadores Dessa forma a decadência se processava através de uma lenta diminuição do capital aplicado no setor minerador A ilusão de que uma nova descoberta poderia vir a qualquer momento induzia o empresário a persistir na lenta destruição de seu ativo em vez de trans ferir algum saldo liquidável para outra atividade econômica Todo o sistema se ia assim atrofiando perdendo vitalidade para finalmente desagregarse numa economia de subsistência Houvesse a economia mineira se desdobrado num sistema mais complexo e as reações seguramente teriam sido diversas Na Austrália três quartos de século depois o desemprego causado pelo colapso da produção de ouro constituiu o ponto de partida da política protecionista que tornou possível a precoce industrialização desse país72 A necessi dade de absorver o enorme excedente de mãodeobra que se foi criando à medida que diminuiu a produção de ouro problema tanto mais gra ve quanto os setores lanífero e agrícola haviam introduzido técnicas 72 A experiência da economia aurifera australiana é ilustrativa da flexibilidade de um sistema que tinha acesso a uma tecnologia mais avançada Com a descoberta do ouro a população da Austrália praticamente triplicou num decênio passando de 438 mil em 1851 para 1168000 em 1861 Em tais condições é fácil imaginar a drenagem de mãodeobra da economia lanifera preexistente e a pressão sobre a oferta de alimentos Estes dois setores trataram contudo de defenderse adotando técnicas mais avançadas e conseguiram acelerar seu desenvolvimento na etapa de grande expansão da produção de ouro Os produtores de lã foram inclusive beneficiados pela baixa nos fretes de retorno provocada pelo grande movimento migratório Conforme observa um autor australiano As the diggings attracled labout squatters and tarmers iwere lofced to overhaul their productlve technique and adopt laboursaving devices Squatters poupadoras de mãodeobra no períoda anterior para poder subsistir contribuiu para formar no Estado de Vitória uma consciência dàra de que só a industrialização poderia resolver o problema estrutural da região Tivesse o país permanecido sob a influência exclusiva dos grupos exportadores de lã e a predominância das idéias liberais teria impedido qualquer política de industrialização por essa época A existência do regime de trabalho escravo impediu no caso brasi leiro que o colapso da produção de ouro criasse fricções sociais de maior vulto A perda maior foi para aqueles que tinham invertido grandes capitais em escravos e viam a rentabilidade destes baixar dia a dia O sistema se descapitalizava lentamente mas guardava sua estrutura Ao contrário do que ocorria no caso da economia açucareira que defendia até certo ponto sua rentabilidade conservando uma produção relativa mente elevada na mineração a rentabilidade tendia a zero e a desagre gação das empresas produtivas era total Muitos dos antigos empresários transformavamse em simples faiscadores e com o tempo revertiam à simples economia de subsistência Uns poucos decênios foram o sufi dente para que se desarticulasse toda a economia da mineração decaindo os núcleos urbanos e dispersandose grande parte de seus elementos numa economia de subsistência espalhados por uma vasta região em que eram difíceis as comunicações e isolandose os pequenos grupos uns dos outros Essa população relativamente numerosa encontrará espaço para expandirse num regime de subsistência e virá a constituir um dos principais núcleos demográficos do país Neste caso como no da econo mia pecuária do Nordeste a expansão demográfica se prolongará num processo de atrofiamento da economia monetária Dessa forma uma re gião cujo povoamento se fizera em um sistema de alta produtividade e em que a mãodeobra fora um fator extremamente escasso involuiu numa massa de população totalmente desarticulada trabalhando com baixíssima produtividade numa agricultura de subsistência Em nenhu ma parte do continente americano houve um caso de involução tão rápi da e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem européia lenced their runs boundary riders replaced shepherds farmers used bettef ploughs and more scieniific means oi cultivation In len years 185060 lhe number oi sheep in Austrália increased Irom sixteen Io twenty millions and lhe value oi lhe wool exported rose Irorn E 1995000 Io 4025300 The área under crop doubled itsell in eighl years 185058 G V Pomus Austrália an Economic Interpretation Sydney 1933 p 25 QUARTA PARTE Economia de transição para o trabalho assalariado SÉCULO XIX CAPÍTULO XVI O MARANHÃO E A FALSA EUFORIA DO FIM DA ÉPOCA COLONIAL O último quartel do século xvm constitui uma nova etapa de dificuldades para a colônia As exportações que em torno de 1760 se haviam aproximado de 5 milhões de libras pouco excedem em média nos últimos 25 anos do século os 3 milhões O açúcar enfrenta novas dificuldades e o valor total de suas vendas desce a níveis tão baixos como não se havia conhecido nos dois séculos anteriores73 As exportações de ouro durante esse período promediaram pouco mais de meio milhão de libras Enquanto isso a população havia subido a algo mais de 3 milhões de habitantes A renda per capita ao terminar o século provavelmente não seria superior a 50 dólares de poder aquisitivo atual admitida uma população livre de 2 milhões sendo esse provavelmente o nível de renda mais baixo que haja conhecido o Brasil em todo o período colonial74 73 Os dados relativos às quantidades e preços do açúcar foram cuidadosamente reunidos por R SIMONSEN É possível entretanto que esses dados nâo traduzam com exatidão a situação da economia açucareira no correr do século x apresentandoa mais favorável do que na verda de foi Com efeito SIMONSEN utiliza as cotações do açúcar bruto em Londres sem levar em conta que a lei de 1739 que reservou o mercado inglês para o açúcar das colônias da coroa britânica teve por efeito elevar os preços na Inglaterra com respeito às cotações internacionais 7he effect and significance oi lhe act oi 1739 lay in its power to raise the price oi sugar in the British Market Os produtores das Antilhas inglesas ao beneficiarse dos preços de monopólio que gozavam no mercado inglês mercado esse em rápida expansão no século xvm desinteressaramse das exportações o que permitiu ao açúcar do Brasil recuperar alguns mercados Vejase F W PITMAN The Development oi the British West Indies Oxford 1947 p 17018587 74 Admitindose para um ano favorável do final do século xvm um valor de exportações de 4 milhões de libras e supondose otimistamente que o valor das exportações representava apenas a quarta parte da renda deduzse que esta estaria em torno de 16 milhões de libras ou seja aproximadamente 100 milhões de dólares atuais Para uma população livre de cerca de 2 milhões a renda per capita estaria em torno de 50 dólares Este dado constitui uma sim ples indicação pois o conceito mesmo de renda só com muita reserva se pode aplicar a uma economia em que grande parte do produto não se integra no setor monetário Observada em conjunto a economia brasileira se apresentava como uma constelação de sistemas em quealguns se articulavam entre si e outros permaneciam praticamente isolados As articulações se operavam em torno de dois pólos principais as economias do açúcar e do ouro Articulada ao núcleo açucareiro se bem que de forma cada vez mais frouxa estava a pecuária nordestina Articulado ao núcleo mineiro estava o hinterland pecuário sulino que se estendia de São Paulo ao Rio Grande Esses dois sistemas por seu lado ligavamse frouxamente através do rio São Francisco cuja pecuária se beneficiava da meia distância a que se encontrava entre o Nordeste e o centrosul para dirigirse ao mercado que ocasionalmente apresentasse maiores vantagens No norte estavam os dois centros autônomos do Maranhão e do Pará Este último vivia exclusivamente da economia extrativa florestal organizada pelos jesuítas com base na exploração da mãodeobra indígena O sistema jesuítico cuja produti vidade aparentemente chegou a ser elevada mas sobre o qual não se dispõe de muitas informações a Ordem não pagava impostos nem publicava estatísticas entrou em decadência com a perseguição que sofreu na época de Pombal O Maranhão se bem constituísse um sis tema autônomo articulavase com a região açucareira através da perife ria pecuária Dessa forma apenas o Pará existia como um núcleo totalmente isolado Os três principais centros econômicos a faixa açu careira a região mineira e o Maranhão se interligavam se bem que de maneira fluida e imprecisa através do extenso hinterland pecuário Dos três sistemas principais o único que conheceu uma efetiva prosperidade no último quartel do século foi o Maranhão Essa região se beneficiou inicialmente de uma cuidadosa atenção do governo por tuguês a cuja testa estava Pombal então empenhado em luta de morte contra a Ordem dos Jesuítas Os colonos do Maranhão eram adversá rios tradicionais dos jesuítas na luta pela escravização dos índios Pombal ajudouos criando uma companhia de comércio altamente capitalizada que deveria financiar o desenvolvimento da região tradi cionalmente a mais pobre do Brasil75 Tão importante quanto a ajuda 75 Ao ajudar os colonos Pombal não os apoiou em seus propósitos de escravização dos Índios Coube na verdade a esse estadista eliminar de vez as formas abertas e disfarçadas de escra vidão do indígena em terras brasileiras A ajuda financeira permitiu a importação em grande escala de mãodeobra africana o que modificou totalmente a fisionomia étnica da região financeira entretanto foi a modificação no mercado mundial de pro dutos tropicais provocada pela guerra de independência dos EUA e logo em seguida pela Revolução Industrial inglesa Os dirigentes da companhia perceberam desde o início que o algodão era o produto tropical cuja procura estava crescendo com mais intensidade e que o arroz produzido nas colônias inglesas e principalmente consumido no sul da Europa não sofria restrição de nenhum pacto colonial Os recursos da companhia foram assim concentrados na produção desses dois artigos Quando os principais frutos começavam a surgir ocorreu demais que o grande centro produtor de arroz foi excluído temporariamente do mercado mundial em razão da guerra de independência das colônias inglesas da América do Norte A produção maranhense encontrou assim condições altamente propícias para desenvolverse e capitalizar se adequadamente A pequena colônia em cujo porto entravam um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam do trabalho de algum índio escravo para sobreviver conheceu excepcional prosperidade no fim da época colonial recebendo em seu porto de cem a 150 navios por ano e chegando a exportar 1 milhão de libras Excluído o núcleo maranhense todo o resto da economia colonial atravessou uma etapa de séria prostração nos últimos decênios do sé culo Na região do ouro a depressão é particularmente profunda e se estenderá pela primeira metade do século seguinte Essa decadência afeta indiretamente a região pecuária do sul a qual atravessará pro longado período de dificuldades internas Contudo um conjunto de fatores circunstanciais deu à colônia no começo do século xix uma aparência de prosperidade tanto maior quanto a transferência do governo metropolitano e a abertura dos portos em 1808 criaram um clima geral de otimismo O último quartel do século xvm e os primeiros dois decênios do seguinte estão marcados por uma série de acontecimentos políticos que tiveram grandes repercussões nos mercados mundiais de produtos tropicais O primeiro desses acontecimentos foi a guerra de inde pendência dos EUA a cujos reflexos indiretos na região maranhense já nos referimos O segundo foi a Revolução Francesa e os subseqüentes transtornos nas suas colônias produtoras de artigos tropicais Por últi mo vieram as guerras napoleônicas o bloqueio e o contrabloqueio da Europa e a desarticulação do vasto império espanhol da América Em 1789 entrou em colapso a grande colônia açucareira francesa que era Haiti Nesse pequeno território estavam concentrados quase meio milhão de escravos que se revoltaram é destruíram grande parte da riqueza ali acumulada modificando a situação do mercado do açú car Abrese assim para a região açucareira do Brasil nova etapa de prosperidade O valor das exportações de açúcar com efeito mais què duplica na etapa das guerras napoleônicas A atividade industrial na Inglaterra é intensa durante esses anos de guerra e a procura de algo dão cresce fortemente Seguindo o Maranhão o Nordeste dedica re cursos à produção desse artigo As dificuldades surgidas nas colônias espanholas também repercutem no mercado de produtos tropicais e couros Dessa forma praticamente todos os produtos da colônia se be neficiam de elevações temporárias de preços O valor total da exporta ção de produtos agrícolas praticamente duplica entre os anos 80 do século xvni e o fim da era colonial aproximandose dos 4 milhões de libras Entretanto essa prosperidade era precária fundandose nas condições de anormalidade que prevaleciam no mercado mundial de produtos tropicais Superada essa etapa o Brasil encontraria sérias dificuldades nos primeiros decênios de vida como nação politica mente independente para defender sua posição nos mercados dos produtos que tradicionalmente exportava CAPÍTULO XVII PASSIVO COLONIAL CRISE FINANCEIRA E INSTABILIDADE POLÍTICA A repercussão no Brasil dos acontecimentos políticos da Europa de fins do século xvra e começo do seguinte se por um lado acelerou a evolução política do país por outro contribuiu para prolongar a etapa de dificuldades econômicas que se iniciara com a decadência do ouro Ocupado o reino português pelas tropas francesas desapareceu o entreposto que representava Lisboa para o comércio da colônia tor nandose indispensável o contato direto desta com os mercados ainda acessíveis A abertura dos portos decretada ainda em 1808 resultava de uma imposição dos acontecimentos76 Vêm em seguida os tratados de 1810 que transformam a Inglaterra em potência privilegiada com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais extremamente baixas tratados esses que constituirão em toda a primeira metade do século uma séria limitação à autonomia do governo brasileiro no setor econômico A separação definitiva de Portugal em 1822 e o acordo pelo qual a Inglaterra consegue consolidar sua posição em 1827 são outros dois marcos fundamentais nessa etapa de grandes aconteci mentos políticos Por último cabe referir a eliminação do poder pessoal de Dom Pedro i em 1831 e a conseqüente ascensão definitiva 76 A abertura dos portos se bem que na prática beneficiária quase exclusivamente aos ingleses foi decretada sem consulta a estes últimos pois na parte da frota que tocou na Bahia não viajava o Visconde de Strangford representante da Inglaterra que seria o mentor da política econômica do governo português a partir do momento em que este se estabelecesse no Rio de Janeiro Segundo consta o Príncipe Regente relutou muito antes de aceitar os argumentos de José da Silva Lisboa depois Visconde de Cairu em favor da abertura dos portos o que indica quão pouca percepção tinham os governantes lusitanos do que estava ocorrendo na realidade Os ingleses que acreditavam menos em ADAM SMTH do que José da Sitva Lisboa tampouco ficaram muito satisfeitos conforme se deduz das palavras de seu representante no Rio Mr Hill a Dom João a propósito da medida caWná imitoproducea good effecl in Sngland but that had it authorized the admittance oi British vessels and for BrXsh manufactures upon lerms more advantageous thart those granled o lhe ships and merchandise o other loreign natíons U would necessaríly nave alforded greater satisfacHon Carta de Hill a CMMNO de 30 de março de 1808 citada por A K MANCKSTER op cf p 71 ao poder da classe colonial dominante formada pelos senhores da grande agriculruràrde exportação Observados esses acontecimentos de uma perspectiva ampla torna se mais ou menos evidente que os privilégios concedidos à Inglaterra constituíram uma conseqüência natural da forma como se processou a independência sem maiores desgastes de recursos mas devendo a an tiga colônia assumir a responsabilidade de parte do passivo que contraíra Portugal para sobreviver como potência colonial Se a independência houvesse resultado de uma luta prolongada dificilmente terseia pre servado a unidade territorial pois nenhuma das regiões do país dis punha de suficiente ascendência sobre as demais para impor a unidade Os interesses regionais constituíam uma realidade muito mais palpável que a unidade nacional a qual só começou realmente a existir quando se transferiu para o Rio o governo português A luta ingente e inútil de Bolívar para manter a unidade de Nova Granada constitui um exemplo do difícil que é impor uma idéia que não encontra correspondência na realidade dos interesses dominantes Seria erro entretanto supor que aos privilégios concedidos à Inglaterra cabe a principal responsabilidade pelo fato de que o Brasil não se haja transformado numa nação moderna já na primeira metade do século xo a exemplo do ocorrido aos EUA A diferença fundamental que existe entre os pontos de vista do Visconde de Cairu seguramente o representante mais lúcido da intelligentzia da classe agrícola colonial e o Visconde de Strangford é que neste último persistiam ranços mercantilistas enquanto o brasileiro refletia melhor as idéias que prevaleceriam na Inglaterra nos anos subseqüentes Não existindo na colônia sequer uma classe comerciante de importância o grande comércio era monopólio da Metrópole resultava que a única classe com expressão era a dos grandes senhores agrícolas Qualquer que fosse a forma como se processasse a independência seria essa classe a que ocuparia o poder como na verdade ocorreu particularmente a partir de 1831 A grande agricultura tinha consciência clara de que Portugal constituía um entreposto oneroso e a voz dominante na época era que a colônia necessitava urgentemente de liberdade de comércio O desaparecimento do entreposto lusitano logo se traduziu em baixa de preços nas mercadorias importadas maior abundância de suprimentos facilidades de crédito mais amplas e outras óbvias vantagens para a classe de grandes agricultores Sendo uma grande plantação de produtos tropicais a colônia estava intimamente integrada nas economias européias das quais dependia Não constituía portanto um sistema autônomo sendo simples prolon gamento de outros maiores Caso fosse completa a integração o que ocorria no caso das Antilhas inglesas a identidade de interesses das classes dominantes na economia principal e na dependente teria de ser completa Essa comunhão ideológica não podia existir com Portugal porque este último país era apenas um entreposto estando seus inte resses via de regra em conflito com os da colônia Os conflitos da primeira metade do século XK entre os dirigentes da grande agricultura brasileira e a Inglaterra os quais contribuíram indi retamente para que se formasse uma clara consciência da necessidade de lograr a plena independência política não tiveram sua origem em discrepâncias de ideologia econômica Resultaram principalmente da falta de coerência com que os ingleses seguiam a ideologia liberal O tratado de comércio de 1810 referindose embora com bonitas palavras ao novo systema liberal constitui na verdade um instrumento criador de pri vilégios Por outro lado os ingleses não se preocuparam em abrir merca dos aos produtos brasileiros os quais competiam com os de suas dependências antilhanas Aplicada unilateralmente a ideologia liberal passou a criar sérias dificuldades à economia brasileira exatamente na etapa em que a classe de grandes agricultores começava a governar o país É nesse ambiente de dificuldades que a Inglaterra pretende impor a eliminação da importação de escravos africanos Assim entre as dificul dades que encontravam para vender os seus produtos e o temor de uma forte elevação de custos provocada pela suspensão da importação de escravos a classe de grandes agricultores se defendeu tenazmente pro vocando e enfrentando a ira dos ingleses O governo britânico escudado em sólidas razões morais e impulsado pelos interesses antilhanos que viam na persistência da escravatura brasileira o principal fator de depressão do mercado do açúcar usou inutilmente todos os meios a seu alcance para terminar com o tráfico transatlântico de escravos A tensão que na primeira metade do século xix perdura entre o governo britânico e a classe dominante brasileira77 não encobre 77 O conflito não era com os interesses comerciais ingleses locais pois estes continuaram a prosperar à sombra dos privilégios de que gozavam nem exatamente com o governo brasileiro o qual fazia repetidas exortações para que terminasse o tráfico que era ilegal destarte nenhuma contradição séria de interesses Portanto não se pode afirmar que se o governo brasileiro houvesse gozado de plena liberdade de ação o desenvolvimento econômico do país teria sido necessariamente muito intenso Contudo cabe reconhecer que o privilégio aduaneiro concedido à Inglaterra e a posterior uniformização da tarifa em 15 ad valorem numa etapa de estagnação do comércio exterior criaram sérias dificuldades financeiras ao governo brasileiro O imposto às importações é o instrumento comum com que os governos dos países da economia primáriaexportadora arrecadam suas receitas básicas A única alternativa a esse imposto era taxar as exportações o que numa economia escravista significa cortar os lucros da classe de senhores da grande agricultura78 Assim entre a necessidade de sangrar seus próprios lucros numa etapa de dificuldades e a possibilidade de aumentar o imposto de importação debateuse a classe governante brasileira O governo central que enfrenta extraordinária escassez de re cursos financeiros vê sua autoridade reduzirse por todo o país numa fase em que as dificuldades econômicas criavam um clima de insatisfação em praticamente todas as regiões As províncias do norte Bahia Pernambuco e Maranhão atravessam um momento de sérias dificuldades econômicas Os preços do açúcar caem persistentemente na primeira metade do século e os do algodão ainda mais acentuadamente Na Bahia e em Pernambuco e ainda mais no Maranhão a renda per capita deve haver declinado substancialmente durante esse período Na região sul do país as dificuldades econômicas se acumularam como reflexo da decadência da economia do ouro principal mercado para o gado produzido no sul As inúmeras rebeliões armadas do norte e a prolongada guerra civil do extremo sul são o reflexo desse processo de empobrecimento e dificuldades79 78 Foi introduzido um imposto de 8 ad valorem às exportações na etapa de maiores dificuldades fiscais 79 Nos anos 30 e 40 do século wx o Brasil viveu um período praticamente ininterrupto de revoltas e guerra civil Pará Maranhão Ceará Pernambuco Bahia Minas Gerais Sâo Paulo Mato Grosso e Rio Grande do Sul atravessaram convulsões internas No Pará no Ceará e em Pernambuco o período de convulsões durou anos e no Rio Grande do Sul a guerra civil se estendeu por decênios É no meio dessas grandes dificuldades que o café começa a surgir eomo nova fonte de riqueza para o país Já nos anos 30 esse produto sé firma como principal elemento da exportação brasileira e sua progressão é firme Graças a essa nova riqueza formase um sólido núcleo de estabilidade na região central mais próxima da capital do país o qual passa a constituir verdadeiro centro de resistência contra as forças de desagregação que atuam no norte e no sul É necessário ter em conta a quase inexistência de um apare lhamento fiscal no país para captar a importância que na época cabia as aduanas como fonte de receita e meio de subsistência do governo Limi tado o acesso a essa fonte o governo central se encontrou em sérias difi culdades financeiras para desempenhar suas múltiplas funções na etapa de consolidação da independência A eliminação do entreposto portu guês possibilitou um aumento de receita Mas efetuado esse reajusta mento o governo se encontrará praticamente impossibilitado de aumentar a arrecadação até que expire o acordo com a Inglaterra em 1844 A expe riência dos anos 20 primeiro decênio de vida independente é ilustrativa e explica grande parte das dificuldades dos dois decênios subseqüentes Nesse período o governo central não consegue arrecadar recursos através do sistema fiscal para cobrir sequer metade dos seus gastos agravados com a guerra na Banda Oriental80 O financiamento do déficit se faz principalmente com emissão de moedapapel mais que duplicando o meio circulante durante o referido decênio81 Dadas as pequenas dimensões da economia monetária seu alto coeficiente de importação e a impossibilidade de elevar a tarifa adua neira os efeitos das emissões de moedapapel se concentravam na taxa de câmbio duplicando o valor em milréis da libra esterlina entre 1822 e1830 80 O governo português prevalecendo se da confusão que reinava nas colônias espanholas ocupara a chamada Banda Oriental do Uruguai em 1815 a qual passou a ser a província Cisplatina do Brasil Ajudados pelos argentinos os uruguaios se revoltaram em 1825 e conseguiram com os auspícios da Inglaterra que sua independência fosse reconhecida pelas duas potências vizinhas 81 Entre 1624 e 1829 o governo do Brasil conseguiu alguns empréstimos externos se bem que em condições extremamente onerosas no montante real de 48 milhões de libras Esses recursos foram entretanto totalmente absorvidos nos gastos diretos da independência inclusive parte da indenização de 2 milhões de libras paga a Portugal A forma de financiar o déficit do governo central com emissões de moedapapel ea elevação relativa dós preços dos produtos importados provocada pela desvalorização externa da moeda incidiam particular mente sobre a população urbana A grande classe de senhores agrícolas que em boa medida se autoabasteciam em seus domínios e cujos gastos monetários o sistema de trabalho escravo amortecia era relativamente pouco afetada pelos efeitos das emissões de moeda papel Esses efeitos se concentravam sobre as populações urbanas de pequenos comerciantes empregados públicos e do comércio militares etc Com efeito a inflação acarretou um empobrecimento dessas classes o que explica o caráter principalmente urbano das revoltas da época e o acirramento do ódio contra os portugueses os quais sendo comerciantes eram responsabilizados pelos males que acabrunhavam o povo82 82 Houve inúmeras revoltas de guarniçôes militares sem qualquer explicação plausível que nâo seja o aumento da indisciplina na linguagem dos historiadores No Pará diz João Ribeiro as tropas amotinadas detinham os generais aprisionavam ou assassinavam os governadores com o auxilio faccioso de todos os desordeiros e só ao cabo de quatro anos se pode restabelecer a ordem e o prestigio da autoridade Em Pernambuco a tropa saqueou a cidade a discórdia durou outros tantos anos No Maranhão os anarquistas tentaram eliminar o escol da sociedade História do Brasa 16 ed p 3778 O descontentamento contra os portugueses é outra manifestação do mesmo fenômeno sendo o caso mais notório o da chamada revolução Praieira de Pernambuco 184748 Os praieiros pediam a nacionalização do comércio a varejo e ate a expulsão dos portugueses nãofigados pela família às gentes do Brasil Ao grito de mata marinheirol muitos portugueses foram vilmente assassinados em dias de maior tumulto Op cit p 389 CAPÍTULO XVIII CONFRONTO COM O DESENVOLVIMENTO DOS EUA As observações anteriores põem em evidência as dificuldades cria das indiretamente ou agravadas pelas limitações impostas ao governo brasileiro nos acordos comerciais com a Inglaterra firmados entre 1810 e 1827 Sem embargo não parece ter fundamento a crítica corrente que se faz a esses acordos segundo a qual eles impossibilitaram a industrializa ção do Brasil nessa etapa retirando das mãos do governo o instrumento do protecionismo Observando atentamente o que ocorreu na época comprovase que a economia brasileira atravessou uma fase de fortes desequilíbrios determinados principalmente pela baixa relativa dos pre ços das exportações e pela tentativa do governo cujas responsabilidades se havia avolumado com a independência política de aumentar sua par ticipação no dispêhdio nacional A exclusão do entreposto português as maiores facilidades de transporte e comercialização devidas ao estabe lecimento de inúmeras firmas inglesas no país provocaram uma baixa relativa dos preços das importações e um rápido crescimento da procura dè artigos importados Criouse assim uma forte pressão sobre a balança dè pagamentos que teria de repercutir na taxa de câmbio Por outro lado conforme indicamos a forma como se financiou o déficit do gover no central veio reforçar enormemente essa pressão sobre a taxa de câm bio Na ausência de uma corrente substancial de capitais estrangeiros ou de uma expansão adequada das exportações a pressão teve de resolver se em depreciação externa da moeda o que provocou por seu lado um forte aumento relativo dos preços dos produtos importados Se se hou vesse adotado desde o começo uma tarifa geral de 50 ad valorem pos sivelmente o efeito protecionista não tivesse sido tão grande como resultou ser com a desvalorização da moeda83 83 Admitindose que um aumento de cem por cento no preço das mercadorias importadas seja acompanhado de um de 33 por cento no nível geral de preços o efeito resultante pelo menos é idêntico ao da introdução de uma tarifa aduaneira de 50 ad valorem A suposição de que estaria ao alcance do Brasil na hipótese de total liberdade denação adotar uma política idêntica dos EU A nessa primeira fase dcTséculo xix não resiste a uma análise detida dos ía tos Esse problema encerra particular interesse e pode sintetizarse numa pergunta que muitos homens de pensamento se têm feito no Brasil por que se industrializaram os EUA no século xix emparelhandose com as nações européias enquanto o Brasil evoluía no sentido de transformarse no século xx numa vasta região subdesenvolvida Superado o fatalismo supersticioso das teorias de inferioridades de clima e raça essa pergunta adquiriu uma significação mais real do ponto de vista econômico Convém portanto que lhe dediquemos alguma atenção O desenvolvimento dos EUA em fins do século xvm e primeira metade do xix constitui um capítulo integrante do desenvolvimento da própria economia européia sendo em muito menor grau o resultado de medidas internas protecionistas adotadas por essa nação americana O protecionismo surgiu nos EUA como sistema geral de política econômica em etapa já bem avançada do século xix quando as bases de sua economia já se haviam consolidado Pela primeira tarifa norte americana de 1789 os tecidos de algodão pagavam tãosomente 5 ad valorem e a média para todas as mercadorias era 859o85 Vários ajustamentos permitiram que a tarifa para tecidos de algodão alcançasse 175 em 1808 época em que a indústria têxtil norte americana já se podia considerar consolidada Para compreender o desenvolvimento dos EUA no período ime diato à independência é necessário ter em conta as peculiaridades dessa colônia que indicamos nos capítulos v e vi A época de sua independência a população norteamericana era mais ou menos da magnitude da do Brasil As diferenças sociais entretanto eram 84 Esse ponto de vista corrente entre os estudiosos da economia brasileira é esposado por exemplo por R SIMONSEN Tínhamos que abraçar àquele tempo política semelhante à que a nação norteamericana seguiu no período de sua lormação econômica Produtores de artigos coloniais diante de um mundo fechado por policias coloniais alusão de SIMONSEN a um dos dislates da versão portuguesa do Tratado de Comércio de 1810 no qual se traduziu policy por policia tornamonos no entanto campeões de um liberalismo econômico na América Op cit p 406 85 UGO RASBCNO The American Commercial Policy Londres 1895 p 117 profundas pois enquanto nôBrasil a classe dominante era o grupo dos grandes agricultores escravistas nos EUA uma classe de pequenos agricultores é um grupo de grandes comerciantes urbanos dominava o país Nada é mais ilustrativo dessa diferença do que a disparidade que existe entre os dois principais intérpretes dos ideais das classes dominantes nos dois países Alexander Hamilton e o Visconde de Cairu Ambos são discípulos de Adam Smith cujas idéias absorveram diretamente e na mesma época na Inglaterra Sem embargo enquanto Hamilton se transforma em paladino da industrialização mal compreendida pela classe de pequenos agricultores norteamericanos advoga e promove uma decidida ação estatal de caráter positivo estímulos diretos às indústrias e não apenas medidas passivas de caráter protecionista86 Cairu crê supersticiosamente na mão invisível e repete deixai fazer deixai passar deixai vender As medidas restritivas com respeito à produção manufatureira que a Inglaterra impunha às suas colônias na época mercantilista tiveram de ser aplicadas de forma muito especial nos EUA pelo sim ples fato de que o sistema de agricultura de exportação não dera resultado nas colônias do norte A relação dessas colônias com a Metrópole evoluíra num sentido distinto conforme indicamos nos capítulos referidos As linhas gerais da política inglesa passaram a ser as seguintes fomentar nas colônias do norte aquelas indústrias que não competissem com as da Metrópole permitindo a esta reduzir suas importações de outros países não permitir que a produção manu fatureira das mesmas nos demais setores concorresse com as indús trias da Metrópole em outros mercados coloniais As medidas coercitivas começam a surgir quando as colônias do norte chegam a concorrer com a Metrópole nas exportações de manufaturas87 86 He Alexander Hamilton attached much grealer importance to bounties and premiums to be granted directly to the various branches ot industries and insisted on the adoption oi them either exclusively or conjointly with customs duties UGO RABSENO op cf p 137 87 The first oi those was an act passed in 1699 upon the complaint oi English manutacturers and merchants to the eflect that the colonists were exporling wool and woolens to toreign markets in competition with those oi Great Britain In 1732 Parliamentprohibited the exportation from one colony to another or trom the colonies to England or Europa ot riats manulactured n America VcronSCLAHisfy oiManufactures in lhe United States 16091860 Washington 1916 p 2223 No caso especial do aço houve preocupação de dificultar sua produ ção na colônia mas em compensação se fomentou a produção do ferro para permitir à Inglaterra reduzir sua dependência dos países do Báltico Não é sem razão portanto que um dos estudiosos mais criteriosos desta matéria pôde afirmar In studying those times the presumption becomes better defined with every new detail of fact revealed that upon the whole industrial development of the colonies was about where it would have been had their economic policies been governed by their own people88 Por outro lado as próprias colônias que se defrontam com dificuldades para efetuar as importações de manufaturas de que necessitavam desde cedo criaram consciência da conveniência de fomentar a produção interna Já em 1655 Massachusetts passou uma lei obrigando todas as famílias a produzir os tecidos de que necessitassem Muitas colônias proibiam a exportação de certas matériasprimas como couros para que fossem manufaturadas localmente Por último cabe referir o extraordinário avanço da indústria da construção naval a qual desempenharia um papel fundamental no desenvolvimento ocorrido na época das guerras napoleônicas Já antes da independência as três quartas partes do comércio norteamericano se realizavam em seus próprios barcos89 Â guerra de independência cortando por vários anos todo suprimento de manufaturas inglesas criou um forte estímulo à produção interna que já dispunha de base para expandirse Logo em seguida teve início a etapa de grandes transtornos políticos na Europa os quais criaram estímulos extraordinários para o desenvolvimento da economia norteamericana Durante muitos anos os EUA foram a única potência neutra que dispunha de uma grande frota mercante Com as dificuldades de abastecimento europeu as Antilhas inglesas e francesas voltamse para o mercado norteamericano de alimentos Para que se tenha idéia dessa prosperidade basta ter 88 V S CUWK op cf p 30 89 According Io one eslimate 30 ot lhe 7700 vessels tlying the Brilish flag in 1775 were American bum and 75 of American commerce were carried inherown bottomsF S SWON op cit p 91 em conta que de 1789 a 1810 a frota mercante norteamericana cresceu de 202 mil para 1425000 toneladas e que todos esses barcos eram construídos no país90 A experiência técnica acumulada desde a época colonial a lu cidez de alguns de seus dirigentes que perceberam o verdadeiro sen tido do desenvolvimento econômico que se operava com a Revolução Industrial e a grande acumulação de capitais da fase das guerras napoleônicas não seriam entretanto suficientes para explicar as transformações desse país na primeira metade do século xix Por muito tempo ainda a economia norteamericana dependerá para desenvolverse da exportação de produtos primários Com efeito foi como exportadores de uma matériaprima o algodão que os EUA tomaram posição na vanguarda da Revolução Industrial praticamente desde os primórdios desta A Revolução Industrial no último quartel do século xvm e primeira metade do século xix consistiu basicamente em profunda transformação da indústria têxtil É esse um fenômeno fácil de explicar se se tem em conta que os tecidos constituem a principal mercadoria elaborada nas sociedades précapitalistas O mercado de tecidos já estava feito ao passo que o mercado de grande número de outras manufaturas existia apenas em forma embrionária A primeira fase da Revolução Industrial apresenta na verdade duas características básicas a mecanização dos processos manufatureiros da indústria têxtil e a substituição nessa indústria da lã pelo algodão91 matériaprima cuja produção se podia expandir mais facilmente Se à Inglaterra coube a tarefa de introduzir os processos de mecanização foram os EUA que se incumbiram da segunda fornecer as quantidades imensas de algodão que permitiriam em alguns decênios transformar a fisionomia da oferta de tecidos em todo o mundo Com efeito entre 90 From 1795 to 1801 the average net earnings of our merçhanl marine were supposed to exceed 32000000 a year which alone would pay for more imported goods per capita than the colonists had used prior to the Revolution V S CIABK op cit p 237 91 Esses dois aspectos da Revolução industrial são até certo ponto inseparáveis pois a introdu ção do algodão per se facilitou a transformação dos métodos de trabalho The cotton industry was specially weí adapted as a fíeld for experiments With regard to the problem ofmechanical spinning it alforded specially favourable conditions for inventors For cotton fiber being more cohesive and less elastic than woot is easier to twist and stretch into a continuous thread PAUL MANTOIK Industrial Revolution in the Eighteenth Century Londres 1928 p 213 1780 e a metade do século xrx o consumo anual de algodão pelas fá bricas inglesas aumentou de 2mil toneladas para cerca de 250 mil Essa enorme expansão do consumo dê tecidos de algodão não refletia um crescimento autônomo da procura Foi na verdade conseguido nessa primeira etapa principalmente através de uma intensa concorrência às manufaturas locais de base artesanal e através da redução relativa do consumo de outras fibras O instrumento principal dessa concorrência foi a baixa nos preços entre o último decênio do século xvin e a metade do século xix os preços das manufaturas inglesas de algodão se reduziram de duas terças partes92 Ora essa redução foi em grande parte um reflexo da baixa do preço do algodão possível graças a um concurso de circunstâncias que favoreceram a produção em grande escala desse artigo nos EUA93 O algodão que chegou a representar mais da metade do valor das exportações dos EUA constitui o principal fator dinâmico do desenvolvimento da economia norteamericana na primeira metade do século xix O seu cultivo permitiu a incorporação de abundantes terras férteis em Alabama Mississípi Louisiania Arkansas e Flórida as quais eram utilizadas em forma mais ou menos idêntica ao que ocorreria no Brasil com o café As formas extensivas de cultura obri gavam a buscar sempre novas terras e a penetrar no interior do con tinente E foi principalmente como reflexo desse sistema em expansão no sul que se povoou o meiooeste norteamericano abrindose espaço para as grandes correntes de colonização européia as quais penetravam no centro do continente subindo os grandes rios que as ligavam com os mercados do sul 92 Entre 17901890 e 184050 os preços médios dos tecidos ingleses de algodão se reduziram na verdade à quinta parte Mas tendo em conta que na primeira etapa houve uma elevação de preços provocada pelas condições anormais do mercado estimamos a redução devida à tendência a longo prazo em dois terços Para os dados básicos vejase W W ROSTOW The Process oi Economic Growth Oxford 1953 apêndice 93 Estudando este problema com referência ao período 181230 W W Rosiov observa OI the decline in cosi ofn 100 yarn aboul twcthkds was accounted for by lhe fali in rawmaterial cosis The proportionate contribuiion to cost reduction oi rawmateriais is greater in the lower grades of yarn than in the more expensive products 71 percent for n 40 yarn only 5 percent lorrfi2S0 Op cit p 203204 À semelhança do que ocorreu ao Brasil ao se abrirem os portos a balança comercial dos EUA com a Inglaterra era via de regra deficitária nos primeiros decênios do século XDC Contudo esse déficit em vez de pesar sobre o câmbio como foi o caso no Brasil e provocar um rea justamento em níveis mais baixos de intercâmbio tendia a transformarse em dívidas de médio e longo prazos invertendose em bônus dos go vernos central e estaduais Formouse assim quase automaticamente uma corrente de capitais que seria de importância fundamental para o desenvolvimento do país Isto foi possível graças à política financeira do Estado concebida por Hamilton e à ação pioneira do governo cen tral primeiro e estaduais depois na construção de uma infraestrutura econômica e no fomento direto de atividades básicas94 94 Na primeira metade do século XK a ação do Estado é fundamental no desenvolvimento norte americano É somente na segunda metade do século quando cresce amplamente a influ ência dos grandes negócios que alcança prevalecer a ideologia da nâointromissao do Estado na esfera econômica CAPÍTULO XIX DECLÍNIO A LONGO PRAZO DO NÍVEL DE RENDA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX A condição básica para o desenvolvimento da economia brasileira na primeira metade do século XK teria sido a expansão de suas expor tações Fomentar a industrialização nessa época sem o apoio de uma capacidade para importar em expansão seria tentar o impossível num país totalmente carente de base técnica As iniciativas de indústria side rúrgica da época de Dom João vi fracassaram não exatamente por falta de proteção mas simplesmente porque nenhuma indústria cria mercado para si mesma e o mercado para produtos siderúrgicos era pratica mente inexistente O pequeno consumo do país estava em declínio com a decadência da mineração e espalhavase pelas distintas províncias exi gindo uma complexa organização comercial A industrialização teria de começar por aqueles produtos que já dispunham de um mercado de certa magnitude como era o caso dos tecidos única manufatura cujo mercado se estendia inclusive à população escrava Ocorre porém que a forte baixa dos preços dos tecidos ingleses a que nos referimos difi cultou a própria subsistência do pouco artesanato têxtil que já existia no país A baixa de preços foi de tal ordem que se tornava praticamente im possível defender qualquer indústria local por meio de tarifas Teria sido necessário estabelecer cotas de importação Cabe reconhecer entretanto que dificultar a entrada no país de um produto cujo preço apresentava tão grande declínio seria reduzir substancialmente a renda real da popu lação numa etapa em que esta atravessava grandes dificuldades Por úl timo é necessário não esquecer que a instalação de uma indústria têxtil moderna encontraria sérias dificuldades pois os ingleses impediam por todos os meios a seu alcance a exportação de máquinas95 95 The British Government took every precaulion to preveni the new machinery or a practical knowtedge of it from leaving that country and British agents even shipped back to England such machines as they could acquire in the US V S CIARK op cit p 533 A mecanização da indústria têxtil norteamericana tezse principalmente com máquinas fabricadas no próprio Mesmo deixando de lado a consideração de que uma política inteligente de industrialização seria impraticável num país dirigido por uma classe de grandes senhores agrícolas escravistas é necessário reconhecer que a primeira condição para o êxito daquela política teria sido uma firme e ampla expansão do setor exportador A causa principal do grande atraso relativo da economia brasileira na primeira metade do século xrx foi portanto o estancamento de suas exportações Durante esse período a taxa de crescimento médio anual do valor em libras das exportações brasileiras não excedeu 08 por cento96 enquanto a população crescia com uma taxa anual de cerca de 13 por cento97 A taxa de aumento de 08 não nos dá entretanto uma idéia exata do que ocorreu no país pois todo o aumento das exportações no período referido devese ao café cuja produção estava concentrada nas áreas próximas da cidade do Rio Excluído o café o valor das exportações de 1850 é inferior ao que provavelmente foi no começo do século As estatísticas das exportações por produtos principais disponíveis a partir de 1821 proporcionam uma visão mais clara da matéria Entre 182130 e 184150 o valor em libras das exportações de açúcar cresceu em 24 por cento vale dizer com uma taxa média anual de 11 por cen to o das exportações de algodão se reduziu à metade o das de couros e peles se reduziu em 12 por cento e o das de fumo permaneceu es tacionário Desses produtos o único cujos preços se mantiveram está veis foi o fumo Os exportadores de açúcar para receber 24 por cento mais em valor mais que dobraram a quantidade exportada os de algodão receberam a metade do valor exportando apenas 10 por cento menos e os de couros e peles mais que dobraram a quantidade para receber um valor em 12 por cento inferior pais o que foi possível graças à cooperação de operários especializados ingleses que emigraram escapando ao controle das autoridades britânicas A possibilidade de alcançar grandes lucros numa economia cujo mercado se expandia rapidamente induzia a correr os riscos 96 Estimamos em 4 milhões de libras as exportações de 1800 com base em dados publicados por SIMONSEN op cit Em 184950 o valor das exportações foi de 5932 000 libras Anuário Estatístico do Brasil 193940 p 1358 Os demais dados relativos ao comércio exterior do Brasil a partir de 1821 sâo dessa mesma fonte 97 A taxa de 13 se baseia na comparação da população de 1850 7 milhões com a de 1808 4 milhões Para as estimativas da população do Brasil do século xa vejase Anuário Estatístico cit p 1293 As quedas de preço indicadas per se não significam tudo pois se ria possível que ospreços de importação estivessem baixando man tendose em conseqüência o valor real das exportações Somente um índice dos termos do intercâmbio isto é da relação entre os preços de importação e os de exportação poderia darnos uma idéia clara do efeito das modificações de preços na produtividade da economia do país Esse índice pode ser elaborado para o período que nos preocupa se bem que de forma indireta mas com uma aproximação razoável A baixa nos preços das exportações brasileiras entre 182130 e 184150 foi de cerca de 40 por cento No que respeita a importações o índice de preços das exportações da Inglaterra constitui uma boa indicação Esse índice entre os dois decênios referidos mantevese perfeitamente estável98 Podese portanto afirmar que a queda do índice dos termos do intercâmbio foi de aproximadamente 40 por cento isto é que a renda real gerada pelas exportações cresceu 40 por cento menos que o volume físico destas Como o valor médio anual das exportações subiu de 3900000 libras para 5470000 ou seja um aumento de 40 por cento depreendese que a renda real gerada pelo setor exportador cresceu nessa mesma proporção enquanto o esforço produtivo nesse setor aproximadamente dobrara Os dados referidos no parágrafo anterior constituem uma indicação bastante clara de que a renda real per capita declinou sensivelmente na primeira metade do século XJX Para que se mantivesse o nível dessa ren da reduzindose a importância relativa do setor exportador seria neces sário que se operassem modificações que evidentemente não ocorreram Com efeito somente um desenvolvimento intenso do setor não ligado ao comércio exterior poderia haver contrabalançado o declínio relativo das exportações As atividades não ligadas ao comércio exterior são via de regra indústrias e serviços localizados nas zonas urbanas Não existe entretanto nenhuma indicação de que a urbanização do país se haja acelerado nesse período99 O que houve muito provavelmente foi um 98 W W ROSTOW op cit apêndice m 99 A população da cidade do Rio de Janeiro centro urbano mais próspero do pais nessa época cresceu aparentemente com a taxa anual da 13 por cento idêntica à do conjunto da população do pais Vejamse as estimativas da população dessa cidade no Anuário Estatístico cit p 1294 alimento relativodo setor de subsistência na forma a que já nos referi mos em capítulo anterior Sendo a economia de subsistência de produü vidade bem inferior à do setor exportador o aumento de sua importância relativa numa etapa em que o setor exportador estava estacionário teria necessariamente que traduzirse em redução da renda per capita do con junto da população O valor da exportação por habitante da população livre que em fins do século anterior se aproximava de 2 libras na metade do século xa pouco excedia 1 libra Mesmo que se admita como no caso extremo que a participação do valor das exportações no produto se haja reduzido a um sexto para o período final do século xvra sugerimos a hi pótese de um quarto a renda média per capita da população livre100 terse ia reduzido de 50 para 43 dólares de valor aquisitivo atual Qualquer que seja a margem de erro desses cálculos o que se pode admitir como mais ou menos certo é que a tendência foi declinante na primeira metade do século Também é provável que a renda per capita por essa época haja sido mais baixa do que em qualquer período da colônia se se consideram em conjunto as várias regiões do país 100 Admitimos que a população em 1850 seria de 7 milhões inclusive 2 milhões de escravos os quais nâo se tem em conta no computo da renda per capita CAPÍTULO XX GESTAÇÃO DA ECONOMIA CAFEEIRA Dificilmente um observador que estudasse a economia brasileira pela metade do século xrx chegaria a perceber a amplitude das transformações que nela se operariam no correr do meio século que se iniciava Haviam decorrido três quartos de século em que a caracte rística dominante fora a estagnação ou a decadência Ao rápido cres cimento demográfico de base migratória dos três primeiros quartéis do século xvm sucedera um crescimento vegetativo relativamente lento no período subseqüente As fases de progresso como a que conheceu o Maranhão haviam sido de efeitos locais sem chegar a afetar o panorama geral A instalação de um rudimentar sistema administrativo a criação de um banco nacional e umas poucas outras iniciativas governamentais constituíam ao lado da preservação da unidade nacional o resultado líquido desse longo período de dificuldades As novas técnicas criadas pela Revolução Industrial escassamente haviam penetrado no país e quando o fizeram foi sob a forma de bens ou serviços de consumo sem afetar a estrutura do sistema produtivo Por último o problema nacional básico a expansão da força de trabalho do país encontravase em verdadeiro impasse estancarase a tradicional fonte africana sem que se vislumbrasse uma solução alternativa Ao observador de hoje afigurase perfeitamente claro que para superar a etapa de estagnação o Brasil necessitava reintegrarse nas linhas em expansão do comércio internacional Num país sem técni ca própria e no qual praticamente não se formavam capitais que pudessem ser desviados para novas atividades a única saída que oferecia o século xix para o desenvolvimento era o comércio internacional Desenvolvimento com base em mercado interno só se torna possível quando o organismo econômico alcança um determinado grau de complexidade que se caracteriza por uma relativa autonomia tecnológica Já assinalamos a importância que teve no desenvol vünento dos EUA na primeira metade do século passado o dinamisr mo do seu setor exportador Tampouco seria possível contar comum influxo de capitais forâneos em uma economia estagnada Os poucos empréstimos externos contraídos na primeira metade do século tiveram objetivos improdutivos e como conseqüência agravaram enormemente a precária situação fiscal Estagnadas as exportações e impossibilitado o governo de aumentar o imposto das importações o serviço da dívida externa teria de criar sérias dificuldades fiscais as quais por seu lado contribuíram para reduzir o crédito público A corrente de capitais do século xix era principalmente de inversões indiretas Para levantar recursos nos mercados de capitais era neces sário apresentar projetos com perspectivas muito atrativas ou oferecer garantias de juros subscritas por quem tivesse o necessário crédito As possibilidades de apresentar projetos atrativos em uma economia estagnada teriam de ser praticamente nulas por outro lado que crédito poderia ter o governo de um país de economia em decadência e cuja capacidade para arrecadar impostos estava cerceada Para contar com a cooperação do capital estrangeiro a economia deveria primeiro retomar o crescimento com seus próprios meios101 As possibilidades de que as exportações tradicionais do Brasil voltassem a recuperar o dinamismo necessário para que o país entrasse em nova etapa de desenvolvimento eram remotas na metade do século passado Já nos referimos à tendência declinante dos preços desses produtos O mercado do açúcar tornarase cada vez menos promissor O açúcar de beterraba cuja produção se desenvolvera no continente europeu na etapa das guerras napoleônicas enraizarase em interesses criados dentro de tradicionais 101 A idéia de que os capitais ingleses não vieram para o Brasil na primeira metade do século passado em razão do conflito com o governo britânico decorrente da persistência do tráfico de escravos africanos não parece ter grande fundamento As más relações com o governo inglês continuaram por vários anos depois da suspensão do tráfico sem que isto haja impedido a criação de uma corrente apreciável de capitai Quando em 1863 o governo inglês preva lecendose de motivos fúteis bloqueou o porto do Rio de Janeiro e aprisionou vários barcos brasileiros com o objetivo de intimidar e submeter o governo imperial houve um forte movi mento de protesto na Inglaterra dirigido por grupos financeiros com interesses no Brasil Num artigo do Daily News de 12 de fevereiro de 1863 se lê Who oi us can trade safely with Brazil or any other country who can buy Brazilian ot foreign bonds oi any kind who can with common prudence invest his money in the raitways shares oi small and delencehss states if mines like thisareto be sprung underhis feet bytvsown govmnmentfCitado por A K MANCHESTSR op cA p 283 mercados importadores O mercado inglês continuava a ser abastecido pelas colônias antilhanas Nos EÜA que constituíam o mercado importador em mais rápida expansão se desenvolvia amplamente a produção da Louisiania comprada dos franceses em 1803 Por último cabe referir que surgira no mercado do açúcar um novo supridor cujas possibilidades se definiam dia a dia como mais extraordinárias Desfrutando de fretes extremamente baixos para os EUA Cuba que havia aberto os seus portos a todas as nações amigas ainda como colônia espanhola constituírase em principal supridor do mercado norteamericano Suas exportações que apenas alcançavam 20 mil toneladas em fins do século anterior pela metade do século xix já superavam as 300 mil102 o triplo das vendas do Brasil na mesma época A situação do algodão segundo produto das exportações brasi leiras no começo do século ainda era pior do que a do açúcar A pro dução norteamericana integrada nos interesses do grande mercado importador inglês beneficiandose do rápido crescimento da procura interna103 desfrutando de fretes relativamente baixos organizada no regime escravista com mãodeobra relativamente abundante e dis pondo de grande oferta de terras de primeira qualidade que usava de forma destrutiva dominava totalmente o mercado A produção de algodão havia constituído um magnífico negócio para algumas regiões do Brasil particularmente o Maranhão numa época em que o produto se vendia a preços extremamente elevados Ao iniciarse a produção em grande escala nos EUA e ao transformarse o algodão na principal matériaprima do comércio mundial os preços se reduziram a menos da terça parte e se mantiveram em torno desse patamar com flutuações a partir do terceiro decênio do século passado Com esse nível de preços a rentabilidade do negócio algodoeiro era extremamente baixa no Brasil constituindo para as regiões que o produziam um complemento da economia de subsistência Será necessário 102 Para os dados sobre a exportação cubana vejase RAUIRO GUERRA Y SA SANCHEZ op cit apêndice n 103 O consumo de algodão nos EUA aumentou de uma media anual de 325 milhões de libraspeso em 180414 para 239 milhões em 184454 na Inglaterra o aumento oi de 89 milhões em 181119 para 640 milhões em 184554 Vejase W W Rosrow op cit apêndice i que á Guerra de Secessão exclua temporariamente o algodão norte americano dó mercado mundial para que a economia desse artigo co nheça no século xrx nova etapa de prosperidade no Brasil104 O fumo os couros o arroz e o cacau eram produtos menores cujos mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão No mercado dos couros pesava cada vez mais a produção do rio da Prata e no do arroz a norteamericana que passava por fundamentais trans formações nos métodos de cultivo O fumo perdera o mercado africa no com a eliminação do tráfico de escravos sendo necessário orientar o produto para outras regiões Finalmente o cacau cujo uso apenas começava a vulgarizarse constituía tãosomente uma esperança O problema brasileiro consistia em encontrar produtos de exportação em cuja produção entrasse como fator básico a terra Com efeito a terra era o único fator de produção abundante no país Capitais pratica mente não existiam e a mãodeobra era basicamente constituída por um estoque de pouco mais de dois milhões de escravos parte substan cial dos quais permaneciam imobilizados na indústria açucareira ou prestando serviços domésticos Pela metade do século entretanto já se definira a predominância de um produto relativamente novo cujas características de produção correspondiam exatamente às condições ecológicas do país O café se bem que fora introduzido no Brasil desde começo do século xvm e se cultivasse por todas as partes para fins de consumo local assume im portância comercial no fim desse século quando ocorre a alta de pre ços causada pela desorganização do grande produtor que era a colônia francesa do Haiti No primeiro decênio da independência o café já con tribuía com 18 por cento do valor das exportações do Brasil colocan dose em terceiro lugar depois do açúcar e do algodão E nos dois decênios seguintes já passa para primeiro lugar representando mais de 40 por cento do valor das exportações Conforme já observamos todo o aumento que se constata no valor das exportações brasileiras no cor rer da primeira metade do século passado devese estritamente à con tribuição do café 104 A dificuldade de competir com o algodão norteamericano não era somente o Brasil que a enfrentava É sabido que o governo inglês preocupado com a excessiva dependência da fonte norteamericana nomeou mais de uma comissão para estudar as possibilidades de desenvolver a produção algodoeira dentro do Império sendo medíocres os resultados Ao transTormarse o café em produto de exportação ó desen volvimento de sua produção se concentrou na região montanhosa próxima da capital do país Nas proximidades dessa região existia relativa abundância de mãodeobra em conseqüência da desagregação da economia mineira Por outro lado a proximidade do porto permitia solucionar o problema do transporte lançando mão do veículo que existia em abundância a mula Dessa forma a primeira fase da expansão cafeeira se realiza com base num aproveitamento de recursos preexistentes e subutilizados A elevação dos preços a partir do último decênio do século xvm determina a expansão da produção em várias partes da América e da Ásia Essa expansão foi sucedida por um período de preços declinantes que se estende pelos anos trinta e quarenta A baixa de preços entretanto não desencorajou os produtores brasileiros que encontravam no café uma oportunidade para utilizar recursos produtivos semiociosos desde a decadência da mineração Com efeito a quantidade exportada mais que quintuplicou entre 182130 e 184150 se bem que os preços médios se hajam reduzido em cerca de 40 por cento durante esse período O segundo e principalmente o terceiro quartel do século passado são basicamente a fase de gestação da economia cafeeira A empresa cafeeira permite a utilização intensiva da mãodeobra escrava e nisto se assemelha à açucareira Entretanto apresenta um grau de capitalização muito mais baixo do que esta última porquanto se baseia mais amplamente na utilização do fator terra Se bem que seu capital também esteja imobilizado o cafezal é uma cultura permanente suas necessidades monetárias de reposição são muito menores pois o equipamento é mais simples e quase sempre de fabricação local Organizada com base no trabalho escravo a empresa cafeeira se caracterizava por custos monetários ainda menores que os da empresa açucareira Por conseguinte somente uma forte alta nos preços da mão deobra poderia interromper o seu crescimento no caso de haver abundância de terras Como em sua primeira etapa a economia cafeeira dispôs do estoque de mãodeobra escrava subutilizada da região da antiga mineração explicase que seu desenvolvimento haja sido tão intenso não obstante a tendência pouco favorável dos preços No terceiro quartel do século os preços do café se recuperanvjamplamente enquanto os do açúcar permanecem deprimidos criandose uma forte pressão no sentido da transferência de mãodeobra do norte para o sul do país A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de forma ção de uma nova classe empresária que desempenhará papel fundamen tal no desenvolvimento subseqüente do país Essa classe se formou inicialmente com homens da região A cidade do Rio representava o principal mercado de consumo do país e os hábitos de consumo de seus habitantes se haviam transformado substancialmente a partir da che gada da corte portuguesa O abastecimento desse mercado passou a constituir a principal atividade econômica dos núcleos de população rural que se haviam localizado no sul da província de Minas como re flexo da expansão da mineração O comércio de gêneros e de animais para o transporte desses constituía nessa parte do país a base de uma atividade econômica de certa importância e deu origem à formação de um grupo de empresários comerciais locais Muitos desses homens que haviam acumulado alguns capitais no comércio e transporte de gêneros e de café passaram a interessarse pela produção deste vindo a consti tuir a vanguarda da expansão cafeeira Se se compara o processo de formação das classes dirigentes nas economias açucareira e cafeeira percebemse facilmente algumas dife renças fundamentais Na época de formação da classe dirigente açuca reira as atividades comerciais eram monopólio de grupos situados em Portugal ou na Holanda As fases produtiva e comercial estavam rigo rosamente isoladas carecendo os homens que dirigiam a produção de qualquer perspectiva de conjunto da economia açucareira As decisões fundamentais eram todas tomadas partindo da fase comercial Assim isolados os homens que dirigiam a produção não puderam desenvolver uma consciência clara de seus próprios interesses Com o tempo fo ram perdendo sua verdadeira função econômica e as tarefas diretivas passaram a constituir simples rotina executada por feitores e outros empregados Compreendese portanto que os antigos empresários ha jam involuído numa classe de rentistas ociosos fechados num pequeno ambiente rural cuja expressão final será o patriarca bonachão que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século xx A separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais perma necendo a etapa produtiva isolada e dirigida por homens de espírito puramente ruralista Explicase assim a facilidade convque os interesses ingleses vieram adominar tão completamente as atividades comerciais do Nordeste açucareiro Debilitados os grupos portugueses criouse um vazio que foi fácil preencher A economia cafeeira formouse em condições distintas Desde o começo sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial Em toda a etapa da gestação os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados A nova classe dirigente formouse numa luta que se estende em uma frente ampla aquisição de terras recrutamento de mãodeobra organização e direção dá produção transporte interno comercialização nos portos contatos oficiais inter ferência na política financeira e econômica A proximidade da capital do país constituía evidentemente uma grande vantagem para os diri gentes da economia cafeeira Desde cedo eles compreenderam a enor me importância que podia ter o governo como instrumento de ação econômica Essa tendência à subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançará sua plenitude com a con quista da autonomia estadual ao proclamarse a República O governo central estava submetido a interesses demasiadamente heterogêneos para responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados dos interesses locais A descentralização do poder permitirá uma inte gração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa cafeeira com a maquinaria políticoadministrativa Mas não é o fato de que ha jam controlado o governo o que singulariza os homens do café E sim que hajam utilizado esse controle para alcançar objetivos perfeitamente definidos de uma política E por essa consciência clara de seus próprios interesses que eles se diferenciam de outros grupos dominantes ante riores ou contemporâneos Ao concluirse o terceiro quartel do século xix os termos do pro blema econômico brasileiro se haviam modificado basicamente Surgi ra o produto que permitiria ao país reintegrarse nas correntes em expansão do comércio mundial concluída sua etapa de gestação a economia cafeeira encontravase em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão subseqüente estavam formados os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão cafeeira Restava por resolver entretanto o problema da mãodeobra CAPÍTULO XXI O PROBLEMA DA MÃODEOBRA I Oferta interna potencial Pela metade do século xix a força de trabalho da economia brasileira estava basicamente constituída por uma massa de escravos que talvez não alcançasse 2 milhões de indivíduos Qualquer empreendimento que se pretendesse realizar teria de chocarse com a inelasticidade da oferta de trabalho O primeiro censo demográfico realizado em 1872 indica que nesse ano existiam no Brasil aproximadamente 15 milhão de escravos Tendo em conta que o nú mero de escravos no começo do século era de algo mais de 1 milhão e que nos primeiros cinqüenta anos do século xix se importou muito provavelmente mais de meio milhão deduzse que a taxa de mortalidade era superior à de natalidade105 É interessante observar a evolução diversa que teve o estoque de escravos nos dois principais países escravistas do continente os EUA e o Brasil Ambos os países começaram o século xix com um estoque de aproximadamente 1 milhão de escravos As importações brasileiras no correr do século foram cerca de três vezes maiores do que as norteamericanas 105 Não se conhecem dados completos sobre a entrada de escravos no Brasil nem mesmo para a época da independência política Particularmente irregulares são os dados relativos as en tradas pelos portos do norte Entre 1827 e 1830 houve uma grande intensificação do tráfico pois neste último ano aquele deveria cessar em razão do acordo com a Inglaterra As entra das pelo porto do Rio excederam 47 mil em 1828 e 57 mil em 1829 descendo para 32 mu em 1830 Essas importações foram evidentemente anormais pois provocaram forte desequilíbrio no mercado reduzindose os preços à metade entre 1829 e 1831 Outra etapa de grandes im portações foi a que antecedeu a cessação total do tráfico ocorrida entre 1851 e 1852 Com efeito no qüinqüênio 184549 a importação média alcançou 48 mu indivíduos Dificilmente se pode admitir que a importação total na primeira metade do século passado haja sido inferior a 750 mil média anual de 15 mil sendo porém pouco provável que haja excedido de muito 1 milhão Nos EUA entre 1800 e 1860 se importaram cerca de 320 mil escravos sendo que desses uns 270 mil foram contrabandeados depois da abolição do tráfico em 1808 O máxi mo das importações decenais 75 mil foi alcançado no período imediatamente anterior á guerra civil Dados relativos aos EUA citados por L C GRAY History of Agricultura n the Southern United States to 1860 Washington 1933 tomo p 650 Sem embargo ao iniciarse a Guerra cie Secessão os EUA tinham uma forca de trabalho escrava de cerca 4 milhões e o Brasil na mesma época algo como 15 milhão A explicação desse fenômeno está na elevada taxa de crescimento vegetativo da população escrava norteamericana grande parte da qual vivia em propriedades relativamente pequenas nos estados do chamado Old South As condições de alimentação e de trabalho nesses estados deveriam ser relativamente favoráveis tanto mais que com a elevação permanente dos preços dos escravos seus proprietários passaram a derivar uma renda do incremento natural dos mesmos106 A oferta de escravos nos novos estados do sul em que tinha lugar a grande expansão algodoeira passou a depender basicamente do crescimento da população escrava dos antigos estados escravistas Com efeito entre 1820 e 1860 as transferências de escravos dos chamados estados vendedores para os compradores teriam alcançado 742 mil107 Os escravos nascidos no país apresentavam evidentemente inúmeras vantagens pois estavam culturalmente integrados nas comunidades de trabalho que eram as plantações haviam sido melhor alimentados já tinham o conhecimento da língua etc O fato de que a população escrava brasileira haja tido uma taxa de mortalidade bem superior à de natalidade indica que as condições de vida da mesma deveriam ser extremamente precárias O regime alimentar da massa escrava ocupada nas plantações açucareiras era 106 Os historiadores do sul dos EUA negam sempre que se haja desenvolvido nos chamados estados vendedores uma indústria de procriaçâo de escravos Evidentemente é esse um assunto delicado no qual nem sempre seria fácil definir o sentido real das boas intenções Com efeito o criador eficiente de escravos seria sempre aquele que conseguisse tornarlhes a vida mais feliz Nas palavras de um conspfcuo historiador norteamericano On many well managed plantations there were positive though entirely ethical measures for encouraging the rale of increase The partial exemplion Irom labor during pregnancy additions oi extra food clothing and other comforts after childbirth there were powerlul stimuli in the direction that coincided with the masters selfinterest On some plantations a woman with six or more healthy children was exempted ali labor On other plantations ten children exempted the molhei from field work L C GBAY op cf tomo p 663 A planter here and there may have exerted a control of matíng in the interest of industrial and commercial eugenics but it is extremely doubtful that any appreciable number ofmasters attempted any direct hastening of slave increaseV B Pmujre American Negro Slavery Nova YorK 1918 p 362 De todas as formas em nenhum estado se concedeu estabilidade legal a família de escravos os filhos podiam ser separados dos pais e a mulher do marido para serem vendidos cada um em direção diversa 107 L C GBAY op cf p 650 particularmente deficiente Ao crescer a procura de escravo no sul para as plantações de café intensificase o tráfico interno em prejuízo das regiões que já estavam operando com rentabilidade reduzida As deca dentes regiões algodoeiras particularmente o Maranhão sofreram forte drenagem de braços para o sul A região açucareira mais bem capitalizada defendeuse melhor Demais é provável que a redução do abastecimento de africanos e a elevação do preço destes hajam pro vocado uma intensificação na utilização da mãodeobra e portanto um desgaste ainda maior da população escrava Eliminada a única fonte importante de imigração que era a afri cana a questão da mãodeobra se agrava e passa a exigir urgente solução Para compreender a natureza desse problema é necessário ter em conta as características da economia brasileira nessa época e a forma como a mesma se expandia O crescimento das economias eu ropéias que se industrializaram no século xix consistiu fundamen talmente numa revolução tecnológica A medida que iam penetrando as novas técnicas sucessivos segmentos do sistema econômico preexistente se desagregavam Sendo essa desagregação muito rápida na primeira etapa a oferta de mãodeobra crescia suficientemente para alimentar o setor mecanizado em expansão e ainda exercer forte pressão sobre os salários Por outro lado a desagregação do sistema précapítalista intensificava o processo de urbanização o que por sua vez facilitava a assistência médica e social e destarte acarretava uma intensificação no crescimento vegetativo da população Com efeito registrouse na Inglaterra um substancial aumento na taxa de cresci mento da população no correr do último quartel do século xvm e pri meiro do xix se bem que segundo as opiniões mais autorizadas dificilmente se possa negar que durante esse período pioraram as condições de vida da classe trabalhadora108 No caso brasileiro o crescimento era puramente em extensão Con sistia em ampliar a utilização do fator disponível a terra mediante a incorporação de mais mãodeobra A chave de todo o problema econô mico estava portanto na oferta de mãodeobra Caberia entretanto in dagar não existia uma oferta potencial de mãodeobra no amplo setor 108 Para uma reconsideração recente deste último problema vejase E J HOSSBWN The Brilish Standard of Uving 17901850 em The Economc History Review agosto 1957 de subsistência em permanente expansão É esse um problema qiie convém esclarecer se se pretende compreender a natureza do desenvolvi mento da economia brasileira nessa etapa e nas subseqüentes O setor de subsistência que se estendia do norte ao extremo sul do país caracterizavase por uma grande dispersão Baseandose na pecuária e numa agricultura de técnica rudimentar era mínima sua densidade econômica Embora a terra fosse o fator mais abundante sua propriedade estava altamente concentrada O sistema de sesmarias concorrera para que a propriedade da terra antes monopólio real passasse às mãos do número limitado de indivíduos que tinham acesso aos favores reais Contudo não era este o aspecto fundamental do problema pois sendo a terra abundante não se pagava propriamente renda pela mesma Na economia de subsistência cada indivíduo ou unidade familiar deveria encarregarse de produzir alimentos para si mesmo A roça era e é a base da economia de subsistência Entretanto não se limita a viver de sua roça o homem da economia de subsistência Ele está ligado a um grupo econômico maior quase sempre pecuário cujo chefe é o proprietário da terra onde tem a sua roça Dentro desse grupo desempenha funções de vários tipos de natureza econômica ou não e recebe uma pequena remuneração que lhe permite cobrir gastos monetários mínimos No âmbito da roça o sistema é exclusivamente de subsistência no âmbito da unidade maior é misto variando a importância da faixa monetária de região para região e de ano para ano numa região Havendo abundância de terras o sistema de subsistência tende naturalmente a crescer e esse crescimento implica as mais das vezes redução na importância relativa da faixa monetária O capital de que dispõe o roceiro é mínimo e o método que utiliza para ocupar novas terras o mais primitivo Reunidos em grupo abatem as árvores maiores e em seguida usam o fogo como único instrumento para limpar o ter reno Aí entre troncos abatidos e tocos não destruídos pelo fogo plan tam a roça Para os fins estritos de alimentação de uma família essa técnica agrícola é suficiente Temse repetido comumente no Brasil que a causa dessa agricultura rudimentar está no caboclo quando o ca boclo é simplesmente uma criação da economia de subsistência Mesmo que dispusesse de técnicas agrícolas muito mais avançadas o homem da economia de subsistência teria que abandonálas pois o produto de seu trabalho não teria valor econômico A involuçãodas técnicas de produção e da forma de organização do trabalho com o tempo transformariam esse homem em caboclo10 Se bem que a unidade econômica mais importante da economia de subsistência fosse realmente a roça do ponto de vista social a uni dade mais significativa era a que tinha como chefe o proprietário das terras A este interessava basicamente que o maior número de pessoas vivessem em suas terras cabendo a cada um tratar de sua própria subsistência Dessa forma o senhor das terras no momento oportuno poderia dispor da mãodeobra de que necessitasse Demais dadas as condições que prevaleciam nessas regiões o prestígio de cada um de pendia da quantidade de homens que pudesse utilizar a qualquer mo mento e para qualquer fim Em conseqüência o roceiro da economia de subsistência se bem não estivesse ligado pela propriedade da terra estava atado por vínculos sociais a um grupo dentro do qual se culti vava a mística de fidelidade ao chefe como técnica de preservação do grupo social Se se excetuam algumas regiões de maior concentração demo gráfica e características algo diversas como o sul de Minas a econo mia de subsistência de maneira geral estava de tal forma dispersa que o recrutamento de mãodeobra dentro da mesma seria tarefa bastante difícil e exigiria grande mobilização de recursos Na realidade um tal recrutamento só seria praticável se contasse com a decidida cooperação da classe de grandes proprietários da terra A experiência demonstrou entretanto que essa cooperação dificilmente podia ser conseguida pois era todo um estilo de vida de organização social e de estruturação do poder político o que entrava em jogo Mas não somente no sistema de subsistência existia mãodeobra trabalhando com baixíssima produtividade e que podia ser considerada como reserva potencial de força de trabalho Também nas zonas urbanas se havia acumulado uma massa de população que dificilmente encontrava ocupação permanente As dificuldades 109 Um agudo observador de alguns aspectos da economia brasileira no começo do século xx PCRSE DENIS fez o seguinte comentário sobre uma colônia de europeus das que o governo brasileiro instalou com altos gastos e subsídios ils ont adoptê en fait fagrículture les habitudes du cabocla cestédire travaiOeur brésilien indigène lis se sonf laissés cornxnpre medule directeurde Ia cotonte Le BrésilauXXnsiècle Paris 1928 7edição p 223 principais neste caso eram1 de adaptação à disciplina do trabalho agrícohhe às condições da vida nas grandes fazendas As dificuldades de adaptação dessa gente e em grau menor daqueles que vinham da agricultura rudimentar do sistema de subsistência contribuíram para formar a opinião de que a mãodeobra livre do país não servia para a grande lavoura Em conseqüência mesmo na época em que mais incerta parecia a solução do problema de mãodeobra não evoluiu no país a idéia de um amplo recrutamento interno financiado pelo governo110 Pensouse em importar mãodeobra asiática em regime de semiservidão seguindo o exemplo das índias Ocidentais inglesas e holandesas Tão grave era com efeito o problema da oferta da mão deobra no Brasil no terceiro quartel do século xix que a um homem da visão e da experiência de Mauá não ocorria melhor solução que essa da semiservidão dos asiáticos111 110 Prevalecia no pais uma atitude extremamente hostil a toda transferência interna de mãodeobra o que não é difícil de explicar tendo em vista o poder político dos grupos cujos interesses resultariam prejudicados Assim quando no governo Campos Sales 18981902 se aprovou um plano com financiamento governamental de translado de população do Ceará para o sul organizouse uma campanha em grande escala para obstruir a execução do mesmo 111 VISCONDE OE MAUA Autobiografia 2 ed Rio 1943 p 218 e 226 CAPÍTULO XXII O PROBLEMA DA MÃODEOBRA II A imigração européia Como solução alternativa do problema da mãodeobra sugeriase fomentar uma corrente de imigração européia O espetáculo do enorme fluxo de população que espontaneamente se dirigia da Europa para os EUA parecia indicar a direção que cabia tomar E com efeito já antes da independência começara por iniciativa governamental a instalação de colônias de imigrantes europeus Entretanto essas colônias que nas palavras de Mauá pesavam com a mão de ferro sobre as finanças do país112 vegetavam raquíticas sem contribuir em coisa alguma para alterar os termos do problema da inadequada oferta de mãodeobra E a questão fundamental era aumentar a oferta de força de trabalho disponível para a grande lavoura denominação brasileira da época correspondente à plantation dos ingleses Ora não existia nenhum precedente no continente de imigração de origem européia de mãodeobra livre para trabalhar em grandes plantações As dificuldades que encontraram os ingleses para solucionar o problema da falta de braços em suas plantações da região do Caribe são bem conhecidas É sabido por exemplo que grande parte dos africanos apreendidos nos navios que traficavam para o Brasil eram reexportados para as Antilhas como trabalhadores livres3 Nos EUA conforme vimos a solução básica adveio de uma forte intensificação no crescimento da população escrava o que em boa 112 Vscooe oe MAUA op cit p 218 113 After emancipation there was a serious shortage oi labour wMch was partially met by varíous expedients One oi these was the importation oi negrões Ireed Irom slave ships 14113 such Ireed slaves were for example imported Irom Sierra Leone between 1840 and 7850 Trinidad and British Guiana at a later date imported Indian indentured labour on a larga scale Sir ALAN PW Colonial Agricultura Productíon Oxford 1946 p 90 parte se deveu a que muitos desses escravosnão trabalhavam em grandes plantações A emigração européia para os EUA nada tinha que ver com a oferta de mãodeobra para as grandes plantações Se bem que estivessem interligados os dois movimentos a expansão das plantações e a corrente migratória européia os mesmos constituem sem embargo fenômenos autônomos A expansão das plantações norte americanas se realizaria mesmo sem a corrente migratória européia se bem que esta ampliando a procura interna de algodão e barateando a oferta de alimentos deu impulso àquela expansão A corrente migratória seria entretanto difícil de explicar pelo menos na escala em que ocorreu no que se refere à primeira metade do século sem a expansão das plantações A circunstância de que o algodão era um produto volumoso114 ocupando grande espaço nos navios enquanto as manufaturas que importavam os norteamericanos apresentavam uma grande densidade econômica favoreceu a baixa nos fretes de retorno da Europa para os EUA E foi essa baixa dos preços das passagens em navios cargueiros e semicargueiros que permitiu se avolumasse de tal forma a emigração espontânea da Europa para os EUA Contudo os baixos preços das passagens não seriam condição suficiente para que se criasse a grande corrente migratória O fundamental era que os colonos contavam com um mercado em expansão para vender os seus produtos expansão que era em grande parte um reflexo do desenvolvimento das plantações do sul à base de trabalho escravo As colônias criadas em distintas partes do Brasil pelo governo im perial careciam totalmente de fundamento econômico tinham como ra zão de ser a crença na superioridade inata do trabalhador europeu particularmente daqueles cuja raça era distinta da dos europeus que haviam colonizado o país Era essa uma colonização amplamente subsi diada Pagavamse transporte e gastos de instalação e promoviamse obras públicas artificiais para dar trabalho aos colonos obras que se prolongavam algumas vezes de forma absurda E quase sempre quan do após os vultosos gastos se deixava a colônia entregue a suas próprias forças ela tendia a definhar involuindo em simples economia de 114 Demais do algodão as madeiras produto ainda mais volumoso tinham uma grande importância na exportação norteamericana para a Inglaterra subsistência Caso ilustrativo é o da colonização alemã do Rio Grande do SuL Ò governo imperial instalou aí a primeira colônia em 1824 em São Leopoldo e depois da guerra civil o governo daprovíncia realizou fortes inversões para retomar e intensificar a imigração dessa origem Contudo a vida econômica das colônias era extremamente precária pois não havendo mercado para os excedentes de produção o setor monetário logo se atrofiava o sistema de divisão do trabalho involuía e a colônia regredia a um sistema econômico rudimentar de subsistência Viajantes europeus que passavam por essas regiões se surpreendiam com a forma primitiva de vida dos colonos e atribuíam os seus males às leis inadequadas do país ou a outras razões dessa ordem A conseqüên cia prática de tudo isso foi entretanto que se formou na Europa um movimento de opinião contra a emigração para o império escravista da América e já em 1859 se proibia a emigração alemã para o Brasil Para que as colônias chegassem a constituir um êxito como polí tica imigratória e atraíssem pelo exemplo correntes espontâneas de povoamento teria sido necessário que as mesmas se dedicassem de imediato a atividades produtivas rentáveis Esse objetivo só poderia ser alcançado em dois casos integrando a colônia nas linhas de pro dução de um artigo de exportação ou orientandoa de imediato para a produção de artigos que dispusessem de mercado no país A produção para exportação estava organizada no sistema de grandes plantações exigindo uma imobilização de capital que não era acessível aos colonos em sua etapa de instalação Em todo caso se se decidissem a plantar café os colonos teriam que concorrer com empresas que exploravam a mãodeobra escrava Demais é perfeitamente ex plicável que a classe dirigente da economia cafeeira cuja influência no governo já era decisiva não demonstrasse nenhum interesse em subsidiar uma imigração que nada contribuiria para solucionar o problema da mãodeobra em suas plantações e que com ela viesse concorrer no mercado do café Por outro lado a possibilidade de produzir para o mercado interno dependia da expansão deste e pressupunha o desenvolvimento da economia de exportação Como a chave do problema das exportações era a oferta de mãodeobra retornavase ao ponto de partida Reconhecendo que a política de colonização do governo imperial em nada contribuía para solucionar o problema da mãodeobra da grande lavoura a classe dirigente da economia cafeeira passou a preo cuparse diretamente com ò problema Em 1852 unrgrande plantador de café o senador Vergueiro se decidiu a contratar diretamente trabalhadores na Europa Conseguindo do governo o financiamento do transporte transferiu oitenta famílias de camponeses alemães para a sua fazenda em Limeira A iniciativa despertou interesse e mais de 2 mil pessoas foram transferidas principalmente de Estados alemães e da Suíça até 1857 A idéia do senador Vergueiro era uma simples adaptação do sistema pelo qual se organizara a emigração inglesa para os EUA na época colonial o imigrante vendia o seu trabalho futuro Nas colônias inglesas o financiamento corria por conta do empresário No caso brasileiro o governo cobria a parte principal desse financiamento que era o preço da passagem da família É fácil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente numa forma de servidão temporária a qual nem sequer tinha um limite de tempo fixado como ocorria nas colônias inglesas Com efeito o custo real da imigração corria totalmente por conta do imigrante que era a parte financeiramente mais fraca O Estado financiava a operação o colono hipotecava o seu futuro e o de sua família e o fazendeiro ficava com todas as vantagens O colono devia firmar um contrato pelo qual se obrigava a não abandonar a fazenda antes de pagar a dívida em sua totalidade É fácil perceber até onde poderiam chegar os abusos de um sistema desse tipo nas condições de isolamento em que viviam os colonos sendo o fazendeiro praticamente a única fonte do poder político A reação na Europa onde tudo que dizia respeito a um país escravista suscitava imediata preocupação não tardou Em 1867 um observador alemão apresentou à Sociedade Internacional de Emigração de Berlim uma exposição em que pretendia demonstrar que os colonos emigrados para as fazendas de café do Brasil eram submetidos a um sistema de escravidão disfarçada115 Evidentemente o caminho tomado estava errado e era indispensável reconsiderar o problema em todos os seus termos A partir dos anos sessenta a questão da oferta da mãodeobra tor nouse particularmente séria A melhora nos preços do café fazia mais 115 Para uma exposição critica do relatório Haupt vejase Pw DEWS op cH p 1225 e mais atrativa a expansão da cultura por outro lado a grande alta dos preços do algodão provocada pela Guerra de Secessão nos EUA dera início a uma forte expansão da cultura da fibra nos estados do norte restringindose em conseqüência o tráfico de escravos para o sul A pressão dos acontecimentos exigia evidentemente medidas amplas A evolução se inicia pelo sistema de pagamento ao colono116 O regime inicialmente adotado era o de parceria no qual a renda do colono era sempre incerta cabendolhe a metade do risco que corria o grande senhor de terras A perda de uma colheita podia acarretar a miséria para o colono dada sua precária situação financeira A partir dos anos ses senta introduziuse um sistema misto pelo qual o colono tinha garanti da parte principal de sua renda Sua tarefa básica consistia em cuidar de um certo número de pés de café e por essa tarefa recebia um salá rio monetário anual Esse salário era completado por outro variável pago no momento da colheita em função do volume desta O segundo problema a exigir solução era o do pagamento da viagem Obrigandose o colono a indenizar os gastos de viagem seus e de sua família era inevitável que se suscitasse nele o temor de que sua liberdade futura estava comprometida Sendo os fazendeiros de café os mais diretamente interessados na imigração era natural que corressem por conta deles os gastos de transporte Todavia se a so lução fosse adotada nesse sentido somente os fazendeiros mais ricos poderiam promover a imigração Mas como não era possível obrigar o colono a permanecer em uma fazenda resultaria que uns pagariam o transporte do imigrante que serviria a outros A solução veio em 1870 quando o governo imperial passou a encarregarse dos gastos do transporte dos imigrantes que deveriam servir à lavoura cafeeira Demais ao fazendeiro cabia cobrir os gastos do imigrante durante o seu primeiro ano de atividade isto é na etapa de maturação de seu trabalho Também devia colocar à sua disposição terras em que pudesse cultivar os gêneros de primeira necessidade para manutenção da família Dessa forma o imigrante tinha seus 116 Por assimilação com os imigrantes que por iniciativa do governo imperial haviam chegado para formar colônias de povoamento passouse a chamar colono a todo imigrante que vinha para os trabalhos agrícolas se bem que na quase totalidade dos casos fossem meros trabalhadores assalariados gastos de transporte e instalaçãojpagos e sabia a que se ater com res peito à sua renda futura Esse conjunto de medidas tornou possível promover pela primeira vez na América uma volumosa corrente imigratória de origem européia destinada a trabalhar em grandes plantações agrícolas Ainda assim é provável que essa imigração não houvesse alcan çado níveis tão elevados não fora o concurso de um conjunto de condições favoráveis do lado da oferta Durante a mesma época em que evoluía favoravelmente o problema no Brasil processavase a unificação política da Itália de profundas conseqüências econômicas para a península A região do sul o chamado reino das duas Sicílias de menor grau de desenvolvimento e mais baixa produtividade agrícola encontrouse em difícil situação para enfrentar a concorrência das regiões mais desenvolvidas do norte Em conseqüência as indústrias manufatureiras do sul a indústria têxtil havia alcançado um grau de desenvolvimento relativamente alto se desorganizaram criandose uma situação de depressão permanente para as províncias meridionais A pressão sobre a terra do excedente de população agrícola fez crescer a intranqüilidade social A solução migratória surgiu assim como verdadeira válvula de alívio Estavam portanto lançadas as bases para a formação da grande corrente imigratória que tornaria possível a expansão da produção cafeeira no Estado de São Paulo O número de imigrantes europeus que entram nesse estado sobe de 13 mil nos anos 70 para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século O total para o último quartel do século XIX foi 803 mil sendo 577 mil provenientes da Itália7 117 Para os dados sobre o número de imigrantes e sua procedência vejase Anuério Estatístico do Brasa 1937 39 apêndice CAPÍTULO XXIII O PROBLEMA DA MÃODEOBRA III Transumância amazônica Além da grande corrente migratória de origem européia para a região cafeeira o Brasil conheceu no último quartel do século xix e primeiro decênio do xx um outro grande movimento de população da região nordestina para a amazônica A economia amazônica entrara em decadência desde fins do sé culo xvin Desorganizado o engenhoso sistema de exploração da mão deobra indígena estruturado pelos jesuítas a imensa região reverteu a um estado de letargia econômica Em pequena zona do Pará se desenvolveu uma agricultura de exportação que seguiu de perto a evolução da maranhense com a qual estivera integrada comercial mente através dos negócios da companhia de comércio criada na época de Pombal O algodão e o arroz aí também tiveram sua etapa de prosperidade durante as guerras napoleônicas sem contudo jamais alcançar cifras de significação para o conjunto do país A base da economia da bacia amazônica eram sempre as mesmas especiarias extraídas da floresta que haviam tornado possível a penetração jesuítica na extensa região Desses produtos extrativos o cacau conti nuava a ser o mais importante A forma como era produzido entre tanto não permitia que o produto alcançasse maior significação econômica A exportação anual média nos anos quarenta do século xix foi de 2900 toneladas no decênio seguinte alcança 3500 e nos anos sessenta baixa para 3300 O aproveitamento dos demais produtos da floresta deparavase sempre com o mesmo obstáculo a quase inexistência de população e a dificuldade de organizar a produção com base no escasso elemento indígena local Era o caso por exemplo da produção de borracha cuja exportação se registra desde os anos vinte alcançando 460 toneladas anuais como média nos anos quarenta 1900 no decênio seguinte e 3700 nos anos sessenta É por essa época que começa a registrarse o aumento nos preços doproduto De 45 libras por tonelada nos anos quarenta o preço médio de exportação sobe para 118 libras no decênio seguinte 125 nos anos sessenta e 182 nos setenta8 A borracha estava destinada nos fins do século xa è começo do xx a transformarse na matériaprima de procura em mais rápida expansão no mercado mundial Assim como a indústria têxtil caracterizara a Revolução Industrial de fins do século xvra e a construção das estradas de ferro os decênios da metade do século seguinte a indústria de veículos terrestres a motor de combustão interna será o principal fator dinâmico das economias industrializadas durante um largo período que compreende o último decênio do século passado e os três primeiros do século xx Sendo a borracha um produto extrativo e estando o estoque de árvores então existente concentrado na bacia amazônica o problema de como aumentar sua produção para atender a uma procura mundial crescente se afigurava extremamente difícil Impunhase evidentemente uma solução a longo prazo porquanto era óbvio que a possibilidade de aumentar a produção de borracha extrativa na Amazônia não era muito grande Uma vez demonstrado que uma ou mais das plantas que produzem a matériaprima da borracha podiam adaptarse a outras regiões de clima similar a produção de borracha teria de desenvolverse de preferência ali onde existisse um adequado suprimento de mãodeobra e recursos para financiar o seu longo período de gestação Todavia a rapidez com que crescia a procura de borracha nos países industrializados em fins do século xix exigia uma solução a curto prazo A evolução da economia mundial da borracha desdobrou se assim em duas etapas durante a primeira encontrouse uma solução de emergência para o problema da oferta do produto extrativo a segunda se caracteriza pela produção organizada em bases racionais permitindo que a oferta adquira a elasticidade requerida pela rápida expansão da procura mundial1 A primeira fase da economia da borracha se desenvolve totalmente na região 118 Armário Estatístico ei apêndice 119 Nos anos quarenta do século o teria inicio a terceira etapa da economia da borracha com a substituição progressiva do produto natural pelo sintético amazônica e está marcada pelas grandes dificuldades que apresenta o meio Os preços continuam sua marcha ascensional alcançando no triênio 190911 a média de 512 libras por tonelada ou seja mais que decuplicando o nível que prevalecera na metade do século anterior Essa enorme elevação de preços indicava claramente que a oferta de borracha era inadequada e que uma solução alternativa teria de surgir Com efeito ao introduzirse a borracha oriental de modo regular no mercado depois da Primeira Guerra Mundial os preços do produto se reduziram de forma permanente a um nível algo inferior a cem libras por tonelada Ainda mais do que no caso do café a expansão da produção de borracha na Amazônia era uma questão de suprimento de mãode obra Se bem que as possibilidades de incremento não fossem muito grandes as exportações de borracha extrativa brasileira subiram da média de 6 mil toneladas nos anos setenta para 11 mil nos oitenta 21 mil nos noventa e 35 mil no primeiro decênio deste século Esse aumento da produção deveuse exclusivamente ao influxo de mãode obra pois os métodos de produção em nada se modificaram Os dados disponíveis com respeito ao fluxo migratório para a região amazônica durante essa etapa são precários e se referem quase exclusivamente aos embarques em alguns portos nordestinos Sem embargo se se comparar a população nos estados do Pará e Amazonas segundo os censos de 1872 e 1900 observase que a mesma cresce de 329 mil para 695 mil habitantes Admitindose um crescimento anual vegetativo de 1 por cento as condições de salubridade são reconheci damente precárias na região depreendese que o influxo externo teria sido da ordem de 260 mil pessoas não contados aqueles que já haviam penetrado na região que viria a ser depois o Território e Estado do Acre Desse total de imigrantes cerca de 200 mil correspondem ao último decênio do século conforme se deduz da comparação dos cen sos de 1890 e 1900 Se se admite um idêntico influxo para o primeiro decênio do século xx resulta que a população destacada para a região amazônica não seria inferior a meio milhão de pessoas Essa enorme transumância indica claramente que em fins do século passado já existia no Brasil um reservatório substancial de mãodeobra e leva a crer que se nâo tivesse sido possível solucionar o problema da lavoura cafeeira com imigrantes europeus uma solução alternativa teria surgido dentro do próprio país Aparentemente a imigração européia para a região cafeeira deixou disponívele excedente de população nordestina para a expansão da produção da borracha A população do Nordeste conforme já indicamos estava ocupada desde o primeiro século da colonização em dois sistemas econômicos o açucareiro e o pecuário A decadência da economia açucareira a partir da segunda metade do século xvn determinou a transformação progres siva do sistema pecuário em economia de subsistência Nesse tipo de economia a população tende a crescer em função da disponibilidade de alimentos a qual depende diretamente da disponibilidade de terras Se se compara a evolução dos núcleos de economia de subsistência nas dis tintas partes do país esse problema da disponibilidade de terras aparece com toda sua significação As colônias européias localizadas no Rio Grande do Sul Paraná e Santa Catarina encontraramse em situação particularmente favorável desse ponto de vista A qualidade e a abun dância de suas terras proporcionaramlhe um suprimento mais que ade quado de alimentos mesmo em um nível baixo de técnica agrícola Assim não obstante o rudimentar de sua economia monetária essas co lônias apresentavam uma taxa altíssima de crescimento demográfico vegetativo taxa essa que constituiu motivo de admiração para os euro peus que as visitavam em fins do século xix e começo do xx Essa massa de população das regiões de colônias e o excedente virtual de produção de alimentos que nestas havia constituirão fatores básicos do rápido de senvolvimento da região sul do país em etapas subseqüentes quando a expansão do mercado interno ao impulso do desenvolvimento cafeeiro criar os estímulos que anteriormente não existiam Na região central onde floresce a economia mineira a população tende a deslocarse a grandes distâncias em razão da maior escassez de boas terras Formase assim uma corrente migratória em direção ao Es tado de São Paulo bem antes da penetração da lavoura cafeeira120 Outra corrente cresceu na direção de Mato Grosso ocupando primeiro as ter ras bem irrigadas do chamado Triângulo Mineiro A vanguarda desses 120 Sobre a transumãncia da população da antiga região mineira anterior à grande expansão do calo vejase Pitw MONBÍIO Pionniers et Planteurs de São Paulo Paris 1952 p 11620 Nesse interessante Kvro encontrase demais uma admirável descrição do meio físico de eco nomia cafeeira movimentos de população com exceção das regiõesde colônias onde a propriedade dà terra constituía preocupação principal do homem que a trabalhava estava sempre formada por indivíduos de iniciativa è com algum capital que logo se apropriavam de grandes extensões de terras cujo usufruto entretanto era compartilhado por muitos outros em um sistema de economia de subsistência Na região nordestina uma expansão vegetativa desse estilo se rea lizava desde o século xvn Em algumas subregiões na segunda meta de do século xix os sintomas de pressão demográfica sobre a terra tornaramse mais ou menos evidentes O desenvolvimento da cultura algodoeira nos primeiros decênios do século havia permitido uma diversificação da atividade econômica o que contribuíra para intensi ficar o crescimento da população Nos anos sessenta quando ocorre a grande elevação de preços provocada pela guerra civil nos EUA a pro dução de algodão se intensifica e certas regiões como o Ceará conhe cem pela primeira vez uma etapa de prosperidade Essas ondas de prosperidade iam contribuindo entretanto para criar um desequilíbrio estrutural na economia de subsistência à qual sempre revertia a popu lação nas etapas subseqüentes Esse problema estrutural assumira extrema gravidade por ocasião da prolongada seca de 187780 durante a qual desapareceu quase todo o rebanho da região e pereceram de cem a 200 mil pessoas O movimento de ajuda às populações vitimadas logo foi habilmente orientado no sentido de promover sua emigração para outras regiões do país particularmente a região amazônica A concen tração de gente nas cidades litorâneas facilitou o recrutamento Por outro lado as condições de miséria prevalecentes dificultaram pelo menos durante algum tempo a reação dos grupos dominantes da eco nomia da região os quais viam na saída da mãodeobra a perda de sua principal fonte de riqueza Iniciada a corrente transumante foi mais fácil fazêla prosseguir Os governos dos estados amazônicos interes sados organizaram serviços de propaganda e concederam subsídios para gastos de transporte Formouse assim a grande corrente migra tória que fez possível a expansão da produção de borracha na região amazônica permitindo à economia mundial prepararse para uma so lução definitiva do problema Se se comparam os dois grandes movimentos de população ocorridos no Brasil em fins do século xix e começo do xx surgem alguns contrastes particularmente notórios O imigrante europeu exigentee ajudado por seu governo chegava à plantaçãodecafé com todos os gastos pagos residência garantida gastos de manutenção assegurados até a colheita Ao final do ano estava buscando outra fazenda em que lhe oferecessem qualquer vantagem Dispunha sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família o que o defendia contra a especulação dos comerciantes na parte mais importante de seus gastos A situação do nordestino na Amazônia era bem diversa começava sempre a trabalhar endividado pois via de regra obrigavamno a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação Para alimentarse dependia do suprimento que em regime de estrito monopólio realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhe comprava o produto As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziamno a um regime de servidão Entre as longas caminhadas na floresta e a solidão das cabanas rudimentares onde habitava esgotavase sua vida num isolamento que talvez nenhum outro sistema econômico haja imposto ao homem Demais os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de trabalho121 Os planos do imigrante nordestino que seguia para a Amazônia seduzido pela propaganda fantasista dos agentes pagos pelos interesses da borracha ou pelo exemplo das poucas pessoas afortunadas que regressavam com recursos baseavamse nos preços que o produto havia alcançado em suas melhores etapas Ao declinarem estes de vez a miséria generalizouse rapidamente Sem meios para regressar e na ignorância do que realmente se passava na economia mundial do produto lá foram ficando Obrigados a completar seu orçamento com recursos locais de caça e pesca foram regredindo à 121 0 contraste maior entre os dois movimentos migratórios resultaria entretanto do desenvolvi mento subseqüente das duas regiões A economia cafeeira em meio século de altos e baixos demonstraria ser suficientemente sólida para prolongarse num processo de industrialização Pela metade do século xx sua população apresentaria um nível de vida relativamente elevado pelo menos bem mais elevado que o das regiões do sul da Europa de onde havia emigrado A economia da borracha ao contrário entraria em brusca e permanente prostração A popula ção imigrante seria reduzida a condições de extrema miséria em um meio em que era impossí vel encontrar uma salda para outro sistema de produção de alguma rentabilidade Poucos anos depois estaria reduzida de forma permanente a condições de vida ainda mais precárias que as que havia conhecido em sua região de origem forma mais primitiva de economia de subsistência que é a do homem que vive na floresta tropical e que pode ser aferida por sua baixíssima taxa de reprodução Excluídas as conseqüências políticas que possa haver tido122 e o enriquecimento forruito de reduzido grupo o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mãodeobra 122 A busca de seringais levou os brasileiros a penetrar no território fronteiriço da Bolívia cujos limites com o Brasil e o Peru ainda não haviam sido perfeitamente definidos nessa região Como conseqüência dessa invasão criouse o Território do Acre finalmente anexado ao Brasil mediante indenização à Bolívia de 2 milhões de libras e obrigação do Brasil de construir uma estrada de ferro que proporcionasse á Bolívia acesso ao curso navegável do rio Madeira afluente do Amazonas CAPÍTULO XXIV O PROBLEMA DA MÃODEOBRA IV Eliminação do trabalho escravo Já observamos que na segunda metade do século xix não obstante a permanente expansão do setor de subsistência a inadequada oferta de mãodeobra constitui o problema central da economia brasileira Vimos também como esse problema foi resolvido nas duas regiões em rápida expansão econômica o planalto paulista e a bacia amazônica Sem embargo não seria avisado deixar de lado um outro aspecto desse problema que aos contemporâneos pareceu ser em realidade de todos o mais fundamental a chamada questão do trabalho servil Mais que em qualquer outra matéria nesta dificilmente se conse guem separar os aspectos exclusivamente econômicos de outros de cará ter social mais amplo Constituindo a escravidão no Brasil a base de um sistema de vida secularmente estabelecido e caracterizandose o sistema econômico escravista por uma grande estabilidade estrutural explicase facilmente que para o homem que integrava esse sistema a abolição do trabalho servil assumisse as proporções de uma hecatombe social Mesmo os espíritos mais lúcidos e fundamentalmente antiescravistas como Mauá jamais chegaram a compreender a natureza real do proble ma e se enchiam de susto diante da proximidade dessa hecatombe inevitável123 Prevalecia então a idéia de que um escravo era uma riqueza e que a abolição da escravatura acarretaria o empobrecimento do setor da população que era responsável pela criação de riqueza no país Faziam se cálculos alarmistas das centenas de milhares de contos de réis de riqueza privada que desapareceriam instantaneamente por um golpe legal Outros argumentavam que pelo contrário a abolição da escrava tura traria a liberação de vultosos capitais pois o empresário já não necessitaria imobilizar em força de trabalho ou na comercialização de es cravos importantes porções de seu capital 123 Vejase VISCONDE oe MAU op cf p 21920 A abolição da escravatura à semelhança de uma reforma agraria não constitui perse nem destruição nem criação de riqueza Constitui simplesmente uma redistribuição dá propriedade dentro de uma coletividade A aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força de trabalho ao passar do senhor de escravos para o indivíduo deixa de ser um ativo que figura numa contabilidade para constituirse em simples virtualidade Do ponto de vista econômico o aspecto fundamental desse problema radica no tipo de repercussões que a redistribuição da propriedade terá na organização da produção no aproveitamento dos fatores disponíveis na distribuição da renda e na utilização final dessa renda À semelhança de uma reforma agrária a abolição da escravatura teria de acarretar modificações na forma de organização da produção e no grau de utilização dos fatores Com efeito somente em condições muito especiais a abolição se limitaria a uma transformação formal dos escravos em assalariados Em algumas ilhas das Antilhas inglesas em que as terras já haviam sido totalmente ocupadas e os exescravos não dispunham de nenhuma possibilidade de emigrar a abolição da escravatura assumiu esse aspecto de mudança formal passando o escravo liberado a receber um salário monetário que estava fixado pelo nível de subsistência prevalecente o qual por sua vez refletia as condições de vida dos antigos escravos124 Nesse caso extremo a redistribuição da riqueza não teria 124 0 caso da ilha de Antígua é apresentado na literatura especializada inglesa como demonstrativo do caráter puramente formal da abolição da escravatura ali onde as terras estavam monopoliza das por uma classe social A assembléia dessa ilha dispensou os escravos das obrigações cria das peto Apprenticeship System introduzido pelo Parlamento britânico como medida de transi ção na abolição da escravatura Esse sistema obrigava os escravos menores de seis anos a tra balhar seis anos para os seus amos durante uma jornada de Th horas diárias mediante alimen tação roupa e alojamento Ao escravo ficava a possibilidade de trabalhar pelo menos duas ho ras e meia diárias mais mediante salário Concedendo de imediato a liberdade total os latifundistas de Antígua se concertaram para fixar um salário de subsistência extremamente baixo A conseqüência oi que os exescravos em vez de trabalhar 7V4 horas para cobrir os gastos de subsistência como ocorreria se se aplicasse o Apprenticeship System tiveram que trabalhar dez horas diárias para alcançar o mesmo fim Não existindo possibilidade prática de encontrar ocupação fora das plantações nem de emigrar os antigos escravos tiveram que submeterse Com razão se pode afirmar no Parlamento britânico nessa época que os rrdhces de libras de indenização pagos pelo governo da GrãBretanha aos senhores de escravos antifrianos consti tuíram um simples presente sem conseqüências práticas para a vida das populações trabaffia dor as Em outras palavras a abolição da escravatura só trouxe benefícios aos escravistas Para uma análise completa do caso de Antígua vejase LAW MATWESON British Slavery and Its AboStíon 10231838 Londres 1926 sido acompanhada de quaisquer modificações na organização da produção ou na distribuição da renda O caso extremo opostoseriaaquele em que a oferta de terra fosse totalmente elástica os escravos uma vez liberados tenderiam então a abandonar as antigas plantações e a dedicarse à agricultura de subsistência Neste caso as modificações na organização da produção seriam enormes baixando o grau de utilização dos fatores e a rentabilidade do sistema Esse caso extremo entretanto não poderia concretizarse pois os empresários vendose privados da mãodeobra tenderiam a oferecer salários elevados retendo por essa forma parte dos exescravos A conseqüência última seria portanto uma redistribuição da renda em favor da mãodeobra No Brasil não se apresentou nenhum dos dois casos extremos referidos no parágrafo anterior Contudo podese afirmar que a região açucareira aproximouse mais do primeiro caso e a cafeeira mais do segundo Na região nordestina as terras de utilização agrícola mais fácil já estavam ocupadas praticamente em sua totalidade à época da abolição Os escravos liberados que abandonaram os engenhos encontraram grandes dificuldades para sobreviver Nas regiões urbanas pesava já um excedente de população que desde o começo do século constituía um problema social Para o interior a economia de subsistência se expandira a grande distância e os sintomas da pressão demográfica sobre as terras semiáridas do agreste e da caatinga se faziam sentir claramente Essas duas barreiras limitaram a mobilidade da massa de escravos recémliberados na região açucareira Os deslocamentos se faziam de engenho para engenho e apenas uma fração reduzida filtrouse fora da região Não foi difícil em tais condições atrair e fixar uma parte substancial da antiga força de trabalho escravo mediante um salário relativamente baixo Se bem não existam estudos específicos sobre a matéria seria difícil admitir que as condições materiais de vida dos antigos escravos se hajam modificado sensivelmente após a abolição sendo pouco provável que esta última haja provocado uma redistribuição de renda de real significação A indústria açucareira no decênio que antecedeu a abolição havia passado por importantes transformações técnicas beneficiandose de vultosas inversões de capital estrangeiro sob os auspícios do governo central25 Sem embargo o último decênio do século se caracteriza por modificações fundamentais no mercado mundial do açúcar como conseqüência da libertação política de Cuba Inversões maciças de capitais norteamericanos foram feitas na indústria açuca reira dessa ilha a qual passou a gozar de uma situação de privilégio no mercado dos EUA126 Tanto as inovações técnicas como as dificuldades de exportação contribuíram para reduzir a procura de mãodeobra Destarte a contração da oferta provocada pela abolição da escravatura não chegou a ter conseqüências graves sobre a utilização dos recursos e muito provavelmente não provocou qualquer modifi cação sensível na distribuição da renda Na região cafeeira as conseqüências da abolição foram diversas Nas províncias que hoje constituem os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais em pequena escala em São Paulo se havia formado uma im portante agricultura cafeeira à base de trabalho escravo A rápida des truição da fertilidade das terras ocupadas nessa primeira expansão cafeeira situadas principalmente em regiões montanhosas facilmente erodíveis e a possibilidade de utilização de terras a maior distância com a introdução da estrada de ferro haviam colocado essa agricultura em situação desfavorável já na época imediatamente anterior à abolição Seria de esperar portanto que ao proclamarse esta ocorresse uma gran de migração de mãodeobra em direção das novas regiões em rápida expansão as quais podiam pagar salários substancialmente mais altos Sem embargo é exatamente por essa época que tem início a formação da grande corrente migratória européia para São Paulo As vantagens que apresentava o trabalhador europeu com respeito ao exescravo são demasiado óbvias para insistir sobre elas Todavia se bem não houve um forte incentivo para que os antigos escravos se deslocassem em 125 Em 1875 o Parlamento aprovou uma lei autorizando o governo imperial a dar garantia de juros a capitais estrangeiros invertidos na indústria açucareira até o montante de 3 milhões de libras Nos dez anos seguintes se instalaram cinqüenta usinas de açúcar com equipamento moderno financiadas quase sempre por capitais ingleses ao abrigo dessa lei 126 O tratado de reciprocidade firmado entre Cuba e os EUA depois da independência da ilha concedeu ao açúcar cubano uma redução de 20 por cento na tarifa americana Esse privilé gio vindose somar aos custos reduzidos do transporte e às facilidades criadas pela grande afluência de capital norteamericano tornou possível o surto excepcional da produção cu bana no primeiro quartel do século xx massa para o planalto paulista a situação dos mesmos na antiga região cafeeiràpassou a ser muito mais favorável que a daqueles da região açucareira dcrNordeste A relativa abundância dê terras tornava possível ao antigo escravo refugiarse na economia de subsistência A dispersão entretanto foi menor do que se poderia esperar talvez por motivos de caráter social e não especificamente econômicos A situação favorável do ponto de vista das oportunidades de trabalho que existia na região cafeeira valeu aos antigos escravos liberados salários relativamente elevados Com efeito tudo indica que na região do café a abolição provocou efetivamente uma redistribuição da renda em favor da mãodeobra Sem embargo essa melhora na remuneração real do trabalho parece haver tido efeitos antes negativos que positivos sobre a utilização dos fatores Para bem captar esse aspecto da questão é necessário ter em conta alguns traços mais amplos da escravidão O homem formado dentro desse sistema social está totalmente desaparelhado para responder aos estímulos econômicos Quase não possuindo hábitos de vida familiar a idéia de acumulação de riqueza é praticamente estranha Demais seu rudimentar desenvolvimento mental limita extremamente suas necessidades Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio o bem inalcançável a elevação de seu salário acima de suas necessidades que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo determina de imediato uma forte preferência pelo ócio Na antiga região cafeeira onde para reter a força de trabalho foi necessário oferecer salários relativamente elevados observouse de imediato um afrouxamento nas normas de trabalho Podendo satisfazer seus gastos de subsistência com dois ou três dias de trabalho por semana ao antigo escravo parecia muito mais atrativo comprar o ócio que seguir trabalhando quando já tinha o suficiente para viver Dessa forma uma das conseqüências diretas da abolição nas regiões em mais rápido desenvolvimento foi reduzirse o grau de utilização da força de trabalho Esse problema terá repercussões sociais amplas que não compete aqui refletir Cabe tãosomente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a abolição retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país Por toda a primeira metade do século xx a grande massa dos descendentes da antiga população escrava conti nuará vivendo dentro de séu limitado sistema de necessidades cabendolhe um papel puramente passivo nas transformações eco nômicas do país Observada a abolição de uma perspectiva ampla comprovase que a mesma constitui uma medida de caráter mais político que econômico A escravidão tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que como forma de organização da produção Abolido o trabalho escravo praticamente em nenhuma parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e mesmo na distribuição da renda Sem embargo haviase eliminado uma das vigas básicas do sistema de poder formado na época colonial e que ao perpetuarse no século xix constituía um fator de entorpecimento do desenvolvimento econômico do país CAPÍTULO XXV NÍVEL DE RENDA E RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX Considerada em conjunto a economia brasileira parece haver alcançado uma taxa relativamente alta de crescimento na segunda metade do século xix Sendo o comércio exterior o setor dinâmico do sistema é no seu comportamento que está a chave do processo de crescimento nessa etapa Comparando os valores médios correspondentes aos anos noventa com os relativos ao decênio dos quarenta depreendese que o quantum das exportações brasileiras aumentou 214 por cento Esse au mento do volume físico da exportação foi acompanhado de uma eleva ção nos preços médios dos produtos exportados de aproximadamente 46 por cento Por outro lado observase uma redução de cerca de 8 por cento no índice de preços dos produtos importados sendo portanto de 58 por cento a melhora na relação de preços do intercâmbio externo Um aumento de 214 por cento do quantum das exportações acompa nhado de uma melhora de 58 por cento na relação de preços do inter câmbio significa um incremento de 396 por cento na renda real gerada pelo setor exportador27 Dessa forma o setor mais dinâmico da economia quintuplicou no período considerado Qual teria sido o aumento do conjunto da renda gerada no território brasileiro no correr desse meio século A informa ção disponível não nos permite ir mais além de conjeturas sobre este assunto Se observarmos os dados relativos aos principais produtos ex portados constataremos grandes discrepâncias Assim se bem que o 127 Os índices de quantum e preços das exportações foram calculados com base no decênio 184150 incluídos os seguintes produtos cate açúcar cacau ervamate fumo algodão bor racha e couros No referido decênio esses produtos representaram 882 por cento do valor das exportações subindo essa participação para 956 por cento nos anos noventa Como ín dice de preços das importações se utilizou o das exportações inglesas o qual constitui uma boa indicação do comportamento dos preços das manufaturas no comércio mundial Todavia é possível que os preços das importações brasileiras hajam baixado ainda mais do que indica esse índice em razão da importância do trigo nas compras do Brasil e do forte declínio ocorrido nos preços desse cereal no último quartel do século passado quantum das exportações haja aumentado 214 por cento a quantidade das exportações de açúcar cresceu apenas 33 por cento e a das de algodão 43 Por outroiado não obstante o índice de preços das exportações haja aumentado 46 por cento os preços do algodão se elevaram apenas 32 por cento e os do açúcar declinaram 11 por cento A renda real gerada por esses dois produtos tomados conjuntamente aumentou somente 54 por cento no período considerado Sendo o açúcar e o algodão os dois únicos artigos de significação na exportação nordestina28 depreendese claramente que o desenvolvimento da segunda metade do século XDC não se estendeu a todo o território do país Para fins de análise do comportamento da renda real no período que estamos considerando convém dividir a economia brasileira em três setores principais O primeiro constituído pela economia do açúcar e do algodão e pela vasta zona de economia de subsistência a ela ligada se bem que por vínculos cada vez mais débeis O segundo formado pela economia principalmente de subsistência do sul do país O terceiro ten do como centro a economia cafeeira O primeiro desses sistemas está formado pela faixa que se estende desde o Estado do Maranhão até Sergipe Excluise a Bahia pelo fato de que sua economia foi profundamente modificada durante essa etapa pelo advento do cacau A população dos oito estados da região referi da129 segundo o censo de 1872 ainda representava a terça parte da po pulação do país Se se acrescenta a população baiana chegase quase à metade da população do Brasil Comparandose os dados dos censos de 1872 e 1900 depreendese que a população dos oito estados indicados aumentou com uma taxa anual de 12 por cento Se se aplica a mesma taxa para o meio século que estamos considerando obtémse um incremento demográfico de 80 por cento bem superior ao da renda real gerada pelo setor exportador 54 por cento Se se tem em conta que na região nordestina existiam 128 A situação dos couros que também aparecem na exportação nordestina nâo oi mais favorá vel pois a quantidade exportada aumentou 48 por cento e os preços baixaram 3 por cento O cacau cujas exportações evoluíram muito favoravelmente incremento de 259 por cento na quantidade e aumento de 119 por cento nos preços veio a constituir o núcleo de um sis tema econômico autônomo na região sul da Bahia destacado geograficamente da econo mia nordestina preexistente 129 Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas e Sergipe dois sistemas o litorâneo principalmente exportador e o mediterrâneo principalmente de subsistência os dados referidos permitem formular algumas hipóteses Em primeiro lugar podese admitir que a população dos dois sistemas haja crescido com igual intensidade e que a renda per capita do sistema de subsistência haja permanecido estável neste caso a queda da renda per capita do sistema exportador teria sido substancial Em segundo lugar podese admitir que tenha havido transferência de população do sistema exportador para o de subsistência e que a renda per capita naquele se haja mantido neste caso mesmo que se mantivesse a renda per capita no setor de subsistência haveria uma bai xa na renda média da região pois a produtividade era mais baixa no setor de subsistência Em síntese para que não houvesse redução na renda per capita da região teria sido necessário que aumentasse subs tancialmente a produtividade no setor de subsistência o que obviamente é uma hipótese inadmissível pois durante essa época já se tornara no tória a pressão demográfica sobre as terras agricolamente aproveitáveis da região Portanto cabe admitir que houve declínio na renda per capita desse sistema da economia brasileira se bem não seja possível quanti ficálo rigorosamente O segundo sistema estava formado pela economia principalmente de subsistência que se beneficiou indiretamente com a expansão das exportações Encontrando um mercado dentro do país capaz de absor ver seus excedentes de produção alguns setores da economia de sub sistência puderam expandir a faixa monetária de suas atividades produtivas Na região paranaense por exemplo a grande expansão da produção de ervamate para exportação trouxe um duplo benefício à economia de subsistência em grande parte constituída de populações transplantadas da Europa no quadro de planos nacionais e provinciais da imigração subsidiada Os colonos que se encontravam mais no inte rior puderam dividir seu tempo entre a agricultura de subsistência e a extração de folhas de ervamate aumentando substancialmente sua renda Os colonos mais próximos do litoral se beneficiaram da expansão do mercado urbano expansão essa que tinha seu impulso primário no desenvolvimento das exportações130 130 O valor médio anual das exportações de ervamate subiu de 48 mil libras nos anos quarenta para 393 mi no último decênio do século Nos dois primeiros decênios do século continuaria a rápida expansão das exportações desse produto a preços altamente favoráveis No Rio Grande do Sul coube o impulso dinâmico ao setor pecuário através de suas exportações para o mercado interno do país Essas exportações particularmente as de charque que chegaram a constituir a metade das vendas totais do estado para os mercados interno e externo no fim do século xix131 reintegraram a pecuária rio grandense na economia brasileira A região das colônias se beneficiou da expansão do mercado interno seja diretamente colocando alguns produtos de qualidade como o vinho e a banha do porco seja indiretamente através da expansão urbana do estado possibilitada pelo aumento de produtividade no setor pecuário O contraste entre a região de economia principalmente de subsis tência do sul do país e a região nordestina transparece claramente nos dados demográficos Entre os censos de 1872 e 1900 a população dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paraná e Mato Grosso aumenta 127 por cento isto é a uma taxa anual de 3 por cento enquan to a dos oito estados nordestinos referidos cresce com a taxa de 12 por cento Se se aplica a taxa de 3 por cento ao meio século que estamos considerando obtémse um crescimento de 332 por cento Esse dado apresenta particular interesse pois indica que mesmo que não se hou vesse registrado nenhum aumento da renda per capita na economia da região sul o seu crescimento absoluto terseia aproximado do setor exportador o qual foi de 396 por cento conforme indicamos Para que a renda per capita permanecesse estacionaria seria necessário dada a abundância de terras de boa qualidade na região que a importância re lativa do setor exportador dentro dessa economia não se modificasse Como cresceu essa importância relativa conforme se depreende das exportações de mate da região paranaense e das de produtos pecuários da riograndense é muito provável que haja aumentado a produti vidade econômica média e por conseguinte a renda per capita Demais em razão da elasticidade da oferta de produtos agrícolas que existia na região cabe admitir que o aumento da renda per capita haja sido de alguma magnitude 131 Para um cálculo das exportações do Rio Grande do Sul destinadas aos demais estados e para o exterior nos últimos dois decênios do século xix vejase J P WILEMAN Brazilian Exchange Buenos Aires 1896 p 106 O Terceiro sistema estava constituído pela região produtora de caféinr Essa região compreendia então os estados do Espírito Santo Rio de Janeiro Minas Gerais è São Paulo A população desses quatro estados considerados conjuntamente aumentou com uma taxa de 22 por cento entre 1872 e 1900 Essa taxa se bem que muito superior à do Nordeste 12 por cento e à da Bahia 15 por cento é inferior à da Amazônia 26 por cento e à da região sul 30 por cento Contudo se se observa mais de perto a região cafeeira comprovamse grandes movimentos demográficos dentro da mesma A população dos dois estados antigos produtores Rio de Janeiro e Minas Gerais se expande com relativa lentidão taxa de 16 por cento por outro lado a região que se integra na produção cafeeira no último quartel do século Espírito Santo e São Paulo apresenta a taxa extraordinariamente elevada de 36 por cento Esses dados põem em evidência que o desenvolvimento da região cafeeira se realizou durante essa etapa com transferência de mão deobra das regiões de mais baixa produtividade e certamente do setor de subsistência dessa região para outras de mais alta produtividade Ou seja um processo inverso ao ocorrido no Nordeste durante a mesma época A rápida expansão do mercado interno na região cafeeira teria de repercutir muito favoravelmente na produtividade do setor de subsistência o qual se concentrava principalmente no Estado de Minas Gerais Demais a transferência de mãodeobra do setor de subsistência para o cafeeiro significava que a importância relativa deste estava aumentando Tendo em conta a ação desses distintos fatores podese admitir como provável que a renda real per capita do conjunto da região não estaria crescendo com ritmo inferior ao do setor exportador Como a quantidade de café exportado aumentou 341 por cento e os preços do produto 91 por cento entre os anos quarenta e o último decênio do século deduzse que a renda real gerada pelas 132 O café que foi introduzido no Brasil no começo do século xvw se produz praticamente em todo o território do pais com exceção do extremo sul Os estados do Norte e do Nordeste exporta ram durante muito tempo pequenas quantidades desse produto Em fins do século x o consu mo local jé absorvia em sua quase totalidade as colheitas dos estados pequenos produtores exportações desse artigo teria crescido com a taxa anual de 45 por cento Dado o crescimento da população a taxa de aumento anual da renda real per capita seria de 23 por cento Duas regiões de importância econômica permaneceram fora dos três sistemas a que fizemos referência São elas o estado da Bahia que compreendia em 187213 por cento do total da população do país e a Amazônia à qual correspondiam 3 por cento da população na mesma época A produção de cacau se iniciou na Bahia para fins de exporta ção na segunda metade do século xix proporcionando a esse estado uma alternativa para o uso dos recursos de terra e mãodeobra de que não se beneficiaram os demais estados nordestinos Contudo a impor tância relativa do cacau em fins do século xix ainda era relativamente pequena representando tãosó 15 por cento do valor das exportações do país nos anos noventa Sem embargo um outro produto tradicional da exportação baiana o fumo apresenta relativa recuperação na se gunda metade do século Produto antes principalmente destinado ao escambo de escravos o fumo brasileiro na segunda metade do século passou a encontrar mercado crescente na Europa A quantidade ex portada aumentou 361 por cento entre os anos quarenta e os noventa e os preços médios Subiram 41 por cento Se consideramos conjunta mente o cacau e o fumo o valor médio de suas exportações aumenta de 151 mil para 1057000 libras no meio século referido Esses dados entretanto não nos revelam senão um aspecto do desenvolvimento baiano na segunda metade do século xix Se se admite como uma aproximação que o fumo e o cacau exportados pelo país saíram em sua totalidade da Bahia e que todo o açúcar e o algodão provieram dos oito estados do Nordeste a exportação per capita da região baiana não seria superior à nordestina Tudo indica portanto que também na Bahia o desenvolvimento foi entorpecido pela ação profunda de fato res similares aos que atuaram no Nordeste A melhora da situação de algumas regiões terá ocorrido simultaneamente com o empobrecimento de outras A produção açucareira para exportação já desaparecera completamente por essa época e a expansão da pecuária de subsis tência se realizava em terras cada vez mais pobres Explicase assim que não obstante o fluxo imigratório que conheceu a região cacaueira já em fins do século principalmente de emigrantes nordestinos a po pulação do estado haja crescido com a taxa reduzida de 15 por cento entre 1872 e 1900 Sem embargo o fato mesmo de que essa taxa seja superior à que se observa no Nordeste constitui uma indicação de que sua renda real evoluiu menos desfavoravelmente Por último cabe considerar a região amazônica cujas exportações alcançam extraordinária importância relativa na etapa final do século A participação da borracha no valor total das exportações elevouse de 04 por cento nos anos quarenta para 15 por cento nos noventa Neste último decênio o valor das exportações per capita da região amazônica duplicou o da região cafeeira Se bem que grande parte dessa renda não revertesse à região e que parte substancial da que revertia se liquidasse em importações133 não é menos certo que para fins de cômputo da renda nacional era na Amazônia que ela se gerava Com base nas observações feitas nos parágrafos anteriores trata remos de estimar grosso modo a tendência da renda per capita do con junto do país no período que estamos considerando A região nordestina parece ser a única cuja renda per capita diminuiu Contudo a renda absoluta da região cresceu pois a renda do setor exportador aumentou 54 por cento Admitiremos que o crescimento absoluto da renda haja sido igual ao da metade da população isto é que a renda per capita haja diminuído com uma taxa de 06 por cento anual Na Bahia as forças nos dois sentidos possivelmente se hajam contrabalançado podendose admitir que a renda per capita se haja mantido Na região sul onde a população cresceu com a taxa de 3 por cento ao ano houve uma óbvia expansão da renda per capita a qual dificilmente teria sido inferior a 1 por cento anual Com respeito à região cafeeira admi tiremos a taxa de 23 por cento per capita já referida Finalmente com relação à Amazônia nos limitaremos a admitir que o crescimento ab soluto da renda gerada nessa região teria alcançado o duplo da inten sidade observada na região cafeeira Dessas suposições se deriva que 133 O Duftfpficadbrdas inversões realizadas na economia da borracha devia ser baixíssimo e qui çá negativo pois o aumento da produção de borracha provocava o abandono de múltiplas outras atividades passandose a importar grande parte do que antes se produzia Para uma xptcacao do conceito de multiplicador vejase nota 163 no meio século referido a renda real do Brasil se teria multiplicado por 543 o que representa uma taxa de crescimento anual de 35 por cento e de crescimento per capita de 15 por cento Essa taxa de crescimento é elevada com respeito ao desenvolvimento da economia mundial no século XDC Durante a mesma época a renda real dos EUA se multiplicou por 57 mas dado o crescimento mais intenso de sua população a taxa per capita é algo menor que a indicada para o Brasil A diferença fundamental está em que enquanto os EUA na segunda metade do sé culo xix mantiveram um ritmo de crescimento que vinha do último quartel do século anterior o Brasil iniciou uma etapa de crescimento após três quartos de século de estagnação e provavelmente de retro cesso em sua renda per capita Em seção anterior indicamos que de maneira muito geral se pode admitir que a renda per capita da população brasileira muito prova velmente não teria sido inferior a 50 dólares de poder aquisitivo atual no começo do século xix se bem que possivelmente houvesse declinado no correr do último quartel do século Também indicamos que essa renda dificilmente alcançaria esses mesmos 50 dólares pela metade do século particularmente se se incluem os escravos na po pulação Partindo dessa base e admitindo a taxa de incremento de 15 obtémse uma renda da ordem de 106 dólares ao término do século Se se aplica essa mesma taxa à primeira metade do século xx obtémse para 1950 uma renda de 224 dólares a qual se aproxima 134 Como base de ponderação se tomou a importância relativa da população de cada região se gundo o censo de 1872 em seguida ezse crescer a renda absoluta de cada região tendo em conta o aumento demográfico da mesma e a taxa de incremento ou decremento indicada no texto para a renda per capita REGIÃO DA POPULAÇÃO DOPAlS TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO TAXA DE CRESCIMENTO DA RENOA per capit 35 13 9 40 3 12 15 30 22 26 06 00 10 23 62 Sul 100 20 15 Admitese implicitamente que não haveria grandes discrepâncias entre os níveis de renda par capita das distintas regiões do pais no período base isto é no decênio 184150 muito das estimativas existentes para esse ano Existe portanto alguma indicação de que a taxa de crescimento da economia brasileira tem sido relativamente estável no correr dos últimos cem anos135 Outra observação de interesse é a seguinte se a economia brasileira houvesse alcançado na primeira metade do século xix uma taxa de crescimento idêntica à da segunda metade do mesmo século partindo dos 50 dólares a que fizemos referência chegarseia ao fim do século com 224 Mantida a mesma taxa na primeira metade do século xx a renda real da população brasileira seria em 1950 da ordem de 500 dólares isto é comparável à média dos países da Europa Ocidental nesse ano Os dados apresentados no parágrafo anterior projetam alguma luz sobre o problema do atraso relativo da economia brasileira na etapa atual Esse atraso tem sua causa não no ritmo de desenvolvimento dos últimos cem anos o qual parece haver sido razoavelmente intenso mas no retrocesso ocorrido nos três quartos de século anteriores Não conseguindo o Brasil integrarse nas correntes em expansão do comércio mundial durante essa etapa de rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais avançados criaramse profundas dessemelhanças entre seu sistema econômico e os daqueles países A essas dessemelhanças teremos que voltar ao analisar os problemas específicos de subdesenvolvimento com que se confronta a economia brasileira no presente 13S Sem ser excepcionalmente intensa a taxa secular de 15 por cento é provavelmente superior a da média das economias da Europa Ocidental Nos EUA a taxa secular seria algo superior 19 por cento segundo as estimativas do National Bureau of Economic Research apresentadas por SMON KUZNETS CAPÍTULO XXVI O FLUXO DE RENDA NA ECONOMIA DE TRABALHO ASSALARIADO O fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira do último quartel do século xix foi sem lugar a dúvida o aumento da importância relativa do setor assalariado A expansão anterior se fizera seja através do crescimento do setor escravista seja pela mul tiplicação dos núcleos de subsistência Em um e outro casos o fluxo de renda real ou virtual circunscreviase a unidades relativamente pequenas cujos contatos externos assumiam caráter internacional no primeiro caso e eram de limitadíssimo alcance no segundo A nova expansão tem lugar no setor que se baseia no trabalho assalariado O mecanismo desse novo sistema cuja importância relativa cresce rapi damente apresenta diferenças profundas com respeito à antiga eco nomia exclusivamente de subsistência Essa última como vimos caracterizase por um elevado grau de estabilidade mantendose imutável sua estrutura tanto nas etapas de crescimento como nas de decadência A dinâmica do novo sistema é distinta Convém analisála devidamente se pretendemos compreender as transformações estru turais que levariam na primeira metade do século xx à formação no Brasil de uma economia de mercado interno Observada em conjunto a nova economia cafeeira baseada no trabalho assalariado apresenta certas similaridades com a antiga eco nomia escravista está constituída por uma multiplicidade de unidades produtoras que se ligam intimamente às correntes do comércio exterior Todavia se nos fixamos mais de perto no mecanismo dessas unidades vemos que são profundas as diferenças Para facilidade de exposição consideraremos o processo econômico a partir do momen to em que a produção é vendida ao exportador O valor total dessa venda é a renda bruta da unidade produtiva renda essa que deverá cobrir a depreciação do capital real utilizado no processo produtivo e remunerar a totalidade dos fatores utilizados na produção A fim de simplificar a análise dividiremos essa renda em dois grupos gerais renda dos assalariados e renda dos proprietários O comportamento desses dois grupos no que respeita à utilização da renda sabida mente muito distinto Os assalariados transformam a totalidade ou quase totalidade de sua renda em gastos de consumo A classe proprietá ria cujo nível de consumo é muito superior retém parte de sua renda para aumentar seu capital fonte dessa mesma renda Vejamos como se propaga o fluxo de renda criado pelas exportações Os gastos de consumo compra de alimentos roupas serviços etc vêm a constituir a renda dos pequenos produtores comerciantes etc Estes últimos também transformam grande parte de sua própria renda em gastos de consumo Destarte a soma de todos esses gastos terá necessariamente de exceder de muito a renda monetária criada pela atividade exportadora Suponhamos agora que ocorra um aumento do impulso externo Crescendo a massa de salários pagos aumentaria automaticamente a procura de prtigos de consumo A produção de parte destes últimos por seu lado pode ser expandida com relativa facilidade dada a existência de mãodeobra e terras subutilizadas particularmente em certas regiões em que predomina a atividade de subsistência Desta forma o aumento do impulso externo atuando sobre um setor da economia organizado à base de trabalho assalariado determina melhor utilização de fatores já existentes no país136 Demais o aumento de produtividade efeito secundário do impulso externo manifestase fora da unidade produtoraexportadora A massa de salários pagos no setor exportador vem a ser por conseguinte o núcleo de uma economia de mercado interno Quando convergem certos fatores a que nos referiremos mais adiante o mercado interno se encontra em condições de crescer mais intensamente que a economia de exportação se bem que o impulso de crescimento tenha origem nesta última O impulso externo de crescimento se apresenta inicialmente via de regra sob a forma de elevação nos preços dos produtos exportados a qual se transforma em maiores lucros Os empresários tratam 136 Exemplo típico da melhor utilização dos recursos provocada pela expansão da procura interna de bens de consumo e dado peta economia de subsistência formada no sul do pais com imigração de origem européia Vejase capitulo xxv como é natural de reinverter esses lucros expandindo as plantações Dada a relativa elasticidade da oferta de mãodeobra e a abundância de terras essa expansão pode seguir adiante sem encontrar obstáculo por parte dos salários ou da renda da terra Com efeito os deslocamentos de mãode obra dentro do país e a imigração processaramse independentemente da elevação do salário real naqueles setores ou regiões que atraíram fatores O setor cafeeiro pôde na verdade manter seu salário real praticamente estável durante a longa etapa de sua expansão Bastou que esse salário fosse em termos absolutos mais elevado do que aqueles pagos nos demais setores da economia e que a produção se expandisse para que a força de trabalho se deslocasse Portanto teve importância fundamental no desenvolvimento do novo sistema econômico baseado no trabalho assalariado a existência da massa de mãodeobra relativamente amorfa que se fora formando no país nos séculos anteriores Se a expansão da economia cafeeira houvesse dependido exclusivamente da mãodeobra européia imigrante os salários terseiam estabelecido em níveis mais altos à semelhança do que ocorreu na Austrália e mesmo na Argentina A mãodeobra de recrutamento interno utilizada principalmente nas obras de desflorestamento construções e tarefas auxiliares exerceu uma pressão permanente sobre o nível médio dos salários A estabilidade do salário real médio no setor exportador não significava entretanto que o mesmo ocorresse no conjunto da eco nomia Com a absorção de mãodeobra pelo setor exportador a im portância relativa desse centro da economia ia crescendo Ao serem absorvidos fatores do setor de subsistência elevavase o salário real médio e ainda mais o salário monetário médio pois nesse setor o fluxo monetário era relativamente muito menor Destarte o fato de que o crescimento do setor exportador fosse extensivo não impedia que o salário médio do conjunto da economia se elevasse Em síntese como a população crescia muito mais intensamente no setor monetário que no conjunto da economia a massa de salários monetários base do mercado interno aumentava mais rapidamente que o produto global Que significação econômica tinha o fato de que o empresário se encontrasse em uma situação favorável que lhe permitia reter a totalidade dos benefícios derivados das elevações ocasionais dos preços dos produtos xie exportação Suponhamos por um momento que os salários subissem ao se elevaremos preços de exportação A conseqüência prática seria que o volume de inversões teria de ser menor e também menor a expansão do setor exportador A absorção do setor de subsistência resultaria ser mais lenta A mãodeobra ocupada no setor exportador se transformaria progressivamente num grupo privilegiado tendendo a crescer a diferença entre os salários pagos no setor de exportação e no de subsistência Os aumentos de produtividade da economia cafeeira refletiam principalmente melhoras ocasionais de preços ocorridas via de regra nas altas cíclicas sendo mínimas as melhoras de produtividade física logradas diretamente no processo produtivo137 Poderseia argumentar portanto que a transferência de parte dos frutos desses aumentos ocasionais de produtividade econômica para os assalariados teria como conseqüência imprimir à massa total de salários acentuadas expansões e contrações cíclicas Mas também se poderia argumentar que como os salários oferecem maior resistência à compressão que os lucros a economia estaria em melhores condições para defenderse na baixa cíclica e possivelmente a longo prazo na relação de preços de intercâmbio caso transferisse para os assalariados parte do aumento de produtividade econômica ganho na etapa de elevação de preços Não se realizando essa transferência toda a pressão da queda cíclica se concentrava na massa de lucros Veremos mais adiante a forma como os empresários conseguiam transferir essa pressão para os demais setores da coletividade 137 Aumentos de produtividade também podiam resultar da abertura de melhores terras da maior eficiência dos transportes etc CAPÍTULO XXVII A TENDÊNCIA AO DESEQUILÍBRIO EXTERNO O funcionamento do novo sistema econômico baseado no tra balho assalariado apresentava uma série de problemas que na antiga economia exportadoraescravista apenas se haviam esboçado Um des ses problemas aliás comum a outras economias de características si milares consistiria na impossibilidade de adaptarse às regras do padrãoouro base de toda a economia internacional no período que aqui nos ocupa O princípio fundamental do sistema do padrãoouro radi cava em que cada país deveria dispor de uma reserva metálica ou de divisas conversíveis na variante mais corrente suficientemente gran de para cobrir os déficits ocasionais de sua balança de pagamentos E fácil compreender que uma reserva metálica estivesse ela amoedada ou não constituía uma inversão improdutiva que era na verdade a contribuição de cada país para o financiamento a curto prazo das tro cas internacionais A dificuldade estava em que cada país deveria con tribuir para esse financiamento em função de sua participação no comércio internacional e da amplitude das flutuações de sua balança de pagamentos138 Ora um país exportador de produtos primários tinha como regra uma elevada participação relativa no comércio inter nacional isto é seu intercâmbio per capita era relativamente muito maior que sua renda monetária per capita Por outro lado sua economia pelo fato mesmo de que dependia muito mais das exportações estava su jeita a oscilações muito mais agudas O problema que se apresentava à economia brasileira era em es sência o seguinte a que preço as regras do padrãoouro poderiam apli carse a um sistema especializado na exportação de produtos primários e com um elevado coeficiente de importação Esse problema não 138 A balança de pagamentos por definição está sempre em equilíbrio As flutuações a que se re fere o texto são aquelas do saldo da conta corrente e do movimento de capitais nSo destinado especificamente a cobrir esse saldo preocupou os economistas europeus que sempre teorizaram em matéria de comércio internacional èni termos de economia de graus de de senvolvimento mais ou menos similar com estruturas de produção não muito distintas e com coeficientes de importação relativamente baixos A teoria monetária do século xix constitui indubitavelmente um instrumento de utilidade para explicar a realidade européia Ela se baseava no princípio de que se todos os países seguissem as regras do padrãoouro isto é se o meio circulante dos distintos países tivessem como base a mesma moedamercadoria o ouro disponível tenderia a distribuirse em função das necessidades do comércio interno de cada país e das do comércio internacional Destarte os sistemas de preços dos distintos países seriam solidários Estava implícito nessa teoria que se um país importava mais do que exportava criandose um desequilíbrio em sua balança de pagamentos esse país se veria obrigado a exportar ouro reduzindose conseqüentemente o seu meio circulante Essa redução de acordo com a teoria quantitativa deveria acarretar uma baixa de preços contrapartida da alta do preço do ouro criandose automaticamente um estímulo às exportações e um desestímulo às importações o que traria consigo a correção do desequilíbrio139 Nas economias em que as importações constituíam uma reduzida parcela do dispêndio nacional um desequilíbrio ocasional da balança de pagamentos podia ser financiado com numerário de circulação interna sem provocar grande redução no grau de liquidez do sistema O mesmo entretanto não se podia esperar de uma economia de elevado coeficiente de importações Neste último caso um brusco desequilíbrio na balança de pagamentos exigiria uma redução de grandes proporções no meio circulante provocando verdadeira traumatização do sistema Esse tipo de dificuldade poderia ter ocorrido com a Inglaterra cujo coeficiente de importações cresceu fortemente no correr do século xix se esse país não se houvesse transformado em grande exportador de capitais e não fosse ele mesmo o centro que comandava as flutuações da economia mundial 139 A correção do desequilíbrio também se podia realizar através do movimento de capitais a escassez relativa de ouro acarretaria uma elevação da taxa de juros o que atrairia capitais estrangeiros 0 déficit na balança em conta corrente seria assim compensado por um saldo na conta de capital Numa economia do tipo da brasileira do século XK o coeficiente de importações era particularmente elevado se se tem emcpnta ape nas o setor monetário ao qual se limitavam praticamente as transações externas Por outro lado os desequilíbrios na balança de pagamentos eram relativamente muito mais amplos pois refletiam as bruscas quedas de preços das matériasprimas no mercado mundial Por último caberia ter em conta as interrelações entre o comércio exterior e as finanças públicas pois o imposto das importações era a principal fonte de renda do governo central Como se apresentara esse problema na antiga economia exporta doraescravista Quando existiu em forma pura esta desconheceu por natureza qualquer forma de desequilíbrio externo Sendo a procura mo netária igual às exportações é evidente que toda ela poderia transfor marse em importações sem que por essa razão surgisse qualquer desequilíbrio É quando a procura monetária tende a crescer mais que as exportações que começa a surgir a possibilidade de desequilíbrio Esse desajustamento está intimamente ligado ao regime de trabalho assala riado como é fácil perceber Ao crescer a renda criada pelas exportações cresce a massa total de pagamentos a fatores realizados dentro da economia Essa renda con forme vimos tende a multiplicarse primeiramente em termos monetá rios e finalmente em termos reais dada a existência de fatores subocupados O aumento da renda se realiza portanto em duas etapas em primeiro lugar graças ao crescimento das exportações e em segun do pelo efeito multiplicador interno Parte desse aumento da renda terá de ser satisfeito com importações conforme uma relação relativamente estável que existe entre o aumento da renda e o das importações O mais importante a considerar entretanto é o seguinte no mo mento em que deflagrava uma crise nos centros industriais os preços dos produtos primários caíram bruscamente reduzindose de imediato a entrada de divisas no país de economia dependente Enquanto isso o efeito dos aumentos anteriores do valor e do volume das exportações continuava a propagarse lentamente140 Existia 140 A forma como se financiavam as importações brasileiras contribuía para agravar a pressão sobre a balança de pagamentos por ocasião das depressões As importações brasileiras pro cediam em grande parte da Inglaterra ou estavam controladas por casas comerciais inglesas portanto uma etapa intermédia em que á procura de importações continuava crescendo se bem que a oferta de divisas já se houvesse reduzido1 drasticamente Nessa etapa é que caberia mobilizar as reservas metálicas Estas entretanto teriam de ser de grandes proporções para que funcionasse o mecanismo do padrão ouro não somente porque a participação das importações no dispêndio total da coletividade era muito elevada e as flutuações da capacidade para importar muito grandes mas também porque numa economia desse tipo a conta de capital da balança de pagamentos se comporta adversamente nas etapas de depressão Se se observa a natureza dos fenômenos cíclicos nas economias dependentes em contraste com as industrializadas percebese facil mente por que aquelas estiveram sempre condenadas a desequilíbrios de balança de pagamentos e à inflação monetária O ciclo na economia industrializada está ligado às flutuações no volume das inversões A crise se caracteriza por uma contração brusca dessas inversões contração essa que reduz automaticamente a procura global e desencadeia uma série de reações que têm por efeito ir reduzindo cada vez mais essa procura É fácil compreender que essa redução da procura se traduz imediatamente em contração das importações e liquidação de estoques À simples notícia de que teve início a crise os importadores sabendo que a procura de produtos importados tenderá a reduzirse suspenderão os seus pedidos o que acarreta a brusca baixa dos preços das mercadorias importadas que neste caso são principalmente os produtos primários fornecidos pelas economias dependentes Por outro lado a contração dos negócios provocada pela crise reduz a liquidez das empresas induzindo estas a lançar mão de quaisquer fundos de que disponham inclusive aqueles que com grande liquidez nas praças brasileiras Essas casas inglesas emprestavam a médio prazo aos comerciantes inclusive de outras nacionalidades que exportavam para outros países Dessa forma o comércio de importação é que financiava o de exportação Ao ocorrer um co lapso na procura de produtos brasileiros no exterior acumulavamse os fundos líquidos em mãos dos importadores fundos esses que advinham das vendas na etapa anterior de pros peridade Esses fundos líquidos pressionavam sobre a balança de pagamentos exatamente no momento em que se reduzia a oferta de divisas É interessante observar a forma distinta como se apresentou esse mesmo problema nos EU onde os fundos líquidos dos exportadores ingleses tenderam desde cedo a aplicarse em títulos da divida pública Vejase A K MANCHCSTER op cif p 315 e também LELANO H JEW Migratian oi British Capital Io 1873 Nova York 1927 p 6870 se encontram no exterior Dessa forma a crise vem acompanhada para o país industrializado de contração das importações baixa de preços dos artigos importados e entrada de capitais Por último como grande parte dos capitais exportados rio século xix eram empréstimos públicos ou inversões no setor privado com garantia de juros o serviço dos capitais constituía uma partida relativamente rígida na conta corrente da balança de pagamentos e contribuía para reforçar a posição internacional dos países exportadores de capital nas etapas de depressão Nas economias dependentes a crise se apresenta de forma total mente distinta tendo início com uma queda no valor das exportações em razão de uma redução seja no valor unitário dos produtos exportados seja nesse valor e no volume total das exportações141 É necessário que passe algum tempo para que a contração do valor das exportações exerça seu pleno efeito sobre a procura de importações sendo portanto de esperar que se crie um desequilíbrio inicial na balança de pagamentos Por outro lado a queda dos preços das mercadorias importadas produtos manufaturados se faz mais len tamente e com menor intensidade que a dos produtos primários ex portados isto é tem início uma piora na relação de preços do intercâmbio A esses dois fatores vêm acumularse os efeitos da rigi dez do serviço dos capitais estrangeiros e a redução na entrada desses capitais42 Em tais condições é fácil prever as imensas reservas metálicas que exigiria o pleno funcionamento do padrãoouro numa 141 O primeiro desses fenômenos ocorre com os produtos alimentícios cuja procura apresenta uma baixa elasticidaderenda isto é se deixa influenciar pouco pelas flutuações da renda do consumidor 0 segundo ocorre com as matériasprimas industriais cuja procura se contrai bruscamente com a redução da atividade industrial Num e noutro caso entretanto baixam os preços pois se reduzem as perspectivas de lucros nos negócios 142 0 serviço dos capitais estrangeiros não chegou a constituir uma carga excessivamente pesa da para a balança de pagamentos do Brasil na segunda metade do século x Comparado com o valor das exportações esse serviço teria aumentado de 94 por cento em 186164 para 121 por cento em 189092 Sem embargo se se excetuam casos especiais constituídos por períodos em que se contraíram grandes empréstimos públicos para fins nâoeconômicos Guerra do Paraguai consolidação da divida etc a entrada de capitais foi sempre inferior ao serviço da divida Num período excepcionalmente favorável como 188689 a importação de capitais alcançou 143 por cento do valor das exportações enquanto o serviço dos capi tais estrangeiros atingia 146 por cento Num período menos favorável como 187685 a im portação de capitais se reduz a 53 por cento e o serviço dos capitais estrangeiros alcança 122 por cento vejase sobre esse assunto o meticuloso estudo de J P WUMAM cÜ economia como a do apogeu do café no Brasil À medida que a eco nomia escravistaexportadora era substituída por um novo sistema com base no trabalho assalariado tõrnavase mais difícil o funcionamento do padrãoouro A análise dessa questão é tanto mais interessante quanto projeta muita luz sobre o tipo de dificuldade que enfrentava o homem público brasileiro da época para captar a realidade econômica do país Constituindo a economia brasileira uma dependência dos centros in dustriais dificilmente se podia evitar a tendência a interpretar por analogia com o que ocorria na Europa os problemas econômicos do país A ciência econômica européia penetrava através das escolas de direito e tendia a transformarse em um corpo de doutrina que se aceitava independentemente de qualquer tentativa de confronto com a realidade Ali onde a realidade se distanciava do mundo ideal da doutrina supunhase que tinha início a patologia social Dessa forma passavase diretamente de uma interpretação idealista da realidade para a política excluindo qualquer possibilidade de crítica da doutrina em confronto com a realidade Essa inibição mental para captar a realidade de um ponto de vista críticocientífico é particularmente óbvia no que diz respeito aos problemas monetários A razão disso deriva de que na Europa não se fez durante o século xix nenhum esforço sério para elaborar uma teoria monetária fora do esquema do padrãometálico O político brasileiro com a formação de economista estava preso por uma série de preconceitos doutrinários em matéria monetária que eram as regras do padrãoouro Na moeda que circulava no Brasil viase apenas o aspecto patológico ou seja sua inconversibilidade E ao tentar aplicar a essa moeda inconversível as regras do padrãometálico particularmente aquelas que derivavam da teoria quantitativa era levado a afastarse mais e mais da realidade Ao historiador das idéias econômicas no Brasil não deixará de surpreender a monótona insistência com que se acoima de aberrativo e anormal tudo que ocorre rio país a inconversibilidade os déficits as emissões de papelmoeda Essa anormalidade secular não chega entretanto a constituir objeto de estudo sistemático Com efeito não se faz nenhum esforço sério para compreender tal anormalidade que em última instância era a realidade dentro da qual se vivia Todos os esforços se gastam numa tarefa que á experiência histórica demons trava sèr vi submeter o sistema econômico àsjègras monetárias que prevaleciam na Europa Esse enorme esforço de mimetismo que derivava de uma fé inabalável nos princípios de uma doutrina sem fundamento na observação da realidade se estenderá pelos três primeiros decênios do século xx CAPÍTULO XXVIII A DEFESA DO NÍVEL DE EMPREGO EA CONCENTRAÇÃO DA RENDA Vimos que a existência de uma reserva de mãodeobra dentro do país reforçada pelo forte fluxo imigratório permitiu que a economia cafeeira se expandisse durante um longo período sem que os salários reais apresentassem tendência para a alta A elevação do salário médio no país refletia o aumento de produtividade que se ia alcanr çando através da simples transferência de mãodeobra da economia estacionaria de subsistência para a economia exportadora As melhoras de produtividade obtidas na própria economia exportadora essas o empresário podia retêlas pois nenhuma pressão se formava dentro do sistema que o obrigasse a transferilas total ou parcialmente para os assalariados Também assinalamos que esses aumentos de pro dutividade do setor exportador eram de natureza puramente econômica e refletiam modificações nos preços do café Para que houvesse aumento na produtividade física seja da mãodeobra seja da terra era necessário que o empresário aperfeiçoasse os processos de cultivo ou intensificasse a capitalização isto é aplicasse maior quantidade de capital por unidade de terra ou de mãodeobra Não existindo nenhuma pressão da mãodeobra no sentido da elevação dos salários ao empresário não interessava substituir essa mãodeobra por capital isto é aumentar a quantidade de capital por unidade de mãodeobra Como os frutos dos aumentos de pro dutividade revertiam para o capital quanto mais extensiva fosse a cultura vale dizer quanto maior fosse a quantidade produzida por unidade de capital imobilizado mais vantajosa seria a situação do empresário Transformandose qualquer aumento de produtividade em lucros é evidente que seria sempre mais interessante produzir a maior quantidade possível por unidade de capital e não pagar o mínimo possível de salários por unidade de produto A conseqüência prática dessa situação era que o empresário estava sempre interessado em aplicar seu capital novo na expansão das plantações não se for mando nenhum incentivo à melhora dos métodos dê cultivo Observação idêntica se poderia fazer relativamente à terra É evi dente que se esta fosse escassa concluída sua ocupação os empresári os seriam induzidos a melhorar os métodos de cultivo e a intensificar a capitalização para aumentar os rendimentos Por outro lado a ocupa ção de solos de qualidade inferior iria elevando a renda da terra isto é obrigaria o empresário a transferir para o proprietário da terra uma parcela crescente de seus lucros Para defenderse contra essa pressão da renda da terra o empresário seria levado a intensificar os cultivos ou seja a aumentar a dose de capital imobilizado por unidade de terra cultivada Ora a terra mais ainda do que a mãodeobra existia em abundância desocupada ou subocupada na economia de subsistência O empresário tratava de utilizála aplicando o mínimo de capital por unidade de superfície Sempre que essa terra dava sinais de esgotamento se justificava do ponto de vista do empresário abandonála transferindose o capital para solos novos de mais ele vado rendimento A destruição de solos que do ponto de vista social pode parecer inescusável do ponto de vista de um empresário priva do cuja meta é obter o máximo de lucro de seu capital é perfeita mente concebível A preservação do solo só preocupa o empresário quando tem um fundamento econômico Ora os incentivos econômi cos o induziam a estender suas plantações a aumentar a quantidade de terra e de mãodeobra por unidade de capital As condições econômicas em que se desenvolvia a cultura do café não criavam portanto nenhum estímulo ao empresário para aumentar a produtividade física seja da terra seja da mãodeobra por ele utilizadas Era essa aliás a forma racional de crescimento de uma economia onde existiam desocupadas ou subocupadas terra e mãode obra e onde era escasso o capital Podese argumentar evi dentemente que a destruição consciente de solos seria de efeitos ne gativos a longo prazo Nem por isso se poderá deixar de reconhecer que o método da cultura extensiva possibilitava um volume de pro dução por unidade de capital fator escasso muito superior ao que se lograria com métodos agrícolas intensivos A situação pode ser perfeitamente assimilada à de uma indústria extrativa pois o esgo tamento de uma reserva mineral representa a alienação de um patrimônio cuja ausência poderá ser lamentada pelas gerações futuras Mas se o aproveitamento da reserva esgotável se faz para dar início a um processo de desenvolvimento econômico não somente a geração presente mas também as futuras que receberão a reserva transformada em capital reprodutível serão beneficiadas O problema dos solos é até certo ponto menos grave pois quase sempre é possível reconstituílos Serão raros os casos em que a destruição de solos é irreparável Pelas razões indicadas e outras o setor exportador não apresentou graças à sua expansão nenhuma tendência a aumentar sua produtividade física Os frutos do aumento de produtividade que retinha o empresário e a que antes nos referimos refletiam principal mente elevações ocasionais de preços Ora essas elevações de preços se manifestavam por meio do ciclo econômico sendo portanto de es perar que o empresário devolvesse na forma de lucros mais baixos aquilo que ganhara em lucros extraordinários na etapa cíclica favo rável As flutuações dos preços de exportação se traduziriam dessa maneira em contrações e expansões da margem de lucro do empre sário Entretanto assim não ocorria por motivos mais ou menos óbvios Já observamos que a contração cíclica trazia consigo quase necessariamente um desequilíbrio na balança de pagamentos cuja correção se fazia por meio de reajustamentos na taxa cambial143 Ora o desequilíbrio externo conforme indicamos decorria de uma série de fatores ligados à própria natureza do sistema econômico A crise penetrava neste de fora para dentro e seu impacto alcançava necessariamente grandes proporções Verificamos que na primeira eta pa isto é naquela que se seguia imediatamente à baixa dos preços de exportação a procura de importações influenciada pelos efeitos indi retos da expansão anterior das vendas externas e pela forma de finan ciamento das importações teria de prolongarse durante algum 143 A paridade legal do milréis a partir de 1942 chamado cruzeiro que na época da indepen dência era 67V4 pence correspondente a 1S600 por oitava de ouro de 22 quilates foi reduzi da a 4314 pence em 1833 e a 27 pence em 1846 No decênio dos cinqüenta a taxa média anual esteve a 27 ou acima de 27 durante seis anos em dez e em todos os anos foi superior a 25 Nos sessenta a média anual alcançou 27 em um ano e foi superior a 25 em cinco anos Nos setenta alcançou 27 num ano e foi superior a 25 em quatro anos Nos oitenta nao alcan çou 27 em nenhum ano foi superior a 25 em dois e inferior a 20 em dois Nos noventa foi infe rior 20 em nove anos tempo A ação deste e de outros fatores que indicamos resultava o desequilíbrio isto é a acumulação de um déficit na conta corrente da balança de pagamentos Se a economia operasse dentro das regras do padrãoouro vale dizer através da liquidação de ativos externos e re servas metálicas a correção do desequilíbrio adviria como conseqüência da contração geral que se propagaria do setor exportador a todas as atividades econômicas Já observamos que a contração do setor ex portador pela lógica do sistema deveria traduzirse principalmente em redução na margem dos lucros A contração da renda global resultante da crise se manifestaria portanto basicamente numa redução das remunerações das classes nãoassalariadas Como nos gastos de consumo dessas classes de altas rendas os produtos importados parti cipavam com elevada parcela é evidente que uma brusca contração nos lucros do setor exportador tenderia a reduzir a procura de bens importados Demais a redução dos lucros afetaria o volume das in versões provocando uma série de efeitos secundários tendentes a re duzir a procura de importações A correção do desequilíbrio através da taxa cambial era uma ope ração de natureza e conseqüências inteiramente distintas Ao reduzi remse os preços dos produtos exportados no caso o café tendia a baixar bruscamente o poder aquisitivo externo da moeda nacional144 Essa baixa se processava mesmo antes que se materializasse o desequilíbrio pois a simples previsão de que viria tal desequilíbrio era suficiente para que tivesse início uma corrida contra o valor externo da moeda Dessa forma encareciam bruscamente todos os produtos importados reduzindose automaticamente sua procura dentro do país Assim sem necessitar de liquidar reservas que aliás não pos suía a economia lograva corrigir o desequilíbrio externo Por um lado cortavase o poder de compra dos consumidores de artigos importados elevando os preços destes e por outro estabeleciase uma 144 0 papel do preço do café como fator determinante da taxa cambial foi perfeitamente perce bido por WLEMAN numa época em que os observadores mais esclarecidos do Brasil preocu pavamse apenas com as emissões de moedapapel e os déficits do governo central Wuuw observa que entre 186164 e 186569 o preço médio da saca de café baixou de 5S729 para 4952 ouro e a taxa de cambio média desce de 26 para 2131 no período 187075 a saca de café sobe para 6339 e a taxa de cambio se recupera indo para 243 no pertodo 187645 a saca desce para 3S247 e o cambio baixa para 22V4 Finalmente em 188689 o café sobe para 5S432 e o cambio se eleva para 24v4 Op d p 234248 espécie de taxa sobre a exportação de capitais fazendo pagar mais àqueles que desejassem reverter fundos para o exterior A redução do valor externo da moeda significava demais um prêmio a todos os que vendiam divisas estrangeiras isto é aos exportadores Para aclarar esse mecanismo vejamos um exemplo Suponhamos que na situação imediatamente anterior à crise o ex portador de café estivesse vendendo a saca a 25 dólares e transfor mando esses dólares em 200 cruzeiros isto é ao câmbio de 8 cruzeiros por dólar Desencadeada a crise ocorreria uma redução digamos de 40 por cento do preço de venda da saca de café a qual passava a ser cotada a 15 dólares Se a economia funcionasse num regime de estabilidade cambial tal perda de 10 dólares se traduziria pelas razões já indicadas em uma redução equivalente dos lucros do empresário Entretanto como o reajustamento vinha pela taxa cambial as conseqüências eram outras Admitamos que ao deflagrar a crise o valor do dólar subisse de 8 para 12 cruzeiros Os 15 dólares a que o nosso empresário estava vendendo agora a saca do café já não valiam 120 cruzeiros mas sim 180 Dessa forma a perda do empresário que em moeda estrangeira havia sido de 40 por cento em moeda nacional passava a ser de 10 por cento O processo de correção do desequilíbrio externo significava em última instância uma transferência de renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto os em presários exportadores estavam na realidade logrando socializar as perdas que os mecanismos econômicos tendiam a concentrar em seus lucros É verdade que parte dessa transferência de renda se fazia dentro da própria classe empresarial na sua qualidade dupla de exportadora e consumidora de artigos importados Não obstante a parte principal da transferência teria de realizarse entre a grande massa de consumidores de artigos importados e os empresários exportadores Para darse conta do vulto dessa transferência bastaria atentar na composição das importações brasileiras no fim do século xix e começo do xx quando metade delas era constituída por alimentos e tecidos Durante a depressão as importações que se contraíam menos dada a baixa elasticidaderenda de sua procura eram aquelas de produtos essenciais utilizados pela grande massa consumidora Os produtos de consumo de importação exclusiva das classes nãoassalariadas apresentavam elevada elasticídaderenda dado seu caráter de nãoessencialidade Em síntese os aumentos de produtividade econômica alcançados na alta cíclica eram retidos pelo empresário dadas as condições que prevaleciam de abundância de terras e de mãodeobra Havia portanto uma tendência à concentração da renda nas etapas de prosperidade Crescendo os lucros mais intensamente que os salários ou crescendo aqueles enquanto estes permaneciam estáveis é evidente que a participação dos lucros no total da renda territorial tendia a aumentar Na etapa de declínio cíclico havia uma forte baixa na produtividade econômica do setor exportador Pelas mesmas razões por que na alta cíclica os frutos desse aumento de produtivi dade eram retidos pela classe empresarial na depressão os prejuízos da baixa de preços tenderiam a concentrarse nos lucros dos empre sários do setor exportador Não obstante o mecanismo pelo qual a economia corrigia o desequilíbrio externo o reajustamento da taxa cambial possibilitava a transferência do prejuízo para a grande massa consumidora Destarte o processo de concentração de riqueza que caracterizava a prosperidade não encontrava um movimento compensatório na etapa de contração da renda A razão de ser dessa forma de operar estava no esforço de so brevivência de um organismo econômico que contava com escassos meios de defesa A crise econômica do ponto de vista de um centro industrial apresentavase como uma parada mais ou menos regular numa marcha firme para a frente Essa parada permitia reajustar as peças do sistema que numa etapa de crescimento rápido tendiam a descoordenarse A queda brusca da lucratividade significava a eli minação dos menos eficientes e dos financeiramente mais débeis Por outro lado exigia dos financeiramente fortes aumentarem sua efici ência e possibilitava a concentração do poder financeiro indispensável na etapa superior de desenvolvimento da economia capitalista Na economia dependente exportadora de produtos primários a crise se apresentava como um cataclismo imposto de fora para dentro As contorções que realizava essa economia para defenderse da pressão esmagadora que vinha do exterior não guardavam nenhuma semelhança com as ações e reações que se processavam na economia industrializada nos períodos de depressão e recuperação que sucediam à crise Se à baixa dos preços de exportação se transformasse como seria de esperar pela lógica do sistema em redução dos lucros dos empresários é evidente que conforme fosse o grau dessas perdas muitos deles teriam que interromper a produção de café ou as compras desse produto aos pequenos produtores locais Não sendo praticável uma redução do custo a curto prazo através de uma compressão dos salários cujo nível não se elevava na alta cíclica a única solução que ficaria ao empresário ou àqueles financeiramente menos resistentes seria reduzir a produção Dessa forma tenderia a paralisarse uma grande parte da atividade econômica Dada a natureza dessa atividade a paralisação acarretaria a maior de todas as perdas Por sua própria natureza a plantação de café significa uma in versão a longo prazo com grandes imobilizações de capital A terra ocupada pelo café não pode ser utilizada senão de forma subsidiária para outras culturas Não existe como no caso dos cereais a pos sibilidade de reduzir no período produtivo seguinte a área semeada O abandono da plantação de café significaria para o empresário um grande prejuízo dado o montante do capital imobilizado Por outro lado como não existia possibilidade alternativa de utilização da mão deobra a perda total de renda seria de grandes proporções A população que deixasse de trabalhar nos cafezais reverteria à pura economia de subsistência A queda da renda monetária teria evidentemente uma série de efeitos secundários sobre a economia de mercado interno ampliandose o efeito depressivo E esse elevado preço seria pago por coisa nenhuma ou por muito pouco Provavel mente se operaria uma maior concentração da propriedade absorvendo os empresários de maior poder financeiro os mais fracos Não há entretanto nenhuma razão para crer que se criassem estímulos no sentido de aumento da produtividade Dada a natureza da atividade econômica a única forma de lograr a curto prazo aumentos de pro dutividade física seria cortando na folha de salários o que não cons tituía uma solução do ponto de vista do conjunto da coletividade Explicase portanto que a economia procurasse por todos os meios manter o seu nível de emprego durante os períodos de depressão Qualquer que fosse a redução no preço internacional do café sempre era vantajoso do ponto de vista do conjunto da coletividade manter o nível das exportações Defendiase assim o nível de emprego dentro do país e limitavamse os efeitos secundários da crise Sem embargo para que esse objetivo fosse alcançado era ne cessário que o impacto da crise não se concentrasse nos lucros dos empresários pois do contrário parte destes últimos seria forçada a paralisar suas atividades por impossibilidade financeira de enfrentar maiores reduções em suas receitas CAPÍTULO XXIX A DESCENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA E A FORMAÇÃO DE NOVOS GRUPOS DE PRESSÃO Observando mais detidamente o processo de depreciação cam bial depreendese facilmente que as transferências de renda assumiam várias formas Por um lado havia transferências entre o setor de sub sistência e o exportador em benefício deste último pois os preços que pagava o setor de subsistência pelo que importava cresciam relativa mente aos preços que pagava o setor exportador pelos produtos de subsistência Por outro lado havia importantes transferências dentro do próprio setor exportador uma vez que os assalariados rurais emprega dos neste último se bem que produzissem boa parte de seus próprios alimentos recebiam em moeda a principal parte de seu salário e con sumiam uma série de artigos de uso corrente que eram importados ou semimanufaturados no país com matériaprima importada Os núcleos mais prejudicados eram entretanto as populações urbanas Vivendo de ordenados e salários e consumindo grandes quantidades de artigos im portados inclusive alimentos o salário real dessas populações era par ticularmente afetado pelas modificações da taxa cambial O efeito regressivo na distribuição da renda provocado pela de preciação cambial era demais agravado pelo funcionamento das fi nanças públicas O imposto às importações base da receita do governo central era cobrado a uma taxa fixa de câmbio145 145 Sendo o imposto ad valorem pago em moeda nacional a uma laxa de câmbio fixa 27 d por milréis resultava que ao depreciarse a moeda a parte do imposto permanecia estável en quanto aumentava o valor em moeda nacional da mercadoria importada Dessa forma a receita governamental proveniente do imposto de importação permanecia estacionaria enquanto cres cia o valor em moeda nacional do que se importava e ainda mais o valor das divisas Em 1886 a reforma Beüsário fixou em 24 d o valor do milréis para fim de arrecadação do imposto Ao subir o câmbio acima desse nfvel nos dois anos seguintes o valor do imposto aumentou mais que o das importações enquanto se reduzia o preço das divisas o que contribuiu para criar a situação excepcionalmente favorável das finanças públicas nesses anos Murtinho em 1900 deu uma solução radical ao problema introduzindo a taifaouro Ao depreciarse a moeda reduziase a importância advaloremdo imposto acarretando dois efeitos de caráter regressivo Por um lado a redução real do gravame era maior para os produtos que pagavam maior imposto isto é para os artigos cujo consumo se limitava às classes de altas rendas Em segundo lugar a redução relativa das receitas públicas obrigava o governo a emitir para financiar o déficit e as emissões operavam como um imposto altamente regressivo pois incidiam particularmente sobre as classes assalariadas urbanas A redução do valor em ouro da receita governamental era tanto mais grave quanto o governo tinha importantes compromissos a saldar em ouro Ao depreciarse o câmbio o governo era obrigado a dedicar uma parte muito maior de sua receita em moeda nacional ao serviço da dívida externa E em conseqüência para manter os serviços públicos mais indispensáveis viase obrigado a emitir moedapapel Se se excetua o período da guerra do Paraguai não existe nenhuma indicação de que as emissões de moedapapel hajam sido destinadas a expandir as atividades do setor público146 Por outro lado para defender o câmbio o governo contraía sucessivos e onerosos empréstimos externos cujo serviço acarretava uma sobrecarga fiscal incompressível O aumento da importância relativa do serviço da dívida na despesa pública tornou mais e mais difícil ao governo financiar seus gastos com receitas correntes nas etapas de depressão Dessa forma estabeleciase uma íntima conexão entre os empréstimos externos os déficits orçamentários as emissões de papelmoeda em boa parte efetuadas para financiar os déficits e os desequilíbrios da conta corrente da balança de pagamentos através das flutuações da taxa de câmbio A forma de operar do sistema fiscal merece particular atenção pois se por um lado contribuía para reduzir o impacto das 146 A comparação entre o decênio dos oitenta e o dos noventa é a esse respeito muito ilustrativa No primeiro desses decênios o meio circulante se manteve estacionário e no se gundo mais que triplicou Sem embargo se comparamos o monte da empresa do governo central com o valor das exportações comprovamos que a relação entre aquela e estas desce de 072 para 049 Essa redução reflete em parte a transferência de renda em beneficio da classe exportadora acarretada pela depreciação cambial mas também evidencia que muito provavelmente houve uma forte redução da carga fiscal Outro indicio dessa redução nos é dado peto fato de que a receita ordinária representou somente 80 por cento da despesa no segundo decênio contra 88 por cento no anterior flutuações externas por outro lado agravava o processo de trans ferência regressiva da renda nas etapas de depressão O fato de que se reduzisse a carga fiscal ao depredãrse a moeda isto é nas etapas em que os preços dos produtos exportados baixavam no mercado in ternacional operava evidentemente como um fator compensatório da pressão deflacionária externa Sem embargo a redução da carga fiscal se fazia principalmente em benefício dos grupos sociais de rendas elevadas Por outro lado a cobertura dos déficits com emissões de papelmoeda criava uma pressão inflacionária cujos efeitos imediatos se sentiam mais fortemente nas zonas urbanas Dessa forma a depressão externa redução dos preços das exportações transformava se internamente em um processo inflacionário No último decênio do século desequilíbrios internos desse tipo foram agravados pela política monetária que seguiu o governo pro visório instalado após a proclamação do regime republicano A política monetária do governo imperial nos anos oitenta traumatizada pela miragem da conversibilidade por um lado conduzira a um grande aumento da dívida externa e por outro mantivera o sistema econômico em regime de permanente escassez de meios de pagamento Entre 1880 e 1889 a quantidade de papelmoeda em circulação diminuiu de 216 para 197 mil contos enquanto o valor do comércio exterior importações exportações cresceu de 411 para 477 mil contos Se se tem em conta que nesse período o sistema da escravidão foi substituído pelo do assalariado e que entraram no país cerca de 200 mil imigrantes compreendese facilmente a enorme adstringência de meios de pagamento que prevaleceu então O sistema monetário de que dispunha o país demonstrava ser totalmente inadequado para uma economia baseada no trabalho assalariado Esse sistema tinha como base uma massa de moedapapel emitida pelo Tesouro para cobrir déficits do governo e em menor quantidade cerca de 20 por cento nos anos oitenta por notas emitidas por bancos que em certas ocasiões haviam gozado do privilégio de emissão Era totalmente destituído de elasticidade e sua expansão anterior havia resultado de medidas de emergência tomadas em momento de crise ou do simples arbítrio dos governantes Enquanto prevalecera o regime do trabalho escravo sendo reduzido o fluxo de renda monetária não eram muitos os tropeços criados por esse rudi méntarjsistema monetário Contudo a partir da crise de 1875 fezse evidente á necessidade cie dotar o país de um mínimo de automatismos monetários Terseia que esperar entretanto até 1888 para que o Parlamento aprovasse uma imprecisa reforma a qual o governo imperial relutaria até o fim em aplicar A incapacidade do governo imperial para dotar o país de um sistema monetário adequado bem como sua inaptidão para encami nhar com firmeza e positivamente a solução do problema da mãode obra refletem em boa medida divergências crescentes de interesses entre distintas regiões do país Nas etapas anteriores mesmo que fossem reduzidas as relações econômicas entre essas regiões nenhuma divergência de interesses fundamentais as separava No norte e no sul as formas de organização social eram as mesmas as classes dirigentes falavam a mesma linguagem e estavam unidas em questões fundamentais como fora o caso da luta pela manutenção do tráfico de escravos Nos últimos decênios do século as divergências começam a aprofundarse A organização social do sul transformouse rapidamente sob a influência do trabalho assalariado nas plantações de café e nos centros urbanos e da pequena propriedade agrícola na região de colonização das províncias meridionais As necessidades de ação administrativa no campo dos serviços públicos da educação e da saúde da formação profissional da orga nização bancária etc no sul do país são cada vez maiores O governo imperial entretanto em cuja política e administração pesam homens ligados aos velhos interesses escravistas apresentava escassa sensibilidade com respeito a esses novos problemas A proclamação da República em 1889 toma em conseqüência a forma de um movimento de reivindicação da autonomia regional Aos novos governos estaduais caberá nos dois primeiros decênios da vida re publicana um papel fundamental no campo da política econômico financeira A reforma monetária de 1888 que o governo imperial não executou no modo como foi aplicado posteriormente pelo governo provisório concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito A transição de uma prolongada etapa de crédito excessi vamente difícil para outra de extrema facilidade deu lugar a uma febril atividade econômica como jamais se conhecera no país A brusca expansão da renda monetária acarretou enorme pressão sobre a balança de pagamentos A taxa média de câmbio desceu de 26d em 1890 para 13 15l6 em 1893 e continuou declinandonos anos seguintes até o fim do decênio quando alcançou 8 732 A grande depreciação cambial do último decênio do século provocada principalmente pela expansão creditícia imoderada do pri meiro governo provisório criou forte pressão sobre as classes assalaria das particularmente nas zonas urbanas Essa pressão não é alheia à intranqüilidade social e política que se observa nessa época caracteriza da por levantes militares e intentos revolucionários dos quais o país se havia desabituado no correr do meio século anterior A partir de 1898 a política de Murtinho reflete um novo equilíbrio de forças17 A redução do serviço da dívida externa por meio de um empréstimo de consolidação 1898 a introdução da cláusulaouro na arrecadação do imposto de im portação 1900 uma série de medidas de caráter deflacionário e um substancial aumento no valor das exportações de 26 milhões de libras em 189699 para 37 milhões em 190003 tornaram possível a recuperação do equilíbrio externo18 Os interesses diretamente ligados à depreciação ex terna da moeda grupos exportadores terão a partir dessa época que enfrentar a resistência organizada de outros grupos Entre estes se desta cam a classe média urbana empregados do governo civis e militares e do comércio os assalariados urbanos e rurais os produtores agrícolas ligados ao mercado interno as empresas estrangeiras que exploram serviços públicos das quais nem todas têm garantia de juros Os nas centes grupos industriais mais interessados em aumentar a capacidade 147 Joaquim Murtinho ministro da Fazenda do governo Campos Salles 18981902 adotou pela primeira vez no Brasil um conjunto de medidas econômicofinanceiras coordenadas e visando um objetivo definido que era reduzir a pressão sobre a balança de pagamentos e restabelecer o crédito exterior do governo Murtinho foi influenciado pelo livro de WILEMAN cit o qual constitui indubitavelmente a primeira análise objetiva e sistemática com base em critica cui dadosa das fontes estatísticas das causas da tendência ao desequilíbrio externo da econo mia brasileira 148 O grande aumento do valor das exportações brasileiras entre o último decênio do século passado e o primeiro do atual fator principal da melhora substancial na posição da balança de pagamentos teve como causa básica a grande expansão das exportações de borracha A participação desse produto no valor das exportações brasileiras subiu de 10 por cento em 1890 para 39 por cento em 1910 produtiva portento nos preços dos èquipaimentos importados que em proteção adiçjonaÍlambém se sentem prejudicados com a depreciação cambial Se por um lado a descentralização republicana deu maior flexibi lidade políticoadministrativa ao governo no campo econômico em benefício dos grandes interesses agrícolaexportadores por outro lado a ascensão política de novos grupos sociais facilitada pelo regime re publicano cujas rendas não derivavam da propriedade veio reduzir substancialmente o controle que antes exerciam aqueles grupos agrí colaexportadores sobre o governo central Tem início assim um perío do de tensões entre os dois níveis de governo estadual e federal que se prolongará pelos primeiros decênios do século xx CAPÍTULO XXX A CRISE DA ECONOMIA CAFEEIRA O último decênio do século XIX criouse uma situação excepcionalmente favorável à expansão da cultura do café no Brasil Por um lado a oferta nãobrasileira atravessou uma etapa de dificuldades sendo a produção asiática grandemente prejudicada por enfermidades que praticamente destruíram os cafezais da ilha de Ceilão Por outro lado com a descentralização republicana o problema da imigração passou às mãos dos estados sendo abordado de forma muito mais ampla pelo governo do Estado de São Paulo vale dizer pela própria classe dos fazendeiros de café Finalmente o efeito estimulante da grande inflação de crédito desse período beneficiou duplamente a classe de cafeicultores proporcionou o crédito necessário para financiar a abertura de novas terras e elevou os preços do produto em moeda nacional com a depreciação cambial A produção brasileira que havia aumentado de 37 milhões de sacas de 60 kg em 188081 para 55 em 189091 alcançaria em 190102 163 milhões149 A elasticidade da oferta de mãodeobra e a abundância de terras que caracterizavam os países produtores de café constituíam clara indicação de que os preços desse artigo tenderiam a baixar a longo prazo sob a ação persistente das inversões em estradas de ferro portos e meios de transporte marítimo que se iam avolumando no último quartel do século passado Percebese melhor a natureza desse pro blema observandoo de uma perspectiva mais ampla Os empresários das economias exportadoras de matériasprimas ao realizarem suas inversões tinham de escolher dentre um número limitado de produtos requeridos pelo mercado internacional No caso do Brasil o produto que apresentava maior vantagem relativa era o café Enquanto o preço desse artigo não baixasse a ponto de que aquela vantagem 149 PEWC OEMS cp at p 176 recolhe ciados relativos à produção brasileira e mundial no período 18701905 desaparecesse os capitais formados no país continuariam acorrendo para a cultura do mesmo Portanto era inevitável que a oferta de café tendesse a crescer não em função do crescimento da procura mas sim da disponibilidade de mãodeobra e terras subocupadas e da vantagem relativa que apresentasse esse artigo de exportação Ocorreu entretanto que a grande expansão da cultura cafeeira do final do século xrx teve lugar praticamente dentro das fronteiras de um só país As condições excepcionais que oferecia o Brasil para essa cul tura valeram aos empresários brasileiros a oportunidade de controlar três quartas partes da oferta mundial desse produto Essa circunstância é que possibilitou a manipulação da oferta mundial de café a qual iria emprestar um comportamento todo especial à evolução dos preços desse artigo Ao comprovarse a primeira crise de superprodução nos anos iniciais do século xx os empresários brasileiros logo perceberam que se encontravam em situação privilegiada entre os produtores de artigos primários para defenderse contra a baixa de preços Tudo o de que necessitavam eram recursos financeiros para reter parte da produ ção fora do mercado isto é para contrair artificialmente a oferta Os estoques assim formados seriam mobilizados quando o mercado apre sentasse mais resistência vale dizer quando a renda estivesse a altos níveis nos países importadores ou serviriam para cobrir deficiências em anos de colheitas más A partir da crise de 1893 que foi particularmente prolongada nos EUA começaram a declinar os preços no mercado mundial O valor médio da saca exportada em 1896 foi 291 libras contra 409 naquele ano Em 1897 ocorreu nova depressão no mercado mundial declinando os preços nos dois anos seguintes até alcançar 148 libra em 1899 Se os efeitos da crise de 1893 puderam ser absorvidos por meio de deprecia ção externa da moeda a situação de extrema pressão sobre a massa de consumidores urbanos que já existia em 1897 tornou impraticável in sistir em novas depreciações Já assinalamos que essa excessiva pres são levou a uma crescente intranqüilidade social e finalmente à adoção de uma política tendente à recuperação da taxa de câmbio Exatamente nessa etapa em que se fazia impraticável apelar para o mecanismo cambial a fim de defender a rentabilidade do setor cafeeiro configurase o problema da superprodução Os estoques de café que se avolumam ano a ano pesam sobre os preços provocando uma perda permanente de renda para os produtores e para o país A idéia de retirar do mercado parte desses estoques amadurece cedo no espírito dos dirigentes dos estados cafeeiros cujo poder político e financeiro fora amplamente acrescido pela descentralização republi cana No convênio celebrado em Taubaté em fevereiro de 1906 defi nemse as bases do que se chamaria política de valorização do produto Em essência essa política consistia no seguinte a com o fim de restabelecer o equilíbrio entre oferta e procura de café o governo interviria no mercado para comprar os excedentes b o financiamento dessas compras se faria com empréstimos estrangeiros c o serviço desses empréstimos seria coberto com um novo im posto cobrado em ouro sobre cada saca de café exportada d a fim de solucionar o problema a mais longo prazo os gover nos dos estados produtores deveriam desencorajar a expansão das plantações A acalorada polêmica que suscitou a política de valorização constituiu uma clara indicação das transformações que na época se operavam na estrutura políticosocial do país A descentralização re publicana havia reforçado o poder dos plantadores de café em nível regional Vimos já que essa descentralização que chegou a extremos no caso da aplicação da reforma bancária não é estranha à excessiva expansão das plantações de café que ocorre entre 1891 e 1897 Durante esse mesmo período sem embargo os grupos que exerciam pressão sobre o governo central tornaramse mais numerosos e complexos Assinalamos a importância crescente da classe média urbana na qual se destacava a burocracia civil e militar diretamente afetada pela de preciação cambial O importante grupo financeiro internacional reu nido em torno da casa Rothschild segue de perto a política econômicofinanceira do governo brasileiro particularmente depois do empréstimo de consolidação de 1898150 Por último os comerciantes 150 A atitude de Lord Rothschild que publicou uma caria violenta contra a Valorização refletia o temor de que nova bancarrota do governo brasileiro viesse repercutir no serviço da divida ex terna que deveria ser retomado em 1911 Não desejando participar de uma empresa arrisca da Rothschild tampouco via com bons ofhos que dela se aproveitassem outros grupos finan ceiros internacionais que buscavam uma oportunidade para firmar o pe num domínio bem guardado da velha casa financeira a que se ligara o governo brasileiro desde o seu segundo empréstimo externo realizado em 1825 importadores e os industriais cujos interesses por motivos distintos se opõem aos do cafeicultores encontram no regime republicano opor tunidade para aumentar o seu poder político O primeiro esquema de valorização teve de ser posto em prática pelos estados cafeicultores liderados por São Paulo sem o apoio do governo federal Diante da relutância deste último os governos estaduais aos quais a descentralização republicana concedera o poder constitucional exclusivo de criar impostos às exportações apelaram diretamente para o crédito internacional e puseram em marcha o projeto Essa decisão lhes valeu a vitória sobre os grupos opositores O governo federal teve finalmente que chamar a si a responsabilidade maior na execução da tarefa O êxito financeiro da experiência veio consolidar a vitória dos recalcitrantes que reforçaram o seu poder e por mais um quarto de século isto é até 1930 lograram submeter o governo central aos objetivos de sua política econômica O plano de defesa elaborado pelos cafeicultores fora bem conce bido Sem embargo deixava em aberto um lado do problema Man tendose firmes os preços era evidente que os lucros se mantinham elevados E também era óbvio que os negócios do café continuariam atrativos para os capitais que nele se formavam Em outras palavras as inversões nesse setor se manteriam em nível elevado pressionando cada vez mais sobre a oferta Dessa forma a redução artificial da oferta engendrava a expansão dessa mesma oferta e criava um problema maior para o futuro Esse perigo foi perfeitamente percebido na época Entretanto não era fácil contornálo A solução aparentemente estaria em evitar que a capacidade produtiva continuasse crescendo ou que crescesse mais intensamente como efeito da estabilidade dos preços num nível elevado As medidas tomadas nesse sentido foram porém infrutíferas Teria sido necessário que se oferecessem ao empresário outras oportunidades igualmente lucrativas de aplicação dos recursos que estavam afluindo continuamente a suas mãos sob a forma de lucros Em síntese a situação era a seguinte a defesa dos preços proporcionava à cultura do café uma situação privilegiada entre os produtos primários que entravam no comércio internacional A vantagem relativa que proporcionava esse produto tendia conseqüentemente a aumentar Por outro lado os lucros elevados criavam para o empresário a necessidade de seguir com suas inversões Destarte tomavase inevitável que essas inversões tendessem a encaminharse para a própria cultura do café Dessa forma o mecanismo dè defesa da economia cafeeira era em última instância um processo de transferência para o futuro da solução de um problema que se tornaria cada vez mais grave O complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcio nou com relativa eficiência até fins do terceiro decênio do século xx A crise mundial em 1929 o encontrou entretanto em situação extre mamente vulnerável Vejamos a razão disso A produção de café em razão dos estímulos artificiais recebidos cresceu fortemente na se gunda metade desse decênio Entre 1925 e 1929 tal crescimento foi de quase cem por cento o que revela a enorme quantidade de arbustos plantados no período imediatamente anterior151 Enquanto aumenta dessa forma a produção mantêmse praticamente estabilizadas as exportações Em 192729 as exportações apenas conseguiam absorver as duas terças partes da quantidade produzida152 A retenção da oferta possibilitava a manutenção de elevados preços no mercado internacional Esses preços elevados se traduziam numa alta taxa de lucratividade para os produtores e estes continuavam a intervir em novas plantações A procura por outro lado continuava a evoluir dentro das linhas tradicionais de seu comportamento Se se contraía pouco nas depressões também pouco se expandia nas etapas de grande prosperidade Com efeito não obstante a grande elevação da renda real ocorrida nos países industrializados no decênio dos vinte essa prosperidade em nada modificaria a dinâmica própria da procura de café a qual cresce lenta mas firmemente com a população e a urbanização Nos EUA principal importador onde a renda real per capita aumentou cerca de 35 por cento no correr desse decênio o consumo de café se manteve em torno de 12 libraspeso 151 A produção exportável de café aumentou de 15761000 para 28492000 de sacas de 60 kg segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro do Café Os dados estatísticos relativos a evolução do problema cafeeiro a partir de 192S estão reunidos em O Desenvolvimento Econômico do Brasil Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas segunda parte capitulo anexo estatístico 152 A produção média de 192729 foi de 209 milhões de sacas e a exportação de 141 milhOes O desequilíbrio máximo oi alcançado no ano da crise 1929 quando a produção atingiu 28 941 000 sacas e a exportação 14 281000 por habitantese bem que os preços novarejo se mantivessem estáveis Existia portanto uma situação perfeitamente caracterizada de desequilíbrio estrutural entre oferta e procura Não se podia esperar um aumento sensível da procura resultante de elevação da renda disponível para consumo nos países importadores Tampouco se podia pensar em elevar o consumo desses países baixando os preços A única forma de evitar enormes prejuízos para os produtores e para o país exportador era evitar retirando do mercado parte da produção que a oferta se elevasse acima daquele nível que exigia a procura para manter um consumo per capita mais ou menos estável a curto prazo Era perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham nenhuma possibilidade de ser utilizados economicamente num futuro previsível Mesmo que a economia mundial lograsse evitar nova depressão após a grande expansão dos anos vinte não havia nenhuma porta pela qual se pudesse antever a saída daqueles estoques pois a capacidade produtiva continuava a aumentar A situação que se criara era destarte absolutamente insustentável Com a perspectiva mais ampla de que hoje dispomos para observar esse processo histórico podemos perguntar onde estava o erro básico de toda essa política seguida inegavelmente com excepcional audácia O erro se assim o podemos qualificar estava em não se terem em conta as características próprias de uma atividade econômica de natureza tipicamente colonial como era a produção de café no Brasil O equilíbrio entre oferta e procura dos produtos coloniais obtinhase do lado desta última quando se atingia a saturação do mercado e do lado da oferta quando se ocupavam todos os fatores de produção mão deobra e terras disponíveis para produzir o artigo em questão Em tais condições era inevitável que os produtos coloniais apresentassem uma tendência a longo prazo à baixa de seus preços Manter elevado o preço do café de forma persistente era criar con dições para que o desequilíbrio entre oferta e procura se aprofundasse cada vez mais Para evitar essa tendência teria sido necessário que a 153 Os preços pagos em 1929 pelo consumidor norteamericano nao eram mais elevados que os de 1920 e estavam um pouco abaixo dos de 1925 Vejase para detalhes sobre este problema Capaddad de tos Estados Unidos para absorber tos productos latinoamericanos CEWL 1951 política de defesa dos preços houvesse sido complefada por outra de decidido desestímulo às inversões em plantações de café Essa política de desestímulo era impraticável se não se abria uma alternativa para o empresário produtor de café isto é se não se lhe dava oportunidade de aplicar alhures os lucros obtidos no setor cafeeiro corri uma rentabilida de comparável à deste último Essa oportunidade quase por definição não existia pois nenhum outro produto colonial poderia ser objeto de uma política de defesa do tipo da que beneficiava o café Na verdade requeriase dar um passo mais adiante e criar artificialmente a referida oportunidade Para tanto teria sido necessário estimular outras expor tações através de uma política de subsídios o que só seria praticável transferindo recursos financeiros do setor cafeeiro Os preços pagos ao produtor de café teriam de ser mantidos em um nível desencorajador de novas inversões e os frutos da diferença entre os preços pagos ao produtor e os de exportação cobertos os demais gastos poderiam ser utilizados para criar estímulos a outras atividades exportadoras estí mulos esses que poderiam tomar a forma de empréstimos a longo pra zo e de subsídios diretos à exportação Mesmo que se lograsse evitar a superprodução na forma indicada no parágrafo anterior não seria possível evitar que a política de defesa dos preços do café fomentasse a produção desse artigo naqueles outros países que dispusessem de terras e de mãodeobra em condições semelhantes às do Brasil ainda que menos vantajosas A manutenção dos preços a baixos níveis era condição indispensável para que os produtores brasileiros retivessem sua situação de semimonopólio Ao se prevalecerem dessa situação semimonopolís tica para defenderem os preços estavam eles destruindo as bases em que se assentara o seu privilégio Dessa forma por mais bem conce bida que tivesse sido a política de defesa dos preços do café a longo prazo ela surtiria certos efeitos negativos Esses efeitos teriam sido certamente menores se a referida política houvesse obedecido a prin cípios mais amplos Não resta dúvida porém de que na forma como foi seguida ela precipitou e aprofundou a crise da economia cafeeira no Brasil Vejamos mais uma vez os dados gerais do problema antes de analisarmos a solução que o mesmo encontrou na prática O terceiro decênio do século xx foi uma etapa de excepcional prosperidade para os países industrializados Entre 1920 e 1929t o produto nacional bruto dos EUA cresceu de 103 para 1527bilhões de dólares a preços constantes o que representa um aumento da renda reatper capita de mais de 35 por cento Enquanto isso o consumo de café se mantivera estável em torno de 12 libras e o preço pago pelo consumidor norte americano com pequenas variações em torno de 47 centavos de dólar por libra As possibilidades de expansão do mercado eram portanto praticamente nulas A manutenção daquele nível de preços vinha sendo obtida à custa de grandes retenções de estoques O valor dos estoques acumulados entre 192729 alcançou a soma avultada de 12 milhão de contos ou seja pelos preços de 1950 cerca de 24 bilhões de cruzeiros Em 1929 o valor dos estoques acumulados sobrepassou 10 por cento do produto territorial bruto do ano154 É fácil compreender a enorme força perturbadora potencial que representava para a economia esse tipo de operação O financiamento desses estoques havia sido obtido em grande parte de bancos estran geiros Pretendiase dessa forma evitar o desequilíbrio externo Veja mos o que em realidade se passara Os empréstimos externos serviam de base para a expansão de meios de pagamento destinados à compra de café que era retirado do mercado O aumento brusco e amplo da ren da monetária dos grupos que derivavam suas receitas da exportação não podia evidentemente deixar de provocar pressão inflacionária155 Essa pressão é particularmente grande numa economia subdesenvolvida e se manifesta de imediato em rápido crescimento das importações em razão da baixa elasticidade da oferta interna156 154 Os ciados relativos ao produto territorial e às inversões nominais e reais no período 192539 a que se az referência neste e no seguinte capitulo oram elaborados pelo autor com base no valor e volume físico da produção agrícola e industrial no valor e no quantum das importações na relação de preços do intercâmbio e nos gastos do governo federal usandose como deflator para estes últimos o Índice do custo de vida na cidade do Rio de Janeiro Para os dados básicos vejase Anuário Estatístico do Brasil 193739 e para os índices de produção agrícola industrial quantum das importações e relação de preços do intercâmbio CEPAL Estúdio Econômico de América Latina 1949 capitulo VII 155 O aumento do valor das exportações determina um crescimento da renda monetária maior de acordo com a magnitude do multiplicador Como a oferta é inelástica entre a expansão da renda monetária e o aumento da real há uma série de ajustamentos no nível de preços 156 Entre 192022 e 1929 enquanto o ouanfum das exportações aumentava apenas 10 por cento o das importações crescia cerca de cem por cento Para os dados básicos vejase Estúdio Econômico de América Latina ei Do que se disse no parágrafo anterior se depreende que a polítí cade acumulação de estoques de café criaria necessariamente uma pressão infladonária Ocorre entretanto que as maiores inversões em estoques foram realizadas em 192729 época que se caracterizou igualmente por fortes entradas de capital privado estrangeiro no país A coincidênda da afluência de capitais privados e da chegada dos empréstimos destinados a finandar o café deu lugar a uma situação cambial extremamente favorável e induziu o governo brasileiro a embarcar numa política de conversibilidade157 Deflagrada a crise no último trimestre de 1929 não foram neces sários mais que alguns meses para que todas as reservas metálicas acumuladas à custa de empréstimos externos fossem tragadas pelos capitais em fuga do país Dessa forma a ventura da conversibilidade do final dos anos vinte a qual em última instância era um subproduto da política de defesa do café serviu apenas para facilitar a fuga de capitais Não fosse a possibilidade de conversão que existiu nesse período a queda do milréis teria sido muito mais brusca es tabelecendose automaticamente uma taxa sobre a exportação de ca pitais Essa taxa evidentemente chegou mas somente depois de se evaporarem todas as reservas158 157 Em 1926 o governo Washington Luís estabeleceu a paridade do milréis em 0200 grama de ouro tino correspondente a S5 d e criou uma Caixa de Estabilização à qual caberia emitir papelmoeda contra reserva de cem por cento de ouro Á semelhança do que já ocorrera com a Caixa de Conversão criada em 1906 no governo Afonso Pena as notas emitidas com anlertondade não eram conversíveis passando a existir dois meios circulantes no pais um conversível e outro nâo Em 1929 circulavam notas nâc converslveis no valor de 2 543 000 contos e conversíveis na importância de 848000 contos 158 As reservas de ouro do governo alcançaram 31100 000 libras em setembro de 1919 Em dezembro de 1930 haviam desaparecido em sua totalidade CAPÍTULO XXXI OS MECANISMOS DE DEFESA E A CRISE DE 1929 Ao deflagrarse a crise mundial a situação da economia cafeeira se apresentava como segue A produção que sé encontrava em altos níveis teria de seguir crescendo pois os produtores haviam continuado a expandir as plantações até aquele momento Com efeito a produção máxima seria alcançada em 1933 ou seja no ponto mais baixo da depressão como reflexo das grandes plantações de 192728 Por outro lado era totalmente impossível obter crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depressão e o crédito do governo desaparecera com a evaporação das reservas Os pontos básicos do problema que cabia equacionar eram os seguintes a Que mais convinha colher o café ou deixálo apodrecer nos arbustos abandonando parte das plantações como uma fábrica cujas portas se fecham durante a crise W Caso se decidisse colher o café que destino deveria darse ao mesmo Forçar o mercado mundial retêlo em estoques ou destruílo c Caso se decidisse estocar ou destruir o produto como financiar essa operação Isto é sobre quem recairia a carga caso fosse colhido o café A solução que à primeira vista pareceria mais racional consistia em abandonar os cafezais Entretanto o problema consistia menos em saber o que fazer com o café do que decidir quem pagaria pela perda Colhido ou não o café a perda existia Abandonar os cafezais sem dar nenhuma indenização aos produtores significava fazer recair sobre estes a perda maior Ora conforme já vimos a economia havia desenvolvido uma série de mecanismos pelos quais a classe dirigente cafeeira lograra transferir para o conjunto da coletividade o peso da carga nas quedas cíclicas anteriores Seria de esperar portanto que se buscasse por esse lado a linha de menor resistência Vejamos em primeiro lugar como operou o mecanismo clássico de defesa através da taxa cambial A grande acumulaçãode estoques de 1929 a rápida liquidação das reservas metálicas brasileiras e as precárias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro aceleraram a queda do preço internacional do café iniciada conjuntamente com a de todos os produtos primários em fins de 1929 Essa queda assumiu proporções catastróficas pois dè setembro de 1929 a esse mesmo mês de 1931 a baixa foi de 225 centavos de dólar por libra para 8 centavos Dadas as características da procura do café cujo consumo não baixa durante as depressões nos países de elevadas rendas essa tremenda redução de preços teria sido inconcebível sem a situação especial que se havia criado do lado da oferta Basta ter em conta que o preço médio pago pelo consumidor norteamericano entre 1929 e 1931 baixou apenas de 479 para 328 centavos por libra159 Acumularamse portanto os efeitos de duas crises uma do lado da procura e outra do lado da oferta A situação favoreceu as organizações intermediárias no comércio do café as quais percebendo a debilidade da posição da oferta puderam transferir para os produtores brasileiros grande parte de suas perdas causadas pela crise geral Abaixa brusca do preço internacional do café e a falência do siste ma de conversibilidade acarretaram a queda do valor externo da moe da Essa queda trouxe evidentemente um grande alívio ao setor cafeeiro da economia A baixa do preço internacional do café havia al cançado 60 por cento A alta da taxa cambial chegou a representar uma depreciação de 40 por cento160 O grosso das perdas poderia portanto ser transferido para o conjunto da coletividade através da alta dos pre ços das importações Restava a considerar entretanto o outro lado do problema Não obstante toda essa baixa de preços o mercado interna cional não podia absorver a totalidade da produção pela razão muito 159 Vejase Capacidad de tos Estados Unidos para absorber tos productos latinoamericanos cü 160 O valor médio da saca de café exportada declinou de 471 libras em 1929 para 180 libra em 1932 34 ou seja uma baixa de 62 por cento Em moeda nacional a queda foi de 192 para 145 müréis isto é 25 por cento No triénio seguinte o preço em libras baixou para 129 e em mureis subiu para 159 Nesses cálculos continuase a utilizar o valorouro da libra anterior a desvalorização desta simples já indicada de que a procura era pouco elástica em função dos preços É verdade que deixada de lado a preocupação de defender os preços abriase a possibilidade de forçar o mercado E assim se fez lo grando um aumento do volume físico exportado entre 1929 e 1937 de 25 por cento Mesmo assim uma parte apreciável da produção ficava sem nenhuma possibilidade de colocarse no mercado Era evidente portanto que se requeriam medidas suplementares A depreciação da moeda ao atenuar o impacto da baixa do preço internacional sobre o empresário brasileiro induzia este a continuar colhendo o café e a manter a pressão sobre o mercado Essa situação acarretava nova baixa de preços e nova depreciação da moeda contribuindo para agravar a crise Como a depreciação da moeda era menor que a baixa de preços pois também estava influenciada por outros fatores era claro que se chegaria a um ponto em que o prejuízo acarretado aos produtores de café seria suficientemente grande para que estes abandonassem as plantações Somente então se restabeleceria o equilíbrio entre a oferta e a procura do produto A análise desse processo de ajustamento põe em evidência que o mecanismo do câmbio não podia constituir um instrumento de defesa efetivo da economia cafeeira nas condições excepcionalmente graves criadas pela crise que estamos considerando Faziase indispensável evitar que os estoques invendáveis pres sionassem sobre os mercados acarretando maiores baixas de preços Era essa a única forma de evitar que o equilíbrio fosse obtido à custa do abandono puro e simples da colheita isto é com perdas concen tradas no setor cafeeiro Entretanto como financiar a retenção de es toque Teria de ser evidentemente com recursos obtidos dentro do próprio país seja retendo uma parte do fruto da exportação do café seja com pura e simples expansão de crédito A medida que se utilizou a expansão de crédito houve mais uma vez uma socialização dos prejuízos Essa expansão de crédito por seu lado iria agravar o desequilíbrio externo contribuindo para maior depreciação da moeda o que beneficiava indiretamente o setor exportador Mas não bastava retirar do mercado parte da produção de café Era perfeitamente óbvio que esse excedente da produção não tinha nenhuma possibilidade de ser vendido dentro de um prazo que se pudesse considerar como razoável A produção prevista para os dez anos seguintes expedia com sobras a capacidade previsível de absor ção dos mercados compradores A destruição dos excedentes das co lheitas se impunha portanto como uma conseqüência lógica da política de continuar colhendo mais café do què se podia vender À primeira vista parece um absurdo colher o produto para destruílo Contudo situações como essa se repetem todos os dias na economia de mercados Para induzirem o produtor a não colher os preços teriam que baixar muito mais particularmente se se tem em conta que os efeitos da baixa de preços eram parcialmente anulados pela deprecia ção da moeda Ora como o que se tinha em vista era evitar que conti nuasse a baixa de preços compreendese que se retirasse do mercado parte do café colhido para destruílo Obtinhase dessa forma o equi líbrio entre a oferta e a procura em nível mais elevado de preços Dependendo assim fundamentalmente da estrutura da oferta o preço do café atravessou o decênio dos anos trinta totalmente indife rente à recuperação que a partir de 1934 se operava nos países indus trializados Após alcançar seu ponto mais baixo em 1933 a cotação internacional desse produto se mantém quase sem alteração até 1937 para em seguida cair ainda mais nos dois últimos anos do decênio É muito significativa essa grande estabilidade do preço do café assim deprimido durante todo o decênio dos trinta Como é sabido a recu peração compreendida entre 1934 e 1935 trouxe consigo uma elevação geral dos preços dos produtos primários O preço do açúcar por exemplo subiu em 140 por cento entre 1933 e 1937 o do cobre ele vouse pouco mais de cem por cento no mesmo período O preço do café entretanto em 1937 era igual ao de 1934 e inferior ao de 1932 Essa observação põe em evidência o fato de que o preço do café é condicionado fundamentalmente pelos fatores que prevalecem do lado da oferta sendo de importância secundária o que ocorre do lado da procura Já vimos que a grande elevação da renda real per capita ocorrida nos EUA nos anos vinte deixou inalterável o consumo de café nesse país não obstante os preços pagos pelo consumidor se tenham mantido estáveis Durante os anos de depressão os preços pagos pelo consumidor chegaram a baixar cerca de 40 por cento sem que o consumo apresentasse qualquer modificação significativa Em 1933 esse consumo era exatamente igual ao de 1929 Poderseia argumentar que o efeitopreço teria anulado o efeitorenda isto é que a alta do consumo ocasionada pela baixa do preço foi anulada pela baixa desse consumo trazida 5ela contração da renda Entfetantanão parece ser essa a razão pois no período seguinte de elevação de renda 193437 os preços pagos pelo consumidor continuaram a baixar tendo sido de 255 centavos por libra em 1937 contra 264 em 1933 Houve assim dois efeitos positivos no sentido do aumento do consumo elevação da renda real per capita e baixa de preço Contudo o consumo se manteve praticamente inalterado tendo sido de 131 libras per capita em 1937 contra 139 em 1931 e 125 em 1933161 Consideremos mais detidamente as conseqüências da política de retenção e destruição de parte da produção cafeeira seguida com o objetivo explícito de proteger o setor cafeicultor Ao garantir preços mínimos de compra remuneradores para a grande maioria dos produtores estavase na realidade mantendo o nível de emprego na economia exportadora e indiretamente nos setores produtores ligados ao mercado interno Ao evitarse uma contração de grandes proporções na renda monetária do setor exportador reduziamse proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia Como a produção de café cresceu nos anos da depressão tendo sido a colheita máxima de todos os tempos a de 1933 é evidente que a renda global dos produtores agrícolas se reduziu menos que os preços pagos a esses produtores162 Dessa forma ao permitir que se colhessem quantidades crescentes de café estavase inconscientemente evitando que a renda monetária se contraísse na mesma proporção que o preço unitário que o agricultor recebia por seu produto É fácil que o abandono nas árvores de 161 Vejase Capacidad de tos Estados Unidos etc cit A procura de café conforme a experiên cia dos anos cinqüenta veio indicar apresenta certa elasticidade em função dos preços quan do estes ultrapassam determinados níveis muito elevados Com respeito ao mercado dos EUA esse nfvei pode ser situado em torno de 1 dólar por libra no varejo Tida em conta a elevação dos preços para os anos trinta o referido nível não seria inferior a 50 centavos Como os pre ços oscilavam em torno a 25 centavos depreendese que nenhum efeito podiam ter sobre a procura 162 A produção exportável média no qüinqüênio 192529 foi de 213 milhões de sacas em 193034 sobe a 277 e em 193539 a 226 milhões No mesmo período o valor em moeda na cional da exportação se reduz de 268 mil contos para 203 alcançando no terceiro qüinqüênio 221 mu contos Os dados relativos è produção exportável são do Instituto Brasi leiro do Café e os relativos to exportações do Ministério da Fazenda Serviço de Estatística EconOmica e Financeira digamos um terço dessa produção quefoi o que aproximadamente se desuniu entre 1931 e 1939 teria significado enorme redução da renda do agricultor Vejamos por meio de um exemplo numérico simples o meca nismo dessa contração da renda do setor exportador ésua influência no nível da renda global da coletividade Suponhamos qué o multiplica dor163 de desemprego do setor exportador seja 3 Isso significa que uma redução de 1 na renda gerada pelas exportações determina uma redução global de 3 no conjunto da renda da coletividade As causas que estão por detrás desse mecanismo multiplicador são mais ou menos óbvias e refletem a interdependência das distintas partes de uma economia Ao receberem menos dinheiro por suas vendas ao exterior os exportadores e produtores ligados à exportação reduzem suas compras Os produtores internos afetados por essa redução também reduzem as suas e assim por diante Admitamos que a renda territorial de um país de economia de pendente seja gerada em dois setores um correspondente a 40 por cento totalmente autônomo do comércio exterior seria o setor de subsistência e o outro formado diretamente pelas atividades de ex portação e influenciado indiretamente por elas Sendo 3 o multiplicador de desemprego num momento dado diremos que as atividades exportadoras geram indiretamente 20 por cento da renda nacional e 40 por cento indiretamente Consideremos agora as dis tintas situações indicadas no quadro abaixo SETOR SETOR INFLUENCIADO SETOR RENDA EXPORTADOR PELO SETOR EXPORTADOR AUTÔNOMO TOTAL a 200 40 V 1000 b 100 20 40 700 c 120 24 40 760 W 75 15 40 625 163 O multiplicador é o fator pelo qual teríamos da multiplicar o aumento ou diminuição das inver sões ou das exportações para conhecer o efeito sobre a renda territorial dessa modificação no nfvel das inversões ou exportações No nosso caso tratamos de medir o efeito no perío do de um ano de uma redução na renda gerada diretamente petas exportações Se a redu cteolretaél0eabaixatotalorerKte30tfzenxsqueomuttipBcadoré3 Partindo da situação a consideramos distintas hipóteses de contração da renda do setor exportador é seus efeitos sobre a renda global da coletividade No caso b admitimos que se mantém o nível de produção no setor exportador isto é que se evita o desemprego enquanto os preços pagos ao produtor nesse setor são cortados pela metade O efeito final sobre a renda é uma redução de 30 por cento sendo 10 por cento efeito direto e 20 por cento indireto da contração de preços no setor exportador Na situação c contemplamos igualmente uma redução de 50 por cento no preço mas com um aumento concomitante de 20 por cento da quantidade produzida no setor de exportação O efeito final é uma redução de 24 por cento na renda global O caso d é distinto dos anteriores admitimos que para defender os preços se tenha permitido uma redução de 50 por cento da quantidade produzida Dada essa redução na produção a queda de preços teria sido de apenas 25 por cento Não obstante isso o efeito final seria uma contração de 375 por cento da renda total isto é a maior de todas O caso c reflete aproximadamente a experiência brasileira dos anos da depressão quando os preços pagos ao produtor de café foram reduzidos à metade permitindose entretanto que crescesse a quantidade produzida A redução da renda monetária no Brasil entre 1929 e o ponto mais baixo da crise se situa entre 25 e 30 por cento sendo portanto relativamente pequena se se compara com a de outros países Nos EUA por exemplo essa redução excedeu a 50 por cento não obstante os índices de preços por atacado desse país tenham sofrido quedas muito inferiores às do preço do café no comércio internacional A diferença está em que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego ao contrário do que estava ocorrendo no Brasil onde se mantinha o nível de emprego se bem que se tivesse de destruir o fruto da produção O que importa ter em conta é que o valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava Estávamos em verdade construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes Dessa forma a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretizase num verdadeiro programa de fomento da renda nacional Praticouse no Brasil inconscientemente uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados Vejamos como se passou isso Envi929 as inversões líquidas realizadas no conjunto da economia brasileira se elevaram a aproximadamente 23 milhões de contos de réis pelo valor aquisitivo da época Com a crise essas inversões se contraíram bruscamente e já em 1931 estavam reduzidas a 300 mil contos sempre em valores do ano corrente Não obstante nesse ano de 1931 se acumulam estoques de café no valor de 1 milhão de contos Essa acumulação de estoques tem do ponto de vista da formação da renda um efeito idêntico ao das inversões líquidas Portanto a redução do montante das inversões líquidas não havia sido de 23 para 03 e sim para 13 Ora esse 13 representava mais de 7 por cento do produto líquido o que significa uma alta taxa para um período de depressão Explicase assim que já em 1933 tenha recomeçado a crescer a renda nacional no Brasil quando nos EUA os primeiros sinais de re cuperação só se manifestam em 1934 Na verdade no Brasil em ne nhum ano da crise houve inversões líquidas negativas fato que ocorreu nos EUA e como regra geral em todos os países Já em 1933 as inversões líquidas brasileiras alcançavam 1 milhão de contos às quais cabia adicionar 11 milhão de estoques de café acumulados Estavase portanto a 21 milhões valor que se aproximava do montante das inversões líquidas de 1929 Ora os 23 de 1929 representavam 9 por cento do produto líquido desse ano enquanto os 21 de 1933 constituíam 10 por cento do produto líquido deste último ano O impulso de que necessitava a economia para crescer já havia sido recuperado É portanto perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira que se manifesta a partir de 1933 não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros Consideremos o problema sob outro aspecto A acumulação de esto ques de café realizada antes da crise tinha a sua contrapartida em débito contraído no exterior Não existia portanto nenhuma inversão líquida pois o que se invertia dentro do país acumulando estoque se desinvertia no exterior contraindo dívidas Tudo ocorria como se o café acumulado tivesse sido comprado por firmas estrangeiras que no seu próprio interesse postergavam o transporte da mercadoria para fora do país A acumulação de café financiada do exterior se assemelha portanto a uma exportação O mesmo não ocorria à acumulação de estoques financiada dè dentro do país se a base desse financiamento era uma expansão de crédito A compra do café para acumular representava uma criação de renda que se adicionava à renda criada pelos gastos dos consumi dores e dos inversionistas Ao injetarse na economia em 1931 1 bi lhão de cruzeiros para aquisição de café e sua destruição estavase criando um poder de compra que em parte iria contrabalançar a re dução dos gastos dos inversionistas gastos estes que haviam sido reduzidos em 2 bilhões de cruzeiros Dessa forma evitavase uma queda mais profunda da procura naqueles setores que dependiam indiretamente da renda criada pelas exportações A diferença real entre a inversão líquida e a acumulação de estoques invendáveis de café residia em que aquela criava capacidade produtiva e a segunda não Entretanto esse aspecto do problema tem importância secundária em épocas de depressão as quais se caracterizam pela subocupação da capacidade produtiva já existente É por esta razão que nessas etapas é muito mais importante criar procura efetiva a fim de induzir a utilização da capacidade produtiva ociosa do que aumentar essa capacidade produtiva CAPÍTULO XXXII DESLOCAMENTO DO CENTRO DINÂMICO Vimos como a política de defesa do setor cafeeiro contribuiu para manter a procura efetiva e o nível de emprego nos outros setores da economia Vejamos agora o que significou isso como pressão sobre a estrutura do sistema econômico O financiamento dos esto ques de café com recursos externos evitava conforme indicamos o desequilíbrio na balança de pagamentos Com efeito à expansão das importações induzida pela inversão em estoques de café dificilmente poderia exceder o valor desses estoques os quais tinham uma cober tura cambial de cem por cento Suponhamos que cada milréis invertido em estoques de café se multiplicasse de acordo com o mecanismo já exposto por 3 e criasse assim uma renda final de 3 milréis Seria necessário que as im portações induzidas pelo aumento da renda global ultrapassassem a terça parte desse aumento para que se criasse um desequilíbrio ex terno Por uma série de razões fáceis de perceber esse tipo de desequilíbrio não se concretiza sem que interfiram outros fatores pois a propagação da renda dentro da economia reflete em grande parte as possibilidades que tem essa economia de satisfazer ela mesma as necessidades decorrentes do aumento da procura No caso limite de que essas possibilidades fossem nulas isto é de que todo o aumento da procura tivesse de ser atendido com importações o multiplicador seria 1 crescendo a renda global apenas no montante em que tivessem crescido as exportações Nesse caso não haveria nenhuma possibilidade de desequilíbrio pois as importações induzidas seriam exatamente iguais ao aumento das exportações A situação seria totalmente distinta caso a acumulação de estoque fosse financiada com expansão de crédito Suponhamos que se criassem meios de pagamentos no valor de 1 bilhão de cruzeiros para financiar estoques e que através do multiplicador se originasse por essa forma um fluxo final de renda de 3 bilhões Suponhamos demais que á coeficiente de importações fosse 033 vale dizer que para cada cruzeiro dé aumento global da renda a população em seu conjunto consumidores é inversionistas exigisse bens importados no montante de 33 centavos Como cobrir essas importações Não haveria evidentemente nenhuma possibilidade As divisas proporcionadas pelas exportações eram insuficientes durante os anos da depressão para cobrir sequer as importações induzidas pela renda criada direta e indiretamente por aquelas mesmas exportações Isto porque as partidas rígidas da balança de pagamentos constituíam agora com baixa de preços uma carga muito maior e a fuga de capitais agravava a situação cambial Dessa forma a política de fomento da renda implícita na defesa dos interesses cafeeiros era igualmente responsável por um desequi líbrio externo que tendia a aprofundarse A correção desse desequi líbrio se fazia evidentemente à custa de forte baixa no poder aquisitivo externo da moeda Essa baixa se traduzia numa elevação dos preços dos artigos importados o que automaticamente comprimia o coeficiente de importações O coeficiente de 033 que demos como exemplo refletiria uma determinada situação de equilíbrio em que os preços internos e externos se mantivessem em certos níveis Baixando bruscamente o poder aquisitivo externo da moeda o nível dos preços externos teria de elevarse relativamente ao dos preços internos Em tais circunstâncias aquele coeficiente automaticamente tenderia a reduzirse É por essa razão que se alcançava o equilíbrio se bem que em um nível de depreciação cambial bem mais alto do que seria o caso na hipótese de que não tivesse havido a expansão de crédito para compra de café a destruir Se se compara a evolução do poder aquisitivo externo e interno da moeda brasileira nos anos que se seguiram à crise constatase que entre 1929 e 1931 o poder de compra de um cruzeiro caiu no exterior cerca de 50 por cento mais do que dentro do país Essa situação reflete até certo ponto o esforço feito pela estrutura econômica para corrigir o desequilíbrio externo criado pela manutenção de um elevado nível de atividade dentro do país Que destino tomava essa renda que devendo ser despendida no exterior em importações ficava represada dentro do país pelo mecanismo corretor da baixa do referido coeficiente É evidente que ia pressionar sobre os produtores internos Como ocorre Frequentemente ao corrigir o desequilíbrio externo não se conseguia mais que transformálo em desequilíbrio interno Grande parte da procura de mercadorias importadas se contraía com à alta relativa de preços tanto mais que se assim não ocorresse a moeda continuaria a depreciarse até que a procura de importações se equilibrasse com a oferta de divisas destinadas a esse fim Nos anos da depressão ao mesmo tempo que se contraíam as rendas monetária e real subiam ps preços relativos das mercadorias importadas conjugandose os dois fatores para reduzir a procura de importações Já observamos que de 1929 ao ponto mais baixo da depressão a renda monetária no Brasil se reduziu entre 25 e 30 por cento Nesse mesmo período o índice de preços dos produtos impor tados subiu 33 por cento Compreendese assim que a redução no quantum das importações tenha sido superior a 60 por cento Conse qüentemente o valor das importações baixou de 14 para 8 por cento da renda territorial bruta satisfazendose com oferta interna parte da procura que antes era coberta com importações Depreendese facilmente a importância crescente que como ele mento dinâmico irá logrando a procura interna nessa etapa de de pressão Ao manterse a procura interna com maior firmeza que a externa o setor que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de inversão que o setor exportador Criase em conseqüência uma situação praticamente nova na economia bra sileira que era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital A precária situação da economia cafeeira que vivia em regime de destruição de um terço do que pro duzia com um baixo nível de rentabilidade afugentava desse setor os capitais que nele ainda se formavam E não apenas os lucros líquidos pois os gastos de manutenção e reposição foram praticamente supri midos A capacidade produtiva dos cafezais foi reduzida a cerca da metade nos quinze anos que seguiram à crise Restringida a reposi ção parte dos capitais que haviam sido imobilizados em plantações de café foi desinvertida Boa parte desses capitais não há dúvida a própria agricultura de exportação se encarregou de absorver em outros setores particularmente o do algodão O preço mundial desse produto havia sido mantido durante a depressão em benefício dos produtores e exportadores norteamericanos Os produtores brasileiros não deixaram passar essa oportunidade pois já em 1934 o valor da produção algodòeira preços pagos ae produtor correspondia á 50 por cento dovalor da produção cafeeira enquanto em 1929 aquela relação havia sido de menos de 10 por cento Contudo o fator dinâmico principal nos anos que se seguem à crise passa a ser sem nenhuma dúvida o mercado interno A pro dução industrial que se destinava em sua totalidade ao mercado in terno sofre durante a depressão uma queda de menos de 10 por cento e já em 1933 recupera o nível de 1929164 A produção agrícola para o mercado interno supera com igual rapidez os efeitos da crise É evidente que mantendose elevado o nível da procura e represandose uma maior parte dessa procura dentro do país através do corte das importações as atividades ligadas ao mercado interno puderam manter na maioria dos casos e em alguns aumentar sua taxa de rentabilidade Esse aumento da taxa de rentabilidade se fazia concomitantemente com a queda dos lucros no setor ligado ao mercado externo Explica se portanto a preocupação de desviar capitais de um para outro setor As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam ou desinvertiam no setor de exportação É bem verdade que o setor ligado ao mercado interno não podia aumentar sua capacidade particularmente no campo industrial sem importar equipamentos e que estes se tinham feito mais caros com a depreciação do valor externo da moeda Entretanto o fator mais im portante na primeira fase da expansão da produção deve ter sido o aproveitamento mais intenso da capacidade já instalada no país Bastaria citar como exemplo a indústria têxtil cuja produção aumen tou substancialmente nos anos que se seguiram à crise sem que sua capacidade produtiva tenha sido expandida Esse aproveitamento mais intensivo da capacidade instalada possibilitava uma maior 164 Alguns setores da produção industrial haviam atravessado uma etapa de relativa depressão nos anos vinte quando es importações oram favorecidas pela situação cambial Ê o caso típico da indústria texffl cuja produção de tecidos de algodão foi inferior em 1929 aos pontos mais altos alcançados durante a Primeira Guerra Mundial A recuperação dessa indústria foi rápida nos anos que se seguiram a crise De 448 rrdhôes de metros a produção de tecidos de algodão elevouse a 689 milhões em 1933 e91S mahões em 1936 Vejase Anuárío EstaOs 600 dt p 1329 rentabilidade para o capital aplicado criando os fundos necessários dentro da própria Indústria para sua expansão subseqüente Outro fator que se deve ter em conta é a possibilidade que sé apresentou de adquirir a preços muito baixos no exterior equipamentos de segunda mão Algumas das indústrias de maior vulto instaladas no país na depressão o foram com equipamentos provenientes de fábricas que haviam fechado suas portas em países mais fundamente atingidos pela crise industrial O crescimento da procura de bens de capital reflexo da expansão da produção para o mercado interno e a forte elevação dos preços de importação desses bens acarretada pela depreciação cambial criaram condições propícias a instalação no país de uma indústria de bens de capital Esse tipo de indústria encontra por uma série de razões óbvias sérias dificuldades para instalarse em uma economia dependente A procura de bens de capital coincide nas economias desse tipo com a expansão das exportações fator principal do au mento da renda e portanto com a euforia cambial Por outro lado as indústrias de bens de capital são aquelas com respeito às quais por motivos de tamanho de mercado os países subdesenvolvidos apresentam maiores desvantagens relativas Somandose essas des vantagens relativas às facilidades de importações que prevalecem nas etapas em que aumenta a procura de bens de capital temse um quadro do reduzido estímulo que existe para instalar as referidas in dústrias nos países de economia dependente Ora as condições que se criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importação eram as mais precárias possíveis Com efeito a produção de bens de capital no Brasil se a medir mos pela de ferro e aço e cimento pouco sofreu com a crise recome çando a crescer já em 1931 Em 1932 ano mais baixo da depressão no Brasil aquela produção já havia aumentado em 60 por cento com respeito a 1929 No mesmo período as importações de bens de capital se haviam reduzido a pouco mais da quinta parte É de enorme significação o fato de que em 1935 as inversões líquidas medidas a preços constantes tenham ultrapassado o nível de 1929 quando as importações de bens de capital apenas haviam alcançado 50 por cento do nível deste último ano O nível da renda nacional havia sido recuperado não obstante esse corte pela metade nas importações de bens de capital É evidente portanto que a economia não somente havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e à expansão de sua capacidade produtiva Vejamos em síntese que modificações fundamentais resultaram para a economia brasileira da ação de todos esses fatores Devese ter em conta primeiramente que a capacidade para importar não se recu perou nos anos trinta Em 1937 ela ainda estava substancialmente abaixo do que havia sido em 1929 Em realidade o quantum das im portações daquele ano bem superiores ao de qualquer outro ano do decênio esteve 23 por cento abaixo do de 1929 A renda criada pelas exportações havia decrescido em termos reais O quantum das exporta ções aumentara mas como o poder aquisitivo da unidade de exportação com respeito à unidade de importação se havia reduzido à metade é evidente que a renda criada pelas exportações era muito inferior165 O valor da produção agrícola a preços correntes havia subido de 75 para 78 bilhões de cruzeiros não obstante a produção para exportação ha ver baixado de 55 para 45 bilhões A participação das exportações como elemento formador da renda do agricultor havia decrescido portanto de 70 para 57 por cento É óbvio por conseguinte que se a economia houvesse apenas reagido passivamente aos estímulos exter nos não só teria enfrentado uma depressão muito mais profunda como não se teria recuperado durante todo o decênio A recuperação entretanto veio rápida e comparativamente forte A produção industrial cresceu em cerca de 50 por cento entre 1929 e 1937 e a produção primária para o mercado interno cresceu em mais de 40 por cento no mesmo período Dessa forma não obstante a depressão imposta de fora a renda nacional aumentou em 20 por cento entre aqueles dois anos o que representa um incremento per 165 A situação do intercâmbio externo nos anos trinta depreendese claramente dos dados abai xo relativos a 1937 ano mais favorável do decênio ANO Quantum dat xportaçOe Pnçot dat axportaçoaa Pnçotdat ImportaçOm fWaçàoUa pnçoa CapackJada para importar Ouanrumdas riporlaç6t 1929 1937 1000 1302 100 101 100 196 100 52 100 67 1000 769 Enutto Econômico o krêrk Ijflna et Q fato que á produção de café tenha continuado a expandir se depois da crise e a circunstância de que os cafeicultores se tivessem habituado aos planos de defesa dirigidos pelo governo respondem em boa parte pela manutenção da renda monetária do setor exportador Ao produtor de café pouco lhe interessava que a acumulação de estoques fosse financiada com empréstimos externos ou com expansão de crédito A decisão de continuar financiando sem recursos externos a acumulação de estoques qualquer que fosse a repercussão sobre a balança de pagamentos foi de conseqüências que na época não se podiam suspeitar Mantinhase assim a procura monetária em nível relativamente elevado no setor exportador Esse fato combinado ao encarecimento brusco das importações conseqüência da depreciação cambial à existência de capacidade ociosa em algumas das indústrias que trabalhavam para o mercado interno e ao fato de que já existia no país um pequeno núcleo de indústrias de bens de capital explica a rápida ascensão da produção industrial que passa a ser o fator dinâmico principal no processo de criação da renda Essas modificações bruscas na estrutura econômica não podiam deixar de trazer persistentes desequilíbrios O mais significativo destes talvez seja o que afeta a balança de pagamentos A crise encontrou a economia brasileira mais ou menos adaptada a um certo coeficiente de importações Durante todo o decênio dos anos vinte a relação entre o produto territorial e o valor das importações não parece haverse alterado de forma significativa Ora conforme já observamos ao manterse a renda monetária em nível relativamente elevado enquanto baixava bruscamente a capacidade para importar foi necessário que subissem fortemente os preços relativos dos artigos importados para que se restabelecesse o equilíbrio entre a procura e oferta de cambiais para pagar importações Estabeleceuse assim um novo nível de preços relativos para os artigos de produção interna e os artigos importados Com base nesse novo nível de preços relativos desenvolveramse as indústrias destinadas a substituir importações Em realidade era esse nível de preços relativos que servia de base ao industrial decidido a inverter neste ou naquele setor Ocorre porém que a recuperação do setor exportador teria que trazer mais cedo ou mais tarde uma modificação da situação cambial Desde o momento em que melhorassem os preços relativoVde exportação e aumentasse a dis ponibilidade de divisas teria de modificarse a situação cambial Como é fácil depreender uma valorização brusca do poder de compra externo da moeda traria necessariamente um aumento imediato da procura de bens importados e uma retração idêntica da procura de bens de produção interna o que tenderia a reduzir a renda pois criaria desemprego Essa redução de renda iria por seu lado contrair a procura de artigos importados restabelecendo o equilíbrio em um nível mais baixo de utilização da capacidade produtiva O mais provável entretanto é que a correção do desequilíbrio se fizesse através da taxa de câmbio e não do nível da renda Assim a melhora da situação cambial ao provocar um brusco aumento das importações criaria nova pressão sobre a balança de pagamentos invertendose o movimento da taxa de câmbio Seria essa uma situação extremamente instável a qual poria de manifesto que o crescimento relativo do setor dedicado ao mercado interno tornava impraticável o funcionamento de um sistema cambial com taxa flutuante Não sendo exeqüível o funcionamento do padrãoouro era necessário garantir por outra forma uma certa estabilidade cambial Na economia tipicamente exportadora de matériasprimas a con corrência entre produtores internos e importadores era quase inexistente As flutuações na taxa cambial comprimiam a procura de um ou de outro setor mas não determinavam modificações estruturais na oferta Ao começarem a concorrer os dois setores as modificações na taxa cambial passaram a ter repercussões demasiado sérias para que fossem abandonadas às contingências do momento Perdiase assim um dos mecanismos de ajuste mais amplos de que dispunha a economia e ao mesmo tempo um dos instrumentos mais efetivos de defesa da velha estrutura econômica com raízes na era colonial As conseqüências da perda desse mecanismo serão profundas e respondem em boa parte pelas modificações estruturais que continuarão a operarse Ao lograr sobreporse à profunda crise dos anos trinta a economia brasileira comprometeu partes fundamentais de seu mecanismo Os desajustamentos conseqüentes se manifestarão com plenitude na etapa de tensões que se inicia com a economia de guerra da primeira metade do decênio seguinte CAPÍTULO XXXIII O DESEQUILÍBRIO EXTERNO E SUA PROPAGAÇÃO No capítulo anterior se fez referência ao fato de que a baixa do coeficiente de importação havia sido obtida nos anos trinta à custa de um reajustamento profundo dos preços relativos A alta da taxa cambial reduziu praticamente à metade o poder aquisitivo externo da moeda brasileira e se bem houve flutuações durante o decênio nesse poder aquisitivo a situação em 19381939 era praticamente idêntica à do ponto mais agudo da crise Esta situação permitira um amplo barateamento relativo das mercadorias de produção interna e foi sobre a base desse novo nível de preços relativos que se processou o desenvolvimento industrial dos anos trinta Observamos também que a formação de um só mercado para produtores internos e importadores conseqüência natural do de senvolvimento do setor ligado ao mercado interno transformou a taxa cambial em um instrumento de enorme importância para todo o sistema econômico Qualquer modificação num sentido ou noutro dessa taxa acarretaria uma alteração no nível dos preços relativos dos produtos importados e produzidos no país os quais concorriam em um pequeno mercado Era perfeitamente óbvio que a eficiência do sistema econômico teria de prejudicarse com os sobressaltos provocados pelas flutuações cambiais A possibilidade de perdas de grandes proporções ocasionadas pelo brusco barateamento das mercadorias concorrentes importadas desencorajaria as inversões no setor ligado ao mercado interno Não era por outra razão que as economias mais desenvolvidas se haviam submetido ao delicado e dispendioso mecanismo do padrãoouro que fazia solidários a todos os sistemas nacionais de preços Já vimos que para uma economia tipicamente exportadora de matériasprimas o regime do padrãoouro se apresentava impraticável Mas superada essa etapa que se tornava impraticável era subsisti dentro da indisciplina do sistema de preços que havia prevalecido antes Apequena valorização externa da moeda brasileira ocorrida entre 1934 e 1937 trouxe sérios transtornos a alguns setores industriais ligados ao mercado interno Essa melhoria na situação cambial foi entretanto passageira pois nos últimos anos do decênio houve nova depreciação no valor externo da moeda brasileira o que praticamente restabeleceu o nível de preços relativos que havia prevalecido depois da crise168 Ora no começo do decênio seguinte a política cambial iria ser submetida a uma prova definitiva Acumulações sucessivas de saldos positivos na balança de pagamentos resultantes da situação criada pela guerra iriam pressionar a taxa cambial no sentido de rebaixála Sendo a oferta de divisas internacionais muito superior à procura era inevitável que a cotação das mesmas baixasse Que conseqüências poderia ter essa elevação do poder de compra externo da moeda brasileira Em primeiro lugar significaria preços mais baixos em cruzeiros para os produtos exportados Os exportadores em vez de receberem 20 cruzeiros por dólar de café exportado recebiam tão somente 10 digamos Como o preço internacional do café estava fixado em acordos a valorização da moeda significaria em última instância prejuízos crescentes para o setor cafeeiro A contrapartida dessa valorização seria o barateamento das mercadorias importadas o que teria conseqüências diretas no setor manufatureiro Se bem que a oferta externa de artigos manufaturados estivesse comprimida o produtor interno se preocupava seriamente com a possibilidade de bruscas importações em um nível de preços muito mais baixo do que o que prevalecia no mercado Dessa forma se aliavam contra a revalorização externa da moeda os interesses dos exportadores e dos produtores ligados ao mercado interno Compreendese assim que o governo tenha fixado a taxa 167 A reforma cambial de 1953 constituiu um retorno ao regime do câmbio flutuante único em que a economia brasileira funcionou até hoje sem se criarem grandes problemas de balança de pagamento O novo sistema apresentava demais um elevado grau de flexibSdade pois criou cinco compartimentos estanques que constituem outros tantos nfveis de paridade para o poder aquisitivo externo da moeda 168 A análise dos preços relativos no período 192937 fazse com base hos índices do custo de vida da cidade do Rio de Janeiro e dos preços de Importação exportação já referidos Cambial evitando explicitamente qualquer recuperação do poder de compra externa da moeda Criouse em consequência dessa política uma situação algo pa radoxal No momento em que o mercado mundial se transformava de forma crescente em um mercado de vendedores isto é enquanto aumentava o número de compradores e diminuía a oferta de merca dorias o Brasil fixava o valor externo de sua moeda em um nível de preços relativos que refletia a situação do decênio anterior no qual havia sido necessário baixar o valor externo da moeda pára recuperar o equilíbrio na balança de pagamentos Essa situação iria favorecer enormemente as atividades ligadas ao mercado externo Mas como nem sempre eram as linhas tradicionais de exportação as que se beneficiavam pois a estrutura da procura externa se havia modificado houve fortes deslocamentos de fatores dentro da economia em benefício da produção daqueles artigos que encontravam mercado no exterior Tal situação sem lugar à dúvida concorreu para agravar os efeitos dos sérios desequilíbrios internos surgidos na economia durante esse período A política seguida durante os anos da guerra foi na essência idêntica à que se havia adotado imediatamente depois da crise Teve como seria natural conseqüências totalmente distintas pois as situa ções eram radicalmente diversas Ao se fixar a taxa cambial sustenta vase o nível da renda monetária tal como havia conseguido com a compra do café invendável no decênio anterior Neste o café não en contrava compradores na nova etapa esses compradores existiam mas efetuavam a compra a crédito isto é pagavam com uma moeda que em parte era simples promessa de pagamento futuro As conseqüências internas eram as mesmas criavase o fluxo de poder de compra dentro da economia sem uma contrapartida na oferta de bens e serviços A diferença entre as duas situações estava no efeito que tinha sobre o sistema econômico esse fluxo de poder de compra criado sem contrapartida real No começo dos trinta esse poder de compra novo tomava o lugar automaticamente de outro que minguava isto é daquele formado pela procura externa que se debilitava Dessa forma evitavase que se reduzisse o grau de utilização da capacidade produtiva ligada ao setor interno A situação que agora prevalecia era totalmente diversa Partiase de uma conjuntura em que a capacidade produtiva ligada ao mercado interno estava sendo intensamente utilizada O índice de preços de exportação cresceu em 75 por cento entre 1937 e 1942 sendo portanto muito forte o estímulo externo Ora como o quantum das exportações no mesmo período reduziuse apenas em 25 por cento ainda que a taxa de câmbio houvesse baixado de 20 para 15 cruzeiros por dólar a renda monetária criada pelo estímulo externo não se teria reduzido Ao conservar a taxa de câmbio estavase na realidade incrementando a renda monetária do setor exportador num momento em que a oferta de produtos importados se havia reduzido em mais de 40 por cento169 O contraste entre as duas situações ressalta dos dados seguintes Entre 1929 e 1933 o efeito combinado da estabilização do quantum das exportações e da baixa de preços dos produtos exportados detenninou não obstante a desvalorização da moeda uma redução da renda monetária criada pelas exportações de aproximadamente 35 por cento Entre 1937 e 1942 os mesmos fatores determinaram uma elevação da renda monetária criada no setor exportador de aproximadamente 45 por cento Ora como a redução do quantum das importações neste se gundo período foi de 43 por cento é fácil compreender o desequilíbrio que se introduziu na economia através do setor externo170 Não sendo possível evitar a contração da oferta de bens importados todo o au mento da renda monetária e mais uma parte dessa renda que antes se gastava com importações eram represados no mercado interno Se se tem em conta demais a pressão resultante dos gastos de guerra e a baixa de produtividade provocada pelas dificuldades de toda ordem 169 A evolução do intercâmbio externo nos anos do conflito bélico pode ser observada nos dados abaixo ANO Quantum das exportações Preços das exportações Preços das importações fíeiaçiode preços Capacidade para importar Quanumoas importações 1937 1942 1945 1000 842 1108 100 175 216 100 156 182 100 112 118 100 94 131 1000 566 903 Efludo Eccnfrnco da América Utn 1949 et 170 A semelhança da potftica com a do decênio anterior vai ao ponto de que se continuou a oomprar café para estoques Entre 1941 e 1943 se acumularam cerca de 2 bahoes de cruzeiros a preços correntes de estoques de café É evidente que os efeitos dessa pofffica teriam de ser lotatmente distintos claquetos alcançados no decênio anterior toso denwnslra cabalmente que a poMca da proteção do setor cafeeiro foi seguida sem consciência de seus resultados úftimos criadas pela mesma guerra compreendemse o extremo esforço a que foi submetido o sistema econômico e a estagnação em que esteve submerso nesse período71 Vejamos outros aspectos do problema cambial Pela lógica do sis tema cambial então vigente a queda na procura relativa de divisas de veria acarretar a depreciação destas evitandose assim que o desequilíbrio externo se propagasse em toda sua extensão ao sistema econômico A queda na procura de divisas significava por outro lado que o fluxo de renda monetária criado no setor exportador não tinha uma contrapartida real adequada na oferta de bens importados sendo esse o ponto de partida do desequilíbrio Uma tal situação não podia entretanto perdurar pois ao reduzirse a procura de divisas abaixo da oferta destas haveria uma baixa de preços das mesmas recebendo os exportadores menores somas em cruzeiros por suas cambiais e redu zindose a renda monetária criada no setor de exportação Essa redução de rendas viria contrapesar a contração na oferta de bens e serviços importados corrigindose assim o desequilíbrio É verdade que o barateamento das divisas significava que os importadores despenderiam menores somas com as mercadorias importadas isto é comprariam as divisas a mais baixos preços Ocorre entretanto que o maior comprador de divisas nessa ocasião eram as autoridades mone tárias que ficavam com toda a massa de divisas que não encontravam aplicação no intercâmbio corrente O montante do fluxo de renda cria do pela retenção forçada dessas divisas seria proporcionalmente me nor conforme fosse a baixa do preço das mesmas Em síntese o valor dessas reservas cambiais era aproximadamente igual ao excesso da renda criada no setor exportador sobre a contrapartida de bens e ser viços importados Reduzindose o valor daquelas reservas se reduziria em igual montante o excesso de renda monetária sobre a oferta de bens importados Mas não está aí todo o problema Mesmo que tivesse sido possível evitar o aumento do fluxo de renda criado pelas exportações através de uma revalorização cambial com isso não se evitaria a 171 Entra 1937 e 1942 houve umá redução da renda per capita de pelo menos 10 por cento isto e idêntica ao crescimento da população Os dados relativos ao produto territorial real e a renda a partir de 1939 tem como tonta O DesenvoMmenlo Econômico do Brasi tnotCBí ei acumulação de reservas monetárias Em condições normais a baixa de preço das divisas aumenta necessariamente a procura destas pois barateia as mercadorias importadas Incrementando seu poder de concorrência Dessa forma se restabelece o equilíbrio entre oferta e procura de divisas No período de guerra porém por mais que se barateassem as divisas o volume das importações não cresceria pois a produção de bens exportáveis e a disponibilidade de transporte marítimo estavam controladas nos países em guerra e independiam do sistema de preços Dadas as condições que então prevaleciam qualquer que fosse a revalorização do cruzeiro a procura externa de mercadorias brasileiras se teria mantido e a oferta de mercadorias importadas teria ficado de modo geral inalterada A acumulação de reservas era portanto inevitável A única possibilidade que existia de corrigir esse tipo de desequilíbrio estava em um desencorajamento dos produtoresexportadores mediante o controle dos preços em cruzeiros Mas se uma tal política fosse considerada os importadores premidos pelas necessidades de guerra teriam aumentado os preços em divisas ou ameaçado cortar as exportações para o Brasil se este insistisse em uma tal política cambial E bem verdade que se poderia ter evitado que a elevação que a partir de 1941 se manifesta nos preços de exportação inflasse a renda dos exportadores aprofundando o desequilíbrio Mas mesmo que os preços pagos ao produtor e aos intermediários no setor exportador houvessem sido conservados no nível de 1939 o desequilíbrio se teria formado à medida que se acumulavam reservas Ora como a economia estava funcionando à plena utilização de sua capacidade produtiva mesmo sem ter em conta os efeitos da baixa geral de produtividade era inevitável que a pressão resultante do desequilíbrio entre o nível da renda monetária e o da oferta de bens e serviços se resolvesse numa alta de preços Essa alta de preços por seu lado refletiase nos custos do setor exportador e dificultava a execução de qualquer política tendente a conservar o nível da renda nesse setor Não resta dúvida destarte que o desequilíbrio se teria formado com ou sem revalorização monetária Mesmo que se tivesse optado por uma política de revalorização o desequilíbrio que sempre viria teria tornado muito difícil levála adiante Desencadeada a alta dos preços internos a pressão sobre o setor exportador teria aumentado de tal forma que se tornaria impraticável obrigar os exportaidores a entregar suas divisas por um preço rebaixado ao arbítrio das autoridades monetárias A situação que se criou nos anos da guerra era de grande com plexidade e exigia se se pretendesse corrigir o desequilíbrio que se estava formando no sistema econômico e que se manifestava através da alta rápida e desordenada dos preços uma ação muito mais ampla que a simples manipulação cambial Teria de partir do princípio de que a economia estava sendo submetida a um sobreesforço e precisava produzir mais que o de que se necessitava correntemente para consumir e inverter no país Essa diferença era dada pela acumulação de reservas cambiais as quais indicavam o montante do que se produzia mas não se utilizava no território nacional Por outro lado deviase ter em conta que o governo estava aumentando os seus gastos com despesas militares reduzindo mais ainda a parte do produto destinada a atender às necessidades dos consumidores e aos desejos dos inversionistas Finalmente caberia considerar a baixa geral de produtividade ocasionada pelos transtornos do comércio de cabotagem pela substituição de combustíveis de qualidade superior por outros de qualidade inferior pela paralisação de máquinas por falta de peças pela substituição de equipamentos mecânicos por mãode obra etc Enquanto isso o fluxo de renda continuava a avolumarse O setor externo gerava uma massa de poder de compra que ia aumentando com a elevação dos preços internacionais O governo distribuía uma massa de salários maior172 No setor privado a baixa de produtividade não acarretava redução no pagamento aos fatores de produção empregados Para restabelecer o equilíbrio entre esse fluxo de renda e a oferta de bens e serviços que se havia reduzido teria sido necessário atuar sobre o conjunto da economia para distribuir adequadamente o peso da carga A ação poderia ter sido orientada seja no sentido de reduzir diretamente o fluxo de renda cortando salários e outras remunerações seja no sentido de esterilizar parte 172 Sempre que os financiasse adequadamente o governo nao criaria nenhum desequilíbrio ao aumentar o seus Qastos Mas assim nao ocorreu como o atestam os déficits persistentes desse pertodo da renda que se criava Numa economia de livre empresa este segundo método é de aplicação mais fácil e de resultados menos imprevisíveis Cortar remunerações pode acarretar efeitos extremamente desalentadores seja sobre os empresários seja sobre os próprios assalariados Em uma etapa em que se necessitava estimular a produção esse método seria de efeitos contraproducentes A esterili zação de parte da renda significava apenas postergar o seu usufruto o que é perfeitamente aceitável em épocas de emergência particular mente se essa medida vem acompanhada de uma série de controles diretos sobre a distribuição dos produtos essenciais Poderia perguntarse por que razão no Brasil não se tentou cor rigir o desequilíbrio através de uma série de medidas destinadas a congelar parte da renda monetária excedente política que foi seguida com bastante êxito em numerosos países A razão disso talvez esteja no fato que não é fácil introduzir com êxito medidas desse tipo quando o processo inflacionário já está totalmente aberto E esse processo se teria aberto no Brasil com mais rapidez do que na maioria dos demais países Vejamos a razão Ao iniciarse a conflagração armada em 1939 a economia mun dial se encontrava em plena depressão Havia por esse motivo uma grande capacidade produtiva não utilizada na maioria dos países sendo considerável o número de desempregados nos EUA na Ingla terra no Canadá na Austrália e mesmo em países de economias menos desenvolvidas onde o fenômeno do desemprego é menos aparente A tensão causada pela guerra trouxe através do aumento rápido dos gastos governamentais a utilização progressiva da capa cidade produtiva ociosa Calculase por exemplo que na Austrália essa ocupação plena da capacidade existente não foi lograda antes de 1942 Somente depois de três anos de guerra é que a economia australiana chegou a sofrer uma verdadeira pressão de procura exce dente Processos idênticos ocorreram na maioria dos países Esse pe ríodo intermediário constituiu uma espécie de amortecedor dando tempo aos governos de montarem o aparelhamento necessário ao controle da situação antes que se manifestasse abertamente o desequilíbrio Em razão disso foi relativamente fácil prever os setores onde se manifestaria mais agudamente o desequilíbrio entre a procura e a oferta Nesses setores com tempo foram introduzidos sistemas de controle direto Çòi6 outro lado também foi possível J introduzir com a devidaantecipação mecanismos destinados à oriert tar a utilização dos recursos evitandose assimque surgisse nos pontos mais vulneráveis desequilíbrio demasiadamente agudo A economia brasileira conforme vimos se havia recuperado por suas próprias forças nos anos trinta e ao contrário do que ocorrera nos EÜA e numerosos outros países havia chegado a 1937 com um nível de renda per capita superior ao de 1929 Por outro lado a crise de 1938 foi de efeitos reduzidos no Brasil pela simples razão de que o setor externo da economia não se havia propriamente recuperado na etapa anterior Destarte a queda da renda real entre 1937 e 1938 foi de apenas 2 por cento e já em 1939 o nível de 1937 havia sido recu perado Dessa forma a economia brasileira não teve a seu favor um período de transição ao ser submetida ao esforço que a guerra impôs a praticamente todos os países do mundo A tensão suplementar que se exerce sobre a economia a partir de 1940 é automaticamente acompanhada de uma alta brusca de preços O nível geral de preços que entre 1929 e 1939 havia aumentado apenas em 31 por cento entre 1940 e 1944 sobe 86 por cento Já em 1942 primeiro ano em que a economia é submetida a um esforço mais intenso o nível de preços sobe 18 por cento173 Uma vez o desequilíbrio resolvido em alta de preços qualquer política corretora se torna mais difícil de aplicar Isto porque a alta dos preços não é senão um sintoma de que a forma de distribuição da renda se está modificando com rapidez Vejamos mais de perto esse pro cesso A massa de renda criada no setor exportador se viu bruscamente sem contrapartida real ao reduziremse as importações Em 1942 por exemplo o valor fob das exportações excedeu em 60 por cento o valor cif das importações alcançando o saldo de 28 bilhões de cruzeiros Demais a economia continuava a produzir café em quanti dade superior à que podia colocar no exterior ou consumir Os estoques de café acumulados em 1942 se aproximaram de 1 bilhão de cruzeiros Se a estes fatores adicionamos o déficit governamental 173 Como índice do nível de preços a partir de 1939 utilizamos o deflator implícito na Renda Territorial calculado peto grupo misto BNOECHVSL e publicado em O Desenvolvimento Econômi co do Brasi dl primeira parte apêndice estatístico quadro III que for de 15 bilhão de cruzeiros temos já uma magnífica base de operação para o sistema bancário expandir os meios de pagamentos os quais aumentaram entre 1942 e 1943 em cerca de 60 por cento174 Entre 1940 e 1943 a quantidade total de bens e serviços à disposição da população no território nacional aumentou apenas em 2 por cento en quanto o fluxo de renda se incrementou em 43 por cento Essa disparidade dá uma idéia do desequilíbrio que se formou entre a oferta real e a procura monetária175 Esse desequilíbrio teria de acarretar uma elevação de preços a qual uma vez iniciada tenderia a acelerarse pois uma das formas de defesa da renda real consiste em reduzir ao mínimo os ativos líquidos Ora a alta de preços não é outra coisa senão uma valorização por efeito de pressão da procura de todos os bens em processo de produção ou já produzidos e em mãos dos intermediários Essa elevação de preços tende a propagarse a todo o sistema econômico e a forma que toma esse processo é responsável pelo grau de redistribuição da renda que provoca E fácil compreender que ao iniciarse um processo brusco de elevação de preços os empresários pela razão de que detêm estoques de operação ou de outro tipo nas várias etapas do processo produtivo realizam ganhos substanciais de capital Dessa forma a correção do desequilíbrio traz consigo necessariamente sempre que os mecanismos atuem espontaneamente uma redistribuição da renda em benefício de uns grupos e em prejuízo de outros Como cada um desses grupos se comporta de forma distinta no que respeita à utilização da renda essas transferências fazem mais difícil prever a forma como a população em seu conjunto quererá gastar a totalidade da renda É por essa razão que iniciando um processo de elevação rápida dos preços tornase extremamente difícil neutralizar a massa excedente de renda e introduzir controles diretos em pontos estratégicos 174 Essa expansão anormal dos meios de pagamentos reflete demais a atitude totalmente passiva das autoridades monetárias O sistema bancário se encarregou de multiplicar rapidamente o impulso inflacionário 175 Para os dados básicos vejase O Desenvolvimento Econômico do Brasi et primeira parta quadro apêndice estatístico quadro i A mesma fonte se utiliza para todos os IndoM bási cos citados no presente capitulo referentes ao período que se inicia em 1939 A fixação da taxa cambial foi conforme assinalamos uma forma de proteger o setor exportador contra à pressão que as reservas cambiais acumuladas exerciam no sentido de valorização da moeda brasileira e portanto de baixa dos preços em cruzeiros das mercadorias exportadas Entretanto concorrendo para manter elevado o nível da renda monetária esse mecanismo de defesa desencadeou outros processos que tiveram efeitos inversos A rápida ascensão dos preços teve evidentemente que repercutir sobre os custos no setor de exportação Desde o momento em que se fixou a taxa do câmbio o setor exportador encontrouse capacitado para reter a totalidade do aumento dos preços no mercado exterior Se o nível dos preços internos subisse ainda mais que o dos preços de exportação é evidente que o setor exportador sofreria uma baixa de rentabilidade Neste caso a fixação da taxa de câmbio apenas teria evitado perdas de maiores proporções para os exportadores Entre tanto assim não ocorreu para o conjunto da economia exportadora pois entre 1939 e 1944 enquanto o nível dos preços internos se elevou 98 por cento o dos preços de exportação cresceu em 110 por cento se bem que tenha favorecido de forma muito desigual a distintos grupos176 Em todos os anos desse período os preços de exportação marcharam muito na frente do nível interno de preços o que revela que o setor exportador pôde tirar partido da taxa fixa de câmbio para aumentar sua participação relativa na renda territorial Se bem que no período do pósguerra que se estende até 1949 os preços internos se tenham elevado com intensidade idêntica aos de exportação o desnível criado nos anos anteriores persistiu e ainda se ampliou nos anos subseqüentes177 Este ponto tem enorme importância na explicação das transformações ocorridas na economia brasileira no decênio dos anos quarenta Enquanto os preços internos e os de exportação se elevam intensamente em todo o período que 176 O preço pago ao produtor de café por exemplo cresceu apenas em 31 por cento entre 1939 e 1943 enquanto o nível geral de preços no pais se elevava em 65 por cento Mas ja em 1944 o produtor de café recuperava e ultrapassava o nível gera de preços 177 Entre 1939 e 1948 o nível interno de preços aproximadamente triplicou e o dos preços de ex portação quadruplicou Entre este último ano 1953 os preços internos aumentaram 64 por cento e os de exportação 84 por cento tem início em 1939 jos preços de Importação crescem com muito menor rapidez Entre1939 e 1944 por exemplo os preços de importação aumentaram em 64 por cento conquanto o nível dos preços internos se elevou em 98 por cento No período seguinte a disparidade continua a acentuarse entre 1944 e 1949 os preços de importação se elevam em 36 por cento conquanto o nível interno de preços cresça em 70 A conseqüência prática dessa disparidade crescente foi a sub versão do nível relativo de preços que havia servido de base para o desenvolvimento industrial desde o começo dos anos trinta Se se compara a evolução do nível interno de preços no Brasil com a do nível dos preços de importação entre 1929 e 1939 comprovase um crescimento relativo de 60 por cento nas mercadorias importadas Foi sobre essa paridade de preços que se desenvolveu a economia brasileira desde a depressão até o presente Uma tal paridade não significa necessariamente que o nível de preços dentro do país seja alto ou baixo ou melhor que a moeda esteja sub ou sobrevalorizada no exterior Tanto é possível afirmar que em 1939 a moeda brasileira era subvalorizada no exterior como que o contrário ocorria em 1929 Entre 1939 e 1949 operase um processo inverso elevandose o nível de preços dentro do país comparativamente ao nível dos preços de importação Houve portanto uma revalorização da moeda brasileira apenas ocultada pelo sistema de controle de câmbio Tendia a restabelecerse a paridade entre o poder de compra interno e o externo que havia prevalecido em 1929 É fácil perceber que uma modificação dessa ordem traria conseqüências profundas para o sistema econômico A paridade de 1929 se refletia em um coeficiente de im portações relativamente elevado Ora nos anos trinta o desenvolvi mento da economia teve por base o impulso interno e se processou no sentido da substituição de importações por artigos de produção interna Com efeito à medida que crescia a economia reduziase o coeficiente de importações17 176 A comparação é mais evidente quando feita entre uma série de rendas e outra de importações a preços constantes para evitar que a elevação mais rápida dos preços de Importação faça subir artificialmente o coeficiente Os dados relativos a esse coeficiente no período 193954 encontramse em O Desenvolvimento Econômico do Brasa cf primeira parte apêndice estatístico quadro xw O coeficiente de importações reflete a composição do dispendio total da população ertre produtos importados e de produção interna Para que a população que antes gastava perto de 20 por cento de sua renda com artigos importados passe a gastar apenas Í0 por cento é indispensável que haja uma mudança fundamental nos preços relativos dos artigos importados e de produção interna Uma mudança no nível dos preços relativos teria de ser causada ou por um crescimento muito maior da produtividade dentro do país que nos setores congêneres dos países de onde procedem as importações ou por uma modificação na taxa cambial isto é por uma baixa no poder aquisitivo externo da moeda É fácil compreender que dada a pobreza de capital e técnica de que padece uma economia subdesenvolvida seria pouco avisado atribuir principalmente à melhora de produtividade relativa a redução do coeficiente de importações Essa redução na realidade só se operou porque uma série de circunstâncias favoreceram a manutenção da renda monetária e ampliou o mercado do setor interno encarecendo as mercadorias importadas Modificar essa nova paridade de preços seria comprometer toda a estrutura econômica que se havia fundado sobre ela Não significa isso que o coeficiente de importações não pudesse ser modificado Se se recuperava a capacidade para importar e esta crescia mais rapidamente que a renda haveria que contar com uma elevação do coeficiente Mas essa elevação não teria de ser feita alterando simplesmente a paridade de preços a que nos referimos Se se reduzissem relativamente os preços de importação o coeficiente subiria rapidamente mas subiria criando novos desequilíbrios na economia CAPÍTULO XXXIV REAJUSTAMENTO DO COEnCIENTE DE IMPORTAÇÕES Ao liberaremse as importações no pósguerra e ao regularizarse a oferta externa o coeficiente de importações subiu bruscamente al cançando em 1947 15 por cento Aos observadores do momento esse crescimento relativo das importações pareceu refletir apenas a com pressão da procura nos anos anteriores Tratavase entretanto de um fenômeno muito mais profundo Ao restabelecerse o nível de preços relativos de 1929 a população novamente pretendeu voltar ao nível re lativo de gastos em produtos importados que havia prevalecido na quela época Ora uma tal situação era incompatível com a capacidade para importar Essa capacidade em 1947 era praticamente idêntica à de 1929 enquanto a renda nacional havia aumentado em cerca de 50 por cento Era portanto natural que os desejos de importação manifesta dos pela população consumidores e inversionistas tendessem a supe rar em escala considerável as reais possibilidades de pagamento no exterior Para corrigir esse desequilíbrio as soluções que se apresenta vam eram estas desvalorizar substancialmente a moeda ou introduzir uma série de controles seletivos das importações A decisão de adotar a segunda dessas soluções teve profunda significação para o futuro ime diato se bem que tenha sido tomada com aparente desconhecimento de seu verdadeiro alcance Tratase de uma resolução de importância básica na intensificação do processo de industrialização do país con forme veremos em seguida Não obstante o setor industrial mais preo cupado com o problema da concorrência imediata dos produtores estrangeiros supôs que se havia tomado uma decisão contrária aos in teresses da industria Por outro lado o setor exportador julgando que se tratava de uma medida destinada a parar a alta de preços acreditou que não lhe seria totalmente desfavorável O motivo que guiou as auto ridades brasileiras parece haver sido na realidade o temor a uma agra vação da alta de preços Ao elevaremse os preços de importação com a desvalorização da moeda aumentaria a intranquilidade social que se vinha manifestando em forma crescente Vejamos quais foram as conseqüências dessa política de ma nutenção de uma taxa cambial que esgotadas as reservas cambiais re sultaria ser incompatível com a real capacidade para importar Conservavase o desequilíbrio Era portanto indispensável submetêlo a um controle O volume das importações teria de ser reduzido sendo indispensável introduzir uma política seletiva de compras no exterior Vale a pena chamar a atenção para o fato de que o objetivo imediato do governo reduzir ou estabilizar o nível dos preços ia ser totalmente perdido de vista Teria sido necessário que se desse total liberdade às importações de bens de consumo acabados e que por essa forma se aumentasse a oferta desses bens dentro do país para que a manutenção da taxa de câmbio favorecesse a baixa dos preços Ora quando chegou o momento de fazer o rateio das divisas tornouse evidente que aquela política não podia ser seguida Cortar as importações de matérias primas produtos semielaborados combustíveis equipamentos etc para favorecer a entrada de produtos acabados de consumo era impraticável Basta ter em conta a ameaça de desemprego que uma tal política engendrava e a magnitude dos interesses que iam ser contrariados Dessa forma a conseqüência prática da política cambial destinada a combater a alta de preços foi uma redução relativa das importações de manufaturas acabadas de consumo em benefício da de bens de capital e de matériasprimas O setor industrial era assim favo recido duplamente por um lado porque a possibilidade de concorrên cia externa se reduzia ao mínimo através do controle das importações por outro porque as matériasprimas e os equipamentos podiam ser adquiridos a preços relativamente baixos Criouse em conseqüência uma conjuntura extremamente favo rável às inversões nas indústrias ligadas ao mercado interno Essa con juntura foi responsável pelo aumento da taxa de capitalização e pela intensificação do processo de crescimento que se observa no pósguer ra179 Enquanto continuava a elevarse dentro do país o nível geral de 179 A taxa média de crescimento anual do produto reaJ per capita excluído o efeito da variação na relação de preços do intercâmbio foi de 19 por cento entre 1940 e 194630 por cento entre 1946 1949 e 35 por cento entre 1949 e 1954 A taxa de poupança foi de 139 por cento da renda em 194648160 por cento em 194951 e 150 por cento em 195254 preços os bens decapitai podiam ser adquiridos no exterior a preços praticamente constantes Entre 1945 e 1950 por exemplo o nfvel dós preços de importação elevouse em apenas 7 por cento enquanto o ní vel de preços dos produtos manufaturados no país preços de produtor se elevava em 54 por cento Compreendese assim que as importações de equipamentos industriais tenham crescido em 338 por cento entre 1945 e 1951 conquanto o total das importações aumentasse apenas em 83 por cento O setor industrial não reteve a totalidade do benefício que a situação cambial lhe proporcionou Ao aumentar a produtividade as indústrias transferiram parte do fruto dessa melhora para o conjunto da população através de uma baixa relativa de preços Assim entre 1945 e 1953 a elevação dos preços dos produtos industriais de produção interna foi de cerca de 60 por cento enquanto o nível geral de preços da economia aumentava mais de 130 por cento Mesmo assim o desnível entre os preços internos dos produtos indus triais e os das importações continuava a ser substancial comparativa mente à paridade de 1939 Caberia indagar que conseqüências teria tido para a economia brasileira a adoção de uma política de desvalorização em 1947 quando se tornou evidente a profundidade do desequilíbrio Alguns países latinoamericanos seguiram essa política e a experiência dos mesmos ajuda a perceber o que teria ocorrido no Brasil A desvalori zação significaria antes de tudo uma redução no valor real das re servas que as empresas industriais haviam acumulado nos anos anteriores em que fora impraticável importar equipamentos As pos sibilidades reais da ampliação da capacidade produtiva no setor in dustrial estariam assim reduzidas Em segundo lugar aumentaria a renda dos exportadores e produtores ligados à exportação Haveria portanto mais incentivo para inverter no setor exportador que no li gado ao mercado interno Uma tal situação teria induzido os produ tores de café a intensificar o rendimento de suas plantações e a expandir as mesmas Melhorariam assim as perspectivas da oferta de café com repercussão inevitável sobre os preços presentes e futuros desse artigo Conseqüentemente o reajustamento dos preços do café que se opera a partir de 1949 não teria ocorrido ou têloia em escala muito menor Por outro lado a elevação geral dos preços dos artigos importados corrigiria o desequilíbrio entre a procura e a manifestada a insuficiência da oferta surgiu o excedente da renda mo netária como fenômeno autônomo Conseqüentemente não estando controlados os preços tenderiam necessariamente a elevarse Como a elevação do nível dos preços exige expansão dos meios de pagamento a essa altura do processo as autoridades monetárias poderiam desem penhar um papel autônomo Esse papel contudo não seria de fácil execução pois significaria em última instância a proteção de um gru po contra a ação de outros Negando crédito para impedir a elevação do nível de preços as autoridades monetárias estariam assegurando a redistribuição da renda em benefício do setor agrícola exportador Como os setores industrial e comercial têm uma participação muito mais ativa no controle do sistema bancário dificilmente se poderia es perar que este favorecesse mediante uma política ativa a referida redistribuição A elevação dos preços no setor de exportação particularmente uma elevação brusca como a ocorrida com o café em fins de 1949 se traduz inicialmente em maiores lucros para todos aqueles que detêm estoques do produto Os intermediários prestadores de serviços e logo em seguida os produtores vêem sua renda monetária crescer rapidamente A elevação do preço do produto se comunica do exterior para o interior onde o consumidor local terá igualmente que pagar mais por ele Dessa forma operase uma primeira transferência de renda real do conjunto da população consumidora para o setor ex portador Em segundo lugar na agricultura os preços do setor ex portador tendem a influenciar o setor ligado ao mercado interno Como os fatores de produção ligados ao setor exportador são benefi ciados formase um movimento no sentido da transferência de fatores para o setor onde houve a alta de preços A produção ligada ao mercado interno é assim prejudicada o que é bem mais grave quando está crescendo a renda dos consumidores por efeito da elevação dos preços de exportação Dessa situação como é natural terá que resultar um aumento dos preços dos produtos agrícolas destinados ao mercado interno Se o setor exportador representa como ocorre no Brasil uma parte muito importante da agricultura é perfeitamente natural que os fatores ligados ao mercado interno procurem nivelar suas remunerações pelo padrão estabelecido no setor de exportação pelo menos em base regional A forma como a agricultura se adapta a essa economia de merca do duplo é em parte responsável pela instabilidade crônica da econo mia brasileira Ao manifestarse uma alta nos preços de exportação os fatores tendem a desviarse do setor interno para o externo Assim ao mesmo tempo em que a renda dos consumidores está crescendo a oferta de produtos agrícolas dentro do país tende a contrairse por efeito daquele deslocamento de fatores Como as inversões ligadas ao setor externo exigem no caso do café um período de três a cinco anos para madurar aquela transferência de fatores poderá continuar por algum tempo sem que tenha qualquer efeito sobre a oferta exter na Enquanto se mantiver elevado relativamente o nível dos preços de exportação haverá tendência à transferência de fatores para o setor externo Ao madurarem as inversões nesse setor criarse muitas vezes uma situação de superprodução A essa altura os preços do mercado interno possivelmente já terão subido suficientemente para nivelarse aos de exportação Ao caírem estes tem início um processo inverso de transferência de fatores aumentando a produção para o mercado in terno na etapa em que se comprime a renda dos consumidores Exis te assim no setor primário da economia brasileira um mecanismo de ampliação dos desequilíbrios provenientes do exterior Essa observa ção põe mais uma vez em evidência as enormes dificuldades com que depara uma economia como a brasileira para lograr um mínimo de estabilidade no seu nível geral de preços Pretender alcançar essa es tabilidade sem ter em conta a natureza e as dimensões do problema pode ser totalmente contraproducente do ponto de vista do cresci mento da economia E numa economia de grandes potencialidades e de baixo grau de desenvolvimento a última coisa a sacrificar deve ser o ritmo de seu crescimento oferta desses artigos repondo o coeficiente de importações em seu devido nível Dessa situação não resultaria necessariamente nem au mento nem redução da capacidade para importar Mas é inegável que teria repercussão sobre a composição das importações Divisas qué na realidade foram utilizadas para importar bens de capital e particularmente equipamentos industriais teriam sido absorvidas pelas importações de manufaturas de consumo pois não bastaria a elevação de preços para eliminar entre os grupos de altas rendas a procura de manufaturas de consumo importadas Esses artigos representaram em 19381939 cerca de 11 por cento do valor das importações e em 1947 mais de 13 por cento Com a introdução dos controles seletivos tal porcentagem foi reduzida em 1950 para 7 por cento Dissemos anteriormente que a política cambial seguida no pós guerra teve como efeito nãobuscado favorecer amplamente as in versões no setor produtivo ligado ao mercado interno em particular o setor industrial Detenhamonos um pouco mais na análise desse problema Seria errôneo supor que se tratou pura e simplesmente de um processo de redistribuição da renda em favor de um setor Um processo redistributivo de rendas em favor dos empresários somente dentro de certas condições e limites pode favorecer o desenvolvimento econômico Numa economia de livreempresa o processo de capitalização tem que correr paralelo com o crescimento do mercado É sabido que o ajustamento entre esses dois processos de crescimento se faz aos solavancos através das altas e baixas cíclicas Mas seria ilusório supor que uma inflação prolongada redistribuindo a renda em favor dos empresários pode acelerar a capitalização Desde o momento em que o mercado deixa de crescer os empresários antevendo a redução dos lucros reduzem suas inversões A redistribuição da renda que caracterizou a experiência brasileira no pósguerra é um fenômeno mais complexo Não se tratou como a mais de um pode parecer de uma simples transferência de renda do setor exportador para o setor produtor ligado ao mercado interno Já observamos que o índice de preços de exportação e o de preços pagos ao produtor agrícola do setor exportador cresceram mais que o índice geral de preços da economia durante todo o período que se inicia em 1939 Tampouco foi o caso de uma transferência de renda do setor agrícola para o industrial pois a relação interna dos preços agrícolas como índice geral de preços evoluiu favoravelmente para a agricultura durante todo o período Entre 1939 e 1945 a posição relativa dós preços agrícolas melhorou em cerca de 30 por cento e esse ganho se manteve até 1949 quando a alta brusca dos preços do café possibilita uma melhora adicional de 20 por cento que tem lugar entre aquele ano e 1953180 Caberia levantar a hipótese de que a redistribuição se realizou em detrimento dos consumidores em geral Essa hipótese se choca com a observação que já fizemos de que o crescimento das inversões vale dizer da capacidade produtiva exige o incremento do poder de compra dos consumidores Podese ademais tentar uma comprovação direta desse fenômeno Se se elabora um índice do volume físico da produção total do país181 observase que essa produção que em última instância vem a ser a quantidade total de trabalho realizado no território nacional aumentou em pouco mais de cem por cento entre 1939 e 1954 Por outro lado se medimos o volume real dos gastos em consumo do tota da população obtemos um incremento de mais de 130 por cento para o mesmo período Parece portanto evidente que a população logrou nesse período incrementar o seu consumo mais do que cresceu a sua produção não havendo assim possibilidade de que os empresários se tenham apropriado para inverter de uma parte da renda que normalmente reverteria em benefício dos consumidores como fruto direto do seu trabalho O benefício que usufruíram os empresários industriais através das importações a baixos preços dos equipamentos e das matériasprimas representa o fruto não de uma redistribuição de renda no sentido estático e sim de uma apropriação por aqueles empresários de parte substancial do aumento da renda real da coletividade que resultou da melhora na relação de preços do intercâmbio externo A baixa relativa nos preços dos produtos importados em vez de beneficiar igualmente a todos os setores ia concentrarse no setor indus 180 Vejase O Desenvolvimento Econômico do Brasil cM apêndice estatístico quadro x 181 índice ponderado da produção de bens e serviços excluído o efeito das modificações na re lação de preços do intercâmbio tríal pela simples razão deque este setor era o maior absorvedor de divisas Consideremos o fenômeno de outro ponto de vista A baixa relativa dos preços de importação significava em última instância que a produtividade econômica do conjunto dos fatores aplicados na economia brasileira estava aumentando pois com uma mesma quantidade de trabalho realizado no território nacional se podia adquirir maior quantidade de bens importados Para que se tenha uma idéia da importância desse fenômeno basta ter em conta que medida a preços de 1952 a renda real da economia brasileira foi em 1954 em 237 bilhões de cruzeiros superior à de 1939 enquanto o montante da produção efetivamente realizada aumentou apenas em 209 bilhões Houve portanto um aumento de renda real de 28 bilhões de cruzeiros à disposição da coletividade devido àquele incremento de produtividade econômica a que nos referimos Explicase assim que o consumo em 1954 tenha excedido o de 1939 em 201 bilhões de cruzeiros Dessa forma praticamente a totalidade do aumento da produção real foi absorvida pelo consumo sem que isso tenha impedido que a taxa de inversões brutas proporção das inversões no dispêndio se haja elevado entre os dois anos referidos de 129 para 143 por cento A política cambial baixando relativamente os preços dos equi pamentos e assegurando proteção contra concorrentes externos criou a possibilidade de que esse enorme aumento de produtividade econômica fosse em grande parte capitalizado no setor industrial Dessa forma a taxa de capitalização pôde elevarse sem que com isso se impedisse um crescimento substancial do consumo É provável que não fosse o forte estímulo às inversões industriais resultante das circunstâncias que envolveram a política cambial uma parte bem maior do fruto do aumento de produtividade econômica tivesse sido absorvida pelo consumo Se o reajustamento do coeficiente de importações tivesse sido feito não através de controles seletivos diretos e sim por meio de uma desvalorização monetária é óbvio que as importações de manufaturas de consumo terseiam reduzido em menor escala Não se pode evidentemente afirmar que o consumo necessariamente se reduz quando se contraem as importações de bens de consumo pois não podendo consumir bens importados a população pode aumentar o consumo de bens e serviços de produção interna Entretanto é muito provável que as oportunidades de inversão se reduzissem com as maiores importações de manufaturas de consumo e com a elevação dos preços dos equipamentos importados Á política cambial acompanhada de controle seletivo de importações resultou destarte não somente em concentração na mão do empresário industrial de parte substancial do aumento de renda de que se beneficiava a economia mas também em ampliação das oportunidades de inversões que se apresentavam a esse empresário CAPÍTULO XXXV OS DOIS LADOS DO PROCESSO INFLACIONÁRIO As observações feitas anteriormente põem em evidência que a aceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira no pós guerra está fundamentalmente ligada à política cambial e ao tipo de controle seletivo que se impôs às importações Mantendose baixos os custos dos equipamentos importados enquanto se elevaram os preços internos das manufaturas produzidas no país é evidente que aumentava a eficácia marginal das inversões nas indústrias182 Não se pode ignorar entretanto que um dos fatores que atuavam nesse processo era a alta dos preços das manufaturas de produção interna É este um ponto de grande interesse que vale a pena analisar Chamamos a atenção para o fato de que os capitais adicionais à disposição dos industriais para intensificar suas inversões não foram o fruto de uma simples redistribuição de renda e portanto não resultaram do processo inflacionário isto é da elevação dos preços Esses capitais foram criados por assim dizer fora da economia pelo aumento geral de produtividade econômica que advinha da baixa relativa dos preços de importação Atribuir à inflação um aumento de capitalização da magnitude do que teve lugar no Brasil entre 1948 e 1952 é uma sim plificação grosseira do problema que em nada contribui para esclarecê lo A experiência de outros países latinoamericanos onde se tem lançado mão amplamente da inflação demonstra que esse processo não é capaz por si só de aumentar a capitalização de forma persistente e efetiva Contudo seria errôneo querer ignorar o papel que no pós guerra desempenhou no Brasil a elevação dos preços Existem aqui dois problemas distintos a razão pela qual os preços se elevam persistentemente e os efeitos dessa elevação no processo econômico Consideremos em primeiro lugar este segundo problema 162 Vale dizer melhoravam as perspectivas de rentabilidade dos novos capitais invertidos em indústrias O aumento na capitalização teve como causa básica o incre mento eficácia do capital isto é na melhora das perspectivas que se apresentavam ao empresário industrial com respeito à rentabilidade dos novos capitais que inverteria Que é que estava por trás dessa perspectiva de maior rentabilidade dos novos capitais invertidos A taxa de aumento do custo dos equipamentos e a taxa de aumento dos preços das manufaturas que se produziam com esses equipamentos Fixa a taxa de câmbio o aumento no custo do equipamento refletia apenas o incremento dos preços de importação Se o nível dos preços internos acompanhasse o dos preços externos o custo do equipamento acompanharia os preços de venda do em presário Por outro lado sempre que o nível interno de preços se elevasse relativamente o que ocorreu graças à estabilização da taxa de câmbio o custo dos equipamentos se reduziria em termos reais para o empresário Se os preços tivessem sido estabilizados a partir de 1947 o custo dos equipamentos importados sempre teria sido relativamente baixo no Brasil pois o equilíbrio entre procura e oferta de divisas estaria sendo obtido à custa de controles diretos Ora ao elevaremse os preços internos aquele custo relativo dos equipamentos tendeu a baixar ainda mais É fácil compreender o forte estímulo às inversões que resultava desse movimento pára baixo do custo real dos equipamentos À proporção que se intensificava esse processo ò controle das importações teria que ser mais estrito pois maior era o desnível entre preços internos e externos Por outro lado os empresários iam aumentando a sua cota no rateio das divisas e dessa forma se apropriando de uma parcela maior do fruto do aumento de produtividade econômica através das importações A elevação contínua do nível dos preços internos foi destarte o instrumento que favoreceu a apropriação pelos empresários parti cularmente os industriais de uma parte crescente do aumento de produtividade econômica de que se estava beneficiando a economia com a melhora na relação de preços do intercâmbio externo Assim para que a inflação pudesse desempenhar um papel positivo no sentido de intensificar as inversões e o crescimento da economia foi necessário que houvesse algo a redistribuir cuja origem independia dela Mas é indubitável que ela pôs em marcha um mecanismo que canalizou para as mãos do empresário uma parte crescente da massa de renda real que a melhora na relação de preços do intercâmbio externo havia formado na economia Esse processo de transferência teria de chegar a um fim pois uma vez alcançada certa composição de importações a participação dos bens de capital e das matérias primas já não poderia crescer pelo menos a curto prazo Alcançado esse ponto a elevação relativa dos preços internos já não teria ne nhum efeito positivo sobre o processo de capitalização através do estímulo às importações de equipamentos Não fosse o forte aumento da capacidade para importar motivado em fins de 1949 pela alta dos preços do café aquele ponto de saturação teria sido alcançado no Brasil em níveis mais baixos de capitalização que o atingido em 19511952 O declínio no ritmo de crescimento que se observa a par tir de 1953 reflete em parte o debilitamento desses estímulos Vejamos agora alguns dos aspectos básicos do problema da ele vação do nível de preços Assinalamos em capítulo anterior a ten dência histórica da economia brasileira para elevar o seu nível de preços tendência essa que refletia o processo pelo qual o setor expor tador transferia para o conjunto da coletividade as suas perdas nas baixas cíclicas ou nas etapas de superprodução Indicamos ademais como esse mecanismo tendente a fazer subir permanentemente o nível dos preços dificultava o funcionamento do sistema do padrãoouro Consideremos agora mais de perto alguns dos aspectos de maior interesse desse problema da instabilidade do nível de preços Após á etapa de grandes desequilíbrios que sucedeu imedia tamente à guerra teve início um período de amortecimento dos efeitos desses desequilíbrios e de retorno a um quadro de relativa estabili dade dentro de um sistema seletivo das importações e de controle das transferências cambiais Assim entre 1947 e 1949 os índices de custo de vida se elevaram a uma taxa anual de menos de 5 por cento o que representava um relativo grau de estabilidade pois no período 1943 1947 a taxa de elevação anual se aproximou de 20 por cento Ora a partir de 1949 irrompe nova alta de preços subindo os índices de custo de vida em cerca de 50 por cento entre esse ano e 1952183 Observando 183 Para medir a pressão inflacionaria utilizamos de preferência os índices de custo de vida Vejamse Anuário Estatístico do Brasil para o índice de custo de vida da classe operária em Sâo Paulo e Conjuntura Econômica para o índice de custo de vida na cidade do Rio mais atentamente o processo econômico vemos que entre 1949 e 1952 o volume da produção real subiu em 28 por cento no setor industrial e em apenas 10 por cento no setor agropecuário O aumento da renda monetária foi 75 por cento na indústria e 69 por cento na agropecuá ria Esses dados pareciam indicar que o principal fator de desequilí brio se teria localizado no setor agropecuário Entretanto a realidade não está toda aí Se é verdade que a produção física do setor agrícola teria aumentado em apenas 10 por cento o valor real dessa produção cresceu com a elevação relativa dos preços de exportação Assim ten do em conta que aproximadamente a terça parte da produção agrope cuária se exporta e que a relação de preços de intercâmbio melhorou de 30 e 40 por cento se deduz que a produção real do setor agropecu ário teria aumentado em aproximadamente 20 por cento Comparando esses dados se comprova que na agricultura para cada unidade de produção real foram criadas 34 de renda monetária e na indústria 27 Mas não é somente isso Enquanto no setor in dustrial o aumento da renda monetária é seguido de perto pelo incremento da oferta real de bens produzidos pela própria indústria no setor agrícola esse incremento da oferta depende do aumento das importações Ora como as importações estavam sendo controladas com o objetivo de dificultar a entrada de bens de consumo é evidente que o aumento da renda monetária teria que pressionar sobre a oferta desses bens Em uma situação de controle seletivo das importações um aumento de grandes proporções na renda monetária determinado por uma elevação dos preços de exportação tende quase necessariamente a resolverse em alta no nível de preços pois a ofer ta de bens de consumo não pode crescer com a mesma rapidez que a renda disponível para consumo Em primeiro lugar o aumento da oferta depende de importações as quais exigem tempo para concretizarse Em segundo a necessidade de selecionar os pedidos dos importadores e a preferência pelas importações de bens de pro dução tornarão ainda mais longo o período requerido para aumento da oferta de bens de consumo As observações feitas no parágrafo anterior põem a descoberto certas articulações básicas do mecanismo da inflação no Brasil A in flação é o processo pelo qual a economia tenta absorver um exceden te de procura monetária Essa absorção fazse através da elevação do nível de preços e tem como principal conseqüência a redistribuição da renda real O estudo do processo inflacionário focaliza sempre esses dois problemas a elevação do nível de preços e a redistribuição da renda Seria entretanto errôneo supor que se trata aí de dois problemas autônomos A palavra inflação induz a esse erro pondo em primeiro plano o aspecto monetário do processo isto é a expansão da renda monetária Contudo essa expansão é apenas o meio pelo qual o sistema procura redistribuir a renda real com o fim de alcançar uma nova posição de equilíbrio184 Podese conceber uma situação na qual todos os grupos sociais desenvolvam mecanismos de defesa destinados a dificultar ou mesmo a impossibilitar a redistribuição da renda real exigida pela introdução de um desequilíbrio no sistema Uma tal situação se levada ao extremo poderá dar lugar a uma espécie de inflação neutra isto é uma inflação sem efeitos reais Os preços se elevariam permanentemente sem nenhuma repercussão na forma como se distribui a renda real Poderseia argumentar que se em determinado caso a inflação não tem efeitos reais não haveria nenhuma dificuldade em suprimila pois nenhum grupo se sentiria prejudicado com a estabilização Essa observação se funda num dos equívocos que impedem a muitos observadores perceberem a natureza real do processo inflacionário O equívoco consiste em não conceber a inflação em termos dinâmicos Na inflação que chamamos de neutra os efeitos reais existem se bem que não sejam perceptíveis para um observador que analisa o processo econômico comparando períodos de tempo de certa magni tude Assim o período de um ano é suficientemente grande para que todos os grupos sociais que lideram a distribuição da renda realizem 184 Observando o processo de outro angulo podese dizer que a elevação do nível de preços é a forma como o sistema reage contra uma redistribuição que já existe virtualmente quando tem lugar o desequilíbrio Suponhase por exemplo que através da criação de meios de pagamento se aumente a renda monetária de um setor Operase automaticamente uma redistribuição da renda em beneficio desse setor Se o grupo beneficiado aumentasse sua liquidez essa redistribuição poderia continuar como um fenômeno puramente virtual Entretanto se a procura inflada pressiona no mercado e encontra uma oferta inelástica formase um desequilíbrio que poderá resolverse em alta de preços Se o sistema bancário proporciona aos demais setores recursos para defenderse dessa alta isto é para operar em um nível de custos mais elevado a redistribuição poderá abortar Contudo mesmo que se forme uma espiral inflacionária o grupo que partiu na frente terá uma vantagem que será tanto maior quanto for o circuito da inflação o circuito completo na corrida da redistribuição Ao final do ano as posições relativas poderão ser praticamente iguais às do final do ano anterior É apenas nesse sentido que se pode dizer que a inflação não tem efeitos reais sobre a distribuição da renda Se observamos mais de perto o processo vemos que esses efeitos existem mas que se anulam mutuamente dentro do período de um ano Uma inflação ab solutamente neutra seria aquela em que todos os preços crescessem simultaneamente e com o mesmo ritmo Quando dizemos simultanea mente queremos significar que o período de observação teria de ser tão curto que dentro dele não se poderiam operar efeitos reais Ora uma elevação de preços dessa natureza é um fenômeno totalmente sem sentido para o analista econômico A dificuldade que existe em deter a alta de preços numa infla ção neutra de circuito anual está em que a estabilização teria como resultado aquilo contra o que o sistema econômico se está defenden do isto é a redistribuição da renda real Em qualquer dia ou mês do ano existe um grupo que está na frente na luta pela redistribuição da renda Esse grupo seria o beneficiário da estabilização do nível de preços Mesmo que fosse possível estabelecer o padrão médio de distribuição da renda no período de um ano e que se pretendesse estabilizar os preços tomando como base esse padrão vale dizer introduzindo uma série de reajustamentos de preços e salários di ficilmente se lograria contentar a todos os grupos O padrão médio de distribuição da renda no período de um ano terá que ser total mente diverso se se começa a contar esse ano no mês de janeiro ou no de junho e ninguém poderá assegurar em que mês terá começado a elevação dos preços Quando se cria uma situação desse tipo isto é em que todos os grupos sociais estão aparelhados para defenderse e têm uma consciência clara da posição que ocupam em cada momento a estabilização se torna um problema difícil A elevação do nível de preços vai deslocando o sistema de uma posição de equi líbrio instável para outra sem que se forme nenhum processo ten dente a reverter o sistema à estabilidade As observações que vimos de fazer põem a claro que a inflação é fundamentalmente uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real e que a elevação do nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno Reconsideremos agora o problema do recru descimento da inflação no Brasil a partir de 1949 O desequilíbrio inicial resultou inegavelmente da brusca elevação dos preços dos produtos de exportação mais precisamente os do café185 Essa elevação não pode tecnicamente ser qualificada de fenômeno inflacionário uma vez que houve elevação concomitante da renda real Os maiores preços do café foram pagos em dólares e estes podiam ser transformados em oferta real de bens e serviços absorvendose assim a procura excedente Se as coisas ocorressem com essa simplicidade teríamos uma redistribuição efetiva em benefício daqueles que derivam suas rendas da agricultura de exportação A redistribuição deve ser compreendida aqui no senti do dinâmico não se trata de transferência de renda de um grupo para outro e sim do aumento da participação de certos grupos em uma ren da maior A redistribuição referida não se opera entretanto auto maticamente pois o desequilíbrio inicial dá lugar a uma série de reações de caráter inflacionário que no quadro da economia brasileira abrem oportunidade a outros grupos para absorverem uma parte do aumento da renda real Com efeito a elevação dos preços de exportação tem repercussão imediata na renda monetária dos grupos beneficiados pois o produto exportado cria uma maior massa de renda Esse aumen to da renda monetária de determinados grupos tem como contrapartida o aumento do poder de compra no exterior do conjunto da coletividade Existindo como existia em 1949 um sistema de controle de importações o incremento de poder de compra no exterior não poderá ser utilizado para expandir a curto prazo a oferta de bens de consumo Criase destarte uma procura monetária excedente A me lhora na relação de intercâmbio se bem que dê origem a um aumento de renda real por uma questão de ajustamento no tempo introduz no sistema um desequilíbrio de natureza monetária E não é somente isso O incremento da renda disponível para consumo pressiona sobre a oferta relativamente inelástica de manufaturas e cria um clima de an tecipações extremamente favorável no setor industrial Este recorre ao sistema bancário em busca de recursos para expandir suas atividades O sistema bancário cuja liquidez se havia elevado com a expansão da renda no setor exportador cria os meios de pagamento necessários para 185 Os preços dos demais produtos lambem cresceram fortemente com o inicio das hostilidades na Coréia A alta dos preços do café entretanto teve lugar vários meses antes que a indústria e o comércio expandam suas atividades A expansão da renda monetária no setor ligado ao mercado interno pressiona igualmente sobre o nível geral de preços Como os preços de exportação independem do nível da procura monetária dentro do país o processo inflacionário tende a anular o ganho na distribuição da renda proporcionado ao setor exportador pela melhora nos termos de intercâmbio A rapidez com que se propaga a inflação no Brasil reflete em grande parte a forma como opera o seu sistema bancário Poderseia esperar que os efeitos inflacionários do descompasso entre o aumento da renda monetária do setor exportador e o incremento das importações fossem amortecidos pelas autoridades monetárias as quais poderiam evitar que o sistema bancário cuja liquidez estava aumentando expandisse o crédito Sem embargo os bancos atuam quase sempre de forma totalmente passiva Ao represarse no setor interno o aumento de renda monetária pressionando sobre os preços de artigos manufaturados gêneros alimentícios e serviços o sistema bancário subministra os meios de pagamento necessários para que se propague a elevação dos preços Seria evidentemente errôneo supor que o sistema bancário é o fator primário da inflação Esta conforme vimos não é em sua origem um fenômeno monetário Resulta da ação de certos grupos que pretendem aumentar sua participação na renda real A melhora na relação de preços de intercâmbio abre algumas vezes essa possibilidade ao setor exportador Para que essa melhora tivesse lugar em sua plenitude seria necessário que a renda acrescida do setor exportador não se deparasse com uma oferta tornada inelástica por uma política autônoma de importações Encontrada essa resistência de parte da oferta começam a surgir as manifestações monetárias do desequilíbrio Podese afirmar que até aquele momento a elevação da renda monetária do setor exportador era o simples reflexo de um incremento da renda real pois esse aumento tinha a contrapartida da entrada de divisas186 Uma vez 186 A melhora na relação de preços de intercâmbio é um fenômeno real da mesma forma que o é o aumento do rendimento da terra Condições climáticas favoráveis podem proporcionar um incremento de 10 por cento na safra de café e dal resultar uma elevação da mesma magnitude na renda real de certos grupos Da mesma forma uma elevação dos preços do café proporciona um aumento da renda real dos referidos grupos Ocorre porém que para o conjunto da economia a elevação dos preços do café só é um fenômeno real se não for acompanhada por uma elevação igual dos preços de importação Neste segundo caso aquela elevação poderá beneficiar o setor cafeeiro mas nem por isso deixará de ser um puro fenômeno monetário CAPÍTULO XXXVI PERSPECTIVA DOS PRÓXIMOS DECÊNIOS Assim como a segunda metade do século xix se caracteriza pela rransformação de uma economia escravista de grandes plantações em Tm sistema econômico baseado no trabalho assalariado a primeira metade do século xx está marcada pela progressiva emergência de um astema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno O desenvolvimento econômico não acarreta necessariamente re íução da participação do comércio exterior no produto nacional Nas primeiras etapas do desenvolvimento das regiões de escassa popula ão e abundantes recursos naturais conforme observamos ao com parar as experiências do Brasil e dos EUA na primeira metade do século xix187 uma rápida expansão do setor externo possibilita uma sita capitalização e abre o caminho à absorção do progresso técnico 5em embargo à medida que uma economia se desenvolve o papel que nela desempenha o comércio exterior se vai modificando Na pri meira etapa a indução externa constitui o fator dinâmico principal na determinação do nível da procura efetiva Ao debilitarse o estímulo octerno todo o sistema se contrai em um processo de atrofiamento As reações ocorridas na etapa de contração não são suficientes entre tanto para engendrar transformações estruturais cumulativas em sentido inverso Se se prolonga a contração da procura externa tem início um processo de desagregação e a conseqüente reversão a for mas de economia de subsistência Esse tipo de interdependência entre o estímulo externo e o desenvolvimento interno existiu plenamente na economia brasileira até a Primeira Guerra Mundial e de forma atenuada até fins do terceiro decênio do século xx Numa segunda etapa do desenvolvimento reduzse progres sivamente o papel do comércio exterior como fator determinante do nível da renda mas concomitantemente aumenta sua importância como 187 Vejase capitulo xvm elemento estratégico no processo de formação de capital Com efeito numa economia agrícola extensiva o aumento da capacidade produtiva é em grande parte simples decorrência da incorporação de mãode obra e recursos naturais O desflorestamento a extensão das plantações a abertura de estradas o aumento dos rebanhos a edificação rural são todas formas de capitalização baseadas numa utilização extensiva de mãodeobra e recursos naturais Entretanto ao começar a transformação estrutural do sistema com aumento relativo das inver sões no setor industrial e serviços conexos cresce rapidamente a pro cura de equipamentos mecânicos O sistema entra por conseguinte numa etapa de intensa assimilação de processos tecnológicos mais com plexos aos quais tem acesso através do intercâmbio externo A etapa intermediária de desenvolvimento caracterizase assim por modificações substanciais na composição das importações e por uma maior dependência do processo de ampliação da capacidade pro dutiva com respeito ao comércio exterior A ampliação da capacidade para importar constitui também nessa etapa forte estímulo ao desen volvimento da economia Sem embargo pelo fato de que a procura externa já não é o principal fator determinante do nível da renda o cres cimento pode continuar mesmo com estagnação da capacidade para importar Em tais condições entretanto é de esperar que o desenvolvi mento seja acompanhado de forte pressão inflacionária Essa pressão é tanto maior quanto mais amplas sejam as transformações requeridas na composição das importações pelo desenvolvimento transformações essas que refletem o grau de dependência do processo de capitalização com respeito à importação de equipamentos O desenvolvimento da economia brasileira a partir da Primeira Guerra Mundial enquadrase perfeitamente nesse tipo intermediário Se se considera o período em seu conjunto chegase à conclusão de que o principal fator determinante do nível da procura e portanto do de senvolvimento foram as inversões ligadas ao mercado interno Sem embargo é somente naqueles períodos em que ocorre uma elevação da capacidade para importar 192029 e 194654 que se alcança um ritmo de crescimento realmente intenso A base estatística mais sólida de que se dispõe a partir do censo econômico de 1920 permite formar se uma idéia mais precisa do ritmo de crescimento da economia brasilei ra Entre aquele ano e 1929 a taxa média anual de crescimento do produto foi da ordem de 45 por cento No período compreendido en tre 1929 e 1937 essa taxa se reduz a 23 por cento No decênio seguinte 193747 há uma ligeira elevação para 29 e finalmente no último de cênio 194757 assinalase uma elevação substancial para 53 por cen to188 Considerado em conjunto o período 192057 constatase uma taxa de 39 que corresponde aproximadamente a 16 por cento por habitante A taxa de 16 por cento de crescimento anual per capita a longo prazo aproximase bastante da que obtivemos de forma muito imprecisa para a segunda metade do século XDC Essa taxa é relativamente elevada con forme já indicamos se bem seja algo inferior à que se observa secular mente nos EUA Dentre os países da América Latina o único com respeito ao qual se dispõe de séries suficientemente extensas a Argentina apresenta uma taxa algo menor na primeira metade do século xx189 O período compreendido entre 1920 e 1957 está assinalado por uma redução substancial da importância relativa da procura externa como fator determinante do nível da renda Com efeito enquanto o produto real aumenta ao redor de 300 por cento isto é quadruplica o quantum das exportações cresce apenas 80 por cento Se se tem em conta que nos anos recentes o valor das importações representava aproximadamente 9 por cento do produto bruto190 podese inferir que em 1920 essa parti 188 Se se admite que a população haja aumentado com uma taxa média anual de 20 por cento nos dois primeiros períodos de 22 no terceiro e de 24 no quarto as taxas de crescimento per capita são 1920 2925 19293703 19374707 194757 28 192057 16 A estimativa do produto no período 1920 39 foi feita pelo autor As séries básicas referentes a esse período estão reunidas no Estúdio Econômico de América Latina cit Os dados referentes ao período 193947 são do estudo O Desenvolvimento Econômico do Brasil cit Para o período 194755 Revista Brasileira de Economia dez de 1956 p 28 Admitiuse com base em estimativas recentes que o produto per capita excluída a acumulação de estoque se manteve estacionário em 1956 e 1957 189 A economia argentina cresceu com a taxa excepcionalmente elevada de 51 por cento anual no período 19001929 Não obstante o crescimento da população tenha sido o mais intenso que qualquer país haja conhecido nessa época 33 por cento anual o aumento per capita alcançou a taxa de 17 por cento Sem embargo no período 19291955 a taxa de crescimento do produto per capita reduziuse para 05 não obstante a população aumentasse apenas 19 por cento Para o conjunto do período a taxa de crescimento do produto per capita não supera 1 por cento Vejase sobre este ponto ALEXANOER GAMZ Problems and Uses oi National Wealth Estimates in Latin America Estudo preparado para a conferência da International Association for Research in Income and Wealth De Pietersberg Países Baixos agosto 1957 190 Em 1955 o produto nacional bruto alcançou 673 bilhões de cruzeiros vejase Revista Brasileira de Economia cit p 31 e o valor das importações incluídos os ágios foi de 60 bilhões Anuário Estatístico do Brasil 1956 p 237 cipação não era inferior a 20 por cento Destarte contrariamente às for mas de crescimento extensivo observadas nos séculos anteriores o de senvolvimento no período indicado caracterizouse por modificações substanciais na estrutura da economia Grande parte das inversões rea lizadas destinouse a criar capacidade produtiva para atender a uma procura que antes se satisfazia com importações Não obstante à me dida que crescia a economia com redução do coeficiente de importa ção a composição desta se ia modificando crescendo dentro da mesma a participação dos bens diretamente ligados ao processo de capitaliza ção Dessa forma se uma redução brusca da procura externa já não afeta necessariamente o nível de emprego no país seu efeito na taxa de cres cimento é imediato Mesmo que se tente manter o nível das inversões mediante uma política de obras públicas não se poderá evitar que a modificação na estrutura das inversões afete adversamente o ritmo de crescimento da economia A transformação estrutural mais importante que possivelmente ocorrerá no terceiro quartel do século xx será a redução progressiva da importância relativa do setor externo no processo de capitaliza ção Em outras palavras as indústrias de bens de capital particu larmente as de equipamentos terão de crescer com intensidade muito maior do que o conjunto do setor industrial Essa nova modi ficação estrutural que já se anuncia claramente nos anos cinqüenta tornará possível evitar que os efeitos das flutuações da capacidade para importar se concentrem no processo de capitalização É essa uma condição essencial para que a política econômica se permita vi sar ao duplo objetivo de defesa do nível de emprego e do ritmo de crescimento Somente assim alcançará o sistema econômico uma maior flexibilidade e estará em condições de tirar maiores vantagens do intercâmbio externo pois poderá mais facilmente adaptarse às modificações da procura que se exerce nos mercados internacionais Observado de um ângulo distinto o desenvolvimento da pri meira metade do século xx apresentase basicamente como um pro cesso de articulação das distintas regiões do país em um sistema com um mínimo de integração O rápido crescimento da economia cafeeira durante o meio século compreendido entre 1880 e 1930 se por um lado criou fortes discrepâncias regionais de níveis de ren da per capita por outro dotou o Brasil de um sólido núcleo em torno ao qual as demais regiões tiveram necessariamente de articularse Esse processo de articulação começou conforme já indicamos com a região sul do país Por uma feliz circunstância a região riograndense culturalmente a mais dessemelhante das demais zonas de povoamen to191 foi a primeira a beneficiarse da expansão do mercado interno induzida pelo desenvolvimento cafeeiro É interessante observar que a expansão das vendas riograndenses ao resto do mercado brasileiro se fez em concorrência com os países do rio da Prata Tanto o Uruguai como a Argentina aumentaram fortemente suas vendas ao Brasil na fase da grande expansão cafeeira Os riograndenses tiveram a seu favor a tarifa e durante toda a primeira metade do século xx lutaram para substituirse aos concorrentes do sul192 A articulação com a região nordestina se faz por intermédio da própria economia açucareira Neste caso a luta pelo mercado em expansão da região cafeeira não se realiza contra concorrentes externos e sim contra produtores locais A partir da segunda metade dos anos vinte o sul do país passa a representar um mercado mais importante para o Nordeste não incluída a Bahia que o exterior193 Por último a Amazônia se incluiu entre os beneficiários da grande expansão da região cafeeira industrial O mercado desta passa a absorver a totalidade da produção de borracha e permite a abertura de novas linhas de produção na região amazônica como foi o caso da juta Se pela metade do século a economia brasileira havia alcançado um certo grau de articulação entre as distintas regiões por outro a disparidade de níveis regionais de renda havia aumentado notoria mente A medida que o desenvolvimento industrial se sucedia à 191 O Rio Grande do Sul praticamente nao conheceu economia escravista e na formação de sua população o contingente português foi menor que nas demais regiões do pais até fins do século xix 192 0 último e mais importante capitulo dessa luta da região riograndense para reservarse o mercado das demais regiões do Brasil está representado pela batalha do trigo 0 Rio Grande do Sul ê hoje grande exportador de trigo arroz carnes banha e vinho para as demais regiões do pais 193 Em 1954 as exportações de cabotagem do Nordeste do Maranhão a Sergipe foram quatro vezes maiores que as vendas ao exterior Em 1938 já haviam sido duas vezes maiores Vejase Anuério Estatístico do Brasil 1956 p 24041 e 2812 prosperidade cafeeira acentuavase a tendência à concentração regi onal da renda É da natureza do processo de industrialização que as inversões só alcancem sua máxima eficiência quando se completam mutuamente isto é quando se coordenam funcionalmente em um todo maior Numa economia de livreempresa essa coordenação se faz um pouco ao acaso e a probabilidade que tem cada um de fruir o máximo de vantagens indiretas é tanto maior quanto maior é o nú mero de indivíduos que estão atuando simultaneamente O processo de industrialização começou no Brasil concomi tantemente em quase todas as regiões Foi no Nordeste que se instala ram após a reforma tarifária de 1844 as primeiras manufaturas têxteis modernas e ainda em 1910 o número de operários têxteis dessa região se assemelhava ao de São Paulo194 Entretanto superada a primeira etapa de ensaios o processo de industrialização tendeu naturalmente a concentrarse numa região A etapa decisiva de concentração ocorreu aparentemente durante a Primeira Guerra Mundial época em que teve lugar a primeira fase de aceleração do desenvolvimento industrial O censo de 1920 já indica que 291 por cento dos operários industriais estavam concentrados no estado de São Paulo Em 1940 essa porcen tagem havia subido para 349 e em 1950 para 386 A participação do Nordeste incluída a Bahia se reduz de 270 por cento em 1920 para 177 em 1940 e 170 em 1950 Se se considera não o número de operári os mas a força motriz instalada motores secundários a participação do Nordeste diminui entre 1940 e 1950 de 159 para 129 por cento195 Os dados da renda nacional parecem indicar que esse processo de con centração se intensificou no pósguerra Com efeito a participação de São Paulo no produto industrial passou de 396 para 453 por cento en tre 1948 e 1955 Durante o mesmo período a participação do Nordeste incluída a Bahia desceu de 163 para 96 por cento196 A conseqüência 194 Sobre este ponto vejase o cuidadoso estudo de S J STEIN The Brazilian Cotton Textile Industry 18501950 in Economic Growth Brazil índia Japan Duke Unrversity Press 1955 195 Para os dados do número de operários e força motriz nas indústrias censos de 19201940 e 1950 veja se Anuárío Estatístico 1956 apêndice 196 Para os dados do produto por atividade de origem e por estados no período 194855 vejase Revista Brasileira de Economia cit tem sido uma disparidade crescente nos níveis de renda per capita Em 1955 São Paulo com uma população de 10330000 habitantes desfru tou de um produto 23 vezes maior que o do Nordeste cuja população no mesmo ano alcançou 20100000 A renda per capita na região paulista era por conseguinte 47 vezes mais alta que a da região nordestina197 Essa disparidade de níveis de vida que se acentua atualmente entre os principais grupos de população do país poderá dar origem a sérias ten sões regionais Assim como na primeira metade do século xx cresceu a consciência de interdependência econômica à medida que se articula vam as distintas regiões em torno do centro cafeeiroindustrial em rápi da expansão na segunda poderá aguçarse o temor de que o crescimento intenso de uma região é necessariamente a contrapartida da estagnação de outras A tendência à concentração regional da renda é fenômeno observa do universalmente sendo amplamente conhecidos os casos da Itália da França e dos EUA Uma vez iniciado esse processo sua reversão espontâ nea é praticamente impossível Em um país da extensão geográfica do Brasil é de esperar que tal processo tenda a prolongarse extremamente A causa da formação e do agravamento desse tipo de fenômeno está via de regra ligada à pobreza relativa de recursos naturais de uma re gião Com efeito coexistindo duas regiões dentro de uma mesma eco nomia integradas pelo mesmo sistema monetário aquela mais pobre de recursos naturais particularmente de terras tenderá a apresentar uma produtividade mais baixa por unidade de capital invertido Em termos monetários o salário de subsistência da população tende a ser relativa mente mais elevado ali onde é mais baixa a produtividade do homem ocupado na produção de alimentos8 A coexistência das duas regiões numa mesma economia tem conseqüências práticas de grande impor tância Assim o fluxo de mãodeobra da região de mais baixa produti vidade para a de mais alta mesmo que não alcance grandes proporções relativas tenderá a pressionar sobre o nível de salários desta última im 197 Os dois outros importantes grupos de população nos estados de Minas Gerais e o Rio Grande do Sul apresentam situações intermediárias Em 1955 a renda per capita de Sao Paulo foi 21 vezes mais alta que a de Minas Gerais e 33 por cento mais elevada que a do Rio Grande do Sul 198 Se a população das duas regiões tivesse que produzir apenas o necessário para subsistir na região mais pobre de recursos de terra deveria trabalhar um maior número de horas pedindo que os mesmos acompanhem a elevação da produtividade Essa baixa relativa do nível de salários traduzse em melhora relativa da ren tabilidade média dos capitais invertidos Em conseqüência os próprios capitais que se formam na região mais pobre tendem a emigrar para a mais rica A concentração das inversões traz economias externas as quais por seu lado contribuem ainda mais para aumentar a rentabili dade relativa dos capitais invertidos na região de mais alta produtivida de Do ponto de vista da região de mais baixa produtividade o cerne do problema está nos preços relativamente elevados dos gêneros de primei ra necessidade o que é um reflexo da pobreza relativa de terras ou da forma inadequada como estas são utilizadas Sendo relativamente ele vado o custo de subsistência da mãodeobra os salários monetários tendem a ser relativamente altos em função da produtividade compa rativamente à região mais rica em recursos naturais199 Não existindo nesse caso a possibilidade de apelar para a tarifa ou subsídios cambiais com o fim de corrigir a disparidade a industrialização da região mais pobre passa a encontrar sérios tropeços A medida que se toma consciên cia da natureza desse problema no Brasil as tensões de caráter regional que se haviam reduzido substancialmente nos decênios anteriores po derão voltar a apresentarse A solução desse problema constituirá muito provavelmente uma das preocupações centrais da política econômica no correr dos próximos anos Essa solução exigirá uma nova forma de integração da economia nacional distinta da simples articulação que se processou na primeira metade do século A articulação significou simplesmente desviar para os mercados da região cafeeiraindustrial produtos que antes se coloca vam no exterior Um processo de integração teria de orientarse no senti do do aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto da economia nacional A medida que se chegar a captar a essência desse 199 Para que se estabelecesse um equilíbrio entre salário e produtividade seria necessário que no sul os salários fossem suficientemente mais altos para compensar não somente a diferença de produtividade no próprio setor industrial mas também a diferença de produtividade no setor agrícola produtor de alimentos Ora a existência do excedente de mãodeobra na região menos desenvolvida e o fluxo dessa mãodeobra para a mais desenvolvida exercem permanente pressão no sentido de aumentar o desequilíbrio O custo do transporte e outros fatores impedem que o traslado de mãodeobra alcance o volume necessário para determinar modificações estruturais mas é suficientemente grande para condicionar a evolução do salário real na região de mais alta produtividade problema se irão eliminando certas suspeitas como essa de que o rápido desenvolvimento de uma região tem como contrapartida necessária o en torpecimento do desenvolvimento de outras A decadência da região nordestina é um fenômeno secular muito anterior ao processo de indus trialização do sul do Brasil A causa básica daquela decadência está na incapacidade do sistema para superar as formas de produção e utilização dos recursos estruturados na época colonial A articulação com a região sul através de cartelização da economia açucareira prolongou a vida do velho sistema cuja decadência se iniciou no século xvn pois contribuiu para preservar as velhas estruturas monoprodutoras O sistema de monocultura é por natureza antagônico a todo pro cesso de industrialização Mesmo que em casos especiais constitua uma forma racional do ponto de vista econômico de utilização dos recursos da terra a monocultura só é compatível com um alto nível de renda per capita quando a densidade demográfica é relativamente baixa Ali onde é elevada essa densidade o que ocorre na faixa úmida do Nordeste a monocultura impossibilita alcançar formas superiores de organização da produção Com efeito nas regiões densamente povoadas uma elevada densidade de capital por homem condição básica para o aumento de produtividade só se consegue com a industrialização Ora a industria lização vem sempre acampanhada de rápida urbanização que só pode se efetivar se o setor agrícola responde com uma oferta adequada de ali mentos Se a totalidade das boas terras agrícolas está concentrada em um sistema ancilosado de monocultura a maior procura de alimentos terá de ser atendida com importações No caso do Nordeste a maior procura urbana tende a ser satisfeita com alimentos importados da região sul o que contribui para agravar a disparidade entre salário nominal e produ tividade em prejuízo da região mais pobre Por maior que seja a vanta gem relativa da produção do açúcar no Nordeste200 é necessário ter em conta que a mesma ocupa uma pequena parte da população e que a in dustrialização será impraticável se as populações urbanas dependerem 200 A vantagem relativa do açúcar se baseia para a empresa numa comparação da renda produzida por hectare plantado de cana ou de outra qualquer cultura alternativa Sem embargo numa região com grande excedente de maodeobra a maior produtividade da empresa pode estar totalmente em desacordo com a maior produtividade social isto é tidas em conta as inversões realizadas nao exclusivamente no setor agrícola e sim no conjunto da economia regional para alimentarse de gêneros parcialmente provenientes do sul do país Tratandose de regiões integradas num mesmo sistema monetário cTque determina a rentabilidade industrial é a relação entre a produtividade por operário e o salário monetário pago a este Ora como o salário monetário está condicionado pelos preços dos alimentos a vantagem que tem o Nordeste de mãodeobra barata é tanto menor quanto menos adequada é a oferta de alimentos produzidos na própria região O processo de integração econômica dos próximos decênios se por um lado exigirá a ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas regiões por outro requererá uma visão de conjunto do aproveitamento de recursos e fatores no país A oferta crescente de ali mentos nas zonas urbanas exigida pela industrialização a incorporação de novas terras e os traslados interregionais de mãodeobra são aspectos de um mesmo problema de redistribuição geográfica de fatores A medida que avança essa redistribuição a incorporação de novas terras e recursos naturais permitirá um aproveitamento mais racional da mãodeobra disponível no país mediante menores inversões de capital por unidade de produto Demais as inversões de capital na infraestrutura poderão ser melhor aproveitadas em razão da menor dispersão de recursos É de supor que caso progrida essa integração a taxa média de crescimento da economia tenderá a elevarse Se se admite que a taxa a longo prazo de 16 se eleve para 20 por cento a renda per capita do país ao final do século xx alcançaria 620 dólares no nível atual de preços201 Por outro lado se se supõe que o atual ritmo de crescimento da população 24 por cento anual se manterá nos próximos decênios o número de habitantes do país haverá aumentado ao término do século para mais de 225 milhões202 Sendo assim o Brasil por essa época ainda figurará como uma das grandes áreas da terra em que maior é a disparidade entre o grau de desenvolvimento e a constelação de recursos potenciais 201 O produto bruto per capita em 1950 oi de aproximadamente 230 dólares O cálculo foi feito com base nesse ano 202 Estimativa feita no fim dos anos cinqüenta A taxa de crescimento da população baixou sensivelmente nos últimos decênios e a população do Brasil nao deve alcançar 170 milhões no fim do século xx