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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA RIO DE JANEIRO 2025 SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso de graduação apresentado ao Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História Rio de Janeiro 2025 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha família esposo filhos pai mãe e irmãos que me apoiaram sem medir esforços Sem eles com toda a certeza eu não teria chegado até aqui AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus pela minha vida e por ter me dado forças para chegar até aqui e ultrapassar os obstáculos encontrados ao longo dessa jornada Aos meus familiares e amigos que me incentivaram e me apoiaram a não desistir e no qual compreenderam minha ausência enquanto eu me dedicava aos estudos Aos professores que me apoiaram ao longo da minha vida acadêmica pelos ensinamentos que me permitiram enxergar o mundo com os olhos de um historiador sem preconceitos ou apontamentos e com a certeza de que o estudo nos permite questionar e ser protagonista da história aprendendo com os erros e a lutar por uma sociedade cada dia mais justa Quero agradecer também a minha orientadora Mariana Nunes de Carvalho que acreditou no meu potencial e me ajudou muito com suas orientações Minha gratidão também a UNIRIO pela oportunidade de realizar um curso de qualidade abrindo as portas para um futuro promissor Invenções há que se transformam ou acabam as mesmas instituições morrem o relógio é definitivo e perpétuo Machado de Assis 1957 RESUMO A crise econômica do Encilhamento ocorrida entre 1888 e 1891 foi um fator decisivo para a transição do Brasil de uma monarquia para uma república Durante esse período o governo de Rui Barbosa adotou políticas econômicas liberais como a expansão monetária e a criação de novas instituições bancárias Embora essas medidas visassem modernizar a economia brasileira resultaram em inflação especulação financeira e instabilidade econômica O impacto social dessa crise gerou um crescente descontentamento popular que fragilizou a monarquia e impulsionou o movimento republicano A Proclamação da República em 1889 foi uma consequência direta dessa turbulência econômica Este estudo tem como objetivo analisar como a crise econômica do Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do regime republicano A pesquisa se concentrará nas políticas econômicas implementadas e seus efeitos sociais políticos e institucionais Além disso o estudo investiga a função da imprensa da época como fonte de informação e formação de opinião pública destacando seu papel na construção de narrativas críticas sobre o governo imperial e na consolidação da República Utilizando fontes primárias como jornais e documentos oficiais buscase compreender a relação entre crise econômica mudanças institucionais e a participação da imprensa nesse processo Ao final o estudo contribuirá para o entendimento de como a crise do Encilhamento foi um motor de transformação política no Brasil e para a reflexão sobre os impactos de crises econômicas na formação de novos regimes Palavraschave Encilhamento República Imprensa ABSTRACT The economic crisis known as the Encilhamento which occurred between 1888 and 1891 was a decisive factor in Brazils transition from a monarchy to a republic During this period the government of Rui Barbosa adopted liberal economic policies such as monetary expansion and the creation of new banking institutions Although these measures aimed to modernize the Brazilian economy they resulted in inflation financial speculation and economic instability The social impact of this crisis generated growing popular discontent which weakened the monarchy and fueled the republican movement The Proclamation of the Republic in 1889 was a direct consequence of this economic turmoil This study aims to analyze how the Encilhamento economic crisis influenced the Proclamation of the Republic and the early years of the republican regime The research will focus on the economic policies implemented and their social political and institutional effects Additionally the study investigates the role of the press at the time as a source of information and public opinion formation highlighting its role in constructing critical narratives about the imperial government and in consolidating the Republic Using primary sources such as newspapers and official documents the study seeks to understand the relationship between economic crises institutional changes and the involvement of the press in this process In the end the study will contribute to the understanding of how the Encilhamento crisis was a driving force for political transformation in Brazil and offer insights into the impacts of economic crises on the formation of new regimes Keywords Encilhamento Republic Press SUMÁRIO INTRODUÇÃO9 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO11 2 O Encilhamento A Política econômica de Rui Barbosa os bancos a imprensa e o colapso financeiro 18 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica22 211 O papel da imprensa como mediadora da crise22 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária23 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo25 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política26 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico27 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO29 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação34 CONSIDERAÇÕES FINAIS39 Referências42 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como propósito investigar como a crise econômica conhecida como Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do novo regime republicano no Brasil A pesquisa será delimitada entre os anos de 1889 e 1891 com foco nos acontecimentos econômicos nas medidas adotadas e nas mudanças sociais ocorridas nesse intervalo O contexto em que o Encilhamento se desenvolve é de transformações profundas o fim da escravidão em 1888 demandava uma reorganização da estrutura produtiva nacional agora baseada no trabalho livre e a tentativa de modernizar a economia brasileira intensificava a adesão a ideias liberais com destaque para o papel do Estado como agente de incentivo à industrialização Carone 1977 Além de explorar a relação direta entre a crise do Encilhamento e a mudança de regime este estudo pretende compreender como as políticas econômicas do período influenciaram a configuração dos primeiros anos da república Será considerada a continuidade de práticas e estruturas herdadas do regime imperial bem como as dificuldades enfrentadas pelo novo governo para estabilizar a economia e restaurar a confiança institucional Faoro 1958 A pesquisa também examinará a possibilidade de que decisões tomadas durante o Encilhamento tenham sido influenciadas por experiências anteriores de crise econômica lançando luz sobre a história econômica brasileira como um processo cíclico de instabilidade e tentativa de modernização Almeida Croce 2016 A análise a ser realizada nesta pesquisa buscará integrar aspectos econômicos políticos e sociais com o objetivo de compreender como uma crise financeira foi capaz de acelerar a transformação institucional no Brasil Para isso será adotada uma abordagem qualitativa baseada na análise documental e historiográfica A investigação se desenvolverá a partir do cruzamento entre fontes primárias e secundárias articulando diferentes tipos de registros da época Entre as fontes primárias a imprensa do período terá papel central por sua função como veículo de informação formação de opinião e arena de debate político e econômico Jornais como Gazeta de Notícias Jornal do Commercio O Paiz e Diário de Notícias serão 10 utilizados como objeto e fonte permitindo identificar tanto os discursos sobre a crise quanto as representações públicas do novo regime Esses periódicos serão examinados criticamente levando em conta sua orientação editorial público leitor vínculos com grupos políticos e sua inserção nas disputas ideológicas do momento Além da imprensa serão analisados documentos oficiais como relatórios ministeriais discursos parlamentares e mensagens presidenciais que ajudam a compreender a lógica das medidas adotadas A imprensa será portanto compreendida não apenas como repositório de acontecimentos mas como um agente político ativo na construção da narrativa da crise capaz de influenciar diretamente a recepção das políticas econômicas e a consolidação ou fragilização do novo regime republicano Desta forma a sua escolha como fonte decorre da sua relevância enquanto espelho e motor da opinião pública sobretudo em um contexto de incerteza institucional onde os jornais desempenharam papel fundamental na mediação entre o Estado e a sociedade Finalmente o estudo pretende destacar como o Encilhamento se insere em um cenário mais amplo de crises econômicas globais do século XIX A comparação com experiências de outros países permitirá compreender até que ponto o caso brasileiro seguiu padrões internacionais ou apresentou características próprias marcadas por especificidades históricas institucionais e sociais A crise do Encilhamento nesse sentido não apenas revelou as fragilidades da estrutura econômica nacional como também desempenhou papel determinante na reconfiguração do Estado brasileiro e na redefinição de seus rumos políticos Furtado 1968 Em suma esta pesquisa busca oferecer uma análise abrangente e fundamentada das conexões entre crise econômica e mudança política no final do século XIX Ao examinar em profundidade o Encilhamento e suas repercussões com ênfase nas políticas adotadas na reação da imprensa e nas representações públicas da crise pretendese contribuir para o entendimento de como eventos econômicos críticos podem provocar transformações institucionais significativas e duradouras na trajetória de uma nação 11 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO O final do século XIX representou uma das fases mais complexas e desafiadoras da história brasileira Foi nesse contexto que ocorreram a abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889 dois marcos simbólicos de um processo de transformação que embora representasse ruptura institucional conservou estruturas sociais profundamente enraizadas no escravismo no autoritarismo e na exclusão A República que se instituiu após a derrocada da monarquia foi concebida e conduzida por uma elite agrária e militar Estabeleceuse sem participação popular refletindo os interesses dos grupos dominantes e as contradições de um projeto político que se pretendia moderno mas que mantinha as heranças do passado colonial A monarquia brasileira em seu último quarto de século já dava sinais de esgotamento O governo de Dom Pedro II embora marcado por relativa estabilidade política em comparação com outras nações latinoamericanas enfrentava um crescente isolamento político Os principais pilares de sustentação do regime o Exército a Igreja e a elite escravocrata começaram a se afastar da coroa em virtude de conflitos sucessivos A chamada questão religiosa iniciada na década de 1870 expôs o atrito entre a monarquia e a Igreja Católica sobretudo após a prisão de bispos que se recusaram a acatar ordens do imperador em matéria de disciplina eclesiástica CARVALHO 2006 A questão militar por sua vez resultou do descontentamento do Exército com a hierarquia imposta pelo poder civil e com a falta de reconhecimento pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai Já a questão abolicionista desgastou de vez o apoio da aristocracia rural ao imperador Ao sancionar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888 sem indenização aos senhores de escravizados Dom Pedro II perdeu o apoio da elite escravocrata A abolição da escravidão embora celebrada como uma conquista moral ocorreu de forma abrupta e sem medidas que garantissem a inserção dos negros libertos na nova ordem social e econômica Conforme Clóvis Moura 1981 tratouse de uma manobra política da monarquia para recuperar prestígio porém tardia 12 Os exescravizados foram abandonados à própria sorte sem terras sem acesso à educação e sem qualquer tipo de reparação Isso reforçou uma estrutura de marginalização que se perpetuaria por décadas A elite brasileira optou ainda no Império por promover uma política de imigração europeia com o objetivo de branquear a população Substituíase a mão de obra negra pela de imigrantes italianos alemães e espanhóis numa clara manifestação de racismo institucional MUNANGA 2003 SCHWARCZ 2019 Com a monarquia enfraquecida e o republicanismo ganhando corpo entre militares e setores da elite urbana a Proclamação da República tornouse inevitável Em 15 de novembro de 1889 liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca os militares depuseram o imperador sem resistência popular ou enfrentamento armado Foi um golpe de Estado silencioso que teve como pano de fundo a crescente insatisfação com o regime imperial No entanto não contou com o apoio efetivo das massas populares Como afirma José Murilo de Carvalho 2006 a população assistiu bestializada à proclamação da República alheia aos mecanismos de poder e excluída das decisões políticas A nova república nasceu portanto sob o signo da exclusão conduzida de cima para baixo por uma elite que desejava reorganizar o Estado segundo seus próprios interesses Nos primeiros anos da República predominou o chamado regime da Espada sob a liderança dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto Ambos enfrentaram sérias crises políticas e econômicas Deodoro ao tentar dissolver o Congresso e instaurar um governo autoritário provocou uma crise institucional que o obrigou a renunciar em 1891 Floriano Peixoto que o sucedeu enfrentou a Revolta da Armada 18931894 liderada por setores da Marinha insatisfeitos com os rumos autoritários do novo governo Para se manter no poder Floriano reprimiu violentamente os revoltosos Ficou conhecido como o marechal de ferro consolidando a autoridade do Exército como força tutelar da nova ordem republicana FAUSTO 1990 No plano econômico os primeiros anos da República foram marcados pela Crise do Encilhamento Foi uma tentativa fracassada de modernizar o país por meio da expansão do crédito e da industrialização O responsável por essa política foi Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda 13 Ele adotou medidas inspiradas no liberalismo econômico europeu incentivando a criação de bancos emissores e a emissão descontrolada de papelmoeda A política de Ruy tinha como objetivo fomentar o crescimento econômico e criar uma burguesia industrial Mas o que se seguiu foi uma bolha especulativa com o surgimento de empresas fictícias e uma corrida desordenada por lucros fáceis na bolsa de valores O termo encilhamento alude às corridas de cavalo sugerindo o momento de euforia que precede a largada no caso um crescimento fictício e sem base real na economia produtiva HOBSBAWM 1968 A crise que se seguiu com inflação galopante desvalorização da moeda e falência de bancos revelou a fragilidade institucional da jovem república e aprofundou o descrédito da população em relação ao novo regime VIOTTI DA COSTA 1998 ALMEIDA CROCE 2016 Superada a fase militar instaurouse a chamada República das Oligarquias ou Primeira República Foi marcada pelo domínio das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder por meio da política do café com leite A Constituição de 1891 estabeleceu um regime federativo e presidencialista inspirado na carta norteamericana Contudo manteve o voto aberto e censitário excluindo do processo eleitoral a maioria da população sobretudo analfabetos negros pobres e mulheres O sistema eleitoral era permeado pelo coronelismo e pelo clientelismo Fraudes generalizadas compra de votos e uso da repressão mantinham o poder das oligarquias locais Como analisa Raymundo Faoro 1958 o Estado republicano continuava sendo o patrimônio das classes dominantes perpetuando uma estrutura patrimonialista e excludente A lógica do coronelismo consolidavase nas estruturas locais de poder O coronel o chefe político rural exercia influência sobre a vida social econômica e política da região Esse sistema garantiu às oligarquias o controle do voto e da representação política tornando o Estado brasileiro um mediador dos interesses das elites regionais A chamada política dos governadores instituída por Campos Sales consolidou esse arranjo Estabeleceu alianças entre o governo federal e os chefes políticos estaduais em troca de apoio parlamentar e estabilidade institucional A máquina do Estado longe de ser instrumento de igualdade era utilizada para manter a desigualdade e a exclusão A exclusão social e racial aprofundouse na Primeira República 14 Os negros libertos continuavam à margem do mercado de trabalho formal sem acesso a direitos básicos e submetidos a uma repressão policial permanente A República não enfrentou a herança do escravismo preferindo naturalizála por meio da ideologia do branqueamento e da invisibilização da população negra nas narrativas oficiais O racismo estrutural era reforçado por teorias pseudocientíficas que defendiam a inferioridade da raça negra e por políticas públicas que favoreciam a imigração europeia Florestan Fernandes 1978 denuncia esse processo como uma reorganização da ordem escravocrata travestida de modernização liberal Diversas revoltas eclodiram como forma de resistência popular às condições de opressão A mais emblemática foi a Guerra de Canudos 18961897 liderada por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia O arraial de Canudos era visto como uma ameaça à ordem republicana Formou uma comunidade autônoma baseada em princípios religiosos e de solidariedade entre os pobres A resposta do Estado foi brutal Após quatro expedições militares Canudos foi destruída e milhares de pessoas foram massacradas Como analisa Euclides da Cunha 1902 em Os Sertões tratouse de um conflito entre duas civilizações em que o Estado moderno exterminou uma população nordestina que representava um Brasil profundo marginalizado e resistente Outras revoltas populares ocorreram como a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista nas décadas seguintes Todas evidenciaram o descontentamento com um regime que prometia modernidade mas entregava repressão e exclusão A modernização da República não foi acompanhada de democratização real A industrialização incipiente a urbanização acelerada e o crescimento das desigualdades criaram um caldo de insatisfação que se intensificaria nas décadas seguintes culminando na Revolução de 1930 Em suma a Primeira República brasileira nasceu de um golpe militar consolidouse sob o domínio das oligarquias agrárias e desenvolveu um modelo de Estado que excluía a maioria da população da vida política e econômica A abolição da escravidão não significou a superação do racismo a proclamação da república não significou democracia 15 O país manteve sob nova roupagem institucional as mesmas estruturas de poder concentrado e de desigualdade social Entender esse período é fundamental para compreender os desafios contemporâneos da democracia brasileira e a persistência de desigualdades que têm raízes profundas em nossa história O final do século XIX marcou um dos períodos mais complexos e turbulentos da história brasileira Foi nesse cenário de profundas transformações sociais econômicas e institucionais que ocorreram a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 Esses eventos embora simbólicos de uma possível ruptura com o passado não significaram necessariamente uma modernização democrática do país tampouco resolveram os dilemas estruturais herdados da colonização e do escravismo O Império brasileiro nos últimos anos do governo de Dom Pedro II já demonstrava sinais evidentes de esgotamento A monarquia sustentavase em uma estrutura de poder altamente centralizada e sustentada por alianças conservadoras especialmente com a elite agrária escravocrata Três grandes conflitos a questão religiosa a questão militar e a questão abolicionista abalaram os pilares de sustentação do regime imperial Segundo José Murilo de Carvalho 2006 esses embates revelavam um Estado incapaz de responder às demandas de mudança da sociedade brasileira A questão religiosa surgida na década de 1870 foi motivada pelo confronto entre a Igreja Católica e o Estado imperial especialmente após a punição de bispos que desobedeceram a ordens do imperador quanto à maçonaria A Igreja desejosa de maior autonomia rompeu com o regime minando uma de suas bases tradicionais de apoio Já a questão militar envolveu o descontentamento do Exército que após sua atuação decisiva na Guerra do Paraguai exigia maior prestígio e participação na vida política o que lhe foi sistematicamente negado A ruptura definitiva entre a monarquia e a elite agrária ocorreu com a assinatura da Lei Áurea Embora moralmente significativa a abolição da escravidão foi realizada sem planejamento econômico ou social Sem indenizações aos proprietários de escravizados e sem políticas públicas para inserção dos libertos na sociedade criouse uma situação de instabilidade e ressentimento entre as elites agrárias Clóvis Moura 1981 interpreta essa 16 medida como uma manobra tardia do Império para recuperar prestígio mas que acabou por precipitar sua queda O vazio deixado pelo fim do Império foi ocupado por um movimento republicano liderado por setores das Forças Armadas especialmente o Exército com apoio de algumas elites urbanas e intelectuais positivistas A Proclamação da República realizada sem participação popular deu origem a um regime que reproduzia sob novas roupagens a exclusão social e política do passado A frase de José Murilo de Carvalho de que o povo assistiu bestializado ao novo regime resume a ausência de legitimidade popular do novo arranjo institucional Os primeiros anos da República foram marcados por instabilidade e autoritarismo período que ficou conhecido como República da Espada Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto assumiram a chefia do Executivo em meio a crises políticas e econômicas A tentativa de modernização do país por meio do liberalismo econômico capitaneada por Ruy Barbosa culminou na Crise do Encilhamento um episódio de especulação financeira e falência de instituições bancárias que desmoralizou o novo regime e agravou a crise social Conforme Viotti da Costa 1998 a política econômica do período expressava a crença de que o progresso viria com a industrialização espontânea estimulada pela expansão do crédito No entanto a falta de regulação e a ausência de infraestrutura tornaram a iniciativa um fracasso A inflação a desvalorização da moeda e o descrédito da população consolidaram a percepção de que o novo regime republicano era frágil e desorganizado Superado o governo militar a Primeira República 18941930 foi dominada pelas oligarquias regionais especialmente de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder segundo os interesses da chamada política do café com leite O pacto oligárquico restringia ainda mais a participação popular perpetuando o coronelismo e o clientelismo O voto era aberto censitário e controlado pelos coronéis chefes políticos locais com forte poder de coerção Nesse contexto a exclusão dos negros mulheres analfabetos e pobres era institucionalizada A República não enfrentou o legado do escravismo Ao contrário como aponta Florestan Fernandes 1978 a elite brasileira promoveu uma reorganização da ordem social excludente por meio da ideologia do branqueamento das teorias racistas e da marginalização sistemática da população negra 17 A imigração europeia incentivada a partir do final do século XIX visava substituir a mão de obra negra nas lavouras e urbanizar o país com base em padrões eurocêntricos Kabengele Munanga 2003 argumenta que essa política revela a institucionalização de um racismo científico que colocava a modernização do Brasil em oposição à valorização de sua população negra e mestiça A insatisfação popular manifestouse em diversas revoltas como a Guerra de Canudos 18961897 a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista Todas essas mobilizações expunham as contradições de um regime que prometia civilização e progresso mas mantinha a repressão e a desigualdade como pilares de sustentação Euclides da Cunha 1902 ao relatar Canudos denuncia o massacre como expressão de um conflito entre um Brasil profundo e marginalizado e a modernidade excludente da República Apesar do discurso republicano de liberdade e progresso a realidade do período foi marcada pela centralização do poder nas mãos das oligarquias pela manutenção do racismo estrutural e pela ausência de mecanismos de inclusão social A Constituição de 1891 inspirada no modelo norteamericano foi incapaz de promover um sistema verdadeiramente democrático pois consolidou privilégios e excluiu a maioria da população da cidadania Em síntese o período pósabolição e pósProclamação da República não significou uma verdadeira ruptura com a ordem escravocrata e autoritária O novo regime reproduziu desigualdades históricas e aprofundou a exclusão dos setores populares especialmente negros e pobres Para compreender os dilemas contemporâneos da democracia brasileira é fundamental retomar a análise crítica deste momento fundador da República que sob a aparência de modernização manteve as velhas estruturas de poder 18 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados 19 Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os 20 estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entrega nos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSER 21 Pereira 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recém proclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes Abreu 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas 22 disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais Fausto 1995 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da 23 política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro Sodré 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas 24 manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas 25 Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papel moeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de 26 abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas 27 A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o 28 Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política 29 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO A expansão do emprego formal impulsionada pelo influxo contínuo de imigrantes e pelo desenvolvimento industrial sugeria um horizonte encorajador com a economia se fortalecendo e novas oportunidades surgindo tanto nas áreas urbanas quanto rurais promovendo investimentos e um entusiasmo generalizado entre os segmentos produtivos no entanto essa impressão de dinamismo mascarava fragilidades na estrutura que de forma inexorável em breve se manifestariam expondo as vulnerabilidades ocultas dentro do contexto otimista IPEA 2011 O sucesso das plantações de café e a eficaz assimilação dos imigrantes no setor agrícola geraram um ambiente favorável impulsionando a entrada de capital estrangeiro e a valorização do milréis Esse cenário teve um impacto positivo na Bolsa de Valores onde o crescimento dos lucros indicou uma fase de entusiasmo e abundância para o mercado financeiro do país Almeida Croce 2016 30 O governo por sua vez implementou estratégias que estimularam a concessão de empréstimos hipotecários e reforçaram instituições financeiras associadas a personalidades poderosas como Francisco de Paula Mayrink com o objetivo de promover o crescimento econômico Almeida Croce 2016 Todavia essa expectativa positiva rapidamente foi substituída pela instabilidade resultante da utilização especulativa dos recursos o que levou à perda da confiança popular e ao desgaste da gestão governamental indicando o começo da crise do Encilhamento Schulz 1996 A abordagem do governo imperial em oferecer amplo crédito aos agricultores tinha como objetivo principal frear a disseminação das ideias republicanas e acalmar determinadas frações da elite rural Entretanto muitos agricultores já enfrentavam um elevado nível de endividamento e utilizaram os novos financiamentos apenas para saldar dívidas anteriores o que frustrou a estratégia do governo de revitalizar e estimular a atividade agrícola Almeida Croce 2016 Essa desconexão entre a abordagem econômica implementada e a realidade da produção revela a vulnerabilidade do Império frente às significativas mudanças sociais que estavam ocorrendo A visão da sociedade sobre essa falta de eficiência e a dificuldade em lidar com os desafios econômicos ajudou a fortalecer a atração pelo movimento republicano levando à proclamação da República Almeida Croce 2016 De acordo com Carone 1974 Rui Barbosa continuou a implementar políticas de crédito destinadas aos proprietários de terras do Vale do Paraíba buscando assim garantir o apoio dos setores rurais mais influentes No entanto essas medidas se mostraram inadequadas para garantir a estabilidade do regime monárquico frente à crescente pressão por mudanças republicanas A instabilidade econômica se intensificou devido à saída de ouro do território e à suspensão dos investimentos externos resultando na desvalorização da moeda e em efeitos adversos no mercado de ações Diante dessas dificuldades a estratégia de emissão garantida por ouro implementada pela administração anterior precisou ser descartada complicando ainda mais a gestão da crise econômica Lobo 1980 Schulz 1996 Os bancos obtinham capital do governo sem juros argumentando que esses fundos seriam destinados a oferecer empréstimos aos produtores rurais entretanto os agricultores ao invés de aplicar recursos na produção destinavam essa quantia para saldar débitos anteriores caracterizando uma troca de dívida uma vez que renovava obrigações financeiras anteriores por novas oferecendo prazos mais extensos e condições mais favoráveis Schulz 1996 31 Assim os fundos voltavam praticamente na totalidade para as entidades bancárias e com esses recursos disponíveis novamente e sem a exigência imediata de restituição ao governo os bancos empregavam os fundos na aquisição de títulos do setor público Esse processo resultou em um aumento de 40 na base monetária do país em apenas nove meses impulsionando ainda mais a especulação financeira As instituições financeiras obtiveram recursos do governo a juros zero com o propósito de financiar os agricultores No entanto grande parte desses produtores utilizava os valores apenas para quitar dívidas anteriores em um mecanismo conhecido como troca de débitos Dessa forma os recursos retornavam rapidamente aos bancos que então os aplicavam na compra de títulos públicos Schulz 1996 A valorização das ações no mercado acionário aumentava a necessidade de capital para apoiar o crescimento das operações o que provocava pressão sobre a elevação das taxas de juros Devido à restrição no volume de moeda liberada por meio de decretos a taxa de juros aumentava beneficiando investimentos especulativos que proporcionavam um retorno elevado o bastante para justificar a contração de empréstimos nos bancos ampliando assim a bolha financeira Tannuri 1981 No mês de maio de 1890 Rui Barbosa pôs fim à prática de empréstimos voltados para a agricultura e em outubro adotou ações para prevenir irregularidades na Bolsa de Valores estipulando que as companhias deveriam subscrever 100 de suas ações e dispor de pelo menos 30 de capital próprio sendo que 40 desse montante deveria estar integralizado antes de iniciar as transações Schulz 1996 De acordo com Franco 1983 o objetivo era conter progressivamente o entusiasmo do mercado no entanto as alterações resultaram em uma diminuição rápida e significativa na criação de novas empresas sendo substituídas pela exigência de um aumento no capital inicial para prevenir prejuízos financeiros Com a proclamação da República a nova administração lidou com as consequências da crise do Encilhamento sobretudo no que diz respeito à Bolsa de Valores Tristão de Alencar Araripe que ocupava o cargo de ministro da Fazenda buscou conter a especulação financeira ao implementar impostos sobre altos dividendos e transações futuras Almeida Croce 2016 Entretanto a intensa pressão dos grupos favorecidos e uma paralisação dos corretores levaram à revogação dessas ações Dentro desse contexto turbulento o Marechal Deodoro da Fonseca assumiu a presidência em 1891 solidificando a mudança política e acentuando a insegurança que caracterizou o começo do período republicano Almeida Croce 2016 32 Conforme Lobo 1980 a maioria dos títulos passou por uma queda de valor em parte em função da antecipação de ações do governo que restringiriam os ganhos dos investimentos A situação foi piorada pela dificuldade em localizar compradores limitandose apenas a algumas instituições respeitáveis como o Banco do Brasil e o Banco Rural A média de desvalorização alcançou aproximadamente 40 do valor que havia sido registrado no começo do ano demonstrando o colapso do mercado após a fase de especulação intensa sinalizando o início do declínio da confiança no sistema financeiro daquele período Lobo 1980 Almeida Croce 2016 Simultaneamente as instituições financeiras emissoras elevaram a quantidade de dinheiro em circulação para apoiar empresas listadas na bolsa muitas das quais eram fraudulentas na tentativa de manter o Encilhamento intensificando a instabilidade do mercado criando um ciclo prejudicial de especulação e desconfiança o que contribuiu para a aceleração do colapso econômico nacional Schulz 1966 Em setembro de 1891 Lucena do Ministério da Fazenda tentou enfrentar a crise por meio de uma elevação na emissão de moeda solicitando ao Congresso a permissão para a liberação de 600 mil contos através do BREUB A rejeição por parte da oposição levou Deodoro e Lucena a realizarem um golpe em novembro dando início a uma curta ditadura Almeida Croce 2016 Contudo um contragolpe promovido pelo Partido Republicano Paulista que contou com suporte militar e popular fez com que Deodoro renunciasse e Floriano Peixoto assumisse o poder intensificando a instabilidade política durante o período de transição para a república Almeida Croce 2016 Rodrigues Alves ao retornar ao cargo de Ministro da Fazenda enfatizou o alto valor da dívida pública que tornava impossível a emissão garantida por títulos A falta de ouro e a valorização da moeda estrangeira pioraram a situação tornando inviável a emissão de moeda por instituições financeiras privadas Almeida Croce 2016 No ano de 1896 uma importante legislação foi instaurada atribuindo ao governo a exclusividade na emissão de bilhetes bancários legalizando as garantias e estabelecendo um plano para a retirada gradual do papelmoeda com o objetivo de solucionar os entraves do Encilhamento e recuperar a credibilidade no sistema financeiro Tannuri 1981 No entanto Floriano Peixoto e Prudente de Morais se depararam com enormes dificuldades ao tentar reestabelecer a economia após a crise e foi apenas durante a administração de Campos Sales que os impactos mais graves do Encilhamento foram superados sinalizando o começo da recuperação econômica do Brasil Tannuri 1981 33 Ao assumir a presidência do país em 1898 Campos Sales se deparou com uma grave crise econômica marcada pelo risco iminente de moratória da dívida externa Como resposta comprometeuse a não emitir moeda fiduciária adicional e garantiu as receitas da alfândega do Rio de Janeiro como forma de pagamento medidas que se mostraram decisivas para conter o colapso econômico e reequilibrar as finanças públicas Schulz 1996 Para restaurar a estabilidade financeira Campos Sales aplicou com rigor as diretrizes do Funding Loan buscando a redução dos preços o equilíbrio das contas públicas e a retomada do imposto sobre importações em ouro Além disso promoveu a emissão de títulos da dívida o que retirou dinheiro em circulação auxiliou no controle da inflação e contribuiu para recuperar a confiança dos agentes econômicos iniciando um processo de recuperação após os danos causados pelo Encilhamento Cardoso 1975 Ao assumir a liderança do país em 1898 Campos Sales encontrou um cenário econômico desafiador com o Brasil quase enfrentando o calote da dívida externa Sales assumiu o compromisso de não criar moeda fiduciária extra e garantiu a receita da alfândega do Rio de Janeiro ações que se provaram fundamentais para impedir a crise econômica e equilibrar as finanças nacionais Schulz 1996 Embora tenha havido tentativas de resgatar o Banco República do Brasil o mercado financeiro do Rio de Janeiro sofreu uma severa escassez de recursos resultando no encerramento ou reestruturação de diversas entidades em especial aquelas afligidas por créditos inadimplentes do Encilhamento O governo por sua vez adotou uma postura inerte em relação às falências vendoas como necessárias para promover a recuperação econômica e a reabilitação lenta do país Tannuri 1996 Schulz 1996 Com a diminuição da quantidade de moeda em circulação empresas desonestas não conseguiram suportar a intensificação da concorrência Apesar de o processo ter apresentado instabilidades ele proporcionou as condições necessárias para a expansão industrial nos primórdios da República Velha colocando a indústria carioca em uma posição proeminente superada apenas pela de São Paulo até os anos 1920 Almeida Croce 2016 Levy 1994 O Encilhamento foi um momento de grande especulação que gerou um aumento nas taxas de juros uma queda no valor da moeda e uma inflação que se estendeu até a década de 1890 Os impactos da crise foram superados apenas no início do século XX através de fechamentos de bancos e reestruturações econômicas Tannury 1981 A desvalorização dos ativos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro prejudicou gravemente pequenos investidores e agricultores da área sendo que a especulação excessiva e a carência de normas financeiras pioraram a situação Isso transformou a tentativa de reforma 34 monetária de Rui Barbosa em uma experiência desastrosa devido à falta de um banco central ou entidade reguladora A liberação excessiva de dinheiro converteu o crédito em um símbolo de instabilidade em um contexto caracterizado pela falta de um banco central ou de qualquer entidade reguladora que controlasse as atividades financeiras Como resultado a fé na economia foi gravemente comprometida evidenciando a demanda imediata por uma política monetária mais robusta e organizada Embora tenha havido instabilidade certas empresas fundadas durante o Encilhamento conseguiram se expandir especialmente no setor têxtil onde o investimento na Bolsa do Rio de Janeiro aumentou duas vezes entre maio e novembro de 1890 IPEA 2011 Na cidade de São Paulo o panorama também foi de crescimento com o surgimento de mais de duzentas empresas anônimas e a establishment da Bolsa de Valores local no mesmo período O Encilhamento expôs debilidades inerentes ao sistema monárquico revelando sua suscetibilidade a práticas especulativas e a falta de mecanismos regulatórios adequados Segundo José Murilo de Carvalho 1987 a crise provocou uma intensa desilusão em várias classes sociais abrangendo até segmentos da elite que anteriormente eram fiéis ao Império As perdas monetárias generalizadas tornaram o Encilhamento uma prova concreta do enfraquecimento do império intensificando a crise política e legitimando a mudança para um novo governo Carvalho 1987 O cenário gerado pela especulação e suas repercussões desempenhou um papel importante na forma como a população reagiu à Proclamação da República com a população ansiando por melhorias 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação Os meios de comunicação se dedicaram a documentar e expor os impactos negativos do Encilhamento exercendo a função de monitoramento das direções da economia e responderam com severas críticas à liberação desmedida de papelmoeda e às atividades especulativas A atenção da mídia ressaltou a ausência de normas financeiras e a subsequente perda de confiança por parte da população tornando este período uma crítica essencial à falta de controle O crescimento acelerado do setor bancário aliado à má utilização dos recursos públicos promoveu práticas especulativas intensas que comprometem a estabilidade do sistema financeiro no Brasil No Rio de Janeiro diversos bancos escolheram realizar operações urbanas rentáveis ao invés de apoiar a agricultura o que contraria as metas das 35 políticas públicas e suscitou intensas críticas na mídia que expôs o desvio refletindo a crise econômica Almeida Croce 2016 A imprensa utilizou o tema do Encilhamento para colocar em dúvida a legitimidade e a eficiência do governo imperial afetando diversas esferas urbanas militares e classes sociais intermediárias onde essa forma de posicionamento ideológico teve um impacto importante na intensificação da crise política atuando como um catalisador para a aceitação do novo regime O Encilhamento além de ser uma crise de natureza econômica e financeira representou um marco político crucial na transição do regime monárquico para a República no Brasil A instabilidade gerada pelas políticas expansionistas de crédito iniciadas ainda sob o governo imperial revelaram não apenas fragilidades estruturais da economia mas também o esgotamento da capacidade do Império em lidar com as transformações sociais e econômicas que se desenrolavam no final do século XIX Almeida Croce 2016 Ao adotar medidas de incentivo ao crédito rural o governo imperial buscava manter o apoio das elites agrárias evitando a adesão destas aos ideais republicanos Contudo a elevada inadimplência dos produtores e o uso dos empréstimos para quitação de dívidas anteriores minaram a eficácia da estratégia A concessão desenfreada de crédito e a ausência de fiscalização adequada resultaram em uma bolha especulativa que fragilizou o sistema financeiro nacional Schulz 1996 Nesse contexto a crise do Encilhamento deflagrada no limiar da transição política de 1889 ganhou contornos mais profundos por coincidir com o fim do Império A perda de credibilidade do governo associada à má condução da política monetária comprometeu sua legitimidade frente a uma sociedade em ebulição pressionada por novas demandas sociais pelo crescimento urbano e pela ascensão de novos grupos econômicos especialmente ligados ao setor cafeeiro paulista e à nascente burguesia urbana Carvalho 1987 Conforme aponta José Murilo de Carvalho 1987 a crise monetária ampliou o descontentamento não apenas entre os setores populares que sofreram com a inflação e a escassez de crédito mas também entre segmentos da elite econômica que perderam confiança na estabilidade do regime A percepção de que o Império já não detinha a capacidade de promover reformas estruturais reforçou a adesão de importantes lideranças civis e militares à causa republicana O próprio aparato estatal demonstrou sinais de esgotamento com sucessivas tentativas fracassadas de conter a crise financeira As políticas de Rui Barbosa já no início do período republicano não conseguiram reverter o quadro mas sim agravaram a especulação evidenciando que as bases da crise haviam sido lançadas ainda sob o domínio imperial A 36 falta de um banco central de políticas regulatórias robustas e de mecanismos eficazes de controle monetário revelaram um Estado que não acompanhava as necessidades de um país em transformação Triner 2001 Assim o Encilhamento se consolidou como um catalisador do fim do Império ao escancarar sua ineficiência administrativa e econômica A crise financeira intensificou a crise de legitimidade do regime monárquico e acelerou sua queda sendo vista por diversos historiadores como um dos fatores determinantes na proclamação da República ao lado da insatisfação militar e do desgaste da monarquia frente aos novos interesses econômicos e sociais Carone 1974 Almeida Croce 2016 Por meio de métodos de design avançados e fácil acesso ao crescente público urbano essas publicações apresentavam matérias minuciosas sobre investimentos arriscados taxa de desemprego e colapsos bancários e assim atingindo segmentos mais variados da população aumentando sua eficácia em exigir respostas do governo e mudanças no sistema financeiro Publicações regulares do Rio de Janeiro como a Gazeta de Notícias começaram a informar a população sobre o crescimento desenfreado do crédito e da especulação no setor financeiro destacando irregularidades e dificuldades de liquidez nas instituições bancárias Ao converter a intricada crise econômica em uma história compreensível esses jornais se tornaram fundamentais para a denúncia iluminando ações que colocavam em risco a solidez da nova República Triner 2001 Conforme aponta Triner 2001 os editoriais faziam ironias sobre Ruy Barbosa ao implementar ações vistas como arriscadas fazendo comparações com os mongers da Argentina A análise ressaltava a diferença entre as finanças reais do Reino Unido e as ilusórias da recémformada república brasileira Isso mostra como a falta de confiança transcendeu limites impactando a visão global acerca da nação Publicações financeiras do Reino Unido e importantes instituições como os Rothschild manifestaram apreensão em relação ao aumento da oferta monetária e à especulação sobre câmbio no Brasil fazendo uma analogia com a crise enfrentada pela Argentina Esse modelo de cobertura refletia o ceticismo global sinalizando um aumento no risco e a provável desvalorização da moeda fatores que apesar de já serem percebidos internamente se tornavam mais significativos e confiáveis ao serem reportados no exterior Triner 2001 A imprensa do Rio de Janeiro destacou o Encilhamento não apenas como um acontecimento econômico mas também como uma questão cultural e política empregando reportagens e sátiras para criticar o ambiente especulativo Ao ironizar figuras públicas e empresários envolvidos o folhetim denunciava práticas consideradas imorais e destacava o 37 impacto social da crise como o aumento do desemprego a falência de empresas e a ruína de pequenos investidores Dessa maneira o Encilhamento passou a ser visto não apenas como uma falha técnica de gestão econômica mas como símbolo de um momento de desorganização política fragilidade institucional e crise de valores ampliando a desconfiança popular em relação ao novo regime republicano A crítica cultural e política promovida pela imprensa ajudou assim a consolidar uma imagem negativa da Primeira República em sua gênese criando um imaginário de fracasso e desilusão logo nos seus primeiros anos A Gazeta de Notícias lançou um folhetim intitulado O Encilhamento cenas contemporâneas em 26 de fevereiro de 1893 retratando de maneira irônica os acontecimentos e figuras envolvidos na crise Tolentino 2016 Os periódicos recorriam à sátira e ao humor como ferramentas para criticar a avareza e a especulação desenfreada que dominavam a época revelando as atitudes de investidores e políticos envolvidos como representações de corrupção e degradação moral explorando assim questões culturais da sociedade Do ponto de vista político os jornais utilizavam o Encilhamento como uma oportunidade para questionar a legitimidade do novo governo da República e para expor a vulnerabilidade das instituições políticas As matérias destacavam de que maneira as políticas econômicas vistas por muitos como imprudentes revelavam a interferência de interesses privados e a ausência de supervisão governamental o que ajudava a minar a confiança nas autoridades Essa estratégia foi pioneira ao combinar reportagens jornalísticas com elementos da narrativa literária aumentando a abrangência e a força da mensagem transmitida ao público A publicação de um folhetim satírico acerca do Encilhamento contribuiu para consolidar a visão de que esse evento simbolizava uma luta de influências entre o governo instituições financeiras e investidores Os jornais da época em relação ao Encilhamento muitas vezes se manifestava de maneira crítica e alarmista transmitindo uma carga ideológica que insinuava que a população inativa e despreocupada era facilmente influenciada por uma elite de especuladores e por decisões econômicas pouco claras reforçando a percepção de uma desconexão entre a nova República e as massas reduzindo a capacidade de ação do povo Carvalho 1990 Os meios de comunicação daquele período não apenas reportaram os eventos do Encilhamento mas também influenciaram sua análise moral e política com críticas contundentes e representações simbólicas Conforme Taunay 1971 p 115 o dinheiro em 38 papel transformouse em uma efetiva carta de baralho apoiado pela submissão de uma multidão ignorante uma frase que ilustra como a imprensa atribuía a culpa tanto aos especuladores quanto à sociedade por manter um sistema deficitário A Gazeta das Notícias em suas publicações enfatizava a condenação de práticas abusivas perpetradas por instituições financeiras e empresários além de ressaltar os efeitos prejudiciais das diretrizes econômicas adotadas após a Proclamação da República Por meio de artigos e reportagens o periódico impactou a discussão pública ao destacar a urgência de mudanças e a importância de uma maior clareza nas finanças nacionais O Jornal do Commércio ressaltou situações de fraudes e táticas especulativas na Bolsa de Valores com matérias e ensaios que revelaram a conexão entre financistas e políticos condenando a cumplicidade que possibilitou o aumento descontrolado da criação de moeda sem respaldo em ouro Machado de Assis mencionado por Taunay 1971 p 5253 caracterizou este período como uma grande epopeia de riqueza em que as atividades aconteciam de maneira acelerada e os ganhos pareciam não ter fim ilustrando a sensação de euforia especulativa que permeava a sociedade o que aponta que o Encilhamento foi descrito por vários pensadores como uma fase de otimismo desmedido e fé sem limites no avanço econômico Assim os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental na formação da percepção pública sobre o Encilhamento atuando não apenas como fonte de notícias mas também como influenciadores na formação de opiniões e na crítica ética Ao destacar abusos especulativos satirizar as estratégias econômicas e documentar as consequências sociais da crise a mídia ajudou a formar uma lembrança negativa e persistente dessa época 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise do Encilhamento representou uma mudança significativa na trajetória do Brasil destacando as fragilidades intrínsecas do Império e impulsionando as mudanças sociais que já estavam em curso O colapso econômico fruto das estratégias de expansão monetária de Rui Barbosa aliado à instabilidade política e ao aumento do descontentamento popular minou a fé nas instituições da monarquia abrindo espaço para a demolição do regime imperial e o avanço do movimento republicano Assim o objetivo principal deste estudo foi integralmente atingido ao evidenciar através de uma análise histórica e de diversas áreas do conhecimento de que maneira os impactos econômicos do Encilhamento afetaram diretamente a mudança do sistema monárquico para o republicano Ao examinar as políticas adotadas os impactos sociais da crise e a dinâmica entre os diferentes agentes políticos da época tornouse possível estabelecer uma conexão evidente e fundamentada entre a volatilidade econômica causada pelo Encilhamento e a afirmação do novo regime republicano Os objetivos específicos desta investigação também foram completamente cumpridos ao retratar de maneira detalhada o cenário econômico do Brasil no final do século XIX enfatizando a complexa mudança do trabalho escravo para o assalariado após a libertação em 1888 O estudo investigou o entusiasmo provocado pela política de liberalização econômica implementada por Ruy Barbosa que resultou na criação em grande escala de instituições bancárias aumento da quantidade de dinheiro circulando e forte especulação nos mercados financeiros A pesquisa também destacou os impactos destrutivos dessa crise em vários setores da sociedade brasileira abrangendo desde os grandes investidores até os trabalhadores mostrando como a incerteza econômica intensificou as tensões sociais e políticas o que ajudou a provocar a queda do regime monárquico O estudo analisou as ações econômicas implementadas por Ruy Barbosa ressaltando suas propostas de modernização e as consequências negativas de sua execução apressada que levaram a uma significativa instabilidade financeira Conseguiuse evidenciar de que maneira essas mudanças afetaram de forma negativa a opinião pública e política em relação ao 40 governo reduzindo a confiança nas instituições monárquicas e estimulando o discurso a favor da república A relação entre a crise econômica e o aumento do descontentamento político foi analisada de maneira detalhada mostrando como as tensões sociais se acentuaram e foram direcionadas em prol do movimento republicano O estudo investigou os acontecimentos que levaram à Proclamação da República ressaltando como os líderes republicanos usaram o Encilhamento como uma justificativa fundamental para destituir Dom Pedro II e estabelecer um novo governo As crises econômicas que ocorreram no Brasil durante o século XIX como a do Encilhamento evidenciam a persistência de conflitos entre abordagens de políticas monetárias expansivas e limitativas que caracterizaram tanto o período imperial quanto a era republicana Os esforços para modernizar a economia fortaleceram sistemas patrimonialistas e favoreceram grupos elitistas evidenciando que a transição de regime não foi capaz de resolver as debilidades institucionais e econômicas legadas do passado A iniciativa de expandir a oferta de moeda através da emissão fiduciária embora baseada em ideias liberais e ajustadas à realidade local acabou intensificando pressões inflacionárias e especulativas evidenciando as fragilidades e a dependência de um sistema financeiro ainda vulnerável A desproporção entre o crescimento da oferta monetária interna e a vulnerabilidade da balança de pagamentos somada à influência das elites regionais e à resistência do capital internacional teve um papel significativo na instabilidade do sistema e na continuidade de problemas que impactaram o progresso econômico do Brasil ao longo de muitos anos O esforço de integrar o Brasil na dinâmica do capitalismo financeiro contemporâneo sem os necessários mecanismos de controle clareza e inclusão social gerou não apenas instabilidade econômica e aumento da inflação mas também causou a perda de credibilidade política e uma sensação de desilusão entre a população em relação ao novo regime republicano A imprensa atuou como um reflexo das controvérsias políticas econômicas e regionais da época ajudando a acentuar a divisão entre os diversos planos de modernização do Brasil Ao intensificar a discussão pública com falas alternando entre preocupações excessivas e abordagens práticas os jornais contribuíram para a formação de uma narrativa crítica que além de expor as consequências da crise também desafiava as bases ideológicas da política econômica implementada 41 A crise do Encilhamento acelerou a Proclamação da República ao evidenciar a incapacidade do sistema monárquico perante as pressões econômicas e sociais resultando em desconfiança nas instituições e intensificando a instabilidade política Os efeitos dessas mudanças marcaram os primeiros anos do novo governo demandando reformas imediatas e evidenciando a vulnerabilidade das recémestabelecidas instituições republicanas Esta investigação apesar de ter procurado realizar uma análise completa sobre o Encilhamento e suas consequências políticas econômicas e na mídia enfrenta restrições devido à escassez e à dispersão das fontes originais além da dificuldade própria de interpretar os discursos da imprensa daquele período Assim é fundamental expandir a pesquisa sobre a influência da imprensa nas regiões os efeitos sociais da crise e as ligações internacionais da política monetária implementada abrindo possibilidades para novas investigações que possam aprimorar e reconsiderar as ideias apresentadas Este estudo é altamente indicado para alunos e educadores na área de História especialmente para aqueles dedicados à formação de professores e ao ensino da História do Brasil durante a época republicana proporcionando material para discussões em contextos educacionais e para a elaboração de abordagens pedagógicas que enfatizem a análise crítica das fontes históricas e dos discursos elaborados em períodos de crise 42 REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 ALMEIDA I C S CROCE M A Abolição encilhamento e mercado financeiro uma análise da primeira crise financeira republicana Revista de Economia do CentroOeste Goiânia v 2 n 2 p 1936 2016 Disponível em httpsrevistasufgbrreoestearticledownload4182622198188144 Acesso em 04 jun 2025 ALMEIDA M H T CROCE F N Histórias da República 18891930 São Paulo Cia das Letras 2016 BARBOSA Rui Antologia Nova Fronteira 2011 BEZERRA M Ruy Barbosa e o Encilhamento uma história do papelmoeda no Brasil São Paulo 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Sérgio Buarque de direção História geral da civilização brasileira Tomo II O Brasil monárquico Volume 7 Do Império à República 7 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2005 504 p História geral da civilização brasileira tomo II v 7 ISBN 85286 05078 44 GAZETA DE NOTÍCIA Edições de 18901891 Rio de Janeiro hemeroteca nacional 1890 1891 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA IPEA História Encilhamento crise financeira e República Desafios do Desenvolvimento ano 8 edição 65 5 maios 2011 Disponível em httpswwwipeagovbrdesafiosindexphp optioncomcontentviewarticleid2490catid28Itemid23 Acesso em 27 jun 2025 JORNAL DO COMMERCIO Edições de 18901891 Rio de Janeiro Hemeroteca Digital Brasileira 18901891 LEVY M B A Indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas Rio de Janeiro UFRJ 1994 LOBO M E L Economia do Rio de Janeiro nos séculos XVII e XIX In NEUHAUS P Economia Brasileira Uma Visão Histórica Rio de Janeiro Campus p 12359 1980 MANZATTO Rômulo Celso Furtado e a Política Financeira 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R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA Monografia Título A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Alunoa Shirley Macedo Diniz Matrícula 18116090260 Polo Cantagalo 2025 SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso de graduação apresentado ao Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História Rio de Janeiro 2025 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha família esposo filhos pai mãe e irmãos que me apoiaram sem medir esforços Sem eles com toda a certeza eu não teria chegado até aqui AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus pela minha vida e por ter me dado forças para chegar até aqui e ultrapassar os obstáculos encontrados ao longo dessa jornada Aos meus familiares e amigos que me incentivaram e me apoiaram a não desistir e no qual compreenderam minha ausência enquanto eu me dedicava aos estudos Aos professores que me apoiaram ao longo da minha vida acadêmica pelos ensinamentos que me permitiram enxergar o mundo com os olhos de um historiador sem preconceitos ou apontamentos e com a certeza de que o estudo nos permite questionar e ser protagonista da história aprendendo com os erros e a lutar por uma sociedade cada dia mais justa Quero agradecer também a minha orientadora Mariana Nunes de Carvalho que acreditou no meu potencial e me ajudou muito com suas orientações Minha gratidão também a UNIRIO pela oportunidade de realizar um curso de qualidade abrindo as portas para um futuro promissor Invenções há que se transformam ou acabam as mesmas instituições morrem o relógio é definitivo e perpétuo Machado de Assis 1957 RESUMO A crise econômica do Encilhamento ocorrida entre 1888 e 1891 foi um fator decisivo para a transição do Brasil de uma monarquia para uma república Durante esse período o governo de Rui Barbosa adotou políticas econômicas liberais como a expansão monetária e a criação de novas instituições bancárias Embora essas medidas visassem modernizar a economia brasileira resultaram em inflação especulação financeira e instabilidade econômica O impacto social dessa crise gerou um crescente descontentamento popular que fragilizou a monarquia e impulsionou o movimento republicano A Proclamação da República em 1889 foi uma consequência direta dessa turbulência econômica Este estudo tem como objetivo analisar como a crise econômica do Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do regime republicano A pesquisa se concentrará nas políticas econômicas implementadas e seus efeitos sociais políticos e institucionais Além disso o estudo investiga a função da imprensa da época como fonte de informação e formação de opinião pública destacando seu papel na construção de narrativas críticas sobre o governo imperial e na consolidação da República Utilizando fontes primárias como jornais e documentos oficiais buscase compreender a relação entre crise econômica mudanças institucionais e a participação da imprensa nesse processo Ao final o estudo contribuirá para o entendimento de como a crise do Encilhamento foi um motor de transformação política no Brasil e para a reflexão sobre os impactos de crises econômicas na formação de novos regimes Palavraschave Encilhamento República Imprensa ABSTRACT The economic crisis known as the Encilhamento which occurred between 1888 and 1891 was a decisive factor in Brazils transition from a monarchy to a republic During this period the government of Rui Barbosa adopted liberal economic policies such as monetary expansion and the creation of new banking institutions Although these measures aimed to modernize the Brazilian economy they resulted in inflation financial speculation and economic instability The social impact of this crisis generated growing popular discontent which weakened the monarchy and fueled the republican movement The Proclamation of the Republic in 1889 was a direct consequence of this economic turmoil This study aims to analyze how the Encilhamento economic crisis influenced the Proclamation of the Republic and the early years of the republican regime The research will focus on the economic policies implemented and their social political and institutional effects Additionally the study investigates the role of the press at the time as a source of information and public opinion formation highlighting its role in constructing critical narratives about the imperial government and in consolidating the Republic Using primary sources such as newspapers and official documents the study seeks to understand the relationship between economic crises institutional changes and the involvement of the press in this process In the end the study will contribute to the understanding of how the Encilhamento crisis was a driving force for political transformation in Brazil and offer insights into the impacts of economic crises on the formation of new regimes Keywords Encilhamento Republic Press 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 8 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO10 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO17 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 20 211 O papel da imprensa como mediadora da crise20 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária21 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo 22 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política24 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico25 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO 27 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS37 REFERÊNCIAS40 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como propósito investigar como a crise econômica conhecida como Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do novo regime republicano no Brasil A pesquisa será delimitada entre os anos de 1889 e 1891 com foco nos acontecimentos econômicos nas medidas adotadas e nas mudanças sociais ocorridas nesse intervalo O contexto em que o Encilhamento se desenvolve é de transformações profundas o fim da escravidão em 1888 demandava uma reorganização da estrutura produtiva nacional agora baseada no trabalho livre e a tentativa de modernizar a economia brasileira intensificava a adesão a ideias liberais com destaque para o papel do Estado como agente de incentivo à industrialização Carone 1977 Além de explorar a relação direta entre a crise do Encilhamento e a mudança de regime este estudo pretende compreender como as políticas econômicas do período influenciaram a configuração dos primeiros anos da república Será considerada a continuidade de práticas e estruturas herdadas do regime imperial bem como as dificuldades enfrentadas pelo novo governo para estabilizar a economia e restaurar a confiança institucional Faoro 1958 A pesquisa também examinará a possibilidade de que decisões tomadas durante o Encilhamento tenham sido influenciadas por experiências anteriores de crise econômica lançando luz sobre a história econômica brasileira como um processo cíclico de instabilidade e tentativa de modernização Almeida Croce 2016 A análise a ser realizada nesta pesquisa buscará integrar aspectos econômicos políticos e sociais com o objetivo de compreender como uma crise financeira foi capaz de acelerar a transformação institucional no Brasil Para isso será adotada uma abordagem qualitativa baseada na análise documental e historiográfica A investigação se desenvolverá a partir do cruzamento entre fontes primárias e secundárias articulando diferentes tipos de registros da época Entre as fontes primárias a imprensa do período terá papel central por sua função como veículo de informação formação de opinião e arena de debate político e econômico Jornais como Gazeta de Notícias Jornal do Commercio O Paiz e Diário de Notícias serão utilizados como objeto e fonte permitindo identificar tanto os discursos sobre a crise quanto 9 as representações públicas do novo regime Esses periódicos serão examinados criticamente levando em conta sua orientação editorial público leitor vínculos com grupos políticos e sua inserção nas disputas ideológicas do momento Além da imprensa serão analisados documentos oficiais como relatórios ministeriais discursos parlamentares e mensagens presidenciais que ajudam a compreender a lógica das medidas adotadas A imprensa será portanto compreendida não apenas como repositório de acontecimentos mas como um agente político ativo na construção da narrativa da crise capaz de influenciar diretamente a recepção das políticas econômicas e a consolidação ou fragilização do novo regime republicano Desta forma a sua escolha como fonte decorre da sua relevância enquanto espelho e motor da opinião pública sobretudo em um contexto de incerteza institucional onde os jornais desempenharam papel fundamental na mediação entre o Estado e a sociedade Finalmente o estudo pretende destacar como o Encilhamento se insere em um cenário mais amplo de crises econômicas globais do século XIX A comparação com experiências de outros países permitirá compreender até que ponto o caso brasileiro seguiu padrões internacionais ou apresentou características próprias marcadas por especificidades históricas institucionais e sociais A crise do Encilhamento nesse sentido não apenas revelou as fragilidades da estrutura econômica nacional como também desempenhou papel determinante na reconfiguração do Estado brasileiro e na redefinição de seus rumos políticos Furtado 1968 Em suma esta pesquisa busca oferecer uma análise abrangente e fundamentada das conexões entre crise econômica e mudança política no final do século XIX Ao examinar em profundidade o Encilhamento e suas repercussões com ênfase nas políticas adotadas na reação da imprensa e nas representações públicas da crise pretendese contribuir para o entendimento de como eventos econômicos críticos podem provocar transformações institucionais significativas e duradouras na trajetória de uma nação 10 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO O final do século XIX representou uma das fases mais complexas e desafiadoras da história brasileira Foi nesse contexto que ocorreram a abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889 dois marcos simbólicos de um processo de transformação que embora representasse ruptura institucional conservou estruturas sociais profundamente enraizadas no escravismo no autoritarismo e na exclusão A República que se instituiu após a derrocada da monarquia foi concebida e conduzida por uma elite agrária e militar Estabeleceuse sem participação popular refletindo os interesses dos grupos dominantes e as contradições de um projeto político que se pretendia moderno mas que mantinha as heranças do passado colonial A monarquia brasileira em seu último quarto de século já dava sinais de esgotamento O governo de Dom Pedro II embora marcado por relativa estabilidade política em comparação com outras nações latinoamericanas enfrentava um crescente isolamento político Os principais pilares de sustentação do regime o Exército a Igreja e a elite escravocrata começaram a se afastar da coroa em virtude de conflitos sucessivos A chamada questão religiosa iniciada na década de 1870 expôs o atrito entre a monarquia e a Igreja Católica sobretudo após a prisão de bispos que se recusaram a acatar ordens do imperador em matéria de disciplina eclesiástica CARVALHO 2006 A questão militar por sua vez resultou do descontentamento do Exército com a hierarquia imposta pelo poder civil e com a falta de reconhecimento pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai Já a questão abolicionista desgastou de vez o apoio da aristocracia rural ao imperador Ao sancionar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888 sem indenização aos senhores de escravizados Dom Pedro II perdeu o apoio da elite escravocrata A abolição da escravidão embora celebrada como uma conquista moral ocorreu de forma abrupta e sem medidas que garantissem a inserção dos negros libertos na nova ordem social e econômica Conforme Clóvis Moura 1981 tratouse de uma manobra política da monarquia para recuperar prestígio porém tardia Os exescravizados foram abandonados à própria sorte sem terras sem acesso à educação e sem qualquer tipo de reparação Isso reforçou uma estrutura de marginalização que se perpetuaria por décadas 11 A elite brasileira optou ainda no Império por promover uma política de imigração europeia com o objetivo de branquear a população Substituíase a mão de obra negra pela de imigrantes italianos alemães e espanhóis numa clara manifestação de racismo institucional MUNANGA 2003 SCHWARCZ 2019 Com a monarquia enfraquecida e o republicanismo ganhando corpo entre militares e setores da elite urbana a Proclamação da República tornouse inevitável Em 15 de novembro de 1889 liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca os militares depuseram o imperador sem resistência popular ou enfrentamento armado Foi um golpe de Estado silencioso que teve como pano de fundo a crescente insatisfação com o regime imperial No entanto não contou com o apoio efetivo das massas populares Como afirma José Murilo de Carvalho 2006 a população assistiu bestializada à proclamação da República alheia aos mecanismos de poder e excluída das decisões políticas A nova república nasceu portanto sob o signo da exclusão conduzida de cima para baixo por uma elite que desejava reorganizar o Estado segundo seus próprios interesses Nos primeiros anos da República predominou o chamado regime da Espada sob a liderança dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto Ambos enfrentaram sérias crises políticas e econômicas Deodoro ao tentar dissolver o Congresso e instaurar um governo autoritário provocou uma crise institucional que o obrigou a renunciar em 1891 Floriano Peixoto que o sucedeu enfrentou a Revolta da Armada 18931894 liderada por setores da Marinha insatisfeitos com os rumos autoritários do novo governo Para se manter no poder Floriano reprimiu violentamente os revoltosos Ficou conhecido como o marechal de ferro consolidando a autoridade do Exército como força tutelar da nova ordem republicana FAUSTO 1990 No plano econômico os primeiros anos da República foram marcados pela Crise do Encilhamento Foi uma tentativa fracassada de modernizar o país por meio da expansão do crédito e da industrialização O responsável por essa política foi Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda Ele adotou medidas inspiradas no liberalismo econômico europeu incentivando a criação de bancos emissores e a emissão descontrolada de papelmoeda A política de Ruy tinha como objetivo fomentar o crescimento econômico e criar uma burguesia industrial Mas o que se seguiu foi uma bolha especulativa com o surgimento de empresas fictícias e uma corrida desordenada por lucros fáceis na bolsa de valores O termo encilhamento alude às corridas de cavalo sugerindo o momento de euforia que precede a 12 largada no caso um crescimento fictício e sem base real na economia produtiva HOBSBAWM 1968 A crise que se seguiu com inflação galopante desvalorização da moeda e falência de bancos revelou a fragilidade institucional da jovem república e aprofundou o descrédito da população em relação ao novo regime VIOTTI DA COSTA 1998 ALMEIDA CROCE 2016 Superada a fase militar instaurouse a chamada República das Oligarquias ou Primeira República Foi marcada pelo domínio das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder por meio da política do café com leite A Constituição de 1891 estabeleceu um regime federativo e presidencialista inspirado na carta norteamericana Contudo manteve o voto aberto e censitário excluindo do processo eleitoral a maioria da população sobretudo analfabetos negros pobres e mulheres O sistema eleitoral era permeado pelo coronelismo e pelo clientelismo Fraudes generalizadas compra de votos e uso da repressão mantinham o poder das oligarquias locais Como analisa Raymundo Faoro 1958 o Estado republicano continuava sendo o patrimônio das classes dominantes perpetuando uma estrutura patrimonialista e excludente A lógica do coronelismo consolidavase nas estruturas locais de poder O coronel o chefe político rural exercia influência sobre a vida social econômica e política da região Esse sistema garantiu às oligarquias o controle do voto e da representação política tornando o Estado brasileiro um mediador dos interesses das elites regionais A chamada política dos governadores instituída por Campos Sales consolidou esse arranjo Estabeleceu alianças entre o governo federal e os chefes políticos estaduais em troca de apoio parlamentar e estabilidade institucional A máquina do Estado longe de ser instrumento de igualdade era utilizada para manter a desigualdade e a exclusão A exclusão social e racial aprofundouse na Primeira República Os negros libertos continuavam à margem do mercado de trabalho formal sem acesso a direitos básicos e submetidos a uma repressão policial permanente A República não enfrentou a herança do escravismo preferindo naturalizála por meio da ideologia do branqueamento e da invisibilização da população negra nas narrativas oficiais O racismo estrutural era reforçado por teorias pseudocientíficas que defendiam a inferioridade da raça negra e por políticas públicas que favoreciam a imigração europeia Florestan Fernandes 1978 denuncia esse processo como uma reorganização da ordem escravocrata travestida de modernização liberal 13 Diversas revoltas eclodiram como forma de resistência popular às condições de opressão A mais emblemática foi a Guerra de Canudos 18961897 liderada por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia O arraial de Canudos era visto como uma ameaça à ordem republicana Formou uma comunidade autônoma baseada em princípios religiosos e de solidariedade entre os pobres A resposta do Estado foi brutal Após quatro expedições militares Canudos foi destruída e milhares de pessoas foram massacradas Como analisa Euclides da Cunha 1902 em Os Sertões tratouse de um conflito entre duas civilizações em que o Estado moderno exterminou uma população nordestina que representava um Brasil profundo marginalizado e resistente Outras revoltas populares ocorreram como a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista nas décadas seguintes Todas evidenciaram o descontentamento com um regime que prometia modernidade mas entregava repressão e exclusão A modernização da República não foi acompanhada de democratização real A industrialização incipiente a urbanização acelerada e o crescimento das desigualdades criaram um caldo de insatisfação que se intensificaria nas décadas seguintes culminando na Revolução de 1930 Em suma a Primeira República brasileira nasceu de um golpe militar consolidouse sob o domínio das oligarquias agrárias e desenvolveu um modelo de Estado que excluía a maioria da população da vida política e econômica A abolição da escravidão não significou a superação do racismo a proclamação da república não significou democracia O país manteve sob nova roupagem institucional as mesmas estruturas de poder concentrado e de desigualdade social Entender esse período é fundamental para compreender os desafios contemporâneos da democracia brasileira e a persistência de desigualdades que têm raízes profundas em nossa história O final do século XIX marcou um dos períodos mais complexos e turbulentos da história brasileira Foi nesse cenário de profundas transformações sociais econômicas e institucionais que ocorreram a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 Esses eventos embora simbólicos de uma possível ruptura com o passado não significaram necessariamente uma modernização democrática do país tampouco resolveram os dilemas estruturais herdados da colonização e do escravismo 14 O Império brasileiro nos últimos anos do governo de Dom Pedro II já demonstrava sinais evidentes de esgotamento A monarquia sustentavase em uma estrutura de poder altamente centralizada e sustentada por alianças conservadoras especialmente com a elite agrária escravocrata Três grandes conflitos a questão religiosa a questão militar e a questão abolicionista abalaram os pilares de sustentação do regime imperial Segundo José Murilo de Carvalho 2006 esses embates revelavam um Estado incapaz de responder às demandas de mudança da sociedade brasileira A questão religiosa surgida na década de 1870 foi motivada pelo confronto entre a Igreja Católica e o Estado imperial especialmente após a punição de bispos que desobedeceram a ordens do imperador quanto à maçonaria A Igreja desejosa de maior autonomia rompeu com o regime minando uma de suas bases tradicionais de apoio Já a questão militar envolveu o descontentamento do Exército que após sua atuação decisiva na Guerra do Paraguai exigia maior prestígio e participação na vida política o que lhe foi sistematicamente negado A ruptura definitiva entre a monarquia e a elite agrária ocorreu com a assinatura da Lei Áurea Embora moralmente significativa a abolição da escravidão foi realizada sem planejamento econômico ou social Sem indenizações aos proprietários de escravizados e sem políticas públicas para inserção dos libertos na sociedade criouse uma situação de instabilidade e ressentimento entre as elites agrárias Clóvis Moura 1981 interpreta essa medida como uma manobra tardia do Império para recuperar prestígio mas que acabou por precipitar sua queda O vazio deixado pelo fim do Império foi ocupado por um movimento republicano liderado por setores das Forças Armadas especialmente o Exército com apoio de algumas elites urbanas e intelectuais positivistas A Proclamação da República realizada sem participação popular deu origem a um regime que reproduzia sob novas roupagens a exclusão social e política do passado A frase de José Murilo de Carvalho de que o povo assistiu bestializado ao novo regime resume a ausência de legitimidade popular do novo arranjo institucional Os primeiros anos da República foram marcados por instabilidade e autoritarismo período que ficou conhecido como República da Espada Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto assumiram a chefia do Executivo em meio a crises políticas e econômicas A tentativa de modernização do país por meio do liberalismo econômico capitaneada por Ruy Barbosa culminou na Crise do Encilhamento um episódio de especulação financeira e falência de instituições bancárias que desmoralizou o novo regime e agravou a crise social 15 Conforme Viotti da Costa 1998 a política econômica do período expressava a crença de que o progresso viria com a industrialização espontânea estimulada pela expansão do crédito No entanto a falta de regulação e a ausência de infraestrutura tornaram a iniciativa um fracasso A inflação a desvalorização da moeda e o descrédito da população consolidaram a percepção de que o novo regime republicano era frágil e desorganizado Superado o governo militar a Primeira República 18941930 foi dominada pelas oligarquias regionais especialmente de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder segundo os interesses da chamada política do café com leite O pacto oligárquico restringia ainda mais a participação popular perpetuando o coronelismo e o clientelismo O voto era aberto censitário e controlado pelos coronéis chefes políticos locais com forte poder de coerção Nesse contexto a exclusão dos negros mulheres analfabetos e pobres era institucionalizada A República não enfrentou o legado do escravismo Ao contrário como aponta Florestan Fernandes 1978 a elite brasileira promoveu uma reorganização da ordem social excludente por meio da ideologia do branqueamento das teorias racistas e da marginalização sistemática da população negra A imigração europeia incentivada a partir do final do século XIX visava substituir a mão de obra negra nas lavouras e urbanizar o país com base em padrões eurocêntricos Kabengele Munanga 2003 argumenta que essa política revela a institucionalização de um racismo científico que colocava a modernização do Brasil em oposição à valorização de sua população negra e mestiça A insatisfação popular manifestouse em diversas revoltas como a Guerra de Canudos 18961897 a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista Todas essas mobilizações expunham as contradições de um regime que prometia civilização e progresso mas mantinha a repressão e a desigualdade como pilares de sustentação Euclides da Cunha 1902 ao relatar Canudos denuncia o massacre como expressão de um conflito entre um Brasil profundo e marginalizado e a modernidade excludente da República Apesar do discurso republicano de liberdade e progresso a realidade do período foi marcada pela centralização do poder nas mãos das oligarquias pela manutenção do racismo estrutural e pela ausência de mecanismos de inclusão social A Constituição de 1891 inspirada no modelo norteamericano foi incapaz de promover um sistema verdadeiramente democrático pois consolidou privilégios e excluiu a maioria da população da cidadania 16 Em síntese o período pósabolição e pósProclamação da República não significou uma verdadeira ruptura com a ordem escravocrata e autoritária O novo regime reproduziu desigualdades históricas e aprofundou a exclusão dos setores populares especialmente negros e pobres Para compreender os dilemas contemporâneos da democracia brasileira é fundamental retomar a análise crítica deste momento fundador da República que sob a aparência de modernização manteve as velhas estruturas de poder 17 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção 18 A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entreganos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à 19 sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSER Pereira 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recémproclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes Abreu 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise 20 O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais Fausto 1995 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 21 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro Sodré 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos 22 especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo 23 O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papelmoeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio 24 Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de 25 estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos 26 Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política 27 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO A expansão do emprego formal impulsionada pelo influxo contínuo de imigrantes e pelo desenvolvimento industrial sugeria um horizonte encorajador com a economia se fortalecendo e novas oportunidades surgindo tanto nas áreas urbanas quanto rurais promovendo investimentos e um entusiasmo generalizado entre os segmentos produtivos no entanto essa impressão de dinamismo mascarava fragilidades na estrutura que de forma inexorável em breve se manifestariam expondo as vulnerabilidades ocultas dentro do contexto otimista IPEA 2011 O sucesso das plantações de café e a eficaz assimilação dos imigrantes no setor agrícola geraram um ambiente favorável impulsionando a entrada de capital estrangeiro e a valorização do milréis Esse cenário teve um impacto positivo na Bolsa de Valores onde o crescimento dos lucros indicou uma fase de entusiasmo e abundância para o mercado financeiro do país Almeida Croce 2016 O governo por sua vez implementou estratégias que estimularam a concessão de empréstimos hipotecários e reforçaram instituições financeiras associadas a personalidades poderosas como Francisco de Paula Mayrink com o objetivo de promover o crescimento econômico Almeida Croce 2016 Todavia essa expectativa positiva rapidamente foi substituída pela instabilidade resultante da utilização especulativa dos recursos o que levou à perda da confiança popular e ao desgaste da gestão governamental indicando o começo da crise do Encilhamento Schulz 1996 A abordagem do governo imperial em oferecer amplo crédito aos agricultores tinha como objetivo principal frear a disseminação das ideias republicanas e acalmar determinadas frações da elite rural Entretanto muitos agricultores já enfrentavam um elevado nível de endividamento e utilizaram os novos financiamentos apenas para saldar dívidas anteriores o que frustrou a estratégia do governo de revitalizar e estimular a atividade agrícola Almeida Croce 2016 Essa desconexão entre a abordagem econômica implementada e a realidade da produção revela a vulnerabilidade do Império frente às significativas mudanças sociais que estavam ocorrendo A visão da sociedade sobre essa falta de eficiência e a dificuldade em lidar com os desafios econômicos ajudou a fortalecer a atração pelo movimento republicano levando à proclamação da República Almeida Croce 2016 De acordo com Carone 1974 Rui Barbosa continuou a implementar políticas de crédito destinadas aos proprietários de terras do Vale do Paraíba buscando assim garantir o 28 apoio dos setores rurais mais influentes No entanto essas medidas se mostraram inadequadas para garantir a estabilidade do regime monárquico frente à crescente pressão por mudanças republicanas A instabilidade econômica se intensificou devido à saída de ouro do território e à suspensão dos investimentos externos resultando na desvalorização da moeda e em efeitos adversos no mercado de ações Diante dessas dificuldades a estratégia de emissão garantida por ouro implementada pela administração anterior precisou ser descartada complicando ainda mais a gestão da crise econômica Lobo 1980 Schulz 1996 Os bancos obtinham capital do governo sem juros argumentando que esses fundos seriam destinados a oferecer empréstimos aos produtores rurais entretanto os agricultores ao invés de aplicar recursos na produção destinavam essa quantia para saldar débitos anteriores caracterizando uma troca de dívida uma vez que renovava obrigações financeiras anteriores por novas oferecendo prazos mais extensos e condições mais favoráveis Schulz 1996 Assim os fundos voltavam praticamente na totalidade para as entidades bancárias e com esses recursos disponíveis novamente e sem a exigência imediata de restituição ao governo os bancos empregavam os fundos na aquisição de títulos do setor público Esse processo resultou em um aumento de 40 na base monetária do país em apenas nove meses impulsionando ainda mais a especulação financeira As instituições financeiras obtiveram recursos do governo a juros zero com o propósito de financiar os agricultores No entanto grande parte desses produtores utilizava os valores apenas para quitar dívidas anteriores em um mecanismo conhecido como troca de débitos Dessa forma os recursos retornavam rapidamente aos bancos que então os aplicavam na compra de títulos públicos Schulz 1996 A valorização das ações no mercado acionário aumentava a necessidade de capital para apoiar o crescimento das operações o que provocava pressão sobre a elevação das taxas de juros Devido à restrição no volume de moeda liberada por meio de decretos a taxa de juros aumentava beneficiando investimentos especulativos que proporcionavam um retorno elevado o bastante para justificar a contração de empréstimos nos bancos ampliando assim a bolha financeira Tannuri 1981 No mês de maio de 1890 Rui Barbosa pôs fim à prática de empréstimos voltados para a agricultura e em outubro adotou ações para prevenir irregularidades na Bolsa de Valores estipulando que as companhias deveriam subscrever 100 de suas ações e dispor de pelo menos 30 de capital próprio sendo que 40 desse montante deveria estar integralizado antes de iniciar as transações Schulz 1996 29 De acordo com Franco 1983 o objetivo era conter progressivamente o entusiasmo do mercado no entanto as alterações resultaram em uma diminuição rápida e significativa na criação de novas empresas sendo substituídas pela exigência de um aumento no capital inicial para prevenir prejuízos financeiros Com a proclamação da República a nova administração lidou com as consequências da crise do Encilhamento sobretudo no que diz respeito à Bolsa de Valores Tristão de Alencar Araripe que ocupava o cargo de ministro da Fazenda buscou conter a especulação financeira ao implementar impostos sobre altos dividendos e transações futuras Almeida Croce 2016 Entretanto a intensa pressão dos grupos favorecidos e uma paralisação dos corretores levaram à revogação dessas ações Dentro desse contexto turbulento o Marechal Deodoro da Fonseca assumiu a presidência em 1891 solidificando a mudança política e acentuando a insegurança que caracterizou o começo do período republicano Almeida Croce 2016 Conforme Lobo 1980 a maioria dos títulos passou por uma queda de valor em parte em função da antecipação de ações do governo que restringiriam os ganhos dos investimentos A situação foi piorada pela dificuldade em localizar compradores limitandose apenas a algumas instituições respeitáveis como o Banco do Brasil e o Banco Rural A média de desvalorização alcançou aproximadamente 40 do valor que havia sido registrado no começo do ano demonstrando o colapso do mercado após a fase de especulação intensa sinalizando o início do declínio da confiança no sistema financeiro daquele período Lobo 1980 Almeida Croce 2016 Simultaneamente as instituições financeiras emissoras elevaram a quantidade de dinheiro em circulação para apoiar empresas listadas na bolsa muitas das quais eram fraudulentas na tentativa de manter o Encilhamento intensificando a instabilidade do mercado criando um ciclo prejudicial de especulação e desconfiança o que contribuiu para a aceleração do colapso econômico nacional Schulz 1966 Em setembro de 1891 Lucena do Ministério da Fazenda tentou enfrentar a crise por meio de uma elevação na emissão de moeda solicitando ao Congresso a permissão para a liberação de 600 mil contos através do BREUB A rejeição por parte da oposição levou Deodoro e Lucena a realizarem um golpe em novembro dando início a uma curta ditadura Almeida Croce 2016 Contudo um contragolpe promovido pelo Partido Republicano Paulista que contou com suporte militar e popular fez com que Deodoro renunciasse e Floriano Peixoto assumisse 30 o poder intensificando a instabilidade política durante o período de transição para a república Almeida Croce 2016 Rodrigues Alves ao retornar ao cargo de Ministro da Fazenda enfatizou o alto valor da dívida pública que tornava impossível a emissão garantida por títulos A falta de ouro e a valorização da moeda estrangeira pioraram a situação tornando inviável a emissão de moeda por instituições financeiras privadas Almeida Croce 2016 No ano de 1896 uma importante legislação foi instaurada atribuindo ao governo a exclusividade na emissão de bilhetes bancários legalizando as garantias e estabelecendo um plano para a retirada gradual do papelmoeda com o objetivo de solucionar os entraves do Encilhamento e recuperar a credibilidade no sistema financeiro Tannuri 1981 No entanto Floriano Peixoto e Prudente de Morais se depararam com enormes dificuldades ao tentar reestabelecer a economia após a crise e foi apenas durante a administração de Campos Sales que os impactos mais graves do Encilhamento foram superados sinalizando o começo da recuperação econômica do Brasil Tannuri 1981 Ao assumir a presidência do país em 1898 Campos Sales se deparou com uma grave crise econômica marcada pelo risco iminente de moratória da dívida externa Como resposta comprometeuse a não emitir moeda fiduciária adicional e garantiu as receitas da alfândega do Rio de Janeiro como forma de pagamento medidas que se mostraram decisivas para conter o colapso econômico e reequilibrar as finanças públicas Schulz 1996 Para restaurar a estabilidade financeira Campos Sales aplicou com rigor as diretrizes do Funding Loan buscando a redução dos preços o equilíbrio das contas públicas e a retomada do imposto sobre importações em ouro Além disso promoveu a emissão de títulos da dívida o que retirou dinheiro em circulação auxiliou no controle da inflação e contribuiu para recuperar a confiança dos agentes econômicos iniciando um processo de recuperação após os danos causados pelo Encilhamento Cardoso 1975 Ao assumir a liderança do país em 1898 Campos Sales encontrou um cenário econômico desafiador com o Brasil quase enfrentando o calote da dívida externa Sales assumiu o compromisso de não criar moeda fiduciária extra e garantiu a receita da alfândega do Rio de Janeiro ações que se provaram fundamentais para impedir a crise econômica e equilibrar as finanças nacionais Schulz 1996 Embora tenha havido tentativas de resgatar o Banco República do Brasil o mercado financeiro do Rio de Janeiro sofreu uma severa escassez de recursos resultando no encerramento ou reestruturação de diversas entidades em especial aquelas afligidas por créditos inadimplentes do Encilhamento O governo por sua vez adotou uma postura inerte 31 em relação às falências vendoas como necessárias para promover a recuperação econômica e a reabilitação lenta do país Tannuri 1996 Schulz 1996 Com a diminuição da quantidade de moeda em circulação empresas desonestas não conseguiram suportar a intensificação da concorrência Apesar de o processo ter apresentado instabilidades ele proporcionou as condições necessárias para a expansão industrial nos primórdios da República Velha colocando a indústria carioca em uma posição proeminente superada apenas pela de São Paulo até os anos 1920 Almeida Croce 2016 Levy 1994 O Encilhamento foi um momento de grande especulação que gerou um aumento nas taxas de juros uma queda no valor da moeda e uma inflação que se estendeu até a década de 1890 Os impactos da crise foram superados apenas no início do século XX através de fechamentos de bancos e reestruturações econômicas Tannury 1981 A desvalorização dos ativos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro prejudicou gravemente pequenos investidores e agricultores da área sendo que a especulação excessiva e a carência de normas financeiras pioraram a situação Isso transformou a tentativa de reforma monetária de Rui Barbosa em uma experiência desastrosa devido à falta de um banco central ou entidade reguladora A liberação excessiva de dinheiro converteu o crédito em um símbolo de instabilidade em um contexto caracterizado pela falta de um banco central ou de qualquer entidade reguladora que controlasse as atividades financeiras Como resultado a fé na economia foi gravemente comprometida evidenciando a demanda imediata por uma política monetária mais robusta e organizada Embora tenha havido instabilidade certas empresas fundadas durante o Encilhamento conseguiram se expandir especialmente no setor têxtil onde o investimento na Bolsa do Rio de Janeiro aumentou duas vezes entre maio e novembro de 1890 IPEA 2011 Na cidade de São Paulo o panorama também foi de crescimento com o surgimento de mais de duzentas empresas anônimas e a establishment da Bolsa de Valores local no mesmo período O Encilhamento expôs debilidades inerentes ao sistema monárquico revelando sua suscetibilidade a práticas especulativas e a falta de mecanismos regulatórios adequados Segundo José Murilo de Carvalho 1987 a crise provocou uma intensa desilusão em várias classes sociais abrangendo até segmentos da elite que anteriormente eram fiéis ao Império As perdas monetárias generalizadas tornaram o Encilhamento uma prova concreta do enfraquecimento do império intensificando a crise política e legitimando a mudança para um novo governo Carvalho 1987 O cenário gerado pela especulação e suas repercussões 32 desempenhou um papel importante na forma como a população reagiu à Proclamação da República com a população ansiando por melhorias 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação Os meios de comunicação se dedicaram a documentar e expor os impactos negativos do Encilhamento exercendo a função de monitoramento das direções da economia e responderam com severas críticas à liberação desmedida de papelmoeda e às atividades especulativas A atenção da mídia ressaltou a ausência de normas financeiras e a subsequente perda de confiança por parte da população tornando este período uma crítica essencial à falta de controle O crescimento acelerado do setor bancário aliado à má utilização dos recursos públicos promoveu práticas especulativas intensas que comprometem a estabilidade do sistema financeiro no Brasil No Rio de Janeiro diversos bancos escolheram realizar operações urbanas rentáveis ao invés de apoiar a agricultura o que contraria as metas das políticas públicas e suscitou intensas críticas na mídia que expôs o desvio refletindo a crise econômica Almeida Croce 2016 A imprensa utilizou o tema do Encilhamento para colocar em dúvida a legitimidade e a eficiência do governo imperial afetando diversas esferas urbanas militares e classes sociais intermediárias onde essa forma de posicionamento ideológico teve um impacto importante na intensificação da crise política atuando como um catalisador para a aceitação do novo regime O Encilhamento além de ser uma crise de natureza econômica e financeira representou um marco político crucial na transição do regime monárquico para a República no Brasil A instabilidade gerada pelas políticas expansionistas de crédito iniciadas ainda sob o governo imperial revelaram não apenas fragilidades estruturais da economia mas também o esgotamento da capacidade do Império em lidar com as transformações sociais e econômicas que se desenrolavam no final do século XIX Almeida Croce 2016 Ao adotar medidas de incentivo ao crédito rural o governo imperial buscava manter o apoio das elites agrárias evitando a adesão destas aos ideais republicanos Contudo a elevada inadimplência dos produtores e o uso dos empréstimos para quitação de dívidas anteriores minaram a eficácia da estratégia A concessão desenfreada de crédito e a ausência de fiscalização adequada resultaram em uma bolha especulativa que fragilizou o sistema financeiro nacional Schulz 1996 33 Nesse contexto a crise do Encilhamento deflagrada no limiar da transição política de 1889 ganhou contornos mais profundos por coincidir com o fim do Império A perda de credibilidade do governo associada à má condução da política monetária comprometeu sua legitimidade frente a uma sociedade em ebulição pressionada por novas demandas sociais pelo crescimento urbano e pela ascensão de novos grupos econômicos especialmente ligados ao setor cafeeiro paulista e à nascente burguesia urbana Carvalho 1987 Conforme aponta José Murilo de Carvalho 1987 a crise monetária ampliou o descontentamento não apenas entre os setores populares que sofreram com a inflação e a escassez de crédito mas também entre segmentos da elite econômica que perderam confiança na estabilidade do regime A percepção de que o Império já não detinha a capacidade de promover reformas estruturais reforçou a adesão de importantes lideranças civis e militares à causa republicana O próprio aparato estatal demonstrou sinais de esgotamento com sucessivas tentativas fracassadas de conter a crise financeira As políticas de Rui Barbosa já no início do período republicano não conseguiram reverter o quadro mas sim agravaram a especulação evidenciando que as bases da crise haviam sido lançadas ainda sob o domínio imperial A falta de um banco central de políticas regulatórias robustas e de mecanismos eficazes de controle monetário revelaram um Estado que não acompanhava as necessidades de um país em transformação Triner 2001 Assim o Encilhamento se consolidou como um catalisador do fim do Império ao escancarar sua ineficiência administrativa e econômica A crise financeira intensificou a crise de legitimidade do regime monárquico e acelerou sua queda sendo vista por diversos historiadores como um dos fatores determinantes na proclamação da República ao lado da insatisfação militar e do desgaste da monarquia frente aos novos interesses econômicos e sociais Carone 1974 Almeida Croce 2016 Por meio de métodos de design avançados e fácil acesso ao crescente público urbano essas publicações apresentavam matérias minuciosas sobre investimentos arriscados taxa de desemprego e colapsos bancários e assim atingindo segmentos mais variados da população aumentando sua eficácia em exigir respostas do governo e mudanças no sistema financeiro Publicações regulares do Rio de Janeiro como a Gazeta de Notícias começaram a informar a população sobre o crescimento desenfreado do crédito e da especulação no setor financeiro destacando irregularidades e dificuldades de liquidez nas instituições bancárias Ao converter a intricada crise econômica em uma história compreensível esses jornais se 34 tornaram fundamentais para a denúncia iluminando ações que colocavam em risco a solidez da nova República Triner 2001 Conforme aponta Triner 2001 os editoriais faziam ironias sobre Ruy Barbosa ao implementar ações vistas como arriscadas fazendo comparações com os mongers da Argentina A análise ressaltava a diferença entre as finanças reais do Reino Unido e as ilusórias da recémformada república brasileira Isso mostra como a falta de confiança transcendeu limites impactando a visão global acerca da nação Publicações financeiras do Reino Unido e importantes instituições como os Rothschild manifestaram apreensão em relação ao aumento da oferta monetária e à especulação sobre câmbio no Brasil fazendo uma analogia com a crise enfrentada pela Argentina Esse modelo de cobertura refletia o ceticismo global sinalizando um aumento no risco e a provável desvalorização da moeda fatores que apesar de já serem percebidos internamente se tornavam mais significativos e confiáveis ao serem reportados no exterior Triner 2001 A imprensa do Rio de Janeiro destacou o Encilhamento não apenas como um acontecimento econômico mas também como uma questão cultural e política empregando reportagens e sátiras para criticar o ambiente especulativo Ao ironizar figuras públicas e empresários envolvidos o folhetim denunciava práticas consideradas imorais e destacava o impacto social da crise como o aumento do desemprego a falência de empresas e a ruína de pequenos investidores Dessa maneira o Encilhamento passou a ser visto não apenas como uma falha técnica de gestão econômica mas como símbolo de um momento de desorganização política fragilidade institucional e crise de valores ampliando a desconfiança popular em relação ao novo regime republicano A crítica cultural e política promovida pela imprensa ajudou assim a consolidar uma imagem negativa da Primeira República em sua gênese criando um imaginário de fracasso e desilusão logo nos seus primeiros anos A Gazeta de Notícias lançou um folhetim intitulado O Encilhamento cenas contemporâneas em 26 de fevereiro de 1893 retratando de maneira irônica os acontecimentos e figuras envolvidos na crise Tolentino 2016 Os periódicos recorriam à sátira e ao humor como ferramentas para criticar a avareza e a especulação desenfreada que dominavam a época revelando as atitudes de investidores e políticos envolvidos como representações de corrupção e degradação moral explorando assim questões culturais da sociedade Do ponto de vista político os jornais utilizavam o Encilhamento como uma oportunidade para questionar a legitimidade do novo governo da República e para expor a 35 vulnerabilidade das instituições políticas As matérias destacavam de que maneira as políticas econômicas vistas por muitos como imprudentes revelavam a interferência de interesses privados e a ausência de supervisão governamental o que ajudava a minar a confiança nas autoridades Essa estratégia foi pioneira ao combinar reportagens jornalísticas com elementos da narrativa literária aumentando a abrangência e a força da mensagem transmitida ao público A publicação de um folhetim satírico acerca do Encilhamento contribuiu para consolidar a visão de que esse evento simbolizava uma luta de influências entre o governo instituições financeiras e investidores Os jornais da época em relação ao Encilhamento muitas vezes se manifestava de maneira crítica e alarmista transmitindo uma carga ideológica que insinuava que a população inativa e despreocupada era facilmente influenciada por uma elite de especuladores e por decisões econômicas pouco claras reforçando a percepção de uma desconexão entre a nova República e as massas reduzindo a capacidade de ação do povo Carvalho 1990 Os meios de comunicação daquele período não apenas reportaram os eventos do Encilhamento mas também influenciaram sua análise moral e política com críticas contundentes e representações simbólicas Conforme Taunay 1971 p 115 o dinheiro em papel transformouse em uma efetiva carta de baralho apoiado pela submissão de uma multidão ignorante uma frase que ilustra como a imprensa atribuía a culpa tanto aos especuladores quanto à sociedade por manter um sistema deficitário A Gazeta das Notícias em suas publicações enfatizava a condenação de práticas abusivas perpetradas por instituições financeiras e empresários além de ressaltar os efeitos prejudiciais das diretrizes econômicas adotadas após a Proclamação da República Por meio de artigos e reportagens o periódico impactou a discussão pública ao destacar a urgência de mudanças e a importância de uma maior clareza nas finanças nacionais O Jornal do Commércio ressaltou situações de fraudes e táticas especulativas na Bolsa de Valores com matérias e ensaios que revelaram a conexão entre financistas e políticos condenando a cumplicidade que possibilitou o aumento descontrolado da criação de moeda sem respaldo em ouro Machado de Assis mencionado por Taunay 1971 p 5253 caracterizou este período como uma grande epopeia de riqueza em que as atividades aconteciam de maneira acelerada e os ganhos pareciam não ter fim ilustrando a sensação de euforia especulativa que permeava a sociedade o que aponta que o Encilhamento foi descrito por vários pensadores como uma fase de otimismo desmedido e fé sem limites no avanço econômico 36 Assim os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental na formação da percepção pública sobre o Encilhamento atuando não apenas como fonte de notícias mas também como influenciadores na formação de opiniões e na crítica ética Ao destacar abusos especulativos satirizar as estratégias econômicas e documentar as consequências sociais da crise a mídia ajudou a formar uma lembrança negativa e persistente dessa época 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise do Encilhamento representou uma mudança significativa na trajetória do Brasil destacando as fragilidades intrínsecas do Império e impulsionando as mudanças sociais que já estavam em curso O colapso econômico fruto das estratégias de expansão monetária de Rui Barbosa aliado à instabilidade política e ao aumento do descontentamento popular minou a fé nas instituições da monarquia abrindo espaço para a demolição do regime imperial e o avanço do movimento republicano Assim o objetivo principal deste estudo foi integralmente atingido ao evidenciar através de uma análise histórica e de diversas áreas do conhecimento de que maneira os impactos econômicos do Encilhamento afetaram diretamente a mudança do sistema monárquico para o republicano Ao examinar as políticas adotadas os impactos sociais da crise e a dinâmica entre os diferentes agentes políticos da época tornouse possível estabelecer uma conexão evidente e fundamentada entre a volatilidade econômica causada pelo Encilhamento e a afirmação do novo regime republicano Os objetivos específicos desta investigação também foram completamente cumpridos ao retratar de maneira detalhada o cenário econômico do Brasil no final do século XIX enfatizando a complexa mudança do trabalho escravo para o assalariado após a libertação em 1888 O estudo investigou o entusiasmo provocado pela política de liberalização econômica implementada por Ruy Barbosa que resultou na criação em grande escala de instituições bancárias aumento da quantidade de dinheiro circulando e forte especulação nos mercados financeiros A pesquisa também destacou os impactos destrutivos dessa crise em vários setores da sociedade brasileira abrangendo desde os grandes investidores até os trabalhadores mostrando como a incerteza econômica intensificou as tensões sociais e políticas o que ajudou a provocar a queda do regime monárquico O estudo analisou as ações econômicas implementadas por Ruy Barbosa ressaltando suas propostas de modernização e as consequências negativas de sua execução apressada que levaram a uma significativa instabilidade financeira Conseguiuse evidenciar de que maneira essas mudanças afetaram de forma negativa a opinião pública e política em relação ao 38 governo reduzindo a confiança nas instituições monárquicas e estimulando o discurso a favor da república A relação entre a crise econômica e o aumento do descontentamento político foi analisada de maneira detalhada mostrando como as tensões sociais se acentuaram e foram direcionadas em prol do movimento republicano O estudo investigou os acontecimentos que levaram à Proclamação da República ressaltando como os líderes republicanos usaram o Encilhamento como uma justificativa fundamental para destituir Dom Pedro II e estabelecer um novo governo As crises econômicas que ocorreram no Brasil durante o século XIX como a do Encilhamento evidenciam a persistência de conflitos entre abordagens de políticas monetárias expansivas e limitativas que caracterizaram tanto o período imperial quanto a era republicana Os esforços para modernizar a economia fortaleceram sistemas patrimonialistas e favoreceram grupos elitistas evidenciando que a transição de regime não foi capaz de resolver as debilidades institucionais e econômicas legadas do passado A iniciativa de expandir a oferta de moeda através da emissão fiduciária embora baseada em ideias liberais e ajustadas à realidade local acabou intensificando pressões inflacionárias e especulativas evidenciando as fragilidades e a dependência de um sistema financeiro ainda vulnerável A desproporção entre o crescimento da oferta monetária interna e a vulnerabilidade da balança de pagamentos somada à influência das elites regionais e à resistência do capital internacional teve um papel significativo na instabilidade do sistema e na continuidade de problemas que impactaram o progresso econômico do Brasil ao longo de muitos anos O esforço de integrar o Brasil na dinâmica do capitalismo financeiro contemporâneo sem os necessários mecanismos de controle clareza e inclusão social gerou não apenas instabilidade econômica e aumento da inflação mas também causou a perda de credibilidade política e uma sensação de desilusão entre a população em relação ao novo regime republicano A imprensa atuou como um reflexo das controvérsias políticas econômicas e regionais da época ajudando a acentuar a divisão entre os diversos planos de modernização do Brasil Ao intensificar a discussão pública com falas alternando entre preocupações excessivas e abordagens práticas os jornais contribuíram para a formação de uma narrativa crítica que além de expor as consequências da crise também desafiava as bases ideológicas da política econômica implementada 39 A crise do Encilhamento acelerou a Proclamação da República ao evidenciar a incapacidade do sistema monárquico perante as pressões econômicas e sociais resultando em desconfiança nas instituições e intensificando a instabilidade política Os efeitos dessas mudanças marcaram os primeiros anos do novo governo demandando reformas imediatas e evidenciando a vulnerabilidade das recémestabelecidas instituições republicanas Esta investigação apesar de ter procurado realizar uma análise completa sobre o Encilhamento e suas consequências políticas econômicas e na mídia enfrenta restrições devido à escassez e à dispersão das fontes originais além da dificuldade própria de interpretar os discursos da imprensa daquele período Assim é fundamental expandir a pesquisa sobre a influência da imprensa nas regiões os efeitos sociais da crise e as ligações internacionais da política monetária implementada abrindo possibilidades para novas investigações que possam aprimorar e reconsiderar as ideias apresentadas Este estudo é altamente indicado para alunos e educadores na área de História especialmente para aqueles dedicados à formação de professores e ao ensino da História do Brasil durante a época republicana proporcionando material para discussões em contextos educacionais e para a elaboração de abordagens pedagógicas que enfatizem a análise crítica das fontes históricas e dos discursos elaborados em períodos de crise 40 REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 ALMEIDA I C S CROCE M A Abolição encilhamento e mercado financeiro uma análise da primeira crise financeira republicana Revista de Economia do CentroOeste Goiânia v 2 n 2 p 1936 2016 Disponível em httpsrevistasufgbrreoestearticledownload4182622198188144 Acesso em 04 jun 2025 ALMEIDA M H T CROCE F N Histórias da República 18891930 São Paulo Cia das Letras 2016 BARBOSA Rui Antologia Nova Fronteira 2011 BEZERRA M Ruy Barbosa e o Encilhamento uma história do papelmoeda 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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA RIO DE JANEIRO 2025 SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso de graduação apresentado ao Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História Rio de Janeiro 2025 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha família esposo filhos pai mãe e irmãos que me apoiaram sem medir esforços Sem eles com toda a certeza eu não teria chegado até aqui AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus pela minha vida e por ter me dado forças para chegar até aqui e ultrapassar os obstáculos encontrados ao longo dessa jornada Aos meus familiares e amigos que me incentivaram e me apoiaram a não desistir e no qual compreenderam minha ausência enquanto eu me dedicava aos estudos Aos professores que me apoiaram ao longo da minha vida acadêmica pelos ensinamentos que me permitiram enxergar o mundo com os olhos de um historiador sem preconceitos ou apontamentos e com a certeza de que o estudo nos permite questionar e ser protagonista da história aprendendo com os erros e a lutar por uma sociedade cada dia mais justa Quero agradecer também a minha orientadora Mariana Nunes de Carvalho que acreditou no meu potencial e me ajudou muito com suas orientações Minha gratidão também a UNIRIO pela oportunidade de realizar um curso de qualidade abrindo as portas para um futuro promissor Invenções há que se transformam ou acabam as mesmas instituições morrem o relógio é definitivo e perpétuo Machado de Assis 1957 RESUMO A crise econômica do Encilhamento ocorrida entre 1888 e 1891 foi um fator decisivo para a transição do Brasil de uma monarquia para uma república Durante esse período o governo de Rui Barbosa adotou políticas econômicas liberais como a expansão monetária e a criação de novas instituições bancárias Embora essas medidas visassem modernizar a economia brasileira resultaram em inflação especulação financeira e instabilidade econômica O impacto social dessa crise gerou um crescente descontentamento popular que fragilizou a monarquia e impulsionou o movimento republicano A Proclamação da República em 1889 foi uma consequência direta dessa turbulência econômica Este estudo tem como objetivo analisar como a crise econômica do Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do regime republicano A pesquisa se concentrará nas políticas econômicas implementadas e seus efeitos sociais políticos e institucionais Além disso o estudo investiga a função da imprensa da época como fonte de informação e formação de opinião pública destacando seu papel na construção de narrativas críticas sobre o governo imperial e na consolidação da República Utilizando fontes primárias como jornais e documentos oficiais buscase compreender a relação entre crise econômica mudanças institucionais e a participação da imprensa nesse processo Ao final o estudo contribuirá para o entendimento de como a crise do Encilhamento foi um motor de transformação política no Brasil e para a reflexão sobre os impactos de crises econômicas na formação de novos regimes Palavraschave Encilhamento República Imprensa ABSTRACT The economic crisis known as the Encilhamento which occurred between 1888 and 1891 was a decisive factor in Brazils transition from a monarchy to a republic During this period the government of Rui Barbosa adopted liberal economic policies such as monetary expansion and the creation of new banking institutions Although these measures aimed to modernize the Brazilian economy they resulted in inflation financial speculation and economic instability The social impact of this crisis generated growing popular discontent which weakened the monarchy and fueled the republican movement The Proclamation of the Republic in 1889 was a direct consequence of this economic turmoil This study aims to analyze how the Encilhamento economic crisis influenced the Proclamation of the Republic and the early years of the republican regime The research will focus on the economic policies implemented and their social political and institutional effects Additionally the study investigates the role of the press at the time as a source of information and public opinion formation highlighting its role in constructing critical narratives about the imperial government and in consolidating the Republic Using primary sources such as newspapers and official documents the study seeks to understand the relationship between economic crises institutional changes and the involvement of the press in this process In the end the study will contribute to the understanding of how the Encilhamento crisis was a driving force for political transformation in Brazil and offer insights into the impacts of economic crises on the formation of new regimes Keywords Encilhamento Republic Press SUMÁRIO INTRODUÇÃO9 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO11 2 O Encilhamento A Política econômica de Rui Barbosa os bancos a imprensa e o colapso financeiro 18 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica22 211 O papel da imprensa como mediadora da crise22 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária23 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo25 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política26 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico27 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO29 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação34 CONSIDERAÇÕES FINAIS39 Referências42 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como propósito investigar como a crise econômica conhecida como Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do novo regime republicano no Brasil A pesquisa será delimitada entre os anos de 1889 e 1891 com foco nos acontecimentos econômicos nas medidas adotadas e nas mudanças sociais ocorridas nesse intervalo O contexto em que o Encilhamento se desenvolve é de transformações profundas o fim da escravidão em 1888 demandava uma reorganização da estrutura produtiva nacional agora baseada no trabalho livre e a tentativa de modernizar a economia brasileira intensificava a adesão a ideias liberais com destaque para o papel do Estado como agente de incentivo à industrialização Carone 1977 Além de explorar a relação direta entre a crise do Encilhamento e a mudança de regime este estudo pretende compreender como as políticas econômicas do período influenciaram a configuração dos primeiros anos da república Será considerada a continuidade de práticas e estruturas herdadas do regime imperial bem como as dificuldades enfrentadas pelo novo governo para estabilizar a economia e restaurar a confiança institucional Faoro 1958 A pesquisa também examinará a possibilidade de que decisões tomadas durante o Encilhamento tenham sido influenciadas por experiências anteriores de crise econômica lançando luz sobre a história econômica brasileira como um processo cíclico de instabilidade e tentativa de modernização Almeida Croce 2016 A análise a ser realizada nesta pesquisa buscará integrar aspectos econômicos políticos e sociais com o objetivo de compreender como uma crise financeira foi capaz de acelerar a transformação institucional no Brasil Para isso será adotada uma abordagem qualitativa baseada na análise documental e historiográfica A investigação se desenvolverá a partir do cruzamento entre fontes primárias e secundárias articulando diferentes tipos de registros da época Entre as fontes primárias a imprensa do período terá papel central por sua função como veículo de informação formação de opinião e arena de debate político e econômico Jornais como Gazeta de Notícias Jornal do Commercio O Paiz e Diário de Notícias serão 10 utilizados como objeto e fonte permitindo identificar tanto os discursos sobre a crise quanto as representações públicas do novo regime Esses periódicos serão examinados criticamente levando em conta sua orientação editorial público leitor vínculos com grupos políticos e sua inserção nas disputas ideológicas do momento Além da imprensa serão analisados documentos oficiais como relatórios ministeriais discursos parlamentares e mensagens presidenciais que ajudam a compreender a lógica das medidas adotadas A imprensa será portanto compreendida não apenas como repositório de acontecimentos mas como um agente político ativo na construção da narrativa da crise capaz de influenciar diretamente a recepção das políticas econômicas e a consolidação ou fragilização do novo regime republicano Desta forma a sua escolha como fonte decorre da sua relevância enquanto espelho e motor da opinião pública sobretudo em um contexto de incerteza institucional onde os jornais desempenharam papel fundamental na mediação entre o Estado e a sociedade Finalmente o estudo pretende destacar como o Encilhamento se insere em um cenário mais amplo de crises econômicas globais do século XIX A comparação com experiências de outros países permitirá compreender até que ponto o caso brasileiro seguiu padrões internacionais ou apresentou características próprias marcadas por especificidades históricas institucionais e sociais A crise do Encilhamento nesse sentido não apenas revelou as fragilidades da estrutura econômica nacional como também desempenhou papel determinante na reconfiguração do Estado brasileiro e na redefinição de seus rumos políticos Furtado 1968 Em suma esta pesquisa busca oferecer uma análise abrangente e fundamentada das conexões entre crise econômica e mudança política no final do século XIX Ao examinar em profundidade o Encilhamento e suas repercussões com ênfase nas políticas adotadas na reação da imprensa e nas representações públicas da crise pretendese contribuir para o entendimento de como eventos econômicos críticos podem provocar transformações institucionais significativas e duradouras na trajetória de uma nação 11 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO O final do século XIX representou uma das fases mais complexas e desafiadoras da história brasileira Foi nesse contexto que ocorreram a abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889 dois marcos simbólicos de um processo de transformação que embora representasse ruptura institucional conservou estruturas sociais profundamente enraizadas no escravismo no autoritarismo e na exclusão A República que se instituiu após a derrocada da monarquia foi concebida e conduzida por uma elite agrária e militar Estabeleceuse sem participação popular refletindo os interesses dos grupos dominantes e as contradições de um projeto político que se pretendia moderno mas que mantinha as heranças do passado colonial A monarquia brasileira em seu último quarto de século já dava sinais de esgotamento O governo de Dom Pedro II embora marcado por relativa estabilidade política em comparação com outras nações latinoamericanas enfrentava um crescente isolamento político Os principais pilares de sustentação do regime o Exército a Igreja e a elite escravocrata começaram a se afastar da coroa em virtude de conflitos sucessivos A chamada questão religiosa iniciada na década de 1870 expôs o atrito entre a monarquia e a Igreja Católica sobretudo após a prisão de bispos que se recusaram a acatar ordens do imperador em matéria de disciplina eclesiástica CARVALHO 2006 A questão militar por sua vez resultou do descontentamento do Exército com a hierarquia imposta pelo poder civil e com a falta de reconhecimento pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai Já a questão abolicionista desgastou de vez o apoio da aristocracia rural ao imperador Ao sancionar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888 sem indenização aos senhores de escravizados Dom Pedro II perdeu o apoio da elite escravocrata A abolição da escravidão embora celebrada como uma conquista moral ocorreu de forma abrupta e sem medidas que garantissem a inserção dos negros libertos na nova ordem social e econômica Conforme Clóvis Moura 1981 tratouse de uma manobra política da monarquia para recuperar prestígio porém tardia 12 Os exescravizados foram abandonados à própria sorte sem terras sem acesso à educação e sem qualquer tipo de reparação Isso reforçou uma estrutura de marginalização que se perpetuaria por décadas A elite brasileira optou ainda no Império por promover uma política de imigração europeia com o objetivo de branquear a população Substituíase a mão de obra negra pela de imigrantes italianos alemães e espanhóis numa clara manifestação de racismo institucional MUNANGA 2003 SCHWARCZ 2019 Com a monarquia enfraquecida e o republicanismo ganhando corpo entre militares e setores da elite urbana a Proclamação da República tornouse inevitável Em 15 de novembro de 1889 liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca os militares depuseram o imperador sem resistência popular ou enfrentamento armado Foi um golpe de Estado silencioso que teve como pano de fundo a crescente insatisfação com o regime imperial No entanto não contou com o apoio efetivo das massas populares Como afirma José Murilo de Carvalho 2006 a população assistiu bestializada à proclamação da República alheia aos mecanismos de poder e excluída das decisões políticas A nova república nasceu portanto sob o signo da exclusão conduzida de cima para baixo por uma elite que desejava reorganizar o Estado segundo seus próprios interesses Nos primeiros anos da República predominou o chamado regime da Espada sob a liderança dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto Ambos enfrentaram sérias crises políticas e econômicas Deodoro ao tentar dissolver o Congresso e instaurar um governo autoritário provocou uma crise institucional que o obrigou a renunciar em 1891 Floriano Peixoto que o sucedeu enfrentou a Revolta da Armada 18931894 liderada por setores da Marinha insatisfeitos com os rumos autoritários do novo governo Para se manter no poder Floriano reprimiu violentamente os revoltosos Ficou conhecido como o marechal de ferro consolidando a autoridade do Exército como força tutelar da nova ordem republicana FAUSTO 1990 No plano econômico os primeiros anos da República foram marcados pela Crise do Encilhamento Foi uma tentativa fracassada de modernizar o país por meio da expansão do crédito e da industrialização O responsável por essa política foi Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda 13 Ele adotou medidas inspiradas no liberalismo econômico europeu incentivando a criação de bancos emissores e a emissão descontrolada de papelmoeda A política de Ruy tinha como objetivo fomentar o crescimento econômico e criar uma burguesia industrial Mas o que se seguiu foi uma bolha especulativa com o surgimento de empresas fictícias e uma corrida desordenada por lucros fáceis na bolsa de valores O termo encilhamento alude às corridas de cavalo sugerindo o momento de euforia que precede a largada no caso um crescimento fictício e sem base real na economia produtiva HOBSBAWM 1968 A crise que se seguiu com inflação galopante desvalorização da moeda e falência de bancos revelou a fragilidade institucional da jovem república e aprofundou o descrédito da população em relação ao novo regime VIOTTI DA COSTA 1998 ALMEIDA CROCE 2016 Superada a fase militar instaurouse a chamada República das Oligarquias ou Primeira República Foi marcada pelo domínio das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder por meio da política do café com leite A Constituição de 1891 estabeleceu um regime federativo e presidencialista inspirado na carta norteamericana Contudo manteve o voto aberto e censitário excluindo do processo eleitoral a maioria da população sobretudo analfabetos negros pobres e mulheres O sistema eleitoral era permeado pelo coronelismo e pelo clientelismo Fraudes generalizadas compra de votos e uso da repressão mantinham o poder das oligarquias locais Como analisa Raymundo Faoro 1958 o Estado republicano continuava sendo o patrimônio das classes dominantes perpetuando uma estrutura patrimonialista e excludente A lógica do coronelismo consolidavase nas estruturas locais de poder O coronel o chefe político rural exercia influência sobre a vida social econômica e política da região Esse sistema garantiu às oligarquias o controle do voto e da representação política tornando o Estado brasileiro um mediador dos interesses das elites regionais A chamada política dos governadores instituída por Campos Sales consolidou esse arranjo Estabeleceu alianças entre o governo federal e os chefes políticos estaduais em troca de apoio parlamentar e estabilidade institucional A máquina do Estado longe de ser instrumento de igualdade era utilizada para manter a desigualdade e a exclusão A exclusão social e racial aprofundouse na Primeira República 14 Os negros libertos continuavam à margem do mercado de trabalho formal sem acesso a direitos básicos e submetidos a uma repressão policial permanente A República não enfrentou a herança do escravismo preferindo naturalizála por meio da ideologia do branqueamento e da invisibilização da população negra nas narrativas oficiais O racismo estrutural era reforçado por teorias pseudocientíficas que defendiam a inferioridade da raça negra e por políticas públicas que favoreciam a imigração europeia Florestan Fernandes 1978 denuncia esse processo como uma reorganização da ordem escravocrata travestida de modernização liberal Diversas revoltas eclodiram como forma de resistência popular às condições de opressão A mais emblemática foi a Guerra de Canudos 18961897 liderada por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia O arraial de Canudos era visto como uma ameaça à ordem republicana Formou uma comunidade autônoma baseada em princípios religiosos e de solidariedade entre os pobres A resposta do Estado foi brutal Após quatro expedições militares Canudos foi destruída e milhares de pessoas foram massacradas Como analisa Euclides da Cunha 1902 em Os Sertões tratouse de um conflito entre duas civilizações em que o Estado moderno exterminou uma população nordestina que representava um Brasil profundo marginalizado e resistente Outras revoltas populares ocorreram como a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista nas décadas seguintes Todas evidenciaram o descontentamento com um regime que prometia modernidade mas entregava repressão e exclusão A modernização da República não foi acompanhada de democratização real A industrialização incipiente a urbanização acelerada e o crescimento das desigualdades criaram um caldo de insatisfação que se intensificaria nas décadas seguintes culminando na Revolução de 1930 Em suma a Primeira República brasileira nasceu de um golpe militar consolidouse sob o domínio das oligarquias agrárias e desenvolveu um modelo de Estado que excluía a maioria da população da vida política e econômica A abolição da escravidão não significou a superação do racismo a proclamação da república não significou democracia 15 O país manteve sob nova roupagem institucional as mesmas estruturas de poder concentrado e de desigualdade social Entender esse período é fundamental para compreender os desafios contemporâneos da democracia brasileira e a persistência de desigualdades que têm raízes profundas em nossa história O final do século XIX marcou um dos períodos mais complexos e turbulentos da história brasileira Foi nesse cenário de profundas transformações sociais econômicas e institucionais que ocorreram a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 Esses eventos embora simbólicos de uma possível ruptura com o passado não significaram necessariamente uma modernização democrática do país tampouco resolveram os dilemas estruturais herdados da colonização e do escravismo O Império brasileiro nos últimos anos do governo de Dom Pedro II já demonstrava sinais evidentes de esgotamento A monarquia sustentavase em uma estrutura de poder altamente centralizada e sustentada por alianças conservadoras especialmente com a elite agrária escravocrata Três grandes conflitos a questão religiosa a questão militar e a questão abolicionista abalaram os pilares de sustentação do regime imperial Segundo José Murilo de Carvalho 2006 esses embates revelavam um Estado incapaz de responder às demandas de mudança da sociedade brasileira A questão religiosa surgida na década de 1870 foi motivada pelo confronto entre a Igreja Católica e o Estado imperial especialmente após a punição de bispos que desobedeceram a ordens do imperador quanto à maçonaria A Igreja desejosa de maior autonomia rompeu com o regime minando uma de suas bases tradicionais de apoio Já a questão militar envolveu o descontentamento do Exército que após sua atuação decisiva na Guerra do Paraguai exigia maior prestígio e participação na vida política o que lhe foi sistematicamente negado A ruptura definitiva entre a monarquia e a elite agrária ocorreu com a assinatura da Lei Áurea Embora moralmente significativa a abolição da escravidão foi realizada sem planejamento econômico ou social Sem indenizações aos proprietários de escravizados e sem políticas públicas para inserção dos libertos na sociedade criouse uma situação de instabilidade e ressentimento entre as elites agrárias Clóvis Moura 1981 interpreta essa 16 medida como uma manobra tardia do Império para recuperar prestígio mas que acabou por precipitar sua queda O vazio deixado pelo fim do Império foi ocupado por um movimento republicano liderado por setores das Forças Armadas especialmente o Exército com apoio de algumas elites urbanas e intelectuais positivistas A Proclamação da República realizada sem participação popular deu origem a um regime que reproduzia sob novas roupagens a exclusão social e política do passado A frase de José Murilo de Carvalho de que o povo assistiu bestializado ao novo regime resume a ausência de legitimidade popular do novo arranjo institucional Os primeiros anos da República foram marcados por instabilidade e autoritarismo período que ficou conhecido como República da Espada Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto assumiram a chefia do Executivo em meio a crises políticas e econômicas A tentativa de modernização do país por meio do liberalismo econômico capitaneada por Ruy Barbosa culminou na Crise do Encilhamento um episódio de especulação financeira e falência de instituições bancárias que desmoralizou o novo regime e agravou a crise social Conforme Viotti da Costa 1998 a política econômica do período expressava a crença de que o progresso viria com a industrialização espontânea estimulada pela expansão do crédito No entanto a falta de regulação e a ausência de infraestrutura tornaram a iniciativa um fracasso A inflação a desvalorização da moeda e o descrédito da população consolidaram a percepção de que o novo regime republicano era frágil e desorganizado Superado o governo militar a Primeira República 18941930 foi dominada pelas oligarquias regionais especialmente de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder segundo os interesses da chamada política do café com leite O pacto oligárquico restringia ainda mais a participação popular perpetuando o coronelismo e o clientelismo O voto era aberto censitário e controlado pelos coronéis chefes políticos locais com forte poder de coerção Nesse contexto a exclusão dos negros mulheres analfabetos e pobres era institucionalizada A República não enfrentou o legado do escravismo Ao contrário como aponta Florestan Fernandes 1978 a elite brasileira promoveu uma reorganização da ordem social excludente por meio da ideologia do branqueamento das teorias racistas e da marginalização sistemática da população negra 17 A imigração europeia incentivada a partir do final do século XIX visava substituir a mão de obra negra nas lavouras e urbanizar o país com base em padrões eurocêntricos Kabengele Munanga 2003 argumenta que essa política revela a institucionalização de um racismo científico que colocava a modernização do Brasil em oposição à valorização de sua população negra e mestiça A insatisfação popular manifestouse em diversas revoltas como a Guerra de Canudos 18961897 a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista Todas essas mobilizações expunham as contradições de um regime que prometia civilização e progresso mas mantinha a repressão e a desigualdade como pilares de sustentação Euclides da Cunha 1902 ao relatar Canudos denuncia o massacre como expressão de um conflito entre um Brasil profundo e marginalizado e a modernidade excludente da República Apesar do discurso republicano de liberdade e progresso a realidade do período foi marcada pela centralização do poder nas mãos das oligarquias pela manutenção do racismo estrutural e pela ausência de mecanismos de inclusão social A Constituição de 1891 inspirada no modelo norteamericano foi incapaz de promover um sistema verdadeiramente democrático pois consolidou privilégios e excluiu a maioria da população da cidadania Em síntese o período pósabolição e pósProclamação da República não significou uma verdadeira ruptura com a ordem escravocrata e autoritária O novo regime reproduziu desigualdades históricas e aprofundou a exclusão dos setores populares especialmente negros e pobres Para compreender os dilemas contemporâneos da democracia brasileira é fundamental retomar a análise crítica deste momento fundador da República que sob a aparência de modernização manteve as velhas estruturas de poder 18 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados 19 Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os 20 estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entrega nos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSER 21 Pereira 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recém proclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes Abreu 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas 22 disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais Fausto 1995 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da 23 política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro Sodré 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas 24 manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas 25 Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papel moeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de 26 abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas 27 A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o 28 Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política 29 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO A expansão do emprego formal impulsionada pelo influxo contínuo de imigrantes e pelo desenvolvimento industrial sugeria um horizonte encorajador com a economia se fortalecendo e novas oportunidades surgindo tanto nas áreas urbanas quanto rurais promovendo investimentos e um entusiasmo generalizado entre os segmentos produtivos no entanto essa impressão de dinamismo mascarava fragilidades na estrutura que de forma inexorável em breve se manifestariam expondo as vulnerabilidades ocultas dentro do contexto otimista IPEA 2011 O sucesso das plantações de café e a eficaz assimilação dos imigrantes no setor agrícola geraram um ambiente favorável impulsionando a entrada de capital estrangeiro e a valorização do milréis Esse cenário teve um impacto positivo na Bolsa de Valores onde o crescimento dos lucros indicou uma fase de entusiasmo e abundância para o mercado financeiro do país Almeida Croce 2016 30 O governo por sua vez implementou estratégias que estimularam a concessão de empréstimos hipotecários e reforçaram instituições financeiras associadas a personalidades poderosas como Francisco de Paula Mayrink com o objetivo de promover o crescimento econômico Almeida Croce 2016 Todavia essa expectativa positiva rapidamente foi substituída pela instabilidade resultante da utilização especulativa dos recursos o que levou à perda da confiança popular e ao desgaste da gestão governamental indicando o começo da crise do Encilhamento Schulz 1996 A abordagem do governo imperial em oferecer amplo crédito aos agricultores tinha como objetivo principal frear a disseminação das ideias republicanas e acalmar determinadas frações da elite rural Entretanto muitos agricultores já enfrentavam um elevado nível de endividamento e utilizaram os novos financiamentos apenas para saldar dívidas anteriores o que frustrou a estratégia do governo de revitalizar e estimular a atividade agrícola Almeida Croce 2016 Essa desconexão entre a abordagem econômica implementada e a realidade da produção revela a vulnerabilidade do Império frente às significativas mudanças sociais que estavam ocorrendo A visão da sociedade sobre essa falta de eficiência e a dificuldade em lidar com os desafios econômicos ajudou a fortalecer a atração pelo movimento republicano levando à proclamação da República Almeida Croce 2016 De acordo com Carone 1974 Rui Barbosa continuou a implementar políticas de crédito destinadas aos proprietários de terras do Vale do Paraíba buscando assim garantir o apoio dos setores rurais mais influentes No entanto essas medidas se mostraram inadequadas para garantir a estabilidade do regime monárquico frente à crescente pressão por mudanças republicanas A instabilidade econômica se intensificou devido à saída de ouro do território e à suspensão dos investimentos externos resultando na desvalorização da moeda e em efeitos adversos no mercado de ações Diante dessas dificuldades a estratégia de emissão garantida por ouro implementada pela administração anterior precisou ser descartada complicando ainda mais a gestão da crise econômica Lobo 1980 Schulz 1996 Os bancos obtinham capital do governo sem juros argumentando que esses fundos seriam destinados a oferecer empréstimos aos produtores rurais entretanto os agricultores ao invés de aplicar recursos na produção destinavam essa quantia para saldar débitos anteriores caracterizando uma troca de dívida uma vez que renovava obrigações financeiras anteriores por novas oferecendo prazos mais extensos e condições mais favoráveis Schulz 1996 31 Assim os fundos voltavam praticamente na totalidade para as entidades bancárias e com esses recursos disponíveis novamente e sem a exigência imediata de restituição ao governo os bancos empregavam os fundos na aquisição de títulos do setor público Esse processo resultou em um aumento de 40 na base monetária do país em apenas nove meses impulsionando ainda mais a especulação financeira As instituições financeiras obtiveram recursos do governo a juros zero com o propósito de financiar os agricultores No entanto grande parte desses produtores utilizava os valores apenas para quitar dívidas anteriores em um mecanismo conhecido como troca de débitos Dessa forma os recursos retornavam rapidamente aos bancos que então os aplicavam na compra de títulos públicos Schulz 1996 A valorização das ações no mercado acionário aumentava a necessidade de capital para apoiar o crescimento das operações o que provocava pressão sobre a elevação das taxas de juros Devido à restrição no volume de moeda liberada por meio de decretos a taxa de juros aumentava beneficiando investimentos especulativos que proporcionavam um retorno elevado o bastante para justificar a contração de empréstimos nos bancos ampliando assim a bolha financeira Tannuri 1981 No mês de maio de 1890 Rui Barbosa pôs fim à prática de empréstimos voltados para a agricultura e em outubro adotou ações para prevenir irregularidades na Bolsa de Valores estipulando que as companhias deveriam subscrever 100 de suas ações e dispor de pelo menos 30 de capital próprio sendo que 40 desse montante deveria estar integralizado antes de iniciar as transações Schulz 1996 De acordo com Franco 1983 o objetivo era conter progressivamente o entusiasmo do mercado no entanto as alterações resultaram em uma diminuição rápida e significativa na criação de novas empresas sendo substituídas pela exigência de um aumento no capital inicial para prevenir prejuízos financeiros Com a proclamação da República a nova administração lidou com as consequências da crise do Encilhamento sobretudo no que diz respeito à Bolsa de Valores Tristão de Alencar Araripe que ocupava o cargo de ministro da Fazenda buscou conter a especulação financeira ao implementar impostos sobre altos dividendos e transações futuras Almeida Croce 2016 Entretanto a intensa pressão dos grupos favorecidos e uma paralisação dos corretores levaram à revogação dessas ações Dentro desse contexto turbulento o Marechal Deodoro da Fonseca assumiu a presidência em 1891 solidificando a mudança política e acentuando a insegurança que caracterizou o começo do período republicano Almeida Croce 2016 32 Conforme Lobo 1980 a maioria dos títulos passou por uma queda de valor em parte em função da antecipação de ações do governo que restringiriam os ganhos dos investimentos A situação foi piorada pela dificuldade em localizar compradores limitandose apenas a algumas instituições respeitáveis como o Banco do Brasil e o Banco Rural A média de desvalorização alcançou aproximadamente 40 do valor que havia sido registrado no começo do ano demonstrando o colapso do mercado após a fase de especulação intensa sinalizando o início do declínio da confiança no sistema financeiro daquele período Lobo 1980 Almeida Croce 2016 Simultaneamente as instituições financeiras emissoras elevaram a quantidade de dinheiro em circulação para apoiar empresas listadas na bolsa muitas das quais eram fraudulentas na tentativa de manter o Encilhamento intensificando a instabilidade do mercado criando um ciclo prejudicial de especulação e desconfiança o que contribuiu para a aceleração do colapso econômico nacional Schulz 1966 Em setembro de 1891 Lucena do Ministério da Fazenda tentou enfrentar a crise por meio de uma elevação na emissão de moeda solicitando ao Congresso a permissão para a liberação de 600 mil contos através do BREUB A rejeição por parte da oposição levou Deodoro e Lucena a realizarem um golpe em novembro dando início a uma curta ditadura Almeida Croce 2016 Contudo um contragolpe promovido pelo Partido Republicano Paulista que contou com suporte militar e popular fez com que Deodoro renunciasse e Floriano Peixoto assumisse o poder intensificando a instabilidade política durante o período de transição para a república Almeida Croce 2016 Rodrigues Alves ao retornar ao cargo de Ministro da Fazenda enfatizou o alto valor da dívida pública que tornava impossível a emissão garantida por títulos A falta de ouro e a valorização da moeda estrangeira pioraram a situação tornando inviável a emissão de moeda por instituições financeiras privadas Almeida Croce 2016 No ano de 1896 uma importante legislação foi instaurada atribuindo ao governo a exclusividade na emissão de bilhetes bancários legalizando as garantias e estabelecendo um plano para a retirada gradual do papelmoeda com o objetivo de solucionar os entraves do Encilhamento e recuperar a credibilidade no sistema financeiro Tannuri 1981 No entanto Floriano Peixoto e Prudente de Morais se depararam com enormes dificuldades ao tentar reestabelecer a economia após a crise e foi apenas durante a administração de Campos Sales que os impactos mais graves do Encilhamento foram superados sinalizando o começo da recuperação econômica do Brasil Tannuri 1981 33 Ao assumir a presidência do país em 1898 Campos Sales se deparou com uma grave crise econômica marcada pelo risco iminente de moratória da dívida externa Como resposta comprometeuse a não emitir moeda fiduciária adicional e garantiu as receitas da alfândega do Rio de Janeiro como forma de pagamento medidas que se mostraram decisivas para conter o colapso econômico e reequilibrar as finanças públicas Schulz 1996 Para restaurar a estabilidade financeira Campos Sales aplicou com rigor as diretrizes do Funding Loan buscando a redução dos preços o equilíbrio das contas públicas e a retomada do imposto sobre importações em ouro Além disso promoveu a emissão de títulos da dívida o que retirou dinheiro em circulação auxiliou no controle da inflação e contribuiu para recuperar a confiança dos agentes econômicos iniciando um processo de recuperação após os danos causados pelo Encilhamento Cardoso 1975 Ao assumir a liderança do país em 1898 Campos Sales encontrou um cenário econômico desafiador com o Brasil quase enfrentando o calote da dívida externa Sales assumiu o compromisso de não criar moeda fiduciária extra e garantiu a receita da alfândega do Rio de Janeiro ações que se provaram fundamentais para impedir a crise econômica e equilibrar as finanças nacionais Schulz 1996 Embora tenha havido tentativas de resgatar o Banco República do Brasil o mercado financeiro do Rio de Janeiro sofreu uma severa escassez de recursos resultando no encerramento ou reestruturação de diversas entidades em especial aquelas afligidas por créditos inadimplentes do Encilhamento O governo por sua vez adotou uma postura inerte em relação às falências vendoas como necessárias para promover a recuperação econômica e a reabilitação lenta do país Tannuri 1996 Schulz 1996 Com a diminuição da quantidade de moeda em circulação empresas desonestas não conseguiram suportar a intensificação da concorrência Apesar de o processo ter apresentado instabilidades ele proporcionou as condições necessárias para a expansão industrial nos primórdios da República Velha colocando a indústria carioca em uma posição proeminente superada apenas pela de São Paulo até os anos 1920 Almeida Croce 2016 Levy 1994 O Encilhamento foi um momento de grande especulação que gerou um aumento nas taxas de juros uma queda no valor da moeda e uma inflação que se estendeu até a década de 1890 Os impactos da crise foram superados apenas no início do século XX através de fechamentos de bancos e reestruturações econômicas Tannury 1981 A desvalorização dos ativos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro prejudicou gravemente pequenos investidores e agricultores da área sendo que a especulação excessiva e a carência de normas financeiras pioraram a situação Isso transformou a tentativa de reforma 34 monetária de Rui Barbosa em uma experiência desastrosa devido à falta de um banco central ou entidade reguladora A liberação excessiva de dinheiro converteu o crédito em um símbolo de instabilidade em um contexto caracterizado pela falta de um banco central ou de qualquer entidade reguladora que controlasse as atividades financeiras Como resultado a fé na economia foi gravemente comprometida evidenciando a demanda imediata por uma política monetária mais robusta e organizada Embora tenha havido instabilidade certas empresas fundadas durante o Encilhamento conseguiram se expandir especialmente no setor têxtil onde o investimento na Bolsa do Rio de Janeiro aumentou duas vezes entre maio e novembro de 1890 IPEA 2011 Na cidade de São Paulo o panorama também foi de crescimento com o surgimento de mais de duzentas empresas anônimas e a establishment da Bolsa de Valores local no mesmo período O Encilhamento expôs debilidades inerentes ao sistema monárquico revelando sua suscetibilidade a práticas especulativas e a falta de mecanismos regulatórios adequados Segundo José Murilo de Carvalho 1987 a crise provocou uma intensa desilusão em várias classes sociais abrangendo até segmentos da elite que anteriormente eram fiéis ao Império As perdas monetárias generalizadas tornaram o Encilhamento uma prova concreta do enfraquecimento do império intensificando a crise política e legitimando a mudança para um novo governo Carvalho 1987 O cenário gerado pela especulação e suas repercussões desempenhou um papel importante na forma como a população reagiu à Proclamação da República com a população ansiando por melhorias 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação Os meios de comunicação se dedicaram a documentar e expor os impactos negativos do Encilhamento exercendo a função de monitoramento das direções da economia e responderam com severas críticas à liberação desmedida de papelmoeda e às atividades especulativas A atenção da mídia ressaltou a ausência de normas financeiras e a subsequente perda de confiança por parte da população tornando este período uma crítica essencial à falta de controle O crescimento acelerado do setor bancário aliado à má utilização dos recursos públicos promoveu práticas especulativas intensas que comprometem a estabilidade do sistema financeiro no Brasil No Rio de Janeiro diversos bancos escolheram realizar operações urbanas rentáveis ao invés de apoiar a agricultura o que contraria as metas das 35 políticas públicas e suscitou intensas críticas na mídia que expôs o desvio refletindo a crise econômica Almeida Croce 2016 A imprensa utilizou o tema do Encilhamento para colocar em dúvida a legitimidade e a eficiência do governo imperial afetando diversas esferas urbanas militares e classes sociais intermediárias onde essa forma de posicionamento ideológico teve um impacto importante na intensificação da crise política atuando como um catalisador para a aceitação do novo regime O Encilhamento além de ser uma crise de natureza econômica e financeira representou um marco político crucial na transição do regime monárquico para a República no Brasil A instabilidade gerada pelas políticas expansionistas de crédito iniciadas ainda sob o governo imperial revelaram não apenas fragilidades estruturais da economia mas também o esgotamento da capacidade do Império em lidar com as transformações sociais e econômicas que se desenrolavam no final do século XIX Almeida Croce 2016 Ao adotar medidas de incentivo ao crédito rural o governo imperial buscava manter o apoio das elites agrárias evitando a adesão destas aos ideais republicanos Contudo a elevada inadimplência dos produtores e o uso dos empréstimos para quitação de dívidas anteriores minaram a eficácia da estratégia A concessão desenfreada de crédito e a ausência de fiscalização adequada resultaram em uma bolha especulativa que fragilizou o sistema financeiro nacional Schulz 1996 Nesse contexto a crise do Encilhamento deflagrada no limiar da transição política de 1889 ganhou contornos mais profundos por coincidir com o fim do Império A perda de credibilidade do governo associada à má condução da política monetária comprometeu sua legitimidade frente a uma sociedade em ebulição pressionada por novas demandas sociais pelo crescimento urbano e pela ascensão de novos grupos econômicos especialmente ligados ao setor cafeeiro paulista e à nascente burguesia urbana Carvalho 1987 Conforme aponta José Murilo de Carvalho 1987 a crise monetária ampliou o descontentamento não apenas entre os setores populares que sofreram com a inflação e a escassez de crédito mas também entre segmentos da elite econômica que perderam confiança na estabilidade do regime A percepção de que o Império já não detinha a capacidade de promover reformas estruturais reforçou a adesão de importantes lideranças civis e militares à causa republicana O próprio aparato estatal demonstrou sinais de esgotamento com sucessivas tentativas fracassadas de conter a crise financeira As políticas de Rui Barbosa já no início do período republicano não conseguiram reverter o quadro mas sim agravaram a especulação evidenciando que as bases da crise haviam sido lançadas ainda sob o domínio imperial A 36 falta de um banco central de políticas regulatórias robustas e de mecanismos eficazes de controle monetário revelaram um Estado que não acompanhava as necessidades de um país em transformação Triner 2001 Assim o Encilhamento se consolidou como um catalisador do fim do Império ao escancarar sua ineficiência administrativa e econômica A crise financeira intensificou a crise de legitimidade do regime monárquico e acelerou sua queda sendo vista por diversos historiadores como um dos fatores determinantes na proclamação da República ao lado da insatisfação militar e do desgaste da monarquia frente aos novos interesses econômicos e sociais Carone 1974 Almeida Croce 2016 Por meio de métodos de design avançados e fácil acesso ao crescente público urbano essas publicações apresentavam matérias minuciosas sobre investimentos arriscados taxa de desemprego e colapsos bancários e assim atingindo segmentos mais variados da população aumentando sua eficácia em exigir respostas do governo e mudanças no sistema financeiro Publicações regulares do Rio de Janeiro como a Gazeta de Notícias começaram a informar a população sobre o crescimento desenfreado do crédito e da especulação no setor financeiro destacando irregularidades e dificuldades de liquidez nas instituições bancárias Ao converter a intricada crise econômica em uma história compreensível esses jornais se tornaram fundamentais para a denúncia iluminando ações que colocavam em risco a solidez da nova República Triner 2001 Conforme aponta Triner 2001 os editoriais faziam ironias sobre Ruy Barbosa ao implementar ações vistas como arriscadas fazendo comparações com os mongers da Argentina A análise ressaltava a diferença entre as finanças reais do Reino Unido e as ilusórias da recémformada república brasileira Isso mostra como a falta de confiança transcendeu limites impactando a visão global acerca da nação Publicações financeiras do Reino Unido e importantes instituições como os Rothschild manifestaram apreensão em relação ao aumento da oferta monetária e à especulação sobre câmbio no Brasil fazendo uma analogia com a crise enfrentada pela Argentina Esse modelo de cobertura refletia o ceticismo global sinalizando um aumento no risco e a provável desvalorização da moeda fatores que apesar de já serem percebidos internamente se tornavam mais significativos e confiáveis ao serem reportados no exterior Triner 2001 A imprensa do Rio de Janeiro destacou o Encilhamento não apenas como um acontecimento econômico mas também como uma questão cultural e política empregando reportagens e sátiras para criticar o ambiente especulativo Ao ironizar figuras públicas e empresários envolvidos o folhetim denunciava práticas consideradas imorais e destacava o 37 impacto social da crise como o aumento do desemprego a falência de empresas e a ruína de pequenos investidores Dessa maneira o Encilhamento passou a ser visto não apenas como uma falha técnica de gestão econômica mas como símbolo de um momento de desorganização política fragilidade institucional e crise de valores ampliando a desconfiança popular em relação ao novo regime republicano A crítica cultural e política promovida pela imprensa ajudou assim a consolidar uma imagem negativa da Primeira República em sua gênese criando um imaginário de fracasso e desilusão logo nos seus primeiros anos A Gazeta de Notícias lançou um folhetim intitulado O Encilhamento cenas contemporâneas em 26 de fevereiro de 1893 retratando de maneira irônica os acontecimentos e figuras envolvidos na crise Tolentino 2016 Os periódicos recorriam à sátira e ao humor como ferramentas para criticar a avareza e a especulação desenfreada que dominavam a época revelando as atitudes de investidores e políticos envolvidos como representações de corrupção e degradação moral explorando assim questões culturais da sociedade Do ponto de vista político os jornais utilizavam o Encilhamento como uma oportunidade para questionar a legitimidade do novo governo da República e para expor a vulnerabilidade das instituições políticas As matérias destacavam de que maneira as políticas econômicas vistas por muitos como imprudentes revelavam a interferência de interesses privados e a ausência de supervisão governamental o que ajudava a minar a confiança nas autoridades Essa estratégia foi pioneira ao combinar reportagens jornalísticas com elementos da narrativa literária aumentando a abrangência e a força da mensagem transmitida ao público A publicação de um folhetim satírico acerca do Encilhamento contribuiu para consolidar a visão de que esse evento simbolizava uma luta de influências entre o governo instituições financeiras e investidores Os jornais da época em relação ao Encilhamento muitas vezes se manifestava de maneira crítica e alarmista transmitindo uma carga ideológica que insinuava que a população inativa e despreocupada era facilmente influenciada por uma elite de especuladores e por decisões econômicas pouco claras reforçando a percepção de uma desconexão entre a nova República e as massas reduzindo a capacidade de ação do povo Carvalho 1990 Os meios de comunicação daquele período não apenas reportaram os eventos do Encilhamento mas também influenciaram sua análise moral e política com críticas contundentes e representações simbólicas Conforme Taunay 1971 p 115 o dinheiro em 38 papel transformouse em uma efetiva carta de baralho apoiado pela submissão de uma multidão ignorante uma frase que ilustra como a imprensa atribuía a culpa tanto aos especuladores quanto à sociedade por manter um sistema deficitário A Gazeta das Notícias em suas publicações enfatizava a condenação de práticas abusivas perpetradas por instituições financeiras e empresários além de ressaltar os efeitos prejudiciais das diretrizes econômicas adotadas após a Proclamação da República Por meio de artigos e reportagens o periódico impactou a discussão pública ao destacar a urgência de mudanças e a importância de uma maior clareza nas finanças nacionais O Jornal do Commércio ressaltou situações de fraudes e táticas especulativas na Bolsa de Valores com matérias e ensaios que revelaram a conexão entre financistas e políticos condenando a cumplicidade que possibilitou o aumento descontrolado da criação de moeda sem respaldo em ouro Machado de Assis mencionado por Taunay 1971 p 5253 caracterizou este período como uma grande epopeia de riqueza em que as atividades aconteciam de maneira acelerada e os ganhos pareciam não ter fim ilustrando a sensação de euforia especulativa que permeava a sociedade o que aponta que o Encilhamento foi descrito por vários pensadores como uma fase de otimismo desmedido e fé sem limites no avanço econômico Assim os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental na formação da percepção pública sobre o Encilhamento atuando não apenas como fonte de notícias mas também como influenciadores na formação de opiniões e na crítica ética Ao destacar abusos especulativos satirizar as estratégias econômicas e documentar as consequências sociais da crise a mídia ajudou a formar uma lembrança negativa e persistente dessa época 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise do Encilhamento representou uma mudança significativa na trajetória do Brasil destacando as fragilidades intrínsecas do Império e impulsionando as mudanças sociais que já estavam em curso O colapso econômico fruto das estratégias de expansão monetária de Rui Barbosa aliado à instabilidade política e ao aumento do descontentamento popular minou a fé nas instituições da monarquia abrindo espaço para a demolição do regime imperial e o avanço do movimento republicano Assim o objetivo principal deste estudo foi integralmente atingido ao evidenciar através de uma análise histórica e de diversas áreas do conhecimento de que maneira os impactos econômicos do Encilhamento afetaram diretamente a mudança do sistema monárquico para o republicano Ao examinar as políticas adotadas os impactos sociais da crise e a dinâmica entre os diferentes agentes políticos da época tornouse possível estabelecer uma conexão evidente e fundamentada entre a volatilidade econômica causada pelo Encilhamento e a afirmação do novo regime republicano Os objetivos específicos desta investigação também foram completamente cumpridos ao retratar de maneira detalhada o cenário econômico do Brasil no final do século XIX enfatizando a complexa mudança do trabalho escravo para o assalariado após a libertação em 1888 O estudo investigou o entusiasmo provocado pela política de liberalização econômica implementada por Ruy Barbosa que resultou na criação em grande escala de instituições bancárias aumento da quantidade de dinheiro circulando e forte especulação nos mercados financeiros A pesquisa também destacou os impactos destrutivos dessa crise em vários setores da sociedade brasileira abrangendo desde os grandes investidores até os trabalhadores mostrando como a incerteza econômica intensificou as tensões sociais e políticas o que ajudou a provocar a queda do regime monárquico O estudo analisou as ações econômicas implementadas por Ruy Barbosa ressaltando suas propostas de modernização e as consequências negativas de sua execução apressada que levaram a uma significativa instabilidade financeira Conseguiuse evidenciar de que maneira essas mudanças afetaram de forma negativa a opinião pública e política em relação ao 40 governo reduzindo a confiança nas instituições monárquicas e estimulando o discurso a favor da república A relação entre a crise econômica e o aumento do descontentamento político foi analisada de maneira detalhada mostrando como as tensões sociais se acentuaram e foram direcionadas em prol do movimento republicano O estudo investigou os acontecimentos que levaram à Proclamação da República ressaltando como os líderes republicanos usaram o Encilhamento como uma justificativa fundamental para destituir Dom Pedro II e estabelecer um novo governo As crises econômicas que ocorreram no Brasil durante o século XIX como a do Encilhamento evidenciam a persistência de conflitos entre abordagens de políticas monetárias expansivas e limitativas que caracterizaram tanto o período imperial quanto a era republicana Os esforços para modernizar a economia fortaleceram sistemas patrimonialistas e favoreceram grupos elitistas evidenciando que a transição de regime não foi capaz de resolver as debilidades institucionais e econômicas legadas do passado A iniciativa de expandir a oferta de moeda através da emissão fiduciária embora baseada em ideias liberais e ajustadas à realidade local acabou intensificando pressões inflacionárias e especulativas evidenciando as fragilidades e a dependência de um sistema financeiro ainda vulnerável A desproporção entre o crescimento da oferta monetária interna e a vulnerabilidade da balança de pagamentos somada à influência das elites regionais e à resistência do capital internacional teve um papel significativo na instabilidade do sistema e na continuidade de problemas que impactaram o progresso econômico do Brasil ao longo de muitos anos O esforço de integrar o Brasil na dinâmica do capitalismo financeiro contemporâneo sem os necessários mecanismos de controle clareza e inclusão social gerou não apenas instabilidade econômica e aumento da inflação mas também causou a perda de credibilidade política e uma sensação de desilusão entre a população em relação ao novo regime republicano A imprensa atuou como um reflexo das controvérsias políticas econômicas e regionais da época ajudando a acentuar a divisão entre os diversos planos de modernização do Brasil Ao intensificar a discussão pública com falas alternando entre preocupações excessivas e abordagens práticas os jornais contribuíram para a formação de uma narrativa crítica que além de expor as consequências da crise também desafiava as bases ideológicas da política econômica implementada 41 A crise do Encilhamento acelerou a Proclamação da República ao evidenciar a incapacidade do sistema monárquico perante as pressões econômicas e sociais resultando em desconfiança nas instituições e intensificando a instabilidade política Os efeitos dessas mudanças marcaram os primeiros anos do novo governo demandando reformas imediatas e evidenciando a vulnerabilidade das recémestabelecidas instituições republicanas Esta investigação apesar de ter procurado realizar uma análise completa sobre o Encilhamento e suas consequências políticas econômicas e na mídia enfrenta restrições devido à escassez e à dispersão das fontes originais além da dificuldade própria de interpretar os discursos da imprensa daquele período Assim é fundamental expandir a pesquisa sobre a influência da imprensa nas regiões os efeitos sociais da crise e as ligações internacionais da política monetária implementada abrindo possibilidades para novas investigações que possam aprimorar e reconsiderar as ideias apresentadas Este estudo é altamente indicado para alunos e educadores na área de História especialmente para aqueles dedicados à formação de professores e ao ensino da História do Brasil durante a época republicana proporcionando material para discussões em contextos educacionais e para a elaboração de abordagens pedagógicas que enfatizem a análise crítica das fontes históricas e dos discursos elaborados em períodos de crise 42 REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 ALMEIDA I C S CROCE M A Abolição encilhamento e mercado financeiro uma análise da primeira crise financeira republicana Revista de Economia do CentroOeste Goiânia v 2 n 2 p 1936 2016 Disponível em httpsrevistasufgbrreoestearticledownload4182622198188144 Acesso em 04 jun 2025 ALMEIDA M H T CROCE F N Histórias da República 18891930 São Paulo Cia das Letras 2016 BARBOSA Rui Antologia Nova Fronteira 2011 BEZERRA M Ruy Barbosa e o Encilhamento uma história do papelmoeda no Brasil São Paulo 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R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA Monografia Título A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Alunoa Shirley Macedo Diniz Matrícula 18116090260 Polo Cantagalo 2025 SHIRLEY MACEDO DINIZ A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Trabalho de Conclusão de Curso de graduação apresentado ao Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História Rio de Janeiro 2025 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha família esposo filhos pai mãe e irmãos que me apoiaram sem medir esforços Sem eles com toda a certeza eu não teria chegado até aqui AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus pela minha vida e por ter me dado forças para chegar até aqui e ultrapassar os obstáculos encontrados ao longo dessa jornada Aos meus familiares e amigos que me incentivaram e me apoiaram a não desistir e no qual compreenderam minha ausência enquanto eu me dedicava aos estudos Aos professores que me apoiaram ao longo da minha vida acadêmica pelos ensinamentos que me permitiram enxergar o mundo com os olhos de um historiador sem preconceitos ou apontamentos e com a certeza de que o estudo nos permite questionar e ser protagonista da história aprendendo com os erros e a lutar por uma sociedade cada dia mais justa Quero agradecer também a minha orientadora Mariana Nunes de Carvalho que acreditou no meu potencial e me ajudou muito com suas orientações Minha gratidão também a UNIRIO pela oportunidade de realizar um curso de qualidade abrindo as portas para um futuro promissor Invenções há que se transformam ou acabam as mesmas instituições morrem o relógio é definitivo e perpétuo Machado de Assis 1957 RESUMO A crise econômica do Encilhamento ocorrida entre 1888 e 1891 foi um fator decisivo para a transição do Brasil de uma monarquia para uma república Durante esse período o governo de Rui Barbosa adotou políticas econômicas liberais como a expansão monetária e a criação de novas instituições bancárias Embora essas medidas visassem modernizar a economia brasileira resultaram em inflação especulação financeira e instabilidade econômica O impacto social dessa crise gerou um crescente descontentamento popular que fragilizou a monarquia e impulsionou o movimento republicano A Proclamação da República em 1889 foi uma consequência direta dessa turbulência econômica Este estudo tem como objetivo analisar como a crise econômica do Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do regime republicano A pesquisa se concentrará nas políticas econômicas implementadas e seus efeitos sociais políticos e institucionais Além disso o estudo investiga a função da imprensa da época como fonte de informação e formação de opinião pública destacando seu papel na construção de narrativas críticas sobre o governo imperial e na consolidação da República Utilizando fontes primárias como jornais e documentos oficiais buscase compreender a relação entre crise econômica mudanças institucionais e a participação da imprensa nesse processo Ao final o estudo contribuirá para o entendimento de como a crise do Encilhamento foi um motor de transformação política no Brasil e para a reflexão sobre os impactos de crises econômicas na formação de novos regimes Palavraschave Encilhamento República Imprensa ABSTRACT The economic crisis known as the Encilhamento which occurred between 1888 and 1891 was a decisive factor in Brazils transition from a monarchy to a republic During this period the government of Rui Barbosa adopted liberal economic policies such as monetary expansion and the creation of new banking institutions Although these measures aimed to modernize the Brazilian economy they resulted in inflation financial speculation and economic instability The social impact of this crisis generated growing popular discontent which weakened the monarchy and fueled the republican movement The Proclamation of the Republic in 1889 was a direct consequence of this economic turmoil This study aims to analyze how the Encilhamento economic crisis influenced the Proclamation of the Republic and the early years of the republican regime The research will focus on the economic policies implemented and their social political and institutional effects Additionally the study investigates the role of the press at the time as a source of information and public opinion formation highlighting its role in constructing critical narratives about the imperial government and in consolidating the Republic Using primary sources such as newspapers and official documents the study seeks to understand the relationship between economic crises institutional changes and the involvement of the press in this process In the end the study will contribute to the understanding of how the Encilhamento crisis was a driving force for political transformation in Brazil and offer insights into the impacts of economic crises on the formation of new regimes Keywords Encilhamento Republic Press 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 8 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO10 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO17 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 20 211 O papel da imprensa como mediadora da crise20 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária21 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo 22 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política24 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico25 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO 27 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS37 REFERÊNCIAS40 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como propósito investigar como a crise econômica conhecida como Encilhamento influenciou a Proclamação da República e os primeiros anos do novo regime republicano no Brasil A pesquisa será delimitada entre os anos de 1889 e 1891 com foco nos acontecimentos econômicos nas medidas adotadas e nas mudanças sociais ocorridas nesse intervalo O contexto em que o Encilhamento se desenvolve é de transformações profundas o fim da escravidão em 1888 demandava uma reorganização da estrutura produtiva nacional agora baseada no trabalho livre e a tentativa de modernizar a economia brasileira intensificava a adesão a ideias liberais com destaque para o papel do Estado como agente de incentivo à industrialização Carone 1977 Além de explorar a relação direta entre a crise do Encilhamento e a mudança de regime este estudo pretende compreender como as políticas econômicas do período influenciaram a configuração dos primeiros anos da república Será considerada a continuidade de práticas e estruturas herdadas do regime imperial bem como as dificuldades enfrentadas pelo novo governo para estabilizar a economia e restaurar a confiança institucional Faoro 1958 A pesquisa também examinará a possibilidade de que decisões tomadas durante o Encilhamento tenham sido influenciadas por experiências anteriores de crise econômica lançando luz sobre a história econômica brasileira como um processo cíclico de instabilidade e tentativa de modernização Almeida Croce 2016 A análise a ser realizada nesta pesquisa buscará integrar aspectos econômicos políticos e sociais com o objetivo de compreender como uma crise financeira foi capaz de acelerar a transformação institucional no Brasil Para isso será adotada uma abordagem qualitativa baseada na análise documental e historiográfica A investigação se desenvolverá a partir do cruzamento entre fontes primárias e secundárias articulando diferentes tipos de registros da época Entre as fontes primárias a imprensa do período terá papel central por sua função como veículo de informação formação de opinião e arena de debate político e econômico Jornais como Gazeta de Notícias Jornal do Commercio O Paiz e Diário de Notícias serão utilizados como objeto e fonte permitindo identificar tanto os discursos sobre a crise quanto 9 as representações públicas do novo regime Esses periódicos serão examinados criticamente levando em conta sua orientação editorial público leitor vínculos com grupos políticos e sua inserção nas disputas ideológicas do momento Além da imprensa serão analisados documentos oficiais como relatórios ministeriais discursos parlamentares e mensagens presidenciais que ajudam a compreender a lógica das medidas adotadas A imprensa será portanto compreendida não apenas como repositório de acontecimentos mas como um agente político ativo na construção da narrativa da crise capaz de influenciar diretamente a recepção das políticas econômicas e a consolidação ou fragilização do novo regime republicano Desta forma a sua escolha como fonte decorre da sua relevância enquanto espelho e motor da opinião pública sobretudo em um contexto de incerteza institucional onde os jornais desempenharam papel fundamental na mediação entre o Estado e a sociedade Finalmente o estudo pretende destacar como o Encilhamento se insere em um cenário mais amplo de crises econômicas globais do século XIX A comparação com experiências de outros países permitirá compreender até que ponto o caso brasileiro seguiu padrões internacionais ou apresentou características próprias marcadas por especificidades históricas institucionais e sociais A crise do Encilhamento nesse sentido não apenas revelou as fragilidades da estrutura econômica nacional como também desempenhou papel determinante na reconfiguração do Estado brasileiro e na redefinição de seus rumos políticos Furtado 1968 Em suma esta pesquisa busca oferecer uma análise abrangente e fundamentada das conexões entre crise econômica e mudança política no final do século XIX Ao examinar em profundidade o Encilhamento e suas repercussões com ênfase nas políticas adotadas na reação da imprensa e nas representações públicas da crise pretendese contribuir para o entendimento de como eventos econômicos críticos podem provocar transformações institucionais significativas e duradouras na trajetória de uma nação 10 1 QUESTÕES POLÍTICAS RELACIONADAS AO PERÍODO O final do século XIX representou uma das fases mais complexas e desafiadoras da história brasileira Foi nesse contexto que ocorreram a abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889 dois marcos simbólicos de um processo de transformação que embora representasse ruptura institucional conservou estruturas sociais profundamente enraizadas no escravismo no autoritarismo e na exclusão A República que se instituiu após a derrocada da monarquia foi concebida e conduzida por uma elite agrária e militar Estabeleceuse sem participação popular refletindo os interesses dos grupos dominantes e as contradições de um projeto político que se pretendia moderno mas que mantinha as heranças do passado colonial A monarquia brasileira em seu último quarto de século já dava sinais de esgotamento O governo de Dom Pedro II embora marcado por relativa estabilidade política em comparação com outras nações latinoamericanas enfrentava um crescente isolamento político Os principais pilares de sustentação do regime o Exército a Igreja e a elite escravocrata começaram a se afastar da coroa em virtude de conflitos sucessivos A chamada questão religiosa iniciada na década de 1870 expôs o atrito entre a monarquia e a Igreja Católica sobretudo após a prisão de bispos que se recusaram a acatar ordens do imperador em matéria de disciplina eclesiástica CARVALHO 2006 A questão militar por sua vez resultou do descontentamento do Exército com a hierarquia imposta pelo poder civil e com a falta de reconhecimento pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai Já a questão abolicionista desgastou de vez o apoio da aristocracia rural ao imperador Ao sancionar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888 sem indenização aos senhores de escravizados Dom Pedro II perdeu o apoio da elite escravocrata A abolição da escravidão embora celebrada como uma conquista moral ocorreu de forma abrupta e sem medidas que garantissem a inserção dos negros libertos na nova ordem social e econômica Conforme Clóvis Moura 1981 tratouse de uma manobra política da monarquia para recuperar prestígio porém tardia Os exescravizados foram abandonados à própria sorte sem terras sem acesso à educação e sem qualquer tipo de reparação Isso reforçou uma estrutura de marginalização que se perpetuaria por décadas 11 A elite brasileira optou ainda no Império por promover uma política de imigração europeia com o objetivo de branquear a população Substituíase a mão de obra negra pela de imigrantes italianos alemães e espanhóis numa clara manifestação de racismo institucional MUNANGA 2003 SCHWARCZ 2019 Com a monarquia enfraquecida e o republicanismo ganhando corpo entre militares e setores da elite urbana a Proclamação da República tornouse inevitável Em 15 de novembro de 1889 liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca os militares depuseram o imperador sem resistência popular ou enfrentamento armado Foi um golpe de Estado silencioso que teve como pano de fundo a crescente insatisfação com o regime imperial No entanto não contou com o apoio efetivo das massas populares Como afirma José Murilo de Carvalho 2006 a população assistiu bestializada à proclamação da República alheia aos mecanismos de poder e excluída das decisões políticas A nova república nasceu portanto sob o signo da exclusão conduzida de cima para baixo por uma elite que desejava reorganizar o Estado segundo seus próprios interesses Nos primeiros anos da República predominou o chamado regime da Espada sob a liderança dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto Ambos enfrentaram sérias crises políticas e econômicas Deodoro ao tentar dissolver o Congresso e instaurar um governo autoritário provocou uma crise institucional que o obrigou a renunciar em 1891 Floriano Peixoto que o sucedeu enfrentou a Revolta da Armada 18931894 liderada por setores da Marinha insatisfeitos com os rumos autoritários do novo governo Para se manter no poder Floriano reprimiu violentamente os revoltosos Ficou conhecido como o marechal de ferro consolidando a autoridade do Exército como força tutelar da nova ordem republicana FAUSTO 1990 No plano econômico os primeiros anos da República foram marcados pela Crise do Encilhamento Foi uma tentativa fracassada de modernizar o país por meio da expansão do crédito e da industrialização O responsável por essa política foi Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda Ele adotou medidas inspiradas no liberalismo econômico europeu incentivando a criação de bancos emissores e a emissão descontrolada de papelmoeda A política de Ruy tinha como objetivo fomentar o crescimento econômico e criar uma burguesia industrial Mas o que se seguiu foi uma bolha especulativa com o surgimento de empresas fictícias e uma corrida desordenada por lucros fáceis na bolsa de valores O termo encilhamento alude às corridas de cavalo sugerindo o momento de euforia que precede a 12 largada no caso um crescimento fictício e sem base real na economia produtiva HOBSBAWM 1968 A crise que se seguiu com inflação galopante desvalorização da moeda e falência de bancos revelou a fragilidade institucional da jovem república e aprofundou o descrédito da população em relação ao novo regime VIOTTI DA COSTA 1998 ALMEIDA CROCE 2016 Superada a fase militar instaurouse a chamada República das Oligarquias ou Primeira República Foi marcada pelo domínio das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder por meio da política do café com leite A Constituição de 1891 estabeleceu um regime federativo e presidencialista inspirado na carta norteamericana Contudo manteve o voto aberto e censitário excluindo do processo eleitoral a maioria da população sobretudo analfabetos negros pobres e mulheres O sistema eleitoral era permeado pelo coronelismo e pelo clientelismo Fraudes generalizadas compra de votos e uso da repressão mantinham o poder das oligarquias locais Como analisa Raymundo Faoro 1958 o Estado republicano continuava sendo o patrimônio das classes dominantes perpetuando uma estrutura patrimonialista e excludente A lógica do coronelismo consolidavase nas estruturas locais de poder O coronel o chefe político rural exercia influência sobre a vida social econômica e política da região Esse sistema garantiu às oligarquias o controle do voto e da representação política tornando o Estado brasileiro um mediador dos interesses das elites regionais A chamada política dos governadores instituída por Campos Sales consolidou esse arranjo Estabeleceu alianças entre o governo federal e os chefes políticos estaduais em troca de apoio parlamentar e estabilidade institucional A máquina do Estado longe de ser instrumento de igualdade era utilizada para manter a desigualdade e a exclusão A exclusão social e racial aprofundouse na Primeira República Os negros libertos continuavam à margem do mercado de trabalho formal sem acesso a direitos básicos e submetidos a uma repressão policial permanente A República não enfrentou a herança do escravismo preferindo naturalizála por meio da ideologia do branqueamento e da invisibilização da população negra nas narrativas oficiais O racismo estrutural era reforçado por teorias pseudocientíficas que defendiam a inferioridade da raça negra e por políticas públicas que favoreciam a imigração europeia Florestan Fernandes 1978 denuncia esse processo como uma reorganização da ordem escravocrata travestida de modernização liberal 13 Diversas revoltas eclodiram como forma de resistência popular às condições de opressão A mais emblemática foi a Guerra de Canudos 18961897 liderada por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia O arraial de Canudos era visto como uma ameaça à ordem republicana Formou uma comunidade autônoma baseada em princípios religiosos e de solidariedade entre os pobres A resposta do Estado foi brutal Após quatro expedições militares Canudos foi destruída e milhares de pessoas foram massacradas Como analisa Euclides da Cunha 1902 em Os Sertões tratouse de um conflito entre duas civilizações em que o Estado moderno exterminou uma população nordestina que representava um Brasil profundo marginalizado e resistente Outras revoltas populares ocorreram como a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista nas décadas seguintes Todas evidenciaram o descontentamento com um regime que prometia modernidade mas entregava repressão e exclusão A modernização da República não foi acompanhada de democratização real A industrialização incipiente a urbanização acelerada e o crescimento das desigualdades criaram um caldo de insatisfação que se intensificaria nas décadas seguintes culminando na Revolução de 1930 Em suma a Primeira República brasileira nasceu de um golpe militar consolidouse sob o domínio das oligarquias agrárias e desenvolveu um modelo de Estado que excluía a maioria da população da vida política e econômica A abolição da escravidão não significou a superação do racismo a proclamação da república não significou democracia O país manteve sob nova roupagem institucional as mesmas estruturas de poder concentrado e de desigualdade social Entender esse período é fundamental para compreender os desafios contemporâneos da democracia brasileira e a persistência de desigualdades que têm raízes profundas em nossa história O final do século XIX marcou um dos períodos mais complexos e turbulentos da história brasileira Foi nesse cenário de profundas transformações sociais econômicas e institucionais que ocorreram a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 Esses eventos embora simbólicos de uma possível ruptura com o passado não significaram necessariamente uma modernização democrática do país tampouco resolveram os dilemas estruturais herdados da colonização e do escravismo 14 O Império brasileiro nos últimos anos do governo de Dom Pedro II já demonstrava sinais evidentes de esgotamento A monarquia sustentavase em uma estrutura de poder altamente centralizada e sustentada por alianças conservadoras especialmente com a elite agrária escravocrata Três grandes conflitos a questão religiosa a questão militar e a questão abolicionista abalaram os pilares de sustentação do regime imperial Segundo José Murilo de Carvalho 2006 esses embates revelavam um Estado incapaz de responder às demandas de mudança da sociedade brasileira A questão religiosa surgida na década de 1870 foi motivada pelo confronto entre a Igreja Católica e o Estado imperial especialmente após a punição de bispos que desobedeceram a ordens do imperador quanto à maçonaria A Igreja desejosa de maior autonomia rompeu com o regime minando uma de suas bases tradicionais de apoio Já a questão militar envolveu o descontentamento do Exército que após sua atuação decisiva na Guerra do Paraguai exigia maior prestígio e participação na vida política o que lhe foi sistematicamente negado A ruptura definitiva entre a monarquia e a elite agrária ocorreu com a assinatura da Lei Áurea Embora moralmente significativa a abolição da escravidão foi realizada sem planejamento econômico ou social Sem indenizações aos proprietários de escravizados e sem políticas públicas para inserção dos libertos na sociedade criouse uma situação de instabilidade e ressentimento entre as elites agrárias Clóvis Moura 1981 interpreta essa medida como uma manobra tardia do Império para recuperar prestígio mas que acabou por precipitar sua queda O vazio deixado pelo fim do Império foi ocupado por um movimento republicano liderado por setores das Forças Armadas especialmente o Exército com apoio de algumas elites urbanas e intelectuais positivistas A Proclamação da República realizada sem participação popular deu origem a um regime que reproduzia sob novas roupagens a exclusão social e política do passado A frase de José Murilo de Carvalho de que o povo assistiu bestializado ao novo regime resume a ausência de legitimidade popular do novo arranjo institucional Os primeiros anos da República foram marcados por instabilidade e autoritarismo período que ficou conhecido como República da Espada Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto assumiram a chefia do Executivo em meio a crises políticas e econômicas A tentativa de modernização do país por meio do liberalismo econômico capitaneada por Ruy Barbosa culminou na Crise do Encilhamento um episódio de especulação financeira e falência de instituições bancárias que desmoralizou o novo regime e agravou a crise social 15 Conforme Viotti da Costa 1998 a política econômica do período expressava a crença de que o progresso viria com a industrialização espontânea estimulada pela expansão do crédito No entanto a falta de regulação e a ausência de infraestrutura tornaram a iniciativa um fracasso A inflação a desvalorização da moeda e o descrédito da população consolidaram a percepção de que o novo regime republicano era frágil e desorganizado Superado o governo militar a Primeira República 18941930 foi dominada pelas oligarquias regionais especialmente de São Paulo e Minas Gerais que se alternavam no poder segundo os interesses da chamada política do café com leite O pacto oligárquico restringia ainda mais a participação popular perpetuando o coronelismo e o clientelismo O voto era aberto censitário e controlado pelos coronéis chefes políticos locais com forte poder de coerção Nesse contexto a exclusão dos negros mulheres analfabetos e pobres era institucionalizada A República não enfrentou o legado do escravismo Ao contrário como aponta Florestan Fernandes 1978 a elite brasileira promoveu uma reorganização da ordem social excludente por meio da ideologia do branqueamento das teorias racistas e da marginalização sistemática da população negra A imigração europeia incentivada a partir do final do século XIX visava substituir a mão de obra negra nas lavouras e urbanizar o país com base em padrões eurocêntricos Kabengele Munanga 2003 argumenta que essa política revela a institucionalização de um racismo científico que colocava a modernização do Brasil em oposição à valorização de sua população negra e mestiça A insatisfação popular manifestouse em diversas revoltas como a Guerra de Canudos 18961897 a Revolta da Vacina 1904 a Revolta da Chibata 1910 e o movimento tenentista Todas essas mobilizações expunham as contradições de um regime que prometia civilização e progresso mas mantinha a repressão e a desigualdade como pilares de sustentação Euclides da Cunha 1902 ao relatar Canudos denuncia o massacre como expressão de um conflito entre um Brasil profundo e marginalizado e a modernidade excludente da República Apesar do discurso republicano de liberdade e progresso a realidade do período foi marcada pela centralização do poder nas mãos das oligarquias pela manutenção do racismo estrutural e pela ausência de mecanismos de inclusão social A Constituição de 1891 inspirada no modelo norteamericano foi incapaz de promover um sistema verdadeiramente democrático pois consolidou privilégios e excluiu a maioria da população da cidadania 16 Em síntese o período pósabolição e pósProclamação da República não significou uma verdadeira ruptura com a ordem escravocrata e autoritária O novo regime reproduziu desigualdades históricas e aprofundou a exclusão dos setores populares especialmente negros e pobres Para compreender os dilemas contemporâneos da democracia brasileira é fundamental retomar a análise crítica deste momento fundador da República que sob a aparência de modernização manteve as velhas estruturas de poder 17 2 O ENCILHAMENTO A POLÍTICA ECONÔMICA DE RUI BARBOSA OS BANCOS A IMPRENSA E O COLAPSO FINANCEIRO A Crise do Encilhamento não foi um fenômeno isolado mas sim o resultado de um conjunto de decisões econômicas e políticas tomadas em um contexto de instabilidade institucional e de euforia modernizadora A nomeação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca foi central para o desencadeamento desse processo Sua política econômica inspirada em princípios do liberalismo buscava criar uma base industrial sólida para o Brasil recémrepublicano No entanto a ausência de mecanismos de controle e a fragilidade das instituições financeiras provocaram efeitos contrários aos esperados Rui Barbosa acreditava que o desenvolvimento do país dependia da ampliação do crédito e da democratização do acesso ao capital Para isso promoveu a criação de uma legislação permissiva que facilitava a fundação de bancos emissores e empresas por ações Como aponta BresserPereira 2003 a política monetária e creditícia adotada por Rui foi profundamente expansionista baseada na crença de que o mercado seria capaz de regularse por si só sem a intervenção do Estado A reforma bancária promovida por Rui com base no Decreto nº 956A de 1890 permitiu a criação de bancos emissores privados os quais passaram a emitir moeda lastreada em títulos e ações de empresas recémcriadas muitas delas fantasiosas ou sem base produtiva real Entre as instituições fundadas nesse período destacamse o Banco de Crédito Real de Campinas o Banco Hipotecário e Agrícola do Brasil e o Banco Popular Brasileiro Esses bancos atuavam muitas vezes com critérios frágeis de concessão de crédito incentivando um ambiente de especulação Nesse contexto surgiram centenas de novas empresas das quais muitas não tinham existência física concreta ou operavam apenas no papel Exemplos emblemáticos foram a Companhia Territorial e Agrícola do Brasil a Sociedade Industrial Brasileira e a Companhia Carbonífera e Industrial Brasileira criadas com capital inflado e objetivos muitas vezes irreais Como pontua Prado Júnior 1981 o país viveu uma verdadeira alucinação empresarial onde o capital fictício substituiu o trabalho produtivo e a especulação financeira sobrepôsse à produção 18 A emissão descontrolada de moeda foi um dos pilares centrais dessa crise Entre 1889 e 1891 a base monetária praticamente dobrou sem o respaldo necessário em reservas ou produção real o que gerou um processo inflacionário que corroeu o poder de compra da população O historiador Boris Fausto 1995 ressalta que o crescimento desordenado da moeda em circulação sem o correspondente aumento da produção contribuiu para a formação de uma bolha que ao explodir arrastou consigo a confiança no sistema econômico e político A imprensa da época desempenhou um papel fundamental na divulgação e crítica desses acontecimentos O jornal Gazeta de Notícias sediado no Rio de Janeiro acompanhou de perto o desenrolar da crise e adotou um tom crítico frente às políticas de Rui Barbosa Em edição publicada em abril de 1891 o jornal escreveu Multiplicamse diariamente os estabelecimentos bancários e industriais cujas fachadas luxuosas contrastam com a ausência de qualquer atividade real O povo iludido por promessas de progresso começa a sentir no bolso os efeitos de uma política temerária Esse tipo de cobertura reforça o clima de desconfiança que se instalava entre os cidadãos A análise do discurso da Gazeta de Notícias evidencia uma postura de desilusão com a República nascente que não conseguia oferecer estabilidade econômica nem respaldo moral O Correio Paulistano outro veículo de destaque também passou a criticar abertamente o governo e a denunciar os abusos cometidos no sistema bancário Conforme relata o editorial de julho de 1891 A República prometia liberdade e progresso mas entreganos inflação falências e um mar de incertezas Essas publicações exerceram importante influência sobre a opinião pública alimentando o clima de insatisfação e instabilidade que culminaria na Revolta da Armada A falência de bancos o fechamento de empresas fantasmas e o aumento do desemprego contribuíram para o descrédito da política econômica e da própria república ainda em processo de consolidação A crítica de Rui Barbosa ao modelo monárquico foi substituída por críticas à sua própria gestão econômica evidenciando a fragilidade de um sistema que tentava se construir sem bases sólidas Para Carvalho 2006 o Encilhamento simboliza a transição traumática do Brasil agrário para um Brasil urbanoindustrial marcada por um liberalismo mal compreendido e por instituições frágeis diante dos desafios da modernidade O colapso final do Encilhamento em meados de 1891 não apenas derrubou as políticas de Rui Barbosa que viria a renunciar como também enfraqueceu o governo de Deodoro da Fonseca A crise contribuiu diretamente para a instabilidade política que levou à 19 sua renúncia ainda em 1891 e à ascensão de Floriano Peixoto num cenário já marcado por disputas civis e militares A análise da política econômica de Rui Barbosa revela não apenas uma tentativa de modernização financeira mas também a importação acrítica de modelos liberais europeus para um contexto social e institucional que não estava preparado para assimilálos Rui inspirouse em experiências de emissão de moeda fiduciária como as observadas nos Estados Unidos durante o greenback period mas falhou ao ignorar as particularidades estruturais da economia brasileira ainda baseada no agrarismo e na dependência externa BRESSER Pereira 2003 A ausência de uma indústria consolidada e de uma classe empresarial coesa fez com que o capital gerado pela emissão fosse rapidamente absorvido por esquemas especulativos desvirtuando o objetivo original de desenvolvimento produtivo Ademais a crença excessiva no papel autorregulador do mercado típica do liberalismo econômico do século XIX revelouse ineficaz em um país onde as instituições de fiscalização e controle eram praticamente inexistentes Como argumenta Maria Lúcia L PallaresBurke 1999 Rui Barbosa subestimou a necessidade de regulação estatal e acreditou que a abertura ao crédito por si só geraria prosperidade ignorando que o ambiente era propício ao oportunismo Isso reforça a ideia de que o Encilhamento mais do que uma crise econômica foi um fracasso políticoideológico de implantação forçada de um modelo alheio à realidade nacional Além disso a confiança exagerada nas forças do capital gerou um abismo entre os interesses da elite econômica e as necessidades da população que começou a enfrentar o aumento de preços escassez de bens e incertezas sobre o futuro Como aponta Ricardo Salles 2007 às camadas populares desprovidas de acesso ao crédito e aos investimentos foram as primeiras a sofrer os efeitos inflacionários aprofundando o sentimento de exclusão da recémproclamada República O Encilhamento portanto revelou a limitação do projeto republicano ao não contemplar políticas sociais efetivas que assegurassem a inclusão econômica dos mais vulneráveis A imprensa do período embora relevante como espaço de denúncia e crítica também esteve marcada por interesses políticos e regionais Enquanto jornais como a Gazeta de Notícias adotaram uma postura crítica quanto à política financeira outros veículos foram coniventes ou silenciosos especialmente aqueles ligados às elites bancárias emergentes Abreu 2011 Isso demonstra que a construção da opinião pública era permeada por disputas ideológicas e econômicas sendo a imprensa não apenas observadora mas também agente participante da crise 20 O Encilhamento evidencia ainda a fragilidade da transição entre o Império e a República em que a ruptura institucional não foi acompanhada de transformações estruturais profundas Como explica Lilia Schwarcz 2015 o novo regime político herdou práticas clientelistas patrimonialistas e personalistas que dificultaram a formação de um Estado moderno e eficiente Nesse sentido a crise foi também resultado de continuidades históricas disfarçadas sob a roupagem de uma modernidade superficial Rui Barbosa embora visionário não conseguiu romper com a lógica da concentração de poder e da ausência de responsabilidade fiscal herdadas do Império Por fim a experiência do Encilhamento serve como alerta para os riscos de políticas econômicas desconectadas da realidade social e institucional O episódio demonstra que não basta a boa intenção modernizadora se não houver planejamento controle e sobretudo capacidade de adaptação ao contexto nacional A crítica contemporânea ao Encilhamento vai além do julgamento de seus resultados ela questiona a maneira como o Brasil historicamente tratou a modernidade muitas vezes tentando importála sem internalizála o que resultou em sucessivos fracassos estruturais Fausto 1995 21 A Imprensa e o discurso público durante o encilhamento análise e reflexão histórica 211 O papel da imprensa como mediadora da crise Durante o período do Encilhamento 18891892 a imprensa exerceu papel fundamental não apenas como meio de informação mas como agente ativo na formação do debate público Em um país onde a taxa de alfabetização ainda era limitada os jornais concentravam a atenção da elite urbana e das classes médias emergentes funcionando como arenas de disputa entre os diversos grupos políticos Como destaca Sodré 1966 a imprensa do final do século XIX estava longe de ser neutra ela era um instrumento de combate refletindo os interesses de frações específicas do poder A imprensa brasileira do final do século XIX não apenas reportava os acontecimentos mas também desempenhava um papel ativo na formação da opinião pública e na mediação das crises políticas e econômicas Durante o Encilhamento os jornais tornaramse arenas de debate e crítica refletindo as tensões entre diferentes grupos sociais e políticos A Gazeta de Notícias por exemplo adotou uma postura crítica em relação às políticas de Rui Barbosa destacando os riscos da emissão descontrolada de papelmoeda e alertando para a possibilidade de uma crise financeira iminente Gazeta de Notícias 1891 21 Por outro lado o Correio Paulistano representando os interesses da elite cafeeira paulista apresentou uma visão mais moderada reconhecendo os benefícios potenciais da política de Rui Barbosa para a industrialização mas também expressando preocupações sobre os efeitos inflacionários e a especulação desenfreada Correio Paulistano 1891 Essa dualidade na cobertura jornalística evidencia como a imprensa refletia as divisões regionais e de classe existentes no Brasil da época Além disso a imprensa funcionava como um espaço de construção de narrativas sobre a modernidade e o progresso Enquanto alguns jornais exaltavam as oportunidades de crescimento econômico proporcionadas pelas novas políticas outros denunciavam os abusos e a falta de regulamentação que permitiam a proliferação de empresas fictícias e a manipulação do mercado financeiro Sodré 1966 Essa disputa narrativa influenciava diretamente a percepção pública sobre a legitimidade do novo regime republicano e suas políticas econômicas A atuação da imprensa durante o Encilhamento também revela a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente já que muitos jornais estavam ligados a grupos políticos ou econômicos específicos Essa ligação comprometia a imparcialidade das reportagens e contribuía para a polarização do debate público A análise crítica desse período destaca a necessidade de uma imprensa livre e responsável como pilar fundamental para a consolidação de regimes democráticos e para a fiscalização das ações governamentais 212 A Gazeta de Notícias e o tom de crítica à política monetária A Gazeta de Notícias foi um dos jornais mais influentes do Brasil no final do século XIX com circulação diária no Rio de Janeiro entre 1875 e 1942 Fundado pelos editores Ferreira de Araújo Manuel Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção O redatorchefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até 1900 quando faleceu Destacouse pelo pioneirismo gráfico e editorial sendo o primeiro a utilizar rotativas clichês caricaturas e entrevistas o que consolidou seu formato moderno e atrativo Alcançou amplamente a população urbana alfabetizada da capital especialmente das camadas médias e da elite interessadas em política economia e literatura A Gazeta de Notícias jornal carioca de grande circulação assumiu um tom crítico e por vezes alarmista frente às ações de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda Suas manchetes e editoriais sobretudo entre 1890 e 1891 denunciaram com frequência os efeitos 22 especulativos das emissões monetárias tratando o fenômeno como uma ruína financeira anunciada Gazeta de Notícias edições de janfev 1891 Em editoriais assinados por seus redatores mais influentes a Gazeta acusava o governo provisório de fomentar uma economia de papel sustentada pela ficção do crédito sem correspondência na realidade produtiva nacional Gazeta de Notícias 1891 p 2 O tom predominante era de desconfiança com vocabulário carregado de pessimismo e com analogias à bancarrota A Gazeta de Notícias sediada no Rio de Janeiro firmouse como um dos principais veículos de crítica às políticas econômicas implementadas por Rui Barbosa durante o Encilhamento O jornal frequentemente publicava editoriais alertando para os perigos da emissão excessiva de papelmoeda e da especulação financeira desenfreada Em uma edição de fevereiro de 1891 a Gazeta afirmou que a política monetária atual é uma aventura temerária que coloca em risco a estabilidade econômica do país Gazeta de Notícias 1891 p 2 A crítica da Gazeta não se limitava às políticas econômicas mas também abordava a falta de transparência e a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização O jornal denunciava a criação de empresas fantasmas e a manipulação do mercado de ações apontando a conivência de autoridades governamentais com essas práticas Essa postura crítica contribuiu para o aumento da pressão pública sobre o governo e para a erosão da confiança nas instituições republicanas recémestabelecidas A atuação da Gazeta de Notícias durante o Encilhamento exemplifica o papel da imprensa como fiscalizadora do poder público e como formadora de opinião Ao expor as falhas e os riscos das políticas econômicas adotadas o jornal desempenhou uma função essencial na mobilização da sociedade civil e na promoção de um debate mais amplo sobre os rumos do país Essa atuação reforça a importância de uma imprensa livre e crítica para o fortalecimento da democracia e para a prevenção de abusos de poder Contudo é importante reconhecer que a Gazeta de Notícias também refletia os interesses de determinados grupos sociais e econômicos o que influenciava sua linha editorial Assim embora sua crítica às políticas do Encilhamento tenha sido relevante ela também estava inserida em um contexto de disputas políticas e econômicas mais amplas Essa complexidade ressalta a necessidade de uma análise crítica da imprensa considerando não apenas seu conteúdo mas também seus vínculos e interesses subjacentes 213 O Correio Paulistano e a dualidade entre crítica e pragmatismo 23 O Correio Paulistano foi um importante jornal brasileiro fundado em 1829 com destaque na cidade de São Paulo Era um periódico de grande relevância no contexto da imprensa brasileira principalmente durante o período imperial Em termos de materialidade o jornal era impresso em papel como a maioria dos jornais da época com edições produzidas em tipografia Sua impressão era feita em grandes folhas dobradas para formar as páginas do jornal e distribuída para o público A periodicidade do Correio Paulistano variava mas em seus primeiros anos era publicado diariamente Essa frequência ajudava a consolidar a imprensa como meio de comunicação essencial para a população atualizando constantemente as notícias políticas sociais e culturais da época O jornal se destacou por seu compromisso com a liberdade de expressão sendo um dos primeiros a trazer um debate mais profundo sobre questões políticas e sociais Já o Correio Paulistano órgão representativo das elites cafeeiras paulistas adotou um discurso mais ambíguo Embora manifestasse preocupação com a instabilidade gerada pelo excesso de crédito e a proliferação de empresas fictícias também reconhecia a necessidade de ampliação do sistema bancário e de financiamento à indústria nacional Segundo Abreu 2011 esse jornal oscilava entre a crítica à irresponsabilidade fiscal e a defesa de instrumentos modernos para dinamizar a economia Em artigo de abril de 1891 o periódico declarava É preciso distinguir a intenção da execução A política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 O tom aqui era mais técnico e político buscando preservar os interesses da oligarquia local sem confrontar abertamente a ordem republicana nascente O Correio Paulistano se configurou na época como um dos jornais mais influentes em São Paulo adotando uma postura mais ambígua em relação às políticas econômicas do Encilhamento Embora reconhecesse os riscos associados à emissão excessiva de papelmoeda e à especulação financeira o jornal também destacava os potenciais benefícios dessas políticas para a industrialização e o desenvolvimento econômico do país Em um editorial de abril de 1891 o Correio afirmou que a política de Rui Barbosa é em tese salutar condenável porém é sua implementação desordenada Correio Paulistano 1891 p 3 Essa dualidade refletia os interesses da elite cafeeira paulista que via na industrialização uma oportunidade de diversificação econômica e de fortalecimento de sua posição no cenário nacional Ao mesmo tempo havia preocupações legítimas sobre os efeitos inflacionários e a instabilidade financeira decorrentes das políticas adotadas O Correio 24 Paulistano buscava portanto equilibrar a crítica às falhas de implementação com a defesa dos objetivos mais amplos das reformas econômicas A postura do Correio também evidencia as tensões regionais existentes no Brasil da época Enquanto o Rio de Janeiro sede do governo federal concentrava o poder político São Paulo emergia como centro econômico dinâmico com interesses próprios e uma visão distinta sobre o desenvolvimento nacional A cobertura do Correio Paulistano durante o Encilhamento ilustra como essas tensões se manifestavam na imprensa e influenciavam o debate público A análise da atuação do Correio Paulistano durante o Encilhamento destaca a complexidade das posições adotadas pela imprensa que não se limitavam a uma dicotomia entre apoio e oposição mas envolviam nuances e considerações pragmáticas Essa complexidade reforça a importância de uma leitura crítica da imprensa histórica levando em conta os contextos regionais os interesses econômicos e as estratégias políticas que moldavam suas narrativas 214 O discurso da imprensa como indício da cisão política Esse contraste entre os jornais revela não apenas diferenças editoriais mas a ruptura política que se intensificava na Primeira República nascente A imprensa ao selecionar suas pautas vocabulário e ênfases refletia a tensão entre o projeto republicano centralizador do Rio de Janeiro e o desejo de maior autonomia das províncias economicamente mais dinâmicas como São Paulo Conforme Capelato 1989 a imprensa do período servia como mediadora das contradições da República nascente ora atuando como defensora do progresso ora como denunciante do caos promovido pelas elites republicanas A análise comparativa dos discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento revela uma ruptura política e ideológica significativa no Brasil do final do século XIX Enquanto a Gazeta representava uma visão mais centralizadora e crítica das políticas econômicas do governo o Correio expressava uma perspectiva regionalista e pragmática buscando conciliar os interesses da elite paulista com as reformas em curso Essa divergência evidencia as disputas pelo controle do projeto republicano e pelos rumos do desenvolvimento nacional A imprensa nesse contexto não apenas refletia as divisões existentes mas também as amplificava contribuindo para a polarização do debate público Os jornais tornaramse instrumentos de mobilização política influenciando a formação de alianças e a definição de 25 estratégias por parte dos diferentes grupos de poder Essa atuação reforça a ideia de que a imprensa desempenha um papel ativo na construção da realidade política e econômica moldando percepções e orientando ações Além disso a cisão evidenciada nos discursos da imprensa durante o Encilhamento antecipa as tensões que marcariam a Primeira República brasileira caracterizada por conflitos entre o poder central e a sociedade IPEA2011 A disputa por hegemonia política e econômica manifestavase não apenas nas instituições formais mas também nos meios de comunicação que se tornaram arenas de confronto simbólico e ideológico A compreensão dessa dinâmica é fundamental para a análise crítica da história política brasileira pois revela como as estruturas de poder se articulam e se expressam através dos meios de comunicação A imprensa ao mediar os conflitos e as disputas contribui para a configuração do espaço público e para a definição dos contornos do regime político Assim o estudo dos discursos jornalísticos durante o Encilhamento oferece insights valiosos sobre os processos de construção e contestação da ordem republicana no Brasil 215 Comparativo crítico imprensa ideologia e contexto econômico A comparação entre os dois jornais evidencia que a crise do Encilhamento não pode ser compreendida apenas como fenômeno econômico A maneira como foi narrada pela imprensa revela um país em busca de identidade política e de coesão institucional Enquanto a Gazeta buscava responsabilizar moralmente Rui Barbosa e a elite republicana carioca o Correio Paulistano procurava preservar um discurso técnico e de moderação adequado aos interesses da elite agrícola paulista Como destaca Schwarcz e Starling 2015 o discurso jornalístico era carregado de ideologia e estava a serviço da construção de narrativas que legitimassem diferentes projetos de poder A imprensa portanto não foi apenas espectadora do colapso econômico mas parte ativa no processo de fragilização da confiança pública Em síntese firmase que o contraste entre os discursos da Gazeta de Notícias e do Correio Paulistano durante o Encilhamento reflete não apenas divergências editoriais mas também diferenças ideológicas e interesses econômicos distintos Enquanto a Gazeta adotava uma postura crítica e centralizadora alinhada aos interesses do Rio de Janeiro o Correio expressava uma visão mais pragmática e regionalista representando os interesses da elite cafeeira paulista Essa divergência ilustra como a imprensa se tornava um campo de disputa simbólica onde diferentes projetos de nação eram articulados e promovidos 26 Assim sendo o Encilhamento foi mais que uma crise econômica representou uma ruptura entre promessas e realidades da República nascente A política de Rui Barbosa embora baseada em ideais modernos colapsou diante da especulação da ausência de controle e da fragilidade institucional A imprensa como vetor de informação e crítica teve papel relevante na formação do juízo público e na deslegitimação das ações do governo Ao final o Encilhamento lançou o país em uma de suas primeiras grandes crises republicanas com efeitos duradouros sobre a confiança na nova ordem política 27 3 REAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS DO ENCILHAMENTO A expansão do emprego formal impulsionada pelo influxo contínuo de imigrantes e pelo desenvolvimento industrial sugeria um horizonte encorajador com a economia se fortalecendo e novas oportunidades surgindo tanto nas áreas urbanas quanto rurais promovendo investimentos e um entusiasmo generalizado entre os segmentos produtivos no entanto essa impressão de dinamismo mascarava fragilidades na estrutura que de forma inexorável em breve se manifestariam expondo as vulnerabilidades ocultas dentro do contexto otimista IPEA 2011 O sucesso das plantações de café e a eficaz assimilação dos imigrantes no setor agrícola geraram um ambiente favorável impulsionando a entrada de capital estrangeiro e a valorização do milréis Esse cenário teve um impacto positivo na Bolsa de Valores onde o crescimento dos lucros indicou uma fase de entusiasmo e abundância para o mercado financeiro do país Almeida Croce 2016 O governo por sua vez implementou estratégias que estimularam a concessão de empréstimos hipotecários e reforçaram instituições financeiras associadas a personalidades poderosas como Francisco de Paula Mayrink com o objetivo de promover o crescimento econômico Almeida Croce 2016 Todavia essa expectativa positiva rapidamente foi substituída pela instabilidade resultante da utilização especulativa dos recursos o que levou à perda da confiança popular e ao desgaste da gestão governamental indicando o começo da crise do Encilhamento Schulz 1996 A abordagem do governo imperial em oferecer amplo crédito aos agricultores tinha como objetivo principal frear a disseminação das ideias republicanas e acalmar determinadas frações da elite rural Entretanto muitos agricultores já enfrentavam um elevado nível de endividamento e utilizaram os novos financiamentos apenas para saldar dívidas anteriores o que frustrou a estratégia do governo de revitalizar e estimular a atividade agrícola Almeida Croce 2016 Essa desconexão entre a abordagem econômica implementada e a realidade da produção revela a vulnerabilidade do Império frente às significativas mudanças sociais que estavam ocorrendo A visão da sociedade sobre essa falta de eficiência e a dificuldade em lidar com os desafios econômicos ajudou a fortalecer a atração pelo movimento republicano levando à proclamação da República Almeida Croce 2016 De acordo com Carone 1974 Rui Barbosa continuou a implementar políticas de crédito destinadas aos proprietários de terras do Vale do Paraíba buscando assim garantir o 28 apoio dos setores rurais mais influentes No entanto essas medidas se mostraram inadequadas para garantir a estabilidade do regime monárquico frente à crescente pressão por mudanças republicanas A instabilidade econômica se intensificou devido à saída de ouro do território e à suspensão dos investimentos externos resultando na desvalorização da moeda e em efeitos adversos no mercado de ações Diante dessas dificuldades a estratégia de emissão garantida por ouro implementada pela administração anterior precisou ser descartada complicando ainda mais a gestão da crise econômica Lobo 1980 Schulz 1996 Os bancos obtinham capital do governo sem juros argumentando que esses fundos seriam destinados a oferecer empréstimos aos produtores rurais entretanto os agricultores ao invés de aplicar recursos na produção destinavam essa quantia para saldar débitos anteriores caracterizando uma troca de dívida uma vez que renovava obrigações financeiras anteriores por novas oferecendo prazos mais extensos e condições mais favoráveis Schulz 1996 Assim os fundos voltavam praticamente na totalidade para as entidades bancárias e com esses recursos disponíveis novamente e sem a exigência imediata de restituição ao governo os bancos empregavam os fundos na aquisição de títulos do setor público Esse processo resultou em um aumento de 40 na base monetária do país em apenas nove meses impulsionando ainda mais a especulação financeira As instituições financeiras obtiveram recursos do governo a juros zero com o propósito de financiar os agricultores No entanto grande parte desses produtores utilizava os valores apenas para quitar dívidas anteriores em um mecanismo conhecido como troca de débitos Dessa forma os recursos retornavam rapidamente aos bancos que então os aplicavam na compra de títulos públicos Schulz 1996 A valorização das ações no mercado acionário aumentava a necessidade de capital para apoiar o crescimento das operações o que provocava pressão sobre a elevação das taxas de juros Devido à restrição no volume de moeda liberada por meio de decretos a taxa de juros aumentava beneficiando investimentos especulativos que proporcionavam um retorno elevado o bastante para justificar a contração de empréstimos nos bancos ampliando assim a bolha financeira Tannuri 1981 No mês de maio de 1890 Rui Barbosa pôs fim à prática de empréstimos voltados para a agricultura e em outubro adotou ações para prevenir irregularidades na Bolsa de Valores estipulando que as companhias deveriam subscrever 100 de suas ações e dispor de pelo menos 30 de capital próprio sendo que 40 desse montante deveria estar integralizado antes de iniciar as transações Schulz 1996 29 De acordo com Franco 1983 o objetivo era conter progressivamente o entusiasmo do mercado no entanto as alterações resultaram em uma diminuição rápida e significativa na criação de novas empresas sendo substituídas pela exigência de um aumento no capital inicial para prevenir prejuízos financeiros Com a proclamação da República a nova administração lidou com as consequências da crise do Encilhamento sobretudo no que diz respeito à Bolsa de Valores Tristão de Alencar Araripe que ocupava o cargo de ministro da Fazenda buscou conter a especulação financeira ao implementar impostos sobre altos dividendos e transações futuras Almeida Croce 2016 Entretanto a intensa pressão dos grupos favorecidos e uma paralisação dos corretores levaram à revogação dessas ações Dentro desse contexto turbulento o Marechal Deodoro da Fonseca assumiu a presidência em 1891 solidificando a mudança política e acentuando a insegurança que caracterizou o começo do período republicano Almeida Croce 2016 Conforme Lobo 1980 a maioria dos títulos passou por uma queda de valor em parte em função da antecipação de ações do governo que restringiriam os ganhos dos investimentos A situação foi piorada pela dificuldade em localizar compradores limitandose apenas a algumas instituições respeitáveis como o Banco do Brasil e o Banco Rural A média de desvalorização alcançou aproximadamente 40 do valor que havia sido registrado no começo do ano demonstrando o colapso do mercado após a fase de especulação intensa sinalizando o início do declínio da confiança no sistema financeiro daquele período Lobo 1980 Almeida Croce 2016 Simultaneamente as instituições financeiras emissoras elevaram a quantidade de dinheiro em circulação para apoiar empresas listadas na bolsa muitas das quais eram fraudulentas na tentativa de manter o Encilhamento intensificando a instabilidade do mercado criando um ciclo prejudicial de especulação e desconfiança o que contribuiu para a aceleração do colapso econômico nacional Schulz 1966 Em setembro de 1891 Lucena do Ministério da Fazenda tentou enfrentar a crise por meio de uma elevação na emissão de moeda solicitando ao Congresso a permissão para a liberação de 600 mil contos através do BREUB A rejeição por parte da oposição levou Deodoro e Lucena a realizarem um golpe em novembro dando início a uma curta ditadura Almeida Croce 2016 Contudo um contragolpe promovido pelo Partido Republicano Paulista que contou com suporte militar e popular fez com que Deodoro renunciasse e Floriano Peixoto assumisse 30 o poder intensificando a instabilidade política durante o período de transição para a república Almeida Croce 2016 Rodrigues Alves ao retornar ao cargo de Ministro da Fazenda enfatizou o alto valor da dívida pública que tornava impossível a emissão garantida por títulos A falta de ouro e a valorização da moeda estrangeira pioraram a situação tornando inviável a emissão de moeda por instituições financeiras privadas Almeida Croce 2016 No ano de 1896 uma importante legislação foi instaurada atribuindo ao governo a exclusividade na emissão de bilhetes bancários legalizando as garantias e estabelecendo um plano para a retirada gradual do papelmoeda com o objetivo de solucionar os entraves do Encilhamento e recuperar a credibilidade no sistema financeiro Tannuri 1981 No entanto Floriano Peixoto e Prudente de Morais se depararam com enormes dificuldades ao tentar reestabelecer a economia após a crise e foi apenas durante a administração de Campos Sales que os impactos mais graves do Encilhamento foram superados sinalizando o começo da recuperação econômica do Brasil Tannuri 1981 Ao assumir a presidência do país em 1898 Campos Sales se deparou com uma grave crise econômica marcada pelo risco iminente de moratória da dívida externa Como resposta comprometeuse a não emitir moeda fiduciária adicional e garantiu as receitas da alfândega do Rio de Janeiro como forma de pagamento medidas que se mostraram decisivas para conter o colapso econômico e reequilibrar as finanças públicas Schulz 1996 Para restaurar a estabilidade financeira Campos Sales aplicou com rigor as diretrizes do Funding Loan buscando a redução dos preços o equilíbrio das contas públicas e a retomada do imposto sobre importações em ouro Além disso promoveu a emissão de títulos da dívida o que retirou dinheiro em circulação auxiliou no controle da inflação e contribuiu para recuperar a confiança dos agentes econômicos iniciando um processo de recuperação após os danos causados pelo Encilhamento Cardoso 1975 Ao assumir a liderança do país em 1898 Campos Sales encontrou um cenário econômico desafiador com o Brasil quase enfrentando o calote da dívida externa Sales assumiu o compromisso de não criar moeda fiduciária extra e garantiu a receita da alfândega do Rio de Janeiro ações que se provaram fundamentais para impedir a crise econômica e equilibrar as finanças nacionais Schulz 1996 Embora tenha havido tentativas de resgatar o Banco República do Brasil o mercado financeiro do Rio de Janeiro sofreu uma severa escassez de recursos resultando no encerramento ou reestruturação de diversas entidades em especial aquelas afligidas por créditos inadimplentes do Encilhamento O governo por sua vez adotou uma postura inerte 31 em relação às falências vendoas como necessárias para promover a recuperação econômica e a reabilitação lenta do país Tannuri 1996 Schulz 1996 Com a diminuição da quantidade de moeda em circulação empresas desonestas não conseguiram suportar a intensificação da concorrência Apesar de o processo ter apresentado instabilidades ele proporcionou as condições necessárias para a expansão industrial nos primórdios da República Velha colocando a indústria carioca em uma posição proeminente superada apenas pela de São Paulo até os anos 1920 Almeida Croce 2016 Levy 1994 O Encilhamento foi um momento de grande especulação que gerou um aumento nas taxas de juros uma queda no valor da moeda e uma inflação que se estendeu até a década de 1890 Os impactos da crise foram superados apenas no início do século XX através de fechamentos de bancos e reestruturações econômicas Tannury 1981 A desvalorização dos ativos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro prejudicou gravemente pequenos investidores e agricultores da área sendo que a especulação excessiva e a carência de normas financeiras pioraram a situação Isso transformou a tentativa de reforma monetária de Rui Barbosa em uma experiência desastrosa devido à falta de um banco central ou entidade reguladora A liberação excessiva de dinheiro converteu o crédito em um símbolo de instabilidade em um contexto caracterizado pela falta de um banco central ou de qualquer entidade reguladora que controlasse as atividades financeiras Como resultado a fé na economia foi gravemente comprometida evidenciando a demanda imediata por uma política monetária mais robusta e organizada Embora tenha havido instabilidade certas empresas fundadas durante o Encilhamento conseguiram se expandir especialmente no setor têxtil onde o investimento na Bolsa do Rio de Janeiro aumentou duas vezes entre maio e novembro de 1890 IPEA 2011 Na cidade de São Paulo o panorama também foi de crescimento com o surgimento de mais de duzentas empresas anônimas e a establishment da Bolsa de Valores local no mesmo período O Encilhamento expôs debilidades inerentes ao sistema monárquico revelando sua suscetibilidade a práticas especulativas e a falta de mecanismos regulatórios adequados Segundo José Murilo de Carvalho 1987 a crise provocou uma intensa desilusão em várias classes sociais abrangendo até segmentos da elite que anteriormente eram fiéis ao Império As perdas monetárias generalizadas tornaram o Encilhamento uma prova concreta do enfraquecimento do império intensificando a crise política e legitimando a mudança para um novo governo Carvalho 1987 O cenário gerado pela especulação e suas repercussões 32 desempenhou um papel importante na forma como a população reagiu à Proclamação da República com a população ansiando por melhorias 31 A reação da imprensa e dos meios de comunicação Os meios de comunicação se dedicaram a documentar e expor os impactos negativos do Encilhamento exercendo a função de monitoramento das direções da economia e responderam com severas críticas à liberação desmedida de papelmoeda e às atividades especulativas A atenção da mídia ressaltou a ausência de normas financeiras e a subsequente perda de confiança por parte da população tornando este período uma crítica essencial à falta de controle O crescimento acelerado do setor bancário aliado à má utilização dos recursos públicos promoveu práticas especulativas intensas que comprometem a estabilidade do sistema financeiro no Brasil No Rio de Janeiro diversos bancos escolheram realizar operações urbanas rentáveis ao invés de apoiar a agricultura o que contraria as metas das políticas públicas e suscitou intensas críticas na mídia que expôs o desvio refletindo a crise econômica Almeida Croce 2016 A imprensa utilizou o tema do Encilhamento para colocar em dúvida a legitimidade e a eficiência do governo imperial afetando diversas esferas urbanas militares e classes sociais intermediárias onde essa forma de posicionamento ideológico teve um impacto importante na intensificação da crise política atuando como um catalisador para a aceitação do novo regime O Encilhamento além de ser uma crise de natureza econômica e financeira representou um marco político crucial na transição do regime monárquico para a República no Brasil A instabilidade gerada pelas políticas expansionistas de crédito iniciadas ainda sob o governo imperial revelaram não apenas fragilidades estruturais da economia mas também o esgotamento da capacidade do Império em lidar com as transformações sociais e econômicas que se desenrolavam no final do século XIX Almeida Croce 2016 Ao adotar medidas de incentivo ao crédito rural o governo imperial buscava manter o apoio das elites agrárias evitando a adesão destas aos ideais republicanos Contudo a elevada inadimplência dos produtores e o uso dos empréstimos para quitação de dívidas anteriores minaram a eficácia da estratégia A concessão desenfreada de crédito e a ausência de fiscalização adequada resultaram em uma bolha especulativa que fragilizou o sistema financeiro nacional Schulz 1996 33 Nesse contexto a crise do Encilhamento deflagrada no limiar da transição política de 1889 ganhou contornos mais profundos por coincidir com o fim do Império A perda de credibilidade do governo associada à má condução da política monetária comprometeu sua legitimidade frente a uma sociedade em ebulição pressionada por novas demandas sociais pelo crescimento urbano e pela ascensão de novos grupos econômicos especialmente ligados ao setor cafeeiro paulista e à nascente burguesia urbana Carvalho 1987 Conforme aponta José Murilo de Carvalho 1987 a crise monetária ampliou o descontentamento não apenas entre os setores populares que sofreram com a inflação e a escassez de crédito mas também entre segmentos da elite econômica que perderam confiança na estabilidade do regime A percepção de que o Império já não detinha a capacidade de promover reformas estruturais reforçou a adesão de importantes lideranças civis e militares à causa republicana O próprio aparato estatal demonstrou sinais de esgotamento com sucessivas tentativas fracassadas de conter a crise financeira As políticas de Rui Barbosa já no início do período republicano não conseguiram reverter o quadro mas sim agravaram a especulação evidenciando que as bases da crise haviam sido lançadas ainda sob o domínio imperial A falta de um banco central de políticas regulatórias robustas e de mecanismos eficazes de controle monetário revelaram um Estado que não acompanhava as necessidades de um país em transformação Triner 2001 Assim o Encilhamento se consolidou como um catalisador do fim do Império ao escancarar sua ineficiência administrativa e econômica A crise financeira intensificou a crise de legitimidade do regime monárquico e acelerou sua queda sendo vista por diversos historiadores como um dos fatores determinantes na proclamação da República ao lado da insatisfação militar e do desgaste da monarquia frente aos novos interesses econômicos e sociais Carone 1974 Almeida Croce 2016 Por meio de métodos de design avançados e fácil acesso ao crescente público urbano essas publicações apresentavam matérias minuciosas sobre investimentos arriscados taxa de desemprego e colapsos bancários e assim atingindo segmentos mais variados da população aumentando sua eficácia em exigir respostas do governo e mudanças no sistema financeiro Publicações regulares do Rio de Janeiro como a Gazeta de Notícias começaram a informar a população sobre o crescimento desenfreado do crédito e da especulação no setor financeiro destacando irregularidades e dificuldades de liquidez nas instituições bancárias Ao converter a intricada crise econômica em uma história compreensível esses jornais se 34 tornaram fundamentais para a denúncia iluminando ações que colocavam em risco a solidez da nova República Triner 2001 Conforme aponta Triner 2001 os editoriais faziam ironias sobre Ruy Barbosa ao implementar ações vistas como arriscadas fazendo comparações com os mongers da Argentina A análise ressaltava a diferença entre as finanças reais do Reino Unido e as ilusórias da recémformada república brasileira Isso mostra como a falta de confiança transcendeu limites impactando a visão global acerca da nação Publicações financeiras do Reino Unido e importantes instituições como os Rothschild manifestaram apreensão em relação ao aumento da oferta monetária e à especulação sobre câmbio no Brasil fazendo uma analogia com a crise enfrentada pela Argentina Esse modelo de cobertura refletia o ceticismo global sinalizando um aumento no risco e a provável desvalorização da moeda fatores que apesar de já serem percebidos internamente se tornavam mais significativos e confiáveis ao serem reportados no exterior Triner 2001 A imprensa do Rio de Janeiro destacou o Encilhamento não apenas como um acontecimento econômico mas também como uma questão cultural e política empregando reportagens e sátiras para criticar o ambiente especulativo Ao ironizar figuras públicas e empresários envolvidos o folhetim denunciava práticas consideradas imorais e destacava o impacto social da crise como o aumento do desemprego a falência de empresas e a ruína de pequenos investidores Dessa maneira o Encilhamento passou a ser visto não apenas como uma falha técnica de gestão econômica mas como símbolo de um momento de desorganização política fragilidade institucional e crise de valores ampliando a desconfiança popular em relação ao novo regime republicano A crítica cultural e política promovida pela imprensa ajudou assim a consolidar uma imagem negativa da Primeira República em sua gênese criando um imaginário de fracasso e desilusão logo nos seus primeiros anos A Gazeta de Notícias lançou um folhetim intitulado O Encilhamento cenas contemporâneas em 26 de fevereiro de 1893 retratando de maneira irônica os acontecimentos e figuras envolvidos na crise Tolentino 2016 Os periódicos recorriam à sátira e ao humor como ferramentas para criticar a avareza e a especulação desenfreada que dominavam a época revelando as atitudes de investidores e políticos envolvidos como representações de corrupção e degradação moral explorando assim questões culturais da sociedade Do ponto de vista político os jornais utilizavam o Encilhamento como uma oportunidade para questionar a legitimidade do novo governo da República e para expor a 35 vulnerabilidade das instituições políticas As matérias destacavam de que maneira as políticas econômicas vistas por muitos como imprudentes revelavam a interferência de interesses privados e a ausência de supervisão governamental o que ajudava a minar a confiança nas autoridades Essa estratégia foi pioneira ao combinar reportagens jornalísticas com elementos da narrativa literária aumentando a abrangência e a força da mensagem transmitida ao público A publicação de um folhetim satírico acerca do Encilhamento contribuiu para consolidar a visão de que esse evento simbolizava uma luta de influências entre o governo instituições financeiras e investidores Os jornais da época em relação ao Encilhamento muitas vezes se manifestava de maneira crítica e alarmista transmitindo uma carga ideológica que insinuava que a população inativa e despreocupada era facilmente influenciada por uma elite de especuladores e por decisões econômicas pouco claras reforçando a percepção de uma desconexão entre a nova República e as massas reduzindo a capacidade de ação do povo Carvalho 1990 Os meios de comunicação daquele período não apenas reportaram os eventos do Encilhamento mas também influenciaram sua análise moral e política com críticas contundentes e representações simbólicas Conforme Taunay 1971 p 115 o dinheiro em papel transformouse em uma efetiva carta de baralho apoiado pela submissão de uma multidão ignorante uma frase que ilustra como a imprensa atribuía a culpa tanto aos especuladores quanto à sociedade por manter um sistema deficitário A Gazeta das Notícias em suas publicações enfatizava a condenação de práticas abusivas perpetradas por instituições financeiras e empresários além de ressaltar os efeitos prejudiciais das diretrizes econômicas adotadas após a Proclamação da República Por meio de artigos e reportagens o periódico impactou a discussão pública ao destacar a urgência de mudanças e a importância de uma maior clareza nas finanças nacionais O Jornal do Commércio ressaltou situações de fraudes e táticas especulativas na Bolsa de Valores com matérias e ensaios que revelaram a conexão entre financistas e políticos condenando a cumplicidade que possibilitou o aumento descontrolado da criação de moeda sem respaldo em ouro Machado de Assis mencionado por Taunay 1971 p 5253 caracterizou este período como uma grande epopeia de riqueza em que as atividades aconteciam de maneira acelerada e os ganhos pareciam não ter fim ilustrando a sensação de euforia especulativa que permeava a sociedade o que aponta que o Encilhamento foi descrito por vários pensadores como uma fase de otimismo desmedido e fé sem limites no avanço econômico 36 Assim os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental na formação da percepção pública sobre o Encilhamento atuando não apenas como fonte de notícias mas também como influenciadores na formação de opiniões e na crítica ética Ao destacar abusos especulativos satirizar as estratégias econômicas e documentar as consequências sociais da crise a mídia ajudou a formar uma lembrança negativa e persistente dessa época 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise do Encilhamento representou uma mudança significativa na trajetória do Brasil destacando as fragilidades intrínsecas do Império e impulsionando as mudanças sociais que já estavam em curso O colapso econômico fruto das estratégias de expansão monetária de Rui Barbosa aliado à instabilidade política e ao aumento do descontentamento popular minou a fé nas instituições da monarquia abrindo espaço para a demolição do regime imperial e o avanço do movimento republicano Assim o objetivo principal deste estudo foi integralmente atingido ao evidenciar através de uma análise histórica e de diversas áreas do conhecimento de que maneira os impactos econômicos do Encilhamento afetaram diretamente a mudança do sistema monárquico para o republicano Ao examinar as políticas adotadas os impactos sociais da crise e a dinâmica entre os diferentes agentes políticos da época tornouse possível estabelecer uma conexão evidente e fundamentada entre a volatilidade econômica causada pelo Encilhamento e a afirmação do novo regime republicano Os objetivos específicos desta investigação também foram completamente cumpridos ao retratar de maneira detalhada o cenário econômico do Brasil no final do século XIX enfatizando a complexa mudança do trabalho escravo para o assalariado após a libertação em 1888 O estudo investigou o entusiasmo provocado pela política de liberalização econômica implementada por Ruy Barbosa que resultou na criação em grande escala de instituições bancárias aumento da quantidade de dinheiro circulando e forte especulação nos mercados financeiros A pesquisa também destacou os impactos destrutivos dessa crise em vários setores da sociedade brasileira abrangendo desde os grandes investidores até os trabalhadores mostrando como a incerteza econômica intensificou as tensões sociais e políticas o que ajudou a provocar a queda do regime monárquico O estudo analisou as ações econômicas implementadas por Ruy Barbosa ressaltando suas propostas de modernização e as consequências negativas de sua execução apressada que levaram a uma significativa instabilidade financeira Conseguiuse evidenciar de que maneira essas mudanças afetaram de forma negativa a opinião pública e política em relação ao 38 governo reduzindo a confiança nas instituições monárquicas e estimulando o discurso a favor da república A relação entre a crise econômica e o aumento do descontentamento político foi analisada de maneira detalhada mostrando como as tensões sociais se acentuaram e foram direcionadas em prol do movimento republicano O estudo investigou os acontecimentos que levaram à Proclamação da República ressaltando como os líderes republicanos usaram o Encilhamento como uma justificativa fundamental para destituir Dom Pedro II e estabelecer um novo governo As crises econômicas que ocorreram no Brasil durante o século XIX como a do Encilhamento evidenciam a persistência de conflitos entre abordagens de políticas monetárias expansivas e limitativas que caracterizaram tanto o período imperial quanto a era republicana Os esforços para modernizar a economia fortaleceram sistemas patrimonialistas e favoreceram grupos elitistas evidenciando que a transição de regime não foi capaz de resolver as debilidades institucionais e econômicas legadas do passado A iniciativa de expandir a oferta de moeda através da emissão fiduciária embora baseada em ideias liberais e ajustadas à realidade local acabou intensificando pressões inflacionárias e especulativas evidenciando as fragilidades e a dependência de um sistema financeiro ainda vulnerável A desproporção entre o crescimento da oferta monetária interna e a vulnerabilidade da balança de pagamentos somada à influência das elites regionais e à resistência do capital internacional teve um papel significativo na instabilidade do sistema e na continuidade de problemas que impactaram o progresso econômico do Brasil ao longo de muitos anos O esforço de integrar o Brasil na dinâmica do capitalismo financeiro contemporâneo sem os necessários mecanismos de controle clareza e inclusão social gerou não apenas instabilidade econômica e aumento da inflação mas também causou a perda de credibilidade política e uma sensação de desilusão entre a população em relação ao novo regime republicano A imprensa atuou como um reflexo das controvérsias políticas econômicas e regionais da época ajudando a acentuar a divisão entre os diversos planos de modernização do Brasil Ao intensificar a discussão pública com falas alternando entre preocupações excessivas e abordagens práticas os jornais contribuíram para a formação de uma narrativa crítica que além de expor as consequências da crise também desafiava as bases ideológicas da política econômica implementada 39 A crise do Encilhamento acelerou a Proclamação da República ao evidenciar a incapacidade do sistema monárquico perante as pressões econômicas e sociais resultando em desconfiança nas instituições e intensificando a instabilidade política Os efeitos dessas mudanças marcaram os primeiros anos do novo governo demandando reformas imediatas e evidenciando a vulnerabilidade das recémestabelecidas instituições republicanas Esta investigação apesar de ter procurado realizar uma análise completa sobre o Encilhamento e suas consequências políticas econômicas e na mídia enfrenta restrições devido à escassez e à dispersão das fontes originais além da dificuldade própria de interpretar os discursos da imprensa daquele período Assim é fundamental expandir a pesquisa sobre a influência da imprensa nas regiões os efeitos sociais da crise e as ligações internacionais da política monetária implementada abrindo possibilidades para novas investigações que possam aprimorar e reconsiderar as ideias apresentadas Este estudo é altamente indicado para alunos e educadores na área de História especialmente para aqueles dedicados à formação de professores e ao ensino da História do Brasil durante a época republicana proporcionando material para discussões em contextos educacionais e para a elaboração de abordagens pedagógicas que enfatizem a análise crítica das fontes históricas e dos discursos elaborados em períodos de crise 40 REFERÊNCIAS ABREU Marcelo de Paiva A Ordem do Progresso cem anos de política econômica republicana 18891989 Rio de Janeiro Campus 2011 ALMEIDA I C S CROCE M A Abolição encilhamento e mercado financeiro uma análise da primeira crise financeira republicana Revista de Economia do CentroOeste Goiânia v 2 n 2 p 1936 2016 Disponível em httpsrevistasufgbrreoestearticledownload4182622198188144 Acesso em 04 jun 2025 ALMEIDA M H T CROCE F N Histórias da República 18891930 São Paulo Cia das Letras 2016 BARBOSA Rui Antologia Nova Fronteira 2011 BEZERRA M Ruy Barbosa e o Encilhamento uma história do papelmoeda 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