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1 Trechos de Vlassopoulos K Introduction Unthinking Greek Polis Ancient Greek History Beyond Eurocentrism Cambridge CUP 2007 p 110 Esse trabalho é um estudo de história e tudo em história é história contemporânea1 Quais seriam então os dilemas contemporâneos a influenciar a percepção e a articulação desse estudo Nossa época é caracterizada pelas contradições exasperantes da ideologia que poderíamos denominar Ocidentalismo Ocidentalismo é a ideologia que afirma a existência de duas entidades claramente delimitadas na história mundial como o Ocidente o Oriente e os primitivos e que essas entidades metafísicas têm uma genealogia ou melhor apenas o Ocidente tem uma verdadeira genealogia2 que existe um padrão na história humana que leva à evolução do Ocidente moderno que é o caminho natural da história enquanto a história do Resto do mundo é um conto de aberrações que precisam ser explicadas que o mundo inteiro verdadeiramente segue a liderança do Ocidente que um dia conseguirá assimilar que as ferramentas conceituais e disciplinas criadas pelo Ocidente são de algum modo a forma natural de organizar a experiência e analisar a realidade do passado e o presente fora do Ocidente deve ser explicável nesses termos Ocidentais3 Espero que poucos venham a discordar que a história Grega tenha tido um papel importante em abrigar agendas Ocidentalistas Eurocêntricas no passado13 é igualmente verdadeiro que ela continua a fazer isso no presente14 Meu tema é estudar esse processo no caminho inverso O argumento central desse trabalho é o de que o estudo moderno da história Grega foi moldado fundamentalmente pelas perspectivas do Ocidentalismo Eurocentrismo Podemos apontar uma série de aspectos determinantes Para começar a história da Grécia é sempre tratada como parte da história ocidental ou européia15 Não é tratada como parte de uma história contínua de uma área do Mediterrâneo através das eras ela se torna parte de um encadeamento de evolução histórica que começa no Oriente Próximo muda para a Grécia passa para Roma antes de continuar pela Idade Média e pelo Ocidente moderno A Grécia como parte do Mediterrâneo não é nada mais que uma localização temporária nessa cadeia evolutiva A História da Antiguidade Grega não é escrita segundo a perspectiva de uma história contínua dessa área geográfica ao invés disso a história da área tornase irrelevante uma vez que a tocha tenha sido passada ao próximo portador da civilização ocidental Como consequência a história dos gregos antigos foi separada da história do espaço mediterrânico e do Oriente Próximo tornouse uma entidade segregada e aparentemente autônoma16 O conto que opõe despotismo oriental à liberdade ocidental que teria começado com os gregos é muito bem conhecido para ser ensaiado aqui17 Finalmente um dos efeitos da apropriação da história da Antiguidade Grega pela História da Europa tem sido a imposição de uma moldura quase nacional a história grega Os gregos não tinham um centro ou instituição em volta da qual sua história poderia ser organizada as comunidades de língua grega estavam espalhadas por todo o Mediterrâneo e nunca alcançaram uma unidade política econômica ou social enquanto que sua unidade cultural não estava centralizada em uma instituição dominante como uma igreja ou um templo Portanto a historia da Grécia não poderia ser escrita do mesmo modo que a história de Roma ou a história judaica poderiam sêlo centradas no estado romano ou no templo judaico A emergência do nacionalismo e das ideologias raciais na Europa do século XIX assim como a construção de narrativas nacionais para todas as nações europeias influenciou profundamente o modo como os historiadores modernos tentaram narrar a história da Grécia a entidade homogeneizante e fictícia da nação estava pronta e à mão Mas igualmente importante eram as demandas da consciência eurocêntrica de uma evolução histórica O conto da evolução do Ocidente passando de um estágio ao outro e de um lugar a outro precisava de uma estória clara da origem desenvolvimento e declínio Uma narrativa nacional homogeneizante poderia servir a uma tal função e foi por isso facilmente adotada O conceito que veio sincronizar e servir a todas essas necessidades da história eurocêntrica foi aquele de polis a cidadeestado Grega Serviu para diferenciar os gregos aqueles que deram origem à liberdade e democracia das monarquias e despotismos orientais Ademais como os gregos careciam de um estado nacional a cidadeestado servia como um equivalente as várias poleis gregas eram tantas outras réplicas da forma nacional comum do estado e da sociedade a cidadeestado Podia com 1 Croce 1921 1126 2 Sobre tal metageografia ver Lewis Wigen 1997 3 Sobre esses assuntos ver Chakrabarty 2000 323 13 Turner 1981 Bernal 1987 Canfora 1989 14 Hanson Heath 1988 Berlinerbau 1999 Hanson 2004 15 Ver duas perspectivas ocidentalistas diferentes em História da Grécia mas igualmente típicas em Hanson 2002 Meier 2005 16 Bernal 1987 281336 17 Koebner 1951 Venturi 1963 VidalNaquet 1964 Hall 1989 2 isso servir como um meio realmente útil para a homogeneização20 Poderia servir ainda ao esquema eurocêntrico de evolução histórica a polis poderia ser retratada como uma forma histórica que emergiu prosperou e declinou passando o cetro a novas formas como as monarquias helenísticas e o império romano Finalmente poderia ser usada para perseguir uma série de comparações eurocentradas Para exemplificar a polis grega percebida como cidade consumidora foi comparada as cidades produtoras medievais e modernas a fim de explicar por que as antigas economias não se desenvolveram da forma como as economias europeias o fizeram21 Estou utilizando o termo silenciar para descrever o processo de formação da ortodoxia moderna e a exclusão de alternativas a ela de duas diferentes maneiras De um lado refirome a um processo pelo qual certas abordagens e as pessoas que as adotam são postas de lado e marginalizadas mas esse é o sentido menos importante de minha discussão aqui O problema é de fato muito mais profundo e difícil de lidar o silêncio é criado pelo próprio ato da escritura histórica Os silêncios entram no processo de produção histórica em quatro momentos cruciais o momento da criação dos fatos a fabricação das fontes o momento da composição dos fatos a fabricação dos arquivos o momento da recuperação dos fatos a fabricação de narrativas e o momento da significação retrospectiva a fabricação da história em primeira mão24 O silêncio no momento da criação dos fatos significa que as evidências para um tema ou evento podem existir e mesmo assim não ser utilizadas como fato histórico ex as evidências arqueológicas subutilizadas pelos historiadores o silêncio no momento da composição dos fatos implica que existem poderes desiguais na produção das fontes ex nossos arquivos literários representam a voz dos gregos da elite enquanto os gregos subalternos são geralmente sem voz o silêncio na fabricação das narrativas implicam em que certas formas de escrever uma narrativa eliminam certos tipos de evidência e certos temas ex escrever a história grega como a história do surgimento desenvolvimento e declínio da polis silencia a história de comunidades gregas do mar Negro onde tal narrativa não pode ser construída finalmente o silêncio no momento da significação retrospectiva força certas questões ao mesmo tempo que torna outras impossíveis ex se a história da Grécia é importante porque é o início da história europeia então vale a pena perguntar por que a polis grega não se desenvolveu economicamente como a cidade europeia medieval mas se torna vão comparar a polis grega com as cidades indianas Assim o presente estudo tem dois objetivos desafiar os pressupostos implícitos da estrutura discursiva mais vasta por trás do estudo da história grega e oferecer uma estrutura conceptual e analítica alternativa Argumento que o predomínio atual da polis como a única ferramenta organizativa do estudo da história grega é responsável pelos problemas sublinhados acima Examinarei as várias maneiras pelas quais a polis foi utilizada como ferramenta analítica chave para o estudo da história econômica social e política dos gregos antigos e mostrarei os problemas insuperáveis que isso gerou Portanto eu tento suplementar um despensamento do conceito de polis com outros níveis analíticos e ferramentas conceptuais Do ponto de vista defendido nesse trabalho é possível moverse para além das histórias nacionais em direção a histórias sobre como a interação e interdependência entre várias comunidades e grupos moldou o passado ir além das Grandes Narrativas eurocêntricas teleológicas em direção a uma compreensão dos múltiplos mesmo que coexistentes e codependentes cursos da história salvar as periferias os subalternos e marginais da enorme condescendência da posteridade47 sem fragmentar o passado numa história em migalhas A História da Grécia é um campo ideal para aplicar todos esses conceitos Os gregos nunca tiveram um centro em volta do qual alguém pudesse organizar sua história suas comunidades estavam espalhadas por um espaço mais vasto suas interações com outras comunidades e formas políticas tinha um papel crucial em sua história os arranjos e configurações espaciais e temporais de suas comunidades tornam factível e necessário aplicar concepções históricas que descrevemos como a noção de sistemamundo As poleis gregas são fascinantes porque desafiam a lógica obrigatória de todos os esquemas explicativos do Ocidentalismo Elas são a prova decisiva de que a história importa que prazer maior existiria para o historiador 20 Gawantka 1985 21 Finley 1977 24 Trouillot 1995 16 47 Thompson 1980 12 m A NUSCRÍTICA Revista de Crítica Genética São Paulo Março de 1998 Conselho Editorial ALMUTI GRÉSILLON AMÁLIO PINHEIRO JULIO CASTAÑON LÚCIA SANTAELLA PHILADELPHO MENEZES RAUL ANTELO ROBERTO BRANDÃO WILLI BOLLE YEDDA DIAS LIMA Editoria Científica CECÍLIA ALMEIDA SALLES PHILIPPE WILLEMART SÔNIA M VAN DJICK LIMA TELÊ ANCONA LOPEZ Diretoria Editorial CECÍLIA ALMEIDA SALLES Projeto Gráfico e Capa LUCIANO GUIMARÃES E DENISE PAIERO Revisão SÍLVIA CARDERELLI Ilustração GUSTAV KLIMT Esboço de Medicine 86 x 62 cm Albertina Vienna 1900 Editor Responsável JOSÉ ROBERTO BARRETO Mtb 21 287 Assinatura e venda avulsa APMI Al Ministro Rocha Azevedo 37342A 01410001 São Paulo SP Fax 011 651374 httputopiaanspbrapmi 7 Editorial 11 Le Manuscrit Pluriel et Polymorphe Daniel Ferrer 21 Do Manuscrito ao Pensamento Pela Rasura Philippe Willemart 37 Manuscrito Dimensões Telê Ancona Lopez 47 A Margem da Carta Walnice Nogueira Galvão 55 De LImportance en Science des Archives de la Creation Quelques Pistes Etienne Guyon 59 Dossiers Preparatoires et Genese Scenarigue Chez Zola JeanPierre LeducAdine 69 As Marcas da Leitura Histórica Arte Grega nos Textos Antigos Ulpiano T Bezerra de Meneses 83 Poder de Descobertas Cecília Almeida Salles 91 Leitura Genética do Poema Se Tivesse Madeira e Ilusões de Hilda Hilst Cristiane Grando 111 A Criação na Crítica e a Crítica na Criação Claudia Amigo Pino 135 Sutilezas Extraordinárias Guilherme Ignácio da Silva 151 Por Uma Fisiologia do Deslumbramento em No Caminho de Swann e O Tempo Redescoberto de Marcel Proust Roberto Zuilar 167 O Manuscrito do Leitor Mário de Andrade Beatriz Protti Christini Rosana Fumie Tokimatsu 175 A Bordo do Carro da Miséria Tatiana Maria Longo dos Santos 197 Organização e Caos Ronaldo Henn 211 Manuscritos Literários Brasileiros no Exterior Dileá Zanotto Manfio traduções 231 Escrever Sem Fim A Recherche À Luiz da Crítica Textual Rainer Warning 253 Escrever sem fim alguns comentários Cecília Almeida Salles 257 Os cadernos de Impressions dAfrique A contribuição da codicologia ao estudo genético Claire Bustarret AnneMarie Basset resenha 281 A autoria na Transformação José Ribamar Ferreira Jr As Marcas da Leitura Histórica Arte Grega nos Textos Antigos Ulpiano T Bezerra de Meneses DE P T O D E H I S T Ó R I A F F L C H U S P R E S U M O Embora esteja centrado em textos antigos sobre a antiga Grécia portanto longe da possibilidade de crítica genética ou do estudo geral de manuscritos contemporâneos este artigo procura estabelecer em contraponto algumas características do tratamento histórico de fontes textuais São apontadas quatro possibilidades a leitura de um texto como a leitura de uma sociedade a construção em última análise de informação a leitura indicial e a leitura dialógica R É S U M É Bien quaxé sur des textes anciens concernant lart grec donc sans possibilité de critique génétique ou détude des manuscrits cet article cherche à établir en contrepoint quelques caractéristiques de la lecture historique des sources textuelles Quatre marques sont signalées la lecture du texte en tant que lecture de la société la construction en dernière analyse de linformation la lecture indiciaire et la lecture dialogique A B S T R A C T Although centred in ancient texts on Greek art hence away from the possibility of genetic criticism or the general study of contemporary manuscripts this paper aims at establishing as a counterpoint some 70 Manuscrítica Nº7 characteristic features of the historical treatment of textual sources Four possibilities are examined the reading of a text as the reading of a society the ultimate construction of the information the symptomatic and the dialogical readings PREMISSAS e mbora apresentadas num quadro de discussão dos arquivos da criação envolvendo as letras as artes e as ciências as reflexões expostas no presente texto1 não têm como eixo a crítica genética O simples fato de seu foco ser a Grécia antiga já tornaria tal possibilidade remota à vista da escassez ou inexistência praticamente de manuscritos contemporâneos ou fontes que pudessem suprílos Além disso sabemos que muitos pintores escultores e arquitetos gregos deixaram testemunhos escritos de sua atividade A rigor temos desde o século VI aC manuais técnicos como os de Teodoro e Roico Duris de Samos Xenócrates de Atenas Apeles Polícleto famoso pela discussão do cânon etc Ocorre porém que deles nada subsistiu salvo menções e alusões rápidas em outras fontes Pollitt 1990 89 No entanto ainda que não haja manuscrito em causa nem se fale geneticamente da criação do texto ouso crer justificarse precisamente pelo benefício do confronto uma caracterização da leitura histórica de fontes textuais tão diversa da crítica genética Para tanto procurei reconstituir um contexto próximo daquele conotado pela expressão arquivos da criação a partir de fontes que tratam de produtos da atividade criadora de formas e imagens na Grécia antiga e submetêlas a uma leitura histórica É a leitura histórica especificamente as marcas que a caracterizam que me pareceram uma contribuição aproveitável para a problemática em causa fornecendo contrapontos 1 Este texto deriva de uma exposição feita na sessão Os arquivos da criação letras artes e ciências do Seminário Arquivos da criação em que nos questionam os manuscritos nos quadros do Colóquio FrançaBrasil sobre Ciência natureza e sociedade IEAUSP setembro de 1997 A MARGEM DA LEITURA HISTÓRICA Cumpre porém esclarecer que não se tratará aqui sistematicamente do que seja ou deva ser a leitura histórica Nem mesmo das relações entre a história e o texto a história e a literatura ou a linguística etc Nem ainda dos pressupostos teóricos e dos caminhos metodológicos da análise histórica do discurso o que tem sido objeto de vasta bibliografia de que uma síntese recente a de Cardôso Vainfas 1997 dá conta com competência crítica e abrangência O interesse portanto é outro é assinalar posturas e enfoques que diferenciam o tratamento do historiador e do geneticista e que teriam muito a ganhar se pudessem melhor se conhecer mutuamente Selecionei assim quatro marcas que acredito essenciais e para facilitar a tarefa de caracterizálas pareceume útil tomar como referência para cada uma delas um pequeno trecho de fonte antiga grega ou romana LEITURA DO TEXTO COMO LEITURA DA SOCIEDADE O rumo básico da leitura histórica é iluminar a sociedade A crítica genética quando possível ou quaisquer outros procedimentos de qualquer natureza são utilizados para esclarecer o documento apenas porque nessa medida melhor permitem esclarecer aspectos da sociedade de que a produção circulação e apropriação do texto constituem ingredientes Explicação de texto para o historiador por mais avançados que sejam os recursos postos em ação só tem sentido como caminho para se chegar à sociedade Por certo não estou falando de reflexos ou homologias mas tomando o texto como uma forma de ação social Um pequeno trecho de Pausânias tornará patente o sentido destas posturas Há também no santuário de Olímpia um cofre feito de cedro no qual vêm figuras algumas executadas em marfim outras em ouro e outras ainda esculpidas no próprio cedro Foi neste cofre que a mãe de Cípselos o tirano de Corinto escondeu o recémnascido quando os baquiadas estavam no seu encalço Em sinal de gratidão pela salvação de Cípselos seus descendentes que foram denominados cipsélidas ergiram o cofre como oferta votiva em Olímpia Junto à maioria das figuras no cofre há inscrições em caracteres arcaicos Pausânias V 175 Pausânias é um autor grego de época romana Sua obra composta em torno de 150 de nossa era é uma Periégesis uma descrição da Grécia muito próxima de um guia turístico Visitando cidades ilustres e santuários renomados ele recolheu informações lendas e tradições e registrou o que reputou de interesse Assim na visita ao templo de Hera no santuário de Olímpia chamou sua atenção um objeto que vem longa e minuciosamente descrito em seu texto um cofre precioso associado a Cípselos ca 655625 aC membro de família aristocrática de Corinto rival da dos baquiadas e que instituiu a mais antiga tirania da Grécia Temos assim uma distância de quase 800 anos entre a fabricação do objeto original e a descrição que dele nos faz Pausânias Por certo dominaram na análise deste texto o crivo filológico a preocupação de rastrear as diversas fontes de informação de que Pausânias se teria utilizado a confiabilidade das informações transmitidas ao longo de tantos séculos ainda que com padrões bem mais conservadores do que nas sociedades de tradição quirográfica e impressa as condições do santuário de Olímpia no século II AD etc etc Nesse quadro emergem três linhas possíveis de leitura de interesse para o historiador A primeira é puramente empírica Tratase de tomar como centro da atenção o objeto descrito Foi esta linha que dominou o esforço maior dos historiadores que procuraram indagar da autenticidade do cofre em questão e até mesmo reconstituir sua forma inclusive graficamente a partir dos atributos descritos confrontados com o que se conhece por exemplo da arte grega arcaica cf Méautis 1931 A meu ver é a linha menos fecunda e a mais pobre Mais ainda acredito irrelevante saber se o objeto descrito era o cofre de Cípselos ou não Pessoalmente julgo improvável nas condições culturais e ambientais da Grécia antiga que tal objeto possa terse preservado intacto Pausânias o trata como íntegro ao longo de oito séculos e tantas contingências A segunda linha é conhecer o processo de descrição utilizado por um grego de época romana para representar um objeto antigo Já aqui temos abertura para um horizonte histórico mais amplo e compensador Determinar a seleção dos atributos a ordenação e relações que os articulam os recursos da representação etc conduziria a elementos bem aproveitáveis num estudo por exemplo de estruturas do imaginário romano tendo a cultura grega como foco Essa perspectiva porém não será desenvolvida aqui pois para nossos objetivos é uma terceira perspectiva que predomina Essa última perspectiva não dispensa as anteriores nem as despreza mas privilegia explicitamente uma leitura que permita responder a questões como que aspectos da sociedade de Pausânias podem ser melhor conhecidos pelo texto A que aspectos da sociedade grega arcaica ele nos remete Poderíamos assim encaminhar a leitura ao longo dos seguintes tópicos Se é o cofre de Cípselos que Pausânias está descrevendo já se disse não é o problema central Ele está descrevendo um objeto antigo e renomado exposto no santuário de Olímpia Sua descrição permite entrever a biografia conhecida autêntica ou construída de um objeto específico concreto de início objeto utilitário o que se expressa no próprio termo pelo qual é identificado como recipiente destinado a conter bens de diversa espécie desempenhando a função de armário horizontal A matériaprima preciosa e a abundante decoração esculturária fazem desse objeto uma peça de aparato e o qualificam a participar de uma ação míticohistórica servindo de esconderijo ao jovem coríntio perseguido o que reproduz um tópicos corrente do imaginário mediterrânico o bebê que escapa de morrer abrido num cesto ou caixa Em decorrência por certo se poderiam levantar problemas de plausibilidade que todavia em nada nos afetam Finalmente ainda na sociedade arcaica o cofre tornase objeto votivo cujo valor de uso foi drenado em benefício de valores cognitivos afetivos e ideológicos De tudo isso o que mais nos importa historicamente é a presença desse objeto nos tempos de Pausânias num contexto de mera fruição visual no âmbito de um santuário outrora venerando e influente Faz parte desse processo de musealização o que é certamente a atividade dos sacerdotes para valorizar seu patrimônio a retransmissão produção e circulação de estórias etiológicas que singularizam os objetos ressaltando sua trajetória e a contaminação de valor oriunda do contacto com figuras e ações excepcionais Pausânias preocupase na descrição com dois aspectos exclusivamente a matériaprima e as imagens da decoração Nenhum outro traço do objeto nem mesmo sua forma e dimensões são mencionados Da matériaprima impressionao a raridade cedro marfim ouro eram de difícil obtenção na Grécia o que equivale a valor venal elevado Quanto à decoração que ocupa quase 90 de seu texto completo o interesse é reducionisticamente iconográfico ele vai procurar apenas identificar as personagens representadas Um dado é digno de atenção Pausânias está descrevendo um objeto antigo que seus informantes em Olímpia dizem ter sido fabricado no tempo dos baquiadas por nós localizados com precisão em meados do século VII aC No entanto ele o trata sem nenhuma estranheza O passado que se apresenta como imagem é apenas um presente anterior Dos tiranos de Corinto à Grécia sob domínio romano decorreu um longo tempo mas na percepção desse grego não de molde a alterar a própria natureza das sociedades em causa é a mesma substância sem aqueles sintomas de pastness de que falam os historiadores Lowenthal 1985 É até o caso de se perguntar se efetivamente o objeto em questão seria um objeto arcaico ou bem mais recente O que importa porém é que apesar de tudo há um sintoma de que do passado remoto ou próximo até o presente houve mudanças a identificação das personagens necessita do suporte das lendas Junto à maioria das figuras diz Pausânias consta o nome das personagens em caracteres arcaicos À vista do pouco conhecimento arqueológico sobre a Grécia arcaica por parte do século II AD muito difícil fica imaginar que a competência epigráfica de Pausânias fosse suficiente para assegurar leitura de uma escrita de oito séculos anterior à sua época Com muito mais probabilidade as inscrições devem ser recentes embora diversas dos caracteres contemporâneos do autor Seja como for o que importa é assinalar uma ruptura a partilha cultural que tornava legíveis as imagens desfezse Agora sua legibilidade necessita do apoio de uma modalidade por assim dizer profissional de conhecimento O texto já nos apresenta Pausânias como um erudito embrião do futuro connaisseur com todas as implicaçōes históricoculturais que isto representa É o espírito do Mouseion de Alexandria agora em circuito popular mas com as polaridades definidas Em suma parece muito mais recompensador orientar a leitura do texto deslocando o interesse do objeto descrito para o que sua descrição pode informar sobre uma sociedade culturalmente heterogênea e portanto em processo acentuado de diferenciação social e que mantinha com o passado um tipo específico de relação imaginária fundamentada em grande parte numa matriz iconográfica originalmente de circulação social ampla e cuja unidade fragmentada é agora causa de inteligibilidade precária L E I T U R A C O M O C O N S T I T U I Ç Ã O D A I N F O R M A Ç Ã O O texto para o historiador não é um repositório de informações préconstituídas mas a leitura histórica como proposição de questões deve procurar constituir em última instância a informação Para melhor situar esta postura convém apontar duas posições polares que se impõe a todo custo evitar A primeira é o objetivismo positivista que pressupondo que todo fenômeno tem em si sua própria identidade e da mesma forma que a narrativa autêntica do fato coincida com ele reconhece uma descontinuidade tranqüila e cômoda entre o observador e seu objeto Trata assim o documento como um limão do qual o historiador habilitado fosse capaz de extrair todo o sumo Doutra parte o subjetivismo idealista pretende que só existam as representações e a história seria assim cativa de um pansemiotismo delirante De meu lado penso ser indispensável terse presente Para superar o nível empírico da informação a leitura histórica carece também de trabalhar o texto como um conjunto orgânico de pistas Essa é a leitura indiciária de que fala com tanta convicção Carlo Ginzburg 1989 que também salienta sua adequação à História concebida como disciplina especializada em sintomas O texto sem dúvida não é um suporte neutro que conserve traços do passado como o tablete de cera nos quais se escrevia com estilete e que os gregos utilizaram para imagem do pensamento ou da percepção imagem É antes um campo de observação de sintomas mediações que permitem chegarse ao horizonte histórico oculto A narração de Plínio informa sobre uma aposta entre dois célebres pintores clássicos final do séc V aC e 1ª metade do século seguinte para saber quem era capaz de mais competentemente induzir a percepção visual por intermédio de sua arte Seria objetivo irrelevante aqui procurar estabelecer a veracidade do ocorrido Aliás a existência de outras fontes para a mesma anedota cf Sêneca Pater Controv X V 2 e o próprio Plínio ib 66 embora com variantes Basta para inferirse que independentemente de a disputa ter ocorrido ou não de terem sido Zéuxis ca425397 aC e Parrásio ca420370 aC seus atores de a pintura da uva e da cortina serem a prova da habilidade e de o resultado haver favorecido o segundo isto tudo tomado indicariamente é que permite supor que o tema da ilusão deveria ter curso freqüente em tal sociedade prestandose a explorações dessa natureza Anedotas como essa para terem a circulação popular atestada não só pela presença de outras fontes mas também por sua transmissão ininterrupta até Plínio ao longo de mais de quatro séculos só poderiam dizer respeito a figuras que fossem referência relevante isto é os pintores eram cidadãos que poderiam destacarse do comum do povo granjeando fama e prestígio social Qual o suporte dessa posição Precisamente a atividade que exerciam É em torno dela que se procura a qualificação interna dos contendores E o que essa atividade profissional poderia conter capaz de alimentar a fama e o renome A resposta está em outros indícios O texto trata do problema da ilusão provocada e melhor ainda da escala de produção e controle da ilusão visual dos pássaros ao especialista passando pelos simples mortais Esta competência diferencial já autorizaria a introdução do problema da variabilidade portanto num outro nível da historicidade das estruturas perceptivas Platão contemporâneo grosso modo de Zéuxis e Parrásio foi um crítico obstinado da pintura Janaway 1995 Em várias oportunidades mas principalmente na República II 377e X 598ac X 602d o filósofo desqualifica o produtor de imagens como um prestidigitador que faz crer no que não existe Tomando por exemplo na trama de seu diálogo a Sócrates como portavoz tenta rebater o senso comum expresso por seu interlocutor Glauco Representa portanto voz dissonante em meio a uma situação já instalada em sua sociedade se os sintomas do texto forem tratados convenientemente podese concluir que os jogos dos sentidos já faziam parte da experiência cotidiana dos atenieneses e a ilusão ótica não era conotada como negativa Na anedota venceu a competição precisamente quem mais foi capaz de enganar Dito em outras palavras estas pistas permitemnos postular uma sociedade que era capaz de dar significação positiva ao aspecto fenomênico do real Em conseqüência também podemos pressupor um elevado grau de consciência histórica nessa sociedade Pois consciência histórica quer dizer capacidade de perceber que o real é contingente submetido às mutações do espaço e tempo traços associados à perspectiva recurso pictórico para produzir ilusão ótica Tal sociedade ao contrário do que os filósofos nos fazem crer não estava absolutamente preocupada em traçar fronteiras entre a doxa a opinião a aparência e a episteme o conhecimento rigoroso Nada menos platônico do que a sociedade do tempo de Platão Na melhor das hipóteses cumpre distinguir história do pensamento e história das mentalidades Mais uma vez aqui também o nível empírico da leitura permaneceria em horizontes estreitos e dispensáveis a leitura das pistas abriuos e aprofundouos A LEITURA DIALÓGICA sempre que ao mesmo tempo representamos o mundo e intervi mos no real A expressão é de Hacking retomada por Molino 1989 12 que acrescenta a necessidade de todas as noções utilizadas na análise do conhecimento serem apreendidas numa dupla e simbiótica dimensão simbólica e prática Um texto de Plínio o Velho AD 2379 serve para aclarar esta alternativa Plínio com sua História Natural é um dos mais importantes compiladores de informações geradas em diversos momentos sobre arte grega antiga Utilizandose de fontes do séc IV aC assim fala ele da pintura clássica Depois que os portais da pintura foram abertos por ele Apolodoro Zêuxis de Heracléia os atravessou no quarto ano da 95a Olimpiada 397 aC e levou o pincel que agora ousaria qualquer coisa a uma alevada glória Apolodoro discutido atrás escreveu este verso sobre ele Zêuxis roubou a arte de seus mestres e carregoua consigo Plínio XXXV 61 Seria cômputo da leitura histórica meramente colher aqui e organizar as informações empíricas sobre a pintura antiga nomes cronologia sequência evolutiva Não É necessário questionar a estrutura da informação empírica fornecida Desde o início a imagem do portal que Apolodoro abrirafornece pista preciosa não se irá narrar como a pintura surgiu e foise transformando mas como a atividade dos pintores foise aproximando de um patamar já prédeterminado É a história teleológica que define o ponto de chegada e trata do que o antecede como rota de percurso obrigatório A competição entre os pintores que pressuporia uma certa dinâmica encaixase nesse esquema Depois que Apolodoro descobriu a pintura e se qualificou socialmente por isso os discípulos despossuem seus mestres pois estão mais próximos de um ideal já delimitado A leitura histórica deste texto portanto conduznos não apenas a inferir a existência já no séc IV aC de uma categoria de objeto estético a pintura categoria sempre historicamente determinada mas de todo um circuito que também inclui os autores a formação reprodução social emulação corporativa jui mesmo performático Em outras palavras mais que um paradigma observacional é o paradigma discursivo a referência mais apta a gerar conhecimento histórico de nível superior Um pequeno texto epigráfico é sugestivo como ocasião de amostra desta postura Tratase da dedicatória inscrita na base de uma estátua feminina dedicada como oferta votiva em espaço funerário na Ática séc VI aC Dillon Garland 391 Sema de Frasicléia Serei para sempre chamada de virgem pois os deuses me reservaram este nome em vez de casamento IG I 2 1014 Sema é um sinal marco visual aqui devendo ser entendido como monumento funerário que assinala a sepultura Que contexto dialógico a leitura pode montar O ponto de partida é o caráter público do sema mas ao mesmo tempo reservado em área funerária pressupondo alguma restrição de visibilidade A seguir atentese para um quadro nítido de interlocução Antes de mais nada temos a protagonista Frasicléia Mas é claro que não é ela a morta que efetivamente fala Em seu nome falam seus pais e parentes em suma sua família É portanto um eu coletivo que toma a palavra O destinatário não é genérico nem ilimitado São aqueles a quem para a família esta mensagem pode ter sentido a comunidade local fechada imediata Não a pólis em si mas um segmento seu Nessa perspectiva o texto deve ser lido como uma prestação de contas em resposta a uma interpelação silenciosa mas inequívoca da comunidade Com efeito está subjacente uma transgressão que contudo não foi dolosa Uma jovem morreu virgem isto é sem procriar O que equivale a dizer que não preencheu o modelo de expectativa social para a mulher Mas não foi responsabilidade sua nem da família de quem seus passos dependiam mas do destino da morte prematura que os deuses decidiram É preciso dizer isso não à pólis como instância abstrata mas a todos aqueles concidadãos com os quais a família interagia Ora patenteiamse aqui não só a ideologia e os valores do casamento e do papel feminino o que aliás constitui domínio bastante bem conhecido da bibliografia mas a escala da pressão social e os contrapontos e mecanismos concretos que procuravam neutralizála A opinião pública numa shame culture como já foi caracterizada a Grécia antiga Gouldner 1965 817 retira do privado não apenas qualquer suporte para classificação social como concentra no público a possibilidade do valor social daí estarem nele presentes também as engrenagens do controle social diante dos quais a família parece apresentarse desarmada É na ótica do diálogo que a leitura histórica permite aqui penetrar este universo tão rico e empiricamente tão opaco REFLEXÕES FINAIS Do exposto podese concluir que a leitura histórica e a leitura genética são radicalmente diversas não só nos seus procedimentos mas sobretudo nos seus objetivos Com efeito se a segunda se preocupa com os processos da criação é para melhor compreender seu produto A história ao inverso quando pode valerse dos recursos da crítica genética coloca o objetivo além do conhecimento de seu produto é sempre a sociedade que predomina em sua estrutura funcionamento e transformação Num texto como o de Plínio traçando um panorama histórico da pintura grega as intenções e motivações do autor compilador e suas fontes são importantes mas não constituem o horizonte final cf preocupações como as de Patera 1975 p ex procurando identificar vinculações pessoais a pintores da Escola de Sicione etc O que importa são as intenções do texto objetivadas materializadas e como tal é que se deve examinar como elas funcionam Nessa ótica é que a história disciplina indiciária e portanto marcada pela presença do indivíduo salta para a escala de sua vocação social É também nessa direção que a atividade compiladora de Plínio assim como as instruções do guia em que se converteu Pausânias deveriam ser exploradas enquanto aquelas práticas culturais de que falam Chartier e Jouhaud 1989 69 o que significa socialmente produzir e colocar em circulação este tipo de literatura Entre a objetividade das estruturas e a subjetividade das representações a leitura dialógica do epitáfio de Frasicléia permite ultrapassar os limites sejam da empiria sejam da hermenêutica e integrar práticas e representações mais zo social registro codificado de informações etc etc próximo daquilo que Bourdieu denomina campo Mais que tudo vislumbrase a existência de uma atividade formalizada de representação o que já se poderia chamar de história da arte É nesta chave que o dado empírico ganha significação história E que além dos dados empíricos que nos fornece fornece também a chave de sua leitura a história evolutiva o inverso da história genética a história do modelo final plenitude que se vai atingindo por patamares sucessivos que anulam os anteriores Os passos seguintes seriam a medição do alcance social deste conceito de história e numa outra esfera a circulação usos e apropriações destas fontes até o presente Pois este esquema evolucionista é ainda aquele que predomina nas histórias correntes da arte grega que simplesmente endossaram a visão que os antigos faziam de si próprios a respeito Com efeito tantos séculos depois a história da pintura grega na sua historicidade é claro resta ainda por fazer L E I T U R A I N D I C I Á R I A É ainda Plínio que servirá para outro exercício de superação da informação meramente empírica Tratase da leitura indiciária que procura no empírico índices do que não se vê e que é onde em última análise reside a historicidade que se almeja Aqui também Plínio fala de pintura clássica e reproduz anedota que outras fontes igualmente reportam Parrásio é conhecido por ter entrado em disputa com Zêuxis e quando este pintou umas uvas com tal efeito que pássaros voaram para a cena ele Parrásio pintou então uma cortina de pano com tanta verossimilhança que Zêuxis embriagado de orgulho com o veredito dos pássaros chegou a solicitar que a cortina fosse levantada para que ele pudesse ver a pintura e quando compreendeu seu erro reconheceu cavalheirescamente a derrota pois ele Zêuxis tinha enganado apenas a pássaros enquanto que Parrásio havia iludido a um artista Plínio XXXV 62 ricas ainda seriam estas conclusões se se pudesse como na crítica genética distinguir o peso das eventuais idiossincrasias da criação epigráfica ao lado da obediência a um padrão formular pex Nada do proposto quer significar superioridade de uma leitura sobre a outra Tratase de abordagens oriundas da necessidade diversificada de conhecer objetos complexos que não se esgotam num tratamento unificado O que importa porém ressaltar é que precisamente por estas diferenças seria de toda conveniência que historiadores e geneticistas pudessem melhor se conhecer uns aos outros BIBLIOGRAFIA CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Histórias e análise de textos In CARDOSO CF VAINFAS R orgs Domínios da História Ensaios de teoria e metodologia Rio Campus 1997 p 375399 CHARTIER Roger JOUHAUD Christian Pratiques historiennes des textes In REICHLER Claude ed Linterprétation des textes Paris Minuit 1989 p 5380 DILLON Matthew GARLAND Linda Ancient Greece Social and historical documents from archaic times to the death of Socrates London Routledge 1994 GINZBURG Carlo Sinais raízes de um paradigma indiciário In Mitos emblemas e sinais Morfologia e História São Paulo Companhia das Letras 1989 p 143180 GOULDNER Alvin W The hellenic world A sociological analysis New York Harper Torchbooks 1965 JANAWAY Christopher Images of excecellence Platos critique of the arts Oxford Clarendon Press 1995 LOWENTHAL David The past is a foreign country Cambridge Cambridge University Press 1985 MÉAUTIS Georges Le coffre de Kypsélos Revue des études grecques Paris 44 p 24178 1931 MOLINO Jean Interpréter In REICHLER Claude ed Linterprétation des textes Paris Minuit 1989 p 952 PATERA Benedetto La letteratura sullarte nellAntichità Palermo S F Flaccovio Editore 1975 POLLITT JJ The art of ancient Greece Sources and documents Cambridge Cambridge University Press 2nd ed 1990 Na introdução ao livro Unthinking the Greek Polis Vlassopoulos discute o que ele chama de silêncios no momento da produção historiográfica O problema do uso e da interpretação das fontes é também levantado por Ulpiano Meneses em As Marcas da Leitura Histórica o que nos indica o quanto é importante problematizar a História Antiga a formação e o diálogo com a documentação Diante desses temas discutidos por Vlassopoulos e Meneses redija um texto procurando responder as duas questões abaixo 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito a história do período helenístico 2 Você acha que esse viés crítico se restringe a historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar Observações Os dois textos exigidos para leitura se encontram na seção Materiais e Ferramentas abaixo do Quadro Geral no lado esquerdo da pagina da nossa disciplina As duas questões podem ser respondidas juntas num único texto ou separadas conforme o aluno preferir A exigência é de no mínimo duas laudas de texto escrito Se organizem para não deixar pra última hora e evitar problemas no envio da tarefa Na introdução ao livro Unthinking the Greek Polis Vlassopoulos discute o que ele chama de silêncios no momento da produção historiográfica O problema do uso e da interpretação das fontes é também levantado por Ulpiano Meneses em As Marcas da Leitura Histórica o que nos indica o quanto é importante problematizar a História Antiga a formação e o diálogo com a documentação Diante desses temas discutidos por Vlassopoulos e Meneses redija um texto procurando responder as duas questões abaixo 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito a história do período helenístico 2 Você acha que esse viés crítico se restringe a historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar Observações Os dois textos exigidos para leitura se encontram na seção Materiais e Ferramentas abaixo do Quadro Geral no lado esquerdo da pagina da nossa disciplina As duas questões podem ser respondidas juntas num único texto ou separadas conforme o aluno preferir A exigência é de no mínimo duas laudas de texto escrito Se organizem para não deixar pra última hora e evitar problemas no envio da tarefa 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito à história do período helenístico A crítica a documentação antiga particularmente no que tange ao período helenístico é essencial porque envolve uma problematização dos silêncios historiográficos conforme apontado por Vlassopoulos e Meneses Esses silêncios manifestamse em diferentes momentos do processo historiográfico na produção das fontes na composição dos arquivos na construção das narrativas e na atribuição de significados retrospectivos No caso do período helenístico esse problema se acentua devido à forma como a história foi tradicionalmente narrada muitas vezes reforçando um viés eurocêntrico e ocidentalista Nesse sentido Vlassopoulos argumenta que a historiografia da Grécia Antiga foi estruturada sob uma perspectiva eurocêntrica que isolou a experiência grega de seu contexto mediterrâneo e a inseriu artificialmente dentro de uma narrativa ocidental contínua O período helenístico em especial sofre com essa abordagem pois muitas vezes é reduzido a uma fase de transição entre a polis clássica e o domínio romano sem que suas dinâmicas próprias sejam devidamente analisadas A historiografia tradicional tende a enfatizar a polis como a unidade fundamental de análise da Grécia Antiga desconsiderando que no período helenístico os reinos monárquicos assumiram uma importância central Isso cria um problema interpretativo pois reforça a ideia de que o helenismo representaria um declínio ou uma desnaturação dos valores gregos originais Além disso a documentação do período helenístico apresenta desafios significativos As fontes disponíveis são em grande parte de origem aristocrática ou oficial como inscrições reais relatos de historiadores ligados às cortes e documentos administrativos Isso gera um viés na forma como os eventos são registrados excluindo perspectivas subalternas e cotidianas O silêncio imposto sobre determinados grupos sociais como camponeses mercadores mulheres e populações não gregas sob domínio helenístico limita a compreensão da diversidade desse período Ademais Meneses destaca a importância da leitura crítica das fontes ou seja do reconhecimento de que os documentos antigos não devem ser tomados como registros neutros do passado mas como construções condicionadas por interesses políticos e culturais da época No contexto helenístico isso significa que as narrativas sobre reis e batalhas não podem ser lidas isoladamente mas devem ser contextualizadas em relação às realidades econômicas sociais e culturais da época Portanto a crítica à documentação antiga no estudo do período helenístico é necessária para superar interpretações reducionistas e eurocêntricas É fundamental adotar uma abordagem mais inclusiva que considere fontes alternativas como a arqueologia e que problematize a maneira como a história desse período foi tradicionalmente contada Somente assim é possível reconstruir uma visão mais ampla e equilibrada do helenismo respeitando sua complexidade e evitando sua subordinação a modelos interpretativos ocidentalistas 2 Você acha que esse viés crítico se restringe à historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar O viés crítico em relação às fontes históricas e à construção das narrativas não deve se restringir à historiografia do mundo antigo mas sim ser uma preocupação constante no trabalho de qualquer historiador Isso ocorre porque a história enquanto disciplina não se baseia em registros neutros ou objetivos mas em fontes que foram produzidas em contextos específicos e que refletem relações de poder ideologias e interesses Tanto Vlassopoulos quanto Meneses enfatizam a necessidade de questionar não apenas as fontes históricas em si mas também os processos de seleção organização e interpretação dos fatos que fundamentam a escrita da história Vlassopoulos por exemplo demonstra como a historiografia grega foi moldada por uma perspectiva ocidentalista e eurocêntrica que estabeleceu uma linha evolutiva artificial ligando a Grécia ao Ocidente moderno ignorando sua inserção em um contexto mediterrâneo mais amplo Esse tipo de viés não se restringe à Antiguidade mas pode ser observado em diversos outros períodos históricos A forma como a história medieval foi narrada na Europa por exemplo muitas vezes marginalizou as contribuições árabes e bizantinas reforçando a noção de um suposto atraso medieval em contraposição ao renascimento europeu Além disso Meneses ao abordar os silêncios na produção historiográfica reforça que a exclusão de determinadas perspectivas ocorre em diversos momentos históricos As fontes escritas em sua maioria representam a visão das elites enquanto camadas populares grupos marginalizados e sociedades periféricas frequentemente aparecem de forma distorcida ou são simplesmente ignoradas Esse problema não se limita à Antiguidade mas é um desafio constante em todas as áreas da história da Idade Média à contemporaneidade Um exemplo claro desse problema pode ser visto na historiografia sobre a colonização das Américas Durante muito tempo a narrativa dominante enfatizou o descobrimento e a civilização dos povos indígenas pelos europeus ignorando a violência o genocídio e a resistência indígena Essa versão da história foi construída com base em documentos coloniais e relatos de conquistadores sem a devida problematização dessas fontes Apenas recentemente com o desenvolvimento da história indígena e da arqueologia novas interpretações passaram a emergir desafiando essa narrativa tradicional Além disso o próprio conceito de história é frequentemente moldado por visões eurocêntricas Como Vlassopoulos aponta a ideia de uma evolução linear da civilização que parte do Oriente Próximo passa pela Grécia Roma e culmina no Ocidente moderno exclui outras experiências históricas e impõe uma lógica de superioridade ocidental Esse tipo de construção historiográfica pode ser observado em diversas áreas como a história da ciência da economia e da política onde narrativas teleológicas frequentemente obscurecem a complexidade dos processos históricos Diante disso é evidente que a crítica às fontes e à construção das narrativas históricas não deve se restringir ao estudo do mundo antigo Pelo contrário deve ser um princípio metodológico fundamental em qualquer pesquisa histórica O historiador deve estar constantemente atento aos vieses presentes nas fontes às exclusões e omissões na narrativa histórica e às implicações políticas e ideológicas do seu trabalho Somente assim é possível construir uma historiografia mais equilibrada plural e comprometida com a busca por uma compreensão mais abrangente e justa do passado
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1 Trechos de Vlassopoulos K Introduction Unthinking Greek Polis Ancient Greek History Beyond Eurocentrism Cambridge CUP 2007 p 110 Esse trabalho é um estudo de história e tudo em história é história contemporânea1 Quais seriam então os dilemas contemporâneos a influenciar a percepção e a articulação desse estudo Nossa época é caracterizada pelas contradições exasperantes da ideologia que poderíamos denominar Ocidentalismo Ocidentalismo é a ideologia que afirma a existência de duas entidades claramente delimitadas na história mundial como o Ocidente o Oriente e os primitivos e que essas entidades metafísicas têm uma genealogia ou melhor apenas o Ocidente tem uma verdadeira genealogia2 que existe um padrão na história humana que leva à evolução do Ocidente moderno que é o caminho natural da história enquanto a história do Resto do mundo é um conto de aberrações que precisam ser explicadas que o mundo inteiro verdadeiramente segue a liderança do Ocidente que um dia conseguirá assimilar que as ferramentas conceituais e disciplinas criadas pelo Ocidente são de algum modo a forma natural de organizar a experiência e analisar a realidade do passado e o presente fora do Ocidente deve ser explicável nesses termos Ocidentais3 Espero que poucos venham a discordar que a história Grega tenha tido um papel importante em abrigar agendas Ocidentalistas Eurocêntricas no passado13 é igualmente verdadeiro que ela continua a fazer isso no presente14 Meu tema é estudar esse processo no caminho inverso O argumento central desse trabalho é o de que o estudo moderno da história Grega foi moldado fundamentalmente pelas perspectivas do Ocidentalismo Eurocentrismo Podemos apontar uma série de aspectos determinantes Para começar a história da Grécia é sempre tratada como parte da história ocidental ou européia15 Não é tratada como parte de uma história contínua de uma área do Mediterrâneo através das eras ela se torna parte de um encadeamento de evolução histórica que começa no Oriente Próximo muda para a Grécia passa para Roma antes de continuar pela Idade Média e pelo Ocidente moderno A Grécia como parte do Mediterrâneo não é nada mais que uma localização temporária nessa cadeia evolutiva A História da Antiguidade Grega não é escrita segundo a perspectiva de uma história contínua dessa área geográfica ao invés disso a história da área tornase irrelevante uma vez que a tocha tenha sido passada ao próximo portador da civilização ocidental Como consequência a história dos gregos antigos foi separada da história do espaço mediterrânico e do Oriente Próximo tornouse uma entidade segregada e aparentemente autônoma16 O conto que opõe despotismo oriental à liberdade ocidental que teria começado com os gregos é muito bem conhecido para ser ensaiado aqui17 Finalmente um dos efeitos da apropriação da história da Antiguidade Grega pela História da Europa tem sido a imposição de uma moldura quase nacional a história grega Os gregos não tinham um centro ou instituição em volta da qual sua história poderia ser organizada as comunidades de língua grega estavam espalhadas por todo o Mediterrâneo e nunca alcançaram uma unidade política econômica ou social enquanto que sua unidade cultural não estava centralizada em uma instituição dominante como uma igreja ou um templo Portanto a historia da Grécia não poderia ser escrita do mesmo modo que a história de Roma ou a história judaica poderiam sêlo centradas no estado romano ou no templo judaico A emergência do nacionalismo e das ideologias raciais na Europa do século XIX assim como a construção de narrativas nacionais para todas as nações europeias influenciou profundamente o modo como os historiadores modernos tentaram narrar a história da Grécia a entidade homogeneizante e fictícia da nação estava pronta e à mão Mas igualmente importante eram as demandas da consciência eurocêntrica de uma evolução histórica O conto da evolução do Ocidente passando de um estágio ao outro e de um lugar a outro precisava de uma estória clara da origem desenvolvimento e declínio Uma narrativa nacional homogeneizante poderia servir a uma tal função e foi por isso facilmente adotada O conceito que veio sincronizar e servir a todas essas necessidades da história eurocêntrica foi aquele de polis a cidadeestado Grega Serviu para diferenciar os gregos aqueles que deram origem à liberdade e democracia das monarquias e despotismos orientais Ademais como os gregos careciam de um estado nacional a cidadeestado servia como um equivalente as várias poleis gregas eram tantas outras réplicas da forma nacional comum do estado e da sociedade a cidadeestado Podia com 1 Croce 1921 1126 2 Sobre tal metageografia ver Lewis Wigen 1997 3 Sobre esses assuntos ver Chakrabarty 2000 323 13 Turner 1981 Bernal 1987 Canfora 1989 14 Hanson Heath 1988 Berlinerbau 1999 Hanson 2004 15 Ver duas perspectivas ocidentalistas diferentes em História da Grécia mas igualmente típicas em Hanson 2002 Meier 2005 16 Bernal 1987 281336 17 Koebner 1951 Venturi 1963 VidalNaquet 1964 Hall 1989 2 isso servir como um meio realmente útil para a homogeneização20 Poderia servir ainda ao esquema eurocêntrico de evolução histórica a polis poderia ser retratada como uma forma histórica que emergiu prosperou e declinou passando o cetro a novas formas como as monarquias helenísticas e o império romano Finalmente poderia ser usada para perseguir uma série de comparações eurocentradas Para exemplificar a polis grega percebida como cidade consumidora foi comparada as cidades produtoras medievais e modernas a fim de explicar por que as antigas economias não se desenvolveram da forma como as economias europeias o fizeram21 Estou utilizando o termo silenciar para descrever o processo de formação da ortodoxia moderna e a exclusão de alternativas a ela de duas diferentes maneiras De um lado refirome a um processo pelo qual certas abordagens e as pessoas que as adotam são postas de lado e marginalizadas mas esse é o sentido menos importante de minha discussão aqui O problema é de fato muito mais profundo e difícil de lidar o silêncio é criado pelo próprio ato da escritura histórica Os silêncios entram no processo de produção histórica em quatro momentos cruciais o momento da criação dos fatos a fabricação das fontes o momento da composição dos fatos a fabricação dos arquivos o momento da recuperação dos fatos a fabricação de narrativas e o momento da significação retrospectiva a fabricação da história em primeira mão24 O silêncio no momento da criação dos fatos significa que as evidências para um tema ou evento podem existir e mesmo assim não ser utilizadas como fato histórico ex as evidências arqueológicas subutilizadas pelos historiadores o silêncio no momento da composição dos fatos implica que existem poderes desiguais na produção das fontes ex nossos arquivos literários representam a voz dos gregos da elite enquanto os gregos subalternos são geralmente sem voz o silêncio na fabricação das narrativas implicam em que certas formas de escrever uma narrativa eliminam certos tipos de evidência e certos temas ex escrever a história grega como a história do surgimento desenvolvimento e declínio da polis silencia a história de comunidades gregas do mar Negro onde tal narrativa não pode ser construída finalmente o silêncio no momento da significação retrospectiva força certas questões ao mesmo tempo que torna outras impossíveis ex se a história da Grécia é importante porque é o início da história europeia então vale a pena perguntar por que a polis grega não se desenvolveu economicamente como a cidade europeia medieval mas se torna vão comparar a polis grega com as cidades indianas Assim o presente estudo tem dois objetivos desafiar os pressupostos implícitos da estrutura discursiva mais vasta por trás do estudo da história grega e oferecer uma estrutura conceptual e analítica alternativa Argumento que o predomínio atual da polis como a única ferramenta organizativa do estudo da história grega é responsável pelos problemas sublinhados acima Examinarei as várias maneiras pelas quais a polis foi utilizada como ferramenta analítica chave para o estudo da história econômica social e política dos gregos antigos e mostrarei os problemas insuperáveis que isso gerou Portanto eu tento suplementar um despensamento do conceito de polis com outros níveis analíticos e ferramentas conceptuais Do ponto de vista defendido nesse trabalho é possível moverse para além das histórias nacionais em direção a histórias sobre como a interação e interdependência entre várias comunidades e grupos moldou o passado ir além das Grandes Narrativas eurocêntricas teleológicas em direção a uma compreensão dos múltiplos mesmo que coexistentes e codependentes cursos da história salvar as periferias os subalternos e marginais da enorme condescendência da posteridade47 sem fragmentar o passado numa história em migalhas A História da Grécia é um campo ideal para aplicar todos esses conceitos Os gregos nunca tiveram um centro em volta do qual alguém pudesse organizar sua história suas comunidades estavam espalhadas por um espaço mais vasto suas interações com outras comunidades e formas políticas tinha um papel crucial em sua história os arranjos e configurações espaciais e temporais de suas comunidades tornam factível e necessário aplicar concepções históricas que descrevemos como a noção de sistemamundo As poleis gregas são fascinantes porque desafiam a lógica obrigatória de todos os esquemas explicativos do Ocidentalismo Elas são a prova decisiva de que a história importa que prazer maior existiria para o historiador 20 Gawantka 1985 21 Finley 1977 24 Trouillot 1995 16 47 Thompson 1980 12 m A NUSCRÍTICA Revista de Crítica Genética São Paulo Março de 1998 Conselho Editorial ALMUTI GRÉSILLON AMÁLIO PINHEIRO JULIO CASTAÑON LÚCIA SANTAELLA PHILADELPHO MENEZES RAUL ANTELO ROBERTO BRANDÃO WILLI BOLLE YEDDA DIAS LIMA Editoria Científica CECÍLIA ALMEIDA SALLES PHILIPPE WILLEMART SÔNIA M VAN DJICK LIMA TELÊ ANCONA LOPEZ Diretoria Editorial CECÍLIA ALMEIDA SALLES Projeto Gráfico e Capa LUCIANO GUIMARÃES E DENISE PAIERO Revisão SÍLVIA CARDERELLI Ilustração GUSTAV KLIMT Esboço de Medicine 86 x 62 cm Albertina Vienna 1900 Editor Responsável JOSÉ ROBERTO BARRETO Mtb 21 287 Assinatura e venda avulsa APMI Al Ministro Rocha Azevedo 37342A 01410001 São Paulo SP Fax 011 651374 httputopiaanspbrapmi 7 Editorial 11 Le Manuscrit Pluriel et Polymorphe Daniel Ferrer 21 Do Manuscrito ao Pensamento Pela Rasura Philippe Willemart 37 Manuscrito Dimensões Telê Ancona Lopez 47 A Margem da Carta Walnice Nogueira Galvão 55 De LImportance en Science des Archives de la Creation Quelques Pistes Etienne Guyon 59 Dossiers Preparatoires et Genese Scenarigue Chez Zola JeanPierre LeducAdine 69 As Marcas da Leitura Histórica Arte Grega nos Textos Antigos Ulpiano T Bezerra de Meneses 83 Poder de Descobertas Cecília Almeida Salles 91 Leitura Genética do Poema Se Tivesse Madeira e Ilusões de Hilda Hilst Cristiane Grando 111 A Criação na Crítica e a Crítica na Criação Claudia Amigo Pino 135 Sutilezas Extraordinárias Guilherme Ignácio da Silva 151 Por Uma Fisiologia do Deslumbramento em No Caminho de Swann e O Tempo Redescoberto de Marcel Proust Roberto Zuilar 167 O Manuscrito do Leitor Mário de Andrade Beatriz Protti Christini Rosana Fumie Tokimatsu 175 A Bordo do Carro da Miséria Tatiana Maria Longo dos Santos 197 Organização e Caos Ronaldo Henn 211 Manuscritos Literários Brasileiros no Exterior Dileá Zanotto Manfio traduções 231 Escrever Sem Fim A Recherche À Luiz da Crítica Textual Rainer Warning 253 Escrever sem fim alguns comentários Cecília Almeida Salles 257 Os cadernos de Impressions dAfrique A contribuição da codicologia ao estudo genético Claire Bustarret AnneMarie Basset resenha 281 A autoria na Transformação José Ribamar Ferreira Jr As Marcas da Leitura Histórica Arte Grega nos Textos Antigos Ulpiano T Bezerra de Meneses DE P T O D E H I S T Ó R I A F F L C H U S P R E S U M O Embora esteja centrado em textos antigos sobre a antiga Grécia portanto longe da possibilidade de crítica genética ou do estudo geral de manuscritos contemporâneos este artigo procura estabelecer em contraponto algumas características do tratamento histórico de fontes textuais São apontadas quatro possibilidades a leitura de um texto como a leitura de uma sociedade a construção em última análise de informação a leitura indicial e a leitura dialógica R É S U M É Bien quaxé sur des textes anciens concernant lart grec donc sans possibilité de critique génétique ou détude des manuscrits cet article cherche à établir en contrepoint quelques caractéristiques de la lecture historique des sources textuelles Quatre marques sont signalées la lecture du texte en tant que lecture de la société la construction en dernière analyse de linformation la lecture indiciaire et la lecture dialogique A B S T R A C T Although centred in ancient texts on Greek art hence away from the possibility of genetic criticism or the general study of contemporary manuscripts this paper aims at establishing as a counterpoint some 70 Manuscrítica Nº7 characteristic features of the historical treatment of textual sources Four possibilities are examined the reading of a text as the reading of a society the ultimate construction of the information the symptomatic and the dialogical readings PREMISSAS e mbora apresentadas num quadro de discussão dos arquivos da criação envolvendo as letras as artes e as ciências as reflexões expostas no presente texto1 não têm como eixo a crítica genética O simples fato de seu foco ser a Grécia antiga já tornaria tal possibilidade remota à vista da escassez ou inexistência praticamente de manuscritos contemporâneos ou fontes que pudessem suprílos Além disso sabemos que muitos pintores escultores e arquitetos gregos deixaram testemunhos escritos de sua atividade A rigor temos desde o século VI aC manuais técnicos como os de Teodoro e Roico Duris de Samos Xenócrates de Atenas Apeles Polícleto famoso pela discussão do cânon etc Ocorre porém que deles nada subsistiu salvo menções e alusões rápidas em outras fontes Pollitt 1990 89 No entanto ainda que não haja manuscrito em causa nem se fale geneticamente da criação do texto ouso crer justificarse precisamente pelo benefício do confronto uma caracterização da leitura histórica de fontes textuais tão diversa da crítica genética Para tanto procurei reconstituir um contexto próximo daquele conotado pela expressão arquivos da criação a partir de fontes que tratam de produtos da atividade criadora de formas e imagens na Grécia antiga e submetêlas a uma leitura histórica É a leitura histórica especificamente as marcas que a caracterizam que me pareceram uma contribuição aproveitável para a problemática em causa fornecendo contrapontos 1 Este texto deriva de uma exposição feita na sessão Os arquivos da criação letras artes e ciências do Seminário Arquivos da criação em que nos questionam os manuscritos nos quadros do Colóquio FrançaBrasil sobre Ciência natureza e sociedade IEAUSP setembro de 1997 A MARGEM DA LEITURA HISTÓRICA Cumpre porém esclarecer que não se tratará aqui sistematicamente do que seja ou deva ser a leitura histórica Nem mesmo das relações entre a história e o texto a história e a literatura ou a linguística etc Nem ainda dos pressupostos teóricos e dos caminhos metodológicos da análise histórica do discurso o que tem sido objeto de vasta bibliografia de que uma síntese recente a de Cardôso Vainfas 1997 dá conta com competência crítica e abrangência O interesse portanto é outro é assinalar posturas e enfoques que diferenciam o tratamento do historiador e do geneticista e que teriam muito a ganhar se pudessem melhor se conhecer mutuamente Selecionei assim quatro marcas que acredito essenciais e para facilitar a tarefa de caracterizálas pareceume útil tomar como referência para cada uma delas um pequeno trecho de fonte antiga grega ou romana LEITURA DO TEXTO COMO LEITURA DA SOCIEDADE O rumo básico da leitura histórica é iluminar a sociedade A crítica genética quando possível ou quaisquer outros procedimentos de qualquer natureza são utilizados para esclarecer o documento apenas porque nessa medida melhor permitem esclarecer aspectos da sociedade de que a produção circulação e apropriação do texto constituem ingredientes Explicação de texto para o historiador por mais avançados que sejam os recursos postos em ação só tem sentido como caminho para se chegar à sociedade Por certo não estou falando de reflexos ou homologias mas tomando o texto como uma forma de ação social Um pequeno trecho de Pausânias tornará patente o sentido destas posturas Há também no santuário de Olímpia um cofre feito de cedro no qual vêm figuras algumas executadas em marfim outras em ouro e outras ainda esculpidas no próprio cedro Foi neste cofre que a mãe de Cípselos o tirano de Corinto escondeu o recémnascido quando os baquiadas estavam no seu encalço Em sinal de gratidão pela salvação de Cípselos seus descendentes que foram denominados cipsélidas ergiram o cofre como oferta votiva em Olímpia Junto à maioria das figuras no cofre há inscrições em caracteres arcaicos Pausânias V 175 Pausânias é um autor grego de época romana Sua obra composta em torno de 150 de nossa era é uma Periégesis uma descrição da Grécia muito próxima de um guia turístico Visitando cidades ilustres e santuários renomados ele recolheu informações lendas e tradições e registrou o que reputou de interesse Assim na visita ao templo de Hera no santuário de Olímpia chamou sua atenção um objeto que vem longa e minuciosamente descrito em seu texto um cofre precioso associado a Cípselos ca 655625 aC membro de família aristocrática de Corinto rival da dos baquiadas e que instituiu a mais antiga tirania da Grécia Temos assim uma distância de quase 800 anos entre a fabricação do objeto original e a descrição que dele nos faz Pausânias Por certo dominaram na análise deste texto o crivo filológico a preocupação de rastrear as diversas fontes de informação de que Pausânias se teria utilizado a confiabilidade das informações transmitidas ao longo de tantos séculos ainda que com padrões bem mais conservadores do que nas sociedades de tradição quirográfica e impressa as condições do santuário de Olímpia no século II AD etc etc Nesse quadro emergem três linhas possíveis de leitura de interesse para o historiador A primeira é puramente empírica Tratase de tomar como centro da atenção o objeto descrito Foi esta linha que dominou o esforço maior dos historiadores que procuraram indagar da autenticidade do cofre em questão e até mesmo reconstituir sua forma inclusive graficamente a partir dos atributos descritos confrontados com o que se conhece por exemplo da arte grega arcaica cf Méautis 1931 A meu ver é a linha menos fecunda e a mais pobre Mais ainda acredito irrelevante saber se o objeto descrito era o cofre de Cípselos ou não Pessoalmente julgo improvável nas condições culturais e ambientais da Grécia antiga que tal objeto possa terse preservado intacto Pausânias o trata como íntegro ao longo de oito séculos e tantas contingências A segunda linha é conhecer o processo de descrição utilizado por um grego de época romana para representar um objeto antigo Já aqui temos abertura para um horizonte histórico mais amplo e compensador Determinar a seleção dos atributos a ordenação e relações que os articulam os recursos da representação etc conduziria a elementos bem aproveitáveis num estudo por exemplo de estruturas do imaginário romano tendo a cultura grega como foco Essa perspectiva porém não será desenvolvida aqui pois para nossos objetivos é uma terceira perspectiva que predomina Essa última perspectiva não dispensa as anteriores nem as despreza mas privilegia explicitamente uma leitura que permita responder a questões como que aspectos da sociedade de Pausânias podem ser melhor conhecidos pelo texto A que aspectos da sociedade grega arcaica ele nos remete Poderíamos assim encaminhar a leitura ao longo dos seguintes tópicos Se é o cofre de Cípselos que Pausânias está descrevendo já se disse não é o problema central Ele está descrevendo um objeto antigo e renomado exposto no santuário de Olímpia Sua descrição permite entrever a biografia conhecida autêntica ou construída de um objeto específico concreto de início objeto utilitário o que se expressa no próprio termo pelo qual é identificado como recipiente destinado a conter bens de diversa espécie desempenhando a função de armário horizontal A matériaprima preciosa e a abundante decoração esculturária fazem desse objeto uma peça de aparato e o qualificam a participar de uma ação míticohistórica servindo de esconderijo ao jovem coríntio perseguido o que reproduz um tópicos corrente do imaginário mediterrânico o bebê que escapa de morrer abrido num cesto ou caixa Em decorrência por certo se poderiam levantar problemas de plausibilidade que todavia em nada nos afetam Finalmente ainda na sociedade arcaica o cofre tornase objeto votivo cujo valor de uso foi drenado em benefício de valores cognitivos afetivos e ideológicos De tudo isso o que mais nos importa historicamente é a presença desse objeto nos tempos de Pausânias num contexto de mera fruição visual no âmbito de um santuário outrora venerando e influente Faz parte desse processo de musealização o que é certamente a atividade dos sacerdotes para valorizar seu patrimônio a retransmissão produção e circulação de estórias etiológicas que singularizam os objetos ressaltando sua trajetória e a contaminação de valor oriunda do contacto com figuras e ações excepcionais Pausânias preocupase na descrição com dois aspectos exclusivamente a matériaprima e as imagens da decoração Nenhum outro traço do objeto nem mesmo sua forma e dimensões são mencionados Da matériaprima impressionao a raridade cedro marfim ouro eram de difícil obtenção na Grécia o que equivale a valor venal elevado Quanto à decoração que ocupa quase 90 de seu texto completo o interesse é reducionisticamente iconográfico ele vai procurar apenas identificar as personagens representadas Um dado é digno de atenção Pausânias está descrevendo um objeto antigo que seus informantes em Olímpia dizem ter sido fabricado no tempo dos baquiadas por nós localizados com precisão em meados do século VII aC No entanto ele o trata sem nenhuma estranheza O passado que se apresenta como imagem é apenas um presente anterior Dos tiranos de Corinto à Grécia sob domínio romano decorreu um longo tempo mas na percepção desse grego não de molde a alterar a própria natureza das sociedades em causa é a mesma substância sem aqueles sintomas de pastness de que falam os historiadores Lowenthal 1985 É até o caso de se perguntar se efetivamente o objeto em questão seria um objeto arcaico ou bem mais recente O que importa porém é que apesar de tudo há um sintoma de que do passado remoto ou próximo até o presente houve mudanças a identificação das personagens necessita do suporte das lendas Junto à maioria das figuras diz Pausânias consta o nome das personagens em caracteres arcaicos À vista do pouco conhecimento arqueológico sobre a Grécia arcaica por parte do século II AD muito difícil fica imaginar que a competência epigráfica de Pausânias fosse suficiente para assegurar leitura de uma escrita de oito séculos anterior à sua época Com muito mais probabilidade as inscrições devem ser recentes embora diversas dos caracteres contemporâneos do autor Seja como for o que importa é assinalar uma ruptura a partilha cultural que tornava legíveis as imagens desfezse Agora sua legibilidade necessita do apoio de uma modalidade por assim dizer profissional de conhecimento O texto já nos apresenta Pausânias como um erudito embrião do futuro connaisseur com todas as implicaçōes históricoculturais que isto representa É o espírito do Mouseion de Alexandria agora em circuito popular mas com as polaridades definidas Em suma parece muito mais recompensador orientar a leitura do texto deslocando o interesse do objeto descrito para o que sua descrição pode informar sobre uma sociedade culturalmente heterogênea e portanto em processo acentuado de diferenciação social e que mantinha com o passado um tipo específico de relação imaginária fundamentada em grande parte numa matriz iconográfica originalmente de circulação social ampla e cuja unidade fragmentada é agora causa de inteligibilidade precária L E I T U R A C O M O C O N S T I T U I Ç Ã O D A I N F O R M A Ç Ã O O texto para o historiador não é um repositório de informações préconstituídas mas a leitura histórica como proposição de questões deve procurar constituir em última instância a informação Para melhor situar esta postura convém apontar duas posições polares que se impõe a todo custo evitar A primeira é o objetivismo positivista que pressupondo que todo fenômeno tem em si sua própria identidade e da mesma forma que a narrativa autêntica do fato coincida com ele reconhece uma descontinuidade tranqüila e cômoda entre o observador e seu objeto Trata assim o documento como um limão do qual o historiador habilitado fosse capaz de extrair todo o sumo Doutra parte o subjetivismo idealista pretende que só existam as representações e a história seria assim cativa de um pansemiotismo delirante De meu lado penso ser indispensável terse presente Para superar o nível empírico da informação a leitura histórica carece também de trabalhar o texto como um conjunto orgânico de pistas Essa é a leitura indiciária de que fala com tanta convicção Carlo Ginzburg 1989 que também salienta sua adequação à História concebida como disciplina especializada em sintomas O texto sem dúvida não é um suporte neutro que conserve traços do passado como o tablete de cera nos quais se escrevia com estilete e que os gregos utilizaram para imagem do pensamento ou da percepção imagem É antes um campo de observação de sintomas mediações que permitem chegarse ao horizonte histórico oculto A narração de Plínio informa sobre uma aposta entre dois célebres pintores clássicos final do séc V aC e 1ª metade do século seguinte para saber quem era capaz de mais competentemente induzir a percepção visual por intermédio de sua arte Seria objetivo irrelevante aqui procurar estabelecer a veracidade do ocorrido Aliás a existência de outras fontes para a mesma anedota cf Sêneca Pater Controv X V 2 e o próprio Plínio ib 66 embora com variantes Basta para inferirse que independentemente de a disputa ter ocorrido ou não de terem sido Zéuxis ca425397 aC e Parrásio ca420370 aC seus atores de a pintura da uva e da cortina serem a prova da habilidade e de o resultado haver favorecido o segundo isto tudo tomado indicariamente é que permite supor que o tema da ilusão deveria ter curso freqüente em tal sociedade prestandose a explorações dessa natureza Anedotas como essa para terem a circulação popular atestada não só pela presença de outras fontes mas também por sua transmissão ininterrupta até Plínio ao longo de mais de quatro séculos só poderiam dizer respeito a figuras que fossem referência relevante isto é os pintores eram cidadãos que poderiam destacarse do comum do povo granjeando fama e prestígio social Qual o suporte dessa posição Precisamente a atividade que exerciam É em torno dela que se procura a qualificação interna dos contendores E o que essa atividade profissional poderia conter capaz de alimentar a fama e o renome A resposta está em outros indícios O texto trata do problema da ilusão provocada e melhor ainda da escala de produção e controle da ilusão visual dos pássaros ao especialista passando pelos simples mortais Esta competência diferencial já autorizaria a introdução do problema da variabilidade portanto num outro nível da historicidade das estruturas perceptivas Platão contemporâneo grosso modo de Zéuxis e Parrásio foi um crítico obstinado da pintura Janaway 1995 Em várias oportunidades mas principalmente na República II 377e X 598ac X 602d o filósofo desqualifica o produtor de imagens como um prestidigitador que faz crer no que não existe Tomando por exemplo na trama de seu diálogo a Sócrates como portavoz tenta rebater o senso comum expresso por seu interlocutor Glauco Representa portanto voz dissonante em meio a uma situação já instalada em sua sociedade se os sintomas do texto forem tratados convenientemente podese concluir que os jogos dos sentidos já faziam parte da experiência cotidiana dos atenieneses e a ilusão ótica não era conotada como negativa Na anedota venceu a competição precisamente quem mais foi capaz de enganar Dito em outras palavras estas pistas permitemnos postular uma sociedade que era capaz de dar significação positiva ao aspecto fenomênico do real Em conseqüência também podemos pressupor um elevado grau de consciência histórica nessa sociedade Pois consciência histórica quer dizer capacidade de perceber que o real é contingente submetido às mutações do espaço e tempo traços associados à perspectiva recurso pictórico para produzir ilusão ótica Tal sociedade ao contrário do que os filósofos nos fazem crer não estava absolutamente preocupada em traçar fronteiras entre a doxa a opinião a aparência e a episteme o conhecimento rigoroso Nada menos platônico do que a sociedade do tempo de Platão Na melhor das hipóteses cumpre distinguir história do pensamento e história das mentalidades Mais uma vez aqui também o nível empírico da leitura permaneceria em horizontes estreitos e dispensáveis a leitura das pistas abriuos e aprofundouos A LEITURA DIALÓGICA sempre que ao mesmo tempo representamos o mundo e intervi mos no real A expressão é de Hacking retomada por Molino 1989 12 que acrescenta a necessidade de todas as noções utilizadas na análise do conhecimento serem apreendidas numa dupla e simbiótica dimensão simbólica e prática Um texto de Plínio o Velho AD 2379 serve para aclarar esta alternativa Plínio com sua História Natural é um dos mais importantes compiladores de informações geradas em diversos momentos sobre arte grega antiga Utilizandose de fontes do séc IV aC assim fala ele da pintura clássica Depois que os portais da pintura foram abertos por ele Apolodoro Zêuxis de Heracléia os atravessou no quarto ano da 95a Olimpiada 397 aC e levou o pincel que agora ousaria qualquer coisa a uma alevada glória Apolodoro discutido atrás escreveu este verso sobre ele Zêuxis roubou a arte de seus mestres e carregoua consigo Plínio XXXV 61 Seria cômputo da leitura histórica meramente colher aqui e organizar as informações empíricas sobre a pintura antiga nomes cronologia sequência evolutiva Não É necessário questionar a estrutura da informação empírica fornecida Desde o início a imagem do portal que Apolodoro abrirafornece pista preciosa não se irá narrar como a pintura surgiu e foise transformando mas como a atividade dos pintores foise aproximando de um patamar já prédeterminado É a história teleológica que define o ponto de chegada e trata do que o antecede como rota de percurso obrigatório A competição entre os pintores que pressuporia uma certa dinâmica encaixase nesse esquema Depois que Apolodoro descobriu a pintura e se qualificou socialmente por isso os discípulos despossuem seus mestres pois estão mais próximos de um ideal já delimitado A leitura histórica deste texto portanto conduznos não apenas a inferir a existência já no séc IV aC de uma categoria de objeto estético a pintura categoria sempre historicamente determinada mas de todo um circuito que também inclui os autores a formação reprodução social emulação corporativa jui mesmo performático Em outras palavras mais que um paradigma observacional é o paradigma discursivo a referência mais apta a gerar conhecimento histórico de nível superior Um pequeno texto epigráfico é sugestivo como ocasião de amostra desta postura Tratase da dedicatória inscrita na base de uma estátua feminina dedicada como oferta votiva em espaço funerário na Ática séc VI aC Dillon Garland 391 Sema de Frasicléia Serei para sempre chamada de virgem pois os deuses me reservaram este nome em vez de casamento IG I 2 1014 Sema é um sinal marco visual aqui devendo ser entendido como monumento funerário que assinala a sepultura Que contexto dialógico a leitura pode montar O ponto de partida é o caráter público do sema mas ao mesmo tempo reservado em área funerária pressupondo alguma restrição de visibilidade A seguir atentese para um quadro nítido de interlocução Antes de mais nada temos a protagonista Frasicléia Mas é claro que não é ela a morta que efetivamente fala Em seu nome falam seus pais e parentes em suma sua família É portanto um eu coletivo que toma a palavra O destinatário não é genérico nem ilimitado São aqueles a quem para a família esta mensagem pode ter sentido a comunidade local fechada imediata Não a pólis em si mas um segmento seu Nessa perspectiva o texto deve ser lido como uma prestação de contas em resposta a uma interpelação silenciosa mas inequívoca da comunidade Com efeito está subjacente uma transgressão que contudo não foi dolosa Uma jovem morreu virgem isto é sem procriar O que equivale a dizer que não preencheu o modelo de expectativa social para a mulher Mas não foi responsabilidade sua nem da família de quem seus passos dependiam mas do destino da morte prematura que os deuses decidiram É preciso dizer isso não à pólis como instância abstrata mas a todos aqueles concidadãos com os quais a família interagia Ora patenteiamse aqui não só a ideologia e os valores do casamento e do papel feminino o que aliás constitui domínio bastante bem conhecido da bibliografia mas a escala da pressão social e os contrapontos e mecanismos concretos que procuravam neutralizála A opinião pública numa shame culture como já foi caracterizada a Grécia antiga Gouldner 1965 817 retira do privado não apenas qualquer suporte para classificação social como concentra no público a possibilidade do valor social daí estarem nele presentes também as engrenagens do controle social diante dos quais a família parece apresentarse desarmada É na ótica do diálogo que a leitura histórica permite aqui penetrar este universo tão rico e empiricamente tão opaco REFLEXÕES FINAIS Do exposto podese concluir que a leitura histórica e a leitura genética são radicalmente diversas não só nos seus procedimentos mas sobretudo nos seus objetivos Com efeito se a segunda se preocupa com os processos da criação é para melhor compreender seu produto A história ao inverso quando pode valerse dos recursos da crítica genética coloca o objetivo além do conhecimento de seu produto é sempre a sociedade que predomina em sua estrutura funcionamento e transformação Num texto como o de Plínio traçando um panorama histórico da pintura grega as intenções e motivações do autor compilador e suas fontes são importantes mas não constituem o horizonte final cf preocupações como as de Patera 1975 p ex procurando identificar vinculações pessoais a pintores da Escola de Sicione etc O que importa são as intenções do texto objetivadas materializadas e como tal é que se deve examinar como elas funcionam Nessa ótica é que a história disciplina indiciária e portanto marcada pela presença do indivíduo salta para a escala de sua vocação social É também nessa direção que a atividade compiladora de Plínio assim como as instruções do guia em que se converteu Pausânias deveriam ser exploradas enquanto aquelas práticas culturais de que falam Chartier e Jouhaud 1989 69 o que significa socialmente produzir e colocar em circulação este tipo de literatura Entre a objetividade das estruturas e a subjetividade das representações a leitura dialógica do epitáfio de Frasicléia permite ultrapassar os limites sejam da empiria sejam da hermenêutica e integrar práticas e representações mais zo social registro codificado de informações etc etc próximo daquilo que Bourdieu denomina campo Mais que tudo vislumbrase a existência de uma atividade formalizada de representação o que já se poderia chamar de história da arte É nesta chave que o dado empírico ganha significação história E que além dos dados empíricos que nos fornece fornece também a chave de sua leitura a história evolutiva o inverso da história genética a história do modelo final plenitude que se vai atingindo por patamares sucessivos que anulam os anteriores Os passos seguintes seriam a medição do alcance social deste conceito de história e numa outra esfera a circulação usos e apropriações destas fontes até o presente Pois este esquema evolucionista é ainda aquele que predomina nas histórias correntes da arte grega que simplesmente endossaram a visão que os antigos faziam de si próprios a respeito Com efeito tantos séculos depois a história da pintura grega na sua historicidade é claro resta ainda por fazer L E I T U R A I N D I C I Á R I A É ainda Plínio que servirá para outro exercício de superação da informação meramente empírica Tratase da leitura indiciária que procura no empírico índices do que não se vê e que é onde em última análise reside a historicidade que se almeja Aqui também Plínio fala de pintura clássica e reproduz anedota que outras fontes igualmente reportam Parrásio é conhecido por ter entrado em disputa com Zêuxis e quando este pintou umas uvas com tal efeito que pássaros voaram para a cena ele Parrásio pintou então uma cortina de pano com tanta verossimilhança que Zêuxis embriagado de orgulho com o veredito dos pássaros chegou a solicitar que a cortina fosse levantada para que ele pudesse ver a pintura e quando compreendeu seu erro reconheceu cavalheirescamente a derrota pois ele Zêuxis tinha enganado apenas a pássaros enquanto que Parrásio havia iludido a um artista Plínio XXXV 62 ricas ainda seriam estas conclusões se se pudesse como na crítica genética distinguir o peso das eventuais idiossincrasias da criação epigráfica ao lado da obediência a um padrão formular pex Nada do proposto quer significar superioridade de uma leitura sobre a outra Tratase de abordagens oriundas da necessidade diversificada de conhecer objetos complexos que não se esgotam num tratamento unificado O que importa porém ressaltar é que precisamente por estas diferenças seria de toda conveniência que historiadores e geneticistas pudessem melhor se conhecer uns aos outros BIBLIOGRAFIA CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Histórias e análise de textos In CARDOSO CF VAINFAS R orgs Domínios da História Ensaios de teoria e metodologia Rio Campus 1997 p 375399 CHARTIER Roger JOUHAUD Christian Pratiques historiennes des textes In REICHLER Claude ed Linterprétation des textes Paris Minuit 1989 p 5380 DILLON Matthew GARLAND Linda Ancient Greece Social and historical documents from archaic times to the death of Socrates London Routledge 1994 GINZBURG Carlo Sinais raízes de um paradigma indiciário In Mitos emblemas e sinais Morfologia e História São Paulo Companhia das Letras 1989 p 143180 GOULDNER Alvin W The hellenic world A sociological analysis New York Harper Torchbooks 1965 JANAWAY Christopher Images of excecellence Platos critique of the arts Oxford Clarendon Press 1995 LOWENTHAL David The past is a foreign country Cambridge Cambridge University Press 1985 MÉAUTIS Georges Le coffre de Kypsélos Revue des études grecques Paris 44 p 24178 1931 MOLINO Jean Interpréter In REICHLER Claude ed Linterprétation des textes Paris Minuit 1989 p 952 PATERA Benedetto La letteratura sullarte nellAntichità Palermo S F Flaccovio Editore 1975 POLLITT JJ The art of ancient Greece Sources and documents Cambridge Cambridge University Press 2nd ed 1990 Na introdução ao livro Unthinking the Greek Polis Vlassopoulos discute o que ele chama de silêncios no momento da produção historiográfica O problema do uso e da interpretação das fontes é também levantado por Ulpiano Meneses em As Marcas da Leitura Histórica o que nos indica o quanto é importante problematizar a História Antiga a formação e o diálogo com a documentação Diante desses temas discutidos por Vlassopoulos e Meneses redija um texto procurando responder as duas questões abaixo 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito a história do período helenístico 2 Você acha que esse viés crítico se restringe a historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar Observações Os dois textos exigidos para leitura se encontram na seção Materiais e Ferramentas abaixo do Quadro Geral no lado esquerdo da pagina da nossa disciplina As duas questões podem ser respondidas juntas num único texto ou separadas conforme o aluno preferir A exigência é de no mínimo duas laudas de texto escrito Se organizem para não deixar pra última hora e evitar problemas no envio da tarefa Na introdução ao livro Unthinking the Greek Polis Vlassopoulos discute o que ele chama de silêncios no momento da produção historiográfica O problema do uso e da interpretação das fontes é também levantado por Ulpiano Meneses em As Marcas da Leitura Histórica o que nos indica o quanto é importante problematizar a História Antiga a formação e o diálogo com a documentação Diante desses temas discutidos por Vlassopoulos e Meneses redija um texto procurando responder as duas questões abaixo 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito a história do período helenístico 2 Você acha que esse viés crítico se restringe a historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar Observações Os dois textos exigidos para leitura se encontram na seção Materiais e Ferramentas abaixo do Quadro Geral no lado esquerdo da pagina da nossa disciplina As duas questões podem ser respondidas juntas num único texto ou separadas conforme o aluno preferir A exigência é de no mínimo duas laudas de texto escrito Se organizem para não deixar pra última hora e evitar problemas no envio da tarefa 1 Como você explicaria essa crítica necessária à documentação antiga principalmente no que diz respeito à história do período helenístico A crítica a documentação antiga particularmente no que tange ao período helenístico é essencial porque envolve uma problematização dos silêncios historiográficos conforme apontado por Vlassopoulos e Meneses Esses silêncios manifestamse em diferentes momentos do processo historiográfico na produção das fontes na composição dos arquivos na construção das narrativas e na atribuição de significados retrospectivos No caso do período helenístico esse problema se acentua devido à forma como a história foi tradicionalmente narrada muitas vezes reforçando um viés eurocêntrico e ocidentalista Nesse sentido Vlassopoulos argumenta que a historiografia da Grécia Antiga foi estruturada sob uma perspectiva eurocêntrica que isolou a experiência grega de seu contexto mediterrâneo e a inseriu artificialmente dentro de uma narrativa ocidental contínua O período helenístico em especial sofre com essa abordagem pois muitas vezes é reduzido a uma fase de transição entre a polis clássica e o domínio romano sem que suas dinâmicas próprias sejam devidamente analisadas A historiografia tradicional tende a enfatizar a polis como a unidade fundamental de análise da Grécia Antiga desconsiderando que no período helenístico os reinos monárquicos assumiram uma importância central Isso cria um problema interpretativo pois reforça a ideia de que o helenismo representaria um declínio ou uma desnaturação dos valores gregos originais Além disso a documentação do período helenístico apresenta desafios significativos As fontes disponíveis são em grande parte de origem aristocrática ou oficial como inscrições reais relatos de historiadores ligados às cortes e documentos administrativos Isso gera um viés na forma como os eventos são registrados excluindo perspectivas subalternas e cotidianas O silêncio imposto sobre determinados grupos sociais como camponeses mercadores mulheres e populações não gregas sob domínio helenístico limita a compreensão da diversidade desse período Ademais Meneses destaca a importância da leitura crítica das fontes ou seja do reconhecimento de que os documentos antigos não devem ser tomados como registros neutros do passado mas como construções condicionadas por interesses políticos e culturais da época No contexto helenístico isso significa que as narrativas sobre reis e batalhas não podem ser lidas isoladamente mas devem ser contextualizadas em relação às realidades econômicas sociais e culturais da época Portanto a crítica à documentação antiga no estudo do período helenístico é necessária para superar interpretações reducionistas e eurocêntricas É fundamental adotar uma abordagem mais inclusiva que considere fontes alternativas como a arqueologia e que problematize a maneira como a história desse período foi tradicionalmente contada Somente assim é possível reconstruir uma visão mais ampla e equilibrada do helenismo respeitando sua complexidade e evitando sua subordinação a modelos interpretativos ocidentalistas 2 Você acha que esse viés crítico se restringe à historiografia do mundo antigo ou deveria ser uma problemática constante no trabalho do historiador Procure justificar O viés crítico em relação às fontes históricas e à construção das narrativas não deve se restringir à historiografia do mundo antigo mas sim ser uma preocupação constante no trabalho de qualquer historiador Isso ocorre porque a história enquanto disciplina não se baseia em registros neutros ou objetivos mas em fontes que foram produzidas em contextos específicos e que refletem relações de poder ideologias e interesses Tanto Vlassopoulos quanto Meneses enfatizam a necessidade de questionar não apenas as fontes históricas em si mas também os processos de seleção organização e interpretação dos fatos que fundamentam a escrita da história Vlassopoulos por exemplo demonstra como a historiografia grega foi moldada por uma perspectiva ocidentalista e eurocêntrica que estabeleceu uma linha evolutiva artificial ligando a Grécia ao Ocidente moderno ignorando sua inserção em um contexto mediterrâneo mais amplo Esse tipo de viés não se restringe à Antiguidade mas pode ser observado em diversos outros períodos históricos A forma como a história medieval foi narrada na Europa por exemplo muitas vezes marginalizou as contribuições árabes e bizantinas reforçando a noção de um suposto atraso medieval em contraposição ao renascimento europeu Além disso Meneses ao abordar os silêncios na produção historiográfica reforça que a exclusão de determinadas perspectivas ocorre em diversos momentos históricos As fontes escritas em sua maioria representam a visão das elites enquanto camadas populares grupos marginalizados e sociedades periféricas frequentemente aparecem de forma distorcida ou são simplesmente ignoradas Esse problema não se limita à Antiguidade mas é um desafio constante em todas as áreas da história da Idade Média à contemporaneidade Um exemplo claro desse problema pode ser visto na historiografia sobre a colonização das Américas Durante muito tempo a narrativa dominante enfatizou o descobrimento e a civilização dos povos indígenas pelos europeus ignorando a violência o genocídio e a resistência indígena Essa versão da história foi construída com base em documentos coloniais e relatos de conquistadores sem a devida problematização dessas fontes Apenas recentemente com o desenvolvimento da história indígena e da arqueologia novas interpretações passaram a emergir desafiando essa narrativa tradicional Além disso o próprio conceito de história é frequentemente moldado por visões eurocêntricas Como Vlassopoulos aponta a ideia de uma evolução linear da civilização que parte do Oriente Próximo passa pela Grécia Roma e culmina no Ocidente moderno exclui outras experiências históricas e impõe uma lógica de superioridade ocidental Esse tipo de construção historiográfica pode ser observado em diversas áreas como a história da ciência da economia e da política onde narrativas teleológicas frequentemente obscurecem a complexidade dos processos históricos Diante disso é evidente que a crítica às fontes e à construção das narrativas históricas não deve se restringir ao estudo do mundo antigo Pelo contrário deve ser um princípio metodológico fundamental em qualquer pesquisa histórica O historiador deve estar constantemente atento aos vieses presentes nas fontes às exclusões e omissões na narrativa histórica e às implicações políticas e ideológicas do seu trabalho Somente assim é possível construir uma historiografia mais equilibrada plural e comprometida com a busca por uma compreensão mais abrangente e justa do passado