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Ciências Econômicas ·

Economia Brasileira Contemporânea

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Luiz Carlos BresserPereira A construção política do Brasil Sociedade economia e Estado desde a Independência EDITORA34 Editora 34 Ltda Rua Hungria 592 Jardim Europa CEP 01455000 São Paulo SP Brasil TeVFax 11 38116777 wwweditora34combr Copyright Editora 34 Ltda 20142016 A construção política do Brasil Luiz Carlos BresserPereira 20142016 A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL E CONFIGURA UMA APROPRIAÇÃO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR Capa projeto gráfico e editoração eletrônica Bracher Malta Produção Gráfica Julia Mota Revisão Beatriz de Freitas Moreira Flávia Portellada 1 ª Edição 2014 2ª Edição 2015 3ª Edição 2016 Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro Fundação Biblioteca Nacional RJ Brasil BresserPereira Luiz Carlos 1934 B436c A construção política do Brasil sociedade economia e Estado desde a Independência Luiz Carlos BresserPereira São Paulo Editora 34 2016 3ª Edição 480 p ISBN 9788573266450 1 Brasil História econômica séculos XIX XX e XXI 2 Brasil Ciclos da sociedade e do Estado desde o Império 3 Pactos políticos desde 1930 4 Desenvolvimento 5 Revolução Capitalista Brasileira 1 Título CDD 3301 20 O Plano Real O tempo do Pacto LiberalDependente de 1991 foi portanto um pe ríodo de submissão do Brasil ao Norte o conjunto dos países ricos somen te interrompido pelo breve governo do presidente Itamar Franco 1993 1994 Foi um pacto neoliberal e cosmopolita que refletiu a nova hegemo nia americana depois da queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética Caracterizouse pela privatização inclusive dos serviços públicos monopolistas ou quase monopolistas e pela abertura de todos os mercados inclusive o mercado dos grandes bancos de varejo Mas foi sob sua vigência que a alta inflação inercial Breve teoria 10 foi afinal controlada através do Plano Real de 1994 Este fato deu origem a muita confusão teórica porque quiseram atribuir ao Consenso de Washington uma estratégia de neutraliza ção da inércia inflacionária que foi rigorosamente heterodoxa nada tendo a ver com as políticas de estabilização patrocinadas pelo FMI mas que afinal acabou fortalecendo o neoliberalismo porque seus responsáveis diretos em seguida se identificaram com essa ideologia Por isso Marcus Ianoni 2013 viu no Plano Real a reconstrução neoliberal do poder do Estado que fora abalado pela grande Crise Financeira dos Anos 1980 e o fracasso do Plano Cruzado Na verdade essa reconstrução ocorreu mas foi o resultado de um plano heterodoxo não de um plano liberalortodoxo de estabilização Os dois anos e meio do governo Collor que terminaram com o seu impeachment em agosto de 1992 por corrupção foram anos de grande ajus te fiscal e monetário mas na sua segunda parte a partir de 1991 foram também anos de políticas econômicas incompetentes e de taxas de juros abusivamente altas Esse governo no entanto deixou uma herança positiva embora a abertura comercial realizada devesse ter sido mais gradual da forma que foi realizada implicou a falência de muitas empresas que poderiam ter sido preservadas se a abertura fosse mais lenta esta reforma obrigou que as empresas se reestruturassem modernizassem suas fábricas aumen tassem substancialmente sua produtividade e assim que muitas demonstras sem a partir de então serem capazes de competir internacionalmente Já a abertura financeira foi um desastre para o Brasil porque desde então o país O Plano Real 321 não teve mais condições de neutralizar a tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio que sempre aqui existiu devido à doença holandesa e às entradas excessivas de capitais externos causadas pela política equivocada de crescimento com poupança externa 1 Ao fazer o acordo com o FMI e ao abrir a conta de capitais do país o governo renunciou à autonomia nacional que havia tão duramente conquis tado desde 1930 Instalavase no Brasil o Pacto LiberalDependente de 1991 Com o impeachment de Collor depois de uma campanha popular que lem brou a campanha das Diretas Já assumiu a Presidência da República o vicepresidente Itamar Franco um político nacionalista de Minas Gerais voltado para o interesse público Ele tentou restabelecer a autonomia nacio nal do país mas a alta inflação que o governo Itamar herdou de Fernando Collor de Mello já era de 20 ao mês contribuindo decisivamente para reduzir sua margem de manobra No final de 1993 a economia brasileira permanecia em profundo de sequilíbrio macroeconômico Esta instabilidade caracterizavase pela alta inflação pela alta taxa de juros e pelo desemprego generalizado Apenas o balanço de pagamentos estava equilibrado graças à desvalorização do câm bio de 1983 mantida nos dez anos seguintes graças à política de rninidesva lorizações e à depreciação de 10 que eu realizei em 1987 Os elevados superávits comerciais que se obtêm nesse período e a negociação da dívida nos termos do Plano Brady sugeriam que o problema da dívida externa es tava sendo solucionado O presidente Itamar Franco estabeleceu como prio ridade absoluta de seu governo o controle da inflação Para isso esse ex traordinário homem público trocou de ministro da Fazenda quatro vezes em dois anos Somente com a indicação de Fernando Henrique para o ministério a esperança de controlar a inflação ressurge quando parte dos economistas que haviam desenvolvido a teoria da inflação inercial volta ao governo e o Plano Real começa a ser delineado com base nesta teoria2 1 O desenvolvimento do modelo de doença holandesa e da crítica à política de cres cimento com poupança externa está em vários papers e nos livros Macroeconomia da es tagnação 2007 no qual analiso o período 19942006 Globalização e competição 2009 e Macroeconomia desenvolvimentista com Nelson Marconi e José Luís Oreiro 2016 em que discuto teoricamente o Novo Desenvolvimentismo 2 Refirome a três economistas que tiveram importância na formulação e na ins tauração do Plano Real Edmar Bacha André Lara Resende e Persio Arida que até esse 322 A construção política do Brasil O PLANO REAL O Plano Real foi baseado na teoria da inflação inercial que discuti no Capítulo 15 Esta teoria embora viesse sendo discutida desde o início dos anos 1980 e fosse simples afinal explicava a inflação pela indexação for mal e informal da economia continuava desconhecida pela maioria dos economistas que lidavam com a economia brasileira nesse período O fra casso dos sucessivos planos de estabilização foram doze planos entre 1980 e 1993 deveu e essencialmente a esse desconhecimento Os planos de estabilização de Delfim Netto nos anos 1980 o Plano Feijão com Arroz de Mailson da Nóbrega e os três planos do governo Collor todos ignoravam a inércia inflacionária No caso do Plano Collor I a razão fundamental para o fracasso foi não têla neutralizado Os Planos Cruzado Bresser e Verão reconheceram o caráter inercial da inflação e buscaram neutralizála através de uma tabela de correção das contas a pagar das empresas mas foram der rotados pelo populismo reinante no governo Sarney que impediu que fossem acompanhados do ajuste fiscal necessário Dos doze planos de estabilização cerca de cinco incluíram congelamento de preços alguns foram heterodoxos a maioria deles ortodoxos Todos falharam 3 Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério da Fazenda um novo congelamento tornarase politicamente inviável As experiências anteriores algumas traumáticas como o Plano Cruzado pelo seu fracasso retumbante e o Plano Collor pelo confisco das poupanças haviam deixa do a sociedade e o mercado financeiro traumatizados Se um congelamento nessas condições não era viável e se o governo não estava disposto a esperar que a hiperinflação eliminasse as defasagens de aumentos de preços e assim neutralizasse a inércia nem concordava em dolarizar a economia como al guns economistas irresponsáveis e o FMI propuseram não havia outra al ternativa senão a neutralização da inércia inflacionária através de uma moe da indexada ou de um índicemoeda indexado que acompanhasse o dólar na linha proposta originalmente por Persio Arida e André Lara Resende 19841985 Era a tentativa de otenização da economia a estabilização plano eram definidos como neoestruturalistas dado o caráter heterodoxo do plano mas que após o plano no governo FHC revelaramse economistas neoclássicos e orto doxos juntamente com Gustavo Franco que teve papel importante na consolidação do plano 3 Para uma avaliação desses doze planos ver BresserPereira 1996 O Plano Real 323 através da indexação de todos os preços durante um certo período de acordo com a OTN Obrigações do Tesouro Nacional que já naquela época eram indexadas ao dólar seguida por uma reforma monetária que introduzisse uma nova moeda Dois anos depois quando esses dois economistas partici param do Plano Cruzado em 1986 entenderam que um plano de estabili zação dessa natureza seria difícil de ser explicado e adotado e optaram pelo congelamento Quando discuti com minha equipe o Plano Bresser a ideia similar da otenização ou seja do uso de uma moeda indexada como eram então as OTNs foi discutida com Francisco Lopes e Yoshiaki Nakano mas chegamos ao mesmo diagnóstico Quando o Plano Bresser falhou porque fora um plano de emergência introduzido em momento de profundo dese quilíbrio dos preços relativos que apenas uma tabela de conversão não po deria neutralizar e porque não logrei empenhar o governo no ajuste fiscal necessário pensamos em aplicar a ideia da moeda indexada em um segundo plano que seria formulado no início de 1988 Mas decidi antes me demitir por falta de apoio político para o ajuste fiscal necessário Minha avaliação de que era impossível controlar a alta inflação inercial no governo Sarney confirmouse nos dois anos seguintes Quando se completou o último mês do governo fevereiro de 1990 a inflação mensal alcançara 80 e nos pri meiros quinze dias do mês seguinte caminhava para 100 Já não estávamos em alta inflação inercial mas em hiperinflação Em junho de 1993 quando a taxa de inflação encontravase acima de 20 ao mês e o governo Itamar Franco se via paralisado por esse índice Fernando Henrique Cardoso assumiu o ministério Novas esperanças surgi ram dado o apoio político que recebeu è a excelente equipe de economistas que convocou Como primeiro resultado positivo da existência de uma nova e competente equipe econômica a atitude irracional contra um novo choque econômico heterodoxo que dominara o país após o fracasso do Plano Collor I perdeu força Estava claro que a nova equipe logo adotaria uma terapia de choque e que provavelmente combinaria políticas econômicas ortodoxas e heterodoxas Estava claro também que o maior componente da inflação alta e persistente no Brasil era a inércia de maneira que o choque deveria neutralizar essa inércia A explicação convencional relacionando inflação aos déficits orçamentários embora válida para pequenas inflações tinha se pro vado recorrentemente equivocada para o Brasil particularmente nos anos imediatamente anteriores O déficit orçamentário havia chegado a zero em 1990 e 1991 mas a inflação permaneceu em seu alto patamar Outra sabe doria convencional aquela que atribui a inflação a um aumento na oferta de moeda também havia se provado equivocada Mesmo os economistas 324 A construção política do Brasil monetaristas neoclássicos reconheciam agora o caráter passivo ou endóge no da oferta de moeda quando a inflação é inercial4 O Plano Real que liquidaria com a alta inflação em 1 º de julho de 1994 começou a ser desenvolvido em outubro de 1993 A estratégia do congela mento de preços havia politicamente se esgotado Dessa forma quando a equipe do Cruzado se restabeleceu no governo o Plano Real por ela conce bido visou neutralizar a inflação alta e inercial através de uma reforma mo netária que reduzisse instantaneamente a inflação A ideia original era a de se ter duas moedas coexistindo ao mesmo tempo como acontecera na Bul gária nos anos 1920 a velha moeda em que a inflação seria alta e uma nova moeda indexada Este sistema dual permitiria aos agentes econômicos converter seus contratos de forma voluntária e de acordo com o mercado da velha moeda em que os contratos incorporavam a expectativa de infla ção para a nova moeda que por ser atrelada ao dólar não exigia que os contratos incluíssem aquela expectativa Desse modo no momento em que a reforma monetária eliminasse a moeda velha as pressões inflacionárias derivadas dos desequilíbrios dos preços relativos e do fato de que em uma inflação inercial os preços se alteram de forma defasada e não sincronizada estariam ausentes Os preços relativos na nova moeda já estariam equilibra dos não haveria defasagens entre seus aumentos já que nos três meses de dupla moeda eles estavam aumentando todos os dias de acordo com a va riação da taxa de câmbio tornando desnecessária a tabela de conversão vi sando eliminar dos contratos a inflação esperada A equipe econômica do Plano Real em vez de emitir uma segunda moeda estabeleceu um índice moeda diário que equivalia a uma moeda a Unidade Real de Valor URV que refletia a inflação presente porque era atrelado à taxa de câmbio Não era na verdade uma moeda porque os pagamentos continuariam a ser fei tos com a moeda velha o cruzeiro Mas sendo um índicemoeda os contra tos inclusive as vendas a crédito e os salários puderam ser voluntariamente convertidos para ela nos quatro meses em que a URV existiu evitando a necessidade de uma tablita no dia da reforma monetária quando a velha moeda foi extinta O Plano Real foi dividido em quatro fases Na primeira entre dezembro de 1993 e fevereiro de 1994 foi realizado um ajuste fiscal baseado em cor tes da despesa pública inclusive da despesa social cuja porcentagem consti tucional em relação à despesa total foi parcialmente suspensa e em aumen 4 Ver por exemplo Pastore 1994 O Plano Real 325 to de impostos o que permitiu um orçamento equilibrado para 1994 O Congresso depois de alguma oposição inicial aprovou o ajuste fiscal que a equipe econômica definira como prérequisito para a introdução da segunda fase do programa A segunda fase do plano entre o dia 1 º de março e o dia 30 de junho consistiu na neutralização da inércia inflacionária através do mecanismo da URV Todos os preços inclusive os salários contratos de longo prazo alu guéis e aplicações financeiras passaram a ter dois preços o preço nominal em cruzados e o preço em URVs ao mesmo tempo em que essa unidade de valor era corrigida diariamente por minidesvalorizações diárias da taxa de câmbio realizadas de acordo com a inflação corrente Apenas os salários foram convertidos obrigatoriamente para o novo índice pelo seu valor médio dos últimos meses não tendo havido resistência à decisão do governo Como os contratos foram convertidos para URV os preços em URV permaneciam estáveis enquanto os preços em cruzados mudavam todos os dias como acontece sob hiperinflação e dolarização plena Conforme prognosticado o mercado assegurou que a conversão de cruzeiros para URV fosse feita segun do o valor médio real dos contratos em vez de seus valores nominais de pico como se fazia com os contratos em cruzados Por meio desse mecanismo os agentes econômicos puderam nesses três meses estabelecer razoável equi líbrio dos preços relativos que deixaram de ter as defasagens próprias da inflação inercial neutralizandose assim a inércia inflacionária que decorria da indexação defasada de preços e portanto de uma contínua mas frustran te tentativa de equilibrar os preços relativos A terceira fase do plano foi o choque anunciado ou reforma mone tária que no dia 1 º de julho transformou a URV em uma nova moeda substituindo o cruzeiro que foi extinto A taxa de inflação que alcançara 45 ao mês foi imediatamente reduzida para próximo de zero A quarta fase entre 1 de julho e 31 de dezembro foi a de consolidação do plano Em princípio deveria ter consistido em um ajuste fiscal adicional mas o medo do fracasso levou o governo a fazer uma abertura comercial adicional desnecessária e principalmente promover uma elevação brutal da taxa de juros que provocou forte apreciação cambial e se constituiu em âncora cambial Assim nos dias seguintes a nova moeda que deveria ter ficado atrelada ao dólar em uma relação de um para um valorizouse forte mente O Banco Central aproveitava então a pressão pela venda de dólares e compra de reais que imediatamente ocorreu para consolidar a estabiliza ção Assim além do original mecanismo de neutralização da inércia a URV o governo adotava um velho mecanismo de controle das altas inflações a 326 A construção política do Brasil âncora cambial que hoje muitos economistas que nunca entenderam a teoria da inflação inercial consideram ter sido o fator fundamental da esta bilização dos preços Não o foi mas sem dúvida ajudou a controlar a infla ção e não teria sido um erro se não se tivesse em seguida abusado desse mecanismo O uso e abuso dessa âncora nos anos seguintes sempre em nome do Plano Real teria consequências desastrosas para a economia brasileira En quanto o Banco Central mantinha a política de minidesvalorizações a com binação perversa de juros altos e câmbio valorizado manteria a economia semiestagnada inviabilizando os investimentos enquanto as dívidas internas e externas aumentavam explosivamente impulsionadas pela taxa de juros A flutuação do real somente aconteceria mais tarde em janeiro de 1999 em meio à crise de balanço de pagamentos causada por essa sobreapreciação que os responsáveis pela política econômica não tiveram coragem de corrigir na época em que ela apareceu o GOVERNO FHC Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da Repú blica em janeiro de 1995 já com a inflação sob controle grandes eram as esperanças Que em boa parte se confirmaram porque o governo expandiu e racionalizou o gasto na área social avançou na área dos direitos humanos iniciou a Reforma Gerencial de 1995 e a Reforma da Previdência Social aumentou o prestígio do Brasil no exterior através de uma diplomacia equi librada e pautouse por elevado padrão ético Mas não foi bemsucedido em retomar o crescimento econômico porque não enfrentou o problema do câmbio altamente apreciado que herdou do Plano Real Não há pior heran ça para um governo do que receber do governo anterior uma taxa de câmbio apreciada Fica por sua conta trazêla de volta ao equilíbrio o que é uma política altamente impopular porque aumenta temporariamente a inflação e também reduz temporariamente os rendimentos reais de toda a população Mas se o governo não enfrentar o problema a competividade do país cairá as oportunidades de investimentos lucrativos diminuirão as exportações se reduzirão as importações aumentarão e o país além de crescer pouco fica rá sujeito a uma crise de balanço de pagamentos Foi o que aconteceu no governo FHC Dilma Rousseff também começou seu governo com uma taxa de câmbio altamente apreciada que como veremos foi a principal respon sável pelo baixo crescimento e só não levou o país à crise porque ela logrou O Plano Real 327 ainda que de maneira insuficiente depreciar o real e porque as reservas in ternacionais do país eram grandes Fernando Henrique percebeu com clareza que diante da economia glo bal o Brasil não podia pensar em ser uma autarquia em se fechar voltando para o modelo de industrialização por substituição de importações mas equivocouse ao não fazer a crítica da ideologia neoliberal e globalista então dominante para a qual a integração na economia mundial não devia ser uma integração competitiva mas uma integração produtiva subordinada aos interesses das empresas multinacionais e de seus governos Desde o inicio o governo FHC logrou obter substancial maioria parlamentar na medida em que obteve o apoio do então mais importante partido de direita e neoliberal o PFL de um partido socialdemocrático o PPS herdeiro do antigo Parti do Comunista Brasileiro do sempre indefinido PMDB e dos habituais par tidos de negócios que no quadro do presidencialismo de coalizões vigente no Brasil os presidentes não têm alternativa senão incluir em sua coligação política no Congresso em troca de cargos 5 Essa maioria deu poder ao go verno para iniciar uma pesada agenda de reformas institucionais uma agenda que logo no início se revelou neoliberal e dependente neoliberal porque implicava a privatização de empresas que constituem monopólios naturais como a produção e distribuição de energia elétrica as estradas e a telefonia fixa dependente porque retirou a preferência assegurada às empre sas nacionais na Constituição e permitiu não apenas a privatização mas também a desnacionalização dos serviços públicos monopolistas e dos gran des bancos de varejo Conforme assinalou Brasílio Sallum 2000 p 25 o governo FHC procurou construir um bloco hegemônico de centrodireita baseado em duas ideiasforça as reformas liberais justificadas pela necessi dade de estabilização dos preços e o projeto explícito do governo de liquidar a era Vargas Na verdade o projeto era um só era o projeto que havia se tornado hegemônico no Norte a partir de 1980 e que desde 1991 se tornara dominante no Brasil o projeto neoliberal de redução do papel do Estado e de diminuição da autonomia do Estadonação no quadro de uma globaliza ção de um capitalismo que se tornara global que os Estados Unidos supunham favorável a sua hegemonia A era Vargas foi o tempo da revolução 5 Partidos de negócios são os partidos sem ideologia ou programa voltados exclusivamente a satisfazer aos interesses de poder e de enriquecimento pessoal de seus líderes O sistema eleitoral proporcional lhes permite formar bancadas e vender seus votos aos presidentes em troca de cargos e emendas parlamentares 328 A construção política do Brasil nacional e industrial brasileira foi o tempo em que o Estado passou a cons tituirse em núcleo organizador da sociedade brasileira e alavanca de cons trução do capitalismo industrial do país um Estado desenvolvimentista para Sallum a candidatura Cardoso deu acabamento a um longo processo de construção social de um novo bloco hegemônico saído das entranhas da era Vargas mas em oposição a ela As revoluções nacionalistas não apenas no Brasil mas em muitos outros países em desenvolvimento sobretudo na Ásia haviam se mostrado um desafio à dominação dos Estados Unidos mas este envolvido na Guerra Fria e na desgastante Guerra do Vietnã durante os anos 1960 e 1970 não tinha tido condições de enfrentar esse segundo desafio A partir do momento em que a União Soviética entrou em colapso e os Estados Unidos se tornaram a única potência imperial seu projeto he gemônico agora dotado de uma ideologia o fundamentalismo de mercado neoliberal dispôsse a se afirmar sobre todo o mundo O governo FHC foi vítima dessa conjuntura desse momento único e fugidio da hegemonia neo liberal e a ela se curvou Em segundo lugar o governo FHC não foi bemsucedido no plano eco nômico porque não logrou recuperar a competitividade da taxa de câmbio brasileira que se apreciara de forma significativa nos seis meses após o Pla no Real Um governo só é bemsucedido no plano econômico quando logra manter sua taxa de câmbio flutuando em torno do nível competitivo ou de equilíbrio industrial porque só assim as empresas serão estimuladas a inves tir As perspectivas econômicas que se abriam para o país pareciam as me lhores possíveis Através do Plano Real que Fernando Henrique liderara enquanto ministro da Fazenda os preços haviam sido estabilizados e muitos pensaram inclusive eu que fui seu ministro da Administração Federal e Reforma do Estado 19951998 e da Ciência e da Tecnologia 1999 que isso significava que o país afinal depois de quinze anos de alta inflação alcançara a estabilidade macroeconômica e que portanto estava pronto para retomar o crescimento6 O candidato de um partido moderno que se supunha socialdemocrático como seu nome indicava o PSDB poderia as 6 Embora o governo e a imprensa entendam o Plano Real como compreendendo toda a gestão econômica do governo FHC este é um entendimento incorreto O Plano Real que neutralizou a inércia e terminou com a alta inflação no Brasil foi anuncia do em dezembro de 1993 teve início com a medida provisória que em 1º de abril de 1994 introduziu a URV o mecanismo de neutralização da inércia e completouse com a reforma monetária em 1 º de julho de 1994 Em 1º de janeiro de 1995 começou a gestão econômica de Pedro Malan cujos resultados analiso neste trabalho O Plano Real 329 segurar ao país um equilibrado desenvolvimento econômico e social sem cair nas malhas do velho populismo nem do novo neoliberalismo que vinha do Norte Entre essas duas alternativas polares o novo governo surgia como uma esperança Entretanto não foi isso o que ocorreu O governo não foi socialdemocrático de centroesquerda nem adotou uma política desenvol vimentista moderna não populista mas se opôs ao desenvolvimentismo e a uma opção nacional Sallum assinala que houve uma corrente liberalde senvolvimentista no governo FHC mas que não chegou a se afirmar nas palavras de Brasílio Sallum 2000 p 35 o fundamentalismo liberal con tinuou sendo o eixo da política econômica Isso foi facilitado pela confusão em que estava a classe empresarial brasileira ela própria sob a influência da nova hegemonia neoliberal Assim não obstante o governo ter retirado qual quer prioridade para a empresa nacional os empresários industriais com raras exceções permaneciam calados senão prestavam seu apoio O governo FHC deu completa prioridade à política de consolidação da estabilização de preços ignorando a necessidade de se restabelecer o equilí brio cambial e em consequência além de não promover a retomada do crescimento acabou em 1998 por mergulhar o país em uma grande crise de balanço de pagamentos Desde seus primeiros dias em janeiro de 1995 o governo submeteuse aos princípios do Consenso de Washington então dominantes no mundo e usou a sobreapreciação cambial como âncora no minal contra a inflação Para isso elevou violentamente os juros Dessa for ma enquanto a taxa de câmbio sobrevalorizada promovia o consumo de bens importados desestimulava os investimentos privados e impedia a esta bilização de suas contas externas a taxa de juros elevada além de atrair capitais e de somarse à taxa de câmbio no desestímulo dos investimentos perversamente impedia que o país alcançasse o equilíbrio fiscal dado o peso dos juros na despesa do Estado A taxa de câmbio não voltava para o nível de equilíbrio industrial no qual estivera em quase todo o período 19301990 primeiro porque desde a abertura comercial e financeira promovida pelo governo de Fernando Col lor de Mello o país deixara de neutralizar a doença holandesa ao deixar de impor o imposto disfarçado sobre as exportações de commodities o cha mado confisco cambial assim a falta de um imposto de exportação a forma correta de neutralizar a doença holandesa levava a taxa de câmbio do equilíbrio industria para o equilíbrio corrente segundo porque a partir de 1995 usouse do mecanismo de âncora cambial e da política de cresci mento com poupança externa que em conjunto constituem o populismo cambial o que levou o país para o déficit em contacorrente para a substi 330 A construção política do Brasil tuição da poupança interna pela externa e finalmente para a crise de ba lanço de pagamentos Em consequência o processo de desindustrialização que já ocorria des de a grande crise da dívida externa dos anos 1980 e a alta inflação inercial ganhou mais força na medida em que a taxa de câmbio se tornava cronica mente sobreapreciada sobreapreciada portanto no longo prazo A pro dutividade aumentou no período mas isso não se deveu às reformas institu cionais mas sim como observou David Kupfer 2005 p 132 a um forte aumento da propensão a importar principalmente insumos e bens interme diários e à descontinuidade da produção de certos bens de maior sofistica ção tecnológica Nos oito anos do governo FHC a taxa média de crescimento do PIB foi de apenas 21 ao ano o que significa um crescimento da renda por habi tante em torno de 1 ao ano O país se manteve portanto quase estagnado Nos seus quatro primeiros anos o governo FHC conviveu com uma taxa de câmbio sobrevalorizada grandes déficits em contacorrente que chegaram a 4 do PIB e altas taxas de juros o período terminou em meio a uma grave crise de balanço de pagamentos Essa crise cuja causa imediata foi a suspen são da rolagem da dívida externa pública e privada brasileira pelos credores externos estava claramente relacionada com o alto índice de endividamento do país No final de 1998 a relação dívida externaexportações subiu acima de quatro vezes Reeleito imediatamente o presidente em janeiro de 1999 deixou afinal flutuar o câmbio o real se depreciou cerca de 30 em termos reais e o país pareceu voltar a caminhar em direção ao equilíbrio macroeco nômico e possivelmente à retomada do desenvolvimento Não obstante a crise de balanço de pagamentos de 1998 e a deprecia ção cambial decorrente crise que estava diretamente relacionada com a po lítica de crescimento com poupança externa e com a política de controle da inflação com apreciação cambial o governo após o susto manteve a mesma orientação Esse fato combinado com a manutenção da política de taxa de juros elevada e da política de crescimento com poupança externa e somado à doença holandesa não neutralizada fez com que a taxa de câmbio voltas se a se apreciar Em consequência o índice dívida externaexportações se manteve em nível superior a quatro vezes Dado esse índice de endividamen to uma economia estagnada e uma nova ameaça política representada pela provável eleição para a Presidência da República do candidato do Partido dos Trabalhadores Luiz Inácio Lula da Silva não foi surpreendente que o país voltasse a enfrentar uma segunda crise de balanço de pagamentos no fim de 2002 O Plano Real 331 O socorro pronto do FMI evitou o pior mas ao mesmo tempo confir mou uma verdade sempre esquecida os credores internacionais e o próprio FMI só se preocupam e só falam em déficit público e dívida interna mas quando acontece a crise financeira em um país em desenvolvimento ela sem pre ocorre pelo lado externo é sempre uma crise de balanço de pagamentos A crise se desencadeia depois que se forma uma bolha de crédito externo para o país resolvida pela poupança externa Quando o déficit em conta corrente e a dívida externa tornamse do ponto de vista dos credores inter nacionais altos demais e por isso arriscados a crise irrompe Mas nunca é o país devedor quem declara moratória São os agentes financeiros interna cionais que suspendem a rolagem da dívida e se não houver intervenção do agente de última instância o FMI o default tornase inevitável A segunda crise de balanço de pagamentos pela qual o país passou no governo FHC refletiu a equação macroeconômica perversa que foi então adotada taxa de juros alta taxa de câmbio baixa ou valorizada com o apoio de Washington e de Nova York ou seja do governo americano e do sistema financeiro internacional A taxa elevada de juros impede o investi mento privado e provoca o aumento do déficit público Todos os esforços do governo em reduzir a despesa pública pouco afetam o déficit público devido ao peso dos juros mas acabam se refletindo na elevação da carga tributária e na redução dos investimentos públicos Nos anos 1990 a carga tributária aumentou em cerca de oito pontos percentuais alcançando um nível incom patível com o estágio de desenvolvimento do país mas pelo menos metade desse aumento foi aplicado no pagamento de juros enquanto a taxa de in vestimento público caía cerca de um ponto porcentual para ficar em torno de 2 durante todo o período de elevado desenvolvimento do país até 1980 essa taxa girava em torno de 5 a 6 7 Os resultados econômicos e financeiros do governo FHC no qual não estou incluindo o Plano Real que foi obra de Fernando Henrique mas no governo de Itamar Franco não foram portanto bons mas daí não se pode deduzir que o governo fracassou Grandes avanços ocorreram na área social e na área dos direitos humanos O gasto social aumentou e os pobres passa ram a contar com uma cobertura social mais ampla Na verdade o processo de diminuição das desigualdades que ocorreu no Brasil começou no governo FHC mas coube ao governo Lula dar impulso ao processo com sua política de salário mínimo e a ampliação dos beneficiários do Bolsa Família Os pa 7 A carga tributária por sua vez girava em torno de 23 do PIB 332 A construção política do Brasil drões éticos do governo nunca foram tão altos A democracia foi respeitada e reafirmada O elevado prestígio de Fernando Henrique justo à sociedade brasileira é uma indicação desse fato 8 Os eleitores comportaramse de for ma aparentemente paradoxal prezando seu presidente mas criticando as altas taxas de desemprego que caracterizaram o seu mandato e assim re cusandose a votar em um candidato que representasse a continuidade desse governo Esse comportamento é apenas aparentemente paradoxal porque o presidente nesses anos assumiu a figura presidencial de maneira impecável Em um cenário internacional difícil demonstrou dedicação à coisa pública e grande capacidade de conciliação Por isso os brasileiros respeitam se não admiram seu expresidente A principal crítica que seu governo recebeu reiteradamente da oposição a de não se preocupar com o social revelou se falsa Esse governo foi socialdemocrata na área social pois aumentou a carga tributária e gastou no social Quando por exemplo Portugal e Espa nha transitaram para a democracia e foram governados por partidos social democratas liderados respectivamente por Mário Soares e Felipe González suas cargas tributárias para financiar o aumento dos gastos sociais aumen taram significativamente Maravall 1993 Nos oito anos do governo FHC a carga tributária cresceu de 279 para 334 do PIB e parte desses re cursos adicionais foi gasto em programas sociais nas áreas de educação saúde renda mínima assistência social reforma agrária assistência aos pe quenos produtores rurais a outra parte foi gasta com o aumento do en cargo com juros Devese reconhecer que embora o país continuasse essen cialmente injusto no final de seu governo avanços significativos foram rea lizados na área social A mortalidade infantil caiu de 48 para 30 por mil nascidos vivos A taxa de analfabetismo caiu de 19 em 1991 para 13 em 2000 O sistema nacional de avaliação ficará como um marco da educação nacional ENEM Provão etc Imagino que a Reforma Gerencial de 1995 da qual participei será por sua vez um marco da administração pública brasileira No plano político o presidente revelouse um democrata respei toso dos direitos humanos tolerante e sempre disposto ao debate e à conci liação E no plano ético deu exemplo para todo o país Sua mulher Ruth Cardoso acompanhouo em tudo mas com luz própria e sua contribuição para o desenvolvimento do terceiro setor e para os organismos de controle social da administração pública é inestimável 8 Segundo o Datafolha a avaliação do governo FHC em setembro de 2002 era ótimo e bom para 26 regular para 39 e ruim e péssimo para 32 dos brasileiros O Plano Real 333 O SEGUNDO CONSENSO DE WASHINGTON A causa mais geral que determinou o desempenho insatisfatório da eco nomia brasileira depois do Plano Real foi a sobreapreciação cambial causa da por duas políticas a política de crescimento com poupança externa e a política de combate à inflação através de âncora cambial Essa política de se usar a taxa de câmbio para controlar a inflação foi amplamente usada desde 1999 quando a política de minidesvalorizações cambiais ou de crawling peg que garantia o equilíbrio da taxa de câmbio desde 1964 foi substituída pela política de metas de inflação Poupança externa é um dos eufemismos da teoria econômica para indicar déficit em contacorrente A política de crescimento com poupança externa significa que o país tentará acelerar seu crescimento adicionando à poupança interna a poupança externa e portan to aumentará a taxa de investimento do país já que a poupança interna mais a externa é igual ao investimento É uma política que parte do pressu posto equivocado de que a restrição externa deveria ser superada pelo en dividamento externo em vez de sêlo pela adoção de uma taxa de câmbio adequada e o aumento das exportações Tomada essa decisão pelo governo brasileiro o país que tinha déficit em contacorrente próximo de zero em 1994 passou a experimentar déficits em contacorrente cada vez maiores que foram financiados por empréstimos e por investimentos diretos O re sultado entretanto não foi o aumento da taxa de investimento e de cresci mento mas o aumento artificial dos salários reais e do consumo porque as entradas de capital apreciavam a moeda nacional e assim reduziam as oportunidades de investimento voltadas para a exportação de bens manufa turados Por outro lado a taxa de juros era mantida em nível muito alto para combater a inflação embora não houvesse nenhuma explicação ra zoável para que o Brasil precisasse de taxas de juros reais então superiores a 12 ao ano quando outros países de nível semelhante de desenvolvimento tinham taxas de juros quatro a cinco vezes menores e para atrair capitais embora esses capitais não se somassem aos capitais internos mas os substi tuíam O que além de reprimir a taxa de investimento implicava transfe rência de renda para capitalistas rentistas aumento da despesa pública e desnecessário déficit público Esta equação macroeconômica perversa baseada em taxa de juros alta e taxa de câmbio valorizado levou ao aumento da instabilidade financeira e ao baixo crescimento Mas o sistema contava com o apoio dos países ricos que eram beneficiados por ele A taxa elevada de juros beneficiava capitalis tas rentistas nacionais e estrangeiros o câmbio apreciado beneficiava os 334 A construção política do Brasil exportadores estrangeiros para o Brasil e indiretamente os rentistas nacio nais na medida em que era através de valorização cambial que se mantinha a inflação baixa e os juros reais a remuneração dos rentistas altos Enquan to isso os altos juros pagos pelo Estado brasileiro giravam em torno de 6 do PIB refletindose na elevação da carga tributária e na redução dos inves timentos públicos As três causas mais gerais do desempenho econômico medíocre do Bra sil nos anos 1990 foram a o novo governo ter aceitado sem crítica a libe ralização comercial que desmantelou o mecanismo de neutralização da doen ça holandesa que estava embutido no sistema de comércio exterior do país b ter também aceito sem crítica a abertura financeira que fazia parte do que denomino o Segundo Consenso de Washington e c ter adotado firmemen te a política de crescimento com poupança ou endividamento externo que levou a elevados déficits em contacorrente e à crise de balanço de pagamen tos do final de 1998 O Segundo Consenso de Washington foi um passo adiante em relação ao primeiro e teve efeitos mais devastadores sobre os países em desenvolvimento inclusive o Brasil foi a dimensão financeira do primeiro Além de dizer que os países em desenvolvimento deveriam ajustar suas economias equilibrando suas contas públicas e deveriam abrir comer cialmente seus mercados algo que para os países de renda média era ra zoável desde que fosse adotado um substituto para a mecanismo de neutra lização da doença holandesa que estava embutido no sistema de comércio externo adicionou que deveriam abrir sua conta financeira internacional ou em outras palavras deveriam suspender todos os controles que tradicio nalmente mantinham sobre a taxa de câmbio E ainda que deveriam crescer com poupança externa ou seja com déficits em contacorrente a serem fi nanciados por endividamento externo ou investimentos diretos Em matéria de endividamento externo voltávamos ao desenvolvimento cum dívida dos anos 1970 só que teríamos agora o desenvolvimento cum poupança externa como se houvesse diferença entre as duas coisas Sobre a política de crescimento com poupança externa a crítica que realizei a partir de 2001 especialmente a tese de que ela envolve elevada taxa de substituição de poupança interna pela externa está na Breve teoria 9 Sobre o tema da abertura financeira e dos fluxos de capital desenvolveuse amplo debate entre os economistas dos países desenvolvidos alguns crí ticos da liberalização outros entusiastas Estes partiam do pressuposto neo clássico de que toda liberalização é benéfica afirmavam que a liberalização financeira é tão necessária para o desenvolvimento quanto a comercial e deve ocorrer ao mesmo tempo Entretanto Dani Rodrik 1998 p 61 de O Plano Real 335 monstrou não haver evidência de que países sem controle de capitais cresçam mais Luiz Fernando de Paula 2011 p 108 realizou estudo econométrico que mostrou que na economia brasileira não há evidências que a liberali zação financeira de 1992 tenha gerado efeitos positivos em um conjunto de variáveis econômicas inflação e crescimento econômico Pelo contrário a evidência empírica mostra que além de ter tido um efeito adverso no PIB a integração financeira do Brasil gerou efeitos desestabilizadores do ponto de vista macroeconômico evidenciados em seu impacto em aumentar a taxa de inflação e apreciar a taxa de câmbio A liberalização financeira signifi ca em última análise a perda da possibilidade de o país administrar de forma adequada a sua taxa de câmbio Ora dada a tese central que venho discutindo na macroeconomia desenvolvimentista a tese da tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio existente historicamen te em países em desenvolvimento é desastroso para um país perder sua capacidade de praticar uma política cambial visando mantêla competitiva No entanto o erro mais grave do Segundo Consenso de Washington está em sua promessa nós financiaremos seu desenvolvimento com pou pança externa se possível com investimento direto Aí estava a armadilha que levou a maioria dos países em desenvolvimento já altamente endividados no final dos anos 1980 a pouco crescerem nos anos 1990 aí está a origem das crises de balanço de pagamentos cujo casolimite foi o da Argentina aí está a explicação principal para o fato de o Brasil ter entrado em duas crises de balanço de pagamentos uma em 1998 no final do primeiro quadriênio do governo FHC a outra em 2002 no final do segundo quadriênio SUBSTITUIÇÃO DE POUPANÇAS 19932005 A crítica à política de crescimento com poupança externa Breve teoria 9 foi desenvolvida em razão do que aconteceu concretamente na economia brasileira após o Plano Real Conforme podemos ver pela Tabela 9 o déficit em contacorrente ou poupança externa recebida pelo país aumentou fir memente no Brasil entre 1993 e 1999 tivemos um superávit em 1992 e ou tro em 1999 e a poupança externa recebida pelo país alcançou 473 do PIB Não obstante a taxa de investimento não aumentou pelo contrário caiu um pouco se tomarmos como referência esses mesmos dois anos 1993 1928 e 1999 1890 Os déficits em contacorrente do governo FHC 19952002 foram fi nanciados de duas formas por empréstimos e por investimentos diretos 336 A construção política do Brasil Estes aumentaram extraordinariamente Conforme ele próprio assinalou em sua mensagem de Natal de 2001 até 1994 o país recebia no máximo 2 bi lhões de dólares por ano de investimentos estrangeiros depois do Real o país passou a receber em média 2 bilhões de dólares por mês em investi mentos diretos De fato houve um enorme aumento do investimento direto estrangeiro em seu governo9 Não obstante conforme vemos nas Tabelas 9 e 10 a taxa de investimento total da economia não cresceu no período Aumentaram sim a renda líquida enviada ao exterior e o consumo E entre 1994 e 1999 enquanto aumentava o déficit em contacorrente tivemos ele vada taxa de substituição da poupança interna pela externa e depois entre 1999 e 2005 quando esse déficit caiu e se transformou em superávit a subs tituição inversa da poupança externa pela interna Tabela 9 POUPANÇA INTERNA POUPANÇA EXTERNA E INVESTIMENTO 19922004 em relação ao PIB Ano Poupança externa Poupança interna Investimento 1992 158 1994 033 1996 280 1998 396 1999 473 2000 376 2002 151 2004 176 Fontes Ipeadata e IBGE Poupança externa déficit em contacorrente Investimento formação bruta de capital fixo 2000 2042 1499 1442 1417 1425 1647 1943 1842 2075 1779 1838 1890 1801 1798 1767 Entre 1994 e 1999 no quadro da política de crescimento com poupan ça externa houve forte crescimento do déficit em contacorrente ou da pou pança externa recebida pelo Brasil enquanto a taxa de investimento per manecia praticamente constante Ocorreu então como o modelo crítico da 9 Nesse ano os investimentos diretos foram superiores ao déficit em contacorren te o que significa que o país pagou um pouco de sua dívida financeira O Plano Real 337 poupanga externa prevé a substituigao da poupanga interna pela externa A partir da depreciacao do real em 1999 0 processo inverso comega a ocorrer A forte depreciagao cambial se soma um choque externo favoravel que dobra as exportagdes do pais em alguns anos de forma que o déficit em conta corrente de 473 do PIB em 1999 se transforma em superavit de 165 em 2005 Temos portanto um ajuste externo de 64 do PIB Na Tabela 10 vemos que da mesma maneira que a taxa de investimento nao aumenta ra no periodo anterior em que a poupanga externa estava aumentando nes se periodo em que ela cai o investimento também nao cai na verdade se compararmos a taxa média de investimento de 20042005 com a de 1999 2000 ocorre um aumento de 37 ou de 07 pontos porcentuais na taxa de investimento nessa segunda fase houve portanto substituigao da poupan a externa pela interna Isso acontece porque como prevé o modelo com a depreciacgao cambial os salarios caem e cai 0 consumo o que pelo lado da renda aumenta a poupanga interna ao mesmo tempo pelo lado da deman da a depreciagdo causa o ressurgimento de oportunidades de investimentos lucrativos voltados para a exportacdo que ao serem realizados aumentam igualmente a poupanga interna Tabela 10 TAXAS DE SUBSTITUICAO DE POUPANCA 19932006 Taxa de Variagao Poupanca Poupanga Taxa de investimento no periodo externa interna substituigao 1S SiS AS xt AS xe1 ASitASie1 ASiASx 203 172 19941999 28 59 211 171 19992006 48 47 97 Fonte Ipeadata elaboragao do autor Observagao Valores correspondem a média de trés anos centrada no ano Internaexterna 19931999 externainterna 20002005 No caso brasileiro esse processo inverso de substituigéo foi aumentado pelo ajuste fiscal que comegou em 1999 pelo aumento dos precos das com modities exportadas e pela melhoria das relagdes de troca que a partir de 2003 produziram superavits em contacorrente e uma bemvinda despou 338 A construgao politica do Brasil pança externa A Tabela 10 sumariza a medição das duas taxas de substi tuição Para medir a taxa de substituição da poupança interna pela exter na escolhi o período em que a poupança externa estava em clara ascensão 19931999 e para medir o processo inverso de substituição da poupança externa pela interna escolhi o período em que a poupança externa estava em declínio 20002005 Como a Tabela 10 mostra a elasticidade de substituição foi muito alta nos dois períodos escolhidos O resultado quanto à taxa de substituição da poupança interna pela externa entre 1994 e 1999 é impressionante 211 no período A taxa elevada decorre do fato de que a taxa de investimento caiu apesar do aumento da poupança externa de 28 porque os salários cresceram fortemente com o Plano Real e aumentou o consumo provocando assim forte diminuição da poupança interna nesse mesmo período de 5 9 do PIB O processo inverso de substituição da poupança externa pela interna que ocorre entre 1999 e 2005 poderia parecer surpreendente mas está igual mente previsto pelo modelo Nesse período a taxa inversa a de substituição da poupança externa pela interna foi de 97 porque a taxa de investimen to permaneceu praticamente a mesma e a diminuição da poupança externa de 48 foi compensada quase integralmente pelo aumento da poupança interna de 4 7 do PIB na medida em que os salários caíram Mas não é apenas a diminuição dos salários reais que explica a substituição da poupan ça externa pela interna nesse segundo período adicionalmente é preciso considerar o ajuste fiscal do governo a partir de 1999 ¹0e o aumento das exportações a partir de 2002 este explicado não apenas pelo câmbio mais favorável mas especialmente pela melhoria dos preços das mercadorias ex portadas pelo Brasil que aumentaram em 30 entre 2002 e 200511 No primeiro período a taxa de substituição superior a 200 foi excepcional outros pesquisadores embora sem uma teoria para explicar o fenômeno mediram o deslocamento de poupança interna causado pela poupança ex terna em vários países e períodos e a maioria dos resultados está em torno de 5012 10 Enquanto entre 1995 e 1998 o superávít primário ficou em torno de 0 no quadriênio 19992002 girou em torno de 35 e no quadriênio seguinte em torno de 45 do PIB 11 Fonte FUNCEX 12 Em Gala 2006 há uma resenha dessas pesquisas O Plano Real 339