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Ciências Econômicas ·
Economia Brasileira Contemporânea
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CRESCIMEN A oc Eee yon r 60 194 2 23 ah se tO oo 70 bak 933 10 is Geo yt lL year 19 aes 4 o AM aa 2 ene Ge oe Joao Paulo dos Reis Velloso memorias do desenvolvimento Qo aot ISBN 8522504911 Copyright Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Praia de Botafogo 190 14º andar 22250900 Rio de Janeiro RJ Brasil Tels 0800217777 2125595543 Fax 2125595532 email editorafgvbr web site wwweditorafgvbr Impresso no Brasil Prínted in Brazil Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação do copyright Lei ns 5988 1a edição 2004 REVISÃO DE ORIGINAIS Claudia Martinelli Gama EDITORAÇÃO ELETRÔNICA FA Editoração Eletrônica REVISÃO Fátima Caroni e Mauro Pinto de Faria CAPA Adriana Moreno FOTO DE CAPA Reis Velloso ministra a aula inaugural de 1968 na UFRGS em que rebate a tese de Herman Khan do Hudson Institute no livro Theyear 2000 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mário Henrique SimonsenFGV Tempos modernos João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvol vimento Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro Rio de Janeiro Editora FGV 2004 388 p il Inclui caderno de fotos bibliografia índice onomástico e de institui ções 1 Velloso João Paulo dos Reis 19312 Brasil Política e governo I DAraujo Maria Celina II Castro Celso 1963 III Fundação Getulio Vargas CDD 923281 Capítulo 4 Montando instituições para o Planejamento governos Castelo Branco e Costa e Silva O SENHOR VOLTA DE YALE EM MAIO DE 1964 E VAI CRIAR O IPEA COMO FOI ESSE INÍCIO DE ATIVIDADES PÚBLICAS Voltei ao Brasil com duas opções trabalhar em alguma instituição interna cional ou retornar à Universidade de Yale mas acabei indo para o Ministério do Planejamento Tinha conhecido o Roberto Campos quando eu estava em Yale e ele era embaixador em Washington No início de 1964 ele fez uma palestra na universidade No Faculty Club houve um jantar em sua homenagem e por co incidência sentei à sua frente De repente ele perguntou Você não é o Velloso Sou O Simonsen e o Isaac Kerstenetzky me falaram de você Voltando do exterior encontro na minha residência um telegrama dele pedindo para procurá lo assim que chegasse Recebi também um convite do Paulo Lira chefe da assessoria do presidente do Banco do Brasil para retornar ao banco e outro do Garrido Torres presidente do BNDE para ser chefe do Departamento Económico Tive uma primeira conversa com o Campos que não foi conclusiva conversamos de novo e foi quando ele me propôs a criação do Escritório de Pesquisa Económica Aplicada Epea que hoje conhecemos como Instituto de Pesquisa Económica Aplicada Ipea criado em 1964 A ideia era ter um órgão pensante de governo fora da rotina da administração dentro da rotina já havia os grupos setoriais do Planejamento Pretendiase que o Ipea fizesse pesquisa económica aplicada e o aplicada aí era vital ou seja policy oriented e que ajudasse o governo a formular o Planejamento A proposta me sedu ziu e de repente me vejo no Ministério do Planejamento 86 T E M P O S M O D E R N O S A primeira sede do Ipea foi na rua Visconde de Inhaúma no Centro do Rio um andar vazio em que nos primeiros dias só havia uma secretária e eu Quando queria falar com ela fazia sinal Mas imediatamente o Campos começou a nos atribuir tarefas de modo que comecei a contratar gente É importante registrar que o Ipea nasceu sob o signo do pluralismo um dos primeiros se não o primeiro econo mista a ser contratado foi o Og Leme que havia feito pósgraduação na Universidade de Chicago dois pólos em termos digamos de orientação econômicopolítica pro curando tocar aquele animal novo Uma espécie de think tank no governo E nos dávamos bem A primeira tarefa do Ipea foi por delegação do ministro a revisão do Programa de Ação Económica do Governo o Paeg As pessoas em geral conhecem como Paeg um documento pequeno de 244 páginas na verdade um texto de síntese feito para divulgação56 O Paeg propriamente dito compõése de dois volumes cada um com umas 400 páginas57 A maioria dos capítulos da parte macroeconômica era de auto ria do Simonsen e fizemos a revisão Houve depois uma complementação dessa parte macroeconômica feita em Washington principalmente pelo Simonsen para estabe lecer a conexão entre o programa de investimentos e o balanço de pagamentos O pessoal do Ipea fez os programas setoriais que constam do segundo volume O pri meiro volume trata dos objetivos do Paeg da parte macroeconômica e dos instru mentos de ação O segundo de programas setoriais para agricultura indústria e assim por diante O da agricultura foi baseado num texto que veio da Fundação Getulio Vargas e foi adaptado por nós Os demais foram de autoria do pessoal do Ipea ou de pessoal dos grupos setoriais do Planejamento Começamos a revisão do texto inicial elaborado pelo Simonsen fazendo uma discussão em petit comité promovida pelo próprio Roberto Campos com a pre sença do Bulhões no 142 andando Ministério da Fazenda onde havia uma sala de almoço Em torno dessa mesa o processo deslanchou Depois Simonsen e eu fo mos chamados para assessorar o Campos em sua ida a Washington quando foi 56 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONÓMICA Programa de Ação Económica do Governo 196468 síntese Rio de Janeiro Epea maio 1965 Documentos Epea n 1 57 GABINETE DO MINISTRO EXTRAORDINÁRIO PARA O PLANEJAMENTO E CO ORDENAÇÃO ECONÓMICA Programa de Ação Económica do Governo 196468 Rio de Ja neiro Epea 1965 2 v ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 87 apresentar o Paeg às entidades internacionais Usaid Banco Mundial BID Fundo Monetário Internacional observadores europeus etc Quando nos encaminháva mos para o Banco Mundial para uma audiência com o presidente do banco Cam pos me perguntou Velloso o que vou pedir Claro que queremos financiamento mas sugere algo em matéria de estudos Eu disse O Banco Mundial podia fazer dois estudos um sobre o setor de transportes e outro sobre siderurgia E fomos atendidos Em consequência disso o Banco Mundial mandou uma missão de 40 técnicos do próprio banco ou por ele contratados que ficou meses aqui analisan do esses temas Dessa missão surgiu uma proposta de formação do Grupo Execu tivo de Integração da Política de Transportes Geipot criado em 1965 e que fun cionou até 2002 No caso da siderurgia as coisas não funcionaram tão bem A consultora contra tada chegou a conclusões que não eram muito favoráveis ao desenvolvimento da siderurgia brasileira A mim por exemplo isso pareceu um absurdo levandose em conta nossa riqueza em minério de ferro e os programas de investimento que o Brasil realizava no setor O Brasil devia ser certamente um dos países do mundo com maior potencial de desenvolvimento siderúrgico Tanto que hoje é um dos maiores exportadores mundiais do setor O nosso problema é que para exportar para os Estados Unidos enfrentamos o protecionismo americano defendendo suas indús trias senis usinas instaladas no começo do século XX que não são competitivas O que é competitivo nos Estados Unidos hoje são as miniusinas Gostaria de lembrar que o Paeg foi um grande avanço em relação aos anos 1950 porque propôs a conciliação de crescimento com estabilidade de preços Acho que aí começa o que chamo de desenvolvimentismo sofr compatibilizar crescimento e inflação baixa através de um programa estratégico DE ONDE VIERAM AS PESSOAS QUE O SENHOR CONTRATOU PARA O IPEA Requisitávamos técnicos de órgãos do governo ou contratávamos Até a Cons tituição de 1988 o Ipea tinha um regime próprio de pessoal O Decretolei n2 200 de março de 1967 transformou o Ipea em fundação com pessoal sujeito à legislação trabalhista e manteve a ideia do regime de pessoal próprio Em 1988 seus funcioná rios passaram para o Regime Jurídico Único algo com que não concordo pois con sidero importante não só a descentralização dentro da administração pública como também a diferenciação 88 T E M P O S M O D E R N O S O Ipea também fez convénio com a Universidade da Califórnia em Berkeley pelo qual recebemos uma equipe permanente de professores como consultores O primeiro coordenador da equipe foi o professor William Ellis famoso na área de política monetária e o segundo foi o Albert Fishlow que depois se tornou um brasilianista assim como vários outros membros dessa equipe Por exemplo o Sam Morley que no meu entender tem o melhor livro sobre distribuição de renda no Brasil nos anos 196058 e o Joel Bergsman que escreveu um livro59 e inúmeros arti gos sobre economia brasileira Eles moravam no Rio e tinham base no Ipea lado a lado com os nossos economistas Na área da indústria a contrapartida do Bergsman era o Arthur Candal que eu trouxera do Rio Grande do Sul auxiliado por dois jovens economistas Pedro Malan e Regis Bonelli Havia também por iniciativa do Campos consultores especiais sem ligação com Berkeley como Rosenstein Rodan muito conhecido pela sua teoria do BigPush e Benjamin Higgins autor de um livro sobre desenvolvimento económico que fez muito sucesso nos anos 196060 POR QUE O CONVÉNIO COM A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY E NÃO COM OUTRA GRANDE UNIVERSIDADE Porque foi a universidade que se interessou em mandar uma equipe que aqui funcionasse em caráter permanente Foi um convénio que infelizmente terminou com o AI5 A universidade propôs ao governo o fim do convénio De passagem Berkeley era uma das universidades mais progressistas nessa época e tinha grande interesse pelo Brasil Foi UM TÉRMINO POLÍTICO ENTÃO Foi Tive até uma conversa com o Fishlow naquela oportunidade Muito bem vocês voltam para casa e nós ficamos aqui com os nossos problemas Mas na reali dade eram consultores toda a responsabilidade do planejamento e da pesquisa era nossa Era uma decisão política mas devem ter achado a dose forte 58 MORLEY Sam Labor markets and inequitable growth the case of authoritarian capitalism in Brazil Cambridge Cambridge University Press 1982 59 BERGSMAN Joel Brazil industrialization and tradepolicies Oxford Oxford University Press 1970 60 HIGGINS Benjamin Howard Economic devebpment principies problems and policies New York W W Norton 1959 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 89 A FINEP FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS FOI TAMBÉM UMA CRIAÇÃO DO IPEA Sim foi outra ação do Ipea no início do seu funcionamento Surgiu como uma conta gráfica ou seja um fundo contábil sem personalidade jurídica Primeiro foi parte do Ipea e depois passou para o BNDE Seu objetivo inicial era realizar finan ciamentos de estudos e projetos Essa foi outra ideia do Campos que um dia me disse Olha vamos precisar de um órgão que financie para os setores público e privado a elaboração de projetos para podermos conseguir financiamentos interna cionais E assim surgiu a Finep em março de 1965 com o nome de Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas vinculado ao BNDE e não em 1967 como oficialmente se diz Em julho de 1967 deuse a transformação desse fundo em uma empresa pública a Finep através da lei de reforma administrativa Depois tomou outro rumo na minha fase inicial como ministro quando passou a tratar de desenvolvimento científico e tecnológico Voltando ao Ipea na primeira fase fizemos como vimos a revisão e a publica ção da versão final do Paeg que curiosamente só saiu em versão preliminar Mas a versão preliminar na verdade acabou sendo a versão definitiva A segunda etapa do Ipea foi diferente Um dia o Campos que naquele tempo acreditava em planeja mento global mais do que eu e que acreditava até em planejamento quantificado de longo prazo me chamou Olha Velloso está na hora de fazermos uma espécie de plano estratégico para o governo Eu disse Mas isso não é coisa que lembra a Rússia E ele Não não Vamos fazer um plano decenal a Rússia fez um plano de 25 anos Discutimos discutimos ele insistiu começamos a fazer um plano decenal A primeira fase foi a dos diagnósticos e aí o Ipea se projetou Os diagnósticos tiveram grande repercussão Considero o diagnóstico sobre a indústria61 e o livro da Conceição62 as duas melhores coisas que já se publicaram com respeito a avalia ção dos anos 1950 A verdade é que o plano decenal só foi decenal no modelo econométrico que ficou como documento mimeografado Quando o Ministério do Planejamento fez a publicação impressa em 1968 como Programa Estratégico de Desenvolvimento já tinha um modelo completamente diferente Feito pelo Fishlow revisto pelo Simonsen 61 Ver nota 53 no capítulo 3 62 Ver nota 54 no capítulo 3 90 T E M P O S M O D E R N O S era então um modelo macroeconômico para três anos 1968 a 1970 Nessa ocasião os diagnósticos do Ipea tiveram grande sucesso Fizemos inclusive um sobre cultura brasileira único realizado até hoje no Brasil63 Reuni um grupo de intelectuais entre eles Afrânio Coutinho Eduardo Portela José Paulo Moreira da Fonseca Américo Lacombe e depois de várias reuniões preparamos um diagnóstico da cultura e pro pusemos uma linha de ação do governo como órgão promotor da cultura Fiquei amigo de todos eles Esses documentos disfarçavam o fato de o Ipea estar oficialmente trabalhando em um plano decenal Porque os planos setoriais eram quinquenais ou seja correspondiam mais ou menos a um mandato de governo o que me parecia fazer sentido Foi no Ipea que se fez ainda a reestruturação do IBGE Em meados dos anos 1960 o censo do ano de 1960 ainda não tinha sido apurado Conversamos com o Campos Temos de reestruturar o IBGE É fundamental não existe Ministério do Planejamento sem um IBGE funcionando bem Então duas coisas foram feitas Primeiro uma legislação estabelecendo o que seria o sistema nacional de estatísticas básicas Isso foi realizado de imediato por um grupo de trabalho em que o principal elemento era o Isaac Kerstenetzky Segundo a reestruturação propriamente dita O Isaac e o Henrique Flanzer meu amigo foram os que mais trabalharam nisso A proposta foi transformar o IBGE criado em 1934 em uma fundação o que real mente aconteceu com a lei da reforma administrativa em 1967 Nos últimos meses o governo Castelo Branco era muito impopular por moti vos óbvios Tinha havido duas recessóes o empresariado estava em pé de guerra as críticas se sucediam o crescimento era baixo a inflação ainda estava em 40 É verdade que fora de 90 em 1964 Mas numa projeção feita pelo Simonsen se a inflação continuasse no ritmo resultante do primeiro trimestre de 1964 daria não esqueço 144 ao fim do ano Deu 90 por causa das medidas adotadas pelo gover no Castelo Branco Nesse clima de impopularidade do governo Castelo Branco o novo governo do Costa e Silva fez um afastamento tático em relação ao governo anterior Não critica 63 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL Diagnóstico prelimi nar da cultura Rio de Janeiro Epea 1967 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 91 vá mas não queria se comprometer com nada que dissesse respeito ao governo Cas telo Branco Comecei a ter preocupações com o futuro do Ipea lembrando a velha descontinuidade administrativa do Brasil O PAEG RECEBEU MUITAS CRÍTICAS O SENHOR NO IPEA TINHA DE EXAMINÁLAS Entre essas críticas eu destacaria um documento que o Departamento Econó mico da Confederação Nacional da Indústria divulgou e outro apresentado pelo Dias Leite na primeira reunião do Conselho Consultivo do Planejamento que o Campos havia criado E houve ainda as críticas do Carlos Lacerda governador da Guanabara feitas pela televisão que tiveram grande repercussão Em todos esses casos Simonsen e eu funcionamos em parceria preparamos juntos a resposta do ministério No caso do Dias Leite houve uma resposta do Delfim que era também membro do Conselho do Planejamento mas a resposta oficial veio num documento preparado a quatro mãos por Simonsen e por mim O Lacerda levou duas noites na televisão falando contra o Paeg por motivos políticos pois já se havia convencido de que não seria o candidato de Castelo à presidência O Campos na noite seguinte foi à televisão responder Antes de ir Simonsen e eu fomos à sua casa e ele nos distribuiu tarefas Você prepara uma nota sobre isso você prepara uma nota sobre aquilo Evidentemente foi ele quem fez a apresentação na televisão e o fez como achou melhor mas nós o assessoramos Nós também sugerimos que usasse um quadronegro em sua apresentação Havia um grande criminalista no Rio Humberto Telles que fazia suas defesas no júri com um quadronegro em que escrevia as acusações da promotoria ia respondendo e cortan do como quem diz Esta acusação está eliminada O Campos fez isso na televisão e funcionou Levou um quadronegro listou as principais críticas do Lacerda e foi riscando à medida que ia respondendo Essencialmente o que se dizia é que o governo estava combatendo a inflação à custa de recessões Realmente houve duas recessões uma em 1965 outra em 1966 rápidas não previstas no Paeg A crítica era completada com o comentário de que a indústria brasileira nunca tinha sido tão maltratada Lembro bem um dia estava saindo do mar na praia do Leblon e dei de cara com um empresário que se voltou para mim A ideia de vocês é realmente acabar com a indústria Ri amarelo Esta é apenas uma ideia das críticas que o Paeg recebeu 92 T E M P O S M O D E R N O S APROVEITANDO ESSE COMENTÁRIO PODEMOS FAZER UMA RETROSPECTIVA ECONÓ MICA DO GOVERNO CASTELO BRANCO Na questão das tarifas públicas anos depois num programa de televisão que coordenei para a TVE a respeito do meu livro O último trem para Paris64 o próprio Campos ao debater com Edmar Bacha reconheceu que algumas empresas estatais tiveram reajuste de mais de 1000 na tarifa Por quê Porque havia um atraso enor me E o que o Simonsen chamava de inflação corretiva Como havia uma crise principalmente em energia elétrica e em comunicações por causa do sistema de concessões a empresas privadas estrangeiras que prevalecia na época criouse um impasse político A maneira de sair desse impasse foi entregar o setor a empresas estatais Essa transformação foi completada pelo governo Castelo Branco Foi o Campos quem negociou a compra das últimas empresas concessioná rias de energia elétrica e passouse a recuperar o tempo perdido grandes reajusta mentos de tarifas para atualizálas E também se fez a correção monetária nos impos tos As duas coisas significam um ónus terrível para o setor privado porque aumen tam a carga tributária e os custos das tarifas de serviços públicos A correção monetária foi estabelecida inicialmente em 1964 visando a três coisas Duas favoreciam o governo A primeira eram os tributos e a segunda era o crédito público ou seja a emissão de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional as ORTNs como se chamava naquele tempo A terceira era tornar possível a corre ção monetária anual nos contratos de longo prazo Para salários criouse a fórmula salarial concebida pelo Simonsen que se ba seava na média dos salários reais não no pico Isso é o mais indicado do ponto de vista económico e foi a fórmula depois adotada pelo Plano Real Só que havia um componente na fórmula o chamado resíduo inflacionárío que o dr Bulhões sempre fixava em 10 O Estado assumiu à época os serviços públicos que estavam em crise em mãos de empresas multinacionais Estudos mostravam que se havia chegado a um impasse em matéria desses serviços e que o sistema de concessionárias não devia continuar porque o país não teria infraestrutura Era um impasse político não económico 64 VELLOSO J R dos Reis O último trem para Paris de Getúlio a Sarney milagres choques e crises do Brasil moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 O debate naTVE Rio de Janeiro também se chamou O último trem para Paris e constou de cinco programas M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 93 Criado o impasse político chegouse à conclusão de que o melhor era ter um sistema de estatais que cuidasse da infraestrutura económica Hoje há toda uma discussão sobre usar o índice Geral de Preços do Mercado IGPM ou o índice Geral de Preços Disponibilidade Interna IGPDI como base para a fixação de tarifas públicas Nenhum desses é realmente índice geral de preços porque datam de 1946 e a escolha do sistema de pesos para os componentes foi arbitrária além de sua desatualização Na verdade reajuste tem de ser feito na base da atualização de custos em condições de eficiência reajustar em função dos aumentos de custos desde que a empresa funcione em níveis de eficiência Essa deve ser a lógica Os índices de preço que acabei de mencionar além do mais são alta mente influenciados pela variação do dólar o que significa a quase dolarização da tarifa Isso não tem sentido económico Naquele período para dar aos diferentes setores de infraestrutura mais recur sos para investir havia também o imposto único e o empréstimo compulsório A Constituição de 1988 acabou com isso o que foi uma tolice Passaram para o Impos to sobre Circulação de Mercadorias ICMS para o estado O estado hoje tem essa receita e não tem nenhuma obrigação com relação aos setores de infraestrutura energia elétrica transportes comunicações O Everardo Maciel num ensaio que fez para o Fórum Nacional no ano passado mostra que comunicações e energia são setores sobretributados65 Há tributação demasiada porque o estado aumenta como quer a alíquota do ICMS HOJE o BRASIL ESTÁ MAIS EQUIPADO EM TERMOS DE ÍNDICES ECONÓMICOS DO QUE NAQUELE PERÍODO NÃO Temos de ter índice de custos se for o caso em nível de empresa ou pelo menos de setor energia elétrica telecomunicações transportes Com isso podese aferir melhor o índice de aumento de produtividade que se pode exigir na hora de compor a taxa de reajuste Não se pode deixar a tarifa desatualizada senão acontece um apagão O crime não compensa a gente já viu isso nos anos 1950 e 1960 O Brasil praticamente não tinha telefones Precisei ligar para a minha noiva em São Paulo em 1954 ano do quarto centenário da cidade levei 24 horas para conseguir 65 MACIEL Everardo Reforma tributária viável In VELLOSO J P dos Reis Org O Brasil e a economia do conhecimento Rio de Janeiro José Olympio 2002 94 T E M P O S M O D E R N O S Nos anos 1970 as coisas efetivamente mudaram Nessa época certa vez estava na Europa não sei em que capital pedi uma ligação para Nova York e outra para o Rio de Janeiro A do Rio saiu primeiro Naquela década o Brasil tinha uma boa infraestrutura em todas essas áreas que se deteriorou nos anos 1980 e 1990 Por quê Porque a tarifa não se atualizou e não houve recursos para fazer investimento inclusive pela extinção dos impostos únicos E ainda outra complicação a partir do ajuste fiscal de 1998 mesmo quando a empresa não era deficitária e não dependia do Tesouro Nacional consideravase que o recurso tomado para investimento era parte da despesa pública como qualquer gasto orçamentário Segundo as contas nacio nais as empresas estatais pertencem ao setor privado salvo se forem deficitárias como era a Rede Ferroviária Então não tem sentido colocar investimentos da Petrobras ou da Eletrobrás empresas que têm recursos para investir como parte dos gastos públicos É ser mais realista que o rei e dificultar o desenvolvimento da infra estrutura e do crescimento AINDA SOBRE o GOVERNO CASTELO o SENHOR PODIA FALAR SOBRE o ESTATUTO DA TERRA Era uma forma de viabilizar a reforma agrária e o Roberto Campos que acredi tava em reformas empenhouse muito nisso Não queria deixar passar a impressão de que reforma agrária era um tabu Mas a ideia dele era usar o sistema tributário só que isso foi deixado nas mãos dos municípios que não administraram bem o impos to sobre a propriedade territorial rural E o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra só muito recentemente talvez só no governo Fernando Henrique avançou na questão de assentamentos em grande escala O Ministério da Agricultura que supervisionava o Incra sempre tendeu a ser ligado à agricultura de mercado e a ter medo da reforma agrária Quer dizer não tinha interesse em desen volver a agricultura familiar e principalmente os assentamentos Depois houve ou tra tentativa com o PróTerra sobre o qual falaremos adiante O BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO BNH E o FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO FGTS SÃO TAMBÉM CRIAÇÕES DO GOVERNO CASTELO BRANCO O FGTS criado em 1966 foi outra das ideias da agenda do Campos O obje tivo era ter um substituto para o instituto da estabilidade do empregado na empresa privada depois de 10 anos de serviço Acho que fazia sentido porque o instituto da M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 95 estabilidade estava se desmoralizando a empresa não esperava que o empregado com pletasse 10 anos com nove demitia Era um problema também para a empresa porque muitas vezes lhe convinha ter um empregado durante 15 ou mais anos De modo que a ideia foi criar um substituto e com isso se matou outro coelho o finan ciamento para a habitação através do BNH que fora criado em 1964 Criouse assim o Sistema Financeiro de Habitação que também financiava o saneamento Veja o BNH não operava diretamente operava através de agentes Era por assim dizer a cabeça do sistema Aprovava as normas e os financiamentos agia atra vés do sistema bancário Isso permitiu um grande desenvolvimento do setor habitacional inclusive casa popular propriamente dita e cooperativas habitacionais Como a indústria da construção é grande geradora de empregos com essa iniciativa se alcançavam simultaneamente outros objetivos económicos e sociais O SENHOR TEM AINDA ALGUMA OUTRA OBSERVAÇÃO SOBRE O GOVERNO CASTELO BRANCO Há sim outras coisas que quero registrar Talvez o governo Castelo não tenha feito tanto quanto se esperava pela retomada do crescimento mas isso era complica do ante a necessidade de conter a inflação o que implicava principalmente recons trução do valor real dos impostos e das tarifas de serviços públicos além de forte aperto no crédito como já expliquei Sem embargo onde a dupla CamposBulhões se saiu muito bem foi na preparação das bases para o crescimento duradouro e rápido no futuro através de reformas económicas e sociais Mencionamos já algumas delas Vale a pena acrescentar a reconstrução do orçamento que havia sido transformado em ficção nãocientífica pela alta inflação e ausência de política económica e a racionalização do sistema de impostos Por exem plo o imposto de renda tributava lucros fictícios das empresas por não considerar o efeito da elevada inflação sobre os balanços provocando a reação óbvia sonegação generalizada Outras iniciativas importantes são a criação do Banco Central e as reformas do sistema financeiro e do mercado de capitais Há ainda duas outras reformas sobre as quais praticamente não se tem falado A primeira foi a do Tribunal de Contas da União TCU que funcionou bem Os contratos celebrados por toda a administra ção pública no país eram por lei examinados pelo Tribunal apriori ou seja antes de serem assinados A análise e a aprovação desses contratos passaram a ser feitas a 96 T E M P O S M O D E R N O S posteriori após a assinatura Podese imaginar o terremoto que essa mudança provo cou nas relações entre o Tribunal e o governo mais especificamente com o Ministé rio do Planejamento A mudança foi feita e depois o TCU reconheceu ser isso me lhor para todos A outra reforma está no Decretolei n2 5 de 1966 que estabelecia a reestrutura ção da capatazia nos portos para acabar com os feudos dos sindicatos e permitir a liberdade na contratação de pessoal Mas o ministro da Viação e Obras Públicas Juarez Távora nunca pôs a nova lei em execução Por isso a reforma nos portos só foi acontecer nos anos 1990 Gostaria de aproveitar ainda a oportunidade para dizer uma palavra sobre o professor Bulhões então ministro da Fazenda Sabese em geral que a dobradinha CamposBulhÕes funcionou bem Mas há uma ideia de que o ministro Bulhões sem pre ia a reboque do ministro Campos Não era bem assim o professor Bulhões real mente deixava que na maioria dos casos o Campos fosse à frente liderando os assuntos Todavia quando o assunto era de seu interesse direto o velho mestre finca va pé e o Campos que o respeitava muito deixava a coisa seguir como queria o professor Guardo boas lembranças de alguns fatos muito peculiares do professor Bulhões Um quase anedótico Um belo dia recebi um telefonema dele logo no início do expediente pedindo que eu desse um pulo ao seu gabinete no 10a andar do prédio da Fazenda Deixei o que estava fazendo e me mandei para a Fazenda na ideia de que ele estivesse querendo ouvirme sobre alguma medida nova na área de política mone tária Na realidade passamos meia hora discutindo se o roteiro preparado por ele para a aula que iria dar no dia seguinte na então Faculdade Nacional de Economia estava ou não como deveria ser Há outro fato que nada tem de anedótico ou curioso Numa das reuniões com a missão do FMI vinda ao Brasil para discutir os termos do acordo em negociação o líder da missão Jorge Del Canto chefe do Departamento do Hemisfério Ocidental economista da velha guarda do fundo e muito rígido começou a fazer exigências e mais exigências aos presentes ou seja os ministros do Planejamento e da Fazenda e suas assessorias até ultrapassar os limites do razoável O professor Bulhões à cabeceira da longa mesa preta do 10a andar não perdeu a calma Levantou a voz um pouquinho e falou que o Campos e ele estavam fazendo um enorme esforço para reorganizar a economia brasileira e particularmente para M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 97 pôr a inflação sob controle Diante disso a atitude da missão do fundo lhe parecia não fazer sentido O governo iria continuar na rota que vinha seguindo Era só o que tinha a dizer Falou levantouse e saiu da sala Podese imaginar o choque Houve outras reuniões o acordo saiu o resto é história Uma qualidade do professor Bulhões que sempre me aproximou dele foi a sua preocupação constante com o desenvolvimento do mercado de capitais para que as empresas tivessem recursos para investir sem precisar endividarse Lembro que anos mais tarde lá por volta de 1984 ou 1985 o grupo de mercado de capitais com o qual eu trabalhava a Invesplan promoveu um seminário no Rio Grande do Sul com em presas interessadas em fazer abertura de capital Convidei o professor Bulhões para a cerimónia inaugural Ele já em idade avançada tomou o mesmo voo que eu e lá foi fazer a palestra solicitada não me lembro se em Porto Alegre ou Caxias do Sul COMO FOI POSSÍVEL A CONTINUIDADE DOS TRABALHOS DO IPEA MESMO COM A MUDANÇA PARA O GOVERNO COSTA E SILVA uma conversa com o Walter Poyares nosso consultor para assuntos de rela ções públicas e que me havia sugerido a divulgação de uma versão simplificada do Paeg fiquei sabendo que ele tinha muita ligação com a assessoria do novo presidente Costa e Silva Ele então marcou uma entrevista minha com o Andreazza Expliquei o que era o Ipea e dei uma sugestão Por que não fazemos uma série de seminários para o presidente Costa e Silva sobre problemas de desenvolvimento e de política económica Expliquei que ficaria bem para a imagem dele que poderíamos cobrir os mais diversos temas da área económica O Andreazza gostou da ideia e marcamos uma série de seminários Só que depois do primeiro em que a exposição foi feita por mim vejo no dia seguinte no Diário de Notícias na primeira página Professor de presidentes Havia uma fotografia minha fazendo a exposição O Sérgio Figueiredo que tinha uma coluna económica de prestígio na época chamada Periscópio tinha recebido a notícia não sei se do próprio Andreazza Fizemos os demais seminários dois ou três por semana Os expositores foram o Delfim Netto o Beltrão que já estava muito cotado para ser ministro do Planejamen to e outros Eu me tornei um assessor do Costa e Silva dava expediente no escritório que ele tinha em Copacabana e dava parecer sobre os assuntos que lhe eram encami nhados Fizemos uma boa aproximação o que valeu muito ao Ipea no período se guinte porque eu nem conhecia o Beltrão Eu o vira pela primeira vez quando lhe fiz 98 T E M P O S M O D E R N O S o convite para participar desse seminário Nesse período ia haver uma audiência do Campos com o Costa e Silva que me disse Velloso vem a essa audiência Era um encontro em que o Campos ia fazer algo que considerava de alto interesse nacional pedir ao Costa e Silva que mantivesse o Bulhões como ministro da Fazenda coisa que obviamente o Costa e Silva nem considerava porque acho já havia escolhido o Delfim Assim se deu a transição o Beltrão assumiu o Ministério do Planejamento o Delfim foi de fato para a Fazenda o Ipea se transformou em fundação Como disse não tinha intimidade com o Beltrão O primeiro trabalho que se fez no Ipea para o novo governo foi um diagnóstico da situação da economia preparado pela assessoria conjunta dos ministérios do Planejamento e Fazenda66 Na verdade os principais autores foram o Affonso Pastore e o Carlos Roca que pertenciam à assessoria da Fazenda É um documento que chega à conclusão de que tinha havi do uma grande expansão tributária e de tarifas públicas no governo Castelo Bran co do que resultara uma grande debilidade do setor privado Mostra a mudança que tinha ocorrido na inflação que tinha passado a ser menos um problema de excesso de demanda para ser uma questão do aumento das tarifas do serviço públi co inflação corretiva EM ABRIL DE 1968 O SENHOR ASSUME A SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO COMO FORAM AS RELAÇÕES INICIAIS DO IPEA COM o MINISTRO BELTRÃO Antes se me permitem gostaria de referirme rapidamente à equipe do Ipea Numa instituição como aquela surgida para pesquisar e criar com vistas ao plane jamento do desenvolvimento económico e social a equipe é quase tudo Felizmen te conseguimos reunir um grupo de economistas engenheiros económicos e espe cialistas sociais que cobriam bem as diferentes áreas macroeconômicas inclusive comércio exterior indústria agricultura energia transportes recursos humanos saúde e saneamento e desenvolvimento regional Eram mentes inovadoras de tal modo que frequentemente em especial a partir de 1966 os próprios programas setoriais eram feitos no Ipea por equipes conjuntas do Ipea e do ministério setorial 66 IPEA Análise do comportamento recente da economia brasileira diagnóstico Rio de Janeiro Ipea 1967 ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 99 Um aspecto revelador é que em lugar de um setor de educação tínhamos o Centro Nacional dos Recursos Humanos CNRH já dentro da concepção de capital humano Havia também o Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econó mico e Social Cendec no Ipea destinado a qualificar pessoal para as secretarias gerais dos ministérios e as secretarias de planejamento dos estados O Cendec também mantinha um programa destinado a enviar economistas do Ipea e de outras instituições para fazer doutorado no exterior Mais para o fim da década sentindo a necessidade de criar uma divisão de trabalho mais nítida fezse a divisão do Ipea em dois institutos o Instituto de Planejamento Iplan em Brasília junto ao governo e o Instituto de Pesquisa Inpes no Rio Mas mesmo o Inpes estava voltado para políticas públicas e não para a simples pesquisa académica Voltando então à pergunta as relações iniciais com o novo ministro do Plane jamento no princípio de 1967 foram um tanto formais pelas razões que vimos Havia um grupo da assessoria do Beltrão ligado àqueles grupos setoriais que o Cam pos havia criado e que queriam reduzir a importância do Ipea dentro do Planejamen to Fomos levando o nosso trabalho com cautela até surgirem as oportunidades Nossa posição ficou consolidada junto ao novo ministro quando começaram a acon tecer as viagens do presidente Costa e Silva às diversas regiões do país Nessas viagens ia praticamente todo o ministério o governo tomava decisões e anunciava medidas em favor da região No caso da viagem do presidente ao Nordeste sugerimos uma reunião com os representantes dos ministérios recolhemos as sugestões que nos de ram em torno de possíveis medidas favoráveis à região Varamos a noite preparamos um documento que foi mimeografado na manhã seguinte Com ele Beltrão pôde brilhar na sessão da tarde fez a apresentação das medidas que o governo iria adotar e o presidente anunciou as conclusões de sua estada em Recife Esse documento real mente ficou muito interessante porque continha resumos de projetos O Vinícius Fonseca que viria a ser presidente da Fundação Oswaldo Cruz no governo Geisel trabalhava conosco e tinha muita experiência de elaboração de projetos Isso nos ajudou muito e aos poucos fomos conseguindo que o novo ministro adquirisse confiança no trabalho do Ipea Logo em seguida ele nos incumbiu de preparar o programa do novo governo o Programa Estratégico de Desenvolvimento 19681970 Saiu também em dois volu 100 T E M P O S M O D E R N O S mês a versão original tem uma introdução do próprio Beltrão67 Ali a gente pode assinalar a diferença de ênfase em comparação com o Paeg Enquanto o Paeg falava em conciliar crescimento com inflação o objetivo básico do PED era obter uma alta taxa de crescimento com a condição de a inflação continuar sendo reduzida progres sivamente A ênfase passou a ser o crescimento As prioridades do programa eram principalmente as chamadas áreas estratégicas Como falei nos anos 1950 o cresci mento da agricultura tinha acontecido apenas pelo aumento da área plantada Nossa ideia era fazer uma grande transformação na agricultura Outra prioridade era a infraestrutura económica energia elétrica petróleo transportes e comunicações O sistema de conglomerados de estatais já estava pronto havia sido completado no governo Castelo Branco Além da Petrobras já existia a Eletrobrás e a Telebrás e na área de transportes já havia o DNER e outros órgãos de modo que era possível dar um impulso ao setor de infraestrutura Pela primeira vez também se colocou o desenvolvimento científico e tecnológico entre as prioridades do governo Isso foi uma ideia do Beltrão e era um assunto que nós no Ipea estávamos desenvolvendo com o assessoramento do José Pelúcio Ferreira que dirigia o Fundo de Desenvolvi mento Técnico e Científico Funtec um fundo de apoio à ciência e à tecnologia criado no BNDE em 1964 com a finalidade de financiar a implantação de progra mas de pósgraduação nas universidades brasileiras Com base nesse Programa Estratégico o Beltrão promoveu uma série de deba tes em diversas regiões do país com o partido do governo a Arena De modo que houve também essa experiência de discutir o plano com a classe política O SENHOR PARTICIPAVA DESSAS REUNIÕES COM A ARENA Nesses encontros era eu quem sempre fazia as exposições Havia uma apresen tação inicial do Beltrão que tinha muita experiência política era inclusive filho de um líder político da UDN do Rio de Janeiro o Heitor Beltrão que foi deputado em várias legislaturas O Beltrão era digamos um animal político por excelência embo ra tivesse formação técnica e sua meninadosolhos fosse a reforma administrativa Ainda sobre o Ipea gostaria de fazer outra observação Tanto sob o Campos como sob o Beltrão mantevese o objetivo inicial de preservar o órgão de influências 67 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL Programa Estratégico de Desenvolvimento 19681970 Brasília jun 1968 2 v ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 101 políticas Trabalhouse com liberdade de opinião e de criação Basta lembrar que o Fishlow valendose dos dados do censo de 1960 escreveu um artigo conhecido so bre distribuição de renda no Brasil que suscitou nos anos 1970 o famoso debate sobre esse assunto que andava meio esquecido68 Nessa ocasião antes de haver mani festação do Ministério do Planejamento pedi ao Ipea um documento sobre distri buição de renda O estudo que veio foi muito baseado digamos nas interpretações da oposição O pessoal do Ipea escrevia o que queria e a gente deve lembrar que os principais economistas da oposição alguns filiados ao MDB trabalhavam no Ipea e no Planejamento por exemplo Edmar Bacha Pedro Malan Durante vários anos chegamos até a manter o escritório brasileiro da Cepal dentro do Ipea porque as Nações Unidas comunicaram ao governo brasileiro que iriam fechálo por falta de recursos Nessa ocasião eu já era ministro e decidi O escritório não vai fechar o Planejamento vai passar a pagar as despesas Mas em contrapartida a Cepal faria um estudo sobre promoção das exportações de manufa turados no Brasil Muito do pessimismo em relação à capacidade do Brasil de expor tar manufaturados se devia a influências da Cepal Por isso pedi o estudo que acabou sendo elaborado pelo Fernando Fajnzylber69 HOJE SE FALA QUE HÁ DOIS IPEAS O DO RIO E O DE BRASÍLIA UM MAIS INVESTIGATIVO OUTRO MAIS ADMINISTRATIVO SERIA ISSO Quando se criou o Ipea a ideia era que fizesse duas coisas pesquisa aplicada ou sejapolicyoriented e documentos preparatórios para a formação de planos um está gio mais avançado Tanto que como disse havia o Instituto de Pesquisa e o Instituto de Planejamento dois institutos dentro da mesma fundação Não sei por que acaba ram com isso as duas coisas são complementares e têm de ser feitas com alto nível de qualificação Com a reforma de 1990 fundiramse os dois institutos e o Ipea voltou a ser Instituto de Pesquisa Económica Aplicada talvez ficando subentendido que o Ipea de Brasília se dedicasse mais ao planejamento Hoje provavelmente há mais setores não conheço bem a estrutura atual Como quer que seja é importante assi nalar que mesmo a parte de pesquisa deve ser policyoriented e não apenas acadêmica 68FISHLOW Albert Distribuição de renda no Brasil In TOLIPAN R TINELLI A C Orgs A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento Rio de Janeiro Zahar 1975 69 FAJNZYLBER Fernando Sistema industrial e exportação de manufaturados análise da experiên cia brasileira Rio de Janeiro IpeaInpes 1971 102 T E M P O S M O D E R N O S o que seria fazer duplicação com as universidades e a outra parte da instituição deveria voltarse para subsidiar o planejamento estratégico com visão pelo menos de médio prazo O SENHOR ACHA QUE O BRASIL AINDA TEM CONDIÇÕES DE RETOMAR O QUE FOI A SUA VOCAÇÃO HISTÓRICA DE ESTADO DESENVOLVIMENTISTA Tudo mudou Acho que interessa mais agora ter visões estratégicas qualquer país precisa disso Diferentemente do que muita gente pensa os Estados Unidos são muito fortes na área de visões estratégicas inclusive no tocante a ciência e tecnologia Ou seja a visão de longo prazo é extremamente importante nos Estados Unidos tanto no setor privado quanto no setor público Não precisa ser um planejamento quantitativo Se ob servarmos no II PND não existem mais metas por uma razão especial Achávamos que as condições da época crise do petróleo não permitiam e diante disso colocamos indi cadores económicos e sociais e hoje nem isso eu colocaria O que deve ser o novo estágio de desenvolvimento O tema básico do Fórum Nacional de 2002 foi economia do co nhecimento que considero ligado a essa ideia do novo estágio de desenvolvimento O SENHOR PODIA FALAR DE SUA ATUAÇÃO NA SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO NO GOVERNO COSTA E SILVA Fui convidado para o cargo pelo Beltrão que foi ganhando confiança em nosso trabalho Na Secretaria Geral atuamos em várias áreas Ainda em 1968 tivemos o grupo de trabalho da reforma universitária Como nasceu isso Um belo dia eu que estava como ministro interino e o Andreazza fomos falar com o presidente Costa e Silva com a presença do general Mediei chefe do SNI sobre o movimento estudan til a passeata dos 100 mil na avenida Rio Branco no Rio de Janeiro em junho de 1968 e sugerimos Presidente por que o senhor não cria um grupo de trabalho para propor uma reforma universitária Isso poderia criar um melhor ambiente de diálogo com o meio universitário embora depois se tenha verificado que a única grande reivindicação dos estudantes eram mais vagas nas universidades para atender aos excedentes O presidente aprovou a ideia e o ministro da Educação Tarso Dutra concordou Participei desse grupo de trabalho representando o Planejamento e o Pécora representava a Fazenda Uma das propostas que fiz foi a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE que existe até hoje A minha ideia era que isso fosse um embrião de um banco da educação ou de um banco social M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 103 para que se passasse a trabalhar nessas áreas à base de projetos Depois o BNDE acrescentou um S à sua sigla e passou a cuidar da área social Eu queria algo espe cificamente para a educação mas o Ministério da Educação que gostou muito da ideia porque significava mais recursos para a educação passou a usar esses recursos para atividades normais do ministério como um complemento DE ONDE VINHAM OS RECURSOS PARA O FNDE Vinham do orçamento porque tínhamos alguns fundos gerais que eram admi nistrados pelo Planejamento Havia por exemplo o Fundo de Desenvolvimento de Áreas Estratégicas O que quer dizer isso Servia para fazer suplementação de recur sos a certos projetos de maior significação que queríamos apoiar Tínhamos vários fundos inclusive para pagamento de reajuste de funcionalismo e outras finalidades Como desdobramento disso tivemos a criação dos centros regionais de pósgraduação Havia no Ipea como disse o CNRH chefiado por um técnico muito compe tente o Arlindo Correia Esse centro junto com o Ministério da Educação opera cionalizou a criação dos centros regionais de pósgraduação já como forma de im plementação da reforma universitária Naquela época eram centros regionais por que se achava que não havia ainda condições para um centro em cada universidade ou em cada estado Com a evolução e expansão das universidades terminouse crian do pósgraduação em todos os estados praticamente para todas as áreas Parte dos recursos para a montagem dessa rede veio das suplementações que dávamos e que mais tarde passaram a vir da Finep e do Fundo Nacional de Desen volvimento Científico e Tecnológico O SENHOR FALOU DA REFORMA UNIVERSITÁRIA E DO MOVIMENTO ESTUDANTIL ESSE FOI UM PERÍODO DE INTENSA CONTESTAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO ESPE CIALMENTE O ANO DE 1968 COMO O SENHOR AVALIAVA ESSE MOVIMENTO Em parte era um movimento autêntico em parte era manipulação de certas facções da esquerda Ali já estavam começando a aparecer as dissidências que depois se transformaram em luta armada Isso está bem claro no livro do Elio Gaspari e também no do Gorender70 Mas não há dúvida de que boa parte daquele movimento 70 GASPARI Elio A ditadura escancarada São Paulo Cia das Letras 2002 GORENDER Jacob Combate nas trevas São Paulo Ática 1987 104 T E M P O S M O D E R N O S era um reflexo do que ocorria no mundo e uma rebelião estudantil natural Nunca fui a favor de prender ou perseguir ninguém a não ser que estivesse participando da luta armada Tanto que no Ministério do Planejamento a liberdade de contratação continuou Contratei por exemplo o Arthur Candal para ser o chefe do setor de indústria e que coordenou um trabalho importante o já citado A industrialização brasileira diagnóstico e perspectivas publicado em 1976 Eu o conheci no Rio Grande do Sul através do Marcus Vinícius Pratini de Morais Havia os que diziam que era comunista Eu argumentava Não estou interessado nisso Ele foi chefe do setor de indústria enquanto quis A PRORROGAÇÃO DO MANDATO DO PRESIDENTE CASTELO E O GOVERNO COSTA E SILVA VIERAM CONTRARIAR EXPECTATIVAS DOS QUE ACHAVAM QUE 1964 SERIA MAIS UMA INTERVENÇÃO RÁPIDA DOS MILITARES NA POLÍTICA MAIS DO QUE ISSO A RADICALIZAÇÃO IDEOLÓGICA AUMENTAVA E O REGIME SE TORNAVA MAIS REPRESSI VO COMO O SENHOR AVALIAVA O MOMENTO POLÍTICO Notem que os presidentes Costa e Silva e Mediei começaram o mandato prometendo o restabelecimento da democracia mas não conseguiram Costa e Silva ainda fez aquela tentativa de aprovar uma constituição para acabar com restrições excessivas mas não conseguiu Mediei após ser escolhido presidente da República fez um discurso em que afirmava Ao término do meu período administrativo espero deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso país E bem assim fixadas as bases do nosso desenvolvimento económico e so cial71 Então a pergunta é por que não conseguiram A minha ideia é que o regime de exceção deveria terse limitado àquilo que tinha sido inicialmente fi xado ou seja não deveria ter havido nem o AI2 em 196572 Elio Gaspari e VillasBôas Corrêa mostram que havia problemas dos dois lados Os presidentes da República algumas vezes não souberam enquadrar os comandantes militares 71 MÉDICI Emílio G O jogo da verdade 2 ed Brasília Secretaria de Imprensa da Presidência da República 1970 72 Descontente com os resultados das eleições para governador em Minas Gerais e no Rio de Janeiro o governo decreta em 28 de outubro de 1965 o AI2 que entre outras coisas dissolve os partidos então existentes torna indireta a eleição para presidente da República impõe mais rigor nas punições aos opositores do regime e aumenta o número de ministros no Supremo Tribunal Federal M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 105 e do lado da esquerda houve erros como o da luta armada uma coisa sem a menor possibilidade de sucesso De passagem estou convencido de que a grande maioria das Forças Armadas se deixou convencer por uma ideia colocada pela linha dura civil e militar de que a luta armada constituía para a segurança do país um perigo muito maior do que realmente representava Gostaria de ilustrar esse ponto com a citação de um fato Em certa altura de 1968 o presidente Costa e Silva convocou uma reunião não me lembro se do ministério ou do Conselho de Segurança para avaliar a situação relativa às passeatas estudantis de 1968 Estive presente como ministro interino Iniciada a reunião o presidente deu a palavra primeiro aos ministros militares que se manifestaram todos no sentido de que a situação do país estava sob controle e de que não havia razão para medidas excepcionais Em seguida Costa e Silva deu a palavra ao ministro da Justiça Gama e Silva que se posicionou de modo bem diferente Disse que esses episódios iriam afetar a situação económica do país que havia intranquilidade nos quartéis intranquilidade social que era necessário pensar em medidas excepcionais e por aí foi Quer dizer a linha dura estava sempre superestimando os riscos e propondo ações fora do normal Por outro lado convém assinalar que as lideranças de extrema esquerda ligadas à luta armada não eram democráticas O que desejavam era instalar no Brasil uma ditadura de tipo socialista Os livros do Gorender e do Gaspari que já mencionei deixam isso bem claro No MINISTÉRIO O SENHOR REPRESENTAVA UM PERFIL QUE SE ADEQUAVA AO PRO JETO MILITAR DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO PAÍS Nós tínhamos ligação com esse projeto Vocês devem lembrar que quando o presidente Geisel assumiu o CNPq foi transferido para o Planejamento Até en tão estava subordinado à Secretaria do Conselho de Segurança Nacional Discuti esse ponto com o presidente e ambos concordamos que não havia razão para que ficasse na área militar O Beltrão tinha a mesma preocupação que eu Já mencionei que no Programa Estratégico de Desenvolvimento feito para o governo Costa e Silva havia pela primeira vez prioridade para o desenvolvimento científico e tecnológico Isso ganha ênfase no I PND e no II PND que também coordenei Ou seja a área de ciência e tecnologia fazia parte das prioridades do planejamento 106 T E M P O S M O D E R N O S económico do país área de responsabilidade dos civis Veja bem em outros países sulamericanos o contexto era diferente Quando ia às reuniões do Conselho Interamericano Económico e Social Cies sentava ao meu lado o representante do Peru no tempo do Alvarado um coronel ministro do Planejamento Quer dizer em geral os militares no Brasil sempre aceitaram que a área económica fosse entregue aos civis E como ministro sempre raciocinei que a minha responsabili dade era para com o presidente da República que tinha de dar satisfações a ele e a mais ninguém Com relação ao Ipea uma vez o chefe do Gabinete Militar73 levan tou dúvidas sobre o fato de termos regime próprio de pessoal que era aprovado pelo presidente cia República Ele argumentou Ministro na área militar tenho ouvido comentários de que isso não fica bem Eu disse General a explicação é que o Ipea tem formado muita gente mandado inúmeros técnicos ao exterior para fazer doutorado investido em seu pessoal na formação de gente de alta qualifica ção e acho que deve haver um sistema de remuneração adequado para essas pesso as Além do mais isso é publicado no Diário Oficial não é segredo Mas também quero deixar claro que no dia em que o presidente da República tirar essa prerro gativa do Ipea não fico mais no ministério O SENHOR NUNCA RECEBEU VETO MILITAR A INDICAÇÕES QUE TENHA FEITO PARA O MINISTÉRIO OU PARA O IPEA Em todos os órgãos públicos havia uma Divisão de Segurança e Informações DSI Havia no Planejamento em todos os ministérios e também nas estatais Quando tomava posse em um cargo eu procurava escolher para a chefia dessa divisão um general da reserva que fosse inteligente que entendesse o nosso projeto Eram ho mens com quem eu lidava muito bem conversava explicava nosso trabalho Tive dois assessores de imprensa Paulo Rehder e Pery Cotta que chegou a publicar um livro sobre essa época74 acerca dos quais foram levantadas dúvidas Pedi a ficha deles ao general chefe da DSI olhei e comentei Isso não tem fundamento Um deles morava num apartamento onde havia morado o Gabeira Era evidência de que houvesse relação entre os dois 73 Referese a Hugo de Abreu chefe do Gabinete Militar no governo Geisel 74 COTTA Pery Calandra o sufoco da imprensa nos anos de chumbo Rio de Janeiro Bertrand 1997 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 107 No governo Geisel houve um caso ainda mais curioso Odylo Costa Filho foi escolhido para o Conselho Nacional de Cultura e logo se levantaram dúvidas Decidi falar com o chefe do SNI General levantaram dúvidas sobre esse caso mas olhe o que diz a ficha dele Que seu filho tem um amigo procurado pelos serviços de inteligência que ficou parece dois dias na casa dele O que isso quer dizer Talvez eu tivesse feito a mesma coisa se fosse um amigo do meu filho Quero dizer que conheço o Odylo Costa Filho há muito tempo que não é nem de esquerda é um democrata Assumo a responsabilidade por sua indicação para o conselho Há ainda outro caso engraçado Quando lancei meu livro O último trem para Paris no Rio em 1986 pediram que eu fizesse o lançamento também em São Paulo e em Brasília Em Brasília no meio da fila de autógrafos apresentase um rapaz Trabalhei no Ipea quando o senhor era ministro Sou marxistageiselista E eu Ah que interessante Por quê Sou marxista e quando trabalhava no Ipea levaram ao senhor uma informação de que eu era de esquerda O senhor pergun tou É competente ou não Se é deixa o rapaz em paz Por isso virei marxista geiselista No MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO HÉLIO BELTRÃO JÁ FALAVA EM DESBURO CRATIZAÇÃO Claro Ele foi o principal autor da lei da reforma administrativa de 1967 Falava muito em desburocratização mas naquele tempo a denominação oficial era refor ma administrativa Tanto que havia uma secretaria de reforma administrativa no Ministério do Planejamento que eu usei de forma diferente da dele Sua preocupa ção era a desburocratização simplificar os procedimentos facilitar a vida do usuário Passei a usar a reforma administrativa como ideia para preparar bem os sistemas de planejamento e orçamento Tínhamos para isso no Ipea o Cendec que dava o Cur so de Formação de Especialista em Orçamento Público para o pessoal técnico das secretarias de planejamento dos estados e principalmente às secretarias gerais dos ministérios Mas a preocupação do Beltrão sob essa denominação de reforma admi nistrativa já era a desburocratização E dentro dela as ideias de descentralização e de diferenciação Mas além de tudo isso o Beltrão tinha como já disse uma visão muito boa da área de desenvolvimento 108 T E M P O S M O D E R N O S HÁ PESSOAS QUE CONSIDERAM A CONSTITUIÇÃO DE 1988 UM RETROCESSO EM RE LAÇÃO AO DECRETOLEI Nº 200 QUE VINHA DO GOVERNO CASTELO BRANCO A Constituição de 1988 acabou com a ideia de descentralização de diferencia ção e não há nada ali favorável à desburocratização Engessou a máquina do serviço público e criou problemas sérios Um órgão como o Ipea está sujeito hoje ao Regime Jurídico Único Um técnico ali tem a remuneração do mesmo nível de um técnico de qualquer órgão do serviço público Ou seja quando se exige mais qualificação como no caso do Ipea não há correspondência do ponto de vista de remuneração Acho que realmente foi um retrocesso COMO FOI O FIM DA GESTÃO DE HÉLIO BELTRÃO Nos últimos tempos ele estava realmente desencantado porque a pasta do Pla nejamento era tratada como um ministério comum O raciocínio dele era que a pasta funcionou bem antes porque o Campos tinha uma grande ascendência pessoal sobre o Castelo Mas não se podia partir da premissa de que o ministro teria sempre grande ascendência sobre o presidente Ele queria um espaço institucional mais ade quado Nos últimos anos estava realmente desencantado com a falta de instrumen tos para fazer as coisas que queria MESMO ESTANDO DENTRO DO GOVERNO A SENSAÇÃO QUE O SENHOR NOS PASSA É A DE QUE NÃO GOSTAVA DE POLÍTICA PARTIDÁRIA Eu gosto de política mas não tenho vocação para política partidária o que é diferente Sempre fui um animal político desde os 16 anos Gosto de política inte lectualmente e todos os cargos que exerci em certo sentido exigiam uma certa voca ção política Por exemplo ministro é um cargo essencialmente político Pode ser um ministério dito técnico como os da área económica mas sempre será político Até hoje interessome por temas políticos leio sobre o assunto Mas não tenho vocação para política partidária Nos partidos deve haver um mínimo de disciplina Isso para mim é parte da reforma política que se deve fazer Quem faz isso um pouco é o PT Os outros prati cam uma completa indisciplina É só ver o que acontece entre a eleição e o início dos trabalhos do Congresso Muitos congressistas principalmente deputados mudam de partido e nada acontece Isso me parece um absurdo E eu não quero ficar num M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 109 dilema porque acho que deve haver um mínimo de disciplina partidária mas não quero me submeter a ela Tenho de ser coerente Mesmo como economista não me filio a nenhuma corrente Antigamente havia a história dos monetaristas e dos estru turalistas depois neoliberais e antineoliberais Nunca fui nenhum deles Essa histó ria de facções não me interessa sou realmente um francoatirador e gosto de ser assim para preservar minha liberdade intelectual e de movimentos É uma coisa muito individual Às vezes me vejo mais voltado para uma certa tendência às vezes para outra Ser francoatirador é o que me permite ter as condições de trabalhar como quero dentro ou fora do governo DURANTE o GOVERNO COSTA E SILVA o SENHOR INICIOU UMA GRANDE AMIZADE COM NELSON RODRIGUES Da mesma forma que era amigo do dom Hélder torneime amigo do Nelson Rodrigues ALIÁS UMA GRANDE VÍTIMA DA CENSURA É verdade E talvez o criador do teatro moderno no Brasil COMO SE TORNARAM AMIGOS Por causa de uma crónica que ele escreveu em 5 de maio de 1969 chamada Piauí em Yale e que está reproduzida no livro O reacionário memórias e confis sões Nessa crónica ele conta que havia feito muitas gozações ao Piauí e que um dia foi procurado por um piauiense que lhe disse haver gente conhecida no estado Ele falou Gente conhecida do Piauí Não conheço ninguém O rapaz respondeu Deolindo Couto João Paulo dos Reis Velloso Cita mais João Paulo dos Reis Velloso e Deolindo Couto O Nelson diz que a certa altura já tinha contado 200 Deolindos Coutos e 200 Vellosos Alguém me chamou a atenção para essa crónica e li Eu já havia lido várias obras do Nelson e era leitor assíduo da coluna À sombra das chuteiras imortais Era um grande dramaturgo e muito bom nas crónicas Telefonei para ele e ficou nisso Só 75 RODRIGUES Nelson O reacionário memórias e confissões São Paulo Cia das Letras 1995 110 T E M P O S M O D E R N O S que depois fizeram um almoço para todos os personagens das crónicas de Nelson Rodrigues no Itanhangá O Walter Moreira Salles por exemplo que era sempre para o Nelson o homem mais rico do mundo ou do Brasil não lembro bem foi a esse almoço e eu também Depois um jornalista de O Globo amigo do Nelson José Vieira que era também amigo meu passou a convidarnos para jantar na casa dele A verdade é que o jantar era a dois porque o dono da casa saía da sala e me deixava conversando à vontade com o Nelson Quando o Nelson me telefonava dizia Meu doce ministro como vai E assim continuamos vários anos com esses jantares sem pre na casa desse amigo O NELSON RODRIGUES LHE FALOU ALGUMA VEZ DO FILHO DELE QUE FOI PRESO o NELSINHO Nunca falou Os SENHORES CONVERSAVAM SOBRE O QUÊ O Nelson era uma pessoa muito agradável Nossas conversas não eram sobre temas profundos mas sobre temas correntes Às vezes também sobre livros teatro Acho que nunca falamos de cinema mas sobre teatro a gente falava frequentemente porque eu achava e continuo achando que o seu teatro é da melhor qualidade Veja bem estou me referindo às suas grandes peças Ele tem quatro ou cinco delas e muitas outras ele fez para ganhar a vida Quando a gente lê O anjo pornográfico do Ruy Castro76 verifica que muita coisa ele fez para ganhar a vida Escreveu romance de folhetim com o pseudónimo de Susana Flag De início eu não sabia quem era Susana Flag QUAIS SÃO AS GRANDES PEÇAS DELE NO SEU PONTO DE VISTA Vestido de noiva Álbum de família A falecida Beijo no asfalto Agora sempre há coisas boas nas peças dele e mesmo nas crónicas Ele criou estereótipos como a aluna de psicologia da PUC o homem sem nenhum caráter o padre de passeata Amarildo o possesso e outras figuras inesquecíveis 76 CASTRO Ruy Anjo pornográfico São Paulo Cia das Letras 1992
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CRESCIMEN A oc Eee yon r 60 194 2 23 ah se tO oo 70 bak 933 10 is Geo yt lL year 19 aes 4 o AM aa 2 ene Ge oe Joao Paulo dos Reis Velloso memorias do desenvolvimento Qo aot ISBN 8522504911 Copyright Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Praia de Botafogo 190 14º andar 22250900 Rio de Janeiro RJ Brasil Tels 0800217777 2125595543 Fax 2125595532 email editorafgvbr web site wwweditorafgvbr Impresso no Brasil Prínted in Brazil Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação do copyright Lei ns 5988 1a edição 2004 REVISÃO DE ORIGINAIS Claudia Martinelli Gama EDITORAÇÃO ELETRÔNICA FA Editoração Eletrônica REVISÃO Fátima Caroni e Mauro Pinto de Faria CAPA Adriana Moreno FOTO DE CAPA Reis Velloso ministra a aula inaugural de 1968 na UFRGS em que rebate a tese de Herman Khan do Hudson Institute no livro Theyear 2000 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mário Henrique SimonsenFGV Tempos modernos João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvol vimento Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro Rio de Janeiro Editora FGV 2004 388 p il Inclui caderno de fotos bibliografia índice onomástico e de institui ções 1 Velloso João Paulo dos Reis 19312 Brasil Política e governo I DAraujo Maria Celina II Castro Celso 1963 III Fundação Getulio Vargas CDD 923281 Capítulo 4 Montando instituições para o Planejamento governos Castelo Branco e Costa e Silva O SENHOR VOLTA DE YALE EM MAIO DE 1964 E VAI CRIAR O IPEA COMO FOI ESSE INÍCIO DE ATIVIDADES PÚBLICAS Voltei ao Brasil com duas opções trabalhar em alguma instituição interna cional ou retornar à Universidade de Yale mas acabei indo para o Ministério do Planejamento Tinha conhecido o Roberto Campos quando eu estava em Yale e ele era embaixador em Washington No início de 1964 ele fez uma palestra na universidade No Faculty Club houve um jantar em sua homenagem e por co incidência sentei à sua frente De repente ele perguntou Você não é o Velloso Sou O Simonsen e o Isaac Kerstenetzky me falaram de você Voltando do exterior encontro na minha residência um telegrama dele pedindo para procurá lo assim que chegasse Recebi também um convite do Paulo Lira chefe da assessoria do presidente do Banco do Brasil para retornar ao banco e outro do Garrido Torres presidente do BNDE para ser chefe do Departamento Económico Tive uma primeira conversa com o Campos que não foi conclusiva conversamos de novo e foi quando ele me propôs a criação do Escritório de Pesquisa Económica Aplicada Epea que hoje conhecemos como Instituto de Pesquisa Económica Aplicada Ipea criado em 1964 A ideia era ter um órgão pensante de governo fora da rotina da administração dentro da rotina já havia os grupos setoriais do Planejamento Pretendiase que o Ipea fizesse pesquisa económica aplicada e o aplicada aí era vital ou seja policy oriented e que ajudasse o governo a formular o Planejamento A proposta me sedu ziu e de repente me vejo no Ministério do Planejamento 86 T E M P O S M O D E R N O S A primeira sede do Ipea foi na rua Visconde de Inhaúma no Centro do Rio um andar vazio em que nos primeiros dias só havia uma secretária e eu Quando queria falar com ela fazia sinal Mas imediatamente o Campos começou a nos atribuir tarefas de modo que comecei a contratar gente É importante registrar que o Ipea nasceu sob o signo do pluralismo um dos primeiros se não o primeiro econo mista a ser contratado foi o Og Leme que havia feito pósgraduação na Universidade de Chicago dois pólos em termos digamos de orientação econômicopolítica pro curando tocar aquele animal novo Uma espécie de think tank no governo E nos dávamos bem A primeira tarefa do Ipea foi por delegação do ministro a revisão do Programa de Ação Económica do Governo o Paeg As pessoas em geral conhecem como Paeg um documento pequeno de 244 páginas na verdade um texto de síntese feito para divulgação56 O Paeg propriamente dito compõése de dois volumes cada um com umas 400 páginas57 A maioria dos capítulos da parte macroeconômica era de auto ria do Simonsen e fizemos a revisão Houve depois uma complementação dessa parte macroeconômica feita em Washington principalmente pelo Simonsen para estabe lecer a conexão entre o programa de investimentos e o balanço de pagamentos O pessoal do Ipea fez os programas setoriais que constam do segundo volume O pri meiro volume trata dos objetivos do Paeg da parte macroeconômica e dos instru mentos de ação O segundo de programas setoriais para agricultura indústria e assim por diante O da agricultura foi baseado num texto que veio da Fundação Getulio Vargas e foi adaptado por nós Os demais foram de autoria do pessoal do Ipea ou de pessoal dos grupos setoriais do Planejamento Começamos a revisão do texto inicial elaborado pelo Simonsen fazendo uma discussão em petit comité promovida pelo próprio Roberto Campos com a pre sença do Bulhões no 142 andando Ministério da Fazenda onde havia uma sala de almoço Em torno dessa mesa o processo deslanchou Depois Simonsen e eu fo mos chamados para assessorar o Campos em sua ida a Washington quando foi 56 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONÓMICA Programa de Ação Económica do Governo 196468 síntese Rio de Janeiro Epea maio 1965 Documentos Epea n 1 57 GABINETE DO MINISTRO EXTRAORDINÁRIO PARA O PLANEJAMENTO E CO ORDENAÇÃO ECONÓMICA Programa de Ação Económica do Governo 196468 Rio de Ja neiro Epea 1965 2 v ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 87 apresentar o Paeg às entidades internacionais Usaid Banco Mundial BID Fundo Monetário Internacional observadores europeus etc Quando nos encaminháva mos para o Banco Mundial para uma audiência com o presidente do banco Cam pos me perguntou Velloso o que vou pedir Claro que queremos financiamento mas sugere algo em matéria de estudos Eu disse O Banco Mundial podia fazer dois estudos um sobre o setor de transportes e outro sobre siderurgia E fomos atendidos Em consequência disso o Banco Mundial mandou uma missão de 40 técnicos do próprio banco ou por ele contratados que ficou meses aqui analisan do esses temas Dessa missão surgiu uma proposta de formação do Grupo Execu tivo de Integração da Política de Transportes Geipot criado em 1965 e que fun cionou até 2002 No caso da siderurgia as coisas não funcionaram tão bem A consultora contra tada chegou a conclusões que não eram muito favoráveis ao desenvolvimento da siderurgia brasileira A mim por exemplo isso pareceu um absurdo levandose em conta nossa riqueza em minério de ferro e os programas de investimento que o Brasil realizava no setor O Brasil devia ser certamente um dos países do mundo com maior potencial de desenvolvimento siderúrgico Tanto que hoje é um dos maiores exportadores mundiais do setor O nosso problema é que para exportar para os Estados Unidos enfrentamos o protecionismo americano defendendo suas indús trias senis usinas instaladas no começo do século XX que não são competitivas O que é competitivo nos Estados Unidos hoje são as miniusinas Gostaria de lembrar que o Paeg foi um grande avanço em relação aos anos 1950 porque propôs a conciliação de crescimento com estabilidade de preços Acho que aí começa o que chamo de desenvolvimentismo sofr compatibilizar crescimento e inflação baixa através de um programa estratégico DE ONDE VIERAM AS PESSOAS QUE O SENHOR CONTRATOU PARA O IPEA Requisitávamos técnicos de órgãos do governo ou contratávamos Até a Cons tituição de 1988 o Ipea tinha um regime próprio de pessoal O Decretolei n2 200 de março de 1967 transformou o Ipea em fundação com pessoal sujeito à legislação trabalhista e manteve a ideia do regime de pessoal próprio Em 1988 seus funcioná rios passaram para o Regime Jurídico Único algo com que não concordo pois con sidero importante não só a descentralização dentro da administração pública como também a diferenciação 88 T E M P O S M O D E R N O S O Ipea também fez convénio com a Universidade da Califórnia em Berkeley pelo qual recebemos uma equipe permanente de professores como consultores O primeiro coordenador da equipe foi o professor William Ellis famoso na área de política monetária e o segundo foi o Albert Fishlow que depois se tornou um brasilianista assim como vários outros membros dessa equipe Por exemplo o Sam Morley que no meu entender tem o melhor livro sobre distribuição de renda no Brasil nos anos 196058 e o Joel Bergsman que escreveu um livro59 e inúmeros arti gos sobre economia brasileira Eles moravam no Rio e tinham base no Ipea lado a lado com os nossos economistas Na área da indústria a contrapartida do Bergsman era o Arthur Candal que eu trouxera do Rio Grande do Sul auxiliado por dois jovens economistas Pedro Malan e Regis Bonelli Havia também por iniciativa do Campos consultores especiais sem ligação com Berkeley como Rosenstein Rodan muito conhecido pela sua teoria do BigPush e Benjamin Higgins autor de um livro sobre desenvolvimento económico que fez muito sucesso nos anos 196060 POR QUE O CONVÉNIO COM A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY E NÃO COM OUTRA GRANDE UNIVERSIDADE Porque foi a universidade que se interessou em mandar uma equipe que aqui funcionasse em caráter permanente Foi um convénio que infelizmente terminou com o AI5 A universidade propôs ao governo o fim do convénio De passagem Berkeley era uma das universidades mais progressistas nessa época e tinha grande interesse pelo Brasil Foi UM TÉRMINO POLÍTICO ENTÃO Foi Tive até uma conversa com o Fishlow naquela oportunidade Muito bem vocês voltam para casa e nós ficamos aqui com os nossos problemas Mas na reali dade eram consultores toda a responsabilidade do planejamento e da pesquisa era nossa Era uma decisão política mas devem ter achado a dose forte 58 MORLEY Sam Labor markets and inequitable growth the case of authoritarian capitalism in Brazil Cambridge Cambridge University Press 1982 59 BERGSMAN Joel Brazil industrialization and tradepolicies Oxford Oxford University Press 1970 60 HIGGINS Benjamin Howard Economic devebpment principies problems and policies New York W W Norton 1959 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 89 A FINEP FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS FOI TAMBÉM UMA CRIAÇÃO DO IPEA Sim foi outra ação do Ipea no início do seu funcionamento Surgiu como uma conta gráfica ou seja um fundo contábil sem personalidade jurídica Primeiro foi parte do Ipea e depois passou para o BNDE Seu objetivo inicial era realizar finan ciamentos de estudos e projetos Essa foi outra ideia do Campos que um dia me disse Olha vamos precisar de um órgão que financie para os setores público e privado a elaboração de projetos para podermos conseguir financiamentos interna cionais E assim surgiu a Finep em março de 1965 com o nome de Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas vinculado ao BNDE e não em 1967 como oficialmente se diz Em julho de 1967 deuse a transformação desse fundo em uma empresa pública a Finep através da lei de reforma administrativa Depois tomou outro rumo na minha fase inicial como ministro quando passou a tratar de desenvolvimento científico e tecnológico Voltando ao Ipea na primeira fase fizemos como vimos a revisão e a publica ção da versão final do Paeg que curiosamente só saiu em versão preliminar Mas a versão preliminar na verdade acabou sendo a versão definitiva A segunda etapa do Ipea foi diferente Um dia o Campos que naquele tempo acreditava em planeja mento global mais do que eu e que acreditava até em planejamento quantificado de longo prazo me chamou Olha Velloso está na hora de fazermos uma espécie de plano estratégico para o governo Eu disse Mas isso não é coisa que lembra a Rússia E ele Não não Vamos fazer um plano decenal a Rússia fez um plano de 25 anos Discutimos discutimos ele insistiu começamos a fazer um plano decenal A primeira fase foi a dos diagnósticos e aí o Ipea se projetou Os diagnósticos tiveram grande repercussão Considero o diagnóstico sobre a indústria61 e o livro da Conceição62 as duas melhores coisas que já se publicaram com respeito a avalia ção dos anos 1950 A verdade é que o plano decenal só foi decenal no modelo econométrico que ficou como documento mimeografado Quando o Ministério do Planejamento fez a publicação impressa em 1968 como Programa Estratégico de Desenvolvimento já tinha um modelo completamente diferente Feito pelo Fishlow revisto pelo Simonsen 61 Ver nota 53 no capítulo 3 62 Ver nota 54 no capítulo 3 90 T E M P O S M O D E R N O S era então um modelo macroeconômico para três anos 1968 a 1970 Nessa ocasião os diagnósticos do Ipea tiveram grande sucesso Fizemos inclusive um sobre cultura brasileira único realizado até hoje no Brasil63 Reuni um grupo de intelectuais entre eles Afrânio Coutinho Eduardo Portela José Paulo Moreira da Fonseca Américo Lacombe e depois de várias reuniões preparamos um diagnóstico da cultura e pro pusemos uma linha de ação do governo como órgão promotor da cultura Fiquei amigo de todos eles Esses documentos disfarçavam o fato de o Ipea estar oficialmente trabalhando em um plano decenal Porque os planos setoriais eram quinquenais ou seja correspondiam mais ou menos a um mandato de governo o que me parecia fazer sentido Foi no Ipea que se fez ainda a reestruturação do IBGE Em meados dos anos 1960 o censo do ano de 1960 ainda não tinha sido apurado Conversamos com o Campos Temos de reestruturar o IBGE É fundamental não existe Ministério do Planejamento sem um IBGE funcionando bem Então duas coisas foram feitas Primeiro uma legislação estabelecendo o que seria o sistema nacional de estatísticas básicas Isso foi realizado de imediato por um grupo de trabalho em que o principal elemento era o Isaac Kerstenetzky Segundo a reestruturação propriamente dita O Isaac e o Henrique Flanzer meu amigo foram os que mais trabalharam nisso A proposta foi transformar o IBGE criado em 1934 em uma fundação o que real mente aconteceu com a lei da reforma administrativa em 1967 Nos últimos meses o governo Castelo Branco era muito impopular por moti vos óbvios Tinha havido duas recessóes o empresariado estava em pé de guerra as críticas se sucediam o crescimento era baixo a inflação ainda estava em 40 É verdade que fora de 90 em 1964 Mas numa projeção feita pelo Simonsen se a inflação continuasse no ritmo resultante do primeiro trimestre de 1964 daria não esqueço 144 ao fim do ano Deu 90 por causa das medidas adotadas pelo gover no Castelo Branco Nesse clima de impopularidade do governo Castelo Branco o novo governo do Costa e Silva fez um afastamento tático em relação ao governo anterior Não critica 63 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL Diagnóstico prelimi nar da cultura Rio de Janeiro Epea 1967 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 91 vá mas não queria se comprometer com nada que dissesse respeito ao governo Cas telo Branco Comecei a ter preocupações com o futuro do Ipea lembrando a velha descontinuidade administrativa do Brasil O PAEG RECEBEU MUITAS CRÍTICAS O SENHOR NO IPEA TINHA DE EXAMINÁLAS Entre essas críticas eu destacaria um documento que o Departamento Econó mico da Confederação Nacional da Indústria divulgou e outro apresentado pelo Dias Leite na primeira reunião do Conselho Consultivo do Planejamento que o Campos havia criado E houve ainda as críticas do Carlos Lacerda governador da Guanabara feitas pela televisão que tiveram grande repercussão Em todos esses casos Simonsen e eu funcionamos em parceria preparamos juntos a resposta do ministério No caso do Dias Leite houve uma resposta do Delfim que era também membro do Conselho do Planejamento mas a resposta oficial veio num documento preparado a quatro mãos por Simonsen e por mim O Lacerda levou duas noites na televisão falando contra o Paeg por motivos políticos pois já se havia convencido de que não seria o candidato de Castelo à presidência O Campos na noite seguinte foi à televisão responder Antes de ir Simonsen e eu fomos à sua casa e ele nos distribuiu tarefas Você prepara uma nota sobre isso você prepara uma nota sobre aquilo Evidentemente foi ele quem fez a apresentação na televisão e o fez como achou melhor mas nós o assessoramos Nós também sugerimos que usasse um quadronegro em sua apresentação Havia um grande criminalista no Rio Humberto Telles que fazia suas defesas no júri com um quadronegro em que escrevia as acusações da promotoria ia respondendo e cortan do como quem diz Esta acusação está eliminada O Campos fez isso na televisão e funcionou Levou um quadronegro listou as principais críticas do Lacerda e foi riscando à medida que ia respondendo Essencialmente o que se dizia é que o governo estava combatendo a inflação à custa de recessões Realmente houve duas recessões uma em 1965 outra em 1966 rápidas não previstas no Paeg A crítica era completada com o comentário de que a indústria brasileira nunca tinha sido tão maltratada Lembro bem um dia estava saindo do mar na praia do Leblon e dei de cara com um empresário que se voltou para mim A ideia de vocês é realmente acabar com a indústria Ri amarelo Esta é apenas uma ideia das críticas que o Paeg recebeu 92 T E M P O S M O D E R N O S APROVEITANDO ESSE COMENTÁRIO PODEMOS FAZER UMA RETROSPECTIVA ECONÓ MICA DO GOVERNO CASTELO BRANCO Na questão das tarifas públicas anos depois num programa de televisão que coordenei para a TVE a respeito do meu livro O último trem para Paris64 o próprio Campos ao debater com Edmar Bacha reconheceu que algumas empresas estatais tiveram reajuste de mais de 1000 na tarifa Por quê Porque havia um atraso enor me E o que o Simonsen chamava de inflação corretiva Como havia uma crise principalmente em energia elétrica e em comunicações por causa do sistema de concessões a empresas privadas estrangeiras que prevalecia na época criouse um impasse político A maneira de sair desse impasse foi entregar o setor a empresas estatais Essa transformação foi completada pelo governo Castelo Branco Foi o Campos quem negociou a compra das últimas empresas concessioná rias de energia elétrica e passouse a recuperar o tempo perdido grandes reajusta mentos de tarifas para atualizálas E também se fez a correção monetária nos impos tos As duas coisas significam um ónus terrível para o setor privado porque aumen tam a carga tributária e os custos das tarifas de serviços públicos A correção monetária foi estabelecida inicialmente em 1964 visando a três coisas Duas favoreciam o governo A primeira eram os tributos e a segunda era o crédito público ou seja a emissão de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional as ORTNs como se chamava naquele tempo A terceira era tornar possível a corre ção monetária anual nos contratos de longo prazo Para salários criouse a fórmula salarial concebida pelo Simonsen que se ba seava na média dos salários reais não no pico Isso é o mais indicado do ponto de vista económico e foi a fórmula depois adotada pelo Plano Real Só que havia um componente na fórmula o chamado resíduo inflacionárío que o dr Bulhões sempre fixava em 10 O Estado assumiu à época os serviços públicos que estavam em crise em mãos de empresas multinacionais Estudos mostravam que se havia chegado a um impasse em matéria desses serviços e que o sistema de concessionárias não devia continuar porque o país não teria infraestrutura Era um impasse político não económico 64 VELLOSO J R dos Reis O último trem para Paris de Getúlio a Sarney milagres choques e crises do Brasil moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 O debate naTVE Rio de Janeiro também se chamou O último trem para Paris e constou de cinco programas M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 93 Criado o impasse político chegouse à conclusão de que o melhor era ter um sistema de estatais que cuidasse da infraestrutura económica Hoje há toda uma discussão sobre usar o índice Geral de Preços do Mercado IGPM ou o índice Geral de Preços Disponibilidade Interna IGPDI como base para a fixação de tarifas públicas Nenhum desses é realmente índice geral de preços porque datam de 1946 e a escolha do sistema de pesos para os componentes foi arbitrária além de sua desatualização Na verdade reajuste tem de ser feito na base da atualização de custos em condições de eficiência reajustar em função dos aumentos de custos desde que a empresa funcione em níveis de eficiência Essa deve ser a lógica Os índices de preço que acabei de mencionar além do mais são alta mente influenciados pela variação do dólar o que significa a quase dolarização da tarifa Isso não tem sentido económico Naquele período para dar aos diferentes setores de infraestrutura mais recur sos para investir havia também o imposto único e o empréstimo compulsório A Constituição de 1988 acabou com isso o que foi uma tolice Passaram para o Impos to sobre Circulação de Mercadorias ICMS para o estado O estado hoje tem essa receita e não tem nenhuma obrigação com relação aos setores de infraestrutura energia elétrica transportes comunicações O Everardo Maciel num ensaio que fez para o Fórum Nacional no ano passado mostra que comunicações e energia são setores sobretributados65 Há tributação demasiada porque o estado aumenta como quer a alíquota do ICMS HOJE o BRASIL ESTÁ MAIS EQUIPADO EM TERMOS DE ÍNDICES ECONÓMICOS DO QUE NAQUELE PERÍODO NÃO Temos de ter índice de custos se for o caso em nível de empresa ou pelo menos de setor energia elétrica telecomunicações transportes Com isso podese aferir melhor o índice de aumento de produtividade que se pode exigir na hora de compor a taxa de reajuste Não se pode deixar a tarifa desatualizada senão acontece um apagão O crime não compensa a gente já viu isso nos anos 1950 e 1960 O Brasil praticamente não tinha telefones Precisei ligar para a minha noiva em São Paulo em 1954 ano do quarto centenário da cidade levei 24 horas para conseguir 65 MACIEL Everardo Reforma tributária viável In VELLOSO J P dos Reis Org O Brasil e a economia do conhecimento Rio de Janeiro José Olympio 2002 94 T E M P O S M O D E R N O S Nos anos 1970 as coisas efetivamente mudaram Nessa época certa vez estava na Europa não sei em que capital pedi uma ligação para Nova York e outra para o Rio de Janeiro A do Rio saiu primeiro Naquela década o Brasil tinha uma boa infraestrutura em todas essas áreas que se deteriorou nos anos 1980 e 1990 Por quê Porque a tarifa não se atualizou e não houve recursos para fazer investimento inclusive pela extinção dos impostos únicos E ainda outra complicação a partir do ajuste fiscal de 1998 mesmo quando a empresa não era deficitária e não dependia do Tesouro Nacional consideravase que o recurso tomado para investimento era parte da despesa pública como qualquer gasto orçamentário Segundo as contas nacio nais as empresas estatais pertencem ao setor privado salvo se forem deficitárias como era a Rede Ferroviária Então não tem sentido colocar investimentos da Petrobras ou da Eletrobrás empresas que têm recursos para investir como parte dos gastos públicos É ser mais realista que o rei e dificultar o desenvolvimento da infra estrutura e do crescimento AINDA SOBRE o GOVERNO CASTELO o SENHOR PODIA FALAR SOBRE o ESTATUTO DA TERRA Era uma forma de viabilizar a reforma agrária e o Roberto Campos que acredi tava em reformas empenhouse muito nisso Não queria deixar passar a impressão de que reforma agrária era um tabu Mas a ideia dele era usar o sistema tributário só que isso foi deixado nas mãos dos municípios que não administraram bem o impos to sobre a propriedade territorial rural E o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra só muito recentemente talvez só no governo Fernando Henrique avançou na questão de assentamentos em grande escala O Ministério da Agricultura que supervisionava o Incra sempre tendeu a ser ligado à agricultura de mercado e a ter medo da reforma agrária Quer dizer não tinha interesse em desen volver a agricultura familiar e principalmente os assentamentos Depois houve ou tra tentativa com o PróTerra sobre o qual falaremos adiante O BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO BNH E o FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO FGTS SÃO TAMBÉM CRIAÇÕES DO GOVERNO CASTELO BRANCO O FGTS criado em 1966 foi outra das ideias da agenda do Campos O obje tivo era ter um substituto para o instituto da estabilidade do empregado na empresa privada depois de 10 anos de serviço Acho que fazia sentido porque o instituto da M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 95 estabilidade estava se desmoralizando a empresa não esperava que o empregado com pletasse 10 anos com nove demitia Era um problema também para a empresa porque muitas vezes lhe convinha ter um empregado durante 15 ou mais anos De modo que a ideia foi criar um substituto e com isso se matou outro coelho o finan ciamento para a habitação através do BNH que fora criado em 1964 Criouse assim o Sistema Financeiro de Habitação que também financiava o saneamento Veja o BNH não operava diretamente operava através de agentes Era por assim dizer a cabeça do sistema Aprovava as normas e os financiamentos agia atra vés do sistema bancário Isso permitiu um grande desenvolvimento do setor habitacional inclusive casa popular propriamente dita e cooperativas habitacionais Como a indústria da construção é grande geradora de empregos com essa iniciativa se alcançavam simultaneamente outros objetivos económicos e sociais O SENHOR TEM AINDA ALGUMA OUTRA OBSERVAÇÃO SOBRE O GOVERNO CASTELO BRANCO Há sim outras coisas que quero registrar Talvez o governo Castelo não tenha feito tanto quanto se esperava pela retomada do crescimento mas isso era complica do ante a necessidade de conter a inflação o que implicava principalmente recons trução do valor real dos impostos e das tarifas de serviços públicos além de forte aperto no crédito como já expliquei Sem embargo onde a dupla CamposBulhões se saiu muito bem foi na preparação das bases para o crescimento duradouro e rápido no futuro através de reformas económicas e sociais Mencionamos já algumas delas Vale a pena acrescentar a reconstrução do orçamento que havia sido transformado em ficção nãocientífica pela alta inflação e ausência de política económica e a racionalização do sistema de impostos Por exem plo o imposto de renda tributava lucros fictícios das empresas por não considerar o efeito da elevada inflação sobre os balanços provocando a reação óbvia sonegação generalizada Outras iniciativas importantes são a criação do Banco Central e as reformas do sistema financeiro e do mercado de capitais Há ainda duas outras reformas sobre as quais praticamente não se tem falado A primeira foi a do Tribunal de Contas da União TCU que funcionou bem Os contratos celebrados por toda a administra ção pública no país eram por lei examinados pelo Tribunal apriori ou seja antes de serem assinados A análise e a aprovação desses contratos passaram a ser feitas a 96 T E M P O S M O D E R N O S posteriori após a assinatura Podese imaginar o terremoto que essa mudança provo cou nas relações entre o Tribunal e o governo mais especificamente com o Ministé rio do Planejamento A mudança foi feita e depois o TCU reconheceu ser isso me lhor para todos A outra reforma está no Decretolei n2 5 de 1966 que estabelecia a reestrutura ção da capatazia nos portos para acabar com os feudos dos sindicatos e permitir a liberdade na contratação de pessoal Mas o ministro da Viação e Obras Públicas Juarez Távora nunca pôs a nova lei em execução Por isso a reforma nos portos só foi acontecer nos anos 1990 Gostaria de aproveitar ainda a oportunidade para dizer uma palavra sobre o professor Bulhões então ministro da Fazenda Sabese em geral que a dobradinha CamposBulhÕes funcionou bem Mas há uma ideia de que o ministro Bulhões sem pre ia a reboque do ministro Campos Não era bem assim o professor Bulhões real mente deixava que na maioria dos casos o Campos fosse à frente liderando os assuntos Todavia quando o assunto era de seu interesse direto o velho mestre finca va pé e o Campos que o respeitava muito deixava a coisa seguir como queria o professor Guardo boas lembranças de alguns fatos muito peculiares do professor Bulhões Um quase anedótico Um belo dia recebi um telefonema dele logo no início do expediente pedindo que eu desse um pulo ao seu gabinete no 10a andar do prédio da Fazenda Deixei o que estava fazendo e me mandei para a Fazenda na ideia de que ele estivesse querendo ouvirme sobre alguma medida nova na área de política mone tária Na realidade passamos meia hora discutindo se o roteiro preparado por ele para a aula que iria dar no dia seguinte na então Faculdade Nacional de Economia estava ou não como deveria ser Há outro fato que nada tem de anedótico ou curioso Numa das reuniões com a missão do FMI vinda ao Brasil para discutir os termos do acordo em negociação o líder da missão Jorge Del Canto chefe do Departamento do Hemisfério Ocidental economista da velha guarda do fundo e muito rígido começou a fazer exigências e mais exigências aos presentes ou seja os ministros do Planejamento e da Fazenda e suas assessorias até ultrapassar os limites do razoável O professor Bulhões à cabeceira da longa mesa preta do 10a andar não perdeu a calma Levantou a voz um pouquinho e falou que o Campos e ele estavam fazendo um enorme esforço para reorganizar a economia brasileira e particularmente para M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 97 pôr a inflação sob controle Diante disso a atitude da missão do fundo lhe parecia não fazer sentido O governo iria continuar na rota que vinha seguindo Era só o que tinha a dizer Falou levantouse e saiu da sala Podese imaginar o choque Houve outras reuniões o acordo saiu o resto é história Uma qualidade do professor Bulhões que sempre me aproximou dele foi a sua preocupação constante com o desenvolvimento do mercado de capitais para que as empresas tivessem recursos para investir sem precisar endividarse Lembro que anos mais tarde lá por volta de 1984 ou 1985 o grupo de mercado de capitais com o qual eu trabalhava a Invesplan promoveu um seminário no Rio Grande do Sul com em presas interessadas em fazer abertura de capital Convidei o professor Bulhões para a cerimónia inaugural Ele já em idade avançada tomou o mesmo voo que eu e lá foi fazer a palestra solicitada não me lembro se em Porto Alegre ou Caxias do Sul COMO FOI POSSÍVEL A CONTINUIDADE DOS TRABALHOS DO IPEA MESMO COM A MUDANÇA PARA O GOVERNO COSTA E SILVA uma conversa com o Walter Poyares nosso consultor para assuntos de rela ções públicas e que me havia sugerido a divulgação de uma versão simplificada do Paeg fiquei sabendo que ele tinha muita ligação com a assessoria do novo presidente Costa e Silva Ele então marcou uma entrevista minha com o Andreazza Expliquei o que era o Ipea e dei uma sugestão Por que não fazemos uma série de seminários para o presidente Costa e Silva sobre problemas de desenvolvimento e de política económica Expliquei que ficaria bem para a imagem dele que poderíamos cobrir os mais diversos temas da área económica O Andreazza gostou da ideia e marcamos uma série de seminários Só que depois do primeiro em que a exposição foi feita por mim vejo no dia seguinte no Diário de Notícias na primeira página Professor de presidentes Havia uma fotografia minha fazendo a exposição O Sérgio Figueiredo que tinha uma coluna económica de prestígio na época chamada Periscópio tinha recebido a notícia não sei se do próprio Andreazza Fizemos os demais seminários dois ou três por semana Os expositores foram o Delfim Netto o Beltrão que já estava muito cotado para ser ministro do Planejamen to e outros Eu me tornei um assessor do Costa e Silva dava expediente no escritório que ele tinha em Copacabana e dava parecer sobre os assuntos que lhe eram encami nhados Fizemos uma boa aproximação o que valeu muito ao Ipea no período se guinte porque eu nem conhecia o Beltrão Eu o vira pela primeira vez quando lhe fiz 98 T E M P O S M O D E R N O S o convite para participar desse seminário Nesse período ia haver uma audiência do Campos com o Costa e Silva que me disse Velloso vem a essa audiência Era um encontro em que o Campos ia fazer algo que considerava de alto interesse nacional pedir ao Costa e Silva que mantivesse o Bulhões como ministro da Fazenda coisa que obviamente o Costa e Silva nem considerava porque acho já havia escolhido o Delfim Assim se deu a transição o Beltrão assumiu o Ministério do Planejamento o Delfim foi de fato para a Fazenda o Ipea se transformou em fundação Como disse não tinha intimidade com o Beltrão O primeiro trabalho que se fez no Ipea para o novo governo foi um diagnóstico da situação da economia preparado pela assessoria conjunta dos ministérios do Planejamento e Fazenda66 Na verdade os principais autores foram o Affonso Pastore e o Carlos Roca que pertenciam à assessoria da Fazenda É um documento que chega à conclusão de que tinha havi do uma grande expansão tributária e de tarifas públicas no governo Castelo Bran co do que resultara uma grande debilidade do setor privado Mostra a mudança que tinha ocorrido na inflação que tinha passado a ser menos um problema de excesso de demanda para ser uma questão do aumento das tarifas do serviço públi co inflação corretiva EM ABRIL DE 1968 O SENHOR ASSUME A SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO COMO FORAM AS RELAÇÕES INICIAIS DO IPEA COM o MINISTRO BELTRÃO Antes se me permitem gostaria de referirme rapidamente à equipe do Ipea Numa instituição como aquela surgida para pesquisar e criar com vistas ao plane jamento do desenvolvimento económico e social a equipe é quase tudo Felizmen te conseguimos reunir um grupo de economistas engenheiros económicos e espe cialistas sociais que cobriam bem as diferentes áreas macroeconômicas inclusive comércio exterior indústria agricultura energia transportes recursos humanos saúde e saneamento e desenvolvimento regional Eram mentes inovadoras de tal modo que frequentemente em especial a partir de 1966 os próprios programas setoriais eram feitos no Ipea por equipes conjuntas do Ipea e do ministério setorial 66 IPEA Análise do comportamento recente da economia brasileira diagnóstico Rio de Janeiro Ipea 1967 ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 99 Um aspecto revelador é que em lugar de um setor de educação tínhamos o Centro Nacional dos Recursos Humanos CNRH já dentro da concepção de capital humano Havia também o Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econó mico e Social Cendec no Ipea destinado a qualificar pessoal para as secretarias gerais dos ministérios e as secretarias de planejamento dos estados O Cendec também mantinha um programa destinado a enviar economistas do Ipea e de outras instituições para fazer doutorado no exterior Mais para o fim da década sentindo a necessidade de criar uma divisão de trabalho mais nítida fezse a divisão do Ipea em dois institutos o Instituto de Planejamento Iplan em Brasília junto ao governo e o Instituto de Pesquisa Inpes no Rio Mas mesmo o Inpes estava voltado para políticas públicas e não para a simples pesquisa académica Voltando então à pergunta as relações iniciais com o novo ministro do Plane jamento no princípio de 1967 foram um tanto formais pelas razões que vimos Havia um grupo da assessoria do Beltrão ligado àqueles grupos setoriais que o Cam pos havia criado e que queriam reduzir a importância do Ipea dentro do Planejamen to Fomos levando o nosso trabalho com cautela até surgirem as oportunidades Nossa posição ficou consolidada junto ao novo ministro quando começaram a acon tecer as viagens do presidente Costa e Silva às diversas regiões do país Nessas viagens ia praticamente todo o ministério o governo tomava decisões e anunciava medidas em favor da região No caso da viagem do presidente ao Nordeste sugerimos uma reunião com os representantes dos ministérios recolhemos as sugestões que nos de ram em torno de possíveis medidas favoráveis à região Varamos a noite preparamos um documento que foi mimeografado na manhã seguinte Com ele Beltrão pôde brilhar na sessão da tarde fez a apresentação das medidas que o governo iria adotar e o presidente anunciou as conclusões de sua estada em Recife Esse documento real mente ficou muito interessante porque continha resumos de projetos O Vinícius Fonseca que viria a ser presidente da Fundação Oswaldo Cruz no governo Geisel trabalhava conosco e tinha muita experiência de elaboração de projetos Isso nos ajudou muito e aos poucos fomos conseguindo que o novo ministro adquirisse confiança no trabalho do Ipea Logo em seguida ele nos incumbiu de preparar o programa do novo governo o Programa Estratégico de Desenvolvimento 19681970 Saiu também em dois volu 100 T E M P O S M O D E R N O S mês a versão original tem uma introdução do próprio Beltrão67 Ali a gente pode assinalar a diferença de ênfase em comparação com o Paeg Enquanto o Paeg falava em conciliar crescimento com inflação o objetivo básico do PED era obter uma alta taxa de crescimento com a condição de a inflação continuar sendo reduzida progres sivamente A ênfase passou a ser o crescimento As prioridades do programa eram principalmente as chamadas áreas estratégicas Como falei nos anos 1950 o cresci mento da agricultura tinha acontecido apenas pelo aumento da área plantada Nossa ideia era fazer uma grande transformação na agricultura Outra prioridade era a infraestrutura económica energia elétrica petróleo transportes e comunicações O sistema de conglomerados de estatais já estava pronto havia sido completado no governo Castelo Branco Além da Petrobras já existia a Eletrobrás e a Telebrás e na área de transportes já havia o DNER e outros órgãos de modo que era possível dar um impulso ao setor de infraestrutura Pela primeira vez também se colocou o desenvolvimento científico e tecnológico entre as prioridades do governo Isso foi uma ideia do Beltrão e era um assunto que nós no Ipea estávamos desenvolvendo com o assessoramento do José Pelúcio Ferreira que dirigia o Fundo de Desenvolvi mento Técnico e Científico Funtec um fundo de apoio à ciência e à tecnologia criado no BNDE em 1964 com a finalidade de financiar a implantação de progra mas de pósgraduação nas universidades brasileiras Com base nesse Programa Estratégico o Beltrão promoveu uma série de deba tes em diversas regiões do país com o partido do governo a Arena De modo que houve também essa experiência de discutir o plano com a classe política O SENHOR PARTICIPAVA DESSAS REUNIÕES COM A ARENA Nesses encontros era eu quem sempre fazia as exposições Havia uma apresen tação inicial do Beltrão que tinha muita experiência política era inclusive filho de um líder político da UDN do Rio de Janeiro o Heitor Beltrão que foi deputado em várias legislaturas O Beltrão era digamos um animal político por excelência embo ra tivesse formação técnica e sua meninadosolhos fosse a reforma administrativa Ainda sobre o Ipea gostaria de fazer outra observação Tanto sob o Campos como sob o Beltrão mantevese o objetivo inicial de preservar o órgão de influências 67 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL Programa Estratégico de Desenvolvimento 19681970 Brasília jun 1968 2 v ms M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 101 políticas Trabalhouse com liberdade de opinião e de criação Basta lembrar que o Fishlow valendose dos dados do censo de 1960 escreveu um artigo conhecido so bre distribuição de renda no Brasil que suscitou nos anos 1970 o famoso debate sobre esse assunto que andava meio esquecido68 Nessa ocasião antes de haver mani festação do Ministério do Planejamento pedi ao Ipea um documento sobre distri buição de renda O estudo que veio foi muito baseado digamos nas interpretações da oposição O pessoal do Ipea escrevia o que queria e a gente deve lembrar que os principais economistas da oposição alguns filiados ao MDB trabalhavam no Ipea e no Planejamento por exemplo Edmar Bacha Pedro Malan Durante vários anos chegamos até a manter o escritório brasileiro da Cepal dentro do Ipea porque as Nações Unidas comunicaram ao governo brasileiro que iriam fechálo por falta de recursos Nessa ocasião eu já era ministro e decidi O escritório não vai fechar o Planejamento vai passar a pagar as despesas Mas em contrapartida a Cepal faria um estudo sobre promoção das exportações de manufa turados no Brasil Muito do pessimismo em relação à capacidade do Brasil de expor tar manufaturados se devia a influências da Cepal Por isso pedi o estudo que acabou sendo elaborado pelo Fernando Fajnzylber69 HOJE SE FALA QUE HÁ DOIS IPEAS O DO RIO E O DE BRASÍLIA UM MAIS INVESTIGATIVO OUTRO MAIS ADMINISTRATIVO SERIA ISSO Quando se criou o Ipea a ideia era que fizesse duas coisas pesquisa aplicada ou sejapolicyoriented e documentos preparatórios para a formação de planos um está gio mais avançado Tanto que como disse havia o Instituto de Pesquisa e o Instituto de Planejamento dois institutos dentro da mesma fundação Não sei por que acaba ram com isso as duas coisas são complementares e têm de ser feitas com alto nível de qualificação Com a reforma de 1990 fundiramse os dois institutos e o Ipea voltou a ser Instituto de Pesquisa Económica Aplicada talvez ficando subentendido que o Ipea de Brasília se dedicasse mais ao planejamento Hoje provavelmente há mais setores não conheço bem a estrutura atual Como quer que seja é importante assi nalar que mesmo a parte de pesquisa deve ser policyoriented e não apenas acadêmica 68FISHLOW Albert Distribuição de renda no Brasil In TOLIPAN R TINELLI A C Orgs A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento Rio de Janeiro Zahar 1975 69 FAJNZYLBER Fernando Sistema industrial e exportação de manufaturados análise da experiên cia brasileira Rio de Janeiro IpeaInpes 1971 102 T E M P O S M O D E R N O S o que seria fazer duplicação com as universidades e a outra parte da instituição deveria voltarse para subsidiar o planejamento estratégico com visão pelo menos de médio prazo O SENHOR ACHA QUE O BRASIL AINDA TEM CONDIÇÕES DE RETOMAR O QUE FOI A SUA VOCAÇÃO HISTÓRICA DE ESTADO DESENVOLVIMENTISTA Tudo mudou Acho que interessa mais agora ter visões estratégicas qualquer país precisa disso Diferentemente do que muita gente pensa os Estados Unidos são muito fortes na área de visões estratégicas inclusive no tocante a ciência e tecnologia Ou seja a visão de longo prazo é extremamente importante nos Estados Unidos tanto no setor privado quanto no setor público Não precisa ser um planejamento quantitativo Se ob servarmos no II PND não existem mais metas por uma razão especial Achávamos que as condições da época crise do petróleo não permitiam e diante disso colocamos indi cadores económicos e sociais e hoje nem isso eu colocaria O que deve ser o novo estágio de desenvolvimento O tema básico do Fórum Nacional de 2002 foi economia do co nhecimento que considero ligado a essa ideia do novo estágio de desenvolvimento O SENHOR PODIA FALAR DE SUA ATUAÇÃO NA SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO NO GOVERNO COSTA E SILVA Fui convidado para o cargo pelo Beltrão que foi ganhando confiança em nosso trabalho Na Secretaria Geral atuamos em várias áreas Ainda em 1968 tivemos o grupo de trabalho da reforma universitária Como nasceu isso Um belo dia eu que estava como ministro interino e o Andreazza fomos falar com o presidente Costa e Silva com a presença do general Mediei chefe do SNI sobre o movimento estudan til a passeata dos 100 mil na avenida Rio Branco no Rio de Janeiro em junho de 1968 e sugerimos Presidente por que o senhor não cria um grupo de trabalho para propor uma reforma universitária Isso poderia criar um melhor ambiente de diálogo com o meio universitário embora depois se tenha verificado que a única grande reivindicação dos estudantes eram mais vagas nas universidades para atender aos excedentes O presidente aprovou a ideia e o ministro da Educação Tarso Dutra concordou Participei desse grupo de trabalho representando o Planejamento e o Pécora representava a Fazenda Uma das propostas que fiz foi a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE que existe até hoje A minha ideia era que isso fosse um embrião de um banco da educação ou de um banco social M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 103 para que se passasse a trabalhar nessas áreas à base de projetos Depois o BNDE acrescentou um S à sua sigla e passou a cuidar da área social Eu queria algo espe cificamente para a educação mas o Ministério da Educação que gostou muito da ideia porque significava mais recursos para a educação passou a usar esses recursos para atividades normais do ministério como um complemento DE ONDE VINHAM OS RECURSOS PARA O FNDE Vinham do orçamento porque tínhamos alguns fundos gerais que eram admi nistrados pelo Planejamento Havia por exemplo o Fundo de Desenvolvimento de Áreas Estratégicas O que quer dizer isso Servia para fazer suplementação de recur sos a certos projetos de maior significação que queríamos apoiar Tínhamos vários fundos inclusive para pagamento de reajuste de funcionalismo e outras finalidades Como desdobramento disso tivemos a criação dos centros regionais de pósgraduação Havia no Ipea como disse o CNRH chefiado por um técnico muito compe tente o Arlindo Correia Esse centro junto com o Ministério da Educação opera cionalizou a criação dos centros regionais de pósgraduação já como forma de im plementação da reforma universitária Naquela época eram centros regionais por que se achava que não havia ainda condições para um centro em cada universidade ou em cada estado Com a evolução e expansão das universidades terminouse crian do pósgraduação em todos os estados praticamente para todas as áreas Parte dos recursos para a montagem dessa rede veio das suplementações que dávamos e que mais tarde passaram a vir da Finep e do Fundo Nacional de Desen volvimento Científico e Tecnológico O SENHOR FALOU DA REFORMA UNIVERSITÁRIA E DO MOVIMENTO ESTUDANTIL ESSE FOI UM PERÍODO DE INTENSA CONTESTAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO ESPE CIALMENTE O ANO DE 1968 COMO O SENHOR AVALIAVA ESSE MOVIMENTO Em parte era um movimento autêntico em parte era manipulação de certas facções da esquerda Ali já estavam começando a aparecer as dissidências que depois se transformaram em luta armada Isso está bem claro no livro do Elio Gaspari e também no do Gorender70 Mas não há dúvida de que boa parte daquele movimento 70 GASPARI Elio A ditadura escancarada São Paulo Cia das Letras 2002 GORENDER Jacob Combate nas trevas São Paulo Ática 1987 104 T E M P O S M O D E R N O S era um reflexo do que ocorria no mundo e uma rebelião estudantil natural Nunca fui a favor de prender ou perseguir ninguém a não ser que estivesse participando da luta armada Tanto que no Ministério do Planejamento a liberdade de contratação continuou Contratei por exemplo o Arthur Candal para ser o chefe do setor de indústria e que coordenou um trabalho importante o já citado A industrialização brasileira diagnóstico e perspectivas publicado em 1976 Eu o conheci no Rio Grande do Sul através do Marcus Vinícius Pratini de Morais Havia os que diziam que era comunista Eu argumentava Não estou interessado nisso Ele foi chefe do setor de indústria enquanto quis A PRORROGAÇÃO DO MANDATO DO PRESIDENTE CASTELO E O GOVERNO COSTA E SILVA VIERAM CONTRARIAR EXPECTATIVAS DOS QUE ACHAVAM QUE 1964 SERIA MAIS UMA INTERVENÇÃO RÁPIDA DOS MILITARES NA POLÍTICA MAIS DO QUE ISSO A RADICALIZAÇÃO IDEOLÓGICA AUMENTAVA E O REGIME SE TORNAVA MAIS REPRESSI VO COMO O SENHOR AVALIAVA O MOMENTO POLÍTICO Notem que os presidentes Costa e Silva e Mediei começaram o mandato prometendo o restabelecimento da democracia mas não conseguiram Costa e Silva ainda fez aquela tentativa de aprovar uma constituição para acabar com restrições excessivas mas não conseguiu Mediei após ser escolhido presidente da República fez um discurso em que afirmava Ao término do meu período administrativo espero deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso país E bem assim fixadas as bases do nosso desenvolvimento económico e so cial71 Então a pergunta é por que não conseguiram A minha ideia é que o regime de exceção deveria terse limitado àquilo que tinha sido inicialmente fi xado ou seja não deveria ter havido nem o AI2 em 196572 Elio Gaspari e VillasBôas Corrêa mostram que havia problemas dos dois lados Os presidentes da República algumas vezes não souberam enquadrar os comandantes militares 71 MÉDICI Emílio G O jogo da verdade 2 ed Brasília Secretaria de Imprensa da Presidência da República 1970 72 Descontente com os resultados das eleições para governador em Minas Gerais e no Rio de Janeiro o governo decreta em 28 de outubro de 1965 o AI2 que entre outras coisas dissolve os partidos então existentes torna indireta a eleição para presidente da República impõe mais rigor nas punições aos opositores do regime e aumenta o número de ministros no Supremo Tribunal Federal M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 105 e do lado da esquerda houve erros como o da luta armada uma coisa sem a menor possibilidade de sucesso De passagem estou convencido de que a grande maioria das Forças Armadas se deixou convencer por uma ideia colocada pela linha dura civil e militar de que a luta armada constituía para a segurança do país um perigo muito maior do que realmente representava Gostaria de ilustrar esse ponto com a citação de um fato Em certa altura de 1968 o presidente Costa e Silva convocou uma reunião não me lembro se do ministério ou do Conselho de Segurança para avaliar a situação relativa às passeatas estudantis de 1968 Estive presente como ministro interino Iniciada a reunião o presidente deu a palavra primeiro aos ministros militares que se manifestaram todos no sentido de que a situação do país estava sob controle e de que não havia razão para medidas excepcionais Em seguida Costa e Silva deu a palavra ao ministro da Justiça Gama e Silva que se posicionou de modo bem diferente Disse que esses episódios iriam afetar a situação económica do país que havia intranquilidade nos quartéis intranquilidade social que era necessário pensar em medidas excepcionais e por aí foi Quer dizer a linha dura estava sempre superestimando os riscos e propondo ações fora do normal Por outro lado convém assinalar que as lideranças de extrema esquerda ligadas à luta armada não eram democráticas O que desejavam era instalar no Brasil uma ditadura de tipo socialista Os livros do Gorender e do Gaspari que já mencionei deixam isso bem claro No MINISTÉRIO O SENHOR REPRESENTAVA UM PERFIL QUE SE ADEQUAVA AO PRO JETO MILITAR DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO PAÍS Nós tínhamos ligação com esse projeto Vocês devem lembrar que quando o presidente Geisel assumiu o CNPq foi transferido para o Planejamento Até en tão estava subordinado à Secretaria do Conselho de Segurança Nacional Discuti esse ponto com o presidente e ambos concordamos que não havia razão para que ficasse na área militar O Beltrão tinha a mesma preocupação que eu Já mencionei que no Programa Estratégico de Desenvolvimento feito para o governo Costa e Silva havia pela primeira vez prioridade para o desenvolvimento científico e tecnológico Isso ganha ênfase no I PND e no II PND que também coordenei Ou seja a área de ciência e tecnologia fazia parte das prioridades do planejamento 106 T E M P O S M O D E R N O S económico do país área de responsabilidade dos civis Veja bem em outros países sulamericanos o contexto era diferente Quando ia às reuniões do Conselho Interamericano Económico e Social Cies sentava ao meu lado o representante do Peru no tempo do Alvarado um coronel ministro do Planejamento Quer dizer em geral os militares no Brasil sempre aceitaram que a área económica fosse entregue aos civis E como ministro sempre raciocinei que a minha responsabili dade era para com o presidente da República que tinha de dar satisfações a ele e a mais ninguém Com relação ao Ipea uma vez o chefe do Gabinete Militar73 levan tou dúvidas sobre o fato de termos regime próprio de pessoal que era aprovado pelo presidente cia República Ele argumentou Ministro na área militar tenho ouvido comentários de que isso não fica bem Eu disse General a explicação é que o Ipea tem formado muita gente mandado inúmeros técnicos ao exterior para fazer doutorado investido em seu pessoal na formação de gente de alta qualifica ção e acho que deve haver um sistema de remuneração adequado para essas pesso as Além do mais isso é publicado no Diário Oficial não é segredo Mas também quero deixar claro que no dia em que o presidente da República tirar essa prerro gativa do Ipea não fico mais no ministério O SENHOR NUNCA RECEBEU VETO MILITAR A INDICAÇÕES QUE TENHA FEITO PARA O MINISTÉRIO OU PARA O IPEA Em todos os órgãos públicos havia uma Divisão de Segurança e Informações DSI Havia no Planejamento em todos os ministérios e também nas estatais Quando tomava posse em um cargo eu procurava escolher para a chefia dessa divisão um general da reserva que fosse inteligente que entendesse o nosso projeto Eram ho mens com quem eu lidava muito bem conversava explicava nosso trabalho Tive dois assessores de imprensa Paulo Rehder e Pery Cotta que chegou a publicar um livro sobre essa época74 acerca dos quais foram levantadas dúvidas Pedi a ficha deles ao general chefe da DSI olhei e comentei Isso não tem fundamento Um deles morava num apartamento onde havia morado o Gabeira Era evidência de que houvesse relação entre os dois 73 Referese a Hugo de Abreu chefe do Gabinete Militar no governo Geisel 74 COTTA Pery Calandra o sufoco da imprensa nos anos de chumbo Rio de Janeiro Bertrand 1997 M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 107 No governo Geisel houve um caso ainda mais curioso Odylo Costa Filho foi escolhido para o Conselho Nacional de Cultura e logo se levantaram dúvidas Decidi falar com o chefe do SNI General levantaram dúvidas sobre esse caso mas olhe o que diz a ficha dele Que seu filho tem um amigo procurado pelos serviços de inteligência que ficou parece dois dias na casa dele O que isso quer dizer Talvez eu tivesse feito a mesma coisa se fosse um amigo do meu filho Quero dizer que conheço o Odylo Costa Filho há muito tempo que não é nem de esquerda é um democrata Assumo a responsabilidade por sua indicação para o conselho Há ainda outro caso engraçado Quando lancei meu livro O último trem para Paris no Rio em 1986 pediram que eu fizesse o lançamento também em São Paulo e em Brasília Em Brasília no meio da fila de autógrafos apresentase um rapaz Trabalhei no Ipea quando o senhor era ministro Sou marxistageiselista E eu Ah que interessante Por quê Sou marxista e quando trabalhava no Ipea levaram ao senhor uma informação de que eu era de esquerda O senhor pergun tou É competente ou não Se é deixa o rapaz em paz Por isso virei marxista geiselista No MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO HÉLIO BELTRÃO JÁ FALAVA EM DESBURO CRATIZAÇÃO Claro Ele foi o principal autor da lei da reforma administrativa de 1967 Falava muito em desburocratização mas naquele tempo a denominação oficial era refor ma administrativa Tanto que havia uma secretaria de reforma administrativa no Ministério do Planejamento que eu usei de forma diferente da dele Sua preocupa ção era a desburocratização simplificar os procedimentos facilitar a vida do usuário Passei a usar a reforma administrativa como ideia para preparar bem os sistemas de planejamento e orçamento Tínhamos para isso no Ipea o Cendec que dava o Cur so de Formação de Especialista em Orçamento Público para o pessoal técnico das secretarias de planejamento dos estados e principalmente às secretarias gerais dos ministérios Mas a preocupação do Beltrão sob essa denominação de reforma admi nistrativa já era a desburocratização E dentro dela as ideias de descentralização e de diferenciação Mas além de tudo isso o Beltrão tinha como já disse uma visão muito boa da área de desenvolvimento 108 T E M P O S M O D E R N O S HÁ PESSOAS QUE CONSIDERAM A CONSTITUIÇÃO DE 1988 UM RETROCESSO EM RE LAÇÃO AO DECRETOLEI Nº 200 QUE VINHA DO GOVERNO CASTELO BRANCO A Constituição de 1988 acabou com a ideia de descentralização de diferencia ção e não há nada ali favorável à desburocratização Engessou a máquina do serviço público e criou problemas sérios Um órgão como o Ipea está sujeito hoje ao Regime Jurídico Único Um técnico ali tem a remuneração do mesmo nível de um técnico de qualquer órgão do serviço público Ou seja quando se exige mais qualificação como no caso do Ipea não há correspondência do ponto de vista de remuneração Acho que realmente foi um retrocesso COMO FOI O FIM DA GESTÃO DE HÉLIO BELTRÃO Nos últimos tempos ele estava realmente desencantado porque a pasta do Pla nejamento era tratada como um ministério comum O raciocínio dele era que a pasta funcionou bem antes porque o Campos tinha uma grande ascendência pessoal sobre o Castelo Mas não se podia partir da premissa de que o ministro teria sempre grande ascendência sobre o presidente Ele queria um espaço institucional mais ade quado Nos últimos anos estava realmente desencantado com a falta de instrumen tos para fazer as coisas que queria MESMO ESTANDO DENTRO DO GOVERNO A SENSAÇÃO QUE O SENHOR NOS PASSA É A DE QUE NÃO GOSTAVA DE POLÍTICA PARTIDÁRIA Eu gosto de política mas não tenho vocação para política partidária o que é diferente Sempre fui um animal político desde os 16 anos Gosto de política inte lectualmente e todos os cargos que exerci em certo sentido exigiam uma certa voca ção política Por exemplo ministro é um cargo essencialmente político Pode ser um ministério dito técnico como os da área económica mas sempre será político Até hoje interessome por temas políticos leio sobre o assunto Mas não tenho vocação para política partidária Nos partidos deve haver um mínimo de disciplina Isso para mim é parte da reforma política que se deve fazer Quem faz isso um pouco é o PT Os outros prati cam uma completa indisciplina É só ver o que acontece entre a eleição e o início dos trabalhos do Congresso Muitos congressistas principalmente deputados mudam de partido e nada acontece Isso me parece um absurdo E eu não quero ficar num M O N T A N D O I N S T I T U I Ç Õ E S P A R A o P L A N E J A M E N T O 109 dilema porque acho que deve haver um mínimo de disciplina partidária mas não quero me submeter a ela Tenho de ser coerente Mesmo como economista não me filio a nenhuma corrente Antigamente havia a história dos monetaristas e dos estru turalistas depois neoliberais e antineoliberais Nunca fui nenhum deles Essa histó ria de facções não me interessa sou realmente um francoatirador e gosto de ser assim para preservar minha liberdade intelectual e de movimentos É uma coisa muito individual Às vezes me vejo mais voltado para uma certa tendência às vezes para outra Ser francoatirador é o que me permite ter as condições de trabalhar como quero dentro ou fora do governo DURANTE o GOVERNO COSTA E SILVA o SENHOR INICIOU UMA GRANDE AMIZADE COM NELSON RODRIGUES Da mesma forma que era amigo do dom Hélder torneime amigo do Nelson Rodrigues ALIÁS UMA GRANDE VÍTIMA DA CENSURA É verdade E talvez o criador do teatro moderno no Brasil COMO SE TORNARAM AMIGOS Por causa de uma crónica que ele escreveu em 5 de maio de 1969 chamada Piauí em Yale e que está reproduzida no livro O reacionário memórias e confis sões Nessa crónica ele conta que havia feito muitas gozações ao Piauí e que um dia foi procurado por um piauiense que lhe disse haver gente conhecida no estado Ele falou Gente conhecida do Piauí Não conheço ninguém O rapaz respondeu Deolindo Couto João Paulo dos Reis Velloso Cita mais João Paulo dos Reis Velloso e Deolindo Couto O Nelson diz que a certa altura já tinha contado 200 Deolindos Coutos e 200 Vellosos Alguém me chamou a atenção para essa crónica e li Eu já havia lido várias obras do Nelson e era leitor assíduo da coluna À sombra das chuteiras imortais Era um grande dramaturgo e muito bom nas crónicas Telefonei para ele e ficou nisso Só 75 RODRIGUES Nelson O reacionário memórias e confissões São Paulo Cia das Letras 1995 110 T E M P O S M O D E R N O S que depois fizeram um almoço para todos os personagens das crónicas de Nelson Rodrigues no Itanhangá O Walter Moreira Salles por exemplo que era sempre para o Nelson o homem mais rico do mundo ou do Brasil não lembro bem foi a esse almoço e eu também Depois um jornalista de O Globo amigo do Nelson José Vieira que era também amigo meu passou a convidarnos para jantar na casa dele A verdade é que o jantar era a dois porque o dono da casa saía da sala e me deixava conversando à vontade com o Nelson Quando o Nelson me telefonava dizia Meu doce ministro como vai E assim continuamos vários anos com esses jantares sem pre na casa desse amigo O NELSON RODRIGUES LHE FALOU ALGUMA VEZ DO FILHO DELE QUE FOI PRESO o NELSINHO Nunca falou Os SENHORES CONVERSAVAM SOBRE O QUÊ O Nelson era uma pessoa muito agradável Nossas conversas não eram sobre temas profundos mas sobre temas correntes Às vezes também sobre livros teatro Acho que nunca falamos de cinema mas sobre teatro a gente falava frequentemente porque eu achava e continuo achando que o seu teatro é da melhor qualidade Veja bem estou me referindo às suas grandes peças Ele tem quatro ou cinco delas e muitas outras ele fez para ganhar a vida Quando a gente lê O anjo pornográfico do Ruy Castro76 verifica que muita coisa ele fez para ganhar a vida Escreveu romance de folhetim com o pseudónimo de Susana Flag De início eu não sabia quem era Susana Flag QUAIS SÃO AS GRANDES PEÇAS DELE NO SEU PONTO DE VISTA Vestido de noiva Álbum de família A falecida Beijo no asfalto Agora sempre há coisas boas nas peças dele e mesmo nas crónicas Ele criou estereótipos como a aluna de psicologia da PUC o homem sem nenhum caráter o padre de passeata Amarildo o possesso e outras figuras inesquecíveis 76 CASTRO Ruy Anjo pornográfico São Paulo Cia das Letras 1992