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Ciências Econômicas ·

Economia Brasileira Contemporânea

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MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES O governo KUBITSCHEK DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E ESTABILIDADE POLÍTICA 3ª edição Coleção ESTUDOS BRASILEIROS Vol 8 Direção de Aspásia Alcântara de Camargo Juarez Brandão Lopes Luciano Martins Ficha catalográfica Preparada pelo Centro de Catalogaçãonafonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ B413g 760317 Benevides Maria Victoria de Mesquita O Governo Kubitscbek desenvolvimento econô mico e estabilidade política 19561961 por Maria Victoria de Mesquita Benevides prefácio de Celso Lafer Rio de Janeiro Paz e Terra 1979 3ª ed 302 p 21cm Estudos brasileiros v 8 Bibliografia l Brasil Política e governo 19561961 1 Títu lo II Série coo 320981065 CDU 3281 19561961 EDITORA PAZ E TERRA Conselho Editorial Antonio Candido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso Capitulo I ESTABILIDADE POLÍTICA A QUESTÃO TEÓRICA E O PROBLEMA CONCRETO 1 INTRODUÇÃO NOÇÃO DE SISTEMA POLÍTICO Iniciando a discussão sobre o que se entende por esta bilidade política cabe ressaltar a perspectiva teórica mais ampla que permeia este estudo a noção de sistema político como estrutura e processo ou seja em termos de suas possi bilidades de funcionamento e de transformação Charles Anderson um dos primeiros cientistas políti cos norteamericanos a refletir sobre a política na América Latina utílizando o termo sistema político advertia que A própria existência na América Latina do que poderiamos denominar sistema político é passível de contestação Na verdade o processo político em muitos países latinoameri canos não corresponde a normas constitucionais ou às regras do jogo democrático A política latinoamericana manifestase instável extravagante e caótica A predomi nância de crises revela embora superficialmente que a vida política dessas nações é imprevisível e irregular ine xistindo portanto as características de persistência e regula ridade no comportamento indispensáveis na definição de um sistema social No entanto certos padrões relativamente consistentes são detectáveis na arena política latinoameri cana O problema não consiste pois na inadequação do con ceito de sistema político para a América Latina mas sim em nossa incapacidade para compreender o caráter do sistema aí vigente ¹ Essa advertência de Anderson nos parece pertinente pois extrapolando para o caso brasileiro insistimos no termo siste Charles W ANDERSON Politics and Economic Change in Lattn America Van Nostrand Reinhold Company N Y 1967 pp 87 e 88 Ver também do autor Toward a Theory of Latin American Politics Vanderbuild University The Graduate Center for Latin American Studies paper 2 1964 33 ma político com a preocupação de perceber como funcionou no período Entre os autores funcionalistas destacamos D Easton cuja teoria de análise política pode ser aplicada a qualquer sistema político independentemente do contexto e dos pro cessos políticos que o geraram Seu critério para identificar um sistema político é o reconhecimento de um conjunto de interações através dos quais os valores são alocados autori tariamente para uma sociedade sendo aceitos voluntá ria ou coercitivamente pela maioria das pessoas e na maior parte do tempo Em outras palavras duas características distinguem o sistema político de outros sistemas a sua pro priedade para alocar valores e a propriedade para tornar esta alocação obrigatória e vinculativa 2 Para facilitar a análise Easton propõe um modelo cir cular de sistema político no qual visualiza concretamente as interações entre o sistema aberto e autoajustável e seu ambiente Este ambiente consiste tanto no meio social como no físico englobando os outros subsistemas da sociedade pode ser intrasocial que se refere à mesma sociedade abrangente ou extrasocial que poderia ser definido de maneira mais ampla como a sociedade internacional As trocas e influências recíprocas entre o sistema político e o meioambiente e a reação dos membros do sistema todos aqueles que desempenham papéis políticos são apresen tados como um fluxo de entradas inputs e de saídas outputs As entradas são os indicadoreschave da manei ra pela qual os acontecimentos e as condições do meio ambiente modificam e afetam o funcionamento do sistema político e constituem a matériaprima para as respostas ou as saídas 1i Para esclarecer alguma dúvida em relação ao termo autorita riamente citamos o autor no original A political system can be designated as those lnteractlons through whtch values are autho ritatively allocated for a society this is what distinguishes a political system from other systems that may be interpreted as lying in its environment A Systems Analysis of Political Life N Y John Wlley Sons 1965 p 21 Ver também do mesmo autor The Political System N Y Knopt 1953 A Framework for Poli tical Analysis N Y Prentice Hall 1965 e a tradução brasileira Uma Teoria de Análise Política Rio Zahar 1968 34 As saídas correspondem às decisões e ações das auto ridades São concretamente as normas legais as deci sões administrativas decretos políticas em geral além dos favores e benefícios especiais a determinados grupos As saídas representam também a reação das autoridades às tensões do sistema político e dependem de um duplo processo de realimentação feedback que consiste num contínuo fluxo de informações sobre o estado do sistema e seu meioambiente que permite às autoridades manipular e reconverter as pressões Através desse mecanismo podem ser feitas antecipações reconhecimento do apoio e avalia ção dos efeitos das saídas já efetivadas Analiticamente as entradas podem ser de demanda e de apoio As demandas são expressões organizadas dirigi das às autoridades distinguindose quatro tipos principais demandas para alocação de bens e serviços como salários e educação demandas para regulamentação do comporta mento como a segurança pública demandas para a par ticipação política como em eleições demandas para a co municação como obter informações e formular opiniões³ As entradas de apoio expressam as reações da sociedade em relação às autoridades ao regime à comunidade política O apoio específico consiste em ações concretas visando uma determinada decisão das autoridades impostos leis p ex o apoio difuso decorre de atitudes generalizadas vinculadas às questões de legitimidade aos sentimentos patrióticos do bem comum etc caracterizando grosso modo o crédito político ao sistema As aspirações sociais expectativas preferências de sejos propiciam as demandas que só se efetivam atra vés de canais formais ou informais para atingir as autoridades É neste nível de conversão de aspirações em demandas que operam os reguladores estruturais do vo lume da demanda ou seja os grupos de interesses os partidos políticos os lideres da oposição os militares e os meios de comunicação de massa O processo de con versão consiste na forma escolhida pelo sistema político para satisfazer negar ou modificar as demandas utili 1 Essa distinção a partir do esquema de D Easton é feita por O Almond em G ALMOND G POWELL Comparatfve Politics A Developmental Approach Boston Little and Brown 1966 35 zando seus recursos próprios inclusive as entradas de apoio As demandas se tornam fonte de pressão quando devido ao volume ou à natureza as autoridades não po dem ou não querem atendêlas em proporção adequada aos membros politicamente significativos na sociedade Essa nãoconversão e nãoredução das demandas se tra duz por descontentamento social manifesto ou latente caracterizando a erosão do apoio e a falência das saídas do output Assim se as entradas de demandas podem afetar os objetivos do sistema político as entradas de apoio provêem os recursos para o seu funcionamento A noção de sistema político de D Easton foi tomada como ponto de partida devido à postura inicial do autor ao questionar de que maneira os sistemas políticos em geral enfrentam o problema da estabilidade e da mu dança Suas proposições são pertinentes como instrumen tal para a pesquisa do período histórico escolhido Isso por que o governo Kubitschek será visto em termos de como o sistema político se manteve enfrentando as demandas e pressões dos mais variados tipos propiciando as saídas e reconvertendo o apoio num complexo jogo de arena polí tica Em termos concretos isso significa estudar aquelas políticas selecionadas neste trabalho em torno da atuação dos partidos dos militares e do próprio Executivo Adian tamos que o jogo da arena política foi efetivamente hábil para a manutenção da relativa estabilidade política do pe ríodo especialmente quanto à conciliação dos diversos in teresses E embora não pretendamos fazer uma análise personalista lembramos também a habilidade do pre sidente o que corresponderia ao que Easton chama de talento das autoridades isto é a conjunção de habilidade pessoal com a capacidade organizacional para interpretar a informação feedback e responder aos inputs 4 Hélio Jaguaribe parte da mesma caracterização de sis tema político de D Easton mas sugere interessantes pontos críticos Em primeiro lugar insiste na necessidade de não apenas incluir mas enfatizar o monopólio legítimo dos meios de coerção cf Weber em qualquer definição de sistema político Essa ênfase nos parece evidente e inquestionável sob qualquer ponto que se aborde a política e o poder 4 D EASTON citada p 451 36 sendo também pertinente ao tema deste estudo pois a coer ção organizada é uma das variáveis do pacto de dominação do período considerado Em segundo lugar H Jaguaribe discute a excessiva autonomia que Almond e Easton atri buem ao sistema políticolembrando a necessária interde pendência estrutural entre os quatro subsistemas da socie dade o cultural o econômico o participacional e o político Esse ponto deve ser salientado pois pretendemos discutir pontos de ruptura no sistema político que seriam compen sados por elementos dos outros subsistemas caracterizados por Jaguaribe especialmente o econômico e o participacio nal Finalmente lembra Jaguaribe a necessidade de levar em consideração a diferença entre as formas acional e po sicional das entradas de demandas e de apoios As posi cionais representam formulações não seguidas por qual quer esforço das autoridades para satisfazêlas As acionais ao contrário consistem em demandas sustentadas por pres sões virtuais ou reais que forçam o encaminhamento e a execução de determinados objetivos políticos As demandas acionais extravasam a função reivindicatória e se relacio nam com o questionamento da legitimidade do sistema das políticas adotadas do poder das autoridades das decisões tomadas de sua implementação dos meios utilizados 5 Essa diferença nos parece interessante uma vez que consideramos um certo equilíbrio entre as demandas então ditas acionais e posicionais como indispen sável para a aferição da estabilidade do sistema político 2 ESTABILIDADE POLÍTICAA QUESTÃO TEÓRICA O primeiro problema que se apresenta referese à con ceituação o que se entende por estabilidade ou instabili dade política Num esforço de sistematização encontramos dois tipos de conceitos que poderíamos denominar formais e operacionais 5 Hélio JAGUARIBE Sociedade Mudança e Política São Paulo Perspectiva 1975 pp 151161 37 OS CONCEITOS OPERACIONAIS Os conceitos operacionais especificam sintomas co mo em grande parte de trabalhos sobre os chamados paí ses em desenvolvimento e a América Latina em parti cular e constituem a base teórica para a construção de índices de estabilidade em determinados períodos históricos Abstraindo a noção mais àmpla de sistema político e particularizando a análise num nível mais restrito um governo propõese a primeira questão o que signi fica um governo estável Longa duração apesar de violên cias Colômbia Vietnã do Sul Ou um governo com queda freqüente de ministérios mas sem violência signifi cativa França 3ª e 4ª Repúblicas Ou então um governo igualmente longo e pacífico Num ensaio bastante di fundido Merle King 6 sugere uma série de sintomas que caracterizariam a instabilidade política principalmente na América Latina queda de governos por meios violentos ou apenas irregulares conspirações revoltas declarações de estado de sítio exílios manifestações públicas eleições fraudulentas e golpes Nesta mesma linha Alaor Passos e Vilmar Faria 7 associam a instabilidade política na América Latina à indecisão social caracterizada como a situação na qual os decisionmakers devem atender a duas demandas contraditórias uma proveniente da tensão developmen tal 8 causada pelas aspirações crescentes do potencial polí tico que ameaça as bases do poder e outra da elite tradicio nal que pretende conservar intactas suas bases de poder O resultado mais freqüente desta situação é a política de 6 Merle KING Toward a Theory of Power and Political Ins tability in Latin America in James PETRAS e Maurice ZEITLIN ed Latin America Reform or Revolution Fawcett World Li brary pp 7693 7 Alaor PASSOS e Vilmar FARIA Indecisão social e Instabili dade Política alguns dados para a América Latina ln Dados nº 23 1967 p 150 8 O termo tensão developmental embora entre aspas sugere um neologismo anglobrasileiro a nosso ver injustificado seria mais compreensivel talvez falar em developmental tension ou tensão do desenvolvimento 38 compromissos de paliativos que a longo prazo pode agravar as contradições levando o poder tradicional a um circulo vicioso de indecisão social Para o Brasil os auto res sugerem um padrão altamente instável considerando como indicador básico as derrubadas de governos nas déca das 194565 concluindo que o país apresentaria uma alta indecisão social com alta instabilidade política para a qual contribuiria como sintoma o alto índice de despesas mi litares S Huntington embora discuta o conceito de instabili dade em linhas mais teóricas também se aventura nesse terreno operacional dos sintomas identificando ins tabilidade política com desordem política que caracteriza pelos seguintes traços comuns segundo o autor nos pai ses em vias de desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial entre eles o Brasil a evolução política está sujeita a constantes e crescentes conflitos étnicos ou classistas revoltas e violência popular freqüentes golpes de estado militares dirigentes personalistas instáveis com políticas econômi cas desastrosas e partidárias violência arbitrária aos direitos e liberdade de cidadãos níveis decrescentes de eficácia e capacidade burocrática crescente alienação de grupos políticos urbanos perda de autoridade das legislaturas e tribunais fragmentação ou desintegração total dos partidos po líticos 9 Ora embora os sintomas enumerados configurem um quadro convincente de instabilidade política parecenos claro que uma definição operacional satisfatória de estabilidade política seja praticamente impossível uma vez que existem diferentes graus de estabilidade exigindo por tanto índices diferentes para a instabilidade de pessoal executivo duração de mandato para a violência de dife rentes grupos guerras civis revoltas e revoluções para incidentes violentos desde conspirações até guerrilhas 9 Samuel HUNTINOTON El Orden Político en las sociedades en Cambio Buenos Aires Paidós 1972 p 15 39 Donde se conclui não ter sentido pelo menos neste estudo específico pensar estabilidade política apenas através de indicadores externos como crises rupturas pri sões golpes etc Nesse caso julgamos que se perde a eficácia do conceito enquanto conceito o qual se torna apenas um rótulo para a constatação do óbvio em países que apresen tam tais e tais sintomas O que nos parece ter sentido é pensar estabilidade através das estruturas que sustentam a sociedade questionandose por exemplo as relações entre o Legislativo e o Executivo entre o poder civil e o poder mi litar Tornase inoperante portanto a construção de um in dice de estabilidade ou instabilidade política para o período em foco baseado nos sintomas já apresentados Assim a tese de Merle King e a pesquisa de A Passos e V Faria por exemplo nos parecem eficientes quando aplicadas à Amé rica Latina como um todo e por um periodo histórico am plo mas de difícil aplicação para um curto período da His tória Política brasileira no caso o Governo Kubitschek Abandonandose portanto os conceitos operacionais ressalvese que estabilidade política não significa necessa riamente ausência de crises a estabilidade política do Go verno Kubitschek não eliminou as contradições inerentes ao próprio sistema político ameaçado desde o segundo go verno Vargas e principalmente com as articulações golpis tas a partir da candidatura JKJango No entanto o sistema político se mantém em sua essência a estrutura de poder permanece inalterada a maioria parlamentar contínua in clusive após as eleições de 1958 e a presidência é assumida constitucionalmente até o final do mandato Ressalvese também que estabilidade política não é apenas a continuidade da ordem constitucional mas se relaciona principalmente com a manutenção de uma mes ma estrutura de poder o pacto de dominação vigente e depende das possíveis mudanças na distribuição do poder poder aquí definido como a capacidade de controle sobre os mecanismos de decisão envolvendo a alocação dos recur sos na sociedade Nesse sentido a estabilidade política correlacionase positivamente com a capacidade do sistema político de responder às demandas que recebe e com sua capacidade de se adaptar às mudanças estruturais de na tureza sócioeconômica que ocorrem na sociedade e correlacionase negativamente ao longo do tempo com 40 qualquer conjunto de políticas cujas conseqüências calcula das ou incalculadas são as de impedir a mudança de ocorrer num ritmo funcional para a manutenção do sistema 10 Esta proposição de Christian Anglade remete diretamente à apresentação dos conceitos que denominamos formais OS CONCEITOS FORMAIS Para os conceitos formais recorrese quase que auto maticamente aos autores funcionalistas aqueles que mais se preocupam com os problemas de ordem equilíbrio e es tabilidade nas sociedades e mais especificamente nos sis temas políticos Adiantandose à crítica freqüente de que o funcionalismo e a análise sistêmica são inoperantes para a pesquisa empírica porque não percebem a mudança preocupandose primordialmente com o equilíbrio dos sis temas adotamos uma perspectiva mais ampla que se in clui o conceito já clássico de S Lipset agrega proposições de outros autores como S Huntington e H Jaguaribe que se preocupam com estabilidade política e mudança Segundo Lipset a estabilidade depende da combinação entre a eficácia e a legitimidade de um sistema político O conceito de eficácia é primordialmente instrumental ou seja consiste no desempenho real na medida em que o sis tema satisfaz as funções básicas de governos tal como a maioria da população as encara e principalmente os gru pos mais poderosos como os grupos econômicos dominantes as Forças Armadas etc Por sua vez seu conceito de legiti midade é primordialmente valorativo consiste no grau em que o sistema é aceito pelos seus membros Em outros ter mos é a capacidade do sistema para engendrar e manter a crença de que as instituições políticas vigentes são as mais apropriadas para a sociedade Os grupos encaram o sistema como legítimo ou ilegítimo segundo o modo como seus valores se ajustam aos deles Mesmo com eficácia ra zoável a legitimidade pode ser ameaçada se o status dos principais grupos dominantes for ameaçado ou se o acesso 10 Christian ANGLADE Instabilidade Política versus Manu tenção do Sistema in Candido Mendes org Crise e Mudança Social Rio Eldorado 1974 p 45 41 à política for negado aos grupos emergentes 11 Esse pon to nos parece relevante pois sugere dentro do problema mais amplo da institucionalização o aspecto da participação política dos membros do sistema que será abordado concretamente em termos da representatividade dos partidos políticos Voltando a Lipset uma prolongada eficácia pode con ferir legitimidade assim como um colapso na eficácia por longo prazo ou por repetidas vezes pode colocar a legiti midade em questão Nas sociedades modernas a eficácia se confunde com um desenvolvimento econômico constante Assim os fatos envolvidos na modernização e no desenvol vimento econômico estão associados àqueles que estabele cem a legitimidade e estabilidade numa sociedade 12 No periodo Kubitschek essa questão é fundamental como será visto no capítulo que trata da política econômica do governo A explicação liberaldemocrática de Lipset para a es tabilidade política pode ser aceita na medida em que se reconhece sua limitação histórica e até mesmo cronoló gica Lipset associa estabilidade política a democracia e mais especificamente à democracia americana perceben do os processos políticos no âmbito de uma nação e não propriamente no sistema político Nesse sentido Hélio Ja guaribe sugere que a abordagem funcionalista consiste num marco teórico analiticamente coerente podendo ser usado no plano empírico com proveito mas que se acha limitado pelo fato de estar construido do ponto de vista das socieda 11 Esta formulação teórica em torno da estabilidade encontrase em Seymour M LIPSET O Homem Político Rio Zahar 1967 pp 2192 12 s LIPSET citada p 84 e p 92 Partindo de Lipset um interessante estudo sobre a estabili dade dos sistemas democráticos como explicar o fato de que as democracias podem sobreviver aos conflitos desencadeados pelas próprias liberdades democráticas é o de Ian BUDOE La Esta bilidad de la Democracia Buenos Aires Paldós 1970 p 12 K W DEUTSCH distingue entre estabilidade e viabilidade de um deter minado sistema político também em termos de suas chances de sobrevivência Communication Models and Decision Systems in J C Charlesworth ed Contemporary Polítical Analysis N Y The Free Press 1967 42 des desenvolvidas e com um alto grau de autonomia de seus subsistemas incluindo o sistema politico 11 Essa limitação nos parece grave para uma pesquisa em política comparada como por exemplo sobre os graus de desenvolvimento político entre o sistema democrático e o totalitário mas para o estudo de um determinado sistema político num determinado período essa critica tornase me nos relevante 14 S Huntington Participação e Institucionalização Samuel Huntington pretende investigar os meios e for mas de promoção de ordem pública que identifica com estabilidade em sociedades em constante e rápida mudança Segundo este autor se o desenvolvimento eeonômico depende em parte da relação entre consumo e produção a ordem política depende de certo modo da relação entre desenvolvimento das instituições políticas e participação de novas forças sociais nessas instituições conforme já fora sugerido por Lipset No entanto para Huntington ao con trário de Lipset não haveria diferença entre ditadura e democracia neste tipo de análise mas entre ordem e desor dem ou seja entre ordem política e decadência política E a ordem existiria em países com consenso e comunidade política baseados em atributos tais como legitimidade or ganização eficácia e estabilidade citando como exemplo os Estados Unidos a Inglaterra e a União Soviética com insti tuições políticas sólidas e coerentes o que foi conseguido através de burocracias eficientes e partidos políticos organizados alto grau de participação popular em assuntos públicos I Hélio JAGUARIBE citada p 163 14 Contestando o conceito de Lipset H Jaguaribe sugere que a simples combinação entre eficácia e legitimidade não parece sufi ciente para caracterizar a estabilidade política pois afirma que existem governos legítimos e eficazes mas ameaçados em sua es tabilidade Acrescenta às noções de eficácia e legitimidade a di mensão da vigência Um regime é estável quando é dotado de alta vigência ou seja a correlação entre os grupos que têm poder na sociedade e os que têm poder no Estado Comunicação pessoal Petróplis 1321975 43 sistema eficaz de controle civil sobre os militares ingerência do governo na economia meios para controlar os conflitos lealdade dos cidadãos quanto à legitimidade de impostos recrutamento de mãodeobra inovações e realizações po liticas 15 No período estudado serão destacados entre os itens acima o papel dos partidos políticos a ingerência do go verno na economia e os meios para controlar os conflitos ca racterizandose desde já o caráter frágil dos demais pontos Qual seria para Huntington a causa para a instabili dade política Sua tese parece bastante clara a instabilida de política é em parte resultado de um processo muito rápido de mudança social e mobilização política enquanto que a institucionalização se desenvolve lentamente Ou seja o processo de institucionalização política não acompanha o de mudança social os ritmos de mobilização e participação política são muito altos e os de organização e insti tucionalização política permanecem muito baixos A rapi dez de um processo e a lentidão do outro são explicadas pela própria natureza das mudanças que ocorrem As mu danças econômicas e sociais como por exemplo urbaniza ção alfabetização e educação expansão dos meios de comu nicação de massa ampliam a consciência política multi plicando demandas por participação complicando e pondo em xeque os fundamentos tradicionais da autoridade e instituições políticas Ao mesmo tempo essas mudanças di ficultam a criação de novas instituições políticas que pode riam levar à estabilidade se reunissem legitimidade e efi cácia 16 Essa questão será vista em torno de dois pontos a criação de novas instituições políticas não significou um processo de institucionalização pois predominou confor me nos parece claro uma improvisação institucional 11 que teve sua caracterização mais específica na chamada administração paralela criada por Kubitschek O outro ponto se refere às mudanças econômicas e sociais as quais neste período efetivamente ampliaram as demandas por 15 s HUNTINGTON citada pp 13 e 16 16 Id ibid 17 A propósito ver T SKIDMORE obra citada p 225 44 participação e outras mas que até certo ponto foram absorvidas caracterizando um ponto ótimo do sistema e depois a sua futura inviabilidade Qual seria para Huntington a melhor saída para as segurar a estabilidade de um sistema político O autor pro põe como alternativa à burocratização o fortalecimento dos partidos políticos Salienta em seguida que numa so ciedade em rápido processo de modernização a sociedade permanece rural mas sua política tornase urbana exi gindose portanto uma certa aliança entre alguns grupos urbanos e os rurais em outros termos a chave da estabili dade política residiria na medida em que as massas rurais fossem mobilizadas para a política do sistema vigente e não contra ele 18 Essa proposição de Huntington é pertinente para o es tudo do papel da aliança PSDPTB no período em foco a qual será vista entre outros aspectos como a decorrência do cálculo político que exigia a união entre o voto rural e o voto urbano entre os interesses representados pelas oligarquias rurais e a burguesia industrial ascendente e os grupos urbanotrabalhistas a ela ligados Ainda sobre a questão da legitimidade julgamos opor tuno lembrar como o faz Celso Lafer a proposição de N Bobbio para quem a legitimidade diz respeito ao título para o exercício do poder título que é dado pela autoridade resultante do poder que provém da ação de muitos na co munidade de uma adesão a uma mesma lei O que difere portanto da legalidade que cuida da qualidade do exerci cio do poder ou seja diz respeito às formas de atuação e desempenho de um sistema político E quanto às normas jurídicas C Lafer chama a aten ção para o fato de que a norma requer que nela esteja inserido um elemento positivo de valor através do qual todo o sistema jurídico e político se reveste de um componente mínimo de autoridade que o torna acatado e acatável in dependentemente do exercício da força O problema do valor confere à legitimidade uma dimensão extremamente abrangente que permeia a sociedade pois envolve o grau de apoio conferido pelos seus membros através da interação 18 S HUNTINGTON citada p 73 e p 358 45 dos subsistemas à ordem social como um todo nela incluído o regime de poder 19 Esse elemento positivo de valor nos parece pertinen te para a análise proposta porque enfatizamos o compro metimento prioritário de Kubitschek com seu Programa de Metas o que diz respeito ao problema de opção e adesão a valores e o grau de apoio difuso que lhe era conferido principalmente quando discutimos a convergência dos in teresses dos partidos e dos militares na política econômica do governo Cabe adiantar também que no período estudado a legitimidade do sistema era aferida pelo voto o que nos remete àquela questão do título para o exercício do poder dado pela autoridade resultante do poder que provém da ação de muitos Concluindo a noção de estabilidade política que orien ta a perspectiva teórica deste estudo comporta elementos propostos por vários autores e que poderiam ser aqui bre vemente resumidos a proposição inicial que toma o sistema político como unidade de análise e sua capacidade de manutenção e de mudança a combinação entre eficácia e legitimidade de Lipset incorporandose as criticas de H Jaguaribe acrescentadas do problema do valor na dimensão da legitimidade apon tado por C Lafer as hipóteses de Huntington sobre estabilidade e mudan ça enfatizandose as variáveis mobilização socialparticipa ção o papel dos partidos e o desenvolvimento econômico o papel da sobrecarga das demandas Vejamos em seguida a estabilidade política como um problema concreto e não mais apenas como uma temática conceitual 19 Norberto BOBBIO Sur le principe de la Légitimité in LIdée de LégltImIté Annales de Phllosophie Politique vol 7 Paris PUF 1967 p 49 Citado por Celso Lafer Sistema Político Brasileiro es trutura e processo São Paulo Perspectiva 1975 pp 3940 46 3 ESTABILIDADE POLÍTICA O PROBLEMA CONCRETO NO GOVERNO KUBITSCHEK Como ponto de partida considerouse o Governo Kubi tschek um caso singular na política contemporânea isto é foi efetivamente estável no sentido mais usual da estabi lidade constitucional e ademais as virtualidades do sis tema combinando eficácia com legitimidade foram levadas ao seu ponto ótimo Mas essa estabilidade foi marcada por crises profundas no começo e no fim do pe ríodo justificando uma certa perplexidade o que não deve ser visto como um contraargumento pois conforme a perspectiva esboçada acima estabilidade política não signi fica necessariamente ausência de crises Os dados coletados durante a primeira fase da pesqui sa que consistiu num levantamento histórico do período não são evidentes isto é revelam crises e conflitos que a estabilidade aparente insuspeitava Apesar de que como foi dito acima crises e conflitos não significam necessariamen te instabilidade política surge de imediato o contraste entre a imagem de um governo estável e a realidade do Governo Kubitschek Essa imagem de estabilidade não era evidentemente casual O que houve concretamente Que tipo de crise a estabilidade aparente suportava que tipo de crise não podia suportar Colocase então o problema específico que consiste em investigar a estabilidade concreta e não apenas aparente do Governo Kubitschek Qual o caráter daquela estabilida de A aparência de estabilidade era dada pelo desen volvimento continuado pelo otimismo generalizado com o Programa de Metas e a euforia de Brasília e principal mente pela manutenção do regime democrático incluindo participação política eleições livres liberdade de imprensa anistia aos rebeldes militares liberdade de reunião e as sociação direito de greve etc No entanto logo após a instabilidade profunda desencadeada pela renúncia de Jânio Quadros e as tensões no Governo Goulart quase leva o país à guerra civil Sugerimos inicialmente que se estabilidade política significa de certo modo a manutenção do regime vigente supõese para o período estudado a consolidação do siste ma democrático E o que supõe um sistema democrático Supõe entre outras características um sistema de partidos 47 políticos responsáveis tanto como sustentação parlamen tar formal quanto como meio para articulação de demandas da sociedade como condutos para a agregação e articula ção das demandas e processamento do output No Governo Kubitschek não apenas a aliança PSDPTB funcionou efe tivamente como sustentação parlamentar mas considera mos também que os principais partidos representavam de alguma forma interesses específicos sendo portanto ca nais relativamente competentes para a articulação pro cessamento e controle das entradas e saídas inputs e outputs do sistema político No entanto o sistema parti dário permaneceu dependente do Executivo e as crises e cisões na aliança PSDPTB e no interior de cada partido sugeriram a necessidade de ampliar o poder explicativo do papel dos partidos para a estabilidade do período agre gandoo ao papel das Forças Armadas especificamente do Exército sob a liderança do Ministro da Guerra Gen Lott Embora alguma articulação entre a questão teórica e a análise concreta já tenha sido esboçada à medida que se situava os autores e suas proposições retomamos aqui dois pontos a eficácia e a legitimidade Quanto à eficácia não há muita dúvida no período em foco ela se confunde com o desenvolvimento econômico que gerou o otimismo generalizado com o Programa de Metas instru mento eficaz para enfrentar as pressões no sistema político através de novas medidas de desenvolvimento econômico e social mesmo que apenas a curto prazo Quanto à legiti midade a questão não consiste meramente em saber se o governo tinha ou não prestígio popular embora acredite mos que também o tivesse A legitimidade depende da organização institucional passando necessariamente pelo Estado pelo regime de poder Nesse sentido adiantamos que o pacto de dominação viável durante o período em foco dependia de duas moedas em circulação a do voto que conferia legitimidade ao sistema e a da coerção orga nizada pelo poder militar qualificado de poder mode rador 20 20 Celso LAFER discute essa questão na República Populista em Sistema Político Brasileiro citada p 63 acentuando o papel do Congresso como caixa de conversão do pacto de dominação 48 Daí decorre diretamente a nossa hipótese central para a pesquisa a estabilidade do Governo Kubitschek foi pro duto de uma conjuntura especial na qual o Exército e o Congresso atuaram de maneira convergente Esse equilí brio funcional entre os partidos e o Exército significava que o governo não estava bloqueado no Congresso graças à maioria conseguida com a aliança PSD PTB e contava com o apoio do setor majoritário do Exército Para um estudo mais abrangente do período conside ramos necessário aprofundar aquela hipótese inicial in cluindo a política econômica como a variável explicativa para a convergência Forças Armadas e Congresso nos se guintes termos a aliança PSD PTB e o Exército atuaram de maneira convergente no sentido de apoiar a política econômica do governo cujo núcleo era o Programa de Metas O objetivo do trabalho especificouse portanto como a investigação da relativa estabilidade política do Governo Kubitschek em torno de três temas que se tornaram fun damentais para a análise o papel dos partidos políticos o papel dos militares o papel do Executivo política econômica O aprofundamento desses três temas nos capítulos se guintes baseandonos em pesquisa bibliográfica documentação ofi cial e especialmente dados primários de entrevistas com personali dades e lideres políticos da época constitui o material básico para o que pretendemos com uma análise concreta de uma situação con creta GOVERNO KUBITSCHEK ESTABILIDADE E EVIDÊNCIA DE CRISES A proposição de uma análise concreta implica ne cessariamente uma apresentação crítica do Governo Kubi tschek também em termos das crises Percebese de ime diato a conveniência em separálo em dois períodos o primeiro que compreende 1956 1957 e meados de 1958 o segundo se estende até o fim do mandato ou melhor até as eleições presidenciais de 1960 O começo e o fim do governo são marcados por fortes crises mas essas crises tiveram naturezas diversas Em 1956 Kubitschek e Goulart assumem o mandato em condições tais que estava em 49 risco a própria possibilidade de governar a fermentação militar ainda decorrente da crise causada pelo 11 de no vembro persiste e tem seu ponto máximo na rebelião de Jacareacanga a oposição parlamentar apoiada por im portantes setores da imprensa liderada pela UDN man témse virulenta dificultando suas próprias teses de união nacional A manutenção da ordem tornase condição in dispensável para o fortalecimento do sistema político Kubitschek percebe a necessidade imperiosa de manter o dispositivo militar e uma política conciliatória quanto à atuação partidária fortalecendo a aliança PSD PTB e quanto à política econômica Em 1959 as crises são de natureza especificamente econômica é o planejamento que corre o risco de não ser cumprido É a fase mais difícil do governo pressionado externamente pelo FMI e internamente pela oposição vio lenta ao mesmo tempo contra a inflação e contra o Plano de Estabilização Monetária Aumentam o número de gre ves e os pactos de ação conjunta as atividades das Ligas Camponesas a oposição udenista contra pretensos planos continuistas de JK e a oposição de esquerda quanto ao capital estrangeiro e o ano termina com a re belião de Aragarças As eleições de outubro de 1960 polari zam o debate políticopartidário e o período compreendido entre as duas campanhas eleitorais constitui propriamen te o centro da atuação governamental 1957 foi o ano em que a ação econômica do governo começoú a integrar efetivamente a ideologia do desenvolvimento a inquietação politica é mais controlada e a ênfase do governo é a cons trução econômica 21 Em 1960 a situação política é outra a preocupação maior do presidente é a mudança e a instalação do governo em Brasília metasíntese de seu Programa de Metas e a transferência do cargo ao seu sucessor sem incidentes protestando veementemente contra as acusações de con tinuismo e já preparando a campanha JK65 Para ter minar o mandato com o mínimo possível de crises adota a 21 Miriam LIMOEIRO CARDOSO citada p 125 A autora sugere a divisão do governo em dois períodos inclusive em termos do al cance da ideologia desenvolvimentista 50 política de adiamentos táticos e estratégicos ²² responsá veis em parte pela instabilidade futura 4 ESTABILlDADE POLÍTICA NO GOVERNO KUBITSCHEK A VIABILIDADE DE UM MODELO Uma vez que a relativa estabilidade política do Gover no Kubitschek foi dada como um pressuposto básico que a perspectiva teórica foi apontada assim como as hipóte ses que nortearão o trabalho tornase necessário discutir a viabilidade de um modelo para a elaboração do padrão para a es tabilidade política do sistema então vigente Como premissa indispensável ressalvase que todo mo delo é apenas uma construção teórica para explicar uma realidade da qual se tenta isolar aspectos relevantes ou vitais tais aspectos implicam uma opção do pesquisador e constituem de certa maneira a originalidade do traba lho Esses aspectos serão as variáveis do trabalho e que devem ser utilizadas além de sua função explicativa como instrumentos para organizar logicamente e selecionar os dados Propomos então um modelo que inclui as três variáveis política partidária política militar e política econômica num mecanismo de compensação no qual os momentos de ruptura entre tais variáveis são compensados por c1utras variações mantendose sempre uma propriedade geral que garante a estabilidade do sistema Esse modelo interpretativo toma como ponto de parti da o modelo de análise funcional de E Nagel conforme a exposição crítica de Francesca Cancian 23 Como a análise 22 Hélio JAGUARIBE Desenvolvimento Econômico e Desenvolvi mento Político Paz e Terra Rio 1969 p 201 23 Francesca CANCIAN Functional Analysis and Change in American socíological Review 25 1960 nº 6 pp 818837 ver também a aplicação desse modelo e a discussão de seu alcance teórico em José Augusto GUILHONALBUQUERQUE Expérience du Dévéloppement el intégration aux valeurs de la civilisation in dustrielle tese de doutoramento Louva1n 1971 pp 1422 51 funcionalista é freqüentemente criticada em termos de sua inoperância para a pesquisa empírica pois não percebe a mudança preocupandose primordialmente com as ques tões relativas à ordem e ao equilíbrio dos sistemas assina lase que o modelo proposto pode ser concebido segundo F cancian como paradigma da análise da mudança Explicase Um sistema funcional suporia um processo onde o meio ambiente e certas partes do sistema estão em constante mudança de tal maneira que uma propriedade dada está também sempre em risco de ser modificada No entanto outras partes do sistema mudam também e com pensam a mudança inicial é o mecanismo de compen sação em funcionamento Esse sistema é formado por dois tipos de variáveis a variável G e as variáveis de estado state coordinates G é a propriedade que é mantida no sistema e as variáveis de estado definem o sistema mantendo ou modificando G As variáveis de estado podem variar de maneira a ameaçar a posição de G mas esta pode ser compensada pelas mudan cas das outras variáveis As variáveis de estado são consi deradas disfuncionais quando suas variações ultrapassam os limites da compensação por outras variáveis são con sideradas funcionais quando mantêm apesar da mudança algo de constante e externo a elas a propriedade G Para uma análise concreta a partir desse modelo co locamse três tipos de questões qual era o estado do processo num dado momento anterior qual a propriedade que é mantida no sistema quais as variáveis que supostamente se compensam mu tuamente de maneira a manter G a propriedade que não varia Consideramos pois que esse modelo revelouse espe cialmente interessante ao tratar os fenômenos em termos de interdependência e compensação mútua das variáveis em jogo Porque é exatamente isso que se propõe analisar a relativa estabilidade política do Governo Kubitschek em termos da interdependência e da compensação mútua das variáveis que julgamos fundamentais as variáveis em jogo ou seja a política partidária a política militar e a política econômica Respondendo brevemente àquelas três questões sugeri mos que 52 G era a propriedade do sistema político que consistia na sua capacidade para implementar o Programa de Metas núcleo da política econômica do governo e conseguir o apolo dos outros membros do sistema as variáveis de estado eram respectivamente a política partidária quando se enfatiza o papel da aliança PSD PTB e a política militar em termos da manutenção da disciplina interna e da cooptação para considerar o estado do processo num dado momen to anterior devem ser vistas a situação dos principais partidos políticos da época caracteristicas diferenciais origens etc especialmente a evolução para a aliança PSDPTB as principais características da economia problemas e dilemas com ênfase no papel do Executivo que tornaria possível a Implementação do Programa de Metas a referência histórica à Intervenção militar cons tante na vida política brasileira que se prolongaria de certo modo em determinada política militar do período Retomando nossa preocupação inicial adiantamos que a capacidade do sistema político para implementar o Pro grama de Metas o que dependia do apoio decorrente das compensações mútuas com as autras variáveis foi vital para a relativa estabilidade política do Governo Kubitschek A discussão sobre os pontos de ruptura e as respectivas compensações entre a propriedade G e as variáveis de es tado no Governo Kuoitschek constitui pois a aplicação concreta do modelo a ser desenvolvida neste trabalho 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se propôs neste capítulo foi situar a perspectiva teórica que orienta este estudo recorrendose aos autores que consideramos mais afins com a nossa motivação ini cial D Easton S Lipset H Jaguaribe S Huhtington e C Lafer Discutimos também a possibilidade de uma análi se concreta sobre estabilidade política e a viabilidade de aplicação de um modelo adiantandose as hipóteses prin cipais que norteiam o trabalho Percebemos a complexidade do tema e de cada uma das variáveis selecionadas O que se propõe no entanto não é um estudo exaustivo sobre os partidos políticos sobre a intervenção militar ou sobre a política econômica e o 53 Programa de Metas O que se pretende reafirmamos mais uma vez é uma interpretação para a relativa estabilidade política do período Kubitschek num padrão de agregação alto reunindo aquelas três variáveis consideradas funda mentais O próximo capítulo tratará do papel dos partidos polí ticos especificamente a aliança PSDPTB para a estabili dade do período Primeiramente se apresentará no plano teórico as possíveis relações entre Executivo e Legislativo no sistema político sugerindose em seguida a aplicação ao caso concreto do Governo Kubitschek A aliança PSD PTB será vista num primeiro momento em termos de seu ponto ótimo ao nível do governo o bloco de apoio ao Executivo no Congresso onde era majoritária o papel he gemônico do PSD e a política trabalhista sob controle do PTB e do vicepresidente e ao nível partidário o cálculo político da aliança pela convergência de interesses diver sos porém convergentes pela união do voto rural ao voto urbano 54