·
Ciências Econômicas ·
Economia Brasileira Contemporânea
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
59
Memórias do Desenvolvimento - João Paulo dos Reis Velloso
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
28
Tempos modernos: Memórias do Desenvolvimento
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
4
O Pensamento Econômico de John Maynard Keynes e seu Impacto no Desenvolvimento Socioeconômico
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
21
A Construção Política do Brasil: Sociedade, Economia e Estado desde a Independência
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
20
Economia Brasileira Contemporânea: De Getúlio a Lula
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
25
O Governo Kubitschek: Desenvolvimento Econômico e Estabilidade Política
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
18
Desenvolvimento Industrial e Inserção Internacional do Brasil
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
1
Causas e Planos Econômicos para Controle da Inflação no Brasil (décadas de 80 e 90)
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
46
JK e o Programa de Metas: Processo de Planejamento e Sistema Político no Brasil
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
10
Ideias de Adam Smith e Friedrich List sobre Desenvolvimento do Capitalismo
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
Texto de pré-visualização
Reestruturação Industrial Brasileira nos Anos 90 Uma Interpretação Brazilian industrial restructuring in the 90s An interpretation ANTONIO BARROS DE CASTRO RESUMO A indústria brasileira sofreu profundas mudanças nos anos 90 embora não seja fácil ter uma visão sintética e abrangente da transformação Para ter essa visão é preciso levar em consideração a forte influência dos anos de alta inflação até meados de 1994 A estabilização e a supervalorização do real nos anos seguintes ao lançamento do Plano Real foram outra influência decisiva O artigo argumenta que submetida a esse conjunto de eventos condicionantes a indústria brasileira passou por uma recuperação limitada durante os anos noventa Ele também tenta mostrar como o progresso se concentrou prin cipalmente no nível do avião tanto em empresas industriais multinacionais quanto nas domésticas PALAVRASCHAVE Mudança estrutural indústria inovação ABSTRACT The Brazilian industry has been deeply changed during the nineties although it is not easy to have a synthetic and encompassing view of the transformation occurred ln order to have such a view one has to take into account the heavy influence of the years of high inflation until mid 1994 Stabilization and overvaluation of the real in the years fol lowing the launching of the Real Plan were another decisive influence The article argues that submitted to this set of conditioning events industry in Brazil went through a limited catch up during the nineties It also tries to show how progress has been mainly concentrated at the plane level both in multinational and in domestic industrial firms KEYWORDS Structural change industry innovation JEL Classification L11 L16 L20 369 httpdxdoiorg1015900101315720011251 Revista de Economia Política 21 3 2001 Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro IEUFRJ Rio de JaneiroRJ Bra sil Email abcastrouolcombr O autor agradece a Adriano Proença Engenharia de Produção Universidade Federal do Rio de Ja neiro o debate incessante de certas ideias aqui contidas e o apoio dado a realização deste trabalho Revista de Economia Política vol 21 nº 3 83 pp 369392 julhosetembro2001 370 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 HIBERNAÇÃO Do início dos anos 1980 ao lança mento do Plano Real a elevação irregular mente galopante dos preços e os brutais solavancos da política econômica impu nham as indústrias sediadas neste país políticas agressivas de preços e uma gestão financeira flexível e superatuante Em tais condições e sobretudo enquanto a economia se manteve fechada as atenções das empresas não estavam senão secun dariamente voltadas para a produção e a eficiência operacional As empresas es trangeiras em particular imobilizadas diante de um contexto a tal ponto idiossin crático hibernaram na expressão de um concorrente nacional do ponto de vista produtivo Não tentarei recapitular o que faziam as empresas para conviver e sobreviver no ambiente da alta inflação Lembro apenas que como alguns autores já subli nharam a diversificação produtiva e a das aplicações patrimoniais atirar em várias direções funcionavam como importantes mecanismos de proteção frente a insta bilidade acentuada e crônica1 E isto significa que a adaptação a um tal ambiente implicava ineficiências associadas por exemplo ao aumento dos custos requeridos para a preparação de linhas e máquinas bem como a ampliação dos overheads administrativos Isto sem falar nas ineficiências relacionadas com a precificação em condições de alta inflação de acordo com o depoimento de uma empresa pesqui sada a época 30 dos seus gastos administrativos decorriam das necessidades de administrar a inflação com destaque para a revisão de tabelas de preços a cada mês2 e por que não quinzenalmente Tudo indica que neste contexto tanto a ampliação excessiva diante de con dições menos excepcionais do leque de negócios quanto a necessidade de anteci parse a próxima rodada de alta de preços para evitar descapitalização levavam a existência de folgas slack intimamente associadas as características do con texto3 Vista a questão por este prisma a proteção concedida a produção domésti ca constante por hipótese a taxa de câmbio apenas compensava ou viabilizava em maior ou menor medida a manutenção do peculiar arranjo de instituições e práticas imperante no Brasil É importante acrescentar que o problema que acaba de ser apontado se agra vou ao longo dos anos 1980 Enquanto no mundo desenvolvido a renovação dos 1 Vejase a propósito a Dissertação de Mestrado de Ricardo de Machado Ruiz Estratégia Empresarial e Reestruturação Industrial 1980 1992 Um Estudo de Grupos Econômicos Selecionados Instituto de Economia da UNICAMP 1994 2 Proença Adriano Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira Relatório 1 mimeo BNDES Junho 1994 3 Diferentes autores já advertiram sobre a necessidade de se distinguir entre preços altos determinados pelo poder de mercado exercido em condições de limitada capacidade de contestação e preços altos determinados por ineficiência slack No caso cm foco seguramente ambos os mecanismos estavam em ação Willianson Olivier E Strategizing Economizing and Economic Organization em Rumelt Richard Schemkl Dan e Fundamental Issues in Strategy Harvard Business School Press 1995 371 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 métodos de organização e gerenciamento bem como novas técnicas produtivas ganhavam vigor aqui e muito particularmente na segunda metade dos anos 1980 virtualmente cessavam as mudanças do lado real da economia Com razão pois a segunda metade dos anos 1980 já foi referida como o quinquênio perdido da década perdida 4 Uma ideia da revitalização e multiplicação das oportunidades em curso a época no mercado internacional pode ser dada pelos seguintes fatos as exportações mundiais de manufaturas que de 1980 a 1985 haviam crescido 10 ao ano passaram a se expandir a 125 ao ano de 1985 a 19905 A economia brasileira por contraste perdia market share nos mercados mundiais enquanto as suas em presas industriais em regra apenas sobreviviam permanecendo a margem da onda de renovação e mudança que varria as regiões industrializadas Cabe registrar no entanto que algumas empresas domésticas iniciaram antes de 1990 pelo menos a adoção dos novos métodos organizacionais e gerenciais então referidos como japoneses Entre elas podem ser destacadas a Freios Varga a Marco Polo e a Cofap6 CIRURGIA E REORGANIZAÇÃO 19901994 Ainda a excepcionalidade do contexto O quadro que acaba de ser evocado sugere que a abertura anunciada em 1990 apanharia a indústria aqui instalada numa situação bastante difícil Para entendê lo basta reafirmar o que já foi sugerido se por um lado as barreiras protecionistas permitiam preços em dólares bastante superiores aos vigentes no mercado inter nacional por outro parte pelo menos destas diferenças havia se tornado efetiva mente necessária dadas as ineficiências engendradas pela evolução recente da eco 4 Chami Batista Jorge e Fritsch Winston Dinâmica Recente das Exportações Brasileiras em Reis Velloso João Paulo e Fristsch Winston orgs A Nova Inserção Internacional do Brasil José Olympio 1994 5 A informação encontrase em Lal Sanjaya Políticas de Ciência Tecnologia e Innovación em El Suleste Asático lecciones para Argentina después de la crisis Em Seminário Internacional Políticas para Fortalecer el Sistema Nacional de Ciencia Tecnologia e Innovación Secretaria de Ciencia Tecnologia e Innovación Productiva 2000 Ali se vê como os países do leste asiático dotados de uma macroeconomia bemcomportada praticavam políticas industriais e tecnológicas superativas e drasticamente reduziam a distância que os separava dos países desenvolvidos enquanto a Argentina e o Brasil febrilmente se debatiam reféns de alta inflação 6 Por outro lado convém advertir que no caótico quadro do início dos anos 90 facilmente poderiam ser identificadas tendências contraditórias Assim por exemplo segundo certas fontes a brutalidade do Plano Collor ao deixar clara a vulnerabilidade da riqueza financeira no que parecia ser o limiar da hiperinflação acabou tendo efeitos inesperados e em certa medida salutares para o chamado lado real da economia Se por um lado avolumavase a retirada de liquidez do país por nutro recursos financeiros passavam a migrar para aplicações físicas Exame 28493 372 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 nomia7 O argumento evidentemente nada tem a ver com a ideia de indústria infantil a estas alturas históricas a ineficiência microeconômica denotava essen cialmente a metabolização de um contexto altamente adverso Mas é também importante se dar conta de que a própria excepcionalidade do contexto enquanto durasse impunha freios ou limites as mudanças detonadas pela abertura anunciada E isto pode ser percebido de três maneiras Primeiramente as empresas transnacionais aqui instaladas que mais rápida e profundamente poderiam reagir ao novo quadro bastando para isto resumida mente alterar o status da filial local permaneciam de mãos amarradas De fato dotadas de autonomia bastante limitada continuavam enfrentando grandes difi culdades para explicar as matrizes os padrões locais de conduta8 Por isto mesmo viamse quase impossibilitadas enquanto durasse a alta inflação de pleitear recur sos para novas iniciativas junto a matrizes E aqui residia um tipo muito especial de proteção as empresas locais Além disto enquanto se continuasse a beira do precipício hiperinflacionário e desde que mantido o princípio da indexação continuava extremamente perigo so o endividamento Isto obviamente continha o apetite das empresas no tocante a introdução de substanciais avanços mas obviamente não as impedia de promover cortes e introduzir mudanças organizacionais Finalmente é preciso atentar para o fato de que os próprios consumidores aturdidos pela alta desenfreada de preços e praticamente incapacitados de com parar preços não se encontravam em condições de efetivamente usufruir do au mento da competição decorrente em princípio da abertura A bem dizer para os consumidores mais do que para a demanda intermediária procedente das empre sas o aumento da competição só podia se materializar com a chegada da estabi lização Ora pretender intensificar a competição sem a presença ativa dos consu midores equivalia a representar Hamlett sem o Príncipe Vista a questão contra este pano de fundo entendese por que a severa recessão do início dos anos 90 que combinada com a abertura poderia ter graves conse quências para a indústria tenha tido efeitos relativamente limitados Ao que pare ce embora tenham visto suas receitas se reduzirem com a retração das vendas trazida pela recessão as empresas industriais conseguiram ressalvadas exceções 7 As exceções residiriam sobretudo em certas commodities em relação as quais as ineficiências próprias ao contexto de altainflação não se revelaram capazes de anular as vantagens do país em termos de escala tecnologia e dotação de recursos naturais Quanto as vantagens competitivas com que o país continuava a contar vide Coutinho Luciano e Ferraz João Carlos Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira IEUNICAMP Papirus 1994 8 O avanço em direção aos mercados emergentes passou a ser recomendado pelo governo dos Estados Unidos no início dos anos 90 mas isto no caso do Brasil e pelas razões acima apontadas não parece ter surtido sensíveis efeitos até a segunda metade da década Garten E Jeffrey Under Secretary of Commerce for International Trade Competing to Win in the Global Marketplace Council of Foreign Relation New York Janeiro 1993 373 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 proteger as suas margens de lucro e preservar os respectivos market shares9 Tudo indica em suma que durante a fase aqui focalizada a abertura funcionou essen cialmente como uma ameaça10 o que é aliás corroborado pelo fato de que as im portações só dispararam na segunda metade de 1994 Nestas circunstâncias e frente a nova e grande ameaça qual foi a resposta predominante Cirurgia e reorganização Existe um relativo consenso entre os analistas quanto ao fato de que na supe ração das ineficiências herdadas do ambiente dos anos 80 se encontram não só processos cirúrgicos de redefinição do alcance e perfil dos negócios como também importantes esforços de reorganização produtiva11 De fato os processos de rees truturação perseguidos pelas empresas entre 1989 e 1994 incluíram não apenas o redimensionamento de quadros o enxugamento do catálogo de vendas e o fecha mento de instalações como também destacadamente a adoção de novas práticas gerenciais tipicamente associadas a Gerência da Qualidade Total TQM e ao Just in Time J IT12 Multiplicamse em suma as experiências com minifábricas e células de pro dução bem como soluções de tipo kan ban visando puxar a produção de acordo com a demanda todas associadas a sistemas JIT Destacamse também as políticas do tipo TQM como a difusão de práticas de identificação e o uso inten 9 Uma Análise dos Anos 90 e uma Agenda de Política de Desenvolvimento Industrial para a Nova Década IEDI Indústria e Desenvolvimento vol Política Industrial Empresa Nacional e Mercado Interno p 22 nov 2000 10 Símbolo das mudanças esperadas a importação de automóveis ocupava apenas 35 do mercado doméstico em 1991 Entre os carros recém importados havia contudo uma alta proporção de procedência japonesa o que ajudava a difundir o temor de que estaria por se repetir no Brasil possivelmente em maior escala o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos onde 25 do mercado havia sido tomado pelos japoneses nos anos 80 11 O pioneiro na identificação das tendências no que toca aos primórdios da reestruturação parece haver sido Bielschowsky Ricardo Vide por exemplo Adjusting for Survival Domestic and Foreign Firms in Brazil in the early 1990s ECLACUNCTAD 1993 Vejase também Miranda José Carlos em Reestructuración Industrial en un Contexto de Inestabilidad Macroeconômica El de Caso de Brasil Estabilización Macroeconômica Reforma Estructural y Comportamiento Industrial Katz Jorge M org CEPALIDRC Alianza Editorial 1996 p 163 e Fleury Paulo e Arkader Rebecca Ameaças Oportunidades e Mudanças Trajetórias de Modernização Industrial no Brasil em Castro Antonio Barros de Possas Mario Luiz e Proença Adriano orgs Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira Forense Universitária 1996 12 Convém advertir que o realce a seguir da reorganização não deve ser entendido como desconsideração da importância dos profundos cortes realizados no período Referindo se a severidade destes cortes afirma com razão o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira ECIB op cit que em muitos casos a sobrevivência implicou a rápida implementação de ajustes vários deles cirúrgicos abruptos e emergenciais 374 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 sivo de indicadores operacionais para gestão Há ainda a busca de certificação nas normas ISO e consideráveis esforços visando o treinamento de pessoal Diversas pesquisas confirmam a propagação das novas práticas Proença por exemplo encontrou em 19931994 em 15 empresas líderes de diversos setores de produção discreta calçados automobilístico máquinas e equipamentos produtos elétricos entre outros estratégias de produção associadas a adoção de políticas de JIT e TQM13 Já Abranches Fleury e Amadeo apud Fleury14 em pesquisa sobre 508 matérias publicadas na revista Exame registraram que 59 das empresas analisadas adotaram uma estratégia de modernização contra os restantes 41 que simplesmente se encolhiam com demissões e fechamento das instalações O fato deste universo de casos estar associado ao interesse gerado pela notícia pode sem dúvida introduzir algum viés levando a destacar experiências de impacto ou exi tosas Ainda assim cabe observar a alta incidência do objetivo de redução de custos e por último mas de grande significado na caracterização do período analisado 19901994 o fato de que em 94 da casos a escolha da trajetória de moderni zação se deu primordialmente através de procedimentos gerenciais e não sob a forma de aquisição de máquinas e equipamentos No tocante a já referida necessidade de focalização das atividades e seleção dos produtos que rompe com a diversificação voltada para a redução de riscos imperante durante a alta inflação e prepara as empresas para a maior competição uma interessante ilustração pode ser encontrada no ocorrido com a empresa Alpar gatas Entre 1991 e 1992 a empresa enfrentou um grave período de sua história amargando um prejuízo de US 121 milhões Partiu então para um amplo proces so de reestruturação fechando 11 de suas fábricas e reduzindo seus quadros de 32000 para 17000 funcionários Das 17 marcas de confecções que fabricava pas sou a fabricar cinco Das 40 de calçados permaneceram 17 Mais enxuta e produ tiva veio a ser premiada pela explosão de demanda do real que não apenas expan diu as suas vendas como evidenciou a maior lucratividade alcançada em cada dólar vendido Por trás do melhor desempenho e do ressurgimento dos lucros en contravamse a duplicação do faturamento por empregado entre 1990 e 1995 e grandes economias de custos fixos15 Sumariando as diversas cirurgias atingiram não só o lastro de produtos pessoal máquinas e espaço como também um conjunto de práticas de gestão tor nadas pouco competitivas Isto permitia sem dúvida melhorar o posicionamento em termos competitivos mas pouco trazia como solução para um dos maiores problemas enfrentados pelas empresas Refirome a descoberta por parte de nume rosas indústrias desde pequenas e médias até por exemplo uma Ford ou uma GM 13 Proença Adriano Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira Relatório J mimeo BNDES Jun 1994 14 Fleury Paulo Ambiente Econômico e Resposta Empresarial O Ajuste da Indústria Brasileira nos Anos 90 lldes FFE Policy Paper nº 19 1996 15 Exame 5 de Julho de 1995 375 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 de que não tinham produtos para o mercado renovado Este tipo de questão só passaria ao primeiro plano na fase subsequente da reestruturação Sumária reflexão sobre a fase Cirurgia e Reorganização Tento no que segue refletir ou acrescentar especificações relativas a algumas das características maiores do movimento até aqui examinado A economia brasileira viveu neste primeiro período o equivalente de uma abertura travada16 E não me refiro aqui ao relativamente prudente programa de rebaixamento tarifário anunciado em 1990 e sim mais uma vez a excepciona lidade do contexto A este propósito pareceme correto afirmar que a abertura andou a frente da contestabilidade Vale dizer a proximidade do caos hiperinfla cionário reduzia a capacidade dos agentes econômicos de exercer a contestação via não aquisição de mercadorias que pudessem talvez ser adquiridas em melho res condições Aliás enquanto perdurassem os distúrbios maiores era inclusive difícil financiar importações todos inclusive potenciais financiadores de importa ções mantinham o pé pousado sobre o freio Complementando o argumento anterior cabe acrescentar uma característica estrutural da economia brasileira Tratase do alto grau de encadeamento vertical observado em diversos setores da indústria uma herança do intenso e duradouro processo de substituição de importações Admitida a característica acrescentese que as demandas intermediárias apresentam relações de maior inércia do que as do consumidor final com o varejo E isto não só pelo maior grau de conhecimento recíproco como porque as trocas de fornecedor de insumos requerem frequen temente outras mudanças e adaptações Tomemos a questão por outro ângulo Entender o corteeliminação de postos de trabalho linhas de produto e equipamentos como uma simples reação a ameaça de uma maior pressão competitiva é em certa medida enganoso Há frequentemen te algo mais sério e profundo nestas dolorosas cirurgias o que está sendo muitas vezes eliminado são possíveis trajetórias futuras que passaram a ser percebidas como digamos não férteis Vista sob este prisma a radicalidade dos cortes contém possivelmente um ingrediente estratégico Afinal estão sendo preservados aqueles recursos e desenvolvidas aquelas capacitações percebidos como dotados de poten cial Consequentemente a resintonização com o contexto está sendo feita a partir de um exame crítico das próprias premissas das empresas Não se trata apenas de aproveitar melhor os recursos mas de um reposicionamento que define as trajetórias de possível interesse daí por diante E isto mexe com a própria identidade das em presas O que acaba de ser dito fornece elementos para a distinção entre experiências nacionais e que a indústria passou exitosamente pelo teste da abertura e outras em 16 Esta é um a aplicação singular da noção mais geral de uma economia em vários sentidos travada em decorrência da alta inflação crônica Castro Antonio Barros de O Paradoxo do Desajuste na Estabilidade em João Paulo dos Reis Velloso o rg O Real e o Futuro da Economia José Olympio 1995 376 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 que isto não ocorreu Refirome no caso muito particularmente a orientação dada aos cortes seletivos de maneira a preservar possíveis futuros ou no polo oposto a tal ponto indiscriminados e profundos que o resultado sejam indústrias meramen te de fachada fenômeno por vezes referido como hollowout Este último tipo de mudança característico de outras experiências de abertura comercial na América Latina certamente não veio a predominar no Brasil Convém por fim acrescentar uma consideração de natureza profundamente diferente Refirome a importância da tomada de consciência no início dos anos 90 de que o excepcionalismo brasileiro estava com os seus dias contados Difundese nesse contexto a convicção de que no tocante as empresas nacionais genericamen te havia que mudar para permanecer Este clima iria contagiar e induzir a reestru turação inclusive de atividades não expostas a competição de produtos importados Uma boa ilustração deste último fato pode ser observada no âmbito do comércio de varejo Assim por exemplo a palavra de ordem na cadeia de varejo Pão de Açúcar passaria a ser corte concentre simplifique17 De igual maneira no Nor deste a cadeia Paes Mendonça entraria em reestruturação em resposta antecipada a presumível migração para o Nordeste de cadeias do CentroSul Já no caso das multinacionais estaria chegando o momento de redefinição do status das filiais aqui sediadas18 Em outras palavras não se tratava apenas de que as multinacionais estariam prestes a deixar seu imobilismo O importante é que o repertório de modernização aí incluídos novos produtos e racionalização a ser por elas eventualmente adotado era enorme e podia ser facilmente visualizado Restava saber no entanto no tocante a reinserção das filiais nas estratégias glo bais das matrizes entre outras questões como ficaria a relativa autonomia deci sória ensaiada durante a fase da substituição de importações e confirmada du rante a alta inflação Seria o novo do mix de produtos simplesmente definido a um nível mais alto19 Há que lembrar que alguns dos produtos agora evidentemente obsoletos haviam sido desenvolvidos com participação da engenharia local Fun ções como a modesta engenharia de produtos seriam ou não retidas pelo país A propósito da ameaça de transformação acarretada pela reativação e chegada de novas multinacionais convém evocar um caso que nos parece emblemático Na avaliação do seu fundador e principal executivo o crescimento espetacular da empresa de perfumaria e cosméticos O Boticário compartilhado por outras em presas nacionais do ramo como a Natura só foi possível pela proteção ofereci da pela economia fechada e pela hibernação da líder do mercado a norte americana Avon Em outras palavras a gigante Avon encontravase no país flagrantemente abaixo de suas possibilidades 17 Exame 12 de abril de 1995 Ver também 24 de fevereiro de 1999 p 68 18 Sobre o mutável status das filiais vide Ferdows Kasra Making the Most of Foreign Factories Harvard Business Revie março e abril de 1997 19 Fleury Afonso The Changing Pattern of Operation Management in Developing Countries The Case of Brazil international Journal of Operation and Production Management vol 19 nº 5 1999 377 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 Por outro lado desde meados dos anos 80 a indústria mundial de perfumaria vinha atravessando enormes mudanças com grandes investimentos em tecnologia fusões e aquisições Não era pois difícil prever que nos anos 90 além do redesper tar das multinacionais já aqui sediadas o Brasil atrairia a atenção dos grandes fabricantes internacionais A percepção das ameaças se agravaria com o advento do Real e a súbita explicitação do imenso potencial do mercado brasileiro Consequentemente e não obstante os excelentes resultados obtidos pela empresa em 1994 e 1995 a direção de O Boticário decide redesenhar completamente suas operações avançando inclu sive no sentido de superar a cultura paternalista original da empresa20 Não pros seguirei na caracterização deste interessante caso que fica aqui apenas como um testemunho do represamento de possíveis mudanças no período que precede a abertura e se prolonga até a estabilização da economia21 UM CATCH UP PRODUTIVO A festa da estabilização22 o quadro que acabo de sumariar sugere a existência de diversas molas comprimidas prestes a saltar com a estabilização É fundamental darse conta no entanto que após anos a fio de contenção terá naturalmente ocorrido um elevado grau de adaptação a perda sistemática de oportu nidades O aparelho de oferta em particular terá em boa medida se a justado a demanda cronicamente contida O desequilíbrio latente entre oferta e demanda terá pois se materializado e neste momento o país padece de um descompasso entre sua demanda eventualmente desrepri mida e os estoques de capital fixo e financeiro de que dispõe Fique claro no entanto que os problemas daí advindos não se manifestam enquanto a economia se mantém sob o império da alta inflação e da es tagnação a ela associada A inflação crônica tem neste como em outros 20 Exame 1 de julho de 1998 Exame 27 de janeiro de 1999 21 Sobre o potencial de rápida convergência catch up vide Catching Up Forging Ahead and Falling Behind de Abramovitz Moses Journal of Economic History junho de 1986 22 A súbita derrota da inflação alta e crônica mediante um plano como o Real deveria levar no meu entender a uma situação eufórica referida no texto apresentado ao VI Fórum Nacional abril de 1994 como festa da estabilização Castro Antonio Barros de Estabilização Crescimento e Política Industrial em Velloso João Paulo dos Reis org Estabilidade e Crescimento Os Desafios do Real José Olympio 1994 378 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 sentidos o seu equilíbrio interno Paradoxalmente é com a estabilidade que aflora o desajuste 23 Do anterior se in fere que a transição para a estabilidade a partir de situações de inflação alta e crônica tende a trazer consigo uma situação de relativa euforia especialmente se a experiência não for acompanhada por exemplo de políticas de contensão da expansão creditícia Se o súbito término de uma alta inflação crônica em si já seria motivo para a festa da estabilidade com mais razão ha veria de verificarse uma situação eufórica num a situação de superabundância de liquidez internacional acompanhada pelo menos até a crise do México da reedi ção da crença de que se podia impunemente delegar aos fluxos internacionais de capitais o financiamento do déficit de transações correntes Voltando ao exuberante quadro com que se defrontariam as empresas a partir do lançamento do Real convém relembrar alguns dados reunidos pela empresa Austin Assis a partir de uma amostra englobando 330 empresas de 21 setores Segundo a pesquisa no terceiro e quarto trimestres de 1994 em relação aos mes mos períodos de 1993 as vendas teriam saltado 398 e 639 respectivamente24As cifras e sua aceleração a medida que os efeitos do plano vão sendo sentidos dispensam comentários É bem verdade que já em 1995 se verificou uma grande frustração de expec tativas trazendo consigo severas dificuldades para muitas empresas Em meados de 96 contudo a economia estava de volta ao crescimento liderada pela indústria e com expectativas em relação ao futuro majoritariamente otimistas A rigor nos 12 meses findos em junho de 1997 a indústria cresceu 75 Lamentavelmente entretanto logo a seguir teria início a crise asiática e a economia brasileira vol taria a ser longamente travada por políticas monetárias brutalmente severas A estas alturas contudo já estava aparentemente incorporada a percepção de muitos a enorme potencialidade de diversos mercados brasileiros especialmente na esfe ra dos duráveis e de numerosos benssalário Finalizando esta brevíssima caracterização da revitalização do mercado do méstico após a estabilização caberia realçar o fato de que o crescimento das vendas parcialmente se explicava pelo rebaixamento dos preços relativos dos tradables vis a vis os salários E aqui evidentemente a sobrevalorização do câmbio teve direta ou indiretamente uma decisiva influência Sua contribuição para a desrepressão do consumo se dava através do chamado excedente do consumidor que oriun do da redução de preços voltava ao mercado sob a forma de poder de compra adicional Não é preciso sublinhar que a situação assim criada favorecia o redes 23 O texto acima é parte integrante da estilização de uma economia longamente submetida a uma inflação alta e instável presente em Castro Antonio Barros de Estabilizar e Crescer O Paradoxo do Desajuste da Estabilidade op cit p 69 24 Exame 5 de julho 1995 379 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 pertar das multinacionais anteriormente referido assim como estimulava a recu peração do tempo perdido por parte das empresas de propriedade nacional O catch up produtivo Esquematizarei a seguir o que me parece ser a grandes traços o comporta mento típico frente ao novo quadro de um grande número de empresas industriais Lembremos que no que toca as oportunidades e desafios com que elas se defrontam devem ser destacados por um lado a brutal expansão dos mercados e por outro a abertura e a valorização do câmbio com seu duplo e contraditório papel de barateamento tanto das importações de produtos concorrentes quanto de insumos e bens de capital capazes de propiciar a modernização produtiva e a diversificação da linha de produtos25 As respostas massivamente dadas ao novo quadro podem ser distribuídas em três grandes planos prosseguimento da reestruturação visando a adoção de métodos modernos de gestão e a busca de padrões e gabaritos contemporâneos de eficiência modernizaçãodiversificação das linhas de produtos visando acompanhar a renovação em curso no mercado doméstico Este tipo de mudança traz consigo o aumento das importações de insumos e equipamentos com o intuito de baratear e acelerar a absorção da tecnologia contida nos novos processos e produtos deslocamento de fábricas para áreas com boa infraestrutura e fácil acesso a grandes mercados com mãodeobra ou matérias primas baratas eou massivos benefícios fiscais O primeiro pode ser encarado como mero prosseguimento da cirurgia e mo dernização características da etapa anterior Mas é preciso destacar que a estabili zação acarreta o surgimento de um quadro muito mais transparente onde se torna mais fácil responsabilizar divisões produtos etc pelos êxitos e fracassos da em presa Evidentemente isto corre paralelo com o maior poder conferido aos consu midores e num outro plano contribui para revigorar o ânimo reformador das empresas Por outro lado ali onde a distância para com os padrões e práticas internacio nais se revela muito ampla a situação pode ser interpretada como dificilmente remediável predispondo a busca de sócios ou mesmo a venda do patrimônio Não tratarei aqui do tema da venda de empresas fenômeno que reconhecidamente adquiriu crescente importância ao longo da década de 90 Registrarei apenas que 25 Um caso a parte é o das indústrias capital intensivas e processadoras de produtos primários tipo petroquímica até então dotadas de vantagens competitivas visavis o mercado doméstico que não tinham por que ampliar a importação de insumos ou equipamentos e que pela primeira vez passavam a enfrentar a concorrência de produtos importados Vide adiante algumas considerações sobre setores singulares 380 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 de acordo com um amplo levanta mento são 308 transações para as quais se dispõem de informações 157 foram de aquisições de empresas brasileiras e de filiais de empresas estrangeiras por empresas estrangeiras correspondendo a um investimento de US 23215 milhões 126 foram aquisições por empresas brasilei ras de outras brasileiras filiais equivalentes a US 22842 milhões e 19 por consórcios mistos cujo montante foi de US 13723 milhões26 Convém acrescen tar que segundo os setores a compra de empresas privadas brasileiras por es trangeiras concentrouse nas indústrias farmacêutica higiene e limpeza 971 do valor total das aquisições eletro eletrônica 963 química 886 alimentar 824 auto peças 74 e comércio varejista 735 Já as aquisições por empresas privadas brasileiras de outras brasileiras e estrangeiras teve a seguinte distribuição têxtil vestuário e calçados 100 mecânica 772 papel e celulose 76l petroquímica 741 construção civil 728 e comércio atacadista 65 No que toca a renovação de produtos e processos a primeira observação a ser feita se refere ao contraste com o período anterior Enquanto na fase denominada cirurgia e reorganização o eixo das mudanças residia no corte e na reorganização nesta segunda etapa o uso de novos insumos e a aquisição de equipamentos de última geração assumem uma importância decisiva Isto implicava uma sensível reativação dos investimentos27 Cabe ainda ressaltar que nesta etapa a abertura e o câmbio tornamse uma vez assumida a opção pela renovação funcionais as mudanças pretendidas pelas empresas A bem dizer o baixo preço e as facilidades de pagamento para a aquisi ção de equipamentos importados28 atraíam empresas a tentar autênticos saltos de desempenho E isto se verificou inclusive no caso de pequenas e médias unidades29 Tratavase em suma de comprar capacitação tanto na esfera fabril quanto na informatização dos procedimentos de gestão No tocante a este último ponto a 26 Os levantamentos foram feitos pela Securities Date e pela KPMG e a citação provém do texto do IEDI Indústria e Desenvolvimento já anteriormente citado Para um balanço das fusões e aquisições ocorridas na década e em particular das mudanças no controle societário das 100 maiores empresas vide Siffert Filho Nelson e Souza e Silva Carla Grandes Empresas nos Anos 90 Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças em Giambiagi Fábio e Moreira Maurício Mesquita orgs A Economia Brasileira nos Anos 90 BNDES 1999 27 CNICEPAL Investimentos na Indústria Brasileira 19951999 Rio de Janeiro 1997 Vejase também Castro Antonio Barros de Limitações e Potencialidades da Nova Safra de Investimentos em Mineiro Adhemar dos Santos Elias Luiz Antonio e Benjamin César orgs Visões da Crise Contraponto 1998 28 Quanto ao preços dos equipamentos vejase Souza Francisco Eduardo Pires O Investimento Antes e Depois do Plano Real em O Real o Crescimento e as Reformas de Velloso João Paulo dos Reis org José Olympio 1996 Vide também Relatório McKinsey Productivity The Key to an Accelerate Development Path for Brazil McKinsey Global Institute 1998 Sumário Executivo 29 Proença Adriano e Caulliraux Heitor Estratégias de produção na indústria Brasileira Evolução Recente em Velloso João Paulo dos Reis org Brasil Desafios de um País em Transformação José Olympio 1997 381 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 onda teria seu ápice nas vésperas do bug do milênio mas o movimento vinha ga nhando importância desde meados da década de 90 Quanto a terceira reação típica acima apontada lembremos inicialmente que em determinados casos o deslocamento de fábricas reflete a busca de fatores pro dutivos mais baratos em resposta a maior pressão competitiva trazida pela aber tura Este é o caso do traslado para o Nordeste da produção de calçados origina riamente sediada no Rio Grande do Sul Não se verifica no caso a adoção de novas tecnologias e as novas facilidades produtivas parecem ser inclusive mais simples e despojadas que os seus congêneres gaúchos Ou seja não fosse a influên cia nada desprezível dos estímulos fiscais acionados pelos estados para onde vão as fábricas estaríamos diante de um caso de livrotexto de realocação de recursos comandada pelos preços relativos dos fatores Já no caso de deslocamentos para fora e longe dos grandes centros urbanos os menores custos do espaço e da mãodeobra contam mas há fortes indícios de que se trata de algo bem mais complexo que uma mera reassignação de recursos orientada por sinais de preços De fato o que frequentemente parece ocorrer dis ponho apenas de ilustrações a esse respeito é que a migração é pensada e levada a efeito como parte integrante do esforço de convergência catch up aí incluídas mudanças de processo linhas de produto etc Por fim no importante caso da descentralização verificado no setor automo tivo encontramonos diante de uma atividade de densidade tecnológica alta média em contextos mais avançados onde os menores custos da mãodeobra contam mas seguramente não decidem Ou seja neste caso os benefícios fiscais foram in discutivelmente fundamentais Além disso há indícios de que foi se tornando cada vez mais importante a possibilidade de experimentar nas plantas descentralizadas novos métodos de trabalho de relacionamento com os fornecedores de logística etc Numa palavra algumas das novas unidades regionais da Volkswagen Resende no Rio de Janeiro bem como São José dos Pinhais no Paraná da GM e da Ford são experiências na exploração de novos padrões organizacionais e sistemas de produção em relação aos quais as fábricas do ABC representam o passado30 Em suma mesmo no terceiro tipo de reação aqui apontado em que certamen te contou o custo relativo dos fatores chegando possivelmente a predominar no caso da migração de calçados para o Nordeste as decisões empresariais devem ser entendidas como parte integrante do catch up produtivo Nele contam decisiva mente as estratégias para recuperação do atraso por parte das empresas bem como numerosas iniciativas no campo das políticas de atração de investimentos levadas a efeito pelos estados e municípios Em resumo não se tratava para as indústrias meramente de não ter preços para fazer frente ao novo ambiente competitivo O problema era estar fora da nova fronteira de produção Estamos portanto fa 30 Proença Adriano e Caulliraux Heitor Estratégias de produção na indústria Brasileira Evolução Recente em Velloso João Paulo dos Reis org Brasil Desafios de um País em Transformação José Olympio 1997 382 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 lando não de distorções provocadas por preços fora do lugar e sim da adoção de formas de organização técnicas e produtos superiores capazes de poupar simultaneamente trabalho e capital31 Não caberia aqui tentar sumariar as características do complexo movimento de descentralização da produção industrial em curso no Brasil32 Assinalo apenas que o mapa regional da indústria está efetivamente mudando Um dos mais paten tes exemplos de mudança reside no caso da Bahia cujo panorama industrial con tinuava até muito recentemente dominado por grandes plantas produtoras de bens intermediários e a abertura pouco havia trazido além do endurecimento da competição Nos últimos anos contudo além de avanços significativos na vertica lização da cadeia petroquímica deuse a chegada de empresas produtoras de bens de consumo que culmina com a instalação de um complexo sistemistas mon tadora sob o comando da Ford33 Algumas observações sobre setores e estrutura e produtividade Indústrias tradicionais do tipo têxtil confecções e calçados custaram a reagir a altura do desafio com que se deparavam Já certas indústrias de maior conteúdo tecnológico em muitos casos não conseguiram jamais se reposicionar Encaremos pois sumariamente estes contrastes No caso das tradicionais cabe lembrar que acossadas por importações proce dentes em regra da Ásia foram levadas a uma séria crise que prometia repetir no Brasil a devastação verificada por exemplo na Argentina Na realidade contudo ocorreu apenas uma dolorosa depuração ao término da qual as empresas sobrevi ventes mostravamse antes mesmo da desvalorização fortalecidas e aptas para a retomada do crescimento Advirtase porém que neste vasto campo numerosas empresas sobretudo pequenas desapareceram absorvidas por outras em regra também de nacionalidade brasileira Em simultâneo uma intensa compra de equi pamentos permitiu um início de reafirmação Mais adiante com a forte depreciação do câmbio 1999 as indústrias tradi cionais entraram em franca reafirmação situação em que se encontram neste 31 Para uma visão alternativa pela qual se crê que os impactos da abertura foram de maneira geral na direção esperada e desejada ou seja em linha com a disponibilidade de recursos no país enquanto a proteção anterior favoreceu particularmente setores que demandavam recursos escassos no país vide Moreira op cit pp 294 e 329 32 Sabóia João Desconcentração Industrial no Brasil Um Enfoque Regional Pesquisa e Planejamento Econômico abril de 2000 33 Vide Uderman Simone Perspectivas Industriais em Tendências da Economia Baiana Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia 2000 É interessante acrescentar a propósito da Ford que esta empresa parece ser um caso limite no passado recente no tocante a perda de espaços a desatualização de produtos e outros desacertos Grandes avanços verificaramse também em estados como o Paraná e o Rio Grande do Sul Quanto a este último caso vide O Mapa dos Novos Investimentos do Rio Grande do Sul Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento 1998 383 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 momento34 O quadro 1 sintetiza dados relativos ao ocorrido no polo têxtil de região de Americana SP No caso da indústria de calçados algo semelhante po deria ser dito sendo que neste último setor a reafirmação foi beneficiada no caso brasileiro pela concentração geográfica da produção facilitando captar externali dades pelo ativismo das associações e pelo apoio governamental35 Quadro 1 Evolução do Polo Têxtil de Americana 1990 1995 1998 Nº de Empresas 1486 778 665 Emprego 31 000 17750 13300 Produção 100 50 130 Fonte Exame 110899 Já no caso das empresas de maior conteúdo tecnológico o escasso domínio das técnicas dificuldades de natureza financeira e em diversos casos insuficiência de escala levaram ao desaparecimento de muitas firmas e genericamente a for te redução das atividades de pesquisa Aqui reconhecidamente haviam ocorrido exageros no tocante a substituição de importações e o setor se encontrava exces sivamente fragmentado36 É preciso lembrar no entanto que a Embraer se destaca neste conjunto como um caso excepcionalmente exitoso cujo entendimento vem sendo buscado por diferentes pesquisadores37 No polo oposto ou mais precisamente no campo da mecânica de baixa sofis ticação tecnológica por exemplo na área dos bens de capital orientados para empresas de modestas exigências tecnológicas por sua vez as fortes relações com os clientes inclusive por conta dos serviços pósvenda garantiam uma certa imu nidade frente a abertura38 Quanto as indústrias mecânicas de nível tecnológico médio como notoria mente a automobilística o caso brasileiro se destaca pela vigorosa reafirmação 34 Vide Katz Jorge Reformas Reestruturales Productividad y Conduta Tecnológica en América Latina CEPAL Fondo de Cultura Economica México 2000 O autor supõe no texto que o ocorrido em outras economias latinoamericanos também se verificaria no Brasil mas as evidências contrárias vêm se acumulando de forma inequívoca 35 Bekerman Marta e Sirlin Pablo Impactos Estáticos y Dinámicos del Mercosur El Caso del Sector Calzado Revista de la CEPAL 36 Tadini V Perspectivas do setor de bens de capital sob encomendas no Brasil Trabalho apresentado ao V Fórum Nacional São Paulo 1993 37 Bernardes Roberto Embraer elo entre Estado e Mercado ED Hucitec Fapesp 2000 38 3 Vejase o interessante estudo de Lins Hoyêdo Nunes sobre 20 pequenas e médias empresas catarinenses Do autor Pequenas e Médias Empresas Fabricantes de Bens de Capital Frente as Mudanças da Economia Brasileira Revista Análise Econômica ano 18 nº 34 384 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 em termos de capacidade modernização produtiva e densidade das cadeias Vere mos nos próximos anos em que medida esta reafirmação permitirá a constituição de autênticas vantagens competitivas Já na Argentina após uma forte reativação na primeira metade dos anos 90 verificase uma aparente regressão para a mera montagem39 Aqui reside aliás uma das patentes especificidades do caso brasileiro Com exceção da Coréia onde as empresas são nacionais as experiências recentes de industrialização têm revelado mais facilidade para saltar para os produtos de alta tecnologia onde realizam apenas montagem que para consolidarse nos ra mos de médio conteúdo tecnológico40 Encerrando estas sumárias e assistemáticas observações sobre setores acres cento que a súbita exuberância exibida pelo mercado doméstico aliada a facilida de para importar deu lugar em certos ramos a multiplicação de negócios em maior ou menor medida informais mas capazes de disputar a franja inferior de certos mercados É a proliferação dos nanicos das tubaínas e do mercado cinza que entre outros fatos dão testemunho da vigorosa luta por espaços especialmen te nos mercados correspondentes a base da pirâmide social No que concerne a evolução da estrutura industrial na década de 90 os dados presentes no quadro 2 que comparam o último censo disponível 1985 com a Pesquisa Industrial Anual PIA apresentam interessantes resultados Antes de mais nada chama a atenção o diminuto recuo relativo da categoria Bens de Capital ao contrário de temores amplamente difundidos No que toca ao recuo de Intermediá rios é preciso advertir que o fenômeno está fortemente influenciado pela baixa do preço no item combustíveis ocorrida entre 1985 e 1997 É de destacarse também o avanço da categoria Bens de Consumo Duráveis filha dileta de uma certa etapa do processo de substituição de importações e que dado o baixo percentual exportado dá testemunho do avanço da revolução do consumo de massas Quadro 2 Estrutura Industrial por Categoria de Uso Valor de Transformação Industrial 1985 1997 Bens de Capital 125 113 Bens Intermediários 599 464 Bens de Consumo não duráveis 222 33 Bens de Consumo duráveis 54 93 Indústria Geral 100 100 Fonte IBGEDPEDepartamento de Indústria PIA 39 Só recentemente ficou clara a divergência entre as experiências brasileira e argentina Para uma apreciação do quadro argentino antes de evidenciarse o contraste aqui assinalado vejase Kossakof B Corporate Strategies under Structured Adjustments in Argentina Nova York Sr Martins Press 2000 40 Lal Sanjaya Políticas de Ciencia Tecnologia e Innovación opcit 385 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 No tocante a produtividade os avanços que vinham sendo alcançados desde os primeiros anos da década de 90 prosseguiram ao longo da década Não discu tirei aqui a magnitude do aumento médio da produtividade se mais próxima a informação procedente do PIM IBGE ou das Contas Nacionais41 O importante é que qualquer magnitude situada neste intervalo representa um ritmo excepcio nalmente elevado de evolução média o que corrobora informações procedentes de fontes assistemáticas bem como de entrevistas por ocasião de pesquisas de campo por nós realizadas42 É importante por outro lado lembrar que a produtividade media no Brasil é fortemente puxada para baixo por amplos setores de escassa formalidade como por exemplo a construção civil e o pequeno comércio A advertência foi reproduzida no conhecido Relatório McKinsey o qual acrescenta entretanto que em determina dos setores é importante notar que os players mais produtivos já estão próximos ao nível das melhores práticas provando que elas podem ser alcançadas no Brasil43 Ainda quanto aos índices alcançados de produtividade é interessante registrar que recentemente têm surgido relatos sobre casos excepcionais em que o desem penho produtividade incluída alcançado no Brasil por certas filiais se compara ou mesmo excede o alcançado nas matrizes A General Motors do Brasil por exem plo tornou se modelo para toda corporação por ser uma empresa eficiente ágil e lucrativa nas palavras do executivo Jack Smith44 O fato de que a operação de produção e vendas da GM no Brasil mediante a adoção de técnicas da gestão de operações e de organização industrial típicas da reestruturação ocorrida no país e pela migração bemsucedida de sua linha de produtos para modelos mais modernos transformese em referência para toda a corporação isto parece ratificar a profi ciência que o tecido produtivo vem se mostrando capaz de alcançar neste país AINDA O CATCH UP PRODUTIVO OBSERVAÇÕES ADICIONAIS E CONJECTURAS Como já vimos há grandes diferenças entre a fase aqui denominada catch up produtivo e o período anterior de cirurgia e reorganização Delas a mais relevante 41 Uma ampla discussão do tema é feita por Carvalho Paulo Gonzaga Mibielli em As Causas do Aumento da Produtividade da Indústria Brasileira nos Anos 90 Tese de doutoramento Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro 2000 42 Minha referência é aqui exclusivamente a produtividade do trabalho Não vejo por que ter em conta dados relativos a chamada produtividade total do trabalho que além de requerer séries de dados capazes de deixar qualquer purista louco Solow enfrentam imensas dificuldades no plano conceitual Basta aliás observar o grau de discrepância nos resultados obtidos para suspeitar da pouca validade deste tipo de informação Ver Felipe J Total Factor Productivity Growth in East Asia a Critical Survey Journal of Development Studies vol 35 n 4 1999 43 Relatório McKinsey op cit Synthesis and Implications p 5 44 Exame 090998 386 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 pode ser apreendida a partir do duplo papel exercido pelo barateamento renovação e intensificação das importações colocar em xeque as opções das empresas no que concerne a disjuntiva fazer x comprar e ao relacionamento com os fornecedores locais e simultaneamente facilitar a rápida incorporação de avanços Poderíamos mesmo afirmar que nesta segunda fase o mercado puxa na direção da renovação e as facilidades de financiamentocompra de produtos importados empurram seja na mesma direção da atualizaçãoreafirmação seja rumo ao esvaziamento das empresas e das cadeias Tratavase sem dúvida de um jogo perigoso45 não sendo de surpreender que alguns analistas se mostrassem altamente pessimistas46 Entre as características adicionais da postura aqui caracterizada como catch up produtivo há que assinalar a recusa implícita ao esforço próprio de inovação o que chegou a ser percebido como pouca importância conferida ao objetivo inovatividade47 A tendência era no entanto altamente compreensível a priori dade conferida a busca tão rápida quanto possível da renovação e da eficiência e a percepção de que não se deveria mais contar com o apoio de instituições públicas48 tendia a minimizar os espaços reservados a iniciativas inovadoras in clusive programas de P D A percepção dominante parecia ser de que o segredo da sobrevivência estava em atingir um patamar de desempenho das operações se melhante ou idêntico ao alcançado nos países centrais Uma frase emblemática deste mindset teria sido proferida por Margaret Thatcher Vocês brasileiros não têm que inventar nada Olhem os melhores exemplos e copiem tendo o empresá rio Jorge Gerdau declarado seguila como o seu motto estratégico49 Convém insistir em que a opção em favor da excelência manufatureira não deve ser confundida com uma opção estratégica voltada unicamente para custos baixos Tratase de centrar as capacitações das empresas em produção acrescida das logísticas de entrada e saída tema mais adiante retomado Mas as capacitações assim desenvolvidas além de se prestar a redução de custos podem também cola borar para a diferenciação E a diferenciação deve aqui ser entendida num sentido amplo que inclui desde a migração para mercados demandantes de acabamento 45 A borda do precipício era visualizada por alguns e parece ter sido antecipadamente explicitada por exemplo pela direção da Gradiente Após três anos consecutivos de prejuízos fontes da empresa declaram que as importações estavam sendo fortemente incrementadas Exame 101193 pp 667 46 Coutinho Luciano A Especialização Regressiva um Balaço do Desempenho Industrial Pós Estabilização Em Brasil Desafios de um País em Transformação op cit 47 Fleury Paulo e Arkader Rebecca op cit e Proença e Caulliraux 1997 48 Como bem se sabe não foi desprezível ou raro o apoio de políticas públicas as empresas Ocorre porém que especialmente no que toca a iniciativas federais elas tenderam a ocorrer cm caráter excepcional e em meio a crises o que certamente não condiz com políticas voltadas para a inovação por natureza não emergenciais e de longo pra zo 49 Exame 41000 O que está sendo dito pelo líder empresarial é que há que buscar os parâmetros de excelência consagrados lá fora e aplicálos com disciplina e determinação 387 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 diferenciado até aqueles que demandam produtos efetivamente mais sofisticados50 Neste tipo de opção as melhorias na produção tendem a ser acompanhadas de maiores gastos em marketing e publicidade Por outro lado levar adiante a corrida em direção aos gabaritos internacionais de eficiência operacional não implica a ausência de preocupação com a manutenção e o fortalecimento dos canais de comercialização De fato a consolidação das po sições competitivas desenhadas pelas novas estratégias produtivas isto é de pro duto e produção requeria em regra o reforço das cadeias de distribuição e vendas E no tocante aos fins perseguidos pelas empresas convém assinalar que o objetivo primordial neste contexto é o reposicionamento no mercado em transfor mação Nesse processo as decisões das empresas são obviamente condicionadas pelos recursos produtivos de que dispõem e pelo desenvolvimento de suas capaci tações Mas não é deles do inteligente uso dos recursos e capacitações que a empresa espera poder tirar bons lucros e sim da ampliaçãorenovação em curso nos mercados A hipótese talvez mereça algumas conjecturas Em condições normais as empresas obtêm rendas de escassez51 seja através do uso de barreiras por elas mesmo impostas aos mercados seja através do uso de recursos diferenciados aí incluídas com destaque as capacitações por ela mesma desenvolvidas Isto equivale a dizer que rendas de escassez não podem em princípio derivar de produtos livremente compráveis em mercado Elas surgem pelo contrá rio na medida em que se consiga escapar a vala comum do plenamente conhecido e amplamente disponível Já no caso aqui focalizado estamos diante de mercados longamente contidos por proteção por políticas macroeconômicas refreadoras do nível de atividades e por comportamentos privados de atores que introjetaram a crônica fragilidade e os temores de um quadro intrinsecamente instável Neste contexto a mudança de expectativas trazida pela estabilização acompanhada no nosso caso de notória intensificação da abertura traz consigo a festa da demanda anteriormente assi nalada que compreende mas não se resume a explosão das importações Numa palavra a oferta revelase então escassa para atender a demanda aos preços a que os produtos finais insumos e equipamentos podem ser adquiridos no mercado 50 Quanto ao último ponto a importância da renovação da pauta de produtos viemos em boa medida a convergir com Carvalho e Bernardes que a consideram a mais importante característica da conduta das empresas na amostra por eles estudada Carvalho Ruy de Quadros e Bernardes Roberto em Cambiando con la Economía La Dinamica de Empresas Líderes en Brasil Grandes Empresas y Grupos Industriales Latinoamericanos Siglo Veintuno editoresCEPAL 1Edição 1998 Devo acrescentar que a compreensão deste fato alterou meu entendimento do ocorrido com as empresas e me levou a abandonar a metáfora do entrincheiramento até então por mim empregada e que me parece hoje demasiado estática Castro Antonio Barros de Indústria o Crescimento Fácil e a Inflexão Possível em A Crise Mundial e a Nova Agenda de Crescimento em Velloso João Paulo dos Reis org José Olympio 1999 51 Vejase Peteraf Margaret The Cornerstones of Competitive Advantage a ResourseBased Perspective e Rumelt Richard Towards a Strategic Theory of the Firm em Resources Firms and Strategies de Foss Nicolai ed Oxford Universiry Press 1997 388 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 mundial Consequentemente tudo se passa como se as importações se tornassem portadoras de rendas E é valido supor que normalização do quadro exija tempo Durante esse período os que conseguem suprir o mercado ainda não normalizado com produção doméstica podem utilizar as rendas embutidas nos ingredientes importados como compensação para os seus custos ainda não suficientemente reduzidos Entretanto uma situação em que uma ampla gama de produtos com práveis em mercado basicamente importações é capaz de gerar rendas de escassez não pode ser senão excepcional Ela tende a durar no entanto enquanto a oferta estiver correndo atrás da demanda subitamente excitada pelo efeito demonstração detonado pelo novo quadro Compreendese também a partir do que acaba de ser dito e não apenas pela apreciação cambial os pífios resultados obtidos pelas exportações no período A ninguém ocorre buscar novos mercados no exterior Buscar mercado externo res salvados casos de vantagem comparativa consagrada é disputar espaços saturados de cuja saturação só se escapa com criatividade inovação própria investimentos em marketing e em marcas esforços que o mercado doméstico por hora em boa medida dispensa Paradoxalmente portanto as mudanças em curso estavam reforçando a posi ção do mercado doméstico como centro de gravidade da economia e para o qual se voltavam justificadamente as atenções táticas e estratégias das empresas Insinua se evidentemente aqui uma notória contradição entre a movimentação microeconômica e as necessidades da economia como um todo O movimento de catch up produtivo avançou intensamente antes da desvalo rização de janeiro de 1999 Um indicador indireto porém eloquente disto consis te no fato de que já em 97 as empresas mostravamse bastante otimistas no que se refere as suas perspectivas individuais Segundo pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral e o Instituto Vox Mercado ouvindo 146 das 500 empresas tiradas de Melhores e Maiores da revista Exame 55 das empresas declaravamse totalmen te fortalecidas pelas mudanças recentemente introduzidas enquanto 40 assu miam que esse objetivo fora parcialmente atingido E isto numa situação em que 90 dos entrevistados acreditavam que a estabilidade continuaria no futuro o que implicava de acordo com as crenças dominantes na época que não haveria desvalorização cambial Aliás os preços relativos dos produtos para os quais as empresas estavam se voltando deveriam inclusive cair como resultado da pressão niveladora exercida pelos preços vigentes no mercado internacional52 O êxito do movimento pode também ser aferido por indicadores gerais de desempenho da indústria como os que integram o quadro 3 a seguir Nele merecem destaque além do explosivo crescimento dos duráveis o desempenho modesto 52 Revista Exame 290798 Advirtase adicionalmente que ao contrário do ocorrido entre 94 a 96 no ano acima considerado 1998 só encontramos registro na imprensa de uma empresa denunciando a insustentabilidade do câmbio e isto parece estar associado ao fato de que esta empresa Siemens pretendia ampliar substancialmente suas exportações a partir da base brasileira o que era inequivocamente dificultado pelo câmbio vigente 389 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 porém longe de desastroso do grupo dos setores difusores de progresso técnico Neste último conjunto estão compreendidas as atividades de onde se originam juntamente com as importações o progresso técnico da economia53 Quadro 3 Desempenho da Indústria índice acumulado 19931997 Commodities Industriais 1232 Commodities Agrícolas 1021 Tradicionais 1115 Tradicionais Alimentícias 1330 Duráveis 1847 Difusores 1111 Indústria Geral 1245 Fonte IBGEDPEDepartamento de IndústriaPIMPF O Catch up Produtivo e a Estrutura das Empresas Tratemos agora de analisar o significado do catch up produtivo do ponto de vista das atividades desempenhadas pelas empresas Para tanto iremos valernos do gráfico 1 a seguir Nele está representado o valor adicionado por funcionário em diversas funções corporativas de uma empresa moderna madura e de bom porte No eixo horizontal estariam discriminadas as referidas funções começando a esquerda pelo conjunto upstream planejamento estratégico pesquisa e desenvolvimento design engenharia de produtos e processos A parte mais baixa da curva corresponde as tarefas levadas a efeito nas próprias plantas industriais fabricação e montagem inclusive acabamento À direita encontramse atividades downstream tais como distribuição marketing gerência de marcas etc O gráfico 1 nos diz em suma que as funções de fabricação e montagem geram menor valor agregado por funcionário empregado54 Além disto é bom lembrar que aí residem os custos diretos de produção enquanto nas demais funções residem os overheads 53 Os dados foram elaborados por Carvalho Paulo Gonzaga a partir da metodologia desenvolvida em Made in Brazil Desafios Competitivos para a Indústria de Ferraz João Carlos Kupfer David e Haguenauer Lia Campus 1996 54 É óbvio que o valor agregado por operador na fabricação pode variar enormemente em função do grau de automação adotado pela empresa Convém também advertir que determinadas empresas se notabilizaram por transformar a fábrica em laboratório Neste tipo de empresa a fabricação inclui grande parte da inteligência nela exercida e não caberia supor que o valor agregado por funcionário de fábrica fosse inferior Um bom exemplo é a Chaparral Ver LeonardBarron Dorothy The Factory as a Learning Laboratory Sloan Management Review Fall 1992 pp 2338 390 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 Gráfico 1 Valor agregado por função empresarial Inspirado na Curva de Valor da Indústria presente em Bartlerr Christopher A e Ghostal Sumantra Going Global Lessons from Late Movers Harvard Business Review MarçoAbril de 2000 A ideia de que se optou no Brasil por privilegiar as atividades de fabricação e adjacências significa a luz do gráfico 1 que a escolha incidiu sobre funções fre quentemente tidas na atualidade como digamos menos nobres55 Farei no que segue algumas observações adicionais sobre a escolha aqui realizada e acrescenta rei umas poucas ponderações sobre as dificuldades embutidas neste tipo de opção Inicialmente caberia lembrar que as filiais de empresas estrangeiras caracte risticamente tendem a privilegiar especialmente nos países menos desenvolvidos o tipo de perfil com hipertrofia seletiva das funções manufatureiras aqui focali zado Esta é aliás uma das propriedades ressaltadas nos modelos de ciclo de produto É bem verdade que em casos relativamente bemsucedidos de industria lização por substituição de importações as filiais foram levadas a adaptar produtos e processos em alguma medida as peculiaridades dos mercados locais o que por vezes se fazia acompanhar de um certo grau de autonomia administrativa O novo paradigma tecnológico contudo parece tendente a limitar ainda mais este tipo de arranjo já tendo sido registrados casos de transferência de volta para as matrizes de atividades aqui referidas como nobres56 O que acaba de ser dito levanta uma questão aparentemente ainda em aberto Primeiramente porque têm ocorrido na prática deslocamentos de centros de pes quisa por exemplo para a Índia e é plausível supor a existência aqui de um 55 Esta questão foi levantada por Furtado João em La Transformation des Conditions d Insertion des Economies a Industrialization Tardive dans lEconomie Mondiale Tese de doutoramento Paris XIII 1997 56 A Philips do Brasil por exemplo decidiu em 1997 acabar com o desenvolvimento local de produtos Exame 2382000 391 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 campo pouco explorado de negociações e políticas57 Além disso porque certos novos modelos de organização na lógica de rede articulada em volta da empresa líder formação de cadeias localizadas oferecem amplas possibilidades de recon figuração e adensamento do tecido industrial Voltemonos para as empresas domésticas É plausível pensar que a atrofia relativa das funções não manufatureiras seja especialmente no caso do Brasil uma herança da fase de substituição de importações E isso por uma dupla razão Primeiramente porque com a fome de manufaturas de uma economia protegida mas amplamente exposta ao efeito demonstração era possível usufruir rendas de escassez mediante plantasempresas produtoras de arti gos já então maduros nos centros desenvolvidos Além disso porque os projetos originais de que se partia para a obtenção de financiamento frente ao BNDE muito especialmente deviam enquadrarse nos critérios de um a tecnocracia imbu ída da convicção de que esta era uma economia vocacionada para o crescimento58 A partir desta visão especialmente nos anos 70 as próprias entidades governamen tais muitas vezes se encarregaram de aumentar as ambições dos candidatos a finan ciamento no tocante a escalas de produção e atualização tecnológica O período subsequente aqui referido como de hibernação teria também dado a sua contribuição ao exacerbar a tendência a diversificação produtiva como política de proteção dos lucros E quanto a recente fase de catch up produtivo é bom lembrar que jogar pre ferencialmente nas atividades fabris era o caminho direto para a absorção de novas técnicas Além disto e como já foi dito enquanto perdurasse a relativa escassez de produtos atualizados podiase daí derivar rendas de escassez importantes para compensar deficiências sistêmicas de variada natureza Por outro lado conter as demais funções significava poupar overheads e poder alcançar ceteris paribus bons retornos com menores margens Riscos e Sequelas Vejamos agora sumariamente por que a opção estratégica pela priorização das funções operacionais é uma senda na qual se podem divisar diversos obstáculos No que toca ao momento presente a sua contribuição para o medíocre desem penho das exportações já foi realçada cabendo apenas lembrar que numa econo mia que multiplicou as suas importações e tragou enormes quantidades de capitais esta seguramente não é uma dificuldade menor Deixando porém de lado a ques tão do balanço de pagamentos já convertida num dos eixos do debate sobre a economia brasileira focalizo no que segue outras questões que levam a crer que 57 Fleury Afonso e Fleury Maria Tereza Estratégias Empresariais e Formação de Competências capítulo 5 Editora Atlas SA 1999 58 Castro Antonio Barros de Renegade Development Rise and Demise of State Led Development in Brazil em Democracy Markets and Structural Reforms in Latin America Smith William Acuña Carlos e Gamarra Eduardo orgs Transaction Publishers 1993 392 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 o rumo tomado pela evolução das empresas fértil a curto prazo e microeconomi camente pode revelarse bastante vulnerável a médio prazo As fábricas estão se tornando mais transportáveis footloose e isso por si só torna mais vulneráveis os investimentos fundados em vantagens comparativas es táticas59 Isso certamente contribui para o acirramento da competição e a elimina ção dos lucros em investimentos montados sobre soluções banalizadas60 Visto por esse ângulo e em contraste com o passado as vitórias no campo industrial são hoje mais perecíveis Tornase assim recomendável distribuir as fontes de compe titividade por diversas funções corporativas quando mais não seja para aumentar a resiliência das empresas E sobretudo adquire maior relevância a luta pela cons trução de escassezes e obtenção das respectivas rendas Ao mesmo tempo está se ampliando e se radicalizando a experiência dos fa bricantes por contrato empresas sem rosto capazes de rodar durante o dia a produção de uma empresa e durante a noite a de seu concorrente Esse tipo de empresa pode apresentar sérias vantagens no que toca a escala simplificação de atividades burocráticoadministrativas utilização de capacidade e poder de barga nha frente a fornecedores Elas representam a bem dizer a especialização levada ao limite em fabricação Por isto mesmo podem trazer séria pressão competitiva para empresas que escolheram enfatizar operações como saída frente a uma con juntura crítica e atalho no esforço de convergência Verificase também mundialmente uma aceleração da produção de inovações e tem se tornado mais rápido e barato imitar Isto implica por um lado a redução da capacidade de reter vantagens baixa apropriabilidade por outro a necessidade da compra recorrente de soluções tecnológicas e licenças para uso de produtos Ainda quando isto possa em certos casos não constituir problema a sorte do ne gócio permanece na dependência de um fator sobre o qual não há controle a qualquer instante as fontes provedoras de novas soluções podem rever o seu posi cionamento com graves repercussões para o destino das empresas locais A estru tura das empresas começa por conseguinte a por em risco a estratégia relativa mente exitosa que tomou corpo na segunda metade dos anos 90 Em última análise essas ponderações apenas advertem para o fato de que o catch up como imitação que é pode ser facilmente imitado Se se pretende alcançar uma economia capaz de gerar bons lucros e pagar altos salários o posicionamento típico atual das empresas industriais tem que ser seriamente revisto 59 Fajnzylber Fernando Progresso Técnico Competitividade e Mudança Institucional Em Reis Velloso João Paulo dos A Nova Ordem Internacional e a Terceira Revolução Industrial Fórum Nacional Como Evitar uma Nova Década Perdida José Olympio 1992 60 Um portavoz da empresa gaúcha Azaléia resumiu a vulnerabilidade da opção predominantemente produtivista com um contundente argumento eficiência operacional hoje é pressuposto é como visto para entrar nos Estados Unidos Exame 24897
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
59
Memórias do Desenvolvimento - João Paulo dos Reis Velloso
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
28
Tempos modernos: Memórias do Desenvolvimento
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
4
O Pensamento Econômico de John Maynard Keynes e seu Impacto no Desenvolvimento Socioeconômico
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
21
A Construção Política do Brasil: Sociedade, Economia e Estado desde a Independência
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
20
Economia Brasileira Contemporânea: De Getúlio a Lula
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
25
O Governo Kubitschek: Desenvolvimento Econômico e Estabilidade Política
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
18
Desenvolvimento Industrial e Inserção Internacional do Brasil
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
1
Causas e Planos Econômicos para Controle da Inflação no Brasil (décadas de 80 e 90)
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
46
JK e o Programa de Metas: Processo de Planejamento e Sistema Político no Brasil
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
10
Ideias de Adam Smith e Friedrich List sobre Desenvolvimento do Capitalismo
Economia Brasileira Contemporânea
FEEVALE
Texto de pré-visualização
Reestruturação Industrial Brasileira nos Anos 90 Uma Interpretação Brazilian industrial restructuring in the 90s An interpretation ANTONIO BARROS DE CASTRO RESUMO A indústria brasileira sofreu profundas mudanças nos anos 90 embora não seja fácil ter uma visão sintética e abrangente da transformação Para ter essa visão é preciso levar em consideração a forte influência dos anos de alta inflação até meados de 1994 A estabilização e a supervalorização do real nos anos seguintes ao lançamento do Plano Real foram outra influência decisiva O artigo argumenta que submetida a esse conjunto de eventos condicionantes a indústria brasileira passou por uma recuperação limitada durante os anos noventa Ele também tenta mostrar como o progresso se concentrou prin cipalmente no nível do avião tanto em empresas industriais multinacionais quanto nas domésticas PALAVRASCHAVE Mudança estrutural indústria inovação ABSTRACT The Brazilian industry has been deeply changed during the nineties although it is not easy to have a synthetic and encompassing view of the transformation occurred ln order to have such a view one has to take into account the heavy influence of the years of high inflation until mid 1994 Stabilization and overvaluation of the real in the years fol lowing the launching of the Real Plan were another decisive influence The article argues that submitted to this set of conditioning events industry in Brazil went through a limited catch up during the nineties It also tries to show how progress has been mainly concentrated at the plane level both in multinational and in domestic industrial firms KEYWORDS Structural change industry innovation JEL Classification L11 L16 L20 369 httpdxdoiorg1015900101315720011251 Revista de Economia Política 21 3 2001 Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro IEUFRJ Rio de JaneiroRJ Bra sil Email abcastrouolcombr O autor agradece a Adriano Proença Engenharia de Produção Universidade Federal do Rio de Ja neiro o debate incessante de certas ideias aqui contidas e o apoio dado a realização deste trabalho Revista de Economia Política vol 21 nº 3 83 pp 369392 julhosetembro2001 370 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 HIBERNAÇÃO Do início dos anos 1980 ao lança mento do Plano Real a elevação irregular mente galopante dos preços e os brutais solavancos da política econômica impu nham as indústrias sediadas neste país políticas agressivas de preços e uma gestão financeira flexível e superatuante Em tais condições e sobretudo enquanto a economia se manteve fechada as atenções das empresas não estavam senão secun dariamente voltadas para a produção e a eficiência operacional As empresas es trangeiras em particular imobilizadas diante de um contexto a tal ponto idiossin crático hibernaram na expressão de um concorrente nacional do ponto de vista produtivo Não tentarei recapitular o que faziam as empresas para conviver e sobreviver no ambiente da alta inflação Lembro apenas que como alguns autores já subli nharam a diversificação produtiva e a das aplicações patrimoniais atirar em várias direções funcionavam como importantes mecanismos de proteção frente a insta bilidade acentuada e crônica1 E isto significa que a adaptação a um tal ambiente implicava ineficiências associadas por exemplo ao aumento dos custos requeridos para a preparação de linhas e máquinas bem como a ampliação dos overheads administrativos Isto sem falar nas ineficiências relacionadas com a precificação em condições de alta inflação de acordo com o depoimento de uma empresa pesqui sada a época 30 dos seus gastos administrativos decorriam das necessidades de administrar a inflação com destaque para a revisão de tabelas de preços a cada mês2 e por que não quinzenalmente Tudo indica que neste contexto tanto a ampliação excessiva diante de con dições menos excepcionais do leque de negócios quanto a necessidade de anteci parse a próxima rodada de alta de preços para evitar descapitalização levavam a existência de folgas slack intimamente associadas as características do con texto3 Vista a questão por este prisma a proteção concedida a produção domésti ca constante por hipótese a taxa de câmbio apenas compensava ou viabilizava em maior ou menor medida a manutenção do peculiar arranjo de instituições e práticas imperante no Brasil É importante acrescentar que o problema que acaba de ser apontado se agra vou ao longo dos anos 1980 Enquanto no mundo desenvolvido a renovação dos 1 Vejase a propósito a Dissertação de Mestrado de Ricardo de Machado Ruiz Estratégia Empresarial e Reestruturação Industrial 1980 1992 Um Estudo de Grupos Econômicos Selecionados Instituto de Economia da UNICAMP 1994 2 Proença Adriano Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira Relatório 1 mimeo BNDES Junho 1994 3 Diferentes autores já advertiram sobre a necessidade de se distinguir entre preços altos determinados pelo poder de mercado exercido em condições de limitada capacidade de contestação e preços altos determinados por ineficiência slack No caso cm foco seguramente ambos os mecanismos estavam em ação Willianson Olivier E Strategizing Economizing and Economic Organization em Rumelt Richard Schemkl Dan e Fundamental Issues in Strategy Harvard Business School Press 1995 371 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 métodos de organização e gerenciamento bem como novas técnicas produtivas ganhavam vigor aqui e muito particularmente na segunda metade dos anos 1980 virtualmente cessavam as mudanças do lado real da economia Com razão pois a segunda metade dos anos 1980 já foi referida como o quinquênio perdido da década perdida 4 Uma ideia da revitalização e multiplicação das oportunidades em curso a época no mercado internacional pode ser dada pelos seguintes fatos as exportações mundiais de manufaturas que de 1980 a 1985 haviam crescido 10 ao ano passaram a se expandir a 125 ao ano de 1985 a 19905 A economia brasileira por contraste perdia market share nos mercados mundiais enquanto as suas em presas industriais em regra apenas sobreviviam permanecendo a margem da onda de renovação e mudança que varria as regiões industrializadas Cabe registrar no entanto que algumas empresas domésticas iniciaram antes de 1990 pelo menos a adoção dos novos métodos organizacionais e gerenciais então referidos como japoneses Entre elas podem ser destacadas a Freios Varga a Marco Polo e a Cofap6 CIRURGIA E REORGANIZAÇÃO 19901994 Ainda a excepcionalidade do contexto O quadro que acaba de ser evocado sugere que a abertura anunciada em 1990 apanharia a indústria aqui instalada numa situação bastante difícil Para entendê lo basta reafirmar o que já foi sugerido se por um lado as barreiras protecionistas permitiam preços em dólares bastante superiores aos vigentes no mercado inter nacional por outro parte pelo menos destas diferenças havia se tornado efetiva mente necessária dadas as ineficiências engendradas pela evolução recente da eco 4 Chami Batista Jorge e Fritsch Winston Dinâmica Recente das Exportações Brasileiras em Reis Velloso João Paulo e Fristsch Winston orgs A Nova Inserção Internacional do Brasil José Olympio 1994 5 A informação encontrase em Lal Sanjaya Políticas de Ciência Tecnologia e Innovación em El Suleste Asático lecciones para Argentina después de la crisis Em Seminário Internacional Políticas para Fortalecer el Sistema Nacional de Ciencia Tecnologia e Innovación Secretaria de Ciencia Tecnologia e Innovación Productiva 2000 Ali se vê como os países do leste asiático dotados de uma macroeconomia bemcomportada praticavam políticas industriais e tecnológicas superativas e drasticamente reduziam a distância que os separava dos países desenvolvidos enquanto a Argentina e o Brasil febrilmente se debatiam reféns de alta inflação 6 Por outro lado convém advertir que no caótico quadro do início dos anos 90 facilmente poderiam ser identificadas tendências contraditórias Assim por exemplo segundo certas fontes a brutalidade do Plano Collor ao deixar clara a vulnerabilidade da riqueza financeira no que parecia ser o limiar da hiperinflação acabou tendo efeitos inesperados e em certa medida salutares para o chamado lado real da economia Se por um lado avolumavase a retirada de liquidez do país por nutro recursos financeiros passavam a migrar para aplicações físicas Exame 28493 372 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 nomia7 O argumento evidentemente nada tem a ver com a ideia de indústria infantil a estas alturas históricas a ineficiência microeconômica denotava essen cialmente a metabolização de um contexto altamente adverso Mas é também importante se dar conta de que a própria excepcionalidade do contexto enquanto durasse impunha freios ou limites as mudanças detonadas pela abertura anunciada E isto pode ser percebido de três maneiras Primeiramente as empresas transnacionais aqui instaladas que mais rápida e profundamente poderiam reagir ao novo quadro bastando para isto resumida mente alterar o status da filial local permaneciam de mãos amarradas De fato dotadas de autonomia bastante limitada continuavam enfrentando grandes difi culdades para explicar as matrizes os padrões locais de conduta8 Por isto mesmo viamse quase impossibilitadas enquanto durasse a alta inflação de pleitear recur sos para novas iniciativas junto a matrizes E aqui residia um tipo muito especial de proteção as empresas locais Além disto enquanto se continuasse a beira do precipício hiperinflacionário e desde que mantido o princípio da indexação continuava extremamente perigo so o endividamento Isto obviamente continha o apetite das empresas no tocante a introdução de substanciais avanços mas obviamente não as impedia de promover cortes e introduzir mudanças organizacionais Finalmente é preciso atentar para o fato de que os próprios consumidores aturdidos pela alta desenfreada de preços e praticamente incapacitados de com parar preços não se encontravam em condições de efetivamente usufruir do au mento da competição decorrente em princípio da abertura A bem dizer para os consumidores mais do que para a demanda intermediária procedente das empre sas o aumento da competição só podia se materializar com a chegada da estabi lização Ora pretender intensificar a competição sem a presença ativa dos consu midores equivalia a representar Hamlett sem o Príncipe Vista a questão contra este pano de fundo entendese por que a severa recessão do início dos anos 90 que combinada com a abertura poderia ter graves conse quências para a indústria tenha tido efeitos relativamente limitados Ao que pare ce embora tenham visto suas receitas se reduzirem com a retração das vendas trazida pela recessão as empresas industriais conseguiram ressalvadas exceções 7 As exceções residiriam sobretudo em certas commodities em relação as quais as ineficiências próprias ao contexto de altainflação não se revelaram capazes de anular as vantagens do país em termos de escala tecnologia e dotação de recursos naturais Quanto as vantagens competitivas com que o país continuava a contar vide Coutinho Luciano e Ferraz João Carlos Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira IEUNICAMP Papirus 1994 8 O avanço em direção aos mercados emergentes passou a ser recomendado pelo governo dos Estados Unidos no início dos anos 90 mas isto no caso do Brasil e pelas razões acima apontadas não parece ter surtido sensíveis efeitos até a segunda metade da década Garten E Jeffrey Under Secretary of Commerce for International Trade Competing to Win in the Global Marketplace Council of Foreign Relation New York Janeiro 1993 373 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 proteger as suas margens de lucro e preservar os respectivos market shares9 Tudo indica em suma que durante a fase aqui focalizada a abertura funcionou essen cialmente como uma ameaça10 o que é aliás corroborado pelo fato de que as im portações só dispararam na segunda metade de 1994 Nestas circunstâncias e frente a nova e grande ameaça qual foi a resposta predominante Cirurgia e reorganização Existe um relativo consenso entre os analistas quanto ao fato de que na supe ração das ineficiências herdadas do ambiente dos anos 80 se encontram não só processos cirúrgicos de redefinição do alcance e perfil dos negócios como também importantes esforços de reorganização produtiva11 De fato os processos de rees truturação perseguidos pelas empresas entre 1989 e 1994 incluíram não apenas o redimensionamento de quadros o enxugamento do catálogo de vendas e o fecha mento de instalações como também destacadamente a adoção de novas práticas gerenciais tipicamente associadas a Gerência da Qualidade Total TQM e ao Just in Time J IT12 Multiplicamse em suma as experiências com minifábricas e células de pro dução bem como soluções de tipo kan ban visando puxar a produção de acordo com a demanda todas associadas a sistemas JIT Destacamse também as políticas do tipo TQM como a difusão de práticas de identificação e o uso inten 9 Uma Análise dos Anos 90 e uma Agenda de Política de Desenvolvimento Industrial para a Nova Década IEDI Indústria e Desenvolvimento vol Política Industrial Empresa Nacional e Mercado Interno p 22 nov 2000 10 Símbolo das mudanças esperadas a importação de automóveis ocupava apenas 35 do mercado doméstico em 1991 Entre os carros recém importados havia contudo uma alta proporção de procedência japonesa o que ajudava a difundir o temor de que estaria por se repetir no Brasil possivelmente em maior escala o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos onde 25 do mercado havia sido tomado pelos japoneses nos anos 80 11 O pioneiro na identificação das tendências no que toca aos primórdios da reestruturação parece haver sido Bielschowsky Ricardo Vide por exemplo Adjusting for Survival Domestic and Foreign Firms in Brazil in the early 1990s ECLACUNCTAD 1993 Vejase também Miranda José Carlos em Reestructuración Industrial en un Contexto de Inestabilidad Macroeconômica El de Caso de Brasil Estabilización Macroeconômica Reforma Estructural y Comportamiento Industrial Katz Jorge M org CEPALIDRC Alianza Editorial 1996 p 163 e Fleury Paulo e Arkader Rebecca Ameaças Oportunidades e Mudanças Trajetórias de Modernização Industrial no Brasil em Castro Antonio Barros de Possas Mario Luiz e Proença Adriano orgs Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira Forense Universitária 1996 12 Convém advertir que o realce a seguir da reorganização não deve ser entendido como desconsideração da importância dos profundos cortes realizados no período Referindo se a severidade destes cortes afirma com razão o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira ECIB op cit que em muitos casos a sobrevivência implicou a rápida implementação de ajustes vários deles cirúrgicos abruptos e emergenciais 374 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 sivo de indicadores operacionais para gestão Há ainda a busca de certificação nas normas ISO e consideráveis esforços visando o treinamento de pessoal Diversas pesquisas confirmam a propagação das novas práticas Proença por exemplo encontrou em 19931994 em 15 empresas líderes de diversos setores de produção discreta calçados automobilístico máquinas e equipamentos produtos elétricos entre outros estratégias de produção associadas a adoção de políticas de JIT e TQM13 Já Abranches Fleury e Amadeo apud Fleury14 em pesquisa sobre 508 matérias publicadas na revista Exame registraram que 59 das empresas analisadas adotaram uma estratégia de modernização contra os restantes 41 que simplesmente se encolhiam com demissões e fechamento das instalações O fato deste universo de casos estar associado ao interesse gerado pela notícia pode sem dúvida introduzir algum viés levando a destacar experiências de impacto ou exi tosas Ainda assim cabe observar a alta incidência do objetivo de redução de custos e por último mas de grande significado na caracterização do período analisado 19901994 o fato de que em 94 da casos a escolha da trajetória de moderni zação se deu primordialmente através de procedimentos gerenciais e não sob a forma de aquisição de máquinas e equipamentos No tocante a já referida necessidade de focalização das atividades e seleção dos produtos que rompe com a diversificação voltada para a redução de riscos imperante durante a alta inflação e prepara as empresas para a maior competição uma interessante ilustração pode ser encontrada no ocorrido com a empresa Alpar gatas Entre 1991 e 1992 a empresa enfrentou um grave período de sua história amargando um prejuízo de US 121 milhões Partiu então para um amplo proces so de reestruturação fechando 11 de suas fábricas e reduzindo seus quadros de 32000 para 17000 funcionários Das 17 marcas de confecções que fabricava pas sou a fabricar cinco Das 40 de calçados permaneceram 17 Mais enxuta e produ tiva veio a ser premiada pela explosão de demanda do real que não apenas expan diu as suas vendas como evidenciou a maior lucratividade alcançada em cada dólar vendido Por trás do melhor desempenho e do ressurgimento dos lucros en contravamse a duplicação do faturamento por empregado entre 1990 e 1995 e grandes economias de custos fixos15 Sumariando as diversas cirurgias atingiram não só o lastro de produtos pessoal máquinas e espaço como também um conjunto de práticas de gestão tor nadas pouco competitivas Isto permitia sem dúvida melhorar o posicionamento em termos competitivos mas pouco trazia como solução para um dos maiores problemas enfrentados pelas empresas Refirome a descoberta por parte de nume rosas indústrias desde pequenas e médias até por exemplo uma Ford ou uma GM 13 Proença Adriano Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira Relatório J mimeo BNDES Jun 1994 14 Fleury Paulo Ambiente Econômico e Resposta Empresarial O Ajuste da Indústria Brasileira nos Anos 90 lldes FFE Policy Paper nº 19 1996 15 Exame 5 de Julho de 1995 375 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 de que não tinham produtos para o mercado renovado Este tipo de questão só passaria ao primeiro plano na fase subsequente da reestruturação Sumária reflexão sobre a fase Cirurgia e Reorganização Tento no que segue refletir ou acrescentar especificações relativas a algumas das características maiores do movimento até aqui examinado A economia brasileira viveu neste primeiro período o equivalente de uma abertura travada16 E não me refiro aqui ao relativamente prudente programa de rebaixamento tarifário anunciado em 1990 e sim mais uma vez a excepciona lidade do contexto A este propósito pareceme correto afirmar que a abertura andou a frente da contestabilidade Vale dizer a proximidade do caos hiperinfla cionário reduzia a capacidade dos agentes econômicos de exercer a contestação via não aquisição de mercadorias que pudessem talvez ser adquiridas em melho res condições Aliás enquanto perdurassem os distúrbios maiores era inclusive difícil financiar importações todos inclusive potenciais financiadores de importa ções mantinham o pé pousado sobre o freio Complementando o argumento anterior cabe acrescentar uma característica estrutural da economia brasileira Tratase do alto grau de encadeamento vertical observado em diversos setores da indústria uma herança do intenso e duradouro processo de substituição de importações Admitida a característica acrescentese que as demandas intermediárias apresentam relações de maior inércia do que as do consumidor final com o varejo E isto não só pelo maior grau de conhecimento recíproco como porque as trocas de fornecedor de insumos requerem frequen temente outras mudanças e adaptações Tomemos a questão por outro ângulo Entender o corteeliminação de postos de trabalho linhas de produto e equipamentos como uma simples reação a ameaça de uma maior pressão competitiva é em certa medida enganoso Há frequentemen te algo mais sério e profundo nestas dolorosas cirurgias o que está sendo muitas vezes eliminado são possíveis trajetórias futuras que passaram a ser percebidas como digamos não férteis Vista sob este prisma a radicalidade dos cortes contém possivelmente um ingrediente estratégico Afinal estão sendo preservados aqueles recursos e desenvolvidas aquelas capacitações percebidos como dotados de poten cial Consequentemente a resintonização com o contexto está sendo feita a partir de um exame crítico das próprias premissas das empresas Não se trata apenas de aproveitar melhor os recursos mas de um reposicionamento que define as trajetórias de possível interesse daí por diante E isto mexe com a própria identidade das em presas O que acaba de ser dito fornece elementos para a distinção entre experiências nacionais e que a indústria passou exitosamente pelo teste da abertura e outras em 16 Esta é um a aplicação singular da noção mais geral de uma economia em vários sentidos travada em decorrência da alta inflação crônica Castro Antonio Barros de O Paradoxo do Desajuste na Estabilidade em João Paulo dos Reis Velloso o rg O Real e o Futuro da Economia José Olympio 1995 376 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 que isto não ocorreu Refirome no caso muito particularmente a orientação dada aos cortes seletivos de maneira a preservar possíveis futuros ou no polo oposto a tal ponto indiscriminados e profundos que o resultado sejam indústrias meramen te de fachada fenômeno por vezes referido como hollowout Este último tipo de mudança característico de outras experiências de abertura comercial na América Latina certamente não veio a predominar no Brasil Convém por fim acrescentar uma consideração de natureza profundamente diferente Refirome a importância da tomada de consciência no início dos anos 90 de que o excepcionalismo brasileiro estava com os seus dias contados Difundese nesse contexto a convicção de que no tocante as empresas nacionais genericamen te havia que mudar para permanecer Este clima iria contagiar e induzir a reestru turação inclusive de atividades não expostas a competição de produtos importados Uma boa ilustração deste último fato pode ser observada no âmbito do comércio de varejo Assim por exemplo a palavra de ordem na cadeia de varejo Pão de Açúcar passaria a ser corte concentre simplifique17 De igual maneira no Nor deste a cadeia Paes Mendonça entraria em reestruturação em resposta antecipada a presumível migração para o Nordeste de cadeias do CentroSul Já no caso das multinacionais estaria chegando o momento de redefinição do status das filiais aqui sediadas18 Em outras palavras não se tratava apenas de que as multinacionais estariam prestes a deixar seu imobilismo O importante é que o repertório de modernização aí incluídos novos produtos e racionalização a ser por elas eventualmente adotado era enorme e podia ser facilmente visualizado Restava saber no entanto no tocante a reinserção das filiais nas estratégias glo bais das matrizes entre outras questões como ficaria a relativa autonomia deci sória ensaiada durante a fase da substituição de importações e confirmada du rante a alta inflação Seria o novo do mix de produtos simplesmente definido a um nível mais alto19 Há que lembrar que alguns dos produtos agora evidentemente obsoletos haviam sido desenvolvidos com participação da engenharia local Fun ções como a modesta engenharia de produtos seriam ou não retidas pelo país A propósito da ameaça de transformação acarretada pela reativação e chegada de novas multinacionais convém evocar um caso que nos parece emblemático Na avaliação do seu fundador e principal executivo o crescimento espetacular da empresa de perfumaria e cosméticos O Boticário compartilhado por outras em presas nacionais do ramo como a Natura só foi possível pela proteção ofereci da pela economia fechada e pela hibernação da líder do mercado a norte americana Avon Em outras palavras a gigante Avon encontravase no país flagrantemente abaixo de suas possibilidades 17 Exame 12 de abril de 1995 Ver também 24 de fevereiro de 1999 p 68 18 Sobre o mutável status das filiais vide Ferdows Kasra Making the Most of Foreign Factories Harvard Business Revie março e abril de 1997 19 Fleury Afonso The Changing Pattern of Operation Management in Developing Countries The Case of Brazil international Journal of Operation and Production Management vol 19 nº 5 1999 377 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 Por outro lado desde meados dos anos 80 a indústria mundial de perfumaria vinha atravessando enormes mudanças com grandes investimentos em tecnologia fusões e aquisições Não era pois difícil prever que nos anos 90 além do redesper tar das multinacionais já aqui sediadas o Brasil atrairia a atenção dos grandes fabricantes internacionais A percepção das ameaças se agravaria com o advento do Real e a súbita explicitação do imenso potencial do mercado brasileiro Consequentemente e não obstante os excelentes resultados obtidos pela empresa em 1994 e 1995 a direção de O Boticário decide redesenhar completamente suas operações avançando inclu sive no sentido de superar a cultura paternalista original da empresa20 Não pros seguirei na caracterização deste interessante caso que fica aqui apenas como um testemunho do represamento de possíveis mudanças no período que precede a abertura e se prolonga até a estabilização da economia21 UM CATCH UP PRODUTIVO A festa da estabilização22 o quadro que acabo de sumariar sugere a existência de diversas molas comprimidas prestes a saltar com a estabilização É fundamental darse conta no entanto que após anos a fio de contenção terá naturalmente ocorrido um elevado grau de adaptação a perda sistemática de oportu nidades O aparelho de oferta em particular terá em boa medida se a justado a demanda cronicamente contida O desequilíbrio latente entre oferta e demanda terá pois se materializado e neste momento o país padece de um descompasso entre sua demanda eventualmente desrepri mida e os estoques de capital fixo e financeiro de que dispõe Fique claro no entanto que os problemas daí advindos não se manifestam enquanto a economia se mantém sob o império da alta inflação e da es tagnação a ela associada A inflação crônica tem neste como em outros 20 Exame 1 de julho de 1998 Exame 27 de janeiro de 1999 21 Sobre o potencial de rápida convergência catch up vide Catching Up Forging Ahead and Falling Behind de Abramovitz Moses Journal of Economic History junho de 1986 22 A súbita derrota da inflação alta e crônica mediante um plano como o Real deveria levar no meu entender a uma situação eufórica referida no texto apresentado ao VI Fórum Nacional abril de 1994 como festa da estabilização Castro Antonio Barros de Estabilização Crescimento e Política Industrial em Velloso João Paulo dos Reis org Estabilidade e Crescimento Os Desafios do Real José Olympio 1994 378 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 sentidos o seu equilíbrio interno Paradoxalmente é com a estabilidade que aflora o desajuste 23 Do anterior se in fere que a transição para a estabilidade a partir de situações de inflação alta e crônica tende a trazer consigo uma situação de relativa euforia especialmente se a experiência não for acompanhada por exemplo de políticas de contensão da expansão creditícia Se o súbito término de uma alta inflação crônica em si já seria motivo para a festa da estabilidade com mais razão ha veria de verificarse uma situação eufórica num a situação de superabundância de liquidez internacional acompanhada pelo menos até a crise do México da reedi ção da crença de que se podia impunemente delegar aos fluxos internacionais de capitais o financiamento do déficit de transações correntes Voltando ao exuberante quadro com que se defrontariam as empresas a partir do lançamento do Real convém relembrar alguns dados reunidos pela empresa Austin Assis a partir de uma amostra englobando 330 empresas de 21 setores Segundo a pesquisa no terceiro e quarto trimestres de 1994 em relação aos mes mos períodos de 1993 as vendas teriam saltado 398 e 639 respectivamente24As cifras e sua aceleração a medida que os efeitos do plano vão sendo sentidos dispensam comentários É bem verdade que já em 1995 se verificou uma grande frustração de expec tativas trazendo consigo severas dificuldades para muitas empresas Em meados de 96 contudo a economia estava de volta ao crescimento liderada pela indústria e com expectativas em relação ao futuro majoritariamente otimistas A rigor nos 12 meses findos em junho de 1997 a indústria cresceu 75 Lamentavelmente entretanto logo a seguir teria início a crise asiática e a economia brasileira vol taria a ser longamente travada por políticas monetárias brutalmente severas A estas alturas contudo já estava aparentemente incorporada a percepção de muitos a enorme potencialidade de diversos mercados brasileiros especialmente na esfe ra dos duráveis e de numerosos benssalário Finalizando esta brevíssima caracterização da revitalização do mercado do méstico após a estabilização caberia realçar o fato de que o crescimento das vendas parcialmente se explicava pelo rebaixamento dos preços relativos dos tradables vis a vis os salários E aqui evidentemente a sobrevalorização do câmbio teve direta ou indiretamente uma decisiva influência Sua contribuição para a desrepressão do consumo se dava através do chamado excedente do consumidor que oriun do da redução de preços voltava ao mercado sob a forma de poder de compra adicional Não é preciso sublinhar que a situação assim criada favorecia o redes 23 O texto acima é parte integrante da estilização de uma economia longamente submetida a uma inflação alta e instável presente em Castro Antonio Barros de Estabilizar e Crescer O Paradoxo do Desajuste da Estabilidade op cit p 69 24 Exame 5 de julho 1995 379 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 pertar das multinacionais anteriormente referido assim como estimulava a recu peração do tempo perdido por parte das empresas de propriedade nacional O catch up produtivo Esquematizarei a seguir o que me parece ser a grandes traços o comporta mento típico frente ao novo quadro de um grande número de empresas industriais Lembremos que no que toca as oportunidades e desafios com que elas se defrontam devem ser destacados por um lado a brutal expansão dos mercados e por outro a abertura e a valorização do câmbio com seu duplo e contraditório papel de barateamento tanto das importações de produtos concorrentes quanto de insumos e bens de capital capazes de propiciar a modernização produtiva e a diversificação da linha de produtos25 As respostas massivamente dadas ao novo quadro podem ser distribuídas em três grandes planos prosseguimento da reestruturação visando a adoção de métodos modernos de gestão e a busca de padrões e gabaritos contemporâneos de eficiência modernizaçãodiversificação das linhas de produtos visando acompanhar a renovação em curso no mercado doméstico Este tipo de mudança traz consigo o aumento das importações de insumos e equipamentos com o intuito de baratear e acelerar a absorção da tecnologia contida nos novos processos e produtos deslocamento de fábricas para áreas com boa infraestrutura e fácil acesso a grandes mercados com mãodeobra ou matérias primas baratas eou massivos benefícios fiscais O primeiro pode ser encarado como mero prosseguimento da cirurgia e mo dernização características da etapa anterior Mas é preciso destacar que a estabili zação acarreta o surgimento de um quadro muito mais transparente onde se torna mais fácil responsabilizar divisões produtos etc pelos êxitos e fracassos da em presa Evidentemente isto corre paralelo com o maior poder conferido aos consu midores e num outro plano contribui para revigorar o ânimo reformador das empresas Por outro lado ali onde a distância para com os padrões e práticas internacio nais se revela muito ampla a situação pode ser interpretada como dificilmente remediável predispondo a busca de sócios ou mesmo a venda do patrimônio Não tratarei aqui do tema da venda de empresas fenômeno que reconhecidamente adquiriu crescente importância ao longo da década de 90 Registrarei apenas que 25 Um caso a parte é o das indústrias capital intensivas e processadoras de produtos primários tipo petroquímica até então dotadas de vantagens competitivas visavis o mercado doméstico que não tinham por que ampliar a importação de insumos ou equipamentos e que pela primeira vez passavam a enfrentar a concorrência de produtos importados Vide adiante algumas considerações sobre setores singulares 380 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 de acordo com um amplo levanta mento são 308 transações para as quais se dispõem de informações 157 foram de aquisições de empresas brasileiras e de filiais de empresas estrangeiras por empresas estrangeiras correspondendo a um investimento de US 23215 milhões 126 foram aquisições por empresas brasilei ras de outras brasileiras filiais equivalentes a US 22842 milhões e 19 por consórcios mistos cujo montante foi de US 13723 milhões26 Convém acrescen tar que segundo os setores a compra de empresas privadas brasileiras por es trangeiras concentrouse nas indústrias farmacêutica higiene e limpeza 971 do valor total das aquisições eletro eletrônica 963 química 886 alimentar 824 auto peças 74 e comércio varejista 735 Já as aquisições por empresas privadas brasileiras de outras brasileiras e estrangeiras teve a seguinte distribuição têxtil vestuário e calçados 100 mecânica 772 papel e celulose 76l petroquímica 741 construção civil 728 e comércio atacadista 65 No que toca a renovação de produtos e processos a primeira observação a ser feita se refere ao contraste com o período anterior Enquanto na fase denominada cirurgia e reorganização o eixo das mudanças residia no corte e na reorganização nesta segunda etapa o uso de novos insumos e a aquisição de equipamentos de última geração assumem uma importância decisiva Isto implicava uma sensível reativação dos investimentos27 Cabe ainda ressaltar que nesta etapa a abertura e o câmbio tornamse uma vez assumida a opção pela renovação funcionais as mudanças pretendidas pelas empresas A bem dizer o baixo preço e as facilidades de pagamento para a aquisi ção de equipamentos importados28 atraíam empresas a tentar autênticos saltos de desempenho E isto se verificou inclusive no caso de pequenas e médias unidades29 Tratavase em suma de comprar capacitação tanto na esfera fabril quanto na informatização dos procedimentos de gestão No tocante a este último ponto a 26 Os levantamentos foram feitos pela Securities Date e pela KPMG e a citação provém do texto do IEDI Indústria e Desenvolvimento já anteriormente citado Para um balanço das fusões e aquisições ocorridas na década e em particular das mudanças no controle societário das 100 maiores empresas vide Siffert Filho Nelson e Souza e Silva Carla Grandes Empresas nos Anos 90 Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças em Giambiagi Fábio e Moreira Maurício Mesquita orgs A Economia Brasileira nos Anos 90 BNDES 1999 27 CNICEPAL Investimentos na Indústria Brasileira 19951999 Rio de Janeiro 1997 Vejase também Castro Antonio Barros de Limitações e Potencialidades da Nova Safra de Investimentos em Mineiro Adhemar dos Santos Elias Luiz Antonio e Benjamin César orgs Visões da Crise Contraponto 1998 28 Quanto ao preços dos equipamentos vejase Souza Francisco Eduardo Pires O Investimento Antes e Depois do Plano Real em O Real o Crescimento e as Reformas de Velloso João Paulo dos Reis org José Olympio 1996 Vide também Relatório McKinsey Productivity The Key to an Accelerate Development Path for Brazil McKinsey Global Institute 1998 Sumário Executivo 29 Proença Adriano e Caulliraux Heitor Estratégias de produção na indústria Brasileira Evolução Recente em Velloso João Paulo dos Reis org Brasil Desafios de um País em Transformação José Olympio 1997 381 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 onda teria seu ápice nas vésperas do bug do milênio mas o movimento vinha ga nhando importância desde meados da década de 90 Quanto a terceira reação típica acima apontada lembremos inicialmente que em determinados casos o deslocamento de fábricas reflete a busca de fatores pro dutivos mais baratos em resposta a maior pressão competitiva trazida pela aber tura Este é o caso do traslado para o Nordeste da produção de calçados origina riamente sediada no Rio Grande do Sul Não se verifica no caso a adoção de novas tecnologias e as novas facilidades produtivas parecem ser inclusive mais simples e despojadas que os seus congêneres gaúchos Ou seja não fosse a influên cia nada desprezível dos estímulos fiscais acionados pelos estados para onde vão as fábricas estaríamos diante de um caso de livrotexto de realocação de recursos comandada pelos preços relativos dos fatores Já no caso de deslocamentos para fora e longe dos grandes centros urbanos os menores custos do espaço e da mãodeobra contam mas há fortes indícios de que se trata de algo bem mais complexo que uma mera reassignação de recursos orientada por sinais de preços De fato o que frequentemente parece ocorrer dis ponho apenas de ilustrações a esse respeito é que a migração é pensada e levada a efeito como parte integrante do esforço de convergência catch up aí incluídas mudanças de processo linhas de produto etc Por fim no importante caso da descentralização verificado no setor automo tivo encontramonos diante de uma atividade de densidade tecnológica alta média em contextos mais avançados onde os menores custos da mãodeobra contam mas seguramente não decidem Ou seja neste caso os benefícios fiscais foram in discutivelmente fundamentais Além disso há indícios de que foi se tornando cada vez mais importante a possibilidade de experimentar nas plantas descentralizadas novos métodos de trabalho de relacionamento com os fornecedores de logística etc Numa palavra algumas das novas unidades regionais da Volkswagen Resende no Rio de Janeiro bem como São José dos Pinhais no Paraná da GM e da Ford são experiências na exploração de novos padrões organizacionais e sistemas de produção em relação aos quais as fábricas do ABC representam o passado30 Em suma mesmo no terceiro tipo de reação aqui apontado em que certamen te contou o custo relativo dos fatores chegando possivelmente a predominar no caso da migração de calçados para o Nordeste as decisões empresariais devem ser entendidas como parte integrante do catch up produtivo Nele contam decisiva mente as estratégias para recuperação do atraso por parte das empresas bem como numerosas iniciativas no campo das políticas de atração de investimentos levadas a efeito pelos estados e municípios Em resumo não se tratava para as indústrias meramente de não ter preços para fazer frente ao novo ambiente competitivo O problema era estar fora da nova fronteira de produção Estamos portanto fa 30 Proença Adriano e Caulliraux Heitor Estratégias de produção na indústria Brasileira Evolução Recente em Velloso João Paulo dos Reis org Brasil Desafios de um País em Transformação José Olympio 1997 382 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 lando não de distorções provocadas por preços fora do lugar e sim da adoção de formas de organização técnicas e produtos superiores capazes de poupar simultaneamente trabalho e capital31 Não caberia aqui tentar sumariar as características do complexo movimento de descentralização da produção industrial em curso no Brasil32 Assinalo apenas que o mapa regional da indústria está efetivamente mudando Um dos mais paten tes exemplos de mudança reside no caso da Bahia cujo panorama industrial con tinuava até muito recentemente dominado por grandes plantas produtoras de bens intermediários e a abertura pouco havia trazido além do endurecimento da competição Nos últimos anos contudo além de avanços significativos na vertica lização da cadeia petroquímica deuse a chegada de empresas produtoras de bens de consumo que culmina com a instalação de um complexo sistemistas mon tadora sob o comando da Ford33 Algumas observações sobre setores e estrutura e produtividade Indústrias tradicionais do tipo têxtil confecções e calçados custaram a reagir a altura do desafio com que se deparavam Já certas indústrias de maior conteúdo tecnológico em muitos casos não conseguiram jamais se reposicionar Encaremos pois sumariamente estes contrastes No caso das tradicionais cabe lembrar que acossadas por importações proce dentes em regra da Ásia foram levadas a uma séria crise que prometia repetir no Brasil a devastação verificada por exemplo na Argentina Na realidade contudo ocorreu apenas uma dolorosa depuração ao término da qual as empresas sobrevi ventes mostravamse antes mesmo da desvalorização fortalecidas e aptas para a retomada do crescimento Advirtase porém que neste vasto campo numerosas empresas sobretudo pequenas desapareceram absorvidas por outras em regra também de nacionalidade brasileira Em simultâneo uma intensa compra de equi pamentos permitiu um início de reafirmação Mais adiante com a forte depreciação do câmbio 1999 as indústrias tradi cionais entraram em franca reafirmação situação em que se encontram neste 31 Para uma visão alternativa pela qual se crê que os impactos da abertura foram de maneira geral na direção esperada e desejada ou seja em linha com a disponibilidade de recursos no país enquanto a proteção anterior favoreceu particularmente setores que demandavam recursos escassos no país vide Moreira op cit pp 294 e 329 32 Sabóia João Desconcentração Industrial no Brasil Um Enfoque Regional Pesquisa e Planejamento Econômico abril de 2000 33 Vide Uderman Simone Perspectivas Industriais em Tendências da Economia Baiana Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia 2000 É interessante acrescentar a propósito da Ford que esta empresa parece ser um caso limite no passado recente no tocante a perda de espaços a desatualização de produtos e outros desacertos Grandes avanços verificaramse também em estados como o Paraná e o Rio Grande do Sul Quanto a este último caso vide O Mapa dos Novos Investimentos do Rio Grande do Sul Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento 1998 383 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 momento34 O quadro 1 sintetiza dados relativos ao ocorrido no polo têxtil de região de Americana SP No caso da indústria de calçados algo semelhante po deria ser dito sendo que neste último setor a reafirmação foi beneficiada no caso brasileiro pela concentração geográfica da produção facilitando captar externali dades pelo ativismo das associações e pelo apoio governamental35 Quadro 1 Evolução do Polo Têxtil de Americana 1990 1995 1998 Nº de Empresas 1486 778 665 Emprego 31 000 17750 13300 Produção 100 50 130 Fonte Exame 110899 Já no caso das empresas de maior conteúdo tecnológico o escasso domínio das técnicas dificuldades de natureza financeira e em diversos casos insuficiência de escala levaram ao desaparecimento de muitas firmas e genericamente a for te redução das atividades de pesquisa Aqui reconhecidamente haviam ocorrido exageros no tocante a substituição de importações e o setor se encontrava exces sivamente fragmentado36 É preciso lembrar no entanto que a Embraer se destaca neste conjunto como um caso excepcionalmente exitoso cujo entendimento vem sendo buscado por diferentes pesquisadores37 No polo oposto ou mais precisamente no campo da mecânica de baixa sofis ticação tecnológica por exemplo na área dos bens de capital orientados para empresas de modestas exigências tecnológicas por sua vez as fortes relações com os clientes inclusive por conta dos serviços pósvenda garantiam uma certa imu nidade frente a abertura38 Quanto as indústrias mecânicas de nível tecnológico médio como notoria mente a automobilística o caso brasileiro se destaca pela vigorosa reafirmação 34 Vide Katz Jorge Reformas Reestruturales Productividad y Conduta Tecnológica en América Latina CEPAL Fondo de Cultura Economica México 2000 O autor supõe no texto que o ocorrido em outras economias latinoamericanos também se verificaria no Brasil mas as evidências contrárias vêm se acumulando de forma inequívoca 35 Bekerman Marta e Sirlin Pablo Impactos Estáticos y Dinámicos del Mercosur El Caso del Sector Calzado Revista de la CEPAL 36 Tadini V Perspectivas do setor de bens de capital sob encomendas no Brasil Trabalho apresentado ao V Fórum Nacional São Paulo 1993 37 Bernardes Roberto Embraer elo entre Estado e Mercado ED Hucitec Fapesp 2000 38 3 Vejase o interessante estudo de Lins Hoyêdo Nunes sobre 20 pequenas e médias empresas catarinenses Do autor Pequenas e Médias Empresas Fabricantes de Bens de Capital Frente as Mudanças da Economia Brasileira Revista Análise Econômica ano 18 nº 34 384 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 em termos de capacidade modernização produtiva e densidade das cadeias Vere mos nos próximos anos em que medida esta reafirmação permitirá a constituição de autênticas vantagens competitivas Já na Argentina após uma forte reativação na primeira metade dos anos 90 verificase uma aparente regressão para a mera montagem39 Aqui reside aliás uma das patentes especificidades do caso brasileiro Com exceção da Coréia onde as empresas são nacionais as experiências recentes de industrialização têm revelado mais facilidade para saltar para os produtos de alta tecnologia onde realizam apenas montagem que para consolidarse nos ra mos de médio conteúdo tecnológico40 Encerrando estas sumárias e assistemáticas observações sobre setores acres cento que a súbita exuberância exibida pelo mercado doméstico aliada a facilida de para importar deu lugar em certos ramos a multiplicação de negócios em maior ou menor medida informais mas capazes de disputar a franja inferior de certos mercados É a proliferação dos nanicos das tubaínas e do mercado cinza que entre outros fatos dão testemunho da vigorosa luta por espaços especialmen te nos mercados correspondentes a base da pirâmide social No que concerne a evolução da estrutura industrial na década de 90 os dados presentes no quadro 2 que comparam o último censo disponível 1985 com a Pesquisa Industrial Anual PIA apresentam interessantes resultados Antes de mais nada chama a atenção o diminuto recuo relativo da categoria Bens de Capital ao contrário de temores amplamente difundidos No que toca ao recuo de Intermediá rios é preciso advertir que o fenômeno está fortemente influenciado pela baixa do preço no item combustíveis ocorrida entre 1985 e 1997 É de destacarse também o avanço da categoria Bens de Consumo Duráveis filha dileta de uma certa etapa do processo de substituição de importações e que dado o baixo percentual exportado dá testemunho do avanço da revolução do consumo de massas Quadro 2 Estrutura Industrial por Categoria de Uso Valor de Transformação Industrial 1985 1997 Bens de Capital 125 113 Bens Intermediários 599 464 Bens de Consumo não duráveis 222 33 Bens de Consumo duráveis 54 93 Indústria Geral 100 100 Fonte IBGEDPEDepartamento de Indústria PIA 39 Só recentemente ficou clara a divergência entre as experiências brasileira e argentina Para uma apreciação do quadro argentino antes de evidenciarse o contraste aqui assinalado vejase Kossakof B Corporate Strategies under Structured Adjustments in Argentina Nova York Sr Martins Press 2000 40 Lal Sanjaya Políticas de Ciencia Tecnologia e Innovación opcit 385 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 No tocante a produtividade os avanços que vinham sendo alcançados desde os primeiros anos da década de 90 prosseguiram ao longo da década Não discu tirei aqui a magnitude do aumento médio da produtividade se mais próxima a informação procedente do PIM IBGE ou das Contas Nacionais41 O importante é que qualquer magnitude situada neste intervalo representa um ritmo excepcio nalmente elevado de evolução média o que corrobora informações procedentes de fontes assistemáticas bem como de entrevistas por ocasião de pesquisas de campo por nós realizadas42 É importante por outro lado lembrar que a produtividade media no Brasil é fortemente puxada para baixo por amplos setores de escassa formalidade como por exemplo a construção civil e o pequeno comércio A advertência foi reproduzida no conhecido Relatório McKinsey o qual acrescenta entretanto que em determina dos setores é importante notar que os players mais produtivos já estão próximos ao nível das melhores práticas provando que elas podem ser alcançadas no Brasil43 Ainda quanto aos índices alcançados de produtividade é interessante registrar que recentemente têm surgido relatos sobre casos excepcionais em que o desem penho produtividade incluída alcançado no Brasil por certas filiais se compara ou mesmo excede o alcançado nas matrizes A General Motors do Brasil por exem plo tornou se modelo para toda corporação por ser uma empresa eficiente ágil e lucrativa nas palavras do executivo Jack Smith44 O fato de que a operação de produção e vendas da GM no Brasil mediante a adoção de técnicas da gestão de operações e de organização industrial típicas da reestruturação ocorrida no país e pela migração bemsucedida de sua linha de produtos para modelos mais modernos transformese em referência para toda a corporação isto parece ratificar a profi ciência que o tecido produtivo vem se mostrando capaz de alcançar neste país AINDA O CATCH UP PRODUTIVO OBSERVAÇÕES ADICIONAIS E CONJECTURAS Como já vimos há grandes diferenças entre a fase aqui denominada catch up produtivo e o período anterior de cirurgia e reorganização Delas a mais relevante 41 Uma ampla discussão do tema é feita por Carvalho Paulo Gonzaga Mibielli em As Causas do Aumento da Produtividade da Indústria Brasileira nos Anos 90 Tese de doutoramento Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro 2000 42 Minha referência é aqui exclusivamente a produtividade do trabalho Não vejo por que ter em conta dados relativos a chamada produtividade total do trabalho que além de requerer séries de dados capazes de deixar qualquer purista louco Solow enfrentam imensas dificuldades no plano conceitual Basta aliás observar o grau de discrepância nos resultados obtidos para suspeitar da pouca validade deste tipo de informação Ver Felipe J Total Factor Productivity Growth in East Asia a Critical Survey Journal of Development Studies vol 35 n 4 1999 43 Relatório McKinsey op cit Synthesis and Implications p 5 44 Exame 090998 386 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 pode ser apreendida a partir do duplo papel exercido pelo barateamento renovação e intensificação das importações colocar em xeque as opções das empresas no que concerne a disjuntiva fazer x comprar e ao relacionamento com os fornecedores locais e simultaneamente facilitar a rápida incorporação de avanços Poderíamos mesmo afirmar que nesta segunda fase o mercado puxa na direção da renovação e as facilidades de financiamentocompra de produtos importados empurram seja na mesma direção da atualizaçãoreafirmação seja rumo ao esvaziamento das empresas e das cadeias Tratavase sem dúvida de um jogo perigoso45 não sendo de surpreender que alguns analistas se mostrassem altamente pessimistas46 Entre as características adicionais da postura aqui caracterizada como catch up produtivo há que assinalar a recusa implícita ao esforço próprio de inovação o que chegou a ser percebido como pouca importância conferida ao objetivo inovatividade47 A tendência era no entanto altamente compreensível a priori dade conferida a busca tão rápida quanto possível da renovação e da eficiência e a percepção de que não se deveria mais contar com o apoio de instituições públicas48 tendia a minimizar os espaços reservados a iniciativas inovadoras in clusive programas de P D A percepção dominante parecia ser de que o segredo da sobrevivência estava em atingir um patamar de desempenho das operações se melhante ou idêntico ao alcançado nos países centrais Uma frase emblemática deste mindset teria sido proferida por Margaret Thatcher Vocês brasileiros não têm que inventar nada Olhem os melhores exemplos e copiem tendo o empresá rio Jorge Gerdau declarado seguila como o seu motto estratégico49 Convém insistir em que a opção em favor da excelência manufatureira não deve ser confundida com uma opção estratégica voltada unicamente para custos baixos Tratase de centrar as capacitações das empresas em produção acrescida das logísticas de entrada e saída tema mais adiante retomado Mas as capacitações assim desenvolvidas além de se prestar a redução de custos podem também cola borar para a diferenciação E a diferenciação deve aqui ser entendida num sentido amplo que inclui desde a migração para mercados demandantes de acabamento 45 A borda do precipício era visualizada por alguns e parece ter sido antecipadamente explicitada por exemplo pela direção da Gradiente Após três anos consecutivos de prejuízos fontes da empresa declaram que as importações estavam sendo fortemente incrementadas Exame 101193 pp 667 46 Coutinho Luciano A Especialização Regressiva um Balaço do Desempenho Industrial Pós Estabilização Em Brasil Desafios de um País em Transformação op cit 47 Fleury Paulo e Arkader Rebecca op cit e Proença e Caulliraux 1997 48 Como bem se sabe não foi desprezível ou raro o apoio de políticas públicas as empresas Ocorre porém que especialmente no que toca a iniciativas federais elas tenderam a ocorrer cm caráter excepcional e em meio a crises o que certamente não condiz com políticas voltadas para a inovação por natureza não emergenciais e de longo pra zo 49 Exame 41000 O que está sendo dito pelo líder empresarial é que há que buscar os parâmetros de excelência consagrados lá fora e aplicálos com disciplina e determinação 387 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 diferenciado até aqueles que demandam produtos efetivamente mais sofisticados50 Neste tipo de opção as melhorias na produção tendem a ser acompanhadas de maiores gastos em marketing e publicidade Por outro lado levar adiante a corrida em direção aos gabaritos internacionais de eficiência operacional não implica a ausência de preocupação com a manutenção e o fortalecimento dos canais de comercialização De fato a consolidação das po sições competitivas desenhadas pelas novas estratégias produtivas isto é de pro duto e produção requeria em regra o reforço das cadeias de distribuição e vendas E no tocante aos fins perseguidos pelas empresas convém assinalar que o objetivo primordial neste contexto é o reposicionamento no mercado em transfor mação Nesse processo as decisões das empresas são obviamente condicionadas pelos recursos produtivos de que dispõem e pelo desenvolvimento de suas capaci tações Mas não é deles do inteligente uso dos recursos e capacitações que a empresa espera poder tirar bons lucros e sim da ampliaçãorenovação em curso nos mercados A hipótese talvez mereça algumas conjecturas Em condições normais as empresas obtêm rendas de escassez51 seja através do uso de barreiras por elas mesmo impostas aos mercados seja através do uso de recursos diferenciados aí incluídas com destaque as capacitações por ela mesma desenvolvidas Isto equivale a dizer que rendas de escassez não podem em princípio derivar de produtos livremente compráveis em mercado Elas surgem pelo contrá rio na medida em que se consiga escapar a vala comum do plenamente conhecido e amplamente disponível Já no caso aqui focalizado estamos diante de mercados longamente contidos por proteção por políticas macroeconômicas refreadoras do nível de atividades e por comportamentos privados de atores que introjetaram a crônica fragilidade e os temores de um quadro intrinsecamente instável Neste contexto a mudança de expectativas trazida pela estabilização acompanhada no nosso caso de notória intensificação da abertura traz consigo a festa da demanda anteriormente assi nalada que compreende mas não se resume a explosão das importações Numa palavra a oferta revelase então escassa para atender a demanda aos preços a que os produtos finais insumos e equipamentos podem ser adquiridos no mercado 50 Quanto ao último ponto a importância da renovação da pauta de produtos viemos em boa medida a convergir com Carvalho e Bernardes que a consideram a mais importante característica da conduta das empresas na amostra por eles estudada Carvalho Ruy de Quadros e Bernardes Roberto em Cambiando con la Economía La Dinamica de Empresas Líderes en Brasil Grandes Empresas y Grupos Industriales Latinoamericanos Siglo Veintuno editoresCEPAL 1Edição 1998 Devo acrescentar que a compreensão deste fato alterou meu entendimento do ocorrido com as empresas e me levou a abandonar a metáfora do entrincheiramento até então por mim empregada e que me parece hoje demasiado estática Castro Antonio Barros de Indústria o Crescimento Fácil e a Inflexão Possível em A Crise Mundial e a Nova Agenda de Crescimento em Velloso João Paulo dos Reis org José Olympio 1999 51 Vejase Peteraf Margaret The Cornerstones of Competitive Advantage a ResourseBased Perspective e Rumelt Richard Towards a Strategic Theory of the Firm em Resources Firms and Strategies de Foss Nicolai ed Oxford Universiry Press 1997 388 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 mundial Consequentemente tudo se passa como se as importações se tornassem portadoras de rendas E é valido supor que normalização do quadro exija tempo Durante esse período os que conseguem suprir o mercado ainda não normalizado com produção doméstica podem utilizar as rendas embutidas nos ingredientes importados como compensação para os seus custos ainda não suficientemente reduzidos Entretanto uma situação em que uma ampla gama de produtos com práveis em mercado basicamente importações é capaz de gerar rendas de escassez não pode ser senão excepcional Ela tende a durar no entanto enquanto a oferta estiver correndo atrás da demanda subitamente excitada pelo efeito demonstração detonado pelo novo quadro Compreendese também a partir do que acaba de ser dito e não apenas pela apreciação cambial os pífios resultados obtidos pelas exportações no período A ninguém ocorre buscar novos mercados no exterior Buscar mercado externo res salvados casos de vantagem comparativa consagrada é disputar espaços saturados de cuja saturação só se escapa com criatividade inovação própria investimentos em marketing e em marcas esforços que o mercado doméstico por hora em boa medida dispensa Paradoxalmente portanto as mudanças em curso estavam reforçando a posi ção do mercado doméstico como centro de gravidade da economia e para o qual se voltavam justificadamente as atenções táticas e estratégias das empresas Insinua se evidentemente aqui uma notória contradição entre a movimentação microeconômica e as necessidades da economia como um todo O movimento de catch up produtivo avançou intensamente antes da desvalo rização de janeiro de 1999 Um indicador indireto porém eloquente disto consis te no fato de que já em 97 as empresas mostravamse bastante otimistas no que se refere as suas perspectivas individuais Segundo pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral e o Instituto Vox Mercado ouvindo 146 das 500 empresas tiradas de Melhores e Maiores da revista Exame 55 das empresas declaravamse totalmen te fortalecidas pelas mudanças recentemente introduzidas enquanto 40 assu miam que esse objetivo fora parcialmente atingido E isto numa situação em que 90 dos entrevistados acreditavam que a estabilidade continuaria no futuro o que implicava de acordo com as crenças dominantes na época que não haveria desvalorização cambial Aliás os preços relativos dos produtos para os quais as empresas estavam se voltando deveriam inclusive cair como resultado da pressão niveladora exercida pelos preços vigentes no mercado internacional52 O êxito do movimento pode também ser aferido por indicadores gerais de desempenho da indústria como os que integram o quadro 3 a seguir Nele merecem destaque além do explosivo crescimento dos duráveis o desempenho modesto 52 Revista Exame 290798 Advirtase adicionalmente que ao contrário do ocorrido entre 94 a 96 no ano acima considerado 1998 só encontramos registro na imprensa de uma empresa denunciando a insustentabilidade do câmbio e isto parece estar associado ao fato de que esta empresa Siemens pretendia ampliar substancialmente suas exportações a partir da base brasileira o que era inequivocamente dificultado pelo câmbio vigente 389 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 porém longe de desastroso do grupo dos setores difusores de progresso técnico Neste último conjunto estão compreendidas as atividades de onde se originam juntamente com as importações o progresso técnico da economia53 Quadro 3 Desempenho da Indústria índice acumulado 19931997 Commodities Industriais 1232 Commodities Agrícolas 1021 Tradicionais 1115 Tradicionais Alimentícias 1330 Duráveis 1847 Difusores 1111 Indústria Geral 1245 Fonte IBGEDPEDepartamento de IndústriaPIMPF O Catch up Produtivo e a Estrutura das Empresas Tratemos agora de analisar o significado do catch up produtivo do ponto de vista das atividades desempenhadas pelas empresas Para tanto iremos valernos do gráfico 1 a seguir Nele está representado o valor adicionado por funcionário em diversas funções corporativas de uma empresa moderna madura e de bom porte No eixo horizontal estariam discriminadas as referidas funções começando a esquerda pelo conjunto upstream planejamento estratégico pesquisa e desenvolvimento design engenharia de produtos e processos A parte mais baixa da curva corresponde as tarefas levadas a efeito nas próprias plantas industriais fabricação e montagem inclusive acabamento À direita encontramse atividades downstream tais como distribuição marketing gerência de marcas etc O gráfico 1 nos diz em suma que as funções de fabricação e montagem geram menor valor agregado por funcionário empregado54 Além disto é bom lembrar que aí residem os custos diretos de produção enquanto nas demais funções residem os overheads 53 Os dados foram elaborados por Carvalho Paulo Gonzaga a partir da metodologia desenvolvida em Made in Brazil Desafios Competitivos para a Indústria de Ferraz João Carlos Kupfer David e Haguenauer Lia Campus 1996 54 É óbvio que o valor agregado por operador na fabricação pode variar enormemente em função do grau de automação adotado pela empresa Convém também advertir que determinadas empresas se notabilizaram por transformar a fábrica em laboratório Neste tipo de empresa a fabricação inclui grande parte da inteligência nela exercida e não caberia supor que o valor agregado por funcionário de fábrica fosse inferior Um bom exemplo é a Chaparral Ver LeonardBarron Dorothy The Factory as a Learning Laboratory Sloan Management Review Fall 1992 pp 2338 390 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 Gráfico 1 Valor agregado por função empresarial Inspirado na Curva de Valor da Indústria presente em Bartlerr Christopher A e Ghostal Sumantra Going Global Lessons from Late Movers Harvard Business Review MarçoAbril de 2000 A ideia de que se optou no Brasil por privilegiar as atividades de fabricação e adjacências significa a luz do gráfico 1 que a escolha incidiu sobre funções fre quentemente tidas na atualidade como digamos menos nobres55 Farei no que segue algumas observações adicionais sobre a escolha aqui realizada e acrescenta rei umas poucas ponderações sobre as dificuldades embutidas neste tipo de opção Inicialmente caberia lembrar que as filiais de empresas estrangeiras caracte risticamente tendem a privilegiar especialmente nos países menos desenvolvidos o tipo de perfil com hipertrofia seletiva das funções manufatureiras aqui focali zado Esta é aliás uma das propriedades ressaltadas nos modelos de ciclo de produto É bem verdade que em casos relativamente bemsucedidos de industria lização por substituição de importações as filiais foram levadas a adaptar produtos e processos em alguma medida as peculiaridades dos mercados locais o que por vezes se fazia acompanhar de um certo grau de autonomia administrativa O novo paradigma tecnológico contudo parece tendente a limitar ainda mais este tipo de arranjo já tendo sido registrados casos de transferência de volta para as matrizes de atividades aqui referidas como nobres56 O que acaba de ser dito levanta uma questão aparentemente ainda em aberto Primeiramente porque têm ocorrido na prática deslocamentos de centros de pes quisa por exemplo para a Índia e é plausível supor a existência aqui de um 55 Esta questão foi levantada por Furtado João em La Transformation des Conditions d Insertion des Economies a Industrialization Tardive dans lEconomie Mondiale Tese de doutoramento Paris XIII 1997 56 A Philips do Brasil por exemplo decidiu em 1997 acabar com o desenvolvimento local de produtos Exame 2382000 391 Revista de Economia Política 21 3 2001 pp 369392 campo pouco explorado de negociações e políticas57 Além disso porque certos novos modelos de organização na lógica de rede articulada em volta da empresa líder formação de cadeias localizadas oferecem amplas possibilidades de recon figuração e adensamento do tecido industrial Voltemonos para as empresas domésticas É plausível pensar que a atrofia relativa das funções não manufatureiras seja especialmente no caso do Brasil uma herança da fase de substituição de importações E isso por uma dupla razão Primeiramente porque com a fome de manufaturas de uma economia protegida mas amplamente exposta ao efeito demonstração era possível usufruir rendas de escassez mediante plantasempresas produtoras de arti gos já então maduros nos centros desenvolvidos Além disso porque os projetos originais de que se partia para a obtenção de financiamento frente ao BNDE muito especialmente deviam enquadrarse nos critérios de um a tecnocracia imbu ída da convicção de que esta era uma economia vocacionada para o crescimento58 A partir desta visão especialmente nos anos 70 as próprias entidades governamen tais muitas vezes se encarregaram de aumentar as ambições dos candidatos a finan ciamento no tocante a escalas de produção e atualização tecnológica O período subsequente aqui referido como de hibernação teria também dado a sua contribuição ao exacerbar a tendência a diversificação produtiva como política de proteção dos lucros E quanto a recente fase de catch up produtivo é bom lembrar que jogar pre ferencialmente nas atividades fabris era o caminho direto para a absorção de novas técnicas Além disto e como já foi dito enquanto perdurasse a relativa escassez de produtos atualizados podiase daí derivar rendas de escassez importantes para compensar deficiências sistêmicas de variada natureza Por outro lado conter as demais funções significava poupar overheads e poder alcançar ceteris paribus bons retornos com menores margens Riscos e Sequelas Vejamos agora sumariamente por que a opção estratégica pela priorização das funções operacionais é uma senda na qual se podem divisar diversos obstáculos No que toca ao momento presente a sua contribuição para o medíocre desem penho das exportações já foi realçada cabendo apenas lembrar que numa econo mia que multiplicou as suas importações e tragou enormes quantidades de capitais esta seguramente não é uma dificuldade menor Deixando porém de lado a ques tão do balanço de pagamentos já convertida num dos eixos do debate sobre a economia brasileira focalizo no que segue outras questões que levam a crer que 57 Fleury Afonso e Fleury Maria Tereza Estratégias Empresariais e Formação de Competências capítulo 5 Editora Atlas SA 1999 58 Castro Antonio Barros de Renegade Development Rise and Demise of State Led Development in Brazil em Democracy Markets and Structural Reforms in Latin America Smith William Acuña Carlos e Gamarra Eduardo orgs Transaction Publishers 1993 392 Brazilian Journal of Political Economy 21 3 2001 pp 369392 o rumo tomado pela evolução das empresas fértil a curto prazo e microeconomi camente pode revelarse bastante vulnerável a médio prazo As fábricas estão se tornando mais transportáveis footloose e isso por si só torna mais vulneráveis os investimentos fundados em vantagens comparativas es táticas59 Isso certamente contribui para o acirramento da competição e a elimina ção dos lucros em investimentos montados sobre soluções banalizadas60 Visto por esse ângulo e em contraste com o passado as vitórias no campo industrial são hoje mais perecíveis Tornase assim recomendável distribuir as fontes de compe titividade por diversas funções corporativas quando mais não seja para aumentar a resiliência das empresas E sobretudo adquire maior relevância a luta pela cons trução de escassezes e obtenção das respectivas rendas Ao mesmo tempo está se ampliando e se radicalizando a experiência dos fa bricantes por contrato empresas sem rosto capazes de rodar durante o dia a produção de uma empresa e durante a noite a de seu concorrente Esse tipo de empresa pode apresentar sérias vantagens no que toca a escala simplificação de atividades burocráticoadministrativas utilização de capacidade e poder de barga nha frente a fornecedores Elas representam a bem dizer a especialização levada ao limite em fabricação Por isto mesmo podem trazer séria pressão competitiva para empresas que escolheram enfatizar operações como saída frente a uma con juntura crítica e atalho no esforço de convergência Verificase também mundialmente uma aceleração da produção de inovações e tem se tornado mais rápido e barato imitar Isto implica por um lado a redução da capacidade de reter vantagens baixa apropriabilidade por outro a necessidade da compra recorrente de soluções tecnológicas e licenças para uso de produtos Ainda quando isto possa em certos casos não constituir problema a sorte do ne gócio permanece na dependência de um fator sobre o qual não há controle a qualquer instante as fontes provedoras de novas soluções podem rever o seu posi cionamento com graves repercussões para o destino das empresas locais A estru tura das empresas começa por conseguinte a por em risco a estratégia relativa mente exitosa que tomou corpo na segunda metade dos anos 90 Em última análise essas ponderações apenas advertem para o fato de que o catch up como imitação que é pode ser facilmente imitado Se se pretende alcançar uma economia capaz de gerar bons lucros e pagar altos salários o posicionamento típico atual das empresas industriais tem que ser seriamente revisto 59 Fajnzylber Fernando Progresso Técnico Competitividade e Mudança Institucional Em Reis Velloso João Paulo dos A Nova Ordem Internacional e a Terceira Revolução Industrial Fórum Nacional Como Evitar uma Nova Década Perdida José Olympio 1992 60 Um portavoz da empresa gaúcha Azaléia resumiu a vulnerabilidade da opção predominantemente produtivista com um contundente argumento eficiência operacional hoje é pressuposto é como visto para entrar nos Estados Unidos Exame 24897