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Texto de pré-visualização
Coordenaciio editorial Jose Carlos de Castro Preparaciio de texto Lisabeth Bansi Giatti Capa foto de Eduardo Santaliestra Composiciio Linotipadora Expressa lMPRESSAO E ACABAMENTO Bartira GnWca B Editora Uda Cados de CatalogaCao na PublicaCao CIP Internacional Camara Brasileira do UwoS Brasil Saffioti Heleieth IB S134p 0 poder do macho Heleieth IB Saffioti Sao Paulo Moderna 1987 Coleao polemical Biblio grafia 1 Discriminaao 2 Discriminaao Brasil 3 Discriminaao contra mulheres 4 Machismo I Titu lo II Serie CDD3053 305 3050981 871714 30542 Indices para catalogo sistematico 1 Brasil Discriminaao Sociologia 3050981 2 Discriminaao Aspectos sociais 305 3 Discriminaao contra mulheres Sociologia 30542 4 Machismo sociologia 3053 5 Papeis sociais e sexo 3053 6 Sexo e papeis sociais 3053 ISBN 8516003647 Todos os d ireilos reservados EDITORA MODERNA LTDA Hul Padre Adelino 758 Belenzinho Sao Paulo SP Brasil CEP 03303904 Vendas e Atendimento Tel 011 60901500 Fax 011 60901501 WVrwmodernacombr 2001 Impressa no Brasil SUMARIO IntrodUlao 5 1 Papeis sociais atribufdos as diferentes categorias de sexo 8 2 A quem serve a relaao de dominacao da mulher pelo homem 21 3 A supremacia masculina na sociedade capitalista 41 4 Contradic6es da ideologia liberal 68 5 Uma estrategia de luta 86 6 Vale a pena lutar 98 Conclusao 111 Sugest6es de leitura 119 A doutrina materialista de que os seres humanos sao produtos das circunstancias e da educacao de q es humanos transfor mados sao portanto produtos de outras circunsta cias e de uma edu cacao mudada esquece que as circunstancias sao ransformadas pre cisamente pelos seres humanos e que 0 educador tern ele proprio de ser educado Ela acaba por isso necessariamente por separar a sociedade em duas partes uma das quais fica elevada acima da so ciedade A coincidencia do mudar das circunstancias e da atividade huma na so pode ser tomada e racionalmente entendida como praxis revo lucionante Marx e Engels Obras escolhidas Moscou Edic5es Pro gresso 1 1 Lisboa Edic5es Avante 1982 A Marcos Nogueira ser humano de primeira categoria com quem muito aprendi INTRODUCAO Embora eu esteja ha urn quarto de seculo estudando a tematica feminina nunca havia escrito para naoiniciados para aqueles que nao dominam a terminologia cientifica Quando a Editora Moderna me convidou para escrever urn livro para a Colecao Polemica senti aquela coceira gostosa provocada pela novi dade Todavia eu estava habituada a usar uma linguagem muito especifica rigorosamente cientffica conhecida em boa gfria brasileira por sociologues Seria capaz de abandonar a terminologia sociol6gica para trocar em miudos algumas amilises que havia realizado Muitos ai inclusos amigos meus opinaram que eu so sabia es crever sociologues Resolvi pois tomar estas afirmac5es como desa fios Mas nao foram elas os unicos fatores de meu empenho em traduzir para uma linguagem simples ideias que eu ja havia escrito em linguagem fechada hermetica sisuda Havia tambem 0 desafio e este me provocava ainda maior coceira de dialogar com jovens de lhes propor uma nova estrategia de luta de lhes oferecer elemen tos para a escolha de uma vida mais feliz Ademais 0 publico que Ie portugues e infinitamente maior do que aquele que Ie sociologues Pergunteime entao insistentemente se nao era chegado 0 momenta de tentar passar para este publico uma parte de minha experiencia Fizme esta pergunta enquanto edu cadora Na profissao de professora universitaria nao havia eu de sempenhado esta funao de explicar isto e de tomar simples e compreensiveis conceitos complexos que denominam fenomenos com plicados Nito procedo da mesma maneira quando faco conferencias para publicos pouco instruidos e ate mesmo analfabetos Nada jus tificava portanto que eu deixasse de tentar a feitura deste pequeno Uvro Assim lanceime a Iuta e dela lhes apresento agora 0 fruto Cabeni a voces julgarIhe 0 gosto De minha parte confesso que a experiencia me ensinou muito e me causou enorme prazer Por vezes tinha a impressao de estar diante de voces em pessoa batendo papo Esperoque sintam 0 5 mesmo Mas se assim nao ocorrer isto significa que ainda devo aprender muito para me comunicar com este publico Embora eu seja bern mais velha que os meus leitores estarei disposta a comear de novo tentando outro metodo de abordagem Se este for 0 caso quem sabe urn dia chegarei lao Este pequeno livro destinase a todo e qualquer jovem disposto a conhecer urn pouquinho sobre fenomenos crueis como a discrimi nayao contra a mulher e contra 0 negro na sociedade brasileira Mui tos dos fatos aqui abordados nao sao exclusivos deste pais Lamenta velmente apresentamse com maior ou menor intensidade em todas as partes do mundo Sempre que 0 espayo ermitiu referencias a outras na6es foram feitas 0 objetivo fundam ntal desta obra po rem consiste em levar 0 jovem a conhecer melh r seu proprio pais o nosso pais Obviamente 0 Brasil nao esta isolado do resto do mun do E isto tern tanta importancia que sempre que possivel se pro curou mostrar como cada nacao danca a musica tocada no cenario internacional E por falar em musica voces perceberao atraves das letras das musicas populares brasileiras que utilizei como estes fenomenos com plicados sobre os quais escrevem sociologos cientistas politicos an tropologos estao presentes na vida cotidiana de cada urn Se assim nao fora 0 poeta 0 musico 0 artista nao os teriam posta em versos em telas em filmes Quantas lic6es nao se podem tirar de uma ida ao cinema da atividade de ouvir musica de visitar museus Basta estar atento e dispor de alguns instrumentos de analise para ir fundo no processo de esquadrinhamento desta nossa realidade social tao injusta iniqua hipocrita Minha intenao ao escrever este livro foi introduzilos neste tipo de ObSfrVaaO de raciocfnio de analise Genericamente falando os homens nao se interessam pela tematica feminina Voces ja se per guntaram sobre 0 porque desta indiferena De urn lado muita gente trabalhou bastante para por na cabea dos rapazes que este assunto diz respeito exclusivamente as mulheres De outro os rapazes foram alvo da macia propaganda que rotula todo e qualquer feminismo atraves da conotaao pejorativa do feminismo radical No entanto a razao mais importante do desinteresse dos homens pela problematica feminina reside no fato de que em geral nao se Ihes mostra a face oculta do privilegio do macho E por que nao 0 fazem Ora no momenta em que 0 homem entender que tambem ele e prejudicado pelas discrimina6es praticadas contra as mulheres a supremacia masculina estara ameacada E com ela estarao tambem ameaados 0 duplo padrao de moral que alimenta a familia burguesa a propria familia 0 dominio dos poderosos 0 mesmo pode ser dito com relaao a discriminacao contra negros Houve epoca em que as estudiosas da problemitica feminina nao constituiam nenhuma ameaa Tratavase segundo a opiniao geral de urn assunto secundario que so interessava aquelas feministas tidas e havidas como malamadas Contudo a medida que se foram produ zindo estudos serios sobre 0 assunto este foi deixando de ser inofen sivo e foi passando a ser subversivo Por que 0 tratamento dispensado ao tema neste livro e subver sivo Porque nao aceita mitos nem hipocrisias nem desumanizaao de homens e mulheres subverte a ordem estabelecida questionaa transformaa E isto e claro nao ocorre apenas no livro acontece no diaadia de cada urn nas lutas coletivas nos movimentos po liticos o que fao basicamente neste livro e sugerir a todos os jovens moas e rapazes urn novo caminho conducente a uma socie dade menos injusta menos iniqua menos castradora Embora este caminho possa nao ser 0 melhor nem mesmo 0 unico para a cons truao de rela6es igualitarias de genero isto e entre homens e mu Iheres e interraciais ou seja entre representantes de diferentes raas sem duvida e muito superior aos modelos que gera6es sucessivas vern repetindo ao longo da historia Desta sorte a sugestao do cami nho esta feita A maneira de trilhalo constituira tarefa de cada urn 6 7 I PAPEIS SOCIAlS ATRIBUfDOS AS DIFERENTES CATEGORIAS DE SEXO Introduao Nao e dificil observar que homens e mulheres nab ocupam posi foes iguais na sociedade brasileira Embora este fenomeno nao seja exclusivo do Brasil e sobre esta naCao fundamentalmente que inci dira a analise aqui desenvolvida A identidade social da mulher assim como a do homem e cons truida atraves da atribuicao de distintos papeis que a sociedade es pera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo A sociedade delimita com bastante precisao os campos em que pode operar a mulher da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar 0 homem A socializaao dos filhos por exemplo constitui tarefa tradicio nalmente atribuida as mulheres Mesmo quando a mulher desempe nha uma funcao remunerada fora do lar continua a ser responsabili zada pela tarefa de preparar as geraoes mais jovens para a vida adulta A sociedade permite a mulher que delegue esta funcao a outra pessoa da familia ou a outrem expressamente assalariado para este fim Todavia esta permissao so se legitima verdadeiramente quan do a mulher precisa ganhar seu proprio sustento e 0 dos filhos ou ainda complementar 0 salario do marido Apenas nas classes dominantes a delegaCao desta tarefa de socia lizacao dos filhos nao necessita de legitimaao da necessidade de trabalhar Este tipo de mulher pode desfrutar de vida ociosa pelo menos no que tange ao trabalho manual que a educacao dos filhos exige Contudo esta mulher nao esta isenta de orientar seus rebentos assim como de supervisionar 0 trabalho de servicais contratados em geral tambem mulheres para 0 desempenho desta funcao Notase claramente que a vida de mulher varia segundo a classe social dos elementos do sexo feminino Se a operaria gastaduas horas por dia no transito mais oito na fabrica e quatro nos servicos do mesticos a burguesa dispoe de servicais que executam os trabalhos uomesticos em sua residencia No seio das classes medias e grande a uiferenciacao Nestas classes dada a enorme variaao de renda que comportam encontramse desde mulheres donasdecasa que se dedi cam exclusivamente aos cuidados da residencia do marido e dos fi Ihos ate aquelas que trabalham fora Dentre estas ultimas tambem ha gigantescas diferencas Ha secretarias cujo irrisorio salario nao Ihes permite contratar nenhum tipo de auxiliar para a execucao dos servicos domesticos Outras trabalhadoras em virtude de seu nivel de renda so podem contratar empregadas em tempo parcial ou faxi neiras Outras ainda por receberem urn salario mais alto contratam servicais para desempenharem em seu lar os trabalhos que lhes cor respondem enquanto mulheres Nao obstante todas estas diferenas que tornam a vida de mu lher mais ou ltlenOS dificil a responsabilidade ultima pela casa e pe los filhos e imputada ao elemento feminino Tornase pois clara a atribuiao por parte da sociedade do espaco domestico a mulher Trabalhando em troca de urn salario ou nao na fabrica no escritorio na escola no comercio ou a domicilio como e 0 caso de muitas mulheres que costuram fazem croche trico doces e salgados a mu Iher e socialmente responsavel pela manutencao da ordem na residen cia e pe1a criacaoe educaao dos filhos Assim por maiores que se jam as diferencas de renda encontradas no seio do contingente femi nino permanece esta identidade basica entre todas as mulheres A sociedade inyeste muito na naturaliza9iio deste processo Isto e tenta fazer crer que a atribuiao do espaco domestico a mulher decorre de sua capacidade de ser mae De acordo com este pensa mento e natural que a mulher se dedique aos afazeres domesticos ai compreendida a socializaao dos filhos como e natural sua capa cidade de conceber e dar a luz Todavia ha sociedades nas quais a mulher nao interrompe suas atividades extralar inclusive a funao da calia quando tern urn filho Ha tribos indigenas brasileiras cujas mulheres em seguida ao parto banhamse nas aguas de urn rio e retomam imediatamente sua labuta Nestas tribos cabe ao pai fazer repouso e observar uma dieta ali mentar especial Este costume chamase couvade Esta pratica revela que 0 proprio parto quase sempre entendido apenas enquanto funcao natural assume feicoes sociais diferentes no espao e no tempo Ou seja cada sociedade elabora distintos significados para 0 mesmo feno menu natural 8 9 Este sentido especifico de um fenomeno natural formulado de diferentes maneiras por distintas sociedades constitui sua dimensao social cultural ou sociocultural Este aspecto nao deve jamais ser es quecido uma vez que ser mulher ou ser homem nao e a mesma coisa numa sociedade catolica e numa sociedade muculmana par exemploE exatamente esta dimensao sociocultural que permite com preender a famosa frase de Simone de Beauvoir em a segundo sexo ninguem nasce mulher tornase mulher Rigorosamente os seres humanos nascem machos ou femeas E atraves da educacao que recebem que se tornamens e mulheres A identidade social e portanto socialmente constrda Se diferen temente das mulheres de certas tribos indigenas bras eiras a mulher moderna tern seus filhos geralmente em hospitaise bserva determi nadas proibic6es e porque a sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade Assim esta funcao natural sofreu uma elaboracao social como alias ocorre com todos os fenomenos natu rais Ate mesmo 0 metabolismo das pessoas e socialmente condicio nado Pessoas que nao foram habituadas a comer determinados ali mentos nao raro nao conseguem fazeIo quando se encontram em sociedades que adotaram este tipo de alimentacao Se porventura fo rem obrigadas a ingeriIos nao conseguem metabolizaIos dado 0 asco por eles provocado E proprio daespecie humana elaborar socialmente fenomenos naturais Por esta razao e tao dificil senao impossivel separar a natureza daquilo em que ela foi transformada pelos procesos socio culturais A natureza traz crescentemente a marca da intervencao hu mana sobretudo nas sociedades de tecnologia altamente sofisticada Ha portanto ao lange da historia uma humanizacao da natureza uma domesticacao da natureza por parte do ser humano Este pro cesso caracterizase como tudo na vida social pela contradicao Se por urn lado revela a capacidade humana de colocar a natureza a seu servico por outro interfere no ecossistema destruindo muitas vezes 0 equilibrio ecologico Ecologistas e associalXoes de ecologia vern insistentemente aler tando as autoridades para as conseqiiencias desastrosas de determina das intervencoes humanas na natureza E 0 caso por exemplo do desmatamento indiscriminado da poluicao dos rios por produtos qui micos que matam os peixes do uso de agrotoxicos em culturas ali mentares etc No momento atual dada a acao prolongada do ser humano so bre a natureza praticamente tudo que cerca as populacoes traz 0 carimbo sociocultural Nao basta entretanto conhecer a capacidade humana de transformar 0 reino natural E preciso atentar para 0 pro ccsso inverso que consiste em naturalizar processos socioculturais Quando se afirma que e natural que a mulher se ocupe do espao tlomestico deixando livre para 0 homem 0 espao publico estase rigorosamente naturalizando urn resultado da historia Dada a desvalorizacao social do espaco domestico os poderosos tern interesse em instaurar a crenca de que este papel sempre foi tlesempenhado por mulheres Para a solidificacao desta crenca nada melhor do que retirar desta atribuiao de papeis sua dimensao socio cultural Ao se afirmar que sempre e em todos os lugares as mulheres se ocuparam do espaco domestico eliminamse as diferenciacoes his toricas e ressaltamse os caracteristicos naturais destas funcoes Tais papeis passam a se inscrever na natureza feminina Desta forma a ideologia cumpre uma de suas mais importantes finalidades ou seja a de mascarar a realidade Como falar em uma natureza feminina ou em uma natureza masculina se a sociedade condi ciona inclusive 0 metabolismo das pessoas Diferentemente dos ou tros animais os seres humanos fazem historia Alem disso as gera coes mais velhas transmitem esta historia as geracoes mais jovens que partem de urn acervo acumulado de conhecimentos B preciso atentar porem para os diferentes significados da his t6ria Do ponto de vista das classes sociais podemse distinguir basi camente dois sentidos da historia 0 das classes dominantes e 0 das classes subalternas Do angulo das categorias de sexo as mulheres ainda que facam hist6ria tem constituido sua face oculta A hist6ria oficial pouco ou nada registra da aCao feminina no devenir hist6 rico Isto nao se passa apenas com mheres Ocorre com outras categorias sociais discriminadas como negros indios homossexuais Deste fato decorrem movimentos sociais visando ao resgate da me moria geralmente nao registrada destes contingentes humanos que atuando cotidianamente ajudarm e ou ajudam a fazer hist6ria E de extrema importancia compreender como a naturaliza9io dos processos socioculturais de discriminacao contra a mulher e ou tras categorias sociais constitui 0 caminho mais facil e curto para legitimar a superioridade dos homens assim como ados brancos ados heterossexuais ados ricos 10 11 A ffinferioridade da mulher Presumese que originariamente 0 homem tenha dominado a mulher pela fora ffsica Via de regra esta e maior nos elementos masculinos do que nos femininos Mas como se sabe ha exce6es a esta regra Variando a fora em funao da altura do peso da estrutura ossea da pessoa ha mulheres detentoras de maior fora ffsica que certos homens Em sociedades de tecnologia rudimentar Sdetentor de grande fora ffsica constitui inegavelmente uma vanta m Em sociedades onde as maquinas desempenham as fun6es mais rutas que reque rem grande fora a relativa incapacidade de levan ar pesos e realizar movimentos violentos nao impede qualquer ser umana de ganhar seu sustento assim como 0 de seus dependentes Rigorosamente pore tanto a menor fora ffsica da mulher em relaao ao homem nao deveria ser motivo de discriminaao Todavia recorrese com fre qiiencia a este tipo de argumento a fim de se justificarem as dis crimina6es praticadas contra as mulheres A fora desta ideologia da inferioridade da mulher e tao gran de que ate as mulheres que trabalham na enxada apresentando maior produtividade que os homens admitem sua fraqueza Estao de tal maneira imbuidas desta ideia de sua inferioridade que se assumem como seres inferiores aos homens o mero fato de a mulher deter em geral menos fora ffsica que 0 homem seria suficiente para decretar sua inferioridade Os fatos historicos indicam que nao Somente para ilustrar esta questao eVocase 0 fato de que em todos os momentos de engajamento de urn povo em uma guerra via de regra os homens sao destinados ao com bate enquanto as mulheres assumem as fun6es antes desempenhadas pelos elementos masculinos Por que sao elas capazes de trabalhar em qualquer atividade para substituir os homensguerreiros devendo retornar ao cuidado do lar uma vez cessadas as a6es belicas Ade mais nos ultimos anos vemse assistindo a uma participayao cres cente de mulheres em atividades belicas Contingentes femininos apreciaveis tern participado nao apenas de guerrilhas mas tambem tern assumido fun6es em exercitos convencionais A Nicaragua ilustra bern este fato Tendo participado da guer rilha que levou 0 atual regime ao poder em julho de 1979 muitas mulheres integram as tropas regulares daquele pais No exercito nicaragiiense nao ha mulheres somente nas patentes mais baixas 12 Muitas ostentam 0 titulo de comandante comandando efetivamente ropas formadas majoritariamente por homens Desta sorte ate na guerra a mulher provou sua capacidade La mentavelmente esta parece ser a atividade que trabalha mais veloz mente para minar a ideia de que a mulher e inferior ao homem lamentavel repitase que 0 ser humano no caso 0 homem so venha a reconhecer na mulher urn seu igual atraves da atividade guerreira quando ha milhares de outros setores de atuaao humana em que as mulheres se mostram capazes Do ponto de vista biologico 0 organismo feminino e muito mais diferenciado que 0 masculino estando ja provada sua maior resis tencia Tanto assim e que as mulheres estatisticamente falando vi vern mais que os homens A sobrevida feminina em relaao aos homens ja alcanou oito anos nos Estados Unidos estando entre cinco e seis no Brasil t bern verdade que it medida que se intro duzem fatores de risco tabagismo tensao nervosa provocada pela competiao no trabalho e ou pelo pesado trafego das grandes cida des pela duplicayao da jornada de trabalho no lar e fora dele as vantagens femininas ficam reduzidas Permanece porem a defesa natural organicamente oferecida pe los hormonios femininos contra por exemplo as doenas das coro narias causa numero urn dos obitos masculinos Esta proteao perdura ate a menopausa quando os ovarios deixam de produzir hormonios o que ocorre no intervalo entre os 45 e os 50 anos Como a incidencia de enfartos e muito maior antes dos 50 anos que posteriormente esta defesa hormonal representa uma notavel vantagem para a mulher em termos de longevidade Nao se trata contudo de desejar provar qualquer superioridade da mulher em relayao ao homem 0 argumento biologico so foi uti lizado a fim de mostrar a ausencia de fundamentaao cientffica da ideologia da inferioridade feminina Por outro lado este argumento serve tambem para revelar mais uma vez aelaboraao social de fe nomenos organicos portanto naturais Ademais a elaboraao ideo logica caminha em sentido oposto ao das evidencias organicas pois as tabuas de vida da maioria esmagadora dos paises mostram que as mulheres sao mais longevas que os homens Sao necessarios fatores muito especfficos para inverter esta ten dencia Exemplo disto esta em certas regioes da India onde as mu Iheres ao se casarem sao obrigadas a se mudar para a comunidade do marido devendo aprender uma nova cultura que via de regra agride profundamente condutas adquiridas na comunidade de origem 13 Como 0 casamento ocorre na fase adulta da vida os habitos anterior mente aprendidos pOl estas mulheres ja estao solidamente estrutura dos constituindo uma verdadeira violincia a obrigaao de esqueceIos e substituiIos pOl novos costumes tipicos da comunidade do marido Dados estatisticos revelam que mulheres sujeitas a este traumatismo tendem a viver menos que os homens Tratase porem de urn casu muito especifico pois a India comporta diferenciaoes culturais gi gantescas capazes de produzir profundos conflitos agravados pela existencia da familia patrilocal A patrilocalidade da familia definese pea obrigatoriedade de a mulher passar a integral a comunidade do mrido Se as diferencas culturais nao fossem tao pronunciadas naque1e pais certamente as dificuldades seriam menores podendo nao reper6urtiL negativamente na expectativa de vida das mulheres Na tentativa de inculcar nos seres humanos a ideologia da infe rioridade feminina recorrese freqiientemente ao argumento de que as mulheres sao menos inteligentes que os homens Ora a Ciencia ja mostrou suficientemente que a inteligencia constitui urn potencial ca paz de se desenvolver com maior ou menor intensidade dependendo do grau de estimulaao que recebe Dado 0 pequeno numero de esti mulos que recebem crianas que vivem em instituioes destinadas a recolher menores abandonados desenvolvem muito pouco esta poten cialidade a qual se convencionou chamar inteligencia Isto posto nao e dificil conc1uir sobre as maiores probabilidades de se desenvolver a inteligencia de uma pessoa que freqiienta muitos ambientes 0 que caracteriza a vida de homem em relaao a pessoas encerradas em casa durante grande parte do tempo especificidade da vida de mulher Alias 0 dito popular lugar de mulher e em casa e eloqiiente em termos de imposiao da ideologia dominante Em fi cando em casa todo ou quase todo 0 tempo a mulher tern menor numero de possibilidades de ser estimulada a desenvolver suas poten cialidades E dentre estas encontrase a inteligencia a argumento de que ha muito poucas mulheres dentre os grandes cientistas grandes artistas ate grandes cozinheiros tenta provar que tambem em termos de inteligencia a mulher e inferior ao homem Os portadores e divulgadores desta ideologia esquecemse de medir as oportunidades que foram oferecidas ou melhor negadas as mulhe res Ao se atribuir a elas a responsabilidade praticamente exclusiva pela prole e pela casa ja se lhes esta automaticamente reduzindo as probabilidades de desenvolvimento de outras potencialidades de que sao portadoras Desta forma a igualdade de oportunidades pressupoe a partilha de responsabilidades pOl homens e mulheres em qualquer campo de Iltividade ai incluso 0 espao domestico Nao se trata de ensinal os homens a auxiliarem a mulher no cuidado com os filhos e a casa pois sempre que a atividade de alguem se configurar como ajuda a Iesponsabilidadee do outro Tratase de partilhar a vida domestica nssim como 0 lazer e as atividades garantidoras do sustento da fami lia Nada mais injusto do que tentar disfarar a dominaao dos ho mens sobre as mulheres atraves da ajuda que os primeiros podem oferecer as ultimas Esta forma de raciocinar e exatamente igual aquela que consi dela 0 trabalho extralar da mulher como ajuda ao marido Na qualidade de mera ajudante a mulher se oferece urn salario me nor ainda que ela desempenhe as mesmas funoes que 0 homem A propria mulher admitindo seu trabalho taosomente como ajuda aeeita como natural urn salario inferior Podese pois detectar ainda uma vez 0 processo de naturali zarao de uma discriminacao exc1usivamente sociocultural A com preensao deste processo podera promover enormes avanos na cami nhada da conscientizacao quer de mulheres quer de homens a fim de que se possa desmistificar 0 pretenso carater natural das discri minacoes praticadas contra os elementos femininos Do exposto podese facilmente conc1uir que a inferioridade fe minina e eXclusivamente social E nao e senao pela igualdade social que se luta entre homens e mulheres entre brancos e naobrancos entre catolicos e naocatolicos entre conservadores e progressistas Afinal travamse cotidianamente lutas para fazer cumprir urn pre eeito ja consagrado na Constituiao brasileira Efetivamente desde a primeira Constituicao republicana de 24 de fevereiro de 1891 To dos sao iguais perante a lei 2 do artigo 72 Esta igualdade legal que passou a ser minuciosamente especificada a partir da Constituicao de 1934 assim consta da Constituicao vigente desde 17 de outubro de 1969 Todos sao iguais perante a lei sem distin cao de sexo raca trabalho credo religioso e conviccoes polfticas 10 do artigo 153 Estruturas de dominaao nao se transformam meramente atraves da legislacao Esta e importante na medida em que permite a qual quer cidadao prejudicado pelas praticas diseriminat6rias recorrer a justica Todavia enquanto perdurarem discriminaoes legitimadas pela ideologia dominante especialmente contra a mulher os proprios agen 14 15 tes da justi9a tenderao a interpretar as ocorrencias que devem julgar a luz do sistema de ideias justificador do presente estado de coisas o poder esta concentrado em maos masculinas hit milenios E os homens temem perder privilegios que asseguram sua supremacia sobre as mulheres o macho e 0 poder A sociedade nao esta dividida entre homen dominadores de urn lade e mulheres subordinadas de outro Ha hoens que dominam outros homens mulheres que dominam outras m lheres e mulheres que dominam homens Isto equivale a dizer que 0 atriarcado siste ma de relaoes sociais que garante a subordinaada mulher ao homem nao constitui 0 unico principio estruturador da sociedade brasileira A divisao da populaao em classes sociais profundamente desi guais quanto as oportunidades de vencer na vida representa outra fonte de dominaao considerada absolutamente legltima pelos pode rosos e por aqueles que se proclamam neutros 0 mesmo se passando com as diferenas raciais e ou etnicas 0 capitulo 3 incidira preci samente sobre a combinaao destes tres principios de estruturaao da sociedade brasileira De modo geral contudo a supremacia masculina perpassa to das as classes sociais estando tambem presente no campo da discri minaao racial Ainda que a supremacia dos ricos e brancos tome mais complexa a percepao da dominaao das mulheres pelos homens nao se pode negar que a ultima colocada na ordem das bicadas e uma mulher Na sociedade brasileira esta ultima posilao e ocupada por mulheres negras e pobres o poder do macho embora apresentando varias nuanas esta presente nas classes dominantes e nas subalternas nos contingentes populacionais brancos e naobrancos Uma mulher que em decorren cia de sua riqueza domina muitos homens e mulheres sujeitase ao jugo de urn homem seja seu pai ou seu companheiro Assim via de regra a mulher e subordinada ao homem Homens subjugados no reino do trabalho por uma ou mais mulheres detem poder junto a outras mulheres na relaao amorosa A situaao mais freqiiente no campo do trabalho e aquela que reune homens e mulheres sob 0 comando de homens A sujeiao fe minina e rnais profunda que a mascuIina 0 que pode ser averiguado atraves de varios aspectos Primeiro os patroes pagam menos as em pregadas mulheres mesmo quando elas desempenham as mesmas ta lefas que os homens Segundo com freqiiencia as mulheres sao sub metidas a testes vexat6rios visando a controlar sua vida reprodutiva Quando 0 teste revela gravidez a mulher e sumariamente despedida do emprego Isto nao ocorre somente nas empresas privadas 0 pr6prio poder publico embora em menor escala procede da mesma maneira Ter ceiro as trabalhadoras sao muitas vezes obrigadas a prestar servi90s de carater sexual ao patrao a Hm de preservar seu emprego Nao se pense que este procedimento e exclusivo de patroes que dominam operarias enfim mulheres de baixo grau de escolaridade Esta pre sente em todos os ambientes de trabalho inclusive na Universidade Nao se pense tampouco que esta conduta e tipica de paises subdesen volvidos Ela e freqiiente tambem em na90es altamente industriali zadas Ha poucos anos ocorreu urn rumoroso caso na Clark University nos Estados Unidos 0 chefe de urn departamento condicionou a per manencia de uma professora em seu emprego a sua concordancia em lhe prestar servigos sexuais A professora decidiu levar 0 caso a Jus ti9a Assim que a dem1ncia foi feita outras mulheres professoras e estudantes da Universidade encorajaramse a assumir a mesma pos tura pois tambem haviam sido vitimas das investidas do chefe Este foi condenado a pagar indeniza90es as suas vltimas Entretanto nao apenas nao perdeu seu emprego como tambem adquiriu nele a tao desejadaestabilidade A concessao da estabilidade em emprego universitario nos Esta dos Unidos resulta do julgamento de uma comissao constituida tam bern por professores Observese a solidariedade dos pares do pro fessor chefe de departamento Ha que registrar ainda que 0 profes sor habituado a abusar do poder era militante de esquerda Assim o poder do macho nao e exercido apenas no seio dos grupos conser vadores estando tambem presente no interior dos contingentes pro gressistas e ate mesmo radicais de esquerda E muito freqiiente que homens poderosos extravasem sellS dese jos para ulem dos Iimites do poder que 0 cargo lhes confere Po derosos no campo das relagoes de trabalho julgamse no direito de subjugar sexualmente mulheres que desempenham atividade remune rada sob seu comando Dispondo de urn fantastico instrumento de coagao a amea9a de demissao obtem nao raro exito em suas 16 17 tentativas de usar sexualmente mulheres que dependem do emprego do qual retiram sua subsistencia Do exposto se conclui que as rela6es homemmulher estao per meadas pelo poder Poder versus prazer Ouer quando 0 homem desfruta de uma posiao de poder no mundo do trabalho em relacao a mulher quer quando ocupa a po siao de marido companro namo91do cabeIhe segundo a ideo logia dominante a funao or Deve perseguir 0 objeto de seu desejo da mesma forma que 0 caador persegue 0 animal que deseja matar Para 0 poderoso macho importa em primeiro lugar seu proprio desejo Comportase pois como sujeito desejante em busca de sua presa Esta e 0 objeto de seu desejo Para 0 macho nao importa que a mulher objeto de seu desejo nao seja sujeito desejante Basta que ela consinta em ser usada enquanto objeto a caso extrema do uso do poder nas re1a6es homemmulher pode ser caracterizado pelo estupro Contrariando a vontade da mu lher 0 homem mantem com ela rela6es sexuais provando assim sua capacidade de submeter a outra parte ou seja aquela que se gundo a ideologia dominante nao tern direito de desejar nao tern direito de escolha Pode parecer extravagante recorrer ao estupro a fim de exem plificar 0 grau extrema de poder detido pelo homem em relaao a mulher Todavia e preciso ponderar que 1 hii milhares de estupros ocorrendo diariamente na sociedade brasileira grande parte dos quais de autoria dos proprios pais das vitimas 2 ha rela6es amorosas esttiveis legais ou consensuais no seio das quais 0 estupro e a norma Isto e dado 0 poder que a sociedade c6nfere ao homem julgase este com 0 direito de manter rela6es sexuais com sua companheira mesmo quando ela nao apresenta dispbsiao para tal Desta forma o estupro nao e representado apenas pelo tipo de relacao sexual es pecificado no Codigo Penal brasileiro Constranger mulher a con juncao carnal mediante violencia ou grave ameaca artigo 213 Ainda que a violencia e ou a grave ameaca existam com fre qiiencia nas uni6es eshiveis basta 0 poder do companheirq para vencer as resistencias da mulher Alias 0 direito do companheiro ao uso sexual da mulher inscrevese no capitulo do dever conjugal ou trora constante do Codigo Civil brasileiro e ainda muito presente na Idcologia que legitima 0 poder do macho Por dever conjugal enten dcse a obrigaao de a mulher prestar servicos sexuais ao compa Ilhciro quando por ele solicitada Percebese com muita facilidade II posicao de objeto do desejo masculino ocupada pela mulher Lamentavelmente inclusive para os proprios homens a sexua Iitiade masculina foi culturalmente genitalizada au seja 0 processo hist6rico conduziu 0 homem a concentrar sua sexualidade nos 6rgaos Rcnitais A maioria dos homens nem sequer sabe que seu corpo pos lui muitas outras zonas erogenas Ignoram portanto que podem des llUtar de muito prazer atraves da manipulacao de outras partes de lieu corpo Isto representa uma perda para eles da qual e impor tunte tomar consciencia a fim de poder combateIa Destl concentracao da sexualidade na genitalia deriva a expres Nilo falocracia falo penis ou seja 0 poder do macho Podese lumbem inverter 0 raciocinio e afirmar que a consolidacao da supre macia masculina ao longo de milenios de historia conduziu ao en tleusamento do penis anulando ou pelo menos reduzindo 0 prazer que 0 homem pode sentir em outras areas de seu corpo Desta sorte o homem paga um preco pelo poder de que desfruta Podese adentrar urn pouco mais 0 terreno do preco pago pelo homem para ocupar quase sempre posic6es de mando a poder e inegavelmente 0 polo oposto do prazer Como 0 homem detem poder nas suas relac6es com a mulher s6 ele pode ser sujeito do desejo Nao resta a ela senao a posicao de objeto do desejo masculino Assim o maximo de prazer alcancado pe10 homem nao passa de urn prazer solitario isto e urn prazer pela metade incompleto Ignorando 0 desejo ou carencia de desejo da mulher 0 homem e conduzido a realizar seu proprio desejo exclusivamente na ejaculaao Isto sig nifica uma reducao da sexualidade logo representa urn empobreci mento Tal empobrecimento nao se verifica apenas no terreno da sexua lidade Ter na companheira uma servial sempre disposta a prepa rarIhe as refeic6es a lavarIhe e passarIhe as roupas a buscarIhe os chinelos impede a troca a reciprocidade E e exatamente no dar e receber simulHineos que reside 0 prazer As relac6es homemmulher na medida em que estao permeadas pelo poder do macho negam enfaticamente 0 prazer Esta negacao do prazer embora atinja mais profundamente a mulher nao deixa de afetar 0 homem e necessario atentar para este fenomeno se de fato se deseja mudar a sociedade em uma direcao que inclua melhores condic6es de realizacao tanto de homens quanta de mulheres 19 18 A plenitude do prazer s6 pode ser alcanada quando nenhuma dimensao da personalidade do ser humane homem ou mulher e impedida de se desenvolver Por que nao permitir e mesmo esti mular 0 desenvolvimento da razao nas mulheres Por que nao in centivar 0 homem a nao reprimir a dimensao afetiva de sua perso nalidade Ambos seriam rnais completos e portanto mais capazes de sentir e dar prazer Das rela6es assimetricas desiguais entre homens e mulheres derivam prejuizos para ambos Basta observar atentamente 0 tipo mais eqliente de rela6es homemmulher para se chegar a esta conclusao 0abeentao perguntar a quem beneficia este estado de coisas ja que foras poderosas tentam de todos os modos impedir que nele se operem mudanas 20 2 A QUEM SERVE A RELAAO DE DOMINAAO DA MULHER PELO HOMEM Inlroduao Ja se registrou aqui a consciencia de que 0 fenomeno da subor dlnuyao da mulher ao homem atravessa todas as classes sociais sendo legitimada tambem por todas as grandes religi6es No plano das classes sociais a maioria esmagadora dos homens c constituida de trabalhadores que em troca de urn salario obede ccm as ordens de patr6es Estes constituem a minoria que detem puder economico A esta forma de poder associae quase sempre 0 poder politico Esta associaao permite a minoria impor regras de cOllduta a maioria E desta forma que os poderosos disciplinam e Clllltrolam a maodeobra assalariada cujo trabalho lhes garante aufe dl grandes lucros Numerosas reivindica6es das classes trabalhadoras denotam que o homem sabe que 0 dispendio de suas energias na atividade traba Iho e desproporcionalmente superior ao seu salario Ele sabe que lima parte daquilo que ele produz ao trabalhar vai diretamente para os bolsos do patrao Da consciencia de que os lucros sao exagerada mente altos derivam demandas de trabalhadores por salarios menos miseraveis e por outros beneficios tais como reduao do numero de horas semanais de trabalho auxiliotransporte comiss6es de fabrica dc as trabalhadores sabem que os lucros dos patr6es ainda permane cerao altos mesmo se as empresas atenderem a muitas das reivindi ca6es de seus empregados Por esta razao os sindicatos estao sem pre dispostos a levantar estas bandeiras e por elas lutar Cabe entao perguntar por que os sindicatos se mostram reti centes e hesitantes quando se trata de encampar bandeiras levanta das por trabalhadoras como por exemplo creches salario igual para trabalho igual cumprimento da legislaao trabalhista que proibe as empresas de despedir stlas empregadas em razao de casamento ou gravidez etc 21 Alem disso os sindicatos nao mostram muita simpatia pela par ticipacao de mulheres em suas atividades A maioria dos sindicatos coloca obstaculos a esta participacao sendo rarissimo encontrar uma mulher membro da diretoria de sua entidade de classe E infinitesimo o numero de sindicatos que incentivam a participacao feminina em suas atividades Nos raros casos em que este fenomeno ocorre tra tase em geral de sindicatos patronais Estaria isto indicando uma maior discriminaao contra a mulher trabalhadora do que contra a mulher rnais bern situada na escala de posic6es sociais Seriam os trabalhadores mais machistas que os patr6es Quest6es como estas devem ser respondidas a luz da complexi dade da sociedade moderna Em nenhuma classe social 0 homem abre mao espontaneamente de seus privilegios Nascamadas privile giadas contudo existe uma consciencia mais aguda da identidade dos interesses economicos entre homens e mulheres Ainda que 0 homem nao ofereca de mao beijada seus privilegios a participaao feminina em algumas atividades nao ameaca 0 interesse basico co mum da familia burguesa isto e ampliar sua propria riqueza Ja no seio das camadas trabalhadoras cuja luta pela sobrevi vencia e brutal e ainda muito incipiente esta ainda muito no inicio o processo de construcao da solidariedade Este processo e lento e dificil pois as classes dominantes nao perdem sequer uma oportuni dade de meter nele suas cunhas Atraves da ideologia machista que legitima a dominacao da mulher pelo homem as camadas patronais impedem ou pelo menos dificultam a uniao entre trabalhadores e trabalhadoras o trabalhador nao chega espontaneamente a consciencia de que paga urn alto preo pelo poder de mando que detern em relacao a mulher Nao e dificil mostrar uma parte deste preo Todo trabalha dor tern vinculos com mulheres mae esposa filha irma sobrinha enfim parentas consangtiineas ou afins Sempre que uma destas mu lheres receber salario inferior ao masculino meramente pelo fato de ser mulher os prejuizos estendemse a parte masculina do grupo familiar Figurese 0 casu de uma familia de quatro membros os con juges e urn casal de filhos Suponhase que todos trabalhem para a manutencao do grupo Como em media a trabalhadora brasileira ganha menos que a metade do que ganha 0 trabalhador esta familia hipotetica tern urn nivel de vida limitado por menos de tres salarios dois salarios integrais dos membros masculinos do grupo familiar aos qUills se deve somar menos de urn terceiro salario pois as duas tra hrllhllcloras juntas nao chegam a ganhar urn salario masculino inteiro IINO 0 principio de salario igual para trabalho igual consagrado 1111 Consolidaao das Leis do Trabalho CLT fosse observado na 11111 iea cotidiana a familia que esta servindo de ilustraao poderia illlIpliar seu consumo ate 0 limite de quatro salarios integrais Atraves de urn simples calculo aritmetico podese concluir que II lweler do macho no seio das classes trabalhadoras representa uma vII61ia da classe patronal e nao uma conquista do trabalhador Efe IlvlIl11ente os empregadores estao desembolsando no casu da familia 11lIIluua como exemplo menos de tres salarios quando deveriam pa 1111 1 quatro numa sociedade em que homens e mulheres fossem so 1111 Imente iguais Assim e claro 0 prejuizo que a supremacia masculina causa nao I1pcnas as mulheres mas tambem aos homens das classes ttabalha dlllus Mandar na mulher compensa tamanha perda financeira Nao e demais insistir que a consciencia destes fenomenos nao hlOla espontaneamente no seio das classes trabalhadoras Quem esta 11IIundo por urn lugar ao sol competindo por urn emprego que lhe KlIlunta a sobrevivencia assim como a de sua familia quem se sente llhligado a prover todas as necessidades do grupo familiar porque l HCU chefe nao tern olhos para a direcao em que correm os bene rkios deste estado de coisas Obviamente a classe patronal tern 0 Illuior interesse na existencia de categorias sociais discriminadas mu Ihcles negros homossexuais Quanto mais discriminada uma catego Iill social tanto mais facilmente ela se sujeitara a trabalhar em 1lI1iS condic6es e por baixos salarios Como atualmente as trabalhadoras brasileiras representam cerca de urn terco do total da maodeobra empregada em atividades eco lIlmicas podese calcular com que intensidade a discriminacao con Ilu a mulher faz engordar os patr6es Evidentemente estes ultimos IlIIbalham diuturnamente para alimentar 0 machismo nas classes su IJlIlternas E pois necessario mostrar aos integrantes destas ultimas homens e mulheres que a supremacia masculina beneficia aque Ics que detem as maiores parcelas de poder economico e politico Sem duvida 0 machismo do trabalhador voltase contra ele mes 1110 primeiro porque ele paga urn preo excessivamente alto para Illandar na mulher segundo porque a supremacia masculina impede au pelo menos dificulta 0 avanco das lutas das classes trabalhadoras Como a consciencia nao se forma espontaneamente e preciso que ela seja levada as classes trabalhadoras por aqueles que nao 23 22 participando direrarnenrduao de bens mareriais desfrutam de uma posiao a partir da qual e possivel chegar a esta analise Isto e uma posiao que permita a identificaao do adversario contra 0 qual lutar empregando armas adequadas A presena ativa do machismo compromete negativamente 0 re sultado das lutas pela democracia pois se alcana no maximo uma democracia pela metade Nesta democracia coxa ainda que 0 saldo negativo seja maior para as mulheres tambem os homens continuarao a ter sua personalidade amputada E vale a pena atentar para este fenomeno A castralY80 do homem o preo pago pelo homem para dominar a mulher extravasa largamente 0 terreno economico Para agir como 0 macho represen tado na ideologia dominante 0 homem deve aceitar ainda que in conscientemente sua propria castraao Para demonstrar esta verifi caao podemse tomar algumas dimens6es da vida o macho e considerado 0 provedor das necessidades da familia Ainda que sua mulher possa trabalhar remuneradamente contribuin do desta forma para 0 oramento domestico cabe ao homem ga nhar 0 maior salario a fim de se desincumbir de sua funao de chefe Logo quer seja 0 unico provedor das necessidades familiares quer seja 0 principal deles nao the e permitido fracassar A ideologia do minante imp6e ao homem a necessidade de ter exito economico in dependentemente do numero de empregos oferecidos pela economia nacional do grau de dependencia do Brasil em relaao as potencias altamente industrializadas da intensidade da intervenao do Fundo Monetario Internacional FM na politica economica brasileira Obviamente numa sociedade competitiva 0 exito de alguns pou cos constroise graas ao fracasso de muitos Assim 0 numero da queles que mal conseguem sobreviver e no Brasil muito superior a cifra dos que vivem bem Atraves da realizaao de uma ampla pesquisa publicada sob 0 titulo Brasil 2000 Para um novo pacta social Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 Helio Jaguaribe cientista politico carioca mostrou que 60 da populaao brasileira apresenta carencias de toda ordem inclusive niveis profundos de desnutriao Este fenomeno infelizmente nao e exclusivo do Brasil A mise ria existe em todas as sociedades divididas em classes sociais sejam phlH dcsenvolvidas ou subdesenvolvidas A especificidade do subde Ml11lvolvimento reside em graus mais profundos de pobreza em maio fIM dilerenas socioeconomicas entre as camadas sociais privilegiadas Ii os lrabalhadores pouco ou nada qualificados do ponto de vista 1lllllko na grande magnitude dos contingentes humanos vivendo em 11l11lIi6es de miseria absoluta Como 0 pais que mais interessa ana IIHIII uqui e 0 Brasil cabe ressaltar a gravidade da situaao atual em qlle seis brasileiros dentre dez vivem em condi6es de maior ou IIHmor precariedade Quando a vida e precaria para 60 de uma populaao a situaao do pais e mais do que grave e gravissima Como entao exigir de todos os homens que tenham sucesso no 1111 11 po economico Como imporIhes a necessidade de ganharem seu pnlprio sustento e 0 de toda a sua familia Como responsabilizaIos pdo seu fracasso Sem duvida e demasiadamente pesado 0 fardo 1I1llsculino de provedor do lar Quantos homens nao perdem 0 desejo Ill viver em face da impossibilidade de cumprir 0 destino que a so lledade lhes reserva Quantos nao se tornam alcoolatras ao cabo de 11111 longo periodo de buscas infrutiferas de emprego Quantos nao il lornam sexualmente impotentes pela impossibilidade de desempe IIhur sua funao de macho segundo reza a cartilha das classes do Illinantes Quantos nao se tornam violentos espancando mulher e IIlhos em virtude do desespero provocado pelo desemprego Mas ser macho nao significa somente ter exito economico Ao l11ucho estao sempre associados valores tais como fora razao cora jlcm Logo os raquiticos os afetivos os tfmidos sao solicitados im positivamente a se comportarem de forma contraria as suas inclina lCS Sao pois obrigados a castrarem certas qualidades por serem lslus consideradas femininas por conseguinte negativas para um ho 11ICI11 Para nao correr 0 risco de nao encarnar adequadamente 0 pa pel do macho 0 homem deve inibir sua sensibilidade Os artistas cuja sensibilidade e muito mais aguda que ados IIIOartistas correm sempre 0 risco de serem tomados como homos scxuais Quantos homens castraram 0 artista que poderiam ter sido com receio da marginalizaao destinada aos que nao cumprem rigo IOsamente os preceitos do macho o homem sera considerado macho na medida em que for capaz dc disfarr inibir sufocar seus sentimentos A educacao de urn ver dlldeiro macho inclui necessariamente a famosa ordem Homem com H maiusculo nao chora Quantos homens tiveram que engo Iii lagrimas diante da tristeza da angustia do luto em nome desta norma de conduta Pesquisas demonstraram que as glandulas lacri 25 24 mais de determinados homens chegam a atrofia em virtude do desuso Muldworf Bernard La femme a la recherche de sa personne La femme ala recherche dele meme ParisGenebra La Palatine 1965 Como urn televisor que quase nunca e usado estragase as glan dulas lacrimais de homens que nunca choram deixam de produzir 1ligrimas Observase pois que 0 processo de castra9aO do homem nao e apenas psicologico e tambem organico Visando a produzir a quantidade de mercadorias determinada pelos patr6es homens sao robotizados transformados em quasema quinas e portanto incapacitados para 0 desfrute do prazer Ha em presas que elevam ao maximo a capacidade de produzir de seus empregados atraves da tecnica do envolvimento Vao gradativamente envolvendo 0 trabalhador e sua familia de modo a levalos a viver a empresa Durante a semana 0 trabalhador e eventualmente tam bern sua mulher trabalham na empresa Seus filhos freqiientam a escola da empresa No fim de semana a familia passa seu tempo livre no clube da empresa As ferias sao gozadas na colonia de fe rias mantida pela empresa Para as esposas dos executivos a empresa oferece cursos visando obviamente a ensinaIas como se compor tarem enquanto esposas de executivos daquela empresa Ha empresas que oferecern cursos de planejamento familiar imiscuindose assim ate mesmo nas decis6es dos trabalhadores quanta ao numero de fi lhos que VaG ter Todas estas atividades implicam despesas Estariam as empresas que assim procedem dispostas a realizar dispendios de dinheiro por raz6es meramente humanitarias Nao seriam elas levadas a fazer estes gastos visando aos lucros que eles necessariamente trariam estando 0 trabalhador tao identificado com as metas por elas fi xadas o Japao ilustra bern este processo ironicamente chamado de humanizacao do trabalho Os trabalhadores japoneses so disp6em por lei de seis dias anuais de ferias A identificacao do trabalhador com os objetivos da empresa e uma questao excelentemente traba lhada pela ideologia dominante Em nome desta identificacao mui tas vezes 0 trabalhador deixa de gozar suas reduzidas ferias a fim de nao prejudicar as metas da empresa Gracas a este fenomeno o Japao consegue produzir desde maquinas fotograficas ate automo veis por pre90 inferior ao norteamericano tendo conquistado uma fatia apreciavel do mereado consumidor dos Estados Unidos Por outro lado a quem aproveita 0 alto nivel de vida dos japoneses se a maioria da popula9ao nao faz outra coisa senao trabalhar Como encontrar tempo para desfrutar dos beneffcios proporcionados pclos equipamentos que produzem Nao e de estranhar que 0 Japao e 0 pais que mais conseguiu dcsenvolver e com requintes 0 turismo sexual Tratase de viagens de fins de semana destinadas exclusivamente ao exercfcio da sexua Iidade Mas de que sexualidade se trata Nao se trata evidentemen Ie da sexualidade que pode ser exercitada por pessoas calmas habi luadas ao desfrute do prazer Ao contnlrio dado 0 alto grau de competicao desenvolvido entre os japoneses as pessoas chegam ao fim de semana excessivamente tensas Assim 0 sexo passa a funcio nar como descarga de tens6es que se acumularam durante os dias rneses e anos de trabalho Exercitase a sexualidade com dia e hora rnarcados como manda a industria do sexo Embora ainda bastante distante do modele japones 0 Brasil ca minha a passos largos na mesma dire9ao As casas de massagem relaxamento sauna destinadas a homens de altas rendas propiciam a mecaniza9ao do exercfcio da sexualidade Tambem aqui para cer las faixas de renda a industria do sexo funciona como a valvula de escape para a tensao nervosa que a competicao e 0 excesso de trabalho geram Mencioriase este fenomeno com rnais enfase por que ele parece mais difundido que 0 usa de drogas pesadas como a cocaina para potenciar a capacidade de trabalho sobretudo de executivos que desejam veneer na vida 0 mais rapidamente possi vel Todavia tambem este fenorneno parece estar assumindo propor c6es preocupantes Nao parece justo ao discorrerse sobre as discriminafoes prati cadas contra as mulheres esquecer os homens Como no processo de reproducao biologica tambem no da reproducao social homens e mulheres sao seres complementares Numa sociedade em que as priiticas cotidianas mutilam varias dimensoes da personalidade fe minina existem tambem condutas impostas aos homens que limi tam extraordinariamente seu desenvolvimento Em outros termos a mulheres mutiladas correspondem necessariamente homens mutila dos E exatamente por isso que a luta das mulheres nao diz respeito apenas a elas mas tambem aos homens Seria impensavel pretender mudar comportamentos femininos sem redefinir os papeis masculi nos Mas para que a luta por uma redefinicao dos papeis de ambos seja travada adequadamente e alcance resultados positivos e preciso que se conhecam pelo menos as discriminacoes fundamentais de que e alvo com freqiiencia a mulher 26 27 I A castraao da mulher Costumase explicar a posicao social subalterna da mulher bra sileira atraves principalmente de dois fatores 0 primeiro diz res peito ao subdesenvolvimento economico do Brasil Ouvese freqiien temente que a igualdade social entre as categorias de sexo vini espontaneamente com 0 desenvolvimento economico Esta maneira de pensar e profundamente enganosa por duas razoes Vma delas aponta para 0 fato de que nada na vida social ocorre espontanea ou auto maticamente E preciso lutar para promover mudancas A outra razao e a preservacao da inferioridade social da mulher nos paises capita listas altamente industrializados Se 0 raciocinio fosse correto deveria haver igualdade social entre homens e mulheres nos Estados Unidos pais mais desenvolvido do mundo capitalista Entretanto as norteamericanas sofrem toda sorte de discriminacoes desde salarios muito inferiores aos masculinos di ficuldades para fazer carreira falta de equipamentos de usa coletivo como creches ate a vioIencia mais atroz por parte dos homens Por conseguinte nao e valido responsabilizar 0 subdesenvolvi mento pela condicao inferior da mulher Os que agem desta maneira ou nao compreendem bem 0 processo hist6rico ou tentam proposi tadamente desviar deste problema a atencao das pessoas Outro fator freqiientemente lembrado para explicar a inferiori dade social da mulher concerne aos preconceitos milenares transmi tidos atraves da educacao formal e informal as geracoes mais jo Yens Nao ha duvida de que existem preconceitos contra a mulher Talvez nao seja demais deterse um pouco sobre a ideia de pre conceito Decompondose a palavra chegase a preconceito isto e uma ideia do fenomeno anterior ao conceito Ora 0 conceito e fruto de um processo de analise e de sfntese atraves do qual se disseca 0 fenomeno na tentativa de compreendeIo e darIhe um nome que q contenh a qualidade e 0 grau desta compreensao Enquanto 0 con ceito pressUpoe a utilizaao de um instrumental te6rico que permita o entendimento do fenomeno 0 preconceito nasce do jogo de in teresses presente na vida social da defesa de privilegios da corre lacao de forcas politicosociaisE portanto naocientffico veiculando ideias falsas ilegftimas discriminat6rias que exatamente por apre sentarem tais caracterfsticos preservam posicoes de mando e tambem e 6bvio seus ocupantes 28 Desta sorte quando se diz que negro e sujo estase lidando lom urn preconceito pois nenhuma pesquisa demonstrou que 0 grau Ill sujeira do negro e maior que 0 dos brancos Tambem se esta no ltmuno do preconceito quando se diz que a mulher e mais fraca ou lIIunos inteligente que 0 homem Objetivamente nada ha que prove l1N1IIS afirmacoesMas como elas sao uteis aos poderosos Em pri IIIcilo lugar elas sao uteis porque impedem ou pelo menos dificul 111111 a entrada de negros e mulheres em certos mercados e ambientes quc os machos brancos desejam conservar como espacos de sua pro plicdade uma vez que foram por eles culturalmente apropriados Em Nlgundo lugar estes preconceitos sao uteis porque acabam atuando wmo profecia autorealizadora Ou seja negros e mulheres assim wmo todas as categorias sociais discriminadas de tanto ouvirem que NilO inferiores aos brancos e aos homens passam a acreditar em sua propria inferioridade Assim tornase bern claro 0 processo de construciio social da illferioridade 0 processo correlato e 0 da construciio social da su erioridade Da mesma forma como nao hci ricos sem pobres nao hCt superiores sem inferiores Logo a construciio social da suprema cia masculina exige a construciio social da subordinaciio feminina Mulher d6cil e a contrapartida de homem macho Mulher ragil e a contraparte de macho forte Mulher emotiva e a outra metade de homem racional Mulher inferior e a outra face da moeda do macho superior Ficou claro por que nao se pode escrever urn livro sobre a mulher deixando de lado 0 homem Da mesma maneira seria im possivel escrever sobre 0 homem sem mencionar a mulher Se cada 11m destes seres situase socialmente em diferentes p6los da relaCao de dominacaoexploracao nao se pode abordar urn esquecendo 0 outro E a relacao que importa na analise dos fenomenos sociais E esta relacao quer quando se examinam as categorias de sexo quer quando se analisa a convivencia de distintas racas no Brasil e em muitos outros paises caracterizase como uma relaciio de dominaCiio exploraciio muito facil encontrar pessoas que nao negam a existencia de preconceitos contra a mulher contra 0 negro contra 0 homossexual Mas seria suficiente saber que estes preconceitos permeiam as atitu des de quase todos homens e mulheres brancos e negros heterosse xuais e homossexuais Como a intencao basica deste livro e questio nar prop6ese que 0 leitor nao pare sua busca quando encontrar 0 29 preconceito Nao vale a pena perguntar 0 porque de sua sobreviven cia numa sociedade em que as mulheres e negros ja deram suficientes provas de capacidade em todos os campos da atividade humana A manuten9ao dos referidos preconceitos interessa aqueles que pagam salarios irris6rios a negros e mulheres 0 salario e ainda me nor quando se trata de mulher negra que os submetem a condi5es subumanas de trabalho que se negam a assinar a carteira de tra balho de seus empregados negros eempregadas a Hm de nao pagarem encargos trabalhistas Naa e por acaso que tais preconceitos sao nutridos alimentados cotidianamente pelos meios de comunicaao de massa cujo controle e detido pelos poderosos A televisao exibe programas em que negros dominam e explo ram brancos Obviamente nao pois isto seria subverter a ordem natural das coisas Nao sao em geral negros os que carregam as malas dos brancos Nao sao via de regra negros os que engraxam os sapatos dos brancos Basta observar e tersea a prova da diuturna inculca9aO na cabeca de brancos e tambem de negros da inferioridade do negro Fenomeno semelhante ocorre com a mulher Qual e a imagem da mulher nos meios de comunicaao de massa Tomese pOl exem plo a figura da mulher que anuncia produtos na televisao A mulher encarna ou a figura da donadecasa fazendo publicidade de produtos de limpeza alimentos adomos ou a figura da mulher objeto sexual anunciando perfumes roupas e j6ias destinados a excitar os homens Em qualquer dos casos 0 da donadecasa e 0 da mulher objeto sexual a mulher esta obedecendo aos padr6es estabelecidos pela sociedade brasileira Ela pode ser a esposa legal a namorada oficial ou pode ser a Dutra aquela que proporciona prazer ao homem mas a quem e negado 0 direito de ser a mae dos filhos deste homem Aparentemente estes dois modelos ou arquetipos de mulher sao opostos Na verdade existem diferencas entre eles Todavia 0 mais importante e mostrar sua identidade basica esposa legal ou a outra a mulher e sempre escolhida nao escolhe Se ao espirito arguto de cientistas sociais feministas nao escapa esta identidade fundamental tampouco ao verdadeiro poeta ela foge A titulo de ilustracao tomese 0 poema que constitui a letra da mu sica Uma e outras de Chico Buarque de Hollanda de 1969 Vale a pena transcrevela a fim de mostrar que as pessoas sensiveis homens ou mulheres registram cada qual a seu modo este tao importante fenomeno Se uma nunca tern sorriso B pra melhor se reservar E diz que espera 0 paraiso E a hora de desabafar A vidae feita de urn rosario Que custa tanto a se acabar Por isso as vezes ela para E senta urn pouco pni chorar Que dia Nossa Pra que tanta conta Ja perdi a conta de tanto rezar Se a outra nao tern paraiso Nao da muita importancia nao Pois ja forjou 0 seu sorriso E fez do mesmo profissao A vida e sempre aquela dana Onde nao se escolhe 0 par Por isso as vezes ela cansa E senta urn pouco pra choral Que dia Puxa Que vida danada E tanta calcada pra se caminhar Mas toda santa madrugada Quando uma ja sonhou com Deus E a outra triste namorada Coitada ja deitou com os seus o acaso faz com que essas duas Que a sorte sempre separou Se cruzem pela mesma rua OIhandose com a mesma dor Que dia Cruzes Que vida comprida Pra que tanta vida pra gente desanimar Nao e bonito verificar que gente tao diferente nas aparencias faz a mesma descoberta Poeta cientista social ser humane anonimo sensfvel e observador acabam botando 0 dedo na ferida destino de mulher e ser infeliz Foi assim que a sociedade determinou Nao quer dizer isto a tao popular expressao ser mae e padecer num paraiso 30 31 A outra nao e tida e havida como maquina de proporcionar pra zer sem desfrutar de nenhuma vantagem social Somadas as vanta gens e desvantagens chegase a zero ou seja uma e outra sao igualmente infelizes Por que Exatamente porque sao iguais entre si e diferentes do homem socialmente falando Ambas submetemse ao dominic masculino Alem disso rejeitamse mutuamente nao sao so lidarias na desmistificaao deste duplo padrao moral melhor seria chamaIo de imoral que constitui 0 baluarte da falocracia A conclusao 6bvia nao e nada mais nada menos que a seguinte enquanto santas e prostitutas continuarem a representar os pa peis que a hip6crita sociedade burguesa lhes atribui 0 status quo 0 estado de coisas presente encontrara suporte para se manter intacto inc6lume intocavel No Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels solicitaram Proletarios de todo 0 mundo univos 0 corolario feminista pode ria ser Santas e prostitutas de todo 0 mundo univos Alguem duvida de que seria benefico a homens e mulheres portanto a so ciedade como urn todo transformar todos os seres humanos mas culinos e femininos em seres socialmente iguais destruindo as irrelevantes diferenas entre uma e outra Seguramente a construfiio social da igualdade social entre ho mens e mulheres conduziria a felicidade das mulheres e dos homens E nao e esta a grande aspiraao de homens e mulheres Entao por que nao tentar esta via embora a luta seja ardua dura longa se ela pode conduzir a humanidade a rela6es de troca de reciprocidade en fim de amor Quem tentar desfrutara Basta comear com coragem e convicao Havera trope6es tombos recaidas mas a luz continuara acesa no fundo do tuneI Por conseguinte vale a pena tentar sobre tudo para aqueles que sao jovens que ainda nao viveram sequer urn quarto de suas vidas Como se pode afirmar repetindo Chico Buarque de Hollanda Que vida comprida Pra que tanta vida pra gente desanimar tambem se pode dizer Que born que a vida e compriiiiiida Pois para aprenderpraticar dela se precisa A vida nunca sera longa demais Para destruir os arquetipos que tornam homens e mulheres so cialmente desiguais Cabe registrar a bern da verdade que nao sao apenas os ho mens e mulheres anonimos ou poderosos mas sempre preconceituo sos que constroem e nutrem estas rela6es assimetricas desiguais injustas A propria ciencia com c minusculo e sobretudo 0 usa que dela se faz trazem a marca desta manipulaaodas mulheres ucste processo de nutrir cotidianamente os preconceitos que permitem lima maior dominaaoexploraao dos elementos femininos Tomese por exemplo a Psicanalise nao merece p minusculo Ileudiana dogmatica que considera como caracteristicos femininos certos traos de personalidade apresentados por mulheres bern posi cionadas na sociedade austriaca nas primeiras decadas do corrente seculo Esta neste caso 0 conceito de mulher passiva por oposiao a homem ativo Ainda que na sociedade contemporanea a mulher te nha demonstrado ser profundamente ativa a concepao de mulher passiva continua a ser amplamente utilizada inclusive pela ciencia com c minusculo Mesmo quando a ciencia parece ser mais justa com as mulheres seus conceitos sofrem manipula6es cujas conseqiiencias sao irrefu tavelmente discrimina6es contra os seres femininos A titulo de ilustraao e para permanecer no terreno da Psicanalise lembrese que Freud formulou dentre outros dois conceitos importantes a inveja do penis e a inveja da maternidade Segundo este autor a capacidade feminina de conceber e dar a luz provoca inveja no homem cuja participaao no ate da reproduao e efemera fugaz e ate epis6dica Por outro lado segundo 0 mesmo autor a mulher e urn ser incom pleto na medida em que nao possui penis sentindo inveja do ho mem que 0 tem Sobre esta tematica ha duas interpreta6es 1 de carater biol6gico isto e a mulher falta urn pedao de corpo que possibilita urinar mais longe com maior fora maior al cance maior pujana 2 de carater social ou seja 0 penis representa 0 poder desfru tado socialmente pelo macho a falocracia a supremacia masculina Qualquer que seja a interpretaao e certamente a obra de Freud engloba as duas a mulher sente inveja do penis do mesmo modo como 0 homem sente inveja da maternidade Nao ha nenhuma ra zao para que se considere urn conceito mais importante que 0 outro Entretanto quase nunca se Ie ou se ouve sobre 0 conceito de inveja da maternidade sendo constantes as alus6es os comentarios e abor dagens do conceito de inveja do penis As Ciencias Sociais em geral tendem a ignorar a acao feminina no fazer histaria A maioria esmagadora das pesquisas lida com dados coletados junto a homens Procuramse homens para informar sobre aquilo que 0 cientista deseja saber sobre a realidade social Rara mente os cientistas procuram ouvir mulheres Este fato tern no mi 33 32 nimo duas consequencias negativas Vma delas e negativa para a propria ciencia que trabalhando apenas com informantes masculinos deixa de lado informac6es preciosas passiveis de serem fornecidas por mulheres a partir de suas vivencias Assim a ciencia centrada no homem e no minimo uma ciencia coxa manca pela metade A outra consequencia diz respeito ao naoregistro da atuacao das mu Iheres no fazer histaria A necessidade de resgatar esta participacao conduziu muitas mulheres a realizarem pesquisas sobre a contribuicao feminina na producao material e simbolica de muitas sociedades Geralmente a mulher e associada a valores considerados nega tivos tais como emocao fragilidade resignacao Tais valores con tern ideias como a mulher e incapaz de usar a razao nao e capaz de lutar contra ocorrencias adversas ja que se conforma com tudo e insegura Estes caracterfsticos sao apresentados como inerentes a mulher isto e como algo que a mulher traz desde 0 nascimento Na verdade estes tracos de personalidade sao adquiridos ao longo do processo de socializacao As proprias mulheres acabam acredi tando que sao menos capazes de fazer ciencia que os homens uma vez que nao sabem usar a razao Acabam por desenvolver despro porcionalmente a dimensao afetiva de sua personalidade em prejuizo do aspecto racional Logo nao sentem via de regra confianca em si mesmas 0 que as impede de lutar mais vigorosamente para mudar a situacao A ideologia machista que considera 0 homem urn ser superior a mulher nao entra apenas na cabeca dos homens Tambem as mulheres majoritariamente acreditam nestas ideias e as transmi tern aos filhos Quando proibem os filhos de chorar alegando que homem nao chora e exigem que as filhas se sentem como moci nhas estao passando aos mais jovens este sistema de ideias que privilegia 0 homem em prejuizo da mulher Contudo nao seria justo responsabilizar exclusivamente a mu Iher pela perpetuacao da supremacia masculina as homens via de regra omitemse na educacao dos filhos A omissao e tambem uma posicao e tambem urn compromisso Logo ambos os genitores sao responsaveis pelos valores inculcados nos filhos Nao raro os homens transmitem a suas filhas urn padrao de moral dupla sao extrema mente liberais com os filhos e rigorosamente moralistas com as filhas Ademais muitos mantern relac6es extraconjugais estaveis ao mesmo tempo em que exigem castidade das filhas Ao alimentarem assim os dois modelos de mulher a santa e a prostituta trabalham a favor da conservacao doestado de coisas que inferioriza socialmente os seres femininos A expressao ser mae e padecer num paraiso revela bern a alta dose de masoquismo chamase de masoquista a pessoa que gosta de sofrer contida na educacao da mulher Mulher gosta de apanhar C outro dito popular que demonstra ser a mulher masoquista Nao se pode no entanto perder de vista que a mulher assim como 0 homem sao frutosde uma certa sociedade Mais do que isto como as pessoas nao sao iguais socialmente ha ao lado de semelhancas profundas diferencas entre mulheres das classes trabalhadoras das classes medias e das classes dominantes De maneira geral porem a educacao feminina contem uma boa dose de vitimizacao Isto e a mulher e muito mais que 0 homem socializada para encarnar 0 pa pel de vitima Este componente masoquista da educacao feminina castra pela base as possibilidades de a mulher sentir prazer A resignacao ingrediente importante da educacao feminina nao significa senao a aceitacao do sofrimento enquanto destina de mulher Assim se 0 companheiro tern aventuras amorosas au uma relacao amorosa estavel fora do casamento cabe a esposa resignarse Nao deve ela segundo a ideologia dominante revidar na mesma moeda Aesposa na medida em que se mantem fiel ao marido ainda que este Ihe seja infiel recebe aprovacao social Na qualidade de vitima de sofredora de quem aceita sem re clamar seu destinode mulher merece aplausos por parte da socie dade Se contudo decide infringir a norma e desfrutar do prazer junto a urn atnante merece de acordo com a cartilha da ideologia dominante ser assassinada pelo marido Este considera e 0 faz legi timamente do ponto de vista da sociedade ter tido sua propria honra manchada pelo comportamento da mulher Muitas vezes a muiher nem sequer chegou a consumar 0 chamado mau passo A partir de uma mera suspeita de que sua esposa se interessa por outro homem 0 marido julgase no direito de ceifarlhe a vida a Codigo Penal brasileiro preve dois tipos de homicidio 0 simples e 0 qualificado Este ultimo e mais grave ja que pode ser cometido por motivo futil dume por exemplo ou torpe para obter vantagens de ordem material por exemplo e pode ser praticado com crueldade ou em circunstancias que deixarn a vitima totalmente indefesa De acordo com 0 Codigo Penal a pena para 0 homicfdio qualificado por qualquer das raz6es mencionadas e mais alta Entretanto mesmo quando 0 assassinio de mulheres por homens pode ser tipificado como homicfdio qualificado os matadores perma necem geralmente impunes a fato de ser gigantesco 0 numero de 35 34 assassinos de mulheres que sao absolvidos pela justica oficial incen tiva este tipo de justica pratieada pelas proprias maos Isto deriva do fato de que 0 adulterio embora legalmente seja considerado crime para ambos os conjuges na verdade so constitui ate criminoso quan do pratieado por mulheres A sociedade nao apenas aceita 0 adulterio masculino como tam bern encontra sempre uma maneira de justificaIo atraves de condu tas da esposa A mulher acaba quase sempre sendo culpabilizada pelo seu proprio sofrimento Se apanhou do marido se foi por ele assassinada e porque assim 0 mereceu A pollcia a justica enfim a sociedade transforma a vitima em re ate depois de sua morte Desta sorte a educacao dispensada a mulher de bern na so ciedade brasileira deixa muito pouco espaco ao gozo do prazer Sendo obrigada a assumir 0 papel de vitima a encarnar a figura da sofre dora a mulher sentese culpada quando se pilha desfrutando do pra zero Assim 0 prazer transformase em desprazer Por vias distintas tanto 0 homem quanta a mulher sao castrados na dimensao praze rosa da vida ainda que 0 saldo negativo seja incomparavelmente maior para os elementos femininos Com homens e mulheres educa dos desta maneira integrando a familia patriarcal seria surpreendente se eles fossem capazes de educar seus filhos para 0 desfrute do prazer A familia unida na castraio do prazer Teorieamente a familia e constituida de urn homem e uma mu lher que se amam e que atraves do ate de amor se reproduzem oferecendo a sua prole nao apenas os meios materiais de subsistencia mas tambern e sobretudo urn ambiente de carinho no qual a crianca possa desenvolver sua dimensao afetiva Na pratiea contudo tendo em vista 0 ja exposto sao muito raras as familias que cumprem adequadamente estas func6es Os he mens sao ensinados a competir permanentemente por urn emprego por urn salario melhor pela promocao na carreira ate pelas atenc6es de uma mulher A competicao constitui pois traco fundamental da personalidade masculina destinada a desempenhar 0 papel do ma cho Nao se pode esquecer a agressividade como componente basieo da personalidade competitiva Ademais a agressividade tambem in tegra necessariamente 0 modelo do macho Dito de outra maneira cabe a ele tomar iniciativas assumir sempre uma posicao ofensiva CabeIhe ainda ser intransigente duro firme 36 A mulher imp6ese a necessidade de inibir toda e qualquer ten dencia agressiva pois deve ser docil cordata passiva Caso ela seja I lipo mulher despachada deve disfarar esta qualidade porquanto l1Nlu caracteristiea so IS considerada positiva quando presente no ho mem Mulher despachada corre 0 risco de ser tomada como mulher IIacho Estes modelos mulher passiva e homem ativo sao cha Illudos estereotipos Isto e uma especie de molde que pretende en quadrar a todos independentemente das particularidades de cada urn Quando se diz que a mulher consegue tudo do marido se for hubilidosa se souber usar do jeitinho na verdade estase afirmando que a mulher deve sempre ficar na sombra Se for mais culta que 0 maridodeve calarse em publico a fim de nao humilhiiIo Se tiver porventura urn salario superior ao dele deve manter 0 fato em se lJcdo pois seria inadmissivel rebaixar 0 marido que e inclusive le lulmente 0 chefe da familia Se for segura de si e de suas convicc6es dcve fingir hesitaaO de modo a deixar parecer que as decis6es sao lomadas por ele Quando a mulher IS deste tipo deve seguindo 0 modelo que lhe imposto disfarcar suas qualidades a fim de nao entrar em compe liQao com 0 marido e muito menos colocar em xeque a autoridade do chefe supremo do grupo familiar Sempre que a mulher se anula para que 0 homem reine soberanamente e 0 inverso ainda que ra dssimo e igualmente verdadeiro 0 casal nao apresenta condic6es de propieiar aos filhOS 0 ambiente do qual as criancas necessitam para alcanar urn desenvolvimento harmonico o pai pode omitirse em tudo mas resguarda sua autoridade Mesmo quando cabe a mulher total responsabilidade pela educacao dos filhos IS ela mesma que diante de uma traquinagem dele ao inves de aplicarIhe 0 castigo devido omitese ameacandoo com 0 famoso contarei tudo a seu pai quando ele chegar A autoridade assim permanece nas maos daquele que nao educa A responsabili dade cabe aquela que nao detem autoridade Desta forma fica ex lremamente diffcil senao impossivel mostrar as crianas os limites de sua atua9aO os Hmites do permissive Pior fica ainda a educacao dos filhos quando se estabelecem cumplicidades entre urn dos genitores e as criancas Estas passam cntao a explorar a fenda que descobriram na relacao entre os pais Estas cumplicidades tendem a estabelecerse entre mae e filhos que sao as partes sem autoridade no grupo familiar quando 0 chefe da familia e muito autoritario Mas podem oearrer tambem entre pais c filhos quando estes descobrem que a corda arrebenta do lade mais 37 fraco ou seja do lado feminino Qualquer que seja 0 genitor pai ou mae com 0 qual a crian9a estabelece cumplicidades estas sao extremamente perigosas pois a conduzem para a pnitica da chanta gem A chantagem pode situarse no terreno material levando a crian a a aderir ao genitor capaz de darIhe 0 maior ntimero de presentes Estando ou nao presente a chantagem material a chantagem de can ter emocional reina nestas situaoes Ao contnirio do que a sociedade apregoa a criana nao e ino cente percebendo com profundidade os momentos corretos para in troduzir suas cunhas na relaao entre seus genitores A Psicamilise sabe muito bern que a criana nao apresenta a inocencia que se lhe atribui A titulo de ilustraao transcrevese urn pequeno trecho do livro de Eduardo Mascarenhas Emoroes no diva Ed Guanabara 1985 S6 que a psicami1ise nao considera as crianlas anjinhos ou querubins Desde 0 berlo a cabecinha do bebe esta a mil Desde 0 nascimento a criania e exiremamente generosa mas extremamente cruel E sujeita a grandes amores e grandes 6dios A urn s6 tempo e d6cil e temperamental credula e descon fiada ingenua e maIiciosa Se este fenomeno da naoinocencia da crianca e registrado pela Ciencia nao deixa de seIo tambem pela Arte No mme Cria cuervos Carlos Saura mostra com clareza meridiana a capacidade de a crianca perceber as fissuras existentes nas relaoes entre os mem bros adultos da familia e de agir de acordo com este contexto Cer cada de rivalidades traicoes malicia presentes nas relac6es entre os adultos a crianca pode praticar atos nada inocentes como por exem plo rnatar Como 0 proprio titulo do filme indica a famflia tern tudo para criar corvos prontos a abater sua presa Via de regra a famiiia retine muito menos condic6es para criar anjinhos E poderia ser de outra forma se as rela96es entre homem e mulher sao de dominacaoexploracao A crianca percebe que mesmo quando a mu lher ganha na argumentacao e sempre 0 homem que tern razao porque ele e 0 chefe e ele que manda Cabe a esta altura perguntar quais sao os elementos que unem a familia A dependencia financeira a dependencia emocional os sentimentos de culpa as cumplicidades estabelecidas entre uns con tra outros as chantagens constituem tracos de uniao em geral muito mais fortes do que os lacos de amor de carinho de solidariedade 38 E por que sao estes muito mais que os afetivos os lacos que unem os membros da familia Porque homem e mulher nao sao socialmente 19uais nao gozam na pnitica dos mesmos direitos a homem domina II mulher que por sua vez domina os filhos ameaandoos ainda wm a autoridade paterna A supremacia de qualquer forma e garantida ao macho adulto Tanto assim e que a medida que os filhos vaG entrando na idade IIdulta vaise estabelecendo 0 dominio do irmao sobre a irma numa Icpeticao do modelo parental Como poderia urn grupo constituido desta maneira cultivar a alegria de viver 0 prazer Parece claro que o gosto born da vida advem sobretudo da relaao entre iguais as subalternos podem proporcionar conforto e tempo livre aos superiores mas nao 0 verdadeiro prazer que e sempre partHhado dividido com alguem E este alguem precisa necessariamente ser urn igual Entre desiguais nao pode haver senao a partHha do desprazer das rivalidades da amargura de viver Assemelhandose muito mais a urn vespeiro do que a urn ninho de amor a familia torna com freqiiencia inviavel 0 prazer Tal como esta constituida com base na relaao de dominaCaosubordinaCao a familia nao reune as con dic6es fundamentais para educar as novas geracoes para 0 desfrute do prazer Do exposto podese facHmente concluir que ambos pai e mae contribuem para a perpetuacao do poder masculino e adulto as medos de que sao portadores homens e mulheres eolaboram grande mente para que cada urn observe a receita de como ser homem ou mulher as homens temem ser considerados menos machos se forem flexiveis pacificos e generosos As mulheres temem ser tomadas como pouco femininas incapazes de conservar 0 amor do companheiro se se revelarem empreendedoras dinamicas bemsucedidas as estereotipos tern realmente a forca do molde Quem nao entrar na fOrma corre 0 risco de ser marginalizado das relac6es consi deradas normais a conceito de normal e socialmente construido pelo costume As inovac6es sao temidas porque nunea se sabe aonde levarao Este lado fragH do medo existe quer nos homens quer nas mulheres Mas so estas ultimas podem manifestaIo pois pertencem a uma categoria conhecida pelo nome de sexo fnigH a sexo forte deve negar 0 medo ainda que possa sentiIo agudamente Se encar nar 0 estereotipo consiste na maneira mais facH de viver porque basta obedecer ao modelo entrar na forma e preciso que se reconhea 0 carater repressivo desta opao Se cada ser humane e diferente de todos os demais e obvio que modelar todos os membros de cada 39 caregoria de sexo segundo 0 esrereoripo correspondente significa vio lentar as particularidades de cada pessoa Em outros termos 0 estereotipo funciona como uma mascara Os homens devem vestir a mascara do macho da mesma forma que as mulheres devem vestir a mascara das submissas 0 uso das mas caras significa a repressao de todos os desejos que caminharem em outra direao Nao obstante a sociedade atinge alto grau de exito neste processo repressivo que modela homens e mulheres para rela oes assimetricas desiguais de dominador e dominada Embora se deva pagar um alto preo pela rejeicao do modelo imposto vale a pena cotejaIo com 0 custo pessoal da repressao exi gida pelo uso da mascara Quando alguem se recusa a submeterse ao estereotipo arriscase a ser posto a margem das relacoes conside radas normais Todavia aIem de poder encontrar muitos adeptos ou simpatizantes podendo criar espacos mais livres realiza um maior numero das potencialidades que traz E talvez valha a pena experi mentar Todo processo e valido quando caminha na direcao da ver dade da autenticidade da igualdade porque enfim tratase de de mocracia E e exatamente esta democracia plena que nao inclui apenas a liberdade de ir e vir a liberdade de expressao a igualdade formal que e diffcil construir Na sociedade capitalista nao se trata somente de uma dificuldade mas de uma impossibilidade 0 capitalismo e incompativel com a igualdade social Para nao mencionar 0 problema das classes sociais pedra fundamental do capitalismo este sistema socioeconomico nao admite tampouco a igualdade entre as diferentes racas e entre as distintas categorias de sexo Esta questao merece todo um capitulo 3 A SUPREMACIA MASCULINA NA SOCIEDADE CAPITALISTA Introdu980 o capitaJismo e um sistema de produCao baseado na exploraao da maodeobra assalariada com 0 auxilio de tecnologia crescente mente sofisticada Nas sociedades escravocratas e feudais os pobres tambem eram explorados Nas primeiras os escravos nem sequer eram considerados pessoas Eram tidos como coisas de propriedade de um punhado de senhores que levavam vida ociosa Nas segundas os servos deviam obediencia e lealdade absolutas aos seus senhores que nao tinham obrigaao de trabalhar e tinham ate 0 direito de deflorar as noivas antes que seus maridos pudessem recebelas para a vida conjugal Nestes dois tipos de sociedade as pessoas nao eram nem na pratica nem na lei consideradas iguais Ao contrario eram so cialmente desiguais tendo 0 senhor direito de vida ou morte sobre seus escravos Assim desde que se estabeleceu a propriedade privada dos meios de produiao tudo aquilo que e preciso par a disposiao dos traba lhadores para tornar possivel a produao de bens e servios uma minoria vive as custas do trabalho da maioria o inicio do capitalismo pode ser datado do seculo XVI quando a concentraao das riquezas em poucas maos permitiu a esta minoria pagar salarios para que os pobres produzissem quantidades cada vez maiores de mercadorias Mercadorias sao bens e servicos que se ven dem no mercado Com 0 regime de salariato a propria forca de tra balho energias ffsicas e mentais utilizadas na atividade trabalho passou a ser uma mercadoria Os naoproprietarios dos meios de produao vendem sua fora de trabalho Isto e 0 patrao tem direito de usar a fora de trabalho do empregado por um determinado es paco de tempo pagandolhe 0 sahlrio combinado Assim 0 que 0 trabalhador vende nao e trabalho mas sua capacidade de trabalhar que e usada pelo patraodurante 0 tempo legalmente determinado 41 40 No Brasil 0 trabalhador e obrigado por lei a trabalhar 48 horas semanais No passado este numero de horas foi muito maior tendo gradativamente sofrido reduc6es em deeorrencia das lutas so ciais A conquista da jornada de trabalho de oito horas foi estendida a todos os trabalhadores em 1943 com a CLT Legalmente 0 Brasil ainda tern uma semana de trabalho de seis dias Ha anos muitas categorias oeupacionais vern lutando pela implantacao da ehamada semana inglesa constituida de cinco dias de trabalho e adotada por numerosos paises Ha mesmo algumas na6es que reduziram este tempo tendo umas poueas chegado a 35 horas semanais Cabe neste momento perguntar a reducao da jornada de tra balho nao provoea a diminuicao dos lueros do patrao Nisto reside a particularidade do capitalismo Diferentemente do eseravismo e do feudalismo regimes que nao eontavam com 0 auxilio de tecnologia o capitalismo desenvolveu avancadas tecnicas de producao A teeno logia pennite ao trabalhador produzir quantidades maiores de mer cadorias no mesmo espaco de tempo Por exemplo imaginese uma fabrica em que vinte trabalhadores produzem com 0 auxilio de urn tipo de maquina mil pneus por dia Substituindose estas maquinas por outras mais avanadas os mesmos trabalhadores poderao produ zir dois mil pneus por dia Neste exemplo a produtividade dos tra balhadores foi duplicada Mesmo que 0 patrao aumente urn poueo 0 salario de seus empregados ainda eonseguira fazer erescer bastante seus lucros gracas portanto ao auxilio de equipamentos Nos regimes escravista e feudal pereebese facilmente a explo racao de que sao alvo os trabalhadores Dentre varias raz6es eabe ressaltar duas 1 a trabalhadores e patr6es nao sao iguais perante a lei 2 a a jornada de trabalho e muito longa para pennitir aos tra balhadores a producao de uma quantidade de bens e servios muito superior as necessidades do senhor de escravos e do senhor feudal A parte das riquezas que vai aMm destas necessidades chamase exee dente de producao Este exeedente era eonsumido fundamentalmente em guerras entre diferentes povos ou entre senhores feudais Desta forma nao existia propriamente urn processo de aeumulacao de ri quezas que submetidas a acao do trabalhador pudessem eriar novas riquezas Ao longo da hist6ria foi ocorrendo urn proeesso de eoneentracao das riquezas em maos de urn punhado de pessoas que a partir do seculo XVI foram crescentemente promovendo a expansao destas riquezas graas a exploraao do trabalho assalariado Foi entretanto com a RevolUao Industrial no seculo XVIII que 0 eapitaIismo se C0l1s01idou A teenica com sua eapacidade de aumentar a produtivi dnde do trabalho humano tornou possivel 0 crescimento do excedente de producao Este exeedente deixou de ser eonsumido improdutiva mcnte pelo patrao e passou a ser investido na propria producao au Mcja passou a ser usado para aumentar a producao Por exemplo 0 proprietario de uma fabriea nao eonsome todos os lucros gerados pcla producao fabril as lueros sao tao altos que ele pode desfrutar de vida de rico IIssim como sua familia aplieando 0 que sobra na ampliaao de sua cmpresa Assim compra mais urn predio contrata mais trabalhadores compra mais equipamentos e mais materiasprimas passando a pro duzir uma quantidade muito maior demercadorias destinadas ao comercio interno ou a exportacao Ao mesmo tempo em que 0 eapi lulista aumenta sua produao pode tambern provocar urn aumento de produtividade dos trabalhadores por ele contratados Basta para isto comprar maquinas que aumentam a produtividade do trabalho humano Aumento de producao e diferente de aumelto de produtividade Tomandose 0 exemplo acima podemse figurar duas hip6teses A primeira consistiria na duplieacao do espaco fisica da fabrica das materiasprimas da energia do numero de trabalhadores e dos equi pamentos mantendose a mesma teenica A quantidade de merea dorias produzidas seria duas vezes maior A segunda hip6tese envolveria nao apenas uma ampliacao do mesmo genero mas a adoao na nova unidade produtiva de tecno logia mais moderna eapaz de aumentar a produtividade do tra balho humano Nesta segunda fabrica 0 mesmo numero de traba Ihadores seria eapaz de consumir quantidades maiores de materias primas transformandoas em quantidades tambem maiores de mer eadorias prontas para 0 eomereio Nesta segunda unidade produtiva a produtividade do trabalho seria maior isto e 0 mesmo numero de trabalhadores seria capaz de produzir maior quantidade de mer eadorias no mesmo espao de tempo Na primeira hip6tese temse apenas aumento de producao na segunda temse aumento de pro ducao e aumento de produtividade A diferena fundamental entre o eapitalismo de urn lado e 0 eseravismo e 0 feudalismo de outro e 0 usa de tecnologia capaz de elevar a produtividade do trabalho humano Gracas a isto 0 patrao pode aumentar os salarios de seus empregados aumentarlhes as ferias reduzirlhes a jornada de tra balho e assim mesmo elevar seus lueros Dai a dificuldade de se pereeber a intensidade da exploracao de que e vitima 0 trabalhador 42 41 Ademais trabalhadores e patr6es sao iguais perante a lei 0 trabalhador assalariado ao contnirio do escravo e do servo e livre Mas e preciso bern compreender esta liberdade Tratase apenas de liberdade formal Na pnitica que significado tern a liberdade para quem deve vender sua Ionia de trabalho sujeitandose as leis do mercado Em momentos historicos nos quais a olerta de empregos e baixa e 0 numero de pretendentes a estes postos e alto os sahl rios diminuem Nestas situac6es nao resta ao trabalhador senao a aceitacao de sahirios baixos pois ele sabe que ha outros candidatos aquele emprego Nos paises capitalistas nunca ha 0 chamado pleno emprego isto e nenhum desempregado Sempre ha urn certo nu mero de trabalhadores que procuram mas nao encontram emprego Convem explicitar que pode haver ao mesmo tempo desem prego e falta de trabalhadores 0 Brasil atravessa atualmente uma situacao deste tipo A recessao economica que durou de 1974 a 1984 tendo atingido seu ponto mais critico no periodo de 1981 a 1984 provocou uma grande queda na oferta de empregos uma vez que se reduziram muito os investimentos produtivos 0 nivel de desemprego portanto cresceu bastante deixando fora do mercado de trabalho urn numero excessivamente grande de trabalhadores homens e mulheres Estes desempregados faziam bicos a fim de garantirem sua sobrevivencia Nao exercendo a atividade para a qual estavam qualificados acabaram perdendo muitas vezes esta qualificacao Por outro lado dada a falta de empregos as pessoas nao eram incentivadas a se qualificarem para esta ou aquela ocupacao o Plano Cruzado desencadeou uma onda consumista na popu lacao que antes acreditava estar ganhando dinheiro com a correcao monehiria Para atender a demanda de produtos industriais as fa bricas estao expandindo suas atividades Dada a profundidade da recessao mencionada so agora passado mais de ana de institui cao do cruzado alguns setores da industria atingiram 0 nivel da producao do ana de 1983 De qualquer modo a industria esta ofe recendo urn numero muito maior de empregos do que aquele que vinha oferecendo nos anos de economia recessiva No momento falase muito em falta de maodeobra Esta ca rencia e verdadeira mas e preciso que ela seja especificada Falta efetivamente maodeobra qualificada para certos setores da econo mia 0 que se caracteriza como heranca da recessao Porem isto nao significa que no Brasil atual nao haja desemprego A faltade tra balhadores qualificados coexiste isto e convive com 0 desemprego A reorientacao da economia para a producao sobretudo de bens industrializados provoca 0 aumento da oferta de empregos no se lor industrial com uma correspondente queda do nivel de emprego nus atividades financeiras Cerca de uma centena de milhares de buncarios perdeu seus empregos em cinco meses de vigencia do Plano Cruzado Sem entrar no merito das medidas monehlrias de 28 de fevereiro de 1986 podemse verificar as dificuldades de adap lucao desta maodeobra a nova situaao Os bancarios nao estao qualificados para 0 desempenho de atividades produtivas sem se mencionar 0 fa to de que se sentiriam desprestigiados em aceitar lima funao fabril por exemplo Cabe lembrar que 0 avano tecnologico propicia a substituiao de trabalhadores por maquinas No setor da informatica e muito claro 0 processo de mecanizaao das atividades Vm computador pode realizar em segundos 0 trabalho que urn homem gastaria dias para fazer Tambem na industria os trabalhadores vern sendo subs tituidos por robos Metalurgicos da Grande Sao Paulo temse pro nunciado contra este processo pois tern consciencia do desemprego que provoca No Rio ja existe ate urn robo orientando 0 transito Este processo de mecanizacao tern criado situaC6es diffceis para trabalhadores agrfcolas que perdendo a possibidade de trabalharem no campo mudamse para as cidades na esperanca de ai poderem ganhar 0 pao de cada dia No entanto grandes contingentes destes trabalhadores nao encontram trabalho nas zonas urbanas seja por que e pequena a oferta de empregos seja porque nao apresentam qualificacao para empregos citadinos Este deslocamento de popu lac6es rurais para as cidades da origem a gigantescos bols6es de miseria na periferia nao apenas das grandes cidades mas tambem das de porte medio Durante os dez anos da ultima recessao eco nomica aumentou grandemente este fenomeno que tambem se tra duz em elevadas taxas de mortalidade infantil e baixos niveis de saude derivados de graus mais ou menos profundos de subnutriao Alias a miseria constitui urn dos polos do processo de acumulacao capitalista De Iato como ja se mencionou mais atras e gracas a elevacao dos lucros extraidos do trabalho dos assalariados que os capitalistas conseguem acumular quantidades crescentes de capital Sob a forma de dinheiro de equipamentos de materiasprimas de tecnologia de cdificios 0 capital extrai lucros do trabalho assalariado Deste modo o capital que assume diferentes formas e uma relacao social Nem sempre 0 dinheiro e capital 0 dinheiro aplicado em caderneta de poupana nao e capital pois e incapaz de estabelecer uma relacao 44 45 social Ao contnirio 0 dinheiro aplicado na constrwao de uma fa brica na agricultura na pecmiria constitui capital porque cria uma relacao de exploracao de empregado pelo patrao no processo de producao de mercadorias Como ja se analisou 0 trabalhador gera urn excedente econ6 mico que pertence ao proprietario dos meios de producao Uma pe quena parte deste excedente destinase ao consumo pessoal do pa trao A outra parcela destinase a investimentos ou seja e usada para criar mais riquezas Isto equivale a dizer que ha urn processo de acumulacao de capital a numero de capitalistas e diminuto em comparacao com 0 numero de trabalhadores assalariados A este processo de acumulacao de riquezas que empregadas como capital geram novas riquezas corresponde urn processo de empobrecimento de pelo menos parcela das classes trabalhadoras Acumulacao e mi seria sao portanto palos de urn mesmo processo faces de uma mesma moeda Ouvese com freqiiencia que a miseria so existe em paises subdesenvolvidos Isto nao e verdadeiro Nas nayoes subdesenvol vidas a parcela da populacao atingida pela pobreza e maior do que nos paises altamente industrializados Todavia nestes tambem exis tern contingentes populacionais vivendo em niveis variaveis de mi seria Nos Estados Unidos por exemplo ha miIhOes de famiIias den tre as quais predominam os negros vivendo com rendas inferiores a considerada minima para uma vida decente Recentemente pesqui sadores norteamericanos provaram a existencia de milhares de fami lias sem moradia Isto e tanto mais grave quando se pensa no inverno rigoroso da maior parte do territorio daquele pais AMm disto nao se pode esquecer que os paises industrializados em geral e especialmente os Estados Unidos exploram os chamados paises dependentes sendo capazes atraves deste mecanismo de reduzir os contingentes de miseniveis dentro de suas fronteiras De qual quer forma eles existem E nao e por acaso que nos Estados Unidos os mais pobres sao negros contra os quais se praticam discrimi nacoes atrozes imigrantes de fala espanhola mexicanos colombia nos cubanos haitianos portoriquenhos etc imigrantes asiaticos e mulheres Dentre as famiIias mais miseraveis cabe lembrar as che fiadas por mulheres cujos salarios sao em media muito inferiores aos masculinos Para enriquecer a discussao adicionamse dados presentes no documento preparado por bispos catolicos dos Estados Unidos inti lulado usti9a economica para todos e publicados na Folha de S Paulo de 15 de novembro de 1986 0 documnto preparado durante tres anos defende a acao imediata da empresa privada e do Estado para acabar com a miseria no pais mais rico do mundo Segundo as esta tisticas citadas no documento existem entre 20 e 30 milh6es de habitantes nos EVA cuja renda os situa entre os necessi tados alem dos 33 milh6es abaixo da linha de pobreza Foram oferecidas ao leitor algumas coordenadas a luz das quais uevem ser examinados os tres esquemas basicos de dominayaoexplo mcao atuantes na sociedade brasileira atual Embora eles estejam presentes em todas as sociedades capitalistas e tambem nas socie uades socialistas em certo grau nao constituindo portanto privi 16gio nacional cabe analisar rnais de perto a sociedade brasileira Tais sistemas de dominacaoexploracao serao anaIisados na ordem cronol6gica de seu aparecimento na historia da humanidade o patriarcado CaIculase que 0 homem haja estabelecido seu dominio sobre a mulher ha cerca de seis milenios Sao multiplos os pIanos da exis tencia cotidiana em que se observa esta dominacao Urn niveI extre mamente significativo deste fen6meno diz respeito ao poder politico Em termos muito simples isto quer dizer que os homens tomam as grandes decis6es que afetam a vida de urn povo Nas sociedades contemporfmeas a participacao poIitica da mu Iher pode ser considerada infima AIem de Lidia GueiIer que ocupou a presidencia da Bolivia em 1979 em circunstancias excepcionais apenas duas outras mulheres chegaram a preidencia da republica Isabelita Peron na Argentina e Corazon Aquino nas Filipinas A primeira por ter sido eleita vicepresidente em chapa integrada por seu marido apos a morte deste A segunda foi eleita muito mais em razao do que representou seu marido assassinado pela ditadura de Ferdinand Marcos do que pelo trabalho de oposicao politica ao regi me totalitario que realizou apos haver enviuvado Assim estas duas mulheres que chegaram ao mais alto posta politico de uma republica fizeramno com 0 auxilio do prestigio desfrutado pelo nome de seus companheiros 46 47 Sao pouquissimos os casos de mulheres que desempenharam ou desempenham a funao de primeiroministro como Indira Gandhi Golda Meir e Margaret Thatcher No mundo inteiro 0 numero de mulheres nos orgaos legislativos no Brasil camara de vereadores assembIeia legislativa camara federal e senado e insignificante a mesmo se pode afirmar sobre a presena feminina nos partidos po liticos No casu destes quando a mulher participa em geral se encar rega de fun6es menores sendo rara sua presena em cargos de mando No Brasil data de poucos anos a participaao politica da mu lher que geralmente se situa na base Nos diretorios municipais estaduais e nacionais dos partidos politicos e irrisoria a presena feminina E isto ocorre tambem nos partidos de esquerda au seja discriminar a mulher nao constitui urn caracteristico apenas dos conservadores Tratase de pnitica dhlria tambem dos tidos e havi dos como progressistas A mesma situaao pode ser verificada em sindicatos isto e nos orgaos politicos das diferentes categorias ocupacionais Tern au mentado a participaao feminina nas associa6es de cIasse sobre tudo na grande Sao Paulo mas raramente a mulher e membra da diretoria A grande participatao politica das brasileiras temse dado nos movimentos sociais associa6es de maes movimento contra a ca restia luta por creches movimento feminino pela anistia etc Con vem lembrar que 0 espao de luta destes movimentos nao e 0 da politica institucional Isto e estes movimentos ocorrem fora do es pato parlamentar fora do espao dos partidos politicos Tratase de lutas travadas em torno de certas reivindica6es que seus mili tantes esperam ver atendidas pelo poder municipal estadual ou federal ou ainda pelo empresario privado Faz parte da natureza destes movimentos a fluidez isto e 0 baixo grau de estruturaao lsto facilita a cooptaao destes movimentos por parte de partidos politicos Explicando melhor com freqiiencia partidos politicos ou fac6es politicas servemse de militantes de movimentos sociais transformandoos em massas de manobra capazes de elevar 0 n1 mero de votos de certos candidatos a postos do Poder Legislativo e ou Executivo A subordinatao da mulher ao homem contudo nao existe tao somente no terreno politico Ela e marcante no campo economico Deixando de lado as ocupa6es oferecidas pelo sistema de produao capitalista que ia mereceram comentarios a presenrya da mulher c relativamente muito maior que a masculina nas atividades nao estru luradas segundo 0 modelo capitalista no segmento comumente co Ilhecido como mercado informal de trabalho Tratase de setores de atividades que os capitalistas nao tive ram interesse em explorar porque 0 capital busca os ramos mais rcntaveis da economia as atividades que podem render mais lueros Assim quase todo 0 setor do emprego domestico esta ocupado pol l11ulheres cuja presenca e tambem macica no trabalho a domicilio geralmente a margem dos beneficios da legislacao trabalhista a pri l11eiro tipo de emprego e regido POl legislaCao especial que so ga rante filiatao obrigatoria a previdencia social e apenas 20 dias de rerias apos a prestatao de servicos a uma mesma pessoa ou famflia pOl UJn periodo ininterrupto de 12 meses As empregadas domes licas nao tern direito a Iicenamaternidade ao 13 salario ao PIS a 30 dias de ferias anuais a ferias proporcionais Nem sequer esta prevista a folga semanal remunerada nesta legislaCao que rege 0 lrabalho domestico assalariado Se pOl urn lado a maioria das patroas concede uma ou mais folgas semanais remuneradas e ainda muito pequena a quantidade das que registram suas empregadas Desta forma enormes contingentes de empregadas domesticas nao desfrutam sequel da assistencia medica oferecida pelo lNAMPS de ferias de aposentadoria MuItiplas formas de trabalho cIandestino existem no Brasil Elas absorvem homens e mulheres mas estas uItimas sao mais nu merosas nestes tipos de trabalho Podese afirmar que no minimo a metade das trabalhadoras brasileiras nao esta coberta pela legis latao trabalhista uma vez que nao tern carteira profissional assi Ilada Nas zonas rurais e freqiiente encontraremse trabalhadoras cujas earteiras de trabalho ficam com 0 patrao Elas nao sao assinadas Ficam nas maos do patrao para assinatura 0 que ocorre apenas se uparecer a fiscalizacao Como esta e omissa ou se vende a maioria csmagadora das carteiras de trabalho nunca e assinada A legislatao que rege 0 trabalho rural discrimina a mulher numa medida muito mais profunda do que a legislaao urbana A traba Ihadora rural s6 tern direito a aposentadoria se nao for casada Na pnitica isto significa que a mulher e posta diante do seguinte dile ma escolher entre 0 casamento e a aposentadoria Suponhase urn easal que haja trabalhado durante 50 anos na enxada Embora no presente momento tramite no Congresso Nacional urn projeto de lei que eleva 0 salario dos aposentados para 95 do salario minimo 49 48 atualmente e no casu em questao 0 homem aposentase recebendo apenas meio salario minimo nao tendo a mulher nem sequer este direito 0 casal deve pois viver seus ultimos anos com apenas a irrisoria quantia de meio salario minimo A esta tragedia devese acrescentar 0 fato de que poucos trabalhadores rurais tern carteira de trabalho assinada Em 1984 94 dos homens estavam neste caso enquanto esta proponao caia para apenas 18 dentre as mu lheres Assim as atividades agrfcolas ao lado dos bicos que se fazem nas zonas urbanas sao desenvolvidas quase sempre na clan destinidade Nas cidades as mulheres constituem as grandes vftimas do tra balho clandestino Muitas destas atividades podem ser exercidas a domicflio 0 que permite it mulher complementar a renda do ma rido sem deixar de executar as tarefas do lar Quando as atividades sao exercidas fora da casa apresentam geralmente maior flexibi lidade de horario Isto tambem favorece a absorao de mulheres nestas atividades ja que horarios naorigidos sao mais compativei com os afazeres de donadecasa Quando marido e mulher trabalham na mestra atividade 0 que e muito comum na agricultura a mulher deixa de reivindicar seu direito ao registro em carteira para nao prejudicar 0 marido Aceita muitas vezes trabalhar clandestinamente porque 0 patrao ameaaa com a despedida nao apenas a sua mas tambern a de seu marido Como 0 desemprego alem de suas conseqiiencias finan ceiras negativas e considerado vergonhoso para 0 homem cabe it mulher segundo 0 estereotipo abrir mao de seus direitos No seio da famflia a dominaao masculina pode ser observada em praticamente todas as atitudes Ainda que a mulher trabalhe fora de casa em troca de urn salario cabeIhe realizar todas as tarefas domesticas Como de acordo com 0 modelo os afazeres do mesticos sao considerados coisas de mulher 0 homem raramente se disp6e a colaborar para tomar menos dura a vida de sua com panheira Nao raro ainda se faz servir julgandose no direito de estrilar se 0 jantar nao sai a seu gosto ou se Sua mulher nao chega a tempo trazendoIhe os chinelos Isto posto podese concluir que 0 patriarcado nao se resume a urn sistema de dominaao modelado pela ideologia machista Mais do que isto ele e tambem urn sistema de exploraao Enquanto a dominarao pode para efeitos de analise ser situada essencialmente nos campos politico e ideologico a exploraao diz respeito direta mente ao terreno economico Tanto a donadecasa que deve trazer a residencia segundo 0 MllNlo do marido quanta a trabalhadora assaIariada que acumula dllllS jornadas de trabalho sao objeto da exploraao do homem no pillno da familia Na qualidade de trabaIhadora discriminada obri IIJlI a aceitar menores sahlrios a mulher e no plano mais geral till sociedade alva da exploraao do empresario capitalista Desta NIlIle fica patente a dupla dimensao do patriarcado a dominacao t 1I exploraao A compreensao das duas faces deste fen6meno to 111Ise importante para a analise que tera lugar no ultimo item deste tlIpituIo Todos os tipos de discriminacao favorecem a maior exploracao pOl parte dos empregadores Isto pode ser observado nao apenas no que tange ao preconceito de sexo mas tambern no que respeita as discriminac6es raciais Convem pois que se comentem estas ultimas o preconceito racial A Constituicao brasileira penaliza criminalmente 0 racial Efetivamente podese ler no paragrafo 10 do Sera punido pela lei 0 preconceito de raca Alem Afonso Arinos de 1950 reforca a penalizacao criminal preconceito Apesar disto discrimina6es de todo tipo mente praticadas contra negros e mulatos neste pais preconceito artigo 153 disto a Lei do referido sao diaria Dizse a boca miuda que no Brasil ha democracia racial Nada seria mais inverfdico do que esta afirmacao Basta examinar as es tatisticas para se verificar que os negros estao nas ocupac6es menos prestigiadas e rnais mal remuneradas que apresentam graus baixos de escolaridade que nao participam do poder polftico Existem cIu bes que nao admitem negros como seus filiados Ha restaurantes que nao aceitam servir negros barrandoos esperar indefinidamente a mesa na porta ou fazendoos II Alguns ditos populares expressam eloqiientemente 0 preconceito de que e alvo 0 negro brasileiro Negro quando nao suja na en trada suja na safda A situacao esta negra Ele e urn negro de alma branca Mesmo pessoas que se dizem naopreconceituosas ne I garseiam a contrair matrimonio com pessoa de cor IIII Para justificar as discriminac6es praticadas contra negros e par dos evocamse freqiientemente fatos do genero negro e sujo ne I gro e pouco inteligente negro e supersticioso Rigorosamente devese inverter 0 racioefnio pois tais caracterfsticas ao inves de 51 50 terem sua origem na raca sao conseqilencias da desigualdade social entre os brancos que dominam e os negros que sofrem a dominacao Obviamente se urn grupo social tern menor numero de opor tunidades na vida em funcao dos preconceitos que pesam sobre ele encontramse em seu interior maior numero de miseniveis grandes contingentes de analfabetos e de pessoas pouco escolarizadas mas sas imensas de pessoas vivendo em condicoes de promiscuidade Assim se os negros forem efetivamente proporcionalmente mais sujos que os brancos este fenomeno deriva das condicoes sociais em que vivem Tomar banho diariamente e faciI para aqueles que dis poem de agua corrente em casa Nao encontram a mesma facilidade aqueles que residem em favelas sem agua encanada sem energia eIetrica Assim a higiene pessoal nao e refIexo da raca mas sim das condicoes sociais de exisHlncia Quando ao negro se oferecerem boas condicoes de desenvolvimento ele podera revelarse tao born ou melhor que 0 branco Na sociedade brasiIeira nao sao apenas os negros e mulatos que sofrem discriminacoes Estas existem contra indios contra asiaticos e ate mesmo as vezes contra europeus Cabe entretanto ressaltar os preconceitos contra negros e mulatos ja que somados eles per fazem cerca de 45 da populacao nacional Na ordem das bicadas neste pais a mulher negra ocupa a ultima posicao Ela e duplamente discriminada enquanto mulher e enquanto negra De acordo com modelo oficial cabemlhe fun damentalmente dois papeis 0 de empregada domestica e 0 de objeto sexual Sugerese ao leitor que preste atencao na publicidade de produtos de limpeza na televisao Geralmente 0 produto e reco mendado a patroa branca por uma empregada negra Nas novelas nas pecas de teatro as empregadas domesticas sao quase sempre representadas por atrizes negras Obviamente na novela Roque santeiro nao caberia presen tear Porcina com uma empregada de cor uma vez que Porcina nao encarnava 0 papel da verdadeira senhora branca Ao contrario aproximavase muito mais do polo da prostituta Logo como a pro pria personagem de Porcina fugia ao modelo consagrado de senhora branca erica nascida na cIasse dominante e bemeducada sua em pregada podia ser branca Ademais as relacoes entre Porcina e Mina eram totalmente atipicas isto e fugiam a regra que estabelece a distfincia social entre estas duas figuras Enquanto mulher do povo de origem pobre naotreinada nas chamadas boas maneiras Por cina era basicamente igual a sua empregada Mina Mereceria urn livro a atitude de mulheres que assistiram a re Icrida novela A identificacao com Porcina era generalizada Por llue Ora porque Porcina se comportava como muitas e muitas l11ulheres gostariam de se comportar Por repressao as mulheres si luudas no polo da santa e identificadas com a figura de Porcina viviam atraves desta personagem aquilo que nao podiam viver pes Houlmente Quando urn aluno esta distraido na sala de aula dizse que ele esta so de corpo presente Pois aqui no caso da identifi clI9ao de mulheressantas com Porcina 0 pecado so nao foi come lido pelo corpo A alma pecou pecou pecou Isto se chama Iealizacao vicaria Ou seja no caso muitas mulheres viviam vica liamente atraves de Porcina papeis sociais fundamentalmente de carater sexual que nao podiam vivenciar com seu proprio corpo rcprimido pela educacao marcadamente patriarca Cabe assinalar lambem que muitas mulheres se sentiram vingadas por Porcina Ja que nao podiam por raz6es de educacao ter amantes como fazem os homens rigozijavamse quando Porcina aumentava os chifres do machao Sinhozinho Malta Foi urn desopilar de figado infindaveI Retomando 0 caso da mulher negra cabe salientar que 0 homem branco construiu 0 mito da negra ou mulata sensual Embora ne nhuma pesquisa haja demonstrado que a negra ou a mulata seja mais sensual do que a branca e assim que a mulher de sangue ne gro e socialmente considerada Interessa ao homem branco aHmen tar este mito pois por tradicao esta habituado a usar sexualmen te negras ou mulatas Os meios de comunicacao exploram muito cste mito Quando a televisao mostra cenas do carnaval nao pro cura quase sempre focalizar negras e mulatas Mulata de corpo es cultural ja e produto de exportacao deste pais Sargentelli nao esta explorando este mito quando escolhe mulatas para seu show Evidentemente a relacao de dominacaoexploracao aqui pode deixar de ser urn fenomeno de mao unica para se transformar em fenomeno de mao dupla Muitas mulatas em virtude de suas ca racteristicas fisicas podem ganhar melhores salarios e desfrutar de mais alta posicao social trabalhando em shows do que se empre gando como secretarias vendedoras de baIcao baMs Ora ja que o homem branco precisa do mito da mulata sensual por que nao faturar mais danando com pouca roupa mostrando as curvas obri gando 0 dominador a olhar de baixo para cima Alias cabe refletir urn pouco sobre a atuacao do dominado consciente de sua condicao de subordinado Da mesma forma como a crianca nao e inocente 0 dominado consciente realiza todas as 52 53 trapaas que pode realizar Em linguagem simples 0 dominado consciente da 0 troco ao dominador sempre que pode fazeIo Nao ha donasdecasa com caras de santa que botam caseas de banana no caminho do marido mulherengo Mio ha negros que trapaceiam brancos Nao ha lindas mulatas que faturam bem exibindo seu cor po aos olhos gulosos do homem branco Esta reaao da pessoa si tuada no polo da subordinaao constitui mais uma razao para se demonstrar 0 quae prejudicial e a relaao de dominaaoexploraao nao apenas para os dominadosexplorados como tambem para os do minadoresexploradores cuja supremacia esta permanentemente amea ada Como pode desfrutar do prazer 0 homem que deve vigiar cons tantemente a conduta da mulher que the e subordinada Como pode ele saber se ela esta ou nao tramando contra seu dominio Assim a desconfiana permeia todas as rela6es entre seres humanos socialmente desiguais 0 branco sempre desconfia do ne gro 0 homem sempre desconfia da mulher Confiana so existe entre iguais Enquanto houver diferenas sociais entre negros e brancos entre homens e mulheres 0 clima das rela6es entre uns e outros e entre uns e outras trara sempre esta componente da desconfiana E Ita maior desmanchaprazeres do que estar sempre de pe atras do que se sentir permanentemente ameaado do que ter de vigiar Nao e pois dificil concluir pela adequaao da luta que visa a tornar socialmente iguais todos os seres humanos independentemente da cor do sexo da crena religiosa da ideologia politica Nao e facil compreender que se alguem instrumentaliza outra pessoa pode ser instrumentalizado por esta mesma pessoa 0 exemplo das mulatas do Sargentelli podera ser util Aparentemente a afinnaao de que a mulata e 0 modele ideal de sensualidade soa como elogio Rigorosamente entretanto a atri buiao de uma sensualidade especifica a mulata constitui instrumen to de manipulaao usado pelo branco que situa esta mulher na po sicao de satisfazer os seus desejos Se todavia a mulata tomar consciencia da instrumentalizaao de que e objeto buscara sempre que the for possivel aproveitarse do mito Ou seja a instrumen talizaao da mulher por parte do homem pode gerar a instrumentali zaao do homem por parte da mulher E isto nao e suficiente para mostrar que ninguem e feliz neste jogo de instrumentaliza6es Sem pre que um ser humano e usado como instrumento para a obtenao de uma meta anulase sua humanidade So quando 0 outro e conside rado igual podese evitar a instrumentalizaao e portanto 0 desprazer Se de um lado as mulheres de cor de mulatas a negras fo 111111 colocadas no pedestal da sensualidade de outro a represen IIIliio social do estupradore encarnada pelo homem negro Embora llM dados estatisticos nao provem haver maior incidencia de estu pludores dentre os negros que dentre os brancos a sociedade con tinua alimentandoa imagem do negro como estuprador Esta ideo logia cala tao fundo nas consciencias que mulheres brancas temem ll1uito mais serem violentadas por negros do que por brancos Tra tuse de puro preconceito ja que os dados da primeira Delegacia de Policia de Defesa da Mulher criada em agosto de 1985 na ci dade de Sao Paulo revelam que a maioria dos estupros tem por IItores seria melhor dizer agressores os pr6prios membros masculi nos da familia pais padrastos tios etc Com a finalidade de desfazer outro equivoco fruto tambem de preconceito e bom que se diga nao serem as classes mais pobres aquelas que praticam mais violencia ai incluida a de natureza se xual Assim nao ha nas camadas menos privilegiadas da popula rao um numero relativamente maior de estupros Isto prova que a violencia nao e privilegio de pobre Os membros das classes me dias e da burguesia sao tamhem violentos A violencia masculina contra a mulher atravessa toda a sociedade estando presente em todas as classes sociais Nao importa que um zeninguem mate sua mulher com um machado enquanto Doca Street assassinou barba ramente Angela Diniz usando um rev61ver 0 resultado objetivo e o mesmo 0 homicidio de mulheres por seus companheiros Como a justia reflete as diferencas entre as classes sociais a tendencia sera a de julgar mais severamente 0 assassino que usou 0 machado e mais brandamente 0 homicida que utilizou 0 rev6lver Qualquer que seja 0 tipo de discriminaao que pese contra uma categoria social serve para introduzir 0 fenomeno da diferenciaao dentre os candidatos a empregos Assim a maodeobra em seu con junto nao e uniforme e heterogenea Esta heterogeneidade nao diz respeito apenas ao grau de qualificaao profissional das pessoas aptas para 0 trabalho Estabelecemse outras diferenas como as de sexo e de raa sobre as quais seus portadores nao tem controle Assim e facil pagar salarios menores a um negro e a uma mu lher Mais facil ainda sera pagar salarios infimos a uma mulher ne gra Mal remunerada esta mulher passara de duplamente discrimi nada para triplamente discriminada mulher negra e miseravel Cabe pois analisar mesmo sucintamente 0 problema das classes sociais 54 55 As classes sociais A populacao brasileira assim como todas as que vivem sob 0 regime capitalista esta dividida em classes sociais Os que dominam economica e politicamente constituem as classes dominantes Usase aqui a expressao no plural porque as classes dominantes comp6emse de diferentes segmentos sociais Embora estes distintos setores cos tumem unirse na defesa de seus interesses ha em muitas situac6es historicas conflitos de interesses entre a burguesia industrial e a bur guesia financeira por exemplo Os conflitos podem existir entre os interesses da burguesia agraria e os da burguesia industrial Inte resses imediatos da burguesia agraria podem conflitar com interes ses da burguesia financeira Enfim as classes dominantes nao sao homogeneas Ou seja apresentam diferenciac6es internas que nao se podem ignorar 0 traco comum entre os distintos segmentos das classes dominantes consiste em sua capacidade em sua competencia para dominar e explorar as classes subalternas A subordinacao daqueles que ven dem sua fora de trabalho no mercado e absolutamente necessaria para que haja exploracao A disciplina que os trabalhadores precisam observar no am biente de trabalho e atingida atraves deste processo de domesticacao das classes dominadas Quem estaria disposto a submeterse a oito horas diarias de trabalho apertando parafusos de uma roda de auto movel nao fora esta subordinacao dos que nada possuem em rela cao aos proprietarios dos meios de producao A ideologia do exito economico auxilia este processo que transforma os seres humanos em quasemaquinas A necessidade de sobreviver desempenha e obvio urn papel fundamental nesta domesticacao dos trabalhadores homens e mulheres Tampouco as classes dominadas apresentam homogeneidade las se constituem de trabalhadores com diferentes graus de qua lificacao inseridos de distintas maneiras no sistema produtivo e percebendo salarios muito desiguais Assim 0 nivel de consumo permitido pelo salario de urn torneiro medlnico e muito mais alto que 0 possibilitado pelo ganho de urn Miafria ou seja trabalha dor volante da agricultura Uma faxineira ganha menos do que uma secretaria bilingiie 0 que repercute no padrao de vida de ambas Entre os que produzem mercadorias em troca de urn salario e os propriehirios das empresas explorac6es agropecuarias empresas fabris ha interesses contraditorios 0 interesse dos patr6es reside 56 om aumentar progressivamente a produtividade do trabalhador a IIm de maximizar isto e elevar ao maximo seus lucras 0 interesse Imcdiato do trabalhador consiste em se apoderar de uma fatia maior dllquilo que ele produz Ou seja ele deseja ter seu salario aumentado No plano mediato interessa ao trabalhador a socializacao dos mcios de producao Em outras palavras as classes trabalhadoras em NClI conjunto lutam a longo prazo para destruir 0 regime da divisao dn sociedade em classes sociais Desta forma ha uma profunda con lradicao entre os interesses das classes trabalhadoras e os das clas scs dominantes Ainda que estas ultimas sejam minoria prevalecem scus interesses por serem elas detentoras do poder economico e do poder politico Historicamente esta situacao foi radicalmente alte ada em alguns paises atraves de revoluc6es socialistas Nas nac6es que realizaram semelhantes revoluc6es os iriteresses da maioria pas saram a prevalecet sobre os da minoria A questao das chamadas classes medias e bern mais complexa Tratase de setores populacionais integrados por trabalhadores nao diretamente ligados a producao material Sao profissionais liberais executivos trabalhadores de escrit6rio do comercio da area de co municacao etc Tratase de trabalhadores incapazes de diretamente gerar lucros para seus patr6es Com seu trabalho estes setores me dios da populacao contribuem para que 0 trabalhador diretamente engajado na producao material se torne crescentemente mais produ tivo aumentando assim os lucros dos patr6es Estes patr6es do campo da produao material repassam uma parte de seus lucros aos patr6es dos campos de trabalho improdu tivo Urn exemplo esclarecera esta questao Urn engenheiro meca nico que inventa uma maquina capaz de multiplicar por dois a produtividade dos operarios texteis merece urn alto salario ja que esta colaborando para ampliar os lucros dos proprietarios de indus trias do ramo 0 professor que ensina a ler aqueles que vao fabricar tecidos recebe urn salario do proprietario da escola em que trabalha o lucro gerado na produao fabril e repassado pelo patrao ao pro prietario da escola que nao paga aos professores a soma total que lhe e paga pelos estudantes Ora tanto 0 operario quanta 0 enge nheiro sao frutos de urn sistema educacional Assim a atividade do professor a do engenheiro a do executivo a da secretaria nao cria novos lucros Por esta razao estas atividades sao chamadas de im produtivas Mas improdutiva nao significa desnecessaria A atividade do professor como a do medico do dentista do contador do pro gramador de computador do analista de sistemas etc e improdutiva 57 Porem a produao material jamais teria atingido 0 estagio atual sem as atividades destes profissionais improdutivos Eles sao pois profundamente necessarios ao born funcionamento da prodwao ma terial Mais urn exemplo sera oportuno para mostrar como estes tra balhadores alem de necessarios promovem a divisao dos lucros en tre patr6es dos ramos produtivo e improdutivo Suponhase uma fabrica de calados 0 industrial encarregase de contratar os em pregados que produzirao os sapatos mas nao comercializa no va rejo esta mercadoria Vendea ao comerciante que por sua vez contrata balconistas para vendela a clientes individuais Uma parte do lucro criado na produao de sapatos e repassada pelo industrial ao comerciante Assim este pode pagar as instala6es e despesas de sua loja e os salarios de seus empregados reservando uma par cela para seu consumo individual e 0 de sua familia Fica pois clara a funao de repartiao dos lucros desempenhada par esta ati vidade improdutiva ou seja 0 comercio Os trabalhadores das classes medias apresentam este trao em comum sao trabalhadores improdutivos Todavia ha uma gigantesca diferenciaao entre eles no que tange aos salarios recebidos Urn vendedor em uma loja ganha muito menos que um alto executivo Urn medico ganha muito mais do que urn bancario Um arquiteto tern rendirnentos muito mais altos que urn dati16grafo as trabalhadores de classe media sao chamados de colarinhos brancos por oposiao aos colarinhos azuis assim chamados porque em muitas fabricas sobretudo nos Estados Unidos os uniformes dos openirios tern esta cor Grande parte dos trabalhadores de classe media usa camisa social Daf a expressao colarinho branco Esta expressao e conhecida no Brasil por causa do grande numero de fraudes praticadas por funcionarios principalmente de empresas es tatais e do proprio governo que se enriquecem as custas do dinheiro do povo Como e dificil reunir provas de semelhantes crimes geral mente os fraudadores permanecem impunes Basta lembrar aqui as assombrosas somas subtraidas do INAMPS atraves de a90es frau dulentas de hospitais conveniados freqlientemente auxiliados na fal sificaao de documentos por pessoas poderosas politicamente in fluentes e azeitadas com uma parte dos ganhos ilegais A grande aspiraao dos membros das classes medias e subir na vida atraves da conquista de urn born emprego que lhes assegure altos rendimentos Desta forma ainda que as classes medias tenham 58 Ill comum com as classes subalternas 0 fato de que ambas sao do minadas pelas diferentes fragoes da burguesia dos detentores dos meios de produao tentam acentuar as desigualdades que as sepa llun dos que realizam trabalho manual Este corte entre trabalho manual e trabalho intelectual e tipico das sociedades capitalistas o trabalho naomanual goza de maior prestfgio social 0 que leva muitas pessoas a preferirem um emprego mal remunerado em escri t6rio em prejuizo de urn emprego que paga melhor mas exige tra balho manual Assim as classes medias nao se definem apenas por HCUS rendimentos mas tambem por sua educagao pelo prestigio de Huas ocupagoes naomanuais por sua identificaao com altos padroes de consumo por uma ideologia geralmente conservadora Dado seu desejo de ascensao social as classes medias freqlientemente mani Iestamse favoraveis a conserva9ao da sociedade de classes Em situagoes hist6ricas que ameaam as classes medias com perda de status de posigao social de rendimentos verificase uma tendencia de uniao entre estes setores e as classes oprimidas Tao logo entretanto as classes medias vislumbrem a possibilidade de ascensao social retomam sua ideologia conservadora de aprovaao do esquema de dominagaoexploragao tipico das sociedades de clas ses Fica portanto patente que as classes medias tendem ao conser vadorismo Temem mudanas aspiradas pelas camadas mais oprimi das pois tais alteragoes da ordem social ameagam as posigoes sociais alcangadas por estes setores medios As classes medias funcionam assim como uma especie de pararaios amenizando os choques entre as classes subalternas e as classes dominantes Deste modo contri buem enormemente para atrasar as conquistas das classes trabalha doras A analise ainda que ligeira dqs tres sistemas de dominaao explora9ao em separado deve ter deixado clara a complexidade da situagao da mulher na sociedade brasileira Ha porem que prosse guir nesta analise a fim de se explicitarem as formas de interagao entre estes tres sistemas tornados ate aqui para fins arialfticos isoladamente Como na realidade eles operam juntos e oportuno analisalos em sua globalidade 9 PatriarcadoRacismoCapitalismo Ia se viu que historicamente 0 patriarcado e 0 mais antigo sistema de dominacaoexploracao Posteriormente aparece 0 racismo quando certos povos se lancam na conquista de outros menos pre parados para a guerra Em muitas destas conquistas 0 sistema de dominacaoexploracao do homem sobre a mulher foi estendido aos povos vencidos Com freqiiencia mulheres de povos vencidos eram transformadas em parceiras sexuais de guerreiros vitoriosos ou por estes violentadas Ainda na epoca atual isto ocorre Quando urn pais e ocupado militarmente por tropas de outra nacao os soldados ser vemse sexualmente de mulheres do povo que combatem Este feno meno aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial dele resuItando muitos fiIhos de soldados norteamericanos com mulheres japonesas o mesmo se passou durante a guerra do Vietna havendo la deixado os soldados norteamericanos muitos frutos destas uni6es sexuais esporadicas e sem compromisso Desta sorte nao foi 0 capitalismo sistema de dominacaoexplo racao muitissimo mais jovem que os outros dois que inventou 0 patriarcado e 0 racismo Para nao recuar demasiadamente na histo ria estes ja existiam na Grecia e na Roma antigas sociedades nas quais se fundiram com 0 sistema escravocrata Da mesma maneira tambem se fundiram com 0 sistema feudal Com a emergencia do capitalismo houve a simbiose a fusao entre os tres sistemas de dominacaoexploracao acima analisados separadamente So mesmo para tentar tornar mais faciI a compreensao deste fenomeno po demse separar estes tres sistemas Na realidade concreta eles sao inseparaveis pois se transformaram atraves deste processo simbio tieo em urn unico sistema de dominacaoexploracao aqui denomi nado patriarcadoracismocapitalismo Ra quem use express6es como capitalismo patriarcal patriar cado capitalista capitalismo racial racismo capitalista Neste livro rejeitamse estes conceitos pelas raz6es a seguir expostas Quando se usa urn destes sistemas de dominacaoexploracao na forma substantiva e outro na forma adjetiva como por exemplo na expressao capitalista patriarcal estase atribuindo maior impor tancia ao capitalismo deixando em plano secundario 0 patriarcado o mesmo se passa com a expressao capitalismo racista No primeiro caso 0 patriarcado apenas qualifica 0 capitalismo assim como no segundo 0 racismo exerce esta funcao de qualificacao Ra tambem 60 quem tome 0 patriarcado 0 mais antigo sistema de dominacaoexplo Iucao e 0 qualifique com os sistemas de producao surgidos ao longo ua historia Nesta linha de raciocinio temse 0 patriarcado escra vista 0 patriarcado feudal e finalmente 0 patriarcado capitalista Neste caso priviIegiase 0 patriarcado em prejuizo dos sistemas pro dutivos com os quais ele foise fundindo atraves dos tempos Como se vera mais adiante 0 ato de atribuir prioridade a urn dos tres sistemas mencionados tern serias conseqiiencias do ponto de vista das estrategias de luta dos contingentes humanos oprimidos domi nados explorados Ra uma razao muito forte para que nao se proceda pelo racio cinio da priorizacao do priviIegiamynto de urn sistema de domina caoexploracao E que na realidade concreta observase de fato uma simbiose entre eles Esta fusao ocorreu em tal profundidade que e pratieamente impossivel afirmar que tal discriminacao provem do patriarcado ao passe que outras se vinculam ao sistema de clas ses sociais e ou ao racismo Se 0 patriarcado fosse regido por leis especificas independen tes das leis capitalistas 0 homem continuaria a ser 0 unieo prove dor das necessidades da familia nao havendo mulher trabalhando remuneradamente Pelo menos nao haveria mulher trabalhando fora do lar podendo ganhar algum dinheiro com trabalho no domicHio Ora foi 0 capitalismo que com a separacao entre 0 local de mo radia e 0 local de trabalho criou a possibilidade de as mulheres sairem de casa para trabalhar Isto nao signifiea que as mulheres antes do advento do capitalismo fossem ociosas Ao contrario tra balhavam na producao e conservacao dos alimentos teciam con feccionavam roupas enfim realizavam atividades hoje executadas pela industria A medida que estas atividades foram sendo industria Iizadas as mulheres tiveram necessidade de sair de casa para ga nhar seu sustento e 0 de seus dependentes ou entao para colaborar no orcamento domestico Assim e correto afirmarse que as mulheres se transformam crescentemente em trabalhadoras extralar Nao e correto dizerse que as mulheres penetraram no mundo do trabalho a partir do ad vento do capitalismo pois isto significaria que elas nao exerciam tarefas produtivas em outros regimes Nestes que precederam historicamente 0 capitalismo nao apenas as mulheres mas tambem os homens desenvolviam muitas atividadestrabalho no interior da 61 casa e em seus arredores Alem das atividades desenvolvidas no seio da familia ha que se mencionar 0 trabalho agricola realizado na epoca nas imediac6es da casa uma vez que as sociedades de entao eram eminentemente agnirias Por outro lado se as leis capitalistas vigorassem independente mente do patriarcado e do racismo 0 desemprego dentre os homens seria muito mais alto que dentre as mulheres Para provar a vali dade deste argumento nem se necessita recorrer ao fato de que as mulheres aceitam trabalhar em pessimas condic6es e por salarios aviltados Basta pensar que dado 0 treinamento que recebem para a execucao de tarefas tidas como exclusivamente femininas as mu Iheres tem maior agilidade nos dedos Em virtude disto sao muito requisitadas para 0 desempenho de atividades nas quais 0 rendimen to do trabalho aumenta em fun9ao da mencionada agilidade Podese embrar tambem que a atividade de educar na medida em que e entendida como um prolongamento da funcao de socializar os fi Ihos absorve grandes contingentes de mulheres 0 mesmo se passa no setor da saude Nao fora pois a forte ideologia que situa 0 ho mem como 0 chefe da familia e seu provedor os interesses empre sariais na contratacao de trabalhadoras teriam grandes probabilida des de se realizar Tal conduta deixaria a margem do mercado de trabalho um gigantesco contingente masculino Ha que se ponderar porem que as vantagens oferecidas por mulheres no desempenho de certas atividades nao derivam nem de sua anatomia nem de sua fisiologia Sao ao contnirio vantagens adquiridas ao longo do processo de sociaIiza9ao a que sao submetidas Estes comentarios revelam como e impossivel isolar a respon sabilidade de cada um dos sistemas de dominaCaoexploraCao fundi dos no patriarcadoracismocapitalismo pelas discriminac6es diaria mente praticadas contra mulheres De outra parte convem notar que a referida simbiose nao e harmonica nao e pacifica Ao con trario tratase de uma unidade contradit6ria Se 0 patriarcado e 0 racismo contem elementos capazes de permitir a maximizacao dos lucros capitalistas estes mesmos elementos contem 0 consumo das classes trabalhadoras dentro de limites bastante estreitos Ora so bretudo num pais de economia dependente como 0 Brasil a comer ciaIizacao de produtos industriais realizase principalmente no mer cado interno Para dar escoamento a estes produtos e pois neces sario elevar a capacidade aquisitiva 0 poder de compra das classes trabalhadoras Ao exaltar as qualidades sexuais das mulheres negras 0 branco nilo apenas transformouas em objeto da satisfacao de seus desejos mas tambem produziu 0 mulato Este produto hibrido que atual mente constitui cerca de 39 da popula9ao brasileira introduziu lunhas na supremacia do branco sobre 0 negro Ele constitui a lem bran9a permanente de que 0 branco acasalouse com negras 0 que debilita muitfssimo as justificativas para as discrimina96es contra naobrancos 0 mulato mostra assim uma violenta contradi9ao do patriarcadoracismocapitalismo Nao obstante sua 16gica contradit6 ria ete sistema simbi6tico de dominaCaoexplora9aO continua vivo Cabe pois indagar sobre as for9as de sua conserva9ao Quem sao os beneficiados desta simbiose Ja deve ter ficado claro que no seio das classes dominadas nao ha oenhuma vantagem na preserva9ao do patriarcadoracismo capitalismo Aparentemente os homens sao vitoriosos pois detem poder sobre as mulheres Mas que pre90 pagam pelo exercicio desta domina9ao Ademais e preciso considerar nao apenas os prejuizos que afe tam direta ou indiretamente 0 homem como tambem os que atin gem as mulheres e os filhos No fundo os trabalhadores enquanto classe social pagam por estas enganosas parcelas de poder deposi tadas pela sociedade em maos masculinas A castra9ao do prazer fenomeno que afeta a mulher 0 homem e seus filhos constitui um instrumento de fundamental importancia na domesticacao da maodeobra E nesta maodeobra estao presentes homens mulheres estas enquanto donasdecasa e ou trabalhadoras e as novas gera 90es dos dois sexos Na verdade a domestica9ao da maodeobra e simultaneamente a domestica9ao da familia Isto significa que os proprios trabalhadores e trabalhadoras aceitando 0 tipo de familia que Ihes e imposto colaboram extraordinariamente para perpetuar a domesticacao das classes trabalhadoras Em troca do poder de dominar as mulheres os homens se dei xam amputar na dimensao mais prazerosa da vida a da troca afe tiva transmitindo aos filhos esta mesma maneira de agir A mulher tambem colabora neste sentido pois dl educacao diferenciada aos fiIhos e filhas Afirmase com freqiiencia que a mulher e a maior responsavel pela transmissao destes padroes de comportamento Esta afirmacao e extremamente perigosa Culpabilizamse as mulheres por 63 62 quase tudo que sai errado na familia A mulher ainda que possa ter consciencia de sua naoresponsabilidade assume a culpa uma vez que foi treinada no masoquismo foi socializada para assumir o papel de vitima foi ensinada a softer em silencio Aquela afirma j ao aumentanl sem duvida 0 sentimento de culpa das mUlheres E nao se trata de culpabilizar alguem por condutas cujos significa dos ideologicos escapam a consciencia da pessoa Ao contrario tra tase de conscientizar homens e mulheres dos maleficios que 0 pa triarcadoracismocapitalismo acarreta para ambos sobretudo para os que integram as classes subalternas As classes dominantes usufruem da simbiose dos tres sistemas de dominacaoexploracao na medida em que esta simbiose conso ida 0 poder do macho branco e adulto As mulheres das classes privilegiadas e dado 0 direito de usufruir da riqueza que possuem riqueza esta amealhada graas a exploraao das classes trabalhado ras em geral e especificamente da mais intensa exploraao de mu lheres e negros destas camadas Mais do que isto a burguesia for mula normas de conduta atraves das quais subordina os trabalha dores mas nao se submete a elas Esta e uma verdade valida para todos os campos da vida hum1lDa dela nao escapando 0 terreno sexual A regra da fidelidade conjugal respeitada em geral somente pot mulheres e com freqiiencia burlada por mulheres da burgue sia Embora isto ocorra em outras classes sociais ha evidencia de que esta condutaincide mais nas camadas ricas Isto nao significa que a mulher burguesa nao e oprimida pelo homem Sua infideli dade e muitas vezes fruto desta opressao 0 que e oportuno en tender e 0 carater mais frouxo da moral sexual burguesa refletida nos comportamentos da burguesia Mantidas as aparencias de conduta mo ral correta a mulher pode as escondidas relacionarse sexual mente com outros homens Claro que a discrirao constitui exigencia fundamental a fim de nao se abalar a imagem do todopoderoso chefao Em muitas familias burguesas e mais importante parecer a mulher de Cesar do que ser a mulher de Cesar Isto e as aparencias contam mais do que os atos efetivamente praticados Verificase mais uma vez 0 carater hipocrita da moral burguesa Desde que a prole seja legitima pois a ela cabe herdar legal e legitimamente a heranra do pai a mulher tem certo grau de liberdade para exercer sua sexualidade Rigorosamente portanto 0 macho burgus nao abre mao do controle de sua companheira enquanto reprodutora mas e menos inflexivelmenos duro menos patrao no que tange ao comportamento desta mulher nas rela6es sexuais extraconjugais que nao produzem filhos Nas classes trabalhadoras ja e mais dificil encontrarse esta preocupaao com as aparencias As uni6es desfazemse com mais racilidade ja que nao ha bens a dividir As classes medias sempre se preocuparam muito com 0 que VaG dizer os outros Em nome disto preservavam uni6es legais que escondiam maus relacionamen los Nos ultimos anos este comportamento tem sofrido profundas lTIudanas Um numero apreciavel de casais vem assumindo separa c6es legais e ou de fato cada um buscando reconstruir sua vida com outra pessoa Era ja muito grande 0 numero de uni6es consensuais sem do cumento legal quando foi aprovada em dezembro de 1977 a lei que permite 0 divorcio no Brasil 0 Senador Nelson Carneiro lutou durante praticamente tres decadas tentando fazer aprovar projetos de lei neste sentido 0 parlamento contudo resistia pois grande parte de seus membros sempre foi constituida de elementos conser vadores Ademais e preciso ressaltar a influencia da Igreja Catolica cujas press6es junto a parlamentares retardaram a aprovaao da lei do divorcio Convem ressaltar que a pratica da uniao consensual estava ja transformada num costume quando 0 divorcio se tornou possivel no pais Alem disso muita gente foi percebendo que 0 importante e um bom relacionamento entre homem e mulher ficando em segundo plano a certidao de casamento Tanto assim e que muitos jovens preferem viver juntos sem se casarem so legalizando a uniao quando chegam os filhos A necessidade de 1egalizar a vida conjugal con tudo e muito maior quando ha patrimonio isto e quando 0 casal possui bens que serao transmitidos aos filhos Ainda que estes bens possam transmitirse aos filhos mesmo quando os pais nao sao le galmente casados a certidao de casamento facilita este processo Muitas vezes a necessidade de legalizar a uniao conjugal deriva do fato de as pessoas envolvidas terem fillios de mais de um casamento A legalizaao neste caso facilita a divisao da herana Embora no Brasil a mulher que vive maritalmente com um homem adquira apos cinco anos de vida conjugal direitos de es posa legal para fins de partilha da heranca conhecemse muitos casos em que a concubina nome legal da companheira vivendo ma ritalmente com um homem esta lutando ha anos pela pensao do companheiro morto tendo sido preterida pela justica em favor da 65 64 exesposa legal da qual 0 homem estava de ha muito separadoi Assim embora sabendo que a certidao de casamento nao contribui tm nada para urn born relacionamentoentre homem e mulher mui tos casais se casam legalmente para evitar transtornos para a mulher que enviuva Aqueles que se rebelam contra este sistema legal re cusandose a contrair matrimonio tern nao raro muita dor de ca bea Dada a inexistencia de patrimonio as unioes conjugais fazemse e desfazemse com maior facilidade no seio das camadas menos fa vorecidas Mas ha tambem no interior das classes trabalhadoras muitos adeptos da ideologia dominante segundo a qual e melhor manter as aparencias ainda que as relaoes do casal sejam mas Nestes easos em geral a mulher leva a pior pois dela e exigida a fidelidade ao marido enquanto este tern a aprovaao da sociedade quando se comporta como domjuan conquistando outras mulheres Nas classes privilegiadas cuja herana a transmitir aos filhos e grande da mulher se exige fidelidade absoluta nas relaoes sexuais destinadas a procriaao Ou seja e preciso que 0 pai tenha certeza e esta certeza e sempre relativa nunca absoluta de que os filhos sao seus foram concebidos atraves de uma relaCao sexual de sua esposa com ele e nao com outro homem E por isso que nao se encontram no seio da burguesia mulheres com filhos de dife rentes pais como e bastante comum dentre pessoas pobres Homens que nao tern herana a transmitir nao precisam ter urn grande grau de certeza sobre a paternidade de seus filhos De outra parte ha tambem uma grande dose de irresponsabi lidade destes homens que fazem filhos em diferentes mulheres sem nunea assumir a paternidade destas crianas Em virtude disto cres ee no mundo inteiro 0 numero de mulheres chefes de familia Familias chefiadas pot mulheres atingiam em 1984 no pais quase urn quarto do total de familias Sao grupos familiares compostos apenas de mae e filhos podendo a mae ser solteira separada de fato ou legalmente divorciada Como as mulheres ganham em me dia sahirios mais baixos que a media dos sahirios masculinos e muitas vezes os pais nao pagam pensao aos filhos a incidencia da pobreza dentre as familias chefiadas por mulheres e muito alta Nao se pode minimizar isto e diminuir 0 significado da do minaao masculina sobre a mulher nas classes altas Com frequen cia em processos de separaao legal de casais possuidores de bens o homem encontra varias formas de lesar a mulher no momento da 66 11l11tilha da divisao dos bens Procede a vendas ficticias a fim de IIMCll11der certos bens da partilha legal ou efetivamente vende deter 1I111luclos bens ocultando 0 dinheiro auferido atraves da renda To Iviu e preciso reconhecer a maior dificuldade de viver enfrentada pdu mulher pobre abandonada pelo marido Enquanto a burguesa Mltl1Cnte fica menos rica a mulher pobre pode estar exposta a fome 1I mesmo ocorrendo com seus filhos Assim embora haja muito em comum na vida de todas as mu Iheres hi diferencas de c1asse social que amenizam ou intensificam determinados sofrimentos De maneira muito simples talvez se pos U1n explicar estas diferenas afirmando que ser mulher rica de vcndo obediencia ao marido ainda e menos mau do que ser homem lias classes trabalhadoras Sem sombra de duvida e tambCm menos mau do que ser mulher pobre negra ou mulata Desta forma fica claro que 0 patriarcadoracismocapitalismo beneficia em primeiro lugar homem rico branco e adulto Em segundo plano na ordem dos beneficiados vern a mulher rica branca e adulta Esta segunda poshao e bastante diversa da pd meira uma vez que envolve a dependencia da mulher em relaao ao homem De qualquer forma a mulher burguesa sofre em situa ao de maior conforto que a mulher pobre Por conseguinte 0 machismo presente tanto na cabea dos ho mens quanto na das mulheres contribui enormemente para a pre serv 9 a ao do estado de eoisas vigente no Brasil pleno de injustias qualquer que seja 0 angulo do qual for examinado das relaoes homemmulher das rela6es entre as etnias das relac6es entre as classes sociais Estes tres sistemas de dominaaoexploraliao fundi ramose de tal maneira que sera impossivel transformar urn deles deixando intactos os demais Disto decorre 0 fato de que twas as atitudes machistas reforam a fusao do trio da dominaaoexplora ao Convem pois que se medite profundamente sobre esta questao se se tern interesse em transformar a sociedade brasileira na direCao da menor injustica Sera possivel levar avante esta luta atraves da tomada de consciencia dos prejuizos coletivos e individuais deste estado de coisas assim como por meio da desmistificacao da ideo logia liberal 67 4 CONTRADI6ES DA IDEOLOGIA LIBERAL Introduao A pedra fundamental da ideologia liberal consiste na igualdade de todos perante a lei Ta se observou que esta igualdade e mera mente formal pois na pratica alguns sao mais iguais que outros Mas efetivamente consta da lei esta igualdade entre todos Ora se todos sao iguais tanto 0 exito quanto 0 fracasso sao atribufdos as qualidades ou ausencia delas de cada individuo Ora todos sabem que ricos e pobres nao tem as mesmas opor tunidades 0 mesmo ocorrendo com brancos e negros homens e mulheres a homem branco e bemnascido pertencente a familia abastada entra no processo de compethao com enormes vantagens sendo portanto muito maiores suas possibilidades de exito As diferencas sociais e culturais atuam sobre 0 ser humane des de seu nascimento Quando 0 casal ou pelo menos 0 marido espera que 0 bebe por nascer seja um menino a decepcao e grande se 0 recemnascido for mulher Nao e preciso que se diga alguma coisa neste sentido para que a crianca ainda enquanto um bebe recem nascido perceba que nao preenche os desejos do pai e ou da mae Como a maioria das mulheres e constituida por machistas que acre ditam na sua inferioridade e na superioridade masculina muitas ges tantes desejam ter filhos do sexo masculino Acniscentese a isto 0 fato de que a ideologia prescreve que os homens devem comer bas tante e as mulheres pouco pois os primeiros devem ser fortes e as segundas frageis Este contexto ideologico induz as maes a ali mentarem seja atraves do aleitamento ao seio seja com outros ali mentos mais os bebes homens que os bebes mulheres Este fenomeno foi bem demonstrado atraves de pesquisa pela italiana Elena Gia nini Belotti estando seus resultados publicados no livro 0 descon dicionamento da mulher Petropolis Vozes 1975 Assim 0 proprio ato da alimentacao e socialmente condicionado propiciando a reali 68 zacao dos modelos prescritos pela ideologia dominante mulher fra gi homem forte Com efeito se as meninas recebem menos alimen los que os meninos nao podem tomarse tao fortes quanta estes Percebese facilmente que se trata de um circulo vicioso que e precise romper a fim de transformar a realidade social Tomese a questao do rendimento escolar no Brasil Apenas 62 da populacao haviam conquistado a escolaridade de primeiro grau ou seja oito anos em 1984 sendo de somente 46 a propor gao dos que conseguiram doze ou mais anos de escolarizacao as estudantes universitarios nao atingem atualmente no pais sequer 2 Deixando de lade 0 fato de que existem milh6es de criancas brasileiras fora da escola as que conseguem vagas nao se apresen tam nas mesmas condic6es A maioria e subnutrida Dentre estas muitas ja tiveram 0 cerebro comprometido pela falta de alimentos Esta carencia alimentar e frequentemente ao mesmo tempo quanti tativa e qualitativa A criana come as quantidades de alimentos que sua familia pode comprar E muitas vezes estas por6es sao insuficientes Por outro lado existem dietas alimentares baratas e caras Estas ultimas incluem carnes laticinios frutas As outras compreendem fundamentalmente alimentos ricos em carboidratos isto e substancias contidas em massas doces mandioca batata etc Ha milh6es de familias brasileiras que so se alimentam deste tipo de produto Logo 0 desenvolvimento organico e mental destas pessoas e muito inferior ao daquelas cuja dieta alimentar e rica em proteinas animais e vitaminas Numerosos cientistas ja demonstraram que a alimentacao du rante 0 primeiro ana de vida de uma pessoa e decisiva Se a ela faltarem os nutrientes adequados tanto seu organismo quanto sua inteligencia nao terao as mesmas probabilidades de desenvolvimento apresentadas pelas pessoas bem alimentadas A renda familiar por tanto determina a quantidade e a qualidade dos alimentos ofereci dos as crianas e por conseguinte suas condic6es basicas para apren der aquilo que lhes e ensinado na escola A qualidade da dieta alimentar entretanto nao depende ape nas da renda familiar Tambem esta e altamente influenciada pela publicidade Tomar sucos de frutas frescas e muito melhor para a saude Todavia a presenca no pais das multinacionais dos refrige rantes com toda a propaganda que fazem pela televisao e outros meios de comunicacao de massa leva as crianas e ate os adultos a preferirem tomar por exemplo cocacola a agucar 0 gas e os 69 preservativos qufmicos contidos nos refrigerantes so prejudicam a saiide Ao lade deste costume Hio difundido na sociedade brasileira assistese ao fen6meno de se deixarem apodrecer nas arvores milh6es de laranias quando 0 prego de mercado nao agrada aos produtores desta fruta Isto e decorrencia normal das chamadas economias de mercado Dentre milhares podese pinar urn outro exemplo A coa lhada feita em casa a16m de ser muito mais barata e melhor para a saiide uma vez que nao contem os conservantes qufmicos presentes nos iogurtes industrializados Tambem neste ramo da produao es Hio presentes as empresas multinacionais cobrando fortunas por pe quenos potes de iogurtes industrializados Por que se faz no Brasil hli algum tempo uma campanha em favor do aleitamento materno As multinacionais do leite em po especialmente a Nestle derramaram sua propaganda em todo 0 mun do levando as maes a acreditarem que seu leite e mais fraco que 0 leite em po Como a taxa de mortalidade infantil cresceu no pafs nos iiltimos anos e a maioria das fammas nao disp6e de renda su ficiente para comprar leite em po partiuse para ensinar as maes a retornarem ao velho habito de aleitarem seus filhos ao seio f preciso lembrar que muitos profissionais sobretudo da area da sad de nao comprometidos com as multinacionais do leite em p6 con tribuiram para desencadear a referida campanha Ainda que milh6es de maes que amamentam seus filhos nao sejam bern nutridas os beMs serao amplamente beneficiados pela restauraao deste antigo habito Obviamente uma criana bern alimentada apresenta melhor rendimento na escola do que aquela que come insuficientemente ou come alimentos inadequados Desta forma nao e dificil desmistifi car desmascarar a ideologia liberal Como pode uma pessoa ser res ponsavel pelo seu fracasso pelo seu insucesso na escola e na pro fissao por sua baixa capacidade de competir se a ela a sociedade injustamente negou as condigoes basicas para se obter exito Sao culpados os trombadinhas que nao reeeberam afeto comida eseola Sao culpados a mae e 0 pai destas crianas por nao terem conseguido bons empregos salarios decentes aeesso aos metodos anticoncepcio nais E eulpado 0 pai ou mae de familia que furta comida para ali mentar os filhos E culpado 0 adolescente que furta uma motod cleta por nao poder comprar uma se a moda e andar de moto Estas sao algumas das perguntas que os adeptos da pena de morte se devem formular A sociedade brasileira na tentativa de validar a ideologia liberal situa 0 exito economico como urn obje livo passIvel de obtenao por qualquer pessoa Basta ter fora de vontade coragem para trabalharafirma a ideologia liberal Como pode um ser humano subnutrido ter a mesma garra para veneer na vida que tern 0 bemnascido bem alimentado vivendo em easa eon forUlvel e reeebendo todas as vacinas destinaclas a proteger as erian Gas de moIestias fatais Pobres e ricos partem pois de condi6es muito diversas em sua luta pela vida Muitas diferengas de tratamento podem ser verifi cadas entre homens e mulheres E sao estas diferenas que produzem o homem e a mulher que aqui se conhecem Ha campos profissio nais por exemplo destinados exclusivamente au quase aOs homens A mulher pode estudar Engenharia Civil como pode estudar Geo logia Mas quando chega 0 momento de procurar emprego enfren tara seguramente a discriminagao Nao fica bem para uma mu lher freqiientar uma obra e Udar com pe6es da construao civil dizse Tampouco e reconhecida como pr6pria para uma mulher a profissao de geologa Convem lembrar que as discrimina6es contra a mulher nao sao praticadas apenas pelas empresas privadas A Petrobras realizou con cursos para admissao de funcionarios tendo como candidatos ge6lo gos formados pela Universidade de Brasilia Homens e mulheres que se submeteram as provas de seleao haviam recebido exatamente a mesma formaao na mesma Universidade Todavia aos candidatos permitiuse que concorressem as vagas para 0 desempenho da funyao de ge610go s6 se permitindo as candidatas que se inscrevessem para as provas que conduziam ao emprego de paleont610ga Paleont610gas estudam os solos os f6sseis neles contidos a natureza das formaoes rochosas etc mas nao fazem perfuraoes buscando eneontrar petrO leo Enquanto ao geologo e permitido ganhar altos salarios com pros pecao do solo visando a detecao de petr6leo as paleont6logas devemse contentar em analisar amostras de rochas em laborat6rio em ser funcionarias de museus de antropologia em trabalhar dentro de quatro paredes Ir a campo lidar com peoes mandar em homens constituem atividades vedadas inteiramente ou quase as ge6logas A tItulo de ilustraao mencionemse alguns exemplos de dis criminalao praticada pelo Estado A Prefeitura de Salvador na Bahia submetia as garis a testes mensais de detwao de gravidez 70 71 A Prefeitura de Sao Paulo recusouse a contratar professoras gravidas Isto e muito mais acontece ao arrepio da lei cuja intenao e proteger a maternidade Parece pois oportuno discorrer ainda que brevemente sobre esta questao As leis e sua naoimplementaao o Brasil e conhecido como nao cumpridor de leis De fato a naao tern milhares de leis que sao sistematicamente descumpridas nao implementadas Dizse vulgarmente que aqui ha leis que pe gam e leis que nao pegam Mas por que ha leis que nao pegam se ao Estado em seus varios niveis municipal estadual e federal cabe zelar pelo cumprimento rigoroso da legislaao As leis nao existem segundo a ideologia liberal para garantir os direitos dos cidadaos Na medida em que ha leis que nao pegam que nao sao observadas garantese na verdade 0 direito de uns em detrimento em prejuizo do direito de outros Para os propositos deste livro cabe selecionar alguns exemplos de leis que nao implementadas deixam correr soltas as discrimina oes contra naobrancos e mulheres Nao obstante 0 artigo 153 da Constituiao brasileira proibindo a discriminaao com base na raa e penalizandoa criminalmente e a Lei Afonso Arinos expressamente fonnulada para impedir a margina lizaao do negro este elemento sofre toda sorte de injustias neste pais Se dois candidatos a urn emprego urn branco e urn negro apresentarem a mesma qualificaao as probabilidades de 0 elemento branco ser selecionado sao muito maiores do que as do negro Esta regra que vigora para quase todos os empregos e mais fortemente observada nos empregos mais prestigiosos mais bern pagos e so bretudo naqueles que exigem boa apresentaao Quando anun cios de empregos trazem esta exigencia sao vas as tentativas de negros de obterem tais postos Por tras da boa apresentaao es condese a discriminaao contra as pessoas negras e a fonnula ado tada impede a criminalizaao penal do anunciante ja que nao ex plicita 0 preconceito racial Basta contudo ter ouvidos para conhe cer 0 gigantesco numero de negros e negras que tendo tido seus curriculos aprovados pela empresa na qual pleitearam emprego fo ram descartados apos a entrevista Se por urn lado nao se exige a menao da cor do candidato a emprego no curriculo por outro esta se revela na entrevista 0 que permite eliminar negros 72 No que tange especificamente a mulher as negras sao geral mente preteridas em favor de brancas nos cargos que exigem trata mento com 0 publico Ate mesmo no emprego domestico remunerado Hetor em que as negras predominam encontramse brutais discrimi naoes Para a verificaao deste fenomeno basta ler as fichas das patroas que buscam empregadas domesticas Muitas delas especifi cam que so aceitarao empregadas brancas No caso de babas este Ienomeno e ainda mais agudo Nao custa ao leitor se perguntar quantas negras ja viu atuando como executivas de empresas como aeromoas como recepcionistas em bancos como secretarias de alto nivel como enfermeiras de alto padrao Mais rara ainda e a presena de negras nos campos profis sionais considerados essencialmente masculinos como a Agronomia a Geologia a Engenharia etc Tambem dentro de urn mesmo setor profissional ha uma especializaao sexual agravada pela cor ne gra Por exemplo se e verdade que as mulheres penetraram bastante no terreno da Medicina nos ultimos anos nao e menos verdadeiro que em geral sao ginecologistas e obstetras pediatras enfim es pecializamse em lidar com mulheres e crianas Raramente se veem mulheres em outras especialidades medicas No setor de cirurgia a presena feminina e infima E menor ainda quando se trata por exemplo de neurocirurgia Observase no setor de Neurologia que ha medicas cuja funao reside em fazer 0 prediagnostico Caso 0 paciente precise de cirurgia e encaminhado ao neurocirurgiao quase infalivelmente urn homem Se a penetraao nestes setores e extre mamente dificil para as mulheres em geral esta dificuldade aumenta consideravelmente quando se trata de mulheres negras Milhares de fenomenos deste tipo poderiam ser mencionados com 0 proposito de demonstrar que 0 acesso de negros e de mulheres a certos setores profissionais nao e 0 mesmo do homem branco apesar da legislaao que proibe a discriminaao na base da raa e do sexo Sera oportuno agora examinar 0 preo pago pelas mulheres pela possibilidade biologica e pelo direito de ter filhos Racional mente falando a sociedade inteira deveria pagar os custos da repro duao humana entendendose por isto nao apenas a reproduao biD logica mas tambem a reproduao social isto e a socializaao das geraoes imaturas A sociedade e a maior interessada nesta repro duao pois de1a depende sua propria sobrevivencia Se os casais deixarem de ter filhos as sociedades desaparecerao com a morte de seus membros adultos 73 A proteao a maternidade faz parte da ideologia liberal Tanto assim e que a CLT oferece esta proteao abstrata a gestante Vale a pena transcrever alguns artigos que teoricamente garantem os di reitos das gestantes Art 391 Nao constitui justo motivo para a rescisao do contrato de trabalho da mUlher 0 fato de haver contrafdo ma trimonio ou de encontrarse em estado de gravidez Paragrafo unieo Nao serao permitidas em regulamentos de qualquer natureza convencoes coletivas ou contratos indivi duais de trabalho restricoes ao direito da mulher ao seu em prego por motivo de casamento ou de gravidez Art 392 E proibido 0 trabalho da mulher gravida no perfodo de 4 quatro semanas antes e 8 oito semanas depois do parto Art 393 Durante 0 perfodo a que se refere 0 artigo 392 a mUlher tera direito ao salario integral e quando variavel calculado de acordo com a media dos 6 seis ultimos meses de trabalho bem como os direitos e vantagens adquiridos sen doIhe ainda facultado reverter a funcao que anteriormente ocupava a estudo do Direito Comparado mostra que a legislaao brasi leira e bastante avanada Nos Estados Unidos por exemplo nao existe licenamaternidade na maioria dos Estados que la tern auto nomia para legislar sobre este assunto No Brasil 0 trabalho assa lariado e regulamentado pelo governo da Uniao federal nao po dendo os Estados intervir nesta legislaao nem tampouco fiscalizar Sua implementaao seu cumprimento Como se costuma dizer contudo na pratica a teoria e outra Pesquisa reaIizada por entidades sindicais na regiao do ABC onde se concentra maciamente a industria paulista revelou que mais de 90 das empresas nao cumprem os artigos da CLT anteriormente transcritos A mulher e sistematicamente despedida quando se casa ou quando engravida Poucas empresas deixam de dar preferencia as solteiras e sem fiIhos Tendem a cumprir a legislaao as indus trias que nao podem substituir facilmente a operaria demitida A industria de confec6es para efeito de analise deste fenorne no pode ser dividida em dois segmentos Urn deles e 0 de confec 6es em serie que abrange desde a roupa chamada de carregaao ate as confeccionadas em tecidos mais finos Esta industria caracte rizase pela presena macia de tecnologia avanada que permite lim alto grau de automaao a tecido e cortado por maquinas pro prias e para a confecao varios outros tipos sao utilizados Para traba Ihar costurando roupas neste tipo de industria a mulher nao precisa er costureira pois ha uma grande divisao do trabalho Ha operarias que so pregam bolsos ha outras que so costuram 0 colarinho da ca misa ha outras que so pregam bot6es Estas operarias nao sabem cos urar uma pea de roupa inteira e muito menos cortar 0 tecido Muitas costureiras que a domiciIio costuravam sob medida para suas freguesas desaprenderam este oficio depois de algum tempo traba Ihando para a industria de confec6es Isto e sua fora de trabalho sofreu 0 chamado processo de desqualificaao tipico do capitalismo cujo emprego de tecnologia moderna exige grande divisao do traba Iho Saber pregar bolsos nao e saber costurar Assim miIhares de costureiras que sabiam costurar foram transformadas em costureiras que nao sabem costurar DesquaIificaramse para 0 trabalho que no passado garantiu seu sustento Quando a industria atraves do usa intensivo de tecnologia di vide 0 trabalho em pequenas tarefas pode contratar qualquer pes soa para 0 desempenho destas funoes uma vez que bastam algumas horas para ensinaIas a executar 0 trabalho Desta forma a tenden cia deste tipo de industria e conservar na fabrica apenas mulheres solteiras e sem filhos pois e muito faciI encontraIas no mercado de trabalho As casadas este tipo de industria fornece trabalho a ser realizado na residencia da trabalhadora sem nenhum onus trabalhis ta para a empresa Ha entretanto outro genero de industria de confec6es Trata se de empresas que se especializaram no modelo exclusivo de alto custo Para a realizaao deste tipo de loupa sao necessarias costurei ras capazes de montar a pea inteira e realizar 0 trabalho de agulha exigido pela alta costura Esta maodeobra nao se substitui facilmen te por duas raz6es Uma delas diz respeito ao processo ja mencio nado de desqualificaao da fora de trabalho promovido pela auto maao da produao industrial A outra vinculase as mudanas ocorri das no processo de socializaao das mulheres E raro atualmente que as famiIias ensinem as filhas a costu rar au se trata de famiIias muito pobres cujas filhas se destinam ao trabalho agricola ou ao emprego domestico ou as famiIias pro curam dar 0 maximo de escolaridade as filhas a fim de preparaIas para 0 desempenho de uma ocupaao moderna Ha portanto uma pronunciada tendencia em nao se ensinar 0 oficio de costureira as 75 74 filhas Ao longo do tempo esta tendencia produziu uma escassez de profissionais deste ramo Assim como as industrias de alta costura teriam dificuldade para substituir as costureiras que se casam ou en gravidam tendem a adotar uma polftica social de preservaao de suas openirias Foradas pela escassez de maodeobra qualificada no mer cado estas industrias tendem a cumprir a legislaao de proteao a matemidade Fica pois claro que 0 cumprimento da legislaao em exame depende das condi6es do mercado de maodeobra Na grande maioria dos casos as empresas tampouco cumprem os dispositivos legais no que tange a guarda dos fiIhos de suas em pregadas 0 artigo 389 da CLY prescreve em seu 10 as estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 trinta mulheres com mais de 16 dezesseis anos de idade terao local apropriado onde seja permitido as emplegadas guar dar sob vigWincia e assistencia os seus fiIhos no perfodo de amamenta9ao Segundo 0 disposto no 2 do mesmo artigo A exigencia do 10 podera ser suprida por meio de creches distritais mantidas diretamente ou mediante convenios com outras entidades publicas ou privadas pelas proprias em presas em regime comunitario ou a cargo do SESI do SESe da LBA ou de entidades sindicais Estes dispositivos legais merecem crfticas Em primeiro lugar nao se define com precisao 0 lapso de tempo em que tais creches seriam obrigadas a receber os fiIhos das empregadas Periodo de amamentacao constitui uma expressao vaga pois ha maes que nao amamentam outras que amamentam durante urn ou dois meses ou tras ainda que amamentam durante urn ana ou mais Em segundo lu gar a possibiIidade de as empresas manterem creches conveniadas da margem a chamada creche fantasma Ou seja a creche existe mas esta situada a 10 km da empresa e a outros 10 km do local de residencia da empregada tomando impossfvel seu uso Outras crfti cas deste genero poderiam ser feitas a estes dispositivos legais Para os propositos deste Iivro contudo interessa rnais discutir a justica de uma legislacao protetora da maternidade que reforca o velho habito de atribuir a mulher a responsabiIidade pela guarda e sociaIizacao dos fiIhos Se a sociedade inteira tern interesse em sua pr6pria reproduao nada mais justo que pensar em uma legislaao que obrigue as empresas a oferecer creches aos filhos de seus empre gados independentemente de serem eles homens ou mulheres Seria urn born comeco para se instaurar na sociedade brasileira a pater nidade responsavel entendendose por patemidade irresponsavel aque la que nao e assumida pelo homem Nesta mesma Iinha de raciocfnio que e 0 da partilha da vida por homens e mulheres que decidem constituir familia caberia rei vindicar Iicencapaternidade Se no caso do pai nao ha raz6es de ordem biologica para embasar esta reivindicacao ha e muitas ra z6es de carater social Se 0 recemnascido chora a noite toda im pedindo seu pai de dormir a fim de restaurar suas foras nao e justo exigir que este homem trabalhe no dia seguinte Esta questao nao deve contudo ser encarada apenas do angulo dos deveres porquanto e tambem muito importante enxergaIa da perspectiva dos direitos Por que privar 0 pai de urn convfvio estreito com 0 recemnas cido se isto pode proporcionar ao homem muito prazer atem de ser benefico para 0 bebe Por que nao reconhecer ao pai 0 direito de participar do desenvolvimento de seu fiIho A figura paterna e do ponto de vista social tao importante quanta a materna Com freqiien cia podemse observar criancas e adolescentes com problemas de personalidade em razao da omissao paterna Homens mais sensfveis perceberam 0 quaD castradora e a ideologia machista e ja estao rei vindicando direitos so concedidos as mulheres Por exemplo ja ha homens que quando se separam legalmente reivindicam a guarda dos fiIhos Os docentes da PUC de Sao Paulo obtiveram 0 di reito a licencapaternidade de uma semana Embora seja ainda muito pouco nao deixa de ser uma grande conquista se medida pelo seu significado social em termos de capacidade de minar a ideologia machista Urge portanto provocar mudancas na legislacao em pauta Ate que isto venha a ocorrer entretanto e preciso exigir 0 cumprimento das leis em vigor A implementaciio destas leis cabe ao govemo fe deral Ora que autoridade moral tern urn governo para exigir das empresas privadas 0 cumprimento de leis que ele proprio desrespei ta Quantas sao as repartic6es publicas e as empresas estatais que mantem creches para os fiIhos de suas empregadas A nfvel estaduaI a realidade nao e menos sombria 0 mesmo podendo afirmarse 77 76 com relaao ao plano municipal Assim nao e dificil concluir que estas leis fazem parte daquele conjunto de leis que nao pegaram simplesmente porque contrariam frontalmente interesses das classes dominantes E estas sabem atuar quer atraves de seus representan tes diretos quer atraves do Estado em favor de seus interesses Deve 0 direito ser igual para todos Se todos os membros da sociedade tivessem as mesmas oportu nidades partissem das mesmas condioes no processo de luta pela vida as leis deveriam ser iguais para todos No Brasil onde 60 da populalao apresenta carencias alimentares e evidente que as pessoas nao sao iguais Seria pois injusto distribuir as familias abastadas os alimentos que de vez em quando sao oferecidos pelo Estado as po pulaloes famintas Tambem seria injusto que 0 Estado fornecesse merenda escolar as escolas destinadasa crianlas pertencentes as clas ses dominantes Sabendose que ha preconceito racial no pais que 0 negro e mar ginalizado de ocupaoes rendosas e prestigiosas que e objeto de ga lhofas de brincadeiras que 0 diminuem que 0 fazem cair no ridiculo seria correto deixar de elaborar uma legislacao que pune criminal mente tais discriminaoes Embora estas leis sejam amplamente des respeitadas sua mera existencia ja provoca uma reducao dos abusos dos brancos contra os negros A legislalao paira como uma ameala contra brancos que discriminam negros pois estes podem a ela re correr a fim de defender seus direitos de cidadaos Podese portan to afirmar que a situaao de marginalizaao do negro seria ainda pior se nao houvesse uma legislaao especffica proibindo praticas discriminatorias contra ele Como na pratica brancos e negros nao sao iguais fazse necessaria uma legislacao que proteja os socialmen te mais fracos funcionando pelo menos como ameaa aos social mente mais fortes Processo semelhante ocorre com as mulheres Socialmente fragi lizadas pelas brutais discriminacoes praticadas contra elas necessi tam ser protegidas por uma legislaao particular que garanta por exemplo seu direito ao trabalho Ta foi visto 0 alto grau de inobser vancia de descumprimento da legislaao protetora do trabalho femi nino e da maternidade Tambem foi ressaltada a necessidade de se lutar pela implementacao destas leis e ate mesmo de uma luta espe dfica para melhoraIas Mas perguntase deveriam as leis ser iguais para homens e mulheres quando se sabe que estas ultimas sofrem LIS mais vexatorias discriminaoes Parece clara a necessidade de um Direito desigual no tratamen to de seres humanos socialmente desiguais com 0 objetivo de elimi nar ou pelo menos reduzir as desigualdades Se as mulheres ja se defrontam com grandes dificuldades de reter seus empregos quando se casam ou engravidam qual seria sua situacao caso as leis nao proi bissem sua demissao em razao do casamento e da gravidez Segura mente a condiao da mulher seria pior Nas circunstancias vigentes no Brasil pelo menos as funciomirias publicas e uma pequena par cela das trabalhadQras de empresas privadas gozam efetivamente do direito a licencamaternidade Isto sem duvida e melhor que nada Todavia 0 fato de este direito ser desfrutado apenas por uma par cela das trabalhadoras brasileiras constitui motivo suficiente para jus tificar lutas visando ao cumprimento integral da legislacao protetora do trabalho feminino e da maternidade Outras lutas Gomo a que visa a igualdade da mulher na familia sao da maior importancia merecendo 0 respeito e a contribuicao de todos Pelo menos os mem bros das classes trabalhadoras e das classes medias deveriam enten der a relevancia de sua participacao pois como se demonstrou sao estas as classes altamente prejudicadas pela discriminaao contra a mulher Tomese por exemplo a questao da vioHncia masculina contra a mulher Dada sua formaao de macho 0 homem julgase no direito de espancar sua mulher Esta educada que foi para submeterseaolF desejos masculinos toma este destino como natural A criaao das Delegacias de Polfcia de Defesa da Mulher resultou desta ideia de que pessoas consideradas desiguais pela sociedade nao devem ser tra tadas pelas mesmas leis As delegacias especializadasno atendimento de mulheres vitimas de violencia criaram condioes para que estas vitimas denunciem seus algozes Diferentemente de uma delegacia de polfcia tradicional as delegacias especializadas nao admitem funcio Ollrios homens Todas desde as investigadoras passando pelas escri vas ate a delegada titular sao mulheres So este fato jii promove se rias mudancas que estimulam as vitimas de violencia a denunciar os que de uma maneira ou outra lhes infligem sofrimentos fisicos Numa delegacia especializada onde so trabalham mulheres 0 am biente e de solidariedade para com as vitimas ao contriirio do que 79 78 ocorre nas delegacias comuns Nestas asvitimas ja grandemente Ira gilizadas pela violencia sofrida sao objeto de chacotas com base na crena de que mulher gosta de apanhar ou mulher que apanha agiu incorretamente a dito popular em briga de marido e mulher nao se mete a colher mostra eloqiientemente a atitude machista de nao tocar na sagrada supremacia do macho Nao obstante as leis que preveem penas para os agressores os policiais investigadores delegados omitemse nestes casos Nao cum prindo 0 que esta estabelecido pelas leis a policia tornase cumplice do agressor masculino Este nao meter a colher em briga de marido e mulher cria condi6es para homicidios Conhecemse centenas de casos de mulheres que estando sendo ameaadas de morte pelo com panheiro solicitaram proteao a policia Como esta nao deu a me nor importancia a solicitaao destas mulheres elas acabaram sendo assassinadas pelos companheiros as tribunais lamentavelmente nao se comportam de forma diferente Mulheres vitimas de violencia sao freqiientemente transformadas em res inclusive depois de mortas a tratamento que as mulheres recebem nas delegacias tradicio nais e ainda pior quando se trata de casos de estupro a poder do macho leva os policiais os investigadores os delegados a se atribui rem 0 direito de propor manter rela6es sexuais com a mulher vio lentada pois esta e considerada uma mulher disponivel uma mulher para uso e abuso de todos A crena que esta por tras desta conduta e a de que a mulher nao e propriamente violentada mas de que ela se comporta como sedutora Na medida em que na cabea dos ho mens em geral e especificamente dos agentes da lei policiais jui zes promotores a mulher e diab6lica seduzindo 0 homem ino cente ela e imediatamente convertida de vitima em reo E e nesta ul tima condiao que normalmente e posta recebendo 0 tratamento cor respondente Sabese que a violencia masculina contra a mulher no Brasil e extremamente alta Todavia nao se conhecem as cifras corresponden tes a este fenomeno pois ele e amplamente escondido nao denun ciado Com a criaao das delegacias especializadas comease a ter ideia da situaao alarmante em que vivem as mulheres brasileiras Milhares delas sao espancadas pelos companheiros em todas as clas ses sociais Ja que nao ha condi6es para a mulher denunciar seus agresso res nas delegacias tradicionais nao se justifica a criaao de delega 80 cias especializadas Tratase de urn Direito desigual para lidar me nos injustamente com seres humanos profundamente desiguais em termos do gozo efetivo dos direitos que cada urn e todos tern garan tidos em tese pela lei Dadas as dificuldades que as mulheres encontram de penetrar na politica de se elegerem para cargos legislativos e executivos al guns paises estabeleceram 0 sistema de cotas Reservase por exem plo urn certo numero de cadeiras do Parlamento para mulheres As candidatas mais bern votadas preenchem estas cadeiras embora haja candidatos com urn mimero muito superior de votos Esta questao foi amplamente discutida por feministas brasileiras Optouse pela hao reivindicagao do estabelecimento do sistema de cotas uma vez que nao se trata meramente de substituir homens por mulheres nos pos tos legislativos e executivos Ao contrario 0 sexo do politico nao in teressa a que importa sao as bandeiras que ele ou ela defende du rante a vigencia de seu mandato Ha na6es contudo como e 0 caso do Egito em que tal sistema parece se fazia necessario Em paises mugulmanos a subordinaao da mulher ao homem aMm de ser pro funda e legitimada pela religiao Haja vista 0 que ocorreu no Ira Com a deposiao do xa Reza Pahlevi cujo governo nao merece nenhuma defesa houve uma reto mada feroz das tradi6es religiosas voltando as mulheres a usar 0 veu Embora fosse altamente discutivel a modernizaao em processo sob 0 regime do Xa uma vez que era sinonimo de ocidentalizaao houve com a instauraao do regime do aiatola Khomeini urn retro cesso no incipiente processo de reduao do poder masculino sobre a mulher Rigorosamente 0 estabelecimento de privilegios para minorias discriminadas as mulheres nao constituem minoria mas sao tratadas enquanto tal visa a instauraao da igualdade a sistema de cotas no campo politico objetiva a recuperaao do atraso em que se encontram as mulheres Toda e qualquer legislaao que oferece proteao a dis criminados tern por finalidade exatamente pelo menos reduzir as diferenas sociais As medidas de combate as discrimina6es raciais e sexuais pos siveis nas sociedades capitalistas nao eliminam tais injustias Mas sem dtivida contribuem para tornar menos rna a situaao das mino rias marginalizadas A longo prazo portanto semelhantes medidas vao introduzindo cunhas no patriarcadoracismocapitalismo Em outras 81 palavras as conquistas burguesas permitidas pela ideologia liberal preparam 0 caminho para lutas mais radicais visando ao estabeleci mento da igualdade de fato entre homens e mulheres e entre dife rentes etnias Ia que colocam as minorias em melhores condicoes de lutar pela igualdade social as referidas medidas sao importantes me recendo todo respeito Todavia e dificil elaborar leis protetoras de minorias porque e dificil estabelecer 0 grau adequado de protecionismo Esta questao merece urn exame ainda que ligeiro ja que sobre ela recai muita controversia Dosagem da proteao legal Todas as leis protecionistas sao simultaneamente leis discrimi natorias Quando urn trabalhador seja urn negro seja uma mulher recebe protecao legal a lei que 0 protege representa uma ameaca para seu empregador Urn exemplo esclarecera esta problematica De acordo com a lei as funcionarias publicas tern direito a quatro meses de li cencamaternidade sendo de 84 dias a duracao desta licenca para as trabalhadoras contratadas pela CLT tanto em empresas publicas quan to em empresas privadas Ainda que esta legislaCao seja grandemente descumprida a ameaca de sua implementacao paira sobre a cabeca do empresario Desta forma 0 empregador prefere empregar homens quando tern a possibilidade de escolher Muitas mulheres defendem a ampliacao da licencamaternidade sem perceberem que este seria urn caminho rapido e eficiente para aumentar as discriminacoes que contra elas se praticam Esta reivin dicacao esteve presente no ultimo congresso da Contag Confederacao Nacional dos Trabalhadores Agricolas realizado em 1985 Ora as trabalhadoras rurais nem sequer sao registradas trabalhando clandes tinamente e portanto nao usufruindo dos poucos beneficios que lhes sao assegurados por lei Nao seria rnais logico lutar pela implemen tacao da legislacao em vigor discutindo e amadurecendo novas rei vindicacoes Nao tern prioridade a mudanca da legislacao no senti do de conceder aposentadoria a trabalhadora rural casada Se as trabalhadoras ja sao altamente discriminadas desfrutando de urn direito legal que lhes concede doze semanas ou quatro meses de licencamaternidade que lhes sucederia se a duracao de tal licen ca fosse ampliada Evidentemente as possibilidades de obter e con servar 0 emprego seriam altamente diminuidas para as mulheres Mes mo em alguns paises socialistas onde as discriminacoes contra as mulheres tendem a ser de menor vulto a ampliacao da licencama ternidade nao tern beneficiado a maodeobra feminina Tomese por exemplo a Hungria Neste pais a trabalhadora tern direito a tres anos de licena quando do nascimento de urn filho Ainda que nem todo este periodo seja remunerado assegurase amu lher 0 direito de retornar ao posto anteriormente ocupado Para efei to de raciocinio imaginese uma mulher que em quatro anos teve tres filhos urn em 1980 0 segundo em 1982 e 0 terceiro em 1984 Esta trabalhadora podera permanecer em casa em licencamaternida de de 1980 a 1987 portanto oito anos Neste exemplo hipotetico o periodo e apenas de oito anos porque 0 intervalo entre os filhos e de dois anos Se este intervalo fosse maior 0 periodo de licenca tambem 0 seria Voltanto ao exemplo imaginado a mulher que per maneceu no lar durante oito anos resolvendo retornar a vida econo micamente ativa apos este longo periodo tera perdido sua qualifica cao Por urn lado ela tersea esquecido ou pelo menos perdido a pratica de como realizar suas funcoes profissionais Por outro lado os avancos da tecnologia terao provocado mu dancas no processo de trabalho que nao foram acompanhadas por esta mulher recolhida ao lar E normal que isto ocorra em qualquer campo profissional dada a velocidade das mudancas de carMer tec nico Se e menos dificil reaprender a realizacao de uma tarefa ou aprender uma nova para uma operaria 0 mesmo nao se pode dizer de uma profissional cujos conhecimentos devem ser permanentemen te atualizados Que aconteceria a uma medica a uma professora a uma arquiteta que retornassem ao trabalho depois de oito anos cui dando apenas da casa e dos filhos E claro que os conhecimentos destas profissionais estariam inteiramente desatualizados nao deten do elas 0 dominio das novas tecnicas surgidas no periodo em que es tiveram em recesso Assim nao e dificil entender que a protecao a maternidade deve restringirse ao minimo indispensavel para permitir a mae se recom por do parto e dispensar cuidados ao recemnascido Em lugar de se reivindicar extensao da licenamaternidade 0 que contribuiria am plamente para intensificar a discriminacao contra a mulher dever seia imprimir mais fora as lutas por equipamentos de consumo co letivo tais como creches preescolas escolas em tempo integral no 83 82 ensino de primeiro grau restaurantes a preos modicos Iavanderias populares etc Alem de nao se exagerar na dose de protecao a maternidade e ao trahalho feminino e preciso voltar a enfatizar a necessidade da partilha As criancas nao sao apenas filhas da mae mas tambem fi lhas do paL Ao assumir a paternidade dos filhos 0 homem estara partilhando a vida com a mulher E isto nao constitui apenas urn dever e sobretudo urn direito 0 homem deve refletir sobre esta dimensao da vida que nao inclui apenas 0 trabalho de alimentar as criancas banhaIas trocarIhes as fraldas Inc1ui tambern atividades extremamente prazerosas como conviver com a crianca observar seu desenvolvimento e para ele contribuir apreender a perspectiva dos filhos suas ansiedades suas carencias suas angustias E isto e muito importante para que 0 adulto possa repensar sua pr6pria vida tra balhar seus grilos desreprimir seus afetos Assim este convlvio entre pai e filhos nao e benefico apenas para as criancas mas tam bern pata 0 homem Nesta medida tratase mais de urn direito do que de urn dever quando se fala em participacao na criaao dos filhos Muitos homens ja estao revelando suficiente sensibilidade para reivindicarem menos trabalho e mais tempo livre a ser destinado ao convlvio com os fi lhos Que imagem paterna pode construir uma crianca cujo pai sai para 0 trabalho enquanto eia ainda dorme e retorna ao lar depois que ela ja foi posta para dormir Obviamente a imagem sera a de urn ausente Logo esta imagem tera uma conotacao negativa daquilo que nao e daquilo que nunca esta presente E evidente que a ideologia machista endeusara este pai que como provedor das necessidades da familia gasta dez ou mais horas por dia com a atividadetrabalho Algum dia os homens pararam para refletir sobre a amputaao que isto representa em suas vidas Quem se beneficia com este estado de coisas Seguramente nao serao os trabalhadores obrigados a gastar todas as suas foreas e todo seu tem po para ganharem seu sustento e 0 de suas famllias Tampouco serao beneficiados as filhos destes trabalhadores a quem faz falta a figura paterna a figura masculina Tampouco ainda serao beneficiadas as maes que carregam sozinhas a responsabilidade pela criacao e du cacao dos filhos Assim mais uma vez nao e diHcil reconhecer que os beneficiados par tal sistema sao os economica e politicamente poderosos 84 A penetracao da ideologia das classes dominantes nas cabecas dos membros das classes dominadas permite que 0 processo de do mesticacao da maodeobra se desenvolva no seio da propria familia pois enquanto a menina tender a repetir 0 papel da mae 0 menino tomara 0 pai como modelo Desta forma perpetuase 0 sistema de poder que privilegia 0 homem branco e adulto em prejulzo das mu lheres dos naobrancos e das criancas e adolescentes Nunca e de mais afirmar 0 poder e branco masculino e adulto Em outras pa lavrassubordinamse ao macho branco e adulto mulheres negros e naoadultos Nao se pode esquecer porem que se todo macho bran co e adulto detem alguma parceia de poder em reIacao as muIheres aos naobrancos e as criancas a maioria dos homens brancos e adul tos sofre a dominaao de outros machos brancos e adultos cujo po der deriva de sua pertinencia as classes dominantes Observase quao complicada e a situacao uma vez que os tres sistemas de dominacaoexploraao anteriormente separados para efei to de anaIise nao correm paraielamente mas atuam conjuntamente formando urn s6 sistema de poder ainda que com uma I6gica contra dit6ria 0 bom entendimento dos mecanismos de atuacao do patriar cadoracismocapitalismo determina a direcao para a qual se condu zem as lutas sociais E de urn adequado encaminhamento das Iutas depende 0 grau de seu sucesso assim como a velocidade de suas conquistas 85 5 UMA ESTRATEGIA DE LUTA IntrodUf8o Nao existe uma unica maneira de lutar contra as discriminaoes raciais e sexuais Diferentes grupos de negros e de mulheres com consciencia das discriminaoes sofridas enfrentam de formas diver sas este sistema de dominaaoexploraao Este fenomeno e normal se pensado como decorrencia das diferentes posioes ocupadas por cada urn na estrutura de poder da filiaao das pessoas a distintos partidos politicos das desigualdades entre as escalas de valores dos militantes Para tomar 0 caso dos negros brasileiros certas aoes conside radas como formas adequadas de luta por seus praticantes sao qua lificadas como de subserviencia de aceitaao da sujeiao aos bran cos ou para usar uma expressao ja consagrada de branqueamento o branqueamento significa a adesao de negros a ideologia dos brancos 0 que facilita aos negros ocupar certas posioes na estru tura de poder construida pelos brancos Em outros termos negro po deroso e branco Portanto 0 processo de branqueamento tern na tureza social Isto e embora 0 poder exercido por determinados ne gros nao lhes altere a cor da pele propiciaIhes urn tratamento igual ou semelhante aquele dispensado aos brancos Como a categoria social negros nao e homogenea pois inclui ri cos remediados pobres miseraveis assim como homens e mulheres para nao mencionar as diferentes tonalidades de pele nao sao tam pouco homogeneas as estrategias de luta o mesmo fenomeno da heterogeneidade encontrase no seio da categoria social mulheres Em todas as classes sociais ha mulheres Logo aquilo que interessa a mulheres de uma classe social pode nao interessar a mulheres de outra classe social Alem disso as mulheres diferenciamse tambern quanta a etnia No Brasil cabe ressaltar as diferenas de tratamento dispensado a brancas e a naobrancas Assim o que constitui prioridade numero urn para urn grupo de mulheres brancas pode receber 0 numero dez na ordem de prioridade de urn grupo de mulheres negras e viceversa E importante frisar a heterogeneidade das categorias SOCIalS que recebem tratamento de minoria como negros mulheres As pr6prias classes dominantes incentivam a manutenao desta heterogeneidade Mais ainda estimulam 0 surgimento de maior grau de diferenciaao interna destas categorias sociais Graas a esta heterogeneidade as classes dominantes podem facilmente dividir movimentos reivindi cat6rios destas categorias sociais de modo a enfraqueceIos Cabe salientar a impossibilidade de urn movimento contra as discriminaoes raciais capaz de congregar todos os negros Haveni sempre urn contingente que julga mais interessante 0 caminho do branqueamento Da mesma forma seria impossivel obter a adesao de todas as mulheres a uma luta contra as discriminaoes sexuais Existira sempre urn certo numero de mulheres que embora domina das por homens sentirseao recompensadas atraves de seus priviIe gios de classe Ademais ha que se ressaltarem dentre as que estao dispostas a combater a inferioridade social da mulher as diferenas de 6ticas de pontos de vista de perspectivas Assim nao se pode esperar que todas as mulheres se congreguem em torno das mesmas bandeiras lsto nao significa que nao haja bandeiras capazes de ir manar isto e tornar irmas tornar mais iguais urn grande numero de mulheres 0 Movimento de Luta por Creches na cidade de Sao Paulo conseguiu congregar milhares de mulheres nao apenas aque las que tinham filhos em idade preescolar e portanto potenciais usuarias deste equipamento de uso coletivo como aquelas que po dendo pagar empregadas ou preescolas para os filhos compreende ram as enormes dificuldades das menos privilegiadas Se urn grande numero de mulheres pode ser reunido em torno de uma reivindicaao reconhecidamente justa este fenomeno e mui to mais diffcil quando se trata de provocar mudanas profundas na estrutura de poder da sociedade visando a alteraoes tambem profun das na condiao feminina Neste caso muitas mulheres esbarram com os interesses da classe social a qual pertencem ou com 0 medo de receberem 0 carimbo de malamadas solteironas Iesbicas fre qiientemente utilizado por aqueles com interesses na manutenao do status quo isto e da situaao vigente Neste contexto nada mais oportuno do que fazer aqui alguns comentarios sobre as escalas de 86 87 prioridades dos diferentes grupos de militantes contra a discriminaao das mulheres Reexame da prioriz8f8o das lutas Invariavelmente todas as lutas intestinas que desaguam em ci soes nos chamados rachas dos movimentos feministas tern pOl ori gem a maior importancia atribuida a uma luta em detrimento de outras Assim grupos dividemse au desfazemse porque uma par cela das mulheres prioriza a luta de classes outra 0 combate ao pa triarcado outra ainda a batalha contra as preconceitos raciais Em geral dada a baixa participaao de negras em movimentos feministas 0 que parece decorrer grandemente do preconceito das brancas que nao levam em conta a especificidade da condiao da mulher negra as cisoes as dissensoes as desacordos derivam da necessidade de uma de priorizarem as chamadas lutas gerais e da necessidade de outras de atribuirem maior importancia ao combate da dominaao da mulher pelo homem Ouer estejam presentes as tres contradi6es quer apenas duas a erro apresenta a mesma natureza Como separar a patriarcado a racismo e a capitalismo se na pratica na realidade cotidiana na luta diaria pela sobrevivencia nao e possivel distinguir como inde pendentes capazes de atuaao autonoma estes tres sistemas de do minaaoexploraao que se fundiram ao longo da hist6ria Para ilus trar a ilusao de se poder lutar separadamente contra cada urn destes sistemas de poder tomase urn exemplo muito corriqueiro na socie dade brasileira As pessoas situadas na esquerda politica e espedalmente as co munistas nao admitem a luta contra 0 patriarcado e contra 0 racis rna em pe de igualdade com a luta de classes Privilegiam incontes tavelmente esta ultima Este privilegiamento deriva da crena na maior importancia da contradiao entre as classes como principia estruturador das sociedades caracterizadas pela presena do patriar cadoracismocapitalismo No fundo acreditase que abolindose as classes sociais atraves da socializaao dos meios de produao au seja da eliminaao da propriedade privada dos meios de produao che gase com menor esforo a igualdade racial e entre as categorias de sexo 4 11 Esta crena que determina a estrategia de luta de priorizaao do combate as classes sociais visando a sua eliminaao deriva de uma apreensao atomizada em sepalado dos tres sistemas fundidos em urn s6 de dominaaoexploraao A cabea das pessoas que par ticipam desta crena funciona como se a realidade se sentisse obri gada a se enquadrar em seuesquema de pensamento Ora passase exatamente 0 inverso pois e 0 pensamento que cleve amoldarse a realidade a fim de bern apreendeIa sem deformaIa Ha portanto uma inversao dos termos no raciocinio das esquerdas em gera Estes grupos politicos nao hesitam em rotular de lutas menores secundarias e ate de desvios ideol6gicos os movimentos que contra riam as interesses do poder masculino branco e adulto Alegam que a luta de classes e uma luta maior pOlque beneficia a urn numero maior de pessoas Afinal as classes dominantes sao minoritarias As lutas contra a racismo e contra a patriarcado ao contrario para es tas esquerdas sao especificas pais a racismo s6 diz respeito aos ne gros e a supremacia masculina s6 atinge as mulheres Sartre tinha toda razao quando afirmava que a problema dos negros era urn problema dos brancos Nesta mesma linha de racio cinio podese sem medo de errar dizer que 0 problema das mulhe res e tambem urn problema dos homens porquanto a analise ante rior demonstrou quaD malefica e para os homens esta dominaao que a sociedade as obriga para que sejam machos a exercer sobre as mulheres Disto deriva que a luta pela igualdade sexual e a luta pela igual dade racial nao sao de nenhuma maneira lutas especificas separa das e diferentes das chamadas lutas gerais Nesta ultima categoria a das lutas gerais colocase infalivelmente a democracia Mas que democracia e esta que considera secundarias as lutas contra 0 patrircado e contra a racismo Sera seguramente uma democra cia icompleta com d minusculo pois deixa intactas a subordina ao da mulher ao homem e a sujeiao do negro ao branco Para ta mar 0 caso das relaoes de genera isto e entre homens e mulheres como pode haver democracia numa sociedade cuja familia estrutura se em termos de atribuir todo a poder ao homem adulto ao seu che fe obrigando a mulher e os filhos a respeitar a autoridade paterna au seja a obedecer ao todopoderoso machao quaisquer que sejam as conteudos de suas ordens e opinioes 89 88 A democracia considerada como luta geral prioritaria mais im portante nao passa de urn engodo de uma triste ilusao 0 geral en quanto tal s6 existe no pensamento na cabeca das pessoas E 0 pen samento que empresta aos fatos singulares urn carater geral A de mocracia e constituida de condutas fatos eventos todos absoluta mente todos singulares especificos A democracia s6 pode existir em funcao da simetria da igualdade entre todos quer se trate de traba lhadores manuais ou intelectuais de homens ou mulheres de bran cos ou negros AIem de uma ilusao para os ingenuos a democracia em geral que nao se materializa em comportamentos efetivos e diarios consti tui tambem uma farsa E e nesta fogueira da democracia enquanto farsa enquanto mentira enquanto engodo que os poderosos interes sados na preservacao do estado de coisas vigente deitam lenha para comodamente observar as labaredas e com elas se divertir As refe ridas esquerdas portanto nao fazem senao 0 jogo da direita pois a inadequacao de suas estrategias de luta fortalece os conservadores e reacionarios Nada melhor do que a priorizacao de uma luta para adiar pOl seculos a solucao das que foram deixadas para tras porque conside radas secundarias AIem disso cabe aqui levantar uma duvida che garsea a superacao das contradic6es consideradas secundarias me nores menos importantes se elas nao mereceram a mesma atencaQ dada a contradicao tida como fundamental Sera possivel urn dia chegar la isto e estabelecer relac6es sociais de igualdade entre bran cos e negros entre homens e mulheres nas sociedades que prioriza ram a luta de classes Esta conquista e no minima altamente discuti vel E ate 0 presente momento nenhuma sociedade demonstrou ser viavel esta trajet6ria Isto e nao ha nenhuma sociedade que se tenha ocupado com prioridade da luta pela eliminacao das classes sociais e em seguida podido tambem pOl meio de lutas implantar a de mocracia racial e a democracia sexual Dada a imporHincia desta questao a ela se dedicam alguns comentarios Liloes da Historia Todas as sociedades chamadas socialistas ou em vias de cons truir 0 socialismo privilegiaram a luta de classes Acreditaram exces sivamente numa ilusao qual seja a de poder produzir facilmente uma vez abolidas as classes sociais ou pelo menos reduzidas as di ferencas socioeconomicas entre seus membros as democracias racial e sexual Implicita nesta ilusao esta a crenca de que 0 racismo Se reduz a preconceito racial e de que patriarcado se reduz a ideologia machista Na verdade esta crenca nao passa tambem de uma ilusao Tanto 0 racismo quanta 0 patriarcado sao estruturas de dominacao exploracao que garantem relac6es sociais do mesmo genero isto e tambem de dominacaoexploracao Urn exame ainda que superficial das relac6es sociais cotidiana mente praticadas nas sociedades socialistas mostra que nenhuma de las resolveu os problemas do racismo e da inferioridade social da mulher Alegam seus lideres e outros defensores que sao necessarios seculos para eliminaremse preconceitos milenares como 0 racial e o sexual Temese que estas sociedades jamais cheguem a extirpar de seu seio estes dois dinceres se persistirem em consideralos meramen te enquanto ideologias Efetivamente 0 preconceito contra a mulher inscrevese na ideologia machista enquanto 0 preconceito contra 0 negro 0 judeu 0 asiatico 0 arabe etc inscrevese na ideologia da supremacia do branco de cabelos louros de olhos claros cristao altamente qualificado para vencer na vida atraves do processo da competicao Imp6ese portanto a constatacao de que nao se trata pura e simplesmente de preconceitos Estes sao ideias preconcebidas fal sas mentirosas que s6 podem sobreviver se forem alimentadas Se se tratasse de meros preconceitos sem as estruturas de poder que os sustentam certamente 0 machismo e a discriminacao racial ja teriam sido extirpados das sociedades socialistas Mas nao e este 0 caso pois existem estruturas de poder traduzidas pOl relac6es sociais de dominacaosubordinacao que nao se alteram enquanto forem trata das de maneira simplista como preconceitos E evidente que os preconceitos estao presentes Todavia eles nao representam todo 0 fenomeno da dominacao de uma raca sobre a outra e da subordinacao de uma categoria de sexo a outra Mais do que isto 0 preconceito nao e sequel a dimensao mais importante do fenomeno em apreco Ele simplesmente acoberta esconde dissimula relac6es de poder que nao mereceram suficiente atencao no momen to hist6rico adequado As evidencias hist6ricas sao todas no sentido de mostrar que a democracia plena com D maiusculo capaz de eliminar as diferen 91 90 cas sociais so se constroi quando se atacam simultaneamente as tres contradic6es fundamentais ou seja as desigualdades entre as classes sociais entre as etnias e entre os sexos A bern da justica e precise reconhecer que 0 ponto de partida das sociedades socialistas foi de ma qualidade em dois nfveis 0 cien tffico e 0 da realidade historica As condic6es materiais destes paf ses eram bastante precarias AMm disso dados a estrutura de poder e 0 regime de propriedade tais nac6es estavam muito longe dos inf cios da modernizacao Com variac6es apenas de graus este fenomeno estava presente em todos os pafses que realizaram a chamada revo lucao socialista excecao feita it Alemanha e em menor escala it Tche coslovaquia Estas duas nac6es ja estavam trilhando 0 caminho da industrializacao quando comecaram a implantar 0 regime socialista fenomeno nao existente nas demais regi6es que tambem 0 implan taram Ha que reconhecer a enormidade das dificuldades enfrentadas por nac6es pobres atrasadas e muitas vezes contendo brutais desi gualdades socioeconomicas na construcao de sociedades menos in justas Acrescentese a isto 0 carMer adverso do cenario mundial no qual nac6es poderosas seguidas por pafses dependentes desencadea ram uma verdadeira guerra polftica economica e ideologica contra o comunismo A imagem do comunista e ainda hoje para muitos a imagem do bichopapao a ser temido e evitado para a preservacao da democracia liberal Para liberais e conservadores comunismo e sempre sinonimo de totalitarismo Nao convem a estas posic6es polf ticas reconhecer as diferentes nuancas entre os distintos pafses socia listas nem tampouco entre fases historicas de uma mesma nacao em vias de construir 0 socialismo No que tange especificamente it mulher sao muito recentes os estudos que permitem compreender com maior profundidade sua posicao em diferentes tipos de sociedades Efetivamente eram muito poucos os estudiosos que se dedicavam it tematica feminina ate qua se tres decadas atras Na decada de 60 comecaram a aparecer estu dos chamando a atencao para as injusticas sociais de que sao vfti mas as mulheres Poi todavia a partir do Ano Internacional da Mu Iher 1975 que urn numero crescente de cientistas em geral mulheres passou a dedicarse ao estudo da condicao feminina Na segunda metade da decada de 60 comecaram a surgir os movimentos feministas que cada urn a seu modo passaram a lutar pela igualdade nas relac6es de genero E preciso tomar cuidado com 92 o termo jeminismo Rigorosamente nao existe urn so feminismo pois ha diferencas de bandeiras levantadas de enfase posta numa ou nou tra reivindicacao de estrategias de luta Tais distinc6es decorrem do enfoque politico dado por cada grupo ou movimento feminista a questao feminina E ha diferencas apreciaveis entre os varios feminis mos Embora a tendencia majoritaria seja a de respeitar os homens que sao considerados frutos da educacao que receberam e de lutar pela conscientizacao de homens e mulheres sobre a necessidade de se criarem condic6es nas quais ambas as categorias de sexo possam receber igual tratamento a palavra feminismo ainda tern hoje uma conotacao negativa pejorativa As vezes por ignorancia das diferencas profundas entre as va rias correntes feministas outras vezes por rna intencao tomase urn movimento feminista totalmente inexpressivo minoritario e separa tista mulheres que se julgam autosuficientes recusando os ho mens e ate mesmo a maternidade e generalizase de modo a criar antipatias em relacao a toda e qualquer luta pela melhoria da con dicao feminina Assim com base em casos naorepresentativos da maioria das mulheres que lutam por seus direitos procedese it pi chacao do feminismo Em geral as feministas temem autodenomi naNe atraves deste termo em razao desta rna interpretacao inten cional Ora da mesma forma como mulheres burguesas nao pensam geralmente da mesma maneira que operarias ha distintas perspecti vas de analise da situacao da mulher e de luta por melhoraIa 0 engano ou engodo reside em colocar no mesmo cesto todas as ten dencias feministas atribuindolhes as caracterfsticas de uma corren te minoritaria capaz de despertar resistencias e odios em homens e em mulheres Portanto e precise cuidado A maioria das feministas deseja uma vida melhor tanto para mulheres quanto para homens e nao a guerra contra os homens Quando os pafses socialistas fizeram suas revoluc6es so pude ram valerse dos textos marxistas classicos sobre a questao feminina Tais textos it luz das conquistas das Ciencias Sociais nestes ultimos vinte anos revelamse pobres Tal pobreza nao diz respeito apenas ao conteudo das analises marxistas chissicas Ela tambem esta pre sente no que tange it utilizacao do metodo conhecido como materia lismo historico ou materialismo dialetico Este metodo exatamente por permitir a compreensao e explicacao da natureza contradit6ria da realidade social permitiu a Marx Engels e outros a realizacao de 93 brilhantes anaIises da sociedade capitalista Todavia a sociedade eu ropeia do seculo XIX Alemanha Inglaterra Frana era excessiva mente machista patriarcal androcentrica para permitir a estes au tores a utilizaao adequada do metodo dialetico materialismo histo rico ou dialetico na analise da questao feminina Desta forma imbuidos da ideologia machista e praticando efe tiva e cotidianamente a dominaao sobre as mulheres tais autores consideraram da mesma natureza as contradioes que regem as re laoes entre as classes sociais e as que presidem as relaoes de ge nero Ha pelo menos vinte anos este tipo de analise e considerado urn grave equivoco Desta sorte entendese que os recursos cientificos disponiveis it epoca das revoluoes socialistas eram bastante precarios 0 que nao se pode contudo admitir e que nos dias de hoje estas sociedades continuem a pautar suas aoes por conceitos esclerosados cujo uso nao conduziu a uma situaao de igualdade social entre homens e mulheres Deixase aqui para discussao a tese de que a verdadeira Demo cracia s6 pode ser instaurada quando se destroi 0 trio patriarcado racismocapitalismo Enquanto 0 patriarcado e 0 racismo forem con siderados meramente como ideologias e nao enquanto relaoes de po der que sao sera impossivel chegarse a uma democracia racial e se xual Da mesma forma como 0 patriarcado e 0 racismo se fundiram com 0 capitalismo podem sobreviver a este fundindose com 0 re gime chamado socialista Alias a Historia mostra como esta sobrevi vencia ocorreu assim como a mencionada simbiose ou fusao A concepao da simbiose patriarcadoracismocapitalismo muda inteiramente a estrategia de luta das classes trabalhadoras Basta que estas tomem consciencia de sua propria heterogeneidade racial e se xual e dos prejuizos que colhem das discriminaoes etnicas e contra mulheres Esta problematica merece reflexao e discussao uma vez que estao em jogo os interesses das proprias classes trabalhadoras Ao que tudo indica 0 ataque simultaneo as tres contradioes funda mentais da sociedade brasileira expressas na simbiose patriarcado racismocapitalismo revelase a estrategia mais adequada para a cons truao de uma Democracia plena Tal estrategia ao atribuir exata mente a mesma importancia as tres referidas contradioes demonstra urn enorme respeito pelo ser humano quaisquer que sejam sua cor seu sexo suas posses 94 A dignidade do ser humano o mero fato de se tratar de urn ser humane cleve bastar para que a ele se confira toda dignidade Atributos qualidades caracte rlsticos geneticos como sao os casos do sexo e da cor s6 qualificam negativamente os seres humanos em situaao de desigualdade social marcada por relaoes de dominaaosubordinaao 0 mesmo se pode afirmar com relaao aposse de riquezas embora nao se trate de algo genetico E preciso entretanto lembrar que a propriedade se trans mite por herana Por meio desta lei social e nao natural alguns nascem ricos e mYitos nascem pobres Enquanto estes ultimos sao obrigados a gastar suas energias para ganhar 0 pao de cada dia os primeiros ja dispoem ao nascer dos elementos necessarios ao esta belecimento de sua dominaao sobre os que vendem sua propria for a de trabalho A rigor atributos naturais como cor e sexo sao racionalmente utilizados para a intensificaao da dominaaoexplora9aO Os resul tados so sao positivos para os machos brancos adultos e ricos ainda assim se medidos em termos de possibilidades de aumento de rique zas Nem sequer para 0 macho branco adulto e rico semelhante sis tema de dominaaoexploraao resulta em enriquecimento destes po derososem termos de seres humanos Ao contrario 0 exercicio do poder reduze ate elimina dimensoes extremamente humanas da personalidade dos que dominam e exploram Tais seres exatamente em funao do dominic que exercem sao castrados em suas possi bilidades de trocas com seus dominados Vma relaao verdadeira alimentada pela troca nutrida pelo dar e receber s6 se pode esta belecerentre iguais Jamais serao possiveis entre desiguais entre do minadores e dominados Ao modele do dominador macho branco adulto e rico devese acrescentar a caracteristica de heterossexual A fOrma 0 padrao 0 modele nao admitem 0 homossexualismo pelo menos explicito Este pode ate ser tQIerado desde que bern disfarado discreto elegante Assim a imagem do machao inclui a heterossexualidade independen temente dos pendores do homem que esta sendo educado segundo 0 modelo A respeito desta tematica vale a pena transcrever mais urn eK certo do mencionado livro de Eduardo Mascarenhas Desconfio que se acaso existe alguma inclinilctuo holtllLl sexual de nascena e1a e tao fraca que pode perfcllmnlll1lCl 95 apagar conforme as experiencias de cada urn Tanto e assim que a sociedade construiu uma das maiores carnpanhas publici tarias de que se tern noticia contra a homossexualidade Se com putassemos 0 quanta de esfor90 a humanidade vern despendendo para demonstrar que ser heterossexual e que e born enquanto ser homossexual nao e e transformassemos essa venda de ima gem no ultimo milenio ern d6lares a quantia daria folgada mente para pagar dez vezes a divida externa do Brasil e ainda sobraria dinheiro para fazermos desse pais uma das maiores superpotencias de que se tern noticia Ora se a heterossexualidade fosse tao natural e determinada pelo instinto assim alguem se daria ao trabalho de enalteceIa tanto e de combater tanto 0 seu oposto A questao da moral e sempre a mesma ela s6 se importa ern enaltecer 0 que nao e ponto pacificoe s6 trata de condenar o que representa algum grau de tenta9aO Logo 0 pr6prio empenho da moral e do preconceito ern louvar a heterossexualidade e execrar a homossexualidade de monstra que a natureza humana nao e tao heterossexual assim Digame 0 que voce condena que the direi 0 que voce teme desejar E esta a opinHio de urn psicanalista conceituado que por defi nicao entende do assunto Sua conc1usao merece pois pelo menos reflexao visando a compreensao dos que se rebelam contra 0 molde contra a fOrma contra 0 modelo de heterossexual Afinal este livro nao se prop6e a questionar os arquetipos Nao se trata de construir situac6es sociais em que cada urn possa desenvolver suas potenciali dades Por que entao pichar aque1es que nao obedecem a mode los Democracia nao significa a convivencia de diferentes opini6es dispares pontos de vista distintas perspectivas Como entao igno rar a conc1usao a qual chegou urn psicanalista submetido ao processo de analise durante treze anos e com longos anos de experiencia na analise dos conflitos de seus pacientes Enfim abertura e abertura sem medo de enfrentar 0 que der e vier A mulher 0 indio 0 negro 0 mulato 0 homossexual 0 bisse xual constituem contingentes que por definicao nao podem aspirar a posic6es de mando Cabe tambem lembrar que na medida em que o macho poderoso e adulto tampouco podem aspirar aquelas posi c6es as criancas os ovens e os velhos ainda que possam ser homens Se ao adulto se atribui 0 direito de dominar criancas e joveris em nome de sua maior experiencia como se justifica a marginalizacao do velho se em geral este acumulou mais experiencia Podese dis cutir esta questao pensandose que criancas jovens e velhos depen dem economicarnente daqueles que estao na idade produtiva na ida de de trabalhar na fase adulta da vida Enquanto 0 ser humane nao pode ainda contribuir para a producao por carecer de qualificacao e ou maturidade ou quando ja nao pode mais fazeIo pe10 peso da idade nao tern direito a opinar a sugerir a tentar contribuir Deve obedecer ao adulto produtivo sujeitarse ao seu dominio Ora se por urn lado a experiencia do velho pode ser de extre ma utilidade por outro num mundo de mudancas rapidas 0 jovem dada sua maior facilidade de absorcao do novo pode oferecer con tribuicao inestimavel a sociedade Toda a sociedade teria a ganhar se a assimetria das relac6es sociais fosse substituida pelo dialogo entre criancas jovens adultos e velhos entre homens e mulheres entre brancos mulatos negros indios etc Sao tantas as possibilidades de redefinicao das relac6es humanas que nada impede que se tente eli minar a assimetria a desigualdade visando a urn maior bemestar das pessoas enquanto seres humanos plenos de potencialidades Nesta linha de raciocfnio tendo como meta a justica social se ria mais facH desenvolver a solidariedade em lugar da competicao os lacos de amizade em lugar das rivalidades 0 amor em lugar do rancor Neste tipo de sociedade segurarnente as pessoas seriam mais felizes porque iguais capazes de trocar de dar e receber Seriam tantas as vantagens que isto merece reflexao 96 97 6 VALE A PENA LUTAR Introduio o feminismo tal como e encarado neste livro pode ser chamado de uma perspectiva politicocientifica Isto significa que se identifi caram as contradic6es fundamentais da sociedade e sua interacao simbi6tica como urn s6 sistema de dominacaoexploracao que preju dica a maioria esmagadora dos membros da sociedade Tratase pois na luta politica de saber se se deseja uma democracia para poucos uma democracia para muitos ou uma democracia para todos A primeira vista s6 os poderosos beneficiamse com 0 patriar cadoracismocapitalismo Rigorosamente entretanto se estes podero sos forem tornados como seres humanos cuja capacidade social de dominar lhes impede de viver certas dimensoes da vida tambem e1es a longo prazo terao a possibilidade de viver mais plenamente a con dicao humana numa sociedade igualitaria Esta seria a democracia para todos muito diversa da democracia liberal que s6 existe para alguns ou seja homens brancos ricos e adultos Desta sorte a curto prazo a luta pOl uma sociedade justa bene ficialll na medida de seu sucesso as categorias sociais discriminadas que sofrem mais brutalmente a dominacaoexploracao Mas nao s6 mulheres e negros colheriam os frutos desta luta Tambem os homens brancos pobres e das classes medias teriam ampliado 0 campo do prazer em suas vidas Ou seja eles desfrutariam do prazer propor cionado pelas relacoes simetricas de igual para igual Em poucas palavras eles encontrariam 0 verdadeiro sentido da vida que reside na partilha 0 prazer assim deixaria de existir pela metade porque vivido solitariamente para existir pOl inteiro na sua plenitude A juventude hippie tentou realizar este ideal de amor na deca da de 60 Tratavase como ainda e 0 caso de uma utopia isto e de urn ideal dificil de atingir mas do qual a humanidade pode apro ximarse Estudandose Hist6ria percebese facilmente a importancia para a evolucao dos povos das utopias que grupos sociais constroem e perseguem atraves de lutas Nao fossem a formulacao e a crenya na validade destas utopias nao haveria estimulos para a luta e por tanto a dinamica social ficaria prejudicada Lamentavelmente os hippies nao tinham uma compreensao ade quada da sociedade capitalista nao dispondo assim de elementos para julgar a capacidade gigantesca deste tipo de sociedade de ab sorver movimentos de contestacao Deste modo alimentaram a indus tria capitalista da moda e se transformaram em adultos ajustados as normas sociais que combatiam Nao obstante desempenharam urn im portante papel social Ainda que nao tivessem conseguido realizar sua utopia lancaram a semente da fratemidade da solidariedade do amor E esta semente esta germinando nas novas geracoes agora num novo contexto e atraves de atuacoes mais coerentes Efetivamente os jovens de hoje estao introduzindo relevantes transformacoes na sociedade Nao e facil definir 0 jovem 0 mais fa cil seria definilo pela idade crono16gica POl exemplo poderseia c1assificar como jovens aqueles com idades ate 20 ou 25 anos Este criterio tern a seu favor 0 fato de as pessoas de pouca idade serem em geral mais receptivas as mudancas em virtude de nao terem seus habitos ainda muito solidificados POl outro lado e exatamente em razao desta maior maleabilidade que 0 jovem e presa facil de pode rosos com grande capacidade de manipulacao Para comprovar esta afirmacao basta olhar para 0 numero de jovens que se transformam em cegos seguidores de certas seitas religiosas altamente reacionarias No Brasil nem e preciso atentar para seitas estrangeiras que aqui penetraram pois urn exame da TFP TradiCao Familia e Proprieda de e suficiente para revelar a existencia de milhares talvez ate mi lhoes de jovens fanaticamente retr6grados Se 0 jovem nao e necessariamente progressista ou revoluciomi rio ha muitos adultos e ate pessoas de idade avancada que desenvol veram uma consciencia critica muito aguda quanto as injusticas da sociedade capitalista Estas pessoas lutam incansavelmente no senti do de melhorar a sociedade em que vivem Exatamente pOl serem criticas em relacao ao autoritarismo estas pessoas estao sempre aber tas ao dialogo e portanto as mudancas Sao sempre jovens inde pendentemente da idade que tenham se se adotar a premissa de que o jovem e todo aquele disposto a aceitar e ou a provocar transforma coes sociais Nao e dificil observar a justeza desta verificacao Par exemplo numa turma de estudantes de segundo grau hli os chamados care 98 99 tas certinhos obedientes assim como ha os que nao aceitam gratuitamente nenhuma afirmaao ou ordem Estes gostam de discutir as ideias conhecer a argumentacao de seus defensores contraargu mentar Isto e questionam tudo aquilo que e dito ou ensinado como algo sagrado indiscutivel intocavel Dentre os professores tambem ha os autoritarios que imp6em suas ideias assim como os flexiveis os maleaveis os dispostos a acei tar os desafios da mudanca Independentemente da idade cronol6gica todo jovem constitui urn importante agente de transformacao social Pode tratarse do es tudante menor de 18 anos como do professor de 50 anos ou mais o que importa 0 que conta e a disponibilidade para 0 dialogo para a argumentacao para a discussao sadia Todos aqueles que apresen tarem tais caracteristicos sao importantes agentes de mudana social E esta tera maior ou menor exito dependendo da adequacao da estrategia utilizada por aqueles interessados em transformar a so ciedade Da irreverencia ao questionamento transformador Muitos tomaram consciencia de que a tendencia predominante e a da repetiao Este processo alias e muito trabalhado pela Psicana lise A menina tende a repetir 0 modelo da mae e 0 menino tende a reproduzir 0 modelo do paL Esta consciencia esta refletida em uma musica de Belchior Como nossos pais 1976 muito divulgada pela voz de Elis Regina Talvez nao seja demais transcreveIa Nao quero Ihe falar meu grande amor Das coisas que aprendi nos discos Quero lhe cantar como eu vivi E tudo 0 que aconteceu comigo Viver e melhor que sonhar Eu sei que 0 amor e uma coisa boa Mas tambem sei que qualquer canto E menor do que a vida de qualquer pessoa Por isso cuidado meu bern ha perigo na esquina Eles venceram e 0 sinal esta fechado pra n6s que somos jovens Para abracar seu irmaoe beijar sua menina na rua E que se fez 0 seu bra90 0 seu labio e a sua voz Voce me pergunta pela minha paixao Digo que estou encantado com uma nova inven9ao Eu vou ficar nesta cidade nao vou voltar pro sertao Pois vejo vir vindo no vento a cheiro da nova estaciio Eu sei de tudo na ferida viva do meu coracao Ja faz tempo eu vi voce na rua Cabelo ao vento gente jovem reunida Na parede da mem6ria Essa lembranca e 0 quadro que d6i mais Minha dor e perceber Que apesar de termos feito tudo que fizernos Ainda somos os mesmos E vivemos como os nossos pais Nossos idolos ainda sao os mesmos E as aparencias nao enganam nao Voce diz que depois deles nao apareceu mais ninguem Voce pode ate dizer que eu estou por fora Ou entao que eu estou inventando Mas e voce que ama 0 passado e que nao ve Que 0 novo sempre vern Hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciencia e juventude Ta em casa guardado par Deus contando 0 viI metal Minha dor e perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos N6s ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais A letra desta musica revela que 0 jovem rejeita os papeis desem penhados pelos adultos mas reconhece que nao obstante esta rejei cao continua a representalos da mesma forma perpetuando as in justicas sociais agindo conservadoramente Isto demonstra sobeja mente que nao basta ser irreverente ainda que a irreverencia cons titua ingrediente fundamental de qualquer luta pela transformacao social Em outras palavras a irreverencia esgotase em si mesma quando niio evolui para uma posicao de questionamento embasada em argumentos s6lidos em compreensao profunda das injusti9as e na clareza do caminho a seguir 100 101 Ela verifiea pura e simplesmente a pratica exclusiva da irreve rencia Constata tambem a ausencia de propostas que constituiriam o seguimento a continuacao 0 desenrolar da irreverencia que nao vai aMm da denuncia nao substitui propostas carece de objetivos s6lidos Urn exemplo podenl esclarecer esta questao A tecniea teatral da agressao ao publico inaugurada no Brasil por Jose Celso Martinez Correia consiste em pura irreverencia Sua pobreza refletese no fato de que se esgota rapidamente Com efeito agredido 0 publico nao resta ao diretor de teatro senao a posicao da retirada do recuo pois a continuar na tecnica da agressao acabaria por matar sua plateia E como se sabe 0 teatro vive em funcao de seu publico Matar 0 pu blico significaria matar 0 proprio teatro Da mesma forma ser apenas irreverente sem apresentar argu mentos s6lidos contra aquilo que se quer mudar fornece municao ao inimigo ou seja ao conservador ao que deseja deixar tudo exa tamente como esta o questionamento transformador ainda que contenha boa dose de irreverencia representa urn estagio muito mais complexo da cons ciencia critica Este passo mais adiante inclui a coragem do irreve rente mas exige tambem a coerencHl na demolicao das injusticas compreensao clara das possibilidades de redefinicao das relacoes so ciais propositura dos caminhos a serem trilhados Ora para que as pessoas se conduzam desta forma e preciso que se iriformem muito bern sobre as situaoes vividas reflitam sobre elas e as discutam com outros critieos do status quo vigente Discussoes francas e abertas sao altamente esclarecedoras melhorando via de regra a compreensao dos problemas e por conseguinte tambem as estrategias de luta for muladas para combateIos Caminhar da irreverencia ao questionamento transformador cons titui importante passo quando se deseja assegurar algum exito a luta que se empreende Embora a proposta hippie fosse valida uma vez que pretendia substituir a guerra peIo amor nao pode ser levada a born termo porque estava ainda no estagio da irreverencia Ac6es meramente irreverentes sao facilmente manipuladas pelas classes do minantes reforando seu poder Sao portanto urn prato cheio para os poderosos cujos interesses residem em manter absolutamente tudo como esta Dai a importancia da educacao nao entendida simples mente enquanto instrucao esteril mas enquanto um rico processo de troca entre seres humanos A educaao enquanto processo politicosocial No Brasil assim como em todas as sociedades regidas pelo pa triarcadoracismocapitalismo as escolas ensinam em geral aquilo que as classes dominantes determinam quer diretamente quer atra yeS do Estado Evidentemente os conteudos ensinaqos e os metodos autoribirios de ensino visam a preservacao das posicoes de mando ocupadas pelo patriarca branco adulto e rico Convem examinar se paradamente estes dois aspectos Quanto ao conteudo do que e ensinado podese denominaIo historia olicia Tratase dos grandes feitos dos grandes homens A historia real feita por ricos e pobres dominadores e dominados brancos e negros homens e mulheres criancas adolescentes adultos e velhos e considerada algo menor menos importante Por que Ora porque e esta hist6ria que revela as contradioes sociais os embates entre os socialmente fortes e os socialmente fracos as lutas dos dis criminados pela construao de uma sociedade mais justa o ultimo periodo de govemo ditatorial no Brasil que durou de 1964 a 1985 agravou seriamente este problema Chegouse a saltar no ensino da Historia a fase de 1961 a 1964 ou seja 0 govemo Joao Goulart numa tentativa de suprimir a transmissao de conhecimentos sobre lutas do povo brasileiro Quando nao era este 0 caso mostra vamse apenas os apectos negativos do referido governo a fim de se justificar 0 golpe militar de 1964 que conduziu 0 pais ao presente caos socioeconomico Mais do que isto 0 regime militar implantado em 1964 fez entrar pela porta dos fundds no curriculo escolar de todos os niveis de ensino uma disciplina auxiliar da ditadura Com efeito Educacao Moral e Civica como e chamada ate 0 segundo grau ou Estudo dos Problemas Brasileiros denominaciio que recebe na Universidacle passou a ser ministrada em todas as escolas do pais por professores niioconcursados mas confiaveis a fim de dar respaldo a ditadura atraves da difusiio da crenca em suas boas inten oes em sua justeza de prop6sitos em seu carMer democratico Enquanto esta historia olicial era ensinada a maioria do povo brasileiro ignorava a historia real constituida de perseguicoes tor turas homiddios enfim de atos da maior crueldade praticados con tra aqueles que se levantaram contra 0 regime Tais conteudos do ensino eram transmitidos por metodos auto ritarios que impediam a discussiio embotando pelo desuso a inte 103 102 ligencia Quanto mais ignorantes em relaao a historia real se for massem os estudantes e quanta mais submissos fossem as autoridades legais melhor para 0 regime ditatorial Mas como nao ha bern que sempre dure nem mal que sempreatule a situa9ao mudou Tanto a ditadura exagerou na dose que a tal disciplina acabou tendo efei to de bumerangue isto e 0 tiro saiu pela culatra E isto ocorreu por varias raz6es Basta mencionar duas A maioria dos estudantes nao tolerava a chatice da Educaao Moral e Civica e dos Estudos dos Problemas Brasileiros e percebia 0 quaD ridiculo era seu carater De outra parte gigantescas parcelas do povo se levantaram contra os crueis metodos da ditadura Convem salientar que 0 Movimento Fe minino pela Anistia deu origem a esta grande contesta9ao popular posteriormente integrada tambem por homens As mulheres nos seus tradicionais papeis de mae filha irma esposa passaram a exigir anistia para presos politicos exilados ba nidos Isto mostra bern 0 grau de contradiao interna do patriarcado racismocapitalismo Nao foi preciso que as mulheres lanassem mao de seus cargos profissionais para provocar as mudanas desejadas Foi a partir dos proprios papeis tradicionais que a sociedade Ihes atribui que as mulheres questionaram as prMicas ditatoriais proce dendo ao resgate pelo menos parcial da historia real Alias fenomeno semelhante mas bern mais profundo teve e ainda tern lugar na Argentina As maes e av6s da Pra9a de Maio constituem 0 unico grupo social argentino que nao apenas resistiu e lutou ate 0 fim da ditadura naquele pais mas continua a exigir jus tia contra os torturadores e assassinos e a buscar inclusive no ce nario internacional os filhos dos desaparecidos Esta palavra cons titui um eufemismo urn disfarce um termo amenD para designar os que foram assassinados 0 filme A historia olicial dirigido por Luiz Puenzo mostra de maneira inteligente como a ditadura argentina tentou sufocar 0 conhecimento da historia real e como as avos da Praa de Maio muitas vezes humildes camponesas ou operarias pro cederam e estao procedendo ao resgate dos fatos reais e ensinandoos aqueles que ocupam a posiao de mestre de professor Exatamente em virtude do fato de serem as pessoas do povo protagonistas da historia elas tern condi6es de meter cunhas na fal sa Historia imposta nas escolas pelas classes dominantes Professores e estudantes tambem sao atores da historia desem penhando a maioria de seus papeis sociais fora da escola Estas ex penencias podem ser levadas a sala de aula a fim de enriquecerem as discuss6es Isto torna mais viva rica e humana a escola que no Brasil e freqiientemente aborrecida Fatos corriqueiros da vida coti diana podem provocar excelentes reflex6es coletivas alem de este processo ser urn born caminho para alterar as rela96es professor aluno Se por defini9ao 0 professor detern mais conhecimentos que o estudante e preciso admitir a existencia de uma serie de outros fatores 0 professor pode ser portador de urn imenso cabedal de co nhecimentos oficiais cujo interesse para 0 estudante e no minimo discutivel 0 docente e com freqiiencia constrangido pela direao da escola a nao se afastar do roteiro considerado legal e correto Ele pr6prio tendo recebido formaao autoritana nao chega muitas ve zes a perceber a inutilidade do que ensina nem tampouco a rique za contida nas discuss6es Ha que considerar tambem que os conhe cimentosdetidos pelo professor podem nao ser os mais verdadeiros Isto pode ser bern compreendido quando se pensa que a verdade das classes trabalhadoras nao e a mesma das classes dominantes E os professores nem pertencem a mesma classe social nem se identi ficam com uma unica Assim cada urn tem suas vivencias especi ficas que podem enriquecer enormemente sua contribuiao no pro cesso educativo Os estudantes tambem por definirao sabem men6s que os do centes Mas eles sao sempre portadores de experiencias valiosas es pecfficas capazes de alargar grandemente 0 universo em geral es treito porque determinado pelas autoridades do ensino oficial Nao se pode negar que 0 estudante via de legra viveu menos que 0 pro fessor e que portanto experimentou urn numero menor de situa 6es de vida Mas ao lado disto nao se pode esquecer que sua ex periencia inclusive por ser jovem em urn momento historico diverso daquele em que 0 docente viveu sua juventude e qualitativamente distinta Nesta medida as vivencias dos estudantes podem introduzir muito de novo nas salas de aula Ainda que sucintamente forneceramse alguns elementos com 0 objetivo de mostrar as infinitas possibilidades de transformar as re lar6es professoraluno Ou seja em lugar de repetir a experiencia das gera96es mais velhas de obedecer ao modelo prescrito pela ideo logia dominante instaurar rela96es sociais de urn outro genero aber tas naoautoritarias enfim democrliticas 0 ponto fundamental des tas novas relar6es consiste na troca de experiencias Da mesma for 105 104 rna como os docentes tampouco os estudantes pertencem ou se iden tificam ideologicamente com uma mica c1ase social Isto equivale a dizer que dentre os docentes assim como dentre os estudantes nao ha homogeneidade de experiencias nao havendo por conseguinte homogeneidade de pontos de vista de perspectivas de analise de um mesmo fato enfim de metas a serem atingidas Ora nao exisle me lhor ambiente para a discussao do que 0 heterogeneo Cada urn lan cahdo mao de suas proprias vivencias pode contribuir para uma melhor compreensao da sociedade em que vivem todos Nao ha nesta proposta nenhum menosprezo pelos conhecimen tos teoricos e pelas experiencias pnhicas dos professores Ao contra rio estes elementos stiio sendo profundatnente valorizados numa re lacao de verdadeira troca Na medida em que 0 docente se abre para valerse das experiencias dos mais jovens cria a possibilidade demo cratica de ver aproveitadas suas proprias vivencias Nao importa que a contribuicao dos estudantes possa ser significativamente menor que ados professores A quantidade aqui fica sem duvida em segundo plano E nao se pode negar que a qualidade das experiencias vivi das por quem tern hoje 16 17 ou 18 anos e profundamente diversa da qualidade das vivencias adolescentes de quem tern hoje 40 45 ou 50 anos Nao se trata de valorizar mais esta ou aquela experiencia mas de estabelecer um real intercambio de ideias objetivos e estrate gias de luta Isto e tratase de instaurar a democracia nas rela5es professorestudante mica maneira de forjar a verdadeira conscien cia democratica Seres treinados somente para obedecer as ordens su periores nao sabem tomar decis5es e temem situac6es que exigem capacidade de deliberacao Logo sao seres que legitimam 0 autori tarismo E apenas as pessoas capazes de decidir de discutir de re fletir estao efetivamente aptas a exercer direitos de cidadania num regime sociopoHticodemocratico Da cidadania e de seu exerclcio Em face do exposto fica bastante claro que a cidadania no Brasil e precaria mesmo se concebida nos estreitos imites da demo cracia liberalburguesa Do ponto de vista da distribuicao da riqueza material urn pais com 60 de sua populacao sofrendo carencias alimentares pode ser enfaticamente denominado extremamente injusto Esta na9ao estll 106 muito longe evidentemente de oferecer as tao faladas oportunida des iguais para todos pedra angular da ideologia liberal Se e ver dade que este fenomeno se deve parcialmente ao fato de 0 Brasil de pender economica poHtica e culturalmente de paises impera1istas nao e menos verdadeiro que 0 patriarcadoracismocapitaismo cons titui em si proprio urn limite muito estreito na reaHzacao da justica social 0 subdesenvolvimento pode assim responder em parte por esta situcao calamitosa Mas nao se pode esquecer que as injusti9as em maior ou menor grau estao sempre presentes em todas as nac6es capitalistas E como ja se mostrou foi tao profunda a fusao entre 0 patriarcado 0 racismo e 0 capitalismo que seria impensave1 a elimi nacao dos dois primeiros sistemas de domina9aoexploracao preser vandose 0 terceiro A historia nunca mostrou ser isto possivel E 0 criterio historico e muito importante embora nao seja 0 unico dispo nivel para uso de estudiosos e militantes politicos No Brasil porem a constituicao historica da cidadania guarda uma enorme distancia ate mesmo da pobre cidadania liberalburgue sa Com efeito nem mesmo os direitos humanos basicos alimenta cao educacao habita9ao saude sao lespeitados Como se isto nao bastasse 0 espa90 para a paiticipacao politica mesmo da parcela da populacao que vive razoavelmente bem e extremamente restrito Faz 26 anos que nao ha eleicao direta para presidente da Republica nes te pais E 0 ultimo presidente e1eito pelo voto direto dos brasileiros Janio Quadros renunciou ao cargo apenas sete meses depois de nele empossado E isto foi em 1961 Se s6 pode ser elehor 0 cidadao com no minimo 18 anos to dos os brasileiros com ate 44 anos de idade jamais elegeram urn pre sidente da Republica E a esta idade e preciso somar 0 tempo que falta para 0 presidente Sarney completar seu mandato Tendo assu mido 0 posto de chefe do governo brasileiro em mar90 de 1985 res tamlhe ainda quase quatro anos de mandato caso nao seja este reo duzido para quatro anos como desejam muitos Para esta gerayao rigorosamente a capacidade politica que consiste inclusive no direito de escolher 0 presidente da nacao s6 vira aos 50 anos de idade E isto presume otimismo ou seja nenhum golpe de Estado que nova mente suprima eleic6es diretas A cidadania brasileira esta pois em fase de penosa e lenta cons trucao Para negros e mulheres e1a esta quase inteiramente por ser construida 107 Ouvese com freqiiencia que e preciso primeiro instaurar a de mocracia economica para s6 depois pensar em problemas secunda rios tais como 0 estabeleoimento da democracia racial e entre as categorias de sexo Esta convieao visa a distrair a atenao dos interessados na democracia plena A rigor tratase de uma ideia in teiramente reacionaria pois 0 objetivo dos que a pregam e manter tudo exatamente como esta Nao e verdade que a submissao da mulher ao homem nao sen sibiliza mulheres pobres Milh6es de mulheres brasileiras tomaram consciencia da dominaao masculina no transcorrer de lutas pela pos se da terra por salarios decentes por melhores condi6es de traba lho Nestes movimentos despontaram numerosas lideranas femini nas que nao s6 compreenderam a totalidade do sistema de domina aoexploraao como passaram tambem a lutar pela sua destruiao Tomese por exemplo a questao da sexualidade Dizse a boca miuda que mulher pobre s6 se interessa por encontrar um meio de alimentar seus filhos que jamais pensou ou quer pensar em ter pra zer sexual A atuaao de varios grupos feministas junto a mulheres de periferia e ate mesmo trabalhadoras rurais revelou que estas mu lheres se sentem fascinadas com a possibilidade de ter algum prazer Seu interesse e enorme em mudar suas rela6es com 0 companheiro a fim de que ambos e nao s6 0 homem possam desfrutar do ato de amor Tambem neste terreno e preciso derrubar ideias recebidas que s6 servem para preservar a desgraa a infelicidade 0 desamor Quanto as discrimina6es contra 0 negro em especial contra a negra nao se trata de forma alguma de uma luta menor Nao ha vera democracia em sua plenitude se este problema nao for resol vido E nesta luta e preciso desmistifiear a ideologia do branquea mento cuja funao consiste em assegurar 0 dominio do branco Da mesma maneira como a questao feminina e a questao racial nao podem ser consideradas secundarias na luta pela justia numa sociedade de classes sob a alegaao de que se trata de contradi6es especificas 0 combate diuturno contra as discrimina6es raciais deve fazer parte integrante das lutas feministas Seria incoerente comba ter a tese da especificidade do combate as discrimina6es contra mu lheres e negros e levar avante um feminismo de brancas Em outros termos a questao da mulher negra deve ser central em todas as lutas feministas que realmente visem a destruiao do patriarcadoracismo capitalismo Seria legitimo defender a cidadania plena para homens deixan do do lado de fora as mulheres Seria justo lutar pela construao da cidadania em sua plenitude para brancos homens e mulheres deixando do lado de fora os negros homens e mulheres obvio que a uniea posiao coerente em materia de defesa dos direitos hu manos consiste na luta pelos direitos humanos de todos indepen dentemente do trabalho que realizam e do salario que recebem inde pendentemente da cor que tenham independentemente do sexo de cada um A defesa dos direitos de cidadao para uns e nao para outros prejudiea 0 proprio exercicio destes direitos por parte daque1es que os detem Como pode uma pessoa exercer seus direitos de cidadao sem respeitar os direitos de cidadao do outro Como todo direito implica responsabilidade ou seja dever a verdadeira cidadania so pode existir numa sociedade em que todos absolutamente todos go zem dos mesmos direitos e tenham as mesmas obriga6es Logo ela e impossivel nas sociedades regidas pelo patriarcadoracismocapita lismo A Historia revela amplamente que na6es cujas revolu6es prio rizaram a luta de classes por incompreensao da simbiose ja referida nao chegaram a realizar na prlitica a democracia para todos Nao se pode negar que as sociedades socialistas melhoraram enormemen te a condiao feminina assim como a de minorias etnicas Mas me lhorar a condiao destas categorias sociais nao significa tormlIas iguais as outras Eis por que nao se devem repetir os enganos co metidos por outros povos que continuam tendo uma compreensao falha dos problemas que nao conseguiram solucionar A plena compreeilsao do patriarcadoracismocapitalismo encami nha a luta na direao da destruiao da simbiose entre estes tres sis temas de dominaaoexploraao transformados ao longo da Historia em um unieo e podetoso sistema de opressao da maioria Rigorosamente a defesa da democracia para alguns em prejuizo de outros signifiea a propria negaao da democracia Se democracia consiste no governo do povo na soberania popular seguramente nao pode ser chamada de democriitica uma sociedade como a brasileira na qual pobres negros e mulheres sofrem profundas discrimina6es Neste projeto de construao da cidadania brasileira os jovens podem desempenhar um papel de fundamental imporHlncia Isto e verdadeiro por viidas raz6es algumas das quais jii mencionadas Todavia vale a pena ressaltar a relevancia de uma outra 0 jovem 109 108 exatamente por ter vivido menos que os adultos nao assumiu ainda muitos dos compromissos sociais economicos e sobretudo politicos que amarram os mais velhosE portanto mais livre para proceder a escolhas conseqiientes e se engajar nas lutas correspondentes E fazendo uso adequado da ciencia 0 jovem pode sem grandes dificul dades situarse na posicao aqui denominada questionamento trans formador a fim de contribuir para a construcao da cidadania para todos enfim da verdadeira democracia t I CONCLUSAO A guisa de conclusao serao tecidas algumas considerac6es sobre o assunto deste livro embora cada capitulo encaminhe 0 leitor a per ceber a complexa tessitura da realidade social capitalista e especifi camente brasileira de forma globalizante e nesta medida conclu siva Fazse necessario registrar que toda e qualquer conclusao e sempre provis6ria pois mudancas na realidade social vivida podem provocar inflex6es no pensamento e por conseguinte na analise cientifica Ademais urn livro cuja intencao basica reside em ques tionar valores tidos como sagrados nunca poderia trazer conclus6es definitivas Se assim fora 0 livro seria tao dogmatico quanta os pre conceitos que pretende destruir ou pelo menos abalar Quando se parte da premissa de que todo conhecimento e pro vis6rio nao se esta dando mostras de inseguranca Ao contnirio 0 conhecimento cientifico esta sempre e necessariamente sujeito a re formulac6es Desta sorte 0 cientista social deve igualmente estar pronto a rever suas posic6es seja porque passou a dispor de melhor instrumental te6rico seja porque a reaIidade social se transformou seja porque suas interpretac6es foram adequadamente questionadas por outros estudiosos Nao se combatem dogmas com outros dogmas nao se destr6em preconceitos com outros preconceitos Este pequeno Iivro contem algumas anaIises e reflex6es resul tantes de 25 anos de estudos sabre a tematica mulher Deve ter fi cado muito claro que nao se pode isolar esta problematica do con texto sociocultural economico e politico no qual esta inserida Seria partir de premissas falsas pincar a condicao feminina como se se tratasse de fenomeno autOnomo sem vinculos com os demais Em outros termos estudar as relac6es de genero no Brasil ou em qual quer outro pais ignorando suas relac6es intimas com 0 capitaIismo e 0 racismo significaria comprometer definitiva e irremediavelmen te os resultados da investigacao Assim uma conclusao deste livro 111 110 diz respeito a necessidade de simultaneamente focalizar fenomenos em suas especificidades e analisar suas interdependencias com outros fenomenos as vezes aparentemente desvinculados dos primeiros Em poucas palavras tratouse de utilizar urn instrumental teorico que possibilita ao mesmo tempo a analise globalizante e a retelllao de singularidades presentes na vida cotidiana 0 permanente irevir do geral ao particular e ate ao singular e viceversa constitui condilao I t absolutamente necessaria embora possa ser insuficiente para chegar se a compreensao e a explicalao de boa qualidade sobre 0 fenomeno sob analise Usar 0 instrumental te6ricocientffico na analise dos fa tos cotidianos considerados corriqueiros e comezinhos aMm de trei nar 0 raciocinio de quem 0 utiliza prova a adequalao ou a inade quayao deste mesmo instrumental A vida social nao se resume as grandes decisoes tomadas pelos poderosos Ela tambem se constitui de ayoes pessoais e sobretudo coletivas praticadas no diaadia Alias como se procurou deixar claro a historia real e feita por homens e mulheres anonimos atra yes da luta diaria S6 a hist6ria oficial e feita pelos grandes homens E e contra esta hist6ria que nao registra as lutas politicosociais di rias que este livro se insurge Nem poderia ser de outra forma ja que a tarefa fundamental de quem se dedica a estudar categorias so ciais altamente discriminadas consiste exatamente em penetrar neste fazer hist6ria popular Urn segundo ponto sobre 0 qual a atenyao deve ser fixada con siste no naoparalelismo no cruzamento das contradiyoes presentes nas sociedades regidas pelo patriarcadoracismocapitalismo Se estas contradiyoes corressem paralelamente seria muito simples mesmo para aqueles que nao detem urn instrumental te6rico sofisticado de tectar compreender e explicar os fenomenos delas resultantes 0 n6 da quesHio reside exatamente em mostrar a simbiose entre os referi dos sistemas de dominayaoexplorayao Do entendimento do fenome no do angulo da fusao da osmose entre patriarcado racismo e capi talismo derivou a estrategia de luta aqui proposta Assim nao e dificil compreender que nao se pode falar em fe minismo no singular Pessoas com diferentes filiayoes politicoideolo gicas sao partidarias de distintos feminismos Embora este livro nao tenha 0 objetivo de se estender sobre uma classificayao dos feminis mos talvez nao seja demais fornecer ao leitor algumas coordenadas que the permitirao melhor identificar as filialoes politicoideol6gicas das diversas correntes do feminismo Grosso modo podemse distinguir os seguintes enfoques da ques tao feminina 1 Conservantismo postura que exatamente em razao de foca lizar 0 sexismo como desigualdade natural assumese como naofemi nista ja que naturatiza processos sociais Assim para esta corrente de pensamento as mulheres siio naturalmente inferiores aos homens 2 Liberalismo que tern como postulados fundamentais a tiber dade a igualdade a fraternidade todos situados no plano exclusiva mente formal Para os liberais a inferioridade social da mulher de riva da desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres es pecialmente nos campos da educalao e do trabalho Para esta corren te basta qualificar a maodeobra feminina e oferecerIhe oportuni dades de trabalho para eliminar a inferioridade social da mulher Obviamente 0 pressuposto basico desta Iinha de pensamento consiste em considerar 0 capitalismo como 0 regime sociopolitico economico libertador da mulher Os limites do feminismo liberal burgues sao dados peto pr6prio capitalismo Se este e tido como pro piciador de maiores oportunidades de escolarizacao e de trabalho remunerado para as mulheres e intocavel sagrado Logo a ampliacao da cidadania feminina aspirada pela postura liberal esbarra com os limites do capitalismo sistema no qual os di ferentes individuos partem de situacoes muito desiguais tentando conquistar urn lugar ao sol Ainda que 0 feminismo liberal possa alargar os espacos de atuayao das mulheres a cidadania feminina sera sempre limitada Esta corrente de pensamento desempenhou im portante papel na luta pela conquista do voto femininoem todo 0 mundo Ainda que nao se possa negligenciar a relevancia desta e de outras conquistas 0 feminismo liberal esgotase na luta por liber dades formais Quando esta postura e assumida enquanto etapa de uma luta maior visando a implantayao da igualdade de fato entre homens e mulheres merece todo 0 respeito ja que cria situac6es novas capa zes de conduzir mais rapida e eficazmente a meta final Quando seu objetivo se reduz ao estabelecimento de igualdades formais seu alcance fica actomaticamente diminuido Todavia mesmo neste caso tratase de luta 6til pois se nao resolve 0 problema das desigualda des nas relac6es de genero tornao menos agudo na medida em que treina mulheres no jogo politico da reivindicacao 112 113 iI 3 Marxismo dog matico caracterizase por urn profundo redu cionismo Tachando de diversionista a luta pela democratizaao das relaoes de genero nao apenas privilegia a luta de classes em detri mento de outras contra 0 sexismo e contra 0 racismo como tam bern so reconhece esta luta como legitima a reducionismo desta postura reside exatamente em tentar reduzir todos os fenomenos a lutas de classes as adeptos desta posiao entendem que todos os i 1 problemas se resolverao automatieamente com a destruiao da divi t sao da sociedade em classes sociais ou seja com a implantaao do socialismo Patriarcado e racismo sao pois tornados como quest5es secundarias menores as marxistas dogmMicos exatamente em razao de seu dogma tismo nao enxergam as especificidades do patriarcado e do racismo mesmo quando fundidos com 0 capitalismo porque reduzem os tres sistemas de dominaaoexploraao a urn unico 0 das classes sociais Este equivoco dos marxistas dogmMieos tern impedido que paises em vias de consttuao do socialismo cheguem a democratizar as rela6es entre homens e mulheres e entre individuos de diferentes raas Desta sorte nao se pode considerar esta corrente de pensamento como femi nista Ao contrario ela rejeita enfaticamente 0 feminismo no singu lar justamente porque nao conhece senao urn tipo de feminismo ou seja 0 radical 4 Feminismo radical assim denominado nao por seu radiealis mo politico mas por sua intransigencia quanta a naoaceitaao das proprias diferenas sexuais biologieamente definidas As adeptas des ta corrente desejam a1canar total autonomia em relaao ao homem inclusive no terreno sexual Felizmente tratase de corrente inexpres siva em todo 0 mundo e especialmente no Brasil Nao obstante sua irrelevancia e esta a postura que serve aos meios de comunieaao de massa e demais machistas na tarefa de nivelar por baixo de con siderar todas as feministas iguais de angariar antipatias para todo e qualquer feminismo Desta maneira 0 feminismo radical fornece muniao aos inimigos da luta pela democratizaao das relaoes de genero Rigorosamente portanio esta postura nao e feminist a mas profundamente sexista Efetivamente e tao sexista quanta 0 machis mo A tinica diferena entre 0 feminismo radical e 0 machismo cons siste no fato de que 0 primeiro privilegia a mulher e 0 segundo pri vilegia 0 homem Identificamse pois quanta ao grau de sexismo que apresentam e defendem 5 Feminismo socialista corrente de pensamento muito mais complexa que as anteriores tratando de lidar simultaneamente com todas as contradi5es basieas da sociedade regida pelo patriarcado racismocapitalismo Ainda que muitas vezes 0 racismo seja deixado de lado os adeptos desta corrente jamais isolam a questao do pa triarcado do problema das classes sociais Embora 0 grau de exito destas tentativas varie ha sempre a intenao de nao negligenciar os antagonismos fundamentais que respondem pela opressao de mulhe res minorias etnieas e pobres Como e extremamente dificil tratar todas as contradi5es ao mesmo tempo observase uma tendencia a privilegiar embora ligei ramente uma contradiao em detrimento de outra Neste livro tentouse evitar 0 equivoco da priorizaao de um antagonismo em prejuizo de outro ou outros A Historia mostra a inadequal1o desta estrategia Por isso a estrategia aqui proposta e a do ataque a propria simbiose entre 0 patriarcado 0 racismo e 0 capitalismo Esta proposta tern maior a1cance do que a de atacar simultaneamente todas as contradioes todos os antagonismos Isto significa investir contra a propria fusao dos mencionados esquemas de dominaaoexploraao Se cada um deles representa uma grande fora sua simbiose nao soma a fora que cada urn traz mas potencia esta fora Eis por que a estrategia indicada neste livro parece ser adequa da ao enfrentamento das desigualdades visando a implantaao da democracia au seja atacar 0 no gordio da questao a fim de erra diear as desigualdades sociais Rigorosamente 0 tinico feminismo ra dical do ponto de vista politico e 0 feminismo socialista pois ser radical significa tomar as coisas pela raiz Ainda que se concorde com a afirmaao de Marx de que a raiz das coisas e 0 homem leva se 0 raciocinio da estrategia de luta proposta urn pouco mais adiante a ser humano e efetivamente a raiz de todas as coisas mas a raiz das desigualdades presentes nas sociedades regidas pelo patriarcado racismocapitalismo reside exatamente na ja referida simbiose Ha pois que atacar impiedosamente esta fusao a feminismo aqui defendido como tera seguramente notado 0 leitor nao representa de forma alguma uma guerra contra os ho mens Ao contrario a proposta consiste exatamente na humaniz89ao do homem tambem castrado em muitas dimensoes da vida E para que este processo de humanizaao dos elementos masculinos tenha exito fazse necessario humanizar mulheres e negros Este feminismo 115 J 114 esta muito longe de ser rancoroso ressentido amargo A rigor e 0 oposto disto pois visa a estabelecer a igualdade entre seres humanos para possibilitarlhes 0 desfrute do prazer concebido amplamente Atacando a divisao sexual do trabalho e a marginalizacao do negro seus objetivos caminham na direcao da maior liberdade para todos Por que e1eger a cor e 0 sexo como criterios de atribuicao de papeis sociais impedindo que cada urn escolha livremente seus cam pos de atuacao Na sociedade brasileira nao sao apenas mulheres e negros os impedidos de realizar suas inc1inac6es 0 tipo de abor dagem do fenomeno aqui adotado imp6e que se examine sempre 0 reverso da medalha Assim e precise tomar consciencia de que a prescricao de normas de conduta para estas categorias sociais discri minadas implica necessariamente uma limitacao para os homens Na medida em que certos campos de atuacao sao considerados fe mininos e ou negros 0 homem em geral e 0 branco especialmente fi cam impedidos de ne1es penetrar Desta forma a discriminacao aberta contra uns traz escondida em seu bojo a discriminacao velada contra outros 0 privilegio cons titui tambem uma limitacao E muitas vezes pagase urn preco exor bitante por urn privilegio Vale pois a pena refletir sobre 0 preco a ser pago Certamente muitos conc1uirao pelas vantagens do nao privilegio ou seja pela conveniencia da igualdade social entre todos Urn born exercicio para se decidir se vale a pena ter privile gios de macho e de branco consiste em tentar responder honesta mente a pergunta em ultima instancia a quem beneficiam estes pri vilegios Como ja se indiCou os homens aparentemente sao em maior ou menor grau beneficiarios de tais privilegios Mas a pergun ta vai alem das aparencias ja que inc1ui a expressao em ultima ins tancia Ora quando se examina 0 processo de castracao de que e alvo o homem a fim de que possa exercer seu papel de dominador che gase a conc1usao de que 0 preco e excessivamente alto Evidente mente 0 preco varia de acordo com a c1asse social a que pertence este homem segundo sua cor na proporcao de outras caracteristicas que possa apresentar 0 preco contudo nunca e aquele da tabela situandose entre os polos do preryo com agio ao preryo do mercado negro Por que nunca se trata de pagar 0 preco tabelado Ora por que nao se mostra ao homem ao se educalo para desempenhar 0 papel do macho que isto tern urn preco Desta sorte 0 homem tam bern e vi1ima de urn engodo de urn embuste de uma trapaca o ponto crucial da postura assumida neste livro reside justa mente em nunca se recusar a examinar as conseqUencias para os ho mens das discriminac6es praticadas contra as mulheres Mais do que isto a grande mensagem consiste em mostrar que os homens podem e devem reivindicar seus direitos humanos da mesma forma como muitas mulheres estao procedendo Conquistar a posicao de ser hu mano livre e muito mais do que urn dever e urn direito E este di reito e igualmente valido para homens e mulheres para negros e brancos para ricas e pobres Quando a maioria dos homens que sofrem a dominacao da mi noria poderosa descobrir que seus privilegios significam tambem limitac6es constrangimentos falta de liberdade estara pronta a per ceber como sociais os processos que the pareciam naturais Tendo compreendido 0 processo social de construcao da mulher e do negro enquanto categorias sociais discriminadas a pessoa estara apta a des mistificar a desmascarar a naturalizaryiio da inferioridade daqueles contigentes humanos Se as discriminac6es sao construc6es sociais nao fazem parte intrinseca da mulher e do negro Se foram socialmente construidas podem ser tambem socialmente destruidas com vistas a instauracao da verdadeira Democracia E esta eonstitui uma tarefa sobretudo de jovens ainda que os rnais velhos possam colaborar Muitos jovens ja perceberam os limites da eficacia da irreve rencia Sabem que se rebelam contra modelos impostos por adultos mas acabam copiando fielmente tais arquetipos A Hist6ria mostrou amplamente que a irreverencia e necessaria porem nao suficiente para levar a born termo profundas transformac6es sociais f chega do pois 0 momenta de ultrapassar a posicao de irreverencia e ir adentrando a postura do questionamento transformador que exige responsabilidade Ou seja questionar visando a transformar implica ser ollservador arguto estudioso serio comprometido com a causa da Democracia 0 restci e constituido de pormenores que a vida co tidiana de cada qual se encarregara de fornecer 0 importante ago ra e firmar 0 compromisso com a causa da liberdade da igualdade social enfim da democracia No que tange as re1ac6es de genero entre homens e mulheres existem de ha muito artistas reverenciando a tao desejada Demo cracia Ilustra bern esta questao 0 belissimo poema que constitui a letra da musica que Taiguara compos in memJriam para Leila Di niz logo apos sua tragica morte em urn acidente aereo 1 116 117 Essa menina livre Essa menina livre que Deus chamou Essa mulher d sol que se deu e amou Essa viola amiga que harmonizou guerra e liberdade Essa bruxa solta pela cidade Nao vai partir nao vai morrer Essa verdade santa que fez igual o coraao e a carne e 0 bern e 0 mal Essa paixao d vidro que abria 0 peito de quem sofria Que abria a porta que nao sabia Nao vai secar nao vai calar E esses amantes livres que jii nasceram Vao ser iguais no amor homens e mulheres Vao ser 0 mesmo barro do mesmo chao A mesIIJa porta abrta com a mesma mao Lii fora a mesma chance e 0 mesmo perdao Que de tua boca nao saia mais o que faz dois amantes dois desiguais E que na tua boca nao entre mais essa diferenca Que faz culpada uma companheira que vern somar que vern amar E essa menina livre que Deus chamou Essa mulher de sol que se deu e amou Essa viola amiga que harmonizou guerra e liberdade Essa bruxa solta pela cidade Nao vai partir nao vai morrer VAl VIVER DO AMOR DE CADA MULHER SUGEST6ES DE LEITURA CARNEIRO Sueli SANTOS Thereza Mulher negra Sao Paulo Nobel Conselho Estadual da Condilao Feminina 1985 Este livro tratou de reunir os dados disponiveis no pais a fim de demons trar as discriminaloes que se praticam contra os negros em geral e especial mente as negras no Brasil COMBES Daniele HAICAULT Monique Production et reproduction rapports sociaux de sexes et de classes Le sexe du travail Presses Univer sitaires de Grenoble 1984 Neste artigo as autoras propoemse a realizar uma aniilise das relaloes de genero centrada na simbiose entre 0 patriarcado e 0 capitalismo Todavia a tentativa nao foi plenamente realizada na medida em que as autoras situam o fenomeno da domina9ao segundo elas tipico do patriarcado nO terreno politicoideologico reservando para 0 capitalismo que divide a sociedade em classes sociais 0 fenomeno da exploraliio Ao separarem os fenomenos da dominaliio que vinculam ao patriarcado e da exploraliio que ligam ao capitalismo as autoras frustram sua propria proposta ou seja de analisar a osmose entre os dois sistemas EISENSTEIN Zillah Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism Edited by Zillah Eisenstein New York Monthly Review Press 1979 A autora situa 0 fenomeno do patriarcado no contexte da sociedade capitalista tentando lidar simultaneamente com os dois fenomenos Entretanto como 0 proprio titulo do trabalho indica a autora privilegia 0 patriarcado Este sistema e usado na forma substantiva e qualificado pelo capitalismo utilizado na forma adjetiva patriarcado capitalista Ora se urn sistema quali fica 0 outro os dois niio gozam da mesma importancia 0 que e qualificado e mais importante mais duradouro mais decisivo 0 que qualifica e passa geiro efemero secundiirio A aniilise desenvolvida por esta autora permitiria inferir que houve urn patriarcado escravista urn patriarcado feudal da mesma maneira como hti na terminologia empregada no proprio titulo de sua obra urn patriarcado capitalista Assim 0 sistema estruturador das rela90es sociais que perdura e 0 patriarcado que ao longo da Historia vai sendo qualificado pelos diferentes sistemas economicos 118 119 SAFFIOTI Heleieth lara Bongiovani For9a de trabalho feminina no interior das cifras trabalho apresentado no Congresso da UNESCO em 1984 na lugoshivia e publicado pela Revista Perspectivas Sao Paulo Revista de Cien cias Sociais Publica9ao UNESP 8 1985 A autora fundamenta teoricamente a tese da simbiose entre 0 patriarcado e 0 capitalismo atribuindo a mesma importancia a ambos Contra a tese de Eisenstein CQntrapoe 0 fracasso de todas as lutas que priorizaram qualquer das contradi90es propondo uma nova estrategia que consiste em atacar a propria simbiose Critica Combes e Haicault pelo fato de estas autoras con siderarem como tipica do patriarcado a dominaliio que entendem como feno menD situado exclusivamente no dominio politicoideoI6gico ede imputarem a exporaliio puramente ao fenomeno das classes sociais isto e do capita lismo As referidas autoras comprometem a propria ideia de simbiose quando separam os dois conceitos da forma radical como 0 fazem Ademais esta separa9ao indica que elas nao concebem a reaIidade social como una Ao contnlrio distinguem na realidade social esferas distintas as quais correspbn dem fenomenos tambem distintos Desta forma embora proponham realizar uma analise materialista das rela90es sociais acabam resvalando numa meto I dologia completamente distinta da ao sociologo Max Weber conhecido seja conceitos paradigmaticos dos maior ou menor grau de Marx e filiada em ultima instancia 1 como 0 formulador de tipos ideais ou 1 quais a realidade social se aproxim em f I I SAFFIOTI H I B FERRANTE Vera L S B Formas de participa9ao da I mulher em movimentos sociais in Politica e administraliio revista publicada pela FESP Rio de Janeiro n 2 1985 o artigo consiste na aplica9ao do arcabou90 te6rico exposto no artigo I mencionado no item 4 aos movimentos sociais liderados por mulheres ou com densidade ferninina pondenivel I j 120
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Texto de pré-visualização
Coordenaciio editorial Jose Carlos de Castro Preparaciio de texto Lisabeth Bansi Giatti Capa foto de Eduardo Santaliestra Composiciio Linotipadora Expressa lMPRESSAO E ACABAMENTO Bartira GnWca B Editora Uda Cados de CatalogaCao na PublicaCao CIP Internacional Camara Brasileira do UwoS Brasil Saffioti Heleieth IB S134p 0 poder do macho Heleieth IB Saffioti Sao Paulo Moderna 1987 Coleao polemical Biblio grafia 1 Discriminaao 2 Discriminaao Brasil 3 Discriminaao contra mulheres 4 Machismo I Titu lo II Serie CDD3053 305 3050981 871714 30542 Indices para catalogo sistematico 1 Brasil Discriminaao Sociologia 3050981 2 Discriminaao Aspectos sociais 305 3 Discriminaao contra mulheres Sociologia 30542 4 Machismo sociologia 3053 5 Papeis sociais e sexo 3053 6 Sexo e papeis sociais 3053 ISBN 8516003647 Todos os d ireilos reservados EDITORA MODERNA LTDA Hul Padre Adelino 758 Belenzinho Sao Paulo SP Brasil CEP 03303904 Vendas e Atendimento Tel 011 60901500 Fax 011 60901501 WVrwmodernacombr 2001 Impressa no Brasil SUMARIO IntrodUlao 5 1 Papeis sociais atribufdos as diferentes categorias de sexo 8 2 A quem serve a relaao de dominacao da mulher pelo homem 21 3 A supremacia masculina na sociedade capitalista 41 4 Contradic6es da ideologia liberal 68 5 Uma estrategia de luta 86 6 Vale a pena lutar 98 Conclusao 111 Sugest6es de leitura 119 A doutrina materialista de que os seres humanos sao produtos das circunstancias e da educacao de q es humanos transfor mados sao portanto produtos de outras circunsta cias e de uma edu cacao mudada esquece que as circunstancias sao ransformadas pre cisamente pelos seres humanos e que 0 educador tern ele proprio de ser educado Ela acaba por isso necessariamente por separar a sociedade em duas partes uma das quais fica elevada acima da so ciedade A coincidencia do mudar das circunstancias e da atividade huma na so pode ser tomada e racionalmente entendida como praxis revo lucionante Marx e Engels Obras escolhidas Moscou Edic5es Pro gresso 1 1 Lisboa Edic5es Avante 1982 A Marcos Nogueira ser humano de primeira categoria com quem muito aprendi INTRODUCAO Embora eu esteja ha urn quarto de seculo estudando a tematica feminina nunca havia escrito para naoiniciados para aqueles que nao dominam a terminologia cientifica Quando a Editora Moderna me convidou para escrever urn livro para a Colecao Polemica senti aquela coceira gostosa provocada pela novi dade Todavia eu estava habituada a usar uma linguagem muito especifica rigorosamente cientffica conhecida em boa gfria brasileira por sociologues Seria capaz de abandonar a terminologia sociol6gica para trocar em miudos algumas amilises que havia realizado Muitos ai inclusos amigos meus opinaram que eu so sabia es crever sociologues Resolvi pois tomar estas afirmac5es como desa fios Mas nao foram elas os unicos fatores de meu empenho em traduzir para uma linguagem simples ideias que eu ja havia escrito em linguagem fechada hermetica sisuda Havia tambem 0 desafio e este me provocava ainda maior coceira de dialogar com jovens de lhes propor uma nova estrategia de luta de lhes oferecer elemen tos para a escolha de uma vida mais feliz Ademais 0 publico que Ie portugues e infinitamente maior do que aquele que Ie sociologues Pergunteime entao insistentemente se nao era chegado 0 momenta de tentar passar para este publico uma parte de minha experiencia Fizme esta pergunta enquanto edu cadora Na profissao de professora universitaria nao havia eu de sempenhado esta funao de explicar isto e de tomar simples e compreensiveis conceitos complexos que denominam fenomenos com plicados Nito procedo da mesma maneira quando faco conferencias para publicos pouco instruidos e ate mesmo analfabetos Nada jus tificava portanto que eu deixasse de tentar a feitura deste pequeno Uvro Assim lanceime a Iuta e dela lhes apresento agora 0 fruto Cabeni a voces julgarIhe 0 gosto De minha parte confesso que a experiencia me ensinou muito e me causou enorme prazer Por vezes tinha a impressao de estar diante de voces em pessoa batendo papo Esperoque sintam 0 5 mesmo Mas se assim nao ocorrer isto significa que ainda devo aprender muito para me comunicar com este publico Embora eu seja bern mais velha que os meus leitores estarei disposta a comear de novo tentando outro metodo de abordagem Se este for 0 caso quem sabe urn dia chegarei lao Este pequeno livro destinase a todo e qualquer jovem disposto a conhecer urn pouquinho sobre fenomenos crueis como a discrimi nayao contra a mulher e contra 0 negro na sociedade brasileira Mui tos dos fatos aqui abordados nao sao exclusivos deste pais Lamenta velmente apresentamse com maior ou menor intensidade em todas as partes do mundo Sempre que 0 espayo ermitiu referencias a outras na6es foram feitas 0 objetivo fundam ntal desta obra po rem consiste em levar 0 jovem a conhecer melh r seu proprio pais o nosso pais Obviamente 0 Brasil nao esta isolado do resto do mun do E isto tern tanta importancia que sempre que possivel se pro curou mostrar como cada nacao danca a musica tocada no cenario internacional E por falar em musica voces perceberao atraves das letras das musicas populares brasileiras que utilizei como estes fenomenos com plicados sobre os quais escrevem sociologos cientistas politicos an tropologos estao presentes na vida cotidiana de cada urn Se assim nao fora 0 poeta 0 musico 0 artista nao os teriam posta em versos em telas em filmes Quantas lic6es nao se podem tirar de uma ida ao cinema da atividade de ouvir musica de visitar museus Basta estar atento e dispor de alguns instrumentos de analise para ir fundo no processo de esquadrinhamento desta nossa realidade social tao injusta iniqua hipocrita Minha intenao ao escrever este livro foi introduzilos neste tipo de ObSfrVaaO de raciocfnio de analise Genericamente falando os homens nao se interessam pela tematica feminina Voces ja se per guntaram sobre 0 porque desta indiferena De urn lado muita gente trabalhou bastante para por na cabea dos rapazes que este assunto diz respeito exclusivamente as mulheres De outro os rapazes foram alvo da macia propaganda que rotula todo e qualquer feminismo atraves da conotaao pejorativa do feminismo radical No entanto a razao mais importante do desinteresse dos homens pela problematica feminina reside no fato de que em geral nao se Ihes mostra a face oculta do privilegio do macho E por que nao 0 fazem Ora no momenta em que 0 homem entender que tambem ele e prejudicado pelas discrimina6es praticadas contra as mulheres a supremacia masculina estara ameacada E com ela estarao tambem ameaados 0 duplo padrao de moral que alimenta a familia burguesa a propria familia 0 dominio dos poderosos 0 mesmo pode ser dito com relaao a discriminacao contra negros Houve epoca em que as estudiosas da problemitica feminina nao constituiam nenhuma ameaa Tratavase segundo a opiniao geral de urn assunto secundario que so interessava aquelas feministas tidas e havidas como malamadas Contudo a medida que se foram produ zindo estudos serios sobre 0 assunto este foi deixando de ser inofen sivo e foi passando a ser subversivo Por que 0 tratamento dispensado ao tema neste livro e subver sivo Porque nao aceita mitos nem hipocrisias nem desumanizaao de homens e mulheres subverte a ordem estabelecida questionaa transformaa E isto e claro nao ocorre apenas no livro acontece no diaadia de cada urn nas lutas coletivas nos movimentos po liticos o que fao basicamente neste livro e sugerir a todos os jovens moas e rapazes urn novo caminho conducente a uma socie dade menos injusta menos iniqua menos castradora Embora este caminho possa nao ser 0 melhor nem mesmo 0 unico para a cons truao de rela6es igualitarias de genero isto e entre homens e mu Iheres e interraciais ou seja entre representantes de diferentes raas sem duvida e muito superior aos modelos que gera6es sucessivas vern repetindo ao longo da historia Desta sorte a sugestao do cami nho esta feita A maneira de trilhalo constituira tarefa de cada urn 6 7 I PAPEIS SOCIAlS ATRIBUfDOS AS DIFERENTES CATEGORIAS DE SEXO Introduao Nao e dificil observar que homens e mulheres nab ocupam posi foes iguais na sociedade brasileira Embora este fenomeno nao seja exclusivo do Brasil e sobre esta naCao fundamentalmente que inci dira a analise aqui desenvolvida A identidade social da mulher assim como a do homem e cons truida atraves da atribuicao de distintos papeis que a sociedade es pera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo A sociedade delimita com bastante precisao os campos em que pode operar a mulher da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar 0 homem A socializaao dos filhos por exemplo constitui tarefa tradicio nalmente atribuida as mulheres Mesmo quando a mulher desempe nha uma funcao remunerada fora do lar continua a ser responsabili zada pela tarefa de preparar as geraoes mais jovens para a vida adulta A sociedade permite a mulher que delegue esta funcao a outra pessoa da familia ou a outrem expressamente assalariado para este fim Todavia esta permissao so se legitima verdadeiramente quan do a mulher precisa ganhar seu proprio sustento e 0 dos filhos ou ainda complementar 0 salario do marido Apenas nas classes dominantes a delegaCao desta tarefa de socia lizacao dos filhos nao necessita de legitimaao da necessidade de trabalhar Este tipo de mulher pode desfrutar de vida ociosa pelo menos no que tange ao trabalho manual que a educacao dos filhos exige Contudo esta mulher nao esta isenta de orientar seus rebentos assim como de supervisionar 0 trabalho de servicais contratados em geral tambem mulheres para 0 desempenho desta funcao Notase claramente que a vida de mulher varia segundo a classe social dos elementos do sexo feminino Se a operaria gastaduas horas por dia no transito mais oito na fabrica e quatro nos servicos do mesticos a burguesa dispoe de servicais que executam os trabalhos uomesticos em sua residencia No seio das classes medias e grande a uiferenciacao Nestas classes dada a enorme variaao de renda que comportam encontramse desde mulheres donasdecasa que se dedi cam exclusivamente aos cuidados da residencia do marido e dos fi Ihos ate aquelas que trabalham fora Dentre estas ultimas tambem ha gigantescas diferencas Ha secretarias cujo irrisorio salario nao Ihes permite contratar nenhum tipo de auxiliar para a execucao dos servicos domesticos Outras trabalhadoras em virtude de seu nivel de renda so podem contratar empregadas em tempo parcial ou faxi neiras Outras ainda por receberem urn salario mais alto contratam servicais para desempenharem em seu lar os trabalhos que lhes cor respondem enquanto mulheres Nao obstante todas estas diferenas que tornam a vida de mu lher mais ou ltlenOS dificil a responsabilidade ultima pela casa e pe los filhos e imputada ao elemento feminino Tornase pois clara a atribuiao por parte da sociedade do espaco domestico a mulher Trabalhando em troca de urn salario ou nao na fabrica no escritorio na escola no comercio ou a domicilio como e 0 caso de muitas mulheres que costuram fazem croche trico doces e salgados a mu Iher e socialmente responsavel pela manutencao da ordem na residen cia e pe1a criacaoe educaao dos filhos Assim por maiores que se jam as diferencas de renda encontradas no seio do contingente femi nino permanece esta identidade basica entre todas as mulheres A sociedade inyeste muito na naturaliza9iio deste processo Isto e tenta fazer crer que a atribuiao do espaco domestico a mulher decorre de sua capacidade de ser mae De acordo com este pensa mento e natural que a mulher se dedique aos afazeres domesticos ai compreendida a socializaao dos filhos como e natural sua capa cidade de conceber e dar a luz Todavia ha sociedades nas quais a mulher nao interrompe suas atividades extralar inclusive a funao da calia quando tern urn filho Ha tribos indigenas brasileiras cujas mulheres em seguida ao parto banhamse nas aguas de urn rio e retomam imediatamente sua labuta Nestas tribos cabe ao pai fazer repouso e observar uma dieta ali mentar especial Este costume chamase couvade Esta pratica revela que 0 proprio parto quase sempre entendido apenas enquanto funcao natural assume feicoes sociais diferentes no espao e no tempo Ou seja cada sociedade elabora distintos significados para 0 mesmo feno menu natural 8 9 Este sentido especifico de um fenomeno natural formulado de diferentes maneiras por distintas sociedades constitui sua dimensao social cultural ou sociocultural Este aspecto nao deve jamais ser es quecido uma vez que ser mulher ou ser homem nao e a mesma coisa numa sociedade catolica e numa sociedade muculmana par exemploE exatamente esta dimensao sociocultural que permite com preender a famosa frase de Simone de Beauvoir em a segundo sexo ninguem nasce mulher tornase mulher Rigorosamente os seres humanos nascem machos ou femeas E atraves da educacao que recebem que se tornamens e mulheres A identidade social e portanto socialmente constrda Se diferen temente das mulheres de certas tribos indigenas bras eiras a mulher moderna tern seus filhos geralmente em hospitaise bserva determi nadas proibic6es e porque a sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade Assim esta funcao natural sofreu uma elaboracao social como alias ocorre com todos os fenomenos natu rais Ate mesmo 0 metabolismo das pessoas e socialmente condicio nado Pessoas que nao foram habituadas a comer determinados ali mentos nao raro nao conseguem fazeIo quando se encontram em sociedades que adotaram este tipo de alimentacao Se porventura fo rem obrigadas a ingeriIos nao conseguem metabolizaIos dado 0 asco por eles provocado E proprio daespecie humana elaborar socialmente fenomenos naturais Por esta razao e tao dificil senao impossivel separar a natureza daquilo em que ela foi transformada pelos procesos socio culturais A natureza traz crescentemente a marca da intervencao hu mana sobretudo nas sociedades de tecnologia altamente sofisticada Ha portanto ao lange da historia uma humanizacao da natureza uma domesticacao da natureza por parte do ser humano Este pro cesso caracterizase como tudo na vida social pela contradicao Se por urn lado revela a capacidade humana de colocar a natureza a seu servico por outro interfere no ecossistema destruindo muitas vezes 0 equilibrio ecologico Ecologistas e associalXoes de ecologia vern insistentemente aler tando as autoridades para as conseqiiencias desastrosas de determina das intervencoes humanas na natureza E 0 caso por exemplo do desmatamento indiscriminado da poluicao dos rios por produtos qui micos que matam os peixes do uso de agrotoxicos em culturas ali mentares etc No momento atual dada a acao prolongada do ser humano so bre a natureza praticamente tudo que cerca as populacoes traz 0 carimbo sociocultural Nao basta entretanto conhecer a capacidade humana de transformar 0 reino natural E preciso atentar para 0 pro ccsso inverso que consiste em naturalizar processos socioculturais Quando se afirma que e natural que a mulher se ocupe do espao tlomestico deixando livre para 0 homem 0 espao publico estase rigorosamente naturalizando urn resultado da historia Dada a desvalorizacao social do espaco domestico os poderosos tern interesse em instaurar a crenca de que este papel sempre foi tlesempenhado por mulheres Para a solidificacao desta crenca nada melhor do que retirar desta atribuiao de papeis sua dimensao socio cultural Ao se afirmar que sempre e em todos os lugares as mulheres se ocuparam do espaco domestico eliminamse as diferenciacoes his toricas e ressaltamse os caracteristicos naturais destas funcoes Tais papeis passam a se inscrever na natureza feminina Desta forma a ideologia cumpre uma de suas mais importantes finalidades ou seja a de mascarar a realidade Como falar em uma natureza feminina ou em uma natureza masculina se a sociedade condi ciona inclusive 0 metabolismo das pessoas Diferentemente dos ou tros animais os seres humanos fazem historia Alem disso as gera coes mais velhas transmitem esta historia as geracoes mais jovens que partem de urn acervo acumulado de conhecimentos B preciso atentar porem para os diferentes significados da his t6ria Do ponto de vista das classes sociais podemse distinguir basi camente dois sentidos da historia 0 das classes dominantes e 0 das classes subalternas Do angulo das categorias de sexo as mulheres ainda que facam hist6ria tem constituido sua face oculta A hist6ria oficial pouco ou nada registra da aCao feminina no devenir hist6 rico Isto nao se passa apenas com mheres Ocorre com outras categorias sociais discriminadas como negros indios homossexuais Deste fato decorrem movimentos sociais visando ao resgate da me moria geralmente nao registrada destes contingentes humanos que atuando cotidianamente ajudarm e ou ajudam a fazer hist6ria E de extrema importancia compreender como a naturaliza9io dos processos socioculturais de discriminacao contra a mulher e ou tras categorias sociais constitui 0 caminho mais facil e curto para legitimar a superioridade dos homens assim como ados brancos ados heterossexuais ados ricos 10 11 A ffinferioridade da mulher Presumese que originariamente 0 homem tenha dominado a mulher pela fora ffsica Via de regra esta e maior nos elementos masculinos do que nos femininos Mas como se sabe ha exce6es a esta regra Variando a fora em funao da altura do peso da estrutura ossea da pessoa ha mulheres detentoras de maior fora ffsica que certos homens Em sociedades de tecnologia rudimentar Sdetentor de grande fora ffsica constitui inegavelmente uma vanta m Em sociedades onde as maquinas desempenham as fun6es mais rutas que reque rem grande fora a relativa incapacidade de levan ar pesos e realizar movimentos violentos nao impede qualquer ser umana de ganhar seu sustento assim como 0 de seus dependentes Rigorosamente pore tanto a menor fora ffsica da mulher em relaao ao homem nao deveria ser motivo de discriminaao Todavia recorrese com fre qiiencia a este tipo de argumento a fim de se justificarem as dis crimina6es praticadas contra as mulheres A fora desta ideologia da inferioridade da mulher e tao gran de que ate as mulheres que trabalham na enxada apresentando maior produtividade que os homens admitem sua fraqueza Estao de tal maneira imbuidas desta ideia de sua inferioridade que se assumem como seres inferiores aos homens o mero fato de a mulher deter em geral menos fora ffsica que 0 homem seria suficiente para decretar sua inferioridade Os fatos historicos indicam que nao Somente para ilustrar esta questao eVocase 0 fato de que em todos os momentos de engajamento de urn povo em uma guerra via de regra os homens sao destinados ao com bate enquanto as mulheres assumem as fun6es antes desempenhadas pelos elementos masculinos Por que sao elas capazes de trabalhar em qualquer atividade para substituir os homensguerreiros devendo retornar ao cuidado do lar uma vez cessadas as a6es belicas Ade mais nos ultimos anos vemse assistindo a uma participayao cres cente de mulheres em atividades belicas Contingentes femininos apreciaveis tern participado nao apenas de guerrilhas mas tambem tern assumido fun6es em exercitos convencionais A Nicaragua ilustra bern este fato Tendo participado da guer rilha que levou 0 atual regime ao poder em julho de 1979 muitas mulheres integram as tropas regulares daquele pais No exercito nicaragiiense nao ha mulheres somente nas patentes mais baixas 12 Muitas ostentam 0 titulo de comandante comandando efetivamente ropas formadas majoritariamente por homens Desta sorte ate na guerra a mulher provou sua capacidade La mentavelmente esta parece ser a atividade que trabalha mais veloz mente para minar a ideia de que a mulher e inferior ao homem lamentavel repitase que 0 ser humano no caso 0 homem so venha a reconhecer na mulher urn seu igual atraves da atividade guerreira quando ha milhares de outros setores de atuaao humana em que as mulheres se mostram capazes Do ponto de vista biologico 0 organismo feminino e muito mais diferenciado que 0 masculino estando ja provada sua maior resis tencia Tanto assim e que as mulheres estatisticamente falando vi vern mais que os homens A sobrevida feminina em relaao aos homens ja alcanou oito anos nos Estados Unidos estando entre cinco e seis no Brasil t bern verdade que it medida que se intro duzem fatores de risco tabagismo tensao nervosa provocada pela competiao no trabalho e ou pelo pesado trafego das grandes cida des pela duplicayao da jornada de trabalho no lar e fora dele as vantagens femininas ficam reduzidas Permanece porem a defesa natural organicamente oferecida pe los hormonios femininos contra por exemplo as doenas das coro narias causa numero urn dos obitos masculinos Esta proteao perdura ate a menopausa quando os ovarios deixam de produzir hormonios o que ocorre no intervalo entre os 45 e os 50 anos Como a incidencia de enfartos e muito maior antes dos 50 anos que posteriormente esta defesa hormonal representa uma notavel vantagem para a mulher em termos de longevidade Nao se trata contudo de desejar provar qualquer superioridade da mulher em relayao ao homem 0 argumento biologico so foi uti lizado a fim de mostrar a ausencia de fundamentaao cientffica da ideologia da inferioridade feminina Por outro lado este argumento serve tambem para revelar mais uma vez aelaboraao social de fe nomenos organicos portanto naturais Ademais a elaboraao ideo logica caminha em sentido oposto ao das evidencias organicas pois as tabuas de vida da maioria esmagadora dos paises mostram que as mulheres sao mais longevas que os homens Sao necessarios fatores muito especfficos para inverter esta ten dencia Exemplo disto esta em certas regioes da India onde as mu Iheres ao se casarem sao obrigadas a se mudar para a comunidade do marido devendo aprender uma nova cultura que via de regra agride profundamente condutas adquiridas na comunidade de origem 13 Como 0 casamento ocorre na fase adulta da vida os habitos anterior mente aprendidos pOl estas mulheres ja estao solidamente estrutura dos constituindo uma verdadeira violincia a obrigaao de esqueceIos e substituiIos pOl novos costumes tipicos da comunidade do marido Dados estatisticos revelam que mulheres sujeitas a este traumatismo tendem a viver menos que os homens Tratase porem de urn casu muito especifico pois a India comporta diferenciaoes culturais gi gantescas capazes de produzir profundos conflitos agravados pela existencia da familia patrilocal A patrilocalidade da familia definese pea obrigatoriedade de a mulher passar a integral a comunidade do mrido Se as diferencas culturais nao fossem tao pronunciadas naque1e pais certamente as dificuldades seriam menores podendo nao reper6urtiL negativamente na expectativa de vida das mulheres Na tentativa de inculcar nos seres humanos a ideologia da infe rioridade feminina recorrese freqiientemente ao argumento de que as mulheres sao menos inteligentes que os homens Ora a Ciencia ja mostrou suficientemente que a inteligencia constitui urn potencial ca paz de se desenvolver com maior ou menor intensidade dependendo do grau de estimulaao que recebe Dado 0 pequeno numero de esti mulos que recebem crianas que vivem em instituioes destinadas a recolher menores abandonados desenvolvem muito pouco esta poten cialidade a qual se convencionou chamar inteligencia Isto posto nao e dificil conc1uir sobre as maiores probabilidades de se desenvolver a inteligencia de uma pessoa que freqiienta muitos ambientes 0 que caracteriza a vida de homem em relaao a pessoas encerradas em casa durante grande parte do tempo especificidade da vida de mulher Alias 0 dito popular lugar de mulher e em casa e eloqiiente em termos de imposiao da ideologia dominante Em fi cando em casa todo ou quase todo 0 tempo a mulher tern menor numero de possibilidades de ser estimulada a desenvolver suas poten cialidades E dentre estas encontrase a inteligencia a argumento de que ha muito poucas mulheres dentre os grandes cientistas grandes artistas ate grandes cozinheiros tenta provar que tambem em termos de inteligencia a mulher e inferior ao homem Os portadores e divulgadores desta ideologia esquecemse de medir as oportunidades que foram oferecidas ou melhor negadas as mulhe res Ao se atribuir a elas a responsabilidade praticamente exclusiva pela prole e pela casa ja se lhes esta automaticamente reduzindo as probabilidades de desenvolvimento de outras potencialidades de que sao portadoras Desta forma a igualdade de oportunidades pressupoe a partilha de responsabilidades pOl homens e mulheres em qualquer campo de Iltividade ai incluso 0 espao domestico Nao se trata de ensinal os homens a auxiliarem a mulher no cuidado com os filhos e a casa pois sempre que a atividade de alguem se configurar como ajuda a Iesponsabilidadee do outro Tratase de partilhar a vida domestica nssim como 0 lazer e as atividades garantidoras do sustento da fami lia Nada mais injusto do que tentar disfarar a dominaao dos ho mens sobre as mulheres atraves da ajuda que os primeiros podem oferecer as ultimas Esta forma de raciocinar e exatamente igual aquela que consi dela 0 trabalho extralar da mulher como ajuda ao marido Na qualidade de mera ajudante a mulher se oferece urn salario me nor ainda que ela desempenhe as mesmas funoes que 0 homem A propria mulher admitindo seu trabalho taosomente como ajuda aeeita como natural urn salario inferior Podese pois detectar ainda uma vez 0 processo de naturali zarao de uma discriminacao exc1usivamente sociocultural A com preensao deste processo podera promover enormes avanos na cami nhada da conscientizacao quer de mulheres quer de homens a fim de que se possa desmistificar 0 pretenso carater natural das discri minacoes praticadas contra os elementos femininos Do exposto podese facilmente conc1uir que a inferioridade fe minina e eXclusivamente social E nao e senao pela igualdade social que se luta entre homens e mulheres entre brancos e naobrancos entre catolicos e naocatolicos entre conservadores e progressistas Afinal travamse cotidianamente lutas para fazer cumprir urn pre eeito ja consagrado na Constituiao brasileira Efetivamente desde a primeira Constituicao republicana de 24 de fevereiro de 1891 To dos sao iguais perante a lei 2 do artigo 72 Esta igualdade legal que passou a ser minuciosamente especificada a partir da Constituicao de 1934 assim consta da Constituicao vigente desde 17 de outubro de 1969 Todos sao iguais perante a lei sem distin cao de sexo raca trabalho credo religioso e conviccoes polfticas 10 do artigo 153 Estruturas de dominaao nao se transformam meramente atraves da legislacao Esta e importante na medida em que permite a qual quer cidadao prejudicado pelas praticas diseriminat6rias recorrer a justica Todavia enquanto perdurarem discriminaoes legitimadas pela ideologia dominante especialmente contra a mulher os proprios agen 14 15 tes da justi9a tenderao a interpretar as ocorrencias que devem julgar a luz do sistema de ideias justificador do presente estado de coisas o poder esta concentrado em maos masculinas hit milenios E os homens temem perder privilegios que asseguram sua supremacia sobre as mulheres o macho e 0 poder A sociedade nao esta dividida entre homen dominadores de urn lade e mulheres subordinadas de outro Ha hoens que dominam outros homens mulheres que dominam outras m lheres e mulheres que dominam homens Isto equivale a dizer que 0 atriarcado siste ma de relaoes sociais que garante a subordinaada mulher ao homem nao constitui 0 unico principio estruturador da sociedade brasileira A divisao da populaao em classes sociais profundamente desi guais quanto as oportunidades de vencer na vida representa outra fonte de dominaao considerada absolutamente legltima pelos pode rosos e por aqueles que se proclamam neutros 0 mesmo se passando com as diferenas raciais e ou etnicas 0 capitulo 3 incidira preci samente sobre a combinaao destes tres principios de estruturaao da sociedade brasileira De modo geral contudo a supremacia masculina perpassa to das as classes sociais estando tambem presente no campo da discri minaao racial Ainda que a supremacia dos ricos e brancos tome mais complexa a percepao da dominaao das mulheres pelos homens nao se pode negar que a ultima colocada na ordem das bicadas e uma mulher Na sociedade brasileira esta ultima posilao e ocupada por mulheres negras e pobres o poder do macho embora apresentando varias nuanas esta presente nas classes dominantes e nas subalternas nos contingentes populacionais brancos e naobrancos Uma mulher que em decorren cia de sua riqueza domina muitos homens e mulheres sujeitase ao jugo de urn homem seja seu pai ou seu companheiro Assim via de regra a mulher e subordinada ao homem Homens subjugados no reino do trabalho por uma ou mais mulheres detem poder junto a outras mulheres na relaao amorosa A situaao mais freqiiente no campo do trabalho e aquela que reune homens e mulheres sob 0 comando de homens A sujeiao fe minina e rnais profunda que a mascuIina 0 que pode ser averiguado atraves de varios aspectos Primeiro os patroes pagam menos as em pregadas mulheres mesmo quando elas desempenham as mesmas ta lefas que os homens Segundo com freqiiencia as mulheres sao sub metidas a testes vexat6rios visando a controlar sua vida reprodutiva Quando 0 teste revela gravidez a mulher e sumariamente despedida do emprego Isto nao ocorre somente nas empresas privadas 0 pr6prio poder publico embora em menor escala procede da mesma maneira Ter ceiro as trabalhadoras sao muitas vezes obrigadas a prestar servi90s de carater sexual ao patrao a Hm de preservar seu emprego Nao se pense que este procedimento e exclusivo de patroes que dominam operarias enfim mulheres de baixo grau de escolaridade Esta pre sente em todos os ambientes de trabalho inclusive na Universidade Nao se pense tampouco que esta conduta e tipica de paises subdesen volvidos Ela e freqiiente tambem em na90es altamente industriali zadas Ha poucos anos ocorreu urn rumoroso caso na Clark University nos Estados Unidos 0 chefe de urn departamento condicionou a per manencia de uma professora em seu emprego a sua concordancia em lhe prestar servigos sexuais A professora decidiu levar 0 caso a Jus ti9a Assim que a dem1ncia foi feita outras mulheres professoras e estudantes da Universidade encorajaramse a assumir a mesma pos tura pois tambem haviam sido vitimas das investidas do chefe Este foi condenado a pagar indeniza90es as suas vltimas Entretanto nao apenas nao perdeu seu emprego como tambem adquiriu nele a tao desejadaestabilidade A concessao da estabilidade em emprego universitario nos Esta dos Unidos resulta do julgamento de uma comissao constituida tam bern por professores Observese a solidariedade dos pares do pro fessor chefe de departamento Ha que registrar ainda que 0 profes sor habituado a abusar do poder era militante de esquerda Assim o poder do macho nao e exercido apenas no seio dos grupos conser vadores estando tambem presente no interior dos contingentes pro gressistas e ate mesmo radicais de esquerda E muito freqiiente que homens poderosos extravasem sellS dese jos para ulem dos Iimites do poder que 0 cargo lhes confere Po derosos no campo das relagoes de trabalho julgamse no direito de subjugar sexualmente mulheres que desempenham atividade remune rada sob seu comando Dispondo de urn fantastico instrumento de coagao a amea9a de demissao obtem nao raro exito em suas 16 17 tentativas de usar sexualmente mulheres que dependem do emprego do qual retiram sua subsistencia Do exposto se conclui que as rela6es homemmulher estao per meadas pelo poder Poder versus prazer Ouer quando 0 homem desfruta de uma posiao de poder no mundo do trabalho em relacao a mulher quer quando ocupa a po siao de marido companro namo91do cabeIhe segundo a ideo logia dominante a funao or Deve perseguir 0 objeto de seu desejo da mesma forma que 0 caador persegue 0 animal que deseja matar Para 0 poderoso macho importa em primeiro lugar seu proprio desejo Comportase pois como sujeito desejante em busca de sua presa Esta e 0 objeto de seu desejo Para 0 macho nao importa que a mulher objeto de seu desejo nao seja sujeito desejante Basta que ela consinta em ser usada enquanto objeto a caso extrema do uso do poder nas re1a6es homemmulher pode ser caracterizado pelo estupro Contrariando a vontade da mu lher 0 homem mantem com ela rela6es sexuais provando assim sua capacidade de submeter a outra parte ou seja aquela que se gundo a ideologia dominante nao tern direito de desejar nao tern direito de escolha Pode parecer extravagante recorrer ao estupro a fim de exem plificar 0 grau extrema de poder detido pelo homem em relaao a mulher Todavia e preciso ponderar que 1 hii milhares de estupros ocorrendo diariamente na sociedade brasileira grande parte dos quais de autoria dos proprios pais das vitimas 2 ha rela6es amorosas esttiveis legais ou consensuais no seio das quais 0 estupro e a norma Isto e dado 0 poder que a sociedade c6nfere ao homem julgase este com 0 direito de manter rela6es sexuais com sua companheira mesmo quando ela nao apresenta dispbsiao para tal Desta forma o estupro nao e representado apenas pelo tipo de relacao sexual es pecificado no Codigo Penal brasileiro Constranger mulher a con juncao carnal mediante violencia ou grave ameaca artigo 213 Ainda que a violencia e ou a grave ameaca existam com fre qiiencia nas uni6es eshiveis basta 0 poder do companheirq para vencer as resistencias da mulher Alias 0 direito do companheiro ao uso sexual da mulher inscrevese no capitulo do dever conjugal ou trora constante do Codigo Civil brasileiro e ainda muito presente na Idcologia que legitima 0 poder do macho Por dever conjugal enten dcse a obrigaao de a mulher prestar servicos sexuais ao compa Ilhciro quando por ele solicitada Percebese com muita facilidade II posicao de objeto do desejo masculino ocupada pela mulher Lamentavelmente inclusive para os proprios homens a sexua Iitiade masculina foi culturalmente genitalizada au seja 0 processo hist6rico conduziu 0 homem a concentrar sua sexualidade nos 6rgaos Rcnitais A maioria dos homens nem sequer sabe que seu corpo pos lui muitas outras zonas erogenas Ignoram portanto que podem des llUtar de muito prazer atraves da manipulacao de outras partes de lieu corpo Isto representa uma perda para eles da qual e impor tunte tomar consciencia a fim de poder combateIa Destl concentracao da sexualidade na genitalia deriva a expres Nilo falocracia falo penis ou seja 0 poder do macho Podese lumbem inverter 0 raciocinio e afirmar que a consolidacao da supre macia masculina ao longo de milenios de historia conduziu ao en tleusamento do penis anulando ou pelo menos reduzindo 0 prazer que 0 homem pode sentir em outras areas de seu corpo Desta sorte o homem paga um preco pelo poder de que desfruta Podese adentrar urn pouco mais 0 terreno do preco pago pelo homem para ocupar quase sempre posic6es de mando a poder e inegavelmente 0 polo oposto do prazer Como 0 homem detem poder nas suas relac6es com a mulher s6 ele pode ser sujeito do desejo Nao resta a ela senao a posicao de objeto do desejo masculino Assim o maximo de prazer alcancado pe10 homem nao passa de urn prazer solitario isto e urn prazer pela metade incompleto Ignorando 0 desejo ou carencia de desejo da mulher 0 homem e conduzido a realizar seu proprio desejo exclusivamente na ejaculaao Isto sig nifica uma reducao da sexualidade logo representa urn empobreci mento Tal empobrecimento nao se verifica apenas no terreno da sexua lidade Ter na companheira uma servial sempre disposta a prepa rarIhe as refeic6es a lavarIhe e passarIhe as roupas a buscarIhe os chinelos impede a troca a reciprocidade E e exatamente no dar e receber simulHineos que reside 0 prazer As relac6es homemmulher na medida em que estao permeadas pelo poder do macho negam enfaticamente 0 prazer Esta negacao do prazer embora atinja mais profundamente a mulher nao deixa de afetar 0 homem e necessario atentar para este fenomeno se de fato se deseja mudar a sociedade em uma direcao que inclua melhores condic6es de realizacao tanto de homens quanta de mulheres 19 18 A plenitude do prazer s6 pode ser alcanada quando nenhuma dimensao da personalidade do ser humane homem ou mulher e impedida de se desenvolver Por que nao permitir e mesmo esti mular 0 desenvolvimento da razao nas mulheres Por que nao in centivar 0 homem a nao reprimir a dimensao afetiva de sua perso nalidade Ambos seriam rnais completos e portanto mais capazes de sentir e dar prazer Das rela6es assimetricas desiguais entre homens e mulheres derivam prejuizos para ambos Basta observar atentamente 0 tipo mais eqliente de rela6es homemmulher para se chegar a esta conclusao 0abeentao perguntar a quem beneficia este estado de coisas ja que foras poderosas tentam de todos os modos impedir que nele se operem mudanas 20 2 A QUEM SERVE A RELAAO DE DOMINAAO DA MULHER PELO HOMEM Inlroduao Ja se registrou aqui a consciencia de que 0 fenomeno da subor dlnuyao da mulher ao homem atravessa todas as classes sociais sendo legitimada tambem por todas as grandes religi6es No plano das classes sociais a maioria esmagadora dos homens c constituida de trabalhadores que em troca de urn salario obede ccm as ordens de patr6es Estes constituem a minoria que detem puder economico A esta forma de poder associae quase sempre 0 poder politico Esta associaao permite a minoria impor regras de cOllduta a maioria E desta forma que os poderosos disciplinam e Clllltrolam a maodeobra assalariada cujo trabalho lhes garante aufe dl grandes lucros Numerosas reivindica6es das classes trabalhadoras denotam que o homem sabe que 0 dispendio de suas energias na atividade traba Iho e desproporcionalmente superior ao seu salario Ele sabe que lima parte daquilo que ele produz ao trabalhar vai diretamente para os bolsos do patrao Da consciencia de que os lucros sao exagerada mente altos derivam demandas de trabalhadores por salarios menos miseraveis e por outros beneficios tais como reduao do numero de horas semanais de trabalho auxiliotransporte comiss6es de fabrica dc as trabalhadores sabem que os lucros dos patr6es ainda permane cerao altos mesmo se as empresas atenderem a muitas das reivindi ca6es de seus empregados Por esta razao os sindicatos estao sem pre dispostos a levantar estas bandeiras e por elas lutar Cabe entao perguntar por que os sindicatos se mostram reti centes e hesitantes quando se trata de encampar bandeiras levanta das por trabalhadoras como por exemplo creches salario igual para trabalho igual cumprimento da legislaao trabalhista que proibe as empresas de despedir stlas empregadas em razao de casamento ou gravidez etc 21 Alem disso os sindicatos nao mostram muita simpatia pela par ticipacao de mulheres em suas atividades A maioria dos sindicatos coloca obstaculos a esta participacao sendo rarissimo encontrar uma mulher membro da diretoria de sua entidade de classe E infinitesimo o numero de sindicatos que incentivam a participacao feminina em suas atividades Nos raros casos em que este fenomeno ocorre tra tase em geral de sindicatos patronais Estaria isto indicando uma maior discriminaao contra a mulher trabalhadora do que contra a mulher rnais bern situada na escala de posic6es sociais Seriam os trabalhadores mais machistas que os patr6es Quest6es como estas devem ser respondidas a luz da complexi dade da sociedade moderna Em nenhuma classe social 0 homem abre mao espontaneamente de seus privilegios Nascamadas privile giadas contudo existe uma consciencia mais aguda da identidade dos interesses economicos entre homens e mulheres Ainda que 0 homem nao ofereca de mao beijada seus privilegios a participaao feminina em algumas atividades nao ameaca 0 interesse basico co mum da familia burguesa isto e ampliar sua propria riqueza Ja no seio das camadas trabalhadoras cuja luta pela sobrevi vencia e brutal e ainda muito incipiente esta ainda muito no inicio o processo de construcao da solidariedade Este processo e lento e dificil pois as classes dominantes nao perdem sequer uma oportuni dade de meter nele suas cunhas Atraves da ideologia machista que legitima a dominacao da mulher pelo homem as camadas patronais impedem ou pelo menos dificultam a uniao entre trabalhadores e trabalhadoras o trabalhador nao chega espontaneamente a consciencia de que paga urn alto preo pelo poder de mando que detern em relacao a mulher Nao e dificil mostrar uma parte deste preo Todo trabalha dor tern vinculos com mulheres mae esposa filha irma sobrinha enfim parentas consangtiineas ou afins Sempre que uma destas mu lheres receber salario inferior ao masculino meramente pelo fato de ser mulher os prejuizos estendemse a parte masculina do grupo familiar Figurese 0 casu de uma familia de quatro membros os con juges e urn casal de filhos Suponhase que todos trabalhem para a manutencao do grupo Como em media a trabalhadora brasileira ganha menos que a metade do que ganha 0 trabalhador esta familia hipotetica tern urn nivel de vida limitado por menos de tres salarios dois salarios integrais dos membros masculinos do grupo familiar aos qUills se deve somar menos de urn terceiro salario pois as duas tra hrllhllcloras juntas nao chegam a ganhar urn salario masculino inteiro IINO 0 principio de salario igual para trabalho igual consagrado 1111 Consolidaao das Leis do Trabalho CLT fosse observado na 11111 iea cotidiana a familia que esta servindo de ilustraao poderia illlIpliar seu consumo ate 0 limite de quatro salarios integrais Atraves de urn simples calculo aritmetico podese concluir que II lweler do macho no seio das classes trabalhadoras representa uma vII61ia da classe patronal e nao uma conquista do trabalhador Efe IlvlIl11ente os empregadores estao desembolsando no casu da familia 11lIIluua como exemplo menos de tres salarios quando deveriam pa 1111 1 quatro numa sociedade em que homens e mulheres fossem so 1111 Imente iguais Assim e claro 0 prejuizo que a supremacia masculina causa nao I1pcnas as mulheres mas tambem aos homens das classes ttabalha dlllus Mandar na mulher compensa tamanha perda financeira Nao e demais insistir que a consciencia destes fenomenos nao hlOla espontaneamente no seio das classes trabalhadoras Quem esta 11IIundo por urn lugar ao sol competindo por urn emprego que lhe KlIlunta a sobrevivencia assim como a de sua familia quem se sente llhligado a prover todas as necessidades do grupo familiar porque l HCU chefe nao tern olhos para a direcao em que correm os bene rkios deste estado de coisas Obviamente a classe patronal tern 0 Illuior interesse na existencia de categorias sociais discriminadas mu Ihcles negros homossexuais Quanto mais discriminada uma catego Iill social tanto mais facilmente ela se sujeitara a trabalhar em 1lI1iS condic6es e por baixos salarios Como atualmente as trabalhadoras brasileiras representam cerca de urn terco do total da maodeobra empregada em atividades eco lIlmicas podese calcular com que intensidade a discriminacao con Ilu a mulher faz engordar os patr6es Evidentemente estes ultimos IlIIbalham diuturnamente para alimentar 0 machismo nas classes su IJlIlternas E pois necessario mostrar aos integrantes destas ultimas homens e mulheres que a supremacia masculina beneficia aque Ics que detem as maiores parcelas de poder economico e politico Sem duvida 0 machismo do trabalhador voltase contra ele mes 1110 primeiro porque ele paga urn preo excessivamente alto para Illandar na mulher segundo porque a supremacia masculina impede au pelo menos dificulta 0 avanco das lutas das classes trabalhadoras Como a consciencia nao se forma espontaneamente e preciso que ela seja levada as classes trabalhadoras por aqueles que nao 23 22 participando direrarnenrduao de bens mareriais desfrutam de uma posiao a partir da qual e possivel chegar a esta analise Isto e uma posiao que permita a identificaao do adversario contra 0 qual lutar empregando armas adequadas A presena ativa do machismo compromete negativamente 0 re sultado das lutas pela democracia pois se alcana no maximo uma democracia pela metade Nesta democracia coxa ainda que 0 saldo negativo seja maior para as mulheres tambem os homens continuarao a ter sua personalidade amputada E vale a pena atentar para este fenomeno A castralY80 do homem o preo pago pelo homem para dominar a mulher extravasa largamente 0 terreno economico Para agir como 0 macho represen tado na ideologia dominante 0 homem deve aceitar ainda que in conscientemente sua propria castraao Para demonstrar esta verifi caao podemse tomar algumas dimens6es da vida o macho e considerado 0 provedor das necessidades da familia Ainda que sua mulher possa trabalhar remuneradamente contribuin do desta forma para 0 oramento domestico cabe ao homem ga nhar 0 maior salario a fim de se desincumbir de sua funao de chefe Logo quer seja 0 unico provedor das necessidades familiares quer seja 0 principal deles nao the e permitido fracassar A ideologia do minante imp6e ao homem a necessidade de ter exito economico in dependentemente do numero de empregos oferecidos pela economia nacional do grau de dependencia do Brasil em relaao as potencias altamente industrializadas da intensidade da intervenao do Fundo Monetario Internacional FM na politica economica brasileira Obviamente numa sociedade competitiva 0 exito de alguns pou cos constroise graas ao fracasso de muitos Assim 0 numero da queles que mal conseguem sobreviver e no Brasil muito superior a cifra dos que vivem bem Atraves da realizaao de uma ampla pesquisa publicada sob 0 titulo Brasil 2000 Para um novo pacta social Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 Helio Jaguaribe cientista politico carioca mostrou que 60 da populaao brasileira apresenta carencias de toda ordem inclusive niveis profundos de desnutriao Este fenomeno infelizmente nao e exclusivo do Brasil A mise ria existe em todas as sociedades divididas em classes sociais sejam phlH dcsenvolvidas ou subdesenvolvidas A especificidade do subde Ml11lvolvimento reside em graus mais profundos de pobreza em maio fIM dilerenas socioeconomicas entre as camadas sociais privilegiadas Ii os lrabalhadores pouco ou nada qualificados do ponto de vista 1lllllko na grande magnitude dos contingentes humanos vivendo em 11l11lIi6es de miseria absoluta Como 0 pais que mais interessa ana IIHIII uqui e 0 Brasil cabe ressaltar a gravidade da situaao atual em qlle seis brasileiros dentre dez vivem em condi6es de maior ou IIHmor precariedade Quando a vida e precaria para 60 de uma populaao a situaao do pais e mais do que grave e gravissima Como entao exigir de todos os homens que tenham sucesso no 1111 11 po economico Como imporIhes a necessidade de ganharem seu pnlprio sustento e 0 de toda a sua familia Como responsabilizaIos pdo seu fracasso Sem duvida e demasiadamente pesado 0 fardo 1I1llsculino de provedor do lar Quantos homens nao perdem 0 desejo Ill viver em face da impossibilidade de cumprir 0 destino que a so lledade lhes reserva Quantos nao se tornam alcoolatras ao cabo de 11111 longo periodo de buscas infrutiferas de emprego Quantos nao il lornam sexualmente impotentes pela impossibilidade de desempe IIhur sua funao de macho segundo reza a cartilha das classes do Illinantes Quantos nao se tornam violentos espancando mulher e IIlhos em virtude do desespero provocado pelo desemprego Mas ser macho nao significa somente ter exito economico Ao l11ucho estao sempre associados valores tais como fora razao cora jlcm Logo os raquiticos os afetivos os tfmidos sao solicitados im positivamente a se comportarem de forma contraria as suas inclina lCS Sao pois obrigados a castrarem certas qualidades por serem lslus consideradas femininas por conseguinte negativas para um ho 11ICI11 Para nao correr 0 risco de nao encarnar adequadamente 0 pa pel do macho 0 homem deve inibir sua sensibilidade Os artistas cuja sensibilidade e muito mais aguda que ados IIIOartistas correm sempre 0 risco de serem tomados como homos scxuais Quantos homens castraram 0 artista que poderiam ter sido com receio da marginalizaao destinada aos que nao cumprem rigo IOsamente os preceitos do macho o homem sera considerado macho na medida em que for capaz dc disfarr inibir sufocar seus sentimentos A educacao de urn ver dlldeiro macho inclui necessariamente a famosa ordem Homem com H maiusculo nao chora Quantos homens tiveram que engo Iii lagrimas diante da tristeza da angustia do luto em nome desta norma de conduta Pesquisas demonstraram que as glandulas lacri 25 24 mais de determinados homens chegam a atrofia em virtude do desuso Muldworf Bernard La femme a la recherche de sa personne La femme ala recherche dele meme ParisGenebra La Palatine 1965 Como urn televisor que quase nunca e usado estragase as glan dulas lacrimais de homens que nunca choram deixam de produzir 1ligrimas Observase pois que 0 processo de castra9aO do homem nao e apenas psicologico e tambem organico Visando a produzir a quantidade de mercadorias determinada pelos patr6es homens sao robotizados transformados em quasema quinas e portanto incapacitados para 0 desfrute do prazer Ha em presas que elevam ao maximo a capacidade de produzir de seus empregados atraves da tecnica do envolvimento Vao gradativamente envolvendo 0 trabalhador e sua familia de modo a levalos a viver a empresa Durante a semana 0 trabalhador e eventualmente tam bern sua mulher trabalham na empresa Seus filhos freqiientam a escola da empresa No fim de semana a familia passa seu tempo livre no clube da empresa As ferias sao gozadas na colonia de fe rias mantida pela empresa Para as esposas dos executivos a empresa oferece cursos visando obviamente a ensinaIas como se compor tarem enquanto esposas de executivos daquela empresa Ha empresas que oferecern cursos de planejamento familiar imiscuindose assim ate mesmo nas decis6es dos trabalhadores quanta ao numero de fi lhos que VaG ter Todas estas atividades implicam despesas Estariam as empresas que assim procedem dispostas a realizar dispendios de dinheiro por raz6es meramente humanitarias Nao seriam elas levadas a fazer estes gastos visando aos lucros que eles necessariamente trariam estando 0 trabalhador tao identificado com as metas por elas fi xadas o Japao ilustra bern este processo ironicamente chamado de humanizacao do trabalho Os trabalhadores japoneses so disp6em por lei de seis dias anuais de ferias A identificacao do trabalhador com os objetivos da empresa e uma questao excelentemente traba lhada pela ideologia dominante Em nome desta identificacao mui tas vezes 0 trabalhador deixa de gozar suas reduzidas ferias a fim de nao prejudicar as metas da empresa Gracas a este fenomeno o Japao consegue produzir desde maquinas fotograficas ate automo veis por pre90 inferior ao norteamericano tendo conquistado uma fatia apreciavel do mereado consumidor dos Estados Unidos Por outro lado a quem aproveita 0 alto nivel de vida dos japoneses se a maioria da popula9ao nao faz outra coisa senao trabalhar Como encontrar tempo para desfrutar dos beneffcios proporcionados pclos equipamentos que produzem Nao e de estranhar que 0 Japao e 0 pais que mais conseguiu dcsenvolver e com requintes 0 turismo sexual Tratase de viagens de fins de semana destinadas exclusivamente ao exercfcio da sexua Iidade Mas de que sexualidade se trata Nao se trata evidentemen Ie da sexualidade que pode ser exercitada por pessoas calmas habi luadas ao desfrute do prazer Ao contnlrio dado 0 alto grau de competicao desenvolvido entre os japoneses as pessoas chegam ao fim de semana excessivamente tensas Assim 0 sexo passa a funcio nar como descarga de tens6es que se acumularam durante os dias rneses e anos de trabalho Exercitase a sexualidade com dia e hora rnarcados como manda a industria do sexo Embora ainda bastante distante do modele japones 0 Brasil ca minha a passos largos na mesma dire9ao As casas de massagem relaxamento sauna destinadas a homens de altas rendas propiciam a mecaniza9ao do exercfcio da sexualidade Tambem aqui para cer las faixas de renda a industria do sexo funciona como a valvula de escape para a tensao nervosa que a competicao e 0 excesso de trabalho geram Mencioriase este fenomeno com rnais enfase por que ele parece mais difundido que 0 usa de drogas pesadas como a cocaina para potenciar a capacidade de trabalho sobretudo de executivos que desejam veneer na vida 0 mais rapidamente possi vel Todavia tambem este fenorneno parece estar assumindo propor c6es preocupantes Nao parece justo ao discorrerse sobre as discriminafoes prati cadas contra as mulheres esquecer os homens Como no processo de reproducao biologica tambem no da reproducao social homens e mulheres sao seres complementares Numa sociedade em que as priiticas cotidianas mutilam varias dimensoes da personalidade fe minina existem tambem condutas impostas aos homens que limi tam extraordinariamente seu desenvolvimento Em outros termos a mulheres mutiladas correspondem necessariamente homens mutila dos E exatamente por isso que a luta das mulheres nao diz respeito apenas a elas mas tambem aos homens Seria impensavel pretender mudar comportamentos femininos sem redefinir os papeis masculi nos Mas para que a luta por uma redefinicao dos papeis de ambos seja travada adequadamente e alcance resultados positivos e preciso que se conhecam pelo menos as discriminacoes fundamentais de que e alvo com freqiiencia a mulher 26 27 I A castraao da mulher Costumase explicar a posicao social subalterna da mulher bra sileira atraves principalmente de dois fatores 0 primeiro diz res peito ao subdesenvolvimento economico do Brasil Ouvese freqiien temente que a igualdade social entre as categorias de sexo vini espontaneamente com 0 desenvolvimento economico Esta maneira de pensar e profundamente enganosa por duas razoes Vma delas aponta para 0 fato de que nada na vida social ocorre espontanea ou auto maticamente E preciso lutar para promover mudancas A outra razao e a preservacao da inferioridade social da mulher nos paises capita listas altamente industrializados Se 0 raciocinio fosse correto deveria haver igualdade social entre homens e mulheres nos Estados Unidos pais mais desenvolvido do mundo capitalista Entretanto as norteamericanas sofrem toda sorte de discriminacoes desde salarios muito inferiores aos masculinos di ficuldades para fazer carreira falta de equipamentos de usa coletivo como creches ate a vioIencia mais atroz por parte dos homens Por conseguinte nao e valido responsabilizar 0 subdesenvolvi mento pela condicao inferior da mulher Os que agem desta maneira ou nao compreendem bem 0 processo hist6rico ou tentam proposi tadamente desviar deste problema a atencao das pessoas Outro fator freqiientemente lembrado para explicar a inferiori dade social da mulher concerne aos preconceitos milenares transmi tidos atraves da educacao formal e informal as geracoes mais jo Yens Nao ha duvida de que existem preconceitos contra a mulher Talvez nao seja demais deterse um pouco sobre a ideia de pre conceito Decompondose a palavra chegase a preconceito isto e uma ideia do fenomeno anterior ao conceito Ora 0 conceito e fruto de um processo de analise e de sfntese atraves do qual se disseca 0 fenomeno na tentativa de compreendeIo e darIhe um nome que q contenh a qualidade e 0 grau desta compreensao Enquanto 0 con ceito pressUpoe a utilizaao de um instrumental te6rico que permita o entendimento do fenomeno 0 preconceito nasce do jogo de in teresses presente na vida social da defesa de privilegios da corre lacao de forcas politicosociaisE portanto naocientffico veiculando ideias falsas ilegftimas discriminat6rias que exatamente por apre sentarem tais caracterfsticos preservam posicoes de mando e tambem e 6bvio seus ocupantes 28 Desta sorte quando se diz que negro e sujo estase lidando lom urn preconceito pois nenhuma pesquisa demonstrou que 0 grau Ill sujeira do negro e maior que 0 dos brancos Tambem se esta no ltmuno do preconceito quando se diz que a mulher e mais fraca ou lIIunos inteligente que 0 homem Objetivamente nada ha que prove l1N1IIS afirmacoesMas como elas sao uteis aos poderosos Em pri IIIcilo lugar elas sao uteis porque impedem ou pelo menos dificul 111111 a entrada de negros e mulheres em certos mercados e ambientes quc os machos brancos desejam conservar como espacos de sua pro plicdade uma vez que foram por eles culturalmente apropriados Em Nlgundo lugar estes preconceitos sao uteis porque acabam atuando wmo profecia autorealizadora Ou seja negros e mulheres assim wmo todas as categorias sociais discriminadas de tanto ouvirem que NilO inferiores aos brancos e aos homens passam a acreditar em sua propria inferioridade Assim tornase bern claro 0 processo de construciio social da illferioridade 0 processo correlato e 0 da construciio social da su erioridade Da mesma forma como nao hci ricos sem pobres nao hCt superiores sem inferiores Logo a construciio social da suprema cia masculina exige a construciio social da subordinaciio feminina Mulher d6cil e a contrapartida de homem macho Mulher ragil e a contraparte de macho forte Mulher emotiva e a outra metade de homem racional Mulher inferior e a outra face da moeda do macho superior Ficou claro por que nao se pode escrever urn livro sobre a mulher deixando de lado 0 homem Da mesma maneira seria im possivel escrever sobre 0 homem sem mencionar a mulher Se cada 11m destes seres situase socialmente em diferentes p6los da relaCao de dominacaoexploracao nao se pode abordar urn esquecendo 0 outro E a relacao que importa na analise dos fenomenos sociais E esta relacao quer quando se examinam as categorias de sexo quer quando se analisa a convivencia de distintas racas no Brasil e em muitos outros paises caracterizase como uma relaciio de dominaCiio exploraciio muito facil encontrar pessoas que nao negam a existencia de preconceitos contra a mulher contra 0 negro contra 0 homossexual Mas seria suficiente saber que estes preconceitos permeiam as atitu des de quase todos homens e mulheres brancos e negros heterosse xuais e homossexuais Como a intencao basica deste livro e questio nar prop6ese que 0 leitor nao pare sua busca quando encontrar 0 29 preconceito Nao vale a pena perguntar 0 porque de sua sobreviven cia numa sociedade em que as mulheres e negros ja deram suficientes provas de capacidade em todos os campos da atividade humana A manuten9ao dos referidos preconceitos interessa aqueles que pagam salarios irris6rios a negros e mulheres 0 salario e ainda me nor quando se trata de mulher negra que os submetem a condi5es subumanas de trabalho que se negam a assinar a carteira de tra balho de seus empregados negros eempregadas a Hm de nao pagarem encargos trabalhistas Naa e por acaso que tais preconceitos sao nutridos alimentados cotidianamente pelos meios de comunicaao de massa cujo controle e detido pelos poderosos A televisao exibe programas em que negros dominam e explo ram brancos Obviamente nao pois isto seria subverter a ordem natural das coisas Nao sao em geral negros os que carregam as malas dos brancos Nao sao via de regra negros os que engraxam os sapatos dos brancos Basta observar e tersea a prova da diuturna inculca9aO na cabeca de brancos e tambem de negros da inferioridade do negro Fenomeno semelhante ocorre com a mulher Qual e a imagem da mulher nos meios de comunicaao de massa Tomese pOl exem plo a figura da mulher que anuncia produtos na televisao A mulher encarna ou a figura da donadecasa fazendo publicidade de produtos de limpeza alimentos adomos ou a figura da mulher objeto sexual anunciando perfumes roupas e j6ias destinados a excitar os homens Em qualquer dos casos 0 da donadecasa e 0 da mulher objeto sexual a mulher esta obedecendo aos padr6es estabelecidos pela sociedade brasileira Ela pode ser a esposa legal a namorada oficial ou pode ser a Dutra aquela que proporciona prazer ao homem mas a quem e negado 0 direito de ser a mae dos filhos deste homem Aparentemente estes dois modelos ou arquetipos de mulher sao opostos Na verdade existem diferencas entre eles Todavia 0 mais importante e mostrar sua identidade basica esposa legal ou a outra a mulher e sempre escolhida nao escolhe Se ao espirito arguto de cientistas sociais feministas nao escapa esta identidade fundamental tampouco ao verdadeiro poeta ela foge A titulo de ilustracao tomese 0 poema que constitui a letra da mu sica Uma e outras de Chico Buarque de Hollanda de 1969 Vale a pena transcrevela a fim de mostrar que as pessoas sensiveis homens ou mulheres registram cada qual a seu modo este tao importante fenomeno Se uma nunca tern sorriso B pra melhor se reservar E diz que espera 0 paraiso E a hora de desabafar A vidae feita de urn rosario Que custa tanto a se acabar Por isso as vezes ela para E senta urn pouco pni chorar Que dia Nossa Pra que tanta conta Ja perdi a conta de tanto rezar Se a outra nao tern paraiso Nao da muita importancia nao Pois ja forjou 0 seu sorriso E fez do mesmo profissao A vida e sempre aquela dana Onde nao se escolhe 0 par Por isso as vezes ela cansa E senta urn pouco pra choral Que dia Puxa Que vida danada E tanta calcada pra se caminhar Mas toda santa madrugada Quando uma ja sonhou com Deus E a outra triste namorada Coitada ja deitou com os seus o acaso faz com que essas duas Que a sorte sempre separou Se cruzem pela mesma rua OIhandose com a mesma dor Que dia Cruzes Que vida comprida Pra que tanta vida pra gente desanimar Nao e bonito verificar que gente tao diferente nas aparencias faz a mesma descoberta Poeta cientista social ser humane anonimo sensfvel e observador acabam botando 0 dedo na ferida destino de mulher e ser infeliz Foi assim que a sociedade determinou Nao quer dizer isto a tao popular expressao ser mae e padecer num paraiso 30 31 A outra nao e tida e havida como maquina de proporcionar pra zer sem desfrutar de nenhuma vantagem social Somadas as vanta gens e desvantagens chegase a zero ou seja uma e outra sao igualmente infelizes Por que Exatamente porque sao iguais entre si e diferentes do homem socialmente falando Ambas submetemse ao dominic masculino Alem disso rejeitamse mutuamente nao sao so lidarias na desmistificaao deste duplo padrao moral melhor seria chamaIo de imoral que constitui 0 baluarte da falocracia A conclusao 6bvia nao e nada mais nada menos que a seguinte enquanto santas e prostitutas continuarem a representar os pa peis que a hip6crita sociedade burguesa lhes atribui 0 status quo 0 estado de coisas presente encontrara suporte para se manter intacto inc6lume intocavel No Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels solicitaram Proletarios de todo 0 mundo univos 0 corolario feminista pode ria ser Santas e prostitutas de todo 0 mundo univos Alguem duvida de que seria benefico a homens e mulheres portanto a so ciedade como urn todo transformar todos os seres humanos mas culinos e femininos em seres socialmente iguais destruindo as irrelevantes diferenas entre uma e outra Seguramente a construfiio social da igualdade social entre ho mens e mulheres conduziria a felicidade das mulheres e dos homens E nao e esta a grande aspiraao de homens e mulheres Entao por que nao tentar esta via embora a luta seja ardua dura longa se ela pode conduzir a humanidade a rela6es de troca de reciprocidade en fim de amor Quem tentar desfrutara Basta comear com coragem e convicao Havera trope6es tombos recaidas mas a luz continuara acesa no fundo do tuneI Por conseguinte vale a pena tentar sobre tudo para aqueles que sao jovens que ainda nao viveram sequer urn quarto de suas vidas Como se pode afirmar repetindo Chico Buarque de Hollanda Que vida comprida Pra que tanta vida pra gente desanimar tambem se pode dizer Que born que a vida e compriiiiiida Pois para aprenderpraticar dela se precisa A vida nunca sera longa demais Para destruir os arquetipos que tornam homens e mulheres so cialmente desiguais Cabe registrar a bern da verdade que nao sao apenas os ho mens e mulheres anonimos ou poderosos mas sempre preconceituo sos que constroem e nutrem estas rela6es assimetricas desiguais injustas A propria ciencia com c minusculo e sobretudo 0 usa que dela se faz trazem a marca desta manipulaaodas mulheres ucste processo de nutrir cotidianamente os preconceitos que permitem lima maior dominaaoexploraao dos elementos femininos Tomese por exemplo a Psicanalise nao merece p minusculo Ileudiana dogmatica que considera como caracteristicos femininos certos traos de personalidade apresentados por mulheres bern posi cionadas na sociedade austriaca nas primeiras decadas do corrente seculo Esta neste caso 0 conceito de mulher passiva por oposiao a homem ativo Ainda que na sociedade contemporanea a mulher te nha demonstrado ser profundamente ativa a concepao de mulher passiva continua a ser amplamente utilizada inclusive pela ciencia com c minusculo Mesmo quando a ciencia parece ser mais justa com as mulheres seus conceitos sofrem manipula6es cujas conseqiiencias sao irrefu tavelmente discrimina6es contra os seres femininos A titulo de ilustraao e para permanecer no terreno da Psicanalise lembrese que Freud formulou dentre outros dois conceitos importantes a inveja do penis e a inveja da maternidade Segundo este autor a capacidade feminina de conceber e dar a luz provoca inveja no homem cuja participaao no ate da reproduao e efemera fugaz e ate epis6dica Por outro lado segundo 0 mesmo autor a mulher e urn ser incom pleto na medida em que nao possui penis sentindo inveja do ho mem que 0 tem Sobre esta tematica ha duas interpreta6es 1 de carater biol6gico isto e a mulher falta urn pedao de corpo que possibilita urinar mais longe com maior fora maior al cance maior pujana 2 de carater social ou seja 0 penis representa 0 poder desfru tado socialmente pelo macho a falocracia a supremacia masculina Qualquer que seja a interpretaao e certamente a obra de Freud engloba as duas a mulher sente inveja do penis do mesmo modo como 0 homem sente inveja da maternidade Nao ha nenhuma ra zao para que se considere urn conceito mais importante que 0 outro Entretanto quase nunca se Ie ou se ouve sobre 0 conceito de inveja da maternidade sendo constantes as alus6es os comentarios e abor dagens do conceito de inveja do penis As Ciencias Sociais em geral tendem a ignorar a acao feminina no fazer histaria A maioria esmagadora das pesquisas lida com dados coletados junto a homens Procuramse homens para informar sobre aquilo que 0 cientista deseja saber sobre a realidade social Rara mente os cientistas procuram ouvir mulheres Este fato tern no mi 33 32 nimo duas consequencias negativas Vma delas e negativa para a propria ciencia que trabalhando apenas com informantes masculinos deixa de lado informac6es preciosas passiveis de serem fornecidas por mulheres a partir de suas vivencias Assim a ciencia centrada no homem e no minimo uma ciencia coxa manca pela metade A outra consequencia diz respeito ao naoregistro da atuacao das mu Iheres no fazer histaria A necessidade de resgatar esta participacao conduziu muitas mulheres a realizarem pesquisas sobre a contribuicao feminina na producao material e simbolica de muitas sociedades Geralmente a mulher e associada a valores considerados nega tivos tais como emocao fragilidade resignacao Tais valores con tern ideias como a mulher e incapaz de usar a razao nao e capaz de lutar contra ocorrencias adversas ja que se conforma com tudo e insegura Estes caracterfsticos sao apresentados como inerentes a mulher isto e como algo que a mulher traz desde 0 nascimento Na verdade estes tracos de personalidade sao adquiridos ao longo do processo de socializacao As proprias mulheres acabam acredi tando que sao menos capazes de fazer ciencia que os homens uma vez que nao sabem usar a razao Acabam por desenvolver despro porcionalmente a dimensao afetiva de sua personalidade em prejuizo do aspecto racional Logo nao sentem via de regra confianca em si mesmas 0 que as impede de lutar mais vigorosamente para mudar a situacao A ideologia machista que considera 0 homem urn ser superior a mulher nao entra apenas na cabeca dos homens Tambem as mulheres majoritariamente acreditam nestas ideias e as transmi tern aos filhos Quando proibem os filhos de chorar alegando que homem nao chora e exigem que as filhas se sentem como moci nhas estao passando aos mais jovens este sistema de ideias que privilegia 0 homem em prejuizo da mulher Contudo nao seria justo responsabilizar exclusivamente a mu Iher pela perpetuacao da supremacia masculina as homens via de regra omitemse na educacao dos filhos A omissao e tambem uma posicao e tambem urn compromisso Logo ambos os genitores sao responsaveis pelos valores inculcados nos filhos Nao raro os homens transmitem a suas filhas urn padrao de moral dupla sao extrema mente liberais com os filhos e rigorosamente moralistas com as filhas Ademais muitos mantern relac6es extraconjugais estaveis ao mesmo tempo em que exigem castidade das filhas Ao alimentarem assim os dois modelos de mulher a santa e a prostituta trabalham a favor da conservacao doestado de coisas que inferioriza socialmente os seres femininos A expressao ser mae e padecer num paraiso revela bern a alta dose de masoquismo chamase de masoquista a pessoa que gosta de sofrer contida na educacao da mulher Mulher gosta de apanhar C outro dito popular que demonstra ser a mulher masoquista Nao se pode no entanto perder de vista que a mulher assim como 0 homem sao frutosde uma certa sociedade Mais do que isto como as pessoas nao sao iguais socialmente ha ao lado de semelhancas profundas diferencas entre mulheres das classes trabalhadoras das classes medias e das classes dominantes De maneira geral porem a educacao feminina contem uma boa dose de vitimizacao Isto e a mulher e muito mais que 0 homem socializada para encarnar 0 pa pel de vitima Este componente masoquista da educacao feminina castra pela base as possibilidades de a mulher sentir prazer A resignacao ingrediente importante da educacao feminina nao significa senao a aceitacao do sofrimento enquanto destina de mulher Assim se 0 companheiro tern aventuras amorosas au uma relacao amorosa estavel fora do casamento cabe a esposa resignarse Nao deve ela segundo a ideologia dominante revidar na mesma moeda Aesposa na medida em que se mantem fiel ao marido ainda que este Ihe seja infiel recebe aprovacao social Na qualidade de vitima de sofredora de quem aceita sem re clamar seu destinode mulher merece aplausos por parte da socie dade Se contudo decide infringir a norma e desfrutar do prazer junto a urn atnante merece de acordo com a cartilha da ideologia dominante ser assassinada pelo marido Este considera e 0 faz legi timamente do ponto de vista da sociedade ter tido sua propria honra manchada pelo comportamento da mulher Muitas vezes a muiher nem sequer chegou a consumar 0 chamado mau passo A partir de uma mera suspeita de que sua esposa se interessa por outro homem 0 marido julgase no direito de ceifarlhe a vida a Codigo Penal brasileiro preve dois tipos de homicidio 0 simples e 0 qualificado Este ultimo e mais grave ja que pode ser cometido por motivo futil dume por exemplo ou torpe para obter vantagens de ordem material por exemplo e pode ser praticado com crueldade ou em circunstancias que deixarn a vitima totalmente indefesa De acordo com 0 Codigo Penal a pena para 0 homicfdio qualificado por qualquer das raz6es mencionadas e mais alta Entretanto mesmo quando 0 assassinio de mulheres por homens pode ser tipificado como homicfdio qualificado os matadores perma necem geralmente impunes a fato de ser gigantesco 0 numero de 35 34 assassinos de mulheres que sao absolvidos pela justica oficial incen tiva este tipo de justica pratieada pelas proprias maos Isto deriva do fato de que 0 adulterio embora legalmente seja considerado crime para ambos os conjuges na verdade so constitui ate criminoso quan do pratieado por mulheres A sociedade nao apenas aceita 0 adulterio masculino como tam bern encontra sempre uma maneira de justificaIo atraves de condu tas da esposa A mulher acaba quase sempre sendo culpabilizada pelo seu proprio sofrimento Se apanhou do marido se foi por ele assassinada e porque assim 0 mereceu A pollcia a justica enfim a sociedade transforma a vitima em re ate depois de sua morte Desta sorte a educacao dispensada a mulher de bern na so ciedade brasileira deixa muito pouco espaco ao gozo do prazer Sendo obrigada a assumir 0 papel de vitima a encarnar a figura da sofre dora a mulher sentese culpada quando se pilha desfrutando do pra zero Assim 0 prazer transformase em desprazer Por vias distintas tanto 0 homem quanta a mulher sao castrados na dimensao praze rosa da vida ainda que 0 saldo negativo seja incomparavelmente maior para os elementos femininos Com homens e mulheres educa dos desta maneira integrando a familia patriarcal seria surpreendente se eles fossem capazes de educar seus filhos para 0 desfrute do prazer A familia unida na castraio do prazer Teorieamente a familia e constituida de urn homem e uma mu lher que se amam e que atraves do ate de amor se reproduzem oferecendo a sua prole nao apenas os meios materiais de subsistencia mas tambern e sobretudo urn ambiente de carinho no qual a crianca possa desenvolver sua dimensao afetiva Na pratiea contudo tendo em vista 0 ja exposto sao muito raras as familias que cumprem adequadamente estas func6es Os he mens sao ensinados a competir permanentemente por urn emprego por urn salario melhor pela promocao na carreira ate pelas atenc6es de uma mulher A competicao constitui pois traco fundamental da personalidade masculina destinada a desempenhar 0 papel do ma cho Nao se pode esquecer a agressividade como componente basieo da personalidade competitiva Ademais a agressividade tambem in tegra necessariamente 0 modelo do macho Dito de outra maneira cabe a ele tomar iniciativas assumir sempre uma posicao ofensiva CabeIhe ainda ser intransigente duro firme 36 A mulher imp6ese a necessidade de inibir toda e qualquer ten dencia agressiva pois deve ser docil cordata passiva Caso ela seja I lipo mulher despachada deve disfarar esta qualidade porquanto l1Nlu caracteristiea so IS considerada positiva quando presente no ho mem Mulher despachada corre 0 risco de ser tomada como mulher IIacho Estes modelos mulher passiva e homem ativo sao cha Illudos estereotipos Isto e uma especie de molde que pretende en quadrar a todos independentemente das particularidades de cada urn Quando se diz que a mulher consegue tudo do marido se for hubilidosa se souber usar do jeitinho na verdade estase afirmando que a mulher deve sempre ficar na sombra Se for mais culta que 0 maridodeve calarse em publico a fim de nao humilhiiIo Se tiver porventura urn salario superior ao dele deve manter 0 fato em se lJcdo pois seria inadmissivel rebaixar 0 marido que e inclusive le lulmente 0 chefe da familia Se for segura de si e de suas convicc6es dcve fingir hesitaaO de modo a deixar parecer que as decis6es sao lomadas por ele Quando a mulher IS deste tipo deve seguindo 0 modelo que lhe imposto disfarcar suas qualidades a fim de nao entrar em compe liQao com 0 marido e muito menos colocar em xeque a autoridade do chefe supremo do grupo familiar Sempre que a mulher se anula para que 0 homem reine soberanamente e 0 inverso ainda que ra dssimo e igualmente verdadeiro 0 casal nao apresenta condic6es de propieiar aos filhOS 0 ambiente do qual as criancas necessitam para alcanar urn desenvolvimento harmonico o pai pode omitirse em tudo mas resguarda sua autoridade Mesmo quando cabe a mulher total responsabilidade pela educacao dos filhos IS ela mesma que diante de uma traquinagem dele ao inves de aplicarIhe 0 castigo devido omitese ameacandoo com 0 famoso contarei tudo a seu pai quando ele chegar A autoridade assim permanece nas maos daquele que nao educa A responsabili dade cabe aquela que nao detem autoridade Desta forma fica ex lremamente diffcil senao impossivel mostrar as crianas os limites de sua atua9aO os Hmites do permissive Pior fica ainda a educacao dos filhos quando se estabelecem cumplicidades entre urn dos genitores e as criancas Estas passam cntao a explorar a fenda que descobriram na relacao entre os pais Estas cumplicidades tendem a estabelecerse entre mae e filhos que sao as partes sem autoridade no grupo familiar quando 0 chefe da familia e muito autoritario Mas podem oearrer tambem entre pais c filhos quando estes descobrem que a corda arrebenta do lade mais 37 fraco ou seja do lado feminino Qualquer que seja 0 genitor pai ou mae com 0 qual a crian9a estabelece cumplicidades estas sao extremamente perigosas pois a conduzem para a pnitica da chanta gem A chantagem pode situarse no terreno material levando a crian a a aderir ao genitor capaz de darIhe 0 maior ntimero de presentes Estando ou nao presente a chantagem material a chantagem de can ter emocional reina nestas situaoes Ao contnirio do que a sociedade apregoa a criana nao e ino cente percebendo com profundidade os momentos corretos para in troduzir suas cunhas na relaao entre seus genitores A Psicamilise sabe muito bern que a criana nao apresenta a inocencia que se lhe atribui A titulo de ilustraao transcrevese urn pequeno trecho do livro de Eduardo Mascarenhas Emoroes no diva Ed Guanabara 1985 S6 que a psicami1ise nao considera as crianlas anjinhos ou querubins Desde 0 berlo a cabecinha do bebe esta a mil Desde 0 nascimento a criania e exiremamente generosa mas extremamente cruel E sujeita a grandes amores e grandes 6dios A urn s6 tempo e d6cil e temperamental credula e descon fiada ingenua e maIiciosa Se este fenomeno da naoinocencia da crianca e registrado pela Ciencia nao deixa de seIo tambem pela Arte No mme Cria cuervos Carlos Saura mostra com clareza meridiana a capacidade de a crianca perceber as fissuras existentes nas relaoes entre os mem bros adultos da familia e de agir de acordo com este contexto Cer cada de rivalidades traicoes malicia presentes nas relac6es entre os adultos a crianca pode praticar atos nada inocentes como por exem plo rnatar Como 0 proprio titulo do filme indica a famflia tern tudo para criar corvos prontos a abater sua presa Via de regra a famiiia retine muito menos condic6es para criar anjinhos E poderia ser de outra forma se as rela96es entre homem e mulher sao de dominacaoexploracao A crianca percebe que mesmo quando a mu lher ganha na argumentacao e sempre 0 homem que tern razao porque ele e 0 chefe e ele que manda Cabe a esta altura perguntar quais sao os elementos que unem a familia A dependencia financeira a dependencia emocional os sentimentos de culpa as cumplicidades estabelecidas entre uns con tra outros as chantagens constituem tracos de uniao em geral muito mais fortes do que os lacos de amor de carinho de solidariedade 38 E por que sao estes muito mais que os afetivos os lacos que unem os membros da familia Porque homem e mulher nao sao socialmente 19uais nao gozam na pnitica dos mesmos direitos a homem domina II mulher que por sua vez domina os filhos ameaandoos ainda wm a autoridade paterna A supremacia de qualquer forma e garantida ao macho adulto Tanto assim e que a medida que os filhos vaG entrando na idade IIdulta vaise estabelecendo 0 dominio do irmao sobre a irma numa Icpeticao do modelo parental Como poderia urn grupo constituido desta maneira cultivar a alegria de viver 0 prazer Parece claro que o gosto born da vida advem sobretudo da relaao entre iguais as subalternos podem proporcionar conforto e tempo livre aos superiores mas nao 0 verdadeiro prazer que e sempre partHhado dividido com alguem E este alguem precisa necessariamente ser urn igual Entre desiguais nao pode haver senao a partHha do desprazer das rivalidades da amargura de viver Assemelhandose muito mais a urn vespeiro do que a urn ninho de amor a familia torna com freqiiencia inviavel 0 prazer Tal como esta constituida com base na relaao de dominaCaosubordinaCao a familia nao reune as con dic6es fundamentais para educar as novas geracoes para 0 desfrute do prazer Do exposto podese facHmente concluir que ambos pai e mae contribuem para a perpetuacao do poder masculino e adulto as medos de que sao portadores homens e mulheres eolaboram grande mente para que cada urn observe a receita de como ser homem ou mulher as homens temem ser considerados menos machos se forem flexiveis pacificos e generosos As mulheres temem ser tomadas como pouco femininas incapazes de conservar 0 amor do companheiro se se revelarem empreendedoras dinamicas bemsucedidas as estereotipos tern realmente a forca do molde Quem nao entrar na fOrma corre 0 risco de ser marginalizado das relac6es consi deradas normais a conceito de normal e socialmente construido pelo costume As inovac6es sao temidas porque nunea se sabe aonde levarao Este lado fragH do medo existe quer nos homens quer nas mulheres Mas so estas ultimas podem manifestaIo pois pertencem a uma categoria conhecida pelo nome de sexo fnigH a sexo forte deve negar 0 medo ainda que possa sentiIo agudamente Se encar nar 0 estereotipo consiste na maneira mais facH de viver porque basta obedecer ao modelo entrar na forma e preciso que se reconhea 0 carater repressivo desta opao Se cada ser humane e diferente de todos os demais e obvio que modelar todos os membros de cada 39 caregoria de sexo segundo 0 esrereoripo correspondente significa vio lentar as particularidades de cada pessoa Em outros termos 0 estereotipo funciona como uma mascara Os homens devem vestir a mascara do macho da mesma forma que as mulheres devem vestir a mascara das submissas 0 uso das mas caras significa a repressao de todos os desejos que caminharem em outra direao Nao obstante a sociedade atinge alto grau de exito neste processo repressivo que modela homens e mulheres para rela oes assimetricas desiguais de dominador e dominada Embora se deva pagar um alto preo pela rejeicao do modelo imposto vale a pena cotejaIo com 0 custo pessoal da repressao exi gida pelo uso da mascara Quando alguem se recusa a submeterse ao estereotipo arriscase a ser posto a margem das relacoes conside radas normais Todavia aIem de poder encontrar muitos adeptos ou simpatizantes podendo criar espacos mais livres realiza um maior numero das potencialidades que traz E talvez valha a pena experi mentar Todo processo e valido quando caminha na direcao da ver dade da autenticidade da igualdade porque enfim tratase de de mocracia E e exatamente esta democracia plena que nao inclui apenas a liberdade de ir e vir a liberdade de expressao a igualdade formal que e diffcil construir Na sociedade capitalista nao se trata somente de uma dificuldade mas de uma impossibilidade 0 capitalismo e incompativel com a igualdade social Para nao mencionar 0 problema das classes sociais pedra fundamental do capitalismo este sistema socioeconomico nao admite tampouco a igualdade entre as diferentes racas e entre as distintas categorias de sexo Esta questao merece todo um capitulo 3 A SUPREMACIA MASCULINA NA SOCIEDADE CAPITALISTA Introdu980 o capitaJismo e um sistema de produCao baseado na exploraao da maodeobra assalariada com 0 auxilio de tecnologia crescente mente sofisticada Nas sociedades escravocratas e feudais os pobres tambem eram explorados Nas primeiras os escravos nem sequer eram considerados pessoas Eram tidos como coisas de propriedade de um punhado de senhores que levavam vida ociosa Nas segundas os servos deviam obediencia e lealdade absolutas aos seus senhores que nao tinham obrigaao de trabalhar e tinham ate 0 direito de deflorar as noivas antes que seus maridos pudessem recebelas para a vida conjugal Nestes dois tipos de sociedade as pessoas nao eram nem na pratica nem na lei consideradas iguais Ao contrario eram so cialmente desiguais tendo 0 senhor direito de vida ou morte sobre seus escravos Assim desde que se estabeleceu a propriedade privada dos meios de produiao tudo aquilo que e preciso par a disposiao dos traba lhadores para tornar possivel a produao de bens e servios uma minoria vive as custas do trabalho da maioria o inicio do capitalismo pode ser datado do seculo XVI quando a concentraao das riquezas em poucas maos permitiu a esta minoria pagar salarios para que os pobres produzissem quantidades cada vez maiores de mercadorias Mercadorias sao bens e servicos que se ven dem no mercado Com 0 regime de salariato a propria forca de tra balho energias ffsicas e mentais utilizadas na atividade trabalho passou a ser uma mercadoria Os naoproprietarios dos meios de produao vendem sua fora de trabalho Isto e 0 patrao tem direito de usar a fora de trabalho do empregado por um determinado es paco de tempo pagandolhe 0 sahlrio combinado Assim 0 que 0 trabalhador vende nao e trabalho mas sua capacidade de trabalhar que e usada pelo patraodurante 0 tempo legalmente determinado 41 40 No Brasil 0 trabalhador e obrigado por lei a trabalhar 48 horas semanais No passado este numero de horas foi muito maior tendo gradativamente sofrido reduc6es em deeorrencia das lutas so ciais A conquista da jornada de trabalho de oito horas foi estendida a todos os trabalhadores em 1943 com a CLT Legalmente 0 Brasil ainda tern uma semana de trabalho de seis dias Ha anos muitas categorias oeupacionais vern lutando pela implantacao da ehamada semana inglesa constituida de cinco dias de trabalho e adotada por numerosos paises Ha mesmo algumas na6es que reduziram este tempo tendo umas poueas chegado a 35 horas semanais Cabe neste momento perguntar a reducao da jornada de tra balho nao provoea a diminuicao dos lueros do patrao Nisto reside a particularidade do capitalismo Diferentemente do eseravismo e do feudalismo regimes que nao eontavam com 0 auxilio de tecnologia o capitalismo desenvolveu avancadas tecnicas de producao A teeno logia pennite ao trabalhador produzir quantidades maiores de mer cadorias no mesmo espaco de tempo Por exemplo imaginese uma fabrica em que vinte trabalhadores produzem com 0 auxilio de urn tipo de maquina mil pneus por dia Substituindose estas maquinas por outras mais avanadas os mesmos trabalhadores poderao produ zir dois mil pneus por dia Neste exemplo a produtividade dos tra balhadores foi duplicada Mesmo que 0 patrao aumente urn poueo 0 salario de seus empregados ainda eonseguira fazer erescer bastante seus lucros gracas portanto ao auxilio de equipamentos Nos regimes escravista e feudal pereebese facilmente a explo racao de que sao alvo os trabalhadores Dentre varias raz6es eabe ressaltar duas 1 a trabalhadores e patr6es nao sao iguais perante a lei 2 a a jornada de trabalho e muito longa para pennitir aos tra balhadores a producao de uma quantidade de bens e servios muito superior as necessidades do senhor de escravos e do senhor feudal A parte das riquezas que vai aMm destas necessidades chamase exee dente de producao Este exeedente era eonsumido fundamentalmente em guerras entre diferentes povos ou entre senhores feudais Desta forma nao existia propriamente urn processo de aeumulacao de ri quezas que submetidas a acao do trabalhador pudessem eriar novas riquezas Ao longo da hist6ria foi ocorrendo urn proeesso de eoneentracao das riquezas em maos de urn punhado de pessoas que a partir do seculo XVI foram crescentemente promovendo a expansao destas riquezas graas a exploraao do trabalho assalariado Foi entretanto com a RevolUao Industrial no seculo XVIII que 0 eapitaIismo se C0l1s01idou A teenica com sua eapacidade de aumentar a produtivi dnde do trabalho humano tornou possivel 0 crescimento do excedente de producao Este exeedente deixou de ser eonsumido improdutiva mcnte pelo patrao e passou a ser investido na propria producao au Mcja passou a ser usado para aumentar a producao Por exemplo 0 proprietario de uma fabriea nao eonsome todos os lucros gerados pcla producao fabril as lueros sao tao altos que ele pode desfrutar de vida de rico IIssim como sua familia aplieando 0 que sobra na ampliaao de sua cmpresa Assim compra mais urn predio contrata mais trabalhadores compra mais equipamentos e mais materiasprimas passando a pro duzir uma quantidade muito maior demercadorias destinadas ao comercio interno ou a exportacao Ao mesmo tempo em que 0 eapi lulista aumenta sua produao pode tambern provocar urn aumento de produtividade dos trabalhadores por ele contratados Basta para isto comprar maquinas que aumentam a produtividade do trabalho humano Aumento de producao e diferente de aumelto de produtividade Tomandose 0 exemplo acima podemse figurar duas hip6teses A primeira consistiria na duplieacao do espaco fisica da fabrica das materiasprimas da energia do numero de trabalhadores e dos equi pamentos mantendose a mesma teenica A quantidade de merea dorias produzidas seria duas vezes maior A segunda hip6tese envolveria nao apenas uma ampliacao do mesmo genero mas a adoao na nova unidade produtiva de tecno logia mais moderna eapaz de aumentar a produtividade do tra balho humano Nesta segunda fabrica 0 mesmo numero de traba Ihadores seria eapaz de consumir quantidades maiores de materias primas transformandoas em quantidades tambem maiores de mer eadorias prontas para 0 eomereio Nesta segunda unidade produtiva a produtividade do trabalho seria maior isto e 0 mesmo numero de trabalhadores seria capaz de produzir maior quantidade de mer eadorias no mesmo espao de tempo Na primeira hip6tese temse apenas aumento de producao na segunda temse aumento de pro ducao e aumento de produtividade A diferena fundamental entre o eapitalismo de urn lado e 0 eseravismo e 0 feudalismo de outro e 0 usa de tecnologia capaz de elevar a produtividade do trabalho humano Gracas a isto 0 patrao pode aumentar os salarios de seus empregados aumentarlhes as ferias reduzirlhes a jornada de tra balho e assim mesmo elevar seus lueros Dai a dificuldade de se pereeber a intensidade da exploracao de que e vitima 0 trabalhador 42 41 Ademais trabalhadores e patr6es sao iguais perante a lei 0 trabalhador assalariado ao contnirio do escravo e do servo e livre Mas e preciso bern compreender esta liberdade Tratase apenas de liberdade formal Na pnitica que significado tern a liberdade para quem deve vender sua Ionia de trabalho sujeitandose as leis do mercado Em momentos historicos nos quais a olerta de empregos e baixa e 0 numero de pretendentes a estes postos e alto os sahl rios diminuem Nestas situac6es nao resta ao trabalhador senao a aceitacao de sahirios baixos pois ele sabe que ha outros candidatos aquele emprego Nos paises capitalistas nunca ha 0 chamado pleno emprego isto e nenhum desempregado Sempre ha urn certo nu mero de trabalhadores que procuram mas nao encontram emprego Convem explicitar que pode haver ao mesmo tempo desem prego e falta de trabalhadores 0 Brasil atravessa atualmente uma situacao deste tipo A recessao economica que durou de 1974 a 1984 tendo atingido seu ponto mais critico no periodo de 1981 a 1984 provocou uma grande queda na oferta de empregos uma vez que se reduziram muito os investimentos produtivos 0 nivel de desemprego portanto cresceu bastante deixando fora do mercado de trabalho urn numero excessivamente grande de trabalhadores homens e mulheres Estes desempregados faziam bicos a fim de garantirem sua sobrevivencia Nao exercendo a atividade para a qual estavam qualificados acabaram perdendo muitas vezes esta qualificacao Por outro lado dada a falta de empregos as pessoas nao eram incentivadas a se qualificarem para esta ou aquela ocupacao o Plano Cruzado desencadeou uma onda consumista na popu lacao que antes acreditava estar ganhando dinheiro com a correcao monehiria Para atender a demanda de produtos industriais as fa bricas estao expandindo suas atividades Dada a profundidade da recessao mencionada so agora passado mais de ana de institui cao do cruzado alguns setores da industria atingiram 0 nivel da producao do ana de 1983 De qualquer modo a industria esta ofe recendo urn numero muito maior de empregos do que aquele que vinha oferecendo nos anos de economia recessiva No momento falase muito em falta de maodeobra Esta ca rencia e verdadeira mas e preciso que ela seja especificada Falta efetivamente maodeobra qualificada para certos setores da econo mia 0 que se caracteriza como heranca da recessao Porem isto nao significa que no Brasil atual nao haja desemprego A faltade tra balhadores qualificados coexiste isto e convive com 0 desemprego A reorientacao da economia para a producao sobretudo de bens industrializados provoca 0 aumento da oferta de empregos no se lor industrial com uma correspondente queda do nivel de emprego nus atividades financeiras Cerca de uma centena de milhares de buncarios perdeu seus empregos em cinco meses de vigencia do Plano Cruzado Sem entrar no merito das medidas monehlrias de 28 de fevereiro de 1986 podemse verificar as dificuldades de adap lucao desta maodeobra a nova situaao Os bancarios nao estao qualificados para 0 desempenho de atividades produtivas sem se mencionar 0 fa to de que se sentiriam desprestigiados em aceitar lima funao fabril por exemplo Cabe lembrar que 0 avano tecnologico propicia a substituiao de trabalhadores por maquinas No setor da informatica e muito claro 0 processo de mecanizaao das atividades Vm computador pode realizar em segundos 0 trabalho que urn homem gastaria dias para fazer Tambem na industria os trabalhadores vern sendo subs tituidos por robos Metalurgicos da Grande Sao Paulo temse pro nunciado contra este processo pois tern consciencia do desemprego que provoca No Rio ja existe ate urn robo orientando 0 transito Este processo de mecanizacao tern criado situaC6es diffceis para trabalhadores agrfcolas que perdendo a possibidade de trabalharem no campo mudamse para as cidades na esperanca de ai poderem ganhar 0 pao de cada dia No entanto grandes contingentes destes trabalhadores nao encontram trabalho nas zonas urbanas seja por que e pequena a oferta de empregos seja porque nao apresentam qualificacao para empregos citadinos Este deslocamento de popu lac6es rurais para as cidades da origem a gigantescos bols6es de miseria na periferia nao apenas das grandes cidades mas tambem das de porte medio Durante os dez anos da ultima recessao eco nomica aumentou grandemente este fenomeno que tambem se tra duz em elevadas taxas de mortalidade infantil e baixos niveis de saude derivados de graus mais ou menos profundos de subnutriao Alias a miseria constitui urn dos polos do processo de acumulacao capitalista De Iato como ja se mencionou mais atras e gracas a elevacao dos lucros extraidos do trabalho dos assalariados que os capitalistas conseguem acumular quantidades crescentes de capital Sob a forma de dinheiro de equipamentos de materiasprimas de tecnologia de cdificios 0 capital extrai lucros do trabalho assalariado Deste modo o capital que assume diferentes formas e uma relacao social Nem sempre 0 dinheiro e capital 0 dinheiro aplicado em caderneta de poupana nao e capital pois e incapaz de estabelecer uma relacao 44 45 social Ao contnirio 0 dinheiro aplicado na constrwao de uma fa brica na agricultura na pecmiria constitui capital porque cria uma relacao de exploracao de empregado pelo patrao no processo de producao de mercadorias Como ja se analisou 0 trabalhador gera urn excedente econ6 mico que pertence ao proprietario dos meios de producao Uma pe quena parte deste excedente destinase ao consumo pessoal do pa trao A outra parcela destinase a investimentos ou seja e usada para criar mais riquezas Isto equivale a dizer que ha urn processo de acumulacao de capital a numero de capitalistas e diminuto em comparacao com 0 numero de trabalhadores assalariados A este processo de acumulacao de riquezas que empregadas como capital geram novas riquezas corresponde urn processo de empobrecimento de pelo menos parcela das classes trabalhadoras Acumulacao e mi seria sao portanto palos de urn mesmo processo faces de uma mesma moeda Ouvese com freqiiencia que a miseria so existe em paises subdesenvolvidos Isto nao e verdadeiro Nas nayoes subdesenvol vidas a parcela da populacao atingida pela pobreza e maior do que nos paises altamente industrializados Todavia nestes tambem exis tern contingentes populacionais vivendo em niveis variaveis de mi seria Nos Estados Unidos por exemplo ha miIhOes de famiIias den tre as quais predominam os negros vivendo com rendas inferiores a considerada minima para uma vida decente Recentemente pesqui sadores norteamericanos provaram a existencia de milhares de fami lias sem moradia Isto e tanto mais grave quando se pensa no inverno rigoroso da maior parte do territorio daquele pais AMm disto nao se pode esquecer que os paises industrializados em geral e especialmente os Estados Unidos exploram os chamados paises dependentes sendo capazes atraves deste mecanismo de reduzir os contingentes de miseniveis dentro de suas fronteiras De qual quer forma eles existem E nao e por acaso que nos Estados Unidos os mais pobres sao negros contra os quais se praticam discrimi nacoes atrozes imigrantes de fala espanhola mexicanos colombia nos cubanos haitianos portoriquenhos etc imigrantes asiaticos e mulheres Dentre as famiIias mais miseraveis cabe lembrar as che fiadas por mulheres cujos salarios sao em media muito inferiores aos masculinos Para enriquecer a discussao adicionamse dados presentes no documento preparado por bispos catolicos dos Estados Unidos inti lulado usti9a economica para todos e publicados na Folha de S Paulo de 15 de novembro de 1986 0 documnto preparado durante tres anos defende a acao imediata da empresa privada e do Estado para acabar com a miseria no pais mais rico do mundo Segundo as esta tisticas citadas no documento existem entre 20 e 30 milh6es de habitantes nos EVA cuja renda os situa entre os necessi tados alem dos 33 milh6es abaixo da linha de pobreza Foram oferecidas ao leitor algumas coordenadas a luz das quais uevem ser examinados os tres esquemas basicos de dominayaoexplo mcao atuantes na sociedade brasileira atual Embora eles estejam presentes em todas as sociedades capitalistas e tambem nas socie uades socialistas em certo grau nao constituindo portanto privi 16gio nacional cabe analisar rnais de perto a sociedade brasileira Tais sistemas de dominacaoexploracao serao anaIisados na ordem cronol6gica de seu aparecimento na historia da humanidade o patriarcado CaIculase que 0 homem haja estabelecido seu dominio sobre a mulher ha cerca de seis milenios Sao multiplos os pIanos da exis tencia cotidiana em que se observa esta dominacao Urn niveI extre mamente significativo deste fen6meno diz respeito ao poder politico Em termos muito simples isto quer dizer que os homens tomam as grandes decis6es que afetam a vida de urn povo Nas sociedades contemporfmeas a participacao poIitica da mu Iher pode ser considerada infima AIem de Lidia GueiIer que ocupou a presidencia da Bolivia em 1979 em circunstancias excepcionais apenas duas outras mulheres chegaram a preidencia da republica Isabelita Peron na Argentina e Corazon Aquino nas Filipinas A primeira por ter sido eleita vicepresidente em chapa integrada por seu marido apos a morte deste A segunda foi eleita muito mais em razao do que representou seu marido assassinado pela ditadura de Ferdinand Marcos do que pelo trabalho de oposicao politica ao regi me totalitario que realizou apos haver enviuvado Assim estas duas mulheres que chegaram ao mais alto posta politico de uma republica fizeramno com 0 auxilio do prestigio desfrutado pelo nome de seus companheiros 46 47 Sao pouquissimos os casos de mulheres que desempenharam ou desempenham a funao de primeiroministro como Indira Gandhi Golda Meir e Margaret Thatcher No mundo inteiro 0 numero de mulheres nos orgaos legislativos no Brasil camara de vereadores assembIeia legislativa camara federal e senado e insignificante a mesmo se pode afirmar sobre a presena feminina nos partidos po liticos No casu destes quando a mulher participa em geral se encar rega de fun6es menores sendo rara sua presena em cargos de mando No Brasil data de poucos anos a participaao politica da mu lher que geralmente se situa na base Nos diretorios municipais estaduais e nacionais dos partidos politicos e irrisoria a presena feminina E isto ocorre tambem nos partidos de esquerda au seja discriminar a mulher nao constitui urn caracteristico apenas dos conservadores Tratase de pnitica dhlria tambem dos tidos e havi dos como progressistas A mesma situaao pode ser verificada em sindicatos isto e nos orgaos politicos das diferentes categorias ocupacionais Tern au mentado a participaao feminina nas associa6es de cIasse sobre tudo na grande Sao Paulo mas raramente a mulher e membra da diretoria A grande participatao politica das brasileiras temse dado nos movimentos sociais associa6es de maes movimento contra a ca restia luta por creches movimento feminino pela anistia etc Con vem lembrar que 0 espao de luta destes movimentos nao e 0 da politica institucional Isto e estes movimentos ocorrem fora do es pato parlamentar fora do espao dos partidos politicos Tratase de lutas travadas em torno de certas reivindica6es que seus mili tantes esperam ver atendidas pelo poder municipal estadual ou federal ou ainda pelo empresario privado Faz parte da natureza destes movimentos a fluidez isto e 0 baixo grau de estruturaao lsto facilita a cooptaao destes movimentos por parte de partidos politicos Explicando melhor com freqiiencia partidos politicos ou fac6es politicas servemse de militantes de movimentos sociais transformandoos em massas de manobra capazes de elevar 0 n1 mero de votos de certos candidatos a postos do Poder Legislativo e ou Executivo A subordinatao da mulher ao homem contudo nao existe tao somente no terreno politico Ela e marcante no campo economico Deixando de lado as ocupa6es oferecidas pelo sistema de produao capitalista que ia mereceram comentarios a presenrya da mulher c relativamente muito maior que a masculina nas atividades nao estru luradas segundo 0 modelo capitalista no segmento comumente co Ilhecido como mercado informal de trabalho Tratase de setores de atividades que os capitalistas nao tive ram interesse em explorar porque 0 capital busca os ramos mais rcntaveis da economia as atividades que podem render mais lueros Assim quase todo 0 setor do emprego domestico esta ocupado pol l11ulheres cuja presenca e tambem macica no trabalho a domicilio geralmente a margem dos beneficios da legislacao trabalhista a pri l11eiro tipo de emprego e regido POl legislaCao especial que so ga rante filiatao obrigatoria a previdencia social e apenas 20 dias de rerias apos a prestatao de servicos a uma mesma pessoa ou famflia pOl UJn periodo ininterrupto de 12 meses As empregadas domes licas nao tern direito a Iicenamaternidade ao 13 salario ao PIS a 30 dias de ferias anuais a ferias proporcionais Nem sequer esta prevista a folga semanal remunerada nesta legislaCao que rege 0 lrabalho domestico assalariado Se pOl urn lado a maioria das patroas concede uma ou mais folgas semanais remuneradas e ainda muito pequena a quantidade das que registram suas empregadas Desta forma enormes contingentes de empregadas domesticas nao desfrutam sequel da assistencia medica oferecida pelo lNAMPS de ferias de aposentadoria MuItiplas formas de trabalho cIandestino existem no Brasil Elas absorvem homens e mulheres mas estas uItimas sao mais nu merosas nestes tipos de trabalho Podese afirmar que no minimo a metade das trabalhadoras brasileiras nao esta coberta pela legis latao trabalhista uma vez que nao tern carteira profissional assi Ilada Nas zonas rurais e freqiiente encontraremse trabalhadoras cujas earteiras de trabalho ficam com 0 patrao Elas nao sao assinadas Ficam nas maos do patrao para assinatura 0 que ocorre apenas se uparecer a fiscalizacao Como esta e omissa ou se vende a maioria csmagadora das carteiras de trabalho nunca e assinada A legislatao que rege 0 trabalho rural discrimina a mulher numa medida muito mais profunda do que a legislaao urbana A traba Ihadora rural s6 tern direito a aposentadoria se nao for casada Na pnitica isto significa que a mulher e posta diante do seguinte dile ma escolher entre 0 casamento e a aposentadoria Suponhase urn easal que haja trabalhado durante 50 anos na enxada Embora no presente momento tramite no Congresso Nacional urn projeto de lei que eleva 0 salario dos aposentados para 95 do salario minimo 49 48 atualmente e no casu em questao 0 homem aposentase recebendo apenas meio salario minimo nao tendo a mulher nem sequer este direito 0 casal deve pois viver seus ultimos anos com apenas a irrisoria quantia de meio salario minimo A esta tragedia devese acrescentar 0 fato de que poucos trabalhadores rurais tern carteira de trabalho assinada Em 1984 94 dos homens estavam neste caso enquanto esta proponao caia para apenas 18 dentre as mu lheres Assim as atividades agrfcolas ao lado dos bicos que se fazem nas zonas urbanas sao desenvolvidas quase sempre na clan destinidade Nas cidades as mulheres constituem as grandes vftimas do tra balho clandestino Muitas destas atividades podem ser exercidas a domicflio 0 que permite it mulher complementar a renda do ma rido sem deixar de executar as tarefas do lar Quando as atividades sao exercidas fora da casa apresentam geralmente maior flexibi lidade de horario Isto tambem favorece a absorao de mulheres nestas atividades ja que horarios naorigidos sao mais compativei com os afazeres de donadecasa Quando marido e mulher trabalham na mestra atividade 0 que e muito comum na agricultura a mulher deixa de reivindicar seu direito ao registro em carteira para nao prejudicar 0 marido Aceita muitas vezes trabalhar clandestinamente porque 0 patrao ameaaa com a despedida nao apenas a sua mas tambern a de seu marido Como 0 desemprego alem de suas conseqiiencias finan ceiras negativas e considerado vergonhoso para 0 homem cabe it mulher segundo 0 estereotipo abrir mao de seus direitos No seio da famflia a dominaao masculina pode ser observada em praticamente todas as atitudes Ainda que a mulher trabalhe fora de casa em troca de urn salario cabeIhe realizar todas as tarefas domesticas Como de acordo com 0 modelo os afazeres do mesticos sao considerados coisas de mulher 0 homem raramente se disp6e a colaborar para tomar menos dura a vida de sua com panheira Nao raro ainda se faz servir julgandose no direito de estrilar se 0 jantar nao sai a seu gosto ou se Sua mulher nao chega a tempo trazendoIhe os chinelos Isto posto podese concluir que 0 patriarcado nao se resume a urn sistema de dominaao modelado pela ideologia machista Mais do que isto ele e tambem urn sistema de exploraao Enquanto a dominarao pode para efeitos de analise ser situada essencialmente nos campos politico e ideologico a exploraao diz respeito direta mente ao terreno economico Tanto a donadecasa que deve trazer a residencia segundo 0 MllNlo do marido quanta a trabalhadora assaIariada que acumula dllllS jornadas de trabalho sao objeto da exploraao do homem no pillno da familia Na qualidade de trabaIhadora discriminada obri IIJlI a aceitar menores sahlrios a mulher e no plano mais geral till sociedade alva da exploraao do empresario capitalista Desta NIlIle fica patente a dupla dimensao do patriarcado a dominacao t 1I exploraao A compreensao das duas faces deste fen6meno to 111Ise importante para a analise que tera lugar no ultimo item deste tlIpituIo Todos os tipos de discriminacao favorecem a maior exploracao pOl parte dos empregadores Isto pode ser observado nao apenas no que tange ao preconceito de sexo mas tambern no que respeita as discriminac6es raciais Convem pois que se comentem estas ultimas o preconceito racial A Constituicao brasileira penaliza criminalmente 0 racial Efetivamente podese ler no paragrafo 10 do Sera punido pela lei 0 preconceito de raca Alem Afonso Arinos de 1950 reforca a penalizacao criminal preconceito Apesar disto discrimina6es de todo tipo mente praticadas contra negros e mulatos neste pais preconceito artigo 153 disto a Lei do referido sao diaria Dizse a boca miuda que no Brasil ha democracia racial Nada seria mais inverfdico do que esta afirmacao Basta examinar as es tatisticas para se verificar que os negros estao nas ocupac6es menos prestigiadas e rnais mal remuneradas que apresentam graus baixos de escolaridade que nao participam do poder polftico Existem cIu bes que nao admitem negros como seus filiados Ha restaurantes que nao aceitam servir negros barrandoos esperar indefinidamente a mesa na porta ou fazendoos II Alguns ditos populares expressam eloqiientemente 0 preconceito de que e alvo 0 negro brasileiro Negro quando nao suja na en trada suja na safda A situacao esta negra Ele e urn negro de alma branca Mesmo pessoas que se dizem naopreconceituosas ne I garseiam a contrair matrimonio com pessoa de cor IIII Para justificar as discriminac6es praticadas contra negros e par dos evocamse freqiientemente fatos do genero negro e sujo ne I gro e pouco inteligente negro e supersticioso Rigorosamente devese inverter 0 racioefnio pois tais caracterfsticas ao inves de 51 50 terem sua origem na raca sao conseqilencias da desigualdade social entre os brancos que dominam e os negros que sofrem a dominacao Obviamente se urn grupo social tern menor numero de opor tunidades na vida em funcao dos preconceitos que pesam sobre ele encontramse em seu interior maior numero de miseniveis grandes contingentes de analfabetos e de pessoas pouco escolarizadas mas sas imensas de pessoas vivendo em condicoes de promiscuidade Assim se os negros forem efetivamente proporcionalmente mais sujos que os brancos este fenomeno deriva das condicoes sociais em que vivem Tomar banho diariamente e faciI para aqueles que dis poem de agua corrente em casa Nao encontram a mesma facilidade aqueles que residem em favelas sem agua encanada sem energia eIetrica Assim a higiene pessoal nao e refIexo da raca mas sim das condicoes sociais de exisHlncia Quando ao negro se oferecerem boas condicoes de desenvolvimento ele podera revelarse tao born ou melhor que 0 branco Na sociedade brasiIeira nao sao apenas os negros e mulatos que sofrem discriminacoes Estas existem contra indios contra asiaticos e ate mesmo as vezes contra europeus Cabe entretanto ressaltar os preconceitos contra negros e mulatos ja que somados eles per fazem cerca de 45 da populacao nacional Na ordem das bicadas neste pais a mulher negra ocupa a ultima posicao Ela e duplamente discriminada enquanto mulher e enquanto negra De acordo com modelo oficial cabemlhe fun damentalmente dois papeis 0 de empregada domestica e 0 de objeto sexual Sugerese ao leitor que preste atencao na publicidade de produtos de limpeza na televisao Geralmente 0 produto e reco mendado a patroa branca por uma empregada negra Nas novelas nas pecas de teatro as empregadas domesticas sao quase sempre representadas por atrizes negras Obviamente na novela Roque santeiro nao caberia presen tear Porcina com uma empregada de cor uma vez que Porcina nao encarnava 0 papel da verdadeira senhora branca Ao contrario aproximavase muito mais do polo da prostituta Logo como a pro pria personagem de Porcina fugia ao modelo consagrado de senhora branca erica nascida na cIasse dominante e bemeducada sua em pregada podia ser branca Ademais as relacoes entre Porcina e Mina eram totalmente atipicas isto e fugiam a regra que estabelece a distfincia social entre estas duas figuras Enquanto mulher do povo de origem pobre naotreinada nas chamadas boas maneiras Por cina era basicamente igual a sua empregada Mina Mereceria urn livro a atitude de mulheres que assistiram a re Icrida novela A identificacao com Porcina era generalizada Por llue Ora porque Porcina se comportava como muitas e muitas l11ulheres gostariam de se comportar Por repressao as mulheres si luudas no polo da santa e identificadas com a figura de Porcina viviam atraves desta personagem aquilo que nao podiam viver pes Houlmente Quando urn aluno esta distraido na sala de aula dizse que ele esta so de corpo presente Pois aqui no caso da identifi clI9ao de mulheressantas com Porcina 0 pecado so nao foi come lido pelo corpo A alma pecou pecou pecou Isto se chama Iealizacao vicaria Ou seja no caso muitas mulheres viviam vica liamente atraves de Porcina papeis sociais fundamentalmente de carater sexual que nao podiam vivenciar com seu proprio corpo rcprimido pela educacao marcadamente patriarca Cabe assinalar lambem que muitas mulheres se sentiram vingadas por Porcina Ja que nao podiam por raz6es de educacao ter amantes como fazem os homens rigozijavamse quando Porcina aumentava os chifres do machao Sinhozinho Malta Foi urn desopilar de figado infindaveI Retomando 0 caso da mulher negra cabe salientar que 0 homem branco construiu 0 mito da negra ou mulata sensual Embora ne nhuma pesquisa haja demonstrado que a negra ou a mulata seja mais sensual do que a branca e assim que a mulher de sangue ne gro e socialmente considerada Interessa ao homem branco aHmen tar este mito pois por tradicao esta habituado a usar sexualmen te negras ou mulatas Os meios de comunicacao exploram muito cste mito Quando a televisao mostra cenas do carnaval nao pro cura quase sempre focalizar negras e mulatas Mulata de corpo es cultural ja e produto de exportacao deste pais Sargentelli nao esta explorando este mito quando escolhe mulatas para seu show Evidentemente a relacao de dominacaoexploracao aqui pode deixar de ser urn fenomeno de mao unica para se transformar em fenomeno de mao dupla Muitas mulatas em virtude de suas ca racteristicas fisicas podem ganhar melhores salarios e desfrutar de mais alta posicao social trabalhando em shows do que se empre gando como secretarias vendedoras de baIcao baMs Ora ja que o homem branco precisa do mito da mulata sensual por que nao faturar mais danando com pouca roupa mostrando as curvas obri gando 0 dominador a olhar de baixo para cima Alias cabe refletir urn pouco sobre a atuacao do dominado consciente de sua condicao de subordinado Da mesma forma como a crianca nao e inocente 0 dominado consciente realiza todas as 52 53 trapaas que pode realizar Em linguagem simples 0 dominado consciente da 0 troco ao dominador sempre que pode fazeIo Nao ha donasdecasa com caras de santa que botam caseas de banana no caminho do marido mulherengo Mio ha negros que trapaceiam brancos Nao ha lindas mulatas que faturam bem exibindo seu cor po aos olhos gulosos do homem branco Esta reaao da pessoa si tuada no polo da subordinaao constitui mais uma razao para se demonstrar 0 quae prejudicial e a relaao de dominaaoexploraao nao apenas para os dominadosexplorados como tambem para os do minadoresexploradores cuja supremacia esta permanentemente amea ada Como pode desfrutar do prazer 0 homem que deve vigiar cons tantemente a conduta da mulher que the e subordinada Como pode ele saber se ela esta ou nao tramando contra seu dominio Assim a desconfiana permeia todas as rela6es entre seres humanos socialmente desiguais 0 branco sempre desconfia do ne gro 0 homem sempre desconfia da mulher Confiana so existe entre iguais Enquanto houver diferenas sociais entre negros e brancos entre homens e mulheres 0 clima das rela6es entre uns e outros e entre uns e outras trara sempre esta componente da desconfiana E Ita maior desmanchaprazeres do que estar sempre de pe atras do que se sentir permanentemente ameaado do que ter de vigiar Nao e pois dificil concluir pela adequaao da luta que visa a tornar socialmente iguais todos os seres humanos independentemente da cor do sexo da crena religiosa da ideologia politica Nao e facil compreender que se alguem instrumentaliza outra pessoa pode ser instrumentalizado por esta mesma pessoa 0 exemplo das mulatas do Sargentelli podera ser util Aparentemente a afinnaao de que a mulata e 0 modele ideal de sensualidade soa como elogio Rigorosamente entretanto a atri buiao de uma sensualidade especifica a mulata constitui instrumen to de manipulaao usado pelo branco que situa esta mulher na po sicao de satisfazer os seus desejos Se todavia a mulata tomar consciencia da instrumentalizaao de que e objeto buscara sempre que the for possivel aproveitarse do mito Ou seja a instrumen talizaao da mulher por parte do homem pode gerar a instrumentali zaao do homem por parte da mulher E isto nao e suficiente para mostrar que ninguem e feliz neste jogo de instrumentaliza6es Sem pre que um ser humano e usado como instrumento para a obtenao de uma meta anulase sua humanidade So quando 0 outro e conside rado igual podese evitar a instrumentalizaao e portanto 0 desprazer Se de um lado as mulheres de cor de mulatas a negras fo 111111 colocadas no pedestal da sensualidade de outro a represen IIIliio social do estupradore encarnada pelo homem negro Embora llM dados estatisticos nao provem haver maior incidencia de estu pludores dentre os negros que dentre os brancos a sociedade con tinua alimentandoa imagem do negro como estuprador Esta ideo logia cala tao fundo nas consciencias que mulheres brancas temem ll1uito mais serem violentadas por negros do que por brancos Tra tuse de puro preconceito ja que os dados da primeira Delegacia de Policia de Defesa da Mulher criada em agosto de 1985 na ci dade de Sao Paulo revelam que a maioria dos estupros tem por IItores seria melhor dizer agressores os pr6prios membros masculi nos da familia pais padrastos tios etc Com a finalidade de desfazer outro equivoco fruto tambem de preconceito e bom que se diga nao serem as classes mais pobres aquelas que praticam mais violencia ai incluida a de natureza se xual Assim nao ha nas camadas menos privilegiadas da popula rao um numero relativamente maior de estupros Isto prova que a violencia nao e privilegio de pobre Os membros das classes me dias e da burguesia sao tamhem violentos A violencia masculina contra a mulher atravessa toda a sociedade estando presente em todas as classes sociais Nao importa que um zeninguem mate sua mulher com um machado enquanto Doca Street assassinou barba ramente Angela Diniz usando um rev61ver 0 resultado objetivo e o mesmo 0 homicidio de mulheres por seus companheiros Como a justia reflete as diferencas entre as classes sociais a tendencia sera a de julgar mais severamente 0 assassino que usou 0 machado e mais brandamente 0 homicida que utilizou 0 rev6lver Qualquer que seja 0 tipo de discriminaao que pese contra uma categoria social serve para introduzir 0 fenomeno da diferenciaao dentre os candidatos a empregos Assim a maodeobra em seu con junto nao e uniforme e heterogenea Esta heterogeneidade nao diz respeito apenas ao grau de qualificaao profissional das pessoas aptas para 0 trabalho Estabelecemse outras diferenas como as de sexo e de raa sobre as quais seus portadores nao tem controle Assim e facil pagar salarios menores a um negro e a uma mu lher Mais facil ainda sera pagar salarios infimos a uma mulher ne gra Mal remunerada esta mulher passara de duplamente discrimi nada para triplamente discriminada mulher negra e miseravel Cabe pois analisar mesmo sucintamente 0 problema das classes sociais 54 55 As classes sociais A populacao brasileira assim como todas as que vivem sob 0 regime capitalista esta dividida em classes sociais Os que dominam economica e politicamente constituem as classes dominantes Usase aqui a expressao no plural porque as classes dominantes comp6emse de diferentes segmentos sociais Embora estes distintos setores cos tumem unirse na defesa de seus interesses ha em muitas situac6es historicas conflitos de interesses entre a burguesia industrial e a bur guesia financeira por exemplo Os conflitos podem existir entre os interesses da burguesia agraria e os da burguesia industrial Inte resses imediatos da burguesia agraria podem conflitar com interes ses da burguesia financeira Enfim as classes dominantes nao sao homogeneas Ou seja apresentam diferenciac6es internas que nao se podem ignorar 0 traco comum entre os distintos segmentos das classes dominantes consiste em sua capacidade em sua competencia para dominar e explorar as classes subalternas A subordinacao daqueles que ven dem sua fora de trabalho no mercado e absolutamente necessaria para que haja exploracao A disciplina que os trabalhadores precisam observar no am biente de trabalho e atingida atraves deste processo de domesticacao das classes dominadas Quem estaria disposto a submeterse a oito horas diarias de trabalho apertando parafusos de uma roda de auto movel nao fora esta subordinacao dos que nada possuem em rela cao aos proprietarios dos meios de producao A ideologia do exito economico auxilia este processo que transforma os seres humanos em quasemaquinas A necessidade de sobreviver desempenha e obvio urn papel fundamental nesta domesticacao dos trabalhadores homens e mulheres Tampouco as classes dominadas apresentam homogeneidade las se constituem de trabalhadores com diferentes graus de qua lificacao inseridos de distintas maneiras no sistema produtivo e percebendo salarios muito desiguais Assim 0 nivel de consumo permitido pelo salario de urn torneiro medlnico e muito mais alto que 0 possibilitado pelo ganho de urn Miafria ou seja trabalha dor volante da agricultura Uma faxineira ganha menos do que uma secretaria bilingiie 0 que repercute no padrao de vida de ambas Entre os que produzem mercadorias em troca de urn salario e os propriehirios das empresas explorac6es agropecuarias empresas fabris ha interesses contraditorios 0 interesse dos patr6es reside 56 om aumentar progressivamente a produtividade do trabalhador a IIm de maximizar isto e elevar ao maximo seus lucras 0 interesse Imcdiato do trabalhador consiste em se apoderar de uma fatia maior dllquilo que ele produz Ou seja ele deseja ter seu salario aumentado No plano mediato interessa ao trabalhador a socializacao dos mcios de producao Em outras palavras as classes trabalhadoras em NClI conjunto lutam a longo prazo para destruir 0 regime da divisao dn sociedade em classes sociais Desta forma ha uma profunda con lradicao entre os interesses das classes trabalhadoras e os das clas scs dominantes Ainda que estas ultimas sejam minoria prevalecem scus interesses por serem elas detentoras do poder economico e do poder politico Historicamente esta situacao foi radicalmente alte ada em alguns paises atraves de revoluc6es socialistas Nas nac6es que realizaram semelhantes revoluc6es os iriteresses da maioria pas saram a prevalecet sobre os da minoria A questao das chamadas classes medias e bern mais complexa Tratase de setores populacionais integrados por trabalhadores nao diretamente ligados a producao material Sao profissionais liberais executivos trabalhadores de escrit6rio do comercio da area de co municacao etc Tratase de trabalhadores incapazes de diretamente gerar lucros para seus patr6es Com seu trabalho estes setores me dios da populacao contribuem para que 0 trabalhador diretamente engajado na producao material se torne crescentemente mais produ tivo aumentando assim os lucros dos patr6es Estes patr6es do campo da produao material repassam uma parte de seus lucros aos patr6es dos campos de trabalho improdu tivo Urn exemplo esclarecera esta questao Urn engenheiro meca nico que inventa uma maquina capaz de multiplicar por dois a produtividade dos operarios texteis merece urn alto salario ja que esta colaborando para ampliar os lucros dos proprietarios de indus trias do ramo 0 professor que ensina a ler aqueles que vao fabricar tecidos recebe urn salario do proprietario da escola em que trabalha o lucro gerado na produao fabril e repassado pelo patrao ao pro prietario da escola que nao paga aos professores a soma total que lhe e paga pelos estudantes Ora tanto 0 operario quanta 0 enge nheiro sao frutos de urn sistema educacional Assim a atividade do professor a do engenheiro a do executivo a da secretaria nao cria novos lucros Por esta razao estas atividades sao chamadas de im produtivas Mas improdutiva nao significa desnecessaria A atividade do professor como a do medico do dentista do contador do pro gramador de computador do analista de sistemas etc e improdutiva 57 Porem a produao material jamais teria atingido 0 estagio atual sem as atividades destes profissionais improdutivos Eles sao pois profundamente necessarios ao born funcionamento da prodwao ma terial Mais urn exemplo sera oportuno para mostrar como estes tra balhadores alem de necessarios promovem a divisao dos lucros en tre patr6es dos ramos produtivo e improdutivo Suponhase uma fabrica de calados 0 industrial encarregase de contratar os em pregados que produzirao os sapatos mas nao comercializa no va rejo esta mercadoria Vendea ao comerciante que por sua vez contrata balconistas para vendela a clientes individuais Uma parte do lucro criado na produao de sapatos e repassada pelo industrial ao comerciante Assim este pode pagar as instala6es e despesas de sua loja e os salarios de seus empregados reservando uma par cela para seu consumo individual e 0 de sua familia Fica pois clara a funao de repartiao dos lucros desempenhada par esta ati vidade improdutiva ou seja 0 comercio Os trabalhadores das classes medias apresentam este trao em comum sao trabalhadores improdutivos Todavia ha uma gigantesca diferenciaao entre eles no que tange aos salarios recebidos Urn vendedor em uma loja ganha muito menos que um alto executivo Urn medico ganha muito mais do que urn bancario Um arquiteto tern rendirnentos muito mais altos que urn dati16grafo as trabalhadores de classe media sao chamados de colarinhos brancos por oposiao aos colarinhos azuis assim chamados porque em muitas fabricas sobretudo nos Estados Unidos os uniformes dos openirios tern esta cor Grande parte dos trabalhadores de classe media usa camisa social Daf a expressao colarinho branco Esta expressao e conhecida no Brasil por causa do grande numero de fraudes praticadas por funcionarios principalmente de empresas es tatais e do proprio governo que se enriquecem as custas do dinheiro do povo Como e dificil reunir provas de semelhantes crimes geral mente os fraudadores permanecem impunes Basta lembrar aqui as assombrosas somas subtraidas do INAMPS atraves de a90es frau dulentas de hospitais conveniados freqlientemente auxiliados na fal sificaao de documentos por pessoas poderosas politicamente in fluentes e azeitadas com uma parte dos ganhos ilegais A grande aspiraao dos membros das classes medias e subir na vida atraves da conquista de urn born emprego que lhes assegure altos rendimentos Desta forma ainda que as classes medias tenham 58 Ill comum com as classes subalternas 0 fato de que ambas sao do minadas pelas diferentes fragoes da burguesia dos detentores dos meios de produao tentam acentuar as desigualdades que as sepa llun dos que realizam trabalho manual Este corte entre trabalho manual e trabalho intelectual e tipico das sociedades capitalistas o trabalho naomanual goza de maior prestfgio social 0 que leva muitas pessoas a preferirem um emprego mal remunerado em escri t6rio em prejuizo de urn emprego que paga melhor mas exige tra balho manual Assim as classes medias nao se definem apenas por HCUS rendimentos mas tambem por sua educagao pelo prestigio de Huas ocupagoes naomanuais por sua identificaao com altos padroes de consumo por uma ideologia geralmente conservadora Dado seu desejo de ascensao social as classes medias freqlientemente mani Iestamse favoraveis a conserva9ao da sociedade de classes Em situagoes hist6ricas que ameaam as classes medias com perda de status de posigao social de rendimentos verificase uma tendencia de uniao entre estes setores e as classes oprimidas Tao logo entretanto as classes medias vislumbrem a possibilidade de ascensao social retomam sua ideologia conservadora de aprovaao do esquema de dominagaoexploragao tipico das sociedades de clas ses Fica portanto patente que as classes medias tendem ao conser vadorismo Temem mudanas aspiradas pelas camadas mais oprimi das pois tais alteragoes da ordem social ameagam as posigoes sociais alcangadas por estes setores medios As classes medias funcionam assim como uma especie de pararaios amenizando os choques entre as classes subalternas e as classes dominantes Deste modo contri buem enormemente para atrasar as conquistas das classes trabalha doras A analise ainda que ligeira dqs tres sistemas de dominaao explora9ao em separado deve ter deixado clara a complexidade da situagao da mulher na sociedade brasileira Ha porem que prosse guir nesta analise a fim de se explicitarem as formas de interagao entre estes tres sistemas tornados ate aqui para fins arialfticos isoladamente Como na realidade eles operam juntos e oportuno analisalos em sua globalidade 9 PatriarcadoRacismoCapitalismo Ia se viu que historicamente 0 patriarcado e 0 mais antigo sistema de dominacaoexploracao Posteriormente aparece 0 racismo quando certos povos se lancam na conquista de outros menos pre parados para a guerra Em muitas destas conquistas 0 sistema de dominacaoexploracao do homem sobre a mulher foi estendido aos povos vencidos Com freqiiencia mulheres de povos vencidos eram transformadas em parceiras sexuais de guerreiros vitoriosos ou por estes violentadas Ainda na epoca atual isto ocorre Quando urn pais e ocupado militarmente por tropas de outra nacao os soldados ser vemse sexualmente de mulheres do povo que combatem Este feno meno aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial dele resuItando muitos fiIhos de soldados norteamericanos com mulheres japonesas o mesmo se passou durante a guerra do Vietna havendo la deixado os soldados norteamericanos muitos frutos destas uni6es sexuais esporadicas e sem compromisso Desta sorte nao foi 0 capitalismo sistema de dominacaoexplo racao muitissimo mais jovem que os outros dois que inventou 0 patriarcado e 0 racismo Para nao recuar demasiadamente na histo ria estes ja existiam na Grecia e na Roma antigas sociedades nas quais se fundiram com 0 sistema escravocrata Da mesma maneira tambem se fundiram com 0 sistema feudal Com a emergencia do capitalismo houve a simbiose a fusao entre os tres sistemas de dominacaoexploracao acima analisados separadamente So mesmo para tentar tornar mais faciI a compreensao deste fenomeno po demse separar estes tres sistemas Na realidade concreta eles sao inseparaveis pois se transformaram atraves deste processo simbio tieo em urn unico sistema de dominacaoexploracao aqui denomi nado patriarcadoracismocapitalismo Ra quem use express6es como capitalismo patriarcal patriar cado capitalista capitalismo racial racismo capitalista Neste livro rejeitamse estes conceitos pelas raz6es a seguir expostas Quando se usa urn destes sistemas de dominacaoexploracao na forma substantiva e outro na forma adjetiva como por exemplo na expressao capitalista patriarcal estase atribuindo maior impor tancia ao capitalismo deixando em plano secundario 0 patriarcado o mesmo se passa com a expressao capitalismo racista No primeiro caso 0 patriarcado apenas qualifica 0 capitalismo assim como no segundo 0 racismo exerce esta funcao de qualificacao Ra tambem 60 quem tome 0 patriarcado 0 mais antigo sistema de dominacaoexplo Iucao e 0 qualifique com os sistemas de producao surgidos ao longo ua historia Nesta linha de raciocinio temse 0 patriarcado escra vista 0 patriarcado feudal e finalmente 0 patriarcado capitalista Neste caso priviIegiase 0 patriarcado em prejuizo dos sistemas pro dutivos com os quais ele foise fundindo atraves dos tempos Como se vera mais adiante 0 ato de atribuir prioridade a urn dos tres sistemas mencionados tern serias conseqiiencias do ponto de vista das estrategias de luta dos contingentes humanos oprimidos domi nados explorados Ra uma razao muito forte para que nao se proceda pelo racio cinio da priorizacao do priviIegiamynto de urn sistema de domina caoexploracao E que na realidade concreta observase de fato uma simbiose entre eles Esta fusao ocorreu em tal profundidade que e pratieamente impossivel afirmar que tal discriminacao provem do patriarcado ao passe que outras se vinculam ao sistema de clas ses sociais e ou ao racismo Se 0 patriarcado fosse regido por leis especificas independen tes das leis capitalistas 0 homem continuaria a ser 0 unieo prove dor das necessidades da familia nao havendo mulher trabalhando remuneradamente Pelo menos nao haveria mulher trabalhando fora do lar podendo ganhar algum dinheiro com trabalho no domicHio Ora foi 0 capitalismo que com a separacao entre 0 local de mo radia e 0 local de trabalho criou a possibilidade de as mulheres sairem de casa para trabalhar Isto nao signifiea que as mulheres antes do advento do capitalismo fossem ociosas Ao contrario tra balhavam na producao e conservacao dos alimentos teciam con feccionavam roupas enfim realizavam atividades hoje executadas pela industria A medida que estas atividades foram sendo industria Iizadas as mulheres tiveram necessidade de sair de casa para ga nhar seu sustento e 0 de seus dependentes ou entao para colaborar no orcamento domestico Assim e correto afirmarse que as mulheres se transformam crescentemente em trabalhadoras extralar Nao e correto dizerse que as mulheres penetraram no mundo do trabalho a partir do ad vento do capitalismo pois isto significaria que elas nao exerciam tarefas produtivas em outros regimes Nestes que precederam historicamente 0 capitalismo nao apenas as mulheres mas tambem os homens desenvolviam muitas atividadestrabalho no interior da 61 casa e em seus arredores Alem das atividades desenvolvidas no seio da familia ha que se mencionar 0 trabalho agricola realizado na epoca nas imediac6es da casa uma vez que as sociedades de entao eram eminentemente agnirias Por outro lado se as leis capitalistas vigorassem independente mente do patriarcado e do racismo 0 desemprego dentre os homens seria muito mais alto que dentre as mulheres Para provar a vali dade deste argumento nem se necessita recorrer ao fato de que as mulheres aceitam trabalhar em pessimas condic6es e por salarios aviltados Basta pensar que dado 0 treinamento que recebem para a execucao de tarefas tidas como exclusivamente femininas as mu Iheres tem maior agilidade nos dedos Em virtude disto sao muito requisitadas para 0 desempenho de atividades nas quais 0 rendimen to do trabalho aumenta em fun9ao da mencionada agilidade Podese embrar tambem que a atividade de educar na medida em que e entendida como um prolongamento da funcao de socializar os fi Ihos absorve grandes contingentes de mulheres 0 mesmo se passa no setor da saude Nao fora pois a forte ideologia que situa 0 ho mem como 0 chefe da familia e seu provedor os interesses empre sariais na contratacao de trabalhadoras teriam grandes probabilida des de se realizar Tal conduta deixaria a margem do mercado de trabalho um gigantesco contingente masculino Ha que se ponderar porem que as vantagens oferecidas por mulheres no desempenho de certas atividades nao derivam nem de sua anatomia nem de sua fisiologia Sao ao contnirio vantagens adquiridas ao longo do processo de sociaIiza9ao a que sao submetidas Estes comentarios revelam como e impossivel isolar a respon sabilidade de cada um dos sistemas de dominaCaoexploraCao fundi dos no patriarcadoracismocapitalismo pelas discriminac6es diaria mente praticadas contra mulheres De outra parte convem notar que a referida simbiose nao e harmonica nao e pacifica Ao con trario tratase de uma unidade contradit6ria Se 0 patriarcado e 0 racismo contem elementos capazes de permitir a maximizacao dos lucros capitalistas estes mesmos elementos contem 0 consumo das classes trabalhadoras dentro de limites bastante estreitos Ora so bretudo num pais de economia dependente como 0 Brasil a comer ciaIizacao de produtos industriais realizase principalmente no mer cado interno Para dar escoamento a estes produtos e pois neces sario elevar a capacidade aquisitiva 0 poder de compra das classes trabalhadoras Ao exaltar as qualidades sexuais das mulheres negras 0 branco nilo apenas transformouas em objeto da satisfacao de seus desejos mas tambem produziu 0 mulato Este produto hibrido que atual mente constitui cerca de 39 da popula9ao brasileira introduziu lunhas na supremacia do branco sobre 0 negro Ele constitui a lem bran9a permanente de que 0 branco acasalouse com negras 0 que debilita muitfssimo as justificativas para as discrimina96es contra naobrancos 0 mulato mostra assim uma violenta contradi9ao do patriarcadoracismocapitalismo Nao obstante sua 16gica contradit6 ria ete sistema simbi6tico de dominaCaoexplora9aO continua vivo Cabe pois indagar sobre as for9as de sua conserva9ao Quem sao os beneficiados desta simbiose Ja deve ter ficado claro que no seio das classes dominadas nao ha oenhuma vantagem na preserva9ao do patriarcadoracismo capitalismo Aparentemente os homens sao vitoriosos pois detem poder sobre as mulheres Mas que pre90 pagam pelo exercicio desta domina9ao Ademais e preciso considerar nao apenas os prejuizos que afe tam direta ou indiretamente 0 homem como tambem os que atin gem as mulheres e os filhos No fundo os trabalhadores enquanto classe social pagam por estas enganosas parcelas de poder deposi tadas pela sociedade em maos masculinas A castra9ao do prazer fenomeno que afeta a mulher 0 homem e seus filhos constitui um instrumento de fundamental importancia na domesticacao da maodeobra E nesta maodeobra estao presentes homens mulheres estas enquanto donasdecasa e ou trabalhadoras e as novas gera 90es dos dois sexos Na verdade a domestica9ao da maodeobra e simultaneamente a domestica9ao da familia Isto significa que os proprios trabalhadores e trabalhadoras aceitando 0 tipo de familia que Ihes e imposto colaboram extraordinariamente para perpetuar a domesticacao das classes trabalhadoras Em troca do poder de dominar as mulheres os homens se dei xam amputar na dimensao mais prazerosa da vida a da troca afe tiva transmitindo aos filhos esta mesma maneira de agir A mulher tambem colabora neste sentido pois dl educacao diferenciada aos fiIhos e filhas Afirmase com freqiiencia que a mulher e a maior responsavel pela transmissao destes padroes de comportamento Esta afirmacao e extremamente perigosa Culpabilizamse as mulheres por 63 62 quase tudo que sai errado na familia A mulher ainda que possa ter consciencia de sua naoresponsabilidade assume a culpa uma vez que foi treinada no masoquismo foi socializada para assumir o papel de vitima foi ensinada a softer em silencio Aquela afirma j ao aumentanl sem duvida 0 sentimento de culpa das mUlheres E nao se trata de culpabilizar alguem por condutas cujos significa dos ideologicos escapam a consciencia da pessoa Ao contrario tra tase de conscientizar homens e mulheres dos maleficios que 0 pa triarcadoracismocapitalismo acarreta para ambos sobretudo para os que integram as classes subalternas As classes dominantes usufruem da simbiose dos tres sistemas de dominacaoexploracao na medida em que esta simbiose conso ida 0 poder do macho branco e adulto As mulheres das classes privilegiadas e dado 0 direito de usufruir da riqueza que possuem riqueza esta amealhada graas a exploraao das classes trabalhado ras em geral e especificamente da mais intensa exploraao de mu lheres e negros destas camadas Mais do que isto a burguesia for mula normas de conduta atraves das quais subordina os trabalha dores mas nao se submete a elas Esta e uma verdade valida para todos os campos da vida hum1lDa dela nao escapando 0 terreno sexual A regra da fidelidade conjugal respeitada em geral somente pot mulheres e com freqiiencia burlada por mulheres da burgue sia Embora isto ocorra em outras classes sociais ha evidencia de que esta condutaincide mais nas camadas ricas Isto nao significa que a mulher burguesa nao e oprimida pelo homem Sua infideli dade e muitas vezes fruto desta opressao 0 que e oportuno en tender e 0 carater mais frouxo da moral sexual burguesa refletida nos comportamentos da burguesia Mantidas as aparencias de conduta mo ral correta a mulher pode as escondidas relacionarse sexual mente com outros homens Claro que a discrirao constitui exigencia fundamental a fim de nao se abalar a imagem do todopoderoso chefao Em muitas familias burguesas e mais importante parecer a mulher de Cesar do que ser a mulher de Cesar Isto e as aparencias contam mais do que os atos efetivamente praticados Verificase mais uma vez 0 carater hipocrita da moral burguesa Desde que a prole seja legitima pois a ela cabe herdar legal e legitimamente a heranra do pai a mulher tem certo grau de liberdade para exercer sua sexualidade Rigorosamente portanto 0 macho burgus nao abre mao do controle de sua companheira enquanto reprodutora mas e menos inflexivelmenos duro menos patrao no que tange ao comportamento desta mulher nas rela6es sexuais extraconjugais que nao produzem filhos Nas classes trabalhadoras ja e mais dificil encontrarse esta preocupaao com as aparencias As uni6es desfazemse com mais racilidade ja que nao ha bens a dividir As classes medias sempre se preocuparam muito com 0 que VaG dizer os outros Em nome disto preservavam uni6es legais que escondiam maus relacionamen los Nos ultimos anos este comportamento tem sofrido profundas lTIudanas Um numero apreciavel de casais vem assumindo separa c6es legais e ou de fato cada um buscando reconstruir sua vida com outra pessoa Era ja muito grande 0 numero de uni6es consensuais sem do cumento legal quando foi aprovada em dezembro de 1977 a lei que permite 0 divorcio no Brasil 0 Senador Nelson Carneiro lutou durante praticamente tres decadas tentando fazer aprovar projetos de lei neste sentido 0 parlamento contudo resistia pois grande parte de seus membros sempre foi constituida de elementos conser vadores Ademais e preciso ressaltar a influencia da Igreja Catolica cujas press6es junto a parlamentares retardaram a aprovaao da lei do divorcio Convem ressaltar que a pratica da uniao consensual estava ja transformada num costume quando 0 divorcio se tornou possivel no pais Alem disso muita gente foi percebendo que 0 importante e um bom relacionamento entre homem e mulher ficando em segundo plano a certidao de casamento Tanto assim e que muitos jovens preferem viver juntos sem se casarem so legalizando a uniao quando chegam os filhos A necessidade de 1egalizar a vida conjugal con tudo e muito maior quando ha patrimonio isto e quando 0 casal possui bens que serao transmitidos aos filhos Ainda que estes bens possam transmitirse aos filhos mesmo quando os pais nao sao le galmente casados a certidao de casamento facilita este processo Muitas vezes a necessidade de legalizar a uniao conjugal deriva do fato de as pessoas envolvidas terem fillios de mais de um casamento A legalizaao neste caso facilita a divisao da herana Embora no Brasil a mulher que vive maritalmente com um homem adquira apos cinco anos de vida conjugal direitos de es posa legal para fins de partilha da heranca conhecemse muitos casos em que a concubina nome legal da companheira vivendo ma ritalmente com um homem esta lutando ha anos pela pensao do companheiro morto tendo sido preterida pela justica em favor da 65 64 exesposa legal da qual 0 homem estava de ha muito separadoi Assim embora sabendo que a certidao de casamento nao contribui tm nada para urn born relacionamentoentre homem e mulher mui tos casais se casam legalmente para evitar transtornos para a mulher que enviuva Aqueles que se rebelam contra este sistema legal re cusandose a contrair matrimonio tern nao raro muita dor de ca bea Dada a inexistencia de patrimonio as unioes conjugais fazemse e desfazemse com maior facilidade no seio das camadas menos fa vorecidas Mas ha tambem no interior das classes trabalhadoras muitos adeptos da ideologia dominante segundo a qual e melhor manter as aparencias ainda que as relaoes do casal sejam mas Nestes easos em geral a mulher leva a pior pois dela e exigida a fidelidade ao marido enquanto este tern a aprovaao da sociedade quando se comporta como domjuan conquistando outras mulheres Nas classes privilegiadas cuja herana a transmitir aos filhos e grande da mulher se exige fidelidade absoluta nas relaoes sexuais destinadas a procriaao Ou seja e preciso que 0 pai tenha certeza e esta certeza e sempre relativa nunca absoluta de que os filhos sao seus foram concebidos atraves de uma relaCao sexual de sua esposa com ele e nao com outro homem E por isso que nao se encontram no seio da burguesia mulheres com filhos de dife rentes pais como e bastante comum dentre pessoas pobres Homens que nao tern herana a transmitir nao precisam ter urn grande grau de certeza sobre a paternidade de seus filhos De outra parte ha tambem uma grande dose de irresponsabi lidade destes homens que fazem filhos em diferentes mulheres sem nunea assumir a paternidade destas crianas Em virtude disto cres ee no mundo inteiro 0 numero de mulheres chefes de familia Familias chefiadas pot mulheres atingiam em 1984 no pais quase urn quarto do total de familias Sao grupos familiares compostos apenas de mae e filhos podendo a mae ser solteira separada de fato ou legalmente divorciada Como as mulheres ganham em me dia sahirios mais baixos que a media dos sahirios masculinos e muitas vezes os pais nao pagam pensao aos filhos a incidencia da pobreza dentre as familias chefiadas por mulheres e muito alta Nao se pode minimizar isto e diminuir 0 significado da do minaao masculina sobre a mulher nas classes altas Com frequen cia em processos de separaao legal de casais possuidores de bens o homem encontra varias formas de lesar a mulher no momento da 66 11l11tilha da divisao dos bens Procede a vendas ficticias a fim de IIMCll11der certos bens da partilha legal ou efetivamente vende deter 1I111luclos bens ocultando 0 dinheiro auferido atraves da renda To Iviu e preciso reconhecer a maior dificuldade de viver enfrentada pdu mulher pobre abandonada pelo marido Enquanto a burguesa Mltl1Cnte fica menos rica a mulher pobre pode estar exposta a fome 1I mesmo ocorrendo com seus filhos Assim embora haja muito em comum na vida de todas as mu Iheres hi diferencas de c1asse social que amenizam ou intensificam determinados sofrimentos De maneira muito simples talvez se pos U1n explicar estas diferenas afirmando que ser mulher rica de vcndo obediencia ao marido ainda e menos mau do que ser homem lias classes trabalhadoras Sem sombra de duvida e tambCm menos mau do que ser mulher pobre negra ou mulata Desta forma fica claro que 0 patriarcadoracismocapitalismo beneficia em primeiro lugar homem rico branco e adulto Em segundo plano na ordem dos beneficiados vern a mulher rica branca e adulta Esta segunda poshao e bastante diversa da pd meira uma vez que envolve a dependencia da mulher em relaao ao homem De qualquer forma a mulher burguesa sofre em situa ao de maior conforto que a mulher pobre Por conseguinte 0 machismo presente tanto na cabea dos ho mens quanto na das mulheres contribui enormemente para a pre serv 9 a ao do estado de eoisas vigente no Brasil pleno de injustias qualquer que seja 0 angulo do qual for examinado das relaoes homemmulher das rela6es entre as etnias das relac6es entre as classes sociais Estes tres sistemas de dominaaoexploraliao fundi ramose de tal maneira que sera impossivel transformar urn deles deixando intactos os demais Disto decorre 0 fato de que twas as atitudes machistas reforam a fusao do trio da dominaaoexplora ao Convem pois que se medite profundamente sobre esta questao se se tern interesse em transformar a sociedade brasileira na direCao da menor injustica Sera possivel levar avante esta luta atraves da tomada de consciencia dos prejuizos coletivos e individuais deste estado de coisas assim como por meio da desmistificacao da ideo logia liberal 67 4 CONTRADI6ES DA IDEOLOGIA LIBERAL Introduao A pedra fundamental da ideologia liberal consiste na igualdade de todos perante a lei Ta se observou que esta igualdade e mera mente formal pois na pratica alguns sao mais iguais que outros Mas efetivamente consta da lei esta igualdade entre todos Ora se todos sao iguais tanto 0 exito quanto 0 fracasso sao atribufdos as qualidades ou ausencia delas de cada individuo Ora todos sabem que ricos e pobres nao tem as mesmas opor tunidades 0 mesmo ocorrendo com brancos e negros homens e mulheres a homem branco e bemnascido pertencente a familia abastada entra no processo de compethao com enormes vantagens sendo portanto muito maiores suas possibilidades de exito As diferencas sociais e culturais atuam sobre 0 ser humane des de seu nascimento Quando 0 casal ou pelo menos 0 marido espera que 0 bebe por nascer seja um menino a decepcao e grande se 0 recemnascido for mulher Nao e preciso que se diga alguma coisa neste sentido para que a crianca ainda enquanto um bebe recem nascido perceba que nao preenche os desejos do pai e ou da mae Como a maioria das mulheres e constituida por machistas que acre ditam na sua inferioridade e na superioridade masculina muitas ges tantes desejam ter filhos do sexo masculino Acniscentese a isto 0 fato de que a ideologia prescreve que os homens devem comer bas tante e as mulheres pouco pois os primeiros devem ser fortes e as segundas frageis Este contexto ideologico induz as maes a ali mentarem seja atraves do aleitamento ao seio seja com outros ali mentos mais os bebes homens que os bebes mulheres Este fenomeno foi bem demonstrado atraves de pesquisa pela italiana Elena Gia nini Belotti estando seus resultados publicados no livro 0 descon dicionamento da mulher Petropolis Vozes 1975 Assim 0 proprio ato da alimentacao e socialmente condicionado propiciando a reali 68 zacao dos modelos prescritos pela ideologia dominante mulher fra gi homem forte Com efeito se as meninas recebem menos alimen los que os meninos nao podem tomarse tao fortes quanta estes Percebese facilmente que se trata de um circulo vicioso que e precise romper a fim de transformar a realidade social Tomese a questao do rendimento escolar no Brasil Apenas 62 da populacao haviam conquistado a escolaridade de primeiro grau ou seja oito anos em 1984 sendo de somente 46 a propor gao dos que conseguiram doze ou mais anos de escolarizacao as estudantes universitarios nao atingem atualmente no pais sequer 2 Deixando de lade 0 fato de que existem milh6es de criancas brasileiras fora da escola as que conseguem vagas nao se apresen tam nas mesmas condic6es A maioria e subnutrida Dentre estas muitas ja tiveram 0 cerebro comprometido pela falta de alimentos Esta carencia alimentar e frequentemente ao mesmo tempo quanti tativa e qualitativa A criana come as quantidades de alimentos que sua familia pode comprar E muitas vezes estas por6es sao insuficientes Por outro lado existem dietas alimentares baratas e caras Estas ultimas incluem carnes laticinios frutas As outras compreendem fundamentalmente alimentos ricos em carboidratos isto e substancias contidas em massas doces mandioca batata etc Ha milh6es de familias brasileiras que so se alimentam deste tipo de produto Logo 0 desenvolvimento organico e mental destas pessoas e muito inferior ao daquelas cuja dieta alimentar e rica em proteinas animais e vitaminas Numerosos cientistas ja demonstraram que a alimentacao du rante 0 primeiro ana de vida de uma pessoa e decisiva Se a ela faltarem os nutrientes adequados tanto seu organismo quanto sua inteligencia nao terao as mesmas probabilidades de desenvolvimento apresentadas pelas pessoas bem alimentadas A renda familiar por tanto determina a quantidade e a qualidade dos alimentos ofereci dos as crianas e por conseguinte suas condic6es basicas para apren der aquilo que lhes e ensinado na escola A qualidade da dieta alimentar entretanto nao depende ape nas da renda familiar Tambem esta e altamente influenciada pela publicidade Tomar sucos de frutas frescas e muito melhor para a saude Todavia a presenca no pais das multinacionais dos refrige rantes com toda a propaganda que fazem pela televisao e outros meios de comunicacao de massa leva as crianas e ate os adultos a preferirem tomar por exemplo cocacola a agucar 0 gas e os 69 preservativos qufmicos contidos nos refrigerantes so prejudicam a saiide Ao lade deste costume Hio difundido na sociedade brasileira assistese ao fen6meno de se deixarem apodrecer nas arvores milh6es de laranias quando 0 prego de mercado nao agrada aos produtores desta fruta Isto e decorrencia normal das chamadas economias de mercado Dentre milhares podese pinar urn outro exemplo A coa lhada feita em casa a16m de ser muito mais barata e melhor para a saiide uma vez que nao contem os conservantes qufmicos presentes nos iogurtes industrializados Tambem neste ramo da produao es Hio presentes as empresas multinacionais cobrando fortunas por pe quenos potes de iogurtes industrializados Por que se faz no Brasil hli algum tempo uma campanha em favor do aleitamento materno As multinacionais do leite em po especialmente a Nestle derramaram sua propaganda em todo 0 mun do levando as maes a acreditarem que seu leite e mais fraco que 0 leite em po Como a taxa de mortalidade infantil cresceu no pafs nos iiltimos anos e a maioria das fammas nao disp6e de renda su ficiente para comprar leite em po partiuse para ensinar as maes a retornarem ao velho habito de aleitarem seus filhos ao seio f preciso lembrar que muitos profissionais sobretudo da area da sad de nao comprometidos com as multinacionais do leite em p6 con tribuiram para desencadear a referida campanha Ainda que milh6es de maes que amamentam seus filhos nao sejam bern nutridas os beMs serao amplamente beneficiados pela restauraao deste antigo habito Obviamente uma criana bern alimentada apresenta melhor rendimento na escola do que aquela que come insuficientemente ou come alimentos inadequados Desta forma nao e dificil desmistifi car desmascarar a ideologia liberal Como pode uma pessoa ser res ponsavel pelo seu fracasso pelo seu insucesso na escola e na pro fissao por sua baixa capacidade de competir se a ela a sociedade injustamente negou as condigoes basicas para se obter exito Sao culpados os trombadinhas que nao reeeberam afeto comida eseola Sao culpados a mae e 0 pai destas crianas por nao terem conseguido bons empregos salarios decentes aeesso aos metodos anticoncepcio nais E eulpado 0 pai ou mae de familia que furta comida para ali mentar os filhos E culpado 0 adolescente que furta uma motod cleta por nao poder comprar uma se a moda e andar de moto Estas sao algumas das perguntas que os adeptos da pena de morte se devem formular A sociedade brasileira na tentativa de validar a ideologia liberal situa 0 exito economico como urn obje livo passIvel de obtenao por qualquer pessoa Basta ter fora de vontade coragem para trabalharafirma a ideologia liberal Como pode um ser humano subnutrido ter a mesma garra para veneer na vida que tern 0 bemnascido bem alimentado vivendo em easa eon forUlvel e reeebendo todas as vacinas destinaclas a proteger as erian Gas de moIestias fatais Pobres e ricos partem pois de condi6es muito diversas em sua luta pela vida Muitas diferengas de tratamento podem ser verifi cadas entre homens e mulheres E sao estas diferenas que produzem o homem e a mulher que aqui se conhecem Ha campos profissio nais por exemplo destinados exclusivamente au quase aOs homens A mulher pode estudar Engenharia Civil como pode estudar Geo logia Mas quando chega 0 momento de procurar emprego enfren tara seguramente a discriminagao Nao fica bem para uma mu lher freqiientar uma obra e Udar com pe6es da construao civil dizse Tampouco e reconhecida como pr6pria para uma mulher a profissao de geologa Convem lembrar que as discrimina6es contra a mulher nao sao praticadas apenas pelas empresas privadas A Petrobras realizou con cursos para admissao de funcionarios tendo como candidatos ge6lo gos formados pela Universidade de Brasilia Homens e mulheres que se submeteram as provas de seleao haviam recebido exatamente a mesma formaao na mesma Universidade Todavia aos candidatos permitiuse que concorressem as vagas para 0 desempenho da funyao de ge610go s6 se permitindo as candidatas que se inscrevessem para as provas que conduziam ao emprego de paleont610ga Paleont610gas estudam os solos os f6sseis neles contidos a natureza das formaoes rochosas etc mas nao fazem perfuraoes buscando eneontrar petrO leo Enquanto ao geologo e permitido ganhar altos salarios com pros pecao do solo visando a detecao de petr6leo as paleont6logas devemse contentar em analisar amostras de rochas em laborat6rio em ser funcionarias de museus de antropologia em trabalhar dentro de quatro paredes Ir a campo lidar com peoes mandar em homens constituem atividades vedadas inteiramente ou quase as ge6logas A tItulo de ilustraao mencionemse alguns exemplos de dis criminalao praticada pelo Estado A Prefeitura de Salvador na Bahia submetia as garis a testes mensais de detwao de gravidez 70 71 A Prefeitura de Sao Paulo recusouse a contratar professoras gravidas Isto e muito mais acontece ao arrepio da lei cuja intenao e proteger a maternidade Parece pois oportuno discorrer ainda que brevemente sobre esta questao As leis e sua naoimplementaao o Brasil e conhecido como nao cumpridor de leis De fato a naao tern milhares de leis que sao sistematicamente descumpridas nao implementadas Dizse vulgarmente que aqui ha leis que pe gam e leis que nao pegam Mas por que ha leis que nao pegam se ao Estado em seus varios niveis municipal estadual e federal cabe zelar pelo cumprimento rigoroso da legislaao As leis nao existem segundo a ideologia liberal para garantir os direitos dos cidadaos Na medida em que ha leis que nao pegam que nao sao observadas garantese na verdade 0 direito de uns em detrimento em prejuizo do direito de outros Para os propositos deste livro cabe selecionar alguns exemplos de leis que nao implementadas deixam correr soltas as discrimina oes contra naobrancos e mulheres Nao obstante 0 artigo 153 da Constituiao brasileira proibindo a discriminaao com base na raa e penalizandoa criminalmente e a Lei Afonso Arinos expressamente fonnulada para impedir a margina lizaao do negro este elemento sofre toda sorte de injustias neste pais Se dois candidatos a urn emprego urn branco e urn negro apresentarem a mesma qualificaao as probabilidades de 0 elemento branco ser selecionado sao muito maiores do que as do negro Esta regra que vigora para quase todos os empregos e mais fortemente observada nos empregos mais prestigiosos mais bern pagos e so bretudo naqueles que exigem boa apresentaao Quando anun cios de empregos trazem esta exigencia sao vas as tentativas de negros de obterem tais postos Por tras da boa apresentaao es condese a discriminaao contra as pessoas negras e a fonnula ado tada impede a criminalizaao penal do anunciante ja que nao ex plicita 0 preconceito racial Basta contudo ter ouvidos para conhe cer 0 gigantesco numero de negros e negras que tendo tido seus curriculos aprovados pela empresa na qual pleitearam emprego fo ram descartados apos a entrevista Se por urn lado nao se exige a menao da cor do candidato a emprego no curriculo por outro esta se revela na entrevista 0 que permite eliminar negros 72 No que tange especificamente a mulher as negras sao geral mente preteridas em favor de brancas nos cargos que exigem trata mento com 0 publico Ate mesmo no emprego domestico remunerado Hetor em que as negras predominam encontramse brutais discrimi naoes Para a verificaao deste fenomeno basta ler as fichas das patroas que buscam empregadas domesticas Muitas delas especifi cam que so aceitarao empregadas brancas No caso de babas este Ienomeno e ainda mais agudo Nao custa ao leitor se perguntar quantas negras ja viu atuando como executivas de empresas como aeromoas como recepcionistas em bancos como secretarias de alto nivel como enfermeiras de alto padrao Mais rara ainda e a presena de negras nos campos profis sionais considerados essencialmente masculinos como a Agronomia a Geologia a Engenharia etc Tambem dentro de urn mesmo setor profissional ha uma especializaao sexual agravada pela cor ne gra Por exemplo se e verdade que as mulheres penetraram bastante no terreno da Medicina nos ultimos anos nao e menos verdadeiro que em geral sao ginecologistas e obstetras pediatras enfim es pecializamse em lidar com mulheres e crianas Raramente se veem mulheres em outras especialidades medicas No setor de cirurgia a presena feminina e infima E menor ainda quando se trata por exemplo de neurocirurgia Observase no setor de Neurologia que ha medicas cuja funao reside em fazer 0 prediagnostico Caso 0 paciente precise de cirurgia e encaminhado ao neurocirurgiao quase infalivelmente urn homem Se a penetraao nestes setores e extre mamente dificil para as mulheres em geral esta dificuldade aumenta consideravelmente quando se trata de mulheres negras Milhares de fenomenos deste tipo poderiam ser mencionados com 0 proposito de demonstrar que 0 acesso de negros e de mulheres a certos setores profissionais nao e 0 mesmo do homem branco apesar da legislaao que proibe a discriminaao na base da raa e do sexo Sera oportuno agora examinar 0 preo pago pelas mulheres pela possibilidade biologica e pelo direito de ter filhos Racional mente falando a sociedade inteira deveria pagar os custos da repro duao humana entendendose por isto nao apenas a reproduao biD logica mas tambem a reproduao social isto e a socializaao das geraoes imaturas A sociedade e a maior interessada nesta repro duao pois de1a depende sua propria sobrevivencia Se os casais deixarem de ter filhos as sociedades desaparecerao com a morte de seus membros adultos 73 A proteao a maternidade faz parte da ideologia liberal Tanto assim e que a CLT oferece esta proteao abstrata a gestante Vale a pena transcrever alguns artigos que teoricamente garantem os di reitos das gestantes Art 391 Nao constitui justo motivo para a rescisao do contrato de trabalho da mUlher 0 fato de haver contrafdo ma trimonio ou de encontrarse em estado de gravidez Paragrafo unieo Nao serao permitidas em regulamentos de qualquer natureza convencoes coletivas ou contratos indivi duais de trabalho restricoes ao direito da mulher ao seu em prego por motivo de casamento ou de gravidez Art 392 E proibido 0 trabalho da mulher gravida no perfodo de 4 quatro semanas antes e 8 oito semanas depois do parto Art 393 Durante 0 perfodo a que se refere 0 artigo 392 a mUlher tera direito ao salario integral e quando variavel calculado de acordo com a media dos 6 seis ultimos meses de trabalho bem como os direitos e vantagens adquiridos sen doIhe ainda facultado reverter a funcao que anteriormente ocupava a estudo do Direito Comparado mostra que a legislaao brasi leira e bastante avanada Nos Estados Unidos por exemplo nao existe licenamaternidade na maioria dos Estados que la tern auto nomia para legislar sobre este assunto No Brasil 0 trabalho assa lariado e regulamentado pelo governo da Uniao federal nao po dendo os Estados intervir nesta legislaao nem tampouco fiscalizar Sua implementaao seu cumprimento Como se costuma dizer contudo na pratica a teoria e outra Pesquisa reaIizada por entidades sindicais na regiao do ABC onde se concentra maciamente a industria paulista revelou que mais de 90 das empresas nao cumprem os artigos da CLT anteriormente transcritos A mulher e sistematicamente despedida quando se casa ou quando engravida Poucas empresas deixam de dar preferencia as solteiras e sem fiIhos Tendem a cumprir a legislaao as indus trias que nao podem substituir facilmente a operaria demitida A industria de confec6es para efeito de analise deste fenorne no pode ser dividida em dois segmentos Urn deles e 0 de confec 6es em serie que abrange desde a roupa chamada de carregaao ate as confeccionadas em tecidos mais finos Esta industria caracte rizase pela presena macia de tecnologia avanada que permite lim alto grau de automaao a tecido e cortado por maquinas pro prias e para a confecao varios outros tipos sao utilizados Para traba Ihar costurando roupas neste tipo de industria a mulher nao precisa er costureira pois ha uma grande divisao do trabalho Ha operarias que so pregam bolsos ha outras que so costuram 0 colarinho da ca misa ha outras que so pregam bot6es Estas operarias nao sabem cos urar uma pea de roupa inteira e muito menos cortar 0 tecido Muitas costureiras que a domiciIio costuravam sob medida para suas freguesas desaprenderam este oficio depois de algum tempo traba Ihando para a industria de confec6es Isto e sua fora de trabalho sofreu 0 chamado processo de desqualificaao tipico do capitalismo cujo emprego de tecnologia moderna exige grande divisao do traba Iho Saber pregar bolsos nao e saber costurar Assim miIhares de costureiras que sabiam costurar foram transformadas em costureiras que nao sabem costurar DesquaIificaramse para 0 trabalho que no passado garantiu seu sustento Quando a industria atraves do usa intensivo de tecnologia di vide 0 trabalho em pequenas tarefas pode contratar qualquer pes soa para 0 desempenho destas funoes uma vez que bastam algumas horas para ensinaIas a executar 0 trabalho Desta forma a tenden cia deste tipo de industria e conservar na fabrica apenas mulheres solteiras e sem filhos pois e muito faciI encontraIas no mercado de trabalho As casadas este tipo de industria fornece trabalho a ser realizado na residencia da trabalhadora sem nenhum onus trabalhis ta para a empresa Ha entretanto outro genero de industria de confec6es Trata se de empresas que se especializaram no modelo exclusivo de alto custo Para a realizaao deste tipo de loupa sao necessarias costurei ras capazes de montar a pea inteira e realizar 0 trabalho de agulha exigido pela alta costura Esta maodeobra nao se substitui facilmen te por duas raz6es Uma delas diz respeito ao processo ja mencio nado de desqualificaao da fora de trabalho promovido pela auto maao da produao industrial A outra vinculase as mudanas ocorri das no processo de socializaao das mulheres E raro atualmente que as famiIias ensinem as filhas a costu rar au se trata de famiIias muito pobres cujas filhas se destinam ao trabalho agricola ou ao emprego domestico ou as famiIias pro curam dar 0 maximo de escolaridade as filhas a fim de preparaIas para 0 desempenho de uma ocupaao moderna Ha portanto uma pronunciada tendencia em nao se ensinar 0 oficio de costureira as 75 74 filhas Ao longo do tempo esta tendencia produziu uma escassez de profissionais deste ramo Assim como as industrias de alta costura teriam dificuldade para substituir as costureiras que se casam ou en gravidam tendem a adotar uma polftica social de preservaao de suas openirias Foradas pela escassez de maodeobra qualificada no mer cado estas industrias tendem a cumprir a legislaao de proteao a matemidade Fica pois claro que 0 cumprimento da legislaao em exame depende das condi6es do mercado de maodeobra Na grande maioria dos casos as empresas tampouco cumprem os dispositivos legais no que tange a guarda dos fiIhos de suas em pregadas 0 artigo 389 da CLY prescreve em seu 10 as estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 trinta mulheres com mais de 16 dezesseis anos de idade terao local apropriado onde seja permitido as emplegadas guar dar sob vigWincia e assistencia os seus fiIhos no perfodo de amamenta9ao Segundo 0 disposto no 2 do mesmo artigo A exigencia do 10 podera ser suprida por meio de creches distritais mantidas diretamente ou mediante convenios com outras entidades publicas ou privadas pelas proprias em presas em regime comunitario ou a cargo do SESI do SESe da LBA ou de entidades sindicais Estes dispositivos legais merecem crfticas Em primeiro lugar nao se define com precisao 0 lapso de tempo em que tais creches seriam obrigadas a receber os fiIhos das empregadas Periodo de amamentacao constitui uma expressao vaga pois ha maes que nao amamentam outras que amamentam durante urn ou dois meses ou tras ainda que amamentam durante urn ana ou mais Em segundo lu gar a possibiIidade de as empresas manterem creches conveniadas da margem a chamada creche fantasma Ou seja a creche existe mas esta situada a 10 km da empresa e a outros 10 km do local de residencia da empregada tomando impossfvel seu uso Outras crfti cas deste genero poderiam ser feitas a estes dispositivos legais Para os propositos deste Iivro contudo interessa rnais discutir a justica de uma legislacao protetora da maternidade que reforca o velho habito de atribuir a mulher a responsabiIidade pela guarda e sociaIizacao dos fiIhos Se a sociedade inteira tern interesse em sua pr6pria reproduao nada mais justo que pensar em uma legislaao que obrigue as empresas a oferecer creches aos filhos de seus empre gados independentemente de serem eles homens ou mulheres Seria urn born comeco para se instaurar na sociedade brasileira a pater nidade responsavel entendendose por patemidade irresponsavel aque la que nao e assumida pelo homem Nesta mesma Iinha de raciocfnio que e 0 da partilha da vida por homens e mulheres que decidem constituir familia caberia rei vindicar Iicencapaternidade Se no caso do pai nao ha raz6es de ordem biologica para embasar esta reivindicacao ha e muitas ra z6es de carater social Se 0 recemnascido chora a noite toda im pedindo seu pai de dormir a fim de restaurar suas foras nao e justo exigir que este homem trabalhe no dia seguinte Esta questao nao deve contudo ser encarada apenas do angulo dos deveres porquanto e tambem muito importante enxergaIa da perspectiva dos direitos Por que privar 0 pai de urn convfvio estreito com 0 recemnas cido se isto pode proporcionar ao homem muito prazer atem de ser benefico para 0 bebe Por que nao reconhecer ao pai 0 direito de participar do desenvolvimento de seu fiIho A figura paterna e do ponto de vista social tao importante quanta a materna Com freqiien cia podemse observar criancas e adolescentes com problemas de personalidade em razao da omissao paterna Homens mais sensfveis perceberam 0 quaD castradora e a ideologia machista e ja estao rei vindicando direitos so concedidos as mulheres Por exemplo ja ha homens que quando se separam legalmente reivindicam a guarda dos fiIhos Os docentes da PUC de Sao Paulo obtiveram 0 di reito a licencapaternidade de uma semana Embora seja ainda muito pouco nao deixa de ser uma grande conquista se medida pelo seu significado social em termos de capacidade de minar a ideologia machista Urge portanto provocar mudancas na legislacao em pauta Ate que isto venha a ocorrer entretanto e preciso exigir 0 cumprimento das leis em vigor A implementaciio destas leis cabe ao govemo fe deral Ora que autoridade moral tern urn governo para exigir das empresas privadas 0 cumprimento de leis que ele proprio desrespei ta Quantas sao as repartic6es publicas e as empresas estatais que mantem creches para os fiIhos de suas empregadas A nfvel estaduaI a realidade nao e menos sombria 0 mesmo podendo afirmarse 77 76 com relaao ao plano municipal Assim nao e dificil concluir que estas leis fazem parte daquele conjunto de leis que nao pegaram simplesmente porque contrariam frontalmente interesses das classes dominantes E estas sabem atuar quer atraves de seus representan tes diretos quer atraves do Estado em favor de seus interesses Deve 0 direito ser igual para todos Se todos os membros da sociedade tivessem as mesmas oportu nidades partissem das mesmas condioes no processo de luta pela vida as leis deveriam ser iguais para todos No Brasil onde 60 da populalao apresenta carencias alimentares e evidente que as pessoas nao sao iguais Seria pois injusto distribuir as familias abastadas os alimentos que de vez em quando sao oferecidos pelo Estado as po pulaloes famintas Tambem seria injusto que 0 Estado fornecesse merenda escolar as escolas destinadasa crianlas pertencentes as clas ses dominantes Sabendose que ha preconceito racial no pais que 0 negro e mar ginalizado de ocupaoes rendosas e prestigiosas que e objeto de ga lhofas de brincadeiras que 0 diminuem que 0 fazem cair no ridiculo seria correto deixar de elaborar uma legislacao que pune criminal mente tais discriminaoes Embora estas leis sejam amplamente des respeitadas sua mera existencia ja provoca uma reducao dos abusos dos brancos contra os negros A legislalao paira como uma ameala contra brancos que discriminam negros pois estes podem a ela re correr a fim de defender seus direitos de cidadaos Podese portan to afirmar que a situaao de marginalizaao do negro seria ainda pior se nao houvesse uma legislaao especffica proibindo praticas discriminatorias contra ele Como na pratica brancos e negros nao sao iguais fazse necessaria uma legislacao que proteja os socialmen te mais fracos funcionando pelo menos como ameaa aos social mente mais fortes Processo semelhante ocorre com as mulheres Socialmente fragi lizadas pelas brutais discriminacoes praticadas contra elas necessi tam ser protegidas por uma legislaao particular que garanta por exemplo seu direito ao trabalho Ta foi visto 0 alto grau de inobser vancia de descumprimento da legislaao protetora do trabalho femi nino e da maternidade Tambem foi ressaltada a necessidade de se lutar pela implementacao destas leis e ate mesmo de uma luta espe dfica para melhoraIas Mas perguntase deveriam as leis ser iguais para homens e mulheres quando se sabe que estas ultimas sofrem LIS mais vexatorias discriminaoes Parece clara a necessidade de um Direito desigual no tratamen to de seres humanos socialmente desiguais com 0 objetivo de elimi nar ou pelo menos reduzir as desigualdades Se as mulheres ja se defrontam com grandes dificuldades de reter seus empregos quando se casam ou engravidam qual seria sua situacao caso as leis nao proi bissem sua demissao em razao do casamento e da gravidez Segura mente a condiao da mulher seria pior Nas circunstancias vigentes no Brasil pelo menos as funciomirias publicas e uma pequena par cela das trabalhadQras de empresas privadas gozam efetivamente do direito a licencamaternidade Isto sem duvida e melhor que nada Todavia 0 fato de este direito ser desfrutado apenas por uma par cela das trabalhadoras brasileiras constitui motivo suficiente para jus tificar lutas visando ao cumprimento integral da legislacao protetora do trabalho feminino e da maternidade Outras lutas Gomo a que visa a igualdade da mulher na familia sao da maior importancia merecendo 0 respeito e a contribuicao de todos Pelo menos os mem bros das classes trabalhadoras e das classes medias deveriam enten der a relevancia de sua participacao pois como se demonstrou sao estas as classes altamente prejudicadas pela discriminaao contra a mulher Tomese por exemplo a questao da vioHncia masculina contra a mulher Dada sua formaao de macho 0 homem julgase no direito de espancar sua mulher Esta educada que foi para submeterseaolF desejos masculinos toma este destino como natural A criaao das Delegacias de Polfcia de Defesa da Mulher resultou desta ideia de que pessoas consideradas desiguais pela sociedade nao devem ser tra tadas pelas mesmas leis As delegacias especializadasno atendimento de mulheres vitimas de violencia criaram condioes para que estas vitimas denunciem seus algozes Diferentemente de uma delegacia de polfcia tradicional as delegacias especializadas nao admitem funcio Ollrios homens Todas desde as investigadoras passando pelas escri vas ate a delegada titular sao mulheres So este fato jii promove se rias mudancas que estimulam as vitimas de violencia a denunciar os que de uma maneira ou outra lhes infligem sofrimentos fisicos Numa delegacia especializada onde so trabalham mulheres 0 am biente e de solidariedade para com as vitimas ao contriirio do que 79 78 ocorre nas delegacias comuns Nestas asvitimas ja grandemente Ira gilizadas pela violencia sofrida sao objeto de chacotas com base na crena de que mulher gosta de apanhar ou mulher que apanha agiu incorretamente a dito popular em briga de marido e mulher nao se mete a colher mostra eloqiientemente a atitude machista de nao tocar na sagrada supremacia do macho Nao obstante as leis que preveem penas para os agressores os policiais investigadores delegados omitemse nestes casos Nao cum prindo 0 que esta estabelecido pelas leis a policia tornase cumplice do agressor masculino Este nao meter a colher em briga de marido e mulher cria condi6es para homicidios Conhecemse centenas de casos de mulheres que estando sendo ameaadas de morte pelo com panheiro solicitaram proteao a policia Como esta nao deu a me nor importancia a solicitaao destas mulheres elas acabaram sendo assassinadas pelos companheiros as tribunais lamentavelmente nao se comportam de forma diferente Mulheres vitimas de violencia sao freqiientemente transformadas em res inclusive depois de mortas a tratamento que as mulheres recebem nas delegacias tradicio nais e ainda pior quando se trata de casos de estupro a poder do macho leva os policiais os investigadores os delegados a se atribui rem 0 direito de propor manter rela6es sexuais com a mulher vio lentada pois esta e considerada uma mulher disponivel uma mulher para uso e abuso de todos A crena que esta por tras desta conduta e a de que a mulher nao e propriamente violentada mas de que ela se comporta como sedutora Na medida em que na cabea dos ho mens em geral e especificamente dos agentes da lei policiais jui zes promotores a mulher e diab6lica seduzindo 0 homem ino cente ela e imediatamente convertida de vitima em reo E e nesta ul tima condiao que normalmente e posta recebendo 0 tratamento cor respondente Sabese que a violencia masculina contra a mulher no Brasil e extremamente alta Todavia nao se conhecem as cifras corresponden tes a este fenomeno pois ele e amplamente escondido nao denun ciado Com a criaao das delegacias especializadas comease a ter ideia da situaao alarmante em que vivem as mulheres brasileiras Milhares delas sao espancadas pelos companheiros em todas as clas ses sociais Ja que nao ha condi6es para a mulher denunciar seus agresso res nas delegacias tradicionais nao se justifica a criaao de delega 80 cias especializadas Tratase de urn Direito desigual para lidar me nos injustamente com seres humanos profundamente desiguais em termos do gozo efetivo dos direitos que cada urn e todos tern garan tidos em tese pela lei Dadas as dificuldades que as mulheres encontram de penetrar na politica de se elegerem para cargos legislativos e executivos al guns paises estabeleceram 0 sistema de cotas Reservase por exem plo urn certo numero de cadeiras do Parlamento para mulheres As candidatas mais bern votadas preenchem estas cadeiras embora haja candidatos com urn mimero muito superior de votos Esta questao foi amplamente discutida por feministas brasileiras Optouse pela hao reivindicagao do estabelecimento do sistema de cotas uma vez que nao se trata meramente de substituir homens por mulheres nos pos tos legislativos e executivos Ao contrario 0 sexo do politico nao in teressa a que importa sao as bandeiras que ele ou ela defende du rante a vigencia de seu mandato Ha na6es contudo como e 0 caso do Egito em que tal sistema parece se fazia necessario Em paises mugulmanos a subordinaao da mulher ao homem aMm de ser pro funda e legitimada pela religiao Haja vista 0 que ocorreu no Ira Com a deposiao do xa Reza Pahlevi cujo governo nao merece nenhuma defesa houve uma reto mada feroz das tradi6es religiosas voltando as mulheres a usar 0 veu Embora fosse altamente discutivel a modernizaao em processo sob 0 regime do Xa uma vez que era sinonimo de ocidentalizaao houve com a instauraao do regime do aiatola Khomeini urn retro cesso no incipiente processo de reduao do poder masculino sobre a mulher Rigorosamente 0 estabelecimento de privilegios para minorias discriminadas as mulheres nao constituem minoria mas sao tratadas enquanto tal visa a instauraao da igualdade a sistema de cotas no campo politico objetiva a recuperaao do atraso em que se encontram as mulheres Toda e qualquer legislaao que oferece proteao a dis criminados tern por finalidade exatamente pelo menos reduzir as diferenas sociais As medidas de combate as discrimina6es raciais e sexuais pos siveis nas sociedades capitalistas nao eliminam tais injustias Mas sem dtivida contribuem para tornar menos rna a situaao das mino rias marginalizadas A longo prazo portanto semelhantes medidas vao introduzindo cunhas no patriarcadoracismocapitalismo Em outras 81 palavras as conquistas burguesas permitidas pela ideologia liberal preparam 0 caminho para lutas mais radicais visando ao estabeleci mento da igualdade de fato entre homens e mulheres e entre dife rentes etnias Ia que colocam as minorias em melhores condicoes de lutar pela igualdade social as referidas medidas sao importantes me recendo todo respeito Todavia e dificil elaborar leis protetoras de minorias porque e dificil estabelecer 0 grau adequado de protecionismo Esta questao merece urn exame ainda que ligeiro ja que sobre ela recai muita controversia Dosagem da proteao legal Todas as leis protecionistas sao simultaneamente leis discrimi natorias Quando urn trabalhador seja urn negro seja uma mulher recebe protecao legal a lei que 0 protege representa uma ameaca para seu empregador Urn exemplo esclarecera esta problematica De acordo com a lei as funcionarias publicas tern direito a quatro meses de li cencamaternidade sendo de 84 dias a duracao desta licenca para as trabalhadoras contratadas pela CLT tanto em empresas publicas quan to em empresas privadas Ainda que esta legislaCao seja grandemente descumprida a ameaca de sua implementacao paira sobre a cabeca do empresario Desta forma 0 empregador prefere empregar homens quando tern a possibilidade de escolher Muitas mulheres defendem a ampliacao da licencamaternidade sem perceberem que este seria urn caminho rapido e eficiente para aumentar as discriminacoes que contra elas se praticam Esta reivin dicacao esteve presente no ultimo congresso da Contag Confederacao Nacional dos Trabalhadores Agricolas realizado em 1985 Ora as trabalhadoras rurais nem sequer sao registradas trabalhando clandes tinamente e portanto nao usufruindo dos poucos beneficios que lhes sao assegurados por lei Nao seria rnais logico lutar pela implemen tacao da legislacao em vigor discutindo e amadurecendo novas rei vindicacoes Nao tern prioridade a mudanca da legislacao no senti do de conceder aposentadoria a trabalhadora rural casada Se as trabalhadoras ja sao altamente discriminadas desfrutando de urn direito legal que lhes concede doze semanas ou quatro meses de licencamaternidade que lhes sucederia se a duracao de tal licen ca fosse ampliada Evidentemente as possibilidades de obter e con servar 0 emprego seriam altamente diminuidas para as mulheres Mes mo em alguns paises socialistas onde as discriminacoes contra as mulheres tendem a ser de menor vulto a ampliacao da licencama ternidade nao tern beneficiado a maodeobra feminina Tomese por exemplo a Hungria Neste pais a trabalhadora tern direito a tres anos de licena quando do nascimento de urn filho Ainda que nem todo este periodo seja remunerado assegurase amu lher 0 direito de retornar ao posto anteriormente ocupado Para efei to de raciocinio imaginese uma mulher que em quatro anos teve tres filhos urn em 1980 0 segundo em 1982 e 0 terceiro em 1984 Esta trabalhadora podera permanecer em casa em licencamaternida de de 1980 a 1987 portanto oito anos Neste exemplo hipotetico o periodo e apenas de oito anos porque 0 intervalo entre os filhos e de dois anos Se este intervalo fosse maior 0 periodo de licenca tambem 0 seria Voltanto ao exemplo imaginado a mulher que per maneceu no lar durante oito anos resolvendo retornar a vida econo micamente ativa apos este longo periodo tera perdido sua qualifica cao Por urn lado ela tersea esquecido ou pelo menos perdido a pratica de como realizar suas funcoes profissionais Por outro lado os avancos da tecnologia terao provocado mu dancas no processo de trabalho que nao foram acompanhadas por esta mulher recolhida ao lar E normal que isto ocorra em qualquer campo profissional dada a velocidade das mudancas de carMer tec nico Se e menos dificil reaprender a realizacao de uma tarefa ou aprender uma nova para uma operaria 0 mesmo nao se pode dizer de uma profissional cujos conhecimentos devem ser permanentemen te atualizados Que aconteceria a uma medica a uma professora a uma arquiteta que retornassem ao trabalho depois de oito anos cui dando apenas da casa e dos filhos E claro que os conhecimentos destas profissionais estariam inteiramente desatualizados nao deten do elas 0 dominio das novas tecnicas surgidas no periodo em que es tiveram em recesso Assim nao e dificil entender que a protecao a maternidade deve restringirse ao minimo indispensavel para permitir a mae se recom por do parto e dispensar cuidados ao recemnascido Em lugar de se reivindicar extensao da licenamaternidade 0 que contribuiria am plamente para intensificar a discriminacao contra a mulher dever seia imprimir mais fora as lutas por equipamentos de consumo co letivo tais como creches preescolas escolas em tempo integral no 83 82 ensino de primeiro grau restaurantes a preos modicos Iavanderias populares etc Alem de nao se exagerar na dose de protecao a maternidade e ao trahalho feminino e preciso voltar a enfatizar a necessidade da partilha As criancas nao sao apenas filhas da mae mas tambem fi lhas do paL Ao assumir a paternidade dos filhos 0 homem estara partilhando a vida com a mulher E isto nao constitui apenas urn dever e sobretudo urn direito 0 homem deve refletir sobre esta dimensao da vida que nao inclui apenas 0 trabalho de alimentar as criancas banhaIas trocarIhes as fraldas Inc1ui tambern atividades extremamente prazerosas como conviver com a crianca observar seu desenvolvimento e para ele contribuir apreender a perspectiva dos filhos suas ansiedades suas carencias suas angustias E isto e muito importante para que 0 adulto possa repensar sua pr6pria vida tra balhar seus grilos desreprimir seus afetos Assim este convlvio entre pai e filhos nao e benefico apenas para as criancas mas tam bern pata 0 homem Nesta medida tratase mais de urn direito do que de urn dever quando se fala em participacao na criaao dos filhos Muitos homens ja estao revelando suficiente sensibilidade para reivindicarem menos trabalho e mais tempo livre a ser destinado ao convlvio com os fi lhos Que imagem paterna pode construir uma crianca cujo pai sai para 0 trabalho enquanto eia ainda dorme e retorna ao lar depois que ela ja foi posta para dormir Obviamente a imagem sera a de urn ausente Logo esta imagem tera uma conotacao negativa daquilo que nao e daquilo que nunca esta presente E evidente que a ideologia machista endeusara este pai que como provedor das necessidades da familia gasta dez ou mais horas por dia com a atividadetrabalho Algum dia os homens pararam para refletir sobre a amputaao que isto representa em suas vidas Quem se beneficia com este estado de coisas Seguramente nao serao os trabalhadores obrigados a gastar todas as suas foreas e todo seu tem po para ganharem seu sustento e 0 de suas famllias Tampouco serao beneficiados as filhos destes trabalhadores a quem faz falta a figura paterna a figura masculina Tampouco ainda serao beneficiadas as maes que carregam sozinhas a responsabilidade pela criacao e du cacao dos filhos Assim mais uma vez nao e diHcil reconhecer que os beneficiados par tal sistema sao os economica e politicamente poderosos 84 A penetracao da ideologia das classes dominantes nas cabecas dos membros das classes dominadas permite que 0 processo de do mesticacao da maodeobra se desenvolva no seio da propria familia pois enquanto a menina tender a repetir 0 papel da mae 0 menino tomara 0 pai como modelo Desta forma perpetuase 0 sistema de poder que privilegia 0 homem branco e adulto em prejulzo das mu lheres dos naobrancos e das criancas e adolescentes Nunca e de mais afirmar 0 poder e branco masculino e adulto Em outras pa lavrassubordinamse ao macho branco e adulto mulheres negros e naoadultos Nao se pode esquecer porem que se todo macho bran co e adulto detem alguma parceia de poder em reIacao as muIheres aos naobrancos e as criancas a maioria dos homens brancos e adul tos sofre a dominaao de outros machos brancos e adultos cujo po der deriva de sua pertinencia as classes dominantes Observase quao complicada e a situacao uma vez que os tres sistemas de dominacaoexploraao anteriormente separados para efei to de anaIise nao correm paraielamente mas atuam conjuntamente formando urn s6 sistema de poder ainda que com uma I6gica contra dit6ria 0 bom entendimento dos mecanismos de atuacao do patriar cadoracismocapitalismo determina a direcao para a qual se condu zem as lutas sociais E de urn adequado encaminhamento das Iutas depende 0 grau de seu sucesso assim como a velocidade de suas conquistas 85 5 UMA ESTRATEGIA DE LUTA IntrodUf8o Nao existe uma unica maneira de lutar contra as discriminaoes raciais e sexuais Diferentes grupos de negros e de mulheres com consciencia das discriminaoes sofridas enfrentam de formas diver sas este sistema de dominaaoexploraao Este fenomeno e normal se pensado como decorrencia das diferentes posioes ocupadas por cada urn na estrutura de poder da filiaao das pessoas a distintos partidos politicos das desigualdades entre as escalas de valores dos militantes Para tomar 0 caso dos negros brasileiros certas aoes conside radas como formas adequadas de luta por seus praticantes sao qua lificadas como de subserviencia de aceitaao da sujeiao aos bran cos ou para usar uma expressao ja consagrada de branqueamento o branqueamento significa a adesao de negros a ideologia dos brancos 0 que facilita aos negros ocupar certas posioes na estru tura de poder construida pelos brancos Em outros termos negro po deroso e branco Portanto 0 processo de branqueamento tern na tureza social Isto e embora 0 poder exercido por determinados ne gros nao lhes altere a cor da pele propiciaIhes urn tratamento igual ou semelhante aquele dispensado aos brancos Como a categoria social negros nao e homogenea pois inclui ri cos remediados pobres miseraveis assim como homens e mulheres para nao mencionar as diferentes tonalidades de pele nao sao tam pouco homogeneas as estrategias de luta o mesmo fenomeno da heterogeneidade encontrase no seio da categoria social mulheres Em todas as classes sociais ha mulheres Logo aquilo que interessa a mulheres de uma classe social pode nao interessar a mulheres de outra classe social Alem disso as mulheres diferenciamse tambern quanta a etnia No Brasil cabe ressaltar as diferenas de tratamento dispensado a brancas e a naobrancas Assim o que constitui prioridade numero urn para urn grupo de mulheres brancas pode receber 0 numero dez na ordem de prioridade de urn grupo de mulheres negras e viceversa E importante frisar a heterogeneidade das categorias SOCIalS que recebem tratamento de minoria como negros mulheres As pr6prias classes dominantes incentivam a manutenao desta heterogeneidade Mais ainda estimulam 0 surgimento de maior grau de diferenciaao interna destas categorias sociais Graas a esta heterogeneidade as classes dominantes podem facilmente dividir movimentos reivindi cat6rios destas categorias sociais de modo a enfraqueceIos Cabe salientar a impossibilidade de urn movimento contra as discriminaoes raciais capaz de congregar todos os negros Haveni sempre urn contingente que julga mais interessante 0 caminho do branqueamento Da mesma forma seria impossivel obter a adesao de todas as mulheres a uma luta contra as discriminaoes sexuais Existira sempre urn certo numero de mulheres que embora domina das por homens sentirseao recompensadas atraves de seus priviIe gios de classe Ademais ha que se ressaltarem dentre as que estao dispostas a combater a inferioridade social da mulher as diferenas de 6ticas de pontos de vista de perspectivas Assim nao se pode esperar que todas as mulheres se congreguem em torno das mesmas bandeiras lsto nao significa que nao haja bandeiras capazes de ir manar isto e tornar irmas tornar mais iguais urn grande numero de mulheres 0 Movimento de Luta por Creches na cidade de Sao Paulo conseguiu congregar milhares de mulheres nao apenas aque las que tinham filhos em idade preescolar e portanto potenciais usuarias deste equipamento de uso coletivo como aquelas que po dendo pagar empregadas ou preescolas para os filhos compreende ram as enormes dificuldades das menos privilegiadas Se urn grande numero de mulheres pode ser reunido em torno de uma reivindicaao reconhecidamente justa este fenomeno e mui to mais diffcil quando se trata de provocar mudanas profundas na estrutura de poder da sociedade visando a alteraoes tambem profun das na condiao feminina Neste caso muitas mulheres esbarram com os interesses da classe social a qual pertencem ou com 0 medo de receberem 0 carimbo de malamadas solteironas Iesbicas fre qiientemente utilizado por aqueles com interesses na manutenao do status quo isto e da situaao vigente Neste contexto nada mais oportuno do que fazer aqui alguns comentarios sobre as escalas de 86 87 prioridades dos diferentes grupos de militantes contra a discriminaao das mulheres Reexame da prioriz8f8o das lutas Invariavelmente todas as lutas intestinas que desaguam em ci soes nos chamados rachas dos movimentos feministas tern pOl ori gem a maior importancia atribuida a uma luta em detrimento de outras Assim grupos dividemse au desfazemse porque uma par cela das mulheres prioriza a luta de classes outra 0 combate ao pa triarcado outra ainda a batalha contra as preconceitos raciais Em geral dada a baixa participaao de negras em movimentos feministas 0 que parece decorrer grandemente do preconceito das brancas que nao levam em conta a especificidade da condiao da mulher negra as cisoes as dissensoes as desacordos derivam da necessidade de uma de priorizarem as chamadas lutas gerais e da necessidade de outras de atribuirem maior importancia ao combate da dominaao da mulher pelo homem Ouer estejam presentes as tres contradi6es quer apenas duas a erro apresenta a mesma natureza Como separar a patriarcado a racismo e a capitalismo se na pratica na realidade cotidiana na luta diaria pela sobrevivencia nao e possivel distinguir como inde pendentes capazes de atuaao autonoma estes tres sistemas de do minaaoexploraao que se fundiram ao longo da hist6ria Para ilus trar a ilusao de se poder lutar separadamente contra cada urn destes sistemas de poder tomase urn exemplo muito corriqueiro na socie dade brasileira As pessoas situadas na esquerda politica e espedalmente as co munistas nao admitem a luta contra 0 patriarcado e contra 0 racis rna em pe de igualdade com a luta de classes Privilegiam incontes tavelmente esta ultima Este privilegiamento deriva da crena na maior importancia da contradiao entre as classes como principia estruturador das sociedades caracterizadas pela presena do patriar cadoracismocapitalismo No fundo acreditase que abolindose as classes sociais atraves da socializaao dos meios de produao au seja da eliminaao da propriedade privada dos meios de produao che gase com menor esforo a igualdade racial e entre as categorias de sexo 4 11 Esta crena que determina a estrategia de luta de priorizaao do combate as classes sociais visando a sua eliminaao deriva de uma apreensao atomizada em sepalado dos tres sistemas fundidos em urn s6 de dominaaoexploraao A cabea das pessoas que par ticipam desta crena funciona como se a realidade se sentisse obri gada a se enquadrar em seuesquema de pensamento Ora passase exatamente 0 inverso pois e 0 pensamento que cleve amoldarse a realidade a fim de bern apreendeIa sem deformaIa Ha portanto uma inversao dos termos no raciocinio das esquerdas em gera Estes grupos politicos nao hesitam em rotular de lutas menores secundarias e ate de desvios ideol6gicos os movimentos que contra riam as interesses do poder masculino branco e adulto Alegam que a luta de classes e uma luta maior pOlque beneficia a urn numero maior de pessoas Afinal as classes dominantes sao minoritarias As lutas contra a racismo e contra a patriarcado ao contrario para es tas esquerdas sao especificas pais a racismo s6 diz respeito aos ne gros e a supremacia masculina s6 atinge as mulheres Sartre tinha toda razao quando afirmava que a problema dos negros era urn problema dos brancos Nesta mesma linha de racio cinio podese sem medo de errar dizer que 0 problema das mulhe res e tambem urn problema dos homens porquanto a analise ante rior demonstrou quaD malefica e para os homens esta dominaao que a sociedade as obriga para que sejam machos a exercer sobre as mulheres Disto deriva que a luta pela igualdade sexual e a luta pela igual dade racial nao sao de nenhuma maneira lutas especificas separa das e diferentes das chamadas lutas gerais Nesta ultima categoria a das lutas gerais colocase infalivelmente a democracia Mas que democracia e esta que considera secundarias as lutas contra 0 patrircado e contra a racismo Sera seguramente uma democra cia icompleta com d minusculo pois deixa intactas a subordina ao da mulher ao homem e a sujeiao do negro ao branco Para ta mar 0 caso das relaoes de genera isto e entre homens e mulheres como pode haver democracia numa sociedade cuja familia estrutura se em termos de atribuir todo a poder ao homem adulto ao seu che fe obrigando a mulher e os filhos a respeitar a autoridade paterna au seja a obedecer ao todopoderoso machao quaisquer que sejam as conteudos de suas ordens e opinioes 89 88 A democracia considerada como luta geral prioritaria mais im portante nao passa de urn engodo de uma triste ilusao 0 geral en quanto tal s6 existe no pensamento na cabeca das pessoas E 0 pen samento que empresta aos fatos singulares urn carater geral A de mocracia e constituida de condutas fatos eventos todos absoluta mente todos singulares especificos A democracia s6 pode existir em funcao da simetria da igualdade entre todos quer se trate de traba lhadores manuais ou intelectuais de homens ou mulheres de bran cos ou negros AIem de uma ilusao para os ingenuos a democracia em geral que nao se materializa em comportamentos efetivos e diarios consti tui tambem uma farsa E e nesta fogueira da democracia enquanto farsa enquanto mentira enquanto engodo que os poderosos interes sados na preservacao do estado de coisas vigente deitam lenha para comodamente observar as labaredas e com elas se divertir As refe ridas esquerdas portanto nao fazem senao 0 jogo da direita pois a inadequacao de suas estrategias de luta fortalece os conservadores e reacionarios Nada melhor do que a priorizacao de uma luta para adiar pOl seculos a solucao das que foram deixadas para tras porque conside radas secundarias AIem disso cabe aqui levantar uma duvida che garsea a superacao das contradic6es consideradas secundarias me nores menos importantes se elas nao mereceram a mesma atencaQ dada a contradicao tida como fundamental Sera possivel urn dia chegar la isto e estabelecer relac6es sociais de igualdade entre bran cos e negros entre homens e mulheres nas sociedades que prioriza ram a luta de classes Esta conquista e no minima altamente discuti vel E ate 0 presente momento nenhuma sociedade demonstrou ser viavel esta trajet6ria Isto e nao ha nenhuma sociedade que se tenha ocupado com prioridade da luta pela eliminacao das classes sociais e em seguida podido tambem pOl meio de lutas implantar a de mocracia racial e a democracia sexual Dada a imporHincia desta questao a ela se dedicam alguns comentarios Liloes da Historia Todas as sociedades chamadas socialistas ou em vias de cons truir 0 socialismo privilegiaram a luta de classes Acreditaram exces sivamente numa ilusao qual seja a de poder produzir facilmente uma vez abolidas as classes sociais ou pelo menos reduzidas as di ferencas socioeconomicas entre seus membros as democracias racial e sexual Implicita nesta ilusao esta a crenca de que 0 racismo Se reduz a preconceito racial e de que patriarcado se reduz a ideologia machista Na verdade esta crenca nao passa tambem de uma ilusao Tanto 0 racismo quanta 0 patriarcado sao estruturas de dominacao exploracao que garantem relac6es sociais do mesmo genero isto e tambem de dominacaoexploracao Urn exame ainda que superficial das relac6es sociais cotidiana mente praticadas nas sociedades socialistas mostra que nenhuma de las resolveu os problemas do racismo e da inferioridade social da mulher Alegam seus lideres e outros defensores que sao necessarios seculos para eliminaremse preconceitos milenares como 0 racial e o sexual Temese que estas sociedades jamais cheguem a extirpar de seu seio estes dois dinceres se persistirem em consideralos meramen te enquanto ideologias Efetivamente 0 preconceito contra a mulher inscrevese na ideologia machista enquanto 0 preconceito contra 0 negro 0 judeu 0 asiatico 0 arabe etc inscrevese na ideologia da supremacia do branco de cabelos louros de olhos claros cristao altamente qualificado para vencer na vida atraves do processo da competicao Imp6ese portanto a constatacao de que nao se trata pura e simplesmente de preconceitos Estes sao ideias preconcebidas fal sas mentirosas que s6 podem sobreviver se forem alimentadas Se se tratasse de meros preconceitos sem as estruturas de poder que os sustentam certamente 0 machismo e a discriminacao racial ja teriam sido extirpados das sociedades socialistas Mas nao e este 0 caso pois existem estruturas de poder traduzidas pOl relac6es sociais de dominacaosubordinacao que nao se alteram enquanto forem trata das de maneira simplista como preconceitos E evidente que os preconceitos estao presentes Todavia eles nao representam todo 0 fenomeno da dominacao de uma raca sobre a outra e da subordinacao de uma categoria de sexo a outra Mais do que isto 0 preconceito nao e sequel a dimensao mais importante do fenomeno em apreco Ele simplesmente acoberta esconde dissimula relac6es de poder que nao mereceram suficiente atencao no momen to hist6rico adequado As evidencias hist6ricas sao todas no sentido de mostrar que a democracia plena com D maiusculo capaz de eliminar as diferen 91 90 cas sociais so se constroi quando se atacam simultaneamente as tres contradic6es fundamentais ou seja as desigualdades entre as classes sociais entre as etnias e entre os sexos A bern da justica e precise reconhecer que 0 ponto de partida das sociedades socialistas foi de ma qualidade em dois nfveis 0 cien tffico e 0 da realidade historica As condic6es materiais destes paf ses eram bastante precarias AMm disso dados a estrutura de poder e 0 regime de propriedade tais nac6es estavam muito longe dos inf cios da modernizacao Com variac6es apenas de graus este fenomeno estava presente em todos os pafses que realizaram a chamada revo lucao socialista excecao feita it Alemanha e em menor escala it Tche coslovaquia Estas duas nac6es ja estavam trilhando 0 caminho da industrializacao quando comecaram a implantar 0 regime socialista fenomeno nao existente nas demais regi6es que tambem 0 implan taram Ha que reconhecer a enormidade das dificuldades enfrentadas por nac6es pobres atrasadas e muitas vezes contendo brutais desi gualdades socioeconomicas na construcao de sociedades menos in justas Acrescentese a isto 0 carMer adverso do cenario mundial no qual nac6es poderosas seguidas por pafses dependentes desencadea ram uma verdadeira guerra polftica economica e ideologica contra o comunismo A imagem do comunista e ainda hoje para muitos a imagem do bichopapao a ser temido e evitado para a preservacao da democracia liberal Para liberais e conservadores comunismo e sempre sinonimo de totalitarismo Nao convem a estas posic6es polf ticas reconhecer as diferentes nuancas entre os distintos pafses socia listas nem tampouco entre fases historicas de uma mesma nacao em vias de construir 0 socialismo No que tange especificamente it mulher sao muito recentes os estudos que permitem compreender com maior profundidade sua posicao em diferentes tipos de sociedades Efetivamente eram muito poucos os estudiosos que se dedicavam it tematica feminina ate qua se tres decadas atras Na decada de 60 comecaram a aparecer estu dos chamando a atencao para as injusticas sociais de que sao vfti mas as mulheres Poi todavia a partir do Ano Internacional da Mu Iher 1975 que urn numero crescente de cientistas em geral mulheres passou a dedicarse ao estudo da condicao feminina Na segunda metade da decada de 60 comecaram a surgir os movimentos feministas que cada urn a seu modo passaram a lutar pela igualdade nas relac6es de genero E preciso tomar cuidado com 92 o termo jeminismo Rigorosamente nao existe urn so feminismo pois ha diferencas de bandeiras levantadas de enfase posta numa ou nou tra reivindicacao de estrategias de luta Tais distinc6es decorrem do enfoque politico dado por cada grupo ou movimento feminista a questao feminina E ha diferencas apreciaveis entre os varios feminis mos Embora a tendencia majoritaria seja a de respeitar os homens que sao considerados frutos da educacao que receberam e de lutar pela conscientizacao de homens e mulheres sobre a necessidade de se criarem condic6es nas quais ambas as categorias de sexo possam receber igual tratamento a palavra feminismo ainda tern hoje uma conotacao negativa pejorativa As vezes por ignorancia das diferencas profundas entre as va rias correntes feministas outras vezes por rna intencao tomase urn movimento feminista totalmente inexpressivo minoritario e separa tista mulheres que se julgam autosuficientes recusando os ho mens e ate mesmo a maternidade e generalizase de modo a criar antipatias em relacao a toda e qualquer luta pela melhoria da con dicao feminina Assim com base em casos naorepresentativos da maioria das mulheres que lutam por seus direitos procedese it pi chacao do feminismo Em geral as feministas temem autodenomi naNe atraves deste termo em razao desta rna interpretacao inten cional Ora da mesma forma como mulheres burguesas nao pensam geralmente da mesma maneira que operarias ha distintas perspecti vas de analise da situacao da mulher e de luta por melhoraIa 0 engano ou engodo reside em colocar no mesmo cesto todas as ten dencias feministas atribuindolhes as caracterfsticas de uma corren te minoritaria capaz de despertar resistencias e odios em homens e em mulheres Portanto e precise cuidado A maioria das feministas deseja uma vida melhor tanto para mulheres quanto para homens e nao a guerra contra os homens Quando os pafses socialistas fizeram suas revoluc6es so pude ram valerse dos textos marxistas classicos sobre a questao feminina Tais textos it luz das conquistas das Ciencias Sociais nestes ultimos vinte anos revelamse pobres Tal pobreza nao diz respeito apenas ao conteudo das analises marxistas chissicas Ela tambem esta pre sente no que tange it utilizacao do metodo conhecido como materia lismo historico ou materialismo dialetico Este metodo exatamente por permitir a compreensao e explicacao da natureza contradit6ria da realidade social permitiu a Marx Engels e outros a realizacao de 93 brilhantes anaIises da sociedade capitalista Todavia a sociedade eu ropeia do seculo XIX Alemanha Inglaterra Frana era excessiva mente machista patriarcal androcentrica para permitir a estes au tores a utilizaao adequada do metodo dialetico materialismo histo rico ou dialetico na analise da questao feminina Desta forma imbuidos da ideologia machista e praticando efe tiva e cotidianamente a dominaao sobre as mulheres tais autores consideraram da mesma natureza as contradioes que regem as re laoes entre as classes sociais e as que presidem as relaoes de ge nero Ha pelo menos vinte anos este tipo de analise e considerado urn grave equivoco Desta sorte entendese que os recursos cientificos disponiveis it epoca das revoluoes socialistas eram bastante precarios 0 que nao se pode contudo admitir e que nos dias de hoje estas sociedades continuem a pautar suas aoes por conceitos esclerosados cujo uso nao conduziu a uma situaao de igualdade social entre homens e mulheres Deixase aqui para discussao a tese de que a verdadeira Demo cracia s6 pode ser instaurada quando se destroi 0 trio patriarcado racismocapitalismo Enquanto 0 patriarcado e 0 racismo forem con siderados meramente como ideologias e nao enquanto relaoes de po der que sao sera impossivel chegarse a uma democracia racial e se xual Da mesma forma como 0 patriarcado e 0 racismo se fundiram com 0 capitalismo podem sobreviver a este fundindose com 0 re gime chamado socialista Alias a Historia mostra como esta sobrevi vencia ocorreu assim como a mencionada simbiose ou fusao A concepao da simbiose patriarcadoracismocapitalismo muda inteiramente a estrategia de luta das classes trabalhadoras Basta que estas tomem consciencia de sua propria heterogeneidade racial e se xual e dos prejuizos que colhem das discriminaoes etnicas e contra mulheres Esta problematica merece reflexao e discussao uma vez que estao em jogo os interesses das proprias classes trabalhadoras Ao que tudo indica 0 ataque simultaneo as tres contradioes funda mentais da sociedade brasileira expressas na simbiose patriarcado racismocapitalismo revelase a estrategia mais adequada para a cons truao de uma Democracia plena Tal estrategia ao atribuir exata mente a mesma importancia as tres referidas contradioes demonstra urn enorme respeito pelo ser humano quaisquer que sejam sua cor seu sexo suas posses 94 A dignidade do ser humano o mero fato de se tratar de urn ser humane cleve bastar para que a ele se confira toda dignidade Atributos qualidades caracte rlsticos geneticos como sao os casos do sexo e da cor s6 qualificam negativamente os seres humanos em situaao de desigualdade social marcada por relaoes de dominaaosubordinaao 0 mesmo se pode afirmar com relaao aposse de riquezas embora nao se trate de algo genetico E preciso entretanto lembrar que a propriedade se trans mite por herana Por meio desta lei social e nao natural alguns nascem ricos e mYitos nascem pobres Enquanto estes ultimos sao obrigados a gastar suas energias para ganhar 0 pao de cada dia os primeiros ja dispoem ao nascer dos elementos necessarios ao esta belecimento de sua dominaao sobre os que vendem sua propria for a de trabalho A rigor atributos naturais como cor e sexo sao racionalmente utilizados para a intensificaao da dominaaoexplora9aO Os resul tados so sao positivos para os machos brancos adultos e ricos ainda assim se medidos em termos de possibilidades de aumento de rique zas Nem sequer para 0 macho branco adulto e rico semelhante sis tema de dominaaoexploraao resulta em enriquecimento destes po derososem termos de seres humanos Ao contrario 0 exercicio do poder reduze ate elimina dimensoes extremamente humanas da personalidade dos que dominam e exploram Tais seres exatamente em funao do dominic que exercem sao castrados em suas possi bilidades de trocas com seus dominados Vma relaao verdadeira alimentada pela troca nutrida pelo dar e receber s6 se pode esta belecerentre iguais Jamais serao possiveis entre desiguais entre do minadores e dominados Ao modele do dominador macho branco adulto e rico devese acrescentar a caracteristica de heterossexual A fOrma 0 padrao 0 modele nao admitem 0 homossexualismo pelo menos explicito Este pode ate ser tQIerado desde que bern disfarado discreto elegante Assim a imagem do machao inclui a heterossexualidade independen temente dos pendores do homem que esta sendo educado segundo 0 modelo A respeito desta tematica vale a pena transcrever mais urn eK certo do mencionado livro de Eduardo Mascarenhas Desconfio que se acaso existe alguma inclinilctuo holtllLl sexual de nascena e1a e tao fraca que pode perfcllmnlll1lCl 95 apagar conforme as experiencias de cada urn Tanto e assim que a sociedade construiu uma das maiores carnpanhas publici tarias de que se tern noticia contra a homossexualidade Se com putassemos 0 quanta de esfor90 a humanidade vern despendendo para demonstrar que ser heterossexual e que e born enquanto ser homossexual nao e e transformassemos essa venda de ima gem no ultimo milenio ern d6lares a quantia daria folgada mente para pagar dez vezes a divida externa do Brasil e ainda sobraria dinheiro para fazermos desse pais uma das maiores superpotencias de que se tern noticia Ora se a heterossexualidade fosse tao natural e determinada pelo instinto assim alguem se daria ao trabalho de enalteceIa tanto e de combater tanto 0 seu oposto A questao da moral e sempre a mesma ela s6 se importa ern enaltecer 0 que nao e ponto pacificoe s6 trata de condenar o que representa algum grau de tenta9aO Logo 0 pr6prio empenho da moral e do preconceito ern louvar a heterossexualidade e execrar a homossexualidade de monstra que a natureza humana nao e tao heterossexual assim Digame 0 que voce condena que the direi 0 que voce teme desejar E esta a opinHio de urn psicanalista conceituado que por defi nicao entende do assunto Sua conc1usao merece pois pelo menos reflexao visando a compreensao dos que se rebelam contra 0 molde contra a fOrma contra 0 modelo de heterossexual Afinal este livro nao se prop6e a questionar os arquetipos Nao se trata de construir situac6es sociais em que cada urn possa desenvolver suas potenciali dades Por que entao pichar aque1es que nao obedecem a mode los Democracia nao significa a convivencia de diferentes opini6es dispares pontos de vista distintas perspectivas Como entao igno rar a conc1usao a qual chegou urn psicanalista submetido ao processo de analise durante treze anos e com longos anos de experiencia na analise dos conflitos de seus pacientes Enfim abertura e abertura sem medo de enfrentar 0 que der e vier A mulher 0 indio 0 negro 0 mulato 0 homossexual 0 bisse xual constituem contingentes que por definicao nao podem aspirar a posic6es de mando Cabe tambem lembrar que na medida em que o macho poderoso e adulto tampouco podem aspirar aquelas posi c6es as criancas os ovens e os velhos ainda que possam ser homens Se ao adulto se atribui 0 direito de dominar criancas e joveris em nome de sua maior experiencia como se justifica a marginalizacao do velho se em geral este acumulou mais experiencia Podese dis cutir esta questao pensandose que criancas jovens e velhos depen dem economicarnente daqueles que estao na idade produtiva na ida de de trabalhar na fase adulta da vida Enquanto 0 ser humane nao pode ainda contribuir para a producao por carecer de qualificacao e ou maturidade ou quando ja nao pode mais fazeIo pe10 peso da idade nao tern direito a opinar a sugerir a tentar contribuir Deve obedecer ao adulto produtivo sujeitarse ao seu dominio Ora se por urn lado a experiencia do velho pode ser de extre ma utilidade por outro num mundo de mudancas rapidas 0 jovem dada sua maior facilidade de absorcao do novo pode oferecer con tribuicao inestimavel a sociedade Toda a sociedade teria a ganhar se a assimetria das relac6es sociais fosse substituida pelo dialogo entre criancas jovens adultos e velhos entre homens e mulheres entre brancos mulatos negros indios etc Sao tantas as possibilidades de redefinicao das relac6es humanas que nada impede que se tente eli minar a assimetria a desigualdade visando a urn maior bemestar das pessoas enquanto seres humanos plenos de potencialidades Nesta linha de raciocfnio tendo como meta a justica social se ria mais facH desenvolver a solidariedade em lugar da competicao os lacos de amizade em lugar das rivalidades 0 amor em lugar do rancor Neste tipo de sociedade segurarnente as pessoas seriam mais felizes porque iguais capazes de trocar de dar e receber Seriam tantas as vantagens que isto merece reflexao 96 97 6 VALE A PENA LUTAR Introduio o feminismo tal como e encarado neste livro pode ser chamado de uma perspectiva politicocientifica Isto significa que se identifi caram as contradic6es fundamentais da sociedade e sua interacao simbi6tica como urn s6 sistema de dominacaoexploracao que preju dica a maioria esmagadora dos membros da sociedade Tratase pois na luta politica de saber se se deseja uma democracia para poucos uma democracia para muitos ou uma democracia para todos A primeira vista s6 os poderosos beneficiamse com 0 patriar cadoracismocapitalismo Rigorosamente entretanto se estes podero sos forem tornados como seres humanos cuja capacidade social de dominar lhes impede de viver certas dimensoes da vida tambem e1es a longo prazo terao a possibilidade de viver mais plenamente a con dicao humana numa sociedade igualitaria Esta seria a democracia para todos muito diversa da democracia liberal que s6 existe para alguns ou seja homens brancos ricos e adultos Desta sorte a curto prazo a luta pOl uma sociedade justa bene ficialll na medida de seu sucesso as categorias sociais discriminadas que sofrem mais brutalmente a dominacaoexploracao Mas nao s6 mulheres e negros colheriam os frutos desta luta Tambem os homens brancos pobres e das classes medias teriam ampliado 0 campo do prazer em suas vidas Ou seja eles desfrutariam do prazer propor cionado pelas relacoes simetricas de igual para igual Em poucas palavras eles encontrariam 0 verdadeiro sentido da vida que reside na partilha 0 prazer assim deixaria de existir pela metade porque vivido solitariamente para existir pOl inteiro na sua plenitude A juventude hippie tentou realizar este ideal de amor na deca da de 60 Tratavase como ainda e 0 caso de uma utopia isto e de urn ideal dificil de atingir mas do qual a humanidade pode apro ximarse Estudandose Hist6ria percebese facilmente a importancia para a evolucao dos povos das utopias que grupos sociais constroem e perseguem atraves de lutas Nao fossem a formulacao e a crenya na validade destas utopias nao haveria estimulos para a luta e por tanto a dinamica social ficaria prejudicada Lamentavelmente os hippies nao tinham uma compreensao ade quada da sociedade capitalista nao dispondo assim de elementos para julgar a capacidade gigantesca deste tipo de sociedade de ab sorver movimentos de contestacao Deste modo alimentaram a indus tria capitalista da moda e se transformaram em adultos ajustados as normas sociais que combatiam Nao obstante desempenharam urn im portante papel social Ainda que nao tivessem conseguido realizar sua utopia lancaram a semente da fratemidade da solidariedade do amor E esta semente esta germinando nas novas geracoes agora num novo contexto e atraves de atuacoes mais coerentes Efetivamente os jovens de hoje estao introduzindo relevantes transformacoes na sociedade Nao e facil definir 0 jovem 0 mais fa cil seria definilo pela idade crono16gica POl exemplo poderseia c1assificar como jovens aqueles com idades ate 20 ou 25 anos Este criterio tern a seu favor 0 fato de as pessoas de pouca idade serem em geral mais receptivas as mudancas em virtude de nao terem seus habitos ainda muito solidificados POl outro lado e exatamente em razao desta maior maleabilidade que 0 jovem e presa facil de pode rosos com grande capacidade de manipulacao Para comprovar esta afirmacao basta olhar para 0 numero de jovens que se transformam em cegos seguidores de certas seitas religiosas altamente reacionarias No Brasil nem e preciso atentar para seitas estrangeiras que aqui penetraram pois urn exame da TFP TradiCao Familia e Proprieda de e suficiente para revelar a existencia de milhares talvez ate mi lhoes de jovens fanaticamente retr6grados Se 0 jovem nao e necessariamente progressista ou revoluciomi rio ha muitos adultos e ate pessoas de idade avancada que desenvol veram uma consciencia critica muito aguda quanto as injusticas da sociedade capitalista Estas pessoas lutam incansavelmente no senti do de melhorar a sociedade em que vivem Exatamente pOl serem criticas em relacao ao autoritarismo estas pessoas estao sempre aber tas ao dialogo e portanto as mudancas Sao sempre jovens inde pendentemente da idade que tenham se se adotar a premissa de que o jovem e todo aquele disposto a aceitar e ou a provocar transforma coes sociais Nao e dificil observar a justeza desta verificacao Par exemplo numa turma de estudantes de segundo grau hli os chamados care 98 99 tas certinhos obedientes assim como ha os que nao aceitam gratuitamente nenhuma afirmaao ou ordem Estes gostam de discutir as ideias conhecer a argumentacao de seus defensores contraargu mentar Isto e questionam tudo aquilo que e dito ou ensinado como algo sagrado indiscutivel intocavel Dentre os professores tambem ha os autoritarios que imp6em suas ideias assim como os flexiveis os maleaveis os dispostos a acei tar os desafios da mudanca Independentemente da idade cronol6gica todo jovem constitui urn importante agente de transformacao social Pode tratarse do es tudante menor de 18 anos como do professor de 50 anos ou mais o que importa 0 que conta e a disponibilidade para 0 dialogo para a argumentacao para a discussao sadia Todos aqueles que apresen tarem tais caracteristicos sao importantes agentes de mudana social E esta tera maior ou menor exito dependendo da adequacao da estrategia utilizada por aqueles interessados em transformar a so ciedade Da irreverencia ao questionamento transformador Muitos tomaram consciencia de que a tendencia predominante e a da repetiao Este processo alias e muito trabalhado pela Psicana lise A menina tende a repetir 0 modelo da mae e 0 menino tende a reproduzir 0 modelo do paL Esta consciencia esta refletida em uma musica de Belchior Como nossos pais 1976 muito divulgada pela voz de Elis Regina Talvez nao seja demais transcreveIa Nao quero Ihe falar meu grande amor Das coisas que aprendi nos discos Quero lhe cantar como eu vivi E tudo 0 que aconteceu comigo Viver e melhor que sonhar Eu sei que 0 amor e uma coisa boa Mas tambem sei que qualquer canto E menor do que a vida de qualquer pessoa Por isso cuidado meu bern ha perigo na esquina Eles venceram e 0 sinal esta fechado pra n6s que somos jovens Para abracar seu irmaoe beijar sua menina na rua E que se fez 0 seu bra90 0 seu labio e a sua voz Voce me pergunta pela minha paixao Digo que estou encantado com uma nova inven9ao Eu vou ficar nesta cidade nao vou voltar pro sertao Pois vejo vir vindo no vento a cheiro da nova estaciio Eu sei de tudo na ferida viva do meu coracao Ja faz tempo eu vi voce na rua Cabelo ao vento gente jovem reunida Na parede da mem6ria Essa lembranca e 0 quadro que d6i mais Minha dor e perceber Que apesar de termos feito tudo que fizernos Ainda somos os mesmos E vivemos como os nossos pais Nossos idolos ainda sao os mesmos E as aparencias nao enganam nao Voce diz que depois deles nao apareceu mais ninguem Voce pode ate dizer que eu estou por fora Ou entao que eu estou inventando Mas e voce que ama 0 passado e que nao ve Que 0 novo sempre vern Hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciencia e juventude Ta em casa guardado par Deus contando 0 viI metal Minha dor e perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos N6s ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais A letra desta musica revela que 0 jovem rejeita os papeis desem penhados pelos adultos mas reconhece que nao obstante esta rejei cao continua a representalos da mesma forma perpetuando as in justicas sociais agindo conservadoramente Isto demonstra sobeja mente que nao basta ser irreverente ainda que a irreverencia cons titua ingrediente fundamental de qualquer luta pela transformacao social Em outras palavras a irreverencia esgotase em si mesma quando niio evolui para uma posicao de questionamento embasada em argumentos s6lidos em compreensao profunda das injusti9as e na clareza do caminho a seguir 100 101 Ela verifiea pura e simplesmente a pratica exclusiva da irreve rencia Constata tambem a ausencia de propostas que constituiriam o seguimento a continuacao 0 desenrolar da irreverencia que nao vai aMm da denuncia nao substitui propostas carece de objetivos s6lidos Urn exemplo podenl esclarecer esta questao A tecniea teatral da agressao ao publico inaugurada no Brasil por Jose Celso Martinez Correia consiste em pura irreverencia Sua pobreza refletese no fato de que se esgota rapidamente Com efeito agredido 0 publico nao resta ao diretor de teatro senao a posicao da retirada do recuo pois a continuar na tecnica da agressao acabaria por matar sua plateia E como se sabe 0 teatro vive em funcao de seu publico Matar 0 pu blico significaria matar 0 proprio teatro Da mesma forma ser apenas irreverente sem apresentar argu mentos s6lidos contra aquilo que se quer mudar fornece municao ao inimigo ou seja ao conservador ao que deseja deixar tudo exa tamente como esta o questionamento transformador ainda que contenha boa dose de irreverencia representa urn estagio muito mais complexo da cons ciencia critica Este passo mais adiante inclui a coragem do irreve rente mas exige tambem a coerencHl na demolicao das injusticas compreensao clara das possibilidades de redefinicao das relacoes so ciais propositura dos caminhos a serem trilhados Ora para que as pessoas se conduzam desta forma e preciso que se iriformem muito bern sobre as situaoes vividas reflitam sobre elas e as discutam com outros critieos do status quo vigente Discussoes francas e abertas sao altamente esclarecedoras melhorando via de regra a compreensao dos problemas e por conseguinte tambem as estrategias de luta for muladas para combateIos Caminhar da irreverencia ao questionamento transformador cons titui importante passo quando se deseja assegurar algum exito a luta que se empreende Embora a proposta hippie fosse valida uma vez que pretendia substituir a guerra peIo amor nao pode ser levada a born termo porque estava ainda no estagio da irreverencia Ac6es meramente irreverentes sao facilmente manipuladas pelas classes do minantes reforando seu poder Sao portanto urn prato cheio para os poderosos cujos interesses residem em manter absolutamente tudo como esta Dai a importancia da educacao nao entendida simples mente enquanto instrucao esteril mas enquanto um rico processo de troca entre seres humanos A educaao enquanto processo politicosocial No Brasil assim como em todas as sociedades regidas pelo pa triarcadoracismocapitalismo as escolas ensinam em geral aquilo que as classes dominantes determinam quer diretamente quer atra yeS do Estado Evidentemente os conteudos ensinaqos e os metodos autoribirios de ensino visam a preservacao das posicoes de mando ocupadas pelo patriarca branco adulto e rico Convem examinar se paradamente estes dois aspectos Quanto ao conteudo do que e ensinado podese denominaIo historia olicia Tratase dos grandes feitos dos grandes homens A historia real feita por ricos e pobres dominadores e dominados brancos e negros homens e mulheres criancas adolescentes adultos e velhos e considerada algo menor menos importante Por que Ora porque e esta hist6ria que revela as contradioes sociais os embates entre os socialmente fortes e os socialmente fracos as lutas dos dis criminados pela construao de uma sociedade mais justa o ultimo periodo de govemo ditatorial no Brasil que durou de 1964 a 1985 agravou seriamente este problema Chegouse a saltar no ensino da Historia a fase de 1961 a 1964 ou seja 0 govemo Joao Goulart numa tentativa de suprimir a transmissao de conhecimentos sobre lutas do povo brasileiro Quando nao era este 0 caso mostra vamse apenas os apectos negativos do referido governo a fim de se justificar 0 golpe militar de 1964 que conduziu 0 pais ao presente caos socioeconomico Mais do que isto 0 regime militar implantado em 1964 fez entrar pela porta dos fundds no curriculo escolar de todos os niveis de ensino uma disciplina auxiliar da ditadura Com efeito Educacao Moral e Civica como e chamada ate 0 segundo grau ou Estudo dos Problemas Brasileiros denominaciio que recebe na Universidacle passou a ser ministrada em todas as escolas do pais por professores niioconcursados mas confiaveis a fim de dar respaldo a ditadura atraves da difusiio da crenca em suas boas inten oes em sua justeza de prop6sitos em seu carMer democratico Enquanto esta historia olicial era ensinada a maioria do povo brasileiro ignorava a historia real constituida de perseguicoes tor turas homiddios enfim de atos da maior crueldade praticados con tra aqueles que se levantaram contra 0 regime Tais conteudos do ensino eram transmitidos por metodos auto ritarios que impediam a discussiio embotando pelo desuso a inte 103 102 ligencia Quanto mais ignorantes em relaao a historia real se for massem os estudantes e quanta mais submissos fossem as autoridades legais melhor para 0 regime ditatorial Mas como nao ha bern que sempre dure nem mal que sempreatule a situa9ao mudou Tanto a ditadura exagerou na dose que a tal disciplina acabou tendo efei to de bumerangue isto e 0 tiro saiu pela culatra E isto ocorreu por varias raz6es Basta mencionar duas A maioria dos estudantes nao tolerava a chatice da Educaao Moral e Civica e dos Estudos dos Problemas Brasileiros e percebia 0 quaD ridiculo era seu carater De outra parte gigantescas parcelas do povo se levantaram contra os crueis metodos da ditadura Convem salientar que 0 Movimento Fe minino pela Anistia deu origem a esta grande contesta9ao popular posteriormente integrada tambem por homens As mulheres nos seus tradicionais papeis de mae filha irma esposa passaram a exigir anistia para presos politicos exilados ba nidos Isto mostra bern 0 grau de contradiao interna do patriarcado racismocapitalismo Nao foi preciso que as mulheres lanassem mao de seus cargos profissionais para provocar as mudanas desejadas Foi a partir dos proprios papeis tradicionais que a sociedade Ihes atribui que as mulheres questionaram as prMicas ditatoriais proce dendo ao resgate pelo menos parcial da historia real Alias fenomeno semelhante mas bern mais profundo teve e ainda tern lugar na Argentina As maes e av6s da Pra9a de Maio constituem 0 unico grupo social argentino que nao apenas resistiu e lutou ate 0 fim da ditadura naquele pais mas continua a exigir jus tia contra os torturadores e assassinos e a buscar inclusive no ce nario internacional os filhos dos desaparecidos Esta palavra cons titui um eufemismo urn disfarce um termo amenD para designar os que foram assassinados 0 filme A historia olicial dirigido por Luiz Puenzo mostra de maneira inteligente como a ditadura argentina tentou sufocar 0 conhecimento da historia real e como as avos da Praa de Maio muitas vezes humildes camponesas ou operarias pro cederam e estao procedendo ao resgate dos fatos reais e ensinandoos aqueles que ocupam a posiao de mestre de professor Exatamente em virtude do fato de serem as pessoas do povo protagonistas da historia elas tern condi6es de meter cunhas na fal sa Historia imposta nas escolas pelas classes dominantes Professores e estudantes tambem sao atores da historia desem penhando a maioria de seus papeis sociais fora da escola Estas ex penencias podem ser levadas a sala de aula a fim de enriquecerem as discuss6es Isto torna mais viva rica e humana a escola que no Brasil e freqiientemente aborrecida Fatos corriqueiros da vida coti diana podem provocar excelentes reflex6es coletivas alem de este processo ser urn born caminho para alterar as rela96es professor aluno Se por defini9ao 0 professor detern mais conhecimentos que o estudante e preciso admitir a existencia de uma serie de outros fatores 0 professor pode ser portador de urn imenso cabedal de co nhecimentos oficiais cujo interesse para 0 estudante e no minimo discutivel 0 docente e com freqiiencia constrangido pela direao da escola a nao se afastar do roteiro considerado legal e correto Ele pr6prio tendo recebido formaao autoritana nao chega muitas ve zes a perceber a inutilidade do que ensina nem tampouco a rique za contida nas discuss6es Ha que considerar tambem que os conhe cimentosdetidos pelo professor podem nao ser os mais verdadeiros Isto pode ser bern compreendido quando se pensa que a verdade das classes trabalhadoras nao e a mesma das classes dominantes E os professores nem pertencem a mesma classe social nem se identi ficam com uma unica Assim cada urn tem suas vivencias especi ficas que podem enriquecer enormemente sua contribuiao no pro cesso educativo Os estudantes tambem por definirao sabem men6s que os do centes Mas eles sao sempre portadores de experiencias valiosas es pecfficas capazes de alargar grandemente 0 universo em geral es treito porque determinado pelas autoridades do ensino oficial Nao se pode negar que 0 estudante via de legra viveu menos que 0 pro fessor e que portanto experimentou urn numero menor de situa 6es de vida Mas ao lado disto nao se pode esquecer que sua ex periencia inclusive por ser jovem em urn momento historico diverso daquele em que 0 docente viveu sua juventude e qualitativamente distinta Nesta medida as vivencias dos estudantes podem introduzir muito de novo nas salas de aula Ainda que sucintamente forneceramse alguns elementos com 0 objetivo de mostrar as infinitas possibilidades de transformar as re lar6es professoraluno Ou seja em lugar de repetir a experiencia das gera96es mais velhas de obedecer ao modelo prescrito pela ideo logia dominante instaurar rela96es sociais de urn outro genero aber tas naoautoritarias enfim democrliticas 0 ponto fundamental des tas novas relar6es consiste na troca de experiencias Da mesma for 105 104 rna como os docentes tampouco os estudantes pertencem ou se iden tificam ideologicamente com uma mica c1ase social Isto equivale a dizer que dentre os docentes assim como dentre os estudantes nao ha homogeneidade de experiencias nao havendo por conseguinte homogeneidade de pontos de vista de perspectivas de analise de um mesmo fato enfim de metas a serem atingidas Ora nao exisle me lhor ambiente para a discussao do que 0 heterogeneo Cada urn lan cahdo mao de suas proprias vivencias pode contribuir para uma melhor compreensao da sociedade em que vivem todos Nao ha nesta proposta nenhum menosprezo pelos conhecimen tos teoricos e pelas experiencias pnhicas dos professores Ao contra rio estes elementos stiio sendo profundatnente valorizados numa re lacao de verdadeira troca Na medida em que 0 docente se abre para valerse das experiencias dos mais jovens cria a possibilidade demo cratica de ver aproveitadas suas proprias vivencias Nao importa que a contribuicao dos estudantes possa ser significativamente menor que ados professores A quantidade aqui fica sem duvida em segundo plano E nao se pode negar que a qualidade das experiencias vivi das por quem tern hoje 16 17 ou 18 anos e profundamente diversa da qualidade das vivencias adolescentes de quem tern hoje 40 45 ou 50 anos Nao se trata de valorizar mais esta ou aquela experiencia mas de estabelecer um real intercambio de ideias objetivos e estrate gias de luta Isto e tratase de instaurar a democracia nas rela5es professorestudante mica maneira de forjar a verdadeira conscien cia democratica Seres treinados somente para obedecer as ordens su periores nao sabem tomar decis5es e temem situac6es que exigem capacidade de deliberacao Logo sao seres que legitimam 0 autori tarismo E apenas as pessoas capazes de decidir de discutir de re fletir estao efetivamente aptas a exercer direitos de cidadania num regime sociopoHticodemocratico Da cidadania e de seu exerclcio Em face do exposto fica bastante claro que a cidadania no Brasil e precaria mesmo se concebida nos estreitos imites da demo cracia liberalburguesa Do ponto de vista da distribuicao da riqueza material urn pais com 60 de sua populacao sofrendo carencias alimentares pode ser enfaticamente denominado extremamente injusto Esta na9ao estll 106 muito longe evidentemente de oferecer as tao faladas oportunida des iguais para todos pedra angular da ideologia liberal Se e ver dade que este fenomeno se deve parcialmente ao fato de 0 Brasil de pender economica poHtica e culturalmente de paises impera1istas nao e menos verdadeiro que 0 patriarcadoracismocapitaismo cons titui em si proprio urn limite muito estreito na reaHzacao da justica social 0 subdesenvolvimento pode assim responder em parte por esta situcao calamitosa Mas nao se pode esquecer que as injusti9as em maior ou menor grau estao sempre presentes em todas as nac6es capitalistas E como ja se mostrou foi tao profunda a fusao entre 0 patriarcado 0 racismo e 0 capitalismo que seria impensave1 a elimi nacao dos dois primeiros sistemas de domina9aoexploracao preser vandose 0 terceiro A historia nunca mostrou ser isto possivel E 0 criterio historico e muito importante embora nao seja 0 unico dispo nivel para uso de estudiosos e militantes politicos No Brasil porem a constituicao historica da cidadania guarda uma enorme distancia ate mesmo da pobre cidadania liberalburgue sa Com efeito nem mesmo os direitos humanos basicos alimenta cao educacao habita9ao saude sao lespeitados Como se isto nao bastasse 0 espa90 para a paiticipacao politica mesmo da parcela da populacao que vive razoavelmente bem e extremamente restrito Faz 26 anos que nao ha eleicao direta para presidente da Republica nes te pais E 0 ultimo presidente e1eito pelo voto direto dos brasileiros Janio Quadros renunciou ao cargo apenas sete meses depois de nele empossado E isto foi em 1961 Se s6 pode ser elehor 0 cidadao com no minimo 18 anos to dos os brasileiros com ate 44 anos de idade jamais elegeram urn pre sidente da Republica E a esta idade e preciso somar 0 tempo que falta para 0 presidente Sarney completar seu mandato Tendo assu mido 0 posto de chefe do governo brasileiro em mar90 de 1985 res tamlhe ainda quase quatro anos de mandato caso nao seja este reo duzido para quatro anos como desejam muitos Para esta gerayao rigorosamente a capacidade politica que consiste inclusive no direito de escolher 0 presidente da nacao s6 vira aos 50 anos de idade E isto presume otimismo ou seja nenhum golpe de Estado que nova mente suprima eleic6es diretas A cidadania brasileira esta pois em fase de penosa e lenta cons trucao Para negros e mulheres e1a esta quase inteiramente por ser construida 107 Ouvese com freqiiencia que e preciso primeiro instaurar a de mocracia economica para s6 depois pensar em problemas secunda rios tais como 0 estabeleoimento da democracia racial e entre as categorias de sexo Esta convieao visa a distrair a atenao dos interessados na democracia plena A rigor tratase de uma ideia in teiramente reacionaria pois 0 objetivo dos que a pregam e manter tudo exatamente como esta Nao e verdade que a submissao da mulher ao homem nao sen sibiliza mulheres pobres Milh6es de mulheres brasileiras tomaram consciencia da dominaao masculina no transcorrer de lutas pela pos se da terra por salarios decentes por melhores condi6es de traba lho Nestes movimentos despontaram numerosas lideranas femini nas que nao s6 compreenderam a totalidade do sistema de domina aoexploraao como passaram tambem a lutar pela sua destruiao Tomese por exemplo a questao da sexualidade Dizse a boca miuda que mulher pobre s6 se interessa por encontrar um meio de alimentar seus filhos que jamais pensou ou quer pensar em ter pra zer sexual A atuaao de varios grupos feministas junto a mulheres de periferia e ate mesmo trabalhadoras rurais revelou que estas mu lheres se sentem fascinadas com a possibilidade de ter algum prazer Seu interesse e enorme em mudar suas rela6es com 0 companheiro a fim de que ambos e nao s6 0 homem possam desfrutar do ato de amor Tambem neste terreno e preciso derrubar ideias recebidas que s6 servem para preservar a desgraa a infelicidade 0 desamor Quanto as discrimina6es contra 0 negro em especial contra a negra nao se trata de forma alguma de uma luta menor Nao ha vera democracia em sua plenitude se este problema nao for resol vido E nesta luta e preciso desmistifiear a ideologia do branquea mento cuja funao consiste em assegurar 0 dominio do branco Da mesma maneira como a questao feminina e a questao racial nao podem ser consideradas secundarias na luta pela justia numa sociedade de classes sob a alegaao de que se trata de contradi6es especificas 0 combate diuturno contra as discrimina6es raciais deve fazer parte integrante das lutas feministas Seria incoerente comba ter a tese da especificidade do combate as discrimina6es contra mu lheres e negros e levar avante um feminismo de brancas Em outros termos a questao da mulher negra deve ser central em todas as lutas feministas que realmente visem a destruiao do patriarcadoracismo capitalismo Seria legitimo defender a cidadania plena para homens deixan do do lado de fora as mulheres Seria justo lutar pela construao da cidadania em sua plenitude para brancos homens e mulheres deixando do lado de fora os negros homens e mulheres obvio que a uniea posiao coerente em materia de defesa dos direitos hu manos consiste na luta pelos direitos humanos de todos indepen dentemente do trabalho que realizam e do salario que recebem inde pendentemente da cor que tenham independentemente do sexo de cada um A defesa dos direitos de cidadao para uns e nao para outros prejudiea 0 proprio exercicio destes direitos por parte daque1es que os detem Como pode uma pessoa exercer seus direitos de cidadao sem respeitar os direitos de cidadao do outro Como todo direito implica responsabilidade ou seja dever a verdadeira cidadania so pode existir numa sociedade em que todos absolutamente todos go zem dos mesmos direitos e tenham as mesmas obriga6es Logo ela e impossivel nas sociedades regidas pelo patriarcadoracismocapita lismo A Historia revela amplamente que na6es cujas revolu6es prio rizaram a luta de classes por incompreensao da simbiose ja referida nao chegaram a realizar na prlitica a democracia para todos Nao se pode negar que as sociedades socialistas melhoraram enormemen te a condiao feminina assim como a de minorias etnicas Mas me lhorar a condiao destas categorias sociais nao significa tormlIas iguais as outras Eis por que nao se devem repetir os enganos co metidos por outros povos que continuam tendo uma compreensao falha dos problemas que nao conseguiram solucionar A plena compreeilsao do patriarcadoracismocapitalismo encami nha a luta na direao da destruiao da simbiose entre estes tres sis temas de dominaaoexploraao transformados ao longo da Historia em um unieo e podetoso sistema de opressao da maioria Rigorosamente a defesa da democracia para alguns em prejuizo de outros signifiea a propria negaao da democracia Se democracia consiste no governo do povo na soberania popular seguramente nao pode ser chamada de democriitica uma sociedade como a brasileira na qual pobres negros e mulheres sofrem profundas discrimina6es Neste projeto de construao da cidadania brasileira os jovens podem desempenhar um papel de fundamental imporHlncia Isto e verdadeiro por viidas raz6es algumas das quais jii mencionadas Todavia vale a pena ressaltar a relevancia de uma outra 0 jovem 109 108 exatamente por ter vivido menos que os adultos nao assumiu ainda muitos dos compromissos sociais economicos e sobretudo politicos que amarram os mais velhosE portanto mais livre para proceder a escolhas conseqiientes e se engajar nas lutas correspondentes E fazendo uso adequado da ciencia 0 jovem pode sem grandes dificul dades situarse na posicao aqui denominada questionamento trans formador a fim de contribuir para a construcao da cidadania para todos enfim da verdadeira democracia t I CONCLUSAO A guisa de conclusao serao tecidas algumas considerac6es sobre o assunto deste livro embora cada capitulo encaminhe 0 leitor a per ceber a complexa tessitura da realidade social capitalista e especifi camente brasileira de forma globalizante e nesta medida conclu siva Fazse necessario registrar que toda e qualquer conclusao e sempre provis6ria pois mudancas na realidade social vivida podem provocar inflex6es no pensamento e por conseguinte na analise cientifica Ademais urn livro cuja intencao basica reside em ques tionar valores tidos como sagrados nunca poderia trazer conclus6es definitivas Se assim fora 0 livro seria tao dogmatico quanta os pre conceitos que pretende destruir ou pelo menos abalar Quando se parte da premissa de que todo conhecimento e pro vis6rio nao se esta dando mostras de inseguranca Ao contnirio 0 conhecimento cientifico esta sempre e necessariamente sujeito a re formulac6es Desta sorte 0 cientista social deve igualmente estar pronto a rever suas posic6es seja porque passou a dispor de melhor instrumental te6rico seja porque a reaIidade social se transformou seja porque suas interpretac6es foram adequadamente questionadas por outros estudiosos Nao se combatem dogmas com outros dogmas nao se destr6em preconceitos com outros preconceitos Este pequeno Iivro contem algumas anaIises e reflex6es resul tantes de 25 anos de estudos sabre a tematica mulher Deve ter fi cado muito claro que nao se pode isolar esta problematica do con texto sociocultural economico e politico no qual esta inserida Seria partir de premissas falsas pincar a condicao feminina como se se tratasse de fenomeno autOnomo sem vinculos com os demais Em outros termos estudar as relac6es de genero no Brasil ou em qual quer outro pais ignorando suas relac6es intimas com 0 capitaIismo e 0 racismo significaria comprometer definitiva e irremediavelmen te os resultados da investigacao Assim uma conclusao deste livro 111 110 diz respeito a necessidade de simultaneamente focalizar fenomenos em suas especificidades e analisar suas interdependencias com outros fenomenos as vezes aparentemente desvinculados dos primeiros Em poucas palavras tratouse de utilizar urn instrumental teorico que possibilita ao mesmo tempo a analise globalizante e a retelllao de singularidades presentes na vida cotidiana 0 permanente irevir do geral ao particular e ate ao singular e viceversa constitui condilao I t absolutamente necessaria embora possa ser insuficiente para chegar se a compreensao e a explicalao de boa qualidade sobre 0 fenomeno sob analise Usar 0 instrumental te6ricocientffico na analise dos fa tos cotidianos considerados corriqueiros e comezinhos aMm de trei nar 0 raciocinio de quem 0 utiliza prova a adequalao ou a inade quayao deste mesmo instrumental A vida social nao se resume as grandes decisoes tomadas pelos poderosos Ela tambem se constitui de ayoes pessoais e sobretudo coletivas praticadas no diaadia Alias como se procurou deixar claro a historia real e feita por homens e mulheres anonimos atra yes da luta diaria S6 a hist6ria oficial e feita pelos grandes homens E e contra esta hist6ria que nao registra as lutas politicosociais di rias que este livro se insurge Nem poderia ser de outra forma ja que a tarefa fundamental de quem se dedica a estudar categorias so ciais altamente discriminadas consiste exatamente em penetrar neste fazer hist6ria popular Urn segundo ponto sobre 0 qual a atenyao deve ser fixada con siste no naoparalelismo no cruzamento das contradiyoes presentes nas sociedades regidas pelo patriarcadoracismocapitalismo Se estas contradiyoes corressem paralelamente seria muito simples mesmo para aqueles que nao detem urn instrumental te6rico sofisticado de tectar compreender e explicar os fenomenos delas resultantes 0 n6 da quesHio reside exatamente em mostrar a simbiose entre os referi dos sistemas de dominayaoexplorayao Do entendimento do fenome no do angulo da fusao da osmose entre patriarcado racismo e capi talismo derivou a estrategia de luta aqui proposta Assim nao e dificil compreender que nao se pode falar em fe minismo no singular Pessoas com diferentes filiayoes politicoideolo gicas sao partidarias de distintos feminismos Embora este livro nao tenha 0 objetivo de se estender sobre uma classificayao dos feminis mos talvez nao seja demais fornecer ao leitor algumas coordenadas que the permitirao melhor identificar as filialoes politicoideol6gicas das diversas correntes do feminismo Grosso modo podemse distinguir os seguintes enfoques da ques tao feminina 1 Conservantismo postura que exatamente em razao de foca lizar 0 sexismo como desigualdade natural assumese como naofemi nista ja que naturatiza processos sociais Assim para esta corrente de pensamento as mulheres siio naturalmente inferiores aos homens 2 Liberalismo que tern como postulados fundamentais a tiber dade a igualdade a fraternidade todos situados no plano exclusiva mente formal Para os liberais a inferioridade social da mulher de riva da desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres es pecialmente nos campos da educalao e do trabalho Para esta corren te basta qualificar a maodeobra feminina e oferecerIhe oportuni dades de trabalho para eliminar a inferioridade social da mulher Obviamente 0 pressuposto basico desta Iinha de pensamento consiste em considerar 0 capitalismo como 0 regime sociopolitico economico libertador da mulher Os limites do feminismo liberal burgues sao dados peto pr6prio capitalismo Se este e tido como pro piciador de maiores oportunidades de escolarizacao e de trabalho remunerado para as mulheres e intocavel sagrado Logo a ampliacao da cidadania feminina aspirada pela postura liberal esbarra com os limites do capitalismo sistema no qual os di ferentes individuos partem de situacoes muito desiguais tentando conquistar urn lugar ao sol Ainda que 0 feminismo liberal possa alargar os espacos de atuayao das mulheres a cidadania feminina sera sempre limitada Esta corrente de pensamento desempenhou im portante papel na luta pela conquista do voto femininoem todo 0 mundo Ainda que nao se possa negligenciar a relevancia desta e de outras conquistas 0 feminismo liberal esgotase na luta por liber dades formais Quando esta postura e assumida enquanto etapa de uma luta maior visando a implantayao da igualdade de fato entre homens e mulheres merece todo 0 respeito ja que cria situac6es novas capa zes de conduzir mais rapida e eficazmente a meta final Quando seu objetivo se reduz ao estabelecimento de igualdades formais seu alcance fica actomaticamente diminuido Todavia mesmo neste caso tratase de luta 6til pois se nao resolve 0 problema das desigualda des nas relac6es de genero tornao menos agudo na medida em que treina mulheres no jogo politico da reivindicacao 112 113 iI 3 Marxismo dog matico caracterizase por urn profundo redu cionismo Tachando de diversionista a luta pela democratizaao das relaoes de genero nao apenas privilegia a luta de classes em detri mento de outras contra 0 sexismo e contra 0 racismo como tam bern so reconhece esta luta como legitima a reducionismo desta postura reside exatamente em tentar reduzir todos os fenomenos a lutas de classes as adeptos desta posiao entendem que todos os i 1 problemas se resolverao automatieamente com a destruiao da divi t sao da sociedade em classes sociais ou seja com a implantaao do socialismo Patriarcado e racismo sao pois tornados como quest5es secundarias menores as marxistas dogmMicos exatamente em razao de seu dogma tismo nao enxergam as especificidades do patriarcado e do racismo mesmo quando fundidos com 0 capitalismo porque reduzem os tres sistemas de dominaaoexploraao a urn unico 0 das classes sociais Este equivoco dos marxistas dogmMieos tern impedido que paises em vias de consttuao do socialismo cheguem a democratizar as rela6es entre homens e mulheres e entre individuos de diferentes raas Desta sorte nao se pode considerar esta corrente de pensamento como femi nista Ao contrario ela rejeita enfaticamente 0 feminismo no singu lar justamente porque nao conhece senao urn tipo de feminismo ou seja 0 radical 4 Feminismo radical assim denominado nao por seu radiealis mo politico mas por sua intransigencia quanta a naoaceitaao das proprias diferenas sexuais biologieamente definidas As adeptas des ta corrente desejam a1canar total autonomia em relaao ao homem inclusive no terreno sexual Felizmente tratase de corrente inexpres siva em todo 0 mundo e especialmente no Brasil Nao obstante sua irrelevancia e esta a postura que serve aos meios de comunieaao de massa e demais machistas na tarefa de nivelar por baixo de con siderar todas as feministas iguais de angariar antipatias para todo e qualquer feminismo Desta maneira 0 feminismo radical fornece muniao aos inimigos da luta pela democratizaao das relaoes de genero Rigorosamente portanio esta postura nao e feminist a mas profundamente sexista Efetivamente e tao sexista quanta 0 machis mo A tinica diferena entre 0 feminismo radical e 0 machismo cons siste no fato de que 0 primeiro privilegia a mulher e 0 segundo pri vilegia 0 homem Identificamse pois quanta ao grau de sexismo que apresentam e defendem 5 Feminismo socialista corrente de pensamento muito mais complexa que as anteriores tratando de lidar simultaneamente com todas as contradi5es basieas da sociedade regida pelo patriarcado racismocapitalismo Ainda que muitas vezes 0 racismo seja deixado de lado os adeptos desta corrente jamais isolam a questao do pa triarcado do problema das classes sociais Embora 0 grau de exito destas tentativas varie ha sempre a intenao de nao negligenciar os antagonismos fundamentais que respondem pela opressao de mulhe res minorias etnieas e pobres Como e extremamente dificil tratar todas as contradi5es ao mesmo tempo observase uma tendencia a privilegiar embora ligei ramente uma contradiao em detrimento de outra Neste livro tentouse evitar 0 equivoco da priorizaao de um antagonismo em prejuizo de outro ou outros A Historia mostra a inadequal1o desta estrategia Por isso a estrategia aqui proposta e a do ataque a propria simbiose entre 0 patriarcado 0 racismo e 0 capitalismo Esta proposta tern maior a1cance do que a de atacar simultaneamente todas as contradioes todos os antagonismos Isto significa investir contra a propria fusao dos mencionados esquemas de dominaaoexploraao Se cada um deles representa uma grande fora sua simbiose nao soma a fora que cada urn traz mas potencia esta fora Eis por que a estrategia indicada neste livro parece ser adequa da ao enfrentamento das desigualdades visando a implantaao da democracia au seja atacar 0 no gordio da questao a fim de erra diear as desigualdades sociais Rigorosamente 0 tinico feminismo ra dical do ponto de vista politico e 0 feminismo socialista pois ser radical significa tomar as coisas pela raiz Ainda que se concorde com a afirmaao de Marx de que a raiz das coisas e 0 homem leva se 0 raciocinio da estrategia de luta proposta urn pouco mais adiante a ser humano e efetivamente a raiz de todas as coisas mas a raiz das desigualdades presentes nas sociedades regidas pelo patriarcado racismocapitalismo reside exatamente na ja referida simbiose Ha pois que atacar impiedosamente esta fusao a feminismo aqui defendido como tera seguramente notado 0 leitor nao representa de forma alguma uma guerra contra os ho mens Ao contrario a proposta consiste exatamente na humaniz89ao do homem tambem castrado em muitas dimensoes da vida E para que este processo de humanizaao dos elementos masculinos tenha exito fazse necessario humanizar mulheres e negros Este feminismo 115 J 114 esta muito longe de ser rancoroso ressentido amargo A rigor e 0 oposto disto pois visa a estabelecer a igualdade entre seres humanos para possibilitarlhes 0 desfrute do prazer concebido amplamente Atacando a divisao sexual do trabalho e a marginalizacao do negro seus objetivos caminham na direcao da maior liberdade para todos Por que e1eger a cor e 0 sexo como criterios de atribuicao de papeis sociais impedindo que cada urn escolha livremente seus cam pos de atuacao Na sociedade brasileira nao sao apenas mulheres e negros os impedidos de realizar suas inc1inac6es 0 tipo de abor dagem do fenomeno aqui adotado imp6e que se examine sempre 0 reverso da medalha Assim e precise tomar consciencia de que a prescricao de normas de conduta para estas categorias sociais discri minadas implica necessariamente uma limitacao para os homens Na medida em que certos campos de atuacao sao considerados fe mininos e ou negros 0 homem em geral e 0 branco especialmente fi cam impedidos de ne1es penetrar Desta forma a discriminacao aberta contra uns traz escondida em seu bojo a discriminacao velada contra outros 0 privilegio cons titui tambem uma limitacao E muitas vezes pagase urn preco exor bitante por urn privilegio Vale pois a pena refletir sobre 0 preco a ser pago Certamente muitos conc1uirao pelas vantagens do nao privilegio ou seja pela conveniencia da igualdade social entre todos Urn born exercicio para se decidir se vale a pena ter privile gios de macho e de branco consiste em tentar responder honesta mente a pergunta em ultima instancia a quem beneficiam estes pri vilegios Como ja se indiCou os homens aparentemente sao em maior ou menor grau beneficiarios de tais privilegios Mas a pergun ta vai alem das aparencias ja que inc1ui a expressao em ultima ins tancia Ora quando se examina 0 processo de castracao de que e alvo o homem a fim de que possa exercer seu papel de dominador che gase a conc1usao de que 0 preco e excessivamente alto Evidente mente 0 preco varia de acordo com a c1asse social a que pertence este homem segundo sua cor na proporcao de outras caracteristicas que possa apresentar 0 preco contudo nunca e aquele da tabela situandose entre os polos do preryo com agio ao preryo do mercado negro Por que nunca se trata de pagar 0 preco tabelado Ora por que nao se mostra ao homem ao se educalo para desempenhar 0 papel do macho que isto tern urn preco Desta sorte 0 homem tam bern e vi1ima de urn engodo de urn embuste de uma trapaca o ponto crucial da postura assumida neste livro reside justa mente em nunca se recusar a examinar as conseqUencias para os ho mens das discriminac6es praticadas contra as mulheres Mais do que isto a grande mensagem consiste em mostrar que os homens podem e devem reivindicar seus direitos humanos da mesma forma como muitas mulheres estao procedendo Conquistar a posicao de ser hu mano livre e muito mais do que urn dever e urn direito E este di reito e igualmente valido para homens e mulheres para negros e brancos para ricas e pobres Quando a maioria dos homens que sofrem a dominacao da mi noria poderosa descobrir que seus privilegios significam tambem limitac6es constrangimentos falta de liberdade estara pronta a per ceber como sociais os processos que the pareciam naturais Tendo compreendido 0 processo social de construcao da mulher e do negro enquanto categorias sociais discriminadas a pessoa estara apta a des mistificar a desmascarar a naturalizaryiio da inferioridade daqueles contigentes humanos Se as discriminac6es sao construc6es sociais nao fazem parte intrinseca da mulher e do negro Se foram socialmente construidas podem ser tambem socialmente destruidas com vistas a instauracao da verdadeira Democracia E esta eonstitui uma tarefa sobretudo de jovens ainda que os rnais velhos possam colaborar Muitos jovens ja perceberam os limites da eficacia da irreve rencia Sabem que se rebelam contra modelos impostos por adultos mas acabam copiando fielmente tais arquetipos A Hist6ria mostrou amplamente que a irreverencia e necessaria porem nao suficiente para levar a born termo profundas transformac6es sociais f chega do pois 0 momenta de ultrapassar a posicao de irreverencia e ir adentrando a postura do questionamento transformador que exige responsabilidade Ou seja questionar visando a transformar implica ser ollservador arguto estudioso serio comprometido com a causa da Democracia 0 restci e constituido de pormenores que a vida co tidiana de cada qual se encarregara de fornecer 0 importante ago ra e firmar 0 compromisso com a causa da liberdade da igualdade social enfim da democracia No que tange as re1ac6es de genero entre homens e mulheres existem de ha muito artistas reverenciando a tao desejada Demo cracia Ilustra bern esta questao 0 belissimo poema que constitui a letra da musica que Taiguara compos in memJriam para Leila Di niz logo apos sua tragica morte em urn acidente aereo 1 116 117 Essa menina livre Essa menina livre que Deus chamou Essa mulher d sol que se deu e amou Essa viola amiga que harmonizou guerra e liberdade Essa bruxa solta pela cidade Nao vai partir nao vai morrer Essa verdade santa que fez igual o coraao e a carne e 0 bern e 0 mal Essa paixao d vidro que abria 0 peito de quem sofria Que abria a porta que nao sabia Nao vai secar nao vai calar E esses amantes livres que jii nasceram Vao ser iguais no amor homens e mulheres Vao ser 0 mesmo barro do mesmo chao A mesIIJa porta abrta com a mesma mao Lii fora a mesma chance e 0 mesmo perdao Que de tua boca nao saia mais o que faz dois amantes dois desiguais E que na tua boca nao entre mais essa diferenca Que faz culpada uma companheira que vern somar que vern amar E essa menina livre que Deus chamou Essa mulher de sol que se deu e amou Essa viola amiga que harmonizou guerra e liberdade Essa bruxa solta pela cidade Nao vai partir nao vai morrer VAl VIVER DO AMOR DE CADA MULHER SUGEST6ES DE LEITURA CARNEIRO Sueli SANTOS Thereza Mulher negra Sao Paulo Nobel Conselho Estadual da Condilao Feminina 1985 Este livro tratou de reunir os dados disponiveis no pais a fim de demons trar as discriminaloes que se praticam contra os negros em geral e especial mente as negras no Brasil COMBES Daniele HAICAULT Monique Production et reproduction rapports sociaux de sexes et de classes Le sexe du travail Presses Univer sitaires de Grenoble 1984 Neste artigo as autoras propoemse a realizar uma aniilise das relaloes de genero centrada na simbiose entre 0 patriarcado e 0 capitalismo Todavia a tentativa nao foi plenamente realizada na medida em que as autoras situam o fenomeno da domina9ao segundo elas tipico do patriarcado nO terreno politicoideologico reservando para 0 capitalismo que divide a sociedade em classes sociais 0 fenomeno da exploraliio Ao separarem os fenomenos da dominaliio que vinculam ao patriarcado e da exploraliio que ligam ao capitalismo as autoras frustram sua propria proposta ou seja de analisar a osmose entre os dois sistemas EISENSTEIN Zillah Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism Edited by Zillah Eisenstein New York Monthly Review Press 1979 A autora situa 0 fenomeno do patriarcado no contexte da sociedade capitalista tentando lidar simultaneamente com os dois fenomenos Entretanto como 0 proprio titulo do trabalho indica a autora privilegia 0 patriarcado Este sistema e usado na forma substantiva e qualificado pelo capitalismo utilizado na forma adjetiva patriarcado capitalista Ora se urn sistema quali fica 0 outro os dois niio gozam da mesma importancia 0 que e qualificado e mais importante mais duradouro mais decisivo 0 que qualifica e passa geiro efemero secundiirio A aniilise desenvolvida por esta autora permitiria inferir que houve urn patriarcado escravista urn patriarcado feudal da mesma maneira como hti na terminologia empregada no proprio titulo de sua obra urn patriarcado capitalista Assim 0 sistema estruturador das rela90es sociais que perdura e 0 patriarcado que ao longo da Historia vai sendo qualificado pelos diferentes sistemas economicos 118 119 SAFFIOTI Heleieth lara Bongiovani For9a de trabalho feminina no interior das cifras trabalho apresentado no Congresso da UNESCO em 1984 na lugoshivia e publicado pela Revista Perspectivas Sao Paulo Revista de Cien cias Sociais Publica9ao UNESP 8 1985 A autora fundamenta teoricamente a tese da simbiose entre 0 patriarcado e 0 capitalismo atribuindo a mesma importancia a ambos Contra a tese de Eisenstein CQntrapoe 0 fracasso de todas as lutas que priorizaram qualquer das contradi90es propondo uma nova estrategia que consiste em atacar a propria simbiose Critica Combes e Haicault pelo fato de estas autoras con siderarem como tipica do patriarcado a dominaliio que entendem como feno menD situado exclusivamente no dominio politicoideoI6gico ede imputarem a exporaliio puramente ao fenomeno das classes sociais isto e do capita lismo As referidas autoras comprometem a propria ideia de simbiose quando separam os dois conceitos da forma radical como 0 fazem Ademais esta separa9ao indica que elas nao concebem a reaIidade social como una Ao contnlrio distinguem na realidade social esferas distintas as quais correspbn dem fenomenos tambem distintos Desta forma embora proponham realizar uma analise materialista das rela90es sociais acabam resvalando numa meto I dologia completamente distinta da ao sociologo Max Weber conhecido seja conceitos paradigmaticos dos maior ou menor grau de Marx e filiada em ultima instancia 1 como 0 formulador de tipos ideais ou 1 quais a realidade social se aproxim em f I I SAFFIOTI H I B FERRANTE Vera L S B Formas de participa9ao da I mulher em movimentos sociais in Politica e administraliio revista publicada pela FESP Rio de Janeiro n 2 1985 o artigo consiste na aplica9ao do arcabou90 te6rico exposto no artigo I mencionado no item 4 aos movimentos sociais liderados por mulheres ou com densidade ferninina pondenivel I j 120