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Direito Penal

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Semelhanças e diferenças entre a Lei de Crimes Financeiros contra o Sistema Financeiro Nacional e a Falsidade ideológica Citações de autores Exemplos de casos que ocorreram no Brasil e no mundo Bibliografia Semelhanças e diferenças entre a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e a Falsidade ideológica Citações de autores Exemplos de casos que ocorreram no Brasil e no mundo Bibliografia CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E FALSIDADE IDEOLÓGICA 1 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE A LEI DE CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E A FALSIDADE IDEOLÓGICA A análise comparativa entre a Lei nº 7492 de 1986 que trata dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e o crime de falsidade ideológica previsto no art 299 do Código Penal demonstra semelhanças e diferenças tanto no que se refere aos aspectos jurídicos quanto aos objetivos e à abrangência de cada delito Embora ambos os crimes compartilhem características comuns como a violação de bens jurídicos relevantes para o Estado e a sociedade também apresentam distinções marcantes quanto à sua tipificação e contexto de aplicação 11 Semelhanças Tanto os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional quanto a falsidade ideológica visam proteger bens jurídicos essenciais para a estabilidade social e econômica No caso dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional o bem jurídico protegido é a ordem financeira e a integridade das instituições financeiras enquanto na falsidade ideológica o foco é a fé pública que consiste na confiança depositada pela sociedade na veracidade e autenticidade dos documentos Ambos os crimes têm como finalidade última garantir o bom funcionamento das relações econômicas sociais e institucionais assegurando que tanto o sistema financeiro quanto os documentos que circulam na sociedade reflitam a realidade de forma correta e íntegra 12 Meio de Execução Em ambas as legislações a falsidade pode ser um elemento central da conduta criminosa Nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a falsidade muitas vezes é utilizada como instrumento para a prática de crimes como lavagem de dinheiro gestão fraudulenta e evasão de divisas Essas práticas podem envolver a criação ou manipulação de documentos falsos para ocultar a origem ilícita de recursos ou para dissimular operações financeiras fraudulentas De maneira similar a falsidade ideológica também envolve a criação de declarações falsas ou a omissão de informações relevantes em documentos com a intenção de obter vantagens indevidas ou de enganar terceiros 13 Caráter Doloso Tanto a falsidade ideológica quanto os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são caracterizados por ações dolosas ou seja requerem a intenção consciente do agente em praticar o ato ilícito Não há previsão para a modalidade culposa em ambos os crimes Assim a vontade deliberada de alterar a verdade ou de enganar autoridades ou terceiros é um elemento essencial em ambas as tipificações 14 Diferenças Uma das principais diferenças entre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e a falsidade ideológica reside no contexto de aplicação A falsidade ideológica conforme o art 299 do Código Penal pode ocorrer em qualquer documento público ou particular abrangendo uma vasta gama de situações desde falsificações em contratos recibos até declarações falsas em documentos administrativos Em contraste os crimes contra o SFN previstos na Lei nº 749286 são específicos do setor financeiro e afetam instituições financeiras reguladas como bancos corretoras de valores e seguradoras Os crimes dessa lei visam proteger a estrutura econômica e as operações financeiras o que restringe seu campo de atuação ao âmbito econômico e institucional 15 Objeto Jurídico Tutelado Enquanto o bem jurídico protegido pela falsidade ideológica é a fé pública ou seja a confiança social nos documentos e registros públicos e privados os crimes contra o SFN têm como objeto jurídico a ordem econômica e financeira do país A falsidade ideológica foca na garantia de que os documentos que circulam na sociedade são verdadeiros e refletem a realidade dos fatos protegendo assim a credibilidade das informações Por outro lado os crimes contra o SFN têm uma abordagem mais ampla e econômica buscando assegurar que as instituições financeiras atuem dentro dos parâmetros legais e regulatórios estabelecidos para manter a estabilidade do mercado financeiro 16 Penalidade e Sanções As penalidades previstas também variam entre as duas legislações A falsidade ideológica se praticada em documentos públicos é punida com reclusão de um a cinco anos e multa e se praticada em documentos particulares com reclusão de um a três anos e multa Já os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional podem ter penalidades significativamente mais severas dependendo da gravidade da infração Por exemplo a gestão fraudulenta de uma instituição financeira prevista no art 4º da Lei nº 749286 é punida com reclusão de três a doze anos e multa e a gestão temerária com reclusão de dois a oito anos e multa As penas mais severas refletem a gravidade dos danos que esses crimes podem causar à economia como um todo 17 Requisitos Específicos para a Configuração A falsidade ideológica exige para sua configuração que o documento seja materialmente verdadeiro mas contenha informações falsas ou omissões que alterem a realidade dos fatos de forma relevante Por outro lado os crimes contra o SFN além de poderem envolver falsidades requerem elementos adicionais como a fraude ou gestão inadequada de recursos financeiros que afetam diretamente o sistema econômico Assim a falsidade ideológica pode ocorrer em contextos mais amplos e diversificados enquanto os crimes contra o SFN estão vinculados a práticas que envolvem manipulação financeira e violações às normas de regulação financeira 2 CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional SFN são uma categoria de delitos que afetam diretamente a integridade do sistema econômico e financeiro de um país No Brasil esses crimes estão tipificados na Lei nº 7492 de 16 de junho de 1986 conhecida como a Lei dos Crimes de Colarinho Branco Essa legislação foi criada com o objetivo de regular punir e coibir práticas delituosas no âmbito do sistema financeiro especialmente aquelas que envolvem fraudes má gestão e desvio de recursos em instituições financeiras A referida lei abrange tanto pessoas físicas quanto jurídicas independentemente de seu status social evidenciando que até mesmo indivíduos de alta posição podem ser penalizados quando cometem infrações dessa natureza 21 Crimes Financeiros Para compreender os crimes contra o sistema financeiro é necessário diferenciálos dos golpes financeiros comuns como o estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro Enquanto o estelionato visa a obtenção de vantagens indevidas por meio de engano afetando diretamente o patrimônio da vítima os crimes financeiros são delitos que prejudicam a ordem financeira do país Aqui o bem jurídico tutelado é a estabilidade e a confiabilidade do Sistema Financeiro Nacional conforme estabelecido na Lei nº 749286 De acordo com a definição legal esses crimes envolvem ações fraudulentas ou irregulares que comprometem a operação de instituições financeiras sejam elas públicas ou privadas Em seu aspecto mais amplo a legislação brasileira visa proteger o SFN contra fraudes má gestão lavagem de dinheiro evasão de divisas entre outras infrações Essas práticas quando cometidas colocam em risco não apenas a confiança pública nas instituições financeiras mas também o funcionamento estável da economia como um todo Como resultado os crimes financeiros podem ter efeitos devastadores para a sociedade já que minam a confiança no sistema bancário provocam crises financeiras e afetam negativamente a economia real Principais Modalidades de Crimes Financeiros Entre as modalidades mais comuns de crimes contra o Sistema finacneiro destacamse Caixa Dois Frequentemente associado a campanhas eleitorais o caixa dois envolve o recebimento de doações não declaradas à Justiça Eleitoral Essa prática visa obter vantagens financeiras não contabilizadas o que pode comprometer a transparência no processo eleitoral e em última instância corromper o sistema político A lei trata essas práticas como formas de desvio de recursos financeiros que impactam diretamente na ordem econômica do país Lavagem de Dinheiro A lavagem de dinheiro é o processo pelo qual os recursos oriundos de atividades ilícitas como tráfico de drogas ou corrupção são inseridos no sistema financeiro com o objetivo de parecerem lícitos A Lei nº 96131998 que trata especificamente da lavagem de dinheiro exige que as instituições financeiras implementem mecanismos de controle e monitoramento de transações suspeitas Esse crime além de afetar o sistema financeiro está frequentemente associado a organizações criminosas de grande porte Sonegação de Impostos A sonegação fiscal envolve a omissão ou falsificação de informações ao fisco para evitar o pagamento de impostos Embora pareça um crime comum suas consequências são graves para a economia já que privam o Estado de recursos essenciais para investimentos públicos como saúde educação e infraestrutura A sonegação fiscal é tipificada tanto no Código Penal Brasileiro quanto na Lei nº 749286 como um crime contra a ordem econômica Evasão de Divisas A evasão de divisas prevista no art 22 da Lei nº 749286 consiste no envio de dinheiro para o exterior sem a devida declaração à Receita Federal A evasão de divisas impede o controle estatal sobre transações financeiras internacionais e compromete a arrecadação de impostos e a política monetária do país Este crime tem implicações diretas na desestabilização do Sistema financeiro pois pode desencadear desequilíbrios cambiais e enfraquecer a moeda nacional 22 Gestão Fraudulenta e Gestão Temerária Entre os crimes mais graves previstos na Lei dos Crimes de Colarinho Branco estão a gestão fraudulenta e a gestão temerária de instituições financeiras A gestão fraudulenta tipificada no art 4º da Lei nº 749286 ocorre quando os gestores de uma instituição financeira realizam operações com o intuito de enganar investidores ou autoridades reguladoras seja para obter vantagens indevidas ou para ocultar fraudes Esse crime pode ser punido com reclusão de três a doze anos e multa conforme o grau de prejuízo causado à instituição e à ordem financeira Por sua vez a gestão temerária está prevista no parágrafo único do mesmo artigo e envolve a condução irresponsável e arriscada das operações financeiras A gestão temerária é um crime de perigo abstrato o que significa que não é necessário que o prejuízo ocorra efetivamente para que o delito se configure Basta que o gestor tenha assumido riscos acima dos permitidos pelas normas estabelecidas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional para que haja a imputação penal A pena para a gestão temerária varia de dois a oito anos de reclusão além de multa 23 Ambiguidade entre Gestão Fraudulenta e Gestão Temerária Uma questão controversa na aplicação da Lei dos Crimes de Colarinho Branco é a distinção entre gestão fraudulenta e gestão temerária Como observado por André Callegari a redação do art 4º da Lei nº 749286 é vaga permitindo que uma ampla gama de condutas sejam consideradas fraudulentas sem uma definição clara do que constitui fraude no contexto financeiro Tal ambiguidade pode comprometer a segurança jurídica e resultar em interpretações divergentes nos tribunais deixando ao critério do juiz a definição da gravidade do delito Callegari ainda ressalta que a distinção entre os dois tipos de gestão não é evidente o que pode levar a interpretações arbitrárias por parte dos magistrados CALLEGARI 2005 Por outro lado a gestão temerária é frequentemente mal interpretada como sinônimo de má administração No entanto conforme a teoria da imputação objetiva defendida por doutrinadores como Luciano Feldens a gestão temerária deve ser caracterizada pela assunção de riscos além do permitido colocando em risco a estabilidade do SFN Dessa forma não se trata apenas de imprudência administrativa mas de uma violação deliberada das normas de prudência estabelecidas para garantir a segurança do sistema financeiro FELDENS CARRION 2013 A falsidade ideológica prevista no art 299 do Código Penal configurase como um crime contra a fé pública e é amplamente discutida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência Tratase de um delito que se caracteriza pela modificação ou adulteração do conteúdo de um documento seja ele público ou particular com o propósito de criar alterar ou extinguir direitos ou ainda de modificar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes O crime não implica na alteração material do documento em si como ocorre nos crimes de falsificação de documentos públicos ou particulares art 297 e art 298 do Código Penal mas sim na alteração de seu conteúdo ideológico 3 Conceito de Falsidade Ideológica A falsidade ideológica envolve a inserção de informações falsas ou a omissão de informações que deveriam constar em um documento com a intenção de alterar a verdade de um fato relevante para o direito Esse delito pode ocorrer em documentos públicos ou particulares sendo a pena mais severa nos casos que envolvem documentos públicos uma vez que a fé pública é diretamente afetada Conforme o art 299 do Código Penal a pena para a falsidade ideológica em documentos públicos varia entre um a cinco anos de reclusão enquanto nos documentos particulares a pena é de um a três anos de reclusão ambos com a possibilidade de multa A ação penal é pública incondicionada ou seja o Ministério Público é responsável por promover a ação independentemente da vontade da vítima Além disso o crime admite a tentativa sendo um delito plurissubsistente onde a conduta é formada por diferentes atos que juntos configuram o delito 31 Diferenças entre Falsidade Ideológica e Falsificação de Documentos É fundamental distinguir a falsidade ideológica da falsificação de documentos No caso da falsidade ideológica o documento em si é materialmente verdadeiro mas contém uma informação inverídica Em contraste a falsificação de documentos públicos ou particulares prevista nos artigos 297 e 298 do Código Penal referese à adulteração física do documento como a falsificação de assinaturas ou a criação de um documento inteiramente falso Como ensina Cezar Roberto Bittencourt a falsidade material altera o aspecto formal do documento construindo um novo ou alterando o verdadeiro a falsidade ideológica por sua vez altera o conteúdo do documento total ou parcialmente mantendo inalterado seu aspecto formal BITTENCOURT 2017 Um exemplo claro de falsidade ideológica é a assinatura de um recibo de pagamento de uma dívida que não foi quitada Nesse caso o documento é materialmente verdadeiro mas seu conteúdo está em desacordo com a realidade dos fatos A falsidade ideológica também pode ocorrer em casos de inserção de informações falsas em documentos oficiais como declarações de renda ou contratos com a intenção de enganar terceiros ou autoridades 32 Aplicação do Princípio da Consunção No direito penal brasileiro o princípio da consunção é aplicado quando um crime é considerado meio para a prática de outro crime absorvendose o crime menos grave pelo mais grave Esse princípio é frequentemente utilizado em casos que envolvem a falsidade ideológica como crime meio para a execução de outros crimes Por exemplo em casos de estelionato a falsidade ideológica pode ser considerada uma fase de execução sendo absorvida pelo crime de estelionato conforme a Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça STJ Quando o falso se exaure no estelionato sem mais potencialidade lesiva é por este absorvido STJ Súmula 17 A aplicação do princípio da consunção entretanto exige uma análise cuidadosa do caso concreto Quando o crime de falsidade ideológica é cometido de forma autônoma sem estar vinculado à prática de outro delito a conduta deve ser julgada de forma independente com a aplicação das penas previstas no art 299 do Código Penal 33 Majoração da Pena e Funcionário Público A pena para o crime de falsidade ideológica pode ser agravada em determinadas circunstâncias conforme o parágrafo único do art 299 A majoração da pena ocorre quando o crime é cometido por um funcionário público que se prevalece de seu cargo para a prática do delito ou ainda quando a falsificação ou alteração recai sobre assentamento de registro civil como certidões de nascimento ou casamento Nesses casos a pena é aumentada de um sexto A razão para a majoração da pena é o maior grau de confiança que a sociedade deposita em funcionários públicos e na veracidade dos registros civis o que agrava a ofensa à fé pública 34 Falsidade Ideológica no Contexto Eleitoral A falsidade ideológica também é um crime previsto no Código Eleitoral especificamente no art 350 que tipifica a conduta de omitir ou inserir declarações falsas em documentos públicos ou particulares para fins eleitorais Um exemplo comum desse crime é a inserção de informações falsas em documentos de prestação de contas de campanhas eleitorais A pena prevista para o crime eleitoral de falsidade ideológica é de reclusão de até cinco anos e multa aplicandose o regime de penas mais severo do que o crime de falsidade ideológica comum dada a importância da transparência no processo eleitoral Casos julgados nos tribunais eleitorais frequentemente envolvem a falsidade ideológica eleitoral especialmente no que diz respeito à omissão de recursos ou despesas nas prestações de contas eleitorais Como destacado no julgado TRERS RC 9296 BARRA DO RIBEIRO RS a inserção de documentos falsos em processos de prestação de contas pode configurar falsidade ideológica eleitoral desde que comprovada a intenção de fraudar o processo TRERS 2019 35 Relação entre Falsidade Ideológica e Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional A falsidade ideológica é frequentemente utilizada como crimemeio para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional SFN A Lei nº 74921986 que trata dos crimes contra o sistema financeiro prevê diversas condutas criminosas que podem ser facilitadas por meio da falsidade ideológica como a lavagem de dinheiro a evasão de divisas e a gestão fraudulenta Nesses casos a falsidade ideológica pode ser utilizada para ocultar a origem ilícita de recursos dissimular transações financeiras ou enganar autoridades regulatórias Por exemplo na lavagem de dinheiro a falsidade ideológica pode ser empregada para criar documentos falsos que disfarçam a origem dos recursos como contratos fictícios ou declarações falsas de origem de bens No caso da evasão de divisas a inserção de informações falsas em documentos que declaram a remessa de valores para o exterior pode ser considerada um ato de falsidade ideológica uma vez que a omissão ou alteração de dados relevantes interfere diretamente no controle estatal das operações financeiras internacionais Além disso a gestão fraudulenta de instituições financeiras tipificada no art 4º da Lei nº 749286 também pode envolver a falsidade ideológica Gestores de instituições financeiras podem inserir declarações falsas em balanços ou relatórios financeiros com o objetivo de enganar investidores ou órgãos reguladores Essas práticas comprometem a integridade do sistema financeiro afetando a confiança do público nas instituições financeiras e no próprio mercado O crime de falsidade ideológica tem como principal objeto de tutela a fé pública que é o bem jurídico protegido nos crimes que envolvem a confiança da sociedade na autenticidade e veracidade dos documentos A fé pública é fundamental para o funcionamento adequado das relações sociais e econômicas uma vez que muitos atos jurídicos dependem da veracidade das declarações contidas em documentos públicos e particulares Quando a falsidade ideológica é praticada no contexto do sistema financeiro o impacto pode ser ainda mais grave pois afeta diretamente a ordem econômica A inserção de informações falsas em documentos financeiros como balanços relatórios de auditoria ou declarações fiscais pode comprometer a confiança dos investidores desestabilizar o mercado e provocar crises econômicas Nesse sentido a falsidade ideológica quando utilizada para fraudar o sistema financeiro assume uma dimensão que vai além da violação da fé pública atingindo a própria estabilidade econômica do país A falsidade ideológica prevista no art 299 do Código Penal Brasileiro é um crime de ampla aplicação no direito penal brasileiro tendo como principal objeto de proteção a fé pública Sua distinção em relação aos crimes de falsificação de documentos reside na natureza da alteração enquanto na falsidade ideológica o documento é materialmente verdadeiro mas contém informações inverídicas na falsificação o próprio documento é adulterado 4 Análise do Caso Falsidade Ideológica e o Princípio da Consunção no Contexto Penal O caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF4 envolvendo a prática de falsidade ideológica por uma mulher que se passou por sua irmã falecida para obter documentos de identidade e passaporte oferece uma análise significativa sobre a aplicação do artigo 299 do Código Penal que trata desse crime e o princípio da consunção que regula a absorção de crimes menores pelos crimesfim A ré foi condenada por dois delitos de falsidade ideológica o primeiro por se identificar como sua irmã para obter um documento de identidade e o segundo por utilizar esse documento para solicitar um passaporte Apesar da defesa alegar que os dois crimes deveriam ser considerados um só absorvendose o primeiro pelo segundo conforme o princípio da consunção a 7ª Turma do TRF4 rejeitou tal argumento mantendo a condenação pelos dois crimes de forma autônoma A falsidade ideológica conforme estabelecido pelo art 299 do Código Penal Brasileiro protege a fé pública que é a confiança depositada pela sociedade nos documentos públicos e particulares A fé pública garante que os atos praticados por indivíduos e autoridades baseados nesses documentos tenham validade e legitimidade No caso em análise o crime de falsidade ideológica ocorreu em duas instâncias na obtenção de um documento de identidade falso e na solicitação de um passaporte utilizando o referido documento A jurisprudência brasileira entende que a falsidade ideológica é um crime formal ou seja a consumação do delito não depende da produção de um resultado naturalístico como um dano concreto A simples prática da falsidade já configura a infração penal independentemente de qualquer consequência posterior Isso foi ressaltado pela desembargadora federal Cláudia Cristina Cristofani ao afirmar que a norma penal visa proteger a fé pública e que o crime se caracteriza pela simples realização da conduta ilícita O princípio da consunção amplamente aplicado no direito penal estabelece que o crimemeio aquele praticado como um passo necessário para a realização de outro delito pode ser absorvido pelo crimefim quando este representa o resultado final almejado pelo agente No entanto para que esse princípio seja aplicado é necessário que o crime menor não tenha um impacto autônomo ou que sua prática esteja exaurida no crime maior No caso analisado a defesa da ré argumentou que a confecção da carteira de identidade falsa deveria ser absorvida pelo crime de falsidade ideológica praticado na solicitação do passaporte uma vez que o objetivo final da ré era a obtenção do passaporte para fins de migração Segundo essa tese a falsidade ideológica relacionada à obtenção do RG seria apenas um meio para alcançar o fim desejado sendo portanto absorvida pelo segundo crime No entanto a 7ª Turma do TRF4 discordou dessa argumentação decidindo pela autonomia dos delitos A relatora do caso destacou que a potencialidade lesiva do primeiro crime a obtenção de uma carteira de identidade falsa não se exauria no segundo crime a solicitação de um passaporte O documento de identidade falsificado segundo a desembargadora poderia ser utilizado para outros fins ilícitos além da obtenção do passaporte Portanto o documento falso teria valor independente e poderia ser utilizado em múltiplas ocasiões para a prática de outros crimes A decisão do TRF4 reafirma a importância de considerar a potencialidade lesiva de cada crime A simples obtenção de um documento de identidade falso já configura uma infração penal grave pois compromete a confiança do público na autenticidade dos documentos emitidos pelo Estado A desembargadora Cláudia Cristina Cristofani ressaltou que mesmo que o documento falso não seja utilizado para outro fim além da obtenção do passaporte o fato de ele poder ser utilizado para outras finalidades ilícitas justifica a condenação separada pelos dois crimes Essa interpretação vai ao encontro da jurisprudência consolidada que determina que nos casos em que há a utilização de documentos falsos para a prática de mais de um delito cada crime deve ser analisado de forma autônoma especialmente quando os delitos praticados possuem potencialidade lesiva independente A decisão do TRF4 tem importantes implicações para a interpretação do princípio da consunção no direito penal brasileiro Ela reforça que o uso de documentos falsos pode configurar delitos distintos e que a simples obtenção de um documento falso já constitui uma infração completa e autônoma Mesmo que o documento seja utilizado como meio para a prática de outro crime isso não elimina a gravidade do crime anterior Ademais a sentença reafirma a proteção da fé pública como um dos pilares do ordenamento jurídico penal destacando que a manipulação de documentos públicos ou particulares tem um impacto significativo na confiança social e na legitimidade das instituições O caso julgado pelo TRF4 demonstra a gravidade do crime de falsidade ideológica especialmente quando se trata da obtenção e utilização de documentos de identidade falsos Ao manter a condenação por dois delitos autônomos de falsidade ideológica a corte reafirma a importância de proteger a fé pública e a confiança nos documentos oficiais Além disso a decisão esclarece a aplicação do princípio da consunção estabelecendo que quando a potencialidade lesiva de um documento falso não se limita a um único crime cada delito deve ser punido de forma independente 5 Referências CALLEGARI André Gestão Fraudulenta e Temerária Reflexões Sobre a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional Revista dos Tribunais 2005 BOTTINI Pierpaolo Cruz Crimes de Perigo Abstrato e Princípio da Precaução na Sociedade de Risco Revista dos Tribunais 2007 FELDENS Luciano CARRION Thiago Zucchetti Notas Críticas Acerca da Tipicidade nos Delitos Penais Econômicos O viés concreto de análise sobre o delito de gestão temerária no artigo 4 da Lei 749286 Revista de Direito Penal 2013 BITTENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal 22ª ed São Paulo Saraiva 2017 GRECO Rogério Curso de Direito Penal 21ª ed Rio de Janeiro Impetus 201 BRASIL Código Penal DecretoLei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940 BRASIL Lei nº 7492 de 16 de junho de 1986 Define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras providências