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Cláudio Pereira de Souza Neto Daniel Sarmento Direito Constitucional Teoria história e métodos de trabalho EDITORA Fórum DIREITO CONSTITUCIONAL TEORIA HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABALHO CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO DANIEL SARMENTO Belo Horizonte 2012 S729d Souza Neto Cláudio Pereira de Direito constitucional teoria história e métodos de trabalho Cláudio Pereira de Souza Neto Daniel Sarmento Belo Horizonte Fórum 2012 1 ed Belo Horizonte Fórum 2012 1233 KB epub Produção da versão eletrônica 2012 ISBN 9788577006274 1 Direito constitucional 2 Direito público I Título CDD 3412 CDU 342 Nota Prévia As citações em língua estrangeira constantes do texto foram traduzidas livremente pelos autores SUMÁRIO APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 1 CONCEITOS PRELIMINARES 11 Supremacia constitucional 12 A Constituição como norma 13 O problema da legitimidade intergeracional 14 O controle de constitucionalidade 15 A dificuldade contramajoritaria 16 Cultura e sentimento constitucional 17 A constitucionalização do Direito 18 Bloco de constitucionalidade e tratados internacionais sobre direitos humanos 19 Constituição em sentido formal instrumental material e ideal 110 Classificações das constituições 1101 Observação prévia 1102 Constituições escritas ou dogmáticas e não escritas ou históricas 1103 Constituições flexíveis semirrígidas rígidas superrígidas e imutáveis 1104 Constituições sintéticas e analíticas 1105 Constituição dirigente e Constituição garantia 1106 Constituição monista pluralista ou compromissória e imparcial 1107 Constituições normativas nominais semânticas e simbólicas 1108 Constituições outorgadas promulgadas e cesaristas 1109 Constituições heterônomas CAPÍTULO 2 CONSTITUCIONALISMO 21 Introdução 22 O constitucionalismo antigo e medieval 23 O constitucionalismo moderno 231 O modelo inglês de constitucionalismo 232 O modelo francês de constitucionalismo 233 O modelo constitucional norteamericano 24 O constitucionalismo liberalburguês 25 O constitucionalismo social 26 Da Constituição como proclamação política à Constituição normativa 27 Constituição e crise da soberania estatal malestar da Constituição ou advento do constitucionalismo transnacional CAPÍTULO 3 A TRAJETÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 31 Introdução 32 A Constituição de 1824 321 Antecedentes e outorga 322 Traços essenciais da Constituição de 1824 323 A vida constitucional sob a égide da Carta de 1824 33 A Constituição de 1891 331 Antecedentes e Assembleia Constituinte 332 Traços essenciais da Constituição de 1891 333 A República Velha sob a Constituição de 1891 34 A Constituição de 1934 341 Antecedentes e Assembleia Constituinte 342 A Constituição de 1934 principais características 343 A curta vida da Constituição de 1934 35 A Constituição de 1937 351 A outorga da Carta 352 Traços fundamentais da Carta de 1937 353 A Constituição de 1937 na vida nacional 36 A Constituição de 1946 361 Antecedentes e Assembleia Constituinte 362 Traços essenciais da Constituição de 1946 363 A Constituição de 1946 na realidade nacional 37 A Constituição de 1967 371 Antecedentes e Assembleia Constituinte 372 Traços gerais da Constituição de 1967 373 A Constituição de 1967 e o recrudescimento da Ditadura Militar 38 A Constituição de 1969 381 Outorga natureza e principais inovações 382 A Constituição de 1969 na vida nacional CAPÍTULO 4 A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 198788 E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA SOB A CONSTITUIÇÃO DE 88 41 Introdução 42 Antecedentes convocação e natureza da Assembleia Constituinte 43 Composição da Assembleia Constituinte 44 Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte 45 Traços essenciais da Constituição de 1988 46 A trajetória da Constituição de 88 47 Conclusão CAPÍTULO 5 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E FILOSOFIA CONSTITUCIONAL 51 Nota preliminar 52 Teorias da Constituição 521 A teoria constitucional do constitucionalismo liberal o idealismo constitucional 522 A Constituição como fato social os fatores reais de poder 523 O positivismo constitucional de Hans Kelsen 524 A Constituição como decisão política fundamental Carl Schmitt 525 A Constituição como processo de integração Rudolf Smend 526 A Constituição total a tentativa de integração das dimensões normativas sociais e políticas Herman Heller 527 Norma realidade e concretização da Constituição as teorias concretista Konrad Hesse e estruturante Friedrich Müller da Constituição 528 A teoria da Constituição dirigente 529 O constitucionalismo da efetividade 5210 Póspositivismo e neoconstitucionalismo 53 Filosofia Política e teoria constitucional 531 Liberalismo igualitário e Constituição 532 Teoria constitucional e comunitarismo a Constituição e os valores comunitários 533 Teoria constitucional e libertarianismo 534 O republicanismo na teoria constitucional 535 O procedimentalismo na teoria constitucional 536 O constitucionalismo popular e a Constituição como inspiração para a política 537 Pragmatismo e teoria constitucional 538 PósModernidade e teoria constitucional 54 A título de conclusão a teoria constitucional no momento das grandes sínteses 541 Descrição e prescrição 542 Normatividade realidade e moralidade 543 Procedimento e substância 544 Indivíduo e comunidade 545 Jurisdição e política constitucional CAPÍTULO 6 O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 61 Introdução 62 Poder constituinte elementos da história do conceito 63 A titularidade do poder constituinte 64 Características do poder constituinte originário inicial ilimitado indivisível incondicionado e permanente 641 Um poder inicial 642 Um poder juridicamente ilimitado 643 Um poder incondicionado 644 Um poder indivisível 645 Um poder permanente 65 Um poder de fato ou de direito 66 Os cenários do poder constituinte 661 Revolução vitoriosa 662 A criação de um novo Estado por agregação 663 Emancipação política 664 O colapso 665 Grave crise 666 O golpe de Estado 667 A transição pacífica 668 Momentos constitucionais sem Constituição 669 Poder constituinte supranacional O caso da União Europeia 67 O poder constituinte sem mistificações teológicas CAPÍTULO 7 O PODER CONSTITUINTE DERIVADO 71 Introdução 72 O poder de reforma constitucional generalidades e limitações 721 Limites formais 7211 Generalidades e Direito Comparado 7212 Os limites formais às emendas na Constituição de 88 722 Os limites circunstanciais 723 Limites temporais 724 Limites materiais as cláusulas pétreas 7241 Generalidades 7242 Algumas linhas de justificação dos limites materiais ao poder de reforma 7243 Os limites materiais expressos ao poder de reforma na Constituição Federal de 1988 72431 A forma federativa de Estado 72432 O voto direto secreto universal e periódico 72433 A separação dos poderes 72434 Os direitos e garantias individuais 7244 As cláusulas pétreas implícitas e o problema da dupla revisão 725 A revisão constitucional 726 A aprovação de tratado internacional de direitos humanos de acordo com o procedimento previsto no art 5º 3º da Constituição 73 O poder constituinte decorrente 731 Elaboração e reforma das constituições estaduais procedimento 732 Os limites às constituições estaduais 733 Existe o princípio da simetria 734 As constituições estaduais o papel que atualmente desempenham 735 A lei orgânica do município é manifestação do poder constituinte decorrente CAPÍTULO 8 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL 81 Conceito e generalidades 82 Mecanismos de atuação da mutação constitucional 821 Evolução jurisprudencial e mutação constitucional 822 Mutação constitucional e atuação do legislador 823 Mutação constitucional Governo e Administração Pública 824 Mutação costume e convenção constitucional 83 Os limites da mutação constitucional CAPÍTULO 9 NORMAS CONSTITUCIONAIS 91 Introdução 92 Texto normativo e norma constitucional 93 Algumas características das normas constitucionais 94 Especificidades de algumas normas constitucionais 941 O preâmbulo 942 As disposições constitucionais transitórias 95 Tipologia das normas constitucionais 951 Classificações das normas constitucionais quanto à eficácia jurídica 952 Classificação das normas constitucionais quanto ao seu objeto 96 Princípios e regras constitucionais 961 Nota histórica 962 Alguns critérios para distinção entre princípios e regras 963 Importância dos princípios e das regras no sistema constitucional 964 Valores e postulados normativos CAPÍTULO 10 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 101 Introdução 102 Notas históricas do formalismo legalista ao póspositivismo 103 Quem interpreta a Constituição 1031 A pluralização do universo de intérpretes 1032 Os diálogos interinstitucionais e sociais e a questão da última palavra 104 Os elementos tradicionais de interpretação aplicados à interpretação constitucional 1041 O elemento gramatical e os limites textuais para a atividade do intérprete 1042 O elemento histórico o originalismo e a vontade do constituinte 1043 O elemento sistemático e a unidade do sistema constitucional 1044 O elemento teleológico e as finalidades sociais da Constituição 105 Novas ideias na interpretação constitucional 1051 A précompreensão 1052 Interpretação constitucional problema e sistema os limites da tópica 1053 Interpretação realidade constitucional e concretização normativa 1054 Interpretação constitucional e avaliação das consequências 1055 Interpretação da Constituição e argumentação moral 1056 Consideração das capacidades institucionais 106 Princípios específicos de interpretação constitucional 1061 Princípio da unidade da Constituição e concordância prática 1062 Princípio da força normativa da Constituição 1063 Princípio da correção funcional 1064 Princípio das razões públicas 1065 Princípio do cosmopolitismo o diálogo internacional na interpretação constitucional 1066 Princípio da interpretação conforme à Constituição 1067 Princípio de presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos alguns parâmetros para a autocontenção judicial CAPÍTULO 11 OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE 111 Introdução 112 O subprincípio da adequação 113 O subprincípio da necessidade 114 O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito 115 A proporcionalidade como proibição de proteção deficiente 116 O princípio da razoabilidade 1161 Razoabilidade e proporcionalidade 1162 Alguns significados da razoabilidade na doutrina constitucional e na filosofia 1163 Diferentes significados da razoabilidade na jurisprudência constitucional 1164 Dimensões da razoabilidade propostas para futuro aprofundamento CAPÍTULO 12 COLISÃO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS 121 Introdução 122 Há conflito entre normas constitucionais Categorização teoria interna dos direitos fundamentais juízo de adequação e a justiça para ouriços 123 Os critérios clássicos para a solução de antinomias e a sua insuficiência no cenário constitucional 1231 O critério hierárquico a inexistência de norma constitucional originária inconstitucional 1232 Ainda o critério hierárquico a inexistência de ordem rígida de preferência entre as normas constitucionais 1233 O critério cronológico a revogação de normas constitucionais por emendas supervenientes 1234 O critério de especialidade 124 A composição de uma nova norma 125 A ponderação 1251 Origem e desenvolvimento da ponderação 1252 Quem pondera e em que contextos 1253 A técnica da ponderação 1254 Ponderação democracia e desenho institucional 1255 Ponderação e regras constitucionais 1256 Alguns parâmetros gerais para a ponderação 126 Tratados internacionais de direitos humanos dotados de hierarquia constitucional e o critério da norma mais favorável CAPÍTULO 13 AS LACUNAS CONSTITUCIONAIS E SUA INTEGRAÇÃO 131 Lacunas constitucionais reserva de Constituição e silêncio eloquente 132 A analogia constitucional 133 Costume e convenção constitucional 134 A equidade constitucional 135 A inexistência de hierarquia entre os critérios para suprimento de lacunas constitucionais CAPÍTULO 14 DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 141 Introdução 142 A aplicação imediata da Constituição e a proteção do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada 143 Constituição e ordem constitucional anterior existe desconstitucionalização 144 Constituição e direito infraconstitucional anterior a recepção 1441 Recepção e mudança no processo legislativo 1442 Recepção federação e alteração de competência legislativa 1443 Não recepção revogação ou inconstitucionalidade superveniente 1444 Recepção provisória a lei ainda constitucional e a inconstitucionalidade progressiva 145 Repristinação constitucional constitucionalidade superveniente 146 Declaração de inconstitucionalidade e efeitos repristinatórios 147 Emendas constitucionais e Direito Intertemporal Referências Sobre os Autores ÍNDICE DE ASSUNTO ÍNDICE DA LEGISLAÇÃO ÍNDICE ONOMÁSTICO APRESENTAÇÃO O presente livro trata de Teoria da Constituição história do constitucionalismo e das constituições brasileiras e apresenta os principais métodos de trabalho empregados no campo constitucional A obra resultou da nossa reflexão e trabalho conjunto ao longo de vários anos concretizando um projeto que já acalentávamos há bastante tempo A partir do advento da Constituição de 1988 o Direito Constitucional vem se tornando em nosso país cada vez mais importante É verdade que ainda estamos muito longe da concretização do ideário do constitucionalismo democrático Não obstante a Constituição é hoje vista como autêntica norma jurídica e seus princípios e valores se irradiam por todo o ordenamento inspirando a interpretação e aplicação das normas em todos os ramos do Direito Não há como conhecer por exemplo o Direito Civil o Direito Penal ou o Direito Processual prescindindo do instrumental fornecido pelo Direito Constitucional Ocorre que além do aumento da sua importância o Direito Constitucional também se tornou muito mais complexo Não apenas a dogmática constitucional está cada vez mais sofisticada como também o estudo do Direito Constitucional vem demandando incursões em outras áreas do conhecimento como a Filosofia a Ciência Política a Sociologia e a História Um dos nossos propósitos neste volume é facilitar ao leitor o acesso ao debate teórico mais denso no domínio constitucional hoje travado sobretudo no âmbito dos melhores programas de pós graduação em Direito mas fazêlo numa linguagem simples sem rebuscamentos desnecessários Nossa intenção é construir uma ponte entre as discussões complexas muitas vezes interdisciplinares existentes no âmbito da teoria constitucional contemporânea e o estudante ou profissional do Direito que esteja interessado no aprofundamento dos seus conhecimentos no campo constitucional O nosso trabalho incorpora uma dimensão crítica Em cada assunto examinado expomos o pensamento convencional e sempre que possível a jurisprudência do STF sobre a matéria Mas o fazemos de forma problematizada buscando iluminar as raízes históricas e as bases filosóficas dos institutos e formulando inúmeras vezes concepções alternativas Subjacente à obra existe a crença de que o Direito Constitucional deve exercer um papel emancipatório contribuindo para a construção de uma sociedade mais livre igualitária e democrática e que a função do estudioso nesse campo não é apenas expor os institutos e dogmas da disciplina mas também tentar interferir na realidade para aproximála do ideário do constitucionalismo democrático e inclusivo Outra característica do livro é a sua abertura para a interdisciplinaridade sobretudo para História e para a Filosofia Política Pensamos que o Direito Constitucional pela sua própria natureza reclama uma visão interdisciplinar que em muito enriquece o seu estudo Além da interdisciplinaridade nossa obra procurou também adotar um olhar cosmopolita ao discutir o pensamento de autores estrangeiros e examinar as constituições e a jurisprudência constitucional de outros países Não se trata contudo de um cosmopolitismo colonizado O uso de teorias e construções estrangeiras é sempre mediado por uma reflexão a propósito da sua aplicabilidade ao Brasil tendo em conta o nosso ordenamento constitucional e a nossa realidade social No que concerne ao temário nos preocupamos em incorporar à obra alguns assuntos relevantes que em nossa opinião não têm sido suficientemente discutidos pela literatura constitucional brasileira É o caso por exemplo do funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte que analisamos no Capítulo 4 Outro tema importante abordado neste volume que não costuma ser explorado nos livros didáticos sobre Direito Constitucional diz respeito às diversas correntes da Filosofia Política contemporânea como liberalismo igualitário comunitarismo libertarianismo procedimentalismo republicanismo pósmodernismo etc e suas projeções sobre a Teoria Constitucional o que abordamos no Capítulo 5 Essa obra se beneficiou das contribuições de diversas pessoas a quem agradecemos profundamente Os professores Diego Werneck Arguelles e Rodrigo Brandão fizeram sugestões relevantes sobre alguns capítulos Mônica Campos de Ré além de ter formulado sugestões foi uma importante incentivadora da empreitada Rodrigo Naummam e Siddartha Legalle ajudaram na pesquisa de partes da obra Juliana Cesário Alvim prestou inestimável auxílio na revisão do texto Somos também muito gratos a Luís Cláudio Rodrigues Ferreira Presidente da Editora Fórum pelo entusiasmo com que acolheu este projeto Os autores também agradecem aos mestres e colegas com quem têm podido conviver ao longo de sua trajetória acadêmica e cujas lições se refletem em várias ideias constantes do texto especialmente a Alexandre Santos de Aragão Álvaro Ricardo de Souza Cruz Ana Paula de Barcellos Antonio Cavalcanti Maia Christian Lynch Eduardo Val Eduardo Mendonça Fábio Zambitte Flavia Piovesan Gilberto Bercovici Gustavo Binenbojm Gustavo Sampaio Gustavo Tepedino Ingo Wolfgang Sarlet Jane Reis Gonçalves Pereira Joaquim Barbosa José Adércio Leite Sampaio José Vicente Santos de Mendonça Luis Roberto Barroso Luiz Fux Martonio MontAlverne Barreto Lima Pedro Villas Boas Ricardo Lobo Torres Ricardo Lodi Ribeiro Rodrigo Brandão Rogério Nascimento Virgílio Afonso da Silva Vivaldo Barbosa e Walter Rothenburg Cláudio Pereira de Souza Neto com gratidão compartilha a alegria pela conclusão deste volume com os familiares Maria Emília Wilson Luiza e Nazareth A Ana Luiza e Lucas filhos queridos dedica este trabalho Cláudio é igualmente grato aos amigos de advocacia e de OAB Wadih Damous demonstra em sua atuação quotidiana que a justiça se conquista com luta gratidão pela amizade e pelo companheirismo Luis Roberto Barroso e Roberto Caldas são exemplos não só de excelência técnica mas também de comprometimento humanístico Felipe Santa Cruz Marcello Oliveira Mauro Abdon Gabriel Marcus Vinícius Cordeiro Renan Aguiar Ronaldo Cramer e Sergio Fisher são companheiros de vida e de participação cidadã Cláudio agradece aos ainda amigos do Conselho Federal da OAB tem sido um privilégio poder conviver e cooperar com os grandes advogados que se reúnem naquele histórico colegiado A Comissão Nacional de Estudos Constitucionais que teve a honra de presidir no triênio 20102012 foi um grande espaço de aprendizado e de defesa da Constituição Federal de 1988 Daniel Sarmento agradece a Deborah Duprat pela interlocução permanente no campo constitucional que dá mais sentido e prazer à sua atuação no Ministério Público Federal e pelo compartilhamento de utopias Expressa a sua gratidão pelo apoio a este projeto e mais ainda pela amizade de vida inteira a Gustavo Binenbojm Leonardo Lobo de Almeida e Ricardo Lodi Ribeiro A Teresa Sarmento agradece pelo amor incondicional de mãe A João Pedro e a Francisco pela alegria e orgulho sem limites Seu maior agradecimento se dirige a Cíntia Jardim principal estimuladora dessa aventura intelectual pela compreensão pelo conforto nas horas difíceis pelos conselhos nem sempre seguidos pela comunhão de vidas pelo amor por ser quem é CAPÍTULO 1 CONCEITOS PRELIMINARES 11 Supremacia constitucional Os ordenamentos jurídicos são sistemas hierarquizados em cujo ápice as constituições estão situadas As leis só são válidas se estão de acordo com a Constituição quanto ao seu teor e se tiverem sido editadas em conformidade com os procedimentos prescritos constitucionalmente A imagem de uma pirâmide costuma representar a estrutura escalonada do ordenamento jurídico No cume da pirâmide mais estreito situase a Constituição no estrato intermediário as leis na base mais larga as sentenças e os atos administrativos1 Mesmo que atualmente o Direito deva ser concebido em termos mais pluralistas e horizontais verificandose a crescente interação entre diferentes sistemas jurídicos2 a analogia com a pirâmide oferece uma aproximação ainda parcialmente válida servindo para descrever a dinâmica ordinária de validação hierarquizada das normas que integram o ordenamento jurídico A posição superior das constituições decorre em primeiro lugar da importância de seu conteúdo material É assim desde o constitucionalismo liberal do século XVIII O constitucionalismo liberal positivou os direitos naturais as liberdades básicas a igualdade formal a segurança a propriedade Os direitos naturais eram invocados para limitar o exercício do poder político estabelecendo esferas de liber dade individual protegidas contra o arbítrio eventual das autoridades públicas Quando com as revoluções burguesas o liberalismo tornouse a ideologia vitoriosa os direitos passaram a ser previstos expressamente nas declarações de direitos e nas constituições Antes considerados acima do direito positivo os direitos naturais uma vez positivados desceram ao seu patamar Nesse momento não eram mais apenas direitos naturais mas também direitos positivados3 A antiga primazia do direito natural superior sobre o direito positivo inferior foi substituída pela superioridade das normas constitucionais sobre as infraconstitucionais Outro conteúdo próprio das constituições a organização do Estado também reclama que se situem as normas constitucionais em posição hierarquicamente superior As constituições liberais além de fixarem catálogos de direitos possuíam também normas que instituíam órgãos do Estado distribuíam competências entre eles e estabeleciam procedimentos para sua atuação As constituições com o objetivo de conter os excessos da maioria estabeleceram arranjos institucionais como o bicameralismo a federação e a separação dos poderes Sem esses mecanismos de controle garantidos em constituições providas de supremacia o Estado de Direito seria colocado em risco A supremacia constitucional decorre em sua origem dessa função exercida pelas constituições Se é função da Constituição limitar o exercício do poder as suas normas devem ser superiores às produzidas ordinariamente A essa justificação de cunho material agregase outra política A Constituição como será estudado no Capítulo 6 é criação do poder constituinte Por meio da Constituição o poder constituinte titularizado pelo povo cria os poderes constituídos os quais são incumbidos de produzir o direito ordinário as leis os atos administrativos e as decisões judiciais A criatura não pode agir em desconformidade com os desígnios de seu criador não pode ir além dos termos da delegação recebida A relação de hierarquia entre poder constituinte e poderes constituídos é transferida para o interior do ordenamento jurídico traduzindose como superioridade da Constituição sobre as leis e demais normas jurídicas No contexto do primeiro constitucionalismo liberal a posição hierarquicamente superior das normas constitucionais fundamentavase no conteúdo dessas normas4 Ao longo do século XIX e principalmente do século XX essa condição paulatinamente se inverteu As constituições produzidas desde então ao preverem em seus dispositivos uma variedade de matérias foram muito além do teor substantivo do constitucionalismo liberal As maiorias formadas durante o processo constituinte considerando a supremacia da Constituição procuravam inserir no texto constitucional os temas de seu interesse com o objetivo de protegêlos e de lhes conferir maior estabilidade Dessa forma o que passou a conferir o status constitucional era o pertencimento ao texto da Constituição A supremacia material converteuse em supremacia formal5 Atualmente não há dúvida de que as constituições são providas de supremacia formal em relação ao restante do direito interno do país Todavia afirmar que as constituições são dotadas de supremacia formal não mais significa desconhecer que em grande parte suas normas são também as mais importantes do ordenamento A Constituição Federal de 1988 contém princípios constitucionais fundamentais como o princípio republicano o princípio democrático o princípio do Estado de Direito a cidadania a dignidade da pessoa humana direitos civis dos cidadãos como a vida a liberdade e a igualdade direitos sociais básicos como a saúde a educação e a previdência social As normas que veiculam essas matérias são materialmente constitucionais Além da supremacia formal é inegável que a Constituição de 1988 também possui supremacia material por incorporar a reserva de justiça da democracia brasileira6 Isso não impede que o texto constitucional possua normas cujo teor nada tem de especial ou de tipicamente constitucional Nossa Constituição Federal por exemplo contém detalhes do regime jurídico dos servidores públicos tais como o prazo de validade de concurso público CF art 37 III ou do sistema de paga mento pelo Estado de suas dívidas decorrentes de decisões judiciais dispondo exten sa mente sobre os chamados precatórios CF art 100 e ADCT art 33 Tais normas são superiores apenas sob o ponto de vista formal Nem por isso deixam de limitar e condicionar a atividade legislativa administrativa e jurisdicional do Estado A atividade estatal só é válida na medida em que sejam respeitadas também essas normas constitucionais ainda que seu conteúdo não tenha a mesma relevância São dois os principais fundamentos invocados para afirmação da supremacia da Constituição Um é substantivo e se liga ao conteúdo da Constituição o outro é gené tico dizendo respeito à sua origem7 O fundamento objetivo é complexo e comporta inúmeras variações e nuances Em síntese a ideia é a de que existem direitos e princípios tão essenciais que devem ser postos fora do alcance das maiorias Por isso eles são entrincheirados pela Constituição que os protege até do legislador demo craticamente eleito Como visto acima o jusnaturalismo seguia esse caminho mas não é necessário aderir a qualquer teoria de direito natural para aceitálo Basta reconhecer que existem certos valores não importa se históricos ou transcendentes que são tão importantes que devem ser subtraídos da luta política cotidiana Uma conhecida versão desta justificativa é a teoria do précompromisso bem simbolizada pela história grega de Ulisses e das sereias contada no Canto XII da Odisseia de Homero8 O barco de Ulisses passaria ao largo da ilha das sereias cujo canto é irresistível levando sempre os marujos a se descontrolarem e a naufragarem Sabendo disso o herói mitológico ordena aos marinheiros que tapem os próprios ouvidos com cera e que amarrem os braços dele Ulisses ao mastro do navio para impedir que conduzisse o barco em direção à ilha ele não quis que seus ouvidos fossem também tapados para não se privar do privilégio de ouvir o canto das sereias Mas Ulisses astutamente antecipa que ao passar próximo da ilha poderia perder o juízo e determinar aos marujos que o soltassem do mastro Por isso ordena aos seus marinheiros de antemão que não cedam em nenhuma hipótese àquele seu comando Ulisses instituiu um précompromisso ciente das suas paixões e fraquezas futuras delas se protegeu Na teoria constitucional traçase um paralelo entre essa estratégia do herói grego e a decisão do povo de editar uma Constituição que impõe limitações às suas deliberações futuras É que o povo em momentos de maior lucidez pode também perceber a sua suscetibilidade a cometer erros graves pondo em risco princípios importantes Por isso ele se précompromete por meio de mecanismo que impede que no futuro possa sacrificar esses princípios A supremacia constitucional neste sentido é um arranjo institucional voltado à preservação de princípios superiores adotada por um povo ciente das suas próprias limitações e fragilidades A outra justificativa não menos complexa diz respeito à origem da Constituição Em apertada síntese afirmase que pelo menos do ponto de vista ideal as constituições são o resultado de uma intensa mobilização cívica do povo que ocorre apenas em momentos extraordinários da história nacional e não se reproduz na vida política cotidiana9 Foi assim por exemplo na Assembleia Constituinte brasileira de 8788 que teve um nível de participação popular inédito na história do país Com isso as decisões contidas na Constituição são equiparadas aos desígnios do próprio povo Em outros momentos da vida nacional o povo não permanece tão engajado no debate das questões públicas A imensa maioria das pessoas mergulha nos seus afazeres privados deixando as decisões políticas para os seus representantes os políticos A supremacia da Constituição sob esse ângulo protegeria as deliberações do povo expressas na sua Constituição daquelas tomadas pelos representantes no dia a dia da política Estas duas ideias fornecem parte da justificativa da supremacia constitucional Nenhuma delas porém é isenta de problemas Alguns desses problemas serão examinados ainda neste capítulo como o que concerne à legitimidade da imposição por uma geração de decisões que as subsequentes têm de acatar Outros serão discutidos ao longo desse volume A supremacia constitucional se impõe por meio de dois institutos jurídicos importantes a rigidez da Constituição que demanda para alteração dos preceitos constitucionais um procedimento mais difícil do que aquele exigido para elaboração da legislação infraconstitucional e o controle de constitucionalidade dos atos normativos que permite a invalidação daqueles que contrariem a Constituição Mas ela depende ainda mais de outro elemento de natureza sociológica que os textos normativos não têm como impor a existência de uma cultura constitucional caracterizada pela generalizada adesão do povo à Constituição estatal que ocorre quando este a toma como algo que é seu e pelo qual vale a pena lutar 12 A Constituição como norma A Constituição é norma jurídica Esta afirmação parece uma obviedade desnecessária Mas nem sempre foi assim Como se aprofundará no próximo capítulo descontada a exceção norteamericana a ideia que prevalecia no mundo constitucional até meados do século XX era de que as constituições não eram normas jurídicas mas proclamações políticas que se destinavam a inspirar a atuação do legislador10 Elas não incidiam diretamente sobre as relações sociais não geravam direitos subjetivos para os cidadãos nem podiam ser aplicadas pelos juízes na resolução de casos concretos Só as leis editadas pelos parlamentos obrigavam e vinculavam não as solenes e abstratas provisões contidas nos textos constitucionais O paradigma jurídico vigente era o legalista Este cenário se alterou de forma muito significativa Na Europa esta mudança começou a ocorrer depois do final da II Guerra Mundial num cenário de descrença em relação aos poderes políticos majoritários surgido após a derrota do nazismo A realidade histórica tinha revelado a necessidade de criação de mecanismos para a contenção dos abusos do legislador e das maiorias políticas As constituições do pósguerra neste sentido incorporaram direitos fundamentais que passaram a ser considerados diretamente aplicáveis independentemente da vontade do legislador Ao lado disso elas também criaram ou fortaleceram a jurisdição constitucional dotando assim de garantias processuais a supremacia da Constituição Produziuse neste quadro uma nova cultura jurídica em que a Constituição finalmente passou a ser vista como norma11 No Brasil esta mudança é mais recente tendo ocorrido após a promulgação da Constituição de 8812 Embora já contássemos com a possibilidade de controle de constitucionalidade desde o advento da República nossa sociedade não enxergava a Constituição como autêntica norma jurídica Exemplos disso não faltam a Constituição de 1824 falava em igualdade e a principal instituição do país era a escravidão negra a de 1891 instituíra o sufrágio universal mas todas as eleições eram fraudadas a de 1937 disciplinava o processo legislativo mas enquanto ela vigorou o Congresso esteve fechado e o Presidente legislava por decretos a Carta de 196769 garantia os direitos à liberdade à integridade física e à vida mas as prisões ilegais o desaparecimento forçado de pessoas e a tortura campeavam nos porões do regime militar Até 1988 a lei valia muito mais do que a Constituição no tráfico jurídico e no Direito Público o decreto e a portaria ainda valiam mais do que a lei As constituições até eram generosas na consagração de direitos mas estes dependiam quase exclusivamente da boa vontade dos governantes de plantão para saírem do papel o que normalmente não ocorria Em contextos de crise as fórmulas constitucionais não eram seguidas e as Forças Armadas arbitravam boa parte dos conflitos políticos ou institucionais que eclodiam no país Embora o controle de constitucionalidade existisse no papel ele não tinha muita importância prática no cotidiano da justiça brasileira Os juízes e tribunais não tinham o hábito de exercêlo e nem mesmo de aplicar a Constituição diretamente a casos concretos E o ensino jurídico contribuía para este estado de coisas dedicavase pouco tempo ao estudo do Direito Constitucional que era lecionado mais como disciplina propedêutica do que como um ramo essencial do direito positivo Sob a égide da Constituição de 88 este panorama vem se alterando significativamente A Constituição ganhou relevo muito maior na vida política e social e passou a ser vista como norma jurídica pelos seus aplicadores e destinatários Ela se tornou um ingrediente relevante no equacionamento dos conflitos políticos e se incorporou à gramática das reivindicações da sociedade civil e dos movimentos sociais O Poder Judiciário passou a empregar a Constituição de forma frequente e roti neira não só na resolução das grandes questões sociais e políticas como também no julgamento dos pequenos litígios com que se defronta no seu dia a dia Passou também a exercer com mais frequência e ousadia o controle de constitucionalidade dos atos normativos É verdade que muitas das normas constitucionais estão longe da efetividade e que ainda há uma enorme distância entre as promessas generosas contidas na Constituição de 88 e o quadro social brasileiro Não há como negar a persistência no Brasil da exclusão social da generalizada violação de direitos humanos dos grupos desfavorecidos e da confusão entre o público e o privado no exercício do poder político realidades francamente incompatíveis com a Constituição Apesar disso podese celebrar o fato de que se instalou no senso comum dos operadores do Direito a ideia de que a Constituição é norma jurídica que pode e deve ser aplicada diretamente à realidade social incidindo sobre casos concretos independentemente de regulamentação dos seus dispositivos pelo legislador ordinário 13 O problema da legitimidade intergeracional Uma das questões mais importantes do debate constitucional é estabelecer em qual proporção se afigura legítimo que uma Constituição prefigure os caminhos e decisões do povo do futuro Quando reconhecemos que as constituições em geral aspiram vigorar por muito tempo e disciplinar a coexistência política de sucessivas gerações ao longo da trajetória de uma nação somos confrontados com uma pergunta fundamental por que e até que ponto pode uma geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão Não seria esta uma fórmula de governo dos mortos sobre os vivos O art 28 da Constituição francesa de 1793 continha uma resposta firme para esta indagação um povo tem sempre o direito de rever de reformar e de mudar a sua constituição Uma geração não pode sujeitar as suas leis às gerações futuras Em linha semelhante Thomas Paine e Thomas Jefferson questionaram a possibilidade de vinculação das gerações futuras pelos desígnios dos seus antepassados expressos numa Constituição Jefferson chegou a sugerir durante os debates anteriores à promulgação da Constituição norteamericana a realização de uma convenção constituinte a cada 19 anos a fim de evitar o governo dos mortos sobre os vivos13 O problema se agrava quando consideramos a presença no texto constitucional das chamadas cláusulas pétreas De fato diante de uma norma constitucional indesejada que não configure cláusula pétrea não ficam os poderes políticos do povo presente de mãos completamente atadas pois sempre é possível buscar a mudança desejada por meio dos procedimentos de reforma estabelecidos pela própria Constituição Apenas será necessário um esforço maior pois as constituições rígidas como será esclarecido preveem para alteração dos seus dispositivos um procedimento mais agravado e complexo No entanto diante das cláusulas pétreas a vinculação é total pois só a ruptura da ordem jurídica com a emergência de um novo poder constituinte originário permitiria a sua superação Proibir as gerações futuras de deliberar sobre determinadas questões é algo de enorme gravidade pois com isto elas ficam privadas da capacidade de escolher os seus próprios caminhos Permite se desta forma que a maioria do passado crie obstáculos incontornáveis para a prevalência da vontade das maiorias do presente e do futuro As minorias de ontem podem até converterse na maioria de amanhã mas suas escolhas jamais prevalecerão a não ser que ocorra ruptura institucional Os vencedores do jogo democrático ganham mas não levam Mas se é verdade que as constituições limitam o conteúdo de deliberações futuras não é menos correto que elas também definem as regras do jogo que viabilizam estas deliberações Com efeito se a cada nova questão surgida no cenário político fosse necessário definir questões como o quem decide competência e o como se decide procedimento seria muito difícil deliberar sobre qualquer tema As constituições ademais protegem instituições e direitos que são pressupostos para o funcionamento democrático da política como o direito de voto ou a liberdade de expressão que permitem que a minoria de hoje possa aspirar converterse na maioria do futuro sem precisar recorrer à força Portanto podese dizer que embora a Constituição limite a política ela também a capacita a alcançar decisões além de conferir legitimação democrática a estas decisões14 De todo modo a questão da autonomia das gerações tem enorme relevância no contexto brasileiro em virtude das características do nosso processo constituinte e da Constituição dele resultante A Constituição de 1988 tem inegáveis virtudes dentre as quais seguramente a mais importante é o seu compromisso visceral com a promoção dos direitos humanos e a defesa da democracia É a Constituição que coroou o processo político de transição de um Estado de exceção violento e autoritário para um novo regime cuja proposta é a de ser democrático e inclusivo Mas é também excessivamente detalhista perdendose muitas vezes como afirmou Luís Roberto Barroso no varejo das miudezas15 Não é o momento para adiantar as soluções que a teoria constitucional engendrou para o problema Retornaremos a ele em diversas seções deste volume Introdutoriamente cumpre apenas deixar registrado que o constitucionalismo democrático além de valorar positivamente o fato de a Constituição ser dotada de supremacia procura atribuir a importância devida às deliberações populares e às decisões da maioria dos representantes do povo Esse compromisso central com a democracia e o autogoverno de cada geração inspira muitas das propostas e soluções apresentadas ao longo deste livro A adequada harmonização entre constitucionalismo e democracia deve orientar o constituinte reformador quando lhe couber alterar nosso texto constitucional Mas também cria exigências para a interpretação constitucional como se verá posteriormente 14 O controle de constitucionalidade Não examinaremos neste volume o fenômeno da inconstitucionalidade nas suas diversas modalidades nem tampouco os instrumentos processuais existentes para viabilizar o controle de constitucionalidade dos atos normativos Nosso propósito aqui é apenas o de esboçar algumas ideias preliminares sobre o tema mostrando a complexidade dos seus fundamentos Da supremacia constitucional resulta a invalidade dos atos normativos contrários à Constituição A Constituição sob o ângulo formal cria os poderes do Estado conferindolhes suas atribuições Cabe a estes assim se ater aos termos da delegação recebida pois todo ato de uma autoridade delegada contrário aos termos da comissão é nulo16 Por isso as leis e atos normativos que ofendam preceitos constitucionais são desprovidos de fundamento de validade não podendo criar direitos e obrigações Extraise portanto a invalidade dos atos normativos contrários à Constituição da superioridade do poder constituinte em face dos poderes constituídos17 O controle de constitucionalidade deve ser efetuado por todos os poderes do Estado não apenas pelo Poder Judiciário O controle realizado pela Administração Pública e pelo Legislativo é denominado controle político em oposição ao controle judicial realizado pelo Judiciário no contexto da prestação jurisdicional Embora o controle jurisdicional costume despertar maior atenção os mecanismos de controle político são também muito importantes Dentre os diversos mecanismos de controle político existentes no ordenamento jurídico brasileiro cabe citar o veto aos projetos de lei apostos pelo Chefe do Poder Executivo nos planos federal estadual ou municipal motivados pela inconstitucionalidade do ato normativo art 66 1º CF a atuação das Comissões de Constituição e Justiça CCJ existentes em todas as casas legislativas que podem determinar o arquivamento de projetos de lei tidos como contrários à Constituição e a possibilidade que se reconhece à Administração Pública de recusarse a cumprir lei reputada inconstitucional No constitucionalismo contemporâneo o controle jurisdicional de constitucionalidade assumiu papel extremamente relevante Já se disse que a jurisdição constitucional reinventou a Constituição18 A associação entre a supremacia da Constituição e o controle judicial de constitucionalidade foi feita de forma precursora nos Estados Unidos19 O texto da Constituição norteamericana não prevê o controle judicial de constitucionalidade das leis mas a Suprema Corte do país em decisão redigida pelo seu então Presidente John Marshall o inferiu da supremacia constitucional no conhecido precedente Marbury v Madison20 julgado em 1803 em que se ressaltou Não há outra opção entre estas alternativas ou a Constituição é lei superior imodificável pelos meios ordinários ou ela está no mesmo nível que os atos legislativos ordinários e aí como qualquer um deles pode ser alterada quando assim desejar o legislador Se a primeira alternativa é válida então um ato legislativo contrário à Constituição não é lei Se a segunda alternativa for verdade então as constituições escritas são tentativas absurdas da parte do povo de limitar um poder pela sua própria natureza ilimitável Certamente todos os que elaboraram constituições escritas as contemplaram como a lei fundamental e superior da nação e por consequência um ato do legislativo que viole a constituição é nulo Se duas leis conflitam uma com a outra os tribunais têm que decidir sobre a sua aplicação Então se uma lei se opõe à Constituição se ambas a lei e a Constituição se aplicam a um determinado caso então a corte tem que decidir o caso de acordo com a lei desconsiderando a Constituição ou de acordo com a Constituição desconsiderando a lei Se então as cortes devem levar em consideração a Constituição e se a Constituição é superior a qualquer ato ordinário da legislatura a Constituição e não este ato ordinário deve dar a solução para o caso para o qual ambos são aplicáveis No modelo norteamericano o controle de constitucionalidade judicial review pode ser exercido por todo e qualquer juiz diante de um caso concreto que lhe seja apresentado O controle é portanto difuso porque pode ser exercitado por todo e qualquer o órgão do Poder Judiciário e concreto já que só pode ocorrer no julgamento de algum litígio intersubjetivo Porém sendo os precedentes judiciais naquele país vinculantes como é característico da common law as decisões da Suprema Corte que afastam uma lei apesar de proferidas em casos concretos tornamse obrigatórias para todos os órgãos do Poder Judiciário quando apreciarem a mesma questão vinculando também a Administração Pública Hans Kelsen no início do século passado concebeu o controle de constitu cionalidade em outros termos21 Para o jurista austríaco seria fundamental dotar a Constituição de algum mecanismo por meio do qual se pudesse retirar da ordem jurídica as normas editadas que a contrariassem Do contrário pensava Kelsen seria como se a Constituição consagrasse uma cláusula derrogatória tácita permitindo que as normas supervenientes com ela incompatíveis excepcionassem os preceitos constitucionais com os quais conflitassem Mas Kelsen não defendia a atribuição do controle de constitucionalidade a todos os juízes como no modelo norteamericano Para ele os juízes não estariam bem aparelhados para o exercício desta função Daí porque Hans Kelsen preconizou que este poder fosse concedido com exclusividade a uma Corte Constitucional especializada composta por juízes investidos em seus cargos por mandatos fixos indicados pelos órgãos políticos representativos A Corte atuaria não em casos concretos mas de forma abstrata como uma espécie de legislador negativo invalidando atos normativos que afrontassem a Constituição O controle proposto por Hans Kelsen era portanto concentrado porque monopolizado pela Corte Constitucional e abstrato uma vez que realizado em tese sem que houvesse qualquer caso concreto submetido à apreciação jurisdicional O jurista austríaco defendia ademais que a invalidação da lei inconstitucional produzisse efeitos apenas prospectivos com eficácia ex nunc como ocorre na revogação das leis A sugestão de Kelsen foi acolhida na Constituição austríaca de 1920 bem como na Constituição da Checoslováquia do mesmo ano Depois da II Guerra Mundial a concepção kelseniana do controle de constitucionalidade exerceu grande influência no delineamento do sistema de jurisdição constitucional de diversos outros Estados europeus22 Ao longo da segunda metade do século XX houve progressiva tendência de expansão da jurisdição constitucional em todo o mundo com a sua atual adoção pela ampla maioria dos países espalhada por todos os continentes23 Sem embargo a associação direta entre a supremacia da Constituição e o controle judicial de constitucionalidade chamada por alguns de lógica de Marshall24 não é isenta de críticas É possível afirmarse numa ordem jurídica a superioridade da Constituição em face da legislação mas ainda assim não se acolher a possibilidade de controle jurisdicional de constitucionalidade confiandose em outros meios para assegurar a prevalência da Lei Maior25 como a separação de poderes ou a força da opinião pública Podese por exemplo considerar que os órgãos políticos representativos tendem a ser mais fiéis aos valores da Constituição do que o Poder Judiciário ou temerse que os juízes no exercício da jurisdição constitucional convertamse em déspotas diante da possibilidade de imporem as suas preferências ideológicas ou mesmo os seus interesses de classe em detrimento daqueles adotados pela maioria do povo26 Aliás até o final da II Guerra Mundial a maioria dos países que contavam com constituições rígidas tidas como superiores não adotava o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis Portanto a instituição do controle jurisdicional de constitucionalidade não é consequência lógica inexorável da atribuição de supremacia à Constituição Tratase de uma escolha sobre o desenho institucional do Estado que deve ser feita tomando em conta uma comparação entre riscos e vantagens envolvidos na adoção do instituto que podem variar dependendo do contexto histórico e das tradições jurídicas e políticas de cada sociedade27 De toda sorte essa é a escolha que a grande maioria das democracias contemporâneas vem fazendo e que faz bastante sentido sobretudo em ambientes institucionais como o nosso em que a política majoritária praticada pelos órgãos representativos não inspire tanta confiança no que concerne à garantia de direitos básicos Em quadros como esse o controle jurisdicional de constitucionalidade pode se converter numa peça importante nas engrenagens do Estado protegendo as minorias políticas e sociais do arbítrio das maiorias salvaguardando direitos fundamentais e assegurando a observância das regras do jogo democrático O insulamento do Poder Judiciário diante dos resultados da política eleitoral pode funcionar aqui não como defeito mas como virtude possibilitando que ele exerça de forma mais independente o papel de guardião da Constituição Ademais em Estados federais o controle de constitucionalidade desempenha também um papel crucial na preservação da partilha constitucional das competências entre os entes políticos Isso porque sem ele um ente poderia editar norma que invadisse competência alheia sem que fosse possível invalidála De todo modo conforme aprofundaremos mais a frente o risco de incursão excessiva da política pela jurisdição constitucional existe e não pode ser menosprezado Nosso país conta com a possibilidade de controle jurisdicional de constitu cionalidade das leis desde o advento da República quando por influência de Ruy Barbosa se adotou o modelo norte americano em sua pureza28 Ou seja atribuiu se a todos os juízes nacionais a possibilidade de realizarem em casos concretos o controle de constitucionalidade das leis controle difuso e concreto A partir da Emenda Constitucional nº 1665 o modelo se tornou mais complexo com a introdu ção do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade inspirado na matriz kelseniana que passou a conviver lado a lado com o controle concreto e difuso num sistema misto29 O controle abstrato todavia não desempenhava papel relevante no sistema até a Constituição de 88 porque só podia ser deflagrado por iniciativa do ProcuradorGeral da República que àquela época era agente público livremente nomeado pelo Presidente da República e a ele politicamente subordinado Naquele contexto era praticamente impossível que houvesse o questionamento no controle abstrato de constitucionalidade de atos normativos cuja subsistência interessasse ao Governo Federal Aliás naquela quadra histórica o controle difuso e concreto tam pouco desfrutava de maior importância prática em nosso sistema jurídico Afinal numa cultura jurídica e política que não levava a Constituição muito a sério vendo a mais como um repositório de proclamações retóricas não sobrava muito espaço para a jurisdição constitucional Sob a égide da Constituição de 88 nosso sistema de jurisdição constitucional dilatouse se ainda mais com a introdução de novas ações de inconstitucionalidade30 ao lado de significativa ampliação do elenco dos legitimados ativos para provocação do controle abstrato de constitucionalidade31 Na atualidade o Brasil continua tendo um sistema misto de jurisdição constitucional mas com predomínio cada vez mais visível do controle concentrado e abstrato32 Isto porque considerandose a amplitude do leque dos órgãos e entidades que podem ajuizar ações diretas no STF bem como a abrangência de temas tratados na Constituição é muito improvável que medida que suscite alguma polêmica não venha a ser questionada diretamente na Corte Para alguns dos legitimados ativos como os partidos políticos da oposição esta via se torna um poderoso instrumento nas suas lutas praticamente sem custos políticos ou financeiros de que podem se valer para tentar reverter derrotas na arena legisla tiva33 Como as decisões do STF no controle abstrato inclusive aquelas concessivas de medida cautelar são dotadas de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública34 consolida se a hegemonia da nossa Suprema Corte no campo da jurisdição constitucional Ao lado disso a maior consciência de direitos presente em nossa sociedade o elevado grau de pluralismo político e social nela existente o fortalecimento da independência do Poder Judiciário e a mudança na nossa cultura jurídica hegemônica que passou a ver os preceitos constitucionais inclusive aqueles mais vagos e abstratos como normas jurídicas vinculantes são fatores que contribuíram cada um ao seu modo para que a jurisdição constitucional ganhasse um destaque na vida pública nacional até então inédito35 Este fenômeno de expansão da jurisdição constitucional e do seu papel políticosocial tem sido denominado de judicialização da política36 15 A dificuldade contramajoritaria A progressiva ampliação do controle de constitucionalidade não ocorre sem objeções A atribuição ao Poder Judiciário da competência para controlar a constitucionalidade de leis aprovadas pela maioria dos representantes do povo exige uma justificação complexa tendo em vista o ideário democrático que postula o poder do povo de se autogovernar A legitimidade democrática da jurisdição constitucional tem sido questionada em razão da apontada dificuldade contramajoritária37 do Poder Judiciário que decorre do fato de os juízes apesar de não serem eleitos poderem invalidar as decisões adotadas pelo legislador escolhido pelo povo invocando muitas vezes normas constitucionais de caráter aberto que são objeto de leituras divergentes na sociedade Pessoas diferentes de boafé podem entender por exemplo que o prin cípio constitucional da igualdade proíbe que é compatível ou até que ele exige as quotas raciais no acesso às universidades públicas Como podem considerar que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe o reconhecimento do direito à prática da eutanásia ou que o veda terminantemente Casos como estes revelam a possibi lidade de que se estabeleça um profundo desacordo na sociedade sobre a interpretação correta de determinadas normas constitucionais A crítica ao controle jurisdicional de constitucionalidade insiste que em casos assim a decisão sobre a interpretação mais correta da Constituição deve caber ao próprio povo ou aos seus representantes eleitos e não a magistrados O tema central na teoria constitucional norteamericana38 não despertava maior interesse no Brasil até pouco tempo atrás A razão do desinteresse era compreensível nosso Poder Judiciário quase não se valia da jurisdição constitucional pecando nesta área muito mais por omissão do que por excesso Portanto a dificuldade contramajoritária não era uma questão real no Brasil Contudo o quadro mudou nos últimos anos com o crescente ativismo jurisdicional no exercício do controle de constitucionalidade Neste novo contexto o tema passou a ser objeto de atenção cada vez maior na academia39 e na sociedade No Brasil em que o controle de constitucionalidade está expressamente previsto em sede constitucional o debate que tem relevo prático não é aquele concernente à adoção ou rejeição do instituto afinal esta questão já foi decidida pelo constituinte mas sim sobre a maneira e intensidade com que os juízes em geral e o STF em particular devem empregálo de modo mais ousado e ativista de maneira mais modesta e deferente em relação às opções realizadas pelos poderes políticos ou de outra forma qualquer A dificuldade contramajoritária não reside tanto no fato de as constituições subtraírem do legislador futuro a possibilidade de tomar decisões importantes O cerne do debate está no reconhecimento de que diante da vagueza e abertura de boa parte das normas constitucionais bem como da possibilidade de que elas entrem em colisões quem as interpreta e aplica também participa do seu processo de criação40 Daí a crítica de que a jurisdição constitucional acaba por conferir aos juízes uma espécie de poder constituinte permanente pois lhes permite moldar a Constituição de acordo com as suas preferências políticas e valorativas em detrimento daquelas adotadas pelo legislador eleito41 Esta visão levou inúmeras correntes de pensamento ao longo da história a rejeitarem a jurisdição constitucional ou pelo menos o ativismo judicial no seu exercício No constitucionalismo francês por exemplo a ideia do controle de constitucionalidade foi por muito tempo rechaçada pelo temor de que sua adoção pudesse permitir a criação de um governo de juízes Os franceses preferiam confiar no Parlamento do que no Judiciário para velar pela guarda das suas constituições A posição se assentava na crença em um legislador virtuoso que nas palavras de Maurizio Fioravanti não pode lesar os direitos individuais porque é necessariamente justo e é assim porque encarna em si a vontade geral do povo ou da nação42 Ao lado da valorização da lei também se manifestava no fundo a desconfiança nos juízes que tinha origem no período anterior à Revolução Francesa quando o Judiciário era visto como intrinsecamente corrupto atuando quase sempre em prol dos seus próprios interesses ou daqueles dos membros que o compunham43 Na Alemanha da década de 1920 sob a vigência da Constituição de Weimar de 1919 a objeção democrática ao controle judicial de constitucionalidade foi suscitada por Carl Schmitt44 que protagonizou célebre controvérsia com Hans Kelsen sobre o assunto Para Schmitt45 a indeterminação das normas constitucionais tornava essencialmente política a tarefa de controlar a constitucionalidade das leis Diante disso ele defendeu que tal faculdade fosse atribuída não aos juízes ou a qualquer corte em particular mas ao Chefe de Estado que representaria a unidade do povo alemão e poderia atuar como uma espécie de poder neutro De acordo com Schmitt a concessão ao Poder Judiciário da faculdade de controlar a validade das leis editadas pelo Legislativo acarretaria uma indevida politização da justiça e poderia contribuir para uma perniciosa fragmentação da unidade estatal ao favorecer o pluralismo A proveniência ideológica das críticas lançadas contra a jurisdição constitucional tende a oscilar de acordo com as inclinações políticas adotadas pelos tribunais Nos Estados Unidos esta dinâmica é facilmente perceptível Nas primeiras décadas do século passado quando a Suprema Corte adotava posição política conservadora limitando seriamente a possibilidade de o Estado atuar no mercado e na sociedade em favor dos interesses dos grupos mais fracos a crítica era capitaneada por juristas e políticos situados à esquerda do espectro político que defendiam a autocontenção judicial46 Quando após a década de 1950 o ativismo jurisdicional voltouse à defesa de direitos fundamentais de minorias como os negros e presos e à tutela de liberdades não econômicas a crítica passa a ser esboçada a partir da direita com os originalistas47 E nos últimos tempos em que a Suprema Corte vem caminhando a passos largos para o flanco conservador foram juristas de esquerda que passaram a contestar a judicial review elaborando a teoria do constitucionalismo popular48 Com esta constatação não se pretende negar a sinceridade dos críticos nem tampouco desmerecer os seus argumentos mas apenas mostrar como este tema como tanto outros do debate constitucional nunca é plenamente dissociável da política Há na teoria constitucional aqueles que simplesmente descartam a existência da dificuldade contramajoritária do controle de constitucionalidade Um dos argumentos é empírico negase a premissa de que o Poder Judiciário ao exercer o controle de constitucionalidade atue contra a vontade da maioria popular Afirmase que com frequência ele julga em sintonia com a opinião pública que nem sempre é bem representada pelo Legislativo49 No cenário brasileiro este argumento impressiona haja vista a ampla crise da nossa democracia representativa que se reflete em frequentes pesquisas de opinião nas quais nossa população brasileira afirma não confiar no Poder Legislativo e nos partidos Outro argumento recorrente é o de que a democratização da jurisdição constitucional teria superado a dificuldade contramajoritaria Aduzse nesta linha que a jurisdição constitucional brasileira se abriu à participação democrática da sociedade civil com a ampliação do elenco dos legitimados ativos para propositura de ações diretas bem como com a posterior incorporação ao nosso processo constitucional da figura do amicus curiae50 Tais medidas democratizaram o acesso ao controle de consti tucionalidade e pluralizaram as vozes presentes nos debates constitucionais travados no Judiciário o que de acordo com alguns teria tornado a nossa jurisdição constitucional uma instância de representação argumentativa da sociedade brasileira supostamente superior à própria representação políticoeleitoral51 Noutra linha afirmase que a democracia não equivale à mera prevalência da vontade das maiorias mas corresponde a um ideal político mais complexo que também envolve o respeito aos direitos fundamentais e a valores democráticos52 Não fosse assim poderseia considerar democrático por exemplo o governo nazista que ascendeu ao poder pela via eleitoral e governou na maior parte do tempo com o respaldo da maioria da população alemã Daí porque seria perfeitamente compatível com a democracia o controle jurisdicional de constitucionalidade voltado à proteção de tais direitos e valores Estes argumentos aqui só rapidamente esboçados são parcialmente procedentes Não há dúvida de que muitas vezes a vontade majoritária da população apoia as decisões proferidas no controle de constitucionalidade não se vendo representada nos atos normativos ou nas omissões legislativas do parlamento Também é verdade que o processo constitucional brasileiro vem se abrindo mais à sociedade53 E não é menos certo que a democracia não se esgota no respeito ao princípio majoritário pressupondo também o acatamento das regras do jogo democrático as quais incluem a garantia de direitos básicos visando à participação igualitária do cidadão na esfera pública bem como a proteção às minorias estigmatizadas54 Porém a procedência como dito é apenas parcial Na verdade a relação entre jurisdição constitucional e democracia envolve uma tensão sinérgica Há sinergia porque o exercício adequado do controle de constitucionalidade pode proteger pressupostos necessários ao bom funcionamento da democracia como as regras equânimes do jogo político e os direitos fundamentais Comprova essa sinergia a constatação de que o surgimento ou o fortalecimento da jurisdição constitucional na maior parte dos países se deu no momento em que estes se democratizavam ou redemocratizavam e não em cenários de autoritarismo Da análise histórica verifica se que controle de constitucionalidade e democracia embora não se pressuponham quase sempre florescem juntos Mas há também uma tensão potencial entre a jurisdição constitucional e a democracia Se a imposição de limites para a decisão das maiorias pode ser justificada em nome da democracia o exagero revelase antidemocrático por cercear em demasia a possibilidade do povo de se autogovernar55 O problema se agrava quando a jurisdição constitucional passa a ser concebida como o fórum central para o equacionamento dos conflitos políticos sociais e morais mais relevantes da sociedade ou como a detentora do poder de ditar a última palavra sobre o sentido da Constituição Em outras palavras a dificuldade democrática pode não vir do remédio o controle judicial de constitucionalidade mas da sua dosagem A concepção eufórica da jurisdição constitucional referida no parágrafo anterior gera consequências negativas tanto no plano descritivo quanto na esfera normativa Sob o prisma descritivo transmitese uma imagem muito parcial do fenômeno constitucional que não é captado com todas as suas nuances e riquezas enfatizandose apenas a ação de um dentre os vários agentes importantes da concretização constitucional Sob o ângulo normativo favorecese um governo à moda platônica de presumidos sábios56 que são convidados a assumir uma posição paternalista diante de uma sociedade infantilizada57 E se não é correto no debate sob a legitimidade da jurisdição constitucional idealizar o Legislativo como encarnação da vontade geral do povo tampouco se deve cometer o mesmo erro em relação ao Judiciário supondo que os juízes constitucionais sejam sempre agentes virtuosos e sábios imunes ao erro sem agenda política própria e preocupados apenas com a proteção dos direitos fundamentais dos valores republicanos e dos pressupostos da democracia Pelo que se expôs acima percebese a complexidade do debate sobre a dificuldade contramajoritária Não é esse o espaço adequado para examinar as inúmeras respostas que a teoria constitucional e a filosofia política vêm dando a esta questão58 nem tampouco para apresentar a nossa visão sobre o ponto Apenas adiantamos que nossa proposta envolve dois aspectos que serão examinados no capítulo sobre a interpretação constitucional a a adoção de uma teoria de diálogos constitucionais que negue tanto à jurisdição constitucional como aos poderes políticos majoritários a prerrogativa de dar a última palavra sobre o significado das normas constitucionais e b a definição de diferentes standards de deferência do Poder Judiciário no exercício do controle de constitucionalidade em face de atos ou omissões dos outros poderes que sejam sensíveis ao princípio democrático 16 Cultura e sentimento constitucional Os livros de Direito Constitucional destacam não sem razão o papel essencial do Poder Judiciário na garantia da normatividade constitucional Porém nem sempre se dá a mesma relevância a outro elemento que é no mínimo tão importante a existência na sociedade de uma cultura constitucional A observância efetiva da Cons tituição depende da adesão do povo para o qual a Constituição se destina pressupõe o reconhecimento que lhe é conferido pela comunidade política demanda fun da mentalmente a disseminação de uma cultura constitucional e o respeito pelas instituições políticas básicas do Estado Democrático de Direito Se a Constituição não é levada a sério pela sociedade de pouco adiantará um sistema judiciário robusto e uma jurisdição constitucional atuante A Constituição será desrespeitada e violada no cotidiano seja pelo cidadão seja pelos agentes públicos e lideranças políticas Para que a ordem constitucional se estabilize e se efetive é necessário que na sociedade não predomine a vontade de poder mas a vontade de constituição59 Karl Loewenstein designou de sentimento constitucional este elemento psicossocial e sociológico de cuja presença tanto depende o sucesso da experiência constitucional em cada Estado60 Para o jurista alemão o desenvolvimento do sentimento constitucional depende de fatores imponderáveis mas pode ser estimulado por meio da educação cívica O florescimento da cultura constitucional na sociedade contribui decisivamente para a garantia da Constituição A opinião pública que se insurge contra práticas contrárias à Constituição uma cidadania que se mobiliza e protesta nas ruas contra estas violações um eleitorado consciente que pune nas urnas os políticos infiéis aos valores constitucionais são instrumentos extremamente importantes para a preservação da autoridade e para a efetivação da Lei Maior Não se exige para tanto nenhum tipo de culto fetichista ao texto constitucional pelo cidadão como se ele fosse provido de alguma sacralidade61 Pelo contrário a idolatria constitucional ao fechar os olhos para as imperfeições da Constituição pode anestesiar o espírito crítico e limitar a imaginação institucional recursos essenciais para a luta por justiça62 Mas é necessário para a vitalidade da experiência constitu cional que o cidadão comum se identifique com os valores e princípios básicos da sua Constituição tomandoa como algo valioso e importante que também é seu e não como um mero instrumento técnicojurídico do mundo dos advogados63 Quando se atinge essa identificação popular com a Constituição ela se torna um meio importante de integração social64 o que favorece a cristalização de uma identidade nacional independentemente da existência no povo de outros traços identitários com partilhados ligados a aspectos como religião etnia história língua ou cultura Este é um fenômeno positivo importante tendo em vista de um lado a necessida de de integração entre o povo para a harmonia e estabilidade social e do outro o crescente pluralismo que caracteriza as sociedades contemporâneas A adesão do cidadão aos princípios constitucionais básicos ligados sobretudo à democracia e aos direitos fundamentais tem sido chamada de patriotismo cons titucional65 O patriotismo constitucional é hoje concebido como modelo democrático para integração das sociedades plurais contemporâneas em substituição ao antigo nacionalismo e a outros vínculos identitários particularistas No núcleo do patriotismo constitucional está também o reconhecimento das diferenças a formação de acordos para discordar de contextos propícios para se viver e deixar viver66 Em outras palavras ele não envolve qualquer tendência à homogeneização cultural Pelo contrário implica o respeito à diversidade e ao pluralismo acolhidos nas constituições democráticas O ideal é que a adesão à Constituição pelos cidadãos e forças políticas e sociais não se dê por razões de mero cálculo estratégico mas envolva um genuíno sentimento de fidelidade a princípios compartilhados67 Esta expectativa não é exagerada quando se parte da premissa de que os indivíduos não são agentes racionais que buscam acima de tudo a maximização dos seus próprios interesses pessoais como pretende a escola da rational choice68 mas pessoas humanas complexas que também se movem por afetos por símbolos por altruísmo e pela busca do bem comum A vigente Constituição é nossa primeira razoavelmente efetiva Isso se deve em parte às instituições judiciárias ao sistema de controle de constitucionalidade às técnicas de aplicação da Constituição desenvolvidas pelos juristas Mas também pode ser atribuído a um contexto político e social propício refratário à ditadura e aberto à democracia e aos direitos fundamentais A luta contra o regime militar pela reabertura democrática e pelo respeito aos direitos humanos desabilitou a tradição política brasileira de resolução das crises políticas pela via da ruptura institucional A sociedade brasileira vem desde então manifestando seu compromisso com a solução dos conflitos políticos por meio dos mecanismos previstos na própria Constituição A cultura constitucional brasileira embora ainda incompleta tem sido um elemento decisivo possivelmente o principal para que sob a vigência da atual Constituição estejamos vivendo o período de estabilidade institucional mais longo de nossa história O desafio apresentado ao Brasil é o de fazer com que a Constituição seja apropriada pelas práticas cotidianas da sociedade sobretudo para garantir o pleno respeito aos direitos fundamentais dos excluídos Não há dúvidas de que parte considerável da população brasileira ainda se sujeita a práticas autoritárias e opressivas Nas favelas do Rio de Janeiro a população é submetida à violência do tráfico de drogas ou da polícia Na fronteira agrícola ainda se pratica o trabalho escravo Nessas partes do território não vigora plenamente o Estado Democrático de Direito Para a superação dessas disfunções da vida brasileira certamente os poderes constituídos devem exercer um papel central Porém é igualmente necessário o aprofundamento da cultura constitucional democrática 17 A constitucionalização do Direito As constituições contemporâneas desempenham um papel central no ordenamento jurídico Além de limitarem os poderes políticos as suas normas podem incidir diretamente sobre as relações sociais Além disso seus preceitos e valores são considerados vetores para interpretação e aplicação de todo o Direito impondo a releitura dos conceitos e institutos existentes nos mais variados ramos do ordenamento A Constituição não é vista mais como uma simples norma normarum cuja finalidade principal é disciplinar o processo de produção de outras normas69 Ela passa a ser enxergada como a encarnação dos valores superiores da comunidade política que devem fecundar todo o sistema jurídico No Brasil de hoje a constitucionalização do Direito é uma realidade70 É difícil nos dias atuais encontrar um processo judicial em qualquer área em que dispositivos constitucionais não sejam invocados pelas partes e depois empregados na fundamentação da respectiva decisão judicial E isto ocorre não só nas grandes questões mas também na resolução dos pequenos conflitos em modestas reclamações trabalhistas em demandas nos juizados especiais em singelas ações previdenciárias Os livros de doutrina nas mais diversas áreas Direito Civil Penal Tributário Administrativo Processual Trabalhista etc têm de dedicar boa parte do seu texto à discussão da Constituição abordando a maneira como as normas constitucionais repercutem naquele ramo do ordenamento sob pena de incorreram em grave lacuna Até nos debates políticos e nas reivindicações da sociedade civil o discurso constitucional vem em alguma medida penetrando A Constituição invadiu novos domínios tornandose praticamente ubíqua em nosso Direito E este processo não ocorre só no Brasil Pelo contrário algo similar acontece ou aconteceu em maior ou menos escala nos mais diversos países Em passado não tão distante nos países do sistema jurídico romanogermânico se concebia o Código Civil como a principal norma jurídica de uma comunidade71 Nesses códigos estariam contidos os mais importantes princípios jurídicos que corresponderiam a um direito natural racional alicerçado em valores do liberalismo burguês como a proteção praticamente absoluta da propriedade privada e da autonomia da vontade na celebração de negócios jurídicos Ao longo do século XX com a intensificação da intervenção do Estado sobre as relações sociais assistiu se a um fenômeno de inflação legislativa que levou à crise daquele paradigma de ordenamento jurídico que tinha em seu centro o Código Civil Foi a chamada Era da Descodificação72 Com o tempo a Constituição foi substituindo o Código Civil convertendose na norma jurídica mais relevante do ordenamento com o papel de costurar e conferir unidade axiológica às suas diferentes partes O fenômeno de constitucionalização do Direito teve causas diversas Uma delas foi a ampliação das tarefas das constituições que a partir do advento do Estado Social deixaram de tratar apenas da organização do Estado e da garantia de direitos individuais passando a disciplinar muitos outros temas como a economia a família o meio ambiente etc73 Outra foi a sedimentação da ideia acima explorada de que a Constituição é norma jurídica e não mera proclamação política o que se relaciona com a difusão e fortalecimento da jurisdição constitucional Uma terceira foi o surgimento de uma cultura jurídica que passou a valorizar cada vez mais os princípios vendoos não mais como meios para integração de lacunas mas como normas jurídicas revestidas de grande importância no sistema capazes de incidir diretamente e de dirigir a interpretação de regras mais específicas74 A constitucionalização do Direito envolve dois fenômenos distintos que po demos chamar de constitucionalizaçãoinclusão e de constitucionalização re leitura75 A constitucionalização inclusão consiste no tratamento pela Constituição de temas que antes eram disciplinados pela legislação ordinária ou mesmo igno rados Na Constituição de 88 este é um fenômeno generalizado tendo em vista a inserção no texto constitucional de uma enorme variedade de assuntos alguns deles desprovidos de maior relevância Já a constitucionalização releitura ligase à impregnação de todo o ordenamento pelos valores constitucionais Tratase de uma consequência da propensão dos princípios constitucionais de projetarem uma eficácia irradiante passando a nortear a interpretação da totalidade da ordem jurídica Assim os preceitos legais os conceitos e institutos dos mais variados ramos do ordenamento submetemse a uma filtragem constitucional76 passam a ser lidos a partir da ótica constitucional o que muitas vezes impõe significativas mudanças na sua compreensão e em suas aplicações concretas Uma das primeiras expressões da eficácia irradiante dos princípios constitucionais sobre a totalidade do ordenamento jurídico foi o caso Lüth julgado pela Corte Constitucional alemã em 195877 considerado um marco no constitucionalismo germânico A Corte naquele importante julgado assentou que as cláusulas gerais do Direito Privado devem ser interpretadas de acordo com a ordem de valores contida na Constituição É igualmente verdadeiro no entanto que a Lei Fundamental não é um documento axiologicamente neutro Sua seção de direitos fundamentais estabelece uma ordem de valores e esta ordem reforça o poder efetivo destes direitos fundamentais Este sistema de valores que se centra na dignidade da pessoa humana em livre desenvolvimento dentro da comunidade social deve ser considerado como uma decisão constitucional fundamental que afeta a todas as esferas do direito público ou privado Ele serve de metro para aferição e controle de todas as ações estatais nas áreas da legislação admi nistração e jurisdição Assim é evidente que os direitos fundamentais também influenciam o desenvolvimento do direito privado Cada preceito do direito privado deve ser compatível com este sistema de valores e deve ainda ser interpretado à luz do seu espírito O conteúdo legal dos direitos fundamentais como normas objetivas é desenvolvido no direito privado através dos seus dispositivos diretamente aplicáveis sobre esta área do direito Novos estatutos devem se conformar com o sistema de valores dos direitos fundamentais O conteúdo das normas em vigor também deve ser harmonizado com esta ordem de valores Este sistema infunde um conteúdo constitucional específico ao direito privado orientando a sua interpretação No Brasil a constitucionalização tem provocado a releitura dos institutos mais importantes e tradicionais do Direito Civil como a propriedade a posse o contrato a família etc de modo a tornálos compatíveis com os valores humanitários da Constituição Formouse no país escola de Direito CivilConstitucional capitaneada por autores como Gustavo Tepedino 78 Maria Celina Bodin de Moraes79 e Edson Fachin80 os quais têm se dedicado à tarefa de revisitar a dogmática civilista a partir da ótica constitucional81 As consequências deste novo olhar constitucional sobre o Direito Civil envolvem o reconhecimento da chamada eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais82 A nova ótica se traduz ainda nas tendências à personalização e à despatrimonialização deste ramo do ordenamento Em outras palavras tratase de reconhecer a partir dos princípios constitucionais a prioridade dos valores existenciais sobre os valores meramente patrimoniais no âmbito jurídicoprivado No Direito Administrativo a constitucionalização tem provocado mudanças igualmente importantes em conceitos e institutos fundamentais83 A ideia antes sagrada da impossibilidade da impugnação judicial do mérito do ato administrativo vem cedendo espaço para o controle calcado em princípios como a proporcionalidade a impessoalidade a moralidade e a eficiência A noção de supremacia do interesse público sobre o particular também tem perdido terreno diante da valorização dos direitos fundamentais concebidos como trunfos em face de interesses eventualmente majoritários84 O próprio princípio da legalidade administrativa segundo o qual o Estado só pode agir quando autorizado por lei tem sido repensado em razão do reconhecimento da força normativa da Constituição Afinal se as normas constitucionais são em regra diretamente aplicáveis independentemente de mediação legislativa não faz muito sentido exigir que a Administração se abstenha de agir sob o pretexto da inércia do legislador85 Muitos outros exemplos poderiam ser dados ligados à constitucionalização de ramos tão variados como o Direito Penal o Processo Civil e o Direito do Trabalho O fato incontestável é que os princípios e valores da Constituição estão mudando a fisionomia do ordenamento jurídico brasileiro Sem embargo excessos na constitucionalização do Direito são objeto de críticas importantes No que tange à constitucionalizaçãoinclusão podese questionar a legitimidade democrática do entrincheiramento constitucional de decisões políticas conjunturais ou de interesses corporativos que conseguiram prevalecer na arena constituinte86 Afinal tratase de restrições às deliberações da política majoritária muitas vezes moralmente injustificáveis Ademais uma consequência prática indesejável deste fenômeno é o aumento da frequência das emendas constitucionais Isto porque se a Constituição trata de tantos assuntos é natural que a cada mudança no equilíbrio das forças políticas ou a cada alteração social mais significativa haja necessidade de se emendar a Constituição Por outro lado esta banalização constitucional gera outro efeito colateral pernicioso Ela equipara temas tipicamente constitucionais cujo tratamento deve realmente demandar um processo de deliberação mais complexo com outros sem a mesma estatura que deveriam ser decididos na esfera da política ordinária Com isso passase a exigir para a simples implementação de programas de governo referendados nas eleições o apoio de 35 dos integrantes de cada casa do Congresso maioria qualificada necessária para a aprovação das emendas constitucionais Esta dificuldade muitas vezes é equacionada da pior maneira possível com barganhas não republicanas envolvendo o governo e parlamentares No que concerne à constitucionalizaçãoreleitura é preciso avaliar até que ponto é legítimo numa democracia restringir a liberdade de conformação do le gis lador em nome da irradiação dos valores constitucionais sobretudo diante da constatação de que o grande agente desta irradiação é o juiz que não é eleito O elevado grau de indeterminação das normas empregadas no processo de filtragem constitucional agrava o problema Em regra serão necessários procedimentos herme nêuticos mais complexos como ponderações e interpretações construtivas nos quais o julgador terá participação mais ativa na definição do resultado Aqui dois registros são necessários Em primeiro lugar não se deve supor que seja possível extrair da Constituição pela via hermenêutica as respostas para todos os problemas jurídicos e sociais Quem defende que tudo ou quase tudo já está decidido pela Constituição e que o legislador é um mero executor das medidas já impostas pelo constituinte nega por consequência a autonomia política ao povo para em cada momento da sua história realizar as suas próprias escolhas Se é verdade que constituições substantivas como a brasileira vão muito além de apenas estabelecer as regras do jogo não é menos certo que um espaço mínimo para o jogo político deve ser preservado da voracidade da jurisdição constitucional87 O excesso de constitucionalização do Direito a panconstitucionalização revestese portanto de um viés antidemocrático Em segundo lugar é fundamental que haja racionalidade e transparência na atuação jurisdicional que produz a irradiação dos princípios constitucionais constitucionalizando o ordenamento As decisões judiciais devem ser racionalmente justificadas de forma a demonstrar não só às partes do litígio mas também ao público em geral que o resultado alcançado é o mais adequado à ordem jurídica e às peculiaridades do caso88 Quanto mais uma decisão envolver alguma margem de valoração do intérprete maior deve ser o cuidado empregado na fundamentação Em suma a constitucionalização do Direito pelo menos na sua dimensão de constitucionalizaçãoreleitura é fenômeno positivo que semeia por todo o ordenamento os valores emancipatórios contidos na Constituição Porém ela deve respeitar espaços mínimos de liberdade de conformação do legislador derivados do princípio democrático e ser realizada com rigor metodológico tendose sempre presente a exigência de justificação pública das decisões judiciais 18 Bloco de constitucionalidade e tratados internacionais sobre direitos humanos Entendese por bloco de constitucionalidade o conjunto de normas a que se reconhece hierarquia constitucional num dado ordenamento Tais normas ainda que não figurem no documento constitucional podem ser tomadas como parâmetro para o exercício do controle de constitucionalidade O conceito de bloco de constitucionalidade tem a sua origem no Direito Constitucional francês O Conselho Constitucional da França em decisão proferida em 197189 afirmou que como o Preâmbulo da Constituição do país editada em 1958 se refere à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e ao Preâmbulo da Constituição de 1946 esses textos teriam também se incorporado à ordem constitucional vigente Tal orientação foi extremamente importante para o constitucionalismo francês pois permitiu que a jurisdição constitucional do país se estendesse à proteção de um amplo elenco de direitos fundamentais ausentes do texto constitucional Na sua redação atual o preâmbulo daquela Constituição se reporta ainda à Carta do Meio Ambiente de 2003 que dessa forma também integra o bloco de constitucionalidade do país90 A Constituição francesa não é portanto composta apenas por seu texto mas também por aqueles outros diplomas normativos Em diversos outros países as constituições aludem a tratados internacionais de direitos humanos incorporandoos ao bloco de constitucionalidade É assim por exemplo na Argentina cuja Constituição a partir da reforma aprovada em 1994 atribuiu hierarquia constitucional a diversos tratados e declarações de direitos humanos enumeradas em seu texto91 Também a Constituição da Venezuela concedeu hierarquia constitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos O mesmo se deu na Constituição austríaca em relação à Convenção Europeia de Direitos Humanos e aos seus protocolos adicionais No ordenamento jurídico brasileiro todas as normas contidas no texto constitucional integram o bloco de constitucionalidade Também o integram preceitos constantes de emendas constitucionais que não foram incorporados ao texto da Constituição Além disso existem princípios constitucionais não escritos que podem ser extraídos pela via hermenêutica da ordem constitucional que também compõem nosso bloco de constitucionalidade Nesta matéria o principal debate travado no país diz respeito aos tratados internacionais sobre direitos humanos Com efeito o art 5º 2º da Constituição Federal dispõe que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte A partir deste preceito um importante segmento da doutrina brasileira capitaneado por Antônio Augusto Cançado Trindade92 e Flávia Piovesan93 passou a sustentar que os tratados internacionais sobre direitos humanos adotados pelo Brasil têm hierarquia constitucional Além do argumento textual afirmam também que essa é uma forma de proteger mais intensamente os direitos humanos contidos nos tratados pondoos ao abrigo do legislador o que converge com a tendência mundial surgida após o final da II Guerra Mundial de conceber tais direitos como limites à própria soberania estatal Para essa corrente na hipótese de colisão entre norma contida em tratado internacional de direitos humanos e preceito da própria Constituição deve prevalecer aquela que seja mais favorável ao titular do direito O saudoso internacionalista Celso Duvivier de Albuquerque Mello94 ia ainda mais longe ao defender a hierarquia supraconstitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos Contudo nenhuma destas posições prevaleceu no STF Num primeiro momento a Corte em julgamento sobre a validade da prisão civil do depositário infiel autorizada pela Constituição mas vedada pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos afirmou que os tratados internacionais sobre direitos humanos teriam hierarquia de lei95 Quando eles se confrontassem com leis internas deverseia aplicar o critério cronológico ou o critério de especialidade para resolução da antinomia mas não o hierárquico O Supremo seguiu nesta matéria a mesma orientação que vinha adotando sobre a hierarquia dos demais tratados internacionais firmada em precedente do ano de 197796 Um dos argumentos invocados para sustentar tal posição foi a rigidez constitucional A incorporação dos tratados no ordenamento interno depende de aprovação pelo Congresso Nacional de decreto legislativo em que é suficiente a obtenção do quorum de maioria simples arts 47 e 49 I CF Por isso diziase atribuir hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos importaria em tornar a Constituição flexível nesse ponto Para superar essa orientação o Congresso Nacional por meio da Emenda Constitucional nº 452004 inseriu no art 5º da Constituição o 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais De acordo com esse preceito o tratado internacional sobre direitos humanos que for submetido ao procedimento nele prescrito que é semelhante ao de aprovação de emendas constitucionais pode alterar a Constituição Quanto aos tratados internalizados por meio desse procedimento não há duvida eles integram a Constituição compondo o bloco de constitucionalidade Em caso de conflito entre tratado incorporado dessa forma e preceito constitucional deverá prevalecer a norma mais favorável ao titular do direito97 Mas a circunstância de determinado tratado internacional de proteção dos Direitos Humanos ter sido internalizado em conformidade com o 3º do art 5º da Constituição Federal passando a integrála não impede que leis sejam aprovadas conferindo proteção mais ampla aos direitos fundamentais Uma lei ordinária que confira maior proteção não será considerada inconstitucional Até o presente momento apenas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram submetidos a esse procedimento Em decorrência disso passaram a fazer parte de nosso catálogo de direitos fundamentais outros direitos específicos das pessoas com deficiência além dos já existentes no texto constitucional originário Após a edição da EC nº 452004 o STF com composição bastante renovada revisitou o tema da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos Mais uma vez a questão veio à baila em discussão sobre a validade da prisão civil do depositário infiel tendo em vista a vedação estabelecida na Convenção Americana de Direitos Humanos98 Tratavase portanto de tratado internacional aprovado antes da promulgação da EC nº 45 cuja incorporação naturalmente não seguira o procedimento nela previsto A Corte mudou o seu entendimento anterior passando a atribuir hierarquia supralegal mas infraconstitucional aos tratados internacionais de direitos humanos que não tenham sido incorporados pela forma estabelecida pela EC nº 45 Pelo novo posicionamento estes tratados internacionais sobre direitos humanos prevalecem sobre a legislação interna ressalvada apenas a própria Constituição Todavia eles não integram o bloco de constitucionalidade já que se situam em patamar hierárquico inferior ao da Constituição Com isso o direito brasileiro aproximouse quanto ao tema de ordenamentos como o alemão Lei Fundamental de Bonn art 25 e o francês Constituição Francesa art 5599 No citado julgamento nenhum ministro sustentou a tese da hierarquia legal dos tratados internacionais sobre direitos humanos Formaramse na Corte duas posições uma perfilhada pelo Ministro Celso de Mello que reviu seu posicionamento anterior sobre o assunto reconhece a estatura constitucional aos referidos tratados outra majoritária capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes lhes atribui hierarquia supralegal mas infraconstitucional Em julgados subsequentes essa nova orientação se consolidou100 Há quem afirme que o art 5º 3º da Constituição teria natureza interpretativa explicitando a estatura constitucional dos tratados de direitos humanos incorporados anteriormente à sua introdução101 Argumento adicional em favor da atribuição de hierarquia constitucional a tais tratados ligase à dinâmica da recepção Como se sabe um novo texto constitucional inclusive o decorrente de emenda constitucional pode recepcionar as normas infraconstitucionais anteriores editadas por meio de veículo formal diferente do que ele estabelece bastando que haja compatibilidade material entre as normas Nessa hipótese entendese que a norma anterior passa a valer com novo status Um exemplo importante é o do Código Tributário Nacional que foi aprovado originariamente em 1965 por meio de Decretolei quando não existia em nosso ordenamento a lei complementar Como a partir da Constituição de 1967 e também na Carta de 88 passouse a exigir a edição de lei complementar para o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária entendese que o CTN foi recepcionado como lei complementar Há quem sustente que o mesmo fenômeno teria ocorrido com os tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados antes da Emenda Constitucional nº 45 Como o art 5º 3º da Constituição instituí do por aquela emenda deu aos novos tratados sobre direitos humanos hierarquia constitucional isso teria implicado na recepção dos tratados antigos com esta mesma estatura102 Consideramos correta a atual posição majoritária do STF sobre o tema endossada no voto do Ministro Gilmar Mendes proferido no RE nº 4663431 Com efeito por um lado a tese da hierarquia legal dos tratados em questão que antes prevalecia no STF não estava em consonância com a valorização dos direitos humanos que se extrai da Constituição Ela não lhes proporcionava proteção suficiente por deixá los excessivamente expostos à vontade do legislador ordinário E também não era compatível com a crescente abertura do constitucionalismo aos influxos do Direito Internacional Contudo a tese da hierarquia constitucional de todos os tratados sobre direitos humanos conquanto sedutora envolve problemas insuperáveis O principal é o de que além de uma inflação constitucional sem precedentes ela geraria absoluta incerteza sobre as normas que efetivamente compõem a nossa Constituição O Brasil é signatário de dezenas talvez centenas de tratados internacionais que dependendo da visão do intérprete podem ser qualificados como relativos a direitos humanos Só no âmbito da Organização Internacional do Trabalho são mais de 70 tratados que o país incorporou a maioria deles com dezenas de preceitos Não é razoável que se tenha uma Constituição composta por muitos milhares de preceitos e pior do que isso que sequer se saiba se determinada norma a integra ou não a Constituição A adoção da tese provocaria grande insegurança quanto à extensão e o teor da Constituição quais tratados teriam natureza constitucional Quais normas efetivamente integrariam seu texto Essa incerteza enfraqueceria a força normativa da Constituição submetendo os cidadãos e agentes públicos a um sistema constitucional de complexidade praticamente incontrolável Por outro lado o ganho em matéria de proteção de direitos fundamentais não seria tão significativo se a tese da estatura constitucional fosse adotada Primeiramente porque a hierarquia supralegal mas infraconstitucional dos tratados já concede uma tutela bastante reforçada aos direitos humanos salvaguardandoos inclusive do legislador O status supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos enseja inclusive a possibilidade de exercício do chamado controle de convencionalidade das leis103 por todos os juízes e tribunais brasileiros no julgamento de casos concretos fundado na aplicação do critério hierárquico para resolução de antinomias Além disso a Constituição já possui um elenco extremamente generoso de direitos fundamentais tendo incorporado praticamente todos os mais importantes que figuram na normativa internacional de direitos humanos Não bastasse há sempre a possibilidade de submeter o antigo tratado até então despido de estatura constitucional a novo procedimento de incorporação pautado pelo procedimento do art 5º 3º da Constituição de modo a inserilo no bloco de constitucionalidade E o argumento da recepção apesar de engenhoso não procede É que a melhor interpretação do art 5º 3º CF não é no sentido de que todos os tratados sobre direitos humanos devem ser necessariamente aprovados pela maioria qualificada de 35 nas duas casas do Congresso convertendose em normas constitucionais Uma interpretação como essa produziria um resultado paradoxal dito preceito constitucional editado no afã de favorecer os direitos humanos acabaria dificultando a sua incorporação em nosso ordenamento É preferível a tese de que o art 5º 3º da Constituição institui um novo caminho não exclusivo para a internalização dos tratados sobre direitos humanos Agora existem duas possibilidades um procedimento mais singelo igual ao dos demais tratados que importa na incorporação do texto sobre direitos humanos com hierarquia supralegal mas infraconstitucional e outro mais difícil que enseja a inserção do tratado no bloco de constitucionalidade Assentada esta premissa perde sustentação a tese da recepção qualificada dos antigos tratados sobre direitos humanos pois se afasta a ideia de que a estatura necessária dos novos tratados sobre a matéria seja a constitucional Nessa perspectiva a recepção não altera a natureza infraconstitucional mas supralegal tratados de direitos humanos incorporados antes da EC nº 452004 19 Constituição em sentido formal instrumental material e ideal A palavra Constituição é empregada em diversos sentidos diferentes Algumas vezes falase em Constituição para aludirse às normas jurídicas dotadas de superior hierarquia no ordenamento do Estado independentemente do seu conteúdo Essa é a Constituição em sentido formal ou Constituição formal Outras vezes aludese à Constituição para fazer referência ao principal texto jurídico que contém estas normas superiores É a Constituição em sentido instrumental ou documental Nas palavras de Jorge Miranda o documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais dizse Constituição em sentido instrumental104 Podem existir normas integrantes da Constituição em sentido formal que não estejam inseridas neste documento como costumes constitucionais reconhecidos ou preceitos dotados de estatura constitucional previstos em tratados internacionais sobre direitos humanos Também se fala em Constituição em sentido material A expressão Constituição em sentido material é ambígua pois é usada com diversos significados diferentes sendo dois os mais comuns105 No primeiro ela é associada às chamadas normas materialmente constitucionais que são aquelas que tratam de temas considerados como de natureza essencialmente constitucional notadamente a organização do Estado e os direitos fundamentais não importa onde estejam positivadas106 Em todos os Estados modernos existem normas jurídicas escritas ou não que organizam o exercício do poder político distribuindo competências e fixando procedimentos para a elaboração de outras normas Daí porque todos os Estados possuem Constituição nesse sentido material107 embora nem todos tenham Constituição em sentido formal ou em sentido instrumental No sentido acima a Constituição material se refere a normas jurídicas e não à realidade social subjacente Tal como a Constituição formal ela está na esfera do dever ser e não no plano do fato social Porém Constituição material e Constituição formal não se confundem representando dois círculos que se tangenciam Por um lado há na Constituição formal preceitos que não versam sobre temas tipicamente constitucionais e estes abundam na Constituição de 88 Mas por outro podem existir normas materialmente constitucionais situadas fora da Constituição formal Porém falase também em Constituição em sentido material num significado diferente para aludir não às normas jurídicas dotadas de um conteúdo próprio mas à realidade social subjacente a estas normas Neste outro sentido a Constituição material é concebida como a estrutura básica da comunidade política como o seu modo de ser compreendendo as mais importantes relações de poder político social e econômico travadas nesta comunidade108 Do ponto de vista histórico este sentido descritivo precede a qualquer outro já estando presente no pensamento político clássico na Antiguidade grecoromana109 Nesta concepção a Constituição material aproximase do conceito sociológico de Constituição formulado por Ferdinand Lassale110 que será detidamente explicado em outro capítulo sobre teorias constitucionais É a Constituição concebida como os fatores reais de poder presentes numa dada sociedade e não como um mero pedaço de papel contendo normas jurídicas Falase ainda em Constituição num sentido ideal para se fazer referência ao sistema normativo do Estado que corresponde a um determinado modelo o modelo do constitucionalismo que envolve a contenção do poder dos governantes e a garantia de direitos dos governados Foi neste sentido que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão elaborada na França em 1789 proclamou em seu art 16 que Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação de poderes determinada não tem Constituição No apogeu do positivismo jurídico o conceito ideal de Constituição foi desprezado tido como uma descabida abstração jusnaturalista A Constituição para o positivismo poderia ser dotada de qualquer conteúdo do mais liberal e democrático ou mais totalitário111 Contudo após o final da II Guerra Mundial com a crise do positivismo jurídico que então se instaurou diversas correntes jurídicas e filosóficas não necessariamente filiadas ao jusnaturalismo voltaram a identificar a Constituição a um conteúdo mínimo de Justiça112 Este conteúdo no entanto não precisa necessariamente coincidir com aquele sustentado nos primórdios do constituciona lismo e afinado com a ideologia liberalburguesa então dominante podendo envolver outros temas e objetos como os direitos sociais e a justiça distributiva Como se verá no Capítulo 5 diversas visões contemporâneas sobre o fenômeno constitucional buscam a partir de perspectivas diferentes articular de modo coerente estas várias facetas ou dimensões da Constituição que envolvem norma fato e valor Nenhuma dessas dimensões pode ser negligenciada numa teoria constitucional que seja descritivamente adequada e prescritivamente comprometida com o ideário do constitucionalismo democrático que ao fim e ao cabo é o que justifica a própria ideia de Constituição 110 Classificações das constituições 1101 Observação prévia São inúmeras as classificações das constituições que se baseiam nos mais diferentes critérios Em muitos casos as constituições concretas não se identificam integralmente com nenhum tipo ideal113 Isso é inevitável Sempre que se formula um conceito capaz de abarcar uma quantidade significativa de fenômenos parcela da complexidade inerente a cada fenômeno é desconsiderada O mesmo ocorre na classificação das constituições Mas tais conceitos e classificações facilitam a comunicação no âmbito da disciplina consistindo em parte relevante de sua linguagem comum E exercem importante função didática possibilitando uma primeira aproximação de nossa Constituição atual mas também de constituições de outros países e de textos constitucionais que vigoraram em outro momento histórico A seguir serão apresentadas as principais classificações as quais serão acompanhadas quando necessário de ponderações quanto a importantes casos excepcionais que não se enquadram perfeitamente em nenhum dos tipos ideais propostos 1102 Constituições escritas ou dogmáticas e não escritas ou históricas Quanto à forma as constituições classificamse em escritas ou dogmáticas e não escritas ou históricas As primeiras escritas dogmáticas codificadas são as mais comuns A Constituição está reunida em um texto editado em um determinado momento da história do país Mas constituições escritas não são incompatíveis com o reconhecimento de elementos constitucionais não escritos costumes constitucionais normas implícitas etc As constituições brasileiras foram sem exceção todas constituições escritas editadas para institucionalizar os novos regimes políticos que foram se sucedendo com o tempo As constituições não escritas ou históricas são as que não estão positivadas em um texto escrito único editado em determinado momento da vida nacional É um modelo que praticamente desapareceu tendo o seu exemplo típico na Constituição britânica Essa é composta por uma variedade de convenções constitucionais por precedentes judiciais e também por documentos escritos que foram editados ao longo do tempo dentre os quais a Carta Magna o Habeas Corpus Act e a Bill of Rights As constituições não escritas ou históricas são integradas portanto também por textos escritos os quais contudo não se reduzem a um documento que abarque a totalidade ou pelo menos a maior parte da Constituição 1103 Constituições flexíveis semirrígidas rígidas superrígidas e imutáveis Esta classificação leva em conta a abertura para alterações formais na Constituição Constituições flexíveis são aquelas que podem ser alteradas da mesma maneira como se edita a legislação ordinária Rígidas são as que demandam um procedimento mais complexo para mudança dos seus preceitos do que o exigido para a elaboração da legislação infraconstitucional Nas constituições semirrígidas uma parte dos dispositivos tida como mais relevante é dotada de rigidez e a outra não é podendo ser modificada pelo legislador da mesma maneira como são elaboradas as leis ordinárias Já as constituições superrígidas são aquelas em que parte das normas constitucionais é dotada de rigidez mas há elementos que não podem ser modificados de nenhuma forma As imutáveis finalmente são constituições insuscetíveis de qualquer alteração formal O conceito de rigidez constitucional foi proposto por James Bryce para quem a característica específica dessas constituições reside no fato de que estas constituições possuem uma autoridade superior à das outras leis do Estado e podem ser alteradas através de método diferente daquele através dos quais as outras leis podem ser editadas ou revogadas114 Para Bryce onde as constituições são flexíveis a sua diferença em relação às normas ordinárias decorre da matéria versada mas não da superioridade hierárquica tida como inexistente Isso porque nas constituições flexíveis o conflito entre a norma constitucional anterior e a lei superveniente resolvese não pelo critério hierárquico mas pelo critério cronológico levando à prevalência da lei Como o processo de edição da lei é igual ao de alteração da Constituição considerase que a lei posterior incompatível com a Constituição a derroga O objetivo da exigência de rigidez é tornar mais estáveis os princípios fundamentais e a estrutura básica do Estado permitindo a sua alteração apenas quando apoiada por uma expressiva maioria da sociedade e não por qualquer maioria eventual É o modelo que se tornou mais frequente no mundo contemporâneo sobretudo após a II Guerra Mundial sendo o que mais se coaduna com a ideia de supremacia constitucional Há diversos mecanismos para tornar a Constituição rígida A Constituição de 1988 adota vários desses mecanismos Uma proposta de emenda constitucional PEC só pode ser apresentada por um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal pelo Presidente da República ou por mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Federação CF art 60 I II e III enquanto para se alterar a legislação ordinária basta em regra a apresentação de projeto de lei por um deputado ou por um senador CF art 61 A proposta de emenda constitucional é discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos considerandose aprovada se obtiver em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros CF art 60 2º e para a modificação da legislação ordinária é suficiente a aprovação pela maioria simples dos votos estando presente a maioria absoluta dos membros da casa legislativa CF art 47 Ao contrário da legis lação ordinária a Constituição não pode ser emendada na vigência de estado de sítio de estado de defesa ou de intervenção federal CF art 60 1º Dentre outros me ca nismos que tornam a Constituição rígida não adotados entre nós podese citar a exigência de aprovação da reforma constitucional diretamente pelo povo por referendo ou pelos estadosmembros nos Estados federais ou ainda por diferentes legislaturas que se sucedam no tempo As constituições flexíveis caracterizamse pela possibilidade de alteração dos seus preceitos por meio de procedimento igual ao previsto para a modificação da legislação ordinária inexistindo garantias formais para a estabilidade constitucional Na história constitucional brasileira a Carta de 1937 funcionou na prática como Constituição flexível É que como o Poder Legislativo estava fechado tanto a legislação ordinária como as emendas constitucionais eram editadas unilateralmente pelo então Presidente da República Getúlio Vargas115 No Reino Unido a Constituição também é considerada flexível pois o Parlamento pode aprovar lei com qualquer conteúdo não estando juridicamente vinculado ao respeito das convenções e documentos constitucionais do país Ditos documentos não têm de observar na sua elaboração uma forma diferente daquela exigida para aprovação das leis A flexibilidade formal é portanto um dos elementos centrais do modelo inglês de democracia Westminster model116 Não obstante o nível de enraizamento cultural e político dos valores constitucionais é tão elevado no Reino Unido que torna pouco provável a sua subversão pelo legislador Na história constitucional brasileira há um exemplo de Constituição semirrígida que foi a Carta de 1824 Parte de seu texto podia ser alterada por meio do mesmo procedimento previsto para a alteração da legislação ordinária enquanto outra parte demandava a adoção de um procedimento mais complexo envolvendo por exemplo a confirmação da modificação por duas legislaturas subsequentes e o assentimento de maioria qualificada arts 174 a 177 da Constituição O procedimento mais complexo era empregado apenas para processar propostas relativas aos limites e às atribuições dos poderes bem como aos direitos políticos e sociais art 178 A escolha do procedimento de alteração a ser adotado dependia da matéria de que se tratasse117 A Constituição Federal de 1988 além de ser dotada de rigidez possui ainda um núcleo intangível Por essa razão é possível definila como superrígida nem todos autores adotam esta categoria e os que não o fazem qualificam a nossa Constituição como rígida O núcleo imutável da Constituição é composto pelas chamadas cláusulas pétreas as quais estão fixadas em seu no art 60 4º118 Compreendem a forma federativa de Estado o voto direto secreto universal e periódico a separação dos Poderes os direitos e garantias individuais Como será esclarecido mais adiante no Capítulo 7 essas cláusulas não são propriamente imutáveis O que não pode haver é o atingimento do núcleo essencial dos princípios nelas veiculados Alterações pontuais modificativas de redação ou de detalhes específicos podem acontecer e têm ocorrido normalmente no Brasil sob o atual sistema constitucional Antes da II Guerra Mundial não era comum o emprego de cláusulas pétreas Depois daquele conflito elas vêm sendo adotadas por uma grande parte das novas constituições como a alemã a portuguesa a espanhola e a italiana As constituições imutáveis são impraticáveis Com a passagem do tempo elas se tornam obsoletas e ilegítimas Consagrar a imutabilidade constitucional além de profundamente antidemocrático pelo desrespeito ao direito à autodeterminação das gerações futuras é temerário pois se aumenta o risco de ruptura institucional Paradoxalmente o excesso de estabilidade se converte em fonte de instabilidade Dentre as constituições atualmente em vigor a da Finlândia de 1919 expressamente consagrou a sua imutabilidade em seu art 95 que determinou A presente lei constitucional será em todas as suas partes uma lei constitucional irrevogável que não poderá ser emendada interpretada nem derrogada e da qual nenhuma autoridade poderá desviarse senão do modo estabelecido pelas leis constitucionais em geral Nada obstante ela já foi alterada diversas vezes por meio do procedimento agravado previsto na Lei Orgânica do Parlamento finlandês de 1928 Os conceitos de rigidez e flexibilidade constitucional foram formulados tendo em vista apenas o procedimento formal de alteração das constituições Mas há a possibilidade da alteração da Constituição sem modificação em seu texto O fenômeno é chamado mutação constitucional e será estudado em capítulo próprio As constituições formalmente muito rígidas só conseguem sobreviver ao tempo se forem capazes de assumir novos significados por meio da mutação constitucional É o caso da Constituição norteamericana a qual apesar do procedimento extremamente rígido de alteração tem conseguido se atualizar historicamente Depois de mais de dois séculos de vigência apenas vinte e sete emendas foram aprovadas nos Estados Unidos Isto porém não significa que a Constituição norteamericana mude pouco mas sim que as mudanças ocorrem de outra maneira por meio de processos informais de modificação constitucional Constituições formalmente muito rígidas e incapazes de se adaptar pela via da mutação tendem a não resistir às pressões do tempo logo perecendo Sob o ponto de vista concreto a distinção peremptória entre constituições rígidas e flexíveis perde atualmente muito de seu sentido Hoje poucos são os países que deixam de adotar constituições dotadas de rigidez Mas há constituições muito mais rígidas do que outras É por exemplo incomparavelmente mais fácil alterar a Constituição brasileira do que a norteamericana que demanda a aprovação da mudança por 23 dos membros das duas casas legislativas seguida da sua aceitação por 34 dos Estados que decidem pelos dos seus legislativos ou por meio de convenções especiais Por isso a relação entre rigidez e flexibilidade é melhor representada por um gradiente do que por categorias binárias A reflexão atual sobre o tema inclinase ao estudo dos graus de rigidez e dos fatores que contribuem para o enrijecimento ou para a flexibilização do regime constitucional Para aferir o grau de rigidez e estabilidade da Constituição devese verificar não apenas as suas regras sobre reforma mas também outros fatores relativos ao funcionamento concreto das instituições e à dinâmica da sociedade119 1104 Constituições sintéticas e analíticas As constituições sintéticas são curtas Em geral limitamse a definir os princípios gerais que devem orientar a organização do Estado e quando muito a estabelecer alguns direitos individuais e políticos As constituições liberais costumam ser constituições sintéticas restringindose à fixação de direitos fundamentais e ao estabelecimento das linhas gerais da estrutura estatal O caso mais conhecido de Constituição sintética é a Constituição norteamericana composta por apenas 7 artigos e 27 emendas subsequentes120 As constituições sintéticas quando cuidam de institutos jurídicos e instituições estatais limitamse em geral a fixar aspectos basilares deixando à legislação infraconstitucional o desenvolvimento e detalhamento necessários dos temas tratados As constituições analíticas ao contrário descem a minúcias fixando detalhes dos institutos jurídicos constitucionalizados Nossa atual Constituição é uma típica Constituição analítica Dispõe por exemplo sobre o prazo do estágio probatório dos servidores públicos art 41 caput a idade ou o tempo de contribuição para o cidadão obter o direito de se aposentar art 40 1º I II e III o número de vereadores que as cidades devem possuir art 29 IV a a x a possibilidade de os membros do Ministério Público admitidos antes do início da sua vigência advogarem ADCT art 29 3º Em decorrência do detalhamento excessivo a Constituição Federal de 1988 costuma ser definida não apenas como analítica mas como prolixa tratandose de uma das mais extensas do mundo Um exemplo caricatural está no fato de em seu art 242 2º prever que o Colégio Pedro II localizado no Rio de Janeiro além de público e gratuito será mantido na esfera federal Em sua redação originária chegou a definir no art 192 3º o limite de juros anuais em 12121 O preceito foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003 mas durante anos serviu como álibi para a não aplicação do texto constitucional em sua íntegra legitimando a adoção de teorias restritivas da normatividade constitucional122 É da tradição brasileira a confecção de constituições analíticas A menor que tivemos de 1891 tinha 90 artigos no seu corpo permanente e outros 9 nas disposições transitórias e a atual possui atualmente 250 artigos no seu corpo permanente e 97 no Ato das Disposições Transitórias 123 Além desta tradição alguns fatores explicam o excessivo tamanho do nosso texto constitucional o modelo constitucional social e dirigente adotado a dinâmica do funcionamento da Assembleia Constituinte dividida inicialmente em 24 subcomissões temáticas depois agrupadas em 8 comissões as pressões que fizeram naquele momento os diversos grupos de interesse corporações e movimentos sociais que visavam à inclusão na Constituição das suas reivindicações e a desconfiança então existente em relação ao legislador futuro Como já salientado o caráter detalhista da Constituição produz importantes impactos na realidade política brasileira interferindo no funcionamento concreto das instituições nacionais Para o governo executar suas diretrizes políticas aprovadas nas urnas tem sido necessário alterar o texto constitucional devendo para isso obter maioria de três quintos dos votos em cada casa do Congresso Nacional Essa maioria somente é obtida por meio de coligações excessivamente amplas ocasionando não raro a perda de identidade programática do governo e estimulando a relativização da observância das regras da ética pública O caráter excessivamente analítico da Constituição infelizmente agrava algumas das disfunções do presidencialismo de coalizão praticado no Brasil Ademais impõe restrições muitas vezes injustificáveis às deliberações majoritárias Não se pode contudo esquecer que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada por uma assembleia constituinte muito democrática Participaram da constituinte os mais diversos setores da sociedade brasileira Dificilmente teria outra feição um texto constitucional resultante de tão ampla participação popular Por essa razão não são legítimas reformas tendentes a desfigurar a obra do constituinte originário produzidas em contexto em que não haja um nível semelhante de mobilização cívica ao existente em 8788 A crítica ao caráter excessivamente analítico da Constituição não pode servir para chancelar a revogação de direitos fundamentais conquistados pelo povo brasileiro naquele momento histórico Serve apenas para alertar para a in conveniência de emendas constitucionais tendentes a inserir na Constituição novos detalhes bem como para desaconselhar interpretações que ampliem ainda mais o escopo da Constituição com o propósito de impedir a livre atuação do legislador legi timado pelo voto popular Mas o intérprete não pode tampouco esquivarse de aplicar normas constitucionais sob o argumento de que está corrigindo os excessos do constituinte Isto comprometeria a ideia conquistada a duras penas de que a Constituição toda a Constituição é norma jurídica dotada de imperatividade A sociedade ficaria refém da teoria constitucional preferida pelo intérprete do momento e existem tantas quando não de suas idiossincrasias O melhor é curvarse às preferências do constituinte evitandose em regra apenas interpretações excessivamente extensivas das normas constitucionais 1105 Constituição dirigente e Constituição garantia As constituições garantia apenas estruturam e limitam o exercício do poder político São constituições liberais sintéticas em regra cuja função é estabelecer anteparos de proteção do indivíduo contra o poder do Estado e organizar o governo com base no compromisso com a moderação Tratase do modelo clássico de Constituição que havia sido concebido pelo constitucionalismo do século XIX Em sua origem as constituições modernas eram constituições garantia As constituições dirigentes também podem estabelecer garantias da liberdade individual ante o poder do estado Todavia além de realizarem essa função prescrevem objetivos a serem perseguidos fixando um estado ideal de coisas que o constituinte deseja ver concretizado no futuro A Constituição dirigente oferece às futuras gerações um plano de desenvolvimento econômico e social Não apenas limita a atividade governamental futura antecipa o teor que essa atividade deve conter definindo mesmo que por meio de princípios gerais a própria substância das leis a serem editadas A decisão constituinte não vincula o legislador apenas negativamente vinculao também de modo positivo124 Elas são típicas do constitucionalismo social Exemplo expressivo de Constituição dirigente é a Constituição portuguesa de 1976 resultante da Revolução dos Cravos Em seu texto original chegava a prescrever a transição para o socialismo art 2º125 em preceito hoje já revogado Canotilho um de seus mais importantes intérpretes descrevea nos seguintes termos Tratase de uma lei fundamental não reduzida a um simples instrumento de governo ou seja um texto constitucional limitado à individualização dos órgãos e à definição de competências e procedimentos da ação dos poderes públicos A idéia de programa associavase ao caráter dirigente da Constituição A Constituição comandaria a ação do Estado e imporia aos órgãos competentes a realização das metas programáticas nela estabelecidas126 A Constituição Federal de 1988 também é uma Constituição dirigente Além de conter um amplo catálogo de direitos fundamentais e de estruturar o exercício do poder político contempla os objetivos a serem perseguidos pelo Estado e pela socie dade Logo no início do texto em seu art 3º a Constituição impõe o dever do Estado de construir uma sociedade livre justa e solidária garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação No art 170 determina que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios redução das desigualdades regionais e sociais busca do pleno emprego127 Nessas e em inúmeras outras normas a Constituição de 1988 estabelece o modelo de Nação que o constituinte concebe para o futuro Atualmente falase em crise do constitucionalismo dirigente Esta crise está ligada a diversos fatores como a globalização econômica que diminui o poder real dos Estadosnacionais de implementarem os projetos consagrados nas suas constituições a emergência de ordens jurídicas internacionais e regionais disputando espaço com o constitucionalismo estatal os problemas econômicos e políticos enfrentados pelo Welfare State Tais fenômenos serão analisados no Capítulo 2 O juízo positivo sobre os projetos generosos assumidos pela Constituição portuguesa de 1976 e pela Constituição brasileira de 1988 não impede o reconhecimento de que o dirigismo constitucional apresenta problemas graves sob o ponto de vista da legitimação democrática Todas as constituições limitam a liberdade decisória das gerações futuras mas as constituições dirigentes o fazem em maior extensão ao definirem caminhos que devem ser necessariamente seguidos pelas forças políticas do futuro Portanto a Constituição dirigente agrava o problema da legitimidade intergeracional ainda quando forneça às futuras gerações um projeto bom e generoso Também quanto a esse aspecto nossas observações não têm o propósito de questionar a legitimidade do texto constitucional de 1988 mas sim de fornecer mais um parâmetro para a interpretação A Constituição dirigente de 1988 deve ser interpretada em termos pluralistas de modo a ficar menos espessa na atribuição de conteúdo à legislação futura e mais densa na garantia das condições para que possam coexistir em harmonia os mais diversos projetos de sociedade128 A Constituição de 1988 além de dirigente é pluralista Embora determine por exemplo ser objetivo da República promover a redução das desigualdades sociais e regionais não prescreve um único caminho para o estado e a sociedade alcançarem esse objetivo O problema será discutido na seção seguinte e voltaremos a ele no Capítulo 5 1106 Constituição monista pluralista ou compromissória e imparcial Constituições monistas ou ortodoxas129 são as constituições vinculadas a uma ideologia determinada É o que acontecia com as constituições do bloco socialista que contemplavam um projeto ideológico global de sociedade o socialismo Em seu art 1º a Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de 1936 determinava ser a União Soviética um Estado socialista de trabalhadores e camponeses Em seu art 2º estabelecia que a base política da URSS apoiava se na derrocada do poder dos proprietários rurais e capitalistas e na ditadura do proletariado Essa Constituição atualmente revogada aderia de modo exclusivo a um dos lados do debate ideológico do início do século XX Tratavase de Constituição monista Constituições pluralistas ou compromissórias são aquelas que possuem normas inspiradas em ideologias diversas Geralmente resultam de um compro misso entre os diversos grupos participantes do momento constituinte130 O conceito de Constituição compromissória foi formulado a propósito da Constituição alemã de 1919 a chamada Constituição de Weimar Quando no momento constituinte nenhum grupo tem força suficiente para sozinho tomar a decisão soberana a Constituição resulta de um compromisso entre as correntes antagônicas131 A Carta de 1988 é exemplo típico de Constituição compromissória Durante a constituinte de 19871988 atuaram as mais diversas forças políticas inspiradas em diferentes ideologias Na verdade a constituinte foi a mais plural da história do Brasil Era natural que dela resultasse uma Constituição pluralista132 Observemse por exemplo os princípios constitucionais da ordem econômica art 170 A Constituição contempla de um lado a livre iniciativa e o direito de propriedade princípios de índole liberal e de outro lado os valores sociais do trabalho a função social da propriedade a defesa do consumidor e a busca do pleno emprego inspirados em ideologias mais intervencionistas133 Por fim há em teoria a possibilidade de se conceber a Constituição em termos imparciais circunscrita à esfera da neutralidade política A Constituição imparcial não tem a pretensão de instituir um amplo projeto econômico e social Ela visa a garantir que a interação democrática entre os diversos grupos plurais ocorra de maneira justa e pacífica protege os direitos fundamentais os procedimentos democráticos e as instituições políticas básicas134 Mas não se pronuncia sobre a forma de organizar a vida econômica e social Isto porém não a torna igual a uma Constituição garantia Num contexto de profunda desigualdade social a Constituição imparcial deve se ocupar também da promoção das condições básicas de vida para todos atuando em prol da inclusão social até para viabilizar a interação democrática em bases igua litárias Tal conteúdo tem o potencial de se tornar objeto de consenso racional entre doutrinas razoáveis nas democracias contemporâneas135 Uma Constituição assim concebida pode ser aceita e legitimada por diferentes ideologias servindo de base para a interação cidadã entre pessoas que discordam sobre os mais variados aspectos da vida em sociedade136 Sem embargo a defesa de um modelo imparcial não se presta a subtrair legitimidade à Constituição Federal de 1988 As constituições são o resultado de processos políticos concretos e não das teorizações abstratas dos estudiosos O que tais cogitações podem fazer legitimamente é auxiliar na interpretação constitucional Neste sentido é possível defender por exemplo que o fato de uma dada norma inserirse na esfera da imparcialidade política como a que protege a liberdade de expressão ou o direito ao ensino básico é elemento importante para legitimar uma postura mais ativista do Poder Judiciário na sua proteção O Judiciário nessa perspectiva deve evitar na interpretação da Constituição extrair posições ideológicas fechadas sobre assuntos politicamente controvertidos deixando com isso espaço para que as maiorias de tempos em tempos tomem as decisões pertinentes 1107 Constituições normativas nominais semânticas e simbólicas As constituições podem ser classificadas também quanto à aptidão para produzir efeitos concretos na realidade social e política Considerando esse aspecto Karl Loewenstein elaborou classificação das constituições que rotulou de ontológica dividindoas em normativas nominais e semânticas137 Constituições normativas são as que efetivamente conformam o processo político e as relações sociais sendo objeto de plena observância pela sociedade As relações de poder de fato se desenvolvem em conformidade com as regras e os princípios fixados no texto constitucional A Constituição normativa é uma Constituição para valer Evidentemente ela é violada algumas vezes mas geralmente as ofensas à Constituição são combatidas e sancionadas A Constituição Federal de 1988 é a primeira Constituição brasileira que pelo menos em parte podese considerar relativamente normativa Se comparada às nossas Constituições anteriores a Carta de 1988 é a que tem sido capaz de dirigir com maior intensidade da realidade política e social brasileira Apesar de muitos de seus preceitos ainda não estarem longe da realidade a luta pela efetividade constitucional é uma marca importante do constitucionalismo pós1988 Constituições nominais são as que não correspondem à forma como a sociedade se organiza efetivamente As condições sociais e econômicas para a Constituição ser de fato respeitada não estão presentes Porém o conceito não é de todo pejorativo na concepção de Loewenstein A Constituição nominal mesmo não sendo capaz de incidir de modo imediato sobre a realidade exerce a importante função de prover objetivos a serem alcançados e parâmetros para a crítica das práticas sociais concretas Por fim há ainda as constituições semânticas São constituições que além de não serem capazes de limitar o exercício do poder político funcionam como instrumento para legitimação de regimes contrários à tradição democrática do constitucionalismo Elas legalizam o exercício autoritário do poder Uma Constituição que após um golpe militar conceda amplos poderes discricionários aos golpistas eliminando os direitos dos seus opositores será semântica A Carta de 1937 sobretudo pelas suas disposições transitórias ao legitimar o fechamento do Congresso a intervenção automática em todos os Estados e o amplo exercício de poderes discricionários por Getúlio Vargas até a realização de um plebiscito que nunca ocorreu pode ser qualificada como Constituição semântica A categoria das constituições simbólicas foi formulada por Marcelo Neves138 Tratase de Constituição que não corresponde minimamente à realidade não logrando subordinar as relações políticas e sociais subjacentes Ela não é tomada como norma jurídica verdadeira não gerando na sociedade expectativas de que seja cumprida Neste ponto ela se assemelha à categoria da Constituição nominal de Loewenstein Porém a apreciação de Marcelo Neves do fenômeno é mais negativa do que a do autor alemão Para Neves as constituições simbólicas tendem a servir como álibi para manutenção do status quo Ademais a insinceridade normativa pode corromper a separação que deve existir entre o sistema jurídico e outros subsistemas sociais permitindo que elementos que deveriam ser estranhos ao processo de aplicação de normas jurídicas como o fato de o indivíduo ser ou não rico ou politicamente poderoso se infiltrem sistematicamente nessa área em detrimento dos valores da igualdade e do Estado de Direito 1108 Constituições outorgadas promulgadas e cesaristas As constituições outorgadas são as impostas pelos governantes elaboradas sem a participação do povo O líder político ou grupo instalado no poder decreta a Constituição do país que em geral possui traços autoritários Na história brasileira há três constituições formalmente outorgadas a Constituição de 1824 a Constituição de 1937 e Constituição de 1969 também conhecida como Emenda Constitucional nº 1 à Constituição de 1967 Já as constituições promulgadas são elaboradas por assembleias constituintes Em nossa história constitucional as constituições de 1891 1934 1946 1967 e 1988 foram formalmente promulgadas A Constituição Federal de 1988 foi aprovada pela constituinte mais democrática e participativa da história brasileira Os constituintes foram eleitos democraticamente e os trabalhos ocorreram em um ambiente de liberdade abertura e participação popular É frequente a conceituação da Constituição promulgada como democrática Cabem duas ressalvas a esta conceituação Em primeiro lugar há constituições formalmente promulgadas cuja elaboração não pode ser qualificada de democrática em razão dos constrangimentos impostos à assembleia constituinte Foi o caso da Constituição de 1967 que embora elaborada pelo Congresso Nacional investido de poderes constituintes não teve origem efetivamente democrática A atribuição de poderes constituintes ao Congresso Nacional foi feita por meio de um ato institucional o Ato Institucional nº 4 O período de deliberação do Congresso Constituinte era curtíssimo de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967 Os trabalhos do Congresso ocorreram com base em um texto previamente elaborado pelo governo transcorrendo de acordo com rígido procedimento também previamente definido pelo Presidente por meio de ato institucional O Congresso embora eleito não era integrado por representantes da esquerda muitos dos quais tinham sido cassados estavam presos ou no exílio e pairava permanentemente sob aquela Assembleia a ameaça do poder militar constrangendo os trabalhos dos constituintes A referida Assembleia Constituinte não foi portanto verdadeiramente democrática Apesar de formalmente promulgada é possível qualificala como semioutorgada tamanhos foram os constrangimentos impostos à Assembleia Constituinte pelo regime militar Ademais nem toda Constituição elaborada de forma democrática apresentará conteúdo democrático Imaginese uma assembleia constituinte eleita pelo povo após uma revolução fundamentalista muçulmana que trabalhe com liberdade mas produza um texto negando direito de voto às mulheres e impondo a estrita observância da sharia islâmica Não parece adequado chamála de democrática Da mesma forma pode haver constituições cuja elaboração não seja democrática mas que resultem em textos de teor democrático É o caso da Constituição do Japão imposta pelas forças de ocupação norteamericanas em 1946 após o final da II Guerra Mundial mas cujo conteúdo é democrático Há ainda as constituições cesaristas São constituições elaboradas unilateralmente pelo líder político do país e depois submetidas à aprovação popular Não há participação de representantes eleitos pelo povo na redação do texto Esse tipo de Constituição surge em contextos políticos em que o líder se comunica direto com as massas sem intermediários A Constituição francesa de 1852 que instituiu o Segundo Império comandado por Luís Napoleão foi um exemplo típico139 Outro mais contemporâneo é a Constituição chilena de 1980 O texto constitucional sancionado por meio do Decretolei nº 3464 de 11 de agosto de 1980 pelo então Presidente Augusto Pinochet foi em seguida submetido à aprovação popular em plebiscito realizado um mês depois quando o país estava sob estado de sítio A Constituição brasileira de 1937 previa a sua aprovação em referendo popular Este porém nunca veio a ocorrer razão pela qual não é classificada como cesarista mas como outorgada Não há nada de errado na realização de referendo para aprovar constituições que foram elaboradas de modo democrático por assembleias constituintes eleitas Pelo contrário o referendo aprofunda a legitimação democrática da Constituição não sendo suficiente para convertêla em cesarista Por isso independentemente do juízo que se faça sobre o seu conteúdo não é cesarista a atual Constituição da Venezuela de 1999 elaborada por Assembleia Constituinte democraticamente eleita e depois confirmada pelo voto popular 1109 Constituições heterônomas A maioria das Constituições é produzida por agentes do próprio Estado a que se destina Com todas as constituições brasileiras isso ocorreu Algumas foram elaboradas mais democraticamente por representantes eleitos pelos cidadãos outras foram impostas por líderes políticos detentores do poder Mas outorgadas ou promulgadas foram todas feitas por brasileiros É o que deveria sempre ocorrer pois o poder de autoorganização é uma dimensão fundamental da soberania nacional Uma nação que não é capaz de dar a si própria uma Constituição não é uma nação plenamente soberana Porém existem também as constituições heterônomas ou heteroconstituições São constituições impostas por outras nações Isto ocorreu no Japão logo após o fim da II Guerra Mundial O projeto de Constituição foi escrito em 1946 pelas forças aliadas de ocupação comandadas pelo general norteamericano MacArthur140 A Constituição instituiu uma monarquia parlamentarista em que o Imperador exerce apenas funções simbólicas Ela vedou que o Japão possuísse forças armadas Por insistência dos japoneses foram alterados alguns aspectos periféricos do projeto mas nenhum essencial ao modelo imposto O texto foi submetido ao Parlamento que o aprovou em cenário em que outra escolha não teria sido possível Não se pode afirmar que os japoneses fizeram sua própria Constituição A decisão constituinte foi tomada alhures No Canadá também ocorreu fenômeno peculiar O texto constitucional canadense que trata da organização do poder político foi editado em 1867 pela Inglaterra quando o país era sua colônia sendo então conhecido como British North America Act Apenas em 1982 ocorreu o processo de nacionalização patriation do referido texto que se deu por meio de aprovação simultânea pelos poderes legislativos canadense e britânico Em 1982 no contexto da nacionalização da Constituição foi introduzida no país a Carta Canadense de Direito e Liberdades que também tem estatura constitucional versando sobre direitos fundamentais e controle de constitucionalidade O processo de descolonização nas suas sucessivas ondas envolveu com frequência a imposição de constituições heterônomas pela antiga metrópole Além do caso canadense de 1867 podese citar a Constituição da Austrália de 1901 da África do Sul de 1909 da Nigéria de 1946 da Jamaica de 1962 das Bermudas de 1962 de Malta de 1964 das Ilhas Maurício de 1968 e de Fiji de 1970141 Há ademais situações intermediárias em que apesar de a Constituição não ser elaborada por outra nação o processo constituinte se sujeita a fortes constrangimentos externos É o caso da atual Constituição alemã de 1949142 Ela foi redigida quando a Alemanha era ocupada pelas potências aliadas que impuseram algumas exigências para a elaboração do texto contidas nos chamados documentos de Frankfurt notadamente no que concerne à adoção do federalismo da democracia e à ampla proteção de direitos fundamentais O próprio procedimento constituinte foi estabelecido pelas forças de ocupação que impuseram a elaboração da Lei Fundamental de Bonn143 por assembleia composta por representantes eleitos pelos Legislativos dos Estados com posterior ratificação do texto por pelo menos 23 dos parlamentos estaduais Durante os procedimentos constituintes os aliados chegaram a intervir cobrando um maior grau de descentralização no pacto federativo tendo alcançado um acordo sobre o tema com os constituintes alemães Observese contudo que o fato de a Constituição ter origem heterônoma nem sempre impede que com o tempo seja ela legitimada pelo povo A Constituição japonesa é amplamente reconhecida por aquela nação não tendo sido substituída por outra mesmo depois do fim da ocupação norte americana O British North America Act foi mantido e nacionalizado por decisão dos próprios canadenses E a Constituição alemã que não é propriamente heterônoma mas teve uma origem certamente maculada pela excessiva intervenção externa acabou adquirindo ampla legitimidade entre o povo do país A ideia de heteronomia está ligada portanto à origem da Constituição A história particular do país pode levar o povo a aderir ao texto constitucional posteriormente legitimandoo com o tempo como a sua Constituição 1 Cf KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed 2 Cf NEVES Marcelo Transconstitucionalismo 3 Cf SALDANHA Nelson Liberalismo e Estado liberal Revista Forense v 81 n 291 p 93 e LIMA Viviane Nunes Araújo A saga do zangão uma visão sobre o direito natural 4 Cf BANDEIRA DE MELLO Oswaldo Aranha A teoria das Constituições rígidas p 37 et seq 5 Cf SCHMITT Carl Teoría de la Constitución p 37 6 Cf VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma 7 Cf SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 183184 Luís Roberto Barroso desenvolve argumentação semelhante mas denomina respectivamente de objetivo e subjetivo os fundamentos para a supremacia constitucional que aqui designaremos como substantivo e ge nético Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed p 143144 8 Neste sentido cf ELSTER Jon Ulysses and the Sirens Studies in Rationality and Irrationality 9 Neste sentido cf ACKERMAN Bruce We the People v 1 Foundations p 393 10 Cf GARCÍA DE ENTERRÍA Eduardo La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional p 41 11 A propósito cf ZAGREBELSKY Gustavo Il diritto mite legge diritti giustizia 12 Uma corrente importante do pensamento constitucional surgida logo após a promulgação da Constituição dedicouse à crítica da falta de eficácia social das constituições brasileiras e à defesa de superação daquele modelo por meio do pleno reconhecimento do caráter normativo da Constituição de 88 Esta linha que pode ser designada como doutrina constitucional da efetividade tem como marco fundamental a obra de Luís Roberto Barroso O direito constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da Constituição brasileira Vide a propósito o Capítulo 5 13 Cf VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma p 67 14 Cf HOLMES Stephen El precompromiso y la paradoja de la democracia In ELSTER Jon SLAGSTAD Rune Ed Constitucionalismo y democracia p 217262 15 BARROSO Luís Roberto Doze anos da Constituição brasileira de 1988 In BARROSO Luís Roberto Temas de direito constitucional p 13 16 HAMILTON Alexander MADISON James JAY John O federalista textos selecionados por Francisco C Weffort p 168 17 Neste sentido o texto clássico de Ruy Barbosa A Constituição é a vontade direta do povo A lei a vontade dos seus representantes Entre duas delegações legislativas de eminência desigual a constituinte e a ordinária o tribunal inclinandose à segunda implicitamente inverteria a ordem racional traduzida no preceito elementar de que entre as prescrições antinômicas de duas autoridades de categoria diversa a menos alta cede à mais elevada Atos inconstitucionais p 60 18 Vejase o título da importante obra de SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional 19 Porém antes da invenção do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos houve experiências precursoras de limitação dos poderes políticos com base em normatividade tida como superior São exemplos o instituto da graphé paranomom existente na Grécia Antiga que permitia a invalidação de atos tidos como violadores de normas superiores com a punição das autoridades culpadas e a doutrina que concebia o Judiciário como guardião da superioridade da common law sobre o direito escrito adotada na Inglaterra no início do século XVII por influência do Lord Edward Coke no julgamento do Bonhams Case mas abandonada naquele país após a Revolução Gloriosa de 1688 Sobre o tema cf CAPPELLETTI Mauro O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado p 4963 20 5 US 1 Cranch 137 2 LEd 60 Para uma descrição do caso e do seu contexto político cf CHEMERINSKY Erwin Constitutional Law Principles and Policies p 3947 21 Vide a propósito o texto clássico de Hans Kelsen publicado originariamente em 1928 Jurisdição constitucional p 123186 22 Sobre a expansão da jurisdição constitucional na Europa após a II Guerra Mundial cf COMELLA Víctor Ferreres Constitutional Courts and Democratic Values a European Perspective p 326 De acordo com o jurista espanhol dos 27 países que compõem a União Europeia 18 possuem cortes constitucionais detentoras do monopólio do controle jurisdicional de constitucionalidade seguindo neste ponto o modelo kelseniano Cabe ressaltar todavia que a grande maioria destes países admite também ao lado da fiscalização abstrata de constitucionalidade o controle concreto que pode ser apreciado pela Corte Constitucional no julgamento de questões prejudiciais de inconstitucionalidade suscitadas em litígios submetidos ao Poder Judiciário ou em ações específicas propostas diretamente perante a própria corte como a reclamação constitucional alemã Verfassungsbeschwerde ou o recurso de amparo espanhol Sobre os diversos modelos europeus de jurisdição constitucional Vide ainda FAVOREU Louis As cortes constitucionais 23 Cf GINSBURG Tom The Global Spread of Constitutional Review In WHITTINGTON Keith E KELEMEN R Daniel CALDEIRA Gregory A Ed The Oxford Handbook of Law and Politics p 8198 24 Cf SANTIAGO NINO Carlos La constitución de la democracia deliberativa p 261269 25 Neste sentido vide por exemplo TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts Na teoria constitucional mais sofisticada mesmo ardorosos defensores do controle de constitucionalidade não o veem como uma consequência lógica inafastável da supremacia da Constituição mas sim como uma escolha institucional desejável em razão dos resultados positivos que tende a produzir no sentido da melhor proteção dos direitos fundamentais Nessa linha cf DWORKIN Ronald The Moral Reading and the Majoritarian Premise In DWORKIN Ronald Freedoms Law the Moral Reading of the American Constitution p 34 26 Uma boa síntese dos argumentos contrários ao controle judicial de constitucionalidade pode ser colhida em MENDES Conrado Hübner Direitos fundamentais separação de poderes e deliberação p 89104 O autor todavia não se opõe à jurisdição constitucional mas defende uma concepção modesta do instituto baseada na ideia de diálogo interinstitucional entre poderes para definição do sentido da Constituição 27 No mesmo sentido Dieter Grimm que foi VicePresidente da Corte Constitucional alemã e é um defensor da jurisdição constitucional a questão de se um país deve adotar ou não o controle judicial de constitucionalidade não é de princípios mas sim pragmática Tal escolha requer um juízo de custo e benefício A resposta pode variar de acordo com o tempo e as circunstâncias cada país tem que achar a sua própria solução Jurisdição constitucional e democracia Revista de Direito do Estado RDE n 4 p 6 28 O controle foi instituído pelo Decreto nº 8481890 que criou a Justiça Federal sendo em seguida consagrado na Constituição de 1891 e mantido em todas as nossas constituições subsequentes Sobre a trajetória histórica do controle e constitucionalidade no Brasil cf STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica p 415453 29 O sistema misto já se prenunciava na chamada representação interventiva disciplinada pelas constituições de 1934 e 1946 há diferenças significativas no tratamento dado por estas constituições ao instituto Naquelas constituições a intervenção federal nos Estados por violação de princípio constitucional sensível dependia do reconhecimento da afronta pelo STF no julgamento da referida representação A representação interventiva acabou sendo empregada para controle abstrato de constitucionalidade mas apenas de atos normativos estaduais e o parâmetro utilizado não era a totalidade da Constituição Federal em vigor mas tão somente determinados princípios constitucionais indicados pelo constituinte os princípios ditos sensíveis A propósito cf MENDES Gilmar Ferreira Jurisdição constitucional p 6066 30 No atual sistema além do controle difuso e concreto de constitucionalidade que pode ser realizado em qualquer espécie de processo judicial existem as seguintes ações ligadas ao controle de constitucionalidade Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI art 102 I a CF Lei nº 989899 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADI por Omissão art 103 2º CF Lei nº 989899 Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC art 102 I a CF Lei nº 986899 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF art 102 1º CF Lei nº 988299 Mandado de Injunção MI art 5º LXXI CF Representação de Inconstitucionalidade art 125 2º CF Além delas há também o procedimento voltado à edição de Súmula Vinculante art 103A Lei nº 114172006 Para um minucioso exame de cada uma destas medidas cf BARROSO Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência A maior parte destas ações já figurava no texto originário da Constituição A ADC foi instituída pela EC nº 393 e a Súmula Vinculante pela EC nº 452004 A ADPF embora já estivesse prevista no texto constitu cional originário só ganhou vida após a sua regulamentação pela Lei nº 988299 31 O elenco estabelecido no art 103 caput da Constituição é o seguinte Presidente da República Mesa do Senado Federal Mesa da Câmara dos Deputados Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal Governador de Estado ou do Distrito Federal ProcuradorGeral da República Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional 32 Esta afirmação não envolve qualquer juízo de valor mas é constatação de um fato No mesmo sentido vejase VIEIRA Oscar Vilhena Supremocracia In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 483502 33 Para análises empíricas sobre a questão cf VIANNA Luiz Werneck BURGOS Marcelo Baumann SALLES Paula Martins Dezessete anos de judicialização da política Tempo Social Revista de Sociologia da USP v 19 n 2 p 3985 e TAYLOR Matthew M Judging Policy Courts and Policy Reform in Democratic Brazil p 90108 34 A eficácia contra todos e o efeito vinculante das decisões de mérito na ADI ADI por Omissão e ADC estão previstos no art 103 2º CF A Lei nº 988299 estendeu o mesmo regime às decisões de mérito proferidas na ADPF art 10 3º A jurisprudência do STF é reiterada no sentido de que as decisões concessivas de medida cautelar nestas ações também se revestem dos mesmos efeitos eg MC na Rcl nº 22561 Rel Min Gilmar Mendes DJU 22 abr 2003 35 Para um detido exame dos diversos fatores políticos jurídicos e culturais que vêm reforçando a importância da jurisdição constitucional no cenário brasileiro pós88 cf BRANDÃO Rodrigo Supremacia judicial versus diálogos constitucionais a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição p 65180 36 Sobre a judicialização da política no Brasil vide ARANTES Rogério B Constitucionalism the Expansion of Justice and the Judicialization of Politics in Brazil In SIEDER Rachel SCHJOLDEN Line ANGELL Alan Ed The Judicialization of Politics in Latin America p 232262 BARROSO Luís Roberto Constituição democracia e supremacia judicial direito e política no Brasil contemporâneo Revista de Direito do Estado RDE n 16 p 342 CITTADINO Gisele Guimarães Judicialização da política constitucionalismo demo crático e separação de poderes In VIANNA Luiz Werneck Org A democracia e os três poderes no Brasil p 1742 e VIANNA Luiz Werneck et al A judicialização da política e das relações sociais no Brasil Para uma perspectiva comparativa cf HIRSCHL Ran Towards Juristocracy the Origins and Consequences of the new Constitutionalism SWEET Alec Stone Governing With Judges Constitutional Politics in Europe e TATE C Neal VALLINDER Torbjörn Ed The Global Expansion of Judicial Power 37 A expressão dificuldade contramajoritária foi cunhada em obra clássica da teoria constitucional norteamericana BICKEL Alexander The Least Dangerous Branch the Supreme Court at the Bar of Politics 38 O tema da dificuldade contramajoritária do controle de constitucionalidade é verdadeira obsessão da teoria constitucional norteamericana sobre o qual já foram escritas centenas de obras Para uma detalhada reconstrução histórica do debate cf FRIEDMAN Barry The Birth of an Academic Obsession the History of the Countermajoritarian Difficulty Part Five Yale Law Journal v 112 n 2 p 153259 39 Entre as diversas obras nacionais que tratam do tema cf BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição consti tucional brasileira legitimidade democrática e instrumentos de realização CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Jurisdição constitucional democrática MELLO Cláudio Ari Democracia constitucional e direitos fundamentais MENDES Conrado Hübner Direitos fundamentais separação de poderes e deliberação SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional SOUZA NETO Cláudio Pereira de Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica e VIEIRA Oscar Vilhena Supremo Tribunal Federal jurisprudência política 2 ed 40 Cf TROPER Michel Justice constitutionelle et démocratie In TROPER Michel Pour une théorie juridique de LÉtat p 317328 e BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição constitucional brasileira legitimidade democrática e instrumentos de realização p 5574 41 Este ponto foi observado em famoso discurso de Francisco Campos proferido na abertura dos trabalhos do STF em 1941 Juiz da atribuição dos demais Poderes sois o próprio juiz das vossas O domínio da vossa competência é a Constituição isto é o instrumento em que se define e se especifica o Governo No poder de interpretála está o de traduzila nos vossos próprios conceitos Se a interpretação e particularmente a interpretação de um texto que se distingue pela generalidade a amplitude e a compreensão dos conceitos não é operação puramente dedutiva mas atividade de natureza plástica construtiva e criadora no poder de interpretar há de incluirse necessariamente por mais limitado que seja o poder de formular A Cons tituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicála é o que demonstra o nosso Supremo Tribunal e particularmente a Suprema Corte Americana Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona igualmente o poder constituinte O Supremo Tribunal Federal na Constituição de 1937 In CAMPOS Francisco Direito constitucional v 2 p 403 42 FIORAVANTI Maurizio Los derechos fundamentales apuntes de historia de las Constituciones p 73 43 Cf BON Pierre La légitimité du Conseil Constitutionneil français In AA VV Legitimidade e legitimação da justiça constitucional Colóquio no 10º aniversário do Tribunal Constitucional Lisboa 28 e 29 de maio de 1993 p 141142 44 Cf SCHMITT Carl La defensa de la Constitución 45 A posição de Schmitt sobre a jurisdição constitucional é melhor compreendida quando se conhece a sua teoria constitucional de forte inclinação autoritária que parte de uma leitura antiliberal da democracia profundamente avessa ao pluralismo Vejase a propósito o Capítulo 5 em que essa concepção é apresentada Sobre os debates constitucionais da República de Weimar cf CALDWELL Peter Popular Sovereignty and the Crisis of German Constitutional Law the Theory Practice of Weimar Constitutionalism 46 Nos anos 30 a Suprema Corte norteamericana entrou em grave atrito com o Presidente Roosevelt por invalidar diversas normas aprovadas durante o seu governo que buscavam proteger direitos dos traba lhadores e regular a economia visando à superação da crise econômica vivida no país Em 1937 o Presidente propôs medida legislativa voltada à mudança da composição da Corte para cada juiz do Tribunal que completasse 70 anos e não se aposentasse ele poderia indicar um outro a medida ficou conhecida como Court Packing Plan A proposta acabou não sendo aprovada no Congresso mas a Suprema Corte na mesma época mudou a sua orientação jurisprudencial refreando o seu ativismo e passando a aceitar uma maior intervenção estatal na ordem econômica No discurso feito por ocasião da apresentação da referida proposta em 1937 Roosevelt certamente um esquerdista para os padrões norteamericanos criticou aquele cenário de ativismo judicial em tom exasperado Desde que surgiu o movimento moderno de progresso social e econômico através da legislação a Corte tem cada vez com maior frequência e ousadia se valido do seu poder de vetar leis aprovadas pelo Congresso ou pelos legislativos estaduais Nos últimos quatro anos a boa regra de concederse às leis o benefício da dúvida razoável vem sendo posta de lado A Corte para além do uso apropriado das suas funções judiciais tem se colocado impropriamente como uma terceira casa do Congresso um superlegislativo Nós chegamos a um ponto em que a Nação deve tomar uma atitude para salvar a Constituição da Corte e para salvar a Corte de si mesma Senate Report n 711 reproduzido em MURPHY Walter F FLEMING James E BARBER Sotirios A American Constitutional Interpretation p 320321 47 Cf BERGER Raoul Government by Judiciary the Transformation of the Fourteenth Amendment e BORK Robert H The Tempting of America the Political Seduction of the Law 48 Cf KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review e TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts Vide a propósito o Capítulo 5 49 No cenário americano cf FRIEDMAN Barry The Will of the People How Public Opinion Has Influenced the Supreme Court and Shaped the Meaning of the Constitution e POWE JR Lucas A The Supreme Court and the American Elite 17892008 50 O amicus curiae é um terceiro que ingressa no processo constitucional trazendo argumentos que buscam influenciar a decisão judicial A sua atuação inaugurada na fiscalização de constitucionalidade abstrata brasileira a partir das leis nº 986899 e nº 988299 e posteriormente também estendida ao controle concreto vem permitindo que entidades representativas da sociedade civil assumam um papel destacado na jurisdição constitucional brasileira Sobre o tema cf MEDINA Damares Amicus Curiae amigo da corte ou amigo da parte 51 A afirmação de que o Tribunal Constitucional realiza a representação argumentativa da sociedade é de Robert Alexy A proposição fundamental todo poder provém do povo exige conceber não só o parlamento como ainda o tribunal constitucional como representação do povo A representação ocorre certamente de modo diferente O parlamento representa o cidadão politicamente o tribunal argumentativamente Com isso deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional tem mais um caráter idealístico do que aquela do parlamento O cotidiano da exploração parlamentar contém o perigo de que maiorias impo nhamse desconsideradamente emoções determinem o que ocorre dinheiro e relações de poder dominem e simplesmente sejam cometidos erros graves Um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo mas em nome do povo contra os seus representantes políticos Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático In ALEXY Robert Constitucionalismo discursivo p 5354 Esta ideia foi exposta e defendida pelo Min Gilmar Mendes no voto que proferiu no julgamento da ADI nº 3510 que tratou da pesquisa em célulastronco embrionárias O Ministro ressaltou que a ampla participação da sociedade civil nos debates travados no STF naquele feito por meio da intervenção dos amici curiae e da audiência pública realizada teriam contribuído para o êxito da representação argumentativa 52 Nesta linha cf BARAK Aharon The Judge in a Democracy DWORKIN Ronald The Moral Reading and the Majoritarian Premise In DWORKIN Ronald Freedoms Law the Moral Reading of the American Constitution e ZAGREBELSKY Gustavo Principî e voti la Corte Costituzionale e la politica 53 Cf BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição constitucional brasileira legitimidade democrática e instrumentos de realização p 279280 54 Cf DAHL Robert Alan Sobre a democracia p 97113 e HABERMAS Jürgen Popular Sovereignty as Procedure In BOHMAN James REHG William Ed Deliberative Democracy Essays on Reason and Politics p 3566 55 A relação entre constitucionalismo e democracia constitui um dos debates mais fecundos da Teoria Política e da Filosofia Constitucional que vem atravessando o tempo desde o advento do constitucionalismo moderno no século XVIII Na literatura contemporânea cf HABERMAS Jürgen O Estado democrático de direito uma amarração paradoxal de princípios contraditórios In HABERMAS Jürgen Era das transições p 153173 MICHELMAN Frank Isaac Brennan and Democracy p 362 e SANTIAGO NINO Carlos La constitución de la democracia deliberativa 56 Cf em tom ainda mais cético do que o nosso LIMA Martonio MontAlverne Barreto Jurisdição cons ti tucional um problema da teoria da democracia política In SOUZA NETO Cláudio Pereira de et al Teoria da Constituição estudos sobre o lugar da política no direito constitucional p 199261 Também MENDES Conrado Hübner Controle de constitucionalidade e democracia 57 Para crítica semelhante no contexto germânico cf MAUS Ingeborg Org O Judiciário como superego da sociedade 58 Algumas delas como o procedimentalismo o substancialismo e o constitucionalismo popular serão ex postas neste volume no Capítulo 5 que trata das teorias constitucionais 59 Cf HESSE Konrad A força normativa da Constituição 60 Karl Loewenstein definiu o sentimento constitucional como aquela consciência na comunidade que trans cendendo a todos os antagonismos e tensões existentes políticopartidárias econômicosociais religiosas ou de outro tipo integra a detentores e destinatários do poder no marco de uma ordem comunitária obri gatória justamente a Constituição submetendo o processo político ao interesse da comunidade Teoría de la Constitución p 200 Sobre o sentimento constitucional cf LUCAS VERDÚ Pablo El sentimiento consti tucional 61 Sobre o culto quase religioso à Constituição no cenário norteamericano cf LEVINSON Sanford Cons titutional Faith 62 Cf BALKIN Jack M Constitutional Redemption Political Faith in an Unjust World p 73103 63 Mark V Tushnet elaborou uma distinção conceitual entre Constituição espessa thick Constitution e fina thin Constitution que é de interesse para nossa exposição A primeira envolve todos os preceitos constitucionais e a segunda apenas os valores e princípios fundamentais da Constituição de forte conteúdo moral como igualdade liberdade de expressão República democracia etc Como afirma Tushnet seria pretender demais desejar que o cidadão comum se sensibilizasse com as questões eminentemente técnicas envolvendo as normas da Constituição espessa que muito provavelmente não lhe dizem nada Mas não é desarrazoado esperar que ele se identifique e se mobilize em favor dos valores constitucionais básicos do seu Estado contidos na Constituição fina Cf TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p 914 64 É influente na teoria constitucional germânica a concepção de Rudolf Smend elaborada no contexto da Cons tituição de Weimar que via na integração o papel essencial da Constituição Cf SMEND Rudolf Consti tución y derecho constitucional 65 Cf CAVALCANTI Antonio Maia A idéia de patriotismo constitucional e sua integração à cultura políticojurídica brasileira In PINZANI Alessandro DUTRA Delamar José Volpato Org Habermas em discussão CITTADINO Gisele Guimarães Patriotismo constitucional cultura e história Direito Estado e Sociedade n 31 p 5868 HABERMAS Jürgen O EstadoNação europeu frente aos desafios da globalização o passado e o futuro da soberania e da cidadania Novos Estudos CEBRAP n 43 p 87101 MÜLLER JanWerner Consti tutional Patriotism e ROSENFELD Michel Habermass Call for Cosmopolitan Constitutional Patriotism in an Age of Global Terror a Pluralist Appraisal Constellations v 14 n 2 p 159181 66 Cf GALSTON William A Diversity Toleration and Deliberative Democracy Religious Minorities and Public Schooling In MACEDO Stephen Ed Deliberative Politics Essays on Democracy and Disagreement p 42 67 Usando a terminologia de John Rawls esta adesão não seria apenas um modus vivendi adotado para viabilizar o convívio de grupos diferentes na sociedade mas no plano ideal atingiria o status de um consenso so breposto overlapping consensus entre diferentes concepções de mundo e grupos identitários presentes na comunidade política Sobre estas categorias cf RAWLS John O liberalismo político p 157203 68 Para uma aplicação da teoria da rational choice ao constitucionalismo na nossa opinião mal sucedida cf BUCHANAN James M TULLOCK Gordon The Calculus of Consent Logical Foundations of Constitutional Democracy 69 Esta era basicamente a visão de KELSEN Hans Jurisdição constitucional p 153 Para uma análise crítica desta posição cf PRIETO SANCHÍS Luis Presupuestos ideológicos y doctrinales de la jurisdición constitucional In PRIETO SANCHÍS Luis Justicia constitucional y derechos fundamentales p 21100 70 Sobre a constitucionalização do Direito no Brasil cf BARROSO Luís Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil Revista de Direito Admi nistrativo RDA n 240 p 1 42 e SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 167205 71 Cf GIORGIANNI Michele O direito privado e as suas atuais fronteiras Revista dos Tribunais v 87 n 747 p 41 e TEPEDINO Gustavo Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do direito civil In TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil p 4 72 Cf IRTI Natalino Letà della decodificazione 73 Vejase a propósito o Capítulo 2 74 Confirase a propósito o Capítulo 9 75 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de MENDONÇA José Vicente Santos de Fundamentalização e fundamentalismo na interpretação do princípio da livre iniciativa In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas p 710 Observese que Louis Favoreau em texto importante sobre o fenômeno da constitucionalização do Direito denominou de forma diferente as mesmas hipóteses ora analisadas batizou o que aqui desig namos de constitucionalizaçãoinclusão como constitucionalizaçãoelevação e o que chamamos de constitucionalização releitura de constitucionalizaçãotransformação Cf FAVOREU Louis La consti tutionalization du droit In AA VV Lunité du droit mélanges en hommage à Roland Drago p 37 76 Cf SCHIER Paulo Ricardo Filtragem constitucional contribuindo para uma dogmática jurídica emancipatória 77 BVerfGE 7 198 Tratavase de discussão relativa à legalidade de um boicote contra um filme dirigido pelo cineasta Veit Harlan notório colaborador do regime nazista organizado pelo Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo Erich Lüth em 1950 A produtora e a distribuidora do filme se insurgiram contra o boicote e obtiveram decisão injuntiva da Justiça Estadual de Hamburgo determinando a sua cessação com base no art 826 do Código Civil alemão segundo o qual quem causar danos intencionais a outrem e de maneira ofensiva aos bons costumes fica obrigado a compensar o dano Inconformado com o julgamento Lüth interpôs queixa constitucional para o Tribunal Constitucional A Corte acolheu o recurso fundamentandose no entendimento de que as cláusulas gerais do direito privado como os bons costumes referidos no art 826 do BGB devem ser interpretadas de acordo com a ordem de valores sobre a qual se assenta a Constituição levando em consideração os direitos fundamentais como a liberdade de expressão o que não fora feito pela Corte de Hamburgo 78 Cf TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil e TEPEDINO Gustavo Coord Problemas de direito civilconstitucional 79 Cf MORAES Maria Celina Bodin de A caminho de um direito civilconstitucional Revista de Direito Civil n 65 p 2132 MORAES Maria Celina Bodin de Danos à pessoa humana uma leitura civilconstitucional dos danos morais 80 Cf FACHIN Edson Teoria crítica do direito civil e FACHIN Edson Coord Repensando os fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo 81 No Brasil os primeiros passos no reconhecimento da constitucionalização do Direito Civil devem ser creditados aos civilistas e não aos constitucionalistas que só se interessaram pelo tema posteriormente Tratase de um fenômeno incomum no Direito Comparado em que de um modo geral os civilistas mantiveramse refratários a uma influência maior da Constituição sobre os domínios da sua disciplina preocupados talvez com a manutenção da integridade dos seus institutos tradicionais 82 Cf SARMENTO Daniel Direitos fundamentais e relações privadas 2 ed Sobre o tema na literatura nacional vejase também PEREIRA Jane Reis Gonçalves Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares In BARROSO Luís Roberto Org A nova interpretação constitucional ponderação direitos fundamentais e relações privadas p 119192 SARLET Ingo Wolfgang Direitos fundamentais e direito privado algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais In SARLET Ingo Wolfgang Org A Constituição concretizada construindo pontes com o público e o privado p 129173 SILVA Virgílio Afonso da Constitucionalização do direito os direitos fundamentais nas relações entre particulares e STEINMETZ Wilson Antônio A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais 83 Cf BINENBOJM Uma teoria do direito administrativo direitos fundamentais democracia e constitucionalização 84 Cf SARMENTO Daniel Org Interesses públicos versus interesses privados desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público A obra reúne artigos de Alexandre Santos de Aragão Daniel Sarmento Gustavo Binenbojm Humberto Ávila e Paulo Ricardo Schier que rejeitam a existência do princípio em questão Para uma visão distinta na doutrina contemporânea cf OSÓRIO Fábio Medina Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro Revista de Direito Administrativo RDA n 220 p 69107 85 Caso paradigmático ocorreu quando o Conselho Nacional de Justiça editou resolução vedando o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário Muitos tribunais recusaramse a cumprir a resolução alegando violação a vários princípios constitucionais dentre os quais o da legalidade Porém o Supremo Tribunal Federal julgou válido o ato normativo questionado afirmando que este apenas explicitara e concretizara a proibição em questão que já decorria diretamente de princípios constitucionais da Administração Pública como os da moralidade administrativa da impessoalidade e da eficiência Cf ADC nº 12 Rel Min Carlos Britto DJe 18 dez 2009 86 Cf COUTO Cláudio Gonçalves Constituição competição e políticas públicas Lua Nova Revista de Cultura e Política n 65 p 95135 87 Na teoria jurídica alemã existe um debate interessante que confronta as visões da Constituição como mol dura e como fundamento A primeira concepção preservaria maior espaço para as deliberações polí ticas e a segunda tenderia a extrair mais vinculações substantivas da Constituição por meio dos instru mentos da hermenêutica constitucional Vejase a propósito ALEXY Robert Posfácio In ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Les méthodes dinterprétation de la Constitution un bilan critique In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Le droit lÉtat et la Constitution democratique p 249250 STARCK Christian La suprematie de la Constitution et la justice constitutionnelle In STARCK Christian La Constitution cadre et mesure du droit p 2630 e SILVA Virgílio Afonso da Constitucionalização do direito os direitos fundamentais nas relações entre particulares p 107131 88 Cf PERELMAN Chaïm La motivation des décisions de justice essai de synthèse In PERELMAN Chaïm FORIERS Paul La motivation des décisions de justice p 413426 89 Decisão nº 7144 DC de 1671971 90 A redação atual do Preâmbulo da Constituição Francesa de 1958 é a seguinte O povo francês proclama solenemente sua adesão aos direitos humanos e aos princípios da soberania nacional tal como foram de finidos pela Declaração de 1789 confirmada e completada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946 assim como aos direitos e deveres definidos na Carta do Meio Ambiente de 2003 91 De acordo com o art 75 XXII da Constituição da Argentina os tratados e declarações de direitos que possuem hierarquia constitucional naquele país são a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem a Declaração Universal de Direitos Humanos a Convenção Americana sobre Direitos Humanos o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo a Convenção sobre a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis Desumanos e Degradantes e a Convenção sobre os Direitos da Criança A propósito do bloco de constitucionalidade na Argentina cf MANILI Pablo Luis El bloque de constitucionalidad la recepción del derecho internacional de los derechos humanos en el derecho constitucional argentino 92 CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto a proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional Arquivos de Direitos Humanos n 1 p 355 93 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed p 5191 A autora defende a posição da hierarquia constitucional dos tratados dos direitos humanos desde a 1ª edição da citada obra que é de 1996 94 MELLO Celso Duvivier de Albuquerque O 2º do art 5º da Constituição Federal In TORRES Ricardo Lobo Org Teoria dos direitos fundamentais p 2526 95 HC nº 72131RJ Rel p acórdão Min Moreira Alves Julg 22111995 Consta do voto proferido pelo Min Celso de Mello no referido julgamento inexiste na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil qualquer precedência ou primazia hierárquiconormativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno sobretudo em face das cláusulas inscritas na Constituição da República A circunstância do Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica cuja posição no plano da hierarquia das fontes jurídicas situase no mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas não impede que o Congresso Nacional em tema de prisão civil por dívida aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção processual 96 RE nº 80004 Rel Min Cunha Peixoto Tratava o caso de conflito entre a legislação interna e a Convenção de Genebra Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias Na ocasião o Supremo revendo posição anterior que dava primazia aos tratados sobre a legislação infraconstitucional afirmou a paridade hierárquica entre os mesmos e resolveu a colisão em favor da lei nacional porque editada posteriormente 97 Esses conflitos podem suscitar questões que a singela aplicação de tal critério não tem como resolver Vejase a propósito o Capítulo 12 98 RE nº 4663431 Rel Min Cezar Peluso DJe 5 jun 2009 99 Segundo o art 25 da vigente Constituição alemã as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal Sobrepõemse às leis e constituem fonte direta para os habitantes do território federal De acordo com o art 55 da Constituição francesa os tratados e acordos regularmente ratificados ou aprovados possuem desde a sua publicação autoridade superior à das leis sob reserva em cada caso de aplicação pela outra parte 100 Nesta linha por exemplo o HC nº 94013SP Rel Min Carlos Britto Julg 1022009 O Pacto de San José da Costa Rica ratificado pelo Brasil Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 para valer como norma jurídica interna do Brasil há de ter como fundamento de validade o 2º do art 5º da Magna Carta A se contrapor então a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida Noutros termos o Pacto de San José da Costa Rica passando a ter como fundamento de validade o 2º do art 5º da CF88 prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e assim proíbe a prisão civil por dívida Não é norma constitucional à falta do rito exigido pelo 3º do art 5º mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida 101 Neste sentido cf LAFER Celso A internacionalização dos direitos humanos Constituição racismo e relações internacionais p 1618 102 Cf FRANCISCO José Carlos Bloco de constitucionalidade e recepção dos tratados internacionais In TAVARES André Ramos LENZA Pedro LORA ALARCÓN Pietro de Jesus Coord Reforma do Judiciário analisada e comentada Emenda Constitucional 452004 p 99105 Esta posição foi acolhida pelo STJ no RHC nº 18799 Rel Min José Delgado DJ 8 jun 2006 103 O controle de convencionalidade também pode ser exercido por cortes internacionais A Corte Interamericana de Direitos Humanos por exemplo o realiza frequentemente como ocorreu no julgamento do caso Gomes Lund e outros v Brasil em que se afirmou a incompatibilidade entre a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e a Lei de Anistia brasileira na parte em que anistiara os crimes envolvendo graves violações de direitos humanos cometidos por agentes do regime contra seus opositores durante a ditadura militar Sobre o controle de convencionalidade cf MAZZUOLI Valério de Oliveira O controle jurisdicional da con vencionalidade das leis 104 MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional v 2 p 11 105 Cf SAMPAIO José Adércio Leite Teorias constitucionais em perspectivas em busca de uma Constituição pluridimensional In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Crise e desafio da Constituição perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras p 11 106 Neste sentido cf BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional p 6364 e CAETANO Marcello Direito constitucional v 1 p 399 107 Cf JELLINEK Georg Teoría general del Estado p 457 108 Neste sentido vejase a definição de Constituição material de Gustavo Zagrebelsky Logicamente e tem po ralmente anterior a qualquer Constituição formal deve existir uma organização uma ordem con creta capaz de exprimila As forças materiais e espirituais que mantêm junta esta organização estável num con junto de relações açõesreações são o que chamamos de Constituição material Manuale di diritto costituzionale v 1 p 25 109 Cf GRIMM Dieter Condiciones y consecuencias del nacimiento del constitucionalismo moderno In GRIMM Dieter Constitucionalismo y derechos fundamentales p 4950 110 LASSALE Ferdinand A essência da Constituição Lassale como será explanado em outro capítulo adotava uma visão extremamente cética sobre a possibilidade de as normas constitucionais regularem com efetividade os fatores reais de poder presentes na sociedade No entanto nem todos os que concebem a Constituição material em sentido sociológico comungam deste mesmo ceticismo 111 Cf KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 304313 112 Vejase por exemplo CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 10041005 e RAWLS John O liberalismo político p 305342 113 WEBER Max A objetividade do conhecimento nas ciências sociais In COHN Gabriel Org Weber 114 BRYCE James Studies in History and Jurisprudence v 1 p 167 115 De acordo com a Constituição de 1937 art 174 havia dois diferentes caminhos para mudança da Cons tituição Quando a proposta fosse apresentada pelo Presidente da República bastava a aprovação do seu texto pelo Legislativo por maioria simples Caso o Parlamento não aprovasse a proposta o Presidente tinha a faculdade de convocar um plebiscito para decidir a questão Quando a proposta fosse da iniciativa da Câmara dos Deputados era necessária a aprovação da medida nas duas casas legislativas por maioria absoluta Nesse caso se o Presidente discordasse da medida podia devolvêla à Câmara para que fosse submetida de novo às duas casas parlamentares na legislatura subsequente Se ela fosse de novo aprovada o Presidente podia convocar plebiscito para resolver o impasse Ocorre que durante a vigência da Constituição de 1937 o Parlamento esteve fechado e de acordo com a Constituição quando ele não estivesse funcionando competia ao Presidente exercer as suas funções Com base nisto o Chefe do Poder Executivo editou unilateralmente 21 leis constitucionais alterando preceitos da Carta de 1937 116 Cf LIJPHART Arend Patterns of Democracy Government Forms and Performance in ThirtySix Countries p 19 117 Sobre o ponto vejase o esclarecimento de José Antônio Pimenta Bueno ao comentar a nossa Constituição Imperial Os trâmites que temos indicado prevalecem somente no caso de que a disposição inserida na Constituição tenha caráter constitucional pois que se tiver caráter de disposição posto que legislativa puramente ordinária pode ser alterada sem essas formalidades pelo poder legislativo ordinário Por ligação das matérias integridade método e clareza a Constituição inclui em si artigos como os arts 6º e 7º que não são constitucionais e seria sem dúvida errôneo igualálos aos que têm esta importância e caráter Para distinguir essas duas classes de disposições o art 178 estabeleceu com clareza a linha de demarcação e expressou que só são constitucionais aqueles artigos que dizem respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos e não outros quaisquer Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império p 479 118 Discutese a existência também de cláusulas pétreas implícitas além destas Vide a propósito o Capítulo 7 que trata do poder constituinte reformador 119 Vejase nesse sentido o estudo seminal de LUTZ Donald S Toward a Theory of Constitutional Amendment In LEVINSON Sanford Ed Responding to Imperfection the Theory and Practice of Constitutional Amendment p 237274 Também BRANDÃO Rodrigo Rigidez constitucional e pluralismo político In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Coord Vinte anos de Constituição Federal de 1988 p 255291 120 Porém tal Constituição só pode ser definida como sintética se considerarmos exclusivamente o seu texto Desde o início de sua vigência no final do século XVIII vem se produzindo extensa jurisprudência a qual para muitos também é parte daquela Constituição A inferência de que se trata de Constituição sintética relacionase apenas ao texto constitucional 121 De acordo com o preceito agora revogado as taxas de juros reais nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades nos termos que a lei determinar 122 Cf CASTRO Carlos Roberto de Siqueira Mandado de injunção limitação da taxa de juros eficácia das normas constitucionais programáticas considerações acerca do art 192 3º da Constituição Federal Revista Forense v 93 n 339 p 5383 123 Além destes como antes salientado também integram o bloco de constitucionalidade diversos preceitos constantes de emendas constitucionais que não foram reproduzidos no corpo da Constituição bem como a Convenção sobre Direito das Pessoas com Deficiência que tem 50 artigos e o seu Protocolo Facultativo com 18 artigos 124 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas p 21 et seq 125 De acordo com o seu art 2º a República Portuguesa é um Estado democrático que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras 126 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 217 O autor hoje é um forte crítico do dirigismo constitucional tal qual concebido no texto originário da Constituição de 1976 Subjacente ao programa constitucional está toda uma filosofia do sujeito e uma teoria da sociedade cujo voluntarismo desmedido e o holismo planetário conduzirão à arrogância de fixar a própria órbita das estrelas e dos planetas A má utopia do sujeito de progresso histórico alojouse em constituições plano e balanço onde a propriedade estatal dos meios de produção se misturava em ditadura partidária e coerção moral e psicológica Alguns entre os quais me incluo só vieram a reconhecer isto tarde e lentamente demais Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Rever ou romper com a constituição dirigente Defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política v 4 n 15 p 717 127 Cf BERCOVICI Gilberto A problemática da Constituição dirigente algumas considerações sobre o caso brasileiro Revista de Informação Legislativa v 36 n 142 p 3551 LIMA Martonio MontAlverne Barreto Subdesenvolvimento e constituição dirigente uma possível abordagem materialista In LIMA Martonio MontAlverne Barreto BELLO Enzo Org Direito e marxismo OLIVEIRA Fábio Corrêa Souza de Morte e vida da Constituição dirigente e STRECK Lenio Luiz A permanência do caráter compromissório e dirigente da Constituição brasileira e o papel da jurisdição constitucional uma abordagem à luz da hermenêutica filosófica Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos n 39 p 75119 128 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Rever ou romper com a constituição dirigente Defesa de um cons titucionalismo moralmente reflexivo Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política v 4 n 15 p 9 1617 129 Sobre a dicotomia ortodoxas e ecléticas cf JACQUES Paulino Curso de direito constitucional p 25 130 Numa sociedade plural e complexa a constituição é sempre um produto do pacto entre forças políticas e sociais CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 218 131 Cf SCHMITT Carl Teoría de la Constitución p 52 et seq 132 Cf MAUÉS Antonio G M Poder e democracia o pluralismo político na Constituição de 1988 133 Sobre o tema cf COMPARATO Fábio Konder A ordem econômica na Constituição brasileira de 1988 Cadernos de Direito Econômico e Empresarial Revista de Direito Público n 93 p 263276 e SOUZA Washington Peluso Albino de Conflitos ideológicos na constituição econômica Revista Brasileira de Estudos Políticos n 7475 p 1739 134 Como se observa a Constituição imparcial só pode ser assim considerada se elevarmos o Estado Democrático de Direito à condição de paradigma inquestionável como tem ocorrido no contexto presente No que se refere à disputa que se espera sepultada entre democracia ou ditadura o Estado Democrático de Direito não é obviamente imparcial É antes a afirmação de um dos lados da disputa o que defende a democracia e os direitos fundamentais rechaçando o autoritarismo e a opressão política ou social 135 Cf COHEN Joshua Procedure and Substance in Deliberative Democracy In BOHMAN James REHG William Ed Deliberative Democracy Essays on Reason and Politics p 407437 e NEVES Marcelo Do con senso ao dissenso o Estado Democrático de Direito a partir e além de Habermas In SOUZA Jessé de Org Democracia hoje novos desafios para a teoria democrática contemporânea p 136 et seq 136 Sobre a exigência de justificação imparcial do conteúdo da Constituição cf RAWLS John O liberalismo político p 265 et seq 137 Cf LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 216 et seq 138 Cf NEVES Marcelo A constitucionalização simbólica 139 A própria Constituição atual da França editada em 1958 se aproxima do cesarismo À época da sua elaboração vigia no país a Constituição de 1946 que consagrava o parlamentarismo A França atravessava séria crise política e houve apelos para que o General De Gaulle herói nacional que comandara a resistência à ocupação nazista durante a II Guerra Mundial assumisse o Executivo Ele aceitou a missão com uma condição que fosse feita nova Constituição porque a então vigente tornava o país na sua opinião ingovernável Ele nomeia um grupo que redige um projeto de Constituição prevendo o semipresidencialismo como regime de governo e reforçando os poderes do Executivo Este projeto é submetido ao parecer de dois órgãos o Comitê Consultivo Constitucional criado para a ocasião e composto majoritariamente por pessoas indicadas pelo Parlamento e o Conselho de Estado que o aprovam Em seguida o projeto é submetido a um referendo que também o aprova por ampla maioria Vejase a propósito BURDEAU Georges HAMON Francis TROPER Michel Droit constitutionnel p 419430 140 Cf SONOBE Itsuo Human Rights and Judicial Review in Japan In BEATTY David Ed Human Rights and Judicial Review a Comparative Perspective p 137 141 Cf DE VERGOTTINI Giuseppe Diritto costituzionale comparato p 146150 142 Cf CURIE David P The Constitution of the Federal Republic of Germany p 810 e HEUN Werner The Cons titution of Germany a Contextual Analysis p 912 143 A Constituição alemã foi à época designada como Lei Fundamental e não como Constituição pois era con cebida como um documento provisório uma vez que na ocasião o país estava dividido entre Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental e o texto só incidia sobre a primeira de orientação econômica capitalista e não sobre a segunda filiada ao comunismo Postergouse a elaboração da Constituição definitiva para momento subsequente à reunificação Porém quando esta ocorreu em 1990 não houve a elaboração de nova Constituição mas extensão da validade territorial da Lei Fundamental de Bonn para o novo território Apesar disso a designação Lei Fundamental Grundgesetz se manteve porque já incorporada ao uso CAPÍTULO 2 CONSTITUCIONALISMO TRAJETÓRIA HISTÓRICA E DILEMAS CONTEMPORÂNEOS 21 Introdução A ideia de Constituição tal como a conhecemos hoje é produto da Modernidade sendo tributária do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII ocorridas na Inglaterra nos Estados Unidos e na França1 Ela está profundamente associada ao constitucionalismo moderno que preconiza a limitação jurídica do poder político em favor dos direitos dos governados Não obstante falase também em constitucionalismo antigo e em constitucionalismo medieval para aludir a determinadas concepções sobre o poder político existentes na Antiguidade grecoromana e na Idade Média2 Evidentemente o constitucionalismo e as concepções sobre a Constituição que lhe são subjacentes têm variado bastante ao longo do tempo influenciadas pelas profundas mudanças sociais políticas e econômicas que vêm ocorrendo no mundo Por isso e pela sua importância central nos domínios do Direito da Política e da Filosofia a Constituição tem sido objeto privilegiado de estudo no âmbito da História dos Conceitos3 O presente capítulo dedicase à análise da trajetória histórica do constitucionalismo Faremos aqui apenas um breve registro sobre o constitucionalismo antigo e medieval dirigindo as nossas atenções sobretudo ao fenômeno constitucional na Modernidade Serão apresentados os três principais modelos de constitucionalismo moderno que foram o inglês o francês e o norteamericano E analisaremos também dois processos históricos distintos ambos fundamentais no conhecimento das bases históricas e teóricas da nossa disciplina a evolução do constitucionalismo liberal em direção ao constitucionalismo social com a ampliação das tarefas do Estado e das constituições e a mudança na concepção de Constituição que de proclamação política dirigida aos poderes públicos desprovida de efeitos normativos foi se tornando autêntica norma jurídica cujas violações sujeitam se ao controle judicial O capítulo se encerra com uma breve discussão sobre a crise contemporânea do constitucionalismo estatal decorrente da erosão da soberania do Estado no contexto da globalização e a possibilidade de construção de constitucionalismos em outras esferas como a internacional a regional e a societal As especificidades da evolução do constitucionalismo no Brasil serão examinadas nos dois capítulos seguintes 22 O constitucionalismo antigo e medieval Na Grécia entre o século VI e IV aC floresceram algumas ideias e instituições que podem ser vistas como correspondentes a um modelo antigo de constitucionalismo Na polis grega vigorou durante certo período a democracia direta por meio da qual os cidadãos sem intermediários deliberavam em assembleias ecclesia reunidas em praça pública ágora sobre os principais assuntos de interesse geral Esta participação política era restrita aos homens livres sendo excluídas as mulheres os escravos os estrangeiros e seus descendentes os metecos4 Havia ainda funções públicas exercidas por magistrados muitas vezes escolhidos por sorteio entre os cidadãos para mandatos curtos que se subordinavam plenamente às deliberações das assembleias A organização política da polis era chamada de politeia expressão que muitos traduzem como Constituição Tratavase todavia de um conceito ora empírico que designava a forma de ser da comunidade política5 ora ideal que indicava um modelo a ser seguido para a realização do bem comum mas que não se revestia de um conteúdo propriamente jurídico que caracteriza a Constituição em sentido moderno vista como norma de hierarquia superior reguladora do processo político e das relações entre indivíduos e Estado6 Havia na Grécia um regime político que se preocupava com a limitação do poder das autoridades e com a contenção do arbítrio7 Contudo esta limitação visava antes a busca do bem comum do que a garantia de liberdades individuais A liberdade no pensamento grego cingiase ao direito de tomar parte nas deliberações públicas da cidadeEstado não envolvendo qualquer pretensão à não interferência estatal na esfera pessoal Não se cogitava na proteção de direitos individuais contra os governantes pois se partia da premissa de que as pessoas deveriam servir à comunidade política não lhe podendo antepor direitos de qualquer natureza8 Tal concepção se fundava numa visão organicista da comunidade política o cidadão não era considerado em sua dignidade individual mas apenas como parte integrante do corpo social9 O cidadão virtuoso era o que melhor se adequava aos padrões sociais não o que se distinguia como indivíduo10 A liberdade individual não era objeto da especial valoração inerente ao constitucionalismo moderno Em Roma tampouco se cogitava de constitucionalismo em sentido moderno como fórmula de limitação do poder político em favor da liberdade dos governados Sem embargo algumas instituições do período republicano romano já prenunciavam a concepção moderna de separação dos poderes notadamente a sua repartição por instituições como o Consulado o Senado e a Assembleia representativas de estamentos diferentes da sociedade de forma a propiciar o equilíbrio entre deles11 Tratavase da ideia de governo misto advogada por pensadores como Políbio e Cícero que também se prestava à finalidade de moderação do poder político12 Por outro lado embora não tenha ocorrido na Roma Antiga o desenvolvimento de uma doutrina de direitos individuais similar a que se cristalizou na Modernidade a concepção então vigente já não demandava como na Grécia a absoluta submissão do indivíduo à coletividade De fato já despontava ali a valorização da esfera individual e da propriedade concomitante à sofisticação do Direito Privado romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de Roma como o direito ao casamento jus connubium à celebração de negócios jurídicos jus commercium à elaboração de testamento faccio testamenti e à postulação em juízo legis acciones13 Já a Idade Média que se inicia com a queda do Império Romano correspondeu a um período caracterizado pelo amplo pluralismo político Não havia qualquer instituição que detivesse o monopólio do uso legítimo da força da produção de normas ou da prestação jurisdicional O poder político fragmentarase por múltiplas instituições como a Igreja os reis os senhores feudais as cidades as corporações de ofício e o Imperador sem que houvesse qualquer divisão clara de competências entre elas nem uma supremacia inconteste de qualquer uma Não existia nada semelhante ao Estado Moderno titular de soberania no âmbito do seu território Naquele quadro não havia como cogitarse em Constituição no sentido moderno Porém essa própria dispersão do poder ao limitar cada um dos seus titulares é tida por autores como Maurizio Fioravanti como um componente do constitucionalismo medieval14 Por outro lado é no final da Idade Média que se desenvolve uma ideia que an tecipa em alguns aspectos o constitucionalimo moderno Surgiram pactos celebrados entre reis e certos estamentos sociais superiores que reconheciam aos integrantes desses estamentos certos direitos e prerrogativas erigindo limitações jurídicas ao exercício do poder político Destes pactos estamentais o mais conhecido é a Magna Carta firmada em 1215 na Inglaterra pelo Rei João Sem Terra pelo qual esse se comprometia a respeitar determinados direitos dos nobres ingleses O Rei se obrigava por exemplo a não criar novos tributos sem prévia autorização dos nobres concedida em assembleia obtendo como contrapartida o reconhecimento do seu poder15 A esses pactos faltava contudo a universalidade que caracteriza as constituições modernas uma vez que eles não reconheciam direitos extensivos a todos os cidadãos mas apenas liberdades e franquias que beneficiavam os estamentos privilegiados 23 O constitucionalismo moderno O constitucionalismo moderno sustenta a limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual Ele surgiu na Modernidade como forma de superação do Estado Absolutista em que os monarcas não estavam sujeitos ao Direito16 eram legibus solutos Alguns desenvolvimentos históricos foram essenciais para o surgimento do constitucionalismo moderno como a ascensão da burguesia como classe hegemônica o fim da unidade religiosa na Europa com a Reforma Protestante e a cristalização de concepções de mundo racionalistas e antropocêntricas legadas pelo Iluminismo O Absolutismo exerceu um papel fundamental na formação do Estado moderno e no estabelecimento das bases que permitiram o desenvolvimento da eco nomia capitalista Na Idade Média havia a convivência de ordenamentos jurídicos particulares como os das corporações de ofício e dos feudos com ordenamentos jurídicos com pretensões universalistas o direito romano e o direito canônico A frag mentação verificada no período medieval era um obstáculo grave ao desen volvimento das forças econômicas emergentes Cada feudo tinha suas próprias regras jurídicas sua própria moeda seu próprio sistema de pesos e medidas O pluralismo impedia a expansão do comércio reduzindo os limites dos mercados A partir da organização dos Estados modernos a pluralidade de fontes de produção normativa cede lugar ao ordenamento jurídico estatal O Estado moderno se construiu tanto em luta contra as organizações políticas menores no sentido da unificação do poder quanto em luta contra a Igreja com o intuito de obter a secularização do poder político A anterior situação de pluralismo jurídico é substituída pelo monismo com a monopolização da produção normativa pelo Estado17 Não por coincidência um dos principais teóricos do absolutismo Thomas Hobbes justifica a centralização do poder por meio de pressupostos modernos e in di vidualistas Para sair do Estado de Natureza que é por ele considerado como um estado de guerra de todos contra todos os indivíduos abrem mão de toda a sua liberdade por meio do contrato social em favor do Estado Na obra de Hobbes o contrato social somente pode consistir numa doação quase total e incondicionada de cada um ao soberano O direito é produto da autoridade do soberano e não das leis da natureza autoritas non veritas facit legem Não importa o conteúdo do ato normativo deve ele ser considerado válido desde que tenha emanado do soberano18 Porém realizada a centralização da produção normativa pelo Estado absolutista o poder ilimitado dos governantes que o caracterizava passou a significar um entrave para a continuidade do desenvolvimento do capitalismo a burguesia emergente pretendia proteger a liberdade a propriedade e os contratos também do eventual arbítrio dos governantes Emerge a noção de que também os governantes deveriam se submeter a ordenamentos jurídicos providos de estabilidade e racionalidade Daí a plena convergência entre os interesses da classe econômica ascendente a burguesia e o ideário do constitucionalismo de contenção do poder estatal em favor da liberdade individual Por outro lado com o fim da unidade religiosa no continente europeu extin guirase a possibilidade de fundamentação do poder político na vontade divina uma vez que essa justificativa deixara de se alicerçar na crença generalizada dos gover nados A reação contra as guerras e perseguições religiosas deflagradas pela Reforma e Contrarreforma nutriram a ideia de que era necessário promover a tolerância e fomentaram o desenvolvimento da concepção segundo a qual deveriam ser reconhecidos determinados direitos invioláveis aos súditos19 Era necessário fornecer uma base racional e secularizada para o poder político sob pena de se perpetuar o cenário de guerra e instabilidade que vitimava gravemente o continente europeu Naquele contexto passouse a valorizar o indivíduo concebido como um ser racional titular de direitos cuja dignidade independia do lugar que ocupasse no corpo coletivo Evoluise para o reconhecimento de direitos universais pertencentes a todos A sociedade não mais era concebida como um organismo social formado por órgãos que exerciam funções determinadas clero nobres vassalos Ela passa a ser concebida como um conjunto de indivíduos como uma sociedade atomizada formada por unidades iguais entre si As atividades sociais o trabalho por exemplo deixam de ser atributos naturais relativos ao lugar ocupado no organismo social e passam a decorrer da vontade livremente declarada pelos indivíduos O contrato se torna o instituto por excelência de formalização de vínculos sociais Em harmonia com essa visão desenvolveramse diversas teorias de contrato social que passaram a justificar a existência do Estado em nome dos interesses dos indivíduos que sairiam ganhando com a superação do Estado de Natureza e a fundação da sociedade civil20 A versão liberal do contratualismo que teve em John Locke o seu mais importante formulador sustentava a ideia de que ao cele brar o contrato social as pessoas alienam para o Estado apenas uma parcela da liberdade irrestrita de que desfrutavam no Estado da Natureza retendo no entanto determi nados direitos naturais que todos os governantes devem ser obrigados a respeitar21 Esse jusnaturalismo difere daquele que predominara na Antiguidade e na Idade Média por duas razões fundamentais Em primeiro lugar por não se basear na von tade divina nem em imposições extraídas da Natureza mas em princípios acessíveis à razão humana Em segundo lugar por conferir primazia aos direitos individuais22 O jusnaturalismo antigo e medieval era objetivista a lei natural correspondia a uma ordem objetiva criada por Deus a qual não poderia deixar de ser observada pelo Estado O jusnaturalismo moderno de tipo lockeano é subjetivista identifica determinados direitos naturais atribuídos aos indivíduos que não podem ser violados pelas autoridades públicas tendo sido ressalvados no pacto social O constitucionalismo moderno se assenta em três pilares a contenção do poder dos governantes por meio da separação de poderes a garantia de direitos individuais concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado e a necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados pela via da democracia representativa Porém na prática o terceiro destes pilares nem sempre foi valorizado como os dois primeiros pela generalizada adoção do voto censitário e masculino nos Estados constitucionais até meados do século XX com base na justificativa de que apenas os homens mais instruídos de melhor condição social reuniriam as condições que lhes permitiriam expressar por meio do seu voto a vontade da Nação23 O constitucionalismo moderno conheceu três versões mais influentes a inglesa a norteamericana e a francesa Neste item não serão examinadas as experiências constitucionais destes Estados mas apenas destacados os lineamentos gerais dos modelos constitucionais a eles associados Há também por outro lado duas fases distintas do constitucionalismo moderno que correspondem ao Estado LiberalBurguês e ao Estado Social E ainda é discutível se a crise do Estado Social e da soberania estatal ensejou o surgimento de outro modelo de constitucionalismo que pode ser rotulado de pós moderno Essas questões serão discutidas nos próximos itens deste capítulo 231 O modelo inglês de constitucionalismo Na Inglaterra não chegou a haver propriamente absolutismo Desde o final da Idade Média o poder real encontravase limitado por determinados costumes e pactos estamentais dos quais o mais conhecido é a Magna Carta de 1215 mencionada acima Por isso o constitucionalismo inglês tem raízes que mergulham nestas tradições e atos solenes que remontam à invasão normanda da ilha em 106624 Sem embargo o século marcante na definição do modelo constitucional inglês foi o XVII caracterizado pelas fortes tensões entre a Coroa e o Parlamento e por diversas reviravoltas políticas que culminaram na Revolução Gloriosa de 1688 a qual depôs a dinastia dos Stuarts Aquela revolução assentou o princípio da supremacia política do Parlamento inglês em um regime pautado pelo respeito aos direitos individuais25 No curso do século XVII foram editados três documentos constitucionais de grande importância a Petition of Rights de 1628 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689 que garantiam importantes liberdades para os súditos ingleses impondo limites à Coroa e transferindo poder ao Parlamento Uma ideia central do constitucionalismo inglês é a de respeito às tradições constitucionais Apesar da existência de diversos documentos constitucionais escritos não há um texto constitucional único que os consolide e organize Inexiste portanto uma Constituição escrita na GrãBretanha26 Entende se que a autoridade do Direito Constitucional não provém apenas dos referidos textos esparsos mas também de convenções constitucionais e de princípios da common law desenvolvidos pelos tribunais A ideia do exercício do poder constituinte por meio de ruptura com o passado com a refundação do Estado e da ordem jurídica é estranha ao modelo constitucional inglês que se assenta no respeito às tradições imemoriais Nesse sentido o constitucionalismo britânico é historicista já que baseia a Constituição e os direitos fundamentais nas tradições históricas do povo inglês e não em um ato de vontade do constituinte ou no exercício abstrato da razão27 Desenvolveuse na Inglaterra o princípio constitucional de soberania do Par la mento segundo o qual o Poder Legislativo pode editar norma com qualquer conteúdo Não há a possibilidade de invalidação das suas decisões por outro órgão28 Daí o caráter flexível da Constituição britânica que pode ser alterada pela mesma forma como são editadas as leis Sem embargo a profundidade do enraizamento dos valores constitucionais na Inglaterra torna pouco provável a sua violação por atos parlamentares Contudo há na Inglaterra contemporânea uma tendência à alteração deste modelo de soberania irrestrita do Parlamento pelo menos em matéria de direitos fundamentais A mais importante expressão desta inflexão foi a aprovação em 1998 do Humans Rights Act que possibilitou ao Judiciário britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo Legislativo com os direitos previstos naquele estatuto Tal declaração não acarreta a invalidação da lei mas cria um relevante fato político gerando forte pressão para a revogação da norma violadora de direitos humanos29 O modelo constitucional inglês é hoje francamente recessivo No mundo contemporâneo acabou prevalecendo a fórmula baseada na edição de constituição escrita Como exceções além da Grã Bretanha figuram apenas Israel30 e a Nova Zelândia 232 O modelo francês de constitucionalismo O constitucionalismo moderno na França tem como marco inicial a Revolução Francesa iniciada em 1789 que como poucos outros eventos na história representou um verdadeiro rompimento em relação ao passado31 Os revolucionários franceses não tinham a intenção de apenas modificar pontualmente o Antigo Regime Muito mais que isso eles visavam a formar um novo Estado e uma nova sociedade erigida sobre o ideário Iluminista da igualdade da liberdade e da fraternidade Sob a perspectiva da teoria constitucional esta vontade de ruptura com o passado se expressou na teoria do poder constituinte elaborada originariamente pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès em sua célebre obra Questce que le Tier État32 Por essa teoria examinada mais detidamente no Capítulo 6 o poder constituinte exprimiria a soberania da Nação estando completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas instituições e pelo ordenamento do passado Ele fundaria nova ordem jurídica criando novos órgãos e poderes os poderes constituídos que a ele estariam vinculados Tal ideia exprime no cenário políticoinstitucional a visão Iluminista de que é possível e desejável conformar racionalmente o futuro A Constituição deve corresponder a uma lei escrita não se confundindo com um repositório de tradições imemoriais ao contrário da fórmula inglesa Ela pode romper com o passado e dirigir o futuro da Nação inspirandose em valores universais centrados no indivíduo33 Tais valores estavam bem sintetizados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 cuja definição de Constituição estabelecida no seu art 16 bem expressava o pensamento liberal Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação de poderes determinada não tem Constituição O protagonista do processo constitucional no modelo constitucional francês é o Poder Legislativo que teoricamente encarna a soberania e é visto como um ga rantidor mais confiável dos direitos do que o Poder Judiciário Historicamente esta concepção deveuse tanto à desconfiança que os franceses nutriam em relação ao Judiciário visto como uma instituição corrompida e associada ao Antigo Regime como à valorização da lei concebida a partir da influência do pensamento de Rousseau como a expressão da vontade geral do povo34 Isto levou na prática a que a Constituição acabasse desempenhando o papel de proclamação política que deveria inspirar a atuação legislativa mas não de autêntica norma jurídica que pudesse ser invocada pelos litigantes nos tribunais Porém o culto à lei emanada do Poder Legislativo acabou se desvirtuando no legalismo formalista em que os juízes eram vistos como aplicadores autômatos de normas elaboradas pelo legislador e os direitos fundamentais valiam apenas nos limites das leis que os consagravam A história política francesa é repleta de turbulências e mudanças de regime e praticamente cada uma delas ensejou a elaboração de nova Constituição Foram 13 constituições ao todo editadas respectivamente nos anos de 1791 1793 1795 1799 1804 1814 1830 1848 1852 1875 1946 e 1958 ainda em vigor35 Nesse contexto de grande instabilidade constitucional o papel de Constituição real da sociedade acabou sendo desempenhado por outra norma o Código Civil36 De acordo com a concepção francesa no Código Civil deveriam estar plasmadas regras racionais estáveis e universais para disciplina da vida social sintonizadas com a ideologia liberalburguesa assentada na proteção à propriedade e no respeito à autonomia da vontade Esta concepção foi acolhida pelo renomado Código de Napoleão de 1804 O modelo constitucional francês foi o mais influente ao longo do século XIX e início do século XX Porém no que concerne à supremacia do Legislativo ele vem sendo superado pela difusão global da jurisdição constitucional ocorrida a partir da segunda metade do século passado Aliás na própria França essa também é uma tendência que se verifica sob a égide da atual Constituição que instituiu o controle preventivo de constitucionalidade das leis confiado ao Conselho Constitucional o qual passou a desempenhar um papel cada vez mais importante na vida pública francesa sobretudo a partir dos anos 7037 Recentemente aprovouse na França a possibilidade de controle de constitucionalidade a posteriori o que representa a quebra de um verdadeiro tabu no constitucionalismo francês38 233 O modelo constitucional norteamericano As origens do constitucionalismo norteamericano antecedem a promulgação da Constituição do país bem como a sua Declaração de Independência O fato de a colonização dos Estados Unidos ter sido realizada em boa parte por imigrantes que escapavam da perseguição religiosa na Europa contribuiu decisivamente para que se enraizassem na cultura política norteamericana ideias como a necessidade de limitação do poder dos governantes e de proteção das minorias diante do arbítrio das maiorias A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção da Filadélfia em 1787 e depois ratificada pelo povo dos estados norteamericanos vigorando desde então Ela substituiu os Artigos da Confederação de 1781 criando um novo modelo de organização política que é o Estado Federal Inovou também ao instituir o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos associado à separação de poderes Tratase de um texto constitucional extremamente sintético composto originariamente de apenas 7 artigos que ao longo dos seus mais de 220 anos de vigência sofreu 27 emendas É extremamente difícil modificar formalmente a Cons tituição norteamericana39 Porém a plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes abriu a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa para adaptála às novas demandas e valores que emergiam com as grandes mudanças experimentadas pela sociedade americana ao longo do tempo Por isso nada obstante a rigidez formal de seu texto a Constituição dos Estados Unidos é uma living Constitution40 O modelo constitucional norteamericano também bebeu nas fontes do jusnaturalismo liberal como evidencia o texto de Declaração de Independência do país41 E a ideia de ruptura com o passado por meio do exercício do poder constituinte é igualmente cultivada nos Estados Unidos inclusive pela valorização da sabedoria e do espírito público dos constituintes os ditos Pais Fundadores Founding Fathers que chega às raias da mistificação O modelo constitucional dos Estados Unidos representa a tentativa de conciliação entre dois vetores De um lado o vetor democrático de autogoverno do povo captado pelas palavras que abrem o preâmbulo da Carta americana We the People of the United States42 Do outro o vetor liberal preocupado com a contenção do poder das maiorias para defesa de direitos das minorias43 O arranjo estabelecido pela Constituição norteamericana busca concomitantemente fundar o exercício do poder político no consentimento dos governados e estabelecer mecanismos que evitem que esse poder se torne opressivo ameaçando a liberdade individual Mas é completamente alheia ao constitucionalismo norteamericano a compreensão de que caiba à Constituição dirigir o futuro do país No pensamento constitucional americano associase o papel da Constituição à organização do Estado e à imposição de limites à ação dos governantes mas não à definição dos rumos da vida nacional Uma ideia essencial do constitucionalismo estadunidense derivada da sua matriz liberal é a concepção de que a Constituição é norma jurídica que como tal pode e deve ser invocada pelo Poder Judiciário na resolução de conflitos mesmo quando isto implique em restrição ao poder das maiorias encasteladas no Legislativo ou no Executivo Apesar do silêncio do texto constitucional a tal propósito desenvolveuse no direito norteamericano a noção de que os juízes ao decidirem conflitos podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem a Constituição deixando de aplicá las ao caso concreto Esta posição sustentada por Hamilton no Federalista nº 7844 foi formulada na jurisprudência da Suprema Corte pelo Juiz John Marshall no célebre julgamento do caso Marbury v Madison em 1803 tendo se cristalizado posteriormente como princípio fundamental do Direito Constitucional norteamericano Em suma no modelo constitucional dos Estados Unidos a supremacia da Constituição não é apenas uma proclamação política como na tradição constitucional francesa mas um princípio jurídico judicialmente tutelado É verdade que o controle judicial de constitucionalidade das leis judicial review sofre até hoje contestações nos Estados Unidos sendo frequentemente apontado como um instituto antidemocrático por transferir aos juízes que não são eleitos o poder de derrubar decisões tomadas pelos representantes do povo com base nas suas interpretações pessoais sobre cláusulas constitucionais muitas vezes vagas que se sujeitam a diversas leituras45 Contudo a jurisdição constitucional não apenas criou profundas raízes no Direito Constitucional daquele país como também acabou se disseminando por todo o mundo sobretudo a partir da segunda metade do século XX46 24 O constitucionalismo liberalburguês O constitucionalismo liberalburguês baseouse na ideia de que a proteção dos direitos fundamentais dependia basicamente da limitação dos poderes do Estado Naquele modelo os direitos fundamentais eram concebidos como direitos negativos que impunham apenas abstenções aos poderes políticos O Estado era visto como o principal adversário dos direitos o que justificava a sua estrita limitação em prol da liberdade individual Tal limitação era perseguida também por meio da técnica da separação dos poderes que visava a evitar o arbítrio e favorecer a moderação na ação estatal47 Tal visão correspondia na Economia Política à defesa do Estado mínimo que confiava na mão invisível do mercado para promover o bem comum O Estado deveria ausentarse da esfera econômica para que essa permanecesse sujeita apenas à ação espontânea das forças do próprio mercado O constitucionalismo liberal burguês assentavase numa estrita separação entre sociedade e Estado48 Esse deveria velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade mas não lhe competia intervir nas relações travadas no âmbito social nas quais se supunha que indivíduos formalmente iguais perseguiriam os seus interesses privados celebrando negócios jurídicos Tal concepção pode ser ilustrada com a visão então corrente sobre as relações de trabalho que rechaçava qualquer possibilidade de intervenção coativa do Estado em favor do trabalhador Se um indivíduo estivesse disposto a vender a sua força de trabalho submetendose a uma jornada diária de 16 horas por um salário que mal permitisse a aquisição de alimentos e outro se dispusesse a comprála nesses termos não caberia ao Estado se imiscuir no negócio privado O constitucionalismo liberalburguês afirmava o valor da igualdade mas essa era vista a partir de uma perspectiva formal Ele combateu os privilégios estamentais do Antigo Regime e a concepção organicista de sociedade que tornava os direitos e os deveres de cada um dependentes da respectiva posição na estrutura social Porém ignorava a opressão que se manifestava no âmbito das relações sociais e econômicas que permitiam ao mais forte explorar o mais fraco49 O constitucionalismo liberalburguês não incorporava dentre as suas funções a promoção da igualdade material entre as pessoas Contudo existia uma nítida contradição entre o discurso e a prática do constitucionalismo liberal burguês no que tange à igualdade que se evidenciava por exemplo no emprego de critérios censitários para o reconhecimento de direitos políticos Afirmavase a igualdade de todos perante a lei mas contraditoriamente conferiase apenas aos integrantes da elite econômica o direito de voto o que impedia que as demandas das classes subalternas fossem trazidas para o espaço institucional dos parlamentos e tivessem peso no governo e na elaboração das normas jurídicas Tal contradição era ainda mais acentuada em países como o Brasil e os Estados Unidos em que vicejava a escravidão negra A ideia de liberdade alentada pelo constitucionalismo liberalburguês era muito mais identificada à autonomia privada do indivíduo compreendida como ação livre de interferências estatais do que à autonomia pública do cidadão associada à soberania popular e à democracia50 Além disso a liberdade era concebida em termos estritamente formais como ausência de constrangimentos externos impostos pelo Estado à ação dos indivíduos Não havia qualquer preocupação com a liberdade real das pessoas que pressupõe a existência de condições materiais mínimas necessárias para que cada um possa fazer conscientemente as suas escolhas e perseguilas em sua vida particular Ademais o foco centravase mais sobre as liberdades econômicas do que sobre as liberdades existenciais O discurso constitucional da época voltavase à proteção da propriedade privada e do mercado mas não se insurgia por exemplo contra a ação estatal que proibia ou penalizava os estilos de vida alternativos que desafiassem a moralidade tradicional em questões como a vida familiar a sexualidade o papel dos gêneros etc É verdade que o direito de propriedade na gênese do pensamento liberal integrava o discurso insurgente contra a antiga ordem feudal ao afirmar que a pro priedade não podia ser um privilégio dos estamentos privilegiados51 Mas essa dimensão logo se perde tornandose a defesa da propriedade um instrumento de garantia do status quo marcado pela desigualdade econômica É certo que o constitucionalismo liberalburguês consagrava liberdades políticas além de adotar como antes visto arranjos institucionais voltados à sua proteção Há porém quem sustente que mesmo o arcabouço político do constitucionalismo liberal que limita e divide o poder do Estado tinha um propósito oculto que era evitar a intervenção estatal na esfera econômica e impedir que se alterassem as relações sociais de poder que tinham lugar na sociedade52 Este não é o espaço próprio para a análise da tese Contudo é fato incontestável que as liberdades e garantias não eram efetivas para os membros mais pobres da sociedade Pelo contrário a condição da grande maioria da população era de opressão e miséria As condições de trabalho dos operários durante a Revolução Industrial por exemplo eram desumanas Não havia educação ou saúde públicas nem tampouco descanso remunerado Não era incomum que as mulheres parissem no local de tra balho Crianças se dedicavam a atividades insalubres e perigosas Esse contexto deu margem à crítica ao formalismo da igualdade liberalburguesa plantando as sementes para a emergência de um novo constitucionalismo mais comprometido com a dignidade humana e a igualdade material 25 O constitucionalismo social Uma série de fatores contribuiu para a crise do Estado Liberal no final do século XIX e início do século XX Na Europa Ocidental a industrialização acentuara dramaticamente o quadro de exploração humana que o Estado absenteísta não tinha como equacionar A pressão social dos trabalhadores e de outros grupos excluídos aliada ao temor da burguesia diante dos riscos e ameaças de rupturas revolucionárias inspiradas no ideário da esquerda levaram a uma progressiva mudança nos papéis do Estado que ensejou por sua vez a cristalização de um novo modelo de constitucionalismo53 No plano das ideias contribuíram para esse desfecho diversas vertentes de pensamento como o marxismo54 o socialismo utópico55 e a doutrina social da Igreja Católica56 que embora divergindo profundamente quanto à solução convergiam na crítica aos abusos a que conduzira o individualismo exacerbado do capitalismo selvagem que prosperara sob a fachada do constitucionalismo liberal burguês A progressiva extensão do direito de voto a parcelas da população até então excluídas do sufrágio também contribuiu para a mudança de cenário ao permitir que demandas voltadas à alteração do status quo penetrassem nos órgãos do Estado A democratização política ao romper a hegemonia absoluta da burguesia no Parlamento abrira espaço também para a democratização social57 Com a mudança o Estado passou a atuar mais ativamente na seara econômica e a disciplinar as relações sociais de forma muito mais intensa O mercado livre havia gerado não só grande desigualdade social como também patologias no seu próprio funcionamento possibilitando o surgimento de monopólios e oligopólios em prejuízo da livre concorrência58 No início do século XX o liberalismo econômico entra em crise profunda O desemprego e a inadimplência eram crescentes Os produtos perdiam preço nos mercados internos e no mercado internacional Esses processos se estimulavam reciprocamente A economia de mercado sem amarras se mostrava incompatível com o desenvolvimento econômico e com a estabilidade social A crise culmina com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929 A crise demandava para o seu enfrentamento a enérgica atuação estatal e não a sua abstenção De mero garantidor das regras que deveriam disciplinar as disputas travadas no mercado o Estado foi se convertendo num ator significativamente mais importante algumas vezes até no protagonista dentro da arena econômica exercendo diretamente muitas atividades de produção de bens e serviços O Estado passa a realizar por exemplo grandes obras públicas Os investimentos públicos geram empregos diretos e indiretos reaquecendo o consumo Os fornecedores privados voltam a produzir e vender A partir da indução estatal reiniciase um ciclo econômico virtuoso O constitucionalismo social é comprometido com esse novo papel do Estado No constitucionalismo liberal o Estado era o guarda noturno que se dedicava apenas à garantia da segurança dos negócios privados No constitucionalismo social ele assume um papel muito mais ambicioso na vida econômica No novo cenário o Estado incorpora funções ligadas à prestação de serviços públicos No plano teórico a sua atuação passa a ser justificada também pela necessidade de promoção da igualdade material por meio de políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade em áreas como saúde educação e previdência social59 Naquele contexto foi flexibilizada a proteção da propriedade privada que passou a ser condicionada ao cumprimento da sua função social60 e relativizada a garantia da autonomia negocial diante da necessidade de intervenção estatal em favor das partes mais débeis das relações sociais A mudança no perfil do Estado refletiuse também na sua engenharia institucional A separação de poderes foi flexibilizada para possibilitar uma atuação mais forte dos poderes públicos na seara social e econômica A produção de normas cresceu exponencialmente para dar conta das demandas por regulação em sociedades cada vez mais complexas deixando de ser monopolizada pelo Legislativo Mas é a função administrativa a que mais se avolumou pela crescente necessidade de prestação de serviços e de intervenção estatal direta ou indireta na ordem econômica Nem sempre o Estado Social pautouse pelo respeito à lógica do Estado de Direito Em diversos países a crise do liberalismo levou o ideário constitucionalista a ser visto como relíquia de museu A necessidade de construção de um Estado mais forte para atender às crescentes demandas sociais foi utilizada como pretexto para aniquilação dos direitos individuais e das franquias democráticas61 Este fenômeno foi intenso nas décadas de 1930 e 1940 com a instauração de regimes totalitários Alemanha e Itália ou mais frequentemente autoritários Brasil durante o Estado Novo Nestas situações podese falar em Estado Social mas não em constitucionalismo social O constitucionalismo social não renega os elementos positivos do liberalismo a sua preocupação com os direitos individuais e com a limitação do poder mas antes pugna por conciliálos com a busca da justiça social e do bemestar coletivo Ele implica a adoção de perspectiva que enriquece o ideário constitucionalista tornandoo mais inclusivo e sensível às condições concretas de vida do ser humano no afã de levar as suas promessas de liberdade e de dignidade também para os setores desprivilegiados da sociedade Houve duas fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo democrático Na primeira que tem como exemplo paradigmático a evolução do Direito Constitucional norteamericano a partir dos anos 3062 os valores de justiça social e de igualdade material não foram formalmente incorporados à Constituição Essa no entanto deixou de ser interpretada como um bloqueio à introdução de políticas estatais de intervenção na economia e de proteção dos grupos sociais mais vulneráveis Nesse caso não há propriamente constitucionalismo social mas sim um constitucionalismo que não impede o desenvolvimento do Estado Social cuja sorte tornase dependente das inclinações da política majoritária por não entrincheirar tão fortemente a proteção da propriedade e das liberdades econômicas Na outra fórmula adotada em diversos países europeus bem como no Brasil a própria Constituição acolhe os valores do Estado Social As primeiras constituições deste tipo foram a mexicana de 1917 e a alemã de Weimar de 1919 63 As constituições dessa natureza têm de modo geral um perfil muito mais ambicioso pois não se limitam a tratar da estrutura do Estado e da definição de direitos negativos Além disso elas se imiscuem na disciplina de temas como a economia as relações de trabalho e a família São constituições não apenas do Estado mas também da sociedade Muitas delas incorporam direitos sociais que envolvem demandas por prestações materiais do Estado como educação moradia saúde e previdência social Tais constituições não excluem os direitos individuais clássicos mas esses passam a ser vistos sob nova ótica não mais como simples exigências de abstenção estatal Adotase a premissa de que a função do Estado diante destes direitos não é tão somente a de não violá los mas também a de protegêlos ativamente diante de ameaças representadas pela ação de terceiros bem como de garantir as possibilidades materiais para o seu efetivo gozo Mas por outro lado tais direitos sobretudo aqueles dotados de dimensão eminentemente patrimonial têm a sua proteção relativizada quando não condicionada a uma função social Esse segundo modelo tornouse atualmente hegemônico A maior parte das constituições elaboradas a partir da segunda metade do século passado seguiu com maior ou menor sucesso dita fórmula Porém é certo que o constitucionalismo social enfrenta crise desde as décadas finais do século passado relacionada aos retrocessos que ocorreram no Welfare State A globalização econômica reduziu a capacidade dos Estados de formular e implementar políticas públicas para atender aos seus problemas sociais e econômicos na medida em que gerou o fenômeno de desterritorialização do poder A globalização realizouse sob a influência do pensamento neoliberal que preconiza a redução do tamanho do Estado a desregulação econômica e a restrição dos gastos sociais Até pouco tempo atrás os Estados que não seguiam esta fórmula apelidada de Consenso de Washington eram criticados por agências internacionais como o FMI e o Banco Mundial que lhes negavam crédito sinalizando para que os investidores internacionais também os abandonassem Por outro lado com a grande mobilidade do capital as empresas passaram a se instalar em países que lhes oferecessem condições mais vantajosas penalizando aqueles em que os custos de produção dentre os quais se computam os salários e encargos sociais fossem mais elevados No cenário geopolítico a falência dos Estados socialistas simbolizada pela queda do Muro de Berlim em 1989 parecia apontar para a vitória inexorável do regime capitalista que agora sem um rival com o qual disputasse influência poderia atuar sem fazer muitas concessões E para completar o quadro despontava o crescente déficit público de muitos Estados inclusive do 1º Mundo potencializado pelo grande aumento da expectativa de vida da população gerando expressiva elevação dos gastos em saúde pública e previdência social Esse déficit provocou a necessidade de discussão sobre o redimensionamento das prestações sociais ameaçando conquistas históricas das classes desfavorecidas Em tal contexto muitos já anunciavam a morte do Estado Social e do modelo constitucional que lhe corresponde De fato a partir da década de 80 começam a se tornar hegemônicas propostas de retorno ao modelo de Estado que praticamente não intervinha na esfera econômica Sob o estímulo da globalização da economia se inicia um processo de reforma do Estado que alcança escala mundial Reduzemse as barreiras alfandegárias e não alfandegárias ao comércio internacional e ao fluxo de capitais Os Estados diminuem ou eliminam a proteção que reservavam à empresa nacional Desterritorializase o processo produtivo A nova dinâmica da produção global estimula os Estados a flexibilizarem suas relações de trabalho com o intuito de atrair investimento produtivo e de alcançar maior competitividade no mercado global Ameaçados pela inflação que leva à necessidade de redução dos gastos públicos os Estados privatizam suas empresas e extinguem monopólios públicos A atuação direta do Estado na economia é significativamente reduzida64 Contudo a recente crise econômica mundial deflagrada nos últimos anos a partir dos Estados Unidos coração do capitalismo global não corrobora esta visão de ocaso do constitucionalismo social A crise foi causada por ausência de regulação estatal e não por excesso dela e o quadro vem sendo enfrentado em vários países por meio da ampliação da intervenção do Estado na economia e não com a insistência nas políticas neoliberais Na economia mais que um simples retorno ideológico ao Estado Social o que hoje se verifica é uma atitude mais pragmática dos governos que têm buscado soluções que efetivamente funcionem quer signifiquem o aumento da intervenção estatal quer importem no inverso No que toca aos direitos sociais o fim do constitucionalismo social seria moral mente inaceitável em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento caracte rizados por grande injustiça social e desigualdade material Não há em contextos como o nosso como subtrair do constitucionalismo um conteúdo social que imponha por cima das deliberações da política ordinária o dever do Estado e da sociedade de reduzirem a miséria e a desigualdade e possibilitarem a fruição efetiva de direitos fundamentais pelos integrantes dos setores mais vulneráveis da sociedade 26 Da Constituição como proclamação política à Constituição normativa Prevalecia no cenário mundial até poucas décadas atrás a visão inspirada na matriz francesa do constitucionalismo que concebia a Constituição como uma proclamação política que deveria inspirar o Poder Legislativo mas não como uma autêntica norma jurídica geradora de direitos para o cidadão que pudesse ser invocada pelo Judiciário na solução de casos concretos65 A principal exceção a esta forma de conceber o constitucionalismo era representada pelos Estados Unidos De forma um tanto esquemática podese afirmar que até meados do século XX no modelo hegemônico na Europa continental e em outros países filiados ao sistema jurídico romanogermânico a regulação da vida social gravitava em torno das leis editadas pelos parlamentos com destaque para os códigos A premissa política subjacente a esta concepção era a de que o Poder Legislativo que encarnava a vontade da Nação tinha legitimidade para criar o Direito mas não o Poder Judiciário ao qual cabia tão somente aplicar aos casos concretos as normas anteriormente ditadas pelos parlamentos A imensa maioria dos países não contava até a segunda metade do século XX com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das leis que eram vistos como institutos antidemocráticos por permitirem um governo de juízes66 Mesmo em alguns países em que existia a jurisdição constitucional como o Brasil em que ela foi implantada em 1890 e incorporada à Constituição de 1891 o controle de constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou no dia a dia dos tribunais Tal quadro começou a se alterar ao final da II Guerra Mundial na Europa 67 As gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas pelo nazismo demonstraram a importância de criação de mecanismos de garantia de direitos que fossem subtraídos do alcance das maiorias de ocasião para limitar os seus abusos Na Alemanha a Lei Fundamental de 1949 que é referência central no novo modelo de constitucionalismo instituiu diversos mecanismos de controle de constitucionalidade e criou um Tribunal Constitucional Federal que se instalou em 1951 e passou a exercer um papel cada vez mais importante na vida alemã Na Itália a Constituição de 1947 também apostou no controle de constitucionalidade instituindo uma Corte Constitucional que começou a funcionar em 1956 Na própria França berço de um modelo de constitucionalismo avesso à jurisdição constitucional o cenário se modificou substancialmente sob a égide da atual Constituição de 1958 que instituiu um modelo de controle de constitucionalidade originalmente apenas preventivo confiado ao Conselho Constitucional que tem crescido em importância sobretudo a partir dos anos 70 e hoje envolve também o controle repressivo Também na década de 70 países como Portugal e Espanha se redemocratizaram libertandose de governos autoritários e adotaram constituições de caráter mais normativo garantidas por meio da jurisdição constitucional Fora da Europa o fenômeno também se manifestou em muitas regiões68 Após a descolonização diversos Estados asiáticos e africanos adotaram constituições protegidas por mecanismos de jurisdição constitucional com destaque para a Índia No Canadá a adoção de uma Carta de Direitos e Liberdades em 1982 foi acompanhada pela criação de mecanismos de controle de constitucionalidade que têm reforçado a tutela dos direitos fundamentais e dos valores constitucionais no país Nos anos 80 e 90 na América Latina diversos países como o Brasil foram superando regimes militares e implantando democracias constitucionais com a adoção ou ampliação das fórmulas de tutela judicial da Constituição Dinâmica semelhante se passou nos países do Leste Europeu após a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento do regime soviético onde a reconstrução constitucional de antigos Estados também foi acompanhada pela adoção desse novo modelo de constitucionalismo Da mesma forma a refundação política da África do Sul após a derrocada do regime do apartheid passou pela elaboração de uma Constituição repleta de direitos fundamentais que conferiu grande poder à Corte Constitucional Em suma o que se observa atualmente é uma tendência global à adoção do modelo de constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas autênticas que podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de leis ou outros atos normativos Em outras palavras tornouse hegemônico o modelo norteamericano de constitucionalismo mas com um diferencial importante muitas destas novas constituições que contemplam a jurisdição constitucional são inspiradas pelo ideário do Estado Social São constituições ambiciosas que incorporam direitos prestacionais e diretrizes programáticas vinculantes que devem condicionar as políticas públicas estatais Ademais elas não tratam apenas da organização Estado e das suas relações com os indivíduos mas também disciplinam relações privadas enveredando por temas como economia relações de trabalho família e cultura Voltaremos ao tema no Capítulo 5 quando abordaremos o chamado neoconstitucionalismo Tratase de ambicioso modelo constitucional que tem se difundido nas últimas décadas envolvendo mudanças significativas não apenas no tipo das constituições como também na teoria jurídica subjacente Por ora cumpre apenas salientar que a conjugação do constitucionalismo social com o reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico ela assumiu uma centralidade outrora inexistente bem como da partilha de poder no âmbito do aparelho estatal com grande fortalecimento do Poder Judiciário e sobretudo das cortes constitucionais e supremas cortes muitas vezes em detrimento das instâncias políticas majoritárias Sem embargo a afirmação da generalização do modelo constitucional baseado na força normativa da Constituição não deve ser tomada como sustentação da tese de resto infundada de que as constituições em geral estariam sendo efetivadas de forma satisfatória em todo o globo garantindo universalmente o acesso pleno e igualitário aos direitos fundamentais Infelizmente o quadro empírico atual não dá amparo a análises tão otimistas Os valores do constitucionalismo são razoavelmente assegurados apenas em poucos países desenvolvidos em regiões muito circunscritas do planeta Na maior parte do mundo as promessas do constitucionalismo ainda são pouco mais do que utopias longínquas para a maior parte da população 27 Constituição e crise da soberania estatal malestar da Constituição ou advento do constitucionalismo transnacional O constitucionalismo moderno foi erigido a partir de um pressuposto fático que hoje já não se verifica plenamente o Estado nacional soberano detentor do monopólio da produção de normas da jurisdição e do uso legítimo da força no âmbito do seu território que não reconhece qualquer poder superior ao seu O Estado continua sendo o principal ator político no mundo contemporâneo Porém a globalização impulsionada por avanços em campos como os transportes a informática e as telecomunicações diminuiu a importância das fronteiras políticas e impulsionou o fenômeno de desterritorialização do poder Atualmente o Estado nacional perdeu em parte a capacidade que tinha para controlar os fatores econômicos políticos sociais e culturais que atuam no interior das suas fronteiras pois esses são cada vez mais influenciados por elementos externos sobre os quais os poderes públicos não exercem quase nenhuma influência Os vasos comunicantes da economia fazem por exemplo com que uma crise econômica em um país possa afetar dramaticamente as políticas públicas de outro Estado As empresas e as entidades da sociedade civil cada vez menos atuam exclusivamente no interior das fronteiras do EstadoNação Novos campos se desenvolvem ou se reconfiguram como o universo digital ou a seara das competições esportivas internacionais que contam com regras próprias independentes de qualquer Estado Ademais há fenômenos relevantes que não são geograficamente localizados como o fluxo de mensagens e dados pela internet e sobre eles o poder dos Estados nacionais é muito limitado No mundo contemporâneo os Estados nacionais sozinhos não conseguem enfrentar alguns dos principais problemas com que se deparam em áreas como a economia o meio ambiente e a criminalidade Em paralelo surgem novas entidades internacionais ou supranacionais no plano global ou regional que exercem um poder cada vez maior e tensionam a soberania estatal e a supremacia constitucional Ao lado disso se desenvolve na sociedade global desde o final da II Guerra Mundial um cosmopolitismo ético que cobra dos Estados mais respeito aos direitos humanos não aceitando a invocação da soberania ou de particularismos culturais como escusa para as mais graves violações à dignidade humana69 Nesse quadro surgem fontes normativas e instâncias de resolução de conflitos alheias ao Estado que não se subordinam ao Direito estatal inclusive ao emanado da Constituição Aqui existem fenômenos muito heterogêneos que têm em comum apenas o fato de envolverem o exercício de poder político fora do âmbito dos Estados nacionais bem como o seu impacto sobre a soberania constitucional Vale mencionar de forma muito sintética três destes fenômenos a emergência do Direito Comu nitário sobretudo no contexto europeu o fortalecimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos e a difusão global de uma lex mercatoria composta por práticas aceitas pelos agentes do comércio internacional que se situam às margens dos ordena mentos estatais Quanto ao surgimento e fortalecimento do Direito Comunitário esse é um fe nômeno muito mais intenso na Europa do que no resto do mundo70 Atualmente a União Europeia conta com órgãos independentes dos Estados que a integram que exercem funções executivas legislativas e jurisdicionais O surgimento e expansão do Direito Comunitário foram viabilizados por decisões dos Estados europeus que abriram mão de parte dos seus poderes tradicionais transferindo competências relevantíssimas para a esfera regional como a de emitir moeda e a de regular inúmeros temas de importância capital As normas criadas pela União Europeia vinculam os Estados independentemente da sua concordância e são dotadas de aplicabilidade imediata71 vale dizer não dependem de qualquer procedimento de incorporação nos Estados para se tornarem eficazes nos seus ordenamentos Ademais elas possuem supremacia em face do direito interno dos Estados72 Essa supremacia é postulada pelos mais europeístas inclusive em relação às constituições estatais o que tem gerado acaloradas discussões no cenário jurídicopolítico e até mesmo conflitos entre Cortes Constitucionais e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias73 Tal é a magnitude do processo de europeização do Direito que muitos juristas passaram a sustentar com apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a existência de um Direito Constitucional Europeu74 apesar do fato de ter sido malograda até o momento a tentativa de aprovação de uma Constituição formal para a União Europeia Naturalmente esse fenômeno impacta o constitucionalismo porque põe em xeque a concepção de supremacia das constituições estatais indica a possibilidade de coexistência de mais de uma ordem constitucional vigente no mesmo território e até sugere a possibilidade de existência de Constituição sem Estado75 Contudo é certo que tal processo não tem qualquer paralelo com a integração regional que ocorre no âmbito do Mercosul de que participa o Brasil76 O Mercosul funciona de acordo com o modelo padrão do Direito Internacional as suas normas só vinculam os Estados que a elas aderem elas se submetem ao processo legislativo de incorporação dos tratados e atos internacionais para ingressarem em nosso ordenamento e gozam de hierarquia infraconstitucional77 Em relação à proteção internacional dos direitos humanos tratase de fenômeno surgido após o final da II Guerra Mundial resultante de uma reação contra as atrocidades cometidas durante aquele conflito sobretudo pelo regime nazista Até então prevalecia na matéria a lógica emergente da Paz de Westfalia 78 segundo a qual as intervenções internacionais de Estados estrangeiros ou organismos internacionais em favor de direitos humanos seriam inadmissíveis por importarem em violação da soberania nacional para tratamento de questões domésticas Porém a constatação de que o Estado pode ser responsável pela violação maciça de direitos humanos não sendo em certos contextos a instituição mais confiável para protegêlos levou à construção de um Direito Internacional dos Direitos Humanos A premissa básica deste novo ramo do Direito Internacional é de que a proteção dos direitos da pessoa humana não deve se restringir à competência exclusiva dos Estados ou à sua jurisdição doméstica privativa Instituições internacionais e a própria sociedade civil global podem e devem atuar neste campo Naturalmente essa concepção implica a relativização da noção de soberania estatal em prol dos direitos humanos Tal processo cujo marco normativo inicial foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948 vem se desenvolvendo tanto no plano global como em esferas regionais europeia interamericana e africana com a aprovação de inúmeros tratados internacionais de direitos humanos de natureza cogente bem como com a criação de órgãos e mecanismos de fiscalização e monitoramento desses direitos alguns dotados de natureza jurisdicional como a Corte Europeia de Direitos Humanos a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional79 Na esfera da proteção internacional de direitos humanos não se admite a invocação pelo Estado da sua soberania ou mesmo dos termos da sua Constituição com o objetivo de se defender de acusações de violação de direitos garantidos em tratados internacionais É verdade que existe uma ampla convergência axiológica entre a proteção internacional dos direitos humanos e o constitucionalismo estatal Afinal ambos visam à contenção do arbítrio e à garantia de direitos Aliás boa parte das constituições contemporâneas recebeu decisiva influência do processo de internacionalização dos direitos humanos o que resultou na incorporação em muitos dos textos constitucionais do 2º pósguerra de boa parte dos direitos humanos previstos em tratados e documentos internacionais Mesmo em países em que isto não ocorreu como os Estados Unidos há uma influência crescente da jurisprudência internacional sobre direitos humanos sobre a jurisdição constitucional80 Ademais algumas constituições como a brasileira art 5º 2º e 3º a argentina depois da reforma de 1994 a colombiana e a sulafricana contemplam expressamente mecanismos de abertura do Direito Constitucional ao Direito Internacional dos Direitos Humanos Sem embargo podem ocorrer conflitos entre as constituições estatais e os tratados internacionais de direitos humanos ou entre as decisões das cortes constitucionais ou supremas cortes estatais e aquelas dos tribunais internacionais de direitos humanos81 e surge a controvérsia sobre como solucionálas A questão é difícil de ser resolvida e tem como pano de fundo alguns dos temas mais complexos da Filosofia Política como os que envolvem a tensão entre o universalismo dos direitos humanos e o respeito à diferença cultural82 bem como a complexa relação entre soberania popular e direitos fundamentais Equacionála de forma adequada é uma das mais importantes tarefas da teoria constitucional contemporânea Finalmente cabe referir à chamada lex mercatoria83 de grande importância no mundo dos negócios internacionais A crescente mobilidade do capital e dos meios de produção no mundo atual dá hoje a alguns empresários o poder de escolha sobre onde localizar as sedes das suas empresas as suas fábricas etc de acordo com os marcos regulatórios nacionais que lhes sejam mais convenientes Atualmente grandes empresas multinacionais tornaramse protagonistas da vida econômica mundial concentrando um poder gigantesco Essas empresas buscam planejar a sua atuação e disciplinar o seu relacionamento recíproco valendose de regras próprias de conduta que não se confundem com as leis de qualquer Estado Nacional mas que representam praxes aceitas pelos agentes dos mercados em que operam que alimentam expectativas de que as mesmas sejam mantidas e honradas Elas são amplamente utilizadas nas arbitragens internacionais que em determinadas áreas assumem um papel mais relevante do que o do próprio Judiciário na resolução de conflitos Tais regras acabam tendo uma importância até maior do que as leis estatais na disciplina do comércio internacional e muitas vezes contrariam essas leis Num cenário de globalização os Estados nacionais são muitas vezes forçados a adaptar o seu ordenamento às imposições da lex mercatoria sob pena de serem abandonados pelas empresas e investidores em prejuízo da sua economia e do seu mercado de trabalho Ocorre que a lex mercatoria orientada pela busca da eficiência econômica mas muitas vezes entra em choque com demandas sociais democraticamente articuladas no âmbito dos Estados Porém a convergência entre a lex mercatoria e as expectativas e imposições de instituições internacionais como o FMI o Banco Mundial e a OMC acaba restringindo de forma significativa o leque de opções dos Estados na regulação da atividade econômica o que atinge sobretudo os países periféricos e subdesenvolvidos restringindo na prática a sua soberania Esses e outros fenômenos correlatos vêm impactando fortemente o constitucionalismo contemporâneo A imagem tradicional da ordem jurídica estatal como uma pirâmide em cujo vértice localizarseia a Constituição soberana do Estado nacional perde parte de seu sentido84 Nesse cenário há quem aponte a existência de um mal estar da Constituição85 Ao invés da imagem da pirâmide há quem prefira por mais fidedigna a ideia de rede em razão da presença no Direito de inúmeras cadeias normativas emanadas de distintas fontes mas incidentes sobre o mesmo território que se entrelaçariam numa trama complexa Falase em pluralismo constitucional86 em transconstitucionalismo ou em constitucionalismo multinível87 para aludir à convivência nem sempre isenta de tensões entre diversas esferas constitucionais com pretensões regulatórias incidentes sobre um mesmo território Em tal contexto chegase a sugerir a emergência de um neofeudalismo jurídico caracterizado pela pluralidade das fontes normativas e jurisdicionais em que o papel da Constituição estatal seria significativamente restringido88 No novo quadro a ideia de constitucionalismo é empregada em vários sentidos diferentes Além da ideia de Constituição regional defendida no contexto europeu há também os que identificam o surgimento de uma espécie de constitucionalismo global a partir do processo de constitucionalização do Direito Internacional cujas fontes mais importantes estariam cada vez mais desempenhando no cenário contemporâneo um papel semelhante ao que tradicionalmente exerciam as constituições dos Estados ao limitarem os poderes públicos e privados e instituírem parâmetros normativos para o controle dos seus atos89 O Direito Internacional está deixando de ser um ramo que regula apenas as relações que os Estados travam entre si e vem incorporando paulatinamente o indivíduo como sujeito de direito e destinatário final das suas normas90 Ademais no seu âmbito existem hierarquias normativas e até mesmo princípios cogentes cuja imperatividade sequer depende do consentimento do Estado como aqueles que vedam as agressões bélicas e proíbem as violações maciças de direitos humanos cuja ofensa pode até ensejar a intervenção internacional Isto justificaria para essa linha de pensamento que se reconhecesse a existência de um novo tipo de constitucionalismo na esfera mundial em que a Constituição seria representada pela Carta da ONU e pelos principais tratados internacionais de direitos humanos Outra concepção alude ao surgimento de constituições privadas que ignorando fronteiras disciplinariam determinados campos ou subsistemas sociais Estas constituições privadas não teriam a forma de tratados nem estariam vinculadas a entidades internacionais de caráter público mas surgiriam no curso do processo de desenvolvimento e autonomização de esferas sociais dotadas de racionalidade própria A chamada constituição privada nesta ótica não corresponderia a uma espécie de Constituição global unitária De acordo com Gunther Teubner principal expositor dessa teoria seriam diversas as constituições privadas emergindo de uma multiplicidade de subsistemas autônomos da sociedademundo que embora desvinculadas de Estados adquiririam determinadas características típicas das constituições como a supremacia em face de outras normas produzidas na mesma área91 Um exemplo deste tipo de constitucionalização teria ocorrido na área das comunicações digitais internet Neste campo normas privadas superiores teriam sido criadas desempenhando um papel similar ao das constituições estatais na política nacional Notese que esses supostos processos de constitucionalização acima referidos não se confundem com aquele outro muito mais discutido no cenário brasileiro de ampliação da influência da Constituição estatal sobre o ordenamento jurídico Essa constitucionalização alternativa no cenário da globalização diz respeito a mudanças paradigmáticas que estariam em curso em certos campos jurídicos que aproximariam o papel das suas normas fundamentais formalmente positivadas ou não àquele tradicionalmente exercido pela Constituição no âmbito estatal92 Na verdade existe até uma tensão latente entre esses diferentes processos de constitucionalização pois se um o mais tradicional tende a fortalecer a Constituição do EstadoNação o outro tem o potencial de debilitála Há certo modismo intelectual no emprego inflacionado da ideia de Constituição para se referir a fenômenos muito distintos que vêm ocorrendo no cenário de globalização Por exemplo tratar como constituições as normas quase sempre informais que surgem em espaços transnacionais ainda pouco organizados institucionalmente como pretende a teoria das constituições privadas parece um evidente exagero que força muito além do razoável o limite semântico da palavra Constituição Também a ideia de constitucionalização do Direito Internacional Público é bastante discutível No plano descritivo os poderes e o nível de organização política da comunidade internacional estão muito longe daqueles desfrutados pelo Estado para legitimar a comparação A comunidade internacional não possui ainda por exemplo os meios necessários para o uso da força na hipótese de descumprimento das suas decisões Ou alguém imaginaria durante o governo Bush a possibilidade de se obrigar os Estados Unidos pela força a cessar as gravíssimas violações aos direitos humanos cometidas contra os prisioneiros de Guantánamo Na verdade em que pese a ocorrência de importantes avanços nos últimos tempos a esfera internacional ainda se parece mais com um Estado de Natureza hobbesiano em que prevalece a força do mais poderoso do que com uma democracia constitucional No plano prescritivo é problemático cogitar da Constituição abstraindo do seu fundamento na soberania popular e essa não se manifesta na seara supra nacional pois apesar do paulatino desenvolvimento de uma opinião pública interna cional ainda não existe nada que se possa comparar a um verdadeiro povo mundial93 Ademais a tentativa de transplantar a ideia de Constituição para o âmbito supraestatal importaria no atual estágio em atentado à democracia uma vez que ainda não há fora do Estado qualquer possibilidade de instituição de mecanismos de governança baseados no autogoverno popular como a eleição dos dirigentes polí ticos por sufrágio universal94 É até possível que o Estado Nacional seja uma for mação política passageira como foram a polis grega e o feudo Em 1795 o filósofo Emmanuel Kant um dos pensadores mais influentes na construção do ideário do constitucionalismo defendia que no futuro para garantir a paz perpétua seria conveniente que a Humanidade constituísse uma espécie de federação de repúblicas com a instituição de um Direito cosmopolita e a afirmação de uma cidadania uni versal95 Porém a ideia de um Estado mundial é ainda uma utopia distante96 ou uma distopia dependendo da perspectiva do observador É verdade que o EstadoNação plenamente soberano regido por uma Constituição juridicamente ilimitada não existe mais se é que ele chegou algum dia a existir Porém em que pese a crise que atravessa o Estado continua sendo o protagonista no cenário jurídicopolítico e cabe sobretudo a ele assegurar o respeito aos direitos e a garantia das condições materiais necessárias para a convivência humana em sociedade num marco de respeito à igual dignidade de todas as pessoas97 Nesse cenário o constitucionalismo estatal ainda é absolutamente central o que não exclui a necessidade de que ele dialogue com outras esferas normativas sobretudo quando exista entra elas uma ampla convergência de objetivos como se dá por exemplo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos ou com o Direito Internacional Ambiental Enfim a Constituição estatal exerce ainda o papel fundamental nas engrenagens da sociedade contemporânea Mas o constitucionalismo estatal não pode ser autista Não pode se fechar às influências externas e ao diálogo com outras fontes e instâncias transnacionais Não se trata de subserviência ou de renúncia à soberania mas de abertura para a possibilidade de aprendizado mútuo por meio de fertilizações cruzadas98 entre diferentes sistemas normativos Afinal como salientou Marcelo Neves no fecho da sua obra notável sobre o transconstitucionalismo99 o ponto cego o outro pode ver100 Em outras palavras o diálogo constitucional entre dife rentes esferas pode enriquecêlas permitindo que as respectivas imperfeições e incompletudes sejam percebidas e eventualmente corrigidas101 Ademais em certas áreas em que o poder do Estado é ineficaz para enfrentar determinados problemas como o combate ao aquecimento global ou não é plenamente confiável para lidar com outros de forma exclusiva como a proteção dos direitos humanos o fortalecimento de esferas normativas supranacionais deve ser festejado e não lamentado ainda que o preço a ser pago possa ser certa erosão da soberania estatal Aqui menos soberania pode significar mais constitucionalismo102 De qualquer forma tais mudanças históricas estão em pleno desenvolvimento o que nos impede de fazer qualquer balanço ou juízo definitivo sobre elas Sem embargo dois diagnósticos extremos se nos afiguram prematuros e injustificados não se avista no horizonte nem o crepúsculo do constitucionalismo como pensam os mais pessimistas nem a sua definitiva consagração numa espécie de Constituição global como preferem os sonhadores 1 Cf GRIMM Dieter Constitución y derechos fundamentales p 2728 e SALDANHA Nelson Formação da teoria constitucional p 13 2 Cf FIORAVANTI Maurizio Constitución de la antigüedad a nuestros días e MCILWAIN Charles Howard Constitutionalism Ancient and Modern 3 Sobre a História dos Conceitos cf KOSELLECK Reinhart Futuro passado contribuição à semântica dos tempos históricos 4 Cf GAUDEMET Jean Institutions de lantiquité p 145214 5 Cf MCILWAIN Charles Howard Constitutionalism Ancient and Modern p 26 6 Cf MCILWAIN Charles Howard Constitutionalism Ancient and Modern p 2340 Em sentido contrário atribuindo um sentido também normativo à ideia de politeia vejase a longa exposição em DOGLIANI Mario Introduzione al diritto costituzionale p 3372 7 Cf LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 155156 8 Fustel de Coulanges em texto clássico afirma que uma das características da Cidade Antiga a referência é tanto à Grécia como à Roma é a ausência de liberdade individual diante da onipotência do Estado A cidade antiga p 345 352 9 Exemplo clássico desta visão organicista pode ser colhido no pensamento de Aristóteles o Estado é por natureza claramente superior à família e ao indivíduo uma vez que o todo é necessariamente superior à parte por exemplo se o corpo inteiro for destruído não haverá mão ou pé a não num sentido equívoco A prova de que o Estado é uma criação da natureza e superior ao indivíduo é que este quando isolado não é autossuficiente e aí está a sua relação com o todo Politics In ARISTOTLE The works of Aristotle v 2 p 446 Sobre o organicismo cf ZIPPELIUS Reinhold Teoria geral do Estado p 3538 10 Cf VERNANT JeanPierre As origens do pensamento grego 11 Cf LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 156157 12 A ideia de governo misto já fora antes desenvolvida na Grécia por Aristóteles mas em sentido diferente Para Aristóteles a Constituição mista propiciava a representação das diferentes classes sociais no exercício do poder em busca de um almejado equilíbrio sem no entanto envolver a identificação de cada uma destas classes com um órgão específico de governo Para a evolução da ideia de governo misto cf PIÇARRA Nuno A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional p 3140 13 Cf GAUDEMET Jean Institutions de lantiquité p 362363 14 Cf FIORAVANTI Maurizio Constitución de la antigüedad a nuestros días p 35 15 Cf COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos p 5776 16 Cf MATTEUCCI Nicola Organización del poder y libertad p 29 17 Cf BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito p 27 e WOLKMER Antônio Carlos Pluralismo jurídico fundamentos de uma nova cultura no direito p 2 et seq 18 HOBBES Thomas Leviatã ou matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil p 79 19 Para uma densa e extensa análise sobre as relações entre a reforma protestante a contrarreforma e o cons titucionalismo cf SKINNER Quentin As fundações do pensamento político moderno p 393464 20 Cf BOBBIO Norberto Contrato e contratualismo no debate atual In BOBBIO Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo p 129149 21 Cf LOCKE John Segundo tratado sobre o governo ensaio relativo à verdadeira origem extensão e objetivo do governo civil 22 Cf LOPES José Reinaldo de Lima O direito na história lições introdutórias p 180183 23 Cf LOSURDO Domenico Democracia ou bonapartismo triunfo e decadência do sufrágio universal 24 Cf BARNETT Hilaire Constitutional and Administrative Law p 3 25 A sucessão de convulsões políticas na Inglaterra do século XVII e a sua influência sobre o modelo cons titucional inglês são detalhadamente estudadas em MATTEUCCI Nicola Organización del poder y libertad p 79160 26 Destaquese porém que surgiu na Inglaterra o documento que talvez possa ser considerado como a primeira Constituição escrita o Instrument of Government outorgado por Oliver Cromwell em 1653 na fase republicana da Revolução Inglesa tendo vigorado por apenas quatro anos 27 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 4950 e FIORAVANTI Maurizio Los derechos fundamentales apuntes de historia de las Constituciones p 2635 28 O principal formulador desta teoria foi o jurista inglês do século XVIII William Blackstone autor da célebre obra Commentaries on the Laws of England publicada entre 1765 e 1769 29 Sobre o tema vejase BARNETT Hilaire Constitutional and Administrative Law p 929940 e CYRINO André Rodrigues Revolução na Inglaterra Direitos humanos corte constitucional e declaração de incompatibilidade das leis novel espécie de judicial review Revista de Direito do Estado RDE n 5 p 267288 30 O caso de Israel é discutível já que naquele país apesar da inexistência de uma Constituição foram editadas onze leis fundamentais sendo que duas delas estabelecem direitos fundamentais E a Suprema Corte de Israel a partir da decisão do caso United Mizhari Bank Ltd v Migdal Coop Vill em 1995 entendeu que mesmo sem previsão expressa em qualquer diploma normativo lhe assiste o poder de declarar a invalidade de leis que violem essas últimas duas leis fundamentais Vejase a propósito JACKSON Vicki C TUSHNET Mark V Comparative Constitutional Law p 452454 Essa orientação tem gerado intensa polêmica Ela foi defendida por Aharon Barak exPresidente da Suprema Corte israelense em The Judge in a Democracy p 229230 e criticada por Ran Hirschl Towards Juristocracy the Origins and Consequences of the new Constitutionalism p 5074 31 Um bom resumo sobre a Revolução Francesa encontrase em BLUCHE Fréderic RIALS Stephane TULARD Jean A Revolução Francesa 32 SIEYÈS Emmanuel Joseph Questce que le Tier État 33 Esta ideia francesa foi contestada pelo pensamento político conservador em obra clássica de BURKE Edmund Reflections on the Revolution in France A obra é do final do século XVIII 34 Cf CAPPELLETTI Mauro O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado p 9598 35 Sobre a trajetória constitucional francesa cf BURDEAU Georges HAMON Francis TROPER Michel Droit constitutionnel p 289413 36 Cf FRANGI Marc Constitution et droit privé p 67 37 Nos anos 70 houve duas inovações importantes que aumentaram significativamente a relevância da jurisdição constitucional do sistema francês Em 1971 o Conselho Constitucional em famosa decisão sobre liberdade de associação adotou a orientação de que normas contidas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 por estarem referidas no preâmbulo da Constituição de 1958 integravam o bloco de constitucionalidade do país juntamente com a Preâmbulo da Constituição de 1946 além das chamadas Leis Fundamentais da República podendo assim fundamentar o exercício do controle de constitucionalidade Tal orientação tornou muito mais fértil a jurisprudência do Conselho Constitucional em matéria de proteção de direitos fundamentais E em 1974 foi aprovada uma emenda constitucional que possibilitou a provocação do controle de constitucionalidade por 60 deputados ou senadores Isto ampliou o acesso à jurisdição constitucional às minorias políticas que até então só podia ser deflagrada pelo Presidente da República PrimeiroMinistro Presidente do Senado e Presidente da Assembleia Nacional Vejase a propósito LUCHAIRE François Procédures et techniques de protection des droits fondamentaux Conseil Constitutionnel français In FAVOREU Louis Dir Cours constitutionnelles européennes et droits fondamentaux actes du 2e Colloque dAixenProvence 1921 février 1981 p 55103 38 Em 2008 aprovouse emenda constitucional na França regulamentada em 2010 que instituiu no país a chamada Questão Prioritária de Constitucionalidade Question Prioritaire de Constitutionalité Ela dispôs que as partes podem arguir incidentalmente a inconstitucionalidade de lei por ofensa a direitos e liberdades fundamentais garantidos pela Constituição francesa no âmbito de processos judiciais ou administrativos Os magistrados da Justiça Comum ou do contencioso administrativo devem encaminhar a questão suscitada à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado instâncias finais nas respectivas áreas que por sua vez podem provocar o Conselho Constitucional cuja decisão terá eficácia geral São pressupostos da questão prioritária a que a lei questionada seja aplicável ao litígio ou procedimento em andamento b que não haja decisão anterior do Conselho Constitucional sobre a sua validade salvo caso de mudança relevante das circunstâncias em que o Conselho pode ser instado a pronunciarse de novo e c que a questão cons titucional não seja considerada desprovida de caráter sério déporvue de caractére sérioux 39 De acordo com o art 5º da Constituição americana ela só pode ser alterada por proposta a de 23 dos representantes das duas casas do Legislativo Federal Câmara de Representantes e Senado ou b de 23 dos legislativos estaduais Em ambos os casos a emenda tem de ser posteriormente aprovada por 34 dos Estados por meio dos respectivos poderes legislativos ou de convenções específicas convocadas para este fim 40 A ideia de living Constitution é objeto de intenso debate nos Estados Unidos sendo combatida por uma importante corrente do pensamento constitucional do país identificada como o chamado originalismo crença segundo a qual a Constituição deve ser interpretada de acordo com as leituras das cláusulas cons titucionais existentes na época da sua aprovação Sobre a ideia de living Constitution vejase o Capítulo 10 bem como STRAUSS David A The Living Constitution 41 A Declaração de Independência redigida por Thomas Jefferson inicia com a seguinte proclamação tradução livre Nós consideramos as seguintes verdades como auto evidentes que todos os homens são criados iguais que eles são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis entre os quais a vida a liberdade e a busca da felicidade E é para assegurar esses direitos que os governos são instituídos derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados Sobre a influência da Declaração de Independência no constitucionalismo norteamericano cf HENKIN Louis The Age of Rights p 83108 42 Sobre as credencias democráticas do constitucionalismo americano cf ACKERMAN Bruce We the People v 1 Foundations p 357 43 Uma crítica importante ao constitucionalismo norteamericano feita por autores situados à esquerda do es pectro político é a de que a proteção das minorias seria apenas uma fórmula retórica para assegurar os interesses das elites minoritárias apenas do ponto de vista numérico mas não no sentido da sua par ticipação no poder social diante das pressões democráticas vindas do povo Neste sentido cf BEARD Charles A An Economic Interpretation of the Constitution of the United States BERCOVICI Gilberto Soberania e Constituição para uma crítica do constitucionalismo p 118134 e GARGARELLA Roberto La justicia frente al gobierno p 1780 44 O Federalista é uma coletânea de 85 artigos jornalísticos publicados em periódico novaiorquino pelos autores Alexander Hamilton James Madison e John Jay sob o pseudônimo de Publius que visavam a convencer o público do Estado de Nova York a votar favoravelmente à ratificação da Constituição dos Estados Unidos No Federalista nº 78 de autoria de Hamilton consignouse não há posição que se apoie em princípios mais claros que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada que não esteja afinada com as determinações de quem delegou essa autoridade Consequentemente não será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição Negar tal evidência corresponde a afirmar que o representante é superior ao representado que o escravo é mais graduado que o senhor que os delegados do povo estão acima do próprio povo HAMILTON Alexander MADISON James JAY John O federalista p 471 45 Cf KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review e TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts 46 Cf TATE C Neal VALLINDER Torbjörn Ed The Global Expansion of Judicial Power 47 De acordo com Carl Schmitt que chamava este modelo de Estado Burguês de Direito o constitucionalismo liberal se baseia em dois princípios um princípio de divisão e um princípio de organização O princípio de divisão liberdade do indivíduo em princípio ilimitada poder do Estado em princípio limitado encontra a sua expressão em uma série de direitos de liberdade ou direitos fundamentais enquanto o princípio de organização está contido na teoria da separação de poderes que atua no interesse do controle recíproco e da limitação do poder Cf SCHMITT Carl Dottrina della Costituzione p 173 48 Cf GRIMM Dieter Condiciones y consecuencias del nacimiento del constitucionalismo moderno In GRIMM Dieter Constitucionalismo y derechos fundamentales p 5760 49 Cf SARMENTO Direitos fundamentais e relações privadas p 2131 50 Vejase nesta linha o clássico estudo de CONSTANT Benjamin De la liberté des anciens comparée a celles des modernes In CONSTANT Benjamin Écrits politiques 51 Isso pode ser observado na forma como um dos precursores do liberalismo John Locke justifica o direito de propriedade Locke sustenta que a propriedade só pode decorrer o trabalho por meio do qual o homem transforma a natureza O argumento é desenvolvido no célebre Capítulo V do Segundo Tratado sobre o Governo um dos textos doutrinários mais importantes do jusnaturalismo moderno Com as revoluções burguesas o discurso perde sua carga crítica e revolucionária para se converter em argumento conservador de proteção do status da burguesia 52 Cf LEAL Victor Nunes A divisão de poderes no quadro político da burguesia Revista de Ciência Política n 20 p 127142 53 Cf BONAVIDES Paulo Do Estado liberal ao Estado social 54 O marxismo via o constitucionalismo liberal e o discurso de afirmação de direitos individuais que pro clamava como mero artifício para legitimação da dominação de classe existente na sociedade capitalista Para uma crítica marxista aos direitos do homem vistos como direitos do homem egoísta indivíduo destacado da comunidade limitado a si próprio ao seu interesse privado e ao seu capricho pessoal cf MARX Karl A questão judaica In MARX Karl Manuscritos econômicos e filosóficos p 1359 o trecho citado está na página 33 55 Para uma síntese das críticas dos socialistas utópicos como Charles Fourier Robert Owen e Louis Blanc ao regime capitalista cf CHATELET François DUHAMEL Olivier PISIERKOUCHNER Èvelyne História das idéias políticas p 139147 56 A encíclica papal Rerum Novarum editada por Leão XIII em 1891 foi o primeiro documento pontifício a consagrar a chamada doutrina social da Igreja baseada em crítica aos excessos do capitalismo e ao individualismo exacerbado do individualismo liberal e contendo uma exortação para que o Estado assu misse uma posição mais ativa no cenário socioeconômico em favor dos mais pobres Seguiramse outros documentos na mesma linha como as encíclicas Quadragesimo Anno 1931 de Pio XII e Mater et Magistra 1961 de João XXIII Sobre a influência da doutrina social da Igreja na edificação do constitucionalismo social cf ZAGREBELSKY Gustavo Il diritto mite legge diritti giustizia p 97118 57 A correlação entre a extensão do direito de voto e o advento do Estado Social é afirmada em estudo clássico do sociólogo inglês T H Marshall Class Citizenship and Social Development Essays Sem embargo a per tinência desta correlação no contexto brasileiro é questionada com propriedade pelo historiador José Murilo de Carvalho diante da constatação de que o Estado Social no país se formou durante a ditadura de Vargas quando não vigiam os direitos políticos Cf CARVALHO José Murilo de A cidadania no Brasil um longo caminho 58 Cf GRAU Eros Roberto A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica p 44 et seq 59 Cf FORSTHOFF Ernst Problemas constitucionales del estado social In FORSTHOFF Ernst ABENDROTH Wolfgang DOEHRING Karl El Estado social 60 A fórmula clássica sobre a função social da propriedade foi aquela acolhida pelo art 153 da Constituição de Weimar a propriedade obriga De acordo com essa nova lógica a propriedade deixava de ser um direito absoluto e sacrossanto convertendose em um instituto condicionado por interesses sociais e que poderia envolver além das faculdades conferidas ao seu titular também deveres do mesmo em relação à coletividade Sobre a função social da propriedade cf BERCOVICI Gilberto Constituição econômica e desenvolvimento uma leitura a partir da Constituição de 1988 p 117169 e COMPARATO Fábio Konder Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade In STROZAKE Juvelino José Org A questão agrária e a justiça p 130147 61 O exemplo paradigmático desta posição é o pensamento constitucional de Carl Schmitt que imputava às técnicas do constitucionalismo liberal separação de poderes garantia de direitos individuais pluralismo político democracia representativa etc parte da responsabilidade pela crise alemã durante a República de Weimar defendendo a sua substituição por um modelo de Estado autoritário com poderes concentrados no Executivo fundado numa democracia de caráter plebiscitário Vejase a propósito os textos de Carl Schmitt The Liberal Rule of Law e State Ethics and the Pluralist State In JACOBSON Arthur SCHLINK Bernhard Ed Weimar a Jurisprudence of Crisis p 294300 301312 A teoria constitucional de Carl Schmitt é resumida no Capítulo 5 62 Nos Estados Unidos até meados da década de 30 prevalecia na Suprema Corte uma orientação jurisprudencial economicamente libertária que impedia a não ser em hipóteses extremamente excepcionais a intervenção do Estado na economia bem como a sua atuação no campo de relações contratuais para proteger as partes mais frágeis O período é conhecido como Era de Lochner uma alusão ao caso Lochner v New York julgado pela Suprema Corte em 1905 em que se invalidou uma lei que limitava a jornada de trabalho dos padeiros sob a alegação de que a dimensão substantiva da cláusula do devido processo legal da Constituição norteamericana vedava que o Estado interferisse no campo das relações contratuais para impedir as partes de cele brarem livremente contratos de trabalho Esta fase só foi superada no final da década de 1930 durante o período do New Deal depois de um forte atrito entre o Presidente Franklin Roosevelt que buscava combater a profunda crise econômica em que o país estava mergulhado por meio de políticas públicas inter vencionistas e a Corte Suprema que se opunha firmemente a estas políticas a partir de uma leitura ultralibertária da Constituição Contudo o New Deal não levou nem a uma mudança formal da Constituição estadunidense que levasse à incorporação de uma dimensão mais social àquele texto nem tampouco ao reconhecimento pela via jurisprudencial de algum dever estatal constitucionalmente imposto de garantia de direitos sociais ou de promoção de justiça distributiva A Constituição contudo deixou de ser concebida como um obstáculo para a implementação de políticas públicas de viés social Tudo dependeria portanto da legislação e da vontade das maiorias políticas de cada momento Vejase a propósito BREST Paul et al Processes of Constitutional Decision Making p 337354 e TRIBE Laurence H American Constitutional Law p 567581 63 Vejase a propósito BERCOVICI Gilberto Constituição econômica e desenvolvimento uma leitura a partir da Constituição de 1988 p 1143 e HERRERA Carlos Miguel Estado Constituição e direitos sociais In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Coord Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie p 524 64 Cf JAYASURIYA Kanishka Globalization Sovereignty and the Rule of Law From Political to Economic Constitutionalism Constellations v 8 n 4 p 442460 65 Cf ZAGREBELSKY Il diritto mite p 5296 66 Vejase neste sentido a influente obra do autor francês Édouard Lambert sobre o governo de juízes publicada originariamente em 1921 em que se criticava a jurisdição constitucional norteamericana apon tada como instituto antidemocrático e conservador Cf LAMBERT Édouard Le gouvernement des juges et la lutte contre la législation sociale aux ÉtatsUnis lexpérience américaine du contrôle judiciaire de la consti tutionnalité des lois 67 Cf SWEET Alec Stone Governing With Judges Constitutional Politics in Europe 68 Cf HIRSCHL Ran Towards Juristocracy the Origins and Consequences of the new Constitutionalism ROBINSON David The Judge as Political Theorist Contemporary Constitutional Review SIEDER Rachel SCHJOLDEN Line ANGELL Alan Ed The Judicialization of Politics in Latin America e TATE C Neal VALLINDER Torbjörn Ed The Global Expansion of Judicial Power 69 Cf STEINER Henry Steiner ALSTON Philip Ed International Human Rights in Context p 3402 70 Cf CAMPOS João de Mota CAMPOS João Luís de Mota Manual de direito comunitário e QUADROS Fausto Direito da União Européia 71 O princípio da aplicabilidade imediata do Direito Comunitário hoje universalmente aceito no âmbito europeu surgiu de uma construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia a partir do caso Van Gend en Loos v Holanda julgado em 1962 72 O princípio da supremacia do Direito Comunitário também resultou de construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia estabelecida a partir do caso Flaminio Costa v ENEL julgado em 1964 73 Vejase sobre a questão NEVES Marcelo Transconstitucionalismo p 133146 74 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Brancosos e a interconstitucionalidade itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional p 199258 PIRES Francisco Lucas Introdução do direito constitucional europeu seu sentido problemas e desafios SWEET Alec Stone Governing With Judges Constitutional Politics in Europe p 153204 e VIEIRA José Ribas Org A Constituição européia o projeto de uma nova teoria constitucional 75 Sobre esta questão vejase o debate entre Dieter Grimm e Habermas o primeiro criticando e o segundo de fendendo a ideia de Constituição Europeia GRIMM Dieter Una costituzione per lEuropa e HABERMAS Jürgen Una Costituzione per lEuropa osservazioni su Dieter Grimm In ZAGREBELSKY Gustavo PORTINARO Pier Paolo LUTHER Jörg Org Il futuro della Costituzione p 339367 369375 76 Sobre o Mercosul vejase CASELLA Paulo Borba Mercosul exigências e perspectivas integração e con so lidação do espaço econômico e PEREIRA Ana Cristina Paulo Direito institucional e material do Mercosul 77 No Agravo na Carta Rogatória nº 8279 Rel Min Celso Mello DJ 10 ago 2000 o STF afirmou A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina que rege o pro cesso de incorporação à ordem positiva interna dos tratados internacionais em geral A Constituição brasileira não consagrou em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração nem o prin cípio do efeito direto nem o postulado da aplicabilidade imediata 78 A chamada Paz de Westfalia designa uma série de tratados celebrados em 1648 que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos e à pretensão do Sacro Império RomanoGermânico de dominar toda a Cristandade Ela introduziu novos princípios no sistema internacional como o da soberania dos Estados no âmbito dos seus territórios e da respectiva igualdade jurídica 79 Vejase a propósito PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 9 ed 80 Em casos recentes e importantes da Suprema Corte norteamericana como Laurence v Texas 2003 em que foi declarada inconstitucional a lei que criminalizava a prática de sodomia entre homossexuais e Roper v Simmons 2005 em que foi reconhecida a inconstitucionalidade da aplicação de pena de morte a pessoas que na data do fato criminoso tivessem menos de 18 anos de idade as decisões invocaram fartamente a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos além de julgados de outros países Esta invocação do Direito Comparado e da jurisdição internacional nas decisões judiciais norteamericanas tem suscitado grande discussão naquele país e forte reação de setores conservadores do pensamento jurídico Cf CHOUDRY Sujit Migration as a new Metaphor in Comparative Constitutional Law In CHOUDRY Sujit Ed The Migration of Constitutional Ideas p 135 81 Em matéria de conflito normativo temos na Constituição brasileira por exemplo o princípio da unicidade sindical que impõe a existência de um único sindicato por profissão ou categoria econômica na mesma base territorial art 8º II CF em franco desacordo com vários tratados internacionais de direitos humanos que asseguram de forma muito mais ampla a liberdade sindical eg art 22 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos art 8º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho sobre Liberdade Sindical Em relação ao conflito entre decisões do Judiciário nacional e de cortes internacionais de direitos humanos há a controvérsia recente sobre a validade da Lei de Anistia editada durante o regime militar na parte em que garantia a impunidade dos agentes do regime por graves crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime de exceção Esta lei foi considerada válida pelo STF em face da Constituição de 1988 no julgamento da ADPF nº 153 Rel Min Eros Grau DJe 6 ago 2010 e entendida como contrária à Convenção Interamericana de Direitos pela Corte Interamericana no julgamento do caso Gomes Lund v Brasil decidido em 14122010 No momento de conclusão desse volume pende no STF o julgamento de Embargos de Declaração opostos em face da decisão do STF acima referida em que se objetiva que a Corte se manifeste sobre a tensão entre as referidas decisões 82 Há um amplo debate multidisciplinar a propósito da possibilidade e legitimidade da aplicação dos direitos humanos em contextos culturais em que os mesmos não estão enraizados Sobre o tema a literatura é ri quíssima Vejase em especial APPIAH Kwame Anthony Cosmopolitanism Ethics in a World of Strangers BALDI Cesar Org Direitos humanos na sociedade cosmopolita BENHABIB Seyla The Claims of Culture Equality and Diversity in the Global Era HERRERA FLORES Joaquín Los derechos humanos como productos culturales KYMLICKA Will Multicultural Citizenship a Liberal Theory of Minority Rights e SEN Amartya Identity and Violence the Illusion of Destiny 83 Marcelo Neves definiu a lex mercatoria como ordem jurídicoeconômica mundial no âmbito do comércio transnacional cuja construção e reprodução ocorre primariamente mediante contratos e arbitragens decor rentes de comunicações e expectativas recíprocas estabilizadas normativamente entre atores e orga nizações privadas Transconstitucionalismo p 166167 84 Neste sentido vejase José Joaquim Gomes Canotilho A pirâmide jurídica deve ser superada impondose uma visão muito mais complexa e realista do direito da ordem jurídica O direito ordenamental num Estado tem agora vários parceiros concorrentes o direito constitucional que continua a reivindicar a pri mazia normativa o direito comunitário que reclama o status de lex superior inclusive em relação ao direito constitucional os princípios gerais de direito e os Bill of Rights nacionais ou transnacionais Direito constitucional e teoria da Constituição p 1027 85 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Malestar da Constituição e pessimismo pósmoderno Lusíada Revista de Ciência e Cultura n 1 p 5565 86 Cf COHEN Jean L Sovereignty in the Context of Globalization a Constitutional Pluralist Perspective In BESSON Samantha TASIOULAS John Ed The Philosophy of International Law p 261280 e WALKER Neil The Idea of Constitutional Pluralism The Modern Law Review v 65 n 3 p 317359 87 Cf PERNICE Ingolf Multilevel Constitutionalism in the European Union European Law Review v 27 n 5 p 511529 88 Cf FARIA José Eduardo O direito na economia globalizada p 322332 89 Cf FASSBENDER Bardo We the Peoples of the United Nations Constituent Power and Constitutional Form in International Law In LOUGHLIN Martin WALKER Neil Ed The Paradox of Constitutionalism Constituent Power and Constitutional Form p 269290 e PAULUS Andreas The International Legal System as a Constitution In DUNOFF Jeffrey L TRACHTMAN Joel P Ed Ruling the World Constitutionalism International Law and Global Governance p 69109 90 Cf CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto a proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional Arquivos de Direitos Humanos n 1 p 355 91 Cf TEUBNER Gunther Costituzionalismo societario alternative alla teoria costituzionale statocentrica In TEUBNER Gunther La cultura del diritto nellepoca della globalizzazione lemergere delle costituzioni civili p 105138 e TEUBNER Gunther Fragmented Foundations Societal Constitutionalism beyond the Nation State In DOBNER Petra LOUGHLIN Martin The Twilight of Constitutionalism p 327341 92 Sobre este outro sentido da ideia de constitucionalização do Direito cf LOUGHLIN Martin What is Consti tutionalization In DOBNER Petra LOUGHLIN Martin Ed The Twilight of Constitutionalism p 4769 93 Sobre os déficits democráticos desta nova configuração sociopolítica da Humanidade e possíveis mecanismos para a sua correção cf HABERMAS Jürgen The Postnational Constellation and the Future of Democracy In HABERMAS Jürgen The Postnational Constellation Political Essays p 58112 94 No mesmo sentido cf GRIMM Dieter The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World In DOBNER Petra LOUGHLIN Martin The Twilight of Constitutionalism p 322 95 Cf KANT Emmanuel A paz perpétua um projeto filosófico In KANT Emmanuel A paz perpétua e outros opúsculos p 119171 96 Para uma defesa contemporânea desta ideia cosmopolita cf HÖFFE Otfried A democracia no mundo de hoje 97 No mesmo sentido e com grande ênfase no argumento democrático em favor da centralidade do consti tu cionalismo estatal cf VIEIRA Oscar Vilhena Globalização e Constituição Republicana In PIOVESAN Flávia Coord Direitos humanos globalização econômica e integração regional desafios do direito constitucional internacional p 449490 98 A expressão é de SLAUGHTER AnneMarie Judicial Globalization Virginia Journal of International Law v 40 n 4 p 11031124 99 O propósito do transconstitucionalismo conceito cunhado e desenvolvido com grande originalidade por Marcelo Neves é analisar o convívio e as influências recíprocas entre ordens jurídicas diferentes como a constitucionalestatal a regional a internacional e as ordens locais extraestatais no tratamento de pro ble mas constitucionais comuns Do ponto de vista prescritivo a teoria do transconstitucionalismo recusa a pri mazia absoluta de qualquer destas ordens Nas palavras de Marcelo Neves O transconstitucionalismo não toma uma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como ponto de partida ou ultima ratio Rejeita tanto o estatalismo quanto o internacionalismo o supranacionalismo o transnacionalismo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos problemas constitucionais Aponta antes para a necessidade de construção de pontes de transição da promoção de conversações constitucionais do fortalecimento de entrelaçamentos constitucionais entre as diversas ordens jurídicas estatais internacionais transnacionais supranacionais e locais As ordens envolvidas na solução do problema constitucional específico no plano de sua própria autofundamentação reconstroem continuamente a sua identidade me diante o entrelaçamento constitucional com as outras a identidade é rearticulada através da alteridade Transconstitucionalismo p XVIII 100 NEVES Marcelo Transconstitucionalismo p 265 101 Sobre a necessária influência do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Comparado na interpretação constitucional vejase o Capítulo 10 102 Há quem defenda a ideia de um constitucionalismo compensatório na esfera supranacional para suplantar os déficits e a ineficácia do constitucionalismo estatal em certas áreas e questões Vejase a propósito PETERS Anne Compensatory Constitutionalism the Function and Potential of Fundamental International Norms and Structures Leiden Journal of International Law v 19 n 3 p 579610 CAPÍTULO 3 A TRAJETÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 31 Introdução Na acidentada história institucional do Brasil não faltaram constituições Foram oito até agora editadas respectivamente em 1824 1891 1934 1937 1946 1967 19691 e 1988 Mas se sobram constituições faltounos constitucionalismo A maior parte das constituições que tivemos não logrou limitar de forma eficaz a ação dos governantes em favor dos direitos dos governados Muitas delas foram pouco mais que fachadas que visavam a emprestar uma aparência de legitimidade ao regime mas que não subordinaram efetivamente o exercício do poder que se desenvolvia quase sempre às suas margens2 No nosso conturbado processo político abundam os golpes e desvios em relação às constituições vigentes com ou sem rompimento formal com elas O autoritarismo a confusão entre o público e o privado a exclusão social e a violação dos direitos mais básicos de amplos segmentos da população são patologias crônicas da trajetória nacional que têm persistido renitentemente a despeito da retórica das nossas constituições Tais problemas não devem ser debitados à qualidade dos textos constitucionais que tivemos A maior parte estava em sintonia com as tendências do constitucionalismo da época em que vigoraram A questão maior foi a falta de efetividade destas constituições cujos comandos não condicionavam de fato a ação dos detentores dos poderes político econômico e social3 Infelizmente na nossa trajetória institucional entre a realidade e o texto constitucional tem mediado quase sempre uma distância enorme4 É verdade que esse hiato vem diminuindo desde a promulgação da Constituição de 1988 Desde então o país tem vivido um período de estabilidade institucional e a Constituição tem começado a ser levada mais a sério Estamos ainda muito distantes do Estado Democrático de Direito prometido pelo constituinte de 88 pois a desigualdade e o patrimonialismo antirrepublicano ainda contaminam profundamente as nossas instituições e relações sociais mas os avanços em relação ao passado já são inquestionáveis Neste capítulo será examinada a trajetória constitucional do país Serão panoramicamente analisados não apenas os nossos diversos textos constitucionais mas também o seu contexto sociopolítico e a sua interação com a realidade empírica subjacente Pela sua importância a Constituição de 88 será objeto de um capítulo próprio 32 A Constituição de 1824 321 Antecedentes e outorga Em 1822 D Pedro I proclama a Independência do Brasil e tornase o primeiro Imperador do país Na época o Brasil era um país agrário com uma economia basea da na monocultura latifundiária sustentada pela mão de obra escrava A população era de cerca de 5 milhões de pessoas dentre as quais havia aproximadamente 800 mil índios e mais de um milhão de escravos5 O processo de independência ocorrido no Brasil foi absolutamente distinto do padrão adotado por outros países da América Latina que à mesma época também se libertavam do jugo de sua antiga metrópole Espanha Naqueles países os processos de libertação nacional foram mais violentos envolvendo conflitos armados de maior monta e deles decorreu a instauração de regimes republicanos tendo à frente integrantes da elite local Contudo deles não resultou unidade mas a fragmentação do antigo domínio espanhol numa multiplicidade de países diferentes Já no Brasil a independência resultou em configuração absolutamente distinta mantevese a unidade nacional adotouse a monarquia e preservouse no poder a mesma dinastia que governara o país nos tempos de Colônia os Bragança É certo que também tivemos aqui muito antes do advento da República movimentos de viés republicano inspirados na Revolução norteamericana e no Iluminismo como a Inconfidência Mineira a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do Equador de 18246 Todavia nenhum destes movimentos vingou talvez pela escassa penetração desse ideário mais avançado no tecido social brasileiro Quando foi proclamada a independência o Brasil integrava desde 1815 o Reino Unido de Portugal Brasil e Algarve Quatorze anos antes da independência a família real portuguesa fugindo de Napoleão migrara para o Brasil instalandose com a sua Corte na cidade do Rio de Janeiro que por algum tempo se tornou a sede do império português No período em que a Corte portuguesa esteve no Brasil uma série de medidas importantes foram adotadas como a abertura dos portos brasileiros às nações amigas a revogação da proibição da instalação de manufaturas no país e da impressão de jornais e livros a fundação de escolas e universidades e a criação do Banco do Brasil7 Contudo desde 1817 começara em Portugal a pressão pelo retorno ao país da família real Em 1820 eclode uma revolução constitucionalista no Porto que além de exigir o imediato retorno de D João VI pretendia limitar o absolutismo monárquico em Portugal bem como restringir a relativa autonomia obtida pelo Brasil desde 1808 que contrariava os interesses da burguesia lusitana reinstituindo em nosso país o regime colonial pretérito8 Ainda no Brasil João VI vêse forçado a jurar a Constituição a ser elaborada em Lisboa pelas Cortes Em 1821 pressionado pelos compatriotas D João retorna a Portugal deixando à frente do governo brasileiro como príncipe regente o seu filho primogênito Pedro I O Brasil chegou a eleger e enviar representantes para as Cortes portuguesas9 mas esses ao chegarem a Lisboa depararamse com um ambiente absolutamente refratário às pretensões nacionais sem qualquer chance de sucesso nos seus objetivos que não envolviam ainda a conquista da independência do país mas tão somente a garantia de alguma autonomia diante de Portugal10 As Cortes hostilizam os representantes brasileiros e passam a exigir também o retorno de Pedro I que no entanto resolve desacatálas permanecendo no país no famoso episódio do Fico Algumas medidas draconianas impostas pelas Cortes elevaram a temperatura nas relações entre Brasil e Portugal e alguns meses depois Pedro I estimulado pelo chamado partido dos brasileiros11 proclamava a independência Meses antes desta proclamação já estava prevista a realização de eleições para uma Assembleia Constituinte no Brasil que haviam sido convocadas por meio de decreto expedido em 3 de junho de 182212 As eleições ocorrem após o 7 de setembro e em maio de 1823 começa a se reunir no Rio de Janeiro a constituinte Na abertura dos seus trabalhos D Pedro I profere famoso discurso no qual já se apresentava como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil em que se compromete a defender a futura Constituição desde que essa nas suas palavras fosse digna do Brasil e de mim13 Na fala imperial já se revela não só a ambiguidade do compromisso de Pedro I com o constitucionalismo mas também a complexidade do ambiente político ideológico do momento superada a era revolucionária na Europa e derrotado o Império Napoleônico viviase um período de restauração das monarquias Como não era mais possível o retorno puro e simples ao absolutismo de outrora que encontrava limites no enraizamento de algumas conquistas do liberalismo desenhavase uma fórmula compromissória que envolvesse a participação efetiva do monarca no exercício do poder Mas no caso brasileiro a promessa condicional de D Pedro deixava claro que a última palavra seria sua e ela não tardaria a se fazer ouvida Na Assembleia Constituinte prevalecia o sentimento liberal que só não se estendia à questão da escravidão Os seus trabalhos se encaminhavam para a adoção de uma monarquia constitucional pautada no princípio da separação de poderes com a instituição de rígidos limites ao poder do Imperador14 Nesse sentido foi elaborado projeto por uma comissão composta por 7 integrantes15 na qual se sobressaiu a atuação de Antônio Carlos de Andrada tanto assim que o projeto passou à história como o Projeto Antonio Carlos Porém descontente com os rumos que tomava a constituinte com a qual se indispôs em diversas ocasiões Pedro I em 12 de novembro de 1823 dissolve aquela Assembleia prendendo ou exilando diversos parlamentares Sem embargo comprometese o Imperador a convocar outra constituinte perante a qual prometia apresentar um projeto de Constituição duplicadamente mais liberal do que a extinta Assembléia acabara de fazer16 Pedro I cria uma comissão composta por dez integrantes à qual delega a função de elaborar um novo projeto de Constituição e a batiza de Conselho de Estado Rapidamente o Conselho de Estado cumpre a sua missão sob a liderança de José Joaquim Carneiro Campos futuro Marquês de Caravelas Afora alguns aperfeiçoamentos redacionais a principal mudança substantiva introduzida pelo projeto em relação ao anterior da constituinte dissolvida foi a criação do Poder Moderador instituição central e controvertida da nova ordem constitucional a ser implantada no país Embora houvesse dissolvido a Assembleia Constituinte de 1823 Pedro I não desejava a pecha de tirano Por isso valeuse do artifício de submeter o projeto de Constituição ao crivo das câmaras municipais pedindo que encaminhassem sugestões Ao invés disso quase todas as que se manifestaram pediram que D Pedro de imediato jurasse o projeto como a nova Constituição do Brasil o que foi feito17 A mais forte reação contrária partiu de Pernambuco onde Frei Caneca se insurgiu contra o projeto acusandoo de ser inteiramente mau pois não garante a independência do Brasil ameaça a sua integridade oprime a liberdade dos povos ataca a soberania da Nação e nos arrasta ao maior dos crimes contra a divindade qual o perjúrio e nos é apresentado da maneira mais coativa e tirânica18 Essa oposição culminou na Confe deração do Equador que tinha a pretensão de fundar uma república federal englobando diversas províncias do Nordeste mas que foi derrotada nas armas antes do final de 1824 Em 25 de março de 1824 entra em vigor a nova Constituição Em que pese a existência de interpretações divergentes19 a submissão do projeto de Constituição ao crivo das câmaras municipais não expurgou a primeira das nossas Cartas da mácula da outorga20 Não nascia bem o constitucionalismo brasileiro 322 Traços essenciais da Constituição de 1824 A ideologia subjacente à Constituição do Império corresponde a uma fórmula de compromisso entre o liberalismo conservador e o semiabsolutismo A sua principal influência foi a Constituição francesa de 1814 outorgada por Luís XVIII no contexto da Restauração Os traços liberais da Carta de 1824 se revelam sobretudo na garantia de um amplo elenco de direitos individuais art 179 Mas essa faceta liberal é temperada pelo elitismo conservador da Constituição que se observa na adoção de um modelo censitário de direitos políticos arts 92 a 96 Nesse ponto o liberalismo da Constituição de 1824 aproximase do modelo então hegemônico no constitucionalismo europeu que ainda não havia incorporado às constituições a sua dimensão democrática Já o lado semiabsolutista da Carta tem o seu ápice na previsão do Poder Moderador arts 98 a 101 que consistiu numa deturpação das teorias de Benjamin Constant Composta por 179 artigos a Carta Imperial já inaugurava a tradição brasileira de textos constitucionais extensos e analíticos A Constituição de 1824 consagrava como forma de governo a monarquia here ditária art 3º atribuindo à dinastia de Pedro I a linhagem real da Coroa brasileira art 4º A pessoa do Imperador era considerada sagrada e inviolável e o monarca não estava sujeito a qualquer mecanismo de responsabilização art 99 Mantinhase como religião oficial a católica embora se permitisse o culto doméstico e particular de outras crenças art 5º A relação entre a Igreja Católica e o Estado era regulada pelo regime do padroado segundo o qual os clérigos eram pagos pelo próprio governo o que os equiparava a funcionários públicos Ao Imperador competia nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos art 102 II assim como conceder ou negar be ne plácito às bulas papais e decisões emanadas da Santa Fé art 102 XIV para que tivessem validade no território brasileiro Ao invés dos tradicionais três poderes a Constituição de 1824 consagrava quatro Legislativo Judiciário Executivo e Moderador sendo este último a principal inovação no desenho institucional da Carta decorrente como ressaltado de uma leitura enviesada da teoria de Benjamin Constant O Poder Legislativo seguia a tradição europeia do bicameralismo de mode ração21 dividindose em duas casas a Câmara dos Deputados e o Senado os quais em conjunto formavam a Assembleia Geral A Câmara de Deputados era constituída por deputados eleitos para legislaturas de quatro anos arts 14 e 35 enquanto o Senado era composto por senadores vitalícios designados pelo Imperador dentre os três nomes mais votados na província em que surgisse a vaga arts 40 e 43 sendo os Príncipes da Casa Imperial senadores por direito próprio a partir dos 25 anos de idade art 46 Observese que o Senado não exercia a função de representar os estados O Brasil não se organizava de forma federativa Sua função era a de Câmara conservadora devendo moderar os excessos da Câmara dos Deputados Por essa razão o ordenamento estabelecia exigências mais rígidas de idade e renda para a eleição de senadores que para a eleição de deputados As eleições eram indiretas os votantes escolhiam os eleitores eleição de primeiro grau que por sua vez elegiam os titulares dos cargos disputados eleição de segundo grau Votavam os homens com mais de 25 anos 21 anos se casados ou oficiais militares ou em qualquer idade se bacharéis ou clérigos As mulheres e os escravos não tinham direito ao voto mas os libertos podiam participar das eleições de primeiro grau Havia ainda restrições censitárias para o exercício dos direitos políticos 100 mil réis por ano para ser eleitor de primeiro grau e 200 mil para ser votante nas eleições de segundo grau22 Ainda mais rígidas eram as exigências para disputa de cargo eletivo Além de todas aquelas demandadas do eleitor impunha se ademais que para concorrer a deputado o cidadão tivesse renda superior a 400 mil réis anuais e fosse católico art 95 Já para o Senado era necessária a idade mínima de 40 anos notável saber e capacidade além de renda anual superior a 800 mil réis art 95 Ao Poder Judiciário era prometida independência art 151 mas paradoxalmente se franqueava ao Imperador como atribuição do Poder Moderador a autoridade de suspender magistrados por queixas contra eles recebidas art 154 Seus integrantes eram juízes de Direito perpétuos art 153 jurados e juízes de paz Na cúpula do Judiciário foi prevista a instituição do Supremo Tribunal de Justiça art 164 com competência constitucional circunscrita ao julgamento de recursos de revista conflitos de jurisdição e ações penais contra certas autoridades O Tribunal que foi efetivamente instituído em 1829 era composto por dezessete ministros A Carta de 1824 não contemplou qualquer mecanismo de controle judicial de constitucionalidade das leis A única referência expressa ao controle de constitucionalidade é feita para atribuir a função ao próprio Poder Legislativo caberia à Assembleia promover a guarda da Constituição art 13 IX A única possibilidade de controle externo ao Legislativo era o emprego da prerrogativa imperial inerente ao Poder Moderador de interferir nos demais poderes Não por outra razão há quem identifique o Poder Moderador como instituto antecedente do controle judicial da constitucionalidade das leis23 O Poder Executivo era titularizado pelo Imperador art 102 que o exercia com o auxílio dos Ministros de Estado Durante o 2º Reinado porém cultivouse o hábito de composição do Conselho de Ministros a partir das forças políticas que obtivessem a maioria das cadeiras nas eleições para a Câmara dos Deputados Por isso alguns passaram a identificar uma forma particular de parlamentarismo brasileiro decorrente do costume Porém a Carta de 1824 não tinha nada de parlamentarista O Executivo não dependia da confiança do Parlamento e os Ministros respondiam apenas perante o Imperador O parlamentarismo não seria compatível com a enorme concentração de poderes nas mãos do Imperador decorrente do exercício do Poder Moderador em cumulação com a chefia do Executivo A existência na prática de um governo de gabinetes nos moldes do parlamentarismo deveuse a fatores que vão do temperamento do Imperador às condições políticas concretas verificadas entre nós Mas não resultou das instituições positivadas na Carta de 1824 O Poder Moderador como já salientado era uma singularidade brasileira Nem mesmo na França pátria de Benjamin Constant ele chegara a ser experimentado De acordo com a Carta de 1824 o Poder Moderador era a chave de toda a organização Política sendo delegado ao Imperador como Chefe Supremo da Nação para que vele sobre a manutenção da Independência equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos art 98 Dentre as competências que lhe foram atribuídas pela Carta destacamse a nomeação dos senadores art 101 I a aprovação e suspensão das resoluções dos Conselhos das províncias inciso IV a prorrogação ou adiamento da Assembleia Geral e dissolução da Câmara dos Deputados inciso V e a suspensão de magistrados inciso VIII Tamanha era a concentração de poderes ensejada pela instituição do Poder Moderador que Paulo Bonavides e Paes de Andrade a caracterizaram não sem algum exagero como a constitucionalização do absolutismo24 Na verdade o modelo adotado no Brasil não correspondia com fidelidade às teorias de Benjamin Constant pensador liberalconservador extremamente preocupado com a contenção do arbítrio dos governantes em prol das liberdades individuais Para Constant o Poder Moderador deveria ser um poder neutro que agisse sempre de forma imparcial para manter o equilíbrio e a concórdia dentre os demais poderes e garantir o respeito aos direitos individuais Isto não seria possível se esse poder neutro fosse atribuído ao titular de qualquer dos outros poderes ditos ativos como ocorreu na Carta de 1824 em que o Imperador cumulava o Poder Moderador com a chefia do Executivo25 Durante o Império o mais aceso debate constitucional gravitava exatamente em torno do Poder Moderador De um lado figuravam os juristas e políticos conser vadores como Pimenta Bueno26 que não só defendiam tal poder como também advo gavam a exegese de que os ministros de Estado não participavam do seu exercício que se concentrava na figura do Imperador Com isso diante da irresponsabilidade jurídicopolítica do Imperador evitavase qualquer tipo de controle sobre o Poder Moderador No outro flanco alguns autores liberais questionavam a legitimidade da instituição Frei Caneca chegou a caracterizála como a chave mestra da opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade dos povos27 Outros como Zacarias de Góes Monteiro defendiam a corresponsabilidade dos Ministros pelos seus atos como forma de ensejar algum tipo de controle sobre aquele poder estatal28 Para esses o rei deveria reinar mas não governar A forma de Estado adotada foi a unitária O território nacional foi dividido em províncias art 2º cujos Presidentes eram nomeados e destituídos livremente pelo Imperador art 165 O regime era bastante centralizado política e administrativamente29 o que veio a ser abrandado pelo Ato Adicional de 1834 que atribuiu uma relativa autonomia às províncias mas foi logo neutralizado pela Lei de Interpretação do Ato Adicional editada em 1840 como será adiante analisado As províncias contavam também com Conselhos Gerais compostos por membros eleitos para mandatos de quatro anos escolhidos com base nas mesmas regras adotadas para as eleições dos deputados art 74 Tais conselhos que eram embriões de um Poder Legislativo local tinham como principal função discutir e deliberar sobre questões de interesse das províncias elaborando também projetos normativos para atendimento de suas necessidades e urgências art 81 Não obstante tais projetos só entravam em vigor depois de aprovados pelo poder central a Assembleia Geral ou quando esta não estivesse reunida pelo Imperador arts 84 a 88 A Carta de 1824 continha para a época um generoso elenco de direitos individuais espalhados nos 35 incisos do seu art 179 Encontraram espaço nesse elenco a legalidade a liberdade de expressão e de imprensa a liberdade de religião a liberdade profissional a irretroatividade da lei o juiz natural a vedação da tortura a pessoalidade da pena a inviolabilidade do domicílio e o direito de propriedade dentre outros Sem embargo do seu conservadorismo a Constituição de 1824 já manifestava uma certa sensibilidade precursora para o social30 ao antecipar institutos que seriam típicos do constitucionalismo do século seguinte o direito aos socorros públicos e à instrução primária gratuita art 179 XXXI e XXXII Paradoxalmente apesar de a sociedade e a economia brasileiras se assentarem sobre a escravidão negra instituição sobre a qual a Constituição se silenciara completamente afirmouse também no texto constitucional o princípio da igualdade Infelizmente a efetividade daqueles direitos foi mínima31 Não é exagero dizer que o arcabouço jurídico liberal importado da Europa não passou de fachada Nesse tópico a Constituição foi pouco mais que um pedaço de papel no sentido de Ferdinand Lassale Outro traço característico da Constituição Imperial foi o seu caráter semirrígido32 As normas consideradas substancialmente constitucionais demandavam um processo bastante complexo para alteração enquanto as partes restantes da Carta podiam ser modificadas por meio do mesmo procedimento empregado para a edição da legislação ordinária De acordo com o art 178 daquela Constituição exigiam alteração por este procedimento especial apenas os preceitos relacionados aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos Para estes a proposta de mudança constitucional só poderia ser apresentada depois de decorridos quatro anos da vigência da Constituição mediante o apoio de pelo menos um terço dos deputados art 174 A proposição seria lida três vezes com intervalos de seis dias entre as leituras seguindose à deliberação sobre a admissibilidade de discussão da matéria Se admitida prosseguia se por meio do procedimento legislativo ordinário art 175 que envolvia a aprovação do projeto pelas duas casas legislativas por maioria simples bem como a sanção e promulgação imperial visando à edição de uma lei autorizadora Essa lei impunha aos eleitores que no próximo pleito eleitoral para deputados conferissem aos seus mandatários o especial poder para alteração da Constituição Na legislatura subsequente por fim discutiase e aprovavase se fosse o caso a reforma pretendida Não havia no texto constitucional qualquer limite material ao poder de reforma da Carta 323 A vida constitucional sob a égide da Carta de 1824 Em 1831 em meio a intensa crise D Pedro I abdica do trono em favor de seu filho Pedro II então com cinco anos de idade retornando a Portugal na tentativa de recuperar a trono daquele país usurpado por seu irmão D Miguel Iniciase o período da Regência 18311840 um dos mais conturbados da história nacional marcado por inúmeros conflitos movimentos separatistas e revoltas populares em todo o país como a Cabanagem a Sabinada a Balaiada e a Guerra dos Farrapos De acordo com a Constituição o novo Imperador só alcançaria a maioridade aos 18 anos art 121 Durante a sua menoridade o país deveria ser governado pelo parente mais próximo com mais de 25 anos art 122 Na ausência de parentes com idade superior àquela como ocorria no caso a Assembleia Geral deveria eleger uma regência trina art 123 o que de fato ocorreu Em 1834 é aprovada a primeira e única alteração formal à Carta de 1824 o chamado Ato Adicional de 1834 que substituiu a regência trina pela regência uma Doravante o regente passaria a ser escolhido pelos eleitores para mandato de quatro anos arts 26 a 29 Outra mudança importante introduzida pelo Ato Adicional foi a ampliação da autonomia das províncias com a criação das Assembleias Legislativas Provinciais art 1º em substituição aos conselhos gerais Às Assembleias foram atribuídos diversos novos poderes dentre os quais competências legislativas próprias art 10 Ademais o Ato Adicional extinguiu o Conselho de Estado art 32 órgão de aconselhamento do Imperador previsto na Carta de 1824 que era mal visto pelos liberais O Ato Adicional resultou de um movimento reformista liberal que encontrou algum eco na Câmara dos Deputados e que pugnava por reformas profundas no regime como a extinção do Poder Moderador a instauração de uma monarquia federativa e o fim da vitaliciedade do Senado33 Contudo não houve espaço político para que a reforma fosse tão longe Ademais os avanços descentralizadores obtidos pelo Ato Adicional não perduraram muito Em 1840 no contexto de uma reação conservadora conhecida como Regresso é editada a Lei nº 105 a chamada Lei Interpretativa que a pretexto de interpretar o Ato Adicional alteroulhe significativamente a substância para restringir os poderes das Assembleias Legislativas Provinciais Outra mudança promovida pelo Ato Adicional também teve vida curta em 1841 uma lei ordinária recriaria o Conselho de Estado Em 1840 ocorre o chamado Golpe da Maioridade Pressionada pelo Partido Liberal e atendendo aos anseios de parte da população a Assembleia Geral proclama a maioridade de Pedro II que tinha então apenas 14 anos possibilitando a sua ascensão ao trono apesar da clareza do texto constitucional que fixava em 18 anos completos o momento da maioridade Findase aí o período de regência e tem início o 2º Reinado Durante o 2º Reinado e sobretudo a partir de 1847 constróise no país um arremedo de parlamentarismo34 Naquele ano um decreto do Imperador criara o cargo de Presidente do Conselho de Ministros e a esse cabia a formação do gabinete De temperamento conciliador Pedro II adotou o hábito de nomear aquela autoridade a partir de indicação feita pelo partido que obtivesse maioria nas últimas eleições para a Câmara Para se manter na função o gabinete deveria gozar da confiança não só do Imperador como também da Câmara dos Deputados Porém algumas vezes em que a Câmara deixou de apoiar o gabinete de sua escolha Pedro II valeuse da sua autoridade de titular do Poder Moderador para dissolvêla e convocar novas eleições legislativas Como o Imperador e o governo tinham grande peso nessas eleições Pedro II acabava conseguindo manter o gabinete de sua preferência35 Tal mecanismo ensejou grande rotatividade no governo Houve no total 36 gabinetes durante o 2º Reinado propiciando intensa alternância no poder entre os dois grandes partidos imperiais o Liberal e o Conservador sem que de tal alternância resultasse maior instabilidade política Em relação ao quadro partidário teoricamente o Partido Liberal seria mais identificado com a descentralização e limitação dos poderes imperiais e o conservador mais inclinado às teses opostas36 Contudo na prática as diferenças decorriam muito mais de disputas de grupos por poder e recursos do que de orientações programáticas Ficou conhecida a frase do político pernambucano Holanda Cavalcanti de que nada se assemelha mais a um Saquarema do que um Luzia no poder Saquarema era a alcunha dos conservadores e Luzia a dos liberais Durante todo o Império pouca penetração teve na vida do país o ideário constitucionalista É certo que durante o 2º Reinado não houve maiores arroubos autoritários por parte do Imperador Sem embargo o liberalismo da Constituição mal arranhava a epiderme das nossas relações políticas e sociais O constitucionalismo liberal era como assinalou Roberto Schwartz uma ideia fora de lugar37 importada da Inglaterra e da França mas que não se aclimatara bem à atmosfera cultural brasileira influenciada pela herança antiliberal da colonização portuguesa38 Sob o verniz da Constituição mantinhase e se alimentava o patrimonialismo o desprezo pelos direitos fundamentais e maior das chagas da história nacional a escravidão A escravidão apesar de sequer mencionada no texto constitucional era a instituição central da sociedade e da economia do país As paulatinas limitações à escra vidão e a sua posterior e tardia abolição foram as mais importantes mu danças ocorridas no país durante o 2º Reinado O fim da escravidão foi impulsionado pelo movimento abolicionista que ao longo da segunda metade do século XIX foi fincando raízes na consciência de setores da população pelo aumento da imigração que aportava nova mão de obra para a nossa agricultura diminuindo o custo econômico da abolição do trabalho escravo e também pelas pressões inglesas motivadas não só por razões humanitárias como também por interesses comerciais Em 1826 cedendo às pressões inglesas o Brasil celebra com aquele país um tratado que entraria em vigor em 1830 pelo qual se comprometia a encerrar o tráfico negreiro reservandose à Inglaterra o poder de inspecionar em altomar os navios suspeitos do comércio de escravos Em 1831 é editada uma primeira lei nacional para dar cumprimento àquele tratado proibindo o tráfico instituindo severas penas para os traficantes e declarando livres os escravos que chegassem ao país após a sua edição A lei não teve nenhuma eficácia era para inglês ver vem daí essa expressão A Inglaterra reagiu contra a continuidade do tráfico de escravos decretando o Bill Aberdeen que autorizava a marinha inglesa a atacar e apreender os navios negreiros e a julgar em seus tribunais os responsáveis Em 1850 nova lei brasileira proscreve o tráfico a Lei Eusébio de Queiroz esta com maior eficácia reduzindo drasticamente o fluxo de africanos para o país Em 1871 é editada a Lei do Ventre Livre declarando libertos os filhos de escravas nascidos após a sua promulgação Em 1885 a tentativa dos conservadores de arrefecer os ímpetos abolicionistas por meio de concessões pontuais dava mais um passo com a Lei SaraivaCotegipe também conhecida como Lei dos Sexagenários que estabeleceu a liberdade dos escravos com mais de 60 anos O fim da escravidão institucionalizada só ocorreria com a Lei Áurea promulgada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888 Com ela o Brasil tornavase o último país do Ocidente a abolir oficialmente a escravatura Contudo isto não foi suficiente para a inclusão social da população afrodescendente A falta de condições materiais dos exescravos a discriminação que sofriam e a inexistência de qualquer política pública voltada a remediar esta terrível situação criada por mais de três séculos e meio de cativeiro geraram um sistema social profundamente injusto cujas consequências ainda não foram extirpadas A lógica da escravidão penetrou profundamente a nossa cultura e sociabilidade e do seu veneno ainda não conseguimos nos livrar Infelizmente cumpriuse o vaticínio de Joaquim Nabuco a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil39 O 2º Reinado aproximavase do fim com crises nas relações do Imperador com o clero e com o Exército e perda de suporte do regime na maior parte dos segmentos sociais inclusive na elite rural que com a abolição deixara de apoiálo Em 15 de novembro de 1889 a Carta Imperial é revogada pelo Decreto nº 1 que proclama a República Apesar das virtudes pessoais de D Pedro II reconhecidas por amplos setores da sociedade brasileira nossa primeira experiência constitucional legou ao constitucionalismo uma marca que apenas recentemente começaria a ser enfrentada a franca incoerência entre as proclamações constitucionais e a realidade social brasileira 33 A Constituição de 1891 331 Antecedentes e Assembleia Constituinte Por ocasião queda da monarquia em novembro de 1889 as bases de susten tação do regime monárquico estavam profundamente desgastadas Concorreram para a crise do regime monárquico sobretudo após a questão religiosa40 a questão militar41 e a emancipação dos escravos sem indenização ao exproprietários O movimento republicano vinha ganhando corpo no país desde o começo da década de 187042 Pedro II estava muito envelhecido e a opinião pública tinha aversão ao seu genro estrangeiro o Conde DEu visto como possível futuro governante Na campanha republicana aliaramse políticos civis de diversas inclinações ideológicas e militares numa união precaríssima condenada a desfazerse pouco depois da proclamação da República Adeptos do federalismo que antes apoiavam a monarquia como Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco também aderiram ao movimento republicano justificando a adesão pela dificuldade de implantação da federação no regime monárquico Havia basicamente três linhas no movimento republicano do final do 2º Reinado Uma de viés liberal e urbano associava a República à garantia dos direitos individuais à federação e ao fim do regime escravista Outra vertente originária do Estado de São Paulo ligavase à burguesia cafeeira e adotava uma perspectiva conservadora interessandose pela autonomia das províncias mas não pela defesa dos direitos individuais ou pelo fim da escravidão A terceira linha era positivista influenciada pelas ideias filosóficas de Auguste Comte que defendia uma ditadura republicana como a forma ideal de governo para a época e tinha grande penetração nos nossos meios militares bem como entre os políticos do Rio Grande do Sul Foram os militares sob a chefia de Deodoro da Fonseca43 que promoveram o movimento que resultou na Proclamação da República Neste movimento praticamente não houve participação popular O povo não passou de mero expectador atônito dos acontecimentos de novembro de 188944 Sem embargo parece um exagero equiparar o advento da República a um mero pronunciamento militar como sugerem alguns autores45 haja vista as várias outras forças que lhe deram suporte bem como a sua correlação com fenômenos mais profundos que se desenrolavam na sociedade na cultura e na economia do país46 Proclamada a República o Imperador e a família real foram exilados partindo imediatamente para a Europa Não houve conflito armado na instauração do novo regime cuja formalização se deu por meio do Decreto nº 1 que instituiu o governo provisório chefiado pelo próprio Deodoro e composto tanto por militares Benjamin Constant e Eduardo Wandenkolk como por civis Ruy Barbosa Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo Tal decreto definiu o caráter republicano e federal do Estado e atribuiu às antigas províncias a condição de Estados federais art 2º Tendo em vista a dissolução do Legislativo então decretada o país passaria a ser regido autocraticamente pelo governo provisório até as eleições para a Assembleia Constituinte Em 3 de dezembro de 1889 é editado o Decreto nº 29 nomeando uma comissão de cinco juristas para elaboração de anteprojeto de Constituição composta por Saldanha Marinho Américo Brasiliense Santos Werneck Rangel Pestana e Magalhães de Castro Depois da sua elaboração o anteprojeto foi encaminhado para revisão a Ruy Barbosa que o alterou significativamente conferindolhe a sua fisionomia definitiva O texto apesar de mais analítico era fortemente inspirado na Constituição norteamericana da qual o jurista baiano era profundo admirador Da Carta norte americana Ruy importaria o modelo de federalismo dual ainda que mais centralizado aqui o presidencialismo e o controle jurisdicional de constitucio nalidade das leis O Anteprojeto foi publicado como o Decreto nº 510 que vigorou como Constituição Provisória até o final da Assembleia Constituinte Tal Decreto convocava a eleição para a constituinte direta e sem restrições censitárias a ocorrer em 15 de setembro de 1890 Finalmente em 15 de novembro de 1890 no primeiro aniversário da Proclamação da República instalavase a Assembleia Constituinte Eram 205 deputados e 63 senadores compondo um corpo legislativo formado por muitos bacharéis e militares47 Na Constituinte partiuse do texto da Constituição Provisória então em vigor que foi tomado como projeto Foi escolhida uma comissão de 21 parlamentares um de cada Estado da federação então existente para proferir parecer sobre ele A Comissão pouco inovou no texto que lhe fora apresentado48 As principais mudanças sugeridas e depois aprovadas pelo Plenário foram a adoção de eleições diretas para Presidente da República e para o Senado a ampliação das competências tributárias e processuais dos Estados e a transferência para estes das terras devolutas O tema mais polêmico durante os trabalhos da constituinte foi a federação49 em torno do qual se defrontaram um grupo ultrafederalista em que militavam Julio de Castilhos Campos Salles e Epitácio Pessoa que pretendia ampliar a autonomia estadual e outro favorável a um federalismo mais centralizado em que despontavam Ruy Barbosa50 e Amaro Cavalcanti Questões que seriam centrais para a vida constitucional do país no período vindouro como o estado de sítio sequer foram debatidas Em 24 de fevereiro de 1891 era promulgada a Constituição de 1891 332 Traços essenciais da Constituição de 1891 A Constituição de 1891 era a encarnação em texto legal do liberalismo republicano e moderado que havia se desenvolvido nos EUA Importaramse dos Estados Unidos as instituições e os valores do liberalismo para uma sociedade que nada tinha de liberal o exemplo acabado do idealismo na Constituição51 O pensamento de Ruy Barbosa se impusera quase integralmente na Constituinte diante de outras correntes de pensamento como o positivismo que tinha então grande força na sociedade brasileira52 A influência norteamericana foi sentida até na mudança do nome do país que passou a se chamar oficialmente de Estados Unidos do Brasil O texto aprovado em 1891 é o mais enxuto de todas as constituições que tivemos 90 artigos no corpo permanente acrescidos de 9 dispositivos nas disposições transitórias Do ponto de vista da partilha espacial de poder adotouse como já destacado o federalismo inspirado no modelo norteamericano A federação era concebida como união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias art 1º Cada uma delas passava a constituir um Estado dotado de autonomia política e financeira e com poder para elaborar a sua constituição e as suas leis art 63 Os Estados deveriam prover as necessidades dos seus governos com os recursos que arrecadavam Suas competências eram as remanescentes art 65 2º pois a Constituição fixava expressamente apenas aquelas atribuídas à União O modelo de federalismo era o dual também vigente nos Estados Unidos de pronunciada separação entre as esferas federal e estadual com reduzido espaço para a cooperação entre elas A autonomia dos municípios foi garantida no texto constitucional art 68 mas não se lhes conferiu a estatura de entidade federativa O sistema de governo escolhido foi o presidencialista mais uma vez decalcado do constitucionalismo americano O Poder Legislativo era bicameral composto de Câmara de Deputados e Senado No bicameralismo federativo esposado a Câmara representava o povo tendo cada Estado um número de deputados proporcional à sua população art 28 1º enquanto o Senado que era presidido pelo VicePresidente da República representava os Estados art 30 sendo composto por três senadores de cada unidade da federação Deputados e senadores eram eleitos diretamente sendo o mandato daqueles de 3 anos e o destes últimos de 9 anos No Senado haveria renovação a cada triênio de um terço da representação O Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República que em conse quência do regime presidencialista cumulava as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo O seu substituto ou sucessor era o VicePresidente eleito simul taneamente mas sem a necessidade de integrar a mesma chapa partidária art 41 1º Presidente e Vice eram eleitos por sufrágio direto e universal e maioria absoluta de votos para mandatos de 4 anos vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente arts 43 e 47 Não havendo quem alcançasse a maioria absoluta realizarseia no Congresso nova eleição entre os dois candidatos mais votados art 47 2º Excepcionalmente os primeiros Presidente e VicePresidente seriam eleitos indiretamente pela própria Constituinte art 1º Disposições Transitórias O Poder Judiciário também foi organizado pela Constituição em bases federativas com uma Justiça Federal e outra Estadual Na cúpula de todo o sistema o Supremo Tribunal Federal que fora criado um ano antes pelo Decreto nº 510 com inspiração na Suprema Corte norteamericana O Tribunal era composto por quinze juízes escolhidos pelo Presidente e aprovados pelo Senado entre cidadãos de notável saber e reputação ilibada art 56 Notese que o texto constitucional aludia ao notável saber não exigindo expressamente que esse fosse jurídico o que no governo de Floriano Peixoto chegou a dar margem a escolhas pelo Presidente de pessoas sem formação em Direito53 Outro ponto importante foi a previsão do controle de constitucionalidade das leis que acabara de ser instituído pelo Decreto nº 848 do Governo Provisório e passou a ter assento constitucional O modelo adotado foi o norteamericano do controle difuso e concreto todos os juízes e tribunais exerciam o controle e podiam deixar de aplicar leis e outros atos normativos a casos concretos que lhes fossem submetidos quando as normas contrariassem a Constituição Comentando o art 59 1º da Constituição de 1891 Ruy Barbosa sintetizava o princípio fundamental que informa o modelo a autoridade reconhecida expressamente no texto constitucional a todos os tribunais federais ou locais de discutir a constitucionalidade das leis da União e aplicálas ou desaplicálas segundo esse critério54 Os direitos políticos foram concedidos aos cidadãos brasileiros maiores de 21 anos excluindose os analfabetos os mendigos os praças militares e os integrantes de ordens religiosas que impusessem renúncia à liberdade individual art 70 Manteve se a abolição do voto censitário que já fora determinada pelo Decreto nº 200A do Governo Provisório55 Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres no texto constitucional mas a discriminação de gênero era tão enraizada que sequer se discutia se elas podiam ou não votar ou se candidatar nem precisava ser dito que as mulheres não tinham direitos políticos pois isto seria natural No plano dos direitos individuais a Constituição revelou a sua inspiração liberal O art 72 incorporou um vasto elenco de liberdades públicas como as de religião de expressão de associação de reunião de locomoção e profissional Naturalmente a propriedade foi garantida em toda a sua plenitude 17 Diversas garantias penais e processuais foram previstas como a ampla defesa o juiz natural a pessoalidade da pena e a proibição das sanções de banimento galés e de morte salvo no último caso em tempo de guerra Foi constitucionalizado o habeas corpus cabível sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder 22 Como o texto não circunscrevera o remédio à tutela de liberdade de locomoção abriuse espaço para desenvolvimento no STF da chamada doutrina brasileira do habeas corpus56 impulsionada pelo magistério e pela corajosa atuação advocatícia de Ruy Barbosa57 ampliando essa garantia constitucional para diversas outras situações em que se configurasse a arbitrariedade estatal mas não estivesse envolvido o direito de ir e vir58 O elenco de direitos fundamentais endossava ainda importantes bandeiras republicanas ao abolir os privilégios de nascimento foros de nobreza e ordens honoríficas art 72 2º e constitucionalizar a separação entre Estado e Igreja art 72 3º que já fora determinada antes pelo Decreto nº 119 A do Governo Provisório estabelecendo o caráter secular dos cemitérios e a laicidade do ensino público Porém diferentemente da Carta do Império neste ponto à frente do seu tempo a Constituição de 1891 não demonstrou nenhuma sensibilidade para o social estatuindo apenas direitos individuais defensivos voltados à limitação do arbítrio estatal sem qualquer abertura para os direitos de natureza positiva Em relação aos mecanismos de reforma a Constituição de 1891 era rígida O art 90 da Carta estabelecia o procedimento para as alterações constitucionais consideravase proposta a reforma constitucional quando a fosse apresentada por pelo menos um quarto dos membros da Câmara ou do Senado e fosse aceita em três discussões por dois terços dos votos em ambas as casas ou b quando a mudança fosse solicitada por dois terços das Assembleias Legislativas dos Estados que decidiriam por maioria no decurso de um ano Aceita a proposta seria ela aprovada se obtivesse no ano seguinte a anuência de no mínimo dois terços dos votos nas duas casas do Legislativo Federal Ademais tal Constituição consagrava limites materiais para o poder de reforma vedava qualquer projeto tendente a abolir a forma republicana federativa ou a igualdade de representação dos Estados no Senado art 90 4º Em suma tratavase de uma Constituição perfeitamente liberal bastante com pro metida no seu texto com o Estado de Direito Na prática porém a vida cons ti tu cional na República Velha esteve muito distante do liberalismo marcada pelo coronelismo pela fraude eleitoral e pelo arbítrio dos governos 333 A República Velha sob a Constituição de 1891 Sob a perspectiva do constitucionalismo a República começa muito mal A Assem bleia Constituinte elegera para o primeiro mandato Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto respectivamente como Presidente e VicePresidente da República59 Deodoro imediatamente entra em choque com o Congresso e decreta o seu fechamento ainda no ano de 1891 prometendo novas eleições e uma futura revisão da Constituição recémaprovada visando a fortalecer a União e o Poder Executivo Instalase uma crise política e militar que leva Deodoro à renúncia ainda antes da metade do seu período presidencial De acordo com a Constituição quando isto ocorresse novas eleições deveriam ser convocadas art 42 Contudo valendose de uma interpretação capciosa da Carta de 1891 Floriano mantémse no poder até o final do mandato60 O autoritarismo foi o traço essencial do Governo Floriano que violou direitos fundamentais perseguiu opositores censurou a imprensa e ignorou a Constituição Foi um período conturbado com graves incidentes políticos e militares como a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada A decretação do estado de sítio e a intervenção federal foram rotineiras sem observância dos seus limites constitucionais com prisão e desterro de opositores inclusive parlamentares O Presidente atritouse com o Supremo Tribunal Federal recusouse a cumprir decisões judiciais e chegou até a inviabilizar o funcionamento da Corte ao não nomear ministros para composição do seu quorum mínimo de funcionamento61 Em 1894 elegese para a Presidência o civil paulista Prudente de Morais um portavoz dos interesses da burguesia cafeicultora pondo termo à fase militar do regime Durante este período rebenta no sertão da Bahia a Guerra de Canudos movimento popular messiânico e antimoderno que impõe vexames ao Exército e termina no massacre de miseráveis Prudente de Morais é sucedido por outro paulista Campos Salles que consolida o modelo republicano civil e oligárquico que perduraria por toda a República Velha instaurando a chamada Política dos Governadores Essa consistia num arranjo político informal pelo qual o governo central dava apoio aos grupos dominantes na política local que em contrapartida respaldavam integralmente o Presidente62 Este contexto alimentou o coronelismo63 os chefes políticos locais no meio rural eram quase senhores feudais nas suas terras e a sua vontade era na prática a lei64 Inclusive porque pelos arranjos políticos costumeiros da época os agentes da lei juízes delegados etc eram indicados pelos próprios coronéis Neste quadro os direitos individuais proclamados pela Constituição não passavam de ficção Sob o ângulo eleitoral os coronéis controlavam rebanhos de eleitores que deles dependiam fenômeno potencializado pela inexistência do voto secreto no Brasil que retirava a liberdade do eleitor era o voto a bicodepena Como se não bastasse era generalizada a fraude eleitoral em todos os níveis tornando praticamente impossível a eleição de candidatos não oficiais Cabia ao Poder Legislativo a realização das eleições apuração dos votos e diplomação dos eleitos o que dava margem a inúmeros desvios No âmbito da União instalarase no Congresso órgão chamado Comissão de Verificação dos Poderes que tinha por incum bência oficializar o resultado das urnas nos pleitos federais homologando as eleições A opacidade do processo de homologação permitia que independentemente do número de votos recebidos por um candidato fosse ele barrado não tendo a sua eleição reconhecida Tratavase da degola que ensejava um amplo controle do governo sobre o resultado dos pleitos eleitorais Era assim que funcionava a democracia brasileira na base o bicodepena substituiu a eleição no alto a degola ocupou o lugar das apurações65 Durante a República Velha consolidouse o domínio político dos Estados de São Paulo e Minas Gerais conhecido como política do café com leite que envolvia um acordo implícito para a alternância na Presidência da República entre políticos de São Paulo produtor de café e de Minas produtor de leite O extrato social hegemônico era a oligarquia rural que preponderava num sistema econômico baseado na agricultura e no latifúndio Enquanto vigorou a Constituição de 1891 o predomínio do Poder Executivo era incontestável e se expressava com frequência na decretação do estado de sítio Foram ao todo onze decretações todas aprovadas por um Legislativo de obedientes clientes66 Apesar de protestos e de algumas impugnações judiciais prevaleceu na prática a visão conservadora de que o estado sítio era uma espécie de interregno constitucional durante o qual o governo estava livre para agir de forma plenamente discricionária67 Muito frequentes foram também as intervenções federais nos Estados decretadas não só em situações de efetiva crise do pacto federativo como também para asfixiar eventual oposição ao governo central que a despeito dos arranjos da política dos governadores conseguisse se organizar no âmbito estadual O Poder Judiciário que fora formalmente fortalecido pela Constituição de 1891 com a instituição do controle de constitucionalidade das leis muitas vezes não quis outras não pôde controlar os abusos do Executivo Apesar de alguns episódios pontuais de resistência o Supremo Tribunal Federal foi em geral bastante dócil diante dos desmandos dos governantes de plantão68 Durante a sua vigência a Constituição de 1891 sofreu apenas uma emenda constitucional em 1926 Aprovada durante a presidência de Arthur Bernardes a emenda caracterizouse por seu viés centralizador e antiliberal Dentre outras medidas ela ampliou as hipóteses de intervenção da União nos Estados proibiu o controle judicial sobre a decretação do estado sítio ou sobre os atos praticados na sua vigência sobre a intervenção nos Estados e sobre posse legitimidade e perda de mandatos políticos estaduais ou federais e limitou o cabimento do habeas corpus aos casos de constrangimento ou ameaça à liberdade de locomoção encerrando a doutrina brasileira do habeas corpus Ao longo da década de 1920 as bases políticas sociais e econômicas do sistema rural oligárquico entram em crise Surge o tenentismo movimento de oposição ao regime que congregava setores do jovem oficialato do Exército e se baseava num vago ideário que englobava lutas contra a fraude eleitoral o poder das oligarquias e a corrupção do governo Na mesma época uma nova classe média se afirma nos principais centros urbanos com aspirações e valores divergentes daqueles das tradicionais elites agrárias que até então governavam o país Por outro lado ganha vulto no país a questão social com o aumento da força política dos trabalhadores nas cidades que passaram a se organizar melhor e a reivindicar direitos Em 1929 a crise econômica mundial inaugurada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque atinge em cheio a o país gerando desemprego e recessão Era esse em traços largos o pano de fundo dos acontecimentos de 1930 que viriam a encerrar a República Velha O estopim da Revolução de 1930 foi a sucessão do Presidente Washington Luís Pela política dos governadores seria a vez de Minas Gerais indicar o próximo Presidente mas o acordo fora rompido por Washington Luís que lançou o paulista Júlio Prestes como seu candidato Em reação Minas se une ao Rio Grande do Sul e à Paraíba formando a Aliança Liberal e lançando a chapa integrada por Getúlio Vargas como candidato à Presidência e João Pessoa para a Vice Presidência A der rota dessa chapa em eleição suspeita e o clima gerado pelo assassinato de João Pessoa auxiliaram o desencadeamento da Revolução ocorrido em 3 de outubro de 1930 Depois de alguns confrontos militares a Revolução se sagra vitoriosa e em poucos dias Getúlio Vargas assume o governo Era o final do regime constitucional instaurado em 1891 Num balanço geral podese dizer que a Constituição de 1891 teve pouquíssima efetividade Entre o país constitucional liberal e democrático e o país real autoritário e oligárquico mantevese sempre um abismo intransponível 34 A Constituição de 1934 341 Antecedentes e Assembleia Constituinte Em 11 de novembro de 1930 Getúlio Vargas edita o Decreto nº 19398 em vigor até aprovação da Constituição de 1934 institucionalizando e regulamentando o Governo Provisório por ele chefiado que perduraria até 193469 De acordo com o Decreto o Governo Provisório exerceria discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do Poder Executivo como também do Poder Legislativo até a aprovação de nova Constituição art 1º Confirmouse no Decreto a dissolução do Congresso das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais de todo o país e se atribuiu ao Governo Provisório o poder de designar interventores nos Estados art 11 os quais por seu turno nomeariam prefeitos para todos os municípios art 11 4º As garantias constitucionais foram suspensas excluindose do Poder Judiciário a apreciação dos atos do Governo Provisório e dos interventores federais art 5º Em suma estruturavase ali ainda que provisoriamente um governo de exceção Durante o Governo Provisório diversas medidas relevantes foram adotadas Foi editado um Código Eleitoral criando a Justiça Eleitoral e o voto secreto esten dendo o direito de voto às mulheres instituindo a representação classista e adotando o sistema proporcional nas eleições em substituição ao sistema distrital que antes vigorava70 Foram criados os Ministérios da Educação da Saúde e do Trabalho In dústria e Comércio que desenhavam um perfil mais social e interventor do Estado brasileiro As primeiras regras de proteção ao trabalhador urbano foram editadas bem como normas de inspiração nacionalista que ampliaram a intervenção do Estado sobre a economia por meio de medidas como a nacionalização do subsolo das águas jazidas minerais e fontes energéticas71 À época o ambiente constitucional externo era de crise do liberalismo Nos Estados Unidos o modelo do absenteísmo estatal estava sendo abandonado com as políticas intervencionistas do Presidente Roosevelt conhecidas como o New Deal Na Europa a crise do liberalismo era ainda mais profunda atingindo não só a sua dimensão econômica mas também a sua faceta política Na Itália os fascistas governavam desde 1922 Ao longo da década de 30 na Espanha e em Portugal os governos autoritários de direita de Franco e de Salazar subiriam ao poder Na Alemanha o nazismo começava a mostrar a sua brutalidade O constitucionalismo social procurava conciliar respeito aos direitos individuais e a democracia com a promoção da igualdade material por meio de direitos sociais e da intervenção do Estado na economia Seu exemplo mais conhecido foi a Constituição alemã de Weimar de 1919 72 Porém tal Constituição principal influência estrangeira na elaboração da nossa Constituição de 193473 sucumbiria no início da década de 1930 após a ascensão dos nazistas ao poder74 No cenário interno forças heterogêneas disputavam espaço político no âmbito do Governo Provisório De um lado os tenentistas agora no poder não desejavam eleições imediatas nem tampouco assembleia constituinte Preferiam prolongar por algum tempo o Governo Provisório para viabilizar as mudanças sociais que queriam ver implantadas Na outra banda segmentos mais liberais que também exerciam influência no governo desejavam a imediata reconstitucionalização do país75 A reconstitucionalização demorou mais do que o tempo necessário à estabilização da nova ordem Tal demora foi uma das causas da malograda Revolução Constitucionalista de São Paulo que eclodiu em julho de 1932 A chamada Revolução Constitucionalista foi inspirada por vários interesses e correntes de pensamento heterogêneos Se de um lado havia realmente setores imbuídos do ideário constitucionalista que lutavam pela bandeira legítima do fim do regime de exceção do outro havia também elementos da antiga oligarquia rural perdedores na Revolução de 1930 que pretendiam um retorno ao status quo anterior Sobre o movimento pairava ainda a sombra do separatismo alimentada por um sentimento de superioridade de São Paulo em relação ao resto do país que alguns setores da sociedade paulista cultivavam Militarmente o movimento fracassou em poucos meses Mas evidenciou que não seria mais possível continuar postergando a elaboração da nova Constituição de cuja edição ele foi um catalisador O primeiro passo para a Constituinte porém fora dado ainda antes que eclo disse a Revolução Constitucionalista Em 14 de maio de 1932 o Governo Provisório editou o Decreto nº 21402 que fixou o dia 3 de maio de 1933 para as eleições da Assembleia e criou comissão para elaboração de anteprojeto de Constituição Em 1º de novembro de 1932 foi editado o Decreto nº 22040 regulamentando o funciona mento de tal comissão De acordo com ele uma subcomissão ficaria encarregada de elaborar o anteprojeto que depois seria encaminhado para apreciação da comissão A subcomissão que por reunirse no Palácio do Itamaraty ficou conhecida como Comissão do Itamaraty era presidida por Afrânio Mello Franco O seu perfil ideo lógico era heterogêneo havia liberais como Afrânio Mello Franco e Carlos Maximiliano integrantes mais próximos ao pensamento social de esquerda como João Mangabeira e José Américo de Almeida e pensadores que aderiam a um autori tarismo nacionalista de direita como Oliveira Vianna Em 5 de abril de 1933 outro Decreto é editado o Decreto nº 22621 dispondo sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte seus componentes e regimento interno Ele determinava que a constituinte seria composta por 254 deputados Destes 214 seriam eleitos pelo sistema proporcional e os outros 40 seriam representantes classistas eleitos pelos sindicatos legalmente reconhecidos e por associações de profissionais liberais e de funcionários públicos76 Finalmente em 19 de agosto de 1933 foi editado o Decreto nº 23102 que fixou em 15 de novembro do mesmo ano a data de instalação da Assembleia Constituinte o que de fato ocorreu Os trabalhos da constituinte partiram do texto elaborado pela Comissão Itamaraty Apesar do disposto no Decreto nº 22040 decidiuse não submeter os tra balhos do grupo à comissão geral prevista naquele ato normativo para poupar tempo A Assembleia Constituinte diferentemente de outras que tivemos na história do país não cumulou suas funções com a atividade legislativa ordinária Ela ocupouse apenas da elaboração da Constituição e da eleição indireta do Presidente da Repú blica dissolvendose logo em seguida77 Instalada a constituinte formouse uma Comissão Constitucional para apreciar o anteprojeto da Comissão Itamaraty composta por 26 membros um de cada Estado um do Distrito Federal um do Território do Acre e quatro representantes classistas presidida pelo jurista Carlos Maximiliano Em março de 1934 essa Comissão dos 26 apresentou o parecer e o substitutivo ao anteprojeto da Comissão Itamaraty Sobre tal substitutivo trabalhou a Assembleia Constituinte até 16 de julho de 1934 data da promulgação da nova Constituição No dia seguinte à promulgação realizase eleição indireta para a Presidência da República em que Getúlio Vargas se sagra vencedor As próximas eleições deveriam ser diretas como previa a nova Constituição Mas não viriam a ocorrer em razão do golpe do Estado Novo 342 A Constituição de 1934 principais características A Constituição de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no Brasil Rompendo com o modelo liberal anterior ela incorporou uma série de temas que não eram objeto de atenção nas constituições pretéritas voltandose à disciplina da ordem econômica das relações de trabalho da família da educação e da cultura A partir dela pelo menos sob o ângulo jurídico a questão social não poderia mais ser tratada no Brasil como caso de polícia como se dizia na República Velha Tratavase de uma Constituição extensa composta por 187 artigos no seu corpo permanente somados a outros 26 nas disposições transitórias Do ponto de vista institucional ela manteve o federalismo a separação de poderes e o regime presidencialista Contudo houve mudanças significativas no desenho das instituições No que tange ao federalismo a Constituição de 1934 consagrou um modelo cooperativo inspirado na Constituição de Weimar Nesse modelo além das competências privativas da União e dos Estados foram também previstas competências concorrentes art 10 que demandavam a articulação de iniciativas e esforços entre os poderes central e estadual Os Estados foram autorizados a editar leis para suplementar as normas federais em certas matérias art 5º 3º Por outro lado houve uma tendência centralizadora que se evidencia pela ampliação da competência privativa da União por exemplo o Direito Processual que na Constituição de 1891 era da competência legislativa dos Estados agora passara à esfera normativa da União No que tange ao Poder Executivo foi suprimida a figura do VicePresidente O Presidente continuaria a ser eleito para mandatos de 4 anos vedada a reeleição para o período subsequente art 52 As eleições ocorreriam por sufrágio universal direto e secreto Mas como se sabe não chegou a haver qualquer eleição presidencial sob a égide daquela Constituição salvo a indireta de Getúlio Vargas realizada pela própria Constituinte No Poder Legislativo houve mudanças profundas Pela Constituição ele seria composto pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal art 22 Portanto o Senado deixara de ser um órgão do Legislativo que se tornava unicameral Pela Constituição de 1934 o Senado teria como funções promover a coordenação entre os poderes federais entre si manter a continuidade administra tiva velar pela Constituição colaborar na feitura das leis e praticar os demais atos de sua competência art 88 Doravante os senadores não participariam mais do processo legislativo salvo em determinados temas definidos pela própria Constituição como estado de sítio sistema eleitoral organização judiciária federal e tributos e tarifas art 91 O Senado seria composto por dois representantes de cada Estado e do Distrito Federal eleitos por sufrágio direto e universal para mandatos de oito anos art 89 realizandose a cada quatro anos eleições para renovação de metade dos seus membros art 89 1º Na Câmara dos Deputados havia dois tipos de representantes ambos com man datos de quatro anos os representantes do povo eleitos por sufrágio universal e direto pelo sistema proporcional e os representantes das profissões78 em total equivalente a um quinto da representação popular art 23 eleitos indiretamente pelas associações profissionais que eram divididas em quatro grupos lavoura e pecuária indústria comércio e transportes profissões liberais e funcionários públicos art 23 3º Com exceção dessa última categoria a representação profissional seria paritária pois para cada representante de associação de empregados haveria também um representante de associação de empregadores art 23 5º No âmbito do Poder Judiciário foi mantida a estrutura federativa prevista na Constituição de 1891 A Justiça Eleitoral instituída dois anos antes pelo Governo Provisório ganhou assento constitucional arts 82 e 83 O Supremo Tribunal Fe deral passou a ser chamado de Corte Suprema e a sua composição foi fixada em 11 ministros79 número que poderia ser elevado até 16 por lei de iniciativa do próprio Tribunal Embora tenha previsto a criação da Justiça do Trabalho voltada para dirimir questões entre trabalhadores e empregados regidos pela legislação social art 122 a Constituição de 1934 não a inseriu no âmbito do Poder Judiciário inscrevendoa na esfera do Executivo Foi mantido o regime de controle de constitucionalidade da Constituição anterior com três inovações relevantes a instituição do princípio da reserva de ple nário segundo o qual só pela maioria absoluta dos votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público art 179 a previsão da competência do Senado para suspender a exe cução das normas declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário art 91 inciso IV mecanismo importante para aclimatar ao sistema jurídico brasileiro em que os precedentes judiciais não eram vinculantes o controle difuso de constitucionalidade importado dos Estados Unidos país em que sempre houve a vinculação aos precedentes e a criação de um mecanismo de controle preventivo obrigatório de constitu cionalidade das leis federais que decretavam a intervenção da União nos Estados nos casos de violação dos chamados princípios constitucionais sensíveis previstos no art 7º da Constituição Essa última inovação será o embrião a partir do qual mais a frente desenvolverseá no Brasil o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade80 O sistema de direitos fundamentais sofreu sensíveis alterações que revelam o caráter social da Constituição de 1934 A Constituição estatuía um amplo elenco de direitos e garantias individuais que incluía as tradicionais liberdades civis e no qual figuraram pela primeira vez no Brasil o mandado de segurança art 113 nº 33 e a ação popular art 113 nº 38 O direito de propriedade foi garantido Porém não mais poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo art 113 XVII chega ao nosso Direito a ideia de função social da propriedade81 A maior novidade no campo dos direitos foi a previsão de direitos sociais Esses não estavam arrolados na declaração de direitos mas nos títulos que cuidavam da ordem econômica e social e da família da educação e da cultura Merece destaque o elenco de direitos trabalhistas estabelecido no art 121 da Constituição dentre os quais figuravam o salário mínimo o limite de oito horas da jornada de trabalho o repouso semanal remunerado as férias anuais remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa O texto constitucional ainda previa o amparo aos desvalidos à maternidade e à infância o socorro à família numerosa e o combate à mortalidade infantil art 138 bem como em ensino primário gratuito de frequência obrigatória e em tendência à gratuidade do ensino posterior ao primário visando a tornálo mais acessível art 150 Parágrafo único alíneas a e b Enfim na ordem jurídica brasileira depois da Constituição de 1934 os direitos fundamentais não poderiam mais ser concebidos exclusivamente como direitos de defesa que limitavam a ação do Estado Agora ao lado desses direitos negativos surgiam direitos positivos que reclamavam a atuação dos poderes públicos em seu favor e não o absenteísmo estatal Ademais os direitos voltavamse também para as relações entre particulares como era o caso dos direitos trabalhistas que visavam a proteger os trabalhadores da exploração pelos seus patrões diante do reconhecimento da intrínseca desigualdade de poder existente entre eles A Constituição de 1934 também inaugura no Brasil a disciplina constitucional da economia82 consagrando de forma ampla a possibilidade de intervenção do Estado na seara econômica83 O nacionalismo era um traço marcante no regime então estabelecido que consagrou medidas como a nacionalização das minas riquezas do subsolo águas e fontes de energia hidrelétrica tornando a sua exploração dependente de concessão federal art 119 e ainda criou diversas restrições para o exercício de atividades econômicas e profissionais por pessoas e empresas estrangeiras arts 119 1º 131 132 133 135 e 136 No que tange aos seus mecanismos de reforma a Constituição de 1934 era rígida e contemplava dois procedimentos diferentes a partir da distinção que estabelecia entre revisão e emenda art 178 A revisão que demandava um procedimento mais complexo ocorreria sempre que as modificações pretendessem alterar a estrutura política do Estado ou a competência dos poderes da soberania nos demais casos haveria emenda Na emenda o procedimento começaria com proposta formulada pela quarta parte dos deputados ou senadores ou por mais da metade das Assembleias Legislativas no decurso de dois anos cada uma delas manifestandose pela maioria dos seus membros Daí a emenda precisaria ser aprovada pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal durante dois anos consecutivos a não ser que obtivesse dois terços dos votos em ambas as casas hipótese em que passaria a valer imediatamente Já no caso de revisão o procedimento começaria por iniciativa de dois quintos da Câmara ou do Senado ou de dois terços das Assembleias Legislativas por meio de deliberação por maioria absoluta em cada uma delas Então Câmara e Senado deveriam aceitar a revisão por maioria de votos elaborando um anteprojeto Para a sua aprovação o anteprojeto teria de ser submetido na legislatura seguinte a três discussões e votações em cada uma das casas em duas sessões legislativas Não haveria reforma da Constituição durante o estado de sítio art 178 4º nem seriam admitidos projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa art 178 5º 343 A curta vida da Constituição de 1934 Foi curtíssima a vida da Constituição de 1934 promulgada em julho de 1934 ela vigorou apenas até novembro de 1937 quando foi outorgada a Carta do Estado Novo Os componentes liberais e democráticos da Constituição de 1934 não resistiram à radicalização do regime e do clima social da época Na República Velha não havia partidos políticos de expressão nacional Os primeiros se afirmam durante o governo de Vargas posicionandose nos extremos do espectro ideológico à direita a Ação Integralista Brasileira de inspiração nitidamente fascista à esquerda a Aliança Nacional Libertadora que era integrada por pessoas ligadas ao Partido Comunista então na ilegalidade e por alguns tenentistas Em comum apenas a rejeição à democracia liberal Tais partidos se antagonizavam no cenário político e conseguiam em alguma medida mobilizar as massas provocando grandes manifestações populares fenômeno até então inédito no Brasil em que a política sempre havia sido predominantemente elitista com reduzido envolvimento popular84 Em 11 de julho de 1935 invocando a Lei de Segurança Nacional recémeditada que proibia a existência de partidos que visassem à subversão pela ameaça ou violência da ordem política nacional o Governo dissolve a Aliança Nacional Libertadora adotando como pretexto um discurso de Luís Carlos Prestes seu Presidente de honra que clamara pela derrubada do governo odioso de Vargas Meses depois eclode a Intentona Comunista rebelião militar armada que atingiu as cidades de Natal Recife e Rio de Janeiro A partir de então as instituições políticas de 1934 só conservariam aparência de vida85 Abrese uma fase de autoritarismo ascendente O Congresso cedendo a pressões do governo86 aprova em 18 de dezembro de 1935 três emendas constitucionais A primeira e mais importante permitia à Câmara com a colaboração do Senado autorizar o Presidente a declarar a comoção intestina grave equiparada ao estado de guerra em qualquer parte do território nacional As emendas 2 e 3 por sua vez autorizavam o Poder Executivo por decreto a punir respectivamente servidores militares e civis envolvidos em movimento subversivo das instituições sociais Em 21 de março de 1936 o Governo declara a comoção intestina grave inicialmente por 90 dias prazo depois prorrogado sucessivamente por mais três vezes87 Durante esse período estiveram suspensas em todo país as garantias constitucionais Houve prisões políticas censura e perseguição de opositores A partir do final de 1936 começam a se articular as candidaturas para a eleição presidencial marcada para janeiro de 1938 De um lado Armando Salles de Oliveira um liberal que expressava os interesses da burguesia paulista insatisfeita com a Revolução de 1930 Do outro José Américo de Almeida político paraibano ligado ao tenentismo que deveria ser o candidato da situação embora Vargas evitasse manifestar apoio à sua candidatura Ainda disputava o pleito Plínio Salgado líder da Ação Integralista Brasileira A Constituição de 1934 não admitia a reeleição mas crescia em segmentos da sociedade alimentada pelo Governo a aspiração de que Getúlio Vargas se mantivesse no poder era o continuísmo A Constituição tornarase um obstáculo para os planos políticos de Vargas Nesse ambiente o governo lança mão de um estratagema ardiloso valendose da ameaça comunista para romper com a ordem constitucional Em 30 de setembro de 1937 o General Góes Monteiro divulga um suposto plano comunista para tomada do poder que ficou conhecido como Plano Cohen Tratavase de uma farsa utilizada para levar o Congresso a aprovar a declaração do estado de guerra Nesse ínterim a ideia do golpe se fortalece nos meios militares e entre os políticos próximos a Getúlio Vargas O desfecho não tardaria em 10 de novembro de 1937 tropas da Polícia Militar com o apoio do Exército cercam o Congresso e impedem o ingresso de par lamentares nas suas instalações Na mesma noite Vargas divulga em comunicação radiofônica uma Proclamação ao Povo Brasileiro em que justifica a ruptura com a Constituição e a outorga da nova Carta as medidas seriam necessárias em razão da profunda infiltração comunista e da inaptidão da Constituição de 1934 para assegurar a paz a segurança e o bemestar da Nação Não houve resistência armada O golpe de Estado de 1937 ocorreu sem derramamento de sangue 35 A Constituição de 1937 351 A outorga da Carta A Carta de 1937 foi outorgada em 10 de novembro daquele ano O seu texto foi redigido pelo jurista Francisco Campos exMinistro da Educação que acabara de assumir a pasta da Justiça do Governo Vargas um intelectual de forte inclinação autoritária que chegava às raias do fascismo88 Esse autoritarismo89 foi a marca distintiva da Constituição que diferentemente da que a antecedeu não fez concessões à democracia liberal No preâmbulo da Constituição firmado por Getúlio Vargas sua outorga era justificada pelo perigo comunista e pela suposta ameaça de uma guerra civil Falavase na extremação de conflitos ideológicos tendentes pelo seu desenvolvimento natural a resolverse em termos de violência colocando a Nação sob a funesta iminência de guerra civil e na infiltração comunista que se torna cada dia mais profunda exigindo remédios de caráter radical e permanente Afirmouse que no regime anterior não dispunha o Estado dos meios normais de preservação e defesa da paz da segurança e do bemestar do povo Invocouse o apoio das Forças Armadas e da opinião nacional justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e militares Porém as justificativas não tinham lastro na realidade Nem o Brasil encontravase na iminência de uma guerra civil nem a ameaça de tomada de poder pelos comunistas era séria As agitações por que passava o país podiam ser enfrentadas sem o rompimento da ordem constitucional90 Todavia sem a ruptura Vargas não teria como manterse à frente do governo Para compensar a outorga a Constituição prometia no seu art 187 a con vocação de um plebiscito nacional para aprovála que seria regulamentado por Decreto do Presidente Contudo o plebiscito jamais foi convocado o que levou alguns juristas à afirmação de que juridicamente a Carta de 37 não teve valor91 O próprio Francisco Campos em texto de 1945 publicado já depois que ele se afastara do governo afirmou que Constituição de 1937 não teria passado de documento de valor puramente histórico que entrou para o imenso material que tendo ou podendo ter sido jurídico deixou de ser ou não chegou a ser jurídico por não haver adquirido ou haver perdido a sua vigência92 Na verdade a Constituição de 1937 não teve maior importância prática pois não forneceu parâmetros jurídicos para a ação do Estado Até 1945 o país viveu sob estado de emergência com o Congresso fechado numa genuína ditadura Ainda assim analisaremos abaixo sucintamente os traços principais da Carta de 37 352 Traços fundamentais da Carta de 1937 A Constituição de 1937 previu um modelo de Estado autoritário e corporativista As suas principais influências foram as Constituição da Polônia de 193593 elaborada durante o governo do Marechal Pilsudsky fato que valeu à Carta de 37 o apelido de Polaca e a Constituição portuguesa de 1933 que vigorou durante o Estado Novo português de Salazar Ela continha 187 artigos 174 no seu corpo permanente e 13 nas disposições transitórias e finais Foram esses últimos os que na prática valeram A Carta de 1937 dissolveu o Poder Legislativo não apenas da União como também dos Estados e Municípios art 178 As novas eleições só ocorreriam depois da realização de plebiscito previsto para que o povo brasileiro se manifestasse pela confirmação ou não da Carta o que como já dito nunca ocorreu Enquanto não fosse eleito o novo Parlamento caberia ao Presidente da República expedir decretosleis sobre todas as matérias da competência legislativa da União art 180 E o Presidente tinha ainda o poder de confirmar ou não o mandato dos governadores dos Estados então em exercício nomeando interventores nos casos de não confirmação art 176 caput e Parágrafo único No âmbito dos Estados caberia aos governadores confirmados ou aos interventores a outorga das constituições estaduais Até que as novas Assembleias Legislativas se reunissem o Executivo desempenharia todas as suas funções art 181 Foi decretado estado de emergência por tempo indeterminado no país art 186 o que implicou a suspensão de inúmeras garantias constitucionais No seu corpo permanente mantinha a Carta o regime federativo da Constituição de 1934 inclusive com a mesma divisão política e territorial art 3º Previramse competências privativas da União arts 15 16 e 20 e competências exclusivas dos Estados arts 21 e 23 aos quais também se facultava suplementar a legislação federal suprindolhes as eventuais lacunas e atendendo aos interesses locais Contudo nada disso saiu do papel pois prevaleceu durante a vigência da Carta a centralização unitária94 sobretudo pela nomeação dos interventores pelo governo federal A Carta de 37 manteve nominalmente os três Poderes tradicionais Execu tivo Legislativo e Judiciário Não havia porém a preocupação com o equilíbrio e a harmonia entre eles Isso não apenas na prática política ditatorial senão também no próprio texto constitucional que definia o Presidente da República como autoridade suprema do Estado a quem competia a coordenação dos órgãos representativos a direção da política interna e externa a promoção e orientação da política legislativa de interesse nacional além da superintendência da administração do país art 73 Dentre as suas competências e prerrogativas estavam as de declarar estado de guerra ou de emergência art 74 alínea k e art 166 dissolver a Câmara dos Deputados quando essa não aprovasse as medidas tomadas durante aqueles períodos art 76 alínea b e art 167 Parágrafo único designar dez membros do Conselho Federal art 50 adiar prorrogar e convocar o Parlamento art 75 alínea e e indicar um dos candidatos nas eleições à Presidência art 75 alínea a O mandato presidencial seria de seis anos art 80 sendo as eleições indiretas realizadas por um colégio eleitoral composto por a eleitores designados pelas Câmaras Municipais em número proporcional à população dos Estados até o máximo de 25 por Estado b cinquenta eleitores designados pelo Conselho da Economia Nacional dentre empregadores e empregados em número igual e c vinte e cinco eleitores designados pela Câmara dos Deputados e outros vinte e cinco designados pelo Conselho Federal dentre cidadãos de notória reputação art 82 Mas se o Presidente indicasse candidato haveria eleição direta entre este e aquele escolhido pelo colégio eleitoral art 84 Parágrafo único O Poder Legislativo seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República art 38 O Parlamento compunhase de duas Casas a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal A Câmara seria formada por deputados eleitos para mandatos de quatro anos art 39 2º mediante sufrágio indireto em que figurariam como eleitores em cada Estado os vereadores e dez cidadãos eleitos diretamente em cada Município arts 46 e 47 O número de deputados por Estado seria proporcional à respectiva população com um mínimo de três e máximo de dez art 49 O Conselho Federal comporseia de um representante por Estado além de outros dez indicados pelo Presidente da República todos apontados para mandatos de seis anos art 50 Os representantes dos Estados seriam eleitos pelas respectivas Assembleias Legislativas ressalvado o direito do Governador de vetar o nome escolhido art 50 Parágrafo único O presidente do Conselho seria um Ministro de Estado também apontado pelo Chefe do Executivo art 56 Já o Conselho de Economia Nacional seria integrado por representantes dos vários ramos da produção nacional designados pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos em lei garantida a igualdade de representação entre empregadores e empregados art 57 caput Tal órgão além de ter poderes deliberativos sobre assuntos de assistência e contratação coletiva de trabalho emitiria pareceres sobre os projetos que interessassem diretamente à produção nacional art 61 O Poder Judiciário tinha sua estrutura extremamente simplificada por meio da mutilação de diversos dos seus órgãos A Constituição não aludia à Justiça Eleitoral e suprimia a Justiça Federal de 1º e 2º graus A Justiça do Trabalho embora prevista art 139 continuava fora do Poder Judiciário Havia alusão à possibilidade de criação por lei de uma justiça voltada ao julgamento dos crimes contra a segurança do Estado e estrutura das instituições art 172 o que veio a ocorrer com a edição de decretolei em 1938 que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional Na cúpula do Judiciário mantinhase o Supremo Tribunal Federal composto por 11 Ministros nomeados pelo Presidente e aprovados pelo Conselho Federal mas esse número poderia ser ampliado até 16 por proposta do próprio STF arts 97 e 9895 Preservavase o controle difuso de constitucionalidade mas com uma heterodoxa inovação permitiase no caso de declaração de inconstitucionalidade de uma lei que o Presidente a submetesse de novo ao Parlamento Se esse confirmasse a norma por dois terços dos membros de cada uma das casas ficaria sem efeito a declaração de inconstitucionalidade art 96 Parágrafo único96 Quanto à alteração das suas disposições a Carta de 1937 previa dois caminhos diferentes o que era deflagrado por iniciativa do Presidente da República e o que decorria de iniciativa da Câmara dos Deputados art 174 No primeiro caso as mudanças podiam ser aprovadas por maioria simples no Legislativo Se o Parlamento rejeitasse a proposta o Presidente poderia convocar um plebiscito para que o povo decidisse definitivamente sobre a questão Quando a iniciativa fosse da Câmara o quorum de aprovação seria de maioria absoluta Nesse caso aprovada a emenda ela seria encaminhada ao Presidente que se discordasse poderia devolvêla à Câmara para que fosse submetida à nova deliberação nas duas casas na próxima legislatura Se a medida ainda assim fosse aprovada era facultado ao Presidente convocar um plebiscito para que desse a última palavra sobre a proposta Não havia em nenhuma das hipóteses qualquer limite material expresso ao poder de reforma Como o Parlamento não funcionou durante o Estado Novo o Presidente da República arvorouse à condição de constituinte derivado modificando unilateralmente a Carta de 1937 por meio da edição de leis constitucionais Portanto na prática a Carta de 1937 funcionou como uma Constituição flexível pois não havia qualquer diferença entre o processo de edição de normas infraconstitucionais e o de alteração da Constituição em ambos os casos bastava a manifestação singular da vontade do Presidente que governava com poderes ditatoriais A Constituição de 1937 também estabelecia um catálogo de direitos art 122 O texto constitucional deixava muito a desejar nessa matéria incorporando limitações de má inspiração como a admissibilidade de pena de morte em diversas situações que tangenciavam o crime político art 13 e a previsão de censura prévia da imprensa e de outros meios de comunicação art 15 alínea a Contudo se os direitos previstos tivessem sido respeitados o regime teria sido muito menos autoritário do que foi Dentre os direitos individuais consagrados constavam as liberdades públicas tradicionais A Carta não contemplou a proteção do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada nem tampouco o mandado de segurança e a ação popular que figuravam na Constituição de 1934 Mantevese da Carta de 1934 a previsão de direitos trabalhistas art 137 Mas aqui mais uma vez o viés autoritário do regime se revelou com a proibição da greve e do lockout reputados como recursos antisociais incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional art 139 A Constituição de 1937 também cuidou da família da educação da cultura e da ordem econômica Nessa última parte seguiu a linha intervencionista e nacionalista da Constituição de 1934 e aprofundou os seus traços corporativistas art 140 Em síntese a filosofia geral da Carta de 1937 baseavase numa rejeição às técnicas da democracia liberal97 como o sufrágio direto desprezado porque se entendia que o povo não tinha interesse e não estava preparado para participar da tomada de decisões na sociedade de massas e a separação de poderes pois se considerava que o desenvolvimento e a modernização nacionais deveriam ser perseguidos por um governo forte capitaneado por um Presidente em contato direto com as massas sem os entraves da política parlamentar e partidária Apesar disso ela impunha limites significativos ao exercício do poder que se houvessem sido observados teriam conferido uma fisionomia distinta ao regime O que teve lugar durante o período foi porém a manifestação do poder sem a observância de limites jurídicos 353 A Constituição de 1937 na vida nacional Como já salientado a Constituição de 1937 não desempenhou papel impor tante durante o Estado Novo até porque a maior parte das instituições de que cuidou jamais saiu do papel Do ponto de vista da repartição espacial de poder o Brasil foi um autêntico Estado unitário Vargas nomeou interventores para todos os Estados com exceção de Minas Gerais e esses naturalmente curvavamse diante do poder central As relações entre a União e os Estados não se regeram minimamente pela Constituição mas sobretudo pelo DecretoLei nº 120239 conhecido como Código dos Interventores98 Sob o ângulo da repartição horizontal de poder o governo cumulou as funções do Executivo e do Legislativo legislando amplamente por intermédio de decretoslei com base no art 180 da Carta O Judiciário não refreou as arbitrariedades do regime Até 1945 o país esteve sob estado de emergência com suspensão de diversas garantias constitucionais e de acordo com o art 170 da Constituição os atos praticados pelo governo em virtude do estado de emergência eram imunes ao controle jurisdicional Ademais pairava sobre o Judiciário o temor de que o governo valendose dos seus poderes de exceção previstos no art 177 do texto constitucional99 aposentasse compulsoriamente os magistrados o que lhes retirava em boa parte a independência para agir em contrariedade ao regime No campo dos direitos fundamentais abundaram as violações Houve perseguição generalizada a opositores com prisões exílios e tortura sobretudo de comunistas100 mas também de integralistas101 e liberais A censura sobre a imprensa era institucionalizada acompanhada de uma onipresente propaganda do regime sob a égide do Departamento de Imprensa e Propaganda DIP pautada pelo ufanismo e pelo culto à personalidade de Getúlio102 Os partidos políticos foram proibidos bem como as associações civis que promovessem propaganda política com a edição do DecretoLei nº 37 de 2 de novembro de 1937 Não havia sequer partido da situação diferentemente de outros governos autoritários que tornavam a sua agremiação o partido único nacional o Estado Novo aboliu completamente a atividade partidária É verdade que ocorreram avanços no campo dos direitos sociais com a continuidade e o aprofundamento das conquistas iniciadas a partir da Revolução de 1930103 que proporcionaram significativa melhora na qualidade de vida dos mais pobres sobretudo do trabalhador urbano em comparação com os padrões oligárquicos e excludentes da República Velha Neste campo merece destaque pela sua grande relevância a edição da Consolidação das Leis do Trabalho CLT em 1943 O advento do Estado Social não seguiu no Brasil o caminho percorrido na Europa Ocidental em que num primeiro momento foram assegurados concreta mente os direitos individuais e políticos ditos de 1ª geração e depois como conquista decorrente de pressões sociais e eleitorais vieram os direitos sociais considerados de 2ª geração104 Na verdade a consagração dos direitos sociais na Era Vargas pautouse por uma lógica diferente Embora obviamente os novos direitos correspondessem às aspirações e aos interesses do povo especialmente dos trabalhadores urbanos sua concessão resultou mais do impulso governamental do que da reivindicação organizada da cidadania105 O contexto era de cidadania regulada106 Em regra os direitos sociais não eram assegurados em bases universalistas para todos os cidadãos mas sim aos pertencentes a determinadas categorias profissionais ou econômicas que eram objeto de regulação estatal O direito a saúde por exemplo só era efetivamente garantido para os trabalhadores que mantinham relação formal de emprego Esta lógica combinavase com o modelo de sindicalismo oficial então adotado caracterizado pela subordinação do sindicato ao Estado com o controle governamental das atividades e reivindicações dos trabalhadores dentro do arcabouço jurídico do corporativismo107 Durante o Estado Novo ampliase a intervenção do Estado na economia com a criação de novos órgãos e empresas estatais O nacionalismo econômico subjacente à Constituição de 1937 era perseguido por meio de políticas voltadas ao fortalecimento da indústria nacional implementadas no contexto de uma sociedade que se urbanizava e modernizava Aumenta o tamanho do Estado e a administração pública se profissionaliza com a introdução de novas práticas voltadas à racionalidade e à eficiência do serviço público sob a liderança do Departamento Administrativo do Serviço Público DASP A Carta de 1937 sofreu 21 modificações formalizadas por meio das chamadas leis constitucionais editadas unilateralmente pelo Executivo tendo em vista o não funcionamento do Parlamento As primeiras dez foram impostas durante o governo Vargas e as onze subsequentes que já apontavam para a liberalização do regime foram editadas por José Linhares depois da deposição de Getúlio num intervalo de menos de três meses A Revolução de 1930 modernizou o país fixando as bases do Brasil contemporâneo O seu legado mais importante foi a garantia de muitos dos direitos sociais que até hoje são titularizados pelos trabalhadores O Estado Novo e a Constituição de 1937 porém corromperam muito do legado moral da Revolução de 1930 A dimensão democratizante da criação da justiça eleitoral com a respectiva moralização das eleições foi em grande parte corroída pelo autoritarismo do Estado Novo e de sua malsinada Carta Política Mesmo a efetividade dos direitos sociais no Estado Novo teve pouca relação com a Carta de 37 decorrendo muito mais da vasta legislação editada na época bem como dos desígnios e inclinações ideológicas de Getúlio Vargas e do contexto social propício à sua instituição A II Guerra Mundial foi definitiva para o fim do Estado Novo O Brasil depois de adotar uma posição inicial ambígua acabou cerrando fileiras com os aliados Assim o país rompeu relações com as potências do Eixo em 1941 e em 1942 entrou na guerra vindo a participar efetivamente de campanhas na Itália no ano de 1944 Ao final da guerra era flagrante a contradição o país que combatera na Europa contra o totalitarismo mantinhase internamente uma ditadura Além disso setores da socie dade e da imprensa começavam a se mobilizar exigindo a liberalização do regime108 Neste quadro o próprio Vargas toma iniciativas no sentido da distensão polí tica no afã de evitar o naufrágio do regime que parecia se avizinhar Em 28 de fevereiro de 1945 edita a Lei Constitucional nº 9 acompanhada de uma lista de consideranda nas quais afirma que estavam criadas as condições necessárias para que entre em funcionamento o sistema dos órgãos representativos previstos na Constituição que as eleições diretas eram preferíveis às indiretas e que a eleição de um Parlamento dotado de poderes especiais para no curso de uma legislatura votar se o entender conveniente a reforma da Constituição supre com vantagem o plebiscito de que trata o art 187 desta última A norma em questão modifica a Constituição para instituir as eleições diretas para o Legislativo e o Executivo federais e estaduais e prevê a edição de lei no prazo de 180 dias para fixar as datas dos pleitos eleitorais para Presidente Governador dos Estados Parlamento e Assembleias Legislativas Em abril de 1945 o governo decreta anistia para os presos políticos e em maio edita o DecretoLei nº 7586 marcando as eleições federais para o dia 2 de dezembro do mesmo ano No mesmo decretolei autorizase a formação de partidos políticos que deveriam ter obrigatoriamente atuação em âmbito nacional109 Dos inúmeros partidos que surgiram naquele momento três se destacavam a UDN que agrupava a oposição liberal ao Estado Novo o PSD com fortes bases rurais formado a partir dos interventores nomeados por Getúlio que apoiava o Pre sidente e o PTB também varguista que representava o trabalhismo formado por elementos ligados aos sindicatos Além desses também desempenhava papel relevante no quadro partidário o PCB que fora fundado em 1922 mas que afora breves períodos nos anos 20 estivera até então na ilegalidade para a qual em breve retornaria Arti cularamse nesse ínterim as candidaturas à Presidência apresentaramse ao pleito o Brigadeiro Eduardo Gomes pela UDN o General Eurico Gaspar Dutra pelo PSD e Yedo Fiúza pelo PCB Porém surge um movimento em favor da continuidade de Getúlio no poder Um grupo defendia o adiamento das eleições e a realização de uma assembleia constituinte com Vargas no poder Outro advogava que o Presidente se lançasse candidato às novas eleições Eram todos chamados de queremistas Vargas adotava uma posição dúbia sobre o movimento pois não o encorajava explicitamente mas tampouco o desautorizava A repercussão popular da iniciativa gerava dúvidas sobre o desenlace do processo eleitoral Este contexto e algumas medidas polêmicas de Getúlio precipitaram a sua derrubada pelas Forças Armadas Em 29 de outubro os militares sob a liderança do General Góes Monteiro dão um golpe de Estado depondo o Presidente que não esboça reação e se retira para sua fazenda em São Borja Assume o governo o então Presidente do STF José Linhares que edita leis constitucionais removendo algumas das disposições mais autoritárias da Carta de 37110 e toma as medidas necessárias para a convocação da Constituinte Em 31 de janeiro de 1946 ele transmite o poder ao novo Presidente eleito Eurico Gaspar Dutra escolhido em um pleito regular com o apoio de Vargas 36 A Constituição de 1946 361 Antecedentes e Assembleia Constituinte A Assembleia Constituinte de 1946 foi contemporânea de uma importante onda de constitucionalismo global que se seguiu ao fim da II Guerra Mundial Mais ou menos na mesma época vários estados elaboraram constituições que hoje são referência mundial como a Itália 1947 a Alemanha 1948 e a Índia 1949 e outros aprovaram textos que acabariam não resistindo ao tempo como a França 1946111 Depois da derrota dos nazistas e fascistas as ideias de democracia e de res peito aos direitos humanos voltavam à moda após a fase de desprestígio que haviam atravessado nas décadas de 1920 e 1930 O fenômeno também alcançara o cenário brasileiro Parcelas expressivas da opinião pública tinham passado a clamar pela redemocratização e reconstitucionalização do país A Lei Constitucional nº 9 editada por Vargas não previa a convocação de Assembleia Constituinte mas sim a eleição do Parlamento com poderes para alterar a Carta de 37 Porém respondendo a uma consulta formulada pela OAB o Tribunal Superior Eleitoral que voltara a funcionar declarou por meio da Resolução nº 21545 que o Parlamento Nacional que será reeleito a 2 de dezembro terá poderes constituintes isto é apenas sujeito aos limites que ele mesmo prescrever112 Com base nessa orientação José Linhares aprova a Lei Constitucional nº 13 com dois artigos O primeiro estabelecia que os parlamentares eleitos em 2 de novembro de 1945 reunirseiam no Distrito Federal sessenta dias após as eleições em Assembléia Constituinte para votar com poderes ilimitados a Constituição do Brasil O segundo dizia que promulgada a Constituição a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passariam a funcionar como Legislativo ordinário A Lei Constitucional nº 15 igualmente ditada por Linhares também tratou da Constituinte Ela reiterou os seus poderes ilimitados mas ressalvou a sua obrigação de respeitar o resultado das eleições presidenciais que ocorreriam antes da sua instalação Determinou ainda que enquanto não fosse promulgada a nova Constituição o Presidente cumularia os poderes do Executivo com os da legislatura ordinária Pelo resultado das eleições a maior bancada na Constituinte seria a do PSD com 54 dos representantes Depois vinha a UDN com 26 o PTB com 75 e o PCB com 47 Os outros 73 estavam dispersos dentre vários partidos menores113 Getúlio Vargas concorre a deputado federal por 9 Estados e a senador por outros 5 como facultava a legislação eleitoral da época e se elege deputado em 5 e senador em 2 optando pela vaga do Rio Grande do Sul no Senado a que se candidatara pelo PSD114 Porém ele praticamente não participou dos trabalhos da Constituinte Em 2 de fevereiro de 1945 instalouse a Assembleia Constituinte que funcionaria de forma exclusiva Até a promulgação da nova Constituição o Presidente Dutra desempenharia também as funções legislativas nos termos estabelecidos pela Lei Constitucional nº 15115 Na Assembleia formouse uma Comissão da Constituição encarregada de elaborar o projeto composta por 37 membros de forma proporcional às respectivas bancadas116 Esta Comissão dividiuse em 10 subcomissões temáticas O ponto de partida de seus trabalhos foi o texto da Constituição de 1934 A Comissão elaborou o chamado projeto primitivo que foi submetido ao Plenário no qual recebeu inúmeras emendas Daí o texto voltou à Comissão de Constituição e às subcomissões que com base nas emendas aprovadas redigiu o denominado projeto revisto o qual mais uma vez foi apreciado pelo plenário com apresentação de destaques O projeto revisto retornou em seguida para a Comissão de Constituição para os últimos retoques117 Em 18 de setembro esse texto seria solenemente aprovado e promulgado como a nova Constituição do país 362 Traços essenciais da Constituição de 1946 A Constituição de 1946 buscou conciliar liberalismo político e democracia com o Estado Social Desprovida de grandes pretensões inovadoras ela se afastou do autoritarismo da Carta de 37 acolhendo as fórmulas e instituições do liberalismo democrático como separação de poderes e pluripartidarismo sem no entanto abdicar dos direitos trabalhistas e da intervenção do Estado na ordem econômica Tratavase de uma Constituição analítica como é da tradição brasileira com 222 artigos no seu corpo permanente e outros 36 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias No plano da organização territorial do poder buscouse restaurar o federalismo asfixiado durante o Estado Novo O federalismo seria bidimensional congregando União e Estados mas se assegurou ampla autonomia para os municípios por meio da eleição de prefeitos e vereadores e do reconhecimento da sua autoadministração do seu poder tributário próprio e da sua competência para organização dos serviços públicos locais art 28 A Constituição consagrou um extenso rol de competências da União arts 5º 15 e 16 atribuindo as remanescentes aos Estados art 18 1º que em certas matérias também poderiam legislar de forma complementar ou supletiva em relação às normas federais art 6º Quanto à estrutura do poder político adotouse um modelo tradicional de separação de poderes Em reação contra os abusos do regime pretérito o constituinte preocupouse em restituir a dignidade ao Legislativo e ao Judiciário Instituiu um sistema rígido de separação de poderes vedando tanto o exercício cumulativo de funções como a sua delegação art 36 1º e 2º Esta rigidez excessiva revelarseia com o tempo um dos problemas da Constituição Notadamente no que toca ao pro cesso de elaboração legislativa a proibição das delegações para o Executivo numa sociedade de massas cada vez mais complexa gerou um descompasso entre a capacidade técnica do Congresso em produzir normas na velocidade necessária e as demandas da vida social sobretudo na esfera econômica118 O Poder Legislativo foi estruturado de forma bicameral com Câmara dos Deputados e Senado A Câmara era composta por deputados eleitos nos Estados Distrito Federal e Territórios pelo sistema proporcional para mandatos de quatro anos arts 56 e 57 Cada Território teria um deputado e os Estados e Distrito Federal elegeriam um número de representantes proporcional à sua população não inferior a sete sendo o número máximo fixado por lei art 58 caput e 1º O Senado por seu turno seria composto por três senadores eleitos por cada Estado pelo sistema majoritário para mandatos de oito anos art 60 caput e 1º e 2º A cada quatro anos ocorreria renovação parcial do quadro de senadores com eleições alternadamente na proporção de um ou dois terços art 60 3º Não se cogitou de representação classista em nenhuma das casas Quanto ao Poder Executivo mantevese o presidencialismo e restabeleceuse a figura do Vice Presidente que estivera ausente das Constituições de 1934 e 1937 art 79 Presidente e Vice seriam eleitos diretamente para mandatos de cinco anos art82 As eleições para os dois cargos eram simultâneas mas não se exigia que ambos integrassem a mesma chapa o que acabaria gerando crises institucionais no futuro Proibiuse a reeleição presidencial para o período imediatamente subsequente art 139 I alínea a Ao Poder Judiciário foi integrada a Justiça do Trabalho art 94 V que antes se inseria na alçada do Executivo A Justiça Eleitoral voltou à Constituição art 94 IV e se instituiu um Tribunal Federal de 2ª instância o Tribunal Federal de Recursos arts 103 a 105 A Constituição não previu a existência da Justiça Federal de 1º grau que só será recriada durante o governo militar Na cúpula do Judiciário permanecia o Supremo Tribunal Federal com 11 Ministros indicados pelo Presidente e aprovados pelo Senado arts 98 e 99 As garantias da magistratura vitaliciedade inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos foram prestigiadas art 95 Foi mantido o sistema difuso de controle de constitucionalidade Não mais havia a possibilidade contemplada na Carta de 37 de revisão das decisões judiciais por órgãos políticos Em relação aos direitos individuais houve poucas mudanças em relação à Constituição de 1934 Tais direitos foram positivados no extenso rol do art 141 em que figuravam as liberdades públicas tradicionais como a liberdade de expressão agora sem a previsão de censura prévia como na Carta de 37 a liberdade de religião a liberdade profissional a liberdade de associação e a liberdade de reunião assim como os direitos de natureza processual O mesmo ocorre com os remédios constitucionais do habeas corpus do mandado de segurança e da ação popular Volta à Constituição a garantia do direito adquirido da coisa julgada e do ato jurídico per feito Em inovação relevante consagrase o direito à inafastabilidade da prestação jurisdicional Foram vedadas as penas de morte de banimento de confisco e de caráter perpétuo ressalvada quanto à primeira a legislação militar em caso de guerra externa No campo dos direitos políticos assegurouse o sufrágio universal direto e secreto O voto passou a ser obrigatório para homens e mulheres alfabetizados119 Pela primeira vez os partidos políticos receberam menção no texto constitucional no dispositivo que vedou a organização registro e funcionamento daqueles cujo pro grama ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem art 141 13º120 Os direitos trabalhistas continuaram protegidos em sede constitucional art 157 Surge como novidade o direito à participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa inciso IV Contudo o novo direito permaneceria letramorta pois a sua eficácia estava condicionada à edição de lei regulamentadora que não chegou ser elaborada Em relação à greve que foi um dos temas mais polêmicos durante a constituinte adotouse um típico compromisso dilatório a Constituição reconheceu o direito mas determinou que o seu exercício seria regulado por lei art 158121 A mesma técnica seria empregada em relação aos sindicatos outro tema que suscitou intensas controvérsias na Assembleia Constituinte foi assegurada a liberdade da associação profissional ou sindical mas caberia à lei disciplinar a sua forma de constituição a sua representação legal nas convenções coletivas de tra balho e o exercício de funções delegadas pelo poder público Mantevese assim o espaço para a subsistência do modelo viciado de sindicalismo oficial que existia no país desde a Revolução de 1930122 Na ordem econômica e social permanece a linha geral intervencionista e nacionalista A propriedade estava condicionada ao bemestar social art 147 A União poderia mediante lei especial não só intervir no domínio econômico como também monopolizar determinada indústria ou atividade art 146 Diversas foram as restrições impostas às atividades econômicas de pessoas e do capital estrangeiro em áreas reputadas estratégicas Contudo a questão agrária não foi equacionada A Constituição seguindo a linha das que a antecederam exigia pagamento de indenização prévia em dinheiro para qualquer tipo de desapropriação o que praticamente inviabilizava a realização da reforma agrária nos marcos constitucionais123 A Constituição dedicou um título à família à educação e à cultura No que tange à família a influência conservadora da Igreja Católica se manifestou pela previsão do caráter indissolúvel do casamento art 163 Na linha do Estado Social proclamouse a obrigação do Estado de dar assistência à maternidade à infância à adolescência e às famílias de prole numerosa art 164 de garantir o direito à educação sendo gratuito a obrigatório o ensino primário art 168 I e II e de amparar a cultura art 174 No que concerne à mudança dos seus dispositivos a Constituição de 1946 era rígida De acordo com o seu art 217 a emenda poderia ser proposta por um quarto dos deputados federais ou senadores ou mais da metade das Assembleias Legislativas manifestandose cada uma delas pela maioria dos seus membros Ela seria aprovada se obtivesse votação de maioria absoluta nas duas casas em duas discussões durante duas sessões legislativas ordinárias consecutivas Porém se a emenda obtivesse em ambas as casas por duas votações a maioria de dois terços poderia ser aprovada imediatamente dentro da mesma sessão legislativa Como limite circunstancial foi proibida a reforma da Constituição durante o estado de sítio Adotaramse como cláusulas pétreas a Federação e a República 363 A Constituição de 1946 na realidade nacional A Constituição de 1946 vigorou formalmente por mais de 20 anos sendo der rogada em janeiro de 1967 por nova Carta Houve sob a sua égide momentos de democracia e estabilidade institucional e outros extremamente conturbados em que a Constituição teve pouca importância O primeiro momento se estende de 1946 até setembro de 1961 quando no contexto de séria crise política foi aprovada a Emenda nº 4 que instituiu o parlamentarismo O segundo momento vai de 1961 até o golpe militar de 1964 e passa pela volta ao presidencialismo com a edição da Emenda nº 6 em janeiro de 1963 E o terceiro momento corresponde ao período em que a Constituição conviveu com o arbítrio militar estendendose de abril de 1964 até a sua revogação em janeiro de 1967 Na primeira fase o Brasil experimentou pela primeira vez na sua história uma vida política razoavelmente democrática com eleições livres e regulares e relativo respeito às liberdades públicas apesar das diversas turbulências políticas por que passou O mandato de Dutra transcorre sem maiores incidentes constitucionais124 e em 1950 elegese Getúlio Vargas derrotando o candidato da UDN Brigadeiro Eduardo Gomes No seu governo Vargas aprofunda o seu projeto de trabalhismo e nacionalismo econômico sofrendo implacável oposição de setores da sociedade civil das Forças Armadas e da alta burguesia125 Em 4 de agosto de 1954 um atentado frustrado contra o líder oposicionista e jornalista Carlos Lacerda que vinha movendo ferina campanha contra Getúlio acaba vitimando o major da Aeronáutica Rubem Vaz Investigação paralela do homicídio conduzida pela Aeronáutica aponta o chefe da guarda pessoal do Presidente Gregório Fortunato como mandante do crime Reagindo à forte pressão castrense e de parcela da opinião pública em favor da sua renúncia e pressentindo a iminência de golpe militar caso não se afastasse Getúlio Vargas se suicida em 24 de agosto de 1954 provocando enorme comoção social Assume o governo o VicePresidente Café Filho para completar o seu mandato Em 3 de outubro de 1955 ocorrem novas eleições para a Presidência com a vi tó ria de Juscelino Kubitschek candidato pelo PSD e do Vice João Goulart do PTB que concorrera pela mesma chapa As forças antivarguistas passam a conspirar aberta mente para impedir a posse dos eleitos nos quais enxergavam a continuidade da linha populista de Vargas O argumento jurídico de que se valiam estas forças era o de que Juscelino não havia obtido a maioria absoluta dos votos o que não tinha nenhuma procedência pois a Constituição de 1946 não exigia esta maioria qualificada para a eleição presidencial art 81 Nesse ínterim Café Filho sofre um ataque cardíaco afastandose do governo e sendo substituído pelo Presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz que pela Constituição era o próximo na linha de substituição do Presidente art 79 1º Porém rumores indicavam que Carlos Luz participava das conspirações para impedir a posse de Juscelino Neste contexto o Marechal Lott exMinistro da Guerra desfecha um golpe preventivo para assegurar a ascensão ao governo do Presidente eleito126 afastando Carlos Luz do poder O Congresso apoia a manobra militar e vota o nome de Nereu Ramos VicePresidente do Senado para encerrar o mandato até o empossamento dos eleitos A esta altura Café Filho já restabelecido tenta reassumir o seu posto sendo impedido pelo Congresso que aprova também a decretação de estado de sítio Con tra o ato do Congresso que decretara o seu impedimento Café Filho impetra um man dado de segurança no STF A Corte em curiosa solução decide por maioria de votos suspender o mandado de segurança até que cessasse o estado de sítio evitando imiscuirse na controvérsia políticomilitar apesar da sua inequívoca dimensão jurídicoconstitucional127 Juscelino Kubitschek é empossado e seu governo marcado pelo desenvolvimentismo e pela transferência da capital para Brasília128 transcorre sem rompimento da legalidade constitucional apesar da ocorrência de dois levantes militares129 sem maiores consequências Ele é sucedido por Jânio Quadros escolhido nas eleições presidenciais de 3 de outubro de 1960 Líder carismático independente em ascensão meteórica Jânio fora candidato pelo pequeno PTN Partido Trabalhista Nacional com forte apoio da UDN Eleito a partir de um discurso conservador e moralista derrotou o Marechal Lott que concorrera por coligação formada pelo PTB PSD e PSB Recordese que a Constituição de 1946 permitia a eleição de Presidente e de VicePresidente pertencentes a chapas distintas e assim João Goulart venceu o pleito para a VicePresidência derrotando Milton Campos o candidato da chapa de Jânio Em 25 de agosto de 1961 com apenas sete meses de governo Jânio Quadros de personalidade excêntrica renuncia motivado por razões que até hoje não foram plenamente esclarecidas130 Naquela ocasião João Goulart estava em viagem oficial à China de Mao Tse Tung e logo se articula um movimento de veto militar à sua posse como Presidente Jango havia sido Ministro do Trabalho de Getúlio e era associado por amplos segmentos das Forças Armadas ao populismo e ao sindicalismo que abominavam Nesse ínterim assume a Presidência da República temporariamente o Presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli O veto militar a Goulart não será inteiramente bem sucedido em razão da chamada Campanha da Legalidade liderada pelo então Governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola que contava com a adesão do 3º Exército sediado naquele Estado Rapidamente costurase uma solução de compromisso que resultou na aprovação às pressas da Emenda Constitucional nº 4 promulgada em 2 de setembro de 1961 que instituiu o regime parlamentarista de governo no Brasil Iniciase uma segunda fase de vigência da Constituição de 1964 De acordo com a Emenda nº 4 denominada de Ato Adicional o Executivo passaria a ser exercido pelo Presidente e pelo Conselho de Ministros sendo este último o responsável pela direção da política do Governo e da administração federal art 1º O Presidente da República passaria a ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional art 2º Caberia a ele exercer as funções de Chefe de Estado dentre as quais designar o Presidente do Conselho de Ministros e por indicação deste os demais Ministros de Estado art 3º I O nome do Presidente do Conselho de Ministros teria de ser submetido à Câmara dos Deputados que o aprovaria por maioria absoluta de votos podendo o Presidente da República em caso de recusa indicar sucessivamente mais dois nomes Após a terceira recusa a escolha passaria ao Senado Federal que não poderia designar nenhum dos nomes recusados pela Câmara Durante todo o tempo o Conselho de Ministros dependeria da confiança da Câmara dos Deputados art 11 Essa por iniciativa de 50 deputados poderia aprovar por maioria absoluta moção de desconfiança contra o Conselho de Ministros ou de censura contra qualquer de seus membros o que levaria à sua exoneração coletiva ou individual art 12 Diante de três moções de desconfiança sucessivas o Presidente da República poderia dissolver a Câmara dos Deputados convocando novas eleições Entrementes ele poderia nomear um Conselho de Ministros provisório Ao Presidente do Conselho de Ministros foram atribuídas as funções inerentes à chefia de Governo art 18 A Emenda nº 4 previu ainda que lei aprovada por maioria absoluta de votos complementaria a organização do sistema parlamentar131 art 22 e que tal lei poderia dispor sobre a realização do plebiscito que decida da manutenção do sistema parlamentar ou volta do sistema presidencial devendo em tal hipótese fazerse a consulta plebiscitária nove meses antes do termo do atual período presidencial art 25 O parlamentarismo perduraria por apenas 14 meses de setembro de 1961 até janeiro de 1963 Nesse período sucederamse no cargo diversos Presidentes do Conselho de Ministros132 Tancredo Neves Auro Moura Andrade Francisco Brochado Rocha e Hermes Lima O sistema não estava funcionando bem133 e João Goulart trabalhava intensamente para recuperar a plenitude dos poderes presidenciais Até mesmo alguns dos seus adversários defendiam a volta do presidencialismo por entenderam necessária no Brasil a presença de um Executivo forte Em 16 de setembro é editada a Lei Complementar nº 2 convocando o plebiscito para 6 de janeiro de 1963 antecipandose portanto à data prevista na Emenda nº 4 Realizado o plebiscito a vontade das urnas surgiu inequívoca 7697 do eleitorado manifestouse pelo retorno do presidencialismo134 A mudança é formalizada por meio da Emenda Constitucional nº 6 de 23 de janeiro de 1963 Vencida essa batalha João Goulart aproximase cada vez mais da esquerda prometendo Reformas de Base inclusive a tão necessária reforma agrária e apro vando restrições ao capital estrangeiro O ambiente era turbulento e polarizado Militares setores do empresariado proprietários rurais e segmentos da classe média com apoio da grande mídia e do governo norte americano inquietavamse contra o que viam como a radicalização do regime e tramavam a deposição do Presidente Do outro lado insuflado por sindicalistas e por outros líderes da esquerda que queriam reformas imediatas Jango adotava um discurso cada vez mais contundente No país sucediamse greves algumas em apoio às reformas que sofriam resistência no Congresso ocupações de terras por camponeses bem como manifestações populares de ambos os lados da contenda política A situação econômica também era grave com a inflação cada vez mais alta Em 13 de março de 1964 Goulart promove um gigantesco Comício das Reformas no Rio de Janeiro de enorme repercussão em que anuncia dois novos decretos nacionalizando refinarias privadas de petróleo e sujeitando à desapropriação terras improdutivas localizadas nas margens de estradas e ferrovias Poucos dias depois o Presidente anistia marinheiros punidos por terem se reunido para reivindicar melhores salários e a possibilidade de concorrerem em eleições Em 30 de março Jango comparece para discursar em assembleia de sargentos no Automóvel Clube do Brasil A atitude vista como estímulo à quebra da hierarquia na caserna foi apresentada como a gota dágua para a deflagração do golpe militar que já vinha sendo gestado há tempos e envolvia uma rede bastante mais ampla de interesses Em 31 de março de 1964 ocorre o golpe militar com a simples movimentação de tropas sem confrontos armados efetivos Em 1º de abril antes mesmo que João Goulart saísse do pais o Presidente do Senado Auro Moura Andrade declara vaga a Presidência da República que é formalmente assumida pelo Presidente da Câmara Ranieri Mazzilli Esse a ocuparia por poucos dias sendo logo substituído pelo General Humberto Castelo Branco Era o início da ditadura militar e da terceira fase de vigência da Constituição de 1946135 A formalização do golpe deuse por meio do Ato Institucional nº 1 AI1 editado em 9 de abril de 1964 e assinado pelos comandantes das Forças Armadas O redator do texto seria uma vez mais Francisco Campos com o auxílio do jurista conservador Carlos Medeiros da Silva136 No seu preâmbulo o Ato Institucional apresentavase como emanação do poder constituinte originário proveniente da Revolução vitoriosa Ele não buscava fundamento de validade na Constituição de 1946 Era apenas por uma concessão dos militares protagonistas da tal Revolução vitoriosa que a Constituição continuaria a valer naquilo que não contrastasse com o Ato Institucional editado Vale a pena conferir algumas passagens significativas do referido preâmbulo A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constitucional Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução Esta é a forma mais expressiva e radical do Poder Constituinte Assim a revolução vitoriosa como o Poder Constituinte se legitima por si mesma Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória Os Chefes da revolução vitoriosa graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação representam o povo e em seu nome exercem o Poder Cons tituinte de que o povo é o único titular Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário decidimos manter a Constituição de 1946 limitando nos a modificála apenas na parte relativa aos poderes do Presidente da República a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas O AI1 determinou a realização de eleição indireta para a escolha do próximo Presidente e Vice Presidente da República a ocorrer no Congresso em dois dias da data da sua edição art 2º Os mandatos dos eleitos encerrarseiam em tese em 31 de janeiro de 1966 Em 11 de janeiro o Congresso já expurgado de boa parte dos parlamentares oposicionistas limitouse a homologar o nome de Castelo Branco imposto pelos militares Ademais o AI1 facilitou a aprovação de emendas constitucionais encaminhadas pelo Presidente agora elas teriam de ser apreciadas em 30 dias a contar do seu recebimento sendo aprovadas por maioria absoluta nas duas casas em duas votações art 3º Ele também ampliou os poderes presidenciais no processo legislativo arts 4º e 5º e conferiu ao Presidente o poder de decretar estado de sítio submetendo o à apreciação do Congresso em 48 horas137 Foram suspensas por seis meses as garantias de vitaliciedade e estabilidade art 7º permitindose naquele interregno a demissão dispensa aposentadoria compulsória reforma ou transferência para a reserva de servidores civis e militares e magistrados que tivessem atentado contra a segurança do país o regime democrático e a probidade da administração pública art 7º 1º o que seria apurado por meio de investigação sumária sem possibilidade de apreciação judicial daqueles atos salvo quanto às suas formalidades extrínsecas138 Os Comandantes das Forças Armadas e o Presidente após a sua eleição foram autorizados a suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e a cassar mandatos legislativos federais estaduais ou municipais excluindose qualquer controle judicial sobre tais atos art 10 Com base nesses poderes excepcionais concedidos pelo AI1 o governo passa a perseguir os adversários do regime realizando tortura139 e prisões arbitrárias A repressão atinge fortemente o movimento estudantil os sindicatos e os militantes sociais do meio rural sobretudo do Nordeste associados à bandeira da reforma agrária No Congresso cinquenta parlamentares tiveram o seu mandato cassado o que também ocorreu com vários políticos de expressão nacional como Leonel Brizola Miguel Arraes Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek140 O AI1 não havia alterado o cronograma das eleições para Governador que ocorrem em outubro de 1965 com vitórias da oposição em Estados importantes como a Guanabara e Minas Gerais O resultado das urnas assustou os militares e forneceu argumento para que a linhadura insistisse na edição de novos atos institucionais141 Assim em 5 de novembro de 1965 Castelo Branco edita o AI2 que afirmava em seu preâmbulo também representar exercício do poder constituinte originário uma vez que a Revolução não se esgotara Dentre as diversas mudanças que introduziu destacase a extinção dos partidos políticos então existentes art 18 No novo sistema que seria instituído a formação de um partido dependeria de iniciativa de no mínimo 120 deputados e 20 senadores art 1º do Ato Complementar nº 41965 Na prática isto só permitia a existência de dois partidos um da situação e outro representando a oposição consentida Naquele modelo foram instituídos a ARENA partido do governo e o MDB que lhe fazia oposição nos estreitos limites que o regime tolerava Apesar do seu caráter discricionário o governo militar preocupavase em manter alguma aparência democrática e por isso não chegou ao ponto de abolir os partidos políticos como fizera Vargas em 1938 ou de decretar o unipartidarismo Além disso o AI2 tornou permanente a eleição indireta para a Presidência art 9º autorizou o Presidente a baixar atos complementares dos atos institucionais bem como a editar decretosleis em matéria de segurança nacional art 30 e deulhe ainda o poder de determinar o recesso do Congresso das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores situação em que o Executivo correspondente legislaria por meio de decretosleis art 31 Ademais ele ampliou a composição do STF para 16 ministros o que permitiu ao governo construir uma maioria mais confortável na Corte instituiu a Justiça Federal de 1º grau e transferiu para a Justiça Militar a competência para julgamento dos crimes contra a segurança nacional dentre outras medidas Já o AI3 editado por Presidente Castelo Branco em 7 de fevereiro de 1966 estendeu as eleições indiretas também para os pleitos para governador de Estado Com isso reduziase o risco de derrotas eleitorais para a oposição Naquele período além dos Atos Institucionais também foram editadas diversas emendas à Constituição gerando um sistema constitucional altamente confuso para dizer o mínimo em que pouco sobrara do texto originário da Constituição de 46 Até a promulgação da Constituição de 1967 o regime militar aprovaria mais 14 emendas da Emenda nº 7 até a Emenda nº 20 Dentre elas cabe destacar a Emenda nº 964 que reduziu o período presidencial para quatro anos art 82 e prorrogou o mandato de Castelo Branco para até 15 de março de 1967 a Emenda nº 1064 que autorizou a desapropriação para fins de reforma agrária com pagamento em títulos da dívida pública a Emenda nº 1665 que instituiu a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual encaminhada pelo ProcuradorGeral da República art 1º142 e a Emenda nº 1865 que promoveu ampla reforma tributária Em 1967 a Constituição tinha se tornado uma verdadeira colcha de retalhos Surge a ideia de elaborar outra Constituição que institucionalizasse de forma definitiva o regime Para convocar a nova Assembleia Constituinte Castelo Branco valerse ia mais uma vez de Ato Institucional o AI 4 decretado em 7 de dezembro de 1966 37 A Constituição de 1967 371 Antecedentes e Assembleia Constituinte Os militares que governavam o país não formavam um bloco monolítico ideologicamente homogêneo Havia grosso modo dois grupos principais De um lado os da linhadura que queriam a radicalização do regime e a intensificação da perseguição aos opositores não se importando em manter o poder indefinidamente com as Forças Armadas Do outro os moderados que pretendiam devolver o poder mais rapidamente aos civis depois de expurgarem da vida política os elementos considerados mais perigosos e rechaçavam alguns excessos cometidos pelos primeiros no combate à oposição e à esquerda como a tortura e o homicídio Nenhum dos grupos demonstrava grande apreço pela democracia e pelos direitos humanos mas o segundo era menos radical e mais preocupado em manter as aparências do regime Durante todo o período militar tais grupos disputariam a hegemonia no mais das vezes nos bastidores da caserna mas em alguns momentos de forma mais visível e diversos acontecimentos da história constitucional da época resultaram de oscilações no pêndulo do poder entre essas duas correntes Este foi o caso do nascimento e da morte da Constituição de 1967 A sua elaboração refletiu o propósito do grupo moderado hegemônico durante o governo de Castelo Branco que era um dos seus maiores líderes de reconstitucionalizar o país Tratavase de uma reconstitucionalização muito limitada eis que a Constituição de 1967 continha traços autoritários e seria aprovada por uma Constituinte tutelada pelos militares Ainda assim o objetivo era o de institucionalizar alguns limites para o exercício do poder para se tudo corresse bem devolvêlo depois aos civis mais confiáveis Porém após a aprovação da Constituição a balança se inverteu durante o governo de Costa e Silva um integrante da linhadura e ainda mais depois do AI5 em 1968 e da assunção do Executivo por Junta Militar em 1969 A Constituição duraria pouco mais de dois anos e meio promulgada em janeiro de 1967 seria substituída por outro texto outorgado em outubro de 1969 pelos Ministros da Marinha do Exército e da Aeronáutica O AI4 editado por Castelo Branco em 7 de fevereiro de 1966 convocara o Congresso para se reunir extraordinariamente de 12 de dezembro de 1966 até 24 de janeiro de 1967 com vistas a discutir votar e promulgar projeto da Constituição que seria apresentado pelo Presidente art 1º caput e 1º Naquele interregno o Congresso também deliberaria sobre matérias que lhe fossem submetidas pelo Executivo art 1º 2º e o Senado continuaria a praticar os atos da sua competência privativa art 1º 3º Tal Ato Institucional disciplinava detalhadamente o funcionamento da Constituinte O Presidente do Senado deveria designar os integrantes de uma Comissão Mista composta por onze deputados e onze senadores indicados pelas lideranças dos partidos observandose a respectiva proporcionalidade art 2º Àquela Comissão que escolheria seu Presidente VicePresidente e Relator caberia dar parecer sobre o projeto concluindo pela sua aprovação ou rejeição art 3º Em seguida o projeto seria votado em sessão conjunta das duas casas do Congresso no prazo de quatro dias art 4º Depois da aprovação poderiam ser apresentadas emendas perante a Comissão com apoio de pelo menos um quarto dos membros de qualquer das casas legislativas arts 5º e 6º Tais emendas seriam submetidas à discussão do plenário do Congresso devendo ser aprovadas por maioria absoluta em cada casa art 7º Em 24 de janeiro a Constituição teria de ser impreterivelmente promulgada Caso o processo de apreciação das emendas não tivesse se ultimado até 21 de janeiro promulgarseia o texto do projeto do governo aprovado antes da fase de apresentação de emendas art 8º143 Sem dúvida o prazo estabelecido era absolutamente insuficiente para que o Congresso deliberasse sobre a nova Constituição144 Somandose isto ao ambiente político existente de ameaça permanente ao mandato dos parlamentares constituintes bem como a prévia cassação de boa parte dos oposicionistas podese concluir que a Assembleia Constituinte em questão não era muito mais do que uma fachada de que se valeu o regime para evitar a outorga pura e simples da nova Constituição Na verdade não houve uma efetiva Assembleia Constituinte livre e soberana mas pouco mais que um procedimento para homologação e legitimação do texto que saíra do forno do regime militar145 Para elaboração do projeto de Constituição o Executivo por meio do Decreto nº 58198 de 15 de abril de 1966 nomeara comissão de juristas integrada por Levi Carneiro Presidente Themístocles Cavalcanti Orozimbo Nonato e Miguel Seabra Fagundes este último acabou se afastando146 Ocorre que o governo não concordou com o resultado do trabalho da comissão de juristas considerado excessivamente liberal Assim o projeto foi encaminhado a Carlos Medeiros da Silva então Ministro da Justiça que o reviu integralmente conferindolhe uma fisionomia mais autoritária Este novo projeto depois de revisto pelo Presidente foi encaminhado pelo governo à Assembleia Constituinte Na Assembleia Constituinte instalada em 12 de dezembro de 1966 o projeto seria aprovado por Comissão Mista por treze votos a oito Os representantes do MDB na comissão votaram contra o projeto acusandoo de autoritário147 Em seguida o projeto foi aprovado pelo plenário e na fase subsequente recebeu número significativo de emendas algumas das quais foram acolhidas pelas duas casas mas nada que alterasse de forma mais substantiva o texto encaminhado pelo governo Os prazos previstos no AI4 foram rigorosamente cumpridos e assim em 24 de janeiro de 1967 promulgouse formalmente a nova Constituição Federal que entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano art 189 mesmo dia da posse do Presidente Costa e Silva148 372 Traços gerais da Constituição de 1967 Um dos traços característicos da Constituição de 1967 foi a concentração do poder tanto no sentido vertical centralização no pacto federativo como no horizontal hipertrofia do Executivo149 Sem embargo houve preocupação com a preservação de uma fachada liberal que se verifica por exemplo no extenso capítulo de direitos e garantias individuais inserido no art 150 Tratavase por outro lado de mais um texto constitucional analítico composto por 189 artigos No que tange à partilha espacial do poder mantevese o federalismo bidimensional ainda que com reduzido nível de descentralização política A Constituição enunciou as competências da União art 8º cabendo ao Estado as remanescentes art 13 1º bem como a possibilidade de legislar supletivamente sobre determinados temas inseridos na competência federal art 8º 2º A autonomia dos Municípios embora formalmente consagrada art 16 foi esvaziada com a previsão de escolha dos prefeitos das capitais e das estâncias hidrominerais pelo Governador do Estado com prévia aprovação da Assembleia Legislativa e a dos prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional pelo Presidente da República art 16 1º O federalismo foi também fragilizado pela fórmula de repartição das competências e das receitas tributárias que concentrou os recursos na União induzindo os Estados à vassalagem política150 O Poder Executivo foi fortalecido com a atribuição de competência para a edição de decretos com força de lei em matéria de segurança nacional ou finanças públicas art 58 Estes decretos que acabaram sendo usados para quase tudo tinham vigência imediata mas o Congresso podia aproválos ou rejeitálos em 60 dias vedada a apresentação de emendas A ausência de deliberação implicava aprovação por decurso de prazo Também no processo de elaboração das leis estabeleceuse que a não apreciação de projetos do Executivo em determinados prazos importava em aprovação por decurso de prazo Portanto ampliouse o poder do Presidente no processo legislativo às expensas do Congresso Nacional O mandato do Presidente seria de quatro anos art 77 3º As eleições presidenciais eram indiretas por maioria absoluta realizadas por colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional e por delegados das Assembleias Legislativas arts 76 caput e 1º e 77 1º Cada Assembleia Legislativa indicava três delegados e mais um por cada quinhentos mil eleitores inscritos no Estado art 76 2º O VicePresidente que exercia também a função de Presidente do Congresso Nacional era eleito pela mesma chapa do Presidente da República art 79 1º e 2º Não havia a possibilidade de reeleição do Presidente para o mandato consecutivo art 146 alínea a O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado art 29 Na Câmara os deputados federais eram eleitos por sufrágio direto e universal pelo sistema proporcional para mandatos de quatro anos art 41 caput e 1º O número de deputados por Estado seria fixado em lei em proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes até vinte e cinco deputados e além deste limite um para cada milhão de habitantes art 41 2º respeitado o número mínimo de sete deputados por Estado art 41 4º Tratavase de fórmula que favorecia os Estados menos populosos onde a ARENA costumava ter desempenho superior ao MDB Já o Senado Federal era composto por três representantes de cada Estado eleitos diretamente pelo sistema majoritário para mandatos de oito anos renovandose a representação a cada quatro anos alternadamente por um ou dois terços art 43 caput e 1º Quanto ao Poder Judiciário não houve mudanças significativas em relação à Constituição de 1946 com as alterações impostas pelo AI2 As garantias da magistratura foram preservadas art 108 mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução dentre os quais os expedidos por força dos atos institucionais art 173 A sistemática de controle de constitucionalidade com as mudanças introduzidas pela Emenda nº 1665 foi mantida Como antes ressaltado o capítulo dos direitos e garantias individuais era ge ne roso ainda que insincero No art 150 da Carta de 1967 estão presentes todos os direitos consagrados na Constituição de 1946 com outros acréscimos importantes mas que não tiveram nenhuma efetividade como a imposição de respeito à integridade física e moral do detento e presidiário 14º O mesmo pode ser dito a propósito dos direitos sociais arts 158 167 4º e 169 Também na ordem econômica não houve grandes inovações mantendose a linha intervencionista e nacionalista que vinha pautando as constituições brasileiras desde 1934 A Constituição de 1967 era rígida ainda que não fosse tão difícil a sua alteração As propostas de emenda podiam ser apresentadas pelo Presidente da República por um quarto dos membros da Câmara ou do Senado ou por mais da metade das Assembleias Legislativas dos Estados manifestandose cada uma delas pela maioria dos seus membros art 50 incisos I a III e 3º e 4º As emendas eram aprovadas pelo quorum de maioria absoluta em duas votações sucessivas em cada casa do Congresso art 51 Não se admitia proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República art 50 1º nem tampouco se aceitava a mudança da Constituição durante o estado de sítio art 50 2º Porém tais regras sobre a reforma constitucional não tiveram qualquer eficácia Quando o regime quis alterar a Carta de 67 fêlo sem nenhuma cerimônia recorrendo ao odioso expediente da edição de atos institucionais foram impostos outros 12 atos institucionais até o advento da Constituição de 1969 além de inúmeros atos complementares que também repercutiram sobre a Carta 373 A Constituição de 1967 e o recrudescimento da Ditadura Militar Costa e Silva era próximo à corrente linhadura das Forças Armadas Naturalmente não morria de amores pela Constituição de 1967 que mesmo não primando pela democracia impunha relevantes limitações ao seu poder discricionário Durante o seu governo houve o endurecimento no regime Mas do outro lado se articularam reações contra a ditadura provenientes de vários flancos oposição do movimento estudantil promovendo protestos e manifestações de grande porte greves de trabalhadores reações de setores da Igreja Católica Nesta época surge também a resistência armada ao governo militar151 A linhadura queria recrudescer ainda mais a ditadura e pressionava o Presidente a fazêlo O pretexto para a ação foi um discurso sem maior importância proferido pelo então Deputado Márcio Moreira Alves no Congresso que propunha um boicote à parada do Sete de Setembro e ainda sugeria ironicamente que as mulheres fizessem uma greve de sexo contra os militares enquanto durasse a repressão como na peça Lisístrata do grego Aristófanes Os militares reagiram com indignação e o Presidente solicitou à Câmara autorização para processar o parlamentar por crime contra a segurança nacional152 Porém a Câmara agiu com independência rejeitando o pedido em votação realizada no dia 12 de dezembro de 1968153 A reação foi imediata no dia 13 de dezembro foi convocada uma reunião do Conselho de Segurança Nacional em que se aprovou a decretação do AI5 Das 23 autoridades presentes todas se manifestaram favoravelmente à medida draconiana com exceção do VicePresidente Pedro Aleixo que sugeriu uma alternativa mais suave a decretação do estado de sítio No mesmo dia o AI5 foi editado juntamente com o Ato Complementar nº 38 que colocava o Congresso em recesso por tempo indeterminado De todos os atos institucionais editados durante o período militar o AI5 foi certamente o mais duro Ele permitiu que o Presidente decretasse o recesso do Congresso das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores que só voltariam a funcionar quando convocados por ele próprio transferindose nesse ínterim toda a atividade legislativa para o Poder Executivo correspondente art 2º caput e 1º Autorizou o Presidente a decretar livremente a intervenção nos Estados e Municípios sem as limitações previstas na Constituição art 3º Possibilitou a suspensão dos direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos bem como a cassação de mandatos eletivos federais estaduais ou municipais art4º Determinou que a suspensão dos direitos políticos também implicava a proibição de atividades ou manifestações sobre assunto político e podia ainda envolver a imposição de restrições à liberdade de locomoção art 5º Suspendeu as garantias da magistratura e possibilitou ao Presidente a demissão remoção aposentadoria ou colocação em disponibilidade de magistrados assim como de servidores ou empregados públicos bem como a demissão reforma ou transferência para a reserva de militares art 6º Autorizou que o Presidente suspendesse as liberdades de reunião e de associação e que instituísse a censura art 9º Suspendeu o habeas corpus para os crimes políticos contra a segurança nacional a ordem econômica e social e a economia popular art 10 e excluiu a apreciação judicial de todos os atos praticados em seu nome art 11 Tratavase da cristalização em documento jurídico da ditadura nua e crua Embora a Constituição de 1967 tenha sido formalmente mantida art 1º dali para frente ela não teria mais qualquer força para limitar o poder Com base no AI5 abriuse um amplo ciclo de cassações de mandatos e expurgos no funcionalismo que atingiu em cheio as universidades Três Ministros do STF foram cassados Victor Nunes Leal Evandro Lins e Silva e Hermes Lima e outros dois deixariam a Corte em solidariedade aos colegas A censura aos meios de comunicação se institucionalizou atingindo também a atividade artística Nada mais podia ser publicado ou veiculado que pudesse desagradar ao governo ou que ameaçasse a moral tradicional e conservadora de que os militares se faziam portavozes Embora não houvesse no AI5 nenhuma autorização legal para tortura desaparecimento forçado de pessoas ou assassinatos tais práticas tornaramse os métodos corriqueiros de trabalho das forças de repressão154 Na feliz expressão de Elio Gaspari se até o AI5 a ditadura era envergonhada depois dele ela se tornou escancarada155 Com a edição do AI5 desfezse a expectativa de que a Constituição pudesse institucionalizar o regime Tornarase claro que o governo militar só seguiria a Constituição se e quando isso lhe conviesse Quando não lhe interessasse cumprila bastava editar um novo ato institucional E de fato seriam editados outros doze atos institucionais até a outorga da Constituição de 1969 do AI6 ao AI17 impondo medidas diversas como a mudança do número de Ministros do STF de 11 para 16 AI6 e a suspensão de eleições AI7 Em agosto de 1969 o Presidente Costa e Silva sofre um derrame que o deixa paralisado Era necessário substituílo mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo que indicavam a sua sucessão pelo VicePresidente Pedro Aleixo que além de civil deixara de ser confiável ao votar contra a decretação do AI5 A solução veio por meio da decretação do AI12 que investiu os Ministros da Marinha do Exército e da Aeronáutica respectivamente Augusto Rademaker Aurélio Lyra Tavares e Márcio de Souza e Mello na Chefia do Executivo enquanto durar o impedimento temporário do Presidente da República art 1º Desfechavase um verdadeiro golpe dentro do golpe156 Dias depois a Junta Militar decretou outros dois truculentos atos institucionais o AI13 possibilitando o banimento de brasileiro que se tornasse inconveniente nocivo ou perigoso à Segurança Nacional e o AI14 estendendo a possibilidade de aplicação da pena de morte à guerra psicológica adversa revolucionária ou subversiva157 Em 14 de outubro de 1969 é editado o AI16 declarando a vacância dos cargos de Presidente e VicePresidente da República e marcando eleições indiretas para escolha dos sucessores para o dia 25 do mesmo mês Até lá a Junta Militar continuou à frente do governo O Congresso que estava de recesso desde a decretação do AI5 foi convocado às pressas para referendar o nome do General Emílio Garrastazu Médici mais um da linha dura que os militares já haviam escolhido158 Antes disso porém os três Ministros militares outorgaram em 17 de outubro de 1969 a Constituição de 1969 38 A Constituição de 1969 381 Outorga natureza e principais inovações A Constituição de 1969 foi outorgada pela Junta Militar que governava o Brasil sob a forma de emenda constitucional era a Emenda Constitucional nº1 Invocou se como fundamento jurídico da outorga o AI5 e o AI16 O primeiro estabelecia no seu art 2º 1º que enquanto o Congresso estivesse em recesso o Presidente poderia legislar sobre todas as matérias e o segundo dispunha no seu art 3º que até a posse do novo Presidente da República a Chefia do Executivo seria exercida pelos Ministros militares Para justificar a medida afirmouse nos consideranda da Carta outorgada que tendo em vista os referidos atos institucionais a elaboração de emendas à Constituição compreendida no processo legislativo art 49 I está na atribuição do Poder Executivo Federal Naqueles consideranda foi inserida uma lista dos preceitos da Constituição de 1967 que salvo emendas de redação continuam inalterados Em seguida re produziuse integralmente o novo texto constitucional já com todas as mudanças incorporadas que foram inúmeras159 Até o nome oficial do país foi alterado de Brasil para o mais pomposo República Federativa do Brasil que se mantém até hoje Discutese se o texto em questão consubstanciou nova Constituição ou se ao contrário representou simples emenda constitucional como pareciam crer os seus autores A segunda posição foi sustentada por alguns juristas mais próximos ao regime militar160 mas a primeira é amplamente majoritária em doutrina161 Entendemos que não se tratou de simples emenda mas de Constituição se é que merece esse nome uma norma editada de forma tão ilegítima162 Isto não apenas pela extensão das mudanças promovidas como também pelo seu fundamento de validade É que as emendas como emanação de um poder constituinte derivado têm o seu fundamento na própria Constituição que modificam Porém a assim chamada Emenda nº 1 não foi outorgada com fundamento na Constituição de 1967 mas sim com base no suposto poder constituinte originário da Revolução vitoriosa que se corporificava mas não se exauria nos atos institucionais editados pelos militares Seria enfadonho e desnecessário expor aqui o sistema e as principais instituições da Carta de 1969 que coincidem no geral com as da Constituição de 1967 explicadas no item anterior Assim farseá apenas um breve registro das principais mudanças promovidas pela nova Carta que continha quando da sua outorga 201 artigos163 Houve modificações importantes no que concerne ao funcionamento dos poderes O mandato presidencial foi ampliado de quatro para cinco anos art 75 3º164 O VicePresidente deixou de cumular sua função com a de Presidente do Congresso como ocorria na Constituição de 1967 Doravante o Congresso seria presidido pelo Presidente do Senado Federal Os poderes presidenciais foram reforçados com a ampliação da competência do Presidente art 81 V bem como das hipóteses de sua iniciativa privativa no processo legislativo art 57 IV a VI Na mesma linha aumentouse o campo de incidência do decretolei estabelecendose ainda que a sua rejeição pelo Congresso não importava em nulidade dos atos praticados durante a sua vigência art 55 II e III e Parágrafo único No âmbito do Legislativo houve uma sensível redução do número de depu tados federais com a adoção de novos critérios adotados para definição do quanti tativo de parlamentares por Estado As variações do número de deputados por Es tado passaram a ser determinadas em razão da diferença nos respectivos eleitorados e não mais daquela entre o tamanho das populações art 39 A diminuição na repre sentação também ocorreu nas Assembleias Legislativas cujo número de deputados estaduais passou a ser atrelado à representação do Estado na Câmara de Deputados art 13 6º Houve também restrição à imunidade parlamentar material que passou a excluir os crimes contra a honra ou contra a segurança nacional art 32 os militares não queriam passar de novo pelos dissabores de outro caso como o do Deputado Moreira Alves Instituiuse ainda a hipótese de perda de mandato por infidelidade partidária art 35 V165 Quanto ao Judiciário a Carta de 1969 fixou em onze o número de Ministros do STF art 118 mantendo a redução que fora estabelecida pelo AI6 O Ministério Público que na Constituição de 1967 estivera inserido no capítulo do Poder Judi ciário passou a constar da parte que tratava do Poder Executivo arts 94 a 96 No campo dos direitos fundamentais houve claros retrocessos Autorizouse o legislador a condicionar o ingresso do cidadão em juízo à prévia exaustão das vias administrativas art 160 4º criouse nova restrição à liberdade de expressão pela proibição de publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes art 160 8º e incorporouse à Constituição a possibilidade estabelecida no AI14 de imposição de pena de morte em outros casos além do de guerra externa art 160 11 Ademais ampliouse o prazo máximo do estado de sítio afora casos de guerra de 60 para 180 dias art 156 e diminuiuse o quorum para o afastamento das imunidades parlamentares durante o seu interregno de 23 para maioria absoluta dos membros da casa legislativa respectiva art 157 Parágrafo único Foi dificultado o processo de mudança da Constituição Retirouse o poder de iniciativa das Assembleias Legislativas e a iniciativa de deputados e senadores agora só poderia ser deflagrada por 13 dos membros de cada casa art 47 e não por 14 deles como ocorria na Constituição de 1967 Por outro lado o quorum para aprovação das emendas foi elevado de maioria absoluta para 23 em cada casa art 48 A Carta de 1969 manteve expressamente o AI5 bem como seus atos complementares art 182 Porém deixou entreaberta a porta de saída do regime de exceção ao permitir que o Presidente ouvido o Conselho de Segurança Nacional revogasse aquele malsinado Ato Institucional ou qualquer dos seus dispositivos art 182 Parágrafo único Embora como regra tenhase previsto a realização de eleições diretas para o cargo de Governador do Estado art 13 2º estabeleceuse que seriam indiretos os pleitos para aquele cargo que ocorreriam em 1970 sendo as Assembleias Legislativas os colégios eleitorais art 189 382 A Constituição de 1969 na vida nacional É possível dividir em três momentos o período de vigência da Carta de 69 o primeiro que corresponde aos anos de chumbo abrange o governo Médici o segundo em que se inicia um lento processo de distensão do regime ocorre durante os governos de Geisel e Figueiredo e o terceiro que começa com a derrota da ARENA nas eleições indiretas para a Presidência da República e a escolha de um Presidente civil transcorre durante o governo de José Sarney já finda a ditadura militar Neste subitem serão examinados os dois primeiros momentos O terceiro será analisado no próximo capítulo que versa sobre a elaboração da Constituição de 88 Médici era um militar da linhadura Seu governo correspondeu ao auge da repressão durante a ditadura A tortura generalizouse e saiu do controle até das lideranças do regime e da hierarquia militar166 A guerrilha foi derrotada 167 e os focos de oposição ao governo quase completamente asfixiados Prosseguiu implacável a censura aos meios de comunicação e às artes Em razão de uma conjuntura externa favorável o Brasil experimentou uma fase de grande crescimento da economia No entanto tal crescimento não resultou em melhoria nas condições de vida da maior parte da população brasileira Era seguido o receituário conservador de primeiro crescer o bolo para depois repartilo Como se sabe a partilha do bolo não chegou a ocorrer168 Naquele período capitalizando o milagre econômico e a conquista do tricampeonato mundial na Copa do Mundo de 1970 o governo valeuse intensamente de propaganda ufanista para estigmatizar os seus opositores sintetizada no lema Brasil ameo ou deixeo Durante o governo Médici a Constituição de 1969 seria emendada duas vezes A primeira alteração chamada de Emenda nº 2 a própria Constituição era tratada como Emenda nº 1 foi promulgada em 9 de maio de 1972 e previa eleições indiretas para os governadores dos Estados em 1974 Já a Emenda nº 3 de 15 de junho de 1972 possibilitaria a posse de parlamentares federais nos cargos de Ministro de Estado Secretário de Estado ou Prefeito de Capital sem perda dos respectivos mandatos Em 15 de janeiro de 1974 o Colégio Eleitoral escolhe o General Ernesto Geisel para a substituição de Médici169 Diferentemente do seu antecessor Geisel não era partidário da linha dura no arco ideológico do regime militar ele pertencia ao grupo moderado170 Geisel deu início a um processo de abertura lenta gradual e segura do regime Em 1974 ocorreram eleições parlamentares em clima de relativa liberdade e com ótimos resultados para a oposição que venceu no Senado nas vagas que estavam em disputa e perdeu por pouco na Câmara dos Deputados conseguindo formar bancada suficiente para barrar as propostas de emenda constitucional do governo No início de 1976 o Presidente entra em confronto com a linhadura militar depois de dois casos emblemáticos de tortura e homicídio praticados pelas forças de repressão em São Paulo171 Os enfrentamentos com a linhadura se estendem ao ano de 1977 quando Geisel demite o seu Ministro do Exército Silvio Frota que planejava sucedêlo e chegou a tramar um golpe para derrubálo do poder É certo que houve também recuos e retrocessos na distensão do regime O processo de abertura era feito de sístoles e diástoles como afirmava uma das maiores lideranças do regime172 Dentre as sístoles a mais séria foi o famigerado Pacote de Abril imposto por Geisel em 1977 Temendo novas derrotas eleitorais e sem base parlamentar suficiente para aprovar reformas na Constituição o Presidente em 1º de abril de 1977 invocando os poderes do AI5 decreta o recesso do Congresso Nacional do qual se aproveita para editar unilateralmente as Emendas Constitucionais nº 7 e nº 8 A Emenda nº 7 alterou diversos dispositivos constitucionais atinentes ao Poder Judiciário Dentre outras mudanças criou a ação avocatória que permitia ao STF a pedido do ProcuradorGeral da República avocar qualquer causa em trâmite no país quando houvesse imediato risco de grave lesão à ordem à saúde à segurança ou às finanças públicas art 119 I alínea o bem como o Conselho Nacional de Justiça órgão composto por sete Ministros do Supremo com competência disciplinar sobre todo os órgãos judiciais art 120 Já a Emenda nº 8 dentre outras medidas perenizou as eleições indiretas para governadores de Estado art 13 2º173 estabeleceu números mínimos e máximos de deputados federais por unidade federativa art 39 2º de modo a fortalecer a representação parlamentar dos Estados menos populosos em que a ARENA era mais forte determinou que 13 dos senadores seriam eleitos indiretamente nos Estados art 41 2º174 facilitou a aprovação de emenda à Constituição reduzindo o quorum de 23 para a maioria absoluta dos congressistas art 48 e ampliou a mandato presidencial de cinco para seis anos art 75 3º norma que não se aplicaria ao próprio Presidente Geisel Apesar disso o processo de abertura continuou Naquele período outro fenômeno extremamente importante foi a reorganização da sociedade civil que tinha no combate ao regime militar um ponto de convergência175 Instituições como a OAB Ordem dos Advogados do Brasil a ABI Associação Brasileira de Imprensa e a CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil intensificaram a sua atividade reivindicatória em prol da democratização do país e do respeito aos direitos humanos Paralelamente a isto surgia no Brasil um novo sindicalismo muito mais combativo e independente do que aquele que vicejara na Era Vargas 176 Ele se articulou sobretudo na região do ABC paulista promovendo grandes greves nos anos de 1978 e 1979 Mas na contramão de tal processo e em reação a ele bolsões da direita radical nas Forças Armadas insatisfeitos com a abertura passaram a promover atos terroristas a partir do final dos anos 70 Antes de encerrar o seu mandato Ernesto Geisel propôs e o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 11 revogando os atos institucionais e complementares177 O escolhido pelos militares para a sucessão de Geisel foi o General João Batista de Figueiredo que tomou posse em 15 de março de 1979178 No seu mandato ele deu continuidade ao processo de abertura do país179 aprovando a Lei de Anistia que permitiu a volta ao país de centenas de pessoas que haviam se exilado ou fugido para o exterior dentre as quais os mais importantes líderes da esquerda bem como a libertação de inúmeros presos políticos180 Na mesma época foi aprovada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos possibilitando a reorganização partidária sob bases mais pluralistas e democráticas Ela encerrou o bipartidarismo brasileiro permitindo a formação de alguns dos principais partidos que ainda hoje ocupam o cenário político nacional como o PT o PMDB o PDT e o PTB Na base de sustentação do governo a ARENA foi sucedida pelo PDS Durante o mandato de Figueiredo intensificouse o terrorismo de direita com a explosão de bombas e realização de sequestros O incidente mais sério foi a tentativa de explosão de bomba no Riocentro em 30 de abril de 1981 durante um festival de música que contava com a presença de milhares de pessoas A bomba acabou explodindo no automóvel em que estavam os militares que a transportavam que foram as únicas vítimas do atentado frustrado O governo permitiu que se abafasse a apuração do caso feita por meio de um inquérito farsesco instaurado pelo Exército que confirmou a absurda versão oficial dos fatos isentando os militares de toda a responsabilidade no episódio e pondo a culpa na esquerda181 Em 1980 fora editada a Emenda Constitucional nº 15 restabelecendo eleições diretas para o cargo de Governador de Estado Assim em 1982 ocorreram eleições gerais em que a oposição ganhou o governo de nove Estados dentre os quais São Paulo Rio de Janeiro e Minas Gerais e ampliou bastante a sua representação no Congresso No ano seguinte se inicia o que talvez tenha sido o maior movimento popular na história do país a campanha pelas eleições presidenciais diretas Em 1983 o Deputado Dante de Oliveira encabeçara proposta de emenda constitucional reinstituindo as eleições diretas para a Presidência já incidentes na sucessão do Presidente Figueiredo A missão era praticamente impossível pois desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 2282 o quorum necessário para aprovar mudanças na Constituição voltara a ser o de 23 dos membros de cada casa No entanto houve uma imensa mobilização popular liderada por políticos da oposição e artistas de renome que terminou em gigantescos comícios no Rio de Janeiro e em São Paulo Em lamentável recaída autoritária Figueiredo impôs estado de emergência em Brasília para impedir manifestações populares no dia da votação No dia 25 de abril a emenda é derrotada na Câmara dos Deputados eram necessários 320 votos para aprovála num total de 479 congressistas mas ela só obteve 298 Apesar da derrota houve um grande saldo positivo na campanha das Diretas Já no sentido de engajamento cívico da população e de fortalecimento da sociedade civil Plantaramse ali algumas das sementes que germinariam poucos anos depois na Assembleia Constituinte de 8788 As eleições presidenciais de 1985 foram mais uma vez indiretas mas daquela vez os militares não tiveram mais o controle sobre o processo O PDS que ainda tinha maioria no Colégio Eleitoral em disputada convenção realizada num ambiente de intensos conflitos internos escolheu como candidato o Deputado Paulo Maluf sobre o qual pesavam graves acusações de corrupção e improbidade As oposições lançam o nome de Tancredo Neves político mineiro experiente e moderado No PDS houve uma importante defecção Um expressivo número de políticos do partido não aceitara a candidatura de Maluf criando a Frente Liberal que mais tarde daria origem ao PFL a qual passou a apoiar o nome de Tancredo nas eleições indiretas fornecendolhe o candidato a VicePresidente o maranhense José Sarney Apesar das eleições serem indiretas houve grande pressão popular em favor da candidatura de Tancredo Em 15 de janeiro de 1985 reuniuse o Colégio Eleitoral e o resultado foi uma arrasadora vitória da chapa encabeçada por Tancredo Neves que recebeu 480 votos contra 180 dados a Maluf Em trágica fatalidade Tancredo Neves adoeceu gravemente vindo a falecer antes de tomar posse Em contexto de grande comoção popular pela perda a Presidência foi assumida por José Sarney Figueiredo contrariado resolve não transmitir o cargo para o sucessor e literalmente sai do governo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto Terminava melancolicamente o regime militar 1 Há controvérsia sobre se o documento de 1969 consubstanciou nova constituição ou mera alteração à Carta de 1967 como será analisado a seguir A posição que sustentamos é a de que se tratou de uma nova cons tituição Vejase a propósito o item 38 deste capítulo 2 Cf COMPARATO Fábio Konder Prefácio In FAORO Raymundo A República inacabada p 19 3 Cf BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 4 ed p 79 4 Como registraram Paulo Bonavides e Paes de Andrade o problema constitucional do Brasil passa por uma enorme contradição entre a constituição formal e a constituição material História constitucional do Brasil p 9 5 Cf CARVALHO José Murilo de A cidadania no Brasil um longo caminho p 19 Boris Fausto apresenta nú meros um pouco diversos sem fazer alusão aos índios fala em cerca de 3600000 pessoas dentre os quais cerca de 1100000 escravos História do Brasil p 137 6 Cf BONAVIDES Paulo A Constituição do Império e as nascentes do constitucionalismo brasileiro In BONAVIDES Paulo et al As constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 911 7 Cf GOMES Laurentino 1808 como uma rainha louca um príncipe medroso e uma corte corrupta enga naram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil e IGLESIAS Francisco Trajetória política do Brasil 15001964 p 97 105 8 Cf FAORO Raymundo Os donos do poder p 268272 9 O Brasil elegeu uma bancada de aproximadamente 70 deputados para as Cortes dos quais apenas 50 exer ceram de fato os seus mandatos De Portugal participaram 130 deputados 10 Cf CERQUEIRA Marcelo A Constituição na história origem e reforma p 251254 11 No cenário político brasileiro da época havia três grupos principais Um era conhecido como partido por tuguês formado basicamente por comerciantes ligados aos monopólios portugueses pugnava pela manu tenção dos laços com Portugal e o retorno ao regime colonial Outro era o partido brasileiro em que predo minavam proprietários rurais e elementos que se beneficiavam da autonomia adquirida pelo país e do comércio exterior Havia ainda um grupo radical composto sobretudo por profissionais urbanos como jornalistas médicos professores e padres que postulava a implantação de um regime republicano no país Cf LOPEZ Adriana MOTA Carlos Guilherme História do Brasil uma interpretação p 332 12 Nas palavras de Emília Viotti da Costa a convocação da Assembleia Constituinte antes do 7 de setembro não era ainda uma proclamação formal de Independência pois o texto da convocação ressalvava a união com a grande família portuguesa na realidade difícil de ser mantida depois de todos os atos de desrespeito às ordens das Cortes Da Monarquia à República momentos decisivos p 53 13 De acordo com Raymundo Faoro a expressão fora copiada literalmente do preâmbulo da Constituição francesa de 1814 outorgada por Luís XVIII na tentativa de restabelecer a tradição monárquica do país Os donos do poder p 288 14 De acordo com Caio Prado Jr o projeto de 1823 correspondia plenamente aos anseios da classe hegemônica representada pelos proprietários rurais O caráter conservador do liberalismo esposado pelo projeto se re vela na sua opção pelo voto censitário bem como no reconhecimento dos contratos entre senhores e escravos Cf PRADO JUNIOR Caio Evolução política do Brasil colônia e império p 57 15 Compunham a comissão Antônio Carlos de Andrada Antônio Luiz Pereira da Cunha Pedro de Araújo Lima José Ricardo da Costa Aguiar Manuel Ferreira Câmara Francisco Moniz Tavares e José Bonifácio de Andrada e Silva 16 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 75 17 Nas palavras de Francisco Iglesias De posse do documento o projeto de Constituição o governo adotou forma inteligente para disfarçar a outorga Remeteu cópias às municipalidades com o pedido de sugestões Poucas atenderam a matéria era complexa e as Câmaras em sua quase totalidade não tinham quem pudesse ler estudar ou sugerir algo Trajetória política do Brasil 15001964 p 138 18 CANECA Frei Joaquim do Amor Divino Voto sobre o Juramento do Projeto de Constituição Oferecido por Pedro II In MELLO Evaldo Cabral de Org Caneca Frei Joaquim do Amor Divino p 566 19 Cf CAETANO Marcello Direito constitucional 2 ed p 500 20 Afonso Arinos de Mello Franco sustenta que a aprovação do Ato Adicional de 1834 pela Câmara dos Depu tados retirou da Carta de 1824 o seu caráter de texto outorgado Direito constitucional teoria da Cons tituição as Constituições do Brasil p 119 Não concordamos com esta interpretação seja porque não houve na ocasião deliberação parlamentar sobre todo o texto da Constituição seja porque a aprovação de mudança superveniente não tem o condão de legitimar o texto originário da Carta 21 Aconselhava Montesquieu que o Poder Legislativo fosse formado por duas casas distintas e independentes entre si na qual uma estivesse voltada para a representação do povo e a outra para a representação do corpo de pessoas dignificadas pelo nascimento pelas riquezas ou pelas honrarias Esta formação do corpo legislativo levaria a moderação do poder pois sendo composto por duas partes uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir O espírito das leis p 123 22 A Constituição não condicionou o direito de voto à alfabetização mas entre 1824 e 1842 a legislação exigia que a cédula eleitoral fosse assinada o que limitou na prática o voto dos analfabetos Porém entre 1842 e 1881 os analfabetos puderam votar livremente Cf NICOLAU Jairo Marconi A história do voto no Brasil p 11 23 Cf LYNCH Christian Edward Cyrill A voz do Leviatã pela boca de Behemoth o estado de exceção o poder moderador e o controle normativo de constitucionalidade como meios de expressão da unidade da soberania popular In MACEDO Paulo Emílio Vauthier Borges de Org Direito e política Anais do II Con gresso Brasileiro 24 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 96 25 Nas palavras do autor francês o vício de quase todas as Constituições foi não ter criado um poder neutro mas ter posto num dos poderes ativos a soma total da autoridade de que tal poder deve ser investido Quando esta soma de autoridade viuse reunida ao poder legislativo houve uma arbitrariedade e tirania sem fim Quando a mesma soma de autoridade se viu reunida no poder executivo houve despotismo CONSTANT Benjamin Princípios de Política In CONSTANT Benjamin Escritos sobre a política p 20 26 Nas palavras de José Antônio Pimenta Bueno o Poder Moderador é a suprema inspeção da Nação é o alto direito que ela tem e que não pode exercer por si mesma de examinar o como os diversos poderes políticos que ela criou ou confiou a seus mandatários são exercidos É a faculdade que ela possui de fazer com que cada um deles se conserve em sua órbita e concorra harmoniosamente com outros para o fim social o bemestar nacional é quem mantém seu equilíbrio impede seus abusos conservaos na direção de sua alta missão é enfim a mais elevada força social o órgão político mais ativo o mais influente de todas as instituições fundamentais da nação Direito público brasileiro e a análise da Constituição do Império In KUGELMAS Eduardo Org José Antônio Pimenta Bueno Marquês de São Vicente p 280 Ainda de acordo com o jurista os ministros de Estado não são agentes nem intervêm no exercício deste último poder o Moderador assinando tais atos seu nome não aparece senão para autenticar o reconhecimento a veracidade da firma imperial não são pois responsáveis por eles p 292 27 CANECA Frei Joaquim do Amor Divino Voto sobre o Juramento do Projeto de Constituição Oferecido por Pedro II In MELLO Evaldo Cabral de Org Caneca Frei Joaquim do Amor Divino p 561 28 Segundo Zacarias de Góes e Vasconcelos diz o bom senso que declarar em país livre irresponsável uma pessoa a quem se confiam tão transcendentes funções implicaria grave absurdo se a sua inviolabilidade não fosse protegida pela responsabilidade de funcionários sem os quais nada se pudesse levar a efeito Da natureza e limites do poder moderador In OLIVEIRA Cecília Helena de Salles Org Zacarias de Góes e Vasconcelos p 78 29 Cf CARVALHO José Murilo de Federalismo e centralização no império brasileiro história e argumento In CARVALHO José Murilo de Pontos e bordados ensaios de história e política p 155188 30 A expressão é de BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 100 31 Cf BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 912 e COSTA Emília Viotti Da Monarquia à República momentos decisivos p 61 32 A semirigidez também era uma ideia colhida da obra de Benjamin Constant Aliás o art 178 da Carta foi praticamente copiado de texto do pensador francês para quem tudo o que não se refere aos limites e às atribuições respectivas dos poderes aos direitos políticos e aos direitos individuais não faz parte da Cons tituição mas pode ser modificado pelo concurso do rei e das duas câmaras Princípios de Política In CONSTANT Benjamin Escritos sobre a política p 295 33 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 109119 34 Cf FAUSTO Boris História do Brasil p 179180 35 Como observou com ironia um observador privilegiado deste processo o Senador Nabuco de Araújo o Poder Moderador chama quem quer para organizar o ministério o ministério faz a eleição a eleição faz a maioria Eis aqui o sistema representativo em nosso país apud GRAHAM Richard Clientelismo e política no Brasil do século XIX p 114 36 Cf MOTTA Rodrigo Patto Sá Introdução à história dos partidos políticos brasileiros p 2344 37 Cf SCHWARTZ Roberto As idéias fora do lugar In SCHWARTZ Roberto Ao vencedor as batatas p 1131 38 Sobre esta herança consultese a obra clássica de FAORO Raymundo Os donos do poder p 1240 39 NABUCO Joaquim Minha formação p 49 40 A questão religiosa ocorreu durante a década de 1870 e foi deflagrada quando bispos da Igreja Católica começaram a excluir maçons de suas dioceses e a interditar templos dirigidos por padres ligados à maço naria A maçonaria tinha forte influência no governo o Presidente do Conselho de Ministros à época era o Visconde do Rio Branco um grãomestre maçom D Pedro II mandou prender os bispos que tendo em vista o regime do padroado então vigente eram considerados agentes do Estado O fato gerou reações até do Papa Pio IX que defendia a supremacia da Igreja sobre o poder temporal Porém em 1875 foi dada ao caso uma solução que atendeu aos interesses da Igreja os bispos punidos foram anistiados e caiu o gabinete do Visconde de Rio Branco 41 A questão militar dizia respeito a diversos acontecimentos ocorridos na década de 1880 que geraram tensões entre o Exército brasileiro e políticos monarquistas especialmente aqueles ligados ao Partido Conservador O seu estopim foi a punição do coronel Antônio de Sena Madureira por defender publicamente a abolição da escravidão haja vista a proibição de que os militares se manifestassem sobre questões políticas As reações contra essa e outras punições infligidas a militares do Exército geraram na Força grande unidade e acirrou sentimentos negativos contra a monarquia e o poder civil que já vinham se disseminando desde o fim da Guerra do Paraguai 42 Ocorreu em 1870 por exemplo o lançamento do importante Manifesto Republicano que teve Quintino Bocaiúva como principal redator 43 José Murilo de Carvalho noticia que logo após a proclamação iniciouse uma disputa historiográfica mas revestida de claro conteúdo político sobre quem teria sido o protagonista daquele processo na qual havia três grupos uma corrente ligada à velhaguarda militar que apontava a liderança de Deodoro outra próxima dos positivistas militares ou não que destacava o papel de Benjamim Constant não o filósofo francês mas o militar e professor brasileiro e a terceira relacionada aos civis liberais que sustentava a liderança de Quintino Bocaiúva Cf CARVALHO José Murilo de A formação das almas o imaginário da República no Brasil p 3554 44 Cf CARVALHO José Murilo de Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi Inclusive passou à história a insuspeita afirmação do republicano histórico e integrante do Governo Provisório Aristides Lobo sobre a proclamação da República O povo assistiu a tudo aquilo bestializado atônito surpreso sem conhecer o que significava Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada 45 Esta parece ser a posição de BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 13 46 Cf CERQUEIRA Marcelo A Constituição na história origem e reforma p 301302 e COSTA Emília Viotti Da Monarquia à República momentos decisivos p 449492 47 Cf IGLESIAS Francisco Trajetória política do Brasil 15001964 p 199 48 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 224225 e FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro p 130 49 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 226227 LYNCH Christian Edward Cyril SOUZA NETO Cláudio Pereira de O constitucionalismo da inefetividade a Constituição de 1891 no cativeiro do Estado de Sítio In ROCHA Cléa Carpi da Org As Constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 3542 50 Tornouse conhecida a crítica de Ruy aos excessos dos ultrafederalistas que durante a constituinte queriam implantar no Brasil uma federação ainda mais descentralizada que a norteamericana Ontem de federação não tínhamos nada Hoje não há federação que nos baste BARBOSA Ruy O habeascorpus In BARRETO Vicente Org O liberalismo e a Constituição textos selecionados de Ruy Barbosa p 188 51 A expressão é de Oliveira Vianna em obra clássica em que critica a inadaptação das Constituições brasileiras de 1824 e de 1891 à realidade e cultura brasileira Cf OLIVEIRA VIANNA Francisco José de O idealismo na Constituição 52 Contudo os positivistas obtiveram outras vitórias importantes no nascimento da República como na escolha da bandeira brasileira desenhada por Décio Villares e adotada por Decreto do Governo Provisório de 19 de novembro de 1889 contendo o polêmico mote de Augusto Comte Ordem e Progresso Vejase a propósito CARVALHO José Murilo de A formação das almas o imaginário da República no Brasil p 109128 53 O propósito evidente era de desprestigiar a Corte mas as nomeações não foram aprovadas pelo Senado Vejase a propósito COSTA Emília Viotti O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania p 32 54 BARBOSA Ruy Commentarios à Constituição Federal brasileira colligidos e ordenados por Homero Pires v 1 p 133 55 Cf LEAL Victor Nunes Coronelismo enxada e voto p 225 56 A obra histórica de referência sobre a doutrina brasileira do habeas corpus é de RODRIGUES Leda Boechat História do Supremo Tribunal Federal 57 Cf BARBOSA Ruy O habeascorpus In BARRETO Vicente Org O liberalismo e a Constituição textos sele cionados de Ruy Barbosa p 134138 58 Ao julgar habeas corpus em que o então senador Ruy Barbosa era simultaneamente autor e paciente decidiu o STF por exemplo que as imunidades parlamentares estabelecidas no art 19 da Constituição da República asseguram ao senador da República publicar os seus discursos proferidos no Parlamento pela imprensa onde quando e como lhe convier HC nº 3536 Rel Min Oliveira Ribeiro Julg 651914 59 Eles não compunham a mesma chapa o que era possível no regime da Constituição de 1891 e representavam segmentos diferentes das Forças Armadas Deodoro a velhaguarda e Floriano os jovens militares radicais e positivistas 60 A tese de Floriano Peixoto era de que no primeiro mandato presidencial não incidiria a regra geral prevista no art 42 da Constituição mas sim o estabelecido no art 1º 2º das Disposições Transitórias segundo o qual o Presidente e o VicePresidente eleitos na forma deste artigo ocuparão a Presidência e a VicePresidência durante o primeiro período presidencial 61 Cf VIEIRA Oscar Vilhena Supremo Tribunal Federal jurisprudência política p 74 Contase ainda que rea gindo diante de habeas corpus concedido pela Corte Floriano teria ameaçado eles concedam a ordem mas depois procurem saber quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal Federal Cf SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional p 356 62 Na síntese de Francisco Iglesias o Presidente da República estabelece acordos com os presidentes dos Es tados de modo a obter total apoio de todos os seus atos os presidentes dos estados apoiariam o da República bem como levariam os deputados obedientes às suas ordens e então havia quase unanimidade entre Executivo e a representação parlamentar de cada unidade federativa pois havia praticamente um só partido Em troca desse apoio que garantia ao governo livre ação o presidente da República apoiava toda a política dos Estados o que significava sobretudo a nomeação dos funcionários em cada local feita por indicação dos chefes regionais Justiça polícia escola e mais atividades eram assim escolhas de gente de confiança absoluta do presidente de estado Este por sua vez compunhase com os chefes municipais usando o mesmo artifício apoio irrestrito em troca de apoio ou melhor favores Trajetória política do Brasil 15001964 p 208 63 Sobre o coronelismo vejase a obra clássica de LEAL Victor Nunes Coronelismo enxada e voto o município e o regime representativo no Brasil 64 Cf CARVALHO José Murilo de A cidadania no Brasil um longo caminho p 5657 65 FAORO Raymundo Os donos do poder p 628 66 A expressão é de Christian Edward Lynch e Cláudio Pereira de Souza Neto O constitucionalismo da ine fe tividade a Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio In ROCHA Cléa Carpi da Org As Cons tituições brasileiras notícia história e análise crítica p 47 67 LYNCH Christian Edward Cyril SOUZA NETO Cláudio Pereira de O constitucionalismo da inefetividade a Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio In ROCHA Cléa Carpi da Org As Constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 47 68 É conhecida e provavelmente exagerada a crítica de João Mangabeira ao STF O órgão que desde 1892 até 1937 mais falhou à República não foi o Congresso Nacional Foi o Supremo Tribunal O órgão que a Constituição criara para seu guarda supremo e destinado a conter ao mesmo tempo os excessos do Congresso e as violências do Governo a deixava desamparada nos dias de risco ou de terror quando exa tamente mais necessitada estava ela da lealdade da fidelidade e da coragem dos seus defensores Ruy o estadista da República p 70 69 Para Afonso Arinos de Mello Franco este Decreto foi uma Constituição Provisória e como tal deve ser encarado pela História de nosso Direito Constitucional Curso de direito constitucional p 172 70 Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 260 71 Cf BERCOVICI Gilberto Tentativa de instituição de democracia de massas no Brasil instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org Direitos sociais fundamentos judicicialização e direitos sociais em espécie p 32 72 Sobre os debates constitucionais na República de Weimar vejase JACOBSON Arthur J SCHLINK Bernhard Ed Weimar a jurisprudence of crisis BERCOVICI Gilberto Constituição e estado de exceção per manente atualidade de Weimar 73 Sobre a influência da Constituição de Weimar sobre a Constituição brasileira de 1934 vejase GUEDES Marco Aurélio Peri Estado e ordem econômica e social a experiência constitucional da República de Weimar e a Constituição brasileira de 1934 74 O ato final da derrocada da Constituição de Weimar deuse com a aprovação pelo Parlamento do Ato de Habi litação em 1933 que conferiu ao governo leiase a Hitler o poder de alterar unilateralmente a Constituição como lhe conviesse 75 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 2731 76 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 277 77 BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 290 78 A representação profissional foi um dos temas mais debatidos durante a Assembleia Constituinte Tratavase de uma bandeira do tenentismo inspirada na experiência corporativista de vários países europeus que não era aceita pelos nossos liberais A ideia não foi acolhida pela Comissão Itamaraty mas acabou abraçada durante a Constituinte É praticamente consensual que a representação profissional funcionou muito mal no país no reduzido espaço de tempo em que foi adotada dentre outras razões pela manipulação gover namental nas escolhas dos representantes Sobre o tema cf TAVARES Ana Lucia Lyra A Constituição de 1934 e a representação profissional 79 O Governo Provisório desde 1931 já havia reduzido o número de Ministros de 16 para 11 Na época Getúlio Vargas aposentou compulsoriamente 6 Ministros nomeando outros dois para a Corte Cf COSTA Emília Viotti O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania p 70 80 Cf MENDES Gilmar Ferreira Controle de constitucionalidade aspectos jurídicos e políticos p 176178 81 Aqui também foi marcante a influência da Constituição de Weimar que consagrou a célebre fórmula de se gundo a qual a propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social art 153 82 A afirmação deve ser temperada Não há dúvida que as constituições anteriores também incidiam sobre a economia quando por exemplo asseguravam o direito de propriedade A novidade da Constituição de 1934 estava em dedicarse explicitamente ao tema consagrando um extenso título sobre a Ordem Econômica e Social que continha diversos preceitos disciplinando a economia e buscando de alguma maneira dirigir o mercado para fins de promoção de finalidades predeterminadas politicamente 83 A rigor em matéria econômica a Constituição basicamente absorveu mudanças que já haviam sido decretadas durante o Governo Provisório Cf BERCOVICI Gilberto Tentativa de instituição de democracia de massas no Brasil instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie p 32 84 Cf MOTTA Rodrigo Patto Sá Introdução à história dos partidos políticos brasileiros p 66 85 BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 21 86 De acordo com Marcelo Cerqueira naquele momento a oposição foi calada pelo arbítrio e senadores e de putados presos e desconsideradas as suas imunidades parlamentares Cartas constitucionais Império República e autoritarismo p 66 87 Cf CAETANO Marcello Direito constitucional 2 ed p 563 88 A tônica fascista do pensamento constitucional de Francisco Campos está muito clara em discurso que proferiu em 1935 intitulado A Política e Nosso Tempo como se percebe no seguinte trecho As massas encontramse sob a fascinação da personalidade carismática Esta é o centro da integração política Quanto mais volumosas e ativas as massas tanto mais a integração política só se torna possível mediante o ditado de uma vontade pessoal O regime político das massas é a ditadura A única forma natural de expressão da vontade das massas é o plebiscito isto é o votoaclamação apelo antes do que escolha Não o voto demo crático expressão relativista e cética de preferência de simpatia do pode ser que sim pode ser que não mas a forma unívoca que não admite alternativas e que traduz a atitude da vontade mobilizada para a guerra Há uma relação de contraponto entre a massa e César Essa relação entre o cesarismo e a vida no quadro das massas é hoje fenômeno comum Não há a estas horas país que não esteja à procura de um homem isto é de um líder carismático ou marcado pelo destino para dar às aspirações da massa uma ex pressão simbólica imprimindo a unidade de uma vontade dura e poderosa ao caos de angústia e de medo que compõe o pathos ou a demonia das representações coletivas Não há hoje um povo que não clame por um César CAMPOS Francisco O Estado Nacional sua estrutura seu conteúdo ideológico 89 Na linguagem coloquial muitas vezes se confunde o autoritarismo com o totalitarismo que contudo são fenômenos diversos Como esclareceu Karl Loewenstein ao que consta o precursor desta distinção ela borada exatamente em estudo sobre a Era Vargas citado na nota abaixo o Estado autoritário é uma organização política na qual o único detentor do poder uma só pessoa uma assembléia um comitê uma junta ou um partido monopoliza o poder político sem que seja possível aos destinatários do poder uma participação real na formação da vontade estatal O termo autoritário se refere mais à estrutura governamental que à ordem social Já o termo totalitário faz referência a toda ordem socioeconômica e moral da dinâmica estatal o conceito portanto aponta mais a uma conformação da vida do que ao aparato governamental LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 76 78 A ditadura Vargas foi um caso típico de Estado autoritário mas não de totalitarismo já que não tinha a pretensão de conformar integralmente a vida das pessoas ao contrário de regimes como o nazista e o stalinista que se qualificam como totalitários Sobre o totalitarismo vejase a obra clássica de ARENDT Hannah The origins of totalitarianism 90 No mesmo sentido LOEWENSTEIN Karl Brazil under Vargas p 3738 91 Cf FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro p 208209 MARTINS Waldemar Ferreira História do direito constitucional brasileiro p 108109 CERQUEIRA Marcelo Cartas cons titu cionais Império República e autoritarismo p 79 92 Apud MARTINS Waldemar Ferreira História do direito constitucional brasileiro p 109 93 Marcelo Cerqueira realizou comparação sistemática entre a Carta de 1937 e a Constituição polonesa de 1935 em seu livro Cartas constitucionais Império República e autoritarismo p 7177 94 Cf SILVA José Afonso da A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 In BONAVIDES Paulo et al As Constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 8283 HORTA Raul Machado Autonomia do Estado no direito constitucional brasileiro In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 498502 95 A Carta baixou a idade da aposentadoria compulsória dos juízes de 75 para 68 anos o que acarretou a saída imediata de 5 ministros Edmundo Lins Presidente da Corte Hermenegildo Barros Ataulfo de Paiva Candido Mota e Carlos Maximiliano cf RODRIGUES Leda Boechat História do Supremo Tribunal Federal p 4041 logo substituídos por Vargas propiciando uma maioria confortável para o governo no âmbito do STF que não ofereceu maior resistência diante dos abusos perpetrados durante o Estado Novo 96 Como o Legislativo esteve fechado durante o Estado Novo o próprio Presidente chegou a editar um decretolei DL nº 15641939 cassando decisão do STF que exercera o controle de constitucionalidade sobre outro decretolei do regime invocando o art 180 da Carta que lhe permitia desempenhar as funções do Parlamento enquanto esse não se reunisse Houve protestos no STF mas naturalmente a posição do governo prevaleceu Cf LOEWENSTEIN Karl Brazil under Vargas p 115120 97 Cf CAMPOS Francisco Diretrizes do Estado Nacional In CAMPOS Francisco O Estado Nacional sua estrutura seu conteúdo ideológico p 39 et seq 98 Cf FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro p 214 As linhas gerais desta importante norma foram analisadas por LOEWENSTEIN Karl Brazil under Vargas p 6170 99 O art 177 permitia ao Governo no prazo de 60 dias contados da data da Constituição a aposentadoria ou reforma de servidores civis e militares no interesse do serviço público ou por conveniência do regime Essa faculdade foi prorrogada por tempo indeterminado pela Lei Constitucional nº 2 de 16 de maio de 1938 Havia ampla discussão doutrinária sobre a incidência desta norma sobre os juízes tendo em vista a garantia constitucional da vitaliciedade da magistratura art 91 alínea a que foi sanada pela Lei Constitucional nº 842 que esclareceu a sua aplicabilidade também sobre os membros do Poder Judiciário 100 Dois episódios marcantes lembrados pela História e pela literatura nacional foram a prisão arbitrária de Graciliano Ramos considerado simpatizante do comunismo e a deportação de Olga Benário ativista comu nista judia e companheira de Luís Carlos Prestes entregue grávida aos nazistas vindo a morrer em campo de concentração Vejase a propósito respectivamente RAMOS Graciliano Memórias do cárcere e MORAIS Fernando Olga 101 Os integralistas inicialmente apoiavam o governo Vargas Mas depois da dissolução dos partidos e de per ceberem que não teriam espaço no governo partiram para o confronto A repressão voltase contra eles após um malsucedido atentado que promoveram em maio de 1938 contra a residência do Presidente da República que ficou conhecido como o putsch integralista 102 Cf DARAÚJO Maria Celina O Estado Novo p 3438 103 Salientese que os direitos sociais não nasceram no Brasil com a Revolução de 1930 Nas últimas duas décadas da República Velha já haviam sido editadas no Brasil as primeiras normas de proteção ao trabalhador e de previdência social Porém não há dúvida de que houve uma expansão e aprofundamento destes di reitos após a Revolução Cf BERCOVICI Gilberto Tentativa de instituição de democracia de massas no Brasil instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie p 4849 GOMES Ângela Maria de Castro A invenção do trabalhismo no Brasil p 19146 104 Esta visão convencional das gerações dos direitos em que primeiro surgem os individuais e políticos e depois os sociais foi desenvolvida em obra clássica de MARSHALL T H Cidadania classe social e status O trabalho de Marshall era sobre a Inglaterra mas sua concepção passou a ser repetida como uma narrativa universal mesmo em contextos em que ela não retrata bem a realidade histórica como o brasileiro 105 Cf CARVALHO José Murilo de A cidadania no Brasil um longo caminho p 110126 LUCA Tânia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Jayme PINSKY Carla Bassanezi História da cidadania p 469493 106 A ideia de cidadania regulada foi desenvolvida por SANTOS Wanderlei Guilherme dos Cidadania e jus tiça a política social na ordem brasileira 107 Sobre o sindicalismo no Estado Novo vejase VIANNA Luiz Werneck Liberalismo e sindicato no Brasil p 199242 108 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 7273 109 Cf MOTTA Rodrigo Patto Sá Introdução à história dos partidos políticos brasileiros p 83 110 A Lei Constitucional nº 12 revogou o art 177 da Constituição que dava ao governo o poder de aposentar ou reformar discricionariamente servidores civis ou militares a Lei Constitucional nº 14 extinguiu o Tribunal de Segurança Nacional a Lei Constitucional nº 16 revogou o art 186 da Carta que declarara estado de emergência por prazo indeterminado e a Lei Constitucional nº 18 extinguiu a faculdade de cassação política das decisões dos tribunais no controle de constitucionalidade 111 Segundo Afonso Arinos de Mello Franco entre 1946 e 1949 16 países de fora das Américas editaram novas constituições Em nosso continente houve textos novos ou mudanças substanciais entre 1945 e 1949 em outros 12 Estes 28 países representavam à época cerca de um terço das nações do mundo Cf FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro v 2 p 223224 112 Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 283 113 Cf COMPARATO Fábio Konder A Constituição brasileira de 1946 um interregno agitado entre dois autoritarismos In BONAVIDES Paulo et al As Constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 101 114 Cf FAUSTO Boris História do Brasil p 399 115 Este sistema foi objeto de intensa controvérsia política e jurídica no âmbito da Assembleia Constituinte Vejase sobre os debates então travados BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 369380 116 Cf FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro p 232233 117 Cf FRANCO Afonso Arinos de Mello Curso de direito constitucional brasileiro p 234235 118 Cf BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 2627 119 Desde 1932 as mulheres tinham direito de voto mas ele era obrigatório apenas para os homens e para mulheres que exercessem profissão pública remunerada Com a Constituição de 1946 o voto passa a ser obrigatório também para as mulheres 120 Paradoxalmente tal preceito inserido no elenco dos direitos individuais serviria de base para decisão do TSE proferida em 1947 que colocaria o PCB de novo na ilegalidade cassando o mandato dos seus deputados 121 Entendeuse na época que fora recepcionado o DecretoLei nº 907046 editado por Dutra que vedada a greve numa extensa gama de atividades consideradas fundamentais e ainda permitia que outras fossem assim consideradas por ato do Ministro do Trabalho Cf COMPARATO Fábio Konder A Constituição brasileira de 1946 um interregno agitado entre dois autoritarismos In BONAVIDES Paulo et al As Cons tituições brasileiras notícia história e análise crítica p 102103 122 Cf VIANNA Luiz Werneck Liberalismo e sindicato no Brasil p 268 123 Cf BERCOVICI Gilberto Tentativa de instituição de democracia de massas no Brasil instabilidade cons titucional e direitos sociais na Era Vargas In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org Direitos sociais fundamentos judicicialização e direitos sociais em espécie p 4648 e COMPARATO Fábio Konder A Constituição brasileira de 1946 um interregno agitado entre dois autoritarismos In BONAVIDES Paulo et al As Constituições brasileiras notícia história e análise crítica p 105107 124 O principal incidente neste período foi o fechamento do PCB decretado pelo TSE 125 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 110180 126 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 188198 127 Mandado de Segurança nº 3557 O caso foi amplamente analisado em RODRIGUES Leda Boechat História do Supremo Tribunal Federal p 165235 t IV onde se encontram reproduzidos todos os votos dos ministros do STF Dentre estes cabe destacar pela defesa da Constituição o voto do Ministro Ribeiro da Costa que concedera a ordem bem como pela visão realista sobre os limites da capacidade da Constituição formal para limitar os fatores reais de poder o voto do Ministro Nelson Hungria que denegara o writ Deste último colhemse os seguintes excertos Afastado o manto diáfano da fantasia sobre a nudez rude da verdade a resolução do Congresso não foi senão a constatação da impossibilidade material em que se acha o Sr Café Filho de reassumir a presidência da República em face da imposição dos tanques e baionetas do Exército que estão acima das leis da Constituição e portanto do Supremo Tribunal Federal Contra uma insurreição pelas armas coroada de êxito somente valerá uma contrainsurreição com maior força E esta positivamente não pode ser feita pelo Supremo Tribunal Federal posto que esse não iria cometer a ingenuidade de numa inócua declaração de princípios expedir mandado para cessar a insurreição Aqui está o nó górdio que o Poder Judiciário não pode cortar pois não dispõe da espada de Alexandre 128 A transferência da capital para o planalto central da República já estava prevista desde a Constituição de 1891 art 3º sendo reiterada pela Constituição de 1934 art 4º das Disposição Transitórias e determinada mais uma vez pela Constituição de 1946 no art 4º do Ato das Disposições Transitórias Cf CAETANO Marcello Direito constitucional 2 ed p 584585 129 Foram os levantes de Jacareacanga 1956 e Aragarças 1959 130 Especulase que o seu objetivo era o de continuar como Presidente assumindo novos poderes fora das limitações impostas pela Constituição De acordo com essa tese Jânio esperava com o apoio popular que provavelmente superestimava bem como com o temor difundido entre as Forças Armadas e setores importantes da opinião pública de um governo esquerdista do seu sucessor legal o VicePresidente João Goulart 131 Surgia aí no ordenamento brasileiro a figura da lei complementar posteriormente regulada pelas Cons tituições de 1967 1969 e 1988 132 Houve uma indicação do Presidente recusada pela Câmara dos Deputados o jurista Santiago Dantas es colhido após a renúncia de Tancredo Neves 133 Como assinalou Francisco Iglesias não se deve enxergar no malogro desta breve experiência parlamentarista a sua inviabilidade no Brasil Nas suas palavras a fase parlamentarista não deve ser encarada como expe riência séria pois resultou de um expediente para evitar guerra civil não da convicção da superioridade do sistema de tanto êxito em várias nações e aqui mesmo praticado durante o Império um parlamentarismo que é antes um arremedo do verdadeiro sistema que se praticava em outras nações Trajetória política do Brasil 15001964 p 288 134 Foram cerca de 2 milhões de votos a favor do parlamentarismo e quase 95 milhões pelo retorno do pre sidencialismo Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República 2 ed p 308 135 Vejase sobre este período GASPARI Elio A ditadura envergonhada p 45125 136 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 48 137 De acordo com o art 206 da Constituição de 1946 este poder era até então do Congresso e a decretação do estado de sítio faziase por lei 138 De acordo com Boris Fausto foram atingidos 49 juízes e cerca de 1400 servidores civis e de 1200 militares História do Brasil p 467468 139 Cf GASPARI Elio A ditadura envergonhada p 129151 140 Cf FAUSTO Boris História do Brasil p 467 141 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 99 142 Tal representação corresponde hoje à Ação Direta de Inconstitucionalidade A sua introdução tornou o sistema de jurisdição constitucional brasileiro misto pois temos aqui desde então tanto o controle abstrato e concentrado exercitado pelo STF sobre as normas em tese como o controle difuso e concreto à disposição de qualquer juiz e tribunal no exame das lides a eles submetidas Pode parecer paradoxal que um governo de exceção tenha querido instituir novo mecanismo de controle de constitucionalidade que afinal representa instrumento de fiscalização do respeito aos limites do exercício do poder político Mas não havia paradoxo algum É que o diabo morava nos detalhes a representação de inconstitucionalidade só podia ser promovida pelo Procurador Geral da República que à época era funcionário de confiança escolhido e exonerado livremente pelo Presidente Assim não havia qualquer risco de que as suas ações viessem a contrariar os interesses do regime Por outro lado como as decisões na representação de inconstitucionalidade possuíam eficácia erga omnes tal ação na prática diminuía os poderes dos juízes e tribunais ordinários na jurisdição constitucional transferindoos para o STF que pela sua composição política era tido como mais confiável pelo governo Além disso pela representação era possível o controle dos atos normativos dos Estados que podiam eventualmente ser governados pela oposição 143 Como ressaltou Marcelo Cerqueira o procedimento previsto continha uma óbvia inversão já que primeiro o projeto seria aprovado em globo e segundo as emendas seria então discutidas A Constituição na história origem e reforma p 359 Evidentemente a inversão não fora inocente Por meio dela seria possível se houvesse algum atraso na análise das emendas promulgar como Constituição o texto intacto do projeto do governo e ainda alegar que ele fora aprovado pelo Congresso 144 A explicação oficial dada à exiguidade desde prazo era o fato de que Castelo Branco cujo mandato encerrarseia em 15 de março de 1967 queria transmitir o cargo ao seu sucessor eleito Costa e Silva já com a nova Constituição aprovada 145 Nas palavras de Paulo Bonavides e Paes de Andrade não houve propriamente uma tarefa constituinte mas uma farsa constituinte História constitucional do Brasil p 432 146 Cf CERQUEIRA Marcelo A Constituição na história origem e reforma p 359 147 Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 314 148 O General Arthur da Costa e Silva foi eleito em 3 de outubro de 1966 pelo Congresso Nacional em eleição com chapa única e o seu candidato a Vice era o Deputado Pedro Aleixo O MDB resolvera não participar do processo para não lhe emprestar legitimidade 149 Cf BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 36 150 Cf CAVALCANTI Themístocles Brandão BRITO Luiz Navarro de BALEEIRO Aliomar Constituição bra sileira 1967 p 50 151 Anteriormente já tinha havido um foco de resistência armada no campo na Serra do Caparaó em 1966 que fora desbaratado pelo Exército em janeiro de 1967 152 A autorização era necessária em razão da imunidade formal conferida aos parlamentares pelo art 34 1º da Constituição de 1967 153 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 160167 154 Sobre a tortura no regime militar vejase o dossiê ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO Brasil nunca mais 155 A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada são os títulos dos dois primeiros volumes da série de cinco livros intitulada As Ilusões Armadas em que Elio Gaspari cobre o período que vai das vésperas do golpe militar até a posse do Presidente João Batista de Figueiredo em março de 1979 Na abertura do volume A Ditadura Escancarada registra o autor Escancarada a ditadura firmouse A tortura foi o seu instrumento extremo de coerção e o extermínio o último recurso da repressão política que o Ato Institucional nº 5 libertou das amarras da legalidade A ditadura envergonhada foi substituída por um regime a um só tempo anárquico nos quartéis e violento nas prisões Foram os Anos de Chumbo GASPARI Elio A ditadura escancarada p 13 156 Cf BARROSO Luís Roberto Vinte anos da Constituição brasileira de 1988 o Estado a que chegamos In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 30 157 O AI13 e o AI14 foram editados no contexto da reação dos militares contra o sequestro do Embaixador norteamericano Charles Elbrick realizado no Rio de Janeiro por militantes da ALN e do MR8 em que se obteve sua troca por quinze presos políticos Os primeiros banidos foram exatamente esses prisioneiros trocados pelo Embaixador Já a pena de morte prevista no AI14 nunca chegou a ser aplicada As forças da ditadura preferiam matar suas vítimas informalmente em execuções sumárias ou em sessões de tortura 158 Fora disputada nos bastidores militares a escolha do novo Presidente provocando algumas tensões Daí a edição do AI17 dando ao Presidente o poder de transferir para a reserva por período determinado os militares que hajam atentado ou venham a atentar comprovadamente contra a coesão das Forças Armadas divorciandose por motivos de caráter conjuntural ou objetivos políticos de ordem pessoal ou de grupo dos princípios basilares e das finalidades precípuas de sua destinação constitucional art 1º Vejase a propósito SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 197203 159 De acordo com Paulino Jacques o novo texto realizara cerca de 120 modificações de fundo e 180 de forma na Constituição de 1967 A Constituição explicada p 23 160 Vejase por exemplo FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 7274 161 Nas palavras de José Afonso da Silva Teórica e tecnicamente não se trata de emenda mas de nova constituição A emenda só serviu como mecanismo de outorga uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado Curso de direito constitucional positivo 5 ed p 78 Na mesma linha MELLO FILHO José Celso de Constituição Federal anotada p 12 162 Vejase sobre este debate o Capítulo 6 que trata do Poder Constituinte 163 Ao longo do tempo outros foram sendo acrescentados à Carta de 69 de modo que por ocasião da sua revogação pela Constituição de 1988 ela continha 217 artigos 164 Em 1977 a Emenda Constitucional nº 8 ampliaria mais uma vez este mandato desta vez para seis anos 165 Depois do episódio envolvendo a negativa do Congresso em conceder autorização para processar o depu tado Márcio Moreira Alves em que vários deputados da ARENA votaram contra o governo o regime quis se assegurar do pleno controle sobre a sua base parlamentar 166 Cf GASPARI Elio A ditadura envergonhada p 1744 167 Sobre a luta armada de resistência à ditadura militar no Brasil vejase GORENDER Jacob Combate nas trevas a esquerda brasileira das ilusões perdidas à luta armada ROLLEMBERG Denise Esquerdas revo lucionárias e luta armada In FERREIRA Jorge DELGADO Lucilia de Almeida Neves Org Brasil Republicano o tempo da ditadura regime militar e movimentos sociais em fins do século XX p 4590 168 Cf FURTADO Celso O Brasil pósmilagre TAVARES Maria da Conceição ASSIS José Carlos O grande salto para o caos a economia política e a política econômica do regime autoritário 169 Desta vez o MDB que havia boicotado as eleições de Castelo Branco Costa e Silva e Médici lançou a candidatura de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho Vice Evidentemente o partido não almejava vencer as eleições o que se afigurava impossível mas ganhar um espaço para denunciar a ilegitimidade daquele processo eleitoral que apenas homologava o nome imposto pelos militares Nas palavras de Carlos Chagas Ulysses era um anti candidato para denunciar a anti eleição imposta pela anti Constituição A guerra das estrelas p 220 O placar do Colégio Eleitoral seria avassalador 400 votos para Geisel contra apenas 76 para Ulysses 170 Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 315322 171 Em outubro de 1975 o jornalista Wladimir Herzog Diretor de Jornalismo da TV Cultura havia sido torturado e assassinado nas dependências do DOICODI de São Paulo tendose simulado o seu suicídio por enforcamento Em circunstâncias semelhantes as forças de repressão em São Paulo mataram também o sindicalista Manuel Fiel Filho em janeiro de 1976 Em resposta o Presidente demitiu o Comandante o 2º Exército responsável pela área General Ednardo DAvila sinalizando para a linhadura que não aceitaria mais acontecimentos daquele tipo 172 A expressão é de Golbery do Couto e Silva uma das mais poderosas autoridades durante o regime militar que também compunha o grupo dos moderados Sístoles são as contrações dos músculos do coração e diástoles os movimentos de distensão desses mesmos músculos 173 A Carta de 69 tinha previsto eleições diretas para governador mas excepcionara as eleições de 1970 art 189 e posteriormente a Emenda Constitucional nº 2 também havia consagrado eleições indiretas para o mesmo cargo nos pleitos de 1974 174 Tais senadores passariam a ser conhecidos como biônicos 175 Cf CARVALHO José Murilo de A cidadania no Brasil um longo caminho p 178190 176 Cf MATTOS Marcelo Badaró O sindicalismo brasileiro após 1930 p 6070 177 A Emenda nº 11 continha também uma novidade polêmica que foi muito criticada pela oposição introduzia a figura do estado de emergência similar ao estado de sítio que implicava a suspensão de diversas ga ran tias constitucionais e podia ser decretado pelo Presidente para impedir ou impelir atividades sub versivas art 158 178 Nas eleições indiretas o MDB mais uma vez sem nenhuma chance de vitória lançou como candidato o General Euler Bentes Monteiro que recebeu 225 votos contra 355 dados à Figueiredo Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 326 179 Cf SILVA Francisco Carlos Teixeira da Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil 19741985 In FERREIRA Jorge DELGADO Lucilia de Almeida Neves Org Brasil Republicano o tempo da ditadura regime militar e movimentos sociais em fins do século XX p 245282 180 A Lei de Anistia envolveu aspecto que hoje é objeto de intensa controvérsia tanto política como jurídica Apesar da ambiguidade do seu texto ela foi editada visando a anistiar os dois lados ou seja a proteger também os responsáveis por graves violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura Nos últimos tempos esta dimensão da Lei de Anistia vem sendo justamente criticada sob a alegação de que ao assegurar a impunidade dos crimes da ditadura ela violaria gravemente os direitos humanos Este aspecto da Lei de Anistia foi impugnado no STF por meio da ADPF nº 153 proposta pelo Conselho Federal da OAB mas a Corte considerou que ele não ofenderia a Constituição de 1988 Rel Min Eros Grau DJe 6 ago 2010 Não obstante a Corte Interamericana de Direitos Humanos seguindo a sua pacífica e reiterada jurisprudência na matéria decidiu no caso Gomes Lund v Brasil julgado em 14122010 que a anistia às graves violações de direitos humanos cometidas no regime militar brasileiro afronta a Convenção Interamericana de Direitos Humanos 181 O episódio provocou o pedido de demissão de Golbery do Couto e Silva eminência parda do governo Figueiredo e integrante do grupo dos moderados que não aceitou o tratamento dado à questão pelo Pre sidente em sintonia neste ponto com a linhadura militar Cf SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo p 442452 CAPÍTULO 4 A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 198788 E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA SOB A CONSTITUIÇÃO DE 88 41 Introdução No presente capítulo examinaremos os antecedentes próximos e a dinâmica de funcionamento da Assembleia Constituinte de 198788 as características centrais da Constituição e os traços mais salientes da sua incidência sobre as relações políticas e sociais até o momento Não há dúvida de que o Brasil tem muito a celebrar pelos mais de vinte e três anos da Constituição de 88 uma Constituição democrática e humanista voltada à construção de um Estado Democrático de Direito que tem logrado mais do que qualquer outra em nossa história absorver e arbitrar as crises políticas que o país tem atravessado Sem embargo não mistificaremos a Assembleia Constituinte da Constituição de 88 O processo constituinte brasileiro será examinado a partir de uma perspectiva crítica atenta tanto às suas inegáveis virtudes como aos seus vícios e imperfeições Essa dimensão crítica da análise não deve ser tomada como desapreço à ordem constitucional vigente mas como um esforço de compreensão da trajetória institucional e da realidade constitucional do país em toda a sua complexidade 42 Antecedentes convocação e natureza da Assembleia Constituinte Como visto no capítulo anterior o movimento que resultou na convocação da Assembleia Nacional Constituinte de 198788 só se tornou viável no contexto da crise da ditadura militar e da lenta transição do regime de exceção em direção à democracia que se iniciou no governo do Presidente Ernesto Geisel A transição do regime autoritário em direção à democracia não foi liderada pelos setores mais radicais da sociedade e do segmento político mas por uma coalizão formada entre as forças moderadas que davam suporte ao governo militar e os setores também moderados da oposição1 Tratouse de modelo conhecido como transição com transação2 em que as mudanças foram negociadas não resultando de rupturas violentas No processo político que se desenvolveu no país o início da transição decorreu de iniciativa de elementos do próprio regime autoritário que durante a sua fase inicial ditaram o seu ritmo e impuseram os seus limites As forças do regime autoritário mesmo depois de perderem o protagonismo no processo histórico de redemocratização mantiveram um amplo poder de barganha e até mesmo de veto3 A bandeira de convocação da Assembleia Constituinte apareceu pela primeira vez em manifesto do MDB intitulado Carta de Recife no ano de 1971 mas sem maiores repercussões até pela absoluta inviabilidade da proposta em plena fase dos anos de chumbo4 A partir de 1977 já no contexto de liberalização do regime militar o tema foi retomado de forma mais consistente pelo partido que aprovou a convocação da Constituinte por unanimidade na sua convenção daquele ano No mesmo ano a CNBB publicou documento denominado Exigências Cristãs para uma Ordem Política também cobrando a convocação de Assembleia Nacional Constituinte Merece destaque a atuação da OAB no mesmo sentido também a partir de 1977 O Presidente do Conselho Federal da OAB entre 19771979 Raymundo Faoro foi um incansável defensor da tese Faoro também acadêmico de grande importância publicou sobre o tema um texto clássico5 em que postulou que apenas uma nova Assembleia Constituinte investida de soberania poderia conferir legitimidade ao Estado brasileiro fundando sobre bases mais democráticas o poder político Na Conferência Nacional da OAB de 1980 aprovouse a Declaração de Manaus na qual se bradava pela volta do poder constituinte ao povo seu único titular legítimo6 Tal pregação conquistou muitos adeptos no meio jurídico e fora dele Fator decisivo no movimento próconstituinte foi a campanha das Diretas Já que mobilizou intensamente a sociedade brasileira nos anos de 198384 A anti climática derrota no Congresso da Emenda Dante de Oliveira evidenciou a ilegitimidade do regime constitucional da época bem como a urgência da instauração de uma nova ordem jurídicopolítica Em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney no Colégio Eleitoral o primeiro um líder moderado da oposição o segundo uma antiga liderança civil do regime militar dáse mais um passo em direção à Constituinte A referida chapa denominada Aliança Democrática assumira formalmente o compromisso de convocação de uma Assembleia Constituinte7 O trágico falecimento de Tancredo não postergou o cumprimento do compromisso em julho de 1985 honrando a promessa de campanha de Tancredo Sarney enviou ao Legislativo a Proposta de Emenda Constitucional nº 43 prevendo a atribuição de poderes consti tuintes ao Congresso Nacional que se reuniria em 1º de fevereiro de 1987 e seria composto na sua grande maioria por parlamentares eleitos no pleito de 1986 Além disso tal como fora programado por Tancredo Sarney nomeou uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais presidida pelo jurista Afonso Arinos de Mello Franco que ficou encarregada de elaborar um anteprojeto de Constituição7 A fórmula adotada foi objeto de fortes críticas dentre os setores mais progressistas da sociedade que preferiam a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva que não cumulasse os seus trabalhos àqueles da legislatura ordinária e que se dissolvesse assim que concluída a sua obra8 Contestavase ademais a presença na Assembleia Constituinte dos senadores empossados em 1982 cujos mandatos expirarseiam apenas em 1990 sob o argumento de que o povo não os teria eleito para elaborar nova Constituição A nomeação da Comissão de notáveis presidida por Afonso Arinos também foi objeto de críticas de setores à esquerda que não aceitavam o protagonismo do Presidente da República na definição da agenda da Constituinte9 O modelo adotado parece ter resultado de um compromisso com as forças do regime autoritário travado ainda antes do óbito de Tancredo Neves pois ditas forças temiam que uma Assembleia Constituinte exclusiva pudesse resvalar para o radicalismo10 ou até para o revanchismo contra os militares leiase a sua responsabilização pelas gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura como já estava então ocorrendo na Argentina A Comissão Afonso Arinos era composta por 50 personalidades ilustres ori ginárias de áreas e com inclinações ideológicas bastante heterogêneas11 Ela elaborou um texto extenso com 436 artigos no corpo permanente e outros 32 nas disposições transitórias mas de teor avançado e democrático que adotava o regime parlamentarista de governo Seu conteúdo sobretudo pela opção parlamentarista desagradou ao Presidente Sarney que decidiu não enviálo à Constituinte para que servisse de base para os seus trabalhos12 encaminhandoo ao Ministério da Justiça onde foi arquivado13 Sem embargo o seu texto que recebera ampla divulgação exerceu influência durante a elaboração da Constituição de 88 O projeto de emenda convocando a Constituinte apresentado por Sarney foi aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado como a Emenda Constitucional nº 26 em 27 de novembro de 1985 O Deputado Flávio Bierrenbach Relator origi nário da Proposta de Emenda ainda tentou alterar a fórmula nela prevista apresen tando um substitutivo que determinava a realização de um plebiscito para que o povo se manifestasse sobre duas questões se a nova Constituição deveria ser elaborada pelo Congresso Nacional ou por uma assembleia exclusiva e se os senadores eleitos em 1982 poderiam ou não participar da Constituinte14 Mas seu substitutivo foi rejeitado prevalecendo a proposta de Sarney de uma Assembleia Constituinte congressual que cumularia suas funções com aquelas ordinárias do Poder Legislativo Federal Tal escolha teve implicações sérias para os trabalhos da Constituinte na medida em que ensejou uma indevida confusão entre a política ordinária típica das atribuições cotidianas do Congresso com a extraordinária envolvida na elaboração de uma Constituição contribuindo para que se inserissem no texto constitucional temas e questões sem estatura para ali figurarem15 De acordo com a Emenda Constitucional nº 2685 os membros do Congresso reunirseiam unicameralmente em Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana no dia 1º de fevereiro de 1987 na sede do Congresso Nacional art 1º A Assembleia Constituinte seria instalada pelo Presidente do STF que presidiria a eleição do seu Presidente art 2º A nova Constituição seria promulgada depois da aprovação de seu texto em dois turnos de discussão e votação pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte art 3º A convocação da Assembleia Constituinte por Emenda Constitucional levou alguns juristas e políticos da época a defenderem a tese de que ela não corresponderia ao exercício de autêntico poder constituinte originário mas sim de um poder derivado e como tal limitado pela norma que o convocara16 Contudo esse posicionamento francamente minoritário na doutrina é absolutamente incorreto A Emenda nº 2685 foi apenas o veículo formal empregado para a convocação da Assembleia Nacional Constituinte de 8788 mas não o seu fundamento de validade Esse repousava na vontade presente na sociedade brasileira e evidenciada em movimentos como o das Diretas Já de romper com o passado de autoritarismo e de fundar o Estado e a ordem jurídica brasileira sobre novas bases mais democráticas17 Tratavase de autêntica manifestação da soberania popular e essa não necessita para exteriorizarse do recurso à revolução violenta podendo também eclodir em contextos de transição pacífica como ocorreu no Brasil18 Em meados dos anos 80 o país vivia um típico momento constitucional caracterizado pela efervescência política e pela genuína mobilização popular em prol de um recomeço19 Era essa a verdadeira fonte de autoridade da Assembleia Constituinte e não a Emenda Constitucional nº 26 Por isso a Assembleia Constituinte livre e soberana de 198788 traduziu autêntica expressão do poder constituinte originário 43 Composição da Assembleia Constituinte A Assembleia Nacional Constituinte que se reuniu em 1º de fevereiro de 1987 era composta por 559 membros 487 deputados federais e 72 senadores Dentre os constituintes todos os deputados federais e 49 dos senadores haviam sido eleitos no pleito ocorrido em 1986 Os demais 23 senadores tinham sido eleitos no pleito de 1982 Nas eleições de 1986 o povo escolhera simultaneamente os parlamentares e os governadores de Estado O pleito realizouse em momento em que o Plano Cruzado do Presidente José Sarney ainda estava produzindo efeitos positivos na economia o que contribui para explicar o enorme sucesso eleitoral do PMDB partido ao qual o Presidente estava filiado que conseguiu obter bancada superior à maioria absoluta da Assembleia Constituinte Em fevereiro de 1987 as bancadas dos partidos representados na Constituinte eram as seguintes20 Partidos Total Deputados Senadores86 Senadores82 PMDB 306 260 38 8 PFL 132 118 7 7 PDS 38 33 2 3 PDT 26 24 1 1 PTB 18 17 1 PT 16 16 PL 7 6 1 PDC 6 5 1 PCB 3 3 PC do B 3 3 PSB 2 1 1 PSC 1 1 PMB 1 1 Constituintes 559 487 49 23 Contudo tais números não devem induzir à apressada conclusão de que teria havido uma força absolutamente hegemônica na Constituinte o PMDB capaz de impor as suas concepções sobre as demais agremiações políticas O PMDB não representava uma única força política A bancada incluía parlamentares de inclinações absolutamente heterogêneas que percorriam quase todo o arco ideológico Apesar de herdeiro do MDB partido de oposição ao regime militar um número bastante elevado dos componentes do PMDB participara da base de sustentação do governo autoritário tendo integrado a ARENA e só depois migrado para o PMDB21 Ao longo dos mais de 20 meses que perdurou a Assembleia Constituinte houve um percentual significativo de troca de partidos cerca de 15 dos congressistas mudaram a sua filiação partidária22 A alteração mais relevante foi o surgimento do PSDB em junho de 1988 formado sobretudo a partir de dissidentes do PMDB23 Do ponto de vista ideológico os estudos sobre a Assembleia Constituinte apontam para o seu caráter altamente plural com predominância do Centro É curioso que embora a Constituição de 1988 seja normalmente tachada de progressista os partidos então identificados com a esquerda PDT PT PCB PC do B e PSB tinham bancadas que somadas totalizavam não mais que 50 constituintes ou seja cerca de 9 da Assembleia A clivagem ideológica não esclarece plenamente o comportamento dos constituintes uma vez que os mesmos atuavam também a partir de diversas outras variáveis como os interesses regionais e o dos segmentos sociais aos quais estavam politicamente vinculados O percentual de novos parlamentares federais na Assem bleia Constituinte foi de 49 taxa de renovação dentro da média nacional considerando as legislaturas anteriores Apenas 242 dos constituintes não tinham experiência anterior em cargos eletivos24 Mais da metade deles 5080 ingressara na vida políticoeleitoral a partir do prévio exercício de cargos públicos da elite burocrática do Estado25 enquanto um percentual bem menor dos integrantes da Constituinte 1164 tinha a sua origem política na participação em movimentos sociais organizados Do ponto de vista da representação regional havia uma distorção em favor dos Estados menos populosos do Norte e do CentroOeste e em desfavor daqueles do Sudeste se levados em consideração os respectivos eleitorados É que a Assembleia Constituinte era composta também pelos senadores e os Estados no Senado têm sempre a mesma representação independentemente de sua população Além disso o número de deputados eleitos por Estado fora estabelecido de acordo com as regras que vinham do Pacote de Abril do Presidente Geisel que ao impor limites mínimo e máximo de representação favorecera os Estados com menor eleitorado Sob a perspectiva de gênero as mulheres estavam absolutamente subrepresentadas na Assembleia Constituinte contando com apenas 26 congressistas 46 do total O fenômeno também ocorria com afrodescendentes e indígenas havia apenas 11 constituintes negros pretos ou mulatos 226 e nenhum indígena27 A média de idade dos constituintes era de 48 anos 28 Cerca de 869 deles tinham curso superior com absoluto predomínio do Direito nada menos que 243 parlamentares possuíam formação jurídica29 44 Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada no dia 1º de fevereiro de 1987 sob a Presidência do então Presidente do STF Ministro José Carlos Moreira Alves Logo na segunda sessão da Constituinte os Deputados Plínio de Arruda Sampaio e Roberto Freire levantaram questão de ordem a propósito da legitimidade da participação dos senadores eleitos em 1982 naquela Assembleia uma vez que não tinham recebido delegação expressa do povo para elaboração da nova Carta O Ministro Moreira Alves decidiu a questão de ordem em favor da participação daqueles 23 senadores na Constituinte diante do teor da EC nº 2685 Contra a sua decisão foi interposto recurso para o Plenário que confirmou a decisão de Moreira Alves por 394 votos contra 124 registrandose 17 abstenções Superada a discussão sobre a composição da Constituinte passouse à eleição do seu Presidente Apresentaramse ao pleito dois candidatos Ulysses Guimarães PMDB30 e Lysâneas Maciel PDT tendo havido arrasadora vitória do primeiro por 425 votos contra 69 e 18 abstenções O próximo passo seria a definição de um Regimento Interno para elaboração da Constituição31 As discussões sobre este regimento se estenderam por mais de dois meses diante das fortes divergências existentes sobre vários pontos Dentre os temas controvertidos dois podem ser destacados a a soberania da Assembleia Nacional Constituinte para adotar decisões que modificassem a ordem constitucional vigente antes da promulgação da nova Carta e b a forma de tramitação e votação do texto constitucional a ser elaborado32 A primeira questão era a que mais provocava discussões não apenas na própria Assembleia Constituinte como também na sociedade civil De um lado correntes à esquerda sustentavam que a Constituinte por estar plenamente investida de so berania já poderia assumir desde logo o controle sobre os rumos da vida nacional e eliminar imediatamente o entulho autoritário legado pelo regime militar Do outro defendiase que a soberania da Assembleia Constituinte fora conferida tão somente para a elaboração da nova Constituição não se manifestando fora deste quadro33 A essa última linha aderiram segmentos conservadores bem como o Presidente Sarney que buscava preservar os seus poderes e o seu mandato Acabou prevalecendo inclusive no Regimento Interno a segunda posição Não houve durante a Consti tuinte nenhuma deliberação destinada a produzir efeitos antes da promulgação da nova Carta O Regimento Interno apenas previu a possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer medida que pudesse ameaçar os seus trabalhos e a sua soberania faculdade que não chegou a ser exercida No que tange ao procedimento o quadro político então delineado não comportava nem que se partisse de um anteprojeto elaborado fora da Assembleia Constituinte como fora o da Comissão de Notáveis presidida por Afonso Arinos nem que se atribuísse a um grupo parlamentar a função de redação de um projeto para ulterior submissão ao Plenário como ocorrera na Constituinte de 1946 Quanto à primeira possibilidade essa era vista como uma indevida usurpação da soberania da Constituinte para conduzir os seus trabalhos Quanto à segunda ela não era aceita porque reduziria a participação daqueles que não integrassem a comissão even tualmente escolhida desigualando o papel dos constituintes No quadro das dis putas políticas internas no PMDB ocorrera o vazamento de um projeto de Regimento Interno que estava sendo elaborado pela assessoria de Ulysses Guimarães no qual se previa a redação de um Projeto de Constituição por uma comissão para posterior apreciação pelo Plenário34 Porém houve intensa reação contra tal modelo pois se afirmava que ele implicaria discriminação contra os congressistas que não participassem desta comissão em geral os integrantes do chamado baixo clero cujo papel na elaboração do novo texto constitucional seria amesquinhado Não se aceitava a adoção deste procedimento que era acusado de criar uma distinção entre constituintes de 1ª e de 2ª classe Naquele quadro a solução engendrada buscava integrar todos os constituintes na tarefa de elaboração do novo texto magno Previuse a criação de 24 subcomissões temáticas que elaborariam textos sobre os temas de sua competência e os entregariam a 8 comissões temáticas cada uma congregando 3 subcomissões As comissões redigiriam projetos sobre as suas áreas os quais seriam por sua vez enviados a uma Comissão de Sistematização Essa última elaboraria novo projeto a partir dos trabalhos das comissões temáticas que seria submetido ao Plenário da Constituinte em dois turnos de votação Cada comissão temática teria 63 membros titulares e outros 63 suplentes dotandose de Mesa composta por Presidente 1º e 2º VicePresidentes e Relator As subcomissões também teriam Mesa com a mesma composição e o número dos seus integrantes variava em torno de 21 titulares e 21 suplentes algumas tinham um pouco mais outras um pouco menos que isso Já a Comissão de Sistematização deveria ser composta por 49 titulares mais os 8 presidentes das comissões e os 32 relatores das subcomissões e comissões além de 49 suplentes Todos os constituintes seriam titulares de uma comissão temática e suplentes de outra A composição das comissões e subcomissões decorria de indicações partidárias devendo corresponder na medida do possível ao critério de proporcionalidade dos partidos Em cada comissão e subcomissão haveria a eleição por voto secreto de um Presidente ao qual caberia indicar o relator e os vicepresidentes Uma das consequências decorrentes da fórmula adotada foi o caráter analítico da Constituição já que ao se criar uma subcomissão dedicada a tratar de determinado assunto esse naturalmente se tornava objeto de disciplina constitucional Ademais a escolha dos temas das subcomissões já importava na definição das questões que ingressariam na nova ordem constitucional35 As funções de presidente e de relator das comissões e subcomissões temáticas eram de grande importância na elaboração da nova Constituição A escolha dos seus ocupantes resultou de um acordo de lideranças protagonizado pelos líderes do PMDB e do PFL na Constituinte respectivamente Mário Covas36 e José Lourenço37 Ao PMDB naturalmente coube o maior quinhão de indicações pela sua hegemonia numérica na Constituinte e o partido priorizou a escolha das relatorias Um fator que deslocou os trabalhos nessa fase para a esquerda da composição mediana da Assembleia foi a atuação de Mário Covas líder do partido majoritário na Constituinte Embora o PMDB abrigasse diversas tendências Covas que era da sua ala progressista distribuiu os cargos preferencialmente entre peemedebistas de mesma inclinação ideológica38 As Subcomissões começaram a trabalhar em 1º de abril de 1987 e os seus trabalhos se estenderam até 25 de maio daquele ano Elas eram regimentalmente obrigadas a realizar entre 5 e 8 audiências públicas tendo algumas organizado caravanas para outros Estados visando a facilitar o contato com as respectivas populações39 Os grupos mais variados foram ouvidos nas audiências públicas Ministros de Estado lideranças empresariais e sindicais intelectuais associações de moradores entidades feministas e de defesa dos homossexuais representantes do movimento negro ONGs ambientalistas indígenas empregadas domésticas meninos de rua etc O contraditório foi intenso Se o tema em discussão fosse por exemplo a reforma agrária participariam das discussões tanto as entidades de defesa dos semterra como aquelas ligadas aos ruralistas Abriuse a possibilidade de encaminhamento de sugestões à Assembleia Nacional Constituinte por entidades associativas Poderes Legislativos estaduais e municipais e órgão do Judiciário tendo sido apresentadas 11989 propostas naquela fase40 Em seguida iniciouse o processo nas comissões temáticas que se estendeu até 15 de junho de 1987 Foi mais uma fase de grandes disputas com intensa participação social e atuação marcante na Constituinte dos mais variados lobbies No total foram recebidas naquela fase nada menos que 14911 propostas de emenda Os textos aprovados incorporavam muitos avanços na área dos direitos humanos e da organização estatal Uma das comissões a de Família Educação Cultura Esportes Ciência Tecnologia e Comunicação não conseguiu aprovar nenhum texto diante da rejeição do que fora elaborado pelo seu Relator Depois passouse à fase da Comissão de Sistematização Tal Comissão que acabou funcionando com 93 titulares e não 89 como previsto regimentalmente41 foi presidida pelo Senador do PFLRJ Afonso Arinos e relatada pelo Deputado Federal do PMDBAM Bernardo Cabral42 A composição da Comissão de Sistematização também a localizava mais à esquerda da média da Assembleia Constituinte43 e a sua forma de trabalho caracterizavase pela atribuição de amplos poderes ao Relator44 Naquela fase intensificaramse as tensões entre o governo Sarney e a Assembleia Nacional Constituinte Desde o início dos trabalhos Sarney buscava assegurar para si a garantia de um mandato presidencial de pelo menos 5 anos45 e esse tema conjuntural ganhara uma extraordinária importância no dia a dia dos trabalhos da Constituinte infiltrandose e condicionando ainda que de forma nem sempre explícita outros debates atinentes à definição da estrutura permanente da nova ordem constitucional46 Ademais Sarney com o apoio dos militares se batia contra a tentativa de implantação do parlamentarismo no Brasil e tecia críticas frequentes contra supostos excessos dos constituintes em termos de concessão de direitos os quais poderiam nas suas palavras tornar o país ingovernável Bernardo Cabral tinha regimentalmente o prazo de 10 dias para apresentar o seu projeto de Constituição contados a partir do recebimento dos anteprojetos das oito comissões temáticas Assim em 26 de junho de 1987 ele oferece um primeiro projeto com 501 artigos que sistematizava as contribuições dadas pelas comissões temáticas47 Tal texto abriuse a emendas de adequação apresentadas pelos constituintes que não poderiam versar sobre o mérito das decisões adotadas Diante destas emendas Cabral elabora novo projeto agora com 496 artigos que é apresentado em 9 de julho de 1987 e aprovado dois dias depois pela Comissão de Sistematização48 Vencida essa etapa o projeto sujeitouse a novas emendas inclusive de mérito que puderam ser apresentadas tanto por constituintes como pela própria população As emendas populares merecem um registro especial De acordo com o Regimento Interno da Constituinte a sua apresentação dependia da assinatura de 30 mil eleitores e do apoio de três entidades associativas ou de determinadas instituições públicas Foram apresentadas no total 122 emendas populares reunindo 12277323 assinaturas sendo certo que cada eleitor podia subscrever no máximo três emendas Das emendas populares apresentadas 83 foram aceitas por atenderem aos requisitos regimentais Elas versavam sobre os temas mais diversos como reforma agrária direitos trabalhistas direitos da criança e do adolescente direitos indígenas criação de novos Estados saúde educação participação popular eleições diretas para presidência em 1988 comunicação social e família49 Houve espaço até para excentricidades como a emenda popular que buscava o reconhecimento constitucional da mediunidade Surgiram propostas em sentidos diametralmente opostos uma buscava a liberalização do aborto e outra objetivava vedálo constitucionalmente uma ampliava a reforma agrária e outra a restringia uma proibia a censura que a outra autorizava Em 26 de agosto de 1987 Bernardo Cabral apresentou o seu 1º Substitutivo com 305 artigos no corpo permanente e outros 69 nas disposições transitórias que ficou conhecido como Cabral 1 com diversas alterações em relação ao seu texto anterior decorrentes das negociações então travadas O projeto desagradou ao governo e ao campo conservador por várias razões como a definição de um regime parlamentarista mitigado as limitações impostas à atuação das Forças Armadas a generosidade nos direitos trabalhistas e a amplitude da anistia aos perseguidos pelo regime militar50 Houve inclusive reação do meio castrense vocalizada pelo então Ministro do Exército General Leônidas Pires Gonçalves que afirmou ser inaceitável o conteúdo daquele 1º Substitutivo provocando a pronta reação de Ulysses Guimarães a Constituinte não se intimida51 As negociações e debates prosseguiram e em 18 de setembro de 1987 o Relator apresentou o 2º Substitutivo apelidado de Cabral 2 que manteve em geral o teor avançado do primeiro em matéria de direitos fundamentais bem como o regime parlamentarista mas fez concessões ao governo Sarney e aos militares ao fixar o mandato presidencial do então Presidente em 6 anos e atenuar as limitações à atuação das Forças Armadas na defesa da lei e da ordem Esse será o texto votado na Comissão de Sistematização a partir do dia 24 de setembro daquele ano Os trabalhos da Comissão de Sistematização estenderamse até 30 de novembro de 1987 Naquele momento concedeuse espaço para os autores das emendas populares defendêlas o que ocorreu em oito sessões entre 26 de outubro e 3 de outubro de 1987 diante de uma tribuna da Câmara dos Deputados lotada por representantes dos mais diversos movimentos sociais Chegada a fase de deliberação a Comissão de Sistematização passou a votar em bloco cada título do 2º Substitutivo de Bernardo Cabral Quando havia aprovação passavase a deliberar sobre cada proposta de emenda ou destaque apresentada relacionada àquele título Dois temas que provocaram intensa discussão naquele momento foram o parlamentarismo e o mandato de Sarney O parlamentarismo foi aprovado por 57 votos contra 36 e o mandato de Sarney após algumas vacilações foi reduzido para quatro anos por 48 votos contra 45 Em 18 de novembro de 1987 a Comissão de Sistematização encerrou os seus trabalhos O seu Projeto de Constituição o chamado Projeto A foi encaminhado ao Plenário da Assembleia Nacional Constituinte em 24 de novembro do mesmo ano tendo sido considerado em linha geral uma vitória dos progressistas na Assembleia Constituinte Vários pontos daquele projeto levantavam intensa polêmica Além do parlamentarismo e da duração do mandato de Sarney eram extremamente controvertidas a reforma agrária em terras produtivas as regras sobre propriedade e livre iniciativa as limitações ao capital estrangeiro o imposto sobre grandes fortunas os instrumentos de democracia participativa e a amplitude dos direitos trabalhistas Porém ocorreu logo em seguida uma reforma do Regimento patrocinada pelo Centrão bloco conservador interpartidário que começara a se aglutinar na fase final dos trabalhos da Comissão de Sistematização e que lutava por bandeiras como a defesa da propriedade privada contra a reforma agrária o combate às restrições ao capital estrangeiro a redução dos direitos trabalhistas e a rejeição dos mecanismos de democracia participativa na nova Carta Pelo Regimento até então vigente os títulos ou capítulos do Projeto seriam votados em bloco no Plenário Se aprovados apenas sofreriam mudanças decorrentes de destaques ou emendas que contassem com o voto de 280 parlamentares que representavam a maioria absoluta da Assembleia Constituinte E as emendas ou destaques só poderiam versar sobre artigos específicos O discurso do Centrão que teve o respaldo do governo do empresariado dos militares e dos ruralistas era no sentido de que tal modelo implicava uma tirania da Comissão de Sistematização sobre o Plenário alienando o chamado baixo clero que daquela não participara Afirmavase que Comissão de Sistematização estava significativamente à esquerda do Plenário Assim o propósito do Centrão era esvaziar a importância do Projeto A que a Comissão de Sistematização elaborara Para isso sua estratégia consistia em aprovar mudança no Regimento possibilitando a apresentação de novas emendas que quando subscritas pela maioria absoluta dos membros da Assembleia teriam prioridade na votação em relação ao texto correspondente já aprovado na Comissão de Sistematização Travouse em torno do Regimento uma longa batalha com a paralisia durante o período dos demais trabalhos da Constituinte Depois de vários incidentes houve até episódio de luta corporal no Congresso acabou prevalecendo no Plenário a posição do Centrão com a aprovação da Resolução nº 3 em 5 de janeiro de 1988 que alterou substancialmente o Regimento Interno da Constituinte52 A Resolução nº 3 fixara prazo para novas emendas ao Projeto de Constituição seguidas de parecer do Relator e apresentação de destaques Pelo novo Regimento no dia 27 de janeiro deveriam começar as votações em 1º turno no Plenário Até aquela data haviam sido apresentadas 2046 novas emendas dentre as quais 9 substitutivos patrocinados pelo Centrão referentes a quase todo o texto do Projeto Apresentou se também substitutivo subscrito por 352 congressistas ligados tanto à esquerda como à direita propondo a adoção do presidencialismo bem como outro com 316 assinaturas definindo em 5 anos o mandato de Sarney Todos estes substitutivos por contarem com mais de 280 assinaturas de constituintes ganharam preferência para votação em detrimento das partes correspondentes do Projeto A Contudo a hegemonia no Plenário dos conservadores agrupados sob o Centrão estava longe de ser absoluta O primeiro substitutivo apresentado pelo grupo atinente ao Preâmbulo da Constituição foi derrotado em 27 de janeiro evidenciando a necessidade de negociação com as forças mais à esquerda Foi preciso estabelecerse um acordo político sobre o Preâmbulo que envolveu a inclusão de alusão à participação direta do povo no exercício da soberania popular menção que os conservadores preferiam evitar A partir daí surgiu a praxe de entabulação de negociações prévias conduzidas pelos líderes partidários sob o comando de Ulysses Guimarães buscando acordos sobre os textosbase antes das votações deixando para a disputa apenas os pontos em que não houvesse conciliação possível53 Tal procedimento viabilizou a aprovação da maior parte da Constituição por folgada maioria com votações mais apertadas e polarizadas apenas para dispositivos e questões específicas54 Esta busca de consenso levou a que se recuperasse em Plenário boa parte do conteúdo do Projeto A em detrimento do estabelecido nos substitutivos do Centrão E ainda surgiram nesta fase algumas novidades como a licençapaternidade os plebiscitos sobre forma e sistema de governo a revisão constitucional a se realizar cinco anos após a promulgação da Constituição e o limite constitucional dos juros55 Em três pontos ideologicamente controvertidos não houve maioria para aprovar nem os substitutivos do Centrão nem os textos do Projeto A definição do direito de propriedade disciplina da reforma agrária e greve de servidores públicos Esse tipo de impasse era apelidado de buraco negro e quando ocorria cabia ao Relator elaborar em 48 horas um novo texto na tentativa de buscar a conciliação possível Em 22 de março de 1988 ainda durante o 1º turno ocorreu uma das mais importantes reviravoltas da Constituinte com a aprovação por 344 votos a 212 da emenda presidencialista com o apoio do Centrão em aliança com as bancadas do PT e do PDT Outra decisão polêmica adotada em 2 de junho de 1988 foi relativa ao mandato de José Sarney fixado em 5 anos por 328 votos contra 222 como pretendia o então Presidente da República Essa última votação ocorreu em meio a graves denúncias de que os votos estariam sendo cabalados pelo Executivo por meio do oferecimento de vantagens indevidas aos congressistas notadamente a distribuição de concessões de rádio e televisão No início de julho de 1988 encerrouse o 1º turno de votações da Constituinte Naquele momento um fato político relevante foi a criação do PSDB a partir de uma dissidência do PMDB capitaneada por figuras de destaque da Constituinte como Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso Depois da saída de Covas a liderança do PMDB ainda a maior bancada naquela Assembleia foi assumida pelo Deputado Nelson Jobim que também integrava à época a ala progressista do partido Em 26 de julho de 1988 véspera do início do 2º turno ocorre um incidente institucional José Sarney convoca cadeia nacional de rádio e televisão para criticar a Constituição em elaboração Nas suas palavras há o receio de que alguns dos seus artigos desencorajem a produção afastem capitais sejam adversos à iniciativa privada e terminem por induzir ao ócio e à improdutividade Os brasileiros receiam que a Constituição torne o país ingovernável56 A resposta firme do Presidente da Assembleia Nacional Constituinte não tardou No dia seguinte valendose de prerrogativa assegurada no Regimento Ulysses Guimarães também convocou cadeia nacional de rádio e televisão para proferir célebre discurso intitulado A Constituição Cidadã em que verberou A governabilidade está no social A fome a miséria a ignorância a doença inassistida são ingovernáveis A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo Repito esta será a Constituição Cidadã Porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros Viva a Constituição de 1988 Viva a vida que ela vai defender e semear57 O segundo turno iniciouse em 27 de julho de 1988 com a votação em bloco do texto que fora aprovado no primeiro turno o chamado Projeto B Este foi aprovado por 406 votos contra 12 registrandose 55 abstenções Para modificar trechos do Projeto B seriam necessários destaques que contassem com 280 votos Apesar da apresentação de 1792 emendas houve poucas mudanças naquela fase Os setores progressistas investiram muita energia na tentativa de suprimir a vedação adotada no 1º turno de desapropriação para fins de reforma agrária de imóveis produtivos mas não tiveram sucesso Os conservadores pugnaram pela redução dos direitos trabalhistas mas também sem êxito Algumas mudanças pontuais foram aprovadas para adaptar trechos da Constituição ao presidencialismo Em 2 de setembro de 1988 encerrouse o 2º turno da Constituinte Em seguida enviouse o texto aprovado em 2º turno para uma Comissão de Redação que tinha o papel de resolver aspectos linguísticos e de técnica legislativa do Projeto mas que acabou indo além disso A Comissão presidida por Ulysses Guimarães tinha 28 componentes e era assessorada pelo linguista Celso Cunha e pelo constitucionalista José Afonso da Silva De acordo com o testemunho de Nelson Jobim figura destacada daquela Comissão foram aprovadas ali em procedimento irregular diversas alterações de conteúdo no texto da Constituição para sanar ale gadas contradições inconsistências e omissões58 Sem embargo com o intuito de evitar qualquer dúvida futura quanto à validade da nova Carta decidiuse que após os trabalhos da Comissão de Redação o texto constitucional seria apreciado pelo Plenário não por mera votação simbólica como antes se cogitara mas por escrutínio nominal exigindose a maioria absoluta para a sua aprovação quorum definido pela Emenda Constitucional nº 2685 Finalmente em 22 de setembro de 1988 ocorreu a derradeira votação da Assembleia Nacional Constituinte que apreciou o texto final da Constituição de 1988 depois das mudanças ocorridas no âmbito da Comissão de Redação Todos os líderes partidários manifestaramse a favor da aprovação da nova Constituição com exceção do líder do PT Luiz Inácio Lula da Silva que marcou a posição do seu partido contrária à nova Carta então considerada excessivamente conservadora pela agremiação mas declarou que a sua bancada assinaria o documento se ele fosse aprovado A nova Constituição foi aprovada por 474 votos contra 15 contandose 6 abstenções Em 5 de outubro de 1988 em clima de comoção a Constituição de 1988 foi finalmente promulgada após uma longa Assembleia Constituinte que durara mais de 20 meses período durante o qual fora o centro das atenções do país provocara intensa mobilização cívica e contara com um grau de participação social na sua elaboração absolutamente inédito na história nacional Na cerimônia de encerramento dos trabalhos da Constituinte Ulysses Guimarães proferiu histórico discurso A Constituição não é perfeita Ela própria o confessa ao admitir a reforma Quanto a ela discordar sim Divergir sim Descumprir jamais Afrontála nunca Traidor da Constituição é traidor da Pátria Conhecemos o caminho maldito rasgar a Cons tituição trancar as portas do Parlamento garrotear a liberdade mandar os patriotas para a cadeia o exílio o cemitério A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra temos ódio à ditadura Ódio e nojo Termino com as palavras com que comecei esta fala a Nação quer mudar A Nação deve mudar A Nação vai mudar A Constituição pretende ser a voz a letra a vontade política da sociedade rumo à mudança Que a promulgação seja o nosso grito Mudar para vencer Muda Brasil 45 Traços essenciais da Constituição de 1988 Do ponto de vista histórico a Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de transição do regime autoritário em direção à democracia Apesar da forte presença de forças que deram sustentação ao regime militar na arena constituinte foi possível promulgar um texto que tem como marcas distintivas o profundo compromisso com os direitos fundamentais e com a democracia bem como a preocupação com a mudança das relações políticas sociais e econômicas no sentido da construção de uma sociedade mais inclusiva fundada na dignidade da pessoa humana As maiores influências externas sobre a Carta de 88 foram as constituições de Portugal de 1976 e da Espanha de 197859 Tanto Portugal como a Espanha haviam atravessado cerca de uma década antes processos de redemocratização com a su peração do autoritarismo pela via revolucionária no caso de Portugal ou por meio de um processo de transição pactuada no caso da Espanha Ambos os países tinham optado pela reorganização estatal em bases democráticas com a manifestação do poder constituinte originário da qual resultaram constituições que priorizaram os direitos fundamentais revestidas de forte teor social A Constituição de 1988 quando promulgada contava com 245 artigos no seu corpo permanente acrescidos de outros 70 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Desde então o seu tamanho só vem aumentando pela inclusão de novos dispositivos no seu texto com a edição de sucessivas emendas constitucionais Trata se portanto de uma Constituição longa e analítica não apenas por incorporar ao seu texto um amplo elenco de matérias como também por descer em muitas delas a um grau de detalhamento incomum em sede constitucional60 Dentre as causas dessa expansão da matéria constitucional podese citar a concepção social de constitucionalismo adotada pelo legislador constituinte a fórmula de elaboração da Carta que passou pelo trabalho das 24 subcomissões e 8 comissões temáticas como acima relatado a cumulação de funções legislativas ordinárias e constitucionais do Congresso em 8788 que ensejou uma certa confusão entre tais esferas e ainda as pressões dos mais variados segmentos sociais e lobbies durante a Constituinte no afã de incluírem no texto constitucional as suas aspirações e demandas específicas Quanto a esse último aspecto os parlamentares e grupos de pressão que se articulavam na Constituinte não se contentavam com o mero reconhecimento principiológico das suas bandeiras e interesses Preferiam a consagração de regras específicas e detalhadas que os colocassem a salvo de incertezas quanto às concre tizações legislativas ou interpretações judiciais futuras dos dispositivos que lhes favorecessem Todos estes fatores contribuíram para que fossem incorporadas à Constituição normas de duvidosa estatura constitucional ora definindo políticas públicas que do ponto de vista da teoria democrática talvez devessem ser decididas no processo político majoritário61 ora salvaguardando do alcance das maiorias inte resses de caráter puramente corporativo ora ainda adentrando em minúcias impró prias para um texto magno Dentre as consequências dessa característica da nossa Carta destacamse a necessidade de edição muito frequente de emendas constitucionais que enfraquecem a estabilidade e a força normativa da Constituição e a exigência de que os governos obtenham maioria qualificada de 35 quorum de aprovação de emenda constitucional para conseguirem implementar os seus programas políticos Por outro lado a Constituição de 1988 qualificase como compromissória já que o seu texto não representa a cristalização de uma ideologia política pura e ortodoxa resultando antes do compromisso possível entre as diversas forças políticas e grupos de interesse que se fizeram representar na Assembleia Constituinte O pluralismo social existente na sociedade brasileira transplantouse para o seio da sua Constituição que abriga preceitos inspirados em visões de mundo nem sempre convergentes A Constituição de 1988 é também dirigente62 ou programática Ela não se contenta em organizar o Estado e elencar direitos negativos para limitar o exercício dos poderes estatais Vai muito além disso prevendo direitos positivos e estabelecendo metas objetivos programas e tarefas a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade no sentido de alteração do status quo A Constituição brasileira se reveste de uma forte dimensão prospectiva na medida em que define um horizonte de sen tido que deve inspirar e condicionar a ação das forças políticas Esta sua faceta se revela nitidamente na enunciação dos objetivos fundamentais da República Fede rativa do Brasil estabelecidos no seu art 3º e se espraia por todo o texto magno que é pródigo na consagração de normas programáticas Ela contém não apenas um estatuto jurídico do político já que consubstancia norma fundamental não só Estado como também da própria sociedade brasileira A Constituição de 1988 se imiscui na disciplina de questões como o funcionamento da economia as relações de trabalho a família e a cultura que não dizem respeito apenas às formas e limites para o exercício do poder político Além de regular dire ta mente vastos domínios da vida social a Constituição contém princípios e valores fundamentais que devem ser tomados como nortes na interpretação de toda a ordem jurídica e ensejar uma releitura dos institutos e normas do ordenamento infraconstitucional Em outras palavras as características da Constituição de 88 tanto o seu caráter analítico como a sua riqueza axiológica propiciam o desenvolvimento do fenômeno da constitucionalização do Direito que suplanta clivagens tradicionais como as que separam o Direito Público do Direito Privado e o Estado da sociedade civil A organização do texto constitucional é reveladora de algumas prioridades da Carta de 88 Se as constituições brasileiras anteriores iniciavam pela estrutura do Estado e só depois passavam aos direitos fundamentais a Constituição de 88 faz o contrário consagra inicialmente os direitos e garantias fundamentais no segundo título logo depois daquele dedicado aos princípios fundamentais só se voltando depois disso à disciplina da organização estatal Essa inversão topológica não foi gratuita Adotada em diversas constituições europeias do pósguerra após o exemplo da Lei Fundamental alemã de 1949 ela indica o reconhecimento da prioridade dos direitos fundamentais nas sociedades democráticas O sistema de direitos fundamentais é o ponto alto da Constituição Ao lado de um amplo e generoso elenco de direitos civis e políticos a Carta de 88 também garantiu direitos sociais tanto trabalhistas como prestacionais em sentido estrito e ainda agregou direitos de 3ª dimensão como o direito ao patrimônio cultural arts 215 e 216 e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado art 225 Ela se preocupou sobremodo com a efetivação dos direitos fundamentais para que não se tornassem letramorta como infelizmente era costumeiro em nosso constitucionalismo Daí o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais art 5º 1º os diversos remédios constitucionais previstos para a sua tutela e o reforço institucional ao Poder Judiciário concebido como guardião dos direitos Ademais o constituinte quis articular a proteção interna dos direitos fundamentais com a internacional Por isso a afirmação da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais art 4º inciso II a abertura do catálogo dos direitos a outros decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte art 5º 2º e a alusão ao apoio brasileiro à criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos art 7º ADCT A Constituição cuidou ainda de proteger os direitos fundamentais do poder reformador tratandoos pela primeira vez na história constitucional brasileira como cláusulas pétreas explícitas art 60 4º Além dos direitos universais a Constituição também voltou os seus olhos para a proteção dos sujeitos em situação de maior vulnerabilidade instituindo normas voltadas à defesa de mulheres consumidores crianças e adolescentes idosos indígenas afrodescendentes quilombolas pessoas com deficiência e presidiários Ela não se contentou com a proclamação retórica da igualdade formal direcionandose também à promoção da igualdade material sem prejuízo da preocupação com o reconhecimento e com o respeito à diferença Nesse sentido tratouse da primeira de nossas constituições a contemplar alguma abertura para o multiculturalismo ao incumbirse da proteção das diferentes identidades culturais e étnicas que compõem a Nação brasileira eg arts 215 216 231 e art 68 do ADCT É curioso que afora alguns direitos trabalhistas os instrumentos de democracia participativa e a definição do regime da propriedade o sistema de direitos fundamentais não tenha despertado maior resistência dos constituintes conservadores que se aglutinaram em torno do Centrão Não é que houvesse um relativo consenso político em relação aos direitos fundamentais Uma interpretação mais realista dos fatos históricos explicaria tal fenômeno a partir da descrença então nutrida pelos atores políticos a propósito da possibilidade de efetivação dos direitos fundamentais que eram vistos mais como adereços para embelezamento da Constituição do que como normas dotadas de significado prático na vida social63 Afinal tinha sido assim nas constituições anteriores do país Além dos direitos fundamentais o outro coração da Constituição de 88 é a democracia Dentre outras medidas ela consagrou o sufrágio direto secreto universal e periódico para todos os cargos eletivos elevado inclusive à qualidade de cláusula pétrea concedeu o direito de voto ao analfabeto erigiu sobre bases pluralistas e liberais o sistema partidário e consagrou instrumentos de democracia participativa como o plebiscito o referendo e a iniciativa popular de leis Para assegurar a higidez dos pleitos eleitorais ela manteve a Justiça Eleitoral existente desde 1932 E garantiu com vigor as liberdades públicas que são pressupostos diretos para o funcionamento da democracia como as liberdades de expressão de associação e o direito à infor mação Não há dúvida portanto que ela contém todos os elementos que conformam a democracia política64 como eleições livres e periódicas amplo direito de sufrágio e de concorrer às eleições possibilidade real de a oposição assumir o poder liber dade de expressão e de associação política e existência de fontes independentes de acesso à informação pelo cidadão Porém a Constituição não se contentou com isso propondose a democratizar não apenas o regime político mas também as relações sociais econômicas e culturais tarefa ainda mais árdua e complexa No que concerne ao federalismo a Constituição de 88 não rompeu com a tradição centrípeta brasileira de extrema concentração das competências normativas no plano federal Contudo foi a primeira a atribuir expressamente a natureza de entidade federativa aos municípios ampliando a sua autonomia Além disso promoveu um maior grau de descentralização administrativa bem como financeira Quanto à última repartiu de forma mais favorável aos Estados e Municípios as competências tributárias e as receitas decorrentes da arrecadação dos impostos conferindo a tais entidades federativas condições para o exercício das suas competências materiais de forma a atenuar a sua dependência econômica em relação ao Poder Central que caracterizava o regime constitucional anterior Em relação aos poderes estatais a Constituição fortaleceu tanto o Legislativo como o Judiciário Sem embargo ela não desproveu o Poder Executivo dos mecanismos necessários para o desempenho das suas relevantes funções no contexto de um Estado intervencionista e de uma sociedade de massas evitando o equívoco cometido no texto constitucional de 194665 Ela manteve como salientado acima o regime presidencialista posteriormente confirmado pelo povo pela via plebiscitária como será a seguir analisado e estabeleceu mandatos de 5 anos para os Presidentes66 sem possibilidade de reeleição para o período imediatamente subsequente67 Instituiu a eleição presidencial direta em dois turnos de votação de forma a conferir ampla legitimidade democrática ao Chefe do Executivo Pela Constituição Presidente e Vice Presidente devem necessariamente integrar a mesma chapa o que contribui para evitar crises políticas como a deflagrada com a renúncia de Jânio Quadros O Executivo que resulta da Constituição de 1988 é forte68 No plano norma tivo ele não tem mais a absoluta hegemonia que desfrutava sobre os demais poderes no governo militar mas manteve um amplo controle sobre a agenda parlamentar além de relevantes faculdades normativas com destaque para a edição de medidas provisórias que aliás têm sido empregadas de forma rotineira e abusiva Porém apesar da sua proeminência o Executivo não consegue governar contra a maioria parlamentar dependendo do seu apoio para implementar as suas políticas de governo Tal apoio não é uma exigência formal do regime que afinal é presidencialista e não parlamentarista mas uma imposição prática que quando não atendida gera ingovernabilidade paralisia estatal e crise política Esse modelo caracteriza o que alguns cientistas políticos têm chamado de presidencialismo de coalização69 que se expressa na necessidade de o Chefe do Executivo construir uma base de apoio no Legislativo o que é alcançado por meio da nomeação de indicados para os Ministérios e outros cargos Em relação ao Poder Legislativo a Constituição de 1988 manteve o bicameralismo federativo e a distorção na representação entre Estados mais e menos populosos pela fixação do número mínimo de 8 e máximo de 70 deputados federais por Estado De acordo com a Constituição cada Estado elege 3 senadores pelo sistema majoritário para mandatos de 8 anos com renovação alternada de 13 e 23 da bancada a cada 4 anos Já o sistema eleitoral para a escolha dos deputados é o proporcional A Constituinte reforçou os poderes do Legislativo na esfera de produção normativa em comparação ao regime pretérito ao extinguir a aprovação de normas por decurso de prazo reduzir as hipóteses de iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo diminuir a maioria exigida para derrubada do veto e ampliar o poder de emenda parlamentar às leis Ademais ela também robusteceu as funções fiscalizatórias do Legislativo fortalecendo o seu papel no controle externo dos demais órgãos estatais exercido com o auxílio dos tribunais de contas e atribuindo às comissões parla mentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridades judiciais art 58 Mudanças profundas ocorreram também no âmbito do Poder Judiciário A Constituição reforçou a sua autonomia administrativa e financeira e ampliou a sua importância política Promoveu o acesso à justiça criando ou ampliando ações individuais e coletivas voltadas à tutela de direitos e conferindo um novo perfil a instituições como o Ministério Público e a Defensoria Pública Por outro lado ela consagrou um amplo sistema de jurisdição constitucional que pode ser deflagrado com muita facilidade ensejando um intenso fenômeno de judicialização da política Pelo arranjo adotado que combina uma Constituição extensa e invasiva com inúmeros instrumentos de controle de constitucionalidade tornouse difícil que alguma decisão política mais relevante deixe de ser submetida ao Judiciário que muitas vezes decide contra a vontade dos demais poderes do Estado Tal fenômeno que tem se tornado mais agudo nos últimos anos vem suscitando questões complexas sobre os limites da legitimidade democrática da atuação do Judiciário uma vez que os seus membros não são eleitos nem podem ser destituídos pelo voto popular e muitas vezes decidem questões altamente controvertidas com base na exegese de cláusulas constitucionais vagas e abertas que se sujeitam a diferentes interpretações No que diz respeito à ordem econômica a Constituição de 88 adotou fórmula compromissória Por um lado adotou como princípios a livre iniciativa o direito de propriedade e a livre concorrência mas por outro tingiu esse sistema com preo cupações com a justiça social a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana A Constituição expressa adesão ao regime capitalista rejeitando o modelo de economia planificada e de apropriação coletiva dos meios de produção Porém o capitalismo que resulta do texto constitucional não é o do laissezfaire e do Estado absenteísta mas uma fórmula intermediária que aposta na força criativa e empreen dedora da iniciativa privada mas não foge à sua responsabilidade de disciplinála e limitála não só no interesse da higidez do próprio mercado como também com o objetivo de promoção da igualdade material e da justiça social A Constituição prevê amplos espaços para a regulação estatal da economia mas a intervenção estatal direta nessa seara é vista como exceção justificada apenas quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei art 173 O texto originário da Constituição elaborado antes da queda do Muro de Berlim continha traços mais estatizantes e refratários à presença do capital estran geiro no país Porém reformas constitucionais de inclinação liberal que foram promo vidas a partir de meados dos anos 90 esmaeceram essas feições da Constituição sem no entanto comprometerem a cosmovisão econômica socialdemocrática do texto consti tucional 46 A trajetória da Constituição de 88 Depois da promulgação da Constituição de 1988 José Sarney ainda governou o país por mais de um ano em meio a grave crise econômica com inflação descontrolada Em 15 de novembro de 1989 ocorreram eleições diretas para a Presidência da República as primeiras desde 1960 Concorreram ao pleito 25 candidatos passando ao segundo turno Fernando Collor de Mello PRN e Luiz Inácio Lula da Silva PT Collor exgovernador de Alagoas que se apresentara ao público com um discurso moralizador combate aos marajás e de redução do tamanho do Estado contou com o apoio ostensivo em sua campanha da grande mídia e de grupos empresariais derrotando o adversário por aproximadamente 35 milhões de votos contra os 31 milhões dados a Lula70 Em 15 de março de 1990 Collor tomou posse e logo no dia seguinte no afã de combater a inflação edita a Medida Provisória nº 168 que continha o chamado Plano Collor decretando a indisponibilidade por 18 meses dos ativos financeiros em valor superior a cinquenta mil cruzados novos Tratavase de violenta medida de sequestro de poupança de duvidosa constitucionalidade71 que gerou uma inundação de ações judiciais na Justiça Federal mas em relação à qual o STF apesar de devidamente provocado optou por se omitir72 O governo Collor prosseguiu marcado por políticas de viés neoliberal envol vendo privatizações de empresas públicas abertura da economia e demissão de funcionários públicos Porém a partir do segundo semestre de 1991 Collor se vê envolvido em sérias denúncias de corrupção relacionadas ao seu envolvimento em esquema de corrupção que gravitava em torno do seu extesoureiro de campanha Paulo César Farias Em 1992 instaurouse uma CPI no Congresso Nacional que produziu fartas provas contra o Presidente acabando por indiciálo e por recomendar o seu impeachment Naquele ínterim a sociedade civil com o apoio da imprensa se mobilizara para reivindicar o afastamento de Collor com destaque para as manifestações estudantis dos chamados caras pintadas O pedido de impedimento do Presidente foi apresentado à Câmara dos Deputados em petição subscrita por Barbosa Lima Sobrinho Presidente da Associação Brasileira de Imprensa e Marcelo Lavenère Presidente do Conselho Federal da OAB73 Em 29 de setembro de 1991 a autorização para a instauração do processo foi aprovada na Câmara dos Deputados por 421 votos contra 38 sendo o Presidente temporariamente afastado de suas funções74 O processo prosseguiu no Senado Federal e em sessão iniciada em 29 de dezembro de 1992 que se prolongou pela madrugada do dia seguinte Collor foi condenado por 67 votos a 3 Naquela sessão ele ainda tentou uma última manobra quando tudo já estava perdido seu advogado lê sua carta de renúncia à Presidência A estratégia era evitar a condenação e a imposição da pena de 8 anos de inabilitação para o exercício de função pública dela decorrente O argumento era o de que a perda do cargo seria a sanção principal no processo de impeachment Com a perda de objeto do principal o acessório a inabilitação para função pública por 8 anos deveria seguirlhe a sorte Mas a manobra é refutada pelo Senado75 e a decisão do órgão é mantida pelo STF76 O impeachment de Fernando Collor de Mello foi um teste importante para a Constituição de 88 Houve no país uma crise política séria e ela foi equacionada com base nos instrumentos da própria Constituição Na história nacional isto quase nunca ocorrera No passado crises desta monta seriam quase certamente resolvidas fora dos quadrantes do Direito Constitucional provavelmente com envolvimento dos quartéis O regime constitucional passou bem nessa primeira prova a que fora submetido Com o afastamento de Collor o seu vice Itamar Franco que já estava exer cendo provisoriamente a função assume a Presidência para completar o seu mandato Durante o governo de Itamar ocorreram dois eventos de grande importância sob o prisma constitucional o plebiscito sobre a forma e o regime de governo art 2º do ADCT e a revisão constitucional art 3º ADCT A realização do plebiscito decidida em estágio avançado da Assembleia Nacional Constituinte77 fora solução compromissória para o impasse entre parlamentaristas e presidencialistas Embora não houvesse à época controvérsia relevante sobre a adoção da forma republicana ou monárquica de governo a proposta aprovada por razões regimentais fora construída sobre uma emenda popular que previa a consulta do eleitor também sobre tal questão patrocinada na Constituinte pelo Deputado Cunha Bueno O plebiscito foi aprovado de forma quase consensual por 495 votos contra 23 e 11 abstenções e agendado para o dia 7 de setembro de 199378 data posteriormente antecipada para 21 de abril de 1993 pela Emenda Constitucional nº 29279 A partir de janeiro de 1993 organizamse três fronts de campanha envolvendo parlamentares e organizações da sociedade civil para a defesa das três opções em jogo presidencialismo parlamentarismo republicano e parlamentarismo monárquico Eles tiveram acesso gratuito aos meios de comunicação social e elaboraram programas de televisão e rádio em que tentavam convencer o espectador sobre a superioridade dos seus modelos mas não conseguiram provocar grande mobilização popular Porém o Tribunal Superior Eleitoral numa curiosa decisão sobre a forma das cédulas de votação no plebiscito estabeleceu que o eleitor não seria confrontado com três opções mas com quatro pois votaria duas vezes uma primeira vez para manifestarse sobre a forma de governo república ou monarquia e a outra para decidir o regime de governo presidencialismo ou parlamentarismo80 Surgia com isso a possibilidade teórica da escolha do paradoxal sistema de monarquia presidencialista81 O resultado das urnas chancelou o modelo vigente Quanto à forma de governo a república teve 6606 dos votos contra 1021 da monarquia havendo 1049 de votos brancos e 1324 de votos nulos No que tange ao regime de governo o presidencialismo recebeu 5545 dos votos contra 2465 dados ao parlamenta rismo contabilizandose 517 de votos em branco e 1473 de votos nulos O não comparecimento de eleitores foi muito elevado considerandose a obrigatoriedade do voto no Brasil 2576 do eleitorado não foi às urnas Somandose este percentual àquele correspondente aos votos nulos e em branco inferese que a fração dos eleitores que manifestou alguma escolha no plebiscito foi pouco superior à metade o que é bem inferior ao que costuma ocorrer nos pleitos para cargos eletivos Em suma o plebiscito parece não ter despertado maior interesse no eleitor brasileiro Depois do plebiscito veio o momento da revisão constitucional instaurada em 6 de outubro de 1993 A revisão prevista no art 3º do ADCT despontou cercada de intensa controvérsia jurídica e política Os partidos e forças políticas situados à esquerda a ela se opunham pois temiam que com o processo simplificado de mudanças previsto texto constitucional decisões pelo voto da maioria absoluta do Congresso em sessão unicameral pudessem ser revertidas as conquistas sociais obtidas durante a Assembleia Constituinte Já as agremiações partidárias situadas mais à direita e os segmentos empresariais desejavam a revisão para remover supostos excessos da Constituição e dar lhe uma orientação econômica mais liberal82 Diante de tal quadro político surgiram três teses jurídicas sobre a revisão83 Para a primeira ela não teria cabimento pois só deveria ocorrer se o povo tivesse no plebiscito decidido por mudança na forma ou no sistema de governo O propósito da revisão para essa corrente seria tão somente o de adequar o texto constitucional de forma mais fácil às eventuais mudanças decididas pelo eleitorado no plebiscito Como o povo decidira no plebiscito manter o mesmo sistema político não caberia a realização de revisão constitucional A segunda tese era a de que a revisão e o plebiscito seriam institutos independentes e que portanto a primeira ocorreria independentemente de qualquer alteração definida em via plebiscitária Além disso para os adeptos dessa interpretação a revisão não estaria sujeita ao respeito às cláusulas pétreas que limitariam apenas as emendas constitucionais elaboradas de acordo com o procedimento previsto no art 60 da Constituição A posição intermediária que prevaleceu na revisão e foi confirmada pelo STF 84 era no sentido de que a revisão deveria ocorrer independentemente do resultado do plebiscito mas que teria de respeitar todas as cláusulas pétreas bem como o resultado da consulta plebiscitária A revisão constitucional que teve como Relator o Deputado Nelson Jobim acabou revelandose um fiasco com a aprovação de pouquíssimas mudanças no texto magno Apesar de terem sido apresentadas mais de 17000 propostas de alteração da Constituição apenas 6 foram aprovadas pelo Plenário representando mudanças pontuais no texto constitucional que consubstanciaram as Emendas de Revisão nº 1 a nº 685 Dentre os fatores que contribuíram para tal fracasso podese citar a falta de liderança do governo no processo86 o boicote dos partidos de esquerda o fato de que no decorrer da revisão o Congresso atravessou grave crise com a CPI do Orçamento que desvendou esquema de corrupção envolvendo diversas lideranças parlamentares e a aproximação das eleições de 199487 Em janeiro de 1994 o governo Itamar Franco lança o Plano Real elaborado por equipe liderada pelo seu Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso para enfrentar a espiral inflação que comprometia gravemente a economia nacional O Plano obtém grande êxito e na esteira do seu sucesso Fernando Henrique Cardoso lançado candidato à sucessão de Itamar pelo PSDB consegue se eleger ainda em 1º turno tomando posse em 1º de janeiro de 199588 No governo de Fernando Henrique Cardoso se inicia um importante ciclo de reformas constitucionais Foram aprovadas durante os seus dois mandatos nada menos que 35 emendas constitucionais Dentre as reformas realizadas no seu primeiro mandato cabe salientar as promovidas na ordem econômica de viés liberal que suprimiram restrições ao capital estrangeiro EC nº 695 e nº 795 e flexibilizaram monopólios estatais EC nº 595 nº 895 e nº 995 Tais medidas foram acompanha das por um amplo programa de privatizações89 e por uma significativa mudança no perfil da atuação do Estado na esfera econômica Se antes o Estado atuava frequen temente como empresário doravante ele se concentrará na sua função reguladora da atividade econômica Foram criadas naquela época diversas agências reguladoras com o argumento de que assim se despolitizava a regulação de determinadas áreas tornandoa mais técnica e menos dependente das oscilações da política partidária conferindose desta forma maior segurança para os investidores privados que nelas quisessem ingressar Tais mudanças na ordem econômica sofreram forte oposição dos partidos da esquerda e de alguns setores da sociedade Em 4 de junho de 1997 o Congresso aprovou a polêmica Emenda Constitucional nº 16 que autorizou a reeleição para um mandato consecutivo do Presidente da República dos governadores de Estado e dos prefeitos Em 4 de outubro de 1998 Fernando Henrique Cardoso se reelegeu de novo no primeiro turno derrotando mais uma vez o candidato Luiz Inácio Lula da Silva90 Em seu segundo mandato Fernando Henrique patrocinou outras reformas importantes da Constituição como a reforma administrativa EC nº 1998 promovida no afã de tornar a administração pública brasileira mais eficiente flexível e gerencial e a reforma da Previdência EC nº 2098 voltada para o combate ao déficit do sistema previdenciário brasileiro Tais reformas foram acompanhadas pela aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal Lei Complementar nº 1012000 que impôs limites mais rígidos aos gastos públicos nas três esferas da federação e em todos os poderes Outra alteração constitucional relevante deste período foi a fixação de limites temáticos e a proibição de reedição das medidas provisórias estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 322001 Nas eleições de outubro de 2002 Luiz Inácio Lula da Silva se elege pelo PT derrotando no segundo turno o candidato do PSDB José Serra91 A posse do novo Presidente um exlíder de sindical egresso das camadas mais humildes da população foi um fato repleto de simbolismo A ausência de qualquer de reação dos militares ou de outros setores da sociedade diante da eleição de uma liderança profundamente identificada com a esquerda e com os movimentos sociais revelou o amadurecimento institucional da democracia brasileira Lula contrariando algumas expectativas manteve as linhas gerais da política econômica do seu antecessor evitando medidas de caráter heterodoxo o que serviu à preservação da estabilidade econômica do país Logo no início de seu governo promoveu por exemplo significativa alteração no texto constitucional desconsti tucionalizando o sistema financeiro nacional Em sua redação originária o art 192 da Constituição de 1988 determinava que lei complementar regularia o sistema finan ceiro nacional devendo dispor sobre diversas matérias No 3º do citado artigo a Constituição chegava a determinar que as taxas de juros reais não poderiam ser superiores a doze por cento ao ano A Emenda Constitucional nº 402003 revogou todos os incisos e parágrafos do art 192 Manteve apenas o caput com modificações Dada a abertura semântica do preceito podese afirmar que o sistema financeiro nacional ficou praticamente sem regulação no texto constitucional Porém a despeito de ter mantido alguns aspectos centrais da orientação eco nômica de seu predecessor Lula promoveu mudanças significativas no que toca às políticas sociais intensificando as políticas públicas de caráter redistributivo voltadas para a população mais carente com destaque para o Programa Bolsa Família com expressivos resultados do ponto de vista da melhoria das condições sociais do país Durante o seu primeiro mandato denúncias de corrupção atingiram diversos inte grantes do núcleo mais próximo de colaboradores do Presidente que estão sendo processados no STF pelo alegado envolvimento em suposto esquema de compra de votos de parlamentares visando a obter apoio para o governo no Congresso que ficou conhecido como mensalão Em outubro de 2006 Lula reelegeuse para o seu segundo mandato derrotando no segundo turno o seu principal adversário do PSDB Geraldo Alckmin92 O Presidente encerrou o mandato com elevadíssimos índices de popularidade que podem ser debitados não só ao seu carisma pessoal mas sobretudo à expressiva melhoria das condições de vida da população brasileira especialmente dos mais pobres Apesar do apoio popular Lula não incidiu na tentação de buscar nas urnas um terceiro mandato o que demandaria uma emenda constitucional autorizadora de discutível constitucionalidade Nesse e em outros pontos o exPresidente mostrouse mais alinhado aos valores democráticos do que outros Presidentes latinoamericanos contemporâneos que não souberam resistir à perigosa tentação do continuísmo Com isso Lula institucionalizou seu carisma93 Se ele com seus índices de popularidade tão elevados não alterou as regras constitucionais para se perenizar no poder dificilmente outro governante pelo menos no futuro próximo terá condições de fazêlo O ritmo de emendas constitucionais mantevese intenso durante o governo Lula Ao longo dos seus dois mandatos foram aprovadas 30 alterações à Constituição Dentre elas cabe ressaltar pela relevância a Emenda Constitucional nº 45 que promoveu importantes alterações no Poder Judiciário com destaque para a criação do Conselho Nacional de Justiça e da súmula vinculante O Presidente Lula foi sucedido por Dilma Rousseff também filiada ao PT que fora a sua MinistraChefe da Casa Civil A nova Presidenta apesar de gestora pú blica tarimbada não tinha qualquer experiência pretérita em pleitos eleitorais Não obstante derrotou nas urnas em segundo turno o candidato José Serra do PSDB beneficiandose da ampla popularidade do governo Lula que integrara com destaque94 Tratase da primeira mulher a presidir o Brasil fato que se reveste de grande simbolismo num país marcado por profunda desigualdade de gênero em que a cultura política e social ainda mantém fortes ranços sexistas 47 Conclusão Desde que a Constituição de 88 foi editada o Brasil tem vivido um período de normalidade institucional sem golpes ou quarteladas As crises políticas que surgi ram neste intervalo têm sido resolvidas com base nos instrumentos previstos pela própria Constituição As instituições constitucionais têm funcionado regularmente algumas melhor do que outras como é natural As forças políticas importantes parecem aceitar as regras do jogo constitucional e não há atores relevantes que alentem o projeto de subverter estas regras em benefício dos seus projetos particulares Há eleições livres e regulares no país um Poder Judiciário que funciona com inde pendência e um razoável respeito às liberdades públicas Aumentou na sociedade a consciência sobre os direitos e os movimentos reivindicatórios incorporaram a gramá tica constitucional à sua estratégia de luta A Constituição passou a ser enca rada com uma autêntica norma jurídica e não mera enunciação de princípios retóricos e tem sido cada vez mais frequentemente invocada na Justiça inclusive contra os atos ou omissões inconstitucionais dos poderes majoritários Uma análise histó rica desapaixonada concluiria que se ainda estamos longe de atingir o ideário do Estado Democrático de Direito a distância hoje é menor do que foi em qualquer outro momento da trajetória institucional do país Sem dúvida subsistem no país gravíssimos problemas que impactam negativamente o nosso constitucionalismo O patrimonialismo e a confusão entre o público e o privado continuam vicejando a despeito do discurso constitucional republicano O acesso aos direitos está longe de ser universal e as violações perpetradas contra os direitos fundamentais das camadas subalternas da população são muito mais graves e rotineiras do que as que atingem os membros das elites A desigualdade permanece uma chaga aberta e a exclusão que ela enseja perpetua a assimetria de poder político econômico e social Há sério déficit de representatividade do Poder Legislativo que é visto com desconfiança pela população E a Constituição é modificada com uma frequência maior do que seria desejável Não há como ignorar estes problemas e déficits do constitucionalismo brasileiro Mas a sua constatação não deve impedir o reconhecimento do seu significativo avanço sob a égide da Constituição de 1988 1 Cf ODONNEL Guillermo Notes for the Study of Processes of Political Democratization in the Wake of the BureaucraticAuthoritarian State In ODONNEL Guillermo Counterpoints Selected Essays on Autoritarianism and Democratization p 110129 MARENCO André Devagar se vai ao longe a transição para a democracia no Brasil em perspectiva comparada In MELO Carlos Ranulfo SÁEZ Manuel Alcântara Org Democracia brasileira balanço e perspectivas para o século XXI p 73105 2 SHARE Donald MAINWARING Scott Transição por transação democratização no Brasil e na Espanha Dados Revista de Ciências Sociais v 29 n 2 p 207 3 Cf MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of constitutional change 19851995 p 8485 4 MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of constitutional change 19851995 p 35 5 FAORO Raymundo Assembléia constituinte a legitimidade resgatada O trabalho consta também da obra re cen temente editada FAORO Raymundo A República inacabada p 169263 6 Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil 7 No manifesto de lançamento da Aliança Democrática intitulado Compromisso com a Nação figurava a convocação de Assembleia Constituinte Cf PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas con servadores ordem econômica e regras do jogo p 21 8 Cf FAORO Raymundo Constituinte ou congresso com poderes constituintes In FAORO Raymundo et al Constituição e constituinte p 1128 REALE Miguel Razões da constituinte congressual In REALE Miguel De Tancredo a Collor p 8284 texto originariamente publicado na Folha de SPaulo 11 nov 1986 9 Cf PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 21 10 Cf FERNANDES Florestan Quem paga o Pacto In FERNANDES Florestan Que tipo de República 2 ed p 5760 11 Uma lista com dados biográficos de todos os integrantes encontrase em Osny Pereira Duarte Constituinte anteprojeto da comissão Afonso Arinos p 1821 De acordo com José Afonso da Silva que participou da comissão a sua composição sob o prisma ideológico era muito parecida com aquela que acabaria pre va le cendo na Assembleia Constituinte Cf SILVA José Afonso da Influência do anteprojeto da comissão de estudos constitucionais sobre a Constituição de 1988 In SILVA José Afonso da Um pouco de direito consti tu cional comparado p 228254 12 Segundo Nelson Jobim que participou ativamente da Assembleia Constituinte de nada adiantaria o envio por Sarney de anteprojeto de Constituição ao Congresso Nas suas palavras o Presidente Sarney não tinha força política para enviar um Projeto à Assembléia Constituinte pois seria rejeitado porque havia disputa naquele momento entre Ulysses e Sarney A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efetividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 10 13 Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 453454 14 Vejase a propósito BIERRENBACH Flávio Quem tem medo da constituinte 15 No mesmo sentido BARROSO Luís Roberto Vinte anos da Constituição brasileira de 1988 o Estado a que chegamos In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 33 Destaquese contudo que durante a Assembleia Constituinte os parlamentares deram total prioridade à elaboração da Constituição em detrimento do desempenho das funções legislativas ordinárias Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 4243 16 Tal posição foi advogada entre outros por FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 168170 e RAMOS Saulo A assembléia constituinte o que pode e o que não pode natureza extensão e limitação dos seus poderes 17 No mesmo sentido SILVA José Afonso da Poder constituinte e poder popular p 7881 BARROSO Luís Roberto Vinte anos da Constituição brasileira de 1988 o Estado a que chegamos In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 3334 18 Cf SAMPAIO José Adércio Leite Teoria e prática do poder constituinte como legitimar ou desconstruir 1988 15 anos depois In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 2232 19 Momento constitucional e recomeço new beginning são categorias empregadas por Bruce Ackerman para explicar o fenômeno do poder constituinte Vejase a propósito ACKERMAN Bruce We the people v 1 20 Reproduziuse aqui o quadro apresentado em PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas con servadores ordem econômica e regras do jogo p 24 Dados um pouco diferentes mas que caracterizam um mesmo panorama geral se encontram em FLEISCHER David Perfil sócioeconômico e político da cons tituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 30 KINZO Maria DAlva Gil O quadro partidário e a constituinte In LAMOUNIER Bolívar Org De Geisel a Collor o balanço da transição p 108 e LOPES Júlio Aurélio Vianna A carta da democracia o processo constituinte da ordem pública de 1988 p 53 21 Cf FLEISCHER David Perfil sócioeconômico e político da constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 3738 22 Cf SOUZA Celina de Federalismo e descentralização na Constituição de 1988 processo decisório conflitos e alianças Dados Revista de Ciências Sociais v 44 n 3 p 541 23 A bancada do PSDB na Constituinte contava com 45 integrantes dos quais 38 eram egressos do PMDB 4 do PFL 1 do PDT 1 do PTB e 1 do PSB 24 Cf SOUZA Celina de Federalismo e descentralização na Constituição de 1988 processo decisório conflitos e alianças Dados Revista de Ciências Sociais v 44 n 3 p 516 25 Dados constantes no caderno Quem é quem na Constituinte publicado pelo jornal Folha de SPaulo em 19 jan 1987 26 Cf JOHNSON III Ollie A Representação racial e política no Brasil parlamentares negros no Congresso Nacional 19831999 Estudos AfroAsiáticos n 38 Tabela 1 27 De acordo com Robério Nunes no pleito eleitoral de 1986 houve 7 candidatos indígenas mas nenhum con seguiu se eleger Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas alguns avanços e retrocessos desde a Constituição de 1988 In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 572 28 Cf FLEISCHER David Perfil sócioeconômico e político da constituinte In GURAN Milton Coord O pro cesso constituinte 19871988 p 33 29 FLEISCHER David Perfil sócioeconômico e político da constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 36 30 Ulysses à época era também Presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB A sua candidatura à Presi dência da Constituinte fora precedida de uma batalha interna no PMDB contra Fernando Lyra em torno da Presidência da Câmara dos Deputados 31 O Regimento Interno que teve como Relator o Senador Fernando Henrique Cardoso foi promulgado como a Resolução nº 287 da Assembleia Nacional Constituinte em 24 de março de 1987 Os debates travados durante a sua elaboração foram bem sintetizados por PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progres sistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 2852 32 Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo cons ti tuinte 19871988 p 42 33 Em defesa desta posição cf REALE Miguel Razões da constituinte congressual In REALE Miguel De Tancredo a Collor p 9597 34 Cf JOBIM Nelson de Azevedo A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efetividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 11 BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 455456 35 A forma um tanto improvisada como se deu a escolha dos temas das subcomissões a partir do exame de constituições estrangeiras é relatada por Nelson de Azevedo Jobim que teve parte ativa neste processo A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efetividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 11 BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 1112 36 Mário Covas fora eleito para a função em 18 de março de 1987 derrotando por 143 votos contra 107 o De putado Luiz Henrique Cf MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of cons titutional change 1985 1995 p 98 37 Cf PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 64 38 Cf PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 6566 e JOBIM Nelson de Azevedo A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efe tividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 12 39 Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo cons ti tuinte 19871988 p 45 40 COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 45 41 A ampliação foi decidida pela Mesa da Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de garantir que todos os partidos nela tivessem pelo menos um representante 42 A escolha do Relator foi disputada decorrendo de eleição em dois turnos na bancada do PMDB em que Bernardo Cabral derrotou Fernando Henrique Cardoso eliminado no 1º turno bem como Pimenta da Veiga vencido no 2º turno 43 De acordo com dados levantados pelo jornal Folha de SPaulo de 17 jan 1987 118 dos integrantes da Co missão eram de esquerda 312 de centroesquerda 258 de centro 215 de centrodireita e 96 de direita apud MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of constitutional change 19851995 p 109 Constatase esse desvio para a esquerda da Comissão de Sistematização comparando estes percentuais com aqueles do quadro sobre a composição ideológica da Constituinte apresentado no item anterior 44 Bernardo Cabral organizou uma relatoria auxiliar para ajudálo que foi composta inicialmente por Wilson Martins PMDBMS Nelson Jobim PMDBRS Fernando Henrique Cardoso PMDBSP Adolfo de Oliveira PLRJ e Antônio Carlos Konder Reis PDSSC Posteriormente foi institucionalizada a figura do relatoradjunto função que seria exercida por José Fogaça PMDBRS Adolfo de Oliveira e Antônio Carlos Konder Reis Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 51 45 A Constituição de 1969 previa mandato de 6 anos para Sarney Uma ampla parcela da Constituinte com apoio de diversos setores da sociedade lutava pela fixação do seu mandato em 4 anos enquanto o governo queria no mínimo uma solução intermediária de 5 anos Naquele momento depois do fracasso do Plano Cruzado I a economia nacional atravessava profunda crise com processo de hiperinflação e a popularidade do Presidente era muito baixa 46 Cf LOPES Júlio Aurélio Vianna A carta da democracia o processo constituinte da ordem pública de 1988 p 7476 47 Este texto recebeu o apelido de Projeto Frankenstein em razão das suas alegadas incoerências e imper feições técnicas 48 Como esclareceu Adriano Pilatti a aprovação deste projeto era apenas para cumprir uma exigência regi mental que permitia o verdadeiro início da nova fase do jogo O próprio relator já explicitara tanto o seu descompromisso com o conteúdo oriundo das Comissões Temáticas como o propósito de oferecer substi tutivo após a apresentação das emendas de mérito em Plenário de modo que pouco interesse havia em alterálo naquele momento A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 165 49 Uma lista com os temas de todas as emendas populares aceitas encontrase em LOPES Júlio Aurélio Vianna A carta da democracia o processo constituinte da ordem pública de 1988 p 5558 50 Cf PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 163 51 PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 163164 52 O processo é narrado em detalhe em PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conser vadores ordem econômica e regras do jogo p 195227 53 PILATTI Adriano A constituinte de 19871988 progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo p 238 54 Para uma análise dos tipos de compromisso travados durante a Assembleia Constituinte veja MAUÉS Antonio G M Constituição e pluralismo vinte anos depois In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 169186 55 Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo cons tituinte 19871988 p 54 56 Cf COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo cons tituinte 19871988 57 COELHO João Gilberto Lucas O processo constituinte In GURAN Milton Coord O processo constituinte 19871988 p 131 58 Cf JOBIM Nelson de Azevedo A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efetividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição p 1416 59 Cf CASTRO Carlos Roberto de Siqueira A Constituição aberta e os direitos fundamentais p 127 Para uma análise das influências do Direito Comparado sobre a Constituição de 88 veja TAVARES Ana Lucia Lyra A Constituição de 1988 subsídios para os comparatistas Revista de Informação Legislativa n 109 janmar 1991 Destaquese que ambos os autores prestaram assessoria jurídica à Assembleia Constituinte 60 De acordo com a expressão feliz de Luís Roberto Barroso o texto de 88 em diversos temas perdeuse no varejo das miudezas Dez anos da Constituição de 1988 foi bom pra você também In CAMARGO Margarida Maria Lacombe Org 19881998 uma década de Constituição p 46 61 Cf COUTO Cláudio Gonçalves Constituição competição e políticas públicas Lua Nova n 65 p 95135 SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 167206 62 Para o debate sobre a teoria constitucional da Constituição dirigente em que são discutidos os seus aspectos mais problemáticos bem como os seus efeitos sobre o constitucionalismo brasileiro vejase os capítulos 1 e 5 Aqui cabe apenas mencionar a obra canônica sobre o tópico em língua portuguesa CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador 2 ed Nessa 2ª edição há um substancioso pre fácio em que o jurista português que divulgou entre nós a ideia do constitucionalismo dirigente revê e proble matiza as suas posições anteriores sobre a questão 63 Cf LESSA Renato A Constituição brasileira de 1988 como experimento de filosofia política um ensaio In OLIVEN Ruben George RIDENTI Marcelo BRANDÃO Gildo Marçal A Constituição de 1988 na vida brasileira p 369370 64 Vejase a canônica obra de DAHL Robert Alan Polyarchy participation and opposition 65 Para uma comparação entre o Executivo em 1988 e em 1946 cf LIMONGI Fernando O Poder executivo na Constituição de 1988 In OLIVEN Ruben George RIDENTI Marcelo BRANDÃO Gildo Marçal Org A Constituição de 1988 na vida brasileira p 2356 66 O mandato foi diminuído para 4 anos pela Emenda Constitucional de Revisão nº 5 de 1994 67 A possibilidade de uma reeleição para a Chefia do Executivo nos três níveis da federação foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 1697 68 Cf FIGUEIREDO Argelina LIMONGI Fernando Executivo e legislativo na nova ordem constitucional 69 A expressão é de Sérgio Abranches em clássico artigo Presidencialismo de coalizão o dilema institucional brasileiro Dados Revista de Ciências Sociais v 31 p 538 Vejase também a propósito do tema SANTOS Fabiano O poder legislativo no presidencialismo de coalização e AMORIM NETO Octávio O governo presi dencial e a sustentação parlamentar uma história trágicomarítima In VIEIRA José Ribas Org 20 anos da Constituição Cidadã de 1988 efetivação ou impasse institucional p 5968 70 Os números exatos foram 35089998 votos para Fernando Collor 31076364 para Lula 986446 votos em branco e 3107893 votos nulos Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 371 71 Cf COMPARATO Fábio Konder Recolhimento forçado ao Banco Central de saldos de contas bancárias In COMPARATO Fábio Konder Direito público estudos e pareceres p 179193 72 O STF não concedeu a Medida Cautelar postulada em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PDT contra a MP nº 168 Posteriormente ao julgar outra Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra a Lei nº 8024 na qual se convertera a referida MP o STF afirmou a perda de objeto da ação sem apreciar a constitucionalidade da medida em decorrência da devolução integral dos ativos financeiros que haviam sido bloqueados 73 De acordo com o art 14 da Lei nº 107950 que trata do processo por crime de responsabilidade qualquer cidadão pode denunciar o Presidente perante a Câmara dos Deputados 74 Pela Constituição cabe a Câmara dos Deputados autorizar por 23 de seus membros a instauração de ação por crime de responsabilidade contra o Presidente da República art 51 I O julgamento compete ao Senado art 52 I sob a Presidência do Presidente do STF sendo a condenação proferida por 23 dos senadores para a pena de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis art 52 Parágrafo único 75 A decisão de continuidade do processo tomada por 73 votos a 8 foi redigida pelo Min Sydney Sanches Nela consta que tendo ficado extinto pela renúncia o mandato presidencial do acusado encerrouse no Senado o processo de impeachment por ter ficado prejudicado quanto à sanção que poderia impor a mesma extinção art 52 Parágrafo único da Constituição Federal No mais atingido o quorum de dois terços pela condenação do acusado declaro que o Senado o condenou à inabilitação por oito anos para o exercício de função pública nos termos do mesmo dispositivo constitucional 76 Contra a decisão do Senado Fernando Collor de Mello impetrou no STF o Mandado de Segurança nº 21689DF sendo Relator o Min Carlos Mário Velloso A sessão de julgamento ocorreu em 6 de dezembro de 1993 e dela participaram oito Ministros do STF Carlos Mário Velloso Ilmar Galvão Celso Mello Moreira Alves Octavio Gallotti Sepúlveda Pertence Paulo Brossard e Néri da Silveira O julgamento no STF deu empate quatro ministros manifestaramse pela concessão da ordem Ilmar Galvão Celso Mello Moreira Alves e Octavio Gallotti e os quatro demais pela denegação O STF decidiu então de forma polêmica suspender o julgamento e convocar os três Ministros mais antigos do STJ para desempate Em 16 de dezembro de 1993 os Ministros Willian Andrade Peterson José Fernandes Dantas e Antônio Torreão Braz manifestam o seu voto contrário às pretensões do então exPresidente Collor ensejando a denegação da segurança e a manutenção do ato do Senado Para uma análise crítica desta decisão cf VIEIRA Oscar Vilhena Supremo Tribunal Federal jurisprudência política p 109120 77 Sessão de 361988 78 Cf MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of constitutional change 19851995 p 144145 79 A antecipação foi questionada no STF pelo PT por meio da ADI nº 8293DF Rel Min Moreira Alves sob o argumento de que a data do plebiscito representava limite material implícito ao poder de reforma A ação foi julgada improcedente em 1441993 por 8 votos a 3 Esse julgamento é analisado no Capítulo 7 80 Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 389394 81 A cientista política Maria Vitória Benevides em artigo jornalístico publicado sobre o tema afirmou que teria ocorrido um verdadeiro insulto ao bomsenso na confecção da cédula Entre outras impertinências persiste o risco de vermos votado um mostrengo como monarquia presidencialista Mais uma vez o mundo se cur vará diante de nossa imaginação criadora Apud PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª Repú blica p 393 82 Cf MELO Marcus André Reformas constitucionais no Brasil instituições políticas e processo decisório p 5976 83 Este debate é analisado de forma mais detida no Capítulo 7 que trata do Poder Constituinte Derivado 84 ADIMC nº 981PR Rel Min Néri da Silveira Julg 17121993 85 Dentre elas a mais relevante foi a que reduziu o mandato presidencial de 5 para 4 anos Emenda de Revisão nº 5 86 O governo do Presidente Itamar Franco só se mobilizou intensamente para aprovar a Emenda de Revisão nº 1 que criou o Fundo Social de Emergência retirando recursos provenientes da arrecadação tributária do bolo que pelo texto originário da Constituição seria partilhado com estados e municípios 87 Cf MELO Marcus André Reformas constitucionais no Brasil instituições políticas e processo decisório p 6068 COUTO Cláudio Gonçalves A longa constituinte reforma do Estado e fluidez institucional no Brasil Dados Revista de Ciências Sociais v 41 n 1 MARTÍNEZLARA Javier Building democracy in Brazil the politics of constitutional change 19851995 p 188189 88 Fernando Henrique Cardoso foi eleito com 5428 dos votos válidos Em segundo lugar ficou o candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva com 2704 dos votos Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 372 89 O programa de privatizações fora iniciado ainda durante o governo Collor com a edição da Lei nº 803190 mas se intensificou na gestão de Fernando Henrique Cardoso com a alienação de grandes empresas estatais como a Vale do Rio Doce e a Telebrás em meio a intensa controvérsia política e disputa judicial 90 Fernando Henrique Cardoso obteve neste pleito 5306 dos votos válidos e Lula que ficou em segundo lugar teve 3171 destes votos Cf PORTO Walter Costa O voto no Brasil da Colônia à 6ª República p 372 91 No primeiro turno o candidato do PT teve 4647 dos votos válidos contra 2319 obtidos por Serra Em se gundo turno Lula teve 6128 dos votos válidos contra 3872 do seu adversário 92 No primeiro turno Lula obtivera 4861 dos votos válidos contra 4164 alcançados por Alckmin No segundo turno ele elegeuse com 6083 dos votos válidos contra 3917 do seu oponente 93 A expressão foi empregada por Bruce Ackerman a propósito de Nelson Mandela que igualmente deixou de concorrer à reeleição em um contexto de popularidade máxima com o que logrou consolidar a transição demo crática na África do Sul Cf ACKERMAN Bruce O novo constitucionalismo mundial In CAMARGO Margarida Maria Lacombe Org 19881998 uma década de Constituição 94 No primeiro turno da eleição Dilma obteve 4691 dos votos válidos contra 3261 dados a José Serra e 1933 a Marina Silva No segundo turno Dilma recebeu 5605 dos votos válidos contra 4395 atribuídos a Serra CAPÍTULO 5 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E FILOSOFIA CONSTITUCIONAL 51 Nota preliminar Serão examinadas neste capítulo as principais teorias que buscam descrever o fenômeno constitucional além de algumas das mais importantes concepções prescri tivas sobre a Constituição Um dos critérios tradicionais para distinguir os campos da teoria e da filosofia constitucional é a pretensão de apenas descrever ou de também prescrever conteúdos constitucionais a teoria da Constituição seria descritiva enquanto a filosofia constitucional teria pretensões prescritivas buscando justificar racionalmente o modelo mais adequado de Constituição No entanto é comum que as diversas propostas formuladas no campo da teoria da Constituição também possuam dimensões normativas prescritivas e que as filosofias constitucionais não sejam estranhas ao constitucionalismo efetivamente praticado em cada contexto sociopolítico Portanto não há como separar de forma estanque a teoria da filosofia constitucional Nada obstante este capítulo por razões didáticas está dividido em duas seções a primeira trata de teorias da Constituição abordando contribuições que em sua maior parte foram elaboradas por juristas e já estão incorporadas à dogmática e à literatura constitucional brasileiras Já a segunda parte analisa a projeção na teoria constitucional de algumas concepções defendidas no âmbito da filosofia política O terreno aqui é um pouco mais difícil pois a explanação da matéria não terá como prescindir da exposição de temas mais filosóficos com os quais os operadores do Direito no Brasil geralmente não estão familiarizados Como já destacado no Capítulo 2 o tema da Constituição remonta à antiguidade grecoromana Sem embargo o presente capítulo considerará apenas as teorias e filosofias constitucionais formuladas a partir do advento do constitucionalismo moderno Os principais estudos de teoria e filosofia da Constituição têm sua origem em outros países sobretudo na Alemanha e Estados Unidos razão pela qual as seções seguintes estão centradas na análise de autores que formularam suas contribuições tendo em vista outras ordens constitucionais Apesar dessa origem externa tais ideias podem ser úteis para a compreensão do constitucionalismo brasileiro que não é original em todas as suas dimensões combinando padrões comuns às experiências de outros povos Desde que mediadas pela investigação das circunstâncias específicas de nossa realidade essas concepções e teorias não são ideias fora do lugar como por vezes ocorre entre nós quando importamos sem crítica proposições formuladas levando em conta realidades que nos são absolutamente estranhas1 52 Teorias da Constituição 521 A teoria constitucional do constitucionalismo liberal o idealismo constitucional O constitucionalismo é o movimento político que propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do poder político O primeiro constitucionalismo foi liberal inspirado pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII advindas da insurgência contra o Estado absolutista Sua preocupação primeira era com o estabelecimento de constituições que limitassem o exercício do poder político impedindo o arbítrio dos governantes Para realizar essa função as constituições deveriam possuir normas com dois conteúdos normas instituidoras de direitos individuais e normas que organizassem o Estado de acordo com o princípio da separação de poderes O arranjo institucional integrado por esses dois elementos configuraria um Estado constitucional moderado capaz de proteger a vida as liberdades a segurança e propriedade dos indivíduos A teoria da Constituição produzida até o século XX dedicou grande atenção ao problema da vinculação das constituições a esse conteúdo material ora proclamando esse vínculo ora criticando o idealismo que o sustenta A primeira linha se identifica à formulação de um conceito ideal da Constituição O conceito é ideal por ser formulado em razão da própria matéria que a Constituição deve conter aquela correspondente ao modelo liberal de Estado O papel das constituições é organizar o exercício do poder político e limitálo Os documentos normativos que não tratam dessa matéria não podem ser considerados constitucionais mesmo que sejam assim intitulados O constitucionalismo como movimento político só teria sentido se a Constituição fosse concebida em conformidade com o seu conceito ideal que veicula os objetivos de racionalizar limitar e moderar o exercício do poder político Tal conceito de Constituição tem a sua formulação mais conhecida e influente no art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão documento produzido no contexto da Revolução Francesa A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição Nessa linha um dos principais filósofos políticos do século XIX o francês Benjamin Constant definia a Constituição como a garantia da liberdade de um povo razão pela qual tudo o que assegura a liberdade é constitucional mas nada é constitucional senão para assegurála estender a constituição a tudo é atrair todos os perigos para ela2 Na história constitucional brasileira o conceito ideal de Constituição teve re levância prática mais direta na Constituição de 1824 cujo art 178 estabelecia um procedimento mais rigoroso para a alteração das normas relativas à estruturação e limitação do poder e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos O restante do texto constitucional poderia ser alterado de acordo com o procedimento legislativo ordinário Essa Constituição adotava o conceito ideal para distinguir as normas materialmente constitucionais dos demais preceitos integrantes do texto constitucional conferindo apenas àquelas o atributo da rigidez Com o predomínio do positivismo jurídico a concepção ideal da Constituição cedeu espaço a outras construções Todavia com a crise do positivismo a partir da segunda metade do século XX o componente ideal volta a penetrar em teorias e filosofias contemporâneas da Constituição agora associado a outras dimensões O elemento ideal por outro lado é enriquecido com novos aportes relacionados a temas como democracia e igualdade material que não se enquadravam na moldura do liberalismoburguês dos séculos XVIII e XIX 522 A Constituição como fato social os fatores reais de poder A teoria idealista da Constituição sempre foi objeto de duras críticas Já no século XIX seus críticos sustentavam que o modelo de Estado concebido pelas constituições liberais não correspondia à realidade concreta das sociedades Embora as normas constitucionais positivassem a liberdade e a igualdade a realidade social era marcada pelo arbítrio e pela desigualdade As proclamações constitucionais seriam a rigor desprovidas de maiores consequências práticas sendo incapazes de incidir efetivamente sobre uma realidade social refratária O conceito de Constituição deveria por isso ser formulado em termos sociológicos a teoria da Constituição deveria refletir a Constituição real espelhando os padrões sociopolíticos efetivamente em vigor em cada sociedade A primeira crítica significativa ao constitucionalismo idealista apoiada nesse tipo de argumento foi feita por Ferdinand Lassalle Pensador socialista envolvido nas lutas políticas e sociais da Alemanha do século XIX Lassalle definiu a Constituição como a resultante dos fatores reais de poder atuantes em determinada sociedade Os fatores reais de poder relevantes na Prússia3 da época eram o rei a burguesia os banqueiros a classe operária dentre outros A Constituição escrita que não correspondesse a esses fatores reais de poder seria uma mera folha de papel desprovida de importância na realidade social do país Para Lassale a essência da Constituição advém da realidade social em que o texto constitucional estiver inserido e não das normas nele positivadas Os problemas constitucionais não são problemas de direito mas do poder a verdadeira constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar4 Lassale foi contemporâneo de Karl Marx tendo travado com ele algumas polêmicas no contexto das lutas sociais da época Contudo podese se extrair da obra de Marx conclusão análoga à de Lassale O Direito e do Estado seriam na sua ótica manifestações superestruturais das relações de produção existentes na sociedade plenamente subordinadas a essas O discurso liberal de garantia da liberdade e da igualdade exerceria a função ideológica de ocultar as desigualdades verificadas nas sociedades capitalistas caracterizadas pela relação entre explorados e exploradores contribuindo para a formação de uma falsa consciência O marxismo denuncia que a igualdade e a liberdade do liberalismo proclamadas pelas constituições seriam apenas formais e não reais No Brasil a contribuição mais importante à crítica ao idealismo da teoria constitucional foi oferecida por um jurista conservador da primeira metade do século XX Oliveira Vianna O autor criticava a falta de correspondência entre o idealismo da Constituição concebida de acordo com as ideias liberais predominantes na Europa e nos Estados Unidos e a realidade política e social do Brasil que exigia instituições diferentes Esta desconformidade ou desarmonia entre a realidade subjetiva criada pela tradição elementos imanentes e a realidade externa criada pelo novo sistema de normas ele mentos transcendentes é que explica o fracasso das reformas políticas dos novos tipos de regimes das novas Constituições quando aberrantes dos costumes ou da tradição do povo5 Apesar do verdadeiro abismo ideológico entre o pensamento de Lassale e o de Oliveira Vianna ambas as concepções sobre o fenômeno constitucional convergem na afirmação de que a Constituição não deve ser definida em termos idealistas O fato é que o estranhamento entre o constitucionalismo liberal e a realidade da vida política e social do início do século XX exigiu que se repensasse o conceito de Constituição 523 O positivismo constitucional de Hans Kelsen No início do século XX muitas das novas Constituições escritas se afastaram da matriz liberal inspiradora do constitucionalismo clássico passando a conter prescrições não relacionadas às tarefas de limitar e estruturar o poder político Os novos textos constitucionais positivavam normas de teor bastante variado sobre temas como economia família cultura etc No novo contexto não havia como definir a Constituição apenas a partir de seu conteúdo material como propugnava a teoria idealista Era especialmente significativa naquele cenário a Constituição alemã de 1919 chamada Constituição de Weimar um dos documentos constitucionais mais influentes da história apesar de sua curta vigência que de fato passou a ser meramente formal com a ascensão do nazismo Elaborada em um contexto de intensa turbulência política a Constituição de Weimar é o resultado de influências ideológicas diversas Além de estruturar o Estado alemão e de positivar direitos individuais a Constituição dispunha por exemplo sobre a organização da economia art 151 e sobre a função social da propriedade art 153 estabelecendo direitos trabalhistas arts 157165 e previdenciários art 161 matérias absolutamente estranhas ao constitucionalismo do Estado liberal Com a alteração do papel das constituições tornase impossível a definição da Constituição a partir do conteúdo das suas normas Para abranger uma multipli cidade razoável de textos constitucionais o conceito de Constituição deveria se ater aos seus aspectos formais Essa era a concepção Hans Kelsen principal expositor dessa vertente teórica Quer estabeleça uma ditadura quer institua um governo democrático a Cons tituição para Kelsen definese por ocupar o ápice do ordenamento jurídico Não é característica necessária das constituições a organização do exercício do poder em termos liberais As constituições possuem em comum a supremacia formal ou seja o fato de ocuparem o ápice da ordem jurídica provendo fundamento de validade para o restante do ordenamento Kelsen propõe a imagem de uma pirâmide para representar a estrutura escalonada da ordem jurídica6 O fundamento de validade das sentenças judiciais é provido pelas leis o fundamento de validade das leis pela Constituição A sentença judicial é válida porque a lei conferiu ao juiz poder para proferila a lei é válida porque a Constituição concedeu ao legislador a respectiva competência legislativa Portanto a sentença é válida porque foi produzida ainda que indiretamente em conformidade com a Constituição Remanesce todavia o problema do fundamento de validade da própria Constituição Kelsen identificao na denominada norma hipotética fundamental Tratase de pressuposto lógico segundo o qual devem ser cumpridas as normas elaboradas de acordo com a Constituição a proposição fundamental da ordem jurídica estadual diz devem ser postos atos de coerção sob os pressupostos e pela forma que estatuem a primeira Constituição histórica e as normas estabelecidas em conformidade com ela Em forma abreviada devemos conduzirnos como a constituição prescreve7 Não enfrentaremos o ponto no presente estudo cuja pretensão é apenas introdutória A norma hipotética fundamental costuma ser apontada como calcanhar de Aquiles da teoria kelseniana Tanto é assim que diante da evidente insuficiência do argumento Kelsen foi obrigado a fazer concessões de cunho sociológico para dar sustentação a seu modelo como se verá a seguir A Teoria Pura do Direito além de negar que a validade das normas decorra da correção de seu conteúdo material como defendia a teoria idealista também rejeita que ela derive de sua eficácia social A eficácia não é requisito de validade da norma jurídica singular Mesmo uma norma socialmente ineficaz será considerada válida se tiver sido produzida em conformidade com o procedimento previsto no ordenamento jurídico e não estiver em desacordo com as normas superiores A eficácia é porém requisito de validade do ordenamento jurídico como um todo uma ordem jurídica é considerada válida quando as suas normas são numa consideração global eficazes quer dizer são de fato observadas e aplicadas8 Quando o ordenamento jurídico é globalmente respeitado e aplicado as normas produzidas conforme os procedimentos por ele prescritos são válidas Mesmo o normativismo de Kelsen faz essa importante concessão sociológica No normativismo de Kelsen a referência ao mundo dos fatos esgotase todavia nessa inferência Sendo o ordenamento globalmente eficaz faz sentido pressupor a norma hipotética fundamental e a partir dela estruturar uma cadeia hierarquizada de validação do Direito pela qual o fundamento de validade da norma inferior é sempre encontrado na norma superior Por outro lado na virada do século XIX para o século XX ampliase a influência do positivismo no campo do Direito Na primeira metade do século XX Kelsen foi o principal expoente dessa corrente jusfilosófica Para o positivismo a tarefa da teoria constitucional seria simplesmente descrever com objetividade a Constituição e não prescrever para ela um conteúdo determinado como pretendia a teoria idealista do constitucionalismo liberal Para o positivismo não seria jurídica a definição do con teúdo ideal das normas jurídicas o Direito deve se ocupar das normas como são e não de como elas deveriam ser Isso valeria também para a Constituição É nesse sentido que Kelsen propõe que se exclua da investigação da Ciência do Direito tudo quanto não pertença a seu objeto a política a sociologia a ética etc9 A teoria kelseniana não deixa de sustentar que as Constituições devem possuir um determinado conteúdo devem conter normas que estabeleçam competências e procedimentos Como para Kelsen o ordenamento jurídico é escalonado e a Constituição ocupa o seu ápice ela deve conter normas que atribuam poderes para as autoridades estatais produzirem outras normas A expressão Constituição material é utilizada por Kelsen para designar justamente as normas que regulam a produção de outras normas A Constituição formal é o documento escrito que pode conter além das normas da constituição material relativas a competências e procedimentos também normas atinentes a outros assuntos10 A inferência de que as constituições devem conter normas de competência e procedimento não é feita porém em razão de seu teor político ou ideológico a respeito do qual a teoria pura do Direito entende que não deve se pronunciar A Constituição material pode estabelecer uma democracia mas também uma ditadura e não deixará de ser definida como Constituição por adotar essa última orientação O conceito formalnormativo de Constituição angariou grande prestígio ao longo de todo o século XX predominando ainda hoje no âmbito do pensamento ju rídico mais convencional Embora seja rara a adesão integral à teoria pura do Direito a referência a elementos formais tem predominado na formulação do conceito de Constituição Isso não ocorreu porém sem que se formulassem alternativas bastante influentes algumas das quais no âmbito do debate instaurado em torno da Constituição Weimar Os itens seguintes abordam algumas dessas alternativas 524 A Constituição como decisão política fundamental Carl Schmitt No importante debate constitucional travado no cenário da Constituição de Weimar surgiram teorias alternativas tanto ao idealismo da corrente liberal quanto ao formalismo de Kelsen e de outros positivistas Os protagonistas daquele debate sustentavam de diferentes maneiras teorias constitucionais centradas na realidade concreta Eram as teorias materiais da Constituição materiais por privilegiarem elementos oriundos da realidade constitucional e não por prescreverem determinado conteúdo particular A teoria mais influente nessa linha foi proposta por Carl Schmitt para o qual a Constituição deveria ser definida como a decisão política fundamental do poder constituinte Tratase da decisão política que modela a substância do regime Em relação à decisão política fundamental todas as regulações normativas são secundárias A Constituição para Schmitt não se confunde com as leis constitucionais Ela consiste na manifestação concreta do poder político que toma a decisão fundamental pondo fim ao conflito antes existente e definindo as bases do novo regime uma democracia ou uma ditadura um Estado capitalista ou socialista etc As leis constitucionais leiase a Constituição escrita podem conter diversos elementos que não sejam propriamente constitucionais porque dissociados da decisão política fundamental do poder constituinte O conceito de Constituição de Carl Schmitt não se apoia em critérios de justiça ou racionalidade do conteúdo normativo adotado como sustenta a teoria ideal Para Schmitt o poder constituinte pode estabelecer qualquer conteúdo constitucional inclusive um completamente divergente dos princípios do Estado Liberal11 Nisso repousa o aspecto central da sua concepção decisionista que considerava a Constituição não como a positivação de um sistema racional de princípios mas como um ato de vontade do poder constituinte Sob um prisma normativo a decisão nasce do nada é uma creatio ex nihilo Para Schmitt tal como antes dele sustentara Thomas Hobbes auctoritas non veritas facit legem12 O poder constituinte é poder político existencial e soberano é quem de fato toma a decisão constituinte13 A Constituição nessa perspectiva resulta de um ato de vontade não sendo decorrência da razão nem de nenhuma fonte de legitimação acima da realidade da vida política O instrumento principal para preservar a decisão política fundamental é o estado de exceção Quando o estado de exceção é decretado a Constituição formal é suspensa pelo menos em parte Deixam de vigorar por exemplo as garantias da liberdade dos cidadãos O governo passa a dispor de meios excepcionais para proteger e reafirmar a decisão política fundamental Tem lugar uma autoridade ilimitada e a vontade do soberano prevalece sobre as leis constitucionais O objetivo é promover a manutenção e a subsistência do regime instituído não transformálo O contexto criado pela decretação do estado de exceção pode até ser utilizado para se tomar uma nova decisão política fundamental Mas então haverá uma nova Constituição descomprometida com a anterior14 No Brasil a teoria decisionista de Schmitt exerceu relevante influência Seu principal representante foi o jurista conservador Francisco Campos15 redator da Constituição de 1937 instituidora da ditadura do Estado Novo e do preâmbulo do Ato Institucional nº 1 com o qual se inaugurou a ditadura militar de 1964 Em ambos os casos a decisão política fundamental revelase com força e clareza ostentado a pretensão de por fim aos conflitos sociais e de instaurar um contexto de paz social com base na autoridade emanada de um centro de poder pouco aberto ao pluralismo as decisões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente subtraídas ao princípio da livre discussão16 Como está afirmado no preâmbulo do Ato Institucional nº 1 a decisão política fundamental legitima a si própria não buscando fundamento de validade em nenhuma norma superior Fica assim bem claro que a revolução não procura legitimarse através do Congresso Este é que recebe deste Ato Institucional resultante do exercício do Poder Constituinte inerente a todas as revoluções a sua legitimação Tanto em Schmitt quanto em Campos o decisionismo revela sua vocação autoritária Ele está inserido em uma tradição de pensamento apoiada em um diagnóstico pessimista acerca do ser humano e da sociedade O ser humano é tido como vocacionado para o conflito sendo sociedade um espaço de disputa A política é concebida como uma relação entre amigo e inimigo que se confrontam em que um dos lados tem de prevalecer O poder político deve interferir incisivamente para por fim aos conflitos sociais e estabelecer a ordem Não é por outra razão que desse tipo de construção resultam Estados autoritários A ênfase na ordem em detrimento do pluralismo e da liberdade é a marca da tradição política autoritária na qual está inserido o decisionismo A ditadura não é vista como necessariamente negativa mas como alternativa aceitável à desordem e à guerra que ameaçariam em maior grau a vida e a propriedade das pessoas17 525 A Constituição como processo de integração Rudolf Smend No contexto da República de Weimar outro crítico às teorias ideais e formais da Constituição foi o jurista Rudolf Smend que agregou um elemento que se tornaria central para a teoria da Constituição formulada posteriormente a dinâmica consti tucional A Constituição é definida como um processo de integração realizado de acordo com a dinâmica social18 A teoria proposta por Smend também procura dar conta da realidade constitucional como a teoria sociológica de Lassalle mas tal realidade é concebida de modo dinâmico e não estático Além disso Smend não exclui o elemento normativo inserindoo em sua concepção de Constituição19 Nas palavras de Smend a Constituição normativa não pode senão consistir em uma representação legal de aspectos determinados do permanente processo de integração devendo levar em consideração para se tornar socialmente eficaz os im pulsos e motivações sociais da dinâmica política integrandoos progressiva mente Os artigos da Constituição podem no máximo inspirar a dinâmica política sem abarcar a sua totalidade O processo de integração ao qual o Estado está per manentemente sujeito possui dimensões pessoais espirituais funcionais e materiais que não se deixam abranger totalmente pelo texto constitucional20 A Constituição para Smend está em permanente desenvolvimento o qual envolve fatores espirituais sociais individuais e coletivos21 Nesse sentido Smend defende que o Direito Constitucional seja concebido a luz do método das ciências do espírito do que resulta a integração do elemento valorativo na teoria constitucional que havia sido rejeitado por Kelsen22 Não por outra razão a interpretação constitucional deve ser efetuada de forma extensiva e flexível23 Apesar de crítica da perspectiva normativista a teoria de Smend se distancia também de modo significativo da tese sustentada por Schmitt A teoria de Schmitt é estática A decisão política fundamental ocorre em um momento estanque da história constitucional Mesmo nos contextos de exceção o que tem lugar é a reafirmação da decisão política fundamental com o objetivo de promover a manutenção e a subsistência da Constituição A teoria de Smend ao contrário é dinâmica A Constituição na sua concepção é a dinâmica vital na qual se desenvolve a vida do Estado Seu olhar recai sobre a estrutura social em toda a sua complexidade sobre as infinitas decisões tomadas no quotidiano e não sobre um momento qualquer de exercício do poder constituinte 526 A Constituição total a tentativa de integração das dimensões normativas sociais e políticas Herman Heller Nesse mesmo debate em torno da Constituição de Weimar outra contribuição importante foi a de Herman Heller A perspectiva de Heller se insere em um momento de síntese entre as teorias normativa e sociológica no sentido da formulação de um conceito unitário também chamado de total ou estrutural de Constituição A Cons ti tuição além de ser norma é também realidade social é um padrão seguido normalmente em determinada sociedade24 Porém o reconhecimento de que a Constituição é também realidade constitucional não resulta na negação de que as normas integrem a Constituição Para Heller o elemento real por ele chamado de normalidade e o elemento normativo são dois componentes indissociáveis da estrutura constitucional25 Heller no contexto do debate de Weimar foi um dos principais críticos de Schmitt contrapondo se especialmente à noção segundo a qual a política pode ser entendida como relação amigo inimigo O que caracteriza a democracia para Heller não é exatamente a discussão pública como tal mas a existência de um fun damento comum para a discussão O fundamental do argumento de Heller não é afirmar que a política nunca assuma a forma de uma relação amigoinimigo o que até pode ocorrer Mas pode também ser evitado se houver um contexto de igualdade social razoável que possibilite a interação cooperativa entre os cidadãos aliviando o litígio entre as forças que assumem posições divergentes no processo políticodemocrático26 Só há deliberação sobre o bem comum se os participantes do processo político percebem que para além das diferenças todos mantêm interesse na manutenção da estabilidade democrática27 Schmitt como visto sustentava a tese segundo a qual a Constituição restringir seia à decisão política fundamental do poder constituinte Apenas parte do texto constitucional de Weimar identificavase com essa decisão a primeira parte O restante do texto composto por direitos individuais e sociais e por normas relativas à intervenção na economia e na propriedade poderia ser suspenso28 Já Heller comprometido com o ideário socialdemocrata de então defendia a Constituição de Weimar no seu todo A cooperação social demandava também a observância dos direitos fundamentais inclusive os sociais que constituíam nesse sentido uma dimensão fundamental da organização da sociedade em bases democráticas Ao conceber a Constituição simultaneamente como normatividade e como normalidade Heller já revelava a preocupação com o tema da efetivação constitucional Essa será a preocupação central da teoria da Constituição formada a partir do advento do constitucionalismo social 527 Norma realidade e concretização da Constituição as teorias concretista Konrad Hesse e estruturante Friedrich Müller da Constituição Com o fim da II Guerra o constitucionalismo social surgido ainda na primeira metade do século XX se afirma no cenário europeu As novas constituições são democráticas repletas de garantias de direitos individuais mas muitas delas também contêm direitos sociais e normas de intervenção estatal na Economia Inúmeras constituições aprovadas desde então além de refratárias ao autoritarismo são também comprometidas com a justiça social Um dos principais problemas a que a teoria da Constituição passa a se dedicar é o de como de converter as normas cons titucionais em realidade concreta A chamada força normativa da Constituição se torna uma questão central para o constitucionalismo do Estado Social Para realizar esse propósito algumas teorias sustentam que é necessário que a Constituição também se deixe permear pela realidade A mais importante dessas concepções foi formulada por Konrad Hesse recebendo posteriormente complementações sobretudo no campo metodológico do seu discípulo Friedrich Müller Hesse desenvolveu a sua tese a partir de um diálogo com Ferdinand Lassalle que como antes esclarecido definira a Constituição em termos sociológicos com base no conceito de fatores reais do poder Para Hesse o elemento essencial de uma Constituição é a normatividade29 Mas o conteúdo material da Constituição deve ser extraído das exigências substantivas que se situam na sociedade que a Constituição se propõe a regular Ao invés de a Constituição dirigir verticalmente a vida social interage com ela em uma relação de influências recíprocas que leva à determinação do conteúdo constitucional Por um lado a realidade influencia no significado das normas constitucionais que não podem ser interpretadas com abstração do quadro empírico sobre o qual incidem Mas por outro a norma constitucional não é apenas um reflexo da realidade tendo algum poder de condicionála É nesse sentido que Hesse resgata a proposta de Heller para quem a Constituição deveria ser definida simultaneamente como normatividade e normalidade social norma e realidade Seu objetivo é também operar uma síntese das duas posições sociológica e normativa ao formular a conhecida teoria da força normativa da Constituição Nas suas palavras o significado da ordenação jurídica da realidade somente pode ser apreciado se ambas ordenação e realidade forem consideradas em sua relação em seu inseparável contexto e no seu condicionamento recíproco30 Para que uma Constituição seja eficaz do ponto de vista social ela não pode desconsiderar as condições históricas nas quais está inserida A Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se levar em conta essa realidade A constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade Graças ao elemento normativo ela ordena e conforma a realidade política e social As possibilidades mas também os limites da força normativa da constituição resultam da correlação entre ser sein e dever ser sollen31 Para Hesse o poder da Constituição de conformar a realidade social não é ilimitado Uma Constituição que ignorasse o desenvolvimento social político ou eco nômico do seu tempo não teria como ser efetivada Mas as normas constitucionais tampouco são inúteis quando não espelharem as forças hegemônicas ao contrário do que afirmava Lassale Elas podem em alguma medida regular a vida política e social Esse poder da Constituição de condicionar o fato social não é uniforme e a variável mais importante para o seu fortalecimento consiste no que Hesse denominou de vontade de Constituição que é o empenho dos que vivem sob a sua égide no sentido de lutar pela efetivação dos seus comandos Segundo Konrad Hesse a Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade Mas ela não deve tratar de todos os assuntos nem descer a pormenores em cada tema a que se dedica É importante que diversos âmbitos da vida estatal sejam ordenados somente por normas dotadas de grande amplitude material e in de terminação A Constituição deve deixar certas questões conscientemente abertas provendo um espaço para a livre discussão decisão e configuração das forças políticas Ela deve ser uma Constituição aberta porque a vida que ela quer ordenar é uma vida histórica32 A abertura e a incompletude são vistas por Hesse como necessárias nas constituições desde que presentes na adequada medida Konrad Hesse concebeu a interpretação constitucional como um processo de concretização em que se deve considerar não apenas o texto constitucional mas também a realidade sobre o qual este incide No campo metodológico a sua teoria foi desenvolvida e aprofundada por seu discípulo Friedrich Müller que partindo das mesmas premissas sobre a relação entre a Constituição e a realidade buscou a fornecer parâmetros para a racionalização da tarefa de concretização constitucional Ele denominou a sua concepção de teoria estruturante do Direito A interpretação do texto da norma para Müller é apenas uma etapa inicial do processo de concretização33 No entanto essa fase é fundamental permitindo a definição do programa normativo que delimita as possibilidades interpretativas a que se abre o texto normativo A interpretação do texto deve ser realizada por meio dos elementos tradicionais de interpretação gramatical histórico genético sistemático e teleológico com adaptações para o campo específico do direito constitucional Deve ser especialmente complementada com a utilização dos princípios constitucionais de interpretação Definido o programa da norma fica circunscrito o campo dentro do qual a decisão deve se situar34 Após a delimitação do programa da norma a atividade de concretização passa ao âmbito normativo o qual deve ser identificado empiricamente35 No âmbito da norma estão compreendidos os fatos relevantes para a questão de Direito que sejam compatíveis com o programa da norma elaborado Para a definição do âmbito da norma o intérprete deve utilizar dados da sociologia da ciência política da economia e de outros dados exigidos pelo âmbito normativo da prescrição concretizada A atividade de concretização que utiliza elementos oriundos da realidade somente terá lugar no preenchimento do espaço deixado após a definição do programa da norma No intuito de racionalizar e controlar o processo de interpretação constitucional com a explicitação de suas diversas etapas e variáveis Müller elabora uma série de critérios para resolução de conflitos entre diversos elementos de concretização Para Müller por exemplo os elementos do âmbito da norma são hierarquicamente iguais aos elementos de interpretação do texto da norma No entanto os elementos de interpretação do texto da norma têm precedência no que se refere à fixação do limite de resultados admissíveis no processo de concretização constitucional A interpretação gramatical e a interpretação sistemática devem fixar os limites da decisão36 E o elemento gramatical tem precedência sobre o sistemático37 Definidos os limites textuais e assentada a posição hierarquicamente superior dos elementos diretamente referidos à norma tem lugar a busca da solução mais justa e conveniente ao caso concreto38 A preocupação central de Müller situase portanto no campo metodológico no qual é grande o seu esforço no sentido de racionalizar o processo de concretização da Constituição limitando os riscos de arbitrariedade do intérprete No entanto não consideramos que ele tenha sido bem sucedido no seu intento de fornecer critérios de hierarquização dos elementos de concretização constitucional O tema da interpretação será desenvolvido longamente no Capítulo 10 528 A teoria da Constituição dirigente Como destacado no Capítulo 1 as constituições dirigentes contêm não apenas garantias da liberdade individual mas também programas metas e objetivos a serem executados pelo Estado e pela sociedade São constituições típicas do Estado Social que positivam direitos prestacionais e dispõem sobre a intervenção estatal no domínio econômico Nos textos constitucionais dirigentes está descrito um estado ideal de coisas que o constituinte quer ver realizado no futuro No Brasil como na Europa a teoria do constitucionalismo dirigente norteou parte do pensamento constitucional de esquerda Percebese aqui a influência das propostas reformadoras do socialismo democrático e da socialdemocracia Entende se por um lado que a justiça social está vinculada aos aspectos centrais do modelo igualitário de organização da vida econômica Por outro lado partese da premissa de que a necessária transformação da sociedade deve ser alcançada por meio dos instrumentos do constitucionalismo democrático Rejeitase com isso tanto a via revolucionária de transformação da sociedade quanto o arcabouço institucional que predominou nos países do socialismo real39 O exemplo mais expressivo de Constituição dirigente é a Constituição Portuguesa de 1976 atualmente em vigor Resultado da Revolução dos Cravos que pôs fim a um governo autoritário e elaborada com intensa participação de comunistas e socialistas a Constituição previa em seu texto originário a própria transição para o socialismo art 1º e a criação de uma sociedade sem classes art 2º Tais dispositivos dentre outros foram alterados pela primeira Revisão Constitucional de 1982 com a substituição das expressões originais pelas fórmulas menos ideologicamente carregadas de construção de uma sociedade livre justa e solidária art 1º e realização da democracia econômica social e cultural art 2º as quais contudo ainda mantêm forte teor dirigente Muitas das constituições contemporâneas embora não se identifiquem com igual intensidade com os compromissos ideológicos contidos no texto originário da Constituição Portuguesa também são integradas por preceitos que proclamam como objetivos a serem perseguidos a igualdade e a justiça social adotando fórmulas mais próximas da atual redação do texto constitucional lusitano O dirigismo constitucional elabora um conceito material de legitimidade as Constituições devem conter não só normas que determinam limites Constituição garantia e processos Constituição como processo ou instrumento de governo para a atividade política mas também normas definidoras de finalidades políticas e econômicas A teoria da Constituição dirigente busca justamente investigar a vinculação do Estado e da sociedade a esse tipo programa constitucional transformador a Teoria da Constituição assumese como teoria da constituição dirigente enquanto problematiza a tendência das leis fundamentais para 1 se transformarem em estatutos jurídicos do Estado e da sociedade 2 se assumirem como norma garantia e tarefa direção do processo político social40 Com esse propósito a teoria da Constituição dirigente elege temas prioritários como a legitimação substantiva da legislação a estrutura das normas programáticas o grau e a forma de vinculação do legislador ao programa constitucional A questão central é identificar em que medida o conteúdo material fixado no programa constitucional é determinante para a atividade legislativa definindo o próprio teor das decisões políticas tomadas pelas gerações futuras A contribuição mais importante no âmbito da teoria da Constituição dirigente é a do constitucionalista português Gomes Canotilho Sua tese de doutoramento intitulada A Constituição dirigente e a vinculação do legislador além de influenciar de maneira definitiva nossa teoria constitucional foi referência também para a própria elaboração da Constituição de 8841 Canotilho sustentava a tese de que o legislador estaria vinculado ao programa constitucional devendo observar não apenas as normas que instituem direitos e procedimentos mas também aquelas que estabelecem programas de ação A legitimidade material dos atos legislativos dependeria de sua capacidade de concretizar as diretrizes instituídas no texto constitucional Ressaltese porém que para Canotilho a vinculação do legislador ao pro grama estabelecido na Constituição não se alicerçava na atuação do Poder Judi ciário Para ele em sede de constituição dirigente não tem grande sentido nem alcance prático falarse dos tribunais ou de um tribunal constitucional como defensor da constituição Quer pela especificidade das suas funções quer pelos problemas de legitimação democrática o alargamento das funções do juiz a tarefas de confor mação social positiva é justamente questionável42 Canotilho apostava muito mais na participação popular do que na atuação do Judiciário como mecanismo de con cretização dos objetivos constitucionais traçados pelas normas programáticas A incorporação da teoria da Constituição dirigente no Brasil porém a conjugou com institutos dogmáticos e processuais tendentes à efetivação judicial da Cons tituição Entre nós predominou a compreensão de que por ser menor o nível de organização e atuação política da sociedade civil deveria ser aumentada a respon sabilidade dos integrantes do Poder Judiciário na concretização e no cumprimento das normas constitucionais inclusive as que possuem uma alta carga valorativa e ideológica43 Hoje Canotilho não mais sustenta nos mesmos termos a tese da vinculação do legislador à Constituição dirigente Para ele subjacente ao programa constitucional está toda uma filosofia do sujeito e uma teoria da sociedade cujo voluntarismo desmedido e o holismo planetário conduziram à arrogância de fixar a própria órbita das estrelas e dos planetas44 Para Canotilho a globalização o fortalecimento do Direito Comunitário no âmbito europeu e Internacional e o advento de uma filosofia constitucional pósmoderna descrente em relação a projetos muito grandiosos de transformação social pelo meio do Direito teriam contribuído para desgastar as premissas do constitucionalismo dirigente Sem embargo e a despeito de sua atual crítica ao dirigismo constitucional o livro de Canotilho sobre a Constituição dirigente figura como um dos mais importantes e influentes estudos jurídicos escritos em língua portuguesa Há quem defenda que a teoria da Constituição dirigente seria especialmente adequada ao Brasil por duas razões fundamentais Em primeiro lugar a Constituição Federal de 1988 é uma Constituição dirigente conclusão que não pode ser refu tada Uma teoria da Constituição para ser constitucionalmente adequada deveria por isso ser uma teoria a Constituição dirigente45 Em segundo lugar a teoria da Constituição dirigente seria adequada à compreensão da Constituição brasileira também em razão do não cumprimento no Brasil das promessas da modernidade positivadas no texto constitucional sobretudo na forma de direitos fundamentais e do funcionamento distorcido de nossa democracia representativa ambas características da realidade periférica de nosso país46 529 O constitucionalismo da efetividade No Brasil ao lado da teoria da Constituição dirigente outra teoria que exerceu influencia decisiva para a compreensão e a aplicação da Constituição Federal de 1988 é a doutrina da efetividade A afirmação da normatividade da Constituição é uma das principais consequências da guinada por que passou no Brasil a teoria constitucional progressista a partir da reabertura democrática e especialmente desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 Diante da antiga ordem constitucional os autores situados à esquerda do espectro político tendiam a assumir uma posição crítica diante do Direito e da Constituição denunciando seus compromissos ideo lógicos conservadores Todavia instaurado o ambiente democrático passaram a compreender que seu papel não mais seria apenas o de criticar o caráter ideológico do Direito mas sobretudo o de desenvolver uma dogmática capaz de garantir a efetivação dos potenciais emancipatórios da Constituição47 O trabalho que sintetiza com maior intensidade essa tendência do direito constitucional brasileiro é a tese de livre docência de Luís Roberto Barroso publi cada sob o título O direito constitucional e a efetividade de suas normas48 Essa trajetória pode ser observada também nos estudos de Clèmerson Merlin Clève Em texto elaborado no início da década de 80 Clève desenvolvia os pressupostos epistemológicos da teoria crítica do Direito49 Já em estudo de meados da década de 1990 passa a sus tentar que em face da Constituição de 1988 o direito constitucional alternativo pode constituir uma dogmática da efetividade50 Na década de 90 essa valorização da dogmática jurídica e da efetividade constitucional é proposta mesmo por Luis Alberto Warat um dos principais expoentes da teoria crítica do Direito51 Os potenciais emancipatórios da Constituição Federal de 1988 identificam se tanto com a sua dimensão garantística quanto com a sua faceta dirigente Por um lado a Constituição consagra a garantia das liberdades individuais Por outro lado estabelece um amplo rol de direitos sociais e formula um projeto de futuro de viés igualitário A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade e a democracia política e positiva diretrizes sociais fornecendo ao pensamento jurídico progressista simultaneamente uma trincheira de resistência e uma carta programática Diante do conteúdo avançado da Constituição uma das preocupações centrais da teoria constitucional brasileira passa a ser incrementar a sua força normativa Isso ocorreria contudo não por meio de uma síntese com a realidade constitucional como propunham os constitucionalistas alemães da teoria concretista mas pela via do desenvolvimento de uma dogmática da efetividade centrada na atuação do Poder Judiciário Se o Direito Constitucional positivo estabelece um projeto social adequado não haveria mais sentido em debater acerca da realidade que o condiciona ou de sua justificação racional A grande missão seria efetivar a Constituição razão pela qual os enfoques filosóficos ou políticosociológicos não teriam muito a contribuir O que se propunha era conceber a Constituição como verdadeiro Direito integrado por normas aptas a produzirem efeitos a comandarem o comportamento dos órgãos estatais entes privados e indivíduos O que se desejava era uma Constituição para valer52 o que dependeria em grande medida da sua proteção judicial Esse compromisso com a efetividade se revela principalmente no âmbito da teoria da norma constitucional desenvolvida pela primeira geração de constitucionalistas da efetividade protagonizada por José Afonso da Silva Teve grande repercussão entre nós o estudo precursor do jurista italiano Vezio Crisafulli segundo o qual os preceitos constitucionais são todos normas possuindo aptidão para produzirem efeitos jurídicos53 No Brasil a tese foi divulgada no estudo de José Afonso da Silva sobre a aplicabilidade das normas constitucionais publicado ainda no final da década de 196054 A teoria tradicional negava de plano efeitos jurídicos a muitas normas constitucionais caracterizandoas como não autoaplicáveis55 Com a doutrina de José Afonso da Silva as antigas normas não autoaplicáveis se convertem em normas de eficácia limitada e a elas se passa a atribuir uma série de efeitos embora continuem não sendo passíveis de aplicação integral autônoma pelo Judiciário sem a mediação legislativa56 Todavia pelo clima nada propício ao constitucionalismo que reinava por aqui até a nossa redemocratização a louvável pregação de José Afonso da Silva e de outros precursores da doutrina da efetividade acabou não rendendo maiores frutos antes do advento da Constituição de 88 O constitucionalismo da efetividade teve grandes méritos na trajetória do constitucionalismo brasileiro contribuindo para que se superasse um senso comum teórico antes existente que via a Constituição mais como proclamação retórica do que como norma jurídica Ele investiu na efetivação da Constituição e pôde justamente por isso ser incorporado como referência central pelo pensamento jurídico de esquerda57 Nada obstante algumas das categorias de que se valeu sobretudo no campo da teoria das normas constitucionais passaram a servir paradoxalmente ao propósito contrário As categorias norma programática e norma de eficácia limitada acabaram por se constituir em verdadeiros artifícios para a não efetivação da Constituição Quando se quis deixar de aplicar a Constituição bastouse etiquetar a norma suscitada como programática e transferir para o legislador uma tarefa que muitas vezes era mesmo do Judiciário Hoje há uma tendência à superação dos pressupostos positivistas que infor maram o constitucionalismo da efetividade ressurgindo de maneira intensa os debates sobre a fundamentação filosófica dos preceitos constitucionais A fundamentação filosófica se insere inclusive no campo da atividade judicial Na atualidade passase a compreender que o plano da efetividade e o plano da fundamentação devem ser não só complementares como interrelacionados Tendese com isso ao estabelecimento de critérios materiais e não só formais ligados ao texto para a afirmação da efe tividade da Constituição O constitucionalismo da efetividade cumpriu um papel histórico importante mas não tem como abarcar essa importante dimensão do fenômeno constitucional 5210 Póspositivismo e neoconstitucionalismo A teoria jurídica ao longo do século XIX realizara movimentos em direção à secularização à positivação e à sistematização do direito Ao final desse processo a sua vertente hegemônica passou a conceber o Direito separadamente da Moral O positivismo de Kelsen é a expressão máxima dessa concepção Nessa perspectiva não caberia à teoria do Direito avaliar o conteúdo particular de cada ordenamento no sentido de verificar sua compatibilidade com as normas morais A justiça ou injustiça das normas jurídicas ou do próprio ordenamento não seria tema afeto à Ciência do Direito O mesmo ocorre com a teoria do Estado No final do século XIX e início do século XX formase uma teoria do Estado com enfoque especificamente jurídico buscando definir o fenômeno estatal de forma neutra sem enveredar em juízos de valor58 O objeto da teoria do Estado era naquele contexto de virada do século classificar e catalogar as instituições políticas sem ingressar na reflexão crítica sobre suas características e funcionamento A expressão Estado de Direito perde seu conteúdo material assentado na ideia de limitação jurídica do poder polí tico para significar apenas que o poder político estatal se organiza juridicamente Essas teorias ao não se pronunciarem sobre o conteúdo particular de cada ordenamento acabaram deixando de fornecer instrumentos para a crítica do Direito produzido pelos Estados autoritários e totalitários da primeira metade do século A ascensão do partido nazista ao poder por exemplo ocorreu pelos meios previstos na Constituição de Weimar Chegando ao poder os nazistas utilizaram o Direito como instrumento para a imposição de políticas repressivas e discriminatórias59 A Ciência do Direito que simplesmente descrevesse esse ordenamento jurídico deixando de se pronunciar sobre a extrema injustiça de seu conteúdo podia ser condenada como omissa quando a afirmação política do Estado de Direito era demandada em todos os níveis mesmo no da teoria do Direito Diante do mal absoluto a pretensa neutralidade científica era totalmente incapaz de se justificar Perante a dramática irracionalidade do Direito e do Estado se tornava completamente inadequada a con cepção segundo a qual apenas a análise objetiva do fenômeno jurídico poderia ser validada como racional Surgem então a partir do segundo pósguerra teorias do Direito que procuram religar as esferas do Direito e da Moral Na constelação de ideias que procuram oferecer alternativas às abordagens positivistas não há obviamente unidade ou consenso Há porém convergência no tocante a dois objetivos centrais procurar superar a separação entre Direito e Moral preconizada pelo positivismo e reabilitar o uso prático da razão na metodologia jurídica Após o final da II Guerra Mundial ocorreu num primeiro momento um resgate do jusnaturalismo que passou a ser defendido como um escudo contra a barbárie60 É certo porém que a Filosofia do Direito que prevaleceu entre os nazistas rejeitava importantes dimensões do positivismo como o compromisso com a lega lidade concebendo o direito em nome da preservação do espírito do povo e da realização dos interesses do Reich61 O renascimento do jusnaturalismo na segunda metade do século XX foi todavia bastante fugaz Como o direito natural só podia se basear em fundamentação metafísica ele não mais se sustentava em sociedades plurais nas quais vigoram múltiplas concepções acerca do bem inúmeras identidades particulares diversos projetos de vida Por isso a tentativa de resgate do jusnaturalismo acabou aban do nada62 mas as inquietações provocadas pela crise do positivismo jurídico se mantiveram acesas Muitas têm sido as propostas formuladas desde então para ofe recer uma alternativa consistente para o Direito sem retroceder contudo ao antigo dilema entre positivismo e jusnaturalismo Nesse cenário pode ser identificada a emer gência de um novo paradigma jusfilosófico que tem sido chamado de póspositivismo O póspositivismo se caracteriza por buscar a ligação entre o Direito e a Moral por meio da interpretação de princípio jurídicos muito abertos aos quais é reconhe cido pleno caráter normativo Ele porém não recorre a valores metafísicos ou a doutrinas religiosas para busca da Justiça mas sim a uma argumentação jurídica mais aberta intersubjetiva permeável à Moral que não se esgota na lógica formal63 É claro que no âmbito do paradigma póspositivista existem diferenças internas bastante consistentes Há por exemplo visões mais ou menos liberais nos campos político ou econômico posições mais ou menos favoráveis ao protagonismo do Poder Judiciário na arena constitucional No entanto nossa percepção inicial é de que tais diferenças não são maiores do que as existentes no positivismo entre por exemplo posições como a de Hans Kelsen e as da Escola da Exegese O campo do póspositivismo jurídico não é apenas o Direito Constitucional Não obstante na seara constitucional o póspositivismo encontrou o solo mais fértil para florescimento tendo em vista as características das constituições contemporâ neas pródigas na consagração de princípios abstratos dotados de forte conteúdo moral Diante dessa característica da maior parte dos textos constitucionais contemporâneos inclusive o brasileiro de 88 sequer é necessário que o jurista para se engajar no póspositivismo recuse a premissa teórica básica do positivismo de ausência de ligação necessária entre Direito e Moral64 Afinal se o próprio ordenamento positiva princípios dotados de inequívoco conteúdo moral situandoos no seu plano hierárquico mais elevado mesmo um positivista poderá reconhecer a penetração da Moral no processo de interpretação e aplicação das normas constitucionais O póspositivismo se liga diretamente ao ambicioso modelo constitucional que tem se difundido nas últimas décadas vem sendo designado por diversos autores como neoconstitucionalismo65 O neoconstitucionalismo envolve simultaneamente mudanças no tipo das constituições e dos correspondentes arranjos institucionais e alterações na teoria jurídica subjacente O neoconstitucionalismo está associado a diversos fenômenos reciprocamente implicados seja no campo empírico seja no plano da dogmática jurídica que podem ser assim sintetizados a reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito b rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou estilos mais abertos de raciocínio jurídico ponderação tópica teorias da argumentação etc c constitucionalização do Direito com a irradiação das normas e valores constitucionais sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais para todos os ramos do ordenamento d reaproximação entre o Direito e a Moral e e judicialização da política e das relações sociais com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário Como ressaltado acima a maior parte das constituições contemporâneas elaboradas após o segundo pósguerra não é de cartas procedimentais que apenas definem as regras do jogo político quase tudo deixando para as decisões das maiorias legislativas Pelo contrário em tais constituições é frequente a presença de normas impregnadas de elevado teor axiológico que contêm importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram tratados em sede constitucional66 Muitas delas ao lado dos tradicionais direitos individuais e políticos incluem também direitos sociais de natureza prestacional Uma interpretação extensiva e abrangente das normas constitucionais pelo Poder Judiciário deu origem ao fenômeno de constitucionalização da ordem jurídica que ampliou a influência das constituições sobre todo o ordenamento levando à adoção de novas leituras de normas e institutos nos mais variados ramos do Direito67 A constitucionalização do Direito como já destacado no Capítulo 1 não se esgota no tratamento constitucional de temas anteriormente disciplinados pela legislação ordinária Mais que isso ela envolve a filtragem constitucional do Direito68 vale dizer a interpretação de todas as normas à luz da Constituição buscandose sempre a exegese que mais prestigie os seus valores e promova os seus objetivos Partese da premissa de que a irradiação das normas constitucionais por todo o ordenamento contribui para aproximálo dos valores emancipatórios contidos nas constituições contemporâneas Como boa parcela das normas mais relevantes destas constituições caracteriza se pela abertura e indeterminação semânticas são em grande parte princípios e não regras a sua aplicação direta pelo Poder Judiciário importou na adoção de uma nova hermenêutica jurídica69 A necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes constante em constituições compromissórias marcadas pelo pluralismo axiológico deu espaço ao desenvolvimento da técnica da ponderação70 e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na esfera judicial71 E a busca de legitimidade para estas decisões no marco de sociedades plurais e complexas impulsionou o desenvolvimento de diversas teorias da argumentação jurídica72 que incorporaram ao Direito elementos que o positivismo clássico costumava desprezar como considerações de natureza moral ou relacionadas ao campo empírico subjacente às normas Nesse contexto cresceu muito a importância política do Poder Judiciário Com frequência cada vez maior questões polêmicas e relevantes para a sociedade passaram a ser decididas por magistrados e sobretudo por cortes constitucionais muitas vezes em razão de ações propostas pelo grupo político ou social que fora perdedor na arena legislativa73 Esse fenômeno se potencializou com a expansão da jurisdição constitucional que vem ocorrendo em praticamente todo o mundo após a Segunda Guerra No novo quadro de poder quase nulo mera boca que pronuncia as palavras da lei como lhe chamara Montesquieu o Poder Judiciário se viu alçado a uma posição muito mais importante no desenho institucional do Estado contemporâneo A principal matériaprima dos estudos que se identificam com o neoconstitucionalismo relaciona se às mutações da cultura jurídica acima descritas Em que pese a heterogeneidade dos posicionamentos jusfilosóficos dos autores que se filiam a esta corrente podese dizer que os seus denominadores comuns são o reconhecimento destas mudanças e a sua defesa74 As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas perspectivas teóricas que se compatibilizem com os fenômenos acima referidos em substituição àquelas do positivismo tradicional consideradas incompatíveis com a nova realidade Assim por exemplo ao invés da insistência na subsunção e no silogismo do positivismo formalista ou no mero reconhecimento da discricionariedade política do intérprete nos casos difíceis na linha do positivismo mais moderno de Hans Kelsen e Herbert Hart o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias da argumentação que permitam a busca da melhor resposta para os casos difíceis do Direito75 Há portanto uma valorização da razão prática no âmbito jurídico Para o neoconstitucionalismo não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado de forma experimental ou deduzido de premissas gerais de acordo com a lógica formal Também pode ser racional a argumentação empregada na resolução das questões práticas que o Direito tem de equacionar76 A ideia de racionalidade jurídica aproximase da ideia do razoável e deixa de se identificar à lógica formal das ciências exatas No neoconstitucionalismo a leitura clássica do princípio da separação de poderes que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário cede espaço a outras visões mais favoráveis ao protagonismo judicial em defesa dos valores cons ti tu cionais77 No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático são endossadas teorias de democracia mais substantivas78 que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias e possibilitam a sua fiscalização por juízes não eleitos Ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal enfatiza se a centralidade da Constituição no ordenamento a ubiquidade da sua influência na ordem jurídica e o papel criativo da jurisprudência Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica como dignidade da pessoa humana igualdade Estado Democrático de Direito e solidariedade social o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral No paradigma neoconstitucionalista a argumentação jurídica apesar de não se fundir com a Moral abre um significativo espaço para ela Por isso se atenua a distinção da teoria jurídica clássica entre a descrição do Direito como ele é e prescrição sobre como ele deveria ser79 Os juízos descritivo e prescritivo de alguma maneira se sobrepõem pela influência dos princípios e valores constitucionais impregnados de forte conteúdo moral que conferem poder ao intérprete para buscar em cada caso difícil a solução mais justa no marco da ordem jurídica vigente Em outras palavras as fronteiras entre Direito e Moral não são abolidas mas elas se tornam mais tênues e porosas na medida em que o próprio ordenamento incorpora no seu patamar mais elevado princípios de Justiça que passam a ser considerados como normas vinculantes O neoconstitucionalismo tem um foco muito centrado no Poder Judiciário no qual deposita enormes expectativas no sentido de concretização dos ideais emancipatórios presentes nas constituições contemporâneas Contudo esse viés judicialista sofre contestações pelo seu suposto caráter antidemocrático na medida em que os juízes diferentemente dos parlamentares e chefes do Executivo não são eleitos e não respondem diretamente perante o povo80 Essa crítica é vezes acompanhada por outra de que os membros do Judiciário por pertencerem à elite tenderiam a atuar em favor do status quo bloqueando movimentos por mudança surgidos na arena social muitas vezes por meio da invocação retórica de direitos individuais A crítica democrática ao neoconstitucionalismo se assenta na ideia de que numa democracia é essencial que as decisões políticas mais importantes sejam tomadas pelo próprio povo ou por seus representantes eleitos e não por magistrados É verdade que a maior parte dos teóricos contemporâneos da democracia reconhece que ela não se esgota no respeito ao princípio majoritário pressupondo também o respeito das regras do jogo democrático que incluem a garantia de direitos básicos visando a viabilizar a participação igualitária do cidadão na esfera pública bem como alguma proteção às minorias estigmatizadas81 Porém há aqui uma questão de dosagem pois se a imposição de alguns limites para a decisão das maiorias pode ser justificada em nome da democracia o exagero tende a revelarse antidemocrático por cercear em demasia a possibilidade do povo de se autogovernar Outra crítica endereçada ao neoconstitucionalismo é a de que na sua ênfase na aplicação dos princípios constitucionais e na ponderação em detrimento das regras e da subsunção ele tenderia a instaurar certa anarquia metodológica alimentando o decisionismo judicial e gerando insegurança jurídica Ademais há também a preo cupação de que excessos de constitucionalização do Direito possam revelarse antide mo cráticos por reduzirem em demasia o espaço para decisão das maiorias políticas de cada momento Afinal se tudo ou quase tudo já estiver decidido pela Constituição sendo o legislador nada mais que um mero executor das medidas já impostas pelo constituinte a autonomia política do povo para em cada momento da sua história realizar as suas próprias escolhas restará seriamente ameaçada Estas objeções são importantes e devem ser levadas a sério Concepções radicais do neoconstitucionalismo que endossem a opção por um governo de juízes ou que aplaudam o decisionismo judicial alimentado por uma invocação emotiva e pouco fundamentada de princípios e valores constitucionais devem ser evitadas porque incompatíveis com o ideário do constitucionalismo Tampouco se deve respaldar a hiperconstitucinalização do Direito que suprima o espaço necessário para o desenvolvimento da política majoritária Porém deve ser louvado um novo constitucionalismo que sem desprezar o papel essencial das instâncias democráticas na definição do Direito reconheça e valorize a irradiação das normas constitucionais pelo ordenamento a invocação fundamentada e racional dos princípios jurídicos bem como a atuação firme e construtiva do Judiciário para proteção e promoção dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia 53 Filosofia Política e teoria constitucional A filosofia constitucional como já adiantado possui uma forte dimensão prescritiva pois ela não se volta precipuamente ao exame dos papéis e funções efetivamente desempenhados pelas constituições mas busca propor os modelos considerados mais adequados ou justos para a organização do Estado e da sociedade O estudo da filosofia constitucional é feito tanto por juristas como por filósofos sobretudo os dedicados à filosofia política É aliás uma característica da filosofia política contemporânea o interesse pelo Direito Constitucional que se revela cla ra mente nas obras dos seus autores mais importantes como John Rawls e Jürgen Habermas Atualmente muitas das discussões mais relevantes e complexas no campo constitucional são marcadas pela interdisciplinaridade e o aporte filosófico vem se tornando cada vez mais importante para a sua compreensão e para qualquer tomada de posição mais consequente Contudo a formação humanística no ensino jurídico brasileiro deixa muito a desejar Os estudantes se formam nas faculdades de Direito sem dominar os rudimentos mais elementares da filosofia o que compromete a capacidade do futuro profissional de compreender plenamente algumas das controvérsias constitucionais mais importantes Neste item pretendese apenas introduzir de forma muito panorâmica e superficial algumas das teorias mais importantes no campo da filosofia política que têm relevo para a compreensão do fenômeno constitucional Algumas dessas ideias que apresentaremos não foram formuladas por juristas mas por filósofos políticos e não tinham por objetivo imediato equacionar controvérsias no campo do Direito Sem embargo elas podem ser muito relevantes para a prática constitucional eventualmente orientando a interpretação da Constituição praticada pelas Cortes pelos agentes políticos ou pelos cidadãos Tentaremos sempre que possível ilustrar os debates mais abstratos com exemplos concretos no afã de facilitar a compreensão das posições discutidas aos não iniciados no domínio filosófico 531 Liberalismo igualitário e Constituição A tradição liberal de defesa da liberdade manifestase tanto na esfera política quanto no campo econômico Na esfera política o liberalismo está vinculado à defesa de liberdades públicas e existenciais como a liberdade de expressão de religião e a privacidade Já na esfera econômica o liberalismo significa rejeição à intervenção estatal no mercado e defesa da livre iniciativa e da propriedade privada82 O liberalismo político pode endossar ou não as teses do liberalismo econômico É possível por exemplo defender intransigentemente as liberdades públicas mas apoiar simultaneamente enérgicas intervenções do Estado no campo econômico voltadas à promoção da igualdade material Essa é a característica central do liberalismo igualitário que tem como grandes expoentes o filósofo John Rawls e o jurista Ronald Dworkin ambos norteamericanos Com efeito o que distingue o liberalismo igualitário do liberalismo tradicional é que o primeiro tem um forte compromisso não só à liberdade mas também à igualdade material83 O liberalismo igualitário contemporâneo legitima o Estado de Direito não o Estado mínimo Portanto quanto à intervenção estatal no domínio econômico ela está muito mais próximo da socialdemocracia europeia do que do liberalismo clássico ou do neoliberalismo Nada obstante o liberalismo igualitário como antes consignado é uma vertente do liberalismo político Daí a sua dimensão liberal que se exprime no reconhecimento da prioridade dos direitos individuais diante dos interesses do Estado ou da coletividade Esta ideia foi bem sintetizada por John Rawls na abertura da sua obra clássica sobre a Teoria da Justiça Cada pessoa possui um inviolabilidade fundada na justiça que nem o bemestar da sociedade inteira pode sobrepujar Portanto numa sociedade justa as liberdades decorrentes da igual cidadania são garantidas e os direitos assegurados por razões de justiça não se sujeitam à barganha política ou a cálculos de interesse social84 Podese falar neste sentido que o liberalismo igualitário como todo liberalismo é individualista85 pois o seu foco prioritário se centra no indivíduo e não em qualquer outra entidade supraindividual como o Estado a Nação a classe social ou o grupo étnico O liberalismo igualitário sustenta que não é papel do Estado promover os valores hegemônicos na sociedade interferindo nas liberdades individuais Cada pessoa deve ter a liberdade para eleger os seus planos de vida além do acesso aos meios necessários para perseguilos desde que isso não fira direitos de terceiros Uma premissa básica é a de que as pessoas são sujeitos morais autônomos que devem ter a possibilidade de fazer escolhas responsabilizandose por elas O Estado não deve ser paternalista limitando a liberdade dos indivíduos para lhes impor concepções de vida boa como se fosse seu papel protegêlas das suas próprias escolhas e decisões Os liberais reconhecem a existência de amplo pluralismo social na medida em que as pessoas têm diferentes crenças religiosas afiliações políticas e concepções sobre como uma vida deve ser vivida Nesse quadro advogam a tolerância e o dever de neutralidade estatal diante das diversas concepções sobre o bem existentes na sociedade86 Contudo a ênfase do liberalismo igualitário na igualdade serve para demandar que se assegure a cada pessoa os meios materiais necessários à realização seu projeto pessoal de vida O liberalismo igualitário portanto justifica medidas redistributivas que afetem profundamente o status quo socioeconômico com o objetivo de favorecer os mais pobres A obra canônica do liberalismo igualitário tida por muitos como a obra mais importante da Filosofia Política desde o final da II Guerra Mundial é o livro Uma Teoria da Justiça de John Rawls cuja primeira edição foi publicada em 1971 Nessa obra a dimensão igualitária do liberalismo pode ser observada claramente nos princípios propostos para a organização de uma sociedade justa 1 Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos 2 As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de tal modo que ao mesmo tempo a tragam o maior benefício possível para os menos favorecidos obedecendo às restrições do princípio da poupança justa e b sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades87 Para Rawls o primeiro princípio de justiça acima teria prioridade sobre o segundo Mas no conceito de liberdades básicas garantidas pelo primeiro princípio de justiça não se inserem as liberdades econômicas como a propriedade dos meios de produção Daí porque para Rawls é possível e até necessário que o Estado adote medidas redistributivas que atinjam a titularidade dos bens econômicos no intuito de promover a igualdade social entre os cidadãos Os princípios de justiça de Rawls foram racionalmente justificados por meio de um modelo de contrato social em que as pessoas deliberariam numa posição original recobertas por um véu da ignorância que as impediria de conhecer as suas próprias características os seus interesses pessoais e preferências O artifício da posição original teve o objetivo de simular um ambiente ideal de deliberação que permitisse a justificação imparcial dos princípios da justiça Naquele contexto ideal Rawls entende que as partes decidiriam pela adoção dos princípios acima descritos Conquanto não tenha abandonado o artifício da posição original Rawls em estudos mais recentes passou a priorizar outra estratégia de justificação dos seus princípios de justiça movido pela percepção de que nas sociedades contemporâ neas as pessoas cultivam diversas doutrinas de caráter religioso filosófico ou moral que ele chama de doutrinas abrangentes as quais apesar de razoáveis são incompatíveis entre si Tratase da ideia de consenso sobreposto88 que é o acordo possível de ser alcançado por doutrinas divergentes razoáveis existentes na sociedade sobre o tema da justiça Rawls sustenta que os seus princípios da justiça alcançariam este consenso sobreposto por serem capazes de conferir um fundamento razoável para a cooperação entre os adeptos das inúmeras doutrinas abrangentes já que se situariam em uma posição de imparcialidade em relação a elas Não é nosso propósito analisar aqui a teoria da justiça de John Rawls que sofre inúmeras críticas e objeções Há aliás outras relevantes teorias da justiça no marco do liberalismo igualitário igualmente comprometidas com o respeito aos direitos individuais e a promoção da igualdade substantiva como as de Ronald Dworkin89 e Amartya Sen90 Mais importante é refletir sobre qual a relação entre o liberalismo igualitário e a teoria constitucional91 Nem os próprios autores do liberalismo igualitário sustentam a transposição integral dos seus princípios de justiça para a esfera constitucional Rawls por exemplo é expresso ao sustentar que só deveriam ser incluídas no plano constitucional as liberdades básicas postuladas pelo seu primeiro princípio de justiça associadas a garantia de condições básicas de vida que possibilitem o efetivo gozo destas liber dades92 O segundo princípio ligado à distribuição social chamado por ele de princípio da diferença deveria ser realizado no plano legislativo Na verdade as contribuições mais importantes do liberalismo igualitário para a teoria constitucional são a defesa de uma proteção ultrareforçada das liber dades públicas e existenciais no sistema jurídico com a rejeição de restrições às mesmas motivadas por argumentos paternalistas por razões baseadas em cálculos de utilidade social ou por justificativas fundadas em tradições comunitárias Igualmente importante é a sustentação da neutralidade do Estado em relação às diversas moralidades privadas presentes na sociedade Por outro lado se os princípios de justiça do liberalismo igualitário não podem ser constitucionalmente mobilizados para se exigir uma radical redistribuição dos recursos sociais a teoria prestase ao menos para justificar a proteção das condições materiais básicas para fruição das liberdades o chamado mínimo existencial e para obstar que se invoquem as liberdades econômicas dos mais bem aquinhoados como obstáculo intransponível para a promoção na esfera legislativa ou administrativa das medidas necessárias à promoção da isonomia substantiva O liberalismo igualitário portanto pode fornecer pautas para a interpretação constitucional em temas controvertidos viabilizando uma leitura moral da Constituição fundada não na imposição coercitiva aos indivíduos de valores hegemônicos na sociedade mas no reconhecimento das pessoas como agentes morais livres e iguais merecedores do mesmo respeito e consideração do Estado Na sua dimensão institucional o liberalismo igualitário tende a defender a jurisdição constitucional como um mecanismo importante para a proteção de direitos morais diante das maiorias Autores liberais como Dworkin93 e Rawls94 propõem um papel ativo para os juízes que devem pautar a sua atuação pela defesa de princípios morais liberais associados ao respeito às liberdades básicas e à igualdade O papel legítimo da jurisdição constitucional nessa perspectiva não se limita à garantia da observância das regras do jogo democrático nem à proteção dos pressupostos da democracia como defende o procedimentalismo que examinaremos à frente Na visão do liberalismo igualitário os juízes podem e devem atuar na defesa de princípios substantivos de forte conteúdo moral limitando a deliberação das maiorias sociais Mas a atuação legítima do Judiciário nessa área deve se limitar ao campo dos direitos individuais não se permitindo que juízes se substituam aos agentes políticos na avaliação por exemplo sobre a conveniência ou eficiência de políticas públicas No Brasil o ideário do liberalismo igualitário pode ser mobilizado em diversas discussões constitucionais relevantes Ele pode ser invocado por exemplo para negar a existência do princípio de supremacia do interesse público sobre interesses particulares defendido pela doutrina mais tradicional do nosso Direito Público por expressar tal princípio uma visão utilitarista ou organicista da ética jurídica e das relações sociais insuficientemente preocupada com a proteção dos direitos fundamentais95 Pode também ser empregado para discutir a extensão e a intensidade da exigência de separação entre o Estado e a religião imposta pelo princípio constitucional da laicidade art 19 I CF A visão liberal igualitária enfatiza a exigência de absoluta neutralidade estatal no campo religioso em nome da garantia do igual respeito às pessoas de todas as crenças ateus e agnósticos enquanto visões mais comunitaristas ao valorizarem as tradições na interpretação constitucional podem ser mais lenientes em relação às medidas dos poderes públicos que favoreçam religiões hegemônicas ou majoritárias notadamente o catolicismo Essa controvérsia constitucional está presente em duas questões importantes que estão sendo discutidas na atualidade a presença de crucifixos em repartições públicas especialmente nos tribunais96 e a possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas97 532 Teoria constitucional e comunitarismo a Constituição e os valores comunitários O liberalismo contemporâneo é objeto de duras críticas no debate filosófico O mais influente grupo de críticas é proposto pelos chamados comunitaristas De acordo com os comunitaristas o liberalismo veria no indivíduo um ser desenraizado unencumbered self98 por desprezar o fato de que as pessoas já nascem no interior de comunidades que estão impregnadas de valores e sentidos comuns compartilhados e são socializadas neste contexto nele forjando as suas identidades Por isso dizem os comunitaristas as cosmovisões e os planos de vida não estão à disposição das pessoas que não são meros consumidores num mercado de ideias mas seres engajados em contextos culturais específicos que partilham valores objetivos interesses e afetos com seus concidadãos99 Para os comunitaristas a visão liberal não só estaria errada do ponto de vista descritivo mas também pecaria do ponto de vista normativo pelo seu tom excessivamente individualista que fragilizaria os vínculos sociais e incentivaria o egocentrismo A ênfase no indivíduo dada pelo liberalismo é substituída no comunitarismo pela valorização da comunidade o foco nos direitos individuais é alterado para o destaque às tradições e valores compartilhados Enfatizando a importância da lealdade à comunidade e do respeito às tradições os comunitaristas combatem a ideia de neutralidade estatal em relação aos projetos de vida100 afirmando que um dos papéis do Estado é exatamente o de reforçar os liames existentes na sociedade avalizando e promovendo as concepções morais coletivamente compartilhadas Dessa forma os comunitaristas aceitam mais facilmente restrições às liberdades individuais motivadas por valores socialmente compartilhados ou por preocupações paternalistas O comunitarismo sustenta que as normas jurídicas devem expressar a cultura do povo em que vigoram O Direito deve exprimir o ethos do grupo social ao qual se dirige deve refletir os seus valores sociais Uma teoria constitucional comunitarista enfatiza a singularidade de cada Constituição como expressão dos valores da comunidade concreta em que vigora A interpretação constitucional deixa de se inspirar como no liberalismo por princípios de justiça de natureza tendencialmente universal e passa a se nortear pelos valores coletivos compartilhados pela sociedade Observese porém que o comunitarismo não deixa de reconhecer o pluralismo que tem lugar no mundo contemporâneo Pelo contrário ele também se baseia no pluralismo mas não de visões individuais acerca do bem como no liberalismo e sim de concepções culturais adotadas por cada comunidade A defesa do pluralismo para o comunitarismo não importa na necessidade de proteção da autonomia de cada indivíduo de fazer as suas escolhas de vida no âmbito da sociedade em que vive mas sim no reconhecimento da legitimidade de que comunidades diferentes se organizem e pautem a sua vida comum de formas diversas de acordo com os res pectivos valores e tradições101 O comunitarismo vai justificar por exemplo que comu nidades tradicionais se organizem de forma distinta do modelo liberal impondo a observância dos seus costumes aos seus integrantes Não permitir essa diferença para os comunitaristas seria o mesmo que asfixiar a comunidade impedindo que ela se desenvolva de acordo com o seu modus vivendi Em muitos casos o comunitarismo tende a favorecer posições conservadoras no campo moral ao reforçar a importância das tradições e dos valores compartilhados sobretudo quando esses valores e tradições apresentem traços autoritários e desigualitários como ocorre no Brasil Vejase um exemplo o nosso texto constitucional determina no art 221 IV que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos valores éticos e sociais da pessoa e da família Uma interpretação comunitária de valores sociais da pessoa e da família tenderia a justificar restrições à liberdade dos veículos de comunicação baseadas na moral tradicional que estigmatiza certos comportamentos lícitos e legítimos como a manifestação de amor entre pessoas do mesmo sexo Nessa ótica um beijo entre homem e mulher poderia ser exibido na novela das oito mas não um beijo entre dois homens ou entre duas mulheres Já uma interpretação liberal igualitária do mesmo preceito não transigiria com esse tipo de preconceito incompatíveis com os valores éticos e sociais da pessoa e da família é o estímulo ao preconceito de orientação sexual e não a exibição de manifestações de afeto entre homossexuais Porém não se deve caracterizar o comunitarismo como corrente do pensamento político necessariamente conservadora Há pensadores comunitaristas também no campo progressista que se insurgem contra falhas no liberalismo e alentam o propósito de tornálo mais inclusivo102 Nesse sentido o comunitarismo deu uma im portante contribuição à filosofia constitucional ao adotar uma compreensão de pessoa menos abstrata do que a liberal que leva em consideração o enraizamento social do ser humano e a formação intersubjetiva da identidade dos indivíduos A partir dessa perspectiva antropológica mais adequada foi possível cons truir por exemplo a ideia do direito ao reconhecimento103 que reclama o respeito às identidades coletivas dos grupos não hegemônicos diante da constatação de que a desvalorização social dos grupos tende a atingir profundamente a dignidade de cada um dos seus integrantes Quando por exemplo a sociedade deixa de valorizar a cultura negra e a importância do seu legado para o país quando ela valoriza apenas as contribuições europeias para a formação da Nação priorizando os seus valores e a sua estética atingese diretamente a autoestima das pessoas negras o que pode até comprometer a sua capacidade de formular e seguir autonomamente os seus planos de vida tão encarecida pelos liberais A compreensão dessa forma de exclusão que não está necessariamente relacionada à opressão econômica e a busca de remédios para combatêla estão por trás das chamadas políticas do reconhecimento que têm inequívoca dimensão emancipatória A Constituição de 88 tem claras aberturas a este viés emancipatório do comunitarismo expresso em políticas do reconhecimento É o que ocorre por exemplo no art 216 1º da Constituição que impõe ao Estado o dever de proteger as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional O comunitarismo é também uma das matrizes filosóficas do multiculturalismo corrente teórica voltada à defesa do direito à diferença cultural e preocupada com a preservação das culturas e modos de vida tradicionais cultivados por grupos mino ritários que vivem no interior das sociedades modernas104 como os povos indígenas na sociedade brasileira muito embora também seja possível aderir ao multiculturalismo a partir de outras perspectivas teóricas inclusive o liberalismo igualitário105 Isso porque a ideia tão cara ao comunitarismo de valorização das tradições coletivas e dos valores socialmente compartilhados pode ser invocada em certos contextos não para impor a observância da cultura nacional hegemônica aos outsiders mas para justificar medidas que assegurem a preservação de práticas culturais adotadas por grupos minoritários que deixadas a própria sorte poderiam desaparecer asfixiadas pela dinâmica da sociedade envolvente moderna e capitalista Portanto nem sempre o comunitarismo prescreve a prevalência da identidade cultural dominante sobre outras culturas minoritárias O objetivo pode ser o inverso Vejase o exemplo discutido por Charles Taylor 106 importante filósofo comunitarista que envolveu a polêmica em torno da legislação de Québec província francófona do Canadá que proibiu as famílias francófonas de colocarem seus filhos em escolas de língua inglesa e as empresas ali instaladas de manterem sua comunicação escrita em inglês Taylor justifica essa legislação sob o argumento de que bens socialmente valorizados a língua e a cultura francesas somente poderiam ser protegidos por meio de restrições estatais à liberdade individual Sem essas restrições a cultura francesa com o tempo simplesmente pereceria em Québec pela predominância do inglês no resto do país e no âmbito empresarial Isso para Taylor afetaria às identidades coletivas dos canadenses francófonos Na hipótese o direito ao reconhecimento da identidade particular dos descendentes de franceses justificaria a restrição imposta às liberdades individuais Este ponto de vista é por certo divergente do pensamento liberal que tenderia a considerar a lei em questão violadora de direitos fundamentais A referida legislação sob o ângulo liberal seria uma indevida restrição de direitos motivada pela reali zação de uma meta coletiva Nações multiculturais e heterogêneas frequentemente se deparam com problemas deste tipo No Brasil houve caso curioso da proibição da Axé Music no carnaval de Olinda imposta para proteger o frevo107 Uma perspectiva liberal veria a medida como injustificada limitação à liberdade Já uma abordagem comunitarista tenderia a legitimar esse tipo de restrição para proteger manifestações culturais particulares que de outro modo poderiam desaparecer Na literatura brasileira Gisele Cittadino108 traçou ligação entre comunitarismo e o constitucionalismo social e dirigente adotado pela Constituição de 88 Para Cittadino nossa ênfase constitucional em direitos positivos e a preocupação da Carta de 88 com os mecanismos jurisdicionais de correção da inconstitucionalidade por omissão revelariam o teor comunitarista da Constituição Não comungamos da mesma opinião O comunitarismo ao nosso ver não pode ser confundido com o constitucionalismo social até porque várias outras correntes da filosofia política como o próprio liberalismo igualitário são também compatíveis com o Estado Social A Constituição de 88 é certamente uma Constituição social o que não significa dizer que seja também uma Constituição comunitária Nossa Constituição até possui aberturas para o comunitarismo na medida em que por exemplo se ocupa da proteção e promoção da cultura nacional arts 215 e 216 da CF e consagra direitos transindividuais de titu laridade coletiva Mas a ênfase na proteção das liberdades públicas e existenciais que se extrai da Constituição bem como a sua clara preocupação com a proteção e promoção da autonomia individual não autorizam que se conclua no sentido da adesão da Constituição de 88 à filosofia política do comunitarismo 533 Teoria constitucional e libertarianismo Outra corrente importante da filosofia política contemporânea é o libertarianismo O libertarianismo é uma vertente do liberalismo cujo foco central está na economia e na proteção de direitos patrimoniais Ele é francamente refratário à intervenção estatal no domínio econômico e às políticas de redistribuição de renda defendendo a existência de um Estado mínimo O papel do Estado para os libertários seria apenas o de garantir a segurança interna e externa e prover as bases para o funcionamento do mercado O libertarianismo tem como principais expoentes Friedrich A Hayek e Robert Nozick Tratase da base filosófica do neoliberalismo que ainda exerce influência em todo o mundo sobretudo no campo da Economia A estratégia central dos libertários é vincular o Estado de Direito ao Estado mínimo109 Restrições à livre iniciativa medidas de regulação do mercado e políticas distributivas são apresentadas como intrinsecamente arbitrárias além de violadoras da liberdade individual e da dignidade humana Para os libertários as deliberações majoritárias tomadas pelo povo não devem poder atingir a ordem espontânea do mercado nem onerar as propriedades individuais O constitucionalismo nessa perspectiva é visto como mecanismo de defesa das liberdades econômicas Robert Nozick por exemplo se opõe firmemente à ideia de que seria legítimo ao Estado redistribuir a riqueza para promover justiça social Para ele injusta é apenas a posse de bens que tenha origem no roubo ou na fraude e não a distribuição resultante das iniciativas individuais ou de fatos naturais A distribuição originária dos bens primários é como o maná que cai do céu se ninguém merece tais bens cada qual pode possuir a parte que foi capaz de apropriar sem com isso agir injustamente A redistribuição dos valores legitimamente adquiridos implicaria na violação de direitos fundamentais110 Nozick chega a sustentar que a tributação realizada com propósitos redistributivos seria equiparada ao trabalho forçado por importar na apropriação injustificada do resultado do trabalho do contribuinte111 Em outras palavras a justiça para o libertarianismo é intrinsecamente comutativa112 Somente as ações individuais podem ser justas ou injustas não os resultados produzidos pelo mercado que são vistos como naturais Para Hayek a expressão justiça social não pertence à categoria do erro mas do absurdo como a expressão uma pedra moral113 Segundo Hayek o Estado de Direito se caracteriza pelo fato de a atuação governamental estar estritamente vinculada a normas providas de generalidade abstratividade e irretroatividade Por isso o controle de preços pelo Estado por exemplo seria incompatível com o Estado de Direito a medida não teria como ser estabelecida por meio de normas gerais e abstratas demandando a edição de disposições de efeitos concretos as quais não seriam imparciais em relação aos diferentes agentes econômicos114 Hayek diverge também de qualquer forma de planejamento econômico Para ele os indivíduos devem ter liberdade para decidir de que maneira utilizarão seus recursos sendo vedado ao Estado fixar finalidades a serem perseguidas pelos particulares Na sua ótica o planejamento econômico submete os particulares a finalidades estabelecidas pelo Estado tratando o indivíduo como meio e não como fim em si mesmo o que violaria a dignidade da pessoa humana115 Como se observa o libertarianismo vincula o constitucionalismo ao Estado Mínimo divergindo fortemente do liberalismo igualitário de Rawls e Dworkin116 Os argumentos de defesa da liberdade econômica do libertarianismo se apoiam nos conceitos próprios do liberalismo político evocando os diretos fundamentais a dignidade humana e o princípio do Estado de Direito em favor da não intervenção estatal na esfera econômica Essa teoria é francamente incompatível com o ideário igualitário por legitimar as mais iníquas distribuições de renda Ela parte da falsa premissa de que o mercado é uma realidade natural pré política quando se sabe que ele é criação humana sustentada por normas e instituições que não são espontâneas mas forjadas pelas sociedades O libertarianismo tampouco se concilia com a democracia por impor restrições excessivas às deliberações democráticas retirando toda a esfera econômica do campo de política Com isso protegese o status quo das demandas políticas articuladas pelos setores mais desfavorecidos da população utilizandose para tanto do discurso constitucional O libertarianismo não se compatibiliza com a Constituição de 1988 De fato a Constituição de 1988 apresenta uma série de características que permitem que nela se divise uma típica Constituição social Ela proclama logo no seu art 3º que a República brasileira tem dentre os seus objetivos construir uma sociedade livre justa e solidária inciso I e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais inciso III Consagra um generoso elenco de direitos sociais arts 6º a 11º e condiciona a tutela da propriedade ao cumprimento da sua função social arts 5º XXIII e 170 II Estabelece que o objetivo da ordem econômica é assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social art 170 caput e enuncia em seguida uma série de princípios interventivos que temperam com um condimento solidarista os valores liberais que ela também incorpora Não cabe por isso chancelar as teses do libertarianismo no contexto de interpretação judicial da Constituição Além de equivocada a postura seria preocupante sob o prisma democrático por representar a imposição judicial de ideias que muitas vezes não contam com assentimento majoritário e que não podem ser derivadas da Constituição Essa tendência se revela em certas interpretações mais expansivas de princípios como a livre iniciativa e a proteção da propriedade117 Podese é claro deliberar no espaço público sobre a extensão da intervenção estatal no domínio econômico A Constituição de 88 define uma ampla moldura sobre o assunto que não é compatível nem como o modelo de economia planificada que ignora a livre iniciativa e o mercado nem com o capitalismo selvagem insensível em relação à injustiça social No interior dessa moldura são possíveis diferentes escolhas Ao participar de eleições o povo pode preferir candidatos mais favoráveis ao enxugamento do Estado ou à ampliação da sua intervenção no campo econômico e estes devem ter o poder de implementar os seus projetos avalizados nas urnas desde que não exorbitem da referida moldura O que não deve ocorrer é a imposição de modelos econômicos pela via judicial privando o país da possibilidade de seguir caminhos alternativos preferidos pela sua população 534 O republicanismo na teoria constitucional O republicanismo possui longa tradição Suas origens podem ser identificadas no pensamento da Antiguidade Tratase de corrente de pensamento que se associa à forma republicana de governo O Estado é res publica coisa pública em oposição à monarquia No Estado republicano os governantes são escolhidos pelo povo por mandatos certos e respondem por seus atos enquanto na monarquia clássica o governo é exercido por governantes escolhidos por critérios hereditários com inves tidura vitalícia não respondendo pelos próprios atos Mas o republicanismo vai muito além da defesa de uma forma de governo envolve uma constelação de ideias que tem importantes repercussões práticas na definição de padrões adequados de comportamento para governantes e cidadãos Não existe porém um único republicanismo mas vários De acordo com classificação elaborada por Antonio Maia e Tarcísio Menezes 118 há o republicanismo clássico associado a Maquiavel o republicanismo moderno sustentado por autores como Harrington Montesquieu Rousseau Adams e os Federalistas o republica nismo contemporâneo proposto por Skinner Pettit Viroli e Michelman119 Há ainda o republicanismo humanista que congrega desde Aristóteles a Hannah Arendt Não é o momento para apresentar as ideias defendidas por cada uma dessas vertentes as quais em vários tópicos divergem entre si Cabenos apenas apresentar as ideias que costumam ser sustentadas majoritariamente pelos autores identificados como republicanos associandoas a debates travados no campo do Direito Constitucional120 N o modelo republicano o cidadão está enraizado em uma cultura pública que o estimula à participação ativa na vida da comunidade O cidadão neste quadro não tem apenas direitos mas também deveres em relação à sua comunidade política Dáse ênfase às virtudes republicanas121 dos cidadãos Deles se espera alguma orientação para o interesse público a atuação pautada não apenas nos interesses individuais de cada um ou das suas facções mas voltada também para o bem comum122 Nas palavras de BresserPereira o Estado republicano é um sistema de governo que conta com cidadãos engajados que participam do governo juntamente com políticos e servidores públicos123 O republicanismo enfatiza a importância da esfera pública como local de troca de razões exercendo importante papel de supervisão sobre o funcionamento concreto das instituições políticas formais124 O republicanismo tem em comum com o comunitarismo a crítica à visão atomizada e individualista de sociedade própria ao liberalismo Porém há distinções importantes entre as correntes Enquanto o foco do comunitarismo está no respeito às tradições e valores compartilhados no republicanismo ele se desloca para a participação do cidadão na coisa pública Enquanto comunitaristas justificam restrições à deliberação coletiva fundadas no respeito às tradições do passado os republicanos buscam dar mais poder ao povo estimulando a cidadania a tomar parte ativa nessas deliberações125 Há teorias como pluralismo ético de Berlin que sustentam que a liberdade individual não mantém uma relação necessária com liberdade de participação na vida pública126 Para essa perspectiva seriam possíveis governos democráticos que violassem direitos individuais e governos não democráticos aristocráticos por exemplo que os protegessem com intensidade O republicanismo enfatiza a importância do direito à participação popular na vida pública Mas também sustenta que esse direito não está em tensão com a liberdade negativa Pelo contrário o governo democrático caracterizado pela participação popular permanente na vida política seria justamente o mais vocacionado para proteger as liberdades básicas Isso porque uma cidadania ativa mantémse permanentemente vigilante para impedir não só a corrupção governamental mas também o arbítrio dos governantes que ameaça os direitos dos indivíduos127 O republicanismo por outro lado formula uma concepção própria de liber dade que não se identifica com aquela do liberalismo clássico que a via como ausência de constrangimento à ação do agente A liberdade para o republicanismo é vista como não dominação Nessa perspectiva a dependência de um indivíduo pode comprometer a sua liberdade tanto ou mais do que alguma interferência externa sobre a sua conduta Por outro lado para o republicanismo leis gerais e abstratas compatíveis com a lógica do Estado de Direito rule of law não devem ser vistas como limitações à liberdade128 O conceito de liberdade do republicanismo por um lado dá mais espaço para atuação estatal em prol do bem comum do que o liberal mas por outro é também mais exigente ao demandar que se garanta a cada cidadão as condições necessárias para a sua independência em face dos poderes sociais O republicanismo contemporâneo dá grande ênfase à igualdade Perante a res publica todos devem ser tratados com igual respeito Nesse sentido uma das maiores bandeiras republicanas é o combate aos privilégios conferidos aos governantes ou à elite A igualdade é afirmada também como exigência no campo socioeconômico para que a democracia possa prosperar Uma das tônicas do pensamento republicano é enfatizar que o surgimento na sociedade de um nós de uma vontade geral depende de certo nível de igualdade econômica na ausência da qual se formam grupos que possuem interesses antagônicos O argumento já estava presente por exemplo em Rousseau que é um dos principais precursores do republicanismo moderno Para ele uma condição fundamental do contrato social é a igualdade inclusive em sua dimensão material Precisamente por sempre tender a força das coisas a destruir a igualdade a força da legislação deve sempre tender a mantê la129 Por essas razões os republicanos de hoje costumam defender os direitos sociais e o Estado do BemEstar Social O republicanismo no Brasil tem sido associado a diversas causas importantes como a defesa da moralidade na vida pública o combate à confusão entre o público e o privado na atuação dos agentes estatais a luta contra a impunidade dos poderosos e o incremento à participação dos cidadãos na tomada de decisões pelo Estado e no controle da atuação dos governantes Infelizmente nossas relações sociais e políticas ainda mantêm características profundamente antirrepublicanas o patrimonialismo o clientelismo o jeitinho e a cultura de privilégios para governantes e elite Não é incomum que governantes tratem a coisa pública como bem particular e que ponham os seus interesses ou os do seu grupo ou partido político à frente do interesse da coletividade A desigualdade na submissão à lei persiste é ainda raro que governantes e integrantes da elite sejam responsabilizados no Poder Judiciário pelos seus atos ilícitos O engajamento cívico da cidadania no combate a essas mazelas ainda não é a regra mas a exceção Nesse quadro uma dose de republicanismo na teoria constitucional se faz necessária como remédio para certas disfunções da vida pública do país A Constituição de 88 contém vários elementos que convergem com o ideário republicano O voto por exemplo foi tratado em regra não apenas como um direito subjetivo como prefeririam os liberais mas também como dever cívico é por isso que ele é obrigatório art 14 1º I Foram instituídos mecanismos de participação direta do cidadão nas deliberações coletivas como o plebiscito o referendo e a iniciativa popular de leis art 14 e 61 2º Atribuiuse ao cidadão a possibilidade de fiscalizar a gestão da coisa pública por meio de instrumentos como direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse geral ou coletivo art 5º XXXIII de peticionar aos poderes públicos contra ilegalidade ou abuso de poder art 5º XXXIV a e de defender em juízo o patrimônio público a moralidade administrativa o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural por meio da ação popular art 5º LXXIII A nossa jurisprudência constitucional por outro lado tem invocado o princípio republicano em diversos contextos para afastar privilégios promover a moralidade pública e viabilizar o controle da cidadania sobre a ação dos governantes O STF empregou o princípio republicano dentre outros casos para afirmar a ilegitimi dade do nepotismo no Poder Judiciário130 para declarar a inconstitucionalidade da concessão de graça vitalícia a exgovernadores de Estado no valor total dos seus subsídios131 para afastar a possibilidade de extensão do foro por prerrogativa de função a exocupantes de funções públicas132 e para afirmar a prevalência do princípio da publicidade sobre o direito à intimidade no que concerne à divulgação dos vencimentos de servidores públicos133 Cumpre ressaltar finalmente que certas vertentes do republicanismo podem assumir um viés autoritário ao pretenderem impor aos indivíduos virtudes cívicas por intermédio dos instrumentos coercitivos do Direito O Direito deve criar canais e espaços para a participação cidadã no exercício e controle do poder A educação deve não apenas qualificar os estudantes para o mercado de trabalho mas também preparálos para o exercício da cidadania como prescreve nossa Constituição art 212 Porém exigir o permanente engajamento do cidadão na res publica é o mesmo que buscar a formação de um homem novo a realização de uma verdadeira revolução cultural O republicanismo flerta com o autoritarismo quando alenta a pretensão de erguer uma nova religião civil em torno das instituições e normas estatais Em nome do republicanismo não se deve asfixiar o direito de cada pessoa de eleger os seus próprios planos de vida e de viver de acordo com eles desde que não ofenda direitos alheios 535 O procedimentalismo na teoria constitucional Uma das clivagens mais importantes da teoria constitucional contemporânea é a que distingue as concepções procedimentalistas das substancialistas Essa distinção é empregada em dois contextos diferentes que se interpenetram ela pode ser usada para discutir o papel da Constituição na sociedade bem como para debater o espaço adequado da jurisdição constitucional No primeiro sentido as teorias procedimentais sustentam que o papel da Constituição é definir as regras do jogo político assegurando a sua natureza democrática Isso inclui também a defesa de determinados direitos que são tidos como pressupostos para o funcionamento da democracia como as liberdades de expressão e de associação política O procedimentalismo defende que as decisões substantivas sobre temas controvertidos no campo moral econômico político etc não devem estar contidas na Constituição cabendo ao povo em cada momento deliberar sobre esses temas O principal fundamento desta posição é o princípio democrático pois se parte da premissa de que a constitucionalização de uma decisão por importar na supressão do espaço de deliberação das maiorias políticas futuras deve ser vista com muita cautela Já o substancialismo adota posição inversa sustentando a legitimidade da adoção de decisões substantivas pelas constituições sobretudo no que concerne aos direito fundamentais inclusive direitos que não estão diretamente ligados ao funcionamento da democracia O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente antes examinados se situam claramente no campo do substancialismo por conceberem papéis bastante ambiciosos para as constituições que vão muito além da garantia dos pressupostos do funcionamento da democracia O liberalismo igualitário o libertarianismo e comunitarismo também podem conduzir a teses substancialistas na esfera constitucional embora tendam a divergir significativamente sobre qual deve ser o conteúdo das constituições Essa distinção entre posições procedimentalistas e substancialistas não é relevante apenas no momento de elaboração das constituições Ela assume importância também no contexto de interpretação constitucional No campo hermenêutico um substancialista tende a buscar respostas para um grande número de controvérsias na Constituição interpretandoa de forma abrangente enquanto um procedimentalista adota posição mais cautelosa no afã de preservar um maior espaço para a política majoritária a não ser no que se refira aos pressupostos para funcionamento da própria democracia Como dito acima o procedimentalismo e o substancialismo também se manifestam no debate sobre o papel da jurisdição constitucional Aliás pelo menos no cenário brasileiro as disputas entre procedimentalistas e substancialistas são geralmente travadas nesse front134 Os procedimentalistas defendem um papel mais modesto para a jurisdição constitucional sustentando que ela deve adotar uma postura de autocontenção a não ser quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos de funcionamento da própria democracia Nessa hipótese estaria justificada uma atuação mais agressiva da jurisdição constitucional que não poderia ser tachada de antidemocrática por se voltar exatamente à garantia da própria democracia Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional mesmo em casos que não envolvam os pressupostos da democracia Numa questão altamente polêmica como o aborto um procedimentalista tenderia a defender a não intervenção jurisdicional na matéria135 enquanto um substancialista se inclinaria pela atuação do Judiciário na resolução desse complexo conflito moral136 O STF decidiu recentemente que as leis penais que punem a apologia ao crime não podem ser interpretadas de forma a criminalizar passeatas realizadas em prol da legalização da maconha tendo em vista que a defesa desta bandeira está plenamente abrangida pela liberdade de expressão137 Uma decisão dessa natureza seria aplaudida por procedimentalistas pois não há como discutir democraticamente um tema controvertido como a legalização das drogas quando o Estado tenta silenciar um dos lados do debate que deve ter o direito de tentar convencer a opinião pública em favor da sua causa Proteger o direito de todos de participarem em igualdade dos debates públicos é assegurar o funcionamento da democracia Em outro caso ainda pendente a Corte discute a validade da criminalização do próprio uso da maconha impugnada sob alegação de violação ao direito à intimidade138 Aqui o que está em jogo não são as condições para funcionamento da democracia mas o próprio conteúdo da decisão legislativa do Estado A resolução desta questão por um tribunal constitucional em detrimento da decisão política do legislador pode ser aceita por substancialistas Liberais tanto igualitários como libertários tenderiam por exemplo a se insurgir contra o paternalismo estatal subjacente à proibição do uso de drogas leves por adultos capazes Porém os procedimentalistas veriam essa intervenção da jurisdição constitucional como excessiva e antidemocrática Ao longo deste capítulo diversas seções são dedicadas à exposição de teses substancialistas sobre a Constituição Portanto cabe neste momento fazer rápida explanação sobre as teses dos dois mais importantes autores do procedimentalismo na teoria constitucional o jurista o norteamericano John Hart Ely e o filósofo alemão Jürgen Habermas A obra de referência de Ely é o livro Democracy and distrust139 publicado ori ginariamente em 1980 mas que já se converteu num dos maiores clássicos da teoria constitucional norteamericana Nesta obra Ely busca reconciliar a prática do controle jurisdicional de constitucionalidade com a democracia Para ele o Poder Judiciário não deveria invalidar decisões legislativas recorrendo a valores substantivos usados para atribuir sentido às cláusulas vagas de que é pródiga a Constituição norte americana A Constituição dos Estados Unidos é vista por Ely como uma norma cuja finalidade precípua é procedimental destinandose antes de tudo a viabilizar o autogoverno popular de cada geração Portanto as decisões fundamentais da sociedade devem ser tomadas por agentes eleitos pelo povo e não por juízes que não devem ser concebidos como guardiões de direitos naturais de princípios morais substantivos das tradições ou de consensos sociais140 Diante disso Ely defende que como regra geral os juízes adotem uma posição autocontida judicial self restraint no controle de constitucionalidade apenas invalidando as leis quando for evidente a sua contrariedade à Constituição sem se afastarem muito do texto constitucional141 Essa regra no entanto não valeria para casos que envolvessem os pressupostos de funcionamento da própria democracia Ely justifica uma atuação judicial mais enérgica em duas situações para manter abertos os canais de participação política e para proteger minorias estigmatizadas que são as eternas perdedoras no processo político majoritário142 No primeiro caso justificase o ativismo judicial em favor de liberdades públicas relacionadas à participação política como liberdade de expressão e direito ao voto No segundo buscase corrigir o processo político quando esse não for suficientemente inclusivo em relação às minorias que são vítimas de preconceito Atuando dessa forma a jurisdição constitucional fortaleceria a democracia assegurando o caráter efetivamente democrático do processo político Ely chega a equiparar a jurisdição constitucional à atuação dos órgãos antitrust que não intervêm no mercado para definir resultados mas para assegurar o seu regular funcionamento Para ele a jurisdição constitucional tampouco deveria intervir na política para definir o resultado dos embates sociais quanto ao seu conteúdo mas teria o papel de velar pelas condições democráticas desses embates Mais densa e sofisticada é a concepção procedimental formulada por Jürgen Habermas que parte de pressupostos filosóficos complexos que não teremos como analisar aqui senão de forma muito superficial Habermas busca conciliar em sua filosofia política as duas principais tradições do Iluminismo a tradição constitucionalista liberal inspirada em Kant preocupada com a defesa das liberdades individuais e da autonomia privada do cidadão e a tradição democrática inspirada em Rousseau voltada para a defesa da soberania popular e autonomia pública do cidadão143 O seu projeto é o de construir um sistema em que autonomia pública e privada se irmanem e complementem sendo concebidas como cooriginárias144 Na perspectiva habermasiana a democracia não se identifica com o governo das maiorias Ela não representa apenas uma forma de agregação de interesses in di viduais conflitantes que permita a prevalência das posições que favoreçam ao maior número de pessoas A democracia é deliberativa baseada no diálogo social e nas interações travadas pelos cidadãos no espaço público145 É o embate entre argumentos e contraargumentos no espaço público e nos fóruns oficiais que racionaliza e legitima o processo decisório democrático Na deliberação os diversos participantes podem expor os seus pontos de vista e criticar os argumentos oferecidos pelos demais com liberdade e igualdade Para que um contexto propício para essa troca de argumentos e contraargumentos possa se instaurar as garantias do Estado de Direito são fundamentais Sem liberdade e sem igualdade que o Estado de Direito deve assegurar não há diálogo verdadeiro e a deliberação perde o seu potencial legitimador e racionalizador Uma das suas premissas do pensamento habermasiano é a de que a legitimidade do Direito nas sociedades plurais contemporâneas não tem como se fundar em nenhuma concepção material Para Habermas o contexto de pluralismo faz com que a fonte de toda a legitimidade só possa repousar no processo democrático de produção normativa146 o qual deve garantir condições equânimes de inclusão na deliberação pública para todos os cidadãos O Direito legítimo é apenas aquele em que os cidadãos sejam não apenas os destinatários das normas jurídicas mas possam enxergarse também como os seus coautores Tais condições para deliberação devem estar garantidas no sistema de direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito Respeitadas essas condições a deliberação concreta pode atribuir qualquer conteúdo às decisões políticas mantendose aberta quanto aos resultados Habermas ao elaborar uma versão procedimental da ideia de legitimidade democrática só justifica os limites à deliberação que lhe sejam imanentes Em outras palavras a deliberação só pode ser limitada em favor da garantia de sua continuidade e integridade Respeitadas suas condições procedimentais a soberania popular deve ter amplas possibilidades de decisão Entre as condições apontadas por Habermas identificamse direitos fundamentais compreendidos no seguinte catálogo 1 Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação 2 Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autô noma do status de membro numa associação voluntária de parceiros de direito 3 Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de pos tulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual 4 Direitos fundamentais à participação em igualdade de chances em processos de formação da opinião e da vontade nos quais os civis exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam direito legítimo 5 Direitos fundamentais a condições de vida garantidas social técnica e eco logicamente na medida em que isso for necessário para um aproveitamento em igualdade de chances dos direitos elencados de 1 até 4147 Se a deliberação majoritária violar esses direitos justificase o controle de tais decisões pelo Poder Judiciário que exerce o papel de guardião da democracia148 Ao realizar a contento essa tarefa a jurisdição constitucional para Habermas estará incrementando as condições para que o povo decida melhor e não restringindo a democracia a partir de parâmetros externos A teoria procedimental formula o conceito de direitos fundamentais com base em argumentos centrados na própria noção de democracia os direitos fundamentais são condições da democracia e devem por isso ser mantidos dentro de uma esfera de intangibilidade a ser protegida pelo Poder Judiciário contra os abusos das maiorias eventuais149 Habermas nessa linha critica a visão da Constituição como ordem de valores adotada pelo Tribunal Constitucional alemão e aponta o caráter antidemocrático e paternalista da concepção daquele tribunal que se compreende como guardião daqueles valores Para Habermas somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito Partindo dessa compreensão democrática é possível encontrar um sentido para as competências do tribunal constitucional o tribunal constitucional deve proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos cidadãos150 O procedimentalismo encontrou no Brasil muitos defensores151 que têm em Habermas a sua principal referência teórica Não obstante em que pese a grande sofisticação dessa linha da filosofia constitucional ela se sujeita a algumas importantes objeções Em primeiro lugar o procedimentalismo não parece suficiente para assegurar garantia robusta a direitos fundamentais extremamente importantes que não sejam diretamente ligados à deliberação democrática como a privacidade ou o direito à saúde Direitos fundamentais básicos que representam imperativos éticos importantes mais que não figurem como condições de funcionamento da democracia ficam mais expostos à vontade das maiorias de ocasião Em segundo lugar a tentativa de troca dos valores substantivos pela democracia como norte para a teoria constitucional parece uma empreitada que jamais poderá ser realizada em sua plenitude Afinal há inúmeras concepções diferentes de democracia com diferentes implicações para temas como o significado e extensão da igualdade da liberdade etc Nesse quadro a escolha de um determinado modelo de democracia em detrimento de outros acaba também sendo uma escolha inexoravelmente substantiva152 Finalmente no caso brasileiro há um problema adicional com o procedimentalismo Gostese disso ou não a Constituição de 88 é profundamente substantiva eis que pródiga na consagração de valores materiais Nesse contexto a adesão ao procedimentalismo acaba resvalando para um curioso paradoxo O procedimentalismo tem como um dos seus objetivos centrais limitar o ativismo jurisdicional em nome da democracia Contudo para abraçarem esta teoria os juízes teriam que passar por cima das orientações valorativas já contidas na Constituição sobrepondo a sua teoria constitucional àquela mais substantiva adotada pelo constituinte Sem embargo ainda que não se adote integralmente o procedimentalismo é importante reconhecer a contribuição central que a corrente dá à teoria constitucional contemporânea por conferir lugar de absoluto destaque à democracia nas suas teses e argumentos O constitucionalismo contemporâneo comprometido com o tratamento das pessoas como livres e iguais não tem como ser compreendido fora da sua ligação visceral com a democracia Afinal a democracia é o único regime que busca atribuir a todos os indivíduos o mesmo peso político e que os trata como agentes morais capazes de participarem dos processos de tomada de decisão que afetam a sua própria vida Democracia e constitucionalismo igualitário fundamse em última análise nos mesmos pressupostos 536 O constitucionalismo popular e a Constituição como inspiração para a política A teoria popular da Constituição tem como característica central sustentar a ilegitimidade do controle jurisdicional da constitucionalidade A realização prática da Constituição para o constitucionalismo popular deve ser protagonizada pelo próprio povo e por seus representantes eleitos A função da Constituição é inspirar a atuação de cidadãos e representantes e não de servir como parâmetro para que juízes não eleitos limitem a sua deliberação Tratase de teoria formulada sobretudo por autores norteamericanos Nos Estados Unidos a jurisdição constitucional e o ativismo judicial são objeto de intensa controvérsia Quando a Suprema Corte se inclina para a esquerda as críticas vêm geralmente do flanco conservador quando se posiciona de forma mais conservadora elas provêm da esquerda Recentemente com a predominância da orientação conservadora na Corte juristas progressistas têm dirigido críticas ao instituto da judicial review controle de constitucionalidade Eles têm sustentado que a solução de questões políticas fundamentais deve retornar à esfera decisória dos órgãos eleitos pelo voto popular Esse movimento de ideias em seu conjunto tem sido denominado de constitucionalismo popular e a ele se filiam autores como Jeremy Waldron Mark Tushnet e Larry Kramer Waldron que apesar de neozelandês é professor radicado nos Estados Unidos sustenta que numa sociedade democrática em que exista comprometimento com os direitos mas também controvérsia razoável sobre o seu conteúdo as polêmicas não devem ser decididas por juízes não eleitos e sim pelo povo por meio dos seus representantes Para Waldron tanto o processo político no Parlamento como a jurisdição constitucional podem errar na resposta sobre o conteúdo dos direitos não havendo qualquer garantia a priori de que uma ou outra instituição acerte mais nessa questão Nesse cenário o mecanismo mais correto para resolver as discordâncias existentes na sociedade sobre tal conteúdo não é a delegação da resposta a agentes não eleitos e não responsivos à vontade popular A forma mais adequada de solução pelo menos em sociedades razoavelmente democráticas em que haja uma cultura de valorização dos direitos humanos é para Waldron a deliberação que ocorre no processo legislativo pois se trata de mecanismo baseado na atribuição de igual oportunidade de influência nas decisões a todas as pessoas Ele resume a sua posição nos seguintes termos A discordância sobre direitos não é irracional e as pessoas podem discordar sobre direitos e ainda leválos a sério Nessas circunstâncias elas precisam para resolver suas discordâncias adotar procedimentos que respeitem as vozes e as opiniões das pessoas milhões delas cujos direitos estão em jogo nessas discordâncias e tratálas como iguais nesse processo Ao mesmo tempo elas devem assegurar que esses procedimentos enfrentem de maneira responsável e deliberativa as questões difíceis e complexas que as discordâncias sobre direitos levantam Os procedimentos legislativos ordinários podem fazer isso e uma camada adicional de revisão final pelos tribunais acrescenta pouco ao processo a não ser uma forma bastante insultuosa de cerceamento e uma ofuscação legalista das questões morais em jogo na nossa discordância sobre direitos153 Sem embargo Waldron reconhece que em determinados cenários patológicos em que as instituições representativas sejam disfuncionais existam formas endêmicas de preconceito ou uma cultura política refratária a direitos o controle de constitucionalidade pode excepcionalmente se justificar Mark Tushnet por sua vez sustenta uma teoria popular do Direito Constitucional em que as questões constitucionais devem ser retiradas das cortes e restituídas ao povo O constitucionalismo popular recebe o seu conteúdo da discussão popular que tem lugar nos fóruns políticos ordinários154 Tushnet não é crítico do constitucionalismo e da supremacia constitucional suas objeções dirigemse à atribuição ao Judiciário da competência para controlar a constitucionalidade das leis Para Tushnet o problema principal de um sistema político fundado na supremacia judicial é promover a irresponsabilidade dos legisladores os quais acabam relegando a solução de questões constitucionais para os tribunais O controle de constitucionalidade serviria de fato aos interesses dos políticos funcionando como um mecanismo por meio do qual se esquivam do dever de tomar decisões difíceis155 O projeto do constitucionalismo popular é converter a política democrática em uma política de princípios constitucionalmente orientada O principal efeito da supressão da judicial review seria na verdade devolver à ação política do povo todo o poder decisório no âmbito constitucional156 A crítica de Tushnet ao controle de constitucionalidade não se restringe à versão substancialista proposta por exemplo por liberais como Dworkin Ele rejeita uma jurisdição constitucional mesmo restrita à garantia das precondições da democracia Segundo Tushnet quando este poder de garantir as precondições da política democrática é atribuído ao Judiciário esse tende a fazer muito mais do que isso expandindo as suas competências157 Tushnet rejeita mesmo uma jurisdição constitucional adstrita ao objetivo de solucionar crises políticas graves pois para ele o Judiciário seria incapaz de superálas Não seria plausível esperar por exemplo que o Judiciário alemão fosse capaz de evitar o Holocausto Um mundo sem a judicial review para Tushnet não seria necessariamente caracterizado pelo desrespeito a direitos fundamentais como exemplificam a Inglaterra ou com a Holanda em que a ausência de controle de constitucionalidade convive com governos limitados e razoável respeito aos direitos humanos158 Em obra mais recente159 Tushnet abranda as suas posições iniciais Ao invés de defender a abolição do controle de constitucionalidade passa a sustentar a superioridade de mecanismos fracos de controle em que o Judiciário não dê a última palavra sobre o sentido da Constituição mas seja um partícipe de diálogo com outros poderes sobre a questão Advoga ademais a adoção de postura de grande deferência jurisdicional diante das deliberações majoritárias No caso de Larry Kramer a defesa do constitucionalismo popular fundamenta se antes de tudo em argumentos da história constitucional norteamericana Para Kramer no contexto de criação da Constituição norteamericana o ambiente político predominante era de rechaço à supremacia judicial e de valorização do poder popular A elaboração da Constituição nunca teria levado em conta a possibilidade de se atribuir no futuro a última palavra sobre o seu significado a órgãos não legitimados pelo voto do povo Os poderes que viriam mais contemporaneamente a ser assumidos pela Suprema Corte não eram sequer imaginados na época160 De acordo com Kramer a supremacia judicial estaria assentada em uma atitude preconceituosa das elites em relação a povo a moderna sensibilidade antipopular presume que as pessoas comuns são emocionais ignorantes confusas e simplórias em contraste com a inteligente informada e perspicaz elite161 Nessa perspectiva elitista o Direito Constitucional teria passado a ser visto como excessivamente complexo para ser compreendido pelo homem comum Kramer objeta contudo que foi a Suprema Corte que tornou o Direito Constitucional complexo que essa complexidade é produto da judicialização do Direito Constitucional e não o contrário Para ele a participação popular na política constitucional não deve se restringir ao momento constituinte de elaboração da constituição deve ocorrer também na definição final do significado do texto constitucional que ocorre no cotidiano da vida da nação Para superar o denominado monopólio jurisdicional sobre a verdade constitucional Kramer sugere que se intensifique a pressão política sobre a Corte por meio de diversos mecanismos encontrados na história americana tais como o impeachment de juízes a realização de cortes no orçamento do Tribunal a nomeação de novos juízes e a alteração de seus procedimentos por meio legislativo162 Insatisfeito com a atuação da Suprema Corte ele busca na história americana alternativas para fazêla considerar mais seriamente a vontade popular ao proferir suas decisões Entende que o resultado da utilização desse tipo de mecanismo não seria a perpetuação de conflitos entre o Judiciário o Legislativo e o Executivo mas a acomodação da relação entre os poderes em um plano mais adequado à prevalência da vontade popular163 Dentre os pecados do constitucionalismo popular está em nossa opinião a idealização do processo político efetivamente existente nas sociedades como um espaço igualitário em que todos os cidadãos têm o mesmo peso As democracias representativas contemporâneas estão muito longe desse ideal como se observa claramente no caso brasileiro em que é grave a crise de representatividade do Parlamento indicada em diversas pesquisas de opinião Não se deve idealizar o Poder Judiciário como instância virtuosa de defesa de direitos e princípios como fazem alguns defensores do controle de constitucionalidade mas tampouco se deve incidir no erro oposto de glorificação do processo político majoritário ignorando as suas deficiências reais dentre os quais está a sua excessiva infiltração pelo poder econômico Nesse erro incidiram os teóricos do constitucionalismo popular Diante das instituições efetivamente existentes na maior parte das sociedades contemporâneas inclusive o Brasil não parece um bom conselho a abolição ou minimização da jurisdição constitucional Não obstante é relevante a contribuição do constitucionalismo popular no sentido de chamar a atenção para o fato de que a Constituição não é apenas o que fazem os tribunais Ela não pode ser compreendida como um documento técnico a ser manejado apenas por juristas com a alienação do povo do seu processo de concretização Esse tema será retomado no capítulo de interpretação constitucional em que defenderemos a ideia de que o Judiciário é um agente importante na afirmação dos valores e princípios constitucionais mas que não tem monopólio nesta questão nem mesmo o da última palavra devendo manter abertos os canais de diálogo com a sociedade civil e os demais poderes estatais Os juízes são atores importantes no constitucionalismo democrático mas o protagonista nesta história deve ser o próprio povo Críticas semelhantes às esboçadas pelos teóricos do constitucionalismo popular foram formuladas em outros países164 No Brasil ponto de vista semelhante é sustentado por juristas como Martonio MontAlverne Barreto Lima165 Gilberto Bercovici166 e Luiz Moreira167 Para eles a jurisdição constitucional seria um arranjo institucional essencialmente antidemocrático Não obstante essa é uma visão absolutamente minoritária entre nós A teoria constitucional hegemônica no Brasil tem gravitado em torno da jurisdição constitucional apostando nela como principal mecanismo para resgate das promessas emancipatórias de nossa Constituição Essa visão hegemônica não corresponde à nossa perspectiva muito embora diferentemente dos adeptos do constitucionalismo popular consideremos que a jurisdição constitucional tem um papel altamente relevante a desempenhar para a defesa dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia 537 Pragmatismo e teoria constitucional O pragmatismo é uma das vertentes mais influentes do pensamento jurídico contemporâneo Na filosofia as origens recentes do pragmatismo remontam às obras William James Charles Sanders Peirce e John Dewey nos Estados Unidos Na contemporaneidade o pensador norteamericano Richard Rorty também associado ao pósmodernismo é o mais importante representante do pragmatismo O pragmatismo rejeita as especulações filosóficas muito abstratas e desvinculadas da realidade concreta como as da metafísica Ele tem como características fundamentais o antifundacionalismo o contextualismo e o consequencialismo168 O antifundacionalismo é a rejeição da busca de qualquer fundamento último para as teorias e argumentos O contextualismo enfatiza a importância do contexto histórico e das experiências humanas de cada sujeito nas investigações científicas ou discussões teóricas Nesse sentido o contextualismo se aproxima do relativismo Já o consequencialismo preconiza que se priorizem sempre as soluções que produzam melhores resultados práticos O pragmatismo é ademais experimentalista e voltado para o futuro A justificação dos juízos morais se baseia para o pragmatismo no que é mais produtivo no que pode oferecer a melhor contribuição para a construção do futuro O pragmatismo também rejeita a ideia de verdade como correspondência Ao invés de voltarse à busca da verdade das coisas como elas são de procurar a sua essência os pragmatistas preferem perquirir o que é ou não útil em cada contexto Nas palavras de Rorty os pragmatistas tanto os clássicos quanto os neo não acreditam que haja um modo como as coisas realmente são Por isso eles querem substituir a distinção entre aparência e realidade pela distinção entre descrições do mundo e de nós mesmos que são menos úteis e descrições que são mais úteis169 Há intenso debate sobre a relação entre o pragmatismo filosófico e o jurí dico170 Há quem sustente que é limitada a relevância do pragmatismo filosófico para a compreensão do pragmatismo jurídico Sem embargo nos parece que ambos são convergentes compartilhando as características acima ressaltadas Na teoria jurídica o mais conhecido defensor do pragmatismo é o juiz e professor norte americano Richard A Posner 171 que é também um dos expoentes da corrente chamada análise econômica do Direito172 Para Posner o principal critério para a correção de uma decisão judicial diz respeito às suas consequências Boa decisão é a que produzir melhores consequências e não a que estiver de acordo com os textos legais vigentes ou com alguma ambiciosa teoria moral Isso não significa que para Posner o direito positivo seja irrelevante no processo de adjudicação judicial Como a estabilidade e a preservação das expectativas dos indivíduos e agentes econômicos são resultados importantes e os mesmos são promovidos pelo respeito às leis e precedentes há fortes argumentos pragmáticos para que pelo menos na maior parte dos casos leis e precedentes sejam observados A sua observância porém não resulta de um dever de respeito às decisões passadas de autoridades legítimas e sim de um cálculo de utilidade social173 O juiz pragmático nesse sentido voltase muito mais para o futuro do que para o passado Posner sustenta por outro lado que as consequências que devem ser consideradas na atuação judicial não são apenas aquelas do caso concreto analisado mas também as sistêmicas Por isso se justifica que em determinadas áreas do Direito se mantenha o formalismo Posner fala em bolsões de formalismo formalist pockets 174 pois se fosse permitido em determinados domínios mais sensíveis que os juízes decidissem cada caso de acordo com as suas avaliações consequencialistas de resultado sem maior atenção às regras em vigor os resultados gerais para a sociedade seriam danosos pelo aumento da insegurança O pragmatismo jurídico por outro lado é empirista Ele tende a atribuir mais importância aos dados da realidade do que às construções teóricas Neste sentido se aproxima mais das ciências empíricas como a Economia e a Sociologia do que do campo da especulação abstrata inclusive no que concerne à moral Nas palavras de Thomas Grey pragmatismo significa liberdade da culpa teórica175 Para o pragmatismo jurídico enfim o Direito não é um fim em si mesmo O compromisso central do magistrado pragmático não é com a fidelidade ao ordenamento posto nem com a coerência em relação a alguma teoria filosófica qualquer mas com o atendimento das necessidades humanas e sociais a que o Direito visa a promover A preocupação com o mundo real e com as consequências prática das decisões judiciais são contribuições relevantes do pragmatismo No campo da interpretação constitucional não há dúvida de que essas dimensões devem ser incorporadas como veremos no Capítulo 10 Sem embargo sobretudo no domínio constitucional há que se preservar o respeito às normas e ao sistema constitucional positivados que não podem ser concebidos como apenas mais um elemento a ser considerado pelos magistrados sob pena de comprometimento da força normativa da Constituição Ademais concepções que atribuam aos juízes um poder quase sem amarras de decidirem de acordo com a sua avaliação das consequências em detrimento da sua vinculação ao direito vigente acabam pecando de duas maneiras Por um lado incorrem em problema de ilegitimidade democrática por transferirem para agentes não eleitos uma parcela da autoridade dos legisladores que representam politi camente o povo Por outro tais concepções podem produzir soluções menos eficientes do ponto de vista das consequências sociais almejadas por presumirem talvez de maneira muito otimista uma grande capacidade institucional do Judiciário para fazer as avaliações necessárias à adjudicação pragmática Por paradoxal que seja é possível que o formalismo produza no cômputo global consequências mais favoráveis do que o pragmatismo Nesse caso terseia um argumento pragmático para não adotar o pragmatismo no campo jurisdicional176 Finalmente outra crítica que se pode endereçar ao pragmatismo diz respeito à pouca importância que atribui à argumentação moral Afinal até para definir quais as são as consequências mais desejáveis os juízos morais são inevitáveis Não é incomum que considerações pragmáticas penetrem na jurisdição constitucional brasileira Um claríssimo exemplo de resultado calcado em razões ex clusivamente pragmáticas e consequencialistas ocorreu em julgamento recente do STF em que apesar de reconhecer a existência de inconstitucionalidade no processo legislativo da medida provisória que instituíra o Instituto Chico Mendes o STF abstevese de invalidar o ato normativo177 A Corte num primeiro momento chegara a declarar a inconstitucionalidade da norma legal com eficácia pro futuro mantendoa em vigor pelos próximos 24 meses o que daria tempo para que novo ato normativo fosse elaborado dessa vez com plena observância do processo legislativo imposto pela Constituição Porém no dia seguinte à proclamação do resultado do julgamento o AdvogadoGeral da União suscitou questão de ordem trazendo ao Supremo o conhecimento do fato de que o mesmo vício que afetava aquela norma também contaminava cerca de quinhentas outras medidas provisórias Diante disso o STF heterodoxamente voltou atrás na invalidação da norma em questão limitando se a determinar que as novas medidas provisórias apresentadas dali para frente teriam de seguir o rito prescrito pela Constituição Chegouse à conclusão da qual não discordamos que era preferível naquele contexto transigir com os efeitos da inconstitucionalidade já praticada do que se sujeitar aos riscos de invalidação de centenas de outras normas dentre as quais algumas importantíssimas como a que criara o programa social BolsaFamília Ao justificar publicamente o resultado heterodoxo do julgamento da Corte o Min Luiz Fux ressaltou que o STF agira de forma patriótica para evitar uma crise constitucional178 538 PósModernidade e teoria constitucional Do ponto de vista da filosofia e teoria política a Modernidade foi a aposta na razão como instrumento de emancipação social A Modernidade é associada à filosofia iluminista no seu antropocentrismo e na sua defesa de valores universais e seculares acessíveis à razão humana como a igualdade a liberdade a dignidade humana e a democracia179 Os direitos humanos e o constitucionalismo são também construções tipicamente modernas embora tenham naturalmente raízes históricas anteriores ao advento da Modernidade Discutese hoje a crise da Modernidade e há quem fale no advento de uma Era PósModerna Afirmase que a Modernidade falhou nos seus objetivos pois não conseguiu resolver ou minimizar os problemas da humanidade nem dar respostas para as questões que são verdadeiramente importantes para a sociedade180 Segundo alguns o ideário da Modernidade teria se exaurido no século XX com a constatação da impotência do seu discurso e das suas propostas para enfrentar os problemas emergentes em uma sociedade hipercomplexa globalizada e fragmentada O pensamento moderno com sua obsessão pela generalização e racionalização terseia tornado imprestável para compreender o caos das sociedades contemporâneas e apontar soluções para os seus dilemas Por paradoxal que seja os avanços nas ciências e na técnica multiplicaram e generalizaram os riscos para a pessoa humana e para o planeta181 No novo cenário falase no advento de uma sociedade de riscos182 pois se tornou necessário não apenas partilhar recursos escassos mas também os riscos que se exacerbaram diante das inovações tecnológicas surgidas ao longo do século XX Hoje eventos ocorridos em locais muito distantes podem aumentar os riscos a que estamos expostos e influenciar negativamente as nossas vidas Ademais são tantos e tão variados os fatores que podem influir num determinado evento que se tornam muito mais difíceis as previsões e adoção de medidas preventivas Esse quadro alimenta certa hostilidade contra a ciência e a técnica183 Adicionese ao cenário a crise do Estado Social e a aceleração da globalização econômica na sua dimensão excludente e temos o terreno propício para a difusão das ideias pós modernas na comunidade acadêmica O pessimismo geral a percepção do fracasso das grandes utopias e a falta de perspectivas em relação ao futuro pavimentaram o caminho para a crítica radical à razão iluminista Há grande incerteza em torno do conceito de pósmodernismo existindo diversas correntes no movimento que vão do pósestruturalismo de Michel Foucault184 ao pragmatismo de Richard Rorty185 o que torna difícil qualquer tentativa de síntese186 Sem embargo podese afirmar que o pós modernismo é desconfiado em relação à razão na qual vislumbra um instrumento de repressão e tem a pretensão de desconstruir as principais categorias conceituais da Modernidade como as ideias de sujeito de progresso de verdade e de justiça Preferese o particular ao universal o micro ao macro o efêmero ao definitivo o sentimento à razão Segundo cultores do pósmodernismo a Modernidade seria uma gaiola de ferro de burocratização centralização e manipulação infinita da psyche pela indústria cultural e pelos regimes disciplinares do poder e conhecimento e a PósModernidade representaria o momento de ruptura que desafia o sistema suspeita de todo pensamento totalizador e da homogeneidade e abre espaço para o marginal o diferente o outro sendo assim uma celebração do fluxo da dispersão da pluralidade e do localismo187 François Lyotard expoente do pensamento pósmoderno cunhou conhecida definição do pós modernismo como expressão da incredulidade em relação às metanarrativas188 As grandes explicações totalizadoras e abrangentes da filosofia moderna como eman cipação humana pelo uso da razão ou a luta de classes dentre outras passam a ser descartadas e vistas com grande desconfiança As projeções do pósmodernismo sobre o Direito são ainda objeto de contro vérsias mas alguns pontos podem ser destacados por integrarem o denominador comum entre as suas principais correntes Em primeiro lugar desponta a aversão às construções e valores jurídicos universais o que se aplica por exemplo aos direitos humanos189 Por outro lado o monismo jurídico fundado no monopólio da produção de normas pelo Poder Público abre espaço para o pluralismo com o reconhecimento das fontes não estatais do Direito cujo campo de atuação tende a ser ampliado com a crise do Estado impulsionada pelo processo de globalização190 O Direito pós moderno pretendese também mais flexível e adaptável às contingências do que o Direito da Modernidade No novo modelo ao invés de impor ou proibir condutas o Estado prefere negociar induzir incitar comportamentos o que torna o seu Direito mais suave soft law Partese da premissa de que a intervenção normativa do Estado tende a perturbar o funcionamento dos subsistemas sociais Prefere se a autoregulamentação de mercado ou dos subsistemas sociais à heteroregulamentação estatal Na resolução de conflitos ganham importância os instrumentos substitutivos da jurisdição estatal como a arbitragem e a mediação A separação entre Estado e sociedade civil nesse contexto tornase mais tênue e nebulosa do que nunca No que concerne ao Direito Constitucional o pósmodernismo vai se revelar francamente incompatível com o projeto da Constituição dirigente191 que sob a sua perspectiva exprimiria uma visão autoritária por subtrair a liberdade de ação das instâncias da sociedade mas também quixotesca por desconhecer os limites da regulação jurídica sobre os universos econômico político e social De fato se o próprio conceito liberal de Constituição já não parece plenamente compatível com a visão pósmoderna a incompatibilidade é ainda mais flagrante em face da noção de Constituição dirigente imbuída da pretensão de traçar rumos para o desenvolvimento da sociedade pela transformação do status quo Tal concepção será associada pelos pósmodernos às metanarrativas utópicas por eles tão criticadas Neste quadro a Constituição pósmoderna vai ser concebida nas palavras de Canotilho como um estatuto reflexivo que através de certos procedimentos do apelo a autoregulações de sugestões no sentido da evolução políticosocial permite a existência de uma pluralidade de opções políticas a compatibilização dos dissensos a possibilidade de vários jogos políticos a garantia da mudança através da construção de rupturas192 Notase portanto uma rejeição às dimensões substantivas e axiológicas da Constituição preconizandose para ela um papel muito mais modesto que a despe das suas ambições morais e emancipatórias Não há portanto qualquer identidade entre pósmodernismo e pós positivismo no plano constitucional em que pese a confusão feita por alguns autores A crítica pósmoderna ao constitucionalismo deve ser objeto de reflexão Por um lado cumpre reconhecer que existem de fato graves déficits no funcionamento das instituições e das práticas políticas sociais e jurídicas construídas durante a Modernidade que se revelam claramente diante da persistência da exclusão bem como de fenômenos como o aquecimento global Contudo ao invés do abandono do ideário moderno pensamos que ele deve ser aperfeiçoado e aprofundado sobretudo nas sociedades periféricas prémodernas sob vários aspectos que enfrentam carências já relativamente equacionadas no Primeiro Mundo193 Tratase de insistir na luta pela implementação concreta dos grandes valores do Iluminismo e do constitucionalismo de liberdade igualdade dignidade humana e democracia estendendoos a novos campos e enfrentando a partir dessas bandeiras os novos desafios do mundo contemporâneo Não se trata de negar a correção de certas posições do pósmodernismo como a afirmação do caráter inevitável do pluralismo jurídico do etnocentrismo latente no discurso jurídico hegemônico e da onipresença da opressão Mas diante dessas questões não se deve abdicar do projeto político jurídico da Modernidade mas corrigir os seus desvios e incompletudes tornando a empreitada ainda mais abrangente e inclusiva O esvaziamento do Direito e da Constituição propugnados por certas correntes do pósmodernismo são propostas que não merecem apoio sobretudo nos Estados periféricos e subdesenvolvidos como o Brasil onde largos setores da população ainda vivem no arcaísmo prémoderno Se o constitucionalismo for despojado da sua pretensão de impor padrões mínimos de justiça às relações humanas com sua omissão ela estará legitimando o status quo de opressão e exclusão social 54 A título de conclusão a teoria constitucional no momento das grandes sínteses Ao longo deste capítulo procuramos apresentar as principais teorias da Constituição bem como as vertentes da filosofia política que têm exercido maior influência sobre a teoria constitucional contemporânea Como se verificou várias dessas teorias formularam teses antagônicas Em nossa opinião o momento atual da teoria da Constituição deve envolver um esforço de síntese Vejamos a título conclusivo como isso pode ocorrer no que toca a algumas das principais divergências da teoria constitucional 541 Descrição e prescrição Como vimos há teorias constitucionais que entendem que seu papel é antes de tudo propor um modelo ideal de Constituição e outras que recusam essa função limitandose à pretensão de analisar e descrever objetivamente as constituições existentes A teoria constitucional contemporânea deve rejeitar essas duas formas extremadas de compreender a disciplina combinando descrição e prescrição Por um lado a teoria da Constituição deve partir das constituições vigentes e não das es peculações abstratas dos estudiosos Por outro não deve se manter passiva diante de seu objeto de análise mas exercer sobre ele um esforço de racionalização crítica A proposta envolve a ideia de reconstrução194 em que se busca refletir sobre os elementos constitucionais concretamente existentes numa dada sociedade de forma a simultaneamente atribuir coerência ao sistema constitucional vigente e aproximálo do ideário do constitucionalismo democrático e igualitário Nessa empreitada a interpretação constitucional não se desvincula do texto das decisões do constituinte da realidade e das tradições constitucionais de cada Estado mas se inspira nos princípios fundamentais do constitucionalismo Esses princípios por sua vez não são transcendentes à realidade não compondo uma espécie de Direito natural que paire acima da história Tratase de princípios que já estão latentes nas reivindicações emancipatórias e democráticas existentes nas sociedades apesar de serem muitas vezes violados no quotidiano da vida social Karl Marx criticava o papel até então desempenhado pela Filosofia dizendo que os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo quando o que importa é modificálo O pensamento marxiano também vale para a teoria constitucional que não deve abdicar da pretensão de transformar as práticas constitucionais e a realidade social no sentido de tornálas mais inclusivas e democráticas 542 Normatividade realidade e moralidade Algumas teorias constitucionais antes analisadas focalizam uma única dimensão do fenômeno constitucional a norma positivismo kelseniano o fato teoria sociológica de Lassale ou princípios ideais teoria ideal do constitucionalismo liberal Essas concepções são unilaterais Não descrevem adequadamente o fenômeno constitucional e a adesão aos seus pressupostos pode conduzir a resultados problemáticos Uma teoria constitucional adequada deve conjugar essas três dimensões195 Não pode ignorar as normas constitucionais positivadas pelo poder constituinte a realidade empírica sobre a qual essas normas incidem nem tampouco a moralidade pública subjacente ao constitucionalismo democrático Essas três dimensões interagem e se complementam As normas constitucionais e a realidade se influenciam reciprocamente como já se destacou anteriormente a realidade deve ser considerada na interpretação das normas mas essas têm alguma possibilidade de conformar o fato social subjacente Também não pode ficar de fora da teoria constitucional a dimensão ideal moral aspiracional utópica do constitucionalismo democrático Os princípios morais do constitucionalismo democrático devem orientar a interpretação das normas constitucionais Tais princípios como destacado acima não são suprahistóricos mas têm raízes culturais concretas Muitas das constituições contemporâneas como a brasileira inseriram nos seus textos esses princípios igualdade liberdade solidariedade dignidade da pessoa humana etc conferindo explícita positividade às exigências que a moral pública impõe ao Direito 543 Procedimento e substância Como esclarecido anteriormente o substancialismo impõe fortes limites constitucionais às deliberações políticas enquanto o procedimentalismo tende a recusar limites que não se voltem à garantia das condições democráticas da deliberação Um dos grandes desafios da teoria da Constituição e da filosofia política con temporânea é o de estabelecer um sistema constitucional que possa ser racionalmente aceito por todos num ambiente de pluralismo social e que integre de forma coerente os elementos constitutivos essenciais ao Estado Democrático de Direito Entendemos que para isso o modelo meramente procedimental é insuficiente É preciso ir além do procedimentalismo sobretudo das suas versões que atribuem menos conteúdo às condições para funcionamento da democracia É essencial para o constitucionalismo democrático tratar a todas as pessoas como dignas de igual respeito e consideração No contexto plural em que vivemos a comunidade política só se legitima plenamente quando assegura o igual direito de cada indivíduo de viver de acordo com os seus próprios projetos e escolhas existenciais quando proporciona os meios materiais básicos para isso quando respeita e valoriza as identidades particulares de cada um dos seus membros É papel das constituições democráticas garantir esses elementos que são vitais para a generalização entre os cidadãos do sentimento de pertencimento à comunidade política196 Sem embargo um modelo constitucional que não tenha suficiente abertura para as deliberações políticas de cada geração buscando predefinir a maior parte das controvérsias que dividem as sociedades não seria suficientemente democrático Excessos substancialistas na teoria constitucional devem ser evitados para não se debilitar o componente democrático do constitucionalismo 544 Indivíduo e comunidade A teoria constitucional na esteira da filosofia política discute a relação entre indivíduo e comunidade As respostas sobre esse tormentoso tema filosófico variam imensamente do organicismo de inspiração aristotélica197 que vê o indivíduo apenas como uma parte no todo social cujos direitos podem ser livremente sacrificados em favor do bem comum ao mais exacerbado individualismo sustentado por exemplo pelos teóricos do libertarianismo Uma parte da controvérsia entre liberais e comunitários antes sintetizada se dá exatamente nesse campo os liberais priorizam os direitos do indivíduo enquanto os comunitaristas se inclinam em favor dos valores e interesses da comunidade Mais uma vez uma teoria constitucional democrática e inclusiva deve se engajar num esforço de síntese entre opostos No constitucionalismo democrático a prioridade é da pessoa humana Porém o indivíduo não é concebido como uma razão desencarnada mas como um ser concreto inserido numa comunidade com necessidades materiais carências fragilidades198 Esta nova perspectiva enjeita a crença de que o Estado seja o adversário por excelência dos direitos humanos Embora continue sendo essencial proteger as pessoas do arbítrio do Estado os poderes públicos são agora tidos como responsáveis pela promoção e defesa dos direitos fundamentais diante dos perigos que rondam as pessoas na própria sociedade Nessa linha reconhecese o direito de cada pessoa de eleger os seus objetivos e planos de vida que têm de ser respeitados desde que não violem direitos de terceiros Cabe ao Estado o papel de auxiliar na criação das condições necessárias para que cada um realize livremente as suas escolhas e possa agir de acordo com elas e não o de orientar as vidas individuais para alguma direção que os governantes ou que as maiorias sociais considerem mais adequada Sem embargo os indivíduos não são tidos como meros detentores de direitos subjetivos Eles têm também responsabilidades cívicas e deveres em relação aos seus semelhantes Esperase do cidadão ademais que não atue visando exclusivamente os seus interesses particulares mas que também busque o bem comum A Corte Constitucional alemã em diversos julgados fez referência à imagem de pessoa subjacente à Lei Fundamental do país Em decisão proferida em 1954 por exemplo ela afirmou que a imagem de Homem da Lei Fundamental não é aquela de um indivíduo isolado e soberano Pelo contrário a Lei Fundamental decidiu a tensão entre indivíduo e sociedade em favor da coordenação e interdependência deste com a comunidade sem tocar o intrínseco valor individual da pessoa199 Em outro julgamento realizado em 1977 o Tribunal referiuse à base antropológica do conceito de dignidade da pessoa humana considerado o valor mais elevado da ordem constitucional alemã explicitando que tal princípio se baseia numa con cepção de Homem como ser moralespiritual dotado de liberdade de autodeterminação e desenvolvimento A liberdade no sentido da Lei Fundamental não é a de um indivíduo isolado e autocentrado mas pelo contrário de uma pessoa com relações e vínculos com a comunidade200 Tais observações do Tribunal germânico são adequadas à teoria do constitucionalismo democrático e inclusivo Elas também cabem perfeitamente em relação à ordem constitucional brasileira que tal como a Lei Fundamental alemã tem na dignidade da pessoa humana um pilar fundamental mas não se baseia numa concepção insular do indivíduo buscando enxergar a pessoa humana na sua concretude com suas necessidades e fragilidades aberta à alteridade e dela dependente 545 Jurisdição e política constitucional Outra dicotomia que perpassa a teoria constitucional diz respeito ao locus central do constitucionalismo Podese apontar a existência de duas posições extremas nessa controvérsia201 embora também existam concepções intermediárias entre elas dentre as quais a que ora sustentamos De um lado há os defensores do judicialismo constitucional Para eles a ju risdição constitucional é o espaço por excelência da afirmação da Constituição onde os temas controvertidos são equacionados com base no Direito e não em preferências ideológicas interesses ou compromissos políticos A política realizada nas instâncias representativas movese por outra lógica que não a constitucional A Constituição é um limite externo para a política e não um norte para a sua atuação Esse limite tem como guardião o Poder Judiciário especialmente as supremas cortes ou tribunais constitucionais que estaria por assim dizer fora da política Do outro lado há os que criticam o modelo judicialista afirmando que ele dá ensejo a instauração de uma ditadura judicial de supostos sábios togados É a posição atualmente defendida pelos adeptos do constitucionalismo popular e que já foi advogada por diversas outras correntes ao longo da história todas sustentando que em nome da proteção da Constituição a hegemonia da jurisdição constitucional permite aos juízes que imponham os seus próprios valores à sociedade Nessa perspectiva a política praticada nos parlamentos e nas articulações da sociedade civil é tida como mais confiável para guardar e promover os valores constitucionais do que a atuação dos tribunais A Constituição é vista menos como um limite externo para a deliberação democrática dos fóruns representativos a ser imposto a partir de fora e mais como uma inspiração que deve guiar permanentemente a atividade política Em nossa opinião é possível também aqui buscar uma síntese entre as visões antagônicas De um lado devese reconhecer o importante papel do Judiciário na garantia da Constituição especialmente dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia Mas do outro cumpre também valorizar o constitucionalismo que se expressa fora das cortes judiciais em fóruns como os parlamentos e nas reivindicações da sociedade civil que vêm à tona no espaço público informal Nesse sentido é preciso em primeiro lugar reconhecer realisticamente que os tribunais não são espaços assépticos imunes à ideologia e às articulações e compromissos políticos Portanto eles não estão fora da política Ademais é necessário também perceber que a política com todas as suas imperfeições pode e deve ser um campo aberto ao debate constitucional inspirandose também por princípios e não apenas por preferências ideológicas ou por interesses de facções202 Em nosso cenário povoado por instituições e procedimentos imperfeitos a jurisdição constitucional desempenha um papel relevante no constitucionalismo democrático Porém ela não é e não deve ser concebida como a protagonista desta narrativa 1 SCHWARTZ Roberto As idéias fora do lugar In SCHWARTZ Roberto Ao vencedor as batatas forma li te rária e processo social nos inícios do romance brasileiro 2 CONSTANT Benjamin Cours de politique constitutionnelle p III 3 A Prússia era um dos Estados que veio a formar a Alemanha após a sua unificação Lassale produziu a sua obra antes da unificação alemã 4 LASSALE Ferdinand A essência da Constituição p 67 5 OLIVEIRA VIANNA Francisco José de Instituições políticas brasileiras 6 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 247 et seq 7 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 224 8 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 237 No mesmo sentido KELSEN Hans Teoria geral do direito e do Estado p 58 9 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 1 10 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 248 258 11 SCHMITT Teoría de la Constitución p 45 et seq 12 SCHMITT Carl I tre tipi di pensiero giuridico In SCHMITT Carl Le categorie del político p 263 Cf BRANCO Pedro H Villas Boas Castelo Auctoritas non veritas facit legem In MAIA Antonio Cavalcanti et al Org Perspectivas atuais da filosofia do direito MACEDO JUNIOR Ronaldo Porto O decisionismo jurídico de Carl Schmitt Lua Nova Revista de Cultura e Política n 32 13 SCHMITT Carl Political Theology Four Chapters on the Concept of Sovereignty p 913 3233 Sobre o tema cf p ex GHETTI Pablo Sanges Da teoria da constituição ao desafio da legitimidade a trajetória de radicalização do poder constituinte na obra de Carl Schmitt In MAIA Antonio Cavalcanti et al Org Perspectivas atuais da filosofia do direito 14 SCHMITT Carl Teoría de la Constitución p 50 15 Cf BONAVIDES Paulo Francisco Campos o antiliberal In CAMPOS Francisco Discursos parlamentares SANTOS Rogério Dultra dos Francisco Campos e os fundamentos do constitucionalismo antiliberal no Brasil Dados Revista de Ciências Sociais v 50 n 2 16 CAMPOS Francisco A política e o nosso tempo In CAMPOS Francisco O Estado Nacional p 28 17 Assume preocupante pertinência a conhecida sentença de Carl von Clausewitz para o qual a guerra não é somente um ato político mas um verdadeiro instrumento político uma continuação das relações políticas uma rea lização destas por outros meios Da guerra p 27 18 SMEND Rudolf Constitución y derecho constitucional p 133 19 LUCAS VERDÚ Pablo La lucha contra el positivismo jurídico en la República de Weimar la teoría constitucional de Rudolf Smend 20 SMEND Rudolf Constitución y derecho constitucional p 62 et seq 21 Cf KORIOTH Stefan Introduction In JACOBSON A J SCHLINK Bernard Ed Weimar a Jurisprudence of Crisis 22 LUCAS VERDÚ Pablo Reflexiones en torno e dentro del concepto de constitución la Constitución como norma e como integración política Revista de Estudios Políticos n 83 23 SMEND Rudolf Constitución y derecho constitucional p 191 Sobre a importância da contribuição de Smend para a hermenêutica constitucional cf BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Los métodos de la interpretación constitucional inventario y crítica In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Escritos sobre derechos fundamentales p 27 et seq 24 Cf HELLER Herman Teoría del Estado p 317 et seq 25 Cf HELLER Herman Teoría del Estado p 320 326 e 327 26 HELLER Herman Démocratie politique et homogénéité sociale Revue Cités n 6 27 Cf BERCOVICI Gilberto Democracia inclusão social e igualdade Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica v 1 n 4 p 165182 28 SCHMITT Carl Legalidad y legitimidad 29 HESSE Konrad A força normativa da Constituição p 24 30 HESSE Konrad A força normativa da Constituição p 1314 31 HESSE Konrad A força normativa da Constituição p 24 32 HESSE Konrad Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha p 3840 33 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 45 34 MÜLLER Friedrich Direito linguagem violência elementos de uma teoria constitucional p 44 No mesmo sentido MÜLLER Friedrich Concepções modernas e a interpretação dos direitos humanos In CONFE RÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL 15 p 104 35 MÜLLER Friedrich Direito linguagem violência elementos de uma teoria constitucional p 43 36 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 86 37 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 90 38 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 85 39 Sobre o tema cf SILVA José Afonso da Formação e transformação da socialdemocracia In GRAU Eros Roberto GUERRA FILHO Willis Santiago Org Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides p 471 et seq 40 CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador p 169170 41 Cf GRAU Eros Roberto Resenha do prefácio da 2ª edição In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Org Canotilho e a Constituição dirigente 42 CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador p 350 Segundo o autor a realização da constituição dirigente não pode aquilatarse através da dissolução do potencial da ação políticodemocrática numa curta mentalidade de pretensões subjetivas individualmente acionáveis A perda de justiciabilidade e a colocação dos direitos a prestações dentro da reserva do possível devem ser com pensadas por uma intensificação de participação democrática na política dos direitos fundamentais p 377 43 KRELL Andréas J Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais In SARLET Ingo Wolfgang Org A Constituição concretizada construindo pontes entre o público e o privado p 4647 KRELL Andréas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os descaminhos de um direito constitucional comparado p 93 et seq 44 CANOTILHO José Joaquim Gomes Rever ou romper com a constituição dirigente defesa de um cons titu cionalismo moralmente reflexivo Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política v 4 n 15 p 9 45 Cf BERCOVICI Gilberto A problemática da Constituição dirigente algumas considerações sobre o caso brasileiro Revista de Informação Legislativa v 4 n 15 p 717 46 Cf STRECK Lenio Luiz O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociaisfundamentais In SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e comparado p 191 et seq especialmente p 202 206 47 Sobre essa trajetória cf BARROSO Luís Roberto Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito cons titucional brasileiro pósmodernidade teoria crítica e póspositivismo In BARROSO Luís Roberto A nova interpretação constitucional ponderação direitos fundamentais e relações privadas BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da Constituição brasileira 4 ed SCHIER Paulo Ricardo Filtragem constitucional construindo uma nova dogmática jurídica 48 BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da Cons tituição brasileira 4 ed 49 CLÈVE Clèmerson Merlin O direito e os direitos elementos para uma crítica do direito contemporâneo 50 CLÈVE Clèmerson Merlin A teoria constitucional e o direito alternativo para uma dogmática constitucional emancipatória In CLÈVE Clèmerson Merlin Uma vida dedicada ao direito homenagem a Carlos Henrique de Carvalho o editor dos juristas p 3454 51 WARAT Luis Alberto O outro lado da dogmática jurídica In ROCHA Leonel Severo Org Teoria do direito e do Estado 52 BARROSO Luís Roberto A efetividade das normas constitucionais por que não uma Constituição para valer In CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO 53 CRISAFULLI Vezio La Costituzione e le sue disposizioni di principio p 2783 54 SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 6 ed 55 Cf BARROSO Luís Roberto Commentarios à Constituição Federal brasileira p 488 et seq 56 Cf SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 6 ed BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas p 120 Vejase a propósito o Capítulo 9 57 Cf CLÈVE Clèmerson Merlin A teoria constitucional e o direito alternativo para uma dogmática consti tucional emancipatória In CLÈVE Clèmerson Merlin Uma vida dedicada ao direito homenagem a Carlos Henrique de Carvalho o editor dos juristas 58 Cf TRIEPEL Heinrick Derecho público y política p 33 et seq 59 Cabe ressalvar no entanto que o governo nazista operou no sentido da ruptura do próprio princípio da lega lidade Foi o que ocorreu por exemplo em razão do art 2º do Código Penal nazista que previa a possi bi lidade de que o magistrado apenasse não só o indivíduo que praticasse uma conduta tipificada mas também aquele cuja conduta atentasse contra o são sentimento do povo alemão Além disso o exercício do poder em contrariedade com o próprio direito vigente era também um elemento central do estado totalitário Esse aspecto é examinado em detalhe por ARENDT Hannah As origens do totalitarismo uma análise dialética do poder v 3 60 É exemplar neste sentido a conferência de Gustav Radbruch intitulada Cinco minutos de Filosofia do Direito proferida em 1945 logo após o final da guerra publicada em RADBRUCH Gustav Filosofia do direito p 415418 61 Cf STOLLEIS Michael The Law Under the Swastika Studies on Legal History in Nazi Germany 62 A alusão ao abandono do jusnaturalismo não implica negar que existem ainda hoje autores importantes que defendem a corrente como o jusfilósofo norteamericano John Finnis Apenas o jusnaturalismo não está incor porado ao mainstream da teoria jurídica contemporânea A mais importante sustentação contemporânea do jusnaturalismo encontrase em FINNIS John Natural Law and Natural Rights 63 Vejase a propósito CASAMIGLIA Albert Pospositivismo Doxa Cuadernos de Filosofia del Derecho n 21 p 209220 BARROSO Luís Roberto Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional bra sileiro pós modernidade teoria crítica e póspositivismo In BARROSO Luís Roberto Org A nova inter pretação constitucional ponderação direitos fundamentais e relações privadas p 148 MAIA Antonio Cavalcanti Nos vinte anos da Constituição Cidadã do póspositivismo ao neoconstitucionalismo In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 117168 64 Há diferentes positivismos jurídicos mas o que todos eles têm em comum é a afirmação de que Direito e Moral não apresentam uma conexão necessária Portanto não repugna à maior parte das correntes do positivismo o reconhecimento da possibilidade de que o Direito possa eventualmente incorporar um conteúdo moral quando por exemplo as normas ditadas pelas autoridades competentes tenham essa característica Para essas correntes a relação entre Direito e Moral não é de ligação nem de separação necessárias tratase de uma relação contingente Vejase a propósito SANTIAGO NINO Carlos Introducción al análisis del derecho p 3743 Sobre os diferentes positivismos jurídicos cf DIMOULIS Dimitri Positivismo jurídico introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídicopolítico 65 Sobre o neoconstitucionalismo cf CARBONELL Miguel Ed Neoconstitucionalismos BARROSO Luís Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito o triunfo tardio do direito constitucional do Brasil Revista de Direito Administrativo RDA n 240 p 142 SARMENTO Daniel O neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 113146 CARBONELL Miguel GARCÍA JARAMILLO Leonardo Org El canon neoconstitucional É possível todavia esboçar uma distinção entre as teorias do póspositivismo e do neoconstitucionalismo atinente à posição sobre o protagonismo judicial na esfera constitucional Os autores identificados como pilares da teoria neoconstitucionalista como Ronald Dworkin Robert Alexy e Gustavo Zagrebelsky defendem em geral esse arranjo institucional que fortalece significativamente o papel do Poder Judiciário no Estado contemporâneo É verdade que esses mesmos autores são também identificados como expoentes do póspositivismo Todavia há também entre os póspositivistas autores muito mais reticentes em relação ao protagonismo judicial como Jürgen Habermas Portanto nem todo defensor do póspositivismo é também um neoconstitucionalista 66 Cf PRIETO SANCHÍS Luís Justicia constitucional y derechos fundamentales p 107117 67 Cf SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 113148 68 Sobre a chamada filtragem constitucional do Direito veja SCHIER Paulo Ricardo Filtragem constitucional 69 Na verdade a reação contra o formalismo jurídico na Europa é bem anterior ao advento do constitucionalismo do segundo pósguerra remontando ao final do século XIX Vejase a propósito STAMATIS Constantin M Argumenter en droit une théorie critique de largumentation juridique p 3450 HESPANHA António Manuel Panorama histórico da cultura jurídica europeia p 196235 70 Sobre a ponderação vejase o Capítulo 12 71 Sobre o princípio da proporcionalidade vejase o Capítulo 11 72 Cf PERELMAN Chaïm Ética e direito p 361684 ALEXY Robert Teoria da argumentação jurídica MÜLLER Friedrich Discours de la Méthode Juridique ATIENZA Manuel Tras la justicia una introducción al derecho y al razonamiento jurídico MACCORMICK Neil Argumentação jurídica e teoria do direito GÜNTHER Klaus Teoria da argumentação no direito e na moral justificação e aplicação 73 Cf SHAPIRO Martin SWEET Alec Stone On Law Politics and Judicialization p 136208 74 Contudo devese admitir na linha de Paolo Comanducci que é possível reconhecer as mudanças em questão e propor novas teorias que sejam adequadas a elas sem defendêlas Esta seria nas palavras do autor italiano a diferença entre o neoconstitucionalismo teórico e o neoconstitucionalismo ideológico que não apenas constrói teorias mais compatíveis com os novos fenômenos mas vai além sustentando a sua legitimidade e propugnando pelo seu aprofundamento e expansão Vejase a propósito COMANDUCCI Paulo Formas de neoconstitucionalismo un análisis metateórico In CARBONELL Miguel Ed Neoconstitucionalismos p 7598 Como reconhece o próprio autor tal distinção baseiase em uma classificação semelhante acerca do positivismo formulada por Norberto Bobbio que fala em positivismo teórico ideológico e metodológico Cf BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito p 233239 75 Cf DWORKIN Ronald Is Law a System of Rules In DWORKIN Ronald Ed Philosophy of Law p 3865 ALEXY Robert Constitucionalismo discursivo 76 Cf ALEXY Robert Derecho y razón práctica AARNIO Aulis Lo racional como razonable 77 Cf BARAK Aharon The Judge in a Democracy p 213260 ZAGREBELSKY Gustavo Il diritto mite p 179217 78 Confrontese com perspectivas diferentes FERRAJOLI Luigi O Estado de direito entre passado e futuro In COSTA Pietro ZOLO Danilo Org Estado de direito história teoria crítica p 419464 DIAS Elias Estado de derecho y sociedad democrática DWORKIN Ronald Introduction the moral reading and the majoritarian premise In DWORKIN Ronald Freedoms Law the Moral Reading of the American Constitution p 138 ZAGREBELSKY Gustavo La crucifixión y la democracia e SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria consti tucional e democracia deliberativa 79 Cf MAIA Nos vinte anos da Constituição Cidadã In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 SOUZA NETO Cláudio Pereira de A teoria constitucional e seus lugares específicos notas sobre o aporte reconstrutivo Revista de Direito do Estado v 1 p 89104 SARMENTO Daniel Interpretação constitucional précompreensão e capa ci dades institucionais do intérprete In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 311322 80 Contudo não é razoável estender esta crítica ao ponto de negar o caráter democrático da atuação judicial Como ressaltou Eugenio Raúl Zaffaroni uma instituição não é democrática unicamente porque não pro venha de eleição popular porque nem tudo o que provém desta origem é necessariamente aristocrático Uma insti tuição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático quer dizer quando seja neces sária para a sua continuidade como ocorre com o judiciário Poder Judiciário crise acertos e desacertos p 43 81 Cf DAHL Robert Alan Sobre a democracia p 97113 HABERMAS Jürgen Popular Sovereignty as Procedure In BOHMAN James REHG William Ed Deliberative Democracy p 3566 82 BOBBIO Norberto Liberalismo e democracia p 17 83 DWORKIN Ronald Sovereign Virtue the Theory and Practice of Equality p 182 84 RAWLS John A Theory of Justice p 34 85 Cf SANTIAGO NINO Carlos Fundamentos del liberalismo igualitário In SANTIAGO NINO Carlos Derecho moral y politica II p 21 86 Cf LARMORE Charles The Morals of Modernity p 121127 CITTADINO Gisele Guimarães Pluralismo direito e justiça distributiva elementos de filosofia constitucional contemporânea p 7885 87 RAWLS John A Theory of Justice p 266 Outras formulações mais sintéticas podem ser encontradas às páginas 53 72 e 220 88 RAWLS John O liberalismo político p 157203 89 Cf DWORKIN Ronald Sovereign Virtue the Theory and Practice of Equality 90 Cf SEN Amartya The Idea of Justice 91 Sobre a visão de Rawls sobre a teoria constitucional veja MICHELMAN Frank Isaac Rawls on Cons ti tutionalism and Constitutional Law In FREEMAN Samuel Richard Ed The Cambridge Companion to Rawls p 394425 92 RAWLS John O liberalismo político p 187203 Dessa exigência da satisfação das condições básicas para fruição das liberdades temse extraído o argumento liberal em favor da proteção estatal do mínimo exis tencial Vejase a propósito TORRES Ricardo Lobo O direito ao mínimo existencial 93 Cf DWORKIN Ronald The Moral Reading and the Majoritarian Premise In DWORKIN Ronald Freedoms Law The Moral Reading of the American Constitution 94 Cf RAWLS John Liberalismo político p 272284 95 Vejase a propósito SARMENTO Daniel Org Interesses públicos versus interesses privados desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público 96 O Conselho Nacional de Justiça em 2007 denegou requerimento administrativo formulado para que fosse determinada a retirada dos crucifixos dos tribunais brasileiros Considerou o CNJ que se trata de uma tradição brasileira que não contraria a separação entre Estado e religião imposta pela Constituição Pedido de Providências nº 1344 Já o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu diferentemente acolhendo pedido de retirada de crucifixos nas suas dependências em decisão proferida no dia 632012 fundamentada no princípio da laicidade do Estado Para uma discussão do tema com a defesa da tese da inconstitucionalidade da presença dos crucifixos nos tribunais veja SARMENTO Daniel O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado In SARMENTO Daniel Por um constitucionalismo inclusivo histórica constitucional brasileira teoria da Constituição e direitos fundamentais p 161178 97 Tramita no STF a ADI nº 4439 proposta pela ProcuradoriaGeral da República em que se questiona a possibilidade de ensino religioso confessional e interconfessional nas escolas públicas É verdade que a Constituição prevê em seu art 210 1º que haverá ensino religioso de matrícula facultativa nas escolas públicas A tese da ação é de que a melhor interpretação desse dispositivo que o harmoniza com os princípios da laicidade do Estado e da igualdade é no sentido de que o ensino em questão tem de ser necessariamente não confessional as escolas públicas devem ensinar a história e as doutrinas das diversas religiões bem como as posições defendidas por ateus e agnósticos mas não podem tomar partido por nenhuma das ideias e correntes expostas O Estado também aqui deve observar o dever de neutralidade no campo religioso Para um denso estudo desta questão inspirado no liberalismo igualitário cf ALMEIDA Fábio Portela Lopes de Liberalismo político constitucionalismo e democracia a questão do ensino religioso nas escolas públicas 98 A expressão é de Michael Sandel e é empregada no título de artigo de sua lavra que constitui um dos mais importantes escritos comunitaristas The Procedural Republic and the Unencumbered Self In GOODIN Robert PETTIT Philip Ed Contemporary Political Philosophy p 246256 99 WALZER Michael The Communitarian Critique of Liberalism In WALZER Michael Politics and Passion Toward a More Egalitarian Liberalism p 146148 100 Cf TAYLOR Charles Propósitos entrelaçados o debate liberalcomunitário In TAYLOR Charles Argu mentos filosóficos p 220 101 CITTADINO Gisele Guimarães Pluralismo direito e justiça distributiva elementos de filosofia constitucional contemporânea p 8590 102 Vejase nesse sentido WALZER Michael Politics and Passion Toward a More Egalitarian Liberalism 103 Nessa linha vejase o texto canônico de Charles Taylor A política do reconhecimento In TAYLOR Charles et al Multiculturalismo examinando a política de reconhecimento p 45104 Ressaltese todavia que é pos sível elaborar teorias sobre a justiça como reconhecimento a partir de bases diversas do comunitarismo como é o caso da formulada por Nancy Fraser Vejase a propósito FRASER Nancy Redistribuição reco nhecimento e participação por uma concepção integral da justiça In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia Igualdade diferença e direitos humanos p 167190 104 Cf TAYLOR Charles A política do reconhecimento In TAYLOR Charles et al Multiculturalismo examinando a política de reconhecimento 105 Sobre as diversas linhas do multiculturalismo cf KYMLICKA Will Politics in the Vernacular Nationalism Multiculturalism and Citizenship 106 TAYLOR Charles A política do reconhecimento In TAYLOR Charles et al Multiculturalismo examinando a política de reconhecimento 107 Cf Prefeita do frevo quer acabar com o axé Istoé Gente 19 fev 2001 108 CITTADINO Gisele Guimarães Pluralismo direito e justiça distributiva p 1173 109 Confirase no particular o magistério de Nozick Indivíduos têm direitos E há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer com os indivíduos sem lhes violar os direitos Tão fortes e de tão alto alcance são esses direitos que colocam a questão do que o Estado e seus servidores podem se é que podem fazer Que espaço os direitos individuais deixam ao Estado Nossa principal conclusão sobre o Estado é que um Estado mínimo limitado a funções restritas de proteção contra a força o roubo a fraude de fiscalização do cumprimento de contratos e assim por diante justificase que o Estado mais amplo violará os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas e que não se justifica e que o Estado mínimo é tanto inspirador quanto certo Duas implicações dignas de nota são que o Estado não pode usar sua máquina coercitiva para obrigar certos cidadãos a ajudarem a outros ou para proibir atividades a pessoas que desejam realizálas para o seu próprio bem ou proteção Anarquia estado e utopia p 10 110 NOZICK Robert Anarquia Estado e utopia p 188 111 NOZICK Robert Anarquia Estado e utopia p 191192 112 HAYEK Friedrich August von Direito legislação e liberdade p 3637 113 HAYEK Friedrich August von Direito legislação e liberdade p 98 O autor entende o termo justiça social como a concepção segundo a qual a sociedade deveria considerarse ela própria responsável pela posição material de todos os membros cabendolhe assegurar que cada uma recebesse o que lhe era devido p 99 114 Cf HAYEK Friedrich August von The Road to Serfdom p 80 115 HAYEK Friedrich August von The Road to Serfdom p 82 116 HAYEK Friedrich August von The Road to Serfdom p 88 117 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de MENDONÇA José Vicente Santos de Fundamentalização e funda mentalismo na interpretação do princípio da livre iniciativa Revista LatinoAmericana de Estudos Consti tu cionais v 8 118 Cf MAIA Antônio Cavalcanti MENEZES Tarcísio Republicanismo contemporâneo Constituição e política In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea Sobre a pluralidade de teorias republicanistas veja também PINZANI Alesssandro Republicanismos democracia poder Veritas v 52 n 1 PINTO Ricardo Leite Uma introdução ao neorepublicanismo Análise Social v 36 119 Cf entre outros textos SKINNER Quentin The Republican Ideal of Political Liberty In BOCK G SKINNER Q VIROLI M Ed Machiavelli and Republicanism PETTIT Philip Republicanism a Theory of Freedom and Government VIROLI Maurizio Republicanism MICHELMAN Frank Isaac Laws Republic Yale Law Journal v 97 n 8 p 14931537 SUNSTEIN Cass R Beyond the Republican Revival Yale Law Jounal v 97 n 8 120 Entre nós cf também AGRA Walber de Moura Estado e Constituição republicanismo Porto SILVA Ricardo Liberdade e lei no neorepublicanismo de Skinner e Pettit Lua Nova Revista de Cultura e Política n 74 121 Sobre a reabilitação do conceito de virtudes operada pelo republicanismo cf COMPARATO Fábio Konder Re descobrindo o espírito republicano Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul v 32 n 100 p 119 et seq CUNHA Paulo Ferreira da Da Constituição antiga à Constituição moderna república e virtude Revista Brasileira de Estudos Constitucionais v 2 n 5 122 FORST Rainer The Rule of Reasons Three Models of Deliberative Democracy Ratio Juris v 14 n 4 p 349 356 e 366 123 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Construindo o Estado Republicano democracia e reforma da gestão pública p 165 124 Cf BENHABIB Seyla Models of Public Space Hannah Arendt the Liberal Tradition and Jürgen Habermas In CALHOUN Graig Org Habermas and the Public Sphere FORST Rainer The Rule of Reasons Three Models of Deliberative Democracy Ratio Juris v 14 n 4 p 350 358359 e 370 125 Sobre as diferenças entre o comunitarismo e o republicanismo vejase GARGARELLA Roberto Las teorías de la justicia después de Rawls p 181186 126 Segundo Berlin não há nenhuma ligação necessária entre a liberdade individual e a regra democrática A resposta à pergunta Quem me governa é logicamente distinta da que seria dada à pergunta Até que ponto o governo interfere na minha vida É nessa diferença que reside afinal o grande contraste entre os dois conceitos de liberdade positiva e negativa Dois conceitos de liberdade In BERLIN Isaiah Estudos sobre a humanidade uma antologia de ensaios p 236 127 Cf MELO Marcus André Republicanismo liberalismo e racionalidade Lua Nova Revista de Cultura e Política n 5556 128 Cf VIROLI Maurizio Republicanism p 4555 129 ROUSSEAU JeanJacques Do contrato social p 67 130 ADC nº 12 Rel Min Celso Mello Julg 1522007 DJe 17 dez 2009 131 ADI nº 3853 Rel Min Cármen Lúcia Julg 1292007 DJe 26 out 2007 132 Inq nº 1376Agr Rel Min Celso Mello Julg 15122007 DJ 16 mar 2007 133 SS nº 3902AgR Rel Min Ayres Britto Julg 962011 134 Vejase por exemplo como obras representativas de cada uma das posições nesta questão CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Jurisdição constitucional democrática procedimentalismo e STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica substancialismo 135 Neste sentido vejase o texto crítico do procedimentalista John Hart Ely à decisão da Suprema Corte norteamericana no caso Roe v Wade 1973 que reconheceu o direito das mulheres à realização do aborto The Wages of the Crying Wolf a Comment on Roe v Wade Yale Law Journal v 82 n 5 p 920949 136 Cf DWORKIN Ronald Domínio da vida aborto eutanásia e liberdades individuais p 41250 137 ADPF nº 187 Rel Min Celso Mello Julg 1562011 ADI nº 4274 Rel Min Carlos Britto Julg 23112011 138 RE nº 635659SP Rel Min Luiz Fux Repercussão geral reconhecida pelo STF 139 ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review 140 ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review p 4372 141 ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review p 101104 142 ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review p 105134 135179 143 Cf HABERMAS Jürgen O Estado Democrático de Direito uma amarração paradoxal de princípios constraditórios In HABERMAS Jürgen A era das transições 144 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 116 et seq 145 Sobre a ideia de democracia deliberativa vejase ELSTER Jon Comp La democracia deliberativa Para uma análise das implicações da adoção de uma teoria deliberativa de democracia no campo constitucional cf SANTIAGO NINO Carlos La Constitución de la democracia deliberativa SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa 146 HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 122 HABERMAS Jürgen Paradigms of Law In ROSENFELD Michel ARATO Andrew Ed Habermas on Law and Democracy Critical Exchanges p 13 25 147 HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 159160 148 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 297 et seq SOUZA NETO Cláudio Pereira de Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática p 301 et seq BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição constitucional brasileira legitimidade democrática e instrumentos de realização p 93 et seq 149 A teoria democráticodeliberativa logra assim reconciliar direitos fundamentais e democracia ou em outros termos autonomia privada e autonomia pública Esse aspecto da democracia deliberativa é especialmente enfatizado por HABERMAS Jürgen Três modelos normativos de democracia Lua Nova Revista de Cultura e Política n 36 HABERMAS Jürgen Soberania popular como procedimento Novos Estudos CEBRAP n 26 BENHABIB Seyla Models of Public Space Hannah Arendt the Liberal Tradition and Jürgen Habermas In CALHOUN Graig Org Habermas and the Public Sphere 150 HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 326 151 Cf CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Habermas e o direito brasileiro GALLUPO Marcelo Campos Igualdade e diferença Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas p 203 et seq NASCIMENTO Rogério José Bento Soares do A ética do discurso como justificação dos direitos fundamentais na obra de Jürgen Habermas In TORRES Ricardo Lobo Org Legitimação dos direitos humanos e FERNADES Bernardo Gonçalves PEDRON Flávio Quinaud O poder judiciário em crise reflexões de teoria da constituição e teoria geral do processo sobre o acesso à Justiça e as recentes reformas do poder judiciário à luz de Ronald Dworkin Klaus Günther e Jürgen Habermas Bernardo Gonçalves 152 Nesse sentido cf TRIBE Laurence H The Pointless Flight from Substance In TRIBE Laurence H Cons ti tutional Choices p 920 153 WALDRON Jeremy A essência da oposição ao judicial review In BIGONHA Antonio Carlos Alpino MOREIRA Luiz Org Legitimidade da jurisdição constitucional p 1764 154 TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p XXI 155 TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p 187 156 TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p 154 157 TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p 158 158 TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts p 162163 159 TUSHNET Mark V Weak Courts STRONG rights Judicial Review and Social Welfare Rights in Comparative Constitutional Law 160 KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review p 250 161 KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review p 242 162 KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review p 249 163 KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review p 253 164 Vejase na Alemanha MAUS Ingeborg O judiciário como superego da sociedade 165 Cf LIMA Martonio MontAlverne Barreto Jurisdição constitucional um problema da teoria da democracia política In SOUZA NETO Cláudio Pereira de et al Teoria da Constituição estudos sobre o lugar da política no direito constitucional 166 BERCOVICI Gilberto Soberania e Constituição para uma crítica do constitucionalismo p 322326 167 MOREIRA Luiz A Constituição como simulacro 168 Cf POGREBINSCHI Thamy Pragmatismo teoria social e política p 2662 169 RORTY Richard Verdade sem correspondência com a realidade In MAGRO Cristina PEREIRA Antônio Marcos Org Pragmatismo a filosofia da criação e da mudança p 27 170 Sobre o tema cf vg GREY Thomas Freestanding Legal Pragmatism In DICKSTEIN Morris Ed The Revival of Pragmatism RORTY Richard Pragmatism and Law a Response to David Luban In DICKSTEIN Morris Ed The Revival of Pragmatism ARGUELHES Diego Werneck LEAL Fernando Pragmatismo como meta teoria normativa da decisão judicial caracterização estratégias e implicações In SARMENTO Daniel Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 176181 171 Vejase a propósito POSNER Richard A Law Pragmatism and Democracy POSNER Richard A Um ma nifesto pragmático In POSNER Richard A Problemas de filosofia do direito p 607627 172 Cf POSNER Richard A A economia da justiça 173 Essa e outras ideias do pragmatismo são objeto de ácida crítica de Ronald Dworkin Laws Empire p 151175 Para Dworkin o respeito às normas e precedentes decorre de um dever judicial de integridade e não de um mero cálculo de utilidade social 174 POSNER Richard A Law Pragmatism And democracy p 59 175 GREY Thomas What is good in Legal Pragmatism In BRINT M WEAVER W Ed Pragmatism in Law and Society p 10 176 No mesmo sentido ARGUELHES Diego Werneck LEAL Fernando Pragmatismo como meta teoria normativa da decisão judicial caracterização estratégias e implicações In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea 177 ADI nº 4029 Rel Min Luiz Fux Julg 832012 nova proclamação de resultado em 932012 O vício consistia na inobservância do disposto no art 62 9º da Constituição que determina que uma comissão mista de deputados e senadores emita parecer sobre a medida provisória antes da apreciação da mesma no plenário de cada casa legislativa Uma resolução do Congresso Nacional até então em vigor permitia que a medida provisória fosse apreciada sem o referido parecer acompanhada apenas de manifestação do seu relator 178 Cf matéria do jornal O Globo 10 mar 2012 179 Cf ROUANET Sérgio Paulo MalEstar na modernidade p 1 et seq 180 Cf KAUFMANN Arthur La filosofía del derecho en la posmodernidad p 7 181 Vejase a propósito DENNINGER Erhard Racionalidad tecnológica responsabilidad ética y derecho posmoderno In PEREZ LUÑO Antonio Enrique Coord Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio p 5370 GIDDENS Anthony O mundo em descontrole p 3145 182 Cf BECK Ulrich La sociedad del riesgo 183 Cf SANTOS Boaventura de Sousa Introdução a uma ciência pósmoderna 184 Cf FOUCAULT Michel Les mots e les choses une archéologie des sciences humaines 185 Cf RORTY Richard Objetivismo relatividade e verdade 186 Vejase a propósito JAMESON Fredric The Politics of Theory Ideological Positions in the Postmodernism Debate In JAMESON Fredric The Ideologies of Theory Essays 19711986 187 DOUZINAS Costa WARRINGTON Ronnie MCVEIGH Shaun Postmodern Jurisprudence p 15 188 LYOTARD JeanFrançois La condition postmoderne rapport sur le savoir 189 Cf EAGLETON Terry Deconstruction and Human Rights In JOHNSON Barbara Ed Freedom and Interpretation the Oxford Amnesty Lectures Há porém tentativas de conciliação entre os direitos humanos e o pensamento pós moderno como se observa em SANTOS Boaventura de Souza Uma Concepção Multicultural dos Direitos Humanos Lua Nova Revista de Cultura e Política n 39 190 FARIA José Eduardo Estado sociedade e direito In FARIA José Eduardo KUNTZ Rolf Qual o futuro dos direitos Estado mercado e justiça na reestruturação capitalista p 59123 191 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Estado pósmoderno e Constituição sem sujeito In CANOTILHO José Joaquim Gomes Brancosos e interconstitucionalidade itinerários e discursos sobre a historicidade cons titucional p 131 162 192 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituição p 1235 Ressaltese que Canotilho descreve essa visão pósmoderna de Constituição mas não a endossa Pelo contrário o jurista português ressalta A nosso ver a reflexidade pósmoderna não elimina a compreensão racional da moder nidade constitucional A consciência projectante dos homens e a força conformadora do direito permanecem como bac kground filosóficopolítico do constitucionalismo moderno A constituição de um estado de direito democrático terá de continuar a propor uma melhor organização da relação homemmundo e das relações intersubjetivas entre e com homens segundo um projecto quadro de estruturas básicas de justiça Concordamos integralmente com ele 193 No mesmo sentido STRECK Lenio Luiz Hermenêutica jurídica em crise p 2135 194 Sobre a relevância da ideia de reconstrução para a teoria constitucional vejase SOUZA NETO Cláudio Pereira de A teoria constitucional e seus lugares específicos notas sobre o aporte reconstrutivo Revista de Direito do Estado v 1 p 89104 195 Na filosofia do direito brasileiro a articulação entre três dimensões do fenômeno jurídico fato norma e valor foi exposta em obra clássica de Miguel Reale Teoria tridimensional do direito 196 Uma das possibilidades para densificação desses elementos consiste na identificação das condições que tornam possível a cooperação social entre as pessoas por um longo espaço de tempo em uma sociedade plural e democrática Para que isso possa ocorrer é preciso que existam termos justos para a cooperação social Vejase a propósito SOUZA NETO Cláudio Pereira de Deliberação democrática constitucionalismo e cooperação democrática In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 79112 197 Cf ARISTOTLE Politics In ARISTOTLE The works of Aristotle p 445548 Sobre o organicismo vejase ZIPPELIUS Reinhold Teoria geral do Estado p 35 et seq 198 Vejase a propósito SARMENTO Daniel Interesses públicos versus interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 3393 199 Caso Mephisto 4 BVerfGE 7 1954 200 Caso da Prisão Perpétua 45 BVerfGE 187 1977 201 Uma boa síntese dos argumentos de cada lado desta contenda se encontra em WALUCHOW W J The Common Law Theory of Judicial Review p 74179 202 Como destacou Maurizio Fioravanti uma Constituição livre da política pode corresponder a uma política livre da Constituição Costituzione e popolo sovrano la costituzione italiana nella storia del costituzionalismo moderno p 20 Em outras palavras uma cultura jurídica que atribui apenas aos tribunais a função de promoção e proteção da Constituição acaba desonerando os atores políticos do dever de se guiarem pelos princípios constitucionais CAPÍTULO 6 O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 61 Introdução Um dos conceitos centrais do Direito Constitucional é o de poder constituinte Tratase do poder de criar a Constituição e de fundar ou refundar o Estado e a ordem jurídica A expressão poder constituinte é também empregada para designar o poder de modificar a Constituição bem como o de elaborar nos Estados federais as constituições estaduais Estes últimos são tidos como expressão do chamado poder constituinte derivado que se subdivide respectivamente em poder de reforma da Constituição e poder constituinte decorrente Contudo a rigor só é propriamente constituinte o poder de criar a Constituição É o chamado poder constituinte originário Os demais acima mencionados são na verdade poderes constituídos eis que instituídos e limitados pelo poder constituinte Não obstante o uso consagrou a expressão poder constituinte para tratar destas modalidades do exercício do poder constituído Ao longo deste livro quando aludirmos ao poder constituinte sem qualificações estaremos sempre nos referindo ao poder constituinte originário Não evitaremos o uso da expressão poder constituinte para referir ao poder de reforma da Constituição ou ao de elaboração das constituições estaduais mas sempre que o fizermos a locução será qualificada poder constituinte reformador poder constituinte decorrente etc Como se verá abaixo o tema do poder constituinte originário situase nos confins do Direito Como a Constituição se localiza no escalão superior do ordenamento positivo os debates sobre as características do poder constituinte seus possíveis limites e condicionamentos não tem como ser enfrentado apenas com base na dogmática jurídica No presente capítulo pretendemos apresentar a teoria tradicional do poder constituinte apontando as suas raízes históricas e fundamentos mas também é nossa intenção esboçar algumas críticas a esta teoria sugerindo novas compreensões sobre o tema 62 Poder constituinte elementos da história do conceito O poder constituinte cria a Constituição para estruturar o Estado e organizar limitar e dirigir o exercício do poder político Ele institui os poderes constituídos o Executivo o Legislativo e o Judiciário nos sistemas em que vigora a tripartição de poderes Se os poderes constituídos são criados pelo constituinte eles devem se limitar pelo que o mesmo estabelece Esse é um dos principais argumentos para sustentar a hierarquia superior que a Constituição ocupa na ordem jurídica Na gênese do constitucionalismo moderno a justificação da supremacia constitucional não dependia da evocação de uma vontade soberana superior A própria ideia de Constituição se vinculava à limitação do poder do monarca absoluto o Estado constitucional era aquele em que o poder se exercia moderadamente Ainda não fazia sentido editar uma Constituição como mecanismo de afirmação do poder Não por outra razão as constituições embrionárias declaravam solenemente direitos naturais A validade destes direitos porém independia de terem sido reconhecidos pelo Estado e positivados em documentos escritos1 Os direitos naturais se apresentavam como critérios para a aferição da legitimidade do exercício do poder político fixando esferas de liberdade individual dentro das quais o Estado não poderia penetrar Quando o poder se exercesse contra esses direitos justificarseia a própria desobediência civil2 Com a positivação dos direitos naturais a supremacia material que os caracterizava se transferia para os documentos que os reconheciam A Constituição era concebida como produto da razão e sua supremacia não dependia de ter emanado de uma decisão soberana3 A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 1776 traduz em sua Seção I o que se acaba de relatar Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos dos quais quando entram em estado de sociedade não podem por qualquer acordo privar ou despojar sua posteridade e que são o gozo da vida e da liber dade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter feli cidade e segurança A noção de poder constituinte de um poder capaz de criar a Constituição é elaboração da teoria constitucional francesa e norteamericana do período revolucionário do século XVIII Embora a revolução liberal tenha ocorrido na Inglaterra no século anterior a ideia de poder constituinte lá não se desenvolveu e o constitucionalismo acabou se fundando em outras bases que conjugavam liberalismo com respeito às tradições políticas4 Foi Emmanuel Sieyès nos momentos preliminares da Revolução Francesa quem formulou a versão mais conhecida do conceito de poder constituinte traçando contornos que até hoje com pequenas modificações representam a ortodoxia no assunto5 Em fevereiro de 1789 o abade6 publicou a 1ª edição do opúsculo O que é o Terceiro Estado em que o conceito foi formulado O livro foi escrito no contexto da convocação por Luís XVI dos Estados Gerais órgão deliberativo que não se reunia havia duzentos anos Os Estados Gerais compunhamse de três estados o primeiro reunia representantes da nobreza o segundo do clero o terceiro dos comuns aqueles que não possuíam privilégios legais Os votos nos Estados Gerais eram tomados por Estado Assim os comuns do Terceiro Estado embora com pu sessem a absoluta maioria da população eram sempre derrotados em razão da aliança entre a nobreza e o clero Com o intuito de superar a condição de subordinação em que os comuns se encontravam logo após a instalação dos Estados Gerais em 17 de junho de 1789 o Terceiro Estado se auto declarou Assembleia Nacional Constituinte A proposta constava do texto de Sieyès 7 Ao final de seus trabalhos a Assembleia Nacional pro mulgaria a Constituição de 1791 a primeira da França Em seu preâmbulo declarava se o objetivo de abolir as instituições que feriam a liberdade e a igualdade dos direitos para que não existisse privilégio algum nem exceção ao direito comum de todos os franceses Com a formulação do conceito de poder constituinte por Sieyès conferiase uma nova justificativa à supremacia constitucional O poder constituinte estruturaria o exercício do poder político determinado os termos em que as autoridades públicas inclusive os legisladores poderiam licitamente atuar Tal poder que pertencia à Nação além de criar os poderes constituídos fixava lhes limites nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação8 A representação ordinária exercida fora dos limites impostos pelo constituinte tornavase ilegítima9 A Constituição também seria elaborada por representantes mas representantes extraordinários uma grande nação não pode se reunir todas as vezes que circunstâncias fora da ordem comum exigem10 Mas enquanto a deliberação dos representantes extraordinários era limitada apenas pelo Direito Natural cabendolhes declarar os desígnios da nação a dos representantes ordinários deveria se circunscrever ao que o poder constituinte determinasse Em suas linhas gerais até hoje esses conceitos são muito influentes fixando as bases sobre as quais se desenvolveu a teoria constitucional moderna Promulgada a Constituição francesa de 1791 a Assembleia Constituinte se dissolveu sendo sucedida como previsto por uma Assembleia Legislativa Na Cons tituição o conceito de poder constituinte tal como formulado por Sieyès foi claramente recepcionado Em seu Título III a Constituição declarava que a soberania era una indivisível inalienável e imprescritível art 1 e que a Nação era a fonte única da qual emanavam todos os poderes art 2 Mas como a nação não podia exercêlos senão por delegação a Constituição francesa era representativa os representantes eram os Corpos legislativos e o Rei art 2 A Constituição estabelecia uma monarquia constitucional o parlamento e o monarca limitavamse pela decisão soberana do constituinte Apesar da curta vigência do texto constitucional de 1791 que rapidamente sucumbiu aos acontecimentos que se sucederam à sua promulgação alguns de seus conceitos seriam incorporados definitivamente à história das ideias constitucionais e serviriam de referência para outros processos constituintes que posteriormente eclodiriam na França e em outros países Usando outro vocabulário a teoria política norteamericana do século XVIII também concebeu a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos E desenvolveu a partir desta distinção um novo arranjo institucional o controle jurisdicional de constitucionalidade judicial review que ensejou a afirmação não apenas política mas também jurídica da supremacia das normas constitucionais em face da legislação ordinária decorrente da proveniência popular das primeiras Em O Federalista obraprima do pensamento político norteamericano11 redigida um pouco antes do livro de Sieyès esta distinção foi explorada em diversas passagens embora com outra terminologia Assim ocorreu quando se pretendeu fundar o poder político na soberania popular O edifício do império americano deve se fundar na sólida base do consentimento do povo As correntes do poder nacional devem fluir imediatamente desta fonte pura e original de toda autoridade legítima O Federalista n 22 E também quando se destacou que o povo americano podia romper com a ordem jurídica anterior estabelecida nos Artigos da Confederação de 1781 fazendo uma nova Constituição sem seguir os procedimentos lá definidos Em todas as grandes mudanças nos governos estabelecidos as formas cederam lugar à substância uma rígida aderência nesses casos às primeiras tornaria apenas nominal o direito transcendente e precioso do povo de abolir ou alterar o seu governo O Federalista n 40 E mais ainda quando se afirmou a supremacia da Constituição sobre as leis Não há posição fundada em princípios tão claros como aquela de que cada ato de uma autoridade delegada contrário ao teor da delegação é nulo Nenhum ato legislativo portanto contrário à Constituição pode ser válido Negar isso seria afirmar que o servo está acima do seu senhor que os representantes do povo estão acima do próprio povo O Federalista n 78 Apesar da experiência constitucional norteamericana ter sido mais bem sucedida do que a francesa e de ter contemplado um arranjo institucional mais adequado para a afirmação da supremacia do poder constituinte em face dos poderes constituídos foram os conceitos franceses forjados por Sieyès que se tornaram a principal referência teórica na discussão da matéria No século XX as constituições que antes se restringiam a organizar o exercício do poder político e a positivar liberdades básicas passam a dispor sobre variadas matérias Simultaneamente há o avanço das concepções positivistas na Ciência do Direito que negam a premissa até então formulada em termos jusnaturalistas segundo a qual as normas jurídicas podem ser racionalmente justificadas12 Com isso o que passou a definir a natureza constitucional de uma norma foi o seu pertencimento ao texto não mais o fato de possuir determinado conteúdo especialmente valorado13 Nesse cenário a supremacia constitucional cada vez mais dependia da noção de poder constituinte afastandose das justificações materiais relativas ao conteúdo constitucional que de início predominavam A tendência contemporânea é de resgate da justificação das normas constitucionais nada obstante isso se dê sem desabilitar a importância do poder constituinte que como hoje se entende deve ser democrático 63 A titularidade do poder constituinte O debate sobre a titularidade do poder constituinte se entrelaça com outro mais antigo sobre a titularidade da soberania A ideia de soberania foi forjada na Europa do século XVI por Jean Bodin14 no contexto de formação dos Estados nacionais para justificar o absolutismo Era essencial naquele quadro afirmar a ausência de subordinação do monarca à Igreja e sustentar o seu poder incontrastável sobre os nobres antigos senhores feudais e outros corpos intermediários como as cidades e as corporações de ofício O titular da soberania era o rei visto como aquele que dita as normas jurídicas mas não está submetido a elas Nos séculos seguintes o advento do constitucionalismo liberal entrou em tensão com a ideia de soberania Afinal se o constitucionalismo é a limitação jurídica do poder como conciliálo com a afirmação de um poder ilimitado A teoria do poder constituinte foi um dos artifícios empregados para o equacionamento desta tensão Na nova compreensão a soberania é exercida por meio da elaboração da Constituição que limita os poderes estatais Ditada a Constituição a soberania interna entra numa fase de latência permanecendo o Estado juridicamente limitado pelo dever de observar as normas constitucionais que não só organizam o exercício do poder político como também enunciam direitos para os indivíduos Nesse novo cenário discutese quem é o titular do poder constituinte Na teoria constitucional surgiram dois principais candidatos ao posto a Nação e o povo Não seria mais possível atribuir esta qualidade ao monarca que quando mantido era apenas mais um órgão do Estado com os poderes definidos pela Constituição e não o seu senhor Porém os conservadores defensores das prerrogativas reais ainda tentaram conceber o monarca como um cotitular da soberania e do poder constituinte15 A Constituição nessa perspectiva seria uma espécie de pacto entre o rei e a Nação Essa concepção pactista da Constituição que se difundiu na Europa após a derrota de Napoleão reverberou no Brasil no contexto da independência e da outorga de nossa primeira Carta em 1824 Mas dita teoria não teve fôlego perecendo ainda no século XIX com a consolidação do constitucionalismo Restaram portanto as duas principais teorias sobre a titularidade do poder constituinte que o conferem ao a povo ou à b nação16 Atribuíla ao povo ou à nação implica aderir a diferentes teses sobre a titularidade da própria soberania já que o ato constituinte é uma manifestação do poder soberano17 Subjacente a esse debate está o problema da legitimidade do poder constituinte que é um dos elementos centrais embora não o único para se aferir a legitimidade da própria Constituição a A soberania popular concebida classicamente por Rousseau se traduz como a autonomia pública que tem lugar quando as normas jurídicas são elaboradas por seus próprios destinatários18 Na vida privada as pessoas são livres quando obedecem à sua própria consciência quando cumprem as normas que prescrevem a si mesmas Entretanto a liberdade irrestrita de realização dos interesses particulares levaria ao conflito de todos contra todos ao estado de guerra imaginado por alguns contratualistas19 O desafio apresentado aos teóricos da política moderna era formular um modelo de sociedade que garantisse ao mesmo tempo e na maior medida possível a liberdade e a segurança A resposta democrática de Rousseau para a questão consistia em converter os súditos em soberanos o que ocorreria quando os que aprovassem as leis fossem os mesmos a obedecêlas20 Se a vontade inscrita na lei é a do próprio cidadão este não obedece senão a sua própria vontade e a obediência à lei que se estatui a si mesmo é liberdade21 Por meio da participação popular no processo de elaboração das leis realizase o ideal democrático de liberdade política cada um unindose a todos só obedecesse a si mesmo22 A autonomia quando referida ao direito estatal se traduz na soberania popular Para essa perspectiva o povo é o soberano é o titular do poder constituinte Tratase da teoria enunciada por exemplo no preâmbulo da Constituição norteamericana Nós o povo dos Estados Unidos promulgamos e estabelecemos esta Constituição A teoria da soberania popular é inclusiva Todos os indivíduos vinculados ao Estado constituem o seu povo Na sua compreensão contemporânea ela não abre espaço para exclusões fundadas em critérios econômicos étnicos religiosos de gênero culturais ou de qualquer outra natureza A ideia de povo deve ser concebida em termos plurais desvinculada inclusive de exigências relativas ao compartilhamento de um passado ou de uma cultura comuns Muitas das sociedades contemporâneas são extremamente heterogêneas e o conceito de povo numa democracia constitucional deve abarcar a todos não podendo ser empregado para excluir os portadores das identidades não hegemônicas b A teoria da soberania nacional é em sua origem proposta como alternativa menos radical à teoria da soberania popular Sua formulação tradicional se deve a Sieyès para quem a Nação é um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura23 À nação pertence o poder soberano que se expressa no momento de elaboração da Constituição só a nação tem direito de fazêla24 No art 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão a ideia é recepcionada O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação Por isso nenhuma corporação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente É deste último aspecto do conceito de nação que se extraem as consequências práticas mais importantes para a aferição da titularidade do poder constituinte a nação é uma unidade orgânica permanente25 não se confundindo com o conjunto de indivíduos que a compõem em determinado momento da vida nacional A ênfase na unidade e na permanência como elementos da nação seria recepcionada pela Assembleia Constituinte francesa de 1791 permitindo que esta despojasse o poder constituinte das exigências de participação do povo inerentes à soberania popular Não por acaso essa versão da teoria também foi adotada no Brasil na Constituição Imperial de 1824 segundo a qual os Representantes da Nação Brasileira eram o Imperador e a Assembleia Geral art 11 e todos estes Poderes no Império do Brasil eram delegações da Nação art 1226 Por conta dessa distinção entre a nação em sua unidade orgânica e a mera associação de indivíduos participar da representação da vontade nacional ao invés de ser um direito do cidadão se convertia num atributo conferido a quem a nação desejasse Ao contrário de veículo de expressão da soberania popular a representação figuraria como imputação de um poderdever pela nação27 Ainda que se conteste essa interpretação do conceito de nação é certo que a ênfase na repre sentação proposta por Sieyès adotava o pressuposto de que o povo não tinha como participar permanentemente da tomada de decisões públicas ao contrário do que pensava Rousseau28 A teoria da soberania nacional reduzia por isso o potencial insurgente da ideia de que a soberania não era atributo da monarca mas do povo além de não estar ao contrário da teoria da soberania popular inerentemente vinculada ao princípio da igualdade política Pelo contrário historicamente ela se prestou à legitimação do voto censitário A teoria comporta inclusive a possibilidade de a nação indicar reis como representantes como fizeram os constituintes de 1791 na França e de 1824 no Brasil ao lhes outorgar tal poder que deveria ser exercido em ambos os casos em conjunto com assembleias eleitas Mas mesmo este espaço parlamentar de participação era restringido a Constituição francesa de 1791 distinguia entre cidadania ativa e cidadania passiva Cap I Seção II e conferia apenas aos cidadãos ativos homens proprietários direitos políticos os demais apesar de comporem a comunidade nacional não poderiam votar ou ser eleitos O mesmo ocorria na Constituição de 1824 que também estabelecia critérios censitários para conferir direitos políticos arts 90 a 97 A questão da titularidade do poder constituinte se relaciona com a legitimidade política de sua manifestação Democratas entendem que a Constituição é legítima em sua origem quando corresponde à vontade popular e quando é promulgada pelos representantes do povo Há contudo quem sustente que o problema não é de legitimidade mas de eficácia ou seja de possibilidade concreta de exercício do poder Carl Schmitt cuja teoria constitucional é representativa desse ponto de vista sustenta que o poder constituinte é poder político existencial soberano é quem de fato toma a decisão soberana é quem decide soberanamente29 O importante é que a decisão ponha fim ao conflito político instaurando a ordem social Pode ocorrer que no momento constituinte não haja uma força política capaz de se impor integralmente às demais A Constituição tende a consistir então em um compromisso entre as forças políticas dominantes é a Constituição compromissória30 É o que teria acontecido na constituinte de Weimar para a qual o conceito foi cunhado31 Esse tipo de compromisso se caracterizaria no entanto não por um consenso forjado racionalmente mas por uma composição de vontades conflitantes cuja estabilidade só se sustentaria enquanto perdurasse o equilíbrio de forças32 Na teoria constitucional contemporânea é praticamente unânime o entendimento de que é o povo o titular do poder constituinte Todavia infelizmente não é incomum a invocação farsesca do povo nos textos constitucionais sem que tenha ocorrido a sua efetiva participação no processo constituinte Constituições elaboradas de maneira não democrática e de conteúdo autoritário invocam o povo como se essa mera alusão bastasse para legitimar a origem viciada do documento Porém é fora de dúvida que mais importante do que proclamar o povo como titular do poder constituinte é que efetivamente se abram os espaços para a participação popular na elaboração da Constituição É muito mais nisso do que nas abstrações e mistificações sobre a titularidade do poder constituinte que está a diferença entre o constitucionalismo democrático e o autoritário O poder constituinte do povo não pode ser concebido como categoria metafísica desencarnada da realidade ele não se manifesta por meio de uma decisão política fundamental tomada como por quem decreta o fiat lux num momento estanque da vida do Estado O poder constituinte popular para ser levado a sério deve ser perquirido em sua manifestação histórica concreta O processo constituinte será democrático apenas quando de fato o povo for seu o protagonista33 A democracia demanda que o povo possa efetivamente entrar em cena como destinatário e agente de controle e de responsabilidade34 no exercício do poder político No Brasil como visto anteriormente a Assembleia Constituinte de 198788 foi especialmente democrática e resultou de um genuíno movimento popular em prol de fundação de uma nova ordem política no país Ademais o texto constitucional proclama a democracia e enuncia claramente o princípio da soberania popular ao enunciar no seu art 1º Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente O preceito é importante para afastar incorporações autoritárias dos conceitos ora examinados como a que teve lugar na vigência da Constituição anterior que proclamou que a soberania embora emanasse do povo seria exercida não por ele mas em seu nome35 O art 1º da Constituição de 1988 produz ainda a importante consequência de situar o princípio democrático no centro do sistema constitucional impondose a permanente reconstrução democrática das normas constitucionais Não há dúvida portanto que a nossa Constituição se filia à concepção da titularidade popular do poder constituinte 64 Características do poder constituinte originário inicial ilimitado indivisível incondicionado e permanente Em sua formulação tradicional que tem em Sieyès a sua referência primeira o poder constituinte é dotado de certos atributos que o diferenciam dos poderes constituídos Tratarseia de poder 1 inicial 2 ilimitado 3 incondicionado 4 in divisível e 5 permanente Sieyès por meio dessa concepção secularizou ideias claramente teológicas O poder constituinte teria para o Direito características similares àquelas atribuídas ao poder divino36 Até hoje a doutrina majoritária ao tratar do poder constituinte originário replica estes ensinamentos 641 Um poder inicial O poder constituinte é concebido como inicial porque funda a ordem jurídica e institui o Estado rompendo com o passado Como sustenta Sieyès a nação existe antes de tudo ela é a origem de tudo37 Daí porque o poder constituinte como expressão da vontade nacional é concebido como a origem de toda a legalidade38 Para Sieyès a afirmação da inicialidade do poder constituinte era essencial pois com isso se legitimava a ruptura com a ordem do Antigo Regime E num cenário de verdadeira ruptura como foi o da Revolução Francesa a ideia de poder constituinte inicial não parecia artificial Esse argumento político se traduz em termos normativos na hierarquização das normas que compõem o ordenamento jurídico39 O direito se estrutura como um sistema hierarquizado em que a norma inferior retira seu fundamento de validade da norma superior Como o poder constituinte é inicial a Constituição ocupa o ápice da ordem jurídica40 Ela funda o ordenamento jurídico mas não tem fundamento de validade em qualquer outra norma positiva A ideia de que o poder constituinte é inicial não é portanto cronológica mas estruturante É por isso que aprovada a Constituição nova as normas infraconstitucionais com ela compatíveis são recepcionadas recebendo um novo fundamento de validade41 Apesar de logicamente coerente esta ideia de inicialidade não deve se apoiar numa concepção mitológica do poder constituinte Em primeiro lugar porque como se verá abaixo quase nunca o poder constituinte é deflagrado num cenário de ruptura tão radical como o da Revolução Francesa Algumas vezes ele é o coroamento de uma transição pacífica como ocorreu no Brasil de 8788 e não o produto de uma revolução vitoriosa E mesmo quando o constituinte assume um papel fundacional é insustentável definir sua decisão como uma creatio ex nihilo como um decisão que nasce do nada42 A Constituição congrega elementos do presente do passado e do futuro Por um lado é o resultado de um processo histórico que se reporta às tradições políticas que dão um sentido de adequação e pertinência ao momento constituinte Por outro lado oferece à cidadania um projeto nacional pelo qual vale a pena perseverar Como afirmou Häberle a Constituição expressa uma situação cultural dinâmica funciona para o povo não só como espelho de seu legado cultural mas também como fundamento de suas esperanças43 É por isso que para estabelecer a identidade constitucional é necessário reconstruir o entrelaçamento do passado dos constituintes com o próprio presente e ainda com o futuro das gerações vindouras44 Para se evitar excessos de mistificação também aqui é pertinente a advertência de Marx Os homens fazem sua própria história mas não a fazem como querem não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos E justamente quando parecem empenhados em revolucionarse a si e às coisas em criar algo que jamais existiu precisamente nesses períodos de crise revolucionária os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado45 642 Um poder juridicamente ilimitado O poder constituinte é concebido como ilimitado por não estar sujeito a limites jurídicos especialmente às prescrições da ordem jurídica passada A noção também é devida à Sieyès Uma nação é independente de qualquer formalização positiva basta que sua vontade apareça para que todo direito político cesse como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo de todo o direito positivo46 Sieyès todavia reconhecia um limite para o poder constituinte o Direito Natural No contexto histórico em que escreveu do apogeu do jusnaturalismo Iluminista o reconhecimento deste limite era praticamente inevitável Porém com a crise do jusnaturalismo e ascensão do positivismo jurídico a limitação jusnaturalista para o poder constituinte deixa de ser reconhecida Não se aceita mais a existência de normas ou valores suprapositivos que confeririam validade ao Direito47 Além do positivismo outras perspectivas constitucionais como decisionismo de Carl Schmitt também negavam a existência de limites ao poder constituinte que é concebido como pura vontade política48 Por um ou outro fundamento a posição dominante passa a sustentar a inexistência de qualquer limite normativo para o poder constituinte originário tido como juridicamente onipotente49 Mesmo para esta última visão a ausência de limitação jurídica não afasta a existência de limites impostos pela realidade O poder constituinte não pode decidir o impossível não pode mudar a órbita dos planetas Quem exerce de fato o poder constituinte tampouco pode desconsiderar as expectativas do seu titular Uma assembleia nacional constituinte não deve se pretende ver efetivada a sua obra ignorar os fatores reais de poder e os valores compartilhados pela comunidade50 De nada adianta que o constituinte declare por exemplo abolida a propriedade privada se não há base material ou cultural para que essa providência possa se converter em realidade51 Não há dúvida portanto que a elaboração do texto constitucional é condicionada pela realidade que lhe é subjacente O texto constitucional que desconsidere esses elementos tende a se converter em mera folha de papel como temia Lassalle52 O que se afirma com a atribuição de caráter ilimitado ao poder constituinte é exclusivamente que esse poder não se submete a restrições jurídicas eis que expressão da soberania Hoje contudo mesmo na dimensão normativa a ilimitação do poder constituinte vem sendo posta em questão53 Há quem sustente que o poder constituinte se encontra juridicamente limitado pelos direitos humanos reconhecidos internacionalmente54 Há também quem defenda que ele se limita por princípios suprapositivos de justiça55 Versão especialmente conhecida da tese da limitação do poder constituinte foi proposta por Otto Bachoff para quem há normas constitucionais inconstitucionais ou seja normas que formalmente compõem o texto constitucional originário mas que não são válidas por violarem o direito supraconstitucional O autor faz referência à decisão proferida em 1950 pelo Tribunal Constitucional da Baviera que assentou A nulidade inclusive de uma disposição constitucional não está a priori e por definição excluída pelo fato de tal disposição ela própria ser parte integrante da Constituição Há princípios constitucionais tão elementares e expressão tão evidente de um direito anterior mesmo à Constituição que obrigam o próprio legislador constitucional e que por infração deles outras disposições da Constituição sem a mesma dignidade podem ser nulas56 O Tribunal Constitucional alemão embora jamais tenha invalidado norma constitucional originária reconheceu a possibilidade teórica de controle das decisões do poder constituinte originário em casos excepcionais de gravíssimas violações a imperativos de justiça57 Afirmou todavia que essa hipótese seria altamente implausível no cenário de constituições democráticas como a germânica58 A posição de limitação do poder constituinte originário por princípios supra constitucionais de justiça nos parece acertada Não se trata contudo de limites suprahistóricos inscritos em alguma lei divina ou transcendente à moda do Direito Natural Tais limites tampouco se confundem com a totalidade da normativa internacional de direitos humanos Tratase antes de limites decorrentes de valores historicamente sedimentados radicados na cultura do constitucionalismo e voltados à garantia de um patamar mínimo de respeito aos direitos humanos e à democracia Apenas em casos extremos de profunda e inaceitável injustiça é que se pode por em causa as decisões do poder constituinte originário Seria a hipótese de uma Constituição que permitisse a escravidão legalizasse a tortura de prisioneiros ou impedisse qualquer tipo de oposição ao governo É certo que o Supremo Tribunal Federal tem rejeitado a tese das normas constitucionais inconstitucionais deixando de conhecer das ações que a veiculam Foi o que ocorreu em ADI em que se impugnava o art 14 4º da Constituição Federal que estabelece a inelegibilidade do analfabeto O preceito seria inválido por estabelecer tratamento discriminatório incompatível com os princípios da igualdade e da dignidade humana Como a regra do art 14 4º compõe o texto constitucional desde a origem o STF se negou a apreciar a ADI classificando a hipótese como de carência da ação59 Antes a Corte já havia enfrentado a polêmica em ADI em que se impugnava o 1º do art 45 da Constituição Federal que fixa o número de deputados federais por Estado em no mínimo oito e no máximo setenta Como esses limites reduzem o peso do voto dos eleitores dos estados mais populosos ocorreria segundo o autor da ação violação ao princípio constitucional da igualdade política Também nessa ocasião o STF considerou o pedido juridicamente impossível e sequer conheceu da ação De acordo com o Tribunal A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida Na atual Carta Magna compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição art 102 caput o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo e não para com relação a ela exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário a fim de verificar se este teria ou não violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição60 Tais decisões do Supremo Tribunal Federal se justificam no contexto em que foram proferidas de plena vigência do Estado Democrático de Direito As normas impugnadas não chegam a se identificar com hipótese da fórmula de Radbruch segundo a qual a injustiça extrema não é Direito61 Nenhum dos dois preceitos impugnados chega a esse grau intolerável de injustiça Ademais a Constituição de 88 globalmente considerada é democrática e humanista apesar dos seus defeitos pontuais Por isso a tese de que o poder constituinte é limitado normativamente não exibe para o Direito brasileiro maior interesse prático imediato Ademais o reconhecimento da possibilidade de controle de constitucionalidade das normas ditadas pelo próprio constituinte originário ampliaria sobremaneira os riscos de um ativismo judicial contrário à Constituição permitindo que juízes se recusassem a aplicar as normas constitucionais a partir das suas próprias valorações sobre a justiça eventualmente idiossincráticas ou caprichosas Criarseia por exemplo o risco de que um tribunal conservador considerasse inválida a desapropriação para fins de reforma agrária prevista na Constituição ou de que um magistrado comunista rechaçasse a proteção constitucional conferida à propriedade privada Teríamos muito a perder e pouco a ganhar com esta possibilidade Em outros contextos contudo a tese além de correta é útil e merece a adesão dos democratas Há Estados de Direito e Estados de nãoDireito conforme respeitem ou não certas noções básicas de justiça ligadas aos direitos fundamentais e à democracia A teoria do poder constituinte só se sustenta como teoria de uma Constituição comprometida com o Estado Democrático de Direito Podese também discutir a vinculação do poder constituinte originário a limites materiais impostos pelas normas que convocaram a Assembleia Constituinte Luís Roberto Barroso chama tais limites de condicionamentos préconstituintes62 e eles não são incomuns Algumas vezes as forças políticas que deflagram o processo constituinte além de definirem o processo de elaboração do novo texto fixam limitações materiais a serem observadas Na Itália por exemplo estabeleceuse que na mesma eleição que escolheria os constituintes o povo se manifestaria diretamente mediante referendo sobre a forma de governo República ou Monarquia Quando se reuniu a Assembleia Constituinte em 1947 no ano seguinte ao da consulta popular em questão ela se deparou com a decisão já tomada em favor do governo republicano que teve de respeitar63 No Brasil após a Revolução de 1930 o Governo Provisório editou decreto prevendo que a nova Constituição a ser elaborada que só entrou em vigor em 1934 deveria manter a forma republicana federalista e não poderia restringir os direitos e garantias dos cidadãos ou dos municípios Também a Lei Constitucional nº 1545 que tratou da Assembleia Constituinte de 1946 obrigoua a respeitar o resultado de eleição presidencial que ocorreria antes da sua instauração64 o que foi observado pela Constituição de 1946 Podese discutir se estes limites realmente vinculam o poder constituinte originário ou se ele é livre para ignorálos Na nossa perspectiva isso depende O poder constituinte como se verá a seguir deve corresponder a uma manifestação da soberania popular que idealmente eclode em um momento constitucional caracterizado pela intensa mobilização cívica da cidadania Se o limite imposto decorrer de manifestação direta do próprio povo ou corresponder a uma genuína expressão da soberania popular faltará legitimidade à assembleia constituinte para desrespeitálo A assembleia não é a titular do poder constituinte que reside no povo mas age em seu nome Não pode assim contrariar os claros desígnios do povo que representa Fora desta hipótese deve prevalecer a visão tradicional no sentido da ausência de vinculação do poder constituinte às normas jurídicas que lhe são anteriores Sem embargo há na África do Sul importante precedente em que o descumprimento de condicionamentos préconstitucionais que não envolviam respeito às decisões do próprio povo levou à invalidação judicial da própria Constituição65 Um fórum multipartidário responsável pela transição do apartheid para a democracia aprovou uma Constituição Interina no país em cujo texto se convocava a Assembleia Constituinte A essa caberia elaborar a Constituição definitiva da África do Sul devendo deliberar por maioria de dois terços e concluir o seu trabalho em dois anos À Assembleia foi imposta a observância de trinta e quatro princípios acordados na Constituição interina Concluído o processo de elaboração a nova Constituição foi submetida à Corte Constitucional que deveria certificála como fora previsto no texto interino A Corte no entanto se negou a fazêlo por verificar que alguns dos princípios enumerados na Constituição Interina não haviam sido observados66 O texto teve que retornar à Assembleia que fez as modificações exigidas Só então a Corte Constitucional o certificou e ele pode entrar em vigor 643 Um poder incondicionado O poder constituinte costuma ser caracterizado ainda como incondicionado porque ele próprio pode estabelecer a sua forma de manifestação não devendo obe diência a nenhum procedimento previamente definido Sendo a Constituição o fundamento de validade do ordenamento a sua juridicidade não depende da observância de regras de elaboração do novo texto ditadas anteriormente Isto não significa evidentemente que não possam ser editadas regras prévias à elaboração da nova Constituição definindo o seu procedimento o que aliás é bas tante comum nos processos constituintes A Assembleia Constituinte de 8788 que produziu a atual Constituição por exemplo foi convocada por meio da Emenda Constitucional 2685 que atribuiu poderes constituintes ao Congresso Nacional determinando que ele funcionaria unicameralmente que a sua sessão de instalação deveria ser presidida pelo Presidente do STF e que o texto final teria de ser aprovado em dois turnos de votação pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Este procedimento foi efetivamente observado Mas a incondicionalidade do poder constituinte significa que ele pode romper com as regras que lhe foram antes impostas e deliberar de outra maneira sem que isso implique invalidade da sua obra O tema foi discutido durante a Assembleia Constituinte de 8788 A Emenda nº 2685 como dito previra a participação de todos os membros do Congresso na Constituinte o que incluía 23 senadores eleitos em 1982 ainda durante o regime militar sem um mandato constituinte já que o povo ao sufragálos não sabia que os estava escolhendo para a elaboração de nova Constituição A participação desses senadores era vista como ilegítima por diversas forças situadas à esquerda do espectro político Diante disso os deputados Plínio de Arruda Sampaio PT e Roberto Freire PCB logo no início dos trabalhos da Assembleia suscitaram questão de ordem pleiteando a exclusão dos referidos senadores67 A questão foi indeferida pelo Ministro Moreira Alves que se limitou a aplicar à hipótese o texto da EC nº 2685 Contra a sua decisão foi interposto recurso para o Plenário da Assembleia que rejeitou a questão de ordem foram 394 votos favoráveis à participação dos citados senadores 124 contrários e 17 abstenções Mas a própria submissão do tema à votação mostra que a Assembleia Constituinte poderia em tese ter decidido contrariamente à regra ditada pela EC nº 2685 Seria válida essa sua decisão Certamente haja vista a soberania da Assembleia Constituinte Na história há diversos precedentes de assembleias convocadas para decidir com base em determinadas regras que se insurgem contra as mesmas e deliberam de outra forma O caso mais conhecido envolve a elaboração da Constituição norte americana em 178768 Os convencionais tinham sido convocados para a Convenção da Filadélfia com o objetivo de deliberarem sobre a reforma os Artigos da Confederação que regulavam a Confederação norteamericana formada por 13 Estados soberanos Os Artigos da Confederação previam a necessidade de aceitação unânime pelos Estados de qualquer mudança por meio dos seus poderes legislativos Porém os constituintes norteamericanos decidiram subverter aquelas regras69 não só resolveram fazer uma Constituição ao invés de simplesmente reformar os Artigos da Confederação como também estabeleceram que seria necessária a aprovação de apenas 9 dentre os 13 Estados para que a Constituição norteamericana entrasse em vigor e que a decisão nos Estados seria tomada pelo próprio povo por meio de convenções estaduais especialmente convocadas e não pelos respectivos poderes legislativos O tema da incondicionalidade do poder constituinte voltou à tona no Brasil há alguns anos quando Nelson Jobim que teve papel destacado na Comissão de Redação da Assembleia Constituinte de 8788 confessou publicamente ter feito modificações no texto constitucional em elaboração sem observância do regimento interno da Constituinte visando a sanar omissões e contradições supostamente existentes Debateuse então se o fato poderia ter alguma implicação sobre a validade dos preceitos constitucionais indevidamente alterados70 Contudo a questão não tem maior relevância jurídica tendo em vista que o texto definitivo da Constituição depois da introdução das referidas mudanças foi submetido a votação do Plenário da constituinte e aprovado por maioria absoluta Portanto nem é necessário discutir se vícios do procedimento constituinte dessa natureza contaminariam o texto constitucional não contaminariam já que qualquer defeito porventura existente foi sanado por aquela votação Sem embargo se é verdade que a elaboração de uma Constituição não está juridicamente obrigada a seguir o procedimento ditado pela ordem jurídica que a precedeu não parece certo aceitar a validade de todo e qualquer processo constituinte Na medida em que se postula a ideia de um poder constituinte fundado na soberania popular é essencial que o procedimento seja democrático capaz de captar as preferências do povo traduzindoas em normas constitucionais Não há para isso uma única fórmula Inúmeras variações são possíveis e legítimas tendo em vista o jogo das forças políticas as contingências históricas e as tradições de cada país Mas não se deve transigir com procedimentos autoritários como a outorga unilateral da Constituição pelos detentores do poder ou a imposição do texto constitucional por países estrangeiros Alguém poderia sustentar que esta questão não é jurídica mas política Esta é uma tese positivista que não compartilhamos Na nossa perspectiva legalidade e legitimidade se entrelaçam sobretudo no domínio constitucional A exigência de respeito à democracia na elaboração das constituições não é só política é também jurídica Nada obstante há hipóteses em que o processo de elaboração da Constituição se desvia de exigências democráticas mas o texto se legitima com o tempo pela adesão do povo aos seus valores O caso da Lei Fundamental de Bonn já antes mencionado é exemplar Apesar dos possíveis vícios de origem do texto elaborado num contexto de fortes constrangimentos impostos pelas forças de ocupação da Alemanha ele foi com o tempo obtendo a adesão da comunidade política a que se destinava e provendo as bases para um desenvolvimento democrático do país Como a Lei Fundamental não pôde reivindicar a sua legitimidade a partir de razões procedimentais já que o povo pouco participou de sua elaboração teve que se legitimar por meio da práxis estatal continuada e do seu reconhecimento implícito pelo povo71 A legitimidade superveniente em casos como este é suficiente para sanar qualquer deficiência genética da Constituição72 644 Um poder indivisível A soberania é tradicionalmente concebida como una e indivisível não podendo ser compartilhada sob pena de deixar de ser soberania O mesmo atributo é reconhecido ao poder constituinte que é uma das manifestações fundamentais da soberania A indivisibilidade se expressa em primeiro lugar na ideia de que é preciso conferir unidade à atuação do poder constituinte mesmo diante da pluralidade dos cidadãos que o cotitularizam e das visões de mundo presentes na sociedade no momento constituinte Decisões constituintes devem ser tomadas e essas envolvem a adoção de uma determinada ideia de Direito o que implica na exclusão das ideias rivais Como sustentava Sieyès sempre é necessário um juiz supremo para superar os conflitos existentes na sociedade ou a anarquia substitui a ordem73 Esse juiz supremo é o poder constituinte A decisão constituinte em favor de um Estado liberalburguês exclui aquela em favor de um Estado Social a opção pela democracia elimina a outra pelo autoritarismo a escolha do Estado secular afasta a teocracia Há uma identidade constitucional que se forma por meio da negação de outras identidades possíveis74 É certo que decisões fundamentais precisam ser adotadas pelo poder constituinte e as suas escolhas de caráter vinculante sempre importam na rejeição de outras alternativas porventura existentes Contudo a ideia de indivisibilidade do poder constituinte não pode ser aceita se importar na adoção de uma compreensão fechada sobre a identidade constitucional que não seria compatível com o pluralismo presente nas sociedades contemporâneas nem com o ideário do constitucionalismo democrático que se assenta no respeito às diferenças O poder constituinte no Estado Democrático de Direito não pode ser compreendido como uma força homogeneizadora que suprima a diversidade em nome da unidade ou bloqueie a discussão sobre as decisões políticas fundamentais do Estado e da sociedade75 A indivisibilidade significa também de acordo com a concepção ortodoxa que não há poder constituinte pela metade Ou se está diante de um ato do poder constituinte originário que não se sujeita a limites ou que existe é uma manifestação de um poder constituído que deve observar as limitações traçadas pelo primeiro Esta construção foi abalada pelo advento do constitucionalismo supraestatal sobretudo no contexto da União Europeia Embora não tenha sido ainda aprovado um texto constitucional para a União Europeia muitos sustentam que os seus principais tratados já possuem esta natureza76 Apesar da crise econômica recente o fortalecimento institucional da União Europeia nas últimas décadas é inequívoco ela possui poderes Executivo Legislativo e Judiciário próprios e as suas normas têm aplicação imediata nos Estados e supremacia em face do respectivo direito interno Neste quadro de superposição e entrelaçamento entre os ordenamentos nacionais e o comunitário o discurso da supremacia constitucional vem cedendo espaço a concepções mais pluralistas da ordem jurídica77 O novo contexto põe em xeque a ideia de soberania estatal indivisível e por consequência também a existência de um poder constituinte com a mesma característica No Brasil existe uma dimensão prática relevante no debate sobre a indivisibilidade do poder constituinte Tratase da hipótese frequentemente aventada no meio político de convocação de uma assembleia constituinte parcial para deliberar sobre tema específico mas sem seguir as regras sobre reforma constitucional ditadas na Constituição A concepção tradicional nega esta possibilidade afirmando que ou a assembleia convocada terá poderes constituintes e portanto poderá decidir sobre qualquer assunto ou ela será um simples poder constituído hipótese em que não poderá afastarse das normas constitucionais que regulam o poder de emenda Não haveria outra alternativa Não vislumbramos a princípio uma impossibilidade teórica na convocação de uma assembleia constituinte parcial Se o que lastreia o poder constituinte é a soberania popular é possível conceber um cenário em que haja uma intensa mobilização do povo no sentido de ruptura com apenas parte da ordem constitucional vigente sem que se pretenda romper com outras partes da Constituição Em um contexto como esse uma assembleia constituinte parcial seria mais adequada do que outra investida de plenos poderes para tratar de todos os assuntos Afinal não é a assembleia constituinte a titular do poder constituinte Esse reside no povo que a assembleia apenas representa Todavia fora de um genuíno momento constituinte caracterizado pela intensa mobilização popular em favor de rompimento ainda que parcial com a Constituição esta possibilidade não existe Nos contextos ordinários da vida política as mudanças constitucionais têm de ser perseguidas por meio dos procedimentos estabelecidos pela própria Constituição para a sua reforma Pretender fazê lo de modo diferente seria verdadeira fraude à Constituição No presente embora o tema da assembleia constituinte parcial venha sendo aventado não se vivencia nada parecido com um verdadeiro momento constituinte As reformas constitucionais desejadas por certas forças políticas algumas de fato importantíssimas como a reforma política devem ser implementadas com observâncias das regras e limites ditados pela Constituição 645 Um poder permanente O poder constituinte é definido como permanente pela possibilidade de se manifestar a qualquer tempo Como consignava Sieyès uma nação não pode nem alienar nem se proibir o direito de mudar e qualquer que seja sua vontade ela não pode cercear o direito de mudança assim que o interesse geral o exigir Eu entendo que ela pode obrigar seus membros seus mandatários e tudo o que lhe pertence mas será que ela pode impor deveres a si mesma O que é um contrato consigo mesma Sendo as duas partes a mesma vontade ela pode sempre desobrigarse de tal compromisso78 O fato de o poder constituinte ter se manifestado em 198788 no Brasil não impede que volte a eclodir no futuro Sob o ângulo prescritivo o poder de criar uma Constituição nova deve manterse latente durante a maior parte do tempo manifestandose excepcionalmente apenas nos momentos constitucionais em que há intensa mobilização popular para ruptura com a ordem vigente Referimo nos aqui é certo apenas ao poder constituinte originário e não ao poder de alterar a Constituição que se manifesta mais frequentemente seja por meio dos processos formais de mudança do texto seja pela da mutação no meio social dos valores constitucionais De todo modo a frequência excessiva de manifestações do poder constituinte originário não é positiva gerando instabilidade política e comprometendo o florescimento de uma cultura constitucional É também por isso que as constituições devem conter mecanismos para alteração dos seus preceitos que não sejam tão inacessíveis às maiorias sociais a fim de não se converterem em estímulo ao rompimento institucional A permanência do poder constituinte não deve ser compreendida como a dilação indefinida no tempo da situação excepcional que caracteriza a política no período de elaboração constitucional pois essa não tem como conviver com o constitucionalismo que persegue a limitação jurídica do poder79 Tal permanência significa tão somente que a soberania popular não é patrimônio exclusivo de uma única geração Em outras palavras feita a Constituição a soberania popular não se extingue Ela subsiste e o povo pode em momentos extraordinários da vida nacional invocála de novo para darse uma nova Constituição Como também pode rectius deve manterse ativo na arena da interpretação constitucional convertendose em protagonista do processo de concretização da Constituição 65 Um poder de fato ou de direito Não há dúvida de que a Constituição integra o ordenamento jurídico Mas e o poder constituinte que lhe é anterior Para a concepção positivista do poder constituinte esse é um poder de fato situado fora do Direito já que não se subordina a qualquer limite jurídico e não há nenhum critério normativo que permita a sua identificação80 O decisionismo de Carl Schmitt compartilha esta mesma ideia ao conceber o poder constituinte como pura força política capaz de tomar a decisão fundamental sobre a existência da comunidade estatal81 Há todavia quem rejeite esta tese sustentando a natureza jurídica do poder constituinte Para esses o poder constituinte não está fora do Direito mas é também regulado por ele Quem concebe o poder constituinte como um poder de fato afirma que o reconhecimento da validade de uma Constituição não pode se dar por meio de critérios jurídicos82 Se determinadas forças políticas editarem um ato com a pretensão de romper com o ordenamento vigente e de fundar uma nova ordem jurídica chamandoo de Constituição não haverá qualquer critério jurídico para aferir se houve ou não ali uma efetiva manifestação do poder constituinte originário Será preciso aguardar para aferir se a comunidade política reconhece o ato editado como a sua Constituição Em outras palavras será necessário analisar se os comportamentos adotados pela comunidade especialmente mas não exclusivamente pelos seus operadores do Direito partem ou não da aceitação daquele ato como nova Constituição Isso frisese bem independentemente da motivação de tais comportamentos que pode ser decorrente da mera subordinação à força de quem detém o poder do reconhecimento da legitimidade do ato fundacional ou de qualquer outra razão Caso haja aceitação da nova Constituição terá ocorrido manifestação do poder constituinte originário Do contrário terseá um ato ilícito provavelmente um ato de grave traição sob a perspectiva do ordenamento que se pretendia romper que continuará em vigor Essa posição foi claramente sustentada por Hans Kelsen Suponhase que um grupo de indivíduos tente conquistar o poder pela força a fim de depor o governo legítimo de um Estado até então monárquico e introduzir nele uma forma republicana de governo Se forem bemsucedidos se a velha ordem terminar e a nova ordem começar a ser eficaz porque os indivíduos cuja conduta a nova ordem regula efetivamente se conduzem de um modo geral em conformidade com a nova ordem então essa ordem é considerada como uma ordem válida Agora é de acordo com essa nova ordem que a conduta dos indivíduos é interpretada como sendo lícita ou ilícita Mas isso significa que se pressupõe uma nova norma fundamental Não é mais a norma segundo a qual a velha constituição monárquica era válida mas uma norma segundo a qual a nova constituição republicana é válida uma norma que investe o poder revolucionário de poder legal Se os revolucionários fracassarem se a ordem que tentam estabelecer permanecer ineficaz então por outro lado seu empreendimento é interpretado não como um ato criador do Direito como um ato lícito como o estabelecimento de uma constituição mas como um ato ilícito como crime de traição e isso segundo a velha constituição monárquica e sua norma fundamental específica83 Portanto para Kelsen a validade da nova Constituição depende de uma questão empírica a sua eficácia social em termos globais No campo do positivismo jurídico Herbert Hart foi ainda mais claro Para o jusfilósofo inglês existe em cada ordenamento uma regra de reconhecimento que permite a identificação das normas jurídicas que lhe pertencem Os atos e normas jurídicas são válidos se tiverem sido produzidos em conformidade com essa norma de reconhecimento ou com outras normas editadas de acordo com a regra de reconhecimento Para Hart a identificação da regra de reconhecimento vigente em cada ordenamento não se dá por critérios jurídicos mas estritamente empíricos É regra de reconhecimento de um ordenamento aquela que a comunidade aceita e usa como tal84 Tratase de um juízo de fato e não de uma análise lógicoformal ou de uma avaliação moral A adoção dessa concepção importa na adesão à tese do poder constituinte como poder de fato Em conhecida decisão proferida em 1955 o STF parece ter endossado essa mesma concepção Após o suicídio de Getúlio Vargas o VicePresidente Café Filho assumira o poder mas teve de se ausentar do cargo em razão de ataque cardíaco sendo então substituído pelo Presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz A esta altura Juscelino Kubitschek já havia sido eleito para a presidência e aguardava o momento da sua posse Porém vendo prenúncios de um golpe para impedir a posse de Juscelino o General Lott desfechou uma espécie de contragolpe militar preventivo afastando Carlos Luz que supostamente participava da conspiração e empossando no seu lugar o vicepresidente do Senado Nereu Ramos Naquele ínterim o Congresso votou o impedimento de Café Filho e decretou o estado de sítio no país Café Filho recuperado do problema de saúde que o acometera quis ser investido no cargo e impetrou para tanto mandado de segurança no STF 85 A Corte decidiu esquivarse da apreciação do caso sustando o julgamento do feito até o fim do estado de sítio o que com a iminente posse de Juscelino acarretaria fatalmente a perda de objeto do mandado de segurança No julgamento no entanto alguns ministros teceram considerações sobre a relação entre o Direito e a força que merecem atenção Qual o impedimento mais evidente e insuperável pelos meios legais do titular da Presidência da República que o obstáculo oposto por uma vitoriosa insurreição armada É uma situação de fato criada e mantida pela força das armas contra a qual seria obviamente inexequível qualquer decisão do Supremo Tribunal A insurreição é um crime político mas quando vitoriosa passa a ser título de glória e os insurrectos estarão a cavaleiro do regime legal que infringiram sua vontade é que conta e nada mais Min Nelson Hungria Dêse a atuação das Forças Armadas o nome de contragolpe como pretendem os seus simpatizantes chamese golpe como querem os que a censuram certo é que juridicamente foi ato de revolução Mas não nos compete examinar essas razões O seu julgamento pertence ao Tribunal da História Qual a atitude da Magistratura em face dos governos de fato De absoluto respeito De acatamento às suas deliberações A Magistratura no Brasil ou alhures não entra na apreciação da origem do Governo Do contrário teríamos um Poder Judiciário a ordenar a contrarevolução o que jamais se viu em qualquer país do mundo Min Mário Guimarães Nossa Corte Suprema por outro lado nunca recusou aplicação aos Atos Institucionais editados pelo governo militar86 que se autoproclamavam emanações do poder constituinte originário decorrente da Revolução de 1964 apesar da flagrante ilegitimidade do seu procedimento de elaboração normas impostas unilateralmente pelo governante militar de plantão bem como do conteúdo abusivo e imoral de muitos deles Não há como estabelecer se a fidelidade do STF a esses atos decorreu da adesão da Corte ao credo jurídico positivista da afinidade ideológica dos ministros com o governo militar ou simplesmente do ambiente autoritário da época que não dava margem para a adoção de postura muito diferente pelo Tribunal sem risco institucional para o seu funcionamento ou mesmo pessoal para os seus magistrados Provavelmente a resposta correta envolve um pouco de cada um destes elementos87 Já sob a égide da Constituição de 88 em casos que versavam sobre possíveis violações a cláusulas pétreas pelo poder constituinte derivado alguns Ministros teceram considerações sobre a diferença entre esse e o poder constituinte originário qualificando o último como um poder de fato ao contrário do primeiro tido como poder de direito Nesse sentido consignou o Ministro Cesar Peluzo em voto proferido na ADI nº 2356MC A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte originário não está sujeita a nenhuma limitação normativa de ordem material e muito menos formal porque provém do exercício de poder fático cuja força soberana e vinculante repousando no fato de se impor à obediência geral independe de legitimação jurídica88 Não há dúvida de que o poder constituinte originário é um poder eminentemente político que como já ressaltado não atua seguindo os procedimentos e observando os limites ditados pela ordem jurídica que o antecedeu Sem embargo apesar da sua dimensão política ele também pertence à esfera do Direito uma vez que como já salientamos anteriormente não é onipotente estando sujeito a limites e condicionamentos não só sociais como também jurídicos atinentes ao respeito ao conteúdo mínimo dos direitos humanos e à observância de procedimento democrático na elaboração da Constituição Essa posição envolve a adoção de um conceito sobre o poder constituinte que não é apenas descritivo mas também prescritivo89 Em outras palavras só deve ser reconhecida como manifestação válida do poder constituinte aquela que satisfaça condições morais mínimas relacionadas não só à legitimidade democrática do seu exercício como também ao conteúdo da Constituição elaborada90 Subjacente a esta posição há a crença que compartilhamos com os não positivistas de que a relação entre Direito e Moral não é apenas contingente mas necessária91 As manifestações de poder ainda quando socialmente eficazes não criam normas jurídicas quando não observarem aquelas condições morais elementares Não pode ser aceita sem reservas a máxima positivista exposta pela primeira vez por Thomas Hobbes de que autoritas non veritas facit legem A ilegitimidade não é uma questão exclusivamente política de natureza extrajurídica Legitimidade e legalidade embora não se confundam não habitam universos separados mas se comunicam92 A grave ilegitimidade contamina a validade jurídica de um ato e isso vale até para a Constituição Por isso e considerando que a expressão poder constituinte não é neutra mas ostenta uma inequívoca natureza legitimadora entendemos indispensável que se conjugue a visão descritiva com a prescritiva no tratamento do assunto Do contrário terseia de reconhecer por exemplo que o AI 5 ditado pelos militares no auge do período de exceção configurou válido exercício do poder constituinte originário Afinal aquele ato institucional não buscava fundamento de validade na Constituição de 1967 mas se sobrepunha a ela fundandose na Revolução vitoriosa de 1964 Ele foi regularmente observado pela sociedade brasileira inclusive pelo STF passando no teste da eficácia social Portanto na nossa visão o poder constituinte originário não é apenas um poder de fato Ele é também um poder de Direito 66 Os cenários do poder constituinte Em um amplo estudo empírico sobre as razões que levam uma Constituição a durar cientistas políticos norteamericanos registraram a edição entre 1789 e 2005 de nada menos que 935 diferentes constituições nacionais93 Desde então muitas outras constituições foram elaboradas Cada uma destas constituições foi confeccionada num contexto diverso Todavia para fins didáticos é possível delinear alguns modelos de processo constituinte que frequentemente se repetem Estes modelos correspondem a tipos ideais no sentido weberiano Alguns casos não se encaixam bem em nenhum deles e outros podem se situar em algum ponto intermediário entre modelos diferentes Norman Dorsen Michel Rosenfeld András Sajó e Susanne Baer 94 em lição reproduzida no Brasil por Luís Roberto Barroso95 aludem a quatro processos mais comuns o coroamento de uma revolução vitoriosa a reconstrução do Estado após uma derrota na guerra a transição pacífica de regime político e a criação de um novo Estado decorrente de liberação do regime colonial Já Jon Elster identificou oito diferentes circunstâncias que induzem a criação de constituições uma crise social ou econômica uma revolução o colapso do regime o medo de um iminente colapso do regime a derrota na guerra a reconstrução após a guerra a criação de novos estados e a libertação do domínio colonial A seguir teceremos breves comentários sobre alguns destes contextos mais comuns a a revolução vitoriosa b a formação de um novo Estado por agregação de Estados anteriores c a emancipação política do Estado d o colapso do regime e uma grave crise política social econômica ou militar f um golpe de Estado g uma transição pacífica de regime Em seguida falaremos ainda h sobre a hipótese de ocorrência de um verdadeiro momento constitucional do qual não resulte a elaboração de nova Constituição e i sobre a possibilidade de exercício do poder constituinte no contexto supranacional aludindo ao caso da União Europeia Não repetiremos aqui para evitar redundâncias a exposição sobre os processos de elaboração das constituições brasileiras já descritos nos capítulos 3 e 4 661 Revolução vitoriosa Num sentido jurídicoformal todo exercício do poder constituinte originário é revolucionário já que se propõe a romper com a ordem jurídica anterior96 Não é esse o sentido aqui empregado Quando falamos em revolução cogitamos de uma mudança profunda e radical nas relações políticas e sociais que ocorre de forma rápida e intensa A revolução neste sentido se opõe à evolução aquela é abrupta esta é lenta e promove alterações incrementais no status quo Uma revolução tem sempre a pretensão de instaurar algo novo na comunidade política97 Ela representa um recomeço que envolve uma rejeição ao passado No cenário da revolução vitoriosa a elaboração da Constituição juridiciza o novo regime instituído Aqui se manifesta com grande intensidade a ideia de rompimento com as instituições jurídicas e políticas do regime anterior O exemplo paradigmático ocorreu na elaboração da Constituição da França de 1791 que se seguiu à Revolução Francesa e que substituiu o absolutismo pelo regime da monarquia constitucional baseado na soberania nacional na separação de poderes e na garantia de direitos individuais São também exemplos de Constituição revolucionária a Constituição do México de 1917 ainda em vigor que se seguiu à Revolução Mexicana a Constituição Russa de 1918 elaborada após a Revolução de 1917 e a atual Constituição portuguesa de 1976 editada após a Revolução dos Cravos de 197498 No momento em que finalizamos esse volume alguns países do Oriente Médio estão elaborando constituições na sequência de processos revolucionários que depuseram ditadores Há uma verdadeira onda constituinte naquela região do planeta que se seguiu à chamada Primavera Árabe No Brasil as Constituições de 1891 e 1934 são as que mais se aproximam do modelo da revolução vitoriosa na medida em que forneceram o arcabouço jurídico para o Estado após respectivamente a proclamação da República em 1889 e a Revolução de 193099 que representaram rupturas com os regimes políticos anteriores Não há dúvida contudo que a profundidade das mudanças decorrentes destes movimentos não foi comparável à da Revolução francesa sempre tomada como exemplo Já a Constituição de 1967 não se enquadra minimamente no mesmo modelo apesar da retórica de legitimação das forças que a editaram Não se pode qualificar de revolução o golpe militar de 1964 já que ele não teve o propósito de promover mudanças na sociedade mas pretendeu isto sim impedir aquelas que o governo constitucional de João Goulart vinha realizando e anunciando A irrupção do poder constituinte por meio de processo revolucionário foi criticada pelos pensadores ligados ao conservadorismo Nesta linha é conhecida a objeção do inglês Edmund Burke à ideia de Constituição promovida pela Revolução Francesa envolvendo uma ruptura com o passado A Constituição para Burke não pode ser o fruto de um voluntarismo político mas repousa na tradição e na natureza das coisas100 Autores reacionários como Joseph de Maistre e Louis Ambroise de Bonald levaram esta crítica ainda mais longe na tentativa de exorcizar o pensamento revolucionário e as contribuições da Revolução Francesa à teoria política e de defender o retorno ao Antigo Regime101 Na verdade as revoluções sempre foram temidas e repudiadas pelos conservadores que preferem a preservação do status quo por mais injusto que seja Do outro lado os radicais muitas vezes se opõem à constitucionalização do regime após a revolução pois a elaboração da Constituição por assim dizer encerra o período revolucionário102 Nas palavras de Ulrich K Preuss ao fazer uma Consti tuição as forças revolucionárias cavam o seu próprio túmulo a Constituição é o ato final da revolução103 Por isso não é incomum que os revolucionários prefiram postergar este momento preservando assim uma maior amplitude para as suas ações Isso ocorreu no Brasil após a Revolução de 1930 quando se adiou excessivamente a elaboração da Constituição que daria contornos e limites jurídicos ao novo regime104 A formalização das bandeiras revolucionárias por meio da elaboração da Constituição é porém um momento indispensável sob a perspectiva do constitucionalismo diante da necessidade de organização e limitação jurídica do poder político105 662 A criação de um novo Estado por agregação Este processo de criação de novo Estado tem como exemplo paradigmático a elaboração da Constituição dos Estados Unidos em 1787 É o cenário do federalismo centrípeto Após a declaração de independência em 1776 houve a aprovação pelo Congresso Continental em 1777 dos chamados Artigos da Confederação a sua ratificação só se concluiu em 1781 que uniam as treze excolônias norteamericanas por um tênue vínculo confederativo cada qual possuindo sua própria Constituição Apesar de caracterizar a União como perpétua os Artigos da Confederação estabeleciam também que cada Estado retinha sua soberania liberdade e independência As mudanças nos Artigos da Confederação careciam de aprovação pelos poderes legislativos de todos os Estados A União sequer tinha Poder Executivo ou Judiciário Seu poder restringiase fundamentalmente às prerrogativas de declarar guerra e de manter relações internacionais sem maiores competências no que tocava aos negócios internos e sem contar inclusive com a faculdade de arrecadar impostos Essas limitações impediam que diversas questões fossem equacionadas como as concernentes à regulação do comércio entre os Estados Convocouse então uma nova Convenção que se realizou na Filadélfia em 1787 com o objetivo de reformar os Artigos da Confederação Ao invés disso contudo os convencionais resolveram elaborar uma Constituição substituindo a Confederação pela forma federativa de Estado e conferindo à União poderes mais significativos Então os constituintes já se denominavam como nós o Povo dos Estados Unidos e declaravam o objetivo de formar uma União mais perfeita Rompendo com o que fora previsto nos Artigos da Confederação decidiram os constituintes que a nova Constituição passaria a valer desde que ratificada por apenas nove estados por meio de convenções específicas Este processo finalizouse em 1788 quando a Constituição entrou em vigor A Constituição de 1891 que institui o federalismo no Brasil não pode ser enquadrada neste modelo já que a nossa federação não resultou de um movimento de agregação de Estados antes soberanos mas sim de um movimento de segregação que converteu em federal o nosso Estado até então unitário A origem do federalismo no Brasil foi centrífuga e não centrípeta 663 Emancipação política Como se sabe após o período do descobrimento as potências europeias criaram colônias em diversos continentes A libertação dessas colônias deu ensejo à elaboração de inúmeras constituições Na primeira metade do século XIX isso ocorreu na América Latina quando a maior parte dos países se emancipou do jugo colonial espanhol ou português elaborando as suas primeiras constituições A Constituição brasileira de 1824 foi editada naquele contexto No final do século XIX e início do século XX o fenômeno vai ocorrer em antigas colônias britânicas como Canadá 1867 Austrália 1901 e África do Sul 1909 Nestes casos contudo as constituições não foram redigidas pelos próprios Estados emancipados mas impostas pela Grã Bretanha no contexto das negociações para concessão de autonomia política106 Entre a II Guerra Mundial e a década de 70 ocorre uma nova onda de emancipações de Estados africanos e asiáticos do domínio colonial Alguns como a Índia elaboraram a sua própria Constituição em vigor desde 1947 Outros tiveram que negociar as suas com as antigas metrópoles ou mesmo foram forçados a se submeter aos textos que essas lhes impuseram passando a regerse por constituições heterônomas107 Nos últimos tempos novos Estados foram formados a partir da extinção da União Soviética em 1991 e da desintegração da antiga Iugoslávia na década de 1990 que também tiveram que elaborar as suas constituições 664 O colapso O cenário de colapso ocorre quando as instituições do Estado sucumbem e depois da sua destruição tornase necessário reerguer o Estado sobre novas bases Esta reconstrução se dá normalmente por meio da negação dos valores do regime anterior Isso pode ocorrer por exemplo após uma grave derrota em guerra externa Três casos importantes do fenômeno se sucederam depois da II Guerra Mundial na Alemanha na Itália e no Japão Todos estes países foram derrotados na guerra pelas potências aliadas Depois do final da guerra os seus ordenamentos foram recons truídos em bases humanistas e democráticas No caso do Japão como já salientado a Constituição foi redigida pelas forças de ocupação norteamericana que praticamente a impuseram ao país em 1946 Na Alemanha 1949 e na Itália 1947 isto não ocorreu Os próprios Estados elaboraram as suas constituições com a ressalva de que na Alemanha as potências aliadas exerceram relevante influência sobre o processo constituinte impondo princípios a serem seguidos e o procedimento a ser observado Em todos estes casos o conteúdo das constituições representou uma forte reação em relação aos abusos do passado Na Alemanha e Itália especialmente que se submeteram ao nazismo e ao fascismo as constituições se baseiam em valores opostos aos predominantes no regime anterior timbrandose pelo respeito à dignidade humana à liberdade e à igualdade 665 Grave crise No cenário da grave crise o exercício do poder constituinte antecipase ao colapso O Estado e a sociedade atravessam graves turbulências que põem o regime em risco A instabilidade política e social tornase uma ameaça grave Antes que tais turbulências cheguem a um desfecho dramático ocorre a elaboração de nova Constituição que envolve a tentativa de correção dos problemas institucionais percebidos no regime substituído Um caso claro é o da Constituição francesa atual elaborada em 1958108 Na época da sua edição vigia na França a Constituição de 1946 que instaurara a chamada 4ª República e definira um sistema de governo parlamentarista A instabilidade política no país era extrema nos 12 anos em que vigorou tal Constituição a França teve nada menos do que 22 governos Havia um certo consenso no sentido de que o sistema político vigente era disfuncional Mas o estopim do momento constitucional foi uma crise militar A França desde 1955 travava uma guerra com a Argélia que era sua colônia e buscava a emancipação O meio político e a opinião pública estavam paulatinamente retirando o apoio à guerra mas as Forças Armadas se recusavam a se retirar daquele país e pairava a ameaça de um golpe militar contra o governo francês O retorno de Charles de Gaulle ao poder que liderara a resistência francesa no período de ocupação nazista era visto como a única alternativa para se evitar uma guerra civil iminente pela autoridade moral que ele detinha sobre os franceses inclusive os militares De Gaulle aceita o encargo com uma condição queria uma nova Constituição pois a que estava em vigor na sua opinião tornava o país ingovernável Ele assume o poder em maio de 1958 e dias depois é aprovada uma lei constitucional que autoriza o governo a elaborar um projeto de Constituição a ser aprovado pelo povo Um grupo sob a sua liderança política redige o novo texto constitucional que fortalecia o Poder Executivo e criava uma espécie de regime semi presidencialista O texto depois de aprovado por um Comitê consultivo e pelo Conselho de Estado francês é submetido a um referendo que o aprova por maioria acachapante 801 dos votantes e 664 do eleitorado francês Algumas vezes um suposto risco é usado como mero pretexto para uma ruptura institucional da qual resulta a imposição de nova Constituição A crise não é real não passando de vã justificativa para rompimento com a ordem vigente servindo em geral à implantação de um governo autoritário Nos tempos da Guerra Fria a ameaça comunista foi frequentemente invocada neste sentido Claro exemplo desta patologia foi a outorga da Constituição de 1937 por Getúlio Vargas depois da descoberta de um plano comunista para dominar o país o famigerado Plano Cohen na verdade uma completa farsa encenada para justificar o recrudescimento do regime por meio de um golpe de Estado 666 O golpe de Estado No cenário do golpe de Estado não há um verdadeiro momento constitucional Não existe relevante mobilização cívica no sentido de ruptura com a ordem vigente mas há o desejo de um grupo de se instalar no governo ou a intenção dos governantes de assumirem poderes mais amplos do que os conferidos pelo sistema jurídico em vigor Essas pessoas ao invés de buscarem o acesso ao poder ou as mudanças institucionais desejadas pelos meios legítimos com observância das regras do jogo rompem com essas regras para promover os seus objetivos Os golpes de Estado que podem vir da direita ou da esquerda sempre envolvem o uso ou pelo menos a ameaça de uso da força Tratase com frequência de um movimento militar ou que obtém o apoio de setores expressivos das Forças Armadas Em geral os golpistas se apresentam como revolucionários e se arvoram à condição de representantes dos interesses populares No poder instauram governos autoritários e no mais das vezes acabam governando em causa própria e a serviço dos setores da elite aos quais estão vinculados Não há no golpe de Estado a pretensão de promoção de mudanças mais profundas nas relações sociais ao contrário do que ocorre nas verda deiras revoluções109 Não é incomum que após o golpe as suas lideranças busquem legitimar o seu governo por meio da elaboração de constituições Essas constituições podem simplesmente legalizar o regime arbitrário instaurado Constituição semântica no sentido de Loewenstein110 ou o que ocorre com mais frequência darlhe uma fachada mais democrática prometendo direitos e liberdades que não saem do papel Constituição nominal ou simbólica O golpismo era uma verdadeira maldição latinoamericana até duas décadas atrás que felizmente parece ter arrefecido no continente nos últimos tempos As Constituições brasileiras de 1937 e de 1967 decorreram de golpes de Estado desfechados respectivamente por Getúlio Vargas naquele mesmo ano e pelos militares em 1964 Elas deram aparência legal a regimes políticos francamente auto ritários Em países subdesenvolvidos em que não há enraizamento cultural do constitucionalismo os golpes de Estado são a causa mais frequente de elaboração de novas constituições Nos países campeões em número de constituições República Dominicana 33 e Haiti 27 a absoluta maioria dos textos constitucionais resultou de golpes de Estado111 Mas o privilégio não é dos países periféricos A Constituição francesa de 1852 que pôs fim à 2ª República editada unilateralmente pelo Presidente Luís Napoleão Bonaparte logo depois convertido em Imperador Napoleão III é também considerada o resultado de um golpe de Estado112 667 A transição pacífica Outro cenário constituinte é o de transição pacífica entre regimes políticos A mudança em relação ao regime pretérito nessa hipótese pode ser profunda Mas ela não decorre de um ato de força sendo antes o resultado de uma negociação entre as forças políticas do regime que se esvai e as que lhe fazem oposição Três exemplos importantes deste modelo na contemporaneidade são a Constituição da Espanha de 1978 a Constituição sulafricana de 1996 e a própria Constituição brasileira de 1988 todas atualmente vigentes Em todos esses casos a transição se deu no sentido da democratização de regimes autoritários Na Espanha113 a mudança do regime se iniciou com a morte de Franco em 1975 ditador que governava o país desde 1939 e envolveu delicadas negociações entre as mais importantes forças políticas do país que chegaram a celebrar um pacto para viabilizar política e economicamente a transição o chamado Pacto de Moncloa A Constituição foi elaborada pelas Cortes Poder Legislativo espanhol democraticamente eleitas após a morte do ditador que assumiram funções constituintes Ela foi submetida a um referendo que a aprovou por avassaladora maioria 878 dos votantes entrando em vigor em dezembro de 1978 Tratase de uma Constituição democrática que deu grande relevo aos direitos fundamentais e que vem desempenhando a contento o seu papel tendo exercido importante influência na elaboração da Constituição brasileira de 88 A transição sulafricana do odioso regime do apartheid para o atual já foi anteriormente descrita neste capítulo Apesar de a atual Constituição do país ser o resultado de um pacto político do qual também participaram integrantes do antigo regime racista uma das suas principais características é o repúdio a tudo que possa lembrálo Podese dizer que o principal eixo da construção da identidade constitucional sulafricana é o combate ao legado material e cultural do apartheid Neste ponto não houve concessões ao antigo regime Como visto detalhadamente no Capítulo 4 a nossa atual Constituição foi o coroamento de um processo de transição pacífico da ditadura militar instaurada em 1964 para um regime democrático As lideranças do governo militar não foram excluídas do processo de redemocratização Pelo contrário uma parte significativa dos constituintes era composta por políticos que integraram a base de sustentação daquele regime e o primeiro Presidente a governar após o fim do período militar José Sarney que presidiu o país durante a Assembleia Constituinte foi uma importante liderança civil nos tempos da ditadura Não obstante a Assembleia Constituinte que contou com um grau inédito de participação popular elaborou um texto profundamente comprometido com a democracia e com os direitos humanos francamente refratário à ideologia autoritária que imperou durante o regime militar 668 Momentos constitucionais sem Constituição É possível que uma Nação passe por um efetivo momento constitucional em que o seu povo decida coletivamente fundar ou refundar o Estado e as suas instituições jurídicopolíticas mas que não decorra deste impulso fundacional a elaboração de uma nova Constituição Temse nesta hipótese um poder constituinte originário ativado mas esse não produz uma Constituição em sentido formal Nessa hipótese a energia constituinte pode se expressar juridicamente de várias maneiras como por meio da aprovação de emendas à Constituição anterior ou da edição de novas leis sem hierarquia constitucional mas dotadas de grande importância substancial e simbólica Na teoria jurídica norteamericana é conhecida a posição de Bruce Ackerman114 que dissociou as manifestações do poder constituinte da necessidade de formali zação de novos textos constitucionais Para o autor o poder constituinte nos Estados Unidos já teria se manifestado três vezes apesar do país estar formalmente sob a égide da mesma Constituição desde a sua fundação A primeira corresponderia à Convenção de Filadélfia que elaborou a Constituição a segunda teria ocorrido na reconstrução do país após o final da Guerra da Secessão e abolição da escravidão na década de 1860 e a terceira teria se manifestado na década de 1930 com o New Deal e a consagração de um modelo de Estado mais ativista A formação do Estado de Israel em 1948 foi certamente um momento constituinte Sem embargo e apesar do compromisso daquele Estado com valores do constitucionalismo não houve naquele momento nem em nenhum outro subsequente a elaboração de uma Constituição israelense em sentido formal115 A declaração de independência do país previa a elaboração de uma Constituição e o parlamento de Israel Knesset quando instituído foi dotado de poderes constituintes mas não os exerceu pois não se obteve acordo entre as forças políticas sobre temas candentes como a relação entre a religião judaica e o Estado O Knesset no entanto editou ao longo do tempo 11 leis básicas sobre temas dotados de natureza constitucional que estão em vigor algumas delas demandando um quorum qualificado para alteração Embora nenhuma norma jurídica preveja esta possibilidade a Suprema Corte de Israel em polêmica decisão proferida em 1995 entendeu que podia invalidar normas jurídicas que violassem as leis básicas de 1992 que versam sobre Dignidade Humana e Liberdade de Ocupação116 Outro exemplo de momento constitucional que não resultou em elaboração de nova Constituição deuse na Hungria quando em 1989 o país rompeu com o modelo soviético então em vias de perecimento e se organizou como uma democracia capitalista117 A ruptura com o sistema político e econômico então vigente foi total Após a derrocada do comunismo realizouse uma mesa redonda na Hungria reunindo as forças políticas mais relevantes e nela se decidiu a elaboração de nova Constituição para o país Não obstante ao invés de uma nova Constituição acabouse aprovando emendas ao texto constitucional comunista de 1949 Tais emendas instituíram um sistema democrático com separação de poderes direitos fundamentais respeito à livre iniciativa e jurisdição constitucional Apesar da ausência de ruptura formal com o regime pretérito o Tribunal Constitucional da Hungria adotou uma posição ativista em favor dos valores emergentes no novo regime democrático interpretando as emendas com um verdadeiro novo começo Apenas em 2011 foi adotada uma nova Constituição na Hungria 669 Poder constituinte supranacional O caso da União Europeia Como já foi abordado no capítulo sobre a trajetória do constitucionalismo muitos autores contemporâneos afirmam a existência de constituições fora do Estado De acordo com esse segmento da doutrina uma série de mudanças ocorridas na sociedade ao longo das últimas décadas ligadas a fenômenos como a globalização econômica a corrosão da soberania dos Estados nacionais o fortalecimento da proteção dos direitos humanos na esfera internacional e o advento de novas e poderosas instituições supranacionais teria dado ensejo ao surgimento de um constitucionalismo localizado fora do Estado mas que interage com as constituições estatais em relações complexas que podem envolver diálogo e cooperação mas também tensão e conflito Como ressaltamos anteriormente entendemos que há exagero na atribuição de natureza constitucional a determinadas normas não estatais como a Carta da ONU o tratado que institui a Organização Mundial do Comércio ou os principais tratados do Mercosul por mais importantes que sejam esses atos normativos internacionais Porém o caso da União Europeia parece diferente A União Europeia atualmente integrada por 27 Estados europeus possui instituições com funções equivalentes aos poderes Legislativo Executivo e Judiciário além de outros órgãos extremamente importantes como um Banco Central Embora não seja um Estado ela tem assento próprio em vários organismos internacionais como a OMC As suas normas jurídicas têm aplicabilidade imediata no âmbito dos Estados penetrando no seu ordenamento independentemente do respectivo consentimento Elas desfrutam ademais de hierarquia superior em face do direito interno de cada Estadomembro Questões da maior relevância para a vida dos europeus não são mais equacionadas no âmbito dos Estados mas pelos órgãos da União Europeia E se fala hoje cada vez mais em cidadania europeia118 embora ainda seja prematuro aludirse à existência de um povo europeu Diante deste quadro não é impertinente a comparação entre o Direito Comunitário Europeu e o Direito Constitucional É verdade que ainda não se logrou editar uma Constituição formal para a União Europeia Houve tentativa neste sentido mas o projeto de Constituição Europeia aprovado pelo Conselho Europeu em 2004 precisava ser aceito por todos os Estados para vigorar e na França e na Holanda ele foi rejeitado em plebiscitos realizados em 2005 Apesar disso é possível falarse pelo menos de uma Constitution in progress 119 na Europa vale dizer de um processo jurídicopolítico ainda inconcluso e sujeito a eventuais retrocessos e reviravoltas mas que progride no sentido de atribuição de natureza constitucional às normas jurídicas fundamentais da União Europeia120 121 A ideia de integração europeia embora tenha raízes mais antigas ganhou ím peto após o final da II Guerra Mundial em que passou a ser vista como um meca nismo importante para a preservação da paz no continente Do ponto de vista jurídico a origem da integração europeia remonta fundamentalmente ao Tratado de Roma de 1957 firmado à época por apenas seis Estados Alemanha França Itália Bélgica Luxemburgo Holanda que tinha o propósito limitado de estabelecer uma zona de livre comércio entre esses países122 Ao longo do tempo outros Estados foram se integrando ao projeto que foi se tornando muito mais ambicioso e abrangente voltandose a diversos outros objetivos política fiscal e monetária segurança imigração meio ambiente seguridade social direitos humanos etc O modelo de decisão típico das organizações internacionais que depende do consentimento de cada Estado para obrigálo foi sendo substituído por outro em que as decisões dos órgãos comunitários podem ser tomadas por maiorias qualificadas e vinculam também aos Estados que não assentiram Novos tratados importantes foram celebrados fortalecendo institucionalmente a entidade como o Tratado de Maastricht o Tratado de Amsterdã e o Tratado de Lisboa A União Europeia passou a contar com uma estrutura política altamente complexa e uma vasta rede tecnocrática As normas que edita normas secundárias foram ganhando uma importância cada vez maior no dia a dia do europeu O tema dos direitos fundamentais visceral no constitucionalismo foi também incorporado ao direito comunitário europeu primeiro pela jurisprudência no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que os considerou como princípios gerais de direito inspirados nas tradições constitucionais comuns dos Estados europeus e posteriormente pela aprovação de uma Carta Europeia de Direitos Fundamentais de natureza vinculante para os Estados123 Neste processo de fortalecimento institucional os Estados interessados no aprofundamento da integração europeia foram abrindo mão de parcelas das suas competências e poderes em favor do ente regional não só por meio da celebração dos tratados que deram a atual conformação à entidade como também pela inserção em suas constituições de cláusulas que permitiram essa transferência de poder mas que não envolveram renúncia formal à soberania124 O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias TJCE teve papel fundamental nesta mudança institucional125 firmando e concretizando princípios de inspiração política centrípeta como o de aplicação imediata do Direito Comunitário126 e da supremacia das normas comunitárias em face do Direito interno dos Estados127 Apesar das resistências que esta ofensiva jurisprudencial sobre a soberania dos Estados sofreu128 suas concepções foram prevalecendo o que pode em parte ser debitado às características do sistema processual da União Europeia que abre considerável espaço para que o TJCE imponha a sua interpretação do Direito Comunitário ao Poder Judiciário dos Estados129 Sem embargo o surgimento desse constitucionalismo europeu não decorreu de nada que possa ser equiparado ao exercício do poder constituinte130 A constitucionalização da União Europeia vem resultando de um processo incremental que se estende por décadas e não de uma ruptura com o passado Não há por outro lado uma mobilização cívica alimentando este processo Ele não foi o produto de uma decisão do povo europeu de se dotar de uma Constituição Até porque como antes ressaltado não parece possível pelo menos no presente falar na existência de um verdadeiro povo europeu mesmo se não se adotar como não adotamos um conceito de povo dependente de um grau elevado de homogeneidade cultural É que os vínculos que unem os cidadãos dos Estados pertencentes à União Europeia são ainda demasiadamente frágeis e a identidade política comum entre eles não é suficientemente densa e estável para que se justifique o uso deste conceito131 Ainda não existe um espaço público europeu consolidado que é condição necessária para o surgimento de um povo europeu132 Se o poder constituinte é titularizado pelo povo a inexistência de um povo europeu compromete a pertinência da alusão ao poder constituinte no processo de criação de uma Constituição europeia Sob o ângulo prescritivo podese lamentar a ausência do povo no processo de edificação do constitucionalismo comunitário europeu criticandose os déficits democráticos dessa empreitada133 Mas na perspectiva descritiva essa ausência não impede que se enxergue o fenômeno da constitucionalização comunitária erigido porém sobre outras bases seja tecnocráticas seja numa mirada mais otimista identificadas com a proteção de princípios de uma cultura constitucional comum compartilhada pelos povos europeus134 Como salientou Canotilho nada impede que surja uma constituição evolucionista materialmente integradora assente em esquemas retirados dos tratados da Comunidade Europeia e de outros tratados a criar e baseada em princípios jurídicos fundamentais standards costumes decisões jurisdicionais constitutivos de um verdadeira Jus Commune Europeum e de uma autêntica cultura jurídica europeia135 Em suma existe sim um processo de constitucionalização do Direito Comunitário europeu pelo qual este vem ganhando características sui generis que se aproximam daquelas tradicionalmente atribuídas às constituições estatais Porém não há como vislumbrar pelo menos até o momento a existência de um verdadeiro poder constituinte europeu sobretudo no sentido democrático de um poder constituinte do povo 67 O poder constituinte sem mistificações teológicas Por conta dos problemas acima apontados na noção tradicional do poder constituinte e diante da constatação da diversidade dos contextos em que ele se manifesta impõese a conclusão de que a visão teológica e mistificadora deste poder deve ser abandonada Para que seja reconhecido como legítimo o poder constituinte deve se manifestar democraticamente e instituir um regime político comprometido com o respeito aos direitos humanos As constituições outorgadas por ditadores e os regimes autoritários por elas instituídos cada vez mais padecem das sinas da precariedade As evocações grandiloquentes nesses atos de outorga do poder constituinte do povo ou da nação carregam a marca inexpugnável da farsa de quem se passa por mais do que é ao simular um momento fundacional O debate sobre a titularidade abstrata do poder constituinte deve ceder lugar ao exame de sua manifestação concreta O culto mistificador à decisão constituinte deve ser substituído pela exigência de efetiva participação popular não só no momento constitucional mas também na interpretação da Constituição e na luta por converter as suas promessas em realidade prática 1 Cf FREEMANN S Democracia e controle jurídico da constitucionalidade Lua Nova Revista de Cultura e Política n 32 p 185 CAPPELLETTI Mauro O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado p 45 et seq CUNHA Paulo Ferreira da Constituição direito e utopia do jurídico constitucional nas utopias políticas 2 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo ensaio relativo à verdadeira origem extensão e objetivo do governo civil p 37138 Sobre a noção de direito de resistência cf BUZANELLO José Carlos Direito de resistência constitucional 3 Cf STRAUSS Leo The Political Philosophy of Hobbes its Basis and its Genesis p VII et seq FASSÒ Guido Jusnaturalismo In BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Org Dicionário de política BOBBIO Norberto Locke e o direito natural p 69 et seq LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt LIMA Viviane Nunes Araújo A saga do zangão uma visão sobre o direito natural 4 De acordo com Martin Loughlin os Levellers integrantes de um movimento radical igualitário do século XVII chegaram a desenvolver uma concepção de poder constituinte que no entanto não prosperou no constitucionalismo britânico Cf LOUGHLIN Martin Constituent power subverted from English consti tutional argument to British constitutional practice In LOUGHLIN Martin WALKER Neil Ed The Paradox of Constitutionalism Constituent Power and Constitutional Form p 2748 5 Contudo elementos embrionários da noção podiam ser identificados anteriormente Cf FIORAVANTI Maurizio Constitución de la antigüedad a nuestros días SAMPAIO José Adércio Leite Mito e história da Constituição prenúncios sobre a constitucionalização do direito In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas 6 Sieyès era vigário de Chartres 7 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 135 Inicialmente peçolhes que observem que os representantes do Terceiro Estado terão incontestavelmente a procuração dos 25 ou 26 milhões de indivíduos que compõem a nação excetuandose cerca de 200 mil nobres ou padres Isso já basta para que tenham o título de Assembleia Nacional Vão deliberar pois sem nenhuma dificuldade pela nação inteira excetuandose somente duzentas mil cabeças 8 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 119 9 Além de elaborar a teoria da supremacia da constituição Sieyès em pronunciamento na Convenção Na cional propôs a instituição de um depositário conservador da ata constitucional sob o nome de Tribunal Constitucional Tratase na verdade de proposta embrionária de controle concentrado de consti tucionalidade A proposta porém não foi aceita naquela ocasião Cf SIEYÈS Emmanuel Joseph Opinión de Sieyès sobre las atribuciones y organización del tribunal constitucional pronunciado en la Convención Nacional el 18 de Thermidor año III de la República In SIEYÈS Emmanuel Joseph De la revolución p 290 10 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 122 11 O Federalista é uma obra composta por 85 artigos jornalísticos publicados entre outubro de 1787 e abril de 1788 elaborados por três autores norteamericanos James Madison Alexander Hamilton e John Jay que assinavam sob o pseudônimo de Publius Os artigos visavam a convencer a população do Estado de Nova Iorque a votar favoravelmente à ratificação da Constituição americana o que de fato veio a ocorrer Vejase HAMILTON Alexander MADISON James JAY John The Federalist Great Books of the Western World 12 Cf BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito PERELMAN Chaïm Lógica ju rídica nova retórica 13 Cf BANDEIRA DE MELLO Oswaldo Aranha A teoria das Constituições rígidas p 37 et seq 14 BODIN Jean Les six livres de la Republique 15 Cf BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Le pouvoir constituant du peuple notionlimite du droit constitutionnel In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Le droit lÉtat et la Constitution démocratique p 209 16 Destaquese todavia que algumas constituições de Estados islâmicos teocráticos proclamam que o poder emana de Allah e não do povo ou da nação Caso paradigmático é o da Constituição do Irã aprovada em um referendo realizado em 1979 cujo art 21 estabelece A República Islâmica é um sistema baseado na crença no Deus Único como reconhecido na frase Não há Deus senão Allah na Sua exclusiva soberania e direito de legislar e na necessidade de submissão aos Seus comandos Sobre a relação entre a teocracia e o constitucionalismo em Estados contemporâneos vejase HIRSCHL Ran Constitutional Theocracy 17 Cf BERCOVICI Gilberto Soberania e Constituição para uma crítica do constitucionalismo p 29 et seq 18 Cf BOVERO Michelangelo Ética e política entre o maquiavelismo e o kantismo Lua Nova Revista de Cultura e Política n 25 p 145151 19 Cf HOBBES Thomas Leviathan or the Matter Form and Power of a Commonwealth Ecclesiastical and Civil 20 Cf KELSEN Hans A democracia p 2735 Como ressalta Kelsen se todos são iguais ninguém tem legitimidade para limitar a esfera privada de outrem A ausência de uma autoridade legislativa todavia comprometeria a organização da vida em comunidade No plano ideal a solução encontrada para esse dilema é o autogoverno do povo A autonomia pública é uma decorrência da conjugação da igualdade com a liberdade na estrutura social 21 ROUSSEAU JeanJacques Do contrato social p 37 22 ROUSSEAU JeanJacques Do contrato social p 32 23 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 69 Observase que estamos tratando da ideia de nação cívica tal como formulada por Sieyès não da de nação histórica Enquanto aquela se traduz no vínculo de pertencimento à comunidade política esta se constitui em termos culturais como comunidade de destino Enquanto o conceito cívico de nação se desenvolveu na França o conceito histórico predominou na Alemanha sob a influência do historicismo e do romantismo alemão Se o conceito cívico de nação é compatível com o pluralismo o conceito histórico deu lugar ao nacionalismo chauvinista cf HABERMAS Jürgen Cidadania e identidade nacional In HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade LACROIX Justine Le nationalsouverainisme en France et en GrandeBretagne Revue Internationale de Politique Comparée v 9 n 3 24 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 113 25 Cf CARRÉ DE MALBERG R Teoría general del Estado p 951 Junto ou melhor por cima da teoria inicial que faz do cidadão célula componente da nação a Constituinte deriva a ideia de unidade orgânica da nação que implicava essencialmente a ideia de unidade da vontade e da representação nacionais Sobre essa versão do conceito de nação cf KRULIC Lidée de peuple dans la tradition constitutionnelle française Sens Public MAULIN Éric Carré de Malberg et le droit constitutionnel de la Révolution Française Annales Historiques de la Révolution Française n 328 Na literatura brasileira cf FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 23 nação é a encarnação da comunidade em sua permanência nos seus interesses constantes interesses que eventualmente não se confundem nem se reduzem aos interesses dos indivíduos que a compõem em determinado instante 26 Não se pode contudo equiparar os projetos institucionais adotados pela Constituição Francesa de 1791 e a Constituição brasileira de 1824 Enquanto na constituinte francesa prevaleceu a orientação monárquicorepublicana de Sieyès no Brasil foi vitoriosa a incorporação do modelo dito monarquiano em que a unidade da nação era representada pelo monarca Não é por outra razão que de acordo com o art 98 o monarca além de Chefe Supremo da Nação era também o seu primeiro Representante cabendolhe o exercício do Poder Moderador que era a chave de toda a organização política O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política e é delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos Sobre esses e outros aspectos do debate então travado cf LYNCH Christian Edward Cyrill O momento monarquiano o poder moderador e o pensamento político imperial 27 Cf FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 25 28 Cf GOYARDFABRE Simone Lidée de représentation à lépoque de la Révolution Française Études françaises v 25 n 23 TYRSENKO Andreï Lordre politique chez Sieyès en lan III Annales Historiques de la Révolution française n 319 BRUNET Pierre La notion de représentation sous la Révolution Française Annales Historiques de la Révolution française n 2 29 SCHMITT Carl Constitutional Theory p 125 30 Cf SCHMITT Carl Constitutional Theory p 8288 31 Cf BERCOVICI Gilberto Constituição e Estado de exceção permanente atualidade de Weimar 32 Para os desenvolvimentos recentes da noção de compromisso constitucional cf KOUTNATZIS StylianosIoannis G Social Rights as a Constitutional Compromise Lessons from Comparative Experience Columbia Journal of Transnational Law v 44 33 Nos debates políticos dos primeiros anos do século XX esse aspecto era especialmente enfatizado pelos socialistas russos que criticavam a realização de uma Constituinte sem voto universal e sem ampla liberdade de agitação eleitoral Cf LENIN Vladimir As tarefas democráticas do proletariado revolucionário In LENIN Vladimir A questão da constituinte p 24 O que é uma Assembléia eleita por todo o povo É em primeiro lugar uma assembléia que expressa realmente a vontade do povo para o que se requer o sufrágio universal etc e a plena garantia de uma livre agitação eleitoral É em segundo lugar uma assembléia que possua realmente o poder e a força necessários para constituir uma ordem estatal que garanta a autocracia do povo É claro como água que se não derem estas duas condições a Assembléia não será realmente eleita por todo o povo nem realmente constituinte Texto originalmente publicado em 1905 A reivindicação de uma constituinte democrática foi contudo no curso do processo revolucionário russo substituída pelo projeto da chamada República Soviética do que resultou a dissolução pelos bolcheviques da Constituinte Russa de 1917 Cf LENIN Vladimir Declaração sobre a dissolução da Assembléia Constituinte na reunião do comitê executivo central de toda a Rússia In LENIN Vladimir A questão da constituinte p 135136 34 MÜLLER Friedrich Fragmento sobre o poder constituinte do povo p 60 35 Cf FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 31 O reconhecimento de que o povo é o titular do Poder Constituinte pouco esclarece quanto ao exercício deste mesmo poder Quer dizer o povo pode ser reconhecido como titular do Poder Constituinte mas não é jamais quem o exerce É ele um titular passivo ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifesta por uma elite 36 Cf BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Le pouvoir constituant du peuple notionlimite du droit constitutionnel In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Le droit lÉtat et la Constitution démocratique p 209 Sobre a secularização de conceitos teológicos na Teoria do Estado vejase SCHMITT Carl Teologia política p 3548 Na literatura constitucional brasileira uma visão explicitamente teológica do poder constituinte que equipara os seus poderes no Direito aos de Deus se encontra em BRITTO Carlos Ayres Teoria da Constituição p 5 et seq 37 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 116 38 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 119 39 Cf MAGNON Quelques maux encore à propos des lois de révision constitutionnelle limites contrôle efficacité caractère opératoire et existence Revue Française de Droit Constitutionnel 40 Para Kelsen sobre a Constituição há apenas um pressuposto lógico que ele denomina norma fundamental a proposição fundamental da ordem jurídica estadual diz devem ser postos atos de coerção sob os pressupostos e pela forma que estatuem a primeira Constituição histórica e as normas estabelecidas em conformidade com ela Em forma abreviada devemos conduzirnos como a constituição prescreve KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed p 224 41 Seria inconveniente que todas as normas jurídicas então em vigor fossem automaticamente revogadas gerando um grave vazio jurídico prejudicial à vida em sociedade Mas a Constituição anterior é totalmente revogada assim como as normas infraconstitucionais incompatíveis com o novo texto Vejase a propósito o Capítulo 14 42 Cf PREUSS Ulrich K Constitutional Powermaking for the New Polity Some Deliberations on the Relationship Between the Constituent Power and the Constitution In ROSENFELD Michael Ed Constitutionalism Identity Difference and Legitimacy Theoretical Perspectivas p 143 43 HÄBERLE Peter Libertad igualdad fraternidad 1789 como historica actualidad y futuro del Estado Cons titucional p 4647 44 ROSENFELD Michel A identidade do sujeito constitucional p 17 45 MARX Karl O 18 Brumário de Luís Bonaparte In MARX Karl Manuscritos econômicofilosóficos e outros textos escolhidos p 329 46 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 120 47 KELSEN Hans Teoria geral do direito e do Estado p 520 48 Nas palavras de Carl Schmitt A Constituição não se funda numa norma cuja justiça possa fundamentar a sua validade Em contraste com qualquer dependência de uma justiça normativa e abstrata a palavra von tade denota o caráter essencialmente existencial do seu fundamento de validade Constitutional theory p 97 49 Cf BERCOVICI Gilberto Soberania e Constituição para uma crítica do constitucionalismo p 2937 50 Com referência à Constituinte de 198788 cf BARBOSA Alaor Assembléia nacional constituinte expectativa prudente Revista de Informação Legislativa n 91 p 113 et seq JARDIM Torquato Mas qual Constituição Revista de Informação Legislativa n 96 p 41 et seq 51 LOPES José Reinaldo de Lima Mudança social e mudança legal os limites do Congresso Constituinte de 1987 Revista de Informação Legislativa n 94 p 54 et seq 52 LASSALE Ferdinand A essência da Constituição 1998 53 Cf CABRAL PINTO Luzia Marques da Silva Os limites do poder constituinte e a legitimidade material da Cons tituição SILVA Paulo Thadeu Gomes da Poder constituinte originário e sua limitação material pelos direitos humanos 54 Cf KROL Heloisa da Silva Limites materiais ao poder constituinte originário uma releitura da teoria cons titucional a partir da noção de direitos humanos universais Revista dos Tribunais v 96 n 861 SOUZA Leomar Barros Amorim de Os direitos humanos como limitações ao poder constituinte Revista de Informação Legislativa v 28 n 110 55 Cf STERN Klaus Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana p 318321 TEIXEIRA J H Meirelles Curso de direito constitucional p 213 56 A decisão é citada em BACHOFF Otto Normas constitucionais inconstitucionais p 23 57 BVerfGE 114 BVerfGE 23106 58 BVerfGE 3233 59 Nessa oportunidade o STF afirmou que não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário ADIAgR nº 4097DF Rel Min Cezar Peluso Julg 8102008 60 ADI nº 815DF Rel Min Moreira Alves Julg 2831996 DJ 10 maio 1996 61 Cf RADBRUCH Gustav Filosofia do direito p 417 Sobre a fórmula de Radbruch vejase ALEXY Robert The Argument from Injustice a Reply to Legal Positivism BUSTAMANTE Thomas R PósPositivismo o argu mento da injustiça além da Fórmula de Radbruch Revista de Direito do Estado v 4 62 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 113 Sobre o tema vejase ainda ELSTER Jon Forças e mecanismos de elaboração da Constituição In BIGONHA Antônio Alpino MOREIRA Luiz Org Limites do controle de constitucionalidade p 940 63 Cf VIRGA Pietro Diritto costituzionale p 78 64 Cf HORTA Raul Machado Reflexões sobre o poder constituinte In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 2930 65 Vejase a propósito KLUG Heinz The Constitution of South Africa a contextual analysis p 2384 66 Cf CCT 2396 Nessa decisão a Corte Constitucional descreveu nos seguintes termos o inédito processo constituinte sulafricano Ao invés de uma simples transmissão de poder da antiga para a nova ordem haveria uma transição em duas etapas Um governo provisório instituído e atuando sob a égide de uma Constituição provisória acordada pelas partes da negociação governaria o país por meio de uma coligação enquanto uma Constituição definitiva estivesse sendo elaborada Um legislativo nacional eleito direta e indiretamente pelo sufrágio universal adulto iria funcionar também como assembleia constituinte durante um período definido Mas e aí está a chave para a resolução do impasse o texto desta Constituição teria que respeitar certas diretrizes acordadas anteriormente pelas partes que negociaram a transição E mais um árbitro independente a Corte Constitucional teria que certificar e declarar se a nova Constituição de fato respeitava as diretrizes antes dela entrar em vigor 67 Na ocasião disse Plínio Arruda Sampaio Convocada apenas no ano de 1985 não pode a Constituinte contar com a participação de membros que não receberam delegação expressa do povo para elaborar a nova Constituição A participação dos senadores eleitos constitui afronta brutal ao princípio da legítima representatividade constituinte O constituinte Gastone Righi PTB ao se opor à proposta redarguiu Ocorre Sr Presidente que esses senadores quando foram eleitos tinham poderes constituintes e puderam inclusive votar a emenda que convocou a Constituinte Na realidade não é um Poder Constituinte Originário Decorre da Constituição anterior do Congresso anterior O Congresso que convocou esta constituinte decidiu que todos os membros da Câmara dos Deputados e do Senado da República devem fazer parte da Constituinte Anais da Assembleia Constituinte sessão de 121987 p 1011 68 Vejase a propósito AMAR Akhil Reed Americas Constitution a biography p 553 69 Jon Elster estudou na perspectiva da teoria política a tendência das assembleias constituintes de expan direm os seu próprios poderes rompendo limites impostos pelas forças que as convocaram e chamou este fenômeno de constitutional bootsprapping que é nas suas palavras o processo pelo qual uma assembleia constituinte rompe os laços com as autoridades que a convocaram e se arroga alguns ou todos os seus poderes para si Para Elster esta tendência decorre do paradoxo do poder constituinte de que cada geração que ser livre para vincular os seus sucessores e ao mesmo tempo não quer estar vinculada aos antecessores Cons titutional bootstrapping in Philadelphia and Paris In ROSENFELD Michel Ed Constitutionalism Identity Difference and Legitimacy Theorethical Perspectives p 5783 70 Vejase a propósito JOBIM Nelson de Azevedo A constituinte vista por dentro vicissitudes superação e efetividade de uma história real In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição SAMPAIO José Adércio Leite Teoria e prática do poder constituinte como legitimar ou desconstruir 1988 15 anos depois In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Quinze anos de Constituição 71 MÜLLER Friedrich Fragmento sobre o poder constituinte do povo p 44 72 No mesmo sentido SAMPAIO José Adércio Leite Teoria e prática do poder constituinte como legitimar ou desconstruir 1988 15 anos depois In SAMPAIO José Adércio Leite Quinze anos de Constituição p 45 73 SIEYÈS A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 121 74 ROSENFELD Michel A identidade do sujeito constitucional 75 Em sentido diametralmente oposto vejase a manifestação de teor fascista do jurista Francisco Campos responsável pela elaboração da Constituição brasileira de 1937 As decisões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente subtraídas ao princípio da livre discussão Eliminado do seu sistema o princípio de liberdade de opção as decisões fundamentais são abertamente subtraídas ao processo dialético da discussão da propaganda e da publicidade para serem imputadas a um centro de vontade de natureza tão irracional como os centros de decisão política dos regimes de ditadura CAMPOS Francisco A política e o nosso tempo In CAMPOS Francisco O Estado Nacional p 28 76 Cf PIRES Francisco Lucas Introdução do direito constitucional europeu seu sentido problemas e desafios 77 Cf NEVES Marcelo Transconstitucionalismo p 133146 78 SIEYÈS Emmanuel Joseph A constituinte burguesa o que é o Terceiro Estado p 119 79 Em sentido diametralmente oposto propondo uma leitura não constitucionalista do poder constituinte como um poder permanente e sem limite atribuído às multidões vejase NEGRI Antonio O poder constituinte ensaio sobre as alternativas da modernidade 80 Na literatura brasileira vejase Celso Antônio Bandeira de Mello o chamado Poder Constituinte originário não se constitui num fato jurídico Em rigor as características as notas que se apontam para o Poder Constituinte o ser incondicionado o ser ilimitado de conseguinte não conhecer nenhuma espécie de restrição já estão a indicar que ele não tem por referencial nenhuma espécie de norma jurídica pelo contrário é a partir dele que vai ser produzida a lei suprema a norma jurídica suprema o texto constitucional temse concluir que o Poder Constituinte é algo préjurídico precede na verdade a formação do direito Poder constituinte Revista de Direito Constitucional n 4 p 69 et seq No mesmo sentido DANTAS Ivo Poder constituinte e revolução 1978 p 4041 81 SCHMITT Carl Constitutional Theory p 123 82 Riccardo Guastini um positivista italiano contemporâneo chega a dizer que o próprio questionamento sobre a validade da Constituição é um absurdo lógico Nas suas palavras A validade da Constituição por sua vez requer que haja tanto normas que disciplinem a produção da Constituição quanto normas que sejam superiores à Constituição do ponto de vista hierárquico Mas nos vários sistemas jurídicos não é dado encontrar nem normas metaconstitucionais nem normas superconstitucionais uma vez que por definição a Constituição é exatamente a fonte suprema do no sistema jurídico suprema seja do ponto de vista lógico seja do ponto de vista hierárquico A Constituição é a medida a unidade de medida o critério de validade de todas as outras normas do sistema jurídico Como tal a Constituição não é válida nem inválida Das fontes às normas p 360 83 KELSEN Hans Teoria geral do direito e do Estado p 173 84 HART Herbert O conceito de direito 3 ed 85 MS nº 3557 Rel Min Hanneman Guimarães Julg 14121955 86 Cf SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional p 361365 87 Sobre as relações entre a ditadura militar e o Poder Judiciário brasileiro cf PEREIRA Anthony W Ditadura e repressão o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil no Chile e na Argentina Para o autor um alto grau de integração organizacional e de consenso entre as forças armadas e elites judiciárias pode ser encontrado no Brasil p 287 Sobre a atuação do STF no período militar cf TRIGUEIRO DO VALE O Supremo Tribunal Federal e a instabilidade políticoinstitucional 88 ADI nº 2356MC Rel p acórdão Min Carlos Britto Julg 25112010 89 No mesmo sentido com amplo desenvolvimento teórico vejase BRITO Miguel Nogueira de A Constituição constituinte ensaio sobre o poder de revisão da Constituição p 293383 90 Na mesma linha embora a partir de pontos de partida diferentes vejase CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Poder constituinte e patriotismo constitucional In GALUPPO Marcelo Campos Org O Brasil que queremos reflexões sobre o Estado Democrático de Direito p 47103 O autor adota uma leitura prescritiva sobre o poder constituinte baseada na teoria do discurso de Jürgen Habermas também chegando à conclusão da sua limitação pelos direitos humanos e democracia 91 Cf ALEXY Robert The Argument from Injustice a Reply to Legal Positivism 92 Neste ponto concordamos com Habermas a positividade do direito não pode fundarse somente na contingência de decisões arbitrárias sem correr o risco de perder o seu poder de integração social O direito extrai a sua força muito mais da aliança que a positividade do direito estabelece com a pretensão à legitimidade Direito e democracia entre facticidade e validade p 60 93 ELKINS Zachary GINSBURG Tom MELTON James The Endurance of National Constitutions p 215221 94 DORSEN Norman et al Comparative Constitutionalism Cases and Materials p 7273 95 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed p 99102 96 Neste sentido cf KELSEN Hans Teoria pura do direito p 290 Uma revolução no sentido amplo da palavra compreendendo também o golpe de Estado é toda modificação ilegítima da Constituição isto é toda modi ficação da Constituição ou a sua substituição por uma outra não operadas segundo as determinações da mesma Constituição 97 Cf ARENDT Hannah On Revolution p 2829 ACKERMAN Bruce The Future of the Liberal Revolution p 524 Nas palavras de Ackerman Acima de tudo os revolucionários propõem dividir o tempo em pelo menos duas partes o Antes e o Agora Antes havia algo terrivelmente errado na maneira como as pessoas pensavam e agiam Agora nós temos a chance de fazer um recomeço p 5 98 O Preâmbulo da Constituição portuguesa de 1976 editada para consolidar o regime instaurado no país após a derrota pela via revolucionária do governo autoritário que lá se instalara desde o início da década de 1930 indica a sua pretensão de representar um recomeço A 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos derrubou o regime fascista Libertar Portugal da ditadura da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais No exercício destes direitos e liberdades os legítimos representantes do povo reúnemse para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país A Assembléia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos de estabelecer os princípios basilares da democracia de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista no respeito da vontade do povo português tendo em vista a construção de um país mais livre mais justo e mais fraterno 99 Vejase a propósito o Capítulo 3 que trata da trajetória do constitucionalismo brasileiro 100 Cf BURKE Edmund Reflections on the Revolution in France p 1523 101 Sobre o pensamento contrarrevolucionário no Direito Constitucional vejase GENGEMBRE La contrerévolution et le refus de la Constitution In TROPER Michel JAUME Lucien Org 1789 et lInvention de la Constitution p 55 74 BERCOVICI Gilberto Soberania e Constituição p 158177 102 Na teoria política contemporânea essa posição foi defendida pelo filósofo italiano Antonio Negri em sua obra O poder constituinte ensaio sobre as alternativas da modernidade 103 PREUSS Ulrich K Constitutional Powermaking for the New Polity some Deliberations on the Relationship Between the Constituent Power and the Constitution In ROSENFELD Michael Ed Constitutionalism Identity Difference and Legitimacy Theoretical Perspectives p 145 104 Vejase a propósito o item sobre a Constituição de 1934 no Capítulo 3 sobre a história constitucional brasileira 105 No mesmo sentido ACKERMAN Bruce The Future of the Liberal Revolution p 4668 106 Cf BISCARETTI DI RUFFIA Paolo Introducción al derecho constitucional comparado p 511 Notese que não houve à época total independência destes Estados mas a adoção de um regime sui generis conhecido como Commonwealth 107 DE VERGOTTINI Giuseppe Diritto costituzionale comparato p 146150 108 Cf BURDEAU Georges HAMON Francis TROPER Michel Droit constitutionnel Droit constitutionnel p 414430 109 Sobre o conceito de golpe de Estado cf BARBÉ Carlos Golpe de Estado In BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Org Dicionário de política p 545547 110 A classificação das constituições em normativa nominal e semântica proposta por Karl Loewenstein é explicada no capítulo que trata dos conceitos essenciais do Direito Constitucional 111 Cf ELKINS Zachary GINSBURG Tom MELTON James The Endurance of National Constitutions p 180188 112 Cf BURDEAU Georges HAMON Francis TROPER Michel Droit Constitutionnel p 325329 A Constituição francesa de 1848 até então em vigor não permitia a reeleição do Presidente e Luís Napoleão sobrinho de Napoleão Bonaparte que desejava se reeleger para o cargo não obteve a maioria no parlamento necessária para alterar o texto constitucional Ele então dissolveu o Legislativo em dezembro de 1951 e suspendeu a Constituição Houve em seguida um plebiscito que confirmou Luís Napoleão no cargo conferindolhe o poder de elaborar uma nova Constituição Uma comissão por ele controlada redigiu a Constituição de 1852 que o nomeou como Presidente da República com amplos poderes para um mandato de 10 anos Meses depois a Constituição foi alterada por um ato do Senado mais uma vez aprovado por plebiscito para atribuir ao Presidente o título de Imperador A concessão plebiscitária de poderes ao Presidente para elaboração desta Constituição a torna um exemplo típico de constituição cesarista vejase a propósito o Capítulo 1 sobre conceitos essenciais 113 Sobre o processo de elaboração da Constituição espanhola de 1978 cf ROYO Javier Perez Curso de derecho constitucional p 126130 114 Cf ACKERMAN Bruce We the people v 2 115 Vejase a propósito JACOBSOHN Gary Jeffrey Apple of God Constitutionalism in Israel and the United States 116 Tratase do caso United Mizrahi Bank Ltda v Migdal Cooperative Village que teve como relator o conhecido constitucionalista Aharon Barak à época Presidente da Suprema Corte de Israel O caso pelas suas características é conhecido como o Marbury v Madison israelense 117 Vejase a propósito SAJÓ Andrés LOSONCI Vera Rule by Law in East Central Europe is the Emperors New Suit a Straitjacket In JACKSON Vicki TUSHNET Mark Comparative Constitutional Law p 298309 HOLMES Stephen SUNSTEIN Cass R The Politics of Constitutional Revision in Eastern Europe In LEVINSON Sanford Ed The Theory and Practice of Constitutional Amendment p 275306 118 A cidadania europeia está prevista no Tratado de Maastricht É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estadomembro art 8º Vejase a propósito NEUMAN Gerald L Fédéralisme et citoyenneté aux ÉtatsUnis et dans lUnion européenne Critique Internationale v 4 n 21 MAGNETTE Paul Vers une citoyenneté européenne directe Pratiques du droit de pétition dans lUnion Européenne Revue Internationale de Politique Comparée v 9 n 1 119 Cf CASTIGLIONE Dario Reflections on Europes Constitutional future Constellations v 11 n 3 p 407 120 No mesmo sentido NEVES Marcelo Transconstitucionalismo p 95 A constitucionalização europeia se não nos limitarmos a um conceito históricouniversal de Constituição ainda é um processo de desenvolvimento em aberto suscetível de reversões mas que provavelmente tenderá a consolidação de uma Constituição transversal no plano de um federalismo supranacional 121 Em insight interessante Bruce Ackerman comparou o processo de constitucionalização da União Europeia que ele chamou de neofederalista com o ocorrido nos Estados Unidos Nas suas palavras um grupo de estados delega um conjunto de competências para um centro embrionário por meio de um tratado Mas esse tratado acaba se revelando diferente dos demais Os estadosmembros encontram crescente dificuldade em se evadirem dos comandos do centro emergente De um jeito ou de outro o centro procura firmar a idéia de que o tratado se sobrepõe a leis contrárias posteriormente promulgadas pelos estados periféricos Se os tribunais aceitam essa concepção o tratado começa a se investir do status de constituição Quando se reparam com um ato ordinário de legislação doméstica os juízes começam a se colocar na posição de determinar se esse ato é compatível com o tratadoconstituição prevalecente A incerta transformação de um tratado em uma constituição está hoje no centro da União Europeia Também esteve no centro da experiência americana entre a Revolução e a Guerra Civil ACKERMAN Bruce A ascensão do constitucionalismo mundial In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas p 93 122 Antes em 1952 havia sido celebrado pelos mesmos países o Tratado de Paris criando a Comunidade Europeia do Carvão e Aço Em 1957 o Tratado de Roma instituiu outras duas comunidades a Comunidade Europeia de Energia Atômica e a Comunidade Econômica Europeia certamente a instituição mais importante Tais comunidades foram posteriormente integradas A União Europeia foi fundada em 1993 quando entrou em vigor o Tratado de Maastricht 123 A Carta Europeia de Direitos Humanos foi proclamada pelo Parlamento da União Europeia em 2000 Contudo o seu status de norma jurídica vinculante era incerto no Direito Comunitário europeu até a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009 que a adotou com pequenas alterações redacionais Sobre a proteção dos direitos humanos no âmbito da União Europeia vejase RAMOS André de Carvalho Direitos humanos na integração econômica análise comparativa da proteção de direitos humanos e conflitos jurisdicionais na União Européia e Mercosul Ressaltese que o sistema comunitário de proteção de direitos humanos acima referido não se confunde com aquele proporcionado pela Corte Europeia de Direitos Humanos com base na Convenção Europeia de Direitos Humanos adotada em 1950 e ratificada por 47 Estados A Corte Europeia de Direitos Humanos se insere no sistema do Conselho da Europa e não na União Europeia composta por um número menor de Estados Sobre esse outro sistema veja se PIOVESAN Flávia Direitos humanos e justiça internacional p 6384 124 Cf RUBIO LLORENTE Francisco El constitucionalismo de los Estados Integrados de Europa In RUBIO LLORENTE Francisco Constituciones de los Estados de la Unión Europea p XIXXVII estudio preliminar 125 Cf SWEET Alec Stone Governing with Judges Constitutional Politics in Europe p 153193 ALTER Karen J The European Court and Legal Integration an Exceptional Story or the Harbinger to the Future In WHITTINGTON Keith E KELEMEN R Daniel CALDEIRA Gregory A Ed The Oxford Handbook of Law and Politics p 209227 126 O princípio da aplicação imediata do Direito Comunitário foi formulado pelo TJCE no julgamento do caso Van Gend en Loos v Netherland decidido em 1962 127 O princípio da supremacia do direito comunitário em face do direito interno foi afirmado pelo TJCE no julgamento do caso Flaminio Costa v ENEL julgado em 1964 No âmbito comunitário esta supremacia é sustentada inclusive em relação às constituições dos Estados europeus como decidiu o TJCE nos casos Internationale Handelsgesellchaft julgado em 1970 e Simenthal de 1976 128 Vejase a propósito BERRANGER Thibaut de Constitution nationales et construction communautaire NEVES Marcelo Transconstitucionalismo p 133146 Destaquese que se a supremacia das normas comunitárias sobre o direito interno é questão já pacificada o mesmo não pode se dizer a respeito da sua superioridade em face das normas constitucionais dos Estados A aplicação do princípio da supremacia em face das normas constitucionais ainda não está equacionada suscitando inúmeras polêmicas no Direito Constitucional de diversos países integrantes da União Europeia e despertando reações contrárias de variadas cortes cons titucionais como a alemã a italiana e o Conselho Constitucional francês 129 O principal instrumento por meio do qual o TJCE tem conseguido exercer este papel é a preliminary reference questão prejudicial prevista no art 177 do Tratado de Roma Tratase de instituto que permite aos juízes dos Estados europeus e obriga as suas cortes superiores salvo em algumas hipóteses excepcionais a consultarem o TJCE sobre a interpretação correta de normas comunitárias sempre que estas sejam aplicáveis aos casos sob a sua apreciação ficando então vinculados à posição daquele tribunal europeu na subsequente solução do caso Sobre o tema cf VINAIXA Rosário Huesa et al Instituciones de derecho comunitário p 248262 130 Neste sentido WALKER Neil PostConstituent Constitutionalism The Case of the European Union In LOUGHLIN Martin WALKER Neil The Paradox of Constitutionalism Constituent Power and Constitutional Form p 247268 131 Neste sentido GRIMM Dieter A Europa precisa de uma Constituição In GRIMM Dieter Constituição e política p 216224 132 Mesmo Jürgen Habermas um entusiasmado defensor do constitucionalismo comunitário europeu reco nhece tal problema embora seja otimista sobre a possibilidade da sua solução Cf HABERMAS Jürgen Será que a Europa precisa de uma Constituição In HABERMAS Jürgen Era das transições p 141 133 Vejase a propósito Cf FEATHERSTONE Kevin Jean Monet and the Democratic Deficit of the European Union Journal of Common Market Studies v 32 n 2 PECH Laurent LUnion européenne entre déficit démocratique et nouvelle gouvernance ROUYER Muriel Les promesses du constitutionnalisme Raisons Politiques n 10 Rejeitando a existência de um déficit democrático cf MORAVCSIK Andrew Le mythe du déficit démocratique européen Raisons Politiques v 2 n 10 134 Cf HÄBERLE Peter El Estado Constitucional Europeo cuestiones constitucionales Revista Mexicana de Derecho Consitucional n 2 STERN Klaus La Unión Europea en el camino hacia una comunidad de derecho constitucional Revista de Derecho Político n 70 135 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1222 CAPÍTULO 7 O PODER CONSTITUINTE DERIVADO 71 Introdução No capítulo anterior discutimos extensamente o poder constituinte originário Neste abordaremos o poder constituinte derivado que envolve a reforma constitucional e o poder dos entes Estados membros de elaborarem e de modificarem as suas constituições estaduais e segundo alguns autores também o dos municípios de editarem e alterarem as suas leis orgânicas O poder constituinte derivado em qualquer das manifestações acima referidas não possui as características que a doutrina tradicional atribuiu ao poder constituinte originário Não é inicial pois tem fundamento de validade na Constituição Não é ilimitado pois se submete aos limites traçados pelo poder constituinte originário ao qual está subordinado E não é incondicionado uma vez que deve ser exercitado de acordo com os procedimentos ditados pela Constituição Na verdade como já antes ressaltado não se trata de um verdadeiro poder constituinte mas de um poder constituído ou instituído que tem como características a derivação a subordinação e o condicionamento No presente capítulo trataremos inicialmente do poder reformador A Constituição como se sabe pode ser alterada formal e informalmente Cuidaremos agora tão somente das mudanças formais da Constituição que importam em alteração do seu texto As mudanças informais conhecidas como mutações constitucionais serão analisadas no próximo capítulo Na Constituição de 88 foram previstos três diferentes mecanismos para alteração formal da Constituição as emendas constitucionais art 60 CF a incorporação de tratados internacionais de direitos humanos por procedimento agravado art 5º 3º CF e a revisão constitucional art 3º ADCT prevista para ocorrer uma única vez e que teve curso entre outubro de 1993 e março de 1994 No presente capítulo além de uma apreciação geral sobre o fenômeno da reforma constitucional e seus respectivos limites analisaremos cada um destes mecanismos Discutiremos os limites jurídicos para a reforma constitucional no Brasil numa perspectiva que busca conciliar a dogmática constitucional com a filosofia política explorando a jurisprudência e usando aportes do Direito Comparado Em seguida estudaremos o poder constituinte decorrente dos Estados membros abordando criticamente a orientação que se firmou no STF sobre os seus limites que vem esvaziando quase completamente a autoorganização desses entes federativos O capítulo se encerra com a exposição do debate acerca da natureza de poder constituinte decorrente das leis orgânicas dos municípios 72 O poder de reforma constitucional generalidades e limitações Como já salientado a supremacia da Constituição impõe que as mudanças no texto constitucional sejam mais difíceis do que a elaboração da legislação ordinária Esta exigência de rigidez constitucional possibilita o entrincheiramento das decisões do poder constituinte originário o que serve à proteção de valores considerados fun damentais cuja alteração ou supressão pelas maiorias é dificultada ou mesmo impedida Contudo seria insensato consagrar a total imutabilidade da Constituição Primeiramente porque essa intangibilidade seria antidemocrática por subtrair o direito das gerações futuras de decidirem os seus próprios destinos Em segundo lugar porque tal opção condenaria a Constituição a uma vida curta ou a se tornar letramorta quando não mais correspondesse às necessidades sociais ou aos valores hegemônicos na sociedade Num ou noutro caso sem a possibilidade de adaptarse às novas demandas a Constituição acabaria perecendo antes da hora É nesse cenário que se insere o tema da reforma da Constituição facilitá la em excesso pode ser imprudente expondo em demasia aos riscos da política princípios e direitos importantes mas dificultála demais também pode ser além de antidemocrático contraproducente por gerar instabilidade constitucional ou invés da desejada estabilidade Há na questão uma tensão entre as demandas por mudança e permanência da Constituição Como se verá abaixo as soluções dadas a este problema variam no tempo e no espaço O tema do poder constituinte reformador tem enorme importância no Direito Constitucional brasileiro contemporâneo não só pela sua densidade teórica como sobretudo pelo seu aspecto prático tendo em vista a frequência incomum de reformas constitucionais no Brasil Desde a sua promulgação até o momento em que concluímos o presente volume a Constituição de 88 já sofreu nada menos que 77 alterações formais 70 emendas 6 emendas de revisão e a incorporação com estatura constitucional de um tratado internacional de direitos humanos Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com o respectivo protocolo facultativo A média tem sido de mais de três reformas por ano Essa elevada frequência tem duas principais causas1 a a Constituição disciplina uma ampla quantidade de assuntos e é muitas vezes detalhista nessa regulação o que faz com que mudanças sociais ou a alteração do equilíbrio das forças políticas provoquem frequentes anseios por modificação do texto constitucional b embora a Constituição de 88 seja rígida as exigências formais para a sua mudança que serão adiante examinadas não são tão difíceis de ser superadas É recorrente a crítica ao excesso de emendas a que se submete a nossa Constituição a qual por força dessas constantes alterações teria se tornado uma verdadeira colcha de retalhos Não discordamos do diagnóstico de que há um excesso de reformas constitucionais no Brasil o que pode ser prejudicial ao desenvolvimento da nossa cultura constitucional2 Sem embargo com o tipo de Constituição detalhista que adotamos e considerando o dinamismo da nossa sociedade dificilmente haveria outra alternativa para manter em funcionamento o sistema jurídico que não envolvesse frequentes mudanças constitucionais Se fosse muito mais difícil a sua alteração talvez a Carta de 88 nem mais estivesse em vigor Ademais a elevada frequência das emendas embora problemática sinaliza algo positivo no Brasil contemporâneo que a sociedade e o sistema político rejeitam as ações feitas completamente à margem da Constituição Por isso os atores relevantes se mobilizam para alterála sempre que isso seja necessário para a promoção da sua agenda Fosse a Constituição desimportante as ações políticas desejadas pelos grupos hegemônicos seriam simplesmente adotadas à sua margem sem que os agentes interessados sequer tivessem que canalizar previamente a sua energia no afã de alterar o texto constitucional A imensa maioria das constituições em vigor contém as regras que disciplinam a sua própria mudança3 Mas nem sempre foi assim Grande parte das constituições dos países europeus editadas no século XIX não tratava do assunto Foi o caso do chamado Estatuto Albertino da Itália de 1848 das Cartas francesas de 1815 e 1830 e da Constituição espanhola de 18764 Naquele cenário debatiase se a ausência de previsão e disciplina da reforma na Constituição importava na sua imutabilidade ou na sua flexibilidade A segunda posição referendada pela doutrina majoritária da época acabou prevalecendo até por razões práticas era politicamente inviável a imutabilidade das constituições5 As constituições ao regularem a sua própria mudança impõem limites ao poder reformador Tais limites podem ser de diversas naturezas formais os que dizem respeito ao procedimento necessário para alterar a Constituição e aos agentes nele envolvidos circunstanciais os que estabelecem momentos específicos de crise institucional em que a Constituição não pode ser modificada temporais os que preveem intervalos mínimos para mudanças na Constituição ou impedem alterações do texto constitucional até escoado um determinado prazo de vigência do mesmo e materiais os que vedam certas deliberações do poder constituinte derivado Todos esses limites serão analisados neste capítulo Existem outras classificações atinentes aos limites ao poder de reforma consti tucional Eles podem ser imanentes ao sistema constitucional ou transcendentes a ele6 Limites imanentes são aqueles positivados expressa ou implicitamente na própria Constituição Transcendentes são os que têm sede em outro plano como os valores suprapositivos ou as obrigações assumidas na esfera internacional Quanto aos limites transcendentes eles nem sempre são aceitos Mas quem como nós sustenta que existem limites até para o poder constituinte originário deve admitir a fortiori que os mesmos também vinculam o poder reformador Essa é uma questão teoricamente instigante mas que não apresenta maior relevo prático na ordem constitucional brasileira vigente É que os principais candidatos ao posto de limites ao poder constituinte originário direitos humanos e democracia foram não só acolhidos no texto constitucional de 88 como também erigidos explícita ou implicitamente à estatura de cláusulas pétreas como se verá adiante Portanto os limites já contidos na Constituição de 88 interpretados de maneira adequada já vedam as reformas constitucionais de inspiração autoritária que as limitações transcendentes se admi tidas poderiam impedir Outra distinção existente é entre limites expressos ou explícitos e limites implícitos ao poder de reforma Os primeiros estão claramente positivados no texto constitucional Os segundos não estão mas podem ser revelados pela via hermenêutica Como se verá abaixo há intenso debate na doutrina brasileira sobre a existência de limites materiais implícitos ao poder de reforma vale dizer sobre a existência de outras cláusulas pétreas além daquelas já previstas no art 60 4º da Constituição Finalmente falase também em limites absolutos e limites relativos Os primeiros não seriam superáveis sem ruptura da ordem constitucional Os segundos poderiam ser ultrapassados por meio de procedimentos ainda mais complexos do que os necessários à reforma Este debate tem conexão com a discussão a propósito da possibilidade de dupla revisão na Constituição que será adiante examinada No Brasil é entendimento pacífico que os limites ao poder de reforma são juridicamente vinculantes podendo ser objeto inclusive de proteção judicial por meio do controle abstrato ou concreto de constitucionalidade A jurisprudência do STF sobre o assunto remonta a 1926 7 e sob a égide da Constituição de 88 diversas emendas constitucionais já foram invalidadas no todo ou em parte pela Corte em razão da inobservância destes limites8 Afinal as normas que instituem tais limites são autênticas normas jurídicas cuja violação não pode ser afastada do conhecimento dos tribunais A Corte admite inclusive a possibilidade de controle preventivo de constitucionalidade das emendas constitucionais a partir de mandados de segurança impetrados por parlamentares9 hipótese excepcional na jurisdição constitucional brasileira que não contempla em regra o controle judicial preventivo de constitucionalidade Como se verá adiante o STF vem exercendo até com certa ousadia o controle de constitucionalidade das emendas constitucionais o que é absolutamente incomum no Direito Comparado Ao que sabemos além do Brasil apenas na Índia existe essa prática10 Com efeito em países como os Estados Unidos11 e Alemanha12 nunca se reco nheceu a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional Na França a própria possibilidade de controle foi rejeitada em hipótese de lei voltada à alteração da Constituição aprovada em referendo popular13 Entendemos que a posição do Poder Judiciário brasileiro é correta no sentido da admissão do controle jurisdicional de constitucionalidade das reformas constitucionais Parecenos contudo que tal controle deveria ser exercitado de forma mais autocontida do que o praticado em relação às leis tendo em vista o princípio democrático Afinal o quorum elevado para aprovação das reformas constitucionais demanda a formação de uma ampla maioria política em favor de cada medida Se a jurisdição constitucional como anteriormente discutido suscita a chamada dificuldade contramajoritária essa é ainda mais intensa quando o controle se volta não às leis mas às reformas constitucionais 721 Limites formais 7211 Generalidades e Direito Comparado Todas as constituições rígidas contêm limites formais ao poder de reforma Eles dizem respeito à forma como pode ser alterado o texto constitucional Envolvem questões como a quem pode propor as mudanças b quem deve aproválas e c quantas votações qual o seu intervalo e qual o quorum necessário para que haja a aprovação da modificação na Constituição Os limites formais são o principal elemento para se aferir o grau de dificuldade da alteração formal de uma Constituição É intuitivo que quanto mais difícil for o processo de mudança formal da Constituição menor será o número de alterações aprovadas Todavia nem sempre a pequena quantidade de alterações formais significará a reduzida frequência das mudanças constitucionais Em alguns casos como o norteamericano a dificuldade fará com que o principal mecanismo de mudança constitucional seja informal As mutações constitucionais tendem a ser mais relevantes onde as reformas forem mais difíceis14 Algumas constituições preveem procedimentos diferentes para reforma do seu texto de acordo com o tema tratado ou com a extensão das mudanças pretendidas As constituições brasileiras de 1824 e 1934 foram assim Na primeira uma Cons tituição semirrígida parte do texto constitucional podia ser alterado da mesma maneira empregada para elaboração da legislação ordinária Outra parte relacionada aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos art 178 demandava um processo mais complexo em que era necessário que o legislador aprovasse uma lei autorizando a reforma que só seria realizada na próxima legislatura15 Na Constituição de 193416 havia uma distinção entre emenda e revisão art 178 A última ocorria quando as alterações fossem relativas à estrutura política do Estado ou à competência dos poderes nos demais casos bastava simples emenda O procedimento era mais difícil na revisão do que na emenda seja no que tange ao poder de iniciativa mais restrito seja no que concerne à necessidade de aprovação da mudança na legislatura subsequente A Constituição espanhola também consagra similar distinção entre a reforma e a revisão constitucional arts 167 e 168 A reforma é a regra geral demandando um quorum de aprovação de 35 de cada uma das casas do Legislativo A revisão que ocorre quando se pretende uma mudança total da Constituição ou de determinadas partes específicas da mesma os princípios gerais contidos no Título Preliminar os direitos fundamentais e as normas que tratam da Coroa demanda a aprovação por 23 de ambas as casas do Legislativo seguida de dissolução das mesmas com nova aprovação mais uma vez por 23 de cada casa parlamentar realizada após as eleições Depois disso há ainda a necessidade de aprovação da revisão por referendo Outras constituições como a da Suíça arts 118123 Áustria art 44 Costa Rica arts 195 e 196 Venezuela arts 341 a 346 Bolívia art 411 e Equador arts 441 e 442 também adotam este tipo de diferenciação Em geral as reformas constitucionais são aprovadas pelo Poder Legislativo Algumas constituições exigem que duas legislaturas subsequentes concedam essa aprovação Além dos casos da Constituição brasileira de 1824 e 1934 na revisão e espanhola na revisão acima mencionados tal exigência também consta da atual Constituição da Grécia art 110 e da Islândia art 79 A Constituição francesa de 1791 ia ainda mais longe exigindo a aprovação das reformas por três legislaturas subsequentes Título VII 2 Outras constituições preveem que ao invés do Poder Legislativo as reformas devem ser aprovadas por uma convenção especialmente convocada para tal fim Foi o caso das constituições francesas de 1793 arts 115 a 117 e 1848 art 111 e é o caso da atual Constituição da Argentina art 3017 O quorum de deliberação necessário para alteração da Constituição varia bas tante Nas constituições brasileiras ele oscilou na Carta de 1824 art 178 exigiase maioria absoluta para temas que fossem materialmente constitucionais bastando a maioria simples nos outros casos Na Constituição de 1891 passouse a demandar o voto de 23 dos deputados e senadores art 90 Nas constituições de 1934 art 178 1946 art 217 e 1967 art 51 impunhase a aprovação das alterações por maioria absoluta Na Carta de 1937 art 174 bastava a maioria simples se o projeto fosse apresentado pelo Presidente da República exigindose a maioria absoluta se ele proviesse da Câmara dos Deputados Sob a égide da Constituição de 1969 ou EC nº 1 à Constituição de 67 exigiase inicialmente a aprovação das emendas por 23 dos deputados e senadores art 48 Esse quorum foi reduzido para maioria absoluta pela EC nº 877 voltando a ser de 23 dos parlamentares de cada casa congressual com a Emenda nº 2282 A Constituição de 1988 como se verá adiante prevê a necessida de de aprovação das emendas por 35 dos deputados e senadores art 60 2º No Direito Comparado há também grandes variações sobre o tema Na Alemanha art 782 Portugal art 286 Bélgica art 195 e Índia art 368 por exemplo o quorum é de 23 dos parlamentares Já no Chile art 116 e na França art 89 nesta nos casos em que não houver referendo se exige o voto de 35 dos membros de cada casa legislativa Uma das soluções mais rígidas foi dada pela Constituição de Liechtenstein art 111 em que as mudanças constitucionais têm de ser aprovadas no parlamento por unanimidade ou na sua falta por 34 dos parlamentares em duas sessões consecutivas Há também constituições que demandam além da aprovação da emenda pelo Legislativo o seu endosso pelo próprio povo por referendo Na Suíça por exemplo as reformas constitucionais totais ou parciais devem ser aprovadas em referendo não só pelo povo nacional como também pelo povo de mais da metade dos cantões arts 1401 e 142 A exigência da aprovação das reformas constitucionais em referendo também figura na Constituição do Japão art 96 da Austrália art 128 da Irlanda arts 46 e 47 da Venezuela arts 341 e 345 da Bolívia art 411 e do Equador art 442 dentre outras Há também Estados em que o referendo é exigido pela Constituição apenas para reformas mais amplas ou profundas da Constituição como Áustria art 44 e Espanha art 168 Em outros o referendo pode ser exigido por um determinado número de parlamentares ou cidadãos como ocorre na Itália 15 dos membros de uma das casas legislativas ou 500000 eleitores podem demandar o referendo art 138 Há ainda constituições que preveem o referendo como uma das formas de mudança constitucional contemplando porém outras possibilidades é o caso da Constituição francesa art 85 e da colombiana arts 374 a 378 Previsão sui generis de manifestação popular sobre reformas constitucionais existia na Constituição brasileira de 1937 art 17418 Nas reformas propostas pelo Presidente da República e não aprovadas pelo Legislativo o primeiro podia convocar um plebiscito para que o povo decidisse definitivamente sobre a questão Já nas reformas propostas pelo Legislativo se houvesse discordância do Presidente esse poderia devolver o texto à Câmara para que fosse submetido a nova deliberação nas duas casas parlamentares durante a legislatura subsequente Se a medida fosse de novo aprovada podia o Presidente convocar um plebiscito para o povo que desse a última palavra sobre a questão Em diversos Estados federais exigese aprovação das emendas não só por órgãos nacionais como também pelos Estadosmembros19 Isso ocorre por exemplo nos Estados Unidos em que 34 dos Estados devem aprovar a emenda constitucional pelos seus poderes legislativos ou por convenções especialmente convocadas para tal finalidade art 5 no México art 135 em que se exige a aprovação da maioria das legislaturas estaduais para as reformas na Suíça em que há necessidade de aprovação das mudanças por referendos em mais da metade dos cantões art 142 na Austrália em que também se exige esta aprovação pelos eleitores de mais da metade das províncias art 128 e no Canadá art 381 em que se impõe a aprovação das alterações pelos Legislativos de 23 das províncias cuja população de acordo com o último censo seja superior a 50 da população nacional Constatase portanto que há enorme variedade na matéria No próximo subitem examinarseá mais detidamente os limites formais ao poder de emenda na Constituição de 1988 O procedimento atinente à incorporação dos tratados de direitos humanos com estatura constitucional e à revisão constitucional serão analisados em itens específicos 7212 Os limites formais às emendas na Constituição de 88 Os limites formais estão positivados no art 60 caput e parágrafos 2º e 3º do texto constitucional O primeiro diz respeito ao poder de iniciativa Enquanto os projetos de lei podem em regra ser apresentados individualmente pelo parlamentar20 a Constituição confere iniciativa para propor emendas à Constituição a um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal art 60 I ao Presidente da República art 60 II e a mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação manifestandose cada uma delas pela maioria relativa de seus membros art 60 III Para que seja apresentado projeto de emenda à Constituição é necessário que haja uma percepção minimamente difundida de que a Constituição deva mudar Mesmo que um parlamentar isolado adote o desafio de propor uma emenda como muitas vezes ocorre deve dialogar com seus pares e colher o número de assinaturas necessário para que o projeto seja recebido e se deflagre o processo legislativo Se o projeto for apresentado pelo Presidente da República por um terço dos deputados federais ou por mais da metade das assembleias legislativas o processo legislativo se inicia na Câmara Se for apresentado por senadores começa no Senado21 A iniciativa das emendas à Constituição Federal é comum Diferentemente do que ocorre com as leis ordinárias e complementares não há casos de iniciativa privativa para a reforma constitucional A concepção mais tradicional majoritária na doutrina é no sentido de que o elenco daqueles que podem deflagrar o processo legislativo de emenda à Constituição é taxativo Todavia um setor da doutrina22 ao qual também nos filiamos sustenta que também seria possível a apresentação de proposta de emenda à Constituição por meio da iniciativa popular observadas as condições previstas no art 61 2º da Constituição23 É verdade que o parágrafo em questão está inserido em artigo que cuida do processo legislativo das leis ordinárias e complementares e não naquele que disciplina a reforma constitucional Contudo a substância deve ter precedência sobre a forma e o argumento topológico não parece nesta questão definitivo Sendo o povo o titular do poder constituinte não deve ser ele privado da faculdade de deflagrar diretamente o processo de mudança da sua Constituição Uma interpretação da Constituição de 88 atenta ao seu profundo compromisso com a democracia e com a soberania popular respalda esse entendimento Até agora não houve nenhuma proposta de emenda constitucional popular A regra mais importante para a finalidade de manter a rigidez constitucional dispõe sobre a maioria exigida para a aprovação de emendas Enquanto os projetos de lei ordinária são aprovados por maioria simples art 47 e os projetos de lei complementar por maioria absoluta art 69 a proposta de emenda depois discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos considerase aprovada apenas se obtiver em ambos 35 dos votos dos respectivos membros art 60 2º O quorum portanto não se refere ao número de parlamentares presentes em cada sessão de votação mas ao número dos integrantes de cada casa legislativa Mesmo assim não se trata de uma exigência tão difícil de ser superada A maior parte dos governos formados depois de 88 logrou articular coalizões de apoio no Congresso até mais amplas Nada obstante a amplitude dessas coalizões não tem bastado para assegurar aos governos a possibilidade de promoverem com conforto e tranquilidade as mudanças constitucionais postuladas por suas agendas políticas É que apesar de amplas tais coalizões não têm primado pela coesão o que faz com que cada reforma tenha que ser arduamente negociada com muitos partidos e diferentes forças políticas É regra geral do processo legislativo o turno único art 65 Mas para a aprovação de emendas exigese que a votação ocorra em dois turnos cada casa deve aprovar duas vezes a mudança constitucional O objetivo dessa previsão é possibilitar que haja maior possibilidade de debate negociação e reflexão sobre as reformas dandose aos parlamentares e partidos a chance de amadurecerem a sua opinião sobre o tema e eventualmente até mudarem de posição entre uma e outra votação o que se justi fica em vista da relevância de qualquer alteração constitucional Para que isso possa ocorrer é necessário que haja um intervalo mínimo entre as votações O Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê que tal interstício deve ser de no mínimo 5 sessões art 203 6º e o Regimento Interno do Senado fala em pelo menos 5 dias úteis de intervalo art 362 Daí porque nos parece inconstitucional o expediente empregado no processo de elaboração de algumas emendas em que os dois turnos de votação numa casa legislativa acontecem no mesmo dia um imediatamente em seguido do outro24 Não se trata portanto de mera violação regimental mas de ar tifício francamente incompatível com a finalidade constitucional da exigência da votação em dois turnos que resulta em inconstitucionalidade formal da emenda Quando qualquer das casas promover mudanças no texto da proposta de emenda que lhe alterem o sentido a outra casa deverá necessariamente se pronunciar sobre a modificação25 Temse entendido que quando as mudanças forem meramente redacionais ou seja não importarem em alteração do sentido normativo anterior não é necessário o retorno do projeto para a outra casa26 Nem a Câmara nem o Senado tem qualquer primazia na elaboração das emendas é preciso que as duas casas se ponham integralmente de acordo sobre o conteúdo da reforma constitucional para que essa seja aprovada Nesse ponto há uma diferença entre o processo legislativo das leis e o das emendas constitucionais naquelas a casa iniciadora do processo legislativo geralmente a Câmara dos Deputados detém uma certa primazia sobre a casa revisora porque lhe assiste o poder de dar a última palavra sobre as emendas introduzidas por essa art 65 Parágrafo único CF Já nas emendas constitucionais o mesmo não ocorre A emenda uma vez aprovada é promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem art 60 3º No caso dessa regra o procedimento é mais simples do que o previsto para a edição das leis já que o projeto aprovado no Congresso não é submetido a sanção ou veto do Presidente da República 722 Os limites circunstanciais Os limites circunstanciais ao poder de reforma visam a impedir que se aprovem mudanças constitucionais em contextos de grave crise institucional em que provavelmente não existiria a tranquilidade necessária para a adoção de medida de tamanha importância Na história constitucional brasileira muitas reformas foram promovidas nesses períodos de crise a única emenda à Constituição de 1891 foi aprovada em 1926 quando vigia o estado de sítio no país as reformas realizadas na Constituição de 1937 foram promovidas sob estado de emergência com o Congresso fechado a Emenda Constitucional nº 169 para nós uma nova Constituição e também as Emendas nº 7 e nº 877 conhecidas como o Pacote de abril do governo Geisel foram impostas pelo Executivo com o Congresso mais uma vez fechado com base nos poderes concedidos pelo AI5 Apesar disso algumas constituições brasileiras anteriores previram limites circunstanciais para reformas as constituições de 1934 art 178 4º 1946 art 50 2º 1967 art 50 2º e 1969 art 47 2º vedaramnas na vigência do estado de sítio Outros sistemas constitucionais também instituíram limites circunstanciais ao poder de reforma A Constituição portuguesa por exemplo veda o seu exercício durante o estado de sítio ou de exceção art 289 e a espanhola o proíbe em tempos de guerra estado de alarme de exceção e de sítio art 169 Na França interditouse a mudança da Constituição quando ameaçada a integridade do território art 89 e na Bélgica as reformas foram vedadas nos períodos de guerra ou em que haja impedimento para livre reunião das câmaras art 196 além de terem sido substancialmente limitadas nos momentos de regência art 197 A Constituição de 88 vedou a reforma constitucional na vigência de inter venção federal estado de sítio e estado de defesa art 60 1º Desde a promulgação da Constituição nenhuma destas situações de crise foi formalmente decretada Ressaltese finalmente que o limite circunstancial que veda a emenda durante a intervenção federal é muitas vezes apontado como uma das causas da não decretação de intervenções no país em contextos em que dita medida se afiguraria pertinente É que a intervenção federal depende em regra da iniciativa do Presidente da República e os governos possuem em regra uma agenda de reformas constitucionais que desejam implementar que seria obstada pela decretação da intervenção 723 Limites temporais Os limites temporais são instituídos para conferir maior estabilidade à Constituição impedindo ou dificultando mudanças prematuras em seu texto antes que tenha decorrido um tempo mínimo para que a ordem constitucional possa ser avaliada ou impondo intervalos mínimos para tais alterações de modo a evitar uma frequência excessiva de reformas constitucionais Tais limites não são muito frequentes nas constituições27 A Constituição francesa de 1791 vedou qualquer mudança nos seus primeiros quatro anos de vigência A Constituição brasileira de 1824 também impediu alterações no seu texto nos quatro anos seguintes à sua outorga art 174 Os textos constitucionais brasileiros subsequentes não consagraram limitações dessa mesma natureza A atual Constituição portuguesa proibiu reformas durante a primeira legislatura cujo prazo foi também de quatro anos arts 286 cc 174 Tal Constituição por outro lado previu a possibilidade de convocação de revisões periódicas de seu texto a cada cinco anos pelo quorum de 23 dos deputados art 2841 Fora desse intervalo as mudanças constitucionais são até possíveis mas extremamente difíceis pois dependem da convocação de uma revisão extraordinária por maioria de 45 dos deputados art 2842 A Constituição de 88 consagrou um limite temporal em relação às emendas constitucionais contido no art 60 5º que determinou que a matéria constante de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa Dito preceito se inspira no objetivo de racionalização do processo legislativo28 Vale recordar que a sessão legislativa corresponde ao período anual de funcionamento do Congresso Nacional estando disciplinada no art 57 da Constituição O STF já assentou que a rejeição ao substitutivo de um projeto de emenda não impede que o projeto original seja apreciado na mesma sessão legislativa29 A Constituição também impôs uma limitação temporal para a revisão constitucional ao estabelecer que a essa seria realizada após cinco anos contados da promulgação da Constituição30 Aqui o prazo foi fixado para possibilitar que houvesse o tempo mínimo suficiente para uma avaliação sobre os méritos e deméritos das normas constitucionais promulgadas em 88 O STF foi provocado a manifestarse sobre a validade da EC nº 292 que antecipou de 7 de setembro de 1993 para 21 de abril de 1993 a data do plebiscito fixada pelo art 2º do ADCT para que povo brasileiro decidisse sobre a forma república ou monarquia constitucional e o sistema de governo parlamentarismo ou presidencialismo que deveriam vigorar no país31 Um dos argumentos contrários à dita antecipação era o de que o preceito do ADCT alterado teria estabelecido um limite temporal para o poder constituinte derivado sendo por isso insuscetível de reforma O argumento foi rechaçado pela Corte por maioria que considerou que a data do plebiscito não configurava limite temporal ao poder reformador uma vez que dita consulta popular seria apenas uma fase preparatória para a revisão da Constituição a ser realizada logo em seguida Para o STF apenas o prazo para revisão configuraria limite temporal ao poder reformador mas não a data do plebiscito32 724 Limites materiais as cláusulas pétreas 7241 Generalidades Os limites materiais ao poder de reforma subtraem do alcance do poder constituinte reformador determinadas decisões Tais limites representam o máximo entrincheiramento das normas jurídicas que são retiradas do alcance até mesmo das maiorias qualificadas necessárias à aprovação de mudanças constitucionais De acordo com a teria convencional reverter alguma decisão salvaguardada por um limite material só seria possível por meio de uma ruptura decorrente de nova manifestação do poder constituinte originário A doutrina brasileira vem chamando esses limites de cláusulas pétreas Na Alemanha eles são conhecidos como cláusulas de eternidade Até a II Guerra Mundial não era frequente a previsão de cláusulas pétreas nas constituições Contribuía para isso o fato de que até então o pensamento constitucional dominante não distinguia claramente o poder constituinte originário do poder reformador Dentre as exceções figura a Constituição francesa de 1875 que em preceito inserido em 1884 vedou reformas que pudessem atingir a forma republicana de governo A Constituição norteamericana de 1787 também continha regra já exaurida que combinava limitação material e temporal ao poder de reforma ao proibir a edição de emenda até o ano de 1808 que abolisse a importação de escravos Tal Constituição ademais estabeleceu que eventual emenda que alterasse a igual participação dos Estados no Senado só poderia ser adotada com a concordância dos Estados afetados Após a II Guerra Mundial cresceu a desconfiança diante dos possíveis abusos cometidos pelas maiorias políticas o que serviu para a popularização dos limites materiais ao poder de reforma Além disso a experiência negativa com a Constituição alemã de Weimar que não continha cláusulas pétreas contribuiu para a difusão das referidas limitações Como se sabe a Constituição de Weimar foi formalmente alterada em 1933 por meio do famigerado Ato de Habilitação que concedeu poderes quase absolutos a Adolf Hitler permitindo que o seu governo editasse leis sem submetêlas ao Parlamento que poderiam inclusive modificar a própria Constituição É evidente que a presença de cláusulas pétreas na Constituição de Weimar não seria suficiente para impedir o advento do nazismo Sem embargo a existência de limites materiais ao poder de reforma pelo menos evitaria que o totalitarismo pudesse se instalar no poder sob o manto pelo menos formal de uma Constituição Dentre as constituições contemporâneas que consagram cláusulas pétreas especialmente influente é a Lei Fundamental alemã de 1949 que salvaguardou uma série de princípios dentre os quais a dignidade da pessoa humana o federalismo o Estado Social e Democrático de Direito a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais a soberania popular e o direito de resistência art 793 As constituições italiana art 139 e francesa art 91 impediram mudanças constitucionais referentes ao regime republicano A Constituição da Grécia além de entrincheirar o regime republicano parlamentar ainda salvaguardou uma série de direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana a igualdade e a liberdade religiosa e de consciência art 110 Especialmente amplo é o elenco de cláusulas pétreas contido na Constituição portuguesa de 1976 art 288 que foi além da consagração de princípios e direitos fundamentais para abranger até decisões sobre a ordem econômica33 No Brasil a previsão constitucional de limites materiais ao poder de reforma ocorreu em todas as nossas constituições republicanas com exceção da Carta de 1937 Na Constituição de 1891 eram imodificáveis a forma republicana federativa e a igualdade da representação dos Estados no Senado art 90 4º As constituições de 1934 art 178 5º 1946 art 217 6º 1967 art 51 e 1969 art 47 1º e 48 salvaguardaram expressamente tão somente a República e a Federação Já a Constituição de 88 tratou do tema do seu art 60 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes IV os direitos e garantias individuais Adiante comentaremos cada um desses limites expondo a forma com a jurisprudência do STF os vem interpretando Tratase de elenco mais amplo do que os anteriores que incorpora ao núcleo imodificável da Constituição os mais importantes compromissos da ordem constitucional vigente direitos fundamentais e democracia De todo modo não há dúvida de que o tema das cláusulas pétreas é extremamente complexo Do ponto de vista prático há quem argumente que os limites materiais só têm alguma serventia em momentos de normalidade quando podem representar uma luz vermelha útil frente a maiorias parlamentares desejosas de emendas constitucionais mas que em cenários de crise não seriam mais que pedaços de papel varridos pelo vento da realidade política34 Sob uma perspectiva mais filosófica a questão envolve diretamente o debate sobre a democracia intergeracional Tratase da discussão sobre a legitimidade do ato da geração presente no momento constituinte de tomar decisões irreversíveis pelas gerações futuras a não ser por meio de ruptura institucional Os adversários das cláusulas pétreas argumentam que não seria legítimo permitir que a geração constituinte governasse do túmulo a vida futura da Nação Há porém visões mais favoráveis aos limites materiais ao poder de reforma que buscam justificálos a partir de diversos argumentos que serão abaixo sintetizados No cenário constitucional brasileiro alguém poderia sustentar que essa é uma discussão estéril na medida em que as cláusulas pétreas foram expressamente positivadas pela Constituição Federal O tema sob esse ângulo seria relevante apenas no momento de elaboração da Constituição Promulgada essa caberia tão somente respeitar os limites materiais que ela estabeleceu Não nos parece que seja assim Não se discute a força jurídica dos limites matérias previstos no texto constitucional Negarlhes eficácia seria ignorar o caráter normativo da Constituição Contudo dependendo da posição que se adote sobre a sua justificação é possível aderir a posições radicalmente diferentes sobre a forma como devem ser interpretadas e aplicadas as cláusulas pétreas Por isso e considerando que os limites materiais ao poder de reforma foram positivados na Constituição de 88 por meio de enunciados normativos bastante genéricos que comportam múltiplas leituras tornase importante discutir as principais linhas teóricas de justificação das cláusulas pétreas 7242 Algumas linhas de justificação dos limites materiais ao poder de reforma O tema das cláusulas pétreas tem direta relação com o debate sobre as maneiras de relacionar o constitucionalismo com a democracia Há quem aponte a impossibilidade de plena conciliação entre os valores correspondentes a esses dois pilares da política moderna35 Ao invés de afirmação soberana do poder popular a Constituição por positivar as instituições típicas do liberalismo serviria justamente para limitálo36 Mas mesmo que se considere que o ato constituinte significa uma afirmação soberana do poder popular a incompatibilidade com a democracia persistiria a Constituição vincula as gerações futuras as quais passam a se submeter a decisões que não tomaram O problema se agrava quando o constituinte derivado se subordina a limites materiais os quais compõem o núcleo imutável da Constituição além de ser governado por normas que não criaram as gerações futuras não podem modificálas sequer por maiorias qualificadas Ademais com o estabelecimento de cláusulas pétreas tornase mais grave a chamada dificuldade contramajoritaria que costuma ser mencionada para deslegitimar a prerrogativa judicial de declarar a inconstitucionalidade das leis37 É que a definição dos limites materiais ao poder de reforma pode depender de atividade judicial construtiva que não se reduza à mera declaração da vontade do poder constituinte originário Assim continua a crítica as cláusulas pétreas ao menos nos casos difíceis possibilitariam que juízes não eleitos derrubassem decisões de maiorias qualificadas do povo com base nos seus próprios valores e preferências A objeção merece ser seriamente enfrentada Com esse objetivo vários argumentos têm sido formulados em favor das cláusulas pétreas Aqui examinaremos alguns dos principais que são a o da superioridade do poder constituinte sobre os poderes constituídos pela origem popular do primeiro b o da identidade constitucional c o procedimental d o do précompromisso e e o do neocontratualismo38 a O argumento mais tradicional em favor das cláusulas pétreas é o de que a sua criação decorre de uma decisão do próprio povo na qualidade de titular do poder constituinte Os representantes do povo no exercício de poderes constituídos têm de se curvar a esta decisão pois os mandatários devem se submeter à vontade dos seus mandantes De acordo com as categorias do dualismo constitucional de Bruce Ackerman39 há momentos constitucionais em que o povo se mobiliza intensamente e outros de política ordinária em que a cidadania se recolhe com os políticos eleitos atuando em seu nome Nesses momentos ordinários da vida pública as decisões do povo tomadas nos momentos constitucionais devem ser respeitadas O argumento é mais persuasivo naqueles cenários em que a elaboração da Constituição tenha resultado verdadeiramente de uma mobilização popular como ocorreu no Brasil na Assembleia Constituinte de 8788 Ele ganha força entre nós quando se constata que após o momento constituinte não houve nenhum outro em que tenha ocorrido um nível similar de participação do povo e de ativismo cívico nas deliberações políticas Portanto uma parte da justificativa das cláusulas pétreas pode estar aqui Mas o argumento encerra também um problema É que ele faz abstração da ideia de que os componentes do povo não são os mesmos ao longo do tempo No caso brasileiro por exemplo a maioria dos cidadãos não participou da eleição dos constituintes de 8788 eram crianças ou nem tinham nascido Portanto a questão que se coloca não é propriamente a de saber se é legítimo que o povo imponha aos seus representantes certos limites mas sim aferir até que ponto é razoável que uma dada geração num certo contexto histórico adote decisões que irão vincular também outras gerações em contextos muito diferentes Daí porque o argumento da origem popular do poder constituinte originário sozinho não parece suficiente para justificar a força imperativa das cláusulas pétreas b No Brasil é recorrente o argumento segundo o qual os limites materiais ao poder de reforma têm a função de garantir a permanência da identidade da Constituição permitindo que ela se altere sem que deixe de ser no fundamental a mesma Constituição40 A formulação original do argumento é devida a Carl Schmitt Na Constituição Schmitt divisava a decisão política fundamental do poder constituinte41 Tal decisão seria imutável Os demais preceitos inseridos no documento constitucional seriam meras leis constitucionais podendo ser livremente alterados42 O argumento foi utilizado por exemplo por Francisco Campos para deslegitimar a instituição da reforma agrária por via de emenda à Constituição de 1946 As emendas constitucionais não podem alterar e muito menos mudar o sistema e o espírito da Constituição As emendas não podem incidir no que é substancial aos dispositivos constitucionais considerados nas suas conexões lógicas e sistemáticas com a totalidade da Constituição ou pelo menos com as decisões fundamentais tomadas pelo povo através da Assembléia Constituinte43 Apesar de a Constituição de 1946 prever como cláusulas pétreas apenas a Federação e a República Campos sustentava que os direitos fundamentais eram considerados limitações implícitas ao poder de reforma porque compunham a decisão política fundamental do constituinte Como a propriedade estava incluída no catálogo destes direitos deveria também limitar o constituinte derivado O direito de propriedade seria impassível de restrições que atingissem o núcleo a essência a medula da garantia que repousaria sobre o direito de o proprietário ser indenizado em dinheiro no caso de desapropriação as emendas que substituem a indenização em moeda por indenização em papéis de natureza meramente obrigacional admitem o confisco puro e simples da propriedade44 Francisco Campos não estava com a razão A desapropriação com títulos não viola o núcleo essencial da propriedade Mas mesmo se esse fosse o caso certamente não caberia conceber a hipótese como violação de cláusula pétrea impedindo que cada geração decidisse de que forma deveria organizar sua vida econômica Abstratamente considerado o argumento da identidade constitucional soa persuasivo pois sempre se pode afirmar que para mudar a identidade básica da Constituição o que se demanda é uma nova manifestação do poder constituinte originário e não do constituinte derivado A sua aplicação prática por Francisco Campos revela contudo como o argumento também se sujeita a críticas podendo ser objeto de incorporações perigosas Na ocasião foi utilizado a partir da direita para sustentar a impossibilidade de emenda constitucional que permitisse a realização da reforma agrária Mas o argumento foi também empregado na vigência da Constituição Federal de 1988 a partir da esquerda para defender a impossibilidade das reformas econômicas que se deram na década de 1990 de inspiração econômica neoliberal45 Tais reformas segundo seus críticos seriam inconstitucionais porque incompatíveis com o Estado Social elemento da identidade básica da Constituição Federal de 1988 Em ambos os casos a tese da inconstitucionalidade das emendas não merecia prosperar e condenava o povo em sua existência concreta e não como evocação mística a viver definitivamente sob normas de cuja criação não participara A democracia exige que esse tipo de tema esteja aberto à deliberação pública e que decisões como as que por exemplo determinem mais ou menos intervenção do Estado na ordem econômica possam ser revistas por cada geração de brasileiros Todo processo de constitucionalização inclusive o democrático limita a autonomia da vontade popular quanto mais Constituição mais limitação do princípio democrático46 A compatibilidade entre democracia e constitucionalismo depende de a Constituição não restringir excessivamente as possibilidades decisórias do legislador democrático e em especial do constituinte derivado Não basta para impedir o povo de rever decisões tomadas por seus antepassados a alusão genérica ao fato de que uma geração anterior tomou certas decisões que reputava especialmente importantes É preciso fornecer argumentos adicionais para legitimar as cláusulas pétreas c Há quem sustente que as cláusulas pétreas representam um précompromisso popular assumido durante o momento constituinte Tal argumento é esclarecido por meio da referência à solução concebida por Ulisses em sua Odisseia para passar incólume pela ilha das sereias Ulisses diante da iminência da passagem de seu navio nas proximidades de ilha habitada por sereias cujo canto enfeitiça e leva ao naufrágio de todos os barcos pede a seus marinheiros que o atem ao mastro e que não o desamarrem mesmo que ele depois determinasse o contrário Com isso o herói grego poderia ouvir o canto das sereias sem sucumbir a ele47 Outra analogia esclarecedora referese à decisão de Pedro sóbrio que ao chegar a uma festa dá as chaves de seu carro a um amigo e pede a este que não as restitua ao fim do evento caso verifique que Pedro está embriagado mesmo se ele insistir48 Assim também o povo se autorestringiria nos momentos constituintes para impedir que em situações futuras de irracionalidade política destruísse os princípios fundamentais antes estabelecidos A legitimidade desse tipo de limite decorreria portanto da vontade do próprio povo declarada em momento de sobriedade e reflexão O argumento vale para a Constituição em geral mas é especialmente aplicável às cláusulas pétreas que não podem ser abolidas sequer por maiorias qualificadas As duas analogias são instigantes Mas o argumento não supera a objeção de que as cláusulas pétreas podem instituir um governo dos mortos sobre os vivos Outras vezes elas podem representar não exatamente um précompromisso em que o povo se autorestringe mas um instrumento por meio do qual um grupo com poder no momento constituinte impõe as suas preferências cerceando o poder de outros grupos de no futuro tentar revertêlas49 Ademais qual critério dá sustentação à inferência de que a decisão constituinte é mais racional que a do poder reformador Outra história fictícia contada por Jeremy Waldron em texto influente na teoria constitucional 50 explicita a possibilidade de que ocorra exatamente o contrário Trata se de uma moça chamada Bridget que ao se converter a uma determinada crença religiosa entrega a uma amiga a chave da biblioteca de sua casa que contém livros que poderiam tentála a se desviar do seu novo caminho espiritual Ela instrui a amiga a jamais lhe devolver a chave No futuro assomada por uma crise de fé muda de ideia e pede a chave de volta pois quer recuperar o acesso aos livros Qual manifestação de vontade a amiga deveria cumprir a de Bridget no passado ou no presente O que ocorre de fato é que não raro as cláusulas pétreas são objeto de profundas controvérsias Lembrese por exemplo do art 290 da Constituição Portuguesa de 1976 na sua versão originária segundo o qual a apropriação coletiva dos principais meios de produção estaria excluída das possibilidades decisórias do constituinte derivado Para muitos estatizar é a providência adequada e seria conveniente que o país jamais se afastasse dessa diretriz mas para outros correto é fazer exatamente o contrário O mesmo argumento valeria por exemplo para uma cláusula pétrea que inversamente determinasse a impossibilidade da estatização da economia51 Se este é o teor do pré compromisso a sua instituição ainda que aprovada pelo constituinte derivado não é democrática por subtrair o direito de autodeterminação das gerações futuras52 Diante de uma controvérsia política relevante não é legítimo a priori converter uma das teses em litígio em cláusula pétrea pois ao grupo contrário só restaria o caminho da ruptura constitucional Poderseia sustentar que se o que caracteriza o précompromisso é a moderação e a racionalidade seria legítima uma limitação que se circunscrevesse às normas passíveis de justificação racional Nesse caso o argumento do précompromisso incorreria em uma petição de princípio as regras básicas do Estado Democrático de Direito devem ser especialmente protegidas não porque foram objeto de um précompromisso num dado momento histórico mas porque esse précompromisso incorporou normas que são racionalmente justificáveis para todos os que serão por ela atingidos Por conseguinte o précompromisso seria validado por essas regras racionais e não o contrário como pode sugerir a ideia de autorestrição popular no momento constituinte d Outro argumento também utilizado com frequência é o procedimental os limites materiais configurariam condições que estruturam o funcionamento regular da vida democrática Sua única função seria proteger a democracia garantindo os respectivos pressupostos O argumento tem a vantagem de enfrentar o problema antes suscitado ao invés de as cláusulas pétreas imporem o governo dos mortos sobre os vivos elas serviriam para possibilitar aos vivos que continuem se autogovernando Como se examinou no Capítulo 5 há variações no procedimentalismo no que concerne à extensão desses pressupostos Há visões mais limitadas como a do jurista norte americano John Hart Ely53 e outras mais abrangentes como a do filósofo alemão Jürgen Habermas54 Tais teorias abrem espaço em extensão variável para a proteção de direitos fundamentais porque concebem estes direitos como indispensáveis para o funcionamento da democracia Essa posição todavia parece insuficiente ou pelo menos ambígua para a proteção de direitos e valores que conquanto básicos não desempenham um papel mais imediato para a garantia da democracia Tomese como exemplo a chamada privacidade decisional que abrange as decisões e condutas do indivíduo a res peito de temas como a sua vida afetiva familiar e sexual Não é tão evidente a relação entre a proteção desta dimensão da privacidade com o funcionamento da democracia Alguém poderia sustentar por exemplo que o mais democrático seria que a sociedade por suas maiorias decidisse se vai ou não permitir que pessoas do mesmo sexo formem uniões estáveis ou casamentos Diante do caráter ainda polêmico da questão poderseia defender que a decisão sobre o tema numa democracia deve caber ao povo em cada momento de sua existência Porém negar a um homossexual a possibilidade de se relacionar e de formar família com pessoa do mesmo sexo é tratálo como alguém que não é merecedor do mesmo respeito e consideração devotada ao heterossexual cujas inclinações afetivas e eróticas são aceitas pela sociedade O respeito à igual dignidade do cidadão homossexual não pode depender dos desígnios e inclinações das maiorias mesmo de maiorias extremamente qualificadas Há uma dimensão de reserva de justiça55 nas cláusulas pétreas que vai além da garantia do funcionamento do processo democrático e que a teoria procedimental não abarca e O argumento neocontratualista sustenta que as cláusulas pétreas são condições para a associação consubstanciando garantias mínimas para que todos tenham interesse na permanência e na estabilidade da comunidade política O argumento é antigo Nos séculos XVII e XVIII diversos filósofos se notabilizaram por elaborar teorias que buscavam justificar o Estado a partir de um suposto contrato social56 O Estado se legitimava porque a sua existência seria para cada contratante melhor do que o Estado da Natureza Essas teorias é certo chegavam a resultados bastante diferentes no que concerne aos modelos de Estado preconizados absoluto em Hobbes liberal em Locke ou democrático em Rousseau para ficarmos com as concepções mais conhecidas O argumento foi retomado mais recentemente por John Rawls que concebeu uma posição original hipotética em que cidadãos livres e iguais elaborariam princípios de justiça57 Tais princípios seriam objeto de um consenso sobreposto contando com o assentimento das doutrinas abrangentes razoáveis que têm lugar na sociedade contemporânea58 Em outras palavras a sua aceitação racional seria possível por todos independentemente de suas crenças religiosas ou ideológicas Não é o momento de examinar as especificidades dessa complexa teoria Basta enfatizar que o argumento neocontratualista aplicado às cláusulas pétreas se baseia na ideia de que as limitações ao poder reformador tornam intangíveis as normas sem as quais não há sentido em se fazer parte da comunidade política Elas protegem não só as condições para funcionamento da democracia como também outros direitos básicos que resultam do reconhecimento da igual dignidade de todas as pessoas além das instituições necessárias à salvaguarda e promoção desses conteúdos As cláusulas pétreas nesta perspectiva não devem se estender à proteção de interesses corporativos à garantia de privilégios dos grupos que prevaleceram na arena constituinte ou ao entrincheiramento de posições ideológicas polêmicas que então se sagraram vencedoras O argumento tem a vantagem ao contrário do que ocorre com o procedimental de justificar claramente a proteção das liberdades não políticas como é o caso da liberdade religiosa e da privacidade Ele possui ainda a virtude se comparado ao da origem popular da identidade constitucional e do précompromisso de não se reportar exclusivamente a uma decisão histórica da geração passada apta a limitar as deliberações da geração presente O contrato social não é um evento que teria ocorrido no passado é apenas um artifício contrafático para legitimar as instituições políticas59 buscando alicerçálas em razões imparciais que possam ser racionalmente aceitas por todos membros da comunidade estatal Não é esta a ocasião para se buscar uma justificação filosófica definitiva para as cláusulas pétreas Porém devese ter presente que a justificação dos limites materiais ao poder de reforma é indispensável para se definir a extensão das cláusulas pétreas tal como positivadas no texto constitucional60 Ademais qualquer estratégia de justificação que se adote deve necessariamente ter alguma deferência em relação às decisões do constituinte derivado Tratase de exigência do princípio democrático e de garantia de que a Constituição possa se adaptar às expectativas das gerações presentes e futuras com o que por outro lado se reduzem os riscos de rupturas constitucionais provendose maior estabilidade ao sistema Porém uma concepção adequada das cláusulas pétreas também deve por outro lado preocuparse com a salvaguarda diante das maiorias políticas dos princípios e valores mais fundamentais do Estado Democrático de Direito 7243 Os limites materiais expressos ao poder de reforma na Constituição Federal de 1988 A interpretação dos limites materiais ao poder de reforma na Constituição de 88 tem suscitado discussões importantes na doutrina e jurisprudência À luz do que foi discutido no item precedente podese afirmar em primeiro lugar que a definição destes limites não deve ignorar o princípio democrático que postula o direito de cada geração de se autogovernar Isso porém não significa que a interpretação das cláusulas pétreas tenha de ser sempre restritiva mas sim que é necessária redobrada cautela para se retirar completamente do campo da deliberação política deter minadas decisões61 A interpretação das cláusulas pétreas deve se inspirar no ideário do constitucionalismo democrático voltandose não só à proteção das condições necessárias ao funcionamento da democracia como também à tutela de direitos básicos decorrentes do reconhecimento da igual dignidade de todas as pessoas e à salvaguarda de instituições políticas que assegurem e promovam a democracia e os direitos fundamentais No afã de proteger esses fundamentos do Estado Democrático de Direito podese até legitimar em determinados contextos uma interpretação mais abrangente das cláusulas pétreas Tratase portanto de uma atividade hermenêutica que deve se afastar do formalismo buscando orientação nos fundamentos da democracia constitucional concebidos em termos inclusivos Nesta perspectiva o art 60 4º da Constituição não deve ser concebido como vedação absoluta a qualquer tipo de modificação constitucional nos temas arrolados em seus incisos Quando a Constituição proíbe as emendas tendentes a abolir as cláusulas pétreas ela não impede mudanças redacionais voltadas ao aperfeiçoamento dos institutos salvaguardados nem alterações de menor monta ainda quando importarem em alguma restrição a tais institutos62 Não haveria óbice por exemplo a que uma emenda constitucional operasse alguma mudança na partilha das competências entre os entes federativos ou modificasse algum aspecto do arranjo institucional da separação dos poderes do Estado ou mesmo instituísse alguma restrição proporcional a um direito fundamental O poder constituinte reformador pode aprovar emendas que alterem esses conteúdos constitucionais e pode até mesmo restringilos moderadamente Só não pode abolilos nem tampouco promover mudanças que cheguem ao ponto de vulnerar o seu núcleo essencial63 É o que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal as limitações materiais ao poder constituinte de reforma que o art 60 4º da Lei Fundamental enumera não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege64 Com efeito a tentativa de conjugar a preservação da identidade da Constituição com uma postura relativamente deferente ao princípio democrático tem se resolvido na jurisprudência da Corte justamente por meio do recurso ao conceito de núcleo essencial Essa moderação também é justificada pelo STF com base na preocupação de se evitar que o excessivo enrijecimento da Constituição possa ampliar o risco de rupturas institucionais Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes em voto proferido na ADI nº 2395 não se pode negar que a aplicação ortodoxa das cláusulas pétreas ao invés de assegurar a continuidade do sistema constitucional pode antecipar a sua ruptura permitindo que o desenvolvimento constitucional se realize fora de eventual camisa de força do regime da imutabilidade65 A seguir tecermos algumas breves considerações sobre cada uma das cláusulas pétreas acolhidas no texto constitucional analisando a jurisprudência do STF sobre a matéria 72431 A forma federativa de Estado O federalismo é um arranjo institucional que envolve a partilha vertical do poder entre diversas entidades políticas autônomas que coexistem no interior de um Estado soberano Tratase de um modelo de organização política que busca conciliar a unidade com a diversidade O fato de um Estado ser unitário não torna injusta ou autoritária a sua ordem jurídica Sem embargo há elementos no pacto federal que favorecem os valores do constitucionalismo democrático O federalismo envolve a repartição de poderes no plano espacial o que evita a concentração excessiva de poderes que poderia favorecer o autoritarismo Ele aproxima o exercício do poder político dos seus destinatários possibilitando que o povo tenha maior participação e exerça mais de perto o controle sobre as decisões e atividades públicas A federação favorece o pluralismo e a diversidade ao preservar espaços para o poder local que tende a ser mais receptivo às demandas e peculiaridades das respectivas populações Não há um único modelo de federalismo A federação surgida nos Estados Unidos em 1787 é hoje a forma de Estado adotada por 24 países cada um deles adotando um pacto federal próprio com as suas peculiaridades O federalismo norteamericano por exemplo envolve um grau de descentralização das competências legislativas muito maior do que o brasileiro O Brasil por sua vez incluiu os municípios no pacto federal na Constituição de 88 o que não ocorre em nenhuma outra federação Há portanto grandes variações e não um único modelo ideal de federação a ser escrupulosamente seguido Sem embargo existem alguns elementos mínimos que devem ser observados sem os quais a federação se descaracteriza ou o pacto federativo é posto em xeque É preciso a que exista partilha constitucional de competências entre os entes da federação de modo a assegurar a cada um uma esfera própria de atuação b que tais entes desfrutem de efetiva autonomia política que se expressa nas prerrogativas do autogoverno autoorganização e autoadministração c que haja algum mecanismo de participação dos Estadosmembros na formação da vontade nacional66 e d que os entes federais tenham fontes próprias de recursos para o desempenho dos seus poderes e competências sem o que a autonomia formalmente proclamada será na prática inviabilizada O STF já enfrentou algumas vezes a questão da violação da cláusula pétrea da federação A primeira vez se deu no julgamento constitucionalidade da EC nº 393 que instituiu o IPMF e possibilitou a incidência do imposto sobre as movimentações financeiras realizadas por Estados e Municípios criando uma exceção à imunidade tributária recíproca dos entes da federação A Corte invalidou essa exceção por considerar que a imunidade recíproca seria componente essencial do pacto federativo Parecenos que o STF foi longe demais na decisão A imunidade recíproca embora se relacione ao pacto federal está bem longe do seu núcleo essencial Pelas razões antes expostas a invalidação de uma decisão do poder constituinte derivado é providência extremamente grave demandando um ônus de justificação elevado que a decisão do STF não logrou superar O Supremo Tribunal Federal voltou ao tema ao apreciar a constitucionalidade da EC nº 1596 que alterou a redação do 4º do art 18 da Constituição Federal Na redação originária do preceito previase que a criação a incorporação a fusão e o desmembramento de Municípios farseiam com observância de requisitos previstos em lei complementar estadual Na nova redação o dispositivo passou a estabelecer que a criação a incorporação a fusão e o desmembramento de Municípios só poderiam ocorrer dentro do período determinado por lei complementar federal A competência antes conferida ao legislador complementar estadual passou em parte a ser atribuição do legislador complementar federal O STF entendeu na ADI nº 2381 não haver violação ao núcleo essencial do princípio federativo na mudança o recuo da EC nº 1596 ao restabelecer em tópicos específicos a interferência refreadora da legislação complementar federal não parece ter atingido em seu núcleo essencial a autonomia dos Estadosmembros aos quais permaneceu reservada a decisão política concreta67 Outro julgamento da Corte na matéria foi relativo à reforma previdenciária realizada pela EC nº 2098 Como a emenda em questão também afetara o regime previdenciário de agentes públicos estaduais e municipais alegouse que ela teria violado a cláusula pétrea da federação A tese foi corretamente rechaçada pelo STF 68 O Supremo também rejeitou com razão a alegação de ofensa à federação na criação do Conselho Nacional de Justiça pela EC nº 450469 Afirmarase na inicial da ADI nº 3367 que a afronta estaria no fato de o referido órgão estar inserido na estrutura da União mas exercer o controle administrativo financeiro e disciplinar também sobre os tribunais estaduais A Corte acertadamente refutou o argumento 72432 O voto direto secreto universal e periódico A elevação do voto direto secreto universal e periódico à qualidade de cláusula pétrea é compreensível considerandose o nosso momento constituinte A mobilização cívica que desaguou na Assembleia Constituinte de 8788 teve na Campanha das Diretas Já ocorrida em 1984 o seu marco fundamental Durante o regime militar as eleições para Presidente da República eram indiretas quem escolhia o Presidente não era o povo mas um Colégio Eleitoral composto por parlamentares federais e representantes das Assembleias Legislativas Já o voto direto que o constituinte consagrou e salvaguardou é aquele que leva à escolha do representante e não à indicação de intermediários para fazerem essa mesma escolha O voto secreto é uma garantia da liberdade do eleitor Na República Velha o voto não era secreto o que na prática impedia o eleitor sobretudo o mais humilde do meio rural de votar em qualquer candidato senão no indicado pelo seu coronel A universalidade do voto por sua vez é a sua tendencial extensão a todos os nacionais que tiverem condições de participar da vida política Não se admitem restrições censitárias capacitarias ou de qualquer outra natureza ao direito de voto salvo situações muito tópicas e excepcionais como aquelas previstas no art 15 da Constituição que trata das hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos Finalmente o voto periódico é aquele que ocorre regularmente pela frequência das eleições que ocorrem em intervalos predefinidos No regime constitucional vigente houve apenas um caso em que esta cláusula pétrea veio à baila Discutiuse no STF a validade da EC nº 582009 que ampliara o número de vereadores determinando a aplicação retroativa desse aumento às eleições já ocorridas em 200870 A consequência da aplicação retroativa da emenda era a posse como vereadores de suplentes que não tinham logrado se eleger de acordo com as regras em vigor na data do pleito O STF afastou dita aplicação retroativa aduzindo que ela violava vários princípios constitucionais que configuram cláusulas pétreas como o da anualidade da lei eleitoral da proteção à segurança jurídica e da soberania popular A Ministra Carmen Lúcia relatora do processo teceu em seu voto considerações sobre a importância do direito ao voto o voto é a liberdade falada é a manifestação maior da liberdade política é instrumento da democracia construída pelo cidadão a fazerse autor da sua história política Os Ministros Dias Toffolli e Carlos Britto fizeram expressa alusão em seus votos à ofensa à cláusula pétrea que resguarda o direito ao voto Sob a égide da Constituição de 1969 houve um caso que guarda algumas similaridades com este mas cujo resultado foi distinto Tratavase da análise da constitucionalidade de emenda constitucional que prorrogara por dois anos os mandatos de prefeitos e vereadores e que fora impugnada no STF por conta de alegada afronta ao princípio republicano que figurava como cláusula pétrea naquela ordem constitucional71 O STF reconheceu que a temporariedade dos mandatos era uma imposição republicana mas considerou que prorrogar mandato de dois para quatro anos tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da Federação não implica introdução do princípio de que os mandatos não são mais temporários nem envolve indiretamente sua adoção de fato 72433 A separação dos poderes A separação de poderes foi concebida pelo constitucionalismo liberal para assegurar a moderação no exercício do poder evitando o arbítrio dos governantes e protegendo a liberdade dos governados72 A ideia essencial é a de que ao se conferir funções estatais diferentes a órgãos e pessoas diversas evitase uma concentração excessiva de poderes nas mãos de qualquer autoridade afastandose o risco do despotismo Embora tenha raízes ainda mais antigas a versão mais conhecida deste princípio foi divulgada por Montesquieu no século XVIII na sua famosa obra O Es pírito das Leis73 Outra contribuição fundamental ao desenvolvimento do princípio em questão se deu por influência do constitucionalismo norteamericano que concebeu a necessidade de instituição de mecanismos de freios e contrapesos checks and balances que permitissem controles recíprocos entre os poderes de forma a evitar que qualquer um deles pudesse atuar abusivamente no campo das respectivas atribuições No constitucionalismo contemporâneo a significativa mudança no papel do Estado que passou a intervir de forma muito mais intensa nas relações sociais e econômicas levou a uma crise no princípio da separação dos poderes Afinal conter ao máximo o Estado pode não ser a melhor estratégia se o que se pretende não é o Estado mínimo e absenteísta mas sim poderes públicos que atuem energicamente em prol dos direitos fundamentais e interesses sociais relevantes Porém ao invés de simplesmente abandonálo o novo constitucionalismo adotou leitura renovada do princípio da separação de poderes aberta a arranjos institucionais alternativos desde que compatíveis com os valores que justificam tal princípio Tais valores por outro lado foram enriquecidos por novas preocupações que vão além da contenção do poder envolvendo a legitimação democrática do governo a eficiência da ação estatal e a sua aptidão para a proteção efetiva dos direitos fundamentais74 Diante deste contexto a cláusula pétrea da separação de poderes deve ser pensada sem fetichismos institucionais75 que inibam qualquer possibilidade de experimentalismo democrático na busca de arranjos estruturais mais adequados aos desafios do Estado contemporâneo Tais arranjos não devem ser banidos apenas por não se espelharem em visão tradicional e ortodoxa da separação de poderes desde que não importem em concentração excessiva de poderes nas mãos de qualquer órgão ou autoridade estatal e se mostrem compatíveis com os valores referidos no parágrafo anterior Na jurisprudência do STF há dois julgamentos importantes envolvendo a cláusula pétrea da separação dos poderes O primeiro diz respeito à criação do Conselho Nacional de Justiça pela EC nº 450476 Impugnouse na Corte o fato de o órgão ser também composto por pessoas estranhas ao quadro da magistratura de acordo com o art 103B da Constituição dos quinze integrantes do CNJ nove são magistrados dois são integrantes do Ministério Público dois são advogados indicados pela OAB e os outros dois são cidadãos escolhidos pela Câmara e pelo Senado Isso para o autor da ADI nº 3367 comprometeria a independência judicial atingindo por consequência o princípio da separação de poderes O STF acertadamente rechaçou o argumento aduzindo que o CNJ não exerce funções jurisdicionais mas apenas realiza controle administrativo financeiro e disciplinar sobre os tribunais Tratase ademais de órgão do próprio Poder Judiciário majoritariamente formado por magistrados Daí porque a sua criação e composição definidas pelo poder reformador não representam afrontas à independência judicial nem muito menos atentado à separação de poderes Outro caso apreciado pelo STF concerne ao parcelamento de precatórios judiciais previsto na EC nº 30200077 A Corte suspendeu a aplicação do art 78 do ADCT acrescentado à Constituição pela referida emenda o qual autorizava o parcelamento por dez anos dos precatórios por considerar que tal medida afrontava não só direitos e garantias individuais como também a independência do Poder Judiciário cuja autoridade é insuscetível de ser negada máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões inclusive contra a Fazenda Pública 72434 Os direitos e garantias individuais Uma das características centrais da Constituição de 88 é o seu profundo compromisso com os direitos humanos A Constituição consagrou um elenco generoso de direitos fundamentais de várias dimensões e se preocupou em reforçar a sua proteção Uma das medidas usadas para esse reforço foi a sua inclusão no elenco dos limites materiais ao poder de reforma constitucional o que ocorreu pela primeira vez na nossa história Tais direitos foram subtraídos não só do alcance do legislador como do próprio constituinte derivado o que lhes conferiu uma posição especialmente privilegiada em nosso ordenamento Há diversas discussões importantes relacionadas à inclusão dos direitos e garantias individuais no rol das cláusulas pétreas Uma delas já foi examinada acima quando tratamos dos limites materiais ao poder de reforma em geral e diz respeito à possibilidade de restrição de tais direitos Nossa posição que coincide com a do STF nesta questão é de que restrições são admissíveis às cláusulas pétreas desde que não afetem o seu núcleo essencial O raciocínio vale também para os direitos fundamentais Aliás considerando a posição dominante na doutrina contemporânea e na jurisprudência constitucional à qual nos filiamos no sentido de que até mesmo o legislador ordinário pode restringir direitos fundamentais78 desde que respeite determinados limites os chamados limites dos limites seria paradoxal não reconhecer a mesma faculdade ao poder constituinte derivado Assim por exemplo a EC nº 412005 que restringiu direitos previdenciários de servidores públicos aproximando a respectiva disciplina do regime geral da Previdência aplicável aos demais segurados não nos parece inconstitucional porque não atingiu o núcleo essencial do direito fundamental à previdência social O estabelecimento por exemplo de tempo de contribuição mais longo para que o beneficiário faça jus ao benefício não significa a violação de cláusula pétrea Para tanto a reforma teria de invadir a esfera do núcleo essencial do direito à previdência que consiste na garantia de condições dignas de vida após a aposentadoria a qual também não pode ser postergada para além do momento em que o segurado não tenha mais as condições físicas necessárias para trabalhar sem prejuízo da própria saúde Caso isso ocorresse os afetados pela mudança não estariam sendo tratados como dignos de igual respeito e conside ração Não foi este o caso79 Resta porém examinar outras questões específicas atinentes à cláusula pétrea ora examinada a Ela salvaguarda apenas os direitos de 1ª geração de natureza preponderantemente negativa ou a proteção constitucional reforçada se estende também a outros direitos fundamentais como os políticos sociais e coletivos b A proteção resguarda direitos materialmente fundamentais que não estejam inseridos no catálogo de direitos existente na Constituição c Ela se aplica a direitos que embora não sejam materialmente constitucionais tenham sido incorporados ao aludido catálogo pelo constituinte d É possível a edição de emenda constitucional que atinja direitos adquiridos Responderemos abaixo a essas questões invocando sempre que possível as decisões do STF que as tenham enfrentado ou pelo menos tangenciado a São cláusulas pétreas os direitos fundamentais e suas garantias e não apenas os direitos individuais clássicos A Constituição de 88 consagrou uma ampla gama de direitos fundamentais Afora os direitos individuais clássicos garantidos desde o advento do constitucionalismo liberalburguês ela contemplou também direitos sociais como a saúde e o salário mínimo políticos como o direito de votar e ser votado e coletivos como o direito ao meio ambiente e à proteção da cultura Além dos direitos universais titularizados por todos ela garantiu ainda direitos fundamentais específicos para indivíduos e grupos mais vulneráveis como as pessoas com deficiência crianças e adolescentes idosos povos indígenas e quilombolas Um setor minoritário da doutrina defende porém que apenas os direitos individuais clássicos com as respectivas garantias agrupados em sua maior parte no art 5º do texto constitucional teriam caráter pétreo80 Os demais poderiam ser até suprimidos pelo constituinte reformador Argumentase que ao aludir a direitos individuais e não a direitos fundamentais o constituinte originário teria querido apenas proteger os tradicionais direitos de defesa como ocorre de resto no sistema constitucional português art 290 Já a doutrina amplamente majoritária que conta com a nossa adesão sustenta que todos os direitos materialmente fundamentais são cláusulas pétreas81 Em favor desta posição podem ser fornecidos vários argumentos Na perspectiva teórica que adotamos que relaciona os limites materiais ao poder de reforma às exigências básicas de moralidade política concernentes à proteção da democracia e da igual dignidade das pessoas a extensão das cláusulas pétreas a outros direitos fundamentais além dos individuais é inquestionável Afinal direitos como educação saúde férias remuneradas participação política e meio ambiente são tão vitais para o constitucionalismo democrático e para a edificação de uma comunidade inclusiva de pessoas livres e iguais do que os direitos individuais clássicos Não há portanto razões que justifiquem que só esses últimos sejam tidos como limites ao poder de reforma Noutro giro aqueles que aderem à concepção anteriormente exposta de que as cláusulas pétreas servem à proteção do núcleo de identidade da Constituição acabam chegando por outro caminho ao mesmo resultado é que a Constituição de 88 tem um compromisso visceral com os direitos fundamentais como um todo e não só com as liberdades individuais clássicas Não se trata de uma Constituição liberalburguesa preocupada acima de tudo com a contenção do arbítrio estatal mas sim de uma Constituição que toma como tarefa primordial promover a dignidade humana em todas as suas dimensões Daí porque também nesta perspectiva as cláusulas pétreas devem se estender a outros direitos fundamentais além dos individuais em sentido estrito já que aqueles também compõem o núcleo de identidade da Constituição de 88 A posição do STF nesta matéria ainda não é clara mas tudo indica que a Corte tende para o lado do reconhecimento de que outros direitos fundamentais além dos individuais configuram cláusulas pétreas A Corte entendeu por exemplo que o teto ao valor dos benefícios previdenciários imposto pela EC nº 2098 não poderia incidir sobre a licençamaternidade82 Tal licença corresponde ao valor da remuneração paga à empregada e se o teto colhesse dito benefício a diferença a maior teria de ser complementada pelo empregador O STF considerou que tal sistema induziria o empregador a não pagar às suas empregadas salários superiores ao teto fixado para não ter de arcar com a diferença por ocasião da licença Isso para o Supremo estimularia a discriminação de gênero ofendendo o princípio da igualdade Portanto a argumentação da Corte não se fundou na impossibilidade de restrição a um direito social à previdência pelo poder reformador mas no impacto negativo que teria esta restrição sobre a igualdade de gênero que constitui expressão de um direito individual Em outra decisão relevante o Supremo Tribunal Federal afirmou que a EC nº 522006 que dava fim à chamada verticalização das coligações partidárias não poderia ser aplicada ao pleito que teria lugar em outubro de 2006 a menos de um ano da data da sua promulgação Segundo a regra da anualidade eleitoral prevista no art 16 da Constituição qualquer mudança na legislação eleitoral só pode incidir sobre as eleições que ocorressem depois de um ano de sua entrada em vigor A decisão da Corte foi justificada como garantidora da segurança dos eleitores e da igualdade de direitos das minorias políticas Por um lado os eleitores teriam direito de saber com antecedência razoável as regras que governariam as eleições Por outro se as maiorias pudessem alterar a qualquer tempo as regras do jogo poderiam manipulá las com vistas a se perpetuarem no poder83 O art 16 está inserido no capítulo da Constituição que trata dos direitos políticos e não naquele que cuida dos direitos individuais É certo todavia que o fundamento da Corte foi o de que tal preceito representa garantia individual do cidadãoeleitor e de que a afronta teria atingido também os direitos individuais à segurança jurídica e ao devido processo legal84 Outro julgamento importante neste campo foi relativo à reforma da Previdência realizada pela EC nº 412003 que dentre outras medidas permitiu a taxação dos proventos dos servidores inativos por contribuição previdenciária O STF não reconheceu na hipótese qualquer afronta a direito adquirido mas invalidou regras que tinham instituído diferença de tratamento considerada injustificada entre de um lado os servidores e pensionistas da União e do outro os dos Estados Distrito Federal e municípios b A extensão do limite material ao poder de reforma aos direitos fundamentais localizados fora do catálogo direitos materialmente fundamentais O texto constitucional contém um catálogo de direitos fundamentais que se estende do seu art 5º ao art 17 Os direitos lá contidos são formalmente fundamentais A fundamentalidade formal não depende do conteúdo do direito Ela decorre simplesmente da sua localização no texto constitucional Além destes a Constituição consagra outros direitos fundamentais que podem se situar no seu texto mas fora do catálogo pertinente ou estar implicitamente garantidos São direitos que conquanto não inseridos no Título do texto constitucional referente aos direitos e garantias fundamentais Título II têm similar importância àqueles presentes no catálogo correspondendo a relevantes concretizações da ideia da dignidade da pessoa humana em qualquer das suas múltiplas dimensões A existência destes direitos é expressamente reconhecida pela própria Constituição no seu art 5º 2º Os direitos que têm esse conteúdo especialmente importante dotados de elevada estatura moral são chamados de materialmente fundamentais85 A sua fundamentalidade não vem da localização da norma que os consagra no texto constitucional mas da sua própria natureza há portanto direitos materialmente fundamentais fora e dentro do catálogo pertinente Diante disso podese discutir se os direitos materialmente fundamentais localizados fora do título da Constituição que trata da matéria são ou não cláusulas pétreas A resposta é positiva Seria um excesso de formalismo negar a proteção reforçada a um direito fundamental apenas pela localização do preceito que o consagra Há fora do título da Constituição dedicado aos direitos e garantias fundamentais enunciados que preveem direitos da maior importância como o de fundamentação das decisões judiciais art 93 IX CF ou ao meio ambiente ecologicamente preservado art 225 e não há qualquer razão plausível para não estender a eles o mesmo regime de proteção reforçada que beneficia os direitos fundamentais inseridos no referido título Essa posição foi adotada pelo STF no julgamento em que declarou inconstitucional o 2º do art 2º da EC nº 393 O dispositivo em questão afastara para efeito de incidência do IPMF o princípio da anterioridade tributária estabelecido no art 150 III b da Carta ou seja localizado fora do catálogo de direitos e garantias fundamentais86 No caso o STF apoiou sua decisão na fundamentalidade material do princípio mencionado Sem embargo podese concordar com a premissa de que os direitos materialmente fundamentais configuram cláusulas pétreas onde quer que se localizem sem avalizar a referida decisão do STF Parte da doutrina criticou a decisão por não considerar o princípio da anterioridade tributária materialmente fundamental A cobrança de um tributo no mesmo exercício financeiro em que foi instituído não parece efetivamente implicar violação dos valores mais básicos da Constituição87 c as normas inserida no Título II da Constituição que não configurem direitos e garantias materialmente fundamentais não são cláusulas pétreas Mais polêmico é o debate sobre a possibilidade de se considerarem não abrangidas pelo limite material ao poder de reforma as normas que conquanto inseridas no catálogo constitucional pertinente não representem direitos e garantias materialmente fundamentais Poderia o poder constituinte derivado por exemplo suprimir a regra constitucional que define qual a lei aplicável à sucessão dos bens de estrangeiros localizados no país que muito embora certamente não represente direito materialmente fundamental está inserida no art 5º XXXI da Constituição O tema ainda não foi aventado em nossa jurisprudência Em sentido contrário a essa possibilidade manifestouse Ingo Wolfgang Sarlet 88 aduzindo que admitila importaria em expor a grave risco os direitos fundamentais tendo em vista a diversidade de concepções políticas e filosóficas sobre tais direitos existente na sociedade Um juiz de direita poderia por exemplo considerar que são direitos materialmente fundamentais apenas as tradicionais liberdades públicas abrindo a possibilidade de supressão dos direitos sociais Já um magistrado situado à esquerda poderia entender o contrário permitindo a eliminação de direitos individuais A proteção reforçada aos direitos fundamentais seria fragilizada porque condicionada às visões de mundo de cada juiz Em sentido oposto autores como Oscar Vilhena Vieira 89 e Rodrigo Brandão90 argumentam que retirar do alcance do constituinte derivado uma ampla série de preceitos apenas em razão da sua localização no texto constitucional não se justi fica Esta é a nossa posição Diante do direito de cada geração de se autogovernar é preciso que exista um forte argumento para justificar o entrincheiramento definitivo de certas decisões do poder constituinte originário As cláusulas pétreas portanto não devem ser objeto de uma leitura formalista mas de uma interpretação aberta à moralidade política que busque salvaguardar das qualificadas maiorias que atuam como poder reformador apenas aquilo que seja de fato necessário para a continuidade da empreitada intergeracional de construção de uma sociedade democrática de cidadãos livres e iguais O formalismo não deve servir nem para restringir as cláusulas pétreas em detrimento da proteção reforçada de direitos materialmente fundamentais localizados fora do catálogo nem para petrificar o que não é tão importante em prejuízo do direito democrático do povo de fazer as suas próprias escolhas em cada momento da vida nacional A este argumento de filosofia constitucional podese agregar um outro menos abstrato Em diversas constituições existe a indicação dos preceitos que limitam o poder constituinte derivado É o caso por exemplo da Constituição alemã art 793 e da grega art 1101 Não é o caso da Constituição brasileira de 88 Não há portanto porque vincular na nossa ordem constitucional de maneira absoluta uma categoria os direitos e garantias fundamentais a uma localização específica no texto constitucional de certos dispositivos se nem o próprio constituinte o fez Sem embargo a inserção ou não de um preceito no catálogo dos direitos e garantias fundamentais não é indiferente para fins do reconhecimento da sua natureza pétrea A localização é relevante na medida em que cria um ônus argumentativo adicional para aquele que defender que um preceito localizado dentro do Título II da Constituição não corresponde a direito ou garantia materialmente fundamental o qual também se aplica para aquele que sustentar que dispositivo situado fora daquele Título consagra direito ou garantia desta natureza Em outras palavras as cláusulas pétreas no nosso entendimento protegem apenas os direitos materialmente fundamentais Mas existe presunção relativa de fundamentalidade material em favor dos direitos incluídos no catálogo constitucional d o direito adquirido e o poder constituinte derivado Existe importante controvérsia a propósito da vinculação do poder constituinte derivado ao direito adquirido A maioria da doutrina posicionase favoravelmente a esta vinculação argumentando em síntese que a proteção do direito adquirido qualificase como direito individual o que lhe confere a natureza de cláusula pétrea a teor do disposto no art 60 4º IV da Constituição91 Daí porque seria vedado à emenda constitucional desrespeitar qualquer direito adquirido assim como o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada O segmento doutrinário minoritário92 a que nos filiamos não reconhece esta vinculação Sustenta se que quando a Constituição determina que a lei não preju dicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada art 5º XXXVI ela não pretende abranger as emendas constitucionais mas tão somente os atos normativos infraconstitucionais Isto significa que embora o constituinte derivado não possa suprimir ou desnaturar a proteção constitucional do direito adquirido em face do legislador ele pode sim desconstituir direitos que tenham sido adquiridos no passado Isto não implica que tais atos do poder constituinte reformador fiquem imunes ao controle pois será sempre possível verificar se outros princípios constitu cionais condicionantes do poder de reforma foram atingidos dentre os quais os direitos fundamentais individuais políticos sociais e coletivos no seu núcleo essencial Esta tese não se baseia apenas na literalidade da Constituição Ao contrário ela também se lastreia em premissas teóricas mais complexas que convém esclarecer A primeira delas já desenvolvida acima diz respeito à forma como deve se dar a interpretação das cláusulas pétreas em razão do direito democrático da cada geração de se autogovernar e da própria estabilidade do regime constitucional A segunda premissa é a de que a segurança jurídica ideia que nutre e justifica a proteção constitucional do direito adquirido é um valor de grande relevância no Estado Democrático de Direito Mas não é o único valor e talvez não seja nem mesmo o mais importante dentre aqueles em que se funda a ordem constitucional brasileira Justiça e igualdade material só para ficar com dois exemplos são valores também caríssimos à nossa Constituição e que não raro conflitam com a proteção da segurança jurídica Se a segurança jurídica for protegida ao máximo provavelmente o preço a se pagar será um comprometimento excessivo na tutela da justiça e da igualdade substantiva Ademais no Estado Democrático de Direito o próprio valor da segurança jurídica ganha um novo colorido aproximandose da ideia de justiça93 Ele passa a incorporar uma dimensão social importantíssima A segurança jurídica mais identificada no Estado Liberal com a proteção da propriedade e dos direitos patrimoniais em face do arbítrio estatal caminha para a segurança contra os infortúnios e incertezas da vida para a segurança como garantia de direitos sociais básicos para os excluídos e até para a segurança em face das novas tecnologias e riscos ecológicos na chamada sociedade de riscos Esta nova ideia de segurança jurídica não se coaduna com a perspectiva estritamente individualista que torna absolutos os direitos adquiridos Neste ponto é possível traçar um paralelo entre o direito adquirido e o direito de propriedade também qualificado pela Constituição como um direito fundamental mas que não obstante deixou de ser visto pela doutrina contemporânea como aquele direito absoluto e intangível de que falavam as declarações de direitos do século XVIII e os códigos liberais do século XIX94 A proximidade conceitual e ideológica entre o direito de propriedade e o direito adquirido é inequívoca ambos são institutos importantes para o funcionamento de uma sociedade livre e capitalista mas vistos de forma absoluta se revelam como garantias jurídicas do status quo que protegem os incluídos muitas vezes às expensas dos excluídos do pacto social Sob este prisma não há porque manter a categoria do direito adquirido forjada no apogeu do Estado Liberal no interior de uma redoma alheia à mudança dos tempos e protegida de qualquer espécie de restrição ou relativização que decorra da tutela de outros bens jurídicos também revestidos de estatura constitucional Nossa terceira premissa é de que a Constituição de 88 se volta muito mais à transformação do status quo reputado injusto e opressivo do que à sua conservação Tratase de uma ordem constitucional que se propõe a perseguir a ambiciosa empreitada de reconstruir o Estado e a sociedade brasileira sobre bases mais justas e equânimes de refundar a República a partir de um projeto solidário e inclusivo Não é compatível com uma Constituição como esta a pretensão de imunizar até da ação do constituinte derivado todos os direitos validamente concedidos no passado por mais injustos que sejam aos olhos da sociedade do presente Podemos agora associar as nossas três premissas teóricas a a necessidade de adoção de uma interpretação nãomaximizadora das cláusulas pétreas em razão do direito democrático à autodeterminação das gerações presentes e futuras e da própria estabilidade institucional do regime constitucional b a visão de que o direito adquirido configura uma garantia constitucional importante mas que não se situa num pedestal pairando acima dos demais direitos fundamentais e interesses constitucionais e c o reconhecimento de que a Constituição de 1988 propõese essencialmente a modificar as estruturas sociais e não a preserválas O resultado que surge desta conjugação é claro os direitos adquiridos não podem ser concebidos na ordem constitucional brasileira como limites para o poder constituinte de reforma Sujeitar as emendas à Constituição ao respeito incondicionado de todos os direitos adquiridos no passado é fazer pouco do direito de cada geração de construir seu próprio caminho e pior que isso é contribuir para a eternização de um status quo refratário às ambições transformadoras da nossa ordem constitucional A questão da vinculação das emendas constitucionais ao poder constituinte derivado foi enfrentada pelo STF sob a égide da Constituição passada quando a Corte manifestouse no sentido de que não há direito adquirido contra texto constitucional resulte ele do Poder Constituinte originário ou do Poder Constituinte derivado95 É certo porém que no regime constitucional então vigente os direitos individuais não figuravam no elenco das cláusulas pétreas o que altera significativamente os contornos da discussão Sob a vigência da Constituição de 88 o tema foi tangenciado pelo menos duas vezes pelo STF mas ainda não parece possível definir a partir dos casos analisados qual é a posição da Corte sobre a matéria Na ADI nº 3105DF 96 discutiuse a validade de EC nº 41 que instituíra contribuição previdenciária a ser paga por servidores públicos inativos Um dos argumentos invocados contra a cobrança em questão era a violação de suposto direito adquirido dos servidores que tinham se aposentado antes da criação da nova exação tributária A posição do STF foi no sentido de que inexiste direito adquirido a não se sujeitar a uma incidência tributária que recaia sobre fatos geradores ainda não ocorridos Portanto por não vislumbrar sequer em tese a existência de um direito adquirido por parte dos servidores aposentados o Tribunal não precisou equacionar a questão da vinculação do constituinte derivado ao direito adquirido Sem embargo diversos Ministros adentraram no debate do tema seja para afirmar essa vinculação Ministros Carlos Britto Marco Aurélio Carlos Velloso e Celso Mello seja para negála Ministros Joaquim Barbosa e Nelson Jobim O STF também foi instado a se manifestar sobre a questão da validade da imposição de teto remuneratório por emenda constitucional a ministros aposentados da Corte que o ultrapassavam97 Discutiuse na ocasião se o princípio da irredutibilidade dos vencimentos considerado como uma manifestação qualificada do direito adquirido imporseia também ao poder constituinte derivado O Supremo concedeu o mandado de segurança obstando o abatimento dos valores que excediam o teto A ordem foi concedida por maioria mas não é possível extrair do acórdão uma posição genérica do STF sobre o dever do poder reformador de respeitar o direito adquirido Sem embargo no voto do Relator Ministro Sepúlveda Pertence ensaiouse uma engenhosa distinção entre o direito que for adquirido a partir da própria Constituição seria o caso da irredutibilidade da remuneração dos servidores expressamente prevista no texto magno e aquele incorporado ao patrimônio do seu titular com base na legislação infraconstitucional Para Pertence o primeiro estaria a salvo das emendas constitucionais mas não o segundo que poderia ser livremente suprimido pelas mesmas98 7244 As cláusulas pétreas implícitas e o problema da dupla revisão Discutese a existência de limites materiais implícitos ao poder de reforma que seriam aqueles não expressamente previstos no art 60 4º da Constituição Federal mas ainda assim plenamente vinculantes Para quem entende que as cláusulas pétreas representam o núcleo de identidade da Constituição é possível buscar limites implícitos ao poder de reforma a partir desta identidade99 Os preceitos que consagram limites materiais nesta perspectiva são concebidos como dotados de natureza declaratória e não constitutiva Por isso os limites existem independentemente da sua positivação expressa Foi esta a linha argumentativa desenvolvida por Francisco Campos no combate à reforma agrária sob a égide da Constituição de 1946 como antes exposto Não é essa a nossa posição Um caso evidente de cláusula pétrea implícita diz respeito à titularidade da soberania e do poder constituinte originário100 Sendo o poder reformador um poder constituído é claro que ele não pode dispor sobre o poder constituinte Não poderia por exemplo estabelecer que o poder emana não do povo como estabelece o art 1º Parágrafo único da Constituição mas da Nação de Deus ou de qualquer outra entidade ou pessoa Muito mais relevante do ponto de vista prático é o debate sobre se os limites impostos ao próprio poder constituinte reformador podem ser modificados A hipótese pode envolver a chamada dupla revisão que ocorre quando para se alterar um ponto salvaguardado por uma cláusula pétrea percorrese um caminho um pouco mais longo no primeiro momento se aprova reforma constitucional suprimindo o limite material em questão no segundo a mudança antes proibida é promovida As mudanças podem por outro lado ligarse não às cláusulas pétreas mas a outras normas que regem a reforma constitucional como a alteração do quorum para aprovação de emendas Isto aliás ocorreu duas vezes no Brasil sob a égide da Constituição de 1969 O tema é complexo De um lado há autores que afirmam que existe um im perativo lógico que torna as regras que regem as reformas constitucionais imunes ao poder constituinte reformador Em razão da estrutura escalonada do ordenamento uma norma jurídica não pode jamais dispor validamente sobre outra superior que fixe os seus limites e as regras para a sua edição pois se um poder é outorgado por alguém parece lógico que os limites desse poder só podem ser modificados pelo outorgante nunca pelo próprio outorgado101 O raciocínio também vale para as emendas constitucionais em face das regras que as disciplinam ditadas pelo poder constituinte originário Ao argumento lógico agregase outro prático permitir que o poder reformador disponha sobre os seus próprios limites implicaria negar a força vinculante desses limites A cada vez que pretendesse atuar de maneira vedada pelo constituinte originário bastaria ao constituinte derivado mudar ou eliminar o obstáculo jurídico que antes lhe fora imposto A admissão desta possibilidade seria praticamente um convite à fraude à Constituição Do outro lado102 há também quem invoque argumentos lógicos para permitir a possibilidade da reforma das normas que disciplinam a alteração da Constituição103 Argumentase ainda em tom mais pragmático que a admissão da alteração dos limites é preferível do que a ruptura constitucional Há situações em que o propósito das forças políticas e sociais no sentido de alteração de uma decisão constitucional é tão intenso e firme que não teria como ser barrado por um limite constitucional Impedir nesse quadro a mudança perseguida não traria mais estabilidade para o sistema constitucional mas antes abriria espaço para um desnecessário rompimento De nossa parte entendemos que a questão não se resolve apenas com a lógica formal dependendo de uma avaliação contextual permeável a juízos de moralidade política e a análises pragmáticas O caso português de dupla revisão bem ilustra a hipótese Como já foi exposto figuravam na Constituição de Portugal como cláusulas pétreas a apropriação coletiva dos principais meios de produção a planificação democrática da economia e a participação das organizações populares de base no exercício do poder local art 290 redação originária Com a segunda revisão constitucional do país ocorrida 1989 esses limites materiais que conferiam à Consti tuição de 1976 uma orientação socialista foram suprimidos A maioria da sociedade portuguesa não mais se identificava com aquela linha ideológica Terá sido inconstitu cional aquela dupla revisão Ou se tratava de uma legítima correção de rumo que desentrincheirava uma escolha polêmica deixando a orientação econômica do país para ser decidida por cada geração do povo português Que sentido faria impedir a mudança promovida em Portugal e qual seria a sua mais provável consequência Outro exemplo agora hipotético o constituinte originário norteamericano vedou em 1787 a abolição do comércio de escravos até o ano de 1808 Um bemsucedido movimento abolicionista que surgisse antes disso não poderia suprimir aquela espúria limitação ao poder de reforma Teria necessariamente que romper com toda a Constituição para fazêlo mesmo que o povo quisesse apenas promover uma alteração pontual no texto constitucional As perguntas formuladas já indicam o que pensamos sobre o assunto Um precedente no Direito Comparado que tratou de questão similar ocorreu na Índia104 Embora a Constituição indiana não preveja cláusulas pétreas implícitas a Suprema Corte do país em polêmicas decisões entendeu que a estrutura básica da Constituição que incluiria o direito de propriedade não seria suscetível de reforma constitucional restringindo com isso medidas redistributivas adotadas pelo Legislativo por meio de emendas constitucionais casos Golaknath e Kesavananda Bharati decididos respectivamente em 1967 e 1973 Houve várias tentativas infrutíferas de reversão daquela orientação e uma das estratégias empregadas foi a edição de nova emenda proibindo o controle jurisdicional de constitucionalidade de reformas constitucionais Emenda nº 42 editada em 1976 Esta emenda foi invalidada pela Suprema Corte que entendeu que ela também violaria a estrutura básica da Constituição caso Minerva Mills v Índia julgado em 1980 No cenário brasileiro tendo em vista o elenco das cláusulas pétreas contido na nossa Constituição que não contemplou exageros ou iniquidades devese preferir a tese da impossibilidade de reforma dos limites materiais de revisão Considerando a relativa facilidade com que o nosso texto pode ser emendado a aceitação da revisibilidade das cláusulas pétreas acabaria as tornando praticamente irrelevantes o que exporia a riscos desnecessários os valores fundamentais do constitucionalismo democrático Não é necessário bola de cristal para antever alguns efeitos que a adesão a esta tese ensejaria qualquer crime mais violento noticiado pelos meios de comunicação e logo teríamos propostas populistas de emenda constitucional com chances de êxito para retirar do elenco das cláusulas pétreas a vedação da pena de morte e logo depois introduzir a draconiana medida em nosso ordenamento Por outro lado não parece impossível a edição de emenda constitucional que promova alterações no processo de reforma desde que mantido o caráter rígido da Constituição e a natureza democrática do procedimento105 Aliás isso já ocorreu sob a égide da Constituição de 88 tendo em vista que a EC nº 504 ao introduzir o art 5º 3º no texto magno institui nova forma de alteração constitucional pela incorporação por maioria qualificada de tratado internacional sobre direitos humanos Assim não seria inconstitucional por exemplo uma mudança que exigisse a aprovação das reformas mais importantes por referendo incrementando a participação popular no processo de mudança constitucional Vejase também o exemplo da proposta formulada pelo Professor Fábio Konder Comparato106 segundo a qual deveria ser inserida na Constituição de 1988 uma nova modalidade de revisão constitucional A revisão que poderia ser convocada pelo povo a cada dez anos por meio de plebiscito seria realizada por uma assembleia revisora exclusiva eleita para este fim e não pelos membros do Congresso Nacional As suas decisões deveriam ser posteriormente aprovadas por referendo Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta proposta que não torna a Constituição flexível e incrementa sobremodo a participação popular no processo de alteração dos seus dispositivos Um limite implícito que deve ser reconhecido é o do respeito ao Estado Democrático de Direito Tratase de um conceito complexo que comporta muitas variações mas cujo núcleo consiste numa combinação de respeito à soberania popular com observância dos direitos fundamentais O Estado Democrático de Direito em estreita síntese visa a conciliar o autogoverno do povo com as técnicas do constitu cionalismo voltadas à limitação do poder em prol dos direitos dos governados A dimensão constitucionalista do Estado Democrático de Direito está explicitamente acolhida no elenco das cláusulas pétreas por meio do entrincheiramento da separação de poderes e dos direitos e garantias individuais A faceta democrática do princípio não foi encampada com tamanha abrangência e clareza pois o texto do referido elenco alude apenas ao voto direto secreto universal e periódico e não a outras dimensões da democracia Sem embargo considerando não apenas essa última cláusula como também os argumentos de moralidade política que justificam os limites materiais ao poder de reforma e ainda a valorização da democracia em nossa ordem constitucional não hesitamos em considerar que o Estado Democrático de Direito é sim cláusula pétrea Parece ter trilhado este caminho a decisão do STF proferida ADI nº 4307MC já antes comentada que afastou a aplicação à eleição ocorrida antes da data sua promulgação de emenda constitucional que aumentara o número de vereadores Outros limites implícitos ao poder de reforma que têm sido identificados pela doutrina brasileira são atinentes à forma e ao sistema de governo que foram escolhidos pelo povo no plebiscito de 1993 previsto no art 2º do ADCT Muitos sustentam com razão que o procedimento de emenda constitucional não poderia ser utilizado para alterar essa decisão popular A observação é procedente Os representantes do povo não podem alterar uma decisão que foi tomada pelo próprio titular da soberania Se o constituinte originário escolheu o plebiscito como mecanismo para a escolha da forma e do sistema de governo o constituinte derivado não pode adotar procedimento distinto assumindo um poder que não é senão do povo que deve se manifestar diretamente A dúvida que persiste diz respeito à possibilidade de nova convocação de plebiscito Não há razão para que isso não possa ocorrer Se o povo pôde deliberar sobre o tema no momento designado não há razão para que não possa voltar a fazê lo no futuro Basta para isso que emenda altere o texto constitucional marcando nova data para a realização de outro plebiscito A república presidencialista não é portanto propriamente uma cláusula pétrea107 O que é limite material implícito é o procedimento previsto para a deliberação sobre essa matéria exigese necessariamente a manifestação direta do povo A mudança da forma e do sistema de governo não poderia ser feita por meio de emenda108 Finalmente uma hipótese de limitação implícita ao poder de reforma que já foi cogitada pela doutrina e corretamente rejeitada pelo STF 109 diz respeito às disposições constitucionais transitórias Já se argumentou que as normas do ADCT pela sua transitoriedade não seriam suscetíveis de alteração pelo constituinte derivado110 Não há motivo para isso É preciso um forte ônus argumentativo para justificar a existência de uma cláusula pétrea implícita que esta tese não supera A grande maioria dos preceitos contidos no ADCT não tem a importância ou dignidade necessárias para serem subtraídos do campo de atuação do poder reformador 725 A revisão constitucional A expressão revisão constitucional é por vezes empregada pela doutrina no sentido de reforma constitucional mais ampla ou profunda111 Foi o sentido utilizado pela Constituição de 1934 art 178 como já ressaltado Não é neste sentido que empregaremos a expressão aqui A Constituição de 88 não traçou diferenças de regime jurídico entre as reformas mais ou menos importantes ao contrário do que fazia o texto constitucional de 88 Nossa Constituição usou a expressão revisão constitucional em sentido específico para aludir ao processo de alteração o texto constitucional previsto no art 3º do ADCT que deveria ocorrer uma única vez após cinco anos de vigência da Constituição e que teve curso entre outubro de 1993 e abril de 1994 Tratase portanto de preceito de eficácia exaurida De acordo com o referido dispositivo constitucional A revisão constitucional será realizada após cinco anos contados da data da promulgação da Constituição pelo voto da maioria absoluta do Congresso Nacional em sessão unicameral Como se observa do texto constitucional o processo da revisão foi facilitado em dois aspectos em relação ao de emenda o quorum de aprovação era de maioria absoluta e não de 35 e as deliberações eram tomadas no Congresso em sessão unicameral e não em duas votações sucessivas em cada casa legislativa Houve intensa polêmica jurídica sobre o cabimento e a extensão da revisão constitucional A polêmica se deveu ao fato de que o art 2º do ADCT imediatamente anterior ao que previra a revisão dispunha sobre o plebiscito em que o povo deliberaria sobre a forma república ou monarquia constitucional e o sistema de governo parlamentarismo ou presidencialismo que deveria vigorar no País Tal plebiscito deveria ocorrer no dia 7 de setembro de 1993 a EC nº 292 o antecipou para 21 de abril daquele ano Por conta da localização dos dois preceitos e da proximidade das datas previstas para a realização do plebiscito e do início da revisão parte da doutrina112 sustentava que esta só deveria se realizar se o povo no plebiscito alterasse a opção que prevalecera na constituinte república presidencialista A revisão se justificaria tão somente para adaptar a Constituição com maior facilidade ao resultado da decisão popular Esta era a corrente minimalista sobre a revisão Como o povo no plebiscito deliberou não adotar qualquer mudança a revisão não deveria sequer acontecer Outra corrente113 de cunho maximalista sustentava a tese de que a revisão deveria ocorrer de qualquer maneira não estando sequer vinculada ao respeito às cláusulas pétreas que só limitariam as emendas constitucionais E uma terceira posição dita moderada sustentava que a revisão poderia acontecer independentemente da aprovação de qualquer mudança no plebiscito mas estaria vinculada não só ao resultado do plebiscito como também aos limites impostos às emendas constitucionais a não ser os de natureza formal atinentes ao processo legislativo114 Esta terceira posição prevaleceu no Congresso Nacional tendo sido acolhida na Resolução nº 1 sobre a Revisão Constitucional que disciplinou a sua realização O ato normativo em questão foi questionado no STF que o manteve115 O pano de fundo destes debates envolvia percepções sobre virtudes e defeitos da Constituição bem como interesses na sua manutenção ou mudança De um modo geral as correntes políticas situadas à esquerda não desejavam a revisão pois temiam possíveis retrocessos em relação à dimensão social da Constituição e ao seu caráter econômico mais intervencionista As forças políticas mais próximas à direita e ao liberalismo econômico defendiam a revisão que era vista como meio para corrigir supostos defeitos da Constituição tida como excessivamente estatista A Resolução nº 1 que disciplinou a revisão constitucional não atribuiu o poder de iniciativa de emenda às mesmas pessoas e entidades listados no art 60 da Constituição Ela regulou a revisão diferentemente atribuindo tal poder a qualquer congressista aos partidos políticos por meio dos seus líderes às assembleias legislativas de no mínimo três Estados da federação e ao povo por 15000 eleitores que apresentassem proposta subscrita por pelo menos três entidades associativas Não foi conferido poder de iniciativa ao Presidente da República O resultado da revisão foi muito acanhado apenas seis mudanças foram aprovadas chamadas de emendas de revisão a maioria despida de maior importância A mais importante reduziu o mandato presidencial de 5 para 4 anos As causas para o fracasso do processo revisional são várias a obstrução das esquerdas a falta de liderança do governo federal no processo a instauração da CPI do Orçamento no mesmo período que envolveu irregularidades praticadas por várias lideranças do Congresso e a aproximação das eleições de 1994 talvez sejam as mais importantes116 O tema tem hoje uma importância mais histórica do que prática já que a revisão constitucional já se realizou e a Constituição previa que o procedimento seria utilizado uma única vez O que ainda se mantém atual é o debate sobre a possibilidade de aprovação de uma emenda constitucional convocando nova revisão nos termos previstos pelo art 3º do ADCT sessão unicameral e maioria absoluta O debate não é apenas acadêmico tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 157A que propõe a convocação de nova revisão que recebeu pareceres favoráveis da CCJ da Câmara dos Deputados117 e de comissão especial criada para apreciála na Câmara dos Deputados A doutrina tem sido quase unânime ao afirmar que não há essa possibilidade De fato a Constituição foi clara ao prever como procedimento normal de alteração da Constituição a emenda como antes examinado O procedimento adotado para a revisão no art 3º do ADCT torna a mudança constitucional muito mais fácil do que a edição de lei complementar pois as deliberações na revisão são unicamerais e não há necessidade de submissão do texto à sanção ou veto do Presidente da República Levando em conta estes elementos talvez o procedimento de revisão seja até mais fácil do que a elaboração de lei ordinária apesar dessa última demandar apenas a maioria simples para aprovação Portanto permitir outra revisão nos moldes definidos no art 3º do ADCT atentaria contra o princípio da rigidez constitucional que certamente representa cláusula pétrea implícita mesmo para aqueles que não entendem que todas as regras que disciplinam o processo de reforma constitucional o são Sem embargo não se deve excluir a priori a possibilidade de convocação de nova revisão em outros moldes desde que autorizada não só pelo Congresso Nacional por emenda constitucional como também diretamente pelo povo por meio de plebiscito ou referendo de modo conferir maior legitimidade democrática a esta heterodoxa alternativa Não é esse contudo o espaço apropriado para especulações sobre este tema tão polêmico e delicado Outra possibilidade plausível de convocação de nova revisão constitucional envolve a realização de novo plebiscito para a deliberação popular sobre a forma e o sistema de governo Uma vez que o povo optou diretamente pelo presidencialismo esse se converteu em sistema que não pode ser abolido pela via da reforma constitucional como antes salientado A matéria tornouse cláusula intangível pelo Congresso Nacional no exercício do poder de reforma Contudo se é aprovada emenda constitucional convocando novo plebiscito a matéria é novamente devolvida ao povo que é o titular do poder constituinte e não há razões de legitimidade política para se lhe negar essa possibilidade de deliberação Nessa hipótese justificarseia a realização de nova revisão constitucional para viabilizar a adaptação do texto constitucional à nova decisão popular A revisão entretanto teria de se restringir à adaptação da Constituição ao resultado do plebiscito Como essa é apenas uma possibilidade hipotética não cabe aqui aprofundar a discussão do assunto 726 A aprovação de tratado internacional de direitos humanos de acordo com o procedimento previsto no art 5º 3º da Constituição No Capítulo 1 ao discutirmos o bloco de constitucionalidade vimos que a Constituição é composta também por tratados internacionais de direitos humanos aprovados de acordo com o procedimento previsto no seu art 5º 3º que foi acrescentado ao texto constitucional pela EC nº 452004 Na ocasião viuse que parte significativa da doutrina brasileira atribui estatura constitucional também a outros tratados internacionais de direitos humanos especialmente os elaborados antes da edição da EC nº 452004 mas que não é essa a posição do STF que confere a esses outros tratados hierarquia supralegal mas infraconstitucional Seria redundante reprisar aqui o debate travado no Capítulo 1 sobre a matéria para o qual remetemos o leitor Neste momento cabem apenas algumas considerações sobre o processo de incorporação dos referidos tratados Todos os tratados internacionais inclusive os que versam sobre direitos humanos são celebrados pelo Presidente da República na qualidade de Chefe de Estado nos termos do art 84 VIII da Constituição Federal Esta é uma competência indelegável do Presidente art 84 Parágrafo único Após a celebração o Presidente da República encaminha mensagem ao Congresso em que solicita a aprovação do tratado Para se incorporar ao sistema constitucional o tratado deve ser aprovado em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros art 5º 3º CF Todos os tratados internacionais devem ser aprovados pelo Congresso Nacional arts 49 I e 84 VIII CF mas a regra geral é de que a aprovação depende do voto da maioria relativa dos parlamentares de cada casa Para os tratados de direitos humanos este quorum maior foi previsto pelo constituinte derivado para superar o argumento antes usado para negarlhes hierarquia constitucional baseado na rigidez da Constituição Com este quorum mais elevado e a exigência da aprovação do tratado em dois turnos de cada casa o seu processo de incorporação na sua fase congressual tornouse idêntico ao que rege a elaboração das emendas constitucionais afastando aquela anterior objeção Sem embargo continua sendo possível a incorporação mesmo após a EC nº 452004 de tratados internacionais de direitos humanos com o quorum de maioria simples118 Nessa hipótese porém eles não serão providos de hierarquia constitucional gozando de status supralegal mas infraconstitucional o mesmo desfru tado pelos tratados sobre direitos humanos incorporados antes da EC nº 452004 A definição sobre o rito adotado na deliberação congressual na nossa opinião é do Congresso Nacional e não do Presidente da República119 Esse na mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso pode solicitar a sua tramitação pelo rito especial do art 5º 3º CF ou pelo rito mais singelo mas o Poder Legislativo não fica obrigado a seguir tal solicitação Entender o contrário seria retirar do Congresso neste caso o protagonismo no papel de mudança constitucional que o constituinte lhe atribuiu e que decorre do princípio democrático transferindoo ao Presidente da República A aprovação do Congresso Nacional se dá por meio de decreto legislativo Após a aprovação cabe ao Presidente da República promover a ratificação do tratado o que é feito seguindo as regras previstas no próprio ato internacional que normalmente consistem no seu depósito em lugar predeterminado Há controvérsia sobre se depois da ratificação é ou não necessária a promulgação do tratado sobre direitos humanos por decreto do Presidente da República A nossa tradição é neste sentido e o STF tem entendido necessária a edição do decreto presidencial para os tratados internacionais em geral120 Contudo há dois bons argumentos em favor da desnecessidade deste decreto no caso dos tratados internacionais de direitos humanos incorporados ao bloco de constitucionalidade121 O primeiro diz respeito à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais consagrada no art 5º 1º da Constituição Como assinalou Flávia Piovesan diante do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais os tratados de direitos humanos assim que ratificados devem irradiar efeitos na ordem jurídica internacional interna dispensando a edição do decreto de execução122 Tendo em vista a clara opção constitucional em favor da efetivação dos direitos fundamentais não faz sentido tornar a vigência dos tratados sobre direitos humanos totalmente dependente de providência burocrática do Chefe do Executivo que afinal já manifestou antes o seu assentimento ao tratado por ocasião da sua celebração O segundo argumento envolve interpretação do art 5º 3º da Constituição que tratou especificamente do tema da incorporação dos tratados de direitos humanos e não fez a referida exigência Mais tal preceito de forma intencional adotou o mesmo procedimento usado para a elaboração de emendas constitucionais e estas como antes mencionado não são promulgadas e publicadas pelo Presidente da República mas pelo próprio Congresso Nacional art 60 3º CF Portanto consideramos desnecessária a edição de decreto do Presidente da República para a mudança constitucional em questão A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e respectivo Protocolo Facultativo único tratado incorporado até agora seguindo o procedimento do art 5º 3º da Constituição foi aprovada pelo Congresso pelo DecretoLegislativo nº 1862008 e promulgada pelo Decreto nº 69492009 Houve à época alguma hesitação sobre a necessidade da promulgação do referido tratado por decreto mas talvez por louvável prudência ela acabou acontecendo Naturalmente os preceitos dos tratados internacionais sobre direitos humanos não são inseridos no corpo do documento constitucional Permanecem à parte dele mas dotados de hierarquia constitucional integrando o nosso bloco de constitucionalidade Na hipótese de conflito entre tratado dotado de hierarquia constitucional e a própria Constituição deve prevalecer a norma mais favorável aos direitos fundamentais o que nem sempre é fácil de se definir O tema será aprofundado no Capítulo 12 que trata das colisões entre normas constitucionais Não é possível por outro lado a denúncia unilateral de tratados desta natureza por simples ato do Poder Executivo Embora a visão mais convencional seja no sentido do cabimento de denúncia dos tratados em geral pelo Poder Executivo o que já nos parece controvertido123 certamente não há como se aceitar uma mudança constitucional realizada desta forma No mínimo é exigível para esta denúncia uma deliberação do Congresso adotada por meio do mesmo procedimento empre gado para a aprovação do tratado em razão do princípio da paridade de formas124 É verdade que mesmo esta possibilidade pode ser questionada tendo em vista a natureza pétrea dos direitos e garantias fundamentais estabelecida no art 60 4º da Constituição125 Esse último argumento todavia se sujeita a uma séria objeção são os próprios tratados que preveem a possibilidade de denúncia Foi o caso da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência art 48 Portanto quando o próprio tratado incorporado com hierarquia constitucional garante a possibilidade de denúncia a realização da mesma não pode por razões de ordem lógica ser vista como uma infringência à Constituição 73 O poder constituinte decorrente Acima examinamos os limites e as possibilidades de modificação do texto constitucional originário Mas em uma federação como é o caso do Brasil os Estados membros também possuem o poder de criar suas próprias constituições Tratase de competência que se inclui na noção autonomia estadual na sua dimensão de poder de autoorganização É o que estabelece a Constituição Federal em seu art 25 Os Estados organizamse e regemse pelas constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição Esse poder de editar a Constituição tem sido denominado poder constituinte decorrente Como o poder de reforma o poder constituinte decorrente não é inicial mas derivado da Constituição que o consagra e regula não é soberano mas limitado pela ordem constitucional federal e é condicionado já que exercido de acordo com os procedimentos traçados pela Constituição No Brasil como os municípios são entes da federação eles também possuem poder de auto organização expressamente consagrado no art 29 da Constituição Existe todavia polêmica sobre a caracterização da lei orgânica municipal como expressão do poder constituinte derivado decorrente que se deve sobretudo ao fato de a Constituição Federal determinar que ditos atos normativos devem obedecer também às constituições estaduais O tópico será discutido mais à frente 731 Elaboração e reforma das constituições estaduais procedimento O poder constituinte decorrente como destacado é condicionado Portanto a elaboração das constituições estaduais têm de observar o procedimento prescrito na Constituição Federal que tratou do tema no art 11 do ADCT Cada Assembléia Legislativa com poderes constituintes elaborará a Constituição do Estado no prazo de um ano contado da promulgação da Constituição federal obedecidos os princípios desta Vêse portanto que a Constituição Federal impôs apenas um limite formal e um limite temporal explícitos para a elaboração das constituições estaduais O limite formal consiste na exigência de que redação das constituições estaduais caiba às assembleias legislativas de cada Estado O limite temporal foi o prazo de um ano fixado para a sua edição Como a Constituição aludiu apenas às assembleias legislativas entendeuse descabida a submissão dos textos das constituições estaduais à sanção ou veto do Governador Apesar da ausência de qualquer alusão a quorum de aprovação as assembleias constituintes estaduais adotaram em geral a regra da maioria absoluta utilizada na Assembleia Constituinte nacional de 8788126 Podese discutir o cabimento de convocação de nova assembleia constituinte estadual pelo Estado Nos Estados Unidos esta é uma prática comum Embora a mesma Constituição Federal esteja em vigor naquele país desde 1787 a maioria dos Estados já teve mais de uma Constituição sendo a média de 29 constituições por estadomembro os campeões neste quesito são Louisiana com 11 constituições e a Geórgia com 10127 No Brasil a possibilidade parece inexistente tendo em vista o limite temporal fixado para a elaboração das constituições estaduais previsto pelo art 11 do ADCT Salvo melhor juízo após a edição da sua Constituição pode o Estado emendála mas não substituí la por outra sem seguir as regras para reforma que demandam maioria qualificada Daí porque o que hoje apresenta maior interesse prático são as regras para reforma das constituições estaduais A Constituição Federal não cuidou expressamente desta reforma Não obstante o STF invocando o chamado princípio da simetria que será discutido adiante já consolidou o entendimento de que as regras que disciplinam a reforma de cada Constituição estadual devem se espelhar no que couber naquelas que cuidam da alteração a Constituição Federal sob pena de inconstitucionalidade Neste sentido afirmou por exemplo que o Estadomembro não pode criar procedimento mais difícil do que o previsto pela Constituição Federal para emenda da sua Constituição invalidando preceito de carta estadual que estabelecera o quorum de 45 para aprovação de reforma no seu texto128 Na mesma linha o STF considerou inviável a criação no plano estadual do procedimento de revisão constitucional que permitiria a alteração do texto constitucional estadual com o assentimento da maioria absoluta dos membros da assembleia legislativa129 O quorum de deliberação para reformas às constituições estaduais segundo o STF deve ser necessariamente de 35 dos deputados estaduais em duas votações sucessivas sendo a emenda promulgada pela própria Assembleia Legislativa sem submissão do seu texto à sanção ou veto do governador Como se verá adiante consideramos que não existe no ordenamento jurídico brasileiro o chamado princípio da simetria Entendemos que os Estados têm ampla liberdade para disciplinarem o processo de reforma da sua Constituição desde que assegurada a sua rigidez e o caráter democrático do procedimento de alteração A rigidez pode ser diretamente extraída da possibilidade de controle de constitucionalidade das leis municipais e estaduais em face da Constituição estadual prevista pela Constituição Federal art 125 1º O caráter democrático do procedimento se impõe diante da submissão de todos os entes da federação ao princípio do Estado Democrático de Direito 732 Os limites às constituições estaduais O poder constituinte decorrente se justifica pela necessidade de que os entes federativos possam se estruturar de acordo com as suas peculiaridades e a vontade de seu povo desde que respeitados os limites impostos pela Constituição Portanto o seu reconhecimento incorpora a valorização do pluralismo ao permitir que unidades federais diferentes se organizem de forma distinta Sem embargo a Constituição de 88 consagra inúmeras restrições inequívocas à autoorganização dos Estados que serão examinadas abaixo Podese até criticar a Constituição por possíveis excessos nessa área que exprimiriam um centralismo exagerado mas do ponto de vista jurídico não há dúvida de que vinculam os Estados os limites claramente instituídos pelo texto constitucional federal Contudo para além destes limites a jurisprudência vem construindo outros ao nosso ver insustentáveis ao impor a observância pelos Estados do modelo federal em praticamente tudo o que tem esvaziado a autoorganização desses entes federais ao ponto de praticamente aniquilála Há na doutrina diversas classificações sobre os limites ao poder constituinte decorrente130 As duas mais difundidas são as de Raul Machado Horta e José Afonso da Silva Raul Machado Horta131 afirmou que tais limitações decorreriam das normas centrais da Constituição que para ele englobariam os princípios constitucionais previstos no art 34 VII da Constituição cuja inobservância enseja a intervenção federal os princípios estabelecidos que seriam outros princípios importantes dispersos pelo texto constitucional e às regras de preorganização do Estadomembro que são normas constitucionais federais que disciplinam órgãos e instituições do Estado como as assembleias legislativas a Justiça e o Ministério Público estaduais Para Horta diante de todos estes limites a atividade do constituinte estadual se exaure em grande parte na elaboração de normas de reprodução mediante as quais faz o transporte da Constituição Federal para a Constituição do Estado das normas centrais132 Ele distinguiu as normas de reprodução que o constituinte estadual é obrigado a transpor da Constituição Federal para a estadual das normas de imitação nas quais a mimetização do modelo federal pelo Estado não é compulsória mas voluntária José Afonso da Silva por sua vez classificou os limites ao poder constituinte decorrente em princípios constitucionais sensíveis133 princípios constitucionais estabelecidos e princípios constitucionais extensíveis Os primeiros são aqueles cuja violação pode deflagrar a intervenção federal listados no art 34 VII da Constituição Já os princípios constitucionais estabelecidos são de variada natureza sendo mais difíceis de identificar Nas palavras do professor paulista são normas que limitam a autonomia organizatória dos Estados são aquelas regras que revelam previamente a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório bem como os princípios de organização política social e econômica que determinam o retraimento da autonomia estadual134 Esses princípios são de caráter vedatório ou mandatório pois tanto podem proibir como ordenar algo ao Estadomembro Podem ainda ser de natureza expressa implícita e decorrente do sistema constitucional adotado Quanto aos princípios extensíveis esses são endereçados especificamente à União mas têm de se aplicar também aos Estados José Afonso da Silva afirma que tais limites teriam sido praticamente eliminados pela Constituição de 88 em respeito ao regime federal Esta tipologia de limites é frequentemente invocada pela jurisprudência do STF que não obstante não segue a lição do Professor José Afonso no sentido da quase inexistência de limites extensíveis na nossa Constituição135 Proporemos abaixo uma classificação distinta que nos parece mais útil à compreensão dos tipos de limitação do poder constituinte decorrente a limites atinentes ao processo legislativo de elaboração das constituições estaduais e suas emendas já analisados no item anterior b limites decorrentes da partilha federativa de competência c limites representados por normas endereçadas especificamente aos Estadosmembros d limites relacionados a normas constitucionais genericamente dirigidas aos Poderes Públicos que também vinculam os Estadosmembros e limites decorrentes de normas endereçadas à União que excepcionalmente podem também vincular os Estadosmembros Embora a maior parte dos autores ao tratar dos limites ao poder decorrente aluda a princípios algumas das limitações representam indiscutíveis regras como a que fixa em 4 anos o mandato do governador Como já examinamos o limite a no item anterior passamos diretamente ao limite b b Limites de competência federativa A Constituição consagra uma partilha de competências legislativas entre a União Estados e Municípios Sendo a Constituição estadual uma norma do Estadomembro ela não pode versar sobre assuntos da competência da União ou do Município Não pode a Constituição do Estado por exemplo tratar de Direito Penal ou Civil pois estas são matérias de competência legislativa da União art 22 I nem tampouco cuidar de tributos municipais como o ISS ou o IPTU que são da competência municipal art 30 II cc art 156 I e III É certo que a Constituição Federal prevê que as leis orgânicas dos municípios devem obedecer também a princípios estabelecidos nas constituições estaduais art 29 Porém considerando a autonomia constitucional dos municípios que engloba o poder de legislar autonomamente dentro do respectivo âmbito de competência traçado pela Constituição Federal dita regra não tem o condão de autorizar as constituições estaduais a tratarem de temas confiados à competência municipal Esta é a jurisprudência reiterada do STF 136 que não merece qualquer objeção Aliás o respeito à autonomia municipal é princípio constitucional cuja inobservância pode até ensejar a intervenção federal Portanto a inconstitucionalidade de Constituição estadual que invadisse a competência municipal não seria apenas formal como também material c Normas endereçadas especificamente ao Estadomembro A Constituição Federal contém uma ampla quantidade de normas dirigidas especificamente aos Estados que limitam a sua auto organização Ela dispõe por exemplo sobre o número de deputados estaduais das assembleias legislativas art 27 sobre a eleição e mandato dos governadores art 29 e sobre a forma de escolha do ProcuradorGeral de Justiça art 128 3º Além de dispor sobre órgãos e poderes a Constituição Federal também contém regras endereçadas especificamente aos Estados referentes a outros temas como a intervenção dos Estados nos municípios art 35 e os impostos estaduais art 155 Todas estas normas obviamente vinculam o poder constituinte decorrente sendo de reprodução obrigatória nas constituições estaduais d Normas dirigidas genericamente aos Poderes Públicos que vinculam também aos Estados Não há dúvida de que os Estadosmembros estão plenamente vinculados às normas contidas na Constituição que não foram endereçadas apenas a eles mas ao Estado brasileiro em geral É o caso dos princípios fundamentais da Constituição arts 1º a 3º dos direitos e garantias fundamentais arts 5º ao 17 das normas que regem a Administração Pública arts 37 a 41 daquelas que disciplinam o funciona mento do Poder Judiciário arts 92 a 100 do Ministério Público arts 127 a 129 de várias dentre as que regulam a ordem econômica arts 170 a 175 e 179 a 181 e das que versam sobre o meio ambiente art 225 dentre muitas outras regras e princípios Uma hipótese controvertida envolve o princípio da separação de poderes art 2º Evidentemente este princípio não vincula só a União mas também os estados e municípios sendo portanto um limite ao poder constituinte decorrente que não poderia por exemplo criar no âmbito estadual institutos de índole parlamenta rista137 Porém não parece razoável impor como limitação ao poder constituinte decorrente que os estados e municípios adotem nos seus menores detalhes o mesmo arranjo institucional delineado pela Constituição Federal para a União É o que vem fazendo de maneira equivocada o STF como se verá abaixo e Normas dirigidas à União estendidas aos Estados O texto constitucional é expresso em estender aos Estados algumas normas dirigidas inicialmente apenas à União É o caso das regras sobre imunidades parlamentares art 27 2º bem como no que couber daquelas que regem os Tribunais de Contas dos Estados art 75 Nestas hipóteses a extensão do modelo federal para os Estados é inequívoca Porém muitas outras normas constitucionais dirigidas à União foram sem previsão expressa estendidas aos Estados pela jurisprudência do STF sem que sequer se cogitasse no nível de asfixia à autoorganização estadual que isso implicava Esta extensão tem se baseado no princípio da simetria que conquanto sem fundamento expresso na Constituição e em nossa opinião em franca desarmonia com ela vem sendo aplicado de forma ousada e ativista pela Corte As hipóteses são muito variadas138 de modo que apenas apresentaremos abaixo algumas linhas jurisprudenciais mais significativas sobre a matéria e1 Devem ser simétricas as normas relativas ao processo legislativo As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estadosmembros139 Para o o STF devem ser simétricas por exemplo as normas relativas à iniciativa para propor projetos de lei São frequentes os casos em que o STF julga inconstitucionais normas estaduais e municipais que tenham resultado de projetos propostos por parlamentares sempre que a Constituição Federal atribuir iniciativa de lei sobre matéria equivalente no plano federal ao Presidente da República É o caso por exemplo de normas que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos140 inclusive dos servidores militares141 ou sobre a organização da administração pública142 e a criação de órgãos públicos143 O mesmo raciocínio vale para normas confiadas à iniciativa privativa do Poder Judiciário144 ou do Tribunal de Contas145 Observese que o STF considera inconstitucionais não apenas as normas das constituições estaduais ou leis orgânicas municipais que consagrem regras de iniciativa diversas daquelas adotadas no padrão federal Se a Constituição Federal determina que certa matéria deve ser disciplinada por lei de iniciativa do Presidente da República a Corte entende que nem mesmo emenda à Constituição estadual poderá dispor sobre o tema já que esta não provém em geral do chefe do Poder Executivo146 Anteriormente o STF invocava esta orientação até para a própria Constituição estadual originária Mais recentemente a Corte parece ter revisto a sua jurisprudência neste ponto ao afirmar que a regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado147 e2 Devem ser simétricas normas relativas às demais competências dos órgãos legislativos Por isso o STF julgou inconstitucional norma estadual que condicionava a convocação de CPI à aprovação do Plenário da Assembleia Legislativa A norma estadual violaria o modelo concebido no plano federal em que a CPI é concebida como um instrumento à disposição das minorias parlamentares podendo ser convocada por apenas 13 dos membros da casa legislativa A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estendese aos membros das assembléias legislativas estaduais garantia das minorias O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais148 e3 Devem ser simétricas as normas relativas a impedimentos e prerroga tivas dos agentes políticos e servidores públicos O STF entende por exemplo que a Constituição Estadual deve estabelecer sanção para o afastamento do Governador ou do ViceGovernador do Estado sem a devida licença da Assembléia Legislativa149 Por outro lado o STF julgou inconstitucional norma que condicionava a possibili dade de o Governador se ausentar do território estadual à autorização concedida pela Assembleia Legislativa150 O STF declarou inconstitucional ainda norma estadual que determinava que a perda de mandato de parlamentar se daria mediante voto aberto quando se exige o voto secreto no caso de membros do Congresso Nacional CF art 55 2º 151 Por fim o STF concluiu que a Constituição Estadual não poderia criar hipóteses de foro por prerrogativa de função quando não gozam da mesma prerrogativa os servidores públicos que desempenham funções similares na esfera federal152 e4 Devem ser simétricas as normas relativas à atividade fiscalizatória realizada pelo Poder Legislativo O STF julgou inconstitucional norma estadual que conferia ao parlamentar individualmente a atribuição de fiscalizar o Poder Executivo Se a Constituição Federal confia a competência a órgãos colegiados a Constituição Estadual não pode eleger modelo monocrático Isto porque a fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes cuidase porém de interferência que só a Constituição da República pode legitimar153 Devem ser simétricas as normas relativas à fiscalização contábil e financeira e ao Tribunal de Contas O STF julgou inconstitucional por exemplo emenda à Constituição Estadual que criou a possibilidade de recurso para o Plenário da Assembleia Legislativa das decisões tomadas pelo Tribunal de Contas do Estado Como não há essa possibilidade no plano federal ela não poderia tampouco ser instituída pelo constituinte estadual ou pelo legislador orgânico municipal154 Pela mesma razão o STF declarou a inconstitucionalidade de norma que conferia competência ao Tribunal de Contas do Estado para executar suas próprias decisões155 e5 Devem ser simétricas as normas relativas às competências dos chefes do Executivo O Supremo Tribunal Federal considerando que a Constituição de 1988 confere poder regulamentar ao Presidente da República declarou inconstitucional norma estadual que permitia o seu exercício por outros órgãos O STF entendeu que por simetria ao modelo federal compete apenas ao Chefe do Poder Executivo estadual a expedição de decretos e regulamentos que garantam a fiel execução das leis156 A Corte entendeu ainda que a Constituição estadual não pode subordinar a escolha de delegados de polícia à eleição feita pela população do município entre integrantes da carreira pois no modelo federal tal condicionamento inexiste157 Não pode tampouco pelas mesmas razões estabelecer a eleição de diretores de unidades estaduais de ensino158 Da mesma forma não lhe é dado condicionar a celebração de convênios à aprovação da Assembleia Legislativa159 É verdade que existem também os casos em que o STF considerou que o princípio da simetria seria inaplicável Esses casos correspondem a duas situações distintas as hipóteses em que o STF entendeu que o regime federal não poderia se aplicar aos Estados nem por decisão da respectiva Constituição estadual e aquelas em que não haveria reprodução obrigatória do paradigma federal mas estaria preservada a faculdade de imitação do modelo no âmbito do Estado por meio da Constituição estadual No primeiro caso figura a hipótese da imunidade penal relativa do Presi dente da República previsto no art 86 2º da Constituição que veda a sua respon sabilização criminal durante o mandato por atos estranhos ao exercício da função A Corte entendeu que se trata de prerrogativa excepcional no regime republicano que não poderia ser estendida aos governadores pelas cartas estaduais160 No segundo caso se destaca a possibilidade de edição de medida provisória pelo Governador de Estado A Constituição autoriza apenas a sua edição pelo Presidente da República art 62 O STF entendeu que o Governador poderia editar medidas provisórias mas apenas quando fosse autorizado para tanto pela Constituição do seu Estado161 Esta lista de casos embora não exaustiva revela como o princípio da simetria é aplicado no quotidiano da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Alguns destes julgamentos nos parecem corretos pela incidência de outros princípios constitucionais que limitavam a atuação do poder constituinte decorrente Mas o que se dá em vários outros é uma restrição excessiva e injustificada à autoorganização dos Estados que é uma das características centrais do regime federal 733 Existe o princípio da simetria O princípio da simetria foi concebido antes do início da vigência da presente ordem constitucional O art 13 III da Constituição de 1967 determinava que o poder constituinte estadual observasse as normas sobre processo legislativo positivadas na Constituição Federal Se a Constituição por exemplo atribuísse ao Presidente da República poder de iniciativa para propor projeto de lei sobre determinada matéria a Constituição Estadual não poderia deixar de conferir competência análoga ao Governador do Estado Na Constituição atual não há a mesma exigência de observância pelos estados do processo legislativo federal Mas apesar disso o STF continua aplicando o parâmetro normalmente invocado conjuntamente com o princípio da separação dos poderes162 No que toca a esse tema prevaleceu a interpretação retrospectiva da Constituição analisase a nova ordem jurídica sob a ótica do regime passado como se nada houvesse mudado Com isso o Supremo Tribunal Federal se distanciou de sua concepção sobre o modo como o princípio da separação de poderes limita o poder constituinte derivado reformador A separação de poderes limita este poder apenas como princípio na medida de seu núcleo essencial admitindose emendas que alterem aspectos particulares do sistema de repartição de competências entre os poderes da União Como limite ao poder constituinte decorrente a separação de poderes tem funcionado não como princípio mas como sistema A extensão da restrição na leitura da Corte não se circunscreve ao núcleo essencial da separação de poderes abrange também detalhes do arranjo institucional previsto na Constituição Federal O constituinte estadual segundo a jurisprudência tradicional do STF deve reproduzir o sistema federal em suas minúcias não podendo formular inovações significativas A exigência geral de simetria não se compatibiliza com o federalismo que é um sistema que visa a promover o pluralismo nas formas de organização política163 A regra geral não pode ser a exigência de reprodução dos modelos e arranjos previstos para a União eis que incompatível com a autonomia dos entes federais que envolve a sua prerrogativa de autoorganização Adotar a simetria como regra geral é negar uma das mais importantes dimensões do federalismo que envolve a ideia de diversidade na unidade A regra geral deve ser a liberdade para que cada ente faça as suas escolhas institucionais as quais mesmo sem a exigência de simetria já se encontram bastante limitadas por outras normas constitucionais que restringem o poder constituinte decorrente como acima salientado A orientação do STF sobre o princípio da simetria foi provavelmente assumida por prudência a Corte parece ter pretendido evitar que arranjos institucionais desprovidos de razoabilidade fossem praticados em estados e municípios No fundo vislumbrase o medo do abuso e a imposição aos entes locais de escrupulosa observância dos modelos federais foi o instrumento usado pela Corte para se evitar esse risco164 Contudo ao fazêlo o STF tem impedido que a forma federativa de Estado exerça uma de suas funções mais importantes que é permitir que experiências institucionais inovadoras possam ser praticadas nos governos locais e se bemsucedidas eventualmente replicadas em outros entes políticos quiçá servindo como futura referência para a reforma das instituições nacionais165 O desafio está em alcançar o ponto ótimo entre prudência e abertura para o pluralismo e a experimentação No que toca ao federalismo isso passa certamente pela revisão do princípio da simetria E a medida também seria prudente Ao invés de assumir os riscos envolvidos nas grandes apostas de reforma global das instituições nacionais como tem sido feito talvez seja melhor experimentálas no plano local de governo A aplicação de novas ideias ou arranjos políticos em algum estado ou município precursor pode servir como teste É claro que muitas experiências podem dar errado mas os riscos para a sociedade são menores do que quando se pretende realizar reformar nacionais de um só golpe Não por outra razão o Juiz Louis Brandeis da Suprema Corte norte americana chamou os governos estaduais de laboratórios da democracia É um dos felizes incidentes do sistema federal que um único e corajoso Estado possa se os seus cidadãos escolherem servir de laboratório e tentar experimentos econômicos e sociais sem risco para o resto do país166 Nesse tópico enfim a jurisprudência do STF não merece aplauso Felizmente já existem sinais de reversão desta orientação167 734 As constituições estaduais o papel que atualmente desempenham As constituições estaduais não desempenham atualmente um papel relevante nos ordenamentos e na vida pública São tantas e tão profundas as limitações que lhe são impostas que quase nada podem fazer168 Configuram basicamente cópias da Constituição Federal Quando se afastam por pouco que seja do padrão federal as suas inovações são quase sempre desautorizadas pelo Judiciário Não se desenvolveu por outro lado um sentimento constitucional em relação às constituições dos estados o que à luz do limitadíssimo papel que elas têm desempenhado é bastante compreensível A população lhes é indiferente e mesmo no meio jurídico poucos advogados ou estudantes já se deram ao trabalho de ler alguma vez na vida a Constituição do seu estado tal a sua desimportância prática Nem sempre foi assim no país Na República Velha as constituições estaduais desempenhavam um papel muito mais importante169 Nos Estados Unidos também as constituições estaduais exercem papel bastante relevante170 Há estados naquele país com e outros sem recall de agentes políticos estados em que há bicameralismo e unicameralismo no Legislativo estados em que os juízes são nomeados livremente pelo Executivo em que são selecionados por critérios meritocráticos e em que os magistrados são eleitos pelo povo As constituições estaduais enfim fazem escolhas importantes sobre a organização do Estado Mas não é só isso A proteção de direitos fundamentais sociais naquele país onde existe se baseia nas constituições estaduais haja vista a inexistência de garantia similar na Constituição nacional Foi com base em constituições estaduais norteamericanas que em diversos estados se reconheceu o direito ao casamento ou a união estável entre pessoas do mesmo sexo É verdade que o federalismo norteamericano até por razões históricas sempre foi muito mais descentralizado do que o nosso Mas na questão das constituições estaduais o sistema brasileiro está no extremo do espectro pelo reduzidíssimo espaço deixado à autoorganização dos entes federais Considerando o papel que tais normas jurídicas exercem de fato elas talvez nem devessem ser chamadas de Constituição Lei orgânica estadual seria mais apropriado171 Esse papel porém pode ser transformado se houver alteração no entendimento do STF sobre o princípio da simetria e se os Estados se permitirem uma certa dose experimentalismo democrático nos seus arranjos institucionais 735 A lei orgânica do município é manifestação do poder constituinte decorrente A lei orgânica municipal foi uma inovação da Constituição de 88 diretamente correlacionada com a inclusão do município no pacto federativo Nos regimes constitucionais anteriores cabia aos Estados disciplinar a organização dos seus municípios É certo que alguns Estados já delegavam esta competência aos seus municípios sendo precursor o Estado do Rio Grande do Sul172 mas a regra geral era a disciplina da estrutura municipal por meio de norma estadual A Constituição de 88 ao elevar o Município à qualidade de ente federal atribuiulhe a prerrogativa da autoorganização exercitada por meio do poder de editar e reformar a sua lei orgâ nica Nos termos do art 29 da Constituição a lei orgânica deve ser votada em dois turnos com o interstício mínimo de dez dias e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição na Constituição do respectivo Estado e também em uma série de preceitos sobre a organização municipal listados nos incisos do mesmo dispositivo O art 11 Parágrafo único do ADCT estabeleceu ainda o prazo de seis meses para a elaboração da lei orgânica do Município após a promulgação da Constituição do respectivo Estado Há controvérsia jurídica sobre se as leis orgânicas representam ou não manifestação do poder constituinte decorrente Diversos autores se manifestaram nesse sentido equiparando a lei orgânica municipal à Constituição estadual como Hely Lopes Meirelles173 José Afonso da Silva174 e Regina Nery Ferrari175 Além da auto organização municipal outro argumento favorável à natureza constitucional dessas leis é a sua rigidez decorrente do quorum de 23 dos vereadores exigido pela Constituição Federal para a sua provação Há quem sustente que como se demanda o voto de 23 dos membros da Câmara Municipal para aprovação da lei orgânica o mesmo quorum seria necessário para alterála176 Outro segmento da doutrina afirma que como a lei orgânica do município deve também respeitar princípios enunciados na respectiva Constituição estadual ela não poderia ser qualificada como manifestação do poder constituinte decorrente uma vez que este só se subordina aos comandos ditados pela Constituição Federal177 Todavia a restrição à autoorganização dos municípios decorrente da imposição de observância de princípios ditados pela Constituição estadual é mínima A jurisprudência tem entendido com razão que a Constituição estadual deve respeitar a autonomia municipal não podendo versar sobre temas que são próprios ao Município como a sucessão do prefeito e viceprefeito178 ou o transporte local de passageiros179 O STF em decisão em que suspendeu a eficácia de emenda à Constituição estadual que limitara os subsídios dos vereadores ressaltou que dar alcance irrestrito à alusão no art 29 caput CF à observância devida pelas leis orgânicas municipais aos princípios estabelecidos na Constituição do Estado traduz condenável misoneísmo constitucional que faz abstração de dois dados novos e incontroversos no trato do Município na lei Fundamental de 1988 explicitar o seu caráter de entidade infraestatal rígida e em conseqüência outorgarlhe o poder de autoorganização substantivado no art 29 pelo poder de votar a própria lei orgânica180 Naquele julgamento disse a Corte que em tudo quanto nos diversos incisos do art 29 a Constituição da República fixou ela mesma os parâmetros limitadores do poder de autoorganização dos Municípios e excetuados apenas aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual art 29 VI IX e X a Constituição do Estado não os poderá abrandar nem agravar Nesse quadro parece razoável equiparar a lei orgânica do município à Constituição estadual É verdade que a primeira ao contrário da segunda não conta com mecanismo de controle abstrato de constitucionalidade art 25 2º Mas existe por outro lado a possibilidade de exercício do controle concreto e difuso para assegurar a supremacia da lei orgânica municipal em face de ato normativo do respectivo município Finalmente é certo que a lei orgânica do município também está sujeita àqueles limites impostos à Constituição estadual Por isso o seu potencial inovador é bastante reduzido O STF vem empregando também para as leis orgânicas municipais o princípio da simetria como um rigoroso limitador do poder de autoorganização municipal o que pode ser questionado com base nas razões já expostas anteriormente 1 Donald S Lutz em influente estudo empírico mapeou as principais variáveis que levam à reforma constitu cional As duas primeiras que ele apontou foram exatamente a extensão da Constituição e a dificuldade do seu processo de reforma Vejase a propósito LUTZ Donald S Toward a Theory of Constitutional Amendment In LEVINSON Sanford Ed Responding to Imperfection the Theory and Practice of Consti tutional Amendment p 243244 2 Para Karl Loewenstein o sentimento de respeito tido pelo povo e pelos governantes diante de uma Cons tituição é fragilizado quando ela se submete a reformas constantes Nas suas palavras quanto mais uma nação se identifica com a sua constituição mais reservada ela se mostra ao uso do procedimento de reforma constitucional Teoría de la Constitución p 174 Donald Lutz por sua vez sugere que a elevada frequência de emendas constitucionais pode significar que a Constituição não é vista na comunidade política como uma lei superior sendo o seu papel confundido com o da legislação ordinária Cf LUTZ Donald S Toward a Theory of Constitutional Amendment In LEVINSON Sanford Ed Responding to Imperfection the Theory and Practice of Constitutional Amendment p 246 3 De acordo com Javier Perez Royo todas as constituições escritas editadas desde 1919 contiveram ou contêm preceitos disciplinando a sua própria reforma Cf ROYO Javier Perez Curso de derecho constitucional p 179 4 Cf VEGA Pedro de La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente p 83 5 VEGA Pedro de La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente p 8387 6 O que chamamos de limites imanentes e transcendentes Pedro de Vega denominou de limites heterônomos e autônomos La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente p 240242 7 HC nº 18178 Rel Min Hermenegildo Barros Julg 1º101926 Arquivo Judiciário v XVII n 5 p 341 Neste caso o STF apreciou a validade de emenda constitucional mas a confirmou 8 O primeiro precedente de invalidação ocorreu no julgamento do ADI nº 9377 Rel Min Sydney Sanches DJ 18 mar 1994 em que o STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da EC nº 393 que instituíra o IPMF nas partes em que autorizava a incidência do tributo no mesmo exercício da sua criação e em que afastava determinadas imunidades tributárias Naquele julgamento poucos ministros se preocuparam em justificar a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitucionais provavelmente por reputála óbvia Um dos que o fez foi o Ministro Celso Mello É preciso não perder de perspectiva que as emendas constitucionais podem revelarse incompatíveis também elas com o texto da Constituição a que aderem Daí a sua plena sindicabilidade jurisdicional especialmente em face do núcleo temático protegido no art 60 4º da Carta Federal As cláusulas pétreas representam na realidade categorias normativas subordinantes que achandose préexcluídas por decisão da Assembléia Nacional Constituinte evidenciamse como temas insuscetíveis de modificação pela via do poder constituinte derivado Sob a égide da Constituição de 88 a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitu cionais já fora admitida pelo STF antes desse caso no julgamento da ADI nº 8307 Rel Min Moreira Alves Julg 1441993 DJ 16 set 1993 Não há dúvida de que em face do novo sistema constitucional é o STF com petente para em controle difuso ou concentrado examinar a constitucionalidade ou não de emenda constitucional no caso a n 2 de 25 de agosto de 1992 impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas e implícitas 9 O primeiro precedente é ainda anterior à Constituição de 88 MS nº 20257 Rel Min Décio Miranda Julg 8101980 DJ 27 fev 1981 Posteriormente a orientação foi mantida eg MS nº 24645DF Rel Min Celso Mello DJ 15 set 2003 10 O primeiro precedente indiano ocorreu no julgamento do caso Golaknath v Punjab decidido pela Suprema Corte do país em 1967 Sobre o ativismo judicial indiano no controle de constitucionalidade das reformas constitucionais vejase SATHE Judicial activism in India p 6199 11 Nos Estados Unidos a Suprema Corte já se pronunciou algumas vezes sobre a validade de emendas em casos como em Hollingsworth v Virginia 1798 Hawke v Smith 1920 National Prohibition Cases 1920 Leser v Garnett 1922 e Coleman v Miller 1939 e jamais invalidou qualquer alteração formal da Constituição seja por vícios formais seja por questões materiais Vejase a propósito KOMMERS Donald D FINN John E JACOBSOHN Gary J American constitutional law v 1 p 7375 BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas p 4447 12 Na Alemanha o controle de constitucionalidade de emendas já foi suscitado três vezes no Tribunal Constitucional em 1970 no Caso da Privacidade de Comunicação quando se discutiu a validade de reforma que retirara do Poder Judiciário o controle sobre interceptações nas comunicações decretadas pelo Executivo em 1991 no Caso da Reforma Agrária quando se debateu a validade de emenda que dera ao Parlamento germânico após a unificação a possibilidade de conceder ou não indenização a pessoas que haviam sido expropriadas pela Alemanha Oriental em programa destinado à reforma agrária e em 1993 no Caso do Tratado de Maastricht quando se discutiu a validade da emenda que permitira ao país celebrar o mencionado tratado que possibilitou a transferência de poderes soberanos à União Europeia Em todos esses julgamentos a arguição de inconstitucionalidade foi rejeitada Há consenso no sentido de que o Tribunal Constitucional alemão mantém postura de extrema deferência em relação às decisões do poder constituinte derivado Vejase a propósito VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça p 148159 13 Decisão 6220 DC julgada pelo Conselho Constitucional francês em 1962 A Constituição francesa não previa à época a possibilidade de que fosse alterada por meio de referendo esta possibilidade foi prevista em lei constitucional aprovada em 1992 Não obstante o Presidente Charles de Gaulle apresentou projeto de lei referendária alterando a Constituição para instituir eleições diretas à Presidência da República O referendo aprovou por ampla maioria a mudança desejada O Conselho Constitucional provocado pelo Presidente do Senado foi chamado a se manifestar tendo decidido pela sua incompetência para apreciação do caso Para o Conselho as leis aprovadas por referendo não podem ser controladas judicialmente pois constituem expressão direta da soberania nacional A decisão seguida de comentário crítico encontrase em FAVOREU Louis PHILIP Loïc Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel p 184196 14 Vejase a propósito o Capítulo 8 15 Vejase a propósito o item sobre a Constituição de 1824 no Capítulo 3 sobre a trajetória histórica do cons ti tucionalismo brasileiro 16 Vejase sobre o tema o item sobre a Constituição de 1934 no Capítulo 3 sobre a trajetória histórica das cons tituições brasileiras 17 A Constituição argentina prevê que a necessidade da reforma deve ser declarada pelo Congresso pelo voto de 23 dos seus membros Diante dessa declaração que na prática é exteriorizada por meio de uma lei convocase a convenção cujos membros são eleitos pelo povo com mandato exclusivo para realizar a reforma autorizada pelo Congresso Vejase a propósito RUIZ Marta V de Manual de la Constitución Nacional p 204208 18 Porém como ressaltado no capítulo que trata da história das constituições brasileiras todas as mudanças realizadas no texto da Constituição de 1937 foram feitas unilateralmente pelo Presidente da República tendo em vista que o Congresso se encontrava fechado 19 Tal exigência não se confunde com a necessidade de aprovação das reformas pelo Senado que é tido nas federações como órgão de representação dos Estados no legislativo nacional de acordo com a teoria cons titucional convencional 20 De acordo com o art 61 da Constituição Federal a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados do Senado Federal ou do Congresso Nacional ao Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal aos Tribunais Superiores ao ProcuradorGeral da República e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Constituição 21 O STF já se manifestou no sentido de que não é inconstitucional a emenda proposta por senadores cuja tramitação tenha se iniciado no Senado O início da tramitação da proposta de emenda no Senado Federal está em harmonia com o disposto no art 60 inciso I da Constituição Federal que confere poder de iniciativa a ambas as Casas Legislativas ADI nº 2031DF Rel Min Ellen Gracie DJ 17 out 2003 22 Cf SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 5 ed p 5657 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado p 451452 23 O art 61 2º estabelece A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por no mínimo um por cento do eleitorado nacional distribuído em pelo menos cinco Estados com não menos que três décimos por cento dos eleitores de cada um deles 24 O fenômeno ocorreu por exemplo na EC nº 622009 que tratou dos precatórios cujos dois turnos no Senado ocorreram no mesmo dia Este vício foi impugnado na ADI nº 4372 Rel Min Carlos Britto em fase de julgamento quando se finaliza o presente volume O Relator no seu voto já reconheceu a referida inconstitucionalidade 25 densa plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade de norma atributiva de competência transitória para a hipótese de não se efetivarem a tempo na forma do texto permanente as indicações ou escolhas dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público por inobservância do processo legislativo previsto no 2º do art 60 da Constituição da República dada a patente subversão do conteúdo da proposição aprovada pela Câmara dos Deputados por força de emenda que lhe impôs o Senado e afinal se enxertou no texto promulgado ADI nº 3472MC Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 2842005 DJ 24 jun 2005 26 Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de projeto que na redação remanescente aprovada de ambas as Casas do Congresso não perdeu sentido normativo ADI nº 3367 Rel Min Cezar Peluso Julg 1342005 DJ 22 set 2006 27 Cf SAMPAIO Nelson de Souza O poder de reforma constitucional p 78 LOPES Maurício Antonio Ribeiro Poder constituinte reformador p 142 28 Cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed p 151 29 É de verse pois que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo não se cuida de aplicar a norma do art 60 5º da Constituição Por isso mesmo afastada a rejeição do substitutivo nada impede que se prossiga na votação do projeto originário O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originário proposto MS nº 225033DF Rel Min Maurício Corrêa DJ 6 jun 1997 30 A revisão constitucional que será analisada adiante foi prevista na Constituição no art 3º do ADCT que facultou a aprovação de reformas constitucionais em dado período de forma mais fácil por deliberações unicamerais do Congresso Nacional tomadas por maioria absoluta 31 ADI nº 8307 Rel Min Moreira Alves Julg 1441993 DJ 16 set 1993 Foram votos vencidos no julgamento os Ministros Sepúlveda Pertence Marco Aurélio e Carlos Mário Velloso 32 No voto do Ministro Moreira Alves registrouse A data que no art 2º do ADCT se estabeleceu para o plebiscito 7 de setembro de 1993 indica claramente que com ela se visa a vincular essa decisão ao procedimento de reforma previsto no art 3º do ADCT Essa data porém é uma limitação temporal ao próprio procedimento de revisão em si mesmo Pareceme evidente que não Ela diz respeito a uma fase preparatória do procedimento ainda que condicionante para ele no tocante à alteração dessas matérias Mais estando a revisão limitada temporalmente pelo art 3º a limitação temporal que não pode ser modificada por emenda é esta e não a da fase preparatória para ela no tocante à forma e ao sistema de governo O argumento foi redarguido no voto vencido do Ministro Sepúlveda Pertence que após destacar que as normas que consagram os limites temporais ao poder de reforma consubstanciam cláusulas pétreas im plícitas argumentou Logo se o plebiscito é o procedimento constitucional estabelecido para a tomada de decisões fundamentais inafastáveis na revisão subseqüente pareceme evidente que esse plebiscito integra o próprio momento das definições constitucionais encomendadas ao processo global de revisão da Constituição previsto para este ano 33 Os limites materiais previstos no art 288 da Constituição portuguesa são os seguintes a a independência nacional e a unidade do Estado b a forma republicana de governo c a separação das Igrejas do Estado d os direitos liberdade e garantias dos cidadãos e os direitos dos trabalhadores das comissões de trabalhadores e das associações sindicais f a coexistência do sector público do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção g a existência de planos econômicos no âmbito de uma economia mista h o sufrágio universal directo secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania das regiões autônomas e do poder local bem como o sistema de representação proporcional i o pluralismo de expressão e organização política incluindo partidos políticos e o direito de oposição democrática j a separação e independência dos órgãos de soberania l a fiscalização de cons ti tucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas m a independência dos tribunais n a autonomia das autarquias locais n a autonomia políticoadministrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira Tal elenco tem a redação que foi estabelecida pela revisão constitucional realizada no ano de 1989 Antes dessa revisão havia outras cláusulas pétreas de inspiração socialista estabelecendo a apro priação colectiva dos principais meios de produção e solo a planificação democrática da economia e a participação das organizações populares de base no exercício do poder local 34 LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 192 35 CONSTANT Benjamin De la liberté des anciens comparée a celles des modernes In CONSTANT Benjamin Écrits politiques BERLIN Isaiah Dois conceitos de liberdade In BERLIN Isaiah Estudos sobre a humanidade uma antologia de ensaios SCHMITT Carl Parlamentarisme et démocratie 36 Cf NEGRI Antonio O poder constituinte ensaio sobre as alternativas da modernidade 37 Vejase a propósito o Capítulo 1 38 Sobre este debate na literatura brasileira vejase VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma SARMENTO Daniel Direito adquirido emenda constitucional democracia e reforma de previdência In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas KROL Heloisa da Silva Reforma constitucional fundamentos e limites no cenário democráticoconstitucional 39 ACKERMAN Bruce We the People v 1 p 333 Ressaltese que Ackerman não usa a categoria do dualismo constitucional para tratar da diferença entre poder constituinte originário e derivado mas para distinguir a função constituinte da função legislativa ordinária 40 Nesse sentido dentre outros BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 147 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 139 41 SCHMITT Carl Teoría de la Constitución p 45 et seq 42 Se a decisão política fundamental estivesse sob ameaça justificarseia a decretação do estado de ex ceção que serviria justamente para permitir que o poder constituinte confirmasse a sua decisão política fundamental a qual não se esgotava nem se confundia com o texto da Constituição cf SCHMITT Carl Teoría de la Constitución p 50 Sobre o contexto em que Schmitt formula o conceito cf BERCOVICI Gilberto Constituição e estado de exceção permanente atualidade de Weimar 43 CAMPOS Francisco Poder de emenda reforma agrária Bahia Forense v 6 n 5 p 26 44 CAMPOS Francisco Poder de emenda reforma agrária Bahia Forense v 6 n 5 p 33 45 Cf BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Funerais da Constituição de 88 In FIOCCA Demian GRAU Eros Roberto Debate sobre a Constituição de 1988 p 3547 46 MOREIRA Vital Constituição e democracia In MAUÉS Antonio G M Org Constituição e democracia p 272 47 Cf ELSTER Jon Ulysses and the Sirens Studies in Rationality and Irrationality 48 A imagem foi formulada pelo pensador liberal austríaco Friedrich von Hayek e é discutida em HOLMES Stephen Precommitment and the Paradox of Democracy In ELSTER Jon SLAGSTAD Rune Ed Consti tutionalism and Democracy 49 Cf ELSTER Jon Ulisses desatado estudios de precompromiso y restricciones p 115 as constituições mais que atos de autorestrição podem atar ou restringir os outros 50 WALDRON Jeremy Precommitment and Disagreement In ALEXANDER Larry Constitutionalism Philosophical Foundations p 271297 51 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de MENDONÇA José Vicente Santos de Fundamentalização e funda mentalismo na interpretação do princípio da livre iniciativa Revista Latino Americana de Estudos Consti tucionais v 8 52 Para uma análise do texto constitucional de 1988 que incorpora o critério da controvérsia para distinguir as matérias relativas à estrutura do estado polity das que dão conteúdo às ações estatais policies cf COUTO Cláudio Gonçalves ARANTES Rogério Bastos Constituição governo e democracia no Brasil Revista Brasileira de Ciências Sociais v 21 n 61 53 Cf ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review 54 HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade 55 A expressão é de VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma 56 Para um resumo das principais teorias do contratualismo moderno cf MATTEUCCI Nicola Contratualismo In BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Org Dicionário de política p 272283 57 Cf RAWLS John Uma teoria da justiça 58 RAWLS John Liberalismo político 59 Cf RAWLS John Uma teoria da justiça p 12 não devemos pensar no contrato original como um contrato que introduz uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo Pelo contrário a idéia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original São esses princípios que pessoas livres e racionais preocupadas em promover seus próprios in teresses aceitariam numa posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação 60 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas 61 Em sentido divergente apontam as lições de Carlos Ayres Britto em texto acadêmico as normas auto ri za tivas de emenda é que devem ser interpretadas restritivamente porque emenda é sempre exceção ao princípio lógico ou tácito da estabilidade da Constituição As cláusulas pétreas ao contrário caracterizamse como afirmadoras daquele princípio de estabilidade ínsito a cada Estatuto Supremo elas é que devem ser inter pre tadas extensivamente A Constituição e os limites da sua reforma Revista LatinoAmericana de Estudos Constitucionais p 246 62 No mesmo sentido vejase o alentado estudo de Rodrigo Brandão Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas p 241330 bem como NOVELLI Flávio Bauer Norma constitucional inconstitucional a propósito do art 2º 2º da Emenda Constitucional nº 393 Revista Forense n 330 p 6389 Em sentido contrário José Afonso da Silva que entende que qualquer restrição por mínima que seja aos princípios protegidos pelas cláusulas pétreas é inconstitucional Para que se caracterize a inconstitucionalidade basta nas suas palavras que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente tenda emendas tendentes diz o texto para sua abolição SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição p 441 63 Em sentido contrário a esta interpretação restritiva cf BRITTO Carlos Ayres A Constituição e o moni to ramento de suas emendas Revista Eletrônica de Direito do Estado n 1 64 ADIMC nº 2024DF Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 27101999 65 ADI nº 2395DF Rel Min Gilmar Mendes Julg 952007 66 Na nossa opinião seria possível a adoção de arranjos institucionais alternativos que assegurassem al guma forma de participação dos Estadosmembros na formação da vontade nacional distinta da igual repre sentação dos mesmos no Senado prevista na Constituição de 88 art 46 Na Alemanha por exemplo que é uma federação o número de senadores por Estado não é igual variando de acordo com o tamanho da população Portanto não entendemos que esteja implícita na cláusula pétrea da federação a exigência de igual participação dos Estados no Senado como dispunha expressamente o texto constitucional brasileiro de 1891 e como prevê a Constituição norteamericana 67 ADIMC nº 2381 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 2062001 68 A forma federativa de Estado não pode ser conceituada a partir de um modelo original apriorístico de Federação mas sim daquele que o constituinte originário concretamente adotou e como adotou erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição A vista do modelo ainda acentuadamente centralizado do federalismo adotado pela versão originária da Constituição de 1988 o preceito questionado da EC 2098 nem tende a abolilo nem sequer a afetálo A matéria da disposição discutida é previdenciária e por sua natureza comporta norma geral de âmbito nacional de validade que à União se facultava editar se já o podia ter feito a lei federal obviamente não o afeta ou menos ainda tende a abolir a autonomia dos Estadosmembros que assim agora tenha prescrito diretamente a norma constitucional sobrevinda ADI nº 2024 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 352007 69 ADI nº 3367 Rel Min Cezar Peluso DJ 25 abr 2005 70 ADI nº 4307MC Rel Min Cármen Lúcia Julg 11112009 DJ 5 mar 2010 71 MS nº 20257 Rel Min Moreira Alves Julg 8101980 72 Não é este o espaço adequado para exame do princípio da separação de poderes Vejase a propósito PIÇARRA Nuno A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional ACKERMAN Bruce A nova separação de poderes 73 MONTESQUIEU Charles Louis de Secondat O espírito das leis 74 Neste sentido é lapidar a lição de Bruce Ackerman ao salientar as razões que justificam a separação de poderes Separação de poderes em nome de quê O primeiro ideal é a democracia De um modo ou outro a separação pode servir ou impedir ao projeto popular de autogoverno O segundo ideal é a competência profissional As leis democráticas permanecem no plano puramente simbólico a menos que os tribunais e as burocracias possam implementalas de um modo relativamente imparcial O terceiro ideal constituise pela proteção e ampliação dos direitos fundamentais Sem estes o regramento democrático e a administração técnica podem facilmente tornarse instrumentos de tirania A nova separação de poderes p 7 75 A expressão é de Mangabeira Unger fetichismo institucional é a identificação de concepções institucionais como a democracia representativa a economia de mercado ou a sociedade civil livre com um específico arranjo institucional Essas concepções institucionais abstratas não têm nenhuma expressão institucional natural ou necessária É possível desenvolvêlas em diferentes direções com base na relação interna entre nossas ideias sobre práticas e instituições e nossas concepções sobre interesses e ideais Democracy realized the progressive alternative p 25 76 Sob o prisma constitucional brasileiro do sistema de separação dos Poderes não se vê a priori como possa ofendêlo a criação do Conselho Nacional de Justiça À luz da estrutura que lhe deu a Emenda Constitucional n 45204 tratase de órgão próprio do Poder Judiciário art 92 IA composto na maioria por membros desse mesmo Poder art 103B nomeados sem interferência direta dos outros Poderes dos quais o legislativo apenas indica fora de seus quadros e pois sem laivos de representação orgânica dois dos quinze membros ADI nº 3367 Rel Min Cezar Peluso DJ 25 abr 2005 77 ADI nº 2356MC e nº 2362MC Rel p acórdão Min Carlos Britto Julg 25112010 DJ 19 maio 2011 78 Neste sentido vejase MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 219286 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais Confrontese ainda o Capítulo 11 na parte que cuida do princípio da proporcionalidade 79 Para uma análise desta reforma da previdência vejase TAVARES Ana Lucia Lyra Coord A reforma da previdência social temas polêmicos e aspectos controvertidos 80 Neste sentido MENDES Gilmar Ferreira Os limites da revisão constitucional Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n 21 p 6991 81 Neste sentido SARLET Ingo Wolfgang A problemática dos direitos fundamentais sociais como limites materiais ao poder de reforma da Constituição In SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e comparado p 333394 VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça p 244246 BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas p 195204 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo p 179182 PEREIRA NETO Cláudio de Souza Teoria constitucional da democracia deliberativa p 233242 82 ADI nº 1946 Rel Min Sidney Sanches Julg 342003 83 Contudo visto concretamente ele tendia justo ao resultado inverso ie à exclusão das agremiações mino ritárias do pleito presidencial Esse era o resultado provável de se conjugar a regra da verticalização com a da cláusula de barreira então em vigor Isso contudo não ocorreu pelo fato de o próprio Supremo Tribunal Federal ter declarado inconstitucional a regra da cláusula de barreira Este porém não é o lugar para aprofundar o exame do tema Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de Verticalização cláusula de barreira e pluralismo político uma crítica consequencialista à decisão do STF na ADIN 3685 Interesse público v 37 84 Enquanto o art 150 III b da CF encerra garantia individual do contribuinte o art 16 representa garantia individual do cidadãoeleitor detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e a quem assiste o direito de receber do Estado o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral ADI 3345 Rel Min Celso de Mello Além de o referido princípio conter em si mesmo elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado nos termos dos arts 5º 2º e 60 4º IV a burla ao que contido no art 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica CF art 5º caput e do devido processo legal CF art 5º LIV ADI nº 3685DF Rel Min Ellen Gracie Julg 2232006 DJ 10 ago 2006 85 Sobre os conceitos de fundamentalidade formal e de fundamentalidade material cf ANDRADE José Carlos Vieira Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976 p 7697 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 74140 86 ADI nº 9397DF Rel Min Sydney Sanches DJ 18 mar 1994 87 Essa foi a posição assumida pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Otávio Galotti que votaram pela inconstitucionalidade do 2º do art 2º da EC nº 00393 apenas no tocante ao inciso VI do art 150 da CF sem fazêlo em relação ao inciso III b cf NOVELLI Flávio Bauer Norma constitucional inconstitucional a propósito do art 2º 2º da Emenda Constitucional nº 393 Revista Forense n 330 p 71 SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa p 237238 88 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 425427 89 VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma p 244247 90 BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas p 204210 91 Nesta linha manifestaramse dentre outros ilustres juristas SILVA José Afonso da Reforma constitucional e direito adquirido In SILVA José Afonso da Poder constituinte e poder popular p 221333 VELLOSO Carlos Mário da Silva Temas de direito público p 457474 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 52 BRITTO Carlos Ayres PONTES FILHO Walmir Direito adquirido contra Emenda Constitucional RDA n 202 p 7590 PINTO FERREIRA Luiz As emendas à Constituição as cláusulas pétreas e o direito adquirido Revista Latino Americana de Estudos Constitucionais n 1 p 203224 FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 191204 HORTA Raul Machado Constituição e direito adquirido Revista de Informação Legislativa v 28 n 112 p 860 RAMOS Elival da Silva A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro p 228242 TOLEDO Cláudia Direito adquirido e estado democrático de direito p 250268 DANTAS Ivo Direito adquirido emenda constitucional e controle de constitucionalidade MENDONÇA Maria Luiza Vianna Pessoa de O princípio constitucional da irretroatividade da lei p 195200 92 Neste sentido BASTOS Celso Ribeiro MARTINS Ives Gandra Comentários à Constituição do Brasil p 191 CARDOZO José Eduardo Martins Da retroatividade da lei p 313314 MODESTO Paulo A reforma administrativa e o direito adquirido ao regime da função pública Revista Trimestral de Direito Público p 237 SARMENTO Daniel Direito adquirido emenda constitucional e justiça social In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 331 SAMPAIO José Adércio Leite Direito adquirido e expectativa de direito p 252254 TOLOMEI Carlos Young A proteção do direito adquirido sob o prisma civil constitucional p 249263 93 Cf PÉREZ LUÑO Antonio Enrique La seguridad jurídica p 72 94 Sobre a mudança do direito de propriedade decorrente da passagem do Estado Liberal para o Estado Social existe vastíssima bibliografia Vejase a propósito TEPEDINO Gustavo Contornos constitucionais da propriedade privada In TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil p 267292 COMPARATO Fábio Konder Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade In STROZAKE Juvelino José Org A questão agrária e a justiça p 130147 95 RE nº 94414SP Rel Min Moreira Alves DJ 18 abr 1985 96 ADI nº 3105DF Rel Min Cezar Peluso DJ 18 fev 2005 97 MS nº 248711 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 6 out 2006 98 Consta do voto 40 De minha parte sem me arriscar na imprudente travessia das águas procelosas da discussão doutrinária tendo a um distinguo que parte da fonte normativa do direito adquirido aventado seguramente uma interpretação sistemática da Constituição a partir dos objetivos fundamentais da República CF art 3º não lhes pode antepor toda a sorte de direitos subjetivos advindos da aplicação de normas infraconstitucionais superadas por emendas constitucionais que busquem realizálos 44 Intuo porém que um tratamento mais obsequioso há de ser reservado em linha de princípio ao direito fundamental imediatamente derivado do texto originário da Constituição quando posto em confronto com emendas constitucionais supervenientes nesta hipótese a vedação a reformas tendentes a abolilo baseada no art 60 4º IV da Lei Fundamental já não se fundará apenas na visão extremada e ao cabo conservadora do seu art 5º XXXVI mas também na intangibilidade do núcleo essencial do preceito constitucional substantivo que o consagrar 99 Neste sentido CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 943 que tem como limite implícito a impossibilidade de alterações constitucionais aniquiladoras da identidade de uma ordem constitucional históricoconcreta 100 Cf SAMPAIO Nelson de Souza O poder de reforma constitucional p 9798 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 167 101 SILVA Virgílio Afonso da Ulisses as sereias e o constituinte derivado sobre a inconstitucionalidade da dupla revisão e da alteração do quorum de 35 para aprovação de emendas constitucionais RDA n 226 p 17 Também neste sentido CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 944946 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 164 167 102 Para uma densa defesa da possibilidade de reforma das normas que regem o processo de alteração da Constituição vejase MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 165186 103 Neste sentido existe um célebre texto de Alf Ross que desenvolve argumentação original sobre o assunto A sua explicação é complexa mas podemos sintetizála com algumas simplificações da seguinte maneira para Ross cada norma jurídica é criada por uma autoridade com base em outra norma que prescreve as condições de validade da primeira e investe a autoridade que a produziu em sua competência Para se evitar uma regressão ao infinito temse sempre em cada sistema jurídico uma autoridade máxima cuja com pe tência não deriva de nenhuma outra que é quem elabora a norma fundamental do ordenamento Nos países que tem Constituição rígida temse que a autoridade máxima é quem elabora a Constituição e que define as regras pelas quais a própria Constituição pode ser alterada Ross tomou por premissa a possibilidade de mudança das normas que regem as alterações constitucionais que considerou um fato sóciopsicológico Mas afirmou que esta possibilidade tal como convencionalmente concebida criaria um paradoxo lógico É que na lógica a conclusão não pode contrariar a premissa em que se baseia Então se eu tenho como premissa que a norma fundamental do sistema é A que diz que a Constituição só pode ser alterada por maioria de 35 do Congresso e com base neste procedimento eu altero A e a substituo pela norma B que autoriza as mudanças constitucionais por maioria absoluta eu produzo um paradoxo É que B tem fundamento de validade em A mas ao mesmo tempo o seu conteúdo contraria A por dispor em sentido diferente A validade de uma norma não pode ser derivada de outra que com ela conflite Para Ross a solução do paradoxo estaria em conceber como norma fundamental do sistema não a norma A mas sim a uma outra norma implícita N que diria que se deve obedecer a autoridade instituída por A até que esta própria aponte uma autoridade sucessora e assim sucessivamente Com isso a validade de B não decorreria de A mas sim de N que teria permitido a mudança de A O argumento que suscitou amplos debates e diversas refutações no campo da teoria do Direito encontrase em ROSS Alf On selfreference and a puzzle in constitutional law Mind n 78 p 1 et seq 104 Cf SATHE S P Judicial Activism in India p 6399 105 Essa posição parece ser minoritária na doutrina No sentido da impossibilidade de alteração das normas que regem a mudança da Constituição cf SAMPAIO Nelson de Souza O poder de reforma constitucional p 105106 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 945 SILVA Virgílio Afonso da Ulisses as sereias e o constituinte derivado sobre a inconstitucionalidade da dupla revisão e da alteração do quorum de 35 para aprovação de emendas constitucionais Revista de Direito Administrativo BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 167 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 416419 106 A proposta foi apresentada ao Conselho Federal da OAB e consta no processo nº 2009310409701 em trâmite naquela instituição O seu texto está disponível no sítio eletrônico httpwwwconjurcombr 107 Sem embargo nem por plebiscito seria possível a instituição no país de uma monarquia em que o monarca tivesse poderes políticos reais e expressivos como nos tempos do Império Uma hipótese é a monarquia parlamentarista existente em países democráticos avançados como o Reino Unido a Espanha a Suécia e o Japão em que o monarca reina mas não governa Outra muito diferente é o regime monárquico em que o rei ou rainha esteja investido de poderes efetivos A adoção deste último modelo ofenderia o núcleo essencial das cláusulas pétreas do voto direto secreto universal e periódico e da igualdade pois o monarca tem investidura hereditária e vitalícia no cargo afrontando ainda o limite material implícito do Estado Democrático de Direito 108 Nesse sentido cf PILATTI Adriano O princípio republicano na Constituição de 1988 In PEIXINHO Manoel Messias GUERRA Isabella Franco NASCIMENTO FILHO Firly Org Os princípios na Constituição de 1988 p 131 Em sentido diferente José Afonso da Silva defende que após o plebiscito a República teria se tornado cláusula pétrea Comentário contextual à Constituição p 441 109 Na ADI nº 830 Rel Min Moreira Alves DJ 19 abr 1994 consta no voto do Relator a transitoriedade em si mesma não torna incompatível a alteração de norma constitucional dessa natureza Com efeito se é possível alterarse por emenda a regra da parte permanente é absolutamente ilógico pretenderse que a exceção transitória por causa de sua transitoriedade seja imutável 110 Cf COMPARATO Fábio Konder Réquiem para uma Constituição In FIOCCA Demian GRAU Eros Roberto Debate sobre a Constituição de 1988 p 84 BULOS Uadi Lammêgo Constituição Federal anotada p 1316 111 Cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 146 Revisão é a designação de reformas extensas ou profundas na Cons tituição 112 Nesse sentido cf ATALIBA Geraldo Revisão constitucional Revista de Direito Público n 95 p 3336 BONAVIDES Paulo A reforma constitucional e o plebiscito Revista de Informação Legislativa n 113 p 5366 113 Cf MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo A revisão constitucional brasileira 114 Cf LOPES Maurício Antonio Ribeiro Poder constituinte reformador limites e possibilidades da revisão cons titucional brasileira p 181185 115 O tema foi enfrentado na ADI nº 981MC Rel Min Néri da Silveira Julg 17121993 DJ 5 ago 1994 em que se decidiu Está a revisão prevista no art 3º do ADCT de 1988 sujeita aos limites estabelecidos no parágrafo 4º e seus incisos do art 60 da Constituição O resultado do plebiscito de 21 de abril de 1993 não tornou sem objeto a revisão a que se refere o art 3º do ADCT Após 5 de outubro de 1993 cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de se proceder à aludida revisão constitucional a ser feita uma só vez 116 Cf MELO Marcus André Reformas constitucionais no Brasil instituições políticas e processo decisório p 6068 117 O parecer da CCJ teve como Relator o então Deputado Federal Michel Temer um renomado constitucionalista Temer propôs que a nova revisão tivesse que ser aprovada por referendo popular o núcleo conceitual da cláusula pétrea implícita referente à modificação constitucional continuará intacto Isto porque adicionase ao processo de modificação ora facilitado enorme dificuldade a submissão do projeto de Emenda Constitucional a referendo popular mantendose assim a ideia de um processo diferenciado para a formação de Emenda Confesso que não fosse a possibilidade de o povo diretamente como titular e agora exercente do Poder Constituinte originário manifestarse por meio de referendo jamais ousaria apoiar a tese da revisão tal como posta no projeto ora em exame grifos no original 118 O assunto foi explorado no Capítulo 1 119 No mesmo sentido RAMOS André de Carvalho Supremo Tribunal Federal e o direito internacional dos direitos humanos In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 13 120 O decreto presidencial que sucede à aprovação congressual do ato internacional e á troca dos respectivos instrumentos de ratificação revelase enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema jurídico doméstico manifestação essencial e insuprimível especialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe são pertinentes a a promulgação do tratado internacional b a publicação oficial do seu texto e c a executoriedade do ato internacional que passa então e somente então a vincular e obrigar no plano do direito positivo interno ADI nº 1480 Rel Min Celso Mello DJU 13 maio 1998 121 André de Carvalho Ramos vai além sustentando a desnecessidade do decreto presidencial para incorporação de todos os tratados internacionais considerando que esta exigência não consta da Constituição e gera desnecessários atrasos no cumprimento de compromissos internacionais que podem ensejar até a res pon sabilização do país na esfera internacional Cf RAMOS André de Carvalho Supremo Tribunal Federal e o direito internacional dos direitos humanos In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 1314 122 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e justiça internacional p 87 123 A denúncia de tratados pelo Poder Executivo é prática tradicional no Brasil Há porém debate no STF sobre a validade do procedimento tramita na Corte desde 1997 a ADI nº 1625 Rel Min Maurício Correa questionando o decreto presidencial que denunciou a Convenção 158 da OIT e já foram proferidos alguns votos contrários a essa possibilidade 124 Cf RAMOS André de Carvalho Supremo Tribunal Federal e o direito internacional dos direitos humanos In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 1516 125 Neste sentido PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed rev ampl e atual p 77 126 Guilherme Peña considera que a observância deste quorum seria impositiva o que nos parece duvidoso Direito constitucional teoria da Constituição p 43 127 Cf LUTZ Donald S Toward a Theory of Constitutional Amendment In LEVINSON Sanford Ed Responding to Imperfection the Theory and Practice of Constitutional Amendment p 248249 128 Processo de reforma da Constituição estadual Necessária observância dos requisitos estabelecidos na CF art 60 1º a 5º Impossibilidade constitucional de o Estadomembro em divergência com o modelo inscrito na Lei Fundamental da República condicionar a reforma da Constituição estadual à aprovação da respectiva proposta por 45 quatro quintos da totalidade dos membros integrantes da Assembleia Legislativa ADI nº 486 Rel Min Celso de Mello Julg 341997 DJ 10 nov 2006 129 Ao primeiro exame concorrem o sinal do bom direito o risco de manterse com plena eficácia o ato normativo estadual e a conveniência de suspensão no que mediante emenda constitucional aprovada por assembléia legislativa previu se a revisão da Carta local estipulandose mecanismo suficiente a tornála flexível ou seja jungindose a aprovação de emendas a votação em turno único e por maioria absoluta Ao Poder Legislativo Federal ou Estadual não está aberta a via da introdução no cenário jurídico do instituto da revisão constitucional ADIMC nº 1722 Rel Min Marco Aurélio Julg 10121997 DJ 19 set 2003 130 Outras classificações além das abaixo resumidas podem ser encontradas em FERRAZ Ana Cândida da Cunha O poder constituinte do EstadoMembro p 130163 FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves Comentários à Constituição Federal brasileira de 1988 p 192196 FERRARI Sérgio Constituição Estadual e Federação p 143148 ARAÚJO Marcelo Labanca Corrêa de Jurisdição constitucional e Federação o princípio da simetria na jurisprudência do STF p 3740 131 HORTA Raul Machado Natureza do poder constituinte do Estadomembro In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 7378 132 HORTA Raul Machado Natureza do poder constituinte do Estadomembro In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 77 133 A expressão princípios constitucionais sensíveis alusiva às normas cuja violação dá ensejo à intervenção federal foi cunhada por PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969 p 219 134 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição p 285 135 Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis a denotar com isso a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais esta belecidos os quais embora disseminados pelo texto constitucional posto que não e tópica a sua loca lização configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local cuja identificação até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem impõese realizar ADIMC nº 216 Rel Min Celio Borja Rel p Acórdão Min Celso de Mello Julg 2351990 DJ 7 maio 1993 136 Eg O poder constituinte dos Estadosmembros está limitado pelos princípios da Constituição da Repú blica que lhes assegura autonomia com condicionantes entre as quais se tem o respeito à organização autônoma dos Municípios também assegurada constitucionalmente O art 30 inc I da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local A vocação sucessória dos cargos de prefeito e viceprefeito põem se no âmbito da autonomia política local em caso de dupla vacância Ao disciplinar matéria cuja competência é exclusiva dos Municípios o art 75 2º da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes mitigandolhes a capacidade de autoorganização e de autogoverno e limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira ADI nº 3549 Rel Min Cármen Lúcia Julg 1792007 DJ 31 out 2007 137 Representação nº 94 Rel Min Castro Nunes Julg 1771946 138 Em ARAÚJO Marcelo Labanca Corrêa de Jurisdição constitucional e Federação o princípio da simetria na jurisprudência do STF p 182203 há um quadro contendo sintética exposição de todos os casos em que o STF invocou o princípio da simetria sob a égide da Constituição de 88 até julho de 2009 139 ADI nº 1434 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 10111999 DJ 25 fev 2000 140 É da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos Afronta na espécie ao disposto no art 61 1º II a e c da Constituição de 1988 o qual se aplica aos Estadosmembros em razão do princípio simetria ADI nº 2192 Rel Min Ricardo Lewandowski Julg 462008 Cf também ADI nº 2029 Rel Min Ricardo Lewandowski Julg 462007 DJ 24 ago 2007 ADI nº 1353RN Rel Min Maurício Corrêa Julg 2032003 DJ 16 maio 2003 141 À luz do princípio da simetria a jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica ao afirmar que no tocante ao regime jurídico dos servidores militares estaduais a iniciativa de lei é reservada ao Chefe do Poder Executivo local por força do art 61 1º II f da Constituição ADI nº 858 Rel Min Ricardo Lewandowski Julg 1322008 Cf também ADI nº 2966 Rel Min Joaquim Barbosa Julg 642005 DJ 6 maio 2005 ADI nº 2742 Rel Min Maurício Corrêa Julg 2032003 DJ 23 maio 2003 142 À luz do princípio da simetria são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual quando não importar aumento de despesa ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo ADI nº 2857 Rel Min Joaquim Barbosa Julg 3082007 DJ 30 nov 2007 Cf ainda ADI nº 2417 Rel Min Maurício Corrêa Julg 392003 DJ 5 dez 2003 143 ADI nº 1275 Rel Min Ricardo Lewandowski Julg 1652007 DJ 8 jun 2007 144 ADI nº 725 Rel Min Moreira Alves Julg 15121997 DJ 4 set 1998 145 ADI nº 1994 Rel Min Eros Grau Julg 2452006 DJ 8 set 2006 146 As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicamse aos Estadosmembros inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições ADI nº 1353 Rel Min Maurício Corrêa Julg 2032003 DJ 16 maio 2003 147 ADI nº 2581 Rel p acórdão Min Marco Aurélio Julg 1682007 DJ 15 ago 2008 148 ADI nº 3619 Rel Min Eros Grau Julg 1º82006 DJ 20 abr 2007 149 Cf ADI nº 3647 Rel Min Joaquim Barbosa Julg 1792007 Cf ainda ADI nº 1172 Rel Min Ellen Gracie Julg 19032003 DJ 25 abr 2003 150 ADI nº 738 Rel Min Maurício Corrêa Julg 13112002 DJ 7 fev 2003 151 ADI nº 2461 Rel Min Gilmar Mendes Julg 1252005 DJ 7 out 2005 152 ADIMC nº 2587 Rel Min Maurício Corrêa Julg 1552002 DJ 6 set 2002 153 Cf ADI nº 3046 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 1542004 DJ 28 maio 2004 154 ADIMC nº 3715 Rel Min Gilmar Mendes Julg 2452006 DJ 25 ago 2006 Para outra hipótese de restrição da atuação do TCE também declarada inconstitucional pelo STF cf ADIMC nº 2361 Rel Min Maurício Corrêa Julg 11102001 DJ 1º ago 2003 155 As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo CF art 71 3º Não podem contudo ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele RE nº 223037 Rel Min Maurício Corrêa Julg 252002 DJ 2 ago 2002 156 ADI nº 910RJ Rel Min Maurício Corrêa Julg 2082003 DJ 21 nov 2003 157 ADI nº 244 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 1192002 DJ 31 out 2002 158 ADI nº 640 Rel p acórdão Min Maurício Corrêa Julg 531997 DJ 11 maio 1997 159 ADI nº 165 Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 781997 DJ 26 set 1997 ADI nº 177 Rel Min Carlos Velloso Julg 171996 DJ 29 nov 1996 ADI nº 676 Rel Min Carlos Velloso Julg 1º71996 DJ 29 nov 1996 160 ADI nº 978 nº 1008 nº 1009 nº 1010 nº 1011 nº 1012 nº 1013 nº 1014 nº 1015 nº 1016 nº 1017 nº 1018 nº 1019 nº 1020 nº 1021 nº 1022 nº 1023 nº 1024 nº 1025 e nº 1027 Rel p acórdão em todas Min Celso Mello Julg 19101995 DJ 17 nov 1995 161 ADI nº 2391SC Rel Min Ellen Gracie Julg 16102006 DJ 16 mar 2007 162 Alguns ministros da Corte manifestaram reservas quanto à existência do princípio da simetria em nosso ordenamento constitucional Foi o caso do Ministro Sepúlveda Pertence em voto vencido proferido no RE nº 187917 Rel Min Maurício Corrêa Julg 662002 DJ 7 maio 2004 ao criticar o excesso de centralização uniformizadora que há muito a jurisprudência do Tribunal tem imposto à ordenação jurídicoinstitucional dos Estados e Municípios sob a inspiração mística de um princípio universal da simetria cuja fonte não con sigo localizar na Lei Fundamental 163 Em sentido semelhante cf MARINS Leonardo Limites ao princípio da simetria In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 689710 164 Esta preocupação transparece claramente por exemplo no voto proferido pelo Min Maurício Corrêa no julgamento da ADI nº 486 pertenço à corrente segundo a qual sobretudo em tema de elaboração de norma constitucional havendo disposição expressa na Constituição que determine um certo parâmetro os Estadosmembros têm de obedecer a esse princípio Do contrário o Poder Legislativo dos Estados se transformaria numa verdadeira balbúrdia cada um estabelecendo a seu belprazer regras de quóruns diferenciados do estabelecido pelo modelo federal 165 Sobre o experimentalismo democrático no Direito Constitucional cf DORF Michael SABEL Charles A Constitution of Democratic Experimentalism Columbia Law Review v 2 n 98 MANGABEIRA UNGER Roberto Democracy Realized the Progressive Alternative DOMÉNECH PASCUAL Gabriel Descentralización administrativa y experimentalismo democrático Revista General de Derecho Administrativo n 12 COLBURN Jamison Democratic Experimentalism a Separation of Powers for our Time Suffolk University Law Review n 37 166 New State Ice Co v Liebmann 285 US 262 311 1932 Brandeis J voto divergente 167 Vejase neste sentido o seguinte trecho do bem lançado voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso no jul gamento da ADI nº 4298MC da qual foi Relator No desate de causas afins recorre a Corte com frequência ao chamado princípio da simetria que é construção pretoriana tendente a garantir quanto aos aspectos reputados essenciais homogeneidade na disciplina normativa da separação independência e harmonia dos poderes nos três planos federativos Se a garantia da simetria no traçado normativo das linhas essenciais dos entes da federação mediante revelação dos princípios sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto federativo deveras protege o esquema jurídico constitucional concebido pelo poder constituinte é preciso guardar em sua formulação conceitual e aplicação prática particular cuidado com os riscos de descaracterização da própria estrutura federativa que lhe é inerente Noutras palavras não é lícito senão contrário à concepção federativa jungir os Estadosmembros sob o título vinculante da regra da simetria a normas ou princípios da Constituição da República cuja inaplicabilidade ou inobservância local não im plique contradições teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do ordenamento jurídico com severos inconvenientes políticos ou graves dificuldades práticas de qualquer ordem nem com outra causa capaz de perturbar o equilíbrio dos poderes ou a unidade nacional A invocação da regra da simetria não pode em síntese ser produto de uma decisão arbitrária do intérprete Julg 7102009 DJ 27 nov 2009 168 Neste sentido cf FERRARI Sérgio Constituição Estadual e Federação p 270273 169 Cf HORTA Raul Machado Autonomia do Estado no direito constitucional brasileiro In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 439452 170 Cf GARDNER James A ROSSI Jim Ed New Frontiers of State Constitutional Law 171 Neste sentido Luís Roberto Barroso as Constituições Estaduais são um artificialismo importado seu espaço legítimo de atuação é mínimo e desimportante e a despeito do discurso dogmático laudatório não passam de leis orgânicas texto contido na capa posterior de FERRARI Sérgio Constituição Estadual e Federação 172 Além do Rio Grande do Sul também os Estados de Santa Catarina Maranhão Espírito Santo Bahia e Paraná o fizeram os dois últimos apenas para alguns municípios conforme REZENDE Antônio José Calhau de Autonomia municipal e lei orgânica Cadernos da Escola do Legislativo v 10 n 15 173 MEIRELLES Hely Lopes Direito municipal brasileiro p 75 174 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição p 303 175 FERRARI Regina Maria Macedo Nery Direito municipal p 109110 De nossa parte concordamos com a existência de rigidez mas não com a necessidade de reforma da lei orgânica pelo quorum de 23 dos vereadores As Constituições Estaduais por exemplo foram aprovadas por maioria absoluta e não são reformadas pela mesma votação o STF como visto acima entende que só podem ser modificadas pelo quorum de 35 176 FERRARI Regina Maria Macedo Nery Direito municipal p 109110 177 Nesse sentido ARAÚJO Luiz Alberto David de NUNES JUNIOR Vidal Serrano Curso de direito cons titucional p 13 178 ADI nº 3548 Rel Min Cármen Lúcia Julg 1792007 DJ 31 out 2007 179 ADI nº 845 Rel Min Eros Grau Julg 22112007 DJ 7 mar 2008 180 ADI nº 2121MC Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 1152000 DJ 18 maio 2000 CAPÍTULO 8 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL 81 Conceito e generalidades As constituições não mudam apenas por meio de processos formais que envolvam a modificação do seu texto Há também as mudanças que atingem a Constituição sem alteração dos seus preceitos que são conhecidas como mutações constitucionais1 A mutação constitucional consiste em processo informal de mudança da Constituição que ocorre quando surgem modificações significativas nos valores sociais ou no quadro empírico subjacente ao texto constitucional que provocam a necessidade de adoção de uma nova leitura da Constituição ou de algum dos seus dispositivos A possibilidade da mutação constitucional resulta da dissociação entre norma e texto Se a norma constitucional não se confunde com o seu texto abrangendo também o fragmento da realidade sobra a qual esse incide é evidente que nem toda mudança na Constituição supõe alteração textual2 Mudanças significativas na sociedade seja no quadro fático seja no universo dos valores compartilhados pelos cidadãos podem também provocar câmbios constitucionais sem que haja qualquer mudança formal no texto magno3 Recordese por exemplo a conhecida mutação por que passou nos EUA o princípio constitucional da igualdade A sociedade e jurisprudência da Suprema Corte foram progressivamente atribuindo novos conteúdos ao texto sem que este tenha se alterado Com base no mesmo dispositivo constitucional a cláusula da equal protection of the laws consagrada na 14ª Emenda a Suprema Corte norteamericana no final do século XIX validou a segregação racial oficial Plessy v Ferguson4 para depois suprimila em meados do século XX Brown v Board of Education 5 A igualdade por outro lado passou a ser empregada a partir da década de 70 para se promover o enfrentamento da discriminação de gênero6 e mais recentemente também para a defesa dos direitos dos homossexuais7 o que se afigurava inconcebível em 1868 por ocasião da edição da 14ª Emenda A mudança na opinião pública e nos valores comunitários impulsionada por diversos movimentos sociais que se mobilizaram em favor da justiça e da inclusão social de grupos até então excluídos provocou uma dramática alteração na interpretação de uma cláusula constitucional que se refletiu diretamente na jurisprudência da Suprema Corte do país sem que houvesse qualquer modificação no texto da Constituição O exemplo acima referido de mudança na compreensão do princípio da igualdade no direito norteamericano ilustra a hipótese de mutação constitucional por transformação dos valores sociais A evolução da jurisprudência brasileira no tema do princípio da legalidade aplicado à correção monetária exemplifica o caso de mutação por alteração fática8 Até a década de 70 quando a inflação no país não era tão elevada os tribunais afirmavam que a correção monetária das dívidas só seria cabível se houvesse autorização legal9 Num segundo momento com o agravamento da inflação passouse a entender que a incidência da correção monetária sem lei expressa seria possível no caso das chamadas dívidas de valor10 Finalmente após a hiperinflação do final dos anos 80 a jurisprudência passou a reconhecer que independentemente de lei a correção monetária deveria ser aplicada a qualquer dívida11 O agravamento da inflação foi decisivo para que se modificasse a interpretação da Constituição no tocante ao princípio da legalidade sem que houvesse mudança no texto constitucional quanto a este tópico Há casos em que as duas hipóteses se manifestam simultaneamente Exemplo recente é o do instituto da coisa julgada garantia fundamental da segurança jurídica relativizado pelo STF na hipótese de decisão transitada em julgado antes do desenvolvimento do exame de DNA O instituto era interpretado de tal modo que a decisão uma vez transitada em julgado não havendo mais prazo para sua impugnação por meio de ação rescisória tornavase imutável não comportando exceções Porém com o desenvolvimento recente do exame de DNA bem como com a valorização mais incisiva do princípio da dignidade da pessoa humana o Supremo Tribunal Federal passou a entender que a relativização da coisa julgada poderia ocorrer em ação de reconhecimento de paternidade cuja decisão tivesse transitado em julgado antes do advento do referido meio de prova12 Sem embargo o tema das mutações constitucionais é complexo na medida em que se situa na confluência entre dois imperativos importantes do constitucionalismo democrático Por um lado existe a necessidade de dotar a Constituição de estabilidade que é associada ao seu caráter rígido o qual demanda um procedimento específico e difícil para alteração dos seus dispositivos Do outro há a necessidade de se conferir um certo dinamismo à Constituição a fim de que ela possa se adaptar mais facilmente às mudanças sociais sem que seja necessário recorrer a cada momento ao processo de reforma constitucional que muitas vezes é excessivamente difícil além de provocar efeitos colaterais indesejados como o próprio retalhamento do texto magno É necessário buscar um ponto de equilíbrio entre estas demandas de modo a não enrijecer nem flexibilizar em demasia a Constituição Não se deve sob o pretexto da mutação constitucional possibilitar que os fatores reais de poder atropelem a força normativa da Constituição nem tampouco adotarse uma leitura imobilista da Lei Maior insensível às novas circunstâncias e valores de uma sociedade em permanente evolução Este ponto de equilíbrio não é universal mas contingente ligandose a variáveis jurídicas políticas e sociais que variam de Estado para Estado e que podem se alterar no tempo no âmbito de um mesmo regime constitucional Uma destas variáveis é a natureza dos preceitos contidos na Constituição As normas constitucionais mais abertas expressas em linguagem mais indeterminada são aquelas mais suscetíveis de se sujeitarem à mutação constitucional na medida em que o seu texto impõe menores constrangimentos ao intérprete As constituições que contêm um número significativo de preceitos desta espécie são dotadas de maior plasticidade A plasticidade confere ao sistema constitucional uma maior capacidade de aprendizado ao tornálo mais permeável aos inputs provenientes da realidade social que o circunda Além da indeterminação semântica do texto constitucional outros fatores importantes na mutação são a idade da Constituição o grau de dinamismo existente na sociedade o nível de rigidez constitucional e a cultura jurídica predominante Quanto à idade é natural que diplomas constitucionais mais antigos sejam suscetíveis à mutação em grau maior do que os mais recentes pois há uma maior probabilidade de que no mais extenso período de vigência dos primeiros acabem ocorrendo alterações sociais mais profundas que se reflitam na interpretação da Constituição O mesmo podese falar do dinamismo em sociedades mais dinâmicas ou em períodos de maior transformação social há a tendência de que a mutação constitucional se desenvolva com mais frequência ou intensidade No que concerne à rigidez podese dizer que quando mais difícil for a alteração de uma Constituição por meios formais maior será a probabilidade e a legitimidade de que as modificações necessárias para que ela acompanhe a evolução social ocorram por processos informais Finalmente no que toca à cultura jurídica hegemônica aquelas menos formalistas tendem a aceitar e praticar mais intensamente o fenômeno da mutação constitucional do que as mais formalistas pois estas últimas se mostram mais refratárias a posturas hermenêuticas que não sejam tão focadas no texto ou na história do diploma normativo De qualquer modo é certo que as constituições não são nem devem ser imunes à ação do tempo Elas podem ser vistas como verdadeiros organismos vivos a living Constitution a que alude a teoria constitucional norteamericana13 com condições de se adaptarem às mudanças no ambiente que as circunda Foi neste sentido que Karl Loewenstein afirmou com certo lirismo que uma Constituição não é jamais idêntica consigo mesma e está submetida constantemente ao panta rhei heracliteano de todo o vivente14 Sem embargo não se deve levar ao extremo a possibilidade de mutação constitucional concebendoa como o resultado do exercício de uma espécie de poder constituinte difuso como chegou a preconizar Georges Burdeau15 sobretudo num contexto como o brasileiro em que as alterações formais na Constituição não são tão difíceis 82 Mecanismos de atuação da mutação constitucional Como salientado acima a mutação constitucional não pode ser dissociada das transformações que se operam na sociedade após a edição da norma constitucional O estudo da dinâmica dessas transformações é tema da Sociologia e não será aqui abordado O que examinaremos a seguir são alguns dos mecanismos por meio dos quais ditas transformações são absorvidas e processadas no cenário constitucional Não há tratamento homogêneo na doutrina sobre os mecanismos de mutação constitucional Georg Jellinnek que é um dos precursores na discussão do assunto aludiu à possibilidade de mutação constitucional por atividade legislativa prática parlamentargovernamental e atuação judicial16 Hsü DauLin em lição também clássica17 referiuse a quatro espécies de mutação constitucional mudança por práticas que não violam a Constituição alteração pela impossibilidade de aplicação de norma constitucional modificação pela adoção de prática contrária à Constituição e mutação por interpretação constitucional Na literatura jurídica brasileira Anna Cândida da Cunha Ferraz mencionou a mutação por interpretação constitucional e por usos e costumes constitucionais18 referindose também à possibilidade de mutações inconstitucionais Já para Luís Roberto Barroso a mutação constitucional pode ocorrer basicamente de três formas por mudança na interpretação constitucional pela atuação do legislador e por via de costume19 A mutação constitucional deve sempre derivar de alguma alteração ocorrida no quadro das relações sociais que compõem o pano de fundo da ordem jurídica seja no plano dos fatos seja naquele dos valores sociais Contudo as mutações são muitas vezes veiculadas por decisões de órgãos estatais que captam a mudança ocorrida cristalizandoa no universo jurídicoconstitucional Neste sentido é possível falar se em mutação constitucional por intermédio de mudança jurisprudencial por ato legislativo ou por práticas ou decisões do governo Há contudo que se adotar uma certa cautela nesta questão para não converter nenhum dos poderes do Estado em senhor da Constituição titular de algum suposto poder constituinte permanente que lhe permita reelaborar a Lei Maior de acordo com os seus valores ou preferências 821 Evolução jurisprudencial e mutação constitucional A evolução da jurisprudência constitucional é uma das formas de exteriori zação da mutação constitucional Recordese duas hipóteses muito importantes em que isso aconteceu recentemente no Brasil relacionadas respectivamente aos temas da fidelidade partidária e da titularidade dos mandatos eletivos e à questão de união estável entre pessoas do mesmo sexo No primeiro caso a jurisprudência do STF endossou posição do TSE que revertera uma orientação tradicional no Direito Constitucional brasileiro anterior mente adotada pelo próprio Supremo20 no sentido de que os mandatos políticos pertenceriam aos parlamentares eleitos e não aos partidos pelos quais estes haviam concorrido o que permitia aos primeiros que mudassem de agremiação política no curso dos mandatos mantendo a sua vaga no Legislativo21 Para justificar a sua nova posição além de argumentos voltados ao sistema constitucional o STF apresentou relevantes razões relacionadas ao quadro fático subjacente à Constituição como os excessos patológicos no trocatroca de partidos pelos parlamentares que enfraque ceria as agremiações partidárias prejudicando o funcionamento da nossa democracia representativa bem como o fato de que a grande maioria dos políticos eleitos pelo sistema proporcional no Brasil não alcança com os próprios votos o chamado coeficiente eleitoral só galgando o acesso ao mandato por força da votação atri buída pelos eleitores aos demais candidatos do mesmo partido No segundo caso citado o STF 22 seguindo decisões precursoras de outros tri bunais afirmou o direito dos homossexuais a formarem união estável com pessoas do mesmo sexo a partir da aplicação direta de princípios constitucionais como os da dignidade da pessoa humana e da igualdade A Corte nesta matéria alterou a interpretação anteriormente prevalecente que a partir da letra do art 226 3º23 da Constituição negava aos homossexuais a possibilidade de constituírem união civil com as pessoas para as quais se orienta a sua afetividade e desejo sexual afirmando doravante a possibilidade de por via analógica ou de interpretação extensiva do citado preceito constitucional estenderse o instituto da união estável aos casais formados por pessoas do mesmo sexo Nesse último caso a ocorrência da mutação é flagrante tendo em vista que durante a Assembleia Constituinte a possibilidade de consagração de união estável entre pessoas do mesmo sexo foi considerada e explicitamente descartada24 Porém mudanças valorativas ocorridas no país desde 88 que tornaram a nossa sociedade menos preconceituosa e mais inclusiva no tema da orientação sexual deram amparo a esta positiva mudança que se baseou numa leitura generosa de princípios constitucionais fundamentais expressos em linguagem vaga e abstrata Tal transformação vinha se processando na esfera pública informal impulsionada pela atuação do movimento LGBT Lésbicas Gays Bissexuais Travestis Transexuais e Transgêneros que conseguiu conquistar o apoio de boa parte da nossa sociedade civil assim como da opinião pública mais esclarecida Portanto a rigor a mutação constitucional em questão não ocorreu com a decisão do STF sendolhe anterior O STF teve contudo o inequívoco mérito de bem captar o sentido atual da Constituição no que tange à matéria conferindo publicidade e força vinculante à mutação constitucional em questão Entretanto nem toda alteração na jurisprudência constitucional pode ser vista como uma autêntica mutação da Constituição Muitas vezes tratase da mera correção de um erro judicial do passado ou ainda do cometimento de um novo equívoco quando o precedente superado se afigure correto mesmo no presente De toda sorte é indiscutível que o Poder Judiciário representa um importante agente no processo de mutação constitucional Nada obstante não nos parece correta a visão que o converte no grande protagonista deste processo transformandoo numa espécie de poder constituinte permanente Neste ponto há que se discordar da afirmação de que como intérprete final da Constituição o STF poderia ser concebido como uma espécie de poder constituinte25 Tratase de equívoco similar ao perpetrado pelo juiz da Suprema Corte norteamericana Charles Evan Hughes quando afirmou que a Constituição é aquilo que a Suprema Corte diz que ela é Se por absurdo o STF afirmasse em algum momento que a ordem constitucional brasileira permite a escravidão ou adota o regime monárquico isso não seria mutação constitucional mas um grave erro da Corte A visão excessivamente judicialista da mutação constitucional conquanto frequente no Brasil é equivocada seja pelo ângulo descritivo seja pelo prescritivo Em outras palavras ela não descreve corretamente como o fenômeno da mutação opera no mundo real nem tampouco fixa uma orientação adequada sobre a forma como ele deveria funcionar Sob o ângulo descritivo é evidente que o Poder Judiciário não atua em um vazio sociocultural Os magistrados inclusive os que compõem o STF são pes soas de carne e osso sendo naturalmente influenciados pelas percepções e valores dominantes na sociedade em que vivem Assim em que pese o chamado caráter contra majoritário da jurisdição constitucional não há dúvida de que as mudanças valorativas ocorridas na sociedade tendem a influenciar decisivamente a atuação das cortes judiciais Sob o ponto de vista moral a discriminação contra o homossexual é tão errada hoje como era no início do século passado Mas apesar de a Constituição então vigente também consagrar o princípio da igualdade seria inimaginável para qualquer juiz àquela altura afirmar o direito de parceiros homossexuais constituírem família O STF teve condições de fazêlo agora porque o reconhecimento da união homoafetiva não mais se choca com as concepções morais hegemônicas entre as elites intelectuais e urbanas brasileiras da segunda década do século XXI A Ciência Política norteamericana precursora no estudo empírico do Poder Judiciário e da jurisdição constitucional vem comprovando a tendência de alinhamento no longo prazo entre as posições da Suprema Corte e aquelas adotadas pela opinião pública nacional26 Portanto na prática quando o Judiciário reconhece uma mutação constitucional num determinado sentido geralmente é porque existe um ambiente sociocultural que respalda ou pelo menos não rechaça a nova orientação Até porque os juízes como qualquer outro agente racional normalmente levam em consideração nas suas decisões as possíveis reações que suas posições podem provocar em vários outros círculos e agentes como os Poderes Legislativo e Executivo e a opinião pública em geral Assim até por razões estratégicas não é muito provável que o Judiciário decida com grande frequência de maneira muito contrária à opinião pública e aos demais poderes estatais O temor do não cumprimento das suas decisões e de possíveis retaliações menor nas democracias consolidadas em que há amplas garantias para a independência judicial e sobretudo o medo de perda de credibilidade e de prestígio institucional tendem a levar o Judiciário a adotar posições que não discrepem muito significativamente dos valores hegemônicos em cada contexto histórico27 Decisões em descompasso com estes valores podem gerar um efeito conhecido como backlash28 que consiste em ampla mobilização das forças políticas e sociais que se opõem à mudança o que além do aumento da polarização na sociedade pode acarretar como resultado prático a reversão da alteração Também sob a perspectiva prescritiva a visão do STF como uma espécie de demiurgo constitucional dotado do poder de modificar a Constituição ao seu belprazer não se sustenta A Corte tem a nobre missão institucional de atuar como guardiã da Constituição e não a de reescrevê la livremente da forma que lhe pareça mais apropriada Atribuir ao STF o papel de poder constituinte permanente seria inverter a lógica segundo a qual a legitimidade da sua atuação contra as deliberações majoritárias de outros poderes resulta antes de tudo da sua fidelidade à Constituição e não da crença na superioridade intelectual ou moral dos juízes Conceber uma Corte por mais qualificada que seja como principal responsável pela atualização da Constituição seria incidir num modelo antidemocrático de governo de sábios francamente incompatível com o ideário do Estado Democrático de Direito Isto não significa contudo que o papel das cortes na mutação constitucional seja ou deva ser apagado Além de atuar no reconhecimento das mutações ocorridas as decisões judiciais servem também para injetar valores constitucionais na cultura política e social de uma Nação estimulando certas transformações Há na democracia um espaço legítimo para que o Tribunal pratique uma espécie de pedagogia constitucional auxiliando a disseminar pela sociedade por meio da autoridade da sua argumentação o discurso constitucional voltado para os direitos fundamentais Certamente um julgamento como Brown v Board of Education nos Estados Unidos ao invalidar a discriminação racial nas escolas públicas teve um efeito cultural e político importante sensibilizando a sociedade em relação a um tema candente de justiça e estimulando a mobilização social em favor de uma agenda transformadora Papel similar poderá ter no Brasil a memorável decisão do STF no julgamento sobre união homoafetiva 822 Mutação constitucional e atuação do legislador O Poder Legislativo também interpreta a Constituição29 seja por ocasião da elaboração de normas jurídicas seja no exercício das suas demais competências Ao editar uma lei por exemplo o Legislativo é obrigado a interpretar a Constituição para verificar se o ato normativo que elabora respeita ou não os mandamentos constitucionais Ao regulamentar e concretizar a Constituição ele muitas vezes opta por um dentre diversos significados possíveis do texto constitucional Da mesma forma ao conduzir uma Comissão Parlamentar de Inquérito um processo de impeachment ou um procedimento de cassação de mandato por quebra de decoro os parlamentares têm de interpretar os respectivos limites constitucionais É verdade que em países como o Brasil em que existe controle de constitucionalidade a interpretação legislativa da Constituição pode ser questionada perante o Poder Judiciário Isto contudo não retira a sua grande importância no cenário de uma democracia constitucional Pelo contrário a interpretação legislativa da Constituição é especialmente relevante uma vez que os parlamentares são agentes eleitos pelo povo perante o qual são responsáveis Portanto ao reconhecer o papel de destaque do Legislativo na interpretação constitucional atribuise ao povo a possibilidade de influir politicamente na definição de sentido da sua Constituição e de participar do equacionamento dos temas controvertidos sobre os quais se debruça a hermenêutica constitucional Pela sua representatividade política o Legislativo tem inclusive uma especial capacidade para captar mudanças nos valores sociais da comunidade o que o qualifica como agente no processo de mutação constitucional No debate constitucional norteamericano contemporâneo a enorme dificuldade de emendar a Constituição tem levado alguns autores a enfatizar o papel constitucional de determinadas leis que resultam de grande mobilização social e impactam profundamente o ordenamento jurídico e a sociedade Nesta linha Bruce Ackerman30 atribui natureza constitucional ao Civil Rights Act de 1964 que dentre outras medidas vedou discriminações raciais nas relações privadas31 e foi editado na esteira do movimento em favor dos direitos civis dos negros que tomou conta do país após o final da II Guerra Mundial Em direção semelhante o jurista William Eskridge e o cientista político John Ferejohn sugerem o advento de um modelo de constitucionalismo legal statutory constitutionalism nos Estados Unidos envolvendo o que designaram de superleis super statutes32 Estas superleis são produzidas após um processo qualificado de deliberação política impõem profundas mudanças jurídicas e sociais e acabam adquirindo uma penetração na cultura do país e um capital simbólico que as aproxima das normas constitucionais Tais diplomas legais além de influenciarem profundamente a interpretação do ordenamento beneficiamse de uma espécie de entrincheiramento políticosocial pois apesar de não desfrutarem formalmente de superioridade hierárquica ou de rigidez os seus princípios básicos tornamse na prática politicamente intangíveis pelo profundo apoio social e enraizamento cultural que logram conquistar No Brasil um exemplo de mutação constitucional exteriorizado pela via legislativa vem ocorrendo com as chamadas cotas raciais no acesso ao ensino superior33 Quando a Constituição de 88 foi editada não se cogitava do assunto no país embora já existissem diversas experiências internacionais bemsucedidas nesta área com destaque para os Estados Unidos34 Apesar da persistência do racismo e da profunda desigualdade racial no país a visão social absolutamente hegemônica nesta questão inclusive no meio jurídico se centrava até então na igualdade formal garantida por meio da vedação de quaisquer discriminações fundadas em raça ou etnia favoráveis ou desfavoráveis aos grupos étnicos tradicionalmente excluídos No entanto a partir de meados dos anos 90 setores expressivos do movimento negro começaram a reivindicar a adoção de políticas de ação afirmativa nesta seara de forma a favorecer a inclusão mais plena dos negros na sociedade brasileira35 Para combater a desigualdade enraizada após séculos de discriminação afirmavam não seria suficiente a mera neutralidade estatal Era preciso ir além com a adoção de políticas públicas que discriminassem favoravelmente os afro descendentes no acesso a determinados bens e espaços como as vagas nas universidades36 Esta demanda conquanto ainda muito polêmica na sociedade sensibilizou parcelas expressivas da opinião pública setores do meio político e do pensamento jurídico Foi no espaço do Poder Legislativo primeiramente de alguns Estados37 e depois da própria União38 que a reivindicação foi acolhida com a edição de variadas leis que criaram medidas como a reserva de vagas para afro descendentes em universidades públicas ou o estímulo fiscal para que universidades particulares adotassem tais iniciativas nos seus processos seletivos39 Tais medidas tiveram a sua validade reconhecida no Supremo Tribunal Federal40 que no entanto não teve papel de protagonismo nesta relevante mudança na interpretação constitucional do princípio da igualdade de uma posição mais formal e passiva em direção a outra mais substancial e ativista 823 Mutação constitucional Governo e Administração Pública O Poder Executivo também pode ser agente da mutação constitucional uma vez que interpreta e aplica a Constituição no exercício das suas competências Novas práticas e orientações do Poder Executivo assim como normas jurídicas que ele venha a produzir no âmbito da sua competência podem exteriorizar uma nova leitura sobre alguma norma constitucional específica Ademais ninguém ignora o enorme poder do Executivo no cenário contemporâneo que lhe confere na prática amplas possibilidades para interferir na agenda ou na atuação dos demais poderes estatais por meio de mecanismos como no ordenamento constitucional brasileiro a edição de medidas provisórias a iniciativa privativa de lei em temas relevantes e a prerrogativa de indicação dos Ministros do STF Evidentemente este poder pode ser empregado com vistas à alteração da interpretação constitucional Daí porque é inegável o papel do Executivo nas mudanças informais da Constituição No contexto norteamericano é conhecida a atuação do Presidente Roosevelt nos anos 30 na mutação constitucional promovida no âmbito do New Deal que envolveu a superação de uma linha jurisprudencial conservadora da Suprema Corte do país contrária à intervenção do Estado na Economia41 Roosevelt não só implementou medidas econômicas intervencionistas como se valeu do seu poder e liderança política para pressionar a Suprema Corte a rever a sua posição conservadora sobre os limites da atuação do Estado na ordem econômica e nas relações contratuais que vinha comprometendo a capacidade estatal de enfrentar a crise econômica que se abatera sobre o país Ele teve êxito no seu intento e após a aposentadoria de juízes da velha guarda nomeou novos magistrados sintonizados com a sua filosofia constitucional consolidando a mutação A virada jurisprudencial ocorrida no caso com o final da chamada Era de Lochner42 não decorreu de um realinhamento espontâneo do Judiciário norteamericano aos novos valores e necessidades do povo americano mas foi o resultado de uma verdadeira batalha entre a Suprema Corte e o Presidente com a vitória do segundo cuja interpretação constitucional acabou prevalecendo porque mais consentânea com as concepções então hegemônicas na sociedade americana No Brasil um exemplo recente e positivo de atuação do Poder Executivo na mutação constitucional deuse no tema das comunidades de remanescentes de quilombos O art 68 do ADCT consagra o direito dos remanescentes das comunidades de quilombos à propriedade definitiva das terras que ocupem43 Por ocasião da Assembleia Constituinte não havia muita clareza sobre o conceito de quilombo Após a Constituição muitos sustentavam uma visão restritiva do conceito de quilombo de modo a abarcar apenas os espaços territoriais ocupados por descendentes de escravos fugidos Sem embargo a partir da década de 90 o tema passa a ser objeto de intensa discussão tanto no âmbito do movimento negro como no campo da Antropologia e o art 68 do ADCT começa a ser invocado com frequência cada vez maior como instrumento de luta em favor dos direitos territoriais de comunidades negras dotadas de cultura própria e de um passado ligado à resistência à opressão Esta concepção mais elástica de quilombo resultado de um verdadeiro processo de ressemantização do termo44 foi acolhida pelo Decreto nº 48872003 atualmente em vigor que disciplina o procedimento de reconhecimento demarcação e titulação das propriedades dos remanescentes de quilombos e beneficia outras comunidades negras que não são compostas de descendentes de escravos fugidos mas que têm traços culturais próprios intensa relação com o território que ocupam além de uma trajetória histórica de resistência à opressão racial Neste caso o Poder Executivo não inventou um novo conceito de quilombo substituindose ao poder constituinte mas acolheu em ato normativo um novo significado mais amplo e generoso do termo plenamente compatível com o espírito e os valores da Constituição de 88 e que já fora consagrado no universo de agentes e instituições sociais acadêmicas e profissionais que lidam com a temática A mutação foi resultado de uma intensa mobilização social que teve como protagonistas os próprios quilombolas o movimento negro em geral e a categoria profissional dos antropólogos mas que se sedimentou com a edição do ato normativo em questão e vem pautando as ações do Poder Público Federal na área Sem embargo é indiscutível que o Poder Executivo tal como os demais órgãos do Estado se acha plenamente vinculado à Constituição não lhe sendo autorizado descumprila sob o pretexto de atuar como agente de alguma suposta mutação constitucional Não cabe na vigência do Estado Democrático de Direito reprisar sob novas vestes ideias próprias ao absolutismo ou ao totalitarismo que confundam a soberania do povo com o poder atribuído a qualquer órgão ou agente político por mais apoio popular que tenha A advertência vale também para os demais poderes estatais mas ela é especialmente importante em relação ao Executivo seja pela magnitude dos seus poderes no Estado contemporâneo seja pela triste tradição latinoamericana de caudilhismo político muitas vezes alimentada por uma visão messiânica sobre o papel do Presidente da República 824 Mutação costume e convenção constitucional O tema do costume constitucional será examinado mais detidamente em outro capítulo que trata das lacunas constitucionais e dos meios para a sua integração Por ora cumpre frisar que o costume constitucional também é admissível nos sistemas constitucionais que gravitam em torno de constituições escritas e rígidas45 Com efeito a necessária interação entre o domínio constitucional e a realidade social subjacente justifica que se aceite com certas cautelas o costume também neste campo desde que ele não viole as normas constitucionais escritas nem tampouco ofenda os valores fundamentais da Constituição46 Nada obstante a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam com o costume contra constitutionem Portanto por mais enraizado que seja o costume não pode ser invocado como razão para descumprimento da Constituição nem muito menos enseja a revogação dos seus preceitos Os costumes constitucionais admissíveis são o secundum constitutionem ou interpretativo e o praeter constitutionem ou integrativo No primeiro caso adotase uma determinada interpretação da Constituição dentre as várias que o texto e o sistema franqueiam porque ela é endossada por costume jurídico cristalizado No segundo preenchese uma lacuna constitucional por meio da invocação de costume Em ambas as hipóteses as mudanças fáticas ou axiológicas ocorridas na sociedade podem ensejar tanto o surgimento de novo costume como a sua alteração ou abandono A própria natureza do costume o torna um veículo importante de mutação constitucional Afinal não há por definição um procedimento jurídico formal para produção e modificação do costume constitucional O seu reconhecimento depende da coexistência de dois elementos o objetivo que é a repetição habitual de um determinado comportamento e o subjetivo que é a crença social na obrigatoriedade do mesmo47 Nenhum destes elementos ligase a qualquer processo formal Uma categoria próxima à do costume é a da chamada convenção constitucional Ambos são fontes de natureza não escrita versam sobre matéria constitucional e decorrem da reiteração de comportamentos que passam a ser tidos como obrigatórios A principal diferença vem do fato de o costume ser suscetível de tutela judicial o que não ocorre com a convenção constitucional No Reino Unido por exemplo a convenção constitucional tem sido o principal mecanismo de mudança constitucional Como exemplos de convenção constitucional podemse citar a impossibilidade de veto real às leis a não ser que o monarca receba instruções para fazêlo do PrimeiroMinistro a obrigação real de que a escolha do PrimeiroMinistro recaia sobre o líder do partido vencedor nas eleições para a Câmara dos Comuns e a exigência de que este seja um membro da referida casa legislativa Sem embargo entendese no constitucionalismo britânico que as convenções constitucionais embora de observância obrigatória não são objeto de tutela jurisdicional A violação de uma convenção pode dar margem a graves consequências políticas e as críticas que serão endereçadas ao ato ofensivo à convenção apontarão a sua inconstitucionalidade Todavia o descumprimento da convenção constitucional não enseja a possibilidade de invalidação judicial do ato que a ofendeu48 Não obstante isto em nada compromete a sua força na vida constitucional do país Em países dotados de Constituição escrita e rígida o costume e a convenção constitucional também podem operar mudanças constitucionais significativas Um bom exemplo ocorreu nos Estados Unidos nas eleições do presidente da República A Constituição norteamericana prevê que as eleições presidenciais devem ser indiretas art II seção 1 2 e 3 Os cidadãos nos Estados escolhem eleitores presidenciais em número equivalente à soma dos representantes e senadores de cada Estado Tais eleitores posteriormente elegem o Presidente da República Quando o constituinte norteamericano instituiu este mecanismo no século XVIII quis construir um modelo em que de fato os eleitores presidenciais fariam uma escolha dentre os candidatos que se apresentassem ao pleito pois eles consideravam que seria muito difícil para o cidadão comum afastado da política nacional realizar tal opção de forma adequada e consciente Havia naquele desenho institucional um claro viés elitista caracterizado pela desconfiança na capacidade do povo de escolher bem o seu Presidente Contudo com o tempo os eleitores presidenciais passaram a representar os partidos votando necessariamente nos candidatos previamente escolhidos por suas agremiações Hoje a votação realizada pelos eleitores presidenciais tornouse uma mera formalidade pois é praticamente inimaginável que um eleitor não sufrague o candidato do seu partido Portanto quando um cidadão vota num eleitor presidencial é como se ele já estivesse escolhendo o seu candidato à presidência já que na prática os eleitores não têm nenhum poder ulterior de deliberação Tal mudança altamente importante para o funcionamento da política do país não decorreu de emenda constitucional de decisão judicial ou de ato legislativo mas de uma prática reiterada que se incorporou informalmente ao constitucionalismo norteamericano49 A hipótese pode ser enquadrada como convenção constitucional e não como costume pois se entende no país que não há remédio judicial para a hipótese de o eleitor presidencial votar em candidato de outro partido No Brasil o desenvolvimento de um certo parlamentarismo à brasileira durante o 2º Império quando Pedro II passou a formar o seu gabinete a partir do resultado das últimas eleições legislativas de modo a contemplar o partido vencedor no pleito eleitoral é dado como o maior exemplo de mutação constitucional por costume da nossa trajetória histórica50 Sem embargo talvez a hipótese possa ser melhor caracterizada como de convenção constitucional e não como costume pois não seria possível ao Poder Judiciário brasileiro obrigar o Imperador a mudar o seu gabinete caso por qualquer razão deixasse de observar a referida tradição Um exemplo de mutação constitucional por costume ocorrido no Brasil foi a admissão da reedição de medidas provisórias não apreciadas pelo Congresso antes do advento da Emenda Constitucional nº 322001 O texto constitucional era silente sobre a possibilidade mas amplos setores da doutrina a recusavam sob o argumento de que o silêncio parlamentar implicava rejeição tácita da medida51 Não obstante ela se cristalizou na prática convertendose em expediente ordinariamente adotado pelo Poder Executivo inclusive com o beneplácito do STF 52 Sem embargo se não a reedição pelo menos o seu uso abusivo houve medidas provisórias reeditadas mais de cem vezes podia ser caracterizado como um verdadeiro costume cons titucional inconstitucional por implicar absoluto desvirtuamento do perfil do instituto consagrado na Lei Maior 83 Os limites da mutação constitucional Um dos temas centrais da mutação constitucional é o dos seus limites O reconhecimento de limites à mutação é essencial para preservar a força normativa e a rigidez da Constituição O primeiro e menos controvertido destes limites relacionase ao texto constitucional A mutação não pode justificar alterações que contradigam o texto constitucional devendo ocorrer no âmbito das possibilidades interpretativas fornecidas pelo mesmo53 Para alterações que dependam de mudança do texto o caminho apropriado é a emenda constitucional desde que não afronte cláusula pétrea Admitir mutações constitucionais violadoras do texto da Constituição implicaria negar a própria força normativa e a rigidez da Lei Maior54 tornandoa excessivamente dependente dos fatores reais de poder ou das preferências do intérprete de plantão Sem embargo se é certo que o texto constitucional não pode ser ignorado ou revogado por mutações não é menos certo que a sua leitura deve abarcar mudanças substanciais ocorridas na sociedade a serem recepcionadas pelo Legislativo pelo Executivo e pelo Judiciário por meio da interpretação Ronald Dworkin formula uma distinção que nos ajuda a compreender esta relação entre abertura e fechamento proporcionada pelo texto constitucional Tratase da distinção entre conceito e concepção Para introduzila Dworkin propõe a hipótese de um pai que pede aos filhos que ao longo de suas vidas tratem os outros com equidade O pai contudo não está prescrevendo aos filhos que se pautem sempre pela sua concepção particular de equidade Se o fizesse seu conselho com o tempo perderia atualidade Seu pedido se assentava no conceito e não em uma concepção específica de equidade Do mesmo modo a interpretação dos valores constitucionais deve ocorrer em conformidade com as expectativas normativas que continuamente emergem das práticas sociais55 Isto é não só desejável mas também inevitável É desejável por permitir que a Constituição se atualize historicamente É inevitável porque a definição do escopo das normas constitucionais em muitos casos não deflui de maneira imediata de seus dispositivos já que estes possuem uma textura aberta O respeito ao texto constitucional é uma das razões que milita contra a aceitação da tese pendente de julgamento no STF e sustentada na Corte pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau no sentido de que teria ocorrido uma mutação constitucional relativa ao papel do Senado no controle concreto de constitucionalidade previsto no art 52 inciso X da Carta de 8856 Apesar de o referido preceito constitucional atribuir ao Senado Federal a competência para suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF os mencionados Ministros sustentam que em razão da crescente abstrativização da nossa jurisdição constitucional não faria mais sentido envolver o Senado Federal no processo tendente à suspensão da eficácia da lei cuja inconstitucionalidade tenha sida reconhecida pelo STF em sede de controle incidental 57 Para tais Ministros competiria ao Senado tão somente dar publicidade à decisão da Corte A decisão mesmo no controle incidental de constitucionalidade já teria eficácia erga omnes e efeito vinculante independentemente de qualquer ato do Senado importando na imediata supressão da ordem jurídica do preceito legal tido como inválido exatamente como se dá em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade Não discordamos da afirmação de que a competência em questão atribuída ao Senado é um anacronismo que não mais se justifica no cenário do atual sistema de jurisdição constitucional do país58 Contudo não nos parece possível o reconhecimento da suposta mutação constitucional59 porque ela atenta contra o texto claro da Cons tituição já que a suspensão da eficácia de um ato normativo é providência absolu tamente diversa da atribuição de publicidade a uma decisão judicial Não bastasse não parece compatível com a dignidade do Senado Federal convertêlo por um artifício hermenêutico num órgão incumbido de dar publicidade às decisões do STF Finalmente a exegese preconizada pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau é inconciliável com o instituto da súmula vinculante recentemente criado pela EC nº 452004 art 103A CF que prevê uma série de requisitos específicos para que as orientações do STF em casos concretos que envolvam matéria constitucional se revistam de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes dentre os quais a reiteração da mesma orientação em sucessivas decisões e o quorum qualificado de 23 dos ministros da Corte Afinal se as decisões proferidas pelo STF no controle difuso já fossem aptas a produzir efeitos vinculantes o que justificaria a existência da súmula vinculante Enfim até seria positiva uma alteração constitucional na linha da suposta mutação constitucional em debate Mas ela teria que ser veiculada por emenda à Constituição Pretender fazêlo por meio do reconhecimento de mutação constitucional não é possível O risco envolvido na aceitação desta possibilidade é o de se atribuir ao STF o poder de alterar o sentido claro e inequívoco dos preceitos constitucionais quando assim lhe parecer mais apropriado sob o pretexto da mutação constitucional Admitir tal artifício é permitir que o guardião da Constituição tornese o seu senhor Outro limite à mutação constitucional é o respeito ao sistema constitucional como um todo Tal sistema não é fechado mas aberto às mudanças que ocorrem na sociedade Mas a abertura não é ilimitada Não é admissível uma mutação que implique desconsideração dos limites impostos pelo sistema constitucional delineados por meio de escolhas fundamentais feitas pelo constituinte Vejamos brevemente um exemplo de infringência a estes limites ocorrido no Brasil sob a égide da Constituição de 88 A Carta de 88 optou claramente por um modelo de repartição de receitas tributárias bastante descentralizado atribuindo mais recursos aos Estados e Municípios ao lhes conceder parcelas expressivas do produto da arrecadação dos impostos federais O modelo foi assim desenhado pelo constituinte no afã de combater uma das mazelas que comprometia o bom funcionamento do nosso pacto federativo a excessiva dependência financeira dos demais entes federados em relação à União que prejudicava na prática a sua autonomia política Pois bem este modelo deliberadamente imposto pelo constituinte foi sendo paulatinamente esvaziado pela União Federal que no exercício da sua competência tributária passou a priorizar a criação e majoração das contribuições sociais em detrimento dos impostos tendo em vista que não era obrigada a partilhar com os demais entes federativos a receita proveniente da arrecadação destas exações Sem a aprovação de emenda constitucional promoveuse ao longo do tempo uma mudança radical no pacto federativo no sentido da centralização dos recursos em franca contrariedade em relação à clara opção feita pelo constituinte originário Os limites impostos pelo sistema praticamente se confundem com aqueles representados pelas cláusulas pétreas Se nem mesmo por emenda formal é possível promover determinadas alterações na ordem constitucional é natural que tampouco se admita a realização destas mudanças por intermédio de processos informais Sem embargo a questão se torna mais complexa diante da constatação de que as próprias cláusulas pétreas como as demais normas constitucionais também estão sujeitas à mutação constitucional possibilidade potencializada pela sua elevada abertura semântica Vejase o exemplo dos direitos e garantias individuais que são limites ao poder constituinte derivado a teor do disposto no art 60 4º IV da Constituição Federal Como já se viu acima a compreensão do princípio da igualdade que é uma cláusula pétrea tem se alterado significativamente ao longo do tempo sem que tenha ocorrido qualquer mudança formal na Constituição O mesmo podese dizer de diversos outros direitos fundamentais É evidente por exemplo que as mudanças tecnológicas que ensejaram o advento da internet e de outros meios de comunicação se refletiram na leitura do direito à liberdade de expressão e que os desenvolvimentos no campo da Genética se projetaram na compreensão do princípio da dignidade da pessoa humana Estas são mutações admissíveis e até desejáveis Também o princípio da separação de poderes que configura cláusula pétrea vem se sujeitando a intensa mutação constitucional após o advento da Constituição de 88 com o aumento progressivo da esfera de atuação do Judiciário Se quando a Constituição foi aprovada o Judiciário era visto e se concebia como aplicador dis ciplinado dos textos legais hoje o que se verifica é a sua crescente atuação como agente que participa em alguma medida da construção do ordenamento inovando na ordem jurídica e abarcando esferas de decisão que antes eram reservadas aos órgãos legitimados pelo voto popular Portanto se por um lado é certo que o sistema constitucional e as cláusulas pétreas impõem limites à mutação constitucional não é menos correto por outro que dito sistema e as referidas cláusulas também se abrem em alguma medida a processos informais de mudança da Constituição A mutação todavia jamais poderá significar ruptura com o sistema plasmado pelo constituinte ou desrespeito ao sentido mínimo das cláusulas pétreas Quando este quadro se configurar a hipótese já não será de mutação mas de violação à ordem constitucional 1 Há designação mutação constitucional provém do alemão Verfassungswandlung Há outras designações alternativas do mesmo fenômeno como vicissitude constitucional tácita processo informal de mudança da Constituição mudança constitucional silenciosa processo de fato de mudança constitucional etc Na teoria constitucional norteamericana não existe uma expressão específica para designar a mutação cons titucional que é estudada no contexto dos debates sobre a Constituição viva living Constitution 2 Cf HESSE Konrad Límites de la mutación constitucional In HESSE Konrad Escritos de derecho constitucional p 99102 3 Em sentido diverso discrepante da doutrina majoritária o Min Eros Grau afirmou no votovista proferido na Reclamação nº 4335 cujo julgamento ainda não foi concluído que na mutação constitucional não apenas a norma é nova mas o próprio texto normativo é substituído por outro 4 Plessy v Ferguson 163 US 537 1896 5 Brown v Board of Education 347 US 483 1954 6 O leading case na extensão do princípio constitucional da igualdade para enfrentamento da discriminação de gênero foi Reed v Reed julgado em 1971 404 US 71 1971 Curiosamente foi derrotada nos Estados Unidos uma proposta de emenda constitucional apresentada em 1972 que expressamente estendia o princípio da igualdade às relações de gênero por não ter obtido o número de aprovações nos Estados necessário para a sua ratificação Essa derrota todavia não impediu que se consolidasse na jurisprudência a posição afirmando a vedação constitucional à discriminação de gênero Pelo contrário a intensa mobilização social em torno da desejada reforma constitucional foi um fator que favoreceu a mudança jurisprudencial em questão pois contribuiu para alterar o ethos da sociedade norteamericana no que concerne aos direitos da mulher no qual também estavam mergulhados os juízes da Suprema Corte Vejase a propósito SIEGEL Reva Gender and the United States Constitution In BAINES Beverly RUBIOMARTIN Ruth Ed The Gender of Constitutional Jurisprudence p 306332 7 O primeiro precedente judicial norteamericano em que a partir do princípio da igualdade se invalidou a discriminação por orientação sexual foi Romer v Evans 517 US 620 1996 O caso mais importante na matéria é Lawrence v Texas 539 US 558 2003 em que a Corte revertendo precedente anterior afirmou a inconstitucionalidade de lei que proibia a prática de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo Sobre a evolução do tratamento do tema no direito norteamericano vejase NUSSBAUM Martha C From Disgust to Humanity Sexual Orientation and Constitutional Law 8 O exemplo foi colhido em MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 220 9 STF RE nº 74655 Rel Min Bilac Pinto DJ 1º jun 1973 10 STF RE nº 104930 Rel Min Rafael Mayer DJ 10 maio 1985 11 STJ REsp nº 2122 Rel Min Sálvio de Figueiredo DJ 20 ago 1990 12 STF RE nº 363889 Rel Min Dias Toffoli Julg 262011 13 Não há dúvidas sobre o dinamismo da interpretação constitucional norteamericana que vem possibilitando a atualização da bicentenária Constituição do país a novos valores e circunstâncias As mudanças no constitucionalismo norte americano são realizadas muito mais frequentemente por meio de processos informais do que de emendas já que a edição destas é extremamente difícil naquele país pois exige não só aprovação pelo quorum de 23 na Câmara dos Representantes e no Senado como também a sua ratificação por pelo menos 34 dos Estados norteamericanos pelos respectivos poderes legislativos ou por meio de convenções convocadas para este fim Daí a alusão à living Constitution Sem embargo há um importante segmento do pensamento constitucional norteamericano os chamados originalistas que se opõe à ideia de Constituição viva defendendo a anacrônica posição de que o sentido a ser atribuído às normas constitucionais hoje deve ser o mesmo vigente à época em que seu texto foi aprovado sobre o originalismo vejase o Capítulo 10 A propósito do debate norteamericano sobre a living Constitution vejase STRAUSS David A The Living Constitution 14 LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución p 164 15 BURDEAU Georges Traité de science politique p 246247 16 JELLINEK Georg Teoría general del Estado p 2332 17 DAULIN Hsü Mutación de la Constitución p 31 18 FERRAZ Ana Cândida da Cunha Processos informais de mudança da Constituição p 1113 19 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a cons trução do novo modelo 2 ed p 129136 20 MS nº 20927DF Rel Min Moreira Alves DJ 11 out 1989 21 O STF julgou mandados de segurança impetrados por partidos políticos contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados que contrariando orientação firmada pelo TSE em sede de consulta havia indeferido seus requerimentos de declaração de vacância dos mandatos exercidos por deputados federais que se desfiliaram das agremiações partidárias Cf MS nº 26602DF Rel Min Eros Grau MS nº 26603DF Rel Min Celso de Mello MS nº 26604DF Rel Min Cármen Lúcia todos publicados no DJ 19 out 2007 22 ADPF nº 132 e ADI nº 4277 julgamento conjunto Rel Min Carlos Britto Por ocasião da finalização deste volume o acórdão ainda não tinha sido publicado mas diversos votos proferidos naquela decisão unânime da Corte foram divulgados no sítio do STF httpwwwstfjusbr 23 Eis a redação do dispositivo Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher com entidade familiar devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento 24 Esta circunstância foi destacada no voto proferido pelo Min Enrique Lewandowski na ADPF nº 132 e na ADI nº 4277 que reproduziu trechos dos debates travados na Assembleia Constituinte por ocasião da votação do art 226 3º que revelam a visão do constituinte originário ainda preconceituosa sobre o tema da orientação sexual 25 A interpretação judicial desempenha um papel de fundamental importância não só na revelação do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo mas sobretudo na adequação da própria Constituição às novas exigências necessidades e transformações resultantes dos processos sociais econômicos e políticos que caracterizam a sociedade contemporânea Daí a precisa observação de Francisco Campos CAMPOS Francisco Direito constitucional cujo magistério enfatiza corretamente que no poder de interpretar os textos normativos incluise a prerrogativa judicial de reformulálos Importante reme morar neste ponto a lição deste eminente publicista para quem o poder de interpretar a Constituição envolve em muitos casos o poder de formulála A Constituição está em elaboração permanente nos Tri bunais incumbidos de aplicála Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona igual mente o poder constituinte HC nº 90450 Rel Min Celso de Mello DJe 6 fev 2009 26 Cf POWE JUNIOR Lucas A The Supreme Court and the American Elite 17892008 FRIEDMAN Barry The Will of the People How Public Opinion Has Influenced the Supreme Court and Shaped the Meaning of the Constitution 27 Sobre o componente estratégico da atuação judicial no âmbito constitucional vejase FRIEDMAN Barry The Politics of Judicial Review Texas Law Review v 84 n 2 p 257336 POSNER Richard A How Judges Think p 124157 BARROSO Luís Roberto Constituição democracia e supremacia judicial direito e polí tica no Brasil contemporâneo Revista de Direito do Estado RDE n 16 p 342 28 Sobre o fenômeno do backlash vejase POST Robert Roe Rage Democratic Constitutionalism and Backlash Harvard Civil Rights Civil Liberties Law Review n 42 BOTELHO Nadja Machado Mutação Constitucional p 4959 29 Sobre o papel do Poder Legislativo na interpretação constitucional vejase BAUMAN Richard W KAHANA Tsvi The Least Examined Branch the Role of Legislatures in the Constitutional State 30 ACKERMAN Bruce The Living Constitution Harvard Law Review v 120 n 7 p 17371812 31 A Constituição norteamericana consagra o princípio da igualdade equal protection of the law mas a doutrina e a jurisprudência do país entendem que as normas constitucionais não vinculam os particulares mas apenas as entidades estatais 32 ESKRIDGE William N FEREJOHN John SuperStatutes Duke Law Journal n 50 p 12151276 ESKRIDGE William A Republic of Statutes the new American Constitution 33 No mesmo sentido vejase o denso estudo de BOTELHO Nadja Machado Mutação Constitucional p 119147 34 Sobre a experiência norteamericana na matéria vejase GOMES Joaquim Benedito Barbosa Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade a experiência dos EUA 35 A Marcha Zumbi de Palmares ocorrida no ano de 1995 em comemoração ao tricentenário da morte desse herói nacional é tida como um marco importante neste processo Outro momento importante de mobilização a favor das ações afirmativas ocorreu durante os trabalhos preparatórias para a participação da delegação brasileira na Conferência Mundial de Durban contra o Racismo a Discriminação Racial a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas promovida pela ONU em 2001 36 Sobre os fundamentos das políticas de ação afirmativa em matéria racial vejase SARMENTO Daniel A igualdade étnicoracial no direito constitucional brasileiro discriminação de facto teoria do impacto desproporcional e ação afirmativa In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 139166 SOUZA NETO Cláudio Pereira FERES JÚNIOR João Ação afirmativa normatividade e constitucionalidade In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia Coord Igualdade diferença e direitos humanos p 345363 Em sentido contrário à validade das referidas quotas vejase KAUFMANN Roberta Fragoso Meneses Ação afirmativa à brasileira necessidade ou mito 37 O precursor na questão foi o Estado do Rio de Janeiro que instituiu o primeiro programa de cotas raciais no Brasil para ingresso universidades públicas com a edição da Lei nº 37082001 38 O Legislativo Federal editou a Lei nº 110962005 instituindo o ProUni que é um programa de incentivos fiscais para que as instituições privadas de ensino superior concedam bolsas de estudos para alunos carentes Há nessa lei previsão de cotas para negros e indígenas Mais recentemente editou também a Lei nº 122582010 conhecida como Estatuto da Igualdade Racial que muito embora não discipline em detalhe as políticas de ação afirmativa de viés racial as autorizou em diversos campos inclusive na seara educacional 39 É verdade que houve iniciativas dos Poderes Executivo e Judiciário no campo da ação afirmativa de natureza racial até anteriores às referidas leis que todavia não tiveram o mesmo impacto que as medidas de cunho legislativo Dentre elas vale citar a previsão de realização de políticas de ação afirmativa em todos os Programas Nacionais de Direitos Humanos desde o primeiro datado de 1996 bem como a instituição de cota racial para a contratação de profissionais terceirizados na área de jornalismo no âmbito do STF Concorrência nº 32001 40 No julgamento da ADPF nº 186 o STF por unanimidade reconheceu a validade das cotas raciais existentes na UnB Rel Min Ricardo Lewandowski Julg 2642012 Na ADI nº 3330 a Corte por 6 votos a 1 afirmou a compatibilidade com a Constituição do ProUni programa federal de incentivo fiscal às instituições privadas de ensino superior que também se utiliza de cotas raciais Rel Min Carlos Britto Julg 352012 41 Vejase sobre o tema ACKERMAN Bruce We the People v 1 p 255382 42 A expressão Era de Lochner referese a um período da Suprema Corte norteamericana que vai do final do século XIX até meados da década de 30 em que o Tribunal com base numa interpretação hoje muito criticada da cláusula do devido processo legal na sua dimensão substantiva impediu que o Estado regulasse a Economia e as relações contratuais inclusive para proteger as partes mais fracas impondo pela via jurisdicional um modelo socioeconômico libertário A expressão alude ao caso Lochner v New York 198 US 45 1905 em que se considerou inconstitucional uma lei que limitava a jornada de trabalho dos padeiros em 10 horas diárias O Tribunal invocando o devido processo legal entendeu que não caberia ao legislador intrometerse na liberdade negocial das partes contratantes 43 Sobre a interpretação do art 68 do ADCT vejase SARMENTO Daniel Terras quilombolas e Constituição a ADI 3239 e o Decreto 488703 In SARMENTO Daniel Por um constitucionalismo inclusivo história cons titucional brasileira teoria da Constituição e direitos fundamentais ROTHENBURG Walter Claudius Direito dos descendentes dos escravos remanescentes das comunidades de Quilombos In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia Coord Igualdade diferença e direitos humanos p 445471 44 Vejase a propósito ARRUTI José Maurício Mocambo antropologia e história do processo de formação quilombola 45 O STF reconheceu a existência de costume constitucional no julgamento da ADI nº 644MC Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 21 fev 1992 em que se qualificou como costume a imediata substituição do Chefe do Executivo pelo seu Vice por menor que seja o seu período de afastamento do cargo 46 No mesmo sentido vejase MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2 ed p 93106 FERRAZ Ana Cândida da Cunha Processos informais de mudança da Constituição p 182198 47 Cf REALE Miguel Lições preliminares de direito p 158 HESPANHA António Manuel O caleidoscópio do direito o direito e a justiça nos dias de hoje p 461462 48 Cf BARNETT Hilaire Constitutional and Administrative Law p 3049 49 Esta é uma simplificação do processo de eleição presidencial nos Estados Unidos que é em boa parte regido por leis estaduais Sobre a mudança em questão vejase DAHL Robert Alan How Democratic is the American Constitution 50 A rigor o regime político que se desenvolveu durante o Segundo Império não pode ser conceituado como parlamentarista O parlamentarismo não é compatível com a enorme concentração de poderes na pessoa do Imperador decorrente do exercício do chamado Poder Moderador previsto na Constituição de 1824 51 Cf ÁVILA Humberto Medida provisória na Constituição de 1988 p 9293 NASCIMENTO Rogério José Bento Soares do Abuso do poder de legislar controle judicial da legislação de urgência no Brasil e na Itália p 215 52 ADI nº 295 nº 1397 nº 1516 nº 1610 julgadas conjuntamente Rel Min Sydney Sanches DJ 21 nov 1997 53 Este limite no nosso entendimento não foi infringido no caso acima citado de reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo apesar de o texto constitucional no art 226 3º aludir ao reco nhecimento da união estável apenas entre homem e mulher É que o texto constitucional se não consagra expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo também não a veda o que permite o recurso à analogia ou a interpretação extensiva inspirada por princípios maiores da própria Constituição como os da igualdade e da dignidade da pessoa humana como acertadamente afirmou o STF pela unanimidade dos seus Ministros 54 Cf HESSE Konrad Límites de la mutación constitucional In HESSE Konrad Escritos de derecho constitucional p 101104 VEGA Pedro de La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente p 208215 55 Cf DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 134 56 A questão foi suscitada na Reclamação nº 43355 Rel Min Gilmar Mendes que versa sobre a decisão de um juiz do Estado do Acre de não aplicar a um caso concreto a orientação firmada pelo STF em sede de recurso extraordinário no sentido da inconstitucionalidade da vedação à progressão do regime de pena estabelecida na Lei de Crimes Hediondos A Reclamação ainda está pendente de julgamento por conta de pedido de vista formulado pelo Ministro Enrique Lewandowski após os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau que reconheceram a alegada mutação e dos Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa que a rejeitaram 57 A visão convencional na matéria é de que as decisões proferidas pelo STF em sede de jurisdição constitucional abstrata desfrutam de eficácia erga omnes e efeito vinculante sendo descabida aqui a atuação do Senado Federal para suspensão dos efeitos do ato normativo invalidado Mas no controle concreto e incidental a invalidação do ato normativo pelo STF só produziria efeitos entre as partes do processo Nesta perspectiva caberia ao Senado a faculdade de atribuir eficácia geral à decisão da Corte proferida no controle incidental suspendendo a aplicação da lei considerada inconstitucional Vejase a propósito CLÈVE Clèmerson Merlin A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro p 8998 58 Dita competência foi instituída na Constituição de 1934 para ajustar o exercício do controle de consti tu cionalidade importado desde o advento da República do constitucionalismo norteamericano no seu modelo difuso e incidental ao nosso sistema jurídico de tradição romanogermânica em que os precedentes judiciais não vinculam Com a atribuição da competência em questão ao Senado pretendiase criar mecanismo que suprimisse da ordem jurídica de uma vez por todas as leis tidas como inconstitucionais pelo STF o que até então não era possível Com o advento do controle abstrato de constitucionalidade instituído pela EC 1665 e muito reforçado pela Constituição de 88 e por atos normativos subsequentes o mecanismo em questão se tornou pouco funcional 59 No mesmo sentido vejase STRECK Lenio Luiz CATTONI DE OLIVEIRA Marcelo Andrade LIMA Martonio MontAlverne Barreto A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso mutação constitucional e limites de legitimidade da jurisdição constitucional CAPÍTULO 9 NORMAS CONSTITUCIONAIS 91 Introdução Durante muito tempo na maior parte do mundo as constituições não eram vistas como autênticas normas jurídicas mas como meras proclamações políticas desprovidas de imperatividade As normas jurídicas que efetivamente valiam eram aquelas editadas pelo legislador cujos atos eram imunes senão na teoria pelo menos na prática ao controle jurisdicional A Constituição não era aplicada diretamente às relações sociais nem empregada na resolução de casos concretos dependendo quase sempre da mediação legislativa para a produção de algum efeito jurídico Uma das mais importantes transformações ocorridas no Direito Constitucional contemporâneo foi a superação deste antigo paradigma Hoje tornouse lugar comum na teoria constitucional a afirmação do caráter normativo da Constituição Deste caráter normativo podemse inferir várias consequências concernentes à eficácia das normas constitucionais1 Estas normas em geral incidem diretamente sobre a realidade social e podem ser aplicadas a casos concretos independentemente de regulamentação infraconstitucional Ademais pela superioridade hierárquica de que desfrutam no sistema jurídico que não é apenas formal elas estão no patamar mais elevado da ordem jurídica mas também material elas em geral consagram os princípios e valores mais relevantes de uma comunidade política as normas constitucionais devem orientar o operador do Direito na interpretação e na aplicação de todo o ordenamento infraconstitucional Finalmente elas são parâmetros de validade de todas as demais normas que são consideradas nulas quando incompatíveis com os seus ditames Sem embargo afirmar que a Constituição é norma não significa despojála das suas importantes dimensões políticas e culturais O reconhecimento da norma tividade constitucional não deve importar na adoção de uma leitura unidimensional da Constituição que lhe reserve apenas o papel de instrumento à disposição do Poder Judiciário para exercício do controle de constitucionalidade e tutela de di reitos Pelo contrário para que a Constituição possa desempenhar bem as suas funções é essencial que ela sirva também como fonte permanente de inspiração para a atuação dos órgãos políticos e da sociedade em geral A vitalidade de um regime constitucional é condicionada em boa medida pela intensidade da penetração da Constituição nos debates travados em espaços como o Parlamento os movimentos sociais e a opinião pública Enfim a Constituição deve ser vista como norma jurídica mas não como norma dirigida apenas à comunidade jurídica imersa em tecnicalidades impenetráveis para o cidadão comum cujo sentido seja aquele definido pelo STF 2 O Poder Judiciário é certamente um locus importante para a garantia da Constituição mas não é o único espaço de debate dos temas constitucionais nem o caminho exclusivo para a concretização das suas normas 92 Texto normativo e norma constitucional A norma jurídica não se confunde com o seu texto3 O texto dispositivo ou enunciado normativo é o significante a norma é o seu significado Em outras palavras o texto é algo que se interpreta a norma é o produto da interpretação4 que além do texto deve considerar toda uma gama de outros elementos dentre os quais o âmbito da realidade social sobre o qual a norma incide5 Estas noções importantes de Teoria Geral do Direito são válidas também no campo constitucional Por isso pode existir norma constitucional sem texto correspondente caso das normas implícitas Também por isso muitas vezes é possível extrair várias normas constitucionais de um único dispositivo Da cláusula que prevê como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana art 1º III da Constituição por exemplo extraemse diversas normas como as que consagram os direitos ao mínimo existencial e ao livre desenvolvimento da personalidade e o princípio da proibição de instrumentalização do indivíduo Mas por outro lado há hipóteses em que uma única norma é obtida com a conjugação de diversos dispositivos constitucionais diferentes Para se chegar à norma constitucional que vincula o mandato dos deputados federais aos seus partidos o TSE6 e o STF7 tiveram que conjugar vários preceitos constitucionais como os contidos no arts 14 3º 17 caput e 2º e 45 da Constituição Federal Nada obstante é muito comum no linguajar habitual dos operadores jurídicos o emprego da palavra norma para fazer alusão a determinado dispositivo legal regulamentar ou mesmo constitucional Neste estudo nós mesmos utilizamos muitas vezes a expressão norma constitucional neste sentido mais tradicional consagrado pelo uso para fazer referência a determinados dispositivos que figuram na Constituição de 88 93 Algumas características das normas constitucionais As normas constitucionais são normas jurídicas dotadas de todos os atributos que lhes são característicos Há contudo algumas particularidades nestas normas que merecem ser ressaltadas Em primeiro lugar as normas constitucionais desfrutam de supremacia em relação às infraconstitucionais Esta superioridade hierárquica é garantida formal mente por meio da rigidez da Constituição que impede que a elaboração da legislação infraconstitucional seja considerada como alteração dos ditames da Lei Maior Ademais ela é também protegida pela existência de mecanismos judiciais e extrajudiciais de controle de constitucionalidade que permitem o afastamento da ordem jurídica dos atos normativos que contrariem a Constituição Ademais onde houver uma cultura constitucional enraizada a supremacia da Constituição será também protegida por meios culturais e políticos pois a penetração dos valores constitucionais na sociedade tornará mais improvável a sua violação e levando a opinião pública a voltarse contra aqueles que infringirem a Lei Maior que podem ser punidos nas urnas pelo eleitor8 Outra característica comum nas normas constitucionais é o elevado grau de abstração dos textos que as consagram Esta vagueza não é exclusividade das normas constitucionais a textura aberta é característica de toda a linguagem jurídica9 e existem princípios vagos e cláusulas gerais em praticamente todos os ramos do Direito mas na seara constitucional ela se manifesta com grande frequência e intensidade revelandose sobretudo nas cláusulas mais importantes na Constituição eg República separação de poderes dignidade da pessoa humana igualdade Estado Democrático de Direito e moralidade administrativa A reduzida densidade semântica tende a ampliar a participação do intérprete na construção do sentido da norma constitucional Se é verdade que a interpretação envolve simultaneamente uma dimensão cognitiva e declaratória e outra volitiva e constitutiva o teor aberto das normas constitucionais tende a reforçar a importância da segunda em detrimento da primeira10 Essa abertura das normas constitucionais é importante para assegurar uma maior plasticidade à Constituição ao permitir que a sua interpretação se adapte às novas ideias e realidades sem a necessidade de alterações formais Em países em que a mudança formal da Constituição é muito difícil como nos Estados Unidos essa abertura tornase indispensável para assegurar uma maior longevidade constitucional Ademais a maior vagueza dos preceitos constitucionais implica ampliação da possibilidade de que se infiltrem na hermenêutica constitucional elementos não formais como juízos morais ou considerações de ordem pragmática Contudo pagase um preço pela maior indeterminação das normas constitucionais perdese em previsibilidade e segurança jurídica no processo de interpretação da Constituição11 Nos sistemas jurídicos em que há controle jurisdicional de constitucionalidade esta maior vagueza acaba também importando em transferência de poder das instâncias representativas do Estado em direção ao Poder Judiciário Afinal o Judiciário pode com base na sua leitura específica de uma determinada cláusula constitucional que inexoravelmente será influenciada pelas crenças e précompreensões dos juízes invalidar decisões do Legislativo ou do Executivo integrados por representantes eleitos pelo povo fundadas em outras interpretações da mesma cláusula Portanto a maior abertura das normas constitucionais acentua a chamada dificuldade contramajoritária da jurisdição constitucional já que impede que se considere como simples execução da vontade preexistente do poder constituinte a decisão judicial que invalida uma lei ou ato do Poder Executivo12 No Brasil deve ser relativizada a afirmação de que normas constitucionais são mais vagas É que a nossa Constituição por circunstâncias diversas valeuse também com grande frequência de regras muito específicas dotadas de grande concretude semântica como as que fixam idades para aposentadoria definem tetos de remuneração para o funcionalismo ou estabelecem percentuais de receitas tributárias a serem partilhadas com outros entes federativos Isto levou Humberto Ávila opondose à voz dominante na nossa doutrina a recusar a pecha de principiológica atribuída por muitos à nossa Lei Fundamental chamandoa de Constituição regulatória13 Outra característica das normas constitucionais é a sua forte dimensão política Esta dimensão é natural e decorre do fato de a Constituição ter a pretensão de disciplinar juridicamente o fenômeno político situandose na fronteira entre o Direito e a Política14 Do ponto de vista descritivo a dimensão política dos conflitos constitucionais amplia a influência da ideologia do intérprete na hermenêutica constitucional É quase inevitável por exemplo que juristas economicamente liberais e socialistas acabem divergindo na interpretação do princípio constitucional da livre iniciativa ou que juízes conservadores e progressistas no campo moral cheguem a conclusões diferentes no debate sobre a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo Porém o reconhecimento da natureza política das normas constitucionais não leva à renúncia à pretensão constitucional de equacionar os problemas jurídicos por meio de critérios também jurídicos e não estritamente políticos A prevalência ordinária da Política sobre o Direito propiciada pela importação indevida ainda quando disfarçada da gramática política para resolução de conflitos jurídicos é uma grave patologia no Estado Democrático de Direito Juízes constitucionais não podem decidir a favor ou contra a validade de uma lei porque por exemplo têm simpatia ou antipatia ideológica pelo governo que a patrocinou Não se pretende com isso negar que no mundo real existem outros fatores além do próprio Direito que influenciam a tomada de decisões judiciais como as cosmovisões morais e inclinações políticas de cada juiz ou considerações de cunho estratégico sobre a provável reação de outros órgãos estatais e da opinião pública15 Afirmase apenas que o ideal regulatório muitas vezes difícil de se atingir é o de que os intérpretes busquem dirimir os conflitos constitucionais de elevado teor político com base em argumentação jurídica No campo jurisdicional além do desenho institucional do Poder Judiciário voltado para lhe assegurar a indispensável independência diante dos poderes político e econômico outros elementos atuam no sentido de limitar os excessos de politização na interpretação do Direito como o próprio texto normativo a dogmática jurídica o dever de motivação das decisões judiciais o respeito aos precedentes o ethos profissional da magistratura e o controle social exercido pela comunidade dos intérpretes Há quem atribua às normas constitucionais um objeto próprio Foi neste sentido que se elaborou a tradicional distinção entre normas materialmente constitucionais e formalmente constitucionais Como examinado anteriormente as primeiras seriam aquelas que versam sobre temas concebidos como de índole essencialmente constitucional notadamente a organização do Estado e a garantia de direitos fundamentais não importando onde estejam positivadas Já as segundas poderiam tratar de qualquer objeto desde que figurassem do texto constitucional Porém a ideia de que as normas constitucionais possuem um objeto próprio e inconfundível pode ser questionada Em primeiro lugar porque ela não considera as importantes diferenças político culturais entre os Estados que acarretam divergências significativas no que concerne à definição dos temas tipicamente constitucionais Na nossa cultura jurídica por exemplo concebese a disciplina básica das relações de trabalho como matéria tipicamente constitucional os direitos trabalhistas figuraram em todas as nossas Constituições desde a Carta de 1934 o que não acontece em muitos outros países Ademais sabese que por diversas circunstâncias o poder constituinte pode acabar introduzindo no texto constitucional a regulação de uma diversidade de temas menos relevantes que possivelmente não devessem constar da Constituição Este aliás foi um fenômeno marcante na Constituição de 88 de forte caráter analítico Tais preceitos independentemente do juízo que se faça sobre o respectivo conteúdo não deixam de desfrutar de hierarquia constitucional atuando também como parâmetro para o controle de constitucionalidade 94 Especificidades de algumas normas constitucionais 941 O preâmbulo O preâmbulo é o texto editado pelo poder constituinte que antecede no documento constitucional a enunciação dos respectivos preceitos Em geral o preâmbulo alude à fonte de legitimação do poder constituinte nas democracias o povo e exprime em tom solene e grandiloquente uma síntese dos valores fundamentais da ordem constitucional O emprego de preâmbulos nas constituições é uma tradição inaugurada pela Constituição norteamericana de 1787 que consagrou a célebre fórmula We the People para expressar a origem e a legitimidade democrática da nova ordem jurídicopolítica então fundada16 No Brasil todas as nossas constituições com exceção da elaborada em 1967 contiveram preâmbulos17 Discutese se os preâmbulos constitucionais possuem ou não força normativa Nessa questão existem basicamente três posições De um lado há os que afirmam o caráter normativo do preâmbulo que partilharia de todas as demais características das normas constitucionais18 Do outro os que negam qualquer valor normativo ao preâmbulo afirmando por exemplo que ele não estipula quaisquer normas definidas para a conduta humana e assim carece de conteúdo juridicamente relevante19 A posição intermediária sustenta que o preâmbulo é desprovido de força normativa autônoma mas exerce um papel importante de orientação na interpretação e aplicação das demais normas da Constituição20 Uma das mais célebres decisões do Conselho Constitucional francês proferida em 1971 versou sobre o preâmbulo da Constituição21 Tratavase de examinar a constitucionalidade de lei que condicionava o funcionamento de determinadas associações a uma autorização prévia do Estado A Constituição francesa de 1958 não previu em seu texto o direito à liberdade de associação ela não contém um catálogo de direitos fundamentais mas o seu preâmbulo faz referência à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e ao Preâmbulo da Constituição de 1946 Este por sua vez além de consagrar diversos direitos fundamentais também mencionou os princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República Com base nisso o Conselho Constitucional entendeu que poderia exercer o controle de constitucionalidade sobre leis que violassem quaisquer destes diplomas ou ofendessem os referidos princípios fundamentais que integram o chamado bloco de constitucionalidade22 e com isso impediu a entrada em vigor da norma questionada porque ela violaria uma lei de 1901 que protegia a liberdade de associação Portanto na França a atribuição de força normativa ao preâmbulo afigurouse essencial para viabilizar a tutela de direitos fundamentais perante o legislador tendo em vista a omissão do texto constitucional francês nessa matéria No Brasil o STF enfrentou a questão no julgamento da ADI nº 2076 proposta contra a Constituição do Estado do Acre em razão dela não ter reproduzido a invocação da proteção de Deus constante no Preâmbulo da Carta de 88 A Corte julgou a ação improcedente por unanimidade tendo o Relator Ministro Carlos Velloso consignado em seu voto O preâmbulo não se situa no âmbito do direito mas no domínio da política Não contém o preâmbulo portanto relevância jurídica Vale também o registro da espirituosa observação feita neste julgamento pelo Ministro Sepúlveda Pertence no sentido de que esta locução sob a proteção de Deus não é uma norma jurídica até porque não se teria a pretensão de criar obrigação para a divindade invocada Ela é uma afirmação de fato jactanciosa e pretensiosa talvez de que a divindade estivesse preocupada com a Constituição do Brasil Sem embargo em diversos julgamentos subsequentes todos relatados pelo Ministro Carlos Britto o preâmbulo constitucional foi invocado especialmente a sua alusão à fraternidade como reforço argumentativo para a adoção de posições favoráveis à proteção de direitos fundamentais23 No cenário brasileiro com a exceção da invocação divina tudo o mais que consta no Preâmbulo pode ser deduzido de uma maneira ou de outra dos preceitos que figuram no restante da Constituição Daí porque nos parece correta pelo menos no nosso contexto a negação de força normativa autônoma ao Preâmbulo ressalvada a possibilidade de que ele seja empregado como reforço argumentativo ou diretriz hermenêutica como ocorreu nos votos do Ministro Carlos Britto acima referidos Quanto à alusão à proteção de Deus não há como atribuir força normativa a esta expressão não só pelas razões apontadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence como também porque isso não seria compatível com o princípio da laicidade do Estado constitucionalmente consagrado art 19 I CF 942 As disposições constitucionais transitórias As Constituições quando entram em vigor deparamse com uma ordem jurídica preexistente e com situações jurídicas específicas já cristalizadas no passado Não há dúvida de que o poder constituinte originário pode romper com todas elas Contudo em muitas situações ele opta prudentemente por criar um regime provisório disciplinando a transição entre a ordem jurídica que se esvai e aquela que se instaura visando a atenuar os efeitos desta mudança24 O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias contém um conjunto de preceitos voltados a esta finalidade Com exceção da Carta de 1824 todas as demais Constituições brasileiras contaram com um título destinado às disposições transitórias Na Constituição de 88 o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT é especialmente longo quando promulgada a Constituição ele contava com 70 artigos que já montam atualmente a 97 por força de acréscimos ulteriores incorporados por emendas constitucionais Contudo como nem sempre o constituinte é técnico acabaram inseridos no ADCT preceitos que nada têm de transitórios como a garantia do direito à propriedade das terras ocupadas pelas comunidades de remanescentes de quilombo art 68 ADCT Uma grande parte das normas contidas no ADCT possui eficácia temporária que se esgota após a produção dos respectivos efeitos ou o atingimento do termo ou condição fixado pelo constituinte Neste sentido falase de normas de eficácia cons titucional exaurida25 Não produzem mais efeitos por exemplo o art 4º caput do ADCT que fixou o término do mandato presidencial de José Sarney ou o seu art 27 1º que determinou que até a instalação do STJ o STF continuaria a exercer as competências atribuídas pela Constituição àquela Corte que até então eram da alçada do Supremo Nesta mesma categoria inseremse aquelas disposições que geraram efeitos instantâneos e definitivos esgotando em seguida toda a sua eficácia como ocorreu por exemplo com o art 15 do ADCT que determinou a incorporação do antigo território de Fernando de Noronha no Estado de Pernambuco26 Não há qualquer desnível hierárquico entre as normas provisórias da Constituição e aquelas contidas na sua parte permanente Todas compõem formalmente a Constituição integrando o seu bloco de constitucionalidade e revestindose de supremacia em face da legislação infraconstitucional Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal O ADCT promulgado em 1988 pelo legislador constituinte qualificase como um estatuto de índole constitucional A estrutura normativa que nele se acha con substanciada ostenta em conseqüência a rigidez peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei Fundamental da República Disso decorre o reconhecimento de que inexistem entre as normas inscritas no ADCT e os preceitos constitucionais da Carta Política quaisquer desníveis ou desigualdades quanto à intensidade de sua eficácia ou à prevalência de sua autoridade Situamse ambos no mais elevado grau de positividade jurídica impondose no plano do ordenamento estatal enquanto categorias normativas subordinantes á observância compulsória de todos especialmente dos órgãos que integram o aparelho do Estado27 Na doutrina há quem afirme a impossibilidade de reforma constitucional das normas transitórias do ADCT 28 Sustentase nesta linha que qualquer alteração nesta área seria impossível de vez que incompatível com a natureza provisória das normas em questão O raciocínio como ressaltado anteriormente não procede Não há nenhuma impossibilidade lógica de alteração superveniente de normas transitórias e o suposto limite em discussão além de não figurar no art 60 4º da Constituição não pode ser relacionado com a salvaguarda dos valores mais básicos da ordem constitucional democrática que são aqueles protegidos pelas cláusulas pétreas29 Já houve inúmeras alterações do ADCT por emendas constitucionais e a jurisprudência do STF tem afirmado recorrentemente a constitucionalidade do fenômeno30 95 Tipologia das normas constitucionais As normas constitucionais podem ser classificadas com base em diversos critérios Examinaremos aqui classificações elaboradas a partir de dois deles eficácia e objeto Há outra classificação também muito importante erigida a partir de outros critérios que distingue as normas constitucionais em princípios e regras a qual será examinada em item específico pela complexidade das questões que suscita Não é nossa intenção nesta obra propor um novo critério de classificação das normas constitucionais nem tampouco expor todas as inúmeras classificações já sugeridas pela nossa doutrina31 mas tão somente explicar e debater criticamente aquelas que se tornaram mais influentes no pensamento constitucional brasileiro 951 Classificações das normas constitucionais quanto à eficácia jurídica Um critério muito útil empregado de forma usual pela doutrina para classificar as normas constitucionais relacionase à sua eficácia normativa vale dizer à sua aptidão para produzir efeitos jurídicos32 Neste ponto o que se percebe numa análise histórica da teoria constitucional brasileira é a tendência crescente ao fortalecimento da eficácia das normas constitucionais com o progressivo abandono das concepções que relegavam a maior parte delas ao campo das meras proclamações retóricas desprovidas de qualquer força jurídica A primeira classificação corrente no Brasil foi a que dividiu as normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis ou autoexecutáveis e não auto executáveis Esta classificação divulgada entre nós por Ruy Barbosa baseavase na teoria e jurisprudência constitucional norte americanas do final do século XIX e em especial nas lições de Thomas Cooley33 Partiase da premissa de que alguns preceitos constitucionais que já contivessem em seu texto todos os elementos necessários para a sua imediata aplicação às hipóteses neles contempladas poderiam incidir independentemente de qualquer atuação do legislador Já outros dispositivos de caráter mais vago dependeriam de regulamentação legislativa para que pudessem ser aplicados Nas palavras de Ruy Barbosa executáveis por si mesmas ou autoexecutáveis são portanto as determinações para executar as quaes não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade nem criar nem indicar um processo especial e aquellas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo pela sua própria natureza dos seus meios de execução e preservação34 Já para definir norma constitucional não autoaplicável o mestre baiano usouse de passagem de Thomas Cooley segundo a qual esta é a que meramente indica princípios sem estabelecer normas por cujos meios se logre dar a estes princípios vigor de lei35 Pontes de Miranda também acolheu classificação semelhante embora valendose de nomenclatura distinta à qual agregou uma terceira espécie de norma constitucional36 Para Pontes as normas constitucionais poderiam ser bastantes em si não bastantes em si que equivaleriam respectivamente às normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis e programáticas37 De acordo com o jurista as normas programáticas apesar da indeterminação que as caracteriza não seriam completamente desprovidas de força cogente diferentemente do que preconizava a teoria tradicional uma vez que cerceiam a atividade dos legisladores futuros que no assunto programado não podem ter outro programa38 Esta classificação tradicional se sujeita a diversas críticas Ela é mais avançada do que a concepção legicêntrica do ordenamento hegemônica na Europa até a metade do século passado que via a Constituição com exceção das normas de organização dos poderes como mera proclamação política despida de força jurídica Contudo ela peca gravemente por privar de qualquer aplicabilidade as cláusulas constitucionais mais vagas tornandoas inteiramente dependentes de regulamentação legislativa39 Ademais julgada pela visão constitucional contemporânea o seu enfoque exclusivo no caráter mais ou menos indeterminado do texto constitucional para definição dos respectivos efeitos normativos se afigura incorreto por ignorar a dimensão moral da interpretação da Constituição bem como a inafastável imbricação entre fato e norma no domínio da hermenêutica jurídica Tal concepção por outro lado despreza a possibilidade de concretização das cláusulas constitucionais mais abertas pelo seu aplicador especialmente pelo juiz Hoje é francamente minoritária a doutrina que ainda opera com os conceitos de normas autoexecutáveis e normas não autoexecutáveis40 nada obstante a jurisprudência inclusive do Supremo Tribunal Federal por vezes ainda os utilize41 Uma nova visão sobre o tema difundiuse no país a partir da publicação em 1967 da 1ª edição da clássica obra Aplicabilidade das normas constitucionais de José Afonso da Silva até hoje o trabalho mais influente na nossa doutrina e jurisprudência42 relativa às normas constitucionais e seus efeitos43 Nessa obra muito influenciada pela teoria constitucional italiana do 2º pósguerra44 José Afonso da Silva questionou a premissa em que se assentava a doutrina clássica sobre o tema que negava a grande parte das normas da Constituição qualquer grau de aplicabilidade45 Para ele todas as normas constitucionais desfrutam de algum grau de eficácia embora este possa variar Nas suas palavras cada norma constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa até onde seja suscetível de execução46 A partir desta perspectiva que buscava ampliar a força normativa da Constituição José Afonso da Silva formulou a sua famosa classificação das normas constitucionais a qual envolve os seguintes conceitos a Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata São aquelas que desde o advento da Constituição já têm a aptidão de produzir todos os seus efeitos jurídicos não dependendo do legislador infraconstitucional para tanto Tais efeitos ademais não podem ser restringidos pelo legislador É o que ocorre por exemplo com o art 82 da Constituição Federal que define a extensão do mandato do Presidente da República em 4 anos e especifica o dia de seu início O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição Não é necessária a edição de lei regulamentadora pois o dispositivo constitucional contém todos os elementos necessários a sua imediata incidência Não é possível por outro lado a edição de lei que por exemplo restrinja o mandato presidencial ou altere o dia de seu início b Normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata Essas normas também já reúnem todas as condições necessárias para a produção dos seus efeitos típicos independentemente de regulamentação Contudo existe a possibilidade de restrição destes efeitos pelo legislador diversamente do que ocorre com as normas de eficácia plena O art 5º XIII da Constituição Federal que consagra a liberdade de trabalho ofício ou profissão mas possibilita que a lei a condicione o exercício desse direito à posse de determinadas qualificações profissionais c Normas constitucionais de eficácia limitada São normas de eficácia indireta e reduzida que não receberam do constituinte a normatividade suficiente para a pro dução de todos os seus efeitos Portanto essas normas carecem de regulamentação infraconstitucional para se tornarem plenamente operativas Tratase de preceito de integração que reclama em caráter necessário para efeito de sua plena incidência a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado47 Não obstante mesmo antes da edição desta legislação regulamentadora estas normas já têm condições de produzir alguns efeitos jurídicos Tais normas foram subdivididas em duas categorias c1 Normas de princípio institutivo Traçam as linhas gerais de organização e estruturação de órgãos entidades ou institutos jurídicos mas não são suficientes para lhes conferir existência imediata O art 131 da Constituição Federal institui a AdvocaciaGeral da União AGU estabelecendo que lhe compete nos termos da lei complementar que dispuser sobre a sua organização e funcionamento as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Para que a AGU pudesse realizar essa atribuição foi necessário que se editasse lei complementar efetivamente criando a instituição bem como prevendo sua composição detalhes de suas atribuições o quadro de servidores e vários outros aspectos concretos Enquanto não sobreveio a edição da referida lei a AGU não teve existência efetiva c2 Normas de princípio programático Definem os principais objetivos e finalidades a serem perseguidos pelos Poderes Públicos sem especificarem o modo como estes devem ser atingidos É que tem lugar no art 170 VIII da Constituição Federal que impõe como princípio da ordem econômica a busca do pleno emprego No que concerne à eficácia das normas constitucionais programáticas tema dos mais controvertidos na teoria constitucional José Afonso da Silva se opôs às concepções que esvaziam os seus efeitos Para o autor tais normas48 a criam dever para o legislador constituindo parâmetro para a declaração da inconstitucionalidade por omissão49 b revogam a legislação passada que seja incompatível com elas c condicionam a legislação futura tornando inconstitucionais as leis que as violarem d informam a concepção do Estado e da sociedade inspirando a sua ordenação jurídica e orientam a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional f condicionam a atividade discricionária da Administração Pública e g geram direitos subjetivos negativos investindo os indivíduos no poder de exigir uma abstenção estatal da prática de comportamento que as ofenda Além desses efeitos previstos originalmente por José Afonso da Silva a doutrina mais recente tem atribuído a tais normas ainda uma eficácia impeditiva do retrocesso social uma vez concretizada a norma constitucional o legislador não mais poderia retroceder revogando a legislação concretizadora50 Tais normas contudo não geram por si sós direitos subjetivos positivos não permitindo às pessoas que com base nelas exijam prestações positivas do Estado Alguns autores nacionais elaboraram classificações das normas constitucionais próximas à de José Afonso da Silva Foi o caso de Maria Helena Diniz51 que além de propor algumas alterações terminológicas acrescentou à lista mais uma espécie de norma constitucional correspondente às cláusulas pétreas Pela classificação que propõe as normas constitucionais dividirseiam em normas com eficácia absoluta que não podem ser restringidas nem mesmo por emenda constitucional normas com eficácia plena normas com eficácia relativa e restringível categoria correspondente às normas de eficácia contida de José Afonso da Silva e normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação correspondente às normas de eficácia limitada de José Afonso da Silva Cabe uma breve referência a duas críticas já endereçadas à influente teoria de José Afonso da Silva A primeira diz respeito ao caráter formalista da sua classificação que para atribuir maior ou menor eficácia às normas constitucionais baseiase tão somente no grau de densidade semântica do texto que as consagra fazendo abstração da dimensão moral do problema que também deveria ser levada em consideração52 Neste ponto tal teoria apesar de inspirada pelo propósito progressista de fortalecimento da normatividade constitucional não se afastou substancialmente daquela que objetivava superar que distinguia as normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis Uma das consequências negativas desta falha é que levou a maior parte dos direitos sociais para o campo das normas programáticas dotadas de eficácia limitada em razão da vagueza dos respectivos enunciados linguísticos Isto acabou prejudicando a tutela judicial destes direitos no que respeita à exigibilidade de prestações positivas53 Categorias como a norma programática e a norma de eficácia limitada acabaram se prestando à justificação da não efetivação da Constituição Da nossa parte entendemos que a gradação dos efeitos das normas constitucionais não pode prescindir de uma análise material em que considerações revestidas de conteúdo moral se tornam inafastáveis A própria Constituição Federal legitima a abordagem material do problema ao instituir por exemplo que os direitos e garantias fundamentais devam ser aplicados de modo imediato No contexto presente de reabilitação do uso prático da razão o tema da eficácia normativa não pode continuar circunscrito a abordagens formalistas devendo envolver também considerações substantivas e morais54 Outra crítica formulada por Virgílio Afonso da Silva aponta a incompatibilidade entre a classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva e a teoria contemporânea dos direitos fundamentais55 Para Virgílio Afonso da Silva como não existem direitos fundamentais absolutos não seria correto falarse pelo menos no que concerne a tais direitos em normas de eficácia plena Isto porque o legislador está em geral autorizado a restringir os direitos fundamentais de forma proporcional para a tutela de outros direitos ou bens jurídicos relevantes E se todas as normas garantidoras dos direitos fundamentais são suscetíveis de restrição não se sustentaria a distinção entre normas de eficácia plena e de eficácia contida Porém se bem entendemos a crítica de Virgílio Afonso da Silva ponderamos que podem existir excepcionalmente direitos absolutos refratários a sopesamentos e restrições legislativas Este é no nosso entender o caso do direito de não ser torturado art 5º III CF e da vedação constitucional à pena de morte que não pode ser instituída em contexto estranho à hipótese prevista no texto constitucional de guerra declarada art 5º XLVII Por outro lado segundo o autor a efetivação dos direitos fundamentais depende sempre de intervenção estatal inclusive legislativa que busque assegurar as condições fáticas sociais e institucionais necessárias a que eles possam produzir os seus efeitos Daí porque também perderia o sentido a categoria das normas de eficácia limitada56 Também quanto a essa crítica parecenos adequado ressalvar que há diferença entre as normas constitucionais no tocante ao grau em que demandam mediação legislativa para produzir a plenitude de seus efeitos O art 5º XL da Constituição Federal por exemplo determina que a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu A norma não depende de qualquer regulamentação para produzir seus efeitos Se as condições sociais e institucionais não estiverem presentes ainda assim a norma terá produzido seu efeito primordial que é deslegitimar práticas com ela incompatíveis Também quando esse tipo de norma é violada ela produz os seus efeitos É a lição que podemos extrair da distinção entre os planos da eficácia e da efetividade A classificação proposta por José Afonso da Silva se restringe ao plano da eficácia Consideremos por outro lado o que estabelece o inciso XXXII do mesmo art 5º o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor O preceito demanda necessariamente mediação legislativa para produzir todos os seus efeitos Sem a edição de lei não é possível identificar com precisão quais condutas violam os direitos dos consumidores Tanto assim que de acordo com o art 48 do ADCT o Congresso Nacional deveria elaborar o Código de Defesa do Consumidor no prazo de cento e vinte dias contados da promulgação da Constituição As normas estabelecidas nos incisos XL e XXXII do art 5º da Constituição Federal são efetivamente bastante diferentes quanto aos efeitos que são aptas a produzir e há evidente sentido prático no emprego de conceitos distintos para classificálas nada obstante no limite se possa conceder que mesmo normas providas de bastante densidade normativa dependem de condições sociais e institucionais para que ocorra sua plena efetivação Finalmente como já salientado existem preceitos constitucionais cuja eficácia já se esgotou Assim se o objetivo é traçar classificação das normas constitucionais a partir da sua eficácia torna se necessário incluir a categoria das normas constitucionais de eficácia exaurida ou esgotada 952 Classificação das normas constitucionais quanto ao seu objeto É possível também classificar as normas constitucionais a partir do seu objeto ou conteúdo material Na doutrina brasileira a classificação mais influente das normas constitucionais pelo seu objeto foi elaborada por Luís Roberto Barroso57 que as ordenou em a Normas de organização As que visam a estruturar e disciplinar o funcionamento do Estado e o exercício do poder político Dentre essas normas se situam as que contêm as decisões fundamentais sobre a forma de Estado e a forma e o regime de governo as que definem competências dos entes federativos ou órgãos estatais as que criam ou regulam a estrutura e o funcionamento de órgãos públicos e as que estabelecem procedimentos como os do processo legislativo da reforma constitucional e do controle de constitucionalidade b Normas definidoras de direitos As que consagram os direitos fundamentais dos indivíduos concernentes a prestações negativas ou positivas que se não forem espontaneamente adimplidas conferem ao titular do direito a possibilidade de postular o seu cumprimento por meio de ação judicial Barroso afirma que o constituinte usou no texto constitucional a palavra direito de forma muitas vezes atécnica razão pela qual a identificação destas normas deve basearse em outro critério Ele propôs que se considere como norma definidora de direito aquela que satisfaça os requisitos usualmente empregados para caracterizar um direito subjetivo Ou seja devese considerar como norma definidora de direito aquela que simultaneamente i definir um dever jurídico correlato ao direito ii for suscetível de violação e iii atribuir ao titular do direito um meio jurídico a ação judicial para exigir do respectivo devedor o cumprimento do dever violado De acordo com Luís Roberto Barroso as normas definidoras de direitos podem positivar direitos individuais políticos sociais e difusos c Normas programáticas São as que traçam metas e fins sociais a serem perseguidos pelos poderes públicos Barroso na mesma linha de José Afonso da Silva reconhece efeitos normativos imediatos importantes às normas programáticas como revogar os atos normativos anteriores com elas incompatíveis tornar inconstitucionais as normas posteriores que as contrariem informar a interpretação e a aplicação do direito infraconstitucional e gerar direitos subjetivos negativos que permitam ao jurisdicionado se opor à adoção de medidas estatais que as contravenham Ele afirma porém que tais normas não conferem direitos subjetivos positivos a prestações estatais tendentes à sua concretização É possível acrescentar ao elenco sugerido por Barroso algumas outras espécies normativas que versam sobre objetos distintos como as referentes às garantias institucionais e aos deveres fundamentais A teoria das garantias institucionais desenvolveuse na Alemanha no período do constitucionalismo de Weimar a partir da obra de Carl Schmitt 58 sendo amplamente aceita pela teoria constitucional contemporânea59 Tais garantias voltamse à proteção de determinadas instituições de Direito Público ou de institutos do Direito Privado e visam a salvaguardar o seu núcleo essencial de eventual ação restritiva dos poderes estatais inclusive do legislador A sua consagração em sede constitucional resulta da percepção do constituinte de que determinadas instituições do Direito Público ou institutos do Direito Privado são tão relevantes que o seu cerne deve ser preservado da supressão ou mesmo da ação erosiva do legislador Embora possam voltar se indiretamente à proteção dos direitos fundamentais as garantias institucionais não se confundem com eles nem tampouco com as respectivas garantias processuais não tendo como finalidade primária a tutela de direitos subjetivos60 Podese citar como exemplos de garantias institucionais consagradas pela Constituição de 88 o tribunal do júri art 5º XXXVIII CF a autonomia universitária art 207 CF e a família art 226 CF Outra espécie relevante de norma constitucional é aquela que consagra deveres fundamentais61 Não nos referirmos aqui aos deveres simétricos aos direitos fundamentais o seu outro lado da moeda como o dever das pessoas de absteremse de violar a privacidade alheia art 5º X CF ou o dever do empregador de pagar o 13º salário ao seu empregado art 7º VIII CF Estes são é claro diretamente decorrentes dos direitos fundamentais estando pressupostos nas normas que os definem Ocorre que além desses a Constituição também positiva outros deveres fundamentais como a prestação do serviço militar obrigatório art 143 CF e a votação nas eleições art 14 1º I CF Não há qualquer vinculação necessária entre perspectivas constitucionais organicistas ou autoritárias e o reconhecimento dos deveres fundamentais62 Afinal os mesmos valores e objetivos que perpassam os direitos fundamentais garantia da dignidade humana promoção da igualdade solidariedade social etc também podem justificar a imposição constitucional de alguns deveres fundamentais à pessoa em proveito dos seus semelhantes desde que isto não importe em restrição excessiva às suas liberdades básicas Tais deveres podem ou não ser imediatamente exigíveis o que dependerá de uma série de fatores como a dicção do preceito constitucional que os consagre o seu contexto fático e os valores subjacentes63 Sem embargo as normas constitucionais que definem os deveres fundamentais não se beneficiam em princípio do regime reforçado de proteção instituído pelo constituinte em benefício dos direitos fundamentais integrado especialmente pela regra da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais CF art 5º 1º e pela impossibilidade de revogação desses direitos por meio de emendas à Constituição CF art 60 4º IV Além destes acréscimos a classificação de Barroso sujeitase também a algumas críticas sobretudo no que concerne aos direitos fundamentais Ela não distingue os direitos fundamentais dos direitos subjetivos positivados na Constituição o que parece incorreto64 Há na Constituição inúmeros direitos subjetivos que não têm a marca da fundamentalidade como é o caso por exemplo do direito dos membros do Ministério Público que tomaram posse antes de 1988 de continuarem exercendo a advocacia art 29 3º ADCT Ademais a categoria do direito subjetivo lavrada no passado por civilistas não é a mais adequada para lidar com a complexa estrutura e com as multifacetadas funções dos direitos fundamentais Esses para além da dimensão subjetiva ostentam também uma dimensão objetiva65 que envolve a a irradiação dos seus efeitos que atingem várias outras situações e relações jurídicas para além dos limites do direito subjetivo b o dever do Estado de proteger estes direitos de lesões e ameaças de terceiros inclusive de particulares e c o direito a organizações e procedimentos adequados à sua tutela Portanto os direitos fundamentais não cabem na moldura do direito subjetivo talhada historicamente para lidar com situações típicas do Direito Privado e hoje questionadas mesmo naquele quadrante66 Por outro lado a adoção de critérios puramente formais para a definição de direito fundamental como os sugeridos por Barroso peca por não atribuir o peso necessário à argumentação moral no campo constitucional67 A consequência da adoção deste tipo de postura formalista já foi comentada acima nas críticas dirigidas às principais classificações estabelecidas em relação à eficácia das normas constitucionais negase uma maior eficácia àquelas expressas em linguagem mais vaga ainda quando revestidas de inequívoca relevância moral como as que consagram determinados direitos sociais cuja fruição seja essencial para a dignidade humana eg direito à moradia art 6º CF Tais normas pela indeterminação dos respectivos textos acabam classificadas como programáticas e assim incapazes de gerar qualquer tipo de pretensão a prestações positivas do Estado 96 Princípios e regras constitucionais 961 Nota histórica A classificação das normas constitucionais mais discutida pela doutrina contemporânea é aquela que as distingue em princípios e regras constitucionais A grande ênfase da doutrina no debate desta classificação pode ser associada a um importante movimento na teoria e na prática do Direito ocorrido no Brasil e alhures aqui sobretudo após o advento da Constituição de 88 no sentido da valorização dos princípios aos quais hoje se reconhece de forma praticamente incontroversa o caráter plenamente normativo Este movimento não ocorreu apenas no âmbito do Direito Constitucional Em praticamente todas as disciplinas jurídicas ele também vem se manifestando com maior ou menor intensidade Contudo no campo constitucional tratase de movimento especialmente marcante até pelas singularidades das normas constitucionais acima analisadas Paulo Bonavides reconstrói a trajetória histórica dos princípios aludindo a três fases de normatividade68 Na primeira correspondente ao predomínio do jusnaturalismo os princípios eram encarecidos no plano moral concebidos como postulados de justiça mas não se lhes reconhecia natureza propriamente normativa Na segunda fase de domínio do positivismo jurídico os princípios não eram concebidos como normas mas sim como meios de integração do Direito Naquele período os princípios eram considerados como imanentes ao ordenamento e não transcendentes a ele e a sua construção davase por meio de um processo de abstração que extraía do próprio sistema jurídico as suas principais orientações Já a fase atual equivalente ao póspositivismo teria como característica central a valorização dos princípios não só na dimensão éticomoral como também no plano propriamente jurídico69 Neste período nas palavras de Bonavides acentuarseia a hegemonia axiológica dos princípios convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais70 É verdade que não existe qualquer incompatibilidade conceitual entre o po sitivismo e o reconhecimento da normatividade dos princípios jurídicos desde que devidamente positivados71 Contudo as versões do positivismo que lograram maior penetração no cotidiano do Direito pelo menos no Brasil não reservavam um lugar de honra para os princípios O positivismo legalista não via com bons olhos os princípios porque temia a insegurança e a instabilidade que a possibilidade de aplicação direta de normas tão abertas ensejaria comprometendo a operacionalidade do seu modelo baseado na subsunção e na negação da dimensão constitutiva da interpretação jurídica O normativismo inspirado em Kelsen72 também não apostava nos princípios pois via na vagueza das normas jurídicas uma simples autorização para a discricionariedade judicial na criação do Direito O reconhecimento da normatividade dos princípios ocorreu em paralelo à crise do positivismo jurídico deflagrada após o final da II Guerra Mundial e à onda de constituições fortemente principiológicas editadas em seguida que contavam com robustos mecanismos de controle jurisdicional de constitucionalidade73 A tendência estimulada pela jurisdição constitucional foi no sentido do paulatino reconhecimento de que todas as normas constitucionais eram normas jurídicas inclusive os princípios mais indeterminados antes vistos como meras proclamações políticas No Brasil até não muito tempo atrás prevalecia a concepção legalista tribu tária do positivismo de que os princípios jurídicos não seriam propriamente normas mas meros instrumentos para integração de lacunas aos quais o intérprete não deveria se socorrer senão em situações excepcionais Essa posição está positivada no art 4º da hoje denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro segundo o qual quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia os costumes e os princípios gerais de Direito Os princípios eram portanto mera fonte subsidiária do Direito Só era legítimo que o magistrado recorresse a eles quando não houvesse nenhuma outra fonte do Direito aplicável Atualmente esta concepção não corresponde mais ao ponto de vista dominante na doutrina e na jurisprudência nacionais que têm enfatizado não só a força normativa como também a máxima relevância dos princípios especialmente os constitucionais Pelo contrário hoje já se percebem até excessos nesta área que culminam numa equivocada desvalorização das regras jurídicas e num uso muitas vezes pouco racional e fundamentado da principiologia constitucional caracterizando o fenômeno da euforia dos princípios ou até mesmo nos seus momentos mais patológicos da carnavalização da Constituição74 Na literatura jurídica brasileira a virada principiológica deuse a partir da década de 90 com a recepção das lições sobre princípios nem sempre bem compreendidas de dois grandes filósofos do Direito contemporâneo Ronald Dworkin e Robert Alexy que buscaram traçar diferenças qualitativas e não meramente quantitativas entre estas espécies normativas como se verá no item abaixo Antes disso já havia é certo autores nacionais que atribuíam um papel relevante para os princípios nas suas obras75 Mas foi somente a partir da década de 1990 que o tema dos princípios constitucionais tornouse quase uma obsessão da teoria jurídica brasileira76 962 Alguns critérios para distinção entre princípios e regras Existe amplo debate doutrinário no Brasil e no exterior sobre quais seriam os critérios distintivos entre princípios e regras Discutese também se as diferenças entre princípios e regras são de natureza qualitativa ou quantitativa Em outras palavras debatese se existem duas espécies estanques de normas jurídicas com características próprias e inconfundíveis distinção qualitativa ou se há ao contrário um continuum neste universo normativo em que as características em questão aparecem com gradações distintas nas diferentes normas que o compõem distinção quantitativa A doutrina tem enfatizado que a distinção entre regras e princípios dáse no plano das normas jurídicas e não no dos respectivos textos77 Isto não significa dizer que o texto normativo seja irrelevante para a questão mas sim que ele não é o único elemento a ser considerado Uma das distinções muitas vezes invocadas diz respeito à indeterminação semântica dos princípios Tal critério está diretamente relacionado ao texto normativo Dizse que os princípios são expressos em linguagem mais vaga que não define com precisão nem o seu campo de incidência nem a consequência jurídica deflagrada pela sua aplicação78 Eles são por outro lado mais ambíguos no sentido de que comportam com maior frequência interpretações divergentes Já com as regras estas características vagueza e ambiguidade não estariam presentes com tamanha intensidade e frequência a distinção quanto à indeterminação é quantitativa e não qualitativa Há quem fale também em maior generalidade e abstração dos princípios em relação às regras Este critério contudo deve ser matizado A generalidade das normas significa a sua incidência sobre uma classe de pessoas e não sobre sujeitos predeterminados e a abstração é a sua aplicabilidade sobre hipóteses de incidência genericamente previstas e não sobre casos concretos individualmente79 Neste sentido tanto os princípios como as regras constitucionais são igualmente gerais e abstratos80 Porém podese falar em generalidade em outro sentido Eros Roberto Grau por exemplo alude à maior generalidade dos princípios porque estes ao contrário das regras não incidem apenas sobre um determinado tipo de atos ou fatos definidos na sua hipótese de incidência comportando antes uma série indefinida de aplicações81 Neste sentido a ideia de generalidade acaba se confundindo com a de indeterminação Outra diferença diz respeito ao papel do intérprete no processo de aplicação normativa A função do intérprete envolve mais criatividade no caso dos princípios que demandam uma participação mais ativa para a sua concretização82 Já com as regras o seu papel é mais acanhado pois a aplicação destas normas não deixa tanto espaço para valorações subjetivas Aqui também a distinção é de caráter quan titativo A doutrina mais sofisticada não afirma que a aplicação de regras seja sempre automática esgotandose num silogismo nem tampouco que o intérprete dos princípios tenha plena liberdade para decidir como lhe aprouver no interior da moldura normativa demarcada pelo texto normativo Enfatizase apenas que a dimensão volitiva constitutiva da interpretação é mais intensa e manifesta nos princípios do que nas regras Outro critério muito citado é o da importância na ordem jurídica Os princípios são vistos como as normas mais relevantes do ordenamento os seus alicerces básicos83 enquanto as regras teriam importância menor Não se trata de afirmar a existência de uma hierarquia formal entre princípios e regras constitucionais nem tampouco de postular que o conjunto dos princípios constitucionais seja mais importante para a ordem jurídica do que o conjunto das regras constitucionais Tratase tão somente de destacar que as normas do tipo principiológico têm individualmente maior relevância sistêmica do que aquelas que correspondem às regras Distinção relacionada à anterior concerne ao papel desempenhado por princípios e regras na ordem jurídica Afirmase que os princípios desempenham uma função argumentativa mais relevante do que as regras por definirem um norte para a interpretação e a aplicação das normas que vigoram na área em que incidem84 Nesse sentido eles produzem efeitos irradiantes projetandose mais amplamente pelo ordenamento Além disso dizse que os princípios têm natureza normogenética85 no sentido de que deles é possível extrair outras normas jurídicas implícitas das quais constituem fundamento Não obstante a doutrina também enfatiza que a relação entre princípios e regras é de mão dupla os princípios guiam a interpretação das regras que os concretizam mas estas se prestam também ao esclarecimento do seu sentido86 Outra distinção diz respeito ao conteúdo moral Há quem enfatize que os princípios possuem uma dimensão moral mais pronunciada do que as regras na medida em que incorporam valores fundamentais traduzindoos em termos normativos87 Nas regras esse conteúdo moral não se apresentaria com a mesma intensidade ou nitidez Esta ideia pode ser questionada pois não há dúvida de que existem regras constitucionais dotadas de forte conteúdo moral como a que proíbe a pena de morte art 5º XLVII CF e princípios que não ostentam esta dimensão tão nitidamente como o da indelegabilidade das competências na federação O mais adequado é afirmar que os princípios pela sua maior abertura linguística franqueiam mais espaço para considerações morais na argumentação jurídica enquanto as regras pela sua maior densidade semântica não conferem tamanha liberdade para que o intérprete persiga a solução mais justa para o problema enfrentado Um marco fundamental no debate sobre a distinção entre princípios e regras é o artigo de Ronald Dworkin The Model of Rules I publicado no seu livro Taking Rights Seriously editado em 197788 Nesse estudo Dworkin voltouse contra o positivismo jurídico na versão de Herbert Hart que ao afirmar a existência de discricionariedade judicial para resolução dos casos difíceis do Direito hard cases em razão da textura aberta das normas jurídicas teria ignorado o papel dos princípios Para Dworkin a ausência de uma norma clara e precisa indicando a solução para um determinado caso não confere ao juiz o poder discricionário para decidilo pois ele é obrigado a recorrer aos princípios que interpretados de forma adequada apontarão a solução mais correta para o problema89 Para Dworkin os princípios e regras apresentam uma distinção qualitativa que concerne ao seu modo de aplicação As regras segundo ele são comandos disjuntivos aplicados de acordo com o padrão do tudo ou nada Se os fatos que a regra prevê ocorrerem ela deve ser aplicada com a produção integral das consequências nela estabelecidas ou então será considerada inválida ou inaplicável ao caso Depreende se das lições de Dworkin que no conflito entre regras o intérprete deve socorrerse de critérios formais para resolução de antinomias cronológico especialidade hierárquico e definida a norma aplicável resolver a questão Já os princípios para Dworkin seguem uma lógica inteiramente distinta por possuírem o que ele denominou de dimensão de peso Esta dimensão de peso faz com que em hipóteses de colisão de princípios apontando soluções divergentes seja necessário analisar qual a importância assumida por cada um no caso em questão para definir aquele que deverá prevalecer90 Tal análise não é formal como aquela usada no conflito entre regras mas substantiva deixandose impregnar pela argumentação moral Segundo Ronald Dworkin os princípios em sentido amplo dividemse em duas espécies princípios em sentido estrito e diretrizes políticas policies91 Os primeiros são relacionados aos direitos e devem ser observados não porque isto vá promover ou garantir alguma situação econômica política ou social considerada desejável mas porque se trata de uma exigência de justiça de equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade Já as segundas são standards que estabelecem um objetivo a ser alcançado geralmente a melhoria de algum aspecto econômico político ou social da comunidade92 Fiel ao ideário liberal Dworkin atribui primazia absoluta aos princípios em sentido estrito em relação às diretrizes políticas afirmando que em hipóteses de conflito os primeiros devem sempre prevalecer Outra contribuição fundamental ao tema foi dada pelo jurista alemão Robert Alexy que também elaborou uma distinção qualitativa entre princípios e regras que tem pontos de contato mas também diferenças em relação à distinção formulada por Dworkin93 Para Alexy 94 os princípios são mandados de otimização que devem ser cumpridos na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas de cada caso95 Eles comportam portanto o cumprimento em graus diferentes que dependem não só das possibilidades reais presentes no plano fático como também das possibilidades jurídicas relacionadas a possíveis colisões com princípios contrapostos Já as regras não têm esta característica pois não podem ser cumpridas de forma gradual elas são cumpridas integralmente ou descumpridas9495 Em outras palavras para Alexy os princípios são comandos prima facie96 e não mandamentos definitivos pois mesmo quando válidos e incidentes sobre determinado caso podem ter de ceder na sua solução total ou parcialmente em razão de colisão com outros princípios que apontem em direção contrária Nesses casos devese recorrer a uma ponderação entre os princípios97 pautada pelos critérios da proporcionalidade98 Já com as regras isso não acontece Tais normas para Alexy são comandos definitivos que quando válidos e incidentes devem ser integralmente aplicados O conflito entre regras segundo o jurista germânico é resolvido por meio da invalidação de uma delas ou do reconhecimento da sua não incidência ao caso pela introdução de uma cláusula de exceção99 Em síntese para Alexy dessas diferenças estruturais entre regras e princípios resulta uma outra distinção concernente à resolução de conflitos normativos Para equacionar as tensões entre princípios constitucionais recorrese à ponderação que busca a otimização dos bens jurídicos em jogo Já para as colisões entre regras da Constituição definese por intermédio de critérios lógicos qual será a regra aplicável e as respectivas consequências serão integralmente produzidas A teoria de Robert Alexy suscitou uma ampla série de discussões e críticas que não teremos como examinar aqui mas a despeito disso pelo menos no Brasil ela se converteu na concepção predominante na teoria constitucional contemporânea100 Sem embargo cabe analisar muito brevemente a outras duas teses sobre a questão pela sua influência no pensamento constitucional brasileiro as contribuições desenvolvidas de forma convergente pelo filósofo alemão Jürgen Habermas e pelo jurista Klaus Günther101 e a teoria desenvolvida no Brasil por Humberto Ávila Habermas102 e Günther103 criticaram a concepção de Alexy que equipara os princípios a comandos de otimização suscetíveis de ponderação pois ela confundiria a argumentação deontológica próprio à esfera de aplicação judicial do Direito com a axiológica No campo do Direito os juízos axiológicos segundo eles caberiam exclusivamente ao legislador no momento de elaboração das normas jurídicas e não ao juiz por ocasião da sua aplicação Nessa ótica a ponderação judicial entre princípios não seria compatível nem com a separação de poderes nem como a ideia do Estado Democrático de Direito acarretando insegurança jurídica e arbítrio judicial Tais autores reconhecem todavia que as hipóteses envolvendo colisões entre princípios não podem ser solucionadas apenas com recurso à lógica formal Para eles diante de uma situação em que diversos princípios constitucionais aparentemente incidem apontando soluções contraditórias o papel judicial deve ser o de considerar todas as circunstâncias do caso bem como as demais normas do sistema jurídico Por meio deste exame integral do contexto fático e normativo definese qual dos princípios prima facie aplicáveis deverá efetivamente incidir por ser o mais adequado à hipótese104 Não se trata portanto de ponderar ou otimizar princípios para lhes conferir uma aplicação gradual como sustenta Alexy mas sim de verificar atento a todas as especificidades e variáveis envolvidas na situação qual dos princípios em jogo é o mais adequado ao caso Tal princípio deverá ser integralmente cumprido enquanto o outro com o qual ele concorrera será totalmente afastado da solução do problema O princípio preterido não é considerado inválido mas inadequado ao caso após a consideração de todas as respectivas singularidades Em um caso concreto que envolvesse por exemplo a discussão sobre a liberdade de expressão de ideias racistas ao Judiciário não caberia ponderar tal liberdade com o direito à igualdade como fez o STF no julgamento do Caso Elwanger105 mas sim analisar à luz de todas as circunstâncias do caso qual dos princípios que tutelam estes direitos fundamentais é o mais adequado para reger a hipótese afastando o outro da solução da causa106 Os princípios sob esta perspectiva seriam normas cuja aplicação abrirseia a múltiplas considerações relativas à sua adequação às especificidades de cada caso juízo de adequação Já as regras operariam de maneira diferente Em relação a elas o intérprete ao avaliar a sua incidência sobre um caso só poderia considerar aqueles elementos já definidos pelo legislador excluindo da sua análise todas as outras possíveis dimensões do problema107 Isto porque ao optar pela positivação de normas jurídicas na forma de regras e não de princípios o próprio legislador constituinte ou ordinário já teria feito o juízo de valor sobre quais os fatores que devem ou não ser considerados pelo intérprete para deflagrar a aplicação normativa Esta escolha legislativa é considerada válida e admissível desde que o procedimento de elaboração normativa tenha sido democrático e que tenha levado em consideração de maneira imparcial os interesses de todos os envolvidos Na literatura jurídica brasileira a contribuição mais original ao debate sobre princípios e regras é de Humberto Ávila Em seu estudo sobre a teoria dos princípios após criticar outros parâmetros já propostos pela doutrina para distinção entre regras e princípios Ávila propôs três critérios para esta diferenciação natureza do comportamento prescrito natureza da justificação exigida de quem aplica a norma e a medida da sua contribuição para a decisão108 Quanto ao primeiro critério Ávila sustenta que os princípios são imediatamente finalísticos na medida em que estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido enquanto as regras são imediatamente prescritivas uma vez que preveem condutas que devem ser observadas109 É verdade diz o autor que indiretamente as regras também visam à realização dos fins que lhes são subjacentes e que dos princípios é possível inferir deveres de conduta no sentido da adoção dos comportamentos necessários ao atingimento das finalidades perseguidas Porém apesar de ambas as espécies normativas ligaremse tanto a fins como a condutas a distinção se mantém No que concerne aos princípios a relação com os fins é direta e com as condutas indireta enquanto para regras dáse exatamente o inverso110 Em relação ao critério da natureza da justificação exigida Ávila sustenta que na operação com as regras o papel do intérprete é basicamente verificar se os fatos se enquadram na descrição contida na norma Apenas em casos excepcionais e com pesado ônus argumentativo ele poderá analisar se os fatos embora correspondentes à previsão normativa contrariam os fins que dão suporte à regra o que justificaria a sua não incidência ou se a aplicação da regra pode ser superada por outras razões contrapostas caso de superabilidade da regra111 Já quanto aos princípios cabe ao intérprete aferir se os efeitos da conduta correlacionamse positivamente ou não com o estado ideal de coisas almejado contribuindo para a sua promoção Finalmente Humberto Ávila distingue as regras dos princípios afirmando que aquelas têm a pretensão de definir de forma exclusiva a solução para as hipóteses sobre as quais incidem com o afastamento de outras razões e considerações Ele designa esta característica como pretensão de decidibilidade e abrangência das regras Já os princípios não possuem o mesmo traço pois visam apenas a contribuir para a adoção da solução adequada para o caso Eles possuem nas suas palavras pretensão de complementaridade e parcialidade112 Apresentados sucintamente os principais critérios utilizados para diferenciar os princípios das regras constitucionais é hora de tecer breves considerações sobre o tema Não existe a rigor um único critério certo para distinguir os princípios das regras sendo a questão de natureza eminentemente convencional Portanto não há nada de errado em um autor chamar de princípios constitucionais por exemplo as normas jurídicas consideradas mais relevantes do sistema constitucional como também não há nenhuma impropriedade em outro doutrinador usar a mesma expressão para designar as normas que sejam dotadas de uma dimensão de peso Estes dois usos diferentes são aceitáveis considerando que as convenções linguísticas existentes no campo do Direito ainda não se estabilizaram nesta matéria de forma a definir um único sentido técnico e preciso para princípio ou para regra Contudo é preciso que se saiba que os diversos critérios propostos não se confundem não se tratando apenas de diferentes formas de se observar o mesmo fenômeno Se o critério adotado for por exemplo o alto grau de indeterminação se mântica o universo dos princípios constitucionais contidos na Constituição de 88 terá composição diferente da que teria se fosse empregado como parâmetro a importância sistêmica da norma ou a forma de resolução dos conflitos normativos O que se afigura incorreto é definir uma norma como princípio ou como regra de acordo com um determinado critério e daí se extrair automaticamente os efeitos decorrentes do seu pertencimento àquela espécie normativa tal como ela é concebida sob a ótica de critério diferente Exemplificase muitos juristas chamam de princípio da anterioridade a norma contida no art 150 III b da Constituição segundo a qual é vedado cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado O rótulo de princípio é aposto a este preceito porque ele é considerado muito importante no sistema constitucional tributário Não há nada de errado nisto desde que não se pretenda com base neste rótulo por exemplo afirmarse que a anterioridade opera como um mandamento de otimização que deve ser cumprido na medida do que seja fática e juridicamente possível Ademais diante da multiplicidade de sentidos possíveis das expressões princípio constitucional e regra constitucional é importante por uma questão de clareza que cada um ao tratar do tema defina em que sentido emprega os referidos termos Nós os empregaremos neste livro no mais das vezes em sentido próximo ao usado pelo jurista alemão Robert Alexy em sintonia com a tendência dominante que vem se formando na teoria constitucional brasileira contemporânea Não concordamos com a crítica a esta concepção formulada por Jürgen Habermas e Klaus Günther no sentido de que a ponderação postulada por Alexy em relação aos princípios seria tarefa imprópria para a atividade jurisdicional Em capítulo específico sobre o conflito de normas constitucionais Capítulo 12 o tema será desenvolvido Porém há uma diferença entre os conceitos de princípio e regra que defendemos e aquele sustentado por Robert Alexy que deve ser desde logo consignada É que seguindo a senda de Humberto Ávila113 também trilhada por Ana Paula de Barcellos114 entendemos que em casos excepcionais e com grande cautela até as regras constitucionais podem sujeitarse a ponderações Vejamos um exemplo extraído da jurisprudência do STF de decisão que nos parece substancialmente correta Tratase da do julgamento do Habeas Corpus nº 89417 ocorrido em 2006115 no qual se discutiu a possibilidade de não aplicação da regra constitucional que determina que a prisão em flagrante de um deputado estadual deve ser submetida ao crivo da respectiva Assembleia Legislativa art 27 1º cc art 53 2º CF O habeas corpus fora impetrado contra o ato judicial que determinara a prisão do Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia acusado de chefiar uma quadrilha da qual participariam 23 dos 24 deputados estaduais daquela unidade federativa O STF entendeu que as características singularíssimas daquele caso justificavam a não aplicação da regra em questão em que pese a hipótese a ela se subsumir dado que a incidência da norma em questão implicaria em garantia da impunidade do agente político o que afrontaria diversos princípios constitucionais relevantes como a República a moralidade e a democracia116 Tal caso ilustra como muito embora as regras devam normalmente ser aplicadas sobre a forma do tudo ou nada em circunstâncias extraordinárias e exigindose um pesado ônus argumentativo para a justificação da medida elas também podem ser ponderadas Isto as diferencia dos princípios que são ponderados de forma mais habitual 963 Importância dos princípios e das regras no sistema constitucional O sistema constitucional brasileiro é composto tanto por regras quanto por princípios constitucionais e a presença destas duas espécies normativas afigurase fundamental para que a Constituição possa desempenhar adequadamente o seu papel Princípios e regras exercem funções diferentes no sistema constitucional mas igualmente essenciais Por isto é adequada a caracterização da Constituição como um sistema aberto de regras e princípios117 Os princípios permitem que a Constituição se comunique melhor com a realidade fática subjacente uma vez que conferem mais amplitude para interpretações que levem em conta as especificidades do quadro empírico A sua plasticidade abre um maior espaço para a penetração de considerações sobre a solução mais justa no caso concreto no âmbito da concretização constitucional É por isso que alguns autores associam os princípios constitucionais ao ideal de justiça118 Esta maior maleabilidade dos princípios estimula que no campo hermenêutico se articulem e possam dialogar ou disputar espaço as diferentes forças políticas e sociais que endossam ideologias e cosmovisões divergentes Neste sentido podese dizer que a abertura semântica dos princípios enseja uma maior abertura social da Constituição que se torna mais receptiva ao pluralismo cultural e político presente nas sociedades contemporâneas119 Os princípios muito mais do que as regras comportam diferentes leituras ponderações e compromissos o que é necessário para que a Constituição possa ser vista por todos os cidadãos como algo que também é seu e pelo qual vale a pena lutar A abertura dos princípios permite também que a Constituição se adapte mais facilmente às mudanças sociais sem a necessidade de alterações formais tão frequentes no seu texto Em outras palavras os princípios facilitam a mutação constitucional ampliando a capacidade da Constituição de acompanhar as transformações que ocorrem na sociedade ao longo do tempo A capacidade de aprendizado da Constituição é incrementada pelos princípios Sob o ângulo cultural os princípios são fundamentais para enraizarem o sentimento constitucional no povo Como já salientado o sucesso da ordem constitucional depende em boa parte da sua capacidade de conquistar corações e mentes do cidadão comum e é muito mais fácil fazêlo a partir de princípios abstratos que remetem a um horizonte de utopia socialmente compartilhada do que com apoio em regras precisas Estado democrático de direito dignidade da pessoa humana e solidariedade social por exemplo tendem a ser mais inspiradores do que regras que definem competências ou estabelecem procedimentos apesar da enorme importância dessas últimas para o funcionamento adequado do sistema constitucional Por outro lado as regras constitucionais são também fundamentais por diversas razões Em primeiro lugar porque elas garantem maior segurança jurídica no seu processo de aplicação aumentando a previsibilidade do Direito essencial para o funcionamento de uma sociedade livre e democrática120 É vital para a operacionalidade do sistema jurídico e para a vida da sociedade em geral que determinadas questões já estejam decididas com clareza pela Constituição Imaginese o caos que seria para o sistema político se a Constituição por exemplo ao invés de fixar o mandato do Presidente em quatro anos apenas aludisse ao princípio republicano que postula a temporariedade dos mandatos eletivos Numa questão como essa é evidente a necessidade de uma regra clara de aplicação mecânica e previsível no lugar de um princípio vago Ademais as regras poupam a energia e o tempo que a concretização dos princípios tende a envolver sobretudo no cenário de uma sociedade plural e complexa evitando que se instaurem controvérsias políticas ou sociais muitas vezes desnecessárias Portanto a eficiência do sistema jurídico demanda as regras121 Figurese a dificuldade que existiria em definir a competência legislativa para a disciplina das relações familiares se ao invés de conter uma regra prevendo a competência da União para legislar privativamente sobre Direito Civil o constituinte houvesse consagrado apenas o princípio da predominância do interesse122 Se não existissem regras partilhando a competência entre as entidades federativas mas apenas um princípio genérico regulando a questão poderia surgir grave controvérsia a cada vez que um ente federal resolvesse disciplinar qualquer assunto Além disso a regras funcionam também como uma espécie de vacina contra os riscos de erro do futuro operador do Direito123 Quando se acredita fortemente na sabedoria deste operador e na sua capacidade de produzir decisões ótimas levando em consideração todos os fatos e elementos existentes em cada situação a formulação de princípios jurídicos pode ser mais adequada Afinal se operasse com uma regra este intérprete poderia não chegar a resultados tão próximos ao ideal do justo para o caso concreto do que ele atingiria se o material normativo à sua disposição fosse um princípio Mas quando se teme que este operador por quaisquer razões tenha mais muita chance de errar podese preferir limitálo antecipadamente com o uso de regras Um princípio abstrato ideal para um intérprete perfeito pode no cômputo geral produzir resultados inferiores aos de uma regra quando a maior parte dos operadores do Direito tenha capacidades mais limitadas124 Portanto a regra jurídica pode ser subótima para cada caso concreto tendo em vista a possibilidade de que as singularidades de cada situação revelem a existência de uma solução ainda mais justa do que aquela previamente estabelecida por quem a elaborou Porém num cenário realista que não se iluda com as possibilidades dos operadores jurídicos em geral de encontrar sempre a melhor resposta para cada problema a opção pela regra como instrumento de regulação pode ser mais vantajosa do que a escolha do princípio numa perspectiva global Esta é uma das razões que faz com que no Direito se opte muitas vezes pela disciplina das relações sociais por meio de regras e não de princípios No cenário constitucional esta ideia também é válida com um adendo im portante É que a abertura constitucional dos princípios dá espaço para diferentes concretizações não só para o aplicador da norma como também para o legislador Diante de um princípio o legislador ganha um espaço para a livre conformação que é muito maior do que aquele que uma regra lhe confere Portanto a escolha por regras no Direito Constitucional não é só uma precaução contra possíveis erros futuros de juízes mas também contra aqueles que possam ser cometidos pelos legisladores Neste sentido a regra constitucional impõe limites mais precisos para o legislador o que pode ser positivo quando se teme a possibilidade de que este possa vir a comportarse de forma censurável em relação a uma determinada questão Mas por outro lado por limitar mais as gerações futuras que os princípios a regra constitucional está mais sujeita à crítica da tirania intergeracional As regras por sua vez evitam uma transferência de poder do formulador da norma para o seu aplicador125 Uma Constituição baseada apenas em princípios aos quais se atribuísse plena força normativa poderia favorecer o arbítrio judicial ao conferir um poder amplo demais ao seu intérprete A força das decisões do constituinte cederia espaço para as valorações e ponderações judiciais sempre influenciadas pela visão de mundo dos juízes Num sistema jurídico aparelhado com mecanismos de controle de constitucionalidade das leis como o brasileiro uma Constituição exclusivamente principiológica seria uma ameaça à democracia pois o parâmetro para aferição da validade dos atos legislativos tornarseia excessivamente fluido e dependente da ideologia e das idiossincrasias dos juízes constitucionais Por todas estas razões as constituições não têm como prescindir nem das regras nem dos princípios e neste erro não incorreu a Carta de 88 Diante desta clara opção do constituinte e da relevância das funções desempenhadas tanto pelos princípios como pelas regras constitucionais não cabe no plano metodológico amesquinhar a aplicação de qualquer uma destas espécies normativas Por isso da mesma maneira que não se deve endossar um modelo hermenêutico legalista excessivamente rígido refratário aos princípios e aos imperativos morais do constitucionalismo tampouco se justifica o erro oposto de menosprezo às regras constitucionais que tende a gerar insegurança e arbítrio 964 Valores e postulados normativos Outros dois candidatos a integrarem o conjunto das normas constitucionais ao lado das regras e princípios são os valores constitucionais e os postulados normativos Entendemos contudo que os valores não são normas jurídicas embora penetrem profundamente em algumas normas constitucionais e que os postulados aplicativos não constituem uma categoria autônoma em relação às regras e aos princípios constitucionais ora atuando como regra ora como princípio Quanto aos valores não se nega o fato de que eles impregnam toda a Constituição que é pródiga na consagração de normas axiologicamente saturadas A maioria das constituições e a brasileira não foge deste padrão contém direitos fundamentais além de outras normas que expressam um ideário de moralidade pública Estas normas estão impregnadas de valores que têm grande importância na hermenêutica constitucional É conhecida neste sentido a teoria desenvolvida pela Corte Constitucional alemã a partir do julgamento do caso Lüth126 no sentido de que a Constituição conteria uma ordem de valores Independentemente da posição que se tenha a propósito da existência de uma conexão necessária entre Direito e Moral negada pelos positivistas e afirmada pelos seus adversários é induvidoso que a maior parte das constituições contemporâ neas dentre as quais a brasileira consagrou normas revestidas de inequívoca dimensão moral que não deixam por isso de ostentar força normativa Foi neste sentido que Mauro Cappelletti falou num processo de positivação do Direito Natural127 no constitucionalismo contemporâneo Também não se questiona aqui a possibilidade de que os valores morais penetrem na argumentação jurídicoconstitucional A Constituição se abre naturalmente a uma leitura moral sensível aos valores que deve buscar sem rompimento dos limites do texto e do sistema positivados realizar os objetivos emancipatórios do constitucionalismo democrático O que pretendemos salientar é tão somente o fato de que os valores não figuram na Constituição em estado bruto Ao serem inseridos nas constituições expressa ou implicitamente eles se convertem em princípios ou em regras de acordo com as características que venham a assumir saindo do plano puramente axiológico para incorporaremse à esfera deontológica Como salientou Jane Reis Gonçalves Pereira a inserção dos valores no ordenamento jurídico relacionase ao fato de serem tutelados por normas não de serem normas128 Há porém posição divergente que conta com muitos adeptos no âmbito do Direito Constitucional espanhol A Constituição espanhola alude em seu artigo 1º aos valores superiores de seu ordenamento jurídico identificados como a liber dade a justiça a igualdade e o pluralismo político Diante do texto constitucional surgiu um importante debate na teoria constitucional espanhola sobre a natureza jurídica dos valores129 e uma corrente relevante se formou no sentido de que eles seriam normas jurídicas caracterizadas por um grau de indeterminação ainda maior do que os princípios130 O nosso ordenamento constitucional não apresenta a mesma peculiaridade e não há razão para não chamar de princípios aquelas normas muito abstratas mas dotadas de imperatividade que estão presentes na Constituição brasileira de forma expressa ou implícita Quanto aos postulados normativos tratase de construção formulada por Humberto Ávila que os trata como uma terceira espécie de normas inconfundível com as regras e os princípios Para Ávila o diferencial dos postulados normativos em relação aos princípios e às regras estaria no fato de que os primeiros representam metanormas ou normas de 2º grau que instituem critérios para a aplicação de outras normas131 Ele invoca diversos exemplos como a proporcionalidade e a razoabilidade Contudo o fato de uma norma pautar a aplicação de outras normas não é suficiente para excluíla do campo das regras ou dos princípios Vejase um típico exemplo de metanorma aquela que consagra a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais art 5º 1º CF De acordo com a definição de Ávila não há dúvida de que o referido preceito consagra um postulado normativo já que visa a reger a incidência de outras normas constitucionais os direitos fundamentais Podese dizer que esta norma opera como princípio e não como uma regra pois atua como um mandamento de otimização e não de acordo com a lógica do tudo ou nada Em face da impossibilidade de se atribuir aplicabilidade imediata a todos os dispositivos constantes do Título II o 1º do art 5º tem sido caracterizado como um comando de otimização segundo o qual se a norma jusfundamental se abre a diversas interpretações deve se optar por aquela que lhe atribua maior eficácia Esse comando de otimização corresponderia portanto ao princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais A aplicabilidade imediata da norma jusfundamental poderia por conseguinte ser afastada tendo em vista os limites fáticos e normativos que envolvem o caso em exame132 É o que ocorre frequentemente no campo dos direitos sociais prestacionais ensejando eventuais limitações à sua plena exigibilidade judicial Vejase agora outro caso igualmente típico de postulado normativo a supremacia da Constituição Esta metanorma atua como uma espécie de pressuposto lógico para a operação de toda a Constituição e mais especificamente lida com conflitos normativos dirimindo as colisões entre normas constitucionais e infraconstitucionais Apesar de chamado muitas vezes de princípio da supremacia da Constituição provavelmente pela sua inequívoca relevância o modo de aplicação da supremacia é o de uma regra pois ela gera comandos definitivos e não imperativos prima facie Em outras palavras se uma norma infraconstitucional viola a Constituição será sempre esta e não aquela a que deve prevalecer133 Portanto a categoria dos postulados normativos não representa um tertius em relação aos princípios e as regras pelo menos no que toca à estrutura norma tiva Tratase de uma categoria engenhosa mas que concerne ao objeto das normas constitucionais e não ao seu modo de aplicação Assim não parece teoricamente correto tratála como uma espécie diferente de norma constitucional se o critério de classificação for o modo de aplicação e a forma de resolução de conflitos 1 Cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a cons trução do novo modelo p 196 GARCÍA DE ENTERRÍA Eduardo La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional p 63120 2 Sobre o debate sobre a inexistência de última palavra judicial em matéria de interpretação constitucional vejase a seção sobre diálogo constitucional no Capítulo 10 3 Cf GUASTINI Riccardo Das fontes às normas p 3443 4 Cf GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretação aplicação do direito p 6873 5 Cf MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional 2 ed p 5361 6 Consulta nº 13982007 Resolução nº 22256 DJ 9 maio 2007 7 MS nº 26602 nº 26603 e nº 26604 todos publicados no DJe 3 out 2008 8 Cf GRIMM Dieter Jurisdição constitucional e democracia Revista de Direito do Estado RDE n 4 p 910 9 Cf HART Herbert The Concept of Law CARRIÓ Genaro Notas sobre derecho y lenguaje STRUCHINER Noel Direito e linguagem uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito 10 Cf WRÓBLEWSKY Jerzy Constitución y teoría general de la interpretación jurídica p 106109 11 Cf SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 167206 12 Neste sentido cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática p 127130 13 ÁVILA Humberto Neoconstitucionalismo entre a ciência do direito e o direito da ciência In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 187 202 14 A bibliografia sobre a relação entre Constituição e política é riquíssima Vejase dentre outros HELLER Herman Teoría del Estado p 285319 ACKERMAN Bruce We the People v 1 LUHMANN Niklas La Costituzione como acquizione evolutiva In ZAGREBELSKY Gustavo PORTINARO Pier Paolo LUTHER Jörg Org Il futuro della Costituzione p 83128 GRIMM Constituição e política BARBER Sotirios GEORGE Robert P Constitutional Politics Essays on Constitution Making Maintenance and Change GARGARELLA Roberto Crítica de la Constitución sus zonas oscuras SOUZA NETO Cláudio Pereira de et al Teoria da Cons tituição estudos sobre o lugar da política no direito constitucional BERCOVICI Gilberto Constituição e política uma relação difícil Lua Nova Revista de Cultura e Política n 61 NEVES Marcelo Entre Têmis e Leviatã uma relação difícil TUSHNET Mark V Why the Constitution Matters 15 Cf POSNER Richard A How Judges Think FRIEDMAN Barry The Politics of Judicial Review Texas Law Review v 84 n 2 BARROSO Luís Roberto Constituição democracia e supremacia judicial direito e política no Brasil contemporâneo Revista de Direito do Estado RDE n 16 p 342 16 Cf VIEIRA José Ribas Preâmbulo In BONAVIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura Comentários à Constituição Federal de 1988 p 2 17 A Constituição de 1969 por alguns tratada como Emenda nº 1 à Constituição de 1967 continha não propriamente um preâmbulo mas uma justificativa jurídica para a sua outorga pelos ministros militares que então chefiavam o Poder Executivo 18 Neste sentido cf CAMPOS German Bidart Derecho constitucional p 314 MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2 ed p 210211 PINTO FERREIRA Luiz Comentários à Constituição brasileira p 4 FERNANDES Bernardo Gonçalves Curso de direito constitucional p 8893 19 KELSEN Hans Teoria geral do direito e do Estado p 372 20 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes MOREIRA Vital Constituição da República portuguesa anotada 4 ed p 180182 BASTOS Celso Ribeiro Hermenêutica e interpretação constitucional p 8083 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil interpretada p 119 21 7144 DC Vejase a íntegra da decisão considerada como uma espécie de Marbury v Madison francês acom panhada de autorizado comentário doutrinário em FAVOREU Louis PHILIP Loïc Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel p 252271 22 Vide o Capítulo 1 sobre Conceitos Fundamentais 23 RMS nº 26071 DJe 1º fev 2008 HC nº 94163 DJe 22 out 2009 ADI nº 3510 DJe 28 maio 2010 24 Cf BARROSO Luís Roberto Disposições transitórias natureza eficácia e espécies delegações legislativas validade e extensão poder regulamentar conteúdo e limites Revista de Direito Público n 96 p 6980 25 Cf MORAES Alexandre de Constituição do Brasil interpretada p 2094 BULOS Uadi Lammêgo Constituição Federal anotada p 13151316 HORTA Raul Machado Constituição e ato das disposições constitucionais transitórias In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 328329 que alude às normas exauridas 26 Cf BARROSO Luís Roberto Disposições transitórias natureza eficácia e espécies delegações legislativas validade e extensão poder regulamentar conteúdo e limites p 71 27 RE nº 1614625SP 1ª Turma Rel Min Celso Mello DJ 10 ago 1995 28 Cf COMPARATO Fábio Konder Réquiem para uma Constituição In FIOCCA Demian GRAU Eros Roberto Debate sobre a Constituição de 1988 p 84 BULOS Uadi Lammêgo Constituição Federal anotada p 1316 Sobre o tema vejase o Capítulo 7 29 Isto não significa contudo que institutos abrigados no ADCT não possam ser considerados cláusulas pétreas desde que estejam diretamente relacionados a algum outro limite material ao poder de reforma Na nossa opinião é o que ocorre com o art 68 do ADCT que veicula típica norma de direito fundamental em favor das comunidades quilombolas Sobre a compreensão do art 68 do ADCT como norma de direito fun da mental vejase SARMENTO Daniel Terras quilombolas e Constituição a ADI 3239 e o Decreto 488703 In SARMENTO Daniel Por um constitucionalismo inclusivo p 275310 30 O leading case na matéria é a ADI nº 830 Rel Min Moreira Alves DJ 19 abr 1994 em que se consignou no voto do Relator a transitoriedade em si mesma não torna incompatível a alteração de norma cons titucional dessa natureza Com efeito se é possível alterarse por emenda a regra da parte permanente se é possível criarse exceção permanente à regra também permanente é absolutamente ilógico pretenderse que a exceção transitória por causa de sua transitoriedade seja imutável 31 Dentre as classificações propostas pela doutrina nacional que não examinaremos aqui cabe citar as en contradas em BASTOS Celso Ribeiro BRITTO Carlos Ayres Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais e BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social Revista de Direito Público n 5758 p 233256 32 A eficácia normativa não se confunde com a eficácia social ou efetividade A primeira desenvolvese no plano abstrato do dever ser e a segunda situase no mundo empírico do ser Uma diz respeito à aptidão jurídica da norma de gerar efeitos e outra concerne à efetiva produção destes efeitos na realidade social cf BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 4 ed p 88 Não se ignora contudo que estes dois planos do ser e do deverser se comunicam e interagem na hermenêutica jurídica o que torna imprópria qualquer análise da eficácia das normas constitucionais que não leve em conta o mundo real que lhe é subjacente No mesmo sentido cf SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 228240 33 Cf COOLEY Thomas A Treatise on the Constitutional Limitations Which Rest Upon the Legislative Power of the American Union Consultamos uma reimpressão de 1998 da editora The Lawbook Exchange Cooley e a doutrina americana do seu tempo empregavam também as expressões mandatory provisions e directory provisions para aludir respectivamente às normas constitucionais tidas como autoexecutáveis e às tidas como não autoexecutáveis 34 BARBOSA Ruy Commentarios à Constituição Federal brasileira colligidos e ordenados por Homero Pires p 488 35 BARBOSA Ruy Commentarios à Constituição Federal brasileira colligidos e ordenados por Homero Pires p 495 36 Ao agregar à classificação tradicional a categoria das normas programáticas típicas do constitucionalismo social Pontes de Miranda já atualizava em alguma medida a teoria convencional sobre normas constitucionais Cf SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 244 37 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969 p 126127 Nas palavras do jurista Quando uma regra se basta por si mesma dizse bastante em si selfexecuting self acting selfenforcing Quando porém precisam as regras jurídicas de regulamentação por que sem a criação de novas regras jurídicas que as completem ou suplementem não poderiam incidir e pois ser aplicadas dizemse não bastantes em si Regras jurídicas programáticas são aquelas em que o legislador constituinte ou não em vez de edictar regra jurídica de aplicação concreta apenas traça linhas diretoras pelas quais se hão de orientar os poderes públicos A legislação a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames que são como programas dados à função legislativa 38 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969 p 127 39 Tal comentário comporta a ressalva de que alguns destes juristas sobretudo Ruy Barbosa forneceram importantes contribuições à efetivação das liberdades constitucionais É o que ocorreu vg por conta do advento da doutrina brasileira do Habeas Corpus que teve em Ruy Barbosa o principal formulador Tal dou trina contribuiu de forma decisiva para a sua efetivação da Constituição Aliás em favor da efetivação da Constituição o próprio Ruy Barbosa consignou não há numa Constituição cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos avisos ou lições Todas têm força imperativa de regras ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos BARBOSA Ruy Commentarios à Constituição Federal brasileira colligidos e ordenados por Homero Pires p 489 40 Cf FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O sistema financeiro nacional limitação de juros comentários ao art 192 In FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves Direito constitucional econômico p 130152 COELHO Inocêncio Mártires Elementos de teoria da Constituição e de interpretação constitucional In MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais p 4143 41 Ver por exemplo os seguintes arestos Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal as normas do 3º do art 201 e do art 202 da Constituição Federal não são autoaplicáveis AI nº 710580AgRMG Rel Min Ayres Britto Julg 2932011 DJe 24 jun 2011 O art 236 3º da Constituição Federal é norma autoaplicável Nos termos da Constituição Federal sempre se fez necessária a submissão a concurso público para o devido provimento de serventias extrajudiciais eventualmente vagas ou para fins de remoção MS nº 28279DF Rel Min Ellen Gracie Julg 16122010 DJe 29 abr 2011 O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que o disposto no artigo 37 XI da Constituição do Brasil com a redação que lhe foi conferida pela EC 1998 na parte que trata do teto remuneratório não é autoaplicável Precedentes Agravos regimentais aos quais se nega provimento RE nº 590674AgRBA Rel Min Eros Grau Julg 2042010 DJe 14 maio 2010 42 São inúmeros os acórdãos do STF que se valem da classificação das normas constitucionais proposta pelo Professor José Afonso da Silva 43 Consultamos aqui SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 3 ed 44 Na doutrina italiana do 2º pósguerra a obra de referência na matéria que muito influenciou a teoria desen volvida por José Afonso da Silva é de CRISAFULLI Vezio La Costituzione e le sue disposizioni di principio 45 A rigor antes de José Afonso da Silva José Horácio Meirelles Teixeira já questionara a ideia de que certas normas constitucionais não gozariam de nenhuma eficácia jurídica Para ele todas as normas da Consti tuição produziriam efeitos embora a intensidade destes efeitos pudesse variar Meirelles Teixeira forte mente influenciado pela doutrina de Vezio Crisafulli elaborou classificação das normas constitucionais que as dividia em normas de eficácia plena que já podem gerar desde a promulgação da Constituição os seus efeitos mais importantes e normas de eficácia limitada ou reduzida que dependem de regulamentação para a produção dos seus efeitos mais essenciais mas não obstante já deflagram alguns efeitos que podem ser por exemplo vedar a edição de outras normas em sentido contrário e influenciar na interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional Ele subdividiu as normas de eficácia limitada em normas programáticas e normas de legislação As primeiras versando sobre matéria eminentemente éticosocial constituem verdadeiramente programas de ação social assinalados ao legislador ordinário já quanto às segundas seu conteúdo não apresenta essa natureza éticosocial mas inseremse na parte de organização da Cons tituição e excepcionalmente na relativa aos direitos e garantias TEIXEIRA J H Meirelles Curso de direito constitucional p 323 Contudo as lições do Professor Meirelles Teixeira só ganharam difusão mais tarde a partir da publicação do livro acima citado em 1991 que contém as aulas ministradas por ele na PUCSP ao longo da década de 1950 organizadas pela Professora Maria Garcia 46 Cf SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais p 76 47 STF RE nº 170131RS Rel Min Celso de Mello DJ 24 jun 1994 48 Cf SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais p 163164 e 174178 49 Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição em ordem a tornálos efetivos operantes e exeqüíveis abstendose em conseqüência de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs incidirá em violação negativa do texto constitucional Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão que pode ser total quando é nenhuma a providência adotada ou parcial quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público STF ADI nº 1458MCDF Rel Min Celso de Mello DJ 20 set 1996 50 Sobre o tema cf DERBLI Felipe O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988 MENDONÇA José Vicente dos Santos Vedação do retrocesso o que é e como perder o medo Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro v 12 51 DINIZ Maria Helena Normas constitucionais e seus efeitos 52 Vejase neste sentido SOUZA NETO Cláudio Pereira de Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático In BARROSO Luís Roberto Org A nova interpretação constitucional ponderação direitos fundamentais e relações privadas p 285325 53 No campo dos direitos sociais a doutrina brasileira hoje majoritária transcendeu esta posição que focava basicamente na densidade semântica do texto constitucional e passou a alicerçar em outros argumentos mais abertos para a moral a tutela judicial dos direitos fundamentais Nesta linha a construção teórica mais comum é a do mínimo existencial Sobre o mínimo existencial na literatura brasileira vejase TORRES Ricardo Lobo O direito ao mínimo existencial SARLET Ingo Wolfgang SARMENTO Daniel Reserva do possível e mínimo existencial In BONAVIIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura Coord Comentários à Constituição Federal de 1988 p 372388 54 O termo racionalidade material constitucional já é usado por KRIELE Martin Introducción a la teoría del Estado fundamentos históricos de la legitimidad del Estado Constitucional Democrático 55 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 208251 56 Na síntese do próprio autor se tudo é regulamentável e mais que isso depende de regulamentação para produzir todos os seus efeitos perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição de regulamentações a direitos logo não se pode distinguir entre normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 246247 57 BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 4 ed p 93120 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo p 200203 58 SCHMITT Carl Dottrina della Costituzione p 228334 59 Vejase na literatura constitucional brasileira BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 8 ed p 491500 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fun damentais na perspectiva constitucional p 180184 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 258259 60 Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho As chamadas garantias institucionais Einrichtungsgarantien compreendiam as garantias jurídicopúblicas institutionnelle Garantien e as garantias jurídicoprivadas Institutsgarantie Embora muitas vezes estejam consagradas e protegidas pelas leis constitucionais elas não seriam verdadeiros direitos atribuídos directamente a uma pessoa as instituições como tais têm um sujeito e um objecto diferente dos direitos dos cidadãos Sob o ponto de vista da proteccção jurídica constitucional as garantias institucionais não garantem aos particulares posições subjectivas autônomas e daí a inaplicabilidade do regime dos direitos liberdades e garantias A protecção das garantias institucionais aproximase da proteção dos direitos fundamentais quando se exige em face das intervenções limitativas do legislador a salvaguarda do mínimo essencial núcleo essencial das instituições CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 363364 61 A literatura sobre deveres fundamentais é muito escassa quando comparada à prodigalidade das obras dedi cadas aos direitos fundamentais Vejase em língua portuguesa CASALTA NABAIS José O dever fun damental de pagar impostos p 15180 62 A insuspeita Declaração Universal dos Direitos do Homem por exemplo consagra que o indivíduo tem deveres para com a comunidade fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua per so nalidade art 29 nº 1 Contudo uma ênfase excessiva do discurso jurídicopolítico nos deveres do cidadão em detrimento dos seus direitos tem sim uma conotação conservadora que não se coaduna com a concepção das relações políticas subjacente ao constitucionalismo moderno e à Constituição brasileira de 88 63 De acordo com Canotilho a maioria das normas consagradoras de deveres fundamentais pressupõem uma interpositio legislativa necessária para a criação de esquemas organizatórios procedimentais e processuais definidores e reguladores do cumprimento de deveres Direito constitucional e teoria da Constituição p 481 64 Na dogmática constitucional empregamse dois critérios para identificação dos direitos fundamentais o critério formal e o critério material De acordo com o critério formal são direitos fundamentais aqueles con tidos no catálogo de direitos fundamentais inserido na Constituição que vai do seu art 5º ao art 17 Já de acordo com o critério material são direitos fundamentais também aqueles que conquanto não inseridos no catálogo tenham intensa relevância axiológica notadamente no que concerne à sua íntima ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana No ordenamento constitucional brasileiro é incontroverso que os direitos materialmente fundamentais se beneficiam do seu regime reforçado de proteção ainda quando não figurem no catálogo constitucional pertinente até mesmo em razão do disposto no art 5º 2º do texto magno Há porém controvérsia relevante sobre se os direitos apenas formalmente fundamentais ou seja aqueles contidos no catálogo mas que não são materialmente fundamentais submetemse ou não a este regime Sobre esta questão vejase o Capítulo 7 sobre o Poder Constituinte Derivado bem como SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 74140 SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa p 225257 BRANDÃO Rodrigo Direitos fundamentais democracia e cláusulas pétreas p 204211 Contudo não há salvo melhor juízo controvérsia significativa sobre a impossibilidade de extensão a todos os direitos subjetivos contidos na Constituição deste regime especial e reforçado de proteção dos direitos fundamentais que inclui dentre outros aspectos a aplicabilidade imediata e a proteção diante do poder constituinte reformador Afinal o que justificaria atribuir proteção tão robusta a direitos subjetivos sem qualquer ligação com a dignidade da pessoa humana e situados fora do catálogo constitucional como os muitos que foram obtidos por determinados grupos e categorias na Assembleia Constituinte em razão do sucesso das suas pressões corporativistas 65 Sobre a dimensão objetiva dos direitos fundamentais vejase SARMENTO Daniel Dimensão objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria Arquivos de Direitos Humanos n 4 p 63102 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 141151 ANDRADE José Carlos Vieira Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 p 143170 66 Cf PERLINGERI Pietro Il diritto civile nella legalità Costituzionale p 247291 67 Em estudo mais recente Barroso parece reconhecer a insuficiência teórica das concepções formalistas do cons titucionalismo da efetividade destacando porém que no período histórico em que a corrente se formou elas eram indispensáveis para elevar a Constituição em nossa cultura jurídica à condição de norma tendo cumprido muito bem este seu papel histórico e servido como ponte para novos desenvolvimentos doutrinários como os associados ao pós positivismo A doutrina brasileira da efetividade In BARROSO Luís Roberto Temas de direito constitucional p 6177 Se compreendemos bem a sua avaliação estamos plena mente de acordo com ela 68 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional p 232238 69 Sobre o póspositivismo vejase o Capítulo 5 70 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional p 237 71 A característica fundamental do positivismo jurídico que a distingue de outras concepções jusfilosóficas é a afirmação de inexistência de uma relação necessária entre Direito e Moral É perfeitamente possível negar esta relação mas valorizar os princípios que tenham sido incorporados no ordenamento positivo Sobre o conceito de positivismo jurídico e as suas diferentes versões vejase HART Herbert PósEscrito In HART Herbert O conceito de direito p 299 339 BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito p 131238 ALEXY Robert Sobre las relaciones necesarias entre el derecho y la moral In ALEXY Robert Derecho y razón practica p 4369 DIMOULIS Dimitri Positivismo jurídico introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídicopolítico p 65208 72 Para Hans Kelsen o ato de aplicar o Direito envolve sempre uma escolha política do intérprete no âmbito definido pela moldura da norma aplicada No interior desta moldura não há resposta certa ou errada mas pura discricionariedade Vejase a propósito KELSEN Hans Teoria pura do direito 5 ed p 463473 73 Os aspectos centrais desta mudança de paradigma no constitucionalismo são apresentados nos capítulos 2 e 5 74 SARMENTO Daniel Ubiqüidade constitucional os dois lados da moeda In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional p 198204 BARCELLOS BARCELLOS Ana Paula de O direito constitucional em 2006 Revista de Direito do Estado n 5 p 323 75 Na linha de valorização dos princípios no Direito Público brasileiro antes da virada princiológica vejase as obras BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Elementos de direito administrativo e ATALIBA Geraldo República e Constituição 76 Dentre as mais relevantes destaquese BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional p 225266 GRAU Eros Roberto A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica 2 ed p 92134 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios BARCELLOS Ana Paula de A eficácia jurídica dos princípios consti tucionais o princípio da dignidade da pessoa humana p 13102 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 75130 SILVA Virgílio Afonso da Princípios e regras mitos e equívocos acerca de uma distinção Revista LatinoAmericana de Estudos Constitucionais p 607630 ESPÍNDOLA Ruy Samuel Conceito de princípios constitucionais elementos teóricos para uma formulação dogmática adequada ROTHENBURG Walter Claudius Princípios constitucionais OLIVEIRA Fábio Corrêa Souza de Por uma teoria dos princípios o princípio constitucional da razoabilidade p 1770 SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição Federal 77 Cf ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 34 NEVES Marcelo Entre Hidra e Hércules princípio e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico 78 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1034 79 Cf BOBBIO Norberto Teoría general del derecho p 143144 80 A exceção são as chamadas leismedida que não se revestem destas características e podem também estar presentes na Constituição eg preceito que transformou os antigos territórios de Roraima e Amapá em Estados art 14 ADCT 81 GRAU Eros Roberto A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica p 112 82 Cf ZAGREBELSKY Gustavo Il diritto mite legge diritti giustizia p 149150 83 Na literatura jurídica brasileira até o advento da virada princiológica nos anos 1990 a mais reproduzida citação sobre os princípios da lavra de Celso Antônio Bandeira de Mello destacava exatamente este aspecto Princípio é por definição mandamento nuclear de um sistema verdadeiro alicerce dele disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos Elementos de direito administrativo p 230 84 Cf CANARIS Claus Wilhelm Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito p 76102 85 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1034 86 Cf LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 467 87 Cf LARENZ Karl Derecho justo fundamentos de ética jurídica p 3242 88 DWORKIN Ronald The Model of Rules In DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 1445 89 Vejase a propósito DWORKIN Ronald Hard Cases In DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 131149 DWORKIN Ronald A Matter of Principle p 119180 DWORKIN Ronald Laws Empire p 225275 DWORKIN Ronald Justice in Robes p 135 DWORKIN Ronald Justice for Hedgehogs p 400415 90 Muitos autores entre os quais inclusive um de nós SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição Federal p 4449 interpretaram a afirmação de Dworkin de que os princípios teriam uma dimensão de peso como endosso da tese posteriormente desenvolvida por Robert Alexy com inspiração no próprio Dworkin de que as colisões entre princípios constitucionais deveriam se resolver por meio da pon deração Contudo o autor norte americano em trabalhos mais recentes esclareceu não adotar esta pers pectiva Na visão de Dworkin uma interpretação coerente dos princípios baseada no ideal da inte gridade já seria suficiente para excluir todos os conflitos em questão Vejase a propósito DWORKIN Ronald Do Liberty and Equality Conflict In BARKER Paul Ed Living as Equals p 3958 DWORKIN Ronald Moral Pluralism In DWORKIN Ronald Justice in Robes p 105116 91 DWORKIN Ronald The Model of Rules In DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 22 92 DWORKIN Ronald The Model of Rules In DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 22 93 Para uma comparação mais ampla entre as visões de Dworkin e Alexy sobre os princípios vejase MAIA Antonio Cavalcanti SOUZA NETO Cláudio Pereira de Os princípios de direito e as perspectivas de Perelman Dworkin e Alexy In PEIXINHO Manoel Messias GUERRA Isabella Franco NASCIMENTO FILHO Firly Org Os princípios na Constituição de 1988 p 57100 94 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 85179 A obra de Alexy foi publicada na Alemanha em 1986 e no Brasil antes da excelente tradução feita por Virgílio Afonso da Silva teve grande circulação uma edição espanhola publicada em 1993 pelo Centro de Estudios Constitucionales y Políticos 95 Nas palavras do próprio Alexy princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes Princípios são por conseguinte mandamentos de otimização que são caracterizados pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas mas também das possibilidades jurídicas O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes Teoria dos direitos fundamentais p 90 96 De acordo com Alexy princípios são sempre razões prima facie e regras se não houver o estabelecimento de alguma exceção razões definitivas Teoria dos direitos fundamentais p 106 97 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 93120 98 Sobre estes critérios vide o Capítulo 11 99 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 9293 100 Na literatura brasileira adotando esta orientação vejase entre outros BARROSO Luís Roberto BARCELLOS Ana Paula de O começo da história a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro In BARROSO Luís Roberto Org A nova interpretação constitucional pon deração direitos fundamentais e relações privadas p 327378 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 75127 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 4364 101 No Brasil a visão de Habermas e Günther exerceu grande influência sobretudo na nova escola mineira de Direito Constitucional Vejase nesta linha GALLUPO Marcelo Campos Igualdade e diferença estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas p 167198 CATTONI DE OLIVEIRA Marcelo Andrade Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito um ensaio de teoria da interpretação enquanto teoria discursiva da argumentação jurídica de aplicação In CATTONI DE OLIVEIRA Marcelo Andrade Coord Jurisdição e hermenêutica constitucional p 4778 CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Habermas e o direito brasileiro FERNADES Bernardo Gonçalves PEDRON Flávio Quinaud O poder judiciário em crise reflexões de teoria da constituição e teoria geral do processo sobre o acesso à Justiça e as recentes reformas do poder judiciário à luz de Ronald Dworkin Klaus Günther e Jürgen Habermas Bernardo Gonçalves p 224267 102 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 314323 103 GÜNTHER Klaus Teoria da argumentação no direito e na moral justificação e aplicação p 349414 104 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 322323 GÜNTHER Klaus Teoria da argumentação no direito e na moral justificação e aplicação p 354 105 HC nº 82424 Rel Min Maurício Corrêa DJ 19 mar 2004 106 Nesse sentido vejase CATTONI DE OLIVEIRA Marcelo Andrade A ponderação de valores na juris prudência recente do Supremo Tribunal Federal uma crítica teoréticodiscursiva aos novos pressupostos hermenêuticos adotados no habeas corpus n 824242RS In SAMPAIO José Adércio Leite Coord Constituição e crise política p 191204 107 Cf GÜNTHER Klaus Teoria da argumentação no direito e na moral justificação e aplicação p 392 108 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 7184 109 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 71 110 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 73 111 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 7376 112 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 77 113 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 112120 114 BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 201234 115 HC nº 89417 1ª Turma Rel Min Carmen Lúcia DJ 15 dez 2006 116 Na ementa do acórdão lavrouse Os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão parlamentar isoladamente como previsto no art 55 2º da Constituição da República Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo 117 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1036 118 Cf BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 186187 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo p 209 Esta afirmação contudo deve ser qualificada Regras constitucionais também podem ser fortemente inspiradas num ideário de justiça e há princípios em que tal componente axiológico não tem maior saliência A diferença entre regras e princípios no que concerne à justiça não está nos respectivos conteúdos normativos mas no espaço conferido ao intérprete para buscála no caso concreto maior nos princípios do que nas regras É neste sentido que Humberto Ávila associa regras e princípios à justiça as primeiras à justiça geral e os segundos à justiça particular cf ÁVILA Humberto Neoconstitucionalismo entre a ciência do direito e o direito da ciência In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 196199 119 Cf ZAGREBELSKY Gustavo Il diritto mite legge diritti giustizia p 11 Sobre as relações entre pluralismo e abertura constitucional vejase HÄBERLE Peter Pluralismo y Constitución estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta p 85103 120 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life p 137145 BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 185187 121 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life p 145149 122 O princípio da predominância do interesse é um princípio implícito ligado ao federalismo que atribui competência legislativa ou material à esfera federativa cujo interesse preponderar se nacional à União se regional ao Estado se local ao Município 123 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life p 151155 124 Sobre a necessidade de não idealização dos intérpretes na definição de modelos hermenêuticos vejase o texto seminal de SUNSTEIN Cass R VERMEULLE Adrian Interpretations and Institutions John M Olin Law Economics Working Paper n 156 e ainda SARMENTO Daniel Interpretação constitucional précom preensão e capacidades institucionais do intérprete In SARMENTO Daniel Por um constitucionalismo inclusivo p 217232 125 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life p 158162 126 7 BVerfGE 198 1958 127 CAPPELLETTI Mauro O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado p 1112 128 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 121 129 Para um amplo debate da questão vejase DIAS REVORIO Francisco Javier Valores superiores e interpretación constitucional p 153295 130 Neste sentido DIAS REVORIO Francisco Javier Valores superiores e interpretación constitucional p 161 e PECES BARBA Gregorio Curso de derechos fundamentales teoría general p 418420 131 Cf ÁVILA Humberto Neoconstitucionalismo entre a ciência do direito e o direito da ciência In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel BINENBOJM Gustavo Org Vinte anos da Constituição Federal de 1988 p 123125 132 Cf PIOVESAN Flávia Proteção judicial contra omissões legislativas ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção 2 ed p 104 et seq SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fun damentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 270271 133 Alguém poderia argumentar que a possibilidade de modulação temporal das decisões que declaram a inconstitucionalidade das leis prevista no art 27 da Lei nº 986899 e usada com relativa frequência pelo STF atestaria a possibilidade de ponderação da supremacia da Constituição já que ela possibilitaria a manutenção de efeitos produzidos por norma contrária à Constituição Não é o caso O que se pondera nesta hipótese é o princípio implícito de retroatividade das decisões no controle de constitucionalidade com outros princípios contrapostos geralmente ligados à segurança jurídica ou a algum outro relevante interesse social Neste sopesamento buscase em verdade encontrar a solução mais adequada à Constituição razão pela qual não há que se falar em ponderação da supremacia da Lei Maior Portanto apesar de chamada de habitualmente de princípio a supremacia da Constituição opera como uma autêntica regra CAPÍTULO 10 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 101 Introdução Há muito se diz não haver norma jurídica senão norma jurídica interpretada1 Isso é verdadeiro sobretudo na interpretação constitucional Por conta da vagueza e do conteúdo político de muitas de suas prescrições o texto constitucional dá espaço às mais variadas disputas e controvérsias sobretudo no contexto de sociedades complexas e plurais como a brasileira No cenário jurídico contemporâneo marcado pela expansão do papel da Constituição a interpretação constitucional se torna extre mamente importante não só para o operador jurídico como também para o cidadão Com efeito é cada vez mais frequente a invocação de normas constitucionais para resolução de controvérsias no âmbito do Poder Judiciário Não apenas a Constituição é aplicada diretamente às relações sociais mas também ela serve como parâmetro para o controle de constitucionalidade e como diretriz para a interpretação das demais normas jurídicas que compõem o ordenamento Por outro lado a Constituição passa também a desempenhar um papel mais destacado na vida nacional inspirando a atuação dos agentes políticos e as reivindicações da cidadania e penetrando nos debates travados no espaço público A Constituição portanto tem de ser interpretada em contextos muito diferentes Ela é interpretada quando incide diretamente sobre a realidade social regulando determinados fatos e comportamentos Quando por exemplo uma parte em um processo judicial faz uma postulação com fundamento no direito ao contraditório e à ampla defesa o juiz deve interpretar o que significam estas garantias constitucionais para aplicálas corretamente A aplicação direta da Constituição pode ocorrer em processos judiciais mas também em outras arenas como por exemplo na atuação da Administração Pública A Constituição também é interpretada no exercício do controle de constitucionalidade para invalidar um ato normativo ou mesmo para afastar a sua aplicação num caso concreto o Poder Judiciário tem de interpretar tanto a Constituição como a norma infraconstitucional questionada Também o Poder Legislativo para elaborar normas jurídicas é obrigado a interpretar a Constituição no mínimo para aferir se as suas decisões políticas estão dentro do marco das possibilidades de escolha estabelecidas em sede constitucional Quando cidadãos debatem temas controvertidos como as quotas raciais o aborto ou a legalização da maconha e invocam em seus argumentos princípios constitucionais como a igualdade a liberdade ou o direito à vida eles também interpretam a Constituição Portanto a interpretação constitucional não é domínio exclusivo dos juristas nem muito menos dos juízes A interpretação como se sabe não é um fenômeno exclusivamente jurídico Os seres humanos interpretam o tempo todo interpretam a fala dos seus interlocutores o significado de expressões faciais o texto de um poema uma obra de arte abstrata A interpretação jurídica diferentemente por exemplo da interpretação literária é acima de tudo uma atividade prática Ela não ocorre no plano da especulação intelectual mas se dá no mundo real e se volta precipuamente à resolução de problemas concretos que afetam a vida de pessoas de carne e osso Com a interpretação constitucional não é diferente A interpretação constitucional é uma atividade essencialmente prática e as questões com que se defronta são muitas vezes as mais importantes complexas e controvertidas na vida de uma Nação É natural portanto que o tema desperte grande atenção entre os estudiosos e que se formem as mais diversas teorias sobre o assunto É verdade que muitas das questões que deveriam ser equacionadas com base na interpretação da Constituição ainda o são pelo poder não regulado pelo Direito Persistem no país práticas patrimonialistas como o tráfico de influência e a corrupção O peso político e econômico dos litigantes ainda é algumas vezes elemento decisivo para o desfecho de processos judiciais que envolvem matéria constitucional A prevalência da interpretação constitucional sobre os fatores reais de poder é objetivo a ser perseguido no sentido do progresso institucional da Nação Os elementos princípios e métodos de interpretação constitucional além da importante função prática que exercem no cotidiano da vida forense devem desempenhar também o papel estratégico de racionalizar a incidência da Constituição sobre a vida política e social 102 Notas históricas do formalismo legalista ao póspositivismo O método mais tradicional de interpretação do direito é conhecido como método da subsunção A atividade do juiz consiste em verificar se os fatos levados à sua apreciação se identificam com a hipótese de incidência prevista na lei a chamada facti species Se este é o caso aplicase a norma e deflagrase a consequência jurídica estabelecida no texto legal Se por exemplo constatase que um motorista ultrapassou o limite de velocidade permitido numa via aplicase a lei que impõe uma multa administrativa diante da prática desse ato Para o formalismo mais estrito toda a atividade do intérprete deveria se restringir a essa operação lógicoformal em que a norma figura como premissa maior o fato como premissa menor e a consequência jurídica é a síntese do silogismo Esse tipo de operação é repetido milhares de vezes no quotidiano da aplicação do Direito Parte considerável do trabalho do operador do Direito e mesmo do intérprete da Constituição é subsumir fatos a normas O problema não está em utilizar o método o que além de desejável é inevitável O problema está em pretender que toda a atividade interpretativa se circunscreva a ele Porém para o positivismo formalista que predominou no século XIX e no começo do século XX o intérprete não poderia atuar fora desses padrões lógicoformais Ao Legislativo caberia o juízo político e a mudança das leis ao Judiciário a sua mera aplicação2 O magistrado seria um servidor da lei sendo as suas decisões nunca mais do que um texto exato da lei3 caberlheia estruturar um silogismo perfeito4 Só assim estaria garantida a segurança jurídica exigida pelo governo das leis evitandose que o arbítrio dos juízes prevalecesse sobre a vontade do legislador positivada nos textos legais Essa orientação foi originalmente elaborada na França tendo em vista o Direito Privado e exerceu enorme influência no mundo inclusive no Brasil Na França o formalismo jurídico tem sua origem no início do século XIX ligada ao advento do Código de Napoleão A elaboração do Código serviu para sistematizar o ordenamento francês a partir de bases racionais inspiradas na ideologia do liberalismoburguês No Código sempre estaria contida uma resposta correta para as questões levadas à apreciação judicial À edição do Código se seguiu o surgimento da chamada Escola da Exegese que reunia os seus intérpretes5 Segundo essa Escola todo o Direito estaria compreendido no sistema composto pelas normas ditadas pelo legislador e o papel do intérprete se resumiria a fazer com que a vontade legislativa gravada nos textos legais incidisse nos casos concretos Não se concebia portanto que a interpretação operasse construtivamente Esta concepção se assentava em diversos fundamentos Por um lado baseava se numa teoria rígida da separação de poderes que via o Judiciário como aplicador autômato de comandos ditados pelo Legislativo Por outro a ênfase no princípio da legalidade ecoava o pensamento de Rousseau que concebia a lei geral e abstrata como expressão da vontade geral do povo Finalmente o modelo revelava a grande preocupação com a segurança jurídica tão cara a uma sociedade em que a previsibilidade da atuação estatal era vista como requisito indispensável para o desenvolvimento das atividades produtivas Na Alemanha o formalismo jurídico foi desenvolvido a partir de outras bases sobretudo pela chamada Jurisprudência dos Conceitos Begriffjurisprudenz no século XIX6 A Jurisprudência dos Conceitos também buscava construir um ordenamento sistemático e unitário sem deixar espaço para a criação judicial do Direito Porém a construção do sistema não caberia ao legislador mas à Ciência do Direito por meio da formulação de conceitos jurídicos altamente abstratos O foco central era também o Direito Privado em que se desenvolveu a doutrina pandectista que buscava a elaboração de conceitos muito sofisticados por meio da depuração do Direito Romano7 No cenário do formalismo positivista o Direito se inspirava na epistemologia das Ciências Exatas que então viviam um momento de prestígio Alentavase a pretensão de que o conhecimento jurídico pudesse ser também exato sem espaço para subjetivismos Intérpretes não participariam da criação do Direito Os atos de interpretação seriam atos de conhecimento e não atos de vontade Apurados os fatos do caso concreto os juízes teriam de aplicar as normas ou os conceitos incidentes sem que lhes fosse autorizado introduzir qualquer tipo de inovação no ordenamento O formalismo jurídico entra em crise no começo do século XX por diversas razões A ampliação da intervenção do Estado na vida social dera ensejo à inflação legislativa e a profusão das leis gerara a sua dessacralização O princípio da separação de poderes já não podia ser visto de forma tão rígida e a ideia de juiz como boca que pronuncia as palavras da lei à moda de Montesquieu perdera terreno para compreensões que reconheciam com intensidade variável o papel judicial na criação do Direito Teorias críticas do liberalismo como o marxismo tinham servido para desmistificar a ideia de que o processo de interpretação e aplicação do Direito poderia ser neutro asséptico e apolítico A negação da dimensão política da interpretação diziase ocultava a realidade com o propósito de imunizar o intérprete diante de críticas colaborando para a manutenção do status quo8 Por outro lado o desenvolvimento das Ciências Sociais com estatuto epistemológico próprio dera legitimidade a formas de saber que não se baseavam na lógica formal mostrando outros caminhos possíveis para a Ciência do Direito O avanço no conhecimento da Psicologia revelara ademais a impossibilidade de se conceber o intérprete do Direito afinal um ser humano com paixões pulsões e inconsciente como uma máquina de fazer subsunções Neste quadro a tendência na hermenêutica jurídica foi de superação do formalismo com a adoção de novas perspectivas como a jurisprudência dos interesses Interessenjurisprudenz de Philipp Heck9 que sustentava a necessidade de proteção dos interesses materiais subjacentes às normas com maior atenção para o mundo real dedicando atenção a temas como as lacunas do ordenamento e a sua integração Assim sem se afastar do positivismo a jurisprudência dos interesses abria mais espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades sociais Outras correntes do pensamento jurídico iam ainda mais longe rompendo radicalmente com o formalismo e adotando posições diametralmente opostas às suas Chegava se algumas vezes a negar até a existência de qualquer vinculação do intérprete ou do juiz ao Direito posto legitimandose plenamente a busca da solução tida pelo julgador como a mais correta para cada caso Foi o caso da Escola da Livre Pesquisa do Direito de François Geny na França e do movimento do Direito Livre de Eugen Ehrlich e Herman Kantorowicz Foi também o caso nos Estados Unidos do realismo jurídico a mais influente das teorias não formalistas sobre a interpretação do início do século XX10 No final do século XIX tornarase hegemônica nos Estados Unidos uma teoria jurídica racionalista formal e abstrata que teve como principal expositor o professor de Harvard Christopher C Langdell11 e que costuma ser associada à jurisprudência conservadora da Suprema Corte daquele período que primava pela defesa incondicional dos valores do liberalismo econômico O realismo investiu contra aquele modelo sustentando que o Direito não é o que está nas leis ou nos precedentes nem se baseia na lógica e na razão abstrata Ele consiste naquilo que dizem os juízes Oliver Wendell Holmes precursor do movimento definiu o Direito como as profecias do que as cortes vão de fato fazer12 O realismo voltavase contra o formalismo tentando demonstrar que apesar de frequentemente negarem que o façam os juízes decidem os casos que lhes são apresentados com base em uma série de fatores psicológicos e sociológicos conscientes ou não que têm pouca ou nenhuma relação com as fontes normativas reconhecidas num dado sistema Para o realismo a interpretação do direito é sempre um ato de criação judicial impregnado de conteúdo político Estas concepções radicalmente antiformalistas incorriam em erro tanto sob o prisma descritivo como sob o ângulo prescritivo Sob a primeira perspectiva acabavam negando qualquer diferença entre as esferas política e a jurídica e essas nas sociedades modernas não se confundem plenamente embora se interpenetrem em alguma medida Em países que se qualificam como Estados de Direito existem constrangimentos reais que incidem sobre os intérpretes inclusive os juízes que tolhem a sua possibilidade de ignorar os limites à sua atividade que vêm de elementos como os textos legais em vigor os precedentes e a dogmática jurídica Tomese o exemplo brasileiro apesar dos déficits do nosso constitucionalismo seria inconcebível que um órgão do Poder Judiciário por se afinar ideologicamente com um governante estendesse o seu mandato para um prazo além do estabelecido claramente em regra constitucional No nosso estágio de desenvolvimento isso não teria como ocorrer pois não seria socialmente aceita uma decisão dessa natureza Do ponto de vista prescritivo o antiformalismo radical também peca por não dar o devido peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade jurisdicional que deriva da submissão dos juízes às normas legais elaboradas por representantes eleitos pelo povo Essas concepções anti formalistas no entanto serviram como contraponto importante ao formalismo atuando como a antítese em um processo dialético que gerou como síntese o avanço em direção a teorias hermenêuticas mais equilibradas Num ponto intermediário entre o formalismo e antiformalismo se encontram as teorias da interpretação dos dois mais importantes teóricos do positivismo jurídico do século XX Hans Kelsen e Herbert Hart Kelsen partia de uma teoria dinâmica do ordenamento que levava em consideração o processo de produção das normas e atos jurídicos13 Para o jurista austríaco o ordenamento jurídico se estrutura como uma pirâmide em que as normas situadas em patamar inferior têm fundamento de validade naquelas que estão no degrau superior figurando no ápice a Constituição As normas do escalão superior condicionam a produção daquelas situadas no plano inferior em alguma medida mas também deixam um espaço livre para decisão das autoridades competentes para a sua edição A Constituição por exemplo fixa limites para o legislador mas lhe atribui poder para tomar decisões desde que respeitados aqueles limites Isso para Kelsen também vale para os atos de aplicação do Direito Um dos principais pontos de distinção entre o pensamento de Kelsen e o formalismo jurídico está precisamente nessa ideia para ele o ato de decisão judicial não é apenas de aplicação do Direito mas também de criação Isso ocorre porque para Kelsen a norma jurídica constitui uma espécie de moldura onde são possíveis diversos conteúdos de acordo com a diversidade das interpretações possíveis Cabe ao juiz preencher essa moldura com um ato que é ao mesmo tempo de aplicação porque balizado pelos limites estabelecidos pela norma jurídica e de criação porque é do magistrado a opção por uma dentre as diversas interpretações que o texto legal franqueia O jusfilósofo inglês Herbert Hart tal como Kelsen também formulou teoria da interpretação baseada no reconhecimento do caráter simultaneamente cognitivo e volitivo da aplicação do Direito Segundo Hart14 as normas jurídicas possuem textura aberta que decorre da própria natureza da linguagem humana Em algumas normas essa abertura é bastante acentuada e em outras ela é mais reduzida mas sempre está presente Diante da textura aberta existem para Hart situações em que uma norma jurídica claramente se aplica e outras em que indiscutivelmente ela não se aplica Mas existe também uma zona de penumbra em que a incidência da norma é discutível As hipóteses concretas que se inserem nessa zona de penumbra são os casos difíceis da interpretação Nesses casos há discricionariedade judicial pois o Direito não fornece uma resposta ao problema cabendo ao juiz fazer uma verdadeira escolha Hart afirmou que a ideia de que os juízes não estão vinculados ao Direito preexistente sustentada pelos realistas seria um pesadelo enquanto a visão de que os magistrados apenas descobrem soluções já contidas no ordenamento seria um nobre sonho Para ele a verdade estaria no meio entre o sonho e o pesadelo A exemplo de qualquer pesadelo e qualquer outro sonho esses dois são em minha opinião ilusões A verdade talvez não muito empolgante é que ora os juízes fazem uma coisa ora fazem outra15 O debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica é extremamente rico e plural e tem como pano de fundo duas mudanças importantes no campo filosófico que não teremos como explorar aqui mas apenas registrar a sua ocorrência Tratase da virada kantiana e do giro linguístico que compõem não sem algumas tensões internas o marco filosófico do póspositivismo A virada kantiana16 foi o retorno da Ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores A primeira metade do século XX fora marcada pelo relativismo ético Diante do crescente pluralismo característico das sociedades modernas tinham passado a coexistir diferentes concepções sobre a justiça O relativismo dizia que não era possível naquele cenário definir de forma objetiva o que certo e o que é errado pois tudo seria uma questão de ponto de vista sem que houvesse qualquer critério para resolução das controvérsias morais existentes na sociedade Essa posição cética era coerente com uma visão limitada da racionalidade então hegemônica que só considerava racional o conhecimento que pudesse ser cientificamente demonstrado As questões morais eram vistas como intrinsecamente irracionais porque dependentes dos sentimentos de cada um O relativismo passou a ser questionado depois da II Guerra Mundial tendo em conta a experiência do mal absoluto vivenciada com o nazismo A partir da segunda metade do século XX a preocupação com a justiça nas relações políticas e sociais se dissemina penetrando nas instituições internacio nais e nacionais sobretudo com a consagração normativa de direitos humanos em declarações tratados e nas constituições nacionais Na Filosofia Política sobretudo a partir da década de 70 ressurge o interesse na formulação de princípios abstratos de justiça por meio de critérios ou procedimentos racionais sem apelo ao discurso religioso ou metafísico17 O Direito neste cenário se aproxima da Moral e a inter pretação jurídica tornase mais permeável à argumentação de moralidade pública Já o giro linguístico18 provocou uma mudança profunda na maneira como se concebe o conhecimento envolvendo uma ruptura com o modelo cartesiano que se baseava numa rígida separação entre sujeito e objeto O foco filosófico antes centrado na consciência do sujeito se desloca para a comunicação intersubjetiva mediada pela linguagem A nova premissa é de que o conhecimento humano é necessariamente mediado pela linguagem que permeia todo o nosso universo Nesse marco formamse duas principais correntes A corrente analítica hegemônica no universo anglosaxão se dedica precipuamente ao estudo da linguagem e busca solucionar os problemas filosóficos por meio de uma clarificação no uso da linguagem E a corrente hermenêutica predominante no continente europeu se volta antes de tudo para a discussão da interpretação concebida como atividade realizada permanentemente pelas pessoas em todas as dimensões das suas vidas interpretase um gesto uma doutrina religiosa um fato histórico um texto jurídico A interpretação enfatiza a hermenêutica é realizada por seres enraizados que compartilham valores com os seus semelhantes e não por máquinas pensantes que consigam se desvencilhar completamente dos seus preconceitos e das tradições de sua comunidade Daí porque quando interpretamos agimos no interior de um universo linguístico que nós não criamos já que ele nos antecede e define os nossos horizontes A interpretação jurídica nessa perspectiva não se resume à atividade intelectual de extração do sentido subjacente a um texto legal Ela exprime o nosso ethos a nossa inserção numa comunidade já repleta de valores e significados No cenário contemporâneo são diversas as correntes que buscam fornecer métodos ou critérios para a busca da melhor resposta em cada caso jurídico controvertido Esta é uma característica do póspositivismo expressão genérica que congrega uma série de concepções jurídicas diferentes que têm em comum a rejeição tanto ao formalismo como ao reconhecimento da plena discricionariedade do intérprete nos casos difíceis No novo marco a interpretação jurídica se abre para influências de outros domínios como a Filosofia Política a Sociologia e a Economia Ela se torna mais complexa incorporando novos instrumentos como as teorias da argumentação que procuram estabelecer procedimentos baseados na comunicação intersubjetiva para a busca das melhores soluções e a ponderação de interesses Em geral reconhece se o papel destacado do intérprete no processo de aplicação do Direito que não é visto como um executor autômato das decisões legislativas ou constituintes Porém não se lhe concede o poder de fazer escolhas políticas de acordo com as suas preferências buscandose a definição de parâmetros para a orientação da sua atuação Há uma reabilitação da ideia de racionalidade prática razão voltada para a ação na metodologia do Direito Racional na nova perspectiva não é só aquilo que possa ser logicamente deduzido de normas jurídicas ou empiricamente comprovado por meio da experimentação mas também o que resultar de um deliberação fundada em argumentos razoáveis a propósito do que é justo ou correto fazer em cada situação Nesse novo contexto algumas correntes dão ênfase especial aos resultados práticos da interpretação como o pragmatismo jurídico Outras focalizam prioritariamente elementos distintos como a coerência da decisão em relação a princípios morais superiores ou a sua compatibilidade com valores culturais compartilhados pela comunidade Algumas destas teorias contemporâneas foram desenvolvidas no Capítulo 5 e outras serão expostas neste capítulo Já se percebe porém uma reação do formalismo diante da hegemonia dessas posições pós positivistas na interpretação jurídica19 Tratase porém de um formalismo mais sofisticado assentado em bases teóricas distintas daquelas do formalismo legalista do século XIX Hoje há os que sustentam que o formalismo jurídico embora não seja logicamente necessário pode ser uma estratégia superior para operação dos sistemas jurídicos por produzir no cômputo global melhores resultados ao minimizar os riscos de erro dos intérpretes ampliar a previsibilidade e diminuir a probabilidade de arbítrio A justificativa para o retorno ao formalismo não viria de argumentos ontológicos sobre a natureza do processo interpretativo ou de razões de moralidade política mas sim de uma análise comparativa pragmática que afirmaria a superioridade dos resultados do formalismo quando comparados com teorias alternativas da interpretação que confiram mais espaço para valorações complexas do intérprete tendo em vista dentre outros fatores a falibilidade humana que também atinge os juízes e operadores do Direito em geral A tese é a de que intérpretes e magistrados mais disciplinados que não se enveredem nas complexas operações intelectuais preconizadas pelas teorias do póspositivismo podem gerar no cômputo geral soluções melhores na perspectiva do ideário do Estado Demo crático de Direito e que por isso o formalismo deve ser adotado pelo menos em determinados contextos Não é o caso de adentrar aqui nesse complexo debate Cabe porém salientar que a reação neoformalista tem no mínimo o mérito de alertar a comunidade jurídica para os riscos envolvidos na adoção de teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos intérpretes de produzirem sempre as melhores decisões quando se lhes concede maior amplitude para valorações Se a redução do intérprete a um servo da lei não se justifica a sua idealização como semideus sábio e virtuoso pode também não ser a melhor solução na perspectiva da otimização dos objetivos do cons titucionalismo democrático Na agenda dos debates sobre interpretação jurídica contemporânea está a incorporação de variáveis institucionais de forma a inserir na busca da teoria hermenêutica adequada para cada contexto sociojurídico considerações sobre as capacidades reais de cada intérprete bem como sobre os efeitos do modelo adotado em relação ao funcionamento das instituições20 103 Quem interpreta a Constituição 1031 A pluralização do universo de intérpretes A literatura jurídica mais tradicional concebe a interpretação constitucional como tarefa eminentemente judicial com destaque para o papel das cortes constitucionais e das supremas cortes Não discordamos do papel proeminente do Poder Judiciário nesse campo nem tampouco da posição privilegiada ocupada pelos tribunais constitucionais na matéria Assistese hoje no mundo inteiro e também no Brasil um fenômeno de intensa judicialização da política que tem na interpretação constitucional realizada pelas cortes o seu eixo principal Aliás o texto constitucional brasileiro é claro ao estabelecer que compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição art 103 Não é por outra razão que damos grande destaque neste livro à interpretação constitucional que provém do STF Sem embargo é um erro grave pretender que o Poder Judiciário ou o Supremo Tribunal Federal seja o intérprete exclusivo da Constituição Na verdade a atividade interpretativa se processa em grande parte por meio de um diálogo permanente entre corte constitucional outros órgão do Judiciário Parlamento governo comunidade de cidadãos entidades da sociedade civil e academia Há também interpretação constitucional fora dos processos judiciais como por exemplo na atividade desempenhada quotidianamente pelo Legislativo e nos debates travados por diferentes atores sociais na esfera pública informal A interpretação constitucional é na verdade obra do que Peter Häberle denominou sociedade aberta dos intérpretes da constituição21 Da abertura da interpretação constitucional resultam algumas mudanças importantes no próprio processo constitucional No caso brasileiro várias inovações positivas vêm se produzindo nos últimos anos22 A Constituição de 1988 promoveu a significativa ampliação do rol de legitimados para o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade art 103 Enquanto no sistema constitucional anterior a legitimação era atribuída apenas ao ProcuradorGeral da República a Constituição de 1988 a estendeu a inúmeras entidades do Estado e até mesmo da sociedade civil As leis nº 986899 e nº 988299 criaram a possibilidade de outros órgãos ou entidades participarem do processo constitucional na condição de amicus curiae e concederam à Corte a prerrogativa de ouvir peritos ou comissão de peritos e de convocar audiência pública Essas normas de processo constitucional servem para canalizar a apresentação das opiniões que se formam no meio social para que possam influenciar as decisões judiciais Essa maior participação social no processo constitucional pôde ser verificada por exemplo na rumorosa ação ajuizada para impugnar a Lei de Biossegurança no que se referia à possibilidade de pesquisas com célulastronco embrionárias23 Habilitaramse como amici curie diversas entidades dos dois lados da contenda No curso do processo realizouse audiência pública da qual participaram como convidados duas dezenas de especialistas Tratouse de um daqueles casos excepcionais em que a decisão despertou também a atenção da imprensa e passou a ser discutida pelos cidadãos em geral Em tais casos a legitimação da interpretação constitucional depende de sua capacidade de se deixar permear pelas expectativas normativas apresentadas na esfera pública24 Embora a Corte tenha decidido a controvérsia o fez a partir de um amplo diálogo nacional Daquela participação formal e informal da sociedade no processo de interpretação também resultou a maior legitimação da decisão final proferida pelo Supremo Tribunal Federal Uma decisão proferida sem debate público e sem participação cidadã num caso como aquele não exibiria a mesma capacidade para obter a aceitação da comunidade Ademais a abertura pluralista da interpretação constitucional não se limita à ampliação dos participantes no processo constitucional Essa abertura importa no reconhecimento de que a Constituição é interpretada e concretizada também fora das cortes e que o seu sentido é produzido por meio de debates e interações que ocorrem nos mais diferentes campos em que se dá o exercício da cidadania25 Essa possibilidade de interpretação constitucional fora das cortes é vital para a legitimação democrática da empreitada constitucional26 O cidadão e os movimentos sociais devem ter sempre a possibilidade de lutar nos mais diversos espaços pela sua leitura da Constituição buscando aproximar as práticas constitucionais do seu ideário político e de suas utopias Essa dimensão da interpretação constitucional vem sendo relegada pela doutrina convencional que concebe a Constituição como um documento eminentemente técnico cujo sentido só pode ser discutido e compreendido por especialistas iniciados nos mistérios da dogmática jurídica Pensar a Constituição dessa maneira é negligenciar o papel vital que ela deve desempenhar como elemento de coesão social com a capacidade de expressar a identidade política do povo O caminho é perigoso pois quando o constitucionalismo se esquece do povo há o risco de que o povo também se esqueça do constitucionalismo 1032 Os diálogos interinstitucionais e sociais e a questão da última palavra A visão convencional sobre interpretação constitucional é no sentido de que cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra sobre o que significa a Constituição Essa posição foi claramente afirmada pela Corte em alguns julgados tendo sido sustentada pelo Ministro Celso de Mello nos seguintes termos O exercício da jurisdição constitucional que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal pois no processo de indagação constitucional assentase a magna prerrogativa de decidir em última análise sobre a própria substância do poder A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal a quem se atribuiu a função eminente de guarda da Constituição CF art 102 caput assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro a justificar o reconhecimento de que o modelo políticojurídico vigente em nosso País conferiu à Suprema Corte a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental27 Não compartilhamos dessa premissa que em nossa opinião é equivocada tanto sob o ângulo descritivo como prescritivo28 Sob a primeira perspectiva não é verdade que na prática o Supremo Tribunal Federal dê sempre a última palavra sobre a interpretação constitucional pelo simples fato de que não há última palavra em muitos casos As decisões do STF podem por exemplo provocar reações contrárias na sociedade e nos outros poderes levando a própria Corte a rever a sua posição inicial sobre um determinado assunto Há diversos mecanismos de reação contra decisões dos Tribunais Constitucionais que vão da aprovação de emenda constitucional em sentido contrário à mobilização em favor da nomeação de novos ministros com visão diferente sobre o tema Há formas de reação mais ou menos legítimas Algumas são absolutamente incompatíveis com a lógica do Estado Democrático de Direito como cortes no orçamento do Judiciário de caráter retaliatório ameaça de impeachment ou de cassação de juízes ou até a simples recusa ao cumprimento das decisões judiciais Outras são legítimas como a mobilização da opinião pública com o objetivo de influenciar os magistrados a reverem o seu posicionamento em caso futuro sobre a mesma questão Uma decisão do STF é certamente um elemento de grande relevância no diálogo sobre o sentido de uma norma constitucional mas não tem o condão de encerrar o debate sobre uma controvérsia que seja verdadeiramente importante para a sociedade Sob o ângulo prescritivo não é salutar atribuir a um órgão qualquer a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constituição Definitivamente a Constituição não é o que o Supremo diz que ela é Em matéria de interpretação constitucional a Corte composta por intérpretes humanos e falíveis pode errar como também podem fazêlo os poderes Legislativo e Executivo É preferível adotar se um modelo que não atribua a nenhuma instituição nem do Judiciário nem do Legislativo o direito de errar por último abrindose a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional com base na ideia de diálogo em lugar da visão mais tradicional que concede a última palavra nessa área ao STF Agentes públicos os ministros do Supremo estão também submetidos à crítica pública que devem levar em consideração na sua atuação É simplesmente errado o conhecido ditado de que decisão judicial não se discute se cumpre Sem dúvida decisão judicial no Estado de Direito se cumpre Mas na democracia qualquer decisão dos poderes públicos inclusive do STF é passível de discussão e crítica A mobilização e a crítica pública contra uma decisão do STF em matéria constitucional não devem ser vistas como patologias incompatíveis com o Estado de Direito A crítica pública pode antes exprimir a vitalidade da cultura constitucional pode significar que a sociedade se importa com a Constituição e que a gramática constitucional está também presente nos embates políticos e sociais o que deve ser comemorado e não lamentado A relação que deve existir entre a interpretação judicial da Constituição e a opinião pública tem sutilezas por um lado o Poder Judiciário não pode ser indiferente às percepções sociais existentes sobre os valores constitucionais mas por outro tampouco se espera que eles os juízes decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior o que os transformaria em oficiais de justiça das redações dos jornais29 Em outras palavras o Judiciário deve ser permeável à opinião pública sem ser subserviente30 É verdade que um dos papéis institucionais mais importantes de uma Corte Constitucional é proteger os direitos das minorias diante dos abusos das maiorias O insulamento da Corte diante do processo eleitoral lhe confere uma importante vantagem institucional comparativa em face do Legislativo e do Executivo para desempenhar essa relevante função contramajoritária Mas existem cenários em que a atuação do Judiciário pode se dar contra os direitos das minorias que estejam sendo promovidos na arena política A Suprema Corte norteamericana no século XIX por exemplo atuou em favor da manutenção da escravidão no país bloqueando iniciativas legislativas voltadas à sua limitação31 Nos últimos tempos aquele tribunal em nome da supremacia judicial na interpretação da Constituição vem invalidando decisões legislativas progressistas que haviam ampliado direitos fundamentais de minorias para além do ponto em que a Corte os reconhecera32 No STF os condicionamentos impostos às futuras demarcações de terras indígenas no julgamento do caso Raposa Serra do Sol que limitaram gravemente os direitos fundamentais dessa minoria étnica constituem hipótese clara de ativismo judicial voltado contra a proteção de grupo vulnerável33 Outras vezes o discurso dos direitos constitucionais pode ser empregado até de boa fé para proteger interesses de duvidosa legitimidade de grupos hegemônicos que perderam terreno no espaço político Portanto a ideia de diálogos constitucionais não é incompatível com a proteção dos direitos das minorias tão fundamental para o constitucionalismo uma vez que da mesma forma que os poderes políticos o Judiciário também pode errar contra as minorias estigmatizadas Não sustentamos com isso evidentemente que o Poder Legislativo possa invalidar as decisões proferidas pelo STF em sede de controle de constitucionalidade Há países como o Canadá34 que contemplam essa possibilidade que existia no Brasil sob a égide da Constituição autoritária de 193735 Ela não existe em nossa atual Constituição A decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de um ato normativo é definitiva aqui a Corte de fato dá a última palavra e seu comando deve ser obedecido sem recalcitrâncias Aliás nas ações judiciais em geral é realmente indispensável que haja uma última palavra pondo fim ao litígio sob pena de se comprometer uma das finalidades essenciais do processo que é resolver definitivamente os conflitos intersubjetivos trazendo segurança jurídica e pacificação social Mas a interpretação constitucional não se encerra com o término de um processo judicial Não é o resultado de uma ação judicial que vai definir por exemplo o que significa a igualdade de gênero ou a função social da propriedade Essas questões como tantas outras no domínio constitucional são naturalmente polêmicas e nenhuma decisão judicial tem o condão de resolvêlas de uma vez por todas afastandoas definitivamente do campo dos embates políticos e sociais Podese alcançar com a decisão judicial o final de uma rodada na interpretação mas não o encerramento da controvérsia sobre o significado da Constituição Se a disputa for de fato muito relevante é pouco provável que uma decisão judicial baste para colocar uma pá de cal no assunto aquietando os grupos perdedores e os setores da opinião pública que o apoiam Um claro exemplo desse fenômeno ocorre com o tema do aborto nos Estados Unidos A Suprema Corte do país decidiu em 1973 no caso Roe v Wade 36 que a Cons tituição assegura às mulheres o direito fundamental de interromperem a gravidez que estaria protegido pelo direito à privacidade A decisão longe de encerrar o debate constitucional sobre a matéria apenas o aqueceu não só no meio jurídico mas também na opinião pública e na política Os grupos que se opõem à decisão não se deram por vencidos curvandose à posição da Corte Pelo contrário eles passaram a canalizar boa parte da sua energia para revertêla O Partido Republicano que é contrário à decisão colocou a sua reversão como prioridade na sua agenda política e os presidentes eleitos pelo partido vêm tentando escolher juízes para a Suprema Corte comprometidos com a rejeição ao referido precedente Esta mobilização conservadora provocou por sua vez movimentos no sentido contrário dos setores da sociedade que apoiam o precedente O embate entre as posições favoráveis e contrárias ao aborto prolife v prochoice tornouse ainda mais acalorado envolvendo não só a argumentação moral religiosa e política mas também o debate constitucional em que amplos segmentos da sociedade se engajaram de um lado ou do outro Certamente a citada decisão da Suprema Corte até aqui mantida em seus pontos essenciais teve importantes efeitos na sociedade norteamericana assegurando às mulheres do país o direito à interrupção de gestações indesejadas Mas uma coisa ela seguramente não fez não encerrou o debate constitucional sobre o aborto naquele país37 Como antes ressaltado as decisões do STF em matéria constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias políticas Isso porém não impede no nosso entendimento que seja editada uma nova lei com conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional Essa posição pode ser derivada do próprio texto constitucional que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos vinculantes das decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade art 102 2º e 103A da Constituição Se o fato ocorrer é muito provável que a nova lei seja também declarada inconstitucional Mas o resultado pode ser diferente O STF pode e deve refletir sobre os argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar suporte ao novo ato normativo e não ignorálos tomando a nova medida legislativa como afronta à sua autoridade Nesse ínterim além da possibilidade de alteração de posicionamento de alguns ministros pode haver também mudança na composição da Corte com reflexos no resultado do julgamento O que foi dito acima vale para o controle de constitucionalidade das leis em geral mas é ainda mais pertinente em relação às emendas constitucionais Não é incomum no Brasil que o Congresso aprove emenda constitucional como reação a alguma decisão proferida pelo STF no controle de constitucionalidade com a qual não se conforme Nessa hipótese não caberia a princípio falar em atentado à suposta prerrogativa da Corte de dar a última palavra sobre a interpretação constitucional porque a reforma da Constituição se volta à alteração do próprio texto normativo interpretado Porém sabese que as emendas estão sujeitas a limites materiais as cláusulas pétreas cuja observância também pode ser fiscalizada pela jurisdição constitucional Imaginese o cenário de uma decisão do STF que com base na proteção do direito à igualdade invalidasse uma lei que houvesse instituído quotas raciais no acesso às universidades públicas Reagindo à decisão judicial o Congresso aprova uma emenda constitucional autorizando tais quotas para ingresso no ensino superior Como o direito à igualdade figura no elenco de direitos individuais da Constituição haveria a possibilidade de o STF considerar que a reforma em questão desafiara a sua interpretação sobre uma cláusula pétrea atentando contra o seu monopólio da última palavra na hermenêutica constitucional Essa seria uma postura gravemente equivocada Em se tratando de emenda constitucional aprovada por maioria qualificada a posição do STF deve ser de atenção e deferência ainda maior à interpretação constitucional adotada pelo Congresso Isso é óbvio não inibe o controle jurisdicional de constitucionalidade sobre a emenda contrária à orientação anterior da Corte mais impõe um maior comedimento no seu exercício Existem diversas teorias normativas sobre diálogos institucionais na interpretação constitucional38 O tema também tem também atraído crescente atenção de cientistas políticos que fazem análises empíricas sobre as interações entre as Cortes e os outros poderes estatais39 ou entre elas e a opinião pública40 Não é nosso objetivo penetrar aqui em nenhum desses terrenos A seguir apenas reportaremos alguns casos concretos de interação institucional na interpretação constitucional a partir da jurisprudência do STF Como o quorum exigido para reforma constitucional de 35 dos parlamentares de ambas as casas legislativas não é tão elevado esse tem sido o caminho mais frequente para superação da interpretação constitucional adotada pelo STF por ser o mais seguro41 O STF por exemplo entendeu que não seria compatível com a Constituição a instituição de Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU progressivo de acordo com o valor venal do imóvel42 Para Corte a natureza real do IPTU afastaria essa possibilidade sendo admitida a progressividade desse tributo apenas no caso expressamente previsto na Constituição relacionado ao não cumprimento da função social de imóvel urbano Em reação a esta decisão o Congresso aprovou a EC nº 29 2000 prevendo expressamente a progressividade que o Supremo rechaçara nova redação do art 156 1º CF O mesmo fenômeno ocorreu com as chamadas taxas de iluminação pública O STF considerou inconstitucional a sua instituição com base no entendimento de que as taxas só podem remunerar a prestação de serviços públicos específicos e divisíveis e a iluminação pública não teria tais características43 O Congresso reagindo contra essa decisão aprovou a EC nº 392002 autorizando a cobrança de contribuição para custeio da iluminação pública Outra hipótese ocorreu na fixação de teto na remuneração dos servidores públicos Apreciando a regra do texto constitucional originário que instituíra um limite remuneratório o STF decidiu que não seria aplicável às chamadas vantagens pessoais titularizadas por cada servidor44 A EC nº 191998 buscou corrigir essa interpretação sujeitando expressamente as vantagens pessoais ao teto do funcio nalismo O STF no entanto entendeu em sessão administrativa 45 que o teto em questão não seria autoaplicável demandando para a sua incidência a prévia edição de lei de iniciativa conjunta do Presidente da República das Casas Legislativas e do STF Em nova reação à decisão do STF o Congresso aprova a EC nº 422003 que além de manter as vantagens pessoais no cômputo do teto remuneratório determinou a sua aplicabilidade imediata Provocada a manifestarse sobre essa última reforma constitucional a Corte reconheceu a validade do teto mas ressalvou os direitos já adquiridos pelos servidores que a emenda objetivava também atingir46 As reações parlamentares às decisões do STF nesse caso foram impulsionadas pela opinião pública que viu como excessivamente corporativas as decisões do STF sobre tal questão Finalmente mencionese o caso do número de vereadores por município O texto constitucional originário fixava quantitativos mínimo e máximo de vereadores para as municipalidades tendo em vista o respectivo número de habitantes determinando ainda que o número a ser definido em cada caso pela Lei Orgânica do Município deveria ser proporcional à população correspondente art 29 IV As Leis Orgânicas dos municípios interpretavam o dispositivo no sentido de lhes assegurar discricionariedade na fixação do número de vereadores respeitados os limites máximo e mínimo definidos no texto constitucional O STF considerou equivocada essa interpretação que na sua ótica negaria efeito à exigência de proporcionalidade estabelecida pela Constituição47 Com base nisso o TSE editou resolução fixando critério aritmético que permitiria o cálculo exato do número de vereadores de cada município que as leis orgânicas deveriam simplesmente reproduzir O efeito da decisão foi uma significativa redução do número de vereadores A posição do STF apesar de esvaziar a autoorganização municipal estava em sintonia com a opinião pública dominante que via no excesso de vereadores uma forma de desperdício de recursos públicos Entretanto essa redução provocou intensa reação política As forças políticas locais pressionaram o Congresso Nacional e esse aprovou a EC nº 582009 que ao alterar a redação do art 29 IV suprimiu a regra da proporcionalidade e conferiu mais espaço para decisão sobre o número de vereadores ao âmbito local Para neutralizar a crítica pública contra o excesso de gastos adotouse na emenda fór mula que limita o repasse de recursos orçamentários às câmaras municipais art 29A CF O Congresso quis ademais dar caráter retroativo à emenda aprovada de modo a possibilitar a posse de novos vereadores em cada município levando em consideração a votação que obtiveram nas eleições de 2008 Nesse ponto porém a inovação foi rechaçada pelo STF que corretamente a considerou incompatível com os limites materiais ao poder de emenda48 Esse último caso bem revela as vantagens do diálogo interinstitucional na interpretação da Constituição No final a solução que prevaleceu após a interação entre o STF e o Congresso mediada pela opinião pública foi superior àquela inicialmente defendida por qualquer das instituições envolvidas Limitaramse os excessivos gastos com a manutenção dos legislativos municipais em conformidade com o princípio da moralidade administrativa e com a vontade da opinião pública mas também se preservou o espaço de autoorganização municipal que a primeira decisão do STF tinha eliminado Os excessos do Congresso na sua reação à primeira decisão do STF foram podados pela segunda decisão da Corte que assegurou o res peito à segurança jurídica e às regras do jogo democrático ao não aceitar a aplicação retroativa da EC nº 582009 Mais controversa é a possibilidade de correção legislativa à interpretação constitucional realizada pelo STF A Corte analisou a hipótese no julgamento da ADI nº 2860 proposta contra a Lei nº 106282002 que visava a modificar a orientação adotada pelo STF na questão atinente à extensão do foro por prerrogativa de função para depois do exercício da função pública O STF tinha antigo entendimento de que o foro por prerrogativa de função seria aplicável em relação aos atos praticados durante o exercício funcional mesmo após o indivíduo deixar o cargo público o que consagrou na sua Súmula nº 38449 A Corte porém reviu essa orientação cancelando a referida Súmula 50 e passando a entender que apenas durante o exercício da função pública se aplicaria o foro especial O legislador quis reverter a alteração jurisprudencial em questão introduzindo no Código de Processo Penal o 1º do art 84 segundo o qual a competência especial por prerrogativa de função relativa a atos administrativos do agente prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública O STF foi chamado a apreciar a validade da alteração legislativa e por maioria julgou procedente a ação No voto vencedor elaborado pelo Ministro Sepúlveda Pertence se consignou O novo 1º do art 84 Código de Processo Penal constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687QO 25897 rel o em Ministro Sydney Sanches RTJ 179912 cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente Tanto a Súmula 394 como a decisão do Supremo Tribunal que a cancelou derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal Não pode a lei ordinária pretender impor como seu objeto imediato uma interpretação da Constituição a questão é de inconstitucionalidade formal ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior Quando ao vício de inconstitucionalidade formal a lei in ter pretativa da Constituição acresça o de oporse ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal guarda da Constituição às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituição como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído o legislador ordinário ao contrário submetido aos seus ditames51 Vejase portanto que nessa decisão o STF não se limitou a afirmar a supre macia judicial na interpretação da Constituição A Corte foi muito além disso ao negar ao Congresso até mesmo a possibilidade de interpretar a Constituição sob pena de inconstitucionalidade formal Essa afirmação é insustentável Não há dúvida na teoria constitucional de que o legislador é um intérprete da Constituição e dos mais autorizados pela legitimidade democrática que ostenta em razão da eleição popular Ao legislar o Parlamento tem de interpretar a Constituição no mínimo para identificar os limites que não pode transpassar Foi o que destacou o Ministro Eros Grau em seu voto vencido todo ato legislativo envolve a interpretação da Constituição por parte de quem legisla Mais a frente Eros Grau ressaltou a possibilidade de o Poder Legislativo adotar interpretação da Constituição distinta daquela esposada pelo STF a não ser para infirmar a declaração de inconstitucionalidade de uma lei52 Gilmar Mendes foi ainda mais longe adotando perspectiva similar à nossa favo rável ao diálogo interinstitucional na interpretação da Constituição Não é possível presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos atacados simplesmente porque eles contrariam a última palavra conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema O que pretendo ressaltar pelo contrário é o fato de que se o legislador federal reincide cria ou regula essa matéria constitucional de modo inteiramente diverso o diálogo o debate institucional deve continuar Mas se no julgamento da ADI nº 2860 o STF recusou a possibilidade de diá logo sobre a interpretação constitucional com o Poder Legislativo em duas outras decisões o Tribunal se mostrou mais deferente em relação às exegeses adotadas pelo Congresso No próprio tema do foro por prerrogativa de função a Corte admitiu no julgamento da ADI nº 328953 que o instituto fosse estendido aos exPresidentes do Banco Central por atos praticados no exercício da função por intermédio de lei de conversão de medida provisória A existência de anterior interpretação jurisdicional da Constituição em sentido contrário à aplicação do foro para exocupantes de cargos públicos não foi suficiente para afastar a decisão legislativa O Supremo também aceitou a correção legislativa da sua interpretação constitucional em caso previdenciário que envolvia o cômputo para fins de aposentadoria especial do professor do tempo de serviço prestado fora da sala de aula A discussão gravitava em torno da exegese dos art 40 5º e 201 8º da Constituição A interpretação da Corte na matéria objeto até de súmula era no sentido de que para efeito de aposentadoria especial de professores não se computa o tempo de serviço fora de sala de aula Súmula nº 726 A Lei nº 114302006 no entanto determinou que também deveriam ser computados para aquele fim as atividades de direção escolar e de coordenação e assessoramento pedagógico quando exercidas em estabelecimentos de educação básica A inovação foi impugnada por meio da ADI nº 3772 mas o STF endossou a decisão do legislador revendo o seu posicionamento anterior na matéria54 Portanto verificase que a despeito da retórica da supremacia judicial na interpretação constitucional presente em vários julgados se constata na jurisprudência do STF alguma abertura para revisão dos seus posicionamentos anteriores quando postos em xeque por atos legislativos subsequentes Essa abertura ao diálogo é salutar pois permite o controle recíproco entre os poderes do Estado viabilizando a correção de erros na hermenêutica constitucional 104 Os elementos tradicionais de interpretação aplicados à interpretação constitucional A hermenêutica tradicional alude à existência de elementos da interpretação jurídica São os elementos de interpretação de Savigny gramatical histórico lógico e sistemático aos quais se agregou o elemento teleológico proposto por Ihering Esses elementos como se verá abaixo também são relevantes no campo cons titucional mas nele assumem certas peculiaridades Esse conjunto de elementos configura na Alemanha país em que o tema foi estudado com destaque o método clássico de interpretação constitucional55 A doutrina dominante com a qual concordamos nega a existência de qualquer hierarquia entre os referidos elementos Eles devem ser combinados reforçandose ou controlandose mutuamente Nos casos mais singelos eles apontam em sentido convergente mas é possível que isso não ocorra Nessas situações não há uma fórmula exata a ser seguida nem um critério apriorístico para desempate A seguir examinaremos a aplicação de cada um desses elementos no domínio constitucional 1041 O elemento gramatical e os limites textuais para a atividade do intérprete O elemento gramatical também conhecido como literal ou filológico busca extrair a norma jurídica do texto que a consagra É sem dúvida um elemento decisivo na interpretação jurídica inclusive naquela realizada no campo constitucional Almejase por meio do elemento gramatical esclarecer o significado das palavras empregadas pelo legislador para a partir daí extrair as conclusões sobre a aplicação de determinada norma jurídica Nos casos mais fáceis o elemento gramatical já fornece a resposta à questão jurídica em discussão dando ensejo à subsunção Em outros casos o elemento gramatical não será suficiente para o equacionamento do problema Mesmo nessas hipóteses o texto permanece relevante atuando como um dos diversos elementos a serem considerados pelo intérprete na busca da resposta mais adequada à questão jurídica suscitada Apesar da sua importância o texto nunca se confunde com a norma jurídica O texto é o significante e a norma o seu significado A norma jurídica é o que resulta da interpretação de um texto sendo o texto o invólucro da norma a sua aparência exterior ou nas palavras de Friedrich Müller a ponta do iceberg56 É certo contudo que nem toda norma jurídica está consagrada em texto específico pois existem normas implícitas Por outro lado há hipóteses em que a norma jurídica só é obtida pela conjugação de vários textos dispositivos diferentes É frequente a afirmação de que o texto normativo é o ponto de partida da interpretação57 Essa assertiva não nos parece exata pois como se verá a seguir o intérprete em geral já se aproxima do problema jurídico que lhe é apresentado com uma précompreensão que já envolve uma antecipação provisória da resposta que poderá ser ou não confirmada ao final do processo hermenêutico58 Pode se dizer contudo que dentre os elementos tradicionais da interpretação o gramatical é aquele ao qual de modo geral primeiro se recorre Há pelo menos duas singularidades na interpretação gramatical no campo constitucional A primeira está no fato de que a Constituição com elevada frequência se vale de preceitos vazados numa linguagem muito vaga e aberta que se sujeitam a diferentes possibilidades interpretativas e que demandam uma participação mais construtiva do intérprete para a definição do seu sentido O princípio da igualdade por exemplo tem dado lugar a uma pluralidade quase inalcançável de interpretações a igualdade prevista na Constituição Federal de 1988 deve ser interpretada como igualdade formal ou material como igualdade de oportunidades ou de resultados É compatível ou não com a instituição de quotas raciais no acesso às universidades públicas O princípio da dignidade da pessoa humana exige que o Estado proteja a pessoa de si mesma impedindo que ela faça escolhas que tornem a sua vida indigna como a de se prostituir ou impõe o respeito estatal às decisões existenciais de cada indivíduo Nessas hipóteses o elemento literal não desfruta de maior importância na interpretação constitucional Outra singularidade está no fato de que a Constituição não é uma norma técnica voltada apenas aos profissionais da área jurídica mas um texto que se destina a todo o povo que deve ser partícipe do seu processo de interpretação como se verá adiante Daí porque a regra geral em matéria constitucional é a de que as palavras devem ser interpretadas no seu sentido comum ordinário e não no sentido técnicojurídico59 Essa porém não é uma regra absoluta há hipóteses em que o texto constitucional faz referência proposital a conceitos jurídicos com sentido bem defi nido como direito adquirido licitação imposto etc e nessas hipóteses é razoável presumir que a intenção normativa foi de usar estas palavras ou expressões no sentido que elas têm no âmbito da dogmática jurídica Daí porque parece correto o critério proposto por Linares Quintana As palavras empregadas na Constituição devem ser entendidas em seu sentido geral e comum a menos que resulte claramente de seu texto que o constituinte quis referirse ao seu sentido técnico jurídico60 O STF apreciou a questão em caso em que se discutia a interpretação correta da expressão folha de salários contida no art 195 I da Constituição Discutiase se a remuneração paga por uma empresa a trabalhadores autônomos avulsos e administradores poderia ou não ser computada na folha de salários o que permitiria que fosse considerada na base de cálculo de contribuição previdenciária instituída por lei ordinária A Corte entendeu negativamente com base no argumento de que a palavra salário se refere no Direito do Trabalho à remuneração paga ao empregado e não aos valores percebidos por outras pessoas sem vínculo trabalhista No voto do relator Ministro Marco Aurélio se consignou O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras muito menos do sentido técnico considerados institutos consagrados pelo Direito Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem possuindo os institutos as expressões e os vocábulos que a revelam conceitos estabelecidos com a passagem do tempo quer por força dos estudos acadêmicos quer no caso do Direito pela atuação dos Pretórios61 A interpretação gramatical não leva no mais das vezes a decisões unívocas produz um número maior ou menor de possibilidades interpretativas e o intérprete tem de optar por uma em detrimento das demais considerando outros critérios Também na interpretação constitucional o elemento gramatical é importante fixa pelo menos prima facie os limites da decisão judicial os espaços de ação metodicamente domináveis dentro dos quais o trabalho jurídico deve se legitimar62 Observese por exemplo o art 37 XIX na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 19 somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de fundação cabendo à lei complementar definir as áreas de sua atuação O texto constitucional não esclarece se a lei complementar é federal ou do ente federativo que criará a fundação que pode ser também um Estado ou Município A interpretação gramatical não é suficiente para se chegar a uma conclusão unívoca mas limita as possibilidades decisórias do intérprete Esse poderá entender que a lei é necessariamente federal ou que pode ser também estadual ou municipal Mas não poderá entender que se trata de lei ordinária O texto constitucional só pode ser superado em casos excepcionais Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal isso já ocorreu De acordo com os artigos nº 94 e nº 115 da Constituição Federal um quinto das cadeiras dos Tribunais Regionais do Trabalho deve ser ocupado por membros do Ministério Público com mais de dez anos de carreira Não há como cumprir a regra quando não há membros do Ministério Público disponíveis com esse tempo de serviço Por essa razão ao invés de preencher as vagas com advogados ou juízes de carreira o STF permitiu que procuradores do trabalho com carreiras mais curtas também integrassem as listas do quinto constitucional em desacordo com o texto expresso da Constituição63 Nesse e em outros casos o STF com razão deixou de se ater aos limites estabelecidos pelo texto constitucional A hipótese contudo não é corriqueira A regra é a da restrição do intérprete às possibilidades interpretativas a que se abre o texto razão pela qual o elemento gramatical cumpre um papel indispensável também na interpretação constitucional 1042 O elemento histórico o originalismo e a vontade do constituinte O elemento histórico busca subsídios para a interpretação jurídica na vontade do legislador Examinase a occasio legis as razões que motivaram a edição de um ato normativo a exposição de motivos e os debates parlamentares com o objetivo de perquirir a intenção do legislador em relação a determinada questão O trabalho do intérprete no uso desse elemento se assemelha ao do historiador Na hermenêutica jurídica contemporânea a concepção objetiva da interpretação tem prevalecido sobre a visão subjetiva64 Para a primeira o que o intérprete deve buscar é o sentido normativo da lei e não a vontade do legislador com a qual não se confunde É conhecido o brocardo jurídico de que a lei é mais sábia do que o legislador permitindo soluções para problemas de que o primeiro sequer cogitara Isso não significa contudo que o elemento histórico seja irrelevante mas sim que ele não é necessariamente decisivo Dependendo do caso tal elemento pode se revelar um instrumento útil na busca do sentido atual da norma jurídica a ser aplicada No domínio constitucional o elemento histórico também pode ser empre gado Ele envolverá por exemplo a pesquisa dos anais da Constituinte e de outros documentos da época No cenário constitucional brasileiro não se deve ignorar o elemento histórico da interpretação até em reverência à especial legitimidade da nossa Assembleia Constituinte de 8788 Porém não se deve tampouco impedir a atualização da Constituição pela via hermenêutica por meio da interpretação evo lutiva e da mutação constitucional É pertinente também ao contexto brasileiro a afirmação do juiz da Suprema Corte norteamericana Willian Brennan Jr segundo a qual o espírito da Constituição não está num significado estático que ele possa ter tido num mundo passado que já se foi mas na adaptabilidade dos seus grandes princípios para lidarem com problemas e necessidades atuais65 O STF por exemplo no julgamento da ADPF nº 132 e da ADI nº 4277 que versaram sobre a união homoafetiva não atribuiu maior relevância ao elemento histórico que apontava que por ocasião da votação do art 226 3º os membros da Assembleia Constituinte não quiseram estender o instituto da união estável aos casais homossexuais O ponto foi destacado no voto do Ministro Lewandowski que transcreveu trechos dos debates parlamentares travados à época sobre o tema A Corte com inteira razão deu mais importância aos valores fundamentais da Constituição como a igualdade a liberdade e a dignidade da pessoa humana que apontavam no sentido do reconhecimento dessas formações familiares mantendose no ponto em sintonia com novas percepções sociais mais inclusivas sobre orientação sexual que emergiram no país depois de 1988 Podese dizer que a relevância do elemento histórico é inversamente proporcional ao tempo decorrido desde a edição da norma constitucional Interpretar um preceito editado há várias gerações com base nos valores vigentes à época produzirá muito provavelmente anacronismos injustificados e solução conservadoras inaceitáveis para a sociedade atual Porém não é democrático que pouco tempo depois da elaboração de um texto constitucional ou derivado ele seja interpretado sem atenção ao que foi decidido na ocasião pelos representantes do povo Essa foi uma das críticas dirigidas à orientação do Supremo Tribunal Federal sobre medidas provisórias forjada nos anos seguintes à promulgação da Constituição de 88 que praticamente reiterou a jurisprudência da Corte sobre os decretosleis elaborada no regime constitucional anterior A medida provisória havia sido criada para substituir o antigo decretolei que permitia ao Executivo legislar com bastante liberdade Na Assembleia Constituinte não se quis desprover o Poder Executivo de um instrumento de legislação de urgência mas tampouco se pretendeu dar a ele poderes tão extensos como aqueles de que dispunha para a edição do decretolei na Constituição de 1969 Ao ignorar as mudanças desejadas pelo constituinte originário nessa matéria o STF deixou de empregar o elemento histórico de interpretação em um caso em que seu uso se afigurava essencial A interpretação histórica do instituto poderia eventualmente ter tornado até desnecessária a edição da EC nº 32 que deu novo regime mais restritivo à edição de medidas provisórias Nos Estados Unidos há uma corrente conservadora que advoga a primazia do elemento histórico da interpretação constitucional o originalismo o qual sustenta que a Constituição deve ser interpretada de acordo com a intenção dos autores do seu texto ou com o sentido que tinham as palavras e expressões usadas no momento em que a norma constitucional foi editada e não o seu sentido atual66 O originalismo rejeita a ideia da living Constitution que possa ser atualizada sem alterações formais no seu texto para acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade O fundamento invocado pelos originalistas é a democracia Diante do caráter vago da maior parte das cláusulas inseridas na Constituição norteamericana eles sustentam que não se pode permitir aos juízes que não são eleitos que invalidem leis editadas pelo legislador com base nas suas concepções pessoais sobre o que significa por exemplo a igualdade ou o devido processo legal Para impedir que isso ocorra sustentam os originalistas que os juízes devem se ater ao sentido que tinham os preceitos constitucionais por ocasião da sua aprovação pois assim o legislador ficaria vinculado às concepções do poder constituinte e não àquelas dos magistrados O originalismo nasceu como uma reação conservadora à jurisprudência progressista da Suprema Corte norteamericana nos anos 50 a 70 do século passado que ampliara a proteção de direitos fundamentais e a defesa de minorias a partir de uma interpretação construtiva da Constituição67 O seu intento é deslegitimar essa jurisprudência para justificar o retorno ao status quo anterior Os originalistas se insurgem por exemplo contra a extensão do princípio da igualdade às questões de discriminação contra mulheres e homossexuais alegando que o constituinte derivado norte americano não as teve em mente ao aprovar a 14ª Emenda que consagrou o princípio da equal protection of the law Criticam o reconhecimento do direito constitucional à privacidade privacy porque não está previsto expressamente no texto da Constituição e não foi objeto de cogitação pelo constituinte originário ou derivado A corrente tem enorme penetração na direita norteamericana inclusive na Suprema Corte do país em que conta com dois entusiasmados adeptos os juízes Antonin Scalia e Clarence Thomas Os críticos do originalismo68 objetam que a Constituição não é uma obra acabada produzida por uma geração mas um instrumento dinâmico que deve se adaptar aos novos valores e expectativas sociais Apontam também que é muitas vezes impossível analisar qual seria a posição do constituinte sobre questões que na época sequer haviam surgido Argumentam ainda que sendo o texto constitucional uma obra coletiva produzida por pessoas com propósitos e ideias diferentes não há muitas vezes como se atribuir uma intenção subjetiva única ao constituinte Ademais a própria escolha pelo constituinte de cláusulas vagas exprimiria a sua intenção de permitir o seu preenchimento no futuro de acordo com concepções e valores das novas gerações a serem regidas pelo mesmo texto Além do que sustentam que é contraditório invocar a democracia para vincular as gerações atuais às concepções de mundo tradicionalistas e excludentes que prevaleciam nos Estados Unidos no século XVIII ou XIX quando a Constituição norteamericana e as suas mais importantes emendas foram aprovadas Essas críticas são procedentes Do ponto de vista da teoria constitucional o originalismo não faz o menor sentido Ele não é senão uma estratégica política travestida de teoria constitucional que busca promover uma agenda conservadora no Judiciário americano a qualquer custo Tratase de uma excentricidade constitucional da direita do país que não encontrou ressonância em nenhum outro sistema jurídico democrático69 1043 O elemento sistemático e a unidade do sistema constitucional O elemento sistemático é aquele que preconiza que cada norma jurídica deve ser interpretada com consideração de todas as demais e não de forma isolada Os preceitos devem ser considerados em sua unidade orgânica não como normas que se bastam e vigoram isoladas dos demais Savigny distinguia o elemento lógico do elemento sistemático Para ele o elemento lógico referiase à estruturação do pensamento ou seja à relação lógica na que se acham suas diversas partes e o elemento sistemático à conexão interna que enlaça a todas as instituições e regras jurídicas dentro de uma magna unidade70 Aqui os dois elementos não serão individualizados como tampouco costuma ocorrer na doutrina A premissa básica do elemento sistemático é a de que o Direito não é um mero conjunto de normas mas compõe um ordenamento em que cada parte tem conexão com o todo à luz do qual deve ser compreendida A interpretação sistemática busca promover a harmonia entre essas partes Isso não significa dizer que essa harmonia no ordenamento seja um dado da realidade que se possa comprovar pela análise das leis em vigor Sabese pelo contrário que no Estado contemporâneo caracterizado pela inflação legislativa e pelo pluralismo dos interesses que são juridicamente tutelados a existência de tensões e conflitos entre normas jurídicas é fenômeno corriqueiro Na verdade a busca da harmonização e da coerência no ordenamento é uma tarefa que o intérprete deve perseguir muitas vezes uma tarefa dificílima Tratase de um ponto de chegada que se aspira atingir e não do ponto de partida do intérprete Os sistemas jurídicos contemporâneos como o brasileiro têm na Constituição não só o seu fundamento de validade como também o seu centro de gravidade São os valores constitucionais que pela sua primazia podem conferir unidade ao sistema jurídico cimentando as suas diferentes partes Naturalmente a exigência de coerência e sistematicidade também se projeta sobre a Constituição O intérprete constitucional não pode por exemplo interpretar a garantia da propriedade privada ignorando a proteção constitucional conferida ao meio ambiente nem viceversa No sistema constitucional embora não exista hierarquia em sentido formal há normas mais importantes que desempenham função mais destacada no sistema e que influenciam mais intensamente a interpretação de outras normas constitucionais É o caso de princípios como os da dignidade da pessoa humana da igualdade do Estado Democrático de Direito da República e da Federação Essas normas projetam uma intensa eficácia irradiante não apenas sobre o ordenamento jurídico infraconstitucional mas também sobre os preceitos da própria Constituição atuando como diretrizes na sua interpretação e aplicação No caso já citado do reconhecimento da união homoafetiva o STF se valeu de alguns destes princípios para orientar a exegese do art 226 3º Apesar de o preceito em questão só se referir a união estável entre homem e mulher o STF entendeu que se deveria adotar interpretação extensiva do instituto mais sintonizada com os valores mais fundamentais da Constituição de modo a incluir também os casais formados por parceiros do mesmo sexo Sabese porém que contradições e conflitos tendem a surgir numa Constituição compromissória como a de 88 em que convivem preceitos inspirados em ideologias diversas Sem embargo admitir que a Constituição seja marcada por conflitos e colisões não é afirmar a insolubilidade destas tensões ou prescrever ao intérprete uma atitude passiva ou decisionista diante delas Os cidadãos e as autoridades públicas devem observar o texto constitucional em seu todo não se submetendo apenas a partes isoladas do sistema Cabe ao intérprete buscar integrar as partes e na medida do possível harmonizálas O sistema é uma construção hermenêutica apoiada sobretudo nos princípios constitucionais fundamentais que lhe provêem bases moralmente sustentáveis No campo particular da interpretação constitucional o elemento sistemático assume especificidades tão relevantes que a partir dele formulamse postulados específicos de interpretação constitucional a unidade da Constituição e a concordância prática Voltaremos ao tópico em seção posterior 1044 O elemento teleológico e as finalidades sociais da Constituição A interpretação teleológica é a que busca a finalidade subjacente ao preceito a ser interpretado Ao contrário dos elementos de interpretação anteriores este não se deve a Savigny mas a Jhering71 A interpretação teleológica está prevista no art 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum Tratase de um elemento especialmente importante no domínio constitucional considerando a grandeza das tarefas a que se propõe uma Constituição72 Na Constituição os principais fins sociais do Direito brasileiro estão positivados expressamente na forma de normas programáticas ou implicitamente em seu sistema de valores Essas finalidades básicas são extremamente relevantes para a interpretação de outras normas constitucionais e infraconstitucionais Vejase um exemplo de interpretação teleológica O art 16 da Constituição Federal dispõe A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência Não é difícil identificar que essa norma foi editada para assegurar segurança jurídica quanto às regras do jogo eleitoral impedindo mudanças que surpreendam os participantes do processo político às vésperas das eleições bem como proscrevendo alterações casuísticas que possam romper a igualdade de participação entre partidos e candidatos Compreendendose esta finalidade podese descartar por exemplo uma interpretação literal do preceito em questão no sentido de que a Constituição vedaria tão somente a mudança na legislação processual eleitoral a menos de um ano da data do pleito mas não a alteração nas regras substantivas de Direito Eleitoral É evidente que as mudanças de última hora nas normas de eleitorais substantivas também afetam e até com maior intensidade os valores que o preceito em questão objetiva salvaguardar73 O elemento teleológico na hipótese acima deve ser empregado para dar suporte a uma interpretação extensiva de uma garantia constitucional Mas ele também pode ser usado em sentido oposto para afastar determinada hipótese do campo de incidência de norma constitucional Isso se verificou por exemplo quando o STF foi instado a interpretar o art 14 7º da Constituição Federal são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins de Prefeito A Corte considerou elegível candidato que se encontrava separado de fato da filha do então Prefeito antes do início de seu mandato tendo sido a sentença de divórcio proferida depois de o mandato ter se iniciado A finalidade do art 14 7º era para a Corte obstar o monopólio do poder político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares Na hipótese a circunstância de a sentença ter reconhecido a ocorrência da separação de fato em momento anterior ao início do mandato afastaria a incidência da regra não se cogitando da perenização no poder da mesma família74 A aplicação da regra com fundamento em uma interpretação meramente literal restringiria significativamente os direitos políticos do cidadão sem que isso se desse para garantir outra finalidade que também fosse objeto de proteção constitucional 105 Novas ideias na interpretação constitucional 1051 A précompreensão Ao se deparar com um problema jurídico qualquer o intérprete antes até de consultar as normas pertinentes já tende a antecipar uma solução com base na sua précompreensão A précompreensão envolve não apenas a concepção particular de mundo do intérprete mas sobretudo os valores tradições e preconceitos da comunidade em que ele está inserido Afinal os seres humanos não são desenraizados mas compartilham em geral visões de mundo com aqueles que vivem no mesmo contexto histórico e cultural Como assinalou Konrad Hesse o intérprete não pode captar o sentido da norma desde um ponto situado fora da existência histórica e sim unicamente a partir da concreta situação histórica em que se encontra cuja plasmação conformou seus hábitos mentais condicionando os seus conhecimentos e os seus preconceitos75 A précompreensão é o ponto de partida do intérprete para o ingresso no círculo hermenêutico em que aquela antecipação de sentido é testada considerandose diversos elementos como o texto normativo o sistema as conseqüências práticas da decisão etc A antecipação da resposta pode ou não ser confirmada ao longo desse itinerário que conduz até à concretização da norma com a sua aplicação ao problema Essa não é uma prescrição sobre como se devem interpretar as leis ou a Constituição não é uma receita para interpretação correta mas sim uma descrição do que normalmente ocorre quando um intérprete se confronta com um problema jurídico prático que é chamado a equacionar O intérprete não pode porém aferrarse à sua précompreensão recusandose a rever as suas antecipações de sentido76 É necessário que haja uma abertura para que o intérprete ouça o que lhe dizem a norma e o problema enfrentado É preciso também que tome consciência da sua pré compreensão até para evitar a prática de arbitrariedades inconscientes Autores ligados à corrente da nova hermenêutica ressaltam o papel central da précompreensão na interpretação do Direito Não discordamos desse juízo que se assenta na própria natureza humana do intérprete Contudo há quem veja a fidelidade à précompreensão como caminho para busca da melhor resposta para as questões de interpretação constitucional recusando qualquer recurso ao método Na literatura jurídica nacional o principal representante desta corrente é Lenio Streck77 que articula seus argumentos a partir da hermenêutica filosófica de Martin Heiddeger e HansGeorg Gadamer Não compartilhamos desta posição basicamente por três razões A primeira é que nas sociedades contemporâneas extremamente plurais convivem diferentes concepções de mundo conflitantes Vivemos num mundo plural complexo e desencantado em que não há mais uma única précompreensão em cada sociedade mas múltiplas cosmovisões que coabitam no mesmo espaçotempo algumas delas absolutamente conflitantes78 Neste cenário de fragmentação axiológica tornase muitas vezes difícil fundar a legitimidade das decisões estatais sobretudo as judiciais em um ethos comum Se existem numa mesma sociedade diversas pré compreensões a exigência de fidelidade à précompreensão deixa de funcionar perdendo a sua capacidade de guiar a interpretação jurídica Em segundo lugar a aposta na précompreensão parece ignorar o fato de que as nossas tradições e práticas sociais estão impregnadas pela opressão e assimetria Por isso também na précompreensão naqueles préconceitos depositados no fundo da consciência social e da cultura de um povo viceja o poder simbólico esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem79 Na pré compreensão pode ter lugar a hierarquização social e a estigmatização do diferente Tomar a pré compreensão como norte na hermenêutica jurídica sem submetêla ao crivo de uma razão crítica equivale a endossar o status quo cultural e legitimar a injustiça em nome do Direito e da Constituição Finalmente entendemos que o método se afigura indispensável para controlar o arbítrio do intérprete e propiciar o controle intersubjetivo da sua atividade Isso não significa que a interpretação constitucional seja apenas método Conceber a interpretação constitucional assim seria tapar o sol com a peneira há também política argumentação moral e até sentimento na interpretação constitucional Mas o método se afigura fundamental para evitar que os intérpretes da Constituição se convertam nos seus senhores Enfim podese dizer que a précompreensão é realmente parte integrante da hermenêutica constitucional como também o é em qualquer atividade interpretativa Mas a teoria constitucional deve demandar dos intérpretes o exercício permanente de crítica às tradições e de autocrítica em relação às respectivas cosmovisões 1052 Interpretação constitucional problema e sistema os limites da tópica Algumas das principais vertentes do debate metodológico atual sustentam que o papel do intérprete é construir a solução mais razoável para o caso concreto O compromisso central do intérprete deixa de ser com o sistema jurídico e passar a ser com a solução do problema apresentado É o que propõe em especial a tópica80 O método ou estilo tópico tem como referência central a obra de Theodor Viewheg Tópica e jurisprudência publicada na Alemanha em 1953 que provocou intensos debates no campo da metodologia do Direito Viewheg salientou o fato de que desde os seus primórdios o Direito foi concebido como disciplina prática voltada à resolução de problemas concretos Todavia a partir da Modernidade teria passado a prevalecer a dimensão sistemática do Direito relegando o problema para um segundo plano A sua proposta consiste no resgate de um estilo de raciocínio jurídico voltado ao problema e não à norma ou ao sistema O conceito de topos é fundamental para a tópica O topos configura um lugar comum da argumentação que não vincula necessariamente o intérprete mas lhe apresenta uma alternativa possível para a solução de um problema Os topoi plural de topos são diretrizes que podem eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o caso concreto Eles não são certos ou errados mas apenas mais ou menos adequados para a solução do problema mais ou menos capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso que se mostre persuasiva à comunidade de intérpretes Dentre os topoi podem figurar elementos heterogêneos como o texto normativo princípios morais tradições compartilhadas etc O sistema é para a tópica pura81 apenas mais um topos a ser levado em conta na busca da decisão do caso concreto O argumento sistemático é apenas mais um que ao lado de outros pode ser usado para a solução do problema A tópica tem no Direito Constitucional um campo promissor sobretudo por conta da abertura estrutural da Constituição da textura aberta de suas normas e da complexidade dos problemas que devem ser enfrentados82 No entanto na sua forma pura a tópica apresenta problemas insuperáveis A sua adoção pode conduzir a um sistema de plena liberdade judicial na resolução dos casos que seria devastador para a segurança jurídica e para a legitimidade democrática do Direito No domínio constitucional estes problemas são ainda mais agudos pois a não vinculação do intérprete à norma ou ao sistema põe em risco a força normativa da Constituição ao reduzir os seus comandos a meros argumentos de caráter não obrigatório Como salientou Canotilho a interpretação é uma atividade normativamente vinculada constituindo a constitutio scripta um limite ineliminável que não admite o sacrifício da norma em prol da prioridade do problema83 Há porém posições mais moderadas que se valem da tópica no âmbito das possibilidades fornecidas pelo texto da norma e pelo sistema Canaris por exemplo vê a tópica como um meio para complementação do sistema que só poder atuar no âmbito das possibilidades abertas pelo sistema84 Na sua ótica o pensamento sistemático e o tópicoproblemático não se excluem mas antes se interpenetram e complementam Na doutrina constitucional Friedrich Müller também admite o raciocínio tópico orientado para o problema desde que não ultrapasse o texto da norma vedando se ao intérprete que decida contra o texto claro de uma prescrição sob o motivo de que ela não oferece um ponto de apoio para que se alcance uma solução razoável para o problema85 Como se observa é possível sustentar o papel o intérprete de buscar a solução mais razoável e justa para o caso concreto sem lhe conferir liberdade ilimitada de ação Para variadas vertentes da metodologia jurídica o pensamento problemático é útil e desejável desde que circunscrito pelos limites textuais e sistemáticos do ordenamento jurídico Essa é a nossa posição Não é incomum na nossa jurisprudência constitucional o recurso ao pensa mento tópico problemático caracterizado pela preocupação com as especificidades do caso Isso ocorreu por exemplo em decisão do STF em que se afastou a exigência de comprovação de três anos de prática jurídica para posse no cargo de Procuradora da República de candidata que já exercia a função de Promotora de Justiça86 A Corte apesar de considerar constitucional a exigência em questão imposta pelo poder constituinte derivado art 129 3º entendeu que no caso específico a sua impo sição não seria razoável uma vez que a candidata já vinha atuando como membro do Ministério Público 1053 Interpretação realidade constitucional e concretização normativa Como ressaltado no Capítulo 5 há teorias da Constituição que a concebem como sistema de normas e há teorias que a enxergam como realidade constitucional Hoje tendese a rejeitar tanto o reducionismo normativista quanto o sociológico Tornamse cada vez mais frequentes as propostas de integração entre essas duas dimensões No contexto europeu da segunda metade do século XX foi especialmente influente a proposta de Konrad Hesse nesse sentido De acordo com Hesse para que uma Constituição seja socialmente eficaz ela não pode desconsiderar as condições históricas em que se insere Um texto constitucional desprovido de compromisso com a realidade social converterse ia em uma mera folha de papel87 Nessa perspectiva a interpretação é concebida como parte do processo de concretização constitucional que inclui desde a definição das possibilidades interpretativas do texto até a decisão do caso concreto a qual demanda consideração da realidade abrangida pela norma a ser concretizada88 O processo de concretização parte da interpretação do texto normativo e avança por meio do exame do setor da realidade sobre o qual incide89 Por isso na atividade de concretização normativa devese lançar mão de dados empíricos colhidos por meio de métodos próprios a áreas como a Sociologia a Ciência Política e a Economia90 A integração da realidade à interpretação constitucional não pode contudo ser confundida com qualquer submissão acrítica da Constituição e de seus intérpretes aos fatores reais de poder A Constituição não é apenas espelho da realidade ela é também a própria fonte de luz91 Em diversos contextos o que se requer da Constituição é que possa transformar a realidade servindo à superação de configurações sociais consolidadas que se caracterizam pelo arbítrio e pela opressão No caso brasileiro há diversos setores da realidade carentes de incidência constitucional efetiva Não há dúvidas de que parte considerável da população brasileira é objeto de práticas autoritárias francamente refratárias aos valores constitucionais A inviolabilidade de domicílio por exemplo não é efetivamente garantida nas áreas pobres das grandes cidades brasileiras o próprio Estado a viola recorrentemente Neste caso Constituição e realidade não se confundem O que se impõe é a transformação da realidade de acordo com o programa constitucional92 A interação entre norma e realidade opera em diversos níveis e de diversas maneiras Além de conferir conteúdo e sentido aos preceitos constitucionais a realidade atua também como limitação das possibilidades de incidência concreta das prescrições normativas O intérprete não pode optar por alternativas interpretativas que concebam soluções irrealizáveis na prática De nada adiantaria se o Direito prescrevesse a alteração da órbita dos planetas ou a revogação da lei da gravidade É o que tradicionalmente se denomina princípio da realidade Observese por exemplo o conhecido argumento da reserva do possível segundo o qual a garantia de direitos prestacionais depende da disponibilidade de recursos públicos O conceito de reserva do possível tem sua origem na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em caso conhecido como Numerus Clausus93 O caso dizia respeito a estudante que pretendia obter provimento judicial determinando que o Estado assegurasse a sua matrícula em faculdade de Medicina para viabilizar o futuro exercício do seu direito à liberdade de escolha profissional A Corte não concedeu o pedido sob o argumento de que a concretização de direitos a prestações está condicionada pelos recursos financeiros de que dispõe o Estado não sendo razoável esperar que a sociedade arque com os custos de todos aqueles que quiserem frequentar o ensino superior No caso brasileiro pensese por exemplo no art 7º IV da Constituição Federal que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para que o trabalhador custeie suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia alimentação educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social Embora diversas leis todos os anos regulamentem o preceito os valores que fixam têm sido insuficientes para atender a todas as necessidades previstas na Constituição A hipótese é de inconstitucionalidade parcial por omissão a qual é sempre reconhecida pelo STF 94 Apesar disso a Corte não teria como fixar valores superiores que na sua ótica satisfizessem plenamente a imposição constitucional Isso implicaria impor mudanças econômicas das quais o Judiciário não pode ser protagonista até por não possuir os meios necessários para avaliar os efeitos práticos de uma decisão que proferisse nessa questão Enfim na interpretação constitucional o intérprete deve sempre considerar a realidade sob pena ou de decidir o impossível ou de deixar de extrair todas as potencialidades do texto constitucional 1054 Interpretação constitucional e avaliação das consequências Um dos principais elementos incorporados pela metodologia constitucional contemporânea é a avaliação das consequências práticas das decisões Tratase de um dos elementos centrais do chamado pragmatismo95 A interpretação deve envolver a avaliação das necessidades humanas e sociais O Direito é entendido não como um fim em si mesmo mas como um meio para a realização daquelas necessidades deve portanto se adequar a elas O que importa é o modo como a decisão reper cute no mundo social O papel do intérprete é buscar prever qual será o impacto de sua decisão na sociedade a interpretação que produzir as melhores consequências práticas é a que deve ser preferida Ao invés de se voltar para o texto normativo para as relações sistemáticas entre os preceitos constitucionais ou para o sentido que estes possuíam no momento da entrada em vigor da Constituição o intérprete deve assumir uma postura pragmática e optar pela interpretação que produza melhores resultados práticos É verdade que o pragmatismo mais sofisticado envolve a preocupação como as consequências não apenas da decisão do caso concreto mas também com aquelas que derivam da adoção ou rejeição de determinados argumentos ou teorias hermenêuticas Um juiz pragmático pode considerar que uma lei é equivocada e que não aplicála num caso concreto produziria na hipótese as melhores consequências Mas pode decidir não fazêlo por concluir que as consequências para a sociedade seriam piores se fosse admitida a possibilidade de não aplicação de uma lei a cada vez que o magistrado a considerasse equivocada Embora o pragmatismo jurídico esteja a léguas de distância do formalismo é até possível que um jurista pragmático adira ao formalismo por razões consequencialistas96 Ele pode considerar por exemplo que dita teoria num dado contexto produz melhores resultados do que as que decorreriam da adoção de um modelo que permitisse ao intérprete em cada caso decidir de acordo com a sua avaliação pessoal das consequências Argumentos consequencialistas prevaleceram no STF por exemplo quando do julgamento da inconstitucionalidade da Lei nº 802490 originada na Medida Provisória nº 16890 a qual promoveu a retenção de valores depositados em cadernetas de poupança que foi a principal medida do Plano Collor A medida era um verdadeiro confisco razão pela qual a lei estava em contradição direta com o direito de propriedade CF art 5º Ajuizada a ADI o pedido cautelar cujo deferimento levava à liberação imediata dos valores retidos foi indeferido97 Para justificar a decisão ao lado de outras razões mais apegadas à forma emergiram também as seguintes em voto da lavra do Ministro Sydney Sanches Se a lei for inconstitucional o mal maior que poderia ter causado já causou Nos próximos meses a lei começará a produzir alguns efeitos benéficos para os depositantes Por outro lado a suspensão cautelar da lei poderá evitar que isso aconteça ou então trazer inúmeros transtornos para a economia nacional com a abrupta injeção de vários trilhões de cruzeiros no meio circulante nacional de efeitos imprevisíveis ou previsivelmente deletérios como por exemplo o retorno a uma ameaçadora hiperinflação de mais de 80 ao mês que desgastará a poupança dos depositantes desvalorizará irreversivelmente a moeda brasileira e acabará punindo mais duramente ainda aqueles que sequer tiveram condições de poupar ou seja os mais desfavorecidos Não me animo a adotar medida que ponha em risco ainda maior a já combalida economia do País e aflija ainda mais os já aflitos os extremamente pobres que sequer conseguem economizar quando conseguem sobreviver Pensando por ora mais no futuro do Brasil do que nos justos e compreensíveis anseios dos poupadores constrangidos e perplexos opto pelo indeferimento da liminar O Ministro Sanches portanto deixou de conceder a cautelar por conta das consequências concretas de sua decisão Depois disso a ação ficou aguardando julgamento e quando veio finalmente a ser julgada em 2681992 já perdera seu objeto dado que os valores retidos já haviam sido restituídos98 Outro exemplo de uso do argumento consequencialista deuse recentemente quando o STF depois de proclamar a inconstitucionalidade da lei de conversão da medida provisória que criara o Instituto Chico Mendes99 por não ter observado o processo legislativo imposto pela Constituição voltou atrás na decisão A Corte verificara que não tinha sido observada na tramitação do ato normativo o art 62 9º da Constituição que exige que uma comissão mista da Câmara e do Senado emita parecer sobre a medida provisória antes da sua apreciação em cada casa Contudo no dia seguinte ao julgamento o AdvogadoGeral da União suscitou questão de ordem na Corte advertindo que centenas de outras medidas provisórias continham o mesmo vício dentre as quais algumas que haviam criado políticas públicas essenciais como o BolsaFamília Diante deste fato temendo as consequências práticas do precedente da véspera o STF de forma heterodoxa decidiu voltar atrás na invalidação da norma bem como considerar superado o vício constatado em relação às demais medidas provisórias que também o apresentavam assinalando todavia que nas futuras medidas provisórias a referida exigência constitucional teria de ser observada pelo Congresso100 Os argumentos consequencialistas aparecem explicitamente em alguns julgamentos do STF No entanto o que é ainda comum e deve ser combatido é o criptoconsequencialismo em que as consequências são consideradas pelos julgadores mas não figuram de maneira explícita na fundamentação das decisões101 Fazse então uma espécie de subsunção às avessas com base na avaliação das consequências os juízes escolhem uma solução e depois buscam fundamentála em argumentos formais sem que se explicitem as razões reais que conduziram ao resultado do julgamento102 Uma das principais objeções ao consequencialismo é a de que tende a assumir um caráter utilitarista e o utilitarismo pode levar à relativização da garantia dos direitos fundamentais e da dignidade humana em favor da realização de metas coletivas Isso porque o utilitarismo pode permitir que o indivíduo seja utilizado como meio e não como fim em si mesmo em contrariedade ao conhecido imperativo categórico kantiano que impõe que todas as pessoas sejam sempre ser tratadas como fins e nunca como meios A doutrina comprometida com a defesa da dignidade humana e do sistema de direitos fundamentais por ser refratária ao utilitarismo acaba também se mostrando avessa ao consequencialismo Contudo é possível adotarse um consequencialismo não utilitarista O uti litarismo se caracteriza pelos critérios escolhidos para avaliar as consequências buscase promover na maior medida possível o bemestar o prazer a felicidade ou a realização das preferências do maior número de pessoas103 Os utilitaristas partem da premissa de que os indivíduos têm muitas vezes interesses conflitantes e que nesses casos justificase o sacrifício dos direitos de um membro da comunidade desde que seja compensado por um ganho superior na promoção de interesses de outros indivíduos Se por exemplo a admissão da tortura de terroristas tornar a sociedade mais segura melhorando significativamente a vida da maioria da população a medida pode estar justificada para um utilitarista Ocorre que também é possível avaliar as consequências de uma decisão com base em outros parâmetros que não os preconizados pelo utilitarismo como por exemplo a sua aptidão para promover de fato os direitos fundamentais a democracia e os valores republicanos Não haverá então utilitarismo mas tão somente consequencialismo e decisões comprometidas com a realização prática dos princípios fundamentais mais relevantes e não apenas com a sua proclamação retórica no texto constitucional Há na jurisprudência do STF um bom exemplo desse tipo de consequencialismo voltado à realização prática dos direitos fundamentais A Corte firmara a orientação de que em razão da proteção constitucional da moradia art 6º CF seria inconstitucional a autorização consagrada na Lei nº 824591 de penhora do imóvel em que reside o fiador nos contratos de locação104 Afinal com a execução da penhora o fiador acabaria perdendo a sua casa Contudo em decisão posterior o STF reviu essa orientação105 Um dos principais argumentos empregados na ocasião foi no sentido de que a impenhorabilidade na hipótese geraria consequência altamente danosa para a promoção do direito à moradia das pessoas que não possuem casa própria Isso porque os locadores passariam a não mais aceitar a prestação de fiança por quem possui apenas o imóvel em que reside Os locatários seriam então forçados a buscar outras garantias mais onerosas para o contrato como a fiança bancária Além disso com o aumento do risco envolvido no negócio haveria o risco de elevação do valor dos aluguéis bem como de redução da oferta de imóveis para locação residencial Tudo isso encareceria a locação residencial aumentando o déficit habitacional no país106 Para o STF do ponto de vista do direito à moradia sobretudo das pessoas mais pobres as consequências da invalidação da lei seriam altamente problemáticas e por conta disso seria um contrassenso declarar a sua inconstitucionalidade com fundamento nesse mesmo direito fundamental Ademais é possível levar em consideração as consequências práticas de uma decisão interpretativa sem aderir ao pragmatismo jurídico O exame das consequências pode ser concebido como um dentre outros elementos a serem considerados na interpretação e não como o elemento necessariamente preponderante para a de finição da resposta correta em cada caso Podese ademais abrir espaço para a consideração das consequências de cada escolha interpretativa mas apenas no marco das possibilidades franqueadas pelo texto e pelo sistema constitucional como um todo Essa linha consequencialista moderada e não utilitarista é preferível às opções extremas a que atribui peso sempre decisivo às consequências de cada decisão e a que recusa a possibilidade de consideração das consequências práticas pelo julgador Por um lado não há sobretudo na seara constitucional como autorizar que o intérprete com base na sua avaliação pessoal das consequências passe por cima de texto constitucional expresso ou do sistema normativo Mas por outro lado não deve o intérprete se revelar insensível às questões e problemas práticos do mundo real com que se depara fechando os olhos para as consequências das suas decisões Aliás sob a égide de Constituição dirigente que se propõe a atingir determinados fins seria profundamente contraditório que se negasse ao intérprete a possibilidade de considerar os efeitos que as suas decisões tendem a produzir no sentido da efetiva realização daqueles fins Intérpretes constitucionais responsáveis não podem ignorar os efeitos das suas decisões Contudo as consequências das escolhas interpretativas devem ser avaliadas não a partir de pautas utilitaristas ou das preferências subjetivas de cada intérprete mas com base no sistema de valores da própria Constituição Ademais quando essas consequências envolverem questões empíricas controvertidas de natureza extrajurídica os juízes devem adotar uma postura de moderação e comedimento na sua avaliação tendo em vista os limites da sua capacidade institucional A questão da relação entre a interpretação constitucional e as capacidades institucionais do intérprete será analisada em outro item 1055 Interpretação da Constituição e argumentação moral O tema das relações entre o Direito e a Moral é talvez o mais complexo e polêmico da Filosofia do Direito e esse não é o espaço apropriado para examinálo Vale no entanto o registro de que as posições mais extremas nesse debate que separam ou fundem completamente essas esferas têm poucos defensores no contexto atual Como ressaltou Miguel Reale podese hoje afirmar a superação tanto das teorias que pretendem fornecer um paradigma ideal de justiça de validade universal seja ele concebido a partir da razão ou pretensamente inferido de dados empíricos como daquelas que apresentam a solução de compreender o ordenamento com abstração da ideia de justiça107 Por um lado o jusnaturalismo mesmo na sua versão racional moderna não reúne as condições necessárias para conferir legitimidade ao Direito no cenário das sociedades contemporâneas caracterizadas pelo pluralismo de visões de mundo Por outro a constatação de que o direito positivo pode assumir as feições mais monstruosas como ocorreu na Alemanha nazista torna imperativa a busca de algum fundamento moral para os ordenamentos cuja validade não pode repousar apenas na autoridade ou na força de quem edita as normas jurídicas Nesse cenário a interpretação constitucional tem operado como um veículo importante de aproximação entre o Direito e a Moral Alguns dos princípios morais mais importantes estão expressamente positivados em muitas das constituições contemporâneas A Constituição de 88 é repleta de exemplos Estado Democrático de Direito dignidade da pessoa humana igualdade solidariedade etc Portanto mesmo os que aderem ao postulado central do positivismo de inexistência de relação necessária entre o Direito e a Moral podem reconhecer a penetração da argumentação moral na interpretação da Constituição Afinal se o próprio texto constitucional expressamente incorpora normas revestidas de indiscutível conteúdo moral é inevitável que a interpretação da Constituição se deixe penetrar pelo debate moral Os princípios constitucionais funcionam muitas vezes como canais de comunicação entre o Direito e a Moral108 pois eles consagram com frequência direitos morais109 Para conferir densidade a princípios como a dignidade humana a liber dade a igualdade a República a democracia a interpretação constitucional não pode se desenvolver independentemente da argumentação filosófico moral110 Muitas das grandes questões do Direito Constitucional são também dilemas morais É a reconstrução da constelação de princípios constitucionais que permite a realização de uma leitura moral da Constituição111 O intérprete da Constituição e o filósofo político e moral lidam muitas vezes com as mesmas questões e seus argumentos se aproximam112 Casos como os referentes ao aborto do feto anencéfalo à pesquisa em célulastronco embrionárias às quotas raciais à união homoafetiva que foram ou serão decididos em breve pelo STF demandam necessariamente a consideração de argumentos morais Mesmo temas aparentemente não relacionados a questões transcendentais podem exigir a utilização ao lado de outros de argumentos próprios da filosofia política da filosofia moral ou da teoria da justiça Recordese por exemplo da controvérsia em torno da Emenda Constitucional nº 41 que promoveu a chamada taxação dos inativos no âmbito da reforma da Previdência Social113 Naquele julgamento foram manejados argumentos literais e de dogmática jurídica como o referente ao conceito de direito adquirido Contudo os argumentos de justiça social desempenharam também um papel importante Dentre os princípios invocados estava o princípio da solidariedade que além de estar expresso no art 3º I da Constituição Federal informa ainda o seu art 195 segundo o qual a seguridade social será financiada por toda a sociedade Se toda a sociedade deve contribuir para a formação do fundo que sustenta o pagamento dos benefícios previdenciários não há por que excluir os próprios beneficiários desse esforço comum Daí porque entendeu a Corte a questão não podia ser concebida em termos meramente comutativos deveria ser vista também a partir de critérios distributivos de justiça econômica114 Diversas correntes sustentam em bases diferentes a aproximação entre a interpretação constitucional e a argumentação moral Uma delas foi a chamada jurisprudência de valores que se desenvolveu na Alemanha depois da II Guerra Mundial O Tribunal Constitucional alemão desenvolveu a concepção de que a Constituição não é axiologicamente neutra mas sim uma ordem de valores que tem em seu centro a dignidade da pessoa humana que deve ser não apenas respeitada como também promovida e garantida pelos Poderes Públicos Os direitos fundamentais nessa perspectiva passaram a ser concebidos não como simples direitos de defesa diante do arbítrio estatal mas também como bens jurídicos que deveriam ser tutelados defendidos e otimizados Esses direitos passaram a gozar de uma eficácia irradiante que os transformou em vetores na interpretação do ordenamento infraconstitucional inclusive no campo do Direito Privado Essa teoria da ordem de valores ampliou significativamente o espaço da jurisdição constitucional possibilitando intervenções enérgicas da Corte Constitucional no controle da atuação dos demais poderes do Estado e dos próprios particulares justificadas em nome da proteção e promoção dos direitos fundamentais e da dignidade humana Embora a construção da teoria da ordem de valores tenha sido influenciada pelo jusnaturalismo que passou por um compreensível renascimento ao final da II Guerra Mundial ela não busca apoio numa moral imutável e suprahistórica mas sim em valores determinantes da cultura ocidental115 Nas palavras de Peter Häberle tratase dos valores de uma comunidade concreta e dos homens que vivem nela e que na sua Lei Fundamental fixaram os próprios parâmetros axiológicos116 A teoria da ordem de valores foi objeto de severas críticas de alguns segmentos da doutrina117 que apontaram problemas como a sua propensão a gerar anarquia metodológica e autoritarismo judicial Sem embargo o Tribunal Constitucional alemão foi desenvolvendo ao longo do tempo uma sofisticada metodologia muito baseada no princípio da proporcionalidade que será estudado no próximo capítulo o que contribuiu para aumentar a previsibilidade dos seus julgamentos e reduzir significativamente os riscos apontados pelos críticos da teoria em questão No cenário norteamericano a legitimidade do recurso à argumentação moral na interpretação da Constituição é objeto de intensa disputa Há os que o sustentam enfaticamente mas também os que o criticam acusandoo de antidemocrático e elitista por conferir a juízes não eleitos o papel de guias morais da vida nacional118 De todo modo não é incomum que os debates constitucionais travados naquele país inclusive no âmbito do Poder Judiciário resvalem para a discussão ética119 A mais conhecida teoria da interpretação constitucional aberta à moral no cenário norteamericano é a sustentada por Ronald Dworkin120 Numa síntese muito rápida podese dizer que Dworkin defende como ideal regulativo que cada caso difícil teria uma resposta correta a qual deve ser buscada pelo juiz por meio de um procedimento hermenêutico que leve em consideração elementos como o texto dos preceitos incidentes a sua história e os precedentes mas que procure sem ignorar esses dados tornar o Direito o melhor que ele pode ser no sentido da promoção da justiça Esta é a concepção do Direito como integridade Dworkin traça um paralelo entre a interpretação do Direito e a redação de um romance por vários autores na qual cada um escreve um capítulo tratase da teoria do romance em cadeia chain novel Quando um dos coautores do livro recebe o texto para elaborar o seu capítulo ele não pode ignorar tudo aquilo que já foi escrito pelos que o precederam na obra Mas pode fazer o melhor de si para que o seu capítulo agregandose aos demais torne o romance o melhor possível Da mesma maneira um juiz quando se depara com um caso difícil do Direito não pode partir do zero na busca da solução mais justa Ele tem obrigação de manter a coerência com o Direito já existente ao qual está vinculado mas deve esforçarse para interpretar este Direito sob a sua melhor luz para aproximálo ao máximo de um ideário de justiça que Dworkin associa ao tratamento de todas as pessoas com o mesmo respeito e consideração A interpretação do Direito e especialmente do Direito Constitucional é para Dworkin uma empreitada moral A correta interpretação da Constituição envolve a sua leitura moral Essa para o jurista norteamericano não é antidemocrática já que se volta à promoção do valor central da democracia que na sua ótica não é o predomínio da vontade das maiorias mas a igualdade Quando se fala da argumentação moral em sede constitucional podese discutir de que moral se está cogitando tratase da moralidade positiva correspondente aos valores dominantes numa dada sociedade ao seu ethos ou da moralidade crítica que se propõe a problematizar esses mesmos valores para aferir se são ou não justos121 A questão é complexa e delicada e não é possível respondêla em profundidade aqui mas tão somente fazer um brevíssimo comentário sobre o tópico Na nossa opinião o discurso constitucional não pode se divorciar completamente dos valores comunitários sob pena de perda de legitimidade da Constituição É fundamental que a Constituição exprima de alguma forma a identidade política e cultural do povo o que exige que a sua interpretação não se afaste dos valores compartilhados pela sociedade Mas por outro lado se a Constituição tem pretensões emancipatórias ela tampouco pode abdicar da tarefa de combater a opressão que está enraizada nas tradições e na cultura hegemônica Numa sociedade ainda hierárquica machista racista e homofóbica como a nossa prescrever para o intérprete constitucional a obediência cega aos valores comunitários significaria chancelar o status quo contra o qual o constitucionalismo democrático deve se insurgir Daí porque parecenos especialmente fértil o chamado aporte reconstru tivo na interpretação constitucional A ideia já discutida no Capítulo 5 é a de que o intérprete não ignore as tradições e a moralidade positiva mas busque os elementos mais emancipatórios dessas fontes potencializando os na arena hermenêutica A moralidade nessa perspectiva não deve ser buscada em qualquer tábua sagrada que paire acima da história e das relações sociais Algumas das suas sementes estarão plantadas no campo das lutas por inclusão e reconhecimento travadas na sociedade As tradições e a moralidade positiva não devem ser descartadas mas tampouco devem ser reverenciadas incondicionalmente mas sim lidas sob a sua melhor luz Em outras palavras a argumentação moral na interpretação constitucional deve se voltar à promoção do ideário do constitucionalismo igualitário e democrático mas sem desprezar a identidade históricocultural do povo Essa concepção não confunde o juízo descritivo sobre o que é a Constituição com o juízo prescritivo sobre como a Constituição deveria ser mas de alguma maneira os aproxima O argumento moral não permite que o intérprete atropele o texto constitucional inequívoco ignore o sistema ou as decisões básicas tomadas pelo constituinte Ele não respaldaria uma decisão que por exemplo reconhecesse em nome da promoção da igualdade e da justiça social a possibilidade de expropriação sem qualquer indenização de propriedades rurais que não cumprissem a função social tendo em vista o texto expresso da Constituição que prevê na hipótese o pagamento de indenização prévia em títulos públicos art 184 Mas o argumento moral dá ao intérprete a missão de buscar a resposta moralmente mais correta para cada caso no âmbito das possibilidades franqueadas pelo sistema constitucional Nessa ótica interpretar a Constituição é de certa maneira esforçarse para aproximá la da Justiça sem romper com os marcos normativos positivados pelo constituinte A argumentação constitucional não deixa de ser um tipo especial altamente institucionalizado e formalizado de argumentação moral122 em que a busca da justiça se dá num ambiente marcado por vários constrangimentos e limitações à ação do intérprete decorrente de elementos como o texto e sistema constitucional os quais vinculam o debate moral É verdade que a aceitação da maior permeabilidade da interpretação constitucional a juízos morais envolve riscos O maior deles é o de se permitir que por essa via os juízes imponham os seus próprios valores aos poderes eleitos e ao povo convertendo a democracia num governo elitista de sábios de toga Há algumas maneiras de minimizar esse risco das quais duas merecem destaque A primeira já discutida acima é não conceber a hermenêutica constitucional como um espaço privilegiado do Supremo Tribunal Federal recusandose a ideia de monopólio interpretativo judicial e mesmo a sua versão mais branda de monopólio de última palavra Nessa perspectiva a interpretação constitucional é concebida sim como uma empreitada moral mas nela estão também engajados além dos juízes a sociedade civil os demais poderes do Estado os movimentos sociais e a academia em permanente diálogo controlandose reciprocamente e aprendendo uns com os outros nas suas interações O segundo instrumento é metodológico Devese cobrar cada vez maior rigor metodológico na interpretação constitucional feita pelo Poder Judiciário para evitar o decisionismo e a invocação meramente retórica e não fundamentada de valores e princípios vagos para evitar que a abertura à argumentação moral se converta numa boa desculpa para o obaoba constitucional escondido sob uma fachada politicamente correta 1056 Consideração das capacidades institucionais Os intérpretes da Constituição não são deuses infalíveis mas agentes humanos concretos com virtudes e deficiências Além disso esses intérpretes atuam em geral no interior de instituições como os Poderes Judiciário e Legislativo que também têm qualidades e fragilidades próprias Não bastasse eles operam seguindo determinados procedimentos como o processo judicial no caso dos juízes que podem lhes impor limitações importantes O ponto central que se pretende desenvolver neste item é que todas essas questões devem ser devidamente consideradas na definição da filosofia ou do método mais apropriado para a interpretação constitucional de cada agente Nesta perspectiva uma boa teoria não é aquela que parte da idealização da figura do intérprete mas a que se baseia numa visão mais realista sobre as suas capacidades institucionais123 Por exemplo uma teoria hermenêutica construída a partir de uma imagem romantizada do juiz pode produzir maus resultados quando manejada por magistrados de carne e osso que não correspondam àquela idealização em razão do risco elevado de que errem na sua aplicação Pode ser preferível adotar uma teoria alternativa que talvez não permita ao juiz excepcional mostrar todo o seu talento e sabedoria para chegar a um resultado ótimo mas que minimize as chances de erros graves pelos juízes menos capazes No cômputo geral podese ganhar com isso E o mesmo vale para os legisladores dirigentes de agências reguladoras e todos os demais intérpretes da Constituição Vejase por exemplo a questão da sobrecarga de trabalho dos juízes Se os magistrados brasileiros têm de julgar uma enorme quantidade de processos por dia é evidente que por mais esforçados que sejam não terão as condições necessárias para se engajarem em procedimentos complexos para a resolução de cada caso Daí a necessidade de teorias hermenêuticas que possam funcionar bem no contexto da jurisdição de massa Teorias jurídicas que demandem sempre um exame exaustivo das singularidades de cada hipótese em busca da justiça ideal para o caso concreto talvez não sejam adequadas a esse contexto Sempre haverá alguns casos muito delicados ou complexos em que esse esforço adicional estará justificado mas é essencial nesses sistemas que a maioria das situações que chegam quotidianamente às barras dos tribunais possa ser resolvida de forma mais singela com a subsunção a regras e a observância de precedentes Por outro lado os juízes brasileiros de um modo geral estão bem aparelhados para o enfrentamento de questões jurídicas mas quase nada sabem sobre outros campos da saber A formação nas faculdades jurídicas brasileiras nada tem de interdisciplinar e o processo de recrutamento dos magistrados de carreira tem aferido apenas o conhecimento do direito positivo Ocorre que cada vez mais o Judiciário é chamado para solucionar questões extremamente complexas que demandam o domínio de outros ramos do conhecimento humano No caso do controle de políticas públicas por exemplo sabese que a sua elaboração e implementação dependem para o seu êxito do emprego de conhecimentos específicos Os poderes Executivo e Legislativo possuem em seus quadros pessoas com a necessária formação especializada para assessorálos na tomada das complexas decisões requeridas nessa área que frequentemente envolvem aspectos técnicos econômicos e políticos diversificados O mesmo não ocorre no Judiciário Os juízes não têm em regra tais conhecimentos especializados necessários nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliação das políticas públicas Isto não significa que o Poder Judiciário não possa apreciar a constitucionalidade de políticas públicas No sistema jurídico brasileiro vigora o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional art 5º XXXV CF Sem embargo um ativismo do Poder Judiciário nessa matéria que ignorasse o déficit de expertise dos juízes e não envolvesse certa deferência diante das valorações feitas pelos especialistas dos órgãos estatais competentes provavelmente produziria péssimos resultados124 As intenções poderiam ser até as melhores mas no final o voluntarismo judicial poderia comprometer a própria realização eficiente dos valores constitucionais em jogo Imaginese a seguinte hipótese a Constituição consagra como princípio da ordem econômica a busca do pleno emprego art 170 VIII e é sabido que as taxas de juros praticadas no mercado têm direta relação com a realização concreta deste objetivo constitucional Existe um órgão público vinculado ao Banco Central o Comitê de Política Monetária COPOM que tem dentre as suas atribuições a fixação da taxa básica de juros As decisões do COPOM com muita frequência geram polêmica entre os especialistas devidamente noticiadas nas páginas econômicas dos jornais há sempre os que acham que a taxa fixada foi alta demais desacelerando indevidamente as atividades econômicas enquanto outros consideram que ela foi muito baixa promovendo a inflação Figurese uma impugnação judicial à decisão do COPOM em que se alegasse afronta ao princípio constitucional da busca do pleno emprego As decisões que fixam a taxa básica de juros têm gravíssimas repercussões na Economia e são adotadas após atento exame de múltiplas variáveis econômicas Esse exame pressupõe naturalmente profundos conhecimentos técnicos que os juízes diferentemente dos membros do COPOM não possuem Por isso converter o Poder Judiciário no árbitro dessa questão seria uma péssima ideia Provavelmente as suas intervenções ainda que muito bemintencionadas causariam muito mais dano do que vantagens para a Economia e para o próprio princípio constitucional da busca do pleno emprego Finalmente há também as limitações resultantes da dinâmica dos processos judiciais Esses como se sabe foram pensados e estruturados com foco nas questões bilaterais da justiça comutativa em que os interesses em disputa são apenas aqueles das partes devidamente representadas125 Contudo a problemática enfrentada por juízes em processos em que se discutem por exemplo políticas públicas ou regulação econômica envolve sobretudo questões de justiça distributiva de natureza multilateral Para equacionar conflitos desta natureza a tomada de boas decisões pressupõe a capacidade do agente de formar uma adequada visão de conjunto o que é muito difícil de se conseguir no âmbito da jurisdição Essa com os prazos formalidades e limitações a que se sujeita está longe de ser o ambiente mais propício para isso por não proporcionar pleno acesso à gama de informações dados e pontos de vista existentes sobre aspectos controvertidos nem possibilitar a participação de todos os agentes que têm algo a ganhar ou a perder Na verdade o processo judicial tende a gerar uma visão de túnel em que diversos elementos importantes para uma decisão bem informada tendem a ser eliminados do cenário enquanto o foco se centra sobre outros não necessariamente os mais relevantes126 É claro que este déficit pode e deve ser atenuado com a adoção de medidas como a realização de audiências públicas e perícias a admissão de amici curiae etc Ainda assim para muitas questões que hoje são judicializadas as ações judiciais permanecem sendo uma via deficiente Por outro lado da mesma maneira que não se deve idealizar a capacidade dos juízes na escolha da mais adequada postura hermenêutica tampouco se deve fazêlo em relação aos demais agentes estatais Seria pouco realista por exemplo adotar no Brasil uma teoria como o constitucionalismo popular127 de autores como Jeremy Waldron Mark Tushnet e Larry Kramer que enfatizam a dignidade da legislação para postularem a retirada da Constituição dos tribunais e sua devolução ao próprio povo com base no argumento de que faltaria ao Judiciário a legitimidade democrática para dar a última palavra em matéria de interpretação constitucional128 As conhecidas mazelas do nosso Poder Legislativo tornam injustificável qualquer confiança excessiva no processo político como meio exclusivo de garantia da Constituição Ademais uma teoria atenta às capacidades institucionais dos juízes poderia recomendar em determinados contextos não uma postura deferente em relação às decisões dos outros poderes do Estado mas exatamente o oposto Pensamos que este é o caso das questões que atinjam minorias estigmatizadas no processo político como os presos ou os homossexuais Para lidar com tais questões o processo político majoritário não costuma ser um ambiente institucional ideal Nessa seara o relativo insulamento do Judiciário diante das pressões das maiorias sociais bem como o seu ethos profissional de defesa de direitos são bons argumentos para justificar uma postura mais ativista A adoção pelo Judiciário de uma orientação mais ativista ou mais autocontida deve depender dentre outros fatores da avaliação das suas capacidades institucionais Isso no entanto nem sempre é observado pelos magistrados Vejase por exemplo o voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto Direito no julgamento sobre a constitucionalidade das pesquisas de célulastronco embrionárias129 em que um dos argumentos usados pelo Ministro para invalidar a autorização concedida pelo legislador para realização das referidas pesquisas envolveu tomada de posição altamente controversa sobre questão de natureza eminentemente científica A maior parte da comunidade científica considera que as pesquisas importam necessariamente na eliminação do pre embrião mas o Ministro sustentou posição diversa defendendo a partir daí a inconstitucionalidade das pesquisas que resultassem nessa eliminação No mesmo julgamento e de forma mais sensata e autocontida a Ministra Ellen Gracie evitou penetrar nessa discussão consignando a Casa não foi chamada a decidir sobre a correção ou superioridade de uma corrente científica sobre as demais Volto a frisar que não somos uma casa de Ciência A ação ao final foi julgada integralmente improcedente A questão das capacidades institucionais foi expressamente considerada pelo STF no também polêmico caso da extradição de Cesare Battisti A Corte por maioria deferira a extradição requerida pela Itália mas o Presidente da República resolvera não realizála Firmada a premissa de que a decisão do STF no processo extradicional não obriga a realização da extradição pelo Chefe de Estado mas apenas a faculta passouse a discutir a possibilidade de controle jurisdicional do ato do Presidente que se negara a extraditar Cesare Battisti O voto que desempatou o julgamento130 mantendo o ato presidencial impugnado foi proferido pelo Ministro Luiz Fux e um dos seus fundamentos foi a consideração de que faltaria ao STF a capacidade institucional de se imiscuir em questões de relações internacionais O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões polí ticas na esfera internacional competindo esse mister ao Presidente da República eleito de mocraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior aplicável in casu a noção de capacidades institucionais cunhada por Cass Sunstein e Adrian Vermeulle Não por acaso diretamente subordinado ao Presidente da República está o Ministério das Relações Exteriores com profissionais capacitados para informálo a respeito de todos os elementos de política internacional necessários à tomada desta sorte de decisão Com efeito é o Presidente da República que se encontra com os Chefes de Estado estrangeiros que tem experiência em planejar suas decisões com base na geografia política e que portanto tem maior capacidade para prever as conseqüências políticas das decisões do Brasil no plano internacional Em síntese a hermenêutica constitucional não deve ser construída a partir de idealizações contrafáticas dos intérpretes No debate jurídico brasileiro é preciso superar a miopia em relação às capacidades institucionais reais dos agentes que inter pretam e aplicam as normas para construir teorias mais realistas que possam produzir na prática resultados que de fato otimizem os valores constitucionais 106 Princípios específicos de interpretação constitucional Como antes salientado a interpretação constitucional tem especificidades o que tem levado a doutrina a formular catálogos de princípios específicos de interpretação constitucional No Brasil duas listas de princípios lograram ampla penetração a elaborada pelo jurista alemão Konrad Hesse131 que aludiu aos princípios da unidade da Constituição da concordância prática d a correção funcional da eficácia integradora da força normativa da Constituição e da interpretação conforme à Constituição e que foi adotada por diversos autores brasileiros e a formulada por Luís Roberto Barroso132 que elencou os princípios da supremacia da Constituição da presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público da interpretação conforme à Constituição da razoabilidade e da proporcionalidade que ele considera fungíveis e da efetividade Ambas as listas têm grandes méritos Nada obstante nós proporemos um elenco próprio de princípios de hermenêutica constitucional que engloba os seguintes 1 unidade da Constituição 2 força normativa da Constituição 3 correção funcional 4 razões públicas 5 cosmopolitismo ético 6 interpretação conforme à Constituição 7 presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos 8 proporcionalidade 9 razoabilidade e 10 ponderação de interesses Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade serão examinados no Capítulo 11 e a ponderação de interesses no Capítulo 12 1061 Princípio da unidade da Constituição e concordância prática O princípio da unidade da Constituição deriva do elemento sistemático de interpretação constitucional De acordo com o princípio da unidade a Constituição deve ser interpretada não como conjunto assistemático de preceitos mas como um todo integrado de normas que se completam e se limitam reciprocamente Como esclarecia Hesse a conexão e a interdependência dos elementos individuais da Constituição fundamentam a necessidade de olhar nunca somente a norma individual senão sempre também a conexão total na qual ela deve ser colocada133 O Tribunal Constitucional alemão chegou a afirmar que o princípio mais importante da interpretação é a unidade da Constituição como unidade de um conjunto com sentido teleológico lógico já que a essência da Constituição consiste em ser uma ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal134 Um dos corolários do princípio da unidade da Constituição é a inexistência de hierarquia formal entre as normas que compõem o texto constitucional originário razão pela qual inexiste em nosso sistema a possibilidade de que uma norma constitucional originária seja declarada inválida por violar um preceito constitucional fundamental Essa é posição da jurisprudência do STF 135 O tema será aprofundado no Capítulo 12 A inexistência de hierarquia formal entre as normas constitucionais não impede porém que se reconheça entre essas normas uma hierarquia material136 Há normas mais importantes do que outras O direito à vida e o princípio da dignidade humana possuem por exemplo um peso abstrato maior do que o princípio da eficiência administrativa e o direito de propriedade Essa hierarquia material deve ser especialmente considerada em casos de conflitos normativos em que se recorre à ponderação de interesses O fato de um princípio possuir maior peso abstrato é elemento que favorece a que ele prevaleça na ponderação Porém reconhecer que um princípio possui maior peso abstrato do que outro não significa que ele sempre vai preponderar na ponderação realizada em casos concretos Isso dependerá de outros elementos como a intensidade com que cada um dos princípios seja afetado no caso A prevalência abstrata do direito à vida sobre o direito ao lazer não legitima o Estado por exemplo a proibir terminantemente a prática de esportes arriscados como o paraquedismo ou o montanhismo O tema será detidamente analisado no Capítulo 12 Na jurisprudência do STF o reconhecimento da existência de hierarquia material costuma legitimar a utilização do parâmetro da interpretação restritiva das exceções A norma constitucional originária que excepciona princípio constitucional provido de hierarquia material superior deve ser interpretada restritivamente Foi o que ocorreu por exemplo com o art 37 IX da Constituição que confere ao legislador a tarefa de estabelecer hipóteses de contratação de servidor público por tempo determinado sem concurso público para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público O STF após reafirmar a obediência cogente à regra geral de concurso público impôs a interpretação restritiva do preceito137 O mesmo foi feito em relação à impossibilidade de se utilizar a garantia do habeas corpus para impugnar prisão administrativa disciplinar de militares A Corte interpreta restritivamente essa exceção à incidência de uma garantia fundamental consagrada no art 142 2º do texto constitucional apesar de o mérito do ato punitivo não poder ser controlado via habeas corpus o instrumento tem sido regularmente utilizado para se verificar a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade a hierarquia o poder disciplinar o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente138 Embora por conta do princípio da unidade as normas impugnadas nessas duas hipóteses não possam ser declaradas inconstitucionais já que compõem o texto originário da Constituição impõese a sua interpretação restritiva O princípio da unidade da Constituição não é incompatível com o reconhecimento da existência de tensões entre os valores constitucionais de colisões entre as suas normas139 Mas ele impõe que tais colisões sejam equacionadas com base em critérios também ancorados na própria Constituição Um desses critérios é a imposição ao intérprete de que busque a harmonização de normas constitucionais em conflito Em outras palavras o intérprete deve perseguir a concordância prática entre normas constitucionais que estejam em tensão buscando preservar ao máximo possível os valores e interesses que lhes são subjacentes Há autores como Konrad Hesse e Canotilho que atribuem à concordância prática a estatura de princípio autônomo de hermenêutica constitucional Outros como Barroso a inserem no âmbito do princípio da unidade da Constituição como fazemos aqui A questão de saber se a concordância prática é princípio autônomo ou está contido no princípio da unidade da Constituição é de caráter nominalista sendo desprovida de maior importância O que importa é ressaltar o dever do intérprete de buscar a harmonização possível entre preceitos constitucionais em tensão Nas palavras de Canotilho o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns e relação aos outros140 Desde que sejam compatíveis com as possibilidades textuais e sistemáticas da Constituição as soluções das tensões entre normas constitucionais devem manter na maior extensão possível a proteção a cada um dos bens jurídicos envolvidos Concebida nesses termos a concordância prática não é incompatível com a ideia de ponderação de interesses muito embora alguns dos seus adeptos não aceitem a técnica da ponderação141 Exemplo desse tipo de harmonização é o conhecido caso da greve de fome apreciado pelo Tribunal Constitucional espanhol em 1990142 Um grupo de detentos ligados aos GRAPO Grupos Revolucionarios Antifascistas Primero de Octubre iniciou uma greve de fome para protestar contra a transferência de alguns deles para outro estabelecimento prisional Partindo do pressuposto de que os detentos não poderiam abrir mão da própria vida a administração prisional pretendia alimentálos à força Estavam em choque a liberdade de consciência e expressão e o direito à vida e à saúde ambos titularizados pelos próprios detentos A solução encontrada foi determinar que os grevistas só fossem alimentados a partir do momento que perdessem a consciência Enquanto os detentos mantivessem a consciência e pudessem manifestar seu pensamento garantiase a sua liberdade de manifestação mas quando perdessem a consciência seriam alimentados Com isso a Corte espanhola procurou preservar simultaneamente os dois grupos de princípios que estavam em colisão ao invés de optar por um deles em detrimento de outro Um caso interessante de emprego da concordância prática no STF envolveu a intimação de liderança indígena para depor em Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Estado de Roraima143 De um lado a Constituição assegura às CPIs o poder de investigação próprio das autoridades judiciais art 58 3º o que lhes permite convocar testemunhas Por outro existe o direito dos indígenas à sua cultura e a permanecer em suas terras protegido pelos arts 215 216 e 231 da Constituição O depoimento de indígena que não está incorporado à sociedade envolvente e não partilha dos costumes ocidentais fora de seu habitat e sem qualquer assistência poderia significar grave violência expondoo a sérios constrangimentos O STF apreciando um habeas corpus impetrado em favor do líder indígena adotou solução para o caso que conciliava as normas constitucionais em tensão permitiu o depoimento mas apenas no interior das terras indígenas e com a presença de representante da FUNAI e de antropólogo com conhecimento da comunidade étnica em questão144 A exigência da harmonização ou concordância prática das normas constitucionais tem em seu cerne a ideia de coerência Isso não quer dizer que o sistema constitucional seja absolutamente coerente desprovida de tensões internas Os valores que o sistema constitucional abarca são muitas vezes contraditórios entre si O pluralismo de valores constitucionais145 é resultado também do pluralismo político que teve lugar durante o momento constituinte146 Como já consignado a Constituição Federal de 1988 é uma Constituição compromissória de cuja elaboração participaram forças políticas divergentes quando não antagônicas No entanto reconhecer a tendência de que essas colisões ocorram não é contraditório com o estabelecimento para o intérprete do dever de buscar reduzir ditas tensões e realizar simultaneamente na medida do possível os interesses constitucionais em conflito A reconstrução do sistema constitucional como um sistema coerente a partir dos princípios constitucionais fundamentais é uma tarefa permanente da interpretação constitucional147 1062 Princípio da força normativa da Constituição Como já ressaltado no Capítulo 1 a Constituição é uma autêntica norma jurídica e não uma mera proclamação política Não obstante durante muito tempo com a singular exceção dos Estados Unidos os textos constitucionais não eram vistos como normas jurídicas mas como documentos que deveriam inspirar o legislador O Direito era legicêntrico gravitava em torno das leis sobretudo dos códigos e a Constituição não era aplicada no dia a dia nem utilizada pelos tribunais para limitar a discricionariedade do Legislativo Esse quadro se alterou significativamente no mundo sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial No Brasil a mudança foi mais recente Embora já contássemos com a existência de instrumentos de controle de constitucionalidade desde a proclamação da República nossa cultura jurídica hegemônica não atribuía estatura jurídica às normas constitucionais As constituições eram pródigas na consagração de direitos que quase nunca saiam do papel Nosso constitucionalismo padecia de um gravíssimo déficit de efetividade que se devia em parte a essa antiquada concepção sobre o papel da Constituição O cenário vem se alterando significativamente após o advento da Constituição de 88 Embora ainda exista uma grande distância entre os valores constitucionais e a realidade a cultura jurídica hoje hegemônica vê na Constituição uma norma jurídica de verdade que deve ser efetivada por meio de diversos mecanismos dentre os quais desponta a jurisdição constitucional É nesse cenário que faz sentido discutir o princípio da força normativa da Constituição também conhecido como princípio da máxima efetividade da Constituição A preocupação com a efetivação da Constituição foi claramente revelada pelo próprio poder constituinte originário em aparente reação à tradição jurí dica nacional que tendia a tornar a aplicação concreta dos ditames constitucionais sempre dependente de ulterior regulamentação em sede legal Nesse sentido o texto constitucional consagrou o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais art 5º 1º e instituiu duas novas ações constitucionais voltadas ao propósito de efetivação da Constituição a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão art 103 2º e o mandado de injunção art 5º LXXI O princípio da força normativa prescreve que seja preferida a interpretação que confira maior efetividade à Constituição na resolução dos problemas jurídicoconstitucionais deve ser dada a preferência àqueles pontos de vista que sob os respectivos pressupostos proporcionem às normas da Constituição força de efeito ótima148 Se determinada norma constitucional se abre a diversas interpretações cabe ao intérprete optar pela que produza mais efeitos práticos concretos Sempre que possível o intérprete deve evitar classificar os preceitos constitucionais por meio de conceitos que esvaziam a sua normatividade como os de norma de eficácia limitada ou norma programática examinados no capítulo anterior O princípio é frequentemente utilizado pelo Supremo Tribunal Federal Foi invocado por exemplo para sustentar a tese da possibilidade de rescisão da coisa julgada inconstitucional O princípio da máxima efetividade foi mencionado especificamente para afastar a aplicação da Súmula nº 343 do próprio STF de acordo com a qual não cabe ação rescisória quando a decisão que se pretende rescindir seja contrária à interpretação controversa nos tribunais à época em que foi prolatada A rescisória só seria cabível na hipótese de violação de literal disposição de lei CPC art 485 V não servindo para desconstituir decisão que optou por uma das interpretações a que se abre o texto normativo Afastando a aplicação da súmula a Corte entendeu caber ação rescisória quando o aresto impugnado fosse contrário à interpretação da Constituição adotada de modo definitivo em suas decisões149 Isso ocorreu com fundamento no princípio de interpretação ora examinado A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação constitucional revelase afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional150 Quando a controvérsia interpretativa sobre a Constituição tiver sido superada pelo STF a ação rescisória é cabível mesmo que a decisão rescindenda tenha optado por outra interpretação também compatível com o texto constitucional O princípio da máxima efetividade foi suscitado pelo STF também para determinar que com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 a transição para o novo sistema constitucional deveria darse da forma mais célere possível Por isso o STF decidiu que na substituição dos membros dos tribunais de contas deveriam ser escolhidos prioritariamente aqueles oriundos da Auditoria ou do Ministério Público até que se atingissem os percentuais previstos na Constituição Federal de 1988151 Confirase Na solução dos problemas de transição de um para outro modelo constitucional deve prevalecer sempre que possível a interpretação que viabilize a implementação mais rápida do novo ordenamento Para implementar tão rapidamente quanto possível o novo modelo constitucional nas primeiras vagas ocorridas a partir de sua vigência a serem providas pelo chefe do Poder Executivo a preferência deve caber às categorias dos auditores e membros do Ministério Público especial152 Uma das mais importantes alterações jurisprudenciais no STF foi motivada pela preocupação com a força normativa da Constituição Tratase da mudança de entendimento da Corte a propósito do mandado de injunção ocorrida no ano de 2007 O texto constitucional não estabeleceu o caráter da decisão proferida nesse remédio constitucional limitandose a definir o seu cabimento sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Diante desse silêncio o STF entendeu inicialmente que ao julgar o mandado de injunção seu papel era apenas o de notificar a entidade em mora na elaboração do ato normativo necessário à fruição do direito constitucional153 Para a Corte não seria possível adotar providência concreta viabilizando o gozo imediato do direito constitucional pelo impetrante nem tampouco definir a disciplina provisória da matéria de modo a suprir a omissão do legislador até o advento da norma regulamentadora Tais providências seriam na concepção do Tribunal incompatíveis com o princípio da separação de poderes A consequência prática da adoção desse entendimento foi o radical esvaziamento do mandado de injunção que não funcionava como mecanismo capaz de proporcionar maior efetividade constitucional nas hipóteses de omissão legislativa Esse entendimento jurisprudencial foi superado em 2007 quando o STF passou a entender que diante de inconstitucionalidade por omissão que prejudique a fruição de direito constitucional a Corte pode proferir uma decisão aditiva definindo as regras que permitiriam o imediato gozo do direito em questão até o advento da norma regulamentadora Isso aconteceu em mandados de injunção relacionados ao exercício do direito de greve por servidores públicos em que o STF determinou que até a edição da lei regulamentadora tal direito já poderia ser exercido observados os limites impostos pela Lei nº 778389 que trata da greve de serviços essenciais no setor privado154 Em outros casos a Corte adotou decisão viabilizando o gozo do direito constitucional em discussão mas apenas para o impetrante do mandado de injunção e não para terceiros sem editar portanto norma provisória dotada de caráter geral155 Subsiste controvérsia na Corte sobre qual dessas orientações seria a mais adequada a concretista geral que permite a formulação judicial de uma norma geral provisória ou a concretista individual que apenas viabiliza o gozo do direito pelos impetrantes Sem embargo para qualquer dessas concepções o STF pode ir muito além da simples notificação do órgão em mora na edição da norma regulamentadora da Constituição atuando mais enfaticamente no sentido da efetivação da vontade constitucional Nada obstante apesar de frequentemente invocar o princípio o STF nem sempre opta pela solução que confere maior efetividade ao texto constitucional O direito de greve dos servidores públicos agora concretizado em sede de mandado de injunção é um exemplo De acordo com o art 37 VII da Constituição o direito de greve deve ser exercido pelo servidor público nos termos e nos limites de lei específica Muito antes do julgamento dos mandados de injunção de 2007 acima referidos o STF manifestou o entendimento de que o preceito em questão teria con dicionado o exercício do direito de greve pelo servidor público à futura edição de lei Tratarseia de norma de eficácia limitada156 Por conta dessa orientação os servidores não puderam por muito tempo exercer o seu direito de greve sob o amparo da Constituição Houve contudo quem propusesse já naquela época com base no princípio da máxima efetividade que o preceito fosse interpretado como norma de eficácia contida157 A lei teria como função limitar o exercício do direito criando por exemplo critérios para definir atividades básicas que não poderiam ser suspensas Essa segunda proposta interpretativa ao contrário do que ocorria com a primeira estava de acordo com o que prescrevia o princípio da máxima efetividade pois permitiria a incidência imediata da norma constitucional No caso a solução que conferisse maior eficácia à Constituição seria tanto mais requerida por se tratar de direito fundamental cabendo a aplicação do art 5º 1º segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata158 O mesmo ocorreu na jurisprudência relativa ao antigo limite de 12 de juros anuais estabelecido no art 192 3º da Constituição Federal já revogado pela Emenda Constitucional nº 40 embora aqui não estivesse diretamente em causa direito fundamental O STF considerou tal dispositivo norma de eficácia limi tada159 a despeito de o texto constitucional comportar e até sugerir interpretação inversa O preceito tinha a seguinte redação As taxas de juros reais nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades nos termos que a lei determinar A lei era requerida para a nova definição do crime de usura não para a fixação do conceito de juros reais mais do que conhecido na seara econômica O que de fato prevaleceu na hipótese foi um juízo quanto à inconveniência de se prever no texto constitucional limite de taxa de juros e quanto aos possíveis efeitos econômicos negativos da decisão da Corte O caso se enquadra na hipótese de criptoconsequencialismo referida em item anterior deste capítulo Cabe uma advertência final a propósito do princípio da força normativa da Constituição A literatura jurídica brasileira ao estudar esse princípio dá grande ênfase ao papel do Poder Judiciário na efetivação constitucional Não há dúvida de que o papel do Judiciário nesse campo é realmente fundamental Porém não há como efetivar uma Constituição sem a mobilização ativa da cidadania e sem que a ativi dade política seja também inspirada pelos valores constitucionais É inocência supor que seja possível efetivar a Constituição apenas pela via da atividade jurisdicional 1063 Princípio da correção funcional De acordo com o princípio da correção funcional ou conformidade funcional na interpretação da Constituição devese verificar qual é o espaço institucional próprio de cada poder Tratase de corolário do princípio da separação de poderes A interpretação deve procurar manter o sistema de repartição de funções estatais tal como concebido no texto constitucional Não podem ser admitidos resultados que desconsiderem a vocação de cada um dos órgãos do Estado o tipo de legitimação que caracteriza suas decisões bem como as capacidades institucionais que reúne Hesse define o princípio da seguinte maneira Se a Constituição ordena a respectiva tarefa e a colaboração dos titulares das funções estatais de uma determinada forma então o órgão interpretador tem de manterse no quadro das funções a ele atribuídas ele não deve pela maneira e pelo resultado de sua interpretação remover a distribuição das funções160 Em atenção ao princípio da conformidade funcional o Poder Judiciário não deve exercer a não ser em circunstâncias bastante excepcionais a atividade de criação de normas jurídicas Duas razões básicas militam para que o Judiciário a pretexto de interpretar a Constituição não se converta em verdadeiro legislador ele não tem a legitimidade democrática para isso porque seus membros não são eleitos pelo povo e também não possui a capacidade institucional necessária para fazer todas as avaliações e prognoses que atividade normativa requer Sem embargo a teoria constitucional contemporânea vem flexibilizando esta ideia Atualmente abrandouse por exemplo a distinção tradicional que se estabelecia entre a função do legislador negativo pertinente à jurisdição constitucional e a do legislador positivo que lhe seria estranha Diziase até pouco tempo atrás que a jurisdição constitucional permitiria ao Poder Judiciário atuar apenas como legislador negativo retirando do ordenamento as leis contrárias à Constituição mas nunca como legislador positivo criando novas normas jurídicas Sabese hoje porém que a atividade interpretativa tem também uma dimensão criativa Nesse contexto uma distinção tão radical entre a função do legislador negativo e positivo deixa de fazer sentido Com efeito há situações em que certas providências normativas são claramente exigidas pela Constituição e nessas hipóteses também se atenua a restrição à atividade normativa do Poder Judiciário Há por isso uma tendência em se admitir em certos contextos que sejam proferidas decisões dotadas de algum caráter normativo que não se limitam a expurgar do ordenamento normas contrárias à Constituição mas também fixam regras a serem observadas em casos futuros Nos mandados de injunção sobre direito de greve dos servidores públicos foi exatamente isso o que ocorreu É também o que se deu na edição de algumas súmulas vinculantes como a que restringiu o uso de algemas161 Dentre essas hipóteses de atuação judicial heterodoxa figuram as chamadas decisões de efeito aditivo que nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes ocorrem quando a corte constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa mas pelo que omite alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência162 Nesse sentido se encaminha por exemplo a mudança sobre a compreensão do papel do Poder Judiciário diante de violações ao princípio da isonomia No passado entendiase que o Judiciário não poderia jamais se valer deste princípio para estender a terceiros algum benefício concedido pelo legislador sob pena de ofensa à separação de poderes Havia até uma súmula consagrando esse entendimento em relação aos servidores públicos Não cabe ao Poder Judiciário que não tem função legislativa aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia Hoje se considera que há hipóteses em que a extensão de benefícios pode se justificar dependendo dos interesses constitucionais em jogo163 Imaginese o caso de um aumento de remuneração que fosse concedido a todos os servidores salvo àqueles filiados a um determinado partido político de oposição Seria absurdo numa hipótese como essa negarse ao Poder Judiciário em nome do dogma do legislador negativo a possibilidade de estender o benefício aos que foram injustamente preteridos Essas decisões normativas que fogem da ortodoxia em matéria de separação de poderes até são possíveis no nosso entendimento mas não devem ser banalizadas Sempre que viável devem ser preferidas técnicas decisórias que não transfiram competências legislativas para o Judiciário Pode se recorrer por exemplo a técnicas que apelem ao diálogo entre as instituições dandose a possibilidade de que o próprio Poder Legislativo formule uma solução alternativa para o problema constitucional encontrado pelo Judiciário no marco das possibilidades estabele cidas pela Constituição Vejase o famoso caso Government of the Republic of South África v Grootboom164 decidido pela Corte Constitucional da África do Sul que envolveu o direito fundamental à moradia A Corte a partir de caso concreto considerou que as políticas públicas do país em matéria de proteção à moradia não eram constitucionais porque não davam a devida atenção à situação dos miseráveis Ao invés de invalidar as normas que consagravam essa política pública o que agravaria mais ainda o problema existente ou de definir uma nova política pública sobre o tema o que a Corte sequer teria capacidade técnica para fazer ela instou o legislador sulafricano a elaborar novas regras sobre a moradia que atribuíssem um peso mais decisivo aos interesses das camadas mais pobres da população O Tribunal não encerrou o processo ali numa exortação ao legislador O processo teve curso e o Tribunal Constitucional passou a acompanhar a definição dessa nova política pública com o auxílio da Comissão de Direitos Humanos do país órgão independente com expertise na matéria com o objetivo de aferir se ela satisfazia ou não os imperativos constitucionais reconhecidos judicialmente A tendência à superação dogma do legislador negativo na jurisdição constitucional não pode contudo chegar ao ponto de ignorar a distinção de papéis entre o legislador e o Judiciário na concretização da Constituição Foi o que ocorreu quando do julgamento da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol165 em que o STF apesar de manter a demarcação feita no caso concreto pela FUNAI estabeleceu 18 condições gerais e abstratas para futuras demarcações que sequer tinham sido debatidas naquele feito algumas delas instituindo severas limitações aos direitos fundamentais dos indígenas O Tribunal agiu como um autêntico legislador aparentemente por entender que existiriam supostos abusos do governo na demarcação de terras indígenas A condição nº 5 por exemplo estabeleceu que a instalação das bases unidades e postos militares e demais intervenções militares a expansão estratégica da malha viária a exploração de alternativas estratégicas de cunho energético e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes o Ministério da Defesa o Conselho de Defesa Nacional serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI Esse tipo de atividade normativa que não parte do exame do caso concreto ainda mais quando se volta contra os direitos fundamentais e os interesses de minorias temas em que se admite uma intervenção judicial mais enérgica está em franco desacordo com o princípio da conformidade funcional A correção funcional também limita os poderes Executivo e Legislativo que tampouco podem a pretexto de interpretar a Constituição invadir as competências conferidas ao Poder Judiciário Foi por isso que o STF por exemplo inadmitiu que medidas provisórias pudessem ser usadas com a finalidade de declarar a inconstitucionalidade de outras normas legais Entendeu a Corte que não é papel do governo ou do legislador declarar a inconstitucionalidade de norma Nessa perspectiva uma nova lei produz efeitos prospectivos podendo revogar a lei anterior que disciplinava a matéria mas não declarar a sua nulidade166 As razões que justificam essa orientação não são de natureza lógica mas prudencial Hipoteticamente dada a nulidade das leis inconstitucionais não haveria qualquer incongruência em se reconhecer a qualquer órgão estatal a faculdade de afirmála Ocorre que o controle de inconstitucionalidade de atos normativos exercido a posteriori por órgãos políticos geraria enorme insegurança jurídica e grave risco de abusos Criarseia com a admissão dessa faculdade a possibilidade de que as maiorias políticas de cada momento declarassem a inconstitucionalidade das decisões tomadas pelas maiorias anteriores formadas por grupos antagônicos Por isso é de fato preferível por razões prudenciais e de engenharia institucional manter essa possibilidade sob a competência exclusiva de um poder neutro e imparcial o Poder Judiciário 1064 Princípio das razões públicas As sociedades democráticas contemporâneas são marcadas pela diversidade de doutrinas religiosas filosóficas e morais Tais doutrinas em muitos casos divergem profundamente entre si o que gera um contexto caracterizado pelo desacordo moral É o que se tem denominado fato do pluralismo nas sociedades contemporâneas convivem lado a lado pessoas que professam as mais diferentes crenças e que possuem cosmovisões bastante heterogêneas quando não antagônicas Esse desa cordo se projeta também no campo da interpretação constitucional Uma feminista e um padre católico por exemplo terão provavelmente visões muito divergentes sobre a interpretação correta do direito à vida e sobre a autonomia reprodutiva Um jurista evangélico e outro que seja militante do movimento gay quase certamente manterão concepções distintas sobre a discriminação por orientação sexual Nesse cenário o princípio das razões públicas assume um papel importante Esse princípio deriva da ideia de razões públicas que tem origem na filosofia kantiana mas foi desenvolvida mais recentemente pelo filósofo político John Rawls167 suscitando intenso debate que envolveu vários outros autores A ideia de razões públicas é a de que na esfera política ao lidar com temas essenciais como os que concernem aos direitos humanos só são admissíveis argumentos independentes de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas a que cada cidadão adira No campo privado das discussões travadas nas famílias nas entidades religiosas nas associações etc esse limite não se aplica Mas na discussão pública os cidadãos devem apresentar argumentos também públicos que possam ser racionalmente aceitos pelos seus interlocutores independentemente das respectivas crenças religiosas ou metafísicas Argumentos religiosos por exemplo não poderiam penetrar nesse debate a não ser que sejam traduzidos para razões públicas um político cristão não poderia se opor no Congresso à legalização da eutanásia invocando a Bíblia e dizendo que a vida não pertence ao homem e sim a Deus mas ele poderia sustentar a indisponibilidade do direito à vida invocando a relevância especial desse bem jurídico no sistema constitucional O seu argumento nesse último caso pode ser correto ou incorreto para nós é incorreto mas não estará fora do campo das razões públicas John Rawls sustenta que o uso das razões públicas para o cidadão seria um imperativo moral mas não jurídico Isso porque não haveria sem grave ofensa à liberdade de expressão e de consciência como obrigar o cidadão a invocar apenas razões públicas ao deliberar sobre temas essenciais no espaço público Porém para os agentes públicos e especialmente para os magistrados do Poder Judiciário a imposição de respeito às razões públicas incidiria plenamente A concepção de Rawls atinente ao dever moral do cidadão de respeitar as razões públicas pode ser problematizada Há quem sustente que ela impõe um ônus excessivo sobre o cidadão religioso que não consegue cindir em duas a sua personalidade ao participar dos debates travados na esfera pública168 Não é o caso de examinar aqui essa polêmica O que importa por ora é consignar que as decisões adotadas pelo Poder Público não podem se lastrear em razões que não sejam públicas Não se pode por exemplo restringir a liberdade de um indivíduo com base em motivações religiosas ou metafísicas que ele não aceita ainda que se trate de crença majoritária na população Imposições que não se baseiam em razões públicas mas em compreensões cosmovisivas particulares de um grupo social ainda que hegemônico não logram conquistar a necessária legitimidade numa sociedade pluralista pois aqueles que são submetidos a elas e que não comungam do credo predominante se sentem não apenas vencidos no embate político mas pior do que isso violentados em sua liberdade e em sua consciência A exigência jurídica não apenas moral de respeito às razões públicas dirigese a todos os poderes estatais Atos legislativos e administrativos que violarem essa imposição baseandose por exemplo em motivações de cunho religioso não terão validade padecendo de inconstitucionalidade Mas essa imposição é ainda mais severa para o Poder Judiciário Os juízes não são eleitos o que torna ainda mais ilegítima a possibilidade de que imponham os seus valores pessoais sobre os jurisdicionados ou que os invoquem para derrubar decisões tomadas pelos representantes do povo Ademais diferentemente dos cidadãos e dos parlamentares que não precisam enunciar publicamente as razões que motivam seus votos os juízes têm sempre que fundamentar as respectivas decisões Os magistrados só estão autorizados a fazer um uso público da razão Não podem invocar nas suas decisões as orientações axiológicas cultivadas no interior das doutrinas religiosas ou metafísicas a que se filiam169 É verdade que realização integral desse dever de imparcialidade cosmovisiva é muito difícil Como antes ressaltado no item que tratou da précompreensão os preconceitos e visões particulares de mundo do intérprete sempre exercem alguma influência no processo de tomada de decisões Daí não resulta contudo que a imparcialidade não possa ser sustentada como ideia regulativa e como dever constitucional a ser perseguido pelos agentes e instituições e fiscalizado pela crítica pública Vejamos o exemplo do aborto Podem ser cogitados para apreciar a constitucionalidade dessa prática princípios como a proteção da vida do feto a autonomia da mãe a igualdade de gênero e a saúde materna dentre outros No entanto existem formas de argumentar com esses princípios que satisfazem a exigência do uso público da razão e outras que não o fazem Esta última hipótese se verifica por exemplo quando argumentos religiosos são usados de forma explícita ou velada170 Quando isso ocorre na esfera não estatal não há problema visto que ainda não se chegou ao patamar das decisões cujo cumprimento é obrigatório para todos O mesmo não pode acontecer todavia na deliberação que se opera no espaço legislativo e menos ainda na que tem lugar nas cortes constitucionais Se um magistrado fundamenta sua decisão contra o reconhecimento do direito ao aborto em uma concepção bíblica do direito à vida não estará argumentando de acordo com a razão pública mas sim com base nos padrões de sua doutrina abrangente particular Um Poder Judiciário que utilizasse esse fundamento para justificar suas decisões não seria visto como legítimo pelos jurisdicionados que se afiliam a outras orientações filosóficas ou religiosas Mas observese que temas como o aborto também podem ser examinados à luz de razões públicas A autonomia privada a saúde da mulher a igualdade de gênero e o direito à vida que são os principais elementos normativos envolvidos na solução daquele dilema moral também são princípios jurídicos encartados nas constituições democráticas e que são objeto de reconhecimento das mais variadas doutrinas religiosas e filosóficas razoáveis Uma primeira tarefa a que a Corte Constitucional deve se dedicar quando interpreta ou pondera esses princípios é restringir a sua análise aos limites da razão pública E se os adeptos de determinada doutrina abrangente têm a intenção de influenciar as decisões proferidas pelas cortes constitucionais eles devem traduzir seus valores para os termos adequados à razão pública ie para a linguagem da democracia dos direitos humanos e das teorias científicas incontroversas171 Porém diferentemente do que acreditava Rawls172 entendemos que o respeito aos limites da razão pública nem sempre será suficiente para proporcionar o equacionamento de todas as controvérsias morais existentes na sociedade A observação vale também para o campo da interpretação constitucional Em temas moralmente complexos como o aborto a eutanásia a legalização da prostituição ou das drogas existirão argumentos constitucionais em favor das diferentes posições em confronto que não violam a exigência de respeito às razões públicas Em casos como esses o princípio das razões públicas não bastará para resolução da questão constitucional mas se prestará pelo menos para afastar argumentos inadmissíveis do âmbito do debate jurídico No entanto há hipóteses em que o uso da razão pública é capaz de solucionar a controvérsia constitucional É o que ocorre por exemplo na interrupção da gestação de feto anencefálico A anencefalia leva à morte do feto em 100 dos casos ou a morte ocorre durante a gestação ou no nascimento ou poucas horas depois desse Mas mesmo nesses poucos momentos a vida do anencéfalo é puramente vegeta tiva em razão da gravíssima máformação cerebral de que padece A doença pode ser diagnosticada com 100 de certeza e é absolutamente incurável Na hipótese se a vida do feto é apreciada sob o prisma das teorias científicas incontroversas e não sob a perspectiva religiosa a colisão de princípios constitucionais se esvai O uso público da razão é suficiente para superar o suposto dilema entre o respeito à autonomia e à saúde da mulher e a tutela da vida A resposta constitucional à luz dos bens jurídicos em conflito é muito clara cabe a cada mulher que se encontrar nessa angustiante situação fazer a sua própria escolha livre e informada sobre manter ou não a gestação Nesse sentido foi a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADPF nº 54 em que a Corte consignou A questão posta neste processo inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas Essa premissa é essencial à análise da controvérsia Isso não quer dizer porém que a oitiva de entidades religiosas tenha sido em vão Como bem enfatizado no parecer da ProcuradoriaGeral da República relativamente ao mérito desta arguição de descumprimento de preceito fundamental numa democracia não é legítimo excluir qualquer ator da arena de definição do sentido da Constituição Contudo para tornaremse aceitáveis no debate jurídico os argumentos provenientes dos grupos religiosos devem ser devidamente traduzidos em termos de razões públicas folhas 1026 e 1027 ou seja os argumentos devem ser expostos em termos cuja adesão independa dessa ou daquela crença173 O dever de observância do uso público da razão na hermenêutica constitucional decorre dos princípios republicano e do Estado Democrático de Direito art 1º Constituição Federal Numa sociedade complexa e plural o acatamento desse princípio de interpretação constitucional é fundamental para conferir legitimidade política à prática constitucional e muito especialmente à atividade jurisdicional 1065 Princípio do cosmopolitismo o diálogo internacional na interpretação constitucional Existe uma tendência crescente e positiva de invocação do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Comparado na interpretação constitucional Hoje as ideias constitucionais migram174 Há uma positiva troca de experiências conceitos e teorias entre cortes nacionais e internacionais com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as instâncias envolvidas nesse diálogo Esse é um lado bastante positivo da globalização Além do Direito Constitucional ter de lidar cada vez mais com fenômenos transnacionais o interesse e a facilidade de acesso ao que ocorre em outros sistemas jurídicos nacionais e internacionais aumentou muito Com isso ampliouse a possibilidade real de integração não apenas econômica ou política entre os países e organizações internacionais mas também discursiva175 não só a normativa internacional como também os argumentos empregados pelas cortes constitucionais e internacionais passam a ser cada vez mais considerados nas decisões adotadas na esfera interna em matéria constitucional Este é um fenômeno global176 Como observou Cass Sunstein o constitucionalismo cosmopolita parece ser a onda do futuro O mundo jurídico está num certo sentido se tornando menor e mais transparente e a consulta a julgamentos estrangeiros tornase então inevitável177 O fenômeno é positivo por vários aspectos Novos argumentos e pontos de vista são incorporados ao debate constitucional que se torna muito mais rico Adquirese uma perspectiva mais ampla e menos provinciana das questões discutidas o que permite o diagnóstico de possíveis fragilidades e inconsistências dos pontos de vista tradicionalmente adotados no plano nacional178 Consensos globais que se consolidam em torno da democracia e dos direitos humanos podem se irradiar ainda mais Há Estados cujas constituições expressamente recomendam a adoção desta ótica cosmopolita na interpretação constitucional A Constituição sulafricana por exemplo determina no seu art 391 que ao interpretarem os direitos fundamentais as cortes devem considerar o Direito Internacional e podem considerar o direito estrangeiro A Constituição de Portugal por sua vez estabelece em seu art 162 que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem Na Europa as cortes nacionais têm de levar em consideração nos seus julgamentos não só as normas ditadas pela União Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia como também a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a sua interpretação realizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos Até mesmo nos Estados Unidos onde sempre houve uma provinciana resistência ao uso do Direito Internacional e Comparado em matéria constitucional a interpretação cosmopolita tem avançado no caso Lawrence v Texas 179 a Suprema Corte invocou diversos precedentes de outros países e da Corte Europeia de Direitos Humanos para invalidar por afronta aos direitos à igualdade e à privacidade uma lei que criminalizava práticas homossexuais o que fez também no caso Roper v Simmons180 para declarar inconstitucional por ofensa à proibição de punições cruéis e não usuais cruel and unusual punishments a imposição de pena de morte por atos praticados durante a adolescência No Brasil é também frequente a invocação tanto do Direito Internacional dos Direitos Humanos181 como do Direito Comparado como subsídios importantes para a interpretação da Constituição Quanto ao Direito Internacional dos Direitos Humanos é verdade que a posição da Suprema Corte é no sentido de que os tratados na matéria não gozam de hierarquia constitucional mas supralegal afora aqueles incorporados seguindo o procedimento traçado no art 5º 3º da Constituição como assinalado no Capítulo 1 até o momento apenas a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e o respectivo Protocolo Facultativo foram incorporados de acordo com tal procedimento que foi instituído pela EC 45 Sem embargo não se deve tomar essa superioridade formal da Constituição em face da maioria dos tratados internacionais de direitos humanos como uma vedação a que esses exerçam influência na interpretação das normas constitucionais A busca de convergência entre a interpretação constitucional e os mandamentos contidos nos tratados sobre direitos humanos além de fortalecer a proteção dos direitos fundamentais objetivo central do nosso constitucionalismo tem também a vantagem adicional de evitar a possibilidade de responsabilização internacional do Estado brasileiro por afronta aos direitos humanos A consideração dos tratados internacionais sobre direitos humanos foi decisiva por exemplo para a alteração da posição do STF a propósito da validade da prisão do depositário infiel vedada pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos182 O texto constitucional brasileiro alude a essa hipótese de prisão ao determinar que não haverá prisão civil por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel O preceito poderia ser interpretado de duas formas diferentes como a imposição dessa modalidade de prisão hipótese em que haveria atrito com a Convenção Interamericana ou como a sua não vedação Nesse último caso inexistiria a colisão pois se entenderia que a Constituição deixara ao legislador infraconstitucional a faculdade de estabelecer ou não a prisão do depositário infiel Foi essa a interpretação adotada pelo STF que evitou o surgimento de conflito entre a Constituição e o tratado internacional Para a Corte estando o Pacto de San José da Costa Rica acima da legislação infraconstitucional a proibição por ele imposta à prisão em questão prevaleceria em relação a qualquer decisão do legislador em sentido contrário Outro caso importante envolveu o reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista O texto constitucional consagra a liberdade de imprensa e a liberdade de ofício mas autoriza em relação a essa que o legislador institua restrições concernentes à exigência de qualificações profissionais art 5º XIII Vigorava no Brasil ato normativo exigindo o diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista DecretoLei nº 97269 Alguns entendiam que se tratava de uma restrição excessiva e inconstitucional à liberdade profissional que prejudicaria ademais o exercício das liberdades de expressão e de imprensa mas a questão estava longe de ser pacífica O STF apreciando uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal considerou inconstitucional a referida restrição183 Na decisão foi mencionada com destaque a Opinião Consultiva nº 5 proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que respondendo a uma consulta formulada pela Costa Rica manifestara se no sentido de que não seria compatível com a Convenção Interamericana uma lei impedisse o exercício da profissão para quem não tivesse formação universitária A restrição foi considerada incompatível com a liberdade de expressão e o direito à informação consagrados no Pacto de San José da Costa Rica Como esses houve diversos casos em que o Direito Internacional dos Direitos Humanos foi invocado pelo STF no exercício da interpretação constitucional Sem embargo há casos também em que a orientação internacional não é seguida Isso aconteceu recentemente no Brasil quando se discutiu a recepção da Lei de Anistia pela Constituição de 1988 na parte que em garantira a impunidade dos agentes do regime que cometeram graves violações de direitos humanos durante o regime militar A jurisprudência da Corte Interamericana era pacífica sobre a incompatibilidade dessas anistias com a Convenção Americana de Direitos Humanos Nada obstante o STF considerou recepcionada toda a Lei da Anistia afastandose da linha adotada no Direito Internacional dos Direitos Humanos184 Posteriormente à decisão do Supremo a Corte Interamericana proferiu decisão no caso Gomes Lund v Brasil reconhecendo a incompatibilidade da anistia em questão com a Convenção Americana Há atualmente uma certa celeuma sobre qual das duas soluções deve prevalecer pendendo de apreciação no STF no momento de finalização deste volume os embargos de declaração opostos pelo Conselho Federal da OAB em que se busca o esclarecimento deste ponto A constatação acima de que a interpretação constitucional nem sempre converge com o Direito Internacional dos Direitos Humanos não infirma a existência do princípio do cosmopolitismo neste campo Esse princípio aliás não vincula de modo absoluto os intérpretes da Constituição aos tratados internacionais nem muito menos os obriga a se curvarem de maneira incondicional à orientação das cortes internacionais e órgão de monitoramento dos direitos humanos Pretender o contrário seria imaginar uma nova pirâmide normativa em cujo topo estaria não a Constituição mas os tratados internacionais O que o princípio do cosmopolitismo impõe é que se atribua o devido peso argumentativo ao Direito Internacional dos Direitos Humanos na interpretação da Constituição O tema foi discutido num importante precedente do Tribunal Constitucional alemão em que se debateu se as decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos vinculariam ou não ao juiz alemão o chamado caso Görgülü185 Naquele julgamento ocorrido em 2004 decidiuse que embora as decisões da Corte Europeia não sejam vinculantes para os tribunais alemães estes têm a obrigação de levar em consideração os seus argumentos inclusive na interpretação dos direitos fundamentais Quando não atribuem o devido peso aos argumentos constantes nessas decisões internacionais os tribunais alemães violam os direitos fundamentais bem como o princípio do Estado de Direito No Supremo também é frequente a invocação do Direito Constitucional Comparado São cada vez mais comuns na Corte as referências às constituições de outros países às decisões proferidas por outros tribunais constitucionais e às elaborações teóricas neles desenvolvidas Um ótimo exemplo é o do princípio da proporcionalidade desenvolvido originariamente na jurisprudência constitucional alemã e que vem sendo muito empregado na jurisprudência constitucional brasileira como se verá no próximo capítulo Ao adotar técnicas de decisão mais heterodoxas no controle de constitucionalidade como a modulação dos efeitos temporais da decisão o STF também tem invocado com frequência a experiência constitucional de outros países Em alguns julgados importantes a Corte recorre tanto ao Direito Internacional dos Direitos Humanos como ao Direito Comparado como ocorreu no julgamento do caso Elwanger em que se examinou os limites da liberdade de expressão para manifestações de racismo voltadas contra judeus Em seu voto condutor em que afirmou a prevalência da igualdade e da dignidade humana o relator Min Maurício Corrêa invocou a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial além de diversos precedentes jurisdicionais de outros países186 Na nossa história constitucional não é novidade o recurso ao Direito Comparado feito muitas vezes de modo acrítico Uma das razões para que Oliveira Vianna criticasse o idealismo da constituição era o fato de os constitucionalistas brasileiros tenderem a copiar instituições estrangeiras estranhas à nossa realidade políticosocial187 Não é preciso endossar as concepções autoritárias desse pensador brasileiro para lhe dar razão quanto à tendência que muitas vezes se manifesta em nossa cultura jurídica de imitar modelos e modismos alienígenas muitas vezes visivelmente imprestáveis para o nosso contexto Daí a advertência de que o princípio do cosmopolitismo conquanto extremamente importante deve ser usado de maneira criteriosa evitandose a postura de deslumbramento servil com tudo o que vem de fora Os aportes internacionais e do Direito Comparado são relevantes mas há que se atentar sempre para as particularidades do nosso ordenamento constitucional positivo para as especificidades do quadro empírico brasileiro para os desígnios concretos do nosso povo Adotadas essas cautelas a interpretação constitucional tem muito a ganhar quando incorpora um olhar cosmopolita abrindose para as influências do Direito Internacional e do Direito Comparado sobretudo em algumas áreas como a dos direitos fundamentais 1066 Princípio da interpretação conforme à Constituição De acordo com o princípio da interpretação conforme à Constituição cabe ao intérprete quando se depara com dispositivo legal aberto ambíguo ou plurissignificativo lhe atribuir exegese que o torne compatível com o texto constitucional O princípio não serve propriamente à interpretação da Constituição devendo antes nortear a interpretação de todo o ordenamento188 Em geral a interpretação conforme à Constituição é mobilizada quando o sentido mais óbvio e imediato do texto normativo o torna inconstitucional O intérprete buscará então um sentido alternativo para o enunciado legal examinado que o concilie com as exigências constitucionais A interpretação conforme à Constituição deriva de vários fundamentos O mais importante é a unidade do ordenamento jurídico sob a supremacia da Constituição189 A Constituição como sabido é hierarquicamente superior aos demais atos normativos que com ela compõem um único ordenamento Por isso a Constituição deve operar como diretriz na interpretação de todas as normas jurídicas Outro fundamento é o esforço para preservação das normas jurídicas em vigor190 Com a interpretação conforme à Constituição evitase que sejam proferidas declarações de inconstitucionalidade desnecessárias o que presta reverência às decisões do Poder Legislativo cujos membros são eleitos pelo voto popular Nesse sentido a interpretação conforme à Constituição se aproxima da presunção de constitucionalidade das leis que será examinada no próximo item Além de princípio de hermenêutica constitucional a interpretação conforme à Constituição é uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade empregada no Brasil e em diversos países como Alemanha Áustria Colômbia e Portugal191 A técnica permite a invalidação jurisdicional não do ato normativo em si mas de uma ou algumas das suas possibilidades interpretativas de modo vinculante para outros intérpretes O Tribunal Constitucional tem como banir do ordenamento jurídico interpretações de um ato normativo que o respectivo texto comporta mas que se revelem incompatíveis com a Constituição A interpretação conforme à Constituição do ato normativo questionado é inserida pela Corte no dispositivo da decisão judicial e não na sua fundamentação de modo a tornar indiscutível a sua obrigatoriedade e eficácia erga omnes A decisão todavia não atinge o enunciado normativo examinado que continua intacto Nesse sentido a interpretação conforme à Constituição envolve uma modalidade de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto A interpretação conforme à Constituição como técnica de decisão no controle de constitucionalidade encontrase expressamente prevista nas leis nº 986899 art 28 parágrafo único e nº 988299 art 10 É bastante frequente o uso da interpretação conforme à Constituição pelo STF O leading case na matéria é ainda anterior à Constituição de 1988 Na Representação de Inconstitucionalidade nº 1417 relatada pelo Min Moreira Alves e julgada em 1987 a técnica foi empregada pela Corte No acórdão se consignou O mesmo ocorre quando Corte dessa natureza constitucional aplicando a interpretação conforme à Constituição declara constitucional uma lei com interpretação que a compatibiliza com a Carta Magna pois nessa hipótese há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung o que implica dizer que o Tribunal Constitucional elimina e atua portanto como legislador negativo as interpretações por ela admitidas mas inconciliáveis com a Constituição192 Desde então tem sido frequente o recurso à interpretação conforme à Constituição no STF Um caso importante recentemente julgado relacionase à incidência das normas penais que criminalizam a prática do aborto no caso de anencefalia fetal Na ADPF nº 54193 entendeu o STF que a única interpretação dos dispositivos penais em jogo que os compatibiliza com a Constituição é a que só permite a sua incidência quando de fato existir o bem jurídico por eles tutelado a vida potencial do nascituro Sem que haja vida potencial não se justifica restrição tão grave à autonomia da gestante constitucionalmente tutelada A inexistência desse bem jurídico no caso da interrupção de gestação de feto anencefálico torna inconstitucional a criminalização da conduta da gestante ou dos profissionais de saúde envolvidos Entre duas interpretações possíveis de normas penais infraconstitucionais uma literal e outra mais aberta e teleológica sustentase de maneira correta que apenas a segunda se concilia com a Constituição que protege os direitos fundamentais da gestante Destaquese contudo que nem toda declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto envolve a interpretação conforme à Constituição194 Há hipóteses em que não existe ambiguidade ou polissemia no texto normativo mas em que parte do seu campo de incidência não pode se submeter à aplicação da norma sob pena de afronta à Constituição Essa parte inconstitucional por outro lado não está prevista em fragmento autônomo do texto cuja supressão seja suficiente para a eliminação do vício de inconstitucionalidade Nessa hipótese é possível proferir decisão com declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto mas o caso não será de interpretação conforme à Constituição O que o Judiciário faz nesse caso não é optar por uma dentre várias opções possíveis franqueadas pelo texto normativo como ocorre na interpretação conforme à Constituição mas sim suprimir uma fração do campo de incidência da norma sem atingirlhe o texto Um exemplo ocorreu quando o STF apreciou a constitucionalidade do art 90 da Lei nº 909995 que trata dos Juizados Civis e Criminais Especiais Tal preceito determinou que as disposições daquela lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada O dispositivo nada tem de ambíguo mas é parcialmente inconstitucional Isso porque a Lei nº 909995 contém além de normas processuais regras de Direito Penal e nesse campo a Constituição prevê a retroatividade da norma mais benéfica ao réu art 5º XXXIX Diante disso a Corte determinou a exclusão das normas de Direito Penal mais favoráveis aos réus do campo de abrangência do preceito impugnado de modo que ele se aplicasse apenas às normas de Direito Processual195 O Tribunal afirmou que praticava ali a interpretação conforme à Constituição embora o caso fosse sutilmente diferente Discutese sobre os limites da interpretação conforme à Constituição Um deles é certamente o texto legal interpretado Esse princípio hermenêutico não permite que o Poder Judiciário edite obliquamente uma nova norma legal em substituição àquela elaborada pelo legislador Os juízes podem escolher um dentre os vários sentidos possíveis do texto mas não podem fabricar um novo sentido que o enunciado normativo não comporte Há também quem sustente que a vontade histórica do legislador seria outro limite para a interpretação conforme à Constituição Na prática porém esse último limite não é muito observado Como registrou Gilmar Ferreira Mendes referindose à jurisprudência do STF o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador ou evita investigála se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto196 A interpretação conforme à Constituição serve à interpretação do texto constitucional apenas quando está em questão interpretar norma ditada pelo poder constituinte derivado que deve se conformar às cláusulas pétreas Foi o que procurou fazer o Supremo Tribunal Federal ao dar aos art 37 XI e 12 da Constituição Federal na redação dada pelas emendas constitucionais nº 4103 e nº 4705 interpretação orientada pelo princípio da isonomia de forma a evitar que a magistratura federal e a estadual se submetessem a tetos diferenciados de subsídio A Corte excluiu uma das interpretações dos preceitos constitucionais em questão privilegiando outra que reputou mais compatível com a cláusula pétrea da igualdade197 Sem embargo o critério sistemático de interpretação acima estudado impõe também fora desse caso específico que os preceitos constitucionais sejam interpretados de acordo com princípios fundamentais da Constituição Finalmente cabe observar que a interpretação conforme à Constituição como princípio hermenêutico não se direciona apenas ao Poder Judiciário Todos os que interpretam e aplicam as normas jurídicas como a Administração Pública e mesmo os particulares devem fazêlo de acordo com a Constituição preferindo sempre as exegeses legais que mais prestigiem os comandos constitucionais 1067 Princípio de presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos alguns parâmetros para a autocontenção judicial O princípio de presunção de constitucionalidade dos atos normativos concerne ao relacionamento entre a interpretação das normas infraconstitucionais e da Constituição Ele impõe que se presuma a conformidade daquelas normas com a Constituição Tratase obviamente de uma presunção relativa iuris tantum que pode ser afastada pelo intérprete mas que lhe impõe um ônus maior de argumentação a cada vez que pretenda afirmar a inconstitucionalidade de um ato normativo Este princípio é geralmente discutido em conjugação com o controle jurisdicional de constitucionalidade Sem embargo ele não se dirige apenas ao Poder Judiciário mas a todos os intérpretes das normas jurídicas e da Constituição Nesse item todavia daremos especial relevo à aplicação do princípio do âmbito da jurisdição constitucional Os principais fundamentos teóricos para a presunção de constitucionalidade são a democracia e a separação de poderes Dita presunção expressa a deferência devida aos atos emanados dos órgãos eleitos pelo povo O princípio impõe que se respeite a esfera de atuação própria de cada poder do Estado o que envolve a preservação do espaço das escolhas normativas feitas pelo Poder Legislativo É verdade que o nosso sistema de separação de poderes envolve mecanismos de freios e contrapesos checks and balances dos quais o controle de constitucionalidade das leis é exemplo Porém o exercício desse controle deve ser realizado com moderação de forma a não subtrair do legislador o seu espaço de livre conformação fundado da democracia e na separação de poderes Derivam da presunção de constitucionalidade algumas consequências rele vantes198 a a distribuição do ônus argumentativo àquele que impugna a constitucionalidade de uma norma É preciso que haja fortes argumentos para que se invalide um ato normativo a dúvida milita em favor do legislador in dubio pro legislatore b a obrigação de que o intérprete busque sempre que possível exegese do ato normativo que o compatibilize com a Constituição A presunção nesse sentido ligase diretamente ao princípio da interpretação conforme à Constituição analisado no item anterior c a imposição aos juízes de que só reconheçam em casos concretos a inconstitucionalidade de um ato normativo quando isso for indispensável para o julgamento da lide Se a questão puder ser resolvida por outro fundamento esse deve ser preferido Destaquese que a justificativa para a chamada cláusula da reserva de plenário segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público art 97 Constituição Federal é exatamente o princípio da presunção de constitucionalidade É por isso que os órgãos fracionários dos tribunais podem declarar a constitucionalidade de uma lei mas não a sua inconstitucionalidade199 A formulação clássica da presunção de constitucionalidade se deve ao jurista norteamericano James Thayer em texto canônico publicado no final do século XIX200 em que advogou a adoção de uma postura de extrema autocontenção judicial no exercício do controle de constitucionalidade Para Thayer só no caso de evidente inconstitucionalidade de uma lei em que o vício possa ser afirmado além de qualquer dúvida razoável beyond a reasonable doubt é que podem os tribunais invalidá la Considerando a complexidade das funções do Estado e da tarefa legislativa muito do que parecerá inconstitucional para um homem ou grupo de homens pode razoavelmente não sêlo para outro Isso porque nas suas palavras a Constituição frequentemente admite diferentes interpretações frequentemente existe uma margem para escolha e avaliação e nesses casos a Constituição não impõe ao Legislativo nenhuma posição específica mas deixa aberta a possibilidade de escolha sendo então constitucional qualquer escolha racional A teoria constitucional contemporânea caminha em direção a uma posição com mais nuances sobre a presunção de constitucionalidade e a autocontenção judicial A tendência atual é a de se conceber a presunção de constitucionalidade de forma graduada e heterogênea de acordo com diversas variáveis Ela será mais intensa em alguns casos demandando uma postura judicial mais deferente diante das escolhas feitas por outros poderes e mais suave em outras hipóteses em que se aceitará um escrutínio jurisdicional mais rigoroso sobre o ato normativo No constitucionalismo norteamericano a graduação da presunção de cons titucionalidade e do ativismo judicial legítimo é uma característica central da juris prudência constitucional201 A jurisprudência consolidou parâmetros diferentes para o exercício do controle de constitucionalidade que envolvem graus variáveis de de fe rência em relação às decisões legislativas ou administrativas Existe o teste da racionalidade rationality test caracterizado pela extrema autocontenção judicial utilizado por exemplo para o controle da regulação das atividades econômicas o teste intermediário intermediate test mais rigoroso do que o primeiro usado por exemplo para controle de possíveis discriminações de gênero e o teste do escrutínio estrito strict scrutiny extremamente rigoroso em que ocorre praticamente uma inversão na presunção de constitucionalidade do ato normativo Esse último parâmetro quase sempre fatal para o ato normativo examinado é empregado para controle de leis restritivas de algumas liberdades públicas como as liberdades de expressão e religião e para análise de normas que instituem discriminações com base em critérios considerados suspeitos como raça religião ou origem nacional A existência desses parâmetros diferenciados de presunção de constitucionalidade teve origem numa decisão proferida em 1938 no caso United Sates v Carolene Products 202 em que se adotou posição de extrema deferência em relação a uma lei federal que disciplinara determinada atividade econômica mas se destacou a neces sidade de uma análise mais rigorosa das normas que restringissem certas liberdades fundamentais de caráter não econômico ou que atingissem os interesses de minorias tradicionalmente discriminadas A seguir listaremos alguns parâmetros que em nossa opinião devem ser empregados para calibrar a presunção de constitucionalidade dos atos normativos e também por consequência o grau de ativismo do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional203 A lista de parâmetros não será exaustiva ao longo deste livro outros mais pontuais foram também sugeridos e nossa análise não terá como abordar nenhum deles em profundidade Este é um tema central no constitucionalismo brasileiro sobretudo no cenário de judicialização da política que ainda não recebeu nem da doutrina nem da jurisprudência nacional toda a atenção que merece 1 O primeiro aspecto a ser considerado é o grau de legitimidade democrática do ato normativo O foco aqui não é o conteúdo da norma mas a maneira como ela foi elaborada O controle de constitucionalidade como já assinalado envolve uma dificuldade contramajoritária que vem do fato de os juízes que não são eleitos poderem derrubar decisões proferidas pelos representantes do povo Levar a sério a democracia exige que não se despreze a dificuldade contramajoritária Ela deve ser levada em consideração na mensuração da deferência devida pelo Judiciário às normas controladas quanto mais democrática tenha sido a elaboração do ato normativo mais autocontido deve ser o Poder Judiciário no exame da sua constitu cionalidade É maior por exemplo a presunção de constitucionalidade que recai sobre os atos normativos aprovados por plebiscito ou referendo popular já que tais procedimentos envolvem o pronunciamento direto do povo Essa presunção também é maior em relação às emendas constitucionais pelo fato de serem aprovadas por uma maioria qualificada de três quintos dos deputados e dos senadores Depois estão as leis complementares e ordinárias cuja aprovação exige respectivamente a manifestação de maioria absoluta e de maioria simples das casas legislativas federais Os atos normativos editados por autoridades administrativas não eleitas possuem em geral presunção de constitucionalidade menos intensa do que os atos editados por agentes eleitos O processo legislativo formal é porém apenas um elemento a ser conside rado para se aferir o pedigree democrático de um ato normativo É também relevante verificar como se deu concretamente a confecção do ato normativo E nisso é importante observar outros elementos como por exemplo o grau de consenso que a norma conseguiu aglutinar durante a sua elaboração Normas aprovadas pela quase unanimidade das casas legislativas merecem maior deferência do que normas aprovadas por maiorias apertadas A circunstância de a norma conseguir congregar o apoio não só da maioria mas também das principais minorias organizadas no Parlamento é um elemento importante de reforço da presunção da constitucionalidade da lei Se levarmos em consideração o valor epistêmico da democracia vale dizer a premissa de que as deliberações democráticas tendem a gerar melhores soluções coletivas do que aquelas tomadas por agentes isolados então o elevado consenso social em torno de uma medida é um forte indício da sua correção204 Igualmente importante é a análise da existência de efetiva participação popular na elaboração da norma205 Quanto maior essa participação mais se aproxima da realidade a imagem de Rousseau da lei como expressão da vontade geral do povo É evidente que as leis resultantes de um processo político aberto e participativo também podem ser declaradas inconstitucionais Mas a sua invalidação demanda uma atitude mais autocontida por parte do Judiciário Uma norma como a Lei Complementar nº 1352010 a chamada Lei da Ficha Limpa que se originou de iniciativa popular proposta por mais de um milhão e trezentos mil cidadãos e foi aprovada em razão de intensa mobilização da sociedade civil não pode ser examinada pelo Judiciário da mesma forma como se apreciaria uma lei editada na calada da noite sem qualquer debate social ou envolvimento popular206 2 A democracia também deve calibrar a autocontenção judicial num sentido inverso O Poder Judiciário deve atuar de maneira mais ativa para proteger as condições de funcionamento da democracia que podem ser ameaçadas pelos grupos detentores do poder político207 Há direitos e institutos que são diretamente relacionados com o funcionamento da democracia como os direitos políticos a liberdade de expressão o direito de acesso à informação e as prerrogativas políticas da oposição As restrições a esses direitos bem como as tentativas dos grupos hegemônicos de alterar as regras do jogo político em favor dos próprios interesses devem merecer um escrutínio estrito do Poder Judiciário Aqui o ativismo não opera contra a democracia mas em seu favor assegurando os pressupostos mínimos necessários ao seu funcionamento 3 Critério igualmente importante se relaciona à proteção de minorias estigmatizadas O processo político majoritário que tem lugar no Parlamento e no governo pode não ser suficientemente atento em relação aos direitos e interesses dos integrantes de grupos vulneráveis O insulamento judicial diante da política eleitoral permite ao Judiciário que proteja minorias impopulares cujos direitos poderiam ser atropelados em outras esferas Esse argumento é um dos que justifica a adoção de uma postura mais ativista do STF no histórico julgamento sobre união homoafetiva Podese fundamentar assim uma relativização da presunção de constitucionalidade de atos normativos que impactem negativamente os direitos de minorias estigmatizadas Destaquese que o critério para definição de minoria que deve orientar a aplicação desse parâmetro não é numérico mas envolve a participação do grupo social no exercício do poder político social e econômico Os milionários representam uma minoria em termos quantitativos mas não em termos de participação no poder Seria inconcebível formular uma teoria que relativizasse a presunção de constitucionalidade dos atos normativos que pudessem prejudicar os interesses dos milionários Os seus interesses são protegidos até excessivamente pela via da política majoritária são eles os superincluídos Já as mulheres apesar de constituírem numericamente a maioria da população brasileira ainda sofrem grave discriminação de gênero e são subrepresentadas nas esferas do poder político social e econômico muito embora o fenômeno venha se atenuando nos últimos tempos De todo modo elas ainda podem para os fins aqui propostos serem consideradas como minoria 4 Outro critério diz respeito à relevância material do direito fundamental em jogo Normas que restrinjam direitos básicos mesmo aqueles que não são diretamente relacionados com a democracia merecem um escrutínio mais rigoroso do Poder Judiciário tendo a sua presunção de constitucionalidade relativizada Os direitos fundamentais devem prevalecer como trunfos sobre a vontade das maiorias pois expressam exigências morais que se impõem à política Isso vale para liberdades públicas e existenciais e para direitos sociais ligados ao atendimento das necessidades básicas Não vale porém para vantagens corporativas ainda que constitucionalizadas nem para direitos de natureza exclusivamente patrimonial Essas vantagens e direitos ainda quando positivados em sede constitucional não possuem a mesma hierarquia material que os direitos básicos acima mencionados o que justifica que se reconheça um maior espaço para que a política majoritária delibere sobre eles No cenário de uma sociedade profundamente desigual e de um sistema constitucional que se propõe a corrigir as desigualdades não se deve restringir demasiadamente a possibilidade de que os poderes estatais adotem políticas redistributivas voltadas à mudança do status quo que alterem os direitos patrimoniais e as vantagens corporativas já conquistadas no passado 5 Outro importante elemento a ser considerado é a comparação entre as capacidades institucionais do Poder Judiciário e do órgão que editou o ato normativo discutido É recomendável uma postura de autocontenção judicial diante da falta de expertise do Judiciário para tomar decisões em áreas que demandem profundos conhecimentos técnicos fora do Direito como ocorre por exemplo na seara da regulação das atividades econômicas Como ressalta Gustavo Binenbojm tratando do controle judicial dos atos administrativos quanto maior for o grau de tecnicidade da matéria objeto de decisão por órgãos dotados de expertise e experiência menos intenso deve ser o grau de controle judicial208 6 Finalmente outro elemento a ser considerado é a época de edição do ato normativo Normas editadas antes do advento da Constituição não desfrutam de presunção de constitucionalidade equiparada àquelas feitas posteriormente Vários argumentos justificam esse parâmetro Um deles é a democracia o contexto político anterior à Constituição de 88 não era democrático ressalvado apenas o período entre a promulgação da Constituição de 1946 e o golpe militar de 1964 Ademais as deliberações das maiorias formadas em outras gerações não têm sob o prisma democrático o mesmo peso das decisões tomadas pelos representantes do povo no presente Outro argumento é o de que não se pode presumir que o legislador do passado tenha agido de acordo com os princípios de uma Constituição futura que ele sequer tinha como conhecer Ademais é provável que normas anteriores espelhem valores do passado que não guardam harmonia com aqueles consagrados por uma nova Constituição Não há como hierarquizar os parâmetros acima que nem sempre serão convergentes num caso concreto Devese verificar se há convergência de diversos parâmetros no sentido do reforço ou da atenuação da presunção de constitucionalidade Em casos de dissonância os parâmetros podem até eventualmente se neutralizar gerando uma presunção moderada normal de constitucionalidade do ato normativo 1 Cf MENDES Gilmar Ferreira Introdução In HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Cons tituição 2 A doutrina tradicional da separação dos poderes leva a uma psicologia das faculdades que considera a vontade e a razão como faculdades distintas Enquanto na legislação temse um ato de vontade na jurisdição temse um ato de mera cognição Cf PERELMAN Chaïm Lógica jurídica nova retórica p 32 3 MONTESQUIEU Charles Louis de Secondat O espírito das leis p 203 4 BECCARIA Cesare Dos delitos e das penas p 32 5 HESPANHA António Manuel Panorama histórico da cultura jurídica européia p 176181 6 Cf LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 3956 7 Cf WIEACKER Franz História do direito privado moderno p 491536 8 Cf WARAT Luis Alberto A produção crítica do saber jurídico In PLASTINO Carlos Alberto Org Crítica do direito e do Estado p 17 et seq 9 Cf LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 7085 10 Para uma avaliação contemporânea do realismo jurídico vejase LEITER Brian Legal Realism In PATTERSON Denis Ed A Companion to Philosophy and Legal Theory p 261280 Uma obra de referência daquela escola é LLEWELLYN Karl The Bramble Bush some Lectures on Law and its Study 11 Sobre a chamada escola de Langdell e sua influência na cultura jurídica norteamericana vejase FELDMAN Stephen M American Legal Thought from PreModernism to Postmodernism an Intellectual Voyage p 91105 12 HOLMES Oliver Wendell The Path of Law In KENNEDY David FISHER III William W The Canon of American Legal Thought p 31 Nesse texto que é um clássico da teoria jurídica norteamericana publicado originariamente em 1897 Holmes propõe que se adote uma visão muito concreta do fenômeno jurídico a partir da perspectiva do homem mau O homem mau programa a sua conduta não com base em prin cípios lógicos ou morais mas buscando antecipar as prováveis consequências das suas ações Por isso para ele interessa saber como os juízes decidirão certas questões e não o que é mais compatível com determinados valores ou conceitos jurídicos abstratos 13 Cf KELSEN Hans Teoria pura do direito p 267376 14 HART Herbert O conceito de direito p 137149 15 HART Herbert A teoria do direito norteamericano pelos olhos ingleses o pesadelo e o nobre sonho In HART Herbert Ensaios sobre teoria do direito e filosofia p 161 16 A expressão virada kantiana é de HÖFFE Otfried Kategorische Rechtsprinzipien ein Kontrapunkt der Moderne p 351 apud TORRES Ricardo Lobo A jurisprudência de valores In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 509 17 A mais importante destas teorias foi elaborada pelo filósofo norteamericano John Rawls na sua obra A theory of justice 20th print Para uma análise das relações entre o pensamento de Rawls e a teoria constitucional vejase MICHELMAN Frank Isaac Rawls on Constitutionalism and Constitutional Law In FREEMAN Samuel Richard Ed The Cambridge Companion to Rawls p 394425 18 Sobre o giro linguístico e as diferentes correntes que o compõem vejase DAGOSTINI Franca Analíticos e continentais 19 Vejase nessa linha SCHAUER Frederick Formalism Legal Constitutional Judicial In WHITTINGTON Keith E KELEMEN R Daniel CALDEIRA Gregory A Ed The Oxford Handbook of Law and Politics p 428436 STRUCHINER Noel Posturas interpretativas e modelagem institucional a dignidade contingente do formalismo jurídico In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 463482 20 Já se fala contemporaneamente numa virada institucional na interpretação jurídica Vejase nesta linha SUNSTEIN Cass R VERMEULLE Adrian Interpretations and Institutions John M Olin Law Economics Working Paper n 156 VERMEULLE Adrian Judging under Uncertainty an Institutional Theory for Legal Interpretation 21 Cf HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição con tribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição 22 Cf BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição constitucional brasileira legitimidade democrática e instrumentos de realização COELHO Inocêncio Mártires As idéias de Peter Häberle e a abertura da interpretação constitucional no direito brasileiro Revista de Direito Administrativo v 211 p 125 et seq 23 ADI nº 3510DF Rel Min Carlos Britto Julg 28 e 2952008 24 Cf HOECKE Mark van Judicial Review and Deliberative Democracy a Circular Model of Law Creation and Legitimation Ratio Juris v 14 n 4 p 414 et seq 25 Cf SIEGEL Reva Constitutional Culture Social Movement Conflict and Constitutional Change the Case of the De Facto ERA California Law Review n 94 p 1323 et seq 26 Nas palavras de Jack Balkin a legitimidade constitucional depende do que Sanford Levinson chamou de protestantismo constitucional a ideia de que nenhuma instituição do Estado e especialmente também não a Suprema Corte tem o monopólio do sentido da Constituição Assim como as pessoas podem ler a Bíblia e decidir o que acreditam que ela significa para si também os cidadãos podem decidir o que a Constituição significa e defender sua posição na esfera pública Para que o projeto constitucional tenha sucesso não é suficiente que o povo o suporte O povo deve ter também a possibilidade de criticar a forma como esse projeto está sendo desenvolvido As pessoas devem poder discordar denunciar e protestar contra a prática constitucional inclusive especialmente as decisões dos tribunais e demandar a Constituição como a sua Constituição de forma a poder mover a prática constitucional na direção mais próxima dos seus ideais Só nestas condições é plausível que o povo mantenha fé na Constituição Constitutional Redemption Political Faith in an Unjust World p 10 A interessante analogia entre a compreensão pluralista dos intérpretes da Constituição e o protestantismo consiste no fato de que esse ao contrário do catolicismo nega a existência de um único intérprete autorizado da verdade religiosa no caso do catolicismo a Igreja Católica Para o protestantismo desde Martinho Lutero cada fiel pode interpretar a Bíblia ao seu modo Da mesma forma o pluralismo de intérpretes cons ti tucionais também nega à Suprema Corte ou à Corte Constitucional o monopólio da verdade na inter pretação da Constituição A analogia é explorada em LEVINSON Sanford Constitutional Faith p 1830 27 MS nº 26603DF Rel Min Celso de Mello Julg 4102007 28 No mesmo sentido na literatura brasileira cf MENDES Conrado Hübner Direitos fundamentais separação de poderes e deliberação BRANDÃO Rodrigo Supremacia judicial versus diálogos constitucionais a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição 29 BARROSO Luís Roberto MENDONÇA Eduardo O STF foi permeável à opinião pública sem ser subserviente 30 BARROSO Luís Roberto MENDONÇA Eduardo O STF foi permeável à opinião pública sem ser subserviente 31 Tratase do caso Dread Scott v Sanford julgado em 1856 em que a Suprema Corte decidiu que era inválida a lei federal conhecida como Missouri Compromise que proibira a escravidão em novos territórios afirmando ainda que os negros não poderiam ser considerados cidadãos norteamericanos para buscarem a jurisdição de cortes federais Nas palavras da Corte o direito de propriedade sobre um escravo é clara e expressamente afirmado pela Constituição É opinião da Corte que o ato do Congresso que proibiu um cidadão de possuir este tipo de propriedade no território dos Estados Unidos não é autorizado pela Constituição sendo portanto nulo 60 US 19 How 393 Como ressaltou Erwin Chemerinsky a Suprema Corte com aquela decisão imaginava que estava resolvendo a controvérsia sobre a escravidão nos Estados Unidos Ocorreu o contrário a decisão se tornou o ponto focal do debate sobre escravidão e ao derrubar o Missouri Compromise a decisão ajudou a precipitar a Guerra Civil Constitutional Law Principles and Policies p 693 32 Isso tem acontecido com razoável frequência naquele país Um exemplo ocorreu no caso City of Boerne v Flores 521 US 507 1997 em que a Suprema Corte determinou que não poderia ser aplicada aos Estados uma lei federal que estendera a proteção da liberdade de religião para além do ponto em que ela tinha sido reconhecida por aquele tribunal em outro caso Employment Division Department of Human Resources of Ohio v Smith 494 US 872 1990 Com a lei federal invalidada o Congresso norteamericano visava a afastar esse último precedente da Suprema Corte sobre liberdade religiosa tido como muito restritivo com o propósito de fortalecer o referido direito em favor de minorias religiosas A Suprema Corte considerou no entanto que o ato legislativo seria incompatível com a sua prerrogativa de dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição Para uma crítica a essa linha jurisprudencial vejase POST Robert Protecting the Constitution from the People Juricentric on Section Five Power Indiana Law Journal v 78 33 Petição nº 3388 Rel Min Carlos Britto Julg 1932009 DJ 1º jul 2010 34 Integra a Constituição canadense a Carta de Direitos e Liberdades Charter of Rights and Freedoms editada em 1982 que prevê em sua Seção 33 uma regra conhecida como notwithstanding clause ou override clause que permite ao parlamento nacional ou das províncias canadenses afastar o controle de constitucionalidade sobre alguma lei que editem pelo prazo de até cinco anos renovável por nova decisão Todavia essa prerrogativa que chegou a ser usada amplamente pela província de Québec hoje praticamente não é empregada no país pois a sua utilização é vista com maus olhos pela opinião pública Vejase a propósito TUSHNET Mark V Weak Courts Strong Rights Judicial Review and Social Welfare Rights p 1876 Para uma descrição de formas alternativas de controle de constitucionalidade em que o Judiciário não tem a prerrogativa de invalidar leis de maneira irreversível vejase GARBAUM Stephen O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica In BIGONHA Antonio Carlos Alpino MOREIRA Luiz Org Legitimidade da jurisdição constitucional p 159221 35 A Constituição de 1937 permitia em seu artigo que o Congresso por provocação do Presidente da Re pública e decidindo por maioria de 23 dos seus membros tornasse sem efeito decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade Como o Congresso esteve fechado durante quase todo o período de vigência da Carta de 37 a faculdade era exercida diretamente pelo próprio Presidente da República com base em preceito constitucional que lhe atribuía o pleno exercício das funções parlamentares enquanto o Legislativo não estivesse em funcionamento Na prática o controle de constitucionalidade naquele período autoritário tinha sido completamente esvaziado 36 410 US 113 1973 37 Vejase a propósito POST Robert Roe Rage Democratic Constitutionalism and Backlash Harvard Civil Rights Civil Liberties Law Review n 42 38 Um excelente resumo crítico dessas teorias se encontra em BATEUP Christine The Dialogic Promise Assessing the Normative Potential of Theories of Constitutional Dialogue Brooklyn Law Review v 71 39 Cf PICKERILL J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the Impact of Judicial Review in a Separated System POGREBINSCHI Thamy Judicialização ou representação política direito e democracia no Brasil 40 BAUM Laurence The Supreme Court and their Audiences POWE JUNIOR Lucas A The Supreme Court and the American Elite 17892008 FRIEDMAN Barry The Will of the People How Public Opinion Has Influenced the Supreme Court and Shaped the Meaning of the Constitution 41 Uma exposição mais ampla abrangendo outros casos se encontra em BRANDÃO Rodrigo Supremacia ju dicial versus diálogos constitucionais a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição p 289300 42 RE nº 153771 Rel p acórdão Min Moreira Alves Julg 20111996 DJ 5 set 1997 43 RE nº 233332 Rel Min Ilmar Galvão Julg 1031999 DJ 14 maio 1999 44 ADI nº 14 Rel Min Célio Borja Julg 1391988 DJ 1º dez 1989 45 Sessão administrativa de 2461998 46 MS nº 24875 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 6 out 2006 47 RE nº 276546 Rel Min Maurício Corrêa Julg 3132004 DJ 21 maio 2004 48 ADI nº 4307 Rel Min Cármen Lúcia DJ 5 mar 2010 49 A Súmula nº 384 editada sob a égide da Constituição de 1946 dispunha Cometido o crime durante o exercício funcional prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício 50 Inq nº 687QO Rel Min Sydney Sanches Julg 2581997 DJ 9 jan 2001 51 ADI nº 2797DF Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 1592005 DJ 19 dez 2006 52 Nas palavras do Ministro Eros Grau o Poder Legislativo pode exercer a faculdade de atuar como intérprete da Constituição para discordar de decisão do Supremo Tribunal exclusivamente quando não se tratar de hipóteses nas quais esta Corte tenha decidido pela inconstitucionalidade de uma lei 53 ADI nº 3289 Rel Min Gilmar Mendes Julg 552005 DJ 3 fev 2006 54 ADI nº 3772 Rel p acórdão Min Ricardo Lewandowski DJ 26 mar 2009 55 Cf BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Los métodos de la interpretación constitucional inventario y crítica In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Escritos sobre derechos fundamentales p 15 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 21 et seq 56 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional 2 ed p 53 57 Cf FERRARA Francesco Interpretação e aplicação das Leis p 34 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 120 58 Nesse sentido a afirmação de Eros Roberto Grau de que o processo de interpretação dos textos norma tivos encontra na précompreensão o seu momento inicial a partir do qual ganha dinamismo o movimento circular que compõe o círculo hermenêutico Ensaio e discurso sobre a interpretação aplicação do direito p 31 59 No mesmo sentido BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 120121 60 QUINTANA Linares Reglas para la interpretación constitucional p 65 Essa formulação também conta com a adesão de Luís Roberto Barroso Interpretação e aplicação da Constituição p 121 61 RE nº 1667729 Rel Min Marco Aurélio Julg 1251994 DJ 16 dez 1994 62 MÜLLER Friedrich Direito linguagem violência elementos de uma teoria constitucional p 44 63 quando não houver entre os Membros do Ministério Público do Trabalho candidato com mais de dez anos de carreira será lícita a inclusão em lista para a investidura no cargo de Juiz de Tribunal Regional do Trabalho de quem não preencha aquele requisito temporal ADI nº 1289DF Rel Min Octavio Gallotti Julg 18121996 DJ 29 maio 1998 64 Cf LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 312316 65 BRENNAN JUNIOR William Constructing the Constitution UC Davies Law Review n 19 p 7 66 Cf BORK Robert H The Tempting of America the Political Seduction of the Law SCALIA Antonin A matter of interpretation 67 Cf POST Robert SIEGEL Reva Originalism as a Political Practice the Rights Living Constitution Fordham Law Review n 75 68 Vejase entre outros DWORKIN Ronald Laws Empire p 359369 BARBER Sotirios A FLEMING James E Constitutional Interpretation the Basic Questions p 79116 69 Na Alemanha por exemplo o Tribunal Constitucional Federal em importante decisão em que afirmou a inconstitucionalidade da pena de prisão perpétua sem possibilidade de progressão consignou Nem a história original nem as ideias e intenções do constituinte são de importância decisiva na interpretação de preceitos específicos da Lei Fundamental Desde a adoção da Lei Fundamental nossa compreensão sobre o conteúdo funções e efeitos dos direitos fundamentais se aprofundou Adicionalmente os efeitos médicos psicológicos e sociológicos da pena de morte se tornaram melhor conhecidos Novos insights podem influenciar e mesmo alterar a avaliação desta punição em termos de dignidade humana e dos princípios constitucionais do Estado 45 BVerfGE 187 1977 70 SAVIGNY Friedrich Carl von Los fundamientos de la ciencia jurídica In SAVIGNY Friedrich Carl von La ciencia del derecho p 8384 SAVIGNY Friedrich Carl von Sistema de derecho romano actual p 187 71 JHERING Rudolf von A finalidade do direito 72 O mais conhecido constitucionalista de Israel Aharon Barak sustenta em conhecida obra que o principal elemento da interpretação constitucional é o teleológico purposive Cf BARAK Aharon The Judge in a Democracy p 127135 73 Neste sentido ADI nº 3685 Rel Min Ellen Gracie Julg 2262006 DJ 10 ago 2006 74 RE nº 446999PE Rel Min Ellen Gracie Julg 2862005 DJ 9 set 2005 75 HESSE Konrad La interpretación de la Constitución In HESSE Konrad Escritos de derecho constitucional p 41 76 Nas palavras de Gadamer Aquele que quer compreender não pode se entregar já desde o início à cau salidade de suas próprias opiniões prévias e ignorar o mais obstinada e consequentemente possível a opinião de um texto Por isso uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva desde o princípio para a alteridade do texto Verdade e método 2 ed p 405 77 Cf STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituição hermenêutica e teorias discursivas 3 ed 78 Cf LARMORE Charles The Morals of Modernity p 152174 BENHABIB Seyla The Claims of Culture Equality and Diversity in the Global Era p 123 79 BOURDIEU Pierre O poder simbólico p 0708 80 Cf VIEHWEG Theodor Tópica e jurisprudência p 38 MENDONÇA Paulo Roberto Soares A tópica e o Supremo Tribunal Federal BONAVIDES Paulo O método tópico de interpretação constitucional Revista de Direito Constitucional e Ciência Política v 1 n 1 CAMARGO Margarida Maria Lacombe Hermenêutica jurídica e argumentação uma contribuição ao estudo do direito REIS José Carlos Vasconcellos dos Interpretação evolutiva e raciocínio tópico no direito constitucional contemporâneo Revista de Direito do Estado v 2 n 6 81 Como a seguir esclareceremos é como tópica pura que Hesse denomina a metodologia jurídica de Viehweg Cf HESSE Konrad Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha p 65 Na obra de Hesse bem como na de Friedrich Müller a tópica sofrerá certas correções de ordem normativa será portanto uma tópica mitigada 82 Cf BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Los métodos de la interpretación constitucional inventario y crítica In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Escritos sobre derechos fundamentales p 20 BONAVIDES Paulo Política e Constituição os caminhos da democracia p 131 83 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1033 84 CANARIS Claus Wilhelm Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito p 269289 85 MÜLLER Friedrich Discours de la méthode juridique p 135 86 MS nº 26690 Rel Min Eros Grau DJe 18 dez 2008 87 HESSE Konrad A força normativa da Constituição p 24 88 Cf MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 60 BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Sobre la situacción de la dogmática de los derechos fundamentales tras 40 años de Ley Fundamental In BÖCKENFÖRDE ErnstWolfgang Escritos sobre derechos fundamentales p 126 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1074 1075 89 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional p 45 MÜLLER Friedrich Discours de la méthode juridique p 168 e 355 90 Desta necessidade Müller deriva inclusive a exigência de que as universidades ofereçam um treinamento em disciplinas básicas e provoquem o desejo da cooperação interdisciplinar Métodos de trabalho do direito constitucional p 7677 91 Cf HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contri buição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição p 34 92 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de A segurança pública na Constituição Federal de 1988 conceituação constitucionalmente adequada competências federativas e órgãos de execução das políticas Revista de Direito do Estado v 8 p 1973 93 Cf BverfGE 33 333 94 Cf ADIMC nº 1458DF Rel Min Celso de Mello DJ 20 set 1996 95 Vejase a propósito o Capítulo 5 96 Cf ARGUELHES Diego Werneck LEAL Fernando Pragmatismo como meta teoria normativa da decisão judicial caracterização estratégias e implicações In SARMENTO Daniel Org Filosofia e teoria constitucional contemporânea p 171211 97 ADIMC nº 534DF Rel Min Celso de Mello Julg 2761991 DJ 8 abr 1994 98 O teor da decisão é o seguinte A extinção anômala do processo de controle normativo abstrato motivada pela perda superveniente de seu objeto tanto pode decorrer da revogação pura e simples do ato estatal impugnado como do exaurimento de sua eficácia tal como sucede nas hipóteses de normas legais destinadas a vigência temporária Com a devolução integral dos ativos financeiros retidos e a conseqüente conversão dos cruzados novos em cruzeiros exauriuse de modo definitivo e irreversível o conteúdo eficacial das normas impugnadas inscritas na Lei nº 802490 ADIQO nº 534DF Rel Min Celso de Mello Julg 2681992 DJ 8 abr 1994 99 ADI nº 4029 Rel Min Luiz Fux Julg 732012 100 Notícias STF de 832012 Disponível em httpwwwstfjusbr 101 SOUZA NETO Cláudio Pereira de A interpretação constitucional contemporânea entre o construtivismo e o pragmatismo In MAIA Antônio Cavalcanti et al Org Perspectivas atuais da filosofia do direito 102 Este procedimento é forte criticado por ANDRADE Fábio Martins de Modulação em matéria tributária o argu mento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF p 471 103 O utilitarismo é uma teoria moral muito associada ao universo anglosaxão que tem como referências pensadores como David Hume Jeremy Bentham Adam Smith e Stuart Mill Para uma análise contemporânea do utilitarismo veja se SEN Amartya WILLIAMS Bernard Ed Utilitarianism and Beyond 104 RE nº 352940 Rel Min Carlos Velloso 105 RE nº 407688 Rel Min Cezar Peluso DJ 6 out 2006 106 O Min Peluso ressaltou que o direito à moradia que não se confunde necessariamente com o direito à propriedade imobiliária pode sem prejuízo de outras alternativas conformadoras reputarse em certo sentido implementado por norma jurídica que favoreça o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores Nas suas palavras a hipótese de penhorabilidade em discussão ao diminuir os riscos inerentes ao contrato de locação residencial tutelaria o direito de moradia de uma classe ampla de pessoas interessadas na locação em dano de outra de menor espectro a dos fiadores proprietário de um só imóvel enquanto bem de família os quais não são obrigados a prestar fiança Para Peluso a invalidação da norma sob análise geraria exigência sistemática de garantias mais custosas para as locações residenciais com o consequente desfalque do campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia 107 REALE Miguel Nova fase do direito moderno p 27 108 ALEXY Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Derecho e razón práctica p 15 109 Sobre o conceito de direitos morais cf SANTIAGO NINO Carlos Sobre los derechos morales Doxa n 7 FERNANDEZ Eusebio Teoría de la justicia y derechos humanos p 108 et seq entre outros Para uma crítica à noção de direitos morais cf p ex SEGURA ORTEGA Manuel Reflexiones sobre los llamados derechos morales Derechos y Liberdades Revista del Instituto Bartolomé de las Casas ano 3 n 6 p 447 et seq Nem todos os direitos morais estão presentes na Constituição bem como nem todos os direitos constitucionais são direitos morais Sobre a distinção entre direitos morais e direitos legais Cf VITA Álvaro de O lugar dos direitos na moralidade política Lua Nova Revista de Cultura e Política n 30 p 16 110 DWORKIN Ronald Law philosophy and interpretation Archiv für Rechts und Sozialphilisophie v 80 n 4 111 Cf DWORKIN Ronald Freedoms Law the Moral Reading of the American Constitution 112 Cf DWORKIN Ronald Must our Judges be Philosophers Can they be Philosophers New York Council for the Humanities 113 De acordo com o art 4º da EC nº 41 os servidores inativos e os pensionistas da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios incluídas suas autarquias e fundações em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda bem como os alcançados pelo disposto no seu art 3º contribuirão para o custeio do regime de que trata o art 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos 114 ADI nº 3105DF Rel p acórdão Min Cezar Peluso Julg 1882004 DJ 18 fev 2005 Na doutrina cf SARMENTO Daniel Direito adquirido emenda constitucional democracia e reforma de previdência Arquivos de Direitos Humanos v 6 BARROSO Luís Roberto Constitucionalidade e legitimidade da reforma da previdência ascensão e queda de um regime de erros e privilégios Revista Forense v 377 115 Cf BACHOFF Otto Jueces y Constitución p 40 116 HÄBERLE Peter Le libertà fondamentali nello Stato Costituzionale p 41 117 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 321 et seq MÜLLER Friedrich Discours de la méthode juridique p 8990 118 Para uma síntese do debate norteamericano sobre essa questão vejase BARBER Sotirios A FLEMING James E Constitutional Interpretation the Basic Questions p 155170 119 Vejase a propósito BOBBIT Philip Constitutional Fate Theory of the Constitution p 93119 120 O tema da interpretação do Direito é desenvolvido em diversas obras do autor Vejase a propósito DWORKIN Ronald Hard Cases In DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 131149 DWORKIN Ronald A Matter of Principle p 119180 DWORKIN Ronald Laws Empire p 225275 DWORKIN Ronald Justice in Robes p 135 DWORKIN Ronald Justice for Hedgehogs p 400415 121 Esta distinção entre moralidade positiva e crítica foi explorada em texto clássico da Filosofia do Direito HART Herbert Law Liberty and Morality p 1763 O tema foi exposto no contexto do debate travado nos anos 60 no Reino Unido sobre a descriminalização das relações homossexuais entre Hart que defendia a proposta e o jurista e magistrado Lord Devlin que a condenava com a alegação de que seria papel do Direito Penal defender a moral dominante na sociedade 122 MACCORMICK Neil Argumentação jurídica e teoria do direito Nessa citação o autor referese genericamente à argumentação jurídica 123 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life SUNSTEIN Cass R VERMEULLE Adrian Interpretations and Institutions John M Olin Law Economics Working Paper n 156 VERMEULLE Adrian Judging under Uncertainty an Institutional Theory for Legal Interpretation 124 Cf SARMENTO Daniel A proteção judicial dos direitos sociais In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Coord Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie p 553586 125 Cf FULLER Lon L The Forms and Limits of Adjudication Harvard Law Review n 92 p 394397 126 Cf LOPES José Reinaldo de Lima Direitos sociais teoria e prática 127 Vejase a propósito o Capítulo 5 128 WALDRON Jeremy A dignidade da legislação TUSHNET Mark V Taking the Constitution away from the Courts KRAMER Larry D The People by Themselves Popular Constitutionalism and Judicial Review 129 ADI nº 3510 Rel Min Ayres Britto Julg 2952008 130 Ext nº 1085 PETAV Rel Min Cezar Peluso 131 HESSE Konrad La interpretación de la Constitución In HESSE Konrad Escritos de derecho constitucional p 3354 132 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 141244 133 HESSE Konrad Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha p 65 Cf também BERCOVICI Gilberto O princípio da unidade da Constituição Revista de Informação Legislativa v 145 134 BVerfGE 19 206 220 135 ADI nº 815DF Rel Min Moreira Alves Julg 28 31996 DJ 10 maio 1996 ADIAgR nº 4097DF Rel Min Cezar Peluso Julg 8102008 136 Cf ALEXY Robert On Balancing and Subsumption a Structural Comparison Ratio Juris v 16 n 4 137 ADI nº 890DF Rel Min Maurício Corrêa Julg 1192003 DJ 6 fev 2004 138 Cf HC nº 70648RJ Rel Min Moreira Alves Julg 9111993 DJ 4 mar 1994 139 O tema das colisões entre normas constitucionais será detidamente explorado no Capítulo 12 140 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 10961097 141 O tema será aprofundado no Capítulo 12 142 Sentencia n 1201990 BOE n 181 Sobre o caso Cf ATIENZA Manuel La huelga de hambre de los GRAPO Claves de razón práctica n 14 143 HC nº 80240 1ª Turma Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 2062001 DJ 14 out 2005 144 Na ementa da decisão consignouse Comissão Parlamentar de Inquérito intimação de indígena para prestar depoimento na condição de testemunha fora do seu habitat violação às normas constitucionais que conferem proteção específica aos povos indígenas CF arts 215 216 231 1 A convocação de um índio para prestar depoimento em local diverso de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção na medida que é vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo exceções nela previstas CF88 art 231 5º 2 A tutela constitucional do grupo indígena que visa a proteger além da posse e usufruto das terras originariamente dos índios a respectiva identidade cultural se estende ao indivíduo que o compõe quanto à remoção de suas terras que é sempre ato de opção de vontade própria não podendo se apresentar como imposição salvo hipóteses excepcionais 3 Ademais o depoimento de índio que não incorporou ou não compreende as práticas de existência comuns ao homem branco pode ocasionar o cometimento pelo silvícola de ato ilícito passível de comprometimento do seu status libertatis 145 Como sustentava Isaiah Berlin nem todos os valores supremos buscados pela humanidade agora e no passado são necessariamente compatíveis uns com os outros A busca do ideal In BERLIN Isaiah Estudos sobre a humanidade uma antologia de ensaios p 47 146 Cf MAUÉS Antonio G M Poder e democracia o pluralismo político na Constituição de 1988 147 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de A teoria constitucional e seus lugares específicos notas sobre o aporte reconstrutivo Revista de Direito do Estado v 1 p 89104 148 HESSE Konrad Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha p 68 149 AIAgR nº 555806MG Rel Min Eros Grau Julg 1º42008 REED nº 328812AM Rel Min Gilmar Mendes Julg 632008 RclAgR nº 2600SE Rel Min Cezar Peluso Julg 1492006 DJ 3 ago 2007 150 REAgR nº 235794SC Rel Gilmar Mendes Julg 22102002 DJ 14 nov 2002 151 De acordo com o art 73 2º da Constituição Federal os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos um terço pelo Presidente da República com aprovação do Senado Federal sendo dois alternada mente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal indicados em lista tríplice pelo Tribunal segundo os critérios de antigüidade e merecimento Já conforme o art 72 3º da Constituição de 1969 os seus Ministros serão nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos econômicos financeiros ou de administração pública e terão as mesmas garantias prerrogativas vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos 152 ADIMC nº 2596PA Rel Min Sepúlveda Pertence Julg 1582002 DJ 27 set 2002 153 O leading case na matéria foi o MI nº 1073 Rel Min Moreira Alves DJ 7 fev 1990 em que se assentou Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção é ele ação outorgada ao titular do direito garantia ou prerrogativa a que alude o art 5º LXXI dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionali dade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder órgão entidade ou autoridade de que ela dependa com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração para que adote as providências necessárias à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão art 103 2º da Carta Magna e de que se determine se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão constitucional 154 MI nº 708 Rel Min Gilmar Mendes Julg 25102007 DJ 31 out 2008 MI nº 670 Rel p acórdão Min Gilmar Mendes Julg 25102007 DJ 31 out 2008 MI nº 712 Rel Min Eros Grau Julg 25102007 DJ 31 out 2008 No MI nº 708 o Min Gilmar Mendes ressaltou Comungo das preocupações quanto à nãoassunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo Entretanto pareceme que a nãoatuação no presente momento já se configuraria quase uma espécie de omissão judicial Estamos diante de uma situação jurídica que desde a promulgação da Carta Federal de 1988 ou seja há mais de 18 anos remanesce sem qualquer alteração tendo em vista as imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos os servidores este Tribunal não pode se abster de reconhecer que assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo 155 Isso ocorreu em diversos casos em que se discutiu o direito a aposentadoria especial de servidores públicos que exerçam atividades insalubres previsto no art 40 4º III da Constituição Federal mas condicionado à prévia edição de lei complementar Consta na ementa do MI nº 721 leading case na matéria Conforme o disposto no inciso LXXI do art 5º da Constituição Federal concederseá mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes á nacionalidade à soberania e à cidadania Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão A carga de declaração não é objeto da impetração mas premissa da ordem a ser formalizada Tratandose de pro cesso subjetivo a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor impõese a adoção via pronunciamento judicial daquela própria aos trabalhadores em geral art 57 1º da Lei 821391 MI nº 721 Rel Min Marco Aurélio Julg 3082007 DJ 30 nov 2007 156 MI nº 438GO Rel Min Neri da Silveira DJ 16 jun 1995 Na doutrina cf SILVA Curso de direito constitucional positivo 17 ed p 678 157 Cf pex o voto divergente do Min Sepúlveda Pertence no MI nº 438GO Rel Min Neri da Silveira DJ 16 jun 1995 158 Cf SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional p 274 159 Em um dos muitos casos o Tribunal assim decidiu O limite de 12 ao ano previsto para os juros reais pelo 3º do art 192 da Constituição Federal depende da aprovação da Lei regulamentadora do Sistema Financeiro Nacional a que se refere o caput do mesmo dispositivo MI nº 611SP Rel Min Sydney Sanches DJ 29 nov 2002 160 HESSE Konrad Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha p 67 161 Súmula Vinculante nº 11 Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excep cionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado 162 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 1372 Gilmar Mendes tanto no exercício da atividade jurisdicional como na sua produção acadêmica é um entusiasmado defensor das decisões aditivas No voto proferido na ADI nº 1351 ele con signou É possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva já adotada pelas principais cortes constitucionais europeias A assunção de uma atividade criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade que muitas vezes causam entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional 163 Eg no RMS nº 22307 Rel Min Marco Aurélio DJ 31 ago 1997 o STF determinou a extensão aos servidores civis de reajuste de 2868 que tinha sido concedido aos servidores militares 164 2000 11 BCLR 1169 165 Petição nº 3388 Rel Mn Carlos Britto Julg 1932009 DJ 1º jul 2010 166 A decisão mencionada foi proferida nos seguintes termos Por ser a medida provisória ato normativo com força de lei não é admissível seja retirada do Congresso Nacional a que foi remetida para o efeito de ser ou não convertida em lei Em nosso sistema jurídico não se admite declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo com força de lei por lei ou por ato normativo com força de lei posteriores O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos e da competência exclusiva do Poder Judiciário ADI nº 221MCDF Rel Min Moreira Alves Julg 2931990 DJ 22 out 1993 167 RAWLS John O liberalismo político p 250304 168 Cf HABERMAS Jürgen Religião na esfera pública pressuposições cognitivas para o uso público da razão de cidadãos seculares e religiosos In HABERMAS Jürgen Entre naturalismo e religião estudos filosóficos p 129168 169 Cf RAWLS John A idéia de razão pública revista In RAWLS John O direito dos povos Também Habermas analisa o assunto Só as razões motivadas pela pretensão de entendimento as que levam em conta o ponto de vista do outro superam o teste do debate público Como resultado excluemse da argumentação todos os conteúdos não passíveis de universalização todas as orientações axiológicas concretas entrelaçadas ao todo de uma forma particular de vida ou da história de uma vida individual Cf HABERMAS Jürgen Consciência moral e agir comunicativo p 147149 170 Sobre a obrigação de o estado manter uma posição de neutralidade em matéria religiosa cf MACHADO Jónatas A Constituição e os movimentos religiosos minoritários Boletim da Faculdade de Direito Coimbra v 52 p 226 et seq 171 Cf FORST Rainer The Rule of Reasons Three Models of Deliberative Democracy Ratio Juris v 14 n 4 p 349 172 Cf RAWLS John O liberalismo político p 294295 A crítica ao ponto de vista do autor aqui reproduzida é proposta por GUTMANN Amy THOMPSON Dennis Democracy and Disagreement p 73 et seq 173 ADPF nº 54 Rel Min Marco Aurélio Julg 11 e 1242012 174 Cf CHOUDRY Sujit Ed The migration of constitutional ideas 175 Cf SILVA Virgílio Afonso da Integração e diálogo constitucional na América do Sul In BOGANDY Armin von PIOVESAN Flávia ANTONIAZZI Mariella Morales Org Direitos humanos democracia e integração jurídica na América do Sul p 515530 176 A tendência é reconhecida mesmo por seus críticos como o jurista conservador norteamericano Robert Bork para o qual vivemos um momento de homogeneização internacional do direito constitucional BORK Robert H Coercing Virtue the Worldwide Rule of Judges p 2324 Bork critica a tendência sob o argumento de que as constituições devem ser interpretadas de acordo com as tradições e com a história particular de cada país se as decisões estrangeiras são importantes elas deveriam fornecer subsídios para a atividade constituinte ou legislativa não para a judiciária 177 SUNSTEIN Cass R A Constitution of Many Minds p 189 178 Cf KUMM Mathias The Cosmopolitan Turn in Constitutionalism In DUNOFF Jeffrey L TRACHTAN Joel P Ruling the world Constitutionalism International Law and Global Governance p 307 179 539 US 558 2003 180 543 US 551 2005 181 Vejase a propósito AMARAL JUNIOR Alberto JUBILUT Liliana Lyra Org O STF e o direito internacional dos direitos humanos 182 HC nº 72131RJ Rel p acórdão Min Moreira Alves Julg 22111995 183 RE nº 511961 Rel Min Gilmar Mendes DJ 13 nov 2009 184 ADPF nº 153 Rel Min Eros Grau Julg 2942010 DJ 6 ago 2010 185 BVerfGE 111 307 186 HC nº 82424RS Rel Min Moreira Alves Rel p acórdão Min Maurício Corrêa Julg 1792003 DJ 19 mar 2004 187 OLIVEIRA VIANNA Francisco José de O idealismo na Constituição 3 ed 188 Cf SILVA Virgílio Afonso da Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional 189 Cf MENDES Gilmar Ferreira Controle de constitucionalidade aspectos jurídicos e políticos p 285 190 Cf MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2 ed p 243 191 Cf SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional p 209 192 Rep nº 1417 Rel Min Moreira Alves DJ 15 abr 1988 193 ADPF nº 54 Rel Min Marco Aurélio Julg 11 e 1242012 194 Sobre as diferenças entre essas figuras vejase MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 13661370 No texto destacase que o STF inicialmente equiparava a interpretação conforme à Constituição e a declaração parcial de incons titucionalidade sem redução de texto mas que existe uma tendência na Corte a diferenciálas 195 ADI nº 1719DF Rel Min Joaquim Barbosa Julg 1862007 DJ 3 ago 2007 196 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 1370 197 ADIMC nº 3854DF Rel Min Cezar Peluso Julg 2822007 DJ 29 jun 2007 198 BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a cons trução do novo modelo p 301 199 Existem duas exceções à vedação de que os órgãos fracionários reconheçam a inconstitucionalidade de uma lei quando o STF já a tiver anteriormente reconhecido ou quando o plenário ou órgão especial daquele mesmo tribunal já o tenha feito Essas exceções contempladas no art 481 parágrafo único do CPC se inspiram no princípio da economia processual e são reconhecidas como válidas pela jurisprudência do STF 200 THAYER James B The Origin and Scope of the American Doctrine of Constitutional Law Harvard Law Review v 7 n 3 201 Para um denso estudo desta questão vejase SWEET Alec Stone All Things in Proportion American Rights Doctrine and the Problem of Balancing Emory Law Journal n 60 p 101179 202 304 US 144 308 203 Sobre o tema vejase FERRERES COMELLA Victor Justicia constitucional y democracia MORO Sérgio Fernando Legislação suspeita o afastamento da presunção de constitucionalidade MELLO Cláudio Ari Democracia constitucional e direitos fundamentais 204 Cf FERRERES COMELLA Victor Justicia constitucional y democracia p 253 205 Cf HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos interpretes da constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição p 44 et seq 206 A Lei Complementar nº 1352010 estabeleceu novas hipóteses de inelegibilidade voltadas à proteção da probidade administrativa e moralidade considerada a vida pregressa do candidato nos termos do art 14 9º da Constituição Dentre as causas de inelegibilidade constam a condenação criminal por órgão colegiado mesmo sem o trânsito em julgado da decisão condenatória e a renúncia a mandato para escapar de possível punição o que levantou vários questionamentos sobre a constitucionalidade do ato normativo tendo em vista os princípios constitucionais da presunção de inocência e da irretroatividade das normas punitivas O STF num primeiro julgamento considerou que a lei seria inaplicável às eleições ocorridas em 2010 em razão da regra da anualidade eleitoral estabelecida no art 16 da Constituição não se manifestando sobre a validade da norma RE nº 633703 Rel Min Gilmar Mendes Julg 2332011 Posteriormente a Corte decidiu que a lei é constitucional podendo ser aplicada a partir das eleições de 2012 ADC nº 19 e nº 20 Rel Min Luiz Fux Julg 16122011 Ambas as decisões suscitaram intensa polêmica e foram julgadas por apertadas maiorias Em nossa opinião ambas estavam corretas No que concerne à primeira decisão apesar da maior deferência devida às normas elaboradas com intensa participação popular como foi o caso a afronta ao art 16 da Constituição que protege as regras do jogo democrático era flagrante e inafastável 207 Essa é a tese central de uma obra clássica da teoria constitucional norteamericana ELY John Hart Democracy and distrust a theory of judicial review Vejase a propósito dessa concepção a análise do procedimentalismo no Capítulo 5 208 BINENBOJM Gustavo Uma teoria do direito administrativo direitos fundamentais democracia e consti tu cionalização p 236 CAPÍTULO 11 OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE 111 Introdução O princípio da proporcionalidade é um dos mais importantes instrumentos da hermenêutica constitucional sendo amplamente empregado pela jurisprudência não só no Brasil como também em inúmeros outros países1 como Alemanha Espanha Portugal Itália França Canadá África do Sul e Colômbia A sua principal finalidade é a contenção do arbítrio estatal 2 provendo critérios para o controle de medidas restritivas de direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente protegidos A proporcionalidade além de princípio constitucional é ainda verdadeiro cânone de interpretação da Constituição sendo empregada no equacionamento de colisões entre normas constitucionais no contexto da ponderação de interesses3 A proporcionalidade originouse no Direito Administrativo alemão prussiano do século XIX sendo empregada inicialmente para controle do exercício do poder de polícia4 Após a II Guerra Mundial no cenário de crise do legalismo jurídico que então se instaurou o princípio foi transplantado na Alemanha do campo administrativo para o constitucional onde passou a ser utilizado também para o controle da constitucionalidade dos atos legislativos sobretudo dos que importam em restrições a direitos fundamentais5 Com o passar do tempo a jurisprudência constitucional germânica foi consolidando três parâmetros ou subprincípios que estruturam a aplicação do princípio da proporcionalidade a adequação a necessidade e a proporcionali dade em sentido estrito que serão adiante examinados6 A experiência germânica no uso do princípio exerceu grande influência no mundo todo e a proporcionalidade foi sendo paulatinamente incorporada à jurisprudência constitucional de inúmeros outros países e até mesmo de órgãos jurisdicionais supranacionais7 como a Corte Europeia de Direitos Humanos o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e a Organização Mundial do Comércio Experiência paralela ocorreu nos Estados Unidos com o desenvolvimento pela Suprema Corte do país a partir de meados do século XIX da ideia do devido processo legal substantivo8 que pode ser associado à exigência de razoabilidade das normas e condutas estatais Inicialmente o principal foco do devido processo legal substantivo foi a proteção dos direitos econômicos e patrimoniais Naquele contexto a Suprema Corte norteamericana tornouse verdadeiro bastião do liberalismo econô mico e do absenteísmo estatal bloqueando a edição de normas que intervinham nas relações sociais e econômicas inclusive daquelas editadas para proteger as partes mais fracas dos abusos das mais poderosas Este período ficou conhecido como Era de Lochner A expressão faz referência ao caso Lochner v New York julgado pela Suprema Corte americana em 1905 quando aquele Tribunal invalidou lei do Estado de Nova Iorque que estabelecera jornada máxima de trabalho para os padeiros em 10 horas diárias e 60 semanais Entendeu a Corte que aquela intromissão do Estado no campo da autonomia contratual se afigurava indevida ofendendo a cláusula do devido processo legal Essa orientação conservadora se estendeu até o final da década de 30 quando a Corte foi praticamente forçada a mudar de orientação após confrontarse com o popularíssimo Presidente Franklin Roosevelt que vinha empreendendo medidas econômicas fortemente intervencionistas no contexto do chamado New Deal com o objetivo de salvar o país da depressão econômica em que mergulhara9 A cláusula do devido processo legal na sua dimensão substantiva deixa então de ser vista como obstáculo às medidas de intervenção estatal na economia Só medidas absolutamente desarrazoadas nesta área seriam consideradas inconstitucionais O controle de razoabilidade tornase extremamente autocontido e deferente em relação às decisões dos poderes Legislativo e Executivo O devido processo legal substantivo ganha então um novo foco nos Estados Unidos a proteção das liberdades civis não econômicas campo em que a atuação judicial vai se caracterizar pelo maior ativismo A maleabilidade da ideia do devido processo legal substantivo tem permitido portanto grandes variações jurisprudenciais ao longo do tempo contribuindo para permitir a adaptação do constitucionalismo norteamericano às novas demandas e necessidades sociais Sem embargo esta flexibilidade o tornou objeto de intensa crítica voltada contra o ativismo judicial no controle de constitucionalidade que segundo alguns seria incompatível com a democracia por permitir que juízes não eleitos substituam as valorações do legislador pelas suas próprias sobre o que é justo razoável ou racional10 Adiante examinaremos a relação entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ao qual costuma ser associada a experiência norteamericana com a dimensão substantiva do devido processo legal No cenário brasileiro o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade vem ocorrendo após o advento da Constituição de 88 sob forte influência da teoria constitucional germânica É até possível encontrar antes da Carta de 88 decisões judiciais que invalidaram medidas restritivas de direitos tidas como excessivas11 Porém estas decisões além de raras não invocavam o princípio da proporcionalidade nem se pautavam por critérios bem definidos iguais ou similares àqueles relacionados ao princípio da proporcionalidade Até porque o regime político autoritário então vigente não se afeiçoava ao ideário garantista subjacente ao princípio da proporcionalidade Sob a égide da Constituição de 88 o STF passou a aludir à proporcionalidade no exercício do controle de constitucionalidade com frequência cada vez maior Inicialmente a Corte não se valia dos subprincípios acima referidos limitandose a destacar o caráter arbitrário ou desarrazoado do ato normativo invalidado12 Mas ao longo da última década a proporcionalidade tem sido empregada de forma mais analítica o que tende a ampliar a previsibilidade da atuação do Judiciário no uso deste princípio Na Constituição de 88 não existe previsão expressa do princípio da proporcionalidade O STF tem fundamentado o princípio tratado pela Corte como idêntico ao princípio da razoabilidade na cláusula do devido processo legal na sua dimensão substantiva art 5º XXXIV CF 13 Esta posição tem amplo suporte em nossa doutrina constitucional14 Há contudo várias outras formulações há quem sustente que o fundamento da proporcionalidade seja o princípio do Estado de Direito15 esta é a posição adotada no direito germânico a cláusula que consagra a garantia de direitos implícitos decorrentes de nosso regime constitucional art 5º 2º CF16 e ainda a natureza principiológica dos direitos fundamentais e de outras normas constitucionais que em razão da sua estrutura demandariam o uso da proporcionalidade para serem aplicados17 Há ainda justificativas alternativas baseadas no princípio da dignidade da pessoa humana na proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais e na dimensão objetiva dos direitos fundamentais18 A discussão sobre a sedes materiae do princípio da proporcionalidade possui porém importância secundária Sob o ponto de vista prático o fundamental é que se reconheça a vigência e eficácia do princípio em questão em nosso ordenamento Parecenos que na verdade a proporcionalidade pode ser extraída de diversos preceitos constitucionais diferentes e do próprio sistema constitucional globalmente considerado Outra discussão existente diz respeito à natureza principiológica da exigência de respeito à proporcionalidade Apesar do uso já consolidado da expressão princípio da proporcionalidade há quem entenda que a proporcionalidade não opera como um verdadeiro princípio no sentido de mandado de otimização19 mas como autêntica regra eis que aplicada sob a lógica do tudo ou nada20 Outros sustentam que a proporcionalidade atuaria como um postulado aplicativo21 já que não possui conteúdo próprio prestandose tão somente a regular a aplicação de outras normas constitucionais22 De nossa parte entendemos que a proporcionalidade representa autêntico princípio Primeiramente porque a sua incidência deve ser calibrada em razão da tensão com outros princípios constitucionais como a democracia e a separação de poderes É isso que justifica que em determinadas hipóteses se recomende ao Judiciário uma postura de autocontenção na aplicação da proporcionalidade em favor das decisões adotadas por outros órgãos estatais Portanto não há aplicação da proporcionalidade de acordo com a lógica do tudo ou nada E em segundo lugar porque existe sim um conteúdo material próprio da proporcionalidade ligado à contenção racional do poder estatal É certo que a proporcionalidade pode ser empregada em conjugação com outras normas constitucionais para evitar que os bens jurídicos que as mesmas tutelam sejam restringidos de maneira injustificada ou imoderada Mas o princípio da proporcionalidade também se presta a um emprego autônomo em situações em que os interesses restringidos não desfrutam de hierarquia constitucional Em que pese a existência destas divergências há um razoável consenso sobre a aplicabilidade da proporcionalidade no ordenamento brasileiro bem como sobre a sua estrutura calcada nos subprincípios da adequação da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito que serão adiante explicados Um ato estatal qualquer só será considerado compatível com o princípio da proporcionalidade se satisfizer simultaneamente aos três subprincípios que devem ser empregados seguindo um percurso preestabelecido primeiro verificase se a medida satisfaz o subprincípio da adequação se a resposta for positiva passase ao subprincípio da necessidade se mais uma vez o resultado for favorável à validade do ato recorrese ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito Essa sequência de aplicação dos subprincípios é de observância compulsória e a violação a qualquer deles já basta para que se conclua no sentido da inconstitucionalidade da medida por afronta ao princípio da proporcionalidade A violação ao princípio da proporcionalidade pode estar consubstanciada numa norma jurídica Mas há também a hipótese de norma jurídica compatível em tese com tal princípio mas que quando aplicada a um determinado caso concreto dotado e especificidades produza solução desproporcional23 Uma lei de trânsito que fixe uma multa para quem ultrapassa a velocidade máxima permitida pode ser em tese proporcional Mas a sua aplicação sobre a hipótese de um motorista que tenha violado o limite de velocidade ao conduzir a sua esposa em pleno trabalho de parto para um hospital certamente não o será A jurisprudência do STF já reconheceu a possibilidade de controle jurisdicional da proporcionalidade de aplicações concretas de norma jurídica reputada como válida24 112 O subprincípio da adequação O subprincípio da adequação também conhecido como subprincípio da idoneidade impõe de acordo com a concepção dominante duas exigências que devem ser satisfeitas simultaneamente por qualquer ato estatal a os fins perseguidos pelo Estado devem ser legítimos e b os meios adotados devem ser aptos para pelo menos contribuir para o atingimento dos referidos fins Portanto o subprincípio da adequação demanda que as medidas estatais possam contribuir para a persecução de finalidades legítimas O primeiro passo na análise do subprincípio da adequação consiste na identificação da finalidade subjacente ao ato estatal examinado25 Esta finalidade deve ser legítima não podendo contrariar o sistema constitucional O Estado não pode por exemplo impor às pessoas que cortem periodicamente o cabelo visando a que a sua população mantenha uma aparência que as autoridades de plantão reputem mais apropriada Dita finalidade a suposta melhoria da aparência das pessoas realizada à sua revelia seria francamente incompatível com o direito à privacidade O Judiciário tem empregado o subprincípio da adequação por exemplo para declarar a inconstitucionalidade de normas que adotam critérios territoriais para identificar os beneficiários de reserva de vagas em universidades A Lei nº 35242000 do Rio de Janeiro já revogada exigia que o candidato cursasse integralmente o ensino médio e o ensino fundamental em escolas públicas situadas no Estado Esse tipo de restrição territorial é incompatível com a Constituição Federal cujo art 19 III proíbe aos Estados criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si A finalidade a que serve a norma na hipótese é antijurídica 26 O estabelecimento de cotas para beneficiar residentes em determinadas regiões somente é possível quando tais religiões são historicamente desprivilegiadas sob o prisma econômico e social É o caso por exemplo da cota de 30 instituída pela Universidade Estadual de Diamantina que beneficia candidatos oriundos do Vale do Jequitinhonha região mais pobre de Minas Gerais A finalidade da norma é reduzir as desigualdades sociais e regionais em conformidade com o que estabelece a Constituição Federal quando esta prevê dentre os objetivos fundamentais da República art 3º III os de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais A persecução por meio da lei de objetivos ilegítimos pode também ser enquadrada como hipótese de desvio de poder legislativo27 A categoria do desvio de poder legislativo inspirada na doutrina administrativa francesa do détournement de pouvoir tem uma das suas mais claras manifestações na hipótese em que o legislador se afasta da sua missão institucional de busca do bemcomum para de forma escamoteada perseguir finalidades incompatíveis com os valores fundamentais da ordem jurídica A finalidade aparente até pode ser lícita mas a finalidade real se mostra não apenas ilícita mas também muitas vezes ofensiva à moralidade pública Um bom exemplo extraído da história política brasileira é o dos chamados testamentos políticos que consistiam em leis estaduais apoiadas por governos derrotados nas eleições que criavam novos cargos públicos desnecessários ou concediam vantagens remuneratórias exageradas com o claro propósito de obtenção de dividendos políticos às expensas do equilíbrio das finanças públicas do próximo governo conduzido por rivais28 Discutese na doutrina se a exigência de legitimidade dos fins imposta pelo subprincípio da adequação impõe que a finalidade perseguida possa ser reconduzida à Constituição ou se basta que ela não viole o ordenamento constitucional Em nossa opinião quando o ato examinado for de natureza legislativa basta que a finalidade objetivada não afronte à Constituição29 Afinal numa democracia devese reconhecer ao legislador uma ampla margem para eleição dos fins a serem implementados não sendo ele um mero executor da vontade do constituinte Portanto devem ser considerados como fins legítimos todos os que forem escolhidos pelo legislador desde que não ofendam ao ordenamento constitucional Porém quando a medida em discussão for proveniente não do legislador mas da Administração Pública ou do Poder Judiciário não há como afirmar a existência de uma liberdade para a escolha dos fins apenas limitada externamente pela Constituição Afinal no Estado de Direito os administradores e juízes estão vinculados positivamente à legalidade não lhes sendo concedido o poder de eleger fins que já não estejam previstos no próprio ordenamento É verdade que o princípio da legalidade não tem na atualidade o mesmo sentido que possuía no passado Hoje afirmase que não apenas a lei formal como também a própria Constituição pode fundamentar diretamente a atuação da Administração Pública bem como decisões judiciais independentemente de qualquer intermediação legislativa30 Mas de qualquer maneira os fins que a Administração e o Judiciário podem buscar nos seus atos são aqueles já contidos explícita ou implicitamente no ordenamento e não qualquer outro eventualmente preferido por seus agentes ainda que não ofensivo à Constituição Se os fins perseguidos forem legítimos restará analisar se a medida adotada favorece ou não ao seu alcance Tratase aqui de um exame da congruência entre os meios empregados e os fins objetivados pelo Estado Se por exemplo autoridades penitenciárias no afã de evitar a disseminação do vírus do HIV entre a população carcerária quisessem obrigar os presos a tomarem banho após receberem visitas íntimas a medida violaria o subprincípio da adequação pois a higiene após o sexo não obsta a transmissão do vírus em questão O fim combate à proliferação de uma doença grave seria legítimo mas a medida adotada não contribuiria para a sua promoção Discutese em sede doutrinária se o conceito de adequação deve ser forte ou fraco31 Para um conceito forte de adequação uma medida só será adequada se ensejar a efetiva consecução dos fins que lhe conferem sentido Já para um conceito fraco basta que a medida contribua de alguma maneira para a promoção daqueles fins Esta última posição vem prevalecendo na jurisprudência constitucional comparada e nos parece mais correta considerando a complexidade do quadro empírico subjacente à Constituição É que com grande frequência não basta uma única medida para a resolução dos problemas sociais enfrentados pelo Estado que em geral demandam a conjugação de diversas iniciativas convergentes A adoção de um conceito forte de adequação poderia permitir a invalidação de iniciativas que isoladamente não fossem suficientes para o equacionamento do problema em questão o que seria injustificável Não haveria sentido em proibir o Estado por exemplo de promover uma campanha a favor do desarmamento da população pela alegação de que esta campanha por si só não é suficiente para acabar com a violência ou impedir o Banco Central de aumentar a taxa básica dos juros apenas porque esta medida isolada não basta para conter a inflação Por isso deve ser adotado um conceito fraco do subprincípio da adequação para cuja satisfação baste que a medida estatal contribua positivamente para a realização das finalidades legítimas a que ela se destina A avaliação da conformidade de uma medida estatal com o subprincípio da adequação exige muitas vezes análises de caráter eminentemente técnico saber se a instituição de certa política industrial promove ou não o desejado crescimento econômico se a adoção de uma nova tecnologia aumenta ou não a proteção ao meio ambiente se uma mudança no marco regulatório do sistema financeiro proporciona ou não mais segurança para o investidor etc Nestas hipóteses é imperativa a adoção de uma postura de autocontenção jurisdicional na avaliação das chamadas prognoses legislativas32 Em outras palavras o Poder Judiciário deve atuar com parcimônia invalidando apenas as medidas que forem manifestamente inadequadas para obtenção dos fins almejados sem pretender converterse no árbitro final de controvérsias técnicas que os juízes não dominam nem têm como dominar pela sua própria formação intelectual Além do princípio democrático a autocontenção nesta hipótese justificase também pela falta de expertise jurisdicional em temas que extravasam a seara estritamente jurídica33 Debatese ainda se o juízo sobre a adequação de uma medida deve ser realizado a partir de uma perspectiva ex ante ou ex post Em outras palavras discutese se ao analisar se a medida em discussão promove os fins objetivados o julgador deve considerar apenas os conhecimentos e dados disponíveis por ocasião da sua edição perspectiva ex ante34 ou se ao contrário ele pode levar em conta também elementos supervenientes como os referentes à verificação dos efeitos efetivamente gerados pela medida até a data do julgamento perspectiva ex post35 Entendemos que é possível o controle também a partir de uma perspectiva ex post que pode considerar a experiência concreta de aplicação da medida analisada bem como eventuais mudanças técnicas ocorridas desde a sua edição Suponhase que o legislador tenha imposto a vacinação compulsória contra uma doença contagiosa com base nas pesquisas médicas então disponíveis que indicavam a sua eficácia Posteriormente comprovase que a vacina em questão é ineficaz e que ela em nada contribui para reduzir a disseminação da moléstia Não há qualquer razão plausível para manter esta vacinação em detrimento da liberdade individual e com dispêndios públicos inúteis Não se trata aqui de punir o órgão estatal que formulou a medida por um erro de prognose muitas vezes escusável mas sim de impedir que medidas restritivas de direitos ou de outros bens jurídicos relevantes continuem surtindo efeito sem que se obtenha qualquer proveito com a sua implementação 113 O subprincípio da necessidade O subprincípio da necessidade impõe que dentre diversas medidas possíveis que promovam com a mesma intensidade uma determinada finalidade o Estado opte sempre pela menos gravosa Com base neste subprincípio tornase possível invalidar medidas estatais excessivas que restrinjam em demasia algum direito ou interesse juridicamente protegido sempre que se demonstrar que uma restrição menor atingiria o mesmo objetivo Jellinek celebrizou esta ideia numa conhecida metáfora não se abatem pardais com tiros de canhão No julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 446736 o STF empregou a lógica subjacente a este subprincípio para afastar a exigência legal de que o eleitor para votar tivesse que portar além de documento de identificação com foto também o seu título eleitoral A Corte entendeu que embora o propósito da norma fosse legítimo evitar fraudes na votação a exigência do título eleitoral não seria necessária pois o documento de identidade com foto já seria plenamente suficiente para identificação do eleitor Assim evitouse uma exigência cuja consequência prática seria muito provavelmente frustrar o exercício do direito de voto de parcelas expressivas do eleitorado brasileiro sobretudo daquele mais humilde e menos informado O Supremo Tribunal Federal também aplicou o critério da necessidade para limitar a utilização de algemas pelas autoridades policiais editando súmula vinculante com esse propósito Em uma das decisões que motivou a edição da Súmula a Corte entendeu que o uso de algemas seria excepcional somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou o risco concreto de fuga37 Em outra decisão a Corte enfatizou que o emprego dessa medida tem como balizamento jurídico os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade38 Com base nesses e em outros precedentes a Corte editou a Súmula Vinculante nº 11 com o seguinte teor Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado Podese discutir a correção desta súmula vinculante por várias razões que vão da ausência dos pressupostos formais para a sua edição até a inadequação das consequências previstas para a sua violação O que não se discute é a impossibilidade de o Estado atuar excessivamente limitando a liberdade corporal dos particulares quando houver meios menos gravosos para se alcançar a mesma finalidade A própria legislação já continha preceito neste sentido pois de acordo com o art 284 do Código de Processo Penal não será permitido o emprego de força salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso A análise de conformidade de uma medida estatal com o subprincípio da necessidade desdobrase em duas etapas Primeiro examinase se as eventuais medidas alternativas àquela questionada possuem ou não idoneidade no mínimo equivalente para promover o objetivo visado Em seguida verificase se as medidas alternativas que passaram no primeiro teste são ou não menos gravosas do que aquela que foi adotada Se existir medida alternativa com pelo menos o mesmo grau de idoneidade para atingimento dos fins colimados e que seja menos gravosa que a implementada houve violação ao subprincípio da necessidade39 Ambas as etapas acima referidas podem envolver diversas dimensões Na primeira etapa é necessário comparar as medidas alternativas com a que foi ado tada sob várias perspectivas como a quantitativa a medida alternativa promove o objetivo tanto como a medida questionada a qualitativa ela o faz tão bem como a medida impugnada a probabilística a sua chance de êxito é igual ou superior à da que foi esposada e a temporal ela avança nos objetivos com pelo menos a mesma velocidade do que a medida adotada Uma medida só será considerada pelo menos tão idônea quanto à adotada pelo Estado se for igual ou superior àquela sob todas estas perspectivas Se por exemplo tivermos uma medida que promova mais o objetivo perseguido mas que envolva um risco mais elevado de fracasso ela não poderá ser considerada igualmente idônea Neste caso o juízo político ou técnico do órgão estatal sobre o que priorizar quantidade ou risco deve prevalecer em razão do princípio da separação dos poderes Esta multidimensionalidade também se aplica na comparação entre a onerosidade das medidas Uma medida pode por exemplo restringir um direito de maneira mais intensa do que a outra mas estenderse por menor duração de tempo ou aplicarse num âmbito territorial mais restrito Qual medida adotada para melhorar o problema do congestionamento numa grande cidade seria menos severa uma que proibisse o ingresso de qualquer automóvel de passeio no centro ou outra que instituísse um rodízio de veículos pelo número final da placa mas que incidisse sobre todo o perímetro urbano Canotilho40 fala da possibilidade de comparação das medidas sobre os aspectos material intensidade da repercussão da medida sobre o direito temporal extensão da medida no tempo espacial sua extensão no espaço e pessoal âmbito subjetivo de incidência da restrição e Jane Reis Gonçalves Pereira41 agrega a estes critérios o da probabilidade que considera a chance maior ou menor de uma medida lesar um direito Não bastasse é possível que as medidas alternativas tenham impacto negativo sobre outros direitos ou bens jurídicos diversos daquele afetado pela medida questionada e esta repercussão não pode ser ignorada na aferição de qual é a mais rigorosa Nessa hipótese será necessário comparar bens jurídicos heterogêneos o que suscita dificuldades ainda maiores como se verá no próximo subitem que trata da proporcionalidade em sentido estrito Portanto verificase que a comparação entre o grau de severidade da medida estatal com possíveis alternativas não se esgota no mais das vezes em simples cálculo matemático envolvendo valorações por vezes complexas que não são isentas de certa dose de subjetividade Neste quadro é recomendável que o Judiciário respeite a margem de apreciação dos órgãos estatais responsáveis pela medida questionada sobretudo quando se tratar do controle de atos legislativos Como regra geral ele deve se limitar à invalidação daquelas medidas que sejam patentemente excessivas evitando imiscuirse em demasia na esfera das decisões políticas e técnicas dos demais poderes estatais em homenagem aos princípios da separação dos poderes e da democracia 114 O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito demanda que a restrição ao direito ou ao bem jurídico imposta pela medida estatal seja compensada pela promoção do interesse contraposto Ele determina que se verifique se o grau de afetação a um direito ou interesse decorrente da medida questionada pode ou não ser justificado pelo nível de realização do bem jurídico cuja tutela é perseguida Tratase em suma de uma análise comparativa entre os custos e benefícios da medida examinada seus efeitos negativos e positivos realizada não sob uma perspectiva estritamente econômica mas tendo como pauta o sistema constitucional de valores Na jurisprudência do STF o subprincípio já foi aplicado em inúmeras oportunidades ainda que de forma não analítica Exemplo ilustrativo é o da jurisprudência sobre as sanções políticas tributárias42 Há normas que fixam para a hipótese de não pagamento de tributos sanções como a apreensão de mercadorias o lacre do estabelecimento ou a cassação do registro de funcionamento da empresa O Supremo Tribunal Federal há décadas entende que tais sanções são incompatíveis com a Constituição o que se perde com essa grave restrição da livre iniciativa não seria compensado pelo que se ganha em eficiência na garantia da recuperação dos créditos tributários Embora haja aumento significativo da probabilidade do pronto pagamento dos tributos perdemse empregos a renda diminui o consumidor tem reduzidas as suas possibilidades de escolha Há casos contudo em que mesmo essas graves restrições à livre iniciativa se justificam É o que pode ocorrer quando outros objetivos além da arrecadação de tributos são alcançados com a restrição Foi o que decidiu recentemente o STF ao julgar a constitucionalidade da norma que permite a adoção de medidas repressivas mais gravosas no caso de sonegação dos tributos federais incidentes sobre a indústria do tabaco DecretoLei nº 159377 com a redação dada pela Lei nº 982299 Nessa hipótese a tributação ao encarecer o preço do produto exerce também a finalidade extrafiscal de desestimular o seu consumo no afã de proteger a saúde do consumidor Ademais a medida sancionatória também serve à preservação da concorrência que é outro bem jurídico constitucionalmente protegido Como os tributos respondem por grande parte do preço desse tipo de produto o não pagamento por uma das empresas que concorrem no mercado prejudicaria gravemente a concorrência43 Observese que as sanções políticas não são inconstitucionais por serem inadequadas para alcançar a finalidade pretendida Pelo contrário o meio é absolutamente adequado à realização do objetivo de promover a execução do débito fiscal Tampouco são inconstitucionais pelo fato de existir um meio menos gravoso para se obter a execução do débito que seria o ajuizamento de ação de execução fiscal O critério da necessidade não prevalece porque embora menos gravoso o ajuizamento de ação de execução fiscal é meio também menos eficiente do que as sanções políticas para forçar o pagamento do débito A inconstitucionalidade das sanções políticas só pode ser aferida por meio do uso da proporcionalidade em sentido estrito A avaliação de possível violação à proporcionalidade em sentido estrito en volve várias operações intelectuais interligadas44 Primeiro verificase o nível de restrição ao bem jurídico negativamente atingido pela medida estatal Em seguida aferese o grau de realização do interesse antagônico decorrente da medida em questão Finalmente comparamse estes resultados para se aferir se sob o ângulo consti tucional a promoção do bem jurídico favorecido iguala ou supera a restrição ao interesse concorrente numa ponderação inspirada pela axiologia constitucional Esta comparação deve levar em consideração diversos fatores Em primeiro lugar cumpre cotejar o chamado peso abstrato dos bens jurídicos colidentes Não se trata de instituir uma hierarquia rígida entre os bens ou direitos presentes no nosso ordenamento que em caso de colisão levaria à inexorável derrota daquele situado em patamar inferior Tratase isto sim de reconhecer que determinados interesses recebem uma proteção maior do ordenamento constitucional do que outros e que por isso em hipóteses de conflito existe uma tendência prima facie de que prevaleçam O grau de importância de um determinado direito interesse ou bem jurídico no nosso sistema constitucional deve ser aferido levando em consideração diversos elementos dentre os quais o eventual tratamento dado a ele pelo texto constitucional e a sua proximidade em relação aos valores mais fundamentais do ideário do constitucionalismo democrático notadamente a dignidade da pessoa humana a igualdade e o Estado Democrático de Direito Mas além do peso abstrato é preciso também analisar o peso concreto dos interesses em disputa que diz respeito à intensidade com que estes são afetados pela medida questionada Isto porque a medida estatal pode atingir os bens jurídicos em confronto em diferentes graus Tomese como exemplo a vida e a liberdade para praticar esportes É evidente que no nosso sistema constitucional a vida tem um peso abstrato superior à referida liberdade gozando portanto de uma primazia prima facie na comparação a ser realizada No entanto dificilmente alguém sustentaria a possibilidade de o legislador brasileiro proibir completamente a prática de esportes radicais que envolvam algum risco à vida dos seus praticantes como o voo livre Aqui haveria uma restrição intensa demais à liberdade que não seria compensada por uma proteção um pouco maior à vida O peso concreto da liberdade seria mais elevado nesta hipótese já que a sua afetação darseia com intensidade muito superior à correlata proteção do direito à vida45 Devese examinar ainda a confiabilidade das premissas empíricas em que se assenta a ponderação Se há incerteza quanto à realização concreta da interferência exigese mais cautela na edição da medida restritiva Se o agente responsável pela edição da medida legislador administrador ou juiz possui apenas dados empíricos pouco confiáveis o peso abstrato do princípio e o grau de interferência deverão ser ainda maiores Quanto a este último tópico que será melhor examinado no capítulo seguinte cabe apenas ressalvar que em regra o Judiciário não dispõe da mesma capacitação ou aptidão institucional para apreciar as informações técnicas que o Legislativo e o Executivo Aliás uma variável importante na análise da proporcionalidade é o respeito que deve ser devotado à margem de apreciação política ou técnica dos órgãos estatais competentes para a edição da medida em discussão46 Os órgãos estatais sobretudo o legislador devem contar com um espaço livre para fazerem as suas próprias valorações subjacentes à ponderação cuja preservação diante do controle jurisdicional se impõe tanto em razão do princípio democrático como por força da separação de poderes Tais valorações podem envolver aspectos estritamente normativos como a importância de cada um dos interesses jurídicos em conflito assim como dimensões empíricas do caso como os efeitos de uma determinada medida sobre os bens jurídicos atingidos Quanto à incerteza atinente a aspectos normativos recordese o caso da lei que disciplinou a pesquisa com célulastronco embrionárias47 Numa sociedade plural como a nossa existe um amplo desacordo sobre o peso que devem ter nesta questão de um lado a liberdade de pesquisa científica e a promoção do direito à saúde dos futuros beneficiários destas pesquisas e do outro a tutela da vida do preembrião Neste quadro caracterizado pela presença de um desacordo moral razoável o legislador deve contar com certa margem de liberdade fundada no princípio democrático para fazer a sua escolha que será válida desde que não ultrapasse a moldura normativa desenhada pela Constituição As suas opções quando situadas no interior desta moldura não devem ser invalidadas pelo Judiciário por afronta à proporcionalidade em sentido estrito No que concerne à incerteza atinente a aspectos empíricos figurese o caso de uma medida econômica que no afã de combater a inflação imponha limites à concessão de crédito por bancos privados De um lado da balança há o legítimo in teresse estatal de controle da inflação que pode ser associado a diversos objetivos de estatura constitucional como o de promoção do desenvolvimento nacional art 3º II CF Do outro se situam princípios como os da livre iniciativa e da busca do pleno emprego art 1º IV e 170 caput e VII CF A aferição da intensidade com que a medida promoverá o objetivo perseguido e restringirá os princípios contrapostos depende de avaliações empíricas complexas situadas no âmbito da Economia A escolha feita pelo órgão estatal competente numa hipótese como esta baseada no seu diagnóstico e prognóstico técnico deve ser respeitada pelo Judiciário a não ser quando o seu erro seja evidente baseado num juízo seguro O Estado ao regular a questão dispõe de uma margem de apreciação técnica que não deve ser subtraída pela jurisdição constitucional a pretexto de aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito Em suma o Poder Judiciário deve adotar uma postura de comedimento no uso do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito Uma medida só deve ser invalidada quando for patente que a restrição aos direitos ou interesses por ela atingidos não for compensada pela promoção dos interesses favorecidos Em casos de empate ponderativo ou de incerteza na avaliação jurisdicional seja quanto aos aspectos normativos seja quanto à dimensão empírica do problema a medida questionada deve ser mantida Robert Alexy em lição muito influente tentou captar os elementos que devem ser considerados no uso do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito peso abstrato peso concreto e confiabilidade das premissas empíricas por meio da elaboração de uma fórmula pela qual buscou explicitar analiticamente a ope ração intelectual a ser realizada na aplicação do citado subprincípio48 O propósito do autor de racionalizar a ponderação é louvável Todavia a ideia de fórmula não pode ser usada para contornar o fato de que a ponderação exigida pelo subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito não é uma operação que se esgota na lógica formal Ela não consiste em atividade mecânica que possa ser efetuada pela simples aplicação de algum algoritmo matemático por mais sofisticado que ele seja Esta é uma das razões pelas quais de todos os subprincípios que compõem à proporcionalidade o da proporcionalidade em sentido estrito é o que provoca maiores polêmicas Um segmento da doutrina chega a se opor à sua existência aduzindo que o juízo de ponderação que ele enseja é intrinsecamente irracional resvalando fatalmente para o decisionismo e a para a arbitrariedade judicial49 Nesta esteira afirmam estes críticos que o emprego da proporcionalidade em sentido estrito seria incompatível com a democracia e a separação de poderes transferindo para o Poder Judiciário uma avaliação que deveria caber ao Legislativo em razão da sua legitimidade decorrente da eleição popular Ademais aduzem que o subprincípio em questão geraria insegurança jurídica pela alegada imprevisibilidade dos seus resultados Outra crítica também frequente é a de que o emprego de dito subprincípio poderia debilitar a proteção dos direitos fundamentais ampliando a possibilidade de que sejam restringidos com base nas mais variadas razões Tal posição contrária ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito é francamente minoritária e não tem encontrado eco na jurisprudência constitucional brasileira nem na de outras democracias dotadas de jurisdição constitucional É verdade que as preocupações com o abuso no emprego da proporcionalidade em sentido estrito não são absolutamente infundadas pois a sua aplicação envolve de fato uma margem de apreciação subjetiva do intérprete que pode eventualmente resvalar para a arbitrariedade risco aliás que também existe em relação aos demais subprincípios da proporcionalidade Sem embargo as soluções alternativas à ponderação hierarquização absoluta categorização etc não resolvem dito problema mas antes o agravam50 Ademais existem algumas formas e mecanismos que podem ser usados para minimizar os riscos envolvidos no emprego do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito os quais são examinados no capítulo seguinte sobre colisão de normas constitucionais 115 A proporcionalidade como proibição de proteção deficiente O princípio da proporcionalidade é concebido tradicionalmente como um instrumento para controle de excessos no exercício do poder estatal visando a conter o arbítrio dos governantes Porém no cenário contemporâneo sabese que os poderes públicos têm funções positivas importantes para a proteção e a promoção dos direitos e a garantia do bemestar coletivo Após o advento do Estado Social o Estado deixou de ser concebido como um mero adversário dos direitos que deveria ser limitado ao máximo em proveito da liberdade individual como se afirmava no contexto do liberalismo burguês Hoje compreendese que é papel do Estado atuar positivamente para proteger e promover direitos e objetivos comunitários e que ele ofende a ordem jurídica e a Constituição não apenas quando pratica excessos intervindo de maneira exagerada ou indevida nas relações sociais mas também quando deixa de agir em prol dos direitos fundamentais ou de outros bens jurídicos relevantes ou o faz de modo insuficiente Neste contexto há quem defenda que o princípio da proporcionalidade pode também ser utilizado para combater a inércia ou a atuação deficiente do Estado em prol de bens jurídicos tutelados pela Constituição A ideia de proporcionalidade como proibição de proteção deficiente Untermassverbot desenvolveuse no direito constitucional germânico a partir da concepção de que os direitos fundamentais não são meros direitos subjetivos negativos mas possuem também uma dimensão objetiva na medida em que tutelam certos bens jurídicos e valores que devem ser promovidos e protegidos diante de riscos e ameaças originários de terceiros Reconheceuse portanto um dever de proteção estatal dos direitos fundamentais mesmo os de matriz liberal que se estende ao Legislativo à Administração Pública e ao Poder Judiciário Este dever de proteção é também chamado de imperativo de tutela Daí decorre que o princípio da proporcionalidade também pode ser manejado para controlar a observância pelo Estado deste dever de proteção de forma a coibir a sua inação ou atuação deficiente O leading case nesta questão foi um julgamento extremamente polêmico ocorrido em 1974 em que o Tribunal Constitucional Federal alemão reconheceu a inconstitucionalidade de lei que legalizara o aborto nos primeiros três meses de gestação51 Entendeu a Corte germânica na ocasião que ao legalizar o aborto o legis lador alemão deixara de proteger no grau necessário a vida do feto Este dever de proteção de acordo com o Tribunal alemão poderia chegar até a obrigação de criminalização da conduta violadora do direito fundamental à vida quando os outros instrumentos não se revelem suficientes para a sua tutela A operacionalização do princípio da proporcionalidade por proibição da proteção deficiente baseiase nos mesmos subprincípios acima descritos Assim quando o Estado se abstiver total ou parcialmente de adotar alguma medida que favoreceria a promoção ou a proteção de um determinado direito fundamental ou objetivo de envergadura constitucional caberá indagar a se a sua omissão ou atuação deficiente contribuiu para a promoção de algum objetivo legítimo subprincípio da adequação b se não existia outro meio menos prejudicial àquele direito que favorecesse em igual intensidade o citado objetivo subprincípio da necessidade e c se a promoção do referido objetivo compensa sob o ângulo constitucional a deficiência na proteção ou promoção do direito em discussão subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito Há diversos contextos em que se discute a aplicação da proporcionalidade como vedação de proteção insuficiente No campo penal debatese até onde vai a liberdade do legislador para não criminalizar determinadas condutas que atentem gravemente contra bens jurídicos extremamente valiosos sob a perspectiva constitucional52 Na seara dos direitos sociais empregase essa faceta do princípio para pautar a extensão das obrigações positivas que poderiam ser exigidas em juízo do Estado53 Na esfera do Direito Civil essa dimensão do princípio da proporcionalidade é invocada para questionar omissões do Estado quando deixa de proteger adequadamente por meio da legislação ou da jurisdição os direitos fundamentais nas relações entre particulares54 No Supremo Tribunal Federal há precedentes envolvendo a aplicação do princípio da proporcionalidade como vedação da proteção deficiente A Corte empregou esta faceta do princípio da proporcionalidade em julgamento em que se discutia eventual extinção da punibilidade em crime de estupro praticado contra menor impúbere que posteriormente passara a conviver maritalmente com o autor do ilícito Foi rejeitada no caso a aplicação analógica do dispositivo penal que prevê a extinção da punibilidade nos crimes sexuais pelo casamento do criminoso com a sua vítima55 No voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes aludiuse a ideia de um garantismo positivo que obrigaria o Estado a não se abster de punir condutas altamente reprováveis que atentassem gravemente contra bens jurídicos relevantes como aquela ocorrida no caso De acordo com o voto se o garantismo negativo pode ser associado à proporcionalidade na sua faceta mais tradicional de vedação do excesso o garantismo positivo poderia ser conectado à proporcionalidade como proibição de proteção deficiente A discussão sobre a proporcionalidade como vedação da proibição da proteção deficiente também surgiu no julgamento proferido na ADI nº 3112 proposta contra o Estatuto do Desarmamento em que foram refutadas as alegações de inconstitucionalidade material das restrições ao uso de armas tanto sob a perspectiva da proporcionalidade como proibição do excesso como da proporcionalidade como proibição da proteção deficiente56 Dita dimensão do princípio da proporcionalidade também foi tangenciada pelo STF no votocondutor proferido pelo Ministro Lewandowski no julgamento da ADI nº 1800 em que se questionava a validade da lei que concedera às pessoas reconhecidamente pobres a isenção das custas nos registros de nascimento e de óbito por afronta ao direito dos titulares de cartório A alegação de inconstitucionalidade foi refutada pela Corte que aludiu ao fato de que a proporcionalidade como proibição da proteção deficiente demanda do Estado a atuação positiva no sentido da proteção das pessoas economicamente carentes na garantia de acesso aos meios necessários ao exercício da cidadania Da mesma forma em julgamento de habeas corpus57 em que se questionava a validade do afastamento legal do instituto da conciliação previsto na Lei nº 909995 em relação aos delitos de violência doméstica contra a mulher capitulados na Lei nº 1134006 Lei Maria da Penha a proporcionalidade como vedação à proteção deficiente foi invocada no voto do Min Gilmar Mendes como argumento em favor da constitucionalidade do ato normativo questionado que se justificaria em razão da necessidade da proteção da mulher tendo em vista a sua maior vulnerabilidade no contexto das relações familiares Finalmente no votovencido proferido pelo Ministro Gilmar Mendes na ADI nº 351058 que versou sobre a constitucionalidade da autorização de pesquisa em célulastronco embrionárias a proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente foi invocada para afirmarse a inconstitucionalidade parcial da lei impugnada pelo fato de não ter previsto a criação de um comitê independente de ética desvinculado da instituição que pretende realizar a pesquisa científica a fim de autorizar ou não a sua realização em cada caso De acordo com o Ministro o imperativo constitucional de tutela da vida do preembrião imporia ao legislador este cuidado que não teria sido observado pelo legislador de acordo com a Lei de Biossegurança o comitê em questão pode ser mantido pela própria instituição de pesquisa Porém a maioria da Corte considerou satisfatórias as medidas adotadas pelo legislador na tutela da vida do preembrião Portanto constatase que a jurisprudência constitucional brasileira já incorporou a ideia da proporcionalidade como proibição da proteção deficiente o que deve ser elogiado Sem embargo também aqui há que se adotar uma postura prudente para se evitar uma excessiva judicialização da política que possa implicar em intervenção exagerada do Poder Judiciário no espaço de livre conformação dos demais poderes do Estado 116 O princípio da razoabilidade 1161 Razoabilidade e proporcionalidade Há na doutrina nacional um debate relevante sobre a existência de possíveis diferenças entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Um expressivo segmento de juristas em que se incluem autores como Gilmar Ferreira Mendes Luís Roberto Barroso Suzana de Toledo Barros e Fábio Corrêa Souza de Oliveira59 afirma que tais princípios seriam equivalentes apesar da origem histórica diversa a proporcionalidade originária do direito alemão e a razoabilidade do anglo saxão Outros autores como Willis Santiago Guerra Filho Virgílio Afonso da Silva Humberto Ávila José Adércio Leite Sampaio e Wilson Steinmetz 60 negam esta equivalência atribuindo conteúdos diferentes à razoabilidade que não se basearia nos três subprincípios em que se divide a proporcionalidade A jurisprudência do STF vem tratando as expressões princípio da propor cionalidade e princípio da razoabilidade como sinônimas A Corte alude em inúmeros julgados ao princípio da razoabilidadeproporcionalidade equiparandoo também ao devido processo legal substantivo61 Contudo em diversos julgados o STF empregou o princípio da razoabilidade sem realizar qualquer cogitação acerca dos três subprincípios antes mencionados Na doutrina tampouco há consenso sobre o seu conteúdo Existe certa convergência quanto à respectiva origem histórica que se inicia na cláusula 39 da Magna Carta inglesa de 1215 que prescreve o respeito à Law of the Land desenvolvendose posteriormente na jurisprudência norte americana nos séculos XIX e XX com base em interpretação da cláusula constitucional do due process of law 5ª e 14ª Emendas à Constituição norteamericana Essa cláusula na jurisprudência constitucional norteamericana atravessou três fases62 Na primeira que se estende até o final do século XIX ela era associada apenas às garantias processuais sobretudo no campo processual penal A segunda fase que vai do final do século XIX a fins da década de 1930 corresponde à chamada Era de Lochner já referida acima Naquele cenário passouse a reconhecer uma dimensão substantiva à cláusula do due process of law que operava como mecanismo de defesa dos valores do liberalismo econômico favoráveis à propriedade privada e à autonomia contratual e contrários a medidas estatais de intervenção na Economia ainda que justificadas por preocupações com a igualdade substantiva e a justiça social Na terceira fase que perdura até hoje mantevese a dimensão substantiva da cláusula que no entanto mudou o seu foco principal das liberdades econômicas para as liberdades existenciais e políticas A Suprema Corte norteamericana erigiu então dois standards diferentes para aplicação do devido processo legal substan tivo Um standard mais rigoroso conhecido como escrutínio estrito strict scrutiny em pregado para controle de medidas restritivas de liberdades pessoais de natureza não econômica como a liberdade de expressão de religião e de associação no qual é necessário demonstrarse para a validade da medida que ela é absolutamente necessária e desenhada de forma precisa para a promoção de um interesse público de excepcional relevância compelling interest O outro standard mais flexível e deferente em relação às escolhas do legislador aplicase nos demais casos sendo denominado teste de racionalidade rationality test Nesse segundo standard basta a demonstração de que a medida configura um meio racional para promover algum interesse estatal legítimo para que ela seja reputada constitucional Na doutrina há certo consenso de que a razoabilidade se volta à contenção do arbítrio estatal Mas o seu conteúdo jurídico específico e a forma da sua operacionalização ainda não foram definidas pelo menos no Brasil De um modo geral associase a razoabilidade às noções muito vagas e imprecisas de bom senso racionalidade e justiça na atuação estatal Esta imprecisão é tida por alguns como necessária para o próprio papel que o princípio da razoabilidade deve desempenhar no ordenamento jurídico que dependeria da sua elasticidade63 Mas diante dessa elevada vagueza há os que negam qualquer objetividade à ideia de razoabilidade Neste sentido por exemplo Virgílio Afonso da Silva afirma que a razoabilidade não passa de um topos argumentativo desestruturado de que se serve o STF para afastar certos atos normativos64 Sem embargo é importante fazer um breve registro de algumas tentativas de atribuição de um conteúdo mais preciso ao princípio da razoabilidade 1162 Alguns significados da razoabilidade na doutrina constitucional e na filosofia O princípio da razoabilidade vem assumindo diferentes significados na dou trina O jurista argentino Humberto Quiroga Lavié discerniu duas dimensões complementares no princípio da razoabilidade a razoabilidade interna e a razoabilidade externa65 A primeira concerne à existência de um vínculo lógico entre os motivos determinantes de uma medida a própria medida e a finalidade por ela objetivada Se para combater a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis durante o carnaval o Poder Público fizer uma campanha em favor do uso de preservativos a medida atenderá à exigência de razoabilidade interna pois existe uma relação lógica entre os seus motivos a medida e os fins colimados Mas se em face do mesmo problema o ente estatal resolver proibir o consumo de álcool na festa popular a razoabilidade interna terá sido violada pela ausência de conexão lógica entre a medida e o seu propósito66 Já a razoabilidade externa não diz respeito a aspectos lógicos da medida mas à sua conformidade com o senso comum da comunidade e com os valores constitucionais Suponhase o exemplo de um legislativo paternalista que quisesse que os seus cidadãos deixassem de se tatuar Para perseguir este objetivo ele institui um pesado imposto a ser pago por todos aqueles que se tatuarem Pode haver até relação lógica entre os elementos da medida uma vez que a tributação provavelmente desestimulará as pessoas a fazerem tatuagens Porém faltará à medida qualquer resquício de razoabilidade externa pois ofende ao senso comum jurídico e aos valores de uma ordem constitucional não autoritária a pretensão estatal de interferir desta forma na aparência dos seus cidadãos Na literatura brasileira merece destaque a concepção de Humberto Ávila sobre o princípio da razoabilidade67 Ávila num esforço de reconstrução analítica da jurisprudência do STF decompôs a razoabilidade em três diferentes acepções razoabilidade como equidade como congruência e como equivalência A primeira im poria a adaptação de regras gerais às peculiaridades do caso concreto sempre que este fugisse significativamente da normalidade tornando a incidência da regra injusta Não seria razoável por exemplo retirar de um contribuinte a possibilidade de usufruir de um determinado benefício fiscal extensivo às pequenas empresas que não realizarem operações de importação apenas porque tal contribuinte uma única vez importou os pés de um sofá Já a razoabilidade como congruência exigiria a presença de uma relação harmônica entre as normas e as suas condições externas de aplicação O legislador não pode basearse em realidade fática inexistente nem afastarse da natureza das coisas Não pode por exemplo instituir um adicional de férias para aposentados porque estes não tiram férias A razoabilidade como congruência demandaria também a existência de uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada impedindo discriminações arbitrárias E a razoabilidade como equivalência imporia certa proporção entre a medida adotada e o critério que a dimensiona Não pode haver por exemplo a imposição de pena criminal pesada para um ato que não seja tão grave nem tampouco a instituição de taxa em valor exagerado que não dimensione o custo do serviço prestado pois tais medidas segundo Humberto Ávila afigurarseiam desarrazoadas Gustavo Zagrebelsky68 na doutrina italiana distinguiu por sua vez três aspectos do princípio da razoabilidade O primeiro aspecto é relacionado ao princípio da igualdade a razoabilidade conjuga se com o princípio da isonomia para aferir a validade das diferenças de tratamento instituídas pelo Estado O segundo aspecto concerne à racionalidade Esta racionalidade diz respeito não apenas à contradição entre elementos presentes em uma mesma norma como também à sua desarmonia com o sistema jurídico E o terceiro aspecto envolve a razoabilidade como imperativo de justiça que Zagrebelsky equipara ao juízo de equidade associandoo ao paradigma jurídico hoje hegemônico que se baseia na aplicação de princípios dotados de forte conteúdo moral Entre nós a associação entre razoabilidade e justiça foi desenvolvida por Thomas Bustamante69 que retomou no ponto a conhecida fórmula de Radbruch Gustav Radbruch escrevendo no cenário alemão do 2º PósGuerra quando houve um compreensível renascimento do jusnaturalismo no país formulou a ideia de que por razões de segurança jurídica deverseia considerar a lei injusta como válida Porém a lei intoleravelmente injusta a barbárie sob forma jurídica deveria ser concebida como nãoDireito independentemente da autoridade da fonte de que proviesse70 Bustamante tenta no entanto dar um tratamento mais argumentativo e menos jusnaturalístico à fórmula postulando que a definição em cada caso do suposto caráter intoleravelmente injusto de uma norma deve se dar por meio de uma argumentação jurídica racional fundada em determinados pressupostos procedimentais de forma a reduzir os riscos de arbitrariedade no manejo da categoria Para ele uma das facetas da razoabilidade é a justiça material concebida nos termos deste aperfeiçoamento argumentativo da fórmula de Radbruch Na Filosofia do Direito devese destacar a posição da nova retórica de Chaïm Perelman que associou a razoabilidade à aceitabilidade social de uma determinada norma ato ou decisão71 A exigência de razoabilidade na sua ótica mostraria a insubsistência da visão que pretende resumir o Direito a um processo de aplicação mecânica de normas baseado na lógica formal Razoável para o jusfilósofo belga é tudo aquilo que seja aceitável em um determinado contexto social o que é razoável não se limita ao que se exprime por meio de sistemas dedutivos bem elaborados mas se estende a todas as teses que um pensador pretende fazer valer para a comunidade humana partindo daquelas que são geralmente aceitas no meio que ele conhece e que se formou72 De acordo com o diagnóstico de Perelman na atividade concreta dos tribunais ocorreria justamente a tentativa de alcançar a adesão da comunidade por meio da utilização de argumentos razoáveis73 A ideia de razoabilidade na abordagem retórica está ligada ao senso comum promovendo a sua reabilitação74 Ela representa uma tentativa de ruptura com a postura epistemológica da Ciência moderna que se constrói negando o conhecimento anterior de caráter convencional Se a argumentação jurídica tem como objetivo produzir soluções razoáveis deve operar também com o senso comum Mas notese que isso é feito em um ambiente dialógico de troca de argumentos e contraargumentos e não num contexto de afirmação acrítica de valores tradicionais Há quem entenda porém que tal posição não enfatiza suficientemente a dimensão crítica que a argumentação jurídica e moral deve ter em relação aos valores tradicionais o que impossibilita em especial a sua aplicação no contexto de sociedades cujas tradições e cultura não primem pelo respeito aos direitos humanos Alternativamente Aulis Aarnio 75 embora também associe razoabilidade à aceitabilidade ressalta que a aceitabilidade deve ser racional Para Aarnio não basta que um ato seja aceitável no contexto social em que foi praticado para que ele seja reputado razoável É necessário que ele possa ser racionalmente aceito pelos membros da comunidade vale dizer que haja justificativas para a sua adoção que possam sobreviver a uma argumentação jurídica racional Esta racionalidade não é puramente instrumental mas argumentativa e não diz respeito ao procedimento de decisão mas ao seu conteúdo Na Filosofia Política contemporânea John Rawls construiu um conceito próprio de razoabilidade que ele associou à reciprocidade Nas palavras de Rawls as pessoas são razoáveis quando se dispõem a propor princípios e critérios que possam constituir termos equitativos de cooperação e quando se dispõem voluntariamente a submeterse a eles dada a garantia de que os outros farão o mesmo76 Pessoas razoáveis se empenham para que a vida pública seja regida por normas que possam ser aceitas por todos e não pelas regras que sejam mais convenientes aos seus próprios interesses ou mais compatíveis com as doutrinas religiosas ou filosóficas que professem Rawls enfatiza que é justamente a razoabilidade que permite a cooperação social Quem delibera deve lançar mão apenas de argumentos que também possam ser aceitos pelos demais participantes de um esforço cooperativo Em um de seus últimos textos A idéia de razão pública revisitada Rawls refina essa dimensão intersubjetiva da razoabilidade ao utilizar a noção de reciprocidade segundo a qual nosso exercício do poder político é adequado apenas quando acreditamos sin ceramente que as razões que ofereceríamos para as nossas ações políticas são suficientes e pensamos razoavelmente que outros cidadãos também poderiam aceitar razoavelmente essas razões77 Esta exigência de razoabilidade voltada para a ação de cada cidadão nas deliberações públicas pode até ser um ideal a ser perseguido78 mas ela não tem como ser juridicamente imposta a cada indivíduo sob pena de grave restrição às liberdades individuais como o próprio Rawls reconhece79 Porém em relação ao Estado e à ação dos agentes públicos é diferente A exigência de razoabilidade tornase juridicamente exigível para limitar o uso da autoridade estatal e envolve a necessidade de que cada ato dos poderes públicos esteja amparado por argumentos razoáveis isto é por argumentos que sejam aceitáveis para todos os cidadãos por não se basearem em idiossincrasias em interesses econômicos ou corporativos de grupos próximos aos governantes ou em compreensões particulares de natureza religiosa ou filosófica dos detentores do poder O princípio da razoabilidade nessa dimensão aproximase da exigência de que existam razões públicas lastreando as ações do Estado80 O Estado não pode adotar uma política pública apenas porque ela favorece o partido que se encontra no poder ou porque se trata de uma exigência religiosa ainda que proveniente de religião majoritária sob pena de afronta ao princípio da razoabilidade Violaria a razoabilidade por exemplo substituir uma política pública de combate a doenças sexualmente transmissíveis voltada para os jovens baseada na educação sexual e na distribuição de preservativos e pílulas anticoncepcionais por outra focada exclusivamente no estímulo à abstinência sexual antes do casamento81 Tal medida teria o indisfarçável propósito de promover uma polêmica concepção religiosa sobre a sexualidade humana que não é suscetível de provocar a adesão racional daqueles que não comungam da mesma fé 1163 Diferentes significados da razoabilidade na jurisprudência constitucional Em nossa jurisprudência constitucional colhemse alguns significados atribuídos ao princípio da razoabilidade82 Um deles é o da vedação à arbitrariedade devem existir motivos objetivos e racionais subjacentes aos atos estatais sobretudo os que restringirem direitos O STF por exemplo suspendeu a eficácia de lei estadual do Estado do Espírito Santo que vedara o plantio de eucalipto para produção de celulose naquele Estado afirmando que além de ofender a isonomia ao permitir o cultivo de eucalipto para outras finalidades a lei em questão violava a razoabilidade por instituir restrição injustificada ao direito de propriedade83 Neste sentido a razoabilidade aproxima se do subprincípio da adequação que compõe o princípio da proporcionalidade A razoabilidade é empregada também para exigir a presença de uma relação de pertinência entre a medida prevista pelo legislador e os critérios adotados por ele para definir os seus destinatários Em geral este parâmetro é empregado em conjugação com o princípio da isonomia para obstar diferenciações injustificadas entre pessoas e situações Isto porque como se sabe o princípio da igualdade não bane toda e qualquer distinção mas antes impõe que as desequiparações legais baseiemse em critérios razoáveis sendo os discrimens adotados logicamente relacionados à diferença de tratamento dispensada aos destinatários da norma Nesta linha o STF tem jurisprudência reiterada no sentido de que as discriminações baseadas no critério etário em concurso público só se legitimam se guardarem estrita correlação com as exigências do cargo em disputa sem que o que violam a razoabilidade84 A Corte entendeu por exemplo que a Polícia Militar não podia estabelecer a idade máxima de 28 anos para concurso técnico de profissional ligado à área da saúde ainda que militar pela inexistência da referida relação85 Dito critério pode ser empregado também para impedir a concessão de benefícios tidos como desarrazoados Foi o caso de decisão da Corte que invalidou uma lei do Estado do Mato Grosso do Sul que concedera pensão vitalícia de um salário mínimo para as crianças geradas em razão de estupro86 Entendeu o STF que violava a razoabilidade conceder um benefício desta natureza sem levar em consideração as necessidades materiais dos seus beneficiários o que levaria o Estado a desperdiçar recursos públicos com pessoas que deles não necessitariam A razoabilidade por vezes é invocada como exigência de correspondência entre a medida estatal e o quadro fático que lhe é subjacente O Estado ao editar normas ou outras medidas não pode se basear em fatos inexistentes descolandose da realidade Não pode em outras palavras contrariar a natureza das coisas Nesta linha o STF suspendeu a eficácia de uma lei estadual que concedia adicional de férias para servidores aposentados pelo fato de que funcionários inativos não tiram férias87 Para a Corte faltava razoabilidade à lei em questão Outra dimensão da razoabilidade diz respeito à exigência de coerência normativa Neste sentido falase em coerência interna e em coerência externa da medida A coerência interna impõe que não haja contradições num ato normativo não apenas no sentido estritamente lógico mas também teleológico ou axiológico O Ministro Joaquim Barbosa em voto que proferiu no HC nº 84025 588 que versava sobre a possibilidade de interrupção de gestação do feto anencefálico apontou por exemplo a incoerência interna produzida por uma leitura literal do Código Penal que não admite o aborto do feto absolutamente inviável que não gerará vida mas que o permite no caso de estupro da gestante no qual existe o potencial de vida do nascituro Esse foi um dos argumentos empregados pelo STF no julgamento da ADPF nº 54 para afastar a possibilidade de enquadramento da interrupção de gestação do feto anencefálico no crime de aborto89 Quanto à coerência externa ela se relaciona à harmonia entre a medida estatal e os valores da sociedade e do ordenamento jurídico como um todo Se por exemplo fosse hoje editada uma norma proibindo as pessoas de terem em suas residências animais domésticos como cães e gatos ou que vedasse às mulheres o uso de biquínis na praia faltaria a esta lei razoabilidade externa A razoabilidade como coerência externa pode ser usada para combater anacronismos legislativos hipótese em que será possível falarse numa irrazoabilidade superveniente Outra dimensão do princípio em questão é a chamada razoabilidade como equidade Esta faceta da razoabilidade é mobilizada quando se verifica que a aplicação de uma norma geral e abstrata sobre um caso concreto produziria resultados profundamente injustos ou inadequados O caso subsumese formalmente à hipótese de incidência do enunciado normativo mas existem singularidades que justificam a sua não aplicação O STF por exemplo embora reputando válida a exigência ditada pelo constituinte derivado de três anos de experiência jurídica para a posse no cargo de Procurador da República afastoua numa hipótese concreta em que uma candidata aprovada no certame conquanto não satisfizesse dito requisito já exercia função de promotora em outro ramo do Ministério Público90 1164 Dimensões da razoabilidade propostas para futuro aprofundamento Verificase que diferentemente do que ocorreu com a proporcionalidade ainda não se sedimentou na doutrina ou na jurisprudência nacional a definição do conteúdo jurídico do princípio da razoabilidade o que prejudica sobremodo a possibilidade de controle intersubjetivo do processo de aplicação deste princípio91 Algumas das variações da razoabilidade descritas acima correspondem a subprincípios da proporcionalidade e outras podem ser identificadas com o princípio da igualdade É possível contudo detectar dimensões autônomas deste princípio que não são fungíveis ou intercambiáveis em relação à proporcionalidade ou a qualquer outro princípio constitucional É o caso das quatro dimensões básicas que se seguem a A razoabilidade como exigência de razões públicas para a conduta do Estado que demanda que os atos estatais possam ser justificados por meio de argumentos que pelo menos em tese sejam aceitáveis por todos no contexto de diversidade e pluralismo que caracteriza as sociedades contemporâneas A ideia de razoabilidade nesta dimensão deriva das noções de reciprocidade intersubjetividade e alteridade Razoável é o que pode ser justificado de maneira independente em relação a interesses particulares de grupos e a doutrinas religiosas ou metafísicas polêmicas b A razoabilidade como coerência veda que o Estado atue de maneira contraditória O Poder Público não pode por exemplo proibir uma conduta menos grave e autorizar outra que atente mais seriamente contra o mesmo bem jurídico protegido Não pode punir de forma mais rigorosa o ilícito que atinge levemente um bem jurídico do que aquele que o viola mais intensamente c A razoabilidade como congruência veda a edição de medidas que não tenham amparo na realidade Ela se traduz na exigência de que os atos estatais tenham um mínimo suporte empírico e que não violem a natureza das coisas como ocorreu no exemplo mencionado da norma que fixou direito a férias para aposentados d A razoabilidade como equidade permite que em hipóteses excepcionais as normas gerais sejam adaptadas em sua aplicação às circunstâncias particulares do caso concreto ou ainda que se negue a aplicação da norma quando esta provocar grave e flagrante injustiça Normas são formuladas abstratamente Mas o seu formulador não é capaz de prever todos os contextos em que aplicação da norma poderia ter lugar A razoabilidade funciona nesta dimensão como instrumento para atenuar a rigidez na aplicação da norma Cada uma das dimensões acima mencionadas envolve complexidades e sutilezas próprias que não teríamos como desenvolver neste momento A enunciação acima serve como indicação de uma agenda para futuras pesquisas De todo modo observase que a razoabilidade tem um grande potencial como princípio jurídico voltado ao combate à injustiça e à arbitrariedade Não obstante o princípio da razoabilidade tal como o da proporcionalidade deve ser empregado com mode ração e comedimento pelo Judiciário que não deve ter a pretensão de substituir as va lorações legislativas e administrativas pelas suas próprias A razoabilidade pela sua extrema fluidez deve ser manejada de forma atenta às exigências postas pela democracia e pelo princípio da separação de poderes evitandose o risco de ela se convole em instrumento de consagração de um governo dos juízes 1 Há vasta bibliografia sobre o princípio da proporcionalidade no Direito Comparado Vejase em especial SWEET Alec Stone MATHEWS Jud Proportionality Balancing and Global Constitutionalism Columbia Journal of Transnational Law n 47 p 74165 ELLIS Evelyn Ed The Principle of Proportionality in the Laws of Europe ZUCCA Lorenzo Constitutional Dilemmas Conflicts of Fundamental Legal Rights in Europe and the USA BEATTY Davi The Ultimate Rule of Law p 159188 2 Sem embargo é possível cogitarse em determinadas situações do reconhecimento de alguma eficácia horizontal ao princípio da proporcionalidade ou seja da possibilidade de que ele também vincule em certa medida os particulares Sobre o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais vejase SARMENTO Daniel Direitos fundamentais e relações privadas 2 ed No campo do Direito do Trabalho a aplicação do prin cípio da proporcionalidade é especialmente promissora sobretudo para a aferição da validade das restrições de direitos fundamentais dos trabalhadores Ver GOMES Fábio Rodrigues A constitucionalização do direito do trabalho In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas 3 Sobre a ponderação vejase o Capítulo 12 4 Cf BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 4457 5 Cf GRIMM Dieter Proportionality in Canadian and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Law Journal n 57 p 383 et seq SCHOLLES Henrich O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha Interesse Público n 2 p 93 et seq 6 Pelo que consta esta formulação teria surgido na jurisprudência constitucional germânica pela primeira vez no chamado julgamento das farmácias Apothekenurteil decidido pela Corte Constitucional em 1958 quando apreciou a validade de lei da Baviera que instituíra uma séria de restrições para a abertura de farmácias as quais foram consideradas inválidas por restringirem excessivamente a liberdade profissional Uma reprodução integral deste importante julgado em língua portuguesa encontrase em SCHWABE Jürgen Cinqüenta anos de jurisprudência do tribunal constitucional federal alemão p 593616 7 Sobre o uso do princípio da proporcionalidade em tribunais internacionais vejase SWEET Alec Stone MATHEWS Jud Proportionality Balancing and Global Constitutionalism Columbia Journal of Transnational Law n 47 p 139 60 RAMOS André de Carvalho Teoria geral dos direitos fundamentais p 142147 8 Sobre o desenvolvimento do devido processo legal substantivo nos Estados Unidos vejase TRIBE Laurence H American Constitutional Law p 553586 e 13021435 OBRIAN David M Constitutional Law and Politics Civil Rights and Civil Liberties MARTEL Letícia de Campos Velho Devido processo legal substantivo razão abstrata função e características de aplicabilidade a linha decisória da Suprema Corte Estadunidense 9 Essa nova tendência da Suprema Corte pode se observar em West Coast Hotel Co v Parrish 300 US 379 1937 Neste caso a Suprema Corte se utiliza do princípio do devido processo legal substantivo ao con trário do que havia ocorrido nas decisões anteriores para legitimar a intervenção do Estado nas relações econômicas A privação da liberdade para contratar é proibida pela Constituição se não respeitar o devido processo legal mas a restrição ou a regulação desta liberdade se razoável em relação a seu conteúdo e se adotada para a proteção da comunidade contra males que ameaçam a saúde a segurança a moralidade e o bemestar das pessoas é processo devido due process 10 Vejase neste sentido ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review p 1421 11 Vejase a propósito MENDES Gilmar Ferreira A proporcionalidade na jurisprudência do STF In MENDES Gilmar Ferreira Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade p 6877 BARROS Suzana de Toledo O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais p 98113 Dentre os casos apreciados pela Corte antes de 88 cabe destacar decisão proferida em 1968 que considerou inválida a previsão constante na Lei de Segurança Nacional de que o recebimento da denúncia ou a prisão em flagrante pela prática de crimes contra a segurança nacional implicava a suspensão do exercício de profissão ou emprego privado assim como de cargo ou função na Administração Pública HC nº 45232 Rel Min Themístocles Cavalcanti RTJ 44322334 decisão proferida em 1976 em que a Corte invalidou preceitos legais que continham exigências profissionais injustificadas para o exercício da atividade de corretor de imóvel Representação nº 930 Rel p acórdão Min Rodrigues Alckmin DJU 2 set 1977 decisão de 1984 em que o STF invalidou a lei que regulava a cobrança de taxa judiciária no Estado do Rio de Janeiro fixada em 2 sobre o valor do pedido por considerar que ela não teria relação com o serviço prestado e criaria ademais obstáculo excessivo para o acesso à Justiça Representação nº 1054 Rel Min Moreira Alves RTJ 110937978 12 Um claro exemplo desta economia argumentativa encontrase naquela que talvez tenha sido a primeira decisão da Corte a invocar expressamente o princípio da proporcionalidade na invalidação de um ato nor mativo Tratase do julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 855 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 10 out 1993 em que se impugnou lei do Estado do Paraná que determinara que o fornecedor de botijões de gás pesasse à vista do consumidor o botijão usado recebido para substituição de forma a proceder o devido desconto no preço do produto fornecido sempre que houvesse resto de gás no botijão restituído O STF sus pendeu o ato normativo em questão invocando a plausibilidade da alegação de violação ao princípio de proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos sem aplicar qualquer dos subprincípios inerentes ao princípio da proporcionalidade 13 Neste sentido por exemplo ADI nº 1158MC Rel Min Celso de Mello DJU 26 maio 1995 ADI nº 1076MC Rel Min Sepúlveda Pertence DJU 7 dez 2000 ADI nº 1922MC Rel Min Moreira Alves DJU 24 nov 2000 ADI nº 2276 Rel Min Maurício Corrêa DJU 5 dez 2002 14 Neste sentido dentre outros MENDES Gilmar Ferreira A proporcionalidade na jurisprudência do STF In MENDES Gilmar Ferreira p 83 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 237 Na verdade a própria cláusula do devido processo legal já foi inserida na Constituição de 1988 tendo em vista a dimensão substantiva que lhe é conferida pela jurisprudência constitucional norteamericana A inclusão da cláusula foi feita a partir de proposta do Deputado Vivaldo Barbosa que acolheu sugestão formulada pelo então assessor do PDT partido ao qual era filiado Barbosa na Constituinte Professor Carlos Roberto Siqueira Castro que estudara a fundo a questão tendo logo depois publicado obra precursora sobre a matéria no país sob o título O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil 15 Cf BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional p 362366 BARROS Suzana de Toledo O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais p 9194 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 259260 16 Cf DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais p 193 Os autores também aludem ao princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais art 5º 1º CF como fundamento alternativo para a proporcionalidade 17 Cf ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 116120 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 321322 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais n 798 p 2350 18 Para uma exposição das diversas correntes na matéria vejase STEINMETZ Wilson Antônio Colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade p 155172 19 Sobre o conceito de princípios vejase o Capítulo 9 20 Esta é por exemplo a posição de ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 117 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais n 798 p 25 e de PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 323 Os dois últimos todavia sustentam que não se deve abandonar a expressão princípio da proporcionalidade eis que já amplamente consagrada em nosso cenário jurídico 21 Sobre a categoria dos postulados aplicativos desenvolvida de maneira original na doutrina brasileira por Humberto Ávila vejase o Capítulo 9 22 Cf ÁVILA Humberto Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos p 163175 No STF tal posição era abraçada pelo exMinistro Eros Grau que frequentemente se insurgia em seus votos contra a invocação do princípio da proporcionalidade como critério autônomo para invalidação de atos nor mativos com base no argumento de que a sua aplicação importaria em intromissão indevida do Judiciário no espaço próprio das valorações do Legislativo Não obstante ele admitia que a proporcionalidade fosse empregada como um parâmetro para se aferir eventual ofensa a alguma norma constitucionalmente posi tivada Por exemplo se uma lei restringisse a livre iniciativa econômica seria possível usar os critérios da propor cionalidade para analisar a constitucionalidade da restrição imposta pelo legislador Contudo se nesta hipótese o ato normativo não subsistisse ao teste terseia uma ofensa não à proporcionalidade mas ao próprio princípio constitucional da livre iniciativa Confirase nesta linha os votos do Ministro Eros Grau proferidos na ADPF nº 144 Rel Min Celso Mello DJe 19 dez 2010 e no HC nº 950094 Rel Min Eros Grau DJe 19 fev 2008 23 No mesmo sentido cf MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 326329 24 ADI nº 223MC Rel p acórdão Min Sepúlveda Pertence DJ 29 jun 1990 25 Há quem sustente que o exame da legitimidade dos fins perseguidos pelo ato estatal representaria outro subprincípio componente do princípio da proporcionalidade anterior ao exame de adequação Outra po sição existente é no sentido de que o controle sobre a legitimidade dos fins objetivados pelo ato é possível mas se situa fora do âmbito do princípio da proporcionalidade Sobre o debate vejase PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 324 BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 694 O que importa porém é verificar a legitimidade dos fins perseguidos Inserir ou não esse exame dentro da estrutura da proporcionalidade é distinção que não produz maiores efeitos práticos O que importante consignar é a impossibilidade de restringir direitos sem motivo por capricho ou para realizar finalidades ilegítimas 26 Por isso o TJRJ considerou a exigência injustificada quanto ao ensino fundamental para determinar a inclusão no sistema de cotas também de candidata que o havia cursado em outro estado embora tivesse frequentado todo o ensino médio em colégio estadual situado no Rio de Janeiro Como se pode observar abaixo o Acórdão embora sem invocálo expressamente se concentra na verificação da observância do critério da adequação Ora se a avaliação é de desempenho dos alunos do ensino médio afigurase totalmente não razoável exigir a formação integral do ensino fundamental em escolas públicas situadas no Estado do Rio de Janeiro até porque é notório que o desenvolvimento de aptidões e competências pretendidas para o ingresso na Universidade é efetuado no decorrer do ensino médio Tratase pois a toda a evidência de restrição que fere o Princípio da Razoabilidade TJRJ AC nº 200500116667 Rel Des Francisco de Assis Pessanha Julg 19122005 27 Vejase a propósito TÁCITO Caio Desvio de poder legislativo Revista Trimestral de Direito Público n 1 p 6268 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 234236 SANTOS Gustavo Ferreira Excesso de poder no exercício da função legislativa Revista de Informação Legislativa n 140 p 288 et seq 28 Caio Tácito colhe os seguintes exemplos na jurisprudência do STF Representação nº 512 Julg 7121962 RE nº 48655 RMS nº 7243CE Rel Min Luiz Gallotti Julg 2011960 DJ 30 jan 1960 RE nº 50219RN Rel Min Candido Motta Julg 1851964 DJ 2 jul 1964 29 No mesmo sentido cf PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 324327 BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 696706 30 Cf BINENBOJM Gustavo Sentido da vinculação administrativa à juridicidade no direito brasileiro In ARAGÃO Alexandre dos Santos MARQUES NETO Floriano de Azevedo Coord Direito administrativo e seus novos paradigmas p 145204 31 Em favor de um controle fraco como o aqui sustentado vejase SILVA Virgílio Afonso da Direitos fun damentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 170 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 165166 32 No mesmo sentido cf BINENBOJM Gustavo CYRINO André Rodrigues O direito à moradia e a penho rabilidade do bem único do fiador em contratos de locação limites à revisão judicial de diagnósticos e prognoses legislativas In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Coord Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie p 9971018 Sobre o controle judicial das prognoses legislativas vejase também MENDES Gilmar Ferreira Controle de constitucionalidade her me nêutica constitucional e a revisão de fatos e prognoses legislativas pelo órgão judicial In MENDES Gilmar Ferreira Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade p 453478 Esta posição foi adotada por exemplo pelo Tribunal Constitucional alemão BVerfGE 90 145 1994 Na apreciação requerida pelo princípio da proporcionalidade da adequação e da necessidade do meio selecionado para o alcance do propósito desejado bem como da avaliação e prognóstico dos perigos que ameaçam o indivíduo ou a comu nidade a serem feitos neste contexto cabe ao legislador uma margem discricionária de avaliação a qual pode ser revista pelo Tribunal Constitucional Federal apenas em extensão limitada 33 Este déficit até pode ser minorado mas nunca eliminado com a participação dos amici curiae ou com a oitiva de especialistas em audiência pública no âmbito da jurisdição constitucional como facultam as leis nº 986899 e nº 988299 Afinal em temas técnicos polêmicos o que normalmente ocorre é a defesa de posições divergentes pelos técnicos ou amici curiae e caberá ao Judiciário nesses casos optar por uma delas Sobre a necessidade de consideração das capacidades institucionais dos intérpretes na definição da postura hermenêutica apropriada em cada contexto vejase o Capítulo 10 34 Neste sentido cf ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 170 BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 735736 35 Neste sentido cf PEREIRA Jane Reis Gonçalves Os imperativos da proporcionalidade e da razoabilidade um panorama da discussão atual e da jurisprudência do STF In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 181182 36 ADI nº 4467MC Rel Min Ellen Gracie DJe 1º62011 37 HC nº 91952SP Rel Min Marco Aurélio Julg 782008 38 HC nº 89429RO Rel Min Cármen Lúcia Julg 2282006 39 Cf SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 170174 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 339341 40 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 262 41 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Os imperativos da proporcionalidade e da razoabilidade um panorama da discussão atual e da jurisprudência do STF In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 186 42 Entre outras decisões cf RE nº 111042SP Rel Min Célio Borja Julg 1321987 DJ 13 mar 1987 RE nº 115452SP Rel Min Octávio Gallotti Julg 2231988 DJ 22 abr 1988 RE nº 413782SC Rel Min Marco Aurélio Julg 1732005 DJ 3 jun 2005 ADI nº 173DF Rel Joaquim Barbosa Julg 2592008 43 Cf AC nº 1657MCRJ Rel Min Joaquim Barbosa Rel p acórdão Min Cezar Peluso Julg 2762007 44 Cf BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 763805 45 Robert Alexy em lição frequentemente reproduzida propõe que se estabeleça uma gradação da intensidade com que as medidas restritivas afetam os direitos e interesses juridicamente protegidos de acordo com uma escala de três níveis tal intensidade poderia ser qualificada como leve moderada ou grave Nesta perspectiva uma restrição grave a um direito menos importante pode ser inválida mesmo se promover com intensidade leve um interesse dotado de peso abstrato mais elevado Cf ALEXY Robert Posfácio In ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 593611 46 O tema foi tratado por Robert Alexy no Posfácio citado na nota anterior 47 A Lei nº 111052005 autorizou a pesquisa em célulastronco embrionárias em preembriões produzidos mediante fertilização in vitro que fossem inviáveis para futura implantação no útero materno ou já esti vessem congelados há mais de 3 anos desde que obtida a autorização dos pais e aprovada a pesquisa por comitê de ética da instituição De um lado argumentavase a favor da lei que tais pesquisas seriam vitais para a descoberta do tratamento de doenças muito graves e que elas estariam também abrangidas pela liberdade científica Nesta linha afirmavase que o direito à vida não estaria em questão na hipótese pois os preembriões não implantados não seriam pessoas humanas Do outro lado advogavase que ditas pesquisas atentariam contra o direito à vida do preembrião com a sua instrumentalização em favor da realização de fins alheios o que também violaria o princípio da dignidade da pessoa humana O ato normativo foi impugnado por meio da ADI nº 3510 proposta pelo PGR que foi julgada improcedente pelo STF Rel Min Ayres Britto DJe 28 maio 2010 48 Cf ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais p 599606 49 Nesta linha é conhecida a crítica de Jürgen Habermas ao juízo de ponderação envolvido na aplicação do sub princípio da proporcionalidade em sentido estrito Direito e democracia entre facticidade e validade p 314330 Na literatura jurídica brasileira vejase FERRAZ Leonardo de Araújo Da teoria à crítica princípio da proporcionalidade uma visão com base nas doutrinas de Robert Alexy e Jürgen Habermas p 143174 50 Vide o Capítulo 12 51 BVerfGE 39 1 Destaquese contudo que em julgamento posterior proferido em 1993 o Tribunal Cons titucional Federal alemão afirmou que a proteção da vida intrauterina não precisava necessariamente ser realizada por meio dos instrumentos do Direito Penal BVerfGE 88 203 posição que nos parece muito mais acertada 52 Vejase a propósito FELDENS Luciano A Constituição penal a dupla face da proporcionalidade no controle das leis penais STRECK Lenio Luiz Da proibição de excesso Übermassverbot à proibição de proteção deficiente Untermassverbot de como não há blindagem contra normas penais desproporcionais Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica SARLET Ingo Wolfgang Constituição e proporcionalidade o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição do excesso e de insuficiência Revista da AJURIS n 98 53 Nesta linha vejase LEIVAS Paulo Gilberto Cogo Teoria dos direitos fundamentais sociais p 7386 54 Na literatura jurídica a obra clássica nesta matéria é de Claus Wilhelm Canaris que baseou neste conceito a sua concepção sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas com a chamada teoria dos deveres de proteção Vejase a propósito CANARIS Claus Wilhelm Direitos fundamentais e direito privado 55 RE nº 418376 Pleno Rel p acórdão Min Joaquim Barbosa DJ 23 mar 2007 56 ADI nº 3112 Rel Min Enrique Lewandowski DJe 26 out 2007 Vale ressaltar que no referido julgamento foram declarados inconstitucionais os preceitos do Estatuto do Desarmamento que vedavam a concessão de fiança e de liberdade provisória em crimes nele tipificados 57 HC nº 16212 Rel Min Marco Aurélio DJe 13 jun 2011 58 ADI nº 3510 Rel Min Ayres Britto DJe 28 maio 2010 59 Cf MENDES Gilmar Ferreira A proporcionalidade na jurisprudência do STF In MENDES Gilmar Ferreira Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade p 83 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 237 BARROS Suzana de Toledo O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais p 6772 OLIVEIRA Fábio Corrêa Souza de Por uma teoria dos princípios o princípio constitucional da razoabilidade p 8188 60 Cf GUERRA FILHO Willis Santiago Dos direitos humanos aos direitos fundamentais p 2526 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais n 798 p 2350 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 152181 SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional p 800828 STEINMETZ Wilson Antônio Colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade p 183194 61 Neste sentido por exemplo MCADI nº 1753 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 12 jun 1998 HC nº 760604 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 15 maio 1998 62 Cf TRIBE Laurence H American Constitutional Law p 553586 e 13021435 CHEMERINSKY Erwin Cons titutional Law Principles and Policies p 605628 e 792920 63 Neste sentido vejase o estudo precursor entre nós de DANTAS Santiago Igualdade perante a lei o devido processo legal contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo Revista Forense v 116 p 2131 bem como CASTRO Carlos Roberto de Siqueira O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição 64 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais n 798 p 45 65 QUIROGA LAVIÉ Humberto Curso de derecho constitucional p 41 et seq 66 O exemplo da proibição do álcool no carnaval foi colhido em BARROSO Luís Roberto Interpretação e apli cação da Constituição p 226 67 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 153162 68 ZAGREBELSKY Gustavo Su tre aspetti della ragionevolezza In AAVV Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale p 179192 69 BUSTAMANTE Thomas R A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea In BUSTAMANTE Thomas R Teoria do direito e decisão racional temas de teoria da argumentação jurídica p 305338 70 Cf RADBRUCH Gustav Cinco minutos de filosofia do direito In RADBRUCH Gustav Filosofia do direito p 417 71 PERELMAN Chaïm O razoável e o dessarrazoado em direito In PERELMAN Chaïm Ética e direito p 427437 72 PERELMAN Chaïm Retóricas p 53 73 PERELMAN Chaïm Ética e direito p 480 Se uma ciência do direito pressupõe posicionamento tais posi cionamentos não serão considerados irracionais quando puderem ser justificados de uma forma razoável graças a uma argumentação cujas força e pertinência reconhecemos É verdade que as conclusões de tal argumentação nunca são evidentes e não podem como a evidência coagir a vontade de todo ser razoável Ela podem inclinála para a decisão mais bem justificada aquela que se apóia na argumentação mais convincente embora não se possa afirmar que ela exclui absolutamente qualquer possibilidade de escolha Assim é que a argumentação apela para a liberdade espiritual embora seu exercício não seja arbitrário Graças a ela é que podemos conceber um uso razoável da liberdade ideal que a razão prática se propõe em moral em política mas também em direito 74 PERELMAN Chaïm Lógica jurídica nova retórica p 158 75 AARNIO Aulis Le rationnel comme raisonnable la justification en droit p 227279 76 RAWLS John O liberalismo político p 58 77 RAWLS John A idéia de razão pública revista In RAWLS John O liberalismo político p 529530 78 Há quem objete contra esta imposição mesmo no plano moral aduzindo que ela importa em excessivamente onerosa para as pessoas religiosas que muitas vezes não têm como se despir das suas crenças quando atuam politicamente na esfera pública O tema é complexo e a sua análise foge aos limites da presente obra Vejase a propósito HABERMAS Jürgen Entre naturalismo e religião estudos filosóficos p 129168 79 Como afirma Rawls o dever de razoabilidade do cidadão é intrinsecamente moral não podendo converterse em um dever legal pois neste caso seria incompatível com a liberdade de expressão A idéia de razão pública revisitada In RAWLS John O liberalismo político p 528 80 Sobre o conceito de razões públicas vejase o Capítulo 10 81 Esta foi a tônica das políticas nesta área praticadas nos Estados Unidos durante o governo de George W Bush em medidas que foram caracterizadas como iniciativas baseadas na fé faith based iniciatives 82 Nossa exposição neste ponto seguirá de perto a feita por Jane Reis Gonçalves Pereira Os imperativos da proporcionalidade e da razoabilidade um panorama da discussão atual e da jurisprudência do STF In SARMENTO Daniel SARLET Ingo Wolfgang Org Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica p 199206 83 ADI nº 2263MC Rel Min Maurício Corrêa DJ 6 jun 2002 84 O entendimento está cristalizado na Súmula nº 683 do STF O limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do art 7º XXX CF quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido 85 Ag Int no Agr nº 486439 2ª Turma Rel Min Joaquim Barbosa DJe 28 nov 2008 86 ADI nº 2019 Rel Min Ilmar Galvão DJ 21 jun 2002 87 ADI nº 1158MC Rel Min Celso Mello DJ 26 maio 1995 88 Houve perda do objeto do Habeas Corpus em questão pois ocorreu o parto e minutos depois o óbito do feto anencefálico durante a sessão de julgamento do writ Não obstante o Ministro Joaquim Barbosa tornou público o seu voto lido na sessão do STF do dia 2822004 No que concerne ao ponto ora em discussão o Ministro averbou Seria um contrasenso chancelar a liberdade e a autonomia privada da mulher no caso do aborto sentimental permitido nos casos de gravidez resultante de estupro em que o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual da mulher e vedar esta liberdade nos casos de malformação fetal gravíssima como a anencefalia em que não existe um real conflito entre bens jurídicos detentores de idêntico grau de proteção jurídica 89 ADPF nº 54 Rel Min Marco Aurélio Julg 11 e 1242012 90 MS nº 6690 Rel Min Eros Grau DJe 18 dez 2008 91 No mesmo sentido cf STEINMETZ Wilson Antônio Colisão de direitos fundamentais e o princípio da propor cionalidade p 191192 CAPÍTULO 12 COLISÃO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS 121 Introdução As normas constitucionais podem colidir entre si Embora polêmica na teoria jurídica contemporânea essa é a posição amplamente majoritária no campo doutrinário e na jurisprudência tanto no Brasil como no Direito Comparado Se por exemplo um veículo de comunicação social anuncia que irá expor fatos íntimos concernentes à vida amorosa de uma celebridade que se opõe a esta divulgação temse um conflito entre a liberdade de imprensa e o direito à intimidade as normas que consagram o primeiro direito arts 5º IX e 220 da Constituição Federal amparam a divulgação pretendida e a que tutela o segundo art 5º X CF a proíbe O fenômeno da colisão entre normas constitucionais não é incomum sobretudo no quadro de constituições extensas de natureza compromissória e compostas por muitos preceitos positivados em linguagem aberta Com efeito a extensão da Constituição amplia a possibilidade de conflitos pois quanto mais normas existirem maior é a possibilidade de que haja tensão entre elas A natureza aberta da linguagem constitucional também caminha na mesma direção por multiplicar os riscos de que uma mesma hipótese fática possa ser enquadrada simultaneamente no campo de incidência de normas diferentes que apontem soluções distintas para o caso O caráter compromissório da Constituição tem o mesmo efeito já que a presença na ordem constitucional de normas inspiradas em ideologias e visões de mundo divergentes aumenta a chance de atritos entre elas A Constituição de 88 como se sabe possui todas essas características contém um vastíssimo número de normas muitas delas estão expressas numa linguagem bastante vaga e ostenta uma indiscutível natureza compromissória por incorporar preceitos inspirados em distintas concepções de mundo Por isso no Brasil o tema da colisão entre normas constitucionais é de extrema relevância não só teórica mas também prática É natural portanto que ele tenha atraído grande atenção de parte da nossa doutrina1 O tópico é por outro lado bastante complexo Em primeiro lugar porque ele se entrelaça com vários outros debates intricados no campo jurídico político e filosófico como o dos limites ao ativismo judicial impostos pela democracia e pela separação de poderes2 o da possibilidade de comparação racional entre bens e valores muito heterogêneos3 e o da justa medida para equacionar a tensão entre os direitos do indivíduo e os interesses da coletividade4 O dinamismo e riqueza do campo empírico sobre o qual incide a Constituição e o caráter eminentemente político ou moral de grande parte das controvérsias a serem solucionadas agrava ainda mais esta complexidade Ademais nas sociedades modernas caracterizadas pelo pluralismo social e cultural as questões envolvidas na colisão entre normas constitucionais são com grande frequência extremamente polêmicas tornando praticamente impossível que se chegue a soluções baseadas em um senso comum compartilhado pela comunidade5 As colisões podem envolver tipos de normas constitucionais diferentes há colisões entre princípios entre regras e entre princípio e regra apresentando cada uma dessas hipóteses singularidades próprias Embora o campo dos direitos fun damentais seja provavelmente o mais fecundo nesta área nem todas as colisões envolvem direitos fundamentais Temos portanto conflitos entre diversos direitos fundamentais entre direito fundamental e norma constitucional de outra espécie e entre normas que não consagram direitos fundamentais Quando se fala em colisão entre normas constitucionais pensase logo no juiz como o responsável pela sua solução Contudo tal equacionamento não é monopólio jurisdicional O legislador ao editar normas jurídicas também soluciona em abstrato certas colisões ponderando interesses Quando por exemplo o legislador penal criminalizou a publicação de livros com conteúdo racista art 20 da Lei nº 771689 ele buscou resolver uma tensão entre direitos fundamentais positivados na Constituição de um lado as liberdades de expressão e de imprensa do outro os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana das vítimas A própria Administração Pública também se vê compelida a solucionar colisões constitucionais na sua atuação6 Quando por exemplo uma prefeitura recebe comunicação baseada no art 5º XVI da Constituição de que no dia seguinte será realizado um ato público de protesto numa determinada praça na qual também se localiza um hospital com doentes em estado grave que necessitam de repouso ela se vê forçada a resolver uma colisão entre a liberdade de reunião e o direito à saúde para decidir se a hipótese é de impedir excepcionalmente que o ato se realize naquele local Até mesmo um particular pode ter de resolver uma colisão entre preceitos constitucionais Um colégio privado por exemplo pode se defrontar com o pedido de um estudante de não usar o mesmo uniforme imposto aos demais alunos motivado por razões religiosas já que a crença que professa veda o uso daquele tipo de vestimenta A direção do colégio terá então que ponderar a liberdade religiosa do estudante com o princípio da igualdade7 É evidente porém que num ordenamento constitucional que consagra o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional art 5º XXXV CF todas estas ponderações realizadas por outros órgãos podem ser submetidas ao crivo do Judi ciário que terá então de apreciálas em abstrato ou na análise de algum caso concreto Antes de examinar a forma de resolução das colisões entre normas constitucionais cumpre rapidamente sintetizar e refutar argumentos usados por autores que negam a própria existência de conflitos entre normas constitucionais 122 Há conflito entre normas constitucionais Categorização teoria interna dos direitos fundamentais juízo de adequação e a justiça para ouriços Há na literatura de teoria constitucional e de filosofia do Direito diversas posições que negam a existência de conflitos entre normas constitucionais Uma preocupação central que se extrai dos opositores à ideia de colisão entre normas constitucionais é o temor diante dos riscos de arbítrio judicial no seu equacionamento em detrimento da democracia e da segurança jurídica8 Porém como se verá as alternativas apresentadas não resolvem mas antes agravam o problema que se propõem a solucionar Uma das posições que nega os conflitos é chamada de categorização9 Na categorização buscase definir o campo de incidência de cada norma constitucional à luz de todas as demais de forma a evitar a eclosão de colisões Nessa concepção o âmbito de incidência de cada norma constitucional é restringido de antemão para que sejam evitados os conflitos com outras normas Contudo quando uma norma constitucional incide todos os seus efeitos jurídicos são integralmente deflagrados não havendo de se cogitar em ponderação Em outras palavras na categorização quando uma hipótese é subsumida a uma norma isto já basta para a resolução do problema A categorização por isso conduz a posições absolutistas em matéria de apli cação de normas constitucionais e em especial de tutela de direitos fundamentais como a que era sustentada pelo Juiz Hugo Black na Suprema Corte norteamericana A Constituição dos Estados Unidos contém cláusula vedando a edição de normas restringindo a liberdade de expressão 1ª Emenda e o Juiz Black defendia que diante do seu texto em nenhuma hipótese seria possível qualquer tipo de ponderação legislativa ou judicial para legitimar alguma restrição àquela liberdade por mais importantes que fossem os fins visados10 Contudo essa posição para se viabilizar na prática tem de adotar uma teoria restritiva do campo de incidência dos direitos fundamentais sob pena de gerar problemas insolúveis Black por exemplo defendia que a liberdade de expressão era absoluta mas que ela não protegeria as chamadas condutas expressivas como a de estudantes que resolveram portar em suas escolas uma faixa preta no braço como forma de protesto contra a guerra do Vietnã11 Na perspectiva da categorização o legislador só poderia instituir restrições a direitos fundamentais nas hipóteses em que o próprio texto constitucional o autorizasse a fazêlo Estes direitos contudo apresentariam limites imanentes12 que conquanto não definidos no texto da Constituição poderiam ser descobertos por meio de uma interpretação teleológica e sistemática da Lei Fundamental que levasse em consideração os fins que motivam a proteção de cada direito assim como todo o universo de outros bens também constitucionalmente protegidos Os limites imanentes por já se encontrarem implicitamente contidos nas normas que consagram os direitos fundamentais poderiam ser explicitados pelo legislador ou por decisões judiciais A categorização tem íntima relação com a chamada teoria interna dos direitos fundamentais que nega a existência de conflitos reais entre eles Para os adeptos da teoria interna é tarefa do intérprete delimitar cuidadosamente o campo de incidência dos direitos fundamentais buscando precisar os seus limites imanentes de forma a evitar tais conflitos Os direitos nessa perspectiva têm um campo de incidência ou suporte fático bastante restrito mas por outro lado não se sujeitam a ponderações constituindo sempre mandamentos definitivos Esta teoria se opõe à concepção dominante na matéria denominada de teoria externa dos direitos fundamentais que atribui a tais direitos uma hipótese de incidência ampla mas os vê como mandamentos prima facie sujeitos a restrições legislativas mesmo que não autorizadas expressamente pela Constituição e ainda a ponderações de interesse realizadas pelo Poder Judiciário13 A categorização pode ser associada também à diretriz de busca da concordância prática entre normas constitucionais em tensão Pelo princípio da concordância prática diante de um aparente conflito entre preceitos constitucionais que apontem para direções antagônicas na solução de um determinado caso cabe ao intérprete buscar a sua harmonização no caso concreto Nesta hipótese nas palavras de Konrad Hesse os bens jurídicos constitucionalmente protegidos devem ser coordenados de tal modo na solução do problema que todos eles conservem a sua essência sem o recurso à ponderação de bens ou de valores que poderia sacrificar a unidade de Constituição14 Como ressaltou Virgílio Afonso da Silva 15 embora seja usual na doutrina brasileira a caracterização da concordância prática como um princípio de interpretação constitucional correlato à ponderação de interesses na dogmática germânica em que estas categorias se desenvolveram as respectivas posições são antagônicas16 já que os defensores da concordância prática tendem a rejeitar a ponderação Isto na nossa opinião não exclui a possibilidade de que se busque num certo sincretismo metodológico uma combinação entre a concordância prática e a ponderação primeiro recorrese à àquela para buscarse a harmonização entre as normas constitucionais em jogo no caso concreto se a concordância prática se revelar inviável passase à outra fase do processo de concretização que exigirá a ponderação entre os interesses constitucionais conflitantes17 Vale também mencionar a posição de Jürgen Habermas 18 e de Klaus Günther19 neste debate Tais autores não chegam a negar a colisão entre normas constitucionais o que a rigor não permite que sejam classificados entre os defensores da categorização Porém há um importante ponto de contato entre as suas posições e a adotada pelos adeptos da categorização todos rechaçam a ponderação Habermas e Günther defendem que diante de normas constitucionais a priori incidentes sobre um determinado caso ao invés de ponderálas caberia ao intérprete proceder a um exame exaustivo da hipótese fática considerando todas as suas especificidades bem como as alternativas jurídicas à disposição para a solução do problema a fim de definir qual das normas é a mais adequada à situação concreta Eles consideram que esse juízo de adequação é compatível com a função jurisdicional o que não ocorreria com a ponderação Essa trataria os princípios jurídicos não como normas impositivas mas como valores otimizáveis relativizando ao extremo a distinção entre a produção de normas função legislativa e a sua aplicação judicial Essa suposta confusão seria incompatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito que exige a legitimação das normas por meio da participação do povo no seu processo de elaboração uma vez que os juízes ao contrário dos parlamentares não são eleitos democraticamente Outra perspectiva que recusa o conflito entre normas foi formulada por Ronald Dworkin20 O jusfilósofo norteamericano sustenta que se as normas constitucionais forem interpretadas de forma coerente com os valores morais que melhor justificam a trajetória políticoconstitucional de um Estado elas jamais entrarão em conflito Se todas as normas de uma Constituição forem compreendidas e aplicadas por meio dessa diretriz orientada à promoção de um mesmo ideário os conflitos desapare cerão Perceberseia então que os casos de aparente conflito derivam na verdade de interpretações equivocadas das normas em jogo Nesse sentido Dworkin critica por exemplo a visão muito difundida de que a igualdade e a liberdade colidiriam já que ao promover a igualdade material o Estado teria que restringir certas liberdades econômicas Para ele as limitações às liberdades econômicas promovidas em favor da igualdade que nos Estados Unidos passaram a ser admitidas pela jurisprudência após o advento do New Deal não podem ser vistas como restrições ao direito à liberdade Isto porque o direito à liberdade não pode ser compreendido na melhor leitura da tradição constitucional norteamericana como a faculdade de se fazer tudo aquilo que se queira sem quaisquer limites mas sim como o direito de ser tratado como uma pessoa livre com o poder para fazer escolhas de vida e a responsabilidade para assumir as respectivas consequências Este direito não entra em colisão com a igualdade ele antes a pressupõe já que só faz sentido num sistema em que todos sejam considerados igualmente livres nem é limitado por normas que no afã de diminuírem a desigualdade material limitem o poder econômico privado Portanto a igualdade material não é para Dworkin contraditória com liberalismo mas o seu princípio mais fundamental liberdade e igualdade não são virtudes independentes mas aspectos do mesmo ideal de associação política21 A ambiciosa proposta hermenêutica de Ronald Dworkin é de unificar não só o Direito como também a Moral e a Ética em torno de um mesmo ideário recusando qualquer tipo de compromisso pluralista Por isso ele chamou a sua teoria de Justiça para ouriços Justice for Hedgehogs que contrapôs à concepção de Justiça para raposas A curiosa designação vem de uma citação do dramaturgo grego Arquíloco que disse em célebre passagem que a raposa sabe muitas coisas e o ouriço sabe uma só mas o que o ouriço sabe é muito importante Na Justiça do ouriço todas as normas se orientam para a realização de uma determinada concepção do justo tida como a única correta na qual os diversos valores se compõem convergindo harmonicamente A Justiça constitucional para Dworkin é uma Justiça de ouriço Estas diferentes concepções apesar da engenhosidade com que algumas delas foram defendidas não se sustentam Não há como no presente espaço debatêlas em todas as suas nuances para refutá las de forma mais rigorosa Cabe porém apontar sumariamente algumas incongruências de que padecem A categorização e a teoria interna os direitos fundamentais não excluem o risco de arbítrio judicial na definição do campo de incidência de cada norma constitucional22 A dimensão constitutiva criadora da decisão judicial não é eliminada mas tão somente escamoteada sob a cortina de fumaça dos limites imanentes pois nada tem de mecânica a tarefa de definir os contornos de cada norma constitucional levando em consideração todas as demais que compõem o sistema E a estrutura da argumentação jurídica empregada para a definição destes limites não contém elementos para afastar ou constranger a discricionariedade judicial como aqueles que foram desenvolvidos ao longo do tempo no campo da ponderação e que serão examinados adiante Ademais ao limitarem a priori o âmbito de proteção dos direitos fundamentais restringindoo excessivamente estas teorias permitem que certas posições relevantes do indivíduo fiquem completamente desguarnecidas Como não se considera que estas posições sejam tuteladas pela Constituição nem mesmo prima facie não se exige por consequência qualquer ônus argumentativo adicional para justificação das medidas estatais que as atingirem Não bastasse a negação do conflito entre normas constitucionais não se compadece com a riqueza e a complexidade das situações sobre as quais a Constituição tem de sido aplicada São tão diversas e multifacetadas estas situações que por mais criterioso que seja o intérprete ele jamais conseguirá definir os campos de incidência das normas constitucionais de modo a impedir qualquer superposição entre eles em casos concretos Estas objeções também podem ser endereçadas à teoria do juízo de adequação adotada por Habermas e Klaus Günther Apesar de baseada numa crítica ao arbítrio judicial ela não fornece elementos consistentes para eliminálo É claro que qualquer método de trabalho que permita ao magistrado realizar juízos particularistas ou seja que considerem as circunstâncias particulares ao caso concreto como é o caso da ponderação se sujeita a crítica de incrementar a discricionariedade judicial Se comparada à subsunção a ponderação obviamente propicia maior espaço para a atividade criativa do intérprete Porém a teoria do juízo de adequação embora seja persuasiva em sua crítica incorre em uma inegável contradição performática a alternativa que sugere é um procedimento ainda mais aberto e opaco não provendo critérios consistentes ou parâmetros controláveis para se definir qual afinal é a norma adequada A ponderação conta por outro lado com os critérios do princípio da proporcionalidade para domesticar o decisionismo e gerar alguma previsibilidade A teoria da adequação para ser coerente com a crítica que formula à ponderação deveria fornecer um método seguro e previsível o que não ocorre A Justiça para ouriços de Dworkin também não provê solução para o risco do arbítrio judicial Muito pelo contrário ele reconhece que a tarefa de definição dos limites das normas constitucionais e dos direitos fundamentais é tarefa de tamanha complexidade que só poderia ser levada a termo sobretudo nos casos difíceis por juízes idealizados concebidos contrafaticamente como semideuses o juiz Hércules23 que seriam forçados a tornaremse verdadeiros filósofos como árbitros finais dos conflitos morais que dividem às sociedades24 Dworkin sustenta que na prática a complexidade da tarefa de Hércules é reduzida pelo fato de que a reconstrução racional do ordenamento vigente toma por base um determinado paradigma Estado de Direito Estado de BemEstar Social etc prevalecente em determinado contexto Tais paradigmas representam o pano de fundo de compreensão que os especialistas compartilham com todos os demais parceiros do direito25 O paradigma do Estado Democrático de Direito por exemplo vigente no contexto presente traduz a noção de que os membros da comunidade se reconhecem reciprocamente como titulares de direitos iguais Dworkin propõe ainda que os magistrados se orientem pelo princípio da integridade26 Cabe ao magistrado interpretar o Direito como um todo coerente como se tivesse sido criado por um único legislador a comunidade personificada Tal pretensão de coerência não se confunde com o dogma presente no conceito posi tivista de sistema jurídico de que o ordenamento não contém contradições A coerência indicada por Dworkin é a coerência moral e política do sistema de princípios Notese que isso não implica que o autor considere por exemplo o sistema norteamericano como coerente mas sim que ele deve ser interpretado como se o fosse A incoerência eventual não passa de mero defeito que deve ser corrigido no curso do processo de interpretação27 Porém no que toca à elaboração de parâmetros que possam racionalizar a aplicação de princípios Ronald Dworkin não vai muito além das cogitações sobre o auxílio fornecido à atividade interpretativa pelo princípio da integridade e pelo paradigma de Direito que congrega a constelação de princípios em vigor Essa crítica foi especialmente desenvolvida por Robert Alexy que comunga com Dworkin a preocupação fundamental de conceber alternativas à discricionariedade judicial Também ele enfatiza a importância da pretensão de correção no raciocínio judiciário 28 Mas Alexy ressalta que não há na obra de Dworkin nenhum procedimento que mostre como se obterá a única resposta correta Essa deficiência da obra de Dworkin revela como uma teoria dos princípios por si só não está em condições de sustentar a tese da única resposta correta29 Para racionalizar a aplicação de princípios é necessário o desenvolvimento de procedimentos e de métodos de trabalho Por isso Alexy propõe um sistema de três níveis os níveis das regras e dos princípios devem certamente se complementar com um terceiro nível a saber com uma teoria da argumentação jurídica que diz como sobre a base de ambos os níveis é possível uma decisão racionalmente fundamentada30 Entendemos que essas críticas ao pensamento de Dworkin são procedentes Tal como ocorria com Habermas e Günther Dworkin também incorre em uma contradição performática apresenta os princípios como meio para solucionar o problema da racionalidade da atividade jurisdicional criticando a tese de Hart da inevitável discricionariedade das decisões judiciais mas não oferece métodos ou procedimentos para efetivamente tornar a aplicação de princípios mais racional e controlável Nesse cenário a ponderação parece ser a alternativa mais apropriada tendo em vista o significativo grau de racionalização metódica assistido nos últimos anos em torno dessa atividade 123 Os critérios clássicos para a solução de antinomias e a sua insuficiência no cenário constitucional São três os critérios clássicos para a solução de antinomias jurídicas o hierárquico lex superior segundo o qual as normas superiores prevalecem em face das inferiores o cronológico lex posterior que preconiza que as normas posteriores revogam as anteriores com elas incompatíveis e o da especialidade lex specialis de acordo com o qual as normas mais específicas afastam a incidência das mais gerais31 Os autores que se opõem à existência de colisões entre normas constitucionais não negam em geral a possibilidade de uso desses critérios na seara constitucional que caracterizam como técnicas para solução de conflitos normativos aparentes O seu alvo é a ponderação e não esses critérios tradicionais Vejamos como os referidos critérios podem ser aplicados no domínio constitucional 1231 O critério hierárquico a inexistência de norma constitucional originária inconstitucional Em matéria constitucional não há espaço para o emprego do critério hierárquico salvo na hipótese de conflito entre emenda à Constituição e norma constitucional que se qualifique como cláusula pétrea32 Isto porque apesar de exis tirem normas constitucionais mais relevantes do que outras sob a perspectiva sistemática ou axiológica não há qualquer hierarquia formal entre elas a única exceção envolve as cláusulas pétreas que têm hierarquia superior às normas editadas pelo poder constituinte derivado Nesta direção a jurisprudência do STF firmouse no sentido do reconhecimento da impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma ditada pelo poder constituinte originário33 Rechaçouse no Brasil portanto uma das teses sustentadas pelo jurista alemão Otto Bachoff em sua célebre obra Normas constitucionais inconstitucionais34 no sentido de que seria possível à jurisdição constitucional invalidar preceitos constitucionais que colidissem com valores suprapositivos acolhidos expressa ou implicitamente pela própria Constituição Como já afirmamos anteriormente35 entendemos que até mesmo o poder constituinte originário está sujeito a limites Adotamos uma visão não positivista do fenômeno jurídico que afirma a existência de uma relação necessária e não meramente contingente entre Direito e Moral36 Nesta perspectiva normas radicalmente injustas como seria uma que instituísse a escravidão ou determinasse a tortura de prisioneiros não podem ser consideradas como integrantes do Direito independentemente da sua fonte ou estatura37 Por isso as normas intoleravelmente injustas não devem ser aplicadas ainda que estejam contidas no texto constitucional O caso não é propriamente de inconstitucionalidade de norma inconstitucional mas de invalidade por grave ofensa a princípios fundamentais de Justiça cuja normatividade independe de positivação Na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal já no princípio do seu funcionamento chegou a afirmar a sua competência para afastar normas constitucionais que ofendessem ao direito supra positivo O Tribunal Constitucional reconhece a existência de um direito suprapositivo vinculando mesmo o legislador constitucional incluindo o poder constituinte e é competente para valorar o direito positivo à luz daquele direito38 Para a Corte a concepção de que um poder constituinte tudo pode significaria um retorno à postura intelectual de um positivismo despido de valores39 Contudo o Tribunal alemão que jamais invalidou qualquer preceito da Lei Fundamental do país também reconheceu que a possibilidade teórica de que o poder constituinte num cenário democráticoliberal ofendesse os limites suprapositivos que o vinculam é praticamente nula tratandose de uma verdadeira impossibilidade fática40 Com isso a Corte de forma louvavelmente prudente aliviou em boa parte o impacto prático da sua elaboração sobre os limites jurídicos do poder constituinte originário Existe um precedente importante no Direito Comparado de declaração de reconhecimento jurisdicional da inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias ocorrido na África do Sul41 Naquele país as forças políticas que derrotaram o regime do apartheid negociaram os termos de uma Constituição provisória interim Constitution que vigoraria até que outra definitiva aprovada por dois terços de representantes de uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo viesse a substituíla A Constituição provisória estabeleceu 34 princípios que deveriam ser observados na elaboração do texto definitivo E previu também que a Corte Constitucional por ela instituída deveria analisar se a futura Constituição violara ou não os referidos princípios O arranjo tinha o objetivo de assegurar a todos os grupos que participaram da transição do apartheid para a democracia que a nova Constituição não iria prejudicar gravemente os seus interesses A Corte Constitucional da África do Sul apreciou a validade da Constituição elaborada pela Assembleia Constituinte42 e considerou que ela não estava plenamente de acordo com alguns dos princípios estabelecidos A Assembleia Constituinte teve então que revisar o texto originário para adequarse aos pontos definidos na decisão judicial Só depois que esse novo texto foi aprovado pela Corte Constitucional a nova Constituição sulafricana pode finalmente entrar em vigor o que ocorreu em fevereiro de 1997 Como se observa porém a decisão da Corte Constitucional sulafricana não fundamentou sua decisão em cogitações sobre eventual violação de princípios de justiça supra positivos A Corte simplesmente entendeu que a Assembleia Constituinte fora além do mandato recebido no contexto do pacto que permitiu a transição para a democracia A decisão em nada se relacionava com a tese suscitada por Bachoff No que toca à tese de tese de Bachoff concordamos com o Tribunal Constitucional alemão no sentido de que a invalidade de normas constitucionais originárias por grave ofensa aos princípios básicos de Justiça é um fenômeno extremo que deve ser reservado para hipóteses igualmente extremas as quais não se verificam na Constituição de 88 No nosso contexto atribuir ao Poder Judiciário a faculdade de afastar normas da própria Constituição por contrariedade à Moral envolveria um enorme risco institucional Diante das inúmeras as concepções sobre a Justiça presentes numa sociedade plural como a nossa conceder este poder aos juízes seria na prática condicionar a força normativa da Constituição às suas cosmovisões e ideologias A Constituição de 88 como qualquer obra humana não é perfeita mas não há nada em seu texto cuja superação justifique a assunção de um risco de tamanha magnitude Portanto não é possível no nosso sistema constitucional invalidar normas constitucionais originárias nem tampouco resolver algum eventual antagonismo entre elas expurgando do ordenamento aquela que seja por qualquer razão considerada de inferior hierarquia 1232 Ainda o critério hierárquico a inexistência de ordem rígida de preferência entre as normas constitucionais Outra forma de utilização do critério hierárquico para a resolução de antinomias constitucionais envolve o reconhecimento de uma escala rígida de preferências entre elas de forma que sempre que entrem em conflito prevaleça aquela posicionada em patamar superior Nesta hipótese não se teria a invalidação da norma reputada inferior com a sua exclusão do ordenamento mas tão somente a sua não aplicação na hipótese de conflito Suponhamos por exemplo que se considerasse neste sentido que a norma constitucional que consagra a liberdade de imprensa é superior àquela que garante o direito à honra Não ocorreria a invalidação desta segunda norma mas ela não seria sequer considerada num caso que envolvesse a liberdade de imprensa que prevaleceria sempre de forma absoluta e incondicional sobre o direito à honra Esta concepção equivale ao estabelecimento de uma prioridade léxica entre normas em que a inferior só incide quando não colidir com nenhuma situada em patamar mais elevado Na Filosofia Política contemporânea a mais conhecida defesa da prioridade léxica entre princípios conflitantes é a Teoria da Justiça de John Rawls 43 De acordo com Rawls existiria uma prioridade léxica do princípio concernente à maximização das liberdades básicas sobre o relacionado à justiça distributiva E no que toca a este segundo princípio existiria também uma relação de prioridade absoluta da exigência de igualdade de oportunidades sobre o critério de justificação para diferenças distributivas que ele chama de princípio da diferença A prioridade léxica ou serial funciona para Rawls da seguinte maneira Esta é uma ordem que requer que satisfaçamos o primeiro princípio da ordem antes de nos movermos para o segundo o segundo antes de considerarmos o terceiro e assim por diante Uma ordem serial evita a necessidade de qualquer ponderação de princípios os que estão antes da escala têm um peso absoluto por assim dizer em relação aos posteriores e são aplicáveis sem qualquer exceção No Direito a existência de hierarquia entre normas constitucionais foi defendida na Argentina por Miguel Angel Ekmekdjan no campo dos direitos fundamentais Para o jurista argentino os direitos fundamentais protegeriam valores que têm como característica a sua ordenação hierárquica Daí porque os direitos também seriam suscetíveis de hierarquização Ele propôs uma hierarquia com oito patamares diferentes que situa no nível mais elevado o direito à dignidade humana e seus derivados liberdade de consciência intimidade etc e no mais baixo os direitos patrimoniais44 No Brasil Juarez Freitas defendeu a hierarquização axiológica como critério para resolução de antinomias que ordena a prevalência incondicional do princípio ou norma axiologicamente superior45 Este critério segundo o jurista gaúcho estaria ligado à ideia de sistema jurídico e seria também aplicável às normas constitucionais de forma a sempre priorizar na resolução de conflitos aquelas consideradas de estatura superior46 Também José Souto Maior Borges sustentou uma hierarquização das normas constitucionais para resolver os respectivos conflitos que seria inferida a partir do texto e do sistema da própria Constituição47 Entendemos que não existe no sistema constitucional brasileiro espaço para o reconhecimento de prioridades absolutas entre normas constitucionais Não há como inferir do texto constitucional nem da estrutura da Constituição por exemplo uma prioridade absoluta das liberdades básicas sobre a igualdade material como sustentou Rawls nem tampouco se poderia fazer o contrário Em geral diante da falta de apoio no sistema constitucional a fixação de hierarquias rígidas entre as normas da Constituição tornase inteiramente dependente das preferências subjetivas do intérprete Ademais a adoção de uma hierarquia rígida levaria a uma inadmissível fragilização das normas que o intérprete situasse em patamar inferior que perderiam significativamente a sua força Dizer por exemplo que só se protege a liberdade de expressão quando a sua tutela não atingir minimamente a privacidade ou viceversa é fazer pouco de qualquer um destes direitos fundamentais tão relevantes É muito mais consentânea com a reverência que cada direito ou norma constitucional merece a solução que busca em cada situação de conflito otimizar até onde seja possível cada um dos bens jurídicos em disputa Isto não significa contudo que no equacionamento destas colisões não haja espaço para considerações sobre a maior ou menor relevância dos bens jurídicos em confronto sob o prisma constitucional Não significa tampouco deixar de reconhecer que a Constituição pode incorporar um sistema de prioridades prima facie No caso brasileiro por exemplo a Constituição claramente situa em patamar superior sob o ponto de vista material os direitos fundamentais se comparados por exemplo a princípios constitucionais da administração pública ou da ordem econômica A própria circunstância de a Constituição situar tais princípios no início de seu texto ao contrário do que ocorria na Constituição anterior do regime militar já revela a maior importância o maior peso abstrato que lhes conferiu Essa hierarquia material superior é confirmada ainda pelo fato de figurarem no texto constitucional como princípios constitucionais sensíveis legitimando a intervenção federal nos estados que os violarem art 34 VII b e como cláusulas pétreas art 60 4ºVI Isso não significa no entanto que tais princípios não sejam passíveis de ponderação Caso contrário perderiam sua característica de princípios como esclarece Alexy Pode se dizer de maneira geral que não é possível uma ordem de valores ou princípios que fixe a decisão fundamental em todos os casos de maneira intersubjetivamente obrigatória Mas a impossibilidade de uma ordem dura deste tipo não diz nada acerca da possibilidade de ordens mais brandas e assim nada contra a concepção de ponderação Ordens brandas podem surgir de duas maneiras 1 através de preferências prima facie em favor de determinados valores ou princípios e 2 através de uma rede de decisões concretas de preferências48 Tal sistema de prioridades não é absoluto de tal modo que no caso concreto princípios mais importantes podem ser limitados para que tenha lugar a realização de princípios de menor importância Vejamos um exemplo que envolve as ações de investigação de paternidade após o advento do exame de DNA49 Há na hipótese uma colisão entre a intimidade e a integridade física do suposto pai de um lado e o direito ao estado de filiação do outro A solução desenvolvida pelo STF foi não coagir o suposto pai a fornecer material genético para a realização do exame mas determinar que caso ele se negue a fornecêlo a paternidade será presumida Contudo o direito ao estado de filiação não tem só uma dimensão patrimonial possui também uma dimensão moral que envolve a expectativa de seu titular de identificar com certeza a identidade de seu progenitor Essa dimensão moral não foi suficientemente protegida pelo STF A solução que nos parece mais adequada é a de compelir o suposto pai a for necer o material genético para realização do exame nada obstante a integridade física tenha um peso abstrato maior que o do direito ao estado de filiação É que a coleta de material genético para a realização do exame representa uma interferência tão leve no direito à integridade física o exame pode ser feito com fios de cabelo ou algumas gotas de sangue que poderia ser justificada em favor da plena otimização do direito ao estado de filiação gravemente atingido em sua dimensão moral pela não realização do exame O exemplo permite ilustrar duas conclusões fundamentais quanto ao tema a embora não haja hierarquia formal entre os princípios que integram a Constituição há hierarquia material tendo em vista a diferença de peso abstrato de importância que os caracteriza b tal sistema de prioridades é porém apenas abstrato podendo um princípio de hierarquia material superior ceder lugar a outro de hierarquia inferior considerando as circunstâncias particulares ao caso Ainda sobre a possibilidade de uma ordem branda de preferências que hierar quize princípios constitucionais convém lembrar o papel desempenhado pelos chamados standards de ponderação que são parâmetros predefinidos para a ponderação de alguns conjuntos de princípios de forma a se criar uma expectativa razoável quanto à solução de colisões futuras do mesmo tipo Alexy os caracteriza como relações de precedência condicionada50 Tais padrões resultam de modo geral de uma reconstrução da experiência jurídica Quando uma mesma colisão é recorrente e a solução se padroniza a explicitação de tal padrão na forma de um parâmetro cria previsibilidade em relação aos casos futuros e evita que a cada colisão concreta todos os argumentos envolvidos na ponderação sejam novamente mobilizados Os magistrados não estarão obrigados a decidir de acordo com o standard mas para afastálo devem estar dispostos a aceitar o ônus argumentativo daí decorrente 1233 O critério cronológico a revogação de normas constitucionais por emendas supervenientes O critério cronológico não se aplica à resolução de conflitos entre normas editadas pelo poder constituinte originário pelo óbvio fato de que todas elas entram em vigor no mesmo momento Porém o critério é usado para resolver antinomias entre normas constitucionais originárias e normas derivadas produzidas pelo poder constituinte reformador ou ainda entre normas derivadas resultantes de emendas constitucionais aprovadas em momentos diferentes Nessas hipóteses as normas constitucionais posteriores prevalecem em face das anteriores revogandoas total ou parcialmente Esta revogação contudo não ocorre quando as normas derivadas ofendem cláusulas pétreas51 Neste caso o critério hierárquico para resolução de antinomias se sobrepõe ao cronológico levando à invalidade da norma constitucional deri vada ainda que superveniente por contrariedade à norma originária revestida de hierarquia superior A boa técnica legislativa recomenda que a revogação de preceitos constitucionais por emenda seja sempre expressa É que como anotou Canotilho em nível constitucional não pode reinar a incerteza com que topamos em muitos casos de revogação tácita Ter dúvidas sobre o direito constitucional em vigor é muito mais grave do que haver incerteza quanto ao direito infraconstitucional efetivamente vigente52 Por tal razão a Lei Fundamental da Alemanha determina que os seus preceitos só podem ser alterados expressamente art 7953 Sem embargo e diante da inexistência na ordem constitucional brasileira de preceito similar ao consagrado na Lei Fundamental de Bonn entendemos que em casos excepcionais podese reconhecer a revogação tácita total ou parcial de preceito constitucional por emenda superveniente Contudo isso só deve ocorrer em hipótese de irredutível incompatibilidade entre o teor da nova emenda e o texto constitucional anterior Sempre que possível o intérprete deve buscar uma interpretação que harmonize as cláusulas em tensão para evitar a referida incerteza sobre o conteúdo em vigor da Constituição Aliás no Brasil com a atribuição de hierarquia de emenda constitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados por meio do procedimento previsto no art 5º 3º da Constituição a ocorrência de casos de revogação tácita de normas constitucionais tornase inevitável Isto porque tais tratados por serem elaborados na esfera internacional não têm como mencionar os preceitos dos ordenamentos de cada Estado signatário que serão abrogados o que se aplica também aos dispositivos da Constituição brasileira Mas o fenômeno da revogação tácita também pode ocorrer com as emendas Vejamos um exemplo O art 208 da Constituição com a redação dada pela EC nº 14 96 garantia o ensino fundamental obrigatório e gratuito assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria inciso I e previa a progressiva universalização do ensino médio inciso II A Constituição por outro lado explicita que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo art 208 1º Diante do teor destes preceitos a doutrina dominante enxergava o acesso ao ensino fundamental como direito público subjetivo imediatamente exigível mas via a universalização progressiva do ensino médio como norma programática insuscetível de gerar uma pretensão positiva a uma vaga em escola do 2º grau tutelável pelo Poder Judiciário54 Pois bem A EC nº 592009 alterou a redação do art 208 I da CF que passou a prever o dever do Estado de assegurar educação básica obrigatória e gratuita dos 4 quatro aos 17 dezessete anos de idade assegurada inclusive sua oferta gratuita a todos os que não tiveram acesso na idade própria O constituinte derivado estabeleceu o ano de 2016 como prazo para implementação de tal mudança art 6º EC nº 592009 Porém o inciso II do art 208 que consagra a progressiva universalização do ensino médio não foi formalmente alterado Não obstante como o ensino médio integra a educação básica parece claro que após 2016 o inciso II do art 208 deixará de valer no que toca à locução progressiva de teor programático pois a partir de então o acesso a este nível tornarseá indiscutivelmente direito público subjetivo sendo a sua frequência compulsória O regime constitucional do ensino médio deixará de ser o da progressiva universalização equiparandose plenamente ao existente para o ensino fundamental Tratase de uma hipótese de revogação tácita ainda que sujeita a termo o ano de 2016 1234 O critério de especialidade O critério de especialidade é empregado no campo constitucional com fre quência Ele retira da incidência da norma constitucional mais geral aquela hipótese disciplinada pela norma mais específica Vejamos alguns casos A Constituição assegura a plena liberdade de associação art 5º XVII Porém em relação aos sindicatos que não deixam de ser uma espécie de associação ela prevê uma séria restrição a esta liberdade ao vedar a criação de mais de uma organização sindical representativa da mesma categoria na mesma base territorial art 8º II Em matéria de sindicatos prevalece a norma mais específica que impõe a referida restrição à liberdade associativa A Constituição dispõe que não é possível cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou art 150 III b Porém ela mesmo em norma mais específica estabeleceu que a anterioridade não se aplica a determinados tributos art 150 1º A regra específica subtrai da mais geral as hipóteses que disciplina A Carta de 88 consagra o princípio republicano art 1º do qual se extrai dentre outros mandamentos a possibilidade de ampla responsabilização das autoridades públicas pelos respectivos atos Contudo a própria Constituição estabelece que o Presidente da República durante o seu mandato não responderá por quaisquer atos estranhos ao exercício da sua função art 86 4º Enfim há uma enorme gama de situações em que se aplica o critério da especialidade para resolver colisões aparentes entre normas constitucionais Mas nem sempre o seu emprego é possível uma vez que o referido critério só pode ser usado para solução de antinomias quando as normas em tensão mantiverem entre si uma relação do tipo geral especial que é o que ocorre quando o âmbito de incidência da norma especial estiver integralmente contido no interior daquele da norma geral mas elas apontem soluções diferentes para o caso55 Recordese que as antinomias normativas podem ser do tipo totaltotal parcialparcial e totalparcial56 No primeiro caso o campo de incidência das normas é coincidente e elas dispõem em sentido divergente de modo que qualquer aplicação de uma delas viola necessariamente a outra Aqui obviamente nenhuma norma é especial em relação a outra No segundo caso os campos de incidência têm uma interseção parcial há uma zona de conflito mas há hipóteses em que cada uma das normas pode ser aplicada sem contradizer a outra Nesta hipótese ambas as normas são especiais numa dimensão porém gerais em outra Também aqui não se aplica o critério de especialidade Só no terceiro caso das antinomias do tipo total parcial cabe falar tecnicamente na existência entre as normas de relação geral especial que enseje o emprego do critério da especialidade No Direito Constitucional é mais frequente a existência de antinomias do tipo parcialparcial Por exemplo há hipóteses em que a liberdade de imprensa pode colidir com o direito à privacidade mas nem toda hipótese de proteção da esfera privada afeta aquela liberdade da mesma forma que nem todo exercício da liberdade de imprensa atinge a privacidade Em casos assim não há como aplicar o critério da especialidade para resolução da antinomia constitucional Sem embargo cumpre reconhecer que nem sempre a jurisprudência segue rigorosamente a dogmática jurídica neste ponto O STF por exemplo vem invocando o critério da especialidade para afirmar que as regras que preveem foro por prerrogativa de função para certas autoridades públicas prevalecem diante da competência constitucional do tribunal do júri para julgamento de crimes dolosos contra a vida57 Contudo tratase de uma típica antinomia do tipo parcialparcial não havendo entre as normas em disputa nenhuma especial em relação a outra É certo que a norma que estabelece o foro por prerrogativa de função é especial na perspectiva subjetiva pois só se aplica a um reduzido universo de réus Porém a norma que define a competência constitucional do júri é especial na perspectiva objetiva pois apenas se refere a um pequeno número de crimes enquanto a outra versa sobre todos os delitos comuns Portanto o critério de especialidade não seria aplicável nessa hipótese 124 A composição de uma nova norma Uma das fórmulas empregadas para a resolução de antinomias entre normas constitucionais mais apropriada para o campo das regras do que dos princípios é a composição de uma terceira norma que incorpore elementos daquelas que entraram em conflito Não se trata propriamente de ponderação pois o que se realiza não é busca da otimização de interesses ou valores colidentes mas a construção de uma nova norma substancialmente distinta daquelas que colidiram que busca harmonizar os objetivos subjacentes a cada delas Um exemplo da jurisprudência do STF é o reconhecimento da competência dos Tribunais Regionais Federais para julgamento das ações penais movidas contra prefeitos municipais por supostos crimes que atinjam bens jurídicos federais A Constituição no seu art 109 IV prevê a competência da Justiça Federal de 1º grau para julgar os crimes praticados em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas O texto constitucional por outro lado estabelece a competência do Tribunal de Justiça para julgamento de crimes praticados por prefeitos art 29 inciso X Diante da colisão insuscetível pela sua própria natureza de equacionamento pelos critérios tradicionais de solução de antinomias ou por ponderação a jurisprudência construiu uma nova regra de competência em que simultaneamente se preservou a jurisdição da Justiça Federal assim como o foro especial em 2ª instância para os prefeitos esses são julgados pelos Tribunais Regionais Federais58 125 A ponderação Tomandose a ponderação num sentido mais geral e menos técnico todos ponderam interesses quase o tempo inteiro nas questões mais prosaicas e nas mais sérias quando decidimos o que almoçar ponderamos o nosso gosto alimentar o custo da refeição e o eventual desejo de não engordar quando escolhemos nossa profissão ponderamos nossas aspirações e vocação com as oportunidades que o mercado oferece Ponderar neste sentido mais amplo é sopesar vantagens e desvantagens de qualquer ação comparandoas com as alternativas possíveis Neste sentido amplo a ponderação é por excelência a forma de raciocínio daqueles que se propõem a resolver questões práticas No imaginário jurídico há uma figura recorrente da Justiça que remete à ideia de ponderação a balança com a qual se pesam argumentos e direitos contrapostos buscando a sua justa medida É natural portanto que se cogite da ponderação para a resolução de colisões entre normas constitucionais Afinal as questões constitucionais não são problemas teóricos abstratos que caibam integralmente na lógica formal cuja resolução sirva apenas ao deleite intelectual dos juristas Elas envolvem questões práticas importantíssimas da vida da sociedade e das pessoas que devem ser resolvidas de uma maneira justa e razoável Sem embargo o emprego da ponderação no Direito Constitucional apesar de amplamente difundido em todo o mundo e usado fartamente pelas mais influentes Supremas Cortes Cortes Constitucionais e Tribunais Internacionais de todo o mundo59 enfrenta fortes críticas e resistências dirigidas sobretudo ao seu uso pelo Poder Judiciário60 No campo jurídico a ponderação também chamada de sopesamento pode ser definida de uma forma mais restrita como técnica destinada a resolver conflitos entre normas válidas e incidentes sobre um caso que busca promover na medida do possível uma realização otimizada dos bens jurídicos em confronto61 Portanto a simples consideração de argumentos antagônicos na apreciação de um caso ou na busca da interpretação mais adequada para um determinado enunciado normativo não é suficiente para caracterizar a ponderação Não fosse assim quase toda a atividade interpretativa poderia ser classificada como ponderação e o instituto perderia os seus contornos A técnica em questão envolve a identificação comparação e eventual restrição de interesses contrapostos envolvidos numa dada hipótese com a finalidade de encontrar uma solução juridicamente adequada para ela Nem sempre na ponderação se logra alcançar um meiotermo entre os bens jurídicos em disputa Algumas vezes diante das alternativas existentes a solução terá que priorizar um dos interesses em jogo em detrimento do outro Isto porém não significa que a norma que tutela o interesse derrotado vá sempre subordinarse àquela que protege o interesse que prevaleceu Em circunstâncias diferentes pode se dar exatamente o contrário e em outras pode ser possível encontrar uma solução intermediária Isto porque uma das características da ponderação é que ela deve sempre levar em consideração o cenário fático as circunstâncias de cada caso e as alternativas de ação existentes A ponderação no Direito pode ocorrer também fora da seara constitucional na resolução de colisões entre normas e interesses de estatura infraconstitucional Aqui examinaremos apenas a ponderação realizada no domínio constitucional no afã de solucionar conflitos entre normas da Constituição 1251 Origem e desenvolvimento da ponderação É possível buscar as raízes remotas da ponderação nas concepções sobre o Direito que existiam na Antiguidade grecoromana que o viam como uma disciplina prática orientada para busca da justa medida na solução de casos concretos62 Contudo não se construiu então nenhum instituto jurídico cuja técnica se aproximasse da ponderação No cenário europeu falase em duas diferentes origens para a ponderação a evolução do controle do poder de polícia estatal no âmbito do Direito Administrativo prussiano ao longo do século XIX63 e o movimento jusfilosófico ocorrido na virada entre o século XIX e o XX conhecido como jurisprudência dos interesses64 que abalou os alicerces do formalismo jurídico até então predominante na tradição jurídica continental Fator histórico decisivo para a cristalização estruturação dogmática e disseminação da ponderação foi a jurisprudência da Corte Constitucional alemã produzida a partir dos anos 50 do século passado A Corte no período que se seguiu ao pós guerra adotara por razões compreensíveis uma perspectiva fortemente anti positivista associada à chamada jurisprudência dos valores65 No plano constitucional a jurisprudência de valores implicava na visão da Constituição como uma ordem objetiva de valores em cujo centro estaria o princípio da dignidade da pessoa humana66 Naquele cenário várias decisões importantes foram proferidas com emprego da ponderação sobretudo em questões envolvendo direitos fundamentais A Corte germânica incorporou ao seu arsenal o princípio da proporcionalidade que já era usado anteriormente no Direito Administrativo alemão e este se tornou o principal instrumento metodológico para realização da ponderação No cenário norteamericano a ponderação balancing surgiu por influência da virada sociológica na teoria jurídica que se principia no início do século XX tendo como protagonistas autores como Oliver Wendell Holmes Roscoe Pound e Benjamin Cardoso tidos como precursores do realismo jurídico mais importante movimento anti formalista no pensamento jurídico norteamericano67 A partir de meados da década de 30 a crise do formalismo na interpretação constitucional que se seguiu ao New Deal e ao embate político entre o Presidente Roosevelt e a Suprema Corte com a vitória final do primeiro aliada à força do realismo jurídico na academia e nos tribunais levaram à generalização da ponderação No Direito norteamericano no entanto a ponderação não se pauta pelo princípio da proporcionalidade mas por uma série de standards específicos construídos jurisprudencialmente que variam sensivelmente diante dos direitos e interesses em jogo e que envolvem níveis bastante heterogêneos de ativismo judicial no controle dos atos estatais68 A ponderação afirmouse como método de resolução de colisões consti tu cionais em diversos países como Espanha Portugal Itália Hungria Canadá África do Sul e Colômbia69 A sua adoção é frequentemente associada à expansão da juris dição constitucional ocorrida após a segunda metade do século XX bem como ao fenô meno da judicialização da política Algumas cortes internacionais também passaram a recorrer à metodologia como a Corte Europeia de Direitos Humanos o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Organização Internacional do Comércio De um modo geral tem prevalecido no Direito Comparado o aporte germânico nesta questão com a estruturação da técnica de ponderação a partir dos três subprincípios que compõem a proporcionalidade adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito já examinados no Capítulo 11 No Brasil praticamente não se falava em ponderação até o advento da Cons tituição de 88 No pensamento jurídico brasileiro predominava o formalismo posi tivista avesso ao uso de instrumental hermenêutico mais aberto e flexível como a ponderação70 Ademais a desimportância prática da Constituição no nosso cotidiano aliada a uma visão que tendia a ver os seus princípios mais vagos como meras proclamações políticas despidas de força vinculante obstavam o desenvolvimento da técnica entre nós Isto não significa dizer que os juízes não ponderassem mas sim que quando eventualmente o faziam a ponderação era realizada de forma velada e intuitiva não sendo explicitada na fundamentação das decisões judiciais Foi após o advento da Constituição de 88 que a jurisprudência brasileira inclusive do STF passou a realizar ponderações de forma mais explícita Num primeiro momento estas ponderações não eram minimamente estruturadas Aludiase ao conflito entre normas constitucionais e à ponderação para em seguida apresentar se a solução considerada correta para o caso sem uma maior preocupação com a sua justificação ou com a adoção de critérios intersubjetivamente controláveis Contudo nos últimos anos houve um avanço nesse campo em razão do uso cada vez mais frequente dos critérios relacionados ao princípio da proporcionalidade na realização da ponderação Nada obstante ainda há muito a progredir nesta seara seja no aperfeiçoamento da técnica ponderativa no âmbito jurisprudencial com o uso mais ajustado do princípio da proporcionalidade seja na cristalização de parâmetros específicos para resolução de determinados conflitos recorrentes entre normas constitucionais71 Tais ajustes são indispensáveis para a legitimação do emprego da técnica de modo a conferir maior racionalidade e previsibilidade à ponderação restringindo os riscos de arbítrio judicial 1252 Quem pondera e em que contextos Quase todo o debate sobre a ponderação concentrase na sua realização pelo juiz Porém não é apenas o Poder Judiciário que realiza ponderações entre interesses constitucionais contrapostos O Legislativo e a Administração Pública também o fazem e até mesmo particulares quando têm de resolver no âmbito das suas atividades colisões entre normas constitucionais Aliás numa democracia quem tem a primazia na ponderação é o legislador que ao regulamentar as mais diferentes matérias deve levar em consideração as exigências decorrentes de normas e valores constitucionais por vezes conflitantes É tão corriqueira a ponderação legislativa de interesses constitucionais conflitantes que ela passa até desapercebida Quando por exemplo o legislador fixa um determinado prazo para defesa numa ação judicial ele pondera de um lado o princípio da ampla defesa e do outro a exigência constitucional de celeridade processual princípio da duração razoável do processo O legislador naturalmente dispõe de uma margem de escolha para realizar essa ponderação pois ele não é um mero executor de decisões já integralmente contidas na Constituição72 Este espaço de livre conformação na ponderação legislativa tem fundamento no princípio democrático Mas esta margem não é infinita Se por exemplo o legislador processual fixasse o prazo para contestação na ação ordinária em um ou dois dias ele certamente restringiria acima do aceitável o princípio da ampla defesa Já se ele estipulasse um prazo de seis meses atingiria de forma desproporcional o princípio da duração razoável do processo Contudo dentro da margem que possui a decisão do legislador não deve ser invalidada pelo Judiciário ainda que o juiz não a considere ideal tendo em vista o dever de deferência jurisdicional diante das normas legislativas decorrente do princípio democrático A ponderação judicial pode ocorrer em três contextos diferentes No primeiro o Poder Judiciário é provocado para analisar a validade de uma ponderação já realizada por terceiros em geral pelo legislador o que pode ocorrer tanto em sede de controle abstrato de normas quanto na análise de caso concreto No segundo existe um conflito entre normas constitucionais mas não há nenhuma ponderação prévia realizada por terceiros Aqui o juiz tem a primeira palavra na ponderação e não apenas examina a validade de algum sopesamento extrajudicial feito anteriormente Na terceira hipótese o próprio legislador infraconstitucional remete ao Judiciário a tarefa de avaliar em cada caso concreto a solução correta para o conflito entre interesses constitucionais colidentes seguindo determinadas diretrizes pressupostos e procedimentos que ele fixou No primeiro contexto de controle das ponderações contidas em normas jurídicas o Poder Judiciário pode realizar dois tipos diferentes de análise Em primeiro lugar ele pode verificar se uma ponderação legislativa é constitucional em tese Recordese o caso apreciado pelo STF na ADI nº 31973 em que se analisou a validade da Lei nº 803990 que num contexto de elevada inflação estabelecera critérios para a correção das mensalidades nas escolas particulares De um lado da balança figuravam os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência sinalizando no sentido do direito das escolas de definirem livremente os preços cobrados pelo seu serviço Do outro a proteção do consumidor e o direito fundamental à educação apontando para a possibilidade de imposição de limitações àquele direito O legislador federal realizou uma ponderação entre os interesses constitucionais em conflito e o Judiciário foi provocado a examinar a sua validade que corroborou Se por exemplo fosse editada uma lei penal estabelecendo a pena privativa de liberdade de 20 a 30 anos para o delito de furto e essa norma fosse questionada em juízo seja em sede de controle abstrato de constitucionalidade seja em um caso concreto o Poder Judiciário poderia dizer que a ponderação legislativa é inconstitucional por conferir um peso exagerado à tutela do patrimônio em detrimento da liberdade de ir e vir Além disto o Judiciário pode também empreender outro tipo de controle para aferir se a incidência de uma norma ainda que válida em abstrato também o é numa situação concreta revestida de peculiaridades74 Imaginese o caso de um motorista que ao levar o filho menor gravemente doente ao hospital em situação de verdadeira urgência furar vários sinais de trânsito sendo por isso multado Ainda que se considere válida em tese a norma que instituiu a multa penalizando os que não respeitam os sinais de trânsito o Judiciário pode considerar a sua aplicação naquele caso específico inconstitucional pois para aquela hipótese a tutela da saúde da criança enferma preponderaria numa ponderação sobre a proteção da segurança de terceiros bem jurídico salvaguardado pela norma de trânsito O STF reconheceu a possibilidade deste tipo de ponderação em caso que versava sobre a constitucionalidade de medida provisória que proibira a concessão de liminares contra o chamado Plano Collor A Corte por maioria negou a concessão medida cautelar na ADI mas ressalvou expressamente a possibilidade de que os juízes no controle concreto de constitucionalidade avaliassem se em cada caso aquela restrição ao poder geral de cautela se afigurava ou não desproporcional75 Um caso de ponderação realizada diretamente pelo Judiciário sem prévio sopesamento legislativo envolveu a cantora mexicana Gloria Trevi quando esteve presa no Brasil para fins de extradição76 A artista engravidou na prisão e acusou os policiais responsáveis pela sua guarda de estupro afirmando que um deles teria de ser o pai da criança Os policiais em defesa da sua reputação e de sua presunção de inocência solicitaram ao STF que determinasse a realização de um exame de DNA na placenta a ser expelida pela cantora durante o parto pois isto poderia excluir a sua paternidade afastando a acusação de estupro Gloria Trevi se opôs invocando o seu direito à privacidade e ao controle do próprio corpo Não havia solução legislativa para a hipótese e a Corte realizou diretamente a ponderação autorizando a realização do exame de DNA requerido Como exemplo de ponderação no terceiro contexto acima referido há a autorização judicial para a interceptação de comunicações telefônicas A Constituição prevê esta possibilidade art 5º XII que foi disciplinada na Lei nº 929696 A lei conferiu ao juiz o poder de determinar a colocação de escuta telefônica desde que satisfeitos determinados pressupostos mas é certo que o magistrado em cada decisão tem de sopesar à luz das circunstâncias do caso se é justificável a restrição à privacidade dos investigados em prol do interesse público na apuração do suposto ilícito 1253 A técnica da ponderação O primeiro passo na ponderação é a verificação da existência de efetivo conflito entre normas constitucionais Para isto é preciso interpretar as normas que estejam aparentemente em jogo de modo a verificar se elas são realmente aplicáveis sobre a situação que se tem em vista Em outras palavras devese analisar se o caso em discussão está ou não contido no interior da hipótese de incidência de normas constitucionais distintas que apontem soluções diferentes para o caso Em algumas situações chegarseá à conclusão de que uma das normas constitucionais em debate não incide sequer prima facie não havendo qualquer necessidade de ponderação Se estiver em discussão por exemplo a responsabilização de alguém que explodiu uma repartição pública para protestar contra o governo o caso não envolverá ponderação entre de um lado a liberdade de expressão e do outro o direito à vida à segurança ou a tutela do patrimônio público A liberdade de expressão simplesmente não se aplica à hipótese Ela até protege condutas expressivas de protesto como o ato de queimar uma bandeira nacional mas certamente não abrange a explosão de um prédio público É certo que a teoria hegemônica da ponderação formulada por Robert Alexy e seguida no Brasil por autores como Virgílio Afonso da Silva e Jane Reis Gonçalves Pereira sustenta que se deve interpretar da forma mais ampla possível cada uma das normas constitucionais em jogo resolvendo por meio da ponderação os conflitos que surjam daí77 Em favor dessa tese alegase que o procedimento empregado na ponderação é mais racional e intersubjetivamente controlável do que aquele usado para definir o âmbito de incidência das normas constitucionais em tensão Nesse ponto nos situamos no meiotermo entre os adeptos desta corrente e os adversários da ponderação que defendem a categorização como mecanismo de solução de tensões entre normas constitucionais Concordamos que a categorização é muitas vezes impossível e que a ponderação possui vantagens metodológicas inequívocas sobre ela Porém uma interpretação sempre ampliativa das normas constitucionais em caso de possível conflito tende a produzir uma inflação ponderativa que também é perigosa pois quase todos os casos de aplicação corriqueira do Direito tornarseiam ponderações A ponderação judicial acabaria se tornando o mecanismo usual de aplicação da Constituição e não um instrumento residual para a resolução de casos difíceis Ademais dita posição não leva em conta a missão do intérprete de buscar uma interpretação coerente das normas constitucionais decorrente do reconhecimento da existência de um sistema constitucional dotado de unidade Não defendemos como os adeptos da categorização que se deva fixar o campo de incidência das normas constitucionais de forma a evitar qualquer possibilidade de colisão com outras normas Isto sequer nos parece possível Sustentamos sim que as normas em conflito devem ser interpretadas de maneira razoável não necessariamente ampliativa ou restritiva considerandose todos os elementos importantes da hermenêutica jurídica texto história sistema finalidade da norma valores subjacentes etc Só se passa à fase da ponderação propriamente dita se nessa fase interpretativa chegarse à conclusão de que existe mais de uma norma constitucional em jogo cada uma direcionando a solução do problema num sentido diferente Caso contrário a hipótese não será de ponderação mas de mera aplicação da norma constitucional incidente Se o caso for de ponderação o principal critério a ser empregado para a sua realização é o princípio proporcionalidade com os seus três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito já anteriormente analisados78 No entanto ponderação e proporcionalidade apesar de envolverem ideias muito próximas não se confundem seja porque se emprega a proporcionalidade em hipóteses que não envolvem conflitos entre normas constitucionais seja porque a ponderação não se resume à aplicação da proporcionalidade Ademais do ponto de vista conceitual é possível realizar a ponderação recorrendo a outros critérios distintos da proporcionalidade como bem revela a análise da jurisprudência constitucional norteamericana79 Assim verificase primeiramente se a aventada restrição ao bem jurídico tutelado por uma das normas constitucionais em conflito ao menos contribui para a promoção daquele protegido pela norma contraposta subprincípio da adequação Se a resposta for negativa isto basta para que se conclua no sentido da inconstitucionalidade desta medida restritiva Se ela for afirmativa prossegue a avaliação analisandose se existia ou não alguma medida alternativa mais suave que promovesse da mesma forma o interesse subjacente à norma constitucional contrária sem restringir com tamanha intensidade o bem jurídico atingido subprincípio da necessidade Sendo a resposta positiva concluise no sentido da invalidade da medida Caso contrário passase ao exame da relação entre as vantagens e ônus da medida sob o ângulo constitucional subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito Em outras palavras analisase se a restrição ao interesse constitucionalmente protegido por uma norma constitucional é ou não compensada pela promoção do interesse antagônico Neste último exame decerto o mais problemático devemse considerar diversos fatores Em primeiro lugar cumpre aferir a importância sob a perspectiva constitucional dos bens jurídicos em confronto peso abstrato Como exposto anteriormente a inexistência de hierarquia formal entre as normas constitucionais não significa que a Constituição tenha atribuído o mesmo nível de proteção a todos os bens jurídicos que tutela Pelo contrário alguns direitos e bens jurídicos são protegidos mais intensamente do que outros Esta comparação deve atentar para o sistema constitucional positivo mas é inevitável que nela acabem também penetrando valorações morais e políticas que não há como negar podem ser profundamente controvertidas no cenário de uma sociedade plural Podese dizer por exemplo que a Constituição de 88 protege mais intensamente as liberdades políticas e existenciais do que as de caráter econômico o que pode ser inferido tanto do nosso sistema constitucional como de uma teoria moral que leve a sério o imperativo de tratar a todas as pessoas como livres e iguais aplicada no cenário de uma sociedade caracterizada por profunda desigualdade socioeconômica No confronto entre bens jurídicos constitucionais com peso abstrato diferente há uma tendência de aquele tido como mais elevado prevalecer Tratase porém de uma prevalência prima facie que pode ser eventualmente superada Analisase em seguida o grau de restrição ao bem jurídico atingido pela medida cotejandoo com o nível de realização do interesse constitucional contraposto peso concreto Uma restrição leve a um bem jurídico mais importante sob o prisma constitucional pode ser justificada pela realização em grau mais elevado de outro interesse não tão relevante E uma limitação muito severa a um bem jurídico menos essencial pode não ser admissível ainda que vise à promoção em nível mais modesto de outro tido como mais relevante Seria por exemplo de manifesta inconstitucionalidade uma lei que proibisse completamente o consumo do álcool para evitar os riscos à saúde e até à vida que o alcoolismo encerra mesmo considerando que na escala dos valores constitucionais o direito à vida está acima da tutela da liberdade geral de ação A excessiva severidade da restrição ao bem jurídico sacrificado não seria compensada pelo ganho na tutela da vida ou da saúde Levando em consideração esses elementos peso abstrato e peso concreto Robert Alexy formulou o que ele designou como lei de ponderação quanto maior é o grau de nãocumprimento ou prejuízo de um princípio tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro80 Além do peso abstrato e do peso concreto outra variável relevante na ponde ração é a confiabilidade das premissas empíricas em que se apoiou a medida restritiva de um direito Alexy fornece exemplo interessante ligado à criminalização do consumo de cannabis sativa A saúde pública bem tutelado pela proibição tem um forte peso abstrato assim como a autonomia privada O grau de restrição à auto nomia privada e de promoção à saúde na medida podem ser considerados em tese equivalentes Alexy porém critica decisão do Tribunal Constitucional alemão o qual considerou a norma incriminadora compatível com a Constituição mesmo reconhecendo que a confiabilidade das premissas empíricas que motivaram o legislador era apenas sustentável81 Com efeito por um lado existe certeza de que a medida legislativa restringe a liberdade individual mas por outro há dúvidas fundadas sobre se ela realmente promove a saúde Isso porque muitos sustentam que a criminalização é contraproducente defendendo outras estratégias para o combate às drogas Esse fator para Alexy desempataria a ponderação em favor da liberdade evidenciando o equívoco do legislador alemão Para integrar esses três elementos peso abstrato grau de restrição e confiabi lidade das premissas empíricas Alexy chegou a conceber o que denominou fórmula da ponderação82 que decompõe os fatores a serem levados em conta na atividade ponderativa A fórmula é complexa e sujeita a críticas Nossa experiência didática nos indica que a sua análise não contribui para a compreensão do tema pelos estudantes Por esta razão não a discutiremos aqui Mas ela tem o mérito de chamar a atenção do aplicador do direito para os dados e as razões que efetivamente devem ser considerados na atividade de ponderação O intérprete ao explicitar de que modo está considerando cada um dos elementos pertinentes incrementa a racionalidade da atividade de ponderação e a torna mais controlável pelo público83 Sem embargo o emprego de uma fórmula pode passar a falsa impressão de que a atividade de ponderação se exaure na lógica formal Nada mais falso A ponderação não é atividade mecânica e com frequência envolve valorações complexas e polêmicas em que algum grau de subjetividade é inevitável 1254 Ponderação democracia e desenho institucional Recordese que na seara judicial há hipóteses em que o magistrado avalia a constitucionalidade da ponderação feita por outros órgãos e outras em que ele é instado a realizar por si o sopesamento dos interesses em confronto No primeiro caso ele recorre ao procedimento acima definido para fazer dita apreciação Nesta atividade todavia ele deve manter uma postura de deferência diante das ponderações realizadas respeitando a margem de escolha dos demais poderes Não cabe ao juiz em outras palavras substituir a ponderação de terceiros pela sua como se fosse ele o legislador Já no segundo caso cabe ao Judiciário avaliar à luz das circunstâncias do caso quais são as alternativas possíveis de solução para o problema constitucional com que se defronta testandoas em exercício intelectual para verificar qual delas melhor se amolda às exigências do princípio da proporcionalidade acima expostas Uma das características da ponderação judicial é a sua preocupação com as singularidades de cada caso concreto Neste sentido a ponderação é muito mais flexível do que a subsunção abrindo espaço para que se considerem as circunstâncias particulares a cada caso e o respectivo contexto social Contudo a tendência da ponderação a certo casuísmo levanta alguns questionamentos pois amplia o risco de arbítrio judicial além de prejudicar a previsibilidade do Direito comprometendo a segurança jurídica do cidadão Crítica desse tipo é realizada por exemplo pelo jurista norteamericano Frederick Schauer que examina a tendência de se apresentar como natural ou necessária a metodologia jurídica que denomina particularista em que sempre cabe ao intérprete ao apreciar um caso considerar as finalidades subjacentes às normas aplicáveis e as circunstâncias específicas do contexto em que a decisão se insere O particularismo hoje hegemônico permite que sejam produzidas decisões hipote ticamente mais justas por levar os juízes a considerarem particularidades que as normas gerais e abstratas editadas pelo legislador não são capazes de abarcar A metodologia jurídica oposta o formalismo ao circunscrever o juiz à aplicação silogística da lei tende a prover maior segurança jurídica reduzindo a discriciona riedade judicial Schauer sustenta que a opção por um ou outro método depende da confiança que os cidadãos depositam nos juízes Tratase de decisão política e contingente É o contexto em que as instituições têm seu funcionamento que define se a melhor opção é o particularismo ou o formalismo84 De fato permitir que os magistrados ponderem princípios ou que revejam a ponderação feita abstratamente pelo legislador depende em parte de uma decisão da sociedade sobre o desenho institucional que se deseja conferir ao Judiciário No contexto brasileiro contemporâneo há autoridades públicas às quais não seria prudente conferir a atribuição ampla de realizar justiça no caso concreto Referimonos por exemplo às autoridades policiais Tendo em vista a história brasileira recente marcada por casos recorrentes de violência e abuso de autoridade o mais seguro é restringir as autoridades policiais à aplicação formalista dos textos legais O mesmo juízo não é feito a respeito dos magistrados A visão predominante é de que o que se ganha na realização da justiça com a utilização mais ampla da ponderação compensa o que se perde em termos de previsibilidade e risco de erros e desvios cuja possibilidade se amplia com a adoção de métodos particularistas Afirmamos que a adoção da técnica da ponderação depende apenas em parte de uma decisão política porque em alguns casos extremos a ponderação se mostra inevitável devendo ser realizada mesmo por agentes públicos nos quais a sociedade não deposite confiança suficiente para desonerá los do apego formalista aos textos legais Pensese por exemplo na seguinte hipótese O direito brasileiro permite que a prestação de serviço público seja suspensa quando não há o pagamento da tarifa Verificando o não pagamento companhia elétrica determina que seu empregado vá até o local e realize o respectivo corte Ao chegar à residência do usuário o empregado é informado que ali vive pessoa que depende de aparelho de respiração artificial para se manter vivo e que a suspensão do serviço provocará a sua morte85 Imaginese que a lei que permite a suspensão do serviço tenha sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal É lícito que o empregado promova o corte Ou diante das circunstâncias especialíssimas do caso concreto deve deixar de realizálo Parecenos que a segunda opção seja a única aceitável Na verdade o emprego mais amplo ou mais restrito da técnica da ponderação depende de decisão política sua utilização residual é porém inevitável Observese ainda que a referência a uma decisão política sobre o paradigma hermenêutico não pode ser interpretada como uma decisão singular efetivamente tomada pela sociedade ou por seus representantes em determinado momento da história nacional Não há por exemplo uma cláusula constitucional que expressamente autorize ou vede a ponderação ou o uso de qualquer outro método Na verdade o que ocorreu entre nós foi a formação paulatina de um ambiente cultural e institucional que legitimou a adoção aqui de técnicas de decisão mais voltadas à realização da justiça no caso concreto como é o caso destacado da técnica da ponderação Sem embargo é possível questionar possíveis excessos deste paradigma hermenêutico particularista que vem se consolidando em nossa cultura jurídica ou até mesmo de forma mais radical combatêlo defendendo o retorno ao formalismo Não há em abstrato um modelo interpretativo correto O que existem são variações nesta área que podem ser mais ou menos adequadas às características de cada sociedade e ordenamento jurídico Outra fragilidade da ponderação judicial ligase à sua legitimação democrática Isto porque a técnica envolve a realização de juízos muitas vezes controvertidos que escapam à lógica formal por consistirem na comparação entre interesses e valores muito heterogêneos que tendem a ser avaliados de maneiras divergentes no âmbito de uma sociedade plural86 Por isso há quem questione a legitimidade do recurso à ponderação na esfera jurisdicional afirmando que esta é uma atividade própria aos poderes políticos eleitos pelo povo e não ao Judiciário87 Estas críticas à ponderação não são inteiramente desprovidas de razão devendo ser seriamente consideradas É certo porém que as alternativas não formalistas à dita técnica como se viu anteriormente não solucionam os problemas apontados mas antes os agravam A alternativa estritamente formalista por outro lado negaria eficácia aos princípios constitucionais mais abertos Como muitas das normas mais importantes do ordenamento estão positivadas dessa forma a adoção de uma metodologia formalista implicaria lhes negar aplicação direta pelo Judiciário que só poderia atuar nos termos de sua concretização legislativa e apenas se essa efetivamente ocorresse Daí porque a melhor alternativa hoje disponível envolve afirmar a normatividade de todo o sistema constitucional inclusive dos princípios e adotar a técnica da ponderação para resolver eventual tensão que surja entre eles A ponderação é no mínimo um mal necessário para equacionamento dos casos difíceis do Direito Constitucional Porém se não há solução miraculosa para as dificuldades acima apontadas existem sim alguns instrumentos que podem minimizálas A seguir apresenta remos de forma muito sintética os principais deles a Fixação de parâmetros para a ponderação que sejam suscetíveis de uni versalização88 vale dizer de aplicação a casos equiparáveis O estabelecimento de parâmetros para a ponderação é importante porque reduz o risco de arbítrio judicial amplia a previsibilidade e segurança jurídica do cidadão e facilita o trabalho dos juízes em casos futuros tornando mais eficiente a prestação jurisdicional Tais parâmetros indicam em que casos uma norma constitucional tende a prevalecer sobre a outra bem como aqueles em que se deve solucionar o problema por meio de uma solução intermediária que envolva cedências recíprocas das normas em conflito Eles devem ser desenvolvidos pela jurisprudência à luz do sistema constitucional servindo de orientação para casos futuros Um exemplo de parâmetro é a primazia da liberdade de imprensa sobre o direito à reputação quando se tratar de notícias de interesse público sobre pessoas públicas b Na ponderação judicial deve haver uma preocupação adicional com a mo tivação dos julgados que tem de ser transparente além de muito criteriosa na utilização da técnica89 Devem ser evitadas as justificativas muito genéricas que aludam à ponderação sem esclarecer as razões que levaram a que se atribuísse peso superior a um determinado interesse sobre o outro Além de possibilitar um maior controle jurídico e social sobre as decisões judiciais em questão esta exigência fortalece a legitimidade democrática da ponderação quando permite que as partes interessadas bem como toda a sociedade verifiquem a possibilidade de reconduzir a opção ponderativa adotada ao sistema constitucional vigente c Na hipótese de controle sobre ponderações já realizadas por outros poderes do Estado o Judiciário deve em geral adotar uma posição de autocontenção e deferência A invalidação ou desaplicação de decisões ponderativas dos poderes políticos só deve ocorrer quando o respectivo erro de sopesamento for grave Esta postura de deferência pode fundarse dependendo do caso no princípio democrático que postula o reconhecimento de uma ampla liberdade de conformação para os poderes eleitos ou numa comparação desfavorável ao Judiciário entre a sua capacidade institucional e a do órgão que realizou originariamente a ponderação em hipótese que envolva conhecimentos técnicos não jurídicos especializados90 O grau de deferência todavia é variável Em situações que envolvam restrições a direitos de grupos minoritários vulneráveis ou que versem sobre direitos fundamentais básicos que possam ser vistos como pressupostos da democracia ou componentes essenciais da dignidade humana pode justificarse um escrutínio jurisdicional mais rigoroso sobre as ponderações realizadas pelos demais poderes do Estado91 O maior ativismo judicial nessas hipóteses visará a evitar a tirania da maioria sobre a minoria ou a garantir o funcionamento da própria democracia concebida em termos não exclusivamente formais 1255 Ponderação e regras constitucionais A ponderação é uma técnica vocacionada para a resolução de tensões entre princípios haja vista que estes podem ser concebidos de acordo com a célebre definição de Robert Alexy como mandados de otimização cumpridos na medida das possibilidades fáticas e jurídicas de cada caso As possibilidades jurídicas em questão são exatamente as que decorrem de eventuais colisões entre o princípio a ser otimizado e algum outro também incidente sobre a hipótese que aponte solução distinta para o caso Discutese porém se em casos excepcionais também é possível afastar ou mitigar a incidência de regras constitucionais por meio da ponderação Há quem sustente que isto não é possível pois ao optar pela disciplina de uma questão com a utilização de uma regra o próprio constituinte já excluiria qualquer possibilidade de ponderação futura Quando por exemplo a Constituição define que a idade mínima para o exercício da função de Senador da República é de 35 anos art 35 VI a em absolutamente nenhuma hipótese poderse ia admitir a posse neste cargo de alguém com idade inferior Qualquer conflito entre regras deveria ser resolvido pelos critérios tradicionais de solução de antinomias Entendemos que as regras constitucionais não se abrem em geral a ponderações aplicandose de acordo com a lógica do tudo ou nada Esta maior rigidez na aplicação das regras é importante por várias razões já explicitadas anteriormente como a proteção da segurança jurídica e a blindagem contra os riscos de erro e de arbítrio judicial Porém há hipóteses extraordinárias não previstas pelo constituinte em que mesmo a aplicação das regras constitucionais pode ser afastada por ponderação92 Por exemplo no julgamento do Habeas Corpus nº 89417 ocorrido em 200693 o STF afastou por ponderação a regra constitucional que determina que a prisão em flagrante de um deputado estadual deve ser submetida ao crivo da respectiva Assembleia Legislativa art 27 1º cc art 53 2º CF num caso em que o preso era o Presidente da Assembleia Legislativa acusado de comandar uma quadrilha da qual participariam 23 dos 24 deputados estaduais de determinado Estado A Corte entendeu corretamente que as características singularíssimas do caso justificavam a não aplicação da regra em questão uma vez que a incidência da norma implicaria em garantia da impunidade do agente político em afronta a diversos princípios constitucionais como a República a moralidade e a democracia94 Há quem até admita o afastamento de regras constitucionais prima facie incidentes sobre uma hipótese mas não a sua ponderação por meio do recurso a um caminho alternativo não se pondera propriamente a regra mas o princípio mais geral que ela concretiza com o outro com o qual se choca Se nessa ponderação for afastado o princípio sobrejacente à regra essa também não será aplicada seguindo a mesma sorte do princípio ponderado95 Entendemos que em parte se trata de controvérsia nominalista Mesmo quem não admite por pureza conceitual a ponderação entre regras concebe a possibilidade de seu afastamento considerando as razões que no caso se opõem à sua aplicação Tratase de outra forma de apresentar o problema cuja validade nos parece depende de estar acompanhada da enfática ressalva de que o afastamento da regra constitucional só pode ocorrer em hipóteses excepcionalíssimas O fundamental é ressaltar que o ônus argumentativo que se exige para envolver uma regra constitucional em um jogo de ponderações é muito superior ao demandado para o sopesamento de princípios devendose reservar esta faculdade para hipóteses verdadeiramente excepcionais sob pena de excessiva flexibilização da ordem constitucional Converter o afastamento de regras constitucionais por meio da ponderação dos princípios sobrejacentes a elas em técnica de uso corrente parecenos solução que não preserva a integridade do sistema constitucional 1256 Alguns parâmetros gerais para a ponderação Como salientado acima a fixação de parâmetros é extremamente importante para a ponderação por reduzir os riscos de erro e arbítrio judicial aumentar a previsibilidade das decisões em favor da segurança jurídica e poupar tempo e energia dos operadores do Direito em casos futuros Tais parâmetros não devem ser inventados ao sabor das preferências do intérprete mas inferidos do sistema constitucional Ditos parâmetros podem ser mais específicos eg parâmetros para conflitos entre igualdade e liberdade de expressão entre separação de poderes e direito à saúde entre proteção ao meio ambiente e direito de propriedade ou mais gerais Aqui destacaremos sinteticamente três parâmetros gerais para a ponderação a As regras constitucionais têm preferência prima facie sobre os princípios96 Em geral as regras instituem exceções à aplicação dos princípios prevalecendo sobre eles critério lex specialis Só em hipóteses excepcionais se deve admitir o afastamento de uma regra constitucional pela via da ponderação Esse critério tem como principais fundamentos a preservação da segurança jurídica e da vontade expressa do poder constituinte b Há uma preferência prima facie das normas que instituem direitos fundamentais quando colidem com outras que assegurem interesses e bens jurídicos distintos97 Há até quem sustente como Ronald Dworkin que os direitos fundamentais por valerem como trunfos diante de outros interesses e de cálculos de utilidade social sempre prevaleceriam sobre outros bens98 Não vamos tão longe pois no constitucionalismo social que não concebe as pessoas como indivíduos isolados perseguindo apenas os seus próprios interesses restrições a direitos podem se afigurar essenciais para a implementação de objetivos constitucionais que em última análise também se voltem à tutela da pessoa humana Contudo da proteção ultrareforçada dada pela Constituição aos direitos fundamentais e de uma compreensão adequada da dignidade da pessoa humana que não concebe os indivíduos como meros componentes de um corpo coletivo maior cujos interesses possam ser facilmente sacrificados em favor de algum suposto bem comum podese extrair a prioridade prima facie dos direitos fundamentais em face de outros interesses constitucionais c Dentre os direitos fundamentais há uma preferência prima facie dos direitos e liberdades existenciais dos ligados à garantia dos pressupostos da democracia e das condições essenciais de vida sobre aqueles de conteúdo meramente patrimonial ou econômico Esta prioridade pode também ser inferida do nosso sistema constitucional bem como de uma teoria moral e política razoável que leva a sério o imperativo de promoção da justiça social no cenário de uma sociedade profundamente desigual99 126 Tratados internacionais de direitos humanos dotados de hierarquia constitucional e o critério da norma mais favorável Como já discutido no Capítulo 1 os tratados internacionais de direitos humanos incorporados por meio do procedimento previsto no art 5º 3º da Constituição têm hierarquia de emenda constitucional Em outras palavras eles podem modificar a Constituição mas não lhes é permitido afrontar as suas cláusulas pétreas Um segmento importante da doutrina brasileira sustenta desde antes da incorporação do art 5º 3º da Constituição Federal com a edição da Emenda Constitucional 4503 que todos os tratados internacionais de direitos humanos teriam hierarquia constitucional tendo em vista o disposto no art 5º 2º da Carta100 Essa posição contudo não prevaleceu no STF que em um primeiro momento101 atribuiu a estes tratados força de lei ordinária passando posteriormente a considerálos como dotados de hierarquia supralegal mas infraconstitucional102 Portanto de acordo com a atual posição da Corte103 só podem alterar formalmente a Constituição os tratados de direitos humanos cuja incorporação tenha seguido o procedimento estabelecido no art 5º 3º da nossa Lei Fundamental O Brasil inclusive já incorporou um tratado internacional de direitos humanos seguindo o procedimento previsto no art 5º 3º CF a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com o respectivo Protocolo Facultativo que foi aprovada pelo Congresso Nacional com a edição do Decreto Legislativo nº 1862008 e promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 69492009 Tal Convenção de caráter extremamente avançado introduziu na nossa ordem constitucional diversos novos direitos fundamentais das pessoas com deficiência e ampliou outros que o texto constitucional brasileiro já consagrava A incorporação de tratados internacionais de direitos humanos na nossa ordem constitucional pode acarretar colisões com normas anteriores presentes no Texto Magno E também possível a ocorrência de conflitos entre normas constantes em diferentes tratados internacionais de direitos humanos todos incorporados com hierarquia de emenda constitucional Nessas hipóteses a doutrina104 tem enfatizado que os critérios tradicionais para solução de antinomias hierárquico cronológico e de especialidade devem ceder espaço para outro critério de conteúdo material já tradicional no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos105 o princípio da prevalência da norma mais favorável ao titular do direito Como ressaltou Flávia Piovesan no plano de proteção dos direitos humanos interagem o direito internacional e o direito interno movidos pelas mesmas necessidades de proteção prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano tendo em vista que a primazia é da pessoa humana106 Este princípio de prevalência da norma mais benéfica foi expressamente pre visto no art 44 da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência107 repitase a única até agora incorporada no Brasil seguindo o procedimento do art 5º 3º da Constituição Portanto os conflitos entre o texto constitucional e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência devem se resolver em favor da norma mais favorável a este grupo vulnerável de pessoas É o que ocorre por exemplo com o direito à acessibilidade das pessoas com deficiência A Constituição limitavase a prever o dever do Estado de nos termos da lei adaptar os logradouros edifícios de uso público e transportes coletivos visando à garantia do acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência CF art 227 2º e 244 108 Já a Convenção previu o direito à acessibilidade em termos muito mais amplos obrigando os Estados a tomarem as medidas necessárias para assegurar às pessoas com deficiência o acesso em igualdade de oportunidades com as demais pessoas ao meio físico ao transporte à informação e comunicação inclusive sistemas e tecnologias de informação e comunicação bem como a outros serviços e instalações abertas ao público ou de uso público art 91 O preceito convencional porque mais favorável às pessoas com deficiência prevalece sobre aquele constante no texto originário da Constituição É certo contudo que podem surgir casos mais complexos no confronto entre Constituição e tratado incorporado com força de emenda constitucional ou entre dois tratados desta espécie em que não seja tão fácil estabelecer qual deles contém a norma mais favorável É possível por exemplo que um dos atos normativos favoreça mais um direito fundamental e o outro proteja mais um direito concorrente Um tratado sobre liberdade de imprensa incorporado com hierarquia constitucional poderia por exemplo ser mais generoso do que a própria Constituição na proteção deste direito mas por outro lado importar em garantia mais débil à privacidade Em hipóteses como essas se não for possível a busca de concordância prática entre as normas em tensão entendemos que se deve recorrer ao critério sugerido por Ingo Wolfgang Sarlet 109 de prevalência daquela que mais promova a dignidade da pessoa humana uma vez que afinal é esse o valor central que nutre e costura todo o sistema constitucional de direitos fundamentais É verdade porém que mesmo esse último critério padece de grande vagueza podendo ensejar impasses de difícil superação sobretudo no contexto de uma sociedade plural em que convivem pessoas com concepções valorativas ideológicas e religiosas radicalmente divergentes Em casos assim não haverá saídas fáceis O seu equacionamento dependerá de uma argumentação jurídica aberta a valores calcada na razão pública insuscetível de cristalização em um único critério de resolução de antinomias por mais engenhoso que seja 1 Vejase entre outros FARIAS Edilsom Pereira de Colisão de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição Federal STEINMETZ Wilson Antônio Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais GARCIA Emerson Conflito entre normas constitucionais esboço de uma teoria geral SILVA Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia BRANCO Paulo Gustavo Gonet Juízo de ponderação na jurisdição constitucional 2 Vejase a propósito SOUZA NETO Cláudio Pereira de Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática BINENBOJM Gustavo A nova jurisdição constitucional brasileira legitimidade democrática e ins trumentos de realização MELLO Cláudio Ari Democracia constitucional e direitos fundamentais BICKEL Alexander The Least Dangerous Branch the Supreme Court at the Bar of Politics ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review MICHELMAN Frank Isaac Brennan and Democracy SANTIAGO NINO Carlos La constitución de la democracia deliberativa 3 Cf HENKIN Louis Infallibility under Law Constitutional Balancing Columbia Law Review n 78 p 10221050 BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 182189 4 Cf a propósito SARMENTO Daniel Org Interesses públicos versus interesses privados desconstruindo o prin cípio da supremacia do interesse público DWORKIN Ronald Rights as Trumps In WALDRON Jeremy Ed Theories of Rights p 153167 ALEXY Robert Derechos individuales y bienes colectivos In ALEXY Robert El concepto y la validez del derecho p 179208 5 Esta é uma das razões pelas quais não comungamos com a posição que aposta nas précompreensões e na tradição para equacionamento das colisões constitucionais Para uma qualificada defesa desta posição na lite ratura jurídica brasileira vejase STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituição hermenêutica e teorias discursivas 6 Sobre a ponderação realizada pela Administração Pública vejase RODRÍGUEZ DE SANTIAGO José María La ponderación de bienes e intereses em el derecho administrativo 7 Como se sabe os direitos fundamentais não vinculam apenas o Estado mas também os particulares embora a sua projeção nas relações privadas envolva uma série de atenuações e nuances Vejase a propósito SARMENTO Daniel Direitos fundamentais e relações privadas 8 Cf SERNA Pedro TOLLER Fernando La interpretación constitucional de los derechos fundamentales una alternativa a los conflictos de los derechos 9 Cf PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 234243 SULLIVAN Kathleen PostLiberal Judging the Roles of Categorization and Balancing University of Colorado Law Review n 63 p 293 394 10 A posição transparece no famoso voto divergente que proferiu o caso Barenblatt v United States 360 US 109 1959 em que Black afirmou Eu não concordo que leis que diretamente restrinjam a liberdade de expressão possam ser justificadas através de um procedimento de ponderação feito pelo Congresso ou pelo Judiciário Aplicar o critério de ponderação da Corte nestas circunstâncias seria o mesmo que ler a Primeira Emenda como dizendo que o Congresso não pode aprovar leis restringindo as liberdades de expressão imprensa reunião e petição a não ser que o Congresso e a Suprema Corte cheguem conjuntamente à conclusão de que numa ponderação o interesse do Estado em limitar estas liberdades seja maior do que o do povo em exercitálas Isto é muito próximo à noção de que nem a Primeira Emendanem qualquer outra norma da Carta de Direitos deve ser garantida a não ser que a Corte acredite que seja razoável fazêlo Isso viola o espírito da nossa Constituição escrita 11 Vejase o voto vencido de Black em Trinker v De Moines Independent Community School District 393 US 503 1969 12 De acordo com Lorenzo MartínRetortillo e Ignácio de Otto y Pardo os limites imanentes dos direitos fun damentais significam que tais direitos por estarem reconhecidos no interior do ordenamento jurídico devem conciliarse com outros bens que o ordenamento protege e não podem ser tutelados de forma abso luta frente a estes Derechos fundamentales y Constitución p 110 13 Para análise destas duas teorias interna e externa com defesa da segunda vejase PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 140152 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 128163 14 HESSE Konrad La interpretación de la Constitución In HESSE Konrad Escritos de derecho constitucional p 4546 Em sentido semelhante vejase MÜLLER Friedrich Discours de la méthode juridique p 285287 15 SILVA Virgílio Afonso da Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional p 115144 16 Cf SILVA Virgílio Afonso da Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional p 127128 17 Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de Ponderação de princípios e racionalidade das decisões judiciais coerência razão pública decomposição analítica e standards de ponderação Boletim Científico da Escola Su perior do Ministério Público da União v 15 p 207227 18 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 314330 19 Cf GÜNTHER Klaus Teoria da argumentação no direito e na moral justificação e aplicação p 299414 20 Cf DWORKIN Ronald Justice for Hedgehogs p 325415 21 DWORKIN Ronald Sovereign Virtue the Theory and Practice of Equality p 182 22 No mesmo sentido vejase PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 174182 23 Dworkin não tem a expectativa de que os juízes reais sejam como Hércules Pelo contrário o conceito de juiz Hércules onisciente dotado de habilidades ideais e de todas as informações necessárias para conhecer todos os princípios possuindo uma visão completa do conjunto do Direito vigente é uma construção contrafática proposta no contexto de formulação da tese da única resposta correta Dworkin sustenta que existe uma única resposta correta para todas as controvérsias jurídicas embora na prática essa única resposta correta nem sempre possa ser alcançada Isso só seria alcançável por magistrados ideais como Hércules Cf ALEXY Robert Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Robert Derecho e razón práctica p 10 24 Mesmo quando Dworkin defende que a argumentação jurídica se imbrique com a argumentação filosóficomoral o faz reconhecendo que na prática o dissenso que caracteriza o debate filosófico também terá lugar no debate jurídico Eu não suponho que qualquer incremento na sofisticação filosófica eliminaria a controvérsia entre juízes Como poderia isso ocorrer se os filósofos divergem tão dramaticamente entre eles Mas poderia reduzir a controvérsia Eu não defendo maior sofisticação filosófica porque ela vai eliminar ou reduzir a controvérsia mas porque fará a controvérsia mais respeitável ou pelo menos mais esclarecedora No mínimo poderá ajudar a eles e a nós sobre o que eles estão realmente discordando Must our judges be philosophers can they be philosophers Disponível em httpwwwnyhumanitiesorg 25 Cf HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 275 26 DWORKIN Ronald O império do direito p 213 27 DWORKIN Ronald O império do direito p 261 28 ALEXY Robert Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Robert Derecho e razón práctica p 10 29 ALEXY Robert Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Robert Derecho e razón práctica p 10 30 ALEXY Robert Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Robert Derecho e razón práctica p 20 31 Cf BOBBIO Norberto Teoria do ordenamento jurídico p 92 et seq 32 Sobre os limites materiais ao poder de reforma da Constituição vejase o Capítulo 7 33 Cf ADI nº 815 Rel Min Moreira Alves DJ 10 maio 1996 ADI nº 4097AgRg Rel Min Cezar Peluso Julg 8102008 O STF tem rejeitado liminarmente por impossibilidade jurídica do pedido as ações diretas de inconstitucionalidade em que se busca a impugnação de preceitos integrantes do texto originário da Constituição Federal 34 BACHOFF Otto Normas constitucionais inconstitucionais O livro corresponde a uma aula inaugural pro ferida na Universidade de Heidelberg na Alemanha em 1951 em momento de ressurgimento naquele país do jusnaturalismo como reação às atrocidades do regime nazista 35 Vide o Capítulo 6 36 O tema das relações entre Direito e Moral é extremamente complexo e a literatura que o aborda é pratica mente inabarcável Vejase a propósito os textos que compõem a coletânea de VÁZQUEZ Rodolfo Comp Derecho y moral ensayos de un debate contemporâneo E ainda em sentido próximo ao que defendemos ALEXY Robert La institucionalización de la justicia 37 Esta é a conhecida posição nãopositivista defendida por Gustav Radbruch em famoso texto de Filosofia do Direito publicado em 1945 logo após o final da II Guerra Mundial intitulado Cinco minutos de filosofia do direito Para o jusfilósofo germânico uma lei má nociva ou injusta ainda é lei em razão da necessidade de proteção da segurança jurídica Contudo leis radicalmente injustas deixariam de contar como leis não mais obrigando os cidadãos pode haver leis tais com um tal grau de injustiça e nocividade para o bem comum que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados Cinco mi nutos de filosofia do direito In RADBRUCH Gustav Filosofia do direito p 417 38 BVerfGE 114 39 BVerfGE 23106 40 BVerfGE 3233 41 Vejase a propósito KLUG Heinz South Africa from Constitutional Promise to Social Transformation In GOLDSWORTHY Jeffrey Denys Ed Interpreting Constitutions a Comparative Study p 267320 42 Certification of the Constitution of the Republic of South Africa Constitutional Court South Africa 1996 4 SALR 744 CC 43 RAWLS John A Theory of Justice Obra de Rawls cuja primeira edição foi publicada em 1971 Como antes esclarecido Capítulo 5 para o filósofo norteamericano os princípios que devem reger a estrutura básica de uma sociedade justa correspondem àqueles que seriam acordados por indivíduos numa situação hipotética em que todos estivessem recobertos por um véu da ignorância desconhecendo a sua posição no mundo seus talentos e preferências Pessoas racionais e razoáveis nesta situação escolheriam os seguintes princípios 1º Princípio cada pessoa deve ter direito à maior extensão de liberdades básicas que seja compatível com a atribuição das mesmas liberdades a todas as demais pessoas 2º Princípio as desigualdades sociais e econômicas devem ser estruturadas de forma que a os cargos e oportunidades sejam acessíveis a todos em condições de justa igualdade de oportunidades e b as desigualdades distributivas sejam apenas aquelas que resultarem em maior benefício para aqueles situados em pior situação social Cf RAWLS John A Theory of Justice p 302303 44 EKMEKDJAN Miguel Angel Manual de la Constitución argentina p 8895 45 Cf FREITAS Juarez A interpretação sistemática do direito 2 ed p 89 46 FREITAS Juarez A interpretação sistemática do direito 2 ed p 161166 No mesmo sentido FREITAS Juarez A substancial inconstitucionalidade da lei injusta p 59 47 BORGES José Souto Maior Pródogmática por uma hierarquização dos princípios constitucionais Revista Trimestral de Direito Público n 1 p 140146 48 ALEXY Robert Teoría de los derechos fundamentales p 156157 49 Cf HC nº 71373RS Rel Min Francisco Rezek Rel p acórdão Min Marco Aurélio Julg 10111994 DJ 22 nov 1996 50 ALEXY Robert Teoría de los derechos fundamentales p 92 Alexy exemplifica essa exigência fazendo referência a prioridade prima facie que deve ter quando se trata de desvendar um delito grave a liberdade de infor mação sobre a proteção da personalidade Isso não quer dizer uma prioridade definitiva Cf ALEXY Robert Sistema jurídico principios jurídicos y razón práctica In ALEXY Robert Derecho e razón práctica p 18 51 O tema foi amplamente desenvolvido no Capítulo 7 52 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 947 53 Klaus Stern citando decisão do Tribunal Constitucional alemão BVerfGE 9 334 alude à existência do princípio da documentabilidade e caráter expressamente visível de toda a reforma da Constituição De acordo com o jurista alemão a inclusão deste limite às reformas constitucionais na Lei Fundamental de Bonn representou uma reação ao fenômeno que ocorria no tempo da Constituição de Weimar em que eram aprovadas leis com quorum de emenda constitucional não inseridas no texto constitucional gerandose dúvida sobre se elas haviam ou não alterado a Constituição Cf STERN Klaus Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana p 333334 54 Cf GOUVEIA Marco Maselli O controle judicial das omissões administrativas p 79 Uma corrente minoritária a que um de nós se vinculava já afirmava naquele marco normativo a imediata exigibilidade do direito de acesso ao ensino médio entendendo a progressiva universalização como dirigida não ao dever do Estado de oferecêlo a todos mas sim à compulsoriedade da sua frequência por crianças e adolescentes Cf SOUZA NETO Cláudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa p 254256 55 Cf BOBBIO Norberto Teoria do ordenamento jurídico p 9697 56 Esta distinção foi formulada originariamente por ROSS Alf Direito e justiça p 158159 57 O réu na qualidade de detentor de mandato parlamentar federal detém prerrogativa de foro perante o STF onde deve ser julgado pela imputação da prática de crime doloso contra a vida A norma contida no art 5º XXXVIII da CF que garante a instituição do júri cede diante do disposto no art 102 I b da Lei Maior definidor da competência do STF dada a especialidade deste último Ação Penal nº 333 Rel Min Joaquim Barbosa DJe 11 abr 2008 58 O entendimento encontrase cristalizado na Súmula nº 702 do STF que reza A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringese aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual nos demais casos a competência originária cabe ao respectivo tribunal de 2º grau DJ 9 out 2003 59 Para um alentado estudo sobre a ponderação no Direito Comparado vejase SWEET SWEET Alec Stone MATHEWS Jud Proportionality Balancing and Global Constitutionalism Columbia Journal of Transnational Law n 47 p 73165 60 Entre os textos críticos à ponderação judicial vejase pela relevância HABERMAS Jürgen Direito e demo cracia entre facticidade e validade p 314330 ALEINIKOFF Alexander Constitutional Law in the Age of Balancing Yale Law Journal n 96 p 943992 61 Ana Paula de Barcellos propõe outra definição de ponderação Tratarseia da técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão insuperáveis pelas formas her me nêuticas tradicionais Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 23 A definição porém pode igualmente ser aplicada a técnicas e concepções diferentes como por exemplo o juízo de adequação defendido por Habermas e Klaus Günther que são críticos ferinos do uso da ponderação 62 Cf BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 4344 63 BERNAL PULIDO Carlos El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales p 4648 SWEET Alec Stone MATHEWS Jud Proportionality Balancing and Global Constitutionalism Columbia Journal of Transnational Law n 47 p 98102 64 Cf PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 256257 A juris pru dência dos interesses orientavase pela resolução dos problemas jurídicos à luz da consideração dos objetivos e valores extraídos do ordenamento Ela não propunha uma ruptura com o direito positivo mas a adoção de uma postura hermenêutica mais aberta com base nos critérios valorativos que pudessem ser extraídos do próprio sistema jurídico Veja se a propósito LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 7081 65 Sobre a jurisprudência de valores na Alemanha vejase LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 7081 Para uma aguda crítica desta concepção vejase MAUS Ingeborg O Judiciário como superego da sociedade a jurisdição na sociedade órfã de pai Novos Estudos CEBRAP n 58 p 183202 66 Sobre esta concepção vejase KOMMERS Donald P Germany Balancing Rights and Duties In GOLDSWORTHY Jeffrey Denys Ed Interpreting Constitutions a Comparative Study p 161214 67 Sobre o realismo jurídico norteamericano vejase FELDMAN Stephen M American Legal Thought from PreModernism to Postmodernism an Intellectual Voyage p 105115 68 Sobre a prática da ponderação na jurisprudência constitucional norteamericana vejase HENKIN Louis Infallibility under Law Constitutional Balancing p 10221049 SWEET Alec Stone All Things in Proportion American Rights Doctrine and the Problem of Balancing Emory Law Journal n 60 p 101180 69 Para uma ampla análise da ponderação constitucional no Direito Comparado e Internacional vejase SWEET Alec Stone MATHEWS Jud Proportionality Balancing and Global Constitutionalism Columbia Journal of Transnational Law n 47 p 73165 BEATTY Davi The Ultimate Rule of Law p 159188 70 Cf SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição Federal p 171172 71 A busca de parâmetros para ponderação é uma tendência que se pode captar na doutrina brasileira Para uma extensa análise da questão com a formulação de parâmetros próprios vejase BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 159294 72 Sobre as margens de escolha legislativa na ponderação vejase o Posfácio à obra de ALEXY Robert Teoría de los derechos fundamentales p 575627 O autor germânico em influente lição decompôs esta margem de escolha em duas distinções a estrutural e a epistêmica A margem estrutural dá poder ao legislador de adotar a alternativa de sua preferência no caso de empate na ponderação E a margem de ação epistêmica importa no reconhecimento de que em caso de incerteza sobre as premissas empíricas ou normativas subjacentes à ponderação devese respeitar a sua liberdade de escolha 73 ADI nº 319 Rel Min Moreira Alves DJ 30 abr 1993 74 No mesmo sentido BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 231232 que anota É possível cogitar de situações nas quais um enunciado normativo válido em tese e na maior parte das suas incidências ao ser confrontado com determinadas circunstâncias produz uma norma inconstitucional 75 ADI nº 223MC Rel p acórdão Min Sepúlveda Pertence DJ 29 jun 1990 Na ementa do julgado consta o seguinte Ação direta de inconstitucionalidade contra a Medida Provisória 173 de 18390 que veda a concessão de medida liminar em mandado de segurança e em ações ordinárias e cautelares decorrentes das medidas provisórias nºs 151 154 158 160 162 165 167 e 168 indeferimento do pedido de suspensão cautelar da vigência do diploma impugnado razões dos votos vencedores Sentido da inovadora alusão constitucional à plenitude da garantia a jurisdição contra a ameaça de direito ênfase da função preventiva de jurisdição na qual se insere a função cautelar e quando necessário o poder de cautela liminar Implicações da plenitude da jurisdição cautelar enquanto instrumento de proteção ao processo e de salvaguarda da plenitude das funções do Poder Judiciário Admissibilidade não obstante de condições e limitações legais ao poder cautelar do juiz A tutela cautelar e o risco do constrangimento precipitado a direitos da parte contrária com violação da garantia do devido processo legal Conseqüente necessidade de controle da ra zoa bilidade de leis restritivas ao poder cautelar Antecedentes legislativos de vedação de liminares de determinado conteúdo Critério de razoabilidade de restrições a partir do caráter essencialmente provisório de todo o provimento cautelar liminar ou não Generalidade diversidade e imprecisão de limites do âmbito de vedação de liminar da MP 173 que se lhe podem vir a final a comprometer a validade dificultam demarcar em tese no juízo de delibação sobre o pedido de sua suspensão cautelar até onde são razoáveis as proibição nela impostas enquanto contenção ao abuso do poder cautelar e onde se inicia inversamente o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição e ao Poder Judiciário Indeferimento da suspensão liminar da MP 173 que não prejudica segundo o relator do acórdão o exame judicial em cada caso concreto da constitucionalidade incluída a razoabilidade da aplicação da norma proibitiva da liminar Considerações em diversos votos dos riscos da suspensão cautelar da medida impugnada 76 Rcl nº 2040DF Rel Min Néri da Silveira DJU 27 jun 2003 77 Cf ALEXY Robert Teoría de los derechos fundamentales p 321332 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais p 167182 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 79112 78 Sobre os três subprincípios da proporcionalidade vejase o Capítulo 11 79 Cf SWEET Alec Stone All Things in Proportion American Rights Doctrine and the Problem of Balancing Emory Law Journal n 60 p 101180 80 Cf ALEXY Robert Ponderação jurisdição constitucional e representação In ALEXY Robert Constitu cio nalismo discursivo p 156 81 ALEXY Robert On Balancing and Subsumption a Structural Comparison Ratio Juris v 16 n 4 p 433449 82 ALEXY On balancing and subsumption a structural comparison Ratio Juris p 433449 A fórmula é a se guinte Nesta fórmula Pij é o Peso concreto I é a Intensidade da interferência no princípio P é o Peso abstrato do princípio e C é a Confiabilidade das premissas empíricas 83 No Brasil algumas contribuições recentes também se engajam nesse esforço de decomposição analítica É o caso por exemplo dos estudos de ÁVILA Humberto Teoria dos princípios da definição à aplicação dos prin cípios jurídicos e de BARCELLOS Ana Paula de Alguns parâmetros para a ponderação constitucional In BARROSO Luís Roberto Org A nova interpretação constitucional ponderação direitos fundamentais e relações privadas 84 Cf SCHAUER Frederick Playing by the Rules a Philosophical Examination of RuleBased DecisionMaking in Law and in Life STRUCHINER Noel Para falar de regras o positivismo conceitual como cenário para uma investigação filosófica acerca dos casos difíceis do direito p 165 85 O caso efetivamente ocorreu na Nova Zelândia em 2007 sendo amplamente noticiado na imprensa Vejase por exemplo httpwwwjtcombreditorias20070531int19462007053141xml 86 Esta ideia de que a heterogeneidade dos interesses em disputa na ponderação geraria uma suposta inco mensurabilidade jurídica foi expressa com ironia em voto do Juiz Antonin Scalia da Suprema Corte norteamericana no caso Bendix Corp v Midwesco 1988 A analogia da balança não é apropriada uma vez que os interesses em cada um dos lados são incomensuráveis É como se julgássemos se uma determinada linha é mais longa do que um certa pedra é pesada 87 Neste sentido por exemplo vejase a crítica de HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade p 314330 Na literatura jurídica nacional esta linha crítica é forte na doutrina constitucional mineira valendo como exemplo FERRAZ Leonardo de Araújo Da teoria à crítica princípio da proporcionalidade uma visão com base nas doutrinas de Robert Alexy e Jürgen Habermas p 143174 88 No mesmo sentido cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed p 337 SOUZA NETO Cláudio Pereira de Ponderação de princípios e racionalidade das decisões judiciais coerência razão pública decomposição analítica e standards de ponderação Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União v 15 p 207227 89 Recordese que no Brasil a motivação das decisões judiciais é imperativo constitucional art 93 IX CF 90 A deferência inspirada no princípio democrático pode ser associada ao que Robert Alexy denominou de margem de ação ou discricionariedade na tradução brasileira de Virgílio Afonso da Silva epistêmica nor mativa enquanto a deferência decorrente de déficit de expertise pode ser relacionada ao que o jurista germânico designou como margem de ação epistêmica empírica Cf ALEXY Robert Teoria dos direitos fun damentais p 575627 91 Sobre as variações na deferência jurisdicional diante de decisões dos demais poderes estatais vejase o Capítulo 10 92 No mesmo sentido vejase ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 7678 BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade e atividade jurisdicional p 201234 93 HC nº 89417 1ª Turma Rel Min Carmen Lúcia DJ 15 dez 2006 94 Na ementa do acórdão lavrouse Os elementos contidos nos autos impõe interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão parlamentar isoladamente como previsto no art 55 2º da Constituição da República Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo 95 Esta parece ser a posição de SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia p 5662 96 No mesmo sentido vejase BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade atividade jurisdicional p 165234 97 No mesmo sentido cf ALEXY Robert Derechos individuales y bienes colectivos In ALEXY Robert El concepto y la validez del derecho SARMENTO Daniel Interesses públicos versus interesses privados na pers pectiva da teoria e da filosofia constitucional In SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito cons titucional p 3393 BARCELLOS Ana Paula de Ponderação racionalidade atividade jurisdicional p 235274 98 Cf DWORKIN Ronald Taking Rights Seriously p 90100 99 Afinal de contas uma proteção muito reforçada dos direitos econômicos e patrimoniais criaria dificuldades incontornáveis para a adoção de políticas públicas de caráter redistributivo voltados à promoção da igual dade substantiva e da justiça social já que estas tendem a afetar o status quo econômico que envolve a proteção de direitos patrimoniais dos mais ricos 100 Vejase a propósito CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto a proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional Arquivos de Direitos Humanos n 1 p 356 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 9 ed p 5191 A autora defende a posição da hierarquia constitucional dos tratados dos direitos humanos desde a 1ª edição da citada obra que é anterior ao advento da EC nº 4503 Para uma análise dos argumentos a favor e contra a atri buição de hierarquia constitucional a todos os tratados de direitos humanos vejase o Capítulo 1 101 O leading case foi o HC nº 72131 Rel p acórdão Min Moreira Alves Julg 23111995 DJ 1º ago 2003 Neste julgamento o STF entendeu que deveria estender aos tratados internacionais de direitos humanos o mesmo regime aplicável aos demais tratados que segundo orientação da Corte firmada em 1977 no RE nº 80004 implicava equiparálos às leis ordinárias 102 A mudança deuse no julgamento do RE nº 466343 Rel Min Cezar Peluso DJe 5 jun 2009 tendose adotado na questão a proposta defendida em seu voto pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes 103 Vide os capítulos 1 e 7 104 Cf CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Tratado de direito internacional dos direitos humanos RAMOS André de Carvalho Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional p 106110 105 O critério da prevalência da norma mais favorável à vítima está expressamente consagrado em vários tratados internacionais de direito humanos como no Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos art 5º2 no Pacto Internacional dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais art 5º2 na Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres art 23 na Convenção sobre os Direitos das Crianças art 41 na Convenção Interamericana de Direitos Humanos art 29 b na Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher arts 13 e 14 e na Convenção Europeia de Direitos Humanos art 60 Ele também tem sido usado pelas cortes internacionais de direitos humanos Vejase por exemplo na Corte Interamericana de Direitos Humanos o Parecer Consultivo sobre a filiação obrigatória de jornalistas artigos 13 e 29 da Convenção de 13 de novembro de 1985 Em consequência se a uma mesma situação são aplicáveis a Convenção Americana e outro tratado internacional deve prevalecer a norma mais favorável à pessoa humana 106 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional p 9899 107 O art 44 da referida Convenção estabelece Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias à realização do direito das pessoas com deficiência constantes na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para este Estado Não poderá haver qualquer restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção em conformidade com leis convenções regulamentos ou costumes sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau 108 É verdade que a legislação infraconstitucional em especial a Lei nº 100982000 e o Decreto nº 52962004 já haviam ampliado a ideia de acessibilidade para pessoas com deficiência para além do que fora estabelecido pela Constituição 109 Cf SARLET Ingo Wolfgang Direitos fundamentais reforma do judiciário e tratados internacionais de di reitos humanos In CLÈVE Clèmerson Merlin SARLET Ingo Wolfgang PAGLIARINI Alexandre Coutinho Org Direitos humanos e democracia p 346347 CAPÍTULO 13 AS LACUNAS CONSTITUCIONAIS E SUA INTEGRAÇÃO 131 Lacunas constitucionais reserva de Constituição e silêncio eloquente A teoria jurídica tradicional afirma que o ordenamento jurídico é dotado de completude1 Isto porque dele seria possível extrair a resposta para qualquer problema jurídico que viesse a surgir Porém mesmo de acordo com esta concepção as leis diferentemente do ordenamento podem conter lacunas quando não indicarem soluções para questões juridicamente relevantes2 Diante de uma lacuna o Poder Judiciário que tem a obrigação institucional de resolver os conflitos de interesse submetidos à sua apreciação não pode recusarse a julgar proferindo um non liquet O seu papel é promover o preenchimento da lacuna sua integração resolvendo o caso Entre nós esta obrigação está prevista no art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro antiga Lei de Introdução ao Código Civil segundo o qual quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia os costumes e os princípios gerais de Direito Não se objetiva aqui discutir as complexas questões de Teoria Geral do Direito atinentes à suposta completude do ordenamento jurídico nem tampouco as que gravitam em torno da ideia de lacuna e dos meios para o seu preenchimento Pretendese tão somente examinar a existência de lacunas no âmbito da Constituição e verificar quais as formas adequadas para colmatálas Sabese que as constituições não disciplinam de forma global e exaustiva todas as relações sociais Mesmo as constituições mais analíticas como a brasileira que tratam de muitos assuntos além daqueles de que cogitava o constitucionalis mo liberal deixam amplos espaços para a deliberação política das maiorias de cada momento E é natural que seja assim Uma Constituição que pretendesse tudo regular não seria democrática por subtrair ou dificultar sobremodo o exercício do direito do povo em especial das gerações futuras de fazer as suas próprias escolhas e definir os seus caminhos por meio da legislação infraconstitucional Além disso uma Constituição com pretensões regulatórias tão ambiciosas estaria condenada à curta duração pois ela não conseguiria adaptarse adequadamente às mudanças que ocorrem na sociedade ampliando os riscos de ruptura institucional A Constituição é portanto uma norma fragmentária que não trata de todos os temas mas tão somente daqueles escolhidos pelo poder constituinte pela sua singular importância3 ou por outras razões atinentes à conveniência do seu entrincheiramento Mesmo nestes temas a Constituição no mais das vezes não exaure a respectiva disciplina mas apenas fixa as suas principais coordenadas normativas deixando a complementação para o legislador Neste quadro podese indagar se realmente existem lacunas na Constituição pois a falta de regulação de uma questão no plano constitucional pode significar pura e simplesmente que o tema foi deixado para o legislador infraconstitucional ou para a decisão de outros poderes públicos Em outras palavras a não regulamentação pode exprimir uma opção política legítima do constituinte Na maior parte das vezes é isso que ocorre Contudo em algumas hipóteses é possível inferir da consideração global da Constituição que ela reservou para si o tratamento de determinados temas Temos aqui a chamada reserva de Constituição4 Nos temas abarcados pela reserva de Constituição a ausência de norma constitucional pode significar a existência de lacuna tendo em vista a impossibilidade da sua disciplina em sede infraconstitucional A ideia de reserva de Constituição não é de caráter metafísico ou jusnaturalista nem alude a alguma fórmula universal invariável e prépolítica sobre o que só possa figurar em sede constitucional É da análise de cada sistema constitucional concreto que se pode inferir quais foram os temas cuja regulação foi reservada com exclusividade à Constituição Neste sentido a reserva de Constituição não está necessariamente vinculada à relevância do tema versado Existem temas jurídicos de enorme importância que não são equacionados em sede constitucional A Constituição pode até exercer uma influência sobre a sua disciplina infraconstitucional o que tende a ocorrer diante do fenômeno da filtragem constitucional do Direito mas não subtrai todo o espaço de livre conformação legislativa No importante julgamento proferido sobre a validade das pesquisas em célulastronco embrionárias por exemplo consta no voto vencedor do relator Ministro Carlos Ayres Britto que o Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que esta começa o que na ótica do Ministro caracterizaria mutismo constitucional hermeneuticamente significativo de transpasse de poder legislativo para a legislação ordinária5 E não há dúvida de que o tema do início da vida é de grande importância Sem embargo não há como dissociar completamente a reserva de Constituição da ideia de reserva de justiça que atribui à Constituição a definição dos princípios fundamentais de justiça de uma comunidade política6 Vejamos um claro exemplo de reserva de Constituição a Carta de 88 até o advento da EC nº 322001 não definia um elenco de limites temáticos para a elaboração de medida provisória redação antiga do art 62 CF E o tema não poderia ser disciplinado por lei até porque tendo a medida provisória força de lei de nada adiantaria que uma lei fixasse limites para a sua edição pois medida provisória superveniente que não os respeitasse iria derrogálos pelo critério cronológico de resolução de antinomias7 Daí porque se concluía à época que o tema dos limites à edição de medida provisória era matéria sujeita à reserva de Constituição Também podese falar em lacuna da Constituição quando ocorrem situações extraordinárias não previstas pelo constituinte diante das quais a aplicação das normas constitucionais a princípio incidentes produziria resultados absolutamente inadequados e incompatíveis com o espírito da própria Constituição Chaïm Perelman8 narra um caso extremo ocorrido na Bélgica e julgado pela Corte de Cassação do país Durante a I Guerra Mundial a Bélgica esteve quase toda ocupada pela Alemanha o que impedia o seu Parlamento de legislar Naquele período o Rei que estava fora da zona ocupada legislou por meio de decretosleis o que não era permitido pela Constituição que determinava o exercício do poder legislativo pelo Senado Câmara de Representantes e pelo monarca em conjunto A Constituição não contemplava a possibilidade de suspensão das suas normas em períodos de crise como aquele Não obstante a Corte de Cassação do país considerou válidas as normas editadas pelo Rei A decisão aparentemente contra legem pode ser explicada pelo reconhecimento de que existia uma lacuna na Constituição belga que não previra uma situação excepcional como aquela com a qual o país se deparara A jurisprudência do STF reconhece sem qualquer hesitação a existência de lacunas constitucionais Um caso recente foi discutido em julgamento relativo às exigências profissionais para a nomeação de advogados para o exercício da função de juiz de Tribunal Regional Eleitoral9 O texto constitucional prevê que o Presidente da República nomeará dois juízes dentre advogados com notável saber jurídico e reputação ilibada indicados em lista sêxtupla elaborada pelo Tribunal de Justiça art 120 III Não há qualquer alusão à exigência de tempo mínimo de experiência profissional para acesso a tal função Não obstante a Corte entendeu que o caso era de lacuna constitucional por constatar que a regra geral válida para o ingresso de advogados em todos os demais tribunais nacionais é a exigência de 10 anos de atividade profissional inexistindo sob o ponto de vista da Corte qualquer razão para que a mesma imposição não se aplique à Justiça Eleitoral Daí porque considerou que não haveria na hipótese silêncio eloquente da Constituição mas autêntica lacuna a ser preenchida por meio do recurso à analogia de forma a validar a exigência de comprovação dos 10 anos de atividade profissional que estava em discussão É preciso distinguir a lacuna constitucional de outras figuras Uma delas é a inconstitucionalidade por omissão que tem por pressuposto a ocorrência de mora na regulamentação de norma constitucional que frustre a sua plena eficácia Nesta hipótese há uma lacuna mas não da Constituição A lacuna decorre de uma omissão censurável do legislador infraconstitucional 10 As lacunas constitucionais referemse a situações constitucionalmente relevantes não reguladas pela Constituição enquanto as omissões legislativas ligamse a hipóteses previstas na Constituição nas quais a norma constitucional pertinente depende da intermediação do legislador infraconstitucional para a plena produção dos seus efeitos11 A lacuna tampouco pode ser confundida com o silêncio eloquente da Constituição Muitas vezes ao regularem certo tema as normas constitucionais não consagram determinadas incidências ou consequências não por um esquecimento involuntário do constituinte mas em razão de uma escolha intencional Temse aqui o chamado silêncio eloquente do texto constitucional em que a não inclusão significa a exclusão Por exemplo o art 134 1º da Constituição com a redação dada pela EC nº 452004 consagrou a autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária para as Defensorias Públicas dos Estados O mesmo regime não foi estendido para a Defensoria Pública da União em que pese a similitude das instituições Houve portanto uma escolha do constituinte derivado na nossa opinião injustificada que pode ser caracterizada como silêncio eloquente Não se nega contudo que a distinção entre lacuna e silêncio eloquente pode revelarse complexa sobretudo quando não se confunde a mens legis com a mens legislatore negandose peso definitivo à vontade histórica daqueles que elaboraram o texto constitucional originário ou as suas modificações Afinal a constatação da lacuna pressupõe a prévia interpretação das normas constitucionais em jogo o que pode envolver muitas dificuldades práticas e teóricas como já se viu anteriormente Outra distinção conceitual relevante é a que separa a integração das lacunas constitucionais d a construção constitucional A construção constitucional ou interpretação construtiva da Constituição ocorre naquelas hipóteses em que a hermenêutica constitucional assume uma postura mais ousada buscando para além do texto novas figuras ou incidências não previstas expressamente12 A expressão construção constitucional é de uso corrente na teoria constitucional norteamericana13 sendo frequentemente associada ao ativismo judicial Um exemplo de construção constitucional na jurisprudência dos Estados Unidos foi a afirmação do direito à privacidade que não se encontra expressamente consagrado na Constituição do país mas que segundo a Suprema Corte poderia ser extraído das zonas de penumbra de outros direitos fundamentais14 No Brasil um caso de construção constitucional foi o reconhecimento do direito fundamental universal à não autoincriminação em qualquer esfera uma vez que o Texto Magno apenas reconhece expressamente o direito do preso de permanecer calado art 5º LXIII Na construção constitucional não há propriamente lacuna pois a regulação da hipótese pode ser extraída da Constituição desde que interpretada de forma mais ousada Não é apenas o Poder Judiciário que preenche as lacunas constitucionais Outros órgãos e entidades podem também fazêlo sempre que tenham que aplicar a Constituição e não encontrem normas constitucionais disciplinando o caso Na trajetória constitucional brasileira isto ocorreu em diversas vezes mas convém recordar um caso historicamente importante Tancredo Neves faleceu depois da sua eleição indireta para a Presidência da República mas antes da sua posse no cargo e a Constituição de 1969 então vigente não continha norma regulando a sucessão presidencial nesta hipótese Ela apenas disciplinava o caso de sucessão presidencial quando houvesse a vacância do cargo após a posse prevendo a sua assunção até o final do mandato pelo VicePresidente art 77 As forças políticas hegemônicas entenderam que esta mesma solução deveria ser aplicada por analogia ao caso resultando na posse na Presidência da República de José Sarney que tinha sido eleito como VicePresidente na chapa encabeçada por Tancredo 15 O caso não chegou a ser submetido ao Poder Judiciário As principais formas de integração de lacunas são a analogia os costumes e a equidade O art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não alude à equidade mas menciona os princípios gerais de Direito os quais são arrolados também pela doutrina mais convencional como meios de colmatação de lacunas Porém entendemos que os princípios jurídicos inclusive aqueles implícitos de caráter mais abstrato geralmente identificados como princípios gerais de Direito são autênticas normas jurídicas16 Portanto quando eles incidem não há lacuna Analisaremos abaixo a aplicação destes instrumentos no campo constitucional fazendo também algumas breves considerações sobre o instituto da convenção constitucional 132 A analogia constitucional A analogia consiste em técnica para colmatação de lacunas por meio da qual se aplica à hipótese não regulada uma norma jurídica que trata de questão similar A norma em questão não seria inicialmente aplicável ao caso que não está compreendido na sua hipótese de incidência Mas diante da lacuna ela incide para resolvêlo O principal fundamento da analogia é a igualdade pois se parte da premissa de que hipóteses similares devem receber o mesmo tratamento do ordenamento17 Mas para que seja cabível a analogia não basta que haja uma simples semelhança entre os casos É necessário que esta semelhança seja relevante no que concerne às razões subjacentes à norma a ser aplicada18 Vale aqui o brocardo latino ubi eadem ratio ibi eadem dispositio Por exemplo se uma norma veda a comercialização de filmes envolvendo pornografia infantil não seria cabível aplicála analogicamente para impedir também a venda de filme que não tenha qualquer conteúdo sexual mas em que haja a participação de atores mirins Mas poderseá cogitar da aplicação analógica da norma em questão para proibir a venda de revistas que contenham pornografia infantil A análise da ratio da norma respalda o uso da analogia no segundo caso mas não no primeiro A doutrina distingue a analogia legis da analogia juris Na primeira a inte gração da lacuna é feita por meio da aplicação de uma norma jurídica determinada Na segunda a solução é encontrada não em uma norma jurídica específica que trate de questão similar mas no sistema jurídico como um todo no qual se procura o equacionamento adequado para a hipótese Também se distingue a analogia da interpretação extensiva Na interpretação extensiva há descompasso entre a intenção normativa e o texto o que é corrigido pelo intérprete por meio de uma exegese que amplia o sentido da norma ultrapassando a sua expressão literal Quando se realiza a interpretação extensiva não se preenche lacuna mas aplicase a norma jurídica sobre hipótese compreendida no seu campo de incidência Já na analogia existe a lacuna tendo em vista que a intenção legislativa não estendia a norma até o caso em que esta será aplicada Tratase de uma distinção sutil cujas fronteiras situam se muitas vezes numa zona de penumbra No campo constitucional a analogia pode se revelar muito importante19 Antes da regulação dos limites temáticos das medidas provisórias pela EC nº 322001 havia sólida doutrina sustentando que a lacuna constitucional em questão deveria ser suprida com o uso da analogia aplicandose o art 68 da Constituição que definia os limites para a edição de leis delegadas Argumentavase que se o constituinte proibira a expedição de normas pelo Executivo em determinados assuntos mesmo quando previamente autorizado pelo Parlamento ainda por mais razões deverseia considerálo impedido de editar normas sobre tais temas sem a obtenção da prévia autorização20 O uso da analogia constitucional tampouco é estranho à jurisprudência do STF No caso comentado no item anterior atinente à exigência de 10 anos de prática profissional para composição por advogados dos tribunais regionais eleitorais a Corte endossou o emprego da analogia para integração da lacuna constitucional constatada No domínio constitucional há quem afirme que a analogia só pode ser buscada no âmbito da própria Constituição21 A afirmação contudo não pode ser tomada de forma absoluta já que a natureza aberta do sistema constitucional não é compatível com a absoluta vedação do recurso a outras fontes extraconstitucionais para integração das suas lacunas Figurese um exemplo imaginário Suponhamos que um grupo criminoso interessado na aprovação de um determinado projeto de lei sequestrasse o filho de um parlamentar exigindo como condição para a libertação da criança que o político votasse a favor do ato normativo O parlamentar acaba cedendo à ameaça e o seu voto revelase essencial para a aprovação da norma Imediatamente depois da publicação da lei o caso vem à tona e passase a discutir a validade do ato normativo Será que ele é formalmente constitucional A Constituição não trata dos vícios de vontade dos parlamentares no processo legislativo matéria sob reserva de Constituição mas não parece que exista aqui um silêncio eloquente a significar que qualquer voto ainda que obtido mediante grave coação seja válido Seria repugnante ao espírito da Constituição considerar válida uma lei cuja aprovação tenha sido obtida por meio do sequestro do filho de um parlamentar Na hipótese entendemos que existe uma lacuna que pode ser suprida com o recurso ao Código Civil que trata da coação como vício de vontade arts 151 a 155 e a sua integração conduziria ao reconhecimento da inconstitucionalidade do ato normativo imaginado 133 Costume e convenção constitucional Como se sabe o costume é também uma fonte do Direito que não se esgota nas normas jurídicas produzidas pelo Estado O costume contribui para abertura do sistema jurídico intensificando a sua conexão com a realidade social subjacente A sua origem social e flexibilidade tornam o ordenamento jurídico mais permeável à realidade e aos valores socialmente compartilhados A doutrina em geral caracteriza o costume jurídico pela confluência de dois elementos o elemento objetivo que é a repetição habitual de um determinado comportamento e o elemento subjetivo que é a consciência social da obrigatoriedade desse comportamento22 No Direito Constitucional o costume também desempenha papel relevante Em Estados desprovidos de Constituição escrita como o Reino Unido ele é uma fonte constitucional decisiva ao lado das leis constitucionais esparsas aprovadas ao logo da história constitucional do país23 Em outros dotados de Constituição escrita que são a absoluta maioria no mundo contemporâneo o costume constitucional não tem a mesma proeminência mas ainda assim é admitido dentro de alguns limites como fonte constitucional subsidiária24 Na Itália por exemplo reconheceuse a validade do costume constitucional de aprovação pela Câmara dos Deputados de moção de desconfiança a único ministro e não a todo o gabinete de governo como prevê a Constituição Italiana25 A admissão do costume constitucional em países dotados de Constituição escrita e rígida suscita algumas perplexidades Afinal como a Constituição não regula nem teria como fazêlo a forma de produção e alteração do costume a sua admissão na seara constitucional implica numa certa relativização da rigidez da Lei Maior26 Sem embargo a necessária permeabilidade constitucional à realidade social subjacente justifica que com algumas cautelas se admita o costume também neste campo desde que ele não esteja em desacordo com os preceitos da Constituição nem tampouco ofenda os seus valores fundamentais27 Afinal a existência de uma Constituição formal não é incompatível com a presença no sistema constitucional de outros elementos nela não contidos e a rigidez não bloqueia a possibilidade dentro de alguns limites de mutação constitucional A doutrina aponta como exemplo de costume constitucional no Brasil a apro vação de algumas leis de caráter mais consensual por meio do chamado voto de liderança28 Quanto isto ocorre os projetos de lei não são votados no Plenário de cada casa legislativa por todos os parlamentares presentes pois os líderes de cada par tido na Câmara ou no Senado manifestamse em nome das respectivas bancadas Há contudo quem veja nesta prática uma afronta às regras constitucionais que disciplinam o processo legislativo29 O costume constitucional é dotado de superioridade hierárquica em face do direito infraconstitucional podendo fundamentar o exercício do controle de constitucionalidade dos atos normativos30 Por outro lado a sua porosidade às dinâmicas sociais e a ausência de regulação do seu processo de formação e mudança tornam o costume constitucional um dos principais instrumentos por meio dos quais se opera a mutação constitucional31 É certo porém que a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam com o costume contra legem que também pode ser chamado de contra constitutionem Portanto o costume por mais enraizado que seja jamais pode ser invocado como escusa para a violação da Constituição nem enseja a revogação de preceitos constitucionais Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das fontes do Direito já que ele se situa acima das normas infraconstitucionais mas mesmo quando superveniente não tem o condão de alterar o texto da Constituição Isto não significa dizer que no mundo real certas práticas francamente contrárias à Constituição não se estabeleçam criando raízes Um exemplo no Brasil ligase à presença ostensiva de símbolos religiosos católicos em repartições públicas inclusive no Plenário do Supremo Tribunal Federal em franca contradição com o princípio da laicidade do Estado CF art 19 I que veda que os Poderes Públicos se identifiquem inclusive simbolicamente com qualquer confissão religiosa ainda que majoritária32 Sem embargo em nenhuma hipótese devese entender que o costume contra legem pode se sobrepor ao que prescreve a Constituição nem tampouco que ele enseja a perda da validade da norma constitucional desrespeitada por desuso33 Na verdade o costume contra constitutionem é patologia constitucional a ser combatida não possuindo qualquer valor jurídico Os costumes constitucionais admissíveis são o secundum legem ou interpreta tivo e o praeter legem ou integrativo No primeiro caso optase por uma determinada interpretação da Constituição dentre as várias que o texto e o sistema franqueiam porque ela é endossada por costume jurídico cristalizado Cabe aqui contudo um breve registro Nem sempre a tradição que pode ser associada à ideia de costume apontará a melhor interpretação da Constituição A hipertrofia do valor da tradição na hermenêutica constitucional tende a converterse em elemento conservador de exclusão social e de manutenção de privilégios para as elites no cenário de uma sociedade em que se encontram tão arraigadas a desigualdade social e cultural34 Apenas o costume praeter legem ou praeter constitutionem diz respeito ao suprimento de lacunas Tratase de costume sobre matéria constitucional mas que não foi disciplinada pela Constituição O STF reconheceu a existência de costume constitucional no julgamento da ADIMC nº 64435 Tratavase de apreciar em sede cautelar a constitucionalidade de decreto estadual do Estado do Amapá que enquanto a Assembleia Legislativa do Estado encontravase reunida para elaboração da Constituição Estadual determinara que o ViceGovernador só substituiria o titular do Executivo no caso de afastamentos que perdurassem por mais de 15 dias A Corte suspendeu o ato normativo afirmando que além do vício formal ele também apresentava aparente inconstitucionalidade material Assentou inicialmente a existência de uma prática constitucional invariável que vem do Império atravessando os sucessivos regimes da República a impor a transferência do exercício do Governo ao VicePresidente E concluiu que embora fosse duvidoso o enquadramento do referido costume constitucional como princípio estabelecido de observância compulsória pelo constituinte estadual à falta de Constituição Estadual que disponha em contrário a fonte provisória de solução do problema há de ser o padrão federal no qual a imprecisão do texto constitucional foi precisada pela prática constitucional invariavelmente observada O texto constitucional federal em discussão era o art 79 segundo o qual substituirá o Presidente no caso de impedimento e o sucederá no de vaga o Vice Presidente Para o STF embora a Constituição Federal não tenha definido o que se considera como impedimento do Presidente formarase o costume constitucional na matéria no sentido de que o seu afastamento do cargo mesmo que por um único dia por motivos como viagem ao exterior e doença já ensejaria a posse do seu Vice Discutese em doutrina a força vinculante do costume constitucional Um caso sempre lembrado diz respeito ao costume constitucional que teria se formado nos Estados Unidos desde a sua independência no sentido de não se admitir mais de uma reeleição para o cargo de Presidente da República A existência do costume de mais de 150 anos não teria impedido o Presidente Roosevelt de quebrálo obtendo um terceiro e um quarto mandatos na década de 40 do século passado o que acabou levando o constituinte derivado norteamericano a positivar no próprio texto constitucional a vedação Emenda XXII aprovada em 195136 Há no Direito Constitucional Comparado um instituto conhecido como convenção constitucional37 que corresponde a uma espécie de costume constitucional desprovido de tutela judicial A convenção constitucional é uma categoria que se desenvolveu no constitucionalismo inglês que corresponde às práticas reiteradamente seguidas por órgãos estatais em questões de natureza eminentemente constitucional que não são impostas por nenhum texto escrito mas que são consideradas obrigatórias Como exemplos de convenção constitucional naquele país cabe citar a indicação como PrimeiroMinistro pelo monarca do líder do partido vencedor nas eleições para a Câmara dos Comuns a necessidade de que o PrimeiroMinistro seja sempre um membro da Câmara dos Comuns e de que todos os demais ministros do governo pertençam a essa ou à Câmara dos Lordes e a impossibilidade de veto real às leis salvo quando a Rainha tenha sido instruída a exercer tal prerrogativa pelo PrimeiroMinistro Entendese no Direito inglês que a ofensa a uma convenção constitucional apesar de atentar contra a ordem constitucional não pode ensejar qualquer reação jurisdicional38 muito embora produza graves consequências políticas Dizse por exemplo que no dia em que a Rainha vetar uma lei sem recomendação do seu PrimeiroMinistro ela estará precipitando o final da monarquia No Canadá em que como no Brasil há Constituição escrita e rígida adotouse o mesmo entendimento sobre a impossibilidade de proteção judicial das convenções constitucionais em importante caso em que se examinou a possibilidade de mudança na Constituição do país sem o consentimento da maior parte das suas províncias A Suprema Corte canadense foi provocada e apesar de ter reconhecido a existência de uma convenção constitucional na hipótese entendeu que não era suscetível de tutela judicial39 Num sistema que conte com uma Constituição escrita e rígida dotada de supremacia jurídica nenhuma convenção será válida se impuser qualquer ação ou omissão contrária à Constituição O que as convenções podem fazer é algo sutilmente diferente elas impõem relevantes restrições ao exercício de algum poder ou faculdade atribuída pela Constituição a algum órgão ou autoridade40 Neste sentido podese ver o surgimento do parlamentarismo à brasileira durante o 2º Reinado como uma espécie de convenção constitucional Na época Pedro II passou sistematicamente a nomear para o seu gabinete representantes do partido que obtivera maioria nas últimas eleições parlamentares Tal obrigação não estava prevista na Carta de 1824 que dava ao Imperador a faculdade de escolher livremente os seus ministros mas foi se criando na cultura política do país o sentimento de que se o monarca agisse de forma diferente desconsiderando o resultado eleitoral ele estaria violando os seus deveres constitucionais41 Porém seria impensável naquele cenário levar a questão ao Judiciário caso nosso Imperador não honrasse a referida tradição Um exemplo de convenção constitucional que se formou no Brasil sob a égide da Constituição de 88 diz respeito à escolha do Presidente do Supremo Tribunal Federal A Constituição Federal não tem regra específica sobre a escolha do Chefe do Poder Judiciário brasileiro mas prevê a competência dos tribunais em geral para elegerem seus órgãos diretivos art 96 I a O Regimento Interno do STF art 2º Parágrafo único por sua vez estabelece que todos os ministros participam da eleição que escolhe o Presidente da Corte para mandato de dois anos Contudo formouse uma prática não escrita na Corte extremamente salutar no sentido de que a escolha deve respeitar um rodízio entre os Ministros no qual se aplica o critério da antiguidade Todas as eleições para o cargo realizadas desde a Carta de 88 tiveram natureza meramente formal homologando na prática o resultado decorrente da aplicação de tal critério que é reputado essencial por evitar uma excessiva polarização na Corte que poderia resultar de disputas eleitorais entre os seus componentes A hipótese envolve uma típica convenção constitucional cujo efeito prático é constranger a liberdade atribuída pelo texto constitucional aos ministros do STF de elegerem livremente o seu Presidente A observância desta convenção constitucional não é meramente facultativa Contudo não existira a possibilidade de impugnação judicial a uma eventual decisão do STF que deixasse de cumprila As consequências desta hipótese sui generis de inconstitucionalidade seriam puramente políticas42 134 A equidade constitucional Não é incomum que os casos concretos apresentem particularidades que não foram previstas pelo legislador A equidade é o instituto jurídico que autoriza o intér prete a adaptar o direito vigente a essas necessidades buscando retificar injustiças ou inadequações mais graves A discussão sobre a equidade remonta a Aristóteles43 que a comparou à régua de Lesbos uma régua maleável que se adapta às reentrâncias e irregularidades dos objetos para medilos com mais precisão Diferentemente das leis que seriam como as réguas rígidas a equidade teria flexibilidade para se amoldar às singularidades de cada caso buscando a justiça particular para cada situação A equidade pode ser empregada para auxiliar na interpretação das normas legais e para corrigir a lei quando a aplicação dessa se revelar profundamente injusta ou inadequada às singularidades do caso concreto Neste último sentido ela é associada à suavização dos comandos legais de forma benéfica aos seus destinatários Mas a equidade também pode ser utilizada para preencher as lacunas da lei integrando o ordenamento44 Esta distinção entre equidade secundum legem contra legem e praeter legem clara na teoria não é tão nítida na prática pois as lacunas a que a equidade é convocada a colmatar são quase sempre lacunas ocultas Ou seja são aquelas lacunas que não decorrem propriamente da ausência de norma legal disciplinando uma hipótese mas da percepção pelo intérprete de que a norma incidente deixou de contemplar um aspecto essencial do caso cuja consideração pelo legislador teria conduzido a tratamento jurídico distinto Diferentemente da analogia e dos costumes a equidade não está prevista no art 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro como meio de integração de lacunas No ordenamento infraconstitucional brasileiro a principal alusão à equidade se encontra no art 127 do Código de Processo Civil segundo o qual o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei Esta reticência do nosso legislador infraconstitucional em relação à equidade se explica diante do predomínio até não muito tempo atrás de uma concepção jurídica formalista que enxergava com grande mávontade qualquer possibilidade de criação judicial do Direito em razão de uma leitura ortodoxa do princípio da separação de poderes No formalismo legalista a equidade que tivera o seu auge no Direito Romano foi relegada a um papel menor45 Contudo ao longo século passado floresceram em diferentes contextos históricos e com impostações políticofilosóficas heterogêneas várias correntes que valorizaram ao extremo a liberdade decisória do juiz na busca da solução mais justa ou adequada para cada caso como a Escola do Direito Livre na França o realismo jurídico norteamericano a tópica jurídica alemã e no Brasil algumas versões do movimento conhecido como Direito Alternativo Tais correntes contudo incor reram em excessos por não atribuírem a importância devida à exigência de previ sibilidade e segurança jurídica inerente ao Estado de Direito nem tampouco à necessidade de legitimação democrática do processo de criação do Direito que fundamenta a primazia do Parlamento na elaboração das normas jurídicas O debate sobre hermenêutica jurídica encontrase hoje muito longe de qualquer equacionamento definitivo que provavelmente nunca virá mas as posições mais aceitas e razoáveis são as que se situam entre os dois extremos representados pela negação da criação judicial do Direito e pela rejeição da vinculação do intérprete às normas positivas em vigor Neste cenário surge para a equidade um espaço maior do que o ocupado no apogeu do positivismo formalista sem que ela se converta todavia no meio ordinário de regulação social e de resolução de conflitos jurídicos Na seara constitucional um uso importante da equidade dáse no afastamento da incidência de certos atos normativos infraconstitucionais que conquanto válidos em geral se revelem flagrantemente inadequados ou injustos quando aplicados a determinados casos específicos compreendidos no seu campo de incidência Neste sentido a doutrina nacional a partir das lições de Humberto Ávila tem aludido à equidade como uma das dimensões do princípio da razoabilidade46 O autor gaúcho forneceu um exemplo interessante da jurisprudência administrativa do Conselho de Contribuintes47 Normas tributárias federais dispensam tratamento favorecido para empresas de pequeno porte que não efetuem operações de importação Uma pequena fábrica de sofás fora excluída pela Receita Federal do regime fiscal em questão tão somente por ter apenas uma vez importado os pés de um único sofá A decisão foi revertida pelo Conselho dos Contribuintes que não a considerou razoável A equidade também pode ser usada para suprir lacunas da Constituição ou temperar em circunstâncias excepcionais o rigor das suas regras Vejamos dois casos do STF O primeiro foi examinado na ADI nº 1289448 proposta contra Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público do Trabalho CNMPT que permitira a composição da lista para ingresso nos Tribunais Regionais do Trabalho de membros do MP com menos de 10 anos de exercício caso não houvesse quantidade suficiente de candidatos que satisfizessem este requisito De acordo com a Constituição os membros do MP que concorrem à lista para ingresso nos tribunais devem sempre contar com mais de 10 anos de carreira art 115 cc art 94 CF Tratase de uma típica regra constitucional cujo texto não prevê qualquer exceção Sem embargo a Corte entendeu que nas circunstâncias do caso a exigência que tal regra contém deveria ceder É que naquela época a quantidade de Procuradores do Trabalho em exercício há mais de 10 anos tornava quase certo que não se conseguiria em muitos casos formar a lista em questão caso a exigência fosse mantida Para a Corte haveria no caso uma lacuna uma vez que o constituinte não previra nenhuma solução para aquela hipótese e esta havia sido preenchida corretamente pela decisão do CNMPT 49 Mais importante do que cumprir a exigência mínima de experiência imposta pela Constituição seria assegurar a composição plural dos TRTs por meio da garantia de vagas ao Ministério Público bem como proteger a liberdade de cada tribunal e do Chefe do Executivo na escolha dentre os integrantes da lista50 Outro caso interessante foi apreciado no Mandado de Segurança nº 2669051 em que a Corte afastou a aplicação da regra constitucional que exige a comprovação de três anos de atividade jurídica para ingresso nas carreiras do Ministério Público art 129 3º CF O STF permitiu a posse no cargo de Procurador da República de candidata que não comprovara tal requisito mas que anteriormente ao concurso já desempenhava a função de Promotora de Justiça no qual tomara posse antes da aprovação da EC nº 452004 que instituiu a exigência em questão A Corte entendeu que o caso era excepcionalíssimo pois não faria sentido negar a um membro do Ministério Público a possibilidade de concorrer a cargo em outra carreira da instituição haja vista o princípio constitucional da unidade do MP Em diversos votos proferidos no STF pelo Ministro Eros Grau empregouse a teoria do estado de exceção para justificar a não aplicação de regras constitucionais a casos em que pelo seu texto deveriam incidir mas nos quais a presença de circunstâncias excepcionais justificariam o respectivo afastamento52 Algumas dessas decisões poderiam ser explicadas por meio do recurso à ideia de equidade ao invés da teoria do estado de exceção Não nos parece apropriado sobretudo em momentos de normalidade institucional53 como os que o Brasil hoje vivencia atribuir ao STF o poder soberano no sentido de Carl Schmitt54 de suspender a força de normas jurídicas para instaurar a exceção Esta linha argumentativa além de desnecessária pode revelarse perigosa se manejada por quem não tenha os mesmos compromissos democráticos do Ministro Eros Grau De qualquer forma é recomendável uma postura de grande parcimônia e de autocontenção no uso da equidade constitucional É que em geral este uso envolve a não aplicação de alguma regra constitucional que não fosse o reconhecimento de lacuna oculta incidiria sobre a hipótese E como já salientado anteriormente55 só em hipóteses excepcionalíssimas se deve admitir o afastamento de regras constitucionais sob pena de se submeter a força normativa da Constituição a valorações nem sempre confiáveis dos juízes e demais intérpretes Ademais não se deve conceber a equidade como o instrumento para que cada intérprete inscreva na Constituição as suas preferências valores e idiossincrasias Não se nega por óbvio que a equidade envolve por definição atividade criativa do operador jurídico mas a criação do Direito deve estar sempre pautada pelo sistema constitucional norteandose pelo seu espírito e pelos seus valores fundamentais sob pena de subversão do Estado Democrático de Direito 135 A inexistência de hierarquia entre os critérios para suprimento de lacunas constitucionais Discutese em doutrina se haveria ou não uma ordem obrigatória entre os instrumentos para a integração do Direito Diversos comentadores do art 4º da antes denominada Lei de Introdução do Código Civil sustentam que a disposição das palavras no respectivo texto expressaria uma ordem de preferência56 De acordo com essa posição primeiro o intérprete deve recorrer à analogia se esta não for possível ele passa aos costumes e se nem uma nem o outro resolverem o caso vai aos princípios gerais de Direito Se a tese já nos parece bastante discutível fora do domínio constitucional nesse ela não é minimamente sustentável Em primeiro lugar porque ainda que o artigo 4º estabelecesse essa ordem de preferência ela não seria só por isso obrigatória no campo constitucional Afinal não é papel do legislador infraconstitucional definir de forma vinculante como se deve interpretar e aplicar norma que lhe é hierarquicamente superior Ademais a complexidade do domínio empírico sobre o qual recai a Cons tituição aliada à dimensão política dos seus preceitos e valores torna inviável qualquer tentativa de estabelecer critérios absolutamente rígidos para a interpretação ou integração dos seus preceitos Não se trata de endossar a recusa ao método como defendem alguns autores inspirados na tradição da hermenêutica filosófica de Gadamer57 Entendemos que o método é importante para reduzir o arbítrio e a chance de erro do intérprete ampliar a possibilidade de controle social sobre a sua atividade e gerar maior a previsibilidade para o cidadão Porém no domínio da interpretação jurídica sobretudo da interpretação constitucional não há espaço para a construção de metodologia tão inflexível que não deixe espaço para que se valorem as especificidades de cada situação bem como as exigências de Justiça impostas pelo sistema constitucional na definição do meio de integração de lacuna constitucional mais apropriado a cada caso 1 A ideia da completude do ordenamento jurídico é associada ao positivismo formalista desenvolvido no âmbito dos países do sistema romanogermânico tanto na versão francesa da Escola da Exegese como na versão germânica da jurisprudência dos conceitos e se vincula também ao dogma cada vez mais questionável da necessária estatalidade do Direito Vejase sobre o tópico BOBBIO Norberto Teoria do ordenamento jurídico p 115160 LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 363400 GUASTINI Riccardo Das fontes às normas p 173184 2 Cabem aqui dois breves registros O primeiro é no sentido de que em qualquer sociedade existem os chama dos espaços vazios de Direito e estes não são equiparáveis às lacunas Há espaço vazio de Direito quando o ordenamento não cuida de determinadas questões não por uma falha sua mas porque não se considera apropriado ou legítimo fazêlo O assunto fica sem disciplina jurídica ainda que seja eventualmente regu lado em outras esferas sociais como a estética a das regras de cortesia a religiosa etc O ordenamento jurídico da maior parte dos países não trata por exemplo da forma como as pessoas devem se cumprimentar nem disciplina a quantidade de banhos que cada um deve tomar o que não pode ser considerado uma lacuna Vejase a propósito LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 364 ZAGREBELSKY Gustavo Manuale di diritto costituzionale Il sistema delle fonti del diritto p 79 80 O segundo registro é no sentido de que as lacunas algumas vezes resultam não propriamente da ausência de regulação jurídica de um assunto mas da percepção de que a regulação prima facie incidente sobre uma determinada situação deixou de contemplar uma singularidade importante cuja consideração certamente levaria a resultado diferente Há uma dissonância entre aquela incidência normativa e o sistema jurídico como um todo que não pode ser imputada à intenção legal Seria o caso de uma norma jurídica que vedasse o ingresso de cães numa estação de metrô mas deixasse de consagrar uma exceção para os cãesguia que ajudam os deficientes visuais na sua locomoção não por uma decisão do legislador mas simplesmente porque não se cogitou da hipótese na formulação da norma em questão Esta hipótese é chamada por alguns autores de lacuna oculta Cf LARENZ Karl Metodología de la ciencia del derecho p 370 3 É certo que fatores diversos podem levar o poder constituinte a positivar na Constituição normas não tão importantes o que sem dúvida ocorreu na Constituição de 88 4 De acordo com Canotilho a reserva de Constituição significa que determinadas questões respeitantes ao estatuto jurídico do político não devem ser reguladas por leis ordinárias mas pela constituição Direito constitucional e teoria da Constituição p 241 Para o autor lusitano a ideia de reserva de constituição aponta para a existência de certos núcleos de matérias que de acordo com o espírito do tempo e a consciência jurídica geral da comunidade devem estar normativamente contemplados na lei proeminente desta comunidade o que ele associa aos princípios fundamentais que especificam a estrutura geral do governo e do processo político poderes do legislativo executivo e do judiciário princípio da regra majoritária e pelos direitos de liberdade e igualdade básicos de um cidadão que as maiorias legislativas devem respeitar p 1015 5 ADI nº 3510 Rel Min Carlos Britto DJe 27 maio 2010 6 No mesmo sentido vejase CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição Sobre o papel da Constituição como reserva de Justiça vejase VIEIRA Oscar Vilhena A Constituição e sua reserva de justiça um ensaio sobre limites materiais ao poder de reforma 7 Ressaltese que tampouco seria possível a edição de lei complementar para disciplina do tema É que de acordo com entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado só cabe a edição de lei complementar para tratar de assuntos que o próprio constituinte tenha reservado à legislação complementar E não há na Carta de 88 qualquer previsão para edição de lei complementar nesta matéria 8 PERELMAN Chaïm Lógica jurídica nova retórica p 105107 9 RMS nº 24334PB Rel Min Gilmar Mendes DJ 26 ago 2005 10 Cf MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 237 11 Cf BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 134 12 Cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo 2 ed p 129 Há quem diferencie a interpretação constitucional da construção salientando o caráter mais vinculado da primeira em relação à segunda Para nós a construção não deixa de ser interpretação constitucional já que se trata de atividade destinada à atribuição de sentido às normas constitucionais No mesmo sentido vejase FERRAZ Ana Cândida da Cunha Processos informais de mudança da Constituição p 4748 13 Vejase WHITTINGTON Keith E Constitutional Construction Divided Powers and Constitutional Meaning TRIBE Laurence H The Invisible Constitution 14 Griswold v Connecticut 381 US 479 1965 15 Na ocasião chegouse a cogitar na assunção interina da Presidência da República pelo então Presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães que convocaria novo pleito Cf BONAVIDES Paulo ANDRADE Paes de História constitucional do Brasil p 446 Acabou prevalecendo a tese mais correta sob o ângulo constitucional 16 Sobre a relação entre os princípios gerais de Direito e a Constituição cf FLORESVALDÉS Joaquin Arce y Los princípios generales del derecho y su formulación constitucional Sobre a normatividade dos princípios vejase o Capítulo 9 17 Cf MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e aplicação do direito p 210 FERRARA Francesco Interpretação e aplicação das leis 2 ed p 59 18 Cf SCHAUER Frederick Thinking Like a Lawyer a new Introduction to Legal Reasoning p 9394 19 Cf SUNSTEIN Cass R Legal Reasoning and Political Conflict p 7983 20 Neste sentido cf SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 10 ed p 459 CLÈVE Clèmerson Merlin Medidas provisórias p 7778 21 Cf MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 236 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 139 22 Cf REALE Miguel Lições preliminares de direito p 158 HESPANHA António Manuel O caleidoscópio do direito o direito e a justiça nos dias de hoje p 461462 23 No Reino Unido há também importantes fontes constitucionais de origem não costumeira as leis cons titucionais a primeira delas foi a Magna Carta de 1215 e muitas outras se seguiram até o Constitutional Reform Act de 2005 e os precedentes judiciais Aliás como se analisará em seguida não se fala no Reino Unido em costume mas em convenção constitucional E lá se considera que as convenções constitucionais conquanto de observância obrigatória não são suscetíveis de proteção judicial no caso de descumprimento Vejase a propósito BARNETT Hilaire Constitutional and Administrative Law p 1950 24 Cf GARCIA Emerson Conflito entre normas constitucionais esboço de uma teoria geral p 224232 25 Cf DE VERGOTTINI Giuseppe Diritto costituzionale p 251 26 Cf VEGA Pedro de La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente p 195200 SILVA José Afonso da Mutações constitucionais In SILVA José Afonso da Poder constituinte e poder popular p 294297 27 No mesmo sentido vejase MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 93106 FERRAZ Ana Cândida da Cunha Processos informais de mudança da Constituição p 182198 28 Cf BARROSO Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a cons trução do novo modelo p 135 29 Neste sentido vejase PERTENCE José Paulo Sepúlveda Voto de liderança Revista de Direito Público n 76 p 57 et seq 30 Nesse sentido salientou Pontes de Miranda É preciso terse sempre em vista que a regra jurídica nãoescrita de direito constitucional corta a legislação ordinária que dela discrepe como a cortaria a regra escrita de direito constitucional Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969 p 301 31 Sobre a mutação constitucional vejase o Capítulo 8 32 A questão da presença de crucifixos nos tribunais foi levada ao Conselho Nacional de Justiça por meio do Pedido de Providências nº 1344 por meio do qual a ONG Brasil para Todos buscava decisão que vedasse esta prática O CNJ rejeitou o pedido em decisão proferida em 2007 No voto do Relator Conselheiro Oscar Argollo um dos argumentos invocados em favor da presença dos crucifixos nos tribunais foi exatamente o costume A cultura e tradição fundamentos da nossa evolução social inseridas numa sociedade oferecem aos cidadãos em geral a exposição permanente de símbolos representativos com os quais convivemos pacificamente vg o crucifixo o escudo a estátua etc Portanto se o costume é a palavra chave para a compreensão dos conceitos de ética e moral a tradição se insere no mesmo contexto uma vez que deve ser vista como um conjunto de padrões de comportamentos socialmente condicionados e permitidos E não podemos ignorar a manifestação cultural da religião nas tradições brasileiras que hoje não representa qualquer submissão ao poder clerical Sobre esta questão com análise crítica da decisão do CNJ vejase SARMENTO Daniel O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado In SARMENTO Daniel Por um constitucionalismo inclusivo história constitucional brasileira teoria da Constituição e direitos fundamentais p 161178 33 Não obstante na França durante o período da III República 18751946 ocorreu fenômeno caracterizado pela doutrina do país como costume constitucional contra legem que teria levado ao desuso ou dessuetude de norma constitucional A Constituição de 1875 atribuía ao Presidente da República com a autorização do Senado a faculdade de dissolver a Câmara dos Deputados A falta de uso desta prerrogativa associada ao reconhecimento geral da sua inconveniência acabou gerando a crença no meio jurídico e político de que a norma constitucional que reconhecia esta faculdade não poderia mais ser aplicada Vejase a propósito BURDEAU Georges HAMON Francis TROPER Michel Droit constitutionnel p 6466 34 Neste sentido criticando o peso do argumento da tradição na interpretação dos direitos fundamentais vejase ELY John Hart Democracy and Distrust a Theory of Judicial Review p 6063 SUNSTEIN Cass R Designing Democracies What Constitutions Do p 6794 35 ADIMC nº 644 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 21 fev 1992 36 Cf LOEWENSTEIN Karl Teoría de la Constitución 37 A expressão convenção constitucional foi cunhada por A V Dicey em obra clássica do Direito Constitucional inglês intitulada Introduction to the Study of the Law of the Constitution Publicada originalmente em 1883 38 Esta concepção tradicional de que não haveria qualquer remédio judicial para a ofensa às convenções constitucionais foi reafirmada em dois julgamentos mais recentes do Judiciário inglês Attorney General v Jonathan Cape Ltd 1976 1 QB 752 e Manuel v Attorney General 1983 Ch 77 39 O caso conhecido como Patriation Reference foi julgado em 1981 40 Neste sentido HOGG Peter W Constitutional Law of Canada p 7 41 Não obstante é certo que Pedro II afastou três gabinetes que contavam com respaldo da maioria parlamentar valendose da faculdade conferida ao Poder Moderador de dissolver a Câmara e convocar novas eleições nas quais obteve a nova maioria que desejava Isto ocorreu em 1843 1858 e 1868 42 Tal afirmação pode soar paradoxal para a ortodoxia constitucional brasileira da atualidade Na teoria cons titucional brasileira contemporânea há dificuldade em dissociar a ideia de Constituição da possibilidade de tutela jurisdicional das suas normas Por razões históricas compreensíveis o discurso constitucional que se ergueu no país após o advento da Constituição de 88 foi no sentido de afirmação da ilimitada possibilidade de garantia judicial da Constituição Tratouse de uma estratégia voltada ao louvável propósito de buscar a efetivação da Constituição no afã de superar uma crônica disfunção dos nossos sistemas jurídico e político nos quais as constituições representavam pouco mais do que fachadas para o exercício do poder que se portava de forma quase sempre indiferente em relação às prescrições constitucionais Porém nossa opinião é de que o fenômeno constitucional tem uma dimensão política que não cabe inteiramente na jurisdição cons titucional O instituto da convenção constitucional situase exatamente nessa zona eminentemente política e não jurisdicional do domínio constitucional Para uma defesa equilibrada da tese de que a Cons tituição vai além do campo acessível à jurisdição constitucional apesar da irrecusável relevância dessa última para proteção e promoção dos valores constitucionais vejase SAGER Lawrence G Justice in Plainclothes a Theory of American Constitutional Practice 43 Vale a pena reproduzir o texto clássico de Aristóteles sobre a equidade O que faz surgir o problema é que o equitativo é justo porém não o legalmente justo e sim uma correção da justiça legal A razão disto é que toda lei é universal mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta Nos casos pois em que é necessário falar de modo geral mas não é possível fazêlo corretamente a lei considera o caso mais usual se bem que não ignore a possibilidade de erro E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto pois o erro não está na lei nem no legislador mas na natureza da própria coisa já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza Portanto quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal é justo uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade corrigir a omissão em outras palavras dizer o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso Por isso o equitativo é justo superior a uma espécie de justiça não à justiça absoluta mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal É essa a natureza do eqüitativo uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade Ética a Nicômaco p 136 44 Sobre os diferentes usos da equidade vejase ASCENSÃO José de Oliveira O direito introdução e teoria geral p 186190 MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e aplicação do direito p 172175 45 Sobre a trajetória histórica da equidade cf MANAÏ Dominique Equidade In ARNAUD André Jean Dir Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito p 309312 46 Cf ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 154157 BUSTAMANTE Thomas R A razoabilidade na dog mática jurídica contemporânea In BUSTAMANTE Thomas R Teoria do direito e decisão racional temas de teoria da argumentação jurídica p 315319 47 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios p 156 O autor cita o Processo nº 13030000219914 2º Conselho dos Contribuintes 2ª Câmara sessão de 18102000 48 Emb Inf na ADI nº 12894 Rel Min Gilmar Mendes DJ 27 fev 2004 49 De acordo com o Min Gilmar Mendes a regra constitucional em questão contém uma lacuna a nãoregu lação das situações excepcionais existentes na fase inicial de implementação do novo modelo constitucional Não tendo a matéria sido regulada em disposição transitória parece adequado que o próprio intérprete possa fazêlo em consonância com o sistema constitucional 50 Nas palavras do Min Gilmar Mendes Muito mais distante da vontade constitucional seria a composição do Tribunal sem a participação dos integrantes do Ministério Público Da mesma forma a composição da lista com número inferior ou estabelecido constitucionalmente afetando o modelo já restrito de liberdade de escolha Não há dúvida pois que entre os caminhos possíveis de serem trilhados escolheu a Resolução aquele que mais se aproxima da integridade da decisão constitucional 51 MS nº 26690 Rel Min Eros Grau DJe 18 dez 2008 52 Vejase exemplificativamente a argumentação do Ministro Eros Grau no julgamento do RE nº 5979946 em que se discutiu a possibilidade de que promotora de justiça se candidatasse à reeleição para prefeitura de um município posteriormente à promulgação da EC nº 4504 que vedou qualquer atividade políticopartidária aos membros do MP que ingressaram na carreira após a Constituição de 88 antes da EC nº 45 2004 entendiase que os membros do MP podiam candidatarse desde que se licenciassem previamente Em voto acolhido pela Corte o Ministro ressaltou a excepcionalidade do caso pelo fato de que a promotora já era prefeita quando adveio a EC nº 4504 e a Constituição faculta a candidatura à reeleição para a Chefia do Executivo Isto justificaria que se reconhecesse a não incidência da vedação constitucional em discussão o que Eros Grau fundamentou na ideia do estado de exceção A exceção é o caso que não cabe no âmbito de normalidade abrangido pela norma em geral A norma geral deixaria de sêlo deixaria de ser geral se a contemplasse Da exceção não se encontra alusão no discurso da ordem vigente Definese como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem Ela está no direito ainda que não se encontre nos textos normativos do direito positivo O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado de normalidade zona de indiferença no entanto capturada pelo direito De sorte que não é a exceção que se subtrai à norma mas ela que suspendendose dá lugar à exceção somente desse modo ela se constitui como regra mantendose em relação com a exceção Daí que ao Judiciário sempre que necessário incumbe decidir regulando também estas situações exceção DJe 6 ago 2009 A mesma linha argumentativa foi seguida em diversos outros votos do Min Eros Grau como os proferidos na Recl nº 353 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 27 out 2006 ADI nº 2240 Rel Min Eros Grau DJe 9 maio 2007 ADI nº 3316 Rel Min Eros Grau DJe 29 jun 2007 ADI nº 3489 Rel Min Eros Grau DJe 29 jun 2007 HC nº 94916 Rel Min Eros Grau DJe 12 dez 2008 53 Não se ignora a teoria do estado de exceção do filósofo Giorgio Agamben que sustenta a ideia de que mesmo no contexto de normalidade institucional o estado de exceção subsiste Esta concepção pode até ser apropriada para descrever hipóteses como a de violação sistemática de direitos humanos em favelas e comunidades carentes e de anomia nos presídios espaços que o Estado de Direito muitas vezes não consegue alcançar mesmo no contexto de regimes políticos formalmente democráticos Contudo esta teoria não pode ser empregada como fundamento para atribuição aos tribunais do poder de suspender a aplicação de normas constitucionais vigentes instaurando a exceção como se fossem soberanos sob pena de legitimação de verdadeira tirania judiciária Giorgio Agamben tratou do tema em Estado de exceção p 1149 e Homo Sacer o poder soberano e a vida nua I p 2375 54 Carl Schmitt certamente o mais importante representante do autoritarismo no pensamento constitucional moderno elaborou conhecida definição de soberania soberano é quem decide sobre o estado de exceção Teologia política p 7 55 Vejase o Capítulo 12 56 Cf CHAVES Cristiano ROSENVALD Nelson Direito civil teoria geral p 54 57 Na doutrina brasileira o mais destacado jurista desta linha teórica é Lenio Streck Vejase a propósito STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituição hermenêutica e teorias discursivas Para uma erudita abordagem crítica desta concepção cf SAMPAIO José Adércio Leite Adeus aos métodos Hermenêutica prag mática e argumentação constitucional In ROCHA Fernando Luis Ximenes MORAES Filomeno Coord Direito constitucional contemporâneo estudos em homenagem a Paulo Bonavides p 362437 CAPÍTULO 14 DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 141 Introdução O direito intertemporal lida com o conflito de leis no tempo Ele busca solu cionar os problemas que surgem em decorrência da sucessão de normas definindo a esfera de incidência de cada uma delas Assim como ocorre com as normas jurí dicas em geral a aplicação da Constituição também pode suscitar questões de direito intertemporal É verdade que o exercício do poder constituinte originário representa pelo menos sob o ângulo formal1 uma ruptura em relação ao ordenamento jurídico pretérito Teoricamente seria como se o Estado e o Direito recomeçassem do zero rompendo com passado Contudo esta construção apoiada no dogma da inicialidade do poder constituinte originário2 não é suficiente para o equacionamento de todos os problemas que podem surgir envolvendo a aplicação das normas constitucionais no tempo Isto porque nem o advento de nova Constituição cancela todo o direito anterior nem estamos lidando apenas com a aplicação de normas produzidas pelo poder constituinte originário tendo em vista que as emendas constitucionais também podem suscitar questões de direito intertemporal Ademais a tutela da segurança jurídica valor encarecido pelas constituições democráticas como a brasileira de 1988 pode eventualmente apontar para solução diversa daquela representada pela automática incidência da Constituição em vigor sobre situações que tiveram origem antes da sua promulgação No presente capítulo examinaremos as principais questões que envolvem o Direito Constitucional Intertemporal 142 A aplicação imediata da Constituição e a proteção do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada Uma ideia básica em matéria de direito intertemporal é a irretroatividade das normas jurídicas Buscase com a irretroatividade salvaguardar um dos valores mais caros ao Direito a segurança jurídica3 Afinal se as normas pudessem incidir livremente sobre o passado haveria incerteza e instabilidade social que prejudicariam a capacidade das pessoas de planejarem e organizarem as suas vidas e atividades de acordo com o direito em vigor Esta previsibilidade tutelada pela irretroatividade normativa é essencial à fruição da liberdade e pode ser associada à ideia de Estado de Direito4 e até mesmo ao princípio da dignidade da pessoa humana5 A tradição no Direito brasileiro não é consagrar propriamente a irretroatividade das leis mas sim proibir a incidência das normas quando importar em ofensa ao direito adquirido ao ato jurídico perfeito ou à coisa julgada Foi assim nas Constituições de 1934 1946 1967 19696 e se manteve a fórmula na Constituição de 1988 que apenas vedou expressamente a retroatividade em matéria penal a não ser para beneficiar o acusado e tributária respectivamente no seus art 5º XL e 150 III a Em matéria de Direito Intertemporal o preceito essencial da Carta de 88 é o art 5º inciso XXXVI segundo o qual a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada7 8 Ao atribuir estatura constitucional a tal mandamento o constituinte originário erigiu limitação oponível a todas as leis inclusive àquelas de ordem pública9 Neste particular o Direito brasileiro afastouse de outros modelos como o francês e o italiano em que a norma de regência do conflito de leis no tempo foi acolhida em sede legislativa dando ensejo à criação de exceções ditadas discricionariamente pelo legislador ordinário na edição de normas cogentes Não se almeja aqui enveredar pelas intermináveis polêmicas a propósito dos critérios de resolução de conflitos de direito intertemporal Sobre esta matéria existem inúmeros posicionamentos doutrinários divergentes10 cabendo apenas registrar muito sucintamente que o entendimento dominante no país adotado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal11 é no sentido de que o nosso ordenamento filiouse à teoria subjetiva que teve no italiano Francesco Gabba o seu maior expoente a qual se centra na noção de direito adquirido De acordo com conhecida definição de Gabba é adquirido todo o direito que a é consequência de um fato idôneo a produzilo em virtude da lei do tempo no qual o fato se realizou embora a ocasião de fazêlo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo e que b nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina passou a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu12 13 Segundo esta concepção a proteção conferida ao direito adquirido impede não apenas a incidência da lei superveniente sobre fatos passados retroatividade máxima como também a sua aplicação sobre efeitos pendentes retroatividade média e futuros retroatividade mínima de atos praticados no passado14 Portanto se no ordenamento brasileiro uma nova lei proibir determinado tipo de cláusula num contrato de trato sucessivo ela não poderá incidir nem mesmo sobre os efeitos pendentes e futuros dos contratos celebrados anteriormente à sua edição Considerase que tais efeitos consubstanciam direitos adquiridos que devem ser salvaguardados da aplicação da nova lei Só os contratos celebrados após a vigência da lei superveniente serão colhidos pelos respectivos efeitos No entanto a garantia constitucional do direito adquirido não representa obstáculo para a alteração de institutos ou regimes jurídicos objetivos mas tão somente para a supressão dos benefícios deles decorrentes que já tenham sido validamente incorporados ao patrimônio jurídico dos indivíduos15 Assentadas estas premissas cabe analisar em que medida elas se aplicam à incidência da própria Constituição As constituições têm em regra aplicação imediata passando a vigorar logo após o seu advento Este princípio não impede que o próprio constituinte opte por retardar a eficácia de toda a Constituição instituindo uma espécie de vacatio legis constitucional ou de algumas de suas normas essa última hipótese ocorreu na Constituição de 88 como se observa por exemplo nos arts 5º e 34 do ADCT que adiaram a eficácia de dispositivos inseridos no corpo permanente do texto constitucional Tampouco a afirmação da aplicabilidade imediata é incompatível com o reconhecimento do fato de que alguns dispositivos constitucionais podem carecer de regulamentação para a produção da plenitude dos seus efeitos16 É entendimento doutrinário praticamente incontroverso17 endossado também pela jurisprudência do STF 18 que o poder constituinte originário não é obrigado a respeitar o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada podendo até mesmo dispor sobre o passado Esta posição pode ser fundamentada na concepção tradicional do poder constituinte como juridicamente ilimitado19 Contudo não é preciso adotar a tese da ilimitação do poder constituinte originário para avalizar tal conclusão É possível entender como nós que existem limitações jurídicas ao exercício do poder constituinte originário20 mas não situar dentre elas o respeito a todos os direitos adquiridos ou judicialmente reconhecidos no passado21 Na verdade o reconhecimento de um limite tão amplo para o poder constituinte esvaziáloia excessivamente subtraindo qualquer possibilidade do povo e das gerações futuras de romperem com um passado do qual queiram se libertar Esta seria uma posição teórica profundamente conservadora por suprimir qualquer caminho jurídico inclusive o mais radical dentre eles para alteração do status quo Portanto o poder constituinte originário pode suprimir direitos adquiridos e desconsiderar atos jurídicos perfeitos ou a coisa julgada É o que ocorreu na Constituição de 1988 por exemplo com os benefícios antes atribuídos a servidores ativos e inativos e que já haviam se incorporado ao seu patrimônio jurídico Como dispõe o art 17 do ADCT os vencimentos a remuneração as vantagens e os adicionais bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes não se admitindo neste caso invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título Há porém controvérsia relevante sobre a incidência da Constituição no tempo quando o texto constitucional for omisso De um lado há autores que sus tentam que no silêncio da Constituição presumese que as suas normas não prejudicam o direito adquirido o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada22 Afinal argu mentam seria paradoxal que numa ordem constitucional preocupada com a proteção da segurança jurídica e com a contenção do arbítrio estatal se adotasse como regra a possibilidade de que a incidência da própria Constituição vulnerasse direitos licita mente conquistados ou situações já juridicamente cristalizadas Do outro lado corrente diversa advoga a tese de que a nova Constituição atinge em regra efeitos futuros de atos que lhe são anteriores retroatividade mínima independentemente de previsão expressa não estando essa incidência limitada pelo respeito ao direito adquirido ao ato jurídico perfeito ou à coisa julgada23 É verdade dizem os adeptos desta posição que o poder constituinte pode prever tanto a aplicação da Constituição sobre o passado como excepcionar da sua incidência direitos adquiridos ou outras situações já consolidadas Mas diante da sua omissão prevaleceria como regra geral a incidência imediata da Constituição com retroatividade mínima A posição do STF na matéria não é imune a críticas Inicialmente o Tribunal inclinavase no sentido de que apenas em caso de previsão expressa poderseia aplicar uma nova Constituição a efeitos de atos passados desprezando direitos anteriormente adquiridos Nesta linha ficou conhecida a manifestação do Ministro Aliomar Baleeiro em julgamento ocorrido em 1973 aceito que uma Constituição possa fazer do quadrado redondo do branco preto segundo a velha fórmula dos antigos mas é preciso que o faça expressamente sobretudo se essa Constituição consagrou expressamente o direito adquirido a coisa julgada o ato jurídico perfeito24 Já sob a égide da Constituição de 88 o STF veio a endossar posição diversa assentando que em matéria de direito constitucional intertemporal a regra é a incidência imediata com retroatividade mínima dos preceitos constitucionais25 Em outras palavras a Corte passou a entender que as normas constitucionais ditadas pelo constituinte originário devem ser aplicadas aos efeitos futuros de atos ocorridos antes da promulgação do texto constitucional a não ser em casos de ressalva feita pela própria Constituição Neste sentido em caso que versava sobre a aplicação da proibição da vinculação de obrigações ao salário mínimo estabelecida no art 7º IV da Constituição às pensões instituídas antes da promulgação do texto constitucional averbou o Tribunal em acórdão lavrado pelo Min Moreira Alves Pensões especiais vinculadas ao salário mínimo Aplicação imediata a elas da parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição de 1988 Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata alcançando os efeitos futuros de fatos passados retroatividade mínima Salvo dis posição expressa em contrário e a Constituição pode fazêlo eles não alcançam os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas retroatividades máxima e média26 A Corte por outro lado negou aplicação retroativa à cláusula que dispõe sobre a prescrição dos créditos trabalhistas constante no art 7º XXX da Constituição afirmando que a ampliação de prazo ali prevista não favoreceria os trabalhadores cujos créditos já estivessem prescritos de acordo com o direito anterior Na ocasião o STF destacou que não há que se confundir eficácia imediata da Constituição a efeitos futuros de fatos passados com a aplicação dela no passado A Constituição só alcança os fatos consumados no passado quando expressamente o declara o que não ocorre com referência à prescrição27 O STF sem maiores digressões sobre Direito Intertemporal entendeu também que a vedação constitucional à discriminação entre os filhos art 227 6º CF não seria aplicável a inventários pendentes de pessoas falecidas antes da promulgação da Carta de 88 tendo em vista o princípio de que a sucessão deve ser regida pelas normas vigentes à época do óbito28 Dessa forma a Corte avalizou a projeção de efeitos após a promulgação da Constituição de 88 da odiosa discriminação contra filhos adotivos para fins sucessórios contida no antigo Código Civil de 1916 art 1605 2º apesar da sua flagrante incompatibilidade com o espírito da nova ordem constitucional Entendemos que a solução mais adequada para o nosso Direito Constitucional Intertemporal exige a consideração de dois vetores importantes que apontam em direção oposta Por um lado há que se considerar que o exercício do poder constituinte mesmo quando não resulte de um processo revolucionário tem a pretensão de representar um recomeço o que envolve ruptura com o passado ao menos sob o ângulo jurídico Nessa perspectiva não deve ser superdimensionada a força de situações e vínculos jurídicos préconstitucionais muitas vezes em absoluta desarmonia com os valores e princípios do novo regime como ocorre quando se exige regra expressa para que a Constituição possa incidir imediatamente sobre efeitos de fatos que lhe são anteriores Contudo tampouco se pode ignorar na definição da regra básica do nosso Direito Constitucional Intertemporal a importância que o próprio constituinte originário quis atribuir à proteção da segurança jurídica Não cabe portanto exigir a presença de ressalva constitucional expressa para que sejam poupados da incidência da nova Constituição o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada formados antes do seu advento É evidente que quando o próprio constituinte por meio de regra expressa definir a solução para a questão intertemporal prevendo ou vedando a incidência de norma constitucional sobre os efeitos de situações ocorridas no passado a sua vontade tem de prevalecer Contudo diante do silêncio do texto constitucional há que se sopesar caso a caso o grau de desvalor constitucional dos direitos surgidos ou reconhecidos antes da Constituição com a proteção da segurança jurídica Algumas vezes a incompatibilidade entre certas situações jurídicas cristalizadas no passado e os princípios e valores da nova ordem constitucional pode ser tão grave que se justifique a incidência dos preceitos da Constituição sobre elas a despeito da inexistência de determinação constitucional expressa Esse a nosso ver era o caso da discriminação contra os filhos adotivos para fins sucessórios estabelecida no direito préconstitucional Em tal hipótese ao contrário do que decidiu o STF melhor seria aplicar o preceito constitucional que veda qualquer discriminação entre filhos art 227 6º revestido de relevante conteúdo moral mesmo às sucessões abertas antes da promulgação da Constituição desde que o processo de inventário ainda não tivesse se encerrado Já noutras hipóteses a tutela da segurança jurídica pode assumir um peso superior bloqueando até a retroatividade mínima da norma constitucional independentemente de previsão explícita no texto magno Portanto o equacionamento da questão não se resolve com o simples reconhecimento de uma suposta regra supletiva não escrita a favor ou contra a retroatividade mínima das normas constitucionais Ela depende de um juízo mais complexo que leve em consideração os múltiplos valores que permeiam todo o novo sistema constitucional29 143 Constituição e ordem constitucional anterior existe desconstitucionalização O advento de nova Constituição importa a revogação global daquela que a antecedeu30 A pretensão de supremacia hierárquica de uma Constituição estatal não lhe permite conviver com outra dotada da mesma pretensão e válida no âmbito do mesmo território31 Isto evidentemente não impede que a nova Constituição ressalve a validade de preceitos específicos ou até de partes inteiras da anterior de forma provisória ou mesmo definitiva A Constituição de 88 por exemplo preservou por diversos meses o sistema constitucional tributário da Carta de 69 art 34 ADCT A Constituição francesa de 1958 ao referirse no seu preâmbulo ao preâmbulo da Constituição anterior de 1946 incorporouo de modo permanente ao seu bloco de constitucionalidade32 Nesses casos todavia os preceitos da Constituição anterior continuaram valendo de forma provisória ou definitiva não em razão de alguma sobrevida da ordem constitucional pretérita mas em decorrência de decisão do novo poder constituinte que com a sua autoridade lhes conferiu força jurídica Tais preceitos permaneceram dotados de hierarquia constitucional sendo a hipótese denominada pela doutrina de recepção material33 Há no entanto alguma controvérsia a propósito da possibilidade de que norma existente na Constituição passada que não seja incompatível com a nova ordem constitucional continue vigorando mas agora em patamar hierárquico inferior como simples lei O fenômeno chamado entre nós de desconstitucionalização foi admitido por Esmein34 e por Carl Schmitt35 Este último fundou se na distinção por ele traçada entre Constituição e leis constitucionais aquela correspondendo à decisão política fundamental do titular do poder constituinte e estas às normas constantes no documento constitucional que não apresentem a mesma natureza Para Schmitt o advento de nova Constituição seria incompatível com a subsistência da Constituição anterior mas não com a continuidade da vigência de meras leis constitucionais antes em vigor doravante dotadas da força das leis comuns Na doutrina brasileira autores como Pontes de Miranda36 José Afonso da Silva37 e Manoel Gonçalves Ferreira Filho38 sustentaram a existência do fenômeno que dependeria da coexistência dos seguintes pressupostos a revogação de uma Constituição por outra b presença na Constituição revogada de preceito que não verse sobre questão tida como materialmente constitucional e c plena compatibilidade entre tal preceito e a nova Constituição Presentes estes requisitos o preceito da Constituição antiga continuaria vigorando mas agora com força de lei Não nos parece correta a tese que admite a desconstitucionalização tácita Devese presumir que uma nova Constituição revoga integralmente a que a antecedeu revogação global ou sistêmica salvo previsão em sentido contrário Assim entendeu o STF A vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a supressão da existência a perda da validade e a cessação da eficácia da anterior Constituição por ela revogada operandose em tal situação hipótese de revogação global ou sistêmica do ordenamento constitucional precedente não cabendo por isso mesmo indagarse por impróprio da compatibilidade ou não para efeito de recepção de quaisquer preceitos constantes da Carta Política anterior39 É evidente que uma nova Constituição pode manter a vigência de pre cei tos constantes da carta revogada emprestandolhes força de lei A Constituição de Portugal por exemplo manteve no seu art 2901 as leis constitucionais editadas entre a data da Revolução dos Cravos em 1974 e o seu advento em 1976 conferindolhes o caráter de leis ordinárias Mas diante do silêncio constitucional não cabe afirmar a ocorrência do fenômeno A desconstitucionalização deve ser expressa e ela não foi prevista para nenhum assunto na Constituição de 88 144 Constituição e direito infraconstitucional anterior a recepção Como já salientado o exercício do poder constituinte importa pelo menos formalmente em ruptura com a ordem jurídica anterior Porém existe a necessidade prática de que haja certa continuidade no ordenamento estatal para se evitar o completo vácuo normativo após o advento de nova Constituição que tenderia a gerar o caos e a insegurança jurídica Seria impraticável estabelecer em nome da inicialidade do poder constituinte um vazio normativo geral a ser preenchido apenas por normas editadas após o surgimento da nova Constituição A teoria da recepção visa a conciliar os componentes desta tensão entre rompi mento e continuidade Essa teoria afirma que norma jurídica anterior a uma Constituição que não seja incompatível com ela continuará a vigorar após o seu advento mas agora com outro fundamento de validade não mais a Constituição vigente quando da edição da norma recepcionada mas o novo diploma constitucional40 Já as normas anteriores incompatíveis com a Constituição deixarão de vigorar em razão da sua não recepção pelo novo ordenamento constitucional Algumas constituições prevêem explicitamente a ocorrência da recepção como fizeram as nossas Cartas de 1891 art 83 e de 1934 art 187 mas o fenômeno não depende de expresso reconhecimento pelo texto constitucional O mais frequente é a sua admissão implícita como ocorre na Constituição de 88 A mudança no fundamento de validade do ato normativo recepcionado pode ser extremamente relevante do ponto de vista hermenêutico alterando substancialmente o sentido da norma recebida41 Isto porque todas as normas jurídicas vigentes em um Estado devem ser interpretadas à luz da respectiva Constituição Este imperativo também se aplica às normas editadas anteriormente à Constituição e por ela recepcionadas Um bom exemplo ocorreu com a disciplina legal de institutos do Direito Civil como o direito de propriedade a posse e o contrato após o advento da Constituição de 88 Tais institutos eram à época da promulgação da Constituição regulados pelo Código Civil de 1916 e sua disciplina revestiase de um matiz liberalburguês afinado com o conservadorismo dos valores sociopolíticos da República Velha O advento da Constituição de 88 mais preocupada com a justiça social a igualdade substantiva e a solidariedade se não importou na não recepção dos preceitos do Código de 1916 que tratavam daqueles temas exigiu sua releitura pelo ótica dos princípios da nova ordem constitucional de sorte a alterálos substancialmente42 Não obstante certa tendência inercial pode instalarse entre os aplicadores do Direito levandoos a continuar interpretando e aplicando as leis e os institutos anteriores à Constituição como se esta não existisse ignorando as mudanças impostas pelos princípios e valores da nova ordem constitucional O fenômeno caminha de braço dado com a interpretação retrospectiva da Constituição que segundo Luís Roberto Barroso é uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira que não inove nada mas ao revés fique tão parecido quanto possível com o antigo43 Esta tendência inercial tende a ser mais intensa quando o advento da nova Constituição não é acompanhado de substituição dos agentes encarregados de interpretála e aplicála em especial os magistrados de supremas cortes ou tribunais constitucionais Juízes nomeados sob a égide do regime antigo podem manter uma indevida fidelidade em relação aos valores do passado sabotando ainda que nem sempre de forma consciente a efetivação da nova Constituição com a qual não mantêm afinidade ideológica44 No Brasil tal fenômeno foi visível nos anos que se seguiram à promulgação da Constituição de 88 quando o STF composto majoritariamente por ministros nomeados antes do seu advento neutralizou temporariamente diversos avanços da Constituição45 seja praticando a interpretação retrospectiva dos seus ditames46 seja postergando indefinidamente a análise de questões constitucionais mais espinhosas por meio do exercício de uma espécie de jurisprudência defensiva47 1441 Recepção e mudança no processo legislativo Já é lugarcomum a afirmação de para a recepção basta a compatibilidade entre o conteúdo do ato normativo anterior e a nova Constituição48 Em outras palavras na análise da recepção cogitase apenas de questões substantivas e não do processo legislativo Em matéria de processo legislativo impera o brocardo tempus regit actum Portanto para que uma norma anterior à Constituição continue a valer depois do seu advento não é necessário que ela tenha sido elaborada da forma prescrita pela nova ordem constitucional Isto significa que até mesmo normas contidas em espécies legislativas extintas podem continuar subsistindo validamente após a promulgação de Constituição que não as previu Neste sentido o STF já afirmou que o fato de a Constituição de 88 não consagrar a figura do decretolei não importou automaticamente na não recepção dos decretosleis editados no regime anterior49 A recepção por outro lado pode alterar a natureza de um ato normativo quando a nova Constituição passa a exigir espécie normativa diversa para a disciplina do mesmo assunto Exemplo bastante conhecido deste fenômeno deuse com Código Tributário Nacional editado em 1966 como lei ordinária Lei nº 5172 em época que sequer existia a figura constitucional da lei complementar As Constituições de 19671969 e 1988 exigiram lei complementar para a edição de normas gerais em matéria tributária e diante disso passouse a entender que o CTN fora recepcionado como lei complementar o que impediria a sua modificação por meio de lei ordinária Não discordamos da compreensão que na análise da recepção centra o foco na compatibilidade material entre a Constituição e a norma jurídica anterior Não fosse assim bastaria que uma nova Constituição alterasse as regras do processo legislativo para que toda a legislação anterior aprovada de acordo com as regras distintas antes vigentes fosse automaticamente não recepcionada Sem embargo entendemos que esta orientação deve ser temperada diante da necessidade não apenas política e filo sófica como também jurídicoconstitucional de legitimação democrática das normas no âmbito do Estado Democrático de Direito Com efeito numa democracia em que o exercício do poder depende do consentimento coletivo dos governados o processo de elaboração das normas jurídicas deve ser visto não como o simples cumprimento de formalidades burocráticas mas antes como um mecanismo em que se busca a legitimação democrática para a criação do Direito É a partir desta premissa que se deve discutir a viabilidade da recepção de normas anteriores à Constituição que conquanto materialmente compatíveis com ela tenham sido produzidas de forma gravemente antidemocrática ainda que em conformidade com os procedimentos legislativos definidos em regime pretérito de natureza autoritária Não se trata de sustentar que a simples inobservância do procedimento legislativo estabelecido em Constituição posterior enseja a não recepção de normas jurídicas a ela anteriores Cuidase tão somente de analisar aquelas hipóteses em que o desvalor do procedimento adotado sob a perspectiva democrática da nova ordem constitucional seja gravíssimo a ponto de comprometer seriamente a legitimidade da norma em questão Por um lado considerar todas as normas elaboradas de forma gravemente antidemocrática como não recepcionadas não parece a melhor solução Tanto os problemas gerados pelo amplo vazio normativo que esta posição tenderia a gerar sobretudo quando a nova Constituição for adotada em seguida ao término de período autoritário como ocorreu no Brasil como a radical fluidez do critério de antidemocraticidade do procedimento e a insegurança jurídica que a sua aplicação ensejaria não recomendam essa posição Mas por outro lado também não soa correto sobretudo numa ordem constitucional tão afinada com o ideário democrático ignorar completamente na análise da recepção as credenciais democráticas do processo legislativo gerador do ato normativo examinado Uma alternativa intermediária que nos parece a mais correta é a de graduar o rigor do exame de recepção pelo grau de democraticidade do procedimento de elaboração do ato normativo sob exame Um ato normativo elaborado anteriormente à Constituição de acordo com procedimentos à época válidos mas que não atendessem a padrões mínimos de democracia não seria considerado só por isso não recepcionado Mas a avaliação da sua recepção voltada a aspectos substanciais seria realizada de forma mais rigorosa por meio de um escrutínio mais estrito Já quando não houvesse este sério déficit democrático na elaboração normativa o controle da recepção ocorreria de forma mais autocontida Tal concepção apesar de não ter sido explicitada na jurisprudência do STF parece permear a argumentação empregada em dois recentes e importantes julgamentos da Corte que envolveram respectivamente o exame da recepção da Lei de Imprensa50 e da Lei de Anistia51 No primeiro caso era possível expurgar do ato normativo em questão os preceitos mais problemáticos sob a perspectiva da liber dade de imprensa mantendose os demais como os dispositivos atinentes ao direito de resposta para que doravante passassem a ser interpretados à luz da Carta de 88 como defenderam alguns Ministros Porém a corrente majoritária capitaneada pelo Ministro Carlos Britto formouse no sentido de reconhecer a não recepção em bloco de toda a Lei 525067 e um dos argumentos empregados foi no sentido da ilegitimidade democrática da norma em questão porque concebida e promulgada num longo período autoritário da nossa história de Estado conhecido como anos de chumbo ou regime de exceção Já no caso referente à Lei de Anistia um dos argumentos centrais empregados pelo STF para afirmar a recepção de tal ato normativo pela Constituição de 88 foi a premissa histórica extremamente questionável de que ao invés de ter resultado de imposição unilateral dos governantes de plantão a anistia bilateral concedida também aos agentes do regime que praticaram graves violações de direitos humanos durante o período militar teria resultado de um acordo negociado e celebrado pelas forças políticas e sociais mais importantes presentes naquela quadra histórica envolvendo inclusive aquelas que se opunham ao governo e lutavam pela redemocratização do país Sem discutir aqui o acerto ou desacerto das premissas e das conclusões adotadas pelo STF em cada um destes casos é certo que em ambos considerações sobre o contexto mais ou menos democrático do processo de criação dos atos normativos foram empregadas como importante reforço argumentativo para afirmar ou negar a sua recepção pela Constituição de 88 1442 Recepção federação e alteração de competência legislativa Em Estados federais ou regionais é possível que uma nova Constituição ou mesmo uma emenda constitucional altere a competência legislativa para disciplina de determinado tema Nessas hipóteses podese discutir se ato normativo editado pelo ente político originariamente competente mantém a sua validade após o advento da referida modificação Sobre o tema poucos autores se pronunciaram Pontes de Miranda52 e Gilmar Ferreira Mendes53 defenderam a tese de que as normas editadas por entidades superiores manterseiam em vigor mesmo após a transferência da competência legislativa para entidades menores até que fossem revogadas pelos entes políticos agora competentes Mas para tais juristas o oposto não ocorreria As normas ditadas por entidades menores deixariam de valer quando houvesse alteração na competência em favor de entidades maiores Já Luís Roberto Barroso sustenta posição diversa54 Para Barroso as normas postas por entidades que à época de sua edição eram dotadas de competência são recepcionadas pela Constituição desde que materialmente compatíveis com ela Tais atos normativos continuariam valendo até serem abrogados pelos novos entes competentes para a disciplina da matéria O raciocínio valeria tanto para a mudança de competência de entidades maiores para menores como viceversa O STF ao apreciar a subsistência de norma federal que instituíra antes da Constituição de 88 benefício fiscal em tributo estadual providência possível sob certas condições no regime constitucional pretérito mas vedada pela Carta de 88 afirmou invocando o princípio da continuidade da ordem jurídica que se havia legislação federal e a matéria passou a ser de competência estadual ou municipal a legislação federal é recebida como estadual ou municipal55 A Corte salvo engano ainda não enfrentou a situação inversa envolvendo possível recepção de norma editada por município ou estado quando tenha havido transferência de competência legislativa para estado ou para a União Tal hipótese na nossa opinião não se resolve apenas por meio da lógica formal Por um lado é certo que o princípio da continuidade da ordem jurídica também se aplica ao caso justificando como regra geral a recepção provisória das normas editadas por entes políticos menores até que advenha a regulação do tema pela entidade política superior agora investida pela Constituição na competência legislativa correspondente Contudo podem surgir situações em que a adoção dessa orientação gere graves problemas constitucionais sobretudo no que concerne ao respeito ao princípio da isonomia Isto porque tal solução pode conduzir por exemplo à obrigatoriedade de aplicação pela União de milhares de normas municipais de conteúdos radicalmente díspares a pessoas que se encontrem em situações idênticas apenas por se acharem nos territórios de municípios diferentes em hipótese em que tal diferença de localização se afigure irrelevante Notese que a ofensa à isonomia aqui não proviria do conteúdo de qualquer ato normativo mas sim da aplicabilidade simultânea pelo mesmo ente federativo de inúmeros deles cada um quando visto isoladamente dotado de conteúdo válido levando a um injustificado tratamento diferenciado de pessoas que se encontram em situações iguais Em hipóteses assim a análise da recepção deve envolver uma ponderação entre os princípios da continuidade da ordem jurídica e da isonomia Em outras palavras devese perquirir o que da perspectiva constitucional é mais danoso em cada caso a discriminação injustificada decorrente da recepção ou o vazio normativo resultante da não recepção Em suma entendemos que a mudança de competência legislativa não prejudica via de regra a recepção dos atos normativos editados anteriormente à sua ocorrência tendo em vista o princípio da continuidade da ordem jurídica Porém quando a alteração ocorrer no sentido do deslocamento de competência normativa de entes políticos menores para maiores esta regra geral poderá eventualmente ceder numa ponderação com o princípio da isonomia Nesse caso a alteração de competência até poderá excepcionalmente ensejar a não recepção das normas anteriormente editadas por municípios ou por estados 1443 Não recepção revogação ou inconstitucionalidade superveniente Existe controvérsia acadêmica sobre a natureza jurídica da não recepção De um lado há os que sustentam que a hipótese é de revogação resolvendose o conflito entre norma constitucional originária ou derivada e lei anterior incompatível por meio da aplicação do critério cronológico segundo o qual lei posterior revoga a anterior lex posterior derogat priori56 Do outro há os que advogam a tese de que o caso é de inconstitucionalidade superveniente57 Para esses a colisão resolverseia com a utilização do critério hierárquico de resolução de conflitos normativos segundo o qual a norma superior prevalece diante da inferior lex superior derogat inferiori Existe ainda uma posição híbrida que defende que o caso seria de revogação por inconstitucionalidade58 Para todos portanto a Constituição prevalece diante de norma infraconstitucional anterior com ela incompatível A divergência dáse apenas em torno da justificação teórica mais adequada para esta prevalência da qual o STF porém extraiu importante consequência prática como se observará mais adiante No Direito Comparado a questão recebeu respostas variadas Em Portugal a Constituição de 1976 consagrou expressamente a hipótese da inconstitucionalidade superveniente conferindo à Corte Constitucional a competência para aferir a compatibilidade com a Constituição das normas que lhe são anteriores art 282 2º59 Também na Itália prevaleceu por força de orientação jurisprudencial firmada já na primeira decisão da Corte Constitucional proferida em 195660 a tese da inconstitucionalidade superveniente o que permitiu àquele Tribunal examinar a recepção da legislação aprovada durante o governo fascista Já na Alemanha adotouse uma solução eclética61 Naquele país o controle de constitucionalidade é sempre concentrado na Corte Constitucional mas pode ser abstrato ou concreto Na fiscalização abstrata de constitucionalidade entendeuse cabível o controle do direito préconstitucional Mas no controle concreto a hipótese foi tratada como revogação Tal orientação isentou os juízes em geral da obrigação de remeterem à Corte Constitucional a apreciação de questões atinentes à compatibilidade entre a Lei Fundamental e normas anteriores a ela com que se deparassem no julgamento de casos concretos Sendo a situação enquadrada como revogação qualquer juiz pode apreciála diretamente escapandose com isso do monopólio do Tribunal Constitucional Na Espanha em que a Corte Constitucional também monopoliza o controle de constitucionalidade adotouse solução próxima à alemã62 No âmbito do controle abstrato a hipótese é tratada como inconstitucionalidade superveniente para possibilitar a atuação do Tribunal Constitucional Já no âmbito do controle concreto podem os juízes deixar de aplicar normas anteriores à Constituição e incompatíveis com ela considerandoas revogadas Mas no direito espanhol ao contrário do que ocorre no alemão permitese também aos juízes em casos concretos em que tenham dúvidas fundadas sobre a não recepção que remetam a apreciação da questão à Corte Constitucional A remessa é porém facultativa63 Apesar da coincidência dos resultados entre revogação e inconstitucionalidade superveniente a questão tinha grande importância prática no Brasil até o advento da Lei nº 988299 que disciplinou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF É que se o fenômeno da não recepção fosse enquadrado como hipótese de inconstitucionalidade superveniente seria possível a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI para impugnação de normas anteriores à Constituição Mas se ele fosse concebido como revogação o ajuizamento de tal ação não seria admissível uma vez que a ADI se volta ao controle de constitucionalidade e não à resolução de questões de direito intertemporal E até a regulamentação da ADPF em 1999 a ADI era o único instrumento no ordenamento brasileiro que permitia a impugnação abstrata de normas diretamente no STF que quando acolhia o pedido declarava o ato normativo inconstitucional em decisão dotada de eficácia contra todos Portanto a controvérsia não era puramente teórica A adoção da tese da inconstitucionalidade superveniente importava em fortalecimento dos mecanismos de garantia jurisdicional da Constituição Já o endosso da posição em favor da revogação implicava fragilização dessa garantia Nesse último caso a não recepção até poderia ser verificada pelos juízes no julgamento das lides concretas submetidas à sua apreciação mas sem qualquer possibilidade de instauração do controle abstrato de constitucionalidade para análise da questão O STF manteve após o advento da Constituição de 88 a posição que já vinha adotando na matéria pelo menos desde 195264 no sentido de que a não recepção envolve revogação e não a inconstitucionalidade superveniente Esta orientação foi reafirmada pela Corte em 1992 por maioria no julgamento da ADI nº 265 e desde então a sua jurisprudência se mantém inalterada Diante da grave lacuna em nosso sistema de jurisdição constitucional gerada por essa orientação jurisprudencial o legislador federal ao regulamentar a ADPF com a edição da Lei 988299 previu expressamente a possibilidade de seu ajuizamento para se promover a impugnação de atos normativos anteriores à Constituição art 1º Parágrafo único inciso I Com isso como a decisão proferida na ADPF também é dotada de eficácia erga omnes e de efeitos vinculantes o tema perdeu muito da relevância prática de outrora A partir de então a fiscalização abstrata de constitucionalidade passou a também alcançar as normas anteriores à Constituição a despeito da posição do STF sobre o tema em debate66 Ainda assim cabe tecer uma breve crítica à tese endossada pelo STF não só pelos seus equívocos conceituais como também pelos efeitos negativos que gerou até a regulamentação da ADPF Sob o prisma conceitual é certo que os critérios hierárquico e cronológico para resolução de antinomias jurídicas não têm a mesma força Do ponto de vista lógico o critério hierárquico é preferencial em relação ao critério cronológico Em outras palavras só se recorre ao critério cronológico que preconiza a revogação da norma anterior pela posterior com ela incompatível se não for possível resolver a antinomia com o emprego do critério hierárquico o que apenas ocorre quando as normas em confronto situaremse no mesmo patamar67 Ora a Constituição e os atos infraconstitucionais não se situam no mesmo nível hierárquico A Constituição é superior aos demais atos normativos localizandose no escalão mais elevado do ordenamento positivo Daí porque o conflito entre a Constituição e outras normas mesmo as que lhe forem anteriores deve ser equacionado por meio do critério hierárquico de resolução de antinomias e não do critério cronológico o que aponta para a correção da tese da não recepção como inconstitucionalidade superveniente e não como revogação Priorizar o critério cronológico em detrimento do hierárquico para a resolução de conflitos entre Constituição e normas infraconstitucionais leva a conclusões absurdas incompatíveis com o postulado básico do Direito Constitucional da supremacia da Constituição Se aplicássemos este critério ao conflito entre lei posterior e Constituição anterior a primeira prevaleceria sobre a segunda68 Nem se argumente que a tese da inconstitucionalidade superveniente levaria a que se invalidassem efeitos da norma jurídica produzidos antes do advento da Constituição quando ela não padecia de qualquer vício em razão da retroatividade das decisões declaratórias de inconstitucionalidade É que a retroatividade da decisão que reconhece a inconstitucionalidade só se estende até o momento do surgimento do vício normativo e no caso da não recepção esse só aparece com a edição da Constituição É verdade que em outras democracias constitucionais também se considerou que a contradição entre Constituição e lei anterior pode ser enquadrada como revogação Como acima destacado isto ocorreu na Alemanha e na Espanha em que se permitiu o controle da não recepção pelos juízes em geral fora do monopólio do controle de constitucionalidade das leis conferido aos respectivos tribunais constitucionais Nesses países porém não se subtraiu das respectivas cortes constitucionais a competência para também aferir a vigência do direito anterior à Constituição As soluções em ambos os casos encaminharamse no sentido de se conferir a máxima efetividade à Constituição de cada país com a ampliação dos canais processuais voltados à sua proteção O resultado portanto foi facilitar a pronta eliminação de normas jurídicas ditadas num passado pré constitucional sombrio pois se tornou mais fácil afastar as leis anteriores às constituições elaboradas em contextos não democráticos do que invalidar aquelas editadas posteriormente No Brasil a tese da revogação teve efeitos inversos Aqui em sede de controle difuso nunca houve dúvida sobre a possibilidade de não aplicação por contrariedade à Constituição tanto das leis anteriores como posteriores a ela O efeito prático da adoção da tese da não recepção como revogação foi negar a via da fiscalização abstrata de constitucionalidade para impugnação das leis anteriores à Constituição Portanto em nosso país ao contrário do que se deu na Alemanha e na Espanha a tese prestouse para fechar e não para abrir novos caminhos para a proteção judicial da Constituição Portanto o mais grave na linha adotada pelo STF não foi o erro lógico mas a omissão política da Corte que com o endosso da tese da revogação deixou de cumprir plenamente o seu papel constitucional de guardiã da Constituição esquivandose por muito tempo de apreciar questões constitucionais relevantíssimas como as atinentes à subsistência no novo regime constitucional do entulho autoritário legado pelo regime militar69 De qualquer sorte a questão encontrase hoje pacificada e o principal problema gerado pela tese da revogação a ausência de controle abstrato do direito préconstitucional já foi equacionado com a regulamentação da ADPF Porém como a ADPF se destina apenas à proteção de preceitos fundamentais da Constituição e não da totalidade do texto constitucional a adoção da tese da revogação continua impedindo o exercício do controle abstrato pelo STF do direito préconstitucional que esteja em contradição com preceito constitucional desprovido de fundamentalidade 1444 Recepção provisória a lei ainda constitucional e a inconstitucionalidade progressiva Do ponto de vista formal a nova Constituição instaura imediatamente um novo regime jurídico político no país Contudo sob o ângulo prático é evidente que determinadas alterações impostas pela nova ordem constitucional demandam tempo para se realizarem Esse descompasso entre o plano normativoconstitucional e a realidade pode justificar a manutenção provisória de normas anteriores à Constituição e incompatíveis com ela em hipóteses em que a sua supressão possa acarretar danos maiores aos bens jurídicos constitucionalmente tutelados do que a sua preservação por algum tempo O STF tem julgados que bem ilustram essa hipótese atinentes à recepção do art 68 do Código de Processo Penal que atribuía ao Ministério Público a legitimidade ativa para ajuizar ações civis de reparação de dano ex delicto quando a vítima fosse pobre70 A Corte entendeu que tal competência fora outorgada pela Constituição de 88 com exclusividade à Defensoria Pública o que afastaria a princípio a recepção da norma em questão Contudo sensível às consequências práticas dos seus julgamentos o STF considerou que até a efetiva instalação das defensorias públicas da União e dos Estados a referida norma deveria continuar vigorando sob pena de denegação do acesso à Justiça aos mais carentes Confirase a seguinte ementa 1 A alternativa radical na jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex nunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo mas um processo no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição ainda quando não se cuide de preceito de eficácia limitada subordinase muitas vezes a alterações da realidade fática que a viabilizem 2 No contexto da Constituição de 1988 a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art 68 C Pr Penal constituindo modalidade de assistência judiciária deve reputarse transferida para a Defensoria Pública essa porém para esse fim só se pode considerar existente onde e quando organizada de fato nos moldes do art 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada até que na União ou em cada Estado considerado se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições o art 68 C Pr Pen Será considerado ainda vigente é o caso de São Paulo como decidiu o Plenário no RE 13532871 O caso envolve as chamadas situações constitucionais imperfeitas em que as normas se situam em um estágio de trânsito entre a constitucionalidade e a inconstitucionalidade72 Uma dessas hipóteses relacionase ao fenômeno da inconstitucionalidade progressiva o decurso do tempo e a alteração das circunstâncias fáticas subjacentes à norma fazem com que ela tida originariamente como válida tornese posteriormente inconstitucional Daí porque a vigência da norma é temporariamente mantida sendo porém condicionada a algum termo ou condição Nestes casos a decisão pode conter também um apelo ao legislador explícito ou não incitando o a formular tempestivamente um novo ato normativo que corrija a falha constitucional apontada Esta técnica além de evitar o surgimento de uma lacuna perigosa no ordenamento que apareceria caso houvesse a imediata invalidação do ato normativo questionado tem também a vantagem de preservar algum espaço para a deliberação legislativa nos casos em que existam diferentes alternativas para a correção do vício constitucional reconhecido Esta preservação do espaço de livre conformação do legislador é importante tendo em vista tanto a sua maior legitimidade democrática derivada do voto popular como a sua superior capacidade institucional para decidir em determinados temas que não tenham natureza exclusivamente jurídica As situações constitucionais imperfeitas não se configuram apenas com a instauração de nova Constituição na análise da recepção de normas anteriores O fenômeno pode darse também em relação às leis aprovadas após o advento da Constituição em hipóteses em que se verifique significativa alteração na realidade fática subjacente à norma ou em que esteja em curso um processo de mutação constitucional que ao alterar o sentido da Constituição se reflita no julgamento sobre a validade de quaisquer atos normativos infraconstitucionais73 Outro caso do STF em que se reconheceu a existência de lei ainda constitu cional versou sobre norma posterior ao advento da Constituição Tratavase da análise feita no julgamento do HC nº 70514674 em que se discutiu a validade de preceito da Lei nº 787189 que alterando a Lei nº 106050 atribuíra prazo em dobro para recorrer à Defensoria Pública O STF entendeu que em princípio a Defensoria Pública não deveria ter prazo maior para recurso do que a sua parte adversa no Processo Penal o Ministério Público que conta com prazo simples Porém afirmou que enquanto a Defensoria em cada Estado não estivesse em termos organizacionais em pé de igualdade com o Ministério Público a diferença de tratamento poderia subsistir 145 Repristinação constitucional constitucionalidade superveniente Quando uma Constituição é revogada os atos normativos com ela incompatíveis e que não tenham sido oportunamente afastados do ordenamento jurídico voltam a subsistir caso não conflitem com a nova ordem constitucional A mesma indagação pode ser feita a propósito de normas infraconstitucionais incompatíveis com preceitos da Constituição alterados ou suprimidos por emenda constitucional superveniente Em regra a resposta é negativa Os atos normativos incompatíveis com a Constituição não são apenas anuláveis mas nulos de pleno direito Se eles foram produzidos de forma incompatível com a Constituição que vigorava à época da sua edição não chegaram a se incorporar validamente ao ordenamento jurídico pouco importando se o vício que ostentavam era de natureza material ou formal O fato de não terem sido expurgados da ordem jurídica no momento em que vigorava a Constituição sob cujo pálio foram gerados não tem o condão de convalidar o seu vício de origem É claro que uma nova Constituição pode conferir validade à norma que era inconstitucional no regime pretérito Mas no silêncio do constituinte não se deve presumir que ele tenha querido fazêlo75 A solução não deve ser diferente quando se tratar de não recepção A revogação da Constituição que não recepcionou determinado ato normativo não basta para que este automaticamente recobre a vigência perdida Para os que na linha da jurisprudência do STF consideram que a não recepção equivale à revogação a hipótese seria de repristinação no seu sentido técnico e esta também não se presume dependendo de previsão expressa art 2º 3º da Lei de Introdução ao Código Civil Contudo a questão pode merecer equacionamento diverso quando o preceito violado da Constituição anterior afrontar gravemente os valores do novo regime constitucional Numa hipótese assim o Judiciário decidindo sob a égide da nova Constituição não deve valerse da sua autoridade para atribuir força jurídica ao que seja repulsivo à ideia de Direito consagrada na nova ordem constitucional Figurese a hipótese de norma jurídica que promovesse a igualdade racial promulgada sob a vigência de uma Constituição que consagrasse um regime de apartheid Não seria admissível que o Judiciário após a substituição da antiga Constituição por outra de teor igualitário invalidasse aquela norma em razão da sua contrariedade a princípios hostis à nova ordem constitucional enfraquecendo a efetivação do ideário dessa última Em Portugal prevaleceu a tese da possibilidade da constitucionalização superveniente que ocorre quando preceitos originariamente inconstitucionais por vício material sejam compatíveis com o novo teor da Constituição fixado em sede de revisão Esta orientação foi acolhida pelo Tribunal Constitucional Português no Acórdão nº 40889 da lavra do Ministro Vital Moreira 76 A Corte portuguesa deixou claro contudo que a solução não se aplica às hipóteses de inconstitucionalidade formal e que por outro lado a constitucionalização superveniente não tem efeitos retroativos pois a convalidação da norma originariamente inválida só aconteceria após a alteração da Constituição Já no Brasil o STF não admite a figura da repristinação constitucional tácita77 Ademais a Corte vem afirmando de forma reiterada que o sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente78 Assim se uma norma é editada de forma contrária à Constituição a superveniência de emenda constitucional com ela compatível não lhe convalida o vício de origem Sob o prisma processual é incontroversa no STF a possibilidade do reconhecimento em sede de controle difuso da inconstitucionalidade de atos normativos por contrariedade ao texto constitucional vigente quando da sua edição79 Quanto ao controle abstrato o entendimento tradicional é no sentido de que o parâmetro para aferição da constitucionalidade deve estar em vigor no momento do julgamento da causa o que impediria a propositura de ação baseada em ofensa a norma constitucional que não esteja mais em vigor e levaria à extinção das ações já propostas quando houvesse revogação superveniente ou alteração substancial dos preceitos constitucionais tidos como violados80 Contudo em recente julgamento o STF mudou a sua posição no que concerne à extinção do processo já instaurado por revogação ou alteração substancial superveniente do parâmetro constitucional de controle De acordo com o novo posicionamento da Corte tais ações devem ser julgadas pelo STF porque mais relevante do que a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste e é atual ainda que se refira a dispositivos da Constituição que não se encontram mais em vigor81 Porém o Tribunal não modificou a sua orientação quanto à impossibilidade de instauração do controle abstrato de constitucionalidade para aferir a suposta ofensa a normas constitucionais que quando da propositura da ação já não estejam em vigor ou tenham sido substancialmente modificadas82 146 Declaração de inconstitucionalidade e efeitos repristinatórios A declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo produz em regra efeitos repristinatórios Isto porque ao invalidar uma norma a decisão retira do mundo jurídico os efeitos que a mesma produziu dentre os quais a eventual revogação da norma anterior que cuidava da mesma matéria Sob o ângulo lógico é como se o Poder Judiciário afirmasse que não ocorreu a revogação válida da norma anterior que por isso jamais deixou de pertencer ao ordenamento jurídico83 Não se trata aqui propriamente de repristinação uma vez que a declaração de inconstitucionalidade não equivale à revogação do ato normativo Ademais se na repristinação a norma anterior volta a valer a partir da revogação da posterior na declaração de inconstitucionalidade a ressurreição da norma revogada operase em geral de forma retroativa uma vez que se parte da premissa da invalidade da própria revogação Há o reconhecimento implícito de que a norma revogada nunca deixou de vigorar Na Constituição Portuguesa há preceito expresso consagrando os efeitos repristinatórios das decisões proferidas no controle de constitucionalidade art 2821 No ordenamento constitucional brasileiro não existe norma semelhante o que não impediu a jurisprudência do STF de reconhecer os mesmos efeitos repristinatórios84 Tais efeitos são estendidos também à decisão cautelar proferida no controle abstrato de normas que suspende a aplicação do ato normativo questionado conforme prevê expressamente o art 11 2º da Lei nº 986899 Mas no caso da suspensão da lei por medida cautelar não há em regra retroatividade nos efeitos repristinatórios Isto porque ao contrário das decisões de mérito no controle de constitucionalidade que produzem em regra eficácia ex tunc retroativa as decisões cautelares têm em linha geral apenas eficácia ex nunc prospectiva85 É certo porém que os efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade podem ser afastados pela própria decisão judicial quando verificarse que o ato normativo revogado possui vício igual ou até mais grave do que o ostentado pelo que o revogou86 Tratase de evitar os chamados efeitos repristinatórios indesejados Em outras palavras a regra geral é que a declaração de inconstitucionalidade gera efeitos repristinatórios mas ela não é absoluta podendo ser excepcionada pelo Judiciário Nesta hipótese a controvérsia que subsiste é de índole processual e concerne à necessidade ou não de formulação de pedido expresso de declaração de inconstitucionalidade do ato normativo revogado Um segmento da doutrina argumenta com fundamento no princípio da vinculação ao pedido que o STF não poderia invalidar ato normativo sem postulação expressa do autor da ação87 Entendese nessa linha que o Supremo deve extinguir o processo sem julgamento do mérito quando se deparar com ação em que haja pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma revogadora mas não da norma revogada que esteja maculada por vício de igual ou superior gravidade Tal posição vem sendo sufragada pela Corte 88 Outros já sustentam que mesmo sem pedido expresso de declaração de inconstitucionalidade da norma revogada o STF está autorizado a afastar os efeitos repristinatórios da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma revogadora89 Esta segunda posição nos parece preferível porque mais consentânea com o princípio da instrumentalidade do processo e com a natureza objetiva da jurisdição constitucional abstrata que não visa a proteger os interesses das partes voltandose antes à defesa da própria ordem constitucional 147 Emendas constitucionais e Direito Intertemporal As emendas constitucionais também podem suscitar questões de Direito Intertemporal Algumas destas questões não diferem das que foram analisadas acima atinentes ao poder constituinte originário Contudo existem algumas singularidades no que concerne aos conflitos de leis no tempo envolvendo emendas constitucionais que merecem registro A regra geral para resolução de conflitos entre norma constitucional originária e emenda constitucional superveniente envolve o uso do critério cronológico para resolução de antinomias jurídicas a emenda sendo posterior prevalece Isso só não ocorre quando a emenda infringir algum limite material ao poder reformador hipótese em que se deverá aplicar o critério hierárquico para resolução de antinomias impondo a prevalência das cláusulas pétreas sobre a decisão do poder constituinte derivado O tema foi extensamente examinado no Capítulo 7 não sendo necessário voltar agora ao ponto Por outro lado embora seja altamente recomendável que a revogação de preceitos constitucionais seja sempre expressa existe também a possibilidade no sistema constitucional brasileiro de revogação tácita90 A aprovação de uma emenda constitucional pode também gerar importantes efeitos sistêmicos impondo mudanças na interpretação de outros preceitos constitucionais que ela não revogou Um bom exemplo é fornecido pela EC nº 1697 que alterou a redação do art 14 5º da Constituição introduzindo entre nós a possibilidade de uma reeleição sucessiva para os cargos de chefia do Executivo nos planos federal estadual e municipal Tal dispositivo passou a conviver com o disposto no art 14 7º da Carta que prevê a inelegibilidade do cônjuge e de parentes de até segundo grau das mesmas autoridades para cargos na circunscrição em que estas foram eleitas O Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que com o advento da EC nº 1697 seria profundamente incongruente proibir o parente do agente político de candidatarse a um cargo para o qual o próprio poderia concorrer como resultaria da aplicação mecânica do art 14 7º da Constituição Diante desse novo quadro constitucional a Corte Eleitoral passou a entender que a candidatura do familiar do Chefe do Executivo é possível desde que esse não tenha sido reeleito e se desincompatibilize até seis meses antes do pleito91 Houve portanto mudança significativa na interpretação do mencionado preceito em decorrência da aprovação de emenda constitucional que não lhe atingia diretamente Discutese também se o poder constituinte derivado está vinculado ao respeito do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada A maioria da doutrina posicionase favoravelmente a esta vinculação sob o argumento de que a referida proteção prevista no art 5º inciso XXXVI da Constituição se qualifica como direito individual o que lhe confere a natureza de cláusula pétrea a teor do disposto no art 60 4º IV da Constituição Não é essa a nossa posição Tratamos extensamente do tópico no Capítulo 7 onde defendemos que embora o poder constituinte derivado não possa eliminar ou atingir a essência da garantia constitucional da segurança jurídica contida no art 5º XXXVI permitindo que atos infraconstitucionais vulnerem direitos adquiridos atos jurídicos perfeitos ou a coisa julgada não há óbice a que emendas constitucionais atinjam de forma proporcional algum direito validamente adquirido no passado Remetemos o leitor para nossas considerações naquele capítulo em que os fundamentos da nossa posição neste tema polêmico são detidamente explicitados 1 Sobre o poder constituinte vejase o Capítulo 6 2 De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho Quando se fala da inicialidade do Poder Constituinte originário se está querendo dizer que a Constituição se torna a base do novo ordenamento jurídico Neste sentido então a Constituição é um ato inicial porque funda a ordem jurídica não é fundada na ordem jurídica positiva nem é fundada por meio da ordem jurídica positiva O poder constituinte 3 ed p 80 Cabe destacar todavia que sob o prisma sociológico nunca há ruptura total com o passado pois é impossível apagar a história de um povo O grau de descontinuidade material entre a nova ordem jurídica instaurada pela Constituição e a antiga oscila significativamente de acordo diversas variáveis dentre as quais as circunstâncias do próprio exercício do poder constituinte 3 Gustav Radbruch chegou a apontar a segurança jurídica como uma das três finalidades do Direito As outras duas segundo o jusfilósofo de Heidelberg seriam a justiça e o bem comum Cf RADBRUCH Gustav Filosofia do direito p 417 Sobre a segurança jurídica vejase também PÉREZ LUÑO Antonio Enrique La seguridad jurídica 4 Cf LARENZ Karl Derecho justo fundamentos de ética jurídica p 163 BARROSO Luís Roberto Em algum lugar do passado segurança jurídica direito intertemporal e o Novo Código Civil In ROCHA Cármen Lúcia Antunes Org Constituição e segurança jurídica p 139 5 Cf SARLET Ingo Wolfgang A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica dignidade da pessoa humana direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro In ROCHA Cármen Lúcia Antunes Org Constituição e segurança jurídica p 85129 6 As Constituições de 1824 e 1891 consagravam o princípio da irretroatividade das leis e a Carta de 1937 fiel às suas inclinações autoritárias silenciou sobre o tema Para a trajetória histórica desta questão no Direito brasileiro vejase FRANÇA R Limongi A irretroatividade das leis e o direito adquirido p 101192 7 A proteção do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada da incidência da nova lei foi também consagrada no art 6º da Lei de Introdução do Código Civil 8 Cumpre destacar todavia que a doutrina contemporânea vem sustentando a ideia de que a proteção ao direito adquirido ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada não é suficiente para a cabal garantia da segu rança jurídica do indivíduo no âmbito do Estado Democrático de Direito Nos últimos tempos vem se desenvol vendo no Brasil sob a inspiração da doutrina germânica a ideia de que também se exige que o Estado res peite a confiança legítima do cidadão O princípio de proteção da confiança legítima protege até expectativas de direito de pessoas de boafé ainda não convertidas em direito adquirido que tenham sido alimentadas pelo Estado desde que não exista interesse público contraposto que num juízo de ponderação afigurese prevalente e pode inclusive demandar em algumas circunstâncias a criação de um regime razoável de transição entre um regime legal novo e antigo Vejase a propósito ARAÚJO Valter Schuenquener O princípio da proteção à confiança uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado COUTO E SILVA Almiro do O princípio da segurança jurídica proteção à confiança no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos o prazo decadencial do art 54 da Lei do Processo Administrativo da União Lei nº 978499 RDA n 237 p 271315 CALMES Sylvia Du principe de protection de confiance légitime en droits allemand communautaire et français e RIBEIRO Ricardo Lodi A segu rança jurídica do contribuinte legalidade nãosurpresa e proteção à confiança legítima p 227260 9 Nesta linha afirmou o STF no julgamento da ADI nº 493 Rel Min Moreira Alves DJ 4 set 1992 no Brasil sendo o princípio do respeito ao direito adquirido ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária não tem sentido a afirmação de muitos apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada 10 Para uma síntese das principais correntes existentes sobre a matéria vejase TOLOMEI Carlos Young A proteção do direito adquirido sob o prisma civil constitucional p 6786 11 Vejase neste sentido o erudito voto do Min Moreira Alves proferido na ADI nº 493 DJ 4 set 1992 12 GABBA Francesco Teoria della retroatività delle legge p 190191 13 A principal corrente adversária à teoria subjetivista de Gabba é a teoria objetivista de Paul Roubier que emprega como critério de exclusão de retroatividade legal a noção de situação jurídica ao invés da con cepção de direito adquirido Do ponto de vista prático a doutrina de Roubier afigurase menos reverente em relação às posições jurídicas consolidadas no passado na medida em que admite ao contrário da teoria de Gabba a chamada retroatividade mínima da lei que para Roubier não configurava autêntica retroatividade mas efeito imediato da nova lei possibilitando assim que as normas editadas incidam sobre efeitos futuros atos jurídicos praticados antes delas Vejase ROUBIER Paul Le droit transitoire 14 Neste sentido decidiu o STF Em nosso sistema jurídico a regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada por estar inserida no texto da Carta Magna art 5º XXXVI tem caráter constitucional impedindo portanto que a legislação infraconstitucional ainda quando de ordem pública retroaja para alcançar o direito adquirido o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada ou que o Juiz a aplique retroativamente E a retroação ocorre ainda quando se pretende alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações pois ainda nesse caso há retroatividade a retroatividade mínima RE nº 188366 Rel Min Moreira Alves DJ 19 nov 1999 15 Cf MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 453460 16 Cf SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 3 ed BARROSO Luís Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da Constituição brasileira 8 ed 17 Vejase entre outros PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969 p 379422 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 52 RAMOS Elival da Silva A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro p 215216 SAMPAIO José Adércio Leite Direito adquirido e expectativa de direito p 200205 Em sentido contrário de forma isolada na doutrina vejase TOLEDO Cláudia Direito adquirido e Estado Democrático de Direito p 250257 18 É bem antiga a jurisprudência do STF nesta questão Já em 1949 no julgamento do RE nº 14360 Rel Min Edgar Costa a Corte assentara que contra preceito constitucional não se pode invocar direito adquirido Revista Forense v 134 p 423427 Após a Constituição de 88 este entendimento já foi reiterado diversas vezes como no julgamento da ADI nº 248RJ Rel Min Celso Mello DJ 8 abr 1994 em que se averbou na própria ementa do acórdão A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional que contra elas seja invocado o direito adquirido 19 Cf RAMOS Elival da Silva A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro p 206207 20 Vide o Capítulo 6 21 No mesmo sentido Luís Roberto Barroso embora sustente a existência de limites jurídicos ao poder cons ti tuinte originário Curso de direito constitucional contemporâneo p 109115 afirma que ele não deve reverência à ordem jurídica anterior que não lhe pode impor regras ou limites razão pela qual não há direito adqui rido contra a Constituição Interpretação e aplicação da Constituição p 52 22 Neste sentido cf BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 53 HORTA Raul Machado Constituição e direito adquirido In HORTA Raul Machado Estudos de direito constitucional p 281 RAMOS Elival da Silva A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro p 205216 23 Cf PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a emenda n 1 de 1969 p 385 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 200202 24 RE nº 74284SP Rel Min Thompson Flores Julg 2831973 25 A rigor a mudança na orientação do STF parece ter ocorrido ainda antes da promulgação da Constituição de 88 No RE nº 94414 cujo acórdão foi publicado no DJ 19 abr 1985 a Corte em decisão lavrada pelo Ministro Moreira Alves já havia afirmado que a Constituição ao aplicarse de imediato não desfaz os efeitos passados de fatos passados salvo se expressamente estabelecer o contrário mas alcança os efeitos futuros de fatos a ela anteriores exceto se os ressalvar de modo inequívoco 26 RE nº 140499GO Rel Min Moreira Alves DJ 9 set 1994 27 AgReg nº 139004 Rel Min Moreira Alves DJ 2 fev 1996 28 A sucessão regulase por lei vigente à data de sua abertura não se aplicando a sucessões verificadas antes do seu advento a norma do art 227 6º da Carta de 88 que eliminou a distinção até então estabelecida pelo CC art 1605 e 2º entre filhos legítimos e filhos adotivos para estes efeitos RE nº 163167 1ª Turma Rel Min Ilmar Galvão DJ 31 out 1997 29 Em sentido aparentemente convergente com o aqui apontado manifestouse José Adércio Leite Sampaio a aquisição pretérita dos direitos para manter a produção de efeitos deve ser compatível com o corpo e espírito da Constituição recusandose a fórmula simples de que se não houver recusa expressa haverá manutenção porque a Constituição é amiga dos direitos e não a sua adversária ou porque a irretroatividade é um espectral princípio geral de direito Direito adquirido e expectativa de direito p 172 30 Cf KELSEN Hans Teoria geral do direito e do Estado p 172174 MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2 ed p 239 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 22 31 Há porém quadros patológicos em que o fenômeno pode ser observado como o brasileiro do regime mi litar Naquele período as constituições conviviam com os atos institucionais de triste memória que não buscavam nelas o seu fundamento de validade mas se afirmavam como derivados do exercício de um su posto poder constituinte em que estariam investidas as forças ditas revolucionárias Vejase a propósito o Capítulo 4 32 Sobre o conceito de bloco de constitucionalidade vejase o Capítulo 1 33 Cf MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 239240 BARROSO Luís Roberto Interpretação e apli cação da Constituição p 56 34 ESMEIN A Élements de droit constitutionnel français et compare p 582 35 SCHMITT Carl Dottrina della Costituzione p 4748 36 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969 p 249250 37 SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais p 221222 38 FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 9293 39 Emb Decl no AgReg no Emb Div nos Emb Decl no AgReg no Ag Inst nº 3868201RS Rel Min Celso Mello DJ 4 fev 2005 No caso discutiase a subsistência sob a égide da Constituição de 88 de preceito cons tante na ordem constitucional que atribuía ao STF a competência para legislar sobre matéria processual no seu regimento interno 40 A lição clássica na matéria é de Hans Kelsen que critica a afirmação de que as leis recepcionadas por uma nova Constituição continuariam em vigor Nas palavras do jusfilósofo austríaco Uma grande parte das leis promulgadas sob a antiga Constituição permanece como costuma dizerse em vigor No entanto esta expressão não é acertada Se estas leis devem ser consideradas como estando em vigor sob a nova Cons ti tuição isto somente é possível porque foram postas em vigor sob a nova Constituição expressa ou implici tamente O que existe não é criação de Direito inteiramente nova mas recepção de normas de uma ordem jurídica por outra tal como eg a recepção do Direito romano pelo Direito alemão Mas também essa recepção é produção do Direito Com efeito o imediato fundamento de validade das normas jurídicas recebidas sob a nova Constituição já não pode ser a antiga Constituição que foi anulada mas apenas o pode ser a nova O conteúdo destas normas permanece na verdade o mesmo mas o seu fundamento de validade mudou Teoria pura do direito 4 ed p 290 41 Jorge Miranda que prefere designar o fenômeno como novação ao invés de recepção afirma que o direito ordinário anterior mesmo quando compatível com a nova ordem constitucional pode sofrer mudanças significativas porque a Constituição tem de o impregnar dos seus valores de o modular e se necessário de o transformar e é nesta medida que ele pode dizerse recriado ou novado Manual de direito constitucional 2 ed p 243 42 Vejase nesta perspectiva as obras dos autores identificados à linha de pensamento conhecida como Direito CivilConstitucional eg TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil TEPEDINO Gustavo Problemas de direito civil constitucional e TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil II MORAES Maria Celina Bodin de Danos à pessoa humana uma leitura civilconstitucional dos danos morais MORAES Maria Celina Bodin de Na medida da pessoa humana FACHIN Edson Teoria crítica do direito civil e FACHIN Edson Repensando os funda mentos do direito civil brasileiro 43 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 67 44 Na Itália por exemplo a Corte de Cassação composta por magistrados nomeados no tempo do fascismo exerceu entre a entrada em vigor da Constituição italiana em 1948 e a instalação da Corte Constitucional em 1956 o controle de constitucionalidade das leis É praticamente consensual que a instituição não se saiu bem nesta tarefa Vejase a propósito GUASTINI Riccardo A constitucionalização do ordenamento jurídico e a experiência italiana Tradução de Enzo Bello In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas p 281282 45 Podese citar como exemplos a interpretação adotada pela Corte quanto á eficácia da decisão do mandado de injunção art 5º LXXI CF que se esgotaria segundo a ótica então adotada em mera notificação aos órgãos em mora na elaboração de normas reguladoras de direitos constitucionais bem como a posição assumida quanto à impossibilidade de controle judicial dos pressupostos de urgência e relevância da me dida provisória art 62 CF Foi necessária a passagem do tempo e a renovação do Tribunal para que o STF alterasse o seu posicionamento sobre estes temas constitucionais tão relevantes 46 Neste sentido vejase a lúcida crítica de Luís Roberto Barroso O constituinte de 88 tomou sem maior debate político a grave decisão de manter como integrantes do STF todos os Ministros que haviam sido investidos no tribunal pelos governos anteriores Vale dizer sem embargo da inegável virtude pessoal e intelectual de muitos dos juízes que lá tinham assento a corte constitucional brasileira encarregada de interpretar a nova Carta era composta de juristas cuja nomeação era lançada a crédito do regime militar Sem dever o seu título de investidura à nova ordem e sem compromisso político com a transformação institucional que se operara no País a Corte reeditou burocraticamente parte da jurisprudência anterior bem como alimentou inequívoca mávontade para com algumas das inovações Doze anos da Constituição brasileira de 1988 In BARROSO Luís Roberto Temas de direito constitucional p 24 47 Na mesma linha o instigante texto ainda inédito de Diego Werneck Arguelhes Poder não é querer judi cialização da política e preferências restritivas no Supremo Tribunal Federal pósdemocratização aponta a permanência dos Ministros do STF nomeados pelo regime militar como uma das causas prováveis da criação pela Corte de diversos obstáculos ao exercício da jurisdição constitucional abstrata após a Constituição de 88 como a criação da exigência de pertinência temática para a propositura de ADI por alguns dos legitimados e o entendimento que será abaixo discutido do não cabimento desta ação para impugnação de normas anteriores à Constituição 48 Cf BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 8184 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição p 1169 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 194 49 Embora a Constituição de 1988 não inclua o DecretoLei como forma de processo legislativo nem por isso revogou o DecretoLei n 201 de 2721967 que regula a responsabilidade penal dos Prefeitos e Vereadores HC nº 74675 Rel Min Sydney Sanches DJ 4 abr 1997 50 ADPF nº 130 Rel Min Carlos Britto DJ 6 nov 2009 51 ADPF nº 153 Rel Min Eros Grau DJ 6 ago 2010 52 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Comentários ao Código de Processo Civil p 6667 53 MENDES Gilmar Ferreira Controle de constitucionalidade aspectos jurídicos e políticos p 8788 54 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 84 55 RE nº 2181603 1ª Turma Rel Min Moreira Alves DJ 6 mar 1998 56 Cf POLLETTI Ronaldo Controle de constitucionalidade das leis p 163165 NEVES Marcelo Teoria da incons titucionalidade das leis p 95100 BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição 6879 57 Cf MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2 ed p 248256 CLÈVE Clèmerson Merlin A fisca lização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro p 148152 MENDES Gilmar Ferreira Jurisdição constitucional p 166 58 Cf CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional p 1114 BITTECOURT Lúcio O controle juris di cional de constitucionalidade das leis 2 ed p 131 SILVA José Afonso da Aplicabilidade das normas cons titucionais p 160163 59 Sent nº 11956 60 Cf ZAGREBELSKY Gustavo La giustizia costituzionale p42 CERRI Augusto Corso di giustizia costituzionale p 5154 61 Cf MENDES Gilmar Ferreira Jurisdição constitucional p 106107 62 Cf GARCÍA DE ENTERRÍA Eduardo La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional p 8394 63 Sent nº 41981 64 RE nº 19656 Rel Min Luiz Gallotti Julg 1961952 65 Na ementa do acórdão consta O vício de inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação á Constituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas Pelo fato de ser superior a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios Seria ilógico que a lei fundamental por ser suprema não revogasse ao ser promulgada leis ordinárias A lei maior valeria menos que a lei ordinária ADI nº 2 Rel Min Paulo Brossard Julg 621992 DJ 21 nov 1997 Vale consignar que uma sólida defesa da posição contrária à adotada pela Corte foi feita no extenso voto vencido do Ministro Sepúlveda Pertence seguido pelos Ministros Marco Aurélio e Néri da Silveira 66 Uma distinção que ainda subsiste diz respeito à incidência do princípio constitucional da reserva de plenário art 97 CF segundo o qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Aceita a tese da revogação este princípio não incidiria mas endossada a posição da inconstitucionalidade superveniente ele seria pelo menos a priori aplicável Contudo é possível sustentar a tese da inconstitucionalidade superveniente e ainda assim sustentar a inaplicabilidade do referido prin cípio ao direito préconstitucional por redução teleológica como defendeu o Ministro Sepúlveda Pertence no voto vencido acima aludido É que a reserva de plenário decorrente da presunção de constitucionalidade das leis tende a criar embaraços excessivos para que se deixe de aplicar a legislação antiga incompatível com a nova Constituição que não desfruta da mesma presunção ou pelo menos não a possui na mesma intensidade por ter sido editada sob a égide dos valores do ordenamento constitucional caduco Essa é a nossa posição 67 Neste sentido vale reproduzir a lição clássica de Norberto Bobbio sobre a relação entre os critérios hierár quico e cronológico O problema é qual dos dois critérios tem prevalência sobre o outro A questão não é dúbia O critério hierárquico prevalece sobre o cronológico Essa solução é bastante óbvia se o critério cronológico devesse prevalecer sobre o hierárquico o princípio mesmo da ordem hierárquica das normas seria tornado vão porque a norma superior perderia o poder que lhe é próprio de não ser abrogada pelas normas inferiores O critério cronológico vale como critério de escolha entre duas normas colocadas no mesmo plano Quando duas normas são colocadas sob dois planos diferentes o critério natural de escolha é aquele que nasce da diferença de planos Teoria do ordenamento jurídico 7 ed p 107108 68 No mesmo sentido registrou Gilmar Ferreira Mendes há de se partir do princípio de que em caso de colisão de normas de diferentes hierarquias o postulado lex superior afasta outras regras de colisão Do contrário chegarseia ao absurdo destacado por Ipsen de que a lei ordinária enquanto lei especial ou lex posterior pudesse afastar a norma constitucional enquanto lex generalis ou lex prior Jurisdição constitucional p 166 69 Os efeitos danosos da tese adotada pelo STF para a efetividade da Constituição foram registrados no já referido voto vencido do Ministro Sepúlveda Pertence proferido no julgamento da ADI nº 2 Não consigo divisar porque renunciar com relação às leis editadas sob o regime anterior às virtualidade da ação direta Pelo contrário A exemplo de Jorge Miranda Manual cit II 350 a mim me parece que em relação ao direito préconstitucional é que as exigências da efetividade da nova ordem constitucional conspiram mais imperativamente no sentido da abertura do controle direto 70 O leading case foi o RE nº 135328 1ª Turma Rel Min Marco Aurélio DJ 20 abr 2001 Apesar da data da publicação do acórdão o caso foi julgado em 1994 71 RE nº 147776 1ª Turma Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 19 jun 1998 72 Sobre o tópico abordando os diversos tipos de decisões ditas intermediárias na jurisdição constitucional vejase SAMPAIO José Adércio Leite A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional p 208244 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica 2 ed p 597611 73 Cf MENDES Gilmar Ferreira Controle de constitucionalidade aspectos jurídicos e políticos p 8895 74 HC nº 705146 Rel Min Sydney Sanches DJ 27 jun 1997 75 No mesmo sentido FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves O poder constituinte p 9899 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional p 197 Em sentido oposto Jorge Miranda afirmou Não importa que as leis fossem inconstitucionais material orgânica ou formalmente antes da entrada em vigor da Constituição Importa apenas que não dis ponham contra esta Isto porque o exercício do poder constituinte revela nova ideia de Direito e repre senta novo sistema Manual de direito constitucional 2 ed p 245 76 Na citada decisão estabeleceuse que o facto de uma norma ter nascido materialmente inconstitucional não veda que a inconstitucionalidade desapareça era inconstitucional mais deixou de o ser se e a partir do momento em que a Constituição for alterada de modo a permitir a solução contida na referida norma supondo evidentemente que ela continue em vigor não tendo caducado ou sido revogada ou declarada inconstitucional com força obrigatória geral 77 No AgReg nº 235800 Rel Min Moreira Alves DJ 26 jun 1999 averbouse A recepção de lei ordinária como lei complementar pela Constituição posterior a ela só ocorre com relação aos seus dispositivos em vigor quando da promulgação desta não havendo que pretenderse a ocorrência de efeito repristinatório porque o nosso sistema jurídico salvo disposição em contrário não admite a repristinação 78 RE nº 346084 Rel p acórdão Min Marco Aurélio DJ 1º set 2006 RE nº 390840 Rel Min Marco Aurélio DJ 15 ago 2006 79 Há diversos precedentes na Corte afirmando após o advento da Constituição de 88 a inconstitucionalidade de decretolei editado sob o regime pretérito empregado fora do campo em que esta espécie normativa era admitida pela Constituição de 6769 eg RE nº 147247 Rel Min Ilmar Galvão DJ 29 abr 1994 e RE nº 157987 Rel Min Marco Aurélio DJ 18 fev 1994 80 Cf ADI nº 2197 Rel Min Maurício Correa DJ 2 abr 2004 e ADI nº 2670 Rel Min Ellen Gracie DJ 4 fev 2005 Este entendimento foi bem sintetizado em decisão monocrática da lavra do Min Celso Mello que extinguiu a ADI nº 514 DJ 31 mar 2008 o controle de constitucionalidade em sede concentrada não se instaura em nosso sistema jurídico em função de paradigmas históricos consubstanciados em normas que já não mais se acham em vigor ou então embora vigendo tenham sofrido alteração substancial em seu texto É por tal razão que em havendo revogação superveniente ou modificação substancial da norma em confronto não mais se justifica a tramitação do processo objetivo de fiscalização concentrada de consti tu cionalidade 81 ADI nº 2158 e nº 2188 julgadas em conjunto Rel Min Dias Toffolli DJe 16 dez 2010 82 No julgamento das ADI nº 2158 e nº 2188 isto ficou expressamente consignado no voto do Relator Reco nheço contudo que não seria proveitoso que esta Corte já tão assoberbada tivesse ainda que se dedicar a questões constitucionais do passado Por tal razão não chego ao ponto de admitir o ajuizamento de ações diretas depois de alterado o parâmetro de controle 83 Cf BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição p 89 CLÈVE Clèmerson Merlin A fis calização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro p 167 84 Há farta jurisprudência a este respeito firmada ainda antes do advento da Constituição de 88 Rep nº 1077RJ Rel Min Moreira Alves DJ 28 set 1984 Em decisão mais recente proferida no julgamento da ADI nº 3148 Rel Min Celso Mello DJ 28 set 2007 a Corte averbou A declaração de inconstitucionalidade in abstracto considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente importa em restauração das nor mas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle abstrato É que a lei declarada incons titucional por incidir em absoluta desvalia jurídica não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara em sede de fiscalização abstrata a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional 85 Vide art 11 1º da Lei nº 986899 A medida cautelar dotada de eficácia contra todos e efeito vinculante será concedida com efeito ex nunc salvo se o Tribunal entender que deva concederlhe eficácia retroativa 86 Discutese ainda a possibilidade de modulação temporal ou mesmo do afastamento dos efeitos repris tinatórios pelo STF quando a aplicação da norma revogada causar graves danos à segurança jurídica ou provocar profundas injustiças ainda que esta não padeça de inconstitucionalidade Em sentido favorável mas exigindo que a decisão seja tomada com o quorum de 23 dos ministros da Corte previsto no art 27 da Lei nº 986899 vejase SARMENTO Daniel A eficácia temporal das decisões no controle de cons titucionalidade In SAMPAIO José Adércio Leite CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Org Hermenêutica e jurisdição constitucional p 37 Em sentido contrário vejase CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Jurisdição constitucional democrática p 256 87 Cf CLÈVE Clèmerson Merlin A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro p 167 88 Na ADI nº 2574 Rel Min Carlos Velloso DJ 29 ago 2003 decidiuse Constitucional Ação Direta de Inconstitucionalidade Efeito repristinatório Norma anterior com o mesmo vício I No caso de ser declarada a inconstitucionalidade da norma objeto da causa terseia a repristinação do preceito anterior com o mesmo vício de inconstitucionalidade Neste caso e não impugnada a norma anterior não é de se conhecer da ação direta de inconstitucionalidade 89 Cf VELLOSO Zeno Controle jurisdicional de constitucionalidade p 200203 MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional p 256258 SARMENTO Daniel A eficácia temporal das decisões no controle de consti tucionalidade In SAMPAIO José Adércio Leite CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Org Hermenêutica e jurisdição constitucional p 3637 90 Cf o Capítulo 12 91 Cf TSE Resolução nº 22119 DJ 16 dez 2005 Vejase a propósito GOMES José Jairo Direito eleitoral p 139140 REFERÊNCIAS AARNIO Aulis Le rationnel comme raisonnable la justification en droit Traduction de Geneviève Warland Paris LGDJ 1992 AARNIO Aulis Lo racional como razonable Traducción de Ernesto Garzón Valdés Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1991 ABRANCHES Sérgio Presidencialismo de coalizão o dilema institucional brasileiro Dados Revista de Ciências Sociais v 31 1988 ACKERMAN Bruce A ascensão do constitucionalismo mundial In SOUZA NETO Cláudio Pereira de SARMENTO Daniel Org A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 ACKERMAN Bruce A nova separação de poderes Tradução de Isabelle Maria Campos Vasconcellos Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 ACKERMAN Bruce O novo constitucionalismo mundial In CAMARGO Margarida Maria Lacombe Org 19881998 uma década de Constituição Rio de Janeiro Renovar 1999 ACKERMAN Bruce The 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Federal Lumen Juris 2000 Coordenou sozinho ou em conjunto com outros professores as seguintes obras coletivas Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal balanço e crítica em parceria com Ingo Wolfgang Sarlet Lumen Juris 2011 Filosofia e teoria constitucional contemporânea Lumen Juris 2009 Vinte anos da Constituição Federal de 1988 em parceria com Cláudio Pereira de Souza Neto e Gustavo Binenbojm Lumen Juris 2009 Direitos sociais fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie em parceria com Cláudio Pereira de Souza Neto Lumen Juris 2008 Igualdade diferença e direitos humanos em parceria com Daniela Ikawa e Flávia Piovesan Lumen Juris 2008 A constitucionalização do direito fundamentos teóricos e aplicações específicas em parceria com Cláudio Pereira de Souza Neto Lumen Juris 2007 Nos limites da vida aborto clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos em parceria com Flávia Piovesan Lumen Juris 2007 Direitos fundamentais estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres em parceria com Flávio Galdino Renovar 2006 Interesses públicos versus interesses privados desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público Lumen Juris 2005 e O controle de constitucionalidade e a Lei nº 986899 Lumen Juris 2001 Autor de inúmeros artigos doutrinários e capítulos de livros publicados em revistas jurídicas especializadas e obras coletivas Cláudio Pereira de Souza Neto Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense UFF e da Universidade Gama Filho UGF lecionando na graduação mestrado e doutorado Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Advogado no Rio de Janeiro e em Brasília com atuação concentrada nos Tribunais Superiores Conselheiro Federal da OAB pelo Estado do Rio de Janeiro triênios 20072009 e 20102012 Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB triênio 20102012 Publicou os seguintes livros individuais Constitucionalismo democrático e governo das razões estudos de direito constitucional contemporâneo Lumen Juris 2011 Teoria constitucional e democracia deliberativa um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática Renovar 2006 e Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática Renovar 2002 CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL Adilson Abreu Dallari André Ramos Tavares Carlos Ayres Britto Carlos Mário da Silva Velloso Carlos Pinto Coelho Mottain memoriam Cármen Lúcia Antunes Rocha Cesar Augusto Guimarães Pereira Clovis Beznos Cristiana Fortini Dinorá Adelaide Musetti Grotti Diogo de Figueiredo Moreira Neto Egon Bockmann Moreira Emerson Gabardo Fabrício Motta Fernando Rossi Flávio Henrique Unes Pereira Floriano de Azevedo Marques Neto Gustavo Justino de Oliveira Inês Virgínia Prado Soares Jorge Ulisses Jacoby Fernandes José Nilo de Castroin memoriam Juarez Freitas Lúcia Valle Figueiredo in memoriam Luciano Ferraz Lúcio Delfino Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho Paulo Modesto Romeu Felipe Bacellar Filho Sérgio Guerra Luís Cláudio Rodrigues Ferreira Presidente e Editor Coordenação editorial Olga M A Sousa Supervisão editorial Marcelo Belico Revisão Daniel Starling Gabriela Sbeghen Bibliotecária Ana Carolina Marques CRB 2933 6ª Região Capa e projeto gráfico Walter Santos Projeto epub Anderson Pimenta Diagramação Karine Rocha Editora Fórum Av Afonso Pena 2770 15º16º andares Funcionários CEP 30130007 Belo Horizonte Minas Gerais Tel 31 21214900 21214949 Todos os direitos reservados A reprodução do conteúdo desta publicação em parte ou em sua totalidade sem autorização constitui violação dos direitos autorais Lei 961098 Arquivo ePub produzido pela Editora Fórum ÍNDICE DE ASSUNTO A Absolutismo Analogia Constitucional Uso Juris Legis Principal fundamento Argumentação constitucional Assembleia constituinte Ato normativo Declaração de inconstitucionalidade B Backlash Bicameralismo federativo Bill Aberdeen Bloco de constitucionalidade C Campanha Da legalidade Das Diretas Já Cláusulas Da reserva de plenário Pétreas Interpretação Comissão de verificação dos poderes Comitê de Política Monetária COPOM Comunitarismo Consolidação das Leis do Trabalho CLT Constitucionalismo Antigo Contemporâneo Cosmopolita Da efetividade Democrático Dirigente Crise fatores Francês Ideia do controle de constitucionalidade Inglês Ideia central Liberal Burguês Modelo Moderno Na França Popular Social Constitucionalização do direito Fenômeno Causas Constitucionalização superveniente Constituição Analítica Cesarista Conceito Contemporânea Dirigente Em sentido formal Em sentido ideal Em sentido instrumental Em sentido material Estadual Estatal Flexível Força normativa Forma Escritas ou dogmáticas Não escritas ou históricas Formal Fundamentos invocados para afirmação da supremacia Genético Substantivo Garantia Função Heterônomas Ideia Identificação popular Imparcial Imutável Intérpretes Lacuna da Material Mecanismos para alteração formal Nominais Normativa Monistas ou ortodoxas Origem Outorgada Pósmoderna Pluralista ou compromissória Privada Rígida Semânticas Semirrígida Sintética Superrígidas Teorias Teoria popular Teorias materiais Construção constitucional Contrato social Contratualismo Versão liberal Controle de constitucionalidade Abstrato Concreto Em Estados federais Instituição Judicial Modelo norteamericano Político Coronelismo Corrente analítica hegemônica No universo giro linguístico Cosmopolitismo ético Costume Constitucional Praeter legem Secundum legem Contra legem Convenção constitucional Criptoconsequencialismo Crise Do Estado liberal Fatores Do regime monárquico Critério de especialidade Cultura constitucional brasileira D Decisão política fundamental Declaração de Manaus Democracia Deliberativa Descontitucionalização Dignidade da pessoa humana Dinâmica constitucional Direito Comunitário Surgimento Constitucional Teoria popular do De propriedade Filosofia do Fundamental Internacional Intertemporal Legítimo Natural Posição Pósmoderno Disciplina constitucional da economia Discricionariedade judicial Doutrina da efetividade Dualismo constitucional E Emenda Constitucional Popular Escola da Exegese Escravidão Estado De direito De exceção Democrático de direito Membro Regras de pré organização Republicano F Federalismo Filosofia Constitucional Política Filtragem constitucional G Globalização econômica Golpe da maioridade Governo Democrático Provisório Grupos Revolucionarios Antifascistas Primeiro de Octubre GRAPO H Habeas corpus Doutrina brasileira Hermenêutica constitucional Hierarquização axiológica I Ideal regulativo Imposto Predial Territorial Urbano IPTU Indivisibilidade Integração europeia Ideia Intentona comunista Interpretação Constitucional Novas ideias précompreensão Extensiva J Jurisdição constitucional Legitimidade democrática Jurisprudência Constitucional Evolução Dos conceitos Jusnaturalismo Antigo e medieval Moderno Pilares L Lei Áurea Da ficha limpa De Anistia Do Ventre Livre Eusébio de Queiroz Orgânica dos Partidos Políticos Orgânica municipal Lex mercatoria Liberalismo Contemporâneo Críticas Crise Igualitário Contribuições mais importantes para a teoria constitucional 209210 Dimensão institucional Visão Na esfera econômica Na esfera política Libertarismo Licençamaternidade Limites Ao poder de reforma constitucional Classificações Ao poder reformador Naturezas M Mensalão Militares que governavam o país Grupos Linhadura Moderados Modelo constitucional norteamericano Modernidade Multiculturalismo Mutação constitucional Espécies Formas Limites N Nação Neoconstitucionalismo Crítica Norma Constitucional Classificação quanto ao seu objeto De eficácia contida e aplicabilidade imediata De eficácia limitada De eficácia plena e aplicabilidade imediata De princípio institutivo De princípio programático Fenômeno da colisão Hipotética fundamental Jurídica Elemento sistemático Nova hermenêutica O Ordenamento jurídico Brasileiro Valores Organicismo de inspiração aristotélica Originalistas P Pacto de Moncloa Particularismo Patriotismo constitucional Período de vigência da Carta de Momentos Plano Cohen Collor Real Poder Constituinte Atributos Decorrente classificação dos limites Derivado Originário Permanente Titularidade De iniciativa De reforma Limites materiais Judiciário Poderes constituídos Ponderação Judicial Poder Constituinte decorrente Judiciário Dificuldade contramajoritária Moderador Politeia Política Do café com leite Dos governadores Judicialização Pósmodernismo Póspositivismo Postulados normativos Pragmatismo Características fundamentais Antifundacionalismo Consequencialismo Contextualismo Preâmbulo Presidencialismo de coalizão Presidente da República Definição Presunção de constitucionalidade Consequências Prima facie Princípio Aspectos No cenário brasileiro Significados Constitucional Da correção funcional ou conformidade funcional Da força normativa Da interpretação conforme à Constituição Da proporcionalidade Da razoabilidade Da reserva de plenário Da simetria Da supremacia da Constituição Da unidade da Constituição Das razões públicas Do cosmopolitismo Imposição Privacidade decisional Procedimentalismo Processo De concretização constitucional De constitucionalização De independência ocorrido no Brasil Proclamação da República Movimento que resultou na Proporcionalidade no ordenamento jurídico Aplicabilidade Q Queremistas R Razoabilidade Como coerência Como congruência Como equidade Como equivalência Como exigência de razões públicas Externa Ideia na abordagem retórica Interna Realismo jurídico Regime constitucional Vitalidade República velha Republicanismo Classificação Conceito de liberdade Contemporâneo No Brasil Revisão constitucional Revolução constitucionalista Revolução de Estopim Rigidez constitucional S Segurança jurídica Seguridade social Sentimento constitucional Separação de poderes Cláusula pétrea da Sistema constitucional brasileiro Sistema jurídico contemporâneo Situações constitucionais imperfeitas Soberania Nacional Popular Teoria Subpríncipio Da adequação Da necessidade Da proporcionalidade Substancialismo Substancialistas Supremacia constitucional Institutos jurídicos Controle da constitucionalidade Rigidez da Constituição T Tenentismo Teoria Constitucional Contemporânea Reconstrução Da norma constitucional Dinâmica do ordenamento Do constitucionalismo dirigente Do Estado Jurídica Kelseniana Pura do direito Testamentos políticos Topos Conceito Tratados internacionais de direitos humanos V Virada Kantiana Voto Direito Periódico Secreto Universalidade ÍNDICE DE LEGISLAÇÃO A Ato adicional de Ato complementar nº 41965 C Constituição Chilena de 1980 Constituição da Espanha de 1876 Constituição da Espanha de 1978 170 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 Constituição da República Federativa do Brasil de 1969 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 art 1º inc III inc IV art 2º art 3º inc I inc II inc III art 4º inc II art 5º 1º 2º 3º art 6º art 7º inc IV inc VIII inc XXX art 8º art 11 art 14 1º inc I 3º 4º art 15 art 16 art 17 2º art 4º art 19 inc I art 22 inc I art 25 2º art 27 1º 2º art 29 inc IV inc VI inc IX inc X art 29A art 30 inc II art 34 inc VII art 35 art 37 inc VI inc IX inc XIX art 40 1º inc I inc II inc III 5º art 41 art 45 1º art 47 art 49 inc I art 52 inc X art 53 2º art 55 2º art 57 art 58 3º art 60 1º 2º 3º 4º inc IV 5º art 61 2º art 62 9º art 65 art 66 1º art 68 art 69 art 75 art 84 inc VIII art 86 2º 4º art 92 art 94 art 96 inc I art 97 art 100 art 102 2º art 103 2º art 103A art 103B art 109 inc IV art 115 art 120 inc III art 125 1º art 127 art 128 3º art 129 3º art 142 2º art 134 1º art 143 art 150 inc III art 156 inc I inc III art 170 inc II art 173 art 175 art 179 art 181 art 192 3º 56 art 195 inc I art 201 8º art 203 6º art 207 art 208 inc I inc II art 212 art 215 art 216 1º art 225 art 226 3º art 227 inc II art 231 art 242 2º 56 art 244 art 290 art 362 Constituição de Portugual de 1976 Constituição de Weimar de 1919 Constituição do Brasil de 1824 Constituição do Brasil de 1891 Constituição do Brasil de 1934 Constituição do Brasil de 1937 Constituição do Brasil de 1946 Constituição Francesa de 1791 Constituição Francesa de 1793 Constituição Francesa de 1848 Constituição Francesa de 1852 Constituição Francesa de 1875 Constituição Francesa de 1958 Constituição Italiana de 1947 Constituição Mexicana de 1917 Constituição norteamericana de 1787 Constituição sulafricana de 1996 D Decreto Legislativo nº 1862008 DecretoLei nº 371937 DecretoLei nº 9721969 DecretoLei nº 12021939 DecretoLei nº 15931977 DecretoLei nº 34641980 Decreto nº 31889 Decreto nº 48872003 Decreto nº 69492009 Decreto nº 193981930 Decreto nº 214021932 Decreto nº 220401932 Decreto nº 226211933 Decreto nº 231021933 Decreto nº 581981966 E Emenda Constitucional nº 11969 Emenda Constitucional nº 21972 Emenda Constitucional nº 21992 Emenda Constitucional nº 31972 Emenda Constitucional nº 31993 Emenda Constitucional nº 51995 Emenda Constitucional nº 52004 Emenda Constitucional nº 61963 Emenda Constitucional nº 61995 Emenda Constitucional nº 71977 Emenda Constitucional nº 71995 Emenda Constitucional nº 81977 Emenda Constitucional nº 81995 Emenda Constitucional nº 91964 Emenda Constitucional nº 91995 Emenda Constitucional nº 101964 Emenda Constitucional nº 141996 Emenda Constitucional nº 151980 Emenda Constitucional nº 151996 Emenda Constitucional nº 161965 Emenda Constitucional nº 161997 Emenda Constitucional nº 181965 Emenda Constitucional nº 191998 Emenda Constitucional nº 201998 Emenda Constitucional nº 221982 Emenda Constitucional nº 261985 Emenda Constitucional nº 292000 Emenda Constitucional nº 302000 Emenda Constitucional nº 322001 Emenda Constitucional nº 402003 Emenda Constitucional nº 412003 Emenda Constitucional nº 421976 Emenda Constitucional nº 422003 Emenda Constitucional nº 452004 Emenda Constitucional nº 522006 Emenda Constitucional nº 582009 Emenda Constitucional nº 592009 L Lei Complementar nº 1012000 Lei Constitucional nº 91945 Lei Constitucional nº 151945 2 Lei fundamental alemã de 1949 Lei nº 1051840 Lei nº 10601950 Lei nº 35242000 Lei nº 52501967 Lei nº 77161989 Lei nº 77831989 Lei nº 78711989 Lei nº 80241990 Lei nº 80391990 Lei nº 82451991 Lei nº 90991995 Lei nº 92961996 Lei nº 98681999 Lei nº 98821999 Lei nº 106282002 Lei nº 113402006 Lei nº 114302006 M Medida Provisória nº 1681990 R Resolução nº 31988 Resolução nº 2151945 ÍNDICE ONOMÁSTICO A Aarnio Aulis Ackerman Bruce Alckmin Geraldo Alexy Robert Almeida José Américo de Alves Moreira Andrada Antônio Carlos Andrade Auro Moura Andrade Paes de Arinos Afonso Arraes Miguel Ávila Humberto B Bachoff Otto Baer Susanne Barbosa Ruy Barcellos Ana Paula de Barros Suzana de Toledo Barroso Luís Roberto Bercovici Gilberto Bernardes Arthur Bierrenbach Flávio Binenbojm Gustavo Bocaiúva Quintino Bodin Jean Bonald LouisAmbroise de Bonavides Paulo Borges José Souto Maior Branco Castelo Brandão Rodrigo Brasiliense Américo Britto Carlos Ayres Brizola Leonel Bryce James Bueno Cunha Bueno Pimenta Burdeau Georges Burke Edmund Bustamante Thomas R C Cabral Bernardo Campos Francisco Campos José Joaquim Carneiro Canotilho José Joaquim Gomes Cappelletti Mauro Cardoso Benjamin Cardoso Fernando Henrique Castilhos Julio de Castro Magalhães de Cavalcanti Amaro Cavalcanti Holanda Cittadino Gisele Guimarães Clève Clèmerson Merlin Comparato Fábio Konder Comte Auguste Constant Benjamin Covas Mário Cunha Celso D DauLin Hsü Dewey John Diniz Maria Helena Dorsen Norman Dutra Eurico Gaspar Dworkin Ronald E Ehrlich Eugen Ekmekdjan Miguel Angel Elster Jon Ely John Hart Eskridge Willian N F Fachin Edson Faoro Raymundo Farias Paulo César Ferejohn John Ferrari Regina Maria Macedo Nery Ferraz Ana Cândida da Cunha Ferreira Filho Manoel Gonçalves Figueiredo João Batista de Fioravanti Maurizio Fonseca Deodoro da Fortunato Gregório Foucault Michel Franco Afrânio de Mello Franco Itamar Freire Roberto Freitas Juarez Frota Silvio Fux Luiz Fiúza Yedo G Gadamer HansGeorg Gaspari Elio Geisel Ernesto Gomes Eduardo Gonçalves Leônidas Pires Goulart João Grau Eros Roberto Grey Thomas Guerra Filho Willis Santiago Guimarães Ulysses Günther Klaus H Häberle Peter Habermas Jürgen Hamilton Alexander Hart Herbert Hayer Friedrich August Von Heck Philipp Heiddeger Martin Heller Herman Hesse Konrad Hobbes Thomas Holmes Oliver Wendell Horta Raul Machado Hughes Charles Evan J James Willian Jefferson Thomas Jellinnek Georg Jobim Nelson K Kant Emmanuel Kantorowicz Herman Kelsen Hans Kramer Larry D Kubitschek Juscelino L Lacerda Carlos Langdell Christopher C Lassale Ferdinand Lavenère Marcelo Leal Victor Nunes Lima Hermes Lima Martonio MontAlverne Barreto Linhares José Lobo Aristides Locke John Loewenstein Karl Luz Carlos Lyotard JeanFrançois M Maciel Lysâneas Maia Antônio Cavalcanti Maistre Joseph de Maluf Paulo Mangabeira João Marinho Saldanha Marshall John Marx Karl Maximiliano Carlos Mazzilli Ranieri Médici Emílio Garrastazu Meirelles Hely Lopes Mello Celso Duvivier de Albuquerque Mello Fernando Collor de Mello Márcio de Souza e Mendes Gilmar Ferreira Menezes Tarcisio Miranda Jorge Monteiro José Américo de Monteiro Zacarias de Góes Moraes Maria Celina Bodin de Morais Prudente de Moreira Luiz Müller Friedrich N Nabuco Joaquim Neves Marcelo Neves Tancredo Nozick Robert O Oliveira Armando Salles de Oliveira Fábio Corrêa Souza de Oliveira Vianna Francisco José de P Paine Thomas Peixoto Floriano Peluzo Cesar Pereira Jane Reis Gonçalves Perelman Chaïm Pessoa Epitácio Pestana Rangel Pierce Charles Sanders Pinochet Augusto Piovesan Flávia Pontes de Miranda Francisco Cavalcanti Posner Richard A Pound Roscoe Prestes Luís Carlos Preuss Ulrich K Q Quadros Jânio Quintana Linares Quiroga Lavié 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Preliminares 11 Supremacia constitucional 12 A Constituição como norma 13 O problema da legitimidade intergeracional 14 O controle de constitucionalidade 15 A dificuldade contramajoritaria 16 Cultura e sentimento constitucional 17 A constitucionalização do Direito 18 Bloco de constitucionalidade e tratados internacionais sobre direitos humanos 19 Constituição em sentido formal instrumental material e ideal 110 Classificações das constituições 1101 Observação prévia 1102 Constituições escritas ou dogmáticas e não escritas ou históricas 1103 Constituições flexíveis semirrígidas rígidas superrígidas e imutáveis 1104 Constituições sintéticas e analíticas 1105 Constituição dirigente e Constituição garantia 1106 Constituição monista pluralista ou compromissória e imparcial 1107 Constituições normativas nominais semânticas e simbólicas 1108 Constituições outorgadas promulgadas e cesaristas 1109 Constituições heterônomas Capítulo 2 Constitucionalismo 21 Introdução 22 O constitucionalismo antigo e medieval 23 O constitucionalismo moderno 231 O modelo inglês de constitucionalismo 232 O modelo francês de constitucionalismo 233 O modelo constitucional norteamericano 24 O constitucionalismo liberalburguês 25 O constitucionalismo social 26 Da Constituição como proclamação política à Constituição normativa 27 Constituição e crise da soberania estatal malestar da Constituição ou advento do constitucionalismo transnacional Capítulo 3 A Trajetória Constitucional Brasileira 31 Introdução 32 A Constituição de 1824 321 Antecedentes e outorga 322 Traços essenciais da Constituição de 1824 323 A vida constitucional sob a égide da Carta de 1824 33 A Constituição de 1891 331 Antecedentes e Assembleia Constituinte 332 Traços essenciais da Constituição de 1891 333 A República Velha sob a Constituição de 1891 34 A Constituição de 1934 341 Antecedentes e Assembleia Constituinte 342 A Constituição de 1934 principais características 343 A curta vida da Constituição de 1934 35 A Constituição de 1937 351 A outorga da Carta 352 Traços fundamentais da Carta de 1937 353 A Constituição de 1937 na vida nacional 36 A Constituição de 1946 361 Antecedentes e Assembleia Constituinte 362 Traços essenciais da Constituição de 1946 363 A Constituição de 1946 na realidade nacional 37 A Constituição de 1967 371 Antecedentes e Assembleia Constituinte 372 Traços gerais da Constituição de 1967 373 A Constituição de 1967 e o recrudescimento da Ditadura Militar 38 A Constituição de 1969 381 Outorga natureza e principais inovações 382 A Constituição de 1969 na vida nacional Capítulo 4 A Assembleia Constituinte de 198788 e a Experiência Brasileira sob a Constituição de 88 41 Introdução 42 Antecedentes convocação e natureza da Assembleia Constituinte 43 Composição da Assembleia Constituinte 44 Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte 45 Traços essenciais da Constituição de 1988 46 A trajetória da Constituição de 88 47 Conclusão Capítulo 5 Teoria da Constituição e Filosofia Constitucional 51 Nota preliminar 52 Teorias da Constituição 521 A teoria constitucional do constitucionalismo liberal o idealismo constitucional 522 A Constituição como fato social os fatores reais de poder 523 O positivismo constitucional de Hans Kelsen 524 A Constituição como decisão política fundamental Carl Schmitt 525 A Constituição como processo de integração Rudolf Smend 526 A Constituição total a tentativa de integração das dimensões normativas sociais e políticas Herman Heller 527 Norma realidade e concretização da Constituição as teorias concretista Konrad Hesse e estruturante Friedrich Müller da Constituição 528 A teoria da Constituição dirigente 529 O constitucionalismo da efetividade 5210 Póspositivismo e neoconstitucionalismo 53 Filosofia Política e teoria constitucional 531 Liberalismo igualitário e Constituição 532 Teoria constitucional e comunitarismo a Constituição e os valores comunitários 533 Teoria constitucional e libertarianismo 534 O republicanismo na teoria constitucional 535 O procedimentalismo na teoria constitucional 536 O constitucionalismo popular e a Constituição como inspiração para a política 537 Pragmatismo e teoria constitucional 538 PósModernidade e teoria constitucional 54 A título de conclusão a teoria constitucional no momento das grandes sínteses 541 Descrição e prescrição 542 Normatividade realidade e moralidade 543 Procedimento e substância 544 Indivíduo e comunidade 545 Jurisdição e política constitucional Capítulo 6 O Poder Constituinte Originário 61 Introdução 62 Poder constituinte elementos da história do conceito 63 A titularidade do poder constituinte 64 Características do poder constituinte originário inicial ilimitado indivisível incondicionado e permanente 641 Um poder inicial 642 Um poder juridicamente ilimitado 643 Um poder incondicionado 644 Um poder indivisível 645 Um poder permanente 65 Um poder de fato ou de direito 66 Os cenários do poder constituinte 661 Revolução vitoriosa 662 A criação de um novo Estado por agregação 663 Emancipação política 664 O colapso 665 Grave crise 666 O golpe de Estado 667 A transição pacífica 668 Momentos constitucionais sem Constituição 669 Poder constituinte supranacional O caso da União Europeia 67 O poder constituinte sem mistificações teológicas Capítulo 7 O Poder Constituinte Derivado 71 Introdução 72 O poder de reforma constitucional generalidades e limitações 721 Limites formais 7211 Generalidades e Direito Comparado 7212 Os limites formais às emendas na Constituição de 88 722 Os limites circunstanciais 723 Limites temporais 724 Limites materiais as cláusulas pétreas 7241 Generalidades 7242 Algumas linhas de justificação dos limites materiais ao poder de reforma 7243 Os limites materiais expressos ao poder de reforma na Constituição Federal de 1988 72431 A forma federativa de Estado 72432 O voto direto secreto universal e periódico 72433 A separação dos poderes 72434 Os direitos e garantias individuais 7244 As cláusulas pétreas implícitas e o problema da dupla revisão 725 A revisão constitucional 726 A aprovação de tratado internacional de direitos humanos de acordo com o procedimento previsto no art 5º 3º da Constituição 73 O poder constituinte decorrente 731 Elaboração e reforma das constituições estaduais procedimento 732 Os limites às constituições estaduais 733 Existe o princípio da simetria 734 As constituições estaduais o papel que atualmente desempenham 735 A lei orgânica do município é manifestação do poder constituinte decorrente Capítulo 8 Mutação Constitucional 81 Conceito e generalidades 82 Mecanismos de atuação da mutação constitucional 821 Evolução jurisprudencial e mutação constitucional 822 Mutação constitucional e atuação do legislador 823 Mutação constitucional Governo e Administração Pública 824 Mutação costume e convenção constitucional 83 Os limites da mutação constitucional Capítulo 9 Normas Constitucionais 91 Introdução 92 Texto normativo e norma constitucional 93 Algumas características das normas constitucionais 94 Especificidades de algumas normas constitucionais 941 O preâmbulo 942 As disposições constitucionais transitórias 95 Tipologia das normas constitucionais 951 Classificações das normas constitucionais quanto à eficácia jurídica 952 Classificação das normas constitucionais quanto ao seu objeto 96 Princípios e regras constitucionais 961 Nota histórica 962 Alguns critérios para distinção entre princípios e regras 963 Importância dos princípios e das regras no sistema constitucional 964 Valores e postulados normativos Capítulo 10 Interpretação Constitucional 101 Introdução 102 Notas históricas do formalismo legalista ao póspositivismo 103 Quem interpreta a Constituição 1031 A pluralização do universo de intérpretes 1032 Os diálogos interinstitucionais e sociais e a questão da última palavra 104 Os elementos tradicionais de interpretação aplicados à interpretação constitucional 1041 O elemento gramatical e os limites textuais para a atividade do intérprete 1042 O elemento histórico o originalismo e a vontade do constituinte 1043 O elemento sistemático e a unidade do sistema constitucional 1044 O elemento teleológico e as finalidades sociais da Constituição 105 Novas ideias na interpretação constitucional 1051 A précompreensão 1052 Interpretação constitucional problema e sistema os limites da tópica 1053 Interpretação realidade constitucional e concretização normativa 1054 Interpretação constitucional e avaliação das consequências 1055 Interpretação da Constituição e argumentação moral 1056 Consideração das capacidades institucionais 106 Princípios específicos de interpretação constitucional 1061 Princípio da unidade da Constituição e concordância prática 1062 Princípio da força normativa da Constituição 1063 Princípio da correção funcional 1064 Princípio das razões públicas 1065 Princípio do cosmopolitismo o diálogo internacional na interpretação constitucional 1066 Princípio da interpretação conforme à Constituição 1067 Princípio de presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos alguns parâmetros para a autocontenção judicial Capítulo 11 Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade 111 Introdução 112 O subprincípio da adequação 113 O subprincípio da necessidade 114 O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito 115 A proporcionalidade como proibição de proteção deficiente 116 O princípio da razoabilidade 1161 Razoabilidade e proporcionalidade 1162 Alguns significados da razoabilidade na doutrina constitucional e na filosofia 1163 Diferentes significados da razoabilidade na jurisprudência constitucional 1164 Dimensões da razoabilidade propostas para futuro aprofundamento Capítulo 12 Colisão entre Normas Constitucionais 121 Introdução 122 Há conflito entre normas constitucionais Categorização teoria interna dos direitos fundamentais juízo de adequação e a justiça para ouriços 123 Os critérios clássicos para a solução de antinomias e a sua insuficiência no cenário constitucional 1231 O critério hierárquico a inexistência de norma constitucional originária inconstitucional 1232 Ainda o critério hierárquico a inexistência de ordem rígida de preferência entre as normas constitucionais 1233 O critério cronológico a revogação de normas constitucionais por emendas supervenientes 1234 O critério de especialidade 124 A composição de uma nova norma 125 A ponderação 1251 Origem e desenvolvimento da ponderação 1252 Quem pondera e em que contextos 1253 A técnica da ponderação 1254 Ponderação democracia e desenho institucional 1255 Ponderação e regras constitucionais 1256 Alguns parâmetros gerais para a ponderação 126 Tratados internacionais de direitos humanos dotados de hierarquia constitucional e o critério da norma mais favorável Capítulo 13 As Lacunas Constitucionais e sua Integração 131 Lacunas constitucionais reserva de Constituição e silêncio eloquente 132 A analogia constitucional 133 Costume e convenção constitucional 134 A equidade constitucional 135 A inexistência de hierarquia entre os critérios para suprimento de lacunas constitucionais Capítulo 14 Direito Constitucional Intertemporal 141 Introdução 142 A aplicação imediata da Constituição e a proteção do direito adquirido do ato jurídico perfeito e da coisa julgada 143 Constituição e ordem constitucional anterior existe desconstitucionalização 144 Constituição e direito infraconstitucional anterior a recepção 1441 Recepção e mudança no processo legislativo 1442 Recepção federação e alteração de competência legislativa 1443 Não recepção revogação ou inconstitucionalidade superveniente 1444 Recepção provisória a lei ainda constitucional e a inconstitucionalidade progressiva 145 Repristinação constitucional constitucionalidade superveniente 146 Declaração de inconstitucionalidade e efeitos repristinatórios 147 Emendas constitucionais e Direito Intertemporal Referências Sobre os Autores Créditos Índice de Assunto Índice da Legislação Índice Onomástico