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Psicanálise
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PSICANÁLISE DA CRIANÇA MELANIE KLEIN CIP Brasil CatalogaçãonaFonte Câmara Brasileira do Livro SP Klein Mellanie 18821960 K72p Psicanálise da criança I Melanie Klein tradução Pola Ci 3 ed velli 3 ed São Paulo Mestre f ou 1981 Bibliografia I Psicanálise in f anti I Título CDD618928917 811438 NLMWS 350 índices para catálogo sistemáüco I Crianças Psicanálise Medicina 618928917 2 Psicanálise in f anti Medicina 618928917 PSICANÁLISE DA CRIANÇA MELANIE KLEIN PSICAN ALISE DA CRIANÇA Tradução POLA CIVELLI EDITORA MESTRE JOU SÃo PAULO Tíbhoteta jf reullíana Tfrceira edção em português 1981 Título original Díe Psychoanalyse des Kíndes The Psychoanalysís of Chíldren Capa Wílson Tadeí The Hogarth Press Ltd Londres Direitos reservados para os países de língua portuguesa pela EDTTORA MESTRE JOU São Paulo SP A MEMÓRIA DE KARL ABRAHAM COM GRATIDÃO E ADMIRAÇÃO Sentimonos às vezes desalantados face ao vulto de fenômenos com que nos defrontamos no vasto campo do psiquismo humano desde os folguedos infantis e outros produtos típicos das primeiras atividades ou fantasias através do desenvolvimento inicial dos interesses e aptidões da criança até às mais altas realizações dos seres humanos maduros e que se manifestam com as mais extremas diferenciações individuais Devemos porém lembrarnos que Freud nos deu na prática e teoria da psicanálise um instrumento com o qual investigar este amplo tema desbravando o caminho da sexualidade infantil essa inexaurível fonte de vida ABRAHAM Selected Papers pág 406 PREFÁCIO Pedeme a Editora Mestre Jou que prefacie a tradução brasileira do livro de Melanie Klein Imagino que apresentar a Autora ao público brasileiro é tarefa absolutamente desnecessária Figura realmente ímpar no movimento psicanalítico dos nossos dias reformuladora de conceitos e criadora de novas linhas de pesquisa Melanie Klein não precisa ser apresentada a um público já maduro de certa forma para as novas aquisições da psiquiatria infantil atual Aprendi com Pedro de Alcântara que o leitor me perdoe a irreverência não se apresenta uma figura sobejamente conhecida Seria o caso de apresentar o leitor à Autora O livro de Melanie Klein que a Editora Mestre Jou vem de traduzir e publicar é um livro clássico da psicoterapia infantil É mais uma contribuição da Editora ao público brasileiro já habituado a ler Klein em todas as línguas e agora traduzido ao vernáculo o que certamente virá facilitar o manejo de problemas clínicos expostos no texto e dificilmente internalisáveis em língua estrangeira por mais próxima que seja É um livro para ser lido estudado e meditado Atravessamos no Brasil uma fase caótica da psicoterapia infantil Velhos padrões vêm sendo substituídos em uma verdadeira crise de adolescência na qual cada um se julga capaz de fazer análise e orientar os filhos dos outros muitas vezes sem saber para onde se encaminha a nossa sociedade e como se estruturam nossos padrões de vida emocional e comunitária É natural que assim seja em um País que vai cobrindo distâncias sem a estruturação e a sedimentação necessárias e imprescindíveis para um trabalho de profundidade Vale o nosso entusiasmo e a nossa capacidade criadora PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ESTE LIVRO baseiase em observações feitas por mim no curso de meu trabalho psicanalítico com crianças Pretendia originalmente dedicar a primeira parte à descrição da técnica que elaborei e a segunda à exposição das conclusões teóricas a que meu trabalho prático gradualmente me levou e que hoje se revelam de grande utilidade na aplicação da técnica que emprego Mas à medida que ia escrevendo o livro tarefa que me levou diversos anos a segunda parte prolongouse para além do que fora previsto Em adição às minhas experiências com análise infantil as observações que fiz analisando adultos induziramme a aplicar meus pontos de vista concernentes aos estádios iniciais de desenvolvimento da criança também à psicologia dos adultos Certas conclusões a que cheguei serão expostas nestas páginas como contribuição à teoria geral psicanalítica dos primeiros estádios evolutivos do indivíduo Essa contribuição baseiase no acervo de conhecimentos que Freud nos transmitiu Foi aplicando suas descobertas que pude ter acesso à mente de crianças muito pequenas e foi assim que pude analisálas e curálas Isso ademais me deu a oportunidade de observar diretamente os primitivos processos de desenvolvimento que me levaram às atuais conclusões teóricas Essas conclusões confirmam plenamente o conhecimento que Freud adquiriu analisando adultos e constituem uma tentativa para estender esse conhecimento em uma ou duas direções Se este intento for de alguma forma bem sucedido e se este livro realmente acrescentar algumas pedras ao crescente edifício do conhecimento psicanalítico meus maiores agradeci O livro de Melanie Klein embora de certa forma maduro é extremamente atual nesta fase do nosso desenvolvimento Vale por uma experiência pessoal com a seriedade da Autora vale como uma advertência para os perigos das aventuras psicoterapêuticas A psicoterapia infantil é algo muito sério que somente pode ser realizada seriamente Para isso este livro é indispensável Quase se poderia dizer que constitui uma das cartilhas obrigatórias Quem o desconhecer não tem condições de prosseguir Daí o mérito da Editora em oferecer ao leitor brasileiro esta tradução Os muitos anos de psicoterapia da infância permitemme prevenir o leitor para uma leitura aparentemente fácil porém profundamente meditativa e difícil Melanie Klein foi e fica difícil esta colocação no passado de uma figura que tanta coisa ainda poderia fazer pela especialidade uma criatura privilegiada que descortinou novos horizontes e criou porque não dizer tantas controvérsias O movimento prossegue A sedimentação à procura da verdade pertencem ao futuro Aqui estão para os que quiserem ler experiências e vivências pessoais para serem analisadas e aceitas reformuladas se necessário O que não podemos negar de forma alguma é que a contribuição de Melanie Klein a coloca em um plano invulgar na pesquisa na análise e na procura de uma melhor compreensão da criatura humana Dizia Vitor Fontes que o grande problema da Psiquiatria Infantil era visualizar a criança em devir aquilo que ela iria ser no futuro e como iria por isso mesmo contribuir para o estabelecimento dos futuros padrões sociais Vale ainda a verdade socrática do conhecerse melhor a si mesmo para que a humanidade em devir seja um pouco melhor Transfiro um pouco desta responsabilidade ao leitor É um livro extremamente sério merecedor de uma leitura atenta e de uma meditação profunda Nem todos como eu mesmo estarão de acordo com tudo Mas é inegável sua contribuição para o aprimoramento dos ideais da humanidade Fazer com que os homens se conheçam melhor e por isso se entendam mais Ao entregar ao público brasileiro esta tradução enalteço o esforço da Editora em prol da cultura especializada de nosso País e agradeço a honra que me permitiram dupla de apresentar Melanie Klein ao leitor brasileiro e de apresentar o leitor brasileiro sedento de conhecimentos e de cultura a uma das personalidades mais interessantes dentro de um campo de pesquisa dos mais importantes em um mundo de investimentos no qual felizmente o maior investimento começa a ser a Criatura humana São Paulo fevereiro de 1969 Stanislau Krynski ExPresidente da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Infantil mentos serão devidos antes de mais nada ao próprio Freud Ele não apenas erigiu o edifício sobre bases que permitiram sua elaboração posterior como sempre dirigiu nossa atenção para os pontos em que novas alas poderiam ser acrescentadas Cabeme aqui mencionar a participação que tiveram meus dois mestres dr Sándor Ferenczi e dr Karl Abraham em meu trabalho psicanalítico Foi Ferenczi quem me introduziu na psicanálise Foi ele quem me fez compreender sua verdadeira essência e significado Sua extraordinária sensibilidade para o inconsciente e o simbolismo e sua notável intuição no que se refere à mente infantil influenciaram profundamente minha compreensão da psicologia da criança pequena Foi ele também o primeiro a notar minha aptidão para a análise infantil por cujo progresso tomou um interesse pessoal encorajandome a me dedicar a esse campo da terapia analítica ainda muito pouco explorado até então Fez tudo o que pôde para ajudarme a trilhar esse caminho dandome grande apoio em meus primeiros passos É a ele que devo meus trabalhos iniciais como analista Na pessoa do dr Karl Abraham tive a sorte de encontrar um segundo mestre com a faculdade de despertar em seus alunos o desejo de aplicarem o melhor de suas energias a serviço da psicanálise Na opinião de Abraham o progresso da psicanálise dependia de cada analista em particular do valor de seu trabalho da qualidade de seu caráter e do nível de suas conquistas científicas Esses elevados ideais apresentaramse ao meu espírito quando neste livro de psicanálise procurei resgatar em parte a grande dívida que tenho para com essa ciência Abraham anteviu claramente as grandes possibilidades práticas e teóricas da análise infantil No Primeiro Congresso de Psicanalistas Alemães em Würzburg em 1924 ao comentar uma comunicação minha sobre a neurose obsessiva de uma criança1 ele declarou em palavras que jamais esquecerei O futuro da psicanálise está na análise lúdica Meus estudos sobre o psiquismo da criança pequena evidenciaramme certos fatos que me pareceram estranhos à primeira vista Mas a confiança que Abraham depositou em meu trabalho estimuloume a prosseguir Minhas conclusões 1 Esse trabalho constitui a base do capítulo 3 deste livro teóricas são um desenvolvimento natural de suas próprias descobertas como espero demonstrar neste livro Nos últimos anos meu trabalho recebeu o mais caloroso apoio por parte do dr Ernest Jones Numa época em que a análise infantil ainda se encontrava em seus primórdios ele previu o papel que desempenharia no futuro Foi a convite dele que dei minha primeira série de conferências em Londres em 1925 perante a Sociedade Britânica de Psicanálise e essas conferências deram origem à primeira parte do presente livro Um segundo curso intitulado A psicologia dos adultos encarada à luz da análise infantil ministrado em Londres em 1927 forma a base da segunda parte A profunda convicção com que o dr Jones advogou a análise infantil abriu as portas para esse campo de trabalho na Inglaterra Ele próprio fez importantes contribuições ao problema das primitivas situações de ansiedade ao significado das tendências agressivas nos sentimentos de culpa e aos estádios iniciais do desenvolvimento sexual da mulher Os resultados de seus estudos coincidem com os meus em todos os pontos fundamentais Gostaria também de agradecer a outros colegas ingleses pela simpatia compreensão e apoio que dispensaram à minha obra Minha amiga srta M N Searl cujos pontos de vista coincidem com os meus e que trabalha na mesma linha que eu contribuiu grandemente para a propulsão da análise infantil na Inglaterra tanto do ponto de vista prático como teórico e para a formação de analistas infantis Estendo meus agradecimentos também à sra James Strachey pela hábil tradução do livro para o inglês e tanto a ela quanto ao sr Strachey pela grande assistência que me prestaram com seu estímulo e valiosas sugestões para a composição do mesmo Agradeço também ao dr Edward Glover pelo ardoroso e incessante interesse demonstrado por meu trabalho e pela maneira com que me auxiliou com suas simpáticas críticas Foi ele quem chamou minha atenção para os pontos em que minhas conclusões concordam com as teorias já existentes e aceitas da psicanálise Tenho ademais uma profunda dívida de gratidão para com minha amiga sra Joan Riviere que tanto me apoiou em meu trabalho mostrandose sempre pronta a auxiliarme em todos os sentidos E last but not least quero agradecer de coração à minha filha dra Melitta Schmideberg pela dedicação e colaboração inestimáveis na preparação deste livro MELANIE KLEIN LONDRES julho de 1932 PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO INGLESA Nos anos decorridos após a publicação deste livro cheguei a novas conclusões principalmente no que se refere ao primeiro ano de vida e estas me levaram a elaborar algumas das hipóteses fundamentais aqui apresentadas O propósito deste prefácio é dar uma idéia da natureza das modificações dessas hipóteses e que são em resumo as seguintes nos primeiros meses de vida as crianças passam por estados de angústia persecutória ligados à fase de exacerbação do sadismo o bebê também experimenta sentimentos de culpa por seus impulsos destrutivos e fantasias que são dirigidos contra seu primeiro objeto sua mãe e em primeiro lugar o seio de sua mãe Desses sentimentos de culpa surge a tendência a fazer reparações ao objeto injuriado Ao tentar completar com maiores detalhes o quadro deste período verifiquei que certas mudanças de ênfase e de relações cronológicas eram inevitáveis Assim cheguei a diferenciar duas fases principais nos primeiros seis a oito meses de vida e descrevias como a posição paranoide e a posição depressiva O termo posição foi escolhido porque muito embora os fenômenos implicados ocorram em primeiro lugar durante os primitivos estádios evolutivos não estão confinados a esses estádios mas representam agrupamentos específicos de angústias e defesas que aparecem e reaparecem durante os primeiros anos da infância A posição paranoide é o estádio em que predominam os impulsos destrutivos e as angústias persecutórias e ele se estende desde o nascimento até os três quatro e até cinco meses de idade Isto torna necessário alterar as datas atribuídas à fase de exacerbação do sadismo mas não implica numa mudança de ponto de vista no que se refere à estreita interação entre o sadismo e a angústia persecutória em seu ponto culminante A posição depressiva que se segue a esse estádio e está ligada a passos importantes no desenvolvimento do ego estabelecese por volta da metade do primeiro ano de vida Nesta etapa as fantasias e impulsos sádicos assim como a angústia persecutória diminuem de intensidade A criancinha introjeta o objeto total e se torna simultaneamente capaz até certo ponto de sintetizar os vários aspectos do objeto e suas emoções com relação ao mesmo O amor e o ódio unemse em sua mente e isso produz angústia por temor de que o objeto tanto interno quanto externo seja danificado ou destruído Os sentimentos depressivos e de culpabilidade suscitam o anseio de preservar ou ressuscitar o objeto amado e destarte a fazer reparações pelas fantasias e impulsos destrutivos O conceito da posição depressiva não só nos obriga a retificar a cronologia das primeiras fases evolutivas como aumenta o nosso conhecimento da vida emocional dos bebês influenciando vitalmente nossa compreensão de todo o desenvolvimento da criança Esse conceito também faz jorrar nova luz sobre os estádios primitivos do complexo de Édipo Continuo mantendo que estes principiam por volta da metade do primeiro ano Mas como atualmente não mais situo neste período a fase de exacerbação do sadismo encaro diferentemente o começo das relações emocionais e sexuais com ambos os pais Conseqüentemente ao passo que em algumas passagens vide capítulo 8 sugeri que o complexo de Édipo se inicia sob o domínio do sadismo e do ódio eu diria agora que a criancinha se volta para o segundo objeto o pai com sentimentos tanto de amor como de ódio Nos capítulos 9 10 e 12 porém esses pontos foram considerados por outro ângulo e lá aproximome de meu ponto de vista atual Vejo nos sentimentos depressivos derivados do medo de perder a mãe amada como objeto externo e interno um impulso importante para os primeiros desejos edípicos Isto significa que atualmente relaciono os estádios primitivos do complexo de Édipo com a posição depressiva Há também neste livro várias afirmações que eu hoje passados dezesseis anos gostaria de reformular Tal reformulação todavia não implica em nenhuma alteração essencial das conclusões aqui apresentadas pois este livro assim como está Psicanálise da Criança 15 representa fundamentálmente minha opinião atual Além disso as mais recentes evoluções de meq trabalho derivam organi camente das hipóteses aqui apresentadas processos de intro jeção e projeção operando desde o começo da vida objetos internalizados constituindo o ponto de partida da evoluço do superego em todos os seus aspectos a relação com objetos in ternos e externos interagindo desde a primeiríssima infância e influenciando vitalmente tanto o desenvolvimento do su perego como as relações objetais o despontar precoce do com plexo de Édipo angústias infantis de natureza psicótica for necendo pontos de fixação para as psicoses E ademais a técnica lúdica que comecei a desenvolver em 1922 e 1923 e que é apresentada neste livro continua essencialmente válida ela foi elaborada mas não alterada pelo desenvolvi mento subseqüente de meu trabalho M K LONDRES maio de 1948 NOTA DA TRADUTORA INGLESA Este livro com o título Die Psychoanalyse des Kindes1 foi publicado em Viena em 1932 pelo Internationale1 Psychoana lytischer Verlag Na tradução de certos capítulos estou em dí vida com a srta I Grant Duff com o sr Adrian Stephen e com meu marido pelo uso do manuscrito de suas traduções da pri mein1 versão do original O índice analítico baseiase no pla nejado pela dra Melitta Schmideberg para a edição alemã Detalhes sobre todas as obras mencionadas nas notas ao pé de página serão encontrados sob o nome de seus autores na bibliografia constante do final do volume ALIX STRACHEY adotados no caso de adultos ainda tenham de ser assentados e provados no que se refere à criança Foi somente nos últimos doze ou treze anos que se efetuou um trabalho mais considerável no campo da análise infantil Esta seguiu duas linhas principais de desenvolvimento uma representada por Anna Freud e a outra por mim Anna Freud foi levada por suas descobertas no que se refere ao ego da criança a modificar a técnica clássica e elaborou seu método de analisar crianças no período de latência independentemente de meu processo Suas conclusões teóricas diferem das minhas em vários pontos fundamentais Em sua opinião as crianças não desenvolvem uma neurose transferencial3 de forma que não existe a condição fundamental para o tratamento analítico Além do mais ela acha que não se deve aplicar às crianças um método análogo ao empregado para adultos pois o ideal do ego infantil ainda é muito débil4 Essa opinião difere da minha A experiência ensinoume que as crianças podem perfeitamente produzir uma neurose de transferência e que exatamente como no caso dos adultos surgirá uma situação transferencial desde que empreguemos um método equivalente à análise de adultos i e que evitemos qualquer medida pedagógica e que analisemos a fundo os impulsos negativos dirigidos contra o analista Constatei também que com crianças de todas as idades é muito difícil mes 8 Diferentemente do adulto a criança não está preparada para produzir uma nova edição por assim dizer de suas relações amorosas porque continuando a metáfora a edição original ainda não foi esgotada Seus primeiros objetos os pais ainda são seus objetos de amor na vida real e não somente na imaginação como no caso dos neuróticos adultos E mais adiante A criança não tem necessidade de trocálo o analista por seus pais pois o analista não lhe oferece todas aquelas vantagens em comparação com seus objetos originais que o paciente adulto recebe ao trocar os objetos de sua fantasia por uma pessoa real Einführung in die Technik der Kinderanalyse 1927 págs 56 e 58 4 As razões que ela aduz são a debilidade do ideal do ego da criança a dependência para suas necessidades e portanto para sua neurose do mundo externo sua incapacidade de controlar os instintos que foram liberados dentro dela e em consequência a necessidade de que o analista a mantenha sob sua orientação educacional pág 82 E acrescenta Nas crianças as tendências negativas dirigidas contra o analista apesar de frequentemente reveladoras em muitos aspectos são essencialmente inconvenientes e devemos reduzilas e debilitálas o mais rapidamente possível É em sua relação positiva com o analista que se realizará sempre um trabalho realmente valioso pág 51 I N T R O D UÇÃO O INÍCIO DA análise infantil remonta a mais de duas décadas à época em que Fretid efetuou a análise do Pequeno Hans 1 Esta primeira análise de uma criança foi de grande importância teórica por dois motivos O êxito obtido no caso de uma criança de menos de cinco anos demonstrou que os métodos psicanalíticos podiam ser aplicados a crianças pequenas e o que é talvez ainda mais importante demonstrou amplamente através do contato direto com a criança a existên cia até então muito discutida das tendências infantis instintivas que Freud descobrira no adulto Além disso pelos resultados obtidos surgia a esperança de que a continuarse com a análise de crianças pequenas pudéssemos adqu4ir um conhecimento mais p1ofundo e mais preciso de sua psicologia do que fora possível através da análise de adultos e daí poderiam advir contribuições importantes e fundamentais à teoria qa psica nálise Mas durante muito tempo essa esperança não se rea lizou Por muitos anos a análise infantil continuou a ser uma região relativamente Ínexplorada no domínio da psicanálise como ciência e como terapêutica Embora diversos analistas principalmente a dra H HugHellmuth2 tenham desde então empreendido a análise de crianças não se elaborou nenhuma regra fixa quanto à sua técnica ou aplicação É a isso que se deve indubitavelmente o fato de não terem até agora sido geralmente reconhecidas as grandes possibilidade práticãs e teóricas da análise infantil e que aqueles princípios funda mentais e aspectos da psicanálise que foram de há muito 1 Analysis of a Phobia in a FiveYearOld Boy 1909 2 Zur Technik der Kinderanalyse 1921 mo com a análise em profundidade atenuar a severidade do superego Além do mais se for efetuada sem se recorrer a qualquer influência pedagógica a análise não somente não debilita o ego da criança como ainda o fortalece Seria sem dúvida uma tarefa interessante comparar detalhadamente essas duas linhas de procedimento e no que se refere aos dados experimentais computálas teoricamente Mas devo limitarme nestas páginas a expor minha técnica e as conclusões teóricas a que a mesma me levou Conhecese relativamente tão pouco hoje em dia sobre análise infantil que nossa primeira tarefa deve ser a de lançar luz sobre os problemas da análise infantil de todos os ângulos possíveis unificando os resultados até agora obtidos Melanie Klein PART E I A TÉCNICA DA ANÁLISE INFANTIL FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA ANALISE INFANTIL DAS DESCOBERTAS da psicanálise resultou a criação de uma nova Psicologia Infantil Por meio delas aprendemos que já nos primeiros anos de vida as crianças experimentam não apenas impulsos sexuais e angústia como também sofrem grandes desilusões Juntamente com o mito da assexualidade da criança sucumbiu o mito do paraíso da infância Essas conclusões à que chegamos através da análise dos adultos e da observação direta das crianças foram depois confirmadas e ampliadas pela análise de crianças de tenra idade Apoiados em exemplos vamos primeiramente formar um quadro da mente da criança de acordo com o que nos revela a análise Minha paciente Rita que ao principiar o tratamento contava dois anos e nove meses manifestou preferência pela mãe até o final de seu primeiro ano de vida Posteriormente passou a demonstrar acentuada predileção pelo pai e fortes ciúmes da mãe Aos quinze meses por exemplo manifestava freqüentemente o desejo de ser deixada a sós no quarto com Este capítulo é uma versão ampliada de meu trabalho The Psychological Principles of Infant Analysis 1926 o pai folheando livros em seu colo Aos dezoito meses sua atitude tornou a modificarse e a mãe voltou a ser a favorita Na mesma época começou a sofrer de pavor noturnos e a ter medo de animais Nos meses seguintes sua fixação à mãe foi se tornando cada vez maior e ela desenvolveu intensa aversão pelo pai Aos dois anos começou a tornarse cada vez mais ambivalente e difícil até que finalmente aos dois anos e nove meses trouxeramna a mim para que a analisasse Nessa ocasião apresentava acentuada neurose obsessiva Produzia cerimoniais obsessivos em que uma maldade incontrolável se alternava com uma bondade exagerada acompanhada de sentimentos de remorso Tinha crises de paratimia com todos os sinais de depressão melancólica Além disso era muito inibida ao brincar e sofria de grave angústia incapacidade total para tolerar frustrações e uma disposição de ânimo excessivamente lamuriosa Essas dificuldades tornavam quase impossível o ato de se lidar com a menina O caso de Rita demonstrava claramente que o pavor nocturnus que surgira aos dezoito meses de idade era uma elabora 2 Rita compartilhara do quarto dos pais até quase a idade de dois anos e em sua análise demonstrou as conseqüências de haver testemunhado a cena primária O nascimento de seu irmão quando tinha dois anos provocou o desencadeamento de sua neurose Após oitenta e três sessões seus pais mudaramse para o exterior e sua análise foi interrompida Mas em todos os pontos importantes resultou numa melhora considerável A angústia da menina diminuiu seus cerimoniais obsessivos desapareceram e seus sintomas depressivos juntamente com sua incapacidade de tolerar frustrações foram em grande parte moderados Ao mesmo tempo que a análise diminuía sua ambivalência em relação à mãe e melhorava suas relações com seu pai e seu irmão as dificuldades de sua educação foram reduzidas a um nível normal Tive ocasião de convencerme pessoalmente da natureza duradoura dos resultados de sua análise alguns anos mais tarde Pude então verificar que ela entrara no período de latência de maneira satisfatória e que seu desenvolvimento intelectual e caracterológico eram satisfatórios Não obstante quando tomei a vêla tive a impressão de que teria sido aconselhável haver prosseguido com sua análise por mais algum tempo Todo o seu caráter e natureza revelavam traços inequívocos de disposição obsessiva É de notarse porém que sua genitora sofria de grave neurose obsessiva e tivera uma relação ambivalente para com a menina desde o início Um dos resultados para melhor que a análise efetuou em Rita foi que a atitude de sua mãe para com ela também melhorou grandemente mas mesmo assim foi um grande empecilho para o desenvolvimento da menina Tenho certeza de que se a análise tivesse prosseguido até o final aliviando suas características obsessivas ela teria gozado de imunidade ainda maior ao ambiente neurótico e indutivo à neurose no qual vivia Sete anos após o fim de seu tratamento soube por sua mãe que ela estava se desenvolvendo satisfatoriamente 28 Melank Klei11 culpa que se manifestava entre outras coisas em seus pavores noturnos Vemos assim que as primeiras angústias e os sen timentos de éulpa da criança têm sua origem nos impulsos agressivos relacionados ao conflito edipico 6 Na época em que Trude se comportava da maneira acima descrita dava quase sempre um jeito de se machucar pouco antes de comparecer à sua hora de análise Evidenciouse que as coisas com as quais ela se feria uma mesa um armário uma lareíra etc significavam de acordo com processos primitivos e infantis de identificação sua mãe ou seu pai que 1a estavam punindo7 Os folguedos infantis nos permitem inferir claramente a ori gem desse sentimento de culpa em tenra idade Retornando ao nosso primeiro caso verificaremos que Rita em seu segundo ano de vida sentia remorsos por qualquer pequena travessura cometida e era hipersensível às reprimendas como uma vez em que irrompeu em lágrimas porque seu pai ameaçou brin cando um ursinho de seu livro de gravuras Seu medo ao des contentamento do pai foi suficiente para fazêla identificarse com o urso Sua inibição no jogo procedia igualmente de seu sentimeitO de culpa Quando aos dois anos e três meses ela brincava com sua boneca brinquedo que aliás lhe dava 6 No trabalho em que se Laseia este capítulo The Psychological Principies of Jnfant Analysis 1926 já havia eu manifestado o ponto de vista de que os impulsos de ódio e agressão constituem a causa mais profunçla e a base dos sentimentos de culpa desde então enho trazendo novas evidências em apoio dessa Ópinião em numerosos outros escritos Em meu trabalho The lrnportance of SymboiFormation in thc Development o f the Ego lido perante o Congresso de Oxford em 1929 tive opodunidade de fazer uma formulação mais extensa Eu disse É somente nos estádios posteriores do conflito edípico que surge a defesa contra os impulsos libidinais nos estádios primitivos é contra os impulsos destrutivos que os acompanham que a defesa é dirigida Esta afinnação concorda em alguns pontos creio cu com as conclusões a que Freud chegou em seu oporiuno livro CivilizatÍOIL and its Discontenls 1929 onde diz Portanto afinal de contas é apenas a agressão que se transfórma em culpa ao ser suprimida e transferida para o superego Estou convencido de que muitos processos permitirão explicações mais simples e mais claras se restrin gimios as descobertas da psicanálise no que se refere ao sentimento de culpa aos instintos agressivos pág 131 E mais adiante Estamos inclinados a sugerir o seguinte como possível formulação quando uma tendência instin tivli sofre repressão seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa 7 Uma disposiçãô um tanto lamuriosa e a tendência a cair ou ferirse coisas tão comuns principalmente em crianças pequenas são de acordo com minha experiência conseqüência do sentimento de culpa ção neurótica de seu conflito edípico Suas crises de cólera e de angústia que não passavam de uma repetição de seus terrores noturnos assim como suas outras dificuldades estavam intimamente relacionadas com fortes sentimentos de culpa resultantes desse conflito primitivo Consideraremos agora o conteúdo e as causas desses precoces sentimentos de culpa referindonos a um outro caso Trude de três anos e nove meses costumava amiúde fazer de conta em sua análise que era noite e que ambas estávamos dormindo Ela então vinha avançando para mim do canto oposto da sala onde se supunha estaria o seu quarto de dormir e ameaçavame de várias maneiras como por exemplo de que ia me apunhalar na garganta me atirar pela janela me queimar me levar à polícia etc Queria amarrar minhas mãos e meus pés ou então erguia a cobertura do divã e dizia que estava fazendo PoKakiKuki Isto conforme comprovei mais tarde significava que ela queria procurar Kakis fezes que para ela significavam crianças dentro do traseiro de sua mãe Em outra ocasião quis me agredir no estômago e declarou que estava tirando meus Aas fezes para me empobrecer Agarrava então as almofadas que muitas vezes para ela significavam crianças e agachandose com as mesmas por trás do divã manifestava todos os sintomas de medo cobrindose chupando os dedos e urinando Costumava repetir o processo inteiro todas as vezes que me atacava Isso correspondia em todos os detalhes à maneira como ela se comportara em seu leito quando com dois anos incompletos fora acometida de graves terrores noturnos Naquela época também corria muitas vezes à noite para o quarto dos pais sem conseguir explicar o que desejava A análise revelou que o ato de molharse e sujarse eram ataques contra os pais em cópula e assim os sintomas foram suprimidos Trude queria roubar os bebês do ventre de sua mãe grávida matála e substituíla no coito com seu pai Esses impulsos de ódio e agressão haviam produzido em seu segundo ano de vida forte fixação à mãe e um sentimento de 3 No capítulo 8 darei razões mais amplas para o fato de presumir que nessas emoções o conflito de Édipo ou os primitivos estádios do mesmo já estavam se manifestando 4 Aqui como em outras partes a idade mencionada referese à idade com a qual a criança iniciou a análise 5 Sua irmã nasceu quando tinha dois anos de idade muito pouco prazer sempre declarava não ser a mãe da boneca A análise revelou que ela não podia ser sua mãe porque a boneca entre outras coisas representava seu irmãozinho a quem ela quisera roubar da mãe Durante a gravidez da última A proibição todavia não procedia de sua genitora real mas de uma mãe introjetada que a ameaçava com muito mais rigor e crueldade do que a verdadeira o faria Outro sintoma que Rita começou a manifestar aos dois anos este de natureza obsessiva era um ritual na hora de deitar que ocupava um tempo considerável O ponto principal consistia em fazer com que a enrolassem apertadamente nos lençóis e nas cobertas porque senão um rato ou um Butzen entraria pela janela e arrancaria seu próprio Butzen a mordidas Sua boneca também deveria ficar firmemente enrolada e este ritual duplo foi se tornando cada vez mais elaborado e complicado e era efetuado com todos os sinais da atitude compulsiva de que seu psiquismo se achava impregnado Em certa ocasião durante uma sessão de análise ela colocou um elefantinho de brinquedo junto à cama da boneca para evitar que esta se levantasse e fosse ao quarto dos pais fazer alguma coisa a eles ou tirar alguma coisa deles O elefantinho estava assumindo o papel de seus pais internalizados cuja influência proibitiva passou a sentir desde que entre a idade de quinze meses e dois anos desejou substituir a mãe junto ao pai roubarlhe o bebê que estava dentro dela e prejudicar e castrar a ambos os genitores O significado do cerimonial tornouse então claro o fato de enrolarse nas cobertas impediaa de levantarse e descarregar seus desejos agressivos contra os genitores Como porém receava ser castigada por esses desejos mediante um ataque análogo de seus pais contra ela envolverse nas cobertas servia também como defesa contra esses ataques Estes seriam efetuados por exemplo pelo Butzen o pênis de seu pai que prejudicaria seus genitais e arrancaria seu próprio Butzen a mordidas como castigo por desejar castrar o pai Nesse brinquedo ela costumava castigar a boneca e depois entregarse a um acesso de fúria e de medo demonstrando assim estar re 8 O complexo de castração de Rita manifestavase em toda uma série de sintomas assim como em seu desenvolvimento caracterológico Sua maneira de brincar também demonstrava claramente a intensidade de sua identificação com o pai e seu temor resultante do complexo de castração de fracassar no papel masculino apresentando ambos os papéis o da autoridade que infligia o castigo e o da criança punida É evidente que essa angústia era causada não apenas pelos genitores reais da menina como também e principalmente pela imagem excessivamente severa de seus pais introjetados Encontramos aqui o correspondente ao que denominamos o superego nos adultos9 Os sinais típicos do complexo de Édipo que se tornam mais pronunciados quando este atinge a intensidade máxima que precede imediatamente o seu declínio constituem apenas o estádio final de um processo que durava há anos A análise das crianças pequenas revela que o conflito edípico se estabelece já na segunda metade do primeiro ano de vida e que a criança começa simultaneamente a modificálo e a edificar o seu superego O fato portanto de acharmos que até mesmo criancinhas muito pequenas sofrem o peso de sentimentos de culpa dános ao menos uma boa base para podermos abordar sua análise embora muitas das condições para o sucesso do tratamento parem estar ausentes A relação da criança com a realidade é fraca não existe aparentemente nenhum incentivo para que elas se submetam à provação de uma análise já que via de regra não se sentem doentes e o que é ainda mais importante ainda não são capazes de nos fornecer pelo menos não em grau suficiente aquelas associações verbais que constituem o principal instrumento para o tratamento analítico de adultos Examinemos primeiramente esta última objeção Foram justamente às muitas diferenças entre o psiquismo infantil e o do adulto que me indicaram desde o princípio a maneira de chegar às associações da criança e compreender seu inconsciente Essas características especiais da psicologia infantil forneceramme as bases da técnica lúdica que elaborei A criança expressa suas fantasias desejos e experiências de uma forma simbólica através de jogos e brinquedos Ao fazêlo utiliza os mesmos modos arcaicos e filogenéticos de expressão a mesma linguagem com que já nos familiarizamos nos sonhos a plena compreensão dessa linguagem só será obtida se dela nos acercarmos da maneira que Freud nos ensinou a nos acercarmos dos sonhos O simbolismo constitui apenas uma parte dessa 9 Na opinião da autora as primeiras identificações da criança já deveriam ser chamadas de superego As razões para esse ponto de vista são expostas no capítulo 8 linguagem Se quisermos compreender corretamente o brinquedo da criança em relação a todo o seu comportamento durante a hora de análise não devemos contentarnos em desvendar o significado de símbolos isolados por mais reveladores que sejam é preciso levar em consideração todos os mecanismos e métodos de representação empregados no trabalho onírico jamais perdendo de vista a relação de cada fator isolado com a situação global A análise infantil temnos demonstrado repetidas vezes quantos significados diferentes um simples brinquedo ou a simples peça de um jogo podem ter Só chegaremos a compreender plenamente o seu significado quando conhecermos suas conexões ulteriores e a situação analítica geral dentro da qual se situam A boneca de Rita por exemplo às vezes representava um pênis outras vezes um bebê que ela roubara de sua mãe e ainda outras vezes a ela mesma Somente poderemos obter resultados analíticos completos quando colocarmos esses elementos lúdicos em sua verdadeira relação com o sentimento de culpa da criança interpretandoos em seus mínimos detalhes O quadro caleidoscópico global amiúde sem significado aparente que as crianças nos apresentam numa única hora de análise o conteúdo de seus jogos a maneira como brincam os meios de que se utilizam pois às vezes atribuirão papéis diferentes a seus brinquedos ou a elas mesmas e os motivos que se ocultam por trás de uma mudança de jogo por que por exemplo param de brincar com água e começam a recortar papel ou a desenhar todas essas coisas seguem um método cujo significado poderemos captar se as interpretarmos como interpretamos os sonhos As crianças freqüentemente expressam em seus brinquedos a mesma coisa que acabaram de nos contar em um sonho ou fazem associações a um sonho no brinquedo que se lhe segue pois brincar é o meio de expressão mais importante da criança Ao utilizarmos essa técnica lúdica logo descobrimos que a criança faz tantas associações aos elementos isolados de seu brinquedo quanto o adulto aos elementos isolados de seus sonhos Cada um desses elementos lúdicos é uma indicação para o observador experimentado já que enquanto brinca a criança também fala e diz toda sorte de coisas que têm o valor de associações genuínas É surpreendente a facilidade com que as crianças aceitam a interpretação que lhes damos por vezes até mesmo com acen tuado prazer Isto se deve indubitavelmente ao fato de em certos estratos de seu psiquismo a comunicação entre consciente e inconsciente ser ainda comparativamente fácil de sorte que a via de retorno para o inconsciente é muito mais simples de encontrar A interpretação tem quase sempre efeitos rápidos mesmo quando parece não ter sido assimilada conscientemente Tais efeitos evidenciamse na maneira como a criança retoma um jogo que interrompera em consequência de uma inibição e começa a modificálo e ampliálo nele deixando transparecer as camadas mais profundas de seu psiquismo Solucionada assim a angústia e restaurado o prazer de brincar também o contato analítico torna a se estabelecer firmemente A interpretação aumenta o prazer da criança no brinquedo tornando desnecessário o dispêndio de energia até aqui empregado para manter o recalcamento Por outro lado às vezes encontramos resistências muito difíceis de vencer Isso geralmente significa que esbarramos num sentimento de culpa e angústia da criança pertinente a camadas mais profundas As formas de representação arcaicosimbólicas que a criança emprega estão associadas a outro mecanismo primitivo Ao brincar ela age ao invés de falar A ação mais primitiva que o pensamento ou as palavras constitui a parte principal de sua conduta Em sua History of an Infantile Neurosis diz Freud A análise que se efetua na criança neurótica desde logo parecerá mais digna de confiança mas não pode ser muito rica em conteúdo Temos de emprestar à criança demasiados pensamentos e palavras e ainda assim as camadas mais profundas podem se revelar impenetráveis à consciência pág 475 Se abordarmos o paciente infantil com a técnica da análise para adultos certamente não conseguiremos penetrar nesses níveis mais profundos e não obstante é disso que depende o sucesso e o valor da análise tanto para a criança quanto para o adulto Mas se tomarmos em consideração as diferenças existentes entre a psicologia da criança e a do adulto o fato de que seu inconsciente ainda se acha em estreito contato com seu consciente e que os seus impulsos mais primitivos atuam paralelamente a processos mentais altamente complicados e se conseguirmos captar corretamente o modo de pensar e de se expressar da criança todos esses inconvenientes e desvantagens desaparecerão e poderemos esperar fazer uma análise da criança tão ampla e profunda quanto a do adulto E ainda com a vantagem de que a criança pode recuperar e apresentarnos de maneira direta certas experiências e fixações que o adulto só pode produzir como reconstruções Num trabalho lido perante o Congresso de Salzburgo em 1924 expus a tese de que por trás de qualquer forma de atividade lúdica existe um processo de descarga de fantasias masturbatórias operando em forma de um impulso contínuo para brincar que este processo agindo como uma compulsão à repetição constitui o mecanismo fundamental dos folguedos infantis e de todas as suas sublimações subsequentes e que as inibições no brinquedo e nos estudos surgem de uma repressão indevidamente vigorosa dessas fantasias e de toda a vida imaginativa da criança Suas experiências sexuais estão relacionadas com suas fantasias de masturbação e o jogo oferece tanto a umas como às outras um meio de expressão e de abreação Nessas experiências repetidas a cena primária tem um papel muito importante e geralmente ocupa o primeiro plano do quadro na análise da criança pequena Via de regra somente após um bom número de sessões analíticas e depois que tanto a cena primária como as inclinações genitais da criança tiverem sido até certo ponto postas a descoberto é que chegaremos às representações de suas fantasias e experiências prégenitais Ruth por exemplo de quatro anos e três meses fora insuficientemente alimentada quando lactante pois sua mãe não dispunha de leite suficiente Ao brincar comigo sempre chamava a torneira de água de torneira de leite Quando a água escorria para o ralo de escoamento ela dizia que o leite estava entrando nas bocas mas em quantidade muito pequena Demonstrava seus desejos orais insatisfeitos em numerosos jogos e brinquedos e em toda sua atitude mental Dizia por exemplo que era pobre que só possuía um casaco que não lhe davam bastante alimento o que absolutamente não correspondia à verdade 10 Na opinião da autora a análise da criança pequena oferece um dos campos mais frutíferos para a terapia psicanalítica E isso precisamente porque a criança tem a capacidade de representar seu inconsciente de uma maneira direta e de experimentar assim não somente uma abreação emocional mais total como a possibilidade de viver realmente a situação original em sua análise de sorte que com o auxílio da interpretação suas fixações podem ser consideravelmente dissipadas 11 Trabalho não publicado No caso de Erna paciente obsessiva de seis anos as impressões recebidas durante seu aprendizado de limpeza desempenharam importante papel em sua neurose e surgiram à tona com todos os detalhes durante a análise Ela por exemplo sentou uma bonequinha num tijolo e a fez defecar perante uma fila de outras bonecas que a olhavam com admiração Depois repetiu o mesmo tema mas desta vez éramos nós a representar os papéis Eu era o bebê que se sujava e ela era a mãe Erna admirava e mimava o bebê pelo que fizera Depois ficou zangada e repentinamente passou a fazer o papel de governanta severa a ralhar com a criança Nesta cena ela estava representando para mim o que sentira em sua primeira infância quando começaram a lhe impor disciplina e ela acreditou estar perdendo o excessivo amor de que gozara como bebê Na análise infantil jamais atribuiremos demasiada importância às ações e fantasias da criança como produtos da compulsão à repetição A criança pequena naturalmente emprega a ação mais do que qualquer outra coisa mas mesmo crianças maiorzinhas recorrem constantemente a esse mecanismo primitivo O prazer que sentem com isso lhes dá o estímulo necessário para prosseguirem com a análise Mas esse prazer nunca deve ser mais do que um meio para se chegar a um fim Depois de iniciada a análise e resolvida boa parte da angústia do pequeno paciente através da interpretação a sensação de alívio que ele experimenta em consequência geralmente logo após as primeiras sessões ajudáloá a prosseguir com o trabalho pois se até então ele não tinha incentivo para ser analisado agora começa a ter um insight da utilidade e do valor do procedimento E esse insight lhe será um motivo quase tão eficiente para se submeter à análise quanto o insight que o adulto tem de sua enfermidade Sua capacidade de compreender a situação é uma prova do surpreendente grau de contato que a criança tem com a realidade Eis um ponto que merece ser mais aprofundado A medida que o trabalho analítico prossegue descobrimos que a relação da criança com a realidade a princípio tão tênue vai ganhando em força e plenitude O pequeno paciente começará por exemplo a distinguir entre sua pretensa mãe e a verdadeira ou entre seu irmão real e o brinquedo que o repre 12 No capítulo 3 fazemos um relato mais detalhado do caso de Erna senta Ele insistirá em que apenas quis fazer isto ou aquilo ao seu irmão de brinquedo mas que gosta muito de seu irmão real Somente depois que as resistências mais fortes e obstinadas tiverem sido vencidas é que ele estará em condições de reconhecer que seus atos agressivos eram dirigidos contra o objeto humano e real Mas por menor que seja a criança quando ela tiver chegado a compreender este ponto terá feito um progresso muito importante em sua adaptação à realidade No que concerne às relações da criança pequena com a realidade quero referirme uma vez mais a Trude minha paciente de três anos e nove meses Após uma única sessão ela fez uma viagem de seis meses para o exterior com sua mãe finda a qual reencetei a análise A única ocasião em que ela fez um comentário sobre o que viu e fez durante a viagem foi algum tempo depois quando me contou o seguinte sonho Ela e sua mãe encontravamse na Itália em certo restaurante que conhecia muito bem e a garçonete não lhe servia xarope de framboesa porque não havia mais A interpretação deste sonho demonstrou que entre outras coisas ela não superara a inveja que sentia de sua irmã menor e tampouco o desgosto sofrido com o desmame Embora se referisse a inúmeros fatos aparentemente sem importância de sua vida cotidiana e muitas vezes relembrasse pequenos detalhes de sua sessão de seis meses atrás o único interesse que demonstrou por sua viagem foi nesta alusão surgida da situação analítica à frustração que sofrera na infância Crianças neuróticas não toleram bem a realidade porque não podem tolerar frustrações Procuram protegerse da realidade negandoa Mas o que é mais importante e decisivo para sua futura adaptação à realidade é a maior ou menor facilidade com que toleram as frustrações provenientes da situação edípica Mesmo em crianças muito pequenas portanto uma rejeição muito enfática da realidade normalmente disfarçada sob aparente docilidade e adaptabilidade é indicativa de neu 13 Era um sonho punitivo Constatei que se baseava em desejos de morte derivados de sua frustração oral e de sua situação edípica e dirigidos contra sua irmã e sua mãe acompanhados do sentimento de culpa resultante desses desejos Analisando sonhos de crianças muito pequenas constatei que neles em grau não menor do que nos folguedos estão sempre presentes desejos e tendências contrárias provenientes do superego e que mesmo no mais simples sonho de desejo o sentimento de culpa se acha latente rose e difere da fuga neurótica do adulto à realidade apenas em sua forma de expressão Esta a razão porque um dos resultados da análise da criança pequena deveria ser o de capacitála a adaptarse à realidade Se isto for conseguido diminuirão suas dificuldades educacionais pois ela se tornará capaz de tolerar as frustrações impostas pela realidade Já vimos que na análise infantil o ângulo de abordagem deve ser diferente do empregado na análise de adultos Tomandose o atalho mais curto possível através do ego dirigimonos em primeiro lugar ao inconsciente da criança para de lá irmo entrando gradualmente em contato também com o ego A análise contribui em muito para fortalecer o ego ainda frágil da criança e o ajuda a desenvolverse aliviando o peso excessivo do superego que o pressiona muito mais severamente do que ao ego dos adultos14 Já citei o rápido efeito que a interpretação tem sobre as crianças e de como podemos observálo de diversas maneiras através da expansão de seus folguedos da intensificação de sua transferência da diminuição de sua angústia etc Não obstante durante algum tempo a criança parece não assimilar essas interpretações conscientemente Essa tarefa conforme tenho constatado é realizada mais tarde e está em conexão com o desenvolvimento de seu ego e com o aumento de sua adaptação à realidade O processo de esclarecimento sexual segue o mesmo curso Durante muito tempo a análise se limita a fazer ressaltar material relacionado com teorias sexuais e fantasias de nascimento Só gradualmente é que ela vai trazendo conhecimento ao ir removendo as resistências inconscientes Portanto uma das consequências de uma análise completa é o total esclarecimento sexual assim como a plena adaptação à realidade Sem isso não se pode dizer que a análise tenha sido concluída com êxito Assim como os meios de expressão da criança são diferentes também o é toda a situação analítica embora tanto na criança 14 Diferentemente do paciente adulto a criança não pode após sua recuperação alterar as circunstâncias de sua vida Mas a análise lhe terá prestado um grande auxílio se a tiver capacitado a se adaptar e a sentir mais alegria no ambiente em que vive Além do mais o próprio desaparecimento de sua neurôse costuma ter o efeito de melhorar o comportamento das pessoas que a cercam Tenho notado que as mães reagem de maneira muito menos neurótica depois que a análise começa a efetuar mudanças favoráveis na criança como no adulto os princípios fundamentais da análise sejam os mesmos A interpretação sistemática a análise contínua das resistências o paralelo constante entre a transferência quer positiva quer negativa e as situações anteriores tais são os meios de estabelecer e manter uma situação analítica correta tanto para a criança como para o adulto A condição essencial para se conseguir isso é que o analista se abstenha como o faz com os pacientes adultos de exercer qualquer tipo de influência pedagógica e não analítica sobre a criança Ele deve lidar com a transferência exatamente como o faz no caso de adultos Verá então que os sintomas e dificuldades da criança são trazidos para a situação analítica exatamente da mesma maneira Os sintomas anteriores da criança ou as dificuldades e malvadezas que lhes correspondem tornarão a surgir Ela por exemplo recomeçará a molhar a cama ou em certas situações que repetem uma situação anterior mesmo que tenha três ou quatro anos de idade recomeçará a falar como uma criancinha de um ano ou dois Visto que a maior parte das crianças assimila os novos conhecimentos de forma inconsciente não se pode exigir delas que modifiquem imediatamente sua atitude com relação aos pais Essa modificação consistirá inicialmente numa mudança de sentimentos Por experiência própria posso afiançar que o conhecimento ministrado dessa forma gradual sempre constitui um grande alívio para a criança melhorando em muito suas relações com os pais e tornandoa socialmente mais adaptável e mais fácil de educar Tendo as exigências de seu superego sido moderadas pela análise seu ego agora menos oprimido e consequentemente mais forte tem mais facilidade para satisfazêlas À medida que a análise vai prosseguindo as crianças vão se tornando cada vez mais capazes de até certo ponto substituírem o processo de repressão pelo de rejeição crítica Isso pode ser verificado especialmente quando numa etapa posterior de sua análise elas se afastaram tanto dos impulsos sádicos que as dominavam e a cuja interpretação impunham as mais fortes resistências que às vezes chegam a achar graça delas Já vi crianças muito pequenas riremse da idéia de uma vez terem querido engolir a mamãe ou picála em pedacinhos15 A diminuição do sentimento de culpa que acompanha essas mudanças também permite a sublimação dos desejos sádicos que até agora estavam totalmente recalcados Isto se verifica na remoção das inibições tanto no brinquedo como nos estudos e no surgimento de numerosas atividades e interesses novos Neste capítulo tomei como ponto de partida minha técnica da análise da criança pequena porque nela se apóiam os métodos analíticos que adotei com crianças de todas as idades Já que as características mentais da criancinha quase sempre continuam persistindo fortemente nas crianças maiores julguei necessário empregar a mesma técnica também para as últimas Por outro lado estando o ego da criança maior mais desenvolvido é óbvio que a técnica deva sofrer algumas modificações quando aplicada a meninos e meninas no período de latência e na puberdade Como este assunto será aprofundado mais adiante não me deterei sobre ele aqui Dependendo da idade da criança e do caráter especial do caso esta técnica modificada se aproximará mais da análise da criança pequena ou da análise do adulto Na escolha do método analítico para todos os períodos da infância baseiome geralmente nas seguintes considerações Crianças e jovens sofrem de um grau de angústia mais agudo do que os adultos Por conseguinte devemos ter acesso à sua ansiedade e ao seu sentimento de culpa inconsciente e estabelecer a situação analítica o mais rapidamente possível Nas crianças pequenas essa ansiedade geralmente encontra uma via de escape nas crises de angústia No período de latência ela costuma assumir a forma de desconfiança e reserva Ao passo que a idade intensamente emotiva da puberdade conduz novamente a uma liberação aguda da angústia que agora entretanto em conformidade com o ego mais desenvolvido da criança normalmente se manifesta por resistências obstinadas e violentas que podem facilmente provocar a interrupção da aná 15 Esta observação de que quando o superego das crianças se torna menos severo elas desenvolvem o senso de humor está penso eu de pleno acordo com a teoria de Freud sobre a natureza do humor o qual segundo ele é consequência de um superego amável Concluindo seu ensaio sobre O Humor 1928 diz ele Finalmente se o superego tenta confortar o ego com o humor e protegêlo do sofrimento este não entrará em conflito com sua derivação da instituição parental lise Segundo minha experiencia a maneira de resolver rapidamente uma parte dessa angústia em crianças de todas as idades é tratar imediata e sistematicamente da transferência negativa A fim de obter o necessário acesso às fantasias e ao inconsciente da criança devemos voltar nossa atenção para os métodos de representação simbólica indireta que ela emprega em qualquer idade Uma vez que a imaginação da criança se tornou mais livre graças à diminuição da angústia não somente obtivemos acesso ao seu inconsciente como também pusemos em movimento os meios cada vez mais eficazes de que ela dispõe para representar suas fantasias E isso é válido mesmo nos casos em que temos de começar com um material aparentemente destituído de imaginação Concluindo gostaria de fazer um resumo do que foi dito neste capítulo O caráter primitivo do psiquismo infantil requer uma técnica analítica especialmente adaptada à criança e vamos encontrála na análise lúdica Por meio desse método obtemos acesso às fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança o que nos possibilita exercer uma influência radical em seu desenvolvimento A diferença porém entre os nossos métodos analíticos e a análise dos adultos é puramente de técnica e não de princípios A análise da situação transferencial e das resistências a remoção das amnésias infantis e dos efeitos da repressão assim como a revelação da cena primária fazem parte da análise lúdica Portanto ela não somente está em conformidade com as normas do método de psicanálise para adultos como também leva aos mesmos resultados A única diferença é que adaptamos o processo ao psiquismo da criança Assim fazendo conseguiremos converter a linguagem desde que a criança possua essa faculdade em instrumento de sua análise Mesmo com crianças muito pequenas a razão pela qual devemos trabalhar durante longos períodos sem associações verbais devese não somente ao fato de não poderem falar com desenvoltura mas porque a angústia aguda de que padecem não lhes permite empregar uma forma mais direta de representação Visto que o modo primário e arcaico de representação por meio de brinquedos e de ação é o modo fundamental de expressão da criança jamais poderemos empreender uma análise completa unicamente por meio da linguagem Não obstante creio que nenhuma análise infantil seja qual for a idade da criança pode ser dada por realmente concluída enquanto a criança não tiver empregado na análise toda a sua capacidade de falar pois a linguagem constitui um dos pontos de contato do indivíduo com o mundo externo 2 A TÉCNICA DA ANÁLISE INICIAL No primeiro capítulo deste livro procurei demonstrar que os mecanismos psicológicos especiais que encontramos operando na criança pequena são muito diferentes dos que encontramos na análise do adulto Por outro lado demonstrei também os paralelos existentes entre ambos e expliquei que foram essas diferenças e similitudes que necessitam de uma técnica especial o que me levou a desenvolver meu método de análise lúdica Sobre uma mesinha baixa em minha sala de análise há vários brinquedos de tipo primitivo pequenos homens e mulheres de madeira carroças carruagens automóveis trenzinhos animais cubos e casas além de papel tesouras e lápis Mesmo uma criança normalmente inibida no jogo lançará pelo menos um olhar aos brinquedos ou tocará neles permitindome um primeiro vislumbre de sua vida complexiva pela maneira como começa a brincar com eles ou os deixa de lado ou por sua atitude geral em relação aos mesmos A fim de termos uma idéia clara dos princípios da técnica lúdica vejamos um caso preciso Peter de três anos e nove meses era um garoto muito difícil Tinha forte fixação à mãe e era muito ambivalente Incapaz de tolerar frustrações era totalmente inibido no jogo e dava a impressão de ser um menino extremamente tímido choramingas e afeminado Seu comportamento era por vezes agressivo e prepotente e ele se dava mal com as outras crianças principalmente com seu irmão mais novo Sua análise fora recomendada principalmente como medida profilática uma vez que havia diversos casos de neurose grave na família Mas no decorrer da análise verifiquei que ele próprio sofria de uma neurose tão grave e de um grau de inibição tal que provavelmente teria sido incapaz de enfrentar os problemas da vida escolar e que mais cedo ou mais tarde cairia doente Logo no princípio de sua primeira sessão Peter pegou os veículos e os carrinhos de brinquedo colocandoos primeiramente um atrás do outro e depois lado a lado alternando a disposição várias vezes Pegou também uma carroça a cavalo e féla colidir com outra de modo que as patas dos cavalos se chocassem e disse Tenho um novo irmãozinho chamado Fritz Pergunteilhe o que estavam fazendo as carroças Ele respondeu Isso não fica bem e parou de embater uma na outra para recomeçar logo a seguir Depois fez dois cavalinhos colidirem da mesma maneira e eu disse Olhe aqui os cavalos são duas pessoas que estão se chocando uma com a outra No início ele retrucou que isso não ficava bem mas logo depois admitiu Sim são duas pessoas se chocando e acrescentou Os cavalos também se chocaram e agora vão dormir Após havêlos coberto com cubos concluiu Agora estão mortos eu os enterrei Na segunda sessão dispôs imediatamente os carros e carroças das duas maneiras que usara anteriormente 1 Devo acrescentar que ao término de sua análise que durou 278 sessões suas dificuldades desapareceram e houve grande mudança para melhor em todo o seu caráter e disposição Seus temores mórbidos e sua timidez geral desapareceram e ele se tornou um garoto feliz e vivaz Havia vencido sua inibição no jogo e começou a darse bem com outras crianças principalmente com seu irmão menor Seu desenvolvimento desde então foi excelente De acordo com as últimas notícias que tive a seu respeito seis meses após o término da análise ele estava indo bem na escola demonstrava muito interesse pelas coisas aprendia bem e brincava normalmente Era fácil de se lidar e estava apto a cumprir com todos os requisitos sociais de sua idade Ademais vale a pena ressaltar que tanto durante sua análise como nos anos subseqüentes ele foi submetido a tensões muito fortes devido a várias ocorrências graves em sua vida familiar isto é em fila indiana e um ao lado do outro Depois tornou a colidir duas carroças e a seguir duas locomotivas Colocou então dois balanços um ao lado do outro e apontando para os bancos internos pendentes e oscilantes disse Veja como balançam e se chocam Continuei interpretando e apontando para os balanços oscilantes para as locomotivas as carroças e os cavalos expliquei que em cada caso se tratava de duas pessoas seu papai e sua mamãe embatendo seus negocinhos nome que dava aos órgãos genitais2 Ele protestou dizendo Não isso não fica bem mas continuou a embater os carros e disse Foi assim que eles ficaram batendo os seus negocinhos um no outro Imediatamente após tomou a falar em seu irmãozinho Como vimos também em sua primeira sessão a colisão das carroças e dos cavalos fora seguida por sua observação de que tinha um novo irmãozinho Portanto prossegui com minha interpretação e disse Você pensa que o papai e a mamãe ficaram batendo os negocinhos um no outro e que isso fez nascer seu irmãozinho Fritz Ao que ele tomou mais um carrinho e fez os três colidirem Expliquei Este é o seu próprio negocinho Você também queria dar uma batida nos negocinhos do papai e da mamãe Ao que ele acrescentou um quarto carrinho e disse Este é Fritz A seguir pegou dois dos vagões menores e os enganchou a duas locomotivas Apontando para uma carroça atrelada a um cavalo disse Este é o papai e para uma outra Esta é a mamãe Tornou a apontar para a primeira carroça a cavalo e disse Sou eu e para a segunda dizendo Também sou eu ilustrando assim sua identificação com ambos os genitores em coito A seguir fez colidir repetidas vezes os dois vagõezinhos e me contou como ele e seu irmãozinho haviam levado duas galinhas para o quarto de dormir a fim de fazêlas ficar quietas mas que ambas haviam brigado batendo uma na outra e cuspindo Acrescentou que ele e Fritz não eram moleques de rua maleducados e não cuspiam Quando eu lhe disse que as galinhas eram os negocinhos dele e de Fritz chocandose e cuspindo isto é se masturbando ele concordou após uma pequena resistência 2 Sempre procuro saber com antecedência com a mãe da criança quais as palavras especiais que ela emprega para os órgãos genitais excrementos etc e as adoto ao falar com a criança Todavia para maior clareza não reproduzirei essas palavras especiais ao relatar os próximos casos Sólo posso referirme brevemente à maneira como as fantasias do menino à medida que iam sendo reproduzidas no jogo se tornavam cada vez mais livres sob a influência da interpretação contínua como o campo de seus folguedos gradualmente se ampliava é de como certos detalhes eram repetidos inúmeras vezes até serem esclarecidos pela interpretação dando lugar a novos detalhes Assim como as associações aos elementos do sonho levam à descoberta do conteúdo latente do mesmo também os elementos do jogo da criança que correspondem a essas associações permitem uma visão de seu significado latente E a análise lúdica assim como a análise de adultos ao tratar sistematicamente a situação presente como situação transferencial e ao estabelecer suas conexões com a situação originalmente experimentada ou imaginada dá à criança a possibilidade de liberar e elaborar a situação original na fantasia Assim ao pôr a descoberto as experiências infantis e as causas originais de seu desenvolvimento sexual a análise resolve fixações e corrige erros evolutivos que haviam perturbado toda a linha de crescimento da criança Um outro fragmento do caso de Peter mostrará que as interpretações feitas nas primeiras sessões foram confirmadas pela análise posterior Certo dia algumas semanas mais tarde quando um dos bonecos caiu por acaso Peter se pôs furioso Logo depois perguntoume como era feito um motor de brinquedo e o que é que o fazia parar A seguir mostroume um veadinho caído e disse que queria urinar No banheiro disse Estou fazendo pipi eu tenho um negocinho Ao voltar à sala pegou um boneco a quem chamou de rapaz que estava sentado numa casinha que ele chamou de banheiro e o colocoul de tal forma que um cachorro que postou a seu lado não pudesse vêlo nem mordêlo Mas colocou uma boneca de madeira num lugar de onde pudesse vêlo e disse Só seu papai não deve vêlo Tornavase assim evidente que ele identificava o cachorro normalmente um objeto de quem tinha muito medo com seu pai e o rapaz que defecava consigo mesmo3 3 No capítulo 1 expliquei os motivos que me levam a julgar que com crianças da mesma forma com adultos a situação analítica só pode ser estabelecida e assegurada quando se mantém uma atitude puramente analítica com o paciente Mas ao lidarmos com crianças certas modificações desse princípio se tornam necessárias sem porém nos afastarmos inteiramente de suas bases Por exemplo se um paciente muito pequeno quer ir ao banheiro Melanie Klein Só posso referirme brevemente à maneira como as fantasias do menino à medida que iam sendo reproduzidas no jogo se tornavam cada vez mais livres sob a influência da interpretação contínua como o campo de seus folguedos gradualmente se ampliava é de como certos detalhes eram repetidos inúmeras vezes até serem esclarecidos pela interpretação dando lugar a novos detalhes Assim como as associações aos elementos do sonho levam à descoberta do conteúdo latente do mesmo também os elementos do jogo da criança que correspondem a essas associações permitem uma visão de seu significado latente E a análise lúdica assim como a análise de adultos ao tratar sistematicamente a situação presente como situação transferencial e ao estabelecer suas conexões com a situação originalmente experimentada ou imaginada dá à criança a possibilidade de liberar e elaborar a situação original na fantasia Assim ao pôr a descoberto as experiências infantis e as causas originais de seu desenvolvimento sexual a análise resolve fixações e corrige erros evolutivos que haviam perturbado toda a linha de crescimento da criança Um outro fragmento do caso de Peter mostrará que as interpretações feitas nas primeiras sessões foram confirmadas pela análise posterior Certo dia algumas semanas mais tarde quando um dos bonecos caiu por acaso Peter se pôs furioso Logo depois perguntoume como era feito um motor de brinquedo e o que é que o fazia parar A seguir mostroume um veadinho caído e disse que queria urinar No banheiro disse Estou fazendo pipi eu tenho um negocinho Ao voltar à sala pegou um boneco a quem chamou de rapaz que estava sentado numa casinha que ele chamou de banheiro e o colocou de tal forma que um cachorro que postou a seu lado não pudesse vêlo nem mordêlo Mas colocou uma boneca de madeira num lugar de onde pudesse vêlo e disse Só seu papai não deve vêlo Tornavase assim evidente que ele identificava o cachorro normalmente um objeto de quem tinha muito medo com seu pai e o rapaz que defecava consigo mesmo 3 No capítulo 1 expliquei os motivos que me levam a julgar que com crianças da mesma forma com adultos a situação analítica só pode ser estabelecida e assegurada quando se mantém uma atitude puramente analítica com o paciente Mas ao lidarmos com crianças certas modificações desse princípio se tornam necessárias sem porém nos afastarmos inteiramente de suas bases Por exemplo se um paciente muito pequeno quer ir ao banheiro Depois disso continuou a brincar com o carrinho cuja construção já havia admirado e o fez movimentarse De repente perguntou zangado Quando é que ele vai parar A seguir disse que alguns dos bonecos que estivera usando não deviam viajar nele derrubouos e os colocou novamente sentados de costas para o carro após o que tornou a enfileirar os carros e carroças mas lado a lado desta vez Então subitamente manifestou vontade de defecar mas contentouse em perguntar ao boneco sentado o rapaz que defecava se já havia terminado Voltou novamente para o automóvel manifestando alternadamente admiração e raiva por seu movimento contínuo querendo defecar e perguntando ao rapaz se já havia terminado Na sessão acima descrita Peter havia simbolizado as seguintes coisas o boneco e o veadinho que tombavam continuamente representavam seu próprio pênis e sua inferioridade em comparação com o membro ereto de seu pai O ato de ir urinar imediatamente após foi para demonstrar o contrário a si mesmo e a mim O automóvel que não parava de se movimentar e que despertou tanto sua admiração quanto sua raiva era o pênis de seu pai executa do coitos intermináveis A admiração sucedeuse a raiva e a vontade de defecar Isto era uma repetição do que fizera ao assistir à cena primária Defecara para perturbar seus pais em cópula e em sua imaginação para prejudicálos com seus excrementos Ademais o bastão fecal significava para o menino um substituto de seu próprio pênis Tentaremos agora fazer uma idéia aproximada do significado geral das primeiras sessões de Peter à luz dessas últimas interpretações Ao dispor os carros em fila durante sua primeira sessão ele fazia alusão ao pênis poderoso de seu pai ao colocálos lado a lado simbolizava a freqüente repetição do coito isto é a potência de seu pai e tornou a fazêlo depois por meio do carro em movimento contínuo A raiva que sentira ao presenciar o coito dos pais já havia sido expressa em sua primeira sessão ao desejar que os dois cavalos que iam dormir estivessem mortos e enterrados assim como no afeto que acompanhou esse desejo Que esses quadros da ceria primária com que iniciou sua análise referiamse a experiências reais recalcadas na infância foi comprovado pelo que seus pais me contaram Segundo eles o garotinho compartilhará de seu quarto de dormir durante um único período aos dezoito meses quando seus pais se encontravam em férias Durante esse período ele se tornou extremamente difícil Dormia mal e recomeçou a sujarse coisa que deixara de fazer vários meses antes Parece que embora as grades de seu berço não o tenham impedido de observar a relação sexual dos pais dificultaram bastante e isso era simbolizado pelos bonecos que eram derrubados e colocados de costas para a fila de veículos A queda dos bonecos também representava seus próprios sentimentos de impotência Antes dessas férias ao que parece ele brincava excepcionalmente bem com os brinquedos mas depois disso só conseguia quebrálos Já em sua primeira sessão ele ilustrô a conexão entre a destruição dos brinquedos e sua observação do coito Certa feita ao colocar os carros motorizados que simbolizavam o pênis de seu pai em fila lado a lado fazendoos correr ficou irritado e atirouos ao chão dizendo Sempre quebramos logo os nossos presentes de Natal não os queremos Quebrar os brinquedos significava para o seu inconsciente destruir os genitais do pai O prazer de destruir e a inibição no jogo que se evidenciaram em sua análise foram pouco a pouco superados e desapareceram juntamente com suas outras dificuldades Ao reconstituir pouco a pouco a cena primária pude ter acesso à forte atitude homossexual passiva de Peter Após haver figurado o coito dos pais ele teve fantasias de coito entre três pessoas Estas originaram nele uma violenta angústia e foram seguidas por outras fantasias nas quais era sodomizado por seu pai Essas fantasias eram representadas num jogo em que o cachorro ou o carrinho motorizado ou a locomotiva todos simbolizando seu pai subiam sobre uma carroça ou um homem que era ele mesmo Nesse processo a carroça era danificada ou o homem era mutilado e Peter então manifestava muito medo ou grande agressividade contra o brinquedo que representava seu pai Passarei agora a discutir alguns dos aspectos mais importantes de minha técnica à luz dos fragmentos de análise acima descritos Assim que o pequeno paciente tiver me deixado entrever seus complexos quer através de seus jogos desenhos ou fantasias quer simplesmente por seu comportamento geral considero que a interpretação pode e deve ter início Isto não contradiz a regra aprovada de que o analista deve esperar que a transferência se efetue antes de começar a interpretar porque nas crianças a transferência se efetua imediatamente e o analista muitas vezes terá provas imediatas de sua natureza positiva Mas quando a criança manifesta timidez ansiedade ou mesmo apenas uma certa desconfiança sua conduta deve ser considerada como um sinal de transferência negativa E isso torna ainda mais imperioso que a interpretação se inicie o mais depressa possível pois a interpretação reduz a transferência negativa do paciente fazendo os afetos negativos retrocederem à situação e objetos originais Quando Rita por exemplo que era uma menina muito ambivalente sentia uma resistência queria abandonar a sala e eu tinha de fazer uma interpretação imediata a fim de solucionar essa resistência Assim que lhe explicava a causa de sua resistência relacionandoa sempre com a situação e o objeto originais esta era solucionada e a garotinha tornava a se mostrar confiante e amistosa comigo e continuava o jogo que havia interrompido 4 Vide capítulo 1 propiciandome através de vários detalhes do mesmo a confirmação da interpretação que eu acabara de fazer Em outra oportunidade pude constatar com impressionante clareza a necessidade da interpretação rápida Foi no caso de Trude que como o leitor recordará me foi trazida por uma única sessão quando contava três anos e três meses tendo depois de adiar o tratamento por circunstâncias externas Essa garotinha era muito neurótica e estava fortemente fixada à sua mãe Entrou em minha sala angustiada e mal disposta e vime obrigada a analisála em voz baixa e com a porta aberta Mas ela não tardou a me dar uma idéia da natureza de seus complexos Insistiu para que as flores de um vaso fossem retiradas arrancou um bonequinho de um carro onde o havia previamente colocado e maltratouo quis arrancar a figura de determinado homem de chapéu alto de um livro de gravuras que havia trazido consigo e disse que as almofadas da sala haviam sido desarrumadas por um cachorro Minha interpretação imediata dessas declarações no sentido de que desejava eliminar o pênis de seu pai porque estava causando estragos a sua mãe que era representada pelo vaso pelo carro pelo livro de gravuras e pelas almofadas diminuiu instantaneamente sua angústia Ao retirarse mostrouse muito mais amistosa comigo do que ao chegar e em sua casa comentou que gostaria de voltar a me visitar Quando seis meses mais tarde pude reencetar sua análise verifiquei que ela se recordava dos acontecimentos dessa única sessão e que minhas interpretações haviam provocado uma certa transferência positiva ou melhor diminuído sua transferência negativa Outro princípio fundamental da técnica lúdica é que a interpretação deve ser conduzida a uma profundidade suficiente para atingir a camada psíquica que está sendo ativada Para citarmos um exemplo Peter em sua segunda sessão após haver movimentado os carrinhos deitou um boneco sobre um banco a que chamou de cama e a seguir o derrubou ao chão dizendo que estava morto e liquidado Em seguida fez o mesmo com dois homenzinhos escolhendo para essa finalidade dois bonecos que já estavam danificados Em conformidade com o material em curso a interpretação que lhe dei foi a de que o primeiro boneco era seu pai a quem ele queria expulsar da cama de sua mãe e matar e que o segundo homem era o próprio Peter a quem seu pai faria o mesmo Posteriormente quando eu estava reconstituindo a cena primária nos seus menores detalhes Peter recorreu de várias formas ao tema dos dois homenzinhos quebrados só que agora evidenciavase que esse tema era determinado pela angústia que sentira em conexão com a cena primária com referência à mãe como castradora Na fantasia de Peter ela havia recebido o pênis de seu pai no interior de si mesma sem devolvêlo destarte transformarase em objeto de angústia pois na imaginação do menino ela agora trazia dentro de si o terrífico pênis de seu pai seu pai Eis um outro exemplo extraído do mesmo caso Na segunda sessão de Peter interpretei o material fornecido dizendo que ele e seu irmão se masturbavam mutuamente Sete meses mais tarde contando ele quatro anos e quatro meses relatoume um longo sonho rico em material associativo de onde extraí o seguinte trecho Havia dois porcos num chiqueiro e também em sua cama Comeram juntos no chiqueiro Havia também dois meninos em sua cama a bordo de um barco mas eram muito grandes como o tio G irmão adulto de sua mãe e E amiguinha mais velha a quem ele considerava quase adulta A maior parte das associações que obtive para esse sonho foram verbais Demonstraram que os porcos representavam a ele próprio e a seu irmão e que o ato de comer significava sua mútua fellatio Mas representavam também a seus pais copulando Deduzi que suas relações sexuais com o irmão se baseavam numa identificação com seu pai e sua mãe na qual Peter assumia o papel de cada um deles por turno Depois que interpretei esse material Peter iniciou a sessão seguinte brincando com a pia e as torneiras Enfiou dois lápis numa esponja e disse Este é o barco em que entrei com Fritz seu irmão menor A seguir assumiu uma voz profunda como sempre fazia quando seu superego entrava em ação e gritou para os dois lápis Vocês não devem ficar juntos o tempo todo fazendo coisas feias Esta repreensão por parte de seu superego a ele mesmo e a seu irmão era também dirigida a seus genitores representados pelo tio G e pela amiguinha mais velha E e libertou nele afetos semelhantes aos que sentira ao assistir à cena primária Ele já havia dado vazão a esses afetos em sua segunda sessão ao desejar que os cavalos que embatera estivessem mortos e enterrados E não obstante após sete meses a análise desse material continuava progredindo Claro está portanto que minhas primeiras interpretações em profundidade absolutamente não impediram a elucidação das conexões que ligavam essa experiência ao desenvolvimento sexual do menino particularmente no modo de determinar suas relações com o irmão e tampouco obstaram a elaboração desse material Apresentei os exemplos acima em apoio a meu ponto de vista baseado em observações empíricas de que o analista não deve temer fazer uma interpretação em profundidade mesmo no princípio da análise já que o material pertinente às camadas mais profundas do psiquismo tornará a aflorar para ser elaborado mais tarde Como já disse anteriormente a função da interpretação em profundidade é simplesmente a de abrir a porta do inconsciente e diminuir a angústia suscitada preparando assim o caminho para o trabalho analítico Nestas páginas acentuei repetidas vezes a capacidade da criança de fazer uma transferência espontânea Creio que isso se deva em parte ao fato de sua angústia ser muito mais aguda que a do adulto sendo conseqüentemente muito maior seu grau de apreensão Uma das maiores senão a maior meta psicológica que a criança deve alcançar e que lhe toma a maior parte de suas energias psíquicas é o domínio da angústia Seu inconsciente se interessa pelos objetos primariamente pela perspectiva do alívio ou da excitação que trao trazer à sua angústia e segundo o alívio ou a excitação pro duzidas sua transferência para esses objetos será positiva ou negativa Nas crianças pequenas que sofrem particularmente dessa apreensão a transferência negativa manifestase quase que imediatamente como medo indisfarçado ao passo que nas maiores especialmente nas que se acham no período de latência geralmente toma a forma de desconfiança reserva ou simplesmente de aversão Em sua luta contra o medo aos objetos que lhe estão mais próximos a criança tende a estender esse temor a objetos mais distantes já que o deslocamento é uma das maneiras de se lidar com a angústia e a ver neles uma personificação de seu pai mau ou de sua mãe má Esta a razão porque a criança realmente neurótica em quem predomina a sensação de estar sob a ameaça de perigo constante e que vive na espectativa de um pai ou mãe maus reagirá com angústia ante a presença de qualquer estranho Não devemos esquecernos jamais da presença dessa apreensão nas crianças pequenas e em certo grau também nas maiores Mesmo que comecem manifestando uma atitude positiva na análise devemos estar preparados para nos defrontarmos com uma transferência negativa assim que surja um material complexivo Tão logo o analista capte sinais dessa transferência negativa deve imediatamente assegurar o prosseguimento do trabalho de análise e estabelecer a situação analítica relacionandoa consigo mesmo simultaneamente por meio da interpretação fálaá retroceder aos objetos e situações originais solucionando assim parte da angústia A fim de ter acesso ao material inconsciente a interpretação deve intervir em algum ponto de urgência do material inconsciente O local onde se encontra esse ponto será indicado pela multiplicidade e pela repetição frequente geralmente em formas variadas das representações do mesmo pensamento lúdico no caso de Peter por exemplo tivemos em sua primeira sessão a disposição alternada dos veículos e a contínua colisão de cavalos carros e locomotivas e outrossim pela intensidade dos sentimentos ligados a essas representações pois ela nos dá a medida do afeto que se acha associado ao seu conteúdo Se o analista negligenciar um material de natureza tão urgente a criança usualmente interromperá o jogo manifestando grande resistência e até mesmo franca angústia e demonstrando não raro vontade de fugir Por conseguinte nos casos em que a análise começou com uma transferência positiva o analista pode pôr fim à angústia da criança ou ao menos atenuála se a interpretação for feita em tempo oportuno isto é assim que o material fornecido o permita Quando desde o início predomina uma transferência negativa ou quando as angústias e resistências surgem desde o princípio já vimos a absoluta necessidade de se interpretar o mais rapidamente possível Deduzse pelo que foi dito que a profundidade de uma interpretação é tão imprescindível quanto a sua oportunidade Se tomarmos em consideração a extrema premência do material apresentado seremos obrigados a nos aprofundarmos até à camada psíquica que está sendo ativada origem não somente do material representativo mas também da angústia e do sentimento de culpa que lhe está associado Mas se tomarmos como modelo os princípios que regem a análise de adultos e procurarmos em primeiro lugar entrar em contato com os estratos superficiais do psiquismo os que se acham mais próximos do ego e da realidade falharemos em nosso objetivo de estabelecer a situação analítica e de reduzir a angústia da criança Experiências repetidas convenceramme disso O mesmo se aplica à mera tradução dos símbolos ou a interpretações que tratam apenas da representação simbólica do material sem se preocupar com a angústia e a culpabilidade subjacentes Uma interpretação que não desce às profundidades que estão sendo ativadas pelo material e pela angústia concernentes que não ataca o local onde reside a mais forte resistência latente e que não se empenha antes de mais nada em reduzir a angústia no ponto onde é mais violenta e evidente uma tal interpretação não terá qualquer efeito sobre a criança Ou então servirá apenas para provocar resistências mais fortes sem ser capaz de solucionálas Mas como já tentei deixar claro nos fragmentos da análise de Peter não basta penetrarmos nesses estratos mais profundos para solucionar completamente a angústia lá contida isso tampouco nos dispensará de explorar os estratos superficiais do psiquismo onde o ego da criança e sua relação com a realidade ainda estão por ser analisados O estabelecimento da relação da criança com a realidade e o fortalecimento de seu ego só se verificam gradualmente e constituem o resultado não a condição prévia do trabalho analítico Até aqui procurei expor e ilustrar com exemplos a conduta de uma análise de crianças pequenas de tipo comum Considerarei agora algumas dificuldades menos usuais com que me tenho defrontado e que me obrigaram a adotar técnicas especiais Já vimos que com pacientes do tipo de Trude que se mostrou tão angustiada em sua primeira sessão a interpretação imediata foi o único meio de diminuir essa angústia e dar início à análise Ainda mais instrutivo pareceume o caso de Ruth de quatro anos e três meses era uma dessas crianças cuja ambivalência se evidenciava por um lado numa extremada fixação à mãe e a algumas outras mulheres e por outro numa antipatia violenta por outro grupo de mulheres geralmente estranhas Não conseguira habituarse quando ainda pequenina a uma nova babá e eralhe muito difícil fazer amizade com outras crianças Além de uma indiscutível ansiedade que freqüentemente eclodia em crises angustiosas e de vários outros sintomas neuróticos era muito tímida Em sua primeira sessão analítica recusouse terminantemente a ficar a sós comigo Resolvi então admitir a presença de sua irmã mais velha Eu tencionava obter uma transferência positiva na esperança de poder eventualmente trabalhar a sós com ela mas todas as minhas tentativas como brincar com ela encorajála a falar revelaramse vãs Ao lidar com seus brinquedos ela se dirigia principalmente à irmã embora esta última procurasse eclipsarse o mais possível ignorandome por completo A própria irmã chegou a dizerme que meus esforços eram baldados e que eu não tinha a menor possibilidade de conquistar a confiança da menina ainda que passasse com ela semanas inteiras ao invés de horas isoladas Vime portanto obrigada a tomar outras medidas que vieram uma vez mais comprovar a eficácia da interpretação para reduzir a angústia do paciente e sua transferência negativa Um dia em que Ruth estava como sempre empenhada em prestar atenção exclusivamente à irmã desenhou um copo de vidro co berto por uma espécie de tampa dentro do qual havia pequenas bolinhas Pergunteilhe para que servia a tampa mas ela não me respondeu Quando a irmã lhe repetiu a pergunta disse que era para evitar que as bolinhas rolassem para fora Ela antes disso remexera na bolsa da irmã e depois a fechara muito bem para que nada caísse fora Fizera o mesmo com a carteira dentro da bolsa a fim de manter as moedas seguramente fechadas Ademais o material que ela agora me fornecia já se tornara bastante claro nas horas precedentes12 Decidi arriscarme Disse a Ruth que as bolinhas do copo as moedas da carteira e o conteúdo da bolsa significavam bebês no interior de sua mamãe e que ela queria conservar tudo muito bem fechado a fim de não ter mais irmãos e irmãs O efeito de minha interpretação foi assombroso Pela primeira vez Ruth voltou sua atenção para mim e começou a brincar de uma maneira diferente e menos constrangida13 Não obstante ainda não foi possível fazêla permanecer a sós comigo visto reagir a essa situação com crises de angústia Como percebi que a análise estava diminuindo firmemente sua transferência negativa em favor de uma positiva decidi continuar admitindo a presença da irmã Três semanas depois esta última adoeceu repentinamente e vime ante a alternativa de interromper a análise ou arriscar uma crise de angústia Com o consentimento de seus pais optei pela segunda alternativa A pajem entregoume a garotinha na sala de espera e retirouse apesar de suas lágrimas e gritos Nessa situação extremamente penosa tentei novamente acalmar a menina de maneira nãoanalítica e maternal como qualquer pessoa o faria Procurei consolála alegrála e fazêla brincar comigo mas em vão A única coisa que consegui foi fazer com que me seguisse à sala de análise Mas ficou lívida e desatou a berrar presa de intensa crise de angústia Entremtes senteime à 12 Nesta análise o desejo da menina de roubar o corpo da mãe e os sentimentos conseqüentes de culpa e angústia dominaram o quadro desde o princípio A irrupção de sua neurose além do mais coincidira com a gravidez da mãe e com o nascimento de sua irmãzinha 13 Como já foi dito a interpretação tem o efeito de modificar o caráter dos jogos da criança e fazer com que a representação desse material se torne mais clara mesinha de brinquedos e comecei a brincar sozinha14 mas descrevendo tudo o que fazia à garotinha apavorada que se sentara a um canto da sala Seguindo uma inspiração súbita tomei como tema de meu jogo o material que ela própria produzira na sessão precedente No final desta ela brincara com a pia do lavatório alimentando as bonecas com enormes jarras de leite Fiz o mesmo Pus uma boneca para dormir disse a Ruth que ia lhe dar alguma coisa para comer e perguntei o que é que ela achava que se deveria dar Ela interrompeu os gritos para responder leite e notei que fez um movimento em direção à boca com os dois dedos que tinha o hábito de chupar antes de dormir mas retirouos rapidamente Perguntei se não gostaria de chupálos e ela disse Sim gostaria muito Compreendi que ela queria reconstituir a situação que se repetia em sua casa todas as noites portanto deiteia no divã e a seu pedido cobria com uma colcha Incontinente ela começou a chupar os dedos Continuava muito pálida e havia fechado os olhos mas estava visivelmente mais calma e parara de chorar Enquanto isso continuei brincando com as bonecas repetindo o jogo da sessão anterior Quando coloquei uma esponja molhada ao lado de uma delas como Ruth havia feito recomeçou a gritar dizendo Não ela não pode ficar com a esponja grande essa não é para crianças só para gente grande Devo salientar que nas duas sessões precedentes ela havia produzido abundante material concernente à inveja que sentia de sua mãe Passei a interpretar esse material em conexão com seu protesto contra a esponja grande que representava o pênis de seu pai Mostreilhe detalhadamente como ela invejava e odiava sua mãe porque esta havia incorporado o pênis de seu pai durante o coito e como ela queria roubar o pênis e os bebês de dentro de sua genitora e matála Expliqueilhe que a razão de seu medo era porque acreditava haver morto sua mãe ou temia ser abandonada por ela Na 14 Em casos especialmente difíceis emprego esse expediente técnico para conseguir iniciar a análise Constatei que quando as crianças manifestam sua angústia latente mostrandose inteiramente inacessíveis geralmente é útil que eu lance uma palavra de estímulo começando eu mesma a brincar Aplico esse método dentro dos mais estreitos limites Posso por exemplo construir algumas cadeiras com cubos e colocar algumas figuras perto delas Algumas crianças verão nisso uma escolinha e prosseguirã o jogo nessa base outras dirão que é um teatrinho e farão as figuras agirem de acordo e assim por diante tornar a vêla viva ou então de encontrar em lugar da mãe meiga e carinhosa que lhe dizia boa noite uma mãe má que a atacaria durante a noite Estes também os motivos porque tinha medo de ficar sozinha Ser deixada a sós comigo significava ser abandonada por sua boa mãe e todo o seu terror pela mãe punitiva achavase agora transferido para mim Analisando esta situação e trazendoa à luz consegui como vimos dissipar suas crises de angústia tornando possível dali por diante o trabalho analítico normal17 A técnica que empreguei para analisar os ataques de angústia de Ruth revelouse muito eficaz também em outro caso Durante a análise de Trude18 sua mãe adoeceu e teve de ser internada numa clínica Este fato motivou uma interrupção em sua análise que ocorreu justamente quando suas fantasias sádicas de agressão à genitora dominavam o quadro Já descrevi como essa menina de três anos e nove meses encenava essas representações de agressão contra mim e de como vencida pela angústia subsequente escondiase com as almofadas por trás do divã mas sem jamais chegar a ter uma verdadeira crise angustiosa Quando porém voltou ao tratamento após o intervalo ocasionado pela enfermidade da mãe teve crises bem definidas de angústia por vários dias consecutivos Essas crises constituíam uma reação aos seus impulsos agressivos ou melhor ao medo que nela suscitavam Durante essas crises Trude assim como Ruth adotava uma postura peculiar a mesma que assumia em sua casa à noite quando começou a sofrer de angústia Acocoravase a um canto agarrada às almofadas a que muitas vezes chamava de bebês urinava e co 17 O tratamento de Ruth não chegou a ser concluído porque sua família teve de regressar para sua residência no exterior Sua neurose em conseqüência não foi completamente suprimida Mas nas 190 sessões que teve comigo consegui efetuar as seguintes melhoras que perduravam dois anos após o término da sua análise conforme notícias que dela recebi sua angústia foi grandemente diminuída e em especial as várias formas de timidez de que sofria Como resultado passou a darse melhor com outras crianças e com adultos e foi capaz de adaptarse inteiramente às exigências do lar e da vida escolar Sua fixação à mãe diminuiu e sua atitude para com o pai melhorou Houve também grande modificação para melhor em suas relações com o irmão e as irmãs Todo o seu desenvolvimento especialmente com respeito a educabilidade adaptação social e capacidade de sublimação foi desde então favorável 18 Vide capítulo 1 meçava a chupar os dedos Aqui também a interpretação levou à cessação de suas crises angustiosas19 As experiências de M N Searl e de outros analistas infantis além de minhas próprias experiências subseqüentes vieram confirmar a utilidade dessas medidas técnicas também em outros casos Nos anos decorridos após o tratamento dessas duas pequenas pacientes cheguei à conclusão de que o requisito preliminar para se conduzir uma análise com crianças pequenas e também uma análise em profundidade com crianças maiores é a compreensão segura do material que nos é apresentado Para sermos mais exatos a interpretação deve ser feita no momento oportuno e deve atingir a zona do psiquismo que se encontra ativada pela angústia uma tal interpretação deve basearse numa apreciação justa e rápida do sentido desse material que nos esclarece tanto no que se refere à estrutura no caso quanto ao estado afetivo atual do paciente mas sobretudo é necessária uma percepção imediata da angústia latente e do sentimento de culpa nela contido Aderindose a essa técnica consistentemente podese reduzir ao mínimo a ocorrência das crises de angústia durante a análise Se todavia essas crises de angústia ocorrerem no princípio do tratamento como pode acontecer com crianças neuróticas normalmente sujeitas às mesmas o emprego fiel e sistemático desse método quase sempre surtirá o efeito de reduzilas a uma proporção em que se torne possível fazer uma análise normal do pequeno paciente Os resultados obtidos com a análise das crises de angústia também constituem uma prova a meu ver da validade de alguns dos princípios da técnica lúdica Hão de recordarse que no caso de Trude muito embora o material estivesse acompanhado de intensa angústia consegui analisálo sem provocar uma crise angustiosa regular e isso porque des 19 A neurose de Trude manifestavase em intensos terrores noturnos em angústias durante o dia quando era deixada a sós em enurese em timidez geral numa fixação muito grande à mãe e em aversão pelo pai em fortes ciúmes de seus irmãos A irmã é em várias dificuldades de sua educação Como resultado de sua análise que abrangeu 82 sessões a enurese desapareceu completamente sua angústia e timidez diminuíram em vários aspectos e houve uma mudança favorável em suas relações com os pais e com os irmãos e irmãs Era também sujeita a resfriados que a análise demonstrou serem em grande parte de origem psíquica e estes também diminuíram em frequência e intensidade Apesar dessas melhoras sua neurose não estava totalmente solucionada quando por razões externas a análise foi interrompida de o princípio fiz as interpretações sempre em profundidade e fui liberando a angústia gradualmente até diminuíla Ocorreu então que a análise de Trude teve de ser interrompida num momento desfavorável e em circunstâncias difíceis devido à enfermidade de sua mãe Quando a análise foi reencetada sua angústia estava tão acumulada que ela sofreu verdadeiras crises Todavia cessaram por completo após algumas sessões para dar lugar a alguns acessos esporádicos Gostaria de acrescentar algumas observações teóricas a respeito dessas crises de angústia Falei delas como sendo uma repetição do pavor nocturnus e referindome à posição tomada pela paciente durante essas crises ou melhor à sua tentativa de dominálas acentuei que se tratava de uma repetição da situação de angústia que a acometia durante a noite em seu leito Mas também mencionei uma dessas situações específica e muito precoce que me parece estar na origem tanto do pavor nocturnus como das crises angustiosas Pelo que me foi dado observar nos casos de Trude Ruth e Rita e pelo que aprendi no curso dos últimos anos fui levada a reconhecer a existência de uma angústia ou de uma situação angustiosa que é específica na menina e que equivale à angústia de castração sentida pelo menino Essa angústia culmina na menina no temor de que sua mãe lhe destrua o corpo abolindo seu conteúdo e retirandolhe os bebês Retornarei a este assunto com mais detalhes na segunda parte desta obra Aqui quero apenas chamar a atenção do leitor para certas concordâncias entre os dados por mim colhidos em minhas análises de crianças pequenas e algumas observações que Freud em 1926 fez em seu livro Hemniung Symptom und Angst Afirma ele que para a menina o equivalente ao temor de castração sentido pelo menino é o medo de perder o amor Vemos claramente pelos exemplos que citei como as meninas pequenas temem ser largadas ou abandonadas por sua mãe Mas esse temor a meu ver vai ainda mais longe Ele tem sua origem nos impulsos agressivos dirigidos contra a mãe e nos desejos de roubála e matála oriundos dos estádios primitivos do conflito edípico Esses impulsos suscitam não somente angústia ou o medo de ser atacada pela mãe mas também o medo de que a mãe a abandone ou morra Retornemos agora à consideração das questões técnicas Os termos da interpretação também são de enorme importância e crianças Gostaria de explicar resumidamente qual a razão porque esses brinquedos são tão valiosos na técnica da análise lúdica Seu reduzido tamanho seu número e sua grande variedade deixam o campo livre para os jogos mais variados ao passo que sua simplicidade permite uma infinidade de usos diferentes Tais brinquedos portanto prestamse muito bem a que a criança exprima amplamente por meio deles suas fantasias e experiências com grandes detalhes Os diversos temas lúdicos e os afetos a eles associados que deduzimos em parte pelo conteúdo de seus jogos e em parte pela observação direta são representados lado a lado e dentro de um espaço reduzido de sorte que podemos ter uma boa visão das conexões gerais e da dinâmica dos processos mentais que nos estão sendo apresentados Ademais visto que a contigüidade espacial geralmente significa contigüidade temporal podemos deduzir a ordem cronológica das diversas fantasias e experiências da criança Pelo que foi dito poderseia deduzir que para analisar uma criança basta colocar brinquedos à sua frente para que ela se ponha incontinente a brincar com eles de forma desinibida Mas na realidade não é isso o que acontece Conforme já assinalei repetidas vezes a inibição no jogo encontrase amiúde nas crianças em maior ou menor grau e constitui um sintoma neurótico extremamente comum Mas é precisamente nestes casos quando falham todas as outras tentativas de se entrar em contato com o paciente que os brinquedos se revelam tão úteis como instrumento para se dar início à análise É raro que uma criança seja qual for seu grau de inibição não lance ao menos um olhar aos brinquedos ou não pegue um deles para fazer alguma coisa Ainda que como Trude pare de brincar em seguida já teremos tido uma idéia de seu inconsciente sobre o qual basear nosso trabalho de análise observando qual o tipo de jogo que ela começou a fazer em que ponto surgiu a resistência como se portou em conexão com essa resistência qual o comentário ocasional que ela possa ter feito na ocasião e assim por diante O leitor já terá compreendido como é possível para o analista com o auxílio da interpretação fazer com que o jogo da criança se torne cada vez mais livre e seu conteúdo representativo cada vez mais rico e frutífero reduzindo gradualmente suas inibições Os brinquedos não são os únicos requisitos para a análise lúdica É necessário que na sala haja uma quantidade de material ilustrativo sendo que o mais importante é um lavabo com água corrente Este último geralmente não é muito utilizado nas primeiras etapas da análise mas adquire enorme importância nas etapas mais avançadas A criança passará toda uma fase de sua análise brincando ao redor do lavabo onde haverá também uma esponja um copo de vidro um ou dois barquinhos algumas colheres e papel Estes jogos com água permitem que tenhamos um insight profundo das fixações prégenitais fundamentais da criança21 e constituem um meio de ilustrar suas teorias sexuais mostrandonos a relação existente entre suas fantasias sádicas e suas formações reativas e a conexão direta entre seus impulsos prégenitais e genitais22 Desenhar ou recortar papel ocupam grande parte de muitas análises Em outras sobretudo quando se trata de meninas o tempo da criança é empregado principalmente na confecção de roupas e adereços para si mesma suas bonecas ou bichinhos de brinquedo ou em adornarse com fitas e outros enfeites Cada criança tem à sua disposição papel lápis de cor facas tesourinhas agulhas e linhas fios peças de madeira e cordas Muitas trazem seus próprios brinquedos Os artigos acima enumerados evidentemente não exaurem as possibilidades É muito instrutivo observar os diversos usos que a criança dará a qualquer deles ou a maneira por que passará de um jogo para outro Outrossim toda a mobília normal da sala como cadeiras almofadas etc estará a serviço de suas atividades Efetivamente todos os móveis da sala do analista devem ser especialmente selecionados para esse propósito As fantasias e jogos de imaginação que a criança cria ao brincar são de grande significado Em seus jogos de fazdeconta a criança representa em sua própria pessoa aquilo que numa outra etapa geralmente anterior demonstrava através de seus brinquedos Nesses jogos ela geralmente confia ao analista um ou mais papeis e costumo pedir à criança que me descreva esses papéis o mais detalhadamente possível Algumas crianças manifestam preferência por jogos de fazdeconta Outras pelo modo de representação mais indireto por meio dos brinquedos Brincar de mãe e filha de escolinha construir ou mobiliar uma casa com o auxílio de cadeiras móveis almofadas etc fazer uma viagem andar de trem ir ao teatro consultar o médico trabalhar num escritório ou numa loja eis alguns dos exemplos típicos dos jogos de ficção Do ponto de vista analítico o valor desses jogos de ficção está em seu método direto de representação e conseqüentemente na maior riqueza de associações verbais que suscitam Efetivamente como já foi dito no primeiro capítulo uma das condições necessárias para o êxito de um tratamento é que a criança seja qual for sua idade tenha tirado partido no curso de sua análise de todos os recursos da linguagem à sua disposição Nenhuma descrição poderia fazer justiça ao colorido à vida e complexidade que preenchem as sessões de uma análise lúdica Mas espero haver dado ao leitor uma idéia dos resultados precisos e seguros que podemos obter por esse meio devem ser escolhidos em função da maneira concreta com que as crianças pensam e falam20 Peter como o leitor há de recordar disse apontando para o balanço Veja como balançam e se chocam E quando eu expliquei Foi assim que os negocinhos do papai e da mamãe ficaram se chocando ele aceitou sem a menor dificuldade Para citar um outro exemplo Rita dois anos e nove meses contoume que suas bonecas lhe haviam perturbado o sono pois diziam incessantemente a Hans o condutor do trem subterrâneo um pequeno boneco de rodas Continue a fazer seu trem andar De outra feita apanhou uma peça triangular do jogo de construção e colocandoa de lado disse Isto é uma mulherzinha após o que pegou um martelinho termo com que denominou uma peça de forma alongada e bateu com o mesmo na caixa do jogo exatamente na parte onde o papel era mais fino até perfurálo Quando o martelinho bateu com força disse ela a mulherzinha ficou apavorada A corrida do trem subterrâneo e as batidas do martelo representavam o coito de seus pais cena a que assistira até quase os dois anos de idade A interpretação que lhe dei Foi assim que o papai bateu com força dentro da mamãe com seu martelinho e você ficou apavorada adaptavase exatamente ao seu modo de pensar e de falar Ao descrever meus métodos analíticos muitas vezes mencionei brinquedos pequenos que são colocados à disposição das 20 Em seu artigo Fragment of an Analysis of a Case of Hystcria 1905 diz Freud É possível para um homem conversar com moças e mulheres sobre assuntos sexuais de qualquer natureza sem causar prejuízos e sem levantar suspeitas sobre si desde que adote em primeiro lugar uma maneira particular de fazêlo e que em segundo lugar consiga convencêlas de que isso é inevitável A melhor maneira de falar sobre essas coisas é ser seco e direto ao mesmo tempo esse é o método que mais se distancia dos pruridos com que esses temas são tratados em sociedade Jappelle un chat un chat Essa atitude é mutatis mutandis a que adoto ao analisar crianças Falo de assuntos sexuais empregando as palavras simples que melhor se adaptem à sua maneira de pensar Convém também lembrar que as crianças vivem ainda em sua maior parte sob o domínio do inconsciente cuja linguagem conforme o demonstram os sonhos e os jogos é concreta e pictórica Como temos frequentemente ocasião de observar a atitude das crianças com relação às palavras é bastante diferente da dos adultos Elas as empregam acima de tudo de acordo com as qualidades de sua imaginação segundo os quadros e fantasias que as palavras evocam Se quisermos ter acesso ao inconsciente da criança na análise o que naturalmente teremos de fazer por via do ego e através da linguagem só lograremos êxito evitando circunlóquios e empregando palavras simples 3 NEUROSE OBSESSIVA NUMA MENINA DE SEIS ANOS NO CAPÍTULO precedente expusemos os princípios fundamentais da técnica da análise da criança pequena Utilizandonos como ilustração da história de um caso iremos agora comparar essa técnica com a técnica da análise no período de latência Esse exemplo nos dará outrossim a oportunidade de tratarmos certas questões de importância geral e teórica bem como a de descrever os métodos empregados na análise das neuroses obsessivas infantis posso acrescentar que essa técnica foi elaborada no curso do tratamento deste caso extremamente difícil e interessante Erna uma menina de seis anos apresentava numerosos sintomas graves Sofria de insônia que era ocasionada em parte por angústia em particular pelo medo de ladrões e assaltantes e em parte por uma série de atividades obsessivas Deitavase de bruços e batia violentamente a cabeça no travesseiro fazia um movimento balanceado durante o qual permanecia sentada ou deitada de costas chupava obsessivamente o polegar 1 Este capítulo baseiase num trabalho que apresentei em Würzburg em outubro de 1924 na Primeira Conferência de Psicanalistas Alemães e se masturbava em excesso Todas essas práticas obsessivas que a impediam de dormir à noite verificavamse igualmente durante o dia Isso ocorria particularmente com a masturbação que praticava inclusive em presença de estranhos e quase que ininterruptamente no jardim de infância que frequentava Sofria de depressões profundas que descrevia nos seguintes termos Há qualquer coisa de que eu não gosto na vida Em suas relações com a mãe era excessivamente afetuosa mas às vezes assumia uma atitude hostil Dominava completamente a genitora impedindolhe a liberdade de movimentos e importunandoa continuamente com seu amor e seu ódio Sua mãe dizia Ela me suga Poderseia descrever a menina como sendo ineducável Idéias mórbidas e obsessivas e um caráter curiosamente adulto evidenciavamse em seu olhar sofrido e no aspecto tristonho de seu rostinho Ademais ela dava a impressão de possuir uma inusitada precocidade sexual O primeiro sintoma que se evidenciou na análise foi sua grave inibição para aprender Começou a frequentar a escola alguns meses depois de iniciar a análise e sua inaptidão para os estudos tornouse logo evidente assim como sua incapacidade de adaptarse à escola e aos colegas O fato de ela própria sentirse doente logo no princípio do tratamento pediume que a ajudasse facilitoume sobremaneira Erna começou a brincar pegando um carrinho dentre os brinquedos que se achavam sobre a mesinha e empurrandoo em minha direção Disse que tinha vindo me buscar mas colocou uma boneca na viatura e depois um boneco Ambos abraçavamse e beijavamse amorosamente enquanto o carrinho corria para cima e para baixo A seguir um boneco que dirigia um outro carrinho colidiu com eles esmagouos matouos assouos e engoliuos De outra feita a luta teve um final diferente e o boneco agressor foi derrubado mas a mulher ajudouo consolouo e desposouo após haver se divorciado de seu primeiro marido Em seus jogos Erna atribuía a esse terceiro personagem os mais variados papéis Era por exemplo um ladrão que se introduzia numa casa defendida pelo primeiro casal a casa queimouse o homem e a mulher pereceram devorados pelo fogo e o ladrão foi o único a sobreviver Ou então esse terceiro personagem era um irmão que havia vindo fazer uma visita mordida Este homenzinho o terceiro personagem era a própria Erna Toda uma série de jogos similares traduziam seu desejo de suplantar o pai junto à mãe embora em muitos outros jogos se manifestasse seu desejo edípico direto de despojar a mãe e conquistar o pai Assim um jogo representava um professor de violino que dava aulas a seus alunos batendo a cabeça contra o instrumento2 ou que lia um livro com a cabeça para baixo e as pernas para cima A seguir abandonava o livro ou o violino conforme o caso e punhase a dançar com sua jovem aluna finalmente ambos abraçavamse e beijavamse A este ponto Erna perguntavame bruscamente se eu permitiria o casamento entre professor e aluna Em outra ocasião um professor e uma professora representados por um boneco e uma boneca davam aulas de boas maneiras às crianças ensinandoas a cumprimentar e fazer reverências Inicialmente as crianças mostraramse obedientes e bem comportadas exatamente como Erna que sempre se esforçava por ser gentil e bem educada depois subitamente atacaram o professor e a professora os pisotearam os mataram e assaram Haviam se transformado em diabos que exultavam com o tormento de suas vítimas Mas repentinamente o professor e a professora encontraramse no céu e os antigos diabos haviam se transformado em anjos que segundo Erna ignoravam seu estado anterior efetivamente eles jamais haviam sido diabos Deus Pai o antigo professor pôsse a abraçar e beijar apaixonadamente a mulher os anjos os adoraram e tudo correu bem novamente embora fosse certo que muito em breve as coisas iriam piorar outra vez de uma maneira ou de outra Erna muitas vezes brincava de mamãe Eu era a filha e uma de minhas maiores faltas era chupar o polegar O primeiro objeto que eu devia levar à minha boca era uma locomotiva A garotinha já havia sobejamente admirado seus faróis dourados dos quais dizia são tão bonitos tão vermelhos e charmosos e aos quais metia na boca para sugar Para ela representavam o seio de sua mãe e o pênis de seu pai A esses jogos sucediamse invariavelmente acessos de cólera inveja e mordida Este homenzinho o terceiro personagem era a própria Erna Toda uma série de jogos similares traduziam seu desejo de suplantar o pai junto à mãe embora em muitos outros jogos se manifestasse seu desejo edípico direto de despojar a mãe e conquistar o pai Assim um jogo representava um professor de violino que dava aulas a seus alunos batendo a cabeça contra o instrumento2 ou que lia um livro com a cabeça para baixo e as pernas para cima A seguir abandonava o livro ou o violino conforme o caso e punhase a dançar com sua jovem aluna finalmente ambos abraçavamse e beijavamse A este ponto Erna perguntavame bruscamente se eu permitiria o casamento entre professor e aluna Em outra ocasião um professor e uma professora representados por um boneco e uma boneca davam aulas de boas maneiras às crianças ensinandoas a cumprimentar e fazer reverências Inicialmente as crianças mostraramse obedientes e bem comportadas exatamente como Erna que sempre se esforçava por ser gentil e bem educada depois subitamente atacaram o professor e a professora os pisotearam os mataram e assaram Haviam se transformado em diabos que exultavam com o tormento de suas vítimas Mas repentinamente o professor e a professora encontraramse no céu e os antigos diabos haviam se transformado em anjos que segundo Erna ignoravam seu estado anterior efetivamente eles jamais haviam sido diabos Deus Pai o antigo professor pôsse a abraçar e beijar apaixonadamente a mulher os anjos os adoraram e tudo correu bem novamente embora fosse certo que muito em breve as coisas iriam piorar outra vez de uma maneira ou de outra Erna muitas vezes brincava de mamãe Eu era a filha e uma de minhas maiores faltas era chupar o polegar O primeiro objeto que eu devia levar à minha boca era uma locomotiva A garotinha já havia sobejamente admirado seus faróis dourados dos quais dizia são tão bonitos tão vermelhos e charmosos e aos quais metia na boca para sugar Para ela representavam o seio de sua mãe e o pênis de seu pai A esses jogos sucediamse invariavelmente acessos de cólera inveja e 2 Comparese com seu sintoma obsessivo de bater a cabeça no travesseiro Eis outro jogo que demonstra claramente que para o inconsciente de Erna a cabeça tinha o significado de pênis um boneco quis entrar num carro e bateu com a cabeça na janela ao que o carro lhe disse É melhor você entrar de uma vez O carro representava sua mãe convidando o pai a ter um coito com ela hostilidade contra a mãe para serem substituídos por remorsos e por tentativas de se corrigir e de se fazer perdoar Ao brincar com os cubos por exemplo ela os dividia entre nós de maneira a ficar com mais do que eu Depois consertava a situação tomando menos para ela mas sempre dava um jeito de ficar com mais no final Se eu tinha de fazer uma construção com os meus cubos era apenas para que ela pudesse provar o quanto suas casinhas eram mais bonitas do que as minhas às quais ela sempre acabava derrubando aparentemente por acidente Às vezes colocava um boneco como juiz para decidir que a casa dela era mais bonita do que a minha As particularidades desse jogo referentes às nossas respectivas casas deixavam ver a antiga rivalidade de Erna com sua mãe Numa fase ulterior da análise essa rivalidade manifestouse de uma forma direta Além desses jogos ela se pôs a recortar papel e a fazer moldes Um dia me disse que estava fazendo picadinho e que o papel estava sangrando ao proferir essas palavras estremeceu e disse que não se sentia bem Em certa ocasião falou de uma salada de olhos e de outra feita disse que estava cortando meu nariz em franjas Repetia assim sua vontade de arrancar meu nariz com uma dentada o que já havia expr imido desde sua primeira sessão tinha efetivamente feito várias tentativas nesse sentido Através desses meios ela revelava sua identificação com o terceiro personagem o bonequinho que assaltara e incendiara a casa e que arrancava os narizes a dentadas Sua análise como a de outras crianças prova que o ato de recortar papel possui múltiplas determinantes Nesse jogo ela dava vasão a impulsos sádicos e canibais e representava ao mesmo tempo a destruição dos órgãos genitais de seus pais ou do corpo inteiro de sua mãe Paralelamente todavia exprimia suas tendências reativas pois ao recortar um objeto um bonito guardanapo por exemplo ela recriava o que fora destruído Dos recortes Erna passou a brincar com água Um pedacinho de papel flutuando na bacia representava um capitão cujo navio havia naufragado Ele conseguiu se salvar porque conforme dizia Erna tinha uma coisa comprida e dourada que o mantinha à tona Depois arrancoulhe a cabeça e anunciou Ele perdeu a cabeça agora se afogou Esses jogos com água conduziram à análise em profundidade de suas fantasias oral 118 Melanie Klein a vida cotidiana da criança como a enfermidade neurótica afeta a vida do adulto E contudo penso que podemos renunciar a esse reconhecimento contentandonos em saber que a meta de nosso trabalho é assegurar o bemestar da criança e não a gratidão de seus pais 136 M elanie Klei11 de uma criança que se mostra muito tímida ou inamistosa para comigo nas primeiras sessões ponhome a analisar imediata mente sua transferência negativa e a detectar e interpretar os sinais ocultos de sua angústia latente antes que se mani festem abertamente provocando uma crise de angústia Para agir assim o analista precisa estar intimamente familiarizado com as reações de angústia das fases iniciais de desenvolvi mento da criança e com os mecanismos de defesa que o ego utiliza para combatêlas Efetivamente é necessário que ele tenha um conhecimento teórico da estrutura das camadas mais profundas do psiquismo Seu trabalho de interpretação deve ser dirigido à parte do material que está associado às maiores quantidades de angústia latente e descobrir as situações de angústia que estavam sendo ativadas É necessário igualmente estabelecer a conexão entre e1sa angústia latente e as fanta sias sádicas subjacentes relacionandoa também com os me canismos de defesa utilizados pelo ego para dominála Em suma o analista que por meio de suas interpretações procura dissipar um determinado ponto de angústia deve considerar concomitantemente as ameaças do superego os impulsos do id e os esforços do ego para conciliar a ambos Desta focma ele fará aflorar gradualmente à consciência todo o conteúdo do montante particular de angústia que está sendo ativado no momento Para este fim é absolutamente necessário que ele se a tenha a métodos estritamente analíticos ao lidar com o paciente pois somente abstendose de exercer qualquer influên cia educativa ou moral sobre a criança é que ele poderá ana lisar os níveis mais profundos de seu psiquismo De fato se ele impedir que certos impulsos do id se manifestem estará reprimindo inevitavelmente outros impulsos também sem isto serlheá muito difícil mesmo com uma criança pequena atingir as fantasias oralsádicas e analsádicas mais primitivas Se a liberação da angústia for sistematicamente regulada a criança não sofrerá de um acúmulo muito grande de angústia durante os intervalos entre as sessões ou nocaso do tratamen to ser prematuramente interrompido Em tais circunstâncias a angústia é verdade se torna mais intensa mas o ego da criança é capaz de dominála e modificála rapidamente e com maior facilidade do que antes da análise Em alguns casos a criança chega mesmo a evitar esse recrudescimento transitório 138 Melank Klein é preciso que o analista além de estar perfeitamente treinado na técnica da análise das crianças pequenas domine completa mente o método empregado com adultos A NEUROSE NA CRIANÇA NAS PÁGINAS precedentes discutimos a técnica por meio da qual podemos analisar as crianças tão profundamente quanto os adultos Passaremos agora a examinar a ques tão das indicações para o tratamento A primeira pergunta que se nos impõe é quais as dificulda dés que devem ser encaradas como normais e quais como neuróticas na criança Ou por outra como distinguir uma crianÇa simplesmente traquinas de uma criança realmente doente Em geral e contanto que não ultrapassem certos limi tes é de se esperar encontrar certas dificuldades típicas que variando consideravelmente em importância e efeito são enca radas como companheiras inevitáveis do crescimento infantil Mas justamente por esse motivo a meu ver é que tendemos a não dar a devida atenção a uma questão assaz importante ou seja até onde essas dificuldades cotidianas devem ser enca radas como sinais de graves perturbações evolutivas Dificuldades alimentares se forem realmente sérias e so bretudo manifestações de angústia quer em forma de terrores noturnos ou de fobias são geralmente reconhecidas como de finitivamente neuróticas Mas o estudo dos pequeninos demons tra que sua angústia assume formas muito variadas e disfar 142 M elanie Klein acompanha essa exuberância é a meu ver um sintoma impor tante As descargàs motoras que o petiz libera através dessa irrequietude amiúde se condensam no começo do período de latência em movimentos definitivamente estereotipados e que habitualmente passam inadvertidos no quadro geral de exces siva mobilidade apresentado pela criança Na puberdade e algumas vezes ainda antes esses movimentos reaparecem ou se tornam mais evidentes formando a base de um tique4 Repetidas referências foram feitas à enorme importância das inibições no jogo Camufladas sob as mais diversas formas elas existem em toqos os graus de intensidade A aversão por de terminidos jogos e a falta de perseverança em algum jogo em particular são exemplos de inibição parcial Algumas crianças necessitam de alguém que execute a maior parte do jogo que tome as iniciativas que vá buscar os brinquedos e assim por diante Outras só gostam de jogos que tenham regras determi nadas às quais observam rigorosamente ou então gostam apenas de certos tipos de brinquedos aos quais se entregam assidlamente Essas crianças sofrem de uma profunda repres são de suas fantasias via de regra acompanhada de traços compulsivos seus jogos têm mais o caráter de sintoma obses sivo que de sublimação Há um tipo de jogo que serve de pretexto especialmente durante a transição para o período de latência para movimen tos rígidos ou estereotipados Por exemplo um menino de oito anos costumava brincar de agente de polícia e executava de terminados movimentos que repetia por horas e horas perma necendo imóvel em certas posições por longos períodos de cada vez Em outros casos um jogo determinado servirá de pretexto para uma agitação peculiar associada a um tique A aversão por jogos ativos em geral e a falta de destreza nos mesmos prenunCia futuras inibições nos esportes e sempre in dica a existência da alguma anomalia Em muitos casos as inibições no jogo constituem a base das inibições escolares De todas as vezes em que uma criança inibida no jogo se tornõu boa aluna evidenciouse que seu im pulso para aprender era princpalmente compulsivo sendo que 4 Em meu artigo Zur Genese des Tic 1925 demonstrei que um tique devo ser quase sempre encarado como sinal de uma falta de desenvolvimento e da existência de perturbações ocultas muito profundas Psicanálise da Criança 145 os conflitos relacionados com o nascimento de irmãos e irmãs reais ou imaginários Pela forma com que as crianças reagem nessas ocasiões podese descobrir a presença de uma neurose A falta de atração pelo teatro o cinema e os espetáculos em geral está estreitamente relacionada com perturbações dos instintos epistemofílicos da criança Constatei que na origem dessas perturbações reside um interesse recalcado por sua pró pria vida sexual e pela de seus genitores Essa atitude que acarréta a inibição de muitas sublimações devese em última análise à angústia e à culpabilidade pertencentes a um estádio muito precoce de desenvolvimento e nasce de fantasias agres sivas dirigidas contra as relações sexuais dos pais Gostaria de salientar também o papel representado pelos fa tores psicológicos nas diversas enfermidades orgânicas a que as crianças estão sujeitas Estou convencida de que ao adoe cerem muitas crianças exprimem sua angústia e culpabilidade e nesse caso uma melhora tem o efeito de atenuar a angús tia e que as freqüentes doenças que as acometem a uma certa idade são em parte de origem neurótica Esse elemento psico genético tem por efeito incrementar não somente a predispo sição da criança à infecção mas também a gravidade e a du ração da enfermidaden Tenho notado que de maneira geral a criança fica muito menos sujeita a resfriados depois de ana lisada Em alguns casos sua suscetibilidade aos mesmos desa pareceu quase que completamente Sabemos que a neurose e a formação do caráter estão inti mamente relacionadas e que em muitas análises de adultos também se produzem importantes modificações caracterológi cas Ao passo que a análise de crianças maiores quase sempre suscita transformações favoráveis de caráter a análise das crianças pequenas ao suprimir a neurose propicia a diminuição das dificuldades de educação Portanto parece existir uma certa analogia entre as dificuldades de educação da criança pequena e o que na criança mais velha e no adulto conhece 6 Em alguns casos de coqueluche por exemplo em que o tratamello ana lítico foi reencetado após uma curta interrupção obervei que os acessos de tosse se tornaram mais violentos durante a primeira semana de análise mas se abrandaram rapidamente depois disso e que a moléstia terminou muito antes do tempo usual Nesses casos cada acesso de tosse devido ao seu signifi cado inconsciente reduzia a angústia e esta por sua vez aumentava consi deravelmente o estimulo da tosse 148 M elanie Klein ção à realidade ultrapassarem um certo limite e se as dificul dades de que ela sofre e que faz seu ambiente sofrer forem muito grandes então deverá ser considerada uma criança in contestavelmente neurótica Não obstante ainda penso que uma neurose desse tipo é quase sempre menos grave que a neu rose onde a repressão dos afetos foi tão cruciante e tão precoce que mal se percebem os sinais de emoção ou de angústia O que realmente distingue a criança menos neurótica da mais neurótiCa é além da questão das diferenças quantitativas a maneira como ela se avém com suas dificuldades Os sinais característicos de uma neurose infantil como os descritos acima constituem um valioso ponto de partida para o estudo tanto dos métodos quase sempre muito obscuros por meio dos quais a criança modificou sua angústia como da po sição fundamental que adotou Assim por exemplo se uma criança não gosta de assistir a espetáculos de nenhum gênero como o teatro ou o cinema se não sente prazer em fazer per guntas e é inibida no jogo ou se consegue participar unica mente de jogos sem conteúdo imaginativo é porque está so frendo de profundas inibições de seu instinto epistemofílico e de considerável repressão de sua vida imaginativa embora possa ser bem adaptada quanto ao resto e não aparente tet pro blemas muito acentuados Numa idade posterior essa criança satisfará seu desejo de conhecimentos sobretudo de forma obsessiva o que a levará freqüentemente a produzir outros distúrbios neuróticos Já se disse que em muitas crianças a incapacidade original de tolerar frustrações fica dissimulada pela adaptação geral às exigências de sua educação Muito cedo elas se tornam crian ças boas e espertas Mas são precisamente essas crianças as que mais comumente manifestam aquela atitude de indiferen ça face aos presentes e mimos acima mencionada Se além dessa atitude também demonstrarem uma grande inibição no jogo e excessiva fixação aos seus objetos é grande a probabilidade de serem vítimas de uma neurose nos anos ulteriores pois ado taram uma atitude pessimista e de renúncia em face da vida Seu principal objetivo é combater a angústia e a culpabilidade a todo custo mesmo que isso signifique abdicar a toda felici dade e gratificação de seus instintos De mais a mais são muito mais dependentes de seus objetos porque procuram no mundo exterior a proteção e o apoio contra sua própria angústia e AS ATIVIDADES DA 7 SEXUAIS CRIANÇA U MA DAS conquistas importantes da psicanálise é a desco berta de que as crianças possuem uma vida sexual que se exprime tanto nas atividades sexuais diretas quanto nas fantasias sexuais Sabemos que a masturbação ocorre geralmente no período de lactância e que comumente se prolonga em maior ou menor grau até o período de latência Desnecessário é dizerse que é muito difícil encontrar crianças mesmo quando muito pe quenas masturbandose abertamente No período que antece de a puberdade e particularmente durante a própria puberda de o onanismo tornase novamente muito freqüente A fase em que as atividades sexuais da criança são menos pronuncia das é o período de latência e isso porque o declínio do com plexo de Édipo é acompanhado de uma diminuição em intensi dade das tendências instintivas Por outro lado temos o fato ainda não explicado de que é justamente nesse período que a luta da criança contra a masturbação atinge o seu paroximo Em seu livro Inibição Sintoma e Angústia 1926 Freud de clara que durante o período de latência as energias da crian ça parecem empenhadas principalmente na tarefa de resistir à 160 Mela11ie Klein tentação de masturbarse Sua afirmação parece corroborar o ponto de vista de que mesmo durante o período de latência a pressão do id não diminuiu na medida em que comumente se supõe ou que a força exercida pelo sentimento de culpa da criança contra as tendências do id aumentou Em minha opinião a excessiva culpabilidade que as ativi dades masturbatórias suscitam na criança é na realidade dirigi da contra as tendências destrutivas que residem nas fantasias que acompanham a masturbação1 É esse sentimento de culpa que im pele as crianças a cessarem completamente de masturbarse e que caso o propósito tenha sido logrado amiúde as induz a uma fobia de tocar Que esse gênero de temor constitui um indício tão importante da existência de uma perturbação no de senvolvimento quanto a masturbação obsessiva tornase per feitamente evidente na análise dos adultos onde observamos como o temor do paéiente ao onanismo freqüentemente provo ca graves desordens em sua vida sexual Esse tipo de distúr bios não pode naturalmente ser observado na criança pois emergirá somente mais tarde sob a forma de impotência ou frigidez segundo o sexo do indivíduo mas sua existência pode ser inferida pela presença de certas dificuldades que são inva riáveis concomitantes de um desenvolvimento sexual defei tuoso A análise das fobias de tocar mostra que a supressão radical da masturbação tem como resultado não somente o aparecimen to dos mais variados sintomas tais como o tique2 mas que ain da pelo fato de causar uma repressão excessiva das fantasias masturbatórias entrava a passagem para o período de latência ao impedir a formação das sublimações função esta sumamen te importante do ponto de vista cultural8 Efetivamente as fan tasias masturbatórias base de todas as atividades lúdicas da criança constituem também um componente de todas as suas sublimações ulteriores Quando essas fantasias recalcadas são liberadas pela análise a criança pequena começa a brincar e a criança maior a estudar e a desenvolver sublimações e inte 1 Vide capítulo 8 2 Cf Ferenczi PsychoAnalytical Observations on Tic 1919 s Em meu artigo Zur Genese des Tic 1925 descrevi o caso de um tique durante a análise do qual o paciente foisP libertando gradualmente do sintoma ao mesmo tempo que reiniciava sua longamente proibida prática da masturbação desenvolvendo simultaneamente numerosas sublimações 168 M elanie Klein Na análise destes dois casos e de outros semelhantes cons tatamos que passo a passo com o desaparecimento çlo caráter compulsivo dos atos verificamse numerosas modificações im portantes estreitamente relacionadas umas às outras O sadis mo diminui ao mesmo tempo que a culpabilidade e a fase geni tal emerge mais nitidamente essas modificações evidenciamse por modificações correspondentes nas fantasias masturbatórias e se a criança for muito pequena nas fantasias que introdu em seus jogos Na análise de crianças que atingiram a puberdade verifica mos que as fantasias masturbatórias sofreram uma modifica ção ulterior de caráter bastante especial Assim Gert a prin cípio não tinha fantasias masturbatórias conscientes mas no curso do tratamento surgiu a de uma menina nua sem cabe ça da qual somente o corpo era visível Numa etapa posterior a cabeça começou a aparecer e tornouse cada vez mais nítida até que finalmente Gert reconheceu que era a de sua irmã Mas a essa altura sua compulsão á havia desaparecido e suas relações sexuais com a irmã haviam cessado Isso demonstra a conexão que existia entre a repressão excessiva de seus de sejos e fantasias com relação à irmã e seu impulso obsessivo de manter relações sexuais com ela Mais tarde ainda suas fantasias modificaramse novamente e ele viu outras meninas em sua imaginação Finalmente passou a ter fantasias sobre uma em especial amiga de sua irmã Essa alteração gradual registrou o proçesso de desligamento libidinal da irmã proces so que não poderia ter lugar enquanto sua fixação compulsiva à irmã mantida por uma excessiva culpabilidade não fosse re movida no decorrer da análise10 Quanto à existência de relações sexuais entre crianças es pecialmente entre irmãos e irmãs posso afirmar baseada em minhas observações que elas são geralmente bastante regulares n1 primeira infância mas somente se prolongam pelo período de latência e a puberdade se a culpabilidade da criança for ex cessiva e não tiver sido modificada com êxiton Até onde po demos julgar a culpabilidade durante o período de latência 16 Gert foime enviado em decorrência de certas dificuldades neuróticas de natureza não muito grave Sua análise durou um ano Três anos mais tarde soube que ele se desenvolvia bem 17 De qualquer forma creio que tais relações são muito mais freqüentes mesmo durante a latência e a puberdade do que geralmente se supõe P A R T E 1 1 PRIMEIRAS SITUAÇÕES DE ANGOSTIA E SEU EFEITO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA 8 PRIMEIROS ESTÁDIOS DO CONFLITO ED1PICO E DA FORMAÇÃO DO SUPEREGO N os PRÓXIMOS capítulos procurarei acrescentar algo ao nosso conhecimento sobre a origem e a estrutura do su perego As conclusões teóricas que serão expostas foram obtidas através de um conhecimento direto dos primeiros pro cesses do desenvolvimento psíquico pois baseiamse em aná lises efetuadas com crianças pequenas Essas análises demons traram que os impulsos edípicos da criança são liberados pelas frustrações orais e que o superego começa simultaneamente a formarse Os impulsos genitais ficam desapercebidos inicial mente já que via de regra não se afirmam contra os impulsos prégenitais até o terceiro ano de vida Nesse período começam a manifestarse claramente e a criança entra numa fase em que a sexualidade precoce chega a um clímax e o conflito edí pico desabrocha em toda a sua plenitude Nas páginas seguintes esboçarei os processos de desenvolvi mento que precedem esta prematura expansão da sexualidade e tentarei demonstrar que os primeiros estádios do conflito edí pico e da formação do superego estendemse aproximadamen Psicanálise da Criança 179 realidade externa efetivamente à medida que o ego vai se desenvolvendo paralelamente às suas possibilidades de confron tação com a realidade a criança aprende a ver em sua mãe uma pessoa que ora lhe concede ora lhe recusa gratificação e des cobre assim o poder que tem seu objeto sobre a satisfação de suas necessidades Outrossim parece que ela desloca para o seu objeto toda a carga do medo intolerável que lhe inspiram os perigos instintivos trocando pois os perigos internos pelos externos O ego imaturo procura então protegerse desses pe rigos externos destruindo o objeto Passaremos agora a considerar de que maneira o desvio do instinto de morte para o exterior influencia as relações do bebê com seus objetos e dá livre curso ao seu sadismo O cres cente sadismo oral atinge o seuapogeu durante e após o desma me ativando e desenvolvendo ao máximo as tendências sádicas que fluem de diversas fontes Certas fantasias oralsádicas nas quais ele se apodera do seio da mãe sugando e esvaziando seu conteúdo parecem devido ao seu caráter bem definido for mar um elo20 entre o estádio oral de sucção e o estádio oraJ de mórder Esse desejo de sugar e esvaziar primeiramente di rigido ao seio da mãe em breve se estende para o interior de seu corpo21 Em meu artigo Early Stages of the Oedipus Conflict 1928 descrevi um estádio precoce de desenvolvimen to que é dominado pelas tendências agressivas dá criança contra o corpo materno no qual o desejo predominante é roubar o conteúdo de seu corpo e destruílo Até onde pudemos notar a tendência sádica mais estreita mente ligada ao sadismo oral é o sadismo uretral A observa 20 Abraham chamou a atenção para a conduta vampiresca de algumas pessoas e explicoua como sendo o efeito de uma regressão do sadismo oral para o estádio oral de sucção Oral Erotism and Cbaracter 1924 pág 401 21 Ao discutir esse tema comigo Edward Glover sugeriu que o sentimento de vazio no interior de seu corpo que a criança pequena experimenta em resultado da falta de gratificação oral pode ser o ponto de partida para as fantasias de assalto ao corpo materno pois pode dar origem a fantasias de que o corpo da mãe está repleto de todos os alimentos desejados Revisando as minhas experiências acre dito que sua suposição esteja inteiramente confirmada Pareceme que ela faz jorrar nova luz sobre a maneira como é efetuada o transição entre sugar e devorar o seio da mãe e o ataque ao interior de seu corpo Em relação a este ponto o dr Glover também mencionou a teoria de Radó de um orgasmo alimentar TIe Psychic Effects of lntoxiconts 1926 em virtude do qual a gratificação possa da boca para o estômago e os intestinos 18 Melanie Klein e a angústia que o ego normalmente sente em situações de perigo real exceto que seu conteúdo permanece inconscielte e só pode ser percebido de forma distorcida Segundo essa hipótese a angústia que afeta as crianças até o princípio do período de latência seria devida para o menino ao medo de ser castrado e para a menina ao medo da perda do amor o superego não começaria a formarse antes de ultrapassados os estádios prégenitais e resultaria de uma regressão ao estádio oral Em The Ego and the Id 1927 Freud diz que no princí pio durante a fase oral primitiva da existência do indivíduo é difícil distinguir a catexis de objeto da identificação pág 35 e o superego é na realidade o resíduo da primeira catexis de objeto do id o herdeiro do complexo de Édipo após a dissolução deste último 85 Minhas próprias observações levaramme a crer que a forma ção do superego é um processo bem mais simples e direto O conflito edípico e a formação do superego iniciamse penso eu sob a supremacia dos impulsos prégenitais os objetos que foram introjetados na fase oralsádica as primeiras catexis de objeto e identificações assinalam o começo do superego primitivo36 De mais a mais o que origina a formação do supe rego e rege seus primeiros estádios são os impulsos destrutivos e a angústia que despertam Ao considerarmos pois os im pulsos do indivíduo como sendo o fator fundamental para a formação de seu superego não negamos a importância dos ob jetos nesse processo apenas encaramos a questão sob uma outra luz As primeiras identificações da criança refletem os objetos de maneira irreal e distorcida Como sabemos por Abraham num estádio muito precoce de desenvolvimento tanto os obje tos reais como os introjetados são representados sobretudo por seus órgãos Sabemos também que o pênis paterno é um objeto de angústia por excelência e que é comparado no inconsciente a armas perigosas de vários tipos e a terríveis animais vorazes e peçonhentos ao passo que a vagina representa uma abertura perigosa87 A análise das crianças pequenas mostra que essas SG Die Frage der Laienanalyse 1926 74 86 Em seu artigo Privation and Guilt 1929 Susan lsaacs assinala que a identificação prinulria de Freud tem provavelmente um papel muito maior na formação do superego do que o que lhe foi atribuído originalmente 37 Gl a fantasia tão freqüentemente citada na literatura psicanalítica da vagina dentata 190 Mclanie Klein seguir duas linhas de pensamento que até certo ponto se com plementam Segundo uma a severidade do superego seria de rivada da severidade do pai real cujas ordens e proibições o superego repetiria 42 Segundo a outra enunciada em uma ou duas passagens de suas obras a severidade do superego seria uma conseqüência dos impulsos destrutivos do sujeito 48 possibilidade é apoiada pelo fato de que na análise de crianças muitô pequena de ambos os sexos verificamos que apesar de temerem o pai sentem infinita admiração por seu poder sentimento este extremamente prolundo e ele caráter primário Lembremonos outrossim que à medida que as crianças crescem o papel desempenhado pelo superego embora sendo o de um pai severo não é o de um pai mau Freud conclui seu ensaio subre o Humour l l92B com as seguintes pa lavras Finalmente se o superego tenta confortar o ego por meio do humor e protegêlo do sofrimento isso não entra em conflito com sua derivação da ins tituição parenta 42 Em seu trabalho Passing of the Oedipus Complex 1924 Freud diz que o ego da criança abandona o complexo de Édipo em conseqüência da ameaça de castração A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego lá formando a semente do superego o qual adquire sua severidade do pai e perpetua a proibição do incesto dessa maneira assegura o ego contra o retorno da catexis de objeto libidinal pág 273 Em The Ego a11d the Jd U926 lemos Sua relação do superego com o ego não se limita ao preceito Deves ser assim c assim como teu pai mas também implica na proibição Não deves ser assim como teu pai isto é não podes fazer tudo o que ele faz muitas coisas são prerrogativas dele Esse duplo aspecto do ego ideal deriva do fato de que o ego ideal tert a ta refa de efetuar a repressão do complexo de Édipo de fato é a esse evento revolu cionário que ele deve sua existência Claro está que recalcar o complexo de Édipo não foi empresa fácil Havendo reconhecido nos pais e sobretudo no pai um obstá cuJo à realização dos desejos relacionados com o complexo de Édipo o ego infantil a fim de facilitar esse esforço de recalcamento e a fim de aumentar seus recursos e seu poder de ação em vista desse esforço criou em si mesmo tal obstáculo A energia para isso por assim dizer foi tomada de empréstimo ao pai e esse em préstimÔ foi um ato de extraordinárias conseqüências O superego se esforçará por reproduzir e conscrvar o caráter do pai e quanto mais forte for o complexo de Édipo e quanto mais rapidamente sucumbir à repressão sob a influência da autoridade do ensinamento religioso da instrução e da leitura tanto mais ri goroso será o domínio do superego sobre o ego em forma de consciência moral ou talvez de um sentimento inconsciente de culpa Mais adiante tentaremos for mular algumas conjeturas a respeito da fonte de onde o superego extrai a força que lhê permite exercer tal domínio e o caráter coercitivo que se manifesta sob a forma de um imperativo categórico pág 44 48 Em The Ego anel the ld 1926 diz ele Cada uma dessas identificações tem o caráter de uma dessexualização ou mesmo de uma sublimação Ora parece que qúando se verifica uma transformação desse tipo ocorre ao mesmo tempo uma dissociação dos instintos Após a sublimação o componente erótico não tem mais a força necessária para aglutinar todos os elementos destrutivos que se encontravam previamente conjugados a ele e estes são liberados sob a forma de uma tendência à agressividade e à destruição Essa dissociação seria a fonte do 192 Melanie Klein uns dos outros e carecem da unidade da severidade e da opo sição ao ego da qualidade de serem inconscientes e do grande poder que caracteriza o verdadeiro superego herdeiro do com plexo de Édipo Essa diferenciação é a meu ver inexata em diversos pontos Até onde me foi dado observar é precisa mente esse superego primitivo que é de uma severidade toda particular e normalmente em nenhum período da existência a oposição entre o ego e o superego é tão intensa como na primeira infância Ademais esse último fato explica a razão pela qual a tensão entre essas dyas instâncias psíquicas é du rante os primeiros anos sentida sobretudo como angústia Constatei ainda que as exigências e proibições do superego não são menos inconscientes na criança pequena do que no adulto e que não são absolutamente idênticas às que emanam dos objetos reais Fenichel tem razão penso eu ao afirmar que o superego infantil ainda não é tão rigorosamente orga nizado como o do adulto Mas esse ponto de diferenciação além de não ser uma verdade universal uma vez que muitas crian ças pequenas apresentam um superego bem organizado e mui tos adultos um superego disperso pareceme estar meramente em conformidade com o grau menor de coesão mental da criança pequena quando comparada ao adulto Sabemos que 15 ego da criança pequena não é tão altamente organizado quanto o da criança no período de latência mas nem por isso diremos que ela não tem ego e sim apenas precursores de um ego Já sabemos que na fase de exacerbação do sadismo o aumen to das tendências sádicas produz um incremento de angústia As ameaças proferidas pelo superego primitivo contra o id contêm toda a série detalhada de fantasias sádicas que foram dirigidas contra o objeto de sorte que cada uma delas se encon tra agora voltada contra o ego Assim a pressão exercida pela angústia nesse estádio precoce corresponderá quantitativamen te ao grau de sadismo originalmente presente e qualitativa mente à variedade e riqueza das fantasias sádicas que a acompanham 47 A superação gradual do sadismo e da ángústia é resultado do desenvolvimento da libido 48 Mas é justamente o excesso 47 Cf meu artigo Infuntile AnxietySituations Reflected in a Work of Art 1929 48 Viúe o próximo capítulo onde este ponto é discutido detalhadilmente 202 Melmie Klein ângulo a formação do superego as relações objetais e a adap tação à realidade são o resultado de uma interação entre a pro jeção dos impulsos sádicos do indivíduo e a introjeção de seur3 objetos 9 AS RELAÇÕES ENTRE A NEUROSE OBSESSIVA E ESTÁDIOS os DO PRIMEIROS SUPEREGO N o CAPÍTULO precedente consideramos o conteúdo das pri meiras situações de angústia e sua repercussão sobre o desenvolvimento do indivíduo Passaremos agora a exa minar de que maneira a libido e as relações com os objetos reais ocasionam uma modificação dessas situações de angústia Em resultado da frustração oral sofrida a criança procura novas fontes de gratificação1 A menina pequena afastase de sua mãe e toma o pênis de seu pai para objeto de gratificação Se bem que as tendências genitais já estejam atuando essa gratificação é inicialmente de natureza oral2 No menino pe queno encontramos a mesma atitude positiva em relação ao pênis do pai ela resulta do estádio oral de sucção e é devida à assemelhação do seio a um pênis3 Uma fixação ao pênis do 1 Em Notes on Oral CharacterFormation 1925 Edward Glover assinala que a frustração é um fator estimulante para o desenvolvimento do indivíduo 2 Cf meus artigos The Psychological Principies of Infant Analysi9 1926 e Early Stages of the Oedipus Conflict 1928 a Em seu trabalho Nach derQ Tode des Urvaters 1923 Róheim argumenta que após haverem devorado o cadáver do pai primitivo os filhos passam a 204 Melunie Klein pai segundo uma modalidade própria ao estádio oral de suc ção é a meu ver um fator essencial nl gênese da verdadeira homossexualidade4 Mas normalmente os sentimentos de ódio e de angústia em face do pai que surgem do despertar das ten dências edípicas militam contra essa fixação5 Quando o de senvolvimento segue um curso favorável a atitude positiva para com o pênis do pai tornase a base de boas relações com as pessoas de seu próprio sexo e permite ao mesmo tempo adotar uma posição francamente heterossexual Todavia ao passo que no menino uma relação oral de sucção com o pênis do pai pode em certas circunstâncias conduzilo à homossexuali dade já na menina ela é normalmente o precursor dos impul sos heterossexuais e do conflito edípico Essa inclinação da me nina pelo pai e no menino o retorno à mãe agora convertida em objeto de amor genital dá um novo objetivo à gratificação libidinal da criança em que os órgãos genitais começam a fazer sentir sua influência Constatei que naquele primitivo período de desenvolvimento a que denominei de fase de sadismo máximo todos os estádios prégenitais assim como o estádio genital são catexizados em rápida sucessão É que a libido entra em luta com os impulsos destrutivos e consolida gradualmente suas posições Entre os fatores que são de importância fundamental para a dinâmica encaráo como mãe nutriente Desta maneira acredita Róheim transferem o amor que até então sentiam somente pela mãe também para o pai e sua atitude para com êle que era puramente negativa adquire um elemento po sitivo 4 Cf Freud Kindheilserinnerung Leonardo da Vincis 1910 Acompanha remos mais de perto esses processos de desenvolvimento no capítulo 12 ao dis cutirmos o desenvolvimento sexual do menino 5 O seguinte exemplo extraído da observação direta ilustra o curso de uma mudança do prazer para o desprazer Nos meses que se sucederam ao seu desmame um meninozinho mostrou preferência por alimentos que incluíam pei xes bem como um grande interesse pelos peixes em geral Com a idade de um ano compraziase em ficar observando com intenso interesse enquanto sua mãe matava ou preparava peixes na cozinha Pouco depois desenvolveu intensa repugnância por esse alimento que se propagou a uma aversão pela simples vista de um peixe e mais tarde a uma fobia regular de peixes A experiência de numerosas análises efetuadas com crianças muito pequenas demonstroume que os ataques contra peixes cobras e lagartos representavam ataques contra o pênis do pai e me permitiu compreender a conduta dcase menino Ao ver a mãe matar os peixes satisfazia em alto grau seus impulsos sádicos contra o pônis do pai e isso fez com que tivesse medo do pai ou mais exatamente do pênis de seu pai 210 Melanie Klein mais elevado de sua libido ou seja o segundo estádio anal agindo portanto como agente promotor de seu desenvolvimento Sabemos que no adulto o superego e o objeto não coincidem absolutamente tampouco coincidem conforme procurei de monstrar em nenhum período da infância Acredito que os es forços dispendidos pelo ego em razão dessa discrepância no sentido de intercambiar os objetos reais com as imagos dos mes mos constituem um fator fundamental de seu desenvolvimen to14 Quanto menor a discrepância isto é quanto mais as imagos se aproximarem dos objetos reais na medida em que o estádio genital for assumindo a liderança e as imagos imagi nárias e aterradoras que haviam predominado no início da vida forem retrocedendo para segundo plano mais estável será o equilíbrio mental e mais bem sucedida a modificação das primeiras situações de angústia Gradualmente à medida que os impulsos genitais se fortalecem a repressão do id pelo ego também perde muito de sua violência de sorte que há menos atrito entre as duas instâncias Assim o relacionamento objetai mais positivo que acompanha o advento do estádio ge nital também pode ser encarado como um sinal da existência de relações satisfatórias entre o superego e o ego e entre o ego e o id Sabemos já que os pontos de fixação para as psicoses se si tuam nos estádios iniciais de desenvolvimento e que a linha de demarcação entre a psicose e a neurose é a que separa os dois períodos do estádio anal Estou inclinada a ir ainda mais longe e aconsiderar esses pontos de fixação como pontos de partida não só para as doenças subseqüentes mas também para as perturbações que a criança sofre durante o início de sua vida No capítulo precedente vimos que as sitúações de angústia de masiadamente poderosas que surgem na fase de exacerbação do sadismo constituem um fator etiológico fundamental dos distúrbios psicóticosU No entanto constatei que também as crian ças normais durante as fases iniciais de seu desenvolvimento atravessam situações de angústia de caráter psicótico Se quer por razões externas ou internas essas situações muito precoces forem ativadas em alto grau a criança apresentará traços psi cóticos E se ela não conseguir combater suficientemente a l H A importância desse fator para o desenvolvimento do ego e para o re acionamento com a realidade é examinada mais detalhadamente no capítulo 10 15 Cf meu artigo Personiíication in the Play of Children 1929 Psicanálise da Criança 219 sempenham um papel importante no quadro clínico das neu roses infantis pode parecer à primeira vista que eu esteja em desacordo com a opinião de Freud no que tange ao ponto de partida da neurose obsessiva Não obstante acredito que essa discordância possa ser atenuada ao menos em um ponto im portante É verdade que de acordo com as minhas descobertas as origens da neurose obsessiva residem no primeiro período da infância mas os traços obsessivosisolados que emergem nes se período não se acham organlzados naquele conjunto a que consideramos como neurose obsessiva antes da segunda infância ou seja antes do início do período de latência Se gundo a teoria aceita as fixações ao estádio analsádico não intervêm como fatores na neurose obsessiva senão mais tarde em resultado de uma regressão Na minha opinião o verda deiro ponto de partida para a neurose obsessiva ou seja o pon to em que a criança desenvolve sintomas obsessivos e mecanis mos obsessivos situase no período da vida que é governado pelo estádio anal secundário Essas primeiras dificuldades ob sessivas apresentam um quadro um tanto diferente da neuro se obsessiva que só se declara em toda a sua plenitude numa fase mais tardia esse fato tornasenos perfeitamente com preensível quando nos recordamos que é somente mais tarde no período de latência que o ego havendo adquirido maturi dade e modificado suas relações com a realidade empreende a elaboração e a síntese dos elementos obsessivos que estavam em atrvidade desde a primeira infância31 Os caracteres obses sivos da criança pequena não são tão facilmente discerníveis também por outra razão é que no quadro geral apresentado por uma neurose infantil não se acham tão nitidamente em evi dência como no adulto e isso devido à intrusão de outras per turbações mais antigas que ainda não foram superadas e aos diversos mecanismos defensivos que ainda estão sendo empre gados Não obstante conforme procurei demonstrar mesmo em crianças muito pequeninas é freqüente encontrarmos sintomas 31 Essas alterações serão discutidas mais detalhadamente no capítulo 10 onde procurarei demonstrar que no período de latência a criança se acha habi litada por sua neurose obsessiva a fazer frente às exigências de seu ego de seu su perego e de seu id ao passo que numa idade anterior quando seu ego ainda não está estruturado ela ainda não é capaz de dominar a angústia dessa maneira Psicanálise da Criança 221 vas Por exemplo depois que John e eu concordamos que seu medo de não ser capaz de devolver à mãe todas as fezes e os nenês que lhe roubara o obrigava a continuar recortando coi sas e a furtálas ele me deu outros motivos pelos quais não podia restituir tudo o que havia tomado Disse que suas fezes se haviam dissolvido nesse ínterim que afinal ele as havia passado adiante o tempo todo e que mesmo que tivesse que continuar fazendo novas fezes jamais poderia fazer o suficien te E que além disso não sabia se seriam bastante boas Por bastante boas ele queria dizer em primeiro lugar equivalen tes em valor ao que havia furtado do corpo da mãe Daí digase de passagem seu cuidado em escolher as formas e as cores nestas cenas de restituição Mas num sentido mais pro fundo bastante boas significava inócuas destituídas de ve neno39 Por outro lado sua freqüente constipação intestinal era devida à necessidade de armazenar suas fezes e guardálas dentro dele para não se esvaziar Todas essas tendências con flitantes das quais mencionei apenas algumas provocavamlhe uma viva angústia Sempre que aumentava seu medo de não ser capaz de produzir a espécie correta de fezes ou uma quan tidade suficiente delas ou de não ser capaz de reparar o que havia danificado suas tendências destrutivas primárias irrom piam novamente em toda a sua virulência sua sede de destrui ção era insaciável e ele rasgava picava e queimava as coisas que havia feito quando predominavam suas tendências reati vas a caixa que havia armado e enchido e que representava sua mãe ou o pedaço de papel sobre o qual havia desenhado o plano de uma cidade Sua conduta ao mesmo tempo eviden ciava plenamente todo o significado sádico primitivo dos atos de urinar e defecar Rasgar picar e queimar papel molhar as coisas com água sujálas com cinzas ou rabiscálas com lá pis todas essas ações serviam aos mesmos propósitos destru tivos Molhar e sujar significava dissolver afogar ou envene nar Bolinhas comprimidas de papel molhado por exemplo re presentavam mísseis especialmente venenosos por serem uma mistura de urina e de fezes Os variados detalhes de suas re presentações mostravam que a significação sádica ligada aos atos de urinar e defecar constituía a causa mais profunda 39 Em seu artigo Fear Guilt and Hate 1929 Ernest Jones assinala que a palavra inocente tem a conotação de inofensivo de forma que inocente quer dizer não causar mal Psicanálise da Criança 229 clara Suas tendências destrutivas porém não ficaram inope rantes apenas perderam seu caráter de violência e se tornaram mais adaptáveis às exigências do superego E se bem que elas participem das formações reativas na segunda das duas eta pas sucessivas de que se compõe o ato obsessivo submetem se mais facilmente à direção do superego e do ego e estão mais livres para perseguirem os objetivos sancionados por essas ins tituições Como sabemos existe uma íntima conexão entre os atos ob sessivos e a onipotência de pensamento Freud salientou que as primitivas práticas obsessivas dos povos pouco desenvolvi dos são de caráter essencialmente mágico Diz ele Se não mágicas são pelo menos contramágicas e são destinadas a pre veqir a espectativa do mal com que a neurose costuma come çar E acrecenta As fórmulas preventivas da neurose obses sivã também têm o seu reverso nos encantamentos mágicos Ao descrever a evolução dos atos obsessivos podemos notar que começam como magias contra desejos maléficos tão remotas quanto possível de tudo o que seja sexual apenas para termi narem substituindo as atividades sexuais proibidas que elas procuram imitar fielmente40 Por aqui vemos que os atos obsessivos são uma contramagia um escudo contra desejos maus isto é desejos de morte 41 e ao mesmo tempo atos sexuais Seria de se esperar reencontrar esses elementos que se uni ram numa ação defensiva nas fantasias e nos atos que susci taram o sentimento de culpa convocando essa ação defensiva Uma mescla desse tipo de magia de desejos maus e de ativi dades sexuais pode ser encontrada penso eu numa situação que foi detalhadamente descrita no capítulo precedente a sa ber as atividades masturbatórias da criança pequena Lá sa lientei que as fantasias masturbatórias que acompanham o co meço do conflito edípico são como o conflito edípico mesmo completamente dominadas pelos instintos sádicos que elas se centralizam na copulação dos pais e dizem respeito a ataques sádicos dirigidos contra eles convertendose assim numa das fontes mais profundas da culpabilidade da criança E cheguei 40 Totem und Tabu 1912 pág 108 41 Com referência ao neurótico obsessivo diz Freud em Totem und Tabu 1912 E não obstante seu sentimento de culpa é justificado baseiase nos intensos e freqüentes desejos de morte que surgem em seu inconsciente contra os seus semelhantes pág 145 230 M elanie Klein à conclusão de que é o sentimento de culpa decorrente dos im pulsos destrutivos dirigidos contra os pais que torna a mas turbação e a atividade sexual em geral algo iníquo e proibido para a criança de sorte que sua culpabilidade está realmente ligada aos instintos destrutivos e não aos libidi nais e incestuosos42 Segundo meu ponto de vista o conflito edípico com suas acompanhantes fantasias sádicas masturbatórias começa na fase do narcisismo em que o sujeito tem para citar Freud alta estima por seus próprios atos psíquicos o que do nosso ponto de vista é uma superestimação dos mesmos43 Esta fase é caracterizada por um sentimento de onipotência por par te da criança no tocante às funções de sua bexiga e de seus intestinos e pela crença conseqüente na onipotência de seus pensamentos44 Como resultado sentese culpada pelos múl tiplos assaltos aos pais que ela em imaginação efetua Mas este excesso de culpa que resulta da crença na onipotência de seus excrementos e pensamentos é a meu ver justamente um dos fatores que levam os neuróticos e os povos primitivos a conser varem e a regredirem aos seus sentimentos originais de onipo tência Quando a culpabilidade mobiliza atos obsessivos à gui sa de defesa eles empregarão sua culpabilidade para o propó sito da reparação Mas agora terão que sustentála compulsiva e exageradamente pois é essencial que esses atos de reparação que realizam sejam baseados na onipotência tal como o eram os atos originais de destruição 42 No capítulo 1 já havia eu assinalado a concordância existente entre os meus pr6prios pontos de vista a esse respeito e algumas conclusões de Freud em Civilization and its Discontents 1930 onde escreve Portanto é somente a agressão que se transforma em culpa ao ser suprimida e passada ao superego Estou convencido de que muitíssimos processos ficarão mais simples e clara mente explicados se restringirmos as descobertas da psicanálise com respeito à origem do sentimento de culpa aos instintos agressivos pág 131 E tam bém Inclinamonos agora a sugérir o seguinte como possível formulação quando uma tendência instintiva sofre repressão seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa pág 132 43 Totem und Tabu 1912 pág llO H Ferenczi salientou em seu trabalho Stages in the Developinent of a Sense of Reality 1913 a conexão entre as funções anais c a onipotência das palavras e dos gestos Cf também Abraham The Narcissistic Evaluation of Excretory Processes in Dreams and Neurosis 1920 Psicanálise da Criança 239 temofílicos são ativados pelo conflito edípico incipiente que começa favorecendo as inclinações oralsádicas49 Seu primei ro objeto parece ser o interior do corpo da mãe que a criança considera primeiro como objeto de gratificação oral e depois como o cenário onde se efetua o coito dos pais e onde se situam o pênis paterno e os bebês Ao mesmo tempo que deseja pe netrar à força no corpo da mãe para se apoderar de seu conteü do e destruílo ela deseja saber o que se passa e como são as coisas lá por dentro O desejo de conhecer o interior da mãe e o de lá penetrar à força são postos em equação reforçandose mutuamente e tornandose intercambiáveis Assim formamse os elos que unerri as tendências sádicas elevadas à sua potên cia máxima ao instinto epistemofílico nascente e tornase mais fácil compreender porque esse laço é tão estreito e porque o instinto epistemofílico desperta sentimentos de culpa no indi víduo Vemos a criancinha oprimida por uma série de perguntas e de problemas com os quais seu intelecto ainda não está apto a se avir A recriminação típica que ela faz sobretudo à mãe é de que esta não responde às suas perguntas e não satisfaz mais ao seu desejo de saber do que satisfazia aos seus desejos orais Essa recriminação desempenha um papel importante tanto no desenvolvimento do caráter da criança como no de seus instintos epistemofílicos Tal acusação deve remontar a uma época muito primitiva em que a criança ainda não sabia falar pois essa queixa é freqüentemente associada a uma ou tra que se refere a esse período precoce e na qual ela se queixa de que não conseguia entender o que os adultos diziam ou as palavras que empregavam De mais a mais essas duas recri minações quer surjam isoladamente quer reunidas são extraor çlinariamente carregadas de afeto e nesses momentos a criança começará a falar na análise de maneira a não ser compreen dida enquanto reproduz a raiva que sentiu originalmente ao ser incapaz de compreender o que se dizia60 Ela não consegue expressar em palavras as perguntas que gostaria de formular e seria incapaz de compreender qualquer resposta que lhe fosse dada por meio de palavras Todavia ao menos parte des 40 Cf Abraham PsychoAnalytical Studies on CharacterFormation 1925 60 Rita minha paciente de dois anos e nove meses tinha o hábito de fazer isso comigo em sua análise vide capítulo 2 Psicanálise da Criança 235 melhores resultados e as reações de um nível especificamente genital emergem mais claramente O advento do estádio ge nital traduziria pois o triunfo dos elementos positivos nas in terações que se verificam entre projeção e introjeção e entre a formação do superego e as relações objetais e que na minha opinião dominam todos os estádios iniciais de desenvolvimen to da criança O SIGNIFICADO DAS PRIMEIRAS SITUAÇOES DE ANGúSTIA NO DESENVOLVIMENTO DO EGO UM nos principais problemas apresentados pela psicanálise é o da angústia e suas modificações Podese considerar as diversas afecções psiconeuróticas que acometem o in divíduo como tentativas mais ou menos mal sucedidas de do minar a angústia Mas lado a lado com esses métodos de do minar a angústia e que podem ser considerados como patológi cos há um outro grupo de métodos normais cuja importância para o desenvolvimento do ego é considerável É para alguns desses métodos que voltaremos nossa atenção nas páginas seguintes No início de seu desenvolvimento o ego está sujeito à pres são das precoces situações de angústia Por ser ainda muito frágil ele se vê exposto por um lado às violentas incitações do id e por outro às ameaças de um superego cruel e precisa exercer suas faculdades ao máximo a fim de satisfazer a ambas as partes A descrição que Freud faz do ego como sendo uma pobre criatura constrangida a servir três amos e conseqüente mente ameaçada por três perigos diversos é especialmente 1 The Eco and the Id 1923 pág 82 Psicanálise da Criança 241 que sua mãe deixa de aparecer ela se comporta como se nunca mais fosse tornar a vêla e é somente após experiências repe tidas que ela aprende que uma tal ausência é seguida de um retorno seguro 11 De acordo com minhas observações se a criança necessita ter sempre a mãe consigo é para convencerse não só de que não está morta mas também de que não é a mãe má que ataca É necessária a presença de um objeto real para combater o medo que lhe inspiram seu superego e seus aterrorizantes objetos ili trojetados A medida que progridem suas relações com a Jea lidade a criança passa a utilizar cada vez mais suas relações objetais e suas diversas atividades e sublimações como pontos de apoio contra o medo ao superego e aos impulsos destrutivos Já foi dito que a angústia estimula o desenvolvimento do ego Isto se dá porque no empenho de dominar a angústia o ego da criança convoca o auxílio de suas relações com os objetos e com a realidade Esses esforços são portanto de fundamental importância na adaptação da criança à realidade e no desen volvimento de seu ego O superego e o objeto da criancinha não são idênticos mas ela se empenha continuamente no sentido detornálos intercam biáveis em parte com a finalidade de diminuir seu medo ao superego e em parte para estar melhor capacitada a se subme 11 lbid pág 113 Mas a criancinha só poderá convencerse de expenencas reconfortantes desse tipo se suas primeiras situações de angústia não estiverem predominando e desde que na formação de seu superego suas relações com os objetos reais tenham tido uma participação suficiente Tenho observado muitas e muitas vezes que também nas crianças maiores a ausência da mãe reativa as primeiras situações de angústia sob cuja pressão haviam quando pequeninas sentido a ausência temporária como permanente EJP meu artigo Personification in the Play of Children 1929 relatei o caso de um menino de seis anos que me fez representar o papel de mãe fada que devia protegêlo de seus maus pais combinados e matá los Além do mais tocavame sempre transfor marme de mãe fada em mãe má e isso repentinamente Como mãe fada eu devia curar os ferimentos fatais que uma enorme fera selvagem a imagem combinada de seus maus pais lhe havia infligido mas no momento seguinte queria que eu fosse embora e voltasse sob a forma da mãe má para atacálo Ele dizia Quando a mãe fada sai da sala a gente nunca sabe se ela não vai voltar de repente como mãe má Este menino que tinha uma fixação excepcionalmente forte à mãe desde os seus primeiros anos vivia com a idéia perpétua de que algum mal havia acometido seus pais seus irmãos e irmãs Mesmo que ele tivesse acabado de ver a mãe um minuto aJ1tes não tinha cer teza de que ela não havia morrido nesse Ínterim Psicaruílise da Criança 245 Ao brincarem os meninos fazem continuamente e com todos os tipos de variações cenas de copulação com a mãe e de lutas com o pai no interior da genitora A audácia a perícia e a astúcia com que se defendem dos inimigos em seus jogos guer reiros asseguralhes a vitória sobre o pai castrador e isso di minui o medo que este lhes inspira Através desses meios e demonstrando sua bravura nas repetidas encenações de cópula com a mãe que o menino representa das mais diversas maneiras ele procura provar a sf mesmo que possui um pênis e potência viril duas coisas cuja perda ele temia levado por suas mais profundas situações de angústia E posto que a par com suas tendências agressivas também suas tendências restauradoras surgiram nesses brinquedos ele se persuade de que seu pênis não é destrutivo aliviando destarte seu sentimento de culpa13 O intenso prazer que as crianças não inibidas encontram em seus jogos procede não somente da gratificação de seus impul sos de realização de desejos mas também porque o brinquedo concorre grandemente para o domínio de sua angústia Toda via não se trata simplesmente de duas funções separadas e independentes o ego emprega cada um dos mecanismos de realização de desejos também com o propósito de dominar a angústia Assim graças a um processo complicado que mobiliza todas as forças do ego os jogos infantis transformam a angústia em prazer Veremos mais adiante como esse processo funda mental influi sobre a economia da vida psíquica e sobre a evo lução do ego no adulto Não obstante quando se trata de crianças pequenas o ego nãq consegue senão parcialmente triunfar sobre a angústia por me10 do brinquedo Este não as ajuda a superarem completa mente o medo aos perigos internos Enquanto está latente a angústia que nelas está sempre operante fazse sentir como impulsão contínua para brincàr mas assim que se torna ma nifesta interrompe o jogo Ao ingressar no período de latência a criança passa a do minar melhor sua angústia mostrandose ao mesmo tempo mais apta a corresponder às exigências da realidade Por outro lado os jogos perdem seu conteúdo imaginativo sendo gra dualmente substituídos pelo trabalho escolar A preocupação da criança com as letras do alfabeto números aritméticos e 13 Esse assunto será aprofundado no capítulo 12 272 Melanie Klein Pelo que me é dado julgar esse sentimento de onipotência das funções urinária e intestinal exerce uma influência mais pronunciada e mais durável sobre o desenvolvimento da vida sexual e da formação do ego da menina do que sobre o meni no Os ataques que as crianças de ambos os sexos efetuam com seus excrementos são asestados contra a mãe primeiramente contra o seu seio e dePoisçqntraQinteriQr de seu corpo Como õSimpulsos destrutivos da menina contra o corpo materno são mais poderosos e duradouros que os do menino ela elaborará métodos secretos e ardilosos de ataque baseados na magia de seus excrementos e em outros produtos de seu corpo assim co mo na onipotência de seus pensamentos em conformidade com a natureza oculta e secreta do mundo que ela e sua mãe encer ram dentrode seu corpo23 Já o menino concentrará seus sen timentos de ódio não somente no pênis do pai que ele imagina encontrarse no interior da mãe mas no seu pênis real destar te estarão sendo dirigidos em escala muito maior para o mun do exterior e para o que é tangível e visível Graças ao uso da onipotência sádica de seu pênis ele dispõe de outros meios para dominar sua angústia ao passo que o modo da mulher domi nar a angústia permanece submisso às suas relações com o mun e insidiosa tendo que desdobrar simultaneamente uma extrema vigilância e acui dade mental a fir de resguardarse dos contraataques de natureza correspondente seu sentimento original de onipotência assume uma importância fundamental para o desenvolvimento de seu ego No artigo acima referido Abraham adota o ponto de vista de que a onipotência das funções da bexiga e dos intestinos é um precursor da onipotência dos pensamentos e em seu artigo The Madonnas Con ception through the Ear 1923 Ernest Jones demnnstrou que os pensamentos são equacionados com flatos Também eu acredito que a criança equacione suas fezes e mais especialmente seus gases invisíveis com aquela outra substâlcia 5ecretl e invisível seus pensamentos e além do mais que elo imagina que em seus ataques dissimuluclos ao corpo da mãe os flatos tenham sido insetidos dentro desta última por meios mágicos vide o capítulo 8 deste livro 28 O fato de a mulher ligar seu narcisismo à totalidade de seu corpo pode ser devido em parte à conexão que ela faz de seu sentimento de onipotência com as diversas funções corporais e processos excretórios elo o distribui assim em escala maior pela totalidade de seu corpo ao passo que o homem focaliza seu narcisismo mais especialmente ell seus órgãos genitais Em última análise é através de seu corpo que ela captura e controla seus objetos reais por meios mágicos 24 Neste e no pr6ximo capítulo examirt1Íremos como as diferçnças anatômicas entre os sexos contribuem para separar as vias ao longo das quais o sentimento de onipotência e conseqüentemente as fonnas de dominar a angústia se desen volvem em cada sexo 274 M elanie Klein o caminho para os sentimentos despertados por sua irustra ção posterior com relação ao pênis A inveja e o ódio que ela sente da genitora colorem e intensificam suas fantasias sádicas contra o pênis ademais toda a sua atitude subseqüente para coin os homens será afetada pelo papel desempenhado por suas relações com o seio materno Assim que ela começa a recear o mau pênis introjetado começa a regressar para a mãe de quem como pessoa real e como figura introjetada ela espera receber socorro Se sua atitude primária para com a mãe foi governada pela posição oral de sucção de forma a conter fortes correntes de sentimentos positivos e otimistas ela será capaz em certa medida de escudarse por trás da boa imago materna contra a má imago materna e contra o mau pênis se não seu medo à mãe introjetada incrementará seu medo ao pênis inter nalizado e aos terríficos pais unidos em coito A importância para a menina da imago materna como figu ra protetora e a intensidade de seu apegamento à genitora são muito grandes uma vez que em sua imaginação a mãe é a possuidora do seio nutritício do pênis do pai e dos bebês e tem por conseguinte o poder de gratificar todas as suas neces sidades Quando surgem as primeiras situações de angústia da pequerrucha seu ego utiliza sua necessidade de nutrição no mais amplo sentido da palavra para ajudála a superar a an gústia Quanto mais ela recear que seu corpo esteja envene nado e exposto ao ataque tanto mais ansiará pelo bom leite o bom pênis e os bebês28 sobre os quais ela julga que a mãe tenha autoridade ilimitada Ela necessita dessas coisas boas para que a protejam das más e para estabelecer um certo equilíbrio interno Por conseguinte o corpo da mãe é uma es pécie de armazém que contém a gratificação de todos os seus desejos e o apaziguamento de todos os seus temores Essas fan tasias que a fazem retornar ao seio materno como fonte pri meira de gratificàção e como a mais prenhe de conseqüências são as responsáveis por seu intensíssimo apegamento à mãe E a frustração que sofre com a genitora levaa a sentir sob a Nutrir tem também o sentido de manter no íntimo agasalhar proteger acariciar N da T 28 Mais adiante examinaremos detalhadamente o profundo significado asso ciado à posse de filhos Bastanos aqui salientar que o bebê imaginário no in terior do corpo representa um objeto benéfico 276 M elanie Klein tém e o pênis do pai ou então o pai os irmãos e as irmãs em pessoa Enquanto estão empenhadas nessas atividades ou depois de as haverem concluído as crianças freqüentemente darão mos tras de raiva depressão ou desapontamento ou terão até mes mo reações destrutivas Esta angústia que é um obstáculo sub jacente a todas as tendências construtivas tem múltiplas ori gens81 A menina em sua imaginação apossouse do pênis do pai das fezes e dos bebês mas o medo que devido às suas fan tasias sádicas lhe inspiram esses objetos roubados impedea de acreditar na boa qualidade dos mesmos As questões que agora a preocupam são da seguinte ordem serão boas as coi sas que está devolvendo à sua mãe poderá fazer uma devolu ção adequada no tocante à qualidade e quantidade e mesmo no tocante à ordem com que devem estar dispostas internamente pois essa também é uma parte necessária ao ato de restitui ção Se por outro lado ela acredita ter devolvido bem e devidamente à mãe o bom conteúdo de seu corpo fica com receio de haver posto sua própria pessoa em perigo com esse ato De mais a mais essas fontes de angústia suscitam na menina uma atitude especial de desconfiança para com a mãe Ao en trarem em minha sala muitas de minhas pequenas pacientes dirigem um olhar suspeitoso para os lápis e papéis na gaveta que lhes está reservada para verificar se não houve alguma troca ou se o número e o tamanho dos mesmos não diminuiu desde o dia anterior ou então querem se certificar de que o conteúdo da gaveta não foi desarrumado de que tudo está em ordem de que não falta nada e que nenhuma peça foi trocada por outra32 De tempos em tempos embrulharão seus desenhos ou moldes de papel ou o que quer que na ocasião esteja simbolizando o pênis ou os bebês amarrandoos e depositandoos cuidadosa mente na gaveta de brinquedos e demonstrando profunda des 81 Se a angústia é tão forte que não pode ser tolhida pelos mecanismos obses sivos entrarão em ação os mecanismos violentos pertencentes aos estádiQs ini ciais conjurtamente com os mecanismos de defesa mais primitivos empregádos pelo ego 32 Devo mencionar que cada criança tem uma gaveta partiiular onde são guardados os brinquedos papéis lápis etc juntamente com as roisns que ela traz de casa O conteúdo dessa gaveta que eu renovo de tempos em tempos é entregue à criança no começo de cada hora analítica 306 Melanie Klein ta como já vimos o poder da aterradora imagÓ materna produto de seus próprios ataques sádicos imaginários contra a mãe que faz perigar o interior de seu corpo chamandQa à prestação de contas por haver privado a genitora dos bebês das fezes e do pênis do pai e por possuir excrementos maus e perigosos Os métodos de ataque que a menina emprega contra a mãe baseados na onipotência de seus excrementos e pensamentos influenciam o desenvolvimento de seu ego não só direta ao que parece mas também indiretamente Suas formações reati vas contra a própria onipotência sádica e a transformação desta última em onipotência construtiva habilitamna a desenvolver sublimações e qualidades do espírito que são exatamente o oposto dos traços que acabamos de descrever e que se aclam ligados à onipotência primária de seus excrementos Elas a inclinam a ser verídica e confiante a esquecerse de si mesma zelosa no cumprimento de seus deveres e a arrostar sacrifícios por causa deles e por causa de outras pessoas Essas formações reativas e sublimaçjes tendem a fazer de seu sentimento de oni potência baseado nos bons objetos internalizados e de sua atitude de submissão ao superego paternal as forças dominan tes de sua atitude feminina8t Uma parte essencial do desenvolvimento de seu ego é desempe nhada pelo anseio de empregar a boa urina e as boas fezes para retificar os efeitos dos excrementos maus e nocivos e de distribuir coisas boas e bonitas Esse anseio se torna de uma importância esmagadora nos atos de dar à luz um filho e ama mentálo porquanto a criancinha bonita e o bom leite que ela produz representam sublimações de suas fezes nocivas e de sua urina perigosa Ademais ele forma uma base frutífera e criativa para todas as sublimações que têm sua origem nos re ptesentantes psicológicos do parto e da amamentação Uma das características do desenvolvimento do ego feminino é a magnificação do superego que é elevado a grandes alturas 81 Como já vimos os diferentes tipos de magia agem conjuntamente e são intercambiáveis O ego os incita igualmente um contra o outro O medo da me nina de ter maus nenês fezes dentro de si em resultado do poder mágico de seus excrementos age como incentivo para que ela superenfatize sua crença no bom pênis Sua equação do bom pênis com um nenê possibilitálhe alimentar esperanças de ter incorporado bons nenês e estes servem de contrapeso para os nenês que dentro de si elo equipara a mós fezes 308 Melanie Klein mo defesa contra o superego a quem procuram debilitar Ade mais em meninas desse tipo o ego assume muito maJor pre ponderância e seus empreendimentos e atividades são acima de tudo uma expressão de potência masculina No que concerne à evolução sexual da menina já vimos a importância que tem a existência de uma boa imago materna sobre a formação de uma boa imago paterna Se a menina es tiver em posição de se confiar à direção interna de um supe rego paternal em quem acredita e a quem admira isso sempre significa que ela tem igualmente boas imagos maternas so mente quando ela tiver suficiente confiança numa boa mãe internalizada é que estará capacitada a entregarse completa mente ao superego paternal Mas a fim de poder submeterse a ele é preciso que ela acredite suficientemente na posse de boas coisas no interior de seu corpo ou seja objetos internalizados amigáveis Só se o bebê que ela em imaginação teve ou espera ter de seu pai for um nenê bom e bonito e se o interior de seu corpo representar um lugar onde reinam a harmonia e a beleza82 poderá ela entregarse sem reservas tanto sexual quan to mentalmente ao superego paternal e a seus representantes do mundo exterior O atingir esse estado de harmonia alicerça se na existência de boas relações entre o ego e suas identifi cações entre essas mesmas identificações e particularmente entre suas imagos paternal e maternal As fantasias em que a menina visa destruir seu pai e sua mãe por ódio e inveja constituem a fonte principal de seu mais pro fundo sentimento de culpa e de suas mais oprimentes situações de perigo Elas dão origem ao medo de abrigar dentro de si objetos hostis empenhados em um combate mortal isto é em copulação destrutiva ou que por terem descoberto a culpa dela tenham se aliado em inimizade contra o seu ego A imensa gratificação que ela obtém quando seu pai e sua mãe têm uma vida conjugal feliz devese em grande parte ao alívio que as boas relações entre os pais proporcionam ao seu sentimento de culpa decorrente de suas fantasias sádicas No inconsciente da menina o bom entendimento entre os pais constitui uma con firmação pela realidade de sua capacidade de fazer reparações de todas ás formas possíveis Se os mecanismos restitutivos ti verem sido estabelecidos com êxito ela não só estará em bar 82 Esta fantasia também se acha presente no menino vide capüulo 12 Psicanálise da Criança 311 vida assim seu apegamento ao pai é fundamentalmente afe tado por seu apegamento à mãe Freud devo acrescentar tam bém assinala que um é edificado sobre o outro e que muitas mulheres repetem sua relação com a mãe em sua relação com os homens Psicanálise da Criança 345 presentavam seus excrementos e seus objetos internàlizados que o estariam perseguindo internarpente Em virtude do des locamento de seus temores aos perigos internos para o mundo exterior seus inimigos dentro dele haviam sido transformados em inimigos externos Passemos agora a considerar a estrutura do caso O paCiente fora nutrido a mamadeira Como os componentes libidinais não haviam sido gratificados pela mãe sua fixação oral de sue ção ao seio ficara impedida Essa frustração havia inclusive incrementado seus impulsos destrutivos contra o seio ao qual ele transformara em sua imaginação ém monstros e bestas perigosas Em seu inconsciente ele equiparava os seios fe mininos a harpias Esse processo fora favorecido por sua equa ção do seio com o pênis paterno que ele imaginava houvesse sido inserido no corpo materno para agolta reemergir Muito cedo ademais começara a assemelhar o bico da mamadeira com um pênis e em conseqüência da frustração sofrida com o seip voltarase para este último com particular avidez como objeto de seus desejos orais de sucção Muito precocemente por volta de seu segundo ano de vida fora seduzido pelo ir mão que era dois anos mais velho e esse fato conconera gran demente para que ele adotasse uma atitude homossexual O ato de fellatio gratificando seus desejos orais de sucção até então insatisfeitos fez com que ele se fixasse exageradamente ao pênis Outro fator foi que seu pai homem até então muito pouco efusivo tornouse mais afetuoso sob a influência do filho caçula O garotinho determinarase a conquistar o amor de seu pai e o conseguira A análise demonstrou que ele en carava essa vitória como prova de sua capacidade de transfor mar o mau pênis paterno em um bom pênis E seus esfor ços para efetuar uma transformação desse genero e destarte dissipar um grande número de temores constitt1íramse ulte riormente num dos motivos de suas aventuras homossexuais B tinha dois irmãos Por Leslie que o seduzira e que era dois anos mais velho do que ele nutrira desde pequenino grande admiração e amor e o transformara no representante do bom pênis em parte sem dúvida devido à gratificação precoce que o ato sexual com o irmão proporcionara aos seus anseios orais Sua maior ambição fora a de tornarse digno da amizade de Leslie e de seguir assiduamente seus passos e de fato escolheu a mesma profissão Sua atitude para Psicanálise da Criança 347 mento heterossexual Se B tivesse crescido ao lado de uma irmã seu medo ao misterioso interior do corpo feminino te ria sido atenuado pois ele teiia nesse caso podido satisfazer muito mais cedo sua curiosidade sexual concernertte aos ór gãos genitais das mulheres Com efeito foi somente aos vinte anos ao observar o quadro de uma mulher nua que ele to mou consciência pela primeira vez das diferenças anatômi cas entre masculino e feminino Evidenciouse no curso da análise que as saias amplas e volumosas que as mulheres usa vam naquele tempo incrementavam desmesuraâamente a idéia que ele fazia do interior enorme desconhecido e perigoso de seus corpos Sua ignorância a respeito dessas questões igno rância que promanava de sua angústia mas que havia sido esti mulada pelos fatores externos acima descritos havia pro piciado sua rejeição da mulher como objeto sexual Em minha descrição do desenvolvimento do menino mos trei que a centralização da onipotência sádica no pênis cons titui um passo importante para o estabelecimento de uma po sição heterossexual e que a fim de que tal passo possa ser dado é preciso que o ego tenha adquirido capacidade suficien te de tolerar o sadismo e a angústia nos estádios evolutivos anteriores Em B essa capacidade era muito limitada Sua crença ria onipotência de seus excrementos era mais vigorosa do que usualmente o é nos meninos69 Por outra parte seus impulsós genitais e seus sentimentos de culpa haviam se afir ma do mui precocemente trazendo consigo um bom relaéiona mento objetai e uma adaptação satisfatória à realidade Seu ego prematuramente fortalecido empreendeu em conseqüên cia uma repressão violenta de seus impulsos sádicos parti cularmente dos que eram dirigidos contra a mãe de sorte que estes não puderam entrar em contato suficiente com os objetos reais e permaneceram em sua maior parte sobretudo no que concernia à mãe aderidos às suas imagos fantásticas60 Em óD Pela mesma razão ele tinha características femininas fortemente acentua das e suas sublimações eram de tipo predominantemente feminino Este ponto será retomado mais adiante oo A fracassada formação do superego de B isto é a ação exagerada de suas formações de angústia iniciais não só produzira graves perturbações em sua saúde mental prejudicando seu desenvolvimento sexual e inibindo sua ca phcidade de trabalho mas era a razão pela qual suas relações objetais se bem que boas em si mesmas fossem às vezes sujeitas a graves perturbações 364 Melanie Klein colapsos nervosos seriam salvos desta sina e poderiam levar uma vida normal Se a análise infantil puder realizar uma tarefa desta natureza e há muitos indícios de que o possa ela será um meio não só de ajudar ao indivíduo mas de pres tar um serviço incalculável à sociedade 374 Sr A Sr B 315 Homosscxunlirlad mnnifcstn pcr turhariics dn potllncin sexual neurose ohsrssivn grnvc com elementos pnrnnóiros c hipo condriaros 35 Homossexualidade profunda ini birão no trabalho depressão mnnin dr rlúvicln idéias pam nóides e hipocondríacas Melanie Klein 335341 311357 394 Melanie Klein APIJNDICE Alcances c Limites da Análise Infantil Bibliografia Lista dos Pacientes lndice de Autores lndice Annlftico 359 365 373 37 3i7 1
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PSICANÁLISE DA CRIANÇA MELANIE KLEIN CIP Brasil CatalogaçãonaFonte Câmara Brasileira do Livro SP Klein Mellanie 18821960 K72p Psicanálise da criança I Melanie Klein tradução Pola Ci 3 ed velli 3 ed São Paulo Mestre f ou 1981 Bibliografia I Psicanálise in f anti I Título CDD618928917 811438 NLMWS 350 índices para catálogo sistemáüco I Crianças Psicanálise Medicina 618928917 2 Psicanálise in f anti Medicina 618928917 PSICANÁLISE DA CRIANÇA MELANIE KLEIN PSICAN ALISE DA CRIANÇA Tradução POLA CIVELLI EDITORA MESTRE JOU SÃo PAULO Tíbhoteta jf reullíana Tfrceira edção em português 1981 Título original Díe Psychoanalyse des Kíndes The Psychoanalysís of Chíldren Capa Wílson Tadeí The Hogarth Press Ltd Londres Direitos reservados para os países de língua portuguesa pela EDTTORA MESTRE JOU São Paulo SP A MEMÓRIA DE KARL ABRAHAM COM GRATIDÃO E ADMIRAÇÃO Sentimonos às vezes desalantados face ao vulto de fenômenos com que nos defrontamos no vasto campo do psiquismo humano desde os folguedos infantis e outros produtos típicos das primeiras atividades ou fantasias através do desenvolvimento inicial dos interesses e aptidões da criança até às mais altas realizações dos seres humanos maduros e que se manifestam com as mais extremas diferenciações individuais Devemos porém lembrarnos que Freud nos deu na prática e teoria da psicanálise um instrumento com o qual investigar este amplo tema desbravando o caminho da sexualidade infantil essa inexaurível fonte de vida ABRAHAM Selected Papers pág 406 PREFÁCIO Pedeme a Editora Mestre Jou que prefacie a tradução brasileira do livro de Melanie Klein Imagino que apresentar a Autora ao público brasileiro é tarefa absolutamente desnecessária Figura realmente ímpar no movimento psicanalítico dos nossos dias reformuladora de conceitos e criadora de novas linhas de pesquisa Melanie Klein não precisa ser apresentada a um público já maduro de certa forma para as novas aquisições da psiquiatria infantil atual Aprendi com Pedro de Alcântara que o leitor me perdoe a irreverência não se apresenta uma figura sobejamente conhecida Seria o caso de apresentar o leitor à Autora O livro de Melanie Klein que a Editora Mestre Jou vem de traduzir e publicar é um livro clássico da psicoterapia infantil É mais uma contribuição da Editora ao público brasileiro já habituado a ler Klein em todas as línguas e agora traduzido ao vernáculo o que certamente virá facilitar o manejo de problemas clínicos expostos no texto e dificilmente internalisáveis em língua estrangeira por mais próxima que seja É um livro para ser lido estudado e meditado Atravessamos no Brasil uma fase caótica da psicoterapia infantil Velhos padrões vêm sendo substituídos em uma verdadeira crise de adolescência na qual cada um se julga capaz de fazer análise e orientar os filhos dos outros muitas vezes sem saber para onde se encaminha a nossa sociedade e como se estruturam nossos padrões de vida emocional e comunitária É natural que assim seja em um País que vai cobrindo distâncias sem a estruturação e a sedimentação necessárias e imprescindíveis para um trabalho de profundidade Vale o nosso entusiasmo e a nossa capacidade criadora PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ESTE LIVRO baseiase em observações feitas por mim no curso de meu trabalho psicanalítico com crianças Pretendia originalmente dedicar a primeira parte à descrição da técnica que elaborei e a segunda à exposição das conclusões teóricas a que meu trabalho prático gradualmente me levou e que hoje se revelam de grande utilidade na aplicação da técnica que emprego Mas à medida que ia escrevendo o livro tarefa que me levou diversos anos a segunda parte prolongouse para além do que fora previsto Em adição às minhas experiências com análise infantil as observações que fiz analisando adultos induziramme a aplicar meus pontos de vista concernentes aos estádios iniciais de desenvolvimento da criança também à psicologia dos adultos Certas conclusões a que cheguei serão expostas nestas páginas como contribuição à teoria geral psicanalítica dos primeiros estádios evolutivos do indivíduo Essa contribuição baseiase no acervo de conhecimentos que Freud nos transmitiu Foi aplicando suas descobertas que pude ter acesso à mente de crianças muito pequenas e foi assim que pude analisálas e curálas Isso ademais me deu a oportunidade de observar diretamente os primitivos processos de desenvolvimento que me levaram às atuais conclusões teóricas Essas conclusões confirmam plenamente o conhecimento que Freud adquiriu analisando adultos e constituem uma tentativa para estender esse conhecimento em uma ou duas direções Se este intento for de alguma forma bem sucedido e se este livro realmente acrescentar algumas pedras ao crescente edifício do conhecimento psicanalítico meus maiores agradeci O livro de Melanie Klein embora de certa forma maduro é extremamente atual nesta fase do nosso desenvolvimento Vale por uma experiência pessoal com a seriedade da Autora vale como uma advertência para os perigos das aventuras psicoterapêuticas A psicoterapia infantil é algo muito sério que somente pode ser realizada seriamente Para isso este livro é indispensável Quase se poderia dizer que constitui uma das cartilhas obrigatórias Quem o desconhecer não tem condições de prosseguir Daí o mérito da Editora em oferecer ao leitor brasileiro esta tradução Os muitos anos de psicoterapia da infância permitemme prevenir o leitor para uma leitura aparentemente fácil porém profundamente meditativa e difícil Melanie Klein foi e fica difícil esta colocação no passado de uma figura que tanta coisa ainda poderia fazer pela especialidade uma criatura privilegiada que descortinou novos horizontes e criou porque não dizer tantas controvérsias O movimento prossegue A sedimentação à procura da verdade pertencem ao futuro Aqui estão para os que quiserem ler experiências e vivências pessoais para serem analisadas e aceitas reformuladas se necessário O que não podemos negar de forma alguma é que a contribuição de Melanie Klein a coloca em um plano invulgar na pesquisa na análise e na procura de uma melhor compreensão da criatura humana Dizia Vitor Fontes que o grande problema da Psiquiatria Infantil era visualizar a criança em devir aquilo que ela iria ser no futuro e como iria por isso mesmo contribuir para o estabelecimento dos futuros padrões sociais Vale ainda a verdade socrática do conhecerse melhor a si mesmo para que a humanidade em devir seja um pouco melhor Transfiro um pouco desta responsabilidade ao leitor É um livro extremamente sério merecedor de uma leitura atenta e de uma meditação profunda Nem todos como eu mesmo estarão de acordo com tudo Mas é inegável sua contribuição para o aprimoramento dos ideais da humanidade Fazer com que os homens se conheçam melhor e por isso se entendam mais Ao entregar ao público brasileiro esta tradução enalteço o esforço da Editora em prol da cultura especializada de nosso País e agradeço a honra que me permitiram dupla de apresentar Melanie Klein ao leitor brasileiro e de apresentar o leitor brasileiro sedento de conhecimentos e de cultura a uma das personalidades mais interessantes dentro de um campo de pesquisa dos mais importantes em um mundo de investimentos no qual felizmente o maior investimento começa a ser a Criatura humana São Paulo fevereiro de 1969 Stanislau Krynski ExPresidente da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Infantil mentos serão devidos antes de mais nada ao próprio Freud Ele não apenas erigiu o edifício sobre bases que permitiram sua elaboração posterior como sempre dirigiu nossa atenção para os pontos em que novas alas poderiam ser acrescentadas Cabeme aqui mencionar a participação que tiveram meus dois mestres dr Sándor Ferenczi e dr Karl Abraham em meu trabalho psicanalítico Foi Ferenczi quem me introduziu na psicanálise Foi ele quem me fez compreender sua verdadeira essência e significado Sua extraordinária sensibilidade para o inconsciente e o simbolismo e sua notável intuição no que se refere à mente infantil influenciaram profundamente minha compreensão da psicologia da criança pequena Foi ele também o primeiro a notar minha aptidão para a análise infantil por cujo progresso tomou um interesse pessoal encorajandome a me dedicar a esse campo da terapia analítica ainda muito pouco explorado até então Fez tudo o que pôde para ajudarme a trilhar esse caminho dandome grande apoio em meus primeiros passos É a ele que devo meus trabalhos iniciais como analista Na pessoa do dr Karl Abraham tive a sorte de encontrar um segundo mestre com a faculdade de despertar em seus alunos o desejo de aplicarem o melhor de suas energias a serviço da psicanálise Na opinião de Abraham o progresso da psicanálise dependia de cada analista em particular do valor de seu trabalho da qualidade de seu caráter e do nível de suas conquistas científicas Esses elevados ideais apresentaramse ao meu espírito quando neste livro de psicanálise procurei resgatar em parte a grande dívida que tenho para com essa ciência Abraham anteviu claramente as grandes possibilidades práticas e teóricas da análise infantil No Primeiro Congresso de Psicanalistas Alemães em Würzburg em 1924 ao comentar uma comunicação minha sobre a neurose obsessiva de uma criança1 ele declarou em palavras que jamais esquecerei O futuro da psicanálise está na análise lúdica Meus estudos sobre o psiquismo da criança pequena evidenciaramme certos fatos que me pareceram estranhos à primeira vista Mas a confiança que Abraham depositou em meu trabalho estimuloume a prosseguir Minhas conclusões 1 Esse trabalho constitui a base do capítulo 3 deste livro teóricas são um desenvolvimento natural de suas próprias descobertas como espero demonstrar neste livro Nos últimos anos meu trabalho recebeu o mais caloroso apoio por parte do dr Ernest Jones Numa época em que a análise infantil ainda se encontrava em seus primórdios ele previu o papel que desempenharia no futuro Foi a convite dele que dei minha primeira série de conferências em Londres em 1925 perante a Sociedade Britânica de Psicanálise e essas conferências deram origem à primeira parte do presente livro Um segundo curso intitulado A psicologia dos adultos encarada à luz da análise infantil ministrado em Londres em 1927 forma a base da segunda parte A profunda convicção com que o dr Jones advogou a análise infantil abriu as portas para esse campo de trabalho na Inglaterra Ele próprio fez importantes contribuições ao problema das primitivas situações de ansiedade ao significado das tendências agressivas nos sentimentos de culpa e aos estádios iniciais do desenvolvimento sexual da mulher Os resultados de seus estudos coincidem com os meus em todos os pontos fundamentais Gostaria também de agradecer a outros colegas ingleses pela simpatia compreensão e apoio que dispensaram à minha obra Minha amiga srta M N Searl cujos pontos de vista coincidem com os meus e que trabalha na mesma linha que eu contribuiu grandemente para a propulsão da análise infantil na Inglaterra tanto do ponto de vista prático como teórico e para a formação de analistas infantis Estendo meus agradecimentos também à sra James Strachey pela hábil tradução do livro para o inglês e tanto a ela quanto ao sr Strachey pela grande assistência que me prestaram com seu estímulo e valiosas sugestões para a composição do mesmo Agradeço também ao dr Edward Glover pelo ardoroso e incessante interesse demonstrado por meu trabalho e pela maneira com que me auxiliou com suas simpáticas críticas Foi ele quem chamou minha atenção para os pontos em que minhas conclusões concordam com as teorias já existentes e aceitas da psicanálise Tenho ademais uma profunda dívida de gratidão para com minha amiga sra Joan Riviere que tanto me apoiou em meu trabalho mostrandose sempre pronta a auxiliarme em todos os sentidos E last but not least quero agradecer de coração à minha filha dra Melitta Schmideberg pela dedicação e colaboração inestimáveis na preparação deste livro MELANIE KLEIN LONDRES julho de 1932 PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO INGLESA Nos anos decorridos após a publicação deste livro cheguei a novas conclusões principalmente no que se refere ao primeiro ano de vida e estas me levaram a elaborar algumas das hipóteses fundamentais aqui apresentadas O propósito deste prefácio é dar uma idéia da natureza das modificações dessas hipóteses e que são em resumo as seguintes nos primeiros meses de vida as crianças passam por estados de angústia persecutória ligados à fase de exacerbação do sadismo o bebê também experimenta sentimentos de culpa por seus impulsos destrutivos e fantasias que são dirigidos contra seu primeiro objeto sua mãe e em primeiro lugar o seio de sua mãe Desses sentimentos de culpa surge a tendência a fazer reparações ao objeto injuriado Ao tentar completar com maiores detalhes o quadro deste período verifiquei que certas mudanças de ênfase e de relações cronológicas eram inevitáveis Assim cheguei a diferenciar duas fases principais nos primeiros seis a oito meses de vida e descrevias como a posição paranoide e a posição depressiva O termo posição foi escolhido porque muito embora os fenômenos implicados ocorram em primeiro lugar durante os primitivos estádios evolutivos não estão confinados a esses estádios mas representam agrupamentos específicos de angústias e defesas que aparecem e reaparecem durante os primeiros anos da infância A posição paranoide é o estádio em que predominam os impulsos destrutivos e as angústias persecutórias e ele se estende desde o nascimento até os três quatro e até cinco meses de idade Isto torna necessário alterar as datas atribuídas à fase de exacerbação do sadismo mas não implica numa mudança de ponto de vista no que se refere à estreita interação entre o sadismo e a angústia persecutória em seu ponto culminante A posição depressiva que se segue a esse estádio e está ligada a passos importantes no desenvolvimento do ego estabelecese por volta da metade do primeiro ano de vida Nesta etapa as fantasias e impulsos sádicos assim como a angústia persecutória diminuem de intensidade A criancinha introjeta o objeto total e se torna simultaneamente capaz até certo ponto de sintetizar os vários aspectos do objeto e suas emoções com relação ao mesmo O amor e o ódio unemse em sua mente e isso produz angústia por temor de que o objeto tanto interno quanto externo seja danificado ou destruído Os sentimentos depressivos e de culpabilidade suscitam o anseio de preservar ou ressuscitar o objeto amado e destarte a fazer reparações pelas fantasias e impulsos destrutivos O conceito da posição depressiva não só nos obriga a retificar a cronologia das primeiras fases evolutivas como aumenta o nosso conhecimento da vida emocional dos bebês influenciando vitalmente nossa compreensão de todo o desenvolvimento da criança Esse conceito também faz jorrar nova luz sobre os estádios primitivos do complexo de Édipo Continuo mantendo que estes principiam por volta da metade do primeiro ano Mas como atualmente não mais situo neste período a fase de exacerbação do sadismo encaro diferentemente o começo das relações emocionais e sexuais com ambos os pais Conseqüentemente ao passo que em algumas passagens vide capítulo 8 sugeri que o complexo de Édipo se inicia sob o domínio do sadismo e do ódio eu diria agora que a criancinha se volta para o segundo objeto o pai com sentimentos tanto de amor como de ódio Nos capítulos 9 10 e 12 porém esses pontos foram considerados por outro ângulo e lá aproximome de meu ponto de vista atual Vejo nos sentimentos depressivos derivados do medo de perder a mãe amada como objeto externo e interno um impulso importante para os primeiros desejos edípicos Isto significa que atualmente relaciono os estádios primitivos do complexo de Édipo com a posição depressiva Há também neste livro várias afirmações que eu hoje passados dezesseis anos gostaria de reformular Tal reformulação todavia não implica em nenhuma alteração essencial das conclusões aqui apresentadas pois este livro assim como está Psicanálise da Criança 15 representa fundamentálmente minha opinião atual Além disso as mais recentes evoluções de meq trabalho derivam organi camente das hipóteses aqui apresentadas processos de intro jeção e projeção operando desde o começo da vida objetos internalizados constituindo o ponto de partida da evoluço do superego em todos os seus aspectos a relação com objetos in ternos e externos interagindo desde a primeiríssima infância e influenciando vitalmente tanto o desenvolvimento do su perego como as relações objetais o despontar precoce do com plexo de Édipo angústias infantis de natureza psicótica for necendo pontos de fixação para as psicoses E ademais a técnica lúdica que comecei a desenvolver em 1922 e 1923 e que é apresentada neste livro continua essencialmente válida ela foi elaborada mas não alterada pelo desenvolvi mento subseqüente de meu trabalho M K LONDRES maio de 1948 NOTA DA TRADUTORA INGLESA Este livro com o título Die Psychoanalyse des Kindes1 foi publicado em Viena em 1932 pelo Internationale1 Psychoana lytischer Verlag Na tradução de certos capítulos estou em dí vida com a srta I Grant Duff com o sr Adrian Stephen e com meu marido pelo uso do manuscrito de suas traduções da pri mein1 versão do original O índice analítico baseiase no pla nejado pela dra Melitta Schmideberg para a edição alemã Detalhes sobre todas as obras mencionadas nas notas ao pé de página serão encontrados sob o nome de seus autores na bibliografia constante do final do volume ALIX STRACHEY adotados no caso de adultos ainda tenham de ser assentados e provados no que se refere à criança Foi somente nos últimos doze ou treze anos que se efetuou um trabalho mais considerável no campo da análise infantil Esta seguiu duas linhas principais de desenvolvimento uma representada por Anna Freud e a outra por mim Anna Freud foi levada por suas descobertas no que se refere ao ego da criança a modificar a técnica clássica e elaborou seu método de analisar crianças no período de latência independentemente de meu processo Suas conclusões teóricas diferem das minhas em vários pontos fundamentais Em sua opinião as crianças não desenvolvem uma neurose transferencial3 de forma que não existe a condição fundamental para o tratamento analítico Além do mais ela acha que não se deve aplicar às crianças um método análogo ao empregado para adultos pois o ideal do ego infantil ainda é muito débil4 Essa opinião difere da minha A experiência ensinoume que as crianças podem perfeitamente produzir uma neurose de transferência e que exatamente como no caso dos adultos surgirá uma situação transferencial desde que empreguemos um método equivalente à análise de adultos i e que evitemos qualquer medida pedagógica e que analisemos a fundo os impulsos negativos dirigidos contra o analista Constatei também que com crianças de todas as idades é muito difícil mes 8 Diferentemente do adulto a criança não está preparada para produzir uma nova edição por assim dizer de suas relações amorosas porque continuando a metáfora a edição original ainda não foi esgotada Seus primeiros objetos os pais ainda são seus objetos de amor na vida real e não somente na imaginação como no caso dos neuróticos adultos E mais adiante A criança não tem necessidade de trocálo o analista por seus pais pois o analista não lhe oferece todas aquelas vantagens em comparação com seus objetos originais que o paciente adulto recebe ao trocar os objetos de sua fantasia por uma pessoa real Einführung in die Technik der Kinderanalyse 1927 págs 56 e 58 4 As razões que ela aduz são a debilidade do ideal do ego da criança a dependência para suas necessidades e portanto para sua neurose do mundo externo sua incapacidade de controlar os instintos que foram liberados dentro dela e em consequência a necessidade de que o analista a mantenha sob sua orientação educacional pág 82 E acrescenta Nas crianças as tendências negativas dirigidas contra o analista apesar de frequentemente reveladoras em muitos aspectos são essencialmente inconvenientes e devemos reduzilas e debilitálas o mais rapidamente possível É em sua relação positiva com o analista que se realizará sempre um trabalho realmente valioso pág 51 I N T R O D UÇÃO O INÍCIO DA análise infantil remonta a mais de duas décadas à época em que Fretid efetuou a análise do Pequeno Hans 1 Esta primeira análise de uma criança foi de grande importância teórica por dois motivos O êxito obtido no caso de uma criança de menos de cinco anos demonstrou que os métodos psicanalíticos podiam ser aplicados a crianças pequenas e o que é talvez ainda mais importante demonstrou amplamente através do contato direto com a criança a existên cia até então muito discutida das tendências infantis instintivas que Freud descobrira no adulto Além disso pelos resultados obtidos surgia a esperança de que a continuarse com a análise de crianças pequenas pudéssemos adqu4ir um conhecimento mais p1ofundo e mais preciso de sua psicologia do que fora possível através da análise de adultos e daí poderiam advir contribuições importantes e fundamentais à teoria qa psica nálise Mas durante muito tempo essa esperança não se rea lizou Por muitos anos a análise infantil continuou a ser uma região relativamente Ínexplorada no domínio da psicanálise como ciência e como terapêutica Embora diversos analistas principalmente a dra H HugHellmuth2 tenham desde então empreendido a análise de crianças não se elaborou nenhuma regra fixa quanto à sua técnica ou aplicação É a isso que se deve indubitavelmente o fato de não terem até agora sido geralmente reconhecidas as grandes possibilidade práticãs e teóricas da análise infantil e que aqueles princípios funda mentais e aspectos da psicanálise que foram de há muito 1 Analysis of a Phobia in a FiveYearOld Boy 1909 2 Zur Technik der Kinderanalyse 1921 mo com a análise em profundidade atenuar a severidade do superego Além do mais se for efetuada sem se recorrer a qualquer influência pedagógica a análise não somente não debilita o ego da criança como ainda o fortalece Seria sem dúvida uma tarefa interessante comparar detalhadamente essas duas linhas de procedimento e no que se refere aos dados experimentais computálas teoricamente Mas devo limitarme nestas páginas a expor minha técnica e as conclusões teóricas a que a mesma me levou Conhecese relativamente tão pouco hoje em dia sobre análise infantil que nossa primeira tarefa deve ser a de lançar luz sobre os problemas da análise infantil de todos os ângulos possíveis unificando os resultados até agora obtidos Melanie Klein PART E I A TÉCNICA DA ANÁLISE INFANTIL FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA ANALISE INFANTIL DAS DESCOBERTAS da psicanálise resultou a criação de uma nova Psicologia Infantil Por meio delas aprendemos que já nos primeiros anos de vida as crianças experimentam não apenas impulsos sexuais e angústia como também sofrem grandes desilusões Juntamente com o mito da assexualidade da criança sucumbiu o mito do paraíso da infância Essas conclusões à que chegamos através da análise dos adultos e da observação direta das crianças foram depois confirmadas e ampliadas pela análise de crianças de tenra idade Apoiados em exemplos vamos primeiramente formar um quadro da mente da criança de acordo com o que nos revela a análise Minha paciente Rita que ao principiar o tratamento contava dois anos e nove meses manifestou preferência pela mãe até o final de seu primeiro ano de vida Posteriormente passou a demonstrar acentuada predileção pelo pai e fortes ciúmes da mãe Aos quinze meses por exemplo manifestava freqüentemente o desejo de ser deixada a sós no quarto com Este capítulo é uma versão ampliada de meu trabalho The Psychological Principles of Infant Analysis 1926 o pai folheando livros em seu colo Aos dezoito meses sua atitude tornou a modificarse e a mãe voltou a ser a favorita Na mesma época começou a sofrer de pavor noturnos e a ter medo de animais Nos meses seguintes sua fixação à mãe foi se tornando cada vez maior e ela desenvolveu intensa aversão pelo pai Aos dois anos começou a tornarse cada vez mais ambivalente e difícil até que finalmente aos dois anos e nove meses trouxeramna a mim para que a analisasse Nessa ocasião apresentava acentuada neurose obsessiva Produzia cerimoniais obsessivos em que uma maldade incontrolável se alternava com uma bondade exagerada acompanhada de sentimentos de remorso Tinha crises de paratimia com todos os sinais de depressão melancólica Além disso era muito inibida ao brincar e sofria de grave angústia incapacidade total para tolerar frustrações e uma disposição de ânimo excessivamente lamuriosa Essas dificuldades tornavam quase impossível o ato de se lidar com a menina O caso de Rita demonstrava claramente que o pavor nocturnus que surgira aos dezoito meses de idade era uma elabora 2 Rita compartilhara do quarto dos pais até quase a idade de dois anos e em sua análise demonstrou as conseqüências de haver testemunhado a cena primária O nascimento de seu irmão quando tinha dois anos provocou o desencadeamento de sua neurose Após oitenta e três sessões seus pais mudaramse para o exterior e sua análise foi interrompida Mas em todos os pontos importantes resultou numa melhora considerável A angústia da menina diminuiu seus cerimoniais obsessivos desapareceram e seus sintomas depressivos juntamente com sua incapacidade de tolerar frustrações foram em grande parte moderados Ao mesmo tempo que a análise diminuía sua ambivalência em relação à mãe e melhorava suas relações com seu pai e seu irmão as dificuldades de sua educação foram reduzidas a um nível normal Tive ocasião de convencerme pessoalmente da natureza duradoura dos resultados de sua análise alguns anos mais tarde Pude então verificar que ela entrara no período de latência de maneira satisfatória e que seu desenvolvimento intelectual e caracterológico eram satisfatórios Não obstante quando tomei a vêla tive a impressão de que teria sido aconselhável haver prosseguido com sua análise por mais algum tempo Todo o seu caráter e natureza revelavam traços inequívocos de disposição obsessiva É de notarse porém que sua genitora sofria de grave neurose obsessiva e tivera uma relação ambivalente para com a menina desde o início Um dos resultados para melhor que a análise efetuou em Rita foi que a atitude de sua mãe para com ela também melhorou grandemente mas mesmo assim foi um grande empecilho para o desenvolvimento da menina Tenho certeza de que se a análise tivesse prosseguido até o final aliviando suas características obsessivas ela teria gozado de imunidade ainda maior ao ambiente neurótico e indutivo à neurose no qual vivia Sete anos após o fim de seu tratamento soube por sua mãe que ela estava se desenvolvendo satisfatoriamente 28 Melank Klei11 culpa que se manifestava entre outras coisas em seus pavores noturnos Vemos assim que as primeiras angústias e os sen timentos de éulpa da criança têm sua origem nos impulsos agressivos relacionados ao conflito edipico 6 Na época em que Trude se comportava da maneira acima descrita dava quase sempre um jeito de se machucar pouco antes de comparecer à sua hora de análise Evidenciouse que as coisas com as quais ela se feria uma mesa um armário uma lareíra etc significavam de acordo com processos primitivos e infantis de identificação sua mãe ou seu pai que 1a estavam punindo7 Os folguedos infantis nos permitem inferir claramente a ori gem desse sentimento de culpa em tenra idade Retornando ao nosso primeiro caso verificaremos que Rita em seu segundo ano de vida sentia remorsos por qualquer pequena travessura cometida e era hipersensível às reprimendas como uma vez em que irrompeu em lágrimas porque seu pai ameaçou brin cando um ursinho de seu livro de gravuras Seu medo ao des contentamento do pai foi suficiente para fazêla identificarse com o urso Sua inibição no jogo procedia igualmente de seu sentimeitO de culpa Quando aos dois anos e três meses ela brincava com sua boneca brinquedo que aliás lhe dava 6 No trabalho em que se Laseia este capítulo The Psychological Principies of Jnfant Analysis 1926 já havia eu manifestado o ponto de vista de que os impulsos de ódio e agressão constituem a causa mais profunçla e a base dos sentimentos de culpa desde então enho trazendo novas evidências em apoio dessa Ópinião em numerosos outros escritos Em meu trabalho The lrnportance of SymboiFormation in thc Development o f the Ego lido perante o Congresso de Oxford em 1929 tive opodunidade de fazer uma formulação mais extensa Eu disse É somente nos estádios posteriores do conflito edípico que surge a defesa contra os impulsos libidinais nos estádios primitivos é contra os impulsos destrutivos que os acompanham que a defesa é dirigida Esta afinnação concorda em alguns pontos creio cu com as conclusões a que Freud chegou em seu oporiuno livro CivilizatÍOIL and its Discontenls 1929 onde diz Portanto afinal de contas é apenas a agressão que se transfórma em culpa ao ser suprimida e transferida para o superego Estou convencido de que muitos processos permitirão explicações mais simples e mais claras se restrin gimios as descobertas da psicanálise no que se refere ao sentimento de culpa aos instintos agressivos pág 131 E mais adiante Estamos inclinados a sugerir o seguinte como possível formulação quando uma tendência instin tivli sofre repressão seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa 7 Uma disposiçãô um tanto lamuriosa e a tendência a cair ou ferirse coisas tão comuns principalmente em crianças pequenas são de acordo com minha experiência conseqüência do sentimento de culpa ção neurótica de seu conflito edípico Suas crises de cólera e de angústia que não passavam de uma repetição de seus terrores noturnos assim como suas outras dificuldades estavam intimamente relacionadas com fortes sentimentos de culpa resultantes desse conflito primitivo Consideraremos agora o conteúdo e as causas desses precoces sentimentos de culpa referindonos a um outro caso Trude de três anos e nove meses costumava amiúde fazer de conta em sua análise que era noite e que ambas estávamos dormindo Ela então vinha avançando para mim do canto oposto da sala onde se supunha estaria o seu quarto de dormir e ameaçavame de várias maneiras como por exemplo de que ia me apunhalar na garganta me atirar pela janela me queimar me levar à polícia etc Queria amarrar minhas mãos e meus pés ou então erguia a cobertura do divã e dizia que estava fazendo PoKakiKuki Isto conforme comprovei mais tarde significava que ela queria procurar Kakis fezes que para ela significavam crianças dentro do traseiro de sua mãe Em outra ocasião quis me agredir no estômago e declarou que estava tirando meus Aas fezes para me empobrecer Agarrava então as almofadas que muitas vezes para ela significavam crianças e agachandose com as mesmas por trás do divã manifestava todos os sintomas de medo cobrindose chupando os dedos e urinando Costumava repetir o processo inteiro todas as vezes que me atacava Isso correspondia em todos os detalhes à maneira como ela se comportara em seu leito quando com dois anos incompletos fora acometida de graves terrores noturnos Naquela época também corria muitas vezes à noite para o quarto dos pais sem conseguir explicar o que desejava A análise revelou que o ato de molharse e sujarse eram ataques contra os pais em cópula e assim os sintomas foram suprimidos Trude queria roubar os bebês do ventre de sua mãe grávida matála e substituíla no coito com seu pai Esses impulsos de ódio e agressão haviam produzido em seu segundo ano de vida forte fixação à mãe e um sentimento de 3 No capítulo 8 darei razões mais amplas para o fato de presumir que nessas emoções o conflito de Édipo ou os primitivos estádios do mesmo já estavam se manifestando 4 Aqui como em outras partes a idade mencionada referese à idade com a qual a criança iniciou a análise 5 Sua irmã nasceu quando tinha dois anos de idade muito pouco prazer sempre declarava não ser a mãe da boneca A análise revelou que ela não podia ser sua mãe porque a boneca entre outras coisas representava seu irmãozinho a quem ela quisera roubar da mãe Durante a gravidez da última A proibição todavia não procedia de sua genitora real mas de uma mãe introjetada que a ameaçava com muito mais rigor e crueldade do que a verdadeira o faria Outro sintoma que Rita começou a manifestar aos dois anos este de natureza obsessiva era um ritual na hora de deitar que ocupava um tempo considerável O ponto principal consistia em fazer com que a enrolassem apertadamente nos lençóis e nas cobertas porque senão um rato ou um Butzen entraria pela janela e arrancaria seu próprio Butzen a mordidas Sua boneca também deveria ficar firmemente enrolada e este ritual duplo foi se tornando cada vez mais elaborado e complicado e era efetuado com todos os sinais da atitude compulsiva de que seu psiquismo se achava impregnado Em certa ocasião durante uma sessão de análise ela colocou um elefantinho de brinquedo junto à cama da boneca para evitar que esta se levantasse e fosse ao quarto dos pais fazer alguma coisa a eles ou tirar alguma coisa deles O elefantinho estava assumindo o papel de seus pais internalizados cuja influência proibitiva passou a sentir desde que entre a idade de quinze meses e dois anos desejou substituir a mãe junto ao pai roubarlhe o bebê que estava dentro dela e prejudicar e castrar a ambos os genitores O significado do cerimonial tornouse então claro o fato de enrolarse nas cobertas impediaa de levantarse e descarregar seus desejos agressivos contra os genitores Como porém receava ser castigada por esses desejos mediante um ataque análogo de seus pais contra ela envolverse nas cobertas servia também como defesa contra esses ataques Estes seriam efetuados por exemplo pelo Butzen o pênis de seu pai que prejudicaria seus genitais e arrancaria seu próprio Butzen a mordidas como castigo por desejar castrar o pai Nesse brinquedo ela costumava castigar a boneca e depois entregarse a um acesso de fúria e de medo demonstrando assim estar re 8 O complexo de castração de Rita manifestavase em toda uma série de sintomas assim como em seu desenvolvimento caracterológico Sua maneira de brincar também demonstrava claramente a intensidade de sua identificação com o pai e seu temor resultante do complexo de castração de fracassar no papel masculino apresentando ambos os papéis o da autoridade que infligia o castigo e o da criança punida É evidente que essa angústia era causada não apenas pelos genitores reais da menina como também e principalmente pela imagem excessivamente severa de seus pais introjetados Encontramos aqui o correspondente ao que denominamos o superego nos adultos9 Os sinais típicos do complexo de Édipo que se tornam mais pronunciados quando este atinge a intensidade máxima que precede imediatamente o seu declínio constituem apenas o estádio final de um processo que durava há anos A análise das crianças pequenas revela que o conflito edípico se estabelece já na segunda metade do primeiro ano de vida e que a criança começa simultaneamente a modificálo e a edificar o seu superego O fato portanto de acharmos que até mesmo criancinhas muito pequenas sofrem o peso de sentimentos de culpa dános ao menos uma boa base para podermos abordar sua análise embora muitas das condições para o sucesso do tratamento parem estar ausentes A relação da criança com a realidade é fraca não existe aparentemente nenhum incentivo para que elas se submetam à provação de uma análise já que via de regra não se sentem doentes e o que é ainda mais importante ainda não são capazes de nos fornecer pelo menos não em grau suficiente aquelas associações verbais que constituem o principal instrumento para o tratamento analítico de adultos Examinemos primeiramente esta última objeção Foram justamente às muitas diferenças entre o psiquismo infantil e o do adulto que me indicaram desde o princípio a maneira de chegar às associações da criança e compreender seu inconsciente Essas características especiais da psicologia infantil forneceramme as bases da técnica lúdica que elaborei A criança expressa suas fantasias desejos e experiências de uma forma simbólica através de jogos e brinquedos Ao fazêlo utiliza os mesmos modos arcaicos e filogenéticos de expressão a mesma linguagem com que já nos familiarizamos nos sonhos a plena compreensão dessa linguagem só será obtida se dela nos acercarmos da maneira que Freud nos ensinou a nos acercarmos dos sonhos O simbolismo constitui apenas uma parte dessa 9 Na opinião da autora as primeiras identificações da criança já deveriam ser chamadas de superego As razões para esse ponto de vista são expostas no capítulo 8 linguagem Se quisermos compreender corretamente o brinquedo da criança em relação a todo o seu comportamento durante a hora de análise não devemos contentarnos em desvendar o significado de símbolos isolados por mais reveladores que sejam é preciso levar em consideração todos os mecanismos e métodos de representação empregados no trabalho onírico jamais perdendo de vista a relação de cada fator isolado com a situação global A análise infantil temnos demonstrado repetidas vezes quantos significados diferentes um simples brinquedo ou a simples peça de um jogo podem ter Só chegaremos a compreender plenamente o seu significado quando conhecermos suas conexões ulteriores e a situação analítica geral dentro da qual se situam A boneca de Rita por exemplo às vezes representava um pênis outras vezes um bebê que ela roubara de sua mãe e ainda outras vezes a ela mesma Somente poderemos obter resultados analíticos completos quando colocarmos esses elementos lúdicos em sua verdadeira relação com o sentimento de culpa da criança interpretandoos em seus mínimos detalhes O quadro caleidoscópico global amiúde sem significado aparente que as crianças nos apresentam numa única hora de análise o conteúdo de seus jogos a maneira como brincam os meios de que se utilizam pois às vezes atribuirão papéis diferentes a seus brinquedos ou a elas mesmas e os motivos que se ocultam por trás de uma mudança de jogo por que por exemplo param de brincar com água e começam a recortar papel ou a desenhar todas essas coisas seguem um método cujo significado poderemos captar se as interpretarmos como interpretamos os sonhos As crianças freqüentemente expressam em seus brinquedos a mesma coisa que acabaram de nos contar em um sonho ou fazem associações a um sonho no brinquedo que se lhe segue pois brincar é o meio de expressão mais importante da criança Ao utilizarmos essa técnica lúdica logo descobrimos que a criança faz tantas associações aos elementos isolados de seu brinquedo quanto o adulto aos elementos isolados de seus sonhos Cada um desses elementos lúdicos é uma indicação para o observador experimentado já que enquanto brinca a criança também fala e diz toda sorte de coisas que têm o valor de associações genuínas É surpreendente a facilidade com que as crianças aceitam a interpretação que lhes damos por vezes até mesmo com acen tuado prazer Isto se deve indubitavelmente ao fato de em certos estratos de seu psiquismo a comunicação entre consciente e inconsciente ser ainda comparativamente fácil de sorte que a via de retorno para o inconsciente é muito mais simples de encontrar A interpretação tem quase sempre efeitos rápidos mesmo quando parece não ter sido assimilada conscientemente Tais efeitos evidenciamse na maneira como a criança retoma um jogo que interrompera em consequência de uma inibição e começa a modificálo e ampliálo nele deixando transparecer as camadas mais profundas de seu psiquismo Solucionada assim a angústia e restaurado o prazer de brincar também o contato analítico torna a se estabelecer firmemente A interpretação aumenta o prazer da criança no brinquedo tornando desnecessário o dispêndio de energia até aqui empregado para manter o recalcamento Por outro lado às vezes encontramos resistências muito difíceis de vencer Isso geralmente significa que esbarramos num sentimento de culpa e angústia da criança pertinente a camadas mais profundas As formas de representação arcaicosimbólicas que a criança emprega estão associadas a outro mecanismo primitivo Ao brincar ela age ao invés de falar A ação mais primitiva que o pensamento ou as palavras constitui a parte principal de sua conduta Em sua History of an Infantile Neurosis diz Freud A análise que se efetua na criança neurótica desde logo parecerá mais digna de confiança mas não pode ser muito rica em conteúdo Temos de emprestar à criança demasiados pensamentos e palavras e ainda assim as camadas mais profundas podem se revelar impenetráveis à consciência pág 475 Se abordarmos o paciente infantil com a técnica da análise para adultos certamente não conseguiremos penetrar nesses níveis mais profundos e não obstante é disso que depende o sucesso e o valor da análise tanto para a criança quanto para o adulto Mas se tomarmos em consideração as diferenças existentes entre a psicologia da criança e a do adulto o fato de que seu inconsciente ainda se acha em estreito contato com seu consciente e que os seus impulsos mais primitivos atuam paralelamente a processos mentais altamente complicados e se conseguirmos captar corretamente o modo de pensar e de se expressar da criança todos esses inconvenientes e desvantagens desaparecerão e poderemos esperar fazer uma análise da criança tão ampla e profunda quanto a do adulto E ainda com a vantagem de que a criança pode recuperar e apresentarnos de maneira direta certas experiências e fixações que o adulto só pode produzir como reconstruções Num trabalho lido perante o Congresso de Salzburgo em 1924 expus a tese de que por trás de qualquer forma de atividade lúdica existe um processo de descarga de fantasias masturbatórias operando em forma de um impulso contínuo para brincar que este processo agindo como uma compulsão à repetição constitui o mecanismo fundamental dos folguedos infantis e de todas as suas sublimações subsequentes e que as inibições no brinquedo e nos estudos surgem de uma repressão indevidamente vigorosa dessas fantasias e de toda a vida imaginativa da criança Suas experiências sexuais estão relacionadas com suas fantasias de masturbação e o jogo oferece tanto a umas como às outras um meio de expressão e de abreação Nessas experiências repetidas a cena primária tem um papel muito importante e geralmente ocupa o primeiro plano do quadro na análise da criança pequena Via de regra somente após um bom número de sessões analíticas e depois que tanto a cena primária como as inclinações genitais da criança tiverem sido até certo ponto postas a descoberto é que chegaremos às representações de suas fantasias e experiências prégenitais Ruth por exemplo de quatro anos e três meses fora insuficientemente alimentada quando lactante pois sua mãe não dispunha de leite suficiente Ao brincar comigo sempre chamava a torneira de água de torneira de leite Quando a água escorria para o ralo de escoamento ela dizia que o leite estava entrando nas bocas mas em quantidade muito pequena Demonstrava seus desejos orais insatisfeitos em numerosos jogos e brinquedos e em toda sua atitude mental Dizia por exemplo que era pobre que só possuía um casaco que não lhe davam bastante alimento o que absolutamente não correspondia à verdade 10 Na opinião da autora a análise da criança pequena oferece um dos campos mais frutíferos para a terapia psicanalítica E isso precisamente porque a criança tem a capacidade de representar seu inconsciente de uma maneira direta e de experimentar assim não somente uma abreação emocional mais total como a possibilidade de viver realmente a situação original em sua análise de sorte que com o auxílio da interpretação suas fixações podem ser consideravelmente dissipadas 11 Trabalho não publicado No caso de Erna paciente obsessiva de seis anos as impressões recebidas durante seu aprendizado de limpeza desempenharam importante papel em sua neurose e surgiram à tona com todos os detalhes durante a análise Ela por exemplo sentou uma bonequinha num tijolo e a fez defecar perante uma fila de outras bonecas que a olhavam com admiração Depois repetiu o mesmo tema mas desta vez éramos nós a representar os papéis Eu era o bebê que se sujava e ela era a mãe Erna admirava e mimava o bebê pelo que fizera Depois ficou zangada e repentinamente passou a fazer o papel de governanta severa a ralhar com a criança Nesta cena ela estava representando para mim o que sentira em sua primeira infância quando começaram a lhe impor disciplina e ela acreditou estar perdendo o excessivo amor de que gozara como bebê Na análise infantil jamais atribuiremos demasiada importância às ações e fantasias da criança como produtos da compulsão à repetição A criança pequena naturalmente emprega a ação mais do que qualquer outra coisa mas mesmo crianças maiorzinhas recorrem constantemente a esse mecanismo primitivo O prazer que sentem com isso lhes dá o estímulo necessário para prosseguirem com a análise Mas esse prazer nunca deve ser mais do que um meio para se chegar a um fim Depois de iniciada a análise e resolvida boa parte da angústia do pequeno paciente através da interpretação a sensação de alívio que ele experimenta em consequência geralmente logo após as primeiras sessões ajudáloá a prosseguir com o trabalho pois se até então ele não tinha incentivo para ser analisado agora começa a ter um insight da utilidade e do valor do procedimento E esse insight lhe será um motivo quase tão eficiente para se submeter à análise quanto o insight que o adulto tem de sua enfermidade Sua capacidade de compreender a situação é uma prova do surpreendente grau de contato que a criança tem com a realidade Eis um ponto que merece ser mais aprofundado A medida que o trabalho analítico prossegue descobrimos que a relação da criança com a realidade a princípio tão tênue vai ganhando em força e plenitude O pequeno paciente começará por exemplo a distinguir entre sua pretensa mãe e a verdadeira ou entre seu irmão real e o brinquedo que o repre 12 No capítulo 3 fazemos um relato mais detalhado do caso de Erna senta Ele insistirá em que apenas quis fazer isto ou aquilo ao seu irmão de brinquedo mas que gosta muito de seu irmão real Somente depois que as resistências mais fortes e obstinadas tiverem sido vencidas é que ele estará em condições de reconhecer que seus atos agressivos eram dirigidos contra o objeto humano e real Mas por menor que seja a criança quando ela tiver chegado a compreender este ponto terá feito um progresso muito importante em sua adaptação à realidade No que concerne às relações da criança pequena com a realidade quero referirme uma vez mais a Trude minha paciente de três anos e nove meses Após uma única sessão ela fez uma viagem de seis meses para o exterior com sua mãe finda a qual reencetei a análise A única ocasião em que ela fez um comentário sobre o que viu e fez durante a viagem foi algum tempo depois quando me contou o seguinte sonho Ela e sua mãe encontravamse na Itália em certo restaurante que conhecia muito bem e a garçonete não lhe servia xarope de framboesa porque não havia mais A interpretação deste sonho demonstrou que entre outras coisas ela não superara a inveja que sentia de sua irmã menor e tampouco o desgosto sofrido com o desmame Embora se referisse a inúmeros fatos aparentemente sem importância de sua vida cotidiana e muitas vezes relembrasse pequenos detalhes de sua sessão de seis meses atrás o único interesse que demonstrou por sua viagem foi nesta alusão surgida da situação analítica à frustração que sofrera na infância Crianças neuróticas não toleram bem a realidade porque não podem tolerar frustrações Procuram protegerse da realidade negandoa Mas o que é mais importante e decisivo para sua futura adaptação à realidade é a maior ou menor facilidade com que toleram as frustrações provenientes da situação edípica Mesmo em crianças muito pequenas portanto uma rejeição muito enfática da realidade normalmente disfarçada sob aparente docilidade e adaptabilidade é indicativa de neu 13 Era um sonho punitivo Constatei que se baseava em desejos de morte derivados de sua frustração oral e de sua situação edípica e dirigidos contra sua irmã e sua mãe acompanhados do sentimento de culpa resultante desses desejos Analisando sonhos de crianças muito pequenas constatei que neles em grau não menor do que nos folguedos estão sempre presentes desejos e tendências contrárias provenientes do superego e que mesmo no mais simples sonho de desejo o sentimento de culpa se acha latente rose e difere da fuga neurótica do adulto à realidade apenas em sua forma de expressão Esta a razão porque um dos resultados da análise da criança pequena deveria ser o de capacitála a adaptarse à realidade Se isto for conseguido diminuirão suas dificuldades educacionais pois ela se tornará capaz de tolerar as frustrações impostas pela realidade Já vimos que na análise infantil o ângulo de abordagem deve ser diferente do empregado na análise de adultos Tomandose o atalho mais curto possível através do ego dirigimonos em primeiro lugar ao inconsciente da criança para de lá irmo entrando gradualmente em contato também com o ego A análise contribui em muito para fortalecer o ego ainda frágil da criança e o ajuda a desenvolverse aliviando o peso excessivo do superego que o pressiona muito mais severamente do que ao ego dos adultos14 Já citei o rápido efeito que a interpretação tem sobre as crianças e de como podemos observálo de diversas maneiras através da expansão de seus folguedos da intensificação de sua transferência da diminuição de sua angústia etc Não obstante durante algum tempo a criança parece não assimilar essas interpretações conscientemente Essa tarefa conforme tenho constatado é realizada mais tarde e está em conexão com o desenvolvimento de seu ego e com o aumento de sua adaptação à realidade O processo de esclarecimento sexual segue o mesmo curso Durante muito tempo a análise se limita a fazer ressaltar material relacionado com teorias sexuais e fantasias de nascimento Só gradualmente é que ela vai trazendo conhecimento ao ir removendo as resistências inconscientes Portanto uma das consequências de uma análise completa é o total esclarecimento sexual assim como a plena adaptação à realidade Sem isso não se pode dizer que a análise tenha sido concluída com êxito Assim como os meios de expressão da criança são diferentes também o é toda a situação analítica embora tanto na criança 14 Diferentemente do paciente adulto a criança não pode após sua recuperação alterar as circunstâncias de sua vida Mas a análise lhe terá prestado um grande auxílio se a tiver capacitado a se adaptar e a sentir mais alegria no ambiente em que vive Além do mais o próprio desaparecimento de sua neurôse costuma ter o efeito de melhorar o comportamento das pessoas que a cercam Tenho notado que as mães reagem de maneira muito menos neurótica depois que a análise começa a efetuar mudanças favoráveis na criança como no adulto os princípios fundamentais da análise sejam os mesmos A interpretação sistemática a análise contínua das resistências o paralelo constante entre a transferência quer positiva quer negativa e as situações anteriores tais são os meios de estabelecer e manter uma situação analítica correta tanto para a criança como para o adulto A condição essencial para se conseguir isso é que o analista se abstenha como o faz com os pacientes adultos de exercer qualquer tipo de influência pedagógica e não analítica sobre a criança Ele deve lidar com a transferência exatamente como o faz no caso de adultos Verá então que os sintomas e dificuldades da criança são trazidos para a situação analítica exatamente da mesma maneira Os sintomas anteriores da criança ou as dificuldades e malvadezas que lhes correspondem tornarão a surgir Ela por exemplo recomeçará a molhar a cama ou em certas situações que repetem uma situação anterior mesmo que tenha três ou quatro anos de idade recomeçará a falar como uma criancinha de um ano ou dois Visto que a maior parte das crianças assimila os novos conhecimentos de forma inconsciente não se pode exigir delas que modifiquem imediatamente sua atitude com relação aos pais Essa modificação consistirá inicialmente numa mudança de sentimentos Por experiência própria posso afiançar que o conhecimento ministrado dessa forma gradual sempre constitui um grande alívio para a criança melhorando em muito suas relações com os pais e tornandoa socialmente mais adaptável e mais fácil de educar Tendo as exigências de seu superego sido moderadas pela análise seu ego agora menos oprimido e consequentemente mais forte tem mais facilidade para satisfazêlas À medida que a análise vai prosseguindo as crianças vão se tornando cada vez mais capazes de até certo ponto substituírem o processo de repressão pelo de rejeição crítica Isso pode ser verificado especialmente quando numa etapa posterior de sua análise elas se afastaram tanto dos impulsos sádicos que as dominavam e a cuja interpretação impunham as mais fortes resistências que às vezes chegam a achar graça delas Já vi crianças muito pequenas riremse da idéia de uma vez terem querido engolir a mamãe ou picála em pedacinhos15 A diminuição do sentimento de culpa que acompanha essas mudanças também permite a sublimação dos desejos sádicos que até agora estavam totalmente recalcados Isto se verifica na remoção das inibições tanto no brinquedo como nos estudos e no surgimento de numerosas atividades e interesses novos Neste capítulo tomei como ponto de partida minha técnica da análise da criança pequena porque nela se apóiam os métodos analíticos que adotei com crianças de todas as idades Já que as características mentais da criancinha quase sempre continuam persistindo fortemente nas crianças maiores julguei necessário empregar a mesma técnica também para as últimas Por outro lado estando o ego da criança maior mais desenvolvido é óbvio que a técnica deva sofrer algumas modificações quando aplicada a meninos e meninas no período de latência e na puberdade Como este assunto será aprofundado mais adiante não me deterei sobre ele aqui Dependendo da idade da criança e do caráter especial do caso esta técnica modificada se aproximará mais da análise da criança pequena ou da análise do adulto Na escolha do método analítico para todos os períodos da infância baseiome geralmente nas seguintes considerações Crianças e jovens sofrem de um grau de angústia mais agudo do que os adultos Por conseguinte devemos ter acesso à sua ansiedade e ao seu sentimento de culpa inconsciente e estabelecer a situação analítica o mais rapidamente possível Nas crianças pequenas essa ansiedade geralmente encontra uma via de escape nas crises de angústia No período de latência ela costuma assumir a forma de desconfiança e reserva Ao passo que a idade intensamente emotiva da puberdade conduz novamente a uma liberação aguda da angústia que agora entretanto em conformidade com o ego mais desenvolvido da criança normalmente se manifesta por resistências obstinadas e violentas que podem facilmente provocar a interrupção da aná 15 Esta observação de que quando o superego das crianças se torna menos severo elas desenvolvem o senso de humor está penso eu de pleno acordo com a teoria de Freud sobre a natureza do humor o qual segundo ele é consequência de um superego amável Concluindo seu ensaio sobre O Humor 1928 diz ele Finalmente se o superego tenta confortar o ego com o humor e protegêlo do sofrimento este não entrará em conflito com sua derivação da instituição parental lise Segundo minha experiencia a maneira de resolver rapidamente uma parte dessa angústia em crianças de todas as idades é tratar imediata e sistematicamente da transferência negativa A fim de obter o necessário acesso às fantasias e ao inconsciente da criança devemos voltar nossa atenção para os métodos de representação simbólica indireta que ela emprega em qualquer idade Uma vez que a imaginação da criança se tornou mais livre graças à diminuição da angústia não somente obtivemos acesso ao seu inconsciente como também pusemos em movimento os meios cada vez mais eficazes de que ela dispõe para representar suas fantasias E isso é válido mesmo nos casos em que temos de começar com um material aparentemente destituído de imaginação Concluindo gostaria de fazer um resumo do que foi dito neste capítulo O caráter primitivo do psiquismo infantil requer uma técnica analítica especialmente adaptada à criança e vamos encontrála na análise lúdica Por meio desse método obtemos acesso às fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança o que nos possibilita exercer uma influência radical em seu desenvolvimento A diferença porém entre os nossos métodos analíticos e a análise dos adultos é puramente de técnica e não de princípios A análise da situação transferencial e das resistências a remoção das amnésias infantis e dos efeitos da repressão assim como a revelação da cena primária fazem parte da análise lúdica Portanto ela não somente está em conformidade com as normas do método de psicanálise para adultos como também leva aos mesmos resultados A única diferença é que adaptamos o processo ao psiquismo da criança Assim fazendo conseguiremos converter a linguagem desde que a criança possua essa faculdade em instrumento de sua análise Mesmo com crianças muito pequenas a razão pela qual devemos trabalhar durante longos períodos sem associações verbais devese não somente ao fato de não poderem falar com desenvoltura mas porque a angústia aguda de que padecem não lhes permite empregar uma forma mais direta de representação Visto que o modo primário e arcaico de representação por meio de brinquedos e de ação é o modo fundamental de expressão da criança jamais poderemos empreender uma análise completa unicamente por meio da linguagem Não obstante creio que nenhuma análise infantil seja qual for a idade da criança pode ser dada por realmente concluída enquanto a criança não tiver empregado na análise toda a sua capacidade de falar pois a linguagem constitui um dos pontos de contato do indivíduo com o mundo externo 2 A TÉCNICA DA ANÁLISE INICIAL No primeiro capítulo deste livro procurei demonstrar que os mecanismos psicológicos especiais que encontramos operando na criança pequena são muito diferentes dos que encontramos na análise do adulto Por outro lado demonstrei também os paralelos existentes entre ambos e expliquei que foram essas diferenças e similitudes que necessitam de uma técnica especial o que me levou a desenvolver meu método de análise lúdica Sobre uma mesinha baixa em minha sala de análise há vários brinquedos de tipo primitivo pequenos homens e mulheres de madeira carroças carruagens automóveis trenzinhos animais cubos e casas além de papel tesouras e lápis Mesmo uma criança normalmente inibida no jogo lançará pelo menos um olhar aos brinquedos ou tocará neles permitindome um primeiro vislumbre de sua vida complexiva pela maneira como começa a brincar com eles ou os deixa de lado ou por sua atitude geral em relação aos mesmos A fim de termos uma idéia clara dos princípios da técnica lúdica vejamos um caso preciso Peter de três anos e nove meses era um garoto muito difícil Tinha forte fixação à mãe e era muito ambivalente Incapaz de tolerar frustrações era totalmente inibido no jogo e dava a impressão de ser um menino extremamente tímido choramingas e afeminado Seu comportamento era por vezes agressivo e prepotente e ele se dava mal com as outras crianças principalmente com seu irmão mais novo Sua análise fora recomendada principalmente como medida profilática uma vez que havia diversos casos de neurose grave na família Mas no decorrer da análise verifiquei que ele próprio sofria de uma neurose tão grave e de um grau de inibição tal que provavelmente teria sido incapaz de enfrentar os problemas da vida escolar e que mais cedo ou mais tarde cairia doente Logo no princípio de sua primeira sessão Peter pegou os veículos e os carrinhos de brinquedo colocandoos primeiramente um atrás do outro e depois lado a lado alternando a disposição várias vezes Pegou também uma carroça a cavalo e féla colidir com outra de modo que as patas dos cavalos se chocassem e disse Tenho um novo irmãozinho chamado Fritz Pergunteilhe o que estavam fazendo as carroças Ele respondeu Isso não fica bem e parou de embater uma na outra para recomeçar logo a seguir Depois fez dois cavalinhos colidirem da mesma maneira e eu disse Olhe aqui os cavalos são duas pessoas que estão se chocando uma com a outra No início ele retrucou que isso não ficava bem mas logo depois admitiu Sim são duas pessoas se chocando e acrescentou Os cavalos também se chocaram e agora vão dormir Após havêlos coberto com cubos concluiu Agora estão mortos eu os enterrei Na segunda sessão dispôs imediatamente os carros e carroças das duas maneiras que usara anteriormente 1 Devo acrescentar que ao término de sua análise que durou 278 sessões suas dificuldades desapareceram e houve grande mudança para melhor em todo o seu caráter e disposição Seus temores mórbidos e sua timidez geral desapareceram e ele se tornou um garoto feliz e vivaz Havia vencido sua inibição no jogo e começou a darse bem com outras crianças principalmente com seu irmão menor Seu desenvolvimento desde então foi excelente De acordo com as últimas notícias que tive a seu respeito seis meses após o término da análise ele estava indo bem na escola demonstrava muito interesse pelas coisas aprendia bem e brincava normalmente Era fácil de se lidar e estava apto a cumprir com todos os requisitos sociais de sua idade Ademais vale a pena ressaltar que tanto durante sua análise como nos anos subseqüentes ele foi submetido a tensões muito fortes devido a várias ocorrências graves em sua vida familiar isto é em fila indiana e um ao lado do outro Depois tornou a colidir duas carroças e a seguir duas locomotivas Colocou então dois balanços um ao lado do outro e apontando para os bancos internos pendentes e oscilantes disse Veja como balançam e se chocam Continuei interpretando e apontando para os balanços oscilantes para as locomotivas as carroças e os cavalos expliquei que em cada caso se tratava de duas pessoas seu papai e sua mamãe embatendo seus negocinhos nome que dava aos órgãos genitais2 Ele protestou dizendo Não isso não fica bem mas continuou a embater os carros e disse Foi assim que eles ficaram batendo os seus negocinhos um no outro Imediatamente após tomou a falar em seu irmãozinho Como vimos também em sua primeira sessão a colisão das carroças e dos cavalos fora seguida por sua observação de que tinha um novo irmãozinho Portanto prossegui com minha interpretação e disse Você pensa que o papai e a mamãe ficaram batendo os negocinhos um no outro e que isso fez nascer seu irmãozinho Fritz Ao que ele tomou mais um carrinho e fez os três colidirem Expliquei Este é o seu próprio negocinho Você também queria dar uma batida nos negocinhos do papai e da mamãe Ao que ele acrescentou um quarto carrinho e disse Este é Fritz A seguir pegou dois dos vagões menores e os enganchou a duas locomotivas Apontando para uma carroça atrelada a um cavalo disse Este é o papai e para uma outra Esta é a mamãe Tornou a apontar para a primeira carroça a cavalo e disse Sou eu e para a segunda dizendo Também sou eu ilustrando assim sua identificação com ambos os genitores em coito A seguir fez colidir repetidas vezes os dois vagõezinhos e me contou como ele e seu irmãozinho haviam levado duas galinhas para o quarto de dormir a fim de fazêlas ficar quietas mas que ambas haviam brigado batendo uma na outra e cuspindo Acrescentou que ele e Fritz não eram moleques de rua maleducados e não cuspiam Quando eu lhe disse que as galinhas eram os negocinhos dele e de Fritz chocandose e cuspindo isto é se masturbando ele concordou após uma pequena resistência 2 Sempre procuro saber com antecedência com a mãe da criança quais as palavras especiais que ela emprega para os órgãos genitais excrementos etc e as adoto ao falar com a criança Todavia para maior clareza não reproduzirei essas palavras especiais ao relatar os próximos casos Sólo posso referirme brevemente à maneira como as fantasias do menino à medida que iam sendo reproduzidas no jogo se tornavam cada vez mais livres sob a influência da interpretação contínua como o campo de seus folguedos gradualmente se ampliava é de como certos detalhes eram repetidos inúmeras vezes até serem esclarecidos pela interpretação dando lugar a novos detalhes Assim como as associações aos elementos do sonho levam à descoberta do conteúdo latente do mesmo também os elementos do jogo da criança que correspondem a essas associações permitem uma visão de seu significado latente E a análise lúdica assim como a análise de adultos ao tratar sistematicamente a situação presente como situação transferencial e ao estabelecer suas conexões com a situação originalmente experimentada ou imaginada dá à criança a possibilidade de liberar e elaborar a situação original na fantasia Assim ao pôr a descoberto as experiências infantis e as causas originais de seu desenvolvimento sexual a análise resolve fixações e corrige erros evolutivos que haviam perturbado toda a linha de crescimento da criança Um outro fragmento do caso de Peter mostrará que as interpretações feitas nas primeiras sessões foram confirmadas pela análise posterior Certo dia algumas semanas mais tarde quando um dos bonecos caiu por acaso Peter se pôs furioso Logo depois perguntoume como era feito um motor de brinquedo e o que é que o fazia parar A seguir mostroume um veadinho caído e disse que queria urinar No banheiro disse Estou fazendo pipi eu tenho um negocinho Ao voltar à sala pegou um boneco a quem chamou de rapaz que estava sentado numa casinha que ele chamou de banheiro e o colocoul de tal forma que um cachorro que postou a seu lado não pudesse vêlo nem mordêlo Mas colocou uma boneca de madeira num lugar de onde pudesse vêlo e disse Só seu papai não deve vêlo Tornavase assim evidente que ele identificava o cachorro normalmente um objeto de quem tinha muito medo com seu pai e o rapaz que defecava consigo mesmo3 3 No capítulo 1 expliquei os motivos que me levam a julgar que com crianças da mesma forma com adultos a situação analítica só pode ser estabelecida e assegurada quando se mantém uma atitude puramente analítica com o paciente Mas ao lidarmos com crianças certas modificações desse princípio se tornam necessárias sem porém nos afastarmos inteiramente de suas bases Por exemplo se um paciente muito pequeno quer ir ao banheiro Melanie Klein Só posso referirme brevemente à maneira como as fantasias do menino à medida que iam sendo reproduzidas no jogo se tornavam cada vez mais livres sob a influência da interpretação contínua como o campo de seus folguedos gradualmente se ampliava é de como certos detalhes eram repetidos inúmeras vezes até serem esclarecidos pela interpretação dando lugar a novos detalhes Assim como as associações aos elementos do sonho levam à descoberta do conteúdo latente do mesmo também os elementos do jogo da criança que correspondem a essas associações permitem uma visão de seu significado latente E a análise lúdica assim como a análise de adultos ao tratar sistematicamente a situação presente como situação transferencial e ao estabelecer suas conexões com a situação originalmente experimentada ou imaginada dá à criança a possibilidade de liberar e elaborar a situação original na fantasia Assim ao pôr a descoberto as experiências infantis e as causas originais de seu desenvolvimento sexual a análise resolve fixações e corrige erros evolutivos que haviam perturbado toda a linha de crescimento da criança Um outro fragmento do caso de Peter mostrará que as interpretações feitas nas primeiras sessões foram confirmadas pela análise posterior Certo dia algumas semanas mais tarde quando um dos bonecos caiu por acaso Peter se pôs furioso Logo depois perguntoume como era feito um motor de brinquedo e o que é que o fazia parar A seguir mostroume um veadinho caído e disse que queria urinar No banheiro disse Estou fazendo pipi eu tenho um negocinho Ao voltar à sala pegou um boneco a quem chamou de rapaz que estava sentado numa casinha que ele chamou de banheiro e o colocou de tal forma que um cachorro que postou a seu lado não pudesse vêlo nem mordêlo Mas colocou uma boneca de madeira num lugar de onde pudesse vêlo e disse Só seu papai não deve vêlo Tornavase assim evidente que ele identificava o cachorro normalmente um objeto de quem tinha muito medo com seu pai e o rapaz que defecava consigo mesmo 3 No capítulo 1 expliquei os motivos que me levam a julgar que com crianças da mesma forma com adultos a situação analítica só pode ser estabelecida e assegurada quando se mantém uma atitude puramente analítica com o paciente Mas ao lidarmos com crianças certas modificações desse princípio se tornam necessárias sem porém nos afastarmos inteiramente de suas bases Por exemplo se um paciente muito pequeno quer ir ao banheiro Depois disso continuou a brincar com o carrinho cuja construção já havia admirado e o fez movimentarse De repente perguntou zangado Quando é que ele vai parar A seguir disse que alguns dos bonecos que estivera usando não deviam viajar nele derrubouos e os colocou novamente sentados de costas para o carro após o que tornou a enfileirar os carros e carroças mas lado a lado desta vez Então subitamente manifestou vontade de defecar mas contentouse em perguntar ao boneco sentado o rapaz que defecava se já havia terminado Voltou novamente para o automóvel manifestando alternadamente admiração e raiva por seu movimento contínuo querendo defecar e perguntando ao rapaz se já havia terminado Na sessão acima descrita Peter havia simbolizado as seguintes coisas o boneco e o veadinho que tombavam continuamente representavam seu próprio pênis e sua inferioridade em comparação com o membro ereto de seu pai O ato de ir urinar imediatamente após foi para demonstrar o contrário a si mesmo e a mim O automóvel que não parava de se movimentar e que despertou tanto sua admiração quanto sua raiva era o pênis de seu pai executa do coitos intermináveis A admiração sucedeuse a raiva e a vontade de defecar Isto era uma repetição do que fizera ao assistir à cena primária Defecara para perturbar seus pais em cópula e em sua imaginação para prejudicálos com seus excrementos Ademais o bastão fecal significava para o menino um substituto de seu próprio pênis Tentaremos agora fazer uma idéia aproximada do significado geral das primeiras sessões de Peter à luz dessas últimas interpretações Ao dispor os carros em fila durante sua primeira sessão ele fazia alusão ao pênis poderoso de seu pai ao colocálos lado a lado simbolizava a freqüente repetição do coito isto é a potência de seu pai e tornou a fazêlo depois por meio do carro em movimento contínuo A raiva que sentira ao presenciar o coito dos pais já havia sido expressa em sua primeira sessão ao desejar que os dois cavalos que iam dormir estivessem mortos e enterrados assim como no afeto que acompanhou esse desejo Que esses quadros da ceria primária com que iniciou sua análise referiamse a experiências reais recalcadas na infância foi comprovado pelo que seus pais me contaram Segundo eles o garotinho compartilhará de seu quarto de dormir durante um único período aos dezoito meses quando seus pais se encontravam em férias Durante esse período ele se tornou extremamente difícil Dormia mal e recomeçou a sujarse coisa que deixara de fazer vários meses antes Parece que embora as grades de seu berço não o tenham impedido de observar a relação sexual dos pais dificultaram bastante e isso era simbolizado pelos bonecos que eram derrubados e colocados de costas para a fila de veículos A queda dos bonecos também representava seus próprios sentimentos de impotência Antes dessas férias ao que parece ele brincava excepcionalmente bem com os brinquedos mas depois disso só conseguia quebrálos Já em sua primeira sessão ele ilustrô a conexão entre a destruição dos brinquedos e sua observação do coito Certa feita ao colocar os carros motorizados que simbolizavam o pênis de seu pai em fila lado a lado fazendoos correr ficou irritado e atirouos ao chão dizendo Sempre quebramos logo os nossos presentes de Natal não os queremos Quebrar os brinquedos significava para o seu inconsciente destruir os genitais do pai O prazer de destruir e a inibição no jogo que se evidenciaram em sua análise foram pouco a pouco superados e desapareceram juntamente com suas outras dificuldades Ao reconstituir pouco a pouco a cena primária pude ter acesso à forte atitude homossexual passiva de Peter Após haver figurado o coito dos pais ele teve fantasias de coito entre três pessoas Estas originaram nele uma violenta angústia e foram seguidas por outras fantasias nas quais era sodomizado por seu pai Essas fantasias eram representadas num jogo em que o cachorro ou o carrinho motorizado ou a locomotiva todos simbolizando seu pai subiam sobre uma carroça ou um homem que era ele mesmo Nesse processo a carroça era danificada ou o homem era mutilado e Peter então manifestava muito medo ou grande agressividade contra o brinquedo que representava seu pai Passarei agora a discutir alguns dos aspectos mais importantes de minha técnica à luz dos fragmentos de análise acima descritos Assim que o pequeno paciente tiver me deixado entrever seus complexos quer através de seus jogos desenhos ou fantasias quer simplesmente por seu comportamento geral considero que a interpretação pode e deve ter início Isto não contradiz a regra aprovada de que o analista deve esperar que a transferência se efetue antes de começar a interpretar porque nas crianças a transferência se efetua imediatamente e o analista muitas vezes terá provas imediatas de sua natureza positiva Mas quando a criança manifesta timidez ansiedade ou mesmo apenas uma certa desconfiança sua conduta deve ser considerada como um sinal de transferência negativa E isso torna ainda mais imperioso que a interpretação se inicie o mais depressa possível pois a interpretação reduz a transferência negativa do paciente fazendo os afetos negativos retrocederem à situação e objetos originais Quando Rita por exemplo que era uma menina muito ambivalente sentia uma resistência queria abandonar a sala e eu tinha de fazer uma interpretação imediata a fim de solucionar essa resistência Assim que lhe explicava a causa de sua resistência relacionandoa sempre com a situação e o objeto originais esta era solucionada e a garotinha tornava a se mostrar confiante e amistosa comigo e continuava o jogo que havia interrompido 4 Vide capítulo 1 propiciandome através de vários detalhes do mesmo a confirmação da interpretação que eu acabara de fazer Em outra oportunidade pude constatar com impressionante clareza a necessidade da interpretação rápida Foi no caso de Trude que como o leitor recordará me foi trazida por uma única sessão quando contava três anos e três meses tendo depois de adiar o tratamento por circunstâncias externas Essa garotinha era muito neurótica e estava fortemente fixada à sua mãe Entrou em minha sala angustiada e mal disposta e vime obrigada a analisála em voz baixa e com a porta aberta Mas ela não tardou a me dar uma idéia da natureza de seus complexos Insistiu para que as flores de um vaso fossem retiradas arrancou um bonequinho de um carro onde o havia previamente colocado e maltratouo quis arrancar a figura de determinado homem de chapéu alto de um livro de gravuras que havia trazido consigo e disse que as almofadas da sala haviam sido desarrumadas por um cachorro Minha interpretação imediata dessas declarações no sentido de que desejava eliminar o pênis de seu pai porque estava causando estragos a sua mãe que era representada pelo vaso pelo carro pelo livro de gravuras e pelas almofadas diminuiu instantaneamente sua angústia Ao retirarse mostrouse muito mais amistosa comigo do que ao chegar e em sua casa comentou que gostaria de voltar a me visitar Quando seis meses mais tarde pude reencetar sua análise verifiquei que ela se recordava dos acontecimentos dessa única sessão e que minhas interpretações haviam provocado uma certa transferência positiva ou melhor diminuído sua transferência negativa Outro princípio fundamental da técnica lúdica é que a interpretação deve ser conduzida a uma profundidade suficiente para atingir a camada psíquica que está sendo ativada Para citarmos um exemplo Peter em sua segunda sessão após haver movimentado os carrinhos deitou um boneco sobre um banco a que chamou de cama e a seguir o derrubou ao chão dizendo que estava morto e liquidado Em seguida fez o mesmo com dois homenzinhos escolhendo para essa finalidade dois bonecos que já estavam danificados Em conformidade com o material em curso a interpretação que lhe dei foi a de que o primeiro boneco era seu pai a quem ele queria expulsar da cama de sua mãe e matar e que o segundo homem era o próprio Peter a quem seu pai faria o mesmo Posteriormente quando eu estava reconstituindo a cena primária nos seus menores detalhes Peter recorreu de várias formas ao tema dos dois homenzinhos quebrados só que agora evidenciavase que esse tema era determinado pela angústia que sentira em conexão com a cena primária com referência à mãe como castradora Na fantasia de Peter ela havia recebido o pênis de seu pai no interior de si mesma sem devolvêlo destarte transformarase em objeto de angústia pois na imaginação do menino ela agora trazia dentro de si o terrífico pênis de seu pai seu pai Eis um outro exemplo extraído do mesmo caso Na segunda sessão de Peter interpretei o material fornecido dizendo que ele e seu irmão se masturbavam mutuamente Sete meses mais tarde contando ele quatro anos e quatro meses relatoume um longo sonho rico em material associativo de onde extraí o seguinte trecho Havia dois porcos num chiqueiro e também em sua cama Comeram juntos no chiqueiro Havia também dois meninos em sua cama a bordo de um barco mas eram muito grandes como o tio G irmão adulto de sua mãe e E amiguinha mais velha a quem ele considerava quase adulta A maior parte das associações que obtive para esse sonho foram verbais Demonstraram que os porcos representavam a ele próprio e a seu irmão e que o ato de comer significava sua mútua fellatio Mas representavam também a seus pais copulando Deduzi que suas relações sexuais com o irmão se baseavam numa identificação com seu pai e sua mãe na qual Peter assumia o papel de cada um deles por turno Depois que interpretei esse material Peter iniciou a sessão seguinte brincando com a pia e as torneiras Enfiou dois lápis numa esponja e disse Este é o barco em que entrei com Fritz seu irmão menor A seguir assumiu uma voz profunda como sempre fazia quando seu superego entrava em ação e gritou para os dois lápis Vocês não devem ficar juntos o tempo todo fazendo coisas feias Esta repreensão por parte de seu superego a ele mesmo e a seu irmão era também dirigida a seus genitores representados pelo tio G e pela amiguinha mais velha E e libertou nele afetos semelhantes aos que sentira ao assistir à cena primária Ele já havia dado vazão a esses afetos em sua segunda sessão ao desejar que os cavalos que embatera estivessem mortos e enterrados E não obstante após sete meses a análise desse material continuava progredindo Claro está portanto que minhas primeiras interpretações em profundidade absolutamente não impediram a elucidação das conexões que ligavam essa experiência ao desenvolvimento sexual do menino particularmente no modo de determinar suas relações com o irmão e tampouco obstaram a elaboração desse material Apresentei os exemplos acima em apoio a meu ponto de vista baseado em observações empíricas de que o analista não deve temer fazer uma interpretação em profundidade mesmo no princípio da análise já que o material pertinente às camadas mais profundas do psiquismo tornará a aflorar para ser elaborado mais tarde Como já disse anteriormente a função da interpretação em profundidade é simplesmente a de abrir a porta do inconsciente e diminuir a angústia suscitada preparando assim o caminho para o trabalho analítico Nestas páginas acentuei repetidas vezes a capacidade da criança de fazer uma transferência espontânea Creio que isso se deva em parte ao fato de sua angústia ser muito mais aguda que a do adulto sendo conseqüentemente muito maior seu grau de apreensão Uma das maiores senão a maior meta psicológica que a criança deve alcançar e que lhe toma a maior parte de suas energias psíquicas é o domínio da angústia Seu inconsciente se interessa pelos objetos primariamente pela perspectiva do alívio ou da excitação que trao trazer à sua angústia e segundo o alívio ou a excitação pro duzidas sua transferência para esses objetos será positiva ou negativa Nas crianças pequenas que sofrem particularmente dessa apreensão a transferência negativa manifestase quase que imediatamente como medo indisfarçado ao passo que nas maiores especialmente nas que se acham no período de latência geralmente toma a forma de desconfiança reserva ou simplesmente de aversão Em sua luta contra o medo aos objetos que lhe estão mais próximos a criança tende a estender esse temor a objetos mais distantes já que o deslocamento é uma das maneiras de se lidar com a angústia e a ver neles uma personificação de seu pai mau ou de sua mãe má Esta a razão porque a criança realmente neurótica em quem predomina a sensação de estar sob a ameaça de perigo constante e que vive na espectativa de um pai ou mãe maus reagirá com angústia ante a presença de qualquer estranho Não devemos esquecernos jamais da presença dessa apreensão nas crianças pequenas e em certo grau também nas maiores Mesmo que comecem manifestando uma atitude positiva na análise devemos estar preparados para nos defrontarmos com uma transferência negativa assim que surja um material complexivo Tão logo o analista capte sinais dessa transferência negativa deve imediatamente assegurar o prosseguimento do trabalho de análise e estabelecer a situação analítica relacionandoa consigo mesmo simultaneamente por meio da interpretação fálaá retroceder aos objetos e situações originais solucionando assim parte da angústia A fim de ter acesso ao material inconsciente a interpretação deve intervir em algum ponto de urgência do material inconsciente O local onde se encontra esse ponto será indicado pela multiplicidade e pela repetição frequente geralmente em formas variadas das representações do mesmo pensamento lúdico no caso de Peter por exemplo tivemos em sua primeira sessão a disposição alternada dos veículos e a contínua colisão de cavalos carros e locomotivas e outrossim pela intensidade dos sentimentos ligados a essas representações pois ela nos dá a medida do afeto que se acha associado ao seu conteúdo Se o analista negligenciar um material de natureza tão urgente a criança usualmente interromperá o jogo manifestando grande resistência e até mesmo franca angústia e demonstrando não raro vontade de fugir Por conseguinte nos casos em que a análise começou com uma transferência positiva o analista pode pôr fim à angústia da criança ou ao menos atenuála se a interpretação for feita em tempo oportuno isto é assim que o material fornecido o permita Quando desde o início predomina uma transferência negativa ou quando as angústias e resistências surgem desde o princípio já vimos a absoluta necessidade de se interpretar o mais rapidamente possível Deduzse pelo que foi dito que a profundidade de uma interpretação é tão imprescindível quanto a sua oportunidade Se tomarmos em consideração a extrema premência do material apresentado seremos obrigados a nos aprofundarmos até à camada psíquica que está sendo ativada origem não somente do material representativo mas também da angústia e do sentimento de culpa que lhe está associado Mas se tomarmos como modelo os princípios que regem a análise de adultos e procurarmos em primeiro lugar entrar em contato com os estratos superficiais do psiquismo os que se acham mais próximos do ego e da realidade falharemos em nosso objetivo de estabelecer a situação analítica e de reduzir a angústia da criança Experiências repetidas convenceramme disso O mesmo se aplica à mera tradução dos símbolos ou a interpretações que tratam apenas da representação simbólica do material sem se preocupar com a angústia e a culpabilidade subjacentes Uma interpretação que não desce às profundidades que estão sendo ativadas pelo material e pela angústia concernentes que não ataca o local onde reside a mais forte resistência latente e que não se empenha antes de mais nada em reduzir a angústia no ponto onde é mais violenta e evidente uma tal interpretação não terá qualquer efeito sobre a criança Ou então servirá apenas para provocar resistências mais fortes sem ser capaz de solucionálas Mas como já tentei deixar claro nos fragmentos da análise de Peter não basta penetrarmos nesses estratos mais profundos para solucionar completamente a angústia lá contida isso tampouco nos dispensará de explorar os estratos superficiais do psiquismo onde o ego da criança e sua relação com a realidade ainda estão por ser analisados O estabelecimento da relação da criança com a realidade e o fortalecimento de seu ego só se verificam gradualmente e constituem o resultado não a condição prévia do trabalho analítico Até aqui procurei expor e ilustrar com exemplos a conduta de uma análise de crianças pequenas de tipo comum Considerarei agora algumas dificuldades menos usuais com que me tenho defrontado e que me obrigaram a adotar técnicas especiais Já vimos que com pacientes do tipo de Trude que se mostrou tão angustiada em sua primeira sessão a interpretação imediata foi o único meio de diminuir essa angústia e dar início à análise Ainda mais instrutivo pareceume o caso de Ruth de quatro anos e três meses era uma dessas crianças cuja ambivalência se evidenciava por um lado numa extremada fixação à mãe e a algumas outras mulheres e por outro numa antipatia violenta por outro grupo de mulheres geralmente estranhas Não conseguira habituarse quando ainda pequenina a uma nova babá e eralhe muito difícil fazer amizade com outras crianças Além de uma indiscutível ansiedade que freqüentemente eclodia em crises angustiosas e de vários outros sintomas neuróticos era muito tímida Em sua primeira sessão analítica recusouse terminantemente a ficar a sós comigo Resolvi então admitir a presença de sua irmã mais velha Eu tencionava obter uma transferência positiva na esperança de poder eventualmente trabalhar a sós com ela mas todas as minhas tentativas como brincar com ela encorajála a falar revelaramse vãs Ao lidar com seus brinquedos ela se dirigia principalmente à irmã embora esta última procurasse eclipsarse o mais possível ignorandome por completo A própria irmã chegou a dizerme que meus esforços eram baldados e que eu não tinha a menor possibilidade de conquistar a confiança da menina ainda que passasse com ela semanas inteiras ao invés de horas isoladas Vime portanto obrigada a tomar outras medidas que vieram uma vez mais comprovar a eficácia da interpretação para reduzir a angústia do paciente e sua transferência negativa Um dia em que Ruth estava como sempre empenhada em prestar atenção exclusivamente à irmã desenhou um copo de vidro co berto por uma espécie de tampa dentro do qual havia pequenas bolinhas Pergunteilhe para que servia a tampa mas ela não me respondeu Quando a irmã lhe repetiu a pergunta disse que era para evitar que as bolinhas rolassem para fora Ela antes disso remexera na bolsa da irmã e depois a fechara muito bem para que nada caísse fora Fizera o mesmo com a carteira dentro da bolsa a fim de manter as moedas seguramente fechadas Ademais o material que ela agora me fornecia já se tornara bastante claro nas horas precedentes12 Decidi arriscarme Disse a Ruth que as bolinhas do copo as moedas da carteira e o conteúdo da bolsa significavam bebês no interior de sua mamãe e que ela queria conservar tudo muito bem fechado a fim de não ter mais irmãos e irmãs O efeito de minha interpretação foi assombroso Pela primeira vez Ruth voltou sua atenção para mim e começou a brincar de uma maneira diferente e menos constrangida13 Não obstante ainda não foi possível fazêla permanecer a sós comigo visto reagir a essa situação com crises de angústia Como percebi que a análise estava diminuindo firmemente sua transferência negativa em favor de uma positiva decidi continuar admitindo a presença da irmã Três semanas depois esta última adoeceu repentinamente e vime ante a alternativa de interromper a análise ou arriscar uma crise de angústia Com o consentimento de seus pais optei pela segunda alternativa A pajem entregoume a garotinha na sala de espera e retirouse apesar de suas lágrimas e gritos Nessa situação extremamente penosa tentei novamente acalmar a menina de maneira nãoanalítica e maternal como qualquer pessoa o faria Procurei consolála alegrála e fazêla brincar comigo mas em vão A única coisa que consegui foi fazer com que me seguisse à sala de análise Mas ficou lívida e desatou a berrar presa de intensa crise de angústia Entremtes senteime à 12 Nesta análise o desejo da menina de roubar o corpo da mãe e os sentimentos conseqüentes de culpa e angústia dominaram o quadro desde o princípio A irrupção de sua neurose além do mais coincidira com a gravidez da mãe e com o nascimento de sua irmãzinha 13 Como já foi dito a interpretação tem o efeito de modificar o caráter dos jogos da criança e fazer com que a representação desse material se torne mais clara mesinha de brinquedos e comecei a brincar sozinha14 mas descrevendo tudo o que fazia à garotinha apavorada que se sentara a um canto da sala Seguindo uma inspiração súbita tomei como tema de meu jogo o material que ela própria produzira na sessão precedente No final desta ela brincara com a pia do lavatório alimentando as bonecas com enormes jarras de leite Fiz o mesmo Pus uma boneca para dormir disse a Ruth que ia lhe dar alguma coisa para comer e perguntei o que é que ela achava que se deveria dar Ela interrompeu os gritos para responder leite e notei que fez um movimento em direção à boca com os dois dedos que tinha o hábito de chupar antes de dormir mas retirouos rapidamente Perguntei se não gostaria de chupálos e ela disse Sim gostaria muito Compreendi que ela queria reconstituir a situação que se repetia em sua casa todas as noites portanto deiteia no divã e a seu pedido cobria com uma colcha Incontinente ela começou a chupar os dedos Continuava muito pálida e havia fechado os olhos mas estava visivelmente mais calma e parara de chorar Enquanto isso continuei brincando com as bonecas repetindo o jogo da sessão anterior Quando coloquei uma esponja molhada ao lado de uma delas como Ruth havia feito recomeçou a gritar dizendo Não ela não pode ficar com a esponja grande essa não é para crianças só para gente grande Devo salientar que nas duas sessões precedentes ela havia produzido abundante material concernente à inveja que sentia de sua mãe Passei a interpretar esse material em conexão com seu protesto contra a esponja grande que representava o pênis de seu pai Mostreilhe detalhadamente como ela invejava e odiava sua mãe porque esta havia incorporado o pênis de seu pai durante o coito e como ela queria roubar o pênis e os bebês de dentro de sua genitora e matála Expliqueilhe que a razão de seu medo era porque acreditava haver morto sua mãe ou temia ser abandonada por ela Na 14 Em casos especialmente difíceis emprego esse expediente técnico para conseguir iniciar a análise Constatei que quando as crianças manifestam sua angústia latente mostrandose inteiramente inacessíveis geralmente é útil que eu lance uma palavra de estímulo começando eu mesma a brincar Aplico esse método dentro dos mais estreitos limites Posso por exemplo construir algumas cadeiras com cubos e colocar algumas figuras perto delas Algumas crianças verão nisso uma escolinha e prosseguirã o jogo nessa base outras dirão que é um teatrinho e farão as figuras agirem de acordo e assim por diante tornar a vêla viva ou então de encontrar em lugar da mãe meiga e carinhosa que lhe dizia boa noite uma mãe má que a atacaria durante a noite Estes também os motivos porque tinha medo de ficar sozinha Ser deixada a sós comigo significava ser abandonada por sua boa mãe e todo o seu terror pela mãe punitiva achavase agora transferido para mim Analisando esta situação e trazendoa à luz consegui como vimos dissipar suas crises de angústia tornando possível dali por diante o trabalho analítico normal17 A técnica que empreguei para analisar os ataques de angústia de Ruth revelouse muito eficaz também em outro caso Durante a análise de Trude18 sua mãe adoeceu e teve de ser internada numa clínica Este fato motivou uma interrupção em sua análise que ocorreu justamente quando suas fantasias sádicas de agressão à genitora dominavam o quadro Já descrevi como essa menina de três anos e nove meses encenava essas representações de agressão contra mim e de como vencida pela angústia subsequente escondiase com as almofadas por trás do divã mas sem jamais chegar a ter uma verdadeira crise angustiosa Quando porém voltou ao tratamento após o intervalo ocasionado pela enfermidade da mãe teve crises bem definidas de angústia por vários dias consecutivos Essas crises constituíam uma reação aos seus impulsos agressivos ou melhor ao medo que nela suscitavam Durante essas crises Trude assim como Ruth adotava uma postura peculiar a mesma que assumia em sua casa à noite quando começou a sofrer de angústia Acocoravase a um canto agarrada às almofadas a que muitas vezes chamava de bebês urinava e co 17 O tratamento de Ruth não chegou a ser concluído porque sua família teve de regressar para sua residência no exterior Sua neurose em conseqüência não foi completamente suprimida Mas nas 190 sessões que teve comigo consegui efetuar as seguintes melhoras que perduravam dois anos após o término da sua análise conforme notícias que dela recebi sua angústia foi grandemente diminuída e em especial as várias formas de timidez de que sofria Como resultado passou a darse melhor com outras crianças e com adultos e foi capaz de adaptarse inteiramente às exigências do lar e da vida escolar Sua fixação à mãe diminuiu e sua atitude para com o pai melhorou Houve também grande modificação para melhor em suas relações com o irmão e as irmãs Todo o seu desenvolvimento especialmente com respeito a educabilidade adaptação social e capacidade de sublimação foi desde então favorável 18 Vide capítulo 1 meçava a chupar os dedos Aqui também a interpretação levou à cessação de suas crises angustiosas19 As experiências de M N Searl e de outros analistas infantis além de minhas próprias experiências subseqüentes vieram confirmar a utilidade dessas medidas técnicas também em outros casos Nos anos decorridos após o tratamento dessas duas pequenas pacientes cheguei à conclusão de que o requisito preliminar para se conduzir uma análise com crianças pequenas e também uma análise em profundidade com crianças maiores é a compreensão segura do material que nos é apresentado Para sermos mais exatos a interpretação deve ser feita no momento oportuno e deve atingir a zona do psiquismo que se encontra ativada pela angústia uma tal interpretação deve basearse numa apreciação justa e rápida do sentido desse material que nos esclarece tanto no que se refere à estrutura no caso quanto ao estado afetivo atual do paciente mas sobretudo é necessária uma percepção imediata da angústia latente e do sentimento de culpa nela contido Aderindose a essa técnica consistentemente podese reduzir ao mínimo a ocorrência das crises de angústia durante a análise Se todavia essas crises de angústia ocorrerem no princípio do tratamento como pode acontecer com crianças neuróticas normalmente sujeitas às mesmas o emprego fiel e sistemático desse método quase sempre surtirá o efeito de reduzilas a uma proporção em que se torne possível fazer uma análise normal do pequeno paciente Os resultados obtidos com a análise das crises de angústia também constituem uma prova a meu ver da validade de alguns dos princípios da técnica lúdica Hão de recordarse que no caso de Trude muito embora o material estivesse acompanhado de intensa angústia consegui analisálo sem provocar uma crise angustiosa regular e isso porque des 19 A neurose de Trude manifestavase em intensos terrores noturnos em angústias durante o dia quando era deixada a sós em enurese em timidez geral numa fixação muito grande à mãe e em aversão pelo pai em fortes ciúmes de seus irmãos A irmã é em várias dificuldades de sua educação Como resultado de sua análise que abrangeu 82 sessões a enurese desapareceu completamente sua angústia e timidez diminuíram em vários aspectos e houve uma mudança favorável em suas relações com os pais e com os irmãos e irmãs Era também sujeita a resfriados que a análise demonstrou serem em grande parte de origem psíquica e estes também diminuíram em frequência e intensidade Apesar dessas melhoras sua neurose não estava totalmente solucionada quando por razões externas a análise foi interrompida de o princípio fiz as interpretações sempre em profundidade e fui liberando a angústia gradualmente até diminuíla Ocorreu então que a análise de Trude teve de ser interrompida num momento desfavorável e em circunstâncias difíceis devido à enfermidade de sua mãe Quando a análise foi reencetada sua angústia estava tão acumulada que ela sofreu verdadeiras crises Todavia cessaram por completo após algumas sessões para dar lugar a alguns acessos esporádicos Gostaria de acrescentar algumas observações teóricas a respeito dessas crises de angústia Falei delas como sendo uma repetição do pavor nocturnus e referindome à posição tomada pela paciente durante essas crises ou melhor à sua tentativa de dominálas acentuei que se tratava de uma repetição da situação de angústia que a acometia durante a noite em seu leito Mas também mencionei uma dessas situações específica e muito precoce que me parece estar na origem tanto do pavor nocturnus como das crises angustiosas Pelo que me foi dado observar nos casos de Trude Ruth e Rita e pelo que aprendi no curso dos últimos anos fui levada a reconhecer a existência de uma angústia ou de uma situação angustiosa que é específica na menina e que equivale à angústia de castração sentida pelo menino Essa angústia culmina na menina no temor de que sua mãe lhe destrua o corpo abolindo seu conteúdo e retirandolhe os bebês Retornarei a este assunto com mais detalhes na segunda parte desta obra Aqui quero apenas chamar a atenção do leitor para certas concordâncias entre os dados por mim colhidos em minhas análises de crianças pequenas e algumas observações que Freud em 1926 fez em seu livro Hemniung Symptom und Angst Afirma ele que para a menina o equivalente ao temor de castração sentido pelo menino é o medo de perder o amor Vemos claramente pelos exemplos que citei como as meninas pequenas temem ser largadas ou abandonadas por sua mãe Mas esse temor a meu ver vai ainda mais longe Ele tem sua origem nos impulsos agressivos dirigidos contra a mãe e nos desejos de roubála e matála oriundos dos estádios primitivos do conflito edípico Esses impulsos suscitam não somente angústia ou o medo de ser atacada pela mãe mas também o medo de que a mãe a abandone ou morra Retornemos agora à consideração das questões técnicas Os termos da interpretação também são de enorme importância e crianças Gostaria de explicar resumidamente qual a razão porque esses brinquedos são tão valiosos na técnica da análise lúdica Seu reduzido tamanho seu número e sua grande variedade deixam o campo livre para os jogos mais variados ao passo que sua simplicidade permite uma infinidade de usos diferentes Tais brinquedos portanto prestamse muito bem a que a criança exprima amplamente por meio deles suas fantasias e experiências com grandes detalhes Os diversos temas lúdicos e os afetos a eles associados que deduzimos em parte pelo conteúdo de seus jogos e em parte pela observação direta são representados lado a lado e dentro de um espaço reduzido de sorte que podemos ter uma boa visão das conexões gerais e da dinâmica dos processos mentais que nos estão sendo apresentados Ademais visto que a contigüidade espacial geralmente significa contigüidade temporal podemos deduzir a ordem cronológica das diversas fantasias e experiências da criança Pelo que foi dito poderseia deduzir que para analisar uma criança basta colocar brinquedos à sua frente para que ela se ponha incontinente a brincar com eles de forma desinibida Mas na realidade não é isso o que acontece Conforme já assinalei repetidas vezes a inibição no jogo encontrase amiúde nas crianças em maior ou menor grau e constitui um sintoma neurótico extremamente comum Mas é precisamente nestes casos quando falham todas as outras tentativas de se entrar em contato com o paciente que os brinquedos se revelam tão úteis como instrumento para se dar início à análise É raro que uma criança seja qual for seu grau de inibição não lance ao menos um olhar aos brinquedos ou não pegue um deles para fazer alguma coisa Ainda que como Trude pare de brincar em seguida já teremos tido uma idéia de seu inconsciente sobre o qual basear nosso trabalho de análise observando qual o tipo de jogo que ela começou a fazer em que ponto surgiu a resistência como se portou em conexão com essa resistência qual o comentário ocasional que ela possa ter feito na ocasião e assim por diante O leitor já terá compreendido como é possível para o analista com o auxílio da interpretação fazer com que o jogo da criança se torne cada vez mais livre e seu conteúdo representativo cada vez mais rico e frutífero reduzindo gradualmente suas inibições Os brinquedos não são os únicos requisitos para a análise lúdica É necessário que na sala haja uma quantidade de material ilustrativo sendo que o mais importante é um lavabo com água corrente Este último geralmente não é muito utilizado nas primeiras etapas da análise mas adquire enorme importância nas etapas mais avançadas A criança passará toda uma fase de sua análise brincando ao redor do lavabo onde haverá também uma esponja um copo de vidro um ou dois barquinhos algumas colheres e papel Estes jogos com água permitem que tenhamos um insight profundo das fixações prégenitais fundamentais da criança21 e constituem um meio de ilustrar suas teorias sexuais mostrandonos a relação existente entre suas fantasias sádicas e suas formações reativas e a conexão direta entre seus impulsos prégenitais e genitais22 Desenhar ou recortar papel ocupam grande parte de muitas análises Em outras sobretudo quando se trata de meninas o tempo da criança é empregado principalmente na confecção de roupas e adereços para si mesma suas bonecas ou bichinhos de brinquedo ou em adornarse com fitas e outros enfeites Cada criança tem à sua disposição papel lápis de cor facas tesourinhas agulhas e linhas fios peças de madeira e cordas Muitas trazem seus próprios brinquedos Os artigos acima enumerados evidentemente não exaurem as possibilidades É muito instrutivo observar os diversos usos que a criança dará a qualquer deles ou a maneira por que passará de um jogo para outro Outrossim toda a mobília normal da sala como cadeiras almofadas etc estará a serviço de suas atividades Efetivamente todos os móveis da sala do analista devem ser especialmente selecionados para esse propósito As fantasias e jogos de imaginação que a criança cria ao brincar são de grande significado Em seus jogos de fazdeconta a criança representa em sua própria pessoa aquilo que numa outra etapa geralmente anterior demonstrava através de seus brinquedos Nesses jogos ela geralmente confia ao analista um ou mais papeis e costumo pedir à criança que me descreva esses papéis o mais detalhadamente possível Algumas crianças manifestam preferência por jogos de fazdeconta Outras pelo modo de representação mais indireto por meio dos brinquedos Brincar de mãe e filha de escolinha construir ou mobiliar uma casa com o auxílio de cadeiras móveis almofadas etc fazer uma viagem andar de trem ir ao teatro consultar o médico trabalhar num escritório ou numa loja eis alguns dos exemplos típicos dos jogos de ficção Do ponto de vista analítico o valor desses jogos de ficção está em seu método direto de representação e conseqüentemente na maior riqueza de associações verbais que suscitam Efetivamente como já foi dito no primeiro capítulo uma das condições necessárias para o êxito de um tratamento é que a criança seja qual for sua idade tenha tirado partido no curso de sua análise de todos os recursos da linguagem à sua disposição Nenhuma descrição poderia fazer justiça ao colorido à vida e complexidade que preenchem as sessões de uma análise lúdica Mas espero haver dado ao leitor uma idéia dos resultados precisos e seguros que podemos obter por esse meio devem ser escolhidos em função da maneira concreta com que as crianças pensam e falam20 Peter como o leitor há de recordar disse apontando para o balanço Veja como balançam e se chocam E quando eu expliquei Foi assim que os negocinhos do papai e da mamãe ficaram se chocando ele aceitou sem a menor dificuldade Para citar um outro exemplo Rita dois anos e nove meses contoume que suas bonecas lhe haviam perturbado o sono pois diziam incessantemente a Hans o condutor do trem subterrâneo um pequeno boneco de rodas Continue a fazer seu trem andar De outra feita apanhou uma peça triangular do jogo de construção e colocandoa de lado disse Isto é uma mulherzinha após o que pegou um martelinho termo com que denominou uma peça de forma alongada e bateu com o mesmo na caixa do jogo exatamente na parte onde o papel era mais fino até perfurálo Quando o martelinho bateu com força disse ela a mulherzinha ficou apavorada A corrida do trem subterrâneo e as batidas do martelo representavam o coito de seus pais cena a que assistira até quase os dois anos de idade A interpretação que lhe dei Foi assim que o papai bateu com força dentro da mamãe com seu martelinho e você ficou apavorada adaptavase exatamente ao seu modo de pensar e de falar Ao descrever meus métodos analíticos muitas vezes mencionei brinquedos pequenos que são colocados à disposição das 20 Em seu artigo Fragment of an Analysis of a Case of Hystcria 1905 diz Freud É possível para um homem conversar com moças e mulheres sobre assuntos sexuais de qualquer natureza sem causar prejuízos e sem levantar suspeitas sobre si desde que adote em primeiro lugar uma maneira particular de fazêlo e que em segundo lugar consiga convencêlas de que isso é inevitável A melhor maneira de falar sobre essas coisas é ser seco e direto ao mesmo tempo esse é o método que mais se distancia dos pruridos com que esses temas são tratados em sociedade Jappelle un chat un chat Essa atitude é mutatis mutandis a que adoto ao analisar crianças Falo de assuntos sexuais empregando as palavras simples que melhor se adaptem à sua maneira de pensar Convém também lembrar que as crianças vivem ainda em sua maior parte sob o domínio do inconsciente cuja linguagem conforme o demonstram os sonhos e os jogos é concreta e pictórica Como temos frequentemente ocasião de observar a atitude das crianças com relação às palavras é bastante diferente da dos adultos Elas as empregam acima de tudo de acordo com as qualidades de sua imaginação segundo os quadros e fantasias que as palavras evocam Se quisermos ter acesso ao inconsciente da criança na análise o que naturalmente teremos de fazer por via do ego e através da linguagem só lograremos êxito evitando circunlóquios e empregando palavras simples 3 NEUROSE OBSESSIVA NUMA MENINA DE SEIS ANOS NO CAPÍTULO precedente expusemos os princípios fundamentais da técnica da análise da criança pequena Utilizandonos como ilustração da história de um caso iremos agora comparar essa técnica com a técnica da análise no período de latência Esse exemplo nos dará outrossim a oportunidade de tratarmos certas questões de importância geral e teórica bem como a de descrever os métodos empregados na análise das neuroses obsessivas infantis posso acrescentar que essa técnica foi elaborada no curso do tratamento deste caso extremamente difícil e interessante Erna uma menina de seis anos apresentava numerosos sintomas graves Sofria de insônia que era ocasionada em parte por angústia em particular pelo medo de ladrões e assaltantes e em parte por uma série de atividades obsessivas Deitavase de bruços e batia violentamente a cabeça no travesseiro fazia um movimento balanceado durante o qual permanecia sentada ou deitada de costas chupava obsessivamente o polegar 1 Este capítulo baseiase num trabalho que apresentei em Würzburg em outubro de 1924 na Primeira Conferência de Psicanalistas Alemães e se masturbava em excesso Todas essas práticas obsessivas que a impediam de dormir à noite verificavamse igualmente durante o dia Isso ocorria particularmente com a masturbação que praticava inclusive em presença de estranhos e quase que ininterruptamente no jardim de infância que frequentava Sofria de depressões profundas que descrevia nos seguintes termos Há qualquer coisa de que eu não gosto na vida Em suas relações com a mãe era excessivamente afetuosa mas às vezes assumia uma atitude hostil Dominava completamente a genitora impedindolhe a liberdade de movimentos e importunandoa continuamente com seu amor e seu ódio Sua mãe dizia Ela me suga Poderseia descrever a menina como sendo ineducável Idéias mórbidas e obsessivas e um caráter curiosamente adulto evidenciavamse em seu olhar sofrido e no aspecto tristonho de seu rostinho Ademais ela dava a impressão de possuir uma inusitada precocidade sexual O primeiro sintoma que se evidenciou na análise foi sua grave inibição para aprender Começou a frequentar a escola alguns meses depois de iniciar a análise e sua inaptidão para os estudos tornouse logo evidente assim como sua incapacidade de adaptarse à escola e aos colegas O fato de ela própria sentirse doente logo no princípio do tratamento pediume que a ajudasse facilitoume sobremaneira Erna começou a brincar pegando um carrinho dentre os brinquedos que se achavam sobre a mesinha e empurrandoo em minha direção Disse que tinha vindo me buscar mas colocou uma boneca na viatura e depois um boneco Ambos abraçavamse e beijavamse amorosamente enquanto o carrinho corria para cima e para baixo A seguir um boneco que dirigia um outro carrinho colidiu com eles esmagouos matouos assouos e engoliuos De outra feita a luta teve um final diferente e o boneco agressor foi derrubado mas a mulher ajudouo consolouo e desposouo após haver se divorciado de seu primeiro marido Em seus jogos Erna atribuía a esse terceiro personagem os mais variados papéis Era por exemplo um ladrão que se introduzia numa casa defendida pelo primeiro casal a casa queimouse o homem e a mulher pereceram devorados pelo fogo e o ladrão foi o único a sobreviver Ou então esse terceiro personagem era um irmão que havia vindo fazer uma visita mordida Este homenzinho o terceiro personagem era a própria Erna Toda uma série de jogos similares traduziam seu desejo de suplantar o pai junto à mãe embora em muitos outros jogos se manifestasse seu desejo edípico direto de despojar a mãe e conquistar o pai Assim um jogo representava um professor de violino que dava aulas a seus alunos batendo a cabeça contra o instrumento2 ou que lia um livro com a cabeça para baixo e as pernas para cima A seguir abandonava o livro ou o violino conforme o caso e punhase a dançar com sua jovem aluna finalmente ambos abraçavamse e beijavamse A este ponto Erna perguntavame bruscamente se eu permitiria o casamento entre professor e aluna Em outra ocasião um professor e uma professora representados por um boneco e uma boneca davam aulas de boas maneiras às crianças ensinandoas a cumprimentar e fazer reverências Inicialmente as crianças mostraramse obedientes e bem comportadas exatamente como Erna que sempre se esforçava por ser gentil e bem educada depois subitamente atacaram o professor e a professora os pisotearam os mataram e assaram Haviam se transformado em diabos que exultavam com o tormento de suas vítimas Mas repentinamente o professor e a professora encontraramse no céu e os antigos diabos haviam se transformado em anjos que segundo Erna ignoravam seu estado anterior efetivamente eles jamais haviam sido diabos Deus Pai o antigo professor pôsse a abraçar e beijar apaixonadamente a mulher os anjos os adoraram e tudo correu bem novamente embora fosse certo que muito em breve as coisas iriam piorar outra vez de uma maneira ou de outra Erna muitas vezes brincava de mamãe Eu era a filha e uma de minhas maiores faltas era chupar o polegar O primeiro objeto que eu devia levar à minha boca era uma locomotiva A garotinha já havia sobejamente admirado seus faróis dourados dos quais dizia são tão bonitos tão vermelhos e charmosos e aos quais metia na boca para sugar Para ela representavam o seio de sua mãe e o pênis de seu pai A esses jogos sucediamse invariavelmente acessos de cólera inveja e mordida Este homenzinho o terceiro personagem era a própria Erna Toda uma série de jogos similares traduziam seu desejo de suplantar o pai junto à mãe embora em muitos outros jogos se manifestasse seu desejo edípico direto de despojar a mãe e conquistar o pai Assim um jogo representava um professor de violino que dava aulas a seus alunos batendo a cabeça contra o instrumento2 ou que lia um livro com a cabeça para baixo e as pernas para cima A seguir abandonava o livro ou o violino conforme o caso e punhase a dançar com sua jovem aluna finalmente ambos abraçavamse e beijavamse A este ponto Erna perguntavame bruscamente se eu permitiria o casamento entre professor e aluna Em outra ocasião um professor e uma professora representados por um boneco e uma boneca davam aulas de boas maneiras às crianças ensinandoas a cumprimentar e fazer reverências Inicialmente as crianças mostraramse obedientes e bem comportadas exatamente como Erna que sempre se esforçava por ser gentil e bem educada depois subitamente atacaram o professor e a professora os pisotearam os mataram e assaram Haviam se transformado em diabos que exultavam com o tormento de suas vítimas Mas repentinamente o professor e a professora encontraramse no céu e os antigos diabos haviam se transformado em anjos que segundo Erna ignoravam seu estado anterior efetivamente eles jamais haviam sido diabos Deus Pai o antigo professor pôsse a abraçar e beijar apaixonadamente a mulher os anjos os adoraram e tudo correu bem novamente embora fosse certo que muito em breve as coisas iriam piorar outra vez de uma maneira ou de outra Erna muitas vezes brincava de mamãe Eu era a filha e uma de minhas maiores faltas era chupar o polegar O primeiro objeto que eu devia levar à minha boca era uma locomotiva A garotinha já havia sobejamente admirado seus faróis dourados dos quais dizia são tão bonitos tão vermelhos e charmosos e aos quais metia na boca para sugar Para ela representavam o seio de sua mãe e o pênis de seu pai A esses jogos sucediamse invariavelmente acessos de cólera inveja e 2 Comparese com seu sintoma obsessivo de bater a cabeça no travesseiro Eis outro jogo que demonstra claramente que para o inconsciente de Erna a cabeça tinha o significado de pênis um boneco quis entrar num carro e bateu com a cabeça na janela ao que o carro lhe disse É melhor você entrar de uma vez O carro representava sua mãe convidando o pai a ter um coito com ela hostilidade contra a mãe para serem substituídos por remorsos e por tentativas de se corrigir e de se fazer perdoar Ao brincar com os cubos por exemplo ela os dividia entre nós de maneira a ficar com mais do que eu Depois consertava a situação tomando menos para ela mas sempre dava um jeito de ficar com mais no final Se eu tinha de fazer uma construção com os meus cubos era apenas para que ela pudesse provar o quanto suas casinhas eram mais bonitas do que as minhas às quais ela sempre acabava derrubando aparentemente por acidente Às vezes colocava um boneco como juiz para decidir que a casa dela era mais bonita do que a minha As particularidades desse jogo referentes às nossas respectivas casas deixavam ver a antiga rivalidade de Erna com sua mãe Numa fase ulterior da análise essa rivalidade manifestouse de uma forma direta Além desses jogos ela se pôs a recortar papel e a fazer moldes Um dia me disse que estava fazendo picadinho e que o papel estava sangrando ao proferir essas palavras estremeceu e disse que não se sentia bem Em certa ocasião falou de uma salada de olhos e de outra feita disse que estava cortando meu nariz em franjas Repetia assim sua vontade de arrancar meu nariz com uma dentada o que já havia expr imido desde sua primeira sessão tinha efetivamente feito várias tentativas nesse sentido Através desses meios ela revelava sua identificação com o terceiro personagem o bonequinho que assaltara e incendiara a casa e que arrancava os narizes a dentadas Sua análise como a de outras crianças prova que o ato de recortar papel possui múltiplas determinantes Nesse jogo ela dava vasão a impulsos sádicos e canibais e representava ao mesmo tempo a destruição dos órgãos genitais de seus pais ou do corpo inteiro de sua mãe Paralelamente todavia exprimia suas tendências reativas pois ao recortar um objeto um bonito guardanapo por exemplo ela recriava o que fora destruído Dos recortes Erna passou a brincar com água Um pedacinho de papel flutuando na bacia representava um capitão cujo navio havia naufragado Ele conseguiu se salvar porque conforme dizia Erna tinha uma coisa comprida e dourada que o mantinha à tona Depois arrancoulhe a cabeça e anunciou Ele perdeu a cabeça agora se afogou Esses jogos com água conduziram à análise em profundidade de suas fantasias oral 118 Melanie Klein a vida cotidiana da criança como a enfermidade neurótica afeta a vida do adulto E contudo penso que podemos renunciar a esse reconhecimento contentandonos em saber que a meta de nosso trabalho é assegurar o bemestar da criança e não a gratidão de seus pais 136 M elanie Klei11 de uma criança que se mostra muito tímida ou inamistosa para comigo nas primeiras sessões ponhome a analisar imediata mente sua transferência negativa e a detectar e interpretar os sinais ocultos de sua angústia latente antes que se mani festem abertamente provocando uma crise de angústia Para agir assim o analista precisa estar intimamente familiarizado com as reações de angústia das fases iniciais de desenvolvi mento da criança e com os mecanismos de defesa que o ego utiliza para combatêlas Efetivamente é necessário que ele tenha um conhecimento teórico da estrutura das camadas mais profundas do psiquismo Seu trabalho de interpretação deve ser dirigido à parte do material que está associado às maiores quantidades de angústia latente e descobrir as situações de angústia que estavam sendo ativadas É necessário igualmente estabelecer a conexão entre e1sa angústia latente e as fanta sias sádicas subjacentes relacionandoa também com os me canismos de defesa utilizados pelo ego para dominála Em suma o analista que por meio de suas interpretações procura dissipar um determinado ponto de angústia deve considerar concomitantemente as ameaças do superego os impulsos do id e os esforços do ego para conciliar a ambos Desta focma ele fará aflorar gradualmente à consciência todo o conteúdo do montante particular de angústia que está sendo ativado no momento Para este fim é absolutamente necessário que ele se a tenha a métodos estritamente analíticos ao lidar com o paciente pois somente abstendose de exercer qualquer influên cia educativa ou moral sobre a criança é que ele poderá ana lisar os níveis mais profundos de seu psiquismo De fato se ele impedir que certos impulsos do id se manifestem estará reprimindo inevitavelmente outros impulsos também sem isto serlheá muito difícil mesmo com uma criança pequena atingir as fantasias oralsádicas e analsádicas mais primitivas Se a liberação da angústia for sistematicamente regulada a criança não sofrerá de um acúmulo muito grande de angústia durante os intervalos entre as sessões ou nocaso do tratamen to ser prematuramente interrompido Em tais circunstâncias a angústia é verdade se torna mais intensa mas o ego da criança é capaz de dominála e modificála rapidamente e com maior facilidade do que antes da análise Em alguns casos a criança chega mesmo a evitar esse recrudescimento transitório 138 Melank Klein é preciso que o analista além de estar perfeitamente treinado na técnica da análise das crianças pequenas domine completa mente o método empregado com adultos A NEUROSE NA CRIANÇA NAS PÁGINAS precedentes discutimos a técnica por meio da qual podemos analisar as crianças tão profundamente quanto os adultos Passaremos agora a examinar a ques tão das indicações para o tratamento A primeira pergunta que se nos impõe é quais as dificulda dés que devem ser encaradas como normais e quais como neuróticas na criança Ou por outra como distinguir uma crianÇa simplesmente traquinas de uma criança realmente doente Em geral e contanto que não ultrapassem certos limi tes é de se esperar encontrar certas dificuldades típicas que variando consideravelmente em importância e efeito são enca radas como companheiras inevitáveis do crescimento infantil Mas justamente por esse motivo a meu ver é que tendemos a não dar a devida atenção a uma questão assaz importante ou seja até onde essas dificuldades cotidianas devem ser enca radas como sinais de graves perturbações evolutivas Dificuldades alimentares se forem realmente sérias e so bretudo manifestações de angústia quer em forma de terrores noturnos ou de fobias são geralmente reconhecidas como de finitivamente neuróticas Mas o estudo dos pequeninos demons tra que sua angústia assume formas muito variadas e disfar 142 M elanie Klein acompanha essa exuberância é a meu ver um sintoma impor tante As descargàs motoras que o petiz libera através dessa irrequietude amiúde se condensam no começo do período de latência em movimentos definitivamente estereotipados e que habitualmente passam inadvertidos no quadro geral de exces siva mobilidade apresentado pela criança Na puberdade e algumas vezes ainda antes esses movimentos reaparecem ou se tornam mais evidentes formando a base de um tique4 Repetidas referências foram feitas à enorme importância das inibições no jogo Camufladas sob as mais diversas formas elas existem em toqos os graus de intensidade A aversão por de terminidos jogos e a falta de perseverança em algum jogo em particular são exemplos de inibição parcial Algumas crianças necessitam de alguém que execute a maior parte do jogo que tome as iniciativas que vá buscar os brinquedos e assim por diante Outras só gostam de jogos que tenham regras determi nadas às quais observam rigorosamente ou então gostam apenas de certos tipos de brinquedos aos quais se entregam assidlamente Essas crianças sofrem de uma profunda repres são de suas fantasias via de regra acompanhada de traços compulsivos seus jogos têm mais o caráter de sintoma obses sivo que de sublimação Há um tipo de jogo que serve de pretexto especialmente durante a transição para o período de latência para movimen tos rígidos ou estereotipados Por exemplo um menino de oito anos costumava brincar de agente de polícia e executava de terminados movimentos que repetia por horas e horas perma necendo imóvel em certas posições por longos períodos de cada vez Em outros casos um jogo determinado servirá de pretexto para uma agitação peculiar associada a um tique A aversão por jogos ativos em geral e a falta de destreza nos mesmos prenunCia futuras inibições nos esportes e sempre in dica a existência da alguma anomalia Em muitos casos as inibições no jogo constituem a base das inibições escolares De todas as vezes em que uma criança inibida no jogo se tornõu boa aluna evidenciouse que seu im pulso para aprender era princpalmente compulsivo sendo que 4 Em meu artigo Zur Genese des Tic 1925 demonstrei que um tique devo ser quase sempre encarado como sinal de uma falta de desenvolvimento e da existência de perturbações ocultas muito profundas Psicanálise da Criança 145 os conflitos relacionados com o nascimento de irmãos e irmãs reais ou imaginários Pela forma com que as crianças reagem nessas ocasiões podese descobrir a presença de uma neurose A falta de atração pelo teatro o cinema e os espetáculos em geral está estreitamente relacionada com perturbações dos instintos epistemofílicos da criança Constatei que na origem dessas perturbações reside um interesse recalcado por sua pró pria vida sexual e pela de seus genitores Essa atitude que acarréta a inibição de muitas sublimações devese em última análise à angústia e à culpabilidade pertencentes a um estádio muito precoce de desenvolvimento e nasce de fantasias agres sivas dirigidas contra as relações sexuais dos pais Gostaria de salientar também o papel representado pelos fa tores psicológicos nas diversas enfermidades orgânicas a que as crianças estão sujeitas Estou convencida de que ao adoe cerem muitas crianças exprimem sua angústia e culpabilidade e nesse caso uma melhora tem o efeito de atenuar a angús tia e que as freqüentes doenças que as acometem a uma certa idade são em parte de origem neurótica Esse elemento psico genético tem por efeito incrementar não somente a predispo sição da criança à infecção mas também a gravidade e a du ração da enfermidaden Tenho notado que de maneira geral a criança fica muito menos sujeita a resfriados depois de ana lisada Em alguns casos sua suscetibilidade aos mesmos desa pareceu quase que completamente Sabemos que a neurose e a formação do caráter estão inti mamente relacionadas e que em muitas análises de adultos também se produzem importantes modificações caracterológi cas Ao passo que a análise de crianças maiores quase sempre suscita transformações favoráveis de caráter a análise das crianças pequenas ao suprimir a neurose propicia a diminuição das dificuldades de educação Portanto parece existir uma certa analogia entre as dificuldades de educação da criança pequena e o que na criança mais velha e no adulto conhece 6 Em alguns casos de coqueluche por exemplo em que o tratamello ana lítico foi reencetado após uma curta interrupção obervei que os acessos de tosse se tornaram mais violentos durante a primeira semana de análise mas se abrandaram rapidamente depois disso e que a moléstia terminou muito antes do tempo usual Nesses casos cada acesso de tosse devido ao seu signifi cado inconsciente reduzia a angústia e esta por sua vez aumentava consi deravelmente o estimulo da tosse 148 M elanie Klein ção à realidade ultrapassarem um certo limite e se as dificul dades de que ela sofre e que faz seu ambiente sofrer forem muito grandes então deverá ser considerada uma criança in contestavelmente neurótica Não obstante ainda penso que uma neurose desse tipo é quase sempre menos grave que a neu rose onde a repressão dos afetos foi tão cruciante e tão precoce que mal se percebem os sinais de emoção ou de angústia O que realmente distingue a criança menos neurótica da mais neurótiCa é além da questão das diferenças quantitativas a maneira como ela se avém com suas dificuldades Os sinais característicos de uma neurose infantil como os descritos acima constituem um valioso ponto de partida para o estudo tanto dos métodos quase sempre muito obscuros por meio dos quais a criança modificou sua angústia como da po sição fundamental que adotou Assim por exemplo se uma criança não gosta de assistir a espetáculos de nenhum gênero como o teatro ou o cinema se não sente prazer em fazer per guntas e é inibida no jogo ou se consegue participar unica mente de jogos sem conteúdo imaginativo é porque está so frendo de profundas inibições de seu instinto epistemofílico e de considerável repressão de sua vida imaginativa embora possa ser bem adaptada quanto ao resto e não aparente tet pro blemas muito acentuados Numa idade posterior essa criança satisfará seu desejo de conhecimentos sobretudo de forma obsessiva o que a levará freqüentemente a produzir outros distúrbios neuróticos Já se disse que em muitas crianças a incapacidade original de tolerar frustrações fica dissimulada pela adaptação geral às exigências de sua educação Muito cedo elas se tornam crian ças boas e espertas Mas são precisamente essas crianças as que mais comumente manifestam aquela atitude de indiferen ça face aos presentes e mimos acima mencionada Se além dessa atitude também demonstrarem uma grande inibição no jogo e excessiva fixação aos seus objetos é grande a probabilidade de serem vítimas de uma neurose nos anos ulteriores pois ado taram uma atitude pessimista e de renúncia em face da vida Seu principal objetivo é combater a angústia e a culpabilidade a todo custo mesmo que isso signifique abdicar a toda felici dade e gratificação de seus instintos De mais a mais são muito mais dependentes de seus objetos porque procuram no mundo exterior a proteção e o apoio contra sua própria angústia e AS ATIVIDADES DA 7 SEXUAIS CRIANÇA U MA DAS conquistas importantes da psicanálise é a desco berta de que as crianças possuem uma vida sexual que se exprime tanto nas atividades sexuais diretas quanto nas fantasias sexuais Sabemos que a masturbação ocorre geralmente no período de lactância e que comumente se prolonga em maior ou menor grau até o período de latência Desnecessário é dizerse que é muito difícil encontrar crianças mesmo quando muito pe quenas masturbandose abertamente No período que antece de a puberdade e particularmente durante a própria puberda de o onanismo tornase novamente muito freqüente A fase em que as atividades sexuais da criança são menos pronuncia das é o período de latência e isso porque o declínio do com plexo de Édipo é acompanhado de uma diminuição em intensi dade das tendências instintivas Por outro lado temos o fato ainda não explicado de que é justamente nesse período que a luta da criança contra a masturbação atinge o seu paroximo Em seu livro Inibição Sintoma e Angústia 1926 Freud de clara que durante o período de latência as energias da crian ça parecem empenhadas principalmente na tarefa de resistir à 160 Mela11ie Klein tentação de masturbarse Sua afirmação parece corroborar o ponto de vista de que mesmo durante o período de latência a pressão do id não diminuiu na medida em que comumente se supõe ou que a força exercida pelo sentimento de culpa da criança contra as tendências do id aumentou Em minha opinião a excessiva culpabilidade que as ativi dades masturbatórias suscitam na criança é na realidade dirigi da contra as tendências destrutivas que residem nas fantasias que acompanham a masturbação1 É esse sentimento de culpa que im pele as crianças a cessarem completamente de masturbarse e que caso o propósito tenha sido logrado amiúde as induz a uma fobia de tocar Que esse gênero de temor constitui um indício tão importante da existência de uma perturbação no de senvolvimento quanto a masturbação obsessiva tornase per feitamente evidente na análise dos adultos onde observamos como o temor do paéiente ao onanismo freqüentemente provo ca graves desordens em sua vida sexual Esse tipo de distúr bios não pode naturalmente ser observado na criança pois emergirá somente mais tarde sob a forma de impotência ou frigidez segundo o sexo do indivíduo mas sua existência pode ser inferida pela presença de certas dificuldades que são inva riáveis concomitantes de um desenvolvimento sexual defei tuoso A análise das fobias de tocar mostra que a supressão radical da masturbação tem como resultado não somente o aparecimen to dos mais variados sintomas tais como o tique2 mas que ain da pelo fato de causar uma repressão excessiva das fantasias masturbatórias entrava a passagem para o período de latência ao impedir a formação das sublimações função esta sumamen te importante do ponto de vista cultural8 Efetivamente as fan tasias masturbatórias base de todas as atividades lúdicas da criança constituem também um componente de todas as suas sublimações ulteriores Quando essas fantasias recalcadas são liberadas pela análise a criança pequena começa a brincar e a criança maior a estudar e a desenvolver sublimações e inte 1 Vide capítulo 8 2 Cf Ferenczi PsychoAnalytical Observations on Tic 1919 s Em meu artigo Zur Genese des Tic 1925 descrevi o caso de um tique durante a análise do qual o paciente foisP libertando gradualmente do sintoma ao mesmo tempo que reiniciava sua longamente proibida prática da masturbação desenvolvendo simultaneamente numerosas sublimações 168 M elanie Klein Na análise destes dois casos e de outros semelhantes cons tatamos que passo a passo com o desaparecimento çlo caráter compulsivo dos atos verificamse numerosas modificações im portantes estreitamente relacionadas umas às outras O sadis mo diminui ao mesmo tempo que a culpabilidade e a fase geni tal emerge mais nitidamente essas modificações evidenciamse por modificações correspondentes nas fantasias masturbatórias e se a criança for muito pequena nas fantasias que introdu em seus jogos Na análise de crianças que atingiram a puberdade verifica mos que as fantasias masturbatórias sofreram uma modifica ção ulterior de caráter bastante especial Assim Gert a prin cípio não tinha fantasias masturbatórias conscientes mas no curso do tratamento surgiu a de uma menina nua sem cabe ça da qual somente o corpo era visível Numa etapa posterior a cabeça começou a aparecer e tornouse cada vez mais nítida até que finalmente Gert reconheceu que era a de sua irmã Mas a essa altura sua compulsão á havia desaparecido e suas relações sexuais com a irmã haviam cessado Isso demonstra a conexão que existia entre a repressão excessiva de seus de sejos e fantasias com relação à irmã e seu impulso obsessivo de manter relações sexuais com ela Mais tarde ainda suas fantasias modificaramse novamente e ele viu outras meninas em sua imaginação Finalmente passou a ter fantasias sobre uma em especial amiga de sua irmã Essa alteração gradual registrou o proçesso de desligamento libidinal da irmã proces so que não poderia ter lugar enquanto sua fixação compulsiva à irmã mantida por uma excessiva culpabilidade não fosse re movida no decorrer da análise10 Quanto à existência de relações sexuais entre crianças es pecialmente entre irmãos e irmãs posso afirmar baseada em minhas observações que elas são geralmente bastante regulares n1 primeira infância mas somente se prolongam pelo período de latência e a puberdade se a culpabilidade da criança for ex cessiva e não tiver sido modificada com êxiton Até onde po demos julgar a culpabilidade durante o período de latência 16 Gert foime enviado em decorrência de certas dificuldades neuróticas de natureza não muito grave Sua análise durou um ano Três anos mais tarde soube que ele se desenvolvia bem 17 De qualquer forma creio que tais relações são muito mais freqüentes mesmo durante a latência e a puberdade do que geralmente se supõe P A R T E 1 1 PRIMEIRAS SITUAÇÕES DE ANGOSTIA E SEU EFEITO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA 8 PRIMEIROS ESTÁDIOS DO CONFLITO ED1PICO E DA FORMAÇÃO DO SUPEREGO N os PRÓXIMOS capítulos procurarei acrescentar algo ao nosso conhecimento sobre a origem e a estrutura do su perego As conclusões teóricas que serão expostas foram obtidas através de um conhecimento direto dos primeiros pro cesses do desenvolvimento psíquico pois baseiamse em aná lises efetuadas com crianças pequenas Essas análises demons traram que os impulsos edípicos da criança são liberados pelas frustrações orais e que o superego começa simultaneamente a formarse Os impulsos genitais ficam desapercebidos inicial mente já que via de regra não se afirmam contra os impulsos prégenitais até o terceiro ano de vida Nesse período começam a manifestarse claramente e a criança entra numa fase em que a sexualidade precoce chega a um clímax e o conflito edí pico desabrocha em toda a sua plenitude Nas páginas seguintes esboçarei os processos de desenvolvi mento que precedem esta prematura expansão da sexualidade e tentarei demonstrar que os primeiros estádios do conflito edí pico e da formação do superego estendemse aproximadamen Psicanálise da Criança 179 realidade externa efetivamente à medida que o ego vai se desenvolvendo paralelamente às suas possibilidades de confron tação com a realidade a criança aprende a ver em sua mãe uma pessoa que ora lhe concede ora lhe recusa gratificação e des cobre assim o poder que tem seu objeto sobre a satisfação de suas necessidades Outrossim parece que ela desloca para o seu objeto toda a carga do medo intolerável que lhe inspiram os perigos instintivos trocando pois os perigos internos pelos externos O ego imaturo procura então protegerse desses pe rigos externos destruindo o objeto Passaremos agora a considerar de que maneira o desvio do instinto de morte para o exterior influencia as relações do bebê com seus objetos e dá livre curso ao seu sadismo O cres cente sadismo oral atinge o seuapogeu durante e após o desma me ativando e desenvolvendo ao máximo as tendências sádicas que fluem de diversas fontes Certas fantasias oralsádicas nas quais ele se apodera do seio da mãe sugando e esvaziando seu conteúdo parecem devido ao seu caráter bem definido for mar um elo20 entre o estádio oral de sucção e o estádio oraJ de mórder Esse desejo de sugar e esvaziar primeiramente di rigido ao seio da mãe em breve se estende para o interior de seu corpo21 Em meu artigo Early Stages of the Oedipus Conflict 1928 descrevi um estádio precoce de desenvolvimen to que é dominado pelas tendências agressivas dá criança contra o corpo materno no qual o desejo predominante é roubar o conteúdo de seu corpo e destruílo Até onde pudemos notar a tendência sádica mais estreita mente ligada ao sadismo oral é o sadismo uretral A observa 20 Abraham chamou a atenção para a conduta vampiresca de algumas pessoas e explicoua como sendo o efeito de uma regressão do sadismo oral para o estádio oral de sucção Oral Erotism and Cbaracter 1924 pág 401 21 Ao discutir esse tema comigo Edward Glover sugeriu que o sentimento de vazio no interior de seu corpo que a criança pequena experimenta em resultado da falta de gratificação oral pode ser o ponto de partida para as fantasias de assalto ao corpo materno pois pode dar origem a fantasias de que o corpo da mãe está repleto de todos os alimentos desejados Revisando as minhas experiências acre dito que sua suposição esteja inteiramente confirmada Pareceme que ela faz jorrar nova luz sobre a maneira como é efetuada o transição entre sugar e devorar o seio da mãe e o ataque ao interior de seu corpo Em relação a este ponto o dr Glover também mencionou a teoria de Radó de um orgasmo alimentar TIe Psychic Effects of lntoxiconts 1926 em virtude do qual a gratificação possa da boca para o estômago e os intestinos 18 Melanie Klein e a angústia que o ego normalmente sente em situações de perigo real exceto que seu conteúdo permanece inconscielte e só pode ser percebido de forma distorcida Segundo essa hipótese a angústia que afeta as crianças até o princípio do período de latência seria devida para o menino ao medo de ser castrado e para a menina ao medo da perda do amor o superego não começaria a formarse antes de ultrapassados os estádios prégenitais e resultaria de uma regressão ao estádio oral Em The Ego and the Id 1927 Freud diz que no princí pio durante a fase oral primitiva da existência do indivíduo é difícil distinguir a catexis de objeto da identificação pág 35 e o superego é na realidade o resíduo da primeira catexis de objeto do id o herdeiro do complexo de Édipo após a dissolução deste último 85 Minhas próprias observações levaramme a crer que a forma ção do superego é um processo bem mais simples e direto O conflito edípico e a formação do superego iniciamse penso eu sob a supremacia dos impulsos prégenitais os objetos que foram introjetados na fase oralsádica as primeiras catexis de objeto e identificações assinalam o começo do superego primitivo36 De mais a mais o que origina a formação do supe rego e rege seus primeiros estádios são os impulsos destrutivos e a angústia que despertam Ao considerarmos pois os im pulsos do indivíduo como sendo o fator fundamental para a formação de seu superego não negamos a importância dos ob jetos nesse processo apenas encaramos a questão sob uma outra luz As primeiras identificações da criança refletem os objetos de maneira irreal e distorcida Como sabemos por Abraham num estádio muito precoce de desenvolvimento tanto os obje tos reais como os introjetados são representados sobretudo por seus órgãos Sabemos também que o pênis paterno é um objeto de angústia por excelência e que é comparado no inconsciente a armas perigosas de vários tipos e a terríveis animais vorazes e peçonhentos ao passo que a vagina representa uma abertura perigosa87 A análise das crianças pequenas mostra que essas SG Die Frage der Laienanalyse 1926 74 86 Em seu artigo Privation and Guilt 1929 Susan lsaacs assinala que a identificação prinulria de Freud tem provavelmente um papel muito maior na formação do superego do que o que lhe foi atribuído originalmente 37 Gl a fantasia tão freqüentemente citada na literatura psicanalítica da vagina dentata 190 Mclanie Klein seguir duas linhas de pensamento que até certo ponto se com plementam Segundo uma a severidade do superego seria de rivada da severidade do pai real cujas ordens e proibições o superego repetiria 42 Segundo a outra enunciada em uma ou duas passagens de suas obras a severidade do superego seria uma conseqüência dos impulsos destrutivos do sujeito 48 possibilidade é apoiada pelo fato de que na análise de crianças muitô pequena de ambos os sexos verificamos que apesar de temerem o pai sentem infinita admiração por seu poder sentimento este extremamente prolundo e ele caráter primário Lembremonos outrossim que à medida que as crianças crescem o papel desempenhado pelo superego embora sendo o de um pai severo não é o de um pai mau Freud conclui seu ensaio subre o Humour l l92B com as seguintes pa lavras Finalmente se o superego tenta confortar o ego por meio do humor e protegêlo do sofrimento isso não entra em conflito com sua derivação da ins tituição parenta 42 Em seu trabalho Passing of the Oedipus Complex 1924 Freud diz que o ego da criança abandona o complexo de Édipo em conseqüência da ameaça de castração A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego lá formando a semente do superego o qual adquire sua severidade do pai e perpetua a proibição do incesto dessa maneira assegura o ego contra o retorno da catexis de objeto libidinal pág 273 Em The Ego a11d the Jd U926 lemos Sua relação do superego com o ego não se limita ao preceito Deves ser assim c assim como teu pai mas também implica na proibição Não deves ser assim como teu pai isto é não podes fazer tudo o que ele faz muitas coisas são prerrogativas dele Esse duplo aspecto do ego ideal deriva do fato de que o ego ideal tert a ta refa de efetuar a repressão do complexo de Édipo de fato é a esse evento revolu cionário que ele deve sua existência Claro está que recalcar o complexo de Édipo não foi empresa fácil Havendo reconhecido nos pais e sobretudo no pai um obstá cuJo à realização dos desejos relacionados com o complexo de Édipo o ego infantil a fim de facilitar esse esforço de recalcamento e a fim de aumentar seus recursos e seu poder de ação em vista desse esforço criou em si mesmo tal obstáculo A energia para isso por assim dizer foi tomada de empréstimo ao pai e esse em préstimÔ foi um ato de extraordinárias conseqüências O superego se esforçará por reproduzir e conscrvar o caráter do pai e quanto mais forte for o complexo de Édipo e quanto mais rapidamente sucumbir à repressão sob a influência da autoridade do ensinamento religioso da instrução e da leitura tanto mais ri goroso será o domínio do superego sobre o ego em forma de consciência moral ou talvez de um sentimento inconsciente de culpa Mais adiante tentaremos for mular algumas conjeturas a respeito da fonte de onde o superego extrai a força que lhê permite exercer tal domínio e o caráter coercitivo que se manifesta sob a forma de um imperativo categórico pág 44 48 Em The Ego anel the ld 1926 diz ele Cada uma dessas identificações tem o caráter de uma dessexualização ou mesmo de uma sublimação Ora parece que qúando se verifica uma transformação desse tipo ocorre ao mesmo tempo uma dissociação dos instintos Após a sublimação o componente erótico não tem mais a força necessária para aglutinar todos os elementos destrutivos que se encontravam previamente conjugados a ele e estes são liberados sob a forma de uma tendência à agressividade e à destruição Essa dissociação seria a fonte do 192 Melanie Klein uns dos outros e carecem da unidade da severidade e da opo sição ao ego da qualidade de serem inconscientes e do grande poder que caracteriza o verdadeiro superego herdeiro do com plexo de Édipo Essa diferenciação é a meu ver inexata em diversos pontos Até onde me foi dado observar é precisa mente esse superego primitivo que é de uma severidade toda particular e normalmente em nenhum período da existência a oposição entre o ego e o superego é tão intensa como na primeira infância Ademais esse último fato explica a razão pela qual a tensão entre essas dyas instâncias psíquicas é du rante os primeiros anos sentida sobretudo como angústia Constatei ainda que as exigências e proibições do superego não são menos inconscientes na criança pequena do que no adulto e que não são absolutamente idênticas às que emanam dos objetos reais Fenichel tem razão penso eu ao afirmar que o superego infantil ainda não é tão rigorosamente orga nizado como o do adulto Mas esse ponto de diferenciação além de não ser uma verdade universal uma vez que muitas crian ças pequenas apresentam um superego bem organizado e mui tos adultos um superego disperso pareceme estar meramente em conformidade com o grau menor de coesão mental da criança pequena quando comparada ao adulto Sabemos que 15 ego da criança pequena não é tão altamente organizado quanto o da criança no período de latência mas nem por isso diremos que ela não tem ego e sim apenas precursores de um ego Já sabemos que na fase de exacerbação do sadismo o aumen to das tendências sádicas produz um incremento de angústia As ameaças proferidas pelo superego primitivo contra o id contêm toda a série detalhada de fantasias sádicas que foram dirigidas contra o objeto de sorte que cada uma delas se encon tra agora voltada contra o ego Assim a pressão exercida pela angústia nesse estádio precoce corresponderá quantitativamen te ao grau de sadismo originalmente presente e qualitativa mente à variedade e riqueza das fantasias sádicas que a acompanham 47 A superação gradual do sadismo e da ángústia é resultado do desenvolvimento da libido 48 Mas é justamente o excesso 47 Cf meu artigo Infuntile AnxietySituations Reflected in a Work of Art 1929 48 Viúe o próximo capítulo onde este ponto é discutido detalhadilmente 202 Melmie Klein ângulo a formação do superego as relações objetais e a adap tação à realidade são o resultado de uma interação entre a pro jeção dos impulsos sádicos do indivíduo e a introjeção de seur3 objetos 9 AS RELAÇÕES ENTRE A NEUROSE OBSESSIVA E ESTÁDIOS os DO PRIMEIROS SUPEREGO N o CAPÍTULO precedente consideramos o conteúdo das pri meiras situações de angústia e sua repercussão sobre o desenvolvimento do indivíduo Passaremos agora a exa minar de que maneira a libido e as relações com os objetos reais ocasionam uma modificação dessas situações de angústia Em resultado da frustração oral sofrida a criança procura novas fontes de gratificação1 A menina pequena afastase de sua mãe e toma o pênis de seu pai para objeto de gratificação Se bem que as tendências genitais já estejam atuando essa gratificação é inicialmente de natureza oral2 No menino pe queno encontramos a mesma atitude positiva em relação ao pênis do pai ela resulta do estádio oral de sucção e é devida à assemelhação do seio a um pênis3 Uma fixação ao pênis do 1 Em Notes on Oral CharacterFormation 1925 Edward Glover assinala que a frustração é um fator estimulante para o desenvolvimento do indivíduo 2 Cf meus artigos The Psychological Principies of Infant Analysi9 1926 e Early Stages of the Oedipus Conflict 1928 a Em seu trabalho Nach derQ Tode des Urvaters 1923 Róheim argumenta que após haverem devorado o cadáver do pai primitivo os filhos passam a 204 Melunie Klein pai segundo uma modalidade própria ao estádio oral de suc ção é a meu ver um fator essencial nl gênese da verdadeira homossexualidade4 Mas normalmente os sentimentos de ódio e de angústia em face do pai que surgem do despertar das ten dências edípicas militam contra essa fixação5 Quando o de senvolvimento segue um curso favorável a atitude positiva para com o pênis do pai tornase a base de boas relações com as pessoas de seu próprio sexo e permite ao mesmo tempo adotar uma posição francamente heterossexual Todavia ao passo que no menino uma relação oral de sucção com o pênis do pai pode em certas circunstâncias conduzilo à homossexuali dade já na menina ela é normalmente o precursor dos impul sos heterossexuais e do conflito edípico Essa inclinação da me nina pelo pai e no menino o retorno à mãe agora convertida em objeto de amor genital dá um novo objetivo à gratificação libidinal da criança em que os órgãos genitais começam a fazer sentir sua influência Constatei que naquele primitivo período de desenvolvimento a que denominei de fase de sadismo máximo todos os estádios prégenitais assim como o estádio genital são catexizados em rápida sucessão É que a libido entra em luta com os impulsos destrutivos e consolida gradualmente suas posições Entre os fatores que são de importância fundamental para a dinâmica encaráo como mãe nutriente Desta maneira acredita Róheim transferem o amor que até então sentiam somente pela mãe também para o pai e sua atitude para com êle que era puramente negativa adquire um elemento po sitivo 4 Cf Freud Kindheilserinnerung Leonardo da Vincis 1910 Acompanha remos mais de perto esses processos de desenvolvimento no capítulo 12 ao dis cutirmos o desenvolvimento sexual do menino 5 O seguinte exemplo extraído da observação direta ilustra o curso de uma mudança do prazer para o desprazer Nos meses que se sucederam ao seu desmame um meninozinho mostrou preferência por alimentos que incluíam pei xes bem como um grande interesse pelos peixes em geral Com a idade de um ano compraziase em ficar observando com intenso interesse enquanto sua mãe matava ou preparava peixes na cozinha Pouco depois desenvolveu intensa repugnância por esse alimento que se propagou a uma aversão pela simples vista de um peixe e mais tarde a uma fobia regular de peixes A experiência de numerosas análises efetuadas com crianças muito pequenas demonstroume que os ataques contra peixes cobras e lagartos representavam ataques contra o pênis do pai e me permitiu compreender a conduta dcase menino Ao ver a mãe matar os peixes satisfazia em alto grau seus impulsos sádicos contra o pônis do pai e isso fez com que tivesse medo do pai ou mais exatamente do pênis de seu pai 210 Melanie Klein mais elevado de sua libido ou seja o segundo estádio anal agindo portanto como agente promotor de seu desenvolvimento Sabemos que no adulto o superego e o objeto não coincidem absolutamente tampouco coincidem conforme procurei de monstrar em nenhum período da infância Acredito que os es forços dispendidos pelo ego em razão dessa discrepância no sentido de intercambiar os objetos reais com as imagos dos mes mos constituem um fator fundamental de seu desenvolvimen to14 Quanto menor a discrepância isto é quanto mais as imagos se aproximarem dos objetos reais na medida em que o estádio genital for assumindo a liderança e as imagos imagi nárias e aterradoras que haviam predominado no início da vida forem retrocedendo para segundo plano mais estável será o equilíbrio mental e mais bem sucedida a modificação das primeiras situações de angústia Gradualmente à medida que os impulsos genitais se fortalecem a repressão do id pelo ego também perde muito de sua violência de sorte que há menos atrito entre as duas instâncias Assim o relacionamento objetai mais positivo que acompanha o advento do estádio ge nital também pode ser encarado como um sinal da existência de relações satisfatórias entre o superego e o ego e entre o ego e o id Sabemos já que os pontos de fixação para as psicoses se si tuam nos estádios iniciais de desenvolvimento e que a linha de demarcação entre a psicose e a neurose é a que separa os dois períodos do estádio anal Estou inclinada a ir ainda mais longe e aconsiderar esses pontos de fixação como pontos de partida não só para as doenças subseqüentes mas também para as perturbações que a criança sofre durante o início de sua vida No capítulo precedente vimos que as sitúações de angústia de masiadamente poderosas que surgem na fase de exacerbação do sadismo constituem um fator etiológico fundamental dos distúrbios psicóticosU No entanto constatei que também as crian ças normais durante as fases iniciais de seu desenvolvimento atravessam situações de angústia de caráter psicótico Se quer por razões externas ou internas essas situações muito precoces forem ativadas em alto grau a criança apresentará traços psi cóticos E se ela não conseguir combater suficientemente a l H A importância desse fator para o desenvolvimento do ego e para o re acionamento com a realidade é examinada mais detalhadamente no capítulo 10 15 Cf meu artigo Personiíication in the Play of Children 1929 Psicanálise da Criança 219 sempenham um papel importante no quadro clínico das neu roses infantis pode parecer à primeira vista que eu esteja em desacordo com a opinião de Freud no que tange ao ponto de partida da neurose obsessiva Não obstante acredito que essa discordância possa ser atenuada ao menos em um ponto im portante É verdade que de acordo com as minhas descobertas as origens da neurose obsessiva residem no primeiro período da infância mas os traços obsessivosisolados que emergem nes se período não se acham organlzados naquele conjunto a que consideramos como neurose obsessiva antes da segunda infância ou seja antes do início do período de latência Se gundo a teoria aceita as fixações ao estádio analsádico não intervêm como fatores na neurose obsessiva senão mais tarde em resultado de uma regressão Na minha opinião o verda deiro ponto de partida para a neurose obsessiva ou seja o pon to em que a criança desenvolve sintomas obsessivos e mecanis mos obsessivos situase no período da vida que é governado pelo estádio anal secundário Essas primeiras dificuldades ob sessivas apresentam um quadro um tanto diferente da neuro se obsessiva que só se declara em toda a sua plenitude numa fase mais tardia esse fato tornasenos perfeitamente com preensível quando nos recordamos que é somente mais tarde no período de latência que o ego havendo adquirido maturi dade e modificado suas relações com a realidade empreende a elaboração e a síntese dos elementos obsessivos que estavam em atrvidade desde a primeira infância31 Os caracteres obses sivos da criança pequena não são tão facilmente discerníveis também por outra razão é que no quadro geral apresentado por uma neurose infantil não se acham tão nitidamente em evi dência como no adulto e isso devido à intrusão de outras per turbações mais antigas que ainda não foram superadas e aos diversos mecanismos defensivos que ainda estão sendo empre gados Não obstante conforme procurei demonstrar mesmo em crianças muito pequeninas é freqüente encontrarmos sintomas 31 Essas alterações serão discutidas mais detalhadamente no capítulo 10 onde procurarei demonstrar que no período de latência a criança se acha habi litada por sua neurose obsessiva a fazer frente às exigências de seu ego de seu su perego e de seu id ao passo que numa idade anterior quando seu ego ainda não está estruturado ela ainda não é capaz de dominar a angústia dessa maneira Psicanálise da Criança 221 vas Por exemplo depois que John e eu concordamos que seu medo de não ser capaz de devolver à mãe todas as fezes e os nenês que lhe roubara o obrigava a continuar recortando coi sas e a furtálas ele me deu outros motivos pelos quais não podia restituir tudo o que havia tomado Disse que suas fezes se haviam dissolvido nesse ínterim que afinal ele as havia passado adiante o tempo todo e que mesmo que tivesse que continuar fazendo novas fezes jamais poderia fazer o suficien te E que além disso não sabia se seriam bastante boas Por bastante boas ele queria dizer em primeiro lugar equivalen tes em valor ao que havia furtado do corpo da mãe Daí digase de passagem seu cuidado em escolher as formas e as cores nestas cenas de restituição Mas num sentido mais pro fundo bastante boas significava inócuas destituídas de ve neno39 Por outro lado sua freqüente constipação intestinal era devida à necessidade de armazenar suas fezes e guardálas dentro dele para não se esvaziar Todas essas tendências con flitantes das quais mencionei apenas algumas provocavamlhe uma viva angústia Sempre que aumentava seu medo de não ser capaz de produzir a espécie correta de fezes ou uma quan tidade suficiente delas ou de não ser capaz de reparar o que havia danificado suas tendências destrutivas primárias irrom piam novamente em toda a sua virulência sua sede de destrui ção era insaciável e ele rasgava picava e queimava as coisas que havia feito quando predominavam suas tendências reati vas a caixa que havia armado e enchido e que representava sua mãe ou o pedaço de papel sobre o qual havia desenhado o plano de uma cidade Sua conduta ao mesmo tempo eviden ciava plenamente todo o significado sádico primitivo dos atos de urinar e defecar Rasgar picar e queimar papel molhar as coisas com água sujálas com cinzas ou rabiscálas com lá pis todas essas ações serviam aos mesmos propósitos destru tivos Molhar e sujar significava dissolver afogar ou envene nar Bolinhas comprimidas de papel molhado por exemplo re presentavam mísseis especialmente venenosos por serem uma mistura de urina e de fezes Os variados detalhes de suas re presentações mostravam que a significação sádica ligada aos atos de urinar e defecar constituía a causa mais profunda 39 Em seu artigo Fear Guilt and Hate 1929 Ernest Jones assinala que a palavra inocente tem a conotação de inofensivo de forma que inocente quer dizer não causar mal Psicanálise da Criança 229 clara Suas tendências destrutivas porém não ficaram inope rantes apenas perderam seu caráter de violência e se tornaram mais adaptáveis às exigências do superego E se bem que elas participem das formações reativas na segunda das duas eta pas sucessivas de que se compõe o ato obsessivo submetem se mais facilmente à direção do superego e do ego e estão mais livres para perseguirem os objetivos sancionados por essas ins tituições Como sabemos existe uma íntima conexão entre os atos ob sessivos e a onipotência de pensamento Freud salientou que as primitivas práticas obsessivas dos povos pouco desenvolvi dos são de caráter essencialmente mágico Diz ele Se não mágicas são pelo menos contramágicas e são destinadas a pre veqir a espectativa do mal com que a neurose costuma come çar E acrecenta As fórmulas preventivas da neurose obses sivã também têm o seu reverso nos encantamentos mágicos Ao descrever a evolução dos atos obsessivos podemos notar que começam como magias contra desejos maléficos tão remotas quanto possível de tudo o que seja sexual apenas para termi narem substituindo as atividades sexuais proibidas que elas procuram imitar fielmente40 Por aqui vemos que os atos obsessivos são uma contramagia um escudo contra desejos maus isto é desejos de morte 41 e ao mesmo tempo atos sexuais Seria de se esperar reencontrar esses elementos que se uni ram numa ação defensiva nas fantasias e nos atos que susci taram o sentimento de culpa convocando essa ação defensiva Uma mescla desse tipo de magia de desejos maus e de ativi dades sexuais pode ser encontrada penso eu numa situação que foi detalhadamente descrita no capítulo precedente a sa ber as atividades masturbatórias da criança pequena Lá sa lientei que as fantasias masturbatórias que acompanham o co meço do conflito edípico são como o conflito edípico mesmo completamente dominadas pelos instintos sádicos que elas se centralizam na copulação dos pais e dizem respeito a ataques sádicos dirigidos contra eles convertendose assim numa das fontes mais profundas da culpabilidade da criança E cheguei 40 Totem und Tabu 1912 pág 108 41 Com referência ao neurótico obsessivo diz Freud em Totem und Tabu 1912 E não obstante seu sentimento de culpa é justificado baseiase nos intensos e freqüentes desejos de morte que surgem em seu inconsciente contra os seus semelhantes pág 145 230 M elanie Klein à conclusão de que é o sentimento de culpa decorrente dos im pulsos destrutivos dirigidos contra os pais que torna a mas turbação e a atividade sexual em geral algo iníquo e proibido para a criança de sorte que sua culpabilidade está realmente ligada aos instintos destrutivos e não aos libidi nais e incestuosos42 Segundo meu ponto de vista o conflito edípico com suas acompanhantes fantasias sádicas masturbatórias começa na fase do narcisismo em que o sujeito tem para citar Freud alta estima por seus próprios atos psíquicos o que do nosso ponto de vista é uma superestimação dos mesmos43 Esta fase é caracterizada por um sentimento de onipotência por par te da criança no tocante às funções de sua bexiga e de seus intestinos e pela crença conseqüente na onipotência de seus pensamentos44 Como resultado sentese culpada pelos múl tiplos assaltos aos pais que ela em imaginação efetua Mas este excesso de culpa que resulta da crença na onipotência de seus excrementos e pensamentos é a meu ver justamente um dos fatores que levam os neuróticos e os povos primitivos a conser varem e a regredirem aos seus sentimentos originais de onipo tência Quando a culpabilidade mobiliza atos obsessivos à gui sa de defesa eles empregarão sua culpabilidade para o propó sito da reparação Mas agora terão que sustentála compulsiva e exageradamente pois é essencial que esses atos de reparação que realizam sejam baseados na onipotência tal como o eram os atos originais de destruição 42 No capítulo 1 já havia eu assinalado a concordância existente entre os meus pr6prios pontos de vista a esse respeito e algumas conclusões de Freud em Civilization and its Discontents 1930 onde escreve Portanto é somente a agressão que se transforma em culpa ao ser suprimida e passada ao superego Estou convencido de que muitíssimos processos ficarão mais simples e clara mente explicados se restringirmos as descobertas da psicanálise com respeito à origem do sentimento de culpa aos instintos agressivos pág 131 E tam bém Inclinamonos agora a sugérir o seguinte como possível formulação quando uma tendência instintiva sofre repressão seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa pág 132 43 Totem und Tabu 1912 pág llO H Ferenczi salientou em seu trabalho Stages in the Developinent of a Sense of Reality 1913 a conexão entre as funções anais c a onipotência das palavras e dos gestos Cf também Abraham The Narcissistic Evaluation of Excretory Processes in Dreams and Neurosis 1920 Psicanálise da Criança 239 temofílicos são ativados pelo conflito edípico incipiente que começa favorecendo as inclinações oralsádicas49 Seu primei ro objeto parece ser o interior do corpo da mãe que a criança considera primeiro como objeto de gratificação oral e depois como o cenário onde se efetua o coito dos pais e onde se situam o pênis paterno e os bebês Ao mesmo tempo que deseja pe netrar à força no corpo da mãe para se apoderar de seu conteü do e destruílo ela deseja saber o que se passa e como são as coisas lá por dentro O desejo de conhecer o interior da mãe e o de lá penetrar à força são postos em equação reforçandose mutuamente e tornandose intercambiáveis Assim formamse os elos que unerri as tendências sádicas elevadas à sua potên cia máxima ao instinto epistemofílico nascente e tornase mais fácil compreender porque esse laço é tão estreito e porque o instinto epistemofílico desperta sentimentos de culpa no indi víduo Vemos a criancinha oprimida por uma série de perguntas e de problemas com os quais seu intelecto ainda não está apto a se avir A recriminação típica que ela faz sobretudo à mãe é de que esta não responde às suas perguntas e não satisfaz mais ao seu desejo de saber do que satisfazia aos seus desejos orais Essa recriminação desempenha um papel importante tanto no desenvolvimento do caráter da criança como no de seus instintos epistemofílicos Tal acusação deve remontar a uma época muito primitiva em que a criança ainda não sabia falar pois essa queixa é freqüentemente associada a uma ou tra que se refere a esse período precoce e na qual ela se queixa de que não conseguia entender o que os adultos diziam ou as palavras que empregavam De mais a mais essas duas recri minações quer surjam isoladamente quer reunidas são extraor çlinariamente carregadas de afeto e nesses momentos a criança começará a falar na análise de maneira a não ser compreen dida enquanto reproduz a raiva que sentiu originalmente ao ser incapaz de compreender o que se dizia60 Ela não consegue expressar em palavras as perguntas que gostaria de formular e seria incapaz de compreender qualquer resposta que lhe fosse dada por meio de palavras Todavia ao menos parte des 40 Cf Abraham PsychoAnalytical Studies on CharacterFormation 1925 60 Rita minha paciente de dois anos e nove meses tinha o hábito de fazer isso comigo em sua análise vide capítulo 2 Psicanálise da Criança 235 melhores resultados e as reações de um nível especificamente genital emergem mais claramente O advento do estádio ge nital traduziria pois o triunfo dos elementos positivos nas in terações que se verificam entre projeção e introjeção e entre a formação do superego e as relações objetais e que na minha opinião dominam todos os estádios iniciais de desenvolvimen to da criança O SIGNIFICADO DAS PRIMEIRAS SITUAÇOES DE ANGúSTIA NO DESENVOLVIMENTO DO EGO UM nos principais problemas apresentados pela psicanálise é o da angústia e suas modificações Podese considerar as diversas afecções psiconeuróticas que acometem o in divíduo como tentativas mais ou menos mal sucedidas de do minar a angústia Mas lado a lado com esses métodos de do minar a angústia e que podem ser considerados como patológi cos há um outro grupo de métodos normais cuja importância para o desenvolvimento do ego é considerável É para alguns desses métodos que voltaremos nossa atenção nas páginas seguintes No início de seu desenvolvimento o ego está sujeito à pres são das precoces situações de angústia Por ser ainda muito frágil ele se vê exposto por um lado às violentas incitações do id e por outro às ameaças de um superego cruel e precisa exercer suas faculdades ao máximo a fim de satisfazer a ambas as partes A descrição que Freud faz do ego como sendo uma pobre criatura constrangida a servir três amos e conseqüente mente ameaçada por três perigos diversos é especialmente 1 The Eco and the Id 1923 pág 82 Psicanálise da Criança 241 que sua mãe deixa de aparecer ela se comporta como se nunca mais fosse tornar a vêla e é somente após experiências repe tidas que ela aprende que uma tal ausência é seguida de um retorno seguro 11 De acordo com minhas observações se a criança necessita ter sempre a mãe consigo é para convencerse não só de que não está morta mas também de que não é a mãe má que ataca É necessária a presença de um objeto real para combater o medo que lhe inspiram seu superego e seus aterrorizantes objetos ili trojetados A medida que progridem suas relações com a Jea lidade a criança passa a utilizar cada vez mais suas relações objetais e suas diversas atividades e sublimações como pontos de apoio contra o medo ao superego e aos impulsos destrutivos Já foi dito que a angústia estimula o desenvolvimento do ego Isto se dá porque no empenho de dominar a angústia o ego da criança convoca o auxílio de suas relações com os objetos e com a realidade Esses esforços são portanto de fundamental importância na adaptação da criança à realidade e no desen volvimento de seu ego O superego e o objeto da criancinha não são idênticos mas ela se empenha continuamente no sentido detornálos intercam biáveis em parte com a finalidade de diminuir seu medo ao superego e em parte para estar melhor capacitada a se subme 11 lbid pág 113 Mas a criancinha só poderá convencerse de expenencas reconfortantes desse tipo se suas primeiras situações de angústia não estiverem predominando e desde que na formação de seu superego suas relações com os objetos reais tenham tido uma participação suficiente Tenho observado muitas e muitas vezes que também nas crianças maiores a ausência da mãe reativa as primeiras situações de angústia sob cuja pressão haviam quando pequeninas sentido a ausência temporária como permanente EJP meu artigo Personification in the Play of Children 1929 relatei o caso de um menino de seis anos que me fez representar o papel de mãe fada que devia protegêlo de seus maus pais combinados e matá los Além do mais tocavame sempre transfor marme de mãe fada em mãe má e isso repentinamente Como mãe fada eu devia curar os ferimentos fatais que uma enorme fera selvagem a imagem combinada de seus maus pais lhe havia infligido mas no momento seguinte queria que eu fosse embora e voltasse sob a forma da mãe má para atacálo Ele dizia Quando a mãe fada sai da sala a gente nunca sabe se ela não vai voltar de repente como mãe má Este menino que tinha uma fixação excepcionalmente forte à mãe desde os seus primeiros anos vivia com a idéia perpétua de que algum mal havia acometido seus pais seus irmãos e irmãs Mesmo que ele tivesse acabado de ver a mãe um minuto aJ1tes não tinha cer teza de que ela não havia morrido nesse Ínterim Psicaruílise da Criança 245 Ao brincarem os meninos fazem continuamente e com todos os tipos de variações cenas de copulação com a mãe e de lutas com o pai no interior da genitora A audácia a perícia e a astúcia com que se defendem dos inimigos em seus jogos guer reiros asseguralhes a vitória sobre o pai castrador e isso di minui o medo que este lhes inspira Através desses meios e demonstrando sua bravura nas repetidas encenações de cópula com a mãe que o menino representa das mais diversas maneiras ele procura provar a sf mesmo que possui um pênis e potência viril duas coisas cuja perda ele temia levado por suas mais profundas situações de angústia E posto que a par com suas tendências agressivas também suas tendências restauradoras surgiram nesses brinquedos ele se persuade de que seu pênis não é destrutivo aliviando destarte seu sentimento de culpa13 O intenso prazer que as crianças não inibidas encontram em seus jogos procede não somente da gratificação de seus impul sos de realização de desejos mas também porque o brinquedo concorre grandemente para o domínio de sua angústia Toda via não se trata simplesmente de duas funções separadas e independentes o ego emprega cada um dos mecanismos de realização de desejos também com o propósito de dominar a angústia Assim graças a um processo complicado que mobiliza todas as forças do ego os jogos infantis transformam a angústia em prazer Veremos mais adiante como esse processo funda mental influi sobre a economia da vida psíquica e sobre a evo lução do ego no adulto Não obstante quando se trata de crianças pequenas o ego nãq consegue senão parcialmente triunfar sobre a angústia por me10 do brinquedo Este não as ajuda a superarem completa mente o medo aos perigos internos Enquanto está latente a angústia que nelas está sempre operante fazse sentir como impulsão contínua para brincàr mas assim que se torna ma nifesta interrompe o jogo Ao ingressar no período de latência a criança passa a do minar melhor sua angústia mostrandose ao mesmo tempo mais apta a corresponder às exigências da realidade Por outro lado os jogos perdem seu conteúdo imaginativo sendo gra dualmente substituídos pelo trabalho escolar A preocupação da criança com as letras do alfabeto números aritméticos e 13 Esse assunto será aprofundado no capítulo 12 272 Melanie Klein Pelo que me é dado julgar esse sentimento de onipotência das funções urinária e intestinal exerce uma influência mais pronunciada e mais durável sobre o desenvolvimento da vida sexual e da formação do ego da menina do que sobre o meni no Os ataques que as crianças de ambos os sexos efetuam com seus excrementos são asestados contra a mãe primeiramente contra o seu seio e dePoisçqntraQinteriQr de seu corpo Como õSimpulsos destrutivos da menina contra o corpo materno são mais poderosos e duradouros que os do menino ela elaborará métodos secretos e ardilosos de ataque baseados na magia de seus excrementos e em outros produtos de seu corpo assim co mo na onipotência de seus pensamentos em conformidade com a natureza oculta e secreta do mundo que ela e sua mãe encer ram dentrode seu corpo23 Já o menino concentrará seus sen timentos de ódio não somente no pênis do pai que ele imagina encontrarse no interior da mãe mas no seu pênis real destar te estarão sendo dirigidos em escala muito maior para o mun do exterior e para o que é tangível e visível Graças ao uso da onipotência sádica de seu pênis ele dispõe de outros meios para dominar sua angústia ao passo que o modo da mulher domi nar a angústia permanece submisso às suas relações com o mun e insidiosa tendo que desdobrar simultaneamente uma extrema vigilância e acui dade mental a fir de resguardarse dos contraataques de natureza correspondente seu sentimento original de onipotência assume uma importância fundamental para o desenvolvimento de seu ego No artigo acima referido Abraham adota o ponto de vista de que a onipotência das funções da bexiga e dos intestinos é um precursor da onipotência dos pensamentos e em seu artigo The Madonnas Con ception through the Ear 1923 Ernest Jones demnnstrou que os pensamentos são equacionados com flatos Também eu acredito que a criança equacione suas fezes e mais especialmente seus gases invisíveis com aquela outra substâlcia 5ecretl e invisível seus pensamentos e além do mais que elo imagina que em seus ataques dissimuluclos ao corpo da mãe os flatos tenham sido insetidos dentro desta última por meios mágicos vide o capítulo 8 deste livro 28 O fato de a mulher ligar seu narcisismo à totalidade de seu corpo pode ser devido em parte à conexão que ela faz de seu sentimento de onipotência com as diversas funções corporais e processos excretórios elo o distribui assim em escala maior pela totalidade de seu corpo ao passo que o homem focaliza seu narcisismo mais especialmente ell seus órgãos genitais Em última análise é através de seu corpo que ela captura e controla seus objetos reais por meios mágicos 24 Neste e no pr6ximo capítulo examirt1Íremos como as diferçnças anatômicas entre os sexos contribuem para separar as vias ao longo das quais o sentimento de onipotência e conseqüentemente as fonnas de dominar a angústia se desen volvem em cada sexo 274 M elanie Klein o caminho para os sentimentos despertados por sua irustra ção posterior com relação ao pênis A inveja e o ódio que ela sente da genitora colorem e intensificam suas fantasias sádicas contra o pênis ademais toda a sua atitude subseqüente para coin os homens será afetada pelo papel desempenhado por suas relações com o seio materno Assim que ela começa a recear o mau pênis introjetado começa a regressar para a mãe de quem como pessoa real e como figura introjetada ela espera receber socorro Se sua atitude primária para com a mãe foi governada pela posição oral de sucção de forma a conter fortes correntes de sentimentos positivos e otimistas ela será capaz em certa medida de escudarse por trás da boa imago materna contra a má imago materna e contra o mau pênis se não seu medo à mãe introjetada incrementará seu medo ao pênis inter nalizado e aos terríficos pais unidos em coito A importância para a menina da imago materna como figu ra protetora e a intensidade de seu apegamento à genitora são muito grandes uma vez que em sua imaginação a mãe é a possuidora do seio nutritício do pênis do pai e dos bebês e tem por conseguinte o poder de gratificar todas as suas neces sidades Quando surgem as primeiras situações de angústia da pequerrucha seu ego utiliza sua necessidade de nutrição no mais amplo sentido da palavra para ajudála a superar a an gústia Quanto mais ela recear que seu corpo esteja envene nado e exposto ao ataque tanto mais ansiará pelo bom leite o bom pênis e os bebês28 sobre os quais ela julga que a mãe tenha autoridade ilimitada Ela necessita dessas coisas boas para que a protejam das más e para estabelecer um certo equilíbrio interno Por conseguinte o corpo da mãe é uma es pécie de armazém que contém a gratificação de todos os seus desejos e o apaziguamento de todos os seus temores Essas fan tasias que a fazem retornar ao seio materno como fonte pri meira de gratificàção e como a mais prenhe de conseqüências são as responsáveis por seu intensíssimo apegamento à mãe E a frustração que sofre com a genitora levaa a sentir sob a Nutrir tem também o sentido de manter no íntimo agasalhar proteger acariciar N da T 28 Mais adiante examinaremos detalhadamente o profundo significado asso ciado à posse de filhos Bastanos aqui salientar que o bebê imaginário no in terior do corpo representa um objeto benéfico 276 M elanie Klein tém e o pênis do pai ou então o pai os irmãos e as irmãs em pessoa Enquanto estão empenhadas nessas atividades ou depois de as haverem concluído as crianças freqüentemente darão mos tras de raiva depressão ou desapontamento ou terão até mes mo reações destrutivas Esta angústia que é um obstáculo sub jacente a todas as tendências construtivas tem múltiplas ori gens81 A menina em sua imaginação apossouse do pênis do pai das fezes e dos bebês mas o medo que devido às suas fan tasias sádicas lhe inspiram esses objetos roubados impedea de acreditar na boa qualidade dos mesmos As questões que agora a preocupam são da seguinte ordem serão boas as coi sas que está devolvendo à sua mãe poderá fazer uma devolu ção adequada no tocante à qualidade e quantidade e mesmo no tocante à ordem com que devem estar dispostas internamente pois essa também é uma parte necessária ao ato de restitui ção Se por outro lado ela acredita ter devolvido bem e devidamente à mãe o bom conteúdo de seu corpo fica com receio de haver posto sua própria pessoa em perigo com esse ato De mais a mais essas fontes de angústia suscitam na menina uma atitude especial de desconfiança para com a mãe Ao en trarem em minha sala muitas de minhas pequenas pacientes dirigem um olhar suspeitoso para os lápis e papéis na gaveta que lhes está reservada para verificar se não houve alguma troca ou se o número e o tamanho dos mesmos não diminuiu desde o dia anterior ou então querem se certificar de que o conteúdo da gaveta não foi desarrumado de que tudo está em ordem de que não falta nada e que nenhuma peça foi trocada por outra32 De tempos em tempos embrulharão seus desenhos ou moldes de papel ou o que quer que na ocasião esteja simbolizando o pênis ou os bebês amarrandoos e depositandoos cuidadosa mente na gaveta de brinquedos e demonstrando profunda des 81 Se a angústia é tão forte que não pode ser tolhida pelos mecanismos obses sivos entrarão em ação os mecanismos violentos pertencentes aos estádiQs ini ciais conjurtamente com os mecanismos de defesa mais primitivos empregádos pelo ego 32 Devo mencionar que cada criança tem uma gaveta partiiular onde são guardados os brinquedos papéis lápis etc juntamente com as roisns que ela traz de casa O conteúdo dessa gaveta que eu renovo de tempos em tempos é entregue à criança no começo de cada hora analítica 306 Melanie Klein ta como já vimos o poder da aterradora imagÓ materna produto de seus próprios ataques sádicos imaginários contra a mãe que faz perigar o interior de seu corpo chamandQa à prestação de contas por haver privado a genitora dos bebês das fezes e do pênis do pai e por possuir excrementos maus e perigosos Os métodos de ataque que a menina emprega contra a mãe baseados na onipotência de seus excrementos e pensamentos influenciam o desenvolvimento de seu ego não só direta ao que parece mas também indiretamente Suas formações reati vas contra a própria onipotência sádica e a transformação desta última em onipotência construtiva habilitamna a desenvolver sublimações e qualidades do espírito que são exatamente o oposto dos traços que acabamos de descrever e que se aclam ligados à onipotência primária de seus excrementos Elas a inclinam a ser verídica e confiante a esquecerse de si mesma zelosa no cumprimento de seus deveres e a arrostar sacrifícios por causa deles e por causa de outras pessoas Essas formações reativas e sublimaçjes tendem a fazer de seu sentimento de oni potência baseado nos bons objetos internalizados e de sua atitude de submissão ao superego paternal as forças dominan tes de sua atitude feminina8t Uma parte essencial do desenvolvimento de seu ego é desempe nhada pelo anseio de empregar a boa urina e as boas fezes para retificar os efeitos dos excrementos maus e nocivos e de distribuir coisas boas e bonitas Esse anseio se torna de uma importância esmagadora nos atos de dar à luz um filho e ama mentálo porquanto a criancinha bonita e o bom leite que ela produz representam sublimações de suas fezes nocivas e de sua urina perigosa Ademais ele forma uma base frutífera e criativa para todas as sublimações que têm sua origem nos re ptesentantes psicológicos do parto e da amamentação Uma das características do desenvolvimento do ego feminino é a magnificação do superego que é elevado a grandes alturas 81 Como já vimos os diferentes tipos de magia agem conjuntamente e são intercambiáveis O ego os incita igualmente um contra o outro O medo da me nina de ter maus nenês fezes dentro de si em resultado do poder mágico de seus excrementos age como incentivo para que ela superenfatize sua crença no bom pênis Sua equação do bom pênis com um nenê possibilitálhe alimentar esperanças de ter incorporado bons nenês e estes servem de contrapeso para os nenês que dentro de si elo equipara a mós fezes 308 Melanie Klein mo defesa contra o superego a quem procuram debilitar Ade mais em meninas desse tipo o ego assume muito maJor pre ponderância e seus empreendimentos e atividades são acima de tudo uma expressão de potência masculina No que concerne à evolução sexual da menina já vimos a importância que tem a existência de uma boa imago materna sobre a formação de uma boa imago paterna Se a menina es tiver em posição de se confiar à direção interna de um supe rego paternal em quem acredita e a quem admira isso sempre significa que ela tem igualmente boas imagos maternas so mente quando ela tiver suficiente confiança numa boa mãe internalizada é que estará capacitada a entregarse completa mente ao superego paternal Mas a fim de poder submeterse a ele é preciso que ela acredite suficientemente na posse de boas coisas no interior de seu corpo ou seja objetos internalizados amigáveis Só se o bebê que ela em imaginação teve ou espera ter de seu pai for um nenê bom e bonito e se o interior de seu corpo representar um lugar onde reinam a harmonia e a beleza82 poderá ela entregarse sem reservas tanto sexual quan to mentalmente ao superego paternal e a seus representantes do mundo exterior O atingir esse estado de harmonia alicerça se na existência de boas relações entre o ego e suas identifi cações entre essas mesmas identificações e particularmente entre suas imagos paternal e maternal As fantasias em que a menina visa destruir seu pai e sua mãe por ódio e inveja constituem a fonte principal de seu mais pro fundo sentimento de culpa e de suas mais oprimentes situações de perigo Elas dão origem ao medo de abrigar dentro de si objetos hostis empenhados em um combate mortal isto é em copulação destrutiva ou que por terem descoberto a culpa dela tenham se aliado em inimizade contra o seu ego A imensa gratificação que ela obtém quando seu pai e sua mãe têm uma vida conjugal feliz devese em grande parte ao alívio que as boas relações entre os pais proporcionam ao seu sentimento de culpa decorrente de suas fantasias sádicas No inconsciente da menina o bom entendimento entre os pais constitui uma con firmação pela realidade de sua capacidade de fazer reparações de todas ás formas possíveis Se os mecanismos restitutivos ti verem sido estabelecidos com êxito ela não só estará em bar 82 Esta fantasia também se acha presente no menino vide capüulo 12 Psicanálise da Criança 311 vida assim seu apegamento ao pai é fundamentalmente afe tado por seu apegamento à mãe Freud devo acrescentar tam bém assinala que um é edificado sobre o outro e que muitas mulheres repetem sua relação com a mãe em sua relação com os homens Psicanálise da Criança 345 presentavam seus excrementos e seus objetos internàlizados que o estariam perseguindo internarpente Em virtude do des locamento de seus temores aos perigos internos para o mundo exterior seus inimigos dentro dele haviam sido transformados em inimigos externos Passemos agora a considerar a estrutura do caso O paCiente fora nutrido a mamadeira Como os componentes libidinais não haviam sido gratificados pela mãe sua fixação oral de sue ção ao seio ficara impedida Essa frustração havia inclusive incrementado seus impulsos destrutivos contra o seio ao qual ele transformara em sua imaginação ém monstros e bestas perigosas Em seu inconsciente ele equiparava os seios fe mininos a harpias Esse processo fora favorecido por sua equa ção do seio com o pênis paterno que ele imaginava houvesse sido inserido no corpo materno para agolta reemergir Muito cedo ademais começara a assemelhar o bico da mamadeira com um pênis e em conseqüência da frustração sofrida com o seip voltarase para este último com particular avidez como objeto de seus desejos orais de sucção Muito precocemente por volta de seu segundo ano de vida fora seduzido pelo ir mão que era dois anos mais velho e esse fato conconera gran demente para que ele adotasse uma atitude homossexual O ato de fellatio gratificando seus desejos orais de sucção até então insatisfeitos fez com que ele se fixasse exageradamente ao pênis Outro fator foi que seu pai homem até então muito pouco efusivo tornouse mais afetuoso sob a influência do filho caçula O garotinho determinarase a conquistar o amor de seu pai e o conseguira A análise demonstrou que ele en carava essa vitória como prova de sua capacidade de transfor mar o mau pênis paterno em um bom pênis E seus esfor ços para efetuar uma transformação desse genero e destarte dissipar um grande número de temores constitt1íramse ulte riormente num dos motivos de suas aventuras homossexuais B tinha dois irmãos Por Leslie que o seduzira e que era dois anos mais velho do que ele nutrira desde pequenino grande admiração e amor e o transformara no representante do bom pênis em parte sem dúvida devido à gratificação precoce que o ato sexual com o irmão proporcionara aos seus anseios orais Sua maior ambição fora a de tornarse digno da amizade de Leslie e de seguir assiduamente seus passos e de fato escolheu a mesma profissão Sua atitude para Psicanálise da Criança 347 mento heterossexual Se B tivesse crescido ao lado de uma irmã seu medo ao misterioso interior do corpo feminino te ria sido atenuado pois ele teiia nesse caso podido satisfazer muito mais cedo sua curiosidade sexual concernertte aos ór gãos genitais das mulheres Com efeito foi somente aos vinte anos ao observar o quadro de uma mulher nua que ele to mou consciência pela primeira vez das diferenças anatômi cas entre masculino e feminino Evidenciouse no curso da análise que as saias amplas e volumosas que as mulheres usa vam naquele tempo incrementavam desmesuraâamente a idéia que ele fazia do interior enorme desconhecido e perigoso de seus corpos Sua ignorância a respeito dessas questões igno rância que promanava de sua angústia mas que havia sido esti mulada pelos fatores externos acima descritos havia pro piciado sua rejeição da mulher como objeto sexual Em minha descrição do desenvolvimento do menino mos trei que a centralização da onipotência sádica no pênis cons titui um passo importante para o estabelecimento de uma po sição heterossexual e que a fim de que tal passo possa ser dado é preciso que o ego tenha adquirido capacidade suficien te de tolerar o sadismo e a angústia nos estádios evolutivos anteriores Em B essa capacidade era muito limitada Sua crença ria onipotência de seus excrementos era mais vigorosa do que usualmente o é nos meninos69 Por outra parte seus impulsós genitais e seus sentimentos de culpa haviam se afir ma do mui precocemente trazendo consigo um bom relaéiona mento objetai e uma adaptação satisfatória à realidade Seu ego prematuramente fortalecido empreendeu em conseqüên cia uma repressão violenta de seus impulsos sádicos parti cularmente dos que eram dirigidos contra a mãe de sorte que estes não puderam entrar em contato suficiente com os objetos reais e permaneceram em sua maior parte sobretudo no que concernia à mãe aderidos às suas imagos fantásticas60 Em óD Pela mesma razão ele tinha características femininas fortemente acentua das e suas sublimações eram de tipo predominantemente feminino Este ponto será retomado mais adiante oo A fracassada formação do superego de B isto é a ação exagerada de suas formações de angústia iniciais não só produzira graves perturbações em sua saúde mental prejudicando seu desenvolvimento sexual e inibindo sua ca phcidade de trabalho mas era a razão pela qual suas relações objetais se bem que boas em si mesmas fossem às vezes sujeitas a graves perturbações 364 Melanie Klein colapsos nervosos seriam salvos desta sina e poderiam levar uma vida normal Se a análise infantil puder realizar uma tarefa desta natureza e há muitos indícios de que o possa ela será um meio não só de ajudar ao indivíduo mas de pres tar um serviço incalculável à sociedade 374 Sr A Sr B 315 Homosscxunlirlad mnnifcstn pcr turhariics dn potllncin sexual neurose ohsrssivn grnvc com elementos pnrnnóiros c hipo condriaros 35 Homossexualidade profunda ini birão no trabalho depressão mnnin dr rlúvicln idéias pam nóides e hipocondríacas Melanie Klein 335341 311357 394 Melanie Klein APIJNDICE Alcances c Limites da Análise Infantil Bibliografia Lista dos Pacientes lndice de Autores lndice Annlftico 359 365 373 37 3i7 1