·

Direito ·

Ciências Políticas

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

O CONCEITO DE BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT UMA ANÁLISE A PARTIR DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO1 THE CONCEPT OF BIOPOLITICS IN MICHEL FOUCAULT AN ANALYSIS FROM THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM Dhyani Colpo Copetti2 Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth3 1 O conceito de biopolitica em Michel Foucault 2 Bolsista PROBICFAPERGS 3 Orientador do estudo email maiquelwermuthunijuiedubr O CONCEITO DE BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT UMA ANÁLISE A PARTIR DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO THE CONCEPT OF BIOPOLITICS IN MICHEL FOUCAULT AN ANALYSIS FROM THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM Dhyani Copetti Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth 1 Pesquisa Institucional desenvolvida no Departamento de Ciência Jurídicas e Sociais pertencente ao Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos INTRODUÇÃO O filósofo francês Michel Foucault compreende a biopolítica como uma forma de manifestação de poder por meio da qual os mecanismos da vida biológica dos seres humanos são incluídos na gestão política de um Estado passando a ser gerenciados e administrados A biopolítica tem como foco estabelecer mecanismos de controle que não mais incidirão sobre corpos individuais mas sobre populações estabelecendo cesuras entre diferentes grupos sociais de acordo com o interesse político almejado Nesse sentido o conceito de biopolítica assume especial relevância para a interpretação e esclarecimento de fenômenos da contemporaneidade como por exemplo a situação do sistema penitenciário brasileiro e a violência e a seletividade que permeiam este espaço Nesse contexto colocase o problema que orienta a presente pesquisa em que medida o conceito de biopolítica cunhado na filosofia foucaultiana se apresenta como chave de compreensão do aumento de presos em situação de risco e vulnerabilidade seletiva no sistema penitenciário brasileiro Evento XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS 10 Redução das desigualdades 1 METODOLOGIA A presente pesquisa utilizase do método fenomenológico compreendido como interpretação ou hermenêutica universal isto é como revisão crítica dos temas centrais transmitidos pela tradição filosófica através da linguagem como destruição e revolvimento do chão linguístico da metafísica ocidental Este método de abordagem visa a aproximar o sujeito pesquisador e o objeto a ser pesquisado A opção pelo referido método devese ao fato de que ele é o único que permite definitivamente demonstrar que o modelo de conhecimento subjuntivo próprio do sistema sujeitoobjeto foi suplantado por um novo paradigma interpretativo marcado pela invasão da filosofia pela linguagem a partir de uma pósmetafísica de reinclusão da facticidade que passa a atravessar o esquema sujeito objeto estabelecendo uma circularidade virtuosa na compreensão A ênfase portanto passa para a compreensão na qual o compreender não é mais um agir do sujeito e sim um mododeser que se dá em uma intersubjetividade No que diz respeito à técnica de pesquisa optouse pelo emprego de pesquisa bibliográfica utilizandose da literatura existente acerca da temática proposta livros e periódicos do fichamento e do apontamento RESULTADOS E DISCUSSÃO O conceito de biopolítica surge no cenário filosófico mundial nos anos de 1970 a partir do momento em que Michel Foucault começa a analisar como a vida biológica começa a se converter em objeto da política ou seja a vida biológica passa a ser produzida e além disso administrada com a particularidade de que mesmo sendo objeto de normalização a vida biológica nunca fica exaustivamente retida nos mecanismos que pretendem controlála pois sempre os excede e deles por fim escapa CASTRO 2011 Na obra foucaultiana portanto as categorias biopolítica e biopoder ora utilizadas como sinônimo ora não pretendem abarcar a complexa questão da normalização biológica dos seres humanos no caminho que o autor trilhava na investigação do problema da governamentalidade Por biopolítica Foucault 1988 2010 vai designar o movimento segundo o qual a partir do século XVIII a vida biológica começa a se converter em objeto da política ou seja a vida biológica passa a ser produzida e além disso administrada Evento XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS 10 Redução das desigualdades 2 Segundo Foucault 1988 em sua obra História da Sexualidade I A Vontade de Saber a biopolítica se interessa mais com a vida do que propriamente com a morte porém a biopolítica não possui apenas caráter humanitário Há neste contexto uma recorrente necessidade de matar outrem de forma crescente e recorrentemente contínua para garantir que determinada raça mantenha sua força e vigor A biopolítica transforma o ser biológico em objeto da política controlado pelo poder do Estado que decide quem deve morrer e quem deve viver Esse deixar morrer ou fazer viver integra um movimento de cesuras biopolíticas que o Estado exerce sobre determinadas parcelas da população diante de seu perfil ou seja de acordo com critérios de raça etnia gênero etc Com efeito a biopolítica permite compreender como se dá a passagem ou superposição da sociedade disciplinar na qual a disciplina sucedia como anátomopolítica dos corpos e se aplicava basicamente aos indivíduos para a sociedade do biopoder na qual a biopolítica representa uma espécie de medicina social que se aplica à população com o propósito de governar sua vida FOUCAULT 1988 2010 É justamente isso que transforma o canteiro arqueológico biopolítico foucaultiano em um profícuo espaço de trabalho com numerosas possibilidades de desenvolvimento de várias questões que permanecem abertas ao debate como por exemplo a temática da violência e da seletividade punitiva que imperam no sistema carcerário brasileiro WERMUTH NIELSSON 2017 Efetivamente no sistema penitenciário brasileiro o racismo de Estado age através da seletividade promovida pela biopolítica impulsionando a criação ou o aumento da existência de verdadeiras vidas nuas AGAMBEN 2010 abandonadas alijadas de seus direitos segregadas e selecionadas precipuamente de acordo com seu gênero raça e classe social Isso explica porque a população penitenciária do país é composta majoritariamente por homens jovens negros e pobres WERMUTH NIELSSON 2017 Fica evidente assim o racismo de Estado o qual é responsável nos termos da filosofia foucaultiana por estabelecer quem irá fazer parte dessa relação de pessoas que de certo modo a sociedade rejeita tendo seus perfis traçados como verdadeiros inimigos Com a atuante segregação de indivíduos que colabora com a superlotação dos presídios percebese que os prisioneiros vivem muitas vezes em condições desumanas em aglomerados de pessoas com a falta de assistência médica e até mesmo de higiene pessoal existindo dentro dos presídios doenças graves e incuráveis Outrossim como já salientado é bastante evidente a seletividade daqueles que vão compor a massa carcerária como se infere dos dados levantados pelo Departamento Penitenciário Nacional DEPEN BRASIL 2017 Nesse sentido é possível afirmar que Evento XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS 10 Redução das desigualdades 3 ao menos em boa medida o sistema penal seleciona pessoas ou ações como também criminaliza certas pessoas segundo sua classe e posição social Há uma clara demonstração de que não somos todos igualmente vulneráveis ao sistema penal que costuma orientarse por estereótipos que recolhem os caracteres dos setores marginalizados e humildes que a criminalização gera fenômeno de rejeição do etiquetado como também daquele que se solidariza ou contata com ele de forma que a segregação se mantém na sociedade livre ZAFFARONI PIERANGELI 2011 p 73 Nesse sentido o sistema prisional brasileiro apresentase perpassado por um viés biopolítico evidenciado pela segregação de indivíduos que são afastados da sociedade e transformados em vidas passíveis de serem impunemente eliminadas pelo Estado diante do altíssimo grau de violência e mortes constatado no cenário prisional brasileiro WERMUTH NIELSSON 2017 Isso permite outrossim aproximar a figura dos apenados com a figura do homo sacer resgatada pela filosofia agambeniana AGAMBEN 2010 CASTRO 2011 para ilustrar aqueles sujeitos expostos a uma violência impune CONSIDERAÇÕES FINAIS O resumo buscou dissertar sobre o conceito de biopolítica em Foucault assim como relacionar esse conceito com a realidade carcerária do Brasil ressaltando que a biopolítica por sua vez tem como foco estabelecer uma espécie de controle social alicerçada em cesuras que implicam a segregação eliminação de parcelas da população A biopolítica se estabelece no sistema prisional brasileiro por meio da seleção que faz dos perfis das pessoas que irão compor o regime penitenciário em cumprimento de pena expondo esses sujeitos a violência e morte Palavraschaveâ Biopolítica seletividade punitiva sistema penitenciário brasileiro Keywordsâ Biopolitics risk subject penitentiary system adequar REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Homo sacer o poder soberano e a vida nua I Trad Henrique Burigo Belo Horizonte Editora UFMG 2010 BRASIL Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias atualização junho de 2016 Brasília Ministério da Justiça e Segurança Pública e Departamento Penitenciário Nacional Disponível em httpdepengovbrDEPENnoticias1noticiasinfopenlevantamentonacionalde informacoespenitenciarias2016relatorio201622111pdf Acesso em 27 jun 2020 CASTRO Edgardo Lecturas foucaulteanas Una história conceptual de la biopolítica La Plata Evento XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS 10 Redução das desigualdades 4 Unipe Editorial Universitaria 2011 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 5 ed Trad Ligia M Pondé Vassallo Petrópolis Vozes 1987 FOUCAULT Michel História da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Graal 1988 FOUCAULT Michel Em defesa da sociedade curso no Collège de France 19751976 Trad Maria Ermantina Galvão 2 ed São Paulo WMF Martins Fontes 2010 WERMUTH Maiquel Ângelo Dezordi O conceito de biopolítica em Michel Foucault notas sobre um canteiro arqueológico inacabado 2017 Disponível em httpsemporiododireitocombrleituraoconceitodebiopoliticaemmichelfoucaultnotassobre umcanteiroarqueologicoinacabado Acesso em 17 de jul De 2019 WERMUTH Maiquel Ângelo Dezordi NIELSSON Joice Graciele Crônica de uma morte anunciada a instauração do paradigma do campo e o colapso do sistema penitenciário brasileiro Revista Brasileira de Sociologia do Direito vol 4 n 2 2017 Disponível em httprevistaabrasdcombrindexphprbsdarticleview140 Acesso em 25 jun 2020 ZAFFARONI Eugênio Raul Em busca das penas perdidas a perda da legitimidade do sistema penal 5 ed Rio de Janeiro 2011 Graduanda do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ Bolsista Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Mestre em Direito pela UNISINOS Pósgraduado em Direito Penal e Direito Processual Penal e Graduado em Direito pela UNIJUÍ Professorpesquisador da UNISINOS Coordenador e Professor Permanente do Curso de PósGraduação em Direitos Humanos da UNIJUÍ Email madwermuthgmailcom Parecer CEUA 01218 Evento XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS 10 Redução das desigualdades 5 3 Biopolítica O conceito de biopolítica conforme delineado por Foucault se origina por volta do século XVIII e se concentra nos aspectos biológicos humanos culminando em uma regulamentação da vida Este conceito se desdobra no corpoespécie no qual o corpo é atravessado pela mecânica do ser vivo sendo um suporte para processos biológicos como proliferação nascimentos mortalidade nível de saúde duração da vida e longevidade Estes processos são alvo de intervenções e controles reguladores configurando o que Foucault chama de biopolítica da população Ao compreender o conceito de biopolítica é crucial situálo como um mecanismo de poder com dois polos distintos O primeiro denominado anátomo política do corpo humano foca na transformação do corpo em objeto do poder buscando não apenas contribuir para suas habilidades mas tornálo dócil e útil O segundo polo a biopolítica da população atua no poder sobre a vida estruturando se no corpoespécie e na mecânica do indivíduo vivo regulando aspectos como nascimentos mortalidade e saúde A biopolítica é uma política centrada na vida abordando fatores relacionados aos nascimentos óbitos taxa de reprodução fecundidade e outros elementos que interferem na vida do indivíduo Por meio de estatísticas administração controle e condução a biopolítica extrai do coletivo forças em prol do desenvolvimento do capital Sob as condições disciplinares o Estado estabelece meios corretivos e normativos mostrando como os indivíduos devem ser organizados e punindo ações que não estejam em conformidade Essas forças moldam corpos obedientes na sociedade disciplinar transformando indivíduos em seres políticos que atuam de acordo com as normas estabelecidas O poder disciplinar da biopolítica gera corpos obedientes manipulados e treinados para servir às forças econômicas da sociedade capitalista Através da tecnologia do poder disciplinar os corpos se transformam em objeto de produção do Estado particularmente nas políticas de valorização da vida Para a biopolítica seu foco de atuação se concentra no coletivo na multiplicidade da população Assim a biopolítica se configura como um dispositivo que quantifica ações da população como taxas de natalidade óbitos e estado de saúde enquanto 4 também regulamenta e mede esses aspectos Esse contexto é explorado por Foucault ao analisar crises sanitárias como a varíola no século XVIII e a estrutura biopolítica voltada para o cuidado com a saúde O cuidado da saúde da população ocorre através dos mecanismos de segurança como a vigilância Em situações de propagação de doenças como a varíola é necessário monitorar quantificar e reparar A biopolítica derivada das práticas do biopoder estabelece contato com a vida pois o cuidado com a doença deixa de ser algo individual e passa a ser reflexo do conjunto da sociedade Assim o Estado assume uma nova função de desinfecção englobando saúde pública tratamentos médicos fluxo de informações e medicalização da população todos voltados para a somatocracia A coleta de dados sobre casos de varíola riscos perigos e crises tornase um mecanismo de poder do Estado regulamentando a vida dos indivíduos por meio da governamentalidade Foucault destaca que a governamentalidade como arte de governar visa o cuidado não apenas do indivíduo mas do outro agindo por meio de ações instituídas que permitem à biopolítica gerir o governo de cada vida e da vida como um todo Ao analisar as vias de infecção da varíola Foucault evidencia a importância de identificar casos riscos perigos e crises para entender como o contágio se intensifica e de quais aspectos a população pode ser contaminada A quantificação desses casos integra a noção de caso coletivo da população mostrando que o indivíduo é parte do todo e as probabilidades são estabelecidas para cada meio específico O saber médico ao desenvolver pesquisas sobre a doença evidencia como a varíola coloca a vida da população em perigo Toda uma rede de apoio e cuidado à saúde é intensificada para fazer viver cuidando da higiene do ambiente e buscando informações necessárias para ações preventivas O Estado através de análises de casos riscos e perigos define o que pode ser compreendido por crise identificando fenômenos de disparada que só podem ser controlados por mecanismos superiores naturais ou artificiais Assim as estatísticas análises e administração de dados contribuem para conter crises estabelecendo um cenário onde a população pode se manter saudável através das ações determinadas pelo Estado e do disciplinamento dos indivíduos que passam a compreender os riscos aos quais estão expostos Essas ações visam 5 manter a segurança da população mesmo que isso envolva restrição da liberdade em prol do bem comum As cidades constituem estruturas fundamentais para os processos de socialização adotando o modelo disciplinar que singulariza a multiplicidade Ao conceber o Estado como um edifício onde cada indivíduo é alocado com base em sua ocupação o poder estatal tornase insensível à vontade popular Essa abordagem arquitetônica orienta a população como peças em um tabuleiro a desempenhar seu papel essencial seguir as diretrizes governamentais Na obra Segurança Território População Foucault destaca as cidades como dispositivos de segurança que garantem a fixação dos indivíduos Ao analisar a arquitetura ele revela como as cidades estruturam a organização social sendo as capitais pontos centrais que atraem pessoas de diversos lugares O mecanismo disciplinar expresso na segurança coletiva transforma as capitais em centros desejados pelos indivíduos guiados por leis que ditam seus comportamentos A capital é concebida como o ornamento do território desempenhando papéis políticos sociais e econômicos Deve exemplificar bons costumes sediar academias e ser um centro de atração para mercadorias estrangeiras Essa visão revela como os indivíduos são analisados em diversos ambientes com as cidades sendo definidas sob a soberania das leis e decretos Esse modelo de soberania territorial qualifica a chave do que deve ser uma cidadecapital considerando demandas econômicas urbanas morais e administrativas Para que os ambientes funcionem conforme o esperado a vigilância da cidade é crucial A circulação na cidade é organizada planejando acessos ao exterior principalmente relacionados ao consumo e comércio Foucault destaca a circulação quantitativa vinculada a ações específicas como o número de carroças passantes ladrões miasmas barcos habitantes e imóveis formando o mecanismo de segurança da cidade Ao refletirmos sobre as contribuições de Foucault tornase essencial abordar a política contemporânea de uma nova perspectiva Isso implica visualizar os indivíduos ao lado do governo sujeitos a condutas excepcionais com suas vidas escolhas e contribuições vigiadas por avanços nos controles quantitativos e qualitativos Essas ações hierárquicas de soberania são estabelecidas para garantir a segurança do Estado e do governo 6 Necropolítica racismo estrutural e povos indígenas Achille Mbembe em seu ensaio intitulado Necropolítica argumenta que a noção de biopoder não é suficiente para compreender todas as formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte Para o autor a soberania revelase na medida em que há controle tanto sobre a vida quanto sobre a morte Partindo do conceito de biopoder de Michel Foucault Mbembe explora também a relação entre soberania e Estado de exceção O Estado de exceção frequentemente associado ao nazismo totalitarismo e campos de concentração é analisado como uma forma permanente constantemente fora do estado normal da lei Mbembe destaca sua preocupação com formas de soberania que visam a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos e populações Para conceituar a Necropolítica Mbembe inicia sua análise considerando a soberania como o direito de matar Ele conecta a noção de biopoder a outros dois conceitos Estado de exceção e Estado de sítio A trajetória desses conceitos torna se a base normativa do direito de matar onde o poder não necessariamente estatal recorre continuamente à exceção à emergência e à noção ficcional do inimigo A questão central é analisar a relação entre política e morte que só pode funcionar em estado de emergência Foucault ao formular o biopoder destaca a divisão entre vivos e mortos entre aqueles que devem viver e os que devem morrer Esse controle opera no campo biológico e pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos estabelecendo uma censura biológica conceito que Foucault denomina como racismo Foucault afirma que o racismo é a tecnologia utilizada para permitir o exercício do biopoder regulando a distribuição da morte e viabilizando as funções assassinas do Estado O Estado nazista é citado como um exemplo completo de um Estado que excedeu biologicamente o tema do inimigo político tornandose um protótipo de uma formação de poder que combina características de Estado racista assassino e suicidário Na modernidade e especificamente no contexto necropolítico a percepção do Outro como uma ameaça mortal é característica da soberania A definição do político como uma relação bélica e a ideia de que a racionalidade da vida passa pela 7 morte do outro são fundamentais nesse contexto A soberania assim consiste na vontade e capacidade de matar para fazer viver Inquestionavelmente a ideia de que o terror está intrinsicamente ligado à política é evidente e ao abordar o surgimento histórico do terror moderno é crucial considerar a escravidão como uma das primeiras experiências da biopolítica A condição de escravo de acordo com Mbembe implica em uma tripla perda a perda de um lar a perda dos direitos sobre o próprio corpo e a perda do estatuto político Essa tríplice perda resulta em uma dominação absoluta uma alienação desde o nascimento e uma morte social representando uma constante injúria ao escravo mantido vivo paradoxalmente em um estado de injúria A estrutura da plantation de maneira clara e paradoxal manifesta o Estado de exceção O escravo como instrumento de trabalho tem um valor como propriedade do senhor mas sua vida é marcada por constantes horrores e crueldades tornandose de muitas maneiras uma forma de morteemvida Observase que as relações entre vida e morte política de crueldade e abuso entrelaçamse no sistema de plantation Sob o apartheid surge uma forma nova e peculiar de terror caracterizada pela fusão entre biopoder Estado de exceção e Estado de sítio onde a raça desempenha um papel crucial introduzindo práticas como esterilização forçada extermínio de povos vencidos e proibição de casamentos mistos A ideia de raça estabelece uma linha divisória entre bons e maus superiores e inferiores transformando a morte do outro em algo positivo visto como a eliminação do anormal do inferior e do degenerado que não merecia viver O fator racial impulsiona as instituições do ponto de vista político e ideológico produzindo não apenas mortes biológicas mas mortes existenciais privando uma parte da população do futuro e das possibilidades tornando possível estar morto em vida A pobreza a miséria a fome e o encarceramento sob o necropoder resultam em mortos vivos As tecnologias que levaram ao nazismo originadas na plantation ou na colônia são vistas por Mbembe como mecanismos que já existiam nas formações políticas e sociais da Europa ocidental A colônia na perspectiva filosófica moderna representa o lugar em que a soberania consiste fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei onde a paz assume a forma de uma guerra sem fim 8 Ao avaliar a eficácia da colônia como uma formação do terror dois princípios são destacados a igualdade jurídica de todos os Estados relacionada ao direito de fazer a guerra e a territorialização do Estado soberano especialmente na determinação de suas fronteiras em um contexto global Nesse estado de exceção permanente o necropoder só pode existir quando articulado com o conceito de território As colônias são equiparadas a fronteiras habitadas por selvagens organizadas de maneira não estatal onde guerras não seguem padrões entre exércitos regulares e os controles judiciais são suspensos operando o Estado de exceção em prol da civilização A ausência absoluta de lei nas colônias decorre da negação racial de qualquer vínculo comum entre conquistador e nativo onde a vida selvagem é considerada outra forma de vida animal radicalmente distante da compreensão do conquistador A interseção entre a necropolítica o racismo estrutural e os povos indígenas revela um cenário complexo e multifacetado no qual as dinâmicas de poder e controle se entrelaçam de maneiras profundas A necropolítica conforme proposta por Achille Mbembe aborda o exercício do poder soberano na gestão da vida e da morte Quando aplicada ao contexto dos povos indígenas evidenciase uma história marcada por práticas genocidas desapropriação territorial e formas sistemáticas de violência que visam não apenas controlar mas também eliminar essas comunidades O racismo estrutural por sua vez é uma teia invisível que permeia as estruturas sociais políticas e econômicas reproduzindo desigualdades de forma arraigada No caso dos povos indígenas o racismo estrutural manifestase na marginalização na negação de direitos básicos e na usurpação de recursos naturais perpetuando um ciclo de opressão que compromete não apenas a sobrevivência física mas também as tradições culturais e espirituais dessas comunidades A relação entre a necropolítica e o racismo estrutural nos povos indígenas se materializa na imposição de modelos hegemônicos que desconsideram suas formas de organização social suas cosmovisões e práticas sustentáveis A exploração desenfreada de seus territórios muitas vezes ricos em recursos naturais reflete não apenas uma busca por lucro mas também uma manifestação concreta do poder que 9 decide quais vidas são dignas de serem protegidas e quais podem ser sacrificadas em nome do desenvolvimento É crucial compreender que a necropolítica e o racismo estrutural não são fenômenos isolados mas sim intricadamente ligados nas experiências dos povos indígenas A vulnerabilidade dessas comunidades é acentuada pelo histórico de colonização que introduziu dinâmicas de subjugação e exploração que persistem até os dias atuais Assim a resistência indígena não é apenas contra práticas contemporâneas mas também uma luta contra estruturas profundamente enraizadas que perpetuam a negação de suas existências plenas Para desmantelar essa interconexão entre necropolítica racismo estrutural e povos indígenas é necessário não apenas reconhecer as injustiças históricas mas também promover a justiça social a autonomia territorial e o respeito pelas cosmovisões indígenas Isso implica uma transformação profunda nas estruturas políticas e sociais uma reavaliação das prioridades econômicas e uma verdadeira reconciliação que reconheça e repare as violações históricas cometidas contra essas comunidades Pensamento decolonial e pluralismo jurídico na América Latina A América Latina conhecida também como Latinoamérica em espanhol e Amérique latine em francês representa uma extensa região do continente americano Essa área abrange nações cujas línguas principais são derivadas do latim notadamente o espanhol o português e o francês Historicamente esse território foi predominantemente controlado pelos Impérios coloniais Espanhol e Português com uma influência menor do Francês Com uma extensão de cerca de 21069501 km² correspondendo a aproximadamente 39 da superfície terrestre global ou 141 da porção emersa a América Latina tinha em 2006 uma população estimada em mais de 569 milhões de habitantes Diferentemente dos países das Américas colonizados por povos europeus de tradição anglosaxônica ou neerlandesa a América Latina guarda exceções notáveis como Québec uma província majoritariamente francófona no Canadá e a Luisiana colonizada pelos franceses mas parte dos Estados Unidos A América Latina engloba praticamente toda a América do Sul e Central excluindo apenas alguns países que falam idiomas germânicos Também inclui nações da América 10 Central Insular formadas por ilhas e arquipélagos no Mar do Caribe como Cuba Haiti e República Dominicana Entre os países da América do Norte apenas o México é considerado parte da América Latina Assim a região abrange 20 países como Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica El Salvador Equador Guatemala Haiti Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Uruguai e Venezuela Os traços distintivos dessa região incluem sua colonização ibérica com influências das potências europeias da época e diversos fluxos migratórios A composição colonial latinoamericana resultou em uma multiplicidade étnica evidenciandose não apenas dentro de cada nação mas também entre os países As identidades indígena africana e europeia se formaram de maneira única levando cada nação a se identificar mais com um desses elementos Essa heterogeneidade é fruto da herança multicultural dos povos latinoamericanos enraizada no processo histórico determinado pela colonização Na América Latina a colonização ocidental guiada pelos valores de progresso e modernização menosprezou as culturas e populações pré existentes estabelecendo a Europa como o epicentro da cultura e conhecimento mundiais Os povos originários foram marginalizados suas tradições e modo de vida considerados selvagens bárbaros inferiores e obsoletos Essa imposição civilizatória projetouse como um poderoso símbolo dos princípios da sociedade liberal moderna sobre a pessoa humana o meio ambiente a História e o conceito de progresso e conhecimento A desigualdade na América Latina tem raízes profundas em sua própria História A explicação do subdesenvolvimento na região não pode ignorar os aspectos culturais os desdobramentos sociais da colonização e as nuances de sua inserção econômica global A colonização europeia herdou aos povos originários não apenas a dependência econômica mas também uma influência intelectual e cultural imposta que moldou toda a estrutura socioeconômica Recentemente movimentos políticos alternativos ao neoliberalismo ressurgiram liderados por levantes sociais buscando a emancipação étnica a autonomia nacional e o respeito além da reivindicação pela decolonização por meio de processos democráticos Essas transformações políticas levantam questões cruciais sobre a identidade e multiculturalidade na América Latina enquanto interrogam a herança colonial nos modelos de poder contemporâneos 11 Na América Latina os processos colonizadores moldaram a hegemonia econômica institucional e cultural das nações europeias levando os movimentos anticolonialistas a desenvolver estratégias de resistência Frantz Fanon em sua obra Pele Negra Máscaras Brancas explorou como a colonização não apenas se baseia no poder bélico e econômico mas também na distinção racial destacando a transformação de antilhanos emigrantes na França Para Fanon a vida na colônia não era apenas marcada por tensões psicossomáticas mas também pela autoridade colonial sustentada por lógicas contraditórias que negavam tanto a diferença quanto a semelhança O pensamento decolonial exemplificado por Walter Mignolo propõe uma reavaliação da modernidade destacando a interconexão entre modernidade e colonialidade Mignolo enfatiza que não pode haver modernidades globais sem colonialidades globais O decolonialismo introduzido por Aníbal Quijano surge como resposta às tendências opressivas dos ideais europeus modernos A noção de decolonialismo abrange movimentos para superar a colonização e construir narrativas alternativas não apenas buscando a emancipação mas desafiando continuamente o paradigma colonial Françoise Vergès destaca a colonialidade como uma herança persistente e Muriel Chamberlain destaca a necessidade de os historiadores considerarem abordagens mais amplas abrangendo ideologias coloniais e os levantes de descolonização Aníbal Quijano enfatiza a colonialidade como elemento constitutivo do padrão mundial de poder capitalista originado nas Américas A colonialidade atua como uma lógica subjacente à instituição e ao desenvolvimento do Ocidente desde o Renascimento até os dias contemporâneos revelandose como uma grandeza constitutiva dos colonialismos históricos O pensamento decolonial na América Latina representa uma abordagem crítica e reflexiva que busca desmantelar as estruturas de poder e conhecimento herdadas do período colonial Originado como uma resposta aos impactos duradouros da colonização na região esse pensamento propõe uma reinterpretação das narrativas históricas culturais e sociais questionando as noções tradicionais de modernidade e progresso impostas pelas potências colonizadoras Uma das figuras proeminentes nesse contexto é Frantz Fanon cujas obras como Pele Negra Máscaras Brancas exploram a psicologia da colonização e suas consequências na identidade dos colonizados 12 O pensamento decolonial também se manifesta na esfera jurídica dando origem ao conceito de pluralismo jurídico Este referese à coexistência e reconhecimento de múltiplos sistemas legais dentro de uma sociedade indo além das estruturas jurídicas ocidentais impostas durante a colonização Na América Latina essa abordagem busca resgatar e fortalecer os sistemas jurídicos autóctones indígenas e comunitários muitas vezes marginalizados em detrimento das leis ocidentais O pluralismo jurídico portanto é uma expressão do desejo de descentralizar o poder normativo e restaurar as tradições jurídicas locais contribuindo para a construção de uma justiça mais inclusiva e contextualizada Esse movimento de repensar o jurídico e o social na América Latina parte da compreensão de que as estruturas legais coloniais foram instrumentos de subjugação e despojamento das comunidades indígenas e afrodescendentes de suas práticas e sistemas normativos Assim a busca por pluralismo jurídico é também uma forma de resgate e empoderamento dessas comunidades reconhecendo e legitimando suas abordagens distintas para a resolução de conflitos e a administração da justiça No entanto a implementação efetiva do pluralismo jurídico na América Latina enfrenta desafios consideráveis incluindo resistência por parte de sistemas legais estabelecidos durante a colonização a falta de reconhecimento institucional e questões relacionadas à harmonização de diferentes sistemas jurídicos Apesar desses obstáculos a busca por uma abordagem decolonial e o reconhecimento do pluralismo jurídico representam esforços significativos para construir sociedades mais justas respeitando a diversidade cultural e promovendo uma verdadeira autonomia nas práticas legais Racismo ambiental A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 conhecida como CF88 ou Carta Magna estabelece que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial para a qualidade de vida impondo ao Poder Público e à coletividade a responsabilidade de defendêlo para as presentes e futuras gerações Ela assegura direitos fundamentais como uma vida digna educação saúde e lazer fundamentados no princípio da dignidade da pessoa humana artigo 1º inciso 13 III Além disso reconhece direitos sociais no artigo 6º garantindo que o ordenamento jurídico assegure a todas as pessoas sua estima enquanto seres humanos O local de residência de um indivíduo é crucial para garantir uma existência digna e a CF88 incorpora o Princípio do Desenvolvimento Sustentável que visa equilibrar o uso sustentável dos recursos naturais colocando os seres humanos no centro dessa proteção O desenvolvimento sustentável definido no relatório Brundtland busca satisfazer as necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras Isso implica no uso sustentável produtivo e harmônico dos recursos ambientais com respeito aos limites da sustentabilidade sem colocar em risco as populações nacionais ou a comunidade internacional O Racismo Ambiental ligado ao racismo estrutural remonta ao pósabolição da escravatura no Brasil A população negra enfrenta histórico descaso do Estado em relação a serviços sanitários e saneamento básico resultando em altas taxas de morte contribuindo para o genocídio dessa população A persistência da discriminação racial revelase nas condições ambientais insalubres das regiões periféricas habitadas principalmente por pessoas negras e pobres Essa desigualdade muitas vezes mascarada contribui para a injustiça social sendo exemplificado pelo fenômeno do Racismo Ambiental Combater o Racismo Ambiental requer uma análise aprofundada e a conscientização do poder público para implementar medidas efetivas pois as áreas de investimento deficiente em saneamento frequentemente coincidem com populações vulneráveis e marginalizadas perpetuando a desigualdade e injustiça social Ao longo da história brasileira desde o período imperial foram estabelecidas leis que segregaram a população negra mantendoa em condições precárias A primeira Constituição do Brasil Império em 1824 previa educação para todos os cidadãos mas os negros considerados propriedades eram excluídos desse direito Mesmo após a abolição da escravidão em 1888 leis como a do Ventre Livre 1871 e do Sexagenário 1885 mantiveram restrições perpetuando a marginalização A Lei de Terras 1850 proibiu os negros de comprar terras contribuindo para a formação das favelas após a abolição Leis subsequentes como a do Boi 1968 14 continuaram excluindo os negros do acesso à educação A segregação era visível na Lei dos Vadios 1890 que criminalizava práticas culturais negras A Emenda Constitucional de 1934 promoveu a eugenia nas escolas reforçando uma política de embranquecimento Mesmo após a abolição a população negra foi direcionada para periferias enfrentando discriminação A segregação racial foi intensificada entre 1890 e 1930 substituindo mãode obra negra por imigrantes europeus O Estado promoveu a exclusão criando o racismo estrutural A Lei Áurea 1888 não garantiu compensação aos negros resultando em exclusão social marginalização e formação de favelas O Estado por meio de leis segregacionistas contribuiu para o racismo ambiental A desigualdade persiste refletindo na distribuição de recursos e oportunidades A população negra continua mais exposta a condições precárias de moradia e falta de saneamento As políticas públicas ainda não revertiram completamente essas injustiças históricas O Racismo Ambiental é um fenômeno complexo que combina elementos de discriminação racial com questões ambientais muitas vezes resultando em consequências prejudiciais para comunidades étnicas específicas Um exemplo marcante desse fenômeno é observado nas áreas urbanas onde comunidades de baixa renda predominantemente compostas por pessoas de cor frequentemente enfrentam uma distribuição desigual de poluentes e instalações industriais Essas comunidades são mais propensas a viver em proximidade com locais poluentes como aterros sanitários e fábricas contribuindo para problemas de saúde decorrentes da exposição constante a substâncias tóxicas Além disso a falta de acesso a espaços verdes e recreativos em áreas urbanas afeta desproporcionalmente as comunidades racialmente marginalizadas Parques e áreas de lazer muitas vezes são escassos em bairros habitados por pessoas de cor enquanto áreas mais afluentes desfrutam de ambientes mais arborizados e propícios à qualidade de vida Essa disparidade no acesso a ambientes naturais não apenas impacta o bemestar físico mas também perpetua uma desigualdade no desfrute de espaços públicos essenciais para o equilíbrio mental e emocional No contexto histórico é possível observar como políticas discriminatórias contribuíram para o Racismo Ambiental Durante o período pósabolição no Brasil por exemplo a Lei de Terras de 1850 proibia que negros adquirissem terras 15 restringindo seu acesso a recursos fundamentais Essa exclusão dos negros da posse de terra não apenas limitava suas oportunidades econômicas mas também os confinava a áreas desfavorecidas com condições habitacionais precárias e frequentemente sem saneamento básico Além disso eventos climáticos extremos como furacões e enchentes têm impactos desproporcionais em comunidades racialmente marginalizadas Um exemplo disso é visto nos Estados Unidos onde comunidades afroamericanas muitas vezes são prejudicadas de maneira mais severa por desastres naturais devido à localização geográfica desfavorável e à falta de investimentos em infraestrutura resiliente O Racismo Ambiental portanto vai além de uma simples distribuição desigual de recursos ambientais ele está enraizado em estruturas históricas e sociais que perpetuam injustiças Reconhecer e abordar esse fenômeno exige uma compreensão holística que combine esforços para promover equidade racial e justiça ambiental visando criar um futuro mais inclusivo e sustentável para todas as comunidades