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Os alunos devem fichar o trecho final do artigo NÃO SOLUCIONANDO PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS TRANSCONSTITUCIONALISMO ALÉM DE COLISÕES Marcelo Neves P 216 até 227 Um caso emblemático transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro Atentem parar as seguintes questões O que Neves escreve sobre o direito à vida do sujeito individual e o direito à vida do sujeito coletivo O que é jurisdição ou foro étnico O que Neves escreve sobre o poder abusivo dentro de comunidades tribais Prestem atenção às críticas de Neves a Klaus Günther e Habermas p 222 nota de rodapé John Rawls p 222 e 223 Robert Alexy p 224 referência à otimização de princípios Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 NÃO SOLUCIONANDO PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS TRANSCONSTITUCIONALISMO ALÉM DE COLISÕES Marcelo Neves Da inflação constitucional ao transconstitucionalismo A partir do final do século passado constitucionalistas de diversas tradições teóricas e de países os mais diferentes vinculados fortemente ao estudo das Constituições esta tais passaram a preocuparse com os novos desafios de um direito constitucional que ultrapassou as fronteiras dos res pectivos Estados e tornouse diretamente relevante para outras ordens jurídicas inclusive não estatais Assim por exemplo nos Estados Unidos Bruce Ackerman reconhe cendo o provincialismo enfático da prática e teoria ame ricana sublinhou que nós deveríamos resistir às tentações de um particularismo provinciano Ackerman 1997 pp 773 e 794 Por sua vez Mark Tushnet mais recentemente em palestra no Instituto de Direito Internacional de Haia sustentou a inevitável globalização do direito constitucio nal Tushnet 2008 esclarecendo que não estava tratando O presente artigo baseiase no meu livro Transconstitucionalismo Neves 2009 2ª tiragem 2012 Para o aprofundamento no tema sugerese a consulta dessa obra monográfica 202 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões da existência da chamada Constituição global ou interna cional mas sim da globalização do direito constitucional doméstico Tushnet 2008 p 2 nota 7 Do outro lado do Atlântico Canotilho com base em Lucas Pires referese à interconstitucionalidade restringindose porém à rela ção da ordem jurídica da União Europeia com as ordens constitucionais dos seus Estadosmembros Canotilho 2006 pp 265 e ss Pires 1997 pp 101 e ss Por seu turno na Alemanha Pernice também tendo em vista especialmente a experiência europeia desenvolveu o modelo de um cons titucionalismo de níveis múltiplos Pernice 1999 2002 Fora do âmbito dos constitucionalistas vinculados à tra dição estatal passou a ser lugar comum a utilização do ter mo Constituição em outras áreas disciplinares para refe rirse a situações as mais diversas Constituição europeia1 Constituição da comunidade internacional2 constituições civis da sociedade mundial Teubner 2003 etc Dessa maneira o uso inflacionário do termo tornouo muito vago perdendo o seu significado histórico normativo e funcio nal Nesse contexto a importância de se chamar Constitui ção Maduro 2006 pp 335 e ss tomou o primeiro plano persistindo o equívoco do nominalismo a que se referiu Ackerman em relação ao constitucionalismo comparado Daí por que cabe também aqui afirmar Diferenças impor tantes são frequentemente obliteradas em discurso vago que invoca um rótulo comum Ackerman 1997 p 7943 Portanto não se trata aqui de um conceito histórico universal de Constituição Canotilho 1991 p 59 de acor 1 Entre muitos Weiler 1999 2 Cf p ex Fassbender 1998 e Tomuschat 1995 p 7 3 Hespanha 2004 pp 67 e ss aponta para o caráter plurívoco da palavra cons tituição que além de implicar variações históricas no seu significado político jurídico ultrapassa a dimensão do mundo cultural denotando disposições bio lógicas ou físicas Mas cabe advertir que um excessivo apego ao significante pode afastarnos da compreensão do respectivo significado semântico e sua função pragmática em determinado contexto social ou histórico 203 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 do com o qual vale a fórmula nenhum Estado sem Cons tituição Biaggini 2000 p 447 Em uma perspectiva de história da Constituição Koselleck amplia o conceito para incluir todas as instituições juridicamente reguladas e suas formas de organização sem as quais uma comunidade social de ação não é politicamente capaz de agir esclarecendo Minha proposta de que a história da Constituição deveria abranger todos os domínios que se caracterizam pela repetibilidade em virtude de regras jurídicas visa a superar portanto a fratura entre histórias prémodernas do direito e histórias modernas da Constituição e assim tematizar inclusive fenômenos pósestatais e em certa medida supraestatais não apenas interestatais de nossa época Koselleck 2006 pp 370714 Thornhill também propõe um conceito de Constitui ção em termos que pode ser aplicado a muitas sociedades em diferentes períodos históricos embora limitando sua visão de Constituição ao fato de que ela se refere prima riamente às funções dos estados em geral não dos estados modernos e estabelece uma forma legal relativa ao uso do poder pelos Estados ou no mínimo por atores que detêm ou utilizam autoridade pública Thornhill 2011 p 115 Entretanto a proposta mais extrema de um conceito his tórico universal é oferecida por Teubner nos seguintes ter mos não apenas ubi societas ibiius como uma vez disse Grotius mas sim ubi societas ibi constitutio Teubner 2012 p 65 6 4 Pareceme que Koselleck também cai em anacronismo ao ampliar o conceito de Constituição para abarcar instituições e experiências muito diversas historicamente 5 Diferentemente do que sugere Thornhill entendo que essa discussão não deve ser confundida com a questão referente à existência ou não de constituições for malmente escritas Thornhill 2011 pp 910 6 Trad ingl 2012 p 35 a referência a Grotius só aparece na tradução 204 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões Normalmente o conceito históricouniversal de Cons tituição apresentase no plano empírico para apontar que em toda sociedade ou Estado há relações estruturais básicas de poder determinantes também das formas jurídicas Con forme essa concepção que se encontra em autores tão dís pares como Engels Lassale e Weber7 não se pode excluir a presença de uma Constituição de qualquer ordem social inclusive das sociedades arcaicas pois também nelas have ria estruturas básicas do poder difuso Burdeau 1949 pp 24951 Mas o conceito históricouniversal apresentase também na concepção da Constituição em sentido mate rial como conjunto de normas jurídicopositivas supremas Kelsen 1960 pp 22830 trad bras 2006 pp 24749 1946 pp 12425 trad bras 2005 pp 18283 1925 pp 25153 pois um núcleo normativo supremo pode ser detectado em qualquer ordem jurídica Um conceito desse tipo poderia excluir ordens jurídicas primitivas na medida em que nelas faltariam as normas secundárias de organi zação sobretudo a regra última de reconhecimento que atuaria como uma Constituição em sentido material não obstante para todo e qualquer Estado haveria uma Consti tuição regras últimas de reconhecimento8 Por fim tam bém pode ter um caráter históricouniversal o conceito cul turalista seja quando define a Constituição do Estado como dialética da normalidade política e normatividade jurídi ca Heller 1934 pp 249 e ss trad bras 1968 pp 295 e ss ou quando a concebe como processo de integração Smend 1968 1928 espec pp 136 e ss e pp 18991 pois tal dialética e tal processo são encontráveis em qualquer tipo de Estado inclusive no prémoderno no absolutista e 7 Cf Engels 1988 1844 espec pp 572 e ss Lassalle 1987 1862 p 130 Weber 1985 1922 p 27 trad bras 2004 vol I p 35 8 Cf Hart 1994 pp 91123 e ss espec p 107 trad port 2001 pp 10135 espec pp 118 e ss Hart 1994 p 60 trad bras 2001 p 69 fala também de questões constitucionais em relação às regras secundárias de alteração 205 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 no autoritário A análise da especificidade do sentido e da função da Constituição como uma das poucas aquisições da civilização moderna que são o resultado de um plane jamento intencional Luhmann 1990a p 176 fica pre judicada com esses conceitos de perfil históricouniversal9 Afastome dessa tendência de sempre identificar a existência de uma nova Constituição quando surge uma ordem instituição ou organização jurídica na sociedade contemporânea Partindo da sólida noção de que a Cons tituição em sentido estritamente moderno vinculase ao constitucionalismo que resultou das revoluções liberais dos fins do século XVIII na França e nos Estados Unidos e de maneira atípica da evolução políticojurídica britânica procurarei determinar quais problemas se apresentaram como condição de possibilidade histórica do surgimento do Estado constitucional Fixados os problemas cabe inda gar qual foi a resposta funcional e normativa que se preten deu consubstanciar nas constituições do Estado moderno É exatamente essa relação entre problema e solução de problema que vai viabilizar a fixação do conceito de Cons tituição do constitucionalismo Dois problemas foram fundamentais para o surgimento da Constituição em sentido moderno de um lado a emer gência em uma sociedade com crescente complexidade sistêmica e heterogeneidade social das exigências de direi tos fundamentais ou humanos de outro associada a isso a questão organizacional da limitação e do controle interno e externo do poder inclusive mediante a participação dos governados nos procedimentos sobretudo nos de determi 9 Cf Luhmann 1990a p 212 Ao contrário do que afirma Thornhill 2011 p 9 Luhmann não aceitou latitude na definição de Constituição antes propôs um conceito muito estrito de Constituição Minha tese será que o conceito de Consti tuição ao contrário da primeira impressão reage a uma diferenciação entre direito e política e de fato dito fortemente à diferenciação plena desses dois sistemas fun cionais e à necessidade de conexão que daí resulta Luhmann 1990a pp 17980 206 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões nação da composição de órgão de governo que também se relacionava com a questão da crescente especialização das funções condição de maior eficiência do poder estatal O fato é que mais recentemente com a maior integração da sociedade mundial esses problemas tornaramse insuscetí veis de serem tratados por uma única ordem jurídica estatal no âmbito do respectivo território Cada vez mais proble mas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do poder tornamse concomitantemente rele vantes para mais de uma ordem jurídica muitas vezes não estatais que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução Isso implica uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns O direito constitucional nesse sen tido embora tenha a sua base originária no Estado dele se emancipa não precisamente porque surgiu uma multidão de novas Constituições mas sim tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos prevalecendo em muitos casos contra a orientação das respectivas ordens estatais Além do mais surgem permanentemente relações diretas entre Estados para tratar de problemas constitucio nais comuns A exceção nos dois casos passou a ser a regra Em face dessa situação introduzo o conceito de trans constitucionalismo Por um lado o transconstitucionalismo não se confunde com um mero transjuridicismo que pode ser observado inclusive na relação entre ordens jurídicas no pluralismo medieval sobretudo entre direito canônico e romano direito urbano direito real e direito feudal10 pois na experiência medieval não se tratava de problemas constitucionais no sentido moderno ou seja nem de ques tões de direitos fundamentais nem de limitação e contro le jurídicopositivo do poder muito menos de pretensões 10 Cf Berman 1983 figura 2 pp 52226 trad bras 2006 pp 64650 207 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 diversas de autofundamentação do direito em última ins tância e em geral o direito tinha um fundamento sacro11 Por outro lado não se trata de constitucionalismo inter nacional transnacional supranacional estatal ou local O conceito aponta exatamente para o desenvolvimento de pro blemas jurídicos que perpassam os diversos tipos de ordens jurídicas Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envolver tribunais estatais internacio nais supranacionais e transnacionais arbitrais assim como instituições jurídicas locais nativas na busca de sua solução Para tratar do transconstitucionalismo recorro ao conceito de razão transversal de Wolfgang Welsch 1996 2002 pp 295318 mas me afasto um tanto desse ambicioso concei to para analisar os limites e possibilidades da existência de racionalidades transversais pontes de transição tanto entre o sistema jurídico e outros sistemas sociais constitui ções transversais quanto entre ordens jurídicas no interior do direito como sistema funcional da sociedade mundial12 Além disso ao tratar do transconstitucionalismo não o considerarei apenas como exigência funcional e pretensão normativa de uma racionalidade transversal entre ordens jurídicas mas também levarei em consideração empirica mente os aspectos negativos dos entrelaçamentos trans constitucionais inclusive em caso de o problema envolver situações de ordens ou práticas anticonstitucionais ou seja contrárias à proteção dos direitos humanos e fundamentais assim como ao controle e limitação do poder Da mesma maneira serão discutidas práticas anticonstitucionais pre sentes em ordens de Estados tipicamente constitucionais13 Nesse sentido cabe distinguir o transconstitucionalismo gênero que inclui relações entre ordens constitucionais e anticonstitucionais do interconstitucionalismo espécie 11 Cf Neves 2009 pp 810 e 16 nota 63 trad ingl 2013 pp 911 e 14 nota 63 12 Cf Neves 2009 pp 38 e ss trad ingl 2013 pp 28 e ss 13 Cf p ex Scheppele 2006 Roach 2006 e Gross 2006 208 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões que só comporta relações entre ordens jurídicas que satisfa zem as exigências constitucionalistas O transconstitucionalismo não toma uma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como ponto de partida ou ultima ratio Rejeita tanto o estatalismo quanto o internacionalismo o supranacionalismo o transnacionalis mo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos problemas constitucionais Aponta antes para a necessida de de construção de pontes de transição da promoção de conversações constitucionais do fortalecimento de entre laçamentos constitucionais entre as diversas ordens jurídi cas estatais internacionais transnacionais supranacionais e locais O modelo transconstitucional rompe com o dilema monismopluralismo A pluralidade de ordens jurídicas implica na perspectiva do transconstitucionalismo a rela ção complementar entre identidade e alteridade As ordens envolvidas na solução do problema constitucional específico no plano de sua própria autofundamentação reconstroem continuamente sua identidade mediante o entrelaçamento transconstitucional com as outras a identidade é rearti culada a partir da alteridade Daí por que em vez da busca de uma Constituição hercúlea o transconstitucionalismo apon ta para a necessidade de enfretamento dos problemashidra constitucionais mediante a articulação de observações recípro cas entre as diversas ordens jurídicas da sociedade mundial Da fragmentação jurídica e constitucional ao transconstitucionalismo O modelo transconstitucional não compartilha irrestrita mente a ideia tão amplamente difundida de fragmentação do direito que ganhou contornos sistêmicoteoréticos pre cisos especialmente na obra de Teubner e seus discípulos14 14 Cf Teubner 2012 trad ingl 2012 2006 pp 185 e ss FischerLescano e Teubner 2006 2007 FischerLescano 2005 pp 187 e ss 209 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Considerando que a teoria dos sistemas adota conceitos ori ginários da biologia como diferenciação evolução coevo lução autopoiese acoplamento estrutural entre outros15 não no sentido de analogia mas sim de generalização cabe arguir com uma certa ironia que nesse contexto a noção de teóricosocial ou sociológicojurídico de fragmentação deveria ser relacionada a suas raízes na concepção biológi ca de fragmentação como processo reprodutivo Se enten demos assim esbarramos em problemas que a teoria social ou jurídica da fragmentação da sociedade ou do direito não teria enfrentado adequadamente Aqui cabe referência à red queen hypotheses baseada na seguinte afirmação da Rai nhaVermelha para Alice na obra Through the looking glass de Lewis Carroll Como você vê nesse mundo é preciso correr o máximo que puder para ficar no mesmo lugar16 Now here you see it takes all the running you can do to keep in the same place Carroll 1939 1872 p 166 Formulada inicialmente por Leigh Van Valen 1974 pp 90 e ss essa hipótese apon ta especialmente na variável desenvolvida por William D Hamilton 1980 Hamilton Henderson e Moran 1981 para o papel da reprodução sexual na promoção de variabilidade genética e maior capacidade de seleção em relação aos ele mentos e fatores do ambiente especialmente em relação aos parasitas17 A fragmentação ao contrário como forma típica de reprodução assexual importa limitada variação genética frágil capacidade de seleção e de reposta às adversidades do ambiente o que significa poucas alternativas evolutivas Uma das vantagens das espécies sexuais em relação às assexuais está associada a abundante polimorfismo Riddley 2003 p 8418 implicando que as espécies sexuais têm maior capa 15 Cf Teubner 1989 espec pp 66 e ss trad ingl 1993 espec pp 51 e ss 16 Tradução do autor 17 A respeito ver a exposição abrangente de Riddley 2003 Com algumas restri ções ver Neiman e Koskella 2009 18 Cf Hamilton 1980 espec p 283 e Hamilton Henderson e Moran 1981 210 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões cidade de responder às adversidades do ambiente19 Apesar das divergências a red queen hypotheses parece já encontrar elementos precursores na obra de Darwin o qual embora considerando que as espécies assexuais não são totalmente incompatíveis com a evolução Darwin 1971 1872 p 24 enfatizava além daquela hipótese que mesmo na repro dução sexual a autofertilização envolve uma limitada ou implausível capacidade evolutiva nos seguintes termos afir mando ser uma lei geral da natureza que nenhum ser orgâ nico fertiliza a si mesmo para uma perpetuidade de gerações mas que o cruzamento com outro indivíduo é ocasionalmen te talvez em intervalos longos de tempo indispensável Darwin 1971 1872 p 95 E apontava inclusive para a des vantagem dos cruzamentos próximos eu coletei um amplo conjunto de fatos e fiz muitos experimentos mostrando que com animais e plantas um cruzamento entre diferentes variedades ou entre indivíduos da mesma variedade mas de outra linhagem dá vigor e fertilidade à prole e por outro lado que cruzamento próximo diminui vigor e fertilidade Darwin 1971 1872 p 95 espec p 66 que enfatizaram porém que pretendiam ir além da questão do po limofismo para concentrarem o seu foco no problema do sexo p 65 A questão da importância do polimorfismo remonta a Haldane 1990 1949 que também advertia para o perigo da homogeneidade 329 6 19 Na linguagem metafórica de Ridley as espécies sexuais podem recorrer a um tipo de biblioteca de fechaduras que não está disponível às espécies assexuais Sexual species can call on a sort of library of locks that is unavailable to asexual species Riddley 2003 p 72 De acordo com Hamilton Axelrod e Tanese 1990 p 3568 o sucesso do sexo aumenta como número de loci envolvidos na defesa contra parasitas Eles afirmam A essência do sexo em nossa teoria é que ele armazena genes que estão ruins mas oferecem promessa para reutilização Ele os prova continuamente em combinação à espera do momento em que o foco de desvantagem mudou para outro lugar Quando isso acontece os genótipos que comportem esses genes espalhamse mediante exitosa reprodução tornandose simultaneamente reservas para outros genes ruins e assim progressivamente em sucessão contínua Hamilton Axelrod e Tanese1990 p 3569 211 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Dessa maneira já se assinalava a importância da sexua lidade entre seres geneticamente diversos para a evolução das espécies Estou consciente do perigo de uma leitura conserva dora da red queen hypotheses se for transportada de forma sociobiologista para o campo das ciências sociais assim como do fato de que a teoria dos sistemas sociais desenvol vida a partir de Luhmann afirma nos termos da concepção dos fundadores da sociologia radicalizandoa a emergên cia de cima na relação entre sistemas sociais psíquicos e biológicos Luhmann 1987 1984 pp 4344 trad esp 1998 pp 4546 Teubner 1989 pp 4041 trad ingl 1993 pp 293020 Aqui caberia uma releitura socialmen te adequada Pareceme oportuno considerar que a mera fragmentação é incompatível com transformações adequa das dos sistemas sociais em face do seu ambiente sempre mais complexo Os problemas se renovam e os sistemas sociais ou ordens jurídicas precisam construir não apenas acoplamentos estruturais com seu ambiente mas também construir novas pontes de transição com outras ordens jurídicas ou sistemas sociais para que sejam aptos a arti cularse em face da flutuação permanente dos fatores dos respectivos ambientes A simples fragmentação não ofere ce caminhos de solução ao novos problemas que emergem nos processos de transformação social contínua Sem o desenvolvimento de polimorfismo mediante pontes de transição flexíveis os sistemas ou ordens jurídicas seriam paralisados na sua reprodução sendo levados à morte pelo cristal ou seja cairiam na hiperintegração por exces so de redundância21 Em outras palavras a construção de 20 Nem por isso Luhmann e Teubner deixaram de recorrer a conceitos da teoria biológica de Maturana e Varela 1980 pp 10711 1987 pp 196 e ss que partem da emergência de baixo considerando os seres vivos como componentes dos sistemas sociais 21 Uso aqui a metáfora de Atlan 1979 p 281 ao distinguir no limite entre a 212 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões eclusas especialmente no concernente ao direito depen de paradoxalmente de conexões transversais entre siste mas sociais e ordens jurídicas É por isso que a orientação funcional da relação entre problema e solução de proble ma deve considerar como ocorre a tessitura dos fragmen tos em uma ordem diferenciada de comunicação Para isso é necessária uma certa desintegração interna que é indissociável do incremento de flexibilidade ou variedade para fora dependente de intercruzamentos promotores da renovação permanente da identidade em vista da alte ridade Isso significa enfim que os problemas de colisão não são enfrentados ou solucionados a cada passo no nível da mera fragmentação ou dos simples fragmentos mas sim por via de pontes construídas transversalmente entre as unidade constitutivas de uma ordem diferenciada de comunicação em constante transformação Do ponto de vista do sistema jurídico essa situação é ainda mais patente se considerarmos que as diversas ordens jurídicas do sistema jurídico mundial utilizam o mesmo código binário de comunicação lícitoilícito mas têm estruturas e níveis de autonomia totalmente diversos A esse propósito cabe apontar para um outro problema da concepção de pluralismo jurídico na sociedade mundial O modelo heterárquico do mainstream sistêmico parte de conceitos quase apriorístico de autonomia ou autopoiese de regimes fragmentados supostamente constitucionais em uma dinâmica plena de diferenciação funcional22 Não observa empiricamente que diversas formas e ordens jurí morte por rigidez a do cristal do mineral e a morte por decomposição a da fu maça ou seja entre excesso de redundância e excesso de variedade 22 Conhecidamente a globalização significa sobretudo que a dinâmica da dife renciação funcional que historicamente realizouse primeiramente nos estados nacionais da Europa e da América do Norte alcança agora todo o globo terres tre Teubner 2012 p 72 trad ingl 2012 p 42 cf também pp 11920 trad ingl pp 7475 a respeito da relação entre Constituição e autonomia do sistema jurídico no plano do pluralismo constitucional global 213 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 dicas do sistema jurídico mundial não dispõem de um míni mo de autonomia muito menos de autonomia constitucio nal não só por serem instrumentos direito como meio da política totalitarismo e autoritarismo ou da economia formas de direito orientadas quase exclusivamente à efici ência do mercado mas também por não disporem sequer das chamadas regras secundárias de organização como o direitos dos povos indígenas e tribais Todas elas porém encontramse expostas aos mesmos problemas constitucio nais Quando o modelo dominante de pluralismo constitu cional enfrenta o problema de ordens jurídicas tribais limi tase a considerar especialmente na perspectiva do direito de propriedade intelectual como essas ordens serão com patibilizadas com o modelo do direito de patente23 Não se leva a sério a observação irônica alguns dizem cínica de Luhmann de que o modelo de diferenciação do direito tal vez seja apenas uma anomalia europeia Luhmann 1993 p 586 trad esp 2002 p 664 Esse é o paradoxo da sociedade mundial a diferenciação funcional e autonomia dos sistemas irradiouse do seu centro como exigência fun cional e em certa medida como pretensão normativa sen do quase que imposta evidentemente de forma seletiva às suas periferias que não estiveram e não estão em condições de corresponder ou dispostas a adequarse ao modelo da diferenciação Isso decorre da imensa assimetria da socie dade mundial insuscetível de ser considerada em um foco evolutivo simplificado Relacionado a isso gostaria de enfatizar aqui que o modelo dominante de pluralismo constitucional parte de uma evolução linear da sociedade mundial que considera apenas o desenvolvimento do direito na modernidade cen tral na passagem do direito liberal racionalidade formal 23 Cf Teubner e FischerLescano 2008 e Teubner 2012 pp 242 e ss trad ingl 2012 pp 162 e ss 214 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões passando pelo direito do Estado social racionalidade mate rial para com a crise deste alcançar o direito reflexivo Teubner 2012 pp 33 e ss e pp 45 e ss espec pp 6263 trad ingl 2012 pp 15 e ss 24 e ss espec p 3524 Da mesma maneira que já falamos acima em relação à ques tão da autonomia o pluralismo constitucional dominante desconsidera que o Estado liberal muito menos o Estado social não se realizou na maioria dos contextos geográfi cos e demográficos de comunicação da sociedade moderna Não se pode falar de crise do Estado social ou do Welfare State nesses contextos Em muitas regiões do globo terres tre os movimentos sociais demandam a presença de um mínimo de Estado social sem o qual perde sentido falar em pluralismo jurídico pósmoderno ou global senão como romantização póscolonialista da miséria Este é o parado xo e também o equívoco decorrente do pluralismo jurídico na sociedade mundial como se falar de inserção em redes transacionais horizontais sem considerar as assimetrias gri tantes e não apenas a nova avalanche de exclusão decor rente da desmontagem do Estado social Luhmann 2000 pp 42728 mas também a persistência de devastadora exclusão nas periferias da sociedade mundial Além disso como incluir na evolução linear de direito liberal formal direito do Estado social material e direito reflexivo as for mas tribais de ordens jurídicas não diferenciadas que antes de envolvidas na diferença inclusãoexclusão envolvem o problema do isolamentonão isolamento O transconstitucionalismo leva a sério essas assimetrias na afirmação das pontes tanto contenciosas quanto coope radoras de transição Evidentemente não se trata no trans constitucionalismo de diálogos constitucionais orientados para o entendimento entre cortes ou instância de ordens jurídicas diversas Os problemas transconstitucionais impor 24 Ver também em sua primeira formulação desse modelo Teubner 1982 pp 2429 215 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 tam a dimensão contenciosa E mesmo quando se trata de diálogo este não deve ser entendido em termos de con ciliação ou consenso mas antes para referir a formas de comunicação destinadas à absorção do dissenso assumin do a dupla contingência Neves 2009 pp 270 e ss trad ingl 2013 pp 169 e ss Observese que a dupla contin gência não diz respeito apenas às relações entre alter e ego enquanto pessoas na interação mas referese também a sis temas não apenas a sistemas organizacionais na medida em que estes observam um ao outro reciprocamente como bem salientou Luhmann indo além do modelo de dupla contingência proposto pela teoria da ação Luhmann 1987 1984 pp 152 e 155 trad esp 1998 pp 115 e 117 Entre diferentes ordens jurídicas especialmente no plano dos problemas constitucionais diálogo deve apontar para comunicação transversal assentado na dupla contingência Diálogo aqui poderia ter um sentido análogo ao formula do por Feyerabend25 referindose a formas de comunicação orientadas para influenciar e modificar um ao outro reci procamente mostrando os limites das perspectivas corres pondentes sem que daí possa esperarse algo como consen so Mas inclusive nesse sentido dissensual a possiblidade de diálogo é apenas uma dimensão limitada do transcons titucionalismo entre ordens jurídicas Talvez seja bem mais importante o aprendizado recíproco mediante o conflito a contenda nas pontes de transição E tudo isso implica paradoxo decorrente da necessidade de surpreenderse per manentemente com o outro e sobre si mesmo A esse respeito vou considerar nesta oportunidade ape nas um caso que tratei em meu livro Transconstitucionalis mo em que o paradoxo transconstitucional é sobremaneira marcante 25 Ele pode mostrar o efeito de argumento sobre estranhos e sobre expertos de uma diferente escola assim como demonstrar que a natureza quimérica do que cremos são as partes mais sólidas de nossa vida Feyerabend 1991 pp 16465 216 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões Um caso emblemático transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro O transconstitucionalismo envolve também a relação pro blemática entre as ordens jurídicas estatais e as ordens extraestatais de coletividades nativas cujos pressupostos antropológicoculturais não se compatibilizam com o mode lo de constitucionalismo do Estado Evidentemente nesse caso tratase de ordens arcaicas que não dispõem de prin cípios ou regras secundárias de organização e por conse guinte não se enquadram no modelo reflexivo do constitu cionalismo A rigor elas não admitem problemas jurídico constitucionais de direitos humanos e de limitação jurídica do poder Ordens normativas dessa espécie exigem quando entram em colisão com as instituições da ordem jurídica constitucional de um Estado um transconstitucionalismo unilateral de tolerância e em certa medida de aprendiza do Essa forma de transconstitucionalismo impõese porque embora as referidas ordens jurídicas em muitas de suas normas e práticas afastemse sensivelmente do modelo de direitos humanos e de limitação jurídica do poder nos ter mos do sistema jurídico da sociedade mundial a simples imposição unilateral dos direitos humanos aos seus mem bros é contrária ao transconstitucionalismo Medidas nessa direção tendem a ter consequências destrutivas sobre men tes e corpos sendo contrárias ao próprio conceito de direi tos humanos26 Nesse contexto há um paradoxo do trans constitucionalismo pois ele se envolve em conversações constitucionais com ordens normativas que estão à margem do próprio constitucionalismo Mas essa situação é resultan te da necessidade intrínseca ao transconstitucionalismo de 26 A questão dos direitos humanos no sentido rigoroso deve ser compreendida hoje como ameaça à integridade de corpoalma do homem individual por uma multiplicidade de processos de comunicação anônimos e independentes atual mente globalizados Teubner 2006 p 180 trad ingl 2006 p 341 217 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 não excluir o desenvolvimento de institutos alternativos que possibilitem um diálogo construtivo com essas ordens dos antropológicoculturalmente diferentes baseadas mile narmente no território do respectivo Estado Portanto nes sas circunstâncias embora limitado o transconstitucionalis mo não perde o seu significado para o desenvolvimento da dimensão normativa da sociedade mundial do presente A experiência latinoamericana é rica de problemas jurídicoconstitucionais decorrentes do entrelaçamento entre ordens normativas nativas e ordens constitucionais dos Estados especialmente no que concerne aos direitos fundamentais Um dos casos mais delicados apresentouse recente mente na relação entre a ordem jurídica estatal brasileira e a ordem normativa dos índios Suruahá habitantes do município de Tapauá localizado no estado do Amazonas que permaneceram isolados voluntariamente até os fins da década de 1970 Segato 2011 p 363 Conforme o direi to consuetudinário dos Suruahá é obrigatório o homicídio dos recémnascidos quando tenham alguma deficiência físi ca ou de saúde em geral Em outra comunidade a dos indí genas Yawanawá localizada no estado do Acre na fronteira entre Brasil e Peru há uma ordem normativa consuetudi nária que determina que se tire a vida de um dos gêmeos recémnascidos Nesse contexto também se tornou públi co o fato de que práticas desse tipo eram comuns entre os Yanomami e outras etnias indígenas Essa situação levou a polêmicas pois se tratava de um conflito praticamente insolúvel entre direito de autonomia cultural e direito à vida O problema já tomara destaque na ocasião em que uma indígena Yawanawá em oficina de direitos humanos da Fundação Nacional do Índio em 2002 descreveu a obri gatoriedade em sua comunidade da prática de homicídio de um dos gêmeos apresentandose como vítima dessa prá tica jurídica costumeira Segato 2011 pp 35758 Nesse 218 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões contexto a questão também foi apresentada como conflito entre direito de autonomia cultural e direito das mulheres Passou porém a ter ampla repercussão pública em relação ao direito da criança à vida sobretudo mediante a desta cada difusão nos meios de comunicação de massa de gran de influência com a divulgação do resgate por um casal de missionários de uma criança com uma grave disfunção hormonal congênita que estava condenada à morte entre os Suruahá27 Sobretudo a repercussão pública do costume dos Suruahá levou à proposição por parte do deputado federal Henrique Afonso representante do estado do Acre do Projeto de Lei nº 1057 de 2007 destinado especifica mente à criminalização dessa prática A ementa desse pro jeto tinha originariamente o seguinte teor Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais28 Para fins de medidas específicas de combate a essas práticas inclusive a criminalização daqueles que em contato com a comunidade nativa não fizessem a devida notificação às autoridades competentes assim como das autoridades que não tomassem as providências cabíveis artigos 3º 4º e 5º o artigo 2º incisos I a VIII do Projeto previa a tipificação dos seguintes casos de homicídio de recémnascidos em casos de falta de um dos genitores em casos de gestação múltipla quando estes são portadores de doenças físicas eou mentais quando há preferência de gênero quan do houver breve espaço de tempo entre uma gestação ante rior e o nascimento em questão em casos de exceder o número de filhos apropriado para o grupo quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os dife rencie dos demais quando estes são considerados de má 27 Cf Segato 2011 p 363 28 Disponível em httpwwwcamaragovbrproposicoesWebfichadetramitaca oidProposicao351362 Acesso em 17 dez 2014 219 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 sorte para a família ou para o grupo O Projeto originário também propunha a tipificação dos homicídios de criança em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto de maldição ou por qualquer outra crença que leve ao óbi to intencional por desnutrição artigo 2º inciso IX Essas hipóteses previstas no Projeto além de outras referentes a abusos sexuais maus tratos e outras agressões físicopsíqui cas de crianças e seus genitores por fundamentos culturais e tradicionais artigo 2º incisos X XI e XII correspondem a práticas verificadas nas comunidades indígenas localizadas no território do Estado brasileiro Esse Projeto deu ensejo a uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados29 Embora não tenha logrado êxito o contexto em que foi elaborado e a discussão que engendrou apontam para um caso singular de diálogo e colisão transconstitucional entre ordem jurídica estatal e ordens normativas locais das comunidades indígenas Os elaboradores e defensores do Projeto de Lei partiram primariamente da absolutização do direito fundamental indi vidual à vida nos termos da moral cristã ocidental Secunda riamente também contribuiu para a proposição do Projeto o direito fundamental da mãe à maternidade Essa postura 29 Convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em agosto de 2007 e realizada em 5 de setembro de 2007 cf Segato 2011 pp 357 e 369 Posteriormente esse projeto de lei foi profundamente alterado reduzindo se a declarações genéricas e a previsão de apoio às respectivas comunidades nos seguintes termos Art54A Reafirmase o respeito e o fomento às práticas tradicionais indígenas sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos fundamentais estabelecidos na Consti tuição Federal e com os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que a República Federativa do Brasil seja parte Parágrafo único Cabe aos órgãos responsáveis pela política indigenista oferecerem oportu nidades adequadas aos povos indígenas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto quando forem verificadas mediante estudos antropológicos as seguintes práticas I infanticídio II atentado violento ao pudor ou estupro III maus tratos IV agressões à integridade física e psíquica de crianças e seus genitores 220 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões unilateral pela imposição dos direitos individuais em detri mento da autonomia cultural das comunidades não pareceu adequada para os que se manifestaram em torno do proble ma em uma perspectiva antropológica mais abrangente A simples criminalização das práticas indígenas em nome da defesa do direito à vida pode ser vista outrossim como um verdadeiro genocídio cultural a destruição da própria comu nidade destruindo suas crenças mais profundas Com intensa participação no debate inclusive na audi ência pública realizada em 5 de setembro de 2007 na Câma ra dos Deputados as ponderações da antropóloga Rita Lau ra Segato contribuíram positivamente para o esclarecimento dessa colisão de ordens jurídicas enfatizando a necessidade de um diálogo entre ordens normativas30 em termos que se enquadram em um modelo construtivo de transconstitu cionalismo No contexto do debate Segato reconheceu que tinha diante de si a tarefa ingrata de argumentar contra essa lei mas ao mesmo tempo de fazer uma forte aposta na transformação do costume Segato 2011 p 358 No âmbito de sua argumentação ela invocou pesquisa empírica sobre os Suruahá na qual se verificou que em um grupo de 143 membros da comunidade indígena entre 2003 e 2005 houve dezesseis nascimentos 23 suicídios dois homicídios de recémnascidos denominados pelos antropólogos infan ticídio sem o sentido técnicojurídico do tipo penal e uma morte por doença Ou seja enquanto 76 das mortes ocor reram por infanticídio houve 576 de mortes por sui cídio entre os Suruahá Essa situação aponta uma compre ensão da vida bem distinta da concepção cristã ocidental Entre essa comunidade indígena a vida só tem sentido se não for marcada por excessivo sofrimento para o indivíduo e a comunidade se for uma vida tranquila e amena Assim se justificaria o homicídio de recémnascido em determina 30 Cf Segato 2011 pp 370 e ss 221 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 dos casos Segato 2011 pp 36465 O significado atribuí do à vida e à morte pelos Suruahá não seria menos digno do que o sentido que lhes atribui o cristianismo Também constatamos que se trata de uma visão complexa sofisticada e de grande dignidade filosófica que nada deve aos cristia nismos Segato 2011 p 364 O argumento é fortificado com a referência à prática yanomami na qual a mulher tem direito absoluto sobre a vida dos seus recémnascidos O parto ocorre em ambiente natu ral fora do contexto da vida social deixando a opção à mãe se não toca o bebê nem o levanta em seus braços deixandoo na terra onde caiu significa que este não foi acolhido no mundo da cultura e das relações sociais e que não é portanto humano Dessa forma não se pode dizer que ocorreu na perspectiva nativa um homicídio pois aquele que permaneceu na terra não é uma vida humana Segato 2011 p 365 Essa concepção bem diversa da vida humana impor ta realmente um delicado problema que pareceme é incompatível com uma mera imposição de concepções externas sobre a vida e a morte mediante aquilo que em outro contexto chamei paradoxalmente de imperialismo dos direitos humanos Neves 2005 pp 23 e 27 E isso é válido não apenas de um ponto de vista antropológico cultural ou antropológicojurídico mas também na pers pectiva específica de um direito constitucional sensível ao transconstitucionalismo Impõese nesse contexto considerar a colisão entre duas perspectivas diversas dos direitos procurando não fazer injustiça mediante a imposição de uma a da ordem dos mais fortes à outra a da ordem dos mais fracos De um lado está o direito à autonomia coletiva do outro o direito à auto nomia individual Simplesmente submeter aquele considera 222 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões do expressão de uma forma ética de vida a este considerado expressão de uma moral universal que se apresenta como base dos direitos humanos31 não parece a solução mais opor tuna em um modelo de transconstitucionalismo Ao contrá rio nesse contexto de colisão radical entre a ordem jurídica estatal e as ordens normativas indígenas temse de conside rar e ponderar entre o direito à vida do sujeito individual e o direito à vida do sujeito coletivo como argui Segato 2011 p 36732 No caso a ultracriminalização das práticas do homicídio de recémnascidos praticadas no interior das comunidades indígenas proposta na versão original do Pro jeto de Lei nº 1057 de 2007 poderia ser etnocida ao elimi nar valores culturais indispensáveis à vida biológica e cultural de um povo Botero 2006 p 156 também citada por Sega to 2011 p 367 Assim sendo tal solução legal teria implica ções de difícil compatibilização inclusive com a ordem cons titucional do Estado brasileiro33 Parece ser necessária nessas circunstâncias a busca de outros caminhos A proposta que se afigura mais adequada ao transconsti tucionalismo reside em garantir a jurisdição ou foro étnico 31 Klaus Günther 1988 p 196 trad ingl 1993 p 153 embora sustente que a aplicação adequada de normas jurídicas não pode sem fundamento ofender for mas de vida grifo meu mostrase antes favorável a uma tal orientação quando sustenta que as colisões entre princípios de justiça e orientações da vida boa no nível pósconvencional só podem ser resolvidas universalistamente portanto em favor da justiça Cabe advertir porém que nos termos da teoria habermasiana da ação comunicativa e do discurso segundo a qual Günther se orienta haveria no caso a colisão entre uma moral pósconvencional e uma préconvencional Sobre os níveis do desenvolvimento da consciência moral na teoria da evolução social de Habermas ver Neves 2006 pp 25 e ss 32 A respeito afirmou Segato na referida audiência pública referindose ao signi ficado da expressão direito à vida nesse contexto Essa expressão pode indicar dois tipos diferentes de direito à vida o direito individual à vida quer dizer a proteção do sujeito individual de direitos e o direito à vida dos sujeitos coletivos isto é o direito à proteção da vida dos povos em sua condição de povos Segato 2011 p 372 33 E especificamente por força do disposto no art 231 caput da Constituição Fede ral São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 223 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 para que cada comunidade indígena resolva seus conflitos e elabore seu dissenso interno por um caminho próprio Segato 2011 pp 375 e 377 Isso não implica simplesmen te tolerância do mais poderoso tampouco tolerância perante o intolerante Rawls 1990 1972 pp 21621 antes se trata de capacidade de admitir a autonomia do outro isto é da esfera de comunicação do jogo de linguagem ou da forma de vida diferente do nativo não submetida aos modelos do constitucionalismo estatal Muito menos cabe falar de socie dades decentes e indecentes ou seja dignas ou indignas do diálogo com as sociedades liberais do Estado demo crático constitucional Rawls 1999 pp 45 e 59 e ss como se não estivéssemos na mesma sociedade mundial com coli sões e conflitos entre domínios de comunicação e jogos de linguagem Mas cabe ponderar que não só de um ponto de vista antropológico mas também na perspectiva do transcons titucionalismo diante dos dissensos e conflitos no interior das comunidades indígenas inclusive em torno da prática do homicídio de recémnascidos o papel do Estado na pessoa dos seus agentes terá de ser o de estar disponível para supervi sionar mediar ou interceder com o fim único de garantir que o processo interno de deliberação possa ocorrer livremente sem abuso por parte dos mais poderosos no interior da socie dade Segato 2011 p 37534 Assim neste contexto a pos tura transconstitucional apresentase na limitação jurídica do poder abusivo dentro da comunidade Isso porque caso haja manipulação das decisões comunitárias pelos mais poderosos 34 A esse respeito acrescenta Segato 2011 pp 37576 Tampouco se trata de so licitar a retirada do Estado porque como atestam as múltiplas demandas por polí ticas públicas colocadas perante o mesmo pelos povos indígenas a partir da Consti tuição de 1988 depois da intensa e perniciosa desordem instalada pelo contato o Estado já não pode simplesmente ausentarse Deve permanecer disponível para oferecer garantias e proteção quando convocado por membros das comunidades sempre que essa intervenção ocorra em diálogo entre os representantes do Estado e os representantes da comunidade em questão Seu papel nesse caso não poderá ser outro a não ser o de promover e facilitar o diálogo entre os poderes da aldeia e seus membros mais frágeis 224 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões sem legitimidade na ordem normativa respectiva desaparece a autonomia étnica de que se parte para o diálogo consti tucional Portanto observase dessa maneira que nenhuma forma de apresentação de autonomia de esferas sociais inclu sive das construídas por comunidades nativas não diferencia das funcionalmente tem um caráter absoluto sendo todas relativas no âmbito da sociedade mundial do presente Esse delicado problema não se restringe ao dilema entre relativismo ético das culturas particulares e uni versalismo moral dos direitos dos homens antes aponta para o convívio de ordens jurídicas que partem de expe riências históricas diversas35 exigindo especialmente por parte do Estado constitucional uma postura de moderação relativamente à sua pretensão de concretizar suas normas específicas quando essas entrem em colisão com normas de comunidades nativas fundadas em bases culturais essencial mente diferentes A discrição e o comedimento nesse caso parecem ser a via que pode levar a conversações construti vas que estimulem autotransformações internas das comu nidades indígenas para uma relação menos conflituosa com a ordem estatal A tentativa de buscar modelos internos de otimização nos termos da teoria dos princípios pode ser desastrosa nessas circunstâncias Em relação ao outro à ordem diversa dos nativos cabe antes uma postura trans constitucional de autocontenção dos direitos fundamen tais cuja otimização possa levar à desintegração de formas de vida com consequências destrutivas para os corpos e as mentes dos membros das respectivas comunidades36 Mas esse problema não se restringe à relação das ordens jurídicas consuetudinárias das comunidades indígenas com a ordem jurídica estatal envolvendo também a ordem inter 35 Cf Segato 2011 pp 37577 ver de maneira mais abrangente Segato 2006 pp 20736 A respeito da relação intrínseca entre universalismo e diferença ver Neves 2001 36 Ver supra nota 25 225 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 nacional Há então um entrelaçamentos pluridimensional em torno de direitos humanos A respeito é relevante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais37 cujo art 8º nº 2 prescreve Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais defi nidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Esse pre ceito torna mais complicada a colisão das ordens locais nati vas com a ordem dos direitos fundamentais estatais e dos direitos humanos internacionais Uma interpretação literal desse dispositivo em nome da proteção absoluta da vida dos recémnascidos levaria tendencialmente a um etnocí dio contra as respectivas comunidades indígenas Parece me que os argumentos apresentados no item anterior não perdem o seu significado em virtude dessa referência ao direito internacional Nesses casos cabe não apenas uma releitura complexamente adequada tanto das normas esta tais de direitos fundamentais quanto das normas internacio nais de direitos humanos Um universalismo superficial dos direitos humanos baseado linearmente em uma certa con cepção ocidental ontológica de tais direitos é incompatível com um diálogo transconstitucional com ordens nativas que não correspondem a esse modelo Ao contrário a nega ção de uma comunicação transversal com ordens indígenas em torno dessas questões delicadas é contrária aos próprios direitos humanos pois implicaria uma ultracriminaliza ção de toda a comunidade de autores e coautores dos res pectivos atos afetandolhes indiscriminadamente corpo e mente mediante uma ingerência destrutiva No âmbito de um transconstitucionalismo positivo impõese nesses casos 37 A respeito dessa Convenção ver a breve exposição de Wolfrum 1999 trad bras 2008 226 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões uma disposição das ordens estatais e internacionais de sur preenderse em um aprendizado recíproco com a experiên cia do outro o nativo em sua autocompreensão Uma transformação profunda tem ocorrido nas con dições hodiernas da sociedade mundial no sentido da superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo transconstitucionalismo Essa transformação deve ser levada a sério O Estado deixou de ser um locus privilegiado de solução de problemas constitucionais Embora funda mental e indispensável é apenas um dos diversos loci em cooperação e concorrência na busca do tratamento desses problemas A integração sistêmica cada vez maior da socie dade mundial levou à desterritorialização de problemas caso jurídicoconstitucionais que por assim dizer eman ciparamse do Estado Essa situação não deve levar porém a novas ilusões na busca de níveis invioláveis definitivos internacionalismo como ultima ratio conforme uma nova hierarquização absoluta supranacionalismo como panaceia jurídica transnacionalismo como fragmentação libertadora das amarras do Estado localismo como expressão de uma etnicidade definitivamente inviolável38 Contra essas tendências o transconstitucionalismo implica o reconhecimento de que as diversas ordens jurí dicas entrelaçadas na solução de um problemacaso cons titucional a saber de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder que lhes seja conco mitantemente relevante devem buscar formas transversais de articulação para a solução do problema cada uma delas observando a outra para compreender os seus próprios 38 O nível inviolável pode envolverse no dinâmico jogo transconstitucional com outros níveis entrelaçados em um nível superentrelaçado nos termos de Hofstadter 1979 pp 686 e ss trad bras 2001 pp 753 e ss 227 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 limites e possibilidades de contribuir para solucionálo Sua identidade é reconstruída dessa maneira enquanto leva a sério a alteridade a observação do outro Isso me pare ce frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo observador tem um limite de visão no ponto cego aquele que o observador não pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação Von Foerster 1981 pp 28889 Mas se é verdade considerando a diversidade de perspectivas de observação de alter e ego que eu vejo o que tu não vês Luhmann 1990b cabe acrescentar que o ponto cego de um observador pode ser visto pelo outro Nesse sentido podese afirmar que o transconstitucionalis mo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determinada ordem que admite a alternativa o ponto cego o outro pode ver Marcelo Neves é professor de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília UnB Bibliografia ACKERMAN B 1997 The rise of world constitutionalism Virginia Law Review 83 pp 77197 CharlottesvilleVA Virginia Law Review Association trad bras A ascensão do constitucionalismo mundial In SOUZA NETO C P SARMENTO D orgs A constitucionalização do 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fundamentos da sociologia compreensiva BrasíliaSão Paulo UnB Imprensa Oficial 2 v WEILER J 1999 The Constitution of Europe Do the new clothes have an emperor and other essays on European integration Cambridge Cambridge University Press WELSCH W 1996 Vernunft die zeitgenössische Vernunftkritik und das Konzept der transversalen Vernunft 2 ed Frankfurt am Main Suhrkamp 2002 Unsere postmoderne Moderne 6 ed Berlin Akademie Verlag WOLFRUM R 1999 The protection of indigenous peoples in international law Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht n 59 pp 36982 Stuttgart Verlag W Kohlhammer Heidelberg MaxPlanckInstitut für Völkerrecht trad bras 2008 A proteção dos povos indígenas no direito internacional In SARMENTO D IKAWA D PIOVESAN F orgs Igualdade diferença e direitos humanos Rio de Janeiro Lumen Juris pp 599614 Resumos Abstracts Lua Nova São Paulo 93 2014 NÃO SOLUCIONANDO PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS TRANSCONSTITUCIONALISMO ALÉM DE COLISÕES MARCELO NEVES Resumo O artigo discute criticamente o modelo de colisão entre regimes jurídicos e constitucionais à luz da concepção de transconstitucionalismo Em um primeiro momento o autor procura afastarse da ideia em voga de que teria ocorrido a emergência de uma multidão de novas constituições con forme um uso inflacionário do termo constituição Em um segundo passo o artigo faz uma crítica ao modelo de fragmen tação de regimes jurídicos e constitucionais tal como propos to por Gunther Teubner para apontar a necessidade de tessi tura dos fragmentos na perspectiva de uma razão transversal Em seguida o autor expõe o problema transconstitucional do homicídio de crianças recémnascidas com deficiências entre os índios Suruahá e outros grupos indígenas para colocar o paradoxo do transconstitucionalismo além de um modelo oci dentalista e simplesmente cosmopolita de constitucionalismo global Na observação final o autor aponta para um caminho que vai além de reconhecer que todo observador tem um pon to cego para enfatizar uma perspectiva de alteridade em que o ponto de cego de um pode ser visto por um outro em uma conexão transversal de dupla contingência Palavraschave Constituição Constitucionalismo além do Estado Colisões de Regimes Teoria dos Sistemas Trans constitucionalismo NOT SOLVING CONSTITUTIONAL PROBLEMS TRANSCONSTITUTIONALISM BEYOND COLLISIONS Abstract The paper critically discusses the theorical model that emphasizes the collision between legal and constitutional regimes in the light of the theory of transconstitutionalism At first the Resumos Abstracts Lua Nova São Paulo 93 2014 author takes distance from the currently widespread idea that there has been the emergence of a multitude of new constitutions according to an inflationary use of the term constitution In a second step the paper develops a critical approach on the model of fragmentation of legal and constitutional regimes as proposed by Gunther Teubner in order to point out the need for weaving of fragments in the perspective a transversal rationality Then the author exposes the transconstitutional problem concerning the murder of newborn children with disabilities among Suruawa Indians and other indigenous groups to approach the paradox transconstitutionalism beyond a westerner and simply cosmopolitan global constitutionalism model In the final observation the author points to a path that goes beyond recognizing that every observer has a blind spot to emphasize to gain a perspective of alterity in which a blind point can be seen by another in a transversal connection of double contingency Keywords Constitution Constitutionalism beyond the State Regimes Collisions Theory Systems Transconstitutionalism FICHAMENTO NEVES Marcelo Não Solucionando problemas constitucionais Transconstitucionalismo além de colisões Lua Nova Revista de Cultura e Política n 93 pp 201232 2014 Disponível em httpsdoiorg101590S0102 64452014000300008 Acesso em 11 jul 2023 Um caso emblemático Transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro O Transconstitucionalismo quanto as suposições antropológicasculturais Neves enfatiza que não se inserem no modelo reflexivo do constitucionalismo do Estado logo resulta numa controversa entre as ordens jurídicas estatais e as ordens extraestatais de coletividades nativas Dessa maneira o embate entre essas ordens exigem um transcontitucionalismo unilateral de tolerância ou seja a simples imposição unilateral dos direitos humanos aos seus membros é contrária ao Transconstitucionalismo p 216 o que pode ser uma consequência a própria definição de direitos humanos uma vez que viola mentes e corpos As adversidades jurídicaconstitucionais apontadas pelo autor entre as ordens normativas e as ordens constitucionais do Estado são problemáticas dentro do território latinoamericano a exemplo disso o texto apresenta os casos dos indígenas Saruahá no estado do Amazonas e dos povos Yawanawá no Acre no qual suas ordens normativas de práticas culturais que tirava o direito à vida de recémnascidos causou um tipo de conflito inextricável entre o direito de autonomia cultural e direito à vida O caso que repercutiu publicamente foi colocado como exemplo da colisão transconstitucional entre a ordem jurídica estatal e as ordens normativas de comunidades tradicionais Por conseguinte surge o conflito sobre o direito individual quanto a autonomia cultural nas comunidades em virtude a criminalização das práticas indígenas o que por outro ponto de vista pode ser considerado o etnocídio por acabar com crenças profundas isso por uma visão antropológica Essas concepções que surgiram sobre a vida e à morte Neves chama de imperialismo dos direitos humanos visto que vai além do ponto de vista antropológicocultural ou jurídico ao próprio direito constitucional sensível ao transcontitucionalismo Nesse sentido ressalta a importância Garantir a equidade ao não favorecer os mais fortes ou os mais fracos ou seja ao respeitar o direito à autonomia coletiva e o direito à autonomia individual aquele que diz respeito a forma ética de vida e este a expressão moral universal Em favor disso o autor critica a moral pósconvencional e uma préconvencional fundamentadas na ideia de Habermas e influenciadas nas teorias de Güther já que defendem que esses conflitos são resolvidos de forma universal e em favor da justiça assim os termos da ação comunicativa e do discurso apresentam uma divergência nos níveis de desenvolvimento da consciência moral na teoria social destes autores Neves portanto palpita que por essas condições é necessária a busca por outras vias Para esse proposito assegurado ao transcontitucionalismo considera mais adequado a jurisdição ou foro étnico que ao própria comunidade seja responsável em resolver tais conflitos e elabore suas controvérsias internas por seus próprios caminhos Dessa forma fornece a capacidade de admitir a autonomia dos indígenas e não o que discorda com Rawls que aponta como uma mais poderoso ou do que acredita de uma sociedade constituída por descentes ou indecentes ou na definição do que seria digno ou não do diálogo com as sociedades liberais como não fosse inseridos na mesma sociedade mundial Ademais além do ângulo antropológico consiste a perspectiva transconstitucional que diante os conflitos internos nas comunidades indígenas o Estado deve estar disponível para supervisionar mediar ou interceder a fim de que possa limitar juridicamente o poder abusivo dentro da comunidade uma vez que possa a haver por parte daqueles considerados mais poderosos a manipulação nas decisões do grupo para que prevaleça a autonomia étnica quanto ao diálogo constitucional Portanto Neves salienta que esse problema não se limita apenas entre o relativismo ético e universalismo moral contudo está relacionado ao convívio de ordens jurídicas que surgem da experiencias históricas diversas no qual exige um postura de moderação do Estado quando sua normas entram em colisão com a das comunidades nativas Logo apresenta que a via que leva a conversações construtivas são a descrição e o condimento que ativam autotransformações internas Contudo ressalta que a busca de modelos internos de otimização de princípios possa ser desastrosa Em suma é preciso ter transconstitucional de autocontenção dos direitos fundamentais a fim de que essa otimização quando consequentemente desintegra a formas de vida que violam os corpos e mentes dos membros da comunidade Entretanto isso envolve também a ordem internacional Por fim para um transcontitucionalismo Neves acredita que deve haver uma disposição de ordens estatais e internacionais de surpreenderse em um aprendizado recíproco com a experiência do outro o nativo em sua autocompreensão p 226
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Texto de pré-visualização
Os alunos devem fichar o trecho final do artigo NÃO SOLUCIONANDO PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS TRANSCONSTITUCIONALISMO ALÉM DE COLISÕES Marcelo Neves P 216 até 227 Um caso emblemático transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro Atentem parar as seguintes questões O que Neves escreve sobre o direito à vida do sujeito individual e o direito à vida do sujeito coletivo O que é jurisdição ou foro étnico O que Neves escreve sobre o poder abusivo dentro de comunidades tribais Prestem atenção às críticas de Neves a Klaus Günther e Habermas p 222 nota de rodapé John Rawls p 222 e 223 Robert Alexy p 224 referência à otimização de princípios Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 NÃO SOLUCIONANDO PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS TRANSCONSTITUCIONALISMO ALÉM DE COLISÕES Marcelo Neves Da inflação constitucional ao transconstitucionalismo A partir do final do século passado constitucionalistas de diversas tradições teóricas e de países os mais diferentes vinculados fortemente ao estudo das Constituições esta tais passaram a preocuparse com os novos desafios de um direito constitucional que ultrapassou as fronteiras dos res pectivos Estados e tornouse diretamente relevante para outras ordens jurídicas inclusive não estatais Assim por exemplo nos Estados Unidos Bruce Ackerman reconhe cendo o provincialismo enfático da prática e teoria ame ricana sublinhou que nós deveríamos resistir às tentações de um particularismo provinciano Ackerman 1997 pp 773 e 794 Por sua vez Mark Tushnet mais recentemente em palestra no Instituto de Direito Internacional de Haia sustentou a inevitável globalização do direito constitucio nal Tushnet 2008 esclarecendo que não estava tratando O presente artigo baseiase no meu livro Transconstitucionalismo Neves 2009 2ª tiragem 2012 Para o aprofundamento no tema sugerese a consulta dessa obra monográfica 202 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões da existência da chamada Constituição global ou interna cional mas sim da globalização do direito constitucional doméstico Tushnet 2008 p 2 nota 7 Do outro lado do Atlântico Canotilho com base em Lucas Pires referese à interconstitucionalidade restringindose porém à rela ção da ordem jurídica da União Europeia com as ordens constitucionais dos seus Estadosmembros Canotilho 2006 pp 265 e ss Pires 1997 pp 101 e ss Por seu turno na Alemanha Pernice também tendo em vista especialmente a experiência europeia desenvolveu o modelo de um cons titucionalismo de níveis múltiplos Pernice 1999 2002 Fora do âmbito dos constitucionalistas vinculados à tra dição estatal passou a ser lugar comum a utilização do ter mo Constituição em outras áreas disciplinares para refe rirse a situações as mais diversas Constituição europeia1 Constituição da comunidade internacional2 constituições civis da sociedade mundial Teubner 2003 etc Dessa maneira o uso inflacionário do termo tornouo muito vago perdendo o seu significado histórico normativo e funcio nal Nesse contexto a importância de se chamar Constitui ção Maduro 2006 pp 335 e ss tomou o primeiro plano persistindo o equívoco do nominalismo a que se referiu Ackerman em relação ao constitucionalismo comparado Daí por que cabe também aqui afirmar Diferenças impor tantes são frequentemente obliteradas em discurso vago que invoca um rótulo comum Ackerman 1997 p 7943 Portanto não se trata aqui de um conceito histórico universal de Constituição Canotilho 1991 p 59 de acor 1 Entre muitos Weiler 1999 2 Cf p ex Fassbender 1998 e Tomuschat 1995 p 7 3 Hespanha 2004 pp 67 e ss aponta para o caráter plurívoco da palavra cons tituição que além de implicar variações históricas no seu significado político jurídico ultrapassa a dimensão do mundo cultural denotando disposições bio lógicas ou físicas Mas cabe advertir que um excessivo apego ao significante pode afastarnos da compreensão do respectivo significado semântico e sua função pragmática em determinado contexto social ou histórico 203 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 do com o qual vale a fórmula nenhum Estado sem Cons tituição Biaggini 2000 p 447 Em uma perspectiva de história da Constituição Koselleck amplia o conceito para incluir todas as instituições juridicamente reguladas e suas formas de organização sem as quais uma comunidade social de ação não é politicamente capaz de agir esclarecendo Minha proposta de que a história da Constituição deveria abranger todos os domínios que se caracterizam pela repetibilidade em virtude de regras jurídicas visa a superar portanto a fratura entre histórias prémodernas do direito e histórias modernas da Constituição e assim tematizar inclusive fenômenos pósestatais e em certa medida supraestatais não apenas interestatais de nossa época Koselleck 2006 pp 370714 Thornhill também propõe um conceito de Constitui ção em termos que pode ser aplicado a muitas sociedades em diferentes períodos históricos embora limitando sua visão de Constituição ao fato de que ela se refere prima riamente às funções dos estados em geral não dos estados modernos e estabelece uma forma legal relativa ao uso do poder pelos Estados ou no mínimo por atores que detêm ou utilizam autoridade pública Thornhill 2011 p 115 Entretanto a proposta mais extrema de um conceito his tórico universal é oferecida por Teubner nos seguintes ter mos não apenas ubi societas ibiius como uma vez disse Grotius mas sim ubi societas ibi constitutio Teubner 2012 p 65 6 4 Pareceme que Koselleck também cai em anacronismo ao ampliar o conceito de Constituição para abarcar instituições e experiências muito diversas historicamente 5 Diferentemente do que sugere Thornhill entendo que essa discussão não deve ser confundida com a questão referente à existência ou não de constituições for malmente escritas Thornhill 2011 pp 910 6 Trad ingl 2012 p 35 a referência a Grotius só aparece na tradução 204 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões Normalmente o conceito históricouniversal de Cons tituição apresentase no plano empírico para apontar que em toda sociedade ou Estado há relações estruturais básicas de poder determinantes também das formas jurídicas Con forme essa concepção que se encontra em autores tão dís pares como Engels Lassale e Weber7 não se pode excluir a presença de uma Constituição de qualquer ordem social inclusive das sociedades arcaicas pois também nelas have ria estruturas básicas do poder difuso Burdeau 1949 pp 24951 Mas o conceito históricouniversal apresentase também na concepção da Constituição em sentido mate rial como conjunto de normas jurídicopositivas supremas Kelsen 1960 pp 22830 trad bras 2006 pp 24749 1946 pp 12425 trad bras 2005 pp 18283 1925 pp 25153 pois um núcleo normativo supremo pode ser detectado em qualquer ordem jurídica Um conceito desse tipo poderia excluir ordens jurídicas primitivas na medida em que nelas faltariam as normas secundárias de organi zação sobretudo a regra última de reconhecimento que atuaria como uma Constituição em sentido material não obstante para todo e qualquer Estado haveria uma Consti tuição regras últimas de reconhecimento8 Por fim tam bém pode ter um caráter históricouniversal o conceito cul turalista seja quando define a Constituição do Estado como dialética da normalidade política e normatividade jurídi ca Heller 1934 pp 249 e ss trad bras 1968 pp 295 e ss ou quando a concebe como processo de integração Smend 1968 1928 espec pp 136 e ss e pp 18991 pois tal dialética e tal processo são encontráveis em qualquer tipo de Estado inclusive no prémoderno no absolutista e 7 Cf Engels 1988 1844 espec pp 572 e ss Lassalle 1987 1862 p 130 Weber 1985 1922 p 27 trad bras 2004 vol I p 35 8 Cf Hart 1994 pp 91123 e ss espec p 107 trad port 2001 pp 10135 espec pp 118 e ss Hart 1994 p 60 trad bras 2001 p 69 fala também de questões constitucionais em relação às regras secundárias de alteração 205 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 no autoritário A análise da especificidade do sentido e da função da Constituição como uma das poucas aquisições da civilização moderna que são o resultado de um plane jamento intencional Luhmann 1990a p 176 fica pre judicada com esses conceitos de perfil históricouniversal9 Afastome dessa tendência de sempre identificar a existência de uma nova Constituição quando surge uma ordem instituição ou organização jurídica na sociedade contemporânea Partindo da sólida noção de que a Cons tituição em sentido estritamente moderno vinculase ao constitucionalismo que resultou das revoluções liberais dos fins do século XVIII na França e nos Estados Unidos e de maneira atípica da evolução políticojurídica britânica procurarei determinar quais problemas se apresentaram como condição de possibilidade histórica do surgimento do Estado constitucional Fixados os problemas cabe inda gar qual foi a resposta funcional e normativa que se preten deu consubstanciar nas constituições do Estado moderno É exatamente essa relação entre problema e solução de problema que vai viabilizar a fixação do conceito de Cons tituição do constitucionalismo Dois problemas foram fundamentais para o surgimento da Constituição em sentido moderno de um lado a emer gência em uma sociedade com crescente complexidade sistêmica e heterogeneidade social das exigências de direi tos fundamentais ou humanos de outro associada a isso a questão organizacional da limitação e do controle interno e externo do poder inclusive mediante a participação dos governados nos procedimentos sobretudo nos de determi 9 Cf Luhmann 1990a p 212 Ao contrário do que afirma Thornhill 2011 p 9 Luhmann não aceitou latitude na definição de Constituição antes propôs um conceito muito estrito de Constituição Minha tese será que o conceito de Consti tuição ao contrário da primeira impressão reage a uma diferenciação entre direito e política e de fato dito fortemente à diferenciação plena desses dois sistemas fun cionais e à necessidade de conexão que daí resulta Luhmann 1990a pp 17980 206 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões nação da composição de órgão de governo que também se relacionava com a questão da crescente especialização das funções condição de maior eficiência do poder estatal O fato é que mais recentemente com a maior integração da sociedade mundial esses problemas tornaramse insuscetí veis de serem tratados por uma única ordem jurídica estatal no âmbito do respectivo território Cada vez mais proble mas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do poder tornamse concomitantemente rele vantes para mais de uma ordem jurídica muitas vezes não estatais que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução Isso implica uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns O direito constitucional nesse sen tido embora tenha a sua base originária no Estado dele se emancipa não precisamente porque surgiu uma multidão de novas Constituições mas sim tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos prevalecendo em muitos casos contra a orientação das respectivas ordens estatais Além do mais surgem permanentemente relações diretas entre Estados para tratar de problemas constitucio nais comuns A exceção nos dois casos passou a ser a regra Em face dessa situação introduzo o conceito de trans constitucionalismo Por um lado o transconstitucionalismo não se confunde com um mero transjuridicismo que pode ser observado inclusive na relação entre ordens jurídicas no pluralismo medieval sobretudo entre direito canônico e romano direito urbano direito real e direito feudal10 pois na experiência medieval não se tratava de problemas constitucionais no sentido moderno ou seja nem de ques tões de direitos fundamentais nem de limitação e contro le jurídicopositivo do poder muito menos de pretensões 10 Cf Berman 1983 figura 2 pp 52226 trad bras 2006 pp 64650 207 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 diversas de autofundamentação do direito em última ins tância e em geral o direito tinha um fundamento sacro11 Por outro lado não se trata de constitucionalismo inter nacional transnacional supranacional estatal ou local O conceito aponta exatamente para o desenvolvimento de pro blemas jurídicos que perpassam os diversos tipos de ordens jurídicas Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envolver tribunais estatais internacio nais supranacionais e transnacionais arbitrais assim como instituições jurídicas locais nativas na busca de sua solução Para tratar do transconstitucionalismo recorro ao conceito de razão transversal de Wolfgang Welsch 1996 2002 pp 295318 mas me afasto um tanto desse ambicioso concei to para analisar os limites e possibilidades da existência de racionalidades transversais pontes de transição tanto entre o sistema jurídico e outros sistemas sociais constitui ções transversais quanto entre ordens jurídicas no interior do direito como sistema funcional da sociedade mundial12 Além disso ao tratar do transconstitucionalismo não o considerarei apenas como exigência funcional e pretensão normativa de uma racionalidade transversal entre ordens jurídicas mas também levarei em consideração empirica mente os aspectos negativos dos entrelaçamentos trans constitucionais inclusive em caso de o problema envolver situações de ordens ou práticas anticonstitucionais ou seja contrárias à proteção dos direitos humanos e fundamentais assim como ao controle e limitação do poder Da mesma maneira serão discutidas práticas anticonstitucionais pre sentes em ordens de Estados tipicamente constitucionais13 Nesse sentido cabe distinguir o transconstitucionalismo gênero que inclui relações entre ordens constitucionais e anticonstitucionais do interconstitucionalismo espécie 11 Cf Neves 2009 pp 810 e 16 nota 63 trad ingl 2013 pp 911 e 14 nota 63 12 Cf Neves 2009 pp 38 e ss trad ingl 2013 pp 28 e ss 13 Cf p ex Scheppele 2006 Roach 2006 e Gross 2006 208 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões que só comporta relações entre ordens jurídicas que satisfa zem as exigências constitucionalistas O transconstitucionalismo não toma uma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como ponto de partida ou ultima ratio Rejeita tanto o estatalismo quanto o internacionalismo o supranacionalismo o transnacionalis mo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos problemas constitucionais Aponta antes para a necessida de de construção de pontes de transição da promoção de conversações constitucionais do fortalecimento de entre laçamentos constitucionais entre as diversas ordens jurídi cas estatais internacionais transnacionais supranacionais e locais O modelo transconstitucional rompe com o dilema monismopluralismo A pluralidade de ordens jurídicas implica na perspectiva do transconstitucionalismo a rela ção complementar entre identidade e alteridade As ordens envolvidas na solução do problema constitucional específico no plano de sua própria autofundamentação reconstroem continuamente sua identidade mediante o entrelaçamento transconstitucional com as outras a identidade é rearti culada a partir da alteridade Daí por que em vez da busca de uma Constituição hercúlea o transconstitucionalismo apon ta para a necessidade de enfretamento dos problemashidra constitucionais mediante a articulação de observações recípro cas entre as diversas ordens jurídicas da sociedade mundial Da fragmentação jurídica e constitucional ao transconstitucionalismo O modelo transconstitucional não compartilha irrestrita mente a ideia tão amplamente difundida de fragmentação do direito que ganhou contornos sistêmicoteoréticos pre cisos especialmente na obra de Teubner e seus discípulos14 14 Cf Teubner 2012 trad ingl 2012 2006 pp 185 e ss FischerLescano e Teubner 2006 2007 FischerLescano 2005 pp 187 e ss 209 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Considerando que a teoria dos sistemas adota conceitos ori ginários da biologia como diferenciação evolução coevo lução autopoiese acoplamento estrutural entre outros15 não no sentido de analogia mas sim de generalização cabe arguir com uma certa ironia que nesse contexto a noção de teóricosocial ou sociológicojurídico de fragmentação deveria ser relacionada a suas raízes na concepção biológi ca de fragmentação como processo reprodutivo Se enten demos assim esbarramos em problemas que a teoria social ou jurídica da fragmentação da sociedade ou do direito não teria enfrentado adequadamente Aqui cabe referência à red queen hypotheses baseada na seguinte afirmação da Rai nhaVermelha para Alice na obra Through the looking glass de Lewis Carroll Como você vê nesse mundo é preciso correr o máximo que puder para ficar no mesmo lugar16 Now here you see it takes all the running you can do to keep in the same place Carroll 1939 1872 p 166 Formulada inicialmente por Leigh Van Valen 1974 pp 90 e ss essa hipótese apon ta especialmente na variável desenvolvida por William D Hamilton 1980 Hamilton Henderson e Moran 1981 para o papel da reprodução sexual na promoção de variabilidade genética e maior capacidade de seleção em relação aos ele mentos e fatores do ambiente especialmente em relação aos parasitas17 A fragmentação ao contrário como forma típica de reprodução assexual importa limitada variação genética frágil capacidade de seleção e de reposta às adversidades do ambiente o que significa poucas alternativas evolutivas Uma das vantagens das espécies sexuais em relação às assexuais está associada a abundante polimorfismo Riddley 2003 p 8418 implicando que as espécies sexuais têm maior capa 15 Cf Teubner 1989 espec pp 66 e ss trad ingl 1993 espec pp 51 e ss 16 Tradução do autor 17 A respeito ver a exposição abrangente de Riddley 2003 Com algumas restri ções ver Neiman e Koskella 2009 18 Cf Hamilton 1980 espec p 283 e Hamilton Henderson e Moran 1981 210 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões cidade de responder às adversidades do ambiente19 Apesar das divergências a red queen hypotheses parece já encontrar elementos precursores na obra de Darwin o qual embora considerando que as espécies assexuais não são totalmente incompatíveis com a evolução Darwin 1971 1872 p 24 enfatizava além daquela hipótese que mesmo na repro dução sexual a autofertilização envolve uma limitada ou implausível capacidade evolutiva nos seguintes termos afir mando ser uma lei geral da natureza que nenhum ser orgâ nico fertiliza a si mesmo para uma perpetuidade de gerações mas que o cruzamento com outro indivíduo é ocasionalmen te talvez em intervalos longos de tempo indispensável Darwin 1971 1872 p 95 E apontava inclusive para a des vantagem dos cruzamentos próximos eu coletei um amplo conjunto de fatos e fiz muitos experimentos mostrando que com animais e plantas um cruzamento entre diferentes variedades ou entre indivíduos da mesma variedade mas de outra linhagem dá vigor e fertilidade à prole e por outro lado que cruzamento próximo diminui vigor e fertilidade Darwin 1971 1872 p 95 espec p 66 que enfatizaram porém que pretendiam ir além da questão do po limofismo para concentrarem o seu foco no problema do sexo p 65 A questão da importância do polimorfismo remonta a Haldane 1990 1949 que também advertia para o perigo da homogeneidade 329 6 19 Na linguagem metafórica de Ridley as espécies sexuais podem recorrer a um tipo de biblioteca de fechaduras que não está disponível às espécies assexuais Sexual species can call on a sort of library of locks that is unavailable to asexual species Riddley 2003 p 72 De acordo com Hamilton Axelrod e Tanese 1990 p 3568 o sucesso do sexo aumenta como número de loci envolvidos na defesa contra parasitas Eles afirmam A essência do sexo em nossa teoria é que ele armazena genes que estão ruins mas oferecem promessa para reutilização Ele os prova continuamente em combinação à espera do momento em que o foco de desvantagem mudou para outro lugar Quando isso acontece os genótipos que comportem esses genes espalhamse mediante exitosa reprodução tornandose simultaneamente reservas para outros genes ruins e assim progressivamente em sucessão contínua Hamilton Axelrod e Tanese1990 p 3569 211 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Dessa maneira já se assinalava a importância da sexua lidade entre seres geneticamente diversos para a evolução das espécies Estou consciente do perigo de uma leitura conserva dora da red queen hypotheses se for transportada de forma sociobiologista para o campo das ciências sociais assim como do fato de que a teoria dos sistemas sociais desenvol vida a partir de Luhmann afirma nos termos da concepção dos fundadores da sociologia radicalizandoa a emergên cia de cima na relação entre sistemas sociais psíquicos e biológicos Luhmann 1987 1984 pp 4344 trad esp 1998 pp 4546 Teubner 1989 pp 4041 trad ingl 1993 pp 293020 Aqui caberia uma releitura socialmen te adequada Pareceme oportuno considerar que a mera fragmentação é incompatível com transformações adequa das dos sistemas sociais em face do seu ambiente sempre mais complexo Os problemas se renovam e os sistemas sociais ou ordens jurídicas precisam construir não apenas acoplamentos estruturais com seu ambiente mas também construir novas pontes de transição com outras ordens jurídicas ou sistemas sociais para que sejam aptos a arti cularse em face da flutuação permanente dos fatores dos respectivos ambientes A simples fragmentação não ofere ce caminhos de solução ao novos problemas que emergem nos processos de transformação social contínua Sem o desenvolvimento de polimorfismo mediante pontes de transição flexíveis os sistemas ou ordens jurídicas seriam paralisados na sua reprodução sendo levados à morte pelo cristal ou seja cairiam na hiperintegração por exces so de redundância21 Em outras palavras a construção de 20 Nem por isso Luhmann e Teubner deixaram de recorrer a conceitos da teoria biológica de Maturana e Varela 1980 pp 10711 1987 pp 196 e ss que partem da emergência de baixo considerando os seres vivos como componentes dos sistemas sociais 21 Uso aqui a metáfora de Atlan 1979 p 281 ao distinguir no limite entre a 212 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões eclusas especialmente no concernente ao direito depen de paradoxalmente de conexões transversais entre siste mas sociais e ordens jurídicas É por isso que a orientação funcional da relação entre problema e solução de proble ma deve considerar como ocorre a tessitura dos fragmen tos em uma ordem diferenciada de comunicação Para isso é necessária uma certa desintegração interna que é indissociável do incremento de flexibilidade ou variedade para fora dependente de intercruzamentos promotores da renovação permanente da identidade em vista da alte ridade Isso significa enfim que os problemas de colisão não são enfrentados ou solucionados a cada passo no nível da mera fragmentação ou dos simples fragmentos mas sim por via de pontes construídas transversalmente entre as unidade constitutivas de uma ordem diferenciada de comunicação em constante transformação Do ponto de vista do sistema jurídico essa situação é ainda mais patente se considerarmos que as diversas ordens jurídicas do sistema jurídico mundial utilizam o mesmo código binário de comunicação lícitoilícito mas têm estruturas e níveis de autonomia totalmente diversos A esse propósito cabe apontar para um outro problema da concepção de pluralismo jurídico na sociedade mundial O modelo heterárquico do mainstream sistêmico parte de conceitos quase apriorístico de autonomia ou autopoiese de regimes fragmentados supostamente constitucionais em uma dinâmica plena de diferenciação funcional22 Não observa empiricamente que diversas formas e ordens jurí morte por rigidez a do cristal do mineral e a morte por decomposição a da fu maça ou seja entre excesso de redundância e excesso de variedade 22 Conhecidamente a globalização significa sobretudo que a dinâmica da dife renciação funcional que historicamente realizouse primeiramente nos estados nacionais da Europa e da América do Norte alcança agora todo o globo terres tre Teubner 2012 p 72 trad ingl 2012 p 42 cf também pp 11920 trad ingl pp 7475 a respeito da relação entre Constituição e autonomia do sistema jurídico no plano do pluralismo constitucional global 213 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 dicas do sistema jurídico mundial não dispõem de um míni mo de autonomia muito menos de autonomia constitucio nal não só por serem instrumentos direito como meio da política totalitarismo e autoritarismo ou da economia formas de direito orientadas quase exclusivamente à efici ência do mercado mas também por não disporem sequer das chamadas regras secundárias de organização como o direitos dos povos indígenas e tribais Todas elas porém encontramse expostas aos mesmos problemas constitucio nais Quando o modelo dominante de pluralismo constitu cional enfrenta o problema de ordens jurídicas tribais limi tase a considerar especialmente na perspectiva do direito de propriedade intelectual como essas ordens serão com patibilizadas com o modelo do direito de patente23 Não se leva a sério a observação irônica alguns dizem cínica de Luhmann de que o modelo de diferenciação do direito tal vez seja apenas uma anomalia europeia Luhmann 1993 p 586 trad esp 2002 p 664 Esse é o paradoxo da sociedade mundial a diferenciação funcional e autonomia dos sistemas irradiouse do seu centro como exigência fun cional e em certa medida como pretensão normativa sen do quase que imposta evidentemente de forma seletiva às suas periferias que não estiveram e não estão em condições de corresponder ou dispostas a adequarse ao modelo da diferenciação Isso decorre da imensa assimetria da socie dade mundial insuscetível de ser considerada em um foco evolutivo simplificado Relacionado a isso gostaria de enfatizar aqui que o modelo dominante de pluralismo constitucional parte de uma evolução linear da sociedade mundial que considera apenas o desenvolvimento do direito na modernidade cen tral na passagem do direito liberal racionalidade formal 23 Cf Teubner e FischerLescano 2008 e Teubner 2012 pp 242 e ss trad ingl 2012 pp 162 e ss 214 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões passando pelo direito do Estado social racionalidade mate rial para com a crise deste alcançar o direito reflexivo Teubner 2012 pp 33 e ss e pp 45 e ss espec pp 6263 trad ingl 2012 pp 15 e ss 24 e ss espec p 3524 Da mesma maneira que já falamos acima em relação à ques tão da autonomia o pluralismo constitucional dominante desconsidera que o Estado liberal muito menos o Estado social não se realizou na maioria dos contextos geográfi cos e demográficos de comunicação da sociedade moderna Não se pode falar de crise do Estado social ou do Welfare State nesses contextos Em muitas regiões do globo terres tre os movimentos sociais demandam a presença de um mínimo de Estado social sem o qual perde sentido falar em pluralismo jurídico pósmoderno ou global senão como romantização póscolonialista da miséria Este é o parado xo e também o equívoco decorrente do pluralismo jurídico na sociedade mundial como se falar de inserção em redes transacionais horizontais sem considerar as assimetrias gri tantes e não apenas a nova avalanche de exclusão decor rente da desmontagem do Estado social Luhmann 2000 pp 42728 mas também a persistência de devastadora exclusão nas periferias da sociedade mundial Além disso como incluir na evolução linear de direito liberal formal direito do Estado social material e direito reflexivo as for mas tribais de ordens jurídicas não diferenciadas que antes de envolvidas na diferença inclusãoexclusão envolvem o problema do isolamentonão isolamento O transconstitucionalismo leva a sério essas assimetrias na afirmação das pontes tanto contenciosas quanto coope radoras de transição Evidentemente não se trata no trans constitucionalismo de diálogos constitucionais orientados para o entendimento entre cortes ou instância de ordens jurídicas diversas Os problemas transconstitucionais impor 24 Ver também em sua primeira formulação desse modelo Teubner 1982 pp 2429 215 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 tam a dimensão contenciosa E mesmo quando se trata de diálogo este não deve ser entendido em termos de con ciliação ou consenso mas antes para referir a formas de comunicação destinadas à absorção do dissenso assumin do a dupla contingência Neves 2009 pp 270 e ss trad ingl 2013 pp 169 e ss Observese que a dupla contin gência não diz respeito apenas às relações entre alter e ego enquanto pessoas na interação mas referese também a sis temas não apenas a sistemas organizacionais na medida em que estes observam um ao outro reciprocamente como bem salientou Luhmann indo além do modelo de dupla contingência proposto pela teoria da ação Luhmann 1987 1984 pp 152 e 155 trad esp 1998 pp 115 e 117 Entre diferentes ordens jurídicas especialmente no plano dos problemas constitucionais diálogo deve apontar para comunicação transversal assentado na dupla contingência Diálogo aqui poderia ter um sentido análogo ao formula do por Feyerabend25 referindose a formas de comunicação orientadas para influenciar e modificar um ao outro reci procamente mostrando os limites das perspectivas corres pondentes sem que daí possa esperarse algo como consen so Mas inclusive nesse sentido dissensual a possiblidade de diálogo é apenas uma dimensão limitada do transcons titucionalismo entre ordens jurídicas Talvez seja bem mais importante o aprendizado recíproco mediante o conflito a contenda nas pontes de transição E tudo isso implica paradoxo decorrente da necessidade de surpreenderse per manentemente com o outro e sobre si mesmo A esse respeito vou considerar nesta oportunidade ape nas um caso que tratei em meu livro Transconstitucionalis mo em que o paradoxo transconstitucional é sobremaneira marcante 25 Ele pode mostrar o efeito de argumento sobre estranhos e sobre expertos de uma diferente escola assim como demonstrar que a natureza quimérica do que cremos são as partes mais sólidas de nossa vida Feyerabend 1991 pp 16465 216 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões Um caso emblemático transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro O transconstitucionalismo envolve também a relação pro blemática entre as ordens jurídicas estatais e as ordens extraestatais de coletividades nativas cujos pressupostos antropológicoculturais não se compatibilizam com o mode lo de constitucionalismo do Estado Evidentemente nesse caso tratase de ordens arcaicas que não dispõem de prin cípios ou regras secundárias de organização e por conse guinte não se enquadram no modelo reflexivo do constitu cionalismo A rigor elas não admitem problemas jurídico constitucionais de direitos humanos e de limitação jurídica do poder Ordens normativas dessa espécie exigem quando entram em colisão com as instituições da ordem jurídica constitucional de um Estado um transconstitucionalismo unilateral de tolerância e em certa medida de aprendiza do Essa forma de transconstitucionalismo impõese porque embora as referidas ordens jurídicas em muitas de suas normas e práticas afastemse sensivelmente do modelo de direitos humanos e de limitação jurídica do poder nos ter mos do sistema jurídico da sociedade mundial a simples imposição unilateral dos direitos humanos aos seus mem bros é contrária ao transconstitucionalismo Medidas nessa direção tendem a ter consequências destrutivas sobre men tes e corpos sendo contrárias ao próprio conceito de direi tos humanos26 Nesse contexto há um paradoxo do trans constitucionalismo pois ele se envolve em conversações constitucionais com ordens normativas que estão à margem do próprio constitucionalismo Mas essa situação é resultan te da necessidade intrínseca ao transconstitucionalismo de 26 A questão dos direitos humanos no sentido rigoroso deve ser compreendida hoje como ameaça à integridade de corpoalma do homem individual por uma multiplicidade de processos de comunicação anônimos e independentes atual mente globalizados Teubner 2006 p 180 trad ingl 2006 p 341 217 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 não excluir o desenvolvimento de institutos alternativos que possibilitem um diálogo construtivo com essas ordens dos antropológicoculturalmente diferentes baseadas mile narmente no território do respectivo Estado Portanto nes sas circunstâncias embora limitado o transconstitucionalis mo não perde o seu significado para o desenvolvimento da dimensão normativa da sociedade mundial do presente A experiência latinoamericana é rica de problemas jurídicoconstitucionais decorrentes do entrelaçamento entre ordens normativas nativas e ordens constitucionais dos Estados especialmente no que concerne aos direitos fundamentais Um dos casos mais delicados apresentouse recente mente na relação entre a ordem jurídica estatal brasileira e a ordem normativa dos índios Suruahá habitantes do município de Tapauá localizado no estado do Amazonas que permaneceram isolados voluntariamente até os fins da década de 1970 Segato 2011 p 363 Conforme o direi to consuetudinário dos Suruahá é obrigatório o homicídio dos recémnascidos quando tenham alguma deficiência físi ca ou de saúde em geral Em outra comunidade a dos indí genas Yawanawá localizada no estado do Acre na fronteira entre Brasil e Peru há uma ordem normativa consuetudi nária que determina que se tire a vida de um dos gêmeos recémnascidos Nesse contexto também se tornou públi co o fato de que práticas desse tipo eram comuns entre os Yanomami e outras etnias indígenas Essa situação levou a polêmicas pois se tratava de um conflito praticamente insolúvel entre direito de autonomia cultural e direito à vida O problema já tomara destaque na ocasião em que uma indígena Yawanawá em oficina de direitos humanos da Fundação Nacional do Índio em 2002 descreveu a obri gatoriedade em sua comunidade da prática de homicídio de um dos gêmeos apresentandose como vítima dessa prá tica jurídica costumeira Segato 2011 pp 35758 Nesse 218 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões contexto a questão também foi apresentada como conflito entre direito de autonomia cultural e direito das mulheres Passou porém a ter ampla repercussão pública em relação ao direito da criança à vida sobretudo mediante a desta cada difusão nos meios de comunicação de massa de gran de influência com a divulgação do resgate por um casal de missionários de uma criança com uma grave disfunção hormonal congênita que estava condenada à morte entre os Suruahá27 Sobretudo a repercussão pública do costume dos Suruahá levou à proposição por parte do deputado federal Henrique Afonso representante do estado do Acre do Projeto de Lei nº 1057 de 2007 destinado especifica mente à criminalização dessa prática A ementa desse pro jeto tinha originariamente o seguinte teor Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais28 Para fins de medidas específicas de combate a essas práticas inclusive a criminalização daqueles que em contato com a comunidade nativa não fizessem a devida notificação às autoridades competentes assim como das autoridades que não tomassem as providências cabíveis artigos 3º 4º e 5º o artigo 2º incisos I a VIII do Projeto previa a tipificação dos seguintes casos de homicídio de recémnascidos em casos de falta de um dos genitores em casos de gestação múltipla quando estes são portadores de doenças físicas eou mentais quando há preferência de gênero quan do houver breve espaço de tempo entre uma gestação ante rior e o nascimento em questão em casos de exceder o número de filhos apropriado para o grupo quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os dife rencie dos demais quando estes são considerados de má 27 Cf Segato 2011 p 363 28 Disponível em httpwwwcamaragovbrproposicoesWebfichadetramitaca oidProposicao351362 Acesso em 17 dez 2014 219 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 sorte para a família ou para o grupo O Projeto originário também propunha a tipificação dos homicídios de criança em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto de maldição ou por qualquer outra crença que leve ao óbi to intencional por desnutrição artigo 2º inciso IX Essas hipóteses previstas no Projeto além de outras referentes a abusos sexuais maus tratos e outras agressões físicopsíqui cas de crianças e seus genitores por fundamentos culturais e tradicionais artigo 2º incisos X XI e XII correspondem a práticas verificadas nas comunidades indígenas localizadas no território do Estado brasileiro Esse Projeto deu ensejo a uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados29 Embora não tenha logrado êxito o contexto em que foi elaborado e a discussão que engendrou apontam para um caso singular de diálogo e colisão transconstitucional entre ordem jurídica estatal e ordens normativas locais das comunidades indígenas Os elaboradores e defensores do Projeto de Lei partiram primariamente da absolutização do direito fundamental indi vidual à vida nos termos da moral cristã ocidental Secunda riamente também contribuiu para a proposição do Projeto o direito fundamental da mãe à maternidade Essa postura 29 Convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em agosto de 2007 e realizada em 5 de setembro de 2007 cf Segato 2011 pp 357 e 369 Posteriormente esse projeto de lei foi profundamente alterado reduzindo se a declarações genéricas e a previsão de apoio às respectivas comunidades nos seguintes termos Art54A Reafirmase o respeito e o fomento às práticas tradicionais indígenas sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos fundamentais estabelecidos na Consti tuição Federal e com os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que a República Federativa do Brasil seja parte Parágrafo único Cabe aos órgãos responsáveis pela política indigenista oferecerem oportu nidades adequadas aos povos indígenas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto quando forem verificadas mediante estudos antropológicos as seguintes práticas I infanticídio II atentado violento ao pudor ou estupro III maus tratos IV agressões à integridade física e psíquica de crianças e seus genitores 220 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões unilateral pela imposição dos direitos individuais em detri mento da autonomia cultural das comunidades não pareceu adequada para os que se manifestaram em torno do proble ma em uma perspectiva antropológica mais abrangente A simples criminalização das práticas indígenas em nome da defesa do direito à vida pode ser vista outrossim como um verdadeiro genocídio cultural a destruição da própria comu nidade destruindo suas crenças mais profundas Com intensa participação no debate inclusive na audi ência pública realizada em 5 de setembro de 2007 na Câma ra dos Deputados as ponderações da antropóloga Rita Lau ra Segato contribuíram positivamente para o esclarecimento dessa colisão de ordens jurídicas enfatizando a necessidade de um diálogo entre ordens normativas30 em termos que se enquadram em um modelo construtivo de transconstitu cionalismo No contexto do debate Segato reconheceu que tinha diante de si a tarefa ingrata de argumentar contra essa lei mas ao mesmo tempo de fazer uma forte aposta na transformação do costume Segato 2011 p 358 No âmbito de sua argumentação ela invocou pesquisa empírica sobre os Suruahá na qual se verificou que em um grupo de 143 membros da comunidade indígena entre 2003 e 2005 houve dezesseis nascimentos 23 suicídios dois homicídios de recémnascidos denominados pelos antropólogos infan ticídio sem o sentido técnicojurídico do tipo penal e uma morte por doença Ou seja enquanto 76 das mortes ocor reram por infanticídio houve 576 de mortes por sui cídio entre os Suruahá Essa situação aponta uma compre ensão da vida bem distinta da concepção cristã ocidental Entre essa comunidade indígena a vida só tem sentido se não for marcada por excessivo sofrimento para o indivíduo e a comunidade se for uma vida tranquila e amena Assim se justificaria o homicídio de recémnascido em determina 30 Cf Segato 2011 pp 370 e ss 221 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 dos casos Segato 2011 pp 36465 O significado atribuí do à vida e à morte pelos Suruahá não seria menos digno do que o sentido que lhes atribui o cristianismo Também constatamos que se trata de uma visão complexa sofisticada e de grande dignidade filosófica que nada deve aos cristia nismos Segato 2011 p 364 O argumento é fortificado com a referência à prática yanomami na qual a mulher tem direito absoluto sobre a vida dos seus recémnascidos O parto ocorre em ambiente natu ral fora do contexto da vida social deixando a opção à mãe se não toca o bebê nem o levanta em seus braços deixandoo na terra onde caiu significa que este não foi acolhido no mundo da cultura e das relações sociais e que não é portanto humano Dessa forma não se pode dizer que ocorreu na perspectiva nativa um homicídio pois aquele que permaneceu na terra não é uma vida humana Segato 2011 p 365 Essa concepção bem diversa da vida humana impor ta realmente um delicado problema que pareceme é incompatível com uma mera imposição de concepções externas sobre a vida e a morte mediante aquilo que em outro contexto chamei paradoxalmente de imperialismo dos direitos humanos Neves 2005 pp 23 e 27 E isso é válido não apenas de um ponto de vista antropológico cultural ou antropológicojurídico mas também na pers pectiva específica de um direito constitucional sensível ao transconstitucionalismo Impõese nesse contexto considerar a colisão entre duas perspectivas diversas dos direitos procurando não fazer injustiça mediante a imposição de uma a da ordem dos mais fortes à outra a da ordem dos mais fracos De um lado está o direito à autonomia coletiva do outro o direito à auto nomia individual Simplesmente submeter aquele considera 222 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões do expressão de uma forma ética de vida a este considerado expressão de uma moral universal que se apresenta como base dos direitos humanos31 não parece a solução mais opor tuna em um modelo de transconstitucionalismo Ao contrá rio nesse contexto de colisão radical entre a ordem jurídica estatal e as ordens normativas indígenas temse de conside rar e ponderar entre o direito à vida do sujeito individual e o direito à vida do sujeito coletivo como argui Segato 2011 p 36732 No caso a ultracriminalização das práticas do homicídio de recémnascidos praticadas no interior das comunidades indígenas proposta na versão original do Pro jeto de Lei nº 1057 de 2007 poderia ser etnocida ao elimi nar valores culturais indispensáveis à vida biológica e cultural de um povo Botero 2006 p 156 também citada por Sega to 2011 p 367 Assim sendo tal solução legal teria implica ções de difícil compatibilização inclusive com a ordem cons titucional do Estado brasileiro33 Parece ser necessária nessas circunstâncias a busca de outros caminhos A proposta que se afigura mais adequada ao transconsti tucionalismo reside em garantir a jurisdição ou foro étnico 31 Klaus Günther 1988 p 196 trad ingl 1993 p 153 embora sustente que a aplicação adequada de normas jurídicas não pode sem fundamento ofender for mas de vida grifo meu mostrase antes favorável a uma tal orientação quando sustenta que as colisões entre princípios de justiça e orientações da vida boa no nível pósconvencional só podem ser resolvidas universalistamente portanto em favor da justiça Cabe advertir porém que nos termos da teoria habermasiana da ação comunicativa e do discurso segundo a qual Günther se orienta haveria no caso a colisão entre uma moral pósconvencional e uma préconvencional Sobre os níveis do desenvolvimento da consciência moral na teoria da evolução social de Habermas ver Neves 2006 pp 25 e ss 32 A respeito afirmou Segato na referida audiência pública referindose ao signi ficado da expressão direito à vida nesse contexto Essa expressão pode indicar dois tipos diferentes de direito à vida o direito individual à vida quer dizer a proteção do sujeito individual de direitos e o direito à vida dos sujeitos coletivos isto é o direito à proteção da vida dos povos em sua condição de povos Segato 2011 p 372 33 E especificamente por força do disposto no art 231 caput da Constituição Fede ral São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 223 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 para que cada comunidade indígena resolva seus conflitos e elabore seu dissenso interno por um caminho próprio Segato 2011 pp 375 e 377 Isso não implica simplesmen te tolerância do mais poderoso tampouco tolerância perante o intolerante Rawls 1990 1972 pp 21621 antes se trata de capacidade de admitir a autonomia do outro isto é da esfera de comunicação do jogo de linguagem ou da forma de vida diferente do nativo não submetida aos modelos do constitucionalismo estatal Muito menos cabe falar de socie dades decentes e indecentes ou seja dignas ou indignas do diálogo com as sociedades liberais do Estado demo crático constitucional Rawls 1999 pp 45 e 59 e ss como se não estivéssemos na mesma sociedade mundial com coli sões e conflitos entre domínios de comunicação e jogos de linguagem Mas cabe ponderar que não só de um ponto de vista antropológico mas também na perspectiva do transcons titucionalismo diante dos dissensos e conflitos no interior das comunidades indígenas inclusive em torno da prática do homicídio de recémnascidos o papel do Estado na pessoa dos seus agentes terá de ser o de estar disponível para supervi sionar mediar ou interceder com o fim único de garantir que o processo interno de deliberação possa ocorrer livremente sem abuso por parte dos mais poderosos no interior da socie dade Segato 2011 p 37534 Assim neste contexto a pos tura transconstitucional apresentase na limitação jurídica do poder abusivo dentro da comunidade Isso porque caso haja manipulação das decisões comunitárias pelos mais poderosos 34 A esse respeito acrescenta Segato 2011 pp 37576 Tampouco se trata de so licitar a retirada do Estado porque como atestam as múltiplas demandas por polí ticas públicas colocadas perante o mesmo pelos povos indígenas a partir da Consti tuição de 1988 depois da intensa e perniciosa desordem instalada pelo contato o Estado já não pode simplesmente ausentarse Deve permanecer disponível para oferecer garantias e proteção quando convocado por membros das comunidades sempre que essa intervenção ocorra em diálogo entre os representantes do Estado e os representantes da comunidade em questão Seu papel nesse caso não poderá ser outro a não ser o de promover e facilitar o diálogo entre os poderes da aldeia e seus membros mais frágeis 224 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões sem legitimidade na ordem normativa respectiva desaparece a autonomia étnica de que se parte para o diálogo consti tucional Portanto observase dessa maneira que nenhuma forma de apresentação de autonomia de esferas sociais inclu sive das construídas por comunidades nativas não diferencia das funcionalmente tem um caráter absoluto sendo todas relativas no âmbito da sociedade mundial do presente Esse delicado problema não se restringe ao dilema entre relativismo ético das culturas particulares e uni versalismo moral dos direitos dos homens antes aponta para o convívio de ordens jurídicas que partem de expe riências históricas diversas35 exigindo especialmente por parte do Estado constitucional uma postura de moderação relativamente à sua pretensão de concretizar suas normas específicas quando essas entrem em colisão com normas de comunidades nativas fundadas em bases culturais essencial mente diferentes A discrição e o comedimento nesse caso parecem ser a via que pode levar a conversações construti vas que estimulem autotransformações internas das comu nidades indígenas para uma relação menos conflituosa com a ordem estatal A tentativa de buscar modelos internos de otimização nos termos da teoria dos princípios pode ser desastrosa nessas circunstâncias Em relação ao outro à ordem diversa dos nativos cabe antes uma postura trans constitucional de autocontenção dos direitos fundamen tais cuja otimização possa levar à desintegração de formas de vida com consequências destrutivas para os corpos e as mentes dos membros das respectivas comunidades36 Mas esse problema não se restringe à relação das ordens jurídicas consuetudinárias das comunidades indígenas com a ordem jurídica estatal envolvendo também a ordem inter 35 Cf Segato 2011 pp 37577 ver de maneira mais abrangente Segato 2006 pp 20736 A respeito da relação intrínseca entre universalismo e diferença ver Neves 2001 36 Ver supra nota 25 225 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 nacional Há então um entrelaçamentos pluridimensional em torno de direitos humanos A respeito é relevante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais37 cujo art 8º nº 2 prescreve Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais defi nidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Esse pre ceito torna mais complicada a colisão das ordens locais nati vas com a ordem dos direitos fundamentais estatais e dos direitos humanos internacionais Uma interpretação literal desse dispositivo em nome da proteção absoluta da vida dos recémnascidos levaria tendencialmente a um etnocí dio contra as respectivas comunidades indígenas Parece me que os argumentos apresentados no item anterior não perdem o seu significado em virtude dessa referência ao direito internacional Nesses casos cabe não apenas uma releitura complexamente adequada tanto das normas esta tais de direitos fundamentais quanto das normas internacio nais de direitos humanos Um universalismo superficial dos direitos humanos baseado linearmente em uma certa con cepção ocidental ontológica de tais direitos é incompatível com um diálogo transconstitucional com ordens nativas que não correspondem a esse modelo Ao contrário a nega ção de uma comunicação transversal com ordens indígenas em torno dessas questões delicadas é contrária aos próprios direitos humanos pois implicaria uma ultracriminaliza ção de toda a comunidade de autores e coautores dos res pectivos atos afetandolhes indiscriminadamente corpo e mente mediante uma ingerência destrutiva No âmbito de um transconstitucionalismo positivo impõese nesses casos 37 A respeito dessa Convenção ver a breve exposição de Wolfrum 1999 trad bras 2008 226 Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 Não Solucionando problemas constitucionais transconstitucionalismo além de colisões uma disposição das ordens estatais e internacionais de sur preenderse em um aprendizado recíproco com a experiên cia do outro o nativo em sua autocompreensão Uma transformação profunda tem ocorrido nas con dições hodiernas da sociedade mundial no sentido da superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo transconstitucionalismo Essa transformação deve ser levada a sério O Estado deixou de ser um locus privilegiado de solução de problemas constitucionais Embora funda mental e indispensável é apenas um dos diversos loci em cooperação e concorrência na busca do tratamento desses problemas A integração sistêmica cada vez maior da socie dade mundial levou à desterritorialização de problemas caso jurídicoconstitucionais que por assim dizer eman ciparamse do Estado Essa situação não deve levar porém a novas ilusões na busca de níveis invioláveis definitivos internacionalismo como ultima ratio conforme uma nova hierarquização absoluta supranacionalismo como panaceia jurídica transnacionalismo como fragmentação libertadora das amarras do Estado localismo como expressão de uma etnicidade definitivamente inviolável38 Contra essas tendências o transconstitucionalismo implica o reconhecimento de que as diversas ordens jurí dicas entrelaçadas na solução de um problemacaso cons titucional a saber de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder que lhes seja conco mitantemente relevante devem buscar formas transversais de articulação para a solução do problema cada uma delas observando a outra para compreender os seus próprios 38 O nível inviolável pode envolverse no dinâmico jogo transconstitucional com outros níveis entrelaçados em um nível superentrelaçado nos termos de Hofstadter 1979 pp 686 e ss trad bras 2001 pp 753 e ss 227 Marcelo Neves Lua Nova São Paulo 93 201232 2014 limites e possibilidades de contribuir para solucionálo Sua identidade é reconstruída dessa maneira enquanto leva a sério a alteridade a observação do outro Isso me pare ce frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo observador tem um limite de visão no ponto cego aquele que o observador não pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação Von Foerster 1981 pp 28889 Mas se é verdade considerando a diversidade de perspectivas de observação de alter e ego que eu vejo o que tu não vês Luhmann 1990b cabe acrescentar que o ponto cego de um observador pode ser visto pelo outro Nesse sentido podese afirmar que o transconstitucionalis mo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determinada ordem que admite a alternativa o ponto cego o outro pode ver Marcelo Neves é professor de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília UnB Bibliografia ACKERMAN B 1997 The rise of world constitutionalism Virginia Law Review 83 pp 77197 CharlottesvilleVA Virginia Law Review Association trad bras A ascensão do constitucionalismo mundial In SOUZA NETO C P SARMENTO D orgs A constitucionalização do 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discute criticamente o modelo de colisão entre regimes jurídicos e constitucionais à luz da concepção de transconstitucionalismo Em um primeiro momento o autor procura afastarse da ideia em voga de que teria ocorrido a emergência de uma multidão de novas constituições con forme um uso inflacionário do termo constituição Em um segundo passo o artigo faz uma crítica ao modelo de fragmen tação de regimes jurídicos e constitucionais tal como propos to por Gunther Teubner para apontar a necessidade de tessi tura dos fragmentos na perspectiva de uma razão transversal Em seguida o autor expõe o problema transconstitucional do homicídio de crianças recémnascidas com deficiências entre os índios Suruahá e outros grupos indígenas para colocar o paradoxo do transconstitucionalismo além de um modelo oci dentalista e simplesmente cosmopolita de constitucionalismo global Na observação final o autor aponta para um caminho que vai além de reconhecer que todo observador tem um pon to cego para enfatizar uma perspectiva de alteridade em que o ponto de cego de um pode ser visto por um outro em uma conexão transversal de dupla contingência Palavraschave Constituição Constitucionalismo além do Estado Colisões de Regimes Teoria dos Sistemas Trans constitucionalismo NOT SOLVING CONSTITUTIONAL PROBLEMS TRANSCONSTITUTIONALISM BEYOND COLLISIONS Abstract The paper critically discusses the theorical model that emphasizes the collision between legal and constitutional regimes in the light of the theory of transconstitutionalism At first the Resumos Abstracts Lua Nova São Paulo 93 2014 author takes distance from the currently widespread idea that there has been the emergence of a multitude of new constitutions according to an inflationary use of the term constitution In a second step the paper develops a critical approach on the model of fragmentation of legal and constitutional regimes as proposed by Gunther Teubner in order to point out the need for weaving of fragments in the perspective a transversal rationality Then the author exposes the transconstitutional problem concerning the murder of newborn children with disabilities among Suruawa Indians and other indigenous groups to approach the paradox transconstitutionalism beyond a westerner and simply cosmopolitan global constitutionalism model In the final observation the author points to a path that goes beyond recognizing that every observer has a blind spot to emphasize to gain a perspective of alterity in which a blind point can be seen by another in a transversal connection of double contingency Keywords Constitution Constitutionalism beyond the State Regimes Collisions Theory Systems Transconstitutionalism FICHAMENTO NEVES Marcelo Não Solucionando problemas constitucionais Transconstitucionalismo além de colisões Lua Nova Revista de Cultura e Política n 93 pp 201232 2014 Disponível em httpsdoiorg101590S0102 64452014000300008 Acesso em 11 jul 2023 Um caso emblemático Transconstitucionalismo entre ordem normativa de comunidade indígena e a ordem constitucional do Estado brasileiro O Transconstitucionalismo quanto as suposições antropológicasculturais Neves enfatiza que não se inserem no modelo reflexivo do constitucionalismo do Estado logo resulta numa controversa entre as ordens jurídicas estatais e as ordens extraestatais de coletividades nativas Dessa maneira o embate entre essas ordens exigem um transcontitucionalismo unilateral de tolerância ou seja a simples imposição unilateral dos direitos humanos aos seus membros é contrária ao Transconstitucionalismo p 216 o que pode ser uma consequência a própria definição de direitos humanos uma vez que viola mentes e corpos As adversidades jurídicaconstitucionais apontadas pelo autor entre as ordens normativas e as ordens constitucionais do Estado são problemáticas dentro do território latinoamericano a exemplo disso o texto apresenta os casos dos indígenas Saruahá no estado do Amazonas e dos povos Yawanawá no Acre no qual suas ordens normativas de práticas culturais que tirava o direito à vida de recémnascidos causou um tipo de conflito inextricável entre o direito de autonomia cultural e direito à vida O caso que repercutiu publicamente foi colocado como exemplo da colisão transconstitucional entre a ordem jurídica estatal e as ordens normativas de comunidades tradicionais Por conseguinte surge o conflito sobre o direito individual quanto a autonomia cultural nas comunidades em virtude a criminalização das práticas indígenas o que por outro ponto de vista pode ser considerado o etnocídio por acabar com crenças profundas isso por uma visão antropológica Essas concepções que surgiram sobre a vida e à morte Neves chama de imperialismo dos direitos humanos visto que vai além do ponto de vista antropológicocultural ou jurídico ao próprio direito constitucional sensível ao transcontitucionalismo Nesse sentido ressalta a importância Garantir a equidade ao não favorecer os mais fortes ou os mais fracos ou seja ao respeitar o direito à autonomia coletiva e o direito à autonomia individual aquele que diz respeito a forma ética de vida e este a expressão moral universal Em favor disso o autor critica a moral pósconvencional e uma préconvencional fundamentadas na ideia de Habermas e influenciadas nas teorias de Güther já que defendem que esses conflitos são resolvidos de forma universal e em favor da justiça assim os termos da ação comunicativa e do discurso apresentam uma divergência nos níveis de desenvolvimento da consciência moral na teoria social destes autores Neves portanto palpita que por essas condições é necessária a busca por outras vias Para esse proposito assegurado ao transcontitucionalismo considera mais adequado a jurisdição ou foro étnico que ao própria comunidade seja responsável em resolver tais conflitos e elabore suas controvérsias internas por seus próprios caminhos Dessa forma fornece a capacidade de admitir a autonomia dos indígenas e não o que discorda com Rawls que aponta como uma mais poderoso ou do que acredita de uma sociedade constituída por descentes ou indecentes ou na definição do que seria digno ou não do diálogo com as sociedades liberais como não fosse inseridos na mesma sociedade mundial Ademais além do ângulo antropológico consiste a perspectiva transconstitucional que diante os conflitos internos nas comunidades indígenas o Estado deve estar disponível para supervisionar mediar ou interceder a fim de que possa limitar juridicamente o poder abusivo dentro da comunidade uma vez que possa a haver por parte daqueles considerados mais poderosos a manipulação nas decisões do grupo para que prevaleça a autonomia étnica quanto ao diálogo constitucional Portanto Neves salienta que esse problema não se limita apenas entre o relativismo ético e universalismo moral contudo está relacionado ao convívio de ordens jurídicas que surgem da experiencias históricas diversas no qual exige um postura de moderação do Estado quando sua normas entram em colisão com a das comunidades nativas Logo apresenta que a via que leva a conversações construtivas são a descrição e o condimento que ativam autotransformações internas Contudo ressalta que a busca de modelos internos de otimização de princípios possa ser desastrosa Em suma é preciso ter transconstitucional de autocontenção dos direitos fundamentais a fim de que essa otimização quando consequentemente desintegra a formas de vida que violam os corpos e mentes dos membros da comunidade Entretanto isso envolve também a ordem internacional Por fim para um transcontitucionalismo Neves acredita que deve haver uma disposição de ordens estatais e internacionais de surpreenderse em um aprendizado recíproco com a experiência do outro o nativo em sua autocompreensão p 226