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Colonialidade do poder Eurocentrismo e América Latina Titulo Quijano Anibal Autora Autores A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericanas En Buenos Aires Lugar CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales EditorialEditor 2005 Fecha Colección Colonialismo Modernidad Capitalismo Poder Politico Sociedad Historia Eurocentrismo America Latina Temas Capítulo de Libro Tipo de documento httpbibliotecavirtualclacsoorgarclacsosursur2010062410332212Quijanopdf URL ReconocimientoNo comercialSin obras derivadas 20 Genérica httpcreativecommonsorglicensesbyncnd20deedes Licencia Segui buscando en la Red de Bibliotecas Virtuales de CLACSO httpbibliotecaclacsoeduar Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales CLACSO Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais CLACSO Latin American Council of Social Sciences CLACSO wwwclacsoeduar Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina1 Aníbal Quijano A globalização em curso é em primeiro lugar a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonialmoderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a idéia de raça uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial incluindo sua racionalidade específica o eurocentrismo Esse eixo tem portanto origem e caráter colonial mas provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido Implica conseqüentemente num elemento de colonialidade no padrão de poder hoje hegemônico No texto abaixo o propósito principal é o de colocar algumas das questões teoricamente necessárias sobre as implicações dessa colonialidade do poder com relação à história da América Latina2 I A América e o novo padrão de poder mundial A América constituise como o primeiro espaçotempo de um padrão de poder de vocação mundial e desse modo e por isso como a primeira identidade da modernidade Dois processos históricos convergiram e se associaram na produção do referido espaçotempo e estabeleceramse como os dois eixos fundamentais do novo padrão de poder Por um lado a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na idéia de raça ou seja uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros Essa idéia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo fundacional das relações de dominação que a conquista exigia Nessas bases conseqüentemente foi classificada a população da América e mais tarde do mundo nesse novo padrão de poder Por outro lado a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos em torno do capital e do mercado mundial 3 Raça uma categoria mental da modernidade A idéia de raça em seu sentido moderno não tem história conhecida antes da América 4 Talvez se tenha originado como referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados mas o que importa é que desde muito cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos A formação de relações sociais fundadas nessa idéia produziu na América identidades sociais historicamente novas índios negros e mestiços e redefiniu outras Assim termos com espanhol e português e mais tarde europeu que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem desde então adquiriram também em relação às novas identidades uma conotação racial E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação tais identidades foram associadas às hierarquias lugares e papéis sociais correspondentes com constitutivas delas e conseqüentemente ao padrão de dominação que se impunha Em outras palavras raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população Com o tempo os colonizadores codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram como a característica emblemática da categoria racial Essa codificação foi inicialmente estabelecida provavelmente na área britânicoamericana Os negros eram ali não apenas os explorados mais importantes já que a parte principal da economia dependia de seu trabalho Eram sobretudo a raça colonizada mais importante já que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial Em 117 conseqüência os dominantes chamaram a si mesmos de brancos5 Na América a idéia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e nãoeuropeus Historicamente isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas idéias e práticas de relações de superioridadeinferioridade entre dominantes e dominados Desde então demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal pois dele passou a depender outro igualmente universal no entanto mais antigo o intersexual ou de gênero os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de inferioridade e conseqüentemente também seus traços fenotípicos bem como suas descobertas mentais e culturais6 Desse modo raça converteuse no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade Em outras palavras no modo básico de classificação social universal da população mundial O Capitalismo a nova estrutura de controle do trabalho Por outro lado no processo de constituição histórica da América todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da produçãoapropriaçãodistribuição de produtos foram articuladas em torno da relação capitalsalário de agora em diante capital e do mercado mundial Incluíramse a escravidão a servidão a pequena produção mercantil a reciprocidade e o salário Em tal contexto cada umas dessas formas de controle do trabalho não era uma mera extensão de seus antecedentes históricos Todas eram histórica e sociologicamente novas Em primeiro lugar porque foram deliberadamente estabelecidas e organizadas para produzir mercadorias para o mercado mundial Em segundo lugar porque não existiam apenas de maneira simultânea no mesmo espaçotempo mas todas e cada uma articuladas com o capital e com seu mercado e por esse meio entre si Configuraram assim um novo padrão global de controle do trabalho por sua vez um novo elemento fundamental de um novo padrão de poder do qual eram conjunta e individualmente dependentes históricoestruturalmente Isto é não apenas por seu lugar e função como partes subordinadas de uma totalidade mas também porque sem perder suas respectivas características e sem prejuízo das descontinuidades de suas relações com a ordem conjunta e consigo mesmas seu movimento histórico dependia desse momento em diante de seu pertencimento ao padrão global de poder Em terceiro lugar e como conseqüência para preencher as novas funções cada uma delas desenvolveu novos traços e novas configurações históricoestruturais Na medida em que aquela estrutura de controle do trabalho de recursos e de produtos consistia na articulação conjunta de todas as respectivas formas historicamente conhecidas estabeleciase pela primeira vez na história conhecida um padrão global de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos E enquanto se constituía em torno de e em função do capital seu caráter de conjunto também se estabelecia com característica capitalista Desse modo estabeleciase uma nova original e singular estrutura de relações de produção na experiência histórica do mundo o capitalismo mundial Colonialidade do poder e capitalismo mundial As novas identidades históricas produzidas sobre a idéia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho Assim ambos os elementos raça e divisão do trabalho foram estruturalmente associados e reforçandose mutuamente apesar de que nenhum dos dois era necessariamente dependente do outro para existir ou para transformarse Desse modo impôsse uma sistemática divisão racial do trabalho Na área hispânica a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios para impedir seu total extermínio Assim foram confinados na estrutura da servidão Aos que viviam em suas comunidades foilhes permitida a prática de sua antiga reciprocidade isto é o intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado como uma forma de reproduzir sua força de trabalho como servos Em alguns casos a nobreza indígena uma reduzida minoria foi eximida da servidão e recebeu um tratamento especial devido a seus papéis como intermediária com a raça dominante e lhe foi também permitido participar de alguns dos ofícios nos quais eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza Por outro lado os negros foram reduzidos à escravidão Os espanhóis e os portugueses como raça dominante podiam receber salários ser 118 comerciantes independentes artesãos independentes ou agricultores independentes em suma produtores independentes de mercadorias Não obstante apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos postos da administração colonial civil ou militar Desde o século XVIII na América hispânica muito dos mestiços de espanhóis ou mulheres índias já um estrato social extenso e importante na sociedade colonial começaram a ocupar os mesmos ofícios e atividades que exerciam os ibéricos que não eram nobres Em menor medida ou sobretudo em atividades de serviço ou que requeriam talentos ou habilidades especiais música por exemplo também os mais abrancados entre os mestiços de mulheres negras e ibéricos espanhóis ou portugueses mas demoraram a ver legitimados seus novos papéis já que suas mães eram escravas A distribuição racista do trabalho no interior do capitalismo colonialmoderno mantevese ao longo de todo o período colonial No curso da expansão mundial da dominação colonial por parte da mesma raça dominante os brancos ou do século XVIII em diante os europeus foi imposto o mesmo critério de classificação social a toda a população mundial em escala global Conseqüentemente novas identidades históricas e sociais foram produzidas amarelos e azeitonados ou oliváceos somaramse a brancos índios negros e mestiços Essa distribuição racista de novas identidades sociais foi combinada tal como havia sido tão exitosamente logrado na América com uma distribuição racista do trabalho e das formas de exploração do capitalismo colonial Isso se expressou sobretudo numa quase exclusiva associação da branquitude social com o salário e logicamente com os postos de mando da administração colonial Assim cada forma de controle do trabalho esteve articulada com uma raça particular Conseqüentemente o controle de uma forma específica de trabalho podia ser ao mesmo tempo um controle de um grupo específico de gente dominada Uma nova tecnologia de dominaçãoexploração neste caso raçatrabalho articulouse de maneira que aparecesse como naturalmente associada o que até o momento tem sido excepcionalmente bemsucedido Colonialidade e eurocentramento do capitalismo mundial A privilegiada posição ganhada com a América pelo controle do ouro da prata e de outras mercadorias produzidas por meio do trabalho gratuito de índios negros e mestiços e sua vantajosa localização na vertente do Atlântico por onde necessariamente tinha de ser realizado o tráfico dessas mercadorias para o mercado mundial outorgou aos brancos uma vantagem decisiva para disputar o controle do comércio mundial A progressiva monetarização do mercado mundial que os metais preciosos da América estimulavam e permitiam bem como o controle de tão abundantes recursos possibilitou aos brancos o controle da vasta rede préexistente de intercâmbio que incluía sobretudo China Índia Ceilão Egito Síria os futuros Orientes Médio e Extremo Isso também permitiulhes concentrar o controle do capital comercial do trabalho e dos recursos de produção no conjunto do mercado mundial E tudo isso foi posteriormente reforçado e consolidado através da expansão e da dominação colonial branca sobre as diversas populações mundiais Como se sabe ou controle do tráfico comercial mundial pelos grupos dominantes novos ou não nas regiões do Atlântico onde tinham suas sedes impulsionou um novo processo de urbanização nesses lugares a expansão do tráfico comercial entre eles e desse modo a formação de um mercado regional crescentemente integrado e monetarizado graças ao fluxo de metais preciosos procedentes da América Uma região historicamente nova constituíase como uma nova identidade geocultural Europa mais especificamente Europa Ocidental7 Essa nova identidade geocultural emergia como a sede central do controle do mercado mundial No mesmo movimento histórico produziase também o deslocamento de hegemonia da costa do Mediterrâneo e da costa ibérica para as do Atlântico Norteocidental Essa condição de sede central do novo mercado mundial não permite explicar por si mesma ou por si só por que a Europa se transformou também até o século XIX e virtualmente até a crise mundial ocorrida em meados de 1870 na sede central do processo de mercantilização da força de trabalho ou seja do desenvolvimento da relação capitalsalário como forma específica de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos Em quanto isso todas as demais regiões e populações incorporadas ao novo mercado mundial e colonizadas ou em curso de colonização sob domínio europeu permaneciam basicamente sob relações nãosalariais de trabalho ainda que desde cedo esse trabalho seus recursos e seus produtos se tenham articulado numa cadeia de transferência de valor e de benefícios cujo controle cabia à Europa Ocidental Nas regiões nãoeuropéias o trabalho assalariado concentravase quase exclusivamente entre os brancos 119 Não há nada na relação social mesma do capital ou nos mecanismos do mercado mundial em geral no capitalismo que implique a necessidade histórica da concentração não só mas sobretudo na Europa do trabalho assalariado e depois precisamente sobre essa base da concentração da produção industrial capitalista durante mais de dois séculos Teria sido perfeitamente factível como o demonstra o fato de que assim de fato ocorreu após 1870 o controle europeuocidental do trabalho assalariado de qualquer setor da população mundial E provavelmente mais benéfico para os europeus ocidentais A explicação deve ser pois buscada em outra parte da história O fato é que já desde o começo da América os futuros europeus associaram o trabalho não pago ou nãoassalariado com as raças dominadas porque eram raças inferiores O vasto genocídio dos índios nas primeiras décadas da colonização não foi causado principalmente pela violência da conquista nem pelas enfermidades que os conquistadores trouxeram em seu corpo mas porque tais índios foram usados como mão de obra descartável forçados a trabalhar até morrer A eliminação dessa prática colonial não termina de fato senão com a derrota dos encomendeiros em meados do século XVI A reorganização política do colonialismo ibérico que se seguiu implicou uma nova política de reorganização populacional dos índios e de suas relações com os colonizadores Mas nem por isso os índios foram daí em diante trabalhadores livres e assalariados Daí em diante foram adscritos à servidão não remunerada A servidão dos índios na América não pode ser por outro lado simplesmente equiparada à servidão no feudalismo europeu já que não incluía a suposta proteção de nenhum senhor feudal nem sempre nem necessariamente a posse de uma porção de terra para cultivar no lugar de salário Sobretudo antes da Independência a reprodução da força de trabalho do servo índio se fazia nas comunidades Mas mesmo mais de cem anos depois da Independência uma parte ampla da servidão indígena era obrigada a reproduzir sua força de trabalho por sua própria conta8 E a outra forma de trabalho nãoassalariado o não pago simplesmente o trabalho escravo foi restrita exclusivamente à população trazida da futura Africa e chamada de negra A classificação racial da população e a velha associação das novas identidades raciais dos colonizados com as formas de controle não pago não assalariado do trabalho desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos A inferioridade racial dos colonizados implicava que não eram dignos do pagamento de salário Estavam naturalmente obrigados a trabalhar em benefício de seus amos Não é muito difícil encontrar ainda hoje essa mesma atitude entre os terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo E o menor salário das raças inferiores pelo mesmo trabalho dos brancos nos atuais centros capitalistas não poderia ser tampouco explicado sem recorrerse à classificação social racista da população do mundo Em outras palavras separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial O controle do trabalho no novo padrão de poder mundial constituiuse assim articulando todas as formas históricas de controle do trabalho em torno da relação capitaltrabalho assalariado e desse modo sob o domínio desta Mas tal articulação foi constitutivamente colonial pois se baseou primeiro na adscrição de todas as formas de trabalho não remunerado às raças colonizadas originalmente índios negros e de modo mais complexo os mestiços na América e mais tarde às demais raças colonizadas no resto do mundo oliváceos e amarelos E segundo na adscrição do trabalho pago assalariado à raça colonizadora os brancos Essa colonialidade do controle do trabalho determinou a distribuição geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial Em outras palavras determinou a geografia social do capitalismo o capital na relação social de controle do trabalho assalariado era o eixo em torno do qual se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos Isso o tornava dominante sobre todas elas e dava caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho Mas ao mesmo tempo essa relação social específica foi geograficamente concentrada na Europa sobretudo e socialmente entre os europeus em todo o mundo do capitalismo E nessa medida e dessa maneira a Europa e o europeu se constituíram no centro do mundo capitalista Quando Raúl Prebisch criou a célebre imagem de CentroPeriferia The American Economic Review 1959 ECLA 1960 Baer 1962 para descrever a configuração mundial do capitalismo depois da Segunda Guerra Mundial apontou sabendoo ou sem saber o núcleo principal do caráter histórico do padrão de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos que formava parte central do novo padrão mundial de poder constituído a partir da América O capitalismo mundial foi desde o início colonialmoderno e eurocentrado Sem relação clara com essas específicas características históricas do capitalismo o próprio conceito de moderno sistemamundo desenvolvido principalmente por Immanuel Wallerstein 19741989 Hopkins e Wallerstein 1982 a partir de Prebisch e do conceito marxiano de capitalismo mundial não poderia ser apropriada e plenamente entendido 120 Novo padrão de poder mundial e nova intersubjetividade mundial Já em sua condição de centro do capitalismo mundial a Europa não somente tinha o controle do mercado mundial mas pôde impor seu domínio colonial sobre todas as regiões e populações do planeta incorporandoas ao sistemamundo que assim se constituía e a seu padrão específico de poder Para tais regiões e populações isso implicou um processo de reidentificação histórica pois da Europa foramlhes atribuídas novas identidades geoculturais Desse modo depois da América e da Europa foram estabelecidas África Ásia e eventualmente Oceania Na produção dessas novas identidades a colonialidade do novo padrão de poder foi sem dúvida uma das mais ativas determinações Mas as formas e o nível de desenvolvimento político e cultural mais especificamente intelectual em cada caso desempenharam também um papel de primeiro plano Sem esses fatores a categoria Oriente não teria sido elaborada como a única com a dignidade suficiente para ser o Outro ainda que por definição inferior de Ocidente sem que alguma equivalente fosse criada para índios ou negros9 Mas esta mesma omissão põe a nu que esses outros fatores atuaram também dentro do padrão racista de classificação social universal da população mundial A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único mundo dominado pela Europa significou para esse mundo uma configuração cultural intelectual em suma intersubjetiva equivalente à articulação de todas as formas de controle do trabalho em torno do capital para estabelecer o capitalismo mundial Com efeito todas as experiências histórias recursos e produtos culturais terminaram também articulados numa só ordem cultural global em torno da hegemonia européia ou ocidental Em outras palavras como parte do novo padrão de poder mundial a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade da cultura e em especial do conhecimento da produção do conhecimento No processo que levou a esse resultado os colonizadores exerceram diversas operações que dão conta das condições que levaram à configuração de um novo universo de relações intersubjetivas de dominação entre a Europa e o europeu e as demais regiões e populações do mundo às quais estavam sendo atribuídas no mesmo processo novas identidades geoculturais Em primeiro lugar expropriaram as populações colonizadas entre seus descobrimentos culturais aqueles que resultavam mais aptos para o desenvolvimento do capitalismo e em benefício do centro europeu Em segundo lugar reprimiram tanto como puderam ou seja em variáveis medidas de acordo com os casos as formas de produção de conhecimento dos colonizados seus padrões de produção de sentidos seu universo simbólico seus padrões de expressão e de objetivação da subjetividade A repressão neste campo foi reconhecidamente mais violenta profunda e duradoura entre os índios da América ibérica a que condenaram a ser uma subcultura camponesa iletrada despojandoos de sua herança intelectual objetivada Algo equivalente ocorreu na África Sem dúvida muito menor foi a repressão no caso da Ásia onde portanto uma parte importante da história e da herança intelectual escrita pôde ser preservada E foi isso precisamente o que deu origem à categoria de Oriente Em terceiro lugar forçaram também em medidas variáveis em cada caso os colonizados a aprender parcialmente a cultura dos dominadores em tudo que fosse útil para a reprodução da dominação seja no campo da atividade material tecnológica como da subjetiva especialmente religiosa É este o caso da religiosidade judaicocristã Todo esse acidentado processo implicou no longo prazo uma colonização das perspectivas cognitivas dos modos de produzir ou outorgar sentido aos resultados da experiência material ou intersubjetiva do imaginário do universo de relações intersubjetivas do mundo em suma da cultura10 Enfim o êxito da Europa Ocidental em transformarse no centro do moderno sistemamundo segundo a apta formulação de Wallerstein desenvolveu nos europeus um traço comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da história o etnocentrismo Mas no caso europeu esse traço tinha um fundamento e uma justificação peculiar a classificação racial da população do mundo depois da América A associação entre ambos os fenômenos o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal ajudam a explicar por que os europeus foram levados a sentirse não só superiores a todos os demais povos do mundo mas além disso naturalmente superiores Essa instância histórica expressouse numa operação mental de fundamental importância para todo o padrão de poder mundial sobretudo com respeito às relações intersubjetivas que lhe são hegemônicas e em especial de sua perspectiva de conhecimento os europeus geraram uma nova perspectiva temporal da história e resituaram os povos colonizados bem como a suas respectivas histórias e culturas no passado de uma trajetória histórica cuja culminação era a Europa Mignolo 1995 Blaut 1993 Lander 1997 Porém notavelmente não numa mesma linha de continuidade com os europeus mas em 121 outra categoria naturalmente diferente Os povos colonizados eram raças inferiores e portanto anteriores aos europeus De acordo com essa perspectiva a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus Desse ponto de vista as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa ou melhor dizendo a Europa Ocidental e o restante do mundo foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias OrienteOcidente primitivocivilizado mágicomítico científico irracionalracional tradicionalmoderno Em suma Europa e nãoEuropa Mesmo assim a única categoria com a devida honra de ser reconhecida como o Outro da Europa ou Ocidente foi Oriente Não os índios da América tampouco os negros da África Estes eran simplesmente primitivos Sob essa codificação das relações entre europeunãoeuropeu raça é sem dúvida a categoria básica 11 Essa perspectiva binária dualista de conhecimento peculiar ao eurocentrismo impôsse como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo Não seria possível explicar de outro modo satisfatoriamente em todo caso a elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de conhecimento da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais um a idéiaimagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa E dois outorgar sentido às diferenças entre Europa e não Europa como diferenças de natureza racial e não de história do poder Ambos os mitos podem ser reconhecidos inequivocamente no fundamento do evolucionismo e do dualismo dois dos elementos nucleares do eurocentrismo A questão da modernidade Não me proponho aqui a entrar numa discussão detida da questão da modernidade e de sua versão eurocêntrica Dediquei anteriormente outros estudos a esse tema e voltarei a ele depois Em particular não prolongarei este trabalho com uma discussão acerca do debate modernidadepósmodernidade e sua vasta bibliografia Mas é pertinente para os fins deste trabalho em especial da parte seguinte insistir em algumas questões Quijano 1988b 1992a 1998a O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza levouos também a pensarse como os modernos da humanidade e de sua história isto é como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie Mas já que ao mesmo tempo atribuíam ao restante da espécie o pertencimento a uma categoria por natureza inferior e por isso anterior isto é o passado no processo da espécie os europeus imaginaram também serem não apenas os portadores exclusivos de tal modernidade mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas O notável disso não é que os europeus se imaginaram e pensaram a si mesmos e ao restante da espécie desse modo isso não é um privilégio dos europeus mas o fato de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder Desde logo a resistência intelectual a essa perspectiva histórica não tardou em emergir Na América Latina desde fins do século XIX mas se afirmou sobretudo durante o século XX e em especial depois da Segunda Guerra Mundial vinculada com o debate sobre a questão do desenvolvimentosubdesenvolvimento Como esse debate foi dominado durante um bom tempo pela denominada teoria da modernização12 em suas vertentes opostas para sustentar que a modernização não implica necessariamente a ocidentalização das sociedades e das culturas nãoeuropéias um dos argumentos mais usados foi o de que a modernidade é um fenômeno de todas as culturas não apenas da européia ou ocidental Se o conceito de modernidade referese única ou fundamentalmente às idéias de novidade do avançado do racionalcientífico laico secular que são as idéias e experiências normalmente associadas a esse conceito não cabe dúvida de que é necessário admitir que é um fenômeno possível em todas as culturas e em todas as épocas históricas Com todas as suas respectivas particularidades e diferenças todas as chamadas altas culturas China Índia Egito Grécia MaiaAsteca Tauantinsuio anteriores ao atual sistema mundo mostram inequivocamente os sinais dessa modernidade incluído o racional científico a secularização do pensamento etc Na verdade a estas alturas da pesquisa histórica seria quase ridículo atribuir às altas culturas nãoeuropéias uma mentalidade míticomágica como traço definidor por exemplo em oposição à racionalidade e à ciência como características da Europa pois além dos possíveis ou melhor conjecturados conteúdos simbólicos as cidades os templos e palácios as pirâmides ou as cidades monumentais seja Machu Pichu ou Boro Budur as irrigações as grandes vias de transporte as tecnologias metalíferas agropecuárias as matemáticas os calendários a escritura a filosofia as histórias as armas e 122 as guerras mostram o desenvolvimento científico e tecnológico em cada uma de tais altas culturas desde muito antes da formação da Europa como nova identidade O mais que realmente se pode dizer é que no atual período foise mais longe no desenvolvimento científicotecnológico e se realizaram maiores descobrimentos e realizações com o papel hegemônico da Europa e em geral do Ocidente Os defensores da patente européia da modernidade costumam apelar para história cultural do antigo mundo helenoromânico e ao mundo do Mediterrâneo antes da América para legitimar sua defesa da exclusividade dessa patente O que é curioso desse argumento é que escamoteia primeiro o fato de que a parte realmente avançada desse mundo do Mediterrâneo antes das América área por área dessa modernidade era islâmicojudaica Segundo que foi dentro desse mundo que se manteve a herança cultural grecoromana as cidades o comércio a agricultura comercial a mineração os têxteis a filosofia a história quando a futura Europa Ocidental estava dominada pelo feudalismo e seu obscurantismo cultural Terceiro que muito provavelmente a mercantilização da força de trabalho a relação capitalsalário emergiu precisamente nessa área e foi em seu desenvolvimento que se expandiu posteriormente em direção ao norte da futura Europa Quarto que somente a partir da derrota do Islão e do posterior deslocamento da hegemonia sobre o mercado mundial para o centronorte da futura Europa graças à América começa também a deslocarse ao centro da atividade cultural a essa nova região Por isso a nova perspectiva geográfica da história e da cultura que ali é elaborada e que se impõe como mundialmente hegemônica implica obviamente uma nova geografia do poder A própria idéia de OcidenteOriente é tardia e parte da hegemonia britânica Ou ainda é necessário recordar que o meridiano de Greenwich atravessa Londres e não Sevilha ou Veneza13 Nesse sentido a pretensão eurocêntrica de ser a exclusiva produtora e protagonista da modernidade e de que toda modernização de populações nãoeuropéias é portanto uma europeização é uma pretensão etnocentrista e além de tudo provinciana Porém por outro lado se se admite que o conceito de modernidade se refere somente à racionalidade à ciência à tecnologia etc a questão que estaríamos colocando à experiência histórica não seria diferente da proposta pelo etnocentrismo europeu o debate consistiria apenas na disputa pela originalidade e pela exclusividade da propriedade do fenômeno assim chamado modernidade e em conseqüência movendose no mesmo terreno e com a mesma perspectiva do eurocentrismo Há contudo um conjunto de elementos demonstráveis que apontam para um conceito de modernidade diferente que dá conta de um processo histórico específico ao atual sistemamundo Nesse conceito não estão obviamente ausentes suas referencias e seus traços anteriores Porém mais enquanto formam parte de um universo de relações sociais materiais e intersubjetivas cuja questão central é a libertação humana como interesse histórico da sociedade e também em conseqüência seu campo central de conflito Nos limites deste trabalho restringirmeei somente a adiantar de modo breve e esquemático algumas proposições14 Em primeiro lugar o atual padrão de poder mundial é o primeiro efetivamente global da história conhecida Em vários sentidos específicos Um é o primeiro em que cada um dos âmbitos da existência social estão articuladas todas as formas historicamente conhecidas de controle das relações sociais correspondentes configurando em cada área um única estrutura com relações sistemáticas entre seus componentes e do mesmo modo em seu conjunto Dois é o primeiro em que cada uma dessas estruturas de cada âmbito de existência social está sob a hegemonia de uma instituição produzida dentro do processo de formação e desenvolvimento deste mesmo padrão de poder Assim no controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos está a empresa capitalista no controle do sexo de seus recursos e produtos a família burguesa no controle da autoridade seus recursos e produtos o Estadonação no controle da intersubjetividade o eurocentrismo15 Três cada uma dessas instituições existe em relações de interdependência com cada uma das outras Por isso o padrão de poder está configurado como um sistema16 Quatro finalmente este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre a totalidade da população do planeta Nesse sentido específico a humanidade atual em seu conjunto constitui o primeiro sistemamundo global historicamente conhecido não somente um mundo como o que talvez tenham sido o chinês o hindu o egípcio o helênicoromano o maiaasteca ou o tauantinsuiano Nenhum desses possíveis mundos teve nada em comum exceto um dominador colonialimperial e apesar de que assim se propõe da visão colonial eurocêntrica não se sabe se todos os povos incorporados a um daqueles mundos tiveram também em comum uma perspectiva básica a respeito das relações entre o humano e o restante do universo Os dominadores coloniais de cada um desses mundos não tinham as condições nem provavelmente o interesse de homogeneizar as formas básicas de existência social de todas as populações de seus 123 domínios Por outro lado o atual o que começou a formarse com a América tem em comum três elementos centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial a colonialidade do poder o capitalismo e o eurocentrismo Claro que este padrão de poder nem nenhum outro pode implicar que a heterogeneidade históricoestrutural tenha sido erradicada dentro de seus domínios O que sua globalidade implica é um piso básico de práticas sociais comuns para todo o mundo e uma esfera intersubjetiva que existe e atua como esfera central de orientação valorativa do conjunto Por isso as instituições hegemônicas de cada âmbito de existência social são universais para a população do mundo como modelos intersubjetivos Assim o Estadonação a família burguesa a empresa a racionalidade eurocêntrica Portanto seja o que for a mentira contida no termo modernidade hoje envolve o conjunto da população mundial e toda sua história dos últimos 500 anos e todos os mundos ou exmundos articulados no padrão global de poder e cada um de seus segmentos diferenciados ou diferenciáveis pois se constituiu junto com como parte da redefinição ou reconstituição histórica de cada um deles por sua incorporação ao novo e comum padrão de poder mundial Portanto também como articulação de muitas racionalidades Em outras palavras já que se trata de uma história nova e diferente com experiências específicas as questões que esta história permite e obriga a abrir não podem ser indagadas muito menos contestadas com o conceito eurocêntrico de modernidade Pela mesma razão dizer que é um fenômeno puramente europeu ou que ocorre em todas as culturas teria hoje um impossível sentido Tratase de algo novo e diferente específico deste padrão de poder mundial Se há que preservar o nome deve tratarse de qualquer modo de outra modernidade A questão central que nos interessa aqui é a seguinte o que é o realmente novo com relação à modernidade Não somente o que desenvolve e redefine experiências tendências e processos de outros mundos mas o que foi produzido na história própria do atual padrão de poder mundial Dussel 1995 propôs a categoria de transmodernidade como alternativa para a pretensão eurocêntrica de que a Europa é a produtora original da modernidade Segundo essa proposta a constituição do ego individual diferenciado é a novidade que ocorre com a América e é a marca da modernidade mas tem lugar não só na Europa mas em todo o mundo que se configura a partir da América Dussel acerta no alvo ao refutar um dos mitos prediletos do eurocentrismo Mas é controverso que o ego individual diferenciado seja um fenômeno exclusivamente pertencente ao período iniciado com a América Há claro uma relação umbilical entre os processos históricos que se geram a partir da América e as mudanças da subjetividade ou melhor dito da intersubjetividade de todos os povos que se vão integrando no novo padrão de poder mundial E essas transformações levam à constituição de uma nova subjetividade não só individual mas coletiva de uma nova intersubjetividade Esse é portanto um fenômeno novo que ingressa na história com a América e nesse sentido faz parte da modernidade Mas quaisquer que fossem essas mudanças não se constituem da subjetividade individual nem coletiva do mundo préexistente voltada para si mesma ou para repetir a velha imagem essas mudanças não nascem como Minerva da cabeça de Zeus mas são a expressão subjetiva ou intersubjetiva do que os povos do mundo estão fazendo nesse momento Dessa perspectiva é necessário admitir que a América e suas conseqüências imediatas no mercado mundial e na formação de um novo padrão de poder mundial são uma mudança histórica verdadeiramente enorme e que não afeta somente a Europa mas o conjunto do mundo Não se trata de mudanças dentro do mundo conhecido que não alteram senão alguns de seus traços Tratase da mudança do mundo como tal Este é sem dúvida o elemento básico da nova subjetividade a percepção da mudança histórica É esse elemento o que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história A percepção da mudança leva à idéia do futuro já que é o único território do tempo no qual podem ocorrer as mudanças O futuro é um território temporal aberto O tempo pode ser novo pois não é somente a extensão do passado E dessa maneira a história pode ser percebida já não só como algo que ocorre seja como algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o destino mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas por seus cálculos suas intenções suas decisões portanto como algo que pode ser projetado e conseqüentemente ter sentido Quijano 1988b Com a América iniciase assim todo um universo de novas relações materiais e intersubjetivas É pertinente por tudo isso admitir que o conceito de modernidade não se refere somente ao que ocorre com a subjetividade não obstante toda a tremenda importância desse processo seja pela emergência do ego individual ou de um novo universo de relações intersubjetivas entre os indivíduos e entre os povos integrados ou que se integram no novo sistemamundo e seu específico padrão de poder mundial O conceito de modernidade dá conta do mesmo modo das alterações na dimensão material das relações sociais Quer 124 dizer as mudanças ocorrem em todos os âmbitos da existência social dos povos e portanto de seus membros individuais tanto na dimensão material como na dimensão subjetiva dessas relações E como se trata de processos que se iniciam com a constituição da América de um novo padrão de poder mundial e da integração dos povos de todo o mundo nesse processo de todo um complexo sistemamundo é também imprescindível admitir que se trata de um período histórico inteiro Em outras palavras a partir da América um novo espaçotempo se constitui material e subjetivamente essa é a mentira do conceito de modernidade Não obstante foi decisivo para o processo de modernidade que o centro hegemônico desse mundo estivesse localizado na zona centronorte da Europa Ocidental Isso ajuda a explicar por que o centro de elaboração intelectual desse processo se localizará também ali e por que essa versão foi a que ganhou a hegemonia mundial Ajuda igualmente a explicar por que a colonialidade do poder desempenhará um papel de primeira ordem nessa elaboração eurocêntrica da modernidade Este último não é muito difícil de perceber se se leva em consideração o que já foi demonstrado antes o modo como a colonialidade do poder está vinculada com a concentração na Europa do capital dos assalariados do mercado de capital enfim da sociedade e da cultura associadas a essas determinações Nesse sentido a modernidade foi também colonial desde seu ponto de partida Mas ajuda também a entender por que foi na Europa muito mais direto e imediato o impacto do processo mundial de modernização Com efeito as novas práticas sociais implicadas no padrão de poder mundial capitalista a concentração do capital e dos assalariados o novo mercado de capital tudo isso associado à nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história à centralidade da questão da mudança histórica nessa perspectiva como experiência e como idéia requerem necessariamente a dessacralização das hierarquias e das autoridades tanto na dimensão material das relações sociais como em sua intersubjetividade a dessacralização a mudança ou o desmantelamento das correspondentes estruturas e instituições A individualização das pessoas só adquire seu sentido nesse contexto a necessidade de um foro próprio para pensar para duvidar para decidir a liberdade individual em suma contra as adscrições sociais fixadas e em conseqüência a necessidade de igualdade social entre os indivíduos As determinações capitalistas contudo exigiam também e no mesmo movimento histórico que esses processos sociais materiais e intersubjetivos não tivessem lugar exceto dentro de relações sociais de exploração e de dominação Conseqüentemente como um campo de conflitos pela orientação isto é os fins os meios e os limites desses processos Para os controladores do poder o controle do capital e do mercado eram e são os que decidem os fins os meios e os limites do processo O mercado é o mínimo mas também o limite da possível igualdade social entre as pessoas Para os explorados do capital e em geral para os dominados do padrão de poder a modernidade gerou um horizonte de libertação das pessoas de toda relação estrutura ou instituição vinculada com a dominação e a exploração mas também as condições sociais para avançar em direção a esse horizonte A modernidade é assim também uma questão de conflito de interesses sociais Um deles é a contínua democratização da existência social das pessoas Nesse sentido todo conceito de modernidade é necessariamente ambíguo e contraditório Quijano 1998a 2000a É ali precisamente onde a história desses processos diferencia tão claramente a Europa Ocidental e o resto do mundo no caso a América Latina Na Europa Ocidental a concentração da relação capitalsalário é o eixo principal das tendências das relações de classificação social e da correspondente estrutura de poder Isso subjaz aos enfrentamentos com a antiga ordem com o Império com o Papado durante o período do chamado capital competitivo Esses enfrentamentos permitem aos setores não dominantes do capital bem como aos explorados melhores condições de negociar seu lugar no poder e a venda de sua força de trabalho Por outro lado abre também condições para uma secularização especificamente burguesa da cultura e da subjetividade O liberalismo é uma das claras expressões desse contexto material e subjetivo da sociedade na Europa Ocidental Já no resto do mundo na América Latina em particular as formas mais estendidas de controle do trabalho são nãosalariais ainda que em benefício global do capital o que implica que as relações de exploração e de dominação têm caráter colonial A independência política desde inícios do século XIX está acompanhada na maioria dos novos países pelo estancamento e retrocesso do capital e fortalece o caráter colonial da dominação social e política sob Estados formalmente independentes O eurocentramento do capitalismo colonialmoderno foi nesse sentido decisivo para o destino diferente do processo da modernidade entre a Europa e o resto do mundo Quijano 1988b 1994 125 II Colonialidade do poder e eurocentrismo A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder colonialmoderno capitalista e eurocentrado Essa perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo17 Eurocentrismo é aqui o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas ou mesmo antigas e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista colonialmoderno eurocentrado estabelecido a partir da América Não se trata em conseqüência de uma categoria que implica toda a história cognoscitiva em toda a Europa nem na Europa Ocidental em particular Em outras palavras não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas mas a uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondose a todas as demais prévias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo No âmbito deste trabalho proponhome a discutir algumas de suas questões mais diretamente vinculadas com a experiência histórica da América Latina mas que obviamente não se referem somente a ela Capital e capitalismo Antes que mais nada a teoria de uma seqüência histórica unilinear e universalmente válida entre as formas conhecidas de trabalho e de controle do trabalho que foram também conceitualizadas como relações ou modos de produção especialmente entre capital e précapital precisa ser em todo caso com respeito à América aberta de novo como questão maior do debate científicosocial contemporâneo Do ponto de vista eurocêntrico reciprocidade escravidão servidão e produção mercantil independente são todas percebidas como uma seqüência histórica prévia à mercantilização da força de trabalho São pré capital E são consideradas não só como diferentes mas como radicalmente incompatíveis com o capital O fato é contudo que na América elas não emergiram numa seqüência histórica unilinear nenhuma delas foi uma mera extensão de antigas formas précapitalistas nem foram tampouco incompatíveis com o capital Na América a escravidão foi deliberadamente estabelecida e organizada como mercadoria para produzir mercadorias para o mercado mundial e desse modo para servir aos propósitos e necessidades do capitalismo Do mesmo modo a servidão imposta aos índios inclusive a redefinição das instituições da reciprocidade para servir os mesmos fins isto é para produzir mercadorias para o mercado mundial E enfim a produção mercantil independente foi estabelecida e expandida para os mesmos propósitos Isso significa que todas essas formas de trabalho e de controle do trabalho na América não só atuavam simultaneamente mas foram articuladas em torno do eixo do capital e do mercado mundial Conseqüentemente foram parte de um novo padrão de organização e de controle do trabalho em todas as suas formas historicamente conhecidas juntas e em torno do capital Juntas configuraram um novo sistema o capitalismo O capital como relação social baseada na mercantilização da força de trabalho nasceu provavelmente em algum momento por volta dos séculos XIXII em algum lugar na região meridional das penínsulas ibérica eou itálica e conseqüentemente e por conhecidas razões no mundo islâmico É pois bastante mais antigo que a América Mas antes da emergência da América não está em nenhum lugar estruturalmente articulado com todas as demais formas de organização e controle da força de trabalho e do trabalho nem tampouco era ainda predominante em relação a nenhuma delas Só com a América pôde o capital consolidarse e obter predominância mundial tornandose precisamente o eixo em torno do qual todas as demais formas foram articuladas para os fins do mercado mundial Somente desse modo o capital transformouse no modo de produção dominante Assim o capital existiu muito tempo antes que a América Contudo o capitalismo como sistema de relações de produção isto é a heterogênea engrenagem de todas as formas de controle do trabalho e de seus produtos sob o domínio do capital no que dali em diante consistiu a economia mundial e seu mercado constituiuse na história apenas com a emergência da América A partir desse momento o capital sempre existiu e continua existindo hoje em dia só como o eixo central do capitalismo não de maneira separada muito menos isolada Nunca foi predominante de outro modo em escala mundial e global e com 126 toda probabilidade não teria podido desenvolverse de outro modo Evolucionismo e dualismo Como no caso das relações entre capital e précapital uma linha similar de idéias foi elaborada acerca das relações entre Europa e nãoEuropa Como já foi apontado o mito fundacional da versão eurocêntrica da modernidade é a idéia do estado de natureza como ponto de partida do curso civilizatório cuja culminação é a civilização européia ou ocidental Desse mito se origina a especificamente eurocêntrica perspectiva evolucionista de movimento e de mudança unilinear e unidirecional da história humana Tal mito foi associado com a classificação racial da população do mundo Essa associação produziu uma visão na qual se amalgamam paradoxalmente evolucionismo e dualismo Essa visão só adquire sentido como expressão do exacerbado etnocentrismo da recém constituída Europa por seu lugar central e dominante no capitalismo mundial colonialmoderno da vigência nova das idéias mitificadas de humanidade e de progresso inseparáveis produtos da Ilustração e da vigência da idéia de raça como critério básico de classificação social universal da população do mundo A história é contudo muito distinta Por um lado no momento em que os ibéricos conquistaram nomearam e colonizaram a América cuja região norte ou América do Norte colonizarão os britânicos um século mais tarde encontraram um grande número de diferentes povos cada um com sua própria história linguagem descobrimentos e produtos culturais memória e identidade São conhecidos os nomes dos mais desenvolvidos e sofisticados deles astecas maias chimus aimarás incas chibchas etc Trezentos anos mais tarde todos eles reduziamse a uma única identidade índios Esta nova identidade era racial colonial e negativa Assim também sucedeu com os povos trazidos forçadamente da futura África como escravos achantes iorubás zulus congos bacongos etc No lapso de trezentos anos todos eles não eram outra coisa além de negros Esse resultado da história do poder colonial teve duas implicações decisivas A primeira é óbvia todos aqueles povos foram despojados de suas próprias e singulares identidades históricas A segunda é talvez menos óbvia mas não é menos decisiva sua nova identidade racial colonial e negativa implicava o despojo de seu lugar na história da produção cultural da humanidade Daí em diante não seriam nada mais que raças inferiores capazes somente de produzir culturas inferiores Implicava também sua relocalização no novo tempo histórico constituído com a América primeiro e com a Europa depois desse momento em diante passaram a ser o passado Em outras palavras o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o nãoeuropeu era o passado e desse modo inferior sempre primitivo Por outro lado a primeira identidade geocultural moderna e mundial foi a América A Europa foi a segunda e foi constituída como conseqüência da América não o inverso A constituição da Europa como nova entidadeidentidade histórica fezse possível em primeiro lugar com o trabalho gratuito dos índios negros e mestiços da América com sua avançada tecnologia na mineração e na agricultura e com seus respectivos produtos o ouro a prata a batata o tomate o tabaco etc etc Viola e Margolis 1991 Porque foi sobre essa base que se configurou uma região como sede do controle das rotas atlânticas por sua vez convertidas precisamente sobre essa mesma base nas rotas decisivas do mercado mundial Essa região não tardou em emergir como Europa América e Europa produziramse historicamente assim mutuamente como as duas primeiras novas identidades geoculturais do mundo moderno Contudo os europeus persuadiramse a si mesmos desde meados do século XVII mas sobretudo durante o século XVIII não só de que de algum modo se tinham autoproduzido a si mesmos como civilização à margem da história iniciada com a América culminando uma linha independente que começava com a Grécia como única fonte original Também concluíram que eram naturalmente isto é racialmente superiores a todos os demais já que tinham conquistado a todos e lhes tinham imposto seu domínio O confronto entre a experiência histórica e a perspectiva eurocêntrica de conhecimento permite apontar alguns dos elementos mais importantes do eurocentrismo a uma articulação peculiar entre um dualismo précapitalcapital não europeueuropeu primitivocivilizado tradicionalmoderno etc e um evolucionismo linear unidirecional de algum estado de natureza à sociedade moderna européia b a naturalização das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação com a idéia de raça e c a distorcida relocalização temporal de todas essas diferenças de modo que tudo aquilo que é nãoeuropeu é percebido como passado Todas estas operações intelectuais são claramente interdependentes E não teriam podido ser cultivadas e desenvolvidas sem a colonialidade do poder 127 Homogeneidadecontinuidade e heterogeneidadedescontinuidade Como é verificável agora a perspectiva eurocêntrica de conhecimento devido a sua crise radical é hoje um campo pletórico de questões Aqui é pertinente ainda deixar registradas duas delas Primeiro uma idéia da mudança histórica como um processo ou um momento no qual uma entidade ou unidade se transforma de maneira continua homogênea e completa em outra coisa e abandona de maneira absoluta a cena histórica Isto permite à outra entidade equivalente ocupar o lugar e tudo isto continua numa cadeia seqüencial De outro modo não teria sentido nem lugar a idéia da história como uma evolução unidirecional e unilinear Segundo dali se desprende que cada unidade diferenciada por exemplo uma economiasociedade ou um modo de produção no caso do controle do trabalho capital ou escravidão ou uma raçacivilização no caso de grupos humanos é uma entidadeidentidade homogênea São cada uma estruturas de elementos homogêneos relacionados de maneira contínua e sistêmica o que é distinto de sistemática A experiência histórica demostra contudo que o capitalismo mundial está longe de ser uma totalidade homogênea e contínua Ao contrário como o demonstra a América o padrão de poder mundial que se conhece como capitalismo é fundamentalmente uma estrutura de elementos heterogêneos tanto em termos das formas de controle do trabalhorecursosprodutos ou relações de produção ou em termos dos povos e histórias articulados nele Em conseqüência tais elementos se relacionam entre si e com o conjunto de maneira também heterogênea e descontínua ou mesmo conflitiva E são eles mesmos cada um deles configurados da mesma maneira Assim cada uma dessas relações de produção é em si mesma uma estrutura heterogênea Especialmente o capital desde que todos os estágios e formas históricas de produção de valor e de apropriação de maisvalia por exemplo acumulação primitiva maisvalia absoluta e relativa extensiva ou intensiva ou em outra nomenclatura manufatura capital competitivo capital monopólico capital transnacional ou global ou préfordista fordista de mão de obra intensiva de capital intensivo de informação intensiva etc etc estão simultaneamente em atividade e trabalham juntos numa complexa rede de transferência de valor e de maisvalia Isto é igualmente válido com relação às raças já que tantos povos diversos e heterogêneos com heterogêneas histórias e tendências históricas de movimento e de mudança foram reunidos sob uma única classificação racial índio ou negro por exemplo Esta heterogeneidade não é simplesmente estrutural baseada nas relações entre elementos das mesmas época e idade Já que histórias diversas e heterogêneas deste tipo foram articuladas numa única estrutura de poder é pertinente admitir o caráter históricoestrutural dessa heterogeneidade Conseqüentemente o processo de mudança dessa totalidade capitalista não pode de nenhum modo ser uma transformação homogênea e contínua do sistema inteiro nem tampouco de cada um de seus componentes maiores Tampouco poderia essa totalidade desvanecerse completa e homogeneamente da cena histórica e ser substituída por outra equivalente A mudança histórica não pode ser unilinear unidirecional seqüencial ou total O sistema ou o padrão específico de articulação estrutural poderia ser desmantelado Mas mesmo assim cada um ou alguns de seus elementos pode e haverá de rearticularse em algum outro padrão estrutural como ocorreu obviamente com os componentes do padrão de poder précolonial digamos no Tauantinsuiu18 O novo dualismo Finalmente pelo momento e para nossos propósitos aqui é pertinente abrir a questão das relações entre o corpo e o nãocorpo na perspectiva eurocêntrica tanto por sua gravitação no modo eurocêntrico de produzir conhecimento como devido a que em nossa experiência tem uma estreita relação com as de raça e de gênero A idéia de diferenciação entre o corpo e o nãocorpo na experiência humana é virtualmente universal à história da humanidade comum a todas as culturas ou civilizações historicamente conhecidas Mas é também comum a todas até o aparecimento do eurocentrismo a permanente co presença dos dois elementos como duas dimensões não separáveis do ser humano em qualquer aspecto instância ou comportamento O processo de separação destes elementos do ser humano é parte de uma longa história do mundo cristão sobre a base da idéia da primazia da alma sobre o corpo Porém esta história mostra também uma longa e não resolvida ambivalência da teologia cristã sobre este ponto em particular Certamente é 128 a alma o objeto privilegiado de salvação Mas no final das contas é o corpo o ressuscitado como culminação da salvação Certamente também foi durante a cultura repressiva do cristianismo como resultado dos conflitos com muçulmanos e judeus sobretudo entre os séculos XV e XVI em plena Inquisição que a primazia da alma foi enfatizada talvez exasperada E porque o corpo foi o objeto básico da repressão a alma pôde aparecer quase separada das relações intersubjetivas no interior do mundo cristão Mas isto não foi teorizado ou seja não foi sistematicamente discutido e elaborado até Descartes culminando no processo da secularização burguesa do pensamento cristão 19 Com Descartes20 o que sucede é a mutação da antiga abordagem dualista sobre o corpo e o não corpo O que era uma copresença permanente de ambos os elementos em cada etapa do ser humano em Descartes se converte numa radical separação entre razãosujeito e corpo A razão não é somente uma secularização da idéia de alma no sentido teológico mas uma mutação numa nova identidade a razãosujeito a única entidade capaz de conhecimento racional em relação à qual o corpo é e não pode ser outra coisa além de objeto de conhecimento Desse ponto de vista o ser humano é por excelência um ser dotado de razão e esse dom se concebe como localizado exclusivamente na alma Assim o corpo por definição incapaz de raciocinar não tem nada a ver com a razãosujeito Produzida essa separação radical entre razãosujeito e corpo as relações entre ambos devem ser vistas unicamente como relações entre a razãosujeito humana e o corponatureza humana ou entre espírito e natureza Deste modo na racionalidade eurocêntrica o corpo foi fixado como objeto de conhecimento fora do entorno do sujeitorazão Sem essa objetivização do corpo como natureza de sua expulsão do âmbito do espírito dificilmente teria sido possível tentar a teorização científica do problema da raça como foi o caso do Conde de Gobineau 18531857 durante o século XIX Dessa perspectiva eurocêntrica certas raças são condenadas como inferiores por não serem sujeitos racionais São objetos de estudo corpo em conseqüência mais próximos da natureza Em certo sentido isto os converte em domináveis e exploráveis De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeia do processo civilizatório que culmina na civilização européia algumas raças negros ou africanos índios oliváceos amarelos ou asiáticos e nessa seqüência estão mais próximas da natureza que os brancos 21 Somente desta perspectiva peculiar foi possível que os povos nãoeuropeus fossem considerados virtualmente até a Segunda Guerra Mundial antes de tudo como objeto de conhecimento e de dominaçãoexploração pelos europeus Esse novo e radical dualismo não afetou somente as relações raciais de dominação mas também a mais antiga as relações sexuais de dominação Daí em diante o lugar das mulheres muito em especial o das mulheres das raças inferiores ficou estereotipado junto com o resto dos corpos e quanto mais inferiores fossem suas raças mais perto da natureza ou diretamente como no caso das escravas negras dentro da natureza É provável ainda que a questão fique por indagar que a idéia de gênero se tenha elaborado depois do novo e radical dualismo como parte da perspectiva cognitiva eurocentrista Durante o século XVIII esse novo dualismo radical foi amalgamado com as idéias mitificadas de progresso e de um estado de natureza na trajetória humana os mitos fundacionais da versão eurocentrista da modernidade Isto deu vazão à peculiar perspectiva histórica dualistaevolucionista Assim todos os nãoeuropeus puderam ser considerados de um lado como préeuropeus e ao mesmo tempo dispostos em certa seqüência histórica e contínua do primitivo ao civilizado do irracional ao racional do tradicional ao moderno do mágicomítico ao científico Em outras palavras do não europeupréeuropeu a algo que com o tempo se europeizará ou modernizará Sem considerar a experiência inteira do colonialismo e da colonialidade essa marca intelectual seria dificilmente explicável bem como a duradoura hegemonia mundial do eurocentrismo Somente as necessidades do capital como tal não esgotam não poderiam esgotar a explicação do caráter e da trajetória dessa perspectiva de conhecimento III Eurocentrismo e experiência histórica na América Latina Aplicada de maneira específica à experiência histórica latinoamericana a perspectiva eurocêntrica de conhecimento opera como um espelho que distorce o que reflete Quer dizer a imagem que encontramos nesse espelho não é de todo quimérica já que possuímos tantos e tão importantes traços históricos 129 europeus em tantos aspectos materiais e intersubjetivos Mas ao mesmo tempo somos tão profundamente distintos Daí que quando olhamos nosso espelho eurocêntrico a imagem que vemos seja necessariamente parcial e distorcida Aqui a tragédia é que todos fomos conduzidos sabendo ou não querendo ou não a ver e aceitar aquela imagem como nossa e como pertencente unicamente a nós Dessa maneira seguimos sendo o que não somos E como resultado não podemos nunca identificar nossos verdadeiros problemas muito menos resolvêlos a não ser de uma maneira parcial e distorcida O eurocentrismo e a questão nacional o Estadonação Um dos exemplos mais claros desta tragédia de equívocos na América Latina é a história da chamada questão nacional Dito de outro modo do problema do moderno Estadonação na América Latina Nações e Estados são um velho fenômeno Todavia aquilo que chamamos de moderno Estadonação é uma experiência muito específica Tratase de uma sociedade nacionalizada e por isso politicamente organizada como um Estadonação Implica as instituições modernas de cidadania e democracia política Ou seja implica uma certa democracia dado que cada processo conhecido de nacionalização da sociedade nos tempos modernos ocorreu somente através de uma relativa ou seja dentro dos limites do capitalismo mas importante e real democratização do controle do trabalho dos recursos produtivos e do controle da geração e gestão das instituições políticas Deste modo a cidadania pode chegar a servir como igualdade legal civil e política para pessoas socialmente desiguais Quijano 1998a Um Estadonação é uma espécie de sociedade individualizada entre as demais Por isso entre seus membros pode ser sentida como identidade Porém toda sociedade é uma estrutura de poder É o poder aquilo que articula formas de existência social dispersas e diversas numa totalidade única uma sociedade Toda estrutura de poder é sempre parcial ou totalmente a imposição de alguns freqüentemente certo grupo sobre os demais Conseqüentemente todo Estadonação possível é uma estrutura de poder do mesmo modo que é produto do poder Em outros termos do modo como foram configuradas as disputas pelo controle do trabalho seus recursos e produtos do sexo seus recursos e produtos da autoridade e de sua violência específica da intersubjetividade e do conhecimento Não obstante se um Estadonação moderno pode expressarse em seus membros como uma identidade não é somente devido a que pode ser imaginado como uma comunidade22 Os membros precisam ter em comum algo real não só imaginado algo que compartilhar E isso em todos os reais Estadosnação modernos é uma participação mais ou menos democrática na distribuição do controle do poder Esta é a maneira específica de homogeneização das pessoas num Estadonação moderno Toda homogeneização da população de um Estadonação moderno é desde logo parcial e temporal e consiste na comum participação democrática no controle da geração e da gestão das instituições de autoridade pública e de seus específicos mecanismos de violência Isto é exercese no fundamental em todo o âmbito da existência social vinculado ao Estado e que por isso se assume como o explicitamente político Mas tal âmbito não poderia ser democrático isto é implicar cidadania como igualdade jurídica e civil de pessoas desigualmente situadas nas relações de poder se as relações sociais em todos os outros âmbitos da existência social fossem radicalmente não democráticas ou antidemocráticas23 Já que todo Estadonação é uma estrutura de poder isso implica que se trata de um poder que se configura nesse sentido O processo começa sempre com um poder político central sobre um território e sua população porque qualquer processo de nacionalização possível só pode ocorrer num espaço dado ao longo de um prolongado período de tempo Esse espaço precisa ser mais ou menos estável por um longo período Conseqüentemente precisase de um poder político estável e centralizado Este espaço é nesse sentido necessariamente um espaço de dominação disputado e conquistado a outros rivais Na Europa o processo que levou à formação de estruturas de poder configuradas como Estadonação iniciouse com a emergência de alguns poucos núcleos políticos que conquistaram seu espaço de dominação e se impuseram aos diversos e heterogêneos povos e identidades que o habitavam Deste modo o Estado nação iniciouse como um processo de colonização de alguns povos sobre outros que nesse sentido eram povos estrangeiros Em alguns casos particulares como na Espanha que se constituía sobre a base da América e de seus enormes e gratuitos recursos o processo incluiu a expulsão de alguns grupos como os muçulmanos e judeus considerados como estrangeiros indesejáveis Esta foi a primeira experiência de limpeza étnica no período moderno seguida pela imposição dessa peculiar instituição chamada certificado 130 de limpeza de sangue24 Por outro lado o processo de centralização estatal que antecedeu na Europa Ocidental a formação de Estadosnação foi paralelo à imposição da dominação colonial que começou com a América Quer dizer simultaneamente com a formação dos impérios coloniais desses primeiros Estados centrais europeus O processo tem pois um duplo movimento histórico Começou como uma colonização interna de povos com identidades diferentes mas que habitavam os mesmos territórios transformados em espaços de dominação interna ou seja nos próprios territórios dos futuros Estadosnação E continuou paralelamente à colonização imperial ou externa de povos que não só tinham identidades diferentes das dos colonizadores mas que habitavam territórios que não eram considerados como os espaços de dominação interna dos colonizadores quer dizer não eram os mesmos territórios dos futuros Estadosnação dos colonizadores Se indagamos a partir de nossa atual perspectiva histórica aquilo que sucedeu com os primeiros Estados centrais europeus seus espaços de dominação populações e territórios e seus respectivos processos de nacionalização observase que as diferenças são muito visíveis A existência de um forte Estado central não é suficiente para produzir um processo de relativa homogeneização de uma população previamente diversa e heterogênea para produzir assim uma identidade comum e uma forte e duradoura lealdade a tal identidade Entre esses casos a França é provavelmente a experiência mais bemsucedida bem como a Espanha é a menos bemsucedida Por que a França sim e a Espanha não A Espanha era em seus primórdios muito mais rica e poderosa que seus pares Porém após a expulsão dos muçulmanos e judeus deixou de ser produtiva e próspera para transformarse em correia de transmissão dos recursos da América aos centros emergentes do capital financeiro mercantil Ao mesmo tempo após o violento e bemsucedido ataque contra a autonomia das comunidades camponesas e das cidades e burgos viuse presa numa estrutura senhorial de poder e sob a autoridade de uma monarquia e de uma igreja repressivas e corruptas A Monarquia da Espanha dedicouse ademais a uma política bélica em busca da expansão de seu poder senhorial na Europa em lugar de uma hegemonia sobre o mercado mundial e o capital comercial e financeiro como fizeram mais tarde a Inglaterra ou a França Todas as lutas para forçar os controladores do poder a admitir ou negociar alguma democratização da sociedade e do Estado foram derrotadas em especial a revolução liberal de 181012 Deste modo o colonialismo interno e os padrões senhoriais de poder político e social combinados demonstraram ser fatais para a nacionalização da sociedade e do Estado espanhóis na medida em que esse tipo de poder não só provou ser incapaz de sustentar qualquer vantagem proveniente desse rico e vasto colonialismo imperial ou externo provou igualmente que constituía um muito poderosos obstáculo a todo processo democratizador das relações sociais e políticas e não só dentro do espaço próprio de dominação Pelo outro lado na França através da democratização radical das relações sociais e políticas com a Revolução Francesa o prévio colonialismo interno evoluiu para uma afrancesamento efetivo ainda que não total dos povos que habitavam o território da França originalmente tão diversos e históricoestruturalmente heterogêneos como no espaço de dominação que se chamaria Espanha Os bascos franceses por exemplo são em primeiro lugar franceses como os occitanos ou os navarros Não é o caso da Espanha Em cada um dos casos de nacionalização bemsucedida de sociedades e Estados na Europa a experiência é a mesma um importante processo de democratização da sociedade é a condição básica para a nacionalização dessa sociedade e de sua organização política num Estadonação moderno Não há na verdade exceção conhecida a essa trajetória histórica do processo que conduz à formação do Estadonação O Estadonação na América os Estados Unidos Se examinarmos a experiência da América seja em suas áreas hispânica ou britânica podemos reconhecer diferenças e fatores básicos equivalentes Na área britânicoamericana a ocupação do território foi desde o começo violenta Mas antes da Independência conhecida nos Estados Unidos como a Revolução Americana o território ocupado era muito pequeno Por isso os índios não foram habitantes do território ocupado não estavam colonizados Por isso os diversos povos indígenas foram formalmente reconhecidos como nações e com eles se praticaram relações comerciais internações inclusive se formaram alianças militares nas guerras entre colonialistas ingleses e franceses sobretudo Os índios não eram parte da população incorporada ao espaço de dominação colonial britânicoamericana Por isso mesmo quando se inicia a história do novo Estadonação chamado Estados Unidos da América do Norte os índios foram excluídos dessa nova sociedade Foram considerados estrangeiros Mas posteriormente suas terras foram conquistadas e eles quase exterminados Só então os sobreviventes foram encerrados na sociedade 131 estadunidense como raça colonizada No início portanto relações colonialraciais existiram somente entre brancos e negros Este último grupo era fundamental para a economia da sociedade colonial como durante um primeiro longo momento para a economia da nova nação Todavia demograficamente os negros eram uma relativamente reduzida minoria enquanto os brancos compunham a grande maioria Quando da fundação dos Estados Unidos como país independente o processo de constituição do novo padrão de poder levou desde o começo à configuração de um Estadonação Em primeiro lugar apesar da relação colonial de dominação entre brancos e negros e do extermínio colonialista da população índia dada a condição avassaladoramente majoritária dos brancos é inevitável admitir que esse novo Estadonação era genuinamente representativo da maioria da população Essa branquitude social da sociedade estadunidense foi inclusive aprofundada com a imigração de milhões de europeus durante o século XIX Em segundo lugar a conquista dos territórios indígenas resultou na abundância da oferta de um recurso básico de produção a terra Este pôde ser por conseqüência apropriado e distribuído de maneira não unicamente concentrada sob o controle de pouquíssimas pessoas mas pelo contrário pôde ser ao mesmo tempo parcialmente concentrado em grandes latifúndios e também apropriado ou distribuído numa vasta proporção de média e pequenas propriedades Equivalente pois a uma distribuição democrática de recursos Isso fundou para os brancos uma participação notavelmente democrática no controle da geração e da gestão da autoridade pública A colonialidade do novo padrão de poder não foi anulada no entanto já que negros e índios não podiam ter lugar em absoluto no controle dos recursos de produção nem das instituições e mecanismos da autoridade pública Em meados do século XIX Tocqueville 1835 cap XVI e XVII observou que nos Estados Unidos da América gente de origens tão diversos cultural étnica e mesmo nacionalmente eram incorporados todos em algo parecido a uma máquina de reidentificação nacional rapidamente se transformavam em cidadãos estadunidenses e adquiriam uma nova identidade nacional preservando por algum tempo suas identidades originais Tocqueville afirmou então que o mecanismo básico desse processo de nacionalização era a abertura da participação democrática na vida política para todos os recémchegados Todos eles eram atraídos a uma intensa participação política e com a liberdade de decisão de participar ou não Mas viu também que dois grupos específicos não estavam autorizados a participar da vida política Estes eram evidentemente negros e índios Essa discriminação era pois o limite desse impressionante e massivo processo de formação do Estadonação moderno na jovem república dos Estados Unidos da América Tocqueville não deixou de advertir que a menos que essa discriminação social e política fosse eliminada o processo de construção nacional se veria limitado Um século mais tarde outro europeu Gunnar Myrdall 1944 observou essas mesmas limitações no processo nacional dos Estados Unidos Viu também que devido ao fato de que os novos imigrantes eram nãobrancos provinham da América Latina e da Ásia em sua maioria as relações coloniais dos brancos com esses outros povos poderiam ser um sério risco para a reprodução dessa nação Sem dúvida esses riscos vêm aumentando hoje em dia na medida em que o velho mito do melting pot foi abandonado à força e o racismo tende a ser de novo agudo e violento Em suma a colonialidade das relações de dominaçãoexploraçãoconflito entre brancos e nãobrancos não obstante sua intensa vigência dada a condição vastamente majoritária dos primeiros não foi forte o suficiente para impedir a relativa mas real e importante democratização do controle de recursos de produção e do Estado entre brancos é verdade mas com o vigor necessário para que pudesse ser reclamada mais tarde também pelos nãobrancos O poder pôde ser configurado na trajetória e na orientação de um Estadonação É a isso que se refere sem dúvida a idéia da Revolução Americana América Latina Cone Sul e maioria branca À primeira vista a situação nos países do chamado Cone Sul da América Latina Argentina Chile e Uruguai foi similar à ocorrida nos Estados Unidos Os índios em sua maioria tampouco foram integrados à sociedade colonial na medida em que eram povos de mais ou menos a mesma estrutura daqueles da América do Norte sem disponibilidade para transformarse em trabalhadores explorados não condenáveis a trabalhar forçadamente e de maneira disciplinada para os colonos Nesses três países também a população negra foi uma minoria durante o período colonial em comparação com outras regiões dominadas por espanhóis ou portugueses E os dominantes dos novos países do Cone Sul consideraram como no caso dos Estados Unidos necessária a conquista do território que os índios povoavam e o extermínio destes como forma rápida de homogeneizar a população nacional e desse modo facilitar o processo de constituição de um Estadonação moderno à européia Na Argentina e no Uruguai isso foi feito no século XIX E no Chile durante as três primeiras décadas do século XX Estes países atraíram também milhões de imigrantes 132 europeus consolidando em aparência a branquitude das sociedades da Argentina do Chile e do Uruguai Em determinado sentido isto também consolidou em aparência o processo de homogenização em tais países Um elemento crucial introduziu contudo uma diferença básica nesses países em comparação com o caso estadunidense muito em especial na Argentina Enquanto nos Estados Unidos a distribuição da terra produziuse de uma maneira menos concentrada durante um importante período na Argentina a apropriação da terra ocorreu de uma maneira completamente distinta A extrema concentração da propriedade da terra em particular das terras conquistadas aos índios tornou impossível qualquer tipo de relações sociais democráticas entre os próprios brancos e em conseqüência de toda relação política democrática Sobre essa base em lugar de uma sociedade democrática capaz de representarse e organizarse politicamente num Estado democrático o que se constituiu foi uma sociedade e um Estado oligárquicos só parcialmente desmantelados desde a Segunda Guerra Mundial Sem dúvida essas determinações se associaram ao fato de que a sociedade colonial nesse território sobretudo na costa atlântica que se tornou hegemônica sobre o resto foi pouco desenvolvida e por isso seu reconhecimento como sede de um Vicereino foi tardio segunda metade do século XVIII Sua emergência como uma das áreas prósperas do mercado mundial foi rápida desde o último quarto do século XVIII o que impulsionou no século seguinte uma massiva migração do sul do centro e do leste da Europa Mas essa vasta população migratória não encontrou uma sociedade com estrutura história e identidade suficientemente densas e estáveis para incorporarse a ela e com ela identificarse como ocorreu no caso dos Estados Unidos e sem dúvida no Chile e no Uruguai Em fins do século XIX a população de Buenos Aires compunhase em mais de 80 por imigrantes de origem européia Levou tempo por isso provavelmente para que se considerassem com identidade nacional e cultural próprias diferentes da européia enquanto rejeitavam explicitamente a identidade associada à herança histórica latinoamericana e em particular qualquer parentesco com a população indígena25 A concentração da terra foi igualmente forte no Chile e um pouco menor no Uruguai De qualquer modo diferentemente da Argentina os imigrantes europeus encontraram nesses países uma sociedade um Estado uma identidade já suficientemente densos e constituídos aos quais se incorporaram e com os quais se identificaram mais pronta e completamente que no outro caso No caso do Chile por outra lado a expansão territorial às custas da Bolívia e do Peru permitia à burguesia chilena o controle de recursos cuja importância marcou desde então a história do país salitre primeiro e cobre pouco depois Nas pampas salitreiras formouse o primeiro grande contingente de assalariados operários da América Latina desde mediados do século XIX e mais tarde foi no cobre que se formou a coluna vertebral das organizações sociais e políticas dos operários chilenos da velha república Os benefícios distribuídos entre a burguesia britânica e a chilena permitiram o impulso da agricultura comercial e da economia comercial urbana Formaramse novas camadas de assalariados urbanos e novas camadas médias relativamente amplas junto com a modernização de uma parte importante da burguesia senhorial Foram essas condições as que tornaram possível que os trabalhadores e as classes médias pudessem negociar com algum êxito desde 193035 as condições da dominaçãoexploraçãoconflito Isto é da democracia nas condições do capitalismo Desse modo pôde ser estabelecido um poder configurado como Estadonação de brancos logicamente Os índios exígua minoria de sobreviventes habitando as terras mais pobres e inóspitas do país foram excluídos desse Estadonação Até há pouco eram sociologicamente invisíveis Agora não o são tanto começam a mobilizar se em defesa dessas mesmas terras que também arriscam perder face ao capital global O processo de homogenização dos membros da sociedade imaginada de uma perspectiva eurocêntrica como característica e condição dos Estadosnação modernos foi levado a cabo nos países do Cone Sul latinoamericano não por meio da descolonização das relações sociais e políticas entre os diversos componentes da população mas pela eliminação massiva de alguns deles índios negros e mestiços Ou seja não por meio da democratização fundamental das relações sociais e políticas mas pela exclusão de uma parte da população Dadas essas condições originais a democracia alcançada e o Estadonação constituído não podiam ser afirmados e estáveis A história política desses países muito especialmente desde fins da década de 60 até o presente não poderia ser explicada à margem dessas determinações26 Maioria indígena negra e mestiça o impossível moderno Estadonação No restante dos países latinoamericanos essa trajetória eurocêntrica em direção ao Estadonação se demonstrou até agora impossível de chegar a termo Após a derrota de Tupac Amaru e do Haiti só nos casos do México e da Bolívia chegouse tão longe quanto possível no caminho da descolonização social através de um processo revolucionário mais ou menos radical durante o qual a descolonização do poder 133 pôde percorrer um trecho importante antes de ser contida e derrotada Nesses países ao começar a Independência principalmente aqueles que foram demográfica e territorialmente extensos em princípios do século XIX aproximadamente um pouco mais de 90 do total da população era de negros índios e mestiços Contudo em todos estes países durante o processo de organização dos novos Estados a tais raças foi negada toda possível participação nas decisões sobre a organização social e política A pequena minoria branca que assumiu o controle desses Estados viuse inclusive com a vantagem de estar livre das restrições da legislação da Coroa Espanhola que se dirigiam formalmente à proteção das raças colonizadas A partir daí chegaram inclusive a impor novos tributos coloniais aos índios sem prejuízo de manter a escravidão dos negros por muitas décadas Claro que esta minoria dominante se encontrava agora livre para expandir sua propriedade da terra às custas dos territórios reservados aos índios pela regulamentação da Coroa Espanhola No caso do Brasil os negros não eram nada além de escravos e a maioria dos índios constituíase de povos da Amazônia sendo desta maneira estrangeiros para o novo Estado O Haiti foi um caso excepcional onde se produziu no mesmo movimento histórico uma revolução nacional social e racial Quer dizer uma descolonização real e global do poder Sua derrota produziuse pelas repetidas intervenções militares por parte dos Estados Unidos O outro processo nacional na América Latina no Vicereino do Peru liderado por Tupac Amaru II em 1780 foi derrotado cedo Desde então em todas as demais colônias ibéricas os grupos dominantes tiveram êxito precisamente em evitar a descolonização da sociedade enquanto lutavam por Estados independentes Esses novos Estados não poderiam ser considerados de modo algum como nacionais salvo que se admita que essa exígua minoria de colonizadores no controle fosse genuinamente representante do conjunto da população colonizada As respectivas sociedades baseadas na dominação colonial de índios negros e mestiços não poderiam tampouco ser consideradas nacionais e muito menos democráticas Isto coloca uma situação aparentemente paradoxal Estados independentes e sociedades coloniais27 O paradoxo é somente parcial ou superficial se observamos com mais cuidado os interesses sociais dos grupos dominantes daquelas sociedades coloniais e de seus Estados independentes Na sociedade colonial britânicoamericana já que os índios constituíam um povo estrangeiro vivendo além dos confins da sociedade colonial a servidão não esteve tão estendida como na sociedade colonial da América Ibérica Os servos indentured servants trazidos da GrãBretanha não eram legalmente servos e após a Independência não o foram por muito tempo Os escravos negros foram de importância básica para a economia mas demograficamente eram minoria E desde o começo depois da Independência a produção foi feita em grande medida por trabalhadores assalariados e produtores independentes No Chile durante o período colonial a servidão indígena foi restringida já que os servos índios locais eram uma pequena minoria E os escravos negros apesar de serem mais importantes para a economia eram também uma pequena minoria Deste modo essas raças não eram uma grande fonte de trabalho gratuito como no caso dos demais países ibéricos Conseqüentemente desde o início da Independência uma crescente proporção da produção local esteve baseada nos salários e no capital e por essa razão o mercado interno foi vital para a burguesia prémonopólica Assim para as classes dominantes de ambos os países toutes distances gardées o trabalho assalariado local a produção e o mercado interno foram preservados e protegidos da concorrência externa como a única e a mais importante fonte de benefício capitalista Mais ainda o mercado interno teve que ser expandido e protegido Nesse sentido havia algumas áreas de interesses comuns entre os trabalhadores assalariados os produtores independentes e a burguesia local Isto em conseqüência com as limitações derivadas da exclusão de negros e mestiços era um interesse nacional para a grande maioria da população do novo Estadonação Estado independente e sociedade colonial dependência históricoestrutural Por outro lado nas outras sociedades iberoamericanas a pequena minoria branca no controle dos Estados independentes e das sociedades coloniais não podia ter tido nem sentido nenhum interesse social comum com os índios negros e mestiços Ao contrário seus interesses sociais eram explicitamente antagônicos com relação aos dos servos índios e os escravos negros dado que seus privilégios compunhamse precisamente do domínioexploração dessas gentes De modo que não havia nenhum terreno de interesses comuns entre brancos e não brancos e conseqüentemente nenhum interesse nacional comum a todos eles Por isso do ponto de vista dos dominadores seus interesses sociais estiveram muito mais próximos dos interesses de seus pares europeus e por isso estiveram sempre inclinados a seguir os interesses da burguesia européia Eram pois dependentes 134 Eram dependentes dessa maneira específica não porque estivessem subordinados por um poder econômico ou político maior De quem Espanha ou Portugal eram então demasiadamente fracos subdesenvolviamse não podiam exercer nenhum neocolonialismo como ingleses ou franceses em certos países da África depois da independência política desses países Os Estados Unidos encontravamse absorvidos na conquista das terras dos índios e no extermínio dessa população iniciando sua expansão imperial sobre parte do Caribe ainda sem capacidade de expandir seu domínio econômico ou político A Inglaterra tentou ocupar Buenos Aires e foi derrotada Os senhores brancos latinoamericanos donos do poder político e de servos e de escravos não tinham interesses comuns e sim exatamente antagônicos aos desses trabalhadores que eram a avassaladora maioria da população dos novos Estados E enquanto na Europa e nos Estados Unidos a burguesia branca expandia a relação social chamada capital como eixo de articulação da economia e da sociedade os senhores latinoamericanos não podiam acumular seus muitos benefícios comerciais comprando força de trabalho assalariada precisamente porque isso ia contra a reprodução de sua condição de senhores E destinavam esses benefícios comerciais ao consumo ostentoso das mercadorias produzidas sobretudo na Europa A dependência dos capitalistas senhoriais desses países tinha como conseqüência uma fonte inescapável a colonialidade de seu poder levavaos a perceber seus interesses sociais como iguais aos dos outros brancos dominantes na Europa e nos Estados Unidos Essa mesma colonialidade do poder impediaos no entanto de desenvolver realmente seus interesses sociais na mesma direção que os de seus pares europeus isto é transformar capital comercial benefício igualmente produzido na escravidão na servidão ou na reciprocidade em capital industrial já que isso implicava libertar índios servos e escravos negros e transformálos em trabalhadores assalariados Por óbvias razões os dominadores coloniais dos novos Estados independentes em especial na América do Sul depois da crise de fins do século XVIII não podiam ser nada além de sócios menores da burguesia européia Quando muito mais tarde foi necessário libertar os escravos não foi para assalariálos mas para substituílos por trabalhadores imigrantes de outros países europeus e asiáticos A eliminação da servidão dos índios é recente Não havia nenhum interesse social comum nenhum mercado próprio a defender o que teria incluído o assalariado já que nenhum mercado local era de interesse dos dominadores Não havia simplesmente nenhum interesse nacional A dependência dos senhores capitalistas não provinha da subordinação nacional Esta foi pelo contrário a conseqüência da comunidade de interesses raciais Estamos lidando aqui com o conceito da dependência históricoestrutural que é muito diferente das propostas nacionalistas da dependência externa ou estrutural Quijano 1967 A subordinação veio mais adiante precisamente devido à dependência e não o contrário durante a crise econômica mundial dos anos 30 a burguesia com mais capital comercial da América Latina Argentina Brasil México Chile Uruguai e até certo ponto a Colômbia foi forçada a produzir localmente os bens que serviam para seu consumo ostentador e que antes tinham que importar Este foi o início do peculiar caminho latinoamericano de industrialização dependente a substituição dos bens importados para o consumo ostentador dos senhores e dos pequenos grupos médios associados a eles por produtos locais destinados a esse consumo Para tal finalidade não era necessário reorganizar globalmente as economias locais assalariar massivamente servos nem produzir tecnologia própria A industrialização através da substituição de importações é na América Latina um caso revelador das implicações da colonialidade do poder 28 Neste sentido o processo de independência dos Estados na América Latina sem a descolonização da sociedade não pôde ser não foi um processo em direção ao desenvolvimento dos Estadosnação modernos mas uma rearticulação da colonialidade do poder sobre novas bases institucionais Desde então durante quase 200 anos estivemos ocupados na tentativa de avançar no caminho da nacionalização de nossas sociedades e nossos Estados Mas ainda em nenhum país latinoamericano é possível encontrar uma sociedade plenamente nacionalizada nem tampouco um genuíno Estadonação A homogenização nacional da população segundo o modelo eurocêntrico de nação só teria podido ser alcançada através de um processo radical e global de democratização da sociedade e do Estado Antes de mais nada essa democratização teria implicado e ainda deve implicar o processo da descolonização das relações sociais políticas e culturais entre as raças ou mais propriamente entre grupos e elementos de existência social europeus e não europeus Não obstante a estrutura de poder foi e ainda segue estando organizada sobre e ao redor do eixo colonial A construção da nação e sobretudo do Estadonação foram conceitualizadas e trabalhadas contra a maioria da população neste caso representada pelos índios negros e mestiços A colonialidade do poder ainda exerce seu domínio na maior parte da América Latina contra a democracia a 135 cidadania a nação e o Estadonação moderno Atualmente podemse distinguir quatro trajetórias históricas e linhas ideológicas acerca do problema do Estadonação 1 Um limitado mas real processo de descolonizaçãodemocratização através de revoluções radicais como no México e na Bolívia depois das derrotas do Haiti e de Tupac Amaru No México o processo de descolonização do poder começou a verse paulatinamente limitado desde os anos 60 até entrar finalmente num período de crise no final dos anos 70 Na Bolívia a revolução foi derrotada em 1965 2 Um limitado mas real processo de homogeneização colonial racial como no Cone Sul Chile Uruguai Argentina por meio de um genocídio massivo da população aborígene Uma variante dessa linha é a Colômbia onde a população original foi quase exterminada durante a colônia e substituída pelos negros 3 Uma sempre frustrada tentativa de homogeneização cultural através do genocídio cultural dos índios negros e mestiços como no México Peru Equador GuatemalaAmérica Central e Bolívia 4 A imposição de uma ideologia de democracia racial que mascara a verdadeira discriminação e a dominação colonial dos negros como no Brasil na Colômbia e na Venezuela Dificilmente alguém pode reconhecer com seriedade uma verdadeira cidadania da população de origem africana nesses países ainda que as tensões e conflitos raciais não sejam tão violentos e explícitos como na África do Sul ou no sul dos Estados Unidos O que estas comprovações indicam é que há sem dúvida um elemento que impede radicalmente o desenvolvimento e a culminação da nacionalização da sociedade e do Estado na mesma medida em que impede sua democratização já que não se encontra nenhum exemplo histórico de modernos Estadonação que não sejam o resultado dessa democratização social e política Qual é ou pode ser esse elemento No mundo europeu e por isso na perspectiva eurocêntrica a formação de Estadosnação foi teorizada imaginada na verdade como expressão da homogeneização da população em termos de experiências históricas comuns E à primeira vista os casos exitosos de nacionalização de sociedades e Estados na Europa parece dar razão a esse enfoque O que encontramos na história conhecida é desde logo que essa homogeneização consiste na formação de um espaço comum de identidade e de sentido para a população de um espaço de dominação E isso em todos os casos é o resultado da democratização da sociedade que desse modo pode organizarse e expressarse num Estado democrático A pergunta pertinente a estas alturas do debate é por que isso foi possível na Europa Ocidental e com as limitações conhecidas em todo o mundo de identidade européia Canadá EUA Austrália Nova Zelândia por exemplo Por que não foi possível até hoje senão de modo parcial e precário na América Latina Para começar teria sido possível na França o caso clássico de Estadonação moderno essa democratização social e radical se o fator racial tivesse estado presente É muito pouco provável Hoje em dia é fácil observar na França o problema nacional e o debate produzido pela presença de população não branca originária das excolônias francesas Obviamente não é um assunto de etnicidade nem de crenças religiosas Novamente basta recordar que há um século o Caso Dreyfus demonstrou a capacidade de discriminação dos franceses mas seu final também demonstrou que para muitos deles a identidade de origem não era requisito determinante para ser membro da nação francesa desde que a cor fosse francesa Os judeus franceses são hoje mais franceses que os filhos de africanos árabes e latino americanos nascidos na França Isto para não mencionar o sucedido com os imigrantes russos e espanhóis cujos filhos por terem nascido na França são franceses Isto quer dizer que a colonialidade do poder baseada na imposição da idéia de raça como instrumento de dominação foi sempre um fator limitante destes processos de construção do Estadonação baseados no modelo eurocêntrico seja em menor medida como no caso estadunidense ou de modo decisivo como na América Latina O grau atual de limitação depende como foi demonstrado da proporção das raças colonizadas dentro da população total e da densidade de suas instituições sociais e culturais Por tudo isso a colonialidade do poder estabelecida sobre a idéia de raça deve ser admitida como um fator básico na questão nacional e do Estadonação O problema é contudo que na América Latina a perspectiva eurocêntrica foi adotada pelos grupos dominantes como própria e levouos a impor o modelo europeu de formação do Estadonação para estruturas de poder organizadas em torno de relações coloniais Assim ainda nos encontramos hoje num labirinto em que o Minotauro é sempre visível mas sem nenhuma Ariadne para mostrarnos a ansiada saída 136 Eurocentrismo e revolução na América Latina Outro caso claro desse trágico desencontro entre nossa experiência e nossa perspectiva de conhecimento é o debate e a prática de projetos revolucionários No século XX a avassaladora maioria da esquerda latino americana adepta do Materialismo Histórico manteve o debate basicamente em torno de dois tipos de revoluções democráticoburguesa e socialista Rivalizando com essa esquerda o movimento denominado aprista o APRA Aliança Popular Revolucionária Antiimperialista no Peru a AD Ação Democrática na Venezuela o MNR Movimento Nacionalista Revolucionário na Bolívia o MLN Movimento de Libertação Nacional na Costa Rica o Movimento Revolucionário Autêntico e os Ortodoxos em Cuba entre os mais importantes pela boca de seu maior teórico o peruano Haya de la Torre propôs originalmente entre 1925 1935 a chamada Revolução Antiimperialista como um processo de depuração do caráter capitalista da economia e da sociedade latinoamericanas sobre a base do controle nacionalestatal dos principais recursos de produção como uma transição em direção a uma revolução socialista Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse projeto transitou definitivamente para uma espécie de socialliberalismo 29 e se vai esgotando desse modo De maneira breve e esquemática mas não arbitrária podese apresentar o debate latinoamericano sobre a revolução democráticoburguesa como um projeto no qual a burguesia organiza a classe operária os camponeses e outros grupos dominados para arrancar dos senhores feudais o controle do Estado e para reorganizar a sociedade e o Estado nos termos do capital e da burguesia A suposição central desse projeto é que a sociedade na América Latina é fundamentalmente feudal ou semifeudal na melhor das hipóteses já que o capitalismo é ainda incipiente marginal e subordinado A revolução socialista por sua vez concebese como a erradicação da burguesia do controle do Estado pela classe operária a classe trabalhadora por excelência à frente de uma coalizão das classes exploradas e dominadas para impor o controle estatal dos meios de produção e construir a nova sociedade por meio do Estado A tese dessa proposta é obviamente a de que a economia e portanto a sociedade e o Estado na América Latina são basicamente capitalistas Em sua linguagem isso implica que o capital como relação social de produção é dominante e que conseqüentemente o burguês é também dominante na sociedade e no Estado Admite que há resíduos feudais e portanto tarefas democráticoburguesas no trajeto da revolução socialista De fato o debate político do último meio século na América Latina tem estado ancorado na questão da pretensa feudalidadesemifeudalidade da economia da sociedade e do Estado ou se seriam capitalistas A maioria da esquerda latinoamericana até há poucos anos aderia à proposta democráticoburguesa seguindo antes de tudo os alinhamentos centrais do socialismo real ou do campo socialista seja com sede em Moscou ou em Pequim Para acreditar que na América Latina uma revolução democráticoburguesa baseada no modelo europeu é não só possível mas necessária primeiro é preciso admitir na América e mais precisamente na América Latina 1 a relação seqüencial entre feudalismo e capitalismo 2 a existência histórica do feudalismo e conseqüentemente o conflito histórico antagônico entre a aristocracia feudal e a burguesia e 3 uma burguesia interessada em levar a cabo semelhante empreendimento revolucionário Sabemos que na China no início dos anos 30 Mao propôs a idéia da revolução democrática de novo tipo porque a burguesia já não está interessada nessa sua missão histórica e tampouco é capaz de levála a cabo Neste caso uma coalizão de classes exploradasdominadas sob a liderança da classe trabalhadora deve substituir a burguesia e empreender a nova revolução democrática Na América contudo como em escala mundial desde 500 anos atrás o capital existe apenas como o eixo dominante da articulação conjunta de todas as formas historicamente conhecidas de controle e exploração do trabalho configurando assim um único padrão de poder históricoestruturalmente heterogêneo com relações descontínuas e conflitivas entre seus componentes Nenhuma seqüência evolucionista entre os modos de produção nenhum feudalismo anterior separado do capital e a ele antagônico nenhum senhorio feudal no controle do Estado ao qual uma burguesia sedenta de poder tivesse que desalojar por meios revolucionários Se seqüência houvera é sem dúvida surpreendente que o movimento seguidor do Materialismo Histórico não haja lutado por uma revolução antiescravista prévia à revolução antifeudal prévia por sua à revolução anticapitalista Porque na maior parte deste continente EUA todo o Caribe incluindo Venezuela Colômbia o litoral do Equador e do Peru Brasil o escravismo foi mais generalizado e mais poderoso Mas é claro a escravidão terminou antes do século XX E foram os senhores feudais os que herdaram o poder Não é verdade 137 Uma revolução antifeudal portanto democráticoburguesa no sentido eurocêntrico sempre foi portanto uma impossibilidade histórica As únicas revoluções democráticas realmente ocorridas na América além da Revolução Americana foram as do México e da Bolívia como revoluções populares nacionalistasanti imperialistas anticoloniais isto é contra a colonialidade do poder e antioligárquicas isto é contra o controle do Estado pela burguesia senhorial sob a proteção da burguesia imperial Na maioria dos outros países o processo foi um processo de depuração gradual e desigual do caráter social capitalista da sociedade e do Estado Logo o processo foi sempre muito lento irregular e parcial Poderia ter sido de outra maneira Toda democratização possível da sociedade na América Latina deve ocorrer na maioria destes países ao mesmo tempo e no mesmo movimento histórico como uma descolonização e como uma redistribuição do poder Em outras palavras como uma redistribuição radical do poder Isto se deve primeiro a que as classes sociais na América Latina têm cor qualquer cor que se possa encontrar em qualquer país em qualquer momento Isso quer dizer definitivamente que a classificação das pessoas não se realiza somente num âmbito do poder a economia por exemplo mas em todos e em cada um dos âmbitos A dominação é o requisito da exploração e a raça é o mais eficaz instrumento de dominação que associado à exploração serve como o classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista Nos termos da questão nacional só através desse processo de democratização da sociedade pode ser possível e finalmente exitosa a construção de um Estadonação moderno com todas as suas implicações incluindo a cidadania e a representação política Quanto à miragem eurocêntrica acerca das revoluções socialistas como controle do Estado e como estatização do controle do trabalhorecursosprodutos da subjetividaderecursosprodutos do sexorecursosprodutos essa perspectiva fundase em duas suposições teóricas radicalmente falsas Primeiro a idéia de uma sociedade capitalista homogênea no sentido de que só o capital como relação social existe e portanto a classe operária industrial assalariada é a parte majoritária da população Mas já vimos que não foi assim nunca nem na América Latina nem no restante do mundo e que quase seguramente não ocorrerá assim nunca Segundo a idéia de que o socialismo consiste na estatização de todos e cada um dos âmbitos do poder e da existência social começando com o controle do trabalho porque do Estado se pode construir a nova sociedade Essa suposição coloca toda a história de novo sobre sua cabeça Inclusive nos toscos termos do Materialismo Histórico faz de uma superestrutura o Estado a base da sociedade E escamoteia o fato de uma total reconcentração do controle do poder o que leva necessariamente ao total despotismo dos controladores fazendoa aparecer como se fosse uma socialização do poder isto é a redistribuição radical do controle do poder Mas precisamente o socialismo não pode ser outra coisa que a trajetória de uma radical devolução do controle sobre o trabalhorecursosprodutos sobre o sexorecursosprodutos sobre a autoridadeinstituiçõesviolência e sobre a intersubjetividadeconhecimentocomunicação à vida cotidiana das pessoas Isso é o que proponho desde 1972 como socialização do poder Quijano 1972 1981 Solitariamente em 1928 José Carlos Mariátegui foi sem dúvida o primeiro a vislumbrar não só na América Latina que neste espaçotempo as relações sociais de poder qualquer que fosse seu caráter prévio existiam e atuavam simultânea e articuladamente numa única e conjunta estrutura de poder que esta não podia ser uma unidade homogênea com relações contínuas entre seus elementos movendose na história contínua e sistemicamente Portanto que a idéia de uma revolução socialista tinha que ser por necessidade histórica dirigida contra o conjunto desse poder e que longe de consistir numa nova reconcentração burocrática do poder só podia ter sentido como redistribuição entre as pessoas em sua vida cotidiana do controle sobre as condições de sua existência social 30 O debate não será retomado na América Latina senão a partir dos anos 60 do século há pouco terminado e no resto do mundo a partir da derrota mundial do campo socialista Na realidade cada categoria usada para caracterizar o processo político latinoamericano tem sido sempre um modo parcial e distorcido de olhar esta realidade Essa é uma conseqüência inevitável da perspectiva eurocêntrica na qual um evolucionismo unilinear e unidirecional se amalgama contraditoriamente com a visão dualista da história um dualismo novo e radical que separa a natureza da sociedade o corpo da razão que não sabe o que fazer com a questão da totalidade negandoa simplesmente como o velho empirismo ou o novo pósmodernismo ou entendendoa só de modo organicista ou sistêmico convertendoa assim numa perspectiva distorcedora impossível de ser usada salvo para o erro Não é pois um acidente que tenhamos sido por enquanto derrotados em ambos os projetos revolucionários na América e em todo o mundo O que pudemos avançar e conquistar em termos de direitos políticos e civis numa necessária redistribuição do poder da qual a descolonização da sociedade é a pressuposição e ponto de partida está agora sendo arrasado no processo de reconcentração do controle do 138 poder no capitalismo mundial e com a gestão dos mesmos responsáveis pela colonialidade do poder Conseqüentemente é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre necessariamente distorcida É tempo enfim de deixar de ser o que não somos Bibliografia Allen Theodore W 1994 The Invention of White Race Londres Verso Vol 1 e 2 Amin Samir 1989 Eurocentrism Nova Iorque Monthly Review Press Anderson Benedict 1991 Imagined Communities Londres Verso Baer Werner 1962 The Economics of Prebisch and ECLA in Economic Development and Cultural Change Chicago University of Chicago Press Vol X janeiro Blaut J M 1993 The Colonizers Model of the World Geographical Diffusionism and Eurocentric History Nova Iorque The Guilford Press Bousquié Paul 1994 Le corps cet inconnu Paris LHarmattan Coronil Fernando 1996 Beyond Occidentalism Toward Nonimperial Geohistorical Categories in Cultural Anthropology Vol 11 Nº 1 fevereiro Descartes René 19631967 Discours de la méthode Méditations e Description du corps humain em Oeuvres philosophiques Paris Editions Alquie 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Política Quijano Aníbal 1977 Imperialismo y Marginalidad en América Latina Lima Mosca Azul Quijano Aníbal 1981 Poder y democracia en el socialismo em Sociedad y Política Lima Nº 12 Quijano Aníbal 1988a La nueva heterogeneidad estructural de América Latina em Sonntag Heinz ed Nuevos temas nuevos contenidos Caracas UNESCONueva Sociedad Quijano Aníbal 1988b Modernidad identidad y utopía en América Latina Lima Ediciones Sociedad y Política Quijano Aníbal 1991 América el capitalismo y la modernidad nacieron el mismo día em ILLA Lima Nº 10 janeiro Quijano Aníbal 1992a Colonialidad y modernidadracionalidad em Perú Indígena Lima Vol 13 Nº 29 Quijano Aníbal 1992b Raza etnia nación en Mariátegui cuestiones abiertas em Forgues Roland ed José Carlos Mariátegui 139 y Europa La otra cara del descubrimiento Lima Amauta Quijano Aníbal 1992c Réflexions sur lInterdisciplinarité le Développement et les Relations Inter culturelles em Entre Savoirs Interdisciplinarité en acte enjeux obstacles résultats Paris UNESCOERES Quijano Aníbal 1993 América Latina en la economía mundial em Problemas del desarrollo México DF UNAM Vol XXIV Nº 95 outubrodezembro Quijano Aníbal 1994 Colonialité du Pouvoir Démocratie et Citoyenneté en Amérique Latine em Amérique Latine Démocratie et Exclusion Paris LHarmattan Quijano Aníbal 1997 Colonialidad del poder cultura y conocimiento en América Latina em Anuario Mariateguiano Lima Amauta Vol IX Nº 9 Quijano Aníbal 1998a Estado nación ciudadanía y democracia cuestiones abiertas em González Helena e Schmidt Heidulf eds Democracia para una nueva sociedad Caracas Nueva Sociedad Quijano Aníbal 1998b Fujimorismo y populismo em Burbano de Lara F ed El fantasma del populismo Caracas Nueva SociedadILDIS Quijano Aníbal 1999a Coloniality of power and its institutions Simpósio sobre a Colonialidade do poder e seus âmbitos sociais Binghamton University Nova Iorque abril Quijano Aníbal 1999b Qué tal raza em Familia y cambio social Lima CECOSAM Quijano Aníbal 2000a El fantasma del desarrollo en América Latina em Revista venezolana de economía y ciencias sociales Caracas Nº 2 Quijano Aníbal 2000b Modernidad y democracia intereses y conflictos em Anuario Mariateguiano Lima Vol XII Nº 12 Quijano Aníbal and Wallerstein Immanuel 1992 Americanity as a concept or the Americas in the modern worldsystem in International Social Science Journal Paris UNESCO Nº 134 novembro Rabasa José 1993 Inventing America Spanish Historiography and the Formation of Eurocentrism Norman Oklahoma University Press Said Edward 1979 Orientalism Nova Iorque Vintage Books Stavenhagen Rodolfo 1965 Classes colonialism and acculturation in Studies in Comparative International Development Vol 1 Nº 7 Stocking George W Jr 1968 Race Culture and Evolution Essays in the History of Anthropology Nova Iorque The Free Press The American Economic Review Papers and Proceedings 1959 Commercial policy in the underdeveloped countries Vol XLIX maio Tilly Charles 1990 Coercion Capital and European States AD 9901992 Cambridge Blackwell Tocqueville Alexis de 1835 Democracy in America Vol 1 Viola Herman and Margolis Carolyn eds 1991 Seeds of Change A Quincentennial Commemoration Washington Smithsonian Institute Press Wallerstein Immanuel 19741989 The Modern WorldSystem Nova Iorque Academic Press Inc Vol I II e III Wallerstein Immanuel 1997 El EspacioTiempo como base del conocimiento em Anuario Mariateguiano Lima Vol IX Nº 9 Young Robert C 1995 Colonial Desire Hybridity in Theory Culture and Race Londres Routledge Notas Centro de Investigaciones Sociales CIES Lima 1 Quero agradecer principalmente a Edgardo Lander e a Walter Mignolo por sua ajuda na revisão deste artigo E a um comentarista cujo nome ignoro por suas valiosas críticas a uma versão anterior Desnecessário afirmar que eles não são responsáveis pelos erros e limitações do texto 2 Sobre o conceito de colonialidade do poder ver Aníbal Quijano 1992a 3 Ver Quijano e Wallerstein 1992 e Quijano 1991 Sobre o conceito de espaçotempo ver Wallerstein 1997 4 Sobre esta questão e sobre os possíveis antecedentes da idéia de raça antes da América remeto a Quijano 1992b 5 A invenção da categoria de cor primeiro como a mais visível indicação de raça mais tarde simplesmente como o equivalente dela tanto como a invenção da particular categoria de branco exigem ainda uma pesquisa histórica mais exaustiva Em todo caso muito provavelmente foram invenções britânicoamericanas já que não há rastros dessas categorias nas crônicas e em outros documentos dos primeiros cem anos de colonialismo ibérico na América Para o caso britânicoamericano existe uma extensa 140 bibliografia Theodore W Allen 1994 e Mathew Frye Jacobson 1998 entre os mais importantes O problema é que esta ignora o sucedido na América Ibérica Devido a isso para esta região ainda carecemos de informação suficiente sobre este aspecto específico Por isso esta segue sendo uma questão aberta É muito interessante que apesar de que os que haveriam de ser europeus no futuro conheciam os futuros africanos desde a época do império romano inclusive os ibéricos que eram mais ou menos familiares com eles muito antes da Conquista nunca se pensou neles em termos raciais antes da aparição da América De fato raça é uma categoria aplicada pela primeira vez aos índios não aos negros Deste modo raça apareceu muito antes que cor na história da classificação social da população mundial 6 A idéia de raça é literalmente uma invenção Não tem nada a ver com a estrutura biológica da espécie humana Quanto aos traços fenotípicos estes se encontram obviamente no código genético dos indivíduos e grupos e nesse sentido específico são biológicos Contudo não têm nenhuma relação com nenhum dos subsistemas e processos biológicos do organismo humano incluindo por certo aqueles implicados nos subsistemas neurológicos e mentais e suas funções Ver Jonathan Mark 1994 e Aníbal Quijano 1999b 7 Fernando Coronil 1996 discutiu a construção da categoria Ocidente como parte da formação de um poder global 8 Isso foi o que segundo um relato pessoal encontrou Alfred Metraux o conhecido antropólogo francês em fins dos anos 50 no Sul do Peru e o mesmo que também encontrei em 1963 em Cusco um trabalhador braçal índio obrigado a viajar de sua aldeia em La Convención até a cidade para cumprir seu turno de servir durante uma semana a seus patrões Mas estes não lhe proporcionavam moradia nem alimento nem desde logo salário Metraux propunha que essa situação estava mais próxima do colonato romano do século IV dC que do feudalismo europeu 9 Sobre o processo de produção de novas identidades históricogeoculturais ver de Edmundo OGorman 1954 José Rabasa 1993 Enrique Dussel 1995 V Y Mudimbe 1988 Charles Tilly 1990 Edward Said 1979 e Fernando Coronil 1996 10 Acerca dessas questões ver George W Stocking Jr 1968 Robert C Young 1995 Aníbal Quijano 1992a 1992c 1997 e Serge Gruzinski 1988 11 Acerca das categorias produzidas durante o domínio colonial europeu do mundo existe um bom número de linhas de debate estudos da subalternidade estudos póscoloniais estudos culturais multiculturalismo entre os atuais Também uma florescente bibliografia demasiado extensa para ser aqui citada e com nomes famosos entre eles como Guha Spivak Said Bhabha Hall 12 Há uma vasta literatura em torno desse debate Um sumário pode ser encontrado em meu texto El fantasma del desarrollo en América Latina Quijano 2000a 13 Sobre este tema ver as agudas observações de Robert C Young 1995 14 Um debate mais detido em Quijano 2000b 15 Acerca das proposições teóricas desta concepção do poder ver Quijano 1999a 16 No sentido de que as relações entre as partes e a totalidade não são arbitrárias e a última tem hegemonia sobre as partes na orientação do movimento do conjunto Não no sentido sistêmico quer dizer em que as relações das partes entre si e com o conjunto são lógicofuncionais Isto não ocorre senão nas máquinas e nos organismos Nunca nas relações sociais 17 A literatura do debate sobre o eurocentrismo cresce rapidamente Uma posição diferente da que orienta este artigo ainda que dela aparentada é a de Samir Amin 1989 18 Sobre a origem da categoria de heterogeneidade históricoestrutural ver meu Notas sobre el concepto de marginalidad social CEPAL incorporado depois ao volume Imperialismo y Marginalidad en América Latina Quijano 1977 Podese ver também Quijano 1988a 19 Sempre me perguntei pela origem de uma das mais caras propostas do Liberalismo as idéias devem ser respeitadas O corpo por sua vez pode ser torturado triturado e morto Nós os latinoamericanos acostumamos citar com admiração a desafiante frase de um mártir das lutas anticoloniais no próprio momento de ser degolado Bárbaros as idéias não se degolam Sugiro agora que sua origem deve ser buscada nesse novo dualismo cartesiano que transformou o corpo em mera natureza 20 Ver Discours de la méthode Méditations e Description du corps humain Descartes 19631967 Paul Bousquié 1994 acerta neste ponto o cartesianismo é um novo dualismo radical 21 Acerca desses processos na subjetividade eurocentrada revela muito que a única categoria alternativa ao Ocidente era e ainda o é o Oriente enquanto que os negros África ou os índios América antes dos Estados Unidos não tinham a honra de ser o Outro da Europa ou Ocidente 22 Como sugere Benedict Anderson 1991 Uma discussão mais extensa sobre este ponto em Quijano 1998a 141 23 Uma discussão mais ampla sobre os limites e as condições da democracia numa estrutura de poder capitalista em Quijano 1998a 2000a 24 Provavelmente o antecedente mais próximo da idéia de raça produzida pelos castelhanos na América Ver Quijano 1992b 25 Ainda nos anos 20 em pleno século XX H Murena um membro importante da inteligência argentina não hesitava em proclamar Somos europeus exilados nestas pampas selvagens Ver Eugenio Imaz 1964 E tão tardiamente como nos anos 60 nas lutas sociais culturais e políticas da Argentina cabecita negra era o mote pejorativo da discriminação especificamente racial 26 A homogeneização é um elemento básico da perspectiva eurocentrista da nacionalização Se assim não fosse não se poderia explicar nem entender os conflitos nacionais nos países europeus cada vez que se coloca o problema das diferenças étnicoraciais dentro da população Não se poderia entender tampouco de outro modo a política eurocêntrica de povoamento favorecida pelos liberais do Cone Sul da América Latina nem a origem e o sentido do assim chamado problema indígena em toda a América Latina Se os fazendeiros peruanos do século XIX importaram chineses foi precisamente porque a questão nacional não estava em jogo para eles e sim o puro interesse social Foi por essa perspectiva eurocentrista fundada na colonialidade do poder que a burguesia senhorial latinoamericana tem sido inimiga da democratização social e política como condição de nacionalização da sociedade e do Estado 27 Nos anos 60 e 70 muitos cientistas sociais dentro e fora da América Latina entre os quais me incluo usamos o conceito de colonialismo interno para caracterizar a aparente relação paradoxal dos Estados independentes com relação a suas populações colonizadas Na América Latina Pablo González Casanova 1965 e Rodolfo Stavenhagen 1965 foram seguramente os mais importantes entre os que trataram de teorizar o problema de maneira sistemática Agora sabemos que esses são problemas acerca da colonialidade que vão muito além da trama institucional do Estadonação 28 Sobre estas questões adiantei algumas propostas de debate em Quijano 1993 29 A miopia eurocêntrica não apenas de estudiosos da Europa ou dos Estados Unidos mas também dos da América Latina difundiu e quase impôs universalmente o nome de populismo para esses movimentos e projetos que contudo têm pouco em comum com o movimento dos narodníkis russos do século XIX ou do populismo estadunidense posterior Uma discussão destas questões em Quijano 1998b 30 Essa descoberta é sem dúvida o que outorga a Mariátegui seu maior valor e sua continuada vigência derrotados os socialismos e seu materialismo histórico Ver sobretudo a passagem final do primeiro de seus 7 Ensayos de Interpretación de la realidad peruana 1928b numerosamente reimpresso Punto de Vista Antiimperialista apresentado à Primeira Conferência Comunista Latinoamericana Buenos Aires 1929 e o célebre Aniversario y balance editorial da revista Amauta 1928a 142
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Colonialidade do poder Eurocentrismo e América Latina Titulo Quijano Anibal Autora Autores A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericanas En Buenos Aires Lugar CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales EditorialEditor 2005 Fecha Colección Colonialismo Modernidad Capitalismo Poder Politico Sociedad Historia Eurocentrismo America Latina Temas Capítulo de Libro Tipo de documento httpbibliotecavirtualclacsoorgarclacsosursur2010062410332212Quijanopdf URL ReconocimientoNo comercialSin obras derivadas 20 Genérica httpcreativecommonsorglicensesbyncnd20deedes Licencia Segui buscando en la Red de Bibliotecas Virtuales de CLACSO httpbibliotecaclacsoeduar Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales CLACSO Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais CLACSO Latin American Council of Social Sciences CLACSO wwwclacsoeduar Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina1 Aníbal Quijano A globalização em curso é em primeiro lugar a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonialmoderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a idéia de raça uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial incluindo sua racionalidade específica o eurocentrismo Esse eixo tem portanto origem e caráter colonial mas provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido Implica conseqüentemente num elemento de colonialidade no padrão de poder hoje hegemônico No texto abaixo o propósito principal é o de colocar algumas das questões teoricamente necessárias sobre as implicações dessa colonialidade do poder com relação à história da América Latina2 I A América e o novo padrão de poder mundial A América constituise como o primeiro espaçotempo de um padrão de poder de vocação mundial e desse modo e por isso como a primeira identidade da modernidade Dois processos históricos convergiram e se associaram na produção do referido espaçotempo e estabeleceramse como os dois eixos fundamentais do novo padrão de poder Por um lado a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na idéia de raça ou seja uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros Essa idéia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo fundacional das relações de dominação que a conquista exigia Nessas bases conseqüentemente foi classificada a população da América e mais tarde do mundo nesse novo padrão de poder Por outro lado a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos em torno do capital e do mercado mundial 3 Raça uma categoria mental da modernidade A idéia de raça em seu sentido moderno não tem história conhecida antes da América 4 Talvez se tenha originado como referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados mas o que importa é que desde muito cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos A formação de relações sociais fundadas nessa idéia produziu na América identidades sociais historicamente novas índios negros e mestiços e redefiniu outras Assim termos com espanhol e português e mais tarde europeu que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem desde então adquiriram também em relação às novas identidades uma conotação racial E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação tais identidades foram associadas às hierarquias lugares e papéis sociais correspondentes com constitutivas delas e conseqüentemente ao padrão de dominação que se impunha Em outras palavras raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população Com o tempo os colonizadores codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram como a característica emblemática da categoria racial Essa codificação foi inicialmente estabelecida provavelmente na área britânicoamericana Os negros eram ali não apenas os explorados mais importantes já que a parte principal da economia dependia de seu trabalho Eram sobretudo a raça colonizada mais importante já que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial Em 117 conseqüência os dominantes chamaram a si mesmos de brancos5 Na América a idéia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e nãoeuropeus Historicamente isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas idéias e práticas de relações de superioridadeinferioridade entre dominantes e dominados Desde então demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal pois dele passou a depender outro igualmente universal no entanto mais antigo o intersexual ou de gênero os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de inferioridade e conseqüentemente também seus traços fenotípicos bem como suas descobertas mentais e culturais6 Desse modo raça converteuse no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade Em outras palavras no modo básico de classificação social universal da população mundial O Capitalismo a nova estrutura de controle do trabalho Por outro lado no processo de constituição histórica da América todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da produçãoapropriaçãodistribuição de produtos foram articuladas em torno da relação capitalsalário de agora em diante capital e do mercado mundial Incluíramse a escravidão a servidão a pequena produção mercantil a reciprocidade e o salário Em tal contexto cada umas dessas formas de controle do trabalho não era uma mera extensão de seus antecedentes históricos Todas eram histórica e sociologicamente novas Em primeiro lugar porque foram deliberadamente estabelecidas e organizadas para produzir mercadorias para o mercado mundial Em segundo lugar porque não existiam apenas de maneira simultânea no mesmo espaçotempo mas todas e cada uma articuladas com o capital e com seu mercado e por esse meio entre si Configuraram assim um novo padrão global de controle do trabalho por sua vez um novo elemento fundamental de um novo padrão de poder do qual eram conjunta e individualmente dependentes históricoestruturalmente Isto é não apenas por seu lugar e função como partes subordinadas de uma totalidade mas também porque sem perder suas respectivas características e sem prejuízo das descontinuidades de suas relações com a ordem conjunta e consigo mesmas seu movimento histórico dependia desse momento em diante de seu pertencimento ao padrão global de poder Em terceiro lugar e como conseqüência para preencher as novas funções cada uma delas desenvolveu novos traços e novas configurações históricoestruturais Na medida em que aquela estrutura de controle do trabalho de recursos e de produtos consistia na articulação conjunta de todas as respectivas formas historicamente conhecidas estabeleciase pela primeira vez na história conhecida um padrão global de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos E enquanto se constituía em torno de e em função do capital seu caráter de conjunto também se estabelecia com característica capitalista Desse modo estabeleciase uma nova original e singular estrutura de relações de produção na experiência histórica do mundo o capitalismo mundial Colonialidade do poder e capitalismo mundial As novas identidades históricas produzidas sobre a idéia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho Assim ambos os elementos raça e divisão do trabalho foram estruturalmente associados e reforçandose mutuamente apesar de que nenhum dos dois era necessariamente dependente do outro para existir ou para transformarse Desse modo impôsse uma sistemática divisão racial do trabalho Na área hispânica a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios para impedir seu total extermínio Assim foram confinados na estrutura da servidão Aos que viviam em suas comunidades foilhes permitida a prática de sua antiga reciprocidade isto é o intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado como uma forma de reproduzir sua força de trabalho como servos Em alguns casos a nobreza indígena uma reduzida minoria foi eximida da servidão e recebeu um tratamento especial devido a seus papéis como intermediária com a raça dominante e lhe foi também permitido participar de alguns dos ofícios nos quais eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza Por outro lado os negros foram reduzidos à escravidão Os espanhóis e os portugueses como raça dominante podiam receber salários ser 118 comerciantes independentes artesãos independentes ou agricultores independentes em suma produtores independentes de mercadorias Não obstante apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos postos da administração colonial civil ou militar Desde o século XVIII na América hispânica muito dos mestiços de espanhóis ou mulheres índias já um estrato social extenso e importante na sociedade colonial começaram a ocupar os mesmos ofícios e atividades que exerciam os ibéricos que não eram nobres Em menor medida ou sobretudo em atividades de serviço ou que requeriam talentos ou habilidades especiais música por exemplo também os mais abrancados entre os mestiços de mulheres negras e ibéricos espanhóis ou portugueses mas demoraram a ver legitimados seus novos papéis já que suas mães eram escravas A distribuição racista do trabalho no interior do capitalismo colonialmoderno mantevese ao longo de todo o período colonial No curso da expansão mundial da dominação colonial por parte da mesma raça dominante os brancos ou do século XVIII em diante os europeus foi imposto o mesmo critério de classificação social a toda a população mundial em escala global Conseqüentemente novas identidades históricas e sociais foram produzidas amarelos e azeitonados ou oliváceos somaramse a brancos índios negros e mestiços Essa distribuição racista de novas identidades sociais foi combinada tal como havia sido tão exitosamente logrado na América com uma distribuição racista do trabalho e das formas de exploração do capitalismo colonial Isso se expressou sobretudo numa quase exclusiva associação da branquitude social com o salário e logicamente com os postos de mando da administração colonial Assim cada forma de controle do trabalho esteve articulada com uma raça particular Conseqüentemente o controle de uma forma específica de trabalho podia ser ao mesmo tempo um controle de um grupo específico de gente dominada Uma nova tecnologia de dominaçãoexploração neste caso raçatrabalho articulouse de maneira que aparecesse como naturalmente associada o que até o momento tem sido excepcionalmente bemsucedido Colonialidade e eurocentramento do capitalismo mundial A privilegiada posição ganhada com a América pelo controle do ouro da prata e de outras mercadorias produzidas por meio do trabalho gratuito de índios negros e mestiços e sua vantajosa localização na vertente do Atlântico por onde necessariamente tinha de ser realizado o tráfico dessas mercadorias para o mercado mundial outorgou aos brancos uma vantagem decisiva para disputar o controle do comércio mundial A progressiva monetarização do mercado mundial que os metais preciosos da América estimulavam e permitiam bem como o controle de tão abundantes recursos possibilitou aos brancos o controle da vasta rede préexistente de intercâmbio que incluía sobretudo China Índia Ceilão Egito Síria os futuros Orientes Médio e Extremo Isso também permitiulhes concentrar o controle do capital comercial do trabalho e dos recursos de produção no conjunto do mercado mundial E tudo isso foi posteriormente reforçado e consolidado através da expansão e da dominação colonial branca sobre as diversas populações mundiais Como se sabe ou controle do tráfico comercial mundial pelos grupos dominantes novos ou não nas regiões do Atlântico onde tinham suas sedes impulsionou um novo processo de urbanização nesses lugares a expansão do tráfico comercial entre eles e desse modo a formação de um mercado regional crescentemente integrado e monetarizado graças ao fluxo de metais preciosos procedentes da América Uma região historicamente nova constituíase como uma nova identidade geocultural Europa mais especificamente Europa Ocidental7 Essa nova identidade geocultural emergia como a sede central do controle do mercado mundial No mesmo movimento histórico produziase também o deslocamento de hegemonia da costa do Mediterrâneo e da costa ibérica para as do Atlântico Norteocidental Essa condição de sede central do novo mercado mundial não permite explicar por si mesma ou por si só por que a Europa se transformou também até o século XIX e virtualmente até a crise mundial ocorrida em meados de 1870 na sede central do processo de mercantilização da força de trabalho ou seja do desenvolvimento da relação capitalsalário como forma específica de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos Em quanto isso todas as demais regiões e populações incorporadas ao novo mercado mundial e colonizadas ou em curso de colonização sob domínio europeu permaneciam basicamente sob relações nãosalariais de trabalho ainda que desde cedo esse trabalho seus recursos e seus produtos se tenham articulado numa cadeia de transferência de valor e de benefícios cujo controle cabia à Europa Ocidental Nas regiões nãoeuropéias o trabalho assalariado concentravase quase exclusivamente entre os brancos 119 Não há nada na relação social mesma do capital ou nos mecanismos do mercado mundial em geral no capitalismo que implique a necessidade histórica da concentração não só mas sobretudo na Europa do trabalho assalariado e depois precisamente sobre essa base da concentração da produção industrial capitalista durante mais de dois séculos Teria sido perfeitamente factível como o demonstra o fato de que assim de fato ocorreu após 1870 o controle europeuocidental do trabalho assalariado de qualquer setor da população mundial E provavelmente mais benéfico para os europeus ocidentais A explicação deve ser pois buscada em outra parte da história O fato é que já desde o começo da América os futuros europeus associaram o trabalho não pago ou nãoassalariado com as raças dominadas porque eram raças inferiores O vasto genocídio dos índios nas primeiras décadas da colonização não foi causado principalmente pela violência da conquista nem pelas enfermidades que os conquistadores trouxeram em seu corpo mas porque tais índios foram usados como mão de obra descartável forçados a trabalhar até morrer A eliminação dessa prática colonial não termina de fato senão com a derrota dos encomendeiros em meados do século XVI A reorganização política do colonialismo ibérico que se seguiu implicou uma nova política de reorganização populacional dos índios e de suas relações com os colonizadores Mas nem por isso os índios foram daí em diante trabalhadores livres e assalariados Daí em diante foram adscritos à servidão não remunerada A servidão dos índios na América não pode ser por outro lado simplesmente equiparada à servidão no feudalismo europeu já que não incluía a suposta proteção de nenhum senhor feudal nem sempre nem necessariamente a posse de uma porção de terra para cultivar no lugar de salário Sobretudo antes da Independência a reprodução da força de trabalho do servo índio se fazia nas comunidades Mas mesmo mais de cem anos depois da Independência uma parte ampla da servidão indígena era obrigada a reproduzir sua força de trabalho por sua própria conta8 E a outra forma de trabalho nãoassalariado o não pago simplesmente o trabalho escravo foi restrita exclusivamente à população trazida da futura Africa e chamada de negra A classificação racial da população e a velha associação das novas identidades raciais dos colonizados com as formas de controle não pago não assalariado do trabalho desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos A inferioridade racial dos colonizados implicava que não eram dignos do pagamento de salário Estavam naturalmente obrigados a trabalhar em benefício de seus amos Não é muito difícil encontrar ainda hoje essa mesma atitude entre os terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo E o menor salário das raças inferiores pelo mesmo trabalho dos brancos nos atuais centros capitalistas não poderia ser tampouco explicado sem recorrerse à classificação social racista da população do mundo Em outras palavras separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial O controle do trabalho no novo padrão de poder mundial constituiuse assim articulando todas as formas históricas de controle do trabalho em torno da relação capitaltrabalho assalariado e desse modo sob o domínio desta Mas tal articulação foi constitutivamente colonial pois se baseou primeiro na adscrição de todas as formas de trabalho não remunerado às raças colonizadas originalmente índios negros e de modo mais complexo os mestiços na América e mais tarde às demais raças colonizadas no resto do mundo oliváceos e amarelos E segundo na adscrição do trabalho pago assalariado à raça colonizadora os brancos Essa colonialidade do controle do trabalho determinou a distribuição geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial Em outras palavras determinou a geografia social do capitalismo o capital na relação social de controle do trabalho assalariado era o eixo em torno do qual se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos Isso o tornava dominante sobre todas elas e dava caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho Mas ao mesmo tempo essa relação social específica foi geograficamente concentrada na Europa sobretudo e socialmente entre os europeus em todo o mundo do capitalismo E nessa medida e dessa maneira a Europa e o europeu se constituíram no centro do mundo capitalista Quando Raúl Prebisch criou a célebre imagem de CentroPeriferia The American Economic Review 1959 ECLA 1960 Baer 1962 para descrever a configuração mundial do capitalismo depois da Segunda Guerra Mundial apontou sabendoo ou sem saber o núcleo principal do caráter histórico do padrão de controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos que formava parte central do novo padrão mundial de poder constituído a partir da América O capitalismo mundial foi desde o início colonialmoderno e eurocentrado Sem relação clara com essas específicas características históricas do capitalismo o próprio conceito de moderno sistemamundo desenvolvido principalmente por Immanuel Wallerstein 19741989 Hopkins e Wallerstein 1982 a partir de Prebisch e do conceito marxiano de capitalismo mundial não poderia ser apropriada e plenamente entendido 120 Novo padrão de poder mundial e nova intersubjetividade mundial Já em sua condição de centro do capitalismo mundial a Europa não somente tinha o controle do mercado mundial mas pôde impor seu domínio colonial sobre todas as regiões e populações do planeta incorporandoas ao sistemamundo que assim se constituía e a seu padrão específico de poder Para tais regiões e populações isso implicou um processo de reidentificação histórica pois da Europa foramlhes atribuídas novas identidades geoculturais Desse modo depois da América e da Europa foram estabelecidas África Ásia e eventualmente Oceania Na produção dessas novas identidades a colonialidade do novo padrão de poder foi sem dúvida uma das mais ativas determinações Mas as formas e o nível de desenvolvimento político e cultural mais especificamente intelectual em cada caso desempenharam também um papel de primeiro plano Sem esses fatores a categoria Oriente não teria sido elaborada como a única com a dignidade suficiente para ser o Outro ainda que por definição inferior de Ocidente sem que alguma equivalente fosse criada para índios ou negros9 Mas esta mesma omissão põe a nu que esses outros fatores atuaram também dentro do padrão racista de classificação social universal da população mundial A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único mundo dominado pela Europa significou para esse mundo uma configuração cultural intelectual em suma intersubjetiva equivalente à articulação de todas as formas de controle do trabalho em torno do capital para estabelecer o capitalismo mundial Com efeito todas as experiências histórias recursos e produtos culturais terminaram também articulados numa só ordem cultural global em torno da hegemonia européia ou ocidental Em outras palavras como parte do novo padrão de poder mundial a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade da cultura e em especial do conhecimento da produção do conhecimento No processo que levou a esse resultado os colonizadores exerceram diversas operações que dão conta das condições que levaram à configuração de um novo universo de relações intersubjetivas de dominação entre a Europa e o europeu e as demais regiões e populações do mundo às quais estavam sendo atribuídas no mesmo processo novas identidades geoculturais Em primeiro lugar expropriaram as populações colonizadas entre seus descobrimentos culturais aqueles que resultavam mais aptos para o desenvolvimento do capitalismo e em benefício do centro europeu Em segundo lugar reprimiram tanto como puderam ou seja em variáveis medidas de acordo com os casos as formas de produção de conhecimento dos colonizados seus padrões de produção de sentidos seu universo simbólico seus padrões de expressão e de objetivação da subjetividade A repressão neste campo foi reconhecidamente mais violenta profunda e duradoura entre os índios da América ibérica a que condenaram a ser uma subcultura camponesa iletrada despojandoos de sua herança intelectual objetivada Algo equivalente ocorreu na África Sem dúvida muito menor foi a repressão no caso da Ásia onde portanto uma parte importante da história e da herança intelectual escrita pôde ser preservada E foi isso precisamente o que deu origem à categoria de Oriente Em terceiro lugar forçaram também em medidas variáveis em cada caso os colonizados a aprender parcialmente a cultura dos dominadores em tudo que fosse útil para a reprodução da dominação seja no campo da atividade material tecnológica como da subjetiva especialmente religiosa É este o caso da religiosidade judaicocristã Todo esse acidentado processo implicou no longo prazo uma colonização das perspectivas cognitivas dos modos de produzir ou outorgar sentido aos resultados da experiência material ou intersubjetiva do imaginário do universo de relações intersubjetivas do mundo em suma da cultura10 Enfim o êxito da Europa Ocidental em transformarse no centro do moderno sistemamundo segundo a apta formulação de Wallerstein desenvolveu nos europeus um traço comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da história o etnocentrismo Mas no caso europeu esse traço tinha um fundamento e uma justificação peculiar a classificação racial da população do mundo depois da América A associação entre ambos os fenômenos o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal ajudam a explicar por que os europeus foram levados a sentirse não só superiores a todos os demais povos do mundo mas além disso naturalmente superiores Essa instância histórica expressouse numa operação mental de fundamental importância para todo o padrão de poder mundial sobretudo com respeito às relações intersubjetivas que lhe são hegemônicas e em especial de sua perspectiva de conhecimento os europeus geraram uma nova perspectiva temporal da história e resituaram os povos colonizados bem como a suas respectivas histórias e culturas no passado de uma trajetória histórica cuja culminação era a Europa Mignolo 1995 Blaut 1993 Lander 1997 Porém notavelmente não numa mesma linha de continuidade com os europeus mas em 121 outra categoria naturalmente diferente Os povos colonizados eram raças inferiores e portanto anteriores aos europeus De acordo com essa perspectiva a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus Desse ponto de vista as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa ou melhor dizendo a Europa Ocidental e o restante do mundo foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias OrienteOcidente primitivocivilizado mágicomítico científico irracionalracional tradicionalmoderno Em suma Europa e nãoEuropa Mesmo assim a única categoria com a devida honra de ser reconhecida como o Outro da Europa ou Ocidente foi Oriente Não os índios da América tampouco os negros da África Estes eran simplesmente primitivos Sob essa codificação das relações entre europeunãoeuropeu raça é sem dúvida a categoria básica 11 Essa perspectiva binária dualista de conhecimento peculiar ao eurocentrismo impôsse como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo Não seria possível explicar de outro modo satisfatoriamente em todo caso a elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de conhecimento da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais um a idéiaimagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa E dois outorgar sentido às diferenças entre Europa e não Europa como diferenças de natureza racial e não de história do poder Ambos os mitos podem ser reconhecidos inequivocamente no fundamento do evolucionismo e do dualismo dois dos elementos nucleares do eurocentrismo A questão da modernidade Não me proponho aqui a entrar numa discussão detida da questão da modernidade e de sua versão eurocêntrica Dediquei anteriormente outros estudos a esse tema e voltarei a ele depois Em particular não prolongarei este trabalho com uma discussão acerca do debate modernidadepósmodernidade e sua vasta bibliografia Mas é pertinente para os fins deste trabalho em especial da parte seguinte insistir em algumas questões Quijano 1988b 1992a 1998a O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza levouos também a pensarse como os modernos da humanidade e de sua história isto é como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie Mas já que ao mesmo tempo atribuíam ao restante da espécie o pertencimento a uma categoria por natureza inferior e por isso anterior isto é o passado no processo da espécie os europeus imaginaram também serem não apenas os portadores exclusivos de tal modernidade mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas O notável disso não é que os europeus se imaginaram e pensaram a si mesmos e ao restante da espécie desse modo isso não é um privilégio dos europeus mas o fato de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder Desde logo a resistência intelectual a essa perspectiva histórica não tardou em emergir Na América Latina desde fins do século XIX mas se afirmou sobretudo durante o século XX e em especial depois da Segunda Guerra Mundial vinculada com o debate sobre a questão do desenvolvimentosubdesenvolvimento Como esse debate foi dominado durante um bom tempo pela denominada teoria da modernização12 em suas vertentes opostas para sustentar que a modernização não implica necessariamente a ocidentalização das sociedades e das culturas nãoeuropéias um dos argumentos mais usados foi o de que a modernidade é um fenômeno de todas as culturas não apenas da européia ou ocidental Se o conceito de modernidade referese única ou fundamentalmente às idéias de novidade do avançado do racionalcientífico laico secular que são as idéias e experiências normalmente associadas a esse conceito não cabe dúvida de que é necessário admitir que é um fenômeno possível em todas as culturas e em todas as épocas históricas Com todas as suas respectivas particularidades e diferenças todas as chamadas altas culturas China Índia Egito Grécia MaiaAsteca Tauantinsuio anteriores ao atual sistema mundo mostram inequivocamente os sinais dessa modernidade incluído o racional científico a secularização do pensamento etc Na verdade a estas alturas da pesquisa histórica seria quase ridículo atribuir às altas culturas nãoeuropéias uma mentalidade míticomágica como traço definidor por exemplo em oposição à racionalidade e à ciência como características da Europa pois além dos possíveis ou melhor conjecturados conteúdos simbólicos as cidades os templos e palácios as pirâmides ou as cidades monumentais seja Machu Pichu ou Boro Budur as irrigações as grandes vias de transporte as tecnologias metalíferas agropecuárias as matemáticas os calendários a escritura a filosofia as histórias as armas e 122 as guerras mostram o desenvolvimento científico e tecnológico em cada uma de tais altas culturas desde muito antes da formação da Europa como nova identidade O mais que realmente se pode dizer é que no atual período foise mais longe no desenvolvimento científicotecnológico e se realizaram maiores descobrimentos e realizações com o papel hegemônico da Europa e em geral do Ocidente Os defensores da patente européia da modernidade costumam apelar para história cultural do antigo mundo helenoromânico e ao mundo do Mediterrâneo antes da América para legitimar sua defesa da exclusividade dessa patente O que é curioso desse argumento é que escamoteia primeiro o fato de que a parte realmente avançada desse mundo do Mediterrâneo antes das América área por área dessa modernidade era islâmicojudaica Segundo que foi dentro desse mundo que se manteve a herança cultural grecoromana as cidades o comércio a agricultura comercial a mineração os têxteis a filosofia a história quando a futura Europa Ocidental estava dominada pelo feudalismo e seu obscurantismo cultural Terceiro que muito provavelmente a mercantilização da força de trabalho a relação capitalsalário emergiu precisamente nessa área e foi em seu desenvolvimento que se expandiu posteriormente em direção ao norte da futura Europa Quarto que somente a partir da derrota do Islão e do posterior deslocamento da hegemonia sobre o mercado mundial para o centronorte da futura Europa graças à América começa também a deslocarse ao centro da atividade cultural a essa nova região Por isso a nova perspectiva geográfica da história e da cultura que ali é elaborada e que se impõe como mundialmente hegemônica implica obviamente uma nova geografia do poder A própria idéia de OcidenteOriente é tardia e parte da hegemonia britânica Ou ainda é necessário recordar que o meridiano de Greenwich atravessa Londres e não Sevilha ou Veneza13 Nesse sentido a pretensão eurocêntrica de ser a exclusiva produtora e protagonista da modernidade e de que toda modernização de populações nãoeuropéias é portanto uma europeização é uma pretensão etnocentrista e além de tudo provinciana Porém por outro lado se se admite que o conceito de modernidade se refere somente à racionalidade à ciência à tecnologia etc a questão que estaríamos colocando à experiência histórica não seria diferente da proposta pelo etnocentrismo europeu o debate consistiria apenas na disputa pela originalidade e pela exclusividade da propriedade do fenômeno assim chamado modernidade e em conseqüência movendose no mesmo terreno e com a mesma perspectiva do eurocentrismo Há contudo um conjunto de elementos demonstráveis que apontam para um conceito de modernidade diferente que dá conta de um processo histórico específico ao atual sistemamundo Nesse conceito não estão obviamente ausentes suas referencias e seus traços anteriores Porém mais enquanto formam parte de um universo de relações sociais materiais e intersubjetivas cuja questão central é a libertação humana como interesse histórico da sociedade e também em conseqüência seu campo central de conflito Nos limites deste trabalho restringirmeei somente a adiantar de modo breve e esquemático algumas proposições14 Em primeiro lugar o atual padrão de poder mundial é o primeiro efetivamente global da história conhecida Em vários sentidos específicos Um é o primeiro em que cada um dos âmbitos da existência social estão articuladas todas as formas historicamente conhecidas de controle das relações sociais correspondentes configurando em cada área um única estrutura com relações sistemáticas entre seus componentes e do mesmo modo em seu conjunto Dois é o primeiro em que cada uma dessas estruturas de cada âmbito de existência social está sob a hegemonia de uma instituição produzida dentro do processo de formação e desenvolvimento deste mesmo padrão de poder Assim no controle do trabalho de seus recursos e de seus produtos está a empresa capitalista no controle do sexo de seus recursos e produtos a família burguesa no controle da autoridade seus recursos e produtos o Estadonação no controle da intersubjetividade o eurocentrismo15 Três cada uma dessas instituições existe em relações de interdependência com cada uma das outras Por isso o padrão de poder está configurado como um sistema16 Quatro finalmente este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre a totalidade da população do planeta Nesse sentido específico a humanidade atual em seu conjunto constitui o primeiro sistemamundo global historicamente conhecido não somente um mundo como o que talvez tenham sido o chinês o hindu o egípcio o helênicoromano o maiaasteca ou o tauantinsuiano Nenhum desses possíveis mundos teve nada em comum exceto um dominador colonialimperial e apesar de que assim se propõe da visão colonial eurocêntrica não se sabe se todos os povos incorporados a um daqueles mundos tiveram também em comum uma perspectiva básica a respeito das relações entre o humano e o restante do universo Os dominadores coloniais de cada um desses mundos não tinham as condições nem provavelmente o interesse de homogeneizar as formas básicas de existência social de todas as populações de seus 123 domínios Por outro lado o atual o que começou a formarse com a América tem em comum três elementos centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial a colonialidade do poder o capitalismo e o eurocentrismo Claro que este padrão de poder nem nenhum outro pode implicar que a heterogeneidade históricoestrutural tenha sido erradicada dentro de seus domínios O que sua globalidade implica é um piso básico de práticas sociais comuns para todo o mundo e uma esfera intersubjetiva que existe e atua como esfera central de orientação valorativa do conjunto Por isso as instituições hegemônicas de cada âmbito de existência social são universais para a população do mundo como modelos intersubjetivos Assim o Estadonação a família burguesa a empresa a racionalidade eurocêntrica Portanto seja o que for a mentira contida no termo modernidade hoje envolve o conjunto da população mundial e toda sua história dos últimos 500 anos e todos os mundos ou exmundos articulados no padrão global de poder e cada um de seus segmentos diferenciados ou diferenciáveis pois se constituiu junto com como parte da redefinição ou reconstituição histórica de cada um deles por sua incorporação ao novo e comum padrão de poder mundial Portanto também como articulação de muitas racionalidades Em outras palavras já que se trata de uma história nova e diferente com experiências específicas as questões que esta história permite e obriga a abrir não podem ser indagadas muito menos contestadas com o conceito eurocêntrico de modernidade Pela mesma razão dizer que é um fenômeno puramente europeu ou que ocorre em todas as culturas teria hoje um impossível sentido Tratase de algo novo e diferente específico deste padrão de poder mundial Se há que preservar o nome deve tratarse de qualquer modo de outra modernidade A questão central que nos interessa aqui é a seguinte o que é o realmente novo com relação à modernidade Não somente o que desenvolve e redefine experiências tendências e processos de outros mundos mas o que foi produzido na história própria do atual padrão de poder mundial Dussel 1995 propôs a categoria de transmodernidade como alternativa para a pretensão eurocêntrica de que a Europa é a produtora original da modernidade Segundo essa proposta a constituição do ego individual diferenciado é a novidade que ocorre com a América e é a marca da modernidade mas tem lugar não só na Europa mas em todo o mundo que se configura a partir da América Dussel acerta no alvo ao refutar um dos mitos prediletos do eurocentrismo Mas é controverso que o ego individual diferenciado seja um fenômeno exclusivamente pertencente ao período iniciado com a América Há claro uma relação umbilical entre os processos históricos que se geram a partir da América e as mudanças da subjetividade ou melhor dito da intersubjetividade de todos os povos que se vão integrando no novo padrão de poder mundial E essas transformações levam à constituição de uma nova subjetividade não só individual mas coletiva de uma nova intersubjetividade Esse é portanto um fenômeno novo que ingressa na história com a América e nesse sentido faz parte da modernidade Mas quaisquer que fossem essas mudanças não se constituem da subjetividade individual nem coletiva do mundo préexistente voltada para si mesma ou para repetir a velha imagem essas mudanças não nascem como Minerva da cabeça de Zeus mas são a expressão subjetiva ou intersubjetiva do que os povos do mundo estão fazendo nesse momento Dessa perspectiva é necessário admitir que a América e suas conseqüências imediatas no mercado mundial e na formação de um novo padrão de poder mundial são uma mudança histórica verdadeiramente enorme e que não afeta somente a Europa mas o conjunto do mundo Não se trata de mudanças dentro do mundo conhecido que não alteram senão alguns de seus traços Tratase da mudança do mundo como tal Este é sem dúvida o elemento básico da nova subjetividade a percepção da mudança histórica É esse elemento o que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história A percepção da mudança leva à idéia do futuro já que é o único território do tempo no qual podem ocorrer as mudanças O futuro é um território temporal aberto O tempo pode ser novo pois não é somente a extensão do passado E dessa maneira a história pode ser percebida já não só como algo que ocorre seja como algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o destino mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas por seus cálculos suas intenções suas decisões portanto como algo que pode ser projetado e conseqüentemente ter sentido Quijano 1988b Com a América iniciase assim todo um universo de novas relações materiais e intersubjetivas É pertinente por tudo isso admitir que o conceito de modernidade não se refere somente ao que ocorre com a subjetividade não obstante toda a tremenda importância desse processo seja pela emergência do ego individual ou de um novo universo de relações intersubjetivas entre os indivíduos e entre os povos integrados ou que se integram no novo sistemamundo e seu específico padrão de poder mundial O conceito de modernidade dá conta do mesmo modo das alterações na dimensão material das relações sociais Quer 124 dizer as mudanças ocorrem em todos os âmbitos da existência social dos povos e portanto de seus membros individuais tanto na dimensão material como na dimensão subjetiva dessas relações E como se trata de processos que se iniciam com a constituição da América de um novo padrão de poder mundial e da integração dos povos de todo o mundo nesse processo de todo um complexo sistemamundo é também imprescindível admitir que se trata de um período histórico inteiro Em outras palavras a partir da América um novo espaçotempo se constitui material e subjetivamente essa é a mentira do conceito de modernidade Não obstante foi decisivo para o processo de modernidade que o centro hegemônico desse mundo estivesse localizado na zona centronorte da Europa Ocidental Isso ajuda a explicar por que o centro de elaboração intelectual desse processo se localizará também ali e por que essa versão foi a que ganhou a hegemonia mundial Ajuda igualmente a explicar por que a colonialidade do poder desempenhará um papel de primeira ordem nessa elaboração eurocêntrica da modernidade Este último não é muito difícil de perceber se se leva em consideração o que já foi demonstrado antes o modo como a colonialidade do poder está vinculada com a concentração na Europa do capital dos assalariados do mercado de capital enfim da sociedade e da cultura associadas a essas determinações Nesse sentido a modernidade foi também colonial desde seu ponto de partida Mas ajuda também a entender por que foi na Europa muito mais direto e imediato o impacto do processo mundial de modernização Com efeito as novas práticas sociais implicadas no padrão de poder mundial capitalista a concentração do capital e dos assalariados o novo mercado de capital tudo isso associado à nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história à centralidade da questão da mudança histórica nessa perspectiva como experiência e como idéia requerem necessariamente a dessacralização das hierarquias e das autoridades tanto na dimensão material das relações sociais como em sua intersubjetividade a dessacralização a mudança ou o desmantelamento das correspondentes estruturas e instituições A individualização das pessoas só adquire seu sentido nesse contexto a necessidade de um foro próprio para pensar para duvidar para decidir a liberdade individual em suma contra as adscrições sociais fixadas e em conseqüência a necessidade de igualdade social entre os indivíduos As determinações capitalistas contudo exigiam também e no mesmo movimento histórico que esses processos sociais materiais e intersubjetivos não tivessem lugar exceto dentro de relações sociais de exploração e de dominação Conseqüentemente como um campo de conflitos pela orientação isto é os fins os meios e os limites desses processos Para os controladores do poder o controle do capital e do mercado eram e são os que decidem os fins os meios e os limites do processo O mercado é o mínimo mas também o limite da possível igualdade social entre as pessoas Para os explorados do capital e em geral para os dominados do padrão de poder a modernidade gerou um horizonte de libertação das pessoas de toda relação estrutura ou instituição vinculada com a dominação e a exploração mas também as condições sociais para avançar em direção a esse horizonte A modernidade é assim também uma questão de conflito de interesses sociais Um deles é a contínua democratização da existência social das pessoas Nesse sentido todo conceito de modernidade é necessariamente ambíguo e contraditório Quijano 1998a 2000a É ali precisamente onde a história desses processos diferencia tão claramente a Europa Ocidental e o resto do mundo no caso a América Latina Na Europa Ocidental a concentração da relação capitalsalário é o eixo principal das tendências das relações de classificação social e da correspondente estrutura de poder Isso subjaz aos enfrentamentos com a antiga ordem com o Império com o Papado durante o período do chamado capital competitivo Esses enfrentamentos permitem aos setores não dominantes do capital bem como aos explorados melhores condições de negociar seu lugar no poder e a venda de sua força de trabalho Por outro lado abre também condições para uma secularização especificamente burguesa da cultura e da subjetividade O liberalismo é uma das claras expressões desse contexto material e subjetivo da sociedade na Europa Ocidental Já no resto do mundo na América Latina em particular as formas mais estendidas de controle do trabalho são nãosalariais ainda que em benefício global do capital o que implica que as relações de exploração e de dominação têm caráter colonial A independência política desde inícios do século XIX está acompanhada na maioria dos novos países pelo estancamento e retrocesso do capital e fortalece o caráter colonial da dominação social e política sob Estados formalmente independentes O eurocentramento do capitalismo colonialmoderno foi nesse sentido decisivo para o destino diferente do processo da modernidade entre a Europa e o resto do mundo Quijano 1988b 1994 125 II Colonialidade do poder e eurocentrismo A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder colonialmoderno capitalista e eurocentrado Essa perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo17 Eurocentrismo é aqui o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas ou mesmo antigas e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista colonialmoderno eurocentrado estabelecido a partir da América Não se trata em conseqüência de uma categoria que implica toda a história cognoscitiva em toda a Europa nem na Europa Ocidental em particular Em outras palavras não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas mas a uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondose a todas as demais prévias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo No âmbito deste trabalho proponhome a discutir algumas de suas questões mais diretamente vinculadas com a experiência histórica da América Latina mas que obviamente não se referem somente a ela Capital e capitalismo Antes que mais nada a teoria de uma seqüência histórica unilinear e universalmente válida entre as formas conhecidas de trabalho e de controle do trabalho que foram também conceitualizadas como relações ou modos de produção especialmente entre capital e précapital precisa ser em todo caso com respeito à América aberta de novo como questão maior do debate científicosocial contemporâneo Do ponto de vista eurocêntrico reciprocidade escravidão servidão e produção mercantil independente são todas percebidas como uma seqüência histórica prévia à mercantilização da força de trabalho São pré capital E são consideradas não só como diferentes mas como radicalmente incompatíveis com o capital O fato é contudo que na América elas não emergiram numa seqüência histórica unilinear nenhuma delas foi uma mera extensão de antigas formas précapitalistas nem foram tampouco incompatíveis com o capital Na América a escravidão foi deliberadamente estabelecida e organizada como mercadoria para produzir mercadorias para o mercado mundial e desse modo para servir aos propósitos e necessidades do capitalismo Do mesmo modo a servidão imposta aos índios inclusive a redefinição das instituições da reciprocidade para servir os mesmos fins isto é para produzir mercadorias para o mercado mundial E enfim a produção mercantil independente foi estabelecida e expandida para os mesmos propósitos Isso significa que todas essas formas de trabalho e de controle do trabalho na América não só atuavam simultaneamente mas foram articuladas em torno do eixo do capital e do mercado mundial Conseqüentemente foram parte de um novo padrão de organização e de controle do trabalho em todas as suas formas historicamente conhecidas juntas e em torno do capital Juntas configuraram um novo sistema o capitalismo O capital como relação social baseada na mercantilização da força de trabalho nasceu provavelmente em algum momento por volta dos séculos XIXII em algum lugar na região meridional das penínsulas ibérica eou itálica e conseqüentemente e por conhecidas razões no mundo islâmico É pois bastante mais antigo que a América Mas antes da emergência da América não está em nenhum lugar estruturalmente articulado com todas as demais formas de organização e controle da força de trabalho e do trabalho nem tampouco era ainda predominante em relação a nenhuma delas Só com a América pôde o capital consolidarse e obter predominância mundial tornandose precisamente o eixo em torno do qual todas as demais formas foram articuladas para os fins do mercado mundial Somente desse modo o capital transformouse no modo de produção dominante Assim o capital existiu muito tempo antes que a América Contudo o capitalismo como sistema de relações de produção isto é a heterogênea engrenagem de todas as formas de controle do trabalho e de seus produtos sob o domínio do capital no que dali em diante consistiu a economia mundial e seu mercado constituiuse na história apenas com a emergência da América A partir desse momento o capital sempre existiu e continua existindo hoje em dia só como o eixo central do capitalismo não de maneira separada muito menos isolada Nunca foi predominante de outro modo em escala mundial e global e com 126 toda probabilidade não teria podido desenvolverse de outro modo Evolucionismo e dualismo Como no caso das relações entre capital e précapital uma linha similar de idéias foi elaborada acerca das relações entre Europa e nãoEuropa Como já foi apontado o mito fundacional da versão eurocêntrica da modernidade é a idéia do estado de natureza como ponto de partida do curso civilizatório cuja culminação é a civilização européia ou ocidental Desse mito se origina a especificamente eurocêntrica perspectiva evolucionista de movimento e de mudança unilinear e unidirecional da história humana Tal mito foi associado com a classificação racial da população do mundo Essa associação produziu uma visão na qual se amalgamam paradoxalmente evolucionismo e dualismo Essa visão só adquire sentido como expressão do exacerbado etnocentrismo da recém constituída Europa por seu lugar central e dominante no capitalismo mundial colonialmoderno da vigência nova das idéias mitificadas de humanidade e de progresso inseparáveis produtos da Ilustração e da vigência da idéia de raça como critério básico de classificação social universal da população do mundo A história é contudo muito distinta Por um lado no momento em que os ibéricos conquistaram nomearam e colonizaram a América cuja região norte ou América do Norte colonizarão os britânicos um século mais tarde encontraram um grande número de diferentes povos cada um com sua própria história linguagem descobrimentos e produtos culturais memória e identidade São conhecidos os nomes dos mais desenvolvidos e sofisticados deles astecas maias chimus aimarás incas chibchas etc Trezentos anos mais tarde todos eles reduziamse a uma única identidade índios Esta nova identidade era racial colonial e negativa Assim também sucedeu com os povos trazidos forçadamente da futura África como escravos achantes iorubás zulus congos bacongos etc No lapso de trezentos anos todos eles não eram outra coisa além de negros Esse resultado da história do poder colonial teve duas implicações decisivas A primeira é óbvia todos aqueles povos foram despojados de suas próprias e singulares identidades históricas A segunda é talvez menos óbvia mas não é menos decisiva sua nova identidade racial colonial e negativa implicava o despojo de seu lugar na história da produção cultural da humanidade Daí em diante não seriam nada mais que raças inferiores capazes somente de produzir culturas inferiores Implicava também sua relocalização no novo tempo histórico constituído com a América primeiro e com a Europa depois desse momento em diante passaram a ser o passado Em outras palavras o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o nãoeuropeu era o passado e desse modo inferior sempre primitivo Por outro lado a primeira identidade geocultural moderna e mundial foi a América A Europa foi a segunda e foi constituída como conseqüência da América não o inverso A constituição da Europa como nova entidadeidentidade histórica fezse possível em primeiro lugar com o trabalho gratuito dos índios negros e mestiços da América com sua avançada tecnologia na mineração e na agricultura e com seus respectivos produtos o ouro a prata a batata o tomate o tabaco etc etc Viola e Margolis 1991 Porque foi sobre essa base que se configurou uma região como sede do controle das rotas atlânticas por sua vez convertidas precisamente sobre essa mesma base nas rotas decisivas do mercado mundial Essa região não tardou em emergir como Europa América e Europa produziramse historicamente assim mutuamente como as duas primeiras novas identidades geoculturais do mundo moderno Contudo os europeus persuadiramse a si mesmos desde meados do século XVII mas sobretudo durante o século XVIII não só de que de algum modo se tinham autoproduzido a si mesmos como civilização à margem da história iniciada com a América culminando uma linha independente que começava com a Grécia como única fonte original Também concluíram que eram naturalmente isto é racialmente superiores a todos os demais já que tinham conquistado a todos e lhes tinham imposto seu domínio O confronto entre a experiência histórica e a perspectiva eurocêntrica de conhecimento permite apontar alguns dos elementos mais importantes do eurocentrismo a uma articulação peculiar entre um dualismo précapitalcapital não europeueuropeu primitivocivilizado tradicionalmoderno etc e um evolucionismo linear unidirecional de algum estado de natureza à sociedade moderna européia b a naturalização das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação com a idéia de raça e c a distorcida relocalização temporal de todas essas diferenças de modo que tudo aquilo que é nãoeuropeu é percebido como passado Todas estas operações intelectuais são claramente interdependentes E não teriam podido ser cultivadas e desenvolvidas sem a colonialidade do poder 127 Homogeneidadecontinuidade e heterogeneidadedescontinuidade Como é verificável agora a perspectiva eurocêntrica de conhecimento devido a sua crise radical é hoje um campo pletórico de questões Aqui é pertinente ainda deixar registradas duas delas Primeiro uma idéia da mudança histórica como um processo ou um momento no qual uma entidade ou unidade se transforma de maneira continua homogênea e completa em outra coisa e abandona de maneira absoluta a cena histórica Isto permite à outra entidade equivalente ocupar o lugar e tudo isto continua numa cadeia seqüencial De outro modo não teria sentido nem lugar a idéia da história como uma evolução unidirecional e unilinear Segundo dali se desprende que cada unidade diferenciada por exemplo uma economiasociedade ou um modo de produção no caso do controle do trabalho capital ou escravidão ou uma raçacivilização no caso de grupos humanos é uma entidadeidentidade homogênea São cada uma estruturas de elementos homogêneos relacionados de maneira contínua e sistêmica o que é distinto de sistemática A experiência histórica demostra contudo que o capitalismo mundial está longe de ser uma totalidade homogênea e contínua Ao contrário como o demonstra a América o padrão de poder mundial que se conhece como capitalismo é fundamentalmente uma estrutura de elementos heterogêneos tanto em termos das formas de controle do trabalhorecursosprodutos ou relações de produção ou em termos dos povos e histórias articulados nele Em conseqüência tais elementos se relacionam entre si e com o conjunto de maneira também heterogênea e descontínua ou mesmo conflitiva E são eles mesmos cada um deles configurados da mesma maneira Assim cada uma dessas relações de produção é em si mesma uma estrutura heterogênea Especialmente o capital desde que todos os estágios e formas históricas de produção de valor e de apropriação de maisvalia por exemplo acumulação primitiva maisvalia absoluta e relativa extensiva ou intensiva ou em outra nomenclatura manufatura capital competitivo capital monopólico capital transnacional ou global ou préfordista fordista de mão de obra intensiva de capital intensivo de informação intensiva etc etc estão simultaneamente em atividade e trabalham juntos numa complexa rede de transferência de valor e de maisvalia Isto é igualmente válido com relação às raças já que tantos povos diversos e heterogêneos com heterogêneas histórias e tendências históricas de movimento e de mudança foram reunidos sob uma única classificação racial índio ou negro por exemplo Esta heterogeneidade não é simplesmente estrutural baseada nas relações entre elementos das mesmas época e idade Já que histórias diversas e heterogêneas deste tipo foram articuladas numa única estrutura de poder é pertinente admitir o caráter históricoestrutural dessa heterogeneidade Conseqüentemente o processo de mudança dessa totalidade capitalista não pode de nenhum modo ser uma transformação homogênea e contínua do sistema inteiro nem tampouco de cada um de seus componentes maiores Tampouco poderia essa totalidade desvanecerse completa e homogeneamente da cena histórica e ser substituída por outra equivalente A mudança histórica não pode ser unilinear unidirecional seqüencial ou total O sistema ou o padrão específico de articulação estrutural poderia ser desmantelado Mas mesmo assim cada um ou alguns de seus elementos pode e haverá de rearticularse em algum outro padrão estrutural como ocorreu obviamente com os componentes do padrão de poder précolonial digamos no Tauantinsuiu18 O novo dualismo Finalmente pelo momento e para nossos propósitos aqui é pertinente abrir a questão das relações entre o corpo e o nãocorpo na perspectiva eurocêntrica tanto por sua gravitação no modo eurocêntrico de produzir conhecimento como devido a que em nossa experiência tem uma estreita relação com as de raça e de gênero A idéia de diferenciação entre o corpo e o nãocorpo na experiência humana é virtualmente universal à história da humanidade comum a todas as culturas ou civilizações historicamente conhecidas Mas é também comum a todas até o aparecimento do eurocentrismo a permanente co presença dos dois elementos como duas dimensões não separáveis do ser humano em qualquer aspecto instância ou comportamento O processo de separação destes elementos do ser humano é parte de uma longa história do mundo cristão sobre a base da idéia da primazia da alma sobre o corpo Porém esta história mostra também uma longa e não resolvida ambivalência da teologia cristã sobre este ponto em particular Certamente é 128 a alma o objeto privilegiado de salvação Mas no final das contas é o corpo o ressuscitado como culminação da salvação Certamente também foi durante a cultura repressiva do cristianismo como resultado dos conflitos com muçulmanos e judeus sobretudo entre os séculos XV e XVI em plena Inquisição que a primazia da alma foi enfatizada talvez exasperada E porque o corpo foi o objeto básico da repressão a alma pôde aparecer quase separada das relações intersubjetivas no interior do mundo cristão Mas isto não foi teorizado ou seja não foi sistematicamente discutido e elaborado até Descartes culminando no processo da secularização burguesa do pensamento cristão 19 Com Descartes20 o que sucede é a mutação da antiga abordagem dualista sobre o corpo e o não corpo O que era uma copresença permanente de ambos os elementos em cada etapa do ser humano em Descartes se converte numa radical separação entre razãosujeito e corpo A razão não é somente uma secularização da idéia de alma no sentido teológico mas uma mutação numa nova identidade a razãosujeito a única entidade capaz de conhecimento racional em relação à qual o corpo é e não pode ser outra coisa além de objeto de conhecimento Desse ponto de vista o ser humano é por excelência um ser dotado de razão e esse dom se concebe como localizado exclusivamente na alma Assim o corpo por definição incapaz de raciocinar não tem nada a ver com a razãosujeito Produzida essa separação radical entre razãosujeito e corpo as relações entre ambos devem ser vistas unicamente como relações entre a razãosujeito humana e o corponatureza humana ou entre espírito e natureza Deste modo na racionalidade eurocêntrica o corpo foi fixado como objeto de conhecimento fora do entorno do sujeitorazão Sem essa objetivização do corpo como natureza de sua expulsão do âmbito do espírito dificilmente teria sido possível tentar a teorização científica do problema da raça como foi o caso do Conde de Gobineau 18531857 durante o século XIX Dessa perspectiva eurocêntrica certas raças são condenadas como inferiores por não serem sujeitos racionais São objetos de estudo corpo em conseqüência mais próximos da natureza Em certo sentido isto os converte em domináveis e exploráveis De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeia do processo civilizatório que culmina na civilização européia algumas raças negros ou africanos índios oliváceos amarelos ou asiáticos e nessa seqüência estão mais próximas da natureza que os brancos 21 Somente desta perspectiva peculiar foi possível que os povos nãoeuropeus fossem considerados virtualmente até a Segunda Guerra Mundial antes de tudo como objeto de conhecimento e de dominaçãoexploração pelos europeus Esse novo e radical dualismo não afetou somente as relações raciais de dominação mas também a mais antiga as relações sexuais de dominação Daí em diante o lugar das mulheres muito em especial o das mulheres das raças inferiores ficou estereotipado junto com o resto dos corpos e quanto mais inferiores fossem suas raças mais perto da natureza ou diretamente como no caso das escravas negras dentro da natureza É provável ainda que a questão fique por indagar que a idéia de gênero se tenha elaborado depois do novo e radical dualismo como parte da perspectiva cognitiva eurocentrista Durante o século XVIII esse novo dualismo radical foi amalgamado com as idéias mitificadas de progresso e de um estado de natureza na trajetória humana os mitos fundacionais da versão eurocentrista da modernidade Isto deu vazão à peculiar perspectiva histórica dualistaevolucionista Assim todos os nãoeuropeus puderam ser considerados de um lado como préeuropeus e ao mesmo tempo dispostos em certa seqüência histórica e contínua do primitivo ao civilizado do irracional ao racional do tradicional ao moderno do mágicomítico ao científico Em outras palavras do não europeupréeuropeu a algo que com o tempo se europeizará ou modernizará Sem considerar a experiência inteira do colonialismo e da colonialidade essa marca intelectual seria dificilmente explicável bem como a duradoura hegemonia mundial do eurocentrismo Somente as necessidades do capital como tal não esgotam não poderiam esgotar a explicação do caráter e da trajetória dessa perspectiva de conhecimento III Eurocentrismo e experiência histórica na América Latina Aplicada de maneira específica à experiência histórica latinoamericana a perspectiva eurocêntrica de conhecimento opera como um espelho que distorce o que reflete Quer dizer a imagem que encontramos nesse espelho não é de todo quimérica já que possuímos tantos e tão importantes traços históricos 129 europeus em tantos aspectos materiais e intersubjetivos Mas ao mesmo tempo somos tão profundamente distintos Daí que quando olhamos nosso espelho eurocêntrico a imagem que vemos seja necessariamente parcial e distorcida Aqui a tragédia é que todos fomos conduzidos sabendo ou não querendo ou não a ver e aceitar aquela imagem como nossa e como pertencente unicamente a nós Dessa maneira seguimos sendo o que não somos E como resultado não podemos nunca identificar nossos verdadeiros problemas muito menos resolvêlos a não ser de uma maneira parcial e distorcida O eurocentrismo e a questão nacional o Estadonação Um dos exemplos mais claros desta tragédia de equívocos na América Latina é a história da chamada questão nacional Dito de outro modo do problema do moderno Estadonação na América Latina Nações e Estados são um velho fenômeno Todavia aquilo que chamamos de moderno Estadonação é uma experiência muito específica Tratase de uma sociedade nacionalizada e por isso politicamente organizada como um Estadonação Implica as instituições modernas de cidadania e democracia política Ou seja implica uma certa democracia dado que cada processo conhecido de nacionalização da sociedade nos tempos modernos ocorreu somente através de uma relativa ou seja dentro dos limites do capitalismo mas importante e real democratização do controle do trabalho dos recursos produtivos e do controle da geração e gestão das instituições políticas Deste modo a cidadania pode chegar a servir como igualdade legal civil e política para pessoas socialmente desiguais Quijano 1998a Um Estadonação é uma espécie de sociedade individualizada entre as demais Por isso entre seus membros pode ser sentida como identidade Porém toda sociedade é uma estrutura de poder É o poder aquilo que articula formas de existência social dispersas e diversas numa totalidade única uma sociedade Toda estrutura de poder é sempre parcial ou totalmente a imposição de alguns freqüentemente certo grupo sobre os demais Conseqüentemente todo Estadonação possível é uma estrutura de poder do mesmo modo que é produto do poder Em outros termos do modo como foram configuradas as disputas pelo controle do trabalho seus recursos e produtos do sexo seus recursos e produtos da autoridade e de sua violência específica da intersubjetividade e do conhecimento Não obstante se um Estadonação moderno pode expressarse em seus membros como uma identidade não é somente devido a que pode ser imaginado como uma comunidade22 Os membros precisam ter em comum algo real não só imaginado algo que compartilhar E isso em todos os reais Estadosnação modernos é uma participação mais ou menos democrática na distribuição do controle do poder Esta é a maneira específica de homogeneização das pessoas num Estadonação moderno Toda homogeneização da população de um Estadonação moderno é desde logo parcial e temporal e consiste na comum participação democrática no controle da geração e da gestão das instituições de autoridade pública e de seus específicos mecanismos de violência Isto é exercese no fundamental em todo o âmbito da existência social vinculado ao Estado e que por isso se assume como o explicitamente político Mas tal âmbito não poderia ser democrático isto é implicar cidadania como igualdade jurídica e civil de pessoas desigualmente situadas nas relações de poder se as relações sociais em todos os outros âmbitos da existência social fossem radicalmente não democráticas ou antidemocráticas23 Já que todo Estadonação é uma estrutura de poder isso implica que se trata de um poder que se configura nesse sentido O processo começa sempre com um poder político central sobre um território e sua população porque qualquer processo de nacionalização possível só pode ocorrer num espaço dado ao longo de um prolongado período de tempo Esse espaço precisa ser mais ou menos estável por um longo período Conseqüentemente precisase de um poder político estável e centralizado Este espaço é nesse sentido necessariamente um espaço de dominação disputado e conquistado a outros rivais Na Europa o processo que levou à formação de estruturas de poder configuradas como Estadonação iniciouse com a emergência de alguns poucos núcleos políticos que conquistaram seu espaço de dominação e se impuseram aos diversos e heterogêneos povos e identidades que o habitavam Deste modo o Estado nação iniciouse como um processo de colonização de alguns povos sobre outros que nesse sentido eram povos estrangeiros Em alguns casos particulares como na Espanha que se constituía sobre a base da América e de seus enormes e gratuitos recursos o processo incluiu a expulsão de alguns grupos como os muçulmanos e judeus considerados como estrangeiros indesejáveis Esta foi a primeira experiência de limpeza étnica no período moderno seguida pela imposição dessa peculiar instituição chamada certificado 130 de limpeza de sangue24 Por outro lado o processo de centralização estatal que antecedeu na Europa Ocidental a formação de Estadosnação foi paralelo à imposição da dominação colonial que começou com a América Quer dizer simultaneamente com a formação dos impérios coloniais desses primeiros Estados centrais europeus O processo tem pois um duplo movimento histórico Começou como uma colonização interna de povos com identidades diferentes mas que habitavam os mesmos territórios transformados em espaços de dominação interna ou seja nos próprios territórios dos futuros Estadosnação E continuou paralelamente à colonização imperial ou externa de povos que não só tinham identidades diferentes das dos colonizadores mas que habitavam territórios que não eram considerados como os espaços de dominação interna dos colonizadores quer dizer não eram os mesmos territórios dos futuros Estadosnação dos colonizadores Se indagamos a partir de nossa atual perspectiva histórica aquilo que sucedeu com os primeiros Estados centrais europeus seus espaços de dominação populações e territórios e seus respectivos processos de nacionalização observase que as diferenças são muito visíveis A existência de um forte Estado central não é suficiente para produzir um processo de relativa homogeneização de uma população previamente diversa e heterogênea para produzir assim uma identidade comum e uma forte e duradoura lealdade a tal identidade Entre esses casos a França é provavelmente a experiência mais bemsucedida bem como a Espanha é a menos bemsucedida Por que a França sim e a Espanha não A Espanha era em seus primórdios muito mais rica e poderosa que seus pares Porém após a expulsão dos muçulmanos e judeus deixou de ser produtiva e próspera para transformarse em correia de transmissão dos recursos da América aos centros emergentes do capital financeiro mercantil Ao mesmo tempo após o violento e bemsucedido ataque contra a autonomia das comunidades camponesas e das cidades e burgos viuse presa numa estrutura senhorial de poder e sob a autoridade de uma monarquia e de uma igreja repressivas e corruptas A Monarquia da Espanha dedicouse ademais a uma política bélica em busca da expansão de seu poder senhorial na Europa em lugar de uma hegemonia sobre o mercado mundial e o capital comercial e financeiro como fizeram mais tarde a Inglaterra ou a França Todas as lutas para forçar os controladores do poder a admitir ou negociar alguma democratização da sociedade e do Estado foram derrotadas em especial a revolução liberal de 181012 Deste modo o colonialismo interno e os padrões senhoriais de poder político e social combinados demonstraram ser fatais para a nacionalização da sociedade e do Estado espanhóis na medida em que esse tipo de poder não só provou ser incapaz de sustentar qualquer vantagem proveniente desse rico e vasto colonialismo imperial ou externo provou igualmente que constituía um muito poderosos obstáculo a todo processo democratizador das relações sociais e políticas e não só dentro do espaço próprio de dominação Pelo outro lado na França através da democratização radical das relações sociais e políticas com a Revolução Francesa o prévio colonialismo interno evoluiu para uma afrancesamento efetivo ainda que não total dos povos que habitavam o território da França originalmente tão diversos e históricoestruturalmente heterogêneos como no espaço de dominação que se chamaria Espanha Os bascos franceses por exemplo são em primeiro lugar franceses como os occitanos ou os navarros Não é o caso da Espanha Em cada um dos casos de nacionalização bemsucedida de sociedades e Estados na Europa a experiência é a mesma um importante processo de democratização da sociedade é a condição básica para a nacionalização dessa sociedade e de sua organização política num Estadonação moderno Não há na verdade exceção conhecida a essa trajetória histórica do processo que conduz à formação do Estadonação O Estadonação na América os Estados Unidos Se examinarmos a experiência da América seja em suas áreas hispânica ou britânica podemos reconhecer diferenças e fatores básicos equivalentes Na área britânicoamericana a ocupação do território foi desde o começo violenta Mas antes da Independência conhecida nos Estados Unidos como a Revolução Americana o território ocupado era muito pequeno Por isso os índios não foram habitantes do território ocupado não estavam colonizados Por isso os diversos povos indígenas foram formalmente reconhecidos como nações e com eles se praticaram relações comerciais internações inclusive se formaram alianças militares nas guerras entre colonialistas ingleses e franceses sobretudo Os índios não eram parte da população incorporada ao espaço de dominação colonial britânicoamericana Por isso mesmo quando se inicia a história do novo Estadonação chamado Estados Unidos da América do Norte os índios foram excluídos dessa nova sociedade Foram considerados estrangeiros Mas posteriormente suas terras foram conquistadas e eles quase exterminados Só então os sobreviventes foram encerrados na sociedade 131 estadunidense como raça colonizada No início portanto relações colonialraciais existiram somente entre brancos e negros Este último grupo era fundamental para a economia da sociedade colonial como durante um primeiro longo momento para a economia da nova nação Todavia demograficamente os negros eram uma relativamente reduzida minoria enquanto os brancos compunham a grande maioria Quando da fundação dos Estados Unidos como país independente o processo de constituição do novo padrão de poder levou desde o começo à configuração de um Estadonação Em primeiro lugar apesar da relação colonial de dominação entre brancos e negros e do extermínio colonialista da população índia dada a condição avassaladoramente majoritária dos brancos é inevitável admitir que esse novo Estadonação era genuinamente representativo da maioria da população Essa branquitude social da sociedade estadunidense foi inclusive aprofundada com a imigração de milhões de europeus durante o século XIX Em segundo lugar a conquista dos territórios indígenas resultou na abundância da oferta de um recurso básico de produção a terra Este pôde ser por conseqüência apropriado e distribuído de maneira não unicamente concentrada sob o controle de pouquíssimas pessoas mas pelo contrário pôde ser ao mesmo tempo parcialmente concentrado em grandes latifúndios e também apropriado ou distribuído numa vasta proporção de média e pequenas propriedades Equivalente pois a uma distribuição democrática de recursos Isso fundou para os brancos uma participação notavelmente democrática no controle da geração e da gestão da autoridade pública A colonialidade do novo padrão de poder não foi anulada no entanto já que negros e índios não podiam ter lugar em absoluto no controle dos recursos de produção nem das instituições e mecanismos da autoridade pública Em meados do século XIX Tocqueville 1835 cap XVI e XVII observou que nos Estados Unidos da América gente de origens tão diversos cultural étnica e mesmo nacionalmente eram incorporados todos em algo parecido a uma máquina de reidentificação nacional rapidamente se transformavam em cidadãos estadunidenses e adquiriam uma nova identidade nacional preservando por algum tempo suas identidades originais Tocqueville afirmou então que o mecanismo básico desse processo de nacionalização era a abertura da participação democrática na vida política para todos os recémchegados Todos eles eram atraídos a uma intensa participação política e com a liberdade de decisão de participar ou não Mas viu também que dois grupos específicos não estavam autorizados a participar da vida política Estes eram evidentemente negros e índios Essa discriminação era pois o limite desse impressionante e massivo processo de formação do Estadonação moderno na jovem república dos Estados Unidos da América Tocqueville não deixou de advertir que a menos que essa discriminação social e política fosse eliminada o processo de construção nacional se veria limitado Um século mais tarde outro europeu Gunnar Myrdall 1944 observou essas mesmas limitações no processo nacional dos Estados Unidos Viu também que devido ao fato de que os novos imigrantes eram nãobrancos provinham da América Latina e da Ásia em sua maioria as relações coloniais dos brancos com esses outros povos poderiam ser um sério risco para a reprodução dessa nação Sem dúvida esses riscos vêm aumentando hoje em dia na medida em que o velho mito do melting pot foi abandonado à força e o racismo tende a ser de novo agudo e violento Em suma a colonialidade das relações de dominaçãoexploraçãoconflito entre brancos e nãobrancos não obstante sua intensa vigência dada a condição vastamente majoritária dos primeiros não foi forte o suficiente para impedir a relativa mas real e importante democratização do controle de recursos de produção e do Estado entre brancos é verdade mas com o vigor necessário para que pudesse ser reclamada mais tarde também pelos nãobrancos O poder pôde ser configurado na trajetória e na orientação de um Estadonação É a isso que se refere sem dúvida a idéia da Revolução Americana América Latina Cone Sul e maioria branca À primeira vista a situação nos países do chamado Cone Sul da América Latina Argentina Chile e Uruguai foi similar à ocorrida nos Estados Unidos Os índios em sua maioria tampouco foram integrados à sociedade colonial na medida em que eram povos de mais ou menos a mesma estrutura daqueles da América do Norte sem disponibilidade para transformarse em trabalhadores explorados não condenáveis a trabalhar forçadamente e de maneira disciplinada para os colonos Nesses três países também a população negra foi uma minoria durante o período colonial em comparação com outras regiões dominadas por espanhóis ou portugueses E os dominantes dos novos países do Cone Sul consideraram como no caso dos Estados Unidos necessária a conquista do território que os índios povoavam e o extermínio destes como forma rápida de homogeneizar a população nacional e desse modo facilitar o processo de constituição de um Estadonação moderno à européia Na Argentina e no Uruguai isso foi feito no século XIX E no Chile durante as três primeiras décadas do século XX Estes países atraíram também milhões de imigrantes 132 europeus consolidando em aparência a branquitude das sociedades da Argentina do Chile e do Uruguai Em determinado sentido isto também consolidou em aparência o processo de homogenização em tais países Um elemento crucial introduziu contudo uma diferença básica nesses países em comparação com o caso estadunidense muito em especial na Argentina Enquanto nos Estados Unidos a distribuição da terra produziuse de uma maneira menos concentrada durante um importante período na Argentina a apropriação da terra ocorreu de uma maneira completamente distinta A extrema concentração da propriedade da terra em particular das terras conquistadas aos índios tornou impossível qualquer tipo de relações sociais democráticas entre os próprios brancos e em conseqüência de toda relação política democrática Sobre essa base em lugar de uma sociedade democrática capaz de representarse e organizarse politicamente num Estado democrático o que se constituiu foi uma sociedade e um Estado oligárquicos só parcialmente desmantelados desde a Segunda Guerra Mundial Sem dúvida essas determinações se associaram ao fato de que a sociedade colonial nesse território sobretudo na costa atlântica que se tornou hegemônica sobre o resto foi pouco desenvolvida e por isso seu reconhecimento como sede de um Vicereino foi tardio segunda metade do século XVIII Sua emergência como uma das áreas prósperas do mercado mundial foi rápida desde o último quarto do século XVIII o que impulsionou no século seguinte uma massiva migração do sul do centro e do leste da Europa Mas essa vasta população migratória não encontrou uma sociedade com estrutura história e identidade suficientemente densas e estáveis para incorporarse a ela e com ela identificarse como ocorreu no caso dos Estados Unidos e sem dúvida no Chile e no Uruguai Em fins do século XIX a população de Buenos Aires compunhase em mais de 80 por imigrantes de origem européia Levou tempo por isso provavelmente para que se considerassem com identidade nacional e cultural próprias diferentes da européia enquanto rejeitavam explicitamente a identidade associada à herança histórica latinoamericana e em particular qualquer parentesco com a população indígena25 A concentração da terra foi igualmente forte no Chile e um pouco menor no Uruguai De qualquer modo diferentemente da Argentina os imigrantes europeus encontraram nesses países uma sociedade um Estado uma identidade já suficientemente densos e constituídos aos quais se incorporaram e com os quais se identificaram mais pronta e completamente que no outro caso No caso do Chile por outra lado a expansão territorial às custas da Bolívia e do Peru permitia à burguesia chilena o controle de recursos cuja importância marcou desde então a história do país salitre primeiro e cobre pouco depois Nas pampas salitreiras formouse o primeiro grande contingente de assalariados operários da América Latina desde mediados do século XIX e mais tarde foi no cobre que se formou a coluna vertebral das organizações sociais e políticas dos operários chilenos da velha república Os benefícios distribuídos entre a burguesia britânica e a chilena permitiram o impulso da agricultura comercial e da economia comercial urbana Formaramse novas camadas de assalariados urbanos e novas camadas médias relativamente amplas junto com a modernização de uma parte importante da burguesia senhorial Foram essas condições as que tornaram possível que os trabalhadores e as classes médias pudessem negociar com algum êxito desde 193035 as condições da dominaçãoexploraçãoconflito Isto é da democracia nas condições do capitalismo Desse modo pôde ser estabelecido um poder configurado como Estadonação de brancos logicamente Os índios exígua minoria de sobreviventes habitando as terras mais pobres e inóspitas do país foram excluídos desse Estadonação Até há pouco eram sociologicamente invisíveis Agora não o são tanto começam a mobilizar se em defesa dessas mesmas terras que também arriscam perder face ao capital global O processo de homogenização dos membros da sociedade imaginada de uma perspectiva eurocêntrica como característica e condição dos Estadosnação modernos foi levado a cabo nos países do Cone Sul latinoamericano não por meio da descolonização das relações sociais e políticas entre os diversos componentes da população mas pela eliminação massiva de alguns deles índios negros e mestiços Ou seja não por meio da democratização fundamental das relações sociais e políticas mas pela exclusão de uma parte da população Dadas essas condições originais a democracia alcançada e o Estadonação constituído não podiam ser afirmados e estáveis A história política desses países muito especialmente desde fins da década de 60 até o presente não poderia ser explicada à margem dessas determinações26 Maioria indígena negra e mestiça o impossível moderno Estadonação No restante dos países latinoamericanos essa trajetória eurocêntrica em direção ao Estadonação se demonstrou até agora impossível de chegar a termo Após a derrota de Tupac Amaru e do Haiti só nos casos do México e da Bolívia chegouse tão longe quanto possível no caminho da descolonização social através de um processo revolucionário mais ou menos radical durante o qual a descolonização do poder 133 pôde percorrer um trecho importante antes de ser contida e derrotada Nesses países ao começar a Independência principalmente aqueles que foram demográfica e territorialmente extensos em princípios do século XIX aproximadamente um pouco mais de 90 do total da população era de negros índios e mestiços Contudo em todos estes países durante o processo de organização dos novos Estados a tais raças foi negada toda possível participação nas decisões sobre a organização social e política A pequena minoria branca que assumiu o controle desses Estados viuse inclusive com a vantagem de estar livre das restrições da legislação da Coroa Espanhola que se dirigiam formalmente à proteção das raças colonizadas A partir daí chegaram inclusive a impor novos tributos coloniais aos índios sem prejuízo de manter a escravidão dos negros por muitas décadas Claro que esta minoria dominante se encontrava agora livre para expandir sua propriedade da terra às custas dos territórios reservados aos índios pela regulamentação da Coroa Espanhola No caso do Brasil os negros não eram nada além de escravos e a maioria dos índios constituíase de povos da Amazônia sendo desta maneira estrangeiros para o novo Estado O Haiti foi um caso excepcional onde se produziu no mesmo movimento histórico uma revolução nacional social e racial Quer dizer uma descolonização real e global do poder Sua derrota produziuse pelas repetidas intervenções militares por parte dos Estados Unidos O outro processo nacional na América Latina no Vicereino do Peru liderado por Tupac Amaru II em 1780 foi derrotado cedo Desde então em todas as demais colônias ibéricas os grupos dominantes tiveram êxito precisamente em evitar a descolonização da sociedade enquanto lutavam por Estados independentes Esses novos Estados não poderiam ser considerados de modo algum como nacionais salvo que se admita que essa exígua minoria de colonizadores no controle fosse genuinamente representante do conjunto da população colonizada As respectivas sociedades baseadas na dominação colonial de índios negros e mestiços não poderiam tampouco ser consideradas nacionais e muito menos democráticas Isto coloca uma situação aparentemente paradoxal Estados independentes e sociedades coloniais27 O paradoxo é somente parcial ou superficial se observamos com mais cuidado os interesses sociais dos grupos dominantes daquelas sociedades coloniais e de seus Estados independentes Na sociedade colonial britânicoamericana já que os índios constituíam um povo estrangeiro vivendo além dos confins da sociedade colonial a servidão não esteve tão estendida como na sociedade colonial da América Ibérica Os servos indentured servants trazidos da GrãBretanha não eram legalmente servos e após a Independência não o foram por muito tempo Os escravos negros foram de importância básica para a economia mas demograficamente eram minoria E desde o começo depois da Independência a produção foi feita em grande medida por trabalhadores assalariados e produtores independentes No Chile durante o período colonial a servidão indígena foi restringida já que os servos índios locais eram uma pequena minoria E os escravos negros apesar de serem mais importantes para a economia eram também uma pequena minoria Deste modo essas raças não eram uma grande fonte de trabalho gratuito como no caso dos demais países ibéricos Conseqüentemente desde o início da Independência uma crescente proporção da produção local esteve baseada nos salários e no capital e por essa razão o mercado interno foi vital para a burguesia prémonopólica Assim para as classes dominantes de ambos os países toutes distances gardées o trabalho assalariado local a produção e o mercado interno foram preservados e protegidos da concorrência externa como a única e a mais importante fonte de benefício capitalista Mais ainda o mercado interno teve que ser expandido e protegido Nesse sentido havia algumas áreas de interesses comuns entre os trabalhadores assalariados os produtores independentes e a burguesia local Isto em conseqüência com as limitações derivadas da exclusão de negros e mestiços era um interesse nacional para a grande maioria da população do novo Estadonação Estado independente e sociedade colonial dependência históricoestrutural Por outro lado nas outras sociedades iberoamericanas a pequena minoria branca no controle dos Estados independentes e das sociedades coloniais não podia ter tido nem sentido nenhum interesse social comum com os índios negros e mestiços Ao contrário seus interesses sociais eram explicitamente antagônicos com relação aos dos servos índios e os escravos negros dado que seus privilégios compunhamse precisamente do domínioexploração dessas gentes De modo que não havia nenhum terreno de interesses comuns entre brancos e não brancos e conseqüentemente nenhum interesse nacional comum a todos eles Por isso do ponto de vista dos dominadores seus interesses sociais estiveram muito mais próximos dos interesses de seus pares europeus e por isso estiveram sempre inclinados a seguir os interesses da burguesia européia Eram pois dependentes 134 Eram dependentes dessa maneira específica não porque estivessem subordinados por um poder econômico ou político maior De quem Espanha ou Portugal eram então demasiadamente fracos subdesenvolviamse não podiam exercer nenhum neocolonialismo como ingleses ou franceses em certos países da África depois da independência política desses países Os Estados Unidos encontravamse absorvidos na conquista das terras dos índios e no extermínio dessa população iniciando sua expansão imperial sobre parte do Caribe ainda sem capacidade de expandir seu domínio econômico ou político A Inglaterra tentou ocupar Buenos Aires e foi derrotada Os senhores brancos latinoamericanos donos do poder político e de servos e de escravos não tinham interesses comuns e sim exatamente antagônicos aos desses trabalhadores que eram a avassaladora maioria da população dos novos Estados E enquanto na Europa e nos Estados Unidos a burguesia branca expandia a relação social chamada capital como eixo de articulação da economia e da sociedade os senhores latinoamericanos não podiam acumular seus muitos benefícios comerciais comprando força de trabalho assalariada precisamente porque isso ia contra a reprodução de sua condição de senhores E destinavam esses benefícios comerciais ao consumo ostentoso das mercadorias produzidas sobretudo na Europa A dependência dos capitalistas senhoriais desses países tinha como conseqüência uma fonte inescapável a colonialidade de seu poder levavaos a perceber seus interesses sociais como iguais aos dos outros brancos dominantes na Europa e nos Estados Unidos Essa mesma colonialidade do poder impediaos no entanto de desenvolver realmente seus interesses sociais na mesma direção que os de seus pares europeus isto é transformar capital comercial benefício igualmente produzido na escravidão na servidão ou na reciprocidade em capital industrial já que isso implicava libertar índios servos e escravos negros e transformálos em trabalhadores assalariados Por óbvias razões os dominadores coloniais dos novos Estados independentes em especial na América do Sul depois da crise de fins do século XVIII não podiam ser nada além de sócios menores da burguesia européia Quando muito mais tarde foi necessário libertar os escravos não foi para assalariálos mas para substituílos por trabalhadores imigrantes de outros países europeus e asiáticos A eliminação da servidão dos índios é recente Não havia nenhum interesse social comum nenhum mercado próprio a defender o que teria incluído o assalariado já que nenhum mercado local era de interesse dos dominadores Não havia simplesmente nenhum interesse nacional A dependência dos senhores capitalistas não provinha da subordinação nacional Esta foi pelo contrário a conseqüência da comunidade de interesses raciais Estamos lidando aqui com o conceito da dependência históricoestrutural que é muito diferente das propostas nacionalistas da dependência externa ou estrutural Quijano 1967 A subordinação veio mais adiante precisamente devido à dependência e não o contrário durante a crise econômica mundial dos anos 30 a burguesia com mais capital comercial da América Latina Argentina Brasil México Chile Uruguai e até certo ponto a Colômbia foi forçada a produzir localmente os bens que serviam para seu consumo ostentador e que antes tinham que importar Este foi o início do peculiar caminho latinoamericano de industrialização dependente a substituição dos bens importados para o consumo ostentador dos senhores e dos pequenos grupos médios associados a eles por produtos locais destinados a esse consumo Para tal finalidade não era necessário reorganizar globalmente as economias locais assalariar massivamente servos nem produzir tecnologia própria A industrialização através da substituição de importações é na América Latina um caso revelador das implicações da colonialidade do poder 28 Neste sentido o processo de independência dos Estados na América Latina sem a descolonização da sociedade não pôde ser não foi um processo em direção ao desenvolvimento dos Estadosnação modernos mas uma rearticulação da colonialidade do poder sobre novas bases institucionais Desde então durante quase 200 anos estivemos ocupados na tentativa de avançar no caminho da nacionalização de nossas sociedades e nossos Estados Mas ainda em nenhum país latinoamericano é possível encontrar uma sociedade plenamente nacionalizada nem tampouco um genuíno Estadonação A homogenização nacional da população segundo o modelo eurocêntrico de nação só teria podido ser alcançada através de um processo radical e global de democratização da sociedade e do Estado Antes de mais nada essa democratização teria implicado e ainda deve implicar o processo da descolonização das relações sociais políticas e culturais entre as raças ou mais propriamente entre grupos e elementos de existência social europeus e não europeus Não obstante a estrutura de poder foi e ainda segue estando organizada sobre e ao redor do eixo colonial A construção da nação e sobretudo do Estadonação foram conceitualizadas e trabalhadas contra a maioria da população neste caso representada pelos índios negros e mestiços A colonialidade do poder ainda exerce seu domínio na maior parte da América Latina contra a democracia a 135 cidadania a nação e o Estadonação moderno Atualmente podemse distinguir quatro trajetórias históricas e linhas ideológicas acerca do problema do Estadonação 1 Um limitado mas real processo de descolonizaçãodemocratização através de revoluções radicais como no México e na Bolívia depois das derrotas do Haiti e de Tupac Amaru No México o processo de descolonização do poder começou a verse paulatinamente limitado desde os anos 60 até entrar finalmente num período de crise no final dos anos 70 Na Bolívia a revolução foi derrotada em 1965 2 Um limitado mas real processo de homogeneização colonial racial como no Cone Sul Chile Uruguai Argentina por meio de um genocídio massivo da população aborígene Uma variante dessa linha é a Colômbia onde a população original foi quase exterminada durante a colônia e substituída pelos negros 3 Uma sempre frustrada tentativa de homogeneização cultural através do genocídio cultural dos índios negros e mestiços como no México Peru Equador GuatemalaAmérica Central e Bolívia 4 A imposição de uma ideologia de democracia racial que mascara a verdadeira discriminação e a dominação colonial dos negros como no Brasil na Colômbia e na Venezuela Dificilmente alguém pode reconhecer com seriedade uma verdadeira cidadania da população de origem africana nesses países ainda que as tensões e conflitos raciais não sejam tão violentos e explícitos como na África do Sul ou no sul dos Estados Unidos O que estas comprovações indicam é que há sem dúvida um elemento que impede radicalmente o desenvolvimento e a culminação da nacionalização da sociedade e do Estado na mesma medida em que impede sua democratização já que não se encontra nenhum exemplo histórico de modernos Estadonação que não sejam o resultado dessa democratização social e política Qual é ou pode ser esse elemento No mundo europeu e por isso na perspectiva eurocêntrica a formação de Estadosnação foi teorizada imaginada na verdade como expressão da homogeneização da população em termos de experiências históricas comuns E à primeira vista os casos exitosos de nacionalização de sociedades e Estados na Europa parece dar razão a esse enfoque O que encontramos na história conhecida é desde logo que essa homogeneização consiste na formação de um espaço comum de identidade e de sentido para a população de um espaço de dominação E isso em todos os casos é o resultado da democratização da sociedade que desse modo pode organizarse e expressarse num Estado democrático A pergunta pertinente a estas alturas do debate é por que isso foi possível na Europa Ocidental e com as limitações conhecidas em todo o mundo de identidade européia Canadá EUA Austrália Nova Zelândia por exemplo Por que não foi possível até hoje senão de modo parcial e precário na América Latina Para começar teria sido possível na França o caso clássico de Estadonação moderno essa democratização social e radical se o fator racial tivesse estado presente É muito pouco provável Hoje em dia é fácil observar na França o problema nacional e o debate produzido pela presença de população não branca originária das excolônias francesas Obviamente não é um assunto de etnicidade nem de crenças religiosas Novamente basta recordar que há um século o Caso Dreyfus demonstrou a capacidade de discriminação dos franceses mas seu final também demonstrou que para muitos deles a identidade de origem não era requisito determinante para ser membro da nação francesa desde que a cor fosse francesa Os judeus franceses são hoje mais franceses que os filhos de africanos árabes e latino americanos nascidos na França Isto para não mencionar o sucedido com os imigrantes russos e espanhóis cujos filhos por terem nascido na França são franceses Isto quer dizer que a colonialidade do poder baseada na imposição da idéia de raça como instrumento de dominação foi sempre um fator limitante destes processos de construção do Estadonação baseados no modelo eurocêntrico seja em menor medida como no caso estadunidense ou de modo decisivo como na América Latina O grau atual de limitação depende como foi demonstrado da proporção das raças colonizadas dentro da população total e da densidade de suas instituições sociais e culturais Por tudo isso a colonialidade do poder estabelecida sobre a idéia de raça deve ser admitida como um fator básico na questão nacional e do Estadonação O problema é contudo que na América Latina a perspectiva eurocêntrica foi adotada pelos grupos dominantes como própria e levouos a impor o modelo europeu de formação do Estadonação para estruturas de poder organizadas em torno de relações coloniais Assim ainda nos encontramos hoje num labirinto em que o Minotauro é sempre visível mas sem nenhuma Ariadne para mostrarnos a ansiada saída 136 Eurocentrismo e revolução na América Latina Outro caso claro desse trágico desencontro entre nossa experiência e nossa perspectiva de conhecimento é o debate e a prática de projetos revolucionários No século XX a avassaladora maioria da esquerda latino americana adepta do Materialismo Histórico manteve o debate basicamente em torno de dois tipos de revoluções democráticoburguesa e socialista Rivalizando com essa esquerda o movimento denominado aprista o APRA Aliança Popular Revolucionária Antiimperialista no Peru a AD Ação Democrática na Venezuela o MNR Movimento Nacionalista Revolucionário na Bolívia o MLN Movimento de Libertação Nacional na Costa Rica o Movimento Revolucionário Autêntico e os Ortodoxos em Cuba entre os mais importantes pela boca de seu maior teórico o peruano Haya de la Torre propôs originalmente entre 1925 1935 a chamada Revolução Antiimperialista como um processo de depuração do caráter capitalista da economia e da sociedade latinoamericanas sobre a base do controle nacionalestatal dos principais recursos de produção como uma transição em direção a uma revolução socialista Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse projeto transitou definitivamente para uma espécie de socialliberalismo 29 e se vai esgotando desse modo De maneira breve e esquemática mas não arbitrária podese apresentar o debate latinoamericano sobre a revolução democráticoburguesa como um projeto no qual a burguesia organiza a classe operária os camponeses e outros grupos dominados para arrancar dos senhores feudais o controle do Estado e para reorganizar a sociedade e o Estado nos termos do capital e da burguesia A suposição central desse projeto é que a sociedade na América Latina é fundamentalmente feudal ou semifeudal na melhor das hipóteses já que o capitalismo é ainda incipiente marginal e subordinado A revolução socialista por sua vez concebese como a erradicação da burguesia do controle do Estado pela classe operária a classe trabalhadora por excelência à frente de uma coalizão das classes exploradas e dominadas para impor o controle estatal dos meios de produção e construir a nova sociedade por meio do Estado A tese dessa proposta é obviamente a de que a economia e portanto a sociedade e o Estado na América Latina são basicamente capitalistas Em sua linguagem isso implica que o capital como relação social de produção é dominante e que conseqüentemente o burguês é também dominante na sociedade e no Estado Admite que há resíduos feudais e portanto tarefas democráticoburguesas no trajeto da revolução socialista De fato o debate político do último meio século na América Latina tem estado ancorado na questão da pretensa feudalidadesemifeudalidade da economia da sociedade e do Estado ou se seriam capitalistas A maioria da esquerda latinoamericana até há poucos anos aderia à proposta democráticoburguesa seguindo antes de tudo os alinhamentos centrais do socialismo real ou do campo socialista seja com sede em Moscou ou em Pequim Para acreditar que na América Latina uma revolução democráticoburguesa baseada no modelo europeu é não só possível mas necessária primeiro é preciso admitir na América e mais precisamente na América Latina 1 a relação seqüencial entre feudalismo e capitalismo 2 a existência histórica do feudalismo e conseqüentemente o conflito histórico antagônico entre a aristocracia feudal e a burguesia e 3 uma burguesia interessada em levar a cabo semelhante empreendimento revolucionário Sabemos que na China no início dos anos 30 Mao propôs a idéia da revolução democrática de novo tipo porque a burguesia já não está interessada nessa sua missão histórica e tampouco é capaz de levála a cabo Neste caso uma coalizão de classes exploradasdominadas sob a liderança da classe trabalhadora deve substituir a burguesia e empreender a nova revolução democrática Na América contudo como em escala mundial desde 500 anos atrás o capital existe apenas como o eixo dominante da articulação conjunta de todas as formas historicamente conhecidas de controle e exploração do trabalho configurando assim um único padrão de poder históricoestruturalmente heterogêneo com relações descontínuas e conflitivas entre seus componentes Nenhuma seqüência evolucionista entre os modos de produção nenhum feudalismo anterior separado do capital e a ele antagônico nenhum senhorio feudal no controle do Estado ao qual uma burguesia sedenta de poder tivesse que desalojar por meios revolucionários Se seqüência houvera é sem dúvida surpreendente que o movimento seguidor do Materialismo Histórico não haja lutado por uma revolução antiescravista prévia à revolução antifeudal prévia por sua à revolução anticapitalista Porque na maior parte deste continente EUA todo o Caribe incluindo Venezuela Colômbia o litoral do Equador e do Peru Brasil o escravismo foi mais generalizado e mais poderoso Mas é claro a escravidão terminou antes do século XX E foram os senhores feudais os que herdaram o poder Não é verdade 137 Uma revolução antifeudal portanto democráticoburguesa no sentido eurocêntrico sempre foi portanto uma impossibilidade histórica As únicas revoluções democráticas realmente ocorridas na América além da Revolução Americana foram as do México e da Bolívia como revoluções populares nacionalistasanti imperialistas anticoloniais isto é contra a colonialidade do poder e antioligárquicas isto é contra o controle do Estado pela burguesia senhorial sob a proteção da burguesia imperial Na maioria dos outros países o processo foi um processo de depuração gradual e desigual do caráter social capitalista da sociedade e do Estado Logo o processo foi sempre muito lento irregular e parcial Poderia ter sido de outra maneira Toda democratização possível da sociedade na América Latina deve ocorrer na maioria destes países ao mesmo tempo e no mesmo movimento histórico como uma descolonização e como uma redistribuição do poder Em outras palavras como uma redistribuição radical do poder Isto se deve primeiro a que as classes sociais na América Latina têm cor qualquer cor que se possa encontrar em qualquer país em qualquer momento Isso quer dizer definitivamente que a classificação das pessoas não se realiza somente num âmbito do poder a economia por exemplo mas em todos e em cada um dos âmbitos A dominação é o requisito da exploração e a raça é o mais eficaz instrumento de dominação que associado à exploração serve como o classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista Nos termos da questão nacional só através desse processo de democratização da sociedade pode ser possível e finalmente exitosa a construção de um Estadonação moderno com todas as suas implicações incluindo a cidadania e a representação política Quanto à miragem eurocêntrica acerca das revoluções socialistas como controle do Estado e como estatização do controle do trabalhorecursosprodutos da subjetividaderecursosprodutos do sexorecursosprodutos essa perspectiva fundase em duas suposições teóricas radicalmente falsas Primeiro a idéia de uma sociedade capitalista homogênea no sentido de que só o capital como relação social existe e portanto a classe operária industrial assalariada é a parte majoritária da população Mas já vimos que não foi assim nunca nem na América Latina nem no restante do mundo e que quase seguramente não ocorrerá assim nunca Segundo a idéia de que o socialismo consiste na estatização de todos e cada um dos âmbitos do poder e da existência social começando com o controle do trabalho porque do Estado se pode construir a nova sociedade Essa suposição coloca toda a história de novo sobre sua cabeça Inclusive nos toscos termos do Materialismo Histórico faz de uma superestrutura o Estado a base da sociedade E escamoteia o fato de uma total reconcentração do controle do poder o que leva necessariamente ao total despotismo dos controladores fazendoa aparecer como se fosse uma socialização do poder isto é a redistribuição radical do controle do poder Mas precisamente o socialismo não pode ser outra coisa que a trajetória de uma radical devolução do controle sobre o trabalhorecursosprodutos sobre o sexorecursosprodutos sobre a autoridadeinstituiçõesviolência e sobre a intersubjetividadeconhecimentocomunicação à vida cotidiana das pessoas Isso é o que proponho desde 1972 como socialização do poder Quijano 1972 1981 Solitariamente em 1928 José Carlos Mariátegui foi sem dúvida o primeiro a vislumbrar não só na América Latina que neste espaçotempo as relações sociais de poder qualquer que fosse seu caráter prévio existiam e atuavam simultânea e articuladamente numa única e conjunta estrutura de poder que esta não podia ser uma unidade homogênea com relações contínuas entre seus elementos movendose na história contínua e sistemicamente Portanto que a idéia de uma revolução socialista tinha que ser por necessidade histórica dirigida contra o conjunto desse poder e que longe de consistir numa nova reconcentração burocrática do poder só podia ter sentido como redistribuição entre as pessoas em sua vida cotidiana do controle sobre as condições de sua existência social 30 O debate não será retomado na América Latina senão a partir dos anos 60 do século há pouco terminado e no resto do mundo a partir da derrota mundial do campo socialista Na realidade cada categoria usada para caracterizar o processo político latinoamericano tem sido sempre um modo parcial e distorcido de olhar esta realidade Essa é uma conseqüência inevitável da perspectiva eurocêntrica na qual um evolucionismo unilinear e unidirecional se amalgama contraditoriamente com a visão dualista da história um dualismo novo e radical que separa a natureza da sociedade o corpo da razão que não sabe o que fazer com a questão da totalidade negandoa simplesmente como o velho empirismo ou o novo pósmodernismo ou entendendoa só de modo organicista ou sistêmico convertendoa assim numa perspectiva distorcedora impossível de ser usada salvo para o erro Não é pois um acidente que tenhamos sido por enquanto derrotados em ambos os projetos revolucionários na América e em todo o mundo O que pudemos avançar e conquistar em termos de direitos políticos e civis numa necessária redistribuição do poder da qual a descolonização da sociedade é a pressuposição e ponto de partida está agora sendo arrasado no processo de reconcentração do controle do 138 poder no capitalismo mundial e com a gestão dos mesmos responsáveis pela colonialidade do poder Conseqüentemente é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre necessariamente distorcida É tempo enfim de deixar de ser o que não somos Bibliografia Allen Theodore W 1994 The Invention of White Race Londres Verso Vol 1 e 2 Amin Samir 1989 Eurocentrism Nova Iorque Monthly Review Press Anderson Benedict 1991 Imagined Communities Londres Verso Baer Werner 1962 The Economics of Prebisch and ECLA in Economic Development and Cultural Change Chicago University of Chicago Press Vol X janeiro Blaut J M 1993 The Colonizers Model of the World Geographical Diffusionism and Eurocentric History Nova Iorque The Guilford Press Bousquié Paul 1994 Le corps cet inconnu Paris LHarmattan Coronil Fernando 1996 Beyond Occidentalism Toward Nonimperial Geohistorical Categories in Cultural Anthropology Vol 11 Nº 1 fevereiro Descartes René 19631967 Discours de la méthode Méditations e Description du corps humain em Oeuvres philosophiques Paris Editions Alquie Dussel Enrique 1995 The Invention of the Americas Nova Iorque Continuum ECLA CEPAL 1960 The Economic Development in Latin America and its Principal Problems Nova Iorque Nações Unidas Gobineau Arthur de 18531857 Essais sur linégalité des races humaines Paris González Casanova Pablo 1965 Internal Colonialism and National Development in Studies in Comparative International Development Vol 1 Nº 4 Gruzinski Serge 1988 La colonisation de limaginaire Sociétés indigènes et occidentalisation dans le Mexique espagnol XVIXVIII siècle Paris Gallimard Hopkins Terence and Wallerstein Immanuel 1982 WorldSystems Analysis Theory and Methodology Beverly Hills Sage Publications Vol 1 Imaz Eugenio 1964 Nosotros Mañana Buenos Aires Jacobson Mathew Frye 1998 Whiteness of a Different Color Cambridge Harvard University Press Jonathan Mark 1994 Human Biodiversity Genes Race and History Nova Iorque Aldyne de Gruyter Lander Edgardo 1997 Colonialidad modernidad postmodernidad em Anuario Mariateguiano Lima Amauta Vol IX Nº 9 Mariátegui José Carlos 1928a Aniversario y balance em Amauta Lima setembro Mariátegui José Carlos 1928b 7 Ensayos de interpretación de la realidad peruana Lima Amauta Mariátegui José Carlos 1929 Punto de Vista Antiimperialista em Ideología y Política Obras Completas Lima Amauta Vol 11 Mignolo Walter 1995 The Darker Side of the Renaissance Literacy Territoriality and Colonization Ann Arbor Michigan University Press Mudimbe V Y 1988 The Invention of Africa Gnosis Philosophy and the Order of Knowledge Bloomington Bloomington University Press Myrdall Gunnar 1944 American Dilemma Nova Iorque Harper and Brothers OGorman Edmundo 1954 La invención de América México DF Fondo de Cultura Económica Quijano Aníbal 1967 Urbanización cambio social y dependencia em Cardoso Fernando Henrique e Weffort Francisco eds América Latina Ensayos de interpretación sociológica Santiago do Chile Editorial Universitaria Quijano Aníbal 1972 Qué es y qué no es el socialismo Lima Ediciones Sociedad y Política Quijano Aníbal 1977 Imperialismo y Marginalidad en América Latina Lima Mosca Azul Quijano Aníbal 1981 Poder y democracia en el socialismo em Sociedad y Política Lima Nº 12 Quijano Aníbal 1988a La nueva heterogeneidad estructural de América Latina em Sonntag Heinz ed Nuevos temas nuevos contenidos Caracas UNESCONueva Sociedad Quijano Aníbal 1988b Modernidad identidad y utopía en América Latina Lima Ediciones Sociedad y Política Quijano Aníbal 1991 América el capitalismo y la modernidad nacieron el mismo día em ILLA Lima Nº 10 janeiro Quijano Aníbal 1992a Colonialidad y modernidadracionalidad em Perú Indígena Lima Vol 13 Nº 29 Quijano Aníbal 1992b Raza etnia nación en Mariátegui cuestiones abiertas em Forgues Roland ed José Carlos Mariátegui 139 y Europa La otra cara del descubrimiento Lima Amauta Quijano Aníbal 1992c Réflexions sur lInterdisciplinarité le Développement et les Relations Inter culturelles em Entre Savoirs Interdisciplinarité en acte enjeux obstacles résultats Paris UNESCOERES Quijano Aníbal 1993 América Latina en la economía mundial em Problemas del desarrollo México DF UNAM Vol XXIV Nº 95 outubrodezembro Quijano Aníbal 1994 Colonialité du Pouvoir Démocratie et Citoyenneté en Amérique Latine em Amérique Latine Démocratie et Exclusion Paris LHarmattan Quijano Aníbal 1997 Colonialidad del poder cultura y conocimiento en América Latina em Anuario Mariateguiano Lima Amauta Vol IX Nº 9 Quijano Aníbal 1998a Estado nación ciudadanía y democracia cuestiones abiertas em González Helena e Schmidt Heidulf eds Democracia para una nueva sociedad Caracas Nueva Sociedad Quijano Aníbal 1998b Fujimorismo y populismo em Burbano de Lara F ed El fantasma del populismo Caracas Nueva SociedadILDIS Quijano Aníbal 1999a Coloniality of power and its institutions Simpósio sobre a Colonialidade do poder e seus âmbitos sociais Binghamton University Nova Iorque abril Quijano Aníbal 1999b Qué tal raza em Familia y cambio social Lima CECOSAM Quijano Aníbal 2000a El fantasma del desarrollo en América Latina em Revista venezolana de economía y ciencias sociales Caracas Nº 2 Quijano Aníbal 2000b Modernidad y democracia intereses y conflictos em Anuario Mariateguiano Lima Vol XII Nº 12 Quijano Aníbal and Wallerstein Immanuel 1992 Americanity as a concept or the Americas in the modern worldsystem in International Social Science Journal Paris UNESCO Nº 134 novembro Rabasa José 1993 Inventing America Spanish Historiography and the Formation of Eurocentrism Norman Oklahoma University Press Said Edward 1979 Orientalism Nova Iorque Vintage Books Stavenhagen Rodolfo 1965 Classes colonialism and acculturation in Studies in Comparative International Development Vol 1 Nº 7 Stocking George W Jr 1968 Race Culture and Evolution Essays in the History of Anthropology Nova Iorque The Free Press The American Economic Review Papers and Proceedings 1959 Commercial policy in the underdeveloped countries Vol XLIX maio Tilly Charles 1990 Coercion Capital and European 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espaçotempo ver Wallerstein 1997 4 Sobre esta questão e sobre os possíveis antecedentes da idéia de raça antes da América remeto a Quijano 1992b 5 A invenção da categoria de cor primeiro como a mais visível indicação de raça mais tarde simplesmente como o equivalente dela tanto como a invenção da particular categoria de branco exigem ainda uma pesquisa histórica mais exaustiva Em todo caso muito provavelmente foram invenções britânicoamericanas já que não há rastros dessas categorias nas crônicas e em outros documentos dos primeiros cem anos de colonialismo ibérico na América Para o caso britânicoamericano existe uma extensa 140 bibliografia Theodore W Allen 1994 e Mathew Frye Jacobson 1998 entre os mais importantes O problema é que esta ignora o sucedido na América Ibérica Devido a isso para esta região ainda carecemos de informação suficiente sobre este aspecto específico Por isso esta segue sendo uma questão aberta É muito interessante que apesar de que os que haveriam de ser europeus no futuro conheciam os futuros africanos desde a época do império romano inclusive os ibéricos que eram mais ou menos familiares com eles muito antes da Conquista nunca se pensou neles em termos raciais antes da aparição da América De fato raça é uma categoria aplicada pela primeira vez aos índios não aos negros Deste modo raça apareceu muito antes que cor na história da classificação social da população mundial 6 A idéia de raça é literalmente uma invenção Não tem nada a ver com a estrutura biológica da espécie humana Quanto aos traços fenotípicos estes se encontram obviamente no código genético dos indivíduos e grupos e nesse sentido específico são biológicos Contudo não têm nenhuma relação com nenhum dos subsistemas e processos biológicos do organismo humano incluindo por certo aqueles implicados nos subsistemas neurológicos e mentais e suas funções Ver Jonathan Mark 1994 e Aníbal Quijano 1999b 7 Fernando Coronil 1996 discutiu a construção da categoria Ocidente como parte da formação de um poder global 8 Isso foi o que segundo um relato pessoal encontrou Alfred Metraux o conhecido antropólogo francês em fins dos anos 50 no Sul do Peru e o mesmo que também encontrei em 1963 em Cusco um trabalhador braçal índio obrigado a viajar de sua aldeia em La Convención até a cidade para cumprir seu turno de servir durante uma semana a seus patrões Mas estes não lhe proporcionavam moradia nem alimento nem desde logo salário Metraux propunha que essa situação estava mais próxima do colonato romano do século IV dC que do feudalismo europeu 9 Sobre o processo de produção de novas identidades históricogeoculturais ver de Edmundo OGorman 1954 José Rabasa 1993 Enrique Dussel 1995 V Y Mudimbe 1988 Charles Tilly 1990 Edward Said 1979 e Fernando Coronil 1996 10 Acerca dessas questões ver George W Stocking Jr 1968 Robert C Young 1995 Aníbal Quijano 1992a 1992c 1997 e Serge Gruzinski 1988 11 Acerca das categorias produzidas durante o domínio colonial europeu do mundo existe um bom número de linhas de debate estudos da subalternidade estudos póscoloniais estudos culturais multiculturalismo entre os atuais Também uma florescente bibliografia demasiado extensa para ser aqui citada e com nomes famosos entre eles como Guha Spivak Said Bhabha Hall 12 Há uma vasta literatura em torno desse debate Um sumário pode ser encontrado em meu texto El fantasma del desarrollo en América Latina Quijano 2000a 13 Sobre este tema ver as agudas observações de Robert C Young 1995 14 Um debate mais detido em Quijano 2000b 15 Acerca das proposições teóricas desta concepção do poder ver Quijano 1999a 16 No sentido de que as relações entre as partes e a totalidade não são arbitrárias e a última tem hegemonia sobre as partes na orientação do movimento do conjunto Não no sentido sistêmico quer dizer em que as relações das partes entre si e com o conjunto são lógicofuncionais Isto não ocorre senão nas máquinas e nos organismos Nunca nas relações sociais 17 A literatura do debate sobre o eurocentrismo cresce rapidamente Uma posição diferente da que orienta este artigo ainda que dela aparentada é a de Samir Amin 1989 18 Sobre a origem da categoria de heterogeneidade históricoestrutural ver meu Notas sobre el concepto de marginalidad social CEPAL incorporado depois ao volume Imperialismo y Marginalidad en América Latina Quijano 1977 Podese ver também Quijano 1988a 19 Sempre me perguntei pela origem de uma das mais caras propostas do Liberalismo as idéias devem ser respeitadas O corpo por sua vez pode ser torturado triturado e morto Nós os latinoamericanos acostumamos citar com admiração a desafiante frase de um mártir das lutas anticoloniais no próprio momento de ser degolado Bárbaros as idéias não se degolam Sugiro agora que sua origem deve ser buscada nesse novo dualismo cartesiano que transformou o corpo em mera natureza 20 Ver Discours de la méthode Méditations e Description du corps humain Descartes 19631967 Paul Bousquié 1994 acerta neste ponto o cartesianismo é um novo dualismo radical 21 Acerca desses processos na subjetividade eurocentrada revela muito que a única categoria alternativa ao Ocidente era e ainda o é o Oriente enquanto que os negros África ou os índios América antes dos Estados Unidos não tinham a honra de ser o Outro da Europa ou Ocidente 22 Como sugere Benedict Anderson 1991 Uma discussão mais extensa sobre este ponto em Quijano 1998a 141 23 Uma discussão mais ampla sobre os limites e as condições da democracia numa estrutura de poder capitalista em Quijano 1998a 2000a 24 Provavelmente o antecedente mais próximo da idéia de raça produzida pelos castelhanos na América Ver Quijano 1992b 25 Ainda nos anos 20 em pleno século XX H Murena um membro importante da inteligência argentina não hesitava em proclamar Somos europeus exilados nestas pampas selvagens Ver Eugenio Imaz 1964 E tão tardiamente como nos anos 60 nas lutas sociais culturais e políticas da Argentina cabecita negra era o mote pejorativo da discriminação especificamente racial 26 A homogeneização é um elemento básico da perspectiva eurocentrista da nacionalização Se assim não fosse não se poderia explicar nem entender os conflitos nacionais nos países europeus cada vez que se coloca o problema das diferenças étnicoraciais dentro da população Não se poderia entender tampouco de outro modo a política eurocêntrica de povoamento favorecida pelos liberais do Cone Sul da América Latina nem a origem e o sentido do assim chamado problema indígena em toda a América Latina Se os fazendeiros peruanos do século XIX importaram chineses foi precisamente porque a questão nacional não estava em jogo para eles e sim o puro interesse social Foi por essa perspectiva eurocentrista fundada na colonialidade do poder que a burguesia senhorial latinoamericana tem sido inimiga da democratização social e política como condição de nacionalização da sociedade e do Estado 27 Nos anos 60 e 70 muitos cientistas sociais dentro e fora da América Latina entre os quais me incluo usamos o conceito de colonialismo interno para caracterizar a aparente relação paradoxal dos Estados independentes com relação a suas populações colonizadas Na América Latina Pablo González Casanova 1965 e Rodolfo Stavenhagen 1965 foram seguramente os mais importantes entre os que trataram de teorizar o problema de maneira sistemática Agora sabemos que esses são problemas acerca da colonialidade que vão muito além da trama institucional do Estadonação 28 Sobre estas questões adiantei algumas propostas de debate em Quijano 1993 29 A miopia eurocêntrica não apenas de estudiosos da Europa ou dos Estados Unidos mas também dos da América Latina difundiu e quase impôs universalmente o nome de populismo para esses movimentos e projetos que contudo têm pouco em comum com o movimento dos narodníkis russos do século XIX ou do populismo estadunidense posterior Uma discussão destas questões em Quijano 1998b 30 Essa descoberta é sem dúvida o que outorga a Mariátegui seu maior valor e sua continuada vigência derrotados os socialismos e seu materialismo histórico Ver sobretudo a passagem final do primeiro de seus 7 Ensayos de Interpretación de la realidad peruana 1928b numerosamente reimpresso Punto de Vista Antiimperialista apresentado à Primeira Conferência Comunista Latinoamericana Buenos Aires 1929 e o célebre Aniversario y balance editorial da revista Amauta 1928a 142