·

Matemática ·

Filosofia

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Recomendado para você

Texto de pré-visualização

cipriano carlos luckesi filosofía da educação 2ª edição cortez editora Filosofia da Educação 14ª reimpressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Luckesi Cipriano Carlos Filosofia da Educação Cipriano Carlos Luckesi São Paulo Cortez 1994 Coleção magistério 2 grau Série formação do professor Bibliografia ISBN 8524902493 1 Educação Filosofia I Título II Série 900881 CDD3701 Índices para catálogo sistemático 1 Educação Filosofia 3701 2 Filosofia da educação 3701 Cipriano Carlos Luckesi Filosofia da Educação FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO Cipriano Carlos Luckesi Capa e projeto gráfico Carlos Clémen Coordenação editorial Danilo A Q Morales Montagem Lufs Antônio Pinto Barbosa Preparação de originais Glória Maria Coelho Revisão José J Sobral Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do autor e do editor 1990 by Cipriano Carlos Luckesi Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira 387 Tel 011 8640111 05009 São Paulo SP Impresso no Brasil março de 1999 SUMÁRIO Apresentação da Coleção 9 Apresentação 11 Introdução 13 1 Aspectos teóricos 13 2 Perspectivas metodológicas 14 3 Sugestões de procedimentos de ensino 15 1ª Parte Da Filosofia da Educação à Pedagogia Capítulo 1 Filosofia e educação Elucidações conceituais e articulações 21 1 Filosofia 21 20 processo do filosofar 28 3 Filosofia e Educação 30 4 Pedagogia 33 5 Procedimentos de estudo e ensino 33 CAPÍTULO 2 Educação e sociedade redenção reprodução e transformação 37 1 Educação como redenção da sociedade 38 2 Educação como reprodução da sociedade 41 3 Educação como transformação da sociedade 48 4 Conclusão 51 5 Procedimentos de estudo e ensino 51 Capitulo 3 Tendências pedagógicas na prática escolar 53 1Pedagogia liberal 54 11 Tendência liberal tradicional 56 12 Tendência liberal renovada progressivista 57 13 Tendência liberal renovada nãodiretiva 59 14 Tendência liberal tecnicista 60 2Pedagogia progressista 63 21 Tendência progressista libertadora 64 22 Tendência progressista libertária 67 23 Tendência progressista críticosocial dos conteúdos 69 24 Em favor da pedagogia críticosocial dos conteúdos 73 3Procedimentos de estudo e ensino 74 CAPÍTULO 4 A escola que queremos instância onde a Pedagogia se faz prática docente 77 1 A escola como instância mediadora da pedagogia 79 2 Uma perspectiva para a escola como instância de mediação pedagógica 82 3 Procedimentos de estudo e ensino 88 2ª PARTE Do senso comum pedagógico à postura crítica na prática docente escolar CAPÍTULO 5 Filosofia do cotidiano escolar por um diagnóstico do senso comum pedagógico 93 1O senso comum 94 2 O senso comum pedagógico 97 21 Os sujeitos do processo educativo 97 a O educador 97 b O educando 98 22 O conhecimento e seu processo 101 23 O conteúdo a ser assimilado 102 24 Material didático 104 25 Métodos e procedimentos de ensino 105 26 Síntese dos elementos do senso comum pedagógico 106 3Razões da permanência do senso comum 106 4Procedimentos de estudo e ensino 107 CAPÍTULO 6 Sujeitos da práxis pedagógica o educador e o educando 109 1O ser humano 110 2Os sujeitos da práxis pedagógica 115 21 O educador 115 22 O educando 117 3Conclusão relação educadoreducando 119 4Procedimentos de estudo e ensino 120 CAPÍTULO 7 O conhecimento elucidações conceituais e procedimentos metodológicos 121 1 O conhecim 121 2 Forma de apropriação da realidade através do conhecimento 124 21 O conhecimento direto da realidade método da investigação125 22 O conhecimento indireto da realidade método de exposição 128 3 O conhecimento na escola 130 4 Procedimentos de estudo e ensino 131 CAPÍTULO 8 Conteúdos de ensino e material didático 133 1 Conteúdos escolares 133 11 Os conteúdos escolares e as tendências pedagógicas 133 12 Os conteúdos escolares na escola que quere 137 121 Os conteúdos escolares 137 122 Os conteúdos que interessam 138 123 O cotidiano e o elaborado na prática educativa escolar 139 2 Livros didáticos 143 3 Procedimentos de estudo e ensino 145 CAPÍTULO 9 Procedimentos de ensino 147 1 Método e procedimento de ensino 148 2 Procedimentos de ensino e tendências pedagógicas 153 3 Procedimentos de ensino no cotidiano escolar 155 4 Conseqüências para a prática docente 156 5 Procedimentos de estudo e ensino 158 3ª PARTE Da Pedagogia à prática docente CAPÍTULO 10 Didática elemento articulador entre Pedagogia e prática docente 163 1 Princípios pedagógicos 163 2 Elementos para uma didática 167 21 Pontos de referência do processo didático 167 22 Elementos para uma didática 168 221 Planejamento 168 222 Execução da ação planejada 170 223 Avaliação da ação executada 171 3 Conclusão 173 4 Procedimentos de estudo e ensinoo 174 ANEXO Sugestões de livros para leitura paralela pelos alunos 177 Bibliogrqfia geral 180 Apresentação da Coleção A Coleção Magistério 2ª Grau compõese de 25 livros didáticos para o curso de 2ª grau abrangendo as disciplinas do Núcleo Comum e da Habilitação Magistério antigo curso normal Está organizada em duas séries a série Formação Geral com 12 livros sendo um para cada disciplina do Núcleo Comum do 22 grab e a série Formação do Professor com 12 livros sendo um para cada disciplina da formação profissional para o magistério no ensino de 1ª grau Completa a Coleção o livro Revendo o Ensino de 22 Grau Propondo a Formação de Professores que oferece às Secretarias de Educação aos diretores de escola às equipes pedagógicas e aos professores diretrizes e orientações sobre a organização pedagógica didática e administrativa dos cursos de 2ª grau e da Habilitação Magistério O principal objetivo desta Coleção é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino ministrado na escola de 2ª grau tanto através da formação do professor que exerce suas atividades nesse nível de ensino quanto daquele que atuará nas séries iniciais do ensino fundamental mediante livros didáticos com conteúdos pautados pelo seu caráter científico e sistemático em estreita ligação com exigências metodo lógicas do ensino e aprendizagem As duas séries que compõem a Coleção formam um conjunto orgânico de modo a assegurar um sólido domínio dos conteúdos como base para a formação científica e profissional e para a consciência crítica das tarefas sóciopolíticas e pedagógicas do ensino articular objetivos conteúdos métodos das disciplinas no Núcleo Comum e das disciplinas de formação profissional especialmente as metodologias específicas de ensino das disciplinas do currículo do 1ª grau favorecer o trabalho conjunto dos professores na escola de modo a assegurar dentro de um projeto pedagógico unitário a interdisciplinaridade e as peculiaridades de cada disciplina propiciar às Secretarias de Educação dos Estados possibilidade de formulação de uma política unitária de formação científica e profissional dos seus professores Cumpre esclarecer que os livrostexto da série Formação Geral atendem também a exigências pedagógicodi dáticas especificas dos demais cursos de 22 grau Cada um dos livros oferece a professores e alunos além dos textos referentes às unidades do programa um estudo sobre os objetivos da disciplina uma proposta de conteúdos básicos e indicações metodológicas para o trabalho conjunto do professor e dos alunos formas de articulação com as outras disciplinas e uma bibliografia com plementar para aprofundamento de estudos As unidades de estudo foram elaboradas de modo a abordar os temas em pro fundidade assegurando o máximo de informações conceitos e idéias permitindo ao 9 professor uma reseleção de conteúdos conforme exigências de cada escola e carac terísticas sócioculturais e individuais dos alunos Essa forma de organização dos livrostexto possibilita sua utilização também nos cursos de pedagogia licenciaturas e cursos de aperfeiçoamento de professores em exercício Ao lançarmos esta Coleção nossa preocupação esteve sempre voltada para a escola de 1 grau especialmente para as séries iniciais entendendo que a melhoria da competência profissional dos professores é uma das formas de efetivação do nosso compromisso políticosocial na escolarização das crianças brasileiras Sabemos que as múltiplas dificuldades que incidem nas atividades do magistério por exemplo os baixos salários as más condições de trabalho e as deficiências da formação profissional advêm fundamentalmente de condicionantes estruturais da sociedade e do sistema de ensino É inquestionável que as transformações no ensino são inseparáveis das transformações sociais mais amplas Todavia acreditamos que a formação teórica e prática do professorado aliada a uma consciência política das tarefas sociais que deve cumprir pode contribuir para a elevação da qualidade do ensino e da formação cultural dos alunos condição coadjuvante para a efetivação de lutas na direção da democracia política e social A publicação da Coleção Magistério 2ª Grau é resultado do Projeto Dire trizes Gerais para o ensino de 2 grau Núcleo Comum e Habilitação Magistério proposto e desenvolvido entre os anos de 198588 pela COEM Coordenadoria para Articulação com Estados e Municípios da SESG Secretaria do Ensino de 2º Grau do Ministério da Educação com o apoio administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo O Projeto envolvendo o trabalho de 28 professores especialistas nas disciplinas do Núcleo Comum e da Habilitação Magistério foi então coordenado pelo professores Selma Garrido Pimenta e Carlos Luiz Gonçalves Elaborados nos anos de 198788 os livros que compõem esta Coleção vem a público graças ao interesses da Cortez Editora ao apoio institucional do MECSESGCOEM e do CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras A realização de um trabalho desta envergadura não teria sido possível sem o esforço coletivo e conjugado de muitas pessoas e instituições os autores os coordenadores do Projeto o pessoal de apoio administrativo a equipe de revisão e compatibilização dos textos Queremos destacar a colaboração da equipe técnica da COEM Coordenadoria para Articulação com Estados e Municípios especialmente dos professores Célio da Cunha Nabiha Gebrim de Souza Heliane Morais Nascimento Margarida Jardim Cavalcante Solange Maria de Fátima G P Castro Violeta Moreira de Souza e Nilton Ismael Rosa que não mediram esforços para que o projeto pudesse sobreviver aos tropeços administrativos e institucionais Cabe ressaltar por fim que os livros desta Coleção expressam posicionamentos teóricos de cada autor e não necessariamente os das instituições que viabilizaram de um modo ou de outro sua publicação Selma Garrido Pimenta José Carlos Libâneo Coordenadores 10 Apresentação Este livro foi escrito especialmente para alunos que se preparam para o exercício profissional do magistério no ensino de 1º grau Acreditamos que pode ser útil também a educadores que se ocupam de outras moda lidades de ação educativa Os dez capítulos que oferecemos para estudo e reflexão tratam de temas da vida escolar articulados com aspectos mais amplos da vida social O livro tem duplo objetivo Primeiro o de prover conhecimentos e modos de abordagem do fenômeno educativo do ponto de vista filosófico de modo a auxiliar os estudantes no exercício da reflexão filosófica sobre a realidade da prática educativa e da escola Segundo o de oferecer um instrumental metodológico que possibilite a reflexão crítica sobre temas e problemas da realidade educacional para além do que tratamos neste livro de modo que os estudantes venham a produzir novos entendimentos filo sóficos sobre sua atividade profissional Acreditamos como diz o filósofo italiano Antonio Gramsci que todos os homens são filósofos Mas para isso é necessário que se dediquem ao trabalho de pensar metodologicamente como condição para a reflexão crí tica Temos certeza de que tanto os professores como os alunos são capazes disso Agradecemos antecipadamente toda contribuição crítica que nos seja dirigida tendo em vista o aprimoramento dos conteúdos deste livro O Autor 11 INTRODUÇÃO Nesta Introdução consideramos três elementos referentes a este livro os aspectos teóricos indicando as intenções do autor ao elaborálo os aspectos metodológicos explicitando a perspectiva delineada nos capítulos e por último as sugestões didáticas para uso deste material nos cursos de formação do magistério ou outros cursos que venham a utilizálo para estudos e reflexões sobre a prática docente 1 ASPECTOS TEÓRICOS Este é um livro de Filosofia da Educação Foi elaborado tendo em vista a constituição de material didático ou semididático para uso nos cursos de formação do magistério para o ensino de 1º grau Seus capítulos tratam de questões de Filosofia da Educação diretamente articuladas com a prática docente Os capítulos possuem uma direção definida pois vão dos elementos mais abrangentes da prática docente para os mais específicos e se baseiam na perspectiva filosóficopedagógica assumida pelo autor Na primeira parte do livro iniciamos por elucidar o significado da Filosofia demonstrando que a Pedagogia se articula com ela sob a forma de Filosofia da Educação Capítulo 1 desdobrandose primeiramente em tendências de entendimento do papel da educação na sociedade Capítulo 2 e subseqüentemente em tendências pedagógicas propriamente ditas Capítulo 3 que se realizam por meio da escola como instância onde a Pedagogia pode traduzirse em prática docente Capítulo 4 Essa primeira parte possibilita ao nosso ver a compreensão de que a Pedagogia não pode ser bem entendida e praticada na escola sem que se tenha alguma clareza do seu significado Isso nada mais é do que buscar o sentido da prática docente 13 A segunda parte do livro Do Senso Comum Pedagógico à Postura Crítica na Prática Docente Escolar pretende auxiliar o leitor no exercício do filosofar sobre elementos da prática docente São exercícios de enten dimento do significado dos elementos que constituem a prática docente na sala de aula Iniciamos essa parte por um inventário do Senso comum pedagógico escolar como bem cabe no exercício do filosofar Capítulo 5 A seguir damos um salto crítico na tentativa de elevar o nível de com preensão dos referidos elementos da prática docente educador e educando Capítulo 6 o conhecimento Capítulo 7 conteúdos e material didático Capítulo 8 procedimentos de ensino Capítulo 9 Como se pode verificar alguns destes elementos estão delimitados por questões bem próprias da ação docente Vale ressaltar porém que eles são tratados sempre do ponto de vista da filosofia e não de sua operacionalidade técnica A terceira e última parte composta de um único capítulo 10 discute a didática como um elemento articulador dos aspectos teóricos e filosóficos da educação com o exercício docente Nessa parte nos preocupamos em articular uma mediação entre a Filosofia da Educação e a sala de aula propriamente dita lugar onde a filosofia se faz concreta mediante a prática docente e discente Dessa maneira pretendemos dar conta de um ciclo de reflexões que tem início no entendimento da Filosofia passando pela Pedagogia e fi nalmente chegando a encaminhamentos para a prática do educador em sala de aula 2 Perspectivas metodológicas A elaboração e publicação deste livro têm uma intenção e uma direção Desejamos oferecer a professores e alunos um material subsidiário a estudos e desenvolvimento de atividades docentes e discentes nos cursos voltados para a formação do magistério dentro de uma determinada perspectiva teórico pedagógica Assim o entendimento e o ideário que atravessam este texto buscam possibilitar uma compreensão e um desdobramento para a ação pedagógica que se traduzam numa preocupação com a elevação cultural dos educandos Acreditamos que a apropriação da cultura elaborada pela humanidade é uma necessidade para cada um dos seres humanos além de ser um direito de todos 14 Cada um de nós vive o existencial e o espontâneo do diaadia ele é nosso cotidiano nosso feijão com arroz Porém este por si mesmo é muito circunscrito e limitado para possibilitar a sua compreensão crítica e conseqüentemente sua integração num novo patamar de entendimento que o ultrapasse Por si mesmo o cotidiano carece de recursos para se auto entender de uma forma crítica Assim ao nosso ver a apropriação ativa da cultura elaborada tornase necessária para a construção e vivência de uma vida mais humana e mais consciente inclusive para ter a possibilidade de conhecer e reivindicar direitos que pertencem a cada um de nós e que são inalienáveis Com esta crença e este entendimento a proposta de estudo da Filo sofia da Educação que permeia este livro preocupase em possibilitar ao leitor e aos educandos um exercício de elevação cultural partindo do senso comum porém superandoo pela busca de ruptura e de critérios de criti cidade A proposta metodológica que permeia as reflexões que se seguem pode ser definida como uma forma de ação educativa que pretende através de um direcionamento específico conduzir os educandos à aquisição de entendimentos e modos de entendimento da realidade educacional de tal forma que não venha a ser tãosomente uma ilustração da mente mas uma forma permanente de vivência e de atenção ao fenômeno educativo à prática docente 3 Sugestões de procedimentos de ensino O presente livro foi elaborado na perspectiva de servir de material de apoio para cursos de formação do magistério Em função disso faremos algumas sugestões de procedimentos para o ensino de Filosofia da Edu cação dentro da perspectiva teórica e metodológica aqui traçada Os procedimentos de ensino sugeridos não são exclusivos e muito menos exaustivos São sugestões que estão articuladas com o todo da pro posta deste livro Essa proposta tem um direcionamento e por isso necessita de um direcionamento do ensino e da aprendizagem para que possa atingir os seus fins Com isso não queremos dizer que o professor deverá obrigar o educando a aceitar as afirmações que estão aqui expostas O que importa é que o professor junto com os alunos parta da prática social vivida para através do estudo e reflexão chegar a um patamar crítico de compreensão dessa prática social 15 Os textos apresentados necessitam ser compreendidos e apropriados de tal forma que sirvam de elementos de ruptura para a obtenção de sínteses novas Os conteúdos expostos não são dogmas são algumas certezas do autor que os escreveu e que por isso podem servir de elemento de con testação discussão e superação de uma situação de entendimento dada A originalidade de cada leitor e de cada educando nascerá de sua forma pessoal de assimilar e entender o mundo que o circunda a partir de sua vivência e da apropriação ativa da cultura elaborada Snyders chega a afirmar que a apropriação dos modelos não é uma forma de opressão sobre os educandos e de eliminação de sua originalidade mas sim uma condição necessária para a busca da originalidade Que poeta não nasceu dum esforço de estudar se apaixonar e imitar o universal que há em seus modelos preferidos Que cientista nasceu sem se apropriar da forma de fazer ciência dos clássicos da metodologia que adota Mais que isso que cientista criou alguma coisa absolutamente original sem ter dado o salto a partir da apropriação da ciência anteriormente produzida Assim a apro priação de uma perspectiva é necessária para no mínimo poder oporse a ela A partir desse entendimento o professor deverá dar um direciona mento ao curso não para se impor autoritariamente mas para criar o suporte para o salto e a elevação cultural dos educandos Dentro dessa perspectiva sugerimos que parte das aulas de Filosofia da Educação se constituam de exposições feitas pelo professor Exposições que deverão ser de boa qualidade o que quer dizer consistentes claras coerentes motivadoras etc Essas exposições poderão ser feitas sob a mo dalidade de aulas expositivas propriamente ditas ou sob a forma de complementação de estudos de grupo adequada e metodologicamente dirigida Todavia é importante que o professor exerça um papel relevante no processo de apropriação da cultura elaborada pelos alunos Um segundo procedimento articulado com o anterior é o estudo dos capítulos deste livro com orientação do professor no sentido de apropriar se dos seus conteúdos de uma forma crítica Apropriarse de forma crítica quer dizer saber com precisão o que está exposto e avaliar o que está dito em relação à realidade educacional docente e discente que se vive O que está exposto nos capítulos não é dogma para ser assimilado acriticamente mas sim conteúdo a ser apropriado e discutido criticamente Uma terceira sugestão articulada com as anteriores é que ao lado da exposição do professor mesclada com estudos dos capítulos aqui apre sentados os alunos leiam um livro de um outro autor cujo conteúdo será 16 discutido em uma parte do tempo disponível para a aula Desse modo os alunos terão a possibilidade de apropriarse de mais uma leitura terão um suporte a mais para a discussão e para formar o seu modo de entendimento da realidade No final desta obra no Anexo oferecemos alguns títulos entre muitos outros que podem ser utilizados para este fim A discussão dos temas do livro selecionado poderá ser feita sob a forma de seminário Todos os alunos lerão todos os capítulos do livro em forma sucessiva com as datas e trechos marcados previamente e no momento do seminário sob a coordenação do professor todos poderão e mais que isso deverão intervir para elevar o nível de compreensão da classe As três proposições acima não são exaustivas nem excludentes Cada professor poderá adotálas ou não São apenas sugestões A única coisa que se pede é que os procedimentos escolhidos ou inventados sejam coerentes com a proposta pedagógica que o professor estiver assumindo Os procedimentos de ensino não são gratuitos Ao final de cada capítulo acrescentamos ainda um tópico denominado Procedimentos de estudo e ensino Aí encontramse indicados três elementos questões para estudo e compreensão do texto sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo sugestões bibliográficas para estudos complementares As questões para estudo e compreensão do texto têm por objetivo sinalizar as idéias do texto que consideramos fundamentais Essas questões poderão ser utilizadas tanto como um roteiro de estudo do texto como uma indicação dos conteúdos deste texto que consideramos fundamentais e que deveriam ser objeto de apropriação por parte tanto do professor quanto do aluno Em função disso essas questões serão melhor utilizadas do ponto de vista da aprendizagem se forem usadas após um primeiro estudo geral do texto As sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo têm por objetivo levantar um ou outro tema que possa ser objeto de reflexão por parte do leitor do livro seja ele professor ou aluno Após a compreensão do conteúdo do capítulo vale a pena tentar uma reflexão individual ou grupal sobre pontos de conhecimentos idênticos ou afins aos tratados no texto Essa atividade auxilia o aprofundamento do que foi estudado assim como possibilita a inventividade de cada um A dissertação poderá ser produzida tanto sem a existência de um trabalho de grupo prévio assim como após uma discussão grupal A dissertação aqui no caso exige do seu elaborador uma apropriação ativa do conteúdo do capítulo assim como um esforço de reflexão sobre a temática O professor poderá e deverá 17 levantar novos temas para esta atividade Por si não deverá estar apegado só às sugestões referidas nesse tópico final de cada capítulo As sugestões bibliográficas para estudos complementares têm por objetivo oferecer fontes que tratem assemelhadamente do assunto discutido no capítulo Com essas indicações cada professor poderá com um pouco mais de facilidade ir à busca de material para o acrescentamento de seu cabedal cultural assim como terá oportunidade de fazer com que seus alunos entrem em contato com outros autores Esses textos poderão ser utilizados ou não pelos professores e alunos São apenas sugestões a partir das quais muitas outras poderão emergir Ao levar em frente os procedimentos de ensino sugeridos o professor terá a responsabilidade da orientação dos estudos Por isso deverá expor conteúdos e quando necessário orientar o estudo e a leitura dos alunos estimular e participar do debate das idéias realizado pelos alunos Cada conjunto de horas de aula num determinado dia da semana poderá ser dividido entre duas ou três destas sugestões Por exemplo um período para exposição e um outro para seminário sobre o livro que está sendo lido ou uma parte da aula para a discussão em grupo de um determinado capítulo deste livro seguido de debate com o professor concluindo com os esclarecimentos que se fizerem necessários Ou ainda estudo de um dos textos sugeridos na bibliografia complementar de cada capítulo E assim por diante O importante é que o professor tenha clareza sobre o significado de sua ação e o papel que deve desempenhar se quer efetivamente auxiliar seus alunos no processo de crescimento e elevação cultural Esperamos finalmente que os capítulos deste Livro não só auxiliem nossos educandos a entenderem o significado de sua futura profissão mas que também sirvam de estímulo aos próprios professores em sua reflexão sobre as atividades que desempenham como profissionais 18 1ª Parte D a F i l o s o f i a d a Educação à Pedagogia Capítulo 1 Filosofia e Educação elucidações conceituais e articulações A educação é uma prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica A prática pedagógica está articulada com uma pedago gia que nada mais é que uma concepção filosófica da educação Tal con cepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional Neste capítulo pretendemos demonstrar como se dá essa articulação e que procedimentos poderemos utilizar para processála Para tanto vamos iniciar por uma discussão do que é Filosofia e seu papel na prática humana passando para uma abordagem do processo do filosofar articulando a Fi losofia e a Educação desembocando na conclusão no tema da Pedagogia Não teremos aqui a oportunidade de realizar um estudo exaustivo e abrangente dos aspectos mencionados Vamos apenas proceder a coloca ções essenciais que nos permitam compreender os temas e se possível utilizálos no estudo dos capítulos seguintes deste livro 1 Filosofia Quem não ouviu pelo menos uma vez falar em Filosofia Aqui e acolá ouvimos a definição de que Filosofia significa amigo da sabedoria devido ao fato de a palavra filosofia estar constituída do termo filon que equivale a amigo e do termo sofia que equivale a sabedoria Aqui e acolá encontramos em conversas ou nos textos que lemos os nomes dos famosos filósofos gregos Sócrates Platão e Aristóteles Quantos de nós e quantas vezes já não tivemos a oportunidade de ouvir alguém dizendo pela minha filosofia considero certo fazer isto ou aquilo 21 O termo filosofia é vigente e muito utilizado Mas sabemos nós e sabem todos que usam esse termo o que significa de fato a Filosofia Será que já nos dedicamos a meditar o que ela significa Nós já nos pusemos a pensar nisto Na história do pensamento que a humanidade vem construindo ao longo do tempo muitos foram os pensadores e pesquisadores que deram uma definição ou um conceito para a Filosofia Por vezes esses conceitos foram complexos por vezes simples por vezes rebuscados e quase incom preensíveis Há pois um emaranhado de conceitos Diante deles muitas pessoas se sentem entediadas e em vez de enfrentar o problema preferem descartálo dizendo que a Filosofia é um jogo inútil e estéril de palavras ou que é muito difícil e só serve e interessa a pessoas especiais e muito inteligentes A expressão mais cabal desse descrédito está numa frase mais ou menos popular que anda de boca em boca e diz a filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual Ou seja podemos passar muito bem com ou sem a filosofia Fugindo tanto do emaranhado histórico dos conceitos elaborados quanto do descrédito maligno ou jocoso que as pessoas lançam em relação à Filosofia vamos tentar conceituála de uma forma simples e existencial de tal forma que possamos compreender o que ela é e verificar o seu significado para a vida humana Vamos começar por dizer que a Filosofia é um corpo de conhecimento constituído a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e darlhe um sentido um significado compre ensivo Corpo de conhecimentos em Filosofia significa um conjunto coe rente e organizado de entendimentos sobre a realidade Conhecimentos estes que expressam o entendimento que se tem do mundo a partir de desejos anseios e aspirações Expliquemos melhor Quando lemos um texto de Filosofia nos apro priamos do entendimento que o seu autor teve do mundo que o cerca especialmente dos valores que dão sentido a esse mundo Valores esses que por vezes são aspirações que deverão ser buscadas e realizadas se possível O filósofo sistematiza assim as aspirações dos seres humanos aspirações essas que dão sentido ao diaadia à luta ao trabalho à ação Ninguém vive o diaadia sem um sentido para o seu trabalho para a sua relação com as pessoas para o amor para a amizade para a ciência para a educação para a política etc Então a Filosofia é esse campo de entendimento que quando nos apropriamos dele nos sentimos refletindo sobre a cotidianidade dos seres humanos Desde a cotidianidade mais simples como é o encontrarnos 22 com as pessoas até a cotidianidade mais complexa que pode ser a reflexão sobre o sentido e o destino da humanidade A Filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de enten dimento que tanto propicia a compreensão da sua existência em termos de significado como lhe oferece um direcionamento para a sua ação um rumo para seguir ou ao menos para lutar por ele Ela estabelece um quadro organizado e coerente de visão de mundo sustentando conse qüentemente uma proposição organizada e coerente para o agir Nós não agimos por agir Agimos sim por uma certa finalidade que pode ser mais ampla ou mais restrita As finalidades restritas são aquelas que se referem à obtenção de benefícios imediatos tais como comprar um carro assumir um cargo As finalidades mais amplas são aquelas que se referem ao sentido da existência buscar o bem da sociedade lutar pela emancipação dos opri midos lutar pela emancipação de um povo etc Isso tudo por quê Cer tamente devido ao fato de que a vida só tem sentido se vivida em função de valores dignos e dignificantes Desse modo a Filosofia é um corpo de entendimentos que compreende e direciona a existência humana em suas mais variadas dimensões É exatamente isso que Georges Politzer expressa quando define a Filosofia como uma concepção geral do mundo da qual decorre uma forma de agir1 No caso a Filosofia é a expressão de uma forma coerente de interpretar o mundo que possibilita um modo de agir também coerente conseqüente efetivo No dizer de Leôncio Basbaum a filosofia não é de modo algum uma simples abstração independente da vida Ela é ao contrário a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão Por vezes através de uma simples atividade prática outras vezes no fundo de uma metafísica profunda e existencial mas sempre dentro da atividade humana física ou espiritual há filosofia A filosofia traduz o sentir o pensar e o agir do homem Evidentemente ele não se alimenta da filosofia mas sem dúvida nenhuma com a ajuda da filosofia2 Todos têm uma forma de compreender o mundo especialistas e não especialistas escolarizados e nãoescolarizados analfabetos e alfabetizados Esta é uma necessidade natural do ser humano pois que ninguém pode agir no escuro sem saber para onde vai e por que vai Só se pode agir a partir de um esclarecimento do mundo e da realidade 1 Politzer Georges Princípios fundamentais de filosofia São Paulo Hemus sd p 15 2 Basbaum Leôncio Sociologia do materialismo 3 ed São Paulo Símbolo 1978 p 21 23 Esse fato é tão verdadeiro que encontramos modos de compreensão da realidade tanto no profissional de Filosofia o filósofo profissional quanto em qualquer pessoa que viva a sua vida e reflita sobre ela seu sentido significado valores etc A prova disso está aí de um lado pelos sistemas filosóficos que encontramos na história do pensamento filosófico escrito da humanidade e de outro lado pela forma popular de compreender a vida que normalmente não tem registro escrito a não ser nos poetas populares nos trovadores etc3 A respeito disso Arcângelo Buzzi em seu livro Introdução ao pensar nos diz que consciente ou inconscientemente explícita ou implicitamente quem vive possui uma filosofia de vida uma concepção do mundo Esta concepção pode não ser manifesta Certamente ela se aninha nas estruturas inconscientes da mente De lá ela comanda dirigelhe os passos norteia a vida A vida concreta de todo homem é assim Filosofia O campônio o operário o técnico o artista o jovem o velho vivem todos de uma concepção de mundo Agem e se comportam de acordo com uma signifi cação inconsciente que emprestam à vida Nesse sentido pois podese dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão A palavra filósofo no sentido crítico do termo ficou reservada àqueles que consciente e deliberadamente se põem a filosofar Escolhem um método sistematizam os conhecimentos obtidos arquitetam um sistema interpretativo da realidade Filósofo é então aquele que diz em conceitos e em linguagem apropriados a experiência do ser Os conceitos e a linguagem não estão à margem do ser vivido A filosofia vazada na linguagem conceitual é profundamente solidária com a vida com a existência Ela marca o desejo a ânsia que o homem tem de elucidar sua circunstância existencial4 Certamente que a orientação valorativa axiológica da existência nem sempre pode significar filosofia Quando o autor acima diz que todos temos uma filosofia de vida ele quer dizer que todos nos orientamos por valores Mas que nem sempre esses valores estão conscientes explícitos Então não temos aí propriamente filosofia desde que esta é sempre uma reflexão crítica sobre o sentido e o significado das coisas das ações etc Esse dire cionamento diário inconsciente pode decorrer de massificação do senso comum que adquirimos e acumulamos espontaneamente Sobre ele é que deve desenvolverse o filosofar como veremos Certamente que outras pessoas as gerações formaram esse senso com o qual cumprimos o diaa dia sem muitas vezes nos perguntarmos se ele é válido ou não se o aceitamos efetivamente ou não 3 Sobre essa questão vale a pena ler os poetas populares Um exemplo pode ser Patativa do Assaré Cante Lá que eu Canto Cá Filosofia de um Trovador Nordestino Petrópolis Vozes 4 Buzzi Arcângelo Introdução ao pensar Petrópolis Vozes 1973 p 89 24 O que importa ter claro por ora é o fato de que a filosofia nos envolve não temos como fugir dela Ela é como o ar que respiramos está permanentemente presente Se nós não escolhermos qual é a nossa filosofia qual é o sentido que vamos dar à nossa existência a sociedade na qual vivemos nos dará nos imporá a sua filosofia E como se diz que o pensamento do setor dominante da sociedade tende a ser o pensamento dominante da própria sociedade provavelmente aqueles que não buscam criticamente o sentido para a sua existência assumirão esse pensamento dominante como o seu próprio pensamento a sua própria filosofia Quem não pensa é pensado por outros Deste modo a filosofia se manifesta como o corpo de entendimento que cria o ideário que norteia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os seus processos Esse corpo de entendimento é a compreensão da existência Sobre isso alguns autores nos alertam Vale a pena retomálos Os filósofos exprimem sempre nos diz Leôncio Basbaum em cada instante o pensamento de um grupo social de classe ou povo a que pertencem ou representam Eles são os teoristas os que explicam e interpretam os desejos as tendências e as reivindicações desses gru pos classes ou povos Seu pensamento depende da situação de domínio ou submissão em que se encontra o seu grupo classe ou povo em relação a outros povos grupos ou classes Depende de estar no poder ou em luta pelo poder em ascensão ou em decadência 5 O ato de filosofar acrescenta Arcângelo Buzzi versa sobre o ato de viver a Filosofia e a História Por outro lado isso não significa que a história que o puro viver seja anterior à filosofia Não há ante rioridade da filosofia sobre a história nem da história sobre a filosofia O ato de viver já está posto na percepção do ser a vida é filosofia Ao filósofo só resta extrair essa filosofia dizer o pensamento pressuposto de um tal viver indicar a partir de qual horizonte de qual dimensão um tal viver se constitui 6 As idéias ou os princípios dos homens confirma Plekanov provêm da experiência quer se trate de princípios especulativos quer de princípios práticos ou princípios de moral Os princípios morais variam segundo os tempos e lugares Quando os homens condenam uma determinada açâo é porque ela os prejudica quando a enaltecem é porque ela lhes é útil O interesse não o interesse pessoal mas o interesse social determina assim os julgamentos do homem no domínio da vida social 5 Basbaum Leôncio op cit p 53 6 Buzzi Arcângelo op cit p 126 7 Plekanov G A concepção materialista da história 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 p 20 25 Porém ao lado de ser a reflexão sobre o presente de cada povo ou de cada grupo humano a filosofia como já dissemos quer ser um norte para a ação e Leôncio Basbaum nos confirma isso ao dizer A filosofia é a concretização de uni espírito ou de uma idéia que surge como conseqüência das necessidades de uma época ou de uma classe pela experimentação ou pela razão no sentido de demonstrar a verdade desse conceito É seu papel ainda difundila e propagála Sofrendo a influência da história ela encarregase de por sua vez in fluenciar e orientar o curso da história de acordo com o interesse dos inventores ou criadores e propagadores dessas idéias 8 A Filosofia em síntese não é tãosomente uma interpretação do já vivido daquilo que está objetivando mas também a interpretação de aspirações e desejos do que está por vir do que está para chegar Os filósofos captam e dão sentido à realidade que está por vir e a expressam como um conjunto de idéias e valores que devem ser vividos difundidos buscados Eles têm uma sensibilidade um faro mais atento para receber o que já está se manifestando na realidade ainda que de uma maneira tênue Não são profetas no sentido do senso comum mas profetas no sentido bíblico ou seja indivíduos que são capazes de ler nos acontecimentos do presente o significado do que está por vir o que está a se desenvolver O seu pensamento tornase assim expressão da história que está acontecendo e enquanto está acontecendo e compreensão do que vai acontecer Deste modo o pensamento filosófico manifestase tanto como condicionado pelo momento histórico quanto como condicionante do momento histórico subseqüente Manifestase dessa maneira como impulsionador da ação tendo em vista a concretização de determinadas aspirações dos homens de um povo de um grupo ou de uma classe Neste sentido a filosofia é uma força é o sustentáculo de um modo de agir É uma arma na luta pela vida e pela emancipação humana Nada deve ser inútil diz Leôncio Basbaum nem mesmo uma poesia Devemos repelir qualquer idéia de que a filosofia seja um quadro exposto à contemplação passiva do homem ou mesmo um en torpecente para mergulhálo em doces sonhos etéreos enquanto esquece a realidade da vida e o muito que há a fazer dentro dela A filosofia é antes de mais nada em primeiro lugar e acima de tudo uma arma uma ferramenta um instrumento de ação com a ajuda da qual o homem conhece a natureza e busca o conforto físico e espiritual para a vida Se o homem realmente se destaca dos outros animais pela amplidão e profundidade do seu pensamento se tudo o que ele realizou desde 8 Basbaum Leóncio op cit p315 26 que saindo da selvageria começou a construir o que chamamos de civilização foi a concretização desse pensamento que evoluindo se transformou através do tempo e do espaço não há dúvida de que esse pensamento mobilizando os dedos de sua mão é a sua principal arma na conquista da natureza e portanto da sua liberdade 9 A filosofia como já dissemos não é apenas um instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus fenômenos E tam bém um instrumento de ação e arma política e como tal tem sido utilizada em todos os tempos consciente ou inconscientementeto Esse fato é tão verdadeiro que a filosofia tem gerado ao longo da história humana atitudes contraditórias e paradoxais Governos que de um lado alijam a filosofia como subvertora da ordem de outro contratam especialistas para criarem um pensamento uma forma de conceber o mundo que garanta a sua forma de administrar politicamente o povo e a nação Jaspers analisa muito bem essa contradição quando escreve A filosofia se vê rodeada de inimigos a maioria dos quais nâo tem consciência dessa contradição A autocomplacência burguesa os convencionalismos o hábito de considerar o bemestar material como razão suficiente de vida o hábito de s6 apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica o ilimitado desejo do poder a bonomia dos politicos o fanatismo das ideologias a aspiração a um nome literário tudo isso proclama a antifilosofia E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo E permanecem incons cientes de que a antifilosofia é uma filosofia embora pervertida que se aprofundada engendraria sua própria liquidação11 Ou seja não há como negar a filosofia sem fazer filosofia porque para se negar o valor da filosofia dentro do mundo é preciso ter uma concepção do mundo que sustente esta negação Os maus politicos efetivamente agem assim Preferem a massificação do povo por isso impedem o desenvolvimento do pensamento filosófico Mas filosofam para sustentar sua ação deletéria contra a Filosofia Neste sentido vale lembrar os esforços dos governos totalitários na perspectiva de criar uma filosofia capaz de justificar o sentido de sua política e propagála como filosofia total do universo12 Em síntese a filosofia é uma forma de conhecimento que interpretando o mundo cria uma concepção coerente e sistêmica que possibilita uma forma de ação efetiva Essa forma de compreender o mundo tanto é 9 Idem p 3023 10 Idem p 33 11 Jaspers Karl Introdução ao pensamento filosófico Sao Paulo Cultrix 1976 p 138 12 Basbaum Leoncio op cit p 316 27 condicionada pelo meio histórico como também é seu condicionante Ao mesmo tempo pois é uma interpretação do mundo e é uma força de ação Não podemos encerrar estas considerações iniciais sobre a filosofia sem mencionar o fato de que por vezes o pensamento filosófico estabelecido serve aos interesses do poder dominante Por exemplo o pensamento filosóficopolítico que Aristóteles expõe no seu livro Política nada mais é do que a expressão dos anseios do segmento dominante da sociedade de Atenas e assim muitos outros Também o contrário é verdadeiro ou seja que o pensamento filosófico de muitos autores serve à luta de transformação A exemplo lembramos aqui a força do pensamento dos socialistas utópicos como Robert Owen SaintSimon dos socialistas científicos como Marx e Engels dos revolucionários como Lênin MaoTsé tung Amilcar Cabral etc O pensamento filosófico constituído não é limpo neutro mas sim embebido de história e de seus problemas de seus interesses e aspirações 2 0 processo do filosofar Até aqui acreditamos já ter indicado que a filosofia é um corpo de entendimentos que compreende e dá significado ao mundo e à existência Importa saber agora como é que se constitui a filosofia como é que se constrói esse corpo de entendimentos que poderemos assumir criticamente como aquele que queremos para o direcionamento de nossas experiências Para abordar essa questão em primeiro lugar temos que colocar na nossa cabeça que o filosofar além de não ser inútil não é tão difícil e complicado como se fosse tarefa só para gente ultraespecializada Sobre isso Gramsci nos diz que devese destruir o preconceito muito difundido de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filó sofos profissionais e sistemáticos13 Só superando esses preconceitos de dificuldade e de especialidade é que podemos nos convencer de que a contragosto de muitos governantes e muitos políticos podemos e devemos nos dedicar ao filosofar E para dedicarse a esta atividade que vale a pena discutir o método do filosofar a fim de que todos nós passemos a praticálo cotidianamente 13 Gramsci Antonio Concepção dialética da história Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 p 11 Os comentários sobre o processo do filosofar a seguir tem um tanto a ver com aspáginas subseqüentes desse livro 28 Já vimos que quando não temos um corpo filosófico que dê sentido e oriente a nossa vida assumimos o que é comum e hegemônico na so ciedade assumimos o senso comum que é o conjunto de valores assi milados espontaneamente na vivência cotidiana Para iniciar o exercício do filosofar a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles O primeiro passo do filosofar é inventariar os valores que explicam e orien tam a nossa vida e a vida da sociedade e que dimensionam as finalidades da prática humana Assim é preciso se perguntar quais são os valores que dão sentido e orientam a vida familiar se se estiver analisando a família quais valores compreendem e orientam a vida econômica se se estiver questionando a economia quais valores compreendem e orientam a edu cação se esta for o objeto de estudo e assim por diante E preciso pois tomar consciência das ações do lugar onde se está e da direção que toma a vida Direção que nasce tanto da consciência popular como da sedimen tação do pensamento filosófico e político que se formulou e se divulgou na sociedade com o passar do tempo Feito esse inventário que certamente nunca será completo e é tão abrangente quanto todos os setores da vida é preciso passar para um se gundo momento o momento da crítica Tomar esses valores e submetêlos a uma crítica acerba questionálos por todos os ângulos possíveis para verificar se são significativos e se de fato compõem o sentido que queremos dar à existência O padre Vaz num artigo sobre a Filosofia no Brasil diz que esse momento do filosofar assemelhase a um tribunal de razão que faz passar pelo crivo da crítica todos os valores vigentes que dão sentido à nossa cotidianidade A crítica é um modo de penetrar dentro desses valores descobrindo lhes sua essência E uma forma de colocálos em xeque e desvendarlhes os segredos Contudo ninguém pode viver exclusivamente da negação do processo de vasculhação dos valores Não se vive na negatividade Então importa um terceiro momento do filosofar a construção crítica dos valores que sejam significativos para compreender e orientar nossas vidas individuais e dentro da sociedade Valores que sejam suficientemente válidos para guiar a ação na direção que queremos ir São pois em síntese três passos inventariar os valores vigentes cri ticálos reconstruílos E um processo dialético que vai de uma determinada posição para a sua superação teóricoprática Diante do exposto talvez estejamos exclamando mas é tão fácil assim o filosofar E e não é ao mesmo tempo É simples porém não é mecânico como aparece nesta exposição didática Na mesma medida em 29 que estamos inventariando os valores vigentes estamos criticandoos e re construindoos Isso porque a não ser para a exposição didática esses momentos não são seccionados Um nasce de dentro do outro Isso se torna mais compreensível se deixarmos o caso de um filósofo individual e tomarmos as correntes teóricas e históricas Certos entendimentos da mo dernidade têm vínculos com a Idade Média e certos valores que vivemos hoje tiveram seus prenúncios na Idade Moderna Algo semelhante ocorre na vida individual do filósofo Ele entra num processo de crítica dos valores enquanto estes estão vigentes mas também enquanto entre eles iniciamse os prenúncios de certas aspirações e anseios dos seres humanos Assim por exemplo Herbert Marcuse um filósofo alemão contemporâneo criti cou os valores da sociedade industrial e propôs os valores de uma nova sociedade preocupada com uma vida menos unidirecionada para a produ tividade econômica e mais voltada para a vida plena com sentimentos emoções amor vida etc Como e por que Marcuse conseguiu se posicionar dessa forma Porque nasceu e viveu após a Revolução Industrial podendo inventariar e criticar os seus valores E também por ter vivido num momento histórico em que os seres humanos estão exaustos desses valores e aspirando por outros que lhes garantam mais vida Marcuse captou o espírito dessa época O filósofo individual pois entra na corrente do contexto em que vive Isso não quer dizer que ele seja um puro reprodutor dessa época mas sim um captador de seu espírito como vimos anteriormente É assim que nós vamos filosofar inventariar conceitos e valores estu dar e criticar valores estudar e reconstruir conceitos e valores Para que isso ocorra é preciso não só olhar o diaadia mas ler e estudar o que disseram os outros pensadores os outros filósofos Eles poderão nos au xiliar tirandonos do nosso nível de entendimento e dandonos outras ca tegorias de compreensão Assim o nosso exercício do filosofar será um esforço de inventário crítica e reconstrução de conceitos auxiliados pelos pensadores que nos antecederam Eles têm uma contribuição a nos oferecer para nos auxiliar em nosso trabalho de construir nosso entendimento filosófico do mundo e da ação 3 Filosofia e Educação A educação é um típico quefazer humano ou seja um tipo de atividade que se caracteriza fundamentalmente por uma preocupação por uma finalidade a ser atingida A educação dentro de uma sociedade não 30 se manifesta como um fim em si mesma mas sim como um instrumento de manutenção ou transformação social Assim sendo ela necessita de pressupostos de conceitos que fundamentem e orientem os seus caminhos A sociedade dentro da qual ela está deve possuir alguns valores norteadores de sua prática Não é nem pode ser a prática educacional que estabelece os seus fins Quem o faz é a reflexão filosófica sobre a educação dentro de uma dada sociedade As relações entre Educação e Filosofia parecem ser quase naturais Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de uma sociedade a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver estes jovens e esta sociedade Anísio Teixeira chega a refletir que muito antes que as filosofias viessem expressamente a ser formuladas em sistemas já a educação como processo de perpetuação da cultura nada mais era do que o meio de se transmitir a visão do mundo e do homem que a respectiva sociedade honrasse e cultivasse14 Evidentemente nessa afirmação o autor está tomando filosofia como forma de vida de um povo e não como sistema filosófico elaborado e explicitado deliberadamente Devese mesmo observar que os primeiros filósofos do Ocidente na quase totalidade tiveram um preocupar com o aspecto educacional Os chamados filósofos présocráticos os sofistas Sócrates Platão foram os intérpretes das aspirações de seus respectivos tempos e apresentaramse sempre como educadores Por exemplo os présocráticos pelo que podemos saber por seus frag mentos dedicavamse a entender a origem do cosmos e a criar uma compreensão para a educação moral e espiritual dos homens Os sofistas foram educadores Foram inclusive no Ocidente os primeiros a receberem pagamento para ensinar Sócrates foi o homem que morreu em função do seu ideal de educar os jovens e estabelecer uma moralização do ambiente grego ateniense Platão foi o que pretendeu dar ao filósofo o posto de rei a fim de que este tivesse a possibilidade de imprimir na juventude as idéias do bem da justiça da honestidade Da mesma maneira se percorrermos a História da Filosofia e dos filósofos vamos verificar que todos eles tiveram uma preocupação com a definição de uma cosmovisão que deveria ser divulgada através dos processos educacionais 14 Teixeira Anísio Educação e mundo moderno Sao Paulo Ed Nacional 1969 p 9 31 Filosofia e Educação são dois fenômenos que estão presentes em todas as sociedades Uma como interpretação teórica das aspirações desejos e anseios de um grupo humano a outra como instrumento de veiculação dessa interpretação A Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade na qual está situada sobre o educando o educador e para onde esses elementos podem caminhar Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente duas opções ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza uma ação educativa consciente ou não se reflete criticamente e se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca existente na cultura vivida do diaadia e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência O educando quem é o que deve ser qual o seu papel no mundo o educador quem é qual o seu papel no mundo a sociedade o que é o que pretende qual deve ser a finalidade da ação pedagógica Estes são alguns problemas que emergem da ação pedagógica dos povos para a reflexão filosófica no sentido de que esta estabeleça pressupostos para aquela Assim sendo não há como se processar uma ação pedagógica sem uma correspondente reflexão filosófica Se a reflexão filosófica não for realizada conscientemente ela o será sob a forma do senso comum assimilada ao longo da convivência dentro de um grupo Se a ação pedagógica não se processar a partir de conceitos e valores explícitos e conscientes ela se processará queiramos ou não baseada em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de sua postura cultural Quando não se reflete sobre a educação ela se processa dentro de uma cultura cristalizada e perenizada Isso significa admitir que nada mais há para ser descoberto em termos de interpretação do mundo E propriamente a reprodução dos meios de produção Por mais grandiosa que seja uma cultura diz Arcângelo Buzzi ela jamais é a interpretação acabada do ser A ciência a moral a arte a religião a política a economia são expressões visíveis codificadas de uma determinada interpretação que em seu conjunto perfaz aquilo que denominamos cultura ou de modo mais amplo mundo Estamos tão habituados a encarar esse mundo interpretado como natural que não nos damos conta de que ele é apenas possível e realizada interpretação do ser15 15 Buzzi Arcângelo op cit p 122 32 Inconscientemente adaptamonos a essa interpretação do mundo e ela permanecerá como a única para nós se não nos pusermos a filosofar sobre ela a questionála a buscarlhe novos sentidos e novas interpretações de acordo com os novos anseios que possam ser detectados no seio da vida humana Filosofia e educação pois estão vinculadas no tempo e no espaço Não há como fugir a essa fatalidade da nossa existência Assim sendo parece nos ser mais válido e mais rico para nós e para a vida humana fazer esta junção de uma maneira consciente como bem cabe a qualquer ser humano E a liberdade no seio da necessidade 4 Pedagogia Uma pedagogia inclui mais elementos que os puros pressupostos fi losóficos da educação tais como os processos socioculturais a concepção psicológica do educando a forma de organização do processo educacional etc porém esses elementos compõem uma Pedagogia à medida que estão aglutinados e articulados a partir de um pressuposto de um direcionamento filosófico A reflexão filosófica sobre a educação é que dá o tom à peda gogia garantindolhe a compreensão dos valores que hoje direcionam a prática educacional e dos valores que deverão orientála para o futuro Assim não há como se ter uma proposta pedagógica sem pressuposições no sentido de fundamentos e proposições filosóficas desde que tudo o mais depende desse direcionamento Para lembrar exemplos corriqueiros a Pedagogia Montessori a Pedagogia Piagetiana a Pedagogia da Li bertação do professor Paulo Freire e todas as outras sustentamse em um pensamento filosófico sobre a educação Se nem sempre esses pressu postos estão tão explícitos é preciso explicitálos desde que eles sempre existem Por vezes eles estão subjacentes mas nem por isso inexistentes O estudo e a reflexão deverão obrigálos a aparecer desde que só a partir da tomada de consciência desses pressupostos é que se pode optar por escolher uma ou outra pedagogia para nortear nossa prática educacional 5 Procedimentos de estudo e ensino Indicações de uso desses procedimentos encontramse na Introdução do livro 33 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Qual tem sido a reação cotidiana das pessoas à filosofia Além de verificar como o texto expressa essa questão analise como você pessoalmente e as pessoas de sua convivência falam da filosofia b Que tipo de entendimento da realidade é produzido pela filosofia c É possível viver sem alguma compreensão valorativa da vida O direcionamento valorativo inconsciente da vida humana constituise em uma prática filosófica Por quê d Como o entendimento produzido pela filosofia se articula com a vida humana e a orienta e Que comprometimentos pode ter a filosofia com determinados seg mentos da sociedade humana f Identifique e explicite os três passos do processo do filosofar g Que relação existe entre filosofia e educação h Qual a reação entre filosofia e pedagogia 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Como proceder o filosofar sobre o cotidiano em geral e sobre o cotidiano escolar b O papel da filosofia na prática educativa 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares BASBAUM Leõncio O panorama contemporâneo capítulo 1 do livro Sociologia do materialismo 3a ed Sâo Paulo Símbolo 1978 p 1528 BUZZI Arcângelo Prefácio do livro Introdução ao pensar Petrópolis Vozes 1973 CORBISIER Roland Prefácio do livroFilosofia e Critica Radical Sâo Paulo Duas Cidades 1976 p 916 ver ainda neste mesmo livro o capítulo Carência de filosofia p 101116 GRAMSCI Antonio Alguns pontos preliminares de referência no livro Concepção dialética da história Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 p 1130 34 POLITZER Georges Introdução do livro Princípios fundamentais de filosofia São Paulo Hemus sd p 1323 SAVIANI Dermeval Educaçao do senso comum à consciência filosófica e a Filosofia na formação do educador capítulos do livro Educação do senso comum à consciência filosófica Sao Paulo Cortez 1980 p 916 e 1730 VANNUCHI Aldo Introdução capítulo 1 do livro Filosofia e ciências humanas São Paulo Ed Loyola 1977 p 722 35 Capítulo 2 Educação e sociedade redenção reprodução e transformação No capítulo anterior retomamos alguns elementos básicos do conceito de filosofia do processo do filosofar da relação entre filosofia e educação chegando a indicar que não há uma pedagogia que esteja isenta de pres supostos filosóficos Vamos tentar avançar um pouco Se a educação está eivada de sentido de conceitos valores e finalidades que a norteiam acreditamos que a pri meira pergunta a ser feita é a que se refere ao próprio sentido e valor da educação na e para a sociedade Cabe começar pela questão mais abran gente e fundamental que sentido pode ser dado à educação como um todo dentro da sociedade Da resposta a essa pergunta seguese uma compreensão da educação e do seu direcionamento Alguns responderão que a educação é responsável pela direção da sociedade na medida em que ela é capaz de direcionar a vida social sal vandoa da situação em que se encontra um segundo grupo entende que a educação reproduz a sociedade como ela está há um terceiro grupo de pedagogos e teóricos da educação que compreendem a educação como uma instância mediadora de uma forma de entender e viver a sociedade Para estes a educação nem salva nem reproduz a sociedade mas pode e deve servir de meio para a efetivação de uma concepção de sociedade Esses três grupos de entendimento do sentido da educação na socie dade podem ser expressos respectivamente pelos conceitos seguintes edu cação como redenção educação como reprodução e educação como um meio de transformação da sociedade Essas são as três tendências filosóficopolíticas para compreender a Educação que se constituíram ao longo da prática educacional Filosóficas porque compreendem o seu sentido e políticas porque constituem um direcionamento para sua ação 37 Para agirmos com um nível significativo de consciência na prática pe dagógica necessitamos compreender essas perspectivas e criticamente pro duzir uma compreensão que venha a nortear o nosso trabalho 1 Educação como redenção da sociedade A primeira das tendências a tendência redentora concebe a so ciedade como um conjunto de seres humanos que vivem e sobrevivem num todo orgânico e harmonioso com desvios de grupos e indivíduos que ficam à margem desse todo Ou seja a sociedade está naturalmente composta com todos os seus elementos o que importa é integrar em sua estrutura tanto os novos elementos novas gerações quanto os que por qualquer motivo se encontram à sua margem Importa pois manter e conservar a sociedade integrando os indivíduos no todo social Com esta compreensão a educação como instância social que está voltada para a formação da personalidade dos indivíduos para o desen volvimento de suas habilidades e para a veiculação dos valores éticos ne cessários à convivência social nada mais tem que fazer do que se estabelecer como redentora da sociedade integrando harmonicamente os indivíduos no todo social já existente A educação seria assim uma instância quase que exterior à sociedade pois de fora dela contribui para o seu ordenamento e equilíbrio perma nentes A educação nesse sentido tem por significado e finalidade a adap tação do indivíduo à sociedade Deve reforçar os laços sociais promover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social Nesse contexto a educação assume uma significativa margem de au tonomia na medida em que deve configurar e manter a conformação do corpo social Em vez de receber as interferências da sociedade é ela que interfere quase que de forma absoluta nos destinos do todo social cu randoo de suas mazelas Este é um modo ingênuo de compreender a relação entre educação e sociedade Um exemplo típico dessa concepção de educação como redentora da sociedade está em Comênio2 autor de uma obra clássica sobre ensino 1 Saviani Dermeval Escola e democracia São Paulo CortezAutores Associados 1987 p 817 2 Joâo A Coménio foi um educador do século XVII nascido na antiga Morávia hoje Tchecoslováquia em 28 de março de 1592 e falecido em 15 de novembro de 1670 em Amsterdã Escreveu muitas obras sobre educação A mais conhecida é a Didática Magna Há uma tradução portuguesa da Fundação Calouste Gulbenkian essa edição que usaremos para as citações que se seguirão no corpo do próprio texto 38 publicada em 1657 intitulada Didática Magna tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos No capítulo destinado a demonstrar a todos ministros de Estado pastores de igrejas diretores de escola pais tutores o sentido da obra que empreende Comênio deixa claro seu entendimento da finalidade da educação Parte da compreensão de que o mundo foi criado bom e harmônico por Deus Pela desobediência o ser humano através do casal originário Adão e Eva introduziu o desequilíbrio o pecado Deus mandou Cristo para trazer a salvação para os seres humanos e oferecerlhes a oportunidade de retornar ao equilíbrio e à harmonia Porém os homens continuaram no seu delírio de quedas distorções e desvios A educação cabe a recuperação dessa harmonia perdida E preciso pela educação amar a sociedade Sobre a queda e o desequilíbrio em relação à harmonia primitiva no paraíso Comênio diz Mas que desventura foi a nossa Estávamos no paraíso das delicias corporais e perdemolo e ao mesmo tempo perdemos o paraíso das delícias espirituais que éramos nós mesmos Fomos expulsos para as solidões da terra e tornamonos nós próprios uma solidão e um autêntico deserto escuro e esquálido Com efeito fomos ingratos para com aqueles bens dos quais no paraíso Deus nos havia cumulado com abundância relativamente à alma e ao corpo merecidamente portanto fomos despojados de uns e de outros e a nossa alma e o nosso corpo tornaramse o alvo das desgraças p 57 Para ele havia uma ordem uma harmonia que foi quebrada Essa ordem e harmonia parece no escrito de Comênio estar distante Ela teria ocorrido no Paraíso Terrestre descrito no texto bíblico No entanto de fato Comênio lamentava o desequilíbrio social existente na sua época e desejava reordená la Falava sobre o presente e lamentavao Na verdade do que existe em nós ou do que a nós pertence haverá algo que esteja no seu devido lugar Nada em parte alguma Invertido e estagnado tudo está destruído e arruinado p 60 E Comênio complementa essa consideração identificando os desvios do ser humano e da sociedade da sua época no que se refere à inteligência à prudência à sabedoria ao amor próprio à justiça à castidade à simpli cidade etc Ou seja na sua sociedade é que se faziam presentes os dese quilíbrios como ecos da desarmonia original Mas para o autor a humanidade e a sociedade da sua época não estavam de todo abandonadas Havia soluções Uma delas era a redenção dos pecadores por Jesus Cristo a outra estava colocada por Deus nas mãos de todos seguir os seus ensinamentos 39 Concorrer também nós para o aperfeiçoamento da nossa vida segundo os modos e os caminhos que nos mostrou o mesmo sapientís simo Deus o qual ordena tudo conforme os seus caminhos p 62 Mas como colaborar para esse processo de regeneração da sociedade Como processar sua redenção Comênio nos aponta o caminho da educação Ele é o meio mais eficaz de redimir essa sociedade Um dos primeiros ensinamentos que a Sagrada Escritura nos dá é este sob o sol não há nenhum outro caminho mais eficaz para corrigir as corrupções humanas que a reta educação da juventude p 62 E como poderá ser alcançado esse esforço de recuperar a sociedade Renovandoa pela educação fazendo com que toda a juventude de um e de outro sexo respondenos Comênio sem excetuar ninguém em parte alguma possa ser formada nos estudos educada nos bons costumes impregnada de piedade e desta maneira possa ser nos anos de puberdade instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e futura com economia de tempo e fadiga com agrado e com solidez p 43 Tudo será feito para que a sociedade seja redimida e que haja menos trevas menos confusão menos dissídios e mais luz mais ordem mais paz mais tranqüilidade p 44 Assim Comênio é um legítimo representante da tendência filosófica que considera a educação como redentora da sociedade Para ele pela educação das crianças e dos jovens a sociedade será redimida Ele não crê nas possibilidades de reequilibrar a sociedade a partir dos adultos e acredita mesmo que sua arte de ensinar não servirá para eles Sobre isto nos diz Com efeito para transplantar árvores velhas e nelas infundir fe cundidade não basta a força da arte Portanto as mentes simples e nâo ainda ocupadas e estragadas por vãos preconceitos e costumes mundanos são as mais aptas para amar a Deus p 65 Portanto a educação terá a força de redimir a sociedade se investir seus esforços nas gerações novas formando suas mentes e dirigindo suas ações a partir dos ensinamentos Deste modo elas estarão sendo adaptadas ao ideal de sociedade através da educação Vale observar que essa concepção e educação redentora da sociedade perdurou por épocas Os enciclopedistas da Revolução Francesa pedagogia tradicional e os pedagogos do final do século passado pedagogia nova continuaram com essa mesma compreensão Os enciclopedistas acreditavam na redenção da sociedade pela educação das mentes e os pedagogos da 40 escola ativa do final do século passado e início deste acreditavam na re denção da sociedade através da formação da convivência entre as pessoas a partir do atendimento às diferenças individuais de cada um No próximo capítulo falaremos desses casos específicos de pedagogia Tanto Comênio como os enciclopedistas e pedagogos renovados to dos consideram a sociedade como um todo orgânico que deve ser mantido e restaurado através da educação A essa tendência de dar à educação a finalidade filosóficopolítica de redimir a sociedade Dermeval Saviani dá a denominação de teoria não crítica da educação devido ao fato de ela não levar em conta a contex tualização crítica da educação dentro da sociedade da qual ela faz parte3 Importa por último notar que essa tendência redentora da educação se faz presente ainda hoje Quantos não são aqueles que trabalham em educação e consideram ingenuamente os seus atos como atos isentos de comprometimentos com a política e totalmente voltados para a redenção da sociedade 2 Educação como reprodução da sociedade A segunda tendência de interpretação do papel da educação na so ciedade é a que afirma que a educação faz integralmente parte da socie dade e a reproduz Diversa da tendência anterior aborda a educação como uma instância dentro da sociedade e exclusivamente ao seu serviço Não a redime de suas mazelas mas a reproduz no seu modelo vigente perpe tuandoa se for possível A diferença fundamental entre a tendência anterior e esta é que a educação redentora atua sobre a sociedade como uma instância corretora dos seus desvios tornandoa melhor e mais próxima do modelo de perfeição social harmônica idealizada A interpretação da educação como reprodutora da sociedade implica entendêla como um elemento da própria sociedade determinada por seus condicionantes econômicos sociais e políticos por tanto a serviço dessa mesma sociedade e de seus condicionantes Na primeira posição a visão da educação é nãocrítica Aqui ela é crítica desde que aborda a educação a partir de seus determinantes porém além de ser crítica é reprodutivista desde que a vê somente como elemento destinado a reproduzir seus próprios condicionantes 3 Saviani Dermeval op cit p 9 41 Dermeval Saviani denomina esta tendência de teoria críticorepro dutivista da educação4 Entre os muitos autores que assumem essa concepção 5 vamos tomar um só É claro que cada um deles tem uma forma específica de tratamento da relação entre educação e sociedade Para o objetivo que temos aqui no entanto bastanos um deles e vamos tomar as idéias de Louis Althusser no seu livro Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado6 Antes de iniciarmos a abordagem que este autor faz da educação como reprodutora da sociedade vale observar que a tendência crítico reprodutivista não se traduz numa pedagogia ou seja ela não estabelece um modo de agir para a educação como propunha a tendência anterior e como proporá a subseqüente Pretende apenas demonstrar como atua a educação dentro da sociedade e não como ela deve atuar Por si mesma a educação como está aí serve de reprodutora dessa sociedade A tendência criticoreprodutivista não propõe uma prática pedagógica mas analisa a existente projetando essa análise para o futuro Em Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado Althusser faz a partir de pressupostos marxistas um estudo sobre o papel da escola como um dos aparelhos do Estado como uma das instâncias da sociedade que veicula a sua ideologia dominante para reproduzila Vamos seguir as reflexões do autor e ver como isso se dá segundo a sua abordagem Toda sociedade para perenizarse necessita reproduzirse em todos os seus aspectos caso contrário desaparece Parafraseando Marx Althusser nos diz que se uma formação social não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo em que produz não conseguirá sobreviver um ano que seja p 9 E para que isso aconteça tanto economistas marxistas como burgueses reconhecem que não há produção possível sem que seja assegurada a reprodução das condições materiais da produção a reprodução dos meios de produção p 13 Assim a cada momento os administradores da produção deverão estar atentos verificando o que necessita ser suprido eou substituído para a manutenção do teor de produção ou para o seu incremento e aumento É 4 Idem p1920 5 Muitos autores fizeram a análise reprodutivista da educação Além de Althusser que vamos utilizar podemos citar Bourdieu Pierre e Passeron ClaudeA reprodução Rio de Janeiro Francisco Alves 1975 Baudelot C e Establet R Escola capitalista na França Paris 1971 não há tradução para o português Bowles e GintisEscola capitalista na América EUA não há traduçâo para o português 6 Althusser LouisIdeologia e aparelhos ideológicos de Estado Lisboa Editorial Presença sd Vamos nos utilizar dessa ediçâo e por isso só indicamos as páginas de onde retiramos as transcrições Há uma traduçâo desse livro no Brasil publicada pela Ed Global 7 A abordagem que se segue foi retirada em sua quase totalidade do capítulo Escola otimização do sistema social In Luckesi Cipriano C Equívocos teóricos na prática educacionaL Rio de Janeiro ABT 1983 p 139 42 impossível manter a produção sem que ocorra a reprodução dos meios materiais que garantam a manutenção ou o incremento da produção assim como tornase necessária a reprodução cultural da sociedade E este o tema de abordagem de Althusser Vamos seguir seu raciocínio Não há como continuar a produzir sem a entrada de matériasprimas e sem a reprodução das condições técnicas da produção Os equipamentos desgastamse ou tornamse obsoletos Todavia não nos interessa aprofun dar aqui o estudo da reprodução dos bens materiais Bastanos por en quanto saber que sua reprodução é condição indispensável para manter a sua produção No entanto a produção de bens materiais e sua reprodução não se realizam sem outro elemento básico a força de trabalho Como qualquer outro elemento ela não é infinita e inesgotável o que exige também a sua reprodução Como isso acontece A força de trabalho possui duas vertentes que servem diretamente ao sistema produtivo uma vertente biológica e outra cultural Do ponto de vista biológico há que se reproduzir a força de tra balho pois em caso contrário um dos impulsionadores da produção o trabalhador o operário será extinto O termo proletário tem seu sen tido primitivo em prole que significa exatamente a multiplicação biológica dos homens no caso trabalhadores para o sistema produtivo capitalista A prole conjunto de filhos multiplica o pai força de trabalho do ponto de vista biológico As forças trabalhadores que se desativam pela doença ou pela morte devem ser substituídas por reproduções suas filhos novas forças de trabalho O sistema de produção capitalista sustenta a reprodução biológica pelo salário Do ponto de vista cultural a força de trabalho deve manifestar competência no exercício das atividades que garantem a pro dução Não basta assegurar à força de trabalho nos diz Althusser as condições materiais de sua reprodução para que ela seja reproduzida como força de trabalho Dissemos que a força de trabalho deveria ser competente isto é apta a ser posta a funcionar no sistema complexo do processo de produção p 19 Devese pois não só reproduzir a mãodeobra do ponto de vista quantitativo biológico mas também qualitativo cultural Ou seja tor nase necessária a formação profissional segundo os diversos níveis e ne cessidades da divisão social do trabalho Como se dá essa reprodução da força de trabalho do ponto de vista qualitativo No passado nas sociedades simples e primitivas essa apren dizagem essa preparação se fazia na própria prática cotidiana Aprendiase operando o próprio meio de trabalho Na medida em que os grupamentos 43 humanos foram se tornando mais complexos seja do ponto de vista nu mérico seja do ponto de vista das relações sociais a preparação da força de trabalho do ponto de vista qualitativo reprodução cultural da força de trabalho foi delegada a uma instituição social específica a escola Com isso a escola alcançou o foro de principal instrumento para a reprodução qualitativa da força de trabalho de que necessitava a sociedade capitalista E então como atua a escola Segundo Althusser a sua ação opera em dois sentidos diversos mas complementares 1º De um lado vaise mais ou menos longe nos estudos mas de qualquer maneira aprendese a ler a escrever a contar por tanto algumas técnicas e ainda mais coisas inclusive elementos que podem ser rudimentares ou pelo contrário aprofundados de cultura científica ou literária diretamente utilizáveis nos dife rentes lugares da produção uma instrução para os operários outra para os técnicos uma terceira para os engenheiros uma outra para os quadros superiores etc Aprendemse portanto saberes práticos des savoir faire p 201 2º De outro lado e ao mesmo tempo que ensina estas técnicas e estes conhecimentos a escola ensina também as regras dos bons costumes isto é o comportamento que todo agente da divisão do trabalho deve observar segundo o lugar que está destinado a ocupar regras de moral da consciência cívica e profissional o que significa exatamente regras de respeito pela divisão social técnica do trabalho pelas regras da ordem estabelecida pela do minação de classe Ensina também a bem falar a redigir bem o que significa exatamente para os futuros capitalistas e seus ser vidores mandar bem isto é solução ideal a falar bem aos ope rários etc p 21 Sobre esta dupla modalidade de ação da escola Althusser à guisa de interpretação diz que enunciando este fato numa linguagem mais cien tífica dizemos que a reprodução da força de trabalho exige não só uma reprodução da qualificação desta mas ao mesmo tempo uma reprodução da submissão desta às regras da ordem estabelecida isto é uma reprodução da submissão desta à ideologia dominante para os operários e uma re produção da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão a fim de que possam assegurar também pela palavra a dominação da classe dominante Por outras pa lavras a escola mas também outras instituições do Estado comn a Igreja ou outros aparelhos como o Exército ensinam os saberes práticos mas 44 em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante grifo de Althusser ou o manejo da prática desta Todos os agentes da produção da exploração e da repressão não faltando os profissionais da ideologia devem estar de uma maneira ou de outra penetrados desta ideologia para desempenharem conscienciosamente a sua tarefa quer de explorados os proletários quer de exploradores os capitalistas quer de auxiliares da exploração os quadros quer de papas da ideologia dominante os seus funcionários etc p 212 E o autor remata dizendo que é nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que é assegurada a reprodução da força de trabalho p 23 Não basta pois a reprodução qualitativa da competência da força de tra balho Tornase básico que essa reprodução se dê sob a égide da sujeição à ideologia dominante Ao saber fazer acrescentese o saber comportar se A escola deveria então normalmente trabalhar nos dois sentidos To davia numa primeira visão parece que a prática escolar no Brasil tem tendido mais para o ensino das regras do bem comportarse do que para o ensino do saber Ou seja aprender a comportarse de tal forma de terminada tornase mais importante do que saber de uma maneira cien tífica e técnica suficientemente adequada A escola segundo a análise de Althusser é o instrumento criado para otimizar o sistema produtivo e a sociedade a que ele serve pois ela não só qualifica para o trabalho socialmente definido mas também introjeta valores que garantem a reprodução comportamental compatível com a ideologia dominante Tornar um aluno mais competente tecnicamente não é o suficiente Ele deve tornarse mais competente para manter uma so ciedade determinada Junto ao saber vem acoplado o saber interpretar a sociedade do ponto de vista dos interesses da classe dominante O termo formação muito utilizado para definir os fins da atividade escolar expressa bem o papel de reprodutora do sistema que desempenha a escola Formar quer dizer dar forma a padronizar segundo um modelo Para demonstrar o funcionamento da escola como instrumento da sociedade dominante conduzindo não só à aprendizagem do saber mas também do saber comportarse Althusser sentiu necessidade de analisar a estrutura social situando o papel específico da escola dentro deste esquema Para tanto teve necessidade de reportarse ao modelo marxista da infraestrutura e da supraestrutura A infraestrutura determinante é for mada pelos elementos econômicos da sociedade a supraestrutura é o con 45 junto dos elementos culturais condicionados pela infraestrutura pos suindo uma autonomia suficiente para interferir e reproduzir a sociedade Interessa para comentar a escola falar da supraestrutura e seus ele mentos A sociedade cria os organismos que a perpetuam O Estado com seus aparelhos é o fator fundamental de manutenção e reprodução da sociedade O Estado segundo o autor se mantém a partir de seus aparelhos repressivos que se manifestam pelo exercício da violência e de seus aparelhos ideológicos que veiculam e inculcam valores da sociedade vigente tendo em vista sua manutenção e reprodução Os aparelhos ideo lógicos de Estado são os elementos da supraestrutura que estão propria mente a serviço da manutenção da sociedade A guisa de exemplos sem que se deva levar em conta uma hierarquia ou uma ordem de prioridade o autor cita os seguintes aparelhos ideológicos religioso escolar familiar jurídico sindical da informação cultural letras artes etc Neste estudo interessamnos apenas os aparelhos ideológicos de Esta do e entre eles aquele que Althusser considera a primadona a Escola Segundo o autor na sociedade moderna a Escola substituiu a Igreja no esquema da reprodução através da veiculação de valores No concerto geral dos aparelhos ideológicos de Estado há um apa relho ideológico de Estado que desempenha incontestavelmente o papel dominante embora nem sempre se preste muita atenção à sua música ela é de tal maneira silenciosa Tratase da escola p64 Os aparelhos ideológicos de Estado permitem e garantem a hegemonia política sustentadora do poder pelo processo de reprodução das relações de produção vigentes na sociedade A escola nesse processo tem papel predominante A escola como principal aparelho ideológico de Estado atua sobre as diversas faixas etárias do cidadão em cada uma exercendo em plenitude seu papel de reprodutora das forças de trabalho Desde a infância a escola exerce seu papel sobre o cidadão A partir da Préprimária inculcalhe durante anos os anos em que a criança está mais vulnerável entalada entre o Aparelho de Estado familiar e o Aparelho de Estado escolar saberes práticos des savoir faire envolvidos na ideologia dominante o francês o cálculo a história as ciências a literatura ou simplesmente a ideologia dominante no estado puro moral instrução cívica filosofia Algures por volta dos dezesseis anos uma enorme massa de crianças cai na produção são os operários ou os pequenos camponeses A outra parte da juventude escolarizável continua e seja como for faz um terço do caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros de médios e pequenos empregados de pequenos e 46 médios funcionários pequeno burgueses de toda espécie Uma última par te consegue ascender aos cumes quer para cair no semidesemprego inte lectual quer para fornecer além dos intelectuais do trabalho coletivo os agentes da exploração capitalistas managers os agentes da repressão militares policiais políticos administradores e os profissionais da ideo logia padres de toda espécie a maioria dos quais são laicos convenci dos p 65 Essa prática escolar que perpassa a vida das pessoas da infância à maturidade deixa sua marca indelével na personalidade de cada um re produzindo a força de trabalho reproduzindo mais propriamente as rela ções de produção de uma dada sociedade Os papéis definidos pela divisão social do trabalho se especificam conforme a escolaridade de cada um Cada massa que fica pelo caminho está praticamente recheada da ideologia que convém ao papel que ela deve desempenhar na sociedade de classes O papel de explorado com consciência profissional moral cívica nacional e política altamente desenvolvida O papel de agente da exploração saber mandar e falar aos operários as relações humanasde agentes de repressão saber mandar e ser obedecido sem discussão ou saber manejar a demagogia da retórica dos dirigentes políticos O ou de profissionais da ideologia que saibam tratar as consciên cias com respeito isto é com o desprezo a chantagem a demagogia que convém acomodamos às sutilezas da Moral da Virtude da Transcendência da Nação do papel da França no mundo etc p 66 Esses valores da sociedade dominante que se reproduzem através da escola não operam nela com exclusividade A família a Igreja os meios de comunicação social subsidiam o mesmo fim Todavia nenhuma outra instituição como a escola dispõe durante tanto tempo da audiência obri gatória e ainda por cima gratuita da totalidade das crianças da formação social capitalista 5 6 dias em 7 que tem a semana à razão de 8 horas por dia p 65 E para não deixar dúvidas sobre o que quer dizer Althusser afirma que é através da aprendizagem de alguns saberes práticos savoir faire envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista isto é as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados p 667 47 A escola pois age por valores e otimiza ao máximo o sistema dentro do qual está inserida e ao qual serve Não é a escola que institui a sociedade mas é ao contrário a sociedade que institui a escola para o seu serviço A escola pela análise feita por Althusser é o instrumento de reprodução e por isso mesmo de manutenção do sistema social vigente Do ponto de vista desse autor o poder dominante é tão forte na sociedade que não há possibilidade nenhuma para a escola de trabalhar pela sua transformação Apesar de assumir um posicionamento crítico em termos de abordagem da educação Althusser acrescenta a ela uma perspectiva reprodutivista chegando ao pessimismo derrotista que pode ser visto no seguinte parágrafo Peço desculpas aos professores que em condições terríveis ten tam voltar contra a ideologia contra o sistema e contra as práticas em que este os encerra as armas que podem encontrar na história e no saber que ensinam Em certa medida são heróis Mas são raros e quantos a maioria não têm sequer vislumbre de dúvida quanto ao trabalho que o sistema que os ultrapassa e esmaga os obriga a fazer pior dedicamse inteiramente e em toda consciência à realização desse trabalho os famosos métodos novos Têm tão poucas dúvidas que contribuem até pelo seu devotamento a manter e a alimentar a representação ideológica da Escola que a torna hoje tão natural indispensávelútil e até benfazeja aos nossos contemporâneos quanto a Igreja era natural indispensável para os nossos antepassados de há séculos p 678 Assim na visão reprodutivista de Althusser façam o que fizerem os professores lutem melhorem suas práticas melhorem seus métodos e materiais tudo será em vão já que sempre reproduzirão a ideologia dominante e pois a sociedade vigente 3 Educação como transformação da sociedade A terceira tendência é a que tem por perspectiva compreender a edu cação como mediação de um projeto social Ou seja por si ela nem redime nem reproduz a sociedade mas serve de meio ao lado de outros meios para realizar um projeto de sociedade projeto que pode ser conservador ou transformador No caso essa tendência não coloca a educação a serviço da conservação Pretende demonstrar que é possível compreender a educação dentro da sociedade com os seus determinantes e condicionantes mas com a possibilidade de trabalhar pela sua democratização 48 A tendência redentora é otimista em relação ao poder da educação sobre a sociedade a tendência reprodutivista é pessimista no sentido de que sempre será uma instância a serviço do modelo dominante de sociedade Em termos de resultados as duas tendências parecem chegar ao mesmo ponto A tendência redentora pretende curar a sociedade de suas mazelas adaptando os indivíduos ao modelo ideal de sociedade que no fundo não é outra senão aquela que atende aos interesses dominantes A tendência reprodutivista afirma que a educação não é senão uma instância de reprodução do modelo de sociedade ao qual serve que no caso do presente é a sociedade vigente Uma reconhece que a educação é a instância que corrige desvios do modelo social outra reconhece que a educação reproduz o modelo social Em ambos os casos a organização da sociedade é tida como natural e ahistórica As formas de visão é que diferem otimismo de um lado pessimismo de outro Os teóricos da terceira tendência nem negam que a educação tem papel ativo na sociedade nem recusam reconhecer os seus condicionantes históricosociais Ao contrário consideram a possibilidade de agir a partir dos próprios condicionantes históricos Dermeval Saviani assim se refere a esse tema Uma teoria do tipo acima enunciado se impõe a tarefa de superar tanto o poder ilusório que caracteriza as teorias nãocríticas como a impotência decorrente das teoriascríticoreprodutivistas colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitirlhes o exercício de um poder real ainda que limitado 8 Assim sendo esta terceira tendência poderá ser denominada de crí tica tanto na medida em que não cede ao ilusório otimismo quanto na medida em que interpreta a educação dimensionada dentro dos determi nantes sociais com possibilidades de agir estrategicamente Assim ela pode ser uma instância social entre outras na luta pela transformação da so ciedade na perspectiva de sua democratização efetiva e concreta atingindo os aspectos não só políticos mas também sociais e econômicos Para tanto importa interpretar a educação como uma instância dia lética que serve a um projeto a um modelo a um ideal de sociedade Ela medeia esse projeto ou seja trabalha para realizar esse projeto na prática Assim se o projeto for conservador medeia a conservação contudo se o projeto for transformador medeia a transformação se o projeto for au toritário medeia a realização do autoritarismo se o projeto for democrá tico medeia a realização da democracia 8 Idem p356 49 Dessa forma a educação por si não será mecanicamente reprodutivista Ela poderá ser reprodutora mas não necessariamente desde que poderá ser criticizadora9 Poderá estar pois a serviço de um projeto de libertação das maiorias dentro da sociedade Claro não será simples à educação e aos educadores que a realizam efetivar esse processo dentro da sociedade capitalista pois que esta possui muitos ardis pelos quais ela se recompõe tendo em vista não modificarse O professor Dermeval Saviani nos alerta para essa dificuldade dizendo nos o seguinte O caminho é repleto de armadilhas já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com anseios da classe dominada Para evitar esse risco é necessário avançar no sentido de captar a natureza espe cífica da educação o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista10 No próximo capítulo que abordará as tendências pedagógicas teremos oportunidade de entrar em contato com as diversas pedagogias que podem ser consideradas transformadoras Então veremos as estratégias que foram sendo propostas e desenvolvidas para que elas pudessem assim ser denominadas Por ora encerramos com uma sugestão do professor Saviani Ele nos indica a necessidade de cuidar daquilo que é específico da escola para que esta venha a cumprir um papel de mediação num projeto democratizados da sociedade Diz ele Do ponto de vista prático tratase ae retomar vigorosamente a luta contra a seletividade a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajarse no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes o grifo não pertence ao texto original11 9 Sobre isso recomendo a leitura de Cury Carlos Roberto Jamil Educação e contradição Sao Paulo CortezAutores Associados 1984 Categorias possíveis para a compreensão do fenómeno educativo In Revista Educação Sociedade nº 2 10 Saviani Dermeval op cit p 36 11 Idem p 36 50 4 Conclusão Apresentamos três tendências filosóficas de interpretação da educação que redundam em formas de agir politicamente no contexto da prática pedagógica A tendência redentora propõe uma ação pedagógica otimista do ponto de vista político acreditando que a educação tem poderes quase que absolutos sobre a sociedade A tendência reprodutivista é crítica em relação à compreensão da educação na sociedade porém pessimista não vendo qualquer saída para ela a não ser submeterse aos seus condicionantes Por último a tendência transformadora que é crítica recusase tanto ao otimismo ilusório quanto ao pessimismo imobilizador Por isso propõese compreender a educação dentro de seus condicionantes e agir estrategicamente para a sua transformação Piopõese desvendar e utilizarse das próprias contradições da sociedade para trabalhai realisticamente criticamente pela sua transformação A nós tendo compreendido essas tendências cabe filosoficamente criticamente descobrir qual a tendência que orientará o nosso trabalho O que não podemos é ficar sem nenhuma delas pois como dissemos quando não pensamos somos pensados e dirigidos por outros 5 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Como se entende a educação como um instrumento de redenção da sociedade Explicitar o aspecto ingênuo e acrítico desta posição b Como se entende que a educação reproduz a sociedade Explorar o aspecto critico desta posição no sentido de situar a educação dentro dos condicionamentos sociais determinantes do seu processo c Como se entende a educação como uma das instâncias sociais que pode servir à transformação da sociedade Explorar o sentido crítico desta posição tanto do ponto de vista de identificar e reconhecer os seus determinantes sociais como no de buscar uma saída dinâmica para a ação educativa 51 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Semelhanças e diferenças entre três posições sobre a relação edu cação e sociedade redenção reprodução transformação b Sua posição a respeito da relação educação e sociedade 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares CURY Carlos Roberto Jamil Categorias possíveis para a compreensão do fenômeno educativo In Revista Educação Sociedade nº 2 E d u c a ç ã o e contradição Sao Paulo CortezAutores Associados 1984 FREIRE Paulo Educação de adultos ela um que fazer neutro In Revista Educação Sociedade 66470 SAVIANI Dermeval Escola e democracia São Paulo CortezAutores Associados 1983 ver especialmente o primeiro capítulo Tendências e correntes da Educação Brasileira In A Bosi Alfredo et alii Filosofia da educação brasileira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1983 52 Capítulo 3 Tendências pedagógicas na prática escolar Nos capítulos anteriores fizemos um esforço para compreender a re lação existente entre Pedagogia e Filosofia mostrando de um lado que pedagogia se delineia a partir de uma posição filosófica definida e de outro lado compreender as perspectivas das relações entre educação e sociedade Verificamos que são três as tendências que interpretam o papel da educação na sociedade educação como redenção educação como reprodução e educação como transformação da sociedade Neste capítulo vamos tratar das concepções pedagógicas propriamente ditas ou seja vamos abordar as diversas tendências teóricas que preten deram dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana Desse modo estaremos aprofundando a compreensão da articulação entre filosofia e educação que aqui atinge o nível da concepção filosófica da educação que se sedimenta em uma pedagogia Genericamente podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas Essa discussão tem uma importância prática da maior relevância pois permite a cada professor situarse teoricamente sobre suas opções articu landose e autodefinindose 1 0 presente capítulo de autoria de José Carlos Libâneo é a reprodução do capítulo 1 Tendências Pedagógicas na Prática Escolar do livro Democratização da escola pública pedagogia críticosocial dos conteúdos Sao Paulo Loyola 1985 autorizada pela Editora e pelo autor aos quais agradecemos Foram introduzidas modificações na Introdução do capítulo para articuláIo com o conteúdo deste livro 53 Para desenvolver a abordagem das tendências pedagógicas utilizamos como critério a posição que cada tendência adota em relação às finalidades sociais da escola Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias em dois grupos conforme aparece a seguir 1 Pedagogia liberal 11 tradicional 12 renovada progressivista 13 renovada nãodiretiva 1 14 tecnicista 2Pedagogia progressista 21 libertadora 22 libertária 23 críticosocial dos conteúdos É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas o que aliás é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação Em alguns casos as tendências se complementam em outros divergem De qualquer modo a classificação e sua descrição poderão funcionar como um instrumento de análise para o professor avaliar a sua prática de sala de aula A exposição das tendências pedagógicas compõese de uma caracte rização geral das tendências liberal e progressista seguidas da apresentação das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na prática docente 1 Pedagogia liberal O termo liberal não tem o sentido de avançado democrático aber to como costuma ser usado A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção também denominada sociedade de classes A pedagogia liberal portanto é uma manifestação própria desse tipo de sociedade A educação brasileira pelo menos nos últimos cinqüenta anos tem sido marcada pelas tendências liberais nas suas formas ora conservadora ora renovada Evidentemente tais tendências se manifestam concretamen te nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores ainda que estes não se dêem conta dessa influência 54 A pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais de acordo com as aptidões individuais por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes através do desenvolvimento da cultura individual A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes pois embora difunda a idéia de igualdade de oportunidades não leva em conta a desigualdade de con dições Historicamente a educação liberal iniciouse com a pedagogia tra dicional e por razões de recomposição da hegemonia da burguesia evoluiu para a pedagogia renovada também denominada escola nova ou ativa o que não significou a substituição de uma pela outra pois ambas conviveram e convivem na prática escolar Na tendência tradicional a pedagogia liberal se caracteriza por acen tuar o ensino humanístico de cultura geral no qual o aluno é educado para atingir pelo próprio esforço sua plena realização como pessoa Os conteúdos os procedimentos didáticos a relação professoraluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as reali dades sociais E a predominância da palavra do professor das regras im postas do cultivo exclusivamente intelectual A tendência liberal renovada acentua igualmente o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais Mas a educação é um pro cesso interno não externo ela parte das necessidades e interesses indivi duais necessários para a adaptação ao meio A educação é a vida presente é a parte da própria experiência humana A escola renovada propõe um ensino que valorize a autoeducação o aluno como sujeito do conhecimento a experiência direta sobre o meio pela atividade um ensino centrado no aluno e no grupo A tendência liberal renovada apresentase entre nós em duas versões distintas a renovada progressivista2 ou pragmatista principalmente na forma difundida pelos pioneiros da educação nova entre os quais se destaca Anísio Teixeira devese destacar também a influência de Montessori Decroly e de certa forma Piaget a renovada nãodiretiva orientada para os objetivos de autorealização desenvolvimento pessoal e para as relações interpessoais na formulação do psicólogo norteamericano Carl Rogers A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade tendo como função a preparação de recursos humanos mãodeobra para a 2 A designação progressivista vem de educação progressiva termo usado por Anísio Teixeira para indicar a função da educação numa civilização em mudança decorrente do desenvolvimento científico idéia equivalente a evolução em biologia Esta tendencia inspirase no filósofo e educador norteamericano John Dewey Cf Anísio Teixeira Educação progressiva 55 indústria A sociedade industrial e tecnológica estabelece cientificamente as metas econômicas sociais e políticas a educação treina também cien tificamente nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas No tecnicismo acreditase que a realidade contém em si suas próprias leis bastando aos homens descobrilas e aplicálas Dessa forma o essencial não é o conteúdo da realidade mas as técnicas forma de descoberta e aplicação A tecnologia aproveitamento ordenado de recursos com base no conhecimento científico é o meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade a educação é um recurso tecnológico por excelência Ela é encarada como um instru mento capaz de promover sem contradição o desenvolvimento econômico pela qualificação da mãodeobra pela redistribuição da renda pela ma ximização da produção e ao mesmo tempo pelo desenvolvimento da cons ciência política indispensável à manutenção do Estado autoritário3 Uti lizase basicamente do enfoque sistêmico da tecnologia educacional e da análise experimental do comportamento 11 Tendência liberal tradicional Papel da escola A atuação da escola consiste na preparação inte lectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade O com promisso da escola é com a cultura os problemas sociais pertencem à sociedade O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos desde que se esforcem Assim os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes Caso não consigam devem procurar o ensino mais profissionalizante Conteúdos de ensino São os conhecimentos e valores sociais acu mulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais valendo pelo valor intelectual razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e às vezes como enciclopédica Métodos Baseiamse na exposição verbal da matéria eou demons tração Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor ob servados os seguintes passos a preparação do aluno definição do trabalho 3 Kuenzer Acácia A e Machado Luclia R S Pedagogia tecnicista In Mello Guiomar N de org Escola nova tecnicismo no e educação compensatória 3a ed Sao Paulo Ed Loyola 1988 p 34 56 recordação da matéria anterior despertar interesse b apresentação real ce de pontoschaves demonstração c associação combinação do conhe cimento novo com o já conhecido por comparação e abstração d gene ralização dos aspectos particulares chegase ao conceito geral é a expo sição sistematizada e aplicação explicação de fatos adicionais eou re soluções de exercícios A ênfase nos exercícios na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos Relacionamento professoraluno Predomina a autoridade do pro fessor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comuni cação entre eles no decorrer da aula O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida em conseqüência a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio Pressupostos de aprendizagem A idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de umaoutra a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto apenas menos desenvolvida Os programas então devem ser dados numa progressão lógica estabelecida pelo adulto sem levar em conta as características próprias de cada idade A aprendizagem assim é receptiva e mecânica para o que se recorre freqüentemente à coação A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria A transferência da aprendizagem depende do treino é indispensável a retenção a fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em situações anteriores A avaliação se dá por verificações de curto prazo interroga tórios orais exercício de casa e de prazo mais longo provas escritas trabalhos de casa O esforço é em geral negativo punição notas baixas apelos aos pais às vezes é positivo emulação classificações Manifestações na prática escolar A pedagogia liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas Na descrição apresentada aqui incluemse as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássicehuma nista ou uma orientação humanocientífica sendo que esta se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa história educacional 12 Tendência liberal renovada progressivista Papel da escola A finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e para isso ela deve se organizar de forma a retratar o quanto possível a vida Todo ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptação progressiva ao meio e de uma conseqüente 57 integração dessas formas de adaptação no comportamento Tal integração se dá por meio de experiências que devem satisfazer ao mesmo tempo os interesses do aluno e as exigências sociais A escola cabe suprir as ex periências que permitam ao aluno educarse num processo ativo de cons trução e reconstrução do objeto numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente Conteúdos de ensino Como o conhecimento resulta da ação a partir dos interesses e necessidades os conteúdos de ensino são estabelecidos em função de experiências que o sujeito vivencia frente a desafios cognitivos e situações problemáticas Dáse portanto muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racional mente Tratase de aprender a aprender ou seja é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito Método de ensino A idéia de aprender fazendo está sempre pre sente Valorizamse as tentativas experimentais a pesquisa a descoberta o estudo do meio natural e social o método de solução de problemas Embora os métodos variem as escolas ativas ou novas Dewey Montessori Decroly Cousinet e outros partem sempre de atividades adequadas à natureza do aluno e às etapas do seu desenvolvimento Na maioria delas acentuase a importância do trabalho em grupo não apenas como técnica mas como condição básica do desenvolvimento mental Os passos básicos do método ativo são a colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma b o problema deve ser desafiante como estímulo à reflexão c o aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções d soluções provisórias devem ser incentivadas e ordenadas com a ajuda discreta do professor e devese garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova a fim de determinar sua utilidade para a vida Relacionamento professoraluno Não há lugar privilegiado para o professor antes seu papel é auxiliar o desenvolvimento Livre e espontâneo da criança se intervém é para dar forma ao raciocínio dela A disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal assim aluno disciplinado é aquele que é solidário participante respeitador das regras do grupo Para se garantir um clima harmonioso dentro da sala de aula é indispensável um relacionamento positivo entre professores e alunos uma forma de instaurar a vivência democrática tal qual deve ser a vida em sociedade Pressupostos de aprendizagem A motivação depende da força de estimulação do problema e das disposições internas e interesses do aluno Assim aprender se torna uma atividade de descoberta é uma autoapren 58 dizagem sendo o ambiente apenas o meio estimulador É retido o que se incorpora à atividade do aluno pela descoberta pessoal o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situa ções A avaliação é fluida e tenta ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são pronta e explicitamente reconhecidos pelo professor Manifestações na prática escolar Os princípios da pedagogia pro gressivista vêm sendo difundidos em larga escala nos cursos de licenciatura e muitos professores sofrem sua influência Entretanto sua aplicação é reduzidíssima não somente por falta de condições objetivas como também porque se choca com uma prática pedagógica basicamente tradicional Al guns métodos são adotados em escolas particulares como o método Mon tessori o método dos centros de interesse de Decroly o método de projetos de Dewey O ensino baseado na psicologia genética de Piaget tem larga aceitação na educação préescolar Pertencem também à tendência pro gressivista muitas das escolas denominadas experimentais as escolas co munitárias e mais remotamente década de 60 a escola secundária mo derna na versão difundida por Lauro de Oliveira Lima 13 Tendência liberal renovada nãodiretiva Papel da escola Acentuase nesta tendência o papel da escola na formação de atitudes razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais Todo esforço está em estabelecer um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo isto é a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente Rogers4 con sidera que o ensino é uma atividade excessivamente valorizada para ele os procedimentos didáticos a competência na matéria as aulas livros tudo tem muito pouca importância face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização pessoal o que implica estar bem consigo próprio e com seus semelhantes O resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia Conteúdos de ensino A ênfase que esta tendência põe nos processos de desenvolvimento das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de conteúdos Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos que no entanto são dispensáveis 4 Cf Rogers Carl Liberdade para aprender 59 Métodos de ensino Os métodos usuais são dispensados prevalecendo quase que exclusivamente o esforço do professor em desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos Rogers explicita algumas das características do professor facilitador aceitação da pessoa do aluno capacidade de ser confiável receptivo e ter plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do estudante Sua função restringese a ajudar o aluno a se organizar utilizando técnicas de sensibilização onde os senti mentos de cada um possam ser expostos sem ameaças Assim o objetivo do trabalho escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento in terpessoal como condição para o crescimento pessoal Relacionamento professoraluno A pedagogia nãodiretiva propõe uma educação centrada no aluno visando formar sua personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver características inerentes à sua natureza O professor é um especialista em relações humanas ao garantir o clima de relacionamento pessoal e autên tico Ausentarse é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno Toda intervenção é ameaçadora inibidora da aprendizagem Pressupostos de aprendizagem A motivação resulta do desejo de adequação pessoal na busca da autorealização é portanto um ato interno A motivação aumenta quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais isto é desenvolve a valorização do eu Aprender portanto é modificar suas próprias per cepções daí que apenas se aprende o que estiver significativamente rela cionado com essas percepções Resulta que a retenção se dá pela relevância do aprendido em relação ao eu ou seja o que não está envolvido com o eu não é retido e nem transferido Portanto a avaliação escolar perde inteiramente o sentido privilegiandose a autoavaliação Manifestações na prática escolar Entre nós o inspirador da peda gogia nãodiretiva é C Rogers na verdade mais psicólogo clínico que edu cador Suas idéias influenciam um número expressivo de educadores e pro fessores principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento Menos recentemente podemse citar também tendências inspiradas na escola de Summerhill do educador inglês A Neill 14 Tendência liberal tecnicista Papel da escola Num sistema social harmônico orgânico e funcional a escola funciona como modeladora do comportamento humano através 60 de técnicas especificas A educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades atitudes e conhecimentos específicos úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema social global Tal sistema social é regido por leis naturais há na sociedade a mesma regularidade e as mesmas relações funcionais observáveis entre os fenômenos da natureza cientificamente descobertas Basta aplicálas A atividade da descoberta é função da educação mas deve ser restrita aos especialistas a aplicação é competência do processo educacional comum A escola atua assim no aperfeiçoamento da ordem social vigente o sistema capitalista articulandose diretamente com o sistema produtivo para tanto emprega a ciência da mudança de comportamento ou seja a tecnologia comportamental Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos competentes para o mercado de trabalho transmitindo eficientemente informações precisas objetivas e rápidas A pesquisa científica a tecnologia educacional a análise experimental do comportamento garantem a objetividade da prática escolar uma vez que os objetivos instrucionais conteúdos resultam da aplicação de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam Conteúdos de ensino São as informações princípios científicos leis etc estabelecidos e ordenados numa seqüência lógica e psicológica por especialistas E matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável os conteúdos decorrem assim da ciência objetiva eliminandose qualquer sinal de subjetividade O material instrucional encontrase sistematizado nos manuais nos livros didáticos nos módulos de ensino nos dispositivos audiovisuais etc Métodos de ensino Consistem nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle nas condições ambientais que assegurem a transmissãorecepção de informações Se a primeira tarefa do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais a principal é conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino daí a importância da tecnologia educacional A tecnologia educacional é a aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos a problemas educacionais em função de resultados efetivos utilizando uma metodologia e abordagem sistêmica abrangente 5 Qualquer sistema instrucional há uma grande variedade deles possui três componentes básicos objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e mensuráveis procedimentos instrucionais e avaliação As etapas básicas de um processo ensinoaprendizagem são a estabelecimento de compor tamentos terminais através de objetivos instrucionais b análise da tarefa 5 Auricchio Ligia O Manual de tecnologia educacional p 25 61 de aprendizagem a fim de ordenar seqüencialmente os passos da instrução c executar o programa reforçando gradualmente as respostas corretas correspondentes aos objetivos O essencial da tecnologia educacional é a programação por passos seqüenciais empregada na instrução programada nas técnicas de microensino multimeios módulos etc O emprego da tec nologia instrucional na escola pública aparece nas formas de planejamento em moldes sistêmicos concepção de aprendizagem como mudança de com portamento operacionalização de objetivos uso de procedimentos cientí ficos instrução programada audiovisuais avaliação etc inclusive a pro gramação de livros didáticos 6 Relacionamento professoraluno São relações estruturadas e obje tivas com papéis bem definidos o professor administra as condições de transmissão da matéria conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem o aluno recebe aprende e fixa as informações O professor é apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno cabendolhe empregar o sistema instrucional previsto O aluno é um indivíduo responsivo não participa da elaboração do pro grama educacional Ambos são espectadores frente à verdade objetiva A comunicação professoraluno tem um sentido exclusivamente técnico que é o de garantir a eficácia da transmissão do conhecimento Debates dis cussões questionamentos são desnecessários assim como pouco importam as relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino aprendizagem Pressupostos de aprendizagem As teorias de aprendizagem que fun damentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de modificação do desempenho o bom ensino depende de organizar eficien temente as condições estimuladoras de modo a que o aluno saia da situação de aprendizagem diferente de como entrou Ou seja o ensino é um processo de condicionamento através do uso de reforçamento das respostas que se quer obter Assim os sistemas instrucionais visam ao controle do compor tamento individual face objetivos preestabelecidos Tratase de um enfoque diretivo do ensino centrado no controle das condições que cercam o or ganismo que se comporta O objetivo da ciência pedagógica a partir da psicologia é o estudo científico do comportamento descobrir as leis na turais que presidem as reações físicas do organismo que aprende a fim de aumentar o controle das variáveis que o afetam Os componentes da apren dizagem motivação retenção transferência decorrem da aplicação do comportamento operante Segundo Skinner o comportamento apren 6 Cf Kuenzer Acácia A e Machado Lucilia R S op cit p 47 62 dido é uma resposta a estímulos externos controlados por meio de reforços que ocorrem com a resposta ou após a mesma Se a ocorrência de um comportamento operante é seguida pela apresentação de um estímulo reforçador a probabilidade de reforçamento é aumentada Entre os autores que contribuem para os estudos de aprendizagem destacamse Skinner Gagné Bloon e Mager7 Manifestações na prática escolar A influência da pedagogia tecnicista remonta à 2a metade dos anos 50 PABAEE Programa Brasileiroame ricano de Auxílio ao Ensino Elementar Entretanto foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o sistema educacional à orientação políticoeconômica do regime militar inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista É quando a orientação escolanovista cede lugar à tendência tecnicista pelo menos no nível de política oficial os marcos de implantação do modelo tecnicista são as leis 554068 e 569271 que reorganizam o ensino superior e o ensino de 1Q e 2º graus A despeito da máquina oficial entretanto não há indícios seguros de que os professores da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista pelo menos em termos de ideário A aplicação da metodologia tecnicista planejamento livros didáticos progra mados procedimentos de avaliação etc não configura uma postura tecn icista do professor antes o exercício profissional continua mais para uma postura eclética em torno de princípios pedagógicos assentados nas peda gogias tradicional e renovada8 2 Pedagogia progressista O termo progressista emprestado de Snyders9 é usado aqui para designar as tendências que partindo de uma análise crítica das realidades sociais sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação Evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizarse numa sociedade capitalista daí ser ela um instrumento de luta dos pro fessores ao lado de outras práticas sociais 7 Para maiores esclarecimentos cf Auricchio Lígia de O Manual de tecnologia educacional Oliveira J G A Tecnologia educacional teorias da instrução 8 Sobre a introdução da pedagogia tecnicista no Brasil cf Freitag Barbara Escola Estado e Sociedade Garcia Laymert G S Desregulagens Educação planejamento e tecnologia como ferramenta social Cunha Luis A Educação e desenvolvimento social no Brasil entre outros 9 Cf Snyders Georges Pedagogia progressista Lisboa Ed Almedina 63 A pedagogia progressista temse manifestado em três tendências a libertadora mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire a libertária que reúne os defensores da autogestão pedagógica a críticosocial dos con teúdos que diferentemente das anteriores acentua a primazia dos conteú dos no seu confronto c o m as realidades sociais As versões libertadora e libertária têm em comum o antiautoritarismo a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a idéia de autogestão pedagógica Em função disso dão mais valor ao pro cesso de aprendizagem grupal participação em discussões assembléias votações do que aos conteúdos de ensino Como decorrência a prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo razão pela qual preferem as modalidades de educação popular nãoformal A tendência da pedagogia críticosocial dos conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta Entende a escola como mediação entre o individual e o social exercendo aí a articu lação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto inserido num contexto de relações sociais dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado 21 Tendência progressista libertadora Papel da escola Não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar já que sua marca é a atuação nãoformal Entretanto professores e educadores engajados no ensino escolar vêm adotando pres supostos dessa pedagogia Assim quando se fala na educação em geral dizse que ela é uma atividade onde professores e alunos mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendi zagem atingem um nível de consciência dessa mesma realidade a fim de nela atuarem num sentido de transformação social Tanto a educação tra dicional denominada bancária que visa apenas depositar informações sobre o aluno quanto a educação renovada que pretenderia uma libertação psicológica individual são domesticadoras pois em nada con tribuem para desvelar a realidade social de opressão A educação liberta dora ao contrário questiona concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens visando a uma trans formação daí ser uma educação crítica10 10 Cf Freire Paulo Ação cultural como prática de liberdade Pedagogia do oprimido e Extensão ou comunicação 64 Conteúdos de ensino Denominados temas geradores são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos Os conteúdos tradicionais são recusados porque cada pessoa cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio ainda que de forma rudimentar dos conteúdos necessários dos quais se parte O importante não é a transmissão de conteúdos específicos mas despertar uma nova forma da relação com a experiência vivida A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada como invasão cultural ou depósito de informação porque não emerge do saber popular Se forem necessários textos de leitura estes deverão ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação do educador Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertadora Paulo Freire deixa de mencionar o caráter essencialmente político de sua pedagogia o que segundo suas próprias palavras impede que ela seja posta em prática em termos sistemáticos nas instituições oficiais antes da transformação da sociedade Daí porque sua atuação se dê mais a nível da educação extraescolar O que não tem impedido por outro lado que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por numerosos professores Métodos de ensino Para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetização de adultos demanda entre educadores e educandos uma relação de autêntico diálogo aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido O diálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer educadoreducando e educandoeducador Assim sendo a forma de trabalho educativo é o grupo de discussão a quem cabe autogerir a aprendizagem definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades O professor é um animador que por princípio deve descer ao nível dos alunos adaptandose às suas características e ao desenvolvimento próprio de cada grupo Deve caminhar junto intervir o mínimo indispensável embora não se furte quando necessário a fornecer uma informação mais sistematizada Os passos da aprendizagem Codificaçãodecodificação e problema tização da situação permitirão aos educandos um esforço de compreensão do vivido até chegar a um nível mais crítico de conhecimento da sua realidade sempre através da troca de experiência em torno da prática social Se nisso consiste o conteúdo do trabalho educativo dispensamse um programa previamente estruturado trabalhos escritos aulas expositivas assim como qualquer tipo de verificação direta da aprendizagem formas essas próprias da educação bancária portanto domesticadoras Entre 65 tanto admitese a avaliação da prática vivenciada entre educadoreducandos no processo de grupo e às vezes a autoavaliação feita em termos dos compromissos assumidos com a prática social Relacionamento professoraluno No diálogo como método básico a relação é horizontal onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento O critério de bom relacionamento é a total identificação com o povo sem o que a relação pedagógica perde consistência Eliminase por pressuposto toda relação de autoridade sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientização de aproximação de consciências Tratase de uma não diretividade mas não no sentido do professor que se ausenta como em Rogers mas que permanece vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para dizer sua palavra para se exprimir sem se neutralizar Pressupostos de aprendizagem A própria designação de educação problematizadora como correlata de educação libertadora revela a força motivadora da aprendizagem A motivação se dá a partir da codificação de uma situaçãoproblema da qual se toma distância para analisála criticamente Esta análise envolve o exercício da abstração através da qual procuramos alcançar por meio de representações da realidade concreta a razão de ser dos fatos Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta isto é da situação real vivida pelo educando e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa realidade O que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização mas do nível critico de conhecimento ao qual se chega pelo processo de compreensão reflexão e critica O que o educando transfere em termos de conhecimento é o que foi incorporado como resposta às situações de opressão ou seja seu engajamento na militância política Manifestações na prática escolar A pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire que tem aplicado suas idéias pessoalmente em diversos países primeiro no Chile depois na África Entre nós tem exercido uma influência expressiva nos movimentos populares e sindicatos e praticamente se confunde com a maior parte das experiências do que se denomina educação popular Há diversos grupos desta natureza que vêm atuando não somente no nível da prática popular mas também por meio de publicações com relativa independência em relação às idéias originais da pedagogia libertadora Embora as formulações teóricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de adultos ou à educação popular em geral muitos professores vêm tentando colocálas em prática em todos os graus de ensino formal 66 22 Tendência progressista libertária Papel da escola A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário A idéia básica é introduzir modificações institucionais a partir dos níveis subalternos que em seguida vão contaminando todo o sistema A escola instituirá com base na participação grupal mecanismos institucionais de mudança assembléias conselhos eleições reuniões as sociações etc de tal forma que o aluno uma vez atuando nas instituições externas leve para lá tudo o que aprendeu Outra forma de atuação da pedagogia libertária correlata à primeira é aproveitando a margem de liberdade do sistema criar grupos de pessoas com princípios educativos autogestionários associações grupos informais escolas autogestionárias Há portanto um sentido expressamente politico à medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo A autogestão é assim o conteúdo e o método resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político A pedagogia libertária na sua modalidade mais conhecida entre nós a pedagogia ins titucional pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora do Estado que tudo controla professores programas provas etc retirando a autonomia Conteúdos de ensino As matérias são colocadas à disposição do aluno mas não são exigidas São um instrumento a mais porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo espe cialmente a vivência de mecanismos de participação crítica Conhecimen to aqui não é a investigação cognitiva do real para extrair dele um sistema de representações mentais mas a descoberta de respostas às necessidades e às exigências da vida social Assim os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são necessária nem indispensavelmente as matérias de estudo Método de ensino É na vivência grupal na forma de autogestão que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria instituição graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder Tratase de colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível o conjunto da vida as atividades e a organização do trabalho no interior da escola menos a elaboração dos programas e a decisão dos exames que não de pendem nem dos docentes nem dos alunos Os alunos têm liberdade de 11 Cf Lobrot Michel Pedagogia institucional la escuela hacia la autogestion 67 trabalhar ou não ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo O progresso da autonomia excluída qualquer direção de fora do grupo se dá num crescendo primeiramente a oportunidade de contatos aber turas relações informais entre os alunos Em seguida o grupo começa a se organizar de modo que todos possam participar de discussões coope rativas assembléias isto é diversas formas de participação e expressão pela palavra quem quiser fazer outra coisa ou entra em acordo com o grupo ou se retira No terceiro momento o grupo se organiza de forma mais efetiva e finalmente no quarto momento parte para a execução do trabalho Relação professoraluno A pedagogia institucional visa em primeiro lugar transformar a relação professoraluno no sentido da nãodiretividade isto é considerar desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base de obrigações e ameaças Embora professor e aluno sejam desiguais e diferentes nada impede que o professor se ponha a serviço do aluno sem impor suas concepções e idéias sem transformar o aluno em objeto O professor é um orientador e um catalisador ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum Se os alunos são livres frente ao professor também este o é em relação aos alunos ele pode por exemplo recusarse a responder uma pergunta permanecendo em silêncio Entretanto essa liberdade de decisão tem um sentido bastante claro se um aluno resolve não participar o faz porque não se sente integrado mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questão quando o professor se cala diante de uma pergunta seu silêncio tem um significado educativo que pode por exemplo ser uma ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situação criada No mais ao professor cabe a função de conselheiro e outras vezes de instrutor monitor à disposição do grupo Em nenhum momento esses papéis do professor se confundem com o de modelo pois a pedagogia libertária recusa qualquer forma de poder ou autoridade Pressupostos de aprendizagem As formas burocráticas das instituições existentes por seu traço de impessoalidade comprometem o crescimento pessoal A ênfase na aprendizagem informal via grupo e a negação de toda forma de repressão visam favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres A motivação está portanto no interesse em crescer dentro da vivência grupal pois supõese que o grupo devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas aspirações e necessidades Somente o vivido o experimentado é incorporado e utilizável em si tuações novas Assim o critério de relevância do saber sistematizado é seu 68 passível uso prático Por isso mesmo não faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem ao menos em termos de conteúdo Outras tendências pedagógicas correlatas A pedagogia libertária abrange quase todas as tendências antiautoritárias em educação entre elas a anarquista a psicanalista a dos sociólogos e também a dos professores progressistas Embora Neill e Rogers não possam ser considerados pro gressistas conforme entendemos aqui não deixam de influenciar alguns libertários como Lobrot Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes Ferrer y Guardia entre os mais antigos Par ticularmente significativo é o trabalho de C Freinet que tem sido muito estudado entre nós existindo inclusive algumas escolas aplicando seu mé todo12 Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertária podese citar Maurício Tragtenberg apesar da tônica de seus trabalhos não ser propriamente pedagógica mas de crítica das instituições em favor de um projeto autogestionário 23 Tendência progressista criticosocial dos conteúdos Papel da escola A difusão de conteúdos é a tarefa primordial Não conteúdos abstratos mas vivos concretos e portanto indissociáveis das realidades sociais A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e tornáIa democrática Se a escola é parte integrante do todo social agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes históricosociais a função da pedagogia dos conteúdos é dar um passo à frente no papel transformador da escola mas a partir das condições existentes Assim a condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino isto é a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida dos alunos Entendida nesse sentido a educação é uma atividade mediadora no seio da prática social global ou seja uma das mediações pela qual o aluno pela intervenção do professor e por sua própria participação ativa passa de uma experiência inicialmente confusa e fragmentada sincrética a uma visão sintética mais organizada e unificada 13 12 Cf a esse respeito Snyders G Para onde vão as pedagogias nãodiretivas 13 Cf Saviani Dermeval Educação do senso comum á consciência filosófica p120 Mello Guiomar N de Magistério do 1 Q grau p 24 Cury Carlos R J Educação e contradição elementos p 75 69 Em síntese a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições fornecendolhe um instrumental por meio da aquisição de conteúdos e da socialização para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade Conteúdos de ensino São os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos in corporados pela humanidade mas permanentemente reavaliados face às realidades sociais Embora se aceite que os conteúdos são realidades ex teriores ao aluno que devem ser assimilados e não simplesmente reinven tados eles não são fechados e refratários às realidades sociais Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados ainda que bem ensinados é preciso que se liguem de forma indissociável à sua significação humana e social Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece opo sição entre cultura erudita e cultura popular ou espontânea mas uma relação de continuidade em que progressivamente se passa da experiência imediata e desorganizada ao conhecimento sistematizado Não que a pri meira apreensão da realidade seja errada mas é necessária a ascensão a uma forma de elaboração superior conseguida pelo próprio aluno com a intervenção do professor A postura da pedagogia dos conteúdos Ao admitir um conhecimento relativamente autônomo assume o saber como tendo um conteúdo relativamente objetivo mas ao mesmo tempo introduz a possibilidade de uma reavaliação critica frente a esse conteúdo Como sintetiza Snyders ao mencionar o papel do professor tratase de um lado de obter o acesso do aluno aos conteúdos ligandoos com a experiência concreta dele a continuidade mas de outro de proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência os estereótipos as pressões difusas da ideologia dominante é a ruptura Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao enga jamento político mas não o inverso sob o risco de se afetar a própria especificidade do saber e até cairse numa forma de pedagogia ideológica que é o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova Métodos de ensino A questão dos métodos se subordina à dos con teúdos se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber e de um saber vinculado às realidades sociais é preciso que os métodos favoreçam a cor respondência dos conteúdos com os interesses dos alunos e que estes possam reconhecer nos conteúdos o auxilio ao seu esforço de compreensão da realidade prática social Assim nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da pedagogia tradicional nem da sua substituição pela descoberta investigação ou livre expressão das opiniões como se o 70 saber pudesse ser inventado pela criança na concepção da pedagogia re novada Os métodos de uma pedagogia criticosocial dos conteúdos não partem então de um saber artificial depositado a partir de fora nem do saber espontâneo mas de uma relação direta com a experiência do aluno con frontada com o saber trazido de fora O trabalho docente relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo professor momento em que se dará a ruptura em relação à experiência pouco elaborada Tal ruptura apenas é possível com a introdução explícita pelo professor dos elementos novos de análise a serem aplicados criticamente à prática do aluno Em outras palavras uma aula começa pela constatação da prática real havendo em seguida a consciência dessa prática no sentido de referila aos termos do conteúdo proposto na forma de um confronto entre a ex periência e a explicação do professor Vale dizer vaise da ação à com preensão e da compreensão à ação até a síntese o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a prática Relação professoraluno Se como mostramos anteriormente o co nhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio natural social cultural e o sujeito sendo o professor o mediador então a relação pedagógica consiste no provimento das condições em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas O papel do adulto é insubstituível mas acentuase também a participação do aluno no processo Ou seja o aluno com sua experiência imediata num contexto cultural participa na busca da verdade ao confrontála com os conteúdos e modelos expressos pelo professor Mas esse esforço do pro fessor em orientar em abrir perspectivas a partir dos conteúdos implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos tendo consciência in clusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno Não se con tentará entretanto em satisfazer apenas as necessidades e carências bus cará despertar outras necessidades acelerar e disciplinar os métodos de estudo exigir o esforço do aluno propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas para que o aluno se mobilize para uma participação ativa Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos conteúdos exclui a nãodiretividade como forma de orientação do tra balho escolar porque o diálogo adultoaluno é desigual O adulto tem mais experiência acerca das realidades sociais dispõe de uma formação ao menos deve dispor para ensinar possui conhecimentos e a ele cabe fazer a análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais A não diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados da 71 educação Sabemos que as tendências espontâneas e naturais não são na turais antes são tributárias das condições de vida e do meio Não são suficientes o amor a aceitação para que os filhos dos trabalhadores ad quiram o desejo de estudar mais de progredir é necessária a intervenção do professor para levar o aluno a acreditar nas suas possibilidades a ir mais longe a prolongar a experiência vivida Pressupostos de aprendizagem Por um esforço próprio o aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor assim pode ampliar sua própria experiência O conhecimento novo se apóia numa estrutura cognitiva já existente ou o professor provê a estrutura de que o aluno ainda não dispõe O grau de envolvimento na aprendizagem depende tanto da prontidão e disposição do aluno quanto do professor e do contexto da sala de aula Aprender dentro da visão da pedagogia dos conteúdos é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente organizando os dados disponíveis da experiência Em conseqüência admite se o princípio da aprendizagem significativa que supõe como passo inicial verificar aquilo que o aluno já sabe O professor precisa saber com preender o que os alunos dizem ou fazem o aluno precisa compreender o que o professor procura dizerlhes A transferência da aprendizagem se dá a partir do momento da síntese isto é quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado não como julgamento definitivo e dogmático do professor mas como uma com provação para o aluno de seu progresso em direção a noções mais siste matizadas Manifestações na prática escolar O esforço de elaboração de uma pedagogia dos conteúdos está em propor modelos de ensino voltados para a interação conteúdosrealidades sociais portanto visando avançar em termos de uma articulação do politico e do pedagógico aquele como extensão deste ou seja a educação a serviço da transformação das relações de produção Ainda que a curto prazo se espere do professor maior co nhecimento dos conteúdos de sua matéria e o domínio de formas de trans missão a fim de garantir maior competência técnica sua contribuição será tanto mais eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vínculos de sua prática com a prática social global tendo em vista a democratização da sociedade brasileira o atendimento aos interesses das camadas populares a transformação estrutural da sociedade brasileira14 14 Saviani Dermeval Escola e democracia p 83 72 Dentro das linhas gerais expostas aqui podemos citar a experiência pioneira mas mais remota do educador e escritor russo Makarenko Entre os autores atuais citamos B Chariot Suchodolski Manacorda e de maneira especial G Snyders além dos autores brasileiros que vêm desenvolvendo investigações relevantes destacandose Dermeval Saviani Representam também as propostas aqui apresentadas os inúmeros professores da rede escolar pública que se ocupam competentemente de uma pedagogia de conteúdos articulada com a adoção de métodos que garantam a participação do aluno que muitas vezes sem saber avançam na democratização efetiva do ensino para as camadas populares 24 Em favor da pedagogia críticosocial dos conteúdos Haverá sempre objeções de que estas considerações levam a posturas antidemocráticas ao autoritarismo à centralização no papel do professor e à submissão do aluno Mas o que será mais democrático excluir toda forma de direção deixar tudo à livre expressão criar um clima amigável para alimentar boas relações ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos a análise de modelos sociais que vão lhes fornecer instrumentos para lutar por seus direitos Não serão as relações democráticas no estilo nãodiretivo uma forma sutil de adestramento que levaria a reivindicações sem conteúdo Representam as relações nãodiretivas as reais condições do mundo social adulto Seriam capazes de promover a efetiva libertação do homem da sua condição de dominado Um ponto de vista realista da relação pedagógica não recusa a auto ridade pedagógica expressa na sua função de ensinar Mas não deve con fundir autoridade com autoritarismo Este se manifesta no receio do pro fessor em ver sua autoridade ameaçada na falta de consideração para com o aluno ou na imposição do medo como forma de tornar mais cômodo e menos estafante o ato de ensinar Além do mais são incongruentes as dicotomias tão difundidas por muitos educadores entre professorpolicial e professorpovo entre mé todos diretivos e nãodiretivos entre ensino centrado no professor e ensino centrado no estudante Ao adotar tais dicotomias amortecese a presença do professor como mediador pelos conteúdos que explicita como se eles fossem sempre imposições dogmáticas e que nada trouxessem de novo Evidentemente que ao se advogar a intervenção do professor não se está concluindo pela negação da relação professoraluno A relação 73 pedagógica é uma relação com um grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia Nesse sentido são bemvindas as considerações formuladas pela dinâmica de grupo que ensinam o professor a relacionarse com a classe a perceber os conflitos a saber que está lidando com uma coletividade e não com indivíduos isolados a adquirir a confiança dos alunos Entretanto mais do que restringirse ao malfadado trabalho em grupo ou cair na ilusão da igualdade professoraluno tratase de encarar o grupoclasse como uma coletividade onde são trabalhados modelos de interação como a ajuda mútua o respeito aos outros os esforços coletivos a autonomia nas decisões a riqueza da vida em comum e ir ampliando progressivamente essa noção de coletividade para a escola a cidade a sociedade toda Por fim situar o ensino centrado no professor e o ensino centrado no aluno em extremos opostos é quase negar a relação pedagógica porque não há um aluno ou grupo de alunos aprendendo sozinho nem um professor ensinando para as paredes Há um confronto do aluno entre sua cultura e a herança cultural da humanidade entre seu modo de viver e os modelos sociais desejáveis para um projeto novo de sociedade E há um professor que intervém não para se opor aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do aluno mas para ajudálo a ultrapassar suas necessidades e criar outras para ganhar autonomia para ajudálo no seu esforço de distinguir a verdade do erro para ajudálo a compreender as realidades sociais e sua própria experiência 3 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Como se caracteriza a tendência liberal da pedagogia b Como se caracteriza cada uma das pedagogias classificadas como liberais c Como se define a tendência pedagógica denominada progressista d Como se caracteriza cada uma das pedagogias denominadas progressistas e Com os critérios estabelecidos que definem tendências pedagógicas e pedagogias analise sua experiência pessoal de escolaridade ve rificando que pedagogia caracterizou ou direcionou sua vida escolar fazendo uma análise crítica dessa situação 74 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Uma análise crítica da sua experiência de escolaridade do ponto de vista da orientação pedagógica b Uma opção pedagógica para a sua prática docente c A direção pedagógica principal presente na prática escolar brasileira 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares GADOTTI Moacir Pensamento pedagógico brasileiro São Paulo Ática 1987 SAVIANI Dermeval Escola e democracia 178 ed São Paulo Cortez Autores Associados 1988 ver os capítulos Escola e democracia I e Escola e democracia II 75 Capitulo 4 A escola que queremos instância onde a Pedagogia se faz pratica docente Até o momento abordamos a filosofia nos seus aspectos que se arti culam com a pedagogia tentando compreender seu método e seus desdo bramentos Agora cabenos refletir a instância na qual a pedagogia se traduz em prática docente a escola propriamente dita Ao selecionar a escola como objeto de reflexão filosófica não o fa zemos de maneira gratuita A razão é que à medida que a sociedade humana foi se tornando complexa teve necessidade de institucionalizar um meio eficiente de transmissão da cultura acumulada necessária à sua sobrevi vência Privilegiar a escola como objeto de estudo e reflexão significa assu mila como instância erigida pela sociedade para a educação e instrução das novas gerações Isso não significa que outras instâncias educacionais tais como famlia comunidade grupo social etc não tenham um papel significativo A esta altura do desenvolvimento das sociedades nos diz José Quirino Ribeiro aquelas técnicas sociais menos evoluídas não garantem mais a comunicação do patrimônio que envolve os valores e padrões de comportamento e se torna necessária uma como que especialização capaz de realizar em tempo útil o processo de instrução de que os indivíduos vão carecer para mais rápida e melhor integração na sociedade complexa 1 Ribeiro José Quirino Formas do processo educacional In Pereira Luiz e Foracchi Maria Alice Educação Sociedade São Paulo Ed Nacional 1973 p 75 77 Portanto a escola nasceu de uma necessidade do próprio processo social à medida que este se tornou mais complexo A escola cresceu e ganhou novas estruturas à medida que as sociedades também foram gerando novas necessidades Hoje embora a escola agregue funções supletivas nas áreas de higiene saúde religião etc a sua função essencial continua a ser a de mediar para as novas gerações a apropriação da cultura acumulada pela humanidade A escola é uma instância privilegiada de tradução da pedagogia em prática docente não porque se queira mas porque a própria história da sociedade a constituiu assim É importante refletir sobre a escola para se entender conforme a própria prática histórica da sociedade que nenhuma filosofia e nenhuma pedagogia como concepção filosófica da educação podem se realizar concreta e historicamente sem mediações que a efetivem A fílosofia e a pedagogia formuladas teoricamente por si sós nada podem Elas devem ser traduzidas e operacionalizadas em práticas sociais e históricas se com elas se pretende produzir efeitos sobre os homens individual ou coletivamente Marx nos lembra na sua XI Tese sobre Feuerbach que os filósofos não fazem mais do que interpretar o mundo de formas diferentes tratase porém de modificálo Ou seja as interpretações teóricas por si mesmas são inócuas se elas não se fizerem realidade através de mediações que nada mais são do que a própria ação humana informada pelo entendimento filosófico formulado Claro que Marx falava de uma transformação muito maior e mais complexa que aquela que qualquer prática docente poderá realizar Ele indicava a transformação da sociedade em sua base em sua estrutura econômica Transformação que se traduziria simultânea e subseqüentemente em trans formação cultural Contudo a prática docente desde que exercida com clareza política tem papel importante nesse processo de transformação O que efetivamente não basta de modo nenhum é ficar exclusivamente no filosofar sem que este busque as mediações os meios de sua realização na concreticidade histórica Daí que no nosso caso a escola como uma instância de ação surgida das próprias necessidades históricas de ação surgida das próprias necessi dades históricas da humanidade adquire um signifícado especial como uma das instituições onde nossos ideais educacionais podem traduzirse em prá tica pedagógica e pois em práticas sociais e políticas É nessa perspectiva que vamos abordar a escola no decorrer deste texto 78 1 A escola como instância mediadora da Pedagogia A educação institucionalizada não é coisa nova Na comunidade primitiva2 a educação era realizada de forma difusa pela convivência entre crianças e adultos entre jovens e adultos À medida que os adultos trabalhavam as novas gerações aprendiam pela participação prática nas experiências de trabalho Também à medida que os adultos exercitavam seus valores seus rituais sociais e religiosos as novas gerações iam espontaneamente assimilando a vida em sociedade Dessa maneira a educação se processava no diaadia da comunidade de uma maneira assistemática sem uma intencionalidade explícita Todavia à medida que a organização da sociedade foi adquirindo a forma de divisão de classes um segmento dominante e um segmento dominado e que a organização social foi exigindo formas de ação mais complexas devido à ampliação de sua produção foi crescendo a acumulação das experiências sociais foi se tornando necessária uma educação mais estruturada institucionalizada Então a educação espontânea já não era mais suficiente para dar conta da transmissão e assimilação das condutas dos comportamentos e dos saberes necessários à sobrevivência da comunidade A vida social pela complexidade que adquirira já exigia formas de transmissão e assimilação de condutas que a pura espontaneidade da convivência já não satisfazia mais Além disso o segmento da sociedade que foi se tornando dominante foi ao mesmo tempo assumindo a cultura acumulada e necessária à comunidade como propriedade sua Decorrendo daí a constituição de instâncias sociais para a transmissão e assimilação dos segredos que eram os saberes da comunidade O segmento da sociedade que foi se constituindo como dominante e que foi constituindo os saberes como segredos também aos poucos instituiu um meio de transmitir esses saberes aos seus descendentes Foi a institucionalização da educação que ao longo do tempo ganhou formas diversas e que na moderna sociedade burguesa denominamos de escola Na sociedade de classes o conhecimento que era comum a todos foi se transformando em segredo a ser transmitido só para aqueles que pertenciam ao grupo dominante Evidentemente nem todos os conhecimentos se tornaram secretos mas somente aqueles que serviam de maneira especial às expectativas e necessidades do segmento dominante E esses de fato eram conhecimentos importantes para aquela sociedade ainda que muitos 2 Ponce Anibal Educação e luta de classes São Paulo CortezAutores Associados 1984 79 outros conhecimentos existissem e também fossem importantes mas não valorizados naquele momento pelo setor dominante Ou seja a descoberta de que a transmissão e a assimilação dos conhecimentos era uma coisa importante para a sociedade decorreu da própria experiência histórica da humanidade porém foi o segmento dominante quem se apropriou dessa prática exatamente por ela ser muito significativa para a sobrevivência e o avanço Para ilustrar esse processo tomemos um exemplo histórico Esparta por volta do século VI aC possuía uma organização social complexa e estruturada em classes o segmento dominante era composto pelos espaciatras ditos legítimos representantes da sociedade espartana o segmento dominado tinha de um lado os periecos denominados cidadãos livres pois não eram escravos e de outro lado os hilotas que eram os escravos Em termos numéricos essa composição social se expressava aproxi madamente assim 9000 espaciatras 100000 periecos e 220000 hilotas Como se vê os privilegiados eram poucos Eles formavam a organização militar da cidade Os periecos se dedicavam ao artesanato e ao comércio enquanto os hilotas como escravos eram obrigados a trabalhar na agricultura para seus donos Pois bem a educação institucionalizada nessa CidadeEstado da Grécia era praticamente privilégio dos chamados legítimos representantes da sociedade espartana Eles se utilizavam da educação institucionalizada para transmitir às novas gerações de sua classe os conhecimentos que interessavam à continuação de sua dominação Já os conhecimentos que não eram significativos para a sua situação dominante podiam ser adquiridos por todos Esparta foi uma CidadeEstado que se caracterizou pelos feitos militares seja nas lutas de conquista de novos espaços geográficos seja nas lutas em defesa dos seus domínios Assim o conhecimento militar era o mais importante de todos Os saberes e as práticas de luta os usos dos instrumentos de guerra as estratégias militares não podiam ser aprendidos por periecos e hilotas Além de não terem acesso a esse tipo de conhecimento periecos e hilotas eram duramente castigados até com a morte caso manifestassem possuir algum dos conhecimentos ou alguma das habilidades que eram consideradas próprias dos espaciatras Para entender esse processo basta lembrar que em Esparta havia uma formação paramilitar denominada Criptéia A Criptéia era uma instituição responsável por emboscar periecos e hilotas que soubessem manejar armas e praticar atividades militares E emboscar nada mais é do que a prática de prender e eliminar pessoas em lugares ermos e escuros Normalmente era na calada da noite que a Criptéia agia eliminando possíveis elementos 80 dos segmentos dominados da sociedade que detivessem um tipo de conhe cimento que segundo os interesses dominantes pertenciam aos dominantes daquela sociedade A existência e a prática da Criptéia nos demonstra o quanto a sociedade complexa e organizada soube utilizarse dos conhecimentos significativos e acumulados para o seu proveito Mais que isso a proteger seus interesses Os segmentos dominantes das diversas sociedades históricas souberam reconhecer o significado e a importância da educação institucionalizada como instância necessária para a realização de determinados objetivos so ciais Em Atenas no mesmo período dáse um processo muito semelhante em relação à educação das novas gerações dos descendentes do segmento dominante Só os cidadãos atenienses aqueles que eram proprietários e não tinham necessidade de trabalhar com as próprias mãos para sobre viverem tinham acesso à educação sistematizada voltada para a cultura e a vida política Enquanto em Esparta o conhecimento significativo para a realização das aspirações dominantes era o militar em Atenas era a oratória a arte de argumentar Era preciso saber falar em público e argu mentar para convencer os concidadãos um dos meios necessários para ascender aos postos oficiais da administração da cidade Os sofistas nesse período eram os pensadores e educadores que estimavam a arte de ar gumentar e de convencer o interlocutor Em Roma o acesso ao tribunato pertencia aos patrícios Assim eles tinham igualmente acesso à oratória conhecimento e habilidade necessários para chegar ao poder Era preciso obter votos e para tanto era importante saber expor claramente as idéias ao ponto de conseguir convencer os seus pares dentro da sociedade Se continuássemos citando as experiências dos povos através da his tória iríamos verificar que todos deram importância à educação institucio nalizada como um meio necessário para garantir a obtenção dos seus ob jetivos políticos No Brasil desde a Colônia até nossos dias a escola foi privilégio do segmento dominante Na Colônia eram as novas gerações dos proprietários de terra e dos comerciantes que podiam ter acesso à educação hoje quem tem acesso às escolas de melhor qualidade são as gerações descendentes daqueles que possuem melhores condições econômicas O povo quer a escola mas nem por isso tem acesso a ela E quando o tem quase nunca pode permanecer nela seja pelas condições sociais de vida seja pelas con dições satisfatórias em que o ensino se dá seja pela má qualidade do ensino As camadas populares descobriram a necessidade de ter acesso ao conhecimento porém sempre foram alijadas dele e continuarão alijadas 81 se a sociedade brasileira não se modificar em sua base econômica e em sua estrutura social e política Em síntese o que importa observar é que a instituição escolar tem importância histórica fundamental para a operacionalização de uma concepção pedagógica que por sua vez é tradução de uma concepção filosófica do mundo Não é pelo fato de essa instituição estar nas mãos do segmento dominante da sociedade há anos que deixa de ser um benefício a ser estendido a todos Para qualquer segmento social é uma instituição da maior importância tanto para a transmissão quanto para a assimilação do legado cultural da sociedade O alijamento das camadas populares da educação institucionalizada não se dá por acaso Tem um objetivo muito claro impedir o acesso do segmento dominado ao saber devido ao fato do saber como processo de descolamento da ignorância ser fundamental para a sobrevivência e o processo de avanço da sociedade No Brasil ultimamente a demanda por escolas e por escolas de melhor qualidade por parte das camadas populares tem sido constante Os poderes constituídos não têm dado à escola a atenção que merece Esse fato já é bastante significativo em especial se observarmos que a escola mais sacrificada é a destinada às crianças das camadas populares a escola pública reduzida em quantidade e em qualidade 2 Uma perspectiva para a escola como instância de mediação pedagógica Conforme as pedagogias foram se instituindo para atender as neces sidades históricas dos diversos momentos da vida da humanidade a prática pedagógica escolar ao longo do tempo foi ganhando conotações diferentes Cada época histórica cada grupo humano fez da escola uma instância entre outras de mediação de sua concepção de mundo As diversas peda gogias como tradutoras de concepções de mundo filosofias deram sentido e signifícado à ação educativa em geral e em particular à educação escolar Desse modo por exemplo tivemos a educação tradicional articulada com o pensamento filosófico essencialista seja na modalidade aristotéli cotomista seja na modalidade do naturalismo renascentista Tivemos em fins do século passado e início deste a pedagogia renovada fundada nos pressupostos das filosofias da existência traduzidos especialmente pelo pensamento de Rousseau e dos filósofos da existência e traduzidos na educação pelo pensamento pedagógico de Pestalozzi de Maria Montessori de John Dewey e de muitos outros Mais recentemente a Pedagogia sob 82 a forma tecnicista traduziu as aspirações de racionalidade do capitalismo avançado Hoje no Brasil em nossas escolas convivem essas diversas tendências pedagógicas Quem de nós já não passou por uma experiência de ter tido um professor mais tradicional ou um professor mais do tipo escolanovista É possível que ninguém tenha tido uma experiência muito acentuada da prática educativa tecnicista desde que essa pedagogia permaneceu praticamente nos gabinetes do sistema educacional MEC e Secretarias de Educação não chegando às escolas a não ser para desqualificálas mais ainda Também as pedagogias transformadoras não conseguiram se instalar ainda no Brasil A Pedagogia libertária praticamente inexiste hoje em nosso meio As tentativas dos grupos anarquistas no início deste século espe cialmente em são Paulo e no Rio de Janeiro tiveram curta duração e abrangência A Pedagogia libertadora formulada pelo professor Paulo Freire tinha em princípio uma proposta educativa a ser efetuada fora da escola Mais recentemente muitos educadores vêm trabalhando para levar o seu pensamento e a sua proposta pedagógica para o âmbito escolar nem sempre com muito êxito A Pedagogia críticosocial dos conteúdos é muito nova ainda está sendo formulada e deverá passar por um período de di vulgação de convencimento e de prática para que possa manifestar papel significativo na história da educação no nosso país Não vamos retomar a discussão dessas diversas pedagogias que já foram suficientemente analisadas Queremos apenas ensaiar alguns ele mentos que indiquem aquilo que tomaremos como centro da ação peda gógica escolar Georges Snyders no seu livro Para onde vão as pedagogias não diretivas diz que o que baseia uma pedagogia o que constitui o critério entre as pedagogias são os conteúdos que estas apresentam ou mais exatamente as atitudes a que se propõem levar os alunos que tipo de homem esperam formar Uma pedagogia progressiva distinguese de uma pe dagogia conservadora reacionária e fascista pelo que diz Para se perceber a significação de uma pedagogia é necessário remontar ao seu elemento dominante o saber ensinado O que se diz e o que se oculta aos alunos Como lhes é apresentado o mundo em que vivemos Para que ações os conduzem as palavras os silêncios as atitudes im plícitas e explícitas do mestre Que ajuda se lhes dá para ultrapassarem as mistificações interessadas nas quais tantas forças contribuem para os manter3 3 Snyders Georges Para onde vão as pedagogias nãodiretivas Lisboa Moraes Editora 1978 p 30910 83 Esse posicionamento de Snyders nos esclarece que aquilo que defíne uma proposta pedagógica é o seu conteúdo ou seja quem será o homem formado pelas ações educativas direcionadas por essa pedagogia Será um sujeito que memoriza informações e que sabe repetilas Será um sujeito culto Será somente um indivíduo formado na experiência espontânea da vivência grupal E o conteúdo pois que caracteriza cada pedagogia e a escola que o assume Qual seria então o conteúdo que definiria a escola que queremos À educação institucionalizada como vimos coube historicamente a transmissão e assimilação da cultura produzida e sistematizada pela huma nidade Coube a transmissão e a garantia do processo de assimilação dos conhecimentos que eram importantes para uma determinada sociedade Porém os elementos do segmento dominado dessas sociedades nunca ti veram um acesso adequado a esse saber Toda vez que as camadas populares demandaram educação sistematizada duas possibilidades ocorreram histo ricamente ou foram alijadas do processo educativo como ocorreu em Esparta por exemplo ou a qualidade de ensino oferecido decai profun damente como tem ocorrido no Brasil ultimamente A conclusão a que podemos chegar a partir dessa exposição é que um dos objetivos fundamentais da ação pedagógica da escola é a transmissão e assimilação do legado cultural da humanidade Essa compreensão merece alguns esclarecimentos Vamos entender como transmissão e apropriação do legado cultural da humanidade os conhecimentos que foram construídos ao longo do tempo e que foram dando configuração à compreensão do mundo e à sua trans formação Isso significa a possibilidade de acesso de todos os seres humanos a todos os tipos de conhecimento assim como às diversas metodologias de abordagem dessa realidade Oferecer conhecimentos não significa so mente transmitir e possibilitar a assimilação dos resultados da ciência mas também transmitir e possibilitar a assimilação dos recursos metodológicos utilizados na produção dos conhecimentos As jovens gerações não interes sa apenas apropriarse dos resultados dos entendimentos já estabelecidos pela humanidade Interessa a elas também apropriarse da forma de abor dagem dessa mesma realidade para que adquiram um instrumento cognitivo que permita o aprofundamento dos conhecimentos existentes e a constru ção de novos entendimentos da realidade Todo cidadão deverá poder apropriarse dos resultados do processo histórico de conhecimento que a humanidade vem desenvolvendo os re sultados dos conhecimentos sobre o mundo físico sobre o mundo biológico sobre o mundo social etc Porém esses resultados foram obtidos através 84 do uso de uma determinada metodologia É preciso que o educando se aproprie também dessa metodologia Mais que isso tornase necessário que os educandos sejam exercitados no uso dos recursos metodológicos com os quais os conhecimentos foram construídos Não se aprende a utilizar alguma metodologia sem alguma exercitação E tendo aprendido a utilizar a metodologia pela exercitação importa ainda aplicála na inventividade na criatividade Só deste modo a cultura poderá avançar atendendo a novas necessidades do ser humano Em síntese quando se fala em apropriação do legado cultural da hu manidade como um dos núcleos fundamentais de atenção da ação escolar não se está expressando a exclusiva necessidade de retenção de informa ções mas sim a apropriação ativa dos conhecimentos o que implica apro priação da informação apropriação da metodologia e sua utilização assim como a sua utilização na inventividade Socialmente a apropriação dos conhecimentos é um direito de todos os seres humanos Esses conhecimentos foram produzidos dentro da so ciedade e por isso a ela pertencem Sociedade aqui é entendida como o conjunto de todas as pessoas que nela convivem e não somente os ele mentos privilegiados do segmento dominante e seus representantes oficiais no poder Os conhecimentos foram produzidos por cientistas e pensadores Con tudo importa lembrar que eles não os produziram como heróis às suas próprias expensas Foi a própria sociedade quem os sustentou em seus trabalhos de investigação Observando hoje como isso ocorre podemos perceber que cientistas pesquisadores e pensadores têm suas investigações financiadas por órgãos públicos ou por entidades que se beneficiam de isenções fiscais Os trabalhadores não fazem a pesquisa diretamente mas são eles que as financiam com o seu trabalho através dos múltiplos impostos cobrados pelo governo É curioso observar que até mesmo com nossa fome financiamos cul tura ao lado de muitas outras coisas do Estado moderno burguês Sobre todos os objetos que utilizamos em princípio pagamos um imposto de circulação de mercadoria Quando consumimos um quilo de carne ou de feijão ou qualquer outro alimento pagamos esse tipo de imposto Sobre todas as coisas que consumimos há um imposto Assim sendo o povo financia através dos impostos a educação a pesquisa a cultura e muitas outras coisas Então por que não tem direito ao acesso a esse conhecimento e à sua assimilação Ter a possibilidade e os mecanismos necessários de apropriação do legado cultural que a humanidade já produziu é um direito inalienável de todos os seres humanos Em si não há porque subtrair as pessoas desse direito Todavia por interesses espúrios especialmente por 85 não permitir o acesso das camadas populares a esse bem espiritual que é a cultura criamse mecanismos pelos quais o povo não tem acesso ao co nhecimento que ele pagou com o seu trabalho para ser construído Falamos do conhecimento e do direito de acesso a ele Mas o que significa conhecimento Mais à frente em outro capítulo trataremos de talhadamente dessa questão Contudo por ora não podemos continuar sem esclarecer alguma coisa Conhecimento signifíca uma forma de entendimento da realidade ou seja uma forma de compreensão de alguma coisa tanto no seu modo de ser quanto no seu modo de operar com ela O conhecimento não é apenas uma forma de obter e reter informações E muito mais que isso E uma forma de entender a realidade como ela é e no seu funcionamento a partir dos múltiplos elementos que a explicam Para combater e vencer uma do ença é preciso saber o que ela é e como age para travar uma luta política com chances de sucesso é preciso entender o funcionamento da sociedade em que se vive E assim por diante O conhecimento é portanto um ins trumento de vivência e de sobrevivência Não significa apenas uma ilus tração da mente Vale lembrar que a apropriação do conhecimento elaborado é uma forma fundamental de elevação cultural de quem o apropria Isso porque o conhecimento elaborado é um meio exterior que obriga aquele que o apropria a produzir uma nova síntese de seus entendimentos do mundo e da realidade A cultura elaborada é um elemento que obriga a uma ruptura com a situação cultural anterior do indivíduo possibilitandolhe ser outro Por exemplo quem adquire um conhecimento de história que não possuía antes ganha uma nova experiência cultural e por isso mesmo elabora uma nova síntese de compreensão O conhecimento elaborado que integra dentro de si por superação dinâmica o conhecimento espontâneo é um novo patamar de entendimento para o seu portador A escola como ins tância educativa tem por papel a elevação cultural dos seus educandos Ela é uma instância importante e significativa dentro da sociedade Um segundo núcleo fundamental de atenção da escola é a formação da personalidade do educando Claro que a apropriação ativa dos legados culturais da humanidade já é um modo de formação da personalidade As formas críticas de compreender o mundo vão dando ao educando meios de adquirir uma maneira de ser uma personalidade Porém além daquilo que decorre dos conhecimentos para a formação da personalidade os edu cadores devem estar voltados para um segundo núcleo de atenção a for mação do comprometimento do educando com o outro ser humano A formação do espírito de solidariedade através do exercício permanente dessa atitude é fundamental para o educando Com isso não estamos que 86 rendo dizer que a escola deva ter atividades específicas de formação do espírito de solidariedade Cremos que todas as atividades dos educadores dentro da escola devem estar permanentemente atravessadas por essa preo cupação As temáticas expostas o respeito pelo aluno como sujeito ativo de sua educação os trabalhos em grupo as atividades esportivas as ativi dades artísticas são oportunidades ímpares para se desenvolver permanen temente esse espírito O conhecimento é importante mas é preciso que esse conhecimento se transforme em modo de ação Por isso a formação do espírito de solidariedade importante Conhecer e saber aplicar sim mas com uma finalidade de sobrevivência solidária Um terceiro núcleo de atenção do educador dentro da escola é o mundo afetivo da criança do adolescente do jovem que por si já se faz presente na questão da formação do espírito de solidariedade Contudo queremos aqui lembrar as situações de interesse motivação atitude positiva para com a aprendizagem e as atividades desenvolvidas etc Certamente que a escola não deverá ser uma clínica terapêutica tendo em vista superar os bloqueios afetivos dos seus educandos Esse não parece ser o objetivo principal da escola o seu objetivo historicamente constituído é a trans missão e assimilação ativa dos conhecimentos mas ela não poderá des curar dos aspectos afetivos do educando Ele é um todo uno e indivisível Não se adquire conhecimento sem que se tenha uma atitude afetiva positiva para com ele Ninguém se entrega a uma atividade com alegria e prazer sem que tenha um interesse positivo em relação a ela Então os educadores em geral deverão estar atentos aos aspectos afetivos na medida em que estes são condições fundamentais para a participação tanto no processo efetivo da aprendizagem dos conhecimentos como para a formação do espírito de solidariedade como para a participação nas mais diversas ati vidades grupais Um educando ou qualquer sujeito humano só pode se entregar a uma atividade se estiver positivamente voltado para ela Então a aquisição do conhecimento a participação nas atividades grupais espor tivas artísticas etc necessitam de um suporte afetivo positivo A escola dentro dos seus objetivos e em todas as suas atividades deve trabalhai para desenvolver uma afetividade sadia em seus alunos Para tanto não é necessário existirem atividades curriculares formais Importa que em cada atividade curricular formal os educadores estejam atentos para este aspecto A aprendizagem disciplinada de alguma coisa não tem que ser obrigatoriamente coercitiva ela pode darse pelo prazer e pela alegria que produz Isso não significa dizer que a escola é um espaço de lazer e ócio Ela é um espaço onde se aprende e se vive prazerosamente de uma forma disciplinada e trabalhosa desde que conhecimentos habi 87 lidades e formas de vivências exigem esforços permanentes Nenhum avanço se dá sem um esforço e pois sem uma ruptura com o estado de repouso Em síntese a escola que queremos é aquela onde os educadores estão profundamente interessados na educação dos seus alunos Para tanto trabalham efetivamente para que seus educandos adquiram os legados culturais elaborados pela humanidade que formem um espírito de solidariedade de um modo afetivamente positivo A escola direcionada nessa perspectiva será o local onde educadores e educandos em uma relação democrática porque interessados num objetivo único a formação dos educandos dedicamse conjuntamente em atividades que elevam o seu modo de ser e de viver Elevação esta que terá um papel significativo na democratização da sociedade como um todo Vale aqui uma última observação Temos dito que o objetivo que define a pedagogia e a escola são os conteúdos que propõem e que a aquisição de conhecimentos significativos é um dos seus núcleos fundamentais de atenção Na prática docente é preciso que o professor para cumprir essa proposição saiba levar em conta as circunstâncias em que está trabalhando com os conhecimentos Isto significa levar em consideração o educando com quem está trabalhando assim como suas características Ao se trabalhar com conhecimentos culturais sistematizados há que se ter presente o destinatário desse processo Os níveis de conhecimento terão que ser adaptados a ele crianças da préescola da escola de 1Q grau de 2º grau de universidade 3 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Como se pode entender que nenhuma concepção teórica se faz prática na vida humana sem alguma mediação Que é mediação neste caso b Como a escola pode ser uma mediação concreta de uma concepção pedagógica Dê exemplos históricos de como a escola foi utilizada como instância mediadora de uma determinada concepção de sociedade c O que significa dizer que a escola definese por seu conteúdo 88 d Discuta qual seria o centro de atenção para a atividade escolar que desejamos Você concorda com a posição deste capítulo Por quê 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a A escola que temos e a escola que queremos b Um estudo crítico da sua escola 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares LIBÂNEO José Carlos Democratização da escola pública pedagogia criticosocial dos conteú dos São Paulo Loyola 1985 PONCE Anibal Educação e luta de classes São Paulo CortezAutores Associados 1984 SAVIANI Dermeval Ensino básico e o processo de democratização da sociedade brasileira In Revista A NDE 7 913 89 2ª Parte Do senso comum pedagógico à postura crítica na prática docente escolar Capítulo 5 Filosofia do cotidiano escolar por um diagnóstico do senso comum pedagógico No capítulo 1 ao abordarmos o processo do filosofar dissemos que o primeiro passo metodológico para proceder ao exercício da reflexão era inventariar os valores que davam significado à cotidianidade Esses valores poderiam estar explícitos ou implícitos mas em ambos os casos como pres supostos da ação diuturna individual ou social Neste capítulo vamos tentar exercitar esse passo metodológico do filosofar no que se refere aos valores que têm dado significado ao cotidiano escolar Ou seja vamos inventariar os valores que estão em geral orien tando o cotidiano escolar através da prática docente Os outros passos do exercício da reflexão filosófica serão expostos posteriormente Tentaremos assim sugerir respostas para as seguintes questões o professor na sala de aula tem uma filosofia que compreende e orienta a sua ação Se tem essa filosofia como ela se configura quais são seus elementos constitutivos e de compreensão da realidade Em princípio e genericamente falando desde que existem boas e sãs exceções o diaadia do educador escolar tem por base não uma filosofia criticamente construída mas sim um senso comum que foi adquirido ao longo do tempo por acúmulo espontâneo de experiências ou por introjeção acrítica de conceitos valores e entendimentos vigentes e dominantes no seu meio Como resposta inicial às questões acima formuladas vamos admitir que no geral a ação pedagógica cotidiana escolar vem sendo realizada sem uma permanente meditação crítica sobre o que se está fazendo seu sentido significado e finalidade 93 Para cumprir a abordagem deste capítulo vamos dar os seguintes pas sos em primeiro lugar tentar definir o que entendemos por senso comum A seguir abordar ainda que de forma impressionista qual o conteúdo os princípios do senso comum pedagógico escolar tomando por base ele mentos tais como educando conhecimento conteúdo de ensino material didático procedimentos etc Enfim tomaremos como elementos de análise os aspectos essenciais da prática docente Por último ensaiaremos uma compreensão do sentido e do valor político da permanência do senso co mum pedagógico como a filosofia que permeia o nosso cotidiano escolar 1 0 senso comum Nascemos numa certa circunstância geográfica social e histórica e nela adquirimos espontaneamente um modo de entender a realidade e de agir sobre ela Por exemplo muitas pessoas aprenderam que o número 13 dá azar outras aprenderam que dá sorte Aprenderam pela convivência com as outras pessoas por ouvir dizer E então passaram a organizar suas vidas e suas ações aquelas que têm a ver com esse entendimento a partir desse modo de compreender o mundo e a realidade Há pessoas que no dia 13 de cada mês se resguardam de possíveis azares usam patuás participam de rituais para fechar o corpo etc Outras pessoas aquelas que entendem que este número dá sorte utilizamse dessas oportunidades para os seus respectivos rituais de bom agouro Isso se multiplica por inúmeros elementos de vida social formando um entendimento que as pessoas possuem da vida Ou seja essas compre ensões constroem uma visão de mundo fragmentária e por vezes até contraditória A isso denominamos senso comum São conceitos significa dos e valores que adquirimos espontaneamente pela convivência no am biente em que vivemos Anterior e simultaneamente à nossa existência estão presentes valores padrões de conduta costumes modos de conhecer de organizar a vida social de relacionamento dos seres humanos com a natureza consigo e com os outros Esses elementos vão chegando até nós como formas de compreender a realidade que nos cerca e como modos de agir Dessa ma neira adquirimos explicações para a vida para os rituais sociais religiosos para as regras e normas de vida para os processos educacionais para o trabalho para as relações entre pais e filhos para as relações entre auto ridade e subalterno para fenômenos da natureza explicações enfim para 94 uma quantidade infindável de dados e acontecimentos que se fazem pre sentes em nossa existência pessoal Lentamente esses elementos explicativos penetram em nossas men tes em nossa afetividade em nosso modo de agir em nossa prática diuturna Acostumamonos afinal de contas a todas essas apropriações e raramente nos perguntamos se existem outras possibilidades de explicação para tudo que observamos vivenciamos e participamos O mundo a realidade nossa forma de pensar tudo se compreende e se organiza a partir desse senso comum da realidade O senso comum nasce exatamente desse processo de acostumarse a uma explicação ou compreensão da realidade sem que ela seja questio nada Mais do que uma interpretação adequada da realidade ele é uma forma de ver a realidade mítica espontânea acrítica A formação do senso comum tem o seu dinamismo Enquanto nos desenvolvemos ao longo do tempo sofremos a interferência de novos elementos que emergem na vida social e crescem junto conosco Os mais velhos nos transmitiram valores nós os recebemos e os transmitimos às gerações posteriores Todavia nós também em nosso momento de exis tência no conjunto da sociedade somos criadores de novas compreensões da realidade que podem ter as características do senso comum e as trans mitimos às gerações posteriores Nossos contemporâneos também criam conjecturas que nos são transmitidas portanto o senso comum não só vem de padrões de conduta estabelecidos acriticamente no passado mas também de formas de compreender e agir que nascem e veiculamse paralelas e por dentro de nossas existênçias sociais e individuais As visões de mundo que não se tornam vigentes que não pegam se volatilizam desaparecem contudo aquelas que pegam tornamse costumes traduzindose em senso comum Estamos na esfera da configuração do senso comum tanto à medida que recebemos quanto à medida que formulamos compreensões acríticas da realidade O seu caráter acrítico decorre exatamente do fato de as visões que o compõem não terem vinculações efetivas com os elementos da rea lidade já que o efetivo desvendamento da realidade produz o senso crítico Esse fato o desvinculamento efetivo da realidade permite que os ditames do senso comum permaneçam dogmáticos e admitidos como certos por gerações e gerações O desvendamento da realidade traz o senso crítico que vai além dos limites espontâneos e fragmentários do senso comum O senso comum em geral possui articulações com interesses axiológicos que o sustentam interesses de autoridade econômicos políticos religiosos do modelo social no qual vivemos etc interesses que são externos ao desven damento da realidade 95 A sociedade na qual vivemos tem sua forma de entendimento do mundo não como um sujeito individual e voluntário mas como um espírito da época como um espírito da sociedade que se torna dominante e hegemônico Ou seja ela possui uma forma de compreendei e agir no mundo que permeia tudo e todos os momentos da vida sendo assumida por todos como se fosse um modo externo e natural de conceber a realidade complexa que nos rodeia Esse caráter natural implica a desnecessidade de questionálo assim como não questionamos a nossa respiração porque ela é natural Concluindo o senso comum é um modo de compreender o mundo constituído acrítica e espontaneamente que se traduz numa forma de organizar a realidade as ações diárias as relações entre as pessoas a vida como um todo Mas será que tudo é senso comum no diaadia das pessoas Será que só existem elementos acríticos Efetivamente não No seio do senso comum ocorre o bom senso que se compõe de fragmentos de criticidade que emergem no contexto dessas configurações Nem tudo no contexto do senso comum é ingenuidade Podem ocorrer e normalmente ocorrem elementos de compreensão e conduta que têm muito de criticidade e justeza Por vezes dizemos aquele sujeito tem muita sabedoria Essa expressão revela o quanto alguém na espontaneidade de sua existência descobriu elementos significativos e críticos na e para a condução de sua vida O ideal seria que o todo da compreensão e conduta de cada pessoa se desse de modo critico coerente sistematizado Contudo para isso é preciso muito trabalho trabalho crítico de reflexão filosófica e científica Hoje fazendo uma afirmação genérica podemos dizer que na prática pedagógica impera o senso comum Será que para direcionar os nossos trabalhos pedagógicos temos permanentemente nos perguntado quem é o educando e o que ele significa Que é o conhecimento Que são os conteúdos que veiculamos em nossas aulas Será que questionamos o material didático que utilizamos Parece que em vez de nos questionarmos nos acostumamos e nos adaptamos às explicações e compreensões que foram sendo passadas de uma geração a outra através da palavra através dos gestos e da convivência Em educação dificilmente nos perguntamos se esses entendimentos têm algum fundamento Por vezes nem mesmo tomamos consciência de que somos direcionados por algum entendimento Parece nos ser tio natural agir assim que não nos importa questionar Seguimos certos princípios sem questionálos e muito menos nos perguntamos se seriam esses os que gostaríamos de perseguir como meta e finalidade de nossas ações 96 É nesse contexto que ouvimos dizer Foi sempre assim por que agora teria que ser diferente Meus avós fizeram assim meus pais fizeram do mesmo modo Então não está certo E o senso comum com o seu rolo compressor que nos envolve nos retira a possibilidade do questionamento em tudo inclusive nas questões pedagógicas e educacionais Vamos tentar explicitar alguns dos elementos do senso comum peda gógico Vamos descrever esse senso comum a partir da prática pedagógica dos profissionais da educação Não iremos perguntarlhes como eles entendem e conduzem a sua prática pedagógica mas tentar ler em seus atos como esses entendimentos estão manifestos Ou seja entendemos que partindo da prática pedagógica cotidiana em nossos contextos escolares podemos inventariar os valores sentidos e significados que norteiam o seu ato educativo Se conseguirmos isso estaremos dando o primeiro passo no esforço de filosofar sobre a prática docente 2 0 senso comum pedagógico 21 Os sujeitos do processo educativo a o educador Quem é o educador no processo educativo escolar Será que nós educadores ao assumirmos atividade de docentes nos perguntamos o sig nificado dessa atividade na sociedade como um todo e na vida dos edu candos Em geral e a não ser numa minoria de casos parece que o senso comum é o seguinte para ser professor no sistema de ensino escolar basta tomar um certo conteúdo prepararse para apresentálo ou dirigir o seu estudo ir para uma sala de aula tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência apresentação de conteúdos controle dos alu nos avaliação da aprendizagem disciplinamento etc Ou seja a atividade de docência tornouse uma rotina comum sem que se pergunte se ela implica ou não decisões contínuas constantes e precisas a partir de um conhecimento adequado das implicações do processo educativo na socie dade A ação docente tem sentido e significado Já definimos anteriormente que nas práticas humanas quando não formulamos um sentido específico para a ação que vamos realizar adotamos um sentido dominante que se 97 faz presente na sociedade e na cultura em que vivemos Assim se não buscarmos o sentido e o signifícado crítico consciente e explícito da ação docente seguimos o sentido e o significado dominante desse entendimento que se tornou senso comum Isso se dá de tal forma que muitíssimas vezes para que alguém exerça a função de educador não lhe é exigida nenhuma formação específica Existem profissionais de áreas diversificadas que estão na regência escolar e que não tiveram nenhuma formação para tal Possuem uma formação específica numa área do conhecimento e a partir daí dedicamse ao ensino Não é que eles não possam ser bons profissionais da educação O que queremos ressaltar é que não se busca um senso crítico do papel do edu cador no processo educativo não se exige do educador uma preparação adequada para o exercício da docência tanto do ponto de vista do com promisso político quanto do ponto de vista da competência técnica e cien tífica que ela exige Em capítulo posterior retomaremos a questão do docente Por en quanto bastanos a percepção de que em geral no que se refere ao en tendimento do que seja o educador seguimos um ritual que se tornou senso comum b O educando Como os professores concebem o educando Um dos sujeitos do pro cesso educativo Quem é ele Qual a sua dimensão Qual o seu papel no processo de ensinoaprendizagem O professor raramente se faz essas perguntas Para ele essa questão de quem é o educando já está plenamente definida Parece natural tratar o educando como ele vem sendo tratado todos os dias nas salas de aula Que elementos caracterizam o senso comum pedagógico sobre o edu cando Observando a relação professoraluno no cotidiano escolar uma das características do educando que parece permear a prática pedagógica é a de que ele é um ser passivo Basta observar uma sala de aula e veremos que na maior parte das vezes o professor considera que o aluno deve estar ali para receber as suas lições e depois no final de uma unidade de ensino devolvêlas em provas e testes exatamente como foram ensinadas até mesmo nas vírgulas e pontos Não é que o aluno seja propriamente passivo mas segundo o senso comum deve sêlo Em geral os atos e con dutas dos professores dão a entender que eles querem que os alunos sejam passivos pois os ativos dão trabalho seja na disciplina comportamental 98 seja na disciplina intelectual Usualmente não se tem tido suficiente cui dado com a produtividade do educando Porém no oposto deste entendimento há um outro conceito comum muito alastrado o de que o educando deve ser ativo sempre Todavia não há muita clareza sobre o que se compreende como um aluno ativo Por vezes ativos têm sido designados os educandos que se agitam durante as atividades escolares Com isso esquecese de verificar que o modo de ser ativo depende do conteúdo com o qual se esteja trabalhando Se o conteúdo referese à atividade física será ativo o aluno que a praticou porém se o conteúdo for intelectual a atividade será mental Assim o conceito de ativo deve ser bem compreendido Desse modo é preciso ter cuidado para criticar o senso comum no que se refere à passividade ou à atividade do educando Isso dependerá da tarefa posta em questão dependerá da situação de aprendizagem A segunda crença na qual se alicerça a prática pedagógica escolar é a de que o educando é um ser dependente do educador desde o que deve aprender até o que deve responder Tem que se dar a ele a certeza sobre alguma coisa a resposta pronta pois ele não deve ter independência para buscar respostas E como se se dissesse que o educando não tem querer o seu querer deve ser o do professor O critério de certeza sobre a validade dos conhecimentos deve depender do critério do professor Será mesmo que o educando é tão dependente assim Será que ele não pode ter um querer diferente que lhe desenvolva a autonomia Será que o querer do professor e do educando não podem ser permeados pela busca de um entendimento novo e superior através da discussão entre ambos Uma terceira forma do senso comum pedagógico é a de considerar que o educando é um ser incapaz de criar Ele tem que reter e repetir os conhecimentos e não inventálos Apesar das reclamações constantes de que os alunos não são criativos a ação pedagógica na maior parte das vezes está pautada pela idéia de que o aluno é incapaz de criar é um inválido do ponto de vista intelectual Toda vez que o educando tenta sair do esquema linear do diaadia é cerceado de diversas maneiras As estra tégias para delimitar seu campo de ação baseiamse no lema fazer as coisas como o professor quer Por vezes sugerimos a nossos filhos formas diferenciadas e possíveis de fazer uma tarefa de casa porém a criança nos responde o professor quer assim e se não for assim ele tira nota Mas será que há apenas uma única forma de se fazer alguma coisa de modo correto Se fosse assim Einstein não teria superado Newton e Marx não teria superado os economistas clássicos etc 99 Além disso as histórias e fábulas relatadas nas aulas por vezes indi retamente acrescentam o castigo a quem tem curiosidade Veja a exemplo a narração da estória do Américo Pisca Pisca o reformador do mundo que teria sido castigado se tivesse efetuado sua reforma da natureza co locando a abóbora na jabuticabeira e a jabuticaba nos ramos de abóbora desde que ao fazer a sesta sob a jabuticabeira uma das jabuticabas maduras caíralhe sobre o nariz Já imaginou acordar com uma abóbora rachando nossa cara Ele recebia o castigo da sua curiosidade e criatividade Depois dessas estórias quem mais vai querer ser curioso e criativo Entre muitas outras características desse senso comum sobre o edu cando poderemos observar também que da ação dos professores se de preende que o educando é um sujeito incapaz de julgamento sobre si mesmo e sobre sua aprendizagem No momento da avaliação na maior parte das vezes o professor nem sequer dá ao educando a oportunidade de verificar o que não conseguiu aprender e nem por que não conseguiu aprender Aplicase um teste contamse as questões certas e erradas dáse uma nota registrase em caderneta e pronto Será que o aluno não merece um mo mento de troca de idéias e entendimento sobre seus avanços e suas difí culdades Será que o educando não teria condições de juntamente com o professor encontrar explicações para os seus desvios de aprendizagem E mais será que a compreensão desses desvios não ajudaria em seu cres cimento intelectual Será que esse diálogo com o aluno sobre os dados objetivos de sua aprendizagem não ajudaria também o professor a entender melhor as suas atividades didáticas os seus acertos e os seus erros Professor e aluno abordando juntos os resultados objetivos da aprendizagem podem formular juízos que servem para ambos e para a melhoria do próprio pro cesso de ensino e aprendizagem Entender o educando como incapaz de julgamento é perder oportunidade de crescimento e avanço para ambos Coroando esses elementos do senso comum sobre o educando gosta ríamos de lembrar ainda uma característica que talvez seja a raiz de todas as anteriores é a forma de considerar o educando como um elemento isolado de tudo o mais que o cerca O educando é considerado como se fosse caído do céu sem vínculos com a natureza com o ambiente sóciocultural com a história com a sociedade sem vinculação com a sua própria natureza ativa Ou seja o educando é tomado de uma forma idealistas1 que nada 1 Por idealista aqui se entende toda e qualquer concepção ou entendimento do ser humano e do mundo que não leve em consideração os seus elementos materiais e históricos Por exemplo considerar que a inteligencia é uma faculdade dada e existente por si e sempre é uma compreensão idealista desse elemento humano Por que Porque essa concepção coloca a inteligencia como um fenômeno isolado abstrato sem vinculações com as suas condições materiais e históricas E a inteligencia é resultante de condições físicas biológicas do ser humano articuladas com fatores externos tais como atividade trabalho linguagem 100 mais quer dizer do que tomar o educando como um ser que fosse dado aí pronto definido desde toda a eternidade De fato o educando ao contrário é um ser materialespiritual com muitos condicionantes objetivos envolvendoo tem uma natureza físico biológica que se constrói pelo crescimento tem uma inteligência que ad quire patamares complexos de reflexão pela sua relação com o meio e pela atividade tem maior ou menor capacidade de apropriarse dos co nhecimentos e habilidades dependendo de suas vivências e convivências Tudo isso tem que ser levado em consideração para que não predomine o senso comum de que o educando é um certo anjo que caiu não se sabe de onde A posição idealista não vê o educando como ele é daí os entendimentos arbitrários de passividade nãocriatividade etc Essa forma de conceber a educação do seu verdadeiro caminho aí ela trabalha a partir de suposições sobre o educando e não a partir daquilo que o educando é Muitos outros pontos de senso comum pedagógico sobre o educando poderiam ser levantados Estes servem de amostragem Cada um de nós poderá continuar a inventariar os conceitos e valores que estão ou podem estar direcionando nossas práticas pedagógicas Há uma contradição entre essas condutas educacionais e aquilo que os educadores dizem Todos dizem que desejam educandos ativos criativos autônomos capazes de decisão etc Porém as ações educativas enquanto atos educativos mostram o contrário O senso comum tornouse hegemô nico agimos com e por ele sem nos perguntarmos sobre a sua significação e validade Só com a tomada de consciência desses elementos do senso comum e com sua superação poderemos chegar a uma nova com preensão do educando dando um salto à frente 22 0 conhecimento e seu processo A partir do que se observa numa sala de aula como definir o que é conhecimento De um lado um professor expõe informações conceitos e regras de trabalho de outro os alunos ouvem a apresentação e se utilizam de material didático Ao final um teste para verificar o que o aluno reteve do que foi dito ou lido Que é conhecimento neste contexto e qual o seu processo O conhecimento parece ser o conjunto de informações que são apre sentadas ou lidas no livrotexto e o processo parece ter sido o de reter essas informações na memória para depois repetilas 101 Será que de fato isso é conhecimento e este é o seu processo de apropriação e construção Não Mas esse é o senso comum que permeia a maior parte ou a quase totalidade dos atos pedagógicos escolares Co nhecimento é uma forma de entendimento da realidade é a compreensão inteligível daquilo que se passa na realidade Para isso é claro podemos e devemos nos utilizar do saber que a humanidade nos legou Porém isso não significa que o nosso objetivo de conhecimento se encerre na retenção daquilo que foi dito ou que está escrito Esses elementos são nossos au xiliares na compreensão da realidade Mas o que importa é a compreensão da realidade Por outro lado o processo de conhecimento é ativo Não é uma retenção padronizada e acabada de lições ao contrário é um pro cesso de assimilação ativa dos conhecimentos já estabelecidos e um processo de construção ativa de novas compreensões da realidade Até mesmo o ato de memorizar é ativo o processo de memorização é ativo Memorização não significa pura e simplesmente reter alguma coisa mas encontrar ativamente os mecanismos pelos quais se pode guardar na memória alguma coisa E mais fácil memorizar a tabuada quando se entende seu mecanismo a multiplicação é a soma sucessiva do mesmo número E mais fácil decorar a distribuição das ruas de uma cidade quando nós ativamente estabelecemos pontos de referência A prática pedagógica diária pouco tem levado em conta a reflexão crítica sobre o que vem a ser o conhecimento Na maior parte das vezes ela se fundamenta no senso comum sobre o que seja o conhecimento e o seu processo O senso comum pedagógico manifesta um entendimento idealista do que seja o conhecimento E como se o conhecimento não tivesse história e não contivesse acertos e erros O que se diz é assumido como se sempre tivesse sido assim No entanto o conhecimento tem história está eivado de desvios por interesses de uns ou de outros Nasceu e continua nascendo num determinado momento do tempo e terá uma duração Temos não só que nos apropriar do que já existe como entendimento mas também assumir o papel de criadores do conhecimento Só poderemos chegar a um enten dimento relativamente adequado do que venha ser o conhecimento e o seu processo se abandonarmos essa posição idealista e ingênua Importa refletir sobre isso para assumirmos na prática pedagógica uma conduta relativamente adequada à aprendizagem dos educandos 23 0 conteúdo a ser assimilado Ultimamente muito se tem discutido e escrito sobre desvios e inver dades expressos nos conteúdos escolares Por exemplo Maria de Lourdes 102 Nosela escreveu A s belas mentiras ideologia subjacente aos textos didáticos2 onde trata dos livros de Comunicação e Expressão Gildázio Cerqueira Filho e Gizlene Neder3 discutiram as inverdades veiculadas através dos nossos textos de História do Brasil no artigo Conciliação e violência na história do Brasil Muitos outros têm escrito e falado sobre isso E é através desses livros didáticos assumidos acriticamente que ensinamos Português História Ciências etc para nossos alunos Os conteúdos dos livrostextos não são os melhores e os mais corretos No entanto nos baseamos neles para ensinar e avaliar nossos alunos Continuamos a exigir dos nossos alunos que repitam erros já reconhecidos E se o aluno não repetir ele estará reprovado Ou seja ao nos basearmos no senso comum estabelecido sobre os conteúdos que ensinamos passamos a exigir que nossos alunos adquiram conhecimentos errados da realidade Se não errados ao menos distorcidos Para esclarecer essa questão basta citar alguns exemplos Dizse que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil Será que descobriu ou invadiu E será que foi Pedro Alvares Cabral ou a classe dominante portuguesa através de Pedro Alvares Cabral Dizse em História do Brasil que expulsamos os estrangeiros franceses holandeses ingleses E os portugueses não eram estrangeiros Dizse que Calabar foi o traidor da pátria Traidor da pátria ou dos interesses portugueses Dizse que José Bonifácio foi o patriarca da Independência do Brasil Será que foi isso mesmo Ou será que a Independência se faria com ou sem José Bonifácio Citamos desvios dos conteúdos de História Porém eles existem em Ciências em Matemática em Geografia etc O senso comum pedagógico toma por verdade aquilo que é uma forma de interpretar a realidade Devido às muitas críticas que se têm feito aos desvios dos conteúdos de ensino uma posição oposta e ingênua tem sido tomada a de que não vale a pena ensinar conteúdo algum e deixar que os alunos reflitam sobre o seu diaadia para que tomem consciência dele Com isso praticamente passouse a não ensinar nada Que critica é essa que destrói tudo Onde está a dialética que supera a posição anterior por sua incorporação crítica Essa é mais uma atitude de senso comum pedagógico Não é porque muitos dos atuais conteúdos ensinados possuam desvios que não se deva ensinar conteúdo algum O que importa é recuperar o sentido adequado dos conteúdos escolares e passar a trabalhar a partir deles 2 Nosela Maria de Lourdes As belas mentiras ideologia subjacente aos textos didáticos São Paulo Ed Moraes 1979 3 CerqueiraFilho Gildázio e Neder Gizlene Conciliação violência na história do Brasil In Revista Encontros coma Civilização Brasileira nº 2 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 103 24 Material didático Vinculado à questão do conteúdo vale lembrar a forma como em geral é tomado o livro didático desde que é através dele que fundamen talmente são transmitidos os conteúdos escolares Qual o significado do livro didático na prática pedagógica escolar No geral ele tem sido assumido como uma bíblia ou seja como um livro sagrado tudo o que está escrito nele se assume como verdade Deve ser essa a atitude a ser assumida diante do livro didático Será que ele não contém inverdades reduções e desvios de conhecimentos Essa concepção bíblica se manifesta entre outras coisas pela exis tência de um livro do aluno e um livro do professor E o professor infe lizmente se utiliza do livro que a ele é destinado O que significa a existência desses livros que são quase que perfeita mente iguais A pequena diferença está no fato de que o livro do professor traz além daquilo que está contido no do aluno as respostas padronizadas às questões formuladas para o exercício dos alunos O professor deverá seguir as respostinhas dadas pelo autor do livro Se o aluno for um pouco além ele terá uma conduta considerada inadequada Professor e aluno terão que se submeter aos ditames do livro didático e pois do seu autor Mas temos que ser assim submissos intelectualmente O senso comum diz que o que está escrito é verdadeiro E nos acostumamos a isso de tal forma que perdemos a capacidade de duvidar do que está escrito O escrito passou a ser sagrado um fetiche que não pode ser tocado pela dúvida Será que os livros didáticos merecem todo esse respeito e submissão Ou será que devem ser usados sempre de uma forma crítica como um ponto de partida a ser abordado discutido questionado duvidado Será que os livros didáticos contêm tantas e tais verdades que devemos nos submeter e submeter os nossos alunos a eles Baseados nessas considerações não vamos cair no extremo oposto e dizer então não vale a pena utilizar livro didático nenhum Será que esta também não será uma posição ingênua e de senso comum Já que os livros didáticos não contêm a verdade eles não devem ser utilizados Ao contrário eles podem e devem ser utilizados com criticidade ultrapassando os elementos do senso comum Ultrapassando pela crítica os próprios limites desses livros 104 25 Métodos e procedimentos de ensino Aqui também impera o senso comum Se tomarmos um conjunto de planejamentos de ensino de diversos professores veremos que no item denominado método de ensino ou ati vidade de ensino invariavelmente está escrito aula expositiva dinâmica de grupo trabalho dirigido questionamento oral etc Generalidades Mas será que essas indicações decorrem da reflexão teórica objetiva consciente Ou elas emergiram do costume de dizer que os métodos de ensino são esses Mais propriamente esse modo de agir não indica a pre sença do senso comum também naquilo que se refere às questões meto dológicas do ensino Os planejamentos são produzidos mais ou menos da forma como des crevemos a seguir No início do ano letivo há uma semana dedicada ao planejamento de ensino Como é uma atividade obrigatória na escola tem que ser realizada Assim tomase o formulário de planejamento e cum prese a tarefa de preenchêlo A atividade é assumida como se fosse de planejamento mas é executada como um preenchimento de formulário Começase pela coluna de conteúdos que é a mais fácil Os conteúdos já estão explícitos e ordenados nos livros didáticos Basta para tanto copiar o índice A seguir inventamse objetivos que casem com os conteúdos indicados De fato o planejamento exige o contrário em primeiro lugar o estabelecimento dos objetivos e depois encontrar os conteúdos que os operacionalizem As atividades para efetivar esses conteúdos já estão de finidas desde sempre Por que pensar nelas Todo mundo dá aulas com exposição dinâmica de grupo etc E o senso comum pedagógico que conduz a essa decisão De fato o planejamento seria o momento decisivo sobre o que fazer um momento de definição política e científica da ação pedagógica no caso da educação Não pode ser feito a partir do senso comum mas exclusivamente com senso crítico De fato sobre métodos e procedimentos de ensino é preciso agir com critérios definidos e com prudência Não basta relacionar qualquer coisa num planejamento Há necessidade de estudar que procedimentos e que atividades possibilitarão da melhor forma que nossos alunos atinjam o objetivo de aprender o melhor possível daquilo que estamos pretendendo ensinar 105 26 Síntese dos elementos do senso comum pedagógico Até aqui conseguimos estabelecer um conjunto de elementos que nos permitiram inventariar conceitos que permeiam e atravessam a atividade docente escolar São entendimentos do senso comum que define e orienta a ação pedagógica diária de todos nós Será que esses são os princípios que queremos levar à frente que queremos utilizar no direcionamento de nossa prática pedagógica Será que queremos agir em educação sem ter claro nossos objetivos políticos sem ter claro quem é o educando que está à nossa frente Sem ter claro o que é o conhecimento e seu processo Será que conscientemente queremos e desejamos utilizar os livros didá ticos com seus respectivos conteúdos como se eles fossem a pura verdade Será que como procedimentos de ensino bastará definir genericamente modos já definidos de técnicas didáticas tais como exposição dinâmica de grupo etc Ou temos que dar um salto buscando os melhores modos de agir para que nossos alunos aprendam da melhor forma aquilo que estamos querendo ensinar Nosso inventário não é completo nem exaustivo mas é suficiente para lembrar os limites teóricos nos quais estamos desenvolvendo ou sofrendo atividades educacionais Tanto como professores como enquanto alunos passamos pelas experiências aqui sumarizadas Nos capítulos seguintes vamos tentar estimular reflexões críticas sobre esses diversos temas Porém neste capítulo nos resta perguntar e tentar responder por que o senso comum permanece se ele não configura a forma mais adequada de pensamento e conduta 3 Razões da permanência do senso comum Como vimos o senso comum é uma configuração espontânea frag mentária e acrítica do pensamento e do entendimento Não é a melhor e nem a mais adequada forma de compreensão da realidade Mas por que então permanece em nosso meio oferecendo compreensão e direciona mento para muitas ações humanas inclusive a prática pedagógica O conhecimento verdadeiro aquele que desvenda e ilumina as con figurações da realidade fornece aos sujeitos que o possuem um poder de compreensão e ação mais efetivo do que o daqueles que não detêm esse entendimento O conhecimento objetivo oferece um patamar importante de consciência da realidade E à medida que este patamar de entendimento e compreensão atinge uma grande massa de pessoas ele se traduz num 106 potencial de crítica de ação renovada de mudança Pode mesmo ganhar um traço revolucionário possibilitará à grande massa como um bloco pensar e possivelmente agir Ora os poderes constituídos que representam os interesses do seg mento dominante da sociedade e o próprio segmento dominante não de sejam de forma alguma alimentar elementos de contradição Preferem a manutenção e a reprodução da situação na qual se encontram o chamado status quo Assim para os setores dominantes e conservadores da sociedade interessa que o senso comum impere em muitos cantos da vida social e cultural especialmente naqueles que se destinam às grandes massas como é o caso da educação Mais que isso a educação institucionalizada é o setor cultural organizado responsável pela formação e instrução de crianças e da juventude Ora essa instituição não poderá segundo um ponto de vista conservador trabalhar com base no senso crítico mas sim com base no senso comum pois este dá maiores possibilidades de manipulação devido às mistificações que propicia e mantém O senso comum interessa e muito à situação conservadora da so ciedade em que vivemos em função de fato de que ele não possibilita o surgimento de uma massa crítica de seres humanos pensantes e ativos na sociedade O senso comum é o meio fundamental para a proliferação da manipulação das informações das condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes e dos setores dominantes da sociedade Ora uma educação realizada com base em princípios do senso comum só poderá estar a serviço de uma perspectiva social dominante Por isso importa superar o senso comum em todos os setores da vida humana e no caso na prática educacional Aliás a prática educacional não poderia nem deveria de forma alguma atuar com base em elementos do senso comum pois tem por objetivo formar consciências e acreditamos consciências críticas capazes de compreender propor e agir em função de novas perspectivas de vida Por isso é preciso filosofar e ultrapassar os limites do senso comum como entendimento e como orientação para a nossa prática 4 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Que se entende por senso comum b Que se entende por senso crítico 107 c Como se forma o senso comum em cada um de nós d O que significa a ação ser dirigida pelo senso comum e Como se manifesta o senso comum pedagógico escolar no que se refere a educador educando conhecimento material didático pro cedimentos de ensino f Por que o senso comum pedagógico permanece orientando nossa prática docente escolar se ele é precário em termos de formulações 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Senso comum pedagógico e qualidade da prática docente e discente b Senso comum e senso crítico necessidade e caminhos de superação do senso comum 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares GRAMSCI Antonio Alguns pontos preliminares de referência In Concepção dialética da história Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 p 11 30 texto já citado como comple mentar do capitulo 1 deste livro KOSIKKarelDialéticadocóncretoRiodeJaneiroPazeTerra1969verespecialmenteostrês primeiros capítulos LUCKESI Cipriano et alii O conhecimento filosófico e cientifico In Fazer Universidade uma proposta metodológica 5º ed São Paulo Cortez 1989 108 Capitulo 6 Sujeitos da praxis pedagógica o educador e o educando No capítulo anterior formulamos a compreensão de que por hábito cultural o entendimento que se tem do que é ser educador e do que é ser educando não ultrapassa a compreensão espontânea e estereotipada do diaadia O educador é educador e o educando é educando nada mais que isso diz o senso comum São sujeitos que parecem estar definidos desde sempre Se de fato assim fosse não haveria razão para tentar res significálos Seus respectivos conceitos e significados já estariam dados social e historicamente Neste caso seria uma perda de tempo tentar refletir e compreender o que são os sujeitos da prática educativa escolar Contudo sabemos que o conceito de quem é o educador e de quem é o educando não é tão simples nem tão pacífico quanto pode parecer Ao nível do senso comum até pode parecer que esse conceito seja linear e simples porém ao nível de uma compreensão crítica há que se discutir quem são esses sujeitos Neste capítulo propriamente nos ocuparemos da tentativa de superar o entendimento do senso comum sobre os sujeitos da práxis pedagógica educador e educando Vamos iniciar nossa reflexão por uma discussão do ser humano quem é ele como se constitui quais são suas características e poste riormente abordaremos o educador e o educando como seres humanos que interagem sistematicamente no processo educativo A razão dessa se qüência de tratamento devese ao fato de que enquanto seres humanos eles participam da mesma natureza social e histórica distinguindose pelo lugar que ocupam na trama das relações sociais como educador ou como educando 109 1 O ser humano O ser humano se constitui numa trama de relações sociais na medida em que ele adquire o seu modo de ser agindo no contexto das relações sociais nas quais vive produz consome e sobrevive Com isso estamos que rendo dizer que o ser humano emerge no seu modo de ser dentro de um conjunto de relações sociais São as ações as reações os modos de agir habituais ou não as condutas normatizadas ou não as censuras as con vivências sadias ou neuróticas as relações de trabalho de consumo etc que constituem prática social e historicamente o ser humano Numa di mensão geral o ser humano é o conjunto das relações sociais das quais participa de forma ativa O ser humano é prático ativo uma vez que é pela ação que modifica o meio ambiente que o cerca tornandoo satisfatório às suas necessidades e enquanto transforma a realidade constrói a si mesmo no seio de relações sociais determinadas Na sociedade moderna o ser humano é um ser prático que age no contexto da trama das relações sociais desta sociedade que em última instância caracterizase pela posse ou não de meios sociais de produção Conseqüentemente o ser humano é social na medida em que vive e sobrevive socialmente Vive articulado com o conjunto dos seres humanos de gerações passadas presentes e futuras Não se dá isoladamente A sua prática é dimensionada por suas relações com os outros Por último é um ser histórico uma vez que suas características não são fixas e eternas mas determinadas pelo tempo que passa a ser consti tutivo de si mesmo O ser humano da Idade Moderna não é o mesmo que existiu no período medieval o ser humano que conhecemos na Bahia do presente certamente é diverso do ser humano da Bahia do século XIX O ser humano sofre as determinações do tempo histórico seu corpo seus sentidos sua personalidade caracterizamse pela historicidade Em síntese o ser humano é ativo vive determinadas relações sociais de produção num determinado momento do tempo Como conseqüência disso cada ser humano é propriamente o conjunto das relações sociais que vive de forma prática social e histórica Para compreender como o ser humano se constitui na dinâmica das relações sociais como ser ativo social e histórico poderíamos seguir as observações que Marx faz sobre o trabalho como o elemento essencial constitutivo do ser humano O agir humano se faz de forma social e histórica produzindo não só o mundo dos bens materiais mas também o próprio modo de ser do ser humano 110 A essência do ser humano é o trabalho diria Marx o trabalho realizado em condições históricas específicas e determinadas Porém ao analisarmos o trabalho no contexto das relações sociais verificamos que o trabalho que constitui o ser humano e que o constrói é o trabalho contextualizado dentro de sociedades determinadas Isso significa que o trabalho deve ser entendido concretamente Ao constatarmos que hoje temos um ser humano alienado vale dizer que o trabalho constrói e aliena o ser humano ao mesmo tempo Esse é o ser humano concreto que conhecemos E para compreendêlo necessitamos entendêlo na sua concreticidade histórica onde o trabalho tanto o constrói como o aliena Didaticamente e só didaticamente podemos fazer isso vamos abordar em separado o trabalho como construtor e como alienador do ser humano Veremos como o trabalho em primeiro lugar é a fonte de construção e em segundo fonte de alienação O trabalho é entendido como fator de construção do ser humano porque é através dele que se faz e se constrói O ser humano se torna propriamente humano na medida em que conjuntamente com outros seres humanos pela ação modifica o mundo externo conforme suas necessidades ao mesmo tempo constróise a si mesmo Através de sua atividade sobre os outros elementos da natureza no contexto de um conjunto de relações sociais constrói bens para satisfazer suas necessidades Ele é um feixe de necessidades e para satisfazêIas age sobre o mundo exterior transformandoo criativamente fazendoo propriamente seu E enquanto humaniza a natureza pelo seu trabalho humanizase a si mesmo Como isso se dá A ação humana exercida coletivamente sobre a natureza possibilita ao ser humano compreender e descobrir o seu próprio modo de agir A ação prática sobre a realidade desperta e desenvolve o entendimento a capacidade de compreensão e a emergência de níveis de abstração cada vez mais complexos O ser humano age sobre o meio ambiente natural e social e ao mesmo tempo e subseqüentemente reflete sobre a sua ação para entender o seu modo de agir a seguir volta à ação instrumentalizado por um entendimento mais avançado e assim sucessivamente Age reflete adquire um novo entendimento com o novo entendimento volta à ação ação esta que o obriga a nova reflexão e assim sucessivamente Por esse processo o ser humano avança e se humaniza O seu entendimento e sua ação tornamse elementos cada vez mais complexos e perfeitos assim como o próprio ser humano tornase mais comple xo e perfeito Deste modo o trabalho é a fonte da humanização do ser humano 111 Engels chegou mesmo a escrever um texto que se intitula Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem Segundo esse autor o trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana em tal grau que até certo ponto podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem Foi o trabalho como atividade criadora que possibilitou ao ser humano o domínio sobre a natureza conduzindoo à independência e ao uso das mãos à vivência gregária e social ao desenvolvimento e uso da linguagem ao desenvolvimento dos sentidos e do cérebro assim como do entendimento sobre a realidade E Engels conclui sua análise sobre o papel do trabalho na constituição do ser humano diferenciandoo do animal E ele diz Resumindo só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificála pelo mero fato de sua presença nela O homem ao con trário modifica a natureza e a obriga a servirlhe dominaa E aí está em última análise a diferença essencial entre o homem e os demais animais diferença que mais uma vez resulta do trabalho2 Ou seja o ser humano se diferencia do animal na sua forma de viver e de se utilizar da natureza mas essa diferença emergiu de sua própria ação Porém o trabalho não se dá em abstrato é da sua essência a sua efetivação na história e na sociedade Esse elemento o trabalho que constrói o ser humano não é uma abstração metafísica que existe etérea e abstratamente Não O trabalho também é constituído pela dinâmica das relações sociais Ele é um tipo de trabalho específico determinado social mente Por isso historicamente o ser humano é dimensionado tanto pela complexidade sagacidade inteligência entendimento quanto pela alienação pelo afastamento de si próprio pois que ele é construído pelo trabalho que ao mesmo tempo constrói e aliena Não podemos a não ser para um entendimento didático separar esses dois elementos do trabalho ao analisálo concretamente o criativo e o alienado O trabalho na nossa sociedade possui dentro de si a contradição de constituir o ser humano ao mesmo tempo criandoo e alienandoo 1 Engels F Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem In Marx e Engels Textos Selecionados São Paulo AlfaÔmega 2 Idem 112 Essas são faces dimensionadoras do trabalho dentro da sociedade ca pitalista Hoje o trabalho produtivo não existe a não ser dessa forma O trabalho só poderá deixar de ser alienante numa sociedade que historica mente não esteja baseada na exploração de um ser humano por outro ser humano através da apropriação do produto excedente do seu trabalho Isso só poderá darse na sociedade comunista O ser humano que conhecemos é dimensionado pelas relações sociais capitalistas Não é um ser humano abstrato nem o seu trabalho é uma entidade metafísica O ser humano se construiu dentro desta sociedade concreta e por isso sofre as suas interferências A personalidade humana é contraditória como contraditória é a sociedade Possui a dimensão ativa criadora re novadora assim como a dimensão estática e reprodutora O ser humano não é o que ele diz de si mesmo mas aquilo que as condições Objetivas da história possibilitam que ele seja Nossas práticas nossos atos nossos entendimentos nossas emoções nossas relações possuem as características desta sociedade com tudo o que ela tem de mais desenvolvido Ou seja a personalidade humana é histórica possui lugar e tempo A alienação surge inicialmente pela alienação do produto do próprio trabalho da própria ação Na sociedade capitalista a produção que não é consumida denominase excedente Esse excedente produzido social mente pelo conjunto dos trabalhadores é apropriado apenas por uma par cela da sociedade por aqueles que detêm os meios de produção Portanto parte da força de trabalho dos trabalhadores que se transforma em produto não lhes pertence Esse excedente é posto à venda como mercadoria pelos donos do capital fugindo assim ao controle do produtor Os produ tores perdem o poder de decisão sobre o fruto do seu trabalho são alienados do controle sobre o que o como o para quê o para quem pro duzem Vêem portanto alienada uma parte de si mesmos Essa é a situação material efetiva Porem a sociedade capitalista torna essa alienação mais perversa ain da através da compra do trabalho assalariado O trabalhador produz o necessário para a sua sobrevivência e o excedente para que o capitalista acumule mais riqueza O trabalhador é obrigado a alienar o produto ma terial do seu trabalho e junto com ele sua consciência Deste modo a sociedade capitalista através do trabalho consegue a alienação não só material mas também espiritual do trabalhador Mas é nesta situação que se dá a contradição que abre a possibilidade para a mudança Ou seja o trabalho que aliena contém dentro de si a 113 criatividade e a possibilidade da autoconstrução do ser humano Assim o trabalho nesta sociedade tanto constrói quanto aliena o ser human Ao considerar o ser humano nesta perspectiva importa ter presente que ele é um ser de relações e portanto a comunicação é uma necessidade e um fator constitutivo Pela comunicação através dos seus variados me diadores os seres humanos comunicamse e transmitem a sua experiência Por isso nem todas as aprendizagens que ao longo do tempo configuram cada ser humano individual necessariamente ocorrerão exclusivamente através do trabalho produtivo trabalho que produz lucro elas ocorrerão sempre de uma forma ativa que pode ser mediada pela comunicação pela transmissão e pela assimilação ativa da experiência Esses elementos atingem todos os seres humanos incluindo é claro o educador e o educando sujeitos do processo de ensino e aprendizagem Podemos concluir sinteticamente que o ser humano manifestase 1 ativo ele trabalha e modifica o meio ambiente para atender a suas necessidades 2 construído por sua atividade enquanto age se autocons trói 3 dentro de relações sociais determinadas condicionantes que atuam sobre ele e 4 como construtor da própria sociedade utilizandose das contradições desta Educador e educando como seres individuais e sociais ao mesmo po constituídos na trama contraditória de consciência crítica e alienação interagem no processo educativo Eles são sujeitos da história na medida em que a constroem ao lado de outros seres humanos num contexto so cialmente definido e são objetos da História na medida em que sofrem a sua influência Em termos de ação educativa o educador com os seus determinantes será aquele que tem a responsabilidade de dar a direção ao ensino e o educando aquele que participando do processo aprende e se desenvolve formandose tanto como sujeito ativo de sua história pessoal quanto como da história humana O educador por encontrarse num nível mais elevado de desenvolvimento das suas capacidades e por deter um patamar cultural mais elevado deverá ocupar o lugar de estimulador do avanço do educando E no contexto de relações sociais definidas que educador e educando se relacionam realizando o processo educativo 3 Sobre a questão do trabalho como fator construtivo e como fator alucinante do ser humano vale a pena consultar de Max Manuscritos econômicos e filosóficos e O Capical especialmente Livro I de Marx e EngelsA Ideologia alemã 114 2 Os sujeitos da práxis pedagógica 21 O educador Quem é o educador e qual o seu papel Em primeiro lugar é um humano e como tal é construtor de si mesmo e da história através da ação é determinado pelas condições e circunstâncias que o envolvem É criador e criatura ao mesmo tempo Sofre as influências do meio em que vive e com elas se autoconstrói Em segundo lugar além de ser condicionado e condicionador da his tória ele tem um papel específico na relação pedagógica que é a relação de docência O que isso significa Na práxis pedagógica o educador é aquele que tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade dá direção ao ensino e à aprendizagem4 Ele assume o papel de mediador entre a cultura elaborada acumulada e em processo de acumulação pela humani dade e o educando O professor fará a mediação entre o coletivo da so ciedade os resultados da cultura e o individual do aluno Ele exerce o papel de um dos mediadores sociais entre o universal da sociedade e o particular do educando Para que possa exercer esse papel o educador deve possuir conheci mentos e habilidades suficientes para poder auxiliar o educando no processo de elevação cultural Deve ser suficientemente capacitado e habilitado para compreender o patamar do educando E a partir dele com todos os con dicionamentos presentes trabalhar para eleválo a um novo e mais com plexo patamar de conduta tanto no que se refere ao conhecimento e às habilidades quanto no que se refere aos elementos e processos de convi vência social Para tanto o educador deve possuir algumas qualidades tais como compreensão da realidade com a qual trabalha comprometimento político competência no campo teórico de conhecimento em que atua e compe tência técnicoprofissional Em primeiro lugar o educador dificilmente poderá desempenhar seu papel na práxis pedagógica se não tiver uma certa compreensão da realidade 4 Sobre o papel do educador ver de Georges Snyders os seguintes livros Pedagogia progressista Lisboa Ed Almedina e Para onde vão as pedagogias nãodiretivas Lisboa Ed Moraes Em ambas as obras dar atenção especial ao último capítulo em que o autor apresenta sinteticamente o seu ponto de vista 115 na qual atua Precisa compreender a sociedade na qual vive através de sua história sua cultura suas relações de classe suas relações de produção suas perspectivas de transformação ou de reprodução Enfim o educador não poderá ser ingênuo no que se refere ao entendimento da realidade na qual vive e trabalha Caso contrário sua atividade profissional nada mais será que reprodutora da sociedade via o senso comum hegemônico Em segundo lugar o educador precisa ter comprometimento político com o que faz Compreendendo a sociedade em que vive terá clareza daquilo com que está comprometida a sua ação Não poderá agir sem esse comprometimento explícito explícito ao menos para si mesmo se não quer tornálo público Em outro momento dessa discussão dissemos que o educador que afirma não possuir posicionamento político assume o po sicionamento dominante dentro da sociedade no caso da nossa sociedade um posicionamento burguês A ação do educador não poderá ser executada de qualquer forma como se toda e qualquer forma fosse suficiente para que ela possa ser bem realizada Ela só poderá ser bem realizada se tiver um compromisso político que a direcione Ou seja o educador só tem duas opções ou quer a per manência desta sociedade com todas as suas desigualdades ou trabalha para que a sociedade se modifique Em terceiro lugar o educador necessita conhecer bem o campo cien tífico com o qual trabalha Se ensina Matemática deve conhecer bem este campo se ensina História deve conhecêla bem enfim seja lá qual for o campo teórico com o qual trabalhe o educador tem necessidade de possuir competência teórica suficiente para desempenhar com adequação sua ati vidade Não pode de forma alguma mediar a cultura de sua área se não detiver os conhecimentos e as habilidades que a dimensionam Não é apenas com os rudimentos de conhecimentos adquiridos nos livros didáticos que um educador exerce com adequação o seu papel O livro didático é útil no processo de ensino mas ele nada mais significa do que uma cultura científica estilizada E muito pouco para o educador que deseja e necessita deter os conhecimentos de sua área Em quarto lugar o educador deve deter habilidades e recursos técnicos de ensino suficientes para possibilitar aos alunos a sua elevação cultural através da apropriação da cultura elaborada Ensinar não significa simples mente ir para uma sala de aula onde se faz presente uma turma de alunos e despejar sobre ela uma quantidade de conteúdos Ensinar é uma forma técnica de possibilitar aos alunos a apropriação da cultura elaborada da melhor e mais eficaz forma possível Para tanto será necessário deter re cursos técnicos e habilidades de comunicação que facilitem a apropriação 116 do que se comunica O educador necessita possuir habilidades na utilização e aplicação de procedimentos de ensino Por último esses elementos todos se completam com uma habilidade que denominamos arte de ensinar E preciso desejar ensinar é preciso querer ensinar De certa forma é preciso ter paixão nessa atividade Gramsci lembra que os intelectuais na maior parte das vezes esquecemse do sentimento em suas atividades É preciso estar em sintonia afetiva com aquilo que se faz Um professor que faz de sua atividade apenas uma mercadoria dificilmente será um professor comprometido com a elevação cultural dos educandos O salário não paga o trabalho que temos Por isso tornase importante além da competência teórica técnica e política uma paixão pelo que se faz Uma paixão que se manifeste ao mesmo tempo de forma afetiva e política Sem essa forma de paixão as demais qualidades necessárias ao educador tornamse formais e frias O processo educativo exige envolvimento afetivo Daí vem a arte de ensinar que nada mais é que um desejo permanente de trabalhar das mais variadas e adequadas formas para a elevação cultural dos educandos Para ser educador não basta ter contrato de trabalho numa escola particular ou um emprego de funcionário público E preciso competência habilidade e comprometimento Ninguém se faz professor do dia para a noite sem aprendizagem e preparação satisfatórias Em síntese para exercer o papel de educador é preciso compromisso político e competência técnicas 2 2 0 educando O educando como o educador é caracterizado pelas múltiplas deter minações da realidade Ou seja é um sujeito ativo que pela ação ao mesmo tempo se constrói e se aliena Ele é um membro da sociedade como qualquer outro sujeito tendo caracteres de atividade socialidade historicidade praticidade Na relação educativa dentro da práxis pedagógica ele é o sujeito que busca uma nova determinação em termos de patamar crítico da cultura elaborada Ou seja o educando é o sujeito que busca adquirir um novo patamar de conhecimentos de habilidades e modos de agir É para isso 5 Ver Mello Guiomar Namo de Magistério do 1 grau do compromisso politico A competência técnica São Paulo Cortez 1983 117 que busca a escola Ir à escola forma institucionalizada de educaçao da sociedade moderna não tem por objetivo a permanência no estágio cultural em que se está mas sim a aquisição de um patamar novo a partir da ruptura que se processa pela assimilação ativa da cultura elaborada A cultura espontânea é insuficiente para a sociedade moderna que exige dos indivíduos novos níveis de entendimentos através da educação formalizada Isso não significa uma condenação ao autodidatismo Ocorre que o auto didatismo no que se refere ao acesso à cultura elaborada exige iniciação escolar ou ao menos iniciação preliminar de leitura escrita raciocínio numérico etc A cultura elaborada hoje exige a escolarização como ins tância pedagógica Dentro dessa perspectiva o educando não deve ser considerado pura e simplesmente como massa a ser informada mas sim como sujeito capaz de construirse a si mesmo através da atividade desenvolvendo seus sen tidos entendimentos inteligência etc São as experiências e desafios ex ternos que possibilitam ao ser humano através da ação o crescimento o amadurecimento O mundo externo exige uma ruptura com a condição existente sem suprimir todos os seus elementos Há uma continuidade dos elementos anteriores e ao mesmo tempo uma ruptura formando o novo O velho não é suprimido mas sim incorporado ao novo Para exemplificar não suprimimos a cultura espontânea para em seu lugar colocar a cultura elaborada A cultura elaborada que cada um detém é uma síntese nova de sua cultura anterior revivificada pela apropriação e assimilação da cultura elaborada Quando uma criança aprende um modo novo de executar uma brincadeira não suprime o modo anterior ao contrário incorpora o modo anterior ao novo modo de execução E o novo que nasce do velho incorporandoo por superação O educando é um sujeito que necessita da mediação do educador para reformular sua cultura para tomar em suas próprias mãos a cultura espon tânea que possui para reorganizála com a apropriação da cultura elabo rada Assim o educando é um sujeito possuidor de capacidade de avanço e crescimento só necessitando para tanto da mediação da cultura elaborada que possibilita a ruptura com o seu estado espontâneo Disso decorre que o educando nem possui todo o saber nem é pura ignorância Ele detém uma cultura que adquiriu espontaneamente no seu diaadia porém limitada ao circunscrito e ao espontâneo A função da mediação da cultura elaborada é possibilitar a ruptura com esse estado de coisas A nãoapropriação da cultura elaborada faz com que os sujeitos 118 humanos permaneçam profundamente carentes de entendimento e cons ciência Entender de construção e uso de arco e flecha é muito interessante porém insuficiente na luta contra quem possui arma de fogo Foi exata mente isso que possibilitou que portugueses e espanhóis dizimassem os indígenas das Américas do Sul e Central Assim no trabalho escolar o educador deve estar atento ao fato de que o educando é um sujeito como ele com capacidade de ação e de crescimento e por isso um sujeito com capacidade de aprendizagem conduta inteligente criatividade avaliação e julgamento É preciso compreender o educando a partir de seus condicionantes econômicos culturais afetivos políticos etc se se quer trabalhar adequa damente com ele 3 Conclusão relação educadoreducando Tomando por base as características fundamentais do educador e do educando como seres humanos e como sujeitos da práxis pedagógica ve rificamos que o papel do educador está em criar condições para que o educando aprenda e se desenvolva de forma ativa inteligível e sistemática Para tanto o educador de modo algum poderá obscurecer o fato de que o educando é um sujeito ativo e que para que aprenda deverá criar oportunidades de aprendizagens ativas de tal modo que o educando de senvolva suas capacidades cognoscitivas assim como suas convicções afetivas morais sociais políticas O educador como sujeito direcionador da práxis pedagógica escolar deverá no seu trabalho docente estar atento a todos os elementos neces sários para que o educando efetivamente aprenda e se desenvolva Para isso além das observações aqui contidas deverá ter presente os resultados das ciências pedagógicas da didática e das metodologias específicas de cada disciplina O planejamento a execução e avaliação do ensino serão insatisfatórios se não forem processados dentro de mínimos parâmetros de criticidade O estudo deste capítulo tem por intenção chamar a atenção de edu cadores e de futuros educadores para o fato de que os sujeitos da práxis pedagógica não estão dados definitivamente mas sim que eles devem ser permanentemente repensados e recompreendidos se queremos produzir uma ação docentediscente de forma crítica 119 4 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Como se entende que o ser humano é um ser ativo e que ele se constrói na mesma medida em que age sobre a natureza transfor mandoa para satisfazer suas necessidades b Como se entende que a mesma atividade que possibilita ao ser humano construirse possibilita também a sua alienação c Como o ser humano ao mesmo tempo construindose e alienan dose constrói a sociedade em que vive d Que características deve ter o educador como um dos sujeitos ativos do ato pedagógico Concorda com elas Por quê e Que características possui o educando também como sujeito ativo do ato pedagógico f Como educador e educando sujeitos ativos do ato pedagógico podem relacionarse democraticamente 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Como se pode entender uma relação democrática na prática do cente b Educador e educando como sujeitos ativos do processo pedagógico 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares ENGELS Friedrich Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem In MARX Karl e ENGELS Friedrich Obras escolhidas São Paulo AlfaOmega v 2 p 26780 SANCHEZ VASQUEZ Adolfo O conceito de essência humana Filosofia da práxis Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 p 415 432 SANTOS Maria Luiza Ribeiro Formação política do professor de 1Q e 2Q graus São Paulo CortezAutores Associados 1984 Ver os dois primeiros capítulos denominados Escola p 2144 e O Professor p 4566 120 Capítulo 7 0 conhecimento elucidações conceituais e procedimentos metodológicos Na prática docente como abordamos anteriormente muitas vezes se exercita o ensino sem se perguntar o que é o conhecimento seu sentido seu significado Para um exercício satisfatório do ensino entre outros ele mentos fundamentais como Psicologia e Sociologia da Educação recur sos metodológicos para o ensino etc é importante também possuir uma teoria do conhecimentoTeoria do conhecimento nada mais é do que um entendimento do que vem a ser o conhecimento seu processo seu modo de ser Assim vamos discutir o conhecimento para nos apropriarmos do seu sentido de tal forma que tenhamos a possibilidade de utilizálo da melhor maneira possível em nossas atividades docentes No capítulo 5 denunciamos o senso comum que paira sobre essa questão na prática esco lar Aqui desejamos abordar criticamente esse tema por isso o retomamos de forma nova e mais aprofundada 1 0 conhecimento Quando se pergunta a alguém o que é conhecimento a primeira e a mais comum resposta que obtemos é que conhecimento é aquilo que aprendemos nos livros nas conferências A resposta não está de todo inadequada Porém há um elemento que está na raiz do que denominamos conhecimento e que importa compreender para que essa definição fique mais adequada 121 O conhecimento é a compreensão inteligível da realidade que o sujeito humano adquire através de sua confrontação com essa mesma realidade Ou seja a realidade exterior adquire no interior do ser humano uma forma abstrata pensada que lhe permite saber e dizer o que essa realidade é A realidade exterior se faz presente no interior do sujeito do pensa mento A realidade através do conhecimento deixa de ser uma incógnita uma coisa opaca para se tornar algo compreendido translúcido Um exemplo quando nos deparamos com algo que desconhecemos ficamos magnetizados Ou seja nem podemos descartar o que está à nossa frente nem sabemos o que fazer desde que ignoramos tudo sobre esse objeto Vamos a tftulo de exemplo imaginar à nossa frente um computador e supor que nunca tenhamos tido contato com equipamento semelhante O que fazer com ele Por enquanto nada não há o que fazer pois des conhecemos tudo sobre ele e o seu funcionamento Com a ajuda de um manual e de alguém que já trabalhou com esse instrumento podemos tentar aos poucos utilizálo e após algum tempo estaremos dominandoo e uti lizandoo adequadamente O que ocorreu Passamos da ignorância para o saber sobre o objeto e adquirimos algum entendimento de tal forma que ele se tornou inteligível Tomemos algo mais existencial como a questão do câncer Há uma ignorância muito grande entre os especialistas sobre o que é e como dominar esse desvio biológico que tem se manifestado tão intensamente nos seres humanos nos últimos tempos Se soubéssemos o que é câncer e o modo de dominálo ele não nos assustaria tanto Outras doenças que também assustavam o ser humano deixaram de ser temidas depois de serem do minados os modos de vencêlas E o caso da tuberculose da lepra etc No passado os portadores dessas doenças deviam afastarse de suas famílias indo para isolamentos sanitários Hoje o tratamento não requer mais o isolamento Portanto o conhecimento pode ser entendido sim como aquilo que adquirimos nos livros nas aulas e nas conversas mas com o objetivo de alcançar entendimento da realidade O que está em primeiro lugar o que está na raiz do conhecimento é a elucidação da realidade e não a retenção de informações contidas nos livros Essas informações deverão ser auxiliares no entendimento da realidade contudo elas por si mesmas não são o conhecimento que cada sujeito humano em particular tem da realidade E preciso utilizarse das informações de maneira intelectualmente ativa para que se transformem em efetivo entendimento do mundo exterior A expressão o conhecimento é uma elucidação da realidade nos dá esclarecimentos muito importantes que permitem entender de uma forma 122 relativamente adequada o que é o conhecimento A palavra elucidar tem origem no latim e provém de dois termos dessa língua ela é formada pelo prefixo e que neste caso significa reforço muitas vezes e pelo lucere que significa trazer à luz Desse modo elucidar do ponto de vista etimológico significa trazer à luz duas vezes ou trazer à luz fortemente Elucidar é então trazer à luz fortemente Estamos falando da luz como linguagem metafórica figurada para expressar a luz que a inteligência projeta sobre a realidade Se não detemos um entendimento sobre o câncer é porque a inteligência humana não conseguiu ainda projetar sobre ele sua luz cognitiva penetrar esse fenômeno Por outro lado se detemos entendimentos sobre a tuberculose é devido ao fato de a inteligência humana já ter penetrado nesse mistério da realidade Nossa incapacidade de trabalhar com determinados objetos decorre fundamentalmente de nossa ignorância sobre eles e sobre os recursos a serem utilizados em sua transformação Para compreender bem o conhecimento como forma de iluminação da realidade vamos lembrar uma situação de vivência biológica pela qual todos já passamos A situação é a seguinte estamos sob o sol de 10 horas da manhã e entramos em uma sala que está em penumbra De imediato paramos sentimonos inseguros devido ao escurecimento da vista de corrência de um processo de acomodação da retina De início não enxer gamos nada mas após algum tempo começamos a enxergar vultos e a seguir reiniciamos nosso movimento de entrada Por que isso ocorreu Devido a momentaneamente não enxergarmos mais nada e perdermos o senso dos objetos que poderiam estar pelo caminho Reiniciamos o cami nhar porque temos luz suficiente para distinguir o que fazer que movi mentos são necessários para não esbarrar nos objetos à nossa volta Em termos de conhecimento ocorre num outro patamar mais ou menos a mesma coisa Aqui temos um exemplo biológico colado à sensação física No caso do conhecimento temos um patamar de iluminação que envolve a inteligência que envolve a compreensão O câncer a Aids e tantas outras coisas que não dominamos cognitivamente são escuridões que estão à nossa frente e que não nos permitem agir de forma adequada O conhecimento é o entendimento que permite ações adequadas para a satisfação de nossas necessidades sejam elas físicas biológicas estéticas ou outras O conhecimento em síntese é uma forma de entendimento da rea lidade Muitas vezes o conhecimento é confundido com o processo de decorar informação dos livros para a seguir repetila em provas escolares ou em provas de seleção Isso não é conhecimento Isso é memorização de informação sem saber o que de fato essa informação significa 123 Então quando dizíamos acima que a afirmação conhecimento é aquilo que adquirimos nos livros não estava de todo inadequada era pelo fato de que muitos conhecimentos são adquiridos através dos livros e outros meios mas como compreensão como iluminação da realidade e não como retenção aleatória de pequenas informações Conhecimento no verdadeiro sentido do termo é aquele que possibilita uma efetiva compreensão da realidade de tal forma que permite agir com adequação 2 Formas de apropriação da realidade através do conhecimento Existem duas formas1 de nos apropriarmos da realidade pelo conhe cimento uma através da investigação direta da realidade e outra através da exposição dos conhecimentos já produzidos e apresentados por seus autores Marx nos diz que dois são os métodos do conhecimento o da investigação e o da exposição É mister sem dúvida diz ele distinguir formalmente o método de exposição do método de pesquisa A investigação tem de apoderarse da matéria em seus pormenores de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descre ver adequadamente o movimento do real Se isso se consegue ficará espelhada no plano ideal a vida da realidade pesquisada o que pode dar a impressão de uma construção a priori2 Vamos tentar entender esses dois métodos anunciados por Marx para a seguir prosseguir em nossa discussão Em primeiro lugar Marx apresenta o método da investigação Essa ordem de apresentação evidentemente não é gratuita Com ela Marx quer enfatizar que o conhecimento em si nasce de um trabalho de entendimento da própria realidade Só depois ele pode ser exposto comunicado aos outros Ou seja só após os exercícios de investigação é que temos a possibilidade de expor o entendimento que criamos da realidade Para tanto o exercício da pesquisa deverá ser o mais rigoroso possível de tal forma que possibilite a construção de um enten 1 Sobre a dupla forma direta e indireta de proceder ao conhecimento poderseá ver Luckesi Cipriano et alii 0 leitor no ato de estudar a palavra escrita In Fazer universidade uma proposta metodológica São Paulo Cortez 1984 Ainda Freire Paulo O ato de ler In Ação cultural para a liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra e importância do ato de ler São Paulo CortezAutores Associados 1984 2 Marx Karl O Capital Livro 1 v 1 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1966 p 16 124 dimento que seja no nível do pensado a expressão dessa mesma realidade Evidentemente não como cópia dela mas sim como sua compreensão in teligível O conhecimento é a expressão do real mas não sua cópia Isso traz uma conseqüência para o processo educativo Podese apren der a partir da investigação direta e apropriação ativa da exposição do conhecimento efetivada por outros Mas certamente porque o método de investigação nem sempre poderá ser utilizado no pequeno espaço de tempo que se dispõe dentro dos limites escolares o método mais freqüentemente utilizado será o da exposição seja oral seja escrita ou ainda através de outros meios de comunicação 21 O conhecimento direto da realidade método da investigação O conhecimento direto da realidade decorre do esforço que o sujeito do conhecimento faz para obter um entendimento adequado da mesma Para tanto ele deverá assumir uma posição crítica durante todo o processo Para a produção do conhecimento da realidade a primeira posição a ser assumida pelo sujeito é uma crítica dos próprios fenômenos da realidade a ser investigada Ou seja em princípio importa que o investigador tenha claro que a realidade não se dá a conhecer imediata e facilmente Ela tem subterfúgios e manifesta suas aparências mas não sua essência Vamos iniciar por um exemplo bem simples Em muitas situações do diaadia dizemos que a lã é quente Será que a lã é quente mesmo De fato a lã não é quente ela é sim boa retentora de temperatura Quente é o nosso corpo Se sobre ele colocamos uma veste de lã que é boa retentora de temperatura o nosso corpo fica mais protegido do frio devido a ficar envolvido pelo seu próprio calor retido pela vestimenta de M Na aparência a lã é quente na essência ela é boa retentora de temperatura O conhecimento que quer ser verdadeiro deve ultrapassar as aparências e chegar à essência Não basta ficar na primeira e primária impressão Os fenômenos por si não manifestam veracidade Para dar um exemplo mais complexo de situação onde podemos nos enganar com as aparências vamos lembrar as estruturas do poder das instituições Qualquer governo de Estado qualquer prefeitura qualquer secretaria assim como qualquer escola tem um organograma aquele de senho da distribuição dos órgãos e setores da instituição com as diversas direções do poder O organograma por si seria a forma como o poder se distribui dentro daquela determinada instituição Se contudo estudar 125 mais rigorosamente verificaremos que esse organograma é a organização aparente do poder dessa instituição De fato a distribuição do poder é bem diferente dessa que está especificada no organograma Existem interferências pessoais articulações diversas e indevidas etc Para descobrir a verdadeira estrutura do poder de uma instituição não basta estudar o seu organograma É preciso ir além descobrir efetivamente o que ocorre com o poder naquela instituição que caminhos segue que interferências efetivas se manifestam muito para além daquilo que está expresso no organograma Aí é que entra o processo de investigação que possibilita ultrapassar as aparências e chegar às essências O essencial não se dá à primeira vista Por isso é preciso ser crítico em relação aos dados Marx diz que se aparência e essência coincidissem não seria necessária a ciência De fato a ciência só é necessária porque a realidade não se dá a conhecer facilmente As aparências que são manifestações da própria realidade ocultam a verdade dessa mesma realidade Assim a primeira posição metodológica de quem quer se dedicar a elucidar o real deve ser uma atitude crítica para com as aparências da realidade Assumir a posição crítica para efetivamente conhecer significa assumir um posicionamento permanente de ir para além das aparências buscando aquilo que subjacentemente explica a realidade através dos nexos e das relações que são invisíveis num primeiro momento Uma segunda posição metodológica por parte de quem deseja investigar alguma coisa referese à crítica do senso comum Ou seja tornase fundamental criticar as interpretações cotidianas sobre aquilo que estamos estudando Não se pode direta e imediatamente acreditar que aquilo que as pessoas dizem sobre si mesmas seja a verdade E preciso olhar criticamente para as opiniões que o presente tem sobre os objetos que ele interpreta Não bastam as falas E necessário investigar se essas falas estão articuladas com a objetividade dos fatos ou se simplesmente expressam interpretações senão falsas ao menos parciais da realidade Não se pode admitir pura e simplesmente a opinião popular como explicativa de alguma coisa Ela é sempre fragmentária e na maior parte das vezes está articulada com experiências existenciais dogmáticas e supersticiosas De acordo com Gramsci não se deve condenar a visão cotidiana da realidade mas devese sim tomála criticamente nas mãos para elevála a um novo patamar de compreensão que seja coerente consistente e orgânico O terceiro elemento metodológico necessário para a constituição de um conhecimento objetivo é a crítica das explicações existentes no meio científico Não se pode desprezar os conhecimentos já estabelecidos assim como não se pode admitilos como plenamente verdadeiros A verdade sendo aproximativa deverá ser permanentemente buscada É preciso ve 126 rificar criticamente aquilo que é verdadeiro e significativo Esse lado não pode ser jogado fora Como também importa descartar aqueles conceitos que já não explicam mais a realidade Os conhecimentos científicos exis tentes representam passos dados pela humanidade no seu esforço perma nente de compreender a realidade para transformála Isso como podemos deduzir dessas discussões não quer dizer que devamos pura e simplesmen te aceitar ou rejeitar todo conhecimento estabelecido Sendo aproximati vos os conhecimentos serão revistos Há o que deva ser aproveitado cri ticamente como há o que deva também criticamente ser descartado Para enfrentar a realidade criticamente levando em consideração os elementos que apontamos importa utilizar recursos metodológicos gerais Vamos lembrar alguns deles Não tomar a parte pelo todo Não se pode julgar um indivíduo sim plesmente por ter visto o seu rosto Ele possui muitos outros caracteres que compõem o todo de sua personalidade e do seu modo de ser Também a vida de um povo não pode ser julgada simplesmente pelas suas festas Muitos outros elementos devem entrar nesse processo de caracterização e de julgamento Para se estabelecer um conhecimento aproximativo do real importa tomar cada coisa pelo todo ou seja por todos os elementos que o compõem dentro de um quadro de nexos e relações Importa des vendar as relações que constituem o objeto de estudo Não tomar o particular pelo universal mas sim procurar no particular o universal Ou seja em cada objeto a ser estudado importa descobrir as características universais Não são os caracteres individuais da personali dade de Pedro que definem o ser humano mas certamente em Pedro manifestamse características universais do ser humano situado social e historicamente A ciência é a descoberta do universal que se manifesta no particular As características das classes trabalhadoras se manifestam em qualquer trabalhador A identificação desses elementos universais é neces sária para a constituição de uma compreensão direta da realidade Não se pode esquecer que o passado se faz presente em qualquer situação ou objeto do conhecimento ao qual nos dediquemos Nada se faz abrup tamente Todos os fenômenos naturais ou sociais têm uma gênese uma história E essa história essa gênese é fundamental para se entender o objeto que estamos estudando Assim a escola que temos hoje não é a mesma de ontem mas a escola de hoje é devedora da de ontem E em termos de conhecimento não vamos conseguir compreender bem a escola de hoje sem estudála a partir de sua transformação de ontem para o hoje Nós em nossa personalidade individual somos fruto de toda a nossa história de vida E assim cada fenômeno seja ele da sociedade ou da natureza 127 Levando em conta esses elementos estaremos em condições de pro duzir um conhecimento aproximadamente verdadeiro da realidade com preendendoa e explicandoa O conhecimento assim se manifestará como a iluminação da essência sob a aparência 3 O conhecimento produzido de modo crítico certamente será uma iluminação da realidade Ele consistirá num novo entendimento da reali dade que possibilitará ações práticas com um nível de adequação muito maior A ciência é uma forma de entendimento da realidade extremamente necessária para a sobrevivência e o avanço da humanidade 22 O conhecimento indireto da realidade método da exposição O método de exposição anunciado por Marx é o meio pelo qual o investigador expõe os conceitos que conseguiu formular sobre a realidade investigada Ou seja o pesquisador expõe a expressão pensada da reali dade Todavia a exposição é também o meio pelo qual podemos nos apro priar através de uma assimilação ativa dos conhecimentos expostos Os pesquisadores desenvolveram suas investigações formularam suas explica ções da realidade e as expuseram seja através da fala seja através da escrita Nós assimilamos o conteúdo dessas exposições na perspectiva de entendermos a realidade E a isso que denominamos conhecimento indi reto da realidade devido ao fato de adquirirmos um entendimento do real através do entendimento exposto pelo pesquisador E portanto uma via indireta de enfrentar a realidade do ponto de vista cognitivo No conhecimento denominado direto a confrontação cognitiva se dá entre sujeito do conhecimento e objeto conhecido No conhecimento de nominado indireto a confrontação se dá entre sujeito do conhecimento e objeto conhecido através da exposição do investigador Assim o que está exposto num texto num livro não substitui de forma alguma a realidade A exposição é intermediária entre o sujeito do conhecimento e a realidade E um meio eficiente pelo qual podemos adentrarem muitos dos mistérios da realidade física e da realidade social sem que tenhamos que proceder aos longos e minuciosos processos da investigação Aliás nenhuma de nossas vidas seria suficiente em termos de duração nem teríamos competência para proceder a tantas investigações quantas as que ocorrem diariamente 3 Sobre o uso de método dialético na investigação ver lanni OctávioDialética e capitalismo Petrópolis Vozes 1988 128 no mundo da ciência e da cultura Seria um sonho vão acreditar que po deriamos ao menos reconstituir uma pequena parcela das pesquisas já realizadas em qualquer das possíveis áreas de conhecimento Temos mesmo que admitir com muita clareza que a maior parte do conhecimento que cada um de nós detém foi adquirida a partir da exposição de algum pensador pesquisador ou professor Poucos de nós nos dedicamos a criar novos conhecimentos e poucos proporcionalmente à quantidade de seres humanos são aqueles que se dedicam efetivamente ao trabalho de produzir conhecimentos novos Um caminho aberto e fundamental de apropriação de uma compreensão da realidade disponível a todos nós é o conhecimento indireto E a aquisição da realidade através dos resultados dos trabalhos de investigação dos pensadores e dos cientistas As duas formas de conhecimento estão articuladas não há como pro duzir conhecimento direto da realidade sem se dedicar a uma assimilação crítica dos conhecimentos anteriormente estabelecidos Os conhecimentos anteriores servem de ponto de apoio para o avanço da investigação assim como muitas vezes servem para demonstrar as lacunas onde há necessidade de investigações novas ou mais específicas Nenhum conhecimento nasce de si mesmo cada conhecimento novo é herdeiro do passado humano assim como é herdeiro da contribuição de investigadores contemporâneos A investigação sempre tem uma dívida histórica com os que vieram antes assim como tem uma dívida para com os que vivem e convivem numa mesma época histórica A crítica num processo de conhecimento indireto da realidade se nutre dos mesmos critérios que apresentamos para o conhecimento direto Ou seja o conteúdo que estiver sendo exposto deverá ultrapassar o apa rente Terá que dar conta de um patamar de compreensão e explicação da realidade que vá para além das aparências que não tome a parte pelo todo que manifeste os elementos universais explicativos de uma determinada realidade que busque o fundamento do entendimento não só no presente do objeto exposto mas que o explique a partir de sua gênese Assim o conhecimento adquirido via exposição de alguém é um instrumento crítico de compreensão da realidade na medida em que tenha sido construído de uma forma crítica com todos os elementos metodológicos acima especificados Nós apropriadores de conhecimentos é que devemos estar atentos para verificar se a exposição que estamos recebendo tem um valor crítico ou não Não é devido ao fato de alguma coisa ter sido escrita e publicada que é verdadeira Nenhum critério em termos de definição de criticidade de um conhecimento poderá ser assumido como superior aos limites da realidade São os limites da realidade que permitem estabelecer e distinguir o verdadeiro Um conhecimento é verdadeiro quando de forma universal explica os nexos lógicos do objeto que estamos querendo 129 entender Uma exposição será crítica na medida em que expresse um co nhecimento verdadeiro como expressão pensada da realidade Nisso tudo o que importa radicalmente é a compreensão da realida de seja através do procedimento direto ou do procedimento indireto de conhecer 3 0 conhecimento na escola Como vimos em capítulo anterior é comum na prática escolar se dis torcer o verdadeiro sentido do conhecimento como entendimento da rea lidade Conhecimento na maior parte das vezes significa para a escola transmissão e retenção de pequenas pílulas de informação Decoramse essas porções de informação e a realidade em si permanece obscura e nãocompreendida Na maior parte das vezes os professores estão mais preocupados com os textos a serem lidos e estudados do que com a própria realidade que necessita ser desvendada Às vezes se valoriza tanto um determinado texto de estudo que o próprio texto parece substituir a realidade Muitas vezes o difícil não é compreender a realidade mas sim o texto que expõe um determinado co nhecimento estabelecido a respeito dela E há até ocasiões em que os professores selecionam os textos mais complicados de entendimento para que os alunos se debrucem mais sobre eles que sobre a realidade que os textos pretendem apresentar e desvendar Essas distorções dificultam o ensino e a aprendizagem O interesse de cada um de nós e de cada criança que está na escola é ter a possibilidade de compreender a realidade e o mundo que está à nossa volta de uma forma mais ampla e significativa Ora a escola por vezes não ensina nada além daquilo que todos já sabem essa é a suposição todos sabem alguma coisa basta reunilos para trocar umas tantas idéias e o conhecimento já estará estabelecido As vezes a escola transmite informações tão desvinculadas da realidade e de tal forma hipertrofiadas que passa para os alunos a sensação de que aqueles entendimentos expostos não valem nada efe tivamente da forma como são apresentados certos conteúdos por vezes não valem nada mesmo ou pior são enganosos Em Geografia por exemplo dizer que o solo se forma a partir da decomposição de rochas é verdadeiro Porém demonstrar que isso ocorre a partir do fato de moer ou rachar a rocha é uma falsidade A decomposição da rocha que produz o solo depende de fatores climáticos de microorga nismos do húmus que recobre as decomposições etc Além de serem pílulas 130 de conhecimento aquilo que é ensinado na escola é às vezes falso e enganoso É preciso ter cuidado com esta questão do conhecimento pois que dessa compreensão dependerá a forma de trabalhar com os alunos no pro cesso de ensinoaprendizagem Como já dissemos anteriormente o conhe cimento deve ser um modo de existir e de ver o mundo por parte de cada cidadão E para tanto há que se apropriar do conhecimento de uma forma existencial Ele deverá passar a fazer parte da vida de cada ser humano Não poderá por isso mesmo ser tãosomente um conjunto de informações que se decora e depois graças a Deus se esquece Para ganhar um novo sentido o conhecimento assimilado pelo edu cando deverá apresentarse como alguma coisa significativa e existencial Como lembramos anteriormente o processo de aquisição de conhecimentos escolares deverá ter pelo menos quatro etapas e conteúdos básicos aqui sição de informações princípios seqüências etc aquisição compreensiva da metodologia utilizada na produção desse conhecimento através da exer citação aplicação dessa metodologia em situações assemelhadas inventi vidade de novos conhecimentos aplicando os conhecimentos e a metodo logia adquiridos Assim sendo o conhecimento escolar só poderá vir a ser um conhe cimento significativo e existencial na vida dos cidadãos se ele chegar a ser incorporado pela compreensão exercitação e utilização criativa Contudo estas questões operacionais da aprendizagem pertencem ao mundo da di dática e deverão ser tratadas em outro âmbito de conhecimento Esse entendimento do conhecimento pode ser utilizado tanto no nível do jardim da infância quanto no nível universitário O que importa é que cada pessoa cada escolar cada criança consiga entender a realidade que está à sua volta Claro há que distinguir níveis de complexidade de co nhecimentos O conhecimento que se possibilita a um universitário não é o conhecimento que se vai oferecer a uma criança no jardim da infância Mas em ambas as instâncias educacionais o conhecimento deverá ser uma forma de entendimento e de compreensão da realidade 4 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Como se entende o conhecimento como uma iluminação da rea lidade Compare essa forma de conhecer com aquela que é pro cessada na escola e verifique semelhanças e diferenças 131 b Como você compreende o método da investigação como uma das formas de conhecer iluminar a realidade Que elementos devem ser levados em conta para se produzir um significativo conhecimento direto da realidade c Que se entende por conhecimento indireto da realidade Que sig nificado tem o conhecimento indireto da realidade como forma efetiva de conhecimento ou seja iluminação da realidade d Como se articulam as duas formas de conhecimento a direta e a indireta da realidade e Qual tem sido a prática escolar como o conhecimento Ela tem sido adequada para que efetivamente os alunos adquiram uma com preensão iluminativa da realidade 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a A atual prática do conhecimento na atividade escolar b Um entendimento do conhecimento a ser seguido na prática escolar c Método de investigação e de exposição como métodos de ensino de conhecimentos escolares 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares LUCKESI Cipriano et alii Fazer universidade uma proposta metodológica 5 ed São Paulo Cortez 1989 Ver os capítulos seguintes O conhecimento como compreensão do mundo e como fundamento para a ação p 4759 Leitura como leitura do mundo p 119125 0 leitor no ato de estudar a palavra escrita p 136146 FREIRE Paulo Considerações em torno do ato de estudar InAção cultural como prática de liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 p 912 Importância do ato de ler São Paulo CortezAutores Associados 1984 IANNI OctávioDialética e capitalismo 3ª ed Petrópolis Vozes 1988 MARX Karl O método da economia política In Contribuição à crítica da economia política São Paulo Martins Fontes 1977 p 218226 132 Capitulo 8 Conteúdos de ensino e material didático No Capítulo 5 traçamos um diagnóstico do senso comum que domina a prática doente Lá mencionávamos a questão de como os conteúdos escolares e os livros didáticos são compreendidos no cotidiano da escola Neste capítulo retornamos a esses temas aprofundando a sua discussão numa perspectiva crítica e construtiva Crítica na medida em que os conceitos são questionados e discutidos de modo contextualizado construtiva na medida em que são indicados alguns encaminhamentos para a prática Na primeira parte do capítulo abordamos a questão dos conteúdos escolares e na segunda os livros didáticos Esses dois elementos estão vinculados na prática educativa escolar e na prática docente na medida em que os livros didáticos são veículos de conteúdos e modos de ensinoaprendizagem tais como orientações para estudo exercícios sugestões de atividades Esta é a razão que nos leva a tratar dos dois elementos conteúdos escolares e livro didático num mesmo capítulo 1 Conteúdos escolares 11 Os conteúdos escolares e as tendências pedagógicas Qual o sentido filosófico dos conteúdos escolares Eles estão no centro das decisões pedagógicas escolares Na cadeia objetivos conteúdos métodos os conteúdos traduzem os objetivos mediandoos Deles depende o encaminhamento da proposta pedagógica e da prática docente 133 O seu papel é tão significativo que com a identificação dos conteúdos de uma prática escolar identificase também a direção pedagógica que predomina nessa prática A seguir tentamos demonstrar a articulação que há entre proposta pedagógica e conteúdos na perspectiva de se compreender que a escolha e seleção dos conteúdos não é casual nem pode sêlo em função de que os conteúdos são mediações necessárias dos objetivos No Capítulo 3 tivemos oportunidade de estudar as tendências peda gógicas que se fazem presentes na prática escolar São tendências que vêm se formulando ao longo da história da educação e que se fazem pre sentes no nosso exercício docente umas com mais força e hegemonia outras com manifestações menos definidas Essas tendências entre outros elementos caracterizamse pelos obje tivos políticos aos quais servem e pelos conteúdos que transmitem como suas mediações Ou seja os conteúdos articulamse diretamente com os objetivos políticos definidos A Pedagogia Tradicional nascida e sistematizada no contexto da Re volução Francesa 1789 politicamente destinavase à equalização social através de indivíduos preparados em condições iguais de tal forma que pudessem lutar por seus direitos na sociedade É nessa perspectiva que se consagra na legislação burguesa a garantia de que todo cidadão tem direito ao ensino garantia esta que nunca fora cumprida no seu todo A bur guesia desde que vitoriosa não trabalhara para que todos tivessem acesso e permanência na escola porque descobrira que a escola era revolucionária A busca da equalização social negava o domínio e a hegemonia da burguesia Para cumprir esse seu objetivo a Pedagogia Tradicional adotou como seu conteúdo a formação da mente do educando através da assimilação dos denominados conteúdos clássicos da cultura grega romana e científico moderna Os alunos entrariam na escola em condições diferenciadas de conhe cimentos e aprendizagens porém deveriam sair em condições aproxima damente equalizadas isso lhes garantia a possibilidade de construir indivi dualmente a igualdade a igualdade aí significa a disputa individual entre iguais A educação escolar criaria condições individuais para a luta pela igualdade A Pedagogia da Escola Nova que se formula a partir dos fins do século XIX desenvolvese no contexto da burguesia contrarevolucionária A burguesia foi revolucionária até fins do século XVIII quando saiu vi toriosa com a Revolução Francesa a partir daí ela age no processo da contrarevolução Os movimentos sociais e golpes de estado do século XIX 134 na Europa caminham na direção da contrarevolução ou seja a burguesia vai abrindo mão dos seus ganhos políticos para garantir suas posses e po sições econômicas Com o Golpe de Estado de 2 de dezembro de 1852 na França por Napoleão III praticamente a burguesia assentase no poder para definiti vamente garantir seus interesses de classe O Golpe de Estado de Napoleão III e seu governo expressam a negação das lutas e dos movimentos sociais de transformação da sociedade assegurando o domínio e a hegemonia da burguesia já instalada no poder A forma de governo estabelecida com o golpe de Napoleão III e com o seu governo foi denominada por Marx de bonapartismo e caracterizase pela predominância do poder executivo sobre o legislativo e judiciário tendo por base o exército a Igreja tradicional e o lumpem os ignorantes os miseráveis os marginalizados da sociedade Dizse que o bonapartismo é a religião da burguesia pois que desde então essa forma de governo tem sido dominante em todo o Ocidente As ditaduras latinoamericanas da segunda metade deste século não fogem a essa característica Para tanto basta ver em que forças se basearam os nossos governos militares e como geriram o poder Pois bem a Pedagogia da Escola Nova se desenvolve nesse contexto e de certa forma o representa na medida em que em nome de uma equa lização social trabalha com as diferenças individuais O seu conteúdo escolar abarca a formação de cada indivíduo segundo suas potencialidades e interesses através da vivência de experiências variadas do cotidiano A escola deveria ser equivalente à vida O que importa agora é a formação dos sentimentos do educando através da vivência de múltiplas experiências compatíveis com os interesses e liberdades de cada um Então os alunos entram na escola em condições diversificadas de aprendizagens e desta mesma forma saem dela A Pedagogia Tecnicista cristalizase por volta dos anos 60 ainda que remonte aos anos 30 No Brasil ela chega com força por volta do final dos anos 60 especialmente a partir dos Acordos MECUSAID acordos de cooperação técnica e científica na área de educação realizados entre governo brasileiro e governo norteamericano na segunda metade dos anos 60 a partir dos quais técnicos norteamericanos trabalhariam com técnicos brasileiros na reforma do ensino em nosso país A Pedagogia Tecnicista tem por objetivo formar profissionais para atender as carências de mãodeobra para o processo de industrialização multinacional e nacional através da aquisição de conhecimentos e habili dades restritos a essa necessidade específica se propunha a formar de 135 modo eficiente ou seja com a qualidade esperada e no menor espaço de tempo possível uma mãodeobra que atendesse as carências de uma in dustrialização em expansão As pedagogias denominadas progressistas a Libertária a Libertadora e a CríticoSocial dos Conteúdos seguem um caminho diverso das an teriores e também apresentam conteúdos diversos A Pedagogia Libertária traduzindo os propósitos políticos do Anarquismo que nascera em meados do século passado tem como objetivo político formar as crianças e os jovens para a autogestão individual e co letiva para tanto importa uma permanente aprendizagem da supressão da autoridade seja no grupo seja na sociedade O conteúdo que permite aten der esse objetivo é o interesse e a decisão do grupo Propriamente inexiste um conteúdo definido a não ser a compreensão de que o grupo deve decidir o que fazer e com o fazer pois que o que mais importa é a educação para e pela autogestão A pedagogia Libertadora é resultante da obra pedagógica do professor Paulo Freire a partir de final dos anos 50 no Brasil que tem por objetivo político a emancipação organizada das camadas populares E fundamen talmente uma proposta para a educação de adultos sujeitos que não ti veram acesso à escola na faixa etária regular da infância e adolescência Para atingir esse objetivo Paulo Freire coloca como conteúdo da prática educativa a reflexão coletiva dialogada e conscientizada sobre a cultura cotidiana do povo Por último a pedagogia Críticosocial dos Conteúdos tem por objetivo contribuir através da educação para a formação da cidadania ou seja garantir a todos os educandos condições de criticidade o que significa conhecimento e comprometimento político Para tanto considera que den tro de condições históricosociais determinadas os conteúdos escolares são aqueles que decorrem das ciências e de forma crítica podem e devem ser transmitidos pelos professores e assimilados pelos alunos de tal forma que adquiram instrumentos culturais necessários para a garantia e o desenvol vimento da luta por uma sociedade igualitária para todos os seres humanos Esta rápida retomada das pedagogias e seus conteúdos nos revelam que os conteúdos escolares não são casuais eles respondem a um determinado objetivo político que se tem Como qualquer outra prática humana a seleção de conteúdos escolares está comprometida com um determinado objetivo No caso os conteúdos escolares traduzem a perspectiva pedagó gica que se tem O pedagogo francês Georges Snyders no seu livro Para onde vão as pedagogias nãodiretivas defende a idéia de que são os con teúdos que definem as pedagogias De fato isso é verdadeiro na medida em que eles são mediações dos objetivos políticos traçados 136 Essa rápida retomada das pedagogias nos leva a compreender que não podemos trabalhar aleatoriamente com quaisquer conteúdos escolares e sem uma proposta pedagógica delineada Ambos estão articulados 1 2 Os conteúdos escolares na escola que queremos 121 Os conteúdos escolares Ao longo deste livro vimos apontando aspectos da escola que que remos A esta altura dos nossos estudos parece ser claro que estamos trabalhando com entendimentos e elementos da denominada pedagogia Históricocrítica ou Críticosocial dos Conteúdos Em termos de conteúdos escolares esta pedagogia está preocupada com a aquisição de conhecimentos com a formação de habilidades e hábitos por parte do educando assim como com a formação das convicções através de conhecimentos e experiências humanos delimitados de forma histórico crítica Conhecimentos são os resultados críticos da ciência e da filosofia na medida em que procuram desvendar a realidade Habilidades são modos adequados de agir em determinada situação seja ela mental social ou manual Hábitos são modos de agir que se tornaram automatizados de tal forma que reduzem o tempo e aumentam a perfeição em sua execução Convicções são os valores os significados que assumidos por cada sujeito direcionam a sua vida individual e social Os conhecimentos são assimilados da herança cultural que nos ante cede Os seres humanos já produziram múltiplos entendimentos da reali dade e do mundo eles estão disponíveis para que cada criança jovem ou adulto os assimile E uma herança rica e fecunda que pertence a todos As habilidades e os hábitos são adquiridos através de múltiplas exercitações e aplicações tanto no nível mental quanto no manual As convicções são formadas na prática cotidiana na organização social do grupo na convi vência na imitação na meditação sobre os direitos e deveres de cada um dentro do grupo e da sociedade na compreensão e na prática do significado de viver em sociedade A escola que queremos trabalhará no sentido de que crianças jovens e adultos assimilem ativamente os conhecimentos formando habilidade e hábitos e adquiram convicções fundamentais de solidariedade e igualdade 137 entre os seres humanos assim como hábitos de convivência de luta de trabalho de conquista individual e coletiva Deste modo a formação do educando que inclui o desenvolvimento das capacidades cognitivas entender compreender concluir analisar com parar sintetizar etc e a formação das convicções necessita da herança cultural que a sociedade vem criando ao longo do tempo A assimilação desse legado tem um papel importante para o desenvolvimento tanto do educando quanto do educador 1 2 2 Os conteúdos que interessam Na escola que queremos interessa sobretudo a cultura elaborada desde que a cultura cotidiana pode e efetivamente é adquirida esponta neamente no diaadia Ao enfrentar a natureza o ser humano foi produzindo o mundo no qual vive e ao mesmo tempo produzindose a si mesmo como vimos an teriormente Nesse enfrentamento constrói a cultura que temos cultura material e cultura espiritual cotidiana e elaborada A cultura material caracterizase pelos bens materiais que produzimos modificando algum pedaço da realidade casas móveis vestuário medicamentos equipa mentos etc A cultura espiritual referese aos conhecimentos aos saberes às instituições às vivências artísticas Esta cultura espiritual pode ser co tidiana e elaborada Por cultura cotidiana entendemos a cultura do diaadia espontânea adquirida informalmente fragmentária Ela é útil e com ela vivemos nosso cotidiano E uma cultura práticoutilitária na medida em que nos dá condições de viver o cotidiano de forma limitada e simples A cultura elaborada é produzida intencionalmente pelo ser humano ele a constrói através de um esforço intencional ou seja através de uma busca voluntária para desvendar os mistérios que apresenta a realidade seja na tural seja social ou para produzir objetos e bens para satisfazer suas ne cessidades desejos fantasias O legado cultural da sociedade conhecimentos habilidades valores bens constitui os conteúdos escolares especialmente na sua vertente elaborada A cultura cotidiana é aprendida e vivida espontaneamente no diaadia não necessita de uma intervenção intencional para ser adquirida A cultura elaborada é complexa coerente consistente orgânica por isso necessita de um trabalho sistemático e intencional para ser assimilada e adquirida Por assim ser ela possibilita ao sujeito que a possui um patamar mais universal de compreensão do mundo com possibilidades mais amplas de ação 138 A cultura elaborada na medida em que é adquirida por si não suprime nem pode suprimir a cultura cotidiana mas reelaboraa num novo patamar num nível mais universal e consistente Conforme afirma Snyders em seu livro A legria na Escola há uma continuidade e uma ruptura entre a vivência da cultura cotidiana e aquisição da cultura elaborada Não se nega nem se destrói a cultura cotidiana contudo no processo de assimilação ativa da cultura elaborada ela já não é ela mesma mas sim algo novo um novo entendimento e um novo modo de agir com o mundo A cultura elaborada é resultante da atividade humana em dar respostas aos múltiplos problemas e dificuldades que enfrenta sejam decorrentes da natureza sejam decorrentes da sociedade Assim emergiram áreas de co nhecimentos tais como Física Química Biologia Sociologia História An tropologia Filosofia áreas de arte tais como música teatro literatura dança áreas de cuidados do ser humano tais como terapia massagens ginásticas Todas elas procurando intencional e sistematicamente com preender a realidade e possibilitar formas de ação de forma crítica consis tente orgânica Por esse caminho os seres humanos foram produzindo a cultura ela borada legandoa a outros seres humanos que por sua vez também deram sua contribuição a esse legado passandoo subseqüentemente para uma nova geração e assim sucessivamente Então conhecimentos habilidades valores e práticas humanos constituem de um lado resultados do esforço de construção do mundo que ao mesmo tempo constroem o ser humano individual e coletivo Por outro lado a transmissão desse legado para as novas gerações e sua respectiva assimilação ativa possibilitam a formação das novas gerações assim como servem de base para novas elaborações culturais A escola é a instância mediadora desse processo como vimos no Ca pítulo 4 Ela é o lugar onde através de um currículo que é uma seleção de conteúdos e experiências de aprendizagem e de uma prática pedagógica as crianças os jovens e os adultos recebem e assimilam o legado da cultura elaborada compreendendo e reelaborando o seu cotidiano 123 O cotidiano e o elaborado na prática educativa escolar A radicalização que se tem apresentado no meio educacional entre partidários do cotidiano e do elaborado não faz muito sentido desde que não há por que negar o legado cultural do passado que por si está composto por esses dois elementos Por isso não há razão para negar um e afirmar 139 o outro Contudo há sim que se ter presente que o cotidiano e espontâneo representam pouco em termos de entendimento e de cultura para qualquer ser humano da sociedade moderna Cada criança necessita apropriarse da herança cultural elaborada do passado para atingir um patamar crítico que lhe possibilite compreender o presente de forma mais abrangente e uni versal O avanço da ciência e do pensamento humano deve ser o norte de crescimento para o educando nunca o contrário Ou seja educativamente não podemos ter como parâmetro para a constituição curricular o conhe cimento e a experiência espontânea dos educandos sob o risco de estarmos impossibilitando aos nossos educandos a assimilação do legado crítico e conseqüentemente a elevação do seu patamar cultural Porém o cotidiano também não pode ser obscurecido ou negado Ele é parte essencial de nossas vidas ele possui positividades Há então que se encontrar o caminho pelo qual o existencial e o elaborado se integrem dialeticamente na medida em que nem um nem outro seja negado O existencial ganha nova dimensão ao ser reelaborado ao nível crítico seja ele filosófico ou científico Como afirma Snyders nessa relação há continuidade e ruptura A aprendizagem de novo tem uma continuidade com o anterior mas também possui uma ruptura porque é novo Em termos de ensino e de aprendizagem não há por que privilegiar uma ou outra coisa Na prática da sala de aula às vezes temos que partir da experiência cotidiana dos nossos alunos para elevála a um patamar mais crítico e complexo de entendimento Outras vezes temos que partir do próprio conhecimento acumulado pela humanidade através do método da exposição Em ambas as perspectivas de ensino e de aprendizagem o objetivo deverá ser permitir ao educando a apropriação de formas e modos de entendimentos que lhe possibilitem um nível novo mais coerente con sistente e universal de análise e compreensão do mundo O que não se pode sob pena de conservantismo é fazer com que os educandos permaneçam exclusivamente presos aos seus entendimentos limitados espontâneos do cotidiano existencial Contudo a apropriação dos produtos culturais além de nos elevar a um patamar novo de compreensão da realidade é um instrumento fundamental do exercício lógico do pensamento e do entendimento Cada um de nós necessita elevar sua capacidade de formalização e de abstração adquirindo níveis cada vez mais complexos A apropriação dos conteúdos exige um esforço mental de compreensão e de exercitação que por si possibilita uma elevação do nível de compreensão de abstração e de formalização da mente cada vez mais necessário ao ser humano Por formalização da mente aqui estamos entendendo a aquisição de complexos processos de raciocínio e capacidade de trabalhar com conceitos 140 abstratos e abrangentes da realidade Em si é a capacidade de trabalhar adequadamente com conceitos abstratos formados sobre a realidade Essa utilização de conceitos abstratos tornase cada vez mais necessária ao ser humano devido às necessidades de entendimento da realidade que cada vez se tornam mais complexas e exigem maior amplitude de percepção e análise Para compreender bem essa colocação vamos dar exemplos Um exem plo bem simples de que necessitamos de abstrações cada vez maiores pode ser tomado da leitura de um mapa geográfico Ler um mapa geográfico implica a abstração de todos os elementos materiais Ali estão repre sentações formais do que seria a realidade O mesmo ocorre quando um arquiteto desenha a planta de uma casa Ele trabalha com elementos abs tratos A casa não está ali no entanto estão presentes as especificações que possibilitarão a construção da casa Na planta estão os elementos for mais da construção os resultados materiais estarão presentes quando a casa for construída Pois bem existem pessoas que olhando uma planta não conseguem de forma alguma visualizar a construção futura Elas não conseguem ler formas abstratas Passemos para uma situação mais complexa O entendimento da so ciedade exige de cada um de nós um nível de abstração conceitual bastante elevado pois esse conhecimento não se dá ao nível do senso comum e do superficial ao contrário exige esforço e abrangência de compreensão A complexidade das relações nesta sociedade não possibilita uma apreensão direta e simples por isso a capacidade de conhecer deve ser elevada a níveis de amplitude sempre maiores se se quer conseguir uma compreensão clara e crítica das coisas Aqui níveis elevados de abstração e formalização da mente são necessários Ocorre porém que nem sempre os conteúdos escolares correspondem aos resultados mais significativos do pensamento e da ciência produzidos pelo ser humano Mais que isso na maior parte das vezes são reduzidos a superficiais definições e descrições impostas aos alunos para serem de coradas Outras vezes os conteúdos transmitidos e propostos são secun dários Isso acontece não porque os professores não desejem ensinar me lhores conteúdos isso é o que está nos currículos e é também o resultado do pouco que os professores aprendem para exercer sua profissão Muitas vezes nós professores não dominamos nosso campo de conhecimento nem nos esforçamos por dominálo melhor Em nossas aulas trabalhamos os conteúdos costumeiros que são colocados à nossa frente pelos currículos escolares ou mais comumente pelos livros didáticos Além disso vale observar que os conteúdos escolares na maior parte das vezes têm servido como veículo de certas representações ideológica 141 Ou seja através dos conteúdos escolares são transmitidos os mais variados valores que na maior parte das vezes são conservadores a respeito dos vários elementos da vida social São preconceitos com os quais nem sempre concordamos Os livros didáticos estão repletos implícita ou explicitamente desses conteúdos ideológicos Falaremos disso no próximo tópico deste capítulo Assim importa que nós professores assim como nos preparamos para exercer a docência estejamos cientes de que quanto mais nos preparamos em termos de conteúdos e habilidades tanto maiores serão nossas possi bilidades de exercer nossa profissão da melhor forma possível tanto do ponto de vista técnico quanto do político Diante do fato de observarmos que os conteúdos escolares nem sempre traduzem os melhores e mais avançados resultados da ciência e da cultura e diante do fato que esses mesmos conteúdos estão eivados de posturas valorativas ideológicas vale uma última observação sobre a visão política que atravessa e deve atravessar os conteúdos escolares Ao tratar de um assunto ou tema o educador deverá estar atento à versão que estará dando a esse conteúdo Por exemplo podemos tratar do tema racismo tanto de uma forma preconceituosa estimulando a formação de uma mentalidade racista como de um modo objetivo desenvolvendo uma criticidade na personalidade dos educandos e pois trabalhando para a formação de uma personalidade sadia para a convivência social solidária Assim outros temas podemos estudar biologia tãosomente para a apro priação dos conceitos ou podemos estudar biologia para compreender e agir em função de uma forma de vida mais adequada sobre o planeta A visão política que informa os conteúdos escolares assim como a metodologia segundo a qual são abordados são fundamentais para a for mação solidária do educando Com isto estamos querendo indicar que no processo educativo não podemos separar de um lado conhecimento e de outro formação da personalidade Enquanto se adquirem conhecimentos também se forma a personalidade assim como enquanto se forma personalidade se adquirem conhecimentos Aspectos afetivos e cognitivos existem como uma unidade dentro do ser humano Assim os conteúdos escolares tendo presente faixa etária caracterís ticas psicológicas e sociais dos educandos são conhecimentos habilidades e valores que emergem da articulação entre o cotidiano e o elaborado e que se assimilados ativamente garantem ao educando aprendizagem e desenvolvimento portanto formação das capacidades cognoscitivas e das convicções 142 Evidentemente que isso não se dá de maneira mecânica de tal forma que pudéssemos dizer tal conteúdo conseqüentemente tal personalidade Isso seria uma fantasia Os conteúdos são assimilados conforme as condi ções de cada educando nos aspectos psicológicos e sociais conforme as capacidades de cada educador de transmitilos e fazêlos assimiláveis assim como das condições materiais de trabalho docentediscente Só enquanto prática social politicamente engajada que o educador delimita objetivos conteúdos métodos e os transforma em vida para si e para o educando 2 Livros didáticos Na abordagem da questão de conteúdos escolares temos pela frente ainda o tema do material didático Qual o sentido do uso de material didático para o processo de ensino e aprendizagem Ele é válido E necessário ou plenamente dispensável Para que seja significativo como deve estar constituído e em que perspectiva deverá ser utilizado Vamos começar por lembrar que o processo ensinoaprendizagem exi ge um processo de comunicação e que ao lado de outros veículos o livro didático é um meio de comunicação através do qual o aluno recebe a mensagem escolar Todos sabemos que o processo de comunicação implica um emissor um receptor uma mensagem e um veículo de comunicação O emissor no caso da sala de aula é o professor mas no caso do livro didático é o autor daquele material o receptor é o educando a mensagem é o conteúdo transmitido e o veículo no caso é o próprio livro didático No ensino escolar o professor é o emissor principal pois ele é o responsável pela transmissão de um determinado conteúdo a uma deter minada turma de alunos Todavia ele faz uso do livro didático para auxiliálo nesse processo de comunicação de mensagens Por vezes chega a fazer do conteúdo dos livros didáticos o seu próprio conteúdo desde que concorda com tudo o que está escrito e orienta os educandos para que se apropriem daqueles conteúdos Há mesmo professores que nem dão aulas orientando os alunos para que estudem exatamente o que está no livro admitindo que o que está ali exposto é tudo o que querem transmitir Esta é uma forma de fazer da mensagem do livro a sua própria mensagem e assumir como posição e entendimento próprios aqueles que estão nas pá ginas do livro Neste caso o autor do livro assume o papel de emissor 143 principal do conteúdo escolar e o professor por tabela assume aquela mensagem como sua Contudo existem professores que corretamente to mam o livro didático como um material exclusivamente auxiliar do seu processo de ensino assumindo uma posição crítica frente aos conteúdos ali expostos despertando nos seus alunos o senso crítico necessário para se ler qualquer coisa Nesse segundo caso o livro será o veículo de comunicação do autor o auxiliar do professor no processo de ensino e o auxiliar do aluno no processo de aprendizagem Em ambos os casos como veículo principal ou como veículo complementar o livro didático é uma peça importante no processo de comunicação do ensino escolar O livro didático de forma alguma deve ser instrumento descartável no processo de ensino Ele é um instrumento importante desde que tem a possibilidade de registrar e manter registrada com fidelidade e perma nência a mensagem O que está escrito permanece escrito não é tão pe recível quanto a memória viva Através do livro o educando terá a possi bilidade de se reportar quantas vezes quiser ou necessitar ao conteúdo ensinado na sala de aula Vale lembrar que nem sempre os conteúdos dos livros escolares são os mais recomendáveis daí decorre a necessidade de que cada professor selecione criteriosamente o livro didático que vai adotar mantendo sempre sobre ele uma posição crítica Muitas vezes esses conteúdos são abordados com uma perspectiva metodológica que não nos interessa Por exemplo será que queremos en sinar História a partir dos heróis Se não queremos devemos estar atentos para selecionar um livro que utilize uma outra metodologia Outras vezes os conteúdos abordados no livro didático não nos satis fazem diante daquilo que a ciência já produziu e que nossos alunos ne cessitam e merecem receber Aqui e acolá encontramos livros didáticos que simplificam os conteúdos de tal forma que não auxiliam em nada os educandos a entenderem melhor o mundo a elevarem o seu patamar de compreensão da realidade Outras vezes esses livros trazem conteúdos secundários que ocupam tempo de ensino do professor e de estudo dos alunos que poderiam ser aproveitados em conteúdos e atividades essenciais e significativas Pior que isso é ainda o caso de alunos que são reprovados por causa desses conteúdos secundários pois há professores que por não assumirem uma posição crítica exigem que seus alunos deles se apropriem Os livros didáticos estão repletos de conteúdos ideológicos com os quais podemos não concordar No Brasil já existem muitos estudos e livros publicados que tratam desta temática tais como As belas mentiras ideologia subjacente aos textos didáticos de Maria de Lourdes Deiró Nosela O livro didático de História do Brasil de Maria Laura Franco Geografia pequenas 144 histórias críticas de A C R Moraes e muitos outros Vale a pena ter ciência dessas dissimulações ideológicas que permeiam os conteúdos didá ticos para que possamos exercer nosso senso crítico e se possível trabalhar com os educandos para que eles estejam atentos a esses meandros dos conteúdos escolares Com certeza muitos de nós não concordamos com a opressão com posições contra a mulher contra o negro contra o índio Mas muitos desses preconceitos estão presentes nas lições dos livros didáticos E preciso aprender a identificálos para assumir um posicionamento crítico sobre os mesmos Em síntese o livro didático é um veículo de comunicação importante dentro do sistema de ensino porém não pode ser assumido acriticamente Deve ser selecionado e utilizado de forma crítica para que não sirva de veículo de conteúdos métodos e modos de pensar que estejam em defa sagem com a perspectiva que desejamos adotar Devemos estar atentos aos textos didáticos e utilizálos de forma crítica para não sermos enganados e para que não façamos nossos alunos se apropriarem de conteúdos e de perspectivas ideológicas com as quais não estejamos concordes Temos que ter sempre presente que uma mensagem nem sempre é verdadeira Não é devido ao fato de estar escrita e publicada que é verdadeira Ela necessita passar pelo crivo de nossas críticas 3 Procedimentos de estudos e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Qual a vinculação que existe entre conteúdos escolares e proposta pedagógica Demonstre esse fato utilizandose das tendências pe dagógicas b Que se entende por conhecimentos habilidades hábitos e convic ções Que papel têm no processo educativo da criança do jovem ou do adulto c Estabeleça as diferenças entre cultura cotidiana e cultura elaborada demonstrando o papel que cada uma tem na vida humana d Dê as razões por que a cultura elaborada é a que interessa à escola 145 e Que relação entre cultura cotidiana e cultura elaborada deve ser estabelecida e mantida pela escola Por quê f Quais os méritos e os deméritos do livro didático g Como usar o livro didático de forma crítica 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Articulação entre conteúdos escolares e tendências pedagógicas b Conteúdos escolares críticas e proposições c O livro didático críticas e proposições 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares LIBÂNEO José CarlosDemocratização da escola pública pedagogia críticosocial dos conteú dos São Paulo Loyola 1985 LUCKESI Cipriano Presença dos meios de comunicação na escola utilização pedagógica e preparação para a cidadania In KLROLING Margarida Comunicação e educação cami nhos cruzados São Paulo Loyola 1985 p 2952 NOSELA Maria de Lourdes As belas mentiras ideologia subjacente aos textos didáticos São Paulo Cortez e Moraes 1979 FRANCO Maria Laura O livro de história do Brasil São Paulo Global 1985 MORAES A C R Geografia pequenas histórias críticas São Paulo Hucitec 1980 146 Capítulo 9 Procedimentos de ensino Demonstramos no capítulo anterior que os conteúdos escolares não estão desvinculados de uma perspectiva teórica de abordagem e tratamento da realidade Ou seja os conteúdos escolares sua seleção e direcionamento dependem de uma tessitura teóricometodológica que por sua vez está articulada com uma concepção filosófica de mundo e no caso com uma concepção filosófica de educação Neste capítulo vamos tratar da questão dos procedimentos de ensino Procedimentos de ensino são meios técnicos utilizados para cumprir uma proposta educacional Não existem isoladamente mas articulados e de pendentes de uma perspectiva teóricofilosófica Assim não se pode decidir sobre os procedimentos de ensino sem que antes se tenha definido com clareza uma proposta filosófica de educação No Capítulo 5 descrevemos como os docentes usualmente se utilizam dos procedimentos de ensino sem estarem atentos às questões teóricofi losóficas Vamos retomar aqueles questionamentos com o objetivo de bus car uma compreensão crítica do sentido e do significado de tais procedi mentos através de suas articulações com a Filosofia da Educação e con seqüentemente com a Pedagogia É exatamente essa questão que Pistrak nos apresenta em seu livro Fundamentos da Escola do Trabalho O objetivo fundamental da reeducação ou simplesmente da edu cação do professor não é absolutamente fornecerlhe um conjunto de indicações práticas mas armálo de modo que ele próprio seja capaz de criar um bom método baseandose numa teoria sólida de pedagogia so cial o objetivo é empurrálo no caminho desta criação Grifo nosso 1 Pistrak Fundamentos da escola do trabalho São Paulo Brasiliense 1981 p30 147 Isso nos conduz a entender que as decisões sobre os objetivos filosó ficos e políticos da prática docente antecedem toda e qualquer outra decisão pedagógica Eles dão a dimensão do que fazer E tendo claros os objetivos mais abrangentes as finalidades cada professor poderá com clareza de consciência escolher procedimentos de ensino entre os já formulados e apresentados nos textos de didática e técnicas de ensino Ou ainda poderá criar novos procedimentos a partir das necessidades emergentes para cum prir os objetivos que tenham traçado É em função disso que neste livro vimos fazendo discussões que se guem do mais abrangente para o mais específico porém sempre dentro do campo da Filosofia da Educação Este capítulo sobre os procedimentos de ensino ainda que trate de procedimentos terá um caráter filosófico desde que estaremos discutindo o sentido e o significado desses procedi mentos e não propriamente os procedimentos em si mesmos como modos operacionais de ação Vamos tentar entender como cada procedimento na sua própria formalidade demonstra em si o sentido da proposta pe dagógica que está traduzindo e mediando Os procedimentos que cada um vai definir para a sua ação não serão gratuitos mas terão o sentido e o significado que tiverem as decisões filosóficas e políticas sobre a prática pedagógica Como já vimos anteriormente não é pelo fato de não escolhermos conscientemente os princípios que direcionam nossas atividades docentes que eles deixam de existir Se não definimos esses princípios consciente mente acabamos seguindo os princípios dominantes que se tornaram senso comum em nossa prática docente 1 Método e procedimento de ensino Vamos iniciar por uma definição de procedimento de ensino distin guindoo de método No cotidiano escolar e nas discussões diárias sobre a prática docente confundemse essas duas coisas Assim por vezes ouvimos alguém dizer para desenvolver minhas aulas estou utilizandome da me todologia de trabalho em grupo outras vezes ouvimos a pergunta que metodologia vai ser utilizada neste simpósio De fato o que se está per guntando é que técnicas de estudos vão ser utilizadas para o desenvol vimento das atividades deste evento Ou ainda às vezes tomamos em nossas mãos um livro cujo título é Metodologia de ensino porém o seu conteúdo referese às técnicas de ensino tais como exposição trabalho de equipe simulação etc Contudo a levar a sério o que significa método 148 tornase necessário precisar os conceitos e estabelecer uma distinção entre os campos Uma coisa é procedimento e outra coisa é método Sem essa efetiva distinção sempre estaremos confundindo os dois elementos desde que a distância entre um e outro parece ser tênue na medida em que no cotidiano se usa indiscriminadamente o termo metodologia para indicar várias coisas tais como o modo de produzir conhecimento o modo de atingir um objetivo que se deseja o modo de desenvolver uma ação qualquer Em todos esses entendimentos há um fundamento comum porém existem compreensões a serem delimitadas de forma distinta Genericamente definese método como o meio para se atingir um determinado fim Essa definição nasce do próprio sentido etimológico do termo cuja origem encontrase em duas palavras gregas meta para odos caminho Método seria então caminho para se chegar a um determinado fim Contudo os fins a serem atingidos variam fato que obriga a entendimentos diversos do que seja método Neste caso vamos distinguir pelo menos duas perspectivas de compreender método a método visto sob a ótica teóricometodológica e b método visto sob a ótica téc nicometodológica Sob a primeira ótica ou seja sob o ponto de vista teóricometo dológico método significa um modo de abordar a realidade seja para a produção de conhecimentos seja para o encaminhamento de ações Tanto em um como em outro objetivo ao enfrentarmos a realidade assumimos uma forma uma visão que nos permite tratála sob determinado ponto de vista Por exemplo estudando a Independência do Brasil podemos seguir uma abordagem reducionista limitada aos personagens ou podemos utili zarnos de uma abordagem dialética levando em conta as condições ob jetivas desse acontecimento histórico Vamos exemplificar essas duas formas de abordar a realidade Em primeiro lugar um exemplo reducionista A Independência do Brasil decorreu da decisão irada de D Pedro que a conselho de José Bonifácio o Patriarca da Independência às margens do rio Ipiranga deu o grito de Independência ou Morte Esse é um modo de interpretar a história modo segundo o qual se interpreta os acontecimentos históricos como sendo o resultado da ação de grandes heróis de grandes homens de grandes feitos É uma interpretação de história que leva em conta apenas aqueles elementos que podem ser considerados os mais visíveis os mais aparentes No relato acima parece 149 que tudo dependeu da vontade de D Pedro I Aprendendo a ver a história dessa forma vamos interpretar todos os fatos e acontecimentos a partir dessa matriz método ou seja ao analisar qualquer outra situação histórica do passado ou do presente vamos nos utilizar sempre dos personagens e não das circunstâncias objetivas que os determinam De uma perspectiva de totalidade ou seja levando em consideração o conjunto dos fatores que determinaram o acontecimento que estamos analisando a Independência do Brasil poderia ser assim descrita Deuse a 7 de setembro de 1822 como conseqüência de um conjunto de acontecimentos os movimentos nativistas do século XVIII e início do XIX Inconfidência Mineira Revolução dos Alfaiates Revolução Carioca Revolução Pernambucana a vinda da Família Real para o Brasil em 1808 transferindo para cá a Corte e seus benefícios acelerando a ruptura do pacto colonial O grito de D Pedro I às margens do Ipiranga foi o ato político final desses processos Este segundo modo de abordar a história utiliza um método diverso do anterior na medida em que aquele entende que os acontecimentos históricos dependem de indivíduos e grandes personalidades este último entende que os acontecimentos históricos são inexoravelmente articulados com as condições históricosociais objetivas O suporte metodológico de cada um desses estudos é diferente Devemos observar que na leitura do que está exposto e como está exposto é possível identificar o método com o qual a realidade está sendo abordada Isso nos leva a compreender que os conteúdos e no caso os con teúdos escolares não existem sem estarem informados por um método por uma visão com a qual se trata a realidade Um mesmo tema pode sofrer diversas abordagens possibilitando com preensões também diversas Marx na introdução do livro O Dezoito Bru mário de Luís Bonaparte nos mostra que o mesmo fato o Golpe de Estado efetuado por Luís Napoleão em 1852 na França foi abordado de formas diversas por autores diferentes Diz ele que Victor Hugo político e literato francês escreveu um livro sobre esse acontecimento denominado Napoleão o Pequeno onde atira muitas invectivas contra Luís Napoleão em função deste ter efetuado o Golpe de Estado terminando por dizer que esse acontecimento deuse como um raio que veio do céu Criticou Luís Napoleão fazendo dele um herói herói tão forte que saiu vitorioso em um Golpe de Estado Marx lembra que Joseph Proudhon também escreveu um livro analisando esse fato cujo título é O Golpe de Estado Tentou demonstrar que o golpe era resultado de um processo social anterior e terminou por elogiar Luís Napoleão 150 Esses dois autores possuem em comum o método de estudar um fe nômeno histórico constroem a história como se ela fosse produto da per sonalidade de grandes homens de heróis Marx diversamente deles escreveu O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte onde demonstrou que Luís Napóleão e seu golpe de Estado eram conseqüência dos dados históricos objetivos da França Demonstrou que Luís Napoleão era um aventureiro e um embusteiro mas devido às condições objetivas da história francesa conseguiu chegar ao poder Três obras recursos metodológicos diversos resultados diferentes Lendo cada uma podese identificar o tipo de tratamento metodológico que o autor usou para tratar do tema Em síntese o conhecimento da realidade exige uma forma metodo lógica de abordála uma perspectiva segundo a qual a realidade é vista Aqui o método ganha o seu caráter teórico ou seja o modo segundo o qual ele permite que a realidade seja apreendida do ponto de vista do conhecimento Contudo ainda dentro desse caráter teórico do método deve ser com preendida a ação ou seja as ações humanas também dependem de uma visão Agir em função de um processo de transformação da sociedade é diferente de agir em função de um processo de sua conservação agir em função de um processo democrático de uma sociedade é diferente de agir em função de um processo autoritário A exemplo podemos citar o discurso de um político que diz Estamos engajados num processo de construção da democracia Por isso estamos reunindo representantes dos diversos segmentos so ciais para que conjuntamente definam as necessidades e as ações a serem executadas para o bem do povo O discurso acima é diverso deste outro Estamos interessados na construção da democracia Para isso sendo eleito eu acabarei com os corruptos acabarei com a miséria construirei casas para os pobres etc O primeiro discurso fundase em um método de agir e o segundo em outro O primeiro regese por uma visão teórica representativa são os segmentos sociais que decidirão as ações o segundo regese por uma visão teórica autoritária fascista é o herói que fará tudo como se assim pudesse ser sem ter presente as condições sociais da sua possível administração Portanto tanto o conhecimento quanto as ações estão determinados por uma visão teórica da realidade que informa a ação e os resultados dessa ação Essa é a ótica teóricometodológica do método 151 Sob a ótica técnicometodológica o método é a definição dos modos de se atingir resultados desejados os objetivos definidos Por exemplo para se organizar um grupo de pessoas tendo em vista a obtenção de um determinado resultado podemse seguir caminhos variados Podese em princípio obrigar que cada um exerça um determinado papel para que o resultado seja obtido mas podese diversamente atuar para que todos compreendam a importância do resultado final e passem a colaborar na sua construção As duas formas operacionais de agir indicam perspectivas técnicometodológicas diferentes uma é autoritária a outra é democrática Ambos os caminhos poderão chegar ao mesmo resultado material especí fico mas não ao mesmo resultado global incluindo aí o processo humano No caso da Pedagogia Históricocrítica a questão metodológica sob a ótica técnica se manifesta como os meios satisfatórios para atingir os fins da aprendizagem que por sua vez servem aos fins políticos Para essa Pedagogia a elevação do patamar cultural do educando se dá pela assimilação ativa de conhecimentos e pela formação de habilidades e de hábitos como vimos falando A pergunta como se chega a esse resultado responde a metodologia sob a ótica técnica com os procedimentos da ação Para que o educando assimile os conhecimentos é preciso que entre em contato com ele isso implica que o conhecimento lhe seja exposto para atingir esse fim usase o método expositivo Todavia como a recepção do conhecimento exposto é pouca para que o educando desenvolva habilidades e forme hábitos importa que exercite esse conhecimento Para tanto será necessário usar o método reprodutivo que exige o reiterado exercício do conhecimento exposto e do conseqüente modo de agir Porém sabemos que receber e repetir conhecimentos e modos de agir ainda é insuficiente para o ser humano E importante que os conhecimentos habilidades e hábitos adquiridos sejam transferíveis para as múltiplas situações existenciais que cada um de nós encontra seja no cotidiano seja no trabalho seja na vida intelectual Então importa aprender a aplicar conhecimentos habilidades e hábitos Para esse fim específico usamos o método da solução de problemas determinados ou seja ao nível do ensinoaprendizagem criamos situações para a exercitação do uso daquilo que foi adquirido Em síntese o método sob a ótica técnicometodológica manifestase com meios pelos quais atingimos fins próximos articulados com fins políticos mais distantes Esse fato conduz a um terceiro entendimento da questão metodológica a ótica técnicometodológica articulase com a ótica teóricometodológica Um modo operacional de agir ou de fazer alguma coisa não existe num vácuo teórico mas sim articulado com uma visão de realidade 152 Os procedimentos são os modos específicos com os quais operacionalizamos o método Os procedimentos propriamente são técnicas de ação que se executadas cumprem o método sob a ótica técnicometodológica Por exemplo o método expositivo que é o meio pelo qual levamos ao educando os conhecimentos já elaborados pode ser executado através de vários procedimentos ou técnicas expositivos exposição oral pelo professor exposição escrita através de um texto demonstração de como proceder à execução de uma experiência em laboratório a apresentação de um exemplo a ser imitado etc O mesmo se dá com o método reprodutivo e assim por diante Então importa ter claro que os procedimentos são os recursos imediatos de ação que utilizamos para cumprir um fim intermediário no nosso caso a aprendizagem de alguma coisa tendo em vista um fim político abrangente no caso a formação do cidadão Esse fato levanos à compreensão de que os procedimentos de ensino que usamos diariamente na sala de aula estão comprometidos com as duas óticas metodológicas a teórica e a técnica A prática docente tem por objetivo produzir resultados mas não quaisquer resultados e sim resultados politicamente definidos Isso levanos a compreender que a seleção de procedimentos seja na produção de conhecimentos seja na condução de uma ação social não se dá isoladamente mas vive comprometida com um modo teórico de ver o mundo No ensino não basta definir que se vai utilizar a exposição oral ou a exposição escrita ou o trabalho dirigido etc E preciso ter clareza da intenção com a qual se vai utilizar este ou aquele procedimento E isso depende da concepção pedagógica que gere o nosso trabalho docente 2 Procedimentos de ensino e tendências pedagógicas Cada corrente pedagógica articula procedimentos de ensino correspondentes às suas respectivas propostas pedagógicas Para termos uma compreensão clara deste aspecto basta retomarmos os estudos que fizemos no Capítulo 3 e verificaremos que cada uma das tendências pedagógicas tem procedimentos de ensino bastante característicos que servem de mediação para seus objetivos filosóficos e políticos Vamos retomar em cada uma das tendências a questão dos procedimentos de ensino 153 A Pedagogia tradicional centra os procedimentos de ensino na expo sição dos conhecimentos pelo professor geralmente exposição oral A pro posta metodológica da Pedagogia tradicional é dirigir o educando para a sua formação intelectual e moral tendo em vista no futuro assumir a sua posição individual na sociedade de acordo com os ditames dessa sociedade Para traduzir essa perspectiva metodológica o direcionamento autoritário da formação do educando é fundamental e os procedimentos de exposição oral dos conteúdos e a exortação moral são os meios disponíveis mais efi cientes para cumprir tais ditames Já a Pedagogia renovada centra sua atenção em procedimentos de ensino que dêem conta por parte do aluno da aquisição de meios de aprendizagem do mundo circundante e da experiência cotidiana A sua proposta metodológica é de que o educando deve desenvolverse espon taneamente como uma planta em um jardim daí a idéia e o nome jardim de infância Os procedimentos de ensino devem dar conta dessa perspectiva metodológica Se o mundo exterior está aberto ao educando ele deverá ter recursos para apreendêlo Disso decorre o entendimento de que não cabe à educação ensinar às crianças conteúdos elaborados mas sim fazêlas aprender a aprender para que espontaneamente defrontandose com o mundo a partir da vivência consigam produzir o entendimento da rea lidade A Pedagogia tecnicista coloca toda a atenção em modos instrucionais que possibilitam controle efetivo dos resultados instrução programada pacotes de ensino módulos instrucionais etc Sua proposta metodológica é a da eficientização da aprendizagem Cada educando deve aprender no mais curto espaço de tempo as condutas consideradas necessárias A exa cerbação dos meios instrucionais na Pedagogia tecnicista não é gratuita está articulada com o entendimento teórico que a suporta Nas pedagogias consideradas de esquerda ou as pedagogias que estão voltadas para uma perspectiva de transformação da sociedade ocorre a mesma coisa Ou seja os procedimentos de ensino estão articulados e de pendentes da perspectiva metodológica de cada uma delas A Pedagogia libertária com sua perspectiva de autogestão utilizase de procedimentos que impedem o papel diretivo do professor sob pena de negarse a si mesma A Pedagogia libertadora utilizase do grupo de discussão para através do diálogo entre os elementos do grupo chegar ao nível de conscientização política de sua própria situação colocando o edu cador apenas como o coordenador do grupo e animador cultural Por que isto Devido ao fato de que a Pedagogia libertadora está preocupada com 154 a perspectiva de que os educandos adquiram consciência política de sua situação e de suas possibilidades de reação e luta contra a sociedade que os oprime A Pedagogia críticosocial dos conteúdos que está preocupada com a perspectiva de elevação cultural dos educandos a partir da articulação entre o mundo vivido e a cultura elaborada propõese utilizar procedi mentos de ensino que viabilizem a retomada da vivência dos alunos ele vandoa a um novo patamar de compreensão pela apropriação ativa dos conhecimentos elaborados pelo pensamento critico filosófico científico Assim sendo os procedimentos de ensino articulamse em cada peda gogia tanto com a ótica teórica quanto com a ótica técnica do método Os procedimentos operacionalizam resultados desejados dentro de uma de terminada ótica teórica 3 Procedimentos de ensino no cotidiano escolar Será que nós professores ao estabelecermos nosso plano de ensino ou quando vamos decidir o que fazer na aula nos perguntamos se as técnicas de ensino que utilizaremos têm articulação coerente com nossa proposta pedagógica Ou será que escolhemos os procedimentos de ensino por sua modernidade ou por sua facilidade ou pelo fato de dar menor quantidade de trabalho ao professor Ou pior ainda será que escolhemos os proce dimentos de ensino sem nenhum critério específico No cotidiano escolar na maior parte das vezes os procedimentos de ensino são selecionados sem critérios definidos criticamente sem que se reflita claramente sobre o sentido e o significado de cada um deles São escolhidos sem que se reflita sobre a articulação dos procedimentos com as propostas pedagógicas Ocorre que nem sempre as propostas pedagógicas são assumidas com clara consciência daí a dificuldade em articular procedimentos com pro posta No geral os procedimentos de ensino são retirados do arsenal já consagrado pela prática docente Há um senso comum pedagógico que afirma que qualquer atividade é suficiente para que se consiga cumprir a tarefa docente O professor está habituado seja pela formação seja pela prática seja pela herança cultural comum que recebeu a não se preo cupar com a proposta pedagógica e muito menos com a articulação entre procedimentos de ensino e proposta pedagógica 155 Na época de planejamento na maioria das vezes os professores pre enchem os formulários que lhes são apresentados mas não fazem plane jamento propriamente dito pois planejamento implica decisão No próximo capítulo falaremos do planejamento Por ora importa lembrar que nor malmente as decisões sobre os recursos técnicos do ensino não chegam a ser propriamente decisões mas sim puras indicações de procedimentos e práticas que estão aí disponíveis Os procedimentos são arrolados como se não tivessem que ter articulação com os objetivos pedagógicos Os espaços do formulário de planejamento são utilizados como se fossem apenas espa ços com rubricas a serem preenchidas e nada mais que isso O item relativo aos procedimentos de ensino é preenchido por uma informação qualquer já pronta e definida No entanto como vimos acima cada um dos proce dimentos só faz sentido na medida em que está articulado com uma proposta pedagógica que a traduz e a medeia constituindo um todo harmônico Ao assumir a conduta comum no que se refere à seleção de proce dimentos de ensino podemos ser conduzidos a mediar uma proposta pe dagógica que em princípio rejeitamos Por exemplo podemos estar desejosos de que nossos alunos aprendam o conhecimento científico mas usamos como procedimento de ensino um trabalho de grupo espontâneo Será que com esse procedimento estaremos conduzindo nossos alunos à aprendizagem desse conhecimento Ou esta mos querendo que os nossos educandos aprendam a fazer uma coreografia através da dança e então escolheremos deixálos soltos à vontade cada um fazendo o que quiser Será que assim estaremos possibilitando a dis ciplina necessária para a construção de uma coreografia Ou ao contrário numa atividade de artes plásticas propomos que nossos alunos aprendam a expressão livre pela pintura e como procedimento lhes indicamos que recubram linhas já elaboradas num determinado papel Será que dessa forma conseguiremos nosso objetivo Como se vê cada finalidade exige um procedimento específico como sua mediação de tal forma que possa ser efetivamente alcançada Não é qualquer procedimento que serve a qualquer finalidade Os procedimentos necessitam estar alinhados com os fins O nosso cotidiano escolar brasileiro não tem sido um exemplo reco mendável de articulação entre fins e meios entre propostas pedagógicas e procedimentos de ensino 4 Conseqüências para a prática docente As discussões anteriores nos conduzem a algumas conseqüências para a prática docente 156 Em primeiro lugar para se definir procedimentos de ensino com certa precisão é necessário ter clara uma proposta pedagógica pois é ela que define os objetivos políticos e educacionais assim como a perspectiva me todológica de ação Em segundo lugar é preciso compreender que os procedimentos de ensino que vamos selecionar ou construir são mediações dessa proposta pedagógica e metodológica e por isso devem estar estreitamente articu lados com ela Em terceiro lugar se queremos efetivamente que nossa proposta pe dagógica se traduza em resultados concretos temos que selecionar ou cons truir procedimentos que conduzam a resultados Resultados esses que po derão ser parciais agora porém que sejam complexos com a dinâmica do tempo e da história Em quarto lugar para que esses procedimentos tenham efetividade não poderão ser selecionados ou constituídos com base no senso comum O educador deve ao ado de sua proposta pedagógica lançar mão dos conhecimentos científicos disponíveis para tanto Em quinto lugar como nem sempre conseguiremos de imediato se lecionar o melhor procedimento para os objetivos que temos à frente devemos estar permanentemente alertas para o que estamos fazendo ava liando nossa atividade e tomando novas e subseqüentes decisões Com a meta à nossa frente devemos utilizar todos os meios possíveis para alcan çála Se um procedimento não está sendo útil não vale a pena insistir nele Retomando aqui tudo o que já discutimos neste livro dentro da pers pectiva da escola que queremos fica claro que para um ensino que tem por objetivo político possibilitar a crianças jovens e adultos a instrumen talização cultural para reivindicar e usufruir os bens materiais e espirituais desta sociedade e que para tanto necessita de criar condições técnico metodológicas para que os educandos assimilem ativamente recebam exer citem apliquem e inventem os conhecimentos há necessidade de sele cionar ou produzir procedimentos que efetivamente dêem conta disso Então se se deseja que o educando assimile um conhecimento exis tente é preciso a encontrar o procedimento que possibilite essa aproxi mação entre o conhecimento existente e o educando método expositivo b encontrar o procedimento que possibilite ao educando tornar propriamente seu esse conhecimento sob a forma de habilidade e hábito exercitação c encontrar os procedimentos que garantam ao educando a transferência desse conhecimento para as múltiplas situações da vida aplicação d e por último encontrar procedimentos que assegurem ao educando 157 utilizarse dos conhecimentos habilidades e hábitos já adquiridos como suporte para resolver novos problemas criando novos conhecimentos inventividade Se se deseja que os educandos desenvolvam um espírito pluralista e solidário importa que os procedimentos dêem conta disso ao mesmo tempo que dêem conta da assimilação dos conhecimentos Em síntese procedimentos de ensino as técnicas que são usadas no cotidiano da prática docente dependem dos objetivos políticos e dos objetivos ensinoaprendizagem que se tenha Eles não são casuais mas sim intencionalmente selecionados de tal modo que sirvam para construir o objetivo que temos 5 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Que se entende por método e o que se entende por procedimentos de ensino Quais as semelhanças e as distinções entre eles b Como se articulam as pedagogias propostas pedagógicas os mé todos e os procedimentos de ensino c Como tem sido na prática escolar a utilização dos procedimentos de ensino considerando a proposta pedagógica e o método que a traduz d Como se pode proceder à articulação entre procedimento de ensino e proposta pedagógica 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a Pedagogia e Metodologia análise crítica da prática docente escolar e sugestões b Objetivos políticos da prática docente e procedimentos do ensino uma abordagem crítica 158 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares JANUZZI Gilbert Martino Confronto pedagógico Paulo Freire e Mobral 3ª ed São Paulo Cortez e Autores Associados 1987 SNYDERS Georges Alegria na escola São Paulo Manole 1988 Para onde vão as pedagogias nãodiretivas Lisboa Moraes Editores 1978 ver especial mente o capítulo O Marxismo poderá inspirar uma pedagogia 309365 159 3ª Parte Da Pedagogia á prática docente Capítulo 10 Didática elemento articulador entre Pedagogia e prática docente Este capítulo pretende sintetizar o que foi exposto nos anteriores e estabelecer uma articulação de todos os elementos com a prática docente Mais apropriadamente pretendemos articular Filosofia da Educação e prá tica docente escolar A didática como direcionamento imediato da prática do ensino e da aprendizagem servirá de elemento articulador entre as proposições teóricas e a prática escolar propriamente dita Ela tanto em sua fase de planeja mento quanto em sua fase de execução é a mediação necessária para garantir a tradução da teoria pedagógica em prática pedagógica Através dela a concepção teórica da educação pode se fazer concreticidade his tórica Com esse entendimento vamos iniciar por uma sistematização dos princípios pedagógicos que discutimos anteriormente para a seguir abor darmos os movimentos fundamentais do processo didático e como eles podem efetivar a mediação entre a teoria e a prática Nesta oportunidade já não vamos mais justificar o significado de cada um destes princípios desde que eles foram discutidos no decorrer dos capítulos anteriores Agora eles serão retomados de forma sintética tendo em vista sua reestruturação no contexto da didática 1 Princípios pedagógicos a Papel da escola A escola é uma instância de luta pela transformação da sociedade Com isso estamos entendendo que a escola é um lugar onde também se dão as contradições sociais que ocorrem na sociedade em que 163 ela está situada e por isso ela participa dos processos sociais contra ditórios de reprodução e transformação A escola sofre múltiplas deter minações sociais tanto contém o que há de conservador na sociedade quanto os gérmen da transformação social Está metida no jogo das con tradições sociais e por isso podemos e devemos usála como espaço de ação na luta por uma nova sociedade onde as desigualdades tenham de saparecido e a libertação emergido Nessa perspectiva concordamos com Snyders que diz que não pode mos esperar a chegada da sociedade nova e socialista para retirar da escola tudo o que ela pode dar na perspectiva de transformação da sociedade Evidentemente não faremos a revolução social através da escola ela é impotente para tal Mas podemos utilizála na perspectiva de preparar os caminhos da nova sociedade Tanto para se alcançar a sociedade nova quanto para administrála o domínio da cultura elaborada é necessário Mas nada na história e na sociedade se faz repentinamente A escola é um dos instrumentos que temos nas mãos para trabalhar por esse futuro b A educação não é neutra Articulado com o princípio anterior assumimos que nem a educação e conseqüentemente nem a escola são neutras Querendo ou não a ação educativa em geral e a escolar em par ticular está comprometida com alguma perspectiva filosóficopolítica Quando não escolhemos explicitamente uma concepção teórica para dire cionar nossa ação seguimos a teoria dominante que se transformou em senso comum e é por isso hegemônica Assim não temos saída ou assu mimos criticamente uma posição de comprometimento político ou execu tamos nossa ação com um comprometimento político sobre o qual não temos consciência nem decisão Em suma a nossa opção é ou temos uma opção filosófica consciente ou agimos por valores e finalidades que des conhecemos Os currículos a seleção dos conteúdos os procedimentos de ensino os livros didáticos nada é gratuito Tudo está repleto de perspectivas ideo lógicas seja através de um ideário de compromisso com a reprodução seja através de um ideário de transformação da realidade Em síntese consciente ou inconscientemente assumimos uma postura política através da escola e da educação Como seres inteligentes no entanto é mais digno exercer a ação educativa e escolar através de um posicionamento claro consciente e explícito c A escola como instância mediadora da elevação cultural dos edu candos A educação e a escola na dinâmica das relações sociais devem exercer um papel crítico de elevação cultural do indivíduo e da sociedade 164 São instituições mediadoras de uma concepção de mundo e como tal podem exercer tanto a função de reprodutoras quanto uma função trans formadora da sociedade No geral têm servido mais à reprodução do que à transformação Todavia podem servir ao processo de transformação so cial desde que sejam utilizadas em consonância com um efetivo entendi mento a dinâmica social Isso significa compreender as possibilidades e limites da prática educativa dentro de uma sociedade estruturada em classes vivendo permanentemente a contradição que possibilite o movimento Para que a educação em geral e a escola em particular seja utilizada nessa perspectiva acreditamos que o núcleo de atenção da prática escolar deva ser a apropriação dos conhecimentos acumulados pela humanidade O espontâneo do diaadia não é suficiente para exercer a crítica e possi bilitar o avanço A cultura elaborada é elemento necessário no processo de elevação cultural dos homens Há continuidade entre o conhecimento vivido pelos seres humanos no seu cotidiano e a cultura elaborada pro priamente dita Porém ao mesmo tempo existe uma ruptura A cultura elaborada é um passo crítico de entendimento do mundo que ultrapassa as interpretações fragmentárias e as superficialidades do conhecimento da práxis cotidiana A educação portanto deve ter por objetivo a elevação cultural dos educandos através do processo de continuidade e ruptura cultural Como isso pode ser feito Em primeiro lugar através de permanente atenção à experiência cultural dos educandos depois por meio de um rompimento com ela no sentido de possibilitar ao educando um novo patamar de entendimento e compreensão do mundo Compreensão que servirá de fundamento para uma ação adequada e coerente tanto do ponto de vista dos objetivos quanto do ponto de vista operacional d Relação professoraluno como meio necessário da elevação cultural do educando Para que isso se realize tornase necessária na prática escolar a relação professoraluno Entendemos que o professor no jogo do pro cesso educativo é o elemento que detém o conhecimento mais elaborado sobre a prática social e por isso possui autoridade pedagógica Deve por tanto servir de elemento mediador da cultura elaborada em relação aos alunos de tal forma que estes dêem um salto da interpretação cotidiana para a compreensão elaborada da realidade A cultura elaborada mediada pelo professor e pelos meios instrucionais revivificada pelo aluno é o trampolim que permite o salto para o novo patamar de compreensão Para isso os alunos não devem simplesmente copiar a cultura elabo rada O processo adequado de elevação cultural parte do cotidiano vivido que é revivido e analisado levandose em conta os elementos da cultura 165 sistematizada Desse modo articulando o vivido com o elaborado os edu candos formulam sua cultura pessoal e sua forma de entendimento O movimento de continuidade e ruptura no processo cultural que se dá na vida do educando exige a existência e a intervenção do educador Ele é o pólo que oferece o elemento novo que permite a ruptura e conduz à síntese isto é à nova compreensão A relação professoraluno necessária nesse processo deverá ser par ticipativa Com isso queremos dizer que a autoridade pedagógica do pro fessor não deverá de forma alguma transformarse em autoritarismo A autoridade pedagógica está articulada com o papel de mediador da cultura elaborada e de elemento necessário para auxiliar o educando a dar o salto da interpretação cotidiana para uma interpretação elaborada da prática social A autoridade pedagógica é diversa do autoritarismo enquanto o autoritarismo está articulado com o disciplinamento moral a autoridade pedagógica está articulada com a elevação cultural e crítica dos educandos Enquanto aquele é disciplinador esta é participativa A autoridade peda gógica é uma forma de compromisso com o crescimento e com o avanço do educando O autoritarismo tem compromisso com os padrões morais e sociais dominantes com o disciplinamento e Continuidade e ruptura como elementos essenciais do processo de elevação cultural do educando Continuidade e ruptura compõem o processo essencial pelo qual os educandos se elevam de uma situação ingênua do ponto de vista do conhecimento e da cultura para uma perspectiva crítica e universal Esse processo é elemento essencial em uma pedagogia que esteja preocupada com que os educandos elevem seu nível de entendimento do mundo e da realidade Continuidaderuptura é um processo que envolve o entendimento da contradição segundo a qual o novo nasce do velho O novo não é simplesmente a pura novidade mas o velho superado por uma síntese vivificadora O velho já não existe mais em si mas está absoluta mente incorporado ao novo O novo foi engendrado dentro do velho su perandoo em nova forma sintética No processo ensinoaprendizagem isso se faz pela continuidade e ruptura cultural f Independência e reciprocidade Essa elevação cultural através do processo continuidaderuptura que tem o professor como um articulador necessário leva a que os alunos adquiram um modo próprio e original de entender o mundo e a realidade assim como a uma forma mais crítica de agir sobre ela Esse resultado do ponto de vista do educando lhe garante a perspectiva de independência e conseqüentemente de reciprocidade Quanto mais elevado é o entendimento do educando acerca da realidade mais possibilidade ele tem de ser independente em relação à autoridade e assim de agir com reciprocidade em relação a essa autoridade Ou seja 166 quanto mais alto for o nível da cultura elaborada do educando tanto maior é a sua possibilidade de independência frente ao professor frente às opi niões frente às tendências etc Ele terá condições de analisálos todos de forma crítica e assim poderá assumir posição de equivalência com todos esses elementos sociais Isso significa a possibilidade de reciprocidade na relação por oposição à dependência Esse é o objetivo maior de nossa atividade docente possibilitar que cada educando cresça e assuma posição de independência e reciprocidade o que implicará obrigatoriamente originalidade Esses são os pontos não exaustivos que sintetizam um conjunto de princípios que encaminham a didática como instrumento necessário da mediação educacional especialmente da educação escolar A seguir tentaremos articular esses princípios pedagógicos com a prá tica docente através da didática com elemento que define e filtra a forma prática de conduzir uma proposta pedagógica 2 Elementos para uma didática 21 Pontos de referência do processo didáticol Os manuais de didática em geral abordam e discutem três temas básicos que são as questões do planejamento da execução e da avaliação do ensino Aliás esses três elementos não são nada mais do que a lógica da racionalidade humana no exercício da ação Normalmente cada um de nós ao agir define os objetivos e estipula os modos de conseguilos pla nejamento parte para realizar as ações que estabeleceu execução e por último analisa se as ações que estão sendo efetivadas estão satisfatórias na perspectiva do atendimento dos resultados pretendidos avaliação Todas as nossas ações desde as mais simples até as mais complexas seguem essa tramitação ainda que a maior parte delas não seja realizada com o rigor de reflexão e decisão aqui descrito A didática como uma forma de ação humana a ação do ensino não poderia evidentemente fugir a este esquema racional Na sugestão seguinte vamos seguir esse esquema metodológico 1 0 texto que se segue foi publicado sob o título Elementos para uma didática no contexto de uma pedagogia para a transformação In Anais da III CBE São Paulo Loyola 1984 167 2 2 Elementos para uma didática 2 2 1 Planejamento O planejamento não é uma ação neutra como afirmou Delfim Netto é importante que todos compreendam que o planejamento é uma simples técnica de administrar recursos e que em si é neutra2 É fundamental observar que o autor propõe um desejo de que todos compreendam que o ato de planejar é um ato neutro o que não neces sariamente quer dizer que o seja Ao contrário é uma ação política é um processo de tomada de decisões para a ação frente a entendimentos filo sóficopolíticos do mundo e da realidade Desse modo não pode ser re duzido como tem acontecido na maior parte das vezes na prática educa cional ao preenchimento de formulários no início de um semestre ou ano letivos O exercício do planejamento didático normalmente tem sido um modo de classificar superficialmente recursos disponíveis por uma possível ação que se vai realizar deixando de assumir conscientemente seu papel político para servir de instrumento de administração da escassez de recursos Aliás é isso que se encontra nos livros didáticos sobre planejamento3 O planejamento no caso da didática e de todas as formas de ação humana é o momento em que decisões são tomadas E o filtro por onde devem passar todos os elementos pedagógicos que admitimos criticamente No caso da educação escolar para planejar tornase necessário ter presentes todos os princípios pedagógicos a serem operacionalizados de tal forma que sejam dimensionados para que se efetivem na realidade educativa Os princípios devem ser mediados para se tornarem realidade O planejamento é uma prática necessária dessa mediação Para que isso ocorra não se pode encarar o planejamento como ação puramente formal Ele deve ser uma ação viva e decisiva pois é um ato político decisório A atual prática de transformar a didática num receituário técnico de matrizes termo estático de planejamento de técnicas de manipulação de classe grupo de alunos de modos de condução de atividades docentes 2 Netto D Planejamento para o desenvolvimento econômico In Holanda Nilson Planejamento e projetos Rio de Janeiro APEC 1977 p 134 3 Luckesi Cipriano Carlos Compreensão filosófica e prática educacional planejamento em educa ção ln 0 papel da filosofia na ação educativa Rio de Janeiro 1980 mimeo 168 não auxilia em nada a atividade de planejar Ao contrário atrapalha na medida em que torce e desvia o verdadeiro sentido e significado deste ato O planejamento entendido como ato político será dinâmico e cons tante pois estará afeito a uma constante tomada de decisão Não neces sariamente deverá ser registrado em documento escrito Poderá tão somente ser assumido como uma decisão e permanecer na memória viva como guia da ação Aliás só como memória viva ele faz sentido Papéis e formulários são simplesmente mecanismos de registro e fixação gráfica do decidido Não queremos dizer com isso que não se devam registrar as decisões do planejamento Estamos sim afirmando que em primeiro lugar o planejamento é um ato decisório político Realizado este ato ele pode e deve ser registrado Só aí é que os formulários fazem sentido A prática do planejamento didático tem sido realizada na maior parte das vezes como um ato ingênuo de preenchimento de formulários seja para a administração acadêmica dos estabelecimentos de ensino seja para as diretorias e órgãos administrativos da educação a nível do Estado ou da Federação No entanto este reducionismo da prática do planejamento é uma forma politicamente ingênua de pensar e agir pois que ao contrário de ser neutra a prática de planejar está a serviço de alguma finalidade mais abrangente Para a oficialidade é mais interessante que todos conti nuem a acreditar que esta atividade é em si neutra e que ela se destina tãosomente à distribuição racional de recursos tendo em vista maior ren dimento Realizar o planejamento como se ele fosse neutro é processálo segundo os moldes que estão estabelecidos nos livros de didática que se não são oficiais são oficiosos nas prescrições de conteúdo e de meto dologia de ensino E isto significa estar no contexto do pensamento oficial que se transforma cada dia mais em senso comum O ato de planejar como distribuição de recursos também é um ato fundamentalmente polí tico mas infelizmente inconsciente e absolutamente inconsistente para uma prática educacional que tenha uma perspectiva de transformação Se o planejamento é uma atividade conscientemente política no con texto da pedagogia que elementos devem ser levados em conta para a sua realização Evidentemente todos os princípios que tivemos oportunidade de definir como pressupostos de nossa ação estar centrado no político realizarse num processo de aprendizagem democrática que conduza à com petência nos conhecimentos já estabelecidos e na capacidade crítica de produzir novos entendimentos etc O planejamento desse modo depende da solução de questões fundamentais que envolvem todo o arcabouço teó ricofilosóficopolítico que temos claro como o norte de nossa ação Na prática didática a ação de planejar não pode ser relegada a segundo plano Ela não pode ser reduzida somente às atividades que se destinam 169 a satisfazer os anseios de controle da administração tem que ser assumida como um dos momentos e elementos básicos da ação porque é um mo mento culminante de decisão 222 Execução da ação planejada Definida a ação vamos à execução Na pedagogia que vimos tentando definir o exercício das atividades não possui um receituário definido por isso não pode ser maquinal nem costumeiro Todos os dias no momento em que cada atividade se reinicia exigese um ato consciente sobre aquilo que se vai fazer Na execução é preciso estar ciente da finalidade do ato que se vai praticar Para isso vale aqui lembrar o mecanismo da açãore flexão Ele é o instrumento básico de vigilância sobre a ação que visa a um objetivo claro e consciente a ser alcançado As soluções de encaminhamento do exercício do ensino terão que ser formuladas criteriosamente na prática Desde que se saiba com clareza e definição onde se quer chegar objetivos filosófica e politicamente defi nidos os meios serão descobertos a partir de uma reflexão curiosa e crítica sobre a própria ação circunstancializada Ou seja tendo presentes os fins onde se deseja chegar a interação reflexiva do educador com os aconte cimentos permitirlhesão identificar os modos de ação adequados e ne cessários A humanidade sempre conseguiu descobrir os meios de satisfazer suas necessidades desde que antes já tivesse conseguido identificálas Por que o educador não o conseguirá também Essa proposta de forma alguma prega o espontaneismo na condução da ação educacional Quer simplesmente indicar que o educador deverá construir com rigor constantemente o seu caminho Terá que descobrir os modos mais adequados de ação pois não são dados A prática pedagógica manifestarseá desta maneira como uma ver dadeira práxis onde prática e teoria serão dois elementos do mesmo processo Nem será um receituário teórico definitivo que dará o tom para a ação nem será um ativismo espontâneo que servirá de norma Ha verá sim uma ciência forjada na atividade diuturna que se constituirá no guia para a ação O mecanismo açãoreflexão garantirá assim ao educador uma forma metodológica racional e dinâmica para a criação de um corpo de conhe cimentos próprios e originais independentes e inovadores situados e não restritivos Conhecimentos que lhe possibilitarão se o desejar a condução mais adequada de uma ação politicamente definida 170 Além das conseqüências de vigilância sobre a ação e de instrumento metodológico da produção de conhecimento o mecanismo açãoreflexão permitirá a cada um que o utiliza perceber com mais clareza o conheci mento como fator necessário de compreensão e iluminação do mundo na perspectiva de uma ação rigorosa Mais ainda perceberseá que o co nhecimento não se produz só nos gabinetes dos especialistas mas que poderá ser forjado no diaadia Como decorrência dos aspectos anterior mente citados podemos dizer que essa metodologia se utilizada com ade quação impede a fossilização do profissional ao contrário exige dele uma natural atualização desde que entendimentos novos emergem no con texto da atividade E isto leva a perceber que poderá ser conduzida com segurança pois que o profissional estará com conhecimento de causa ou seja estará sendo o detentor de um entendimento que emergiu de sua situação de trabalho e a ela mesma poderá e deverá ser aplicada E um conhecimento nascido dos fatos não só dos livros 4 Com isso não queremos negar nem reduzir o valor da leitura que é fundamental porque nos traz a compreensão que outros tiveram do mundo e das atividades Contudo terá que ser uma leitura assimilada no sentido de que retém o útil e elimina o inútil para não cair no verbalismo chocho e inócuo5 A leitura como vimos é um modo de elevação cultural Assim a didática no contexto de uma pedagogia atenta à transfor mação terá que ser forjada na prática ou seja o modo de ensinar não será gratuito mas formulado dentro das circunstâncias de trabalho com o auxílio de informações e princípios já estabelecidos e universalizados Não será com certeza um caminho fácil porque certamente exigente rigoroso e construído não está pronto Contudo será rico e satisfatório para os objetivos que se têm à frente 223 Avaliação da ação executada Uma ação em execução ou já executada em decorrência de decisões prévias necessita ser apreciada Isso é o óbvio a todos nós mas nem sempre ela é executada com a atenção voltada para a transformação orientada para onde indica o próprio conceito de avaliação como teremos oportu nidade de discutir 4 Luckesi Cipriano Carlos Independência e inovação A em tecnologia educacional In Tecnologia Educacional Rio de Janeiro 11 47 615 julago 1982 5 Luckesi Cipriano Carlos O leitor no ato de estudar a palavra escrita In Fazer universidade São Paulo Cortez 1984 p 13646 171 Para a pedagogia que vimos tentando definir a avaliação tornase instrumento fundamental na medida em que ela seja exercida segundo o seu significado constitutivo Vale lembrar desde já que o mecanismo ação reflexãoação é importante para que a avaliação cumpra o seu papel vamos dizer ontológico Ou seja o julgamento qualitativo da ação deve estar em função do aprimoramento dessa mesma ação Vamos iniciar pelo entendimento do que seja avaliação Um conceito óbvio conhecido de todos é a avaliação é um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade para uma tomada de decisão Em primeiro lugar é um juízo de qualidade que nada mais significa que uma afirmação ou negação qualitativa sobre alguma coisa tendo como base critérios estabelecidos previamente No caso da educação padrões e expectativas consciente e politicamente ordenados Em segundo lugar esse juízo é estabelecido sobre manifestações relevantes da realidade que nada mais são que os aspectos da realidade que se relacionam com o objetivc que se tem à frente Essas manifestações são caracteres físicos da realidade Físico aqui é tomado no sentido grego de pertencer à natureza do objeto E mais são todos os caracteres relevantes e não alguns que estejam interessando no momento A avaliação exige o uso da categoria da totalidade e não o reducionismo focalista O reducionismo das manifes tações é fundamental para o processo de escamoteamento da realidade tornando possível o juízo melhor ou pior a depender de interesses extra processo de avaliação permitindo desse modo o arbitrário Por último decorrente do fato de ser um juízo qualitativo a avaliação exige uma tomada de decisão exige um posicionamento de nãoindiferença diante do objeto que está sendo ajuizado Desse caráter decorre o dinamismo constitutivo da avaliação Por si ela não conduz à simples classificação de alguma ação ou pessoa e sua conseqüente museologização colocar no museu mas sim à transformação ao crescimento Uma ação quando julgada adequada a partir de suas manifestações poderá ser mantida ou aprofundada se ao contrário for admitida como inadequada poderá ser reformulada e reencaminhada A avaliação em si mesma é um instrumento de dinamismo e progresso Daí porque lembrávamos acima a importância do mecanismo açãoreflexãoação no exercício da prática da avaliação No geral na atual prática educativa a avaliação tem fugido ao seu significado constitutivo Em primeiro lugar ela é assumida como classifi 6 Luckesi Cipriano Carlos Avaliação educacional pressupostos eonceituais Tecnologia educacional Rio de Janeiro 7 24 512 setout 1978 Avaliação otimização do autoritarismo In Equívocos teóricos na prática educacional 2a ed Rio de Janeiro ABT 1983 p 4452 Ver ainda do mesmo autor Compreensão filosófica e prática educacional avaliação em educação In O papel da filosofia na ação educativa Rio de Janeiro 1980 p 7889 mimeo 172 catória pois que aí está a arma de uma pedagogia autoritária e conserva dora Como o educador possui o poder arbitrário de classificar em defi nitivo sem tribunal de apelação um educando possui também a chave que impede consciente ou inconscientemente o processo de crescimento para a liberdade e autonomia e para o processo do conhecimento Aquele que aprendeu aprendeu O que não aprendeu fica como está E a classificação por notas ou conceitos Desse modo tanto será arbitrário e maléfico o educador bonzinho que piedosamente facilita a vida dos educandos classificandoos em níveis qualitativos que ainda não possuem como será arbitrário e maléfico o educador durão que ardilosamente cria artifícios para quebrar os educandos em testes e provas Ambos estão trabalhando para um processo antidemocrático de verdadeiro acesso ao saber e à competência necessários para a vivência em sociedade E a isso somese o exemplo fascista de conduta que tem amplas possibilidades de ser re produzido no futuro A conduta de muitos educadores se é que o são é cópia de seus antigos mestres Essa prática autoritária da avaliação se dá em decorrência do senso comum autoritário dentro do qual vivemos do espírito fascista que nos cerca e do conseqüente escamoteamento do sentido significado e prática da avaliação Numa pedagogia preocupada com a transformação o exercício da ava liação não poderá ser nem piedoso nem durão Terá que ser adequado normatizado pela própria amplitude constitutiva desta ação conforme en saiamos caracterizar acima ou seja norteada por uma visão de totalidade sobre dados relevantes na perspectiva de encaminhar a ação e não estag nála pela classificação 3 Conclusão Rejeitando uma pedagogia analiticamente identificada como repro dutora do sistema social optamos por um pedagogia voltada para a trans formação Para tanto essa pedagogia deve estar centrada no ser humano enquanto ser político e em conseqüência disso ser ideologicamente defi nida Para executála é preciso uma relação democrática entre educador e educando dando atenção a dois elementos básicos do processo cultural a continuidade e a ruptura no processo de elevação cultural Para tanto a didática necessita agir politicamente no planejamento na execução e na avaliação do ensino 173 A avaliação exercerá adequadamente o seu papel na medida em que ela esteja articulada com o conteúdo proposto para a educação Ela deve possibilitar verificar se esse conteúdo está sendo cumprido adequadamente Lembrando que Snyders disse que o conteúdo define a proposta pe dagógica a avaliação deverá estar a serviço dessa proposta Se está clara a definição do ser humano que se quer formar a avaliação tem por objetivo subsidiar esse esforço Como processála dependerá desse conteúdo desde que ela não pode existir independente dele Ela tem sido autoritária exatamente porque temse dado de forma desvinculada dos conteúdos pedagógicos 4 Procedimentos de estudo e ensino 1 Questões para estudo e compreensão do texto a Quais são os princípios indicados pelo autor a serem levados em consideração na prática pedagógica Concorda com eles Por quê b Qual tem sido a prática de planejamento escolar Que é de fato planejamento de ensino c Que se entende por execução do ensino Como a prática de ensino pode ser uma permanente oportunidade de atualização para o pro fessor d Como se dá a atual prática de avaliação escolar Você concorda com ela Que sugere para melhorála e Como você pode apresentar articuladamente princípios pedagó gicos planejamento metodologia e avaliação do ensino 2 Sugestões de temas para dissertação ou discussão em grupo a A atual prática docente que princípios a dirigem b A atual prática didática desvios e encaminhamentos 174 3 Sugestões bibliográficas para estudos complementares CANDAU Vera org A Didática em questão Petrópolis Vozes 1983 LOPES Antonia Osima et alii Repensando a didática Campinas Papirus 1988 LUCKESI Cipriano Carlos Avaliação educacional escolar para além do autoritarismo Tecnologia Educacional Rio de Janeiro Associação Brasileira de Tecnologia Educacional 61 615 175 Anexo Sugestões de livros para leitura paralela pelos alunos 177 Os títulos de livros que se seguem compõem uma pequena lista de sugestões para leitura paralela pelos alunos de Filosofia da Educação Ao lado do estudo dos capítulos do presente livro o professor poderá proceder a seminários de leituras indicando um destes títulos ou outro qualquer que considere significativo Como dissemos na Introdução estas leituras serão complementares ao desenvolvimento do curso e destinamse à ampliação da visão dos alunos e ao contato com outros autores FREIRE Paulo Extensão ou comunicação Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1975 LIBÂNEO José Carlos Democratização da escola pública a pedagogia críticosocial dos con teúdos Sao Paulo Loyola 1985 MELLO Guiomar Namo de Magistério do 1º grau da competência técnica ao compromisso político Sao Paulo CortezAutores Associados 1982 NIDELCOFF Maria Tereza Uma escola para o povo Sao Paulo Bragiliense RODRIGUES Neidson Lições do príncipe e outras lições São Paulo Cortez Autores Associados 1987 SAVIANI DermevalEscola e democracia Sao Paulo Cortez Autores Associados 1983 SEVERINO Antonio Joaquim Educação ideologia e contraideologia São Paulo Editora Pe dagógica Universitária 1986 SILVA Sonia Aparecida Ignácio Valores em Educação Petrópolis Vozes 1986 SOBRINO EncarnaciónIdeologia e educação reflexões teóricas e propostas metodológicas Sao Paulo CortezAutores Associados 1986 179 Bibliografia geral ALTHUSSER Louis Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado Lisboa Editorial Presen ça sd BASBAUM Leôncio Sociologia do materialismo São Paulo Editora Símbolo 1978 BOURDIEU Pierre PASSERON ClaudeA Reprodução Rio de Janeiro Francisco Alves 1975 BUZZI Arcângelo Introdução ao pensar Petrópolis Vozes 1973 CURY Carlos R JamilEducação e contradição São Paulo Cortez EditoraAutores Associa dos 1983 DANILOV M A SKATKIN M N Didáctica de la escuela media Havana Editorial Pueblo y Educación 1978 FREIRE Paulo Educação como prática de liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1979 Ação cultural como prática de liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 FREITAG Bárbara e outros O livro didático em questão Cortez EditoraAutores Associados 1989 GRAMSCI Antonio Concepção dialética da história Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 Os intelectuais e a organização da cultura 43 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1982 IANNI Octávio Dialética e capitalismo 33 ed Petrópolis Vozes 1988 KLINGBERG Lothar Introducción ala didáctica general Havana Editorial Pueblo y Edu cación sd LIBÂNEO José Carlos Democratização da escola pública Pedagogia críticosocial dos con teúdos São Paulo Edições Loyola 1985 LUCKESI Cipriano e outros Fazer universidade Uma proposta metodológica 53 ed São Paulo Cortez Editora 1989 LUCKESI Cipriano Elementos para uma didática no contexto de uma pedagogia para a transformação em Anais da III CBE São Paulo Edições Loyola 1984 Avaliação Educacional Escolar para além do autoritarismo em Tecnologia Educacional revista da ABT nº 61 p 615 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da antiguidade aos nossos dias São Paulo Cortez EditoraAutores Associados 1989 MARX Karl A Ideologia alemã Lisboa Editorial Presença sd 0 Capital Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1969 livro I v 1 0 Dezoito Brumário de Luís Bonaparte Rio de Janeiro Paz e Terra 1974 OLIVEIRA Alaide Lisboa 0 livro didático Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1986 PARO VictorAdministração Escolar introdução crítica São Paulo Cortez EditoraAutores Associados 1986 PLEKANOV G Concepção materialista da história Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 POLITZER Georges Princípios fundamentais de filosofia São Paulo Hem us sd PONCE Anibal Educação e luta de classes São Paulo Cortez EditoraAutores Associados 1982 180 SAVIANI Dermeval Escola e democracia São Paulo Cortez EditoraAutores Associados 1987 Educação Do senso comum à consciência filosófica São Paulo Cortez EditoraAuto res Associados 1980 SNYDERS Georges Escola classe e luta de classes 2ª ed Lisboa Moraes Editores 1981 Alegria na escola São Paulo Editora Manole 1989 VASQUEZ Adolfo Sanches Filosofia da praxis Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 181 CIPRIANO CARLOS LUCKESI Nasci em Charqueada Estado de São Paulo em 1943 Fiz a escola primária em Charqueada e Sorocaba SP onde também concluí o ginásio e o colégio Em 1964 iniciei o Curso de Filosofia em Lorena SP obtendo a Licenciatura em Salvador BA em 1970 Concluí o Mestrado em Ciências Sociais em 1976 através da Universidade Federal da Bahia hoje sou doutorando em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Atualmente resido em Salvador sendo professor de Filosofia na Faculdade de Filosofia e professor de Filosofia da Educação no Mestrado em Educação Universidade Federal da Bahia exerço a função de professor de Metodologia do Trabalho Científico na Universidade Estadual de Feira de Santana BA A partir de 1971 tenho escrito e publicado vários artigos e dois livros entre eles relembro Teilhard de Chardin sua concepção de história Rev Brasileira de Filosofia n 84 Avaliação Educacional Pressupostos Conceituais Tecnologia Educacionaln 24 Elementos para uma Didática no Contexto de unia Pedagogia para a Transformação Anais da III CBE São Paulo Ed Loyola 1984 Avaliação Educacional Escolar para além do autoritarismo Tecnologia Educacional n 61 Equívocos Teóricos na Prática Educacional Rio de Janeiro ABT 1984 Fazer Universidade uma Proposta Metodológica São Paulo Cortez Editora 1989 9 ed obra em colaboração 183 Impressa nas oficinas da EDITORA PARMA LTDA Telefone 011 64127822 Av Antonio Bardella 820 Guarulhos São Paulo Brasil Com filmes fornecidos pelo editor