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Introdução ao Estudo do Direito

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P1 - Introdução ao Estudo do Direito 2021 1

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Introdução ao Estudo do Direito

UFES

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA Boletim da Faculdade de Direito VOL LXXXI SEPARATA A DISCUSSÃO DO CONCEITO DE DIREITO UMA REAVALIAÇÃO A PARTIR DO PENSAMENTO HABERMASIANO EDUARDO C B BITTAR 1 Distanciamentos e aproximações o direito como problema filosófico Sempre quando se esbarra com a palavra direito parece que se tropeça com uma idéia difundida comumente aceita e que ipso fato se entende o que significa Seu sentido parece inequívoco seja ao leigo seja ao especialista Até aqui a experiência parece ser suficientemente retórica para identificarmos e apontar dentre os diversos objetos do mundo aqueles que poderão ser batizados sob orótulo de jurídicos e aqueles que não poderão fazer parte deste seleto grupo de objetos Sempre que se utiliza o termo direito no discurso quotidiano se remete o interlocutor à compreensão de uma realidade que parece ser inequívoca porque batizada por um termo cuja significação também parece ser bastante obediente á capacidade de ambos os interlocutores se entenderem Até aqui a pergunta sobre um conceito de direito parece ser tão fútil porque sua resposta seria intuitiva quanto a pesquisa em torno de uma experiência que parece ser tão claramente distinguida em meio a outras Isto está a traduzir a perplexidade certamente paradoxal que confere legitimidade ao próprio pensamento filosófico de que as perguntas mais simples são exatamente as mais complexas de serem respondidas Se visto de longe o direito parece realmente oferecer segurança e clareza não tanto por sua prática mas sobretudo por sua significação Falase em direito como algo de compreensão simples como um dado evidente do convívio social e dos modos de organização da própria BFD 81 2005 p 797826 sociedade Daí a idéia de que o termo traduz univocidade à primeira vista Em seu aspecto exterior portanto observandose a sua constituição a partir de fora sua compreensão não ultrapassa a visão de seu invólucro Nesta medida quando se procura enxergar o direito desta forma ou seja como uma evidência ali se encontra um objeto de estudo concretamente anteposto aos olhos do observador como constituindo uma realidade objetiva cujos traços a partir de uma visão externa de sua dinâmica são dados pelos seus aspectos de objeto caracterizado por ser monolítico sólido impartível lógico completo fechado A visão é a de um átomo cujas partes que o compõem não aparecem à primeira vista Assim como um atomista procederia para avaliar seu objeto de estudo é necessária uma outra tentativa de aproximação agora com uma lupa Na medida em que se rompe o invólucro desta partícula e se aproxima a lupa para a visualização de sua real composição o que se vê é uma pluralidade de elementos em relação dialética Com maior proximidade a realidade de certeza e univocidade parece ceder ante as considerações e observações que começam a traduzir o aspecto problemático e complexo desta realidade Em seu aspecto interior o direito começa a ceder de sua unidade em direção à uma infinidade de desdobramentos Podese mesmo dizer que nesta medida o direito é norma é valor é vida objetivada é sanção é sistema é poder é interpretação e julgamento e que ao desenvolverse é contraditório socialmente instável histórica e culturalmente variável sujeito aos conflitos morais que aparecem na argumentação É isto que torna difícil a aproximação desta realidade a que se chama direito É isto que torna problemática uma conceituação universal do direito É isto que torna complicada toda tentativa de reduzir o direito a um de seus aspectos Direito é norma como em Kelsen Direito é coação como em Bobbio Direito é interpretação como em Perelman Certamente cada conceito que se possa adotar haverá de traduzir a própria ênfase de observação colhida por aquele que o observa como fenômeno sob estudo Uma vez que a monolítica aparência desta partícula chamada direito cede ao olhar atento e se penetra numa investigação que pretende desnudarlhe as características internas se percebe que nem o termo designa uma realidade unívoca e que não se pode encontrar nenhuma substância que se possa agarrar como definição de seu conteúdo À parte as considerações puramente etimológicas1 o que se percebe é que quando se descerra a cortina que obnubila o olhar do observador constatase que o termo direito é vago ambíguo plurívoco e sujeito a muitas adjetivações2 não possuindo a possibilidade de ser contido ou encapsulado pelo rigor lógico do pensamento Seus diversos usos linguísticos definem a diversidade das formas de sua aparição dentro das relações sintáticas Como afirma Tercio Sampaio Ferraz Junior Ora o termo direito em seu uso comum é sintaticamente impreciso pois pode ser conectado com verbos meus direitos não valem com substantivos o direito é uma ciência com adjetivos esse direito é injusto podendo ele próprio ser usado como substantivo o direito brasileiro prevê como advérbio fulano não agiu direito como adjetivo não se trata de um homem direito3 Para analisálo com propriedade devese partir portanto do reconhecimento da complexidade do termo Serve para designar coisas diferentes ciência do direito4 o meu direito subjetivo o sistema de regras de um país as regras de justiça5 Tratase exatamente por isto de uma experiência marcada por diversas ambições semanticamente repleta de interesses políticos valores notícias históricas ideologias expectativas sociais Daí a possibilidade 1 A palavra portuguesa direito provém do adjetivo latino directus directus directa directum que por sua vez deriva do particípio passado do verbo latino dirigere dirigo dirigis direxi directum dirigire Ainda Este verbo significa endireitar tornar reto alinhar traçar marcar uma divisa dirigir dispor ordenar conformar lançar em linha reta ir em linha reta Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 375 2 Neste ponto o espanto produzido pela plurivocidade do termo se constata entre todos os juristas que pensam e discutem a questão como Goffredo da Silva Telles Junior Pertence pois à classe das palavras plurívocas Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 373 3 Ferraz JUNIOR Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed 2001 p 38 4 Daí a consideração crítica e necessária de Goffredo da Silva Telles Junior Impróprio é confundir objetos de ciência com a ciência desses objetos e chamar Direito a ciência que cuida deles Telles Junior Iniciação na ciência do direito 2001 p 375 5 Na esteira das reflexões de Goffredo A primeira realidade chamada Direito é norma É o Direito Objetivo A segunda é permissão é o Direito Subjetivo E a terceira é qualidade é o justo ou a qualidade do ato justo Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 374 BFD 81 2005 p 797826 de avaliálo a partir de várias perspectivas que formam diversos conceitos Esta variedade decorre exatamente da dificuldade de apreenderse sua concepção 2 A doutrina nacional A doutrina nacional tem dado diversas contribuições no sentido desta pesquisa exatamente por isso esta discussão não pode prescindir de uma discussão de suas diversas propostas Na proposta de Miguel Reale é possível discutir o conceito de Direito sem incorrer no indevido reducionismo que ou o define pelo enfoque sobre os fatos ou sobre os valores ou sobre as normas Estes três aspectos não são simplificáveis6 Para Reale o Direito é necessariamente um fenômeno complexo o que permite dizer que em sua visão culturalista a compreensão integral do direito depende realmente de se aproximar dele e enxergálo em seu aspecto normativo somado aos seus aspectos fenômenico e axiológico somente da consideração de todos estes fatores é que se pode falar na conjugação e na formação de uma unidade Há portanto uma unicidade não estanque do Direito que pode ser traduzida por sua tridimensionalidade que significa uma implicação dialética e de polaridade entre os fatores internos que estão em constante embate interno É esta visão que permite síntese na qual o Direito vem definido como ordenação heterônoma coercível e bilateral atributiva das relações de convivência segundo uma integração normativa de fatos segundo valores ou como concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico tendo a pessoa como fonte de todos os valores7 Na proposta de Goffredo da Silva Telles Junior é impossível dissociar o Direito das demais redes de implicação do relacionamento humano por isso é definido como a disciplina do relacionamento humano Isto não significa que a disciplina estabelecida pel6 legislador seja a única fonte de retroalimentação do animus do Direito na medida em que o Direito jamais se esgota de ser uma busca fundada na idéia de justiça daí seu caráter implacavelmente humano e desorbitantemente significativo para a vida em sociedade Daí poderse avaliar sua significação social pela contribuição que traz na convivência entre os diversos aspectos da atividade e da vida humanas Assim Nenhum Direito Positivo é capaz de aplacar a insaciável sede de justiça que perenemente açula e move a alma do jurista Cada nova legislação busca incorporar em suas disposições mais uma gota do ideal de justiça E ao mesmo tempo acende o desejo de ainda mais justiça abrindo oportunidades para o desabrochar de novas leis O Direito exprime um anelo do inquieto coração humano Ele acompanha a vida Ele é em suma um reflexo do que somos8 A proposta de Tercio Sampaio Ferraz Junior enfatiza 0 aspecto comunicativo do Direito pois se trata sem dúvida alguma de uma media que define por mecanismos discursivos compromissos sociais objetivados em normas mas esta media é regulada pelo código do poder Neste sentido o âmago da discussão recai exatamente para esta perspectiva O que constitui o direito e que lhe confere realidade é o estabelecimento de relações metacomplementares hierárquicas de autoridade sujeito Nesses termos o direito é uma organização de relações de poder Seu princípio constitutivo é a impositividade autoritária Todavia seu princípio regulativo que lhe confere sentido é a justiça Da mesma forma um direito imoral pode existir constituirse embora perca sentido como direito 9 3 A diversidade das concepções de direito O que se percebe pela breve avaliação acima feita é que as pers pectivas de conceituação são muitas e todas elas abrem caminhos os mais diversos de avaliação da concepção que se possa reter do Direito 6 Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica um aspecto normativo o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência um aspecto fático o Direito como fato ou em sua efetividade social e histórica e um aspecto axiológico o direito como valor de justiça REALE Lições preliminares de direito 2002 p 6465 7 REALE Lições preliminares de direito 2002 p 67 BFD 81 2005 p 797826 4 Insuficiências teóricas A falibilidade dos grandes modelos teóricos aqui elencados que procuram explicar ou ainda dar conta da dinâmica das relações políticas e jurídicas é que provoca a imperiosa necessidade de constituir uma nova base de discussões a partir do pensamento de Jürgen Habermas que menos se coloque do lado da validade ou do lado da facticidade como descrito em sua obra Faktizität und Geltung Beitrag zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechsstaats e mais se coloque a propósito e a favor de tentar assimilar a tensão entre ambas as esferas19 A legitimidade não é mas processase Por isso é legitimara ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 74 17 A legitimacão pelo procedimento não obstante expressamente embasada em uma concepção positivista ou empírica como quer Luhmann da realidade jurídica tem fortes pontos de contato tanto com o normativismo quanto com o realismo podendo ser alvo de reparos semelhantes aos feitos àquelas doutrinas ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 75 18 MURICY Racionalidade do direito in Hermenêutica plural 2002 p 113 Arrastada para cá e para lá entre facticidade e validade a teoria da política e do direito decompõese atualmente em facções que nada têm a dizer umas às outras HABERMAS Direito e Democracia entre facticidade e validade 2003 p 23 BFD 81 2005 p 797826 No percurso que se segue serão apresentadas e avaliadas algumas propostas de discussão do conceito de Direito partindose de uma importante e significativa contribuição no contexto da modernidade para as discussões contemporâneas o conceito de direito de Kant 31 O conceito kantiano proposta racionalista O direito em Kant aparece não só como um problema fundamental das suas especulações a dirigir mesmo o fim da história na medida em que a racionalização da sociedade vem acompanhada da tarefa moralizadora que o Direito traz consigo desbarbarizando a experiência da luta de todos contra todos mas aparece claramente conceituado como um instrumento de coordenação do convívio entre os árbitrios de modo a garantir a coexistência social sem que o excesso de liberdade de um suf oque o déficit de liberdade de outro10 O direito é liberdade na medida em que somente é possível afirmar o diferencial do humano a partir da capacidade que possui de afirmar sua natureza no domínio do espírito e da razão Mas contrariamente à ação ética a ação jurídica é aquela cumprida por inúmeros motivos medo das consequências da aplicação da sanção desejo de manterse afastado de repreensóes evitar desgastes inúteis furtarse à penalização das autoridades públicas etc Cumprese a regra de direito porque se trata de uma regra dotada de coercitividade11 O conceito de direito portanto implica em considerálo à luz da idéia de coerção caso contrário se desfaz em mera recomendação de cunho moral É certo que o direito não se resume a ser aquele dado pelo legislador o nazismo não é justificável à luz do kantismo pois o verdadeiro direito decorre do respeito ao a priori da natureza racional humana em seu viés éticouniversal bússola racional de orientação e identificação do verdadeiro sentido jusracionalista de direito12 32 O conceito marxista proposta materialista Enquanto o Direito ocupa um importante espaço de reflexão e cumpre até mesmo um papel definidor no campo da afirmação da própria humanidade por si mesma em Kant o pensamento de Marx haverá de desconstruir todo o idealismo que marca a formação da cultura liberal e burguesa Na visão marxista o Direito não é nem instrumento para a realização da justiça nem a emanação da vontade do povo Volksgeist nem a mera vontade do legislador13 mas sim uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes O conceito de Direito como instrumento de dominação de classes funcionando como superestrutura que encobre o jogo econômico real de exploração de uns pelos outros vai exatamente na contramão da proposta kantiana Isto significa que o fim da história não pode estar marcado por uma cultura do Direito na medida em que o Direito significa a justificação da dominação de uma classe sobre outra mascarado em normas jurídicas positivadas pelo Estado Somente através da ruptura com a ordem dada e posta é possível pensar o fim das desigualdades sociais e da exploração do proletariado Por isso o proletariado é a chave para o fim da história ou seja para o fim do processo dialéticohistórico de alternância de dominações de uma classe por outra senhorescravosenhor servoburguêsproletário O Direito é dispensável numa sociedade em que a propriedade não seja critério de inclusão 12 O direito natural ou racional é para Kant o conjunto de leis jurídicas cuja obrigatoriedade pode ser estabelecida a priori o Direito positivo ou estatutído pelo contrário é o que dimana da vontade de um legislador SERRA História da filosofia do direito e do estado 1990 p 367 13 Marx rejeitou as teses voluntaristas que situavam o Direito como produto da vontade 0 fenômeno jurídico não seria uma decorrência da vontade da classe dominante ou do Estado mas resultante das relações de produção NADER Filosofia do direito 7 ed 1999 p 227 BFD 81 2005 p 797826 33 O conceito kelseniano proposta formalista O conceito de direito de Kelsen parte para uma inflexão claramente focada no aspecto formalista na medida em que assume que o Direito se resume à perspectiva da norma assim como discute toda a noção de norma a partir da idéia de validade como pertinência formal ao sistema jurídico hierarquicamente organizado Na medida em que a ordem jurídica é vista como um sistema hierárquico de normas legais14 toda a discussão sobre o Direito se estrangula na linha de avaliação do que está dado como válido pelo sistema O direito acaba por traduzir esta idéia de ser o modo de regulação da sociedade pelo poder estatutído 34 O conceito luhmanniano proposta funcionalista Na perspectiva de análise de Niklas Luhmann o conceito de Direito traduz uma espécie de forma estabilizadora das regras de exercício do poder e se o direito programa as expectativas a partir da posição ocupada pelos sujeitos da comunicação podese dizer que a luta pelo poder se torna uma luta jurídica15 A legitimação do Direito não advém propriamente de nenhuma substância justiça de nenhuma busca moral dignidade de nenhum tipo de ostentação da violência coerção mas sim por meio de um processo de neutralização de alternativas negadoras do modelo instituído e é neste sentido que legitimidade passa a ser entendida como legitimação pois se trata de algo que pertence ao nível da procedimentalidade do próprio Direito16 Isto é o que torna a teoria sistêmica e funcional suscetível a críticas por sua proximidade com a reflexão positiva e formalista17 O conceito de direito como conjunto de procedimentos oficiais que neutralizam expectativas de negação do exercício do poder de decidir acaba por acentuar a importância da institucionalização estatal em sua descrição apresentando poucos reflexos teóricos para a resistência ao status quo18 Se como já apontavam Durkheim e Weber pela diferenciação os subsistemas sociais se distinguem entre si a ponto de constituírem universos intrasistemicamente fechados e voltados para os seus próprios pressupostos de reconhecimento social não é de fato isto que permite reconhecer o diferencial entre o direito justo e o direito injusto na medida em que a forma e o procedimento aceitam qualquer tipo de conteúdo e sua legitimidade não decorre do fato de simplesmente estar estabelecido 14 KELSEN O que é justiça A justiça o direito e a política no espelho da ciência 1998 p 215 15 Cf Ferraz JUNIOR Estudos de filosofia do direito 2002 p 52 16 Notase que o sentido que Luhmann empresta ao termo legitimidade transformandoo em legitimação é peculiar A legitimidade passa a ser vista como uma prontidão generalizada para acatar decisões que ainda não foram tomadas isto é ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo real e empírico A legitimidade seria uma ilusão funcionalmente necessária pois se baseia na ficção de que existe a possibilidade de decepção rebelde só que esta não é de fato realizada Legitimo passa a significar de acordo com procedimentos jurídicos préfixados perdendo definitivamente qualquer conteúdo externo transcendente imanente ou que quer que seja cional suscetível a críticas por sua proximidade com a reflexão positiva e formalista17 O conceito de direito como conjunto de procedimentos oficiais que neutralizam expectativas de negação do exercício do poder de decidir acaba por acentuar a importância da institucionalização estatal em sua descrição apresentando poucos reflexos teóricos para a resistência ao status quo18 Se como já apontavam Durkheim e Weber pela diferenciação os subsistemas sociais se distinguem entre si a ponto de constituírem universos intrasistemicamente fechados e voltados para os seus próprios pressupostos de reconhecimento social não é de fato isto que permite reconhecer o diferencial entre o direito justo e o direito injusto na medida em que a forma e o procedimento aceitam qualquer tipo de conteúdo e sua legitimidade não decorre do fato de simplesmente estar estabelecido 4 Insuficiências teóricas A falibilidade dos grandes modelos teóricos aqui elencados que procuram explicar ou ainda dar conta da dinâmica das relacões políticas e jurídicas é que provoca a imperiosa necessidade de constituir uma nova base de discussões a partir do pensamento de Jürgen Habermas que menos se coloque do lado da validade ou do lado da facticidade como descrito em sua obra Faktizität und Geltung Beitrag zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechsstaats e mais se coloque a propósito e a favor de tentar assimilar a tensão entre ambas as esferas19 A legitimidade não é mas processase Por isso é legitimara ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 74 17 A legitimacão pelo procedimento não obstante expressamente embasada em uma concepção positivista ou empírica como quer Luhmann da realidade jurídica tem fortes pontos de contato tanto com o normativismo quanto com o realismo podendo ser alvo de reparos semelhantes aos feitos àquelas doutrinas ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 75 18 MURICY Racionalidade do direito in Hermenêutica plural 2002 p 113 19 Arrastada para cá e para lá entre facticidade e validade a teoria da política e do direito decompõese atualmente em facções que nada fêm a dizer umas às outras HABERMAS Direito e Democracia entre facticidade e validade 2003 p 23 BFD 81 2005 p 797826 A concepção kantiana desemboca na linha de raciocínio do Estado de Direito que não intervém mas coordena liberdades e seu modelo se esgota com a incapacidade que esta proposta tem de gerar condições favoráveis de justiça em sociedade A concepção marxista advoga a abolição do direito e por isso não enxerga na perspectiva da juridicidade condições de transformação social que somente seriam possíveis pelo uso da força e pela mudança radical das condições econômicas de produção e distribuição A concepção kelseniana se esvazia na perspectiva de avaliação esquelética do direito enquanto forma e norma A concepção luhmanniana encapsula a lógica de funcionamento dos subsistemas sociais colocandoos dentro de compartimentos cognitivamente abertos mas normativamente cerrados o que serviliza a condição do Direito à legitimidade pelo procedimento formal adotado pelas normas Vêse claramente a insuficiência destas tradições de conceituação do direito tornando necessária a abordagem do problema do ponto de vista filosófico Neste sentido Habermas abre campo para uma profícua reflexão a respeito colocandose claramente no front crítico ante a incapacidade das doutrinas jusnaturalistas e contratualistas de responderem às questões que orbitam em ambos os universos o da política e o do direito A proposta habermasiana é explicitamente diferente daquela trazida seja pela teoria luhmanniana seja pela rawlsiana Isto porque após longos anos de desgaste da própria teoria sociológica constatase que o funcionalismo sistêmico luhmanniano não resolve o problema do sentido social do direito na medida em que insula a explicação do direito na idéia de um sistema autopoiético e redundante sobre si Daí para Habermas a insuficiência teórica que carece de ser superada O contratualismo contemporâneo oferece uma resposta ainda menos satisfatória Rawls no âmbito de uma teoria da justiça na medida em que suas explicações também demonstram insuficiências quanto ao operar com a justiça já que diante do pluralismo das instituições e modelos políticos existentes a proposta de Rawls parece navegar à distância de sua sustentabilidade prática fora de um modelo histórica e culturalmente circunscrito o norteamericano 5 O conceito habermasiano proposta éticoprocedimental Pensar o direito a partir de uma matriz diferenciada daquelas anteriormente apontadas é considerálo na perspectiva de uma razão que age enquanto se comunica e por isso menos se experimenta seja como razão teórica seja como razão prática mas sim como razão comunicativa pela ética do discurso Diskursethik tal como vem identificada na perspectiva habermasiana Isto significa que o uso público da razão é o lugar de encontro das possibilidades de construção de regras comuns uma vez congruentemente construídas a partir das deliberações no espaço público Ora é o procedimento garantidor da participação e do consenso que estabelece a eticidade do agir comunicativo condição sine qua non para a formação legítima da vontade jurídicopolítica A razão comunicativa produz verdades a partir do exercício da interlocução mediada por instrumentos institucionais garantidores das condições de aparição do discurso Com Habermas A intersubjetividade de um grau mais alto die höherstufi ge Intersubjektivität que comunga a perspectiva de cada um com a perspectiva de todos pode constituirse apenas sob os pressupostos comunicativos de um discurso ampliado universalmente no qual todos os possivelmente envolvidos possam participar e tomar posição com argumentos numa postura hipotética em vista das pretensões à validade tornadas problemáticas a cada momento de normas e modos de ação Isso significa que pensar e agir em comum se somam no processo da produção de sentido que se dá em comum entre falantes abandonandose a idéia de que as verdades são formadas por um sujeito ou alguns sujeitos que buscaria em normas abstrata e unilateralmente deduzidas verdades contidas em uma razão solitária autosuficiente como ocorre no pensamento kantiano A verdade aqui é fruto de um procedimento de engajamento argumentativo semelhante ao procedimento jurídico que consente a produção compartilhada de normas do agir A formação discursiva da vontade é questão central da discussão habermasiana que vem claramente influenciada pelo pressuposto extraído das regras do jogo democrático segundo as quais os atores e participantes atuam conforme pautas e procedimentos previamente constituídos para a garantia do exercício do direito à voz e à participação É aí que a inspiração de Habermas se dá para apresentar uma proposta de entendimento da cultura do direito Diferentemente do princípio moral que opera orientando o processo interno de determinação do conteúdo argumentativo de cada fala o princípio da democracia serve como parâmetro para a institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade a qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito O direito tem uma participação expressiva significativa e necessária na constituição e determinação dos modos de ação social determinando desta forma o esquema de atuação de cada um dentro do jogo de troca social Por isso mesmo se torna importante pensar o direito fundandoo em um solo muito concreto que parte de evidências reais e possibilidades concretas de realização Mas esta realidade é plural é o mundo da vida de onde se extraem as múltiplas experiências que atravessam a condição humana injustiças sentimentos dificuldades debilidades instituições tradições moralidades e que não pode ser reduzido a uma categoria única e organizadora de todo o real como o econômico em Marx Se há um atributo diferentemente do pensamento marxista que marca a condição humana este atributo é a capacidade de produção de linguagem e de interação comunicativa através da linguagem Isto porque se o direito não for considerado um sistema empírico coordenador de ações a própria discussão filosófica fica vazia exatamente porque ideal e descolada da realidade Se torna especialmente importante pensar o direito de forma concreta e empírica seja pela necessidade de sua existência seja pelo fato de se constatar uma clara crise de fundamentação do direito e das práticas políticas especialmente se considerada a problemática necessidade de refundar a idéia de Estado de Direito dentro de nossa cultura como único mecanismo possível de manutenção da coesão social sabendose que o estado atual da questão é exatamente o de crise talvez gerada pela carência de efetiva presença e exercício de seus próprios princípios 51 O direito em face da moral diferenciando as esferas normativas Para pensar o Direito é necessário assumilo em toda a sua problemática condição Isto está a comandar a idéia de que a base de moralidade estrutura o Direito Então é da tensão entre coerção e liberdade assim como entre facticidade e validade que se alimenta a idéia de Direito Isto significa aproximálo também das experiências sociais que lhe são próximas ou das quais retira também grande parcela de seu modus Eis a aproximação existente entre a experiência do direito e a experiência da moral Para distinguir o direito da moral dada a sua proximidade deontológica de outras esferas de normação já destacadas por Jhering é imperioso passar pela compreensão da dinâmica da vida social Quando se está a falar de direito esclareçase se está a falar desta forma assumida pelo direito desde a modernidade qual seja juntamente com Habermas a de um direito além de normatizado que se pretende sistemático de interpretação obrigatória e predisposto pela força ao exercício da imposição do comportamento obrigatório Quando se está a falar de moral se está a considerar uma forma de saber cultural fator relevante para manutenção das instituições sociais O direito é mais que isto exatamente porque o direito reclama mais que saber reclama ação e é desta forma que se trata de um sistema que preside as ações que intercede sobre as ações que define e pauta as ações e que comanda pela força o cumprimento de determinadas ações O direito forma um complexo de reguladores da ação na concepção de Habermas que não deixa de compartilhar com a moral a capacidade de influenciar na tomada de decisão mas que não se define por isso e sim pela capacidade de produzir uma eficácia direta sobre a ação É de um elevado grau de racionalidade que se nutrem as práticas institucionais do Direito contrariamente ao que ocorre com as normas morais cujo apelo sentimental emocional axiológico por vezes são turbadores da sua própria consistência É isto que lhe garante um forte traçado autônomo a partir da idéia de validade Kelsen que consente à teoria a sua descrição como sendo um sistema diferenciado de outros sistemas sociais Luhmann Enquanto sistema no entanto o Direito recolhe da moral os princípios vitais e constitutivos dos processos de eleição de valores e formas de compreensão de conteúdos de ações humanas específicas É isto que define o direito para além da moral ou seja se trata de um sistema de saber e ao mesmo tempo sistema de ação ele pode ser entendido como um texto repleto de proposições e interpretações normativas ou como uma instituição isto é como um complexo de regulativos da ação As ações individuais portanto se coordenam e se organizam a partir de preceitos normativos escalados como sendo referenciais do modo de agir em sociedade pagar o tributo omitirse de causar dano material a outrem dirigir como licença administrativa etc Como comando para a ação o direito age organizando os mecanismos de interação do convívio social modulando desta forma os encontros entre subjetividades e interesses de cunho social A legalidade é sem dúvida alguma importante face do direito moderno mas não sua única e última fonte de legitimidade O direito que se organiza como sistema que se funda na coerção e que realiza pela força seus preceitos e assim o é desde a modernidade retira dos indivíduos o fardo das normas morais e as transfere para as leis que garantem compatibilidade das liberdades de ação Se a moral como forma de influenciação sobre os comportamentos sociais demanda a consciência do agente para condicionarse a ter esta ou aquela escolha o direito cumpre a função de prédizer quais escolhas são válidas e quais não são válidas tolhendo de certa forma a possibilidade de exercício de liberdades de escolha para além daquelas normadas como essenciais para o convívio social Mas ao tolher a livrearbitrariedade das decisões de consciência individuais também regula o encontro das vontades no espaço público O direito neste sentido reclama menos consciência e mais obediência Uma sociedade regulada pelo direito não significa uma sociedade esvaziada de preceitos morais O direito os incorpora em suas interfaces discursivas e ao fazêlo desdobra a sua pretensão de validade para que se torne também legítima do ponto de vista moral Certamente o direito pode se fechar autopoieticamente e autoreferirse a si mesmo porém isto não garante que sua condição de sobrevivência social se dê independentemente da moral ou de qualquer mínimo moral No entanto há que se reconhecer que em sociedades racionalizadas burocratizadas e normatizadas exatamente porque complexas os preceitos da moral somente encontram efetividade objetiva quando transformados para a linguagem do direito Mais que isto para uma teoria do agir comunicativo não interessa simplesmente pensar ao modo kantiano acentuado na perspectiva kelseniana a diferenciação destes sistemas mas sobretudo pensar no nãoacantonamento da moral provocado pela intensa especificação dos subsistemas sociais na medida em que quanto mais a moral se interioriza e se torna autônoma tanto mais ela se retrai para domínios privados Para esta visão portanto esta relação não é de mera complementaridade entre a esfera da interioridade e da exterioridade mas sim de entrelaçamento na medida em que o agir comunicativo pressupõe esta participação do juízo moral na produção de decisões social e juridicamente relevantes De fato Por conseguinte se as qualidades formais do direito são encontráveis na dimensão dos processos institucionalizados juridicamente e se esses processos regulam discursos jurídicos que por seu turno são permeáveis a argumentações morais então podese adotar a seguinte hipótese a legitimidade pode ser obtida através da legalidade na medida em que os processos para a produção de normas jurídicas são racionais no sentido de uma razão práticomoral procedimental A legitimidade da legalidade resulta do entrelaçamento entre processos jurídicos e uma argumentação moral que obedece à sua própria racionalidade procedimental 52 O direito e o mundo da vida O Direito pertence ao domínio do mundo da vida Lebenswelt É dentro dele portanto que se deve perceber e acolher a definição de direito O mundo da vida resume a complexidade de fatores que condicionam o agir social O mundo da vida está impregnado de consensos da experiência de vida O mundo da vida cria as condições para o diálogo e o consenso para o encontro das vontades e para a deliberação políticojurídica na dimensão da esfera pública Isto porque os indivíduos compartilham do chamado mundo da vida onde possuem uma tradição cultural comum e crescem internalizando valores expectativas e identidades em comum Podese mesmo dizer que a sociedade civil na acepção habermasiana se estrutura a partir de sua capacidade de entendimento presidida que é pelo princípio do discurso Assim todo agir social que corresponde a uma troca recíproca entre atores sociais acaba sendo também e invariavelmente uma troca que pressupõe consensos mínimos extraídos do mundo da vida Ora esta troca é codificada por instrumentos que sintetizam valores idéias experiências consensos e a linguagem é o medium portador deste processo A linguagem opera a síntese indivíduouniversal codificando a razão objetivada através das instituições sociais O mundo da vida como forma condensada de saber e poder com suas evidências e consensos admitidos é o pano de fundo da idéia de que o agir comunicativo se dará a partir das experiências extraídas desta esfera O mundo da vida corresponde a um complexo de tradições entrelaçadas de ordens legítimas e de identidades pessoais e o agir comunicativo extrai a sua vivacidade daí Extraído da teoria da comunicação o conceito de mundo da vida evita que a realidade seja encarada de modo partilhado na medida em que significa esta rede ramificada de ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas Ora é evidente que todas as práticas que assumem ao nível da comunicação alguma significação já incorporaram tradições culturais valores instituições sabedorias acumuladas A originariedade o imprevisto e o indeterminado são a marca do processo de constituição desta grande trama constituída a partir do convívio de indivíduos socializados que buscam apoio nas condições de reconhecimento recíproco Esta é mesma a condição para em meio ao social afirmarse como sujeito Isto é o que faz com que sejam reciprocamente pressupostas e condicionantes a pessoa a cultura e a sociedade A existência de uma esfera pública sólida e consistente sistematicamente predisposta à vivência da condição dialógica é a garantia da radicalização da capacidade de produzir vontades democráticas nas tomadas de decisão que marcam a vida política e que determinam as decisões formadoras do discurso jurídico Ante os déficits de democracia ante a crise de legitimação ante o excesso de burocracia ante a distância entre o poder instituído e o representado do poder devese caminhar no sentido de pela esfera pública alargar e aprofundar o campo político participativo em todos os espaços estruturais de interação social revalorizando o primado da comunidade com todas as suas feições solidárias e permitindo uma libertação da sociedade civil quer dos controles burocráticos empreendidos quer dos imperativos econômicos impostos pelo mercado Nesta esfera a disputa é por hegemonia de influenciação O reconhecimento das capacidades e habilidades de influenciação da opinião pública dependem da habilidade e da competência políticas adquiridas o que faz com que haja convergências significativas de determinados grupos instituições eou partidos cuja conquista de notoriedade lhes confere também o prestígio necessário para determinar opiniões na esfera pública cientistas artistas juristas políticos padres partidos ONGs A esfera pública é aberta e democrática indeterminada e informe e por isso está sempre acolhendo a divergência a diversidade e a pluralidade O novo sempre pode irromper Ainda que a mídia alcance cada vez mais predominância na determinação das orientações da esfera pública ainda carece do público como destinatário e assentidor último de suas práticas O espaço público pressupõe liberdade de encontros comunicativos o que de certa forma significa que seu caráter espontâneo não é determinado nem pela mídia nem pelo governo e nem por outras forças totalizantes É claro que a idéia de uma esfera pública que supere a lógica do individualismo burguês iluminista sem recair no comunitarismo tem alguns pressupostos quais sejam 1 uma base cultural mínima que consinta o compartilhamento de visões de mundo 2 uma base democrática de expressão livre da vontade onde haja a possibilidade do encontro dos diversos segmentos de representação da sociedade sem a preponderância de nenhum 3 uma base mínima de direitos que garantam a liberdade individual e a solidez do espaço da política 4 uma base mínima de desenvolvimento moral e liberdade de crítica à regras estabelecidas pelo jogo político A noção de esfera pública é portanto incentivadora do pluralismo do encontro da diversidade do incremento da politicidade nas sociedades modernas diferenciadas e complexas pois os critérios de entrada e participação não estão vinculados a pressupostos totalizantes 54 Por uma teoria pósmetafísica do direito O inapelável compromisso mantido por Habermas de pensar a legitimidade do Direito do problema da legalidade extraída da experiência de afirmação do direito positivo na modernidade considerando especialmente o papel da experiência democrática e de discutilo a partir da idéia de radicalização do processo de compartilhamento de vontades é de grande significação para a cultura do direito positivo contemporâneo Sem apelos metafísicos e considerando o estado atual da cultura hodierna completamente secularizada é mister assumir como premissa de argumentação a necessidade de trabalhar o Direito como um fundamental instrumento de solidificação racional do convívio humano em sociedade Neste sentido o pensamento habermasiano reafirma a necessidade do Direito na exata medida em que representa uma alternativa aos sistemas que funcionam capitaneados pelo poder ou pelo dinheiro O direito representa a alternativa fundada na razão de constituição de um agir comum determinado por mecanismos e procedimentos que garantam aos interessados o envolvimento na produção dos consensos sociais expressados por meio de normas A necessidade imperiosa do Direito decorre do fato concreto e real e do que pensar em sua abolição só pode conduzir a uma insanidade na medida em que os níveis éticos para a integração social não são suficientes somente eles para suportar o imperativo da socialização A proposta marxista se esgotaria se trazida do pensamento à ação num retorno ao desregramento do próprio convívio E se é verdade que a natureza humana está mais próxima da sociabilidade insociável na leitura de Kant e menos próxima da gregariedade aristotélica o Direito se torna uma necessidade do próprio convívio como elemento conservador do próprio convívio Nesta medida o Direito participa da atual condição de necessidade do exercício da própria sociabilidade Esta necessidade não está descartada do pensamento habermasiano 541 O que o direito não é Se na busca por um conceito de direito se está a dar voltas em torno do termo direito uma das necessárias atitudes frente a esta problemática é exatamente o cuidado com o uso linguístico e com o emprego do termo direito em diversos contextos De fato sempre que se está diante de algum conjunto de normas rapidamente se diz estar diante de um direito Este tipo de atitude não rara na teoria do direito certamente franquearia um arbitrário uso do termo direito que ora se quer evitar exatamente policiando o emprego do termo para um uso adequado quando de seu real cabimento Para fins desta perspectiva aqui assumida o termo direito não cabe para designar quaisquer grupos de normas Podese mesmo invocar algumas lições do pensamento de Agostinho para dizer que não se pode chamar a toda instituição social arbitrária de direito o termo direito deve estar reservado para fins mais precisos e porque não mais nobres Partese portanto deste ponto mínimo de consenso para estabelecer o raciocínio De fato Suprimida a justiça que são os grandes reinos senão vastos latrocínios De civitate Dei cap IV Remota itaque iustitia quíd sunt regna nisi magna latrocinia Um conceito de direito necessariamente afasta de sua continência a possibilidade de abrigar justificativa para o agasalhamento de instituições arbitrárias É nesta medida que se pode com clareza dizer que a lei para a proteção do sangue e da honra alemães de 15 de setembro de 1935 art 1 São proibidos casamentos entre judeus e cidadão de sangue alemão ou aparentado Os casamentos celebrados apesar desta proibição são nulos e de nenhum efeito mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei art 5 Quem infringir o art 1 será condenado a trabalhos forçados nesta linha de análise não pode ser batizada sob o signo de direito revelandose como mero arbítrio puro mando unilateral e voluntarista do Führer revestido com a forma análoga àquela normalmente empregada para expressar comandos de natureza jurídicaVestese da mesma roupagem do direito escrito e legalizado assim como é expressada pelo Estado e nem por isso pode ser considerada direito pois seu distintivo de ser coercitiva não lhe atribui o cumprimento de finalidades necessárias para a completa circunvisão de sua responsabilidade social Assim um sistema jurídico marcado por este tipo de características é menos direito e mais um conjunto de instituições de conservação social ou de práticas de poder do que de um sistema jurídico na medida em que a palavra direito fica reservada a todo sistema jurídico cuja pretensão de valer estiver além da sua estrutura formal Kelsen ou além de sua garantia pela neutralização das expectativas contrárias Luhmann ou além de sua consagração de instrumento de legitimação pura e simples do poder instituído Schmitt fundado na perspectiva de proteção de interesses comuns filiados a mecanismos de representatividade não abstratos 542 O que o direito é Se a aproximação ao termo direito pode se dar pela exclusão ou seja pela definição do que não é também deve se definir pelo que reúne em si de condições para afirmar o que efetivamente significa Neste sentido vale abrir campo para a ampla discussão da questão O direito tem por função primordial evitar o risco permanente da desagregação social afastando a brutalidade invasiva e lesiva da liberdade pelo arbítrio e fundando um sentido vetorial para o agir social normas são prescritivas de conduta inscritos na forma de deverser e projetados para o futuro como indicadores do agir em comum Nesse sentido a racionalidade passa a ocupar os lugares não legislados da irracionalidade É assim que o direito pode ser entendido como uma força necessária porque indispensável para o convívio social na medida em que se torna unificadora do agir social que a partir da modernidade ganha níveis complexos de institucionalização e se coloca no lugar da força do coletivo ou da moral da religião e crenças unificadoras das sociedades prémodernas O crescimento funcional da especialização dos sistemas sociais a partir da modernidade na visão de Luhmann não impede no entanto de divisar que o Direito parte da experiência moral da liberdade para se construir O direito que acopla em seu exercício todos os níveis de pretensão evita a diluição social por colocar barreiras à realização da pulsão social de desagregação práticas expoliadoras atos de barbárie dominação baseada na força física violência incontrolada na medida em que se presta a oferecer alternativas à solução de litígios a recriminar condutas socialmente indesejáveis por conferir moralidade e racionalidade ao trato social e por imporse como limite à complexidade crescente das trocas sociais na medida em que mediatiza condições de decisão para a estabilização dos comportamentos sociais aceitáveis E não se pode negar é a corrigibilidade permanente que estabelece o direito como sendo o que é Ou seja onde há a possibilidade de estabelecer pelos mecanismos institucionais a busca do justo inclusive pela superação da regra legislada através da aplicação judicial estáse diante do direito Isto significa que não é distintivo do direito o fato de se manter a regra escrita pelo legislador ainda que injusta a todo preço e a todo custo mas a possibilidade de corrigir a injustiça legislada através dos sistemas institucionais de controle e correção do próprio poder que garante a uma sociedade o fato de que suas instituições estão formal e materialmente revestidas do compromisso com o direito com o reto rectum com o certo certum com o preciso Isto é o que na verdade faz o direito poder ser chamado de direito Assim sua marca distintiva não está no fato de a regra injusta poder ser mantida porque legitimada pelo procedimento formal Luhmann ou porque se trata de expressão do poder que se neutraliza ante expectativas contrárias Partes e fragmentos do sistema de normas jurídicas de uma sociedade são permanentes historicamente porque são tornadas permanentes ou seja porque são reafirmadas historicamente na medida em que seus valores constitutivos encontram consensos que os sustentam por tempos e tempos Partes e fragmentos dos sistemas de normas são partes volúveis e voláteis porque assim são tornadas enquanto não resistem à experiência histórica modificativa e renovadora Assim é que o direito é a um só tempo permeável e impermeável Conservador do que deve ser conservado e renovador do que deve ser renovado a uma só vez O direito se distingue por sua alta mobilidade por esta virtude de se torcer e contorcer como sistema para que a justiça concreta seja produzida de acordo com as necessidades e exigências de cada situação É claro que todo sistema possui regras injustas de modo que todo direito haverá de encontrar dentro de si partes normativamente construídas injustamente Mas não é aí que está a descrição de sua conceituação O direito como sistema conceito que não coincide puramente com o de justiça não pode de fato ser chamado de direito se não houver em sua estrutura a pretensão de correção no sentido de Alexy que passa a ser entendida como esta possibilidade de reencontrarse a justiça das decisões mesmo a despeito de um sistema legislado desviado ou injusto Esta é a máxima revelação da proximidade entre direito e moral Para alguns como Ascensão a tradução da proximidade entre moral e direito se dá a partir da idéia de que o direito deve buscar o bem comum e com isso estabelecer parâmetros sociais de administração do convívio social É aí que mora o diferencial o distintivo a marca específica daquilo que podemos chamar de direito Ao renovarse e abrirse no sentido de encampar a justiça estáse definitivamente conduzindo as instituições para o atendimento das pretensões de justiça infinitas e inexauríveis socialmente o que torna a mobilidade do sistema em direção a diante a sua específica forma de manifestação Se por exemplo a norma é injusta há a possibilidade de discutir seu conteúdo e de adaptarse o seu conteúdo para a justiça concreta Esta era uma exigência já contida na Ética a Nicômaco de Aristóteles como medida de correção do justo legal Há a possibilidade de corrigila judicialmente quando da aplicação do direito há a possibilidade de pleitear sua revogação através do procedimento legislativo há a possibilidade de deixar de aplicála substituindoa por nova regra O retorno ao rectum já que o torto foi estabelecido pelo legislador é função do aplicador do sistema daí derivar da mobilidade das práticas deste sistema a permanente condição de reconfiguração interna de suas regras na medida em que se são construídas também são refeitas pelos seus operadores A flexibilidade a mobilidade a porosidade esta face democrática do que é fazer justiça numa conquista infindável de grupos humanos que vivem em sociedade está a marca que se distingue a partir das pretensões de validade associadas às pretensões de justiciabilidade É claro que todo sistema jurídico contém regras discrepantes e injustas mas estas regras devem estar submetidas à possibilidade de sua correção pela via procedimental normativa ou pela via concreta e aplicativa Quando se afirma que não é uma norma injusta que macula todo o sistema estáse a dizer que não é uma injustiça que desvirtua toda a estrutura do sistema mas sim se este sistema tem como característica estável e permanente a fuga da pretensão de correção ou ainda a indiferença à justiça como forma de expressão e garantia de seu funcionamento direito do totalitarismo direito dos regimes repressão etc Um sistema que se constrói sobre estes pilares ainda que suas normas sejam formalmente válidas não é neste sentido direito especialmente por não respeitar pressupostos básicos do processo de interação comunicativa Não é portanto como afirma a teoria de Bobbio a coatividade que define ou distingue o direito Se o que distingue as normas jurídicas tomadas como um todo de outras experiências institucionais sociais é só a possibilidade de sua imposição coativa à condutas o direito passa a ter um traçado gritante de exercício da força legitimado pelo procedimento Um sistema totalitário usa das formas tradicionais do direito e se vale especialmente da força como ingrediente de coesão social Então a pura coercitividade do direito é sentida como manifestação do arbítrio e da dominação ainda que revestida do aspecto normativo o que é argumento suficiente para espancar a visão que caracteriza o distintivo do direito pela sanção Bobbio Kelsen pois neste momento nele se localiza não seu diferencial mas seu ponto de convergência com os sistemas de poder instituídos Descortinar o conceito de direito significa aproximarse daquilo que distingue o direito não daquilo que define sua proximidade com a experiência pura e crua do poder De qualquer forma o direito representa uma força normativa que se antecipa aos comportamentos individuais prédeterminando opções válidas as condutas a serem seguidas de modo a cercear a amplitude de escolhas em nome da escolha da própria vida em comum A ampla e irrestrita liberdade de escolha significa a liberdade absoluta O direito não convive com a liberdade absoluta mas se cria e recria surge por exemplo o direito das relações internacionais como necessidade históricocontextual de um determinado momento à luz das condições sóciohumanas de convívio Isso significa que o direito tem uma dupla missão pois por vezes agasalha o indivíduo para protegêlo socialmente direito ao sigilo bancário como proteção do direito à intimidade por vezes o desverte para proteger a sociedade ruptura do sigilo bancário em caso de corrupção Tratase de um permanente processo de abertura e fechamento em torno da questão da liberdade Esta sua função lhe confere esta dupla tarefa de ora proteger o indivíduo furtando à sociedade o poder de exercer sem critérios o controle de seu comportamento direito à pri vacidade ora proteger a sociedade furtando ao indivíduo o poder de praticar atos que corrompam com o sentido do compartilhar fins sociais improbidade administrativa É inerente portanto à condição do Direito positivado exercer simultaneamente pretensão de validade formal correção formal pretensão de justeza moral correção axiológica pretensão de legitimidade na adesão das vontades individuais correção política e pretensão de vinculação da conduta correção impositiva Estes traços marcam a determinação da característica própria atrelada aos atributos do Direito o que permite acessar o seu conceito O direito tem por diferencial e portanto por função coordenar os esforços sociais de modo a presidilos para a produção de justiça distributiva na acepção aristotélica da expressão consentindo que fins comuns presidam as relações interindividuais Seu diferencial está em sua teleologia e não em seu modo de exercício coerção apesar de sempre carecer do procedimento racional e dialogal como mecanismo necessário de intermediação entre a infração e a decisão Afinal como expressa Ihering o direito é meio e não fim56 Ademais o bom direito não é somente o direito repressivo punitivo ou proibitivo o direito de uma cultura moderna focada na sanção da tradição de Wolf e Kant que interfere sobre os comportamentos individuais para sancionálos O direito que exerce todo o seu potencial é acima de tudo um direito indicativo enunciativo libertário emancipatório porque capaz de estimular mais que reprimir o desenvolvimento dos esforços sociais para o alcance e a realização de fins comuns É nesta acepção emancipatório porque abraça na perspectiva da teoria do agir comunicativo a idéia da radicalização da democracia Estes fins comuns nunca são passíveis de serem fixados a priori pois são sempre fruto daquilo que se delibera como sendo fim comum dentro de cada novo contexto e a partir de cada nova necessidade sóciohumana O direito que meramente se retira para só aparecer quando a norma é violada não é o melhor modelo de instituição social que se deseja 56 O direito não é um fim em si mas apenas um meio para um fim O direito existe por causa da sociedade e não a sociedade por causa do direito Eu defino direito em referência a seu conteúdo como a forma da segurança das condições de vida social obtida pelo poder do Estado JHERING A finalidade do direito apud MORRIS p 418 BFD 81 2005 p 797826 825 O direito que intervém a ponto de totalizar as vivências individuais em vivências coletivas sufocando liberdades e deixando pouco espaço à autonomia individual muito menos Isto porque sufoca o potencial de autonomização ética da vontade pela autonormação do indivíduo pela razão incrementos que são fundamentais na articulação criada pela própria cultura do Estado de Direito como avalia Habermas57 O direito que se quer é um medium entre estes dois tipos é um direito que simboliza ação para frente e representa a admissão do ethos maduro de uma sociedade na querência da realização de metas comuns razoáveis Seu diferencial portanto não está no fato de ser produzido pelo Estado ou de se realizar por regras contidas em lei Kelsen O conceito de direito necessariamente deve abrigar a idéia de que a sociedade civil na acepção habermasiana o que implica a esfera pública é o centro produtor do direito Desta forma é que pode ser definido como prática social de linguagem codificada ao nível normativo e realizadora da liberdade por meio de valores como instrumento vinculativo do comportamento com vistas à coesão e à justiça na vida compartilhada por uma comunidade lingüística De outra forma o Direito se torna mero instrumento burocrático ou simples aparato acessório de legitimação do poder Conclusões À proposta deste trabalho se circunscrevia a estabelecer por alguns aportes teóricos o conceito de direito Este percurso foi feito a partir da reavaliação de algumas doutrinas fundamentais da modernidade sobre o direito o que permitiu a formação de um cabedal de doutrinas que deram algum tipo de sentido para preencher a dúvida vital sobre o que seja o direito Afinal o que é o direito Que conceito se pode atribuir ao direito 57 Vide especialmente HABERMAS Para o uso pragmático ético e moral da razão prática in Boletim de Estudos Avançados da USP tradução de Márcio Suzuki setdez p 519 vol 3 n 7 USP 1989 BFD 81 2005 p 797826 826 A partir desta reavaliação se pôde penetrar propriamente nas discussões trazidas pelos textos de Habermas especialmente seu Direito e democracia onde se colhe a idéia de que o direito se funda sobre as experiências ordinárias colhidas no mundo da vida de onde se extraem condições para a participação na arena da esfera pública através da qual os circuitos de comunicação habilitam os atores sociais à produção de decisões social e juridicamente relevantes A partir de uma crítica de certas concepções minimalistas e redutoras da experiência jurídica é possível inscrever de um lado descritivamente de outro lado normativamente o conceito de direito revelandolhe a sua identidade fazendo com que sua definição não nos permita confundilo com outros fenômenos ao mesmo tempo em que o diferencia das experiências do poder Assim não que Habermas tenha afirmado um conceito de direito mas que seja possível a partir de Habermas pensar no direito como sendo um instrumento necessário da experiência social mas sobretudo imprescindível para a vivência governada pela razão uma razão comunicativa É assim que o direito se anela à idéia de ser uma prática social de deliberação compartilhamento e estabelecimento de referenciais do agir comum é certamente linguagem codificada ao nível normativo comprometida com a salvaguarda da liberdade o que só é possível por meio do exercício de escolhas entre valores diversos para que comportamentos se tornem socialmente vinculativos consentindose a sobrevivência da coesão social e o crescimento das perspectivas de alcance da justiça na vida compartilhada por uma comunidade lingüística BFD 81 2005 p 797826 O artigo A Discussão do Conceito de Direito Uma Reavaliação a partir do Pensamento Habermasiano de Eduardo C B Bittar explora a complexidade inerente ao conceito de direito ressaltando que embora frequentemente percebido como claro e inequívoco uma análise mais detalhada revela sua natureza multifacetada e dialética O direito quando observado de perto se desdobra em uma pluralidade de elementos que incluem normas valores vida objetivada sanção sistema poder interpretação e julgamento tornandose uma realidade dinâmica e contraditória sujeita a variações históricas e culturais Inicialmente o artigo aborda a percepção comum do direito como algo seguro e claro tanto para leigos quanto para especialistas Essa visão superficial trata o direito como um objeto monolítico e lógico facilmente identificável e compreensível No entanto ao aprofundar a análise essa aparente simplicidade cede lugar a uma complexidade intrínseca O direito em sua essência é multifacetado e envolve uma série de desdobramentos que vão além de uma definição única e estática Ele é norma valor vida objetivada sanção sistema poder interpretação e julgamento e ao se desenvolver revelase contraditório instável socialmente e variável historicamente No contexto da doutrina nacional o artigo destaca as contribuições de três importantes juristas brasileiros Miguel Reale Goffredo da Silva Telles Junior e Tercio Sampaio Ferraz Junior Miguel Reale propõe uma visão tridimensional do direito integrando aspectos normativos fenomênicos e axiológicos Para Reale o direito é um fenômeno complexo e sua compreensão necessária depende da consideração de todos esses fatores formando uma unidade dialética Goffredo da Silva Telles Junior por sua vez enfatiza a disciplina do relacionamento humano e a busca incessante pela justiça Ele argumenta que o direito é uma expressão do anseio humano por justiça e que nenhuma legislação positiva é capaz de satisfazer completamente a sede de justiça do jurista Tercio Sampaio Ferraz Junior aborda o direito sob a perspectiva comunicativa vendoo como um meio que define compromissos sociais objetivados em normas regulado pelo código do poder e cujo princípio constitutivo é a impositividade autoritária enquanto seu princípio regulativo é a justiça O artigo também explora diversas concepções de direito destacando as propostas de Kant Marx Kelsen e Luhmann Kant propõe um conceito racionalista de direito baseado em regras universais de liberdade onde o verdadeiro direito decorre do respeito à natureza racional humana Marx por outro lado vê o direito como uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes funcionando como um instrumento de dominação de lessons Kelsen adota uma perspectiva formalista definindo o direito como um sistema hierárquico de normas legais focado na validade formal dentro do sistema jurídico Luhmann em sua abordagem funcionalista vê o direito como uma forma estabilizadora das regras de exercício do poder onde a legitimidade é entendida como legitimação baseada em um processo de neutralização de alternativas contrárias ao modelo instituído Essas teorias no entanto são consideradas insuficientes para explicar plenamente a dinâmica das relações políticas e jurídicas É nesse contexto que o pensamento de Jürgen Habermas se destaca propondo uma abordagem que tenta assimilar a tensão entre validade e faticidade Habermas defende uma teoria éticoprocedimental do direito onde a legitimidade decorre de processos discursivos que garantem a participação e o consenso Para Habermas o direito deve ser entendido como uma prática social de deliberação e compartilhamento fundamentada na razão comunicativa A esfera pública é destacada como essencial na teoria habermasiana sendo vista como um espaço de comunicação e deliberação política que incentiva o pluralismo e o encontro da diversidade A existência de uma esfera pública sólida e consistente é essencial para a produção de vontades democráticas e decisões juridicamente relevantes Nesse espaço a disputa por hegemonia de influência é constante e a habilidade de influenciar a opinião pública depende da competência política adquirida por diversos grupos e instituições Habermas também defende a necessidade do direito como um instrumento de solidificação racional do convívio humano em sociedade Ele argumenta que o direito deve coordenar esforços sociais para a produção de justiça distributiva sendo um meio para alcançar esse fim e não um fim em si mesmo A proposta habermasiana reafirma a necessidade do direito em uma sociedade complexa e secularizada onde os níveis éticos para a integração social não são suficientes por si só para suportar o imperativo da socialização Em conclusão o artigo argumenta que o direito é uma prática social de linguagem codificada ao nível normativo comprometida com a salvaguarda da liberdade e da justiça na vida compartilhada por uma comunidade linguística O direito deve ser visto como um sistema que embora possa ser autônomo e autoreferente depende da moral e da participação democrática para manter sua legitimidade e efetividade

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA Boletim da Faculdade de Direito VOL LXXXI SEPARATA A DISCUSSÃO DO CONCEITO DE DIREITO UMA REAVALIAÇÃO A PARTIR DO PENSAMENTO HABERMASIANO EDUARDO C B BITTAR 1 Distanciamentos e aproximações o direito como problema filosófico Sempre quando se esbarra com a palavra direito parece que se tropeça com uma idéia difundida comumente aceita e que ipso fato se entende o que significa Seu sentido parece inequívoco seja ao leigo seja ao especialista Até aqui a experiência parece ser suficientemente retórica para identificarmos e apontar dentre os diversos objetos do mundo aqueles que poderão ser batizados sob orótulo de jurídicos e aqueles que não poderão fazer parte deste seleto grupo de objetos Sempre que se utiliza o termo direito no discurso quotidiano se remete o interlocutor à compreensão de uma realidade que parece ser inequívoca porque batizada por um termo cuja significação também parece ser bastante obediente á capacidade de ambos os interlocutores se entenderem Até aqui a pergunta sobre um conceito de direito parece ser tão fútil porque sua resposta seria intuitiva quanto a pesquisa em torno de uma experiência que parece ser tão claramente distinguida em meio a outras Isto está a traduzir a perplexidade certamente paradoxal que confere legitimidade ao próprio pensamento filosófico de que as perguntas mais simples são exatamente as mais complexas de serem respondidas Se visto de longe o direito parece realmente oferecer segurança e clareza não tanto por sua prática mas sobretudo por sua significação Falase em direito como algo de compreensão simples como um dado evidente do convívio social e dos modos de organização da própria BFD 81 2005 p 797826 sociedade Daí a idéia de que o termo traduz univocidade à primeira vista Em seu aspecto exterior portanto observandose a sua constituição a partir de fora sua compreensão não ultrapassa a visão de seu invólucro Nesta medida quando se procura enxergar o direito desta forma ou seja como uma evidência ali se encontra um objeto de estudo concretamente anteposto aos olhos do observador como constituindo uma realidade objetiva cujos traços a partir de uma visão externa de sua dinâmica são dados pelos seus aspectos de objeto caracterizado por ser monolítico sólido impartível lógico completo fechado A visão é a de um átomo cujas partes que o compõem não aparecem à primeira vista Assim como um atomista procederia para avaliar seu objeto de estudo é necessária uma outra tentativa de aproximação agora com uma lupa Na medida em que se rompe o invólucro desta partícula e se aproxima a lupa para a visualização de sua real composição o que se vê é uma pluralidade de elementos em relação dialética Com maior proximidade a realidade de certeza e univocidade parece ceder ante as considerações e observações que começam a traduzir o aspecto problemático e complexo desta realidade Em seu aspecto interior o direito começa a ceder de sua unidade em direção à uma infinidade de desdobramentos Podese mesmo dizer que nesta medida o direito é norma é valor é vida objetivada é sanção é sistema é poder é interpretação e julgamento e que ao desenvolverse é contraditório socialmente instável histórica e culturalmente variável sujeito aos conflitos morais que aparecem na argumentação É isto que torna difícil a aproximação desta realidade a que se chama direito É isto que torna problemática uma conceituação universal do direito É isto que torna complicada toda tentativa de reduzir o direito a um de seus aspectos Direito é norma como em Kelsen Direito é coação como em Bobbio Direito é interpretação como em Perelman Certamente cada conceito que se possa adotar haverá de traduzir a própria ênfase de observação colhida por aquele que o observa como fenômeno sob estudo Uma vez que a monolítica aparência desta partícula chamada direito cede ao olhar atento e se penetra numa investigação que pretende desnudarlhe as características internas se percebe que nem o termo designa uma realidade unívoca e que não se pode encontrar nenhuma substância que se possa agarrar como definição de seu conteúdo À parte as considerações puramente etimológicas1 o que se percebe é que quando se descerra a cortina que obnubila o olhar do observador constatase que o termo direito é vago ambíguo plurívoco e sujeito a muitas adjetivações2 não possuindo a possibilidade de ser contido ou encapsulado pelo rigor lógico do pensamento Seus diversos usos linguísticos definem a diversidade das formas de sua aparição dentro das relações sintáticas Como afirma Tercio Sampaio Ferraz Junior Ora o termo direito em seu uso comum é sintaticamente impreciso pois pode ser conectado com verbos meus direitos não valem com substantivos o direito é uma ciência com adjetivos esse direito é injusto podendo ele próprio ser usado como substantivo o direito brasileiro prevê como advérbio fulano não agiu direito como adjetivo não se trata de um homem direito3 Para analisálo com propriedade devese partir portanto do reconhecimento da complexidade do termo Serve para designar coisas diferentes ciência do direito4 o meu direito subjetivo o sistema de regras de um país as regras de justiça5 Tratase exatamente por isto de uma experiência marcada por diversas ambições semanticamente repleta de interesses políticos valores notícias históricas ideologias expectativas sociais Daí a possibilidade 1 A palavra portuguesa direito provém do adjetivo latino directus directus directa directum que por sua vez deriva do particípio passado do verbo latino dirigere dirigo dirigis direxi directum dirigire Ainda Este verbo significa endireitar tornar reto alinhar traçar marcar uma divisa dirigir dispor ordenar conformar lançar em linha reta ir em linha reta Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 375 2 Neste ponto o espanto produzido pela plurivocidade do termo se constata entre todos os juristas que pensam e discutem a questão como Goffredo da Silva Telles Junior Pertence pois à classe das palavras plurívocas Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 373 3 Ferraz JUNIOR Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed 2001 p 38 4 Daí a consideração crítica e necessária de Goffredo da Silva Telles Junior Impróprio é confundir objetos de ciência com a ciência desses objetos e chamar Direito a ciência que cuida deles Telles Junior Iniciação na ciência do direito 2001 p 375 5 Na esteira das reflexões de Goffredo A primeira realidade chamada Direito é norma É o Direito Objetivo A segunda é permissão é o Direito Subjetivo E a terceira é qualidade é o justo ou a qualidade do ato justo Telles JUNIOR Iniciação na ciência do direito 2001 p 374 BFD 81 2005 p 797826 de avaliálo a partir de várias perspectivas que formam diversos conceitos Esta variedade decorre exatamente da dificuldade de apreenderse sua concepção 2 A doutrina nacional A doutrina nacional tem dado diversas contribuições no sentido desta pesquisa exatamente por isso esta discussão não pode prescindir de uma discussão de suas diversas propostas Na proposta de Miguel Reale é possível discutir o conceito de Direito sem incorrer no indevido reducionismo que ou o define pelo enfoque sobre os fatos ou sobre os valores ou sobre as normas Estes três aspectos não são simplificáveis6 Para Reale o Direito é necessariamente um fenômeno complexo o que permite dizer que em sua visão culturalista a compreensão integral do direito depende realmente de se aproximar dele e enxergálo em seu aspecto normativo somado aos seus aspectos fenômenico e axiológico somente da consideração de todos estes fatores é que se pode falar na conjugação e na formação de uma unidade Há portanto uma unicidade não estanque do Direito que pode ser traduzida por sua tridimensionalidade que significa uma implicação dialética e de polaridade entre os fatores internos que estão em constante embate interno É esta visão que permite síntese na qual o Direito vem definido como ordenação heterônoma coercível e bilateral atributiva das relações de convivência segundo uma integração normativa de fatos segundo valores ou como concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico tendo a pessoa como fonte de todos os valores7 Na proposta de Goffredo da Silva Telles Junior é impossível dissociar o Direito das demais redes de implicação do relacionamento humano por isso é definido como a disciplina do relacionamento humano Isto não significa que a disciplina estabelecida pel6 legislador seja a única fonte de retroalimentação do animus do Direito na medida em que o Direito jamais se esgota de ser uma busca fundada na idéia de justiça daí seu caráter implacavelmente humano e desorbitantemente significativo para a vida em sociedade Daí poderse avaliar sua significação social pela contribuição que traz na convivência entre os diversos aspectos da atividade e da vida humanas Assim Nenhum Direito Positivo é capaz de aplacar a insaciável sede de justiça que perenemente açula e move a alma do jurista Cada nova legislação busca incorporar em suas disposições mais uma gota do ideal de justiça E ao mesmo tempo acende o desejo de ainda mais justiça abrindo oportunidades para o desabrochar de novas leis O Direito exprime um anelo do inquieto coração humano Ele acompanha a vida Ele é em suma um reflexo do que somos8 A proposta de Tercio Sampaio Ferraz Junior enfatiza 0 aspecto comunicativo do Direito pois se trata sem dúvida alguma de uma media que define por mecanismos discursivos compromissos sociais objetivados em normas mas esta media é regulada pelo código do poder Neste sentido o âmago da discussão recai exatamente para esta perspectiva O que constitui o direito e que lhe confere realidade é o estabelecimento de relações metacomplementares hierárquicas de autoridade sujeito Nesses termos o direito é uma organização de relações de poder Seu princípio constitutivo é a impositividade autoritária Todavia seu princípio regulativo que lhe confere sentido é a justiça Da mesma forma um direito imoral pode existir constituirse embora perca sentido como direito 9 3 A diversidade das concepções de direito O que se percebe pela breve avaliação acima feita é que as pers pectivas de conceituação são muitas e todas elas abrem caminhos os mais diversos de avaliação da concepção que se possa reter do Direito 6 Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica um aspecto normativo o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência um aspecto fático o Direito como fato ou em sua efetividade social e histórica e um aspecto axiológico o direito como valor de justiça REALE Lições preliminares de direito 2002 p 6465 7 REALE Lições preliminares de direito 2002 p 67 BFD 81 2005 p 797826 4 Insuficiências teóricas A falibilidade dos grandes modelos teóricos aqui elencados que procuram explicar ou ainda dar conta da dinâmica das relações políticas e jurídicas é que provoca a imperiosa necessidade de constituir uma nova base de discussões a partir do pensamento de Jürgen Habermas que menos se coloque do lado da validade ou do lado da facticidade como descrito em sua obra Faktizität und Geltung Beitrag zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechsstaats e mais se coloque a propósito e a favor de tentar assimilar a tensão entre ambas as esferas19 A legitimidade não é mas processase Por isso é legitimara ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 74 17 A legitimacão pelo procedimento não obstante expressamente embasada em uma concepção positivista ou empírica como quer Luhmann da realidade jurídica tem fortes pontos de contato tanto com o normativismo quanto com o realismo podendo ser alvo de reparos semelhantes aos feitos àquelas doutrinas ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 75 18 MURICY Racionalidade do direito in Hermenêutica plural 2002 p 113 Arrastada para cá e para lá entre facticidade e validade a teoria da política e do direito decompõese atualmente em facções que nada têm a dizer umas às outras HABERMAS Direito e Democracia entre facticidade e validade 2003 p 23 BFD 81 2005 p 797826 No percurso que se segue serão apresentadas e avaliadas algumas propostas de discussão do conceito de Direito partindose de uma importante e significativa contribuição no contexto da modernidade para as discussões contemporâneas o conceito de direito de Kant 31 O conceito kantiano proposta racionalista O direito em Kant aparece não só como um problema fundamental das suas especulações a dirigir mesmo o fim da história na medida em que a racionalização da sociedade vem acompanhada da tarefa moralizadora que o Direito traz consigo desbarbarizando a experiência da luta de todos contra todos mas aparece claramente conceituado como um instrumento de coordenação do convívio entre os árbitrios de modo a garantir a coexistência social sem que o excesso de liberdade de um suf oque o déficit de liberdade de outro10 O direito é liberdade na medida em que somente é possível afirmar o diferencial do humano a partir da capacidade que possui de afirmar sua natureza no domínio do espírito e da razão Mas contrariamente à ação ética a ação jurídica é aquela cumprida por inúmeros motivos medo das consequências da aplicação da sanção desejo de manterse afastado de repreensóes evitar desgastes inúteis furtarse à penalização das autoridades públicas etc Cumprese a regra de direito porque se trata de uma regra dotada de coercitividade11 O conceito de direito portanto implica em considerálo à luz da idéia de coerção caso contrário se desfaz em mera recomendação de cunho moral É certo que o direito não se resume a ser aquele dado pelo legislador o nazismo não é justificável à luz do kantismo pois o verdadeiro direito decorre do respeito ao a priori da natureza racional humana em seu viés éticouniversal bússola racional de orientação e identificação do verdadeiro sentido jusracionalista de direito12 32 O conceito marxista proposta materialista Enquanto o Direito ocupa um importante espaço de reflexão e cumpre até mesmo um papel definidor no campo da afirmação da própria humanidade por si mesma em Kant o pensamento de Marx haverá de desconstruir todo o idealismo que marca a formação da cultura liberal e burguesa Na visão marxista o Direito não é nem instrumento para a realização da justiça nem a emanação da vontade do povo Volksgeist nem a mera vontade do legislador13 mas sim uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes O conceito de Direito como instrumento de dominação de classes funcionando como superestrutura que encobre o jogo econômico real de exploração de uns pelos outros vai exatamente na contramão da proposta kantiana Isto significa que o fim da história não pode estar marcado por uma cultura do Direito na medida em que o Direito significa a justificação da dominação de uma classe sobre outra mascarado em normas jurídicas positivadas pelo Estado Somente através da ruptura com a ordem dada e posta é possível pensar o fim das desigualdades sociais e da exploração do proletariado Por isso o proletariado é a chave para o fim da história ou seja para o fim do processo dialéticohistórico de alternância de dominações de uma classe por outra senhorescravosenhor servoburguêsproletário O Direito é dispensável numa sociedade em que a propriedade não seja critério de inclusão 12 O direito natural ou racional é para Kant o conjunto de leis jurídicas cuja obrigatoriedade pode ser estabelecida a priori o Direito positivo ou estatutído pelo contrário é o que dimana da vontade de um legislador SERRA História da filosofia do direito e do estado 1990 p 367 13 Marx rejeitou as teses voluntaristas que situavam o Direito como produto da vontade 0 fenômeno jurídico não seria uma decorrência da vontade da classe dominante ou do Estado mas resultante das relações de produção NADER Filosofia do direito 7 ed 1999 p 227 BFD 81 2005 p 797826 33 O conceito kelseniano proposta formalista O conceito de direito de Kelsen parte para uma inflexão claramente focada no aspecto formalista na medida em que assume que o Direito se resume à perspectiva da norma assim como discute toda a noção de norma a partir da idéia de validade como pertinência formal ao sistema jurídico hierarquicamente organizado Na medida em que a ordem jurídica é vista como um sistema hierárquico de normas legais14 toda a discussão sobre o Direito se estrangula na linha de avaliação do que está dado como válido pelo sistema O direito acaba por traduzir esta idéia de ser o modo de regulação da sociedade pelo poder estatutído 34 O conceito luhmanniano proposta funcionalista Na perspectiva de análise de Niklas Luhmann o conceito de Direito traduz uma espécie de forma estabilizadora das regras de exercício do poder e se o direito programa as expectativas a partir da posição ocupada pelos sujeitos da comunicação podese dizer que a luta pelo poder se torna uma luta jurídica15 A legitimação do Direito não advém propriamente de nenhuma substância justiça de nenhuma busca moral dignidade de nenhum tipo de ostentação da violência coerção mas sim por meio de um processo de neutralização de alternativas negadoras do modelo instituído e é neste sentido que legitimidade passa a ser entendida como legitimação pois se trata de algo que pertence ao nível da procedimentalidade do próprio Direito16 Isto é o que torna a teoria sistêmica e funcional suscetível a críticas por sua proximidade com a reflexão positiva e formalista17 O conceito de direito como conjunto de procedimentos oficiais que neutralizam expectativas de negação do exercício do poder de decidir acaba por acentuar a importância da institucionalização estatal em sua descrição apresentando poucos reflexos teóricos para a resistência ao status quo18 Se como já apontavam Durkheim e Weber pela diferenciação os subsistemas sociais se distinguem entre si a ponto de constituírem universos intrasistemicamente fechados e voltados para os seus próprios pressupostos de reconhecimento social não é de fato isto que permite reconhecer o diferencial entre o direito justo e o direito injusto na medida em que a forma e o procedimento aceitam qualquer tipo de conteúdo e sua legitimidade não decorre do fato de simplesmente estar estabelecido 14 KELSEN O que é justiça A justiça o direito e a política no espelho da ciência 1998 p 215 15 Cf Ferraz JUNIOR Estudos de filosofia do direito 2002 p 52 16 Notase que o sentido que Luhmann empresta ao termo legitimidade transformandoo em legitimação é peculiar A legitimidade passa a ser vista como uma prontidão generalizada para acatar decisões que ainda não foram tomadas isto é ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo real e empírico A legitimidade seria uma ilusão funcionalmente necessária pois se baseia na ficção de que existe a possibilidade de decepção rebelde só que esta não é de fato realizada Legitimo passa a significar de acordo com procedimentos jurídicos préfixados perdendo definitivamente qualquer conteúdo externo transcendente imanente ou que quer que seja cional suscetível a críticas por sua proximidade com a reflexão positiva e formalista17 O conceito de direito como conjunto de procedimentos oficiais que neutralizam expectativas de negação do exercício do poder de decidir acaba por acentuar a importância da institucionalização estatal em sua descrição apresentando poucos reflexos teóricos para a resistência ao status quo18 Se como já apontavam Durkheim e Weber pela diferenciação os subsistemas sociais se distinguem entre si a ponto de constituírem universos intrasistemicamente fechados e voltados para os seus próprios pressupostos de reconhecimento social não é de fato isto que permite reconhecer o diferencial entre o direito justo e o direito injusto na medida em que a forma e o procedimento aceitam qualquer tipo de conteúdo e sua legitimidade não decorre do fato de simplesmente estar estabelecido 4 Insuficiências teóricas A falibilidade dos grandes modelos teóricos aqui elencados que procuram explicar ou ainda dar conta da dinâmica das relacões políticas e jurídicas é que provoca a imperiosa necessidade de constituir uma nova base de discussões a partir do pensamento de Jürgen Habermas que menos se coloque do lado da validade ou do lado da facticidade como descrito em sua obra Faktizität und Geltung Beitrag zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechsstaats e mais se coloque a propósito e a favor de tentar assimilar a tensão entre ambas as esferas19 A legitimidade não é mas processase Por isso é legitimara ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 74 17 A legitimacão pelo procedimento não obstante expressamente embasada em uma concepção positivista ou empírica como quer Luhmann da realidade jurídica tem fortes pontos de contato tanto com o normativismo quanto com o realismo podendo ser alvo de reparos semelhantes aos feitos àquelas doutrinas ADEODATO Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica 2002 p 75 18 MURICY Racionalidade do direito in Hermenêutica plural 2002 p 113 19 Arrastada para cá e para lá entre facticidade e validade a teoria da política e do direito decompõese atualmente em facções que nada fêm a dizer umas às outras HABERMAS Direito e Democracia entre facticidade e validade 2003 p 23 BFD 81 2005 p 797826 A concepção kantiana desemboca na linha de raciocínio do Estado de Direito que não intervém mas coordena liberdades e seu modelo se esgota com a incapacidade que esta proposta tem de gerar condições favoráveis de justiça em sociedade A concepção marxista advoga a abolição do direito e por isso não enxerga na perspectiva da juridicidade condições de transformação social que somente seriam possíveis pelo uso da força e pela mudança radical das condições econômicas de produção e distribuição A concepção kelseniana se esvazia na perspectiva de avaliação esquelética do direito enquanto forma e norma A concepção luhmanniana encapsula a lógica de funcionamento dos subsistemas sociais colocandoos dentro de compartimentos cognitivamente abertos mas normativamente cerrados o que serviliza a condição do Direito à legitimidade pelo procedimento formal adotado pelas normas Vêse claramente a insuficiência destas tradições de conceituação do direito tornando necessária a abordagem do problema do ponto de vista filosófico Neste sentido Habermas abre campo para uma profícua reflexão a respeito colocandose claramente no front crítico ante a incapacidade das doutrinas jusnaturalistas e contratualistas de responderem às questões que orbitam em ambos os universos o da política e o do direito A proposta habermasiana é explicitamente diferente daquela trazida seja pela teoria luhmanniana seja pela rawlsiana Isto porque após longos anos de desgaste da própria teoria sociológica constatase que o funcionalismo sistêmico luhmanniano não resolve o problema do sentido social do direito na medida em que insula a explicação do direito na idéia de um sistema autopoiético e redundante sobre si Daí para Habermas a insuficiência teórica que carece de ser superada O contratualismo contemporâneo oferece uma resposta ainda menos satisfatória Rawls no âmbito de uma teoria da justiça na medida em que suas explicações também demonstram insuficiências quanto ao operar com a justiça já que diante do pluralismo das instituições e modelos políticos existentes a proposta de Rawls parece navegar à distância de sua sustentabilidade prática fora de um modelo histórica e culturalmente circunscrito o norteamericano 5 O conceito habermasiano proposta éticoprocedimental Pensar o direito a partir de uma matriz diferenciada daquelas anteriormente apontadas é considerálo na perspectiva de uma razão que age enquanto se comunica e por isso menos se experimenta seja como razão teórica seja como razão prática mas sim como razão comunicativa pela ética do discurso Diskursethik tal como vem identificada na perspectiva habermasiana Isto significa que o uso público da razão é o lugar de encontro das possibilidades de construção de regras comuns uma vez congruentemente construídas a partir das deliberações no espaço público Ora é o procedimento garantidor da participação e do consenso que estabelece a eticidade do agir comunicativo condição sine qua non para a formação legítima da vontade jurídicopolítica A razão comunicativa produz verdades a partir do exercício da interlocução mediada por instrumentos institucionais garantidores das condições de aparição do discurso Com Habermas A intersubjetividade de um grau mais alto die höherstufi ge Intersubjektivität que comunga a perspectiva de cada um com a perspectiva de todos pode constituirse apenas sob os pressupostos comunicativos de um discurso ampliado universalmente no qual todos os possivelmente envolvidos possam participar e tomar posição com argumentos numa postura hipotética em vista das pretensões à validade tornadas problemáticas a cada momento de normas e modos de ação Isso significa que pensar e agir em comum se somam no processo da produção de sentido que se dá em comum entre falantes abandonandose a idéia de que as verdades são formadas por um sujeito ou alguns sujeitos que buscaria em normas abstrata e unilateralmente deduzidas verdades contidas em uma razão solitária autosuficiente como ocorre no pensamento kantiano A verdade aqui é fruto de um procedimento de engajamento argumentativo semelhante ao procedimento jurídico que consente a produção compartilhada de normas do agir A formação discursiva da vontade é questão central da discussão habermasiana que vem claramente influenciada pelo pressuposto extraído das regras do jogo democrático segundo as quais os atores e participantes atuam conforme pautas e procedimentos previamente constituídos para a garantia do exercício do direito à voz e à participação É aí que a inspiração de Habermas se dá para apresentar uma proposta de entendimento da cultura do direito Diferentemente do princípio moral que opera orientando o processo interno de determinação do conteúdo argumentativo de cada fala o princípio da democracia serve como parâmetro para a institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade a qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito O direito tem uma participação expressiva significativa e necessária na constituição e determinação dos modos de ação social determinando desta forma o esquema de atuação de cada um dentro do jogo de troca social Por isso mesmo se torna importante pensar o direito fundandoo em um solo muito concreto que parte de evidências reais e possibilidades concretas de realização Mas esta realidade é plural é o mundo da vida de onde se extraem as múltiplas experiências que atravessam a condição humana injustiças sentimentos dificuldades debilidades instituições tradições moralidades e que não pode ser reduzido a uma categoria única e organizadora de todo o real como o econômico em Marx Se há um atributo diferentemente do pensamento marxista que marca a condição humana este atributo é a capacidade de produção de linguagem e de interação comunicativa através da linguagem Isto porque se o direito não for considerado um sistema empírico coordenador de ações a própria discussão filosófica fica vazia exatamente porque ideal e descolada da realidade Se torna especialmente importante pensar o direito de forma concreta e empírica seja pela necessidade de sua existência seja pelo fato de se constatar uma clara crise de fundamentação do direito e das práticas políticas especialmente se considerada a problemática necessidade de refundar a idéia de Estado de Direito dentro de nossa cultura como único mecanismo possível de manutenção da coesão social sabendose que o estado atual da questão é exatamente o de crise talvez gerada pela carência de efetiva presença e exercício de seus próprios princípios 51 O direito em face da moral diferenciando as esferas normativas Para pensar o Direito é necessário assumilo em toda a sua problemática condição Isto está a comandar a idéia de que a base de moralidade estrutura o Direito Então é da tensão entre coerção e liberdade assim como entre facticidade e validade que se alimenta a idéia de Direito Isto significa aproximálo também das experiências sociais que lhe são próximas ou das quais retira também grande parcela de seu modus Eis a aproximação existente entre a experiência do direito e a experiência da moral Para distinguir o direito da moral dada a sua proximidade deontológica de outras esferas de normação já destacadas por Jhering é imperioso passar pela compreensão da dinâmica da vida social Quando se está a falar de direito esclareçase se está a falar desta forma assumida pelo direito desde a modernidade qual seja juntamente com Habermas a de um direito além de normatizado que se pretende sistemático de interpretação obrigatória e predisposto pela força ao exercício da imposição do comportamento obrigatório Quando se está a falar de moral se está a considerar uma forma de saber cultural fator relevante para manutenção das instituições sociais O direito é mais que isto exatamente porque o direito reclama mais que saber reclama ação e é desta forma que se trata de um sistema que preside as ações que intercede sobre as ações que define e pauta as ações e que comanda pela força o cumprimento de determinadas ações O direito forma um complexo de reguladores da ação na concepção de Habermas que não deixa de compartilhar com a moral a capacidade de influenciar na tomada de decisão mas que não se define por isso e sim pela capacidade de produzir uma eficácia direta sobre a ação É de um elevado grau de racionalidade que se nutrem as práticas institucionais do Direito contrariamente ao que ocorre com as normas morais cujo apelo sentimental emocional axiológico por vezes são turbadores da sua própria consistência É isto que lhe garante um forte traçado autônomo a partir da idéia de validade Kelsen que consente à teoria a sua descrição como sendo um sistema diferenciado de outros sistemas sociais Luhmann Enquanto sistema no entanto o Direito recolhe da moral os princípios vitais e constitutivos dos processos de eleição de valores e formas de compreensão de conteúdos de ações humanas específicas É isto que define o direito para além da moral ou seja se trata de um sistema de saber e ao mesmo tempo sistema de ação ele pode ser entendido como um texto repleto de proposições e interpretações normativas ou como uma instituição isto é como um complexo de regulativos da ação As ações individuais portanto se coordenam e se organizam a partir de preceitos normativos escalados como sendo referenciais do modo de agir em sociedade pagar o tributo omitirse de causar dano material a outrem dirigir como licença administrativa etc Como comando para a ação o direito age organizando os mecanismos de interação do convívio social modulando desta forma os encontros entre subjetividades e interesses de cunho social A legalidade é sem dúvida alguma importante face do direito moderno mas não sua única e última fonte de legitimidade O direito que se organiza como sistema que se funda na coerção e que realiza pela força seus preceitos e assim o é desde a modernidade retira dos indivíduos o fardo das normas morais e as transfere para as leis que garantem compatibilidade das liberdades de ação Se a moral como forma de influenciação sobre os comportamentos sociais demanda a consciência do agente para condicionarse a ter esta ou aquela escolha o direito cumpre a função de prédizer quais escolhas são válidas e quais não são válidas tolhendo de certa forma a possibilidade de exercício de liberdades de escolha para além daquelas normadas como essenciais para o convívio social Mas ao tolher a livrearbitrariedade das decisões de consciência individuais também regula o encontro das vontades no espaço público O direito neste sentido reclama menos consciência e mais obediência Uma sociedade regulada pelo direito não significa uma sociedade esvaziada de preceitos morais O direito os incorpora em suas interfaces discursivas e ao fazêlo desdobra a sua pretensão de validade para que se torne também legítima do ponto de vista moral Certamente o direito pode se fechar autopoieticamente e autoreferirse a si mesmo porém isto não garante que sua condição de sobrevivência social se dê independentemente da moral ou de qualquer mínimo moral No entanto há que se reconhecer que em sociedades racionalizadas burocratizadas e normatizadas exatamente porque complexas os preceitos da moral somente encontram efetividade objetiva quando transformados para a linguagem do direito Mais que isto para uma teoria do agir comunicativo não interessa simplesmente pensar ao modo kantiano acentuado na perspectiva kelseniana a diferenciação destes sistemas mas sobretudo pensar no nãoacantonamento da moral provocado pela intensa especificação dos subsistemas sociais na medida em que quanto mais a moral se interioriza e se torna autônoma tanto mais ela se retrai para domínios privados Para esta visão portanto esta relação não é de mera complementaridade entre a esfera da interioridade e da exterioridade mas sim de entrelaçamento na medida em que o agir comunicativo pressupõe esta participação do juízo moral na produção de decisões social e juridicamente relevantes De fato Por conseguinte se as qualidades formais do direito são encontráveis na dimensão dos processos institucionalizados juridicamente e se esses processos regulam discursos jurídicos que por seu turno são permeáveis a argumentações morais então podese adotar a seguinte hipótese a legitimidade pode ser obtida através da legalidade na medida em que os processos para a produção de normas jurídicas são racionais no sentido de uma razão práticomoral procedimental A legitimidade da legalidade resulta do entrelaçamento entre processos jurídicos e uma argumentação moral que obedece à sua própria racionalidade procedimental 52 O direito e o mundo da vida O Direito pertence ao domínio do mundo da vida Lebenswelt É dentro dele portanto que se deve perceber e acolher a definição de direito O mundo da vida resume a complexidade de fatores que condicionam o agir social O mundo da vida está impregnado de consensos da experiência de vida O mundo da vida cria as condições para o diálogo e o consenso para o encontro das vontades e para a deliberação políticojurídica na dimensão da esfera pública Isto porque os indivíduos compartilham do chamado mundo da vida onde possuem uma tradição cultural comum e crescem internalizando valores expectativas e identidades em comum Podese mesmo dizer que a sociedade civil na acepção habermasiana se estrutura a partir de sua capacidade de entendimento presidida que é pelo princípio do discurso Assim todo agir social que corresponde a uma troca recíproca entre atores sociais acaba sendo também e invariavelmente uma troca que pressupõe consensos mínimos extraídos do mundo da vida Ora esta troca é codificada por instrumentos que sintetizam valores idéias experiências consensos e a linguagem é o medium portador deste processo A linguagem opera a síntese indivíduouniversal codificando a razão objetivada através das instituições sociais O mundo da vida como forma condensada de saber e poder com suas evidências e consensos admitidos é o pano de fundo da idéia de que o agir comunicativo se dará a partir das experiências extraídas desta esfera O mundo da vida corresponde a um complexo de tradições entrelaçadas de ordens legítimas e de identidades pessoais e o agir comunicativo extrai a sua vivacidade daí Extraído da teoria da comunicação o conceito de mundo da vida evita que a realidade seja encarada de modo partilhado na medida em que significa esta rede ramificada de ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas Ora é evidente que todas as práticas que assumem ao nível da comunicação alguma significação já incorporaram tradições culturais valores instituições sabedorias acumuladas A originariedade o imprevisto e o indeterminado são a marca do processo de constituição desta grande trama constituída a partir do convívio de indivíduos socializados que buscam apoio nas condições de reconhecimento recíproco Esta é mesma a condição para em meio ao social afirmarse como sujeito Isto é o que faz com que sejam reciprocamente pressupostas e condicionantes a pessoa a cultura e a sociedade A existência de uma esfera pública sólida e consistente sistematicamente predisposta à vivência da condição dialógica é a garantia da radicalização da capacidade de produzir vontades democráticas nas tomadas de decisão que marcam a vida política e que determinam as decisões formadoras do discurso jurídico Ante os déficits de democracia ante a crise de legitimação ante o excesso de burocracia ante a distância entre o poder instituído e o representado do poder devese caminhar no sentido de pela esfera pública alargar e aprofundar o campo político participativo em todos os espaços estruturais de interação social revalorizando o primado da comunidade com todas as suas feições solidárias e permitindo uma libertação da sociedade civil quer dos controles burocráticos empreendidos quer dos imperativos econômicos impostos pelo mercado Nesta esfera a disputa é por hegemonia de influenciação O reconhecimento das capacidades e habilidades de influenciação da opinião pública dependem da habilidade e da competência políticas adquiridas o que faz com que haja convergências significativas de determinados grupos instituições eou partidos cuja conquista de notoriedade lhes confere também o prestígio necessário para determinar opiniões na esfera pública cientistas artistas juristas políticos padres partidos ONGs A esfera pública é aberta e democrática indeterminada e informe e por isso está sempre acolhendo a divergência a diversidade e a pluralidade O novo sempre pode irromper Ainda que a mídia alcance cada vez mais predominância na determinação das orientações da esfera pública ainda carece do público como destinatário e assentidor último de suas práticas O espaço público pressupõe liberdade de encontros comunicativos o que de certa forma significa que seu caráter espontâneo não é determinado nem pela mídia nem pelo governo e nem por outras forças totalizantes É claro que a idéia de uma esfera pública que supere a lógica do individualismo burguês iluminista sem recair no comunitarismo tem alguns pressupostos quais sejam 1 uma base cultural mínima que consinta o compartilhamento de visões de mundo 2 uma base democrática de expressão livre da vontade onde haja a possibilidade do encontro dos diversos segmentos de representação da sociedade sem a preponderância de nenhum 3 uma base mínima de direitos que garantam a liberdade individual e a solidez do espaço da política 4 uma base mínima de desenvolvimento moral e liberdade de crítica à regras estabelecidas pelo jogo político A noção de esfera pública é portanto incentivadora do pluralismo do encontro da diversidade do incremento da politicidade nas sociedades modernas diferenciadas e complexas pois os critérios de entrada e participação não estão vinculados a pressupostos totalizantes 54 Por uma teoria pósmetafísica do direito O inapelável compromisso mantido por Habermas de pensar a legitimidade do Direito do problema da legalidade extraída da experiência de afirmação do direito positivo na modernidade considerando especialmente o papel da experiência democrática e de discutilo a partir da idéia de radicalização do processo de compartilhamento de vontades é de grande significação para a cultura do direito positivo contemporâneo Sem apelos metafísicos e considerando o estado atual da cultura hodierna completamente secularizada é mister assumir como premissa de argumentação a necessidade de trabalhar o Direito como um fundamental instrumento de solidificação racional do convívio humano em sociedade Neste sentido o pensamento habermasiano reafirma a necessidade do Direito na exata medida em que representa uma alternativa aos sistemas que funcionam capitaneados pelo poder ou pelo dinheiro O direito representa a alternativa fundada na razão de constituição de um agir comum determinado por mecanismos e procedimentos que garantam aos interessados o envolvimento na produção dos consensos sociais expressados por meio de normas A necessidade imperiosa do Direito decorre do fato concreto e real e do que pensar em sua abolição só pode conduzir a uma insanidade na medida em que os níveis éticos para a integração social não são suficientes somente eles para suportar o imperativo da socialização A proposta marxista se esgotaria se trazida do pensamento à ação num retorno ao desregramento do próprio convívio E se é verdade que a natureza humana está mais próxima da sociabilidade insociável na leitura de Kant e menos próxima da gregariedade aristotélica o Direito se torna uma necessidade do próprio convívio como elemento conservador do próprio convívio Nesta medida o Direito participa da atual condição de necessidade do exercício da própria sociabilidade Esta necessidade não está descartada do pensamento habermasiano 541 O que o direito não é Se na busca por um conceito de direito se está a dar voltas em torno do termo direito uma das necessárias atitudes frente a esta problemática é exatamente o cuidado com o uso linguístico e com o emprego do termo direito em diversos contextos De fato sempre que se está diante de algum conjunto de normas rapidamente se diz estar diante de um direito Este tipo de atitude não rara na teoria do direito certamente franquearia um arbitrário uso do termo direito que ora se quer evitar exatamente policiando o emprego do termo para um uso adequado quando de seu real cabimento Para fins desta perspectiva aqui assumida o termo direito não cabe para designar quaisquer grupos de normas Podese mesmo invocar algumas lições do pensamento de Agostinho para dizer que não se pode chamar a toda instituição social arbitrária de direito o termo direito deve estar reservado para fins mais precisos e porque não mais nobres Partese portanto deste ponto mínimo de consenso para estabelecer o raciocínio De fato Suprimida a justiça que são os grandes reinos senão vastos latrocínios De civitate Dei cap IV Remota itaque iustitia quíd sunt regna nisi magna latrocinia Um conceito de direito necessariamente afasta de sua continência a possibilidade de abrigar justificativa para o agasalhamento de instituições arbitrárias É nesta medida que se pode com clareza dizer que a lei para a proteção do sangue e da honra alemães de 15 de setembro de 1935 art 1 São proibidos casamentos entre judeus e cidadão de sangue alemão ou aparentado Os casamentos celebrados apesar desta proibição são nulos e de nenhum efeito mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei art 5 Quem infringir o art 1 será condenado a trabalhos forçados nesta linha de análise não pode ser batizada sob o signo de direito revelandose como mero arbítrio puro mando unilateral e voluntarista do Führer revestido com a forma análoga àquela normalmente empregada para expressar comandos de natureza jurídicaVestese da mesma roupagem do direito escrito e legalizado assim como é expressada pelo Estado e nem por isso pode ser considerada direito pois seu distintivo de ser coercitiva não lhe atribui o cumprimento de finalidades necessárias para a completa circunvisão de sua responsabilidade social Assim um sistema jurídico marcado por este tipo de características é menos direito e mais um conjunto de instituições de conservação social ou de práticas de poder do que de um sistema jurídico na medida em que a palavra direito fica reservada a todo sistema jurídico cuja pretensão de valer estiver além da sua estrutura formal Kelsen ou além de sua garantia pela neutralização das expectativas contrárias Luhmann ou além de sua consagração de instrumento de legitimação pura e simples do poder instituído Schmitt fundado na perspectiva de proteção de interesses comuns filiados a mecanismos de representatividade não abstratos 542 O que o direito é Se a aproximação ao termo direito pode se dar pela exclusão ou seja pela definição do que não é também deve se definir pelo que reúne em si de condições para afirmar o que efetivamente significa Neste sentido vale abrir campo para a ampla discussão da questão O direito tem por função primordial evitar o risco permanente da desagregação social afastando a brutalidade invasiva e lesiva da liberdade pelo arbítrio e fundando um sentido vetorial para o agir social normas são prescritivas de conduta inscritos na forma de deverser e projetados para o futuro como indicadores do agir em comum Nesse sentido a racionalidade passa a ocupar os lugares não legislados da irracionalidade É assim que o direito pode ser entendido como uma força necessária porque indispensável para o convívio social na medida em que se torna unificadora do agir social que a partir da modernidade ganha níveis complexos de institucionalização e se coloca no lugar da força do coletivo ou da moral da religião e crenças unificadoras das sociedades prémodernas O crescimento funcional da especialização dos sistemas sociais a partir da modernidade na visão de Luhmann não impede no entanto de divisar que o Direito parte da experiência moral da liberdade para se construir O direito que acopla em seu exercício todos os níveis de pretensão evita a diluição social por colocar barreiras à realização da pulsão social de desagregação práticas expoliadoras atos de barbárie dominação baseada na força física violência incontrolada na medida em que se presta a oferecer alternativas à solução de litígios a recriminar condutas socialmente indesejáveis por conferir moralidade e racionalidade ao trato social e por imporse como limite à complexidade crescente das trocas sociais na medida em que mediatiza condições de decisão para a estabilização dos comportamentos sociais aceitáveis E não se pode negar é a corrigibilidade permanente que estabelece o direito como sendo o que é Ou seja onde há a possibilidade de estabelecer pelos mecanismos institucionais a busca do justo inclusive pela superação da regra legislada através da aplicação judicial estáse diante do direito Isto significa que não é distintivo do direito o fato de se manter a regra escrita pelo legislador ainda que injusta a todo preço e a todo custo mas a possibilidade de corrigir a injustiça legislada através dos sistemas institucionais de controle e correção do próprio poder que garante a uma sociedade o fato de que suas instituições estão formal e materialmente revestidas do compromisso com o direito com o reto rectum com o certo certum com o preciso Isto é o que na verdade faz o direito poder ser chamado de direito Assim sua marca distintiva não está no fato de a regra injusta poder ser mantida porque legitimada pelo procedimento formal Luhmann ou porque se trata de expressão do poder que se neutraliza ante expectativas contrárias Partes e fragmentos do sistema de normas jurídicas de uma sociedade são permanentes historicamente porque são tornadas permanentes ou seja porque são reafirmadas historicamente na medida em que seus valores constitutivos encontram consensos que os sustentam por tempos e tempos Partes e fragmentos dos sistemas de normas são partes volúveis e voláteis porque assim são tornadas enquanto não resistem à experiência histórica modificativa e renovadora Assim é que o direito é a um só tempo permeável e impermeável Conservador do que deve ser conservado e renovador do que deve ser renovado a uma só vez O direito se distingue por sua alta mobilidade por esta virtude de se torcer e contorcer como sistema para que a justiça concreta seja produzida de acordo com as necessidades e exigências de cada situação É claro que todo sistema possui regras injustas de modo que todo direito haverá de encontrar dentro de si partes normativamente construídas injustamente Mas não é aí que está a descrição de sua conceituação O direito como sistema conceito que não coincide puramente com o de justiça não pode de fato ser chamado de direito se não houver em sua estrutura a pretensão de correção no sentido de Alexy que passa a ser entendida como esta possibilidade de reencontrarse a justiça das decisões mesmo a despeito de um sistema legislado desviado ou injusto Esta é a máxima revelação da proximidade entre direito e moral Para alguns como Ascensão a tradução da proximidade entre moral e direito se dá a partir da idéia de que o direito deve buscar o bem comum e com isso estabelecer parâmetros sociais de administração do convívio social É aí que mora o diferencial o distintivo a marca específica daquilo que podemos chamar de direito Ao renovarse e abrirse no sentido de encampar a justiça estáse definitivamente conduzindo as instituições para o atendimento das pretensões de justiça infinitas e inexauríveis socialmente o que torna a mobilidade do sistema em direção a diante a sua específica forma de manifestação Se por exemplo a norma é injusta há a possibilidade de discutir seu conteúdo e de adaptarse o seu conteúdo para a justiça concreta Esta era uma exigência já contida na Ética a Nicômaco de Aristóteles como medida de correção do justo legal Há a possibilidade de corrigila judicialmente quando da aplicação do direito há a possibilidade de pleitear sua revogação através do procedimento legislativo há a possibilidade de deixar de aplicála substituindoa por nova regra O retorno ao rectum já que o torto foi estabelecido pelo legislador é função do aplicador do sistema daí derivar da mobilidade das práticas deste sistema a permanente condição de reconfiguração interna de suas regras na medida em que se são construídas também são refeitas pelos seus operadores A flexibilidade a mobilidade a porosidade esta face democrática do que é fazer justiça numa conquista infindável de grupos humanos que vivem em sociedade está a marca que se distingue a partir das pretensões de validade associadas às pretensões de justiciabilidade É claro que todo sistema jurídico contém regras discrepantes e injustas mas estas regras devem estar submetidas à possibilidade de sua correção pela via procedimental normativa ou pela via concreta e aplicativa Quando se afirma que não é uma norma injusta que macula todo o sistema estáse a dizer que não é uma injustiça que desvirtua toda a estrutura do sistema mas sim se este sistema tem como característica estável e permanente a fuga da pretensão de correção ou ainda a indiferença à justiça como forma de expressão e garantia de seu funcionamento direito do totalitarismo direito dos regimes repressão etc Um sistema que se constrói sobre estes pilares ainda que suas normas sejam formalmente válidas não é neste sentido direito especialmente por não respeitar pressupostos básicos do processo de interação comunicativa Não é portanto como afirma a teoria de Bobbio a coatividade que define ou distingue o direito Se o que distingue as normas jurídicas tomadas como um todo de outras experiências institucionais sociais é só a possibilidade de sua imposição coativa à condutas o direito passa a ter um traçado gritante de exercício da força legitimado pelo procedimento Um sistema totalitário usa das formas tradicionais do direito e se vale especialmente da força como ingrediente de coesão social Então a pura coercitividade do direito é sentida como manifestação do arbítrio e da dominação ainda que revestida do aspecto normativo o que é argumento suficiente para espancar a visão que caracteriza o distintivo do direito pela sanção Bobbio Kelsen pois neste momento nele se localiza não seu diferencial mas seu ponto de convergência com os sistemas de poder instituídos Descortinar o conceito de direito significa aproximarse daquilo que distingue o direito não daquilo que define sua proximidade com a experiência pura e crua do poder De qualquer forma o direito representa uma força normativa que se antecipa aos comportamentos individuais prédeterminando opções válidas as condutas a serem seguidas de modo a cercear a amplitude de escolhas em nome da escolha da própria vida em comum A ampla e irrestrita liberdade de escolha significa a liberdade absoluta O direito não convive com a liberdade absoluta mas se cria e recria surge por exemplo o direito das relações internacionais como necessidade históricocontextual de um determinado momento à luz das condições sóciohumanas de convívio Isso significa que o direito tem uma dupla missão pois por vezes agasalha o indivíduo para protegêlo socialmente direito ao sigilo bancário como proteção do direito à intimidade por vezes o desverte para proteger a sociedade ruptura do sigilo bancário em caso de corrupção Tratase de um permanente processo de abertura e fechamento em torno da questão da liberdade Esta sua função lhe confere esta dupla tarefa de ora proteger o indivíduo furtando à sociedade o poder de exercer sem critérios o controle de seu comportamento direito à pri vacidade ora proteger a sociedade furtando ao indivíduo o poder de praticar atos que corrompam com o sentido do compartilhar fins sociais improbidade administrativa É inerente portanto à condição do Direito positivado exercer simultaneamente pretensão de validade formal correção formal pretensão de justeza moral correção axiológica pretensão de legitimidade na adesão das vontades individuais correção política e pretensão de vinculação da conduta correção impositiva Estes traços marcam a determinação da característica própria atrelada aos atributos do Direito o que permite acessar o seu conceito O direito tem por diferencial e portanto por função coordenar os esforços sociais de modo a presidilos para a produção de justiça distributiva na acepção aristotélica da expressão consentindo que fins comuns presidam as relações interindividuais Seu diferencial está em sua teleologia e não em seu modo de exercício coerção apesar de sempre carecer do procedimento racional e dialogal como mecanismo necessário de intermediação entre a infração e a decisão Afinal como expressa Ihering o direito é meio e não fim56 Ademais o bom direito não é somente o direito repressivo punitivo ou proibitivo o direito de uma cultura moderna focada na sanção da tradição de Wolf e Kant que interfere sobre os comportamentos individuais para sancionálos O direito que exerce todo o seu potencial é acima de tudo um direito indicativo enunciativo libertário emancipatório porque capaz de estimular mais que reprimir o desenvolvimento dos esforços sociais para o alcance e a realização de fins comuns É nesta acepção emancipatório porque abraça na perspectiva da teoria do agir comunicativo a idéia da radicalização da democracia Estes fins comuns nunca são passíveis de serem fixados a priori pois são sempre fruto daquilo que se delibera como sendo fim comum dentro de cada novo contexto e a partir de cada nova necessidade sóciohumana O direito que meramente se retira para só aparecer quando a norma é violada não é o melhor modelo de instituição social que se deseja 56 O direito não é um fim em si mas apenas um meio para um fim O direito existe por causa da sociedade e não a sociedade por causa do direito Eu defino direito em referência a seu conteúdo como a forma da segurança das condições de vida social obtida pelo poder do Estado JHERING A finalidade do direito apud MORRIS p 418 BFD 81 2005 p 797826 825 O direito que intervém a ponto de totalizar as vivências individuais em vivências coletivas sufocando liberdades e deixando pouco espaço à autonomia individual muito menos Isto porque sufoca o potencial de autonomização ética da vontade pela autonormação do indivíduo pela razão incrementos que são fundamentais na articulação criada pela própria cultura do Estado de Direito como avalia Habermas57 O direito que se quer é um medium entre estes dois tipos é um direito que simboliza ação para frente e representa a admissão do ethos maduro de uma sociedade na querência da realização de metas comuns razoáveis Seu diferencial portanto não está no fato de ser produzido pelo Estado ou de se realizar por regras contidas em lei Kelsen O conceito de direito necessariamente deve abrigar a idéia de que a sociedade civil na acepção habermasiana o que implica a esfera pública é o centro produtor do direito Desta forma é que pode ser definido como prática social de linguagem codificada ao nível normativo e realizadora da liberdade por meio de valores como instrumento vinculativo do comportamento com vistas à coesão e à justiça na vida compartilhada por uma comunidade lingüística De outra forma o Direito se torna mero instrumento burocrático ou simples aparato acessório de legitimação do poder Conclusões À proposta deste trabalho se circunscrevia a estabelecer por alguns aportes teóricos o conceito de direito Este percurso foi feito a partir da reavaliação de algumas doutrinas fundamentais da modernidade sobre o direito o que permitiu a formação de um cabedal de doutrinas que deram algum tipo de sentido para preencher a dúvida vital sobre o que seja o direito Afinal o que é o direito Que conceito se pode atribuir ao direito 57 Vide especialmente HABERMAS Para o uso pragmático ético e moral da razão prática in Boletim de Estudos Avançados da USP tradução de Márcio Suzuki setdez p 519 vol 3 n 7 USP 1989 BFD 81 2005 p 797826 826 A partir desta reavaliação se pôde penetrar propriamente nas discussões trazidas pelos textos de Habermas especialmente seu Direito e democracia onde se colhe a idéia de que o direito se funda sobre as experiências ordinárias colhidas no mundo da vida de onde se extraem condições para a participação na arena da esfera pública através da qual os circuitos de comunicação habilitam os atores sociais à produção de decisões social e juridicamente relevantes A partir de uma crítica de certas concepções minimalistas e redutoras da experiência jurídica é possível inscrever de um lado descritivamente de outro lado normativamente o conceito de direito revelandolhe a sua identidade fazendo com que sua definição não nos permita confundilo com outros fenômenos ao mesmo tempo em que o diferencia das experiências do poder Assim não que Habermas tenha afirmado um conceito de direito mas que seja possível a partir de Habermas pensar no direito como sendo um instrumento necessário da experiência social mas sobretudo imprescindível para a vivência governada pela razão uma razão comunicativa É assim que o direito se anela à idéia de ser uma prática social de deliberação compartilhamento e estabelecimento de referenciais do agir comum é certamente linguagem codificada ao nível normativo comprometida com a salvaguarda da liberdade o que só é possível por meio do exercício de escolhas entre valores diversos para que comportamentos se tornem socialmente vinculativos consentindose a sobrevivência da coesão social e o crescimento das perspectivas de alcance da justiça na vida compartilhada por uma comunidade lingüística BFD 81 2005 p 797826 O artigo A Discussão do Conceito de Direito Uma Reavaliação a partir do Pensamento Habermasiano de Eduardo C B Bittar explora a complexidade inerente ao conceito de direito ressaltando que embora frequentemente percebido como claro e inequívoco uma análise mais detalhada revela sua natureza multifacetada e dialética O direito quando observado de perto se desdobra em uma pluralidade de elementos que incluem normas valores vida objetivada sanção sistema poder interpretação e julgamento tornandose uma realidade dinâmica e contraditória sujeita a variações históricas e culturais Inicialmente o artigo aborda a percepção comum do direito como algo seguro e claro tanto para leigos quanto para especialistas Essa visão superficial trata o direito como um objeto monolítico e lógico facilmente identificável e compreensível No entanto ao aprofundar a análise essa aparente simplicidade cede lugar a uma complexidade intrínseca O direito em sua essência é multifacetado e envolve uma série de desdobramentos que vão além de uma definição única e estática Ele é norma valor vida objetivada sanção sistema poder interpretação e julgamento e ao se desenvolver revelase contraditório instável socialmente e variável historicamente No contexto da doutrina nacional o artigo destaca as contribuições de três importantes juristas brasileiros Miguel Reale Goffredo da Silva Telles Junior e Tercio Sampaio Ferraz Junior Miguel Reale propõe uma visão tridimensional do direito integrando aspectos normativos fenomênicos e axiológicos Para Reale o direito é um fenômeno complexo e sua compreensão necessária depende da consideração de todos esses fatores formando uma unidade dialética Goffredo da Silva Telles Junior por sua vez enfatiza a disciplina do relacionamento humano e a busca incessante pela justiça Ele argumenta que o direito é uma expressão do anseio humano por justiça e que nenhuma legislação positiva é capaz de satisfazer completamente a sede de justiça do jurista Tercio Sampaio Ferraz Junior aborda o direito sob a perspectiva comunicativa vendoo como um meio que define compromissos sociais objetivados em normas regulado pelo código do poder e cujo princípio constitutivo é a impositividade autoritária enquanto seu princípio regulativo é a justiça O artigo também explora diversas concepções de direito destacando as propostas de Kant Marx Kelsen e Luhmann Kant propõe um conceito racionalista de direito baseado em regras universais de liberdade onde o verdadeiro direito decorre do respeito à natureza racional humana Marx por outro lado vê o direito como uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes funcionando como um instrumento de dominação de lessons Kelsen adota uma perspectiva formalista definindo o direito como um sistema hierárquico de normas legais focado na validade formal dentro do sistema jurídico Luhmann em sua abordagem funcionalista vê o direito como uma forma estabilizadora das regras de exercício do poder onde a legitimidade é entendida como legitimação baseada em um processo de neutralização de alternativas contrárias ao modelo instituído Essas teorias no entanto são consideradas insuficientes para explicar plenamente a dinâmica das relações políticas e jurídicas É nesse contexto que o pensamento de Jürgen Habermas se destaca propondo uma abordagem que tenta assimilar a tensão entre validade e faticidade Habermas defende uma teoria éticoprocedimental do direito onde a legitimidade decorre de processos discursivos que garantem a participação e o consenso Para Habermas o direito deve ser entendido como uma prática social de deliberação e compartilhamento fundamentada na razão comunicativa A esfera pública é destacada como essencial na teoria habermasiana sendo vista como um espaço de comunicação e deliberação política que incentiva o pluralismo e o encontro da diversidade A existência de uma esfera pública sólida e consistente é essencial para a produção de vontades democráticas e decisões juridicamente relevantes Nesse espaço a disputa por hegemonia de influência é constante e a habilidade de influenciar a opinião pública depende da competência política adquirida por diversos grupos e instituições Habermas também defende a necessidade do direito como um instrumento de solidificação racional do convívio humano em sociedade Ele argumenta que o direito deve coordenar esforços sociais para a produção de justiça distributiva sendo um meio para alcançar esse fim e não um fim em si mesmo A proposta habermasiana reafirma a necessidade do direito em uma sociedade complexa e secularizada onde os níveis éticos para a integração social não são suficientes por si só para suportar o imperativo da socialização Em conclusão o artigo argumenta que o direito é uma prática social de linguagem codificada ao nível normativo comprometida com a salvaguarda da liberdade e da justiça na vida compartilhada por uma comunidade linguística O direito deve ser visto como um sistema que embora possa ser autônomo e autoreferente depende da moral e da participação democrática para manter sua legitimidade e efetividade

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