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Texto de pré-visualização

Filosofia da Educação 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 643 Coupling capacitors and separation capacitors Coupling capacitors allow AC to pass from one stage to the next but prevent DC passing This Dc bias of a stage may range from a few volts to 50 V or more and will normally be different in each stage of the amplifier The coupling capacitor separates the stages It acts as a short circuit to ac signals but as an open circuit to the dc component Separation capacitors are used where the dc bias voltages are similar and it is not practical or necessary to prevent dc passing They have a much smaller value than coupling capacitors Coupling capacitors are generally of the paper or plastic film type They have relatively large values typically 001 μ F to 10 μF Highquality coupling and separation capacitors are used in HF stages of a receiver especially when operating with very high gain at the mixer These are generally porcelain or mica capacitors and have extremely low leakage This makes them extremely stable and noncritical A common coupling capacitor in HF stages is 100 pF porcelain or mica type The value for a coupling capacitor is selected from the total load resistance RT a small change is not usually very critical The reactance of the coupling capacitor XC is selected so that where X c reactance of the coupling capacitor R T total resistance after the coupling capacitor and x c is given as XC frac12 pi f C Also where f frequency in Hz cycless C capacitance in Farads F A larger value of coupling capacitor gives more lowfrequency response in low frequency amplifiers eg in AF amplifiers Separating capacitor values are lower than those for coupling capacitors because the input and output dc voltages are similar and the capacitance is working against only the AC signals and not the full working voltage Main uses of coupling and separation capacitors Block the DC component between circuit stages Reduce noise voltages spikes Pass AC signals through blocks of equipment without affecting the DC biasing Coupling and separating capacitors should be made from stable materials with low leakage eg paper plastic film mica or porcelain Characteristics of coupling and separating capacitors Type Typical value Leakage Stability Paper plastic film 00110 μF Mod Good Mica 100200 pF Low Good Porcelain 100 pF Low Very good Regina Yara Martinelli da Silveira 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 Filosofia da Educação Copyright UVA 2016 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa ISBN 9788565812290 Autoria do Conteúdo Regina Yara Martinelli da Silveira Design Instrucional Angélica Maria da Silva Projeto Gráfico UVA Diagramação Cristina Lima Revisão Cristina Freixinho Janaina Vieira Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho S587 Silveira Regina Yara Martinelli da Filosofia da educação livro eletrônico Regina Yara Martinelli da Silveira 4 ed Rio de Janeiro UVA 2016 573 KB ISBN 9788565812290 1 Educação Filosofia I Universidade Veiga de Almeida II Título CDD 3701 SUMÁRIO Apresentação7 Sobre a autora8 Capítulo 1 Bases filosóficas da Educação9 O processo de socialização11 Primórdios da Educação21 Estruturação da atividade filosófica educativa31 Referências46 Capítulo 2 Política e Educação49 Concepção filosófica da política51 Compromisso político da Educação67 Ideologia e emancipação75 Referências86 Capítulo 3 Formação filosófica do pensamento moderno89 Filosofia e desenvolvimento científico91 A Pedagogia realista99 Concepções cientificistas da Educação110 Referências121 Capítulo 4 Educação contemporânea Questões epistemológicas123 As novas ciências124 Os valores133 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade141 Referências157 Considerações finais159 7 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Este livro trata de Filosofia da Educação e tem por finalidade oferecer a você futuro profissional os subsídios necessários à compreensão e à análise das vertentes intelectuais que orientam a arte de ensinar É uma obra composta por quatro capítulos com três tópicos cada um ao fim dos quais esperase que você esteja plenamente capacitado a compreender e a analisar criticamente as diretrizes filosóficas que sustentam o processo educacional Tenha em mente que a missão da Filosofia missão aliás cada vez mais difícil é estimular o raciocínio promover a discussão ques tionar fazer pensar enfim tornar o homem cada vez mais humano Portanto se no decorrer desta leitura você tiver muitas dúvidas e mui to o que perguntar parabéns Você estará aprendendo Do contrário cuidado pode ser que você esteja virando máquina Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a leitura desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os conteúdos abordados contribuindo efetivamente para o seu enrique cimento cultural e acadêmico 8 SOBRE A AUTORA Regina Yara Martinelli da Silveira é doutora em Filosofia pela Uni versidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Tem bacharelado e licen ciatura em Filosofia pela mesma universidade onde também obteve o lato sensu em Literatura Brasileira Bacharelouse em Comunicação Social na área de Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso FACHA É integrante do corpo docente da Universidade Veiga de Almeida UVA 9 O processo de socialização CAPÍTULO 1 BASES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO Filosofar e educar são ações indissociáveis e interagentes relacionadas à busca do conhecimento e à compreensão da realidade Porque o ser humano enquanto procura en tender o mundo também se educa isto é aprimora sua consciência crítica sua interação com o outro e por con sequência sua adaptação ao grupo social a que pertence Aqui será analisado o projeto construtivo dos alicerces da educação no mundo ocidental desde os esboços neolíticos até as primeiras edificações intelectuais da Idade Média De início vai ser observada a saga do ser humano em seus esforços de alcançar pelo menos um nível mínimo de so cialização sem a qual a própria sobrevivência da espécie estaria em risco É quando eclode a linguagem e é quando a partir dela a cultura e o trabalho ensaiam suas primei ras manifestações mutuamente estimulantes Em um segundo momento vivendo em grupos mais ou menos organizados o homem já poderá ser encontrado em pleno desenvolvimento do seu processo educativo um processo casual e desestruturado no princípio mas intencional e sistemático adiante quando todavia estará subjugado à vontade de reis e sacerdotes até finalmente conseguir desvencilharse de algumas amarras ideológi cas com o surgimento da Grécia Clássica Bases filosóficas da Educação 10 Por fim será visto o homem medieval com seus medos sua fé mais imposta que convicta sua determinação de saber e suas escolas laicas e populares as quais apoian dose na evolução pedagógica dos estabelecimentos de en sino eclesiásticos iriam transformarse nos embriões das modernas universidades 11 O processo de socialização O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Podese entender processo de socialização como um con junto de ações e eventos comuns capazes de promover a integração grupal dos indivíduos Podese entender tam bém que não existe socialização sem um trabalho cons ciente e direcionado a fins específicos cuja organização advém de uma cultura mais ou menos desenvolvida a qual em última análise não poderia subsistir sem linguagem A linguagem aqui entendida como um sistema de sig nos arbitrários e convencionais é uma característica in trínseca e exclusiva da espécie humana Por certo muitos já ouviram um bom número de frases do tipo Ninguém é uma ilha ou O homem é um animal social Tratase de lugarescomuns afirmações repetidas automaticamente que acabam prescindindo de reflexão Mas não há neces sariamente nada de errado com elas até porque a segun da é de autoria de um filósofo e dos maiores Aristóteles Como se sabe um dos mais ferozes embates da Filosofia é justamente contra o senso comum e por extensão contra aquelas frases corriqueiras Aliás digase de passagem Aristóteles teria falado que o homem é um animal cívico mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos cf ARISTÓTELES 2000 p 4 e podese acrescentar um animal dotado de logos vocábulo grego de significação bastante ampla podendo referirse por exemplo a palavra discurso juízo razão Bases filosóficas da Educação 12 Mas a frase pegou assim assim ficou e deu conta do recado pois a nossa espécie não consegue mesmo subsis tir sem que seja em grupos conscientemente organizados ao contrário dos animais irracionais que se agregam por puro instinto rigorosamente conformes às suas peculiari dades genéticas De fato os animais não são iguais aos seres humanos tampouco os seres humanos são os donos do planeta as duas espécies se complementam assim como tudo no mundo mas não se pode negar que existem diferenças consideráveis entre ambas e a linguagem sem dúvida é a mais relevante A diferença entre a linguagem proposicional e a lin guagem emocional é a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal Todas as teorias e observações relativas à linguagem animal estarão bem longe do alvo se deixarem de reconhecer essa diferença fundamental Em toda a literatura sobre o tema parece não haver uma única prova conclu siva de que algum animal jamais deu o passo de cisivo que leva da linguagem subjetiva à objetiva da afetiva à proposicional Koehler enfatiza que a fala está decididamente fora do alcance dos maca cos antropoides Sustenta que a falta desse inesti mável auxílio técnico e a grande limitação desses importantíssimos componentes do pensamento as chamadas imagens constituem as causas que im pedem os animais de jamais realizarem sequer os mais mínimos rudimentos de desenvolvimento cul tural CASSIRER 2001 p 5556 Porque só os homens interagem e se agrupam de forma puramente racional e intencional por força mesmo de al gumas características físicas especiais o cérebro que se desenvolveu sob influência do trabalho e da linguagem 13 O processo de socialização articulada a mão que se transformou em ferramenta prin cipal de trabalho o pé que deve sua forma à postura ver tical NESTOURKH sd p 53 Não foi por acaso portanto que o homem conseguiu resis tir com o passar dos séculos às mais adversas condições geológicas climáticas e até mesmo ecológicas houve um bom motivo para isso o fato de ter aprendido a substituir sopapos e empurrões por gestos elaboradamente expressi vos e gritos e grunhidos por sons diligentemente articula dos próprios a um nível de comunicação elevado Mas isso só se deu quando lhe desabrochou na mente a imaginação A imaginação diz Kant é a faculdade de tornar pre sente o que está ausente a faculdade da represen tação Imaginação é a faculdade de representar na intuição um objeto que não está presente Ou A imaginação facultas imaginandi é uma faculdade de percepção na ausência de um objeto Dar nome de imaginação a essa faculdade de ter presente o que está ausente é bastante natural Se eu represen to o que está ausente tenho uma imagem em meu espírito uma imagem de algo que eu vi e que agora de algum modo reproduzo ARENDT 1993 p 101 E foi a partir dessa faculdade quase mágica de represen tar na intuição um objeto que não está presente que o ho mem começou a simbolizar e a transmitir aos semelhantes de forma eficiente precisa e rápida as experiências coti dianas cujo somatório iria compor o seu arcabouço social Os grandes pensadores que definiram o homem como animal rationale não eram empiristas nem pretenderam jamais dar uma explicação empírica da natureza humana Com essa definição estavam antes expressando um imperativo moral fundamen tal A razão é um termo muito inadequado com o Bases filosóficas da Educação 14 qual compreender as formas da vida cultural do ho mem em toda a sua riqueza e variedade Mas todas essas formas são formas simbólicas Logo em vez de definir o homem como animal rationale devería mos definilo como animal symbolicum Ao fazêlo podemos designar sua diferença específica e enten der o novo caminho aberto para o homem o cami nho para a civilização CASSIRER cit p 50 Ora civilização implica um alto grau de socialização e so cialização como foi visto no início é produto do trabalho que por sua vez é resultado da cultura Seria pois reco mendável que a partir daqui se procurasse definir o que se pode entender por cultura Mas essa não é uma tarefa das mais fáceis Cultura é uma daquelas palavras em cujo significante po dem ser apostos diversos significados Existe cultura fí sica cultura intelectual cultura agrícola e por aí vai Se pesquisado o verbete em um bom dicionário será encon trado algo próximo de vinte acepções é preciso portanto antes de tudo especificar de qual cultura se está falando Algumas linhas atrás ensaiouse uma definição para cul tura quando se falou de experiências cotidianas cujo so matório iria compor o seu do homem arcabouço social e foi selecionada a palavra arcabouço por se entender que a cultura está sempre em processo de produção e reprodu ção é sempre uma obra em progresso Em tempos de internet e em um sentido mais filosófico a cultura pode ser considerada como esse feixe de representações de símbolos de imaginário de atitudes e referências 15 O processo de socialização suscetível de irrigar de modo bastante desigual mas globalmente o corpo social JAPIASSU MAR CONDES 1991 No entanto pode ser preferível até pela natureza deste tra balho uma definição antropológica entre muitas possíveis Inúmeros antropólogos consideram a cultura como comportamento aprendido característico dos mem bros de uma sociedade uma vez que o comporta mento instintivo é inerente aos animais em geral Sob esse ponto de vista os instintos os reflexos ina tos e outras formas de comportamento predetermi nadas biologicamente devem ser excluídos Cultura resulta da invenção social é aprendida e transmitida por meio da aprendizagem e da comunicação MAR CONI PRESOTTO 2009 p 2325 Relativismo cultural e etnocentrismo Toda cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam Por isso o relativismo cultural não concorda com a ideia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde surgem A posição relativista liberta o indivíduo das perspectivas deturpadoras do etnocentrismo que significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais MARCONI PRESOTTO cit p 3132 Podese constatar então que ambas as concepções tan to a filosófica quanto a antropológica vão convergir para uma só conclusão cultura é uma prerrogativa humana criada e transmitida pelos grupos sociais ao longo das ge rações Na verdade cada ser humano é ao mesmo tempo um receptor e gerador de cultura seja pela pura e simples repetição seja pela transformação seja ainda pela criação de novos objetos culturais Bases filosóficas da Educação 16 Atualmente sob os auspícios da cultura de massa auspí cios com o sentido mesmo de patrocínio verificase que há duas vertentes teóricas tratando da mesma coisa mui tas vezes só aparentemente em rota de colisão uma que denuncia o incentivo ao consumo desenfreado e a bana lização educacional e outra que comemora a democrati zação das informações e do acesso à instrução Só que ambas frequentemente se contradizem É nesse sentido que a massa é característica da nossa modernidade na qualidade de fenômeno al tamente implosivo irredutível a qualquer prática e teoria tradicionais talvez mesmo irredutível a qualquer prática e a qualquer teoria simplesmente BAUDRILLARD 1985 p 910 Para alguns autores a cultura de massa tem sua origem no século XV com Gutenberg e a prensa de tipos móveis Daí em diante as gazetas manuscritas se transformaram em jornais impressos que no começo do século XVIII já circulavam na Inglaterra Foi a época da primeira etapa da Revolução Industrial e do radical rearranjo dos meios de produção das relações sociais e muito especialmente da educação já que do operário agora exigiase pelo menos que soubesse ler e fazer contas No século XIX ocorre a se gunda etapa da Revolução Industrial marcada pela subs tituição da energia do vapor pelas do combustível fóssil e da eletricidade avanço que propiciaria o surgimento de meios de locomoção e comunicação muito mais eficientes Depois em um átimo de tempo histórico surgem o telé grafo sem fio o rádio a televisão e a internet cf SANTOS 2003 p 4751 transformando radicalmente as relações de trabalho 17 O processo de socialização Trabalho em uma definição muito geral é a ação exercida deliberada e conscientemente pelo homem sobre a natu reza em benefício próprio É por isso que não se pode afirmar que os animais trabalham pois na verdade suas ações quaisquer que sejam são hereditárias instintivas repetitivas e não intencionais A abelha por exemplo ao construir sua colmeia não trabalha porque sua ação de riva dos sempre mesmos gestos mecânicos e imutáveis próprios de sua espécie Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na men te sua construção antes de transformála em reali dade No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imagi nação do trabalhador Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera ele imprime ao mate rial o projeto que tinha conscientemente em mira o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade E essa subordinação não é um ato fortuito Além do esforço dos órgãos que trabalham é mister a von tade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho MARX apud CO TRIM FERNANDES 2010 p 142 O trabalho na verdade não é ou não deveria ser apenas uma necessidade existencial mas também um pra zer já que pode ser imaginado e realizado e uma boa realização é sempre prazerosa No entanto todas as pes soas religiosas ou não certamente já ouviram algumas ve zes esta sentença bíblica que as condena ao eterno labor Ganharás o teu pão com o suor do teu rosto A própria palavra trabalho aliás vem do latim tripalium artefato formado por três paus que se usava tanto para dominar Bases filosóficas da Educação 18 animais arredios quanto para torturar pessoas nos velhos tempos de Roma Mas o trabalho não é em si necessa riamente uma atividade ruim uma espécie de maldição um castigo terrível quando contratado e remunerado de forma justa liberta do contrário escraviza A única difi culdade que se pode encontrar nesta afirmação instalase exatamente sobre a questão de como entender o que seria essa forma justa Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes tal vez possam resolver essa dúvida pelo menos por alguns instantes Em termos individuais o trabalho permite ao ser humano expandir suas energias desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades Pelo trabalho o indivíduo é capaz de moldar e mudar a realidade sociocultural e ao mesmo tempo trans formar a si próprio Ou seja trabalhando podemos modificar o mundo e a nós mesmos em termos so ciais isto é como esforço conjunto dos membros de uma comunidade o trabalho tem como obje tivos últimos a manutenção e satisfação da vida e o desenvolvimento da sociedade Em resumo o tra balho teria esse poder de promover a realização do indivíduo a edificação da cultura e a solidariedade entre os seres humanos Essa nos parece uma boa definição com uma visão positiva e ideal do tra balho o que significa que nem sempre ele cumpre esse papel na vida das pessoas Na interpretação de Marx ao longo da história a dominação de uma classe social sobre outra desviou o trabalho de sua função positiva Em vez de servir ao bem comum passou a ser utilizado para o enriquecimento de al guns De ato de criação virou rotina de reprodução De recompensa pela liberdade transformouse em castigo Enfim em vez de constituir um elemento de realização de nossas potencialidades conver teuse em instrumento de alienação COTRIM FER NANDES cit p 142143 19 O processo de socialização Alienação seria oportuno esclarecer é um conceito fundamental nas obras de Hegel e Marx Pelo latim alie natio de alienare ligase a transferir alucinar perturbar pelo alemão Entfremdung o vocábulo pode ser traduzi do por afastamento separação Em Hegel idealista é um obstáculo intransponível no percurso da autoconsci ência em busca do absoluto cf BLACKBURN 1977 em Marx materialista significa a despossessão seguida da ideia de es cravidão Assim quando dizemos hoje que o tra balho é um instrumento de alienação na economia capitalista estamos reconhecendo que o operário é despossuído do fruto de seu trabalho JAPIASSU MARCONDES 1991 Mas antes de Hegel e Marx e antes muito antes da senten ça bíblica citada alguns parágrafos atrás os seres humanos já trabalhavam ou seja já exerciam a atividade consciente de modificar a natureza para satisfazer suas necessidades existenciais básicas roupas moradia alimentação Na PréHistória o trabalho era dividido entre os homens incumbidos da caça e da defesa do grupo e as mulheres às quais cabiam as tarefas domésticas Na Antiguida de em sociedades avançadas como a grega depreciavase qualquer atividade manual ou de negócios dandose gran de importância ao trabalho intelectual Na Idade Média ainda se privilegiava a atividade intelectual mas por força das orientações cristãs Tomás de Aquino à frente o trabalho estafante passou a ser considerado um bom ca minho para que fossem alcançados os tesouros do Céu Na Idade Moderna com a ascensão da burguesia na Europa Bases filosóficas da Educação 20 Ocidental o catolicismo se enfraquecia e propiciava a eclosão do protestantismo cuja vertente calvinista reco mendava aos fiéis uma vida de muito trabalho também só que visando aos tesouros da Terra uma das razões que teriam levado o sociólogo alemão Max Weber 1864 1920 a defender a existência de um vínculo entre a ética preconizada por Calvino e o capitalismo em países onde predominava a orientação protestante Trabalho alienado e taylorismo O processo de alienação que afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas começou com a chamada or ganização científica do trabalho desenvolvida pelo engenhei ro e economista norteamericano Frederick Taylor 18561915 cujo método ficou conhecido como taylorismo A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber Tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o resultado final do seu tra balho nem governo sobre a finalidade do que fabrica COTRIM 1999 p 30 21 Primórdios da Educação PRIMÓRDIOS DA EDUCAÇÃO No tópico anterior foram analisados três assuntos impor tantes se não imprescindíveis para o entendimento do processo de socialização o primeiro foi a linguagem ima ginada e articulada quesito fundamental para a diferen ciação entre o homem e os outros animais o segundo foi a cultura comunicada homem a homem grupo a grupo geração a geração por meio da qual o indivíduo se modi fica e modifica o ambiente e o terceiro foi o trabalho que produz e reproduz cultura e é por ela simultaneamente produzido e reproduzido num processo dialético ininter rupto tipicamente hegeliano tese antítese síntese ca paz de engendrar ideias e a partir delas construir objetos materiais e imateriais Atentese a propósito para o que Dermeval Saviani pode dizer a respeito do binômio traba lhoeducação e viceversa Assim o processo de produção da existência hu mana implica primeiramente a garantia da sua subsistência material com a consequente produção em escalas cada vez mais amplas e complexas de bens materiais tal processo nós podemos traduzir na rubrica trabalho material Entretanto para pro duzir materialmente o homem necessita antecipar em ideias os objetivos da ação o que significa que ele representa mentalmente os objetivos reais Essa representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real ciência de valoriza ção ética e de simbolização arte Tais aspectos na medida em que são objetos de preocupação ex plícita e direta abrem a perspectiva de uma outra categoria de produção que pode ser traduzida pela rubrica trabalho não material Tratase aqui da 22 Bases filosóficas da Educação produção de idéias conceitos valores símbolos hábitos atitudes habilidades Numa palavra tra tase da produção do saber seja do saber sobre a natureza seja do saber sobre a cultura isto é o conjunto da produção humana Obviamente a edu cação situase nessa categoria do trabalho não ma terial SAVIANI 1991 p 12 Ora classificarse a educação como trabalho não mate rial ideal portanto pode tornar implícita a aceitação imediata de que ela já se revelara um agente modificador embora ainda incipiente logo aos primeiros e tímidos lam pejos da inteligência humana De fato nos agrupamentos mais primitivos existia uma protoeducação assistemática e difusa recebida e repassada por seus membros entre si a qualquer tempo e em qualquer idade por intermédio de processos rudimentares de observação e imitação ou de tentativa e erro Adiante contudo à época das sociedades organizadas já se registra a ocorrência daquilo que se con vencionou chamar de educação informal centrada na imi tação das atividades dos adultos pelos jovens o exercício da linguagem o manejo das armas e de outros instrumen tos usados na caça e na pesca as técnicas de transformação ambiental a reverência aos antepassados Esse era contu do um ensinamento casual por certo baseado no que se podia observar no ambiente Nas comunidades tribais as crianças aprendem imi tando os adultos nas atividades diárias de manuten ção da existência Quer nas tribos nômades quer nas que já se tenham sedentarizado ocupandose com a caça a pesca o pastoreio ou a agricultura as crianças aprendem para a vida e por meio da vida Não há alguém especialmente convocado para de senvolver essa aprendizagem que nem sequer é ta refa exclusiva dos pais Na verdade todos na tribo são agentes do processo As atividades econômicas 23 Primórdios da Educação são desenvolvidas em comum não havendo pro priedade privada e a tendência predominante é a existência da família extensa constituída pelo pa triarca sua esposa seus filhos com suas mulheres e filhos ARANHA 1998 p 58 Esse modelo educacional da família extensa aliás vai per durar por muito tempo mas sofrerá importantes transfor mações ao longo dos séculos até chegar à família nuclear conjugal mas isso lá pelo século XVI da Era Cristã Por enquanto tratase aqui da Era Neolítica cerca de 10 mil anos atrás quando a agricultura e a pecuária intensivas iriam propiciar a substituição gradual da inquietação nô made pela relativa estabilidade do sedentarismo com o consequente enriquecimento das técnicas artesanais utili tárias e um não menos importante desenvolvimento artís tico voltado agora não só para a simbologia mágica mas também para a estética e a educação A revolução neolítica é também uma revolução edu cativa fixa uma divisão educativa paralela à divisão do trabalho entre homem e mulher entre especia listas do sagrado e da defesa e grupos de produto res fixa o papelchave da família na reprodução das infraestruturas culturais papel sexual papéis sociais competências elementares introjeção da au toridade produz o incremento dos locais de apren dizagem e de adestramento específicos nas diversas oficinas artesanais ou algo semelhante nos campos no adestramento nos rituais na arte que embora ocorram sempre por imitação e segundo processos de participação ativa no exercício de uma atividade tendem depois a especializarse dando vida a mo mentos ou locais cada vez mais específicos para a aprendizagem Depois são a linguagem e as técni cas linguagem mágica e técnicas pragmáticas que regulam de maneira cada vez mais separada dois modelos de educação Mas aqui já estamos no limiar das sociedades hidráulicas CAMBI 1999 p 59 24 Bases filosóficas da Educação Franco Cambi entende por sociedades hidráulicas aquelas que se fixam em vales de rios cujas águas controlam e das quais dependem para o desenvolvimento da agricul tura Podese pensar contudo se não seria mais próprio chamálas sociedades hidrófilas ou hídricas ou fluviais De qualquer modo Cambi faz referência àquelas socie dades que nascidas no Extremo Oriente vãose estender à Mesopotâmia e ao Egito tendo em comum a severa divisão do trabalho a instituição de castas sociais e um poder centralizado fortemente estatal exercido por um soberano cercado de burocratas guerreiros e sacerdotes a partir das quais se irá desenvolver a história propria mente como hoje se conhece embora o surgimento delas não tenha ocasionado o fim das sociedades exnômades ou nômades organizadas em tribos que já se fixavam ou percorriam ainda as ilhas os desertos e as estepes Seria importante acrescentar que nas sociedades ora em estudo a natureza é divinizada descrita por narrativas mitológicas controladas por grupos sacerdotais mas é também simultaneamente dominada compreendida em seus mecanismos e submetida aos desígnios do homem pelo controle técnico que implica porém o conhecimento do mun do natural para poder dominálo e transformálo E que nelas a educação também muda profundamente 1 ela é ainda transmissão da tradição e aprendiza gem por imitação mas tende a tornarse cada vez mais independente deste modelo e a redefinirse como processo de aprendizagem e de transforma ção ao mesmo tempo 2 ligase cada vez mais à 25 Primórdios da Educação linguagem primeiro oral depois escrita tor nandose cada vez mais transmissão de saberes dis cursivos ou discursossaberes e não somente de práticas de processos que são apenas ou sobretu do operativos 3 reclama uma institucionalização desta aprendizagem num local destinado a transmi tir a tradição na sua articulação de saberes diversos a escola Instituição esta que se torna cada vez mais central até que das sociedades arcaicas se passa aos estados territoriais e a uma rica e articulada divi são dos saberes que reflete a do trabalho o qual é cada vez mais especializado e tecnicizado Será uma escola dúplice de cultura e de trabalho liberal e profissional que acentuará o profundo dualismo próprio das sociedades hidráulicas ou agrícolas li gado ao enrijecimento dos papéis sociais em clas ses sociais separadas com alguns aspectos quase de castas Cf CAMBI cit p 5962 E que povos seriam esses aos quais se fez referência ge nericamente como pertencentes a sociedades hidráuli cas São chineses indianos japoneses mesopotâmicos egípcios fenícios e hebreus Observemos a seguir de que forma cada um deles tratava a educação Os chineses por força de uma estrutura social extrema mente conservadora e pragmática engendraram um mo delo educativo igualmente tradicional e útil separado por classes no qual cultura e trabalho eram colocados em campos opostos e em que havia escolas especiais para a classe dirigente Algo semelhante se passou na Índia das castas sociais onde dirigentes e sacerdotes brâmanes jainistas e budis tas nada mais ofereciam à população miserável e faminta senão recomendações de infinita paciência e de renúncia ao mundo 26 Bases filosóficas da Educação Esse mesmo amálgama de imobilidade e exacerbado tradi cionalismo também ocorrerá no Japão cuja sociedade foi organizada em classes sociais e profissionais fechadas Os mesopotâmicos tiveram no templo seu verdadeiro cen tro social daí a entrega aos sacerdotes da formação es colar ligada a um processo de iniciação ao qual se seguia o aprendizado oral e depois criptográfico da língua além daquele ligado à matemática e à contabilidade visando à formação de um técnico o escriba fielmente atrelado aos protocolos e restrições religiosas Entre os egípcios o saber também se concentrava na casta dos sacerdotes e era ministrado no templo seguia por tanto uma orientação semelhante à dos mesopotâmicos com algumas variações como a educação escolar paralela à familiar e a dos ofícios seguidas quando conveniente da admissão à Casa da Vida onde se ministrava algo pare cido com uma instrução superior Os fenícios se destacaram no cálculo e na navegação mas a maior realização desse povo foi a invenção do alfabeto de 22 consoantes sem vogais do qual iriam derivar o dos gregos e em seguida o dos europeus todavia no que toca à educação seus processos não se afastaram signifi cativamente daqueles já abordados que privilegiavam a sacralização dos saberes e o pragmatismo técnico Para os hebreus os grandes educadores eram os profetas embora em família a autoridade estivesse centrada na fi gura do pai e a escola se organizasse na interpretação da Lei dentro da sinagoga Cf CAMBI cit 6270 27 Primórdios da Educação Finalizase aqui essa rápida incursão pelo campo educati vo das sociedades hidráulicas É tempo agora de se falar dos gregos esse povo ao qual a cultura do Ocidente tanto deve no que tange às artes plásticas especialmente escul tura e Arquitetura às artes cênicas dramaturgia canto dança às ciências Medicina e Matemática destacandose a Geometria à Filosofia e por uma relação simultânea de causa e consequência entre todos estes campos à edu cação Esta seção se fechará portanto com a pesquisa de como era a educação na Grécia Arcaica Na Ilíada e na Odisseia poemas atribuídos a Homero não é difícil encontrar alguns indícios mais ou menos eviden tes daquilo que se entendia e se praticava como educação naqueles tempos heroicos Mas advertimos que nes sas obras principalmente na primeira estaremos sempre diante de simples alusões pedagógicas proferidas no calor de uma narrativa épica eivada de sangue e violência explícita e plena de interpolações e repetições por vezes desconcertantes De qualquer modo se isso permite pers crutar apenas superficialmente até que ponto poderia cha marse de educação aquilo de que dispunham as classes mais baixas não deixa de apresentar um quadro muito claro sobre a orientação que se ministrava aos aristocra tas desde a infância com a finalidade precípua de perpe tuálos no poder Canta ó Deusa a cólera de Aquiles filho de Peleu cólera funesta que causou inumeráveis dores aos aqueus precipitou no Hades almas de heróis sem conta e os corpos lhes tornou em presas de cães e pássaros carniceiros HOMERO 1986 p 17 28 Bases filosóficas da Educação É assim que começa a Ilíada Nada mais próprio já que o poema narra as façanhas daquele herói durante os dez anos da Guerra de Troia ou Ílion daí Ilíada Claro que há coadjuvantes às dezenas deuses e mortais mas o artista principal é mesmo o dono do famoso calcanhar Aquiles é filho de Peleu rei da cidade de Ftia na Tessália Descende diretamente do rei dos deuses Zeus por parte de pai e sua mãe é uma deusa menor Tétis Teria sido educado pelo preceptor Fênix ou pelo centauro Quíron De qualquer modo educado por quem quer que fosse exer citouse no canto na lira no adestramento de cavalos e aprendeu Medicina Alimentavamno exclusivamente de entranhas de leões e de javalis para lhe comunicar a força desses animais de mel que devia lhe conceder a doçura e a persuasão e de medula de urso GRIMAL 2000 Ulisses ou Odisseu daí Odisseia de ascendência não tão nobre ou pelo menos não tão divina quanto Aquiles é o varão industrioso que depois de haver saque ado a cidadela sagrada de Tróade outro nome de Troia vagueou errante por inúmeras regiões visi tou cidades e conheceu o espírito de tantos homens HOMERO 1979 p 11 O adjetivo industrioso habilidoso atribuído a Ulisses considerados os valores éticos atuais é no mínimo eufe místico Ulisses na verdade seria hoje tachado de ladrão mentiroso solerte traiçoeiro nódoas de caráter vistas pela própria Atena a deusa que o protegia como magní ficas e raras qualidades E foram justamente Aquiles com sua cólera sanguinária e Ulisses com sua velhacaria dois 29 Primórdios da Educação dos melhores modelos de nobreza e virtude nos tempos da Grécia Arcaica Estamos diante de uma pedagogia do exemplo da qual Aquiles encarna a areté o modelo ideal mais completo de formação ligada à excelência e ao valor Não só já a partir da Ilíada a música e a ginástica pertencem ao programa educativo dos gregos e são indicadas como modelo e programa às jovens gerações justamente pela leitura educativa do poema homérico que será texto de formação por séculos das classes dominantes CAMBI cit p 77 Enquanto isso para o povo versos com regras morais e exortação ao trabalho versos adequados à manutenção e opulência da aristocracia mas certamente desprovidos desse intento quando Hesíodo os compôs Mede bem o que tomas de teu vizinho e devolve bem na mesma medida ou mais ainda se pude res para que precisando depois o encontres mais generoso Doar é bom roubar é mau e doador de morte pois o homem que dá de bom grado mesmo doando muito alegrase com o que tem e em seu ânimo se compraz Confiando na impu dência quem para si próprio furta mesmo sendo pouco deste se enrijece o coração pois se um pou co sobre um pouco puseres e repetidamente o fi zeres logo grande ficará Quem acrescenta ao que já tem ardente fome afastará o armazenado em casa desassossego ao homem não traz melhor é o de casa o de fora danoso é Facilmente imen sa fortuna forneceria Zeus a muitos quanto maior for o cuidado de muitos maior o ganho Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo assim faze trabalho sobre trabalho trabalha HESÍODO 1991 p 4951 É certo que os tempos eram outros e que não se pode a partir de uma visão humanista do século XXI simples 30 Bases filosóficas da Educação e sumariamente criticar e reprovar os usos e costumes de uma cultura instalada lá pelos séculos XI ou X da era précristã o próprio relativismo cultural sempre válido e desvinculado naturalmente de limitações de espaço físico eou político reprovaria essa postura etnocêntrica tanto neste caso quanto em qualquer outro Mas apesar disso ou por isso mesmo será interessante investigar como foi possível que partindo de um modelo socioedu cativo desses a Grécia Arcaica se transformasse em Gré cia Clássica paradigma de sabedoria que vai influenciar todo o mundo ocidental 31 Estruturação da atividade filosófica educativa ESTRUTURAÇÃO DA ATIVIDADE FILOSÓFICA EDUCATIVA Não parece impróprio chamar de metamorfose o processo pelo qual a Grécia Arcaica iria transformarse em Grécia Clássica essa passagem de ovo a lagarta de lagarta a cri sálida e de crisálida a borboleta na verdade é sem dúvida uma boa metáfora para o caso De fato Franco Cambi nota que a organização política do Estado típica da Gré cia arcaica reinos independentes e territoriais tende gradativamente mas de modo profundo a mudar com a afirmação da pólis CAMBI cit p 77 Mas o que seria a pólis A palavra pólis é uma transliteração direta do grego significa cidade e aportuguesada tem como derivadas por exemplo acrópole cidade alta metrópole cidade grande e política discussão a respeito dos assuntos públicos da cidade A instituição da pólis se dá entre os séculos VIII e VII e assinala a crise daquela pedagogia do exemplo de que fala Franco Cambi Porque já começa a existir a partir de então uma CidadeEstado com forte unidade espiritual religiosa e mitopoiética que organiza um território mas que sobretudo é aberta para o exterior comércio emigra ção colonização CAMBI cit p 77 E aí está essa abertura para o exterior significa também a abertura das mentes e dos olhos do povo um povo que 32 Bases filosóficas da Educação passa a compreender que afinal a divindade e a onipotên cia dos soberanos desde aqueles seus representantes mais ilustres como Aquiles Ulisses e tantos outros não passam em última análise do produto de um medo injustificável com uma empulhação desmedida afinal como dizia Abraham Lincoln proferindo uma verdade evidente por si mesma em qualquer época e em qualquer lugar Vocês podem enganar todos por algum tempo po dem mesmo enganar alguns todo o tempo mas não podem enganar todos todo o tempo Assim os reis se enfraque cem declinam e se elevam as cidades com seus agora cidadãos alguns já plenamente cônscios de sua importân cia na comunidade outros em vias de compreendêla Mas como na metamorfose da borboleta esse processo não aconteceu automaticamente nem de uma hora para outra Desde a antiguidade os gregos interessaramse pela palavra pelos discursos especialmente por seus me canismos de ação pela influência que a palavra pode produzir E este fascínio pelo poder da palavra re monta à época arcaica quando os conhecimentos ancestrais eram divulgados oralmente pelos aedos Ao enaltecer os grandes feitos os aedos fortale ciam também o poder dos reis mantendo o controle da sociedade e a sacralização em torno da palavra pois seus discursos eram aceitos incondicional mente não admitindo contestações os aedos tinham o privilégio de serem os escolhidos das musas Mas o interesse grego pela palavra não se limita apenas ao período arcaico na verdade atravessou séculos para com as transformações sociopolíticas e eco nômicas consagrarse enfim no Estado democráti co com a atuação dos professores sofistas É com os mestres da sofística que a palavra agora laicizada e acessível a todos os cidadãos alcança sua plenitude democrática e libertadora capaz de influir decisiva mente através da argumentação no destino da pólis SILVEIRA 1998 p 107 33 Estruturação da atividade filosófica educativa Sobre essa verdadeira paixão dos gregos pela palavra escreve Marcel Detienne Peithó é uma divindade todopoderosa tanto em relação aos deuses quanto aos homens somente a morte pode lhe oferecer resistência Peithó dispõe dos Sortilégios das palavras de mel tem o poder de fascinar dá às palavras sua doçura mágica resi dindo sobre os lábios do orador Peithó corresponde no panteão grego ao poder que a palavra exerce sobre o outro traduz no plano mítico o charme da voz a sedução a magia das palavras Sob a máscara de Thelxinoé ela é uma das musas e sob a de Telxiepeia uma das Sereias Mas como estas últimas ela é funda mentalmente ambivalente benéfica e maléfica Através de um de seus aspectos Peithó tão estreitamente ar ticulada à Alétheia Verdade relacionase com potências negati vas que são da mesma espécie de Léthe Esquecimento DETIEN NE 1988 p 38 Os sofistas eram professores itinerantes que percorriam a Grécia do chamado período clássico ensinando aos cidadãos que os podiam remunerar de alguma forma as técnicas os segredos e as artimanhas do discurso naque le tempo em que a palavra certa na hora exata era deci siva nos debates das assembleias em que se definiam as questões políticas Sócrates Platão e Aristóteles não gos tavam deles fosse por cobrarem pelas aulas fosse por es timularem com absoluta coerência e inequívoca lógica admitase a relativização da verdade que não era mais do que o resultado da persuasão e do consenso De acordo com Werner Jaeger os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação Com efeito estabeleceram os fundamentos da pedagogia e ainda hoje a formação intelectual trilha em grande parte os mesmos cami nhos JAEGER 1995 p 348349 34 Bases filosóficas da Educação Ensinavam um pouco de tudo acrescentese aliás que antes dos sofistas não se fala de gramática de retórica ou de dialética Devem ter sido eles os seus criadores JAE GER cit p 366 Dentre os sofistas que foram muitos embora apenas fragmentos da obra deles tenham resistido ao tempo e à oposição intelectual três podem ser destacados como os mais importantes Protágoras c 480420 aC autor da célebre expressão O homem é a medida de todas as coi sas Górgias c 485380 aC grande mestre da palavra e Isócrates 436338 aC desafeto de Platão e talvez por isso não admitido como membro do exclusivíssimo clube dos filósofos atenienses mais consagrados Educador por excelência Protágoras elege o discur so a palavra como instrumento de ensino a qual é capaz de influenciar e mesmo modificar as condições de conhecimento do aluno De seus en sinamentos faziam parte os dissoi logoi isto é os discursos duplos e opostos pois para cada tema existe a possibilidade de se utilizarem as antino mias argumentos reciprocamente conflitantes a possibilidade da utilização de discursos breves ou longos de acordo com as circunstâncias e a habilidade de tornar forte um argumento fraco quer dizer fazer com que um discurso inferior e sem consistência se apresente como superior Em Górgias o poder da palavra alcança toda a sua ple nitude Para ele a ciência do discurso é uma arte suprema e é neste aspecto que a sua retórica se preocupa com a harmonia entre a forma e o conteú do das palavras detendose especialmente no efei to que estas produzem sobre o interlocutor pois a arte de bem dizer que influencia e seduz o ouvinte depende desta junção para estabelecer uma adesão eficaz SILVEIRA 2005 p 6061 35 Estruturação da atividade filosófica educativa Isócrates foi um dos últimos grandes mestres da re tórica da Grécia Clássica e entre os mais famosos o único ateniense Discípulo e imitador de Górgias e também de Sócrates considerava que a arte da persuasão retórica deveria estar ligada à vida em sociedade Contemporâneo e adversário de Pla tão postulava uma educação abrangente para a formação do espírito humano afirmando que a retórica pela característica de seus ensinamentos pode ser também chamada de filosofia e Platão reclamava para si o direito de ministrar a verdadei ra filosofia marcando vigorosamente sua oposição com a retórica SILVEIRA 1998 cit p 49 Retórica e Dialética Embora às vezes se fale em retórica dialética é recomendável separar uma coisa da outra selecionando ao menos uma ou duas definições de cada entre muitas possíveis Retórica é a arte de utilizar a linguagem em um discurso persuasivo por meio do qual visase convencer uma audiência da verdade de algo Técni ca argumentativa baseada não na lógica nem no conhecimento mas na habilidade em empregar a linguagem e impressionar os ouvintes Considerase que a retórica foi sistematizada e desen volvida pelos sofistas Dialética em Platão é o processo pelo qual a alma se eleva por degraus das aparências sensíveis às re alidades inteligíveis ou ideias Em Aristóteles a dialética é a dedução feita a partir de premissas apenas prováveis Ele opõe ao silogismo científico fundado em premissas consideradas verdadeiras e concluindo necessariamente pela força da forma o silogismo dialético que possui a mesma estrutura de necessidade mas tendo apenas premissas prováveis concluindo apenas de modo provável JAPIASSU MARCONDES cit Abordouse até aqui de forma diligente e sintética a Pai deia a formação do homem grego assunto vasto e com plexo que mereceu de Werner Jaeger a elaboração de um verdadeiro tratado composto por nada menos de 1413 páginas Examinese agora como se processava especifi camente a educação infantil na Grécia Clássica no limiar e logo depois daquela formidável virada educacional 36 Bases filosóficas da Educação As crianças passavam os primeiros anos sob a severa au toridade do pai que as podia tanto reconhecer e acolher quanto simplesmente recusar e abandonar Afetivamen te ignoradas com medo de um pai terrível e onipotente assistidas de longe pelas mulheres da casa as crianças viviam de fato ao largo da vida social Isso em Atenas que já se anunciava como um dos mais importantes pa radigmas educacionais do mundo e berço da democra cia Em Esparta também cidadeEstado da conturbada federação grega como Atenas mas com a qual rivalizava a situação da criança era ainda pior pois o modelo de Estado militar totalitário espartano voltavase inte gralmente para a formação de cidadãosguerreiros Na verdade Esparta e Atenas deram vida a dois ideais de edu cação um baseado no conformismo e no estatis mo outro na concepção de Paidéia de formação humana livre e nutrida de experiências diversas sociais mas também culturais e antropológicas CAMBI cit p 82 Três dos mais importantes filósofos atenienses res ponsáveis pelos grandes modelos teóricos da Filosofia de um modo geral e particularmente da Filosofia da Educação foram Sócrates Platão e Aristóteles Sócrates c 470399 aC costumava ensinar em praça pública e gratuitamente Para ele o objetivo da educação era a formação moral o que poderia ser alcançado por um sistema de perguntas e respostas mediante o qual o discípulo após reconhecer a própria ignorância podia finalmente alcançar a Verdade que já existia em seu in terior Tratase do processo maiêutico do grego maieu 37 Estruturação da atividade filosófica educativa tikós relativo a partos porque afinal como o próprio nome indica faz mesmo alusão a um parto só que neste caso o parto é metafórico intelectual Sócrates conhecido apenas pelos depoimentos de seus discípu los Platão e Xenofonte e pela peça As Nuvens do comediógra fo Aristófanes era filho de um escultor e de uma parteira Teria então colhido da prática profissional da mãe os subsídios teóri cos para desenvolver o seu método de ensino Foi condenado à morte por desprezar os deuses e desencaminhar os jovens e quando alguns amigos influentes lhe ofereceram a fuga preferiu ficar como bom cidadão e submeterse à sentença dos juízes servindose com as próprias mãos da taça de cicuta veneno ve getal bastante usado à época que lhe prepararam seus algozes Platão c 427348 ou 347 aC defendia que a Verda de era um atributo anímico alcançável pela educação Caberia ao mestre a tarefa de conduzir o discípulo por um processo de rememoração do que sua alma já conhe cia do mundo material até o mundo das ideias onde se encontravam as matrizes reais de todas as coisas das quais enquanto ignorantes só poderíamos vislumbrar as sombras Discípulo de Sócrates ensinava em sua Aca demia também por meio de diálogos a exemplo do sau doso mestre Na República no Político e nas Leis enuncia as condições da cidade harmoniosa governada pelo filósoforei personalidade que governa com auto ridade mas com abnegação de si com os olhos fi xos na ideia do bem JAPIASSU MARCONDES cit 38 Bases filosóficas da Educação Platão e sua Alegoria da Caverna Segundo esse famoso relato homens se encontravam acorrenta dos em uma caverna desde a infância de tal forma que não poden do se voltar para a entrada apenas enxergam o fundo da caverna Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos quando regressas se para contar o que vira não mereceria o crédito de seus antigos companheiros que o tomariam por louco Platão compara o acorrentado ao homem comum que permanece dominado pelos sentidos pelas paixões e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo capaz de atingir o verdadeiro conhecimento ARANHA 2000 p 45 Aristóteles 384322 aC adotava como metodologia pro por ao discípulo uma série de assuntos que após devi damente apreendidos deveriam ser interrelacionados gerando outros e outros e assim por diante o que propi ciaria ao aluno por meio de sucessivos exercícios aquilo que hoje se poderia chamar de educação transdisciplinar e holística Notese contudo que esse processo exigia como condição prévia a existência de disposições capazes de se desenvolverem como também de meios para fazêlo pois o educando só pode realizar possibilidades a ele inerentes Cf GILES 1983 p 66 Assim providos dessa educação abrangente e integral os discípulos poderiam finalmente alcançar a felicidade últi ma fronteira das aspirações humanas Aluno de Platão na Academia preceptor de Alexandre Magno aos cinquenta anos fundou sua própria escola o Liceu em cujo bosque ministrava as aulas caminhando com os alunos os peri patéticos do grego peripatetikós que gosta de passear 39 Estruturação da atividade filosófica educativa A mente ordenada de Aristóteles mostrava o mesmo interesse instintivo pelo meiotermo que sua filosofia moral glorificava evi tava todos os extremos e em geral era justo com todos os lados das divisões que separam os filósofos em campos adversários Foi a principal figura nas filosofias árabe e medieval Sua concepção fundamentalmente animista da natureza como uma espécie de planta ou organismo ativo que se esforça por atingir seus fins sua distinção entre fenômenos celestes e a natureza sublunar foram aspectos dominantes do pensamento europeu até as re voluções que acabaram por produzir a concepção galileana do mundo no século XVII No século XX sua importância tem sido frequentemente reafirmada e Aristóteles continua a ser uma figu ra central no pensamento ético e metafísico BLACKBURN cit Com a helenização do mundo a cultura grega vai trilhar outros caminhos No que toca ao processo educativo a preocupação agora é transmitir ao homem livre um conhecimento en ciclopédico processo cujo desempenho também dependerá sobremaneira do Estado ao qual incum be codificar as prescrições e vigiar as instituições visando à formação do homem erudito universal GILES cit p 67 O mundo helenizado é de fato um mundo novo que se alastra pelo Mediterrâneo e Oriente Próximo sob a decisiva e paradoxal influência de uma Grécia de cida desEstado que decaíam por força da devastadora Guer ra do Peloponeso travada entre Esparta e Atenas cada qual com seus respectivos aliados durante longos 27 anos 431 a 404 aC É então que se ergue a Macedônia onde o povo falava grego frequentava festivais gregos e tinha reis que afirmavam descender de Aquiles o grande herói grego da Ilíada A hegemonia da Macedônia vai perdurar de 358 aC quando começa o reinado de Filipe II até cerca 40 Bases filosóficas da Educação de meio século após a morte de Alexandre em 323 aC A partir daí assistese à ascensão de uma nova potência tratase de Roma que de certa forma também foi um Estado sucessor do helenismo embora sua história tanto tra dicionalmente quanto à luz dos estudos modernos tenha começado bem antes de Alexandre ROBERTS 2001 p 215 No que tange à educação é evidente o pragmatismo dos romanos a busca da ação prática rápida e decisiva uma das marcas registradas mais próprias da cultura deles e isso se confirma quando se observa a ocorrência em Roma de uma espécie de mixagem entre os métodos es partano e ateniense a qual se revelou como por certo o esperavam tanto os generais quanto os educadores civis de grande eficiência na materialização daquilo que se esperava da instrução infantil crianças sadias no espíri to e no corpo mens sana in corpore sano como canta ria o poeta Juvenal já no ano I de nossa era desde cedo conduzidas em família e nas escolas elementares para a honestidade a austeridade e principalmente o amor in condicional à pátria isso no que toca aos meninos pois às meninas caberia o aprendizado dos deveres de esposa de mãe e das tarefas domésticas Mas acontece que o continuado contato com outros povos leva o proces so educativo romano a tomar outros rumos Inicia se a helenização da cultura romana Doravante o principal valor do processo educativo será a formação do caráter do educando em sentido universal cosmo polita humanista GILES cit p 6768 41 Estruturação da atividade filosófica educativa E é justamente nesse aspecto que sábios como Marco Túlio Cícero 10643 aC considerado o maior orador latino Lú cio Aneu Sêneca 4 a C65 dC filósofo estoico e literato e Marco Fábio Quintiliano 35100 dC seguidor da retóri ca de Isócrates e educador vão contribuir decisivamente Para Cícero a educação deve ensinar sobretudo que o verdadeiro orador é o homem ideal que reúne em si capaci dade de palavra riqueza de cultura e capacidade de parti cipar da vida social e política como protagonista morren do pelo Estado se for preciso É o homem da pólis grega reativado e universalizado pelo culto da humanitas que se completa com o estudo das artes liberais das humanae litterae e da retórica em particular CAMBI cit p 109 Para Sêneca a verdadeira educação pressupõe uma sólida aliança entre o homem e a natureza com o concurso da razão e deve propiciar ao aluno a sua libertação do jugo das paixões convencendoo de que a vida exige de cada um e de todos vigor e pertinácia contudo este ensino só conseguirá ser eficaz mediante o exemplo e as convicções íntimas Cf GILLES cit p 6869 Para Quintiliano o processo educacional que deve começar muito cedo é responsabilidade do Estado pois só ele é que possui meios de garantir a educação coletiva pública vi sando à formação do cidadão do homem público político e humanista Quanto à metodologia o educador recomenda aqueles três mesmos fatores apontados por Aristóteles cul tivo das disposições naturais instrução continuada e muita prática sem a qual as melhores disposições naturais e a melhor técnica serão totalmente inúteis Cf ib p 68 42 Bases filosóficas da Educação Devidamente consolidada e adequada às classes privile giadas e como sempre vedada ao povo a educação no Ocidente prosseguiu sem turbulências ou modificações significativas até chegar à Europa medieval onde o cris tianismo muito antes divulgado pela peregrinação dos quatro evangelistas Mateus Marcos Lucas e João e mais tarde reforçado em suas bases materiais e espiri tuais pelo trabalho incansável de Paulo de Tarso exigirá a idealização de um processo educativo mais consistente e organizado o que se fará mediante a formação de escolas catequéticas Cf GILES cit p 69 Com efeito é no período medieval que surgem dois dos maiores educadores cristãos Clemente de Alexandria c 153220 e Orígenes 185253 Clemente com seu Paedagogus coloca como mo delo a paidéia helênica mas também afirma que esta só se realiza plenamente no cristianismo Segundo Orígenes Cristo era o grande Mes tre que indicava uma paideia do gênero huma no CAMBI cit p 129 A partir de Agostinho 354430 que seguia orientação filosófica nitidamente platônica diante dos conflitos e inquietações que acometem o homem medieval buscase sobretudo a disciplina pois já que as palavras são ape nas sinais de objetos que por sua vez são imagens das ideias abrigadas na mente de Deus é preciso que o educando seja levado até o mundo das ideias com a ajuda do educador e da iluminação divina para só então poder alcançar a Verdade que afinal habita seu próprio interior Cf GILES cit p 6970 43 Estruturação da atividade filosófica educativa Já na segunda metade da Idade Média após a invasão dos bárbaros a queda do Império Romano e a instituição das es colas monásticas onde a Literatura e o Latim eram ensinados juntamente com as sete artes liberais Gramática Dialética Retórica Aritmética Geometria Astronomia e Música sur ge a Escolástica modificando fundamentalmente o modo de idealizar e realizar o processo educativo mas conservando a mesma disposição de transmitir a sabedoria como instrumento a serviço da fé e não de investigar a sabedoria por si Visase sobre tudo resolver possíveis conflitos entre fé e razão entre Filosofia e Teologia Cf GILES cit p 70 Tomás de Aquino 12241274 o mais importante pensador da época que em De Magistro retoma Agostinho Sublinhou a importância do professor no despertar da mente do estudante o aspecto sensível do conhe cimento e do ensino a possibilidade de conhecer os primeiros princípios de toda ciência e de ensinálos a outros despertando a atividade racional A pedagogia tomista é toda embebida de fé na razão Tudo isso ex plica a condenação que foi feita de muitas teses tomis tas em 1270 e depois em 1277 CAMBI cit p 189 Tanto intelecto tanta fé tanta elucubração transcendental e nada relativo à vida prática mas não é preciso ser um gênio ou um santo para saber que a nossa existência é feita de pen samento e ação vida é práxis seja pela tradução direta do grego seja pelo sentido estritamente marxista do termo Toda vida social é essencialmente prática Todos os mistérios que dirigem a teoria para o misticismo encontram sua solução na praxis humana e na com preensão dessa praxis Marx in JAPIASSU MAR CONDES cit 44 Bases filosóficas da Educação Foi por falta de uma educação também terrena por parte das escolas monásticas que profissionais do mes mo ramo artesãos e comerciantes por exemplo criaram a escola gremial capaz de oferecer a seus pares e cola boradores ensinamentos práticos técnicos e comerciais Pela mesma época passaram a existir também em contra ponto àqueles estabelecimentos religiosos de ensino as escolas municipais onde se ministravam aulas de língua vernácula em vez do Latim bem como de Cálculo Geo grafia Ciências Naturais e outras disciplinas mundanas Por fim a disseminação das escolas gremiais e munici pais somada à discreta mas inevitável evolução das próprias escolas monásticas vai propiciar a fundação das primeiras universidades fomentadoras incansáveis em todas as épocas do saber irrestrito e geral que nos acom panha até hoje Neste capítulo vimos que o processo de socialização promove a integração dos indivíduos com base em três elementos fundamentais e exclusivamente humanos a linguagem articulada sem a qual uma comunicação de alto nível não se poderia manifestar a cultura aprendida e transmitida por meio dessa comunicação e o trabalho com o qual o homem modifica intencionalmente a natu reza e num processo recíproco produz e reproduz cul tura aquele conjunto de características intrínsecas a determinada sociedade capaz de mantêla sempre viva e coesa Aprendeuse ainda que é por intermédio da edu cação trabalho não material que se planeja se con cebe se dissemina e se perpetua a cultura Na verdade assim como é possível inferir que a linguagem é o começo da nossa humanização é possível afirmar sem qualquer resquício de dúvida que a educação é a única responsá 45 Estruturação da atividade filosófica educativa vel pela nossa permanência como espécie como seres hu manos como gente Mas por certo também a educação nunca teve vida fácil passou por maus bocados desde as sociedades mais antigas até a Grécia Clássica quando a situação de fato melhorou porém entrou na Idade Média oscilando confusamente entre fé e ciência entre religião e razão No entanto apesar de todas as dificuldades ape sar sobretudo do aviltamento que tantas vezes lhe foi imposto pelas classes dominantes que jamais hesita ram em usála para promover e justificar interesses nem sempre nobres a educação continua resistindo 46 Bases filosóficas da Educação REFERÊNCIAS ARANHA Maria Lúcia de Arruda Filosofia da Educação São Paulo Moderna1998 Maria Lúcia de Arruda História da Educação São Paulo Moderna 2000 ARENDT Hannah Noções sobre a filosofia política de Kant Rio de Janeiro RelumeDumará 1993 ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fontes 2000 BAUDRILLARD Jean A Sombra das maiorias silenciosas São Paulo Brasiliense 1985 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 CASSIRER Ernst Ensaio sobre o homem São Paulo Mar tins Fontes 2001 COTRIM Gilberto FERNANDES Mirna Fundamentos de Filosofia São Paulo Saraiva 2010 COTRIM Gilberto Fundamentos da filosofia São Paulo Saraiva 1999 47 DETIENNE Marcel Os mestres da verdade na Grécia clás sica Rio de Janeiro Zahar 1988 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 GRIMAL Pierre Dicionário da mitologia grega e romana Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 HESÍODO Os trabalhos e os dias São Paulo Iluminu ras1991 HOMERO Ilíada São Paulo Círculo do Livro 1986 Odisseia São Paulo Abril Cultural e Industrial1978 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego São Paulo Martins Fontes 1995 JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário bási co de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 MARCONI Marina de Andrade PRESOTTO Zelia Maria Neves Antropologia uma introdução São Paulo Atlas 2009 NESTOURKH Mikhail Les races humaines Moscou Édi tions du Progrès sd ROBERTS J M O livro de ouro da história do mundo Rio de Janeiro sn 2001 48 Bases filosóficas da Educação SANTOS Roberto Elísio dos As teorias da comunicação da fala à internet São Paulo Paulinas 2003 SAVIANI Dermeval Pedagogia históricocrítica Campi nas Autores Associados 1991 SILVEIRA Regina Yara Martinelli da Nova retórica a ra zão argumentativa de Chaim Perelman Rio de Janeiro UERJ 1998 Dissertação de Mestrado O nexo entre lógica e retórica na razão argumen tativa de Chaim Perelman Rio de Janeiro UERJ 2005 Tese de Doutorado 49 Concepção filosófica da política CAPÍTULO 2 POLÍTICA E EDUCAÇÃO É comum ouvir pessoas dizendo que não são políticas ou que detestam a política e os políticos Nada contra isto afinal às vezes os fatos revoltam mesmo Mas é pratica mente impossível ser refratário à política e aos políticos quando se vive em sociedade a não ser que se consiga viver trancado em uma caverna a do Platão por exem plo vendo as sombras das ideias e a própria vida es correndo pelas paredes em um festival de irrealidades Veremos agora a possível convivência entre política e edu cação O ideal seria que se pudesse escrever sempre Polí tica Educação claramente associadas mas às vezes as duas se comportam como uma mistura de água e óleo quando agitada até dá a impressão de unidade mas basta parar de sacudir para que se separem novamente as fases do sistema No primeiro momento se buscará a partir da pólis grega uma conceituação filosófica para a política pressupondo que até etimologicamente seu início remontaria à Grécia Clássica Em seguida a pesquisa estará sobre Roma com sua república pródiga de intrigas traições e usurpações que lhe daria um império imenso e uma queda proporcio nal às dimensões de tudo que conquistou 50 Política e Educação O foco de pesquisa seguinte irá centrarse no compromis so bilateral que deve ou deveria existir entre a política e a educação começando pelo Renascimento assumido como uma via de ligação expressa entre a Idade Média e a Modernidade e terminando com algumas palavras so bre a necessidade de todos participarem criticamente do processo educativo dentro e fora das salas de aula Finalmente será examinada a ideologia em alguns de seus muitos aspectos de forma que se possa estar tanto quan to possível preparado contra os diversos e camaleônicos tipos de manipulação que ameaçam indivíduos grupos ou nações inteiras a qualquer tempo e em qualquer lugar 51 Concepção filosófica da política CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DA POLÍTICA Por volta dos séculos XII e XIII a Idade Média é marcada por uma radical mudança de paradigma em vários cam pos e muito especialmente na educação É a época das grandes catedrais cristãs SaintSernin Durham Sainte Foy NotreDate Canterbury ciclópicos monumentos que falam ao povo analfabeto por meio de sua icôni ca linguagem de pedra É a época da Escolástica de To más de Aquino e do conflito entre fé e razão e é a época das primeiras universidades com origem nas escolas das próprias catedrais onde alguns professores na verdade livrespensadores pagos para ensinar disseminavam o saber laico gerando uma controvérsia inevitável entre as pessoas mais ilustradas e abastadas da Europa Ocidental Um paradoxo catedrais da fé gerando contra si mesmas catedrais do saber A aporia até semânticoetimológica é interessante catedral archieratiké ekklesía em grego pode ser traduzido por algo como lugar principal da as sembleia hierática relativa às coisas sagradas e ekklesía de onde saiu a palavra igreja e daí eclesiástico pode sig nificar também assembleia popular além do que catedral se relaciona ainda a cátedra e catedrático palavras nitida mente universitárias Não parece despropositado portanto inferirse a exis tência de uma instigante semelhança funcional entre os professores laicos medievais os livrespensadores e os professores laicos da Grécia Clássica os sofistas Em essência uma das poucas diferenças que podem ser 52 Política e Educação identificadas entre ambas as classes depende de uma só variável o tempo mas aqui tratase de um tempo histórico domínio abstrato em que alguns anos podem equivaler a uma fração de segundo Outra dessemelhança é a seguin te na Grécia Clássica a intensidade da pressão política exercida sobre os sofistas por parte das classes dominan tes sequer seria aproximativamente comparável àquela que sofreram os professoreslivrespensadores medievais para os quais a tortura e a fogueira não eram apenas puni ções possíveis mas muito prováveis Com efeito essa postura intransigente da Igreja vinha de longe desde pelo menos o século IV nos tempos de Agos tinho o neoplatonista para quem O homem foi criado à imagem de Deus e em seu estado original no qual saiu das mãos de Deus era igual ao seu arquétipo Mas tudo isso foi perdido com a queda de Adão A partir desse momento todo o poder original de raciocínio ficou obscurecido E a razão sozinha deixada a si mesma e a suas próprias faculdades nunca pode encontrar o caminho de vol ta Não pode reconstruirse não pode por seus pró prios esforços retornar à sua pura essência anterior Se tal transformação for algum dia possível será apenas por ajuda sobrenatural pelo poder da graça divina Até Tomás de Aquino o discípulo de Aris tóteles que volta às fontes da filosofia grega não se aventura a desviarse desse dogma fundamental Ele concede à razão humana um poder muito mais alto que o concedido por Agostinho mas está convenci do de que a razão não pode usar corretamente esses poderes a menos que seja guiada e iluminada pela graça de Deus Chegamos aqui a uma inversão total de todos os valores sustentados pela filosofia grega O que outrora parecia ser o mais alto privilégio do homem revelase como seu perigo e sua tentação o que surgia como seu orgulho tornase sua mais pro funda humilhação CASSIRER 2001 p 2223 53 Concepção filosófica da política Ou seja na Idade Média das catedrais seria extremamente arriscado humanizar o conhecimento falar em ciência em novas descobertas ou em novos modos de pensar e de agir senão naqueles previstos por Agostinho e Tomás de Aquino os grandes doutores da Igreja os únicos verdadei ros e confiáveis mentores da educação devidamente ca rimbados com a venerável e onipotente chancela do Papa o grande poder político à época Mas é preciso esclare cer desde logo o que se pode entender por poder político Em O que é poder Gerard Lebrun levanta a seguinte questão Se X tem poder é preciso que em algum lugar haja um ou vários Y que sejam desprovidos de tal poder É o que a sociologia norte americana chama de teoria do poder de soma zero o poder é umasoma fixa tal que o poder de A implica o não poder de B Esta tese ou este pressuposto quando a tese não é expressamente enunciada encontrase em autores tão diferentes ideologica mente como Marx Nietzshe Max Weber Raymond Aron Wright Mills LEBRUN 1992 p 18 Foi dito de passagem que política vem do grego pólis ci dade Portanto politikós é o político aquele que cuida dos negócios públicos atividade que nos tempos do esplendor de Atenas lá pelos séculos V e IV aC significa va ocuparse dos negócios daquela cidadeEstado De fato não seria possível ou recomendável falar de uma política propriamente de uma políteyma administração pública reportandose ao tempo dos aristoi de aristos de onde se originou a palavra aristocrata os melhores os exce lentes os príncipes os que exerciam o governo por meio de decisões pessoais irrecorríveis isso na Grécia ou em qualquer outro lugar à época Porque política só começará a ser exercida em plenitude pelo menos com toda a carga semântica que a etimologia do vocábulo sintetiza a partir 54 Política e Educação do advento da democracia ateniense demos povo krátos poder demokratía poder do povo uma forma de governo realmente muito avançada para a época apesar de excluir das deliberações e decisões as mulheres os escravos e os estrangeiros metecos de métoikos a qual não obstante isto terá sido capaz de inspirar até uns dois mil e qui nhentos anos depois as democracias plenas ou quase conformes àquela conhecida e repetida frase um tanto ou quanto romântica e que antes soa a esperança do que a constatação Todo o poder emana do povo Notese no entanto lembremonos daquela borboleta de que falamos antes que o regime aristocrático não acabou de uma hora para outra em Atenas A trajetória política dos ate nienses até o regime de maior participação popular da Antiguidade foi marcada por várias e longas eta pas Para que se chegasse à democracia foi preciso muita luta popular pois os aristocratas não cede ram facilmente FUNARI 2002 p 34 Sem dúvida o incremento mercantil por via marítima deu aos comerciantes a capacidade de rivalizar com os grandes proprietários rurais e de carona no sucesso dos comerciantes seguiram camponeses e artesãos amplian do sua participação social Todavia no século VI aC ao tempo de Sólon considerado o pai da democracia ate niense e do tirano Pisístrato apesar da reforma agrária que se tentou desapropriando e redistribuindo terras en tre pequenos proprietários os aristocratas permaneceram firmes e coesos em suas posições e isso até que Clíste nes poderoso estadista conseguisse lhes retirar também além de terras boa parte das prerrogativas tradicionais 55 Concepção filosófica da política reorganizasse a concessão de propriedades e instituísse um novo sistema de representação política pelo qual todo cidadão seria inscrito em um demos neste caso e em Ate nas significando cantão povoação e ganharia o direito de votar durante a assembleia Foi também no tempo de Clís tenes que se concebeu o ostracismo de ostrakon concha de ostra fragmentos de barro cozido Por este procedimento os atenienses podiam votar para que um indivíduo fosse exilado da cidade por um período de dez anos caso sua presença fosse considerada uma ameaça à liberdade dos cidadãos Escreviase o voto em cacos de cerâmica FUNA RI cit p 35 Mais tarde após liderar as cidades gregas na vitória so bre os persas numa guerra que durou de 491 a 485 aC Atenas finalmente pôde conhecer a democracia em toda a plenitude sob Péricles que se tornou líder dos democra tas em 469 aC Foi nessa época que Os cargos políticos ligados à redação das leis e sua aplicação tornaramse legalmente acessíveis tanto aos cidadãos ricos como aos pobres e as palavras justiça e liberdade passaram a ser referenciais im portantes no imaginário ateniense FUNARI cit ib Um dos primeiros democratas notórios depois de insta lado e consolidado o poder do povo teria sido Sócrates Afinal o que se sabe de Sócrates que não deixou nada escrito veio por terceiros via Xenofonte em suas Memo rabilia e Platão em especial nos diálogos Apologia de Só crates e Fédon De qualquer modo parece não existirem dúvidas de que ele 56 Política e Educação participou ativamente da vida da cidade dominada pela desordem intelectual e social após a derrota na Guerra do Peloponeso submetida à demagogia dos que sabiam falar bem e por trás disso pode se entrever a sombra ambígua dos sofistas Con vidado a fazer parte do Senado dos 500 o bulé manifestou sua liberdade de espírito combatendo as medidas que julgava injustas e permanecendo independente em relação às lutas travadas entre os partidários da democracia e da aristocracia Cf JA PIASSU MARCONDES 1991 Depois de Sócrates até por questões cronológicas o pró ximo personagem objeto de estudo é Platão Mas Platão apesar da coincidência espaçotemporal Atenas séculos V e IV aC não era de forma alguma um democrata Na República no Político e nas Leis Platão enuncia as condições da cidade harmoniosa governada pelo filósoforei personalidade que governa com autori dade mas com abnegação de si com os olhos fixos na ideia do bem Abaixo dessa virtude quase divina situase a virtude propriamente humana a justiça que consiste na harmonia interior da alma JAPIASSU MARCONDES cit Isso tem um quê de já visto e certamente essa história de governar com abnegação de si com os olhos fixos na ideia do bem foi um dos principais motivos que teriam levado Schüller Literatura grega p 7779 citado por Co trim e Fernandes a sentenciar sem mais floreios Inimigo da democracia foi Platão o maior dos discípulos de Sócra tes Em A República apresentanos um Estado ideal de senvolvido a partir da constituição militarista de Esparta E prossegue descrevendo a organização social e política defendida pelo filósoforei ou reifilósofo Vale a pena a longa transcrição 57 Concepção filosófica da política Platão divide o Estado em três classes os gover nantes o exército e o povo Esta última classe formada por artesãos agricultores comerciantes profissionais liberais e escravos não lhe merece o menor respeito Totalmente excluídos do governo devem curvarse às leis que lhes são impostas Nem lhes cabe buscar consolo na religião dos antepas sados Criada pelo Estado a religião comparece como poderoso instrumento de domínio bem como a literatura e as artes Embora duramente reprimi do compete ao povo suprir o Estado da produção pastoril agrícola e industrial Aos incorporados do exército são negados quaisquer direitos pri vados Não podem ser proprietários não podem constituir família e o Estado controla as horas de lazer A união sexual tem como finalidade única a procriação sendo os casais e a data das conjunções determinadas pelo Estado por critérios políticos e de eugenia A educação começa desde a infância e é em todas as etapas controlada pelo Estado para os interesses deste e não do indivíduo Também o exército permanece excluído do governo Velar pela segurança externa e interna é a sua única função A admissão da mulher no exército e na educação que poderia ser considerada um progresso visa contu do aos exclusivos interesses do Estado A classe dos governantes é constituída pelos filósofos re crutados entre os militares depois dos cinquenta anos Únicos detentores da verdade competelhes legislar autoritariamente o Estado sem vigilância de outra classe Já que os conteúdos metafísicos aos quais devem adequar as leis lhes são minuciosa mente prescritos suspeitamos que já não lhes cabe o nome de filósofos a eles atribuído Se tomamos Sócrates como protótipo de filósofo os governantes da República presos a um sistema preconcebido e rígido não se parecem nada com ele Assemelham se antes a sacerdotes de uma religião secreta dog maticamente elaborada pelo fundador SCHÜLLER D apud COTRIM FERNANDES 2010 p 200 58 Política e Educação República vem do latim e significa coisa res pública em gre go traduzse por demokratía ou politeía À primeira vista parece tratarse de dois significantes para um só significado mas certamente existem derivações denotativas apreensíveis tanto pelos textos de Platão quanto pelos de Aristóteles Foi bem observado que os filósofosgovernantes da Repú blica não se pareciam nada com Sócrates mas o método utilizado por Platão para defender seus pontos de vista era muito semelhante ao do falecido mestre o diálogo o dialogismós o raciocínio a conversa a discussão Como nestes passos do Livro VIII de A República em que os diálogos não economizam ironia Conversam Sócrates e Gláucon com Platão pensando pelos dois Ora a democracia surge penso eu quando após a vitória dos pobres estes matam uns expulsam outros e partilham igualmente com os que restam o governo e as magistraturas e esses cargos são na maior parte tirados à sorte É essa efectivamente a maneira como se esta belece a democracia quer pelas armas quer pelo medo do outro partido que foge Pois não serão em primeiro lugar pessoas livres e a cidade não estará cheia de liberdade e do direito de falar e não haverá licença de aí fazer o que se quiser É o que se diz pelo menos Mas onde houver tal licença é evidente que aí cada um poderá dar à sua própria vida a organiza ção que quiser aquela que lhe aprouver É evidente Tal constituição é muito capaz de ser a mais bela das constituições Tal como um manto de muitas cores matizado com toda a espécie de tonalidades 59 Concepção filosófica da política também ela matizada com toda a espécie de carac teres apresentará o mais formoso aspecto E talvez que embevecidas pela variedade do colorido tal como as crianças e as mulheres muitas pessoas jul guem essa forma de governo a mais bela É muito provável PLATÃO 1993 p 386387 Seria proveitosa uma breve digressão para recapitular o que já foi apresentado até aqui revisitouse a Idade Média com suas catedrais da fé e catedrais da razão apontouse uma semelhança funcional entre os sofistas e os profes soreslivrespensadores medievais Agostinho e Tomás de Aquino foram revisitados colocouse o poder político do papa em evidência e assumido o pressuposto de que a Política em toda a sua plenitude semântica nasce na Ate nas da era clássica iniciouse o estudo dos perfis dos filó sofos mais importantes para este assunto à época Assim foram vistos Sócrates e Platão prosseguindo na cronolo gia o próximo será Aristóteles A filosofia aristotélica tinha como um de seus pontos ba silares a crença de que a virtude está no meio O homem virtuoso deve conhecer o ponto mé dio a justa medida das coisas e agir de forma equi librada de acordo com a prudência ou moderação sophrosine que pode ser entendida como a pró pria caracterização do saber prático MARCONDES 1997 p 77 Assim também na Política especificamente no que toca à democracia Aristóteles recomendava que se procurasse atrair os grupos intermediários a classe média já que o regime democrático foi ameaçado diversas vezes pela reação das elites intimidadas pelas mas sas FUNARI cit p 41 60 Política e Educação Mas democracia não significa poder do povo E povo de mos habitantes de um país ou no caso de uma cidade não implica até pela etimologia as massas e a classe mé dia e a elite Por que motivo então seria preciso atrair a classe média O que Aristóteles pensava afinal sobre a democracia No Livro III de A Política Aristóteles apresenta e sistematiza como lhe é peculiar as diversas formas de governo que enten de existirem a Monarquia colocada entre os grandes gover nos dividida em cinco espécies a Aristocracia cujo nome não deve ser dado senão à magistratura composta de pessoas de bem sem restrição a República que reúne o que há de bom em dois regimes degenerados a Oligarquia e a Democracia a Tirania o pior dos governos da qual a Monarquia se distin gue pela grande excelência de quem reina a Oligarquia divi dida em quatro classes governo cujas magistraturas são dadas a poucos ricos e geralmente não qualificados e a Democracia dividida em quatro tipos cf ARISTÓTELES 2000 p 109125 A primeira espécie de democracia é aquela em que os poderes se distribuem segundo as posses até cer ta mediocridade com o sentido de ponto médio A segunda espécie reconhecese pelo direito de voto nas eleições que se realizam na Assembleia todos são ad mitidos se seu nascimento for digno mas somente são elegíveis os que têm meios de viver sem trabalhar A terceira espécie é a que admite no governo todos os que são livres mas não oferecendo nenhum atrativo à cupidez não sofre a concorrência perigosa de um nú mero excessivo de pretendentes A quarta é aquela que se introduziu em último lugar nas Cidades que se tornaram maiores e mais opulentas do que eram nos primeiros tempos e exibe a igualdade absoluta isto é a lei coloca os pobres no mesmo nível que os ricos e pretende que uns não tenham mais direito ao governo do que os outros ARISTÓTELES cit p 124125 61 Concepção filosófica da política Mas é o trecho de A Política reproduzido em seguida que dá o que pensar confrontando os dias de hoje quando qualquer evento corriqueiro define um momento histórico e qualquer ação ainda que obscura ou difusa é classificada de republicana Mas se todos são indistintamente admitidos no go verno é a massa que se sobressai e sendo os pobres assalariados podem deixar o trabalho e permanecer ociosos não os retendo em casa a preocupação com seus próprios negócios É pelo contrário um obstá culo para os ricos que não assistem às Assembleias nem se preocupam com o papel de juiz Resulta daí que o Estado cai no domínio da multidão indigente e se vê subtraído ao império das leis Os demagogos calcamnas com os pés e fazem predominar os de cretos Tal gentalha é desconhecida nas democracias que a lei governa Os melhores cidadãos têm ali o pri meiro lugar Mas onde as leis não têm força pululam os demagogos O povo tornase tirano Tratase de um ser composto de várias cabeças elas dominam não cada uma separadamente mas todas juntas Seu governo não difere em nada da tirania Os baju ladores são honrados os homens de bem sujeitados O mesmo arbítrio reina nos decretos do povo e nas ordens dos tiranos Tratase dos mesmos costumes Não é sem razão que se censura tal governo e de preferência o chamam democracia ao invés de Repú blica pois onde as leis não têm força não pode haver República já que este regime não é senão uma ma neira de ser do Estado em que as leis regulam todas as coisas em geral e os magistrados decidem sobre os casos particulares Se no entanto pretendermos que a democracia seja uma das formas de governo então não se deverá nem mesmo dar este nome a esse caos em que tudo é governado pelos decretos do dia não sendo então nem universal nem perpétua nenhuma medida ARISTÓTELES cit p 125126 62 Política e Educação De fato a história parece repetirse à maneira de um jogo de espelhos Mas como teriam transcorrido as questões políticas à mes ma época em Roma Segundo J M Roberts a história de Roma de certa forma um Estado sucessor do helenis mo começou por volta de 510 aC Era uma República de cidadãos fiéis às tradições mesmo muito tempo depois de seu governo parecer monárquico Assim oficialmente a República persistiria por uns 450 anos até a metade do século I aC sofrendo portanto grandes transforma ções das quais a mais significativa foi a expansão de seu poderio político e militar que chegou a englobar todo o mundo mediterrâneo num sistema de dominação e trans formou Roma num império que até hoje molda grande par te da nossa vida ROBERTS 2001 p 215 As sete colinas de Roma nos primeiros duzentos anos da República foram testemunhas mudas de acirradas lutas dos cidadãos pobres contra os patrícios membros de famílias abastadas que dominavam o Senado a sede do poder Mas por força do célebre pragmatismo romano esses embates apesar de perdurarem por muito tempo não causaram da nos de monta à República pois aos poucos e na medida do necessário e suficiente foram sendo feitas mudanças nas instituições de modo a atender as reclamações do povo Como se percebe então a res publica não era tão pública assim ou pelo menos não tão espontânea e naturalmente pública o que não é uma exclusividade romana pois aten der as reclamações do povo espontânea e naturalmente é algo que parece jamais ter ocorrido em lugar algum Ainda assim embora os cidadãos mais pobres con quistassem muitas vitórias e uma parte maior nos espólios do poder Roma nunca se tornou uma demo cracia no sentido de que estes cidadãos controlassem o governo por muito tempo ROBERTS cit p 215216 63 Concepção filosófica da política O típico cidadão romano era camponês e cultiva va sua pequena propriedade se beneficiando do es plêndido clima e da fertilidade que sempre fizeram da Itália um país rico quando bem governado e às vezes até quando não foi Este cidadão já demonstra va a diligência e a habilidade dos futuros italianos A agricultura era a base da primitiva República não se deve pensar na enorme metrópole dos séculos se guintes importando milho engolida por grande nú mero de imigrantes como típica dos primeiros dias da República Durante um longo tempo o romano típico era o pequeno proprietário independente So mente no século II aC é que se tornaram comuns as grandes propriedades cujos donos viviam na cidade e dependiam do trabalho escravo para colher grãos ou azeitonas ROBERTS cit p 216 E foi justamente no século II quando se tornaram co muns as grandes propriedades que começou um perí odo de séria crise em Roma situação que ainda iria per durar por uns cem anos Escravos plebeus semterra comerciantes ricos todos se voltavam contra o Senado da elite patrícia Não bastasse isto havia também a cobi ça desmesurada dos generais cada vez mais importantes para as conquistas e a manutenção da ordem interna e externa e cada vez mais ávidos de poder agora não só militar mas também e principalmente político lutavam eles com os conquistados com a plebe e entre si unindo se quando conveniente e traindose quando oportuno como nos dois triunviratos Mas o preocupante ao ser examinada a luta pelo poder pessoal ou coletivo nas sociedades arcaicas clássicas medievais modernas ou contemporâneas é que a essa luta onipresente e atemporal pode ser dado um nome bastante comum vaidade mãe extremosa do narcisismo aspecto psicológico irrestrito e variável isto é comum a todos indivíduos e sociedades em diversos graus do 64 Política e Educação saudável ao patológico E poucos estudiosos teriam abor dado com tanta perspicácia o narcisismo quanto Erich Fromm em O Coração do Homem Um exemplo particular de narcisismo individual que fica na fronteira entre saúde e insanidade pode ser encontrado em certos homens que alcançaram um grau extraordinário de poder Os faraós egíp cios os césares romanos os Bórgias Hitler Stalin todos revelam certos aspectos similares Tentam fingir não haver limite para seu poder Isso é loucura ainda que seja uma tentativa para resolver o problema da existência fingindo que não se é humano É uma loucura que tende a crescer no decurso da vida da pessoa por ela afligida Na dinâmica do narcisismo coletivo encontramos fenô menos análogos aos já examinados a propósito do narcisismo individual Aqui também podemos dis tinguir as formas benigna e maligna do narcisismo Uma sociedade a que faltem os meios de aten der adequadamente à maioria de seus membros ou a uma grande proporção deles deve atender esses membros com uma satisfação narcisista do tipo ma ligno para impedir insatisfação entre eles FROMM 1977 p 7273 87 65 Concepção filosófica da política Narciso foi objecto da paixão de grande número de raparigas e de ninfas Mas ele ficava insensível Quando finalmente a ninfa Eco apaixonouse por ele não conseguiu mais do que as outras De sesperada Eco retirouse na sua solidão emagreceu e de si mes ma em pouco tempo não restou mais que uma voz gemente As jovens desprezadas por Narciso pediram vingança aos céus Némesis ouviuas e fez com que num dia de grande calor depois de uma caçada Narciso se debruçasse sobre uma fonte para se dessedentar Nela viu o seu rosto tão belo e imediatamente ficou apaixonado A partir de então tornase insensível a tudo o que o rodeia debruçase sobre a sua imagem e deixase morrer No Estige procura ainda distinguir os traços amados No lugar onde morreu brotou uma flor à qual foi dado o seu nome o narciso GRIMAL 2000 Um daqueles generais patologicamente ávidos de poder foi Julio César o conquistador da Gália que conseguiu manipu lar o Senado e transformarse em ditador vitalício isso por volta de 49 aC mas temendo que a monarquia fosse resta belecida seus inimigos que eram muitos resolveram assas sinálo o que ocorreu em 44 aC ano que marca de fato o fim da República ainda viva mas por um fio e já se deslo cando decididamente para a centralização do poder cujas coordenadas foram definidas pelo próprio César Assim é que após derrotar Marco Antonio e Cleópatra na Batalha de Ácio em 31 aC Otávio filho adotivo de César aceita em 27 aC o título de Augusto que lhe dava o direito de ser ado rado como um deus depois que morresse e se transforma em dono único e absoluto de todo o mundo romano De Augusto morto em 14 dC passando pela crise do século III que culminou com o assassinato do imperador Alexandre Severo em 235 o Império Romano transborda por todo o en torno do Mediterrâneo mas cai por volta do século V com as invasões dos bárbaros fato que alguns ainda chamam de fim da Antiguidade ou início da Idade Média Contudo 66 Política e Educação a História não é um edifício que se constrói e cujo andamento se possa registrar num desses cronogra mas de parede que se veem nas salas dos arqui tetos Não é algo necessariamente lógico embora muitas vezes se insista em arranjar e rearranjar os fatos em antecedentes e consequentes que possam dar ao todo um aspecto de racionalidade habitável SILVEIRA 1999 p 102 Depois vêm a expansão do cristianismo e a ascensão de uma nova Roma a Roma dos papas Mas esses eventos que antecedem o Renascimento próximo assunto a ser abordado já foram vistos 67 Compromisso político da Educação COMPROMISSO POLÍTICO DA EDUCAÇÃO Este título no fundo pode ser entendido de duas formas a primeira óbvia ligase àquilo que se espera do leitor apreender nas linhas e nas entrelinhas o que é que o governo aqui e agora ou o que é que qualquer governo em qualquer tempo e lugar anda ou andou fazendo com a educação Contudo o inverso também é possível median te uma discreta pirueta hermenêutica pois é evidente que quem governa não deixou de receber de alguma forma boa ou ruim a educação que o próprio governo ou o sistema lhe proporcionou Cuidase então de um caso de reciprocidade entre duas facções simultaneamente res ponsáveis pelos erros e acertos que se verificam no pro cesso educacional Quer dizer sintetizando só teorizar e reclamar não resolve o problema é preciso participar ati vamente ou nada acontece Feita esta rápida mas necessá ria observação podese entrar propriamente no assunto É natural quando se fala em Renascimento que a maioria das pessoas se lembre logo de projetos arquitetônicos gre coromanos afrescos estátuas e monumentos de mármore essas obras que inspiradas nas da Grécia Clássica de tão semelhantes aos respectivos modelos também poderiam ser desdenhosamente chamadas por Platão cada uma de las de cópia da cópia Mas o Renascimento não é isso ou não é só isso tratase antes de um período histórico agi tadíssimo compreendido mas não programado entre os séculos XV e XVI desenvolvese portanto simultaneamente às primeiras grandes navegações e descobertas pelo me nos as oficiais e tira proveito de um comércio que já se anunciava planetário muito antes que sequer se sonhasse com a globalização Porque o Renascimento é muito além de um movimento ou de uma simples tendência uma ponte de mão única da Idade Média para a Modernidade 68 Política e Educação As grandes pinturas esculturas e projetos arquite tônicos do período se assemelham mais aos da an tiga Grécia e Roma que aos da Idade Média gótica isto era deliberado A partir de meados do século XIV iniciouse uma busca crescente de manuscritos de autores clássicos e suas opiniões foram objeto de análises detalhadas e de imitação por parte dos eruditos que denominavam a si mesmos como hu manistas O estudo dos escritos de Aristóteles que não contava com o apoio da Igreja teve uma importância crucial estimulando novos filósofos Outros redescobriram os princípios arquite tônicos da Roma Imperial e edificaram estruturas clássicas como Filippo Brunelleschi 13771446 que demonstrou pela primeira vez as regras da perspectiva e provou em sua grande cúpula para a catedral de Florença que as características arqui tetônicas monumentais dos romanos podiam ser imitadas com êxito Também surgiram significa tivos avanços na ciência e no conhecimento muitos deles a anos de distância de sua aplicação prática A invenção do telescópio 1609 do microscópio 1618 da régua de cálculo 1622 do termômetro 1641 e do barômetro 1644 foram produtos de uma tradição de investigação científica empírica iniciada dois séculos antes O GLOBO 1995 p 162 Em Sobre a revolução das órbitas celestes 1543 Nicolau Co pérnico equaciona a hipótese de que a Terra é redonda e gira ao redor do Sol Teoria Heliocêntrica Isso provoca forte comoção na Igreja por colidir com a concepção geocêntrica medieval ain da ptolomaica aceita pelo clero de modo que em 1610 quan do Galileu Galilei publica e comprova suas observações sobre o movimento da Lua e dos planetas reabilitando o que sustentara Copérnico o papa condena definitivamente a Teoria Heliocêntri ca põe no índex o livro de Galileu e obrigao a retratarse e a jurar que jamais publicaria de novo qualquer coisa que se relacionasse com Astronomia 69 Compromisso político da Educação Pois é justamente no Renascimento esse período de tran sição conturbado e efervescente que viveu aquele que foi o grande mestre das piores personalidades do Cinquecen to europeu o qual segundo Antonio DElia foi um século negro e vergonhoso para a Itália que nasce prematuramente em 1494 quando Carlos VIII da França invade a península feito vanguardei ro dos novos bárbaros e iniciador de um processo de decomposição para a qual iriam concorrer os próprios príncipes italianos e o próprio pontificado Antonio DElia in MAQUIAVEL 1984 p 7 Tratase de Nicolau Maquiavel florentino autor de O Príncipe esse manual que tem a economia e a sobriedade de um documento que hoje ficaria talvez confinado nos arquivos secretos das instruções para bem se manobrar na consecução e na manutenção do po der Antonio DElia ibp 12 De fato não seria muito fácil talvez encontrar esse pe queno grande livro na cabeceira da cama de algum per sonagem poderoso de qualquer período histórico mas trancado no criadomudo ou móvel assemelhado é certo que muitas autoridades o tiveram e o têm e se serviram e se servem dele como se fosse uma espécie de Bíblia Atentese por exemplo para o trecho a seguir extraído do Capítulo V em que Maquiavel discorre sobre De como governar cidades ou principados que anteriormente à ocupação se regiam por leis próprias Quando os Estados que se conquistam são acostumados a viver regidos por suas próprias leis e em liberdade há três maneiras de mantêlos a 70 Política e Educação primeira é arruinálos a segunda ir pessoalmen te habitar neles a terceira permitirlhes viver regi dos por suas leis fazendoos porém pagar tributo ao conquistador e organizando neles governos de pouca gente que saiba conserválos amigos É que tais pessoas investidas no governo pelo príncipe sabem que não poderão manterse sem sua amiza de e seu poder e tudo farão para não perder sua posição e mais facilmente se conserva o domínio de uma cidade habituada a viver livre fazendoa go vernar por seus cidadãos do que de alguma outra maneira MAQUIAVEL cit p 55 A genialidade a amoralidade e a atualidade são realmente desconcertantes E na verdade O Príncipe sempre esteve em pauta em 1559 entra no índex do papa Paulo IV pois a Igreja Católica abalada pela Reforma não podia tolerar a submissão da moral à política traço essencial do maquiavelismo Diderot sus tentou que O príncipe é uma sátira que por equí voco foi entendida como elogio E quem viu ou leu por exemplo a comédia A Mandrágora não desconhece o lado irônico e mordaz de Maquiavel e entende perfeitamente o que o enciclopedista quis dizer mesmo que possa não concordar com ele Rousseau sublinhou a profundidade das convic ções republicanas do florentino Mussolini re conheceu em Maquiavel um precursor do fascismo enquanto o marxista Antonio Gramsci viu em suas teorias uma antecipação da teoria do partido do proletariado In MAQUIAVEL cit p 168 Resumindo O Príncipe é uma obra multiuso controversa mas sedutora como controversas mas sedutoras são aliás várias das coisas da vida Não obstante isto o Renascimento retoma os ideais de liberdade da Grécia Clássica e se expande por toda a 71 Compromisso político da Educação Europa Ocidental revolucionando os valores sociais culturais econômicos intelectuais e religiosos devido em grande parte a uma das figuras mais importantes do período Martinho Lutero A liberdade que inspira os humanistas da Renas cença inspira também até certo ponto Lutero Para este e contra a tradição católica o homem individual é responsável por sua própria fé cuja fonte é a Sagrada Escritura Este princípio é de im portância fundamental para o conceito do proces so educativo porque cria a obrigação de colocar à disposição de cada um a possibilidade de ler para compreender a Sagrada Escritura Exige que o edu cando seja levado a exercer a razão pessoal obri gando portanto que se proporcione uma educação acessível a todos sem distinção Todavia cabe ao poder público encarregarse do processo educati vo universal e obrigatório à mesma medida que a cada cidadão incumbe o dever de prestar servi ço militar para defesa e prosperidade do Estado Entretanto por se tratar de humanismo cristão o catecismo ocupará lugar de destaque no processo educativo GILES 1983 p 7273 Com Melancheton 14971561 as propostas e ações de Lutero centradas na popularização do ensino elementar vão estenderse também ao ensino secundário e é então que soa o alarme e que o papa lança em campo a sua mais combativa e eficiente tropa de choque os jesuítas Muito se tem escrito e falado sobre os jesuítas quase sem pre de forma a execrálos ou a enaltecêlos mesmo que indireta ou subrepticiamente Parece que em se tratando desses religiosos não há meiotermo possível no que tan ge a opiniões Talvez porque eles próprios nunca tenham sido dados a cortesias e mesuras senão àquelas ligadas às 72 Política e Educação coisas aos hábitos nas duas acepções mais comuns de costumes e de vestimentas de frades ou freiras e à liturgia da religião que professam Chamados muito propriamente de soldados da fé para eles a semelhança entre a cruz e a espada não está somente no design o próprio idealizador e depois superiorgeral da organização Inácio de Loyola era militar e lutou no Cerco de Pamplona em 1521 onde foi gravemente ferido A ordem com o nome de Compa nhia de Jesus foi fundada em 1540 e recebeu do papa Pau lo III a incumbência de ser a primeira linha de combate da Contrarreforma à Reforma de Lutero Uma ordem militar portanto com uma estrutura rigidamente hierárquica e sujeita à mais total obedi ência ao chefe supremo que é o preposto geral mas também uma ordem missionária que desde o iní cio do seu mister mostra atribuir grande importância ao instrumento educativo na afirmação do catecismo contrareformista Nesse sentido compreendese a instituição por parte da companhia de inúmeros co légios para religiosos depois abertos também aos leigos em grande parte da Europa e do mundo Destes colégios os primeiros são os de Messina fun dado em 1548 orientado para os estudos clássicos e frequentado também por não religiosos e o de Roma bem mais famoso instituído dois anos depois e orien tado para os estudos de gramática de humanidades e de doutrina cristã Em pouco tempo surgem outros em quase toda a Itália e na Europa em 1586 contase um total de 162 dos quais 147 abertos no exterior Com a sua difusão afirmase a necessidade de dar uma organização coerente e unitária aos programas de ensino Num primeiro momento o problema é re solvido estendendo aos outros colégios as orienta ções seguidas nos de Messina e de Roma passandose sucessivamente à redação de uma verdadeira Ratio Studiorum uma espécie de normatização geral da metodologia pedagógica programa formativo de caráter católico que se estende a todos os colégios je suíticos do mundo CAMBI 1999 p 261 73 Compromisso político da Educação Com tantos colégios e um sistema de ensino unificado e comprovadamente eficaz não seria de estranhar que os jesuítas fossem preceptores de muitos jovens que logo iriam tornarse personalidades importantes Voltaire e Descartes por exemplo Mas nem o fato de serem mestres de primeira linha foi capaz de blindar aqueles excelentes educadores contra a intriga e a perseguição pelo contrá rio só os deixou mais expostos já que nada incomoda mais o poder do que o saber Afinal é o saber que conduz à liberdade e a liberdade alheia para alguns é um atri buto intolerável No Brasil isso ficou evidente pela obstinação com que Se bastião José de Carvalho e Melo o marquês de Pombal combateu os jesuítas responsáveis pelas missões indíge nas comunidades autossustentáveis independentes e portanto inconcebivelmente livres Foi também e talvez principalmente por isso que em 1758 o poder temporal dos jesuítas foi elimina do A 3 de setembro de 1759 o governo portu guês decretou a proscrição e a expulsão da Compa nhia de Jesus de todo o Império proibindo qualquer comunicação verbal ou escrita entre os jesuítas e os súditos portugueses MAXWELL 1977 p 44 De 1759 para cá no Brasil muita coisa aconteceu caiu o Im pério proclamouse a República enfrentouse uma ditadura e reconquistouse a democracia O ensino melhorou sem dúvida até pela impossibilidade de se dar o contrário mas de vez em quando bate a impressão de que ainda se caçam ou cassam jesuítas De qualquer modo a Constituição de 1988 a Constituição Cidadã traz esperanças embora cause desconforto vêla hoje tão cheia de exclusões inclu 74 Política e Educação sões e emendas inclusive naturalmente na Seção I do seu Capítulo III em que se trata especificamente da educação um indício de que certamente há gente trabalhando para melhorar embora também possa existir gente trabalhan do para piorar ou apenas protelando para que tudo fique como sempre esteve Esperase que a primeira opção se ma terialize mas não é suficiente ficar só esperando é preciso agir interagir e reagir é preciso na sala de aula ou fora dela participar ativamente do processo educativo A narração de que o educador é o sujeito conduz os educandos à memorização mecânica do conteú do narrado Mais ainda a narração os transforma em vasilhas em recipientes a serem enchidos pelo educador Quanto mais vá enchendo os re cipientes com seus depósitos tanto melhor edu cador será Quanto mais se deixem docilmente en cher tanto melhores educandos serão Desta maneira a educação se torna um ato de depo sitar em que os educandos são os depositários e o educador o depositante Em lugar de comunicarse o educador faz comu nicados e depósitos que os educandos meras in cidências recebem pacientemente memorizam e repetem Eis aí a concepção bancária da educação em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos guardá los e arquiválos Margem para serem colecionado res ou fichadores das coisas que arquivam No fun do porém os grandes arquivados são os homens nesta na melhor das hipóteses equivocada concep ção bancária da educação Arquivados porque fora da busca fora da práxis os homens não podem ser Educador e educandos se arquivam na medida em que nesta distorcida visão da educação não há criatividade não há transformação não há saber Só existe saber na invenção na reinvenção na busca inquieta impaciente permanente que os homens fazem no mundo com o mundo e com os outros Busca esperançosa também FREIRE 1977 p 66 75 Ideologia e emancipação IDEOLOGIA E EMANCIPAÇÃO Pelo grego ideologia é o resultado de idea logos ia sufixo nominal idea pode ser traduzida por ideia na turalmente mas também se aproxima de noção fantasia opinião dóxa lógos é ainda mais generosa quanto a sig nificados palavra sentença exemplo ordem matéria de estudo razão explicação inteligência são apenas alguns deles Já se percebe só pela riqueza etimológica que es colher um conceito para ideologia não é nada fácil mas podem ser propostos uns dois ou três Ideologia pode ser definida por exemplo como qualquer sistema abrangente de crenças categorias e maneiras de pensar que possa constituir o fundamento de projetos de ação política e social BLACKBURN 1997 ou um con junto de ideias princípios e valores que refletem uma de terminada visão de mundo orientando uma forma de ação sobretudo uma prática política JAPIASSU MARCONDES 1991 ou esta usual para os marxistas que parece mais de acordo com o espírito daquilo que se está a estudar Pensamento teórico que crê desenvolverse abs tratamente sobre seus próprios dados mas que é na realidade a expressão de fatos sociais particu larmente de fatos econômicos de que aquele que a constrói não tem consciência ou pelo menos não percebe que determinam o seu pensamento LALANDE 1993 76 Política e Educação O Parágrafo Único do Art 1º da Constituição Brasileira promulgada em 1988 é bastante claro Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição O Art 205 também não deixa dúvidas A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a cola boração da sociedade visando ao pleno desenvol vimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Mas pensando bem alguns aspectos dos supracitados artigos exigem reflexão e interpretação e é exatamente neste ponto que se entra no campo minado da ideologia Assim podese inquirir por exemplo 1 O que se deve inferir por poder Algo divino Uma força inata A persuasão pela palavra A coa ção pelas armas 2 O que é povo É a própria sociedade como um todo interagente e dinâmico mas harmônico Ou é uma ameaça potencial à democracia pela reação das elites intimidadas pelas massas como teria afirmado Aristóteles Cf FUNARI cit p 41 3 O que se entende por pleno desenvolvimento da pessoa Acréscimo à bagagem cultural e intelectual Ou à moral e ética Ou à econômicofinanceira 4 O que significa preparo para a cidadania Diz respeito à imposição de algum tipo de Educação Moral e Cívica Ou se refere à formação de cida dãos críticos e atentos a qualquer espécie de mani pulação 77 Ideologia e emancipação 5 Quando se fala em qualificação para o trabalho assumese que toda atividade útil à sociedade tem de ser proporcional e adequadamente remunerada por condições e salários dignos O resultado da enquete vai variar de acordo com o posicio namento ou o condicionamento ideológico daqueles que a responderem porém de qualquer forma se algo tiver de ser mudado certamente não será por meio de enquetes mas da educação metódica paciente e incansável único meio pacífico de se contrapor à esmagadora pres são exercida sobre o povo pela determinação nem sempre republicana de alguns de muitos ou de todos aqueles que estão no comando Seria necessário porém definir em que se está pensando exatamente quando se fala em educação pois como a ideologia a educação também apresenta suas dificuldades conceituais Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem Por isso é preciso fazer um estudo filosóficoantro pológico Comecemos a pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar na natureza do homem algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação Qual seria este núcleo captável a partir de nossa pró pria experiência existencial Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem O cão e a árvore também são inacabados mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa Não haveria educação se o homem fosse um ser acaba do O homem pode refletir sobre si mesmo e como pode fazer esta autoreflexão pode descobrir se como um ser inacabado que está em constante busca Eis aqui a raiz da educação A educação é uma resposta da finitude da infinitude 78 Política e Educação A educação é possível para o homem porque este é inacabado e sabese inacabado O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém Por outro lado a busca deve ser algo e deve tradu zirse em ser mais é uma busca permanente de si mesmo Mas esta busca deve ser feita em comunhão com outras consciências caso contrário se faria de umas consciências objetos de outras O homem não é uma ilha É comunicação Logo há uma estreita relação entre comunhão e busca FREIRE 1983 p 2728 As repetições e aparentes contradições são característi cas do método dialético de Paulo Freire Ninguém educa ninguém porque todos se educam reciprocamente ou seja enquanto se ensina também se aprende e vicever sa Naturalmente o processo educativo inclui no pacote de intercâmbio existencial a troca ideológica a qual se executada de forma assimétrica resultará inevitavelmen te na supremacia nefasta de algumas consciências sobre outras E a tarefa mais nobre e difícil da educação é jus tamente combater e pelo menos reduzir a assimetria in telectual conduzindoa a um ponto de equilíbrio elevado que possa alcançar e atender a todos Isso pode parecer utópico e é mesmo Quando eu falo em utopia eu não falo em torno do possível eu falo em torno do viável Até que eti mologicamente é assim mesmo utópico a topia é o sistema e u é fora dele Só que a palavra o conceito se desvirtuou depois que ele foi altamente modifi cado por Marx quando este criticou os utopistas o socialismo utópico inviável Ao fazer a crítica de um socialismo inviável ele o chamou de utópico Ele propunha um socialismo que chamou de científico A minha posição diante da uto 79 Ideologia e emancipação pia é distinta diferente e não digo que seria só mi nha evidentemente mas eu entendo a utopia como uma relação também dialética entre a denúncia e o anúncio Nesse sentido eu sou utópico também A minha proposta pedagógica é utópica nesse senti do não no sentido inviável repito Para mim o utó pico se vincula também ao esperançoso no sentido de que a utopia se dá historicamente no ato de de nunciar e simultaneamente anunciar Quer dizer de denunciar uma dada realidade e de anunciar o sonho ou o projeto a ser realizado com a transfor mação da realidade denunciada Então na minha visão de utópico a práxis portanto a ação e a re flexão são uma demanda são uma exigência sem a qual não é possível a própria realização da utopia FREIRE 1983b p 6162 É interessante comparar o estudo filosóficoantropológico que Paulo Freire desenvolve na primeira citação à procura do nexo entre a natureza inacabada do ser humano e a educação com este enfoque psicanalítico de Eric Fromm em busca da essência do homem 1 O homem é um animal e no entanto seu equipamento ins tintivo em comparação com o de todos os outros animais é in completo e insuficiente para assegurarlhe a sobrevivência 2 O homem possui inteligência como outros animais porém tem outra qualidade mental ausente no animal Ele se dá conta de si mesmo O homem está na natureza sujeito a seus man damentos e acidentes todavia transcende a natureza porque lhe falta a inconsciência que torna o animal uma parte da natureza uno com ela O homem se defronta com o assustador conflito de ser o prisioneiro da natureza e no entanto ser livre em seus pensamentos ser uma parte da natureza e no entanto ser por assim dizer uma curiosidade da natureza não está cá nem lá A consciência de si próprio do ser humano tornouo um estranho no mundo separado solitário e assustado FROMM cit p 130 Mas entendase bem não se trata de pretender a aniquila ção da ideologia porque afinal erradicála seria mutilar a integridade intelectual e por consequência a própria in dividualidade do ser humano nascido livre uno e único 80 Política e Educação em corpo e mente o que se quer e eis a grande tarefa da educação e da Filosofia da Educação é promover uma ampla discussão em todos os níveis e foros por meio da qual se possa avaliar o que existe de irrefletido na ideologia e desvendar como atuam as ilusões e os in teresses de toda espécie o peso e o alcance de todo ensino propagandístico GILES cit p 33 Atualmente existe uma descrença na ideologia que tem por resultado não a negação da sua existência ou força mas um certo reforço do aprendizado ideológico através dos diversos níveis do processo educativo sobretudo através dos meios de comuni cação Esse processo de imposição extrapola a edu cação formal Para impor a ideologia não se insiste mais que se acredite necessariamente no conteúdo da ideologia Basta que se fale sua linguagem es pecífica o seu jargão que se assuma sua maneira de abordar a realidade de se expressar Pouco im porta que se acredite ou não nas ideias como tais Basta assumir o código de comportamento por ela expresso Tornase desnecessário fazer qualquer declaração de princípios ou tampouco afirmar o que se defende É suficiente usar a terminologia às vezes bastante equívoca e realizase o compromis so Nestas circunstâncias a ideologia se modifica de projeto de construção em arma de manutenção GILES ib A essência do que se acabou de ler sem portanto desta car quaisquer especificidades já era motivo de análise e discussão em meados do século passado Em 1964 Her bert Marshall McLuhan 19111980 educador e filósofo a quem não seria exagerado atribuir a classificação de vi sionário racional prenunciava a aldeia global em que o mundo iria transformarse em pouco tempo com direito a uma rede de comunicação que hoje se chama internet 81 Ideologia e emancipação declarando ainda que o meio é a mensagem frase que até pode ter soado um tanto enigmática à época mas que hoje poderia rotular com toda a propriedade o supracita do excerto de Giles por exemplo Como se percebe ideologia educação e a correlata mas não consequente emancipação intelectual não são temas fáceis de abordar nem tampouco essa dificuldade é uma exclusividade brasileira ela existe também em países como a Itália uma das chamadas nações do Primeiro Mundo e pode manifestarse desde os graus mais básicos da trajetória escolar Examinese a propósito esse desabafo em forma de Introdução que Umberto Eco escreveu para sua coletânea crítica das histórias da carochinha que se impingem às crianças italianas na forma de livros didáticos Os livros de leitura falam dos pobres do trabalho dos heróis e da Pátria da importância e da serieda de da escola da variedade das raças e povos que habitam a terra da família da religião da vida cí vica da história humana da língua italiana da ci ência da técnica do dinheiro e da caridade Não se referem então aos problemas reais que o jovem uma vez maduro deverá enfrentar e sobre os quais deverá tomar uma atitude Esta antologia ao contrário procura mostrar que estes problemas são apresentados de uma ma neira falsa grotesca risível Que através deles a criança é educada para uma realidade inexistente Que quando os problemas e a resposta a eles for necida dizem respeito à vida real são colocados e resolvidos de forma a educar um pequeno escravo preparado para aceitar o abuso o sofrimento a in justiça e para ficar satisfeito com isto O que quero dizer é que a luta contra os livros didáticos das escolas elementares colocase antes mesmo de qualquer escolha ideológica que tenha um sentido 82 Política e Educação no mundo em que vivemos atualmente Essa luta pode ser sustentada pelo liberal pelo democrata pelo comunista e pelo socialdemocrata pelo crente e pelo ateu porque a realidade educativa que estes livros propõem existia antes do nascimento destas ideologias e destas correntes políticas antes da Re volução Francesa antes da Revolução Industrial antes da revolução inglesa antes da descoberta da América antes numa palavra do nascimento do mundo moderno ECO BONAZZI 1980 p 16 Contudo o que se faz para melhorar o ensino é pouco seja na Itália no Brasil ou em vários outros países quan do não se limita aos esforços meio quixotescos de alguns professores excêntricos e de uma ou outra organização exótica mantémse na marca do mínimo possível e nos li mites da conveniência políticoideológica quando depen de de providências governamentais Paulo Freire é um bom exemplo daqueles professores ex cêntricos poucos autores nacionais foram tão traduzidos como ele no entanto no Brasil seu método de ensino para alfabetização de adultos teve vida oficial muito cur ta aprovado pelo Decreto nº 53465 de 21 de janeiro de 1964 foi extinto menos de três meses depois pela portaria 237 de 14 de abril mas não sem antes ser aproveitado pela ditadura após algumas adequações Assim é que o o Movimento Brasileiro de Alfabetização MOBRAL criado em 15 de dezembro de 1967 pela Lei nº 5379 e reestruturado em 1970 inspirandose em Freire vai tratar da erradicação do analfabetismo pelo atendimento imediato e prioritário à população urbana entre 15 e 35 anos porque os adultos e adolescentes al fabetizados são elementos importantes na produtividade 83 Ideologia e emancipação do sistema econômico além do que essa faixa etária e topográfica é a que apresenta maior probabilidade de de senvolver em termos de acréscimo de produtividade os recursos investidos na sua formação e é mais fácil nes te grupo o ajustamento social por oferecer menor resis tência a mudanças de vida Cf SILVEIRA cit p 30 35 Todos estes absurdos sob aspas e muitos outros estão no Documento Básico do MOBRAL MOBRAL 1973 p 12 13 A propósito sintetizese a seguir a comparação que Gilberta Januzzi faz entre o que defendeu Paulo Freire e o que propôs o Movimento Brasileiro de Alfabetização 1 Paulo Freire coloca a educação como situação de conhecimento em que os educadores educandos como sujeitos tomam consciência de sua historici dade Educação para Paulo Freire é conscientização O MOBRAL concebe a educação como adaptação preparação de mão de obra para o mercado de tra balho 2 Segundo Paulo Freire todos os homens são seres ontologicamente iguais finitos inacabados capazes de procederem crítica autêntica em situação so frendo portanto os condicionamentos da realidade mas sendo capazes de transformála porque são se res históricos Para o MOBRAL só alguns homens são capazes de críticas cabendo a eles definir as me tas que devem ser concretizadas pelos alfabetizado res e alfabetizandos 3 Paulo Freire adota para a conscientização o diálo go como método porque este método assegura que os educadores educandos sejam sujeitos da refle xão e da ação O MOBRAL utiliza método que é basicamente antidialógico isto é parte de objetivos previamente definidos pelo MOBRALCENTRAL dis cutindo nas comunidades apenas os melhores meios de concretizálos JANNUZZI 1979 p 81 ss 84 Política e Educação Vêse portanto que a solução mágica da pragmática con servadora foi aproveitar a eficiente estrutura física original esvaziandoa do conteúdo político o que faz sentido pois para quem se equilibra no poder à custa de uma empedernida refração a mudanças o método de Freire pode ser visto como um elemento de subver são subversão no sentido mesmo de verter sob infiltrarse em degradar as paredes que selecionam e agrupam os indivíduos num sistema de base capi talista SILVEIRA cit p 36 Neste capítulo pôdese constatar que política e edu cação nem sempre se relacionam tão harmonicamente quanto seria desejável mas para chegar a essa certeza foi preciso percorrer um caminho histórico e teórico lon go e acidentado Em busca de uma concepção filosófica para a política fo mos à Grécia Clássica admitindo o pressuposto de que já a partir mesmo da etimologia vieram de lá os modelos políticos que hoje conhecemos e praticamos em especial no que toca às repúblicas democráticas Em seguida co nhecemos a arrogante grandeza de Roma cidadeEstado na qual a prepotência a cobiça e a intriga somaramse às invasões dos bárbaros para destruir aquele que foi o maior império da Antiguidade Discutiuse sobre a possi bilidade de se estabelecer um compromisso recíproco de cordialidade entre política e educação e certamente ficou claro que continuará sendo difícil de conseguir a não ser que haja uma ação pertinaz e contínua de toda a socie dade no sentido de aperfeiçoar e fazer valer o processo educativo 85 Ideologia e emancipação Por fim pesquisouse a ideologia pelo menos em algumas de suas múltiplas formas e enfatizouse o fato de que só a participação e a vigilância constantes podem nos livrar de eventuais ciladas 86 Política e Educação REFERÊNCIAS ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fontes 2000 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 CASSIRER Ernst Ensaio sobre o homem São Paulo Mar tins Fontes 2001 COTRIM Gilberto FERNANDES Mirna Fundamentos de filosofia São Paulo Saraiva 2010 ECO Humberto BONAZZI Marisa Mentiras que parecem verdades São Paulo Summus 1980 FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1997 Paz e Terra 1977 Educação e mudança Rio de Janeiro Paz e Terra 1983 Terra 1983 Paulo Freire ao vivo gravação de conferências com debates realizados na Faculdade de Filosofia Ciên cias e Letras de Sorocaba 19801981 São Paulo Loyola 1983b 87 FROMM Erich O coração do homem Rio de Janeiro Zahar 1977 FUNARI Pedro Paulo A Grécia e Roma São Paulo Con texto 2002 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 GRIMAL Pierre Dicionário da mitologia grega e romana Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário Básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 JANNUZZI Gilberta S de Marinho Confronto pedagógico Paulo Freire e o Mobral São Paulo Cortez Moraes 1979 LALANDE André Vocabulário técnico e crítico da Filoso fia São Paulo Martins Fontes 1993 LEBRUN Gérard O que é poder São Paulo Brasilien se1992 MAQUIAVEL O príncipe São Paulo Círculo do Livro 1984 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MAXWELL Kenneth A devassa da devassa Rio de Janei ro Paz e Terra 1997 88 Política e Educação MOBRAL Documento Básico do Mobral Rio de Janeiro Bloch 1973 O GLOBO Atlas da história universal Rio de Janeiro O Globo 1995 PLATÃO A república Lisboa Calouste Gulbenkian 1993 ROBERTS J M O livro de ouro da história do mundo São Paulo Ediouro 2001 SILVEIRA E A Os olhos azuis do cão sem plumas a poe sia de João Cabral de Melo Neto e o processo de conscien tização social Rio de Janeiro UERJ 1999 Dissertação de Mestrado 89 Filosofia e desenvolvimento científico CAPÍTULO 3 FORMAÇÃO FILOSÓFICA DO PENSAMENTO MODERNO Quando Descartes profere seu famoso cogito Pen so logo existo a frase ecoa nos salões da intelectua lidade europeia como a síntese do Manifesto da Filosofia Moderna mas já a partir dos antecedentes Galileu e Bacon por exemplo representa também uma espécie de carta de alforria concedida aos cientistas até então ou pouco antes ainda atrelados aos procedimentos medie vais É que Descartes era um filósofo capaz de profundos voos transcendentais por um lado porém por outro bem definido um cientista nas acepções moderna e contem porânea da palavra tanto que não hesitou em aplicar o método dos geômetras à Filosofia e foi capaz de conceber ou desenvolver pelo menos o sistema de coordenadas as coordenadas cartesianas utilizado em larga escala até hoje por praticamente todas as ciências Primeiramente será observada a forma como se deu a ruptura ou melhor a desvinculação entre Filosofia e ciência Em seguida poderá ser avaliada a importância do método de Descartes no estabelecimento de novos para digmas educacionais o que significa identificar a própria Modernidade como uma época de forte e inédito impulso pedagógico Por fim a atenção se voltará para a influência nem sempre comedida das teorias científicas na práti 90 Formação filosófica do pensamento moderno ca educacional relacionando algumas das muitas escolas e tendências que fazem da pedagogia uma atividade não apenas útil e fascinante mas também às vezes tão mul tifacetada que chega a ser problemática 91 Filosofia e desenvolvimento científico FILOSOFIA E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO Filosofia e ciência caminharam juntas desde os présocrá ticos até a Idade Moderna Para Tales de Mileto século VI aC o elemento primordial seria a água para Anaxíme nes da mesma cidade o ar para Xenófanes de Cólofon a terra para Heráclito de Éfeso o fogo cf BORNHEIM 1997 p 2235 E isso para ficar só nos especialistas dos quatro elementos pois havia muitos outros pensadores cada qual defendendo elegantemente seu ponto de vista ou atacando o oposto sobre este ou aquele assunto fe nômeno ou problema mas sempre buscando em última análise uma melhor compreensão da physis a natureza incluindose nela a totalidade dos seres Dois séculos depois dos físicos portanto já em IV aC o próprio Aristóteles não lhes negaria pelo menos não completamente a honrosa titulação de filósofos àquela altura em Atenas já bastante seletiva ao mesmo tempo em que classificava a Filosofia como uma ciência isenta de utilitarismo Que a Filosofia não é uma ciência prática vêse clara mente pela própria história dos primeiros filósofos Com efeito foi pela admiração que os homens come çaram a filosofar tanto no princípio como agora per plexos de início ante as dificuldades mais óbvias avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores como os fenômenos da Lua do Sol e das estrelas E o homem que é tomado de per plexidade e admiração julgase ignorante por isso 92 Formação filosófica do pensamento moderno o amigo dos mitos é em certo sentido um filósofo pois também o mito é tecido de maravilhas portan to como filosofavam para fugir à ignorância é evi dente que buscavam a ciência a fim de saber e não com uma finalidade utilitária E isto é confirmado pelos fatos já que foi depois de atendidas quase to das as necessidades da vida e asseguradas as coisas que contribuem para o conforto e a recreação que se começou a procurar esse conhecimento Está claro pois que nós não o buscamos com a mira posta em qualquer outra vantagem mas assim como declara mos livre o homem que existe para si mesmo e não para um outro assim também cultivamos esta ciên cia como a única livre pois só ela tem em si mesma o seu próprio fim ARISTÓTELES 1969 p 40 982b De fato a situação não se altera isto é Filosofia e ciência continuam unidas da Grécia Clássica até o ocaso do Re nascimento quando ainda sob os horrores da Inquisição no caminho às vezes penosamente aberto por homens de ciência como Giordano Bruno 15481600 Galileu Galilei 15641642 William Harvey 15781657 e Francis Bacon 15611626 todos a essa altura já vinculando teoria e prática techné científicas surge René Descartes 1596 1650 considerado um dos criadores da Filosofia moder na mas seria recomendável antes de falar sobre ele traçar os esboços biográficos desses seus colegas e antecessores Giordano Bruno foi ordenado sacerdote em 1572 Incon formista por natureza processado em 1567 e 1576 fugiu para Roma e em 1579 já estava em Paris sob a proteção de Henrique III Viveu na Inglaterra como acompanhante do embaixador francês teve uma conturbada passagem por Oxford acusado de plagiar as doutrinas mágicoher méticas de Ficino e retornou a Paris de onde teve de fugir depois de um sério conflito com os aristotélicos Foi en 93 Filosofia e desenvolvimento científico tão para a Alemanha onde elogiou publicamente o lutera nismo Voltou à Itália em 1591 foi processado pelo San to Ofício em Veneza retratouse mas submetido a novo processo em Roma dessa vez se negou a renunciar a suas convicções Morreu na fogueira em Campo dei Fiori em fevereiro de 1600 cf REALE ANTISERI 1990 p 156157 Galileu Galilei nasceu em Pisa na Itália É considerado um dos criadores da ciência moderna Foi professor em diversas universidades italianas Ampliou os horizontes da Física e da Astronomia ao repelir o sistema geocêntrico e acatar o heliocentrismo copernicano baseado no uso que fez do te lescópio em suas observações Defendeu a Matemática como linguagem da Física na construção de teorias mais precisas e rigorosas cujas hipóteses seriam empiricamente compro váveis Preso pela Inquisição em 1633 por elaborar teorias contrárias à visão do Universo chanceladas pela Escolástica foi forçado a retratarse mas prosseguiu com suas pesqui sas em segredo e silêncio cf JAPIASSU MARCONDES 1991 William Harvey publicou em 1628 De Motu Cordis obra na qual apresenta uma revolucionária teoria para o processo de circulação do sangue no corpo humano De acordo com essa nova teoria o coração era uma bomba que trabalhava para manter o movimento contínuo do sangue nas veias De Motu Cordis representou uma importante contribuição para a filosofia mecanicista o organismo vivo é uma máquina que Descartes estenderia a todos os animais cf REALE ANTISERI cit p 311312 Francis Bacon foi o primeiro a tentar criar uma ciência útil para a humanidade baseada em um método de investi gação criterioso e realizado por alguém verdadeiramente 94 Formação filosófica do pensamento moderno qualificado um método que às vezes pode parecer que não passa da simples indução enumerativa a generaliza ção de fenômenos particulares em leis experimentais Mas acreditase que Bacon de fato tenha sido o criador de uma sofisticada classificação de procedimentos científicos Compreendeu ainda que a busca de leis é antes um exer cício de imaginação do que uma atividade empírica Lutou em sua obra contra a falsa metodologia da metafísica e a superstição cf BLACKBURN 1997 A nova ciência de Copérnico e Galileu precisou de uma defesa filosófica contra o dogmatismo da Igreja e de Aristóteles Encontrou esse defensor em Francis Bacon geralmente reconhecido como fundador da tradição científica moderna pois rompeu com Aristóteles e insistiu que deveríamos recomeçar com um método experimental puramente empíri co de investigação do mundo SOLOMON HIGGINS 2003 p 113 Descartes nasceu em La Haye França Estudou com os je suítas em La Flèche destacandose no aprendizado da Ma temática Ingressou na carreira militar combateu viajou e decidiu finalmente buscar a ciência por conta própria cuidando porém de não desagradar com suas obras nem a Igreja nem os protestantes temeroso de sofrer as mes mas ou até piores penas que Galileu Afirmava que a ver dade só podia ser alcançada pela dúvida metódica tanto no que tange aos nossos sentidos físicos quanto aos nos sos supostos conhecimentos cf COTRIM 1999 p 152 Foi o idealizador do sistema de coordenadas não por acaso chamadas de cartesianas utilizadas em praticamente to das as disciplinas científicas o método das coordenadas cartesianas não produz mais nenhum efeito sobre nós pois tornouse parte integrante do nosso patrimônio cien 95 Filosofia e desenvolvimento científico tífico REALE ANTISERI p 383 Celebrizouse por sua frase Penso logo existo Cogito ergo sum do Discurso do Método retomada na Meditação Segunda E enfim considerando que todos os mesmos pen samentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos sem que haja nenhum nesse caso que seja verdadeiro resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais ver dadeiras que as ilusões de meus sonhos Mas logo em seguida adverti que enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso cumpria necessariamen te que eu que pensava fosse alguma coisa E no tando que esta verdade eu penso logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagan tes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar julguei que podia aceitála sem escrúpulo como o primeiro princípio da Filosofia que procura va DESCARTES 1983 p 46 Serei de tal modo dependente do corpo e dos senti dos que não possa existir sem eles Mas eu me per suadi de que nada existia no mundo que não havia nenhum céu nenhuma terra espíritos alguns nem corpos alguns não me persuadi portanto de que eu não existia Certamente não eu existia sem dú vida se é que eu me persuadi ou apenas pensei al guma coisa Mas há algum não sei qual enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganarme sempre Não há pois dúvida alguma de que sou se ele me engana e por mais que me engane não poderá jamais fazer com que eu nada seja enquanto eu pensar ser alguma coisa De sorte que após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coi sas cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição eu sou eu existo é necessariamen te verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito DESCARTES cit p 92 96 Formação filosófica do pensamento moderno O Discurso do Método é dividido em seis partes e apre senta os quatro preceitos gerais da obra na segunda E como a multidão de leis fornece amiúde escusas ao vício de modo que um estado é bem melhor di rigido quando tendo embora muito poucas são es tritamente cumpridas assim em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a Lógica julguei que me bastariam os quatro seguintes des de que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observálos O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidente mente como tal isto é de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito que eu não tivesse ne nhuma ocasião de pôlo em dúvida O segundo o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas pos síveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvêlas O terceiro o de conduzir por ordem meus pensa mentos começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para subir pouco a pou co como por degraus até o conhecimento dos mais compostos e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros E o último o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada omitir DESCARTES cit p 3738 Embasado no cogito e nos quatro preceitos dando ênfase ao sujeito pensante res cogitans e ao método dos geôme tras para que se alcançasse o conhecimento certo e evi dente o sistema filosófico de Descartes planeja e constrói o protótipo do modelo intelectual que se iria instaurar na Modernidade 97 Filosofia e desenvolvimento científico Descartes assentou em posição dualista a questão on tológica da filosofia a relação entre o pensamento e o ser correspondente à disjunção entre mente e corpo à precedência do pensar sobre o agir ao dualismo psi cofísico Convencido do potencial da razão humana propôsse a criar um método novo científico de co nhecimento do mundo e a substituir a fé pela razão e pela ciência Tornouse assim o pai do racionalismo Sua filosofia esforçouse por conciliar a religião e a ciência Sofreu a influência da ideologia burguesa do século XVII que refletia ao lado das tendências pro gressistas da classe em ascensão na França o temor das classes populares GADOTTI 2001 p 77 Descartes identifica três tipos de ideias as ideias inatas que não são derivadas da experiência mas se encontram no indivíduo desde o seu nascimento dentre as quais se incluem as ideias de infinito e de perfeição as ideias adventícias ou empíricas que formamos a partir de nossa experiência e que dependem de nos sa percepção sensível estando portanto sujeitas à dúvida e as ideias da imaginação que formamos em nossa mente a partir dos elementos de nossa experiência como por exemplo a ideia de unicórnio que resulta da junção da ideia de chifre à ideia de cavalo MARCONDES 1997 p 170 Isso significa que a as ideias inatas correspondem àquilo que é sempre verdadeiro porquanto segundo Descartes já nascemos com estas ideias que transcendem qualquer tipo de experiência b as ideias adventícias estão condicionadas à nossa percepção sensorial e por isso nem sempre são verdadeiras pois comu mente os sentidos nos enganam c as ideias da imaginação também conhecidas como ideias fictícias ou ficcionais não po dem ser verdadeiras uma vez que envolvem a concepção de ob jetos inexistentes criados com partes de ideias adventícias De acordo com Franc Morandi se não há motivo para que se inclua Descartes no rol dos filósofos da educação não se pode negar que a ruptura com o intelectualismo tradicionalista proposta em seu método vai estabelecer novos paradigmas racionais e educacionais Notese que 98 Formação filosófica do pensamento moderno com o método a educação se torna racional o es tudo se torna razão e a empresa educativa espe culativa Humanismo e racionalismo entram em acordo para recusar o ensino escolástico das universidades sendo o cartesianismo a inscrever a obra educativa na educação da razão como Razão Esse racionalismo é educação pois não basta ter o espírito bom mas o principal é educar bem cf MORANDI 2002 p 7273 Em 1657 exatamente vinte anos depois de publicado o Discurso do Método Jan Amos Comenius ou Jan Amos Komenský 15921670 escreve a Didática Magna sob cuja orientação se poderia ensinar com rapidez eco nomia de tempo e sem fadiga pois em vez de ensinar palavras sombras das coisas a escola poderia fixarse no ensino do conhecimento a respeito delas cf GADOT TI 2001 p 78 Comenius aliás será o primeiro perso nagem a entrar em cena na próxima seção dedicada à pedagogia realista 99 A Pedagogia realista A PEDAGOGIA REALISTA Comenius era tcheco Superou o pessimismo antropoló gico da Idade Média com seu otimismo realista atento ao contexto da época influenciando os métodos pedagógi cos posteriores com a crença inabalável no homem como um ser capaz de aprender e de ser educado cf GADOTTI 2001 p 80 Acreditava firmemente na igualdade entre os seres humanos na missão humanitária da educação e na precedência dos sentidos físicos para a apreensão das coisas do mundo noção já presente em Bacon O currí culo que propunha incluía Religião Ética Música Econo mia Política História e Ciência Pioneiro na concepção e aplicação de métodos capazes de provocar o constante e crescente interesse dos alunos baseou sua pedagogia em nove princípios fundamentais condensados abaixo 1º A natureza observa um ritmo adequado Por exemplo um pássaro que deseje multiplicar sua es pécie não o faz no inverno nem no verão também não escolhe o outono mas escolhe a primavera quando o sol devolve vida e força para todos Concluímos por isso que 1 A educação dos homens deve começar na primavera da vida isto é na meninice 2 As horas matinais são as mais adequadas ao estudo 3 Todos os assun tos a serem aprendidos devem ser organizados de modo a adequarse à idade dos estudantes 2º A natureza prepara o material antes de começar a darlhe forma Por exemplo o pássaro que deseja produzir uma criatura semelhante a ele mesmo con cebe em primeiro lugar o embrião em seguida prepara o ninho onde porá os ovos Por isso é necessário 1 Que os livros e materiais necessários 100 Formação filosófica do pensamento moderno ao ensino sejam mantidos à mão 4 Que o co nhecimento das coisas preceda o conhecimento de suas combinações 5 E que os exemplos venham antes das regras 3º A natureza escolhe um objeto adequado sobre o qual irá agir ou primeiro submete um deles a um tratamento apropriado para tornálo adequado Por exemplo um pássaro não coloca nenhum objeto no ninho onde está a não ser um ovo Mas quando ocorre a choca o pássaro aquece o ovo e cuida dele até que o filhote saia da casca Por isso é desejável 1 Que todos os que entram para a escola perseverem em seus estudos 2 Que antes de se introduzir qualquer estudo especial a mente do estudante seja preparada para tanto e tornada receptiva 3 Que todos os obstáculos sejam removidos do caminho das escolas 4º A natureza não é confusa em suas operações mas em seu progresso avança distintamente de um ponto a outro É impossível concentrar a men te em qualquer coisa quando ela tem de ocuparse de várias coisas ao mesmo tempo Portanto as escolas deviam ser organizadas de tal modo que o estudante se ocupasse com apenas uma tarefa de estudo de cada vez 5º Em todas as operações da natureza o desenvol vimento se faz de dentro para fora Por exemplo no caso do pássaro não são as garras as penas ou a pele que se formam primeiro mas as partes in ternas Isso significa que o estudante devia primeiro compreender as coisas e em seguida re cordálas e que o professor devia ter consciência de todos os métodos de conhecimento 6º A natureza em seu processo formativo começa pelo universal e termina com o particular Por exem plo um pássaro é produzido de um ovo Todo ovo é aquecido o calor produz movimento e esse movimento gera um sistema de veias que esboçam a forma do pássaro inteiro Até que esse esboço esteja completo as partes individuais não são leva 101 A Pedagogia realista das ao acabamento Isso significa a Cada lín gua ciência ou arte deve ser ensinada primeiro em seus elementos mais simples para que o estudante possa obter uma ideia geral sobre ela b Seu conhe cimento pode em seguida ser mais desenvolvido apresentandoselhe regras e exemplos 7º A natureza não dá saltos mas prossegue passo a passo Seguese portanto a Que todos os estudos deviam ser cuidadosamente graduados nas várias classes b Que o tempo deve ser dividido cui dadosamente c Que a divisão do tempo e das matérias de estudo deve ser rigorosamente respei tada 8º Se a natureza começa qualquer coisa não a abandona até que a operação esteja completa Se guese portanto 1 Que aquele que é mandado para a escola nela deve ser mantido até tornarse bem informado virtuoso e piedoso 4 Que nenhum rapaz sob qualquer pretexto tenha permissão de afastarse ou faltar às aulas 9º A natureza evita cuidadosamente os obstáculos e as coisas com probabilidade de causar dano Por exemplo quando um pássaro está chocando ovos não permite que um vento frio a chuva ou o granizo os alcance As escolas devem ter cui dado a Para que os estudantes não recebam quais quer livros a não ser aqueles adequados a suas aulas b Que esses livros sejam de tal espécie que possam ser chamados com justiça de fontes de sabedoria virtude e piedade c Que nem na escola nem em suas proximidades os estudantes tenham permissão de misturarse a maus companheiros Cf MAYER Frederick História do Pensamento Ocidental Rio de Janeiro Zahar 1976 ap GADOT TI cit p 8085 Quanto ao tempo de estudo Comenius fixavao em 24 anos igualmente distribuídos por quatro períodos de seis entre as escolas maternal elementar ou vernácula latina giná 102 Formação filosófica do pensamento moderno sio e acadêmica universitária esta destinada aos mais capazes o que mostra que à época e como sempre ainda se relegava o aprimoramento intelectual do povo A pedagogia realista segue em frente com John Locke 16321704 não tão naturalista ecológica ou ornitoló gica quanto em Comenius mas intrinsecamente empírica e portanto pelo menos quanto ao aspecto conceitual an tagônica ao racionalismo inatista cartesiano Mas em si o antirracionalismo lockiano tinha lá seus limites pois na verdade Locke concorda com Descartes ao preferir i idéa a eîdos ser essência substancial como base etimológica do grego para ideia assumida esta especificamente como imagem noção espécie ou tudo aquilo em torno do qual o espírito pode ser utilizado no pensar REALE ANTISERI 1990 p 510 e então afirmar que todas as nossas representações do real são deri vadas de percepções sensíveis não havendo outra fonte para o conhecimento A mente é como uma folha em branco uma tabula rasa na qual a experiência deixa as suas marcas MARCONDES 1997 p 180 Para Locke portanto a todo conhecimento humano tem origem na sen sação não há ideias inatas no espírito b a partir dos dados da experiência o entendimento vai produ zir novas ideias por abstração c se o entendimento humano é passivo na origem tem um papel ativo pois pode combinar as ideias simples e formar ideias complexas JAPIASSU MARCONDES 1991 103 A Pedagogia realista Racionalismo qualquer filosofia que enfatize o papel da razão que nesta perspectiva garante a aquisição e a justificação do conhecimento sem auxílio É a preferência pela razão em detri mento da experiência sensorial como fonte de conhecimento Empirismo orientação filosófica persistente que procura ligar o conhecimento à experiência A experiência é concebida como qualquer coisa que se exprime numa determinada classe desig nada de afirmações cuja verdade possa ser verificada pelo uso dos sentidos Os racionalistas do continente europeu nomeadamente Descar tes Leibniz e Espinosa com frequência são contrastados com os empiristas britânicos Locke Berkeley e Hume mas esta posição simplifica exageradamente uma realidade mais complexa Por exemplo vale a pena notar que Descartes aprova até certo ponto a investigação empírica e que Locke partilha em certa medida a concepção racionalista segundo a qual o verdadeiro conhecimen to é uma espécie de intuição intelectual Cf BLACKBURN 1997 No âmbito estritamente pedagógico a obra de Locke irá centrarse no gentleman o gentilhomem cavalheiro fidalgo que seria ou deveria ser o paradigma da nova classe dirigente pósRevolução Industrial o indivíduo vir tuoso capaz de renunciar aos próprios desejos de opor se às próprias inclinações e de seguir unicamente aquilo que a razão lhe indica como melhor mesmo que os ape tites o dirijam para outro lado educado de acordo com quatro princípios fundamentais 1 a mens sana in corpore sano afirmada como um estado feliz neste mundo e como critérioguia de todo educador 2 a importância do raciocinar com as crianças como meio de ensino 3 a prioridade da formação práticomoral em re lação à intelectual e do critério da utilidade das disciplinas a ensinar aos jovens 104 Formação filosófica do pensamento moderno 4 a centralidade da experiência que desenvolve a natural curiosidade das crianças amadurece seus interesses e se afirma também através dos jogos e do trabalho CAMBI 1999 p 317318 Franco Cambi sustenta ainda que o fato de Locke afinal não ter levado em nenhuma conta o problema da educação do povo ou que o tenha resolvido de forma caritativa ou através de escolas de trabalho forçado para os rapazes pobres isso não vem prejudicar o valor teórico de sua proposta pedagógica CAMBI 1999 p 321 De qualquer modo como já foi visto enfaticamente educação implica ideologia que implica política que implica poder que implica sempre alguma forma de go verno e é aí neste circuito fechado cujos elementos mantêm entre si uma relação de reciprocidade que as dificuldades começam Após Locke já em pleno Iluminismo todavia prenun ciando o Romantismo surge outro importante educador tratase de JeanJacques Rousseau 17121778 suíço de ascendência francesa um dos autores da Enciclopédia obra coletiva fundada por Diderot e dAlembert e pu blicada de 1751 a 1766 Seus livros Discurso sobre a Origem da Desigualdade de 1755 e Contrato Social de 1762 causamlhe grandes problemas pela temática revolucionária para o século XVIII e até para o XXI em muitos casos A seguir alguns dos temas insistente mente abordados e discutidos 105 A Pedagogia realista a o homem é por natureza bom é a sociedade que o corrompe quer dizer a sociedade não é por essência corruptora mas somente aquela que repousa na afirmação da desigualdade natural dos homens b o estado de natureza é um estado primordial onde o homem vive feliz em harmonia com o mundo e na inocência não havendo necessi dade de sociedade c o homem difere essencial mente dos outros seres naturais e animais por sua perfectibilidade o problema para ele consiste em encontrar uma forma de sociedade na qual possa preservar sua liberdade natural e garantir sua se gurança para solucionar esse problema Rousseau propõe o contrato social O soberano é o conjunto dos membros da sociedade Cada homem é ao mesmo tempo legislador e sujeito e possui como cidadão uma vontade geral que o conduz a querer o bem do conjunto do qual é membro Cabe à educação formar essa vontade geral O regime so cial ideal é o democrático entendendose que um homem livre obedece mas não serve tem chefe e não mestres obedece às leis mas somente às leis e é pela força das leis que não obedece aos homens JAPIASSU MARCONDES 1991 Iluminismo período do pensamento europeu caracterizado pela ênfase na experiência e na razão Na Inglaterra do século XVII o movimento já pode ser apreciado No entanto foi só no século XVIII que se deu o completo florescimento do Iluminismo especialmente na França na Escócia e na Alemanha O Iluminismo está associado a uma concepção materialista dos se res humanos a um otimismo quanto a seu progresso por meio da educação e a uma perspectiva em geral utilitarista da sociedade e da ética BLACKBURN 1997 Como é próprio dos românticos Rousseau defenderá seus pontos de vista de modo exacerbado e beligerante repe lindo o tradicionalismo e a finesse afetada e enaltecendo a espontaneidade intuitiva a fantasia e em certo sentido a própria irracionalidade do ser humano Franco Cambi 106 Formação filosófica do pensamento moderno afirma que Rousseau operou uma revolução copernica na em pedagogia opondose a todas as ideias correntes em matéria educativa desde o uso das fraldas até o raciocinar com as crianças onde vai colidir frontalmen te com Locke CAMBI cit p 343 cf id p 318 Conver gindo para o naturalismo de Comenius e contrapondose mesmo ao espírito técnico e científico do Século das Luzes Rousseau vai defender com a peculiar veemência que se desperte no indivíduo desde a primeira idade a valoriza ção do que é natural pois tudo sai perfeito das mãos da Natureza Au tora das coisas É nas mãos do homem que tudo se degenera É o homem que tudo mutila que tudo transforma que tudo desfigura Ele não quer nada como a Natureza fez GILES 1983 p 77 Franc Morandi aponta o livro Émile de Rousseau como referência de qualquer reflexão filosófica sobre a educa ção pela sua amplidão pelo papel e projeto humano e social que nele se estabelecem MORANDI cit p 80 De fato a tarefa autoimposta por Rousseau é colossal no auge do Iluminismo quando a intelectualidade europeia se locupleta de uma racionalidade pretensamente capaz de resolver todos os problemas do mundo buscar o equilíbrio e a conciliação entre natureza e cultura além de proclamar que a natureza da infância não é a natureza da criança mas a infância segundo a natureza a infância como desenvolvimento humano e fundamento puro dos homens livres Ib p 85 107 A Pedagogia realista Trechos do Émile de Rousseau Tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas tudo de genera nas mãos do homem Ele obriga uma terra a nutrir as produções de outra uma árvore a dar frutos de outra mistura e confunde os climas as estações mutila seu cão seu cavalo seu escravo transtorna tudo desfigura tudo ama a desformidade os monstros não quer nada como o fez a natureza nem mesmo o homem tem de ensinálo para si como um cavalo de picadeiro tem que moldálo a seu jeito como uma árvore de seu jardim Nascemos fracos precisamos de força nascemos desprovidos de tudo temos necessidade de assistência nascemos estúpidos te mos necessidade de juízo Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos adultos énos dado pela educação Essa educação nos vem da natureza ou dos homens ou das coi sas O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nos sos órgãos é a educação da natureza o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas É preciso portanto generalizar nossos pontos de vista e consi derar em nosso aluno o homem abstrato o homem exposto a todos os acidentes da vida humana Se os homens nascessem arraigados ao solo de um país se a mesma estação durasse o ano todo se cada qual se prendesse a seu destino de maneira a nunca poder mudar a prática estabelecida seria boa até cer to ponto a criança educada para sua condição dela não saindo nunca não poderia ser exposta aos inconvenientes de outra Mas dada a mobilidade das coisas humanas dado o espírito in quieto e agitado deste século XVIII que tudo transforma a cada geração poderseá conceber um método mais insensato que o de educar uma criança como nunca devendo sair de seu quarto como devendo sem cessar acharse cercada dos seus Se o infeliz dá um só passo na terra se desce um só degrau está perdido Não é isso ensinarlhe a suportar a dor é exercitálo a sentila ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou da educação São Paulo Difusão Europeia do Livro 1968 ap GADOTTI cit p 94 96 97 108 Formação filosófica do pensamento moderno Immanuel Kant 17241804 é um filósofo familiar a vários escoliastas consagrados como Hannah Arendt por exem plo mas conhecido também por não especialistas quan do menos pela lei moral contida naquele célebre resumo do imperativo categórico que pulsa como um letreiro lumino so em sua Crítica da razão prática Age de tal forma que cada uma das tuas ações possa ser tomada como lei uni versal máxima semelhante aliás à bem mais antiga Não faças aos outros o que não queres que te façam Contudo Kant era também além de um convicto humanista e mora lista um respeitável teorizador da educação O modelo pedagógico elaborado por Kant embora exclusivamente teórico e desprovido de remessas à experiência concreta da vida infantil e da vida esco lar afirmase como uma das maiores elaborações da pedagogia iluminista confiante nas reformas e em particular na reforma da sociedade através da educação mas também como uma concepção ori ginal pela forte conotação ética que o distingue assim como orgânica ainda que esquemática Isso justifica a longa influência que esse modelo terá especialmente na área alemã durante todo o curso do século XIX CAMBI 1999 p 364 Mas notese que talvez preocupado com alguns possíveis excessos e desvios do Iluminismo no que tange à educa ção infantil e apesar das naturais diferenças de método e principalmente de temperamento Kant racional comedido e teórico Rousseau intuitivo arrebatado e prático não dei xará de existir em Kant admiração e respeito por Rousseau Kant lê no Émile a busca de uma via saber como a civilização deve progredir para desenvolver as dis posições da humanidade enquanto espécie moral em conformidade com sua destinação de forma que uma não se oponha mais à outra como espécie 109 A Pedagogia realista natural Para ambos a educação volta a ser um re encontro ético histórico e político com o humano Retenhamos que para Rousseau como para Kant o progresso não é nem linear nem necessário mas ele indica orienta o sentido da humanidade e de sua educação MORANDI cit p 93 110 Formação filosófica do pensamento moderno CONCEPÇÕES CIENTIFICISTAS DA EDUCAÇÃO A partir dos séculos XVII e XVIII como se depreende do que já foi examinado registrase a constante e crescen te exigência do rigor metodológico nos campos científico Galileu Bacon filosófico Descartes Locke Kant e edu cacional Comenius de modo que quando se observa a Idade Contemporânea iniciada só por mera e imprecisa convenção na Revolução Francesa em 1789 podese constatar que A centralidade da especulação fifosófica como guia da pedagogia foi susbstituída pela centralidade da ciência Melhor em pedagogia a referência à ciência manifestouse como referência a uma série de ciências cada vez mais ricas na sua articulação de modo a dar uma imagem do saber cientí fico em pedagogia bastante fragmentado inquieto e problemático Foram a psicologia com seus as pectos de enquete cognitiva de sondagem sobre a afetividade sobre processos de aprendizagem etc a sociologia com os destaques em torno da socia lização do sujeito as dinâmicas de grupo o papel social das instituições educativas etc a antropolo gia com as comparações entre os diversos modelos formativos com as sondagens sobre o vínculo entre desenvolvimento cognitivo linguagem e vida social etc depois a psicanálise a estatística a biologia e até ciências ainda mais recentes como a cibernética etc que delinearam um novo horizonte no saber pedagógico para ancorálo por um lado a proces sos experimentais e analíticos e por outro a mo delos em contínuo desenvolvimento em contínua transformação reclamando uma pesquisa educa tiva em estreito contato com as ciências aberta a 111 Concepções cientificistas da Educação contínuas revisões e reprogramações Podemos di zer que desde os anos 60 pelo menos a pedagogia tornouse pesquisa educativa desenvolvida dentro das ciências da educação e à qual é delegada a ta refa de fixar modelos e estratégias de formação CAMBI cit p 403 O tom no mínimo preocupado desta citação de Cambi en contra sua razão de ser na proliferação de escolas que vem ocorrendo desde o século XVI origem da escola tra dicional até hoje quando parece predominar a escola pro gressista bem como de um semnúmero de tendências teorias e ramificações Seguese a propósito um pequeno inventário metodológico e conteudístico de algumas delas 1 Escola tradicional atuante de fato até o final do século XIX mas presente ainda hoje Segue a linha magistrocêntrica ou seja centrada no mestre mo delo de saber e de autoridade e utiliza metodolo gia expositiva com exercícios de fixação leituras e cópias Quanto ao processo avaliativo enfatizamse aspectos cognitivos e mnemônicos e no que tange à disciplina admitiase até bem pouco tempo o casti go físico e o moral uma espécie de bullying institu cionalizado Cf ARANHA 1998 p 158 Sob forma de transmissão em origens e práticas di versificadas histórica cultural e educacionalmen te o modelo tradicional quer sirva de referência quer dele haja distinção é arbitrariamente o princí pio de identificação de todo modelo em pedagogia Precisase do tradicional como lugar de origem e referência Ele não se define a priori e sim num mo vimento de tradições verdadeiras por exemplo as humanidades e a cultura e de disposições bastante recentes a parte do curso magistral Para a pedago gia escolar a pedagogia tradicional é na realidade 112 Formação filosófica do pensamento moderno pedagogia convencional lugar de identificação de convenções sociais e culturais pelas quais se cons titui a visão compartilhada do sistema pedagógico Combinaramse um fio condutor e um modo de pensamento comuns a realizações múltiplas muito mais do que uma realidade prédefinida O modelo pode ser também considerado como uma leitura da pedagogia organizada e pensamento em torno do professor Só é explicitamente criado um modelo da parte do professor o aluno é o ponto cego da ima gem assim dada dos princípios pedagógicos Como se o papel da pedagogia fosse organizar a execução e o conforto da atividade preestabelecida do pro fessor sábio Se a pedagogia tradicional está cen trada sobre o docente o papel do aluno também está aí definido Ajudar o aluno em seu trabalho se gundo o esquema tradicional com suas anotações de aula por exemplo tem a ver com a mesma peda gogia mudar de olhar não é mudar de pedagogia MORANDI 2002b p 57 2 Escola nova surge no final do século XIX como uma reação ao magistrocentrismo portanto coloca a criança no centro do processo educativo pedo centrismo ou puericentrismo conforme se prefira o radical grego ou o latino Dá grande atenção à psi cologia e aos interesses infantis o que pode tornar o professor um agente secundário na transmissão do conhecimento Tendo por lema aprender fazen do Comenius a Escola Nova pretende ser a for madora do homem integral resultante da interação dos sentimentos e emoções com a razão e a ação preparado para as novidades do mundo e para a au tonomia Cf ARANHA cit p 167168 Dewey enuncia os termos da oposição fundadora das duas teses uma a da educação nova susten ta que ela a educação é um desenvolvimento que procede de dentro a outra a educação tradicional que ela é uma formação que se faz de fora uma que 113 Concepções cientificistas da Educação ela se funda sobre os dons naturais a outra que ela domina as inclinações naturais e tende a substi tuílas por hábitos que uma longa pressão externa permitiu inculcar O novo modelo adquire então um sentido positivo e fundador Para Henri Wallon todos os sistemas de Educação Nova concordam em condenar nos métodos tradicionais ou clássicos de ensino o erro que eles cometem colocando como ponto de partida no espírito da criança noções cuja simplicidade é uma simplicidade racional En tre educadores modernos chegouse a um acordo quanto à necessidade de inverter com a criança a ordem lógica de nossas explicações que vão da pa lavra à coisa do fator abstrato ao objeto concreto Esta referência fundadora à criança expressa uma crença não só na bondade da criança mas também na sua capacidade de construir sozinha seu saber Centrar a educação e a escola naquele que está em situação de aprender projeto retido e afirmado pela lei de orientação de 1989 é o projeto da Edu cação Nova MORANDI cit b p 60 3 Tendência tecnicista baseada no modelo indus trial e empresarial do taylorismo originase nos Es tados Unidos dos anos 1960 de onde se alastra para toda a América Latina no Brasil chega com força após o golpe militar Tem por escopo sujeitar a edu cação às necessidades industriais e tecnológicas por meio de objetivos didáticos diligentemente concebi dos de modo a evitar interpretações valorizando o uso da tecnologia Cf ARANHA cit p 175 Herdeira do cientificismo a tendência tecnicista busca no behaviorismo teoria psicológica também de base positivista os procedimentos experimentais necessários para a aplicação do condicionamento e o controle do comportamento Daí a preocupação com a avaliação a partir dos aspectos observáveis e mensuráveis da conduta e o cuidado com o uso da tecnologia educacional não só quanto à utiliza ção de recursos avançados da técnica mas também 114 Formação filosófica do pensamento moderno quanto ao planejamento racional que tem em vista alcançar os objetivos propostos com economia de tempo esforços e custo Como se vê os ideais de racionalidade organização objetividade e eficiência que permeiam as propos tas tayloristas têm sua fundamentação teórica no positivismo encontrando na tendência tecnicista sua adequada expressão ARANHA cit p 176 4 Teorias antiautoritárias decididamente puericen tristas consideram o professor não um comandante mas um orientador O conteúdo apresentado é sem pre ligado aos interesses e ao cotidiano dos alunos e a metodologia se pauta pela autogestão daí a instau ração de comunidades de aprendizagem dirigidas pelo próprio grupo Por consequência efetuase a autoa valiação baseada na crítica na responsabilidade e na disciplina intrínsecas ao próprio aluno repelindose os instrumentos de poder materializados nos procedi mentos burocráticos José Oiticica 18821957 Miguel Gonzales Arroyo e Maurício Tragtenberg são três dos poucos adeptos da educação libertária no Brasil Cf ARANHA cit p 182 Michel Lobrot um dos mais significativos represen tantes da pedagogia institucional assim enuncia o princípio fundamental da autogestão O princípio consiste em confiar aos alunos tudo o que é possí vel lhes confiar isto é não a elaboração dos progra mas ou a decisão dos exames que não dependem nem do docente nem de seus alunos mas o con junto da vida das atividades e da organização do trabalho dentro desse âmbito Assim como Rogers Carl Rogers 19021987 psi cólogo americano o professor deve intervir só quando solicitado e mesmo assim cabe a ele a difí cil tarefa de saber quando a pergunta de um aluno é pertinente ao grupo Caso não seja deve calarse Aliás para exercer a desafiadora prática da ausência 115 Concepções cientificistas da Educação do poder o mestre precisa aprender com prudência e humildade a silenciar sempre que possível o si lêncio sistemático e prolongado é a concretização da nãodiretividade As clássicas tarefas do professor passam a ser res ponsabilidade do grupo porque a noção de auto gestão supõe a atividade instituinte dos alunos Re alçando a dinâmica dessas relações Lobrot critica severamente a burocracia típica expressão do po der que ao instaurar a hierarquia coisifica as pesso as e cristaliza toda ação ARANHA cit p 182 184 5 Teorias críticoreprodutivistas a Teoria da vio lência simbólica para Bourdieu e Passeron a escola ao reproduzir os privilégios da classe dominante exerce uma forma de violência simbólica mas forte o bastante para legitimar as regras vigentes e ho mogeneizar a conduta social b Teoria da escola como aparelho ideológico de Estado baseado em Marx Louis Althusser 19181990 aponta a escola de orientação capitalista como reprodutora dessa mesma ideologia ao privilegiar a disseminação do saber prático na qualificação ao trabalho c Teo ria da escola dualista para Baudelot e Establet o capitalismo se mantém distribuindo o ensino por dois tipos de escola um destinado ao trabalho in telectual para os filhos dos dirigentes e outro ao trabalho manual para os filhos dos proletários Cf ARANHA cit p 188192 Em síntese Bourdieu desenvolve três argumentos básicos relativos ao papel dos sistemas simbólicos ou culturais na produção e reprodução das estru turas sociais Antes de mais nada eles seriam for mas de percepção e representação da realidade Os indivíduos criariam sustentariam e defenderiam seus sistemas simbólicos no âmbito da sociedade em geral ou no interior de um campo específico Como resultado da disputa e da dominação entre 116 Formação filosófica do pensamento moderno os representantes de diferentes produções simbóli cas estabelecerseiam hierarquias culturais Certas produções seriam consideradas superiores e ou tras inferiores Os indivíduos capazes de produzir ou pelo menos de identificar apreciar e usufruir as produções consideradas superiores ganhariam maior prestígio e poder na sociedade em geral ou no campo específico de produção simbólica em questão Nos termos de Bourdieu podese dizer que eles acumulariam capital cultural em geral ou uma forma específica desse capital Em segundo lugar Bourdieu observa que os siste mas simbólicos seriam um meio capaz de traduzir e portanto escamotear dissimular eufemizar as hierarquias sociais Em terceiro lugar o autor observa que ao traduzir simbolicamente de forma irreconhecível as hierar quias sociais os sistemas culturais contribuiriam para legitimar justificar essas hierarquias NO GUEIRA NOGUEIRA 2004 p 4748 6 Teorias construtivistas os teóricos dessa ten dência ultrapassam o inatismo sujeito ativo e o empirismo sujeito passivo Para eles o aprendiza do se dá pela interação do sujeito com o objeto isto é nem a criança é simples receptor nem o mestre é mero transmissor Assim o conhecimento é uma construção contínua que se desenvolve por eta pas entre e durante as quais afloram a curiosidade e a consequente inventividade Entre os principais construtivistas podem ser apontados Jean Pia get 18961980 biólogo autodidata em Filosofia e Psicologia Emília Ferreiro aluna de Piaget a cujos estudos e ensinamentos acrescentou a pesquisa lin guística e Lev Semenovich Vygotsky para o qual atributos tipicamente humanos como a abstração a memorização e a intencionalidade podem e de vem ser avaliados à luz de pressupostos marxistas Cf ARANHA cit p 202204 117 Concepções cientificistas da Educação A Piaget a pedagogia contemporânea deve uma nova concepção da mente infantil e a individualiza ção das suas estruturas cognitivas bem menos ou quase nada das afetivas elementos necessários para impostar uma educação do pensamento que leve em conta no trabalho didático as efetivas capacidades linguísticas e lógicas da criança Talvez a mente de que fala Piaget seja uma mente demasiado epistemo logizada modelada sobre o saber científico e apenas sobre ele uma mente talvez etnocêntrica ligada à infância tal como se apresenta na cultura ociden tal e junto às classes médias altas mas postulada como modelo universal e escassamente socializada e pouco dependente do habitat social em que se de senvolve mas certamente a sua contribuição para os problemas da pedagogia foi decisiva e decisiva so bretudo pela revolução cognitiva que a caracterizou nos últimos decênios CAMBI cit p 611 7 Teorias progressistas visam a proporcionar às classes populares o acesso irrestrito à educação em todos os níveis de conhecimento Também como no construtivismo de Vygotsky assentam sua base teórica em pressupostos marxistas combatendo portanto o liberalismo e a divisão de classes En tre os cultores dessas teorias que são muitos e de várias nacionalidades encontramse os soviéticos Makarenko e Pistrak o italiano Antonio Gramsci os franceses Célestin Freinet e Bernard Charlot o espanhol Francisco Ferrer o polonês Suchodolski No Brasil assim como no cenário pedagógico in ternacional erguese a figura serena mas enérgica de Paulo Freire com seu curso de alfabetização de adultos centrado na conscientização social O processo de alfabetização de Paulo Freire parte de palavras geradoras extraídas preferencialmente do vocabulário cotidiano comum ao local de ensi no que decompostas em seus elementos silábicos 118 Formação filosófica do pensamento moderno propiciam pela combinação desses elementos a criação de novas palavras a partir das quais serão estabelecidos assuntos para discussão Em uma das aulas do curso de alfabetização de adultos que ministrava no Rio de Janeiro à época Estado da Guanabara Freire e os alunos examina ram dezessete palavras favela chuva arado ter reno comida batuque poço bicicleta trabalho salário profissão governo mangue engenho enxa da tijolo riqueza A cada uma delas atribuíramse necessidades fundamentais Para a primeira favela que nos basta como exemplo elas seriam habita ção alimentação vestuário saúde educação Os as pectos para discussão foram O Brasil e a dimensão universal Nações ricas x nações pobres Países dominantes e dominados Países desenvolvidos e subdesenvolvidos Emancipação nacional De ou tro lado no Roteiro de Alfabetização da Fundação MOBRAL trabalhavamse assuntos e aliterações à moda das velhas cartilhas como O povo vive Pelé leva a bola Saúde é vida Davi vai à vila Ele leva a família Moema cuida da casa A casa é feita de tijolo A família vê televisão Rui ouve o rádio João ama Rita João e Rita vão à capela O time ouve o hino O homem cuida da terra A máqui na ajuda o homem A Lua está mais perto de nós O homem chegou até lá Ele usou o foguete SILVEIRA 1999 p 3738 Sem dúvida depois do que se estudou até aqui não se pode tirar a razão de Franco Cambi quando ele por ou tras palavras parece reclamar para a Pedagogia um pouco mais de si mesma e um pouco menos de outras ciências Mas vivese o tempo da inter multi e transdisciplinarida de quando as áreas de estudo até por força da globaliza ção midiática inevitavelmente se aproximam e se pene tram e o conhecimento avança sob aceleração geométrica para uma fusão de proporções e consequências imprevisí veis De qualquer modo talvez seja útil atentar para essas palavras de Franco Morandi sobre o sentido da Pedagogia 119 Concepções cientificistas da Educação A pedagogia descreve uma condição específica socialmente construída das ações combinadas de ensinar e de aprender O objeto da pedagogia não é o professor nem o saber nem o aluno e sim a atividade que os reúne Este conjunto fundador cria uma coerência entre a identidade da pessoa os sa beres a cultura a sociedade e a atividade que os produz Os modelos pedagógicos são os princípios condutores desta atividade sendo os métodos seu modo de realização A pedagogia constitui por extensão o sistema orga nizado da atividade a criação dos modelos de suas práticas de seus métodos Ela descreve por exten são as competências os saberes sobre a atividade os saberfazer ligados à sua prática o trabalho pe dagógico do aluno e do professor A pedagogia simultaneamente modelo e método é uma organiza ção formadora O termo pedagogia foi frequentemente tomado no mau sentido Ele retoma aqui o sentido de uma atividade essencial e de um corpo de pensamento em evolução que se formaliza Disciplina de ação devendo gerir a incerteza numa problemática da de cisão a pedagogia está na dependência do princípio de competência profissional para os educadores e os formadores de uma profissionalização numa or ganização de aprendizagem complexa a escola e as instituições formadoras Ele retoma igualmente uma interrogação e uma tra dição fundadoras que o termo alemão Bildung pe dagogia no sentido de formação destaca Martin Heidegger sublinhava esse sentido ele correspon de melhor embora incompletamente ao grego pai déia Bildung quer dizer duas coisas Primeiro um ato formador que imprime à coisa um caráter segundo o qual ela se desenvolve Em seguida se esta formação informa imprime um caráter é porque ao mesmo tempo ela conforma a coisa a uma visão determinante que por esta razão é cha mada modelo Vorbild Foi como empresa evolutiva e criadora de modelos que a pedagogia construiu nossa escola MORANDI cit b p 26 120 Formação filosófica do pensamento moderno Neste capítulo observamos que filosofia e ciência estive ram juntas até o final do Renascimento quando alguns pesquisadores às vezes arriscando a vida em incursões demasiado próximas das fogueiras sempre acesas e fa mintas da Inquisição decidiram unir a teoria à prática a especulação metafísica à técnica deixando assim menos acidentado o caminho do conhecimento para todos que o trilhavam ou almejavam trilhar Vimos também o quan to o pensamento moderno livre das coerções medievais e portanto já plenamente centrado na razão vai ser de singular importância para o desenvolvimento de procedi mentos pedagógicos desvencilhados de concepções nebu losas e dogmáticas Por fim pudemos conhecer algumas das principais escolas e teorias da atividade educativa e a partir daí certamente seremos capazes de refletir a respeito da influência quase sempre benéfica mas às vezes nefasta dependendo da dose que várias ciências exerceram e ainda exercem sobre a Pedagogia 121 REFERÊNCIAS ARANHA Maria Lúcia de Filosofia da Educação São Pau lo Moderna 1998 ARISTÓTELES Metafísica Porto Alegre Globo 1969 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 BORNHEIN Gerd A Org Os filósofos présocráticos São Paulo Cultrix 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 COTRIM Gilberto Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 1999 DESCARTES René Discurso do métodomeditações São Paulo Abril Cultural 1983 GADOTTI Moacir História das ideias pedagógicas São Paulo Ática 2001 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 122 Formação filosófica do pensamento moderno JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MORANDI Franc Filosofia da Educação São Paulo EDUSC 2002 Modelos e métodos em Pedagogia São Paulo EDUSC 2000 NOGUEIRA Maria Alice NOGUEIRA Cláudio M Martins Bourdieu e a educação Belo Horizonte Autêntica 2004 REALE Giovani ANTISERI Dario História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 vol2 SILVEIRA E A Os olhos azuis do cão sem plumas a poe sia de João Cabral de Melo Neto e o processo de conscien tização social Rio de Janeiro UERJ 1999 Dissertação de Mestrado SOLOMON Robert HIGGINS Kathleen M Paixão pelo Sa ber Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 123 As novas ciências CAPÍTULO 4 EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS As ciências tomam impulso a partir de três grandes rup turas que abalam a ideia de centralidade do ser humano a primeira cosmológica no século XV as outras duas uma biológica e outra psíquica nos séculos XIX e XX De início o foco da observação se concentrará na traje tória da ciência desde que o homem abandona o eixo do Universo e vai buscar na razão o seu paraíso perdido o que traz consequências drásticas para todas as áreas de conhecimento A seguir será avaliado de que forma e em que medida os valores éticos e morais sofreram modificações nesses quase quinhentos anos de aceleração tecnológica até que se chegasse ao que passou a ser chamado genericamente de comunicação social comunicação de massa meios de comunicação de massa ou simplesmente mass media Por fim o exame recairá sobre o modo como a Filosofia e a Pedagogia em uma ação coesa e bilateral sintetizada na designação de Filosofia da Educação procuram dar conta da problemática sempre crescente e mutante das questões inerentes ao ensino nessa era de modificações paradig máticas radicais e contínuas 124 Educação contemporânea Questões epistemológicas AS NOVAS CIÊNCIAS Se para os conservadores obstinados um homem que pen sa é um perigo potencial um homem que pensa reflete e ainda por cima contesta é um verdadeiro desastre Nicolau Copérnico por exemplo desde sempre o Universo funcio nou muito bem com o sistema de Ptolomeu a Terra no centro os astros girando em torno dela tudo simples bo nito inalcançável e incompreensível como devem ser as coisas dogmatizáveis relativas à Criação tudo repetitivo indefectível seguro e preciso como um relógio até que se quebre Mas tinha de aparecer aquele polonês desmancha prazeres trazendo debaixo do braço um livro herético Sobre a Revolução das Órbitas Celestes 1543 no qual procurava demonstrar matematicamente que a Terra é que girava em torno do Sol A ideia nem sequer era original Aristarco de Samos já a tivera no século III aC porém mesmo assim não havia desculpa a ordem do papa era clara e irrecorrível ou a Terra voltava para o centro ou quem iria para o centro só que de uma bela fogueira ia ser o defensor daquela ideia estapafúrdia de heliocentrismo De resto o livro foi para o índex a teoria esfriou foi re quentada quase setenta anos depois por Galileu agora de vidamente equipado com um telescópio mas as coisas se reacomodaram ainda na Modernidade e isso já foi visto De qualquer modo Copérnico por sua depois chamada revolução copernicana é considerado o precursor da pri 125 As novas ciências meira grande ruptura com a concepção de que o homem é a obra máxima da natureza e de que o Universo portanto teria sido feito só para ele Houve ainda pelo menos duas outras grandes rupturas epistemológicas diretamente liga das ao indivíduo A segunda grande ruptura é provocada pelo que se poderia chamar por analogia com a primeira a re volução darwiniana resultado da obra de Charles Darwin A origem das espécies pela seleção natural 1859 onde este formula sua famosa teoria da evo lução ou mais apropriadamente da transformação das espécies pela seleção natural Na medida em que revela que o homem é apenas mais uma espécie natural dentre outras e que a espécie humana resul ta de um processo de evolução natural tendo an cestrais comuns com o macaco Darwin abala pro fundamente a crença na superioridade humana no homem como o rei da criação como tendo uma natureza não só superior como radicalmente distin ta da dos demais seres A terceira grande fonte de ruptura se encontra no que poderíamos chamar seguindo a mesma linha de revolução freudiana e é consequência da teoria psicanalítica de Sigmund Freud 18561939 e de sua descoberta do inconsciente cuja formulação inicial se encontra no clássico A interpretação dos sonhos 1900 Freud revela que o homem não se define pela racionalidade e que sua mente não se carac teriza apenas pela consciência mas ao contrário nosso comportamento é fortemente determinado por desejos e impulsos de que não temos consciên cia e que reprimidos não realizados permanecem entretanto em nosso inconsciente e manifestamse em nossos sonhos e em nosso modo de agir Um dos argumentos centrais do racionalismo mo derno o acesso privilegiado do ser pensante à sua própria consciência a evidência do cogito enfatiza da por Descartes tornase assim altamente proble mático MARCONDES 1997 p 254255 126 Educação contemporânea Questões epistemológicas Charles Robert Darwin 18091882 naturalista inglês estabeleceu com A origem das espécies as bases da Biologia e da ecologia moderna e contemporânea Transcrevese abaixo um trecho do úl timo parágrafo com o qual Darwin encerra a sua obraprima É interessante contemplar uma ribeira exuberante atapetada com numerosas plantas pertencentes a numerosas espécies abri gando aves que cantam nos galhos insetos variados que saltitam aqui e acolá vermes que rastejam na terra úmida se se pensar que essas formas tão admiravelmente construídas tão admiravelmente conformadas e dependentes umas das outras de uma maneira tão complicada foram todas produzidas por leis que atuam ao nosso redor Estas leis tomadas no seu sentido mais amplo são a lei do crescimento e reprodução a lei da hereditariedade de que implica a lei de reprodução a lei de variabilidade resultante da ação direta e indireta das condições de vida do uso e não uso a lei da multipli cação das espécies em razão bastante elevada para provocar a luta pela sobrevivência que tem como consequência a seleção natural que determina a divergência de caracteres a extinção de formas menos aperfeiçoadas O resultado direto desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte é pois o fato mais notável que podemos conceber a saber a produção de animais superiores DARWIN 1981 p 458 Essas três grandes rupturas a cosmoantropológica a biológica e a psíquica vão até certo ponto colocar o ser humano em sua devida posição de hóspede e não dono do grande hotel do mundo o que não vai impedilo de persis tir na sua jornada em busca do conhecimento promoven do as necessárias modificações nos modelos científicos as chamadas mudanças paradigmáticas Assim chegase aos séculos XX e XXI sob o domínio em dois sentidos da cibernética matriz daquela que talvez possa ser clas sificada como a segunda maior mudança paradigmática de todas já que o primeiro lugar imbatível pertenceria à era nuclear e à catástrofe de Hiroshima e Nagasaki a da tecnologia cujas intenções declaradas ou subreptícias se mostrarão curiosamente bastante próximas dos obje 127 As novas ciências tivos finais do positivismo idealizado por Auguste Comte no século XIX A finalidade última do sistema é política organizar a sociedade cientificamente com base nos prin cípios estabelecidos pelas ciências positivas JAPIASSU MARCONDES cit A palavra cibernética tem origem no grego kybernétes que sig nifica piloto de navio e por extensão aquele que conduz o engenho Pilotagem vem de kybernetiké trazendo subentendi da a téchne téchne kybernetiké é a arte ou habilidade do piloto daquele que está no comando Hoje entendese por cibernética a ciência dos sistemas de controle comunicação e interação nos organismos vivos e nas máquinas Algumas pessoas experimentam uma espécie de frisson só de ouvir falar de Comte e de Positivismo A repulsa até se explica pois Comte foi um incorrigível reacionário mas não se justifica para que haja isenção de propósitos avaliativos indivíduos e fatos devem ser observados sincronicamente à época em que viveram ou ocorreram Olhar com olhos de hoje as coisas do século XIX e a partir desse relance proferir juízos de valor não parece uma atitude das mais corretas ou inteligentes Não se pode negar que o positivismo foi partícipe do desenvolvimento científico e que teve os seus bons tempos ficou para trás como tudo passa mas ainda está lá no grande rolo de filme da história se for cortado vai faltar um pedaço do enredo e a cena anterior e a posterior poderão até perder o sentido se é que existe um sentido Auguste Comte 17981857 nasceu em Montpellier na França Por sete anos foi secretário do filósofo ClaudeHenri SaintSimon 17601825 também francês socialista defen sor da extinção das diferenças de classe e da remuneração 128 Educação contemporânea Questões epistemológicas justa do trabalho Na obra Discurso sobre o espírito po sitivo Comte aponta as características fundamentais que distinguem o positivismo das demais filosofias realidade pesquisa de fatos concretos acessíveis à nossa inteligência deixando de lado a preocupação com mistérios impenetráveis referentes às causas primeiras e últimas dos seres utilidade busca de conhecimentos destinados ao aperfeiçoamento individual e coletivo do homem desprezando as especulações ociosas vazias e es téreis certeza obtenção de conhecimentos capazes de estabelecer a harmonia lógica na mente do próprio indivíduo e a comunhão em toda a espécie humana abandonando as dúvidas indefinidas e os intermi náveis debates metafísicos precisão estabelecimento de conhecimentos que se opõem ao vago baseados em enunciados rigorosos sem ambiguidades organização tendência a organizar construir me todicamente sistematizar o conhecimento humano relatividade aceitação de conhecimentos científi cos relativos Se não fossem relativos não poderia ser admitida a continuidade de novas pesquisas capazes de trazer teorias com teses opostas ao co nhecimento estabelecido Assim a ciência positiva é relativa porque admite o aperfeiçoamento e a ampliação dos conhecimentos humanos COTRIM 1999 p 185186 Comte também defendeu uma reforma da sociedade reorganizada intelectual moral e politicamente pois a Re volução Francesa teria destruído uma série de valores importantes da sociedade tradicional europeia não sendo capaz entretanto de impor novos e permanentes valores para a emergente sociedade burguesa nisso re sidindo a grande tarefa a ser desempenhada pela filosofia positiva restabelecer a ordem na sociedade capitalista industrial COTRIM cit p 187 129 As novas ciências É aqui que as coisas começam a se complicar porque já se vai entrando naquele conhecido campo minado da ideologia e se complicam ainda mais quando Comte elabora um Catecismo positivista e decide criar uma nova seita religiosa denomina da Religião da Humanidade cuja deusa tinha os traços de Clotilde de Vaux escritora francesa o grande amor de Comte e os santos eram pensado res como Dante Shakespeare Galileu Adam Smith etc Cf COTRIM cit p 187188 De qualquer modo fora religião catecismo deuses e san tos não se pode negar que o Positivismo expurgado de alguns excessos e impropriedades colaborou pelo menos com sua essência metodológica para que se atingisse o atual patamar científico só não se pode é ter absoluta cer teza ainda se isso foi um bem ou foi um mal COMTE E SUA LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS OU ESTADOS Essa lei consiste no seguinte cada uma das nossas principais concepções e cada ramo dos nossos conhecimentos passam necessariamente por três estágios teóricos diferentes o estado teológico ou fictício o estado metafísico ou abstrato e o estado científico ou positivo No estágio teológico os fenômenos são vistos como produtos da ação direta e contínua de agentes so brenaturais mais ou menos numerosos no estágio metafísico são explicados em função de essências ideias ou forças abstratas os corpos se uniriam graças à simpatia as plantas cresceriam em virtude da presença da alma vegetativa mas é somente no estágio positivo que o espírito humano reconhecendo a im possibilidade de obter conhecimentos absolutos renuncia a per guntarse qual é a sua origem qual o destino do universo e quais as causas íntimas dos fenômenos para procurar somente desco brir com o uso bem combinado do raciocínio e da observação as suas leis efetivas isto é as suas relações invariáveis de sucessão e semelhança REALE ANTISERI 1991 p 299 130 Educação contemporânea Questões epistemológicas Para os adeptos incondicionais da tecnologia a ciência atual é o Bem Absoluto do lado contrário há os que veem em cada novo estágio tecnológico um passo a mais na di reção de um abismo sem fundo Entre os dois grupos os ponderados aristotelicamente buscando um meiotermo um modo de fruir os benefícios da ciência contemporânea sem deixar de ser gente Seja como for Danilo Marcondes afirma que No século XX e no XXI novas descobertas cientí ficas igualmente revolucionárias provocarão trans formações profundas em nossa maneira de conceber o homem e o conhecimento com um grande impacto no pensamento filosófico Duas merecem destaque Em primeiro lugar a revolução da informática e a questão da inteligência artificial que seu desenvol vimento suscita Seria o pensamento uma caracterís tica podese dizer mesmo um privilégio do ser hu mano ou seria possível construirmos máquinas que pensam usando o cérebro como modelo para computadores que tentariam reproduzir a ativi dade do pensamento Em segundo lugar a revolução biológica a engenha ria genética a possibilidade de criar novas espécies ou de manipular as características de uma espécie Até onde podemos intervir na natureza biológi ca Uma nova área de reflexão na fronteira entre filo sofia e biologia a bioética tem surgido como tenta tiva de dar conta desses problemas impensáveis até bem pouco tempo atrás MARCONDES cit p 255 Poderia ser proposta ainda uma terceira revolução a da comunicação que foi capaz de conduzirse e conduzir o mundo como uma força autônoma da prensa de tipos móveis à internet em uma porção mínima de tempo his tórico uma transformação rápida radical e para alguns autores intrínseca à própria sociedade contemporânea 131 As novas ciências Não se pode imaginar a chamada sociedade pósmo derna ou pósindustrial sem a presença maciça de informações ou a intervenção constante dos meios de comunicação de massa na vida pessoal ou social Nada mais pósmoderno do que assistir pela tevê ao vivo e via satélite a eventos que marcam a histó ria contemporânea como a Guerra do Golfo a der rubada do muro de Berlim ou o atentado ao World Trade Center entremeados por intervalos comer ciais e vinhetas geradas por computador A pós modernidade caracterizase por alguns elementos 1 Alta Tecnologia facultando a criação de no vos códigos e a possibilidade de interferência na emissão e no conteúdo das mensagens 2 Velocidade as ideias e comportamentos são modificados rapidamente Vivese em um contínuo momento presente diferente daquele que o antece deu e do que o irá suceder 3 Consumismo e Hedonismo A compulsão consumista gera o fenômeno do hedonismo do individualismo exacerbado que se manifesta como forma de defesa em um ambiente hostil 4 Niilismo com o aumento da quantidade de in formações e a rapidez com que surgem e desapa recem nas mídias não há mais temas relevantes e as ideologias aparentemente ficaram obsoletas os discursos repetem o que já foi dito e ouvido 5 Pastiche se não há originalidade a cultura pós moderna busca retrabalhar velhos temas dar nova roupagem a antigos produtos A nostalgia olhar saudosista já que o presente é ruim é outra fórmu la bastante usada na moda na tevê no cinema na publicidade e na música 6 Simulacro uma vez que a realidade não corres ponde aos desejos do indivíduo os meios de comu nicação oferecem um substituto melhor a fantasia a recriação da realidade produzida de maneira cada vez mais sofisticada SANTOS 2003 p 117120 132 Educação contemporânea Questões epistemológicas Essas transformações ou revoluções ou mudanças de pa radigma esse turbilhão tecnológico para o qual é bom que se diga a maior parte da humanidade ainda não está preparada traz sérias consequências ativas e reativas em todas as áreas do conhecimento muito especialmente no que tange ao campo educacional onde não deixará de pro vocar turbulências e abalos teóricos e práticos 133 Os valores OS VALORES Ao tornar evidente aquilo de que se tratará valores éticos e educacionais a finalidade da aula por consequência deixa implícito aquilo de que não se tratará não se tratará por exemplo e até por motivos óbvios de valores relacio nados a dinheiro à bolsa a aplicações financeiras à econo mia finanças enfim a tudo que diga respeito a assuntos capitalistas no sentido estritamente monetário da palavra Mas há outro capital a ser examinado só que bem dife rente é o capital ético e moral que não tem preço Os significados das palavras ética e moral às vezes se con fundem desde a origem seja pelo grego ethikón moral ciência dos costumes seja pelo latim ethice mos moris Historicamente a palavra Ética foi aplicada à Moral sob todas as suas formas quer como ciência quer como arte de dirigir a conduta Parece que há aqui três conceitos distintos a separar 1º A Moral quer dizer o conjunto das prescrições admitidas numa época e numa sociedade determi nadas o esforço para conformarse a essas prescri ções a exortação a seguilas 2º A ciência de fato que tem por objeto a conduta dos homens abstração feita dos juízos de apre ciação que dirigem os homens nessa conduta Pro pomos chamála Etografia ou Etologia também com raiz em ethos uso costume hábito 3º A ciência que toma por objeto imediato os juízos de apreciação sobre os atos qualificados como bons ou maus É o que propomos chamar Ética LALAN DE 1993 134 Educação contemporânea Questões epistemológicas Paralelamente segundo Aristóteles todos os homens parecem de certa forma adi vinhar que essa espécie de disposição que está de acordo com a sabedoria prática é virtude Fica claro então que não é possível ser bom no sen tido estrito da palavra sem sabedoria prática nem é possível ter essa sabedoria sem a virtude moral ARISTÓTELES 2007 p 144 1144b Mas por consequência lógica ninguém será capaz de atos qualificados como bons se não praticar o bem ori gem do que é bom aquilo a que todos os seres aspiram desejável quando ele interessa a um indivíduo isolado mas seu caráter é mais belo e mais divino quando se aplica a um povo e a Estados inteiros Id ap JA PIASSU MARCONDES 1991 A priori idealmente as ciências em geral e as ciências pedagógicas em particular devem sempre estar associa das a valores éticos e morais elevados bons e portanto capazes de promover o bem geral e irrestrito Mas não se pode esquecer de que os conceitos de ético moral bom e mau bem e mal estarão sempre infalivelmente atre lados a dois atributos humanos subjetivos e instáveis o poder e a ideologia Daí a necessidade de se avaliar de que modo e até que ponto as transformações do campo cien tífico teriam interferido na ética e na moral educacionais em especial no que respeita à contemporaneidade que é quando a Pedagogia se transforma radicalmente com a admissão de uma série de assessores 135 Os valores No curso da segunda metade do século XX com pletouse definitivamente e se impôs em âmbito mundial uma radical transformação da pedagogia que redefiniu sua identidade renovou seus limites e deslocou o seu eixo epistemológico Da pedago gia passouse à ciência da educação de um saber unitário e fechado passouse a um saber plural e aberto do primado da filosofia passouse ao das ciências Tratouse de uma revolução no saber edu cativo que se afirmou rapidamente e que se colocou como um ponto de não retorno da evolução da pe dagogia com o advento de uma sociedade cada vez mais dinâmica e mais aberta que reclama a for mação de homens sensivelmente novos em relação ao passado homens técnicos e homensabertos ca pazes de fazer frente às inovações sociais culturais e técnicas CAMBI 1999 p 595 Que a Pedagogia principalmente desde o século passado vem recebendo os mais diversos tipos de colaboradores não há dúvida não se discute também que ao recebê los ela assimila valores que podem não ser ruins mas lhe são estranhos é evidente ainda e isso é grave que a comunicação de massa mais e mais veloz abrangente e persuasiva vaise tornando a grande máquina de ensinar do nosso tempo Com o advento da indústria cultural e dos mass media meios de comunicação de massa produziu se uma verdadeira e própria revolução pedagógica talvez uma das mais fundamentais do nosso tempo que justamente no segundo pósguerra manifestou se em toda a sua potência de difusão e de incidên cia Os chamados persuasores ocultos ocuparam um espaço cada vez mais amplo na formação do imaginário coletivo influindo diretamente sobre a consciência pessoal de cada indivíduo sobre seus níveis de aspiração sobre seus gostos comporta mentos consumos chegando a regular em larga medida a sua identidade e portanto também a das 136 Educação contemporânea Questões epistemológicas massas Os mass media foram verdadeiros e pró prios educadores informais até ocultos mas edu cadores de primeiro plano que se tornaram poten tíssimos através do meio televisivo que revoluciona a percepção e a conceitualização elementarizando a separandoa da linguagem verbal e resolvendoa sobretudo em imagens agindo em profundidade já desde e sobretudo na infância É a cultura do minante na época da reprodução técnica da arte num tempo novo que leva a arte às massas e assim a simplifica também a vulgariza embora gramscia namente leve as massas para além do folclore e do seu horizonte mágicoreligioso eriçado de supersti ções e de irracionalidades O que deve porém ser sublinhado com força é que com o advento dos mass media e da indústria cul tural todo o universo educativo foi radicalmente transformado já que os agentes tradicionais da educação foram deslocados na sua centralidade so cial e no interior da experiência individual de for mação CAMBI cit p 630633 Até aqui foram examinados entre outros quesitos alguns aspectos importantes da questão epistemológica da edu cação definida a epistemologia neste caso como a disciplina que toma por objeto não mais a ciên cia feita uma ciência verdadeira de que devería mos estabelecer as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade mas as ciências em vias de se fazerem em seu processo de gênese de for mação e de estruturação progressiva JAPIASSU MARCONDES cit Essa conceituação de epistemologia aliás revelase per feitamente adequada quando se aponta para uma ciência que é transformada pelo homem em processo contínuo e que também o transforma por meio de uma série de 137 Os valores rupturas e mudanças Primeiro quando a Terra se deslo ca do centro confortável para qualquer local periférico de um universo cada vez mais amplo o ser humano perde a sua posição cósmica física de eixo e ápice da criação e talvez nunca se tenha sentido tão perplexo e solitário De pois o homem reconhece a sua inexorável condição de espécie animal como qualquer outra sujeita às mesmas leis de evolução e seleção natural com a agravante de agora ter plena consciência de si e a atenuante de ser até certo ponto capaz de interferir no processo o que pode trazer consequências imprevisíveis Quase simultaneamente a essa segunda ruptura o homem experimenta uma terceira ao descobrir que a sua supos tamente infalível e absoluta racionalidade pode ser mani pulada por um inconsciente que dispõe da prerrogativa de transformálo em um fantoche de si mesmo Mas apesar ou justamente por causa dessas coisas o ser humano per sistiu em sua saga rumo ao conhecimento até chegar aos atuais níveis técnicos científicos e inevitavelmente tec nocráticos com todas as implicações boas e más que isso possa ter no tocante a valores éticos e morais Atingido este ponto já se pode então discutir com alguma base teórica as implicações de todo o processo mutacional ético moral e comportamental da educação Existe nesses tempos da comunicação de massa às vezes eufemisticamente chamada de comunicação social uma inevitável ausência ou pelo menos um distanciamento daquele professor tradicional que de qualquer forma bem não tão bem e até mal humaniza a educação e 138 Educação contemporânea Questões epistemológicas vaise chegando pouco a pouco mesmo que não se quei ra ou nem se perceba àquele estado educativo geral ho mogeneizado característico da sociedade de consumo uma sociedade composta de quem consome do que se consome e de quem é no fim das contas consumido Não é de estranhar portanto que os próprios valores éticos e morais depois de um adequado tratamento profilático sejam retransmitidos não raras vezes como simples apli cativos prontos para uso imediato e refratários à reflexão Porém o grande problema não está nos mass media em si mas no uso que deles se faz ou que se permite que deles se faça pois como tudo eles também têm os seus prós e contras A favor dos meios de comunicação de massa podese citar por exemplo 1 o aumento do número de fontes de informação o receptor tem a seu alcance novos meios de di fusão que podem garantir acesso a uma pluralida de de opiniões tornando mais difícil o monopólio o controle e a censura da comunicação 2 a velocidade em que as informações circulam os fatos são conhecidos com rapidez às vezes ins tantaneamente Por outro lado as novas tecnologias de transmis são de informação também podem causar efeitos negativos 1 saturação a quantidade de informações é tão grande e sua difusão tão intensa que os destina tários não conseguem absorver tudo o que recebem da mídia e tampouco distinguem o que é importan te do que pode ser descartável 2 redundância mídias diferentes transmitem às vezes repetidamente as mesmas informações 139 Os valores 3 banalização com tantas informações os meios de comunicação precisam revestir os fatos com ele mentos sensacionalistas para chamar a atenção do receptor banalizandoos despindoos de seu real significado e transformandoos em espetáculo para o entretenimento do público 4 cacofonia além da quantidade e da velocidade com que as informações são veiculadas a obsoles cência dos fatos é cada vez mais rápida provocan do um caos semiológico um estado entrópico Há uma confusão de signos que impede o receptor de captar correta e plenamente o conteúdo das mensa gens SANTOS 2003 p 7273 Recapitulando podese dizer que a Pedagogia conhece três grandes momentos e também aqui a tríade da dialética hegeliana não é mera coincidência o da escola tradicional magistrocêntrica tese o da escola nova pedocêntrica ou puericêntrica antítese e o da escola contemporânea com fulcro no próprio ensino disseminado como mensagem constante e contínua nos meios de comunicação de mas sa síntese Esta última ainda em processo apresenta as vantagens e as desvantagens que foram examinadas há pouco o aumento do número de fontes de informação e a velocidade em que as informações circulam são pontos positivos enquanto a saturação a redundância a banali zação e a cacofonia são pontos negativos Seja como for mais ou menos vantajosa a educação massificada está aí e parece que veio para ficar O modelo global que inclui portanto o local corres ponde a uma mudança de escala da relação escola sociedade e a uma mudança de configuração dos processos de formação Ao sistema instrumental onde a escola é articulação entre indivíduo e socie dade se superpõe um sistema simultaneamente glo bal e múltiplo no qual ela se torna acompanhadora 140 Educação contemporânea Questões epistemológicas reguladora mas assim realmente formadora papel diferente mas papel importante Entre os motores desta transformação ou na sua origem o desenvol vimento das técnicas e das funções de informação e de comunicação serve de meio transformando os modos de aprender e portanto de fazer escola no seio de uma sociedade global de informação A informação tornase o pivô do saber O meio digi tal multimídia redes é de novo a mensagem Há uma evolução em curso segundo a qual atividades sociais e cognitivas são outra vez culturalmente si tuadas para o aluno e o cidadão por vir Aprender supõe hoje um conjunto de atividades de competências e de redes múltiplas Aprender não é um fim nem uma forma nem um processo isolável em seu princípio ou tratamento escolar O novo estatuto dado à informação na escola e fora da escola torna necessária uma verdadeira didática da informação e da compreensão das mensagens MORANDI 2002 p 126 141 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade OS DESAFIOS DA NOVA FILOSOFIA EDUCACIONAL TRANSDISCIPLINARIDADE E COMPLEXIDADE É próprio do que está vivo vivo no sentido literal e no sentido figurado não se manter fechado em nada ou em si mesmo Uma casa por exemplo se está viva deve ter as suas janelas abertas pela manhã para que através delas entrem a luz e o calor do sol e pelos cômodos possa circular a brisa fresca e asséptica assim também um homem um cão uma planta não podem ser mantidos enclausurados assim também uma língua que ao deixar de ser usada pe los falantes e de interagir com outras estará irremediavel mente condenada ao mausoléu das línguas mortas assim também as ciências talvez em especial as chamadas de ciências humanas Mas o que se acabou de afirmar não sig nifica em absoluto que tudo tenha de permanecer aberto dia e noite embora alguém mais minucioso não vá deixar de apontar exceções como hospitais borracheiros ou lojas de conveniência Ninguém normal deixaria ainda mais em uma grande cidade as portas e as janelas de casa aber tas e iria viajar em tudo deve haver bomsenso e bomsen so entre outras coisas significa limites O saudoso poeta tradutor e professor de Literatura Jorge Wanderley aceitava de bom grado com toda a serenidade que lhe era peculiar o arejamento de sua disciplina pela circula ção de outras fontes de saber e de pesquisa não específicas todavia aderentes à arte da escrita mas fazia sempre a res 142 Educação contemporânea Questões epistemológicas salva de que assim como feijoada tem de ter feijão estudos literários têm de ter literatura Da mesma forma imitando o mestre podese dizer que em situação semelhante estudos pedagógicos têm de ter pedagogia mas nem sempre é assim e isso motiva um ou outro especialista como já se constatou a expressar algumas preocupações a respeito Ao discorrer sobre interpolitransdisciplinaridade Edgar Morin como que superdimensiona o problema a começar pela sequência de prefixos inter do latim reciprocida de interação poli do grego muito ou multi do latim trans do latim para além de e inicia uma concisa e cuidadosa preleção sobre a gênese da disciplina para em seguida e de passagem permitir finalmente a antevisão de uma abertura disciplinar A disciplina é uma categoria organizadora dentro do conhecimento científico ela institui a divisão e a especialização do trabalho e responde à diversida de das áreas que as ciências abrangem Embora in serida em um conjunto mais amplo uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação das fronteiras da linguagem em que ela se constitui das técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e eventualmente pelas teorias que lhe são próprias A organização disciplinar foi instituída no século XIX notadamente com a formação das universidades mo dernas desenvolveuse depois no século XX com o impulso dado à pesquisa científica isto significa que as disciplinas têm uma história nascimento institu cionalização evolução esgotamento etc essa his tória está inscrita na da Universidade que por sua vez está inscrita na história da sociedade daí resulta que as disciplinas nascem da sociologia das ciências e da sociologia do conhecimento Portanto a disci plina nasce não apenas de um conhecimento e de uma reflexão interna sobre si mesma mas também de um conhecimento externo Não basta pois estar por dentro de uma disciplina para conhecer todos os problemas aferentes a ela MORIN 2004 p 105 143 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Adiante Edgar Morin admite que arejar é preciso pois pode até acontecer que um olhar ingênuo de amador alheio à disciplina mesmo a qualquer disciplina resolva um problema cuja solução era invisível dentro da disciplina Jacques Labeyrie sugeriu o seguinte teorema que submetemos à verificação Quando não se encontra solução em uma disciplina a solução vem de fora da disciplina Marcel Proust dizia Uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas ter ras mas ter um olhar novo cf ib p 106107 Mas ao que parece a grande preocupação de Morin tem origem no risco de estratificação e isolamento ao qual uma disciplina estaria sujeita mas não necessariamente condenada quando fechada em si Na mesma obra um parágrafo antes dos trechos citados acima Proust e La beyrie ele afirmara a instituição disciplinar acarreta um perigo de hiperespecialização do pesquisador e um risco de coisificação do objeto estudado do qual se corre o risco de esquecer que é destacado ou construído O objeto da disciplina será percebido então como uma coisa autossuficiente as ligações e solidarieda des desse objeto com outros objetos estudados por outras disciplinas serão negligenciadas assim como as ligações e solidariedade com o universo do qual ele faz parte A fronteira disciplinar sua linguagem e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às disciplinas A mentalidade hiperdisci plinar vai tornarse uma mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão estranha em sua parce la de saber MORIN cit p 106 144 Educação contemporânea Questões epistemológicas Contudo a profecia talvez um tanto alarmista é também inócua dificilmente no meio de todo esse emaranhado tecnológico e comunicacional contemporâneo há de ser possível isolar o que quer que seja O próprio Morin ad mite que a revolução biológica dos anos 50 nasceu de invasões e contatos de transferências entre disciplinas à margem da Física da Química e da Biologia cf ib p 107108 Portanto projetos interpolitransdisciplinares já existem há muito tempo assim como certos pro cessos de complexificação das áreas de pesquisa disciplinar que recorrem a disciplinas muito diver sas e ao mesmo tempo à policompetência do pes quisador cf ib p 110 grifo nosso Hoje em dia a grande questão para qualquer disciplina não é se vai ou não se encastelar e se desvincular de in fluências ou interferências porque o isolamento é prati camente impossível também não é se vai ou não se mos trar interagir e colaborar porque a hiperexposição já está aí voluntária ou involuntariamente a grande questão de qualquer disciplina atualmente é participar do turbilhão multimidiático sem se despersonalizar nem se fragmen tar ou se desintegrar E esse é também como não poderia deixar de ser o grande desafio da Pedagogia A pedagogia é um saber em transformação em crise e em crescimento atravessado por várias tensões por desafios novos e novas tarefas por instâncias de radicalização de autocrítica de desmascaramen to de algumas ou de muitas de suas engrena gens ou estruturas É um saber que se reexamina que revê sua própria identidade que se reprograma e se reconstrói Ao mesmo tempo a educação o ter reno das práxis formativas da transmissão cultural das instituições educativas também vem se reexa 145 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade minando e requalificando fixando novas fronteiras elaborando novos procedimentos A pedagogia educação atual está à procura de um novo equilí brio ligado porém a uma nova identidade ainda in fieri por nascer Daí a impressão de oscilação de ondulação de formigueiro até mesmo de confusão que a caracteriza Todavia a pedagogia é um saber que se tornou e se torna cada vez mais central social política e cul turalmente De fato pela pedagogia passam os diver sos problemas da convivência social e da projeção política como também os da continuidade e da reno vação cultural todos esses problemas implicam um empenho de formação um itinerário de intervenção uma obra de orientação de acompanhamento de in terpretação ativa que só a pedagogiaeducação pode desenvolver Desse modo porém até a pedagogia como saber vem mudando de forma perde qualquer caráter dogmático invariante e suprahistórico e se torna saber das transformações e das formações his tóricas ligase à política mas sem subalternidade como se liga à ciência e à filosofia mas sem se deixar absorver caminha para uma nova identidade plu ral dialética crítica Assim justamente o caráter da criticidade passa a assumir um papel de paradigma metateórico de orientadorchave da sua pesquisa e isso não acontece por acaso acontece por solicitação de uma sociedade em profunda transformação e que está assumindo a forma de uma sociedade aberta plural dinâmica e até mesmo conflituosa CAMBI cit p 641642 Mas a resistência e a capacidade de adequação e trans formação da Pedagogia que se inferem das palavras de Cambi vêm de longa data Por isso os filósofos de um modo geral tanto os de ontem quanto os de hoje sem pre demonstraram pela Pedagogia um interesse muito especial como por exemplo entre os mais importantes e recentes Friedrich Nietzsche 18441900 Gaston Bachelard 18841962 e Michel Foucault 19261984 todos professores 146 Educação contemporânea Questões epistemológicas Nietzsche era alemão nascido na Prússia Bom em Grego e Latim estudou Teologia e Filosofia mas por influência de seu mestre Ritschl passou a dedicarse à Filologia em especial à Filologia Grega disciplina para a qual foi nome ado professor na Universidade de Basileia na Suíça onde se manteve por dez anos Sua guinada para a filosofia se dá com a leitura de O mundo como vontade e represen tação de Schopenhauer 17881860 pensador influen ciado por Kant antihegeliano e pessimista segundo al guns que via na vontade de viver ou no querer viver uma força universal de todos os seres que leva cada indivíduo a lutar consciente ou inconsciente mente para preservar sua espécie A vontade é a substância íntima o meio de toda coisa particular como do conjunto ela se manifesta na força cega da natureza e encontrase na conduta razoável do homem Cf JAPIASSU MARCONDES cit Foi com efeito a partir da influência de Schopenhauer que Nietzsche publicou A origem da tragédia 1871 obra na qual estabelece a distinção entre o impulso apolíneo emanado de Apolo deus da contenção e da harmonia e o impulso dionisíaco originário de Dioniso deus da exacer bação e da desordem ambas as forças estabilidade e caos antagônicas e ao mesmo tempo complementares E continuou escrevendo livros contundentes polêmicos e denunciatórios ou desconcertantes como Assim falou Zaratustra 1884 obra que se mantinha à margem dos cânones da época já a partir do subtítulo insólito enig mático digno de ser inscrito em uma placa de bronze e afixado entre as patas da Esfinge de Édipo Um livro para todos e para ninguém NIETZSCHE 1990 147 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade No entanto a despeito de algumas idiossincrasias ape sar de alguns comportamentos excêntricos peculiares Nietzsche foi um bom professor apenas talvez por seu temperamento irrequieto e por sua ciclotimia não poucas vezes foi antes um reformador que um formador mas isso em decorrência também da própria situação do en sino na Alemanha pós1850 Ao percorrer o texto das conferências Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino proferidas por Nietzsche há mais de cem anos um leitor desaten to poderia supor ter diante dos olhos um livro que acaba de ser escrito E o mesmo poderia pensar um leitor atento com mais razão até Como podería mos ignorar as semelhanças entre o diagnóstico que o filósofo apresenta do sistema educacional alemão da segunda metade do século passado e o que hoje faríamos do nosso Como desconhecer os pontos comuns entre os ataques que ele dirige à cultura de sua época e os que hoje faríamos à nossa Pode ser que o pensamento nietzschiano se deva a seu caráter extemporâneo ou às transformações tardias por que passam nossas concepções de educação e cultura isso não importa O que conta é que tomado como ferramenta de trabalho ele nos permite lançar um olhar mais crítico sobre o momento em que vivemos SCARLETT MARTON in DIAS 1993 p 7 De qualquer modo a figura deste Nietzsche visionário não foi capaz de embotar a figura do Nietzsche professor aliás acrescentese do Nietzsche respeitado e admirado por seus discípulos além de excelente professor Poucos professores foram tão estimados pelos alu nos quanto Nietzsche Seu temperamento suas ma neiras o charme de sua personalidade afável fas cinavaos Tinha o poder de entusiasmar os jovens para a disciplina que ensinava Excelente professor não visava ao simples acúmulo de conhecimento 148 Educação contemporânea Questões epistemológicas pelo contrário insistia no desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada um In citava os alunos a exprimirem livremente suas opi niões incentivavaos a fazerem suas leituras pesso ais e as controlava frequentemente Não precisava castigar porque punha para trabalhar mesmo os alunos mais relapsos Estimulava os alunos na busca de seus próprios in teresses ouvia com atenção suas opiniões pessoais preparava escrupulosamente seus cursos corrigia minuciosamente seus trabalhos e mantinhaos com raro dom motivados para a matéria que lhes ensi nava DIAS cit p 51 57 Trecho de A origem da tragédia É pois às suas duas divindades das artes a Apolo e a Diónisos que se refere a nossa consciência do extraordinário antagonismo tanto de origens como de fins que existe no mundo grego entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical a arte dionisíaca Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta mutuamente se desa fiando e excitando para darem origem a criações novas cada vez mais robustas para com elas perpetuarem o conflito deste anta gonismo que a palavra arte comum dos dois consegue masca rar até que por fim devido a um milagre metafísico da vontade helênica os dois instintos se encontrem e se abracem para num amplexo gerarem a obra superior que será ao mesmo tempo apolínea e dionisíaca a tragédia ática NIETZSCHE 1985 p 35 Bachelard nasceu em BarsurAube na França Formouse em Matemática e em Filosofia Ensinou até 1940 na Uni versidade de Dijon e de 1940 a 1954 na Sorbonne Filó sofo cientista e poeta ousou finalmente não sem an tes travar sérias e íntimas batalhas intelectuais vejase A formação do espírito científico de 1937 conciliar e unir a filosofia a ciência e a poesia em um todo episte mológico com a aproximação entre a figura do homem diurno racional e cético e a do homem noturno sonhador 149 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade e intuitivo Concebeu ou desenvolveu ainda outros con ceitos bastante originais como o de corte epistemológico ponto de ruptura e de não retorno a partir do qual já não é mais possível a uma determinada ciência retomar noções anteriores por exemplo o heliocentrismo de Copérnico e o geocentrismo de Ptolomeu a seleção natural de Darwin e o criacionismo judaicocristão o inconsciente de Freud e o cogito cartesiano todos os três pares de opostos já devidamente examinados Para Giovanni Reale e Dario Antiseri o pensamento episte mológico de Bachelard despojado de sua porção dedicada ao devaneio ao sonho e à poesia é novo e transcende a filosofia e a ciência de seu tempo A epistemologia de Bachelard seguida depois de vá rios modos por Canguilhem Foucault e Althusser devido à época em que surgiu e se desenvolveu representa o pensamento prenhe de novidade de filósofo solitário ainda que não isolado que den tro da tradição francesa de reflexão sobre a ciência Meyerson Poincaré Duhem ultrapassa a filosofia oficial da ciência de sua época o neopositivismo e propõe como escreveu Althusser um não positi vismo radical e deliberado Com base nisso devemos registrar logo prescindin do aqui de todos os estudos que Bachelard dedicou à atividade fantástica ou seja à rêverie A psicaná lise do fogo 1938 A poética do espaço 1957 A po ética da rêverie 1960 que os pontos fundamentais do seu pensamento podem ser reduzidos a quatro 1 o filósofo deve ser contemporâneo à ciência de sua própria época 2 tanto o empirismo de tradição baconiana como o racionalismo idealista são inca pazes de dar conta da prática científica real e efe tiva 3 a ciência é fato essencialmente histórico 4 a ciência possui inelutável caráter social REALE ANTISERI cit p 10101011 150 Educação contemporânea Questões epistemológicas Talvez não fosse nem preciso expurgar da filosofia ba chelardiana tudo o que nela existe de fantástico para descobrir lá no fundo uma alusão ao inelutável caráter social da ciência Um olhar de relance sobre as preocu pações pedagógicas de Bachelard já seriam suficientes para inferir que ao lado do poeta e do cientista coexistia harmonicamente um filósofo consciente também de sua responsabilidade social como os outros dois partícipes Pois sem dúvida é difícil imaginar algo mais eminente mente social do que a Pedagogia Léon Brunschvicg com aquele matiz de crítica sem pre benevolente que dava tanta força a suas obser vações surpreendeuse certo dia de me ver atribuir tanta importância ao aspecto pedagógico das noções científicas Respondilhe que eu era sem dúvida mais professor que filósofo e que além do mais a melhor maneira de avaliar a solidez das ideias era ensinálas seguindo nisso o paradoxo que se ouve com tanta fre quência nos meios universitários ensinar é a melhor maneira de aprender Excluída a falsa modéstia que habitualmente dá o tom dessa expressão ela é bas tante freqüente para que não tenha um sentido pro fundo O ato de ensinar não se destaca tão facilmente quanto se crê da consciência de saber e precisamente quando nos for necessário garantir a objetividade do saber por um apoio na psicologia da intersubjetivida de veremos que o racionalismo docente exige aplica ção de um espírito a outro BACHELARD 1977 p 19 Duas observações a as frases Ensinar é a melhor maneira de aprender Ensinar aprendendo e aprender ensinando e outras correlatas já viraram lugarcomum há muito tem po mas isso não quer dizer que tenham perdido a validade b pegar carona no que se ensina para aprender mais é um modo eficiente de que o professor dispõe para aperfei çoar seus conhecimentos e consequentemente suas aulas 151 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Se prestássemos mais atenção ao racionalismo en sinado veríamos que esse caráter redutor do inter racionalismo é tãosó um dos tempos do processo Precisamente uma das funções do ensino científico é suscitar dialéticas Os dois tempos integração e dife renciação são igualmente valores do interracionalis mo Colocase um assunto em oposição a outro Essa oposição pode ser inteiramente racional Ela pertur ba a racionalidade do discípulo em benefício de uma racionalidade de mais ampla aplicação do mestre Toda filosofia da cultura deve acolher a noção de ní veis pedagógicos Toda cultura é solidária com plano de estudos com ciclo de estudos A pessoa afeita à cultura científica é um eterno estudante A escola é o modelo mais elevado da vida social Continuar sendo estudante deve ser o voto secreto de todo professor Devido à própria natureza do pensamento científico em sua prodigiosa diferenciação e devido à inevitá vel especialização a cultura científica coloca inces santemente o verdadeiro cientista na situação de estudante BACHELARD cit p 29 31 Mas as atenções de Bachelard com a educação não se li mitavam às esferas instrucionais mais elevadas também o ensino infantil o ocupava e preocupava ele censurava a vigilância constante dos pais em detrimento do direito de solidão da criança assim como a postura de sabetudo do professor que instala um dogmatismo que é a negação da cultura Cf BACHELARD cit p 89 É claro as observações precedentes não têm por objetivo preparar a defesa de uma educação frouxa a defesa de uma cultura não vigiada A severidade é necessária tanto para a educação da criança quanto para a cultura do adolescente Mas é preciso apenas separar a severidade arbitrária ditatorial absoluta em proveito de uma severidade justa que se revele muito discursivamente ao apelar para a necessida de do progresso que assinala todo psiquismo em busca de cultura 152 Educação contemporânea Questões epistemológicas No fundo no reino da cultura a severidade justa só se justifica de três maneiras pelas experiências objetivas pelos encadeamentos racionais pelas rea lizações estéticas Neste último domínio por exem plo verseá o valor singularmente convincente do ensino do desenho da pintura da modelagem caso em que o mestre efetua as correções objetivamen te sobretudo se compararmos tal ensino realiza dor com o ensino habitual das Belasletras em que o professor se limita não raro a criticar BACHE LARD cit p 9091 Foucault nasceu em Poitiers França Formouse na École Normale Supérieure em Paris e lecionou nas universidades de ClermontFerrand de Vincennes e no Collège de France Foi um dos mais importantes e polêmicos intelectuais do século XX e como poucos se valeu da transdisciplinarida de na formulação de denúncias incômodas contundentes e traumáticas contra as estruturas sociais de um modo geral e as estruturas de poder em particular Tanto o ca ráter transdisciplinar quanto o teor fortemente denuncia tório da filosofia de Foucault podem ser pressentidos com efeito já desde os títulos de várias de suas obras História da loucura na Idade Clássica 1961 O nascimento da clí nica 1963 As palavras e as coisas 1966 A arqueologia do saber 1969 Vigiar e punir1975 História da sexu alidade 19661988 Considerese a propósito de Vigiar e Punir este excerto de Roberto Machado sobre algumas das sutilezas do poder que não escaparam à visão aguda e penetrante de Michel Foucault Sabemos que não existe em Foucault uma pesquisa específica sobre a ação do Estado nas sociedades modernas Mas o que a consideração dos micropo deres mostra em todo caso é que o aspecto nega tivo do poder sua força destrutiva não é tudo e talvez não seja o mais fundamental ou que ao 153 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade menos é preciso refletir sobre o seu lado positivo isto é produtivo transformador É preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos ele exclui ele reprime ele recalca ele censura ele abstrai ele mascara ele esconde De fato o poder produz ele produz real produz domínios de objetos e rituais de verdade Surveil ler et Punir Paris Gallimard 1975 p 196 O poder possui uma eficácia produtiva uma riqueza estraté gica uma positividade E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano não para supliciálo mutilálo mas para aprimorálo adestrálo Não se explica inteiramente o poder quando se pro cura caracterizálo por sua função repressiva O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social impedir o exercício de suas ativida des e sim gerir a vida dos homens controlálos em suas ações para que seja possível e viável utilizálos ao máximo aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradu al e contínuo de suas capacidades MACHADO In FOUCAULT 1979 p XVXVI Portanto se macrofísica e empiricamente isto é se pela experiência física ampla geral e cotidiana podese con siderar o poder algumas vezes como algo abertamente corruptor e corrupto Foucault com sua minuciosa análise microfísica mostra que ele o poder também é capaz de ser perverso e subreptício ao interferir de forma dissi mulada na habilidade funcional e na sintonia ideológica de cada indivíduo Objetivo ao mesmo tempo econômico e político au mento do efeito de seu trabalho isto é tornar os homens força de trabalho dandolhes uma utilidade econômica máxima diminuição de sua capacidade de revolta de resistência de luta de insurreição contra as ordens do poder neutralização dos efei 154 Educação contemporânea Questões epistemológicas tos de contrapoder isto é tornar os homens dó ceis politicamente Portanto aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes os perigos políticos aumentar a força econômica e diminuir a força política MACHADO In FOUCAULT ib Panopticon É interessante a descrição que Foucault faz do Panopticon pro jeto detalhado por Jeremy Bentham para prisões do século XIX O princípio é na periferia uma construção em anel no centro uma torre esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel A construção periférica é dividida em celas cada uma ocupando toda a largura da construção Estas celas têm duas janelas uma abrindose para o interior correspondendo às jane las da torre outra dando para o exterior permite que a luz atra vesse a cela de um lado a outro Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco um doente um condenado um operário ou um estudante Devido ao efeito de contraluz podese perceber da torre recortandose na lumino sidade as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da periferia Em suma invertese o princípio da masmorra a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que no fundo protegia FOUCAULT cit p 210 Foucault nunca se fixou ou melhor nunca se imobilizou sobre determinada área de estudo ao contrário fez da caminhada ininterrupta através de diversos campos de sa ber alguns pantanosos outros movediços outros ainda minados uma viagem meio heroica meio quixotesca em busca de um objetivo que parecia postarse sempre além do que antes fora assumido como o ponto de chega da foi um peregrino um escritor itinerante de si mesmo e de uma obra vasta ambos lidos de várias maneiras Assim Foucault também não acampou no sítio da edu cação mas fez sobre ela estudos que no mínimo estre meceram algumas estruturas já solidamente assentadas 155 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Não tendo sido certamente o foco de suas inves tigações ele dedicouse à educação de uma forma um tanto marginal transversal Em nenhum lu gar da sua obra se encontrarão advertências éticas e técnicas sobre o papel do professor sugestões so bre a educação no seio da família ou na escola exor tações a essa ou àquela política educacional De uma maneira resumida podemos dizer que a ar ticulação de todo o pensamento de Foucault com a educação pode ser feita tomando o sujeito como o elemento que por excelência é capaz de fazer a conexão entre ambos Mas aqui é preciso um alerta Enquanto Foucault entende o sujeito como uma invenção moderna a imensa maioria das cor rentes pedagógicas senão sua totalidade enten de o sujeito como uma entidade preexistente como um a priori a ser trabalhado isto é ser educado GALLO VEIGANETO sd p 19 A propósito os mesmos autores recémcitados identifi cam na obra de Foucault três domínios que podem produ zir resultados bastante eficientes e interessantes quando se visa à libertação das mentes em franco processo edu cativo auxiliandoas a se desacorrentarem de verdades refratárias à crítica e prontas para consumo No primei ro domínio educação e sersaber arqueológico compre endese que a trajetória histórica educacional é capaz de ajudar no desvelamento dos aparatos disciplinares e tec nológicos que conformaram a escola moderna e sua crise No segundo domínio educação e serpoder genealógico entendese que assim como a tecnologia do poder disci plinar manipula e domestica o corpo individual aquilo que Foucault denominou de biopoder vai ultrapassar esta etapa atuando sobre um corpo não mais pessoal mas co letivo a própria população Cf ib p 2224 156 Educação contemporânea Questões epistemológicas No terceiro domínio educação e serconsigo ético Foucault permite a nós educadores pensarmos em torno daquilo que estamos fazendo de nós mesmos A investigação em torno das relações de poder levouo a encontrar os mecanismos de relação do indivíduo consigo a noção da Antiguidade clássica da ética como uma construção de si como uma forma de cuidar de si E qual é a ação do educador senão cuidar dos ou tros os educandos e assim cuidar de si mesmo constituindose ele próprio como sujeito do ato educativo A inspiração foucaultiana nos desafia a pensar uma construção autônoma de si como resultante dos jo gos de poder de saber e de verdade nos quais va mos nos constituindo social e coletivamente Aquela educação de si da qual já falava Nietzsche na con tramão da instituição formativa alemã Repensar a educação em seus domínios epistemoló gicos políticos e éticoestéticos possibilitando uma descolonização do pensamento tornando o pensa mento uma vez mais possível nesse território eis o que nos possibilita o deslocamento da produção fou caultiana para o território da educação Ib p 2425 Neste capítulo avaliouse de que forma o homem pôde alcançar depois de várias rupturas e mudanças paradig máticas um estágio tecnológico que pouco tempo atrás seria considerado mera ficção Mas como também não se deixou de ver esse avanço tão rápido e tão drástico oca sionou significativos abalos e interferências nos parâme tros éticos morais e sobretudo educacionais o que acar retou por uma necessidade inalienável a aproximação entre a filosofia e a pedagogia a Filosofia da Educação 157 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES Ética a Nicômaco São Paulo Martin Claret 2007 BACHELARD Gaston O racionalismo aplicado Rio de Ja neiro Zahar 1977 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 COTRIM Gilberto Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 1999 DARWIN Charles A origem das espécies São Paulo He mus 1981 DIAS Rosa Maria Nietzsche educador São Paulo Scipio ne1993 FOUCAULT Michel MACHADO Roberto Org Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal1979 GALLO Sílvio VEIGANETO Alfredo Ensaio para uma fi losofia da educação In Revista Educação n 3 São Paulo Segmentosd JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 158 LALANDE André Vocabulário técnico e crítico da Filoso fia São Paulo Martins Fontes 1993 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MORANDI Franc Modelos e métodos em Pedagogia Bau ru EDUSC 2002 MORIN Edgar A cabeça bemfeita Rio de Janeiro Ber trand 2004 NIETZSCHE Friedrich W Assim falou Zaratustra São Pau lo Circulo do Livro 1990 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia São Paulo Paulus 1991 vol3 SANTOS Roberto Elísio dos As teorias da comunicação da fala à internet São Paulo Paulinas 2003 159 CONSIDERAÇÕES FINAIS No exame das condições de acesso ao conhecimento tor nase evidente a importância da atividade filosófica na fundamentação do processo educativo que se manifesta por intermédio da natural ação dialética entre filosofia e pedagogia Mas para que a abordagem filosófica mante nha seus imprescindíveis princípios críticos é necessário sempre questionar os pressupostos teóricos e práticos do conhecimento enfatizando a característica interdisciplinar da filosofia como possibilidade concreta de transformação educacional Esse foi com efeito o principal objetivo do livro e seria oportuno ainda uma vez apresentar a síntese conteudística dos tópicos abordados No primeiro capítulo Bases filosóficas da educação en fatizouse a relação do homem com o mundo bem como o seu processo de socialização e inserção no grupo do qual faz parte salientando também as condições da educação em diversos contextos históricos Em Política e educação o segundo capítulo foi apresen tado um panorama das relações socioeconômicas e histó ricas que iriam interferir na construção do conhecimento levando em conta o aparato ideológico que perpassa as sociedades e muito especialmente no seio destas as ins tituições escolares No terceiro capítulo Formação filosófica do pensamento moderno empreendeuse a análise da dimensão filosófica 160 da modernidade e a influência das ciências nos novos mo delos educacionais que marcaram as teorias pedagógicas Por fim no quarto capítulo Educação contemporânea questões epistemológicas foram postas em evidência as investigações científicas mormente aquelas ligadas ao próprio desenvolvimento tecnológico a fim de sustentar a inequívoca existência de um nexo entre as novas tecno logias e os processos educativos tendo por base o fato de que é a associação entre o saber filosófico e a ativida de educativa que possibilita a ampliação do conhecimento verdadeiro questionador capaz de tornar possível a trans formação do próprio indivíduo A filosofia de fato sempre teve grande afinidade com a pedagogia e não é difícil constatar a veracidade dessa afirmativa quando se observa que alguns dos mais im portantes filósofos do nosso tempo ou próximo dele fo ram professores e como professores preocupados com a educação De resto quem for seguir a carreira do magistério deverá estar certo de que a Filosofia da Educação não tem qual quer intenção de ensinar a ensinar O que ela modestamen te pretende é para usar uma linguagem atual e já ine vitavelmente tecnológica funcionar para a pedagogia como uma ferramenta um aplicativo um antivírus contra a verdadeira tropa de cavalos de Troia ideológicos por in termédio dos quais estão sempre tentando invadir nossas escolas

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Filosofia da Educação 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 643 Coupling capacitors and separation capacitors Coupling capacitors allow AC to pass from one stage to the next but prevent DC passing This Dc bias of a stage may range from a few volts to 50 V or more and will normally be different in each stage of the amplifier The coupling capacitor separates the stages It acts as a short circuit to ac signals but as an open circuit to the dc component Separation capacitors are used where the dc bias voltages are similar and it is not practical or necessary to prevent dc passing They have a much smaller value than coupling capacitors Coupling capacitors are generally of the paper or plastic film type They have relatively large values typically 001 μ F to 10 μF Highquality coupling and separation capacitors are used in HF stages of a receiver especially when operating with very high gain at the mixer These are generally porcelain or mica capacitors and have extremely low leakage This makes them extremely stable and noncritical A common coupling capacitor in HF stages is 100 pF porcelain or mica type The value for a coupling capacitor is selected from the total load resistance RT a small change is not usually very critical The reactance of the coupling capacitor XC is selected so that where X c reactance of the coupling capacitor R T total resistance after the coupling capacitor and x c is given as XC frac12 pi f C Also where f frequency in Hz cycless C capacitance in Farads F A larger value of coupling capacitor gives more lowfrequency response in low frequency amplifiers eg in AF amplifiers Separating capacitor values are lower than those for coupling capacitors because the input and output dc voltages are similar and the capacitance is working against only the AC signals and not the full working voltage Main uses of coupling and separation capacitors Block the DC component between circuit stages Reduce noise voltages spikes Pass AC signals through blocks of equipment without affecting the DC biasing Coupling and separating capacitors should be made from stable materials with low leakage eg paper plastic film mica or porcelain Characteristics of coupling and separating capacitors Type Typical value Leakage Stability Paper plastic film 00110 μF Mod Good Mica 100200 pF Low Good Porcelain 100 pF Low Very good Regina Yara Martinelli da Silveira 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 Filosofia da Educação Copyright UVA 2016 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa ISBN 9788565812290 Autoria do Conteúdo Regina Yara Martinelli da Silveira Design Instrucional Angélica Maria da Silva Projeto Gráfico UVA Diagramação Cristina Lima Revisão Cristina Freixinho Janaina Vieira Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho S587 Silveira Regina Yara Martinelli da Filosofia da educação livro eletrônico Regina Yara Martinelli da Silveira 4 ed Rio de Janeiro UVA 2016 573 KB ISBN 9788565812290 1 Educação Filosofia I Universidade Veiga de Almeida II Título CDD 3701 SUMÁRIO Apresentação7 Sobre a autora8 Capítulo 1 Bases filosóficas da Educação9 O processo de socialização11 Primórdios da Educação21 Estruturação da atividade filosófica educativa31 Referências46 Capítulo 2 Política e Educação49 Concepção filosófica da política51 Compromisso político da Educação67 Ideologia e emancipação75 Referências86 Capítulo 3 Formação filosófica do pensamento moderno89 Filosofia e desenvolvimento científico91 A Pedagogia realista99 Concepções cientificistas da Educação110 Referências121 Capítulo 4 Educação contemporânea Questões epistemológicas123 As novas ciências124 Os valores133 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade141 Referências157 Considerações finais159 7 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Este livro trata de Filosofia da Educação e tem por finalidade oferecer a você futuro profissional os subsídios necessários à compreensão e à análise das vertentes intelectuais que orientam a arte de ensinar É uma obra composta por quatro capítulos com três tópicos cada um ao fim dos quais esperase que você esteja plenamente capacitado a compreender e a analisar criticamente as diretrizes filosóficas que sustentam o processo educacional Tenha em mente que a missão da Filosofia missão aliás cada vez mais difícil é estimular o raciocínio promover a discussão ques tionar fazer pensar enfim tornar o homem cada vez mais humano Portanto se no decorrer desta leitura você tiver muitas dúvidas e mui to o que perguntar parabéns Você estará aprendendo Do contrário cuidado pode ser que você esteja virando máquina Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a leitura desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os conteúdos abordados contribuindo efetivamente para o seu enrique cimento cultural e acadêmico 8 SOBRE A AUTORA Regina Yara Martinelli da Silveira é doutora em Filosofia pela Uni versidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Tem bacharelado e licen ciatura em Filosofia pela mesma universidade onde também obteve o lato sensu em Literatura Brasileira Bacharelouse em Comunicação Social na área de Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso FACHA É integrante do corpo docente da Universidade Veiga de Almeida UVA 9 O processo de socialização CAPÍTULO 1 BASES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO Filosofar e educar são ações indissociáveis e interagentes relacionadas à busca do conhecimento e à compreensão da realidade Porque o ser humano enquanto procura en tender o mundo também se educa isto é aprimora sua consciência crítica sua interação com o outro e por con sequência sua adaptação ao grupo social a que pertence Aqui será analisado o projeto construtivo dos alicerces da educação no mundo ocidental desde os esboços neolíticos até as primeiras edificações intelectuais da Idade Média De início vai ser observada a saga do ser humano em seus esforços de alcançar pelo menos um nível mínimo de so cialização sem a qual a própria sobrevivência da espécie estaria em risco É quando eclode a linguagem e é quando a partir dela a cultura e o trabalho ensaiam suas primei ras manifestações mutuamente estimulantes Em um segundo momento vivendo em grupos mais ou menos organizados o homem já poderá ser encontrado em pleno desenvolvimento do seu processo educativo um processo casual e desestruturado no princípio mas intencional e sistemático adiante quando todavia estará subjugado à vontade de reis e sacerdotes até finalmente conseguir desvencilharse de algumas amarras ideológi cas com o surgimento da Grécia Clássica Bases filosóficas da Educação 10 Por fim será visto o homem medieval com seus medos sua fé mais imposta que convicta sua determinação de saber e suas escolas laicas e populares as quais apoian dose na evolução pedagógica dos estabelecimentos de en sino eclesiásticos iriam transformarse nos embriões das modernas universidades 11 O processo de socialização O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Podese entender processo de socialização como um con junto de ações e eventos comuns capazes de promover a integração grupal dos indivíduos Podese entender tam bém que não existe socialização sem um trabalho cons ciente e direcionado a fins específicos cuja organização advém de uma cultura mais ou menos desenvolvida a qual em última análise não poderia subsistir sem linguagem A linguagem aqui entendida como um sistema de sig nos arbitrários e convencionais é uma característica in trínseca e exclusiva da espécie humana Por certo muitos já ouviram um bom número de frases do tipo Ninguém é uma ilha ou O homem é um animal social Tratase de lugarescomuns afirmações repetidas automaticamente que acabam prescindindo de reflexão Mas não há neces sariamente nada de errado com elas até porque a segun da é de autoria de um filósofo e dos maiores Aristóteles Como se sabe um dos mais ferozes embates da Filosofia é justamente contra o senso comum e por extensão contra aquelas frases corriqueiras Aliás digase de passagem Aristóteles teria falado que o homem é um animal cívico mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos cf ARISTÓTELES 2000 p 4 e podese acrescentar um animal dotado de logos vocábulo grego de significação bastante ampla podendo referirse por exemplo a palavra discurso juízo razão Bases filosóficas da Educação 12 Mas a frase pegou assim assim ficou e deu conta do recado pois a nossa espécie não consegue mesmo subsis tir sem que seja em grupos conscientemente organizados ao contrário dos animais irracionais que se agregam por puro instinto rigorosamente conformes às suas peculiari dades genéticas De fato os animais não são iguais aos seres humanos tampouco os seres humanos são os donos do planeta as duas espécies se complementam assim como tudo no mundo mas não se pode negar que existem diferenças consideráveis entre ambas e a linguagem sem dúvida é a mais relevante A diferença entre a linguagem proposicional e a lin guagem emocional é a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal Todas as teorias e observações relativas à linguagem animal estarão bem longe do alvo se deixarem de reconhecer essa diferença fundamental Em toda a literatura sobre o tema parece não haver uma única prova conclu siva de que algum animal jamais deu o passo de cisivo que leva da linguagem subjetiva à objetiva da afetiva à proposicional Koehler enfatiza que a fala está decididamente fora do alcance dos maca cos antropoides Sustenta que a falta desse inesti mável auxílio técnico e a grande limitação desses importantíssimos componentes do pensamento as chamadas imagens constituem as causas que im pedem os animais de jamais realizarem sequer os mais mínimos rudimentos de desenvolvimento cul tural CASSIRER 2001 p 5556 Porque só os homens interagem e se agrupam de forma puramente racional e intencional por força mesmo de al gumas características físicas especiais o cérebro que se desenvolveu sob influência do trabalho e da linguagem 13 O processo de socialização articulada a mão que se transformou em ferramenta prin cipal de trabalho o pé que deve sua forma à postura ver tical NESTOURKH sd p 53 Não foi por acaso portanto que o homem conseguiu resis tir com o passar dos séculos às mais adversas condições geológicas climáticas e até mesmo ecológicas houve um bom motivo para isso o fato de ter aprendido a substituir sopapos e empurrões por gestos elaboradamente expressi vos e gritos e grunhidos por sons diligentemente articula dos próprios a um nível de comunicação elevado Mas isso só se deu quando lhe desabrochou na mente a imaginação A imaginação diz Kant é a faculdade de tornar pre sente o que está ausente a faculdade da represen tação Imaginação é a faculdade de representar na intuição um objeto que não está presente Ou A imaginação facultas imaginandi é uma faculdade de percepção na ausência de um objeto Dar nome de imaginação a essa faculdade de ter presente o que está ausente é bastante natural Se eu represen to o que está ausente tenho uma imagem em meu espírito uma imagem de algo que eu vi e que agora de algum modo reproduzo ARENDT 1993 p 101 E foi a partir dessa faculdade quase mágica de represen tar na intuição um objeto que não está presente que o ho mem começou a simbolizar e a transmitir aos semelhantes de forma eficiente precisa e rápida as experiências coti dianas cujo somatório iria compor o seu arcabouço social Os grandes pensadores que definiram o homem como animal rationale não eram empiristas nem pretenderam jamais dar uma explicação empírica da natureza humana Com essa definição estavam antes expressando um imperativo moral fundamen tal A razão é um termo muito inadequado com o Bases filosóficas da Educação 14 qual compreender as formas da vida cultural do ho mem em toda a sua riqueza e variedade Mas todas essas formas são formas simbólicas Logo em vez de definir o homem como animal rationale devería mos definilo como animal symbolicum Ao fazêlo podemos designar sua diferença específica e enten der o novo caminho aberto para o homem o cami nho para a civilização CASSIRER cit p 50 Ora civilização implica um alto grau de socialização e so cialização como foi visto no início é produto do trabalho que por sua vez é resultado da cultura Seria pois reco mendável que a partir daqui se procurasse definir o que se pode entender por cultura Mas essa não é uma tarefa das mais fáceis Cultura é uma daquelas palavras em cujo significante po dem ser apostos diversos significados Existe cultura fí sica cultura intelectual cultura agrícola e por aí vai Se pesquisado o verbete em um bom dicionário será encon trado algo próximo de vinte acepções é preciso portanto antes de tudo especificar de qual cultura se está falando Algumas linhas atrás ensaiouse uma definição para cul tura quando se falou de experiências cotidianas cujo so matório iria compor o seu do homem arcabouço social e foi selecionada a palavra arcabouço por se entender que a cultura está sempre em processo de produção e reprodu ção é sempre uma obra em progresso Em tempos de internet e em um sentido mais filosófico a cultura pode ser considerada como esse feixe de representações de símbolos de imaginário de atitudes e referências 15 O processo de socialização suscetível de irrigar de modo bastante desigual mas globalmente o corpo social JAPIASSU MAR CONDES 1991 No entanto pode ser preferível até pela natureza deste tra balho uma definição antropológica entre muitas possíveis Inúmeros antropólogos consideram a cultura como comportamento aprendido característico dos mem bros de uma sociedade uma vez que o comporta mento instintivo é inerente aos animais em geral Sob esse ponto de vista os instintos os reflexos ina tos e outras formas de comportamento predetermi nadas biologicamente devem ser excluídos Cultura resulta da invenção social é aprendida e transmitida por meio da aprendizagem e da comunicação MAR CONI PRESOTTO 2009 p 2325 Relativismo cultural e etnocentrismo Toda cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam Por isso o relativismo cultural não concorda com a ideia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde surgem A posição relativista liberta o indivíduo das perspectivas deturpadoras do etnocentrismo que significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais MARCONI PRESOTTO cit p 3132 Podese constatar então que ambas as concepções tan to a filosófica quanto a antropológica vão convergir para uma só conclusão cultura é uma prerrogativa humana criada e transmitida pelos grupos sociais ao longo das ge rações Na verdade cada ser humano é ao mesmo tempo um receptor e gerador de cultura seja pela pura e simples repetição seja pela transformação seja ainda pela criação de novos objetos culturais Bases filosóficas da Educação 16 Atualmente sob os auspícios da cultura de massa auspí cios com o sentido mesmo de patrocínio verificase que há duas vertentes teóricas tratando da mesma coisa mui tas vezes só aparentemente em rota de colisão uma que denuncia o incentivo ao consumo desenfreado e a bana lização educacional e outra que comemora a democrati zação das informações e do acesso à instrução Só que ambas frequentemente se contradizem É nesse sentido que a massa é característica da nossa modernidade na qualidade de fenômeno al tamente implosivo irredutível a qualquer prática e teoria tradicionais talvez mesmo irredutível a qualquer prática e a qualquer teoria simplesmente BAUDRILLARD 1985 p 910 Para alguns autores a cultura de massa tem sua origem no século XV com Gutenberg e a prensa de tipos móveis Daí em diante as gazetas manuscritas se transformaram em jornais impressos que no começo do século XVIII já circulavam na Inglaterra Foi a época da primeira etapa da Revolução Industrial e do radical rearranjo dos meios de produção das relações sociais e muito especialmente da educação já que do operário agora exigiase pelo menos que soubesse ler e fazer contas No século XIX ocorre a se gunda etapa da Revolução Industrial marcada pela subs tituição da energia do vapor pelas do combustível fóssil e da eletricidade avanço que propiciaria o surgimento de meios de locomoção e comunicação muito mais eficientes Depois em um átimo de tempo histórico surgem o telé grafo sem fio o rádio a televisão e a internet cf SANTOS 2003 p 4751 transformando radicalmente as relações de trabalho 17 O processo de socialização Trabalho em uma definição muito geral é a ação exercida deliberada e conscientemente pelo homem sobre a natu reza em benefício próprio É por isso que não se pode afirmar que os animais trabalham pois na verdade suas ações quaisquer que sejam são hereditárias instintivas repetitivas e não intencionais A abelha por exemplo ao construir sua colmeia não trabalha porque sua ação de riva dos sempre mesmos gestos mecânicos e imutáveis próprios de sua espécie Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na men te sua construção antes de transformála em reali dade No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imagi nação do trabalhador Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera ele imprime ao mate rial o projeto que tinha conscientemente em mira o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade E essa subordinação não é um ato fortuito Além do esforço dos órgãos que trabalham é mister a von tade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho MARX apud CO TRIM FERNANDES 2010 p 142 O trabalho na verdade não é ou não deveria ser apenas uma necessidade existencial mas também um pra zer já que pode ser imaginado e realizado e uma boa realização é sempre prazerosa No entanto todas as pes soas religiosas ou não certamente já ouviram algumas ve zes esta sentença bíblica que as condena ao eterno labor Ganharás o teu pão com o suor do teu rosto A própria palavra trabalho aliás vem do latim tripalium artefato formado por três paus que se usava tanto para dominar Bases filosóficas da Educação 18 animais arredios quanto para torturar pessoas nos velhos tempos de Roma Mas o trabalho não é em si necessa riamente uma atividade ruim uma espécie de maldição um castigo terrível quando contratado e remunerado de forma justa liberta do contrário escraviza A única difi culdade que se pode encontrar nesta afirmação instalase exatamente sobre a questão de como entender o que seria essa forma justa Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes tal vez possam resolver essa dúvida pelo menos por alguns instantes Em termos individuais o trabalho permite ao ser humano expandir suas energias desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades Pelo trabalho o indivíduo é capaz de moldar e mudar a realidade sociocultural e ao mesmo tempo trans formar a si próprio Ou seja trabalhando podemos modificar o mundo e a nós mesmos em termos so ciais isto é como esforço conjunto dos membros de uma comunidade o trabalho tem como obje tivos últimos a manutenção e satisfação da vida e o desenvolvimento da sociedade Em resumo o tra balho teria esse poder de promover a realização do indivíduo a edificação da cultura e a solidariedade entre os seres humanos Essa nos parece uma boa definição com uma visão positiva e ideal do tra balho o que significa que nem sempre ele cumpre esse papel na vida das pessoas Na interpretação de Marx ao longo da história a dominação de uma classe social sobre outra desviou o trabalho de sua função positiva Em vez de servir ao bem comum passou a ser utilizado para o enriquecimento de al guns De ato de criação virou rotina de reprodução De recompensa pela liberdade transformouse em castigo Enfim em vez de constituir um elemento de realização de nossas potencialidades conver teuse em instrumento de alienação COTRIM FER NANDES cit p 142143 19 O processo de socialização Alienação seria oportuno esclarecer é um conceito fundamental nas obras de Hegel e Marx Pelo latim alie natio de alienare ligase a transferir alucinar perturbar pelo alemão Entfremdung o vocábulo pode ser traduzi do por afastamento separação Em Hegel idealista é um obstáculo intransponível no percurso da autoconsci ência em busca do absoluto cf BLACKBURN 1977 em Marx materialista significa a despossessão seguida da ideia de es cravidão Assim quando dizemos hoje que o tra balho é um instrumento de alienação na economia capitalista estamos reconhecendo que o operário é despossuído do fruto de seu trabalho JAPIASSU MARCONDES 1991 Mas antes de Hegel e Marx e antes muito antes da senten ça bíblica citada alguns parágrafos atrás os seres humanos já trabalhavam ou seja já exerciam a atividade consciente de modificar a natureza para satisfazer suas necessidades existenciais básicas roupas moradia alimentação Na PréHistória o trabalho era dividido entre os homens incumbidos da caça e da defesa do grupo e as mulheres às quais cabiam as tarefas domésticas Na Antiguida de em sociedades avançadas como a grega depreciavase qualquer atividade manual ou de negócios dandose gran de importância ao trabalho intelectual Na Idade Média ainda se privilegiava a atividade intelectual mas por força das orientações cristãs Tomás de Aquino à frente o trabalho estafante passou a ser considerado um bom ca minho para que fossem alcançados os tesouros do Céu Na Idade Moderna com a ascensão da burguesia na Europa Bases filosóficas da Educação 20 Ocidental o catolicismo se enfraquecia e propiciava a eclosão do protestantismo cuja vertente calvinista reco mendava aos fiéis uma vida de muito trabalho também só que visando aos tesouros da Terra uma das razões que teriam levado o sociólogo alemão Max Weber 1864 1920 a defender a existência de um vínculo entre a ética preconizada por Calvino e o capitalismo em países onde predominava a orientação protestante Trabalho alienado e taylorismo O processo de alienação que afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas começou com a chamada or ganização científica do trabalho desenvolvida pelo engenhei ro e economista norteamericano Frederick Taylor 18561915 cujo método ficou conhecido como taylorismo A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber Tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o resultado final do seu tra balho nem governo sobre a finalidade do que fabrica COTRIM 1999 p 30 21 Primórdios da Educação PRIMÓRDIOS DA EDUCAÇÃO No tópico anterior foram analisados três assuntos impor tantes se não imprescindíveis para o entendimento do processo de socialização o primeiro foi a linguagem ima ginada e articulada quesito fundamental para a diferen ciação entre o homem e os outros animais o segundo foi a cultura comunicada homem a homem grupo a grupo geração a geração por meio da qual o indivíduo se modi fica e modifica o ambiente e o terceiro foi o trabalho que produz e reproduz cultura e é por ela simultaneamente produzido e reproduzido num processo dialético ininter rupto tipicamente hegeliano tese antítese síntese ca paz de engendrar ideias e a partir delas construir objetos materiais e imateriais Atentese a propósito para o que Dermeval Saviani pode dizer a respeito do binômio traba lhoeducação e viceversa Assim o processo de produção da existência hu mana implica primeiramente a garantia da sua subsistência material com a consequente produção em escalas cada vez mais amplas e complexas de bens materiais tal processo nós podemos traduzir na rubrica trabalho material Entretanto para pro duzir materialmente o homem necessita antecipar em ideias os objetivos da ação o que significa que ele representa mentalmente os objetivos reais Essa representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real ciência de valoriza ção ética e de simbolização arte Tais aspectos na medida em que são objetos de preocupação ex plícita e direta abrem a perspectiva de uma outra categoria de produção que pode ser traduzida pela rubrica trabalho não material Tratase aqui da 22 Bases filosóficas da Educação produção de idéias conceitos valores símbolos hábitos atitudes habilidades Numa palavra tra tase da produção do saber seja do saber sobre a natureza seja do saber sobre a cultura isto é o conjunto da produção humana Obviamente a edu cação situase nessa categoria do trabalho não ma terial SAVIANI 1991 p 12 Ora classificarse a educação como trabalho não mate rial ideal portanto pode tornar implícita a aceitação imediata de que ela já se revelara um agente modificador embora ainda incipiente logo aos primeiros e tímidos lam pejos da inteligência humana De fato nos agrupamentos mais primitivos existia uma protoeducação assistemática e difusa recebida e repassada por seus membros entre si a qualquer tempo e em qualquer idade por intermédio de processos rudimentares de observação e imitação ou de tentativa e erro Adiante contudo à época das sociedades organizadas já se registra a ocorrência daquilo que se con vencionou chamar de educação informal centrada na imi tação das atividades dos adultos pelos jovens o exercício da linguagem o manejo das armas e de outros instrumen tos usados na caça e na pesca as técnicas de transformação ambiental a reverência aos antepassados Esse era contu do um ensinamento casual por certo baseado no que se podia observar no ambiente Nas comunidades tribais as crianças aprendem imi tando os adultos nas atividades diárias de manuten ção da existência Quer nas tribos nômades quer nas que já se tenham sedentarizado ocupandose com a caça a pesca o pastoreio ou a agricultura as crianças aprendem para a vida e por meio da vida Não há alguém especialmente convocado para de senvolver essa aprendizagem que nem sequer é ta refa exclusiva dos pais Na verdade todos na tribo são agentes do processo As atividades econômicas 23 Primórdios da Educação são desenvolvidas em comum não havendo pro priedade privada e a tendência predominante é a existência da família extensa constituída pelo pa triarca sua esposa seus filhos com suas mulheres e filhos ARANHA 1998 p 58 Esse modelo educacional da família extensa aliás vai per durar por muito tempo mas sofrerá importantes transfor mações ao longo dos séculos até chegar à família nuclear conjugal mas isso lá pelo século XVI da Era Cristã Por enquanto tratase aqui da Era Neolítica cerca de 10 mil anos atrás quando a agricultura e a pecuária intensivas iriam propiciar a substituição gradual da inquietação nô made pela relativa estabilidade do sedentarismo com o consequente enriquecimento das técnicas artesanais utili tárias e um não menos importante desenvolvimento artís tico voltado agora não só para a simbologia mágica mas também para a estética e a educação A revolução neolítica é também uma revolução edu cativa fixa uma divisão educativa paralela à divisão do trabalho entre homem e mulher entre especia listas do sagrado e da defesa e grupos de produto res fixa o papelchave da família na reprodução das infraestruturas culturais papel sexual papéis sociais competências elementares introjeção da au toridade produz o incremento dos locais de apren dizagem e de adestramento específicos nas diversas oficinas artesanais ou algo semelhante nos campos no adestramento nos rituais na arte que embora ocorram sempre por imitação e segundo processos de participação ativa no exercício de uma atividade tendem depois a especializarse dando vida a mo mentos ou locais cada vez mais específicos para a aprendizagem Depois são a linguagem e as técni cas linguagem mágica e técnicas pragmáticas que regulam de maneira cada vez mais separada dois modelos de educação Mas aqui já estamos no limiar das sociedades hidráulicas CAMBI 1999 p 59 24 Bases filosóficas da Educação Franco Cambi entende por sociedades hidráulicas aquelas que se fixam em vales de rios cujas águas controlam e das quais dependem para o desenvolvimento da agricul tura Podese pensar contudo se não seria mais próprio chamálas sociedades hidrófilas ou hídricas ou fluviais De qualquer modo Cambi faz referência àquelas socie dades que nascidas no Extremo Oriente vãose estender à Mesopotâmia e ao Egito tendo em comum a severa divisão do trabalho a instituição de castas sociais e um poder centralizado fortemente estatal exercido por um soberano cercado de burocratas guerreiros e sacerdotes a partir das quais se irá desenvolver a história propria mente como hoje se conhece embora o surgimento delas não tenha ocasionado o fim das sociedades exnômades ou nômades organizadas em tribos que já se fixavam ou percorriam ainda as ilhas os desertos e as estepes Seria importante acrescentar que nas sociedades ora em estudo a natureza é divinizada descrita por narrativas mitológicas controladas por grupos sacerdotais mas é também simultaneamente dominada compreendida em seus mecanismos e submetida aos desígnios do homem pelo controle técnico que implica porém o conhecimento do mun do natural para poder dominálo e transformálo E que nelas a educação também muda profundamente 1 ela é ainda transmissão da tradição e aprendiza gem por imitação mas tende a tornarse cada vez mais independente deste modelo e a redefinirse como processo de aprendizagem e de transforma ção ao mesmo tempo 2 ligase cada vez mais à 25 Primórdios da Educação linguagem primeiro oral depois escrita tor nandose cada vez mais transmissão de saberes dis cursivos ou discursossaberes e não somente de práticas de processos que são apenas ou sobretu do operativos 3 reclama uma institucionalização desta aprendizagem num local destinado a transmi tir a tradição na sua articulação de saberes diversos a escola Instituição esta que se torna cada vez mais central até que das sociedades arcaicas se passa aos estados territoriais e a uma rica e articulada divi são dos saberes que reflete a do trabalho o qual é cada vez mais especializado e tecnicizado Será uma escola dúplice de cultura e de trabalho liberal e profissional que acentuará o profundo dualismo próprio das sociedades hidráulicas ou agrícolas li gado ao enrijecimento dos papéis sociais em clas ses sociais separadas com alguns aspectos quase de castas Cf CAMBI cit p 5962 E que povos seriam esses aos quais se fez referência ge nericamente como pertencentes a sociedades hidráuli cas São chineses indianos japoneses mesopotâmicos egípcios fenícios e hebreus Observemos a seguir de que forma cada um deles tratava a educação Os chineses por força de uma estrutura social extrema mente conservadora e pragmática engendraram um mo delo educativo igualmente tradicional e útil separado por classes no qual cultura e trabalho eram colocados em campos opostos e em que havia escolas especiais para a classe dirigente Algo semelhante se passou na Índia das castas sociais onde dirigentes e sacerdotes brâmanes jainistas e budis tas nada mais ofereciam à população miserável e faminta senão recomendações de infinita paciência e de renúncia ao mundo 26 Bases filosóficas da Educação Esse mesmo amálgama de imobilidade e exacerbado tradi cionalismo também ocorrerá no Japão cuja sociedade foi organizada em classes sociais e profissionais fechadas Os mesopotâmicos tiveram no templo seu verdadeiro cen tro social daí a entrega aos sacerdotes da formação es colar ligada a um processo de iniciação ao qual se seguia o aprendizado oral e depois criptográfico da língua além daquele ligado à matemática e à contabilidade visando à formação de um técnico o escriba fielmente atrelado aos protocolos e restrições religiosas Entre os egípcios o saber também se concentrava na casta dos sacerdotes e era ministrado no templo seguia por tanto uma orientação semelhante à dos mesopotâmicos com algumas variações como a educação escolar paralela à familiar e a dos ofícios seguidas quando conveniente da admissão à Casa da Vida onde se ministrava algo pare cido com uma instrução superior Os fenícios se destacaram no cálculo e na navegação mas a maior realização desse povo foi a invenção do alfabeto de 22 consoantes sem vogais do qual iriam derivar o dos gregos e em seguida o dos europeus todavia no que toca à educação seus processos não se afastaram signifi cativamente daqueles já abordados que privilegiavam a sacralização dos saberes e o pragmatismo técnico Para os hebreus os grandes educadores eram os profetas embora em família a autoridade estivesse centrada na fi gura do pai e a escola se organizasse na interpretação da Lei dentro da sinagoga Cf CAMBI cit 6270 27 Primórdios da Educação Finalizase aqui essa rápida incursão pelo campo educati vo das sociedades hidráulicas É tempo agora de se falar dos gregos esse povo ao qual a cultura do Ocidente tanto deve no que tange às artes plásticas especialmente escul tura e Arquitetura às artes cênicas dramaturgia canto dança às ciências Medicina e Matemática destacandose a Geometria à Filosofia e por uma relação simultânea de causa e consequência entre todos estes campos à edu cação Esta seção se fechará portanto com a pesquisa de como era a educação na Grécia Arcaica Na Ilíada e na Odisseia poemas atribuídos a Homero não é difícil encontrar alguns indícios mais ou menos eviden tes daquilo que se entendia e se praticava como educação naqueles tempos heroicos Mas advertimos que nes sas obras principalmente na primeira estaremos sempre diante de simples alusões pedagógicas proferidas no calor de uma narrativa épica eivada de sangue e violência explícita e plena de interpolações e repetições por vezes desconcertantes De qualquer modo se isso permite pers crutar apenas superficialmente até que ponto poderia cha marse de educação aquilo de que dispunham as classes mais baixas não deixa de apresentar um quadro muito claro sobre a orientação que se ministrava aos aristocra tas desde a infância com a finalidade precípua de perpe tuálos no poder Canta ó Deusa a cólera de Aquiles filho de Peleu cólera funesta que causou inumeráveis dores aos aqueus precipitou no Hades almas de heróis sem conta e os corpos lhes tornou em presas de cães e pássaros carniceiros HOMERO 1986 p 17 28 Bases filosóficas da Educação É assim que começa a Ilíada Nada mais próprio já que o poema narra as façanhas daquele herói durante os dez anos da Guerra de Troia ou Ílion daí Ilíada Claro que há coadjuvantes às dezenas deuses e mortais mas o artista principal é mesmo o dono do famoso calcanhar Aquiles é filho de Peleu rei da cidade de Ftia na Tessália Descende diretamente do rei dos deuses Zeus por parte de pai e sua mãe é uma deusa menor Tétis Teria sido educado pelo preceptor Fênix ou pelo centauro Quíron De qualquer modo educado por quem quer que fosse exer citouse no canto na lira no adestramento de cavalos e aprendeu Medicina Alimentavamno exclusivamente de entranhas de leões e de javalis para lhe comunicar a força desses animais de mel que devia lhe conceder a doçura e a persuasão e de medula de urso GRIMAL 2000 Ulisses ou Odisseu daí Odisseia de ascendência não tão nobre ou pelo menos não tão divina quanto Aquiles é o varão industrioso que depois de haver saque ado a cidadela sagrada de Tróade outro nome de Troia vagueou errante por inúmeras regiões visi tou cidades e conheceu o espírito de tantos homens HOMERO 1979 p 11 O adjetivo industrioso habilidoso atribuído a Ulisses considerados os valores éticos atuais é no mínimo eufe místico Ulisses na verdade seria hoje tachado de ladrão mentiroso solerte traiçoeiro nódoas de caráter vistas pela própria Atena a deusa que o protegia como magní ficas e raras qualidades E foram justamente Aquiles com sua cólera sanguinária e Ulisses com sua velhacaria dois 29 Primórdios da Educação dos melhores modelos de nobreza e virtude nos tempos da Grécia Arcaica Estamos diante de uma pedagogia do exemplo da qual Aquiles encarna a areté o modelo ideal mais completo de formação ligada à excelência e ao valor Não só já a partir da Ilíada a música e a ginástica pertencem ao programa educativo dos gregos e são indicadas como modelo e programa às jovens gerações justamente pela leitura educativa do poema homérico que será texto de formação por séculos das classes dominantes CAMBI cit p 77 Enquanto isso para o povo versos com regras morais e exortação ao trabalho versos adequados à manutenção e opulência da aristocracia mas certamente desprovidos desse intento quando Hesíodo os compôs Mede bem o que tomas de teu vizinho e devolve bem na mesma medida ou mais ainda se pude res para que precisando depois o encontres mais generoso Doar é bom roubar é mau e doador de morte pois o homem que dá de bom grado mesmo doando muito alegrase com o que tem e em seu ânimo se compraz Confiando na impu dência quem para si próprio furta mesmo sendo pouco deste se enrijece o coração pois se um pou co sobre um pouco puseres e repetidamente o fi zeres logo grande ficará Quem acrescenta ao que já tem ardente fome afastará o armazenado em casa desassossego ao homem não traz melhor é o de casa o de fora danoso é Facilmente imen sa fortuna forneceria Zeus a muitos quanto maior for o cuidado de muitos maior o ganho Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo assim faze trabalho sobre trabalho trabalha HESÍODO 1991 p 4951 É certo que os tempos eram outros e que não se pode a partir de uma visão humanista do século XXI simples 30 Bases filosóficas da Educação e sumariamente criticar e reprovar os usos e costumes de uma cultura instalada lá pelos séculos XI ou X da era précristã o próprio relativismo cultural sempre válido e desvinculado naturalmente de limitações de espaço físico eou político reprovaria essa postura etnocêntrica tanto neste caso quanto em qualquer outro Mas apesar disso ou por isso mesmo será interessante investigar como foi possível que partindo de um modelo socioedu cativo desses a Grécia Arcaica se transformasse em Gré cia Clássica paradigma de sabedoria que vai influenciar todo o mundo ocidental 31 Estruturação da atividade filosófica educativa ESTRUTURAÇÃO DA ATIVIDADE FILOSÓFICA EDUCATIVA Não parece impróprio chamar de metamorfose o processo pelo qual a Grécia Arcaica iria transformarse em Grécia Clássica essa passagem de ovo a lagarta de lagarta a cri sálida e de crisálida a borboleta na verdade é sem dúvida uma boa metáfora para o caso De fato Franco Cambi nota que a organização política do Estado típica da Gré cia arcaica reinos independentes e territoriais tende gradativamente mas de modo profundo a mudar com a afirmação da pólis CAMBI cit p 77 Mas o que seria a pólis A palavra pólis é uma transliteração direta do grego significa cidade e aportuguesada tem como derivadas por exemplo acrópole cidade alta metrópole cidade grande e política discussão a respeito dos assuntos públicos da cidade A instituição da pólis se dá entre os séculos VIII e VII e assinala a crise daquela pedagogia do exemplo de que fala Franco Cambi Porque já começa a existir a partir de então uma CidadeEstado com forte unidade espiritual religiosa e mitopoiética que organiza um território mas que sobretudo é aberta para o exterior comércio emigra ção colonização CAMBI cit p 77 E aí está essa abertura para o exterior significa também a abertura das mentes e dos olhos do povo um povo que 32 Bases filosóficas da Educação passa a compreender que afinal a divindade e a onipotên cia dos soberanos desde aqueles seus representantes mais ilustres como Aquiles Ulisses e tantos outros não passam em última análise do produto de um medo injustificável com uma empulhação desmedida afinal como dizia Abraham Lincoln proferindo uma verdade evidente por si mesma em qualquer época e em qualquer lugar Vocês podem enganar todos por algum tempo po dem mesmo enganar alguns todo o tempo mas não podem enganar todos todo o tempo Assim os reis se enfraque cem declinam e se elevam as cidades com seus agora cidadãos alguns já plenamente cônscios de sua importân cia na comunidade outros em vias de compreendêla Mas como na metamorfose da borboleta esse processo não aconteceu automaticamente nem de uma hora para outra Desde a antiguidade os gregos interessaramse pela palavra pelos discursos especialmente por seus me canismos de ação pela influência que a palavra pode produzir E este fascínio pelo poder da palavra re monta à época arcaica quando os conhecimentos ancestrais eram divulgados oralmente pelos aedos Ao enaltecer os grandes feitos os aedos fortale ciam também o poder dos reis mantendo o controle da sociedade e a sacralização em torno da palavra pois seus discursos eram aceitos incondicional mente não admitindo contestações os aedos tinham o privilégio de serem os escolhidos das musas Mas o interesse grego pela palavra não se limita apenas ao período arcaico na verdade atravessou séculos para com as transformações sociopolíticas e eco nômicas consagrarse enfim no Estado democráti co com a atuação dos professores sofistas É com os mestres da sofística que a palavra agora laicizada e acessível a todos os cidadãos alcança sua plenitude democrática e libertadora capaz de influir decisiva mente através da argumentação no destino da pólis SILVEIRA 1998 p 107 33 Estruturação da atividade filosófica educativa Sobre essa verdadeira paixão dos gregos pela palavra escreve Marcel Detienne Peithó é uma divindade todopoderosa tanto em relação aos deuses quanto aos homens somente a morte pode lhe oferecer resistência Peithó dispõe dos Sortilégios das palavras de mel tem o poder de fascinar dá às palavras sua doçura mágica resi dindo sobre os lábios do orador Peithó corresponde no panteão grego ao poder que a palavra exerce sobre o outro traduz no plano mítico o charme da voz a sedução a magia das palavras Sob a máscara de Thelxinoé ela é uma das musas e sob a de Telxiepeia uma das Sereias Mas como estas últimas ela é funda mentalmente ambivalente benéfica e maléfica Através de um de seus aspectos Peithó tão estreitamente ar ticulada à Alétheia Verdade relacionase com potências negati vas que são da mesma espécie de Léthe Esquecimento DETIEN NE 1988 p 38 Os sofistas eram professores itinerantes que percorriam a Grécia do chamado período clássico ensinando aos cidadãos que os podiam remunerar de alguma forma as técnicas os segredos e as artimanhas do discurso naque le tempo em que a palavra certa na hora exata era deci siva nos debates das assembleias em que se definiam as questões políticas Sócrates Platão e Aristóteles não gos tavam deles fosse por cobrarem pelas aulas fosse por es timularem com absoluta coerência e inequívoca lógica admitase a relativização da verdade que não era mais do que o resultado da persuasão e do consenso De acordo com Werner Jaeger os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação Com efeito estabeleceram os fundamentos da pedagogia e ainda hoje a formação intelectual trilha em grande parte os mesmos cami nhos JAEGER 1995 p 348349 34 Bases filosóficas da Educação Ensinavam um pouco de tudo acrescentese aliás que antes dos sofistas não se fala de gramática de retórica ou de dialética Devem ter sido eles os seus criadores JAE GER cit p 366 Dentre os sofistas que foram muitos embora apenas fragmentos da obra deles tenham resistido ao tempo e à oposição intelectual três podem ser destacados como os mais importantes Protágoras c 480420 aC autor da célebre expressão O homem é a medida de todas as coi sas Górgias c 485380 aC grande mestre da palavra e Isócrates 436338 aC desafeto de Platão e talvez por isso não admitido como membro do exclusivíssimo clube dos filósofos atenienses mais consagrados Educador por excelência Protágoras elege o discur so a palavra como instrumento de ensino a qual é capaz de influenciar e mesmo modificar as condições de conhecimento do aluno De seus en sinamentos faziam parte os dissoi logoi isto é os discursos duplos e opostos pois para cada tema existe a possibilidade de se utilizarem as antino mias argumentos reciprocamente conflitantes a possibilidade da utilização de discursos breves ou longos de acordo com as circunstâncias e a habilidade de tornar forte um argumento fraco quer dizer fazer com que um discurso inferior e sem consistência se apresente como superior Em Górgias o poder da palavra alcança toda a sua ple nitude Para ele a ciência do discurso é uma arte suprema e é neste aspecto que a sua retórica se preocupa com a harmonia entre a forma e o conteú do das palavras detendose especialmente no efei to que estas produzem sobre o interlocutor pois a arte de bem dizer que influencia e seduz o ouvinte depende desta junção para estabelecer uma adesão eficaz SILVEIRA 2005 p 6061 35 Estruturação da atividade filosófica educativa Isócrates foi um dos últimos grandes mestres da re tórica da Grécia Clássica e entre os mais famosos o único ateniense Discípulo e imitador de Górgias e também de Sócrates considerava que a arte da persuasão retórica deveria estar ligada à vida em sociedade Contemporâneo e adversário de Pla tão postulava uma educação abrangente para a formação do espírito humano afirmando que a retórica pela característica de seus ensinamentos pode ser também chamada de filosofia e Platão reclamava para si o direito de ministrar a verdadei ra filosofia marcando vigorosamente sua oposição com a retórica SILVEIRA 1998 cit p 49 Retórica e Dialética Embora às vezes se fale em retórica dialética é recomendável separar uma coisa da outra selecionando ao menos uma ou duas definições de cada entre muitas possíveis Retórica é a arte de utilizar a linguagem em um discurso persuasivo por meio do qual visase convencer uma audiência da verdade de algo Técni ca argumentativa baseada não na lógica nem no conhecimento mas na habilidade em empregar a linguagem e impressionar os ouvintes Considerase que a retórica foi sistematizada e desen volvida pelos sofistas Dialética em Platão é o processo pelo qual a alma se eleva por degraus das aparências sensíveis às re alidades inteligíveis ou ideias Em Aristóteles a dialética é a dedução feita a partir de premissas apenas prováveis Ele opõe ao silogismo científico fundado em premissas consideradas verdadeiras e concluindo necessariamente pela força da forma o silogismo dialético que possui a mesma estrutura de necessidade mas tendo apenas premissas prováveis concluindo apenas de modo provável JAPIASSU MARCONDES cit Abordouse até aqui de forma diligente e sintética a Pai deia a formação do homem grego assunto vasto e com plexo que mereceu de Werner Jaeger a elaboração de um verdadeiro tratado composto por nada menos de 1413 páginas Examinese agora como se processava especifi camente a educação infantil na Grécia Clássica no limiar e logo depois daquela formidável virada educacional 36 Bases filosóficas da Educação As crianças passavam os primeiros anos sob a severa au toridade do pai que as podia tanto reconhecer e acolher quanto simplesmente recusar e abandonar Afetivamen te ignoradas com medo de um pai terrível e onipotente assistidas de longe pelas mulheres da casa as crianças viviam de fato ao largo da vida social Isso em Atenas que já se anunciava como um dos mais importantes pa radigmas educacionais do mundo e berço da democra cia Em Esparta também cidadeEstado da conturbada federação grega como Atenas mas com a qual rivalizava a situação da criança era ainda pior pois o modelo de Estado militar totalitário espartano voltavase inte gralmente para a formação de cidadãosguerreiros Na verdade Esparta e Atenas deram vida a dois ideais de edu cação um baseado no conformismo e no estatis mo outro na concepção de Paidéia de formação humana livre e nutrida de experiências diversas sociais mas também culturais e antropológicas CAMBI cit p 82 Três dos mais importantes filósofos atenienses res ponsáveis pelos grandes modelos teóricos da Filosofia de um modo geral e particularmente da Filosofia da Educação foram Sócrates Platão e Aristóteles Sócrates c 470399 aC costumava ensinar em praça pública e gratuitamente Para ele o objetivo da educação era a formação moral o que poderia ser alcançado por um sistema de perguntas e respostas mediante o qual o discípulo após reconhecer a própria ignorância podia finalmente alcançar a Verdade que já existia em seu in terior Tratase do processo maiêutico do grego maieu 37 Estruturação da atividade filosófica educativa tikós relativo a partos porque afinal como o próprio nome indica faz mesmo alusão a um parto só que neste caso o parto é metafórico intelectual Sócrates conhecido apenas pelos depoimentos de seus discípu los Platão e Xenofonte e pela peça As Nuvens do comediógra fo Aristófanes era filho de um escultor e de uma parteira Teria então colhido da prática profissional da mãe os subsídios teóri cos para desenvolver o seu método de ensino Foi condenado à morte por desprezar os deuses e desencaminhar os jovens e quando alguns amigos influentes lhe ofereceram a fuga preferiu ficar como bom cidadão e submeterse à sentença dos juízes servindose com as próprias mãos da taça de cicuta veneno ve getal bastante usado à época que lhe prepararam seus algozes Platão c 427348 ou 347 aC defendia que a Verda de era um atributo anímico alcançável pela educação Caberia ao mestre a tarefa de conduzir o discípulo por um processo de rememoração do que sua alma já conhe cia do mundo material até o mundo das ideias onde se encontravam as matrizes reais de todas as coisas das quais enquanto ignorantes só poderíamos vislumbrar as sombras Discípulo de Sócrates ensinava em sua Aca demia também por meio de diálogos a exemplo do sau doso mestre Na República no Político e nas Leis enuncia as condições da cidade harmoniosa governada pelo filósoforei personalidade que governa com auto ridade mas com abnegação de si com os olhos fi xos na ideia do bem JAPIASSU MARCONDES cit 38 Bases filosóficas da Educação Platão e sua Alegoria da Caverna Segundo esse famoso relato homens se encontravam acorrenta dos em uma caverna desde a infância de tal forma que não poden do se voltar para a entrada apenas enxergam o fundo da caverna Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos quando regressas se para contar o que vira não mereceria o crédito de seus antigos companheiros que o tomariam por louco Platão compara o acorrentado ao homem comum que permanece dominado pelos sentidos pelas paixões e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo capaz de atingir o verdadeiro conhecimento ARANHA 2000 p 45 Aristóteles 384322 aC adotava como metodologia pro por ao discípulo uma série de assuntos que após devi damente apreendidos deveriam ser interrelacionados gerando outros e outros e assim por diante o que propi ciaria ao aluno por meio de sucessivos exercícios aquilo que hoje se poderia chamar de educação transdisciplinar e holística Notese contudo que esse processo exigia como condição prévia a existência de disposições capazes de se desenvolverem como também de meios para fazêlo pois o educando só pode realizar possibilidades a ele inerentes Cf GILES 1983 p 66 Assim providos dessa educação abrangente e integral os discípulos poderiam finalmente alcançar a felicidade últi ma fronteira das aspirações humanas Aluno de Platão na Academia preceptor de Alexandre Magno aos cinquenta anos fundou sua própria escola o Liceu em cujo bosque ministrava as aulas caminhando com os alunos os peri patéticos do grego peripatetikós que gosta de passear 39 Estruturação da atividade filosófica educativa A mente ordenada de Aristóteles mostrava o mesmo interesse instintivo pelo meiotermo que sua filosofia moral glorificava evi tava todos os extremos e em geral era justo com todos os lados das divisões que separam os filósofos em campos adversários Foi a principal figura nas filosofias árabe e medieval Sua concepção fundamentalmente animista da natureza como uma espécie de planta ou organismo ativo que se esforça por atingir seus fins sua distinção entre fenômenos celestes e a natureza sublunar foram aspectos dominantes do pensamento europeu até as re voluções que acabaram por produzir a concepção galileana do mundo no século XVII No século XX sua importância tem sido frequentemente reafirmada e Aristóteles continua a ser uma figu ra central no pensamento ético e metafísico BLACKBURN cit Com a helenização do mundo a cultura grega vai trilhar outros caminhos No que toca ao processo educativo a preocupação agora é transmitir ao homem livre um conhecimento en ciclopédico processo cujo desempenho também dependerá sobremaneira do Estado ao qual incum be codificar as prescrições e vigiar as instituições visando à formação do homem erudito universal GILES cit p 67 O mundo helenizado é de fato um mundo novo que se alastra pelo Mediterrâneo e Oriente Próximo sob a decisiva e paradoxal influência de uma Grécia de cida desEstado que decaíam por força da devastadora Guer ra do Peloponeso travada entre Esparta e Atenas cada qual com seus respectivos aliados durante longos 27 anos 431 a 404 aC É então que se ergue a Macedônia onde o povo falava grego frequentava festivais gregos e tinha reis que afirmavam descender de Aquiles o grande herói grego da Ilíada A hegemonia da Macedônia vai perdurar de 358 aC quando começa o reinado de Filipe II até cerca 40 Bases filosóficas da Educação de meio século após a morte de Alexandre em 323 aC A partir daí assistese à ascensão de uma nova potência tratase de Roma que de certa forma também foi um Estado sucessor do helenismo embora sua história tanto tra dicionalmente quanto à luz dos estudos modernos tenha começado bem antes de Alexandre ROBERTS 2001 p 215 No que tange à educação é evidente o pragmatismo dos romanos a busca da ação prática rápida e decisiva uma das marcas registradas mais próprias da cultura deles e isso se confirma quando se observa a ocorrência em Roma de uma espécie de mixagem entre os métodos es partano e ateniense a qual se revelou como por certo o esperavam tanto os generais quanto os educadores civis de grande eficiência na materialização daquilo que se esperava da instrução infantil crianças sadias no espíri to e no corpo mens sana in corpore sano como canta ria o poeta Juvenal já no ano I de nossa era desde cedo conduzidas em família e nas escolas elementares para a honestidade a austeridade e principalmente o amor in condicional à pátria isso no que toca aos meninos pois às meninas caberia o aprendizado dos deveres de esposa de mãe e das tarefas domésticas Mas acontece que o continuado contato com outros povos leva o proces so educativo romano a tomar outros rumos Inicia se a helenização da cultura romana Doravante o principal valor do processo educativo será a formação do caráter do educando em sentido universal cosmo polita humanista GILES cit p 6768 41 Estruturação da atividade filosófica educativa E é justamente nesse aspecto que sábios como Marco Túlio Cícero 10643 aC considerado o maior orador latino Lú cio Aneu Sêneca 4 a C65 dC filósofo estoico e literato e Marco Fábio Quintiliano 35100 dC seguidor da retóri ca de Isócrates e educador vão contribuir decisivamente Para Cícero a educação deve ensinar sobretudo que o verdadeiro orador é o homem ideal que reúne em si capaci dade de palavra riqueza de cultura e capacidade de parti cipar da vida social e política como protagonista morren do pelo Estado se for preciso É o homem da pólis grega reativado e universalizado pelo culto da humanitas que se completa com o estudo das artes liberais das humanae litterae e da retórica em particular CAMBI cit p 109 Para Sêneca a verdadeira educação pressupõe uma sólida aliança entre o homem e a natureza com o concurso da razão e deve propiciar ao aluno a sua libertação do jugo das paixões convencendoo de que a vida exige de cada um e de todos vigor e pertinácia contudo este ensino só conseguirá ser eficaz mediante o exemplo e as convicções íntimas Cf GILLES cit p 6869 Para Quintiliano o processo educacional que deve começar muito cedo é responsabilidade do Estado pois só ele é que possui meios de garantir a educação coletiva pública vi sando à formação do cidadão do homem público político e humanista Quanto à metodologia o educador recomenda aqueles três mesmos fatores apontados por Aristóteles cul tivo das disposições naturais instrução continuada e muita prática sem a qual as melhores disposições naturais e a melhor técnica serão totalmente inúteis Cf ib p 68 42 Bases filosóficas da Educação Devidamente consolidada e adequada às classes privile giadas e como sempre vedada ao povo a educação no Ocidente prosseguiu sem turbulências ou modificações significativas até chegar à Europa medieval onde o cris tianismo muito antes divulgado pela peregrinação dos quatro evangelistas Mateus Marcos Lucas e João e mais tarde reforçado em suas bases materiais e espiri tuais pelo trabalho incansável de Paulo de Tarso exigirá a idealização de um processo educativo mais consistente e organizado o que se fará mediante a formação de escolas catequéticas Cf GILES cit p 69 Com efeito é no período medieval que surgem dois dos maiores educadores cristãos Clemente de Alexandria c 153220 e Orígenes 185253 Clemente com seu Paedagogus coloca como mo delo a paidéia helênica mas também afirma que esta só se realiza plenamente no cristianismo Segundo Orígenes Cristo era o grande Mes tre que indicava uma paideia do gênero huma no CAMBI cit p 129 A partir de Agostinho 354430 que seguia orientação filosófica nitidamente platônica diante dos conflitos e inquietações que acometem o homem medieval buscase sobretudo a disciplina pois já que as palavras são ape nas sinais de objetos que por sua vez são imagens das ideias abrigadas na mente de Deus é preciso que o educando seja levado até o mundo das ideias com a ajuda do educador e da iluminação divina para só então poder alcançar a Verdade que afinal habita seu próprio interior Cf GILES cit p 6970 43 Estruturação da atividade filosófica educativa Já na segunda metade da Idade Média após a invasão dos bárbaros a queda do Império Romano e a instituição das es colas monásticas onde a Literatura e o Latim eram ensinados juntamente com as sete artes liberais Gramática Dialética Retórica Aritmética Geometria Astronomia e Música sur ge a Escolástica modificando fundamentalmente o modo de idealizar e realizar o processo educativo mas conservando a mesma disposição de transmitir a sabedoria como instrumento a serviço da fé e não de investigar a sabedoria por si Visase sobre tudo resolver possíveis conflitos entre fé e razão entre Filosofia e Teologia Cf GILES cit p 70 Tomás de Aquino 12241274 o mais importante pensador da época que em De Magistro retoma Agostinho Sublinhou a importância do professor no despertar da mente do estudante o aspecto sensível do conhe cimento e do ensino a possibilidade de conhecer os primeiros princípios de toda ciência e de ensinálos a outros despertando a atividade racional A pedagogia tomista é toda embebida de fé na razão Tudo isso ex plica a condenação que foi feita de muitas teses tomis tas em 1270 e depois em 1277 CAMBI cit p 189 Tanto intelecto tanta fé tanta elucubração transcendental e nada relativo à vida prática mas não é preciso ser um gênio ou um santo para saber que a nossa existência é feita de pen samento e ação vida é práxis seja pela tradução direta do grego seja pelo sentido estritamente marxista do termo Toda vida social é essencialmente prática Todos os mistérios que dirigem a teoria para o misticismo encontram sua solução na praxis humana e na com preensão dessa praxis Marx in JAPIASSU MAR CONDES cit 44 Bases filosóficas da Educação Foi por falta de uma educação também terrena por parte das escolas monásticas que profissionais do mes mo ramo artesãos e comerciantes por exemplo criaram a escola gremial capaz de oferecer a seus pares e cola boradores ensinamentos práticos técnicos e comerciais Pela mesma época passaram a existir também em contra ponto àqueles estabelecimentos religiosos de ensino as escolas municipais onde se ministravam aulas de língua vernácula em vez do Latim bem como de Cálculo Geo grafia Ciências Naturais e outras disciplinas mundanas Por fim a disseminação das escolas gremiais e munici pais somada à discreta mas inevitável evolução das próprias escolas monásticas vai propiciar a fundação das primeiras universidades fomentadoras incansáveis em todas as épocas do saber irrestrito e geral que nos acom panha até hoje Neste capítulo vimos que o processo de socialização promove a integração dos indivíduos com base em três elementos fundamentais e exclusivamente humanos a linguagem articulada sem a qual uma comunicação de alto nível não se poderia manifestar a cultura aprendida e transmitida por meio dessa comunicação e o trabalho com o qual o homem modifica intencionalmente a natu reza e num processo recíproco produz e reproduz cul tura aquele conjunto de características intrínsecas a determinada sociedade capaz de mantêla sempre viva e coesa Aprendeuse ainda que é por intermédio da edu cação trabalho não material que se planeja se con cebe se dissemina e se perpetua a cultura Na verdade assim como é possível inferir que a linguagem é o começo da nossa humanização é possível afirmar sem qualquer resquício de dúvida que a educação é a única responsá 45 Estruturação da atividade filosófica educativa vel pela nossa permanência como espécie como seres hu manos como gente Mas por certo também a educação nunca teve vida fácil passou por maus bocados desde as sociedades mais antigas até a Grécia Clássica quando a situação de fato melhorou porém entrou na Idade Média oscilando confusamente entre fé e ciência entre religião e razão No entanto apesar de todas as dificuldades ape sar sobretudo do aviltamento que tantas vezes lhe foi imposto pelas classes dominantes que jamais hesita ram em usála para promover e justificar interesses nem sempre nobres a educação continua resistindo 46 Bases filosóficas da Educação REFERÊNCIAS ARANHA Maria Lúcia de Arruda Filosofia da Educação São Paulo Moderna1998 Maria Lúcia de Arruda História da Educação São Paulo Moderna 2000 ARENDT Hannah Noções sobre a filosofia política de Kant Rio de Janeiro RelumeDumará 1993 ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fontes 2000 BAUDRILLARD Jean A Sombra das maiorias silenciosas São Paulo Brasiliense 1985 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 CASSIRER Ernst Ensaio sobre o homem São Paulo Mar tins Fontes 2001 COTRIM Gilberto FERNANDES Mirna Fundamentos de Filosofia São Paulo Saraiva 2010 COTRIM Gilberto Fundamentos da filosofia São Paulo Saraiva 1999 47 DETIENNE Marcel Os mestres da verdade na Grécia clás sica Rio de Janeiro Zahar 1988 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 GRIMAL Pierre Dicionário da mitologia grega e romana Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 HESÍODO Os trabalhos e os dias São Paulo Iluminu ras1991 HOMERO Ilíada São Paulo Círculo do Livro 1986 Odisseia São Paulo Abril Cultural e Industrial1978 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego São Paulo Martins Fontes 1995 JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário bási co de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 MARCONI Marina de Andrade PRESOTTO Zelia Maria Neves Antropologia uma introdução São Paulo Atlas 2009 NESTOURKH Mikhail Les races humaines Moscou Édi tions du Progrès sd ROBERTS J M O livro de ouro da história do mundo Rio de Janeiro sn 2001 48 Bases filosóficas da Educação SANTOS Roberto Elísio dos As teorias da comunicação da fala à internet São Paulo Paulinas 2003 SAVIANI Dermeval Pedagogia históricocrítica Campi nas Autores Associados 1991 SILVEIRA Regina Yara Martinelli da Nova retórica a ra zão argumentativa de Chaim Perelman Rio de Janeiro UERJ 1998 Dissertação de Mestrado O nexo entre lógica e retórica na razão argumen tativa de Chaim Perelman Rio de Janeiro UERJ 2005 Tese de Doutorado 49 Concepção filosófica da política CAPÍTULO 2 POLÍTICA E EDUCAÇÃO É comum ouvir pessoas dizendo que não são políticas ou que detestam a política e os políticos Nada contra isto afinal às vezes os fatos revoltam mesmo Mas é pratica mente impossível ser refratário à política e aos políticos quando se vive em sociedade a não ser que se consiga viver trancado em uma caverna a do Platão por exem plo vendo as sombras das ideias e a própria vida es correndo pelas paredes em um festival de irrealidades Veremos agora a possível convivência entre política e edu cação O ideal seria que se pudesse escrever sempre Polí tica Educação claramente associadas mas às vezes as duas se comportam como uma mistura de água e óleo quando agitada até dá a impressão de unidade mas basta parar de sacudir para que se separem novamente as fases do sistema No primeiro momento se buscará a partir da pólis grega uma conceituação filosófica para a política pressupondo que até etimologicamente seu início remontaria à Grécia Clássica Em seguida a pesquisa estará sobre Roma com sua república pródiga de intrigas traições e usurpações que lhe daria um império imenso e uma queda proporcio nal às dimensões de tudo que conquistou 50 Política e Educação O foco de pesquisa seguinte irá centrarse no compromis so bilateral que deve ou deveria existir entre a política e a educação começando pelo Renascimento assumido como uma via de ligação expressa entre a Idade Média e a Modernidade e terminando com algumas palavras so bre a necessidade de todos participarem criticamente do processo educativo dentro e fora das salas de aula Finalmente será examinada a ideologia em alguns de seus muitos aspectos de forma que se possa estar tanto quan to possível preparado contra os diversos e camaleônicos tipos de manipulação que ameaçam indivíduos grupos ou nações inteiras a qualquer tempo e em qualquer lugar 51 Concepção filosófica da política CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DA POLÍTICA Por volta dos séculos XII e XIII a Idade Média é marcada por uma radical mudança de paradigma em vários cam pos e muito especialmente na educação É a época das grandes catedrais cristãs SaintSernin Durham Sainte Foy NotreDate Canterbury ciclópicos monumentos que falam ao povo analfabeto por meio de sua icôni ca linguagem de pedra É a época da Escolástica de To más de Aquino e do conflito entre fé e razão e é a época das primeiras universidades com origem nas escolas das próprias catedrais onde alguns professores na verdade livrespensadores pagos para ensinar disseminavam o saber laico gerando uma controvérsia inevitável entre as pessoas mais ilustradas e abastadas da Europa Ocidental Um paradoxo catedrais da fé gerando contra si mesmas catedrais do saber A aporia até semânticoetimológica é interessante catedral archieratiké ekklesía em grego pode ser traduzido por algo como lugar principal da as sembleia hierática relativa às coisas sagradas e ekklesía de onde saiu a palavra igreja e daí eclesiástico pode sig nificar também assembleia popular além do que catedral se relaciona ainda a cátedra e catedrático palavras nitida mente universitárias Não parece despropositado portanto inferirse a exis tência de uma instigante semelhança funcional entre os professores laicos medievais os livrespensadores e os professores laicos da Grécia Clássica os sofistas Em essência uma das poucas diferenças que podem ser 52 Política e Educação identificadas entre ambas as classes depende de uma só variável o tempo mas aqui tratase de um tempo histórico domínio abstrato em que alguns anos podem equivaler a uma fração de segundo Outra dessemelhança é a seguin te na Grécia Clássica a intensidade da pressão política exercida sobre os sofistas por parte das classes dominan tes sequer seria aproximativamente comparável àquela que sofreram os professoreslivrespensadores medievais para os quais a tortura e a fogueira não eram apenas puni ções possíveis mas muito prováveis Com efeito essa postura intransigente da Igreja vinha de longe desde pelo menos o século IV nos tempos de Agos tinho o neoplatonista para quem O homem foi criado à imagem de Deus e em seu estado original no qual saiu das mãos de Deus era igual ao seu arquétipo Mas tudo isso foi perdido com a queda de Adão A partir desse momento todo o poder original de raciocínio ficou obscurecido E a razão sozinha deixada a si mesma e a suas próprias faculdades nunca pode encontrar o caminho de vol ta Não pode reconstruirse não pode por seus pró prios esforços retornar à sua pura essência anterior Se tal transformação for algum dia possível será apenas por ajuda sobrenatural pelo poder da graça divina Até Tomás de Aquino o discípulo de Aris tóteles que volta às fontes da filosofia grega não se aventura a desviarse desse dogma fundamental Ele concede à razão humana um poder muito mais alto que o concedido por Agostinho mas está convenci do de que a razão não pode usar corretamente esses poderes a menos que seja guiada e iluminada pela graça de Deus Chegamos aqui a uma inversão total de todos os valores sustentados pela filosofia grega O que outrora parecia ser o mais alto privilégio do homem revelase como seu perigo e sua tentação o que surgia como seu orgulho tornase sua mais pro funda humilhação CASSIRER 2001 p 2223 53 Concepção filosófica da política Ou seja na Idade Média das catedrais seria extremamente arriscado humanizar o conhecimento falar em ciência em novas descobertas ou em novos modos de pensar e de agir senão naqueles previstos por Agostinho e Tomás de Aquino os grandes doutores da Igreja os únicos verdadei ros e confiáveis mentores da educação devidamente ca rimbados com a venerável e onipotente chancela do Papa o grande poder político à época Mas é preciso esclare cer desde logo o que se pode entender por poder político Em O que é poder Gerard Lebrun levanta a seguinte questão Se X tem poder é preciso que em algum lugar haja um ou vários Y que sejam desprovidos de tal poder É o que a sociologia norte americana chama de teoria do poder de soma zero o poder é umasoma fixa tal que o poder de A implica o não poder de B Esta tese ou este pressuposto quando a tese não é expressamente enunciada encontrase em autores tão diferentes ideologica mente como Marx Nietzshe Max Weber Raymond Aron Wright Mills LEBRUN 1992 p 18 Foi dito de passagem que política vem do grego pólis ci dade Portanto politikós é o político aquele que cuida dos negócios públicos atividade que nos tempos do esplendor de Atenas lá pelos séculos V e IV aC significa va ocuparse dos negócios daquela cidadeEstado De fato não seria possível ou recomendável falar de uma política propriamente de uma políteyma administração pública reportandose ao tempo dos aristoi de aristos de onde se originou a palavra aristocrata os melhores os exce lentes os príncipes os que exerciam o governo por meio de decisões pessoais irrecorríveis isso na Grécia ou em qualquer outro lugar à época Porque política só começará a ser exercida em plenitude pelo menos com toda a carga semântica que a etimologia do vocábulo sintetiza a partir 54 Política e Educação do advento da democracia ateniense demos povo krátos poder demokratía poder do povo uma forma de governo realmente muito avançada para a época apesar de excluir das deliberações e decisões as mulheres os escravos e os estrangeiros metecos de métoikos a qual não obstante isto terá sido capaz de inspirar até uns dois mil e qui nhentos anos depois as democracias plenas ou quase conformes àquela conhecida e repetida frase um tanto ou quanto romântica e que antes soa a esperança do que a constatação Todo o poder emana do povo Notese no entanto lembremonos daquela borboleta de que falamos antes que o regime aristocrático não acabou de uma hora para outra em Atenas A trajetória política dos ate nienses até o regime de maior participação popular da Antiguidade foi marcada por várias e longas eta pas Para que se chegasse à democracia foi preciso muita luta popular pois os aristocratas não cede ram facilmente FUNARI 2002 p 34 Sem dúvida o incremento mercantil por via marítima deu aos comerciantes a capacidade de rivalizar com os grandes proprietários rurais e de carona no sucesso dos comerciantes seguiram camponeses e artesãos amplian do sua participação social Todavia no século VI aC ao tempo de Sólon considerado o pai da democracia ate niense e do tirano Pisístrato apesar da reforma agrária que se tentou desapropriando e redistribuindo terras en tre pequenos proprietários os aristocratas permaneceram firmes e coesos em suas posições e isso até que Clíste nes poderoso estadista conseguisse lhes retirar também além de terras boa parte das prerrogativas tradicionais 55 Concepção filosófica da política reorganizasse a concessão de propriedades e instituísse um novo sistema de representação política pelo qual todo cidadão seria inscrito em um demos neste caso e em Ate nas significando cantão povoação e ganharia o direito de votar durante a assembleia Foi também no tempo de Clís tenes que se concebeu o ostracismo de ostrakon concha de ostra fragmentos de barro cozido Por este procedimento os atenienses podiam votar para que um indivíduo fosse exilado da cidade por um período de dez anos caso sua presença fosse considerada uma ameaça à liberdade dos cidadãos Escreviase o voto em cacos de cerâmica FUNA RI cit p 35 Mais tarde após liderar as cidades gregas na vitória so bre os persas numa guerra que durou de 491 a 485 aC Atenas finalmente pôde conhecer a democracia em toda a plenitude sob Péricles que se tornou líder dos democra tas em 469 aC Foi nessa época que Os cargos políticos ligados à redação das leis e sua aplicação tornaramse legalmente acessíveis tanto aos cidadãos ricos como aos pobres e as palavras justiça e liberdade passaram a ser referenciais im portantes no imaginário ateniense FUNARI cit ib Um dos primeiros democratas notórios depois de insta lado e consolidado o poder do povo teria sido Sócrates Afinal o que se sabe de Sócrates que não deixou nada escrito veio por terceiros via Xenofonte em suas Memo rabilia e Platão em especial nos diálogos Apologia de Só crates e Fédon De qualquer modo parece não existirem dúvidas de que ele 56 Política e Educação participou ativamente da vida da cidade dominada pela desordem intelectual e social após a derrota na Guerra do Peloponeso submetida à demagogia dos que sabiam falar bem e por trás disso pode se entrever a sombra ambígua dos sofistas Con vidado a fazer parte do Senado dos 500 o bulé manifestou sua liberdade de espírito combatendo as medidas que julgava injustas e permanecendo independente em relação às lutas travadas entre os partidários da democracia e da aristocracia Cf JA PIASSU MARCONDES 1991 Depois de Sócrates até por questões cronológicas o pró ximo personagem objeto de estudo é Platão Mas Platão apesar da coincidência espaçotemporal Atenas séculos V e IV aC não era de forma alguma um democrata Na República no Político e nas Leis Platão enuncia as condições da cidade harmoniosa governada pelo filósoforei personalidade que governa com autori dade mas com abnegação de si com os olhos fixos na ideia do bem Abaixo dessa virtude quase divina situase a virtude propriamente humana a justiça que consiste na harmonia interior da alma JAPIASSU MARCONDES cit Isso tem um quê de já visto e certamente essa história de governar com abnegação de si com os olhos fixos na ideia do bem foi um dos principais motivos que teriam levado Schüller Literatura grega p 7779 citado por Co trim e Fernandes a sentenciar sem mais floreios Inimigo da democracia foi Platão o maior dos discípulos de Sócra tes Em A República apresentanos um Estado ideal de senvolvido a partir da constituição militarista de Esparta E prossegue descrevendo a organização social e política defendida pelo filósoforei ou reifilósofo Vale a pena a longa transcrição 57 Concepção filosófica da política Platão divide o Estado em três classes os gover nantes o exército e o povo Esta última classe formada por artesãos agricultores comerciantes profissionais liberais e escravos não lhe merece o menor respeito Totalmente excluídos do governo devem curvarse às leis que lhes são impostas Nem lhes cabe buscar consolo na religião dos antepas sados Criada pelo Estado a religião comparece como poderoso instrumento de domínio bem como a literatura e as artes Embora duramente reprimi do compete ao povo suprir o Estado da produção pastoril agrícola e industrial Aos incorporados do exército são negados quaisquer direitos pri vados Não podem ser proprietários não podem constituir família e o Estado controla as horas de lazer A união sexual tem como finalidade única a procriação sendo os casais e a data das conjunções determinadas pelo Estado por critérios políticos e de eugenia A educação começa desde a infância e é em todas as etapas controlada pelo Estado para os interesses deste e não do indivíduo Também o exército permanece excluído do governo Velar pela segurança externa e interna é a sua única função A admissão da mulher no exército e na educação que poderia ser considerada um progresso visa contu do aos exclusivos interesses do Estado A classe dos governantes é constituída pelos filósofos re crutados entre os militares depois dos cinquenta anos Únicos detentores da verdade competelhes legislar autoritariamente o Estado sem vigilância de outra classe Já que os conteúdos metafísicos aos quais devem adequar as leis lhes são minuciosa mente prescritos suspeitamos que já não lhes cabe o nome de filósofos a eles atribuído Se tomamos Sócrates como protótipo de filósofo os governantes da República presos a um sistema preconcebido e rígido não se parecem nada com ele Assemelham se antes a sacerdotes de uma religião secreta dog maticamente elaborada pelo fundador SCHÜLLER D apud COTRIM FERNANDES 2010 p 200 58 Política e Educação República vem do latim e significa coisa res pública em gre go traduzse por demokratía ou politeía À primeira vista parece tratarse de dois significantes para um só significado mas certamente existem derivações denotativas apreensíveis tanto pelos textos de Platão quanto pelos de Aristóteles Foi bem observado que os filósofosgovernantes da Repú blica não se pareciam nada com Sócrates mas o método utilizado por Platão para defender seus pontos de vista era muito semelhante ao do falecido mestre o diálogo o dialogismós o raciocínio a conversa a discussão Como nestes passos do Livro VIII de A República em que os diálogos não economizam ironia Conversam Sócrates e Gláucon com Platão pensando pelos dois Ora a democracia surge penso eu quando após a vitória dos pobres estes matam uns expulsam outros e partilham igualmente com os que restam o governo e as magistraturas e esses cargos são na maior parte tirados à sorte É essa efectivamente a maneira como se esta belece a democracia quer pelas armas quer pelo medo do outro partido que foge Pois não serão em primeiro lugar pessoas livres e a cidade não estará cheia de liberdade e do direito de falar e não haverá licença de aí fazer o que se quiser É o que se diz pelo menos Mas onde houver tal licença é evidente que aí cada um poderá dar à sua própria vida a organiza ção que quiser aquela que lhe aprouver É evidente Tal constituição é muito capaz de ser a mais bela das constituições Tal como um manto de muitas cores matizado com toda a espécie de tonalidades 59 Concepção filosófica da política também ela matizada com toda a espécie de carac teres apresentará o mais formoso aspecto E talvez que embevecidas pela variedade do colorido tal como as crianças e as mulheres muitas pessoas jul guem essa forma de governo a mais bela É muito provável PLATÃO 1993 p 386387 Seria proveitosa uma breve digressão para recapitular o que já foi apresentado até aqui revisitouse a Idade Média com suas catedrais da fé e catedrais da razão apontouse uma semelhança funcional entre os sofistas e os profes soreslivrespensadores medievais Agostinho e Tomás de Aquino foram revisitados colocouse o poder político do papa em evidência e assumido o pressuposto de que a Política em toda a sua plenitude semântica nasce na Ate nas da era clássica iniciouse o estudo dos perfis dos filó sofos mais importantes para este assunto à época Assim foram vistos Sócrates e Platão prosseguindo na cronolo gia o próximo será Aristóteles A filosofia aristotélica tinha como um de seus pontos ba silares a crença de que a virtude está no meio O homem virtuoso deve conhecer o ponto mé dio a justa medida das coisas e agir de forma equi librada de acordo com a prudência ou moderação sophrosine que pode ser entendida como a pró pria caracterização do saber prático MARCONDES 1997 p 77 Assim também na Política especificamente no que toca à democracia Aristóteles recomendava que se procurasse atrair os grupos intermediários a classe média já que o regime democrático foi ameaçado diversas vezes pela reação das elites intimidadas pelas mas sas FUNARI cit p 41 60 Política e Educação Mas democracia não significa poder do povo E povo de mos habitantes de um país ou no caso de uma cidade não implica até pela etimologia as massas e a classe mé dia e a elite Por que motivo então seria preciso atrair a classe média O que Aristóteles pensava afinal sobre a democracia No Livro III de A Política Aristóteles apresenta e sistematiza como lhe é peculiar as diversas formas de governo que enten de existirem a Monarquia colocada entre os grandes gover nos dividida em cinco espécies a Aristocracia cujo nome não deve ser dado senão à magistratura composta de pessoas de bem sem restrição a República que reúne o que há de bom em dois regimes degenerados a Oligarquia e a Democracia a Tirania o pior dos governos da qual a Monarquia se distin gue pela grande excelência de quem reina a Oligarquia divi dida em quatro classes governo cujas magistraturas são dadas a poucos ricos e geralmente não qualificados e a Democracia dividida em quatro tipos cf ARISTÓTELES 2000 p 109125 A primeira espécie de democracia é aquela em que os poderes se distribuem segundo as posses até cer ta mediocridade com o sentido de ponto médio A segunda espécie reconhecese pelo direito de voto nas eleições que se realizam na Assembleia todos são ad mitidos se seu nascimento for digno mas somente são elegíveis os que têm meios de viver sem trabalhar A terceira espécie é a que admite no governo todos os que são livres mas não oferecendo nenhum atrativo à cupidez não sofre a concorrência perigosa de um nú mero excessivo de pretendentes A quarta é aquela que se introduziu em último lugar nas Cidades que se tornaram maiores e mais opulentas do que eram nos primeiros tempos e exibe a igualdade absoluta isto é a lei coloca os pobres no mesmo nível que os ricos e pretende que uns não tenham mais direito ao governo do que os outros ARISTÓTELES cit p 124125 61 Concepção filosófica da política Mas é o trecho de A Política reproduzido em seguida que dá o que pensar confrontando os dias de hoje quando qualquer evento corriqueiro define um momento histórico e qualquer ação ainda que obscura ou difusa é classificada de republicana Mas se todos são indistintamente admitidos no go verno é a massa que se sobressai e sendo os pobres assalariados podem deixar o trabalho e permanecer ociosos não os retendo em casa a preocupação com seus próprios negócios É pelo contrário um obstá culo para os ricos que não assistem às Assembleias nem se preocupam com o papel de juiz Resulta daí que o Estado cai no domínio da multidão indigente e se vê subtraído ao império das leis Os demagogos calcamnas com os pés e fazem predominar os de cretos Tal gentalha é desconhecida nas democracias que a lei governa Os melhores cidadãos têm ali o pri meiro lugar Mas onde as leis não têm força pululam os demagogos O povo tornase tirano Tratase de um ser composto de várias cabeças elas dominam não cada uma separadamente mas todas juntas Seu governo não difere em nada da tirania Os baju ladores são honrados os homens de bem sujeitados O mesmo arbítrio reina nos decretos do povo e nas ordens dos tiranos Tratase dos mesmos costumes Não é sem razão que se censura tal governo e de preferência o chamam democracia ao invés de Repú blica pois onde as leis não têm força não pode haver República já que este regime não é senão uma ma neira de ser do Estado em que as leis regulam todas as coisas em geral e os magistrados decidem sobre os casos particulares Se no entanto pretendermos que a democracia seja uma das formas de governo então não se deverá nem mesmo dar este nome a esse caos em que tudo é governado pelos decretos do dia não sendo então nem universal nem perpétua nenhuma medida ARISTÓTELES cit p 125126 62 Política e Educação De fato a história parece repetirse à maneira de um jogo de espelhos Mas como teriam transcorrido as questões políticas à mes ma época em Roma Segundo J M Roberts a história de Roma de certa forma um Estado sucessor do helenis mo começou por volta de 510 aC Era uma República de cidadãos fiéis às tradições mesmo muito tempo depois de seu governo parecer monárquico Assim oficialmente a República persistiria por uns 450 anos até a metade do século I aC sofrendo portanto grandes transforma ções das quais a mais significativa foi a expansão de seu poderio político e militar que chegou a englobar todo o mundo mediterrâneo num sistema de dominação e trans formou Roma num império que até hoje molda grande par te da nossa vida ROBERTS 2001 p 215 As sete colinas de Roma nos primeiros duzentos anos da República foram testemunhas mudas de acirradas lutas dos cidadãos pobres contra os patrícios membros de famílias abastadas que dominavam o Senado a sede do poder Mas por força do célebre pragmatismo romano esses embates apesar de perdurarem por muito tempo não causaram da nos de monta à República pois aos poucos e na medida do necessário e suficiente foram sendo feitas mudanças nas instituições de modo a atender as reclamações do povo Como se percebe então a res publica não era tão pública assim ou pelo menos não tão espontânea e naturalmente pública o que não é uma exclusividade romana pois aten der as reclamações do povo espontânea e naturalmente é algo que parece jamais ter ocorrido em lugar algum Ainda assim embora os cidadãos mais pobres con quistassem muitas vitórias e uma parte maior nos espólios do poder Roma nunca se tornou uma demo cracia no sentido de que estes cidadãos controlassem o governo por muito tempo ROBERTS cit p 215216 63 Concepção filosófica da política O típico cidadão romano era camponês e cultiva va sua pequena propriedade se beneficiando do es plêndido clima e da fertilidade que sempre fizeram da Itália um país rico quando bem governado e às vezes até quando não foi Este cidadão já demonstra va a diligência e a habilidade dos futuros italianos A agricultura era a base da primitiva República não se deve pensar na enorme metrópole dos séculos se guintes importando milho engolida por grande nú mero de imigrantes como típica dos primeiros dias da República Durante um longo tempo o romano típico era o pequeno proprietário independente So mente no século II aC é que se tornaram comuns as grandes propriedades cujos donos viviam na cidade e dependiam do trabalho escravo para colher grãos ou azeitonas ROBERTS cit p 216 E foi justamente no século II quando se tornaram co muns as grandes propriedades que começou um perí odo de séria crise em Roma situação que ainda iria per durar por uns cem anos Escravos plebeus semterra comerciantes ricos todos se voltavam contra o Senado da elite patrícia Não bastasse isto havia também a cobi ça desmesurada dos generais cada vez mais importantes para as conquistas e a manutenção da ordem interna e externa e cada vez mais ávidos de poder agora não só militar mas também e principalmente político lutavam eles com os conquistados com a plebe e entre si unindo se quando conveniente e traindose quando oportuno como nos dois triunviratos Mas o preocupante ao ser examinada a luta pelo poder pessoal ou coletivo nas sociedades arcaicas clássicas medievais modernas ou contemporâneas é que a essa luta onipresente e atemporal pode ser dado um nome bastante comum vaidade mãe extremosa do narcisismo aspecto psicológico irrestrito e variável isto é comum a todos indivíduos e sociedades em diversos graus do 64 Política e Educação saudável ao patológico E poucos estudiosos teriam abor dado com tanta perspicácia o narcisismo quanto Erich Fromm em O Coração do Homem Um exemplo particular de narcisismo individual que fica na fronteira entre saúde e insanidade pode ser encontrado em certos homens que alcançaram um grau extraordinário de poder Os faraós egíp cios os césares romanos os Bórgias Hitler Stalin todos revelam certos aspectos similares Tentam fingir não haver limite para seu poder Isso é loucura ainda que seja uma tentativa para resolver o problema da existência fingindo que não se é humano É uma loucura que tende a crescer no decurso da vida da pessoa por ela afligida Na dinâmica do narcisismo coletivo encontramos fenô menos análogos aos já examinados a propósito do narcisismo individual Aqui também podemos dis tinguir as formas benigna e maligna do narcisismo Uma sociedade a que faltem os meios de aten der adequadamente à maioria de seus membros ou a uma grande proporção deles deve atender esses membros com uma satisfação narcisista do tipo ma ligno para impedir insatisfação entre eles FROMM 1977 p 7273 87 65 Concepção filosófica da política Narciso foi objecto da paixão de grande número de raparigas e de ninfas Mas ele ficava insensível Quando finalmente a ninfa Eco apaixonouse por ele não conseguiu mais do que as outras De sesperada Eco retirouse na sua solidão emagreceu e de si mes ma em pouco tempo não restou mais que uma voz gemente As jovens desprezadas por Narciso pediram vingança aos céus Némesis ouviuas e fez com que num dia de grande calor depois de uma caçada Narciso se debruçasse sobre uma fonte para se dessedentar Nela viu o seu rosto tão belo e imediatamente ficou apaixonado A partir de então tornase insensível a tudo o que o rodeia debruçase sobre a sua imagem e deixase morrer No Estige procura ainda distinguir os traços amados No lugar onde morreu brotou uma flor à qual foi dado o seu nome o narciso GRIMAL 2000 Um daqueles generais patologicamente ávidos de poder foi Julio César o conquistador da Gália que conseguiu manipu lar o Senado e transformarse em ditador vitalício isso por volta de 49 aC mas temendo que a monarquia fosse resta belecida seus inimigos que eram muitos resolveram assas sinálo o que ocorreu em 44 aC ano que marca de fato o fim da República ainda viva mas por um fio e já se deslo cando decididamente para a centralização do poder cujas coordenadas foram definidas pelo próprio César Assim é que após derrotar Marco Antonio e Cleópatra na Batalha de Ácio em 31 aC Otávio filho adotivo de César aceita em 27 aC o título de Augusto que lhe dava o direito de ser ado rado como um deus depois que morresse e se transforma em dono único e absoluto de todo o mundo romano De Augusto morto em 14 dC passando pela crise do século III que culminou com o assassinato do imperador Alexandre Severo em 235 o Império Romano transborda por todo o en torno do Mediterrâneo mas cai por volta do século V com as invasões dos bárbaros fato que alguns ainda chamam de fim da Antiguidade ou início da Idade Média Contudo 66 Política e Educação a História não é um edifício que se constrói e cujo andamento se possa registrar num desses cronogra mas de parede que se veem nas salas dos arqui tetos Não é algo necessariamente lógico embora muitas vezes se insista em arranjar e rearranjar os fatos em antecedentes e consequentes que possam dar ao todo um aspecto de racionalidade habitável SILVEIRA 1999 p 102 Depois vêm a expansão do cristianismo e a ascensão de uma nova Roma a Roma dos papas Mas esses eventos que antecedem o Renascimento próximo assunto a ser abordado já foram vistos 67 Compromisso político da Educação COMPROMISSO POLÍTICO DA EDUCAÇÃO Este título no fundo pode ser entendido de duas formas a primeira óbvia ligase àquilo que se espera do leitor apreender nas linhas e nas entrelinhas o que é que o governo aqui e agora ou o que é que qualquer governo em qualquer tempo e lugar anda ou andou fazendo com a educação Contudo o inverso também é possível median te uma discreta pirueta hermenêutica pois é evidente que quem governa não deixou de receber de alguma forma boa ou ruim a educação que o próprio governo ou o sistema lhe proporcionou Cuidase então de um caso de reciprocidade entre duas facções simultaneamente res ponsáveis pelos erros e acertos que se verificam no pro cesso educacional Quer dizer sintetizando só teorizar e reclamar não resolve o problema é preciso participar ati vamente ou nada acontece Feita esta rápida mas necessá ria observação podese entrar propriamente no assunto É natural quando se fala em Renascimento que a maioria das pessoas se lembre logo de projetos arquitetônicos gre coromanos afrescos estátuas e monumentos de mármore essas obras que inspiradas nas da Grécia Clássica de tão semelhantes aos respectivos modelos também poderiam ser desdenhosamente chamadas por Platão cada uma de las de cópia da cópia Mas o Renascimento não é isso ou não é só isso tratase antes de um período histórico agi tadíssimo compreendido mas não programado entre os séculos XV e XVI desenvolvese portanto simultaneamente às primeiras grandes navegações e descobertas pelo me nos as oficiais e tira proveito de um comércio que já se anunciava planetário muito antes que sequer se sonhasse com a globalização Porque o Renascimento é muito além de um movimento ou de uma simples tendência uma ponte de mão única da Idade Média para a Modernidade 68 Política e Educação As grandes pinturas esculturas e projetos arquite tônicos do período se assemelham mais aos da an tiga Grécia e Roma que aos da Idade Média gótica isto era deliberado A partir de meados do século XIV iniciouse uma busca crescente de manuscritos de autores clássicos e suas opiniões foram objeto de análises detalhadas e de imitação por parte dos eruditos que denominavam a si mesmos como hu manistas O estudo dos escritos de Aristóteles que não contava com o apoio da Igreja teve uma importância crucial estimulando novos filósofos Outros redescobriram os princípios arquite tônicos da Roma Imperial e edificaram estruturas clássicas como Filippo Brunelleschi 13771446 que demonstrou pela primeira vez as regras da perspectiva e provou em sua grande cúpula para a catedral de Florença que as características arqui tetônicas monumentais dos romanos podiam ser imitadas com êxito Também surgiram significa tivos avanços na ciência e no conhecimento muitos deles a anos de distância de sua aplicação prática A invenção do telescópio 1609 do microscópio 1618 da régua de cálculo 1622 do termômetro 1641 e do barômetro 1644 foram produtos de uma tradição de investigação científica empírica iniciada dois séculos antes O GLOBO 1995 p 162 Em Sobre a revolução das órbitas celestes 1543 Nicolau Co pérnico equaciona a hipótese de que a Terra é redonda e gira ao redor do Sol Teoria Heliocêntrica Isso provoca forte comoção na Igreja por colidir com a concepção geocêntrica medieval ain da ptolomaica aceita pelo clero de modo que em 1610 quan do Galileu Galilei publica e comprova suas observações sobre o movimento da Lua e dos planetas reabilitando o que sustentara Copérnico o papa condena definitivamente a Teoria Heliocêntri ca põe no índex o livro de Galileu e obrigao a retratarse e a jurar que jamais publicaria de novo qualquer coisa que se relacionasse com Astronomia 69 Compromisso político da Educação Pois é justamente no Renascimento esse período de tran sição conturbado e efervescente que viveu aquele que foi o grande mestre das piores personalidades do Cinquecen to europeu o qual segundo Antonio DElia foi um século negro e vergonhoso para a Itália que nasce prematuramente em 1494 quando Carlos VIII da França invade a península feito vanguardei ro dos novos bárbaros e iniciador de um processo de decomposição para a qual iriam concorrer os próprios príncipes italianos e o próprio pontificado Antonio DElia in MAQUIAVEL 1984 p 7 Tratase de Nicolau Maquiavel florentino autor de O Príncipe esse manual que tem a economia e a sobriedade de um documento que hoje ficaria talvez confinado nos arquivos secretos das instruções para bem se manobrar na consecução e na manutenção do po der Antonio DElia ibp 12 De fato não seria muito fácil talvez encontrar esse pe queno grande livro na cabeceira da cama de algum per sonagem poderoso de qualquer período histórico mas trancado no criadomudo ou móvel assemelhado é certo que muitas autoridades o tiveram e o têm e se serviram e se servem dele como se fosse uma espécie de Bíblia Atentese por exemplo para o trecho a seguir extraído do Capítulo V em que Maquiavel discorre sobre De como governar cidades ou principados que anteriormente à ocupação se regiam por leis próprias Quando os Estados que se conquistam são acostumados a viver regidos por suas próprias leis e em liberdade há três maneiras de mantêlos a 70 Política e Educação primeira é arruinálos a segunda ir pessoalmen te habitar neles a terceira permitirlhes viver regi dos por suas leis fazendoos porém pagar tributo ao conquistador e organizando neles governos de pouca gente que saiba conserválos amigos É que tais pessoas investidas no governo pelo príncipe sabem que não poderão manterse sem sua amiza de e seu poder e tudo farão para não perder sua posição e mais facilmente se conserva o domínio de uma cidade habituada a viver livre fazendoa go vernar por seus cidadãos do que de alguma outra maneira MAQUIAVEL cit p 55 A genialidade a amoralidade e a atualidade são realmente desconcertantes E na verdade O Príncipe sempre esteve em pauta em 1559 entra no índex do papa Paulo IV pois a Igreja Católica abalada pela Reforma não podia tolerar a submissão da moral à política traço essencial do maquiavelismo Diderot sus tentou que O príncipe é uma sátira que por equí voco foi entendida como elogio E quem viu ou leu por exemplo a comédia A Mandrágora não desconhece o lado irônico e mordaz de Maquiavel e entende perfeitamente o que o enciclopedista quis dizer mesmo que possa não concordar com ele Rousseau sublinhou a profundidade das convic ções republicanas do florentino Mussolini re conheceu em Maquiavel um precursor do fascismo enquanto o marxista Antonio Gramsci viu em suas teorias uma antecipação da teoria do partido do proletariado In MAQUIAVEL cit p 168 Resumindo O Príncipe é uma obra multiuso controversa mas sedutora como controversas mas sedutoras são aliás várias das coisas da vida Não obstante isto o Renascimento retoma os ideais de liberdade da Grécia Clássica e se expande por toda a 71 Compromisso político da Educação Europa Ocidental revolucionando os valores sociais culturais econômicos intelectuais e religiosos devido em grande parte a uma das figuras mais importantes do período Martinho Lutero A liberdade que inspira os humanistas da Renas cença inspira também até certo ponto Lutero Para este e contra a tradição católica o homem individual é responsável por sua própria fé cuja fonte é a Sagrada Escritura Este princípio é de im portância fundamental para o conceito do proces so educativo porque cria a obrigação de colocar à disposição de cada um a possibilidade de ler para compreender a Sagrada Escritura Exige que o edu cando seja levado a exercer a razão pessoal obri gando portanto que se proporcione uma educação acessível a todos sem distinção Todavia cabe ao poder público encarregarse do processo educati vo universal e obrigatório à mesma medida que a cada cidadão incumbe o dever de prestar servi ço militar para defesa e prosperidade do Estado Entretanto por se tratar de humanismo cristão o catecismo ocupará lugar de destaque no processo educativo GILES 1983 p 7273 Com Melancheton 14971561 as propostas e ações de Lutero centradas na popularização do ensino elementar vão estenderse também ao ensino secundário e é então que soa o alarme e que o papa lança em campo a sua mais combativa e eficiente tropa de choque os jesuítas Muito se tem escrito e falado sobre os jesuítas quase sem pre de forma a execrálos ou a enaltecêlos mesmo que indireta ou subrepticiamente Parece que em se tratando desses religiosos não há meiotermo possível no que tan ge a opiniões Talvez porque eles próprios nunca tenham sido dados a cortesias e mesuras senão àquelas ligadas às 72 Política e Educação coisas aos hábitos nas duas acepções mais comuns de costumes e de vestimentas de frades ou freiras e à liturgia da religião que professam Chamados muito propriamente de soldados da fé para eles a semelhança entre a cruz e a espada não está somente no design o próprio idealizador e depois superiorgeral da organização Inácio de Loyola era militar e lutou no Cerco de Pamplona em 1521 onde foi gravemente ferido A ordem com o nome de Compa nhia de Jesus foi fundada em 1540 e recebeu do papa Pau lo III a incumbência de ser a primeira linha de combate da Contrarreforma à Reforma de Lutero Uma ordem militar portanto com uma estrutura rigidamente hierárquica e sujeita à mais total obedi ência ao chefe supremo que é o preposto geral mas também uma ordem missionária que desde o iní cio do seu mister mostra atribuir grande importância ao instrumento educativo na afirmação do catecismo contrareformista Nesse sentido compreendese a instituição por parte da companhia de inúmeros co légios para religiosos depois abertos também aos leigos em grande parte da Europa e do mundo Destes colégios os primeiros são os de Messina fun dado em 1548 orientado para os estudos clássicos e frequentado também por não religiosos e o de Roma bem mais famoso instituído dois anos depois e orien tado para os estudos de gramática de humanidades e de doutrina cristã Em pouco tempo surgem outros em quase toda a Itália e na Europa em 1586 contase um total de 162 dos quais 147 abertos no exterior Com a sua difusão afirmase a necessidade de dar uma organização coerente e unitária aos programas de ensino Num primeiro momento o problema é re solvido estendendo aos outros colégios as orienta ções seguidas nos de Messina e de Roma passandose sucessivamente à redação de uma verdadeira Ratio Studiorum uma espécie de normatização geral da metodologia pedagógica programa formativo de caráter católico que se estende a todos os colégios je suíticos do mundo CAMBI 1999 p 261 73 Compromisso político da Educação Com tantos colégios e um sistema de ensino unificado e comprovadamente eficaz não seria de estranhar que os jesuítas fossem preceptores de muitos jovens que logo iriam tornarse personalidades importantes Voltaire e Descartes por exemplo Mas nem o fato de serem mestres de primeira linha foi capaz de blindar aqueles excelentes educadores contra a intriga e a perseguição pelo contrá rio só os deixou mais expostos já que nada incomoda mais o poder do que o saber Afinal é o saber que conduz à liberdade e a liberdade alheia para alguns é um atri buto intolerável No Brasil isso ficou evidente pela obstinação com que Se bastião José de Carvalho e Melo o marquês de Pombal combateu os jesuítas responsáveis pelas missões indíge nas comunidades autossustentáveis independentes e portanto inconcebivelmente livres Foi também e talvez principalmente por isso que em 1758 o poder temporal dos jesuítas foi elimina do A 3 de setembro de 1759 o governo portu guês decretou a proscrição e a expulsão da Compa nhia de Jesus de todo o Império proibindo qualquer comunicação verbal ou escrita entre os jesuítas e os súditos portugueses MAXWELL 1977 p 44 De 1759 para cá no Brasil muita coisa aconteceu caiu o Im pério proclamouse a República enfrentouse uma ditadura e reconquistouse a democracia O ensino melhorou sem dúvida até pela impossibilidade de se dar o contrário mas de vez em quando bate a impressão de que ainda se caçam ou cassam jesuítas De qualquer modo a Constituição de 1988 a Constituição Cidadã traz esperanças embora cause desconforto vêla hoje tão cheia de exclusões inclu 74 Política e Educação sões e emendas inclusive naturalmente na Seção I do seu Capítulo III em que se trata especificamente da educação um indício de que certamente há gente trabalhando para melhorar embora também possa existir gente trabalhan do para piorar ou apenas protelando para que tudo fique como sempre esteve Esperase que a primeira opção se ma terialize mas não é suficiente ficar só esperando é preciso agir interagir e reagir é preciso na sala de aula ou fora dela participar ativamente do processo educativo A narração de que o educador é o sujeito conduz os educandos à memorização mecânica do conteú do narrado Mais ainda a narração os transforma em vasilhas em recipientes a serem enchidos pelo educador Quanto mais vá enchendo os re cipientes com seus depósitos tanto melhor edu cador será Quanto mais se deixem docilmente en cher tanto melhores educandos serão Desta maneira a educação se torna um ato de depo sitar em que os educandos são os depositários e o educador o depositante Em lugar de comunicarse o educador faz comu nicados e depósitos que os educandos meras in cidências recebem pacientemente memorizam e repetem Eis aí a concepção bancária da educação em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos guardá los e arquiválos Margem para serem colecionado res ou fichadores das coisas que arquivam No fun do porém os grandes arquivados são os homens nesta na melhor das hipóteses equivocada concep ção bancária da educação Arquivados porque fora da busca fora da práxis os homens não podem ser Educador e educandos se arquivam na medida em que nesta distorcida visão da educação não há criatividade não há transformação não há saber Só existe saber na invenção na reinvenção na busca inquieta impaciente permanente que os homens fazem no mundo com o mundo e com os outros Busca esperançosa também FREIRE 1977 p 66 75 Ideologia e emancipação IDEOLOGIA E EMANCIPAÇÃO Pelo grego ideologia é o resultado de idea logos ia sufixo nominal idea pode ser traduzida por ideia na turalmente mas também se aproxima de noção fantasia opinião dóxa lógos é ainda mais generosa quanto a sig nificados palavra sentença exemplo ordem matéria de estudo razão explicação inteligência são apenas alguns deles Já se percebe só pela riqueza etimológica que es colher um conceito para ideologia não é nada fácil mas podem ser propostos uns dois ou três Ideologia pode ser definida por exemplo como qualquer sistema abrangente de crenças categorias e maneiras de pensar que possa constituir o fundamento de projetos de ação política e social BLACKBURN 1997 ou um con junto de ideias princípios e valores que refletem uma de terminada visão de mundo orientando uma forma de ação sobretudo uma prática política JAPIASSU MARCONDES 1991 ou esta usual para os marxistas que parece mais de acordo com o espírito daquilo que se está a estudar Pensamento teórico que crê desenvolverse abs tratamente sobre seus próprios dados mas que é na realidade a expressão de fatos sociais particu larmente de fatos econômicos de que aquele que a constrói não tem consciência ou pelo menos não percebe que determinam o seu pensamento LALANDE 1993 76 Política e Educação O Parágrafo Único do Art 1º da Constituição Brasileira promulgada em 1988 é bastante claro Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição O Art 205 também não deixa dúvidas A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a cola boração da sociedade visando ao pleno desenvol vimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Mas pensando bem alguns aspectos dos supracitados artigos exigem reflexão e interpretação e é exatamente neste ponto que se entra no campo minado da ideologia Assim podese inquirir por exemplo 1 O que se deve inferir por poder Algo divino Uma força inata A persuasão pela palavra A coa ção pelas armas 2 O que é povo É a própria sociedade como um todo interagente e dinâmico mas harmônico Ou é uma ameaça potencial à democracia pela reação das elites intimidadas pelas massas como teria afirmado Aristóteles Cf FUNARI cit p 41 3 O que se entende por pleno desenvolvimento da pessoa Acréscimo à bagagem cultural e intelectual Ou à moral e ética Ou à econômicofinanceira 4 O que significa preparo para a cidadania Diz respeito à imposição de algum tipo de Educação Moral e Cívica Ou se refere à formação de cida dãos críticos e atentos a qualquer espécie de mani pulação 77 Ideologia e emancipação 5 Quando se fala em qualificação para o trabalho assumese que toda atividade útil à sociedade tem de ser proporcional e adequadamente remunerada por condições e salários dignos O resultado da enquete vai variar de acordo com o posicio namento ou o condicionamento ideológico daqueles que a responderem porém de qualquer forma se algo tiver de ser mudado certamente não será por meio de enquetes mas da educação metódica paciente e incansável único meio pacífico de se contrapor à esmagadora pres são exercida sobre o povo pela determinação nem sempre republicana de alguns de muitos ou de todos aqueles que estão no comando Seria necessário porém definir em que se está pensando exatamente quando se fala em educação pois como a ideologia a educação também apresenta suas dificuldades conceituais Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem Por isso é preciso fazer um estudo filosóficoantro pológico Comecemos a pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar na natureza do homem algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação Qual seria este núcleo captável a partir de nossa pró pria experiência existencial Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem O cão e a árvore também são inacabados mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa Não haveria educação se o homem fosse um ser acaba do O homem pode refletir sobre si mesmo e como pode fazer esta autoreflexão pode descobrir se como um ser inacabado que está em constante busca Eis aqui a raiz da educação A educação é uma resposta da finitude da infinitude 78 Política e Educação A educação é possível para o homem porque este é inacabado e sabese inacabado O homem deve ser o sujeito de sua própria educação Não pode ser o objeto dela Por isso ninguém educa ninguém Por outro lado a busca deve ser algo e deve tradu zirse em ser mais é uma busca permanente de si mesmo Mas esta busca deve ser feita em comunhão com outras consciências caso contrário se faria de umas consciências objetos de outras O homem não é uma ilha É comunicação Logo há uma estreita relação entre comunhão e busca FREIRE 1983 p 2728 As repetições e aparentes contradições são característi cas do método dialético de Paulo Freire Ninguém educa ninguém porque todos se educam reciprocamente ou seja enquanto se ensina também se aprende e vicever sa Naturalmente o processo educativo inclui no pacote de intercâmbio existencial a troca ideológica a qual se executada de forma assimétrica resultará inevitavelmen te na supremacia nefasta de algumas consciências sobre outras E a tarefa mais nobre e difícil da educação é jus tamente combater e pelo menos reduzir a assimetria in telectual conduzindoa a um ponto de equilíbrio elevado que possa alcançar e atender a todos Isso pode parecer utópico e é mesmo Quando eu falo em utopia eu não falo em torno do possível eu falo em torno do viável Até que eti mologicamente é assim mesmo utópico a topia é o sistema e u é fora dele Só que a palavra o conceito se desvirtuou depois que ele foi altamente modifi cado por Marx quando este criticou os utopistas o socialismo utópico inviável Ao fazer a crítica de um socialismo inviável ele o chamou de utópico Ele propunha um socialismo que chamou de científico A minha posição diante da uto 79 Ideologia e emancipação pia é distinta diferente e não digo que seria só mi nha evidentemente mas eu entendo a utopia como uma relação também dialética entre a denúncia e o anúncio Nesse sentido eu sou utópico também A minha proposta pedagógica é utópica nesse senti do não no sentido inviável repito Para mim o utó pico se vincula também ao esperançoso no sentido de que a utopia se dá historicamente no ato de de nunciar e simultaneamente anunciar Quer dizer de denunciar uma dada realidade e de anunciar o sonho ou o projeto a ser realizado com a transfor mação da realidade denunciada Então na minha visão de utópico a práxis portanto a ação e a re flexão são uma demanda são uma exigência sem a qual não é possível a própria realização da utopia FREIRE 1983b p 6162 É interessante comparar o estudo filosóficoantropológico que Paulo Freire desenvolve na primeira citação à procura do nexo entre a natureza inacabada do ser humano e a educação com este enfoque psicanalítico de Eric Fromm em busca da essência do homem 1 O homem é um animal e no entanto seu equipamento ins tintivo em comparação com o de todos os outros animais é in completo e insuficiente para assegurarlhe a sobrevivência 2 O homem possui inteligência como outros animais porém tem outra qualidade mental ausente no animal Ele se dá conta de si mesmo O homem está na natureza sujeito a seus man damentos e acidentes todavia transcende a natureza porque lhe falta a inconsciência que torna o animal uma parte da natureza uno com ela O homem se defronta com o assustador conflito de ser o prisioneiro da natureza e no entanto ser livre em seus pensamentos ser uma parte da natureza e no entanto ser por assim dizer uma curiosidade da natureza não está cá nem lá A consciência de si próprio do ser humano tornouo um estranho no mundo separado solitário e assustado FROMM cit p 130 Mas entendase bem não se trata de pretender a aniquila ção da ideologia porque afinal erradicála seria mutilar a integridade intelectual e por consequência a própria in dividualidade do ser humano nascido livre uno e único 80 Política e Educação em corpo e mente o que se quer e eis a grande tarefa da educação e da Filosofia da Educação é promover uma ampla discussão em todos os níveis e foros por meio da qual se possa avaliar o que existe de irrefletido na ideologia e desvendar como atuam as ilusões e os in teresses de toda espécie o peso e o alcance de todo ensino propagandístico GILES cit p 33 Atualmente existe uma descrença na ideologia que tem por resultado não a negação da sua existência ou força mas um certo reforço do aprendizado ideológico através dos diversos níveis do processo educativo sobretudo através dos meios de comuni cação Esse processo de imposição extrapola a edu cação formal Para impor a ideologia não se insiste mais que se acredite necessariamente no conteúdo da ideologia Basta que se fale sua linguagem es pecífica o seu jargão que se assuma sua maneira de abordar a realidade de se expressar Pouco im porta que se acredite ou não nas ideias como tais Basta assumir o código de comportamento por ela expresso Tornase desnecessário fazer qualquer declaração de princípios ou tampouco afirmar o que se defende É suficiente usar a terminologia às vezes bastante equívoca e realizase o compromis so Nestas circunstâncias a ideologia se modifica de projeto de construção em arma de manutenção GILES ib A essência do que se acabou de ler sem portanto desta car quaisquer especificidades já era motivo de análise e discussão em meados do século passado Em 1964 Her bert Marshall McLuhan 19111980 educador e filósofo a quem não seria exagerado atribuir a classificação de vi sionário racional prenunciava a aldeia global em que o mundo iria transformarse em pouco tempo com direito a uma rede de comunicação que hoje se chama internet 81 Ideologia e emancipação declarando ainda que o meio é a mensagem frase que até pode ter soado um tanto enigmática à época mas que hoje poderia rotular com toda a propriedade o supracita do excerto de Giles por exemplo Como se percebe ideologia educação e a correlata mas não consequente emancipação intelectual não são temas fáceis de abordar nem tampouco essa dificuldade é uma exclusividade brasileira ela existe também em países como a Itália uma das chamadas nações do Primeiro Mundo e pode manifestarse desde os graus mais básicos da trajetória escolar Examinese a propósito esse desabafo em forma de Introdução que Umberto Eco escreveu para sua coletânea crítica das histórias da carochinha que se impingem às crianças italianas na forma de livros didáticos Os livros de leitura falam dos pobres do trabalho dos heróis e da Pátria da importância e da serieda de da escola da variedade das raças e povos que habitam a terra da família da religião da vida cí vica da história humana da língua italiana da ci ência da técnica do dinheiro e da caridade Não se referem então aos problemas reais que o jovem uma vez maduro deverá enfrentar e sobre os quais deverá tomar uma atitude Esta antologia ao contrário procura mostrar que estes problemas são apresentados de uma ma neira falsa grotesca risível Que através deles a criança é educada para uma realidade inexistente Que quando os problemas e a resposta a eles for necida dizem respeito à vida real são colocados e resolvidos de forma a educar um pequeno escravo preparado para aceitar o abuso o sofrimento a in justiça e para ficar satisfeito com isto O que quero dizer é que a luta contra os livros didáticos das escolas elementares colocase antes mesmo de qualquer escolha ideológica que tenha um sentido 82 Política e Educação no mundo em que vivemos atualmente Essa luta pode ser sustentada pelo liberal pelo democrata pelo comunista e pelo socialdemocrata pelo crente e pelo ateu porque a realidade educativa que estes livros propõem existia antes do nascimento destas ideologias e destas correntes políticas antes da Re volução Francesa antes da Revolução Industrial antes da revolução inglesa antes da descoberta da América antes numa palavra do nascimento do mundo moderno ECO BONAZZI 1980 p 16 Contudo o que se faz para melhorar o ensino é pouco seja na Itália no Brasil ou em vários outros países quan do não se limita aos esforços meio quixotescos de alguns professores excêntricos e de uma ou outra organização exótica mantémse na marca do mínimo possível e nos li mites da conveniência políticoideológica quando depen de de providências governamentais Paulo Freire é um bom exemplo daqueles professores ex cêntricos poucos autores nacionais foram tão traduzidos como ele no entanto no Brasil seu método de ensino para alfabetização de adultos teve vida oficial muito cur ta aprovado pelo Decreto nº 53465 de 21 de janeiro de 1964 foi extinto menos de três meses depois pela portaria 237 de 14 de abril mas não sem antes ser aproveitado pela ditadura após algumas adequações Assim é que o o Movimento Brasileiro de Alfabetização MOBRAL criado em 15 de dezembro de 1967 pela Lei nº 5379 e reestruturado em 1970 inspirandose em Freire vai tratar da erradicação do analfabetismo pelo atendimento imediato e prioritário à população urbana entre 15 e 35 anos porque os adultos e adolescentes al fabetizados são elementos importantes na produtividade 83 Ideologia e emancipação do sistema econômico além do que essa faixa etária e topográfica é a que apresenta maior probabilidade de de senvolver em termos de acréscimo de produtividade os recursos investidos na sua formação e é mais fácil nes te grupo o ajustamento social por oferecer menor resis tência a mudanças de vida Cf SILVEIRA cit p 30 35 Todos estes absurdos sob aspas e muitos outros estão no Documento Básico do MOBRAL MOBRAL 1973 p 12 13 A propósito sintetizese a seguir a comparação que Gilberta Januzzi faz entre o que defendeu Paulo Freire e o que propôs o Movimento Brasileiro de Alfabetização 1 Paulo Freire coloca a educação como situação de conhecimento em que os educadores educandos como sujeitos tomam consciência de sua historici dade Educação para Paulo Freire é conscientização O MOBRAL concebe a educação como adaptação preparação de mão de obra para o mercado de tra balho 2 Segundo Paulo Freire todos os homens são seres ontologicamente iguais finitos inacabados capazes de procederem crítica autêntica em situação so frendo portanto os condicionamentos da realidade mas sendo capazes de transformála porque são se res históricos Para o MOBRAL só alguns homens são capazes de críticas cabendo a eles definir as me tas que devem ser concretizadas pelos alfabetizado res e alfabetizandos 3 Paulo Freire adota para a conscientização o diálo go como método porque este método assegura que os educadores educandos sejam sujeitos da refle xão e da ação O MOBRAL utiliza método que é basicamente antidialógico isto é parte de objetivos previamente definidos pelo MOBRALCENTRAL dis cutindo nas comunidades apenas os melhores meios de concretizálos JANNUZZI 1979 p 81 ss 84 Política e Educação Vêse portanto que a solução mágica da pragmática con servadora foi aproveitar a eficiente estrutura física original esvaziandoa do conteúdo político o que faz sentido pois para quem se equilibra no poder à custa de uma empedernida refração a mudanças o método de Freire pode ser visto como um elemento de subver são subversão no sentido mesmo de verter sob infiltrarse em degradar as paredes que selecionam e agrupam os indivíduos num sistema de base capi talista SILVEIRA cit p 36 Neste capítulo pôdese constatar que política e edu cação nem sempre se relacionam tão harmonicamente quanto seria desejável mas para chegar a essa certeza foi preciso percorrer um caminho histórico e teórico lon go e acidentado Em busca de uma concepção filosófica para a política fo mos à Grécia Clássica admitindo o pressuposto de que já a partir mesmo da etimologia vieram de lá os modelos políticos que hoje conhecemos e praticamos em especial no que toca às repúblicas democráticas Em seguida co nhecemos a arrogante grandeza de Roma cidadeEstado na qual a prepotência a cobiça e a intriga somaramse às invasões dos bárbaros para destruir aquele que foi o maior império da Antiguidade Discutiuse sobre a possi bilidade de se estabelecer um compromisso recíproco de cordialidade entre política e educação e certamente ficou claro que continuará sendo difícil de conseguir a não ser que haja uma ação pertinaz e contínua de toda a socie dade no sentido de aperfeiçoar e fazer valer o processo educativo 85 Ideologia e emancipação Por fim pesquisouse a ideologia pelo menos em algumas de suas múltiplas formas e enfatizouse o fato de que só a participação e a vigilância constantes podem nos livrar de eventuais ciladas 86 Política e Educação REFERÊNCIAS ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fontes 2000 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 CASSIRER Ernst Ensaio sobre o homem São Paulo Mar tins Fontes 2001 COTRIM Gilberto FERNANDES Mirna Fundamentos de filosofia São Paulo Saraiva 2010 ECO Humberto BONAZZI Marisa Mentiras que parecem verdades São Paulo Summus 1980 FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1997 Paz e Terra 1977 Educação e mudança Rio de Janeiro Paz e Terra 1983 Terra 1983 Paulo Freire ao vivo gravação de conferências com debates realizados na Faculdade de Filosofia Ciên cias e Letras de Sorocaba 19801981 São Paulo Loyola 1983b 87 FROMM Erich O coração do homem Rio de Janeiro Zahar 1977 FUNARI Pedro Paulo A Grécia e Roma São Paulo Con texto 2002 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 GRIMAL Pierre Dicionário da mitologia grega e romana Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário Básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 JANNUZZI Gilberta S de Marinho Confronto pedagógico Paulo Freire e o Mobral São Paulo Cortez Moraes 1979 LALANDE André Vocabulário técnico e crítico da Filoso fia São Paulo Martins Fontes 1993 LEBRUN Gérard O que é poder São Paulo Brasilien se1992 MAQUIAVEL O príncipe São Paulo Círculo do Livro 1984 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MAXWELL Kenneth A devassa da devassa Rio de Janei ro Paz e Terra 1997 88 Política e Educação MOBRAL Documento Básico do Mobral Rio de Janeiro Bloch 1973 O GLOBO Atlas da história universal Rio de Janeiro O Globo 1995 PLATÃO A república Lisboa Calouste Gulbenkian 1993 ROBERTS J M O livro de ouro da história do mundo São Paulo Ediouro 2001 SILVEIRA E A Os olhos azuis do cão sem plumas a poe sia de João Cabral de Melo Neto e o processo de conscien tização social Rio de Janeiro UERJ 1999 Dissertação de Mestrado 89 Filosofia e desenvolvimento científico CAPÍTULO 3 FORMAÇÃO FILOSÓFICA DO PENSAMENTO MODERNO Quando Descartes profere seu famoso cogito Pen so logo existo a frase ecoa nos salões da intelectua lidade europeia como a síntese do Manifesto da Filosofia Moderna mas já a partir dos antecedentes Galileu e Bacon por exemplo representa também uma espécie de carta de alforria concedida aos cientistas até então ou pouco antes ainda atrelados aos procedimentos medie vais É que Descartes era um filósofo capaz de profundos voos transcendentais por um lado porém por outro bem definido um cientista nas acepções moderna e contem porânea da palavra tanto que não hesitou em aplicar o método dos geômetras à Filosofia e foi capaz de conceber ou desenvolver pelo menos o sistema de coordenadas as coordenadas cartesianas utilizado em larga escala até hoje por praticamente todas as ciências Primeiramente será observada a forma como se deu a ruptura ou melhor a desvinculação entre Filosofia e ciência Em seguida poderá ser avaliada a importância do método de Descartes no estabelecimento de novos para digmas educacionais o que significa identificar a própria Modernidade como uma época de forte e inédito impulso pedagógico Por fim a atenção se voltará para a influência nem sempre comedida das teorias científicas na práti 90 Formação filosófica do pensamento moderno ca educacional relacionando algumas das muitas escolas e tendências que fazem da pedagogia uma atividade não apenas útil e fascinante mas também às vezes tão mul tifacetada que chega a ser problemática 91 Filosofia e desenvolvimento científico FILOSOFIA E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO Filosofia e ciência caminharam juntas desde os présocrá ticos até a Idade Moderna Para Tales de Mileto século VI aC o elemento primordial seria a água para Anaxíme nes da mesma cidade o ar para Xenófanes de Cólofon a terra para Heráclito de Éfeso o fogo cf BORNHEIM 1997 p 2235 E isso para ficar só nos especialistas dos quatro elementos pois havia muitos outros pensadores cada qual defendendo elegantemente seu ponto de vista ou atacando o oposto sobre este ou aquele assunto fe nômeno ou problema mas sempre buscando em última análise uma melhor compreensão da physis a natureza incluindose nela a totalidade dos seres Dois séculos depois dos físicos portanto já em IV aC o próprio Aristóteles não lhes negaria pelo menos não completamente a honrosa titulação de filósofos àquela altura em Atenas já bastante seletiva ao mesmo tempo em que classificava a Filosofia como uma ciência isenta de utilitarismo Que a Filosofia não é uma ciência prática vêse clara mente pela própria história dos primeiros filósofos Com efeito foi pela admiração que os homens come çaram a filosofar tanto no princípio como agora per plexos de início ante as dificuldades mais óbvias avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores como os fenômenos da Lua do Sol e das estrelas E o homem que é tomado de per plexidade e admiração julgase ignorante por isso 92 Formação filosófica do pensamento moderno o amigo dos mitos é em certo sentido um filósofo pois também o mito é tecido de maravilhas portan to como filosofavam para fugir à ignorância é evi dente que buscavam a ciência a fim de saber e não com uma finalidade utilitária E isto é confirmado pelos fatos já que foi depois de atendidas quase to das as necessidades da vida e asseguradas as coisas que contribuem para o conforto e a recreação que se começou a procurar esse conhecimento Está claro pois que nós não o buscamos com a mira posta em qualquer outra vantagem mas assim como declara mos livre o homem que existe para si mesmo e não para um outro assim também cultivamos esta ciên cia como a única livre pois só ela tem em si mesma o seu próprio fim ARISTÓTELES 1969 p 40 982b De fato a situação não se altera isto é Filosofia e ciência continuam unidas da Grécia Clássica até o ocaso do Re nascimento quando ainda sob os horrores da Inquisição no caminho às vezes penosamente aberto por homens de ciência como Giordano Bruno 15481600 Galileu Galilei 15641642 William Harvey 15781657 e Francis Bacon 15611626 todos a essa altura já vinculando teoria e prática techné científicas surge René Descartes 1596 1650 considerado um dos criadores da Filosofia moder na mas seria recomendável antes de falar sobre ele traçar os esboços biográficos desses seus colegas e antecessores Giordano Bruno foi ordenado sacerdote em 1572 Incon formista por natureza processado em 1567 e 1576 fugiu para Roma e em 1579 já estava em Paris sob a proteção de Henrique III Viveu na Inglaterra como acompanhante do embaixador francês teve uma conturbada passagem por Oxford acusado de plagiar as doutrinas mágicoher méticas de Ficino e retornou a Paris de onde teve de fugir depois de um sério conflito com os aristotélicos Foi en 93 Filosofia e desenvolvimento científico tão para a Alemanha onde elogiou publicamente o lutera nismo Voltou à Itália em 1591 foi processado pelo San to Ofício em Veneza retratouse mas submetido a novo processo em Roma dessa vez se negou a renunciar a suas convicções Morreu na fogueira em Campo dei Fiori em fevereiro de 1600 cf REALE ANTISERI 1990 p 156157 Galileu Galilei nasceu em Pisa na Itália É considerado um dos criadores da ciência moderna Foi professor em diversas universidades italianas Ampliou os horizontes da Física e da Astronomia ao repelir o sistema geocêntrico e acatar o heliocentrismo copernicano baseado no uso que fez do te lescópio em suas observações Defendeu a Matemática como linguagem da Física na construção de teorias mais precisas e rigorosas cujas hipóteses seriam empiricamente compro váveis Preso pela Inquisição em 1633 por elaborar teorias contrárias à visão do Universo chanceladas pela Escolástica foi forçado a retratarse mas prosseguiu com suas pesqui sas em segredo e silêncio cf JAPIASSU MARCONDES 1991 William Harvey publicou em 1628 De Motu Cordis obra na qual apresenta uma revolucionária teoria para o processo de circulação do sangue no corpo humano De acordo com essa nova teoria o coração era uma bomba que trabalhava para manter o movimento contínuo do sangue nas veias De Motu Cordis representou uma importante contribuição para a filosofia mecanicista o organismo vivo é uma máquina que Descartes estenderia a todos os animais cf REALE ANTISERI cit p 311312 Francis Bacon foi o primeiro a tentar criar uma ciência útil para a humanidade baseada em um método de investi gação criterioso e realizado por alguém verdadeiramente 94 Formação filosófica do pensamento moderno qualificado um método que às vezes pode parecer que não passa da simples indução enumerativa a generaliza ção de fenômenos particulares em leis experimentais Mas acreditase que Bacon de fato tenha sido o criador de uma sofisticada classificação de procedimentos científicos Compreendeu ainda que a busca de leis é antes um exer cício de imaginação do que uma atividade empírica Lutou em sua obra contra a falsa metodologia da metafísica e a superstição cf BLACKBURN 1997 A nova ciência de Copérnico e Galileu precisou de uma defesa filosófica contra o dogmatismo da Igreja e de Aristóteles Encontrou esse defensor em Francis Bacon geralmente reconhecido como fundador da tradição científica moderna pois rompeu com Aristóteles e insistiu que deveríamos recomeçar com um método experimental puramente empíri co de investigação do mundo SOLOMON HIGGINS 2003 p 113 Descartes nasceu em La Haye França Estudou com os je suítas em La Flèche destacandose no aprendizado da Ma temática Ingressou na carreira militar combateu viajou e decidiu finalmente buscar a ciência por conta própria cuidando porém de não desagradar com suas obras nem a Igreja nem os protestantes temeroso de sofrer as mes mas ou até piores penas que Galileu Afirmava que a ver dade só podia ser alcançada pela dúvida metódica tanto no que tange aos nossos sentidos físicos quanto aos nos sos supostos conhecimentos cf COTRIM 1999 p 152 Foi o idealizador do sistema de coordenadas não por acaso chamadas de cartesianas utilizadas em praticamente to das as disciplinas científicas o método das coordenadas cartesianas não produz mais nenhum efeito sobre nós pois tornouse parte integrante do nosso patrimônio cien 95 Filosofia e desenvolvimento científico tífico REALE ANTISERI p 383 Celebrizouse por sua frase Penso logo existo Cogito ergo sum do Discurso do Método retomada na Meditação Segunda E enfim considerando que todos os mesmos pen samentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos sem que haja nenhum nesse caso que seja verdadeiro resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais ver dadeiras que as ilusões de meus sonhos Mas logo em seguida adverti que enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso cumpria necessariamen te que eu que pensava fosse alguma coisa E no tando que esta verdade eu penso logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagan tes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar julguei que podia aceitála sem escrúpulo como o primeiro princípio da Filosofia que procura va DESCARTES 1983 p 46 Serei de tal modo dependente do corpo e dos senti dos que não possa existir sem eles Mas eu me per suadi de que nada existia no mundo que não havia nenhum céu nenhuma terra espíritos alguns nem corpos alguns não me persuadi portanto de que eu não existia Certamente não eu existia sem dú vida se é que eu me persuadi ou apenas pensei al guma coisa Mas há algum não sei qual enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganarme sempre Não há pois dúvida alguma de que sou se ele me engana e por mais que me engane não poderá jamais fazer com que eu nada seja enquanto eu pensar ser alguma coisa De sorte que após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coi sas cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição eu sou eu existo é necessariamen te verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito DESCARTES cit p 92 96 Formação filosófica do pensamento moderno O Discurso do Método é dividido em seis partes e apre senta os quatro preceitos gerais da obra na segunda E como a multidão de leis fornece amiúde escusas ao vício de modo que um estado é bem melhor di rigido quando tendo embora muito poucas são es tritamente cumpridas assim em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a Lógica julguei que me bastariam os quatro seguintes des de que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observálos O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidente mente como tal isto é de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito que eu não tivesse ne nhuma ocasião de pôlo em dúvida O segundo o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas pos síveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvêlas O terceiro o de conduzir por ordem meus pensa mentos começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para subir pouco a pou co como por degraus até o conhecimento dos mais compostos e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros E o último o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada omitir DESCARTES cit p 3738 Embasado no cogito e nos quatro preceitos dando ênfase ao sujeito pensante res cogitans e ao método dos geôme tras para que se alcançasse o conhecimento certo e evi dente o sistema filosófico de Descartes planeja e constrói o protótipo do modelo intelectual que se iria instaurar na Modernidade 97 Filosofia e desenvolvimento científico Descartes assentou em posição dualista a questão on tológica da filosofia a relação entre o pensamento e o ser correspondente à disjunção entre mente e corpo à precedência do pensar sobre o agir ao dualismo psi cofísico Convencido do potencial da razão humana propôsse a criar um método novo científico de co nhecimento do mundo e a substituir a fé pela razão e pela ciência Tornouse assim o pai do racionalismo Sua filosofia esforçouse por conciliar a religião e a ciência Sofreu a influência da ideologia burguesa do século XVII que refletia ao lado das tendências pro gressistas da classe em ascensão na França o temor das classes populares GADOTTI 2001 p 77 Descartes identifica três tipos de ideias as ideias inatas que não são derivadas da experiência mas se encontram no indivíduo desde o seu nascimento dentre as quais se incluem as ideias de infinito e de perfeição as ideias adventícias ou empíricas que formamos a partir de nossa experiência e que dependem de nos sa percepção sensível estando portanto sujeitas à dúvida e as ideias da imaginação que formamos em nossa mente a partir dos elementos de nossa experiência como por exemplo a ideia de unicórnio que resulta da junção da ideia de chifre à ideia de cavalo MARCONDES 1997 p 170 Isso significa que a as ideias inatas correspondem àquilo que é sempre verdadeiro porquanto segundo Descartes já nascemos com estas ideias que transcendem qualquer tipo de experiência b as ideias adventícias estão condicionadas à nossa percepção sensorial e por isso nem sempre são verdadeiras pois comu mente os sentidos nos enganam c as ideias da imaginação também conhecidas como ideias fictícias ou ficcionais não po dem ser verdadeiras uma vez que envolvem a concepção de ob jetos inexistentes criados com partes de ideias adventícias De acordo com Franc Morandi se não há motivo para que se inclua Descartes no rol dos filósofos da educação não se pode negar que a ruptura com o intelectualismo tradicionalista proposta em seu método vai estabelecer novos paradigmas racionais e educacionais Notese que 98 Formação filosófica do pensamento moderno com o método a educação se torna racional o es tudo se torna razão e a empresa educativa espe culativa Humanismo e racionalismo entram em acordo para recusar o ensino escolástico das universidades sendo o cartesianismo a inscrever a obra educativa na educação da razão como Razão Esse racionalismo é educação pois não basta ter o espírito bom mas o principal é educar bem cf MORANDI 2002 p 7273 Em 1657 exatamente vinte anos depois de publicado o Discurso do Método Jan Amos Comenius ou Jan Amos Komenský 15921670 escreve a Didática Magna sob cuja orientação se poderia ensinar com rapidez eco nomia de tempo e sem fadiga pois em vez de ensinar palavras sombras das coisas a escola poderia fixarse no ensino do conhecimento a respeito delas cf GADOT TI 2001 p 78 Comenius aliás será o primeiro perso nagem a entrar em cena na próxima seção dedicada à pedagogia realista 99 A Pedagogia realista A PEDAGOGIA REALISTA Comenius era tcheco Superou o pessimismo antropoló gico da Idade Média com seu otimismo realista atento ao contexto da época influenciando os métodos pedagógi cos posteriores com a crença inabalável no homem como um ser capaz de aprender e de ser educado cf GADOTTI 2001 p 80 Acreditava firmemente na igualdade entre os seres humanos na missão humanitária da educação e na precedência dos sentidos físicos para a apreensão das coisas do mundo noção já presente em Bacon O currí culo que propunha incluía Religião Ética Música Econo mia Política História e Ciência Pioneiro na concepção e aplicação de métodos capazes de provocar o constante e crescente interesse dos alunos baseou sua pedagogia em nove princípios fundamentais condensados abaixo 1º A natureza observa um ritmo adequado Por exemplo um pássaro que deseje multiplicar sua es pécie não o faz no inverno nem no verão também não escolhe o outono mas escolhe a primavera quando o sol devolve vida e força para todos Concluímos por isso que 1 A educação dos homens deve começar na primavera da vida isto é na meninice 2 As horas matinais são as mais adequadas ao estudo 3 Todos os assun tos a serem aprendidos devem ser organizados de modo a adequarse à idade dos estudantes 2º A natureza prepara o material antes de começar a darlhe forma Por exemplo o pássaro que deseja produzir uma criatura semelhante a ele mesmo con cebe em primeiro lugar o embrião em seguida prepara o ninho onde porá os ovos Por isso é necessário 1 Que os livros e materiais necessários 100 Formação filosófica do pensamento moderno ao ensino sejam mantidos à mão 4 Que o co nhecimento das coisas preceda o conhecimento de suas combinações 5 E que os exemplos venham antes das regras 3º A natureza escolhe um objeto adequado sobre o qual irá agir ou primeiro submete um deles a um tratamento apropriado para tornálo adequado Por exemplo um pássaro não coloca nenhum objeto no ninho onde está a não ser um ovo Mas quando ocorre a choca o pássaro aquece o ovo e cuida dele até que o filhote saia da casca Por isso é desejável 1 Que todos os que entram para a escola perseverem em seus estudos 2 Que antes de se introduzir qualquer estudo especial a mente do estudante seja preparada para tanto e tornada receptiva 3 Que todos os obstáculos sejam removidos do caminho das escolas 4º A natureza não é confusa em suas operações mas em seu progresso avança distintamente de um ponto a outro É impossível concentrar a men te em qualquer coisa quando ela tem de ocuparse de várias coisas ao mesmo tempo Portanto as escolas deviam ser organizadas de tal modo que o estudante se ocupasse com apenas uma tarefa de estudo de cada vez 5º Em todas as operações da natureza o desenvol vimento se faz de dentro para fora Por exemplo no caso do pássaro não são as garras as penas ou a pele que se formam primeiro mas as partes in ternas Isso significa que o estudante devia primeiro compreender as coisas e em seguida re cordálas e que o professor devia ter consciência de todos os métodos de conhecimento 6º A natureza em seu processo formativo começa pelo universal e termina com o particular Por exem plo um pássaro é produzido de um ovo Todo ovo é aquecido o calor produz movimento e esse movimento gera um sistema de veias que esboçam a forma do pássaro inteiro Até que esse esboço esteja completo as partes individuais não são leva 101 A Pedagogia realista das ao acabamento Isso significa a Cada lín gua ciência ou arte deve ser ensinada primeiro em seus elementos mais simples para que o estudante possa obter uma ideia geral sobre ela b Seu conhe cimento pode em seguida ser mais desenvolvido apresentandoselhe regras e exemplos 7º A natureza não dá saltos mas prossegue passo a passo Seguese portanto a Que todos os estudos deviam ser cuidadosamente graduados nas várias classes b Que o tempo deve ser dividido cui dadosamente c Que a divisão do tempo e das matérias de estudo deve ser rigorosamente respei tada 8º Se a natureza começa qualquer coisa não a abandona até que a operação esteja completa Se guese portanto 1 Que aquele que é mandado para a escola nela deve ser mantido até tornarse bem informado virtuoso e piedoso 4 Que nenhum rapaz sob qualquer pretexto tenha permissão de afastarse ou faltar às aulas 9º A natureza evita cuidadosamente os obstáculos e as coisas com probabilidade de causar dano Por exemplo quando um pássaro está chocando ovos não permite que um vento frio a chuva ou o granizo os alcance As escolas devem ter cui dado a Para que os estudantes não recebam quais quer livros a não ser aqueles adequados a suas aulas b Que esses livros sejam de tal espécie que possam ser chamados com justiça de fontes de sabedoria virtude e piedade c Que nem na escola nem em suas proximidades os estudantes tenham permissão de misturarse a maus companheiros Cf MAYER Frederick História do Pensamento Ocidental Rio de Janeiro Zahar 1976 ap GADOT TI cit p 8085 Quanto ao tempo de estudo Comenius fixavao em 24 anos igualmente distribuídos por quatro períodos de seis entre as escolas maternal elementar ou vernácula latina giná 102 Formação filosófica do pensamento moderno sio e acadêmica universitária esta destinada aos mais capazes o que mostra que à época e como sempre ainda se relegava o aprimoramento intelectual do povo A pedagogia realista segue em frente com John Locke 16321704 não tão naturalista ecológica ou ornitoló gica quanto em Comenius mas intrinsecamente empírica e portanto pelo menos quanto ao aspecto conceitual an tagônica ao racionalismo inatista cartesiano Mas em si o antirracionalismo lockiano tinha lá seus limites pois na verdade Locke concorda com Descartes ao preferir i idéa a eîdos ser essência substancial como base etimológica do grego para ideia assumida esta especificamente como imagem noção espécie ou tudo aquilo em torno do qual o espírito pode ser utilizado no pensar REALE ANTISERI 1990 p 510 e então afirmar que todas as nossas representações do real são deri vadas de percepções sensíveis não havendo outra fonte para o conhecimento A mente é como uma folha em branco uma tabula rasa na qual a experiência deixa as suas marcas MARCONDES 1997 p 180 Para Locke portanto a todo conhecimento humano tem origem na sen sação não há ideias inatas no espírito b a partir dos dados da experiência o entendimento vai produ zir novas ideias por abstração c se o entendimento humano é passivo na origem tem um papel ativo pois pode combinar as ideias simples e formar ideias complexas JAPIASSU MARCONDES 1991 103 A Pedagogia realista Racionalismo qualquer filosofia que enfatize o papel da razão que nesta perspectiva garante a aquisição e a justificação do conhecimento sem auxílio É a preferência pela razão em detri mento da experiência sensorial como fonte de conhecimento Empirismo orientação filosófica persistente que procura ligar o conhecimento à experiência A experiência é concebida como qualquer coisa que se exprime numa determinada classe desig nada de afirmações cuja verdade possa ser verificada pelo uso dos sentidos Os racionalistas do continente europeu nomeadamente Descar tes Leibniz e Espinosa com frequência são contrastados com os empiristas britânicos Locke Berkeley e Hume mas esta posição simplifica exageradamente uma realidade mais complexa Por exemplo vale a pena notar que Descartes aprova até certo ponto a investigação empírica e que Locke partilha em certa medida a concepção racionalista segundo a qual o verdadeiro conhecimen to é uma espécie de intuição intelectual Cf BLACKBURN 1997 No âmbito estritamente pedagógico a obra de Locke irá centrarse no gentleman o gentilhomem cavalheiro fidalgo que seria ou deveria ser o paradigma da nova classe dirigente pósRevolução Industrial o indivíduo vir tuoso capaz de renunciar aos próprios desejos de opor se às próprias inclinações e de seguir unicamente aquilo que a razão lhe indica como melhor mesmo que os ape tites o dirijam para outro lado educado de acordo com quatro princípios fundamentais 1 a mens sana in corpore sano afirmada como um estado feliz neste mundo e como critérioguia de todo educador 2 a importância do raciocinar com as crianças como meio de ensino 3 a prioridade da formação práticomoral em re lação à intelectual e do critério da utilidade das disciplinas a ensinar aos jovens 104 Formação filosófica do pensamento moderno 4 a centralidade da experiência que desenvolve a natural curiosidade das crianças amadurece seus interesses e se afirma também através dos jogos e do trabalho CAMBI 1999 p 317318 Franco Cambi sustenta ainda que o fato de Locke afinal não ter levado em nenhuma conta o problema da educação do povo ou que o tenha resolvido de forma caritativa ou através de escolas de trabalho forçado para os rapazes pobres isso não vem prejudicar o valor teórico de sua proposta pedagógica CAMBI 1999 p 321 De qualquer modo como já foi visto enfaticamente educação implica ideologia que implica política que implica poder que implica sempre alguma forma de go verno e é aí neste circuito fechado cujos elementos mantêm entre si uma relação de reciprocidade que as dificuldades começam Após Locke já em pleno Iluminismo todavia prenun ciando o Romantismo surge outro importante educador tratase de JeanJacques Rousseau 17121778 suíço de ascendência francesa um dos autores da Enciclopédia obra coletiva fundada por Diderot e dAlembert e pu blicada de 1751 a 1766 Seus livros Discurso sobre a Origem da Desigualdade de 1755 e Contrato Social de 1762 causamlhe grandes problemas pela temática revolucionária para o século XVIII e até para o XXI em muitos casos A seguir alguns dos temas insistente mente abordados e discutidos 105 A Pedagogia realista a o homem é por natureza bom é a sociedade que o corrompe quer dizer a sociedade não é por essência corruptora mas somente aquela que repousa na afirmação da desigualdade natural dos homens b o estado de natureza é um estado primordial onde o homem vive feliz em harmonia com o mundo e na inocência não havendo necessi dade de sociedade c o homem difere essencial mente dos outros seres naturais e animais por sua perfectibilidade o problema para ele consiste em encontrar uma forma de sociedade na qual possa preservar sua liberdade natural e garantir sua se gurança para solucionar esse problema Rousseau propõe o contrato social O soberano é o conjunto dos membros da sociedade Cada homem é ao mesmo tempo legislador e sujeito e possui como cidadão uma vontade geral que o conduz a querer o bem do conjunto do qual é membro Cabe à educação formar essa vontade geral O regime so cial ideal é o democrático entendendose que um homem livre obedece mas não serve tem chefe e não mestres obedece às leis mas somente às leis e é pela força das leis que não obedece aos homens JAPIASSU MARCONDES 1991 Iluminismo período do pensamento europeu caracterizado pela ênfase na experiência e na razão Na Inglaterra do século XVII o movimento já pode ser apreciado No entanto foi só no século XVIII que se deu o completo florescimento do Iluminismo especialmente na França na Escócia e na Alemanha O Iluminismo está associado a uma concepção materialista dos se res humanos a um otimismo quanto a seu progresso por meio da educação e a uma perspectiva em geral utilitarista da sociedade e da ética BLACKBURN 1997 Como é próprio dos românticos Rousseau defenderá seus pontos de vista de modo exacerbado e beligerante repe lindo o tradicionalismo e a finesse afetada e enaltecendo a espontaneidade intuitiva a fantasia e em certo sentido a própria irracionalidade do ser humano Franco Cambi 106 Formação filosófica do pensamento moderno afirma que Rousseau operou uma revolução copernica na em pedagogia opondose a todas as ideias correntes em matéria educativa desde o uso das fraldas até o raciocinar com as crianças onde vai colidir frontalmen te com Locke CAMBI cit p 343 cf id p 318 Conver gindo para o naturalismo de Comenius e contrapondose mesmo ao espírito técnico e científico do Século das Luzes Rousseau vai defender com a peculiar veemência que se desperte no indivíduo desde a primeira idade a valoriza ção do que é natural pois tudo sai perfeito das mãos da Natureza Au tora das coisas É nas mãos do homem que tudo se degenera É o homem que tudo mutila que tudo transforma que tudo desfigura Ele não quer nada como a Natureza fez GILES 1983 p 77 Franc Morandi aponta o livro Émile de Rousseau como referência de qualquer reflexão filosófica sobre a educa ção pela sua amplidão pelo papel e projeto humano e social que nele se estabelecem MORANDI cit p 80 De fato a tarefa autoimposta por Rousseau é colossal no auge do Iluminismo quando a intelectualidade europeia se locupleta de uma racionalidade pretensamente capaz de resolver todos os problemas do mundo buscar o equilíbrio e a conciliação entre natureza e cultura além de proclamar que a natureza da infância não é a natureza da criança mas a infância segundo a natureza a infância como desenvolvimento humano e fundamento puro dos homens livres Ib p 85 107 A Pedagogia realista Trechos do Émile de Rousseau Tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas tudo de genera nas mãos do homem Ele obriga uma terra a nutrir as produções de outra uma árvore a dar frutos de outra mistura e confunde os climas as estações mutila seu cão seu cavalo seu escravo transtorna tudo desfigura tudo ama a desformidade os monstros não quer nada como o fez a natureza nem mesmo o homem tem de ensinálo para si como um cavalo de picadeiro tem que moldálo a seu jeito como uma árvore de seu jardim Nascemos fracos precisamos de força nascemos desprovidos de tudo temos necessidade de assistência nascemos estúpidos te mos necessidade de juízo Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos adultos énos dado pela educação Essa educação nos vem da natureza ou dos homens ou das coi sas O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nos sos órgãos é a educação da natureza o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas É preciso portanto generalizar nossos pontos de vista e consi derar em nosso aluno o homem abstrato o homem exposto a todos os acidentes da vida humana Se os homens nascessem arraigados ao solo de um país se a mesma estação durasse o ano todo se cada qual se prendesse a seu destino de maneira a nunca poder mudar a prática estabelecida seria boa até cer to ponto a criança educada para sua condição dela não saindo nunca não poderia ser exposta aos inconvenientes de outra Mas dada a mobilidade das coisas humanas dado o espírito in quieto e agitado deste século XVIII que tudo transforma a cada geração poderseá conceber um método mais insensato que o de educar uma criança como nunca devendo sair de seu quarto como devendo sem cessar acharse cercada dos seus Se o infeliz dá um só passo na terra se desce um só degrau está perdido Não é isso ensinarlhe a suportar a dor é exercitálo a sentila ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou da educação São Paulo Difusão Europeia do Livro 1968 ap GADOTTI cit p 94 96 97 108 Formação filosófica do pensamento moderno Immanuel Kant 17241804 é um filósofo familiar a vários escoliastas consagrados como Hannah Arendt por exem plo mas conhecido também por não especialistas quan do menos pela lei moral contida naquele célebre resumo do imperativo categórico que pulsa como um letreiro lumino so em sua Crítica da razão prática Age de tal forma que cada uma das tuas ações possa ser tomada como lei uni versal máxima semelhante aliás à bem mais antiga Não faças aos outros o que não queres que te façam Contudo Kant era também além de um convicto humanista e mora lista um respeitável teorizador da educação O modelo pedagógico elaborado por Kant embora exclusivamente teórico e desprovido de remessas à experiência concreta da vida infantil e da vida esco lar afirmase como uma das maiores elaborações da pedagogia iluminista confiante nas reformas e em particular na reforma da sociedade através da educação mas também como uma concepção ori ginal pela forte conotação ética que o distingue assim como orgânica ainda que esquemática Isso justifica a longa influência que esse modelo terá especialmente na área alemã durante todo o curso do século XIX CAMBI 1999 p 364 Mas notese que talvez preocupado com alguns possíveis excessos e desvios do Iluminismo no que tange à educa ção infantil e apesar das naturais diferenças de método e principalmente de temperamento Kant racional comedido e teórico Rousseau intuitivo arrebatado e prático não dei xará de existir em Kant admiração e respeito por Rousseau Kant lê no Émile a busca de uma via saber como a civilização deve progredir para desenvolver as dis posições da humanidade enquanto espécie moral em conformidade com sua destinação de forma que uma não se oponha mais à outra como espécie 109 A Pedagogia realista natural Para ambos a educação volta a ser um re encontro ético histórico e político com o humano Retenhamos que para Rousseau como para Kant o progresso não é nem linear nem necessário mas ele indica orienta o sentido da humanidade e de sua educação MORANDI cit p 93 110 Formação filosófica do pensamento moderno CONCEPÇÕES CIENTIFICISTAS DA EDUCAÇÃO A partir dos séculos XVII e XVIII como se depreende do que já foi examinado registrase a constante e crescen te exigência do rigor metodológico nos campos científico Galileu Bacon filosófico Descartes Locke Kant e edu cacional Comenius de modo que quando se observa a Idade Contemporânea iniciada só por mera e imprecisa convenção na Revolução Francesa em 1789 podese constatar que A centralidade da especulação fifosófica como guia da pedagogia foi susbstituída pela centralidade da ciência Melhor em pedagogia a referência à ciência manifestouse como referência a uma série de ciências cada vez mais ricas na sua articulação de modo a dar uma imagem do saber cientí fico em pedagogia bastante fragmentado inquieto e problemático Foram a psicologia com seus as pectos de enquete cognitiva de sondagem sobre a afetividade sobre processos de aprendizagem etc a sociologia com os destaques em torno da socia lização do sujeito as dinâmicas de grupo o papel social das instituições educativas etc a antropolo gia com as comparações entre os diversos modelos formativos com as sondagens sobre o vínculo entre desenvolvimento cognitivo linguagem e vida social etc depois a psicanálise a estatística a biologia e até ciências ainda mais recentes como a cibernética etc que delinearam um novo horizonte no saber pedagógico para ancorálo por um lado a proces sos experimentais e analíticos e por outro a mo delos em contínuo desenvolvimento em contínua transformação reclamando uma pesquisa educa tiva em estreito contato com as ciências aberta a 111 Concepções cientificistas da Educação contínuas revisões e reprogramações Podemos di zer que desde os anos 60 pelo menos a pedagogia tornouse pesquisa educativa desenvolvida dentro das ciências da educação e à qual é delegada a ta refa de fixar modelos e estratégias de formação CAMBI cit p 403 O tom no mínimo preocupado desta citação de Cambi en contra sua razão de ser na proliferação de escolas que vem ocorrendo desde o século XVI origem da escola tra dicional até hoje quando parece predominar a escola pro gressista bem como de um semnúmero de tendências teorias e ramificações Seguese a propósito um pequeno inventário metodológico e conteudístico de algumas delas 1 Escola tradicional atuante de fato até o final do século XIX mas presente ainda hoje Segue a linha magistrocêntrica ou seja centrada no mestre mo delo de saber e de autoridade e utiliza metodolo gia expositiva com exercícios de fixação leituras e cópias Quanto ao processo avaliativo enfatizamse aspectos cognitivos e mnemônicos e no que tange à disciplina admitiase até bem pouco tempo o casti go físico e o moral uma espécie de bullying institu cionalizado Cf ARANHA 1998 p 158 Sob forma de transmissão em origens e práticas di versificadas histórica cultural e educacionalmen te o modelo tradicional quer sirva de referência quer dele haja distinção é arbitrariamente o princí pio de identificação de todo modelo em pedagogia Precisase do tradicional como lugar de origem e referência Ele não se define a priori e sim num mo vimento de tradições verdadeiras por exemplo as humanidades e a cultura e de disposições bastante recentes a parte do curso magistral Para a pedago gia escolar a pedagogia tradicional é na realidade 112 Formação filosófica do pensamento moderno pedagogia convencional lugar de identificação de convenções sociais e culturais pelas quais se cons titui a visão compartilhada do sistema pedagógico Combinaramse um fio condutor e um modo de pensamento comuns a realizações múltiplas muito mais do que uma realidade prédefinida O modelo pode ser também considerado como uma leitura da pedagogia organizada e pensamento em torno do professor Só é explicitamente criado um modelo da parte do professor o aluno é o ponto cego da ima gem assim dada dos princípios pedagógicos Como se o papel da pedagogia fosse organizar a execução e o conforto da atividade preestabelecida do pro fessor sábio Se a pedagogia tradicional está cen trada sobre o docente o papel do aluno também está aí definido Ajudar o aluno em seu trabalho se gundo o esquema tradicional com suas anotações de aula por exemplo tem a ver com a mesma peda gogia mudar de olhar não é mudar de pedagogia MORANDI 2002b p 57 2 Escola nova surge no final do século XIX como uma reação ao magistrocentrismo portanto coloca a criança no centro do processo educativo pedo centrismo ou puericentrismo conforme se prefira o radical grego ou o latino Dá grande atenção à psi cologia e aos interesses infantis o que pode tornar o professor um agente secundário na transmissão do conhecimento Tendo por lema aprender fazen do Comenius a Escola Nova pretende ser a for madora do homem integral resultante da interação dos sentimentos e emoções com a razão e a ação preparado para as novidades do mundo e para a au tonomia Cf ARANHA cit p 167168 Dewey enuncia os termos da oposição fundadora das duas teses uma a da educação nova susten ta que ela a educação é um desenvolvimento que procede de dentro a outra a educação tradicional que ela é uma formação que se faz de fora uma que 113 Concepções cientificistas da Educação ela se funda sobre os dons naturais a outra que ela domina as inclinações naturais e tende a substi tuílas por hábitos que uma longa pressão externa permitiu inculcar O novo modelo adquire então um sentido positivo e fundador Para Henri Wallon todos os sistemas de Educação Nova concordam em condenar nos métodos tradicionais ou clássicos de ensino o erro que eles cometem colocando como ponto de partida no espírito da criança noções cuja simplicidade é uma simplicidade racional En tre educadores modernos chegouse a um acordo quanto à necessidade de inverter com a criança a ordem lógica de nossas explicações que vão da pa lavra à coisa do fator abstrato ao objeto concreto Esta referência fundadora à criança expressa uma crença não só na bondade da criança mas também na sua capacidade de construir sozinha seu saber Centrar a educação e a escola naquele que está em situação de aprender projeto retido e afirmado pela lei de orientação de 1989 é o projeto da Edu cação Nova MORANDI cit b p 60 3 Tendência tecnicista baseada no modelo indus trial e empresarial do taylorismo originase nos Es tados Unidos dos anos 1960 de onde se alastra para toda a América Latina no Brasil chega com força após o golpe militar Tem por escopo sujeitar a edu cação às necessidades industriais e tecnológicas por meio de objetivos didáticos diligentemente concebi dos de modo a evitar interpretações valorizando o uso da tecnologia Cf ARANHA cit p 175 Herdeira do cientificismo a tendência tecnicista busca no behaviorismo teoria psicológica também de base positivista os procedimentos experimentais necessários para a aplicação do condicionamento e o controle do comportamento Daí a preocupação com a avaliação a partir dos aspectos observáveis e mensuráveis da conduta e o cuidado com o uso da tecnologia educacional não só quanto à utiliza ção de recursos avançados da técnica mas também 114 Formação filosófica do pensamento moderno quanto ao planejamento racional que tem em vista alcançar os objetivos propostos com economia de tempo esforços e custo Como se vê os ideais de racionalidade organização objetividade e eficiência que permeiam as propos tas tayloristas têm sua fundamentação teórica no positivismo encontrando na tendência tecnicista sua adequada expressão ARANHA cit p 176 4 Teorias antiautoritárias decididamente puericen tristas consideram o professor não um comandante mas um orientador O conteúdo apresentado é sem pre ligado aos interesses e ao cotidiano dos alunos e a metodologia se pauta pela autogestão daí a instau ração de comunidades de aprendizagem dirigidas pelo próprio grupo Por consequência efetuase a autoa valiação baseada na crítica na responsabilidade e na disciplina intrínsecas ao próprio aluno repelindose os instrumentos de poder materializados nos procedi mentos burocráticos José Oiticica 18821957 Miguel Gonzales Arroyo e Maurício Tragtenberg são três dos poucos adeptos da educação libertária no Brasil Cf ARANHA cit p 182 Michel Lobrot um dos mais significativos represen tantes da pedagogia institucional assim enuncia o princípio fundamental da autogestão O princípio consiste em confiar aos alunos tudo o que é possí vel lhes confiar isto é não a elaboração dos progra mas ou a decisão dos exames que não dependem nem do docente nem de seus alunos mas o con junto da vida das atividades e da organização do trabalho dentro desse âmbito Assim como Rogers Carl Rogers 19021987 psi cólogo americano o professor deve intervir só quando solicitado e mesmo assim cabe a ele a difí cil tarefa de saber quando a pergunta de um aluno é pertinente ao grupo Caso não seja deve calarse Aliás para exercer a desafiadora prática da ausência 115 Concepções cientificistas da Educação do poder o mestre precisa aprender com prudência e humildade a silenciar sempre que possível o si lêncio sistemático e prolongado é a concretização da nãodiretividade As clássicas tarefas do professor passam a ser res ponsabilidade do grupo porque a noção de auto gestão supõe a atividade instituinte dos alunos Re alçando a dinâmica dessas relações Lobrot critica severamente a burocracia típica expressão do po der que ao instaurar a hierarquia coisifica as pesso as e cristaliza toda ação ARANHA cit p 182 184 5 Teorias críticoreprodutivistas a Teoria da vio lência simbólica para Bourdieu e Passeron a escola ao reproduzir os privilégios da classe dominante exerce uma forma de violência simbólica mas forte o bastante para legitimar as regras vigentes e ho mogeneizar a conduta social b Teoria da escola como aparelho ideológico de Estado baseado em Marx Louis Althusser 19181990 aponta a escola de orientação capitalista como reprodutora dessa mesma ideologia ao privilegiar a disseminação do saber prático na qualificação ao trabalho c Teo ria da escola dualista para Baudelot e Establet o capitalismo se mantém distribuindo o ensino por dois tipos de escola um destinado ao trabalho in telectual para os filhos dos dirigentes e outro ao trabalho manual para os filhos dos proletários Cf ARANHA cit p 188192 Em síntese Bourdieu desenvolve três argumentos básicos relativos ao papel dos sistemas simbólicos ou culturais na produção e reprodução das estru turas sociais Antes de mais nada eles seriam for mas de percepção e representação da realidade Os indivíduos criariam sustentariam e defenderiam seus sistemas simbólicos no âmbito da sociedade em geral ou no interior de um campo específico Como resultado da disputa e da dominação entre 116 Formação filosófica do pensamento moderno os representantes de diferentes produções simbóli cas estabelecerseiam hierarquias culturais Certas produções seriam consideradas superiores e ou tras inferiores Os indivíduos capazes de produzir ou pelo menos de identificar apreciar e usufruir as produções consideradas superiores ganhariam maior prestígio e poder na sociedade em geral ou no campo específico de produção simbólica em questão Nos termos de Bourdieu podese dizer que eles acumulariam capital cultural em geral ou uma forma específica desse capital Em segundo lugar Bourdieu observa que os siste mas simbólicos seriam um meio capaz de traduzir e portanto escamotear dissimular eufemizar as hierarquias sociais Em terceiro lugar o autor observa que ao traduzir simbolicamente de forma irreconhecível as hierar quias sociais os sistemas culturais contribuiriam para legitimar justificar essas hierarquias NO GUEIRA NOGUEIRA 2004 p 4748 6 Teorias construtivistas os teóricos dessa ten dência ultrapassam o inatismo sujeito ativo e o empirismo sujeito passivo Para eles o aprendiza do se dá pela interação do sujeito com o objeto isto é nem a criança é simples receptor nem o mestre é mero transmissor Assim o conhecimento é uma construção contínua que se desenvolve por eta pas entre e durante as quais afloram a curiosidade e a consequente inventividade Entre os principais construtivistas podem ser apontados Jean Pia get 18961980 biólogo autodidata em Filosofia e Psicologia Emília Ferreiro aluna de Piaget a cujos estudos e ensinamentos acrescentou a pesquisa lin guística e Lev Semenovich Vygotsky para o qual atributos tipicamente humanos como a abstração a memorização e a intencionalidade podem e de vem ser avaliados à luz de pressupostos marxistas Cf ARANHA cit p 202204 117 Concepções cientificistas da Educação A Piaget a pedagogia contemporânea deve uma nova concepção da mente infantil e a individualiza ção das suas estruturas cognitivas bem menos ou quase nada das afetivas elementos necessários para impostar uma educação do pensamento que leve em conta no trabalho didático as efetivas capacidades linguísticas e lógicas da criança Talvez a mente de que fala Piaget seja uma mente demasiado epistemo logizada modelada sobre o saber científico e apenas sobre ele uma mente talvez etnocêntrica ligada à infância tal como se apresenta na cultura ociden tal e junto às classes médias altas mas postulada como modelo universal e escassamente socializada e pouco dependente do habitat social em que se de senvolve mas certamente a sua contribuição para os problemas da pedagogia foi decisiva e decisiva so bretudo pela revolução cognitiva que a caracterizou nos últimos decênios CAMBI cit p 611 7 Teorias progressistas visam a proporcionar às classes populares o acesso irrestrito à educação em todos os níveis de conhecimento Também como no construtivismo de Vygotsky assentam sua base teórica em pressupostos marxistas combatendo portanto o liberalismo e a divisão de classes En tre os cultores dessas teorias que são muitos e de várias nacionalidades encontramse os soviéticos Makarenko e Pistrak o italiano Antonio Gramsci os franceses Célestin Freinet e Bernard Charlot o espanhol Francisco Ferrer o polonês Suchodolski No Brasil assim como no cenário pedagógico in ternacional erguese a figura serena mas enérgica de Paulo Freire com seu curso de alfabetização de adultos centrado na conscientização social O processo de alfabetização de Paulo Freire parte de palavras geradoras extraídas preferencialmente do vocabulário cotidiano comum ao local de ensi no que decompostas em seus elementos silábicos 118 Formação filosófica do pensamento moderno propiciam pela combinação desses elementos a criação de novas palavras a partir das quais serão estabelecidos assuntos para discussão Em uma das aulas do curso de alfabetização de adultos que ministrava no Rio de Janeiro à época Estado da Guanabara Freire e os alunos examina ram dezessete palavras favela chuva arado ter reno comida batuque poço bicicleta trabalho salário profissão governo mangue engenho enxa da tijolo riqueza A cada uma delas atribuíramse necessidades fundamentais Para a primeira favela que nos basta como exemplo elas seriam habita ção alimentação vestuário saúde educação Os as pectos para discussão foram O Brasil e a dimensão universal Nações ricas x nações pobres Países dominantes e dominados Países desenvolvidos e subdesenvolvidos Emancipação nacional De ou tro lado no Roteiro de Alfabetização da Fundação MOBRAL trabalhavamse assuntos e aliterações à moda das velhas cartilhas como O povo vive Pelé leva a bola Saúde é vida Davi vai à vila Ele leva a família Moema cuida da casa A casa é feita de tijolo A família vê televisão Rui ouve o rádio João ama Rita João e Rita vão à capela O time ouve o hino O homem cuida da terra A máqui na ajuda o homem A Lua está mais perto de nós O homem chegou até lá Ele usou o foguete SILVEIRA 1999 p 3738 Sem dúvida depois do que se estudou até aqui não se pode tirar a razão de Franco Cambi quando ele por ou tras palavras parece reclamar para a Pedagogia um pouco mais de si mesma e um pouco menos de outras ciências Mas vivese o tempo da inter multi e transdisciplinarida de quando as áreas de estudo até por força da globaliza ção midiática inevitavelmente se aproximam e se pene tram e o conhecimento avança sob aceleração geométrica para uma fusão de proporções e consequências imprevisí veis De qualquer modo talvez seja útil atentar para essas palavras de Franco Morandi sobre o sentido da Pedagogia 119 Concepções cientificistas da Educação A pedagogia descreve uma condição específica socialmente construída das ações combinadas de ensinar e de aprender O objeto da pedagogia não é o professor nem o saber nem o aluno e sim a atividade que os reúne Este conjunto fundador cria uma coerência entre a identidade da pessoa os sa beres a cultura a sociedade e a atividade que os produz Os modelos pedagógicos são os princípios condutores desta atividade sendo os métodos seu modo de realização A pedagogia constitui por extensão o sistema orga nizado da atividade a criação dos modelos de suas práticas de seus métodos Ela descreve por exten são as competências os saberes sobre a atividade os saberfazer ligados à sua prática o trabalho pe dagógico do aluno e do professor A pedagogia simultaneamente modelo e método é uma organiza ção formadora O termo pedagogia foi frequentemente tomado no mau sentido Ele retoma aqui o sentido de uma atividade essencial e de um corpo de pensamento em evolução que se formaliza Disciplina de ação devendo gerir a incerteza numa problemática da de cisão a pedagogia está na dependência do princípio de competência profissional para os educadores e os formadores de uma profissionalização numa or ganização de aprendizagem complexa a escola e as instituições formadoras Ele retoma igualmente uma interrogação e uma tra dição fundadoras que o termo alemão Bildung pe dagogia no sentido de formação destaca Martin Heidegger sublinhava esse sentido ele correspon de melhor embora incompletamente ao grego pai déia Bildung quer dizer duas coisas Primeiro um ato formador que imprime à coisa um caráter segundo o qual ela se desenvolve Em seguida se esta formação informa imprime um caráter é porque ao mesmo tempo ela conforma a coisa a uma visão determinante que por esta razão é cha mada modelo Vorbild Foi como empresa evolutiva e criadora de modelos que a pedagogia construiu nossa escola MORANDI cit b p 26 120 Formação filosófica do pensamento moderno Neste capítulo observamos que filosofia e ciência estive ram juntas até o final do Renascimento quando alguns pesquisadores às vezes arriscando a vida em incursões demasiado próximas das fogueiras sempre acesas e fa mintas da Inquisição decidiram unir a teoria à prática a especulação metafísica à técnica deixando assim menos acidentado o caminho do conhecimento para todos que o trilhavam ou almejavam trilhar Vimos também o quan to o pensamento moderno livre das coerções medievais e portanto já plenamente centrado na razão vai ser de singular importância para o desenvolvimento de procedi mentos pedagógicos desvencilhados de concepções nebu losas e dogmáticas Por fim pudemos conhecer algumas das principais escolas e teorias da atividade educativa e a partir daí certamente seremos capazes de refletir a respeito da influência quase sempre benéfica mas às vezes nefasta dependendo da dose que várias ciências exerceram e ainda exercem sobre a Pedagogia 121 REFERÊNCIAS ARANHA Maria Lúcia de Filosofia da Educação São Pau lo Moderna 1998 ARISTÓTELES Metafísica Porto Alegre Globo 1969 BLACKBURN Simon Dicionário Oxford de filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 BORNHEIN Gerd A Org Os filósofos présocráticos São Paulo Cultrix 1997 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 COTRIM Gilberto Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 1999 DESCARTES René Discurso do métodomeditações São Paulo Abril Cultural 1983 GADOTTI Moacir História das ideias pedagógicas São Paulo Ática 2001 GILES Thomas Ransom Filosofia da Educação São Paulo EPU 1983 122 Formação filosófica do pensamento moderno JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MORANDI Franc Filosofia da Educação São Paulo EDUSC 2002 Modelos e métodos em Pedagogia São Paulo EDUSC 2000 NOGUEIRA Maria Alice NOGUEIRA Cláudio M Martins Bourdieu e a educação Belo Horizonte Autêntica 2004 REALE Giovani ANTISERI Dario História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 vol2 SILVEIRA E A Os olhos azuis do cão sem plumas a poe sia de João Cabral de Melo Neto e o processo de conscien tização social Rio de Janeiro UERJ 1999 Dissertação de Mestrado SOLOMON Robert HIGGINS Kathleen M Paixão pelo Sa ber Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 123 As novas ciências CAPÍTULO 4 EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS As ciências tomam impulso a partir de três grandes rup turas que abalam a ideia de centralidade do ser humano a primeira cosmológica no século XV as outras duas uma biológica e outra psíquica nos séculos XIX e XX De início o foco da observação se concentrará na traje tória da ciência desde que o homem abandona o eixo do Universo e vai buscar na razão o seu paraíso perdido o que traz consequências drásticas para todas as áreas de conhecimento A seguir será avaliado de que forma e em que medida os valores éticos e morais sofreram modificações nesses quase quinhentos anos de aceleração tecnológica até que se chegasse ao que passou a ser chamado genericamente de comunicação social comunicação de massa meios de comunicação de massa ou simplesmente mass media Por fim o exame recairá sobre o modo como a Filosofia e a Pedagogia em uma ação coesa e bilateral sintetizada na designação de Filosofia da Educação procuram dar conta da problemática sempre crescente e mutante das questões inerentes ao ensino nessa era de modificações paradig máticas radicais e contínuas 124 Educação contemporânea Questões epistemológicas AS NOVAS CIÊNCIAS Se para os conservadores obstinados um homem que pen sa é um perigo potencial um homem que pensa reflete e ainda por cima contesta é um verdadeiro desastre Nicolau Copérnico por exemplo desde sempre o Universo funcio nou muito bem com o sistema de Ptolomeu a Terra no centro os astros girando em torno dela tudo simples bo nito inalcançável e incompreensível como devem ser as coisas dogmatizáveis relativas à Criação tudo repetitivo indefectível seguro e preciso como um relógio até que se quebre Mas tinha de aparecer aquele polonês desmancha prazeres trazendo debaixo do braço um livro herético Sobre a Revolução das Órbitas Celestes 1543 no qual procurava demonstrar matematicamente que a Terra é que girava em torno do Sol A ideia nem sequer era original Aristarco de Samos já a tivera no século III aC porém mesmo assim não havia desculpa a ordem do papa era clara e irrecorrível ou a Terra voltava para o centro ou quem iria para o centro só que de uma bela fogueira ia ser o defensor daquela ideia estapafúrdia de heliocentrismo De resto o livro foi para o índex a teoria esfriou foi re quentada quase setenta anos depois por Galileu agora de vidamente equipado com um telescópio mas as coisas se reacomodaram ainda na Modernidade e isso já foi visto De qualquer modo Copérnico por sua depois chamada revolução copernicana é considerado o precursor da pri 125 As novas ciências meira grande ruptura com a concepção de que o homem é a obra máxima da natureza e de que o Universo portanto teria sido feito só para ele Houve ainda pelo menos duas outras grandes rupturas epistemológicas diretamente liga das ao indivíduo A segunda grande ruptura é provocada pelo que se poderia chamar por analogia com a primeira a re volução darwiniana resultado da obra de Charles Darwin A origem das espécies pela seleção natural 1859 onde este formula sua famosa teoria da evo lução ou mais apropriadamente da transformação das espécies pela seleção natural Na medida em que revela que o homem é apenas mais uma espécie natural dentre outras e que a espécie humana resul ta de um processo de evolução natural tendo an cestrais comuns com o macaco Darwin abala pro fundamente a crença na superioridade humana no homem como o rei da criação como tendo uma natureza não só superior como radicalmente distin ta da dos demais seres A terceira grande fonte de ruptura se encontra no que poderíamos chamar seguindo a mesma linha de revolução freudiana e é consequência da teoria psicanalítica de Sigmund Freud 18561939 e de sua descoberta do inconsciente cuja formulação inicial se encontra no clássico A interpretação dos sonhos 1900 Freud revela que o homem não se define pela racionalidade e que sua mente não se carac teriza apenas pela consciência mas ao contrário nosso comportamento é fortemente determinado por desejos e impulsos de que não temos consciên cia e que reprimidos não realizados permanecem entretanto em nosso inconsciente e manifestamse em nossos sonhos e em nosso modo de agir Um dos argumentos centrais do racionalismo mo derno o acesso privilegiado do ser pensante à sua própria consciência a evidência do cogito enfatiza da por Descartes tornase assim altamente proble mático MARCONDES 1997 p 254255 126 Educação contemporânea Questões epistemológicas Charles Robert Darwin 18091882 naturalista inglês estabeleceu com A origem das espécies as bases da Biologia e da ecologia moderna e contemporânea Transcrevese abaixo um trecho do úl timo parágrafo com o qual Darwin encerra a sua obraprima É interessante contemplar uma ribeira exuberante atapetada com numerosas plantas pertencentes a numerosas espécies abri gando aves que cantam nos galhos insetos variados que saltitam aqui e acolá vermes que rastejam na terra úmida se se pensar que essas formas tão admiravelmente construídas tão admiravelmente conformadas e dependentes umas das outras de uma maneira tão complicada foram todas produzidas por leis que atuam ao nosso redor Estas leis tomadas no seu sentido mais amplo são a lei do crescimento e reprodução a lei da hereditariedade de que implica a lei de reprodução a lei de variabilidade resultante da ação direta e indireta das condições de vida do uso e não uso a lei da multipli cação das espécies em razão bastante elevada para provocar a luta pela sobrevivência que tem como consequência a seleção natural que determina a divergência de caracteres a extinção de formas menos aperfeiçoadas O resultado direto desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte é pois o fato mais notável que podemos conceber a saber a produção de animais superiores DARWIN 1981 p 458 Essas três grandes rupturas a cosmoantropológica a biológica e a psíquica vão até certo ponto colocar o ser humano em sua devida posição de hóspede e não dono do grande hotel do mundo o que não vai impedilo de persis tir na sua jornada em busca do conhecimento promoven do as necessárias modificações nos modelos científicos as chamadas mudanças paradigmáticas Assim chegase aos séculos XX e XXI sob o domínio em dois sentidos da cibernética matriz daquela que talvez possa ser clas sificada como a segunda maior mudança paradigmática de todas já que o primeiro lugar imbatível pertenceria à era nuclear e à catástrofe de Hiroshima e Nagasaki a da tecnologia cujas intenções declaradas ou subreptícias se mostrarão curiosamente bastante próximas dos obje 127 As novas ciências tivos finais do positivismo idealizado por Auguste Comte no século XIX A finalidade última do sistema é política organizar a sociedade cientificamente com base nos prin cípios estabelecidos pelas ciências positivas JAPIASSU MARCONDES cit A palavra cibernética tem origem no grego kybernétes que sig nifica piloto de navio e por extensão aquele que conduz o engenho Pilotagem vem de kybernetiké trazendo subentendi da a téchne téchne kybernetiké é a arte ou habilidade do piloto daquele que está no comando Hoje entendese por cibernética a ciência dos sistemas de controle comunicação e interação nos organismos vivos e nas máquinas Algumas pessoas experimentam uma espécie de frisson só de ouvir falar de Comte e de Positivismo A repulsa até se explica pois Comte foi um incorrigível reacionário mas não se justifica para que haja isenção de propósitos avaliativos indivíduos e fatos devem ser observados sincronicamente à época em que viveram ou ocorreram Olhar com olhos de hoje as coisas do século XIX e a partir desse relance proferir juízos de valor não parece uma atitude das mais corretas ou inteligentes Não se pode negar que o positivismo foi partícipe do desenvolvimento científico e que teve os seus bons tempos ficou para trás como tudo passa mas ainda está lá no grande rolo de filme da história se for cortado vai faltar um pedaço do enredo e a cena anterior e a posterior poderão até perder o sentido se é que existe um sentido Auguste Comte 17981857 nasceu em Montpellier na França Por sete anos foi secretário do filósofo ClaudeHenri SaintSimon 17601825 também francês socialista defen sor da extinção das diferenças de classe e da remuneração 128 Educação contemporânea Questões epistemológicas justa do trabalho Na obra Discurso sobre o espírito po sitivo Comte aponta as características fundamentais que distinguem o positivismo das demais filosofias realidade pesquisa de fatos concretos acessíveis à nossa inteligência deixando de lado a preocupação com mistérios impenetráveis referentes às causas primeiras e últimas dos seres utilidade busca de conhecimentos destinados ao aperfeiçoamento individual e coletivo do homem desprezando as especulações ociosas vazias e es téreis certeza obtenção de conhecimentos capazes de estabelecer a harmonia lógica na mente do próprio indivíduo e a comunhão em toda a espécie humana abandonando as dúvidas indefinidas e os intermi náveis debates metafísicos precisão estabelecimento de conhecimentos que se opõem ao vago baseados em enunciados rigorosos sem ambiguidades organização tendência a organizar construir me todicamente sistematizar o conhecimento humano relatividade aceitação de conhecimentos científi cos relativos Se não fossem relativos não poderia ser admitida a continuidade de novas pesquisas capazes de trazer teorias com teses opostas ao co nhecimento estabelecido Assim a ciência positiva é relativa porque admite o aperfeiçoamento e a ampliação dos conhecimentos humanos COTRIM 1999 p 185186 Comte também defendeu uma reforma da sociedade reorganizada intelectual moral e politicamente pois a Re volução Francesa teria destruído uma série de valores importantes da sociedade tradicional europeia não sendo capaz entretanto de impor novos e permanentes valores para a emergente sociedade burguesa nisso re sidindo a grande tarefa a ser desempenhada pela filosofia positiva restabelecer a ordem na sociedade capitalista industrial COTRIM cit p 187 129 As novas ciências É aqui que as coisas começam a se complicar porque já se vai entrando naquele conhecido campo minado da ideologia e se complicam ainda mais quando Comte elabora um Catecismo positivista e decide criar uma nova seita religiosa denomina da Religião da Humanidade cuja deusa tinha os traços de Clotilde de Vaux escritora francesa o grande amor de Comte e os santos eram pensado res como Dante Shakespeare Galileu Adam Smith etc Cf COTRIM cit p 187188 De qualquer modo fora religião catecismo deuses e san tos não se pode negar que o Positivismo expurgado de alguns excessos e impropriedades colaborou pelo menos com sua essência metodológica para que se atingisse o atual patamar científico só não se pode é ter absoluta cer teza ainda se isso foi um bem ou foi um mal COMTE E SUA LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS OU ESTADOS Essa lei consiste no seguinte cada uma das nossas principais concepções e cada ramo dos nossos conhecimentos passam necessariamente por três estágios teóricos diferentes o estado teológico ou fictício o estado metafísico ou abstrato e o estado científico ou positivo No estágio teológico os fenômenos são vistos como produtos da ação direta e contínua de agentes so brenaturais mais ou menos numerosos no estágio metafísico são explicados em função de essências ideias ou forças abstratas os corpos se uniriam graças à simpatia as plantas cresceriam em virtude da presença da alma vegetativa mas é somente no estágio positivo que o espírito humano reconhecendo a im possibilidade de obter conhecimentos absolutos renuncia a per guntarse qual é a sua origem qual o destino do universo e quais as causas íntimas dos fenômenos para procurar somente desco brir com o uso bem combinado do raciocínio e da observação as suas leis efetivas isto é as suas relações invariáveis de sucessão e semelhança REALE ANTISERI 1991 p 299 130 Educação contemporânea Questões epistemológicas Para os adeptos incondicionais da tecnologia a ciência atual é o Bem Absoluto do lado contrário há os que veem em cada novo estágio tecnológico um passo a mais na di reção de um abismo sem fundo Entre os dois grupos os ponderados aristotelicamente buscando um meiotermo um modo de fruir os benefícios da ciência contemporânea sem deixar de ser gente Seja como for Danilo Marcondes afirma que No século XX e no XXI novas descobertas cientí ficas igualmente revolucionárias provocarão trans formações profundas em nossa maneira de conceber o homem e o conhecimento com um grande impacto no pensamento filosófico Duas merecem destaque Em primeiro lugar a revolução da informática e a questão da inteligência artificial que seu desenvol vimento suscita Seria o pensamento uma caracterís tica podese dizer mesmo um privilégio do ser hu mano ou seria possível construirmos máquinas que pensam usando o cérebro como modelo para computadores que tentariam reproduzir a ativi dade do pensamento Em segundo lugar a revolução biológica a engenha ria genética a possibilidade de criar novas espécies ou de manipular as características de uma espécie Até onde podemos intervir na natureza biológi ca Uma nova área de reflexão na fronteira entre filo sofia e biologia a bioética tem surgido como tenta tiva de dar conta desses problemas impensáveis até bem pouco tempo atrás MARCONDES cit p 255 Poderia ser proposta ainda uma terceira revolução a da comunicação que foi capaz de conduzirse e conduzir o mundo como uma força autônoma da prensa de tipos móveis à internet em uma porção mínima de tempo his tórico uma transformação rápida radical e para alguns autores intrínseca à própria sociedade contemporânea 131 As novas ciências Não se pode imaginar a chamada sociedade pósmo derna ou pósindustrial sem a presença maciça de informações ou a intervenção constante dos meios de comunicação de massa na vida pessoal ou social Nada mais pósmoderno do que assistir pela tevê ao vivo e via satélite a eventos que marcam a histó ria contemporânea como a Guerra do Golfo a der rubada do muro de Berlim ou o atentado ao World Trade Center entremeados por intervalos comer ciais e vinhetas geradas por computador A pós modernidade caracterizase por alguns elementos 1 Alta Tecnologia facultando a criação de no vos códigos e a possibilidade de interferência na emissão e no conteúdo das mensagens 2 Velocidade as ideias e comportamentos são modificados rapidamente Vivese em um contínuo momento presente diferente daquele que o antece deu e do que o irá suceder 3 Consumismo e Hedonismo A compulsão consumista gera o fenômeno do hedonismo do individualismo exacerbado que se manifesta como forma de defesa em um ambiente hostil 4 Niilismo com o aumento da quantidade de in formações e a rapidez com que surgem e desapa recem nas mídias não há mais temas relevantes e as ideologias aparentemente ficaram obsoletas os discursos repetem o que já foi dito e ouvido 5 Pastiche se não há originalidade a cultura pós moderna busca retrabalhar velhos temas dar nova roupagem a antigos produtos A nostalgia olhar saudosista já que o presente é ruim é outra fórmu la bastante usada na moda na tevê no cinema na publicidade e na música 6 Simulacro uma vez que a realidade não corres ponde aos desejos do indivíduo os meios de comu nicação oferecem um substituto melhor a fantasia a recriação da realidade produzida de maneira cada vez mais sofisticada SANTOS 2003 p 117120 132 Educação contemporânea Questões epistemológicas Essas transformações ou revoluções ou mudanças de pa radigma esse turbilhão tecnológico para o qual é bom que se diga a maior parte da humanidade ainda não está preparada traz sérias consequências ativas e reativas em todas as áreas do conhecimento muito especialmente no que tange ao campo educacional onde não deixará de pro vocar turbulências e abalos teóricos e práticos 133 Os valores OS VALORES Ao tornar evidente aquilo de que se tratará valores éticos e educacionais a finalidade da aula por consequência deixa implícito aquilo de que não se tratará não se tratará por exemplo e até por motivos óbvios de valores relacio nados a dinheiro à bolsa a aplicações financeiras à econo mia finanças enfim a tudo que diga respeito a assuntos capitalistas no sentido estritamente monetário da palavra Mas há outro capital a ser examinado só que bem dife rente é o capital ético e moral que não tem preço Os significados das palavras ética e moral às vezes se con fundem desde a origem seja pelo grego ethikón moral ciência dos costumes seja pelo latim ethice mos moris Historicamente a palavra Ética foi aplicada à Moral sob todas as suas formas quer como ciência quer como arte de dirigir a conduta Parece que há aqui três conceitos distintos a separar 1º A Moral quer dizer o conjunto das prescrições admitidas numa época e numa sociedade determi nadas o esforço para conformarse a essas prescri ções a exortação a seguilas 2º A ciência de fato que tem por objeto a conduta dos homens abstração feita dos juízos de apre ciação que dirigem os homens nessa conduta Pro pomos chamála Etografia ou Etologia também com raiz em ethos uso costume hábito 3º A ciência que toma por objeto imediato os juízos de apreciação sobre os atos qualificados como bons ou maus É o que propomos chamar Ética LALAN DE 1993 134 Educação contemporânea Questões epistemológicas Paralelamente segundo Aristóteles todos os homens parecem de certa forma adi vinhar que essa espécie de disposição que está de acordo com a sabedoria prática é virtude Fica claro então que não é possível ser bom no sen tido estrito da palavra sem sabedoria prática nem é possível ter essa sabedoria sem a virtude moral ARISTÓTELES 2007 p 144 1144b Mas por consequência lógica ninguém será capaz de atos qualificados como bons se não praticar o bem ori gem do que é bom aquilo a que todos os seres aspiram desejável quando ele interessa a um indivíduo isolado mas seu caráter é mais belo e mais divino quando se aplica a um povo e a Estados inteiros Id ap JA PIASSU MARCONDES 1991 A priori idealmente as ciências em geral e as ciências pedagógicas em particular devem sempre estar associa das a valores éticos e morais elevados bons e portanto capazes de promover o bem geral e irrestrito Mas não se pode esquecer de que os conceitos de ético moral bom e mau bem e mal estarão sempre infalivelmente atre lados a dois atributos humanos subjetivos e instáveis o poder e a ideologia Daí a necessidade de se avaliar de que modo e até que ponto as transformações do campo cien tífico teriam interferido na ética e na moral educacionais em especial no que respeita à contemporaneidade que é quando a Pedagogia se transforma radicalmente com a admissão de uma série de assessores 135 Os valores No curso da segunda metade do século XX com pletouse definitivamente e se impôs em âmbito mundial uma radical transformação da pedagogia que redefiniu sua identidade renovou seus limites e deslocou o seu eixo epistemológico Da pedago gia passouse à ciência da educação de um saber unitário e fechado passouse a um saber plural e aberto do primado da filosofia passouse ao das ciências Tratouse de uma revolução no saber edu cativo que se afirmou rapidamente e que se colocou como um ponto de não retorno da evolução da pe dagogia com o advento de uma sociedade cada vez mais dinâmica e mais aberta que reclama a for mação de homens sensivelmente novos em relação ao passado homens técnicos e homensabertos ca pazes de fazer frente às inovações sociais culturais e técnicas CAMBI 1999 p 595 Que a Pedagogia principalmente desde o século passado vem recebendo os mais diversos tipos de colaboradores não há dúvida não se discute também que ao recebê los ela assimila valores que podem não ser ruins mas lhe são estranhos é evidente ainda e isso é grave que a comunicação de massa mais e mais veloz abrangente e persuasiva vaise tornando a grande máquina de ensinar do nosso tempo Com o advento da indústria cultural e dos mass media meios de comunicação de massa produziu se uma verdadeira e própria revolução pedagógica talvez uma das mais fundamentais do nosso tempo que justamente no segundo pósguerra manifestou se em toda a sua potência de difusão e de incidên cia Os chamados persuasores ocultos ocuparam um espaço cada vez mais amplo na formação do imaginário coletivo influindo diretamente sobre a consciência pessoal de cada indivíduo sobre seus níveis de aspiração sobre seus gostos comporta mentos consumos chegando a regular em larga medida a sua identidade e portanto também a das 136 Educação contemporânea Questões epistemológicas massas Os mass media foram verdadeiros e pró prios educadores informais até ocultos mas edu cadores de primeiro plano que se tornaram poten tíssimos através do meio televisivo que revoluciona a percepção e a conceitualização elementarizando a separandoa da linguagem verbal e resolvendoa sobretudo em imagens agindo em profundidade já desde e sobretudo na infância É a cultura do minante na época da reprodução técnica da arte num tempo novo que leva a arte às massas e assim a simplifica também a vulgariza embora gramscia namente leve as massas para além do folclore e do seu horizonte mágicoreligioso eriçado de supersti ções e de irracionalidades O que deve porém ser sublinhado com força é que com o advento dos mass media e da indústria cul tural todo o universo educativo foi radicalmente transformado já que os agentes tradicionais da educação foram deslocados na sua centralidade so cial e no interior da experiência individual de for mação CAMBI cit p 630633 Até aqui foram examinados entre outros quesitos alguns aspectos importantes da questão epistemológica da edu cação definida a epistemologia neste caso como a disciplina que toma por objeto não mais a ciên cia feita uma ciência verdadeira de que devería mos estabelecer as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade mas as ciências em vias de se fazerem em seu processo de gênese de for mação e de estruturação progressiva JAPIASSU MARCONDES cit Essa conceituação de epistemologia aliás revelase per feitamente adequada quando se aponta para uma ciência que é transformada pelo homem em processo contínuo e que também o transforma por meio de uma série de 137 Os valores rupturas e mudanças Primeiro quando a Terra se deslo ca do centro confortável para qualquer local periférico de um universo cada vez mais amplo o ser humano perde a sua posição cósmica física de eixo e ápice da criação e talvez nunca se tenha sentido tão perplexo e solitário De pois o homem reconhece a sua inexorável condição de espécie animal como qualquer outra sujeita às mesmas leis de evolução e seleção natural com a agravante de agora ter plena consciência de si e a atenuante de ser até certo ponto capaz de interferir no processo o que pode trazer consequências imprevisíveis Quase simultaneamente a essa segunda ruptura o homem experimenta uma terceira ao descobrir que a sua supos tamente infalível e absoluta racionalidade pode ser mani pulada por um inconsciente que dispõe da prerrogativa de transformálo em um fantoche de si mesmo Mas apesar ou justamente por causa dessas coisas o ser humano per sistiu em sua saga rumo ao conhecimento até chegar aos atuais níveis técnicos científicos e inevitavelmente tec nocráticos com todas as implicações boas e más que isso possa ter no tocante a valores éticos e morais Atingido este ponto já se pode então discutir com alguma base teórica as implicações de todo o processo mutacional ético moral e comportamental da educação Existe nesses tempos da comunicação de massa às vezes eufemisticamente chamada de comunicação social uma inevitável ausência ou pelo menos um distanciamento daquele professor tradicional que de qualquer forma bem não tão bem e até mal humaniza a educação e 138 Educação contemporânea Questões epistemológicas vaise chegando pouco a pouco mesmo que não se quei ra ou nem se perceba àquele estado educativo geral ho mogeneizado característico da sociedade de consumo uma sociedade composta de quem consome do que se consome e de quem é no fim das contas consumido Não é de estranhar portanto que os próprios valores éticos e morais depois de um adequado tratamento profilático sejam retransmitidos não raras vezes como simples apli cativos prontos para uso imediato e refratários à reflexão Porém o grande problema não está nos mass media em si mas no uso que deles se faz ou que se permite que deles se faça pois como tudo eles também têm os seus prós e contras A favor dos meios de comunicação de massa podese citar por exemplo 1 o aumento do número de fontes de informação o receptor tem a seu alcance novos meios de di fusão que podem garantir acesso a uma pluralida de de opiniões tornando mais difícil o monopólio o controle e a censura da comunicação 2 a velocidade em que as informações circulam os fatos são conhecidos com rapidez às vezes ins tantaneamente Por outro lado as novas tecnologias de transmis são de informação também podem causar efeitos negativos 1 saturação a quantidade de informações é tão grande e sua difusão tão intensa que os destina tários não conseguem absorver tudo o que recebem da mídia e tampouco distinguem o que é importan te do que pode ser descartável 2 redundância mídias diferentes transmitem às vezes repetidamente as mesmas informações 139 Os valores 3 banalização com tantas informações os meios de comunicação precisam revestir os fatos com ele mentos sensacionalistas para chamar a atenção do receptor banalizandoos despindoos de seu real significado e transformandoos em espetáculo para o entretenimento do público 4 cacofonia além da quantidade e da velocidade com que as informações são veiculadas a obsoles cência dos fatos é cada vez mais rápida provocan do um caos semiológico um estado entrópico Há uma confusão de signos que impede o receptor de captar correta e plenamente o conteúdo das mensa gens SANTOS 2003 p 7273 Recapitulando podese dizer que a Pedagogia conhece três grandes momentos e também aqui a tríade da dialética hegeliana não é mera coincidência o da escola tradicional magistrocêntrica tese o da escola nova pedocêntrica ou puericêntrica antítese e o da escola contemporânea com fulcro no próprio ensino disseminado como mensagem constante e contínua nos meios de comunicação de mas sa síntese Esta última ainda em processo apresenta as vantagens e as desvantagens que foram examinadas há pouco o aumento do número de fontes de informação e a velocidade em que as informações circulam são pontos positivos enquanto a saturação a redundância a banali zação e a cacofonia são pontos negativos Seja como for mais ou menos vantajosa a educação massificada está aí e parece que veio para ficar O modelo global que inclui portanto o local corres ponde a uma mudança de escala da relação escola sociedade e a uma mudança de configuração dos processos de formação Ao sistema instrumental onde a escola é articulação entre indivíduo e socie dade se superpõe um sistema simultaneamente glo bal e múltiplo no qual ela se torna acompanhadora 140 Educação contemporânea Questões epistemológicas reguladora mas assim realmente formadora papel diferente mas papel importante Entre os motores desta transformação ou na sua origem o desenvol vimento das técnicas e das funções de informação e de comunicação serve de meio transformando os modos de aprender e portanto de fazer escola no seio de uma sociedade global de informação A informação tornase o pivô do saber O meio digi tal multimídia redes é de novo a mensagem Há uma evolução em curso segundo a qual atividades sociais e cognitivas são outra vez culturalmente si tuadas para o aluno e o cidadão por vir Aprender supõe hoje um conjunto de atividades de competências e de redes múltiplas Aprender não é um fim nem uma forma nem um processo isolável em seu princípio ou tratamento escolar O novo estatuto dado à informação na escola e fora da escola torna necessária uma verdadeira didática da informação e da compreensão das mensagens MORANDI 2002 p 126 141 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade OS DESAFIOS DA NOVA FILOSOFIA EDUCACIONAL TRANSDISCIPLINARIDADE E COMPLEXIDADE É próprio do que está vivo vivo no sentido literal e no sentido figurado não se manter fechado em nada ou em si mesmo Uma casa por exemplo se está viva deve ter as suas janelas abertas pela manhã para que através delas entrem a luz e o calor do sol e pelos cômodos possa circular a brisa fresca e asséptica assim também um homem um cão uma planta não podem ser mantidos enclausurados assim também uma língua que ao deixar de ser usada pe los falantes e de interagir com outras estará irremediavel mente condenada ao mausoléu das línguas mortas assim também as ciências talvez em especial as chamadas de ciências humanas Mas o que se acabou de afirmar não sig nifica em absoluto que tudo tenha de permanecer aberto dia e noite embora alguém mais minucioso não vá deixar de apontar exceções como hospitais borracheiros ou lojas de conveniência Ninguém normal deixaria ainda mais em uma grande cidade as portas e as janelas de casa aber tas e iria viajar em tudo deve haver bomsenso e bomsen so entre outras coisas significa limites O saudoso poeta tradutor e professor de Literatura Jorge Wanderley aceitava de bom grado com toda a serenidade que lhe era peculiar o arejamento de sua disciplina pela circula ção de outras fontes de saber e de pesquisa não específicas todavia aderentes à arte da escrita mas fazia sempre a res 142 Educação contemporânea Questões epistemológicas salva de que assim como feijoada tem de ter feijão estudos literários têm de ter literatura Da mesma forma imitando o mestre podese dizer que em situação semelhante estudos pedagógicos têm de ter pedagogia mas nem sempre é assim e isso motiva um ou outro especialista como já se constatou a expressar algumas preocupações a respeito Ao discorrer sobre interpolitransdisciplinaridade Edgar Morin como que superdimensiona o problema a começar pela sequência de prefixos inter do latim reciprocida de interação poli do grego muito ou multi do latim trans do latim para além de e inicia uma concisa e cuidadosa preleção sobre a gênese da disciplina para em seguida e de passagem permitir finalmente a antevisão de uma abertura disciplinar A disciplina é uma categoria organizadora dentro do conhecimento científico ela institui a divisão e a especialização do trabalho e responde à diversida de das áreas que as ciências abrangem Embora in serida em um conjunto mais amplo uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação das fronteiras da linguagem em que ela se constitui das técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e eventualmente pelas teorias que lhe são próprias A organização disciplinar foi instituída no século XIX notadamente com a formação das universidades mo dernas desenvolveuse depois no século XX com o impulso dado à pesquisa científica isto significa que as disciplinas têm uma história nascimento institu cionalização evolução esgotamento etc essa his tória está inscrita na da Universidade que por sua vez está inscrita na história da sociedade daí resulta que as disciplinas nascem da sociologia das ciências e da sociologia do conhecimento Portanto a disci plina nasce não apenas de um conhecimento e de uma reflexão interna sobre si mesma mas também de um conhecimento externo Não basta pois estar por dentro de uma disciplina para conhecer todos os problemas aferentes a ela MORIN 2004 p 105 143 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Adiante Edgar Morin admite que arejar é preciso pois pode até acontecer que um olhar ingênuo de amador alheio à disciplina mesmo a qualquer disciplina resolva um problema cuja solução era invisível dentro da disciplina Jacques Labeyrie sugeriu o seguinte teorema que submetemos à verificação Quando não se encontra solução em uma disciplina a solução vem de fora da disciplina Marcel Proust dizia Uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas ter ras mas ter um olhar novo cf ib p 106107 Mas ao que parece a grande preocupação de Morin tem origem no risco de estratificação e isolamento ao qual uma disciplina estaria sujeita mas não necessariamente condenada quando fechada em si Na mesma obra um parágrafo antes dos trechos citados acima Proust e La beyrie ele afirmara a instituição disciplinar acarreta um perigo de hiperespecialização do pesquisador e um risco de coisificação do objeto estudado do qual se corre o risco de esquecer que é destacado ou construído O objeto da disciplina será percebido então como uma coisa autossuficiente as ligações e solidarieda des desse objeto com outros objetos estudados por outras disciplinas serão negligenciadas assim como as ligações e solidariedade com o universo do qual ele faz parte A fronteira disciplinar sua linguagem e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às disciplinas A mentalidade hiperdisci plinar vai tornarse uma mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão estranha em sua parce la de saber MORIN cit p 106 144 Educação contemporânea Questões epistemológicas Contudo a profecia talvez um tanto alarmista é também inócua dificilmente no meio de todo esse emaranhado tecnológico e comunicacional contemporâneo há de ser possível isolar o que quer que seja O próprio Morin ad mite que a revolução biológica dos anos 50 nasceu de invasões e contatos de transferências entre disciplinas à margem da Física da Química e da Biologia cf ib p 107108 Portanto projetos interpolitransdisciplinares já existem há muito tempo assim como certos pro cessos de complexificação das áreas de pesquisa disciplinar que recorrem a disciplinas muito diver sas e ao mesmo tempo à policompetência do pes quisador cf ib p 110 grifo nosso Hoje em dia a grande questão para qualquer disciplina não é se vai ou não se encastelar e se desvincular de in fluências ou interferências porque o isolamento é prati camente impossível também não é se vai ou não se mos trar interagir e colaborar porque a hiperexposição já está aí voluntária ou involuntariamente a grande questão de qualquer disciplina atualmente é participar do turbilhão multimidiático sem se despersonalizar nem se fragmen tar ou se desintegrar E esse é também como não poderia deixar de ser o grande desafio da Pedagogia A pedagogia é um saber em transformação em crise e em crescimento atravessado por várias tensões por desafios novos e novas tarefas por instâncias de radicalização de autocrítica de desmascaramen to de algumas ou de muitas de suas engrena gens ou estruturas É um saber que se reexamina que revê sua própria identidade que se reprograma e se reconstrói Ao mesmo tempo a educação o ter reno das práxis formativas da transmissão cultural das instituições educativas também vem se reexa 145 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade minando e requalificando fixando novas fronteiras elaborando novos procedimentos A pedagogia educação atual está à procura de um novo equilí brio ligado porém a uma nova identidade ainda in fieri por nascer Daí a impressão de oscilação de ondulação de formigueiro até mesmo de confusão que a caracteriza Todavia a pedagogia é um saber que se tornou e se torna cada vez mais central social política e cul turalmente De fato pela pedagogia passam os diver sos problemas da convivência social e da projeção política como também os da continuidade e da reno vação cultural todos esses problemas implicam um empenho de formação um itinerário de intervenção uma obra de orientação de acompanhamento de in terpretação ativa que só a pedagogiaeducação pode desenvolver Desse modo porém até a pedagogia como saber vem mudando de forma perde qualquer caráter dogmático invariante e suprahistórico e se torna saber das transformações e das formações his tóricas ligase à política mas sem subalternidade como se liga à ciência e à filosofia mas sem se deixar absorver caminha para uma nova identidade plu ral dialética crítica Assim justamente o caráter da criticidade passa a assumir um papel de paradigma metateórico de orientadorchave da sua pesquisa e isso não acontece por acaso acontece por solicitação de uma sociedade em profunda transformação e que está assumindo a forma de uma sociedade aberta plural dinâmica e até mesmo conflituosa CAMBI cit p 641642 Mas a resistência e a capacidade de adequação e trans formação da Pedagogia que se inferem das palavras de Cambi vêm de longa data Por isso os filósofos de um modo geral tanto os de ontem quanto os de hoje sem pre demonstraram pela Pedagogia um interesse muito especial como por exemplo entre os mais importantes e recentes Friedrich Nietzsche 18441900 Gaston Bachelard 18841962 e Michel Foucault 19261984 todos professores 146 Educação contemporânea Questões epistemológicas Nietzsche era alemão nascido na Prússia Bom em Grego e Latim estudou Teologia e Filosofia mas por influência de seu mestre Ritschl passou a dedicarse à Filologia em especial à Filologia Grega disciplina para a qual foi nome ado professor na Universidade de Basileia na Suíça onde se manteve por dez anos Sua guinada para a filosofia se dá com a leitura de O mundo como vontade e represen tação de Schopenhauer 17881860 pensador influen ciado por Kant antihegeliano e pessimista segundo al guns que via na vontade de viver ou no querer viver uma força universal de todos os seres que leva cada indivíduo a lutar consciente ou inconsciente mente para preservar sua espécie A vontade é a substância íntima o meio de toda coisa particular como do conjunto ela se manifesta na força cega da natureza e encontrase na conduta razoável do homem Cf JAPIASSU MARCONDES cit Foi com efeito a partir da influência de Schopenhauer que Nietzsche publicou A origem da tragédia 1871 obra na qual estabelece a distinção entre o impulso apolíneo emanado de Apolo deus da contenção e da harmonia e o impulso dionisíaco originário de Dioniso deus da exacer bação e da desordem ambas as forças estabilidade e caos antagônicas e ao mesmo tempo complementares E continuou escrevendo livros contundentes polêmicos e denunciatórios ou desconcertantes como Assim falou Zaratustra 1884 obra que se mantinha à margem dos cânones da época já a partir do subtítulo insólito enig mático digno de ser inscrito em uma placa de bronze e afixado entre as patas da Esfinge de Édipo Um livro para todos e para ninguém NIETZSCHE 1990 147 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade No entanto a despeito de algumas idiossincrasias ape sar de alguns comportamentos excêntricos peculiares Nietzsche foi um bom professor apenas talvez por seu temperamento irrequieto e por sua ciclotimia não poucas vezes foi antes um reformador que um formador mas isso em decorrência também da própria situação do en sino na Alemanha pós1850 Ao percorrer o texto das conferências Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino proferidas por Nietzsche há mais de cem anos um leitor desaten to poderia supor ter diante dos olhos um livro que acaba de ser escrito E o mesmo poderia pensar um leitor atento com mais razão até Como podería mos ignorar as semelhanças entre o diagnóstico que o filósofo apresenta do sistema educacional alemão da segunda metade do século passado e o que hoje faríamos do nosso Como desconhecer os pontos comuns entre os ataques que ele dirige à cultura de sua época e os que hoje faríamos à nossa Pode ser que o pensamento nietzschiano se deva a seu caráter extemporâneo ou às transformações tardias por que passam nossas concepções de educação e cultura isso não importa O que conta é que tomado como ferramenta de trabalho ele nos permite lançar um olhar mais crítico sobre o momento em que vivemos SCARLETT MARTON in DIAS 1993 p 7 De qualquer modo a figura deste Nietzsche visionário não foi capaz de embotar a figura do Nietzsche professor aliás acrescentese do Nietzsche respeitado e admirado por seus discípulos além de excelente professor Poucos professores foram tão estimados pelos alu nos quanto Nietzsche Seu temperamento suas ma neiras o charme de sua personalidade afável fas cinavaos Tinha o poder de entusiasmar os jovens para a disciplina que ensinava Excelente professor não visava ao simples acúmulo de conhecimento 148 Educação contemporânea Questões epistemológicas pelo contrário insistia no desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada um In citava os alunos a exprimirem livremente suas opi niões incentivavaos a fazerem suas leituras pesso ais e as controlava frequentemente Não precisava castigar porque punha para trabalhar mesmo os alunos mais relapsos Estimulava os alunos na busca de seus próprios in teresses ouvia com atenção suas opiniões pessoais preparava escrupulosamente seus cursos corrigia minuciosamente seus trabalhos e mantinhaos com raro dom motivados para a matéria que lhes ensi nava DIAS cit p 51 57 Trecho de A origem da tragédia É pois às suas duas divindades das artes a Apolo e a Diónisos que se refere a nossa consciência do extraordinário antagonismo tanto de origens como de fins que existe no mundo grego entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical a arte dionisíaca Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta mutuamente se desa fiando e excitando para darem origem a criações novas cada vez mais robustas para com elas perpetuarem o conflito deste anta gonismo que a palavra arte comum dos dois consegue masca rar até que por fim devido a um milagre metafísico da vontade helênica os dois instintos se encontrem e se abracem para num amplexo gerarem a obra superior que será ao mesmo tempo apolínea e dionisíaca a tragédia ática NIETZSCHE 1985 p 35 Bachelard nasceu em BarsurAube na França Formouse em Matemática e em Filosofia Ensinou até 1940 na Uni versidade de Dijon e de 1940 a 1954 na Sorbonne Filó sofo cientista e poeta ousou finalmente não sem an tes travar sérias e íntimas batalhas intelectuais vejase A formação do espírito científico de 1937 conciliar e unir a filosofia a ciência e a poesia em um todo episte mológico com a aproximação entre a figura do homem diurno racional e cético e a do homem noturno sonhador 149 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade e intuitivo Concebeu ou desenvolveu ainda outros con ceitos bastante originais como o de corte epistemológico ponto de ruptura e de não retorno a partir do qual já não é mais possível a uma determinada ciência retomar noções anteriores por exemplo o heliocentrismo de Copérnico e o geocentrismo de Ptolomeu a seleção natural de Darwin e o criacionismo judaicocristão o inconsciente de Freud e o cogito cartesiano todos os três pares de opostos já devidamente examinados Para Giovanni Reale e Dario Antiseri o pensamento episte mológico de Bachelard despojado de sua porção dedicada ao devaneio ao sonho e à poesia é novo e transcende a filosofia e a ciência de seu tempo A epistemologia de Bachelard seguida depois de vá rios modos por Canguilhem Foucault e Althusser devido à época em que surgiu e se desenvolveu representa o pensamento prenhe de novidade de filósofo solitário ainda que não isolado que den tro da tradição francesa de reflexão sobre a ciência Meyerson Poincaré Duhem ultrapassa a filosofia oficial da ciência de sua época o neopositivismo e propõe como escreveu Althusser um não positi vismo radical e deliberado Com base nisso devemos registrar logo prescindin do aqui de todos os estudos que Bachelard dedicou à atividade fantástica ou seja à rêverie A psicaná lise do fogo 1938 A poética do espaço 1957 A po ética da rêverie 1960 que os pontos fundamentais do seu pensamento podem ser reduzidos a quatro 1 o filósofo deve ser contemporâneo à ciência de sua própria época 2 tanto o empirismo de tradição baconiana como o racionalismo idealista são inca pazes de dar conta da prática científica real e efe tiva 3 a ciência é fato essencialmente histórico 4 a ciência possui inelutável caráter social REALE ANTISERI cit p 10101011 150 Educação contemporânea Questões epistemológicas Talvez não fosse nem preciso expurgar da filosofia ba chelardiana tudo o que nela existe de fantástico para descobrir lá no fundo uma alusão ao inelutável caráter social da ciência Um olhar de relance sobre as preocu pações pedagógicas de Bachelard já seriam suficientes para inferir que ao lado do poeta e do cientista coexistia harmonicamente um filósofo consciente também de sua responsabilidade social como os outros dois partícipes Pois sem dúvida é difícil imaginar algo mais eminente mente social do que a Pedagogia Léon Brunschvicg com aquele matiz de crítica sem pre benevolente que dava tanta força a suas obser vações surpreendeuse certo dia de me ver atribuir tanta importância ao aspecto pedagógico das noções científicas Respondilhe que eu era sem dúvida mais professor que filósofo e que além do mais a melhor maneira de avaliar a solidez das ideias era ensinálas seguindo nisso o paradoxo que se ouve com tanta fre quência nos meios universitários ensinar é a melhor maneira de aprender Excluída a falsa modéstia que habitualmente dá o tom dessa expressão ela é bas tante freqüente para que não tenha um sentido pro fundo O ato de ensinar não se destaca tão facilmente quanto se crê da consciência de saber e precisamente quando nos for necessário garantir a objetividade do saber por um apoio na psicologia da intersubjetivida de veremos que o racionalismo docente exige aplica ção de um espírito a outro BACHELARD 1977 p 19 Duas observações a as frases Ensinar é a melhor maneira de aprender Ensinar aprendendo e aprender ensinando e outras correlatas já viraram lugarcomum há muito tem po mas isso não quer dizer que tenham perdido a validade b pegar carona no que se ensina para aprender mais é um modo eficiente de que o professor dispõe para aperfei çoar seus conhecimentos e consequentemente suas aulas 151 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Se prestássemos mais atenção ao racionalismo en sinado veríamos que esse caráter redutor do inter racionalismo é tãosó um dos tempos do processo Precisamente uma das funções do ensino científico é suscitar dialéticas Os dois tempos integração e dife renciação são igualmente valores do interracionalis mo Colocase um assunto em oposição a outro Essa oposição pode ser inteiramente racional Ela pertur ba a racionalidade do discípulo em benefício de uma racionalidade de mais ampla aplicação do mestre Toda filosofia da cultura deve acolher a noção de ní veis pedagógicos Toda cultura é solidária com plano de estudos com ciclo de estudos A pessoa afeita à cultura científica é um eterno estudante A escola é o modelo mais elevado da vida social Continuar sendo estudante deve ser o voto secreto de todo professor Devido à própria natureza do pensamento científico em sua prodigiosa diferenciação e devido à inevitá vel especialização a cultura científica coloca inces santemente o verdadeiro cientista na situação de estudante BACHELARD cit p 29 31 Mas as atenções de Bachelard com a educação não se li mitavam às esferas instrucionais mais elevadas também o ensino infantil o ocupava e preocupava ele censurava a vigilância constante dos pais em detrimento do direito de solidão da criança assim como a postura de sabetudo do professor que instala um dogmatismo que é a negação da cultura Cf BACHELARD cit p 89 É claro as observações precedentes não têm por objetivo preparar a defesa de uma educação frouxa a defesa de uma cultura não vigiada A severidade é necessária tanto para a educação da criança quanto para a cultura do adolescente Mas é preciso apenas separar a severidade arbitrária ditatorial absoluta em proveito de uma severidade justa que se revele muito discursivamente ao apelar para a necessida de do progresso que assinala todo psiquismo em busca de cultura 152 Educação contemporânea Questões epistemológicas No fundo no reino da cultura a severidade justa só se justifica de três maneiras pelas experiências objetivas pelos encadeamentos racionais pelas rea lizações estéticas Neste último domínio por exem plo verseá o valor singularmente convincente do ensino do desenho da pintura da modelagem caso em que o mestre efetua as correções objetivamen te sobretudo se compararmos tal ensino realiza dor com o ensino habitual das Belasletras em que o professor se limita não raro a criticar BACHE LARD cit p 9091 Foucault nasceu em Poitiers França Formouse na École Normale Supérieure em Paris e lecionou nas universidades de ClermontFerrand de Vincennes e no Collège de France Foi um dos mais importantes e polêmicos intelectuais do século XX e como poucos se valeu da transdisciplinarida de na formulação de denúncias incômodas contundentes e traumáticas contra as estruturas sociais de um modo geral e as estruturas de poder em particular Tanto o ca ráter transdisciplinar quanto o teor fortemente denuncia tório da filosofia de Foucault podem ser pressentidos com efeito já desde os títulos de várias de suas obras História da loucura na Idade Clássica 1961 O nascimento da clí nica 1963 As palavras e as coisas 1966 A arqueologia do saber 1969 Vigiar e punir1975 História da sexu alidade 19661988 Considerese a propósito de Vigiar e Punir este excerto de Roberto Machado sobre algumas das sutilezas do poder que não escaparam à visão aguda e penetrante de Michel Foucault Sabemos que não existe em Foucault uma pesquisa específica sobre a ação do Estado nas sociedades modernas Mas o que a consideração dos micropo deres mostra em todo caso é que o aspecto nega tivo do poder sua força destrutiva não é tudo e talvez não seja o mais fundamental ou que ao 153 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade menos é preciso refletir sobre o seu lado positivo isto é produtivo transformador É preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos ele exclui ele reprime ele recalca ele censura ele abstrai ele mascara ele esconde De fato o poder produz ele produz real produz domínios de objetos e rituais de verdade Surveil ler et Punir Paris Gallimard 1975 p 196 O poder possui uma eficácia produtiva uma riqueza estraté gica uma positividade E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano não para supliciálo mutilálo mas para aprimorálo adestrálo Não se explica inteiramente o poder quando se pro cura caracterizálo por sua função repressiva O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social impedir o exercício de suas ativida des e sim gerir a vida dos homens controlálos em suas ações para que seja possível e viável utilizálos ao máximo aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradu al e contínuo de suas capacidades MACHADO In FOUCAULT 1979 p XVXVI Portanto se macrofísica e empiricamente isto é se pela experiência física ampla geral e cotidiana podese con siderar o poder algumas vezes como algo abertamente corruptor e corrupto Foucault com sua minuciosa análise microfísica mostra que ele o poder também é capaz de ser perverso e subreptício ao interferir de forma dissi mulada na habilidade funcional e na sintonia ideológica de cada indivíduo Objetivo ao mesmo tempo econômico e político au mento do efeito de seu trabalho isto é tornar os homens força de trabalho dandolhes uma utilidade econômica máxima diminuição de sua capacidade de revolta de resistência de luta de insurreição contra as ordens do poder neutralização dos efei 154 Educação contemporânea Questões epistemológicas tos de contrapoder isto é tornar os homens dó ceis politicamente Portanto aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes os perigos políticos aumentar a força econômica e diminuir a força política MACHADO In FOUCAULT ib Panopticon É interessante a descrição que Foucault faz do Panopticon pro jeto detalhado por Jeremy Bentham para prisões do século XIX O princípio é na periferia uma construção em anel no centro uma torre esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel A construção periférica é dividida em celas cada uma ocupando toda a largura da construção Estas celas têm duas janelas uma abrindose para o interior correspondendo às jane las da torre outra dando para o exterior permite que a luz atra vesse a cela de um lado a outro Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco um doente um condenado um operário ou um estudante Devido ao efeito de contraluz podese perceber da torre recortandose na lumino sidade as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da periferia Em suma invertese o princípio da masmorra a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que no fundo protegia FOUCAULT cit p 210 Foucault nunca se fixou ou melhor nunca se imobilizou sobre determinada área de estudo ao contrário fez da caminhada ininterrupta através de diversos campos de sa ber alguns pantanosos outros movediços outros ainda minados uma viagem meio heroica meio quixotesca em busca de um objetivo que parecia postarse sempre além do que antes fora assumido como o ponto de chega da foi um peregrino um escritor itinerante de si mesmo e de uma obra vasta ambos lidos de várias maneiras Assim Foucault também não acampou no sítio da edu cação mas fez sobre ela estudos que no mínimo estre meceram algumas estruturas já solidamente assentadas 155 Os desafios da nova filosofia educacional transdisciplinaridade e complexidade Não tendo sido certamente o foco de suas inves tigações ele dedicouse à educação de uma forma um tanto marginal transversal Em nenhum lu gar da sua obra se encontrarão advertências éticas e técnicas sobre o papel do professor sugestões so bre a educação no seio da família ou na escola exor tações a essa ou àquela política educacional De uma maneira resumida podemos dizer que a ar ticulação de todo o pensamento de Foucault com a educação pode ser feita tomando o sujeito como o elemento que por excelência é capaz de fazer a conexão entre ambos Mas aqui é preciso um alerta Enquanto Foucault entende o sujeito como uma invenção moderna a imensa maioria das cor rentes pedagógicas senão sua totalidade enten de o sujeito como uma entidade preexistente como um a priori a ser trabalhado isto é ser educado GALLO VEIGANETO sd p 19 A propósito os mesmos autores recémcitados identifi cam na obra de Foucault três domínios que podem produ zir resultados bastante eficientes e interessantes quando se visa à libertação das mentes em franco processo edu cativo auxiliandoas a se desacorrentarem de verdades refratárias à crítica e prontas para consumo No primei ro domínio educação e sersaber arqueológico compre endese que a trajetória histórica educacional é capaz de ajudar no desvelamento dos aparatos disciplinares e tec nológicos que conformaram a escola moderna e sua crise No segundo domínio educação e serpoder genealógico entendese que assim como a tecnologia do poder disci plinar manipula e domestica o corpo individual aquilo que Foucault denominou de biopoder vai ultrapassar esta etapa atuando sobre um corpo não mais pessoal mas co letivo a própria população Cf ib p 2224 156 Educação contemporânea Questões epistemológicas No terceiro domínio educação e serconsigo ético Foucault permite a nós educadores pensarmos em torno daquilo que estamos fazendo de nós mesmos A investigação em torno das relações de poder levouo a encontrar os mecanismos de relação do indivíduo consigo a noção da Antiguidade clássica da ética como uma construção de si como uma forma de cuidar de si E qual é a ação do educador senão cuidar dos ou tros os educandos e assim cuidar de si mesmo constituindose ele próprio como sujeito do ato educativo A inspiração foucaultiana nos desafia a pensar uma construção autônoma de si como resultante dos jo gos de poder de saber e de verdade nos quais va mos nos constituindo social e coletivamente Aquela educação de si da qual já falava Nietzsche na con tramão da instituição formativa alemã Repensar a educação em seus domínios epistemoló gicos políticos e éticoestéticos possibilitando uma descolonização do pensamento tornando o pensa mento uma vez mais possível nesse território eis o que nos possibilita o deslocamento da produção fou caultiana para o território da educação Ib p 2425 Neste capítulo avaliouse de que forma o homem pôde alcançar depois de várias rupturas e mudanças paradig máticas um estágio tecnológico que pouco tempo atrás seria considerado mera ficção Mas como também não se deixou de ver esse avanço tão rápido e tão drástico oca sionou significativos abalos e interferências nos parâme tros éticos morais e sobretudo educacionais o que acar retou por uma necessidade inalienável a aproximação entre a filosofia e a pedagogia a Filosofia da Educação 157 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES Ética a Nicômaco São Paulo Martin Claret 2007 BACHELARD Gaston O racionalismo aplicado Rio de Ja neiro Zahar 1977 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo UNESP 1999 COTRIM Gilberto Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 1999 DARWIN Charles A origem das espécies São Paulo He mus 1981 DIAS Rosa Maria Nietzsche educador São Paulo Scipio ne1993 FOUCAULT Michel MACHADO Roberto Org Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal1979 GALLO Sílvio VEIGANETO Alfredo Ensaio para uma fi losofia da educação In Revista Educação n 3 São Paulo Segmentosd JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário básico de Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1991 158 LALANDE André Vocabulário técnico e crítico da Filoso fia São Paulo Martins Fontes 1993 MARCONDES Danilo Iniciação à história da Filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 MORANDI Franc Modelos e métodos em Pedagogia Bau ru EDUSC 2002 MORIN Edgar A cabeça bemfeita Rio de Janeiro Ber trand 2004 NIETZSCHE Friedrich W Assim falou Zaratustra São Pau lo Circulo do Livro 1990 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia São Paulo Paulus 1991 vol3 SANTOS Roberto Elísio dos As teorias da comunicação da fala à internet São Paulo Paulinas 2003 159 CONSIDERAÇÕES FINAIS No exame das condições de acesso ao conhecimento tor nase evidente a importância da atividade filosófica na fundamentação do processo educativo que se manifesta por intermédio da natural ação dialética entre filosofia e pedagogia Mas para que a abordagem filosófica mante nha seus imprescindíveis princípios críticos é necessário sempre questionar os pressupostos teóricos e práticos do conhecimento enfatizando a característica interdisciplinar da filosofia como possibilidade concreta de transformação educacional Esse foi com efeito o principal objetivo do livro e seria oportuno ainda uma vez apresentar a síntese conteudística dos tópicos abordados No primeiro capítulo Bases filosóficas da educação en fatizouse a relação do homem com o mundo bem como o seu processo de socialização e inserção no grupo do qual faz parte salientando também as condições da educação em diversos contextos históricos Em Política e educação o segundo capítulo foi apresen tado um panorama das relações socioeconômicas e histó ricas que iriam interferir na construção do conhecimento levando em conta o aparato ideológico que perpassa as sociedades e muito especialmente no seio destas as ins tituições escolares No terceiro capítulo Formação filosófica do pensamento moderno empreendeuse a análise da dimensão filosófica 160 da modernidade e a influência das ciências nos novos mo delos educacionais que marcaram as teorias pedagógicas Por fim no quarto capítulo Educação contemporânea questões epistemológicas foram postas em evidência as investigações científicas mormente aquelas ligadas ao próprio desenvolvimento tecnológico a fim de sustentar a inequívoca existência de um nexo entre as novas tecno logias e os processos educativos tendo por base o fato de que é a associação entre o saber filosófico e a ativida de educativa que possibilita a ampliação do conhecimento verdadeiro questionador capaz de tornar possível a trans formação do próprio indivíduo A filosofia de fato sempre teve grande afinidade com a pedagogia e não é difícil constatar a veracidade dessa afirmativa quando se observa que alguns dos mais im portantes filósofos do nosso tempo ou próximo dele fo ram professores e como professores preocupados com a educação De resto quem for seguir a carreira do magistério deverá estar certo de que a Filosofia da Educação não tem qual quer intenção de ensinar a ensinar O que ela modestamen te pretende é para usar uma linguagem atual e já ine vitavelmente tecnológica funcionar para a pedagogia como uma ferramenta um aplicativo um antivírus contra a verdadeira tropa de cavalos de Troia ideológicos por in termédio dos quais estão sempre tentando invadir nossas escolas

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