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348 O ROMANCE HISTÓRICO CONTEMPORÂNEO DE MEDIAÇÃO ANA NÉRI A BRASILEIRA QUE VENCEU A GUERRA 2002 A PRESENÇA FEMININA NA GUERRA DO PARAGUAI 18641870 THE CONTEMPORARY HISTORICAL NOVEL OF MEDIATION ANA NÉRI A BRASILEIRA QUE VENCEU A GUERRA 2002 WOMENS PRESENCE IN THE PARAGUAIAN WAR 18641870 DOI 1020873uft217939482021v12n3p348361 Rosmere Adriana Vivian Ottonelli1 Gilmei Francisco Fleck2 Resumo As escritas híbridas de história e ficção consideradas romances históricos têm sua trajetória inicial marcada pelos produções do escocês Sir Walter Scott na época do romantismo europeu Desde sua gênesis esse gênero híbrido vem sofrendo constante mudanças que adaptam essa produção às questões históricas socias e culturais das diferentes épocas de sua produção Na atualidade ela conta com grande êxito de público em uma modalidae específica que Fleck 200720082011 classifica como romance histórico contemporâneo de mediação Nosso propósito ao longo deste texto é expor algumas das cararcterístcias dessa modalidade apontadas pelo pesquisador e confirmálas na leitura do romance Ana Néri a brasileira que venceu a guerra 2002 de José Louzeiro Nossa análise dará ênfase ao fato de que essa modalidade de romance histórico mais atual embora abandone grande parte dos intuitos desconstrucionistas das produções híbridas de história e ficção mais recentes não deixa de operar uma leitura crítica do passado No caso da obra de Louzeiro 2002 ela se dá com relação à participação da mulher na Guerra do Paraguai 18641870 cuja perspectiva ficcional buscamos compreender Palavraschave Romance histórico contemporâneo de mediação Guerra do Paraguai 1864 1870 personagens femininas de extração histórica José Louzeiro 2002 Abstract The historyfiction hybrid writings deemed historical novels have its origins in the work of the Scottish Sir Walter Scott in the European Romanticism period Since its genesis this hybrid genre has been going through constant changes that adapt this production to historical social and cultural matters of different production periods In present days it counts with great audience success in its specific modality classified by Fleck 200720082011 as contemporary historical novel of mediation Our purpose throughout this text is to expose a few characteristics of this modality highlighted by the researcher and confirm them in the reading of the novel Ana Néri a brasileira que venceu a guerra 2002 by José Louzeiro Our analysis will point to the fact that although this most recent modality of historical novels 1 Graduada e mestre em Letras pela UNIOESTE Email rosmerevivianyahoocombr 2 Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do ParanáUnioesteCascavelPR Brasil atuante nas disciplinas de Literaturas e Cultura hispânicas Literatura Comparada e Tradução e Literatura Infantil e Juvenil Pósdoutor em Literatura Comparada e tradução pela UVigoVigoEspanha Líder do Grupo de pesquisa Ressignificações do passado na América processos de leitura escrita e tradução de gêneros híbridos de história e ficção vias para a descolonização Orcid 0000000242282566 email chicofleckyahoocombr 349 lays aside a great deal of its deconstructionist intents of more recent historyfiction hybrids the critical reading of the past is not left out it In Louzeiros 2002 piece it manifests regarding womens participation in the Paraguayan War 18641970 whose fictional perspective we seek to understand Keywords Contemporary historical novel of mediation Paraguayan War 18641870 female characters of historical extraction José Louzeiro 2002 Quando Walter Scott escreveu seu romance Waverley 1814 e em seguida Rob Roy 1817 e Ivanhoé 1819 inseridos no contexto do Romantismo europeu estava não apenas imprimindo especificidades às escritas híbridas de história e ficção que se produziam nessa época mas também dando ao próprio gênero romance uma nova vitalidade Tal forma de escrita que conscientemente mescla história e ficção atravessou o tempo e ganhou diferentes nuances e configurações de acordo com a estrutura que a sustenta a linguagem que a faz existir e a ideologia que a impregna A possibilidade de revisitar o passado pelas portas da ficção garantiu a muitas nações latinoamericanas em especial revisar o discurso hegemônico produzido sobre o passado pelos detentores do poder Entre esses discursos destacase aquele que revela como se deram os grandes conflitos bélicos entre os povos Nesse sentido cabe mencionar que todo contexto de guerra envolve predominantemente a figura masculina por constituir grande parte dos exércitos oficiais e seus comandos além de enfatizar seus mentores governantes dos territórios envolvidos constituídos com raras exceções por homens Assim as figuras que se sobressaem como heróis de guerra devidamente condecoradas são homens Nesse contexto tanto história quanto literatura com ênfase ao gênero romance histórico brasileiro acabam por privilegiar em seus discursos personagens masculinos dada a característica de uma sociedade patriarcal Raras são as produções que se voltam aos contextos bélicos enfocando neles a participação das mulheres pois há nesses eventos e sua recuperação discursiva espaço garantido ao protagonismo masculino Sobre a Guerra do Paraguai por exemplo conflito que envolveu a Tríplice Aliança Brasil Argentina e Uruguai com ligações com a Inglaterra contra o Paraguai e que se estendeu de 1864 a 1870 são várias as publicações literárias com enfoque à figura masculina Podemos citar Avante soldados para trás de Deonísio da Silva 1991 Netto perde sua alma de Tabajara Ruas 1997 O chasque do imperador de Simões Lopes Neto 1998 Questão de honra de Domingos Pellegrini 1996 entre outros Nas obras citadas embora a figura 350 feminina esteja presente por exemplo na representação das galopeiras das esposas das prostitutas das camareiras das pousadas elas sempre desempenham um papel secundário Apesar de as mulheres fazerem parte do dia a dia da guerra pouco se menciona sobre elas De acordo com Pascal 2002 p 145 tanto as tropas paraguaias como as brasileiras eram acompanhadas por um verdadeiro exército de mulheres Esposas prostitutas companheiras mães que se alimentavam das sobras de seus companheiros cozinhavam lavavam cuidavam dos feridos abrigavamse em barracas distribuíam solidariedade humana sendo por vezes até maltratadas pelos maridos Combatiam e morriam esquecidas Como vemos a muitas mulheres não foi dada a chance de permancer longe do conflito pois as batalhas tomaram grandes proporções territoriais invadindo campos e cidades não havia outra opção que não seguir os companheiros combatentes e se tornar mais um deles ou mesmo seguir os familiares contexto em que muitas crianças sucumbiram no conflito Sobre a mesma guerra na contramão das publicações que predominam encontramos um romance que de certa forma abre um espaço para o aparecimento dessas figuras femininas tratase narrativa Ana Néri a brasileira que venceu a guerra 2002 de José Louzeiro Embora a personagem histórica pertencesse à aristocracia bahiana esposa e mãe de militares e portanto não mais uma das anônimas do conflito sua participação na Guerra do Paraguai 18641870 resgatada pelo romance histórico colabora para a discussão e valorização da mulher nos destinos de nossa história Mesmo que pudesse escolher permanecer em segurança em seu lar diferentemente de milhares de mulheres avassaladas pela guerra Ana opta por adentrar no território do conflito daí a consideração de ato heroico Registros históricos dão conta de que Ana Justina Ferreira Néri nasceu em Vila da Cachoeira do Paraguaçu Bahia no dia 13 de dezembro de 1814 Casouse aos 23 anos com Isidoro Antônio Néri capitãodefragata da Marinha que estava constantemente no mar Ana acostumouse a ter a casa sob sua responsabilidade Ficou viúva com 29 anos Em 1843 seu marido morre a bordo do veleiro Três de Maio no Maranhão Criou sozinha os três filhos Justiniano Isidoro e Pedro Antônio Os dois primeiros tornaramse médicos e Pedro Antônio militar 351 Em 1865 ano em que o Brasil integrou a Tríplice Aliança seus filhos foram convocados para lutar Em 8 de agosto escreveu ao presidente da província oferecendose para cuidar dos feridos de guerra Ao ter o pedido aceito partiu de Salvador em direção ao Rio Grande do Sul Com 51 anos foi incorporada ao Décimo Batalhão de Voluntários e durante toda a guerra prestou serviços nos hospitais militares de Assunção Corrientes e Humaitá Apesar da falta de condições pouca higiene falta de materiais e excesso de doentes Ana Néri chamou a atenção por sua dedicação ao trabalho como enfermeira por todos os hospitais onde passou Ana montou uma enfermariamodelo em Assunção capital paraguaia sitiada pelo exército brasileiro No final da guerra em 1870 voltou ao Brasil com três órfãos de guerra Foi homenageada com a Medalha Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de Primeira Classe Dom Pedro II por decreto concedeulhe uma pensão vitalícia Ana Néri faleceu no Rio de Janeiro em 20 de maio de 1880 data em que hoje se comemora o dia do enfermeiro Outra homenagem à personagem histórica foi concedida por Carlos Chagas que batizou com o nome de Ana Néri a primeira escola oficial brasileira de enfermagem em 1926 No romance em questão Louzeiro 2002 mescla dados e personagens históricos com ficção Constrói uma narrativa em que humaniza a personagem histórica Ao organizar a trama o narrador conta como os fatos poderiam ter sido ou seja como a personagem reagiria às ações relatadas e como os mesmos a afetariam enquanto ser humano Nesse sentido segundo Todorov 1976 p 211 a narrativa é ao mesmo tempo discurso pois existe um narrador que relata a história há diante dele um leitor que a percebe Neste nível não são os acontecimentos relatados que contam mas a maneira pela qual o narrador nos fez conhecêlos Assim o que mais conta nessa relação é a maneira como o narrador constrói o discurso sobre os acontecimentos não os acontecimentos em si Além de enfatizar a história da protagonista Ana Néri o narrador ao mesmo tempo dá voz a tantos anônimos que viveram esse conflito escravos voluntários mercadores mensageiros paraguaios simpatizantes à causa brasileira e mesmo aos inimigos Todos aparecem retratados com seus medos e anseios suas histórias particulares não mais como números o que é comum no relato histórico número de mortos nas batalhas de ambos os lados nomes dos que as comandaram em que local e data aproximadamente estas se deram e que recursos utilizaram para efetuálas No discurso do romance outra perspectiva pode ser vista como no fragmento a seguir 352 Nós marchamos em coluna aberta de pelotões por mais de 20 quilômetros e em dado momento tivemos que atravessar um pantanal terrível até chegar à Lagoa Brava Sou o mais jovem do meu pelotão que pertence ao exército comandado pelo General Osório Ele é uma figura extraordinária mãe Amigo dos oficiais e dos soldados Não faz distinção Perto da cidade de Corrientes num momento de descanso conheci alguns baianos ilustres Aqui por perto dos rios faz um calor dos infernos e há um moscaral terrível Quando elas desaparecem já no final do dia surgem os mosquitos Costumamos passar querosene no corpo e outros que não desejam estragar a pele bebem graspa Quando a gente vai comer mãe se não aligeirarmos o abrir e fechar da boca as moscas entram LOUZEIRO 2002 p 234 Conforme observamos as condições do ambiente são relatadas com detalhes que asseguram à narrativa uma contextualização mais próxima daquilo que poderia ter sido o ambiente dessa guerra Em outras palavras os pequenos detalhes do dia a dia da personagem central e dos secundários no ambiente da guerra em questão atribuem aos fatos maior subjetividade o leitor consegue acompanhar e de certa forma entender e justificar por meio principalmente das descrições o desenrolar dos fatos considerados mais significativos pela história No fragmento que segue temos mais um exemplo dessa característica da narrativa híbrida Francisco e Ramón foram embora Ana Néri deu uns toques femininos no seu ambiente Tirou lenços coloridos de uma das malas amarrou uns nos outros formando um cordão de cores que adaptou na divisória de lona Com grampos e alfinetes pendurou na mesma divisória o quadro com os rostos dos filhos Pedro entre Justiniano e Isidoro Cansada estendeuse no colchonete que cobriu com um lençol branco Colocou o travesseiro de capim sob os pés fez do almofadão seu travesseiro Seu antigo hábito era dormir com a cabeça alta Instalou o candeeiro sobre a mala de couro acendeu o pavio A luz amarelada foi tomando conta do quarto Abriu o missal cotidiano Pôsse a ler LOUZEIRO 2002 p 78 E ainda o leitor pela forma de narrativa apresentada tende a pactuar com a personagem pois com o avanço dos relatos passa a conhecer também seus sentimentos conforme constatamos em Que bom estar junto com Ramón Pena que não pudesse ser sua mulher Já passava dos 50 era viúva ele mais se aproximava dos 35 a amizade deveria continuar como estava Nada de aproximação carnal Isso era coisa de jovens como Zomba e Matilde De outra parte pelo que podia entender Ramón Pérez se decidira pela aventura e ela aos poucos foi se tornando a mãe do mundo título que lhe dera Zacarias e que fora adotado pelos demais internos do São Lázaro LOUZEIRO 2002 p 130 Assim com relação à história de Ana Néri a diegese cumpre o papel de nos mostrar os possíveis detalhes de sua partida aos territórios da guerra seus motivos particulares sua 353 permanência no conflito seus relacionamentos suas inquietações sua luta os percalços que enfrentou enfim uma leitura ficcional de sua possível personalidade como podemos observar no fragmento O que é a guerra Por que jovens saudáveis se envolvem em lutas de morte Qual o princípio que move tudo isso Herói é quem causa maior destruição ou aquele que está imbuído de missão divina Ana Néri ficava horas diante do altar resmungando essas coisas que aos ouvidos de Matilde não faziam sentido mas que para ela a viúva de tantas ausências funcionavam como uma espécie de expiação LOUZEIRO 2002 p 37 A narrativa seguindo as características próprias do romance histórico de mediação FLECK 200720082011 organizase com uma diegese de desenvolvimento lienar com um narrador heterodiegético caracterização utilizada por Genette 1972 que além de relatar as ações de terceiros analisa tais ações os comportamentos os sentimentos e os pensamentos das personagens caracterizandose também como onisciente Já no primeiro capítulo do romance o narrador comenta sobre outras heroínas do interior da Bahia Joana Angélica que resistiu ao ataque ao seu monastério por soldados portugueses sob o pretexto de que estaria escondendo revoltosos contra a Junta de Governo e Maria Quitéria que organizou uma companhia feminina a qual se destacou na luta contra os portugueses que tentaram desembarcar na foz do rio Paraguaçu LOUZEIRO 2002 p 19 por ocasião do movimento pela Independência do Brasil No capítulo II iniciase a narração sobre a personagem foco do romance contando como Ana espera junto à família organizando uma grande festa o retorno do marido o Capitão de fragata Isidoro Antonino Néri depois de seis meses no mar No seu quarto ajudada pelas costuteiras e a aia Matilde Ana experimenta o vestido que usaria no reencontro com o marido Enquanto Ana procurava embelezarse José Ferreira punha sua criatividade a serviço da filha que tanto amava Assim quando o capitãodefragata apontasse na esquina nem saberia que aquela era sua casa tão diferente e iluminada estaria LOUZEIRO 2002 p 23 No entanto quem chega à residência é outro militar incumbido de dar a notícia da morte do capitão Isidoro A partir desse ponto a narrativa se volta a mostrar a personalidade bondosa e forte de Ana sempre condescendente com os escravos sua religiosidade e como a mesma aprende o ofício de enfermeira além de descrever seus sentimentos quanto aos filhos e a guerra deflagrada Na diegese mesclamse informações históricas do contexto anterior à Guerra do Paraguai 18641870 e o contexto durante a mesma conforme observamos 354 Viúva Ana Néri se manteve em regime de luto fechado por seis anos de 1844 a 1850 o regente do Brasil era Dom Pedro I Seu pai Dom João VI desgostoso com os insucessos políticos voltou a Lisboa 1821 LOUZEIRO 2002 p 26 Tais dados que contextualizam historicamente as ações do romance atribuem ao mesmo maior credibilidade em busca de uma verossimilhança convincente Essa busca por sustentar a ficção com dados históricos a organização da diegese seguindo um fluxo narrativo cronológico a escolha de personagens secundários e o uso de uma linguagem acessível entre outros aspectos contribuem para caracterizar o romance de Louzeiro 2002 como romance histórico contemporâneo de mediação Esse termo foi cunhado por Fleck 2008 para amalgamar em uma modalidade específica os romances históricos contemporâneos que reúnem tais características diferenciandose dos novos romances históricos latinoamericanos e das metaficções historiográficas por um lado e por outro dos romances históricos tradicionais que comungam discursivamente com o discurso hegemônico da história Tais romances de mediação ao abandonarem o experimentalismo linguístico e formal dos novos romances históricos latinoamericanos e o alto grau de desconstrucionismo das metaficções historiográficas não deixam de realizar uma leitura crítica do passado como o fazem essas modalidades diferenciandose por sua vez da modalidade tradicional que dá aval ao discurso historiográfico mas valendose de algumas de suas características como a linearidade narrativa e o foco centralizado Desse modo no romance histórico contemporâneo de mediação se percebe a manifestação de tentativas de conciliação entre as modalidades antecedentes FLECK 2007 162 Ainda de acordo com Fleck em sua elaboração não se abandonam os processos que constituem as características essenciais do novo romance histórico latinoamericano por exemplo o emprego de estratégias como o da paródia e toda a sinfonia bakhtiniana descrita por Menton 1993 além de algumas das questões fundamentais da metaficção historiográfica porém o texto volta a ser mais linear já que o emprego das estratégias que constituem os modelos mais experimentalistas passa a ser mais moderado Isso torna seu processo de leitura mais acessível ao leitor comum pois não há nele o exagero experimental que caracteriza o modelo de romance histórico das décadas de 80 e 90 especialmente no contexto latinoamericano FLECK 2007 p 162 Além das características já relatadas sobre a modalidade romance histórico contemporâneo de mediação encontramos uma particularidade na estrutura narrativa do romance ora analisado que mescla características do gênero narrativo e do gênero dramático 355 com os nomes das personagens antes das falas sem qualquer introdução por parte do narrador além da presença de rubricas conforme exemplificamos em Ramón sorridente Depois do que já conseguiu com o DoutorChefe limpar a enfermaria é o de menos Ana Além da limpeza sabe o que imagino Ramón fazendo uma careta Por favor Donana não pense grande LOUZEIRO 2002 p 95 Essa característica atribui maior dinâmica à leitura colaborando ainda mais com a intenção de tornála mais simples e objetiva para um leitor menos especializado em questões teóricas sobre o romance histórico conforme defende Fleck 2011 o que é típico dessa modalidade mais atual de escrita híbrida de história e ficção Em resumo de acordo com estudo elaborado por Albuquerque 2013 sobre essas novas teorias acerca da escrita híbrida de história e ficção contemporâneas apontadas por Fleck 200720082011 as características do romance histórico contemporâneo de mediação são a construção da verossimilhança em grande medida abandonada pelas narrativas do novo romance histórico hispanoamericano para conferir um tom de autenticidade aos eventos históricos narrados no romance a linearidade cronológica dos eventos recriados fixandose neles sem deixar de manipular o tempo da narrativa privilegiar visões periféricas em relação aos grandes eventos e personagens históricos como o fazem muitos novos romances históricos e metaficções historiográficas linguagem amena e fluida em oposição ao barroquismo e o experimentalismo linguístico dos novos romances históricos utilização de recursos como a paródia e a intertextualidade assim como de recursos metanarrativos ou comentários do narrador sobre o processo de produção da obra sem que estes se constituam no sentido global do texto ALBUQUERQUE 2013 p 42 A crítica literária muitas vezes busca reunir todas as escritas híbridas de história e ficção sob um mesmo termo agrupador como o faz por exermplo André Trouche 2006 ao denominálas narrativas de extração histórica em sua obra América história e ficção Já outros teóricos buscam reunilas em modalidades nas quais semelhanças na estrutura na linguagem e na ideologia permitem amalgamálas operacionalizando melhor a sua leitura como ocorre com os termos romance histórico clássico por Lukács 1977 romance histórico tradicional por Mata Induráin 1995 Márquez Rodríguez 1991 e Amado Alonso 1995 novo romance histórico latinoamericano por Aínsa 19881991 e Menton 1993 356 metaficção historiográfica por Linda Hutecheon 1991 e agora romance histórico contemporâneo de mediação por Francisco Fleck 2007 2008 2011 Vale lembrar que embora as produções sejam classificadas em conjuntos por reunirem determinadas características estas nem sempre estão contempladas em sua totalidade nas obras representativas de cada uma dessas tendências o que não as compromete quanto às classificações Tal fato se deve à liberdade de criação dos autores ou seja estes não escrevem um romance para se adequarem a essa ou aquela modalidade mas assumem certa tendência do contexto históricosocial e seu próprio estilo Na verdade os estudos sobre as modalidades se sucedem às obras daí as novas classificações para as sucessivas produções do gênero romance histórico Com relação à modalidade mais recente descrita e estudada por Fleck 20072008 2011 uma das justificativas apontadas dessa mediação entre as modalidades antecedentes é a necessidade de que o gênero se faça também leitura menos densa mais prazerosa e de fácil assimilação por um leitor menos experiente acerca das teorias que sustentam a escrita híbrida de história e ficção Ou seja há nessa modalidade mais atual um certo apelo do mercado a uma produção romanesca menos complexa em comparação ao novo romance histórico latinoamericano e à metaficção historiográfica mais recentes No caso do romance de Louzeiro 2002 a obra foi produzida depois de um convite de Gilberto Linhares então presidente do COFEN Conselho Federal de Enfermagem com apoio da Mondrian editora com sede no Rio de Janeiro para compor a coleção Anjos de Branco como uma homenagem às pessoas que se envolveram em causas humanitárias e em busca da valorização à enfermagem Fazem parte da mesma coleção A Dor de Cada Um 2001 de Antonio Olinto Maria da Paz 2000 de Arnaldo Niskier Guilhermina Enfermeira e Tia da República 2002 de Carlos Nejar e Os Pecados da Santa 2002 de Marcos Santarrita Tal iniciativa de escrita literária sob encomenda recebeu várias críticas como uma publicada por Marcelo Marthe na Revista Veja Online em 7 de agosto de 2002 que atribuía a aceitação dos autores ao ganho financeiro como podemos ver no fragmento Presidente do Conselho Federal de Enfermagem Cofen e beletrista nas horas vagas o carioca Gilberto Linhares chegou no ano passado a uma conclusão que julgou alarmante o enfermeiro é um personagem ausente na melhor literatura brasileira Para remediar a situação ele resolveu criar uma coleção de romances devotados à categoria É a série Anjos de Branco publicada pela editora Mondrian do Rio de Janeiro com apoio do Cofen Em busca do que chama de uma plêiade de autores Linhares foi bater à porta da Academia Brasileira de Letras ABL Tinha 357 certeza de que os acadêmicos se solidarizariam com a causa porque quase todos que já passaram dos 50 anos aprendem a valorizar mais o nosso trabalho diz Linhares Os opositores de Linhares no movimento sindical acham que iniciativas como a coleção Anjos de Branco são uma estratégia para contrabalançar o lado polêmico de sua gestão Cada autor embolsou entre 4000 e 10000 reais para escrever sob encomenda Mas houve ainda um atrativo extra a promessa de um público leitor cativo Órgão fiscalizador da classe o Cofen tem quase 1 milhão de associados MARTHE 2002 p 01 Não nos cabe aqui entrar no mérito de discutir sobre os reais motivos que levaram Louzeiro a produzir a obra aqui analisada pois não é este o objetivo e sim enfocar o aspecto de constituirse como uma das novas modalidades do gênero romance histórico ao entendermos que cumpre além de revisitar a história e humanizar a personagem histórica Ana Néri o objetivo de resgatar a figura feminina na construção de nossa história Louzeiro 2002 encontra na personagem todas as características de uma heroína esta já reconhecida pela história que reúne abnegação coragem determinação solidariedade força Contudo ao mesmo tempo são contemplados no romance o medo a insegurança e o reconhecimento da impotência frente aos desmandos da guerra proporcionando ao leitor uma perspectiva distinta das grandes batalhas relatadas pelo discurso historiográfico Considerando os dados históricos o autor insere sobre a formação de Ana como auxiliar de enfermagem já no segundo capítulo do romance a seguinte informação junto às Irmãs Vicentinas aprendeu a lidar com os portadores de doenças contagiosas a produzir remédios caseiros a lutar com todas as suas forças por aqueles que se encontravam à beira da morte e em certo momento chegou a operar a perna de uma exescrava às vésperas de ser afetada pelo tétano LOUZEIRO 2002 p 30 E no decorrer da narrativa quando Ana já se encontra num dos hospitais de campanha Enquanto a operação não era feita Ana cuidava de Antônio dandolhe suco de pimentão amarelo com mastruço LOUZEIRO 2002 p 182 Suas ações de comando nos hospitais em que trabalhou são constantemente referidas no romance como a higienização das instalações em que eram caçados ratos baratas e até cobras a abertura nas lonas para arejar a exigência de banho corte de barba e cabelo aos feridos a medicação para exterminar piolhos e o cuidado com os materiais e instrumentos cirúrgicos conforme observamos nos fragmentos Urina e fezes eram colocadas em um latão e este conduzido à fossa Devidamente esvaziado era lavado e desinfetado a fogo conforme orientação de Ana Néri A assepsia do material utilizado no São Lázaro desde que Ana Néri lá chegou 358 transformouse em uma de suas preocupações Sabia como ninguém que os germes patogênicos constituíam o grande perigo numa enfermaria lotada como aquela onde estavam centenas de hospitalizados todos na faixa de 18 a 35 anos LOUZEIRO 2002 p 183 Desse modo a narrativa descreve as condições precárias nas quais atuava a protagonista que não media esforços para que as calamidades fossem abrandadas e o mínimo a fazer em tais condições era o máximo possível e provavelmente o suficiente para salvar muitas vidas e amenizar dores atrozes Nesse sentido o romance evidencia as ações da protagonista como podemos verificar em O tratamento para queimaduras no São Lázaro era de pobreza franciscana Restringiase a pomadas unguentos manteigas inclusive de cacau Ana trouxe alguns potes consigo sumo de certas folhas e flores mamoeiro hortelã Júlio apenas ouvia o que Ana dizia O destino dele e de outros 200 em estado crítico estava longe de ser animador Teriam que aguardar a reação orgânica tendo Ana Néri como fada madrinha LOUZEIRO 2002 p 219 Conforme observamos mesmo diante das maiores dificuldades a personagem não desiste de lutar pela vida de seus compatriotas e mesmo de paraguaios que por algum motivo também se encontravam na enfermaria do São Lázaro ou mesmo no isolamento sob tortura Diante da escassez de medicamentos e demais condições humanas e estruturais nas palavras do autor 2002 p 219 Ana trazia o elixir que só ela sabia administrar esperança Além de descrever as ações e reações diante do caos da guerra Louzeiro 2002 introduz na voz da personagem ficcional uma crítica ao sistema escravocrata brasileiro da época Você já percebeu que os paraguaios chamam os brasileiros de criollos Sabe por quê Sempre que um nobre de meu país é intimado a dar sua contribuição à pátria ele pode optar Em vez de vir ou mandar os filhos manda os escravos E o mais engraçado Todos aqui chegam na condição de voluntários Não vieram por que tenham se alistado no exército Vieram por indicação do dono que nesse caso providencia a alforria Olhe só o absurdo Lá no Brasil na paz o negro é escravo Para morrer aqui nestas lonjuras ele se torna cidadão LOUZEIRO 2002 p 178 Também critica a postura dos comandantes dos acampamentos estes preocupados em mostrar serviço somente quando visitados por uma autoridade maior no caso do excerto a visita do Duque de Caxias Dr Amoedo estava transformado assumira de vez sua postura de mandão Assemelhavase em tudo a um capataz de uma fábrica de bonecos que de 359 repente deveriam mostrarse com ótima aparência em função do ilustre visitante que estava a caminho LOUZEIRO 2002 p 144 E além disso denuncia a intenção de alguns enriquecerem diante das oportunidades que se configuraram diante das circunstâncias da guerra Cada um por aqui está procurando safarse como pode a fim de voltar para casa duplamente vitorioso herói porque ajudou a esmagar o ditador Solano López e rico bolsos cheios de dinheiro e jóias sic resultado dos saques nas cidades abandonadas primeiro nos apoderamos das pesquisas que estudiosos paraguaios e ingleses desenvolviam sobre doenças tropicais Patentearemos os remédios ganharemos prêmios faremos palestras na Europa seremos bajulados por um batalhão de acadêmicos que nunca inventaram nada O Imperador nos condecorará como luminares da ciência A partir de amanhã providenciarei para conveter em barras todo o ouro que já consegui amealhar LOUZEIRO 2002 p 199 Assim ao contemplar a face mais humana das personagens inclusive a face desonrosa de heróis históricos Louzeiro 2002 por meio da narrativa ficcional consegue preencher alguns dos vazios deixados pela história oficial a qual somente destaca os nomes os feitos e as datas desse evento sangrento de nossa história E nessa dinâmica resgata como já salientamos a importância da mulher na construção da história o que em geral é desconsiderado pela maioria dos escritos híbridos que mesclam literatura e história os quais se voltam predominantemente ao universo masculino refletindo em parte o discurso histórico que privilegia personagens que se colocaram no comando das ações decisivas para uma comunidade país ou mundo estes quase sempre homens Desse modo o romance histórico contemporâneo de mediação ao privilegiar figuras secundárias que vivenciaram os eventos históricos possibilita que novas perspectivas desses fatos do passado sejam geradas e também a consciência de que a história é feita não apenas por uma camada detentora do poder mas por todos os sujeitos que movem as forças sociais que operam as mudanças necessárias ao avanço humano Entre esse contingente estão sem dúvida inúmeras mulheres embora sua participação tenha sido muitas vezes omitida pelo discurso historiográfico que privilegia a figura masculina que é assim exaltada e glorificada a fim de criar grandes heróis Referências 360 ALBUQUERQUE A de B Narrativas canudenses conflitos além da guerra 175f Dissertação Mestrado em Letras Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE Cascavel 2013 AÍNSA F El proceso de la nueva narrativa latinoamericana de la historia y la parodia El Nacional Caracas p 78 17 dic 1988 AÍNSA F La nueva novela histórica latinoamericana México Plural 1991 ALONSO A La nueva novela histórica latinoamericana México Plural 1991 BIOGRAFIA de Ana Néri Disponível em httpwwwebiografiasnetananeri Acesso em 22 de novembro de 2014 FLECK G F A Conquista do entrelugar a trajetória do romance histórico na América Gragoatá Niterói n 23 juldez2007 p 149167 FLECK G F O romance leituras da história a saga de Cristóvão Colombo em terras americanas Tese Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras Assis SP 2008 FLECK G F Gêneros híbridos da contemporaneidade o romance histórico contemporâneo de mediação leituras no âmbito da poética do descobrimento In RAPPUCCI CA CARLOS A M Orgs Cultura e Representação ensaios AssisSP Triunfal 2011 GENETTE G Discurso da narrativa Lisboa Vega sd Figuras São Paulo Perspectiva 1972 HUTCHEON L Poética do pósmodernismo Trad Ricardo Cruz Rio de Janeiro Imago 1991 LOPES NETO J S Contos gauchescos 2 ed São Paulo Ática 1998 LUKÁCS G La novela histórica Trad Jasmin Reuter 3 ed México Era 1977 MÁRQUEZ RODRÍGUEZ A Evolución y alcances del concepto de novela histórica In Historia y ficción en la novela venezolana Caracas Editora Monte Ávila 1991 p 1554 MATA INDURÁIN C Retrospectiva sobre la evolución de la novela histórica In SPANG K et al ed La novela histórica Teoría y comentarios Barañain EUNSA 1995 p 1363 MENTON S La nueva novela histórica de la América Latina 19791992 México D F Fondo de Cultura Económica 1993 NEJAR C Guilhermina Enfermeira e Tia da República São Paulo Mondrian 2002 NISKIER A Maria da Paz São Paulo Mondrian 2000 OLINTO A A dor de cada um São Paulo Mondrian 2001 PASCAL M A M As mulheres na guerra do Paraguai Disponível em httpwwwmackenziecombrfileadminPublicacoesartigos pdf 145153 Acesso em 22 de novembro de 2014 PELLEGRINI D Questão de honra romance intertextual com A retirada da Laguna do Visconde de Taunay Curitiba Fundação Cultural 1996 RUAS T Netto perde sua alma 3 ed Porto Alegre Mercado Aberto 1997 SANTARRITA M Os pecados da Santa São Paulo Mondrian 2002 361 SILVA D da Avante soldados para trás São Paulo Siciliano 1991 TROUCHE A América história e ficção Niterói RJ EDUFF 2006 Recebido em 04 de novembro de 2021 Aceito em 11 de janeiro de 2022 RESUMO DO ARTIGO O ROMANCE HISTÓRICO CONTEMPORÂNEO DE MEDIAÇÃO ANA NÉRI A BRASILEIRA QUE VENCEU A GUERRA 2002 A PRESENÇA FEMININA NA GUERRA DO PARAGUAI 18641870 A possibilidade de revisitar o passado pelas portas da ficção garantiu a muitas nações latinoamericanas em especial revisar o discurso hegemônico produzido sobre o passado pelos detentores do poder Cabe mencionar que todo contexto de guerra envolve predominantemente a figura masculina por constituir grande parte dos exércitos oficiais e seus comandos além de enfatizar seus mentores governantes dos territórios envolvidos constituídos com raras exceções por homens Em inúmeros fatos históricos como por exemplo a Guerra do Paraguai evidenciase que apesar de as mulheres fazerem parte do dia a dia da guerra pouco se menciona sobre elas Em obras da literatura percebese um pouco de referências femininas como na representação das galopeiras das esposas das prostitutas das camareiras das pousadas porém elas sempre desempenham um papel secundário e sem muito destaque Indo na contramão das publicações predominentes encontramos um romance que de certa forma abre espaço para o aparecimento dessas figuras femininas tratase narrativa Ana Néri a brasileira que venceu a guerra Registros históricos dão conta de que Ana Justina Ferreira Néri nasceu em Vila da Cachoeira do Paraguaçu Bahia no dia 13 de dezembro de 1814 Casouse aos 23 anos com Isidoro Antônio Néri capitãodefragata da Marinha que estava constantemente no mar Ficou viúva com 29 anos Em 1843 seu marido morre a bordo do veleiro Três de Maio no Maranhão Criou sozinha os três filhos Justiniano Isidoro e Pedro Antônio Os dois primeiros tornaramse médicos e Pedro Antônio militar Em 1865 ano em que o Brasil integrou a Tríplice Aliança seus filhos foram convocados para lutar Em 8 de agosto escreveu ao presidente da província oferecendose para cuidar dos feridos de guerra Ao ter o pedido aceito partiu de Salvador em direção ao Rio Grande do Sul Com 51 anos foi incorporada ao Décimo Batalhão de Voluntários e durante toda a guerra prestou serviços nos hospitais militares de Assunção Corrientes e Humaitá Apesar da falta de condições pouca higiene falta de materiais e excesso de doentes Ana Néri chamou a atenção por sua dedicação ao trabalho como enfermeira por todos os hospitais onde passou Ana montou uma enfermariamodelo em Assunção capital paraguaia sitiada pelo exército brasileiro No final da guerra em 1870 voltou ao Brasil com três órfãos de guerra Foi homenageada com a Medalha Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de Primeira Classe Dom Pedro II por decreto concedeulhe uma pensão vitalícia Ana Néri faleceu no Rio de Janeiro em 20 de maio de 1880 data em que hoje se comemora o dia do enfermeiro Neste romance é evidenciado dados e personagens históricos com ficção Constrói uma narrativa em que humaniza a personagem histórica Ao organizar a trama o narrador conta como os fatos poderiam ter sido ou seja como a personagem reagiria às ações relatadas e como os mesmos a afetariam enquanto ser humano No primeiro capítulo o narrador comenta sobre outras heroínas do interior da Bahia Joana Angélica que resistiu ao ataque ao seu monastério por soldados portugueses sob o pretexto de que estaria escondendo revoltosos contra a Junta de Governo e Maria Quitéria que organizou uma companhia feminina que lutou contra os portugueses que tentaram desembarcar na foz do rio Paraguaçu No capítulo II iniciase a narração sobre a personagem foco do romance contando como Ana junto à família organizou uma grande festa para o retorno do marido depois de seis meses no mar Ao desembarque quem chega à residência é outro militar informando a notícia da morte do esposo de Ana Neri A partir desse ponto a narrativa se volta a mostrar a personalidade bondosa e forte sempre condescendente com os escravos sua religiosidade e como a mesma aprende o ofício de enfermeira Essa busca por sustentar a ficção com dados históricos a organização da diegese seguindo um fluxo narrativo cronológico a escolha de personagens secundários e o uso de uma linguagem acessível contribuem para caracterizar o romance como romance histórico contemporâneo de mediação Esse termo foi utilizado por Fleck 2008 para amalgamar em uma modalidade específica os romances históricos contemporâneos que reúnem tais características A crítica literária muitas vezes busca reunir todas as escritas híbridas de história e ficção sob um mesmo termo agrupador Vale lembrar que embora as produções sejam classificadas em conjuntos estas nem sempre estão contempladas em sua totalidade nas obras representativas de cada uma dessas tendências o que não as compromete quanto às classificações No caso do romance em questão a obra foi produzida depois de um convite de Gilberto Linhares então presidente do COFEN Conselho Federal de Enfermagem com apoio da Mondrian editora com sede no Rio de Janeiro para compor a coleção Anjos de Branco como uma homenagem às pessoas que se envolveram em causas humanitárias e em busca da valorização à enfermagem A personagem é representada com características de uma heroína que reúne abnegação coragem determinação solidariedade força Contudo ao mesmo tempo são contemplados no romance o medo a insegurança e o reconhecimento da impotência frente aos desmandos da guerra A narrativa descreve as condições precárias nas quais atuava a protagonista que não media esforços para que as calamidades fossem abrandadas e o mínimo a fazer em tais condições era o máximo possível e provavelmente o suficiente para salvar muitas vidas e amenizar dores atrozes Assim o romance histórico contemporâneo de mediação ao privilegiar figuras secundárias que vivenciaram os eventos históricos possibilita que novas perspectivas desses fatos do passado sejam geradas e também a consciência de que a história é feita não apenas por uma camada detentora do poder mas por todos os sujeitos que movem as forças sociais que operam as mudanças necessárias ao avanço humano